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TRANSDISCIPLINARIDADE: CONTRIBUTOS EPISTEMOLÓGICOS PARA UMA EDUCAÇÃO MEDIADORA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL CORREA, Fernando 1 - AEP/EB Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas. Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo A presente pesquisa busca analisar os contributos epistemológicos da transdisciplinaridade através da educação mediadora acerca do conhecimento aos alunos dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Sendo o conhecimento global e, portanto, construído socialmente e mediado pela Educação não pode ser considerado sob o paradigma científico positivista cartesiano e determinista que rege as academias e suas produções na atualidade através do processo de disciplinarização. Diante disso, a transdisciplinaridade é a tentativa de superar a fragmentação do conhecimento em disciplinas autônomas e descomprometidas com o todo. Com isso, o objetivo central da presente pesquisa é a análise, a partir dos pressupostos epistemológicos da transdisciplinaridade justificada pela Teoria da Complexidade alicerçada em princípios diante dos diferentes níveis de realidade em vista à educação do futuro, relacionada à mediação do conhecimento. A fim de tornar claros os efetivos contributos da prática transdisciplinar nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, adotou-se como método para este estudo, o fenomenológico por reconhecer a transdisciplinaridade um fenômeno, sendo permeado pela pesquisa bibliográfica qualitativa. Constata-se através de toda fundamentação teórica analisada a potencialidade que a transdisciplinaridade têm de ser efetivamente uma realidade nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, pois através de seu tratamento, são garantidos resultados condicionantes ao aprendizado nas mais diversas áreas do conhecimento, da sensibilização com relação às outras pessoas e o mundo no qual o aluno vive, cultivando a partir das palavras de Morin, o (re)conhecimento da condição humana e assumindo a identidade terrena, através de erros e de acertos, da (des)construção do conhecimento para novos conhecimentos. Palavras-chave: Conhecimento. Disciplinarização. Educação Mediadora. Transdisciplinaridade. 1 Especialista em Metodologia do Ensino de Filosofia da Educação Básica. Licenciado em Filosofia pela Faculdade Padre João Bagozzi e em Pedagogia Plena pela Faculdade Opet. Professor regente do Ensino Fundamental I da AEP/ EB (Associação de Educação Personalizada/ Escola do Bosque) e Membro colaborador do NESEF (Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o Ensino de Filosofia da UFPR). E-mail: [email protected].

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TRANSDISCIPLINARIDADE: CONTRIBUTOS EPISTEMOLÓGICOS

PARA UMA EDUCAÇÃO MEDIADORA NOS ANOS INICIAIS DO

ENSINO FUNDAMENTAL

CORREA, Fernando1 - AEP/EB

Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas.

Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo A presente pesquisa busca analisar os contributos epistemológicos da transdisciplinaridade através da educação mediadora acerca do conhecimento aos alunos dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Sendo o conhecimento global e, portanto, construído socialmente e mediado pela Educação não pode ser considerado sob o paradigma científico positivista cartesiano e determinista que rege as academias e suas produções na atualidade através do processo de disciplinarização. Diante disso, a transdisciplinaridade é a tentativa de superar a fragmentação do conhecimento em disciplinas autônomas e descomprometidas com o todo. Com isso, o objetivo central da presente pesquisa é a análise, a partir dos pressupostos epistemológicos da transdisciplinaridade justificada pela Teoria da Complexidade alicerçada em princípios diante dos diferentes níveis de realidade em vista à educação do futuro, relacionada à mediação do conhecimento. A fim de tornar claros os efetivos contributos da prática transdisciplinar nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, adotou-se como método para este estudo, o fenomenológico por reconhecer a transdisciplinaridade um fenômeno, sendo permeado pela pesquisa bibliográfica qualitativa. Constata-se através de toda fundamentação teórica analisada a potencialidade que a transdisciplinaridade têm de ser efetivamente uma realidade nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, pois através de seu tratamento, são garantidos resultados condicionantes ao aprendizado nas mais diversas áreas do conhecimento, da sensibilização com relação às outras pessoas e o mundo no qual o aluno vive, cultivando a partir das palavras de Morin, o (re)conhecimento da condição humana e assumindo a identidade terrena, através de erros e de acertos, da (des)construção do conhecimento para novos conhecimentos.

Palavras-chave: Conhecimento. Disciplinarização. Educação Mediadora. Transdisciplinaridade. 1 Especialista em Metodologia do Ensino de Filosofia da Educação Básica. Licenciado em Filosofia pela Faculdade Padre João Bagozzi e em Pedagogia Plena pela Faculdade Opet. Professor regente do Ensino Fundamental I da AEP/ EB (Associação de Educação Personalizada/ Escola do Bosque) e Membro colaborador do NESEF (Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o Ensino de Filosofia da UFPR). E-mail: [email protected].

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Introdução

Esta pesquisa aborda a temática da transdisciplinaridade sob a perspectiva de Edgar

Morin, ao passo que busca evidenciar quais são os contributos epistemológicos

proporcionados pela transdisciplinaridade ao conhecimento a alunos dos Anos Iniciais do

Ensino Fundamental a partir de uma Educação mediadora.

A transdisciplinaridade quando evidenciada como uma atitude docente nos Anos

Iniciais do Ensino Fundamental qualifica-se pela mediação do conhecimento superando

assim, sua fragmentação o que possibilita uma visão holística da realidade.

O conhecimento é uma totalidade e assim deve ser intuído pela Educação, porém a

história mostra outro lado que é contrário a esta afirmação, o da fragmentação do

conhecimento em disciplinas autônomas e descomprometidas com o todo.

A fim de reverter este quadro, estudos na área educacional como o da

interdisciplinaridade que, superada por um hodierno conceito, o da transdisciplinaridade,

defendem novas estratégias de se imputar o conhecimento holístico da realidade.

