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8/7/2019 tratamentotoxicomanos
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LABORE
Laboratrio de Estudos Contemporneos
POLM !CA
Revista Eletrnica
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
R So Francisco Xavier, n 524 - 2 andar, sala 60 - Maracan - Rio de Janeiro - RJ
CEP 24.590-013 Tels: (0xx21) 2587-7960/ 2587-7961 e-mail: [email protected]
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PARA ALM DOS PARASOS ARTIFICIAISH TRATAMENTO POSSVEL NAS TOXICOMANIAS?1
ALEXANDRA VIANNA
Mestranda em Psicologia Clnica pela PUC-Rio. Pesquisadora do LIPIS/[email protected]
Resumo: O presente artigo aborda as dificuldades enfrentadas no somente pelo paciente mas tambm peloterapeuta no tratamento das toxicomanias na tentativa de responder questo: h tratamento possvel nastoxicomanias? Para tanto, necessrio primeiramente discutir sobre a metodologia de tratamento. possvelexigir do toxicmano a abstinncia como condio para que o tratamento d incio? Quais so as implicaesdessa exigncia? Para refletirmos sobre o curso do tratamento, cito trs momentos de crise nas toxicomaniaspara os quais preciso estarmos atentos: quando ele se descobre dependente de drogas, durante as recadas enos perodos de abstinncia. Em seguida, abodarei quais so os principais tipos de demanda que encontramosna clnica das toxicomanias. Por fim, farei uma anlise sobre de que forma o objeto da compulso seapresenta e como o aspecto social pode dificultar a entrada do paciente em tratamento.Palavras-chave: toxicomanias, psicanlise, tratamento, compulso.
Abstract: The present article boards the faced difficulties not only for the patient but also for the therapist inthe treatment of the drug addictions in the attempt of responding to the question: is there a possible treatment
in the drug addictions? For so much, it is necessary firstly to talk about the methodology of treatment. Is itpossible to demand of the drug addict the abstinence as condition so that the treatment begins? What are theimplications of this demand? In order to think about the course of the treatment, I quote three moments ofcrisis in the drug addictions for which it is necessary to be attentive: when he discovers dependant of drugs,during the relapses and in the periods of abstinence. Next, I board what are the principal types of demand oftreatment that we find in the clinic of the drug addictions. Finally, I will do an analysis on from what formsthe object of the compulsion shows up and how the social aspect can make difficult the entry of the patient intreatment.Key words: drug addiction, psychoanalysis, , treatment, compulsion
1 Este artigo parte da dissertao de mestrado que venho desenvolvendo no Programa de Ps-Graduao dePsicologia Clnica da PUC-Rio, sob orientao da Professora Junia de Vilhena.
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Para se tratar, no existe pessoa mais ingrata, mais desleal, mais insuportvel
Durand-Dassier, In. Dsintoxication et psychothrapie institutionnelle
O que fazer com os pacientes toxicmanos que so levados por familiares e no
apresentam demanda de tratamento? Como lidar com estes sujeitos que freqentemente
colocam suas vidas e a de outros em risco?
Na minha viso, o tratamento pautado somente na exigncia de abstinncia no
basta para que haja uma mudana de posio do sujeito na sua relao com a droga, pois o
que move a drogadico est alm do poder da lei. Embora o aspecto da delinqncia esteja
presente em alguns casos, e precisa ser barrado pela justia, preciso que olhemos para o
toxicmano como algum que estabeleceu uma relao de dependncia qumica e
psicolgica com a substncia, para que a partir da seja possvel alguma interveno
teraputica.
Contudo, por vezes torna-se necessrio agir de forma diretiva e prescritiva com essa
clnica no estabelecimento de certas condies para a viabilizao do tratamento, como
proibir que o paciente fique de posse de dinheiro ou cartes de banco, sair com amigos da
poca de ativa e freqentar os mesmos lugares que antes. Aos poucos eles podem
reconquistar sua autonomia, atravs do que alguns pacientes chamam de fortalecimento,
para que seja possvel retomar suas atividades de uma outra maneira. Tudo isso requer o
auxlio dos familiares. Assim, o trabalho com toxicmanos exige a convocao da famlia
no tratamento, pois sem ela os profissionais de sade tm sua prtica limitada. Vale
ressaltar que estou me referindo ao dependente qumico, tambm conhecido comotoxicmano, que se difere do usurio de drogas que no estabelece uma relao de
dependncia com a substncia to grave a ponto de prejudicar sua vida em famlia, nos
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estudos e no trabalho. Ao contrrio, o lao social dos toxicmanos extremamente frgil e
restrito aos parentes que ainda se importam com ele, aos fornecedores de droga e aosamigos tambm usurios.
