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pequeno ensaio final sobre a matéria de ritual e simbolismo
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Universidade Federal Fluminense/ UFF
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia/ ICHF
Departamento de Antropologia
Curso: Ritual e Simbolismo
Docente: Ana Lúcia Ferraz
Discente: Ana Vitória Belluomini
O movimento de resistência da Aldeia Maracanã:
A construção política de um movimento indígena que transcende a cultura, o ritual
e os símbolos.
I. Introdução
Se propor a etnografar acerca de movimentos sociais de resistência, é um grande
desafio, é pensar como a antropologia nos serve como ferramenta de questionamento e
desconstrução diante de um contexto social que oprime e extermina imensas
quantidades de povos e culturas.
A antropologia ao problematizar questões tem função política extremamente
importante ao se permitir dialogar com os lados múltiplos de uma mesma questão, não
relativizando a ponto de abstrair noções históricas eminentes que refletem relações
injustas e não horizontais, mas com o objetivo de desconstruir espaços onde os grupos
de mais voz têm dominado, trazendo um olhar novo para aqueles que se encontram à
margem.
Pretendo aqui, refletir a cerca de meu campo com o movimento de resistência da
aldeia Maracanã discutindo e desenvolvendo uma reflexão sobre o meu objeto através
dos conceitos da obra de Victor Turner. Além de relatar o processo do campo, e
problematizar questões que acredito terem afetado de alguma forma minha relação com
o campo e minha compreensão de mundo. Meu material de exposição argumentativa e
de campo consiste também em fotografias etnograficas que fiz em um de meus campos,
no ato doa dia 19 de abril.
Além disso, este é um trabalho ainda muito introdutório sobre o movimento de
resistência da aldeia maracanã, pretendo desenvolver mais as questões elaboradas aqui,
através de mais campos e uma leitura mais aprofundada da bibliografia de Victor
Turner.
II. O se inserir no campo e a afirmação em espaços políticos: como me
desconstruí politicamente através do meu campo
Antes de conhecer pessoalmente alguns integrantes da resistência já observava
de longe o movimento e me interessava muito. No dia 11 de maio de 2014 fui a uma
reunião marcada no DCE da UFF que tinha o objetivo de apresentar sobre a resistência
da aldeia maracanã, e a proposta de se construir um congresso indígena autônomo e
totalmente auto-gestionado, pretendendo construir uma ponta entre a UFF e a aldeia, e
pedindo ajuda para a realização do congresso e do pré-congresso.
A reunião se deu em formato de roda, com algumas pessoas sentadas no chão,
em tom, aparentemente, descontraído. Estar naquele espaço era como ir de encontro a
uma nova experiência política, que acabou sendo inclusive forte demais para aqueles
que se prenderam a uma forma de fazer e compreender a política.
Aquele espaço, que começou e terminou com um ritual de canto e que se deu
junto ao consumo de rapé, foi para mim em um primeiro momento e percebo que para
muitos ali, que compunham o Movimento Estudantil, de estranhamento e em parte do
tempo como espetáculo.
Todas às vezes até aquele momento em que tinha me deparado fisicamente com
grupos indígenas, em minha infância e adolescência, tinha sido influenciada e tido meu
olhar direcionado para acreditar que naquelas culturas existia algo de fantástico que os
tornava não também humanos, mas obras de arte ou performance, que estavam ali por
um momento nos entretendo, e apenas isso.
Ainda que segundo Paulo Raposo a performance e a arte sejam movimentos
legítimos de resistência e produto direto do estado de liminaridade, a arte nesse contexto
era vista de maneira fútil e pouco importava para essas pessoas fora do movimento
indígena compreender sua complexidade e seu nível crítico.
Mas rapidamente desconstrui esse olhar, com ajuda dos poucos períodos
fatigados estudando antropologia. Percebi que existiam várias questões ali, que
afastavam uma série de movimentos sociais de movimentos de grupos minoritários que
se baseia em uma distinta cosmologia, tal como o movimento indígena.
