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Tribunal de Justiça de Minas Gerais 1.0702.12.002260-4/001 Número do 0022604- Númeração Des.(a) Hilda Teixeira da Costa Relator: Des.(a) Hilda Teixeira da Costa Relator do Acordão: 07/04/2014 Data do Julgamento: 14/04/2014 Data da Publicação: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CÍVEL PÚBLICA - AVERBAÇÃO DE REGISTRO DE AREA DE RESERVA LEGAL COMPENSATÓRIA - MICROBACIA DIVERSA - ATO IMPUGNADO REALIZADO NA VIGÊNCIA DA LEI 4.771/75 - NOVO CÓDIGO FLORESTAL (LEI 12.651/12) - IRRETROATIVIDADE - ARTIGO 462 DO CPC - INAPLICABILIDADE - ARTIGO 66, §6º, II, DA LEI 12.651/12 - COMPENSAÇÃO EM ÁREA LOCALIZADA NO MESMO BIOMA - DISPOSIÇÃO GENÉRICA - ESTUDO OBJETIVO E ESPECÍFICO - INEXISTÊNCIA - DESEQUILÍBRIO AMBIENTAL - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO - SENTENÇA REFORMADA. Por força do princípio da irretroatividade legal, o Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/12) não se aplica ao fato ocorrido sob o diploma revogado (Lei 4.771/75) e, por se tratar de direito superveniente, incabível invocar os ditames do artigo 462 do CPC para este fim. O artigo 66, §6º, II, do novo Código ambiental ao estabelecer de forma genérica, que as áreas utilizadas para compensação devem estar localizadas no mesmo bioma da área de reserva legal, é norma que traduz nítido retrocesso, ante a potencialidade do desequilíbrio ecológico ambiental decorrente de sua observância. V.V. EMENTA: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - INSTITUIÇÃO DE ÁREA DE RESERVA LEGAL - RECOMPOSIÇÃO DA RESERVA LEGAL MEDIANTE COMPENSAÇÃO - ÁREA LOCALIZADA EM MICROBACIA DIVERSA DO IMÓVEL RURAL - AUTORIZAÇÃO DA LEI ESTADUAL Nº 14.309/02 - DISPOSITIVOS DECLARADOS 1

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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

1.0702.12.002260-4/001Número do 0022604-Númeração

Des.(a) Hilda Teixeira da CostaRelator:

Des.(a) Hilda Teixeira da CostaRelator do Acordão:

07/04/2014Data do Julgamento:

14/04/2014Data da Publicação:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CÍVEL PÚBLICA - AVERBAÇÃO DEREGISTRO DE AREA DE RESERVA LEGAL COMPENSATÓRIA -MICROBACIA DIVERSA - ATO IMPUGNADO REALIZADO NA VIGÊNCIADA LEI 4.771/75 - NOVO CÓDIGO FLORESTAL (LEI 12.651/12) -IRRETROATIVIDADE - ARTIGO 462 DO CPC - INAPLICABILIDADE -ARTIGO 66, §6º, II, DA LEI 12.651/12 - COMPENSAÇÃO EM ÁREALOCALIZADA NO MESMO BIOMA - DISPOSIÇÃO GENÉRICA - ESTUDOOBJETIVO E ESPECÍFICO - INEXISTÊNCIA - DESEQUILÍBRIOAMBIENTAL - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO - SENTENÇA REFORMADA.

Por força do princípio da irretroatividade legal, o Novo Código Florestal (Leinº 12.651/12) não se aplica ao fato ocorrido sob o diploma revogado (Lei4.771/75) e, por se tratar de direito superveniente, incabível invocar osditames do artigo 462 do CPC para este fim.

O artigo 66, §6º, II, do novo Código ambiental ao estabelecer de formagenérica, que as áreas utilizadas para compensação devem estar localizadasno mesmo bioma da área de reserva legal, é norma que traduz nítidoretrocesso, ante a potencialidade do desequilíbrio ecológico ambientaldecorrente de sua observância.

V.V.

EMENTA: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA -INSTITUIÇÃO DE ÁREA DE RESERVA LEGAL - RECOMPOSIÇÃO DARESERVA LEGAL MEDIANTE COMPENSAÇÃO - ÁREA LOCALIZADA EMMICROBACIA DIVERSA DO IMÓVEL RURAL - AUTORIZAÇÃO DA LEIESTADUAL Nº 14.309/02 - DISPOSITIVOS DECLARADOS

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INCONSTITUCIONAIS PELA CORTE SUPERIOR DO E. TJMG -MODULAÇÃO DOS EFEITOS - RESSALVA FEITA ÀS RESERVASPARTICULARES JÁ CONSTITUÍDAS E PUBLICADAS À ÉPOCA -EXCEÇÃO APLICÁVEL AO PRESENTE FEITO - RECURSO IMPROVIDO.

- A Lei Estadual nº. 14.309/02, que autoriza a implantação de reserva legalfora dos limites da microbacia, foi declarada inconstitucional pela CorteSuperior deste e. Tribunal de Justiça, no julgamento da ADI nº.1.0000.07.456706-6/000.

- Com a modulação de efeitos da ADI nº. 1.0000.07.456706-6/000, a CorteSuperior reconheceu o efeito ex tunc da decisão, contudo resguardou asReservas Particulares já instituídas e publicadas sob a égide da legislaçãoestadual, quais sejam, "Reserva Triângulo I", "Vereda da Caraíba", "Aldeia","Porto do Cajueiro" e "Cotovelo".

- As Reservas Particulares descritas no v. acórdão da ADI ("ReservaTriângulo I", "Vereda da Caraíba", "Aldeia", "Porto do Cajueiro" e "Cotovelo"),são áreas de vegetação conservada, que substituem a obrigação doproprietário de instituir a reserva legal ambiental compensatória na mesmamicrobacia hidrográfica.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0702.12.002260-4/001 - COMARCA DEUBERLÂNDIA - APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DEMINAS GERAIS - APELADO(A)(S): DANIEL ROSA JUNQUEIRA, IEFINSTITUTO ESTADUAL DE FLORESTAS

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal deJustiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentosem DAR PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDA A RELATORA.

DESA. HILDA MARIA PÔRTO DE PAULA TEIXEIRA DA COSTA

RELATORA.

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DESA. HILDA MARIA PÔRTO DE PAULA TEIXEIRA DA COSTA(RELATORA)

V O T O

Trata-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público doEstado de Minas Gerais, em face de Daniel Rosa Junqueira e do InstitutoEstadual de Florestas - IEF, sob a alegação de que o primeiro requerido éproprietário de imóvel rural de matrícula nº 69.233, situado emUberlândia/MG, e adquiriu área de reserva legal do referido imóvel emJanuária/MG, com aprovação do IEF, argumentando que a averbação damencionada área como reserva legal contraria o antigo Código Florestal, quedetermina que a compensação deve ser feita dentro da mesma microbaciahidrográfica.