O que chama a ateno tanto dos profissionais da rea de sade quanto da sociedade
de maneira geral a constatao de que a informao a respeito dos prejuzos acarretados
pelas substncias, o reconhecimento de sua ineficcia passado o efeito e a ilegalidade no
barram seu consumo. A satisfao momentnea obtida pela droga oblitera a possibilidade
de procura por outros recursos para lidar com o mal-estar. A dependncia qumica que a
droga causa um aspecto agravante, pois o organismo necessita de doses cada vez maisfortes para se obter o efeito desejado.
Em 2007, uma srie de reportagens sobre jovens de classe mdia e alta do Rio de
Janeiro que se envolveram com o narcotrfico espantaram a populao. No so somente os
pobres e moradores de favelas que vem na droga uma possibilidade de ganhar uma grande
quantia de dinheiro em to pouco tempo, mesmo que s custas da prpria vida. Garotos e
garotas que tiveram acesso s melhores escolas e faculdades agora traficam. A ilegalidade
coloca esta forma de compulso para alm da marginalidade, como aponta Melman (1992):
bem pior que o caso do velho celibatrio ou da solteirona. Estes so
marginalizados na periferia. Um toxicmano no marginalizado, nem
gravita sobre a mesma rbita que aqueles que participam da vida social.
verdadeiramente, a este respeito, um extraterrestre. (Melman, 1992, p. 92)
evidente no discurso do toxicmano a exaltao do modo como a droga
consumida, a quantidade ingerida e o nmero de overdoses que ele atingiu. SegundoMelman (1992), esta uma tentativa de buscar um tipo de fraternidade atravs da partilha
de seus testemunhos sobre a relao com a droga. Esta caracterstica se estende para os
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centros de tratamento, onde por vezes parece haver uma competio em se afirmar como
aquele que mais prximo chegou da morte e que mais leis infringiu.Um dos fatores que torna o tratamento das toxicomanias to rduo a facilidade
com que a compulso por um objeto pode se deslocar para outro . Como afirma
Olievenstein (1987), quando um toxicmano d incio ao tratamento ele ainda est em
busca do Graal, ou seja, procura de uma outra dependncia, que pode ser inicialmente
com o prprio terapeuta: em falta, ele instalar uma relao carnvora contigo ou te
rejeitar; no mnimo, pedir a droga legal que lhe permita trocar o duo ilegal que ele forma
com o produto, pelo autorizado pela medicina e permitido na instituio (p. 118). Por issoa necessidade de estarmos atentos posio ocupada pelo profissional de sade no
tratamento das toxicomanias.
As drogas mais associadas s toxicomanias no Rio de Janeiro so a cocana, a
herona, o lcool, a maconha e o crack, que teve seu consumo aumentado nos ltimos anos
no Brasil. A procura pela cocana motivada pelos estados provocados de euforia, bem
estar, elevao do humor e aumento da auto-estima. J o crack consiste em uma nova via de
administrao da cocana, que potencializa sua rapidez de ao: seus efeitos se apresentam
em aproximadamente 10 segundos e duram apenas 5 minutos (Psicosite2). Passados os
efeitos estimulantes, sobrevm a depresso, fadiga e torpor. Desse reencontro com a
realidade insuportvel surge a nsia de se drogar novamente, instaurando-se um crculo
vicioso. Assim, vemos que as conseqncias da relao do sujeito com a droga no se
limitam aos efeitos da mesma sobre o corpo.
Algo de uma mudana qualitativa na relao com o produto sugere que o
sujeito passa a fazer uso da droga como uma soluo para algo preciso,
2http://www.psicosite.com.br/tra/drg/crack.htm
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especfico que falhou em sua relao ao campo do Outro, uma soluo para
algum nvel de confronto com a castrao. A droga neste contexto parece,ento, funcionar como um tampo que adia, protela, por exemplo, a
emergncia da angstia. (Castilho, 1993, p. 33).