Diante disso, surge Edgar Morin, contestador do paradigma científico positivista,

cartesiano, reducionista e determinista que rege as academias e suas produções na atualidade

com a Epistemologia da Complexidade imputando à limitação disciplinar uma visão global e

multidimensional da realidade. Esta contestação não objetiva a negação do paradigma

científico, mas o transcende.

Portanto, o objetivo central da presente pesquisa é a análise, a partir dos pressupostos

epistemológicos da transdisciplinaridade, relacionada à mediação do conhecimento, a fim de

tornar claros os efetivos contributos da prática transdisciplinar nos Anos Iniciais do Ensino

Fundamental.

O método utilizado neste estudo é o fenomenológico permeado pela pesquisa

bibliográfica qualitativa, onde através de um levantamento bibliográfico referente à temática,

consideraram-se as seguintes fontes: livros (obras completas), artigos científicos, resenhas,

periódicos, separatas, revistas e jornais especializados, dicionários, documentos, entre outros.

Ademais, foi realizada a revisão bibliográfica mediante uma leitura sistemática, com o

fichamento das fontes selecionadas ressaltando os pontos abordados pelos autores pertinentes

ao assunto em questão.

No primeiro item discorrer-se-á sobre a epistemologia do conhecimento perfazendo-se

histórica e socialmente através de um levantamento dos pressupostos filosóficos acerca da

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disciplinarização, bem como, a caracterização do processo de construção do conhecimento na

criança dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.

No segundo item far-se-á uma apresentação da Teoria da Complexidade a qual é

utilizada por Morin para justificar a transdisciplinaridade. O autor baseia sua teoria nos

princípios da complexidade, nos diferentes níveis de realidade, no tetragrama organizacional e

na busca por uma identidade terrena.

No terceiro item relacionar-se-á a transdisciplinaridade com a prática da educação

mediadora com resultados concretos de sua possibilidade nos Anos Iniciais do Ensino

Fundamental. É no tratamento transdisciplinar do conhecimento que o resultado desta prática

mediada, qualitativamente corresponderá a uma Educação para o futuro.

Da Disciplinarização à Transdisciplinaridade

A disciplinarização é um processo que decorre de um fenômeno central ligado ao ser

humano, o conhecimento. Este é intrínseco à ação humana e ocorre a partir da percepção que

os indivíduos têm de si e do mundo.

Todo conhecimento é uma tradução a partir dos estímulos que recebemos do mundo exterior e, ao mesmo tempo, reconstrução mental, primeiramente sob forma perceptiva e depois por palavras, idéias [sic], teorias (MORIN, 2001a, p. 490).

Ao perceber-se e perceber o mundo no qual se vive é uma predisposição à interação,

termo ricamente refletido por Jean Piaget em suas teorias sobre o desenvolvimento cognitivo

do ser humano, o que supõe uma Educação cujo paradigma é social.

Para Wachowicz:

[...] é social porque trata o conhecimento como uma ferramenta mediadora entre o homem e a realidade, libertando-o pelo uso social que faz dela. O conhecimento é libertador, à medida que o mundo conceitual dos sujeitos se amplia a partir dele, ampliando por esse meio o próprio mundo da vida (2009, p. 118).

Ao se considerar o conhecimento em atos fragmentados (em partes distintas), a

disciplinarização ganha espaço e força na medida em que este processo está na dinâmica

social e ideológica.

A despeito disso, o processo de disciplinarização é, sem dúvida, o principal

constituinte do conhecimento escolar em nossa época (LOPES, 1999, p. 176). O rompimento

das barreiras proporcionadas por este processo garante uma Educação cujo ensino seja de

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caráter reflexivo e promotor de estímulos na busca pelo saber. A esse respeito Morin infere

que:

[...] o ensino de amanhã deverá, [...] dar-lhes o sentido do respeito do outro, o sentido da abertura e da tolerância, fazendo com que eles participem plenamente da apaixonante aventura que é a busca do saber (2001b, p. 499).

Em busca do favorecimento desse tipo de ensino, a Teoria da Complexidade de Edgar

Morin surge como superação de uma estrutura cartesiana do conhecimento presente no

ambiente escolar através da transdisciplinaridade. Este tema será tratado a diante

especificamente direcionado aos alunos dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.

A criança nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental

O objetivo deste item não é a caracterização de uma das modalidades de ensino pré-

definidas para o processo de desenvolvimento educacional, ou seja, os Anos Iniciais do

Ensino Fundamental, mas sim, a compreensão de quem é esta criança que está inserida nesta

etapa educacional.

A escola deve atender as crianças vislumbrando-as como sujeitos sociais de pleno

direito a aquisição dos saberes e que, participam efetivamente do contexto social no qual

estão inseridas e que, portanto, interagem com seus signos e símbolos próprios construídos

socialmente a partir de uma interação.

As culturas infantis não nascem no universo simbólico exclusivo da infância, este universo não está fechado – muito pelo contrário, é mais que qualquer outro, extremamente permeável – tampouco está distante do reflexo social global. A interpretação das culturas infantis, em síntese, não pode realizar-se no vazio social, e necessita sustentar-se na análise das condições sociais nas quais as crianças vivem, interagem e dão sentido ao que fazem (PINTO; SARMENTO, 1997, p. 22).

Com isso, é função da escola estar atenta às condições evidenciadas pelo diagnóstico

das crianças que recorrem ao trabalho pedagógico instituído através da própria mediação que

proporcionará uma interação significativa ao universo infantil.

Ao longo do século XX, os estudos sobre o conhecimento da criança, ocorrem em

vários campos.

Desde que o historiador francês Philippe Ariès publicou, nos anos 1970, seu estudo sobre a história social da criança e da família, analisando o surgimento da noção de infância na sociedade moderna, sabemos que as visões sobre a infância são construídas social e historicamente (BRASIL, 2006, p. 14).