Em sentença de f. 200-202, o douto Juiz a quo houve, por bem,julgar improcedentes os pedidos iniciais, fundamentando que, de acordo como novo Código Florestal, art. 66 § 6º, inciso II, da Lei 12.651/2012, acompensação não mais precisa ocorrer na mesma microbacia, tal como eraprevisto no art. 44, III, da Lei 4.771/65, mas em propriedade com o mesmobioma da área compensada.

Inconformado, o Ministério Público apelou pelas razões de f. 205-259, alegando que a irregularidade tratada nos autos ocorreu na vigência daLei 4.771/65 e não é dado ao novo Código Florestal retroagir para atingirsituações pretéritas.

Alega, também, que o novo Código Florestal não pode ser aplicadoao presente caso por ser menos garantista que os diplomas anteriores,constituindo um verdadeiro retrocesso em matéria de direito ambiental.

Argumenta que a decisão monocrática contraria o art. 225, daCR/88, bem como que a Reserva Legal na mesma bacia é necessária paragarantir o equilíbrio ambiental regional.

Discorre sobre o histórico do instituto da Reserva Legal e

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afirma que o meio ambiente equilibrado constitui um direito fundamental, nãocabendo ao novo Código Florestal restringi-lo, devendo ser declarado,incidentalmente, a inconstitucionalidade do art. 66, § 6º, II, da Lei 12.651/12.

Requer o provimento do presente recurso, para que a r. sentençaprimeva seja reformada, julgando procedentes os pedidos deduzidos nainicial, primeiro para anular o ato jurídico que permitiu a averbação dereserva legal fora da microbacia, seguindo-se à condenação do primeirorequerido para instituir área de reserva legal na mesma propriedade oumicrobacia. Ainda, pediu que o primeiro requerido seja condenado a pagardanos morais coletivos, declarando, também, a inconstitucionalidade do art.66, §6º, II, da Lei 12.651/12.

Os réus apresentaram contrarrazões (fls. 264-275 e 276-282),refutando as razões do apelante e pugnando pelo improvimento do presenterecurso.

Às f. 682689, o ilustre Representante do Ministério Público, RodrigoCançado Anaya Rojas, apresentou parecer, opinando pelo provimento dorecurso.

É o relatório.

Conheço do recurso, pois presentes os pressupostos de suaadmissibilidade.

A controvérsia do presente feito cinge-se na validade de averbaçãode área de reserva legal compensatória em localidade diversa dapropriedade rural matriz/instituidora.

Primeiramente, cumpre registrar que a Lei Estadual nº. 14.309/02,que autoriza a implantação de reserva legal fora dos limites da microbacia,foi declarada inconstitucional pela Corte Superior deste e. Tribunal deJustiça, no julgamento da ADIN nº. 1.0000.07.456706-6/000:

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Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Artigo 17, incisos V, VI e VII eparágrafo 6º da Lei Estadual nº 14.309/02. Política florestal e de proteção àbiodiversidade no Estado. Artigo 19, incisos V e VII, e parágrafo 6º, doDecreto Estadual nº 43.710/04. Regulamento. Reserva legal .Inconstitucionalidade manifesta. Extrapolação de competência suplementar.Disciplina contrária à legislação federal de regência. Ofensa ao artigo 10,inciso V, e parágrafo 1º, I, da Constituição Estadual. Representação acolhida.Vício declarado. - A recomposição da reserva legal em imóveis rurais a serimplementada mediante compensação, consoante a legislação federal deregência, somente é possível se se der por outra área equivalente emimportância ecológica e extensão, desde que pertença ao mesmoecossistema e esteja localizada na mesma microbacia. (ADI, nº.1.0000.07.456706-6/000, Rel. Des. Roney Oliveira, pub. 07.11.2008).

Entretanto, em sede de embargos de declaração, interpostos nareferida ADIN, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade forammodulados:

Embargos de declaração em Ação Direta de Inconstitucionalidade. Alegaçãode existência de omissões no Acórdão. Procedência parcial. Pleito demodulação dos efeitos no tempo da declaração de inconstitucionalidade nãoapreciado. Embargos acolhidos nesse ponto. Alcance da decisão delimitado.- Tendo efeito ""erga omnes"" a decisão do Tribunal de Justiça em sede deação direta de inconstitucionalidade em face da Constituição do Estado, nocaso de acolhimento da representação, com a conseqüente declaração deinconstitucionalidade da norma impugnada (o que importa na proclamaçãode sua nulidade), a sua retirada do mundo jurídico, com eficácia retroativa àdata do início de sua vigência, ou outra data fixada na decisão, se faz noâmbito mesmo em que ela surgiu e atua, qual seja, no âmbito estadual - oque impede que, por haver a norma deixado de existir na esfera deordenamento que integrava, seja reavivada em face da Carta Magna federal,questão cujo objeto já não mais existe. - Os embargos de declaração, comocediço, não têm o

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caráter de reavaliação da valoração das teses apresentadas, dereapreciação do julgado. Certo é, também, que não configura lacuna o fatode não haver o Acórdão comentado cada um dos argumentos levantadospelas partes, quando, no contexto geral da decisão, está nítido o afastamentode todos eles. - Tendo sido o Acórdão omisso quanto ao pleito de modulaçãodos efeitos retrospectivos da declaração de inconstitucionalidade, sopesadasa boa-fé, a segurança jurídica e a questão ambiental imanente é se acolheros embargos para excluir do alcance da decisão as RPPNs efetivamentecriadas e publicadas sob a égide da legislação estadual objeto darepresentação, mencionadas na parte dispositiva do Acórdão. (Embargosde Declaração-Cv 1.0000.07.456706-6/001, Rel. Des.(a) HerculanoRodrigues, CORTE SUPERIOR, julgamento em 12/08/2009, publicação dasúmula em 27/11/2009)

Tendo, portando, como dispositivo, o seguinte:

Nesses termos, acolho, parcialmente, os embargos opostos pelo Estado deMinas Gerais e pela Assembléia Legislativa, apenas para, nos termos doartigo 27 da Lei 9.868/99, modular os efeitos no tempo da declaração deinconstitucionalidade dos incisos V, VI e VII do artigo 17 da Lei Estadual nº14.309/02 e dos incisos V e VI e parágrafo 6º do Decreto nº 43.710/03,declarando que não serão alcançadas pelo caráter retrospectivo da decisãoapenas as RPPN's "Reserva Triângulo I", "Vereda da Caraíba", "Aldeia","Porto do Cajueiro" e "Cotovelo.

Logo, a Corte Superior, ao acolher parcialmente os embargosdeclaratórios, reconheceu o efeito ex tunc da decisão, contudo resguardou asReservas Particulares já instituídas e publicadas sob a égide da legislaçãoestadual, quais sejam, "Reserva Triângulo I", "Vereda da Caraíba", "Aldeia","Porto do Cajueiro" e "Cotovelo".