Entender que é possível construir política juntamente com religião como forma
de cultura foi uma das maiores reflexões que fiz para minha própria concepção de
mundo ao fazer campo e também militar com a aldeia maracanã. Acredito que entrar
para militância desse movimento foi quase como automático a partir do momento que
passei a estuda-lo.
Meus campos se deram, primeiramente, nas reuniões que aconteceram na UFF
com lideranças indígenas, principalmente com Ash Ashaninka, e posteriormente em
uma atividade do pré-congresso e no próprio COIREM (Congresso Intercultural da
Resistência dos Povos Indígenas e Tradicionais do Maraká’nà).
III. O grupo, os contextos e as metáforas do drama social.
O movimento da aldeia consiste em um forte movimento de resistência, que
questiona o espaço da questão indígena nas pautas governamentais. Na pagina do
Facebook eles escrevem “Aldeia Rexiste” com x e não com s, pois o movimento
exprime a resistência de um povo e de sua cultura, um povo que tem sido apagado do
mapa, excluído, marginalizado e esquecido. E no límen do espaço urbano nasce um
movimento que questiona essa política de remoção e apagamento dos povos originários,
em um espaço que não é tão facilmente abafado pelos latifundiários.
Se tornando um movimento de visibilidade indígena urbano que se constitui em
uma das principais capitais do país, ao lado de estádio que hoje representa a dominação
do capital e das instituições imperialistas diante das populações pobres e marginalizadas
e do próprio povo carioca e a construção cultural da cidade, o Maracanã.
O grupo que compõem a atual resistência da aldeia maracanã é por si só muito
heterogênio, entre indígenas e não indígenas. Desde as diversas etnias indígenas que
acabam por constituir um movimento culturalmente de extrema multiplicidade, com
rituais, costumes, cantos e expressões de grupos de diversas regiões do país. Até mesmo
pelos não indígenas, anarquistas e anarcopunks, que acrescentaram muito na
incorporação política do movimento e na sua forma de organização.
Diante de um contexto de ocupação urbana, de um espaço dado anteriormente
como um museu indígena. Que construía simbolicamente e fisicamente um espaço de
exclusão e apagamento da cultura indígena viva e pulsante no Brasil, um espaço que
engessa e exclui o movimento indígena atual.
O movimento, como as lideranças afirmam, passou por um desmembramento, no
qual parte do grupo acabou por aceitar um projeto do governo federal, que cederia um
espaço de moradia para os indígenas do movimento, o grupo se opôs à medida e
continuou com a ocupação do prédio do museu do índio ao lado do estádio do
Maracanã, caracteriza o programa como “minha casa, meu presídio” satirizando o nome
real que seria “minha casa, minha vida”, como forma de denunciar a precariedade e as
condições as quais esses indígenas serão submetidos. Nesse ponto, de divisão do
movimento, pensei na 3ª e 4ª fase do Drama Social, descrita por Turner:
“terceira fase, a ação corretiva. No intuito de limitar a difusão da crise, certos
“mecanismos” de ajuste e regeneração (...) informais ou formais, institucionalizados
ou ad hoc, são rapidamente operacionalizados por membros de lideranças ou
estruturalmente representativos do sistema social perturbado. (...) A última fase que
ressalto consiste seja na reintegração do grupo social perturbado ou no
reconhecimento e na legitimação social do cisma irreparável, entre partes em conflito-
no caso do Ndembu, isto frequentemente significa a separação de uma parte da aldeia
das demais.”. (TURNER, Dramas, Campos e Metáforas, 36-37)
Onde em uma tentativa de reintegrar o grupo se propôs a medida e parte acabou
por aceitá-la, mas por coação do próprio governo, ao intimidar cada vez mais o
movimento com tropas policiais e invasões ao espaço, como tentativa de reapropriação
de posse. A violência e truculência aos movimentos sociais, tem marcado o histórico de
ocupações por todo o pais, acabando por ser uma medida de reintegração forçada, que
acaba muitas vezes por desmobilizar o movimento, diminuindo e não reconhecendo a
cisma social e colocando esses sujeitos mais ainda a margem.