As promessas das drogas so muitas. Contudo, elas falham. O que leva o usurio de
drogas a procurar ajuda justamente a percepo de que a soluo atravs do
anestesiamento fracassou, embora ele localize sua queixa inicial na substncia e no
naquilo em que foi fracassado.Uma das caractersticas que os prprios pacientes apontam sobre as toxicomanias
a manipulao. Eles manipulam suas famlias, seus amigos, colegas de trabalho, chefes,
mdicos e terapeutas. Devemos estar atentos nesta clnica aos discursos muito prontos,
marcados por falas que os terapeutas gostariam de ouvir. Estes discursos podem esconder
uma falsa demanda de tratamento, muito presente em adolescentes que so levados pela
famlia e permanecem apenas porque percebem que possvel obter ganhos secundrios,
como um menor controle sobre sua rotina e acesso a dinheiro quando apresentam algum
indcio de melhora.
Podemos identificar pelo menos trs momentos de crise no sujeito toxicmano:
quando ele se descobre dependente de drogas, durante as recadas e nos perodos de
abstinncia. Geralmente o sujeito se reconhece como dependente qumico quando percebe
que a vida sem a droga insuportvel ou sem colorido e nota a gravidade das perdas
sofridas. Nos perodos de recada, o indivduo no chega a identificar a repetio de um
comportamento cujas conseqncias so desastrosas, pois contra isso ele se anestesia.
Visto que a drogadico uma forma de evitar ou anular o sofrimento, podemoscompreender que a falta da droga, seja por deciso prpria, seja por imposio de fora,
causa de grande angstia para os toxicmanos. Os pacientes se referem muitas vezes a um
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vazio que se instaura dentro deles e as perdas sofridas tomam grande proporo. Ao mesmo
tempo em que este um perodo muito crtico para o toxicmano, tornando-se imperativoque ele seja acompanhado por um equipe especializada, este tambm o momento em que
pode emergir uma demanda de tratamento, que somente possvel quando ele percebe que
o prazer ou alvio momentneo obtido com a droga no compensa os danos provocados
pelo uso. At ento, o sujeito no encara sua relao com a droga como doentia, pois ela
ainda vista como um recurso eficaz contra a iminncia de sofrimento ou ansiedade. Isto
pode impedir que ele cogite a possibilidade de interromper o uso por no encarar a
drogadico como uma fuga patolgica, mas como uma estratgia de vida ilusoriamentecontrolvel.
Com isso, nos deparamos na clnica das toxicomanias com diversas formas de
encaminhamento nas quais os pacientes no esto implicados. Temos, por exemplo, a
demanda terceirizada quando o paciente vai at o tratamento por imposio da famlia, da
escola ou pela prpria justia. Neste ltimo caso, na demanda legal, o paciente se dirige ao
local de tratamento apenas para obter um laudo para o INSS ou para a Justia Teraputica,
a qual impe tratamento aos infratores usurios e dependentes de drogas. A princpio, no
h nestes casos uma demanda construda pelo paciente, o que no impede que a partir de
um trabalho em conjunto com a famlia ou pessoas mais prximas no seja possvel que o
paciente se implique e adere ao tratamento. Encontramos tambm a chamada demanda de
reparao nos casos em que o paciente, motivado pelo sentimento de culpa, procura
tratamento logo aps uma recada na tentativa de reparar os danos causados s pessoas mais
prximas.
improvvel que o indivduo dependente qumico seja capaz de obter um controle a
longo prazo sobre o uso e suas conseqncias, em especial nos casos em que haja um ritualenvolvido, seja dentro de casa ou como condio para se divertir. Para o toxicmano, este
controle pode ser impossvel de ser alcanado devido gravidade da dependncia
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psicolgica e orgnica. So freqentes relatos de pacientes que reconhecem que gostariam
de voltar a ser apenas usurios e no dependentes de drogas, ou seja, desejam obter ocontrole sobre o uso. Damos a isso o nome de demanda de conciliao, visto que o paciente
busca o local de tratamento no para abrir mo da droga, mas tentar manejar seu uso.
Muitos chegam nas primeiras entrevistas afirmando que precisam parar de usar drogas, mas
logo comeam a questionar se realmente so dependentes qumicos e se no seria possvel
voltar a usar como no incio da drogadico, perodo conhecido como lua de mel com a
droga. No entanto, a partir do momento em que a dependncia qumica se instaura,
dificilmente ser possvel a ele voltar a usar qualquer tipo de droga, inclusive aquelassocialmente aceitas, como o lcool.
Como lembra Laurent (2002), a palavra pharmakon designa ao mesmo tempo o
remdio e o mal. Na procura pelo bem-estar do organismo, o sujeito drogado encontra o
vcio. Assim, devemos estar atentos ainda ao uso que pode ser feito das medicaes, que
tambm podem se tornar um veneno. A compulso pelo objeto droga pode se converter em
compulso por outros objetos, como pelas drogas prescritas pelo mdico, o que pode ser
notado quando o sujeito passa a administrar a dosagem de seus medicamentos por conta
prpria. Estes casos em que o paciente procura o mdico somente pela receita,
caracterizando uma demanda de medicalizao, esconde tambm uma falsa demanda de
tratamento.