Nesse sentido, a respeito da Reserva Particular do

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Patrimônio Natural - RPPN, a Lei Federal nº. 9.985/00, que institui o SistemaNacional de Unidades de Conservação da Natureza, estabelece, em seu art.21, que é uma área privada, gravada com perpetuidade, com o objetivo deconservar a diversidade biológica.

Dessa forma, as Reservas Particulares descritas no v. acórdão daADINReserva Triângulo I", "Vereda da Caraíba", "Aldeia", "Porto do Cajueiro"e "Cotovelo"), são áreas de vegetação conservada que substituem aobrigação do proprietário de instituir a reserva legal ambiental compensatóriana mesma microbacia hidrográfica.

Compulsando os autos, observa-se que parte da reserva legal doimóvel mantido sob a matrícula nº. 69.233, situado no Município deUberlândia, está localizada no próprio imóvel e o restante na Comarca deJanuária, junto ao imóvel de matricula nº 16.461, na RPPN "Triângulo I",conforme documentos de f. 26-38v.

Assim, tendo em vista que a compensação da reserva legal doimóvel rural de matrícula nº. 69.233 ocorreu junto a RPPN "Triângulo I", nãoatingida pela inconstitucionalidade declarada pela Corte Superior deste e.Tribunal, não há que se falar em nulidade do ato do segundo requerido e, porconseguinte, em obrigação do primeiro requerido em instituir nova reservalegal.

Nesse sentido:

EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA - RECOMPOSIÇÃO DE RESERVA LEGAL- ARTIGO 17, INCISOS V, VI E VII E PARÁGRAFO 6º DA LEIESTADUAL Nº14.309/2002 - INCONSTITUCIONALIDADE - AVERBAÇÃO DE ÁREA DERESERVA LEGAL - MODULAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOS DA AÇÃODIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - POSSIBILIDADE E INCIDÊNCIA.

1. A Lei Estadual nº 14.309/02, ao permitir a recomposição da reserva legalem imóveis rurais a ser implementada na forma do artigo 17, incisos V, VI eVII, acabou por possibilitar a compensação da reserva fora da mesmamicrobacia hidrográfica, dissentindo da legislação federal que disciplina amatéria, extrapolando a competência

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legislativa concorrente, tendo a Corte Superior deste Tribunal reconhecido ainconstitucionalidade dos dispositivos citados no julgamento da ADIN nº1.0000.07.456706-6/000.

2. Estando demonstrado nos autos que a averbação de reserva legalpromovida pelo réu está inserta nas ressalvas estabelecidas pela modulaçãodo efeito temporal da declaração de inconstitucionalidade do dispositivoestadual realizada pela Corte Superior do Tribunal de Justiça de MinasGerais, a manutenção da sentença é de rigor.

3. Recurso desprovido. (Des.(a) Teresa Cristina da Cunha Peixoto - Dje27/06/2013 - Apelação Cível 1.0702.11.019835-6/001 )

Ademais, o art. 66, §6º, II, do Novo Código Florestal alterou a formade compensação, estabelecendo que a reserva legal pode ser instituída emmicrobacias diferentes, desde que no mesmo bioma.

Sobre a alegação de que o referido dispositivo retrocedeu emmatéria de proteção ambiental, devendo ser declarado inconstitucional,verifica-se que o legislador, dentro da competência que lhe foi outorgada,optou por abrandar o rigor anteriormente previsto, conciliando a preservaçãoambiental com o desenvolvimento econômico, não havendo que se falar eminconstitucionalidade.

Desse modo, perfeitamente válida a compensação realizada peloproprietário, seja pela ótica do antigo Código Florestal, quando teveautorização da Lei Estadual nº. 14.309/02, para instituir reserva legal emmicrobacia diferente, seja pelo Novo Código Florestal, que permite acompensação dentro do mesmo bioma.

Em face do exposto, nego provimento ao recurso, mantendoincólume a r. sentença.

Por oportuno, deixo de fixar as custas processuais e os honoráriosadvocatícios, nos termos do art. 18, da Lei nº. 7.347/85.

DES. AFRÂNIO VILELA (REVISOR)

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Cuida-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Públicodo Estado de Minas Gerais contra r. sentença proferida nestes autos quereconheceu a legalidade do ato praticado pelo Instituto Estadual de Florestas- IEF, consistente na autorização da compensação da reserva legal em árealocalizada no mesmo bioma onde estão situados os imóveis rurais depropriedade dos apelados, ao fundamento de assim permitir o novo códigoflorestal, introduzido pela Lei n.º 12.651/12, a qual é mantida pela eminenterelatora, desembargadora Hilda Teixeira da Costa.

Estou a divergir.

É certo que o novo código florestal ao revogar o diploma anteriortambém o fez em relação à regra então vigente segundo a qual a reservahaveria de estar dentro da mesma bacia hidrográfica, fator de referênciageográfica. Desta forma, a eminente relatora, assim como o digno Juizprolator da sentença recorrida agiram dentro da legalidade estrita posta nomundo jurídico pela nova ordem florestal, via da edição da aludida lei.Contudo, há de ser perquirido se o sentido protetivo posto pela Constituiçãoda República em relação ao patrimônio ecológico para a presente e futurasgerações foi atendido pela legislação.

Devemos buscar a compreensão de ter sido a norma constitucionalatendida, a qual impõe a utilização sustentável das reservas para odesenvolvimento da sociedade, segundo ponto de equilíbrio entre o bemestar ecológico, a produção e, até mesmo, os quesitos de sobrevivência depopulações locais que utilizam a terra, a

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vegetação, a água, em resumo, o meio ambiente para sua sobrevivência.

Tudo isso a gerar, hodiernamente, um grande conflito, a desaguarnos Tribunais, que vem sendo chamados a definir sobre a real política a seradotada para apaziguar esses desencontros entre produção e preservaçãode bens ecologicamente frágeis e, por isso, protegidos.

De se lembrar que o Brasil possui as maiores reservas ambientaisdo mundo e por isso, a par de ser denominado de "pulmão do mundo",também é o celeiro alimentar da humanidade, numa dicotomia que faz deseu acervo jurídico verdadeiro entroncamento de normas que de um ladoreconhecem a gravidade das ofensas aos bens naturais e a problemáticapara o meio ambiente que elas causam, e de outro a necessidade deadoção de medidas para que haja desenvolvimento econômico compatívelcom a era atual, sustentavelmente, e assim preservando o nosso planetaTerra.

De sabença geral que a produção é meio de erradicação depobreza, de geração de riqueza e de divisas, além de representar forma demanter a raça humana viva, nutrida.

De lado outro, essa mesma população necessita de ar puro pararespirar, de água para suas necessidades, de forma a erigir o convencimentode ser extremamente necessário e urgente a efetiva edificação do direito danatureza, que irá efetivamente definir o que pode e em que condições podeser feita intervenção nas áreas verdes do planeta.