Foto tirada no dia 19 de abril, em um ATO ao lado do antigo prédio da ocupação
da aldeia.
IV. Os Rituais e seus símbolos.
“Por ritual entendo o comportamento formal prescrito para ocasiões não devotadas à
rotina tecnológica, tendo como referência a crença em seres ou poderes místicos O
símbolo é a menor unidade do ritual que ainda mantém as propriedades específicas do
comportamento ritual; é a unidade última de estrutura especifica em um contexto
ritual.” (TURNER, Floresta de símbolos, 49)
Os espaços deliberativos, sendo eles plenárias, reuniões, assembleias e inclusive
aulas sobre a cosmologia indígena ministrada pelas próprias lideranças, se caracterizam
também como espaços rituais, diante de um contexto de ocupação urbana, onde a
cultura se resignifica junto às praticas de mobilizações políticas.
“Descobri que não conseguiria analisar símbolos rituais sem estudá-los numa série
temporal em relação com outros “eventos”, pois os símbolos estão essencialmente
envolvidos com o processo social. Vim a conceber os desempenhos do ritual como
sendo fases distintas, no processo social, através das quais os grupos se ajustavam a
mudanças internas e se adaptavam ao seu ambiente externo. Desse ponto de vista o
símbolo ritual transforma-se em um fator de ação social, em uma força positiva num
campo de atividade. O símbolo vem associar-se com interesses, propósitos, fins e
meios humanos, quer sejam estes explicitamente formulados, quer tenham de ser
inferidos a partir do comportamento observado. A estrutura e as propriedades de um
símbolo são as de uma entidade dinâmica, ao menos dentro do seu contexto de ação
apropriado.” (TURNER, Floresta de símbolos, 49)
Desses símbolos, percebi uma variedade de representações de etnias indígenas
entre eles. O Urucum, o rapé, o jenipapo, os cantos rituais e a fogueira são os símbolos
que se mostraram mais recorrentes e importantes.
O Urucum e o jenipapo
A pintura com Urucum, foi um dos ritos iniciais que presenciei nos rituais da
aldeia, o Urucum na cultura indígena representa proteção dos deuses e dos ancestrais,
além disso estar com urucum no rosto representaria também entrar em contato com a
sua ancestralidade indígena, e não ter receio de se autoarfirmar indígena.
A importância da autoafirmação é uma pauta forte levantada por esse
movimento. Não com o intuito de protagonizar o movimento indígena, mas de perceber
que a sua condição como brasileiro perpassa diretamente a uma ancestralidade indígena,
de algum modo ainda existe um pouco do sangue indígena concorrendo por suas veias,
e se autoafirmar é não negligenciar essa condição e dar visibilidade a esse povo,
portanto, o se autoafirmar carrega uma grande responsabilidade com a questão indígena.
O jenipapo, como o urucum, é uma pintura também muito importante, que
acende a ancestralidade e reforça a cultura indígena. Durante o congresso percebi que
nenhum dos indígenas de outras delegações, que chegaram nos primeiros dias, haviam
chegado já pintados com jenipapo, isso me estimulou a pensar várias questões, como
por exemplo, que o jenipapo seria um símbolo ritual muito especifico, mas com o tempo
esses indígenas, das etnias Guajajara e Guarani, passaram a se pintar.
Dois dias depois algumas lideranças Terena e Guarani-Kaiowá do Mato Grosso
do Sul chegaram ao congresso muitos pintados com jenipapo, na plenária do outro dia
uma das lideranças terenas fez uma fala emocionada sobre o fato de muitos não
indígenas estarem pintados com jenipapo, agradecendo, pois aquilo representa a cultura
deles e a cultura originária desse pais, e o fato de estarmos pintados mostrava que não
tínhamos vergonha dela e estávamos dando visibilidade a esse contexto.