Entrando brevemente na questo da cincia como provedora de recursos que,
quando mal utilizados, podem se voltar contra o sujeito, Bentes (1997) escreve que ao
contrrio do que o ideal cientfico prope como harmonia do corpo, o corpo pulsional,
atravessado pela linguagem, no pode gozar de harmonia: Se para a medicina o sintoma
fala de uma desarmonia, para a psicanlise ele harmnico castrao, falta estrutural daqual resulta o gozo (p. 261). Assim, ao medicar sua dor o sujeito se priva da possibilidade
de entend-la e lidar com ela. claro que h casos em que o trabalho analtico no basta
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para dar conta da urgncia do caso, porm ao excluir o pulsional, a abordagem cientfica
entra na urgncia da prpria cultura contempornea e atropela o sujeito.A escolha do objeto da compulso no absolutamente casual, pois passa pela
especificidade da economia libidinal do sujeito. Sendo assim, muitos estudiosos do campo
concordam com a afirmao de que o toxicmano faz a droga. Da mesma forma que
encontramos adictos a carboidratos, ao cafezinho ou ao tabaco, percebemos na clnica que o
sujeito toxicmano cria uma relao particular com sua droga ao apostar com ela num
mais alm onde o encontro com o real opacificado pelo encontro com o ideal (p. 263).
As toxicomanias revelam, assim, uma manifestao do sujeito imerso numa cultura deconsumismo desenfreado s voltas com seu mal-estar, onde o discurso da cincia prevalece
oferecendo toda espcie de frmula para a felicidade. O discurso da cincia suprime a
linguagem como registro do furo, do mal-estendido, impossibilitando que o sujeito se
apresente cultura atravs dos seus sintomas, fazendo desaparecer o sujeito do
inconsciente. Desta forma, no h espao para esse passo vacilante que a neurose (p.
265), como exprime Bentes (1997).
O aspecto social que recorrentemente envolve o uso de drogas, seja o do lcool nas
festas de famlia ou o do ecstasy das festas eletrnicas, causa de grande frustrao para o
toxicmano que precisa estar em abstinncia, por no ser possvel a ele controle sobre a
ingesto da droga. Isto implica a necessidade de recusar convites de familiares, amigos e
colegas do trabalho. possvel que o indivduo seja capaz de voltar a freqentar eventos
sociais, mas sempre com o cuidado de ter de enfrentar o estranhamento dos demais com o
fato dele no estar nem bebendo uma cervejinha. Certa vez ouvi de um paciente que sua
vida sem drogas uma constante renncia. Para ele, renunciar droga significa renunciar
ao que d vida sua vida. O que podemos oferecer em contrapartida a escuta do que osujeito tem a dizer a respeito da sua relao com a droga, o que permite que algo nessa
relao seja perturbado. Quando o vazio que se faz ouvir na fala preciso ir para alm
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dela e analisar o que ele no diz, mas que pode revelar o que o levou a preencher seu vazio
com a droga. Sendo assim, a partir da escuta do que est velado pela toxicomania que otratamento se torna possvel.
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
BAUDELAIRE, Charles. (1860) Parasos artificiais: o haxixe, o pio e o vinho. Porto Alegre: L&PM,
1998. 220p.
BENTES, Lenita. Toxicomanias antidepressivas. In. ALMEIDA, Consuelo Pereira de; MOURA, Jos
Marcos (Orgs.) A dor de existir. Rio de Janeiro: Contra Capa livraria, 1997. p.261-268.
CASTILHO, Glria M. Drogar-se: Um imperativo? In. Caderno do NEPAD/UERJ Ano I no. 1 Maiode 1993. p. 28-34
LAURENT, Eric. Como engolir a plula? In. Clique Revista dos Institutos Brasileiros de Psicanlise do
Campo Freudiano, n.1, Abril de 2002. p. 24-35.
MELMAN, C. (1992). Alcoolismo, delinqncia e toxicomania: Uma outra forma de gozar. So Paulo:
Escuta. 164p.
OLIEVENSTEIN, C. (1987). A clnica do toxicmano. Porto Alegre: Editora Artes Mdicas Sul, 1990.
138p.
Recebido: 28/11/2007
Aceito: 08/01/2008