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Isso não vale apenas para florestas de grande porte, como é o casoda floresta amazônica, e sim para aqueles pequenos aglomerados devegetação que circundam os pequenos olhos de água. Urge que osorganismos legislativos internacionais compreendam o Planeta como ogrande ecossistema, mas ao mesmo tempo entendam que se o grande riodesemboca no mar, é porque há um pequeno furo em uma rocha ou osurgimento em pequenos brejos ou pântanos da fonte da água. E se asflorestas são valores intrinsecamente ligados à sustentabilidade do Planeta eda raça humana, há de ser perquirido o que se faz para recompensaraqueles que cuidam desses bens em seus imóveis, grandes ou pequenos.

Evidentemente, sabe-se que cada Estado é uma unidade mundialsoberana e deve erigir suas próprias leis, inclusive ambientais. Todavia, emse tratando de direito da humanidade à boa qualidade de vida, dentro de umequilíbrio entre produção e preservação, mister que o direito seja supranacional, posto que é incompreensível que de um lado da fronteira apreservação seja efetuada, e do outro, a poucos metros, a natureza sejaagredida.

O mesmo se diga em relação às propriedades rurais, posto que, deum lado do riacho poderá haver o proprietário interessado na preservaçãodas nascentes, das matas que protegem o curso e, do outro, aquele queapenas pensa no lucro que advirá da maior área de plantio, que não seimporta em lançar insumos agrícolas que tornam a água que nasce dentro desua propriedade imprópria para o consumo humano.

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Por isso, tenho compreendido que o direito ambiental - conjunto deprincípios, regras constitucionais, leis ordinárias, dentre outros - deve servisto sob ângulo específico e especial, porque além de inovador, no aspectode regramento, é essencial para a preservação das espécies, desde a microaté o homem.

Nesse sentido, o juiz tem papel muito importante, porqueefetivamente o Poder Judiciário vem sendo chamado a definir sobre aconcreta efetivação do regramento ambiental, que não pode, jamais,retroceder, e sim evoluir, juntamente com a sociedade e as diversas formasde utilização do meio ambiente, de forma a guardar os aspectos maispositivos da legislação, segundo seu intento social.

O ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça,escreveu sobre o juiz planetário. E lembra Sua Excelência que já em 1799,muito antes de qualquer inserção normativa constitucional, a coroaportuguesa criara em pleno regime colonial o cargo de "Juiz Conservador dasMatas", com jurisdição no sul da Bahia, que naquela época já era uma daspartes da floresta atlântica mais desmatada. O juiz nomeado renunciou,posto a grandeza da pressão advinda dos exploradores de madeira. Emenciona também o Juiz Osny Pereira Duarte que elaborou a revolucionárialei n.º 4771/65. E termina: "...evidentemente, mais do que exemplosindividuais e isolados de associação de juízes à problemática da exploraçãopredatória e destruição de recursos naturais, hoje o chamado da criseambiental requer envolvimento organizado, como instituição do PoderJudiciário."

Não é desconhecida a situação fática envolvendo a extinção deespécies e a ameaça a outras. Atualmente aproximam de 700 as espécies dafauna incluídas na lista vermelha. Diversos biomas têm

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sofrido violações fatais com as intervenções antrópicas. É compreensível queas florestas, as áreas umidificadas, a flora e a fauna são partes integrantesdo sistema ecológico planetário e assim devem ser respeitados, numaperfeita integração entre a Lei, sua interpretação, à busca da normatividade,e a realidade viva dos eventos que ocorrem na sociedade que denomino denatural, que é aquela que não encontra fronteira ou limite físico entre avegetação de um lado do registro público e a do outro. Da água que nasceem uma propriedade e serpenteia por inúmeras outras. Ambas têm umpropósito na sociedade: a vida.

Nesse ponto, há de se compreender que o estágio dedesenvolvimento humano e a exigência de alimento à mesa, bem assim oviver saudável devem ser revestido da ética comportamental, segundo a qualcada um dos proprietários, dos posseiros e dos usuários da natureza,perceba que apenas a ética ecologicamente posta poderá criar um sistemade responsabilidade ambiental, propiciando a sobrevivência humana,segundo os bons conceitos de saúde, de lazer, de bens e riqueza. A mesmaética mencionada pelo ilustre jurista citado: ética do planeta. Desde asgrandes explorações até os pequenos grupos de família, que exploram anatureza para sua sobrevivência, com baixo impacto ambiental.

Obviamente, esse comportamento de respeito ao meio ambiente,especialmente quando dele se extrai elementos de riqueza, como é o casode produção de grãos, de carne, de insumos, e outras espécies de bens,como pedras preciosas e metais preciosos, há de, em pais como o Brasil,estar assentado em legislação, eis que a ninguém é dado fazer ou deixar defazer algo, senão em virtude de uma lei. Está em nossa constituição. Jácitamos o édito real que criou o Juiz conservador de Matas, o CódigoFlorestal de 1965, e a efetiva subserviência do uso da natureza, em sentidolato, ao judiciário, através da Lei 6938/81, reconhecendo o juiz como agentede

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conservação, transformação e preservação ambiental, ao prever apossibilidade de condenação à reparação dos danos ao meio ambiente e aosterceiros.

Aqui vem oportunidade de explicação: o meio ambiente, que é anatureza em seu estado geral, e esses terceiros, entendo como as pessoas,os demais animais e os vegetais que interagem dentro daquele sistema quedeve ser ecologicamente equilibrado.

A atuação do juiz é mais um dos elementos necessários aoenfrentamento da grande controvérsia havida entre os atos de produzir e depreservar; de utilizar sustentavelmente. A jurisdição não é capaz desolucionar as grandes questões ambientais, como também não o faz emrelação às demandas sociais e humanas. É sim o responsável pela análise,quase sempre, posterior de fato que lhe é posto em julgamento. Porém, aoagir em determinado ato concreto, poderá o Judiciário definir políticas futuraspara situações semelhantes, numa forma de prevenção de litígio e de novasofensas, tanto ao ato de explorar conscientemente os recursos naturaisquanto no de preservar, par ao bem da atual e da futura geração.

Neste intróito, não tenho dúvida em afirmar que o futuro do planetapassa pela atuação do Poder Judiciário, que em ultima posição, é ointerprete e o aplicador da legislação pertinente, hoje em grande número, sobtodas as circunstâncias, inclusive aquelas que derivam de acordosinternacionais. Mas e principalmente, o juiz, dentro de seu poderjurisdicionais de dizer o direito, depois de tutelar ambas as partes pelasentença objetiva, há de se preocupar em propiciar nela, decisão, elementopara que haja seu efetivo cumprimento, compondo o litígio, sem causarmaiores danos, que o próprio dano questionado.

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O caso concreto mostra o conflito entre o Ministério Público desteEstado e os proprietários rurais no que concerne à localidade dematerialização da reserva legal. Aquela instituída em um imóvel no municípiode Coromandel, distando aproximadamente 170 km de Uberlândia, atendeao interesse social e público ditados pela Carta da República e ao bem estardo Povo?

Esta é a resposta que este julgamento deve dar.