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A inclusão real das crianças, bem como, seus papéis depende das formas como a

sociedade está organizada. Há que se considerar a própria ideia de infância que nem sempre

existiu e com a mesma conotação sofrendo com determinantes sociais, culturais, políticos e

econômicos. “Ao contrário, a noção de infância surgiu com a sociedade capitalista, urbano-

industrial, na medida em que mudavam a inserção e o papel social da criança na sua

comunidade” (Ibid., p. 14).

Contudo, não basta o Estado oferecer infra-estrutura, mas deve favorecer e oportunizar

em suas instituições de ensino o desenvolvimento integral da criança, não sendo este um fator

estanque da Educação Infantil como infere a LDB em seu Capítulo II – Da Educação Básica/

Seção II/ Art. 29 (BRASIL, 2006, p. 16), mas que se estende também ao Ensino Fundamental

considerando este, o principal papel da escola, levando em conta o fenômeno da interação sob

os aspectos afetivos, cognitivos, sociais e psicológicos, conforme:

[...] na dimensão afetiva, ou seja, nas relações com o meio, com as outras crianças e adultos com quem convive; na dimensão cognitiva, construindo conhecimentos por meio de trocas com parceiros mais e menos experientes e de contato com o conhecimento historicamente construído pela humanidade; na dimensão social, freqüentando [sic] não só a escola como também outros espaços de interação como praças, clubes, festas populares, espaços religiosos, cinemas e outras instituições culturais; na dimensão psicológica [grifos no original], atendendo suas necessidades básicas, como, por exemplo, espaço para fala e escuta, carinho, atenção, respeito aos seus direitos (BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2005).

As buscas pelo entendimento da criança que ingressa nos Anos Iniciais do Ensino

Fundamental baseiam-se nos estudos empíricos de autores como Jean Piaget e Lev

Semyonovitch Vygotsky uma vez que suas contribuições na compreensão dos termos

interação e mediação corroboram eficazmente na construção do conhecimento unificador e

globalizante.

Os autores supracitados difundiram as análises no tocante a construção do

conhecimento na infância, tendo como respaldo teórico um especialista na área educacional,

Edgar Morin.

Piaget entende que a construção do conhecimento ocorre através da interação mediada

da ação do sujeito com o objeto do conhecimento, onde:

[...] o conhecimento repousa em todos os níveis sobre a interação entre o sujeito e os objetos, [...] mesmo quando o conhecimento toma o sujeito como objeto, há construções de interações entre o sujeito-que-conhece e o sujeito-conhecido (PIAGET apud SANCHIS; MAHFOUD, 2007, p. 166).

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A teoria piagetiana se apoia em características peculiares e se organiza numa

metodologia própria em análise a inteligência da criança enriquecida pela soma das estruturas

cognitivas de que dispõe qualquer indivíduo sob os seguintes aspectos: a) abordagem

genético-comparativa; b) delimitação de estágios rigidamente sequenciados e a c) utilização

do método clínico ou crítico.

Com relação à abordagem genético-comparativa “abordagem peculiar a Piaget

destaca-se, dentre as comuns, pelo fato de ser essencialmente genética. Não se circunscreve

ao exame das formas maduras ou acabadas” (PENNA, 2001, p. 59). Ao passo que prevalece a

preocupação de caráter evolutivo e construtivista do pensamento.

Já a delimitação em estágios de amadurecimento procedimentais do desenvolvimento

psíquico, Piaget define como: “equilibração progressiva”, ou seja, “uma passagem contínua

de um estado de menor equilíbrio para um estado de equilíbrio superior” (PIAGET, 2003, p.

13), são instituídos quatro estágios conforme: 1) estágio sensório-motor (0-2 anos); 2) estágio

pré-operatório (2-7 anos), 3) estágio operatório-concreto (7-11 anos) e 4) estágio operatório-

formal (12 anos em diante).

Para cada estágio supracitado, Piaget orienta aproximadamente uma faixa etária

correspondente, porém esta não é a prioridade de sua teoria por se tratar de realidades

distintas a serem analisadas por critérios críticos e não meramente clínicos. Mas qual é a idade

para o ingresso da criança nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental?

Para Piaget “A idade média de sete anos, [...] coincide com o começo da escolaridade

da criança, propriamente dita, marca uma modificação decisiva no desenvolvimento mental”

(Ibid., p. 40). Contudo, qual é o estágio ou quais são os estágios de desenvolvimento que a

criança dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental se situa na teoria piagetiana? Considerando

as novas diretrizes brasileiras correspondem ao fim do estágio pré-operatório e início do

estágio operatório-concreto ao passo que para Vygotsky, o desenvolvimento da criança

corresponde essencialmente a partir da interação e da mediação que são constitutivos básicos

para o desenvolvimento humano durante todo o processo de ensino-aprendizagem, conforme:

[...] o desenvolvimento humano é bem mais que simples e pura formação de conexões reflexas ou associativas pelo cérebro, e muito mais um desenvolvimento social [grifo do autor] que envolve, portanto, uma interação e uma mediação qualificada entre o educador (pai, mãe, avô, avó, irmã, irmão, colega, professor) e o aprendiz (ANTUNES, 2002, p. 27).

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No tocante a interação e mediação, Vygotsky aponta um caminho dentro do que ele

chama em sua teoria de (ZDP) Zona de Desenvolvimento Proximal, esta:

[...] pode ser definida como a distância entre o nível de resolução de um problema (ou uma tarefa) que uma pessoa pode alcançar atuando independentemente e o nível que pode alcançar com a ajuda de outra pessoa (pai, professor, colega, etc.) mais competente ou mais experiente nessa tarefa (Ibid., p. 28).

