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1 MARCO AURÉLIO SALAZAR VIEIRA TUDO PARA TODOS: O Exército Zapatista de Libertação Nacional do México (EZLN) e as novas formas de conflitualidade social na América Latina Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), como requisito para Conclusão do Curso de Licenciatura em História. Orientador: Profº Ms. Yuri Michael Pereira Costa. São Luís 2009

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MARCO AURÉLIO SALAZAR VIEIRA

TUDO PARA TODOS: O Exército Zapatista de Libertação Nacional do México (EZLN) e as novas formas de conflitualidade social na América

Latina

Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), como requisito para Conclusão do Curso de Licenciatura em História.

Orientador: Profº Ms. Yuri Michael Pereira Costa.

São Luís 2009

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Vieira, Marco Aurélio Salazar

Tudo para todos: o exército zapatista de libertação nacional

(EZLN) e as novas formas de conflitualidade social na América

Latina / Marco Aurélio Salazar Vieira.– São Luís, 2009.

...f

Monografia (Graduação) – Curso de História, Universidade

Estadual do Maranhão, 2009.

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MARCO AURÉLIO SALAZAR VIEIRA

TUDO PARA TODOS: O Exército Zapatista de Libertação Nacional do México (EZLN) e as novas formas de conflitualidade social na América

Latina

Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), como requisito para Conclusão do Curso de Licenciatura em História.

Aprovada em / /

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________ Profº Ms. Yuri Michael Pereira Costa

Orientador

_________________________________________________ 1º Examinador

___________________________________________________ 2º Examinador

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À minha filha, Laylla Vitória, que

completava dois anos quando da

conclusão deste trabalho.

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AGRADECIMENTOS

À Laylla, minha filha, pela maturidade (nem tanto), responsabilidade e

felicidade constante que a paternidade tem me dado.

À minha mãe, pelo amor e incentivo fundamentais em todos os momentos

da minha vida.

À Josielle, minha esposa. Devo agradecê-la pelo companheirismo e amor

incondicional que têm nos unido cada vez mais.

Às amizades construídas na universidade e que seguirão firmes para a vida,

das quais não posso deixar de citar meus “cumpades” Leandro, Paulo e Daisy (minha

melhor amiga, confidente e por vezes cúmplice), Fernando, Renata, Jorge, Clenilson,

Artêmio, Alane, Roberta, Neto, Rafael, Arlyindiane, Flávia, Allana, Sílvia, André e

tantos outros com os quais compartilhei os melhores (e piores) momentos da minha vida

(de preferência na mesa de um bar).

Ao professor Marcelo Cheche pela orientação, ajuda e dedicação,

fundamentais para a conclusão deste trabalho.

Aos colegas e amigos de tantos “bicos” e estágios em que trabalhei durante

minha vida acadêmica, em especial aos amigos do Centro de Cultura Popular Domingos

Vieira Filho.

Aos amigos da escola Santa Teresinha, em especial os professores com os

quais compartilho e tento superar diariamente as dificuldades e limites da educação.

A todos os meus alunos (ex, atuais e futuros). Esse é um agradecimento

especial àqueles que têm me ensinado constantemente a ser professor.

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“Já basta o recanto do esquecimento, já

basta ser objeto de desprezo. Já basta ser

motivo de nojo. Já basta ser a mão

morena que esmolas recebe e lava

consciências. Já basta a vergonha da cor.

Já basta a vergonha da língua. Já basta

ter a humilhação e a morte como

sentenças. Já basta!!”

EZLN

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RESUMO

Este estudo intitulado “Tudo para todos: O Exército Zapatista de Libertação Nacional do México (EZLN) e as novas formas de conflitualidade social na América Latina” têm por objetivo estudar o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), movimento de indígenas armados provenientes do estado de Chiapas, localizado no Sudeste mexicano, que surge em público a partir de 1994 mantendo-se até os dias atuais, portanto, há quinze anos, em luta aberta contra as forças políticas tradicionais mexicanas. Busca-se através da análise do referencial teórico levantado, realizar um resgate histórico da práxis zapatista como fenômeno ligado às demandas camponesas que se apresentam durante a Revolução Mexicana de 1910, além de compreender as motivações do levante indígena de 1994, contextualizando-o com o cenário sócio-político latino americano e analisar os deslocamentos presentes na práxis zapatista que fundam um novo tipo de conflitualidade social no continente. Palavras-chaves: Zapatismo. Conflito Social. América Latina

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ABSTRACT

This study entitled "All for all: The Zapatista National Liberation Army of Mexico (EZLN) and new form of social conflict in Latin America are designed to study the EZLN, armed indigenous movement from the state Chiapas, located in southeast Mexico, appearing in public since and remains until the present day, therefore, fifteen years ago in open struggle against the Mexican traditional political forces. Search through the analysis of the theoretical framework lifted, held a historic surrender of praxis as Zapatista peasant phenomenon linked to the demands that are presented during the Mexican Revolution of 1910, in addition to understanding the motivations of the indigenous uprising of 1994, contextualizing it with the Latin American political scene and analysis of displacements in the Zapatista social praxis that founded a new type of social conflict on the continent. Words keys: Zapatista. Social conflict. Latin America

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LISTA DE SIGLAS

CCRI – Comitê Clandestino Revolucionário Indígena

CNC – Confederação Nacional Campesina

CNDP – Comitê Nacional de Defesa Proletária

COM – Casa do Operário Mundial

ELS – Exercito Libertador do Sul

EZLN – Exercito Zapatista de Libertação Nacional

FMI – Fundo Monetário Internacional

NAFTA – Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (North American Free Trade

Agreement)

PAN – Partido da Ação Nacional

PNR – Partido Revolucionário Nacional

PRD – Partido da Revolução Democrática

PRI – Partido Revolucionário Institucional

PRM – Partido da Revolução Mexicana

TLC – Tratado de Livre Comércio

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Emiliano Zapata............................................................................................. 19

Figura 2 – Pancho Villa................................................................................................... 19

Figura 3 – Bandeira do EZLN......................................................................................... 32

Figura 4 – Estado Chiapas............................................................................................... 35

Figura 5 – Subcomandante insurgente Marcos, líder militar e principal porta-voz do

EZLN ............................................................................................................................. 39

Figura 6 – Mortos no povoado de Acteal, Chiapas........................................................... 47

Figura 7 – Chegada da delegação zapatista na praça central da cidade do México ........... 52

Figura 8 – Indígena Zapatista discursa no Congresso mexicano....................................... 53

Figura 9 – “Aqui o povo manda e o governo obedece” ................................................... 53

Figura 10 – Subcomandante Marcos em entrevista a CNN .............................................. 56

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 11

2 ZAPATA VIVE... DE QUE JEITO? USOS E APROPRIAÇÕES DA

MEMÓRIA REVOLUCIONÁRIA MEXICANA ............................................ 16

3 “YA BASTA”: O EZLN E O GRITO DE RESISTÊNCIA INDIGENA NO

MÉXICO............................................................................................................ 29

4 CONFLITO SIMBÓLICO E REVOLUÇÃO HI-TECH: O EZLN E A

REELABORAÇÃO DA LUTA SOCIAL NA AMÉRICA LATINA ............... 43

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 59

REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 61

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1. INTRODUÇÃO

Em 1º de janeiro de 1994, um grupo de indígenas, descendentes de maias,

pertencentes aos povos Tzotzil, Tzetzal, Chol, Tojolabales, Mame e Zoque, armados

mais com utopias do que com armas, tomava de assalto simultaneamente sete núcleos

de poder municipal em um Estado do sudeste mexicano, na fronteira com a Guatemala,

Chiapas. Alguns usavam gorros para esconder a face, outros usavam apenas lenços

vermelhos, todos desejavam a mesma coisa: democracia, liberdade e justiça. Aquele

grupo se auto-intitulava Exército Zapatista de Libertação Nacional e se definia como

resultado de uma carga histórica de espoliação que durava 500 anos.

Não coincidentemente, a aparição pública daqueles indígenas se dá no

mesmo dia em que o México oficializava sua entrada em um bloco econômico junto a

Estados Unidos e Canadá, o NAFTA. A integração mexicana com os dois países mais

ricos da América era vista com bons olhos por uma parcela da população daquele país.

Privatizações em massa, importações em alta e venda dos bens naturais e, portanto,

pertencentes ao povo, passavam a figurar, com uma freqüência nunca antes vista, na

história econômica do México. O aprofundamento dessa estrutura de exploração teve

seu preço: a miséria, a fome e a vida de milhares de camponeses indígenas, esquecidos e

humilhados pelos dirigentes de sua suposta nação.

Àqueles excluídos, o estado mexicano não deixou outra opção senão o

levante, a insurreição, o despertar de uma rebeldia armada que se pretende herdeira

daqueles que, no início do século XX, também se puseram às armas para alcançar suas

demandas por terra e liberdade numa Revolução singular em nosso continente: a

Revolução Mexicana. Por isso se autodenominam zapatistas, numa referência a um dos

líderes daquela revolução que varreu o México, Emiliano Zapata. Mas não apenas o

nome, assim como a luta, os sonhos, a dignidade, os ideais são todos reeditados na luta

contemporânea dos pobres da terra que naquele primeiro de janeiro anunciaram em

público o seu drama: os explorados desta terra continuam a sua luta. E contra todas as

teorias que direcionavam suas teses para o fim das utopias, para o fim da luta armada na

América Latina, para o fim da própria história e para o predomínio do capital em sua

nova fase mais massacradora que nunca, a neoliberal, o EZLN representou e ainda

representa a continuidade do grito dos excluídos, agora mais alto e claro.

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O desenvolvimento deste trabalho tem por objetivo analisar as origens,

formas de organização e ação, estratégias de sobrevivência e luta desta organização, que

há quinze anos combate abertamente os grupos políticos e econômicos que dominam e

ao mesmo tempo massacram o México.

Estudar a atuação do EZLN significa compreender parte de um amplo

processo de luta e resistência dos povos latino-americanos que, apesar de quase sempre

terem as mesmas reivindicações, não se apresentam de forma homogênea, por trazer

novos tipos de linguagem, novas formas de atuação, diálogo e visão de mundo. Nesses

aspectos, a lógica zapatista surpreende na medida em que a sua estratégia de atuação

incorpora novos elementos, como a linguagem metafórica influenciada pela cultura

maia e a comunicação eletrônica; ignora outros, como a conflitualidade política

tradicional e a dependência ideológica e material dos partidos políticos.

Para nós, o contato com a práxis zapatista significa conhecer uma nova

forma de fazer política e de construir novos rumos para os povos indígenas no México.

Desde seu aparecimento em público, em janeiro de 1994, os zapatistas têm buscado

convencer o México de que outra realidade é possível, de que a luta pode e deve

alcançar novos patamares e assim, driblando os bloqueios da mídia oficial, desafiando a

trama dos poderosos e dialogando com a sociedade civil mexicana e com o mundo,

procuram redefinir relações sociais, de acesso à justiça, saúde, terra e educação.

Ao estudar o EZLN, buscamos formas de compreensão de um novo tipo de

organização social, uma nova forma de fazer política, de exercer o poder, a justiça e a

democracia. Os diferentes países que constituem a América Latina partilham do mesmo

passado histórico, carregam nas costas o mesmo legado colonial e sofrem num presente

aonde a espoliação, assumindo novas formas, continua a ser a marca de nossa relação

com o mundo. O momento social pelo qual passa nosso continente merece uma reflexão

sobre o sistema no qual estamos inseridos e as formas que se podem buscar para sua

transformação.

Certamente, a superação de nossos conflitos, causados pela estrutura de

violência social e política na qual estamos inseridos deve vir não de políticos

iluminados e carismáticos, de gabinetes governamentais, de discursos vazios, cínicos e

desconhecedores de nossa realidade. A mudança a qual tanto se almeja, a reconstrução

de nosso espaço social deve vir das organizações de base, do povo, de quem

verdadeiramente protagoniza a História, é ai que reside e emana todo o poder, é ai que

deve residir e emanar toda dignidade e rebeldia.

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Nossa cultura política chegou a um nível tão insuportável, que nossa

consciência prefere optar pela simples ação de delegar poder a outro, para que, em

nosso nome, decidam nossas vidas. Assim, nós lentamente nos impregnamos do

discurso do “menos pior”, desistimos de melhorar, queremos apenas que as coisas

permaneçam como estão. É uma lógica tão absurda quanto corriqueira, que nossa

esquerda política também caiu nas redes do velho jogo político institucional, que faz da

democracia uma mera disputa pelo poder, por cargos eletivos. É uma triste constatação,

mas para eles é melhor estar lá do que não estar.

A ênfase que deve ser dada a organização das bases pela reconstrução do

espaço social reflete a prática dos movimentos neozapatistas, principalmente do EZLN,

que busca, em seus municípios autônomos, uma reformulação dos velhos conceitos de

democracia, justiça e política, criando e exercitando o autogoverno. Esse tipo de

estrutura revela que estamos assistindo ao surgimento das primeiras tentativas

empreendidas pelos povos do continente para encontrar saída para um momento muito

angustiante de sua vida social. Tal angústia é fruto dos caminhos que a política e a

economia da América Latina têm seguido, ampliando sua estrutura de dependência, ao

seguir a cartilha neoliberal imposta pela economia globalizada.