O primeiro ponto a ser estudado refere-se ao conflito das leis notempo. Alega o Ministério Público que o fato ocorreu ainda na vigência da Lein.º 4771/65, antigo código florestal, razão pela qual o novo não poderia ser aele aplicado.

Vejamos: o inquérito civil público demonstrou que os imóveis ruraispertencentes ao recorrido estão acobertados por reserva legal instituída emáreas adquiridas no município de Coromandel, portanto fora da microbaciade Uberlândia. Fato esse aprovado pelo IEF, baseado que esteve naautorização posta pela Lei estadual n.º 14.309/02, desvirtuada da Lei Federalem vigor à época, que em seu artigo 44, III, permitia a compensação dentroda mesma microbacia. O IEF elaborou Laudo Técnico atestando a qualidadeambiental e o Bioma a que pertence e a possibilidade de instituição deRPPN, nos termos da lei estadual, e afirma que houve grande ganhoambiental para o Estado e não ofendeu a ecologia, até porque estápreservada a mata nativa que poderia ser passível de uso alternativo do solo.

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Fixados esses parâmetros fáticos necessários ao presentejulgamento, entendo que há de ser feita, mais uma vez, a grande separaçãoda juridicidade que pode ser aferida e por isso aplicada pela AdministraçãoPública e pelo Juiz.

A primeira é regrada pelo principio da legalidade objetiva edesautoriza qualquer interpretação por parte do Administrador, inclusivequando incorporado no servidor técnico administrativo. A este cabe tãosomente avaliar se o fato que é apresentado ao Administrador é subsumido auma regra legal, que lhe dita o procedimento.

No caso dos autos, o fato - averbação de reserva legal - possuilegalidade. A resposta do órgão Administrativo, no primeiro ponto de reflexãoestá correta, eis que a Lei Estadual que lhe comanda objetivamente os atos,e a observância do principio da legalidade estrita, que lhe impedecomportamento interpretativo e conjuntural em relação a outra leis e normas,o autoriza a reconhecer que a legislação estadual ampara a pretensão, e porisso o autorizou.

Cumpriu seu mister administrativo. Tanto ao não interpretar anormatividade geral que nasce da constituição, e até mesmo de princípiossuperiores a ela, quanto quando deu cumprimento ao comanda da legislaçãoestadual, especialmente do decreto que a regulamenta.

Por isso, administrativamente, não há de ser imputada

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conduta ilegal ou de afronta à carta da republica pelo Agente do Estado, esim perfeito cumprimento de seu dever legal. O Administrador exerceu o quepodemos denominar de julgamento comutativo entre fato e norma próximaque lhe impõe a conduta.

Contudo, o fato, propriamente dito, agora sob a égide de um atoadministrativo autorizador, foi trazido ao Poder Judiciário, encarregado dentroda estrutura estatal de dizer o direito, como um todo, e não apenas dentro doquesito restritivo da legalidade objetiva que comanda o ato do Administrador.Jurisdicionalmente, o fato administrativo pode ser analisado sob ângulosmais extensos e sob ótica desvinculada do principio da legalidade. Isso,observe-se, se ofendida a regra superior ou um princípio que deva servalorizado, em função de sua importância social.

Dito assim, vejamos, dentro da seara administrativa, sob o princípiojurisdicional, segundo o qual nenhuma lesão ou ameaça a direito serásubtraído da apreciação do Poder Judiciário, se o Ato Administrativo queconcedeu a autorização administrativa para averbação da área junto aomunicípio de Coromandel, equivalente à reserva legal que deveria serinstituída no município e comarca de Uberlândia, atende à norma que visa aproteção da sociedade, em sua presente e futura geração.

Está informado nos autos que os incisos V, VI e VII do artigo 17 daLei estadual n.º 14309/2002, foram considerados por este Tribunal de Justiçainconstitucionais, e as diversas câmaras tem entendido por anular atos doIEF que autorizaram a averbação fora da microbacia originária do dano.

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Assiste razão jurídica ao Ministério Público quando alerta que adeclaração de inconstitucionalidade pelo Tribunal vincula o julgadormonocrático, bem assim à Administração Pública, em todos os seuspatamares.

É recomendável que o juiz seja julgador técnico, e assim evitefilosóficas incursões sobre sentido normativo não pretendido pelo legislador.É a regra. Todavia, situações se apresentam ao julgador que o levam a nãoapenas interpretar a lei objetiva do fato que lhe é posto para julgamento, esim o contexto social sob o qual ele se desenvolve, e no qual ele surtirá seusefeitos.

No caso em análise, o fato social primevo é a utilização dapropriedade rural por seus legítimos proprietários, o que é direitoconstitucional assegurado. Como repercussão desse fato social - uso daterra - advém benefícios aos proprietários e à sociedade, como é o caso deprodução agropecuária. Tudo direito constitucionalizado por força dapropriedade.

Ao garantir o direito de propriedade, o Estado Brasileiro, através desua Norma Mor, estabeleceu, também que, a par de ser garantido o direitode propriedade, ela, a propriedade, atenderá a sua função social, conformeestá no inciso XXII, do artigo 5º, da Carta da República.

Tudo isso dentro dos conhecidos e difundidos direitos e deveresindividuais e coletivos, os quais devem ser avaliados e interpretados deacordo com os direitos sociais, bem descritos no

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artigo 6º, como é o caso de saúde, bem estar de todos, conforme aquelepreceito de atendimento à sociedade.

Portanto, há o direito ao exercício de proprietário rural, com respeitoà função social da terra, visando, inclusive, à saúde do Povo, fonte de todo opoder, exercido por meio de representantes, que legislam ou edificam normaconstitucional, como no caso retro mencionado.

Por isso a inteligência do constituinte ao alocar no artigo 24 daCR/88, que é concorrente a competência de União, Estados e DistritoFederal para legislar sobre florestas, conservação da natureza, defesa dosolo e dos recursos naturais, proteção ao meio ambiente, inclusive controlede poluição.

Obviamente, no âmbito da concorrência legislativa, a união editanorma geral, podendo os Estados suplementá-la, e na inexistência dalegislação federal, a competência dos Estados é plena, segundo suaspeculiaridades, até que a Lei Federal seja editada e passe a vigorar, comisso suspendendo eficácia da estadual que lhe for contrária.

Essa é a regra constitucional em vigor.

No caso concreto, rememore-se, a Lei de Registros Públicos, que éfederal e de alcance nacional, prevê que a averbação da reserva legal seráefetivada na matrícula do imóvel. Este é o sentido dado pelo

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artigo 16, do antigo Código Florestal.

De qual imóvel? Obviamente aonde ela devia ser concretizada, ouseja, no próprio imóvel. Na situação posta, a averbação ocorreu no imóveladquirido em Coromandel. Está atendida a lei, neste aspecto? A resposta épositiva, em relação à estadual. Está atendida à juridicidade? Não, eis queLei Federal dispõe de forma diversa.