No último dia do congresso eu já estava com a face toda pintada com a mistura de
jenipapo com carvão, que é a mistura que eles utilizam para fazer as pinturas, é uma
espécie de tinta preta que demora a sair, portanto fiquei com o rosto pintado por uma
semana. Quando já estava voltando pra casa fui ridicularizada e zoada por algumas
pessoas na rua, pelo fato de estar pintada como “um índio” como as pessoas afirmavam
para mim, o que para aquelas pessoas era se “rebaixar a um povo primitivo”.
Após esse episódio, passei a pensar a questão da pintura sobre outra perspectiva
e entender melhor a fala daquele indígena sobre o não sentir vergonha em estar pintado,
sobre a importância de afirmar a cultura indígena. Numa perspectiva geral, que parte de
uma visão colonizadora, que infelizmente abrange parte da população, o indígena é
materialização do homem primitivo e atrasado, sendo suas pautas políticas, como o
direito às terras algo que vai contra a lógica de “evolução” e “crescimento do país”.
Quando não indígenas se propõem a respeitar e a aprender essas culturas, é dar
legitimidade a esse movimento, é apoiar e ajudar nesse movimento, que precisa a cada
dia de mais braços, em outra fala esse mesmo indígena comentou sobre as dificuldades
que seu movimento enfrenta no MS, pois muitas lideranças são assassinadas e o numero
de pessoas só tende a diminuir, reforçou também sobre a diferença do movimento deles
e o da aldeia aqui, pois a aldeia maracanã conta com dezenas de não indígenas que
constroem também o movimento, enquanto que lá não existe mobilização da população
para ajuda-los.
Pintura de Urucum sendo feita por Potyra (liderança indígena no movimento da aldeia)
Indiara Kayapó (liderança indígena) e Luna, pintadas de Urucum em Ato da aldeia
maracanã do dia 19 de abril.
Indiara fazendo pinturas ancestrais usando um batom ao invés do Urucum, em Ato da
aldeia maracanã do dia 19 de abril, resignificação da cultura indígena diante de um
contexto urbano.
Urutau Guajajara (liderança indígena) fazendo pintura com jenipapo, em Ato da aldeia
maracanã do dia 19 de abril.
Lideranças indígenas fazendo pinturas ancestrais com lápis de olho ao invés de
jenipapo, em Ato da aldeia maracanã do dia 19 de abril, resignificação da cultura
indígena diante de um contexto urbano.
A roda de cantos ancestrais
A roda de cantos ancestrais em um rito que antecede as plenárias e reuniões
deliberativas e que também é utilizado para finaliza-los. Os cantos cantados representam
fortemente a cultura e trazem de maneira muito forte a ancestralidade, por isso iniciar
esses espaços com eles para os indígenas é muito importante, além disso, muitos dos
cantos inspiram força, ao pedirem força aos deuses e falarem de liberdade através de
metáforas.
Um dos cantos que se chama Maynumi Uira, que em tupi-guarani significa
beija-flor vai cantar, fala sobre um beija-flor que canta todos os dias pela manhã.
Maynumi é o nome da filha de duas lideranças indígenas importantes, que foi concebida
e nasceu na aldeia, ela representa o beija-flor que continua a cantar ainda que queiram
cala-lo, assim como a musica, representa resistência. As rodas de cantos também são um
momento de descontração e diversão.
Roda de cantos ancestrais do Ato do dia 19 de abril.
Roda de cantos ancestrais do Ato do dia 19 de abril.
Roda de cantos ancestrais do Ato do dia 19 de abril.
Roda de cantos ancestrais do Ato do dia 19 de abril.
O rapé
O uso do rapé é uma pratica muito comum entre os Ashaninka do Acre, e foi
incorporado ao movimento pelo indígena Ash Ashaninka. Participei de dois feitios de
rapé durante meus campos, para Ash os feitios são verdadeiras aulas sobre cosmologia
da floresta e sobre a medicina tradicional indígena.