Nossa análise parte de três eixos principais que buscam nortear a

compreensão das formas de organização e atuação do Exército Zapatista de Libertação

Nacional.

Em primeiro lugar, buscamos uma revisão histórica acerca da Revolução

Mexicana de 1910. Este tipo de análise traduz uma dupla intenção: de um lado,

buscamos identificar a prática do EZLN com as demandas históricas dos camponeses

indígenas que se insurgiram naquele começo de século, ou seja, desejamos precisar o

que é o zapatismo, de onde este termo vem e porque no final do século XX esta

referência foi ressuscitada, reformulada; de outro, ao perceber a heterogeneidade de

projetos nascidos com a Revolução Mexicana, nosso propósito é o de perceber que tipo

de formação política resultou deste processo, que tipo de estado foi configurado no

período pós revolucionário e a quais interesses este estado se pôs a serviço. Assim,

nossa percepção, neste primeiro momento, quer entender as conseqüências, situadas,

sobretudo, a nível social e político, que o desenrolar daquela revolução engendrou.

Em segundo lugar, nossa pretensão se dá no sentido de discutir os

fundamentos, as razões da insurreição indígena liderada pelo EZLN, contextualizando e

compreendendo as suas origens, ações e transformação, bem como sua relação com a

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política oficial mexicana e a sociedade civil. Para tanto, nossa análise deve perpassar

pela conjuntura histórica de formação e aparecimento do EZLN, buscamos ainda

identificar a opção dos indígenas pelo levante através da compreensão de fatores

internos ligados ao espaço geográfico ocupado pelos zapatistas, a situação do Estado de

Chiapas e aos posicionamentos da política oficial em relação às demandas indígenas.

Nossa tarefa de compreensão das origens, estratégias e formas de atuação da

guerrilha indígena de Chiapas é encerrada pelo esforço de se construir uma percepção

das características presentes no zapatismo como elementos essenciais para a

reformulação das lutas tidas como de esquerda em nosso continente. Nesse sentido, o

zapatismo é apreendido através de sua relação com a sociedade civil e com o estado

mexicano. Relação que atravessou diversas fases, níveis e formas de comunicação, que

vão desde comunicados à inserção na mídia e no ciberespaço.

Para execução destes objetivos, nosso estudo baseou-se numa vasta

bibliografia que busca não apenas descrever a ação dos insurgentes, mas ampliar a

discussão, buscando formas de interpretar o movimento sem desligá-lo de um contexto

mais amplo de resistência histórica levada a cabo desde baixo. Além disso, recorremos

aos comunicados, cartas, declarações e discursos que os zapatistas publicaram desde a

aparição pública em 1994, com o objetivo de esclarecer os motivos da insurreição e

aproximar-se da sociedade civil mexicana, buscando legitimar suas ações e ideologia

junto à sociedade em geral e outras organizações de base. Esse tipo de documentação

permite perceber a forma como o discurso dos zapatistas é construído. A fala dos

insurgentes revela uma visão outra de mundo, ampla, aberta, digna, costurada pela sede

de liberdade e justiça, totalmente diferente da imagem folclorizada, pretendida e

reforçada pelas elites mexicanas.

Contamos ainda com uma série de artigos e comunicados eletrônicos,

publicados por uma rede de solidariedade internacional que se criou em torno do

fenômeno zapatista, disponíveis na internet para a comunidade em geral como estratégia

de atuação da guerrilha zapatista. Esses comunicados eletrônicos são apenas mais um

dos referenciais que diferenciam a atuação do EZLN de outras formas de contestação

social presentes hoje em nosso continente.

Com esses documentos é possível construir um perfil da guerrilha indígena,

destacando seus objetivos, sua relação com a política oficial, com os trabalhadores, com

a sociedade civil e com as demais organizações que, da mesma forma que o EZLN,

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sustentam uma guerra desigual contra as formas políticas e econômicas que exploram o

continente.

Não precisamos dizer a partir de qual perspectiva histórica este trabalho foi

construído. As páginas que seguem devem se encarregar de dizer isto. Devem se

encarregar de levar os acontecimentos que tem marcado os últimos anos da história

social do México, e que os meios de comunicação tentam em vão esconder. Devem se

encarregar de dizer que os indígenas do México tem gradativamente buscado reescrever

sua própria história a partir de um único elemento: sua dignidade.

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2. ZAPATA VIVE... DE QUE JEITO? USOS E APROPRIAÇÕES DA MEMÓRIA REVOLUCIONÁRIA MEXICANA

Emiliano Zapata nos ensinou a não lutar pelo poder, porque o poder apodrece o sangue e escurece o pensamento (Subcomandante Insurgente Marcos, Março de 2001)

O processo revolucionário que abalou o México a partir de 1910 possuiu

uma série de características que atribuíram a essa revolução um caráter único no

continente latino americano. Não apenas porque foi a primeira a eclodir no século XX.

Sua singularidade é geralmente associada à participação decisiva do campesinato

mexicano, que, em um determinado momento, passa a apresentar seu projeto de

revolução.

Esse deslocamento representou, como assinala Marco Antônio Villa (1983,

p.7), “uma distinção radical em relação às numerosas lutas intra-oligárquicas, típicas da

história da América Latina”. No entanto, o desenrolar dos acontecimentos durante a

revolução conduziram o estado mexicano a um novo perfil, um estado reelaborado pelas

elites mexicanas que tomam a condução do processo revolucionário, incorporando de

forma superficial os ideais de Villa e Zapata, embora estes não se apresentassem de

maneira uniforme, conseguindo moldar o atual estado mexicano, construindo os traços

que lhe conferiram o título de “uma ditadura perfeita”, o regime político mais estável

que este continente conhecera no século passado.

Este capítulo pretende discutir algumas das principais conseqüências da

Revolução mexicana de 1910, percebendo as formas como, a partir do ideário

revolucionário, que eclode no México, o novo estado mexicano é moldado, solidificado

e conduzido rumo à construção de um “México imaginário”, que se constitui enquanto

um país das minorias detentoras do poder e da máquina administrativa estatal,

organizado segundo as normas, aspirações e projetos da civilização ocidental (ORTIZ,

2003). Esse México, ou essa parcela do estado mexicano, é herdeira das pequenas e

médias elites que viram cair em seus braços o México em rebeldia no início do século

XX, burocratizando a Revolução e pondo um hiato no projeto levado a cabo pelos filhos

daquela terra, camponeses e indígenas.

O consenso de que a Revolução de 1910 mudara de forma significativa o

perfil do estado mexicano e sua singularidade em relação aos processos de

transformação na conjuntura da maioria dos países latino americanos nos séculos XIX e

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XX advêm do fato de que as massas revolucionárias (camponeses em sua maioria)

haviam destruído uma ordem imposta pelo estado oligárquico porfirista1; formaram

grandes contingentes armados contra as elites; chegaram a ocupar o centro do poder no

México; distribuíram terras e formaram autogovernos, criando e executando novas

formas de fazer política. Destacamos assim, a partir dessa luta grandiosa liderada pelo

“México profundo”2, “de baixo”, duas grandes contribuições para a construção do

México moderno. A primeira situada em um nível jurídico, diz respeito à elaboração da

Constituição de 1917. A segunda, a nível político, o aparecimento do estado pós-

revolucionário.

No entanto, de acordo com Marco Antônio Loza (2008), o processo

revolucionário mexicano foi, em última instância, apropriado e dirigido por caudilhos

militares de origem pequeno-burguesa, que conquistaram a hegemonia do movimento,

favorecendo principalmente os interesses da ascendente burguesia e de uma parte de

latifundiários sobreviventes dos embates da revolução.

Mas como se deu este processo de apropriação? Como as massas

camponesas mexicanas, que em um determinado momento conduziram o processo

revolucionário, tiveram sua participação reduzida? E como foi possível, de uma

revolução singular na América Latina, nascer um país que partilha a estrutura desigual,

de espoliação que afetou e afeta as demais nações latino-americanas?

Embora não seja a intenção ocupar-se do longo processo revolucionário

mexicano, indicam-se pelo menos dois passos fundamentais para a compreensão dos

fatos que costuraram a atual fisionomia do estado mexicano. O primeiro seria o próprio

desenrolar dos acontecimentos entre 1910 e 1920, ou seja, a Revolução propriamente

dita. O segundo, num momento mais a frente, situado em um nível político, mais com

profundo alcance em toda sociedade mexicana, o surgimento do Partido Revolucionário

Institucional (PRI), simbiose de partido-Estado caracterizado pela formação de uma

enorme máquina burocrática, corrupta, geradora de empregos públicos e engodo

eleitoral, que permaneceu no poder do estado mexicano de 1929 a 2000, perdendo as

eleições para o PAN (Partido da Ação Nacional) de Vicente Fox e, mais tarde (em

2006) para Felipe Calderón.( HILSENBECK,2007).

1 Como é conhecido o período de 35 anos (1876 – 1911) que o estado mexicano é governado por Porfírio Diaz. 2 Expressão cunhada pelo antropólogo mexicano Guillermo Bonfil Batalla para designar a parte

esquecida, “negada” pelo México.

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O processo que se concebe como Revolução Mexicana não se apresenta

como algo homogêneo em princípios, ideais ou programa de ação. Cada setor ou parcela

da população possuía seus próprios interesses. Destacam-se aqui três principais, e que

se tornaram bem evidentes no desenrolar dos acontecimentos que desencadearam a

Revolução: o movimento operário, que se desenvolve a partir da industrialização do

país iniciada ainda durante o porfiriato; a classe camponesa, majoritariamente indígena,

carregando a histórica reivindicação pela posse da terra, fortemente prejudicada com o

avanço do capital sobre o campo; e, por último, os setores da pequena e média

burguesia, na busca pelo estabelecimento da democracia, ou pelo menos de um regime

que garantisse sua participação mais efetiva na política nacional.

Em 1910, o descontentamento popular já era, de certa forma, canalizado,

apropriado e em certa medida organizado pela nascente burguesia mexicana, dirigida

por Francisco Madero. A atuação de Madero possuía pelo menos dois objetivos claros:

o projeto de não reeleição de Diaz e a manutenção do estado democrático de cunho

burguês. As eleições presidenciais daquele ano foram marcadas pela reedição do jogo

político corrupto característico do porfiriato. As fraudes que conduziram novamente

Porfirio Diaz ao poder desencadearam a revolta nas grandes massas mexicanas. Em

outubro do mesmo ano, Madero lançaria o Plano de San Luís Potosí, algo como,

segundo Américo Nunes, uma plataforma para a Revolução, reafirmando os preceitos

da não reeleição, do sufrágio direto e marcando para novembro daquele ano a

insurreição (NUNES, 1975).

O plano de Potosí significava um chamado, uma convocatória ao povo a

pegar em armas, a insurgir-se contra a ditadura do porfiriato. O plano veio depois da

ação. Por todo país a Revolução já havia eclodido. Ao norte, Pancho Villa organizava

um exercito que mais tarde ficaria conhecido pela façanha de ocupar o centro do poder

no México; no nordeste do país, Pascual Orozco, liderava uma frente que também se

armava contra as injustiças locais; e ao sul do país, Emiliano Zapata, um camponês do

estado de Morelos, dirigia a luta dos pobres daquela terra. Assim foi em diferentes

pontos do país, onde muitos levantes armados foram sendo desencadeados.

No final de 1911, Francisco Madero assumia a presidência. Nesse momento,

a reivindicação democrático-burguesa havia dado um passo importante para sua

solidificação. No entanto a revolta social, que em muito pouco compactuava com os

planos de Madero, se mostrava cada vez mais poderosa e a revolução camponesa seguia

a todo vapor. Ainda nesse ano, como resultado do descaso da política maderista em

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relação a situação camponesa, os zapatistas lançam o plano de Ayala3, rompendo com o

governo maderista.

Em fevereiro de 1913, um antigo general da era Porfírio Diaz assassinava

Madero e o vice presidente mexicano, assumindo com o golpe o poder. A notícia da

morte de Madero eliminou as esperanças de transformação, mobilizou todas as forças

insurrecionais remanescentes e retirou do governo Huerta toda a aparência de

legitimidade (CAMÍN, 2000). O golpe desencadeou entre todos os líderes

revolucionários do país uma série de protestos. Em Março daquele ano, Venustiano

Carranza, então governador do estado de Coahuila lança o Plano de Guadalupe exigindo

a renuncia de Huerta e o respeito aos princípios constitucionais. Segundo Marco

Antônio Villa (1993), nesse momento Carranza reivindicava para si a liderança do

movimento revolucionário, que já estava ocorrendo de forma dispersa. Surgia o

movimento constitucionalista tendo Carranza como primeiro chefe. O plano de

Guadalupe não atendia nenhum tipo, por mais básica que fosse, de demanda camponesa,

o que fez com que Zapata não aderisse ao plano.

Em 1914, Pancho Villa, liderando o exército insurgente do Norte chega à

Cidade do México. O feito tem a contribuição de uma frente liderada por Álvaro

Obregón. O general Huerta é derrotado, partindo para o exílio. Em outubro deste mesmo

ano reúnem-se a Convenção de Águas Calientes, encontro entre os principais líderes

revolucionários que buscava estabelecer um pacto sobre os rumos, as diretrizes da

revolução. O encontro em Águas Calientes seria abandonado por Carranza e, mais tarde,

por Obregón. A Cidade do México foi ocupada por zapatistas e villistas, selando a

continuidade da luta revolucionária camponesa.