Em outras palavras, a ZDP sugere o intervalo de tempo ou espaço no qual uma pessoa

consegue ou alcança algo com a ajuda de outra pessoa o que não conseguiria alcançar

sozinha. A ação neste intervalo dentro do processo de ensino-aprendizagem por parte do

professor contribui na significação dada pela criança dos Anos Iniciais do Ensino

Fundamental aos conteúdos que sofreram apropriação neste estágio de desenvolvimento,

conforme assinala Celso Antunes:

A atuação na ZDP se mostra bem mais eficiente quando descobrimos meios de ajudar nossos alunos a recontextualizar e reconceituar o aprendido, reorganizando suas experiências e seus conhecimentos em termos de novos significados (Ibid., p. 41).

Constata-se a partir dos pressupostos explicitados acima que tanto Piaget como

Vygotsky são construtivistas e que estão preocupados com o conhecimento interacional e

relacional por parte do sujeito.

Os estudos de Vygotsky sobre o desenvolvimento da inteligência e cognição na criança se aproximam relativamente dos desenvolvidos por Piaget [...]. Como Piaget, Vygotsky identificou três estágios principais no desenvolvimento da criança, chamados de vago sincrético (em que a criança dependia essencialmente de ações e se identificava ao sensoriomotor) [sic], estágio dos complexos e estágio de conceito potencial (quando o adolescente ou pré-adolescente já se apresentava capaz de lidar com atributos relevantes do objeto com os quais interagia, mas não conseguia manipulá-los, simultaneamente, mais ou menos identificando-se aos estágios das operações formais (Ibid., p. 15).

Está implícito na teoria de Edgar Morin, o valor atribuído à interação e a mediação na

construção do conhecimento não somente da criança, mas de todos os seres humanos.

Para o teórico, o conhecimento é instaurado dentro de um sistema de metapontos de

vista sobre o próprio conhecimento, sendo que:

O ato de conhecimento, ao mesmo tempo biológico, cerebral, espiritual, lógico, lingüístico [sic], cultural, social, histórico, faz com que o conhecimento não possa ser dissociado da vida humana e da relação social (MORIN, 2008, p. 24).

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A partir desta colocação, Morin postula uma análise integral, bem como, social do

conhecimento humano e de sua capacidade de acontecer a partir de uma abertura bio-antropo-

sociológica na construção deste, dizendo que:

[...] é mesmo um sistema de metapontos de vista que está em via de constituição desde alguns anos. Depois da epistemologia genética de Piaget, extraordinário esforço de rearticulação dos conhecimentos no sentido de um conhecimento do conhecimento, assistimos ao longo dos anos 80 a diversos rearranjos, ainda incompletos, de “ciências cognitivas” (associando especialmente psicologia cognitiva, lingüística [sic], inteligência artificial, lógica) (Ibid., p. 25).

Percebe-se, portanto nos autores citados uma postura analítica em vista a concepção de

homem-integral, constituído em sua inteiridade, e que, portanto, é complexo. Para isto,

recorre-se no item que segue, às bases epistemológicas do conhecimento que se percebe

construtivista na medida em que se define construindo-se em meio às pessoas, na sociedade e

no decorrer da história.

É entendendo a realidade na qual o homem-integral está inserido como complexa que

Morin desenvolve seu pensamento acerca da realidade através da Teoria da Complexidade, a

qual fundamenta a postura transdisciplinar.

A Teoria da Complexidade

A Teoria da Complexidade refletida por Morin é uma nova forma de perceber o

mundo atual no qual se encontra os indivíduos diante de um esfacelamento do conhecimento

através das ideias que separam a compreensão do ser humano.

A referida teoria é a fundamentação da transdisciplinaridade, a qual o autor considera

um fenômeno a partir do avanço acelerado do conhecimento e do acúmulo de informações

globais.

A transdisciplinaridade surge em decorrência do avanço do conhecimento e do desafio que a globalidade coloca para o século XXI. Seus conceitos contrapõem-se aos princípios cartesianos de fragmentação do conhecimento e dicotomia das dualidades (DESCARTES, 1973) e propõem outra forma de pensar os problemas contemporâneos. A fragmentação do conhecimento, que se generaliza e se reproduz por meio da organização social e educacional, tem também configurado o modo de ser e pensar dos sujeitos. A teoria da complexidade e transdisciplinaridade, ao propor a religação dos saberes compartimentados, oferece uma perspectiva de superação do processo de atomização (SANTOS, 2008. p. 71).

A escola, portanto, precisa aprender a movimentar-se em outros espaços, não fazendo

da sala de aula a única passarela em que desfila o mundo do conhecimento.

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Pascal já formulara a necessidade de ligação, que hoje é o caso de introduzir em nosso ensino, a começar pelo primário: “Sendo todas as coisas causadas e causadoras, ajudadas e ajudantes, mediatas e imediatas, e todas elas mantidas por um elo natural e insensível, que interliga as mais distantes e as mais diferentes, considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, assim como conhecer o todo sem conhecer, particularmente, as partes [...]” (PASCAL apud. MORIN, 2001a, p. 25).

Percebe-se pela colação de Pascal a necessidade de ligar os fenômenos que mesmo

distantes ou contrários podem ser integrados a fim de que o todo seja conhecido através de

suas partes. Segundo Morin:

[...] necessitamos de uma mudança, de uma reforma do pensamento que necessita, evidentemente, de uma reforma do ensino. Há uma inteira dependência e nessa interdependência nos tornamos, também, a possibilidade de relacionar as partes ao todo e o todo a nós (2002, p. 33).

A possibilidade de relação entre as partes dos fenômenos para Morin implicará no

desvelamento do complexo. Mas o que se entende por complexo? “A palavra deriva do latim

‘complexus’, que significa: o que é tecido junto” (Id. 2001a, p. 89). Esta definição é contrária

à definição de que o complexo é o complicado, o confuso, ou seja, não se pode pensar a

complexidade segundo parâmetros reducionistas, conforme nos alerta Morin:

[...] complexidade não se reduz à complicação. É qualquer coisa de mais profundo, que emergiu várias vezes na história [...]. É o problema da dificuldade de pensar, porque o pensamento é um combate com e contra a lógica, com e contra as palavras, com e contra o conceito (1991, p. 14).