Neste ponto adentra-se à seara da utilidade social de qualquerpropriedade, dentro do aspecto limitativo que a interpretação do sentido daCarta da República quer impor.

O raciocínio jurídico, com esqueleto constitucional e vestimenta dedireitos naturais do homem, do ser humano, editado pelo ilustre Promotor deJustiça Fábio Guedes de Paula Machado, secundado pelo não menoseminente Procurador de Justiça, Antônio Sergio Rocha de Paula, é o quemais atende ao interesse protetivo da sociedade, especialmente quandoafirmam que qualquer legislação que ofenda o direito constitucional ao meioambiente perfeitamente equilibrado não pode ser legitimada pelo Judiciário,como de fato ocorre no julgamento do Incidente de Inconstitucionalidade comacolhimento da tese em relação ao artigo 17, da mencionada legislaçãoestadual, utilizada pelo IEF para referendar e autorizar a aquisição de imóvelfora da microbacia de Uberlândia, porém dentro do mesmo bioma.

Observe-se, ainda, que no julgamento ocorrido em 2008, peloÓrgão Especial, ficou assentado que a discussão cingiria ao

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conflito da Lei 14.309 em relação reflexa com dispositivos da Carta Estadual,cuja competência é deste Tribunal, apesar da noticia de haver Ação no STFquestionando também em função de ofensa à Carta da República. Então aanálise jurídica foi da ofensa à Constituição deste Estado.

De fato e de direito, o Órgão Especial deste Tribunal, compreendeuque segundo o artigo 225, da CR, todos tem direito ao meio ambienteecologicamente equilibrado, posto que este é bem de uso do povo eessencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e àcoletividade em geral o dever de defendê-lo e preservá-lo para o presente eo futuro.

Obviamente, dentro deste aspecto, e conforme está na regra daconstituição, há de ser preservado e/ou restaurado o processo ofensivo erealizado o manejo das espécies e dos ecossistemas, inclusive compreservação da diversidade e do patrimônio genético e assim promover aeducação ambiental e a conscientização de todos para a preservação domeio ambiente, além de proteger a flora e a fauna, vedadas práticas quecoloquem em risco a função ecológica. Todos esses característicos, entreoutros, são condutores à consciência de formulação e de respeito aprincípios fundamentais do direito ambiental, em especial da função sócio-ambiental de cada propriedade.

O somatório desses elementos pode ser representado pela ótica deIuri Gagarin quando disse que a terra é azul, e acrescento, a propriedaderural deve ser verde, ou pelo menos, verde o quanto a legislação manda queseja, segundo a reserva legal, a área de preservação permanente ou naforma de outras áreas de proteção.

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O eminente desembargador Roney Oliveira, hoje na inatividade,bem disse quando asseverou que esses característicos aderem a cadapropriedade rural e posse rural.

Importante anotar que naquele julgamento, histórico, ficou definidoque o proprietário da área deve proteger, ou recuperar a área de seu imóvel.Equivale dizer: do imóvel originário, no qual labuta a terra, e apenas naimpossibilidade de fazê-lo, frise-, dentro de seu imóvel, compensar com outraárea de igual importância ecológica, pertencente ao mesmo ecossistema ena mesma microbacia. Mesmo tendo sido voto vencido, sua Excelênciamostrou consciência ecológica geral.

No mais, o e. Desembargador Herculano Rodrigues, hojepresidente deste Tribunal, capitaneou o julgamento segundo o qual asnormas que delimitavam a matéria relativa à recomposição da reserva legalnos imóveis rurais insertas nos incisos V, VI e VII, do artigo 17, da LeiEstadual n.º 14.309/2002, reproduzidas no decreto estadual n.º 43.710/2004,extrapolaram a competência concorrente do estado, prevista no artigo 10, V,par. 1º, inciso I, da Constituição Mineira.

Da inteireza do raciocínio jurídico editado pelo Órgão Máximo deJulgamento deste Tribunal de Justiça, em Ação de Inconstitucionalidade, foifixado o entendimento soberano segundo o qual a regra é a da fixação dareserva legal no mesmo imóvel, ou, na impossibilidade fática, e apenas nestaimpossibilidade, a reserva poderá ser feita em outro imóvel, dentro domesmo ecossistema, para que haja respei to ao pr incíp io darepresentatividade da propriedade ao povo à sua volta, ao seu entorno.

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Esse julgamento, segundo seus fundamentos, é vital para aconsecução dos objetivos positivos da utilização da Terra, conformeexplicitarei.

A compreensão de que o planeta é um organismo vivo,representado por diversos sistemas e subsistemas ecológicos, os quais sãointerdependentes e se integram para os fins de propiciar as condiçõesnecessárias, suficientes e exigíveis para a vida humana, e por extensão dascondições para que esta vida seja acompanhada de qualidade, é o maisimportante para o alcance da norma contida na Constituição da República,que ao dispor que todo tem direito ao meio ambiente ecologicamenteequilibrado, para preservação deste importante elemento vital para apresente e para as futuras gerações, que ela - a norma - dizer que nenhumoutro fato é mais soberano que a boa qualidade de vida dos seres humanos,que passa pela proteção à flora e à fauna.

Tudo dito, e assim posto, devo emprestar meu modestoentendimento àquele firmado pelo Ministério Público do Estado de MinasGerais, quando defende a impossibilidade de aplicar a lei nova ao fatoocorrido sob a vigência da anterior, sendo certo que não se trata de fatosuperveniente e sim direito superveniente. Ademais, neste caso aplica-se oprincípio da irretrotividade legal, por razões obvias.

Adiro, também, desde já, ao constitucional entendimento doMinistério Público sobre a ofensa aos princípios da boa ecologia porque a sepermitir, de forma genérica e sem estudo objetivo e

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específico a compensação dentro de bacias, e agora biomas, poder-se-áchegar ao absurdo de autorizar que um dano ecológico no município de SãoRoque de Minas seja recomposto em uma área da Bahia, de Sergipe ou dosoutros estados banhados pelo Rio São Francisco.

Irrefutável a tese de que o atual Código Florestal é muitobenevolente, porque em seu artigo 66, apenas para ilustrar - adota o conceitode bioma, prevendo a possibilidade de desmatamento de uma área emMinas Gerais, que é dividida entre o lado esquerdo, cerrado; e o direito,vegetal da serra do mar, poder-se-ia devastá-las e fazer a compensação noEstado do Mato Grosso, por exemplo.

Esclarece o Ministério Público que existe ajuizada perante o STFAção direta de Inconstitucionalidade, cujo pedido liminar ainda não foiapreciado, no qual a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e aAcademia Brasileira de Ciência, atestam que "nos biomas com índicesmaiores de antropização, ou seja, que foram afetados pela ação do homem,como cerrado, caatinga e algumas áreas altamente fragmentadas, como amata atlântica e partes da Amazônia, os remanescentes de vegetação nativa,mesmo que pequenos, tem importante papel na conservação dabiodiversidade e na diminuição do isolamento dos poucos fragmentos dapaisagem. Tais remanescentes funcionam, como trampolins ecológicos nodeslocamento e na dispersão das espécies pela paisagem. Essascaracterísticas exigem que eventuais compensações sejam feitas na própriamicrobacia ou na bacia hidrográfica, as características fitoecológicas queligam as plantas àquele determinado local na área a ser compensada devemser a referência para a compensação."