Figura 1: Emiliano Zapata Figura 2: Pancho Villa

FONTE: www.patriagrande.net Fonte: www.latinamericanstudies.org

3 Mais que uma denúncia de traição cometida pelo então presidente Madero, o Plano de Ayala traz consigo um conteúdo radicalmente revolucionário, propondo a defesa com armas do que fora conquistado, estabelecendo as bases do movimento agrário no México.

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O fato de que, nesse momento, villistas e zapatistas ocuparem o centro do

poder no México e, em conjunto, optarem pela extensão da luta armada, suscitou

posteriormente, entre os historiadores que se ocuparam do tema, a discussão acerca dos

limites e da potencialidade revolucionária da luta camponesa travada naquele momento

no México.

Rafael Alarcón Medina, ao discutir as formas de organização, atuação e

estratégia da luta camponesa, tanto dos zapatistas quanto do exército liderado por

Pancho Villa, nos oferece uma interpretação da visão que os insurgentes possuíam da

guerra que travavam:

Embora a atividade do Exército Libertador do Sul tenha se estendido por vários estados do sudeste mexicano, seus líderes nunca buscaram – se quisessem teriam podido fazê-lo – estabelecer centros de poder e de tomada de decisões. Em geral tomavam um lugar, permaneciam por um tempo ali, faziam a divisão das terras e depois seguiam adiante. Ou então, o que era mais comum, recuavam para seus territórios de origem, desenvolvendo uma genuína guerra de guerrilhas: fustigando o exército em pequenos contingentes e recuando para as montanhas, contando – isso sim – com o total e incondicional apoio da população. Aquele zapatismo nunca teve uma visão nacional da revolução; suas pretensões sociais eram regionais e locais, seu foco e seu olhar não iam muito além daqueles que constituíam seus territórios ancestrais, como camponeses, indígenas ou ambas as coisas (...) a divisão do Norte, o exército dos camponeses do Norte do país, compartilhava esta mesma característica, mas com bases sociais e culturais diferentes. (MEDINA, 2008, p.92).4

Havia, portanto, diferenças de projetos entre os insurgentes do Norte, com

Villa e o exército libertador do Sul. Estas peculiaridades diziam respeito geralmente ás

bases materiais que impulsionaram a insurreição. Se no Norte, o desemprego

generalizado e a decadência do modelo econômico herdado do período colonial

forneciam a base para a revolta, ao Sul, as motivações pareciam vir de mais longe.

Aquele zapatismo traduzia-se em uma expressão histórica da luta pela terra e a sua

atuação se constituiu enquanto uma revolução à parte que buscava restituir as terras dos

camponeses e declarava guerra aos latifundiários.

O Exército Libertador do Sul (ELS), tendo a frente Emiliano Zapata,

incorporava em sua guerrilha demandas como a luta por autonomia, o estabelecimento

4 A estratégia de ação do Exército Libertador do Sul, liderado por Emiliano Zapata, seria incorporada e reeditada pela atuação do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN). Aprofundaremos a questão em nosso terceiro capítulo, quando discutiremos as estratégias de atuação e a luta anti-sistêmica sustentada pelo EZLN.

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de governos locais, o respeito à soberania popular e a adoção de uma direção

democrática baseada na auto-gestão. Essas características em muito diferenciavam o

zapatismo dos outros projetos nascidos com a Revolução Mexicana.

A luta camponesa levada a cabo por zapatistas e villistas sofreriam, no

entanto, um duro golpe: a aliança feita entre Carranza e a mais importante organização

operária que existia no México até então, a Casa do Operário Mundial (COM). Segundo

Antônio Villa(1983, p.23):

[...] a aliança COM-Carranza permite ao primeiro chefe ampliar a sua base de sustentação política, impedindo a constituição de um sindicalismo independente e revolucionário e uma aliança operário-camponesa que impediria, ou ao menos dificultaria, a vitória da burguesia. Assim, a aliança permitiu travestir o projeto burguês em um projeto de todo o povo mexicano.

A situação da guerrilha camponesa se tornaria mais crítica com o retorno

das tropas de Obregón à capital e a conseqüente derrota do Exército do Norte. Villa

voltava, sem sucesso, à luta de guerrilha, ao passo que Obregón se tornava o líder

militar mais importante do México até pelo menos 1920, quando se tornara presidente.

Em 1917, a revolta zapatista já estava confinada ao sul, no estado de Morelos. Os

constitucionalistas já detinham o poder central no México e perseguiam violentamente

os zapatistas. Nesse mesmo período, fruto do Congresso de Querétaro, nascia a

Constituição política mexicana, que vigora ainda nos dias atuais.

Em 1919, já politicamente rompido com Carranza, Obregón lança sua

candidatura à presidência. Em abril daquele ano foi lançado o Plano de Água Prieta5

com o objetivo de derrotar Carranza, que seria assassinado um mês depois. Neste

mesmo mês, atraído pela promessa de um possível acordo entre o Exército Libertador

do Sul e os carranzistas, Emiliano Zapata era assassinado. Posteriormente, grande parte

dos generais zapatistas se renderiam. Em dezembro de 1920 Obregón tomava posse

como presidente do México.

Daquela heterogeneidade de projetos e ideologias que marcara a eclosão da

Revolução Mexicana, um setor saiu claramente vitorioso. O assassinato de Zapata e a

realização do Plano de Água Prieta marcam a derrota da revolução levada a cabo pelos

pobres da terra mexicana e o início da formalização do estado burguês. A Revolução

5 Que possuía suas bases ideológicas na Convenção de Águas Calientes de 1914, assim como no Congresso Constituinte de 1917.

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ficará no meio do caminho, interrompida e era, naquele momento, institucionalizada,

burocratizada e os interesses operários e camponeses subjugados.

A descrição, embora feita de maneira não aprofundada, nos permite

visualizar como os acontecimentos entre 1910 e 1920 conduziram o México a formação

de um estado pós-revolucionário calcado nos interesses da ascendente burguesia. A

formação política resultante do processo revolucionário teve seus objetivos voltados

essencialmente para a implementação de uma máquina que favorecesse os novos grupos

dominantes, construindo as bases de uma estabilidade política e social capaz de

favorecer o desenvolvimento econômico capitalista do país. Esse projeto levado a cabo

pelo setor vitorioso na Revolução Mexicana só foi possível através do estabelecimento

de uma série de alianças com diversos setores sociais, como evidencia Marco Antônio

Loza (2008, p.152):

De fato, o período que vai de 1920 até pelo menos 1940 foi uma etapa eminentemente política, em que é possível observar que o principal interesse das classes dirigentes foi, de um lado, construir gradualmente um Estado apoiado em uma ampla aliança com os diferentes grupos e classes sociais e, de outro, diminuir o poder, tanto dos caudilhos que emergiram dos grupos revolucionários, quanto dos grupos oligárquicos, para dar passagem a uma verdadeira burocracia racional, cujo objetivo era estabelecer um sistema capitalista de acumulação (...) A grande maioria dos historiadores concorda que esse projeto consolidou-se graças a um processo que começou com o auge do movimento armado, fortaleceu-se sob o mandato de seis anos do general Lázaro Cárdenas (1934 a 1940) e manteve o seu ‘bom’ funcionamento com efetividade pelo menos até o mandato de Miguel de La Madrid Hurtado (1982-1988).

Portanto, o estado pós-revolucionário deve ser entendido, em primeiro

lugar, como um esforço em forjar uma estrutura de dominação estatal, baseada em um

conjunto de alianças de cunho policlassista capaz de fornecer as bases de uma

estabilidade, antes de tudo, política e social. É nesse intervalo de tempo descrito por

Loza que se desenvolve no México um tipo de organização política que foi capaz de

aglutinar, em seu corpo institucional, diferentes líderes regionais, representantes

partidários e outros grupos sociais distintos. Em 1929, o esforço dos grupos dominantes

mexicanos em criar um projeto de Estado forte, único e oficial ganhava nome e sigla:

PNR, o Partido Revolucionário Nacional.

Mais merecedor do cunho nacional do que o de revolucionário, o PNR é a

formalização dos objetivos de se delinear na política mexicana a construção de uma

entidade forte, perfeitamente pronta a se impor, de forma esmagadora e autoritária,

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sobre a sociedade e, ao mesmo tempo, direcionar as regras econômicas do país.

Segundo Marco Antônio Villa:

O PNR foi formado pelos chefes militares e civis da Revolução, por partidos regionais e organizações operárias e camponesas que já possuíam algum vínculo com o governo. Esta federação de grupos divergentes, algumas vezes até antagônicos, transformou o partido em um instrumento do Estado para impor a sua vontade: fora dele nenhuma liderança política, por mais expressiva que fosse, poderia sobreviver (VILLA, 1983, p. 53)

Para Hilsenbeck (2007, p.21):

O PNR é criado em decorrência da massiva manifestação das vontades que confluíram no processo revolucionário de 1910/1920. Mesmo pautada por uma organização corporativa e burocrática, foi a primeira vez que as classes populares e diversos setores sociais contaram com uma representação institucional

Com o nascimento do PNR, a revolução era definitivamente enterrada,

ganhando corpo o seu processo de institucionalização. Formalizou-se com o partido um

discurso ideológico que defendia, a todo o custo, a tese de que os princípios oriundos da

Revolução só podiam ser levados a diante pelo Estado.

O auge da atuação do PNR se dá com o processo eleitoral que conduz

Lázaro Cárdenas ao poder6. O cardenismo, como é conhecido o período em que

Cárdenas governa o México, é caracterizado por um forte mecanismo de apropriação

dos postulados surgidos entre as bases que se insurgiram na revolução mexicana.

Cárdenas consegue unir, em torno de seu projeto político, militares, antigos militantes

dos exércitos revolucionários villiastas e zapatistas. O Estado cardenista reorganiza em

torno da política oficial o setor operário, com a criação do Comitê Nacional de Defesa

Proletária (CNDP); realiza uma tímida e ilusória reforma agrária e funda a

Confederação Nacional Campesina (CNC), com o claro intuito de controlar as massas

camponesas do México.

O último golpe na autonomia das organizações populares no México é dado

com a transformação do Partido Nacional Revolucionário em Partido da Revolução

Mexicana, o PRM. Para Marco Antônio Loza:

6 Estadista que governa o México entre os anos de 1934 a 1940. Este momento político do México é identificado pela historiografia como um período populista. Para uma introdução sobre o tema ver: (PRADO, 2000).

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O PRM fora organizado com grande influência e alguns chefes militares e composto por organizações de massas como a Confederação Camponesa Mexicana (COM), as ligas de comunidades agrárias, a Confederação dos Trabalhadores do México (CTM), a Confederação Regional Operária Mexicana (CROM), a Confederação Geral de Trabalhadores (CGT) e outras, como o sindicato dos eletricistas e o Exército, agrupamentos todos eles atrelados ao Estado. (LOZA, 2008, p. 158).

O PRM exercia um mecanismo de controle muito mais efetivo pois seus

tentáculos agiam diretamente, não nos cidadãos, mas nos órgãos e instituições que os

representavam. Com o Partido da Revolução Mexicana era colocada em prática a

política de controle das massas, típica do cardenismo. Segundo Villa (1983, p.71):

O PRM funcionará como um verdadeiro partido de estado, ao invés de um partido no governo. Lançando seus tentáculos sobre a sociedade civil, asfixia a vida política, transformando os momentos eleitorais em mero ritual confirmatório da imposição partidária.

O Partido Revolucionário Mexicano daria origem, em 1946, ao Partido

Revolucionário Institucional (PRI). O partido-Estado, forte, oficial e dirigente das

massas mudava novamente de nome, porém seus objetivos e estratégias de atuação

permaneciam intactactas. O PRI conservava as mesmas bases de sustentação estatal,

agora sem a participação do exército. Em 1946, Miguel Valdés inaugurava o período de

presidentes civis.7 O partido, no entanto, “continuava a exercer o poder através do uso

da política de massas por meio dos ‘três setores’, o operário, o camponês e o popular”

(LOZA, 2008).

O Partido Revolucionário Institucional inaugurava um longo período de

dominação na política e na sociedade mexicana8. Pedro Ortiz assim caracteriza a

atuação do PRI:

um regime de partido-estado sui-generis. Um partido – o Partido revolucionário Institucional (PRI) – onipresente, espécie de ‘Leviatã pós moderno’ que espalhou seus tentáculos por quase toda a sociedade e que, em seus últimos governos, tratou de enganar todos ao mesmo tempo, nacional e internacionalmente, em seu afã de receber as bênçãos e os créditos financeiros para a sua tão sonhada entrada no

7 Esse presidencialismo com mandatários civis perdura até os dias atuais. 8 Do final da década de 1920 até o ano 2000. Aproximadamente 70 anos de dominação política.

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chamado primeiro mundo, a qualquer preço, ainda que pela porta dos fundos. (ORTIZ, 2003, p.270).