Diante disso, a complexidade é caracterizada como uma reorganização do pensamento

contemporâneo suscetível ao acúmulo de informações que incorrem numa problemática – a

dos saberes. Estes, incorporados ao conhecimento dos indivíduos não somente no ambiente

escolar, mas em toda atmosfera social.

[...] o problema da complexidade tornou-se uma exigência social e política vital no nosso século: damo-nos conta de que o pensamento mutilante, isto é, o pensamento que se engana, não porque não tem informação suficiente, mas porque não é capaz de ordenar as informações e os saberes, é um pensamento que conduz a acções [sic] mutilantes (Ibid.).

Para salvaguardar o conhecimento das ações mutiladoras, a que se pensar numa

concepção que busque cada vez atuar nas questões imanentes ao ser humano como sobre sua

origem, criação de conceitos para pensar a complexidade dos homens ultrapassando assim, o

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niilismo pela criação, além de constituir uma defesa da humanidade do homem ameaçada pela

barbárie e sufocada pela guerra contra a inteligência de nossos atuais tecnocratas.

A Teoria da Complexidade trata-se de uma fundamentação acerca do que é complexo

no entender de Morin. O pensamento que o autor promove é o “capaz de reunir (complexus:

aquilo que é tecido conjuntamente)” onde a complexidade também será capaz “de

contextualizar, de globalizar, mas ao mesmo tempo, capaz de reconhecer o singular, o

individual, o concreto” (MORIN; LE MOIGNE, 2000, p. 207).

E, ainda:

A complexidade humana não poderia ser compreendida dissociada dos elementos que a constituem: todo desenvolvimento verdadeiramente humano significa o desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à espécie humana (MORIN, 2000, p. 55).

Ao apresentar sua ideia sobre a complexidade, Assmann leva em consideração que:

[...] o conceito de complexidade se presta para inaugurar um novo paradigma explicativo não reducionista. A teoria da complexidade se ocupa de sistemas – por exemplo, um sistema vivo – cujo comportamento se caracteriza por aspectos não previsíveis. O conceito de auto-organização pretende, precisamente, referir-se à maneira como, nos sistemas complexos e adaptativos, emergem níveis e propriedades que não se enquadram, em muitos casos, dentro do clássico princípio de causa e efeito, pelo menos no sentido de que os fatores co-determinantes são tão múltiplos e variados que qualquer análise requer um pensamento não-linear (1998, p. 148).

O não reducionismo e a não linearidade caracterizado pela própria condição humana é

o amparo real da teoria ora apresentada. É uma tentativa de entender o homem em todos os

seus aspectos e dimensões. Afirma Morin:

[...] para compreendermos o homem, devemos unir as noções contraditórias do nosso entendimento. Assim, ordem e desordem são antagonistas e complementares, na auto-organização e no devir antropológicos. Verdade e erro são antagonistas e complementares na errância humana (1973, p. 145).

Tão logo, a complexidade impõe um diálogo na esfera do conhecimento com o

mundo, ultrapassando assim as fronteiras que determinam o universo em partes e não como

um todo a ser revelado, o que prefigura um desafio diante do mundo atual.

Para Morin, a dialogicidade é entendida num sentido mais amplo do que o termo

“dialeticidade”, imputado por Marx ao definir situações e condições sociais opostas.

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O desafio da complexidade nos faz renunciar para sempre ao mito da elucidação total do universo, mas nos encoraja a prosseguir na aventura do conhecimento que é o diálogo com o universo. O diálogo com o universo é a própria racionalidade. Acreditamos que a razão deveria eliminar tudo o que é irracionalizável, ou seja, a eventualidade, a desordem, a contradição, a fim de encerrar o real dentro de uma estrutura de idéias [sic] coerentes, teoria ou ideologia. Acontece que a realidade transborda de todos os lados das nossas estruturas mentais. [...] o objetivo do conhecimento é abrir, e não fechar o diálogo com esse universo. O que quer dizer: não só arrancar dele o que pode ser determinado claramente, com precisão e exatidão, como as leis da natureza, mas, também, entrar no jogo do claro-escuro que é o da complexidade (MORIN, 1998, p. 191).

Entrar no jogo da complexidade, portanto, significa entender o que Morin chama de

Princípios da Complexidade que são os fundamentos da Teoria da Complexidade.

Morin define-os em três aspectos epistemológicos e éticos de inteligibilidade para uma

nova conduta humana hipercomplexa que são respectivamente: a) princípio dialógico; b)

princípio recursivo e c) princípio hologramático.

Conforme palavras de Morin, o princípio da dialogia ou dialógico: “[...] se funda na

associação complexa (complementar, concorrente e antagônica) de instâncias necessárias

junto [grifo do autor] à existência, ao funcionamento e ao desenvolvimento de um fenômeno

organizado” (2000, p. 201).

Já do princípio recurso diz que “[...] em que todo momento é, ao mesmo tempo,

produto e produtor, que causa e que é causado, e em que o produto é produtor do que o

produz, o efeito causador do que o causa” (Ibid., p. 201).

A partir deste princípio Morin tenta a unificação de um fato sobre outro e que retorna a

recair sobre o fato primeiro modificando-o.

Neste sentido, os resultados dos fenômenos circunstanciais são significantes para os

fenômenos causadores ou iniciais. Ilustra-se, portanto, conforme a seguinte afirmação:

“Organização recursiva é aquela cujos efeitos e produtos são necessários à própria causação e

produção” (MORIN, 1998, p. 182).