Depois de ler e estudar esses argumentos, devo relembrar,

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uma vez mais, depois de milhares de vezes, que o grande Roberto Lyra, emseu livro "Como acusar, como defender e como julgar", concede uma daslições mais importantes para o bom julgamento: " - mais vale um pequenofato do que uma grande tese jurídica."

O pequeno fato, que se contrapõe a qualquer argumento maischarmoso, como o é o da possibilidade constitucional de uso do direito depropriedade, é que a propriedade sem sua reserva legal, é deserto, porqueperde seu verde, diminui sua capacidade de fazer brotar a água, pelos seus"olhos d´água", aquece mais a terra, impede a reprodução de plantas eanimais, e tende a acabar com a fauna e a flora locais.

E a compensação desse processo de desertificação da vidaoriginária - mesmo que com plantio de produtos agrícolas ou adoção dapecuária - em outra área, mesmo que dentro do bioma, não propicia a boafunção social da terra, porque contribui para inúmeras formas de agressão àsaúde, e às espécies em seu habitat, o que pode ser visto nas localidades degrande plantio, especialmente no período de secas, onde o ar écaracterizado pelas partículas de poeira, até mesmo porque naspropriedades não há a barreira natural da vegetação alta.

Ademais, importa observar aspecto fático quando se autorizar acompensação. Vejamos:

Dentro de um bioma pode haver vários microssistemas. Cada qualcom suas peculiaridades. Assim, pode haver faixa de terras de cerrado, porexemplo, com sua vegetação específica, seus animais

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naturalmente adaptados, servindo à cadeia alimentar. Cada um doselementos integrantes deste conjunto possui um propósito natural dentrodaquele ambiente. As borboletas polinizam, os pássaros distribuemsementes, reflorestando. O sapo que vive na beira úmida come os insetos, écomido pelo réptil, que por sua vez é comido pelo felino ou pelo gavião, quepodem estar no topo da cadeia alimentar. O equilíbrio está saudável.

Ocorre que devastada esta área e outra adquirida para sustentar areserva legal, mister que haja estudo de efeitos ambientais para aidentificação da fauna e da flora, sem esquecer dos recursos hídricos, postoque se o novo ambiente não propiciar a mesma possibilidade de vida, asustentação ecológica e ambientam não estará atendida nos termos naturaise dentro dos preceitos constitucionais hoje edificados.

Portanto, é importante que o órgão de controle governamental emseu laudo assim informe, e não que apenas esteja a área situada dentro domesmo bioma. Há casos concretos trazidos aos Tribunais nos quais sebusca compensar o desmatamento de área com grande arvores, terras deboa cultura e com capacidade manancial com áreas de serras, notadamenteáridas, com vida específica e flora restrita, e condizente com aquele meioambiente.

Equivale dizer: o sentido sócio ambiental não está sendoobservado. A ética que se exige de todos os que exploram sustentavelmenteo meio ambiente, em sentido lato, e especificamente, sua propriedadetambém não. E o prejuízo será sentido pela sociedade mais próxima, quepoderá perder a cobertura vegetal e todos os benefícios que ela traz àspessoas e animais.

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A explicação do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, vistaà f. 401, tem pertinência ecológica e ambiental, mas antes disso, éjuridicamente perfeita segundo a ótica da legislação existente e o sentidosupra legal das regras, inclusive naturais, de conservação desses bens, poisao mencionar microbacia, a legislação busca garantir que a reserva legalcompensatória seja instituída próxima do imóvel que originariamente deveriapossuí-la. Por isso, deve debitar o equívoco á conta do IEF, quando autorizaa compensação sem explicitar se a conservação da fauna, da flora e dosrecursos outros seriam idênticos ao do imóvel objeto da obrigação inicial e seatenderia ao intuito social da lei.

Da forma simplista como foi a observada nestes autos, pode-secompreender que o Estado autoriza que em uma dada região seja todafloresta devastada, desde que, mesmo a grande distância, outra área sejareservada. Com todo respeito ao conhecimento técnico da Administração, odesequilíbrio é a consequência.

Não tenho nenhuma dúvida de que o Código Florestal, nesta seara,é lei que retrocede ao direito social para o perfeito equilíbrio ecológico e nãocontribui para a preservação das faunas e floras e para a boa qualidade devida das gerações.

Como afirmado na sustentação oral do ilustre Procurador deJustiça, agora no âmbito procedimental deste recurso, o que se deve fazerpara o momento é a interpretação conforme a Constituição da República,também, para o fim de esclarecer que a compensação deve ser feita, dentrode áreas com identidade ecológica, ou seja, com mesma flora e fauna. Essaidentidade é a essência da preservação da

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vida, naquela localidade. Apenas na absoluta impossibilidade de instituiçãono próprio imóvel, originário, é que poderá a reserva ser acostada a outroimóvel, com os característicos próprios da microbacia.

Assim posto, com respeitosa vênia ao entendimento sufragado pelaeminente Relatora, desembargadora Hilda Teixeira da Costa, instalo adivergência, mediantes os fundamentos elencados, e DOU PROVIMENTOAO RECURSO, reformo a sentença prolatada as f. 200/202, anulo o ato deaverbação às margens da matrícula 69.233, do 1º Ofício de Registro deImóveis, e condeno os proprietários à instituição da área de reserva legal naprópria propriedade ou, em outra, desde que situada dentro da mesmamicrobacia, medida, demarcada e averbada, inclusive com manutenção daidentidade de flora e fauna.

É como voto.

DES. MARCELO RODRIGUES

V O T O

Na sessão do dia 25/3/2014, pedi vista dos autos para melhor análise dosautos e da divergência instaurada.

E após detido exame de todo o processado, com a devida vênia a e.relatora, acompanho integralmente o voto do revisor, ressalvando contudoque a comarca onde foi instituída parte da reserva legal é Januária e nãoCoromandel, como constou em seu judicioso voto.

Validamente, impossível fazer retroagir lei nova (Lei 12.651, de 2012)

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para alcançar fatos pretéritos, mormente legalizar situações jurídicas queocorreram à revelia do Código Florestal então vigente.

Aplica-se o princípio da irretroatividade da lei. Neste sentido já decidiu oSTJ:

ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ÁREA DEPRESERVAÇÃO PERMANENTE. FORMAÇÃO DA ÁREA DE RESERVALEGAL. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. SÚMULA 83/STJ. PREJUDICADA AANÁLISE DA DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. SUPERVENIÊNCIA DALEI 12.651/12. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO IMEDIATA.IRRETROATIVIDADE. PROTEÇÃO AOS ECOSSISTEMAS FRÁGEIS.INCUMBÊNCIA DO ESTADO. INDEFERIMENTO.