Para Alex Hilsenbeck:

O país concentrava contradições suficientes para merecer a expressão de uma ‘ditadura perfeita’, pela permanência não de um homem, mas de um partido, que concebe espaço à crítica apenas na medida que esta lhe serve para confirmar a sua vocação democrática, mas que ao mesmo tempo, lança mão dos piores meios de repressão para quem possa abalar o seu poder. (2007, p. 21).

O PRI representa, na história política mexicana, a última fase da

institucionalização da revolução. A idéia de sua criação advém da vontade se enfatizar o

início de um novo período em que governo mexicano passaria a ser dirigido pelas

instituições sociais frutos da guerra civil do início do século.

De Emilio Portes Gil a Ernesto Zedillo de León9. O partido-Estado

mexicano caracterizou-se, politicamente, pela formação de uma máquina administrativa

corrupta sustentada na concessão de cargos públicos; socialmente, pela repressão

disfarçada aos movimentos de esquerda e economicamente, por inserir de forma

profunda o país na estrutura de dependência externa ao capital estrangeiro. Dependência

esta, acentuada durante a década de 1980, período da desnacionalização mexicana e do

início da onda neoliberal que arrastou os países latino-americanos.

A década de 1980 representa para o México uma fase de grande

generalização da inflação, diminuição do PIB per capita, avanço nos níveis de pobreza e

grande endividamento externo. A superação desta situação, pelo menos em tese, seria

encontrada durante o governo Miguel de La Madri (também do PRI, governa o México

entre os anos de 1982 a 1988), com a intervenção dos órgãos financeiros internacionais

e a conseqüente inserção do México na absoluta subordinação ao modelo econômico

defendido pelos Estados Unidos, que nas décadas seguintes, caracterizar-se-ia pelo

modelo neoliberal, vigente ainda nos dias atuais.

Para Maurício Costa Carvalho, a intervenção norte americana implicaria

para o México uma série de reformas, caracterizadas essencialmente por:

9 Respectivamente o primeiro e o último presidente mexicano eleito pelo PRI. O primeiro governa de 1928 a 1930; o segundo, de 1994 a 2000.

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[...] uma efetiva liberalização comercial com redução da intervenção estatal na economia, progressivas reduções dos subsídios aos produtos mexicanos e à proteção aduaneira, eliminação gradual das licenças prévias de importação, privatizações de empresas, austeridade nas políticas fiscais e orçamentárias (CARVALHO, 2007,34).

A adoção desta cartilha nivelou o México á grande parte dos países do

continente, onde a política imperialista dos estados Unidos conseguia impor suas regras

e a dependência a instituições financeiras como o Fundo Monetário Internacional (FMI)

obrigavam estes governos a adoção de uma política de austeridade e indiferença às

questões sociais.

A adoção desta direção econômica e política por La Madri causaria uma

crise na própria estrutura interna do PRI. Alexander Maximilian Hilsenbeck assim

percebe o fato:

o PRI, nas campanhas eleitorais de 1988 atravessou uma enorme crise interna (...) entre diversos elementos desta crise destaca-se a fratura interna causada com a saída da corrente democrática; o dedaço

10 para a escolha de Salinas de Gotari foi contestado nas bases do partido; o grande descontentamento social em decorrência da receita recessiva do FMI e das políticas neoliberais iniciadas sob o governo De la Madrid (do qual Salinas foi Ministro da Fazenda) (HILSENBECK, 2007, p. 29).

A partir de 1988, fruto da maior fraude eleitoral da história do México, o

PRI inicia um novo ciclo de dominação política com a ascensão de Salinas Gotari ao

poder. Neste período, que perdurou até 1994, a imagem projetada para o exterior de um

país competente, moderno e que deveria servir de espelho para o continente contrastava

com a situação interna de perseguição aos inimigos políticos, de alteração nas direções

dos principais sindicatos com vistas a exercer um controle mais efetivo sobre os

mesmos, e as crescentes privatizações. Com esta política, O governo de Salinas foi

assim o “responsável pela modificação, em diversos aspectos, da expressão política

mexicana, colocando-se inclusive contra as conquistas da Revolução de 1910/20, com

vistas a ‘modernizar’ o país, conforme o receituário neoliberal.” (HILSENBECK, 2007,

p. 29).

10 Prática política comum no México caracterizada pela indicação a sucessão presidencial nove meses antes das eleições.

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Segundo Maurício Costa Carvalho:

O novo presidente prometia abrir as portas do desenvolvimento ao México e é recebido no círculo financeiro internacional com otimismo como o governante que poderia promover definitivamente a abertura comercial do país e lançá-lo de fato ao caminho da ‘modernidade’. Talvez aturdido por tamanho incentivo Salinas chegaria a declarar, em setembro de 1990 que a dívida externa era um problema superado. (CARVALHO, 2007, p. 58).

A ânsia política do PRI em obter o aval de inserção do México no grupo de

países desenvolvidos chegaria ao auge no que Pedro Ortiz chamou “aventura suicida”, a

construção de um acordo de livre comércio com os Estados Unidos e o Canadá que

entraria em vigor no final do mandato de Salinas. Segundo Pedro Ortiz.

As concessões feitas pelo governo mexicano para que o país fosse aceito como membro do NAFTA agudizaram a tal ponto a crise, que no início de 1994 ela mostrou-se com intensidade vulcânica, sem meios tons, para todo mundo, sobretudo para os investidores internacionais que avalizaram o ‘milagre mexicano’ dos anos 1980. (ORTIZ, 2003, p. 271).

Enquanto as elites mexicanas recebiam com bons olhos a oportunidade de

ingressar na “modernidade” econômica, os interesses do campo, sobretudo das

comunidades indígenas era mais uma vez relegado a último plano. O avanço dos

interesses do capital sobre o campo não deixava qualquer tipo de alternativa a essas

comunidades, a venda irrestrita dos bens naturais do México, como o gás, o petróleo, a

madeira e outros, decretava a miséria e mesmo a morte de milhares de camponeses

indígenas. Os que sobravam viam-se a mercê do jogo político que prioriza a mera

disputa pelo poder em detrimento dos anseios mais urgentes da maioria da população.

O Nafta, ou TLC (Tratado de Livre Comércio) para os mexicanos

representava a vitória do “México imaginário” sobre o “México profundo”. A

reivindicação histórica pela terra, que ganhara impulso com o advento da revolução de

1910/1920 ganhava um de seus últimos e mais duro golpe. Carvalho (2007, p. 75),

assim descreve a situação:

[...] nos anos do salinato cresceu a massa de miseráveis e a concentração de renda a limites explosivos; os gastos em educação encolheram em 21%; a parte do PIB dedicada à saúde caiu de 4,7% para 2,7%; aumentou o número de desempregados e subempregados; o poder aquisitivo dos salários diminuiu a terça parte; os 10% mais ricos na população mexicana passaram a possuir 60% da riqueza

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nacional contra 38% cinco anos antes; cerca de 45% dos mexicanos passaram a figurar oficialmente abaixo da linha da pobreza . A grande maioria dos espoliados eram indígenas e do sul do México.

A situação descrita acima aponta para o fato de que a organização política

fruto da guerra civil, o PRI, nem de longe herdava os anseios daqueles insurgentes, que

em 1910, pegavam em armas para defender seus interesses. A situação a qual os

interesses das elites mexicanas, traduzidas na atuação do partido-Estado, haviam

conduzido a grande maioria daquela população faria com que em 1994, um grupo de

indígenas do sul do México, em Chiapas, ressuscitasse seus mortos, entre eles Emiliano

Zapata, e reerguesse a bandeira da luta e da reivindicação por terra, liberdade e justiça,

não coincidentemente as mesmas bandeiras da revolução levada a cabo pelos “de baixo”

no início daquele século.

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3. “YA BASTA”: O EZLN E O GRITO DE RESISTÊNCIA INDÍGENA NO

MÉXICO

Nossa profissão é a esperança. Um dia decidimos virar soldados para que em outro dia os soldados não sejam mais necessários. Ou seja, escolhemos uma profissão suicida porque é uma profissão cujo objetivo é desaparecer. (EZLN, janeiro de 1994)

No dia 1º de janeiro de 1994, o México formalizava sua entrada no

NAFTA11, o acordo de livre comércio feito entre aquele país e mais dois sócios: Estados

Unidos e Canadá. Com o acordo e sua vigência a partir daquele ano, uma parcela do

México, elitista, celebrava a entrada do país no primeiro mundo, na modernidade.

Apenas naquele ano, vinte quatro bilionários mexicanos passaram a figurar nas listas

dos mais ricos do mundo. Esse boom foi resultado imediato da conjunção de três

fatores: a liberalização comercial, as privatizações e o NAFTA (CARVALHO, 2007).

Naquela mesma data, um grupo de indígenas armados, provenientes do

estado de Chiapas, na fronteira com a Guatemala, sudeste mexicano, incomodava com

tiros e manchavam com sangue o projeto modernizador e civilizatório do México, que

em nenhum momento fazia qualquer tipo de alusão àqueles indígenas12, revelando para

quem desejasse ouvir que ali, naquele país de “primeiro mundo”, as diferenças e

contrastes sociais chegavam a níveis insuportáveis.

O grupo, autodenominado de Exército Zapatista de Libertação Nacional

(EZLN), se definia como um movimento resultante de nada menos que 500 anos de luta

e resistência, e a opção pelo levante armado era tida como a única e última esperança

“para por em prática os princípios básicos da constituição mexicana, pelo qual a

soberania nacional reside essencial e originalmente no povo.” (GENNARI, 2005)

Neste capítulo, pretendemos discutir os fundamentos do levante indígena

chiapaneco, contextualizando e compreendendo as suas origens, ações e transformação,

bem como sua relação com a política oficial mexicana e a sociedade civil.

Compreendemos que este percurso é de suma importância para o

entendimento da guerra desigual que, ainda nos dias atuais (portanto há 15 anos), o

11 North America Free Trade Agreement ou TLC (Tratado de Livre Comércio) 12 A não ser para vender a imagem folclorizada, preconceituosa e estereotipada com as quais os indígenas convivem na América.

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EZLN sustenta contra o capitalismo e o neoliberalismo em busca de justiça, democracia

e de liberdade.

Nesse intuito, traçaremos um perfil da conjuntura histórica de aparecimento

do EZLN; analisaremos as características do estado de Chiapas, ao sudeste do México e

recuperaremos de forma crítica os acontecimentos que marcam o aparecimento em

público do EZLN em 1994 (enfatizando sua relação com a classe política dirigente

mexicana e a sociedade civil), que em 15 anos de luta aberta, pública e desigual, já

representa um dos pilares da nova era de contestação social no continente latino-

americano, inaugurada ou reacendida no final do século XX.

Embora a causa zapatista tenha se tornada pública apenas em 1994, as

origens do Exército Zapatista de Libertação Nacional remontam à década de 1980. Esse

período é entendido como uma conjuntura de crise dos movimentos indígenas e

camponeses em geral, fruto da dispersão e heterogeneidade das organizações surgidas

na década de 1970 para defesa dos interesses mais imediatos daquela classe13. A

dissolução da maioria dessas organizações não representava um terreno fértil para o

surgimento da guerrilha zapatista.

No início da década de 1980 um grupo de militantes chega à selva de

Chiapas dispostos à formação de focos guerrilheiros. O destacamento daquele grupo e

sua instalação na selva Lacandona têm por objetivo “uma avaliação da necessidade de

estruturação político-militar desse grupo baseada no foquismo e na guerra popular em

virtude da previsão de uma radicalização das condições sociais e políticas do México”.

(CARVALHO, 2007, p. 98).

Além do foquismo, nesse primeiro momento de formação do EZLN

podemos indicar outros tipos de influencias que deram contorno ideológico ao embrião

do Exército Zapatista de Libertação Nacional. São elas a herança de Emiliano Zapata e

as ações do Exército Libertador do Sul e sua relação com a terra; a influência dos

movimentos da Teologia da Libertação, pelos trabalhos de conscientização dos

indígenas em relação a auto-organização e, por último, a própria cultura indígena

chiapaneca, inclinada à vivência comunitária, à relação mística com a natureza e a

tradição de resistência.

13 Entre elas o Congresso Indígena de San Cristóbal de las Casas, a Unión de Uniones Ejidales y os Grupos Campesinos Solidarios de Chiapas

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De acordo com Alex Hilsenbeck:

Esse pequeno grupo assume, desde os primórdios, estratégias bastante singulares, tais como: o acúmulo de forças em silêncio, sem ações públicas; angariar recursos econômicos unicamente dos seus próprios integrantes, o que significa a recusa a meios como o seqüestro, assaltos a bancos, narcotráfico entre outros para o financiamento da guerrilha; a criação de um aparato logístico-militar que estivesse estreitamente vinculado com a capacidade real e material de uso das pessoas que integrassem o movimento; a ausência – involuntária - de qualquer ajuda estrangeira à sua luta seja em termos de armas, treinos ou mesmo na questão financeira. Dessa situação resultou uma organização muito modesta e pobre – em diversos âmbitos, inclusive no bélico. (HILSENBECK, 2007, p. 92).