O rapé é um pó feito com tabaco, primeiro é preciso desenrolar o tabaco
utilizado, que vem em rolo e bem úmido, durante todos os momentos da produção do
rapé, Ash ressaltava a importância de manter em mente pensamentos bons e também
estabelecer uma conexão com Pachamama, que seria a mãe-terra, na medicina indígena
o rapé é uma substancia de poder.
Depois de desenrolar e esticar as folhas do tabaco ele deve secar ao sol, em uma
das vezes que fizemos estava de noite e não havia sol, então o secamos na fogueira,
antes de secar, cada um pegou um pouquinho do tabaco e jogou na fogueira, em um ato
de alimentar a fogueira mas também significava jogar as coisas ruins para queimar,
nesse monte de tabaco que jogamos tínhamos que mentalizar coisas que não queríamos
mais para a nossa vida e que estavam atrapalhando a luta.
Após seca-lo ele é esfarelado e colocado em um pilão, o pilão que usamos se
chamava “não vai ter copa”, após pilar ele é peneirado em um lenço. No final, em
algumas vezes misturamos outras folhas em pó, como de ganja e coca. Ash, fala do rapé
como uma substância que expande a mente, tal como a ayahuasca, a ganja e outras
plantas. Ele diz que são elas coisas que Pachamama nos da para que enxerguemos
melhor as questões e consigamos resolver os problemas.
Eu utilizei o rapé algumas vezes, ele pode ser soprado em seus nariz, ou você
mesmo pode aplica-lo, soprando em si mesmo, mas é importante que quem aplique
esteja com bons pensamentos e o faça com seriedade, pois nesse ato existe uma troca de
energia intensa e de cura também.
O rapé pode algumas vezes causar vômitos e deixar a pessoa muito mal, é
obrigação de quem o aplicou e também de todo o grupo, lidar com esse situação e fazer
a pessoa “voltar” caso o estado demore muito a passar, essa condição de passar mal não
é vista de uma forma ruim, pois representaria limpeza.
A sensação do rapé é primeiro bem incômoda, suas narinas ardem, os olhos
lacrimejam, a pressão cai um pouco, eu sinto algumas vertigens também. Mas é como se
fosse possível sentir a ação de cura por todo o seu corpo e ,talvez pela queda da pressão,
algumas vezes quando me sentei no chão de grama senti uma profunda conexão com a
natureza.
O rapé te coloca a pensar as questões de maneira diferente, como uma expansão
de mente mesmo, talvez por todo o êxtase do ritual, por toda a concentração que se
constrói diante dele, mas também por sua própria composição.
A fogueira
A fogueira é o símbolo essencial nas praticas rituais da aldeia maracanã, todos
os espaços deliberativos exigem uma fogueira, para que aconteçam bem e que se tenha
bons frutos. Ela é feita no centro da roda. Os outros grupos indígenas que conheci
também usavam muito a fogueira, nos momentos de roda, seja para descontração, seja
para reuniões, de modo que, durante o congresso, em um mesmo espaço haviam
diversas fogueiras, cada uma em uma das rodas que se formavam, em algumas tribos o
fogo representa tupã, uma das referencias indígenas de deus.
A fogueira é além de tudo um espaço que inspira a ancestralidade, em uma das
conversas com Ash ele falava sobre o que a fogueira representa no meio da floresta,
onde não há outro tipo de luz, ela é muitas vezes o recurso que se tem para manter as
pessoas conectadas, por exemplo, quando se usa ayahuasca, uma substância alucinógena
que traz uma conexão ancestral muito forte.
A fogueira também aquece, e estimula a roda, em um circulo de descontração e
união, o fogo inspira as questões e estimula o debate. A consagração da fogueira é
importante pois através dela se convoca os espíritos ancestrais, e os deuses que dão
proteção e força para a luta da resistência.
Não indígenas que compõem a resistência acendendo a fogueira no Ato do dia 19 de
abril
Urutau consagrando a fogueira no Ato do dia 19 de abril
Indiara em um ritual de consagração da fogueira, e de invocação dos espíritos
ancestrais, Ato do dia 19 de abril.