(...)

3. Indefiro o pedido de aplicação imediata da Lei 12.651/12, notadamente odisposto no art. 15 do citado regramento.

Recentemente, esta Turma, por relatoria do Ministro Herman Benjamin,firmou o entendimento de que "o novo Código Florestal não pode retroagirpara atingir o ato jurídico perfeito, direitos ambientais adquiridos e a coisajulgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessáriascompensações ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeisou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limiteconstitucional intocável e intransponível da 'incumbência' do Estado degarantir a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais(art. 225, § 1º, I)." Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp327.687/SP, relator ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em15/8/2013, DJe 26/8/2013)

Ademais, a superveniência de legislação nova não tem o condão de tornarlegítimos atos que já nasceram eivados de ilegalidade.

Importante ressaltar que, não se está a manejar ação civil pública comosucedâneo de ADI da Lei Estadual 14.309, de 2002. Em verdade, a questãoperpassa pelo desatendimento à Lei Federal, ou seja, o

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Código Florestal, que é único em toda a federação.

Daí, muito bem pontuou o e. relator que ainda que a reserva instituídaatenda aos ditames da Lei Estadual, não impede à análise da juridicidade,considerando a Lei Federal:

Está atendida a lei, neste aspecto? A resposta é positiva, em relação àestadual. Está atendida à juridicidade? Não, eis que Lei Federal dispõe deforma diversa.

Com efeito, extrai-se do o art. 44, III, do anterior Código Florestal (Lei4.771, de 1965), que era possível a compensação da área de reserva legal,porém, condiciona a sua validade ao fato de ser a compensação na mesmamicrobacia:

Art. 44. O proprietário ou possuidor de imóvel rural com área de florestanativa, natural, primitiva ou regenerada ou outra forma de vegetação nativaem extensão inferior ao estabelecido nos incisos I, II, III e IV do art. 16,ressalvado o disposto nos seus §§ 5o e 6o, deve adotar as seguintesalternativas, isoladas ou conjuntamente:

(...)

III - compensar a reserva legal por outra área equivalente em importânciaecológica e extensão, desde que pertença ao mesmo ecossistema e estejalocalizada na mesma microbacia, conforme critérios estabelecidos emregulamento.

A exceção de compensação na mesma microbacia ficava por conta dasdisposições do § 4º, que assim dispunha:

§ 4º Na impossibilidade de compensação da reserva legal dentro da mesmamicro-bacia hidrográfica, deve o órgão ambiental estadual

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competente aplicar o critério de maior proximidade possível entre apropriedade desprovida de reserva legal e a área escolhida paracompensação, desde que na mesma bacia hidrográfica e no mesmo Estado,atendido, quando houver, o respectivo Plano de Bacia Hidrográfica, erespeitadas as demais condicionantes estabelecidas no inciso III.

Todavia, nem mesmo à exceção contida no transcrito no § 4º seamolda a hipóteses dos autos uma vez que a requerida adquiriu terra ruralem Januária (Bacia do Rio São Francisco) a fim de compensar área dereserva legal própria em Uberlândia (Bacia do Rio Paranaíba), ou seja,bacias hidrográficas absolutamente distintas.

Neste sentido é a jurisprudência:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - INSTITUIÇÃO DE ÁREA DERESERVA LEGAL - PRELIMINARES DE LITISPENDÊNCIA/CONEXÃO EDENUNCIAÇÃO DA LIDE - REJEITADAS - PROPRIEDADE RURAL SEMFLORESTA - ART. 16, § 8º, DA LEI 4.771/65 - EXIGÊNCIA LEGAL -RECOMPOSIÇÃO DA RESERVA LEGAL MEDIANTE COMPENSAÇÃO -ÁREA LOCALIZADA EM MICROBACIA DIVERSA DO IMÓVEL RURAL -IMPOSSIBILIDADE

(...)

- O fato do requerido ter adquirido terras na comarca de Januária visandopromover a compensação da reserva legal, independentemente de ter sidoinstruído nesse sentido pelo IEF, não demonstra a sua boa fé , haja vista aexpressa exigência do Código Florestal, em seu art. 44, §3º, de que o novoimóvel esteja em mesma bacia hidrográfica;

(...) (Apelação Cível 1.0702.08.456446-8/001, relatora desembargadora HildaTeixeira da Costa , 2ª Câmara Cível, julgamento em 10/1/2012, publicaçãoda súmula em 20/1/2012)

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROPRIEDADE RURAL. AVERBAÇÃO DER E S E R V A L E G A L . L O C A L D I S T I N T O D A P R O P R I E D A D E .I R R E G U L A R I D A D E . R E C U R S O P R O V I D O " I N C A S U " .

(...)

- A averbação de reserva legal na matrícula do imóvel rural, como um dessescomportamentos positivos impostos, deve ser feita no mesmo imóvel,admitida a compensação em outro desde que pertencente à mesma baciahidrográfica.

- É irregular a averbação de reserva legal de imóvel compensatória comimóvel de outra bacia hidrográfica porque não atende à proteção ambiental emuito menos ao equilíbrio do ecossistema.

- A questão do meio ambiente dentro do ecossistema no que toca a suaconservação e de tamanha importância para a vida do ser humano e de seuspróceres que transcende em dimensão ao próprio direito nacional à medidaque este afeta o equilíbrio da natureza enquanto patrimônio mundial.(Apelação Cível 1.0702.11.042765-6/001, relator desembargador Belizário deLacerda, 7ª Câmara Cível, julgamento em 10/9/2013, publicação da súmulaem 13/9/2013)

Não fosse isso, registro o acerto do parecer ministerial em afirmar àsf. 321-TJ a impossibilidade de aproveitamento da reserva instituída à luz doCódigo Florestal atual, uma vez que

... não existe prova nos autos de que o imóvel, onde foi instituída a área dereserva legal, estaria no mesmo bioma, não passando de mera ilação do Juizde Direito.

Entender que Januária possui o mesmo bioma de Uberlândia, por tratar-sede vegetação de cerrado, sem qualquer prova documental, não é decisãomais adequada.

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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Neste passo, ainda que fincada em legislação Estadual, verifico que ainstituição de reserva legal se deu em descompasso com a lei federal deregência da espécie. Portanto, mesmo que não tivesse sido declaradainconstitucional a Lei Estadual 14.309, de 2002, não poderia ultrapassar oslimites da competência legislativa suplementar conferida aos Estadosmembros e dispor de forma diversa ao previsto na lei federal (art. 24, VI, §§1º e 2º da Constituição da República).

E considerando a hierarquia das normas, inolvidável que a área dereserva legal instituída se deu à revelia da lei, razão pela qual adirointegralmente ao voto divergente que anulou a reserva instituída.

À luz destas considerações, com a devida venia, dou provimento aorecurso nos exatos termos do voto do revisor.

SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDA ARELATORA."

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