Emilio Gennari identifica esse período como um difícil momento de

adaptação daquele pequeno grupo guerrilheiro que ali se instalava. Segundo ele:

Com o tempo, o destacamento guerrilheiro começa a contatar as comunidades indígenas e a estabelecer com elas um acordo tácito pelo qual os zapatistas treinariam os jovens dos povoados, tornando-os aptos a defenderem seus locais de origem das ações dos jagunços e, em troca, aqueles jovens ajudariam a garantir os suprimentos necessários para a vida na selva (GENNARI, 2005, p. 21).

O crescente contato com as comunidades locais aumenta o número de

indígenas no seio do movimento zapatista. Esse fator faz com que, lentamente, o EZLN

incorpore uma série de valores e práticas culturais daqueles povos. O diálogo passa a ser

cultural. Ao incorporar a visão de mundo indígena, o zapatismo foi capaz de tecer novas

formas de relação social dentro das próprias comunidades.

Este primeiro momento, caracterizado como embrião do EZLN, pelo

estabelecimento dos primeiros contatos com os povos indígenas de Chiapas e pelo

exercício das táticas de guerrilha é definido por Maurício Carvalho como o de formação

de uma “guerrilha vanguardista”. O segundo momento seria a formação do “exército

popular”, ou seja, o momento em que:

A guerrilha transforma-se em um movimento comunitário armado, parte de um movimento indígena de resistência, subordinado às comunidades. Aos poucos, os indígenas que voltavam da montanha começaram a contaminar o pequeno grupo urbano do EZLN com a idéia de que o esquema anterior deveria ser remodelado e aparece ainda mais forte a idéia de que se organizasse um exército, ao invés de uma guerrilha (CARVALHO, 2007, p. 89-90)

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Para Hilnsenbeck:

Ocorreram diversas modificações no grupo que deu origem ao EZLN no primeiro meado dos anos 1980, e por diversas razões este grupo militar e a “elite política indígena” em comum acordo concordaram sobre a necessidade da luta armada e a construção de um exército regular e não apenas um grupo de guerrilheiros. O grupo indígena propõe para a guerrilha urbana a Selva Lacandona como lugar para o início das preparações, pela existência de ambientes inabitados e praticamente inacessíveis, com pouco risco de serem descobertos. (HILSENBECK, 2007, p. 95).

Dessa forma, em novembro do ano de 1983, o EZLN surge como força

armada integrada às comunidades indígenas de Chiapas, como um braço militar da

reivindicação indígena.

Figura 3: Bandeira do EZLN. Fonte: http://enlacezapatista.ezln.org.mx

A formação, organização e direcionamento das ações desse exército

popular, no qual se transformaria o EZLN pode ser demarcado num intervalo de tempo

que vai de 1988 a 1994 (início do levante público). Nesse período, a influência zapatista

crescia na mesma velocidade da indignação indígena que via em 1988 a maior fraude

eleitoral da história contemporânea no México, condutora Salinas ao poder14. O

14 Naquelas eleições, todas as pesquisas, formais e informais, davam como certa a vitória do candidato oposicionista do Partido da Revolução Democrática (PRD), Cuauhtémoc Cárdenas, o que poria fim na era de dominação priista. No entanto, urnas recheadas, eleitores fantasmas, votos repetidos e até uma pane no

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sentimento de que a via armada era a solução mais coerente para aquelas comunidades

seria causado ainda pela queda dos preços do café (umas das principais atividades

agrícolas indígena); pelos crescentes conflitos com fazendeiros locais; pelas epidemias

que afetavam os indígenas e pelas demonstrações de debilidade do exército mexicano

em suas incursões à selva. A conjunção desses fatores indicava que a insurreição

armada e pública estaria perto de estourar no México.

Mesmo antes de vir a público, a organização indígena já realizava uma série

de mudanças locais nos territórios em que presença do EZLN se fazia de maneira

massiva. Essas mudanças iam desde protestos contra a política oficial até a formação de

mutirões para construção de clinicas, hospitais estradas e centros esportivos. O EZLN

começava a exercer em seus territórios de influência o autogoverno, marca registrada na

lógica de atuação anti-sistêmica daquele grupo.

O sentimento de insurreição seria precipitado em 1992, por ocasião das

comemorações dos 500 anos do “Descobrimento da América”. Naquele ano ocorreu

uma série de passeatas indígenas em Chiapas e na própria capital do México. Nas

comunidades zapatistas, a decisão de se fazer o levante já estava tomada. No entanto, a

necessidade de reestruturação das estratégias militares do EZLN adiaria a insurreição.

Como resultado desta reestruturação, surge o Comitê Clandestino Revolucionário

Indígena (CCRI).15

Nesse momento de preparação para o levante zapatista é possível ampliar a

discussão e contextualizar o cenário da insurreição indígena como o momento histórico

da luta esquerdista. Lembrando que a conjuntura zapatista se relaciona historicamente

com um período de crise dos movimentos de esquerda causada pela dissolução do bloco

socialista soviético e o conseqüente fim de uma série de organizações de esquerda pelo

mundo. Não obstante, na América Latina, a esquerda política tradicional dava claros

sinais de fraqueza16, abrindo espaço para a consolidação do capitalismo em sua fase

neoliberal.

Nesse contexto, as manifestações associadas à práxis política de esquerda

eram geralmente classificadas como um atraso, um anacronismo que não levaria a

nenhum resultado prático. Essa é a conjuntura histórica e ideológica com a qual o EZLN

sistema de apuração de votos, mudaram os rumos daquelas eleições, reconduzindo o PRI ao poder, agora com Salinas. 15 Existente ainda nos dias atuais, o CCRI é representa o comando geral do EZLN. 16 Destacamos aqui a derrota eleitoral do Partido dos Trabalhadores no Brasil (1989) e dos Sandinistas na Nicarágua (1990).

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confrontava, é a conjuntura do triunfo capitalista, do refluxo esquerdista, do “fim da

História”.17

Esse momento histórico confere à sublevação indígena de Chiapas traços

únicos, dando-lhe, mesmo em seu início, um aspecto de revisão das lutas tidas como de

esquerda no Continente. Portanto, este movimento neozapatista se apresenta muito mais

como uma “antípoda das tradicionais guerrilhas que a América Latina conheceu, sendo

um dos despertares mais visíveis de um novo ciclo de protestos sociais que tomou corpo

nos anos 90” (FELÍCIO; HILSENBECK, 2008, p.07).

Como assinala Hilsenbeck:

O momento histórico, escolhido para a insurreição do EZLN, deu a este movimento um caráter de novidade e também denotou um significado antineoliberal, para não dizer anticapitalista, à luta zapatista, e o transformou em referência obrigatória para análise de início do novo ciclo de protestos dos novos movimentos sociais, exigindo maior atenção em relação ao México. (HILSENBECK, 2007, p. 20).

Percebe-se, portanto, que a prática e o discurso zapatista não podem ser

entendidos fora do contexto de aparente supremacia das novas formas de relações

sociais e econômicas ditadas pelo neoliberalismo. Como o próprio Subcomandante

Marcos18 analisa, o EZLN é uma das faces do conflito entre a resistência popular e a

globalização e se traduz enquanto a defesa da soberania nacional através de uma

revolução antineoliberal (MARCOS, 1997).

A guerra declarada pelo EZLN, assim como deve ser entendida dentro desta

conjuntura histórica mais ampla, está associada às condições mais locais. Referindo-se,

mais precisamente, aos desníveis e contrastes existentes no estado de Chiapas, berço

dos insurgentes indígenas.

Localizado na fronteira com a Guatemala, ao sudeste, o estado de Chiapas

tem uma população de aproximadamente quatro milhões de pessoas, das quais um terço

é indígena (HILSENBECK, 2007). A riqueza natural da região contrasta de forma

agressiva com os índices de pobreza, distribuição de renda e acesso à saúde, educação,

alimentação e terra. Segundo Emilio Gennari:

17 Para usar a expressão de Francis Fukuyama, cunhada para declarar a falência das organizações sociais baseadas no igualitarismo e o triunfo da democracia burguesa. Sobre o assunto, ver (FUKUYAMA, 1999). Ver também (ANDERSON, 1992) 18 Dirigente militar e principal porta-voz do EZLN.

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O território de Chiapas concentra 82% de toda indústria petroquímica do México, suas hidroelétricas produzem 20% da energia que o país precisa. Ainda assim, apenas 1/3 das casas tem iluminação elétrica. O estado é o maior produtor nacional de milho e detém 35% da produção nacional de café. De suas florestas saem madeiras nobres e matérias primas para as indústrias de biotecnologia, ao mesmo tempo em que as fazendas ostentam cerca de três milhões de cabeças de gado. Apesar disso, 54% da população é desnutrida e a miséria que senta à mesa das famílias indígenas e camponesa cobra o preço de uma morte a cada 35 minutos. Outra grande fonte de renda é o turismo em torno das construções maias. Para atender esta demanda, o estado conta com sete quartos de hotel para cada 1000 turistas, enquanto oferece 0,3 leitos de hospital para cada 1000 de seus habitantes. (GENNARI, 2005, p. 15-16)

Figura 4: Estado de Chiapas. FONTE: www.travesiamaya.com

Por essas observações, percebe-se que o estado mexicano de Chiapas revela

a sua importância principalmente no que respeita a seus recursos naturais e potenciais

agrícolas. Estes fatores fazem daquela região um ponto estratégico, sob o aspecto

econômico, para os interesses do estado mexicano, quanto à exploração e venda

daquelas riquezas para os investimentos do capital estrangeiro.

No entanto, esta diferença entre o que Chiapas oferece de recursos naturais e

o retorno que isto traz para a população, principalmente campesina, por si só, não

explicam e fundamentam o fato do levante zapatista ocorrer naquela região.

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Para Juan Esponda e Elizabeth Barrios, a compreensão da rebelião zapatista

perpassa por uma análise estrutural de fatores como o processo de modernização

excludente pelo qual o estado passou a estrutura agrária do estado, o grau de

organização da classe camponesa e principalmente pelo potencial de sublevação

indígena. Segundo os autores:

La pregunta obligada es ¿por qué Chiapas? Por qué aquí se combinan problemas estructurales y coyunturales con resabios históricos que hacen de Chiapas una sociedad sumamente polarizada y porque aquí existe tradición de lucha y organización de los pueblos indígenas, y particularmente de un proceso desarrollado en los últimos veinte años que ha sentado las bases de la modernización política. (ESPONDA; BARRIOS, 1994, p. 3).

Esta “tradição de luta e organização dos povos indígenas” de Chiapas faz

com que a aparição pública do EZLN represente para estas comunidades indígenas o

nascer de um novo ciclo de lutas sociais por demandas históricas como terra,

democracia, liberdade e justiça, que nesse momento passa a ser “determinado por la

presencia armada de una organización politico-militar que legitima un nuevo discurso

político y una nueva manera de buscar solución a los problemas sociales” (ESPONDA;

BARRIOS, 1994. p.16).

A atuação do Exército Zapatista de Libertação nacional é, portanto, uma

nova forma de expressão do conflito entre os interesses econômicos da classe dirigente

do México e a resistência popular, traduzida na mobilização indígena chiapaneca. Como

nos explica Ana Esther Ceceña:

En Chiapas parece estar teniendo lugar una confrontación entre un proceso de acumulación local sustentado en un capitalismo que basa su ganancia en la renta diferencial y en la depredación de la población trabajadora (…) a expoliación a la que han sometido a la población chiapaneca no puede ser acrecentada pues ha rebasado los mínimos biológicos y humanitarios, y llegó al límite de provocar un conflicto que, por estar planteado como conflicto de clases, amenaza al capital en su conjunto. (CECEÑA; BARREDA, 1994, p. 28.)

Maurício Costa de Carvalho amplia a discussão acerca das potencialidades

do estado de Chiapas dentro das necessidades econômicas estratégicas do México,

apontando para uma provável importância territorial e política daquele estado de acordo

com elementos como a integração nacional e a relação com outros países.

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Para o autor, à riqueza natural, expressa nas reservas petrolíferas e nos

recursos hídricos; aos potenciais agrícolas, pecuários e biotecnológicos e à importância

turística de Chiapas, deve ser acrescida:

A posição estratégica de Chiapas que envolve sua inscrição na área centro americana, sua proximidade com os EUA e com o Caribe, sua vizinhança com a Guatemala e outros três estados mexicanos – Tabasco (ao norte), Oaxaca (a oeste) e Veracruz (a noroeste). Essas enormes potencialidades territoriais desse estado colocam-no, portanto, no olho do furacão da ansiada integração norte - centro-americana. A fronteira chiapaneca com a Guatemala tem sido importante via de exportação para a América Central, para a lucrativa intermediação no contrabando de gado, madeiras finas e fauna selvagem para os EUA, além da importação de trabalhadores centro americanos para o cultivo de café com salários baixíssimos (CARVALHO, 2007, p. 74)

Por todos estes fatores, a insurreição indígena de Chiapas se constituiu

enquanto uma enorme barreira para os interesses das classes dirigentes mexicanas, que a

partir de 1994, passavam a conviver com a “ameaça zapatista”, que “obstacularizava” o

sonho primeiro mundista das elites daquele país.