Quanto ao princípio hologramático é também fundamental na compreensão das

dimensões da complexidade. Para Morin:

Um holograma é uma imagem em que cada ponto contém a quase totalidade da informação sobre o objeto representado. O princípio hologramático significa que não apenas a parte está num todo, mas que o todo está inscrito, de certa maneira, na parte. Assim, a célula contém a totalidade da informação genética, o que permite, em princípio, a clonagem; a sociedade, como um todo, pela cultura, está presente no espírito de cada indivíduo (2002, p. 302).

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O holograma é uma imagem física, assim como a fotografia onde cada ponto na

fotografia corresponde exatamente ao ponto que foi fotografado, enquanto que no holograma

em cada ponto está contida toda a informação do todo. Assim, o todo contém as partes e estas

contêm o todo, o que é observado no processo social, onde o homem, desde que nasce, recebe

toda a carga cultural da sociedade. Homem e sociedade estão imbricados um no outro.

Perspectivas Educacionais para Morin

Em vista a Educação do futuro, Edgar Morin inspirado no Relatório Delors a pedido

da UNESCO, elabora com entusiasmo a obra: “Os Sete Saberes Necessários para a Educação

do Futuro”, que constitui uma de suas importantes obras direcionadas à área de estudos

educacionais.

Conforme palavras de Nicolescu, presidente do Centro Internacional de Estudos

Transdisciplinares (CIRET): “[…] há uma transrelação que liga os quatro pilares do novo

sistema de educação e que tem sua origem em nossa própria constituição como seres

humanos” (MORIN, 2001b, p. 11).

Os sete saberes propostos são, por assim dizer, a busca de uma identidade

epistemológica da verdadeira natureza humana e suas características como uma Educação que

leva os indivíduos a se reconhecerem como seres humanos integrais, pois segundo Morin, esta

deve ser uma educação que: “[...] só pode ser viável se for uma educação integral do ser

humano. Uma educação que se dirige à totalidade aberta do ser humano e não apenas a um de

seus componentes” (Ibid.).

Nesse sentido, segue os sete saberes identificados por Morin: 1) As cegueiras do

conhecimento: erro e ilusão; 2) Os princípios do conhecimento pertinente; 3) Ensinar a

condição humana; 4) Ensinar a identidade terrena; 5) Enfrentar as incertezas; 6) Ensinar a

compreensão e 7) Ética do gênero humano.

Estratégias para a Mediação Transdisciplinar

É de suma importância apontar caminhos para que a mediação transdisciplinar ocorra

no tratamento educativo nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, e para tanto, dever-se-á

considerar a escola como um espaço propício, diante das práticas pedagógicas para a

formação da identidade dos indivíduos aprendizes.

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Tanto educadores como escola, enquanto estrutura organizacional educativa, não pode perder de vista que a construção da identidade da escola passa, primeiramente, pela construção individual da identidade de seus membros, que são sujeitos desse processo, como também do processo do conhecimento que nessa escola se desenvolve (PRADA; MARCILIO, 2009, p. 19).

Diante disto, todas as estratégias a serem adotadas para que a mediação

transdisciplinar ocorra efetivamente, deve levar em conta a construção da identidade de todos

os envolvidos no processo pela busca do conhecimento. Também “[...] é preciso levar em

conta que todo conteúdo de saber é resultado de um processo de construção de conhecimento”

(PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p. 16).

Segundo Vygotsky: “O aprendizado escolar produz algo fundamentalmente novo no

desenvolvimento da criança” (1991, p. 95). É neste sentido que se apontarão algumas

estratégias ao trabalho de mediação docente para a inclusão dos conceitos transdisciplinares

no aprendizado de crianças dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.

Segundo Morin, “o imperativo da complexidade, neste sentido, é a utilização

estratégica daquilo a que chamo dialógica” (1998, p. 150). É esta dialogia que permeia o

passear do pensamento humano em várias e diferentes realidades.

Para tanto, se utilizará o termo “Transpedagogia” a fim de tornar claras as ideias

postuladas por Morin a respeito da educação transdisciplinar.

Segundo Alvarez apud Prada; Marcilio no livro “Transpedagogia – Educar para a

consciência”, percebe-se a síntese de todo o pensamento que fundamenta a Transpedagogia:

Se por pedagogia entendemos o ato de conduzir as crianças para o processo de socialização, cultura e aprendizagem, o termo "trans" acrescenta a tudo isso algo que vai promover um ir além do meramente humano, social ou cultural. Vai agregar o olhar transpessoal à educação, preparando o despertar do ser espiritual, planetário e cósmico para a verdadeira consciência humana (PRADA; MARCILIO, 2009, p. 6).

Esta visão é fruto de estudos da psicologia transpessoal na Educação e tem por

fundamento uma roupagem antropológica de uma nova visão do mundo e do ser humano.

Neste mesmo viés, “A filosofia educacional está baseada em uma educação transdisciplinar

em valores humanos, na antropoética do conhecimento e na ecologia profunda que são os

pilares da transpedagogia” (Ibid., p. 7).

A partir da visão transpedagógica, uma ótica diferente deve ser postulada também à

Educação, e é neste sentido, uma ação inerente à sociedade humana, pois:

16792

[...] está presente em casa, na rua, na igreja, nas mídias em geral e todos nos envolvemos com ela, seja para aprender, para ensinar e para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver todos os dias misturamos a vida com a educação. Com uma ou com várias. [...] Não há uma forma única nem um único modelo de educação; a escola não é o único lugar em que ela acontece; o ensino escolar não é a única prática, e o professor profissional não é seu único praticante (BRANDÃO apud PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p. 64).

Não se pretende negar a Educação enquanto sistema, nem a função do professor,

sendo ele aqui considerado um dos principais agentes da mediação transdisciplinar, contudo é

necessário compreendê-la de forma ampla, ou seja, de forma transdisciplinar para que a

consciência dos sujeitos envolvidos no processo educacional e educativo seja de todo

respeitada. Cabe aqui uma diferenciação entre os termos citados:

[...] o aspecto educacional se estende às atividades do sistema educacional, da política educacional, da estrutura e gestão da educação em suas várias modalidades, das finalidades mais amplas da educação e de suas relações com a totalidade da vida social. O aspecto educativo diz respeito à atividade de educar propriamente dita (LIBÂNEO, 1990, p. 54-55).