Lideranças indígenas em ritual de consagração da fogueira no Ato do dia 19 de abril
V. O circulo de Mulheres
O circulo de mulheres é um espaço de reunião apenas com mulheres, foi um dos
espaços principais para eu me inserir no campo, como mulher me encontrar com
mulheres em um espaço autoorganizado apenas por mulheres.
A Potyra, explicou que o circulo de mulheres se formou através da necessidade
de construir um espaço aberto onde as mulheres possam se sentir livres para dialogar
entre si e se organizar. Segundo ela, aconteceram vários episódios de intrigas por falta
de comunicação entre as mulheres e isso estimulou a criação desse espaço, “os homens
conversavam no bar e se resolviam assim, nós mulheres não tínhamos esse espaço” ela
relatou em uma conversa.
O círculo de mulheres é uma reunião de mulheres onde os homens são
totalmente proibidos, e nada do que é falado dentro do círculo pode sair, o contexto do
círculo de mulheres advém muito das ideias de organização política que outros grupos
trouxeram para o movimento, tal como o feminismo.
Foto do circulo de mulheres do dia 19 de abril
VI. Conclusão
O movimento de resistência da aldeia Maracanã é um movimento indígena que
se constrói em um espaço urbano, é um movimento de questionamento e que propõe
uma ruptura com a norma social estabelecida, assim como Victor Turner coloca a
primeira fase do drama social.
A partir dos elementos resignificados por esse movimento e possível perceber a
complexidade das culturas indígenas e a sua capacidade de se resignificar e de dialogar
entre si, mesmo com a diversidade de etnias. O movimento de resistência com os
conceitos de ação direta, de luta política, de feminismo e de autoafirmação indígena é
uma construção que advém do contato com diversas lutas políticas, é um contato entre
cosmologias diferentes que fortalece a luta.
Os diversos rituais e símbolos são resignificados e desconstruídos diante do
contexto desse movimento, mas ainda resiste ali a cultura indígena, e essa resignificação
é o que mais fortalece o ser indígena dentro do espaço urbano. Resistir com pinturas,
cantos e rituais é mostrar-se existindo no espaço, é colocar a cultura indígena diante dos
olhos de uma sociedade que o tempo todo tenta apaga-la. Pensei muito em ritual como
performance e arte para interpretar o movimento da aldeia.
“A arte permite muitas vezes a exposição da realidade no limite do possível, do
dizível e do representável. A arte possibilita, entre outras coisas, a ilusão, o abismo, a
desconstrução social e moral dos sujeitos retradados, intromete-se na cenografia e na
maquilagem do real.”[RAPOSO, 20]
A ideia de performance como arte, seria mais apropriada para interpretar esse
trecho e pensar como as formas simbólicas descritas mais acima são retratos de arte
também, como resignificações e reapropriações de uma cultura.
A imagem abaixo revela uma resignificação material, com tintas preta e
vermelha, que mantém a tradição de cores do urucum e do jenipapo, em cima de uma
folha de papel são feitos grafismos indígenas.
Referências Bibliográficas
RAPOSO, Paulo. Diálogos Antropológicos: da teatralidade à performance. In:
Performance Arte e Antropologia. São Paulo, 2010, EDITORA HUCITEC.
MALINOWISKI, Bronislaw. Argonauts of the Westen Pacific. Nova York: E.P Dutton,
1961
TURNER, Victor. Dewey, Dilthey e Drama: um ensaio em Antropologia da
experiência. In Cadernos de Campo.
TURNER, Victor. Dramas sociais e metáforas rituais. Dramas, campos e metáforas.
Niteroi: EdUFF.
SAADA, Favret. Ser afetado. Rio de Janeiro :Cadernos de Campo, 2005.
TURNER, Victor. The Anthopology of Performance. New York: PAG Publications,
1987
TURNER, Victor. The Ritual Process: Structure and Anti-Structure). Chicago: Aldine
Transaction : 1969.
TURNER, Victor. Floresta de Símbolos. Niterói, RJ. EdUFF: 2005.