Ainda neste ano, o governo Salinas tratou de minimizar a ação do EZLN,

atribuindo-lhe um caráter de ilegitimidade. Em seu primeiro discurso após o levante o

presidente mexicano “negou o caráter indígena da rebelião, oferecendo o perdão para

aqueles que fossem depor as armas” (GENNARI, 2005, p.35). Como resposta, o EZLN

divulgou um comunicado, escrito pelo chefe militar e porta-voz, subcomandante

Marcos. No comunicado, intitulado “de que vão nos perdoar”, os zapatistas expressam

todo o inconformismo com a tática governista de desestabilizar a ação dos insurgentes:

De que vão nos perdoar? De não morrermos de fome? De não nos calarmos diante de nossa miséria? (...) De termos ido ao combate com fuzis no lugar de arcos e flechas? (...) Quem tem de pedir perdão e quem pode outorgá-lo? Os que, Por longos anos, saciavam sua fome sentados a uma mesa farta enquanto nós sentávamos ao lado da morte, tão cotidiana e tão nossa que aprendemos a não ter medo dela? Os que encheram nossos bolsos e nossas almas de declarações e promessas? Os mortos, nossos mortos, tão mortalmente mortos de morte natural, isto é, de sarampo, coqueluche, dengue, cólera, febre tifóide, mononucleose, tétano, pneumonia, paludismo e outras perolas gastrintestinais e pulmonares? (...) Os que negaram o direito e a capacidade de nossa gente governar e nos governar? (...) Os que nos tratam como estrangeiros em nossa própria terra, exigem documentos

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e obediência à uma lei que desconhecemos? (SUBCOMANDANTE MARCOS, 18 de Janeiro de 1994) 19

Neste momento tinha início a longa e conflituosa relação entre o EZLN e o

estado mexicano. No meio do fogo cruzado, se encontrava a sociedade civil daquele

país, atônita com a explosão do conflito, confusa com a guerra midiática adotada por

ambos os lados, porém, unânime na defesa de uma solução rápida e pacífica para o

conflito. Nos primeiros meses do conflito, as ações da sociedade civil mexicana se

traduziram na formação de associações de defesa dos direitos humanos, em grandes

passeatas em defesa do cessar-fogo, e na crítica a atuação repressiva do exército federal

local. Este tipo de reação era imprevista pelo EZLN, que acreditava que o povo

mexicano “ou teria ignorado o movimento ou se jogado na luta ao lado dos insurgentes”

(LE BOT, 1997 apud GENNARI, 2005, p. 37).

As sinalizações para a abertura de um espaço de diálogo com a sociedade

civil sempre foram marcas da estratégia de atuação zapatista. Quase sempre recorrendo

às qualidades literárias do Subcomandante Marcos, os indígenas de Chiapas

expressavam sua indignação, denunciavam os abusos do governo federal, explicavam

suas ações e consultavam a sociedade em relação aos possíveis direcionamentos que o

movimento poderia tomar. 20

19 Deste ponto em diante, todas as declarações, comunicados, ensaios e cartas do EZLN, utilizadas para a construção deste trabalho, foram extraídas da rede de sítios locais e internacionais que o movimento zapatista sustenta na internet. Destaque para os seguintes: http://palabra.ezln.org.mx/, http://www.ciepac.org, www.revistachiapas.org, www.enlacezapatista.ezln.org.mx e www.revistarebeldia.org. 20 As estratégias de atuação que foram responsáveis pela formação de uma grande rede de solidariedade nacional e internacional em torno das demandas zapatistas serão aprofundadas no capítulo 3 deste trabalho.

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Figura 5: Subcomandante Insurgente Marcos, líder militar e principal porta-voz do EZLN. FONTE: http://galeria.ezln.org.mx

Naquele Janeiro de 1994, os zapatistas divulgariam a primeira das

“Declarações da Selva Lacandona”, documento de suma importância para a

compreensão dos fundamentos do levante zapatista. Nesta declaração, os indígenas

reconheciam o levante armado como única e última alternativa para a superação da

estrutura de espoliação com a qual convivem. “Nós hoje dissemos Basta!!” assim inicia

a declaração na qual os indígenas de Chiapas se definem como os “verdadeiros

herdeiros da nacionalidade mexicana”. No documento, os indígenas pedem aos

organismos internacionais que vigiem o conflito, reconheçam o EZLN como uma força

beligerante e ainda rechaçam qualquer tentativa de associação do movimento com o

narcotráfico. Em suma, a “Primeira Declaração” representa o anúncio oficial público de

que os interesses indígenas seriam, em primeira instância, defendidos com armas, pelo

Exército Zapatista de Libertação Nacional.

A reação governista foi do tamanho do mal estar que a ação zapatista causou

entre os dirigentes políticos do país, acostumados com o discurso histórico do controle e

da estabilidade, marca registrada da dominação do PRI. A repressão do exército federal

foi a maior da história mexicana desde a Revolução de 1910. Aproximadamente 20 mil

soldados foram deslocados para a região de Chiapas. Nos 12 dias que se seguiram ao

levante indígena, a guerra deixou um saldo de mortes, saques, seqüestros e violação de

direitos humanos ainda desconhecidos. Os zapatistas, que haviam tomado sete sedes

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municipais em Chiapas recuaram para as montanhas do Estado, adotando um novo tipo

de estratégia. Embora superior, o exército federal recuava diante da impossibilidade de

sustentação do conflito, causada, sobretudo pelas pressões da opinião pública nacional e

internacional, pelos riscos que a incursão à selva poderia representar e ainda pelas

pretensões políticas, sempre acentuadas em um ano de eleições presidenciais, como foi

aquele ano de 1994. Para Hilsenbeck (2007, p.120):

Dentre os motivos existentes para o governo recuar no avanço militar, está, obviamente, o intuito de conquistar o apoio popular, disputado com os zapatistas, mas além deste, estava a intenção de passar uma imagem de controle da situação para os investidores estrangeiros, pois havia um temor crescente por parte desses de que a guerra se generalizasse, o que acarretou uma queda abrupta da bolsa de valores mexicana. Havia também a pretensão do então presidente Carlos Salinas de Gortari de integrar os quadros da Organização Mundial do Comércio. Além disso, o Exército federal estava, em certa medida, reticente em lançar uma ofensiva dentro da Selva - ao estilo Vietnã - terreno que os insurgentes conheciam tão bem.

O recuo militar do governo federal é denunciado pelos zapatistas como uma

grande estratégia de mídia para promover a imagem de um governo estável e sensível

com as causas sociais. Quanto ás eleições presidenciais, os zapatistas anunciaram na

“Segunda Declaração da Selva Lacandona” seu total repúdio ao esquema preparado

para a continuação do PRI no poder:

O problema do poder não saber quem será o titular do cargo e sim quem o exerce. Se o poder é exercido pela maioria, os partidos políticos serão obrigados a confrontar-se com esta maioria e não entre si. O fato de recolocar o poder neste marco de democracia, liberdade e justiça obrigará a uma nova cultura política (...) Este espaço livre e democrático nascerá sobre o cadáver fétido do sistema de partido de Estado e do presidencialismo. (CCRI – EZLN, junho de 1994).

Na “Segunda Declaração”, os zapatistas ainda anunciam o cessar-fogo

temporário, a disposição de dialogar com o governo sobre suas demandas e convocam

uma Convenção Nacional Democrática para que a sociedade civil possa construir as

novas bases de outra democracia. Do encontro, realizado no início de agosto, com a

participação de 7 mil pessoas de todo o México e com a cobertura de meios de

comunicação de todo o mundo, os zapatistas reafirmam uma pré-disposição para

deposição das armas e apontam para uma possível transformação do grupo em uma

força nacional cívica. No entanto, tal decisão dependeria da disposição da sociedade

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civil em construir “de baixo” uma nova forma de fazer política no México. Para Emilio

Gennari (2005, p.55):

Mas do que representar o abandono da luta armada e o início da transformação do EZLN numa força civil, a convocação da CND é, ao mesmo tempo, uma resposta e um desafio às manifestações da sociedade contra a guerra. Se a via pacífica é realmente possível, os fatos a serem produzidos pela CND devem falar mais altos que as palavras. Caso ela fracasse, os zapatistas serão novamente obrigados a sustentar com fogo o direito de todos a um lugar na história.

No entanto, a oportunidade de se reformular a luta de esquerda no México e

os movimentos populares, traduzida na realização da CND, seria abalada pela

pluralidade de projetos políticos apresentados durante a convenção e pelos vícios

político-partidários que a contaminaram. A Convenção, embora não tenha trazido

resultados práticos para a redefinição da organização política da sociedade civil

mexicana, representou mais um dos momentos em que a estratégia do EZLN de criar

espaços de diálogos e confrontos de idéias com a sociedade daria certo. O EZLN, ao

criar estes mecanismos, procura não se isolar diante das ofensivas militares do governo,

buscando apoio e compreensão da sociedade mexicana.

Em certa medida, a estratégia política do PRI em relação ao confronto com

os zapatistas daria certo. A farsa política priísta ganhara êxito pela última vez, com a

eleição de Ernesto Zedillo de León à presidência em agosto 21 de 1994. Ao tomar

posse em 1º de Dezembro daquele ano, o novo presidente herdava um cenário

amplamente desfavorável, caracterizado, sobretudo pela recessão econômica, pelo

descrédito frente ao mercado financeiro internacional e pela ausência de um

posicionamento concreto em relação à causa dos indígenas de Chiapas.

Naquele mesmo mês, o EZLN retomava a luta armada iniciando uma nova e

surpreendente ofensiva, tomando 38 municípios de Chiapas e os declarando em

rebeldia. Em menos de um ano, a ressonância zapatista se fazia ouvir em toda a parte,

do México e do mundo:

Uma das grandes conquistas do zapatismo, e isto não é pouco, foi conseguir se impor - em um reduzido espaço de tempo, como força política de oposição em que se fez necessário o diálogo. Fizeram-se ouvir e criaram uma situação em que qualquer atitude mais truculenta do governo poderia abalar desastrosamente a imagem do país. A maioria dos grupos guerrilheiros centroamericanos demorou décadas para conseguir tal reconhecimento e a abertura de negociações. Em

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menos de um ano o EZLN já havia se colocado como referência indispensável no debate político mexicano e referência para diversas pessoas e movimentos em grande parte do mundo. (HILSENBECK, 2007, p. 122).

A tomada dos municípios e a conseqüente transformação destes territórios

em áreas em rebeldia marcam uma nova etapa da atuação zapatista. A resposta do

governo se faria de forma direta com o crescente cerco militar às comunidades

zapatistas e o financiamento de grupos para-militares, com o intuito de desestabilizar a

luta indígena. Este seria o tom das relações entre os zapatistas e o estado mexicano,

entrecruzado pelas pressões da sociedade civil em busca do diálogo.

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4. CONFLITO SIMBÓLICO E REVOLUÇÃO HI-TECH: O EZLN E A REELABORAÇÃO DA LUTA SOCIAL NA AMÉRICA LATINA

O que buscamos, o que necessitamos e queremos é que toda essa gente sem partido nem organização ponha-se de acordo sobre o que quer e o que não quer e se organize para consegui-lo; não para tomar o poder, mas para exercitá-lo. Nós temos traçado um caminho novo e radical, tão novo e radical que todas as correntes políticas nos criticam e nos vêem com desconfiança. Somos incômodos. O não-modo, esse é o modo dos zapatistas.

(Subcomandante insurgente Marcos, agosto de 1996)

Quando da aparição pública do Exército Zapatista de Libertação Nacional,

não foram poucos os rótulos teóricos que procuraram estereotipar a insurreição daqueles

indígenas. As opiniões geralmente polarizavam-se entre a idéia de que aquele era um

movimento retrógrado, remanescente de uma ideologia de esquerda decadente, e a

percepção de que a prática zapatista inaugurava um novo ciclo de lutas sociais em nosso

continente. De fato, o EZLN suscitou e ainda suscita debates que vão desde a

reformulação dos movimentos sociais até o revisionismo da prática político-partidária

tida como de esquerda.

Os quinze anos de luta aberta e desigual sustentada pelos zapatistas, se não

têm dado respostas suficientes a esses questionamentos, têm indicado outros caminhos

para a compreensão da lógica de atuação zapatista. Suas estratégias de ação nos

permitem compreender que o zapatismo se apresenta muito mais como uma antípoda

das clássicas experiências de guerrilha (HILSENBECK, 2008, p. 4). Essa percepção

advém principalmente de sua capacidade de autocrítica, de reconstrução, de sua

capacidade de repensar o papel do Estado e da sociedade civil na construção de uma

nova experiência política.

Neste capítulo pretendo analisar os aspectos da práxis zapatista que funda

uma nova forma de conflitualidade social na América Latina. Nesse sentido, nosso

estudo deve aprofundar-se nas discussões acerca da relação entre o EZLN e a sociedade

civil, que aqui serão apreendidas pelas Declarações da Selva Lacandona e pela

realização da Marcha indígena de 2001. Faz-se necessário ainda a construção de uma

análise da organização política interna dos zapatistas, que nesses quinze anos de luta

aberta tem passado por constantes mudanças, e das formas de atuação anti-sistêmicas,

baseadas, sobretudo, na linguagem híbrida, que incorpora elementos da visão de mundo

maia; na estética zapatista e no desenvolvimento de uma guerrilha midiática baseada no

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conflito comunicativo. A compreensão destes elementos é essencial para a apreensão da

lógica de atuação dos zapatistas, do “não-modo” de se construir uma nova alternativa

para a concretização das demandas sociais em nosso continente.