Tão logo, entende-se que a tomada de postura transdisciplinar deve abranger todo um

sistema, das atividades mais globais até as que estão mais diretamente próximas ao alunado.

De acordo com Prada e Marcilio:

Ao contrário do que se acredita, as crianças fazem funcionar espontaneamente suas aptidões sintéticas e analíticas; espontaneamente elas sentem as ligações e a solidariedade entre as coisas. Nós é que produzimos modos de separação que fazem constituir, no espírito delas, entidades separadas. E elas acabam acreditando que a história, a geografia, a matemática são entidades separadas. Agindo assim, esquecemos que a geografia é primeiro história, a história da evolução da Terra; esquecemos os laços entre todos os fenômenos e isso torna-se desastroso quando se trata de ciências humanas; acreditamos que a economia é diferente da psicologia, da história, da sociologia..., porquanto a psicologia e o desejo humano estão em todos os fenômenos econômicos; a economia transforma mesmo a psicologia com o mercado da publicidade... (2009, p. 21).

Este é o mesmo tratamento que Morin dá destaque em sua obra “A cabeça bem-feita:

repensar a reforma - reformar o pensamento” quando ao se referir ao ensino primário como

um dos três graus de ensino onde o próprio autor considera que: “ao invés de destruir as

curiosidades naturais a toda consciência [...]”, “cuja finalidade da ‘cabeça bem-feita’ seria

beneficiada por um programa interrogativo que partisse do ser humano” (2003, p. 75), pois é

interrogando que o ser humano se descobre em sua dupla natureza: a biológica e a cultural.

16793

Com os pressupostos acima, o trabalho docente mais uma vez é posto em relevo, uma

vez que a mediação fica ao seu cargo como uma prática didática e, por conseguinte,

pedagógica.

Trabalhar transdisciplinarmente requer diálogo, troca de saberes, quanto a isso emerge

uma necessidade que pode ser descaracterizada quando se coloca o ‘tempo’2 como inimigo do

trabalho docente e não como um aliado. Neste sentido o trabalho organizado através de

equipes docentes transdisciplinares pode auxiliar na promoção não individualizada entre as

plurais disciplinas curriculares.

Didaticamente falando, metodologias como as brincadeiras e os jogos podem também

contribuir para que a noção transdisciplinar não fique somente em âmbito teórico, mas crie

efeito na compreensão dos alunos.

Percebe-se, portanto, que a prática transdisciplinar não é utópica, e sim realizável na

medida em que os estudos sobre a temática avancem e as exigências sociais a requeiram como

realidade cada vez mais presente nas escolas e fora delas.

Quando os alunos assimilam esta nova perspectiva de si, dos outros e do mundo, eles

entram na caminhada em busca da reforma do pensamento com uma cabeça, a qual Morin

considera como bem-feita. Mas no que consiste ter a cabeça bem-feita? Isto é o que será

explicitado no item que segue.

Buscar o resultado ou os resultados no que tange a arte de educar é fundamental para

uma sociedade que se pretenda constituir-se de sujeitos sociais conscientes de seu papel no

mundo.

A esse respeito, Montaigne apud Prada e Marcilio declara que “mais vale uma cabeça

bem feita que uma cabeça bem cheia” (2009, p. 41), chama a atenção para uma

responsabilidade pedagógica, onde o objetivo principal da Educação não é o acúmulo ou

capitalização de conhecimentos, mas uma organização em detrimento de eixos estratégicos

fundamentais.

Conforme palavras de Pimenta e Anastasiou:

2 O termo ‘tempo’ aqui se refere ao tempo escolar, ao tempo do qual o professor se utiliza para planejar suas aulas, realizar suas pesquisas teóricas para fundamentar conteúdos, não levando em conta o tempo fora dos muros da escola que também utiliza para este fim.

16794

A educação é um processo de humanização, que ocorre na sociedade humana com a finalidade explícita de tornar os indivíduos em participantes do processo civilizatório e responsáveis por levá-lo adiante. Enquanto prática social, é realizada por todas as instituições da sociedade. Enquanto processo sistemático e intencional, ocorre [sic] em algumas dentre as quais se destaca a escola (2002, p. 80).

Tornar os indivíduos partícipes das transformações sociais é considerá-lo um sujeito

capaz de intervir em sua realidade, ao passo que se o professor assume uma postura ditatorial

frente ao conhecimento, dificilmente o aluno atuará socialmente com autonomia, pois

conforme diz-nos Morin:

[...] precisa-se de uma reconstrução, precisa-se das noções de autonomia/ dependência; da noção de individualidade, da noção de autoprodução, da concepção de um elo recorrente, onde estejam, ao mesmo tempo, o produto e o produtor (2003, p. 128).

Na educação transdisciplinar, não há como não vislumbrar o indivíduo em sua

complexidade – biológica e cultural. Com este mesmo olhar, Tonet, por sua vez, afirma que a

atividade educativa possui como finalidade:

Proporcionar ao indivíduo a apropriação de conhecimentos, habilidades, valores, comportamentos, etc., que se constituem em patrimônio acumulado e decantado ao longo da História da humanidade. Neste sentido, contribui para que o indivíduo se construa como membro do gênero humano e se torne apto a reagir diante do novo de um modo que seja favorável à reprodução do ser social na forma em que ele se apresenta num determinado momento histórico (2005, p. 222).

Quando os indivíduos se apropriam real e substancialmente dos conhecimentos,

incluem-se na atmosfera social. Este, portanto, é o princípio da inclusão que: “é tão

fundamental quanto os outros princípios. Supõe, para os humanos, a possibilidade de

comunicação entre os sujeitos de uma mesma espécie, de uma mesma cultura, de uma mesma

sociedade” (MORIN, 2003, p. 122).