Sem dúvida, uma das estratégias mais eficazes de ação dos zapatistas reside

em sua relação com a sociedade civil, principalmente a parcela marginalizada pelas

forças do capital, entendidas pelo EZLN como a verdadeira mola propulsora da

mudança social. Desde a aparição do movimento guerrilheiro indígena, os zapatistas

buscam agregar à sua força não apenas os indígenas, que são a grande maioria no corpo

do EZLN, mas os trabalhadores rurais, trabalhadores da cidade, camponeses sem terra e

setores da pequena burguesia, num esforço de aglutinar todos aqueles “que tem a

pobreza como uma realidade presente e a dignidade como perspectiva futura.”

(MARCOS, 2005, p. 134).

A ação zapatista deve ser entendida, portanto, como uma força que desloca

o centro de ação da luta social do Estado para a sociedade. A referência zapatista está na

formação de um potencial humano, capaz de alterar as estruturas de espoliação

historicamente constituídas no México. Ao adotar este tipo de discurso, os insurgentes

reconhecem que o modelo político vivenciado pelo estado mexicano, assim como por

quase todos os países do continente, não é capaz de oferecer respostas às demandas

sociais de seus habitantes, funcionando apenas como um sustentáculo dos interesses de

uma pequena parcela da população.

Este reconhecimento faz com que o Exército Zapatista de Libertação

Nacional não se converta em uma força política tradicional, que tem como cerne de sua

atuação a inserção no jogo político institucional que privilegia a disputa pelo poder. A

adoção desta conduta pelos insurgentes tem por objetivo ampliar a noção de política e

de exercício do poder, aonde os circuitos políticos tradicionais são entendidos como

retrógrados, viciosos e sem resultados. Nesse sentido, a estratégia zapatista se constitui

como:

Um movimento social que não se quer vanguarda, ou uma vanguarda de novo tipo, que se nega a direção direta de outros movimentos, o monopólio da tática correta e da verdade, que dialoga com a base e com outros movimentos sociais para pensar o melhor caminho para a luta comum, este é mais um dos paradoxos e ambigüidades zapatistas, mais uma das aberturas e contribuições do zapatismo para as lutas de esquerda (...) Parece-nos que eles optaram antes por trabalhar na organização dos “de baixo”, do que se lançarem ao “assalto ao céu”. Sua luta se concentra no campo propriamente político – este entendido não nos limites da política parlamentar (HILSENBECK, 2007, p.161).

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Este deslocamento do centro das transformações sociais da ação política do

estado para a organização da sociedade tem sido impulsionado, em grande parte, pelos

comunicados, encontros, declarações e marchas realizadas pelos indígenas de Chiapas

em todo o México.

Em janeiro de 1994, momento em que os zapatistas irrompem na cena

política mexicana, a ação subseqüente a tomada dos sete centros de poder municipal de

Chiapas foi a de divulgar um longo comunicado explicando à sociedade as motivações

do levante zapatista. Conhecido como a Primeira Declaração da Selva Lacandona, o

comunicado possuía um duplo objetivo. De um lado, identificar os indígenas como

verdadeiros agentes daquela insurreição, convocando a sociedade para colocar-se à luta

junto a guerrilha. De outro, neutralizar qualquer ação do estado e da mídia no sentido de

desmoralizar o levante, associando sua ação ao narcotráfico.

O tom das relações entre o EZLN, a sociedade civil e o Estado pode ser

apreendido, em grande parte, pelos objetivos traçados pelas cinco declarações

subseqüentes à primeira. Nelas, o discurso zapatista transitou de um programa militar

que buscava “avançar até a capital do país vencendo o exército federal mexicano e

preservando os interesses da sociedade civil, convocando-a para integrar as forças

insurgentes” para um programa que conclamou o povo e as organizações sociais

autônomas a fim de desenvolver uma luta anticapitalista, antineoliberal. Essa transição,

que se consolida com o lançamento da “Outra Campanha”, dava sensíveis sinais ainda

nos primeiros anos da ação pública zapatista, como podemos observar na Terceira

Declaração da Selva Lacandona:

Hoje, depois da convocação inicial de pegar em armas e, em seguida, em desenvolver a luta civil e pacífica, convocamos o povo do México a lutar por todos os meios, em todos os níveis e em qualquer lugar, pela democracia, liberdade e justiça, através desta ‘Terceira Declaração da Selva Lacandona’, pela qual convocamos todas as forças sociais e políticas do país, todos os mexicanos honestos, todos aqueles que lutam pela democratização da vida nacional a formar um movimento pela Libertação Nacional. (CCRI-CG do EZLN, México, Janeiro de 1995).

No ano do lançamento da Terceira Declaração, os zapatistas ganham uma

importante batalha no âmbito dos conflitos com o estado. Em março daquele ano o

Congresso mexicano aprova uma lei garantindo imunidade aos insurgentes, sempre que

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estiverem envolvidos em ações que tenham como objetivo o diálogo com o governo e a

sociedade.

Enquanto a guerra contra o governo parecia tomar outros rumos, os

zapatistas mantinham sua política comunicativa em relação á sociedade. Em junho de

1995, fora proposto um grande diálogo através do qual os zapatistas buscavam uma

interlocução com a sociedade nacional mexicana, consultando e ouvindo as

reivindicações, demandas e propostas da sociedade em relação a temas como direitos

indígenas, democracia, justiça e conciliação em Chiapas.

A consulta realizada pelos zapatistas foi respondida por milhões de

mexicanos e estrangeiros de todos os continentes, que acenaram para a construção de

mais espaços de diálogo e intervenções capazes de transformar a realidade:

Diante das consultas, os zapatistas propõem um grande debate nacional sobre a reforma do Estado, sem a participação do governo, e convidam a sociedade civil a iniciar este processo criando comitês civis de diálogo e centros de resistência. No âmbito internacional, o EZLN anuncia a sua vontade de realizar um encontro intercontinental com os que lutam a favor da humanidade e contra o neoliberalismo. (GENNARI, 2005, p. 74).

Paralela à ação dos zapatistas, o Estado mexicano, apesar do discurso de

abertura para o diálogo, busca desestabilizar a atuação dos insurgentes. A forma mais

expressiva se dá com o crescente aumento das tropas federais em Chiapas. Estima-se

que a influência das forças armadas no sudeste mexicano tenha dado um salto

gigantesco de tímidos doze acampamentos em 1995 para duzentos e sessenta posições

em 2002. Isso significa que o estado de Chiapas possui um soldado federal para cada

família, ao passo que conta com apenas um médico para cada dezoito mil habitantes

(GENNARI, 2005, p. 75).

Além do aumento do contingente militar do governo mexicano, os zapatistas

passam a conviver com ameaças de grupos para-militares, recrutados e financiados

pelas Forças Armadas do México. Não são poucas as organizações que atuaram e ainda

atuam em Chiapas com o intuito de liquidar a “ameaça zapatista”. O auge da ação para-

militar em Chiapas se dá com o massacre de Acteal , aonde foram mortos 45 indígenas,

zapatistas e não zapatistas, entre eles, mulheres e crianças.

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Figura 5: Mortos no povoado de Acteal, Chiapas.

FONTE: http://www.submarcos.org

As estratégias de guerra do governo do então presidente Zedillo se dão no

sentido de isolar e debilitar qualquer ação militar do EZLN, minando suas posições

através do cerco militar. É um tipo de conflito de baixa intensidade.

A resposta zapatista mais uma vez se faz sentir em seu poder comunicativo.

No início de 1996, os insurgentes lançam a “Quarta Declaração da Selva Lacandona”,

expressando a tensão dos conflitos na região de Chiapas. Através do comunicado, os

zapatistas reconhecem sua inferioridade militar, mas crêem em um potencial maior, o de

mobilização popular, e renovam o desejo de construção de uma força política capaz de

provocar a mudança:

Uma força política cujos integrantes não desempenhem nem aspirem desempenhar cargos eletivos ou postos governamentais de qualquer natureza, em qualquer de seus níveis. Uma força que não queira tomar o poder. Uma força que não seja um partido político. Uma força política que possa organizar as demandas e propostas dos cidadãos para que quem mande, mande obedecendo (...) Uma força política com organização local, estadual e regional, que cresça a partir da base, de sua sustentação social. Uma força nascida nos comitês civis de diálogo. Uma força que se chame Frente, porque trata de incorporar esforços políticos não partidários, possuindo muitos níveis de participação e diferentes formas de luta (...) Chamamos todos os homens e mulheres do México, indígenas e não indígenas, todas as raças que formam a nação, aqueles que estejam de acordo em lutar por teto, terra, trabalho, pão, saúde, educação, informação, cultura,

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independência, democracia, justiça liberdade e paz (...) aqueles que querem construir algo de novo e bom, para que formem a Frente Zapatista de Libertação Nacional (CCRI, 1º de Janeiro de 1996).

O apoio à formação de uma frente civil ampla de inspiração zapatista

apontava para uma possível transformação do EZLN em força nacional cívica,

responsável por conduzir as ações da Frente, numa espécie de ação de vanguarda. De

fato, a construção da FZLN só foi possível através da criação de grupos, comitês de

diálogo civis com um intuito de criar propostas de reformulação do estado. Em todas

essas ações o EZLN se faz presente, direta ou indiretamente. No entanto, os zapatistas

buscam não se distanciar de seu centro militar e, sem renunciar a identidade guerrilheira

indígena,

O Exército Zapatista de Libertação Nacional continua abrindo espaços de dialogo com a sociedade, através dos quais procura organizar a vontade de mudança que se encontra dispersa numa miríade de organizações e em milhões de pessoas que estão fora delas. A realidade do dia a dia exige que esta esperança seja concretizada , que os oprimidos percebam que é possível subverter a ordem e que isso só depende deles. O despertar da rebeldia e da resistência, estimulado pela ação dos comunicados zapatistas, passa, assim, por uma prática que vai moldando e tornando compreensíveis os passos que se fazem necessários (GENNARI, 2005, p. 80).

A relutância dos zapatistas em não se converterem em força política de

caráter cívico foi reforçada pelos acontecimentos que sucederam à publicação da Quarta

Declaração. O crescimento das hostilidades para-militares, a prisão de zapatistas sob a

alegação de envolvimento com o tráfico e a indisposição do governo mexicano em

elaborar qualquer reforma constitucional sobre cultura e direitos indígenas, que já

haviam sido discutidas nos Acordos de San Andrés21, fazem com que os zapatistas se

distanciem ainda mais do projeto cívico e pacífico de transformação política. A FZLN

continua a existir, mas como força paralela à guerrilha indígena. A resistência armada

continuaria a ditar as regras da insurreição indígena chiapaneca.

Em 1998, a disposição dos zapatistas em se manterem rebeldes e armados

seria explicada pelo texto da Quinta Declaração da Selva Lancadona. Nela, os zapatistas

21 Texto sobre direitos indígenas fruto da realização do Fórum Especial sobre Cultura e Direitos

Indígenas, no qual o governo mexicano se compromete a reconhecer os povos indígenas na Constituição federal, ampliar sua participação política representativa, garantindo acesso à justiça, trabalho, cidadania e educação, ampliando sua autonomia.

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explicam ainda a opção por não confrontar diretamente com o exército federal,

mantendo-se numa resistência silenciosa em relação às agressões do governo mexicano:

O governo trouxe a guerra, não obteve nenhuma reposta, mas continuou praticando seus crimes. O nosso silencio despiu o poderoso e o mostrou assim como ele é: uma besta criminosa. Vimos que nosso silêncio evitou que a morte e a destruição pudessem aumentar. Assim foram desmascarados os assassinos que se escondem sob os trajes do que chamam “Estado de Direito” (...) Vimos o poderoso governo irritar-se ao não encontrar nem adversário e nem a sua rendição. (CCRI, Julho de 1998).

A proximidade das eleições presidenciais desvia o foco para a organização

político partidária, que visa pleitear a presidência. Assim, o jogo político foi definindo

seus candidatos, alianças e estratégias. A pretensão do PRI de se perpetuar no poder

coloca como candidato Francisco Ochoa. Aqueles que se travestiram de esquerda, o

Partido da Revolução Democrática (PRD) e o Partido da Ação Nacional (PAN), lançam

como candidatos, respectivamente, Cuauhtémoc Cárdenas e Vicente Fox.

Os zapatistas ignoram o pleito eleitoral entendendo que as eleições não

fazem parte do tempo dos zapatistas e que a política é algo a ser construído de forma

democrática, de baixo, exercendo-se o poder em todos os lugares, em todo tempo.

O jogo político institucional consagra Vicente Fox como presidente, pondo

fim a setenta e um anos de monólogo político no México. Os zapatistas alertam para o

fato de que o fim da dominação do PRI não significaria qualquer transição para uma

nova forma de governar, democrática. Em comunicado escrito diretamente ao presidente

recém eleito, o EZLN apresenta o seu posicionamento em relação ao momento histórico

pelo qual o México passava, assinalando sua desconfiança:

Agora que você assume a titularidade do poder executivo federal, deve saber que, além da guerra do Sudeste mexicano, herda a possibilidade de escolher com deve enfrentá-la. Durante sua campanha, você, Sr. Fox, tem dito mais de uma vez que vai escolher o diálogo para enfrentar as nossas reivindicações. Zedillo disse a mesma coisa e dois meses após sua posse ordenou uma grande ofensiva militar contra nós (...) não podemos confiar em quem demonstrou superficialidade e ignorância, ao apontar que as reivindicações indígenas se resolvem com fusca, televisão e bascas de camelô (...) não nos inspira confiança quem, com a curta visão da lógica gerencial, tem como plano de governo a transformação dos indígenas em mini-micro-empresários. No fim das contas, esse plano é apenas a tentativa de continuar o etnocídio que o neoliberalismo leva adiante no México

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(...) o seu programa “desapareça um indígena e se crie um empresário” não será permitido em nossas terras (CCRI, Dezembro de 2000).

Além de assinalar seu posicionamento em relação ao resultado das eleições

presidenciais, o Comitê Clandestino Revolucionário Indígena anuncia a realização de

uma grande marcha de Chiapas a Cidade do México, contando com vinte e quatro

delegados membros do CCRI. Com o anúcio da marcha, os zapatistas querem, mais

uma vez, convidar a sociedade para o diálogo através de uma mobilização de massa.

A decisão do EZLN em marchar para o centro do poder no México

pretendia discutir diretamente com o Congresso, em plenária, o reconhecimento dos

direitos e culturas indígenas.

O anúcio da marcha causou desconfortos à classe política dirigente do

México. De todas as formas, a cúpula de Fox procurava desmoralizar a marcha,

atribuindo-lhe aspectos de ilegalidade:

A classe política mexicana não podia conceber que índios com seus passa-montanha ocupassem o recinto sagrado da política nacional (...) a simples idéia de ver indígenas mascarados provocava mal humor entre as elites do México. Já era intolerável para eles ver indígenas pedindo esmolas com seus filhos debaixo do braço cotidianamente pelas ruas da cidade; não era só um problema de miséria, era também uma deterioração da estética humana. A presença do EZLN abria a consciência histórica da sociedade mexicana, colocava-a de frente com um problema que jamais havia sido considerado. (BRIGE; DI FELICE, 2002, p. 14-15).

Contra todas as ameaças, a marcha sai de Chiapas em fevereiro de 2001,

com os rostos cobertos, como de costume, sem armas, apenas com a força comunicativa

e poder de mobilização social. Neste caminho, os zapatistas atravessaram treze estados,

participaram de setenta e sete atos públicos, percorrendo aproximadamente seis mil

quilômetros.

A resposta do governo se dá a partir da adoção de uma estratégia de mídia

que buscava balancear os efeitos da chegada dos zapatistas à Cidade do México. O

presidente Fox formaliza um convite ao Subcomandante Marcos para um encontro na

casa presidencial ao mesmo tempo em que ordena a retirada das tropas federais de

Chiapas. O embate ghava um impulso midiático nunca antes visto na história do

conflito entre o EZLN e as forças políticas oficiais mexicanas:

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A maquinaria dos meios de comunicação começou a se mover e as duas emissoras privadas, Televisa e Telvision Azteca, estabeleceram um acordo para cobrir ao vivo e em rede nacional a marcha zapatista, tentando dar-lhe uma aparência de talk show (...) uma famosa casa de móveis pretendeu ridicularizar a figura de Marcos oferecendo um capuz na compra de um televisor (BRIGE; DI FELICE, 2002, p. 22).

Em 11 de Março os zapatistas chegam a principal praça da Cidade do

México e, diante de milhares de pessoas, explicam o porquê da marcha, reafirmando os

objetivos do movimento:

Estamos aqui para ver-nos e mostrar-nos, para que você olhe para nós, para que você se olhe, para que o outro se veja no nosso olhar. Estamos aqui e somos um espelho. Não a realidade e sim apenas o seu reflexo. Não a luz, e sim apenas uma centelha. Não o caminho e sim apenas alguns passos. Não o guia, e sim apenas um dos tantos rumos que levam ao amanhã. Quando dizemos o que somos, dizemos também o que não somos e não seremos (...) não somos daqueles que aspiram a assumir o poder e, a partir dele, impor o passo e a palavra. Não seremos isso. Não seremos daqueles que colocam um preço a própria dignidade ou à alheia, e transforma a luta num mercado. Não somos a moda passageira que, tornada monótona, é arquivada no calendário das derrotas que este país faz brilhar com saudade. Não seremos isso. Somos e seremos mais um na marcha. A marcha da dignidade indígena. A da cor da terra. A que revelou e velou os muitos Méxicos que debaixo do México se escondem e sofrem (CCRI, Março de 2001).

A presença dos zapatistas na Cidade do México culmina com uma série de

encontros com organizações civis autônomas, palestras em universidades e uma plenária

do dia 28 de Março no Congresso Nacional. Diante de 200 deputados, os zapatistas

discursam sobre a necessidade de reformulação do poder mexicano, da constituição

federal e reforçam a urgência de reconhecimento dos direitos e culturas indígenas. Após

o ato, os zapatistas deixam a Cidade do México. O saldo da marcha, do ponto de vista

da mobilização popular que o EZLN conseguiu engendrar na capital federal, foi

positivo. No entanto a insensibilidade e a falta de compromisso da classe dirigente

mexicana com o povo, com os indígenas, deixa claro que o novo governo não está

disposto a ceder frente às reivindicações indígenas. O congresso mexicano aprovou uma

lei indígena que nem de longe tangia aspectos da luta do EZLN. Tratava-se apenas de

uma adaptação aos critérios legais e racionais do que se concebe como Estado de

direito. A lei ignorava a visão, a historicidade e cultura indígena, reafirmando a

subordinação dos indígenas a um corpo institucional que eles desconhecem.

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Como resposta, os zapatistas rompem qualquer tipo de diálogo com o

governo e convocam a sociedade civil para mobilizar-se no sentido de anular a farsa

instituída pelo Congresso.

Figura 6: Chegada da delegação zapatista a praça central da Figura 7: indígena zapatista discursa no

Cidade do México. Congresso mexicano. FONTE: http://www.submarcos.org Fonte: http://www.submarcos.org

Após retornar à selva, os zapatistas iniciam um silêncio que perduraria

quase dois anos, período esse caracterizado pela iminência de um conflito direto entre o

EZLN e as forças armadas do México e pela continuidade da estratégia de conflito de

baixa intensidade, iniciada ainda no Governo Zedillo.

A leitura das ações zapatistas através dos comunicados direcionados a

sociedade mexicana em geral e a classe dirigente do país permite perceber a lógica de

atuação e a ética zapatista de um ponto de vista externo, ou seja, a partir de sua relação

com o meio que o circunda, a sociedade civil e o Estado. Uma análise das características

internas deste movimento nos fornece um olhar mais próximo da realidade daqueles

indígenas, possibilitando-nos adentrar nas formas de organização, linguagem política,

estética e pensamento indígena.

Internamente, os zapatistas buscam na tradição indígena baseada no

autogoverno e na propriedade coletiva da terra, as referências para construir um nova

forma de fazer política. Nos primeiros anos de levante público, os zapatistas tratam de

nomear as áreas ocupadas, dominadas militar ou simbolicamente, de Municípios

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Autônomos em Rebeldia. Neles, o viés político-institucional, que privilegia a disputa

pelo poder, não existe. Resultado da necessidade de se desenvolver formas de

integração frente às ameaças federais, os Municípios Autônomos traduzem o esforço

zapatista em construir uma ordem política vinda de baixo, pensada e discutida

amplamente, podendo assim garantir novas formas de acesso a terra, saúde, justiça e

outras demandas ligadas à luta indígena. Nessas áreas impera a ordem do “mandar

obedecendo” aonde os zapatistas criam uma circularidade governamental, capaz de

dotar os indígenas de um grau de participação política e tomada de decisões muito

superior ao que se percebe nos circuitos políticos tradicionais.

Figura 8: “Aqui o povo manda e o governo obedece”. Placa de entrada dos territórios zapatistas

FONTE: http://www.submarcos.org

Ao redirecionar as formas de se fazer política, os zapatistas tecem uma

firme crítica à democracia como tem se apresentado historicamente para estes povos:

uma intimação a participar daquilo que desconhecem, ignoram, que não faz parte de sua

lógica de pensamento. Assim os zapatistas buscam, não tomar o poder, mas exercê-lo,

não participar das eleições levantando uma bandeira de oposição, mas participar da

construção de uma nova democracia, abaixo e à esquerda.

Através dos Municípios Autônomos, a autonomia e o autogoverno dão novo

sentido à noção de democracia, pensada, na lógica zapatista, como uma ampliação da

responsabilidade política. Nessa democracia, “desde baixo”, busca-se a passagem de

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espectador para protagonista de uma determinada realidade. Com um tipo de

direcionamento político particular, os zapatistas buscam:

uma sociedade em que impere uma democracia popular e participativa, ao contrário da democracia nos moldes da sociedade burguesa, que é apenas para uma minoria, ou melhor, em que as minorias prevalecem sobre, e subjugam sistematicamente as maiorias, esvaindo os seus conteúdos emancipadores, em decorrência da abstração fetichizada de um simples ato de administração. Os comunicados do EZLN, a todo o momento, denunciam os limites de uma democracia formal ou representativa, tal qual está colocada atualmente. Percebemos no zapatismo a intenção de maximizar a democracia através da incorporação de todos os excluídos da sociedade, de outra forma de fazer política, em que a própria sociedade seja o real protagonista e o “poder” emane de baixo e não de cima, o que significa estender o conceito de democracia a grau tal inadmissível por qualquer estrutura capitalista (HILSENBECK, 2007, p. 198).

O crescimento da influência zapatista em Chiapas leva a uma necessidade

ampliação da estrutura administrativa dos territórios zapatistas. Os Municípios

Autônomos preservam a sua existência, passando a fazer parte de um mecanismo mais

amplo, batizado pelos zapatistas de Juntas de Bom Governo. Essa alteração na

estruturação interna dos rebeldes fez parte da estratégia de ressurgimento do EZLN após

o silencio adotado em 2001, quando do rompimento do diálogo com o governo

mexicano. Como complemento às Juntas de Bom Governo, os zapatistas criam os

Caracóis em substituição aos Aguascalientes, reformulando os espaços de encontro com

a sociedade civil. Os zapatistas assim explicam o sentido dos Caracóis:

O caracol era um meio para comunicar-se em diferentes modos. Quando há festas, reuniões ou problemas anunciavam-se através das conchas de caracol. Quando há insegurança ou para alertar as pessoas, usavam o caracol. Claro que tem seus diferentes sons. Se é para uma reunião há um som diferente que para uma festa. Se é para alertar as pessoas é outro. Então nossos antepassados usavam este caracol com muita inteligência. O caracol tornou-se um meio importante para se comunicar. Porém também usavam o caracol para escutar ou para receber mensagens. Então, essa importante tradição que tinham nossos antepassados, nós, como Exército Zapatista de Libertação Nacional, decidimos também retomar esta cultura, essa história. Decidimos recuperar essa recordação de nossos antepassados. Esse meio foi roubado, foi destruído, foi pisoteado pelos invasores espanhóis. Por isso os cinco Aguascalientes que existiam passamos chamá-los de Caracóis. O Caracol significa um meio de comunicação para comunicar a nossas bases de apoio, mas também para comunicar-nos com todas as organizações de diferentes estados do país sobre todos os

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indígenas do México e também serve para comunicar-nos com todas as organizações dos diferentes países do mundo (CCRI, abril de 2004)

Os caracóis acenam para a retomada do diálogo com a sociedade civil

nacional e internacional, ao mesmo tempo em que reformula as bases da administração

dos territórios mantidos em rebeldia pelos zapatistas.

A partir de 2003, os zapatistas ainda inauguram uma nova fase do conflito

comunicativo, aprofundando o uso dos meios de comunicação para divulgar suas

causas. A guerrilha midiática desenvolvida pelos zapatistas busca, em meio a estrutura

de desinformação, imposta pela sociedade da informação manipulada e monopolizada,

se inserir no espaço midiático de forma a expor seus objetivos, opiniões e

reivindicações junto à sociedade. O mesmo objetivo explica a inserção dos zapatistas no

ciberespaço, na internet. Fazer-se ouvir, fazer-se ver, fazer-se compreender é o objetivo

da estratégia midiática do EZLN.

A novidade trazida pelos zapatistas é também atribuída a este deslocamento,

que amplia os espaços de enfrentamentos com o governo. Da selva para a mídia, das

armas à internet, a rebeldia indígena busca todas as formas de retirar a credibilidade do

“mau governo” mexicano. Como assinala Antônio Rubim:

A instantaneidade na publicização dos conflitos, possibilitada pelas tecnologias midiáticas transforma-se em arma estratégica nas guerras atuais, pois a surpresa, dentre outras potencialidades, sempre foi importante elemento tático (...) a instantaneidade e a desterritorialização iluminam o caráter complexo e compósito da sociabilidade atual: intrincada composição de convivências e televivências em permanente intercâmbio. Indicam também o acionamento de uma outra "guerra", simbólica (RUBIM, 2008, p.4).

Esse novo tipo de guerra tem sido geralmente alimentado pelas aparições

públicas do líder militar e porta-voz do EZLN, o Subcomandante