A apropriação do conhecimento requer um entendimento que não é somente aquisição

de informações vazias e descontextualizadas, mas sim, saberes que são produzidos cultural e

historicamente e, que relevantemente, estão incutidas nas relações dentro do processo de

ensino-aprendizagem.

[...] o processo de aprender, em que historicamente descobrimos que era possível ensinar como tarefa não apenas embutida no aprender, mas perfilada em si, com relação a aprender, é um processo que pode deflagrar no aprendiz uma curiosidade crescente, que pode torná-lo mais e mais criador (FREIRE, 1996, p. 24).

16795

O sentido de criação aqui empregado por Freire são as ações conscientes dos

indivíduos na sociedade em que estão inseridos e que somente conscientes de sua ação no

mundo podem tornar-se cidadãos, conforme apregoa a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional) de 1996, em seu Art. 22, Capítulo II, Seção I – sobre as Disposições

Gerais da Educação Básica: “A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando,

assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania...” (p. 12).

Esta, portanto, deve ser a finalidade da Educação, promover a ação dos sujeitos

aprendizes, e não a ação pela ação, mas uma ação que seja efetivamente consciente.

Aprender e ensinar por aprender e ensinar é uma coisa. Aprender e ensinar para agir é outra. Aprender e ensinar para compreender os resultados e os objetivos de sua ação é ainda outra. Mais do que levar à acumulação permanente dos conhecimentos, a relação entre analítica e sistêmica deve permitir religação dos saberes num quadro de referências mais amplo, favorecendo o exercício da análise e da lógica. E não é esse um dos objetivos fundamentais da educação? (MORIN, 2001, p. 498).

Morin confirma através de suas palavras sobre as práticas do aprender e do ensinar que

são ações que proporcionam muito mais do que conceitos fechados em si mesmos,

desconexos, e que, portanto, não causam o efeito de totalidade.

Numa altura em que os sistemas educativos formais tendem a privilegiar o acesso ao conhecimento, em detrimento de outras formas de aprendizagem, importa conceber a educação como um todo. Esta perspectiva deve, no futuro, inspirar e orientar as reformas educativas, tanto em nível da elaboração de programas como da definição de novas políticas pedagógicas (DELORS, 2001, p. 102).

Com isso, preconiza-se a religação dos saberes, e como consequência a reforma do

pensamento que significa uma nova postura por parte dos professores, da própria Educação e

da própria sociedade.

Considerações Finais

Apoiado na Teoria da Complexidade de Morin que visa fundamentar a

Transdisciplinaridade através dos princípios da complexidade, buscou-se uma conexão com a

prática do ensinar pela pedagogia da mediação tendo como contributos epistemológicos as

teorias de Piaget e Vygotsky.

Diante disso, os autores supracitados expressivamente exerceram familiaridade,

reciprocidade e consonância ao tratarem a Educação e, que fundamentalmente ilustraram os

16796

pressupostos epistemológicos acerca do tratamento transdisciplinar praticado às crianças dos

Anos Iniciais do Ensino Fundamental.

O termo transdisciplinar não foi primeiramente utilizado por Morin e sim por Piaget e

isto, já o coloca como um teórico além de seu tempo. Portanto, a busca pela prática

transdisciplinar não é nova, e sim uma realidade e necessidade em vista ao conhecimento não

fragmentado pelo paradigma cartesiano que permeia as construções curriculares nas mais

diversas instituições de ensino.

A transdisciplinaridade não é uma nova ciência, uma nova religião, mas uma nova

postura de compreensão da realidade que se constitui na totalidade e na complexidade. Esta

postura visa superação do conhecimento fragmentado.

A separação do conhecimento em disciplinas autônomas, desconexas não favorece o

entendimento global do aluno acerca do mundo, com isso além da criança não ser concebida

como um ser integral – um ser complexo, o ensino não fará dela um sujeito com visão do

todo, e sim de realidades parceladas, compartimentadas e descomprometidas.

Buscou-se através desta pesquisa, entender o conhecimento em seus vários conceitos e

aplicabilidade no que tange a área educacional, contudo percebeu-se esta categoria humana

como um elemento que se constitui através da construção social e das trocas entre os saberes

escolares. Com isso constatou-se que o conhecimento não é algo pronto e acabado e muito

menos descontextualizado.

Ao considerar a criança como um sujeito de mediação, Vygotsky teorizou de forma

ampla o conhecimento como construção em relação aos saberes de outros e com o mundo no

qual vive. Com isto, tem-se a percepção de que a transdisciplinaridade, caracteriza-se como

fenômeno de uma nova postura docente que deve permear um conhecimento mediado e uma

visão mais holística da realidade, proporcionando às crianças um desvelamento de si,

enquanto sujeito integral, situado no mundo numa relação de alteridade, respeitando assim os

saberes, as culturas e as ideias que se mostram a elas.

É nesse sentido que ocorrem resultados na aprendizagem nas diversas áreas do

conhecimento, da sensibilização com relação às outras pessoas e o mundo no qual vive,

cultivando a partir das palavras de Morin, o conhecimento de sua condição humana e

assumindo sua identidade terrena, através de erros e de acertos, da construção e desconstrução

do conhecimento para novos conhecimentos, aspectos estes, que são postulados por Morin

como os saberes necessários para a Educação do futuro.

16797

Portanto, a Educação com viés transdisciplinar é uma urgência enquanto realidade

prática mediadora, nas mais diferentes modalidades de ensino, pois ao mesmo tempo em que

auxilia o docente em sua prática cotidiana na escola (trabalho em equipe, aprofundamento

constante e permanente através da pesquisa) assegura ao aluno, meios para que possa obter

uma visão mais global da realidade na qual se situa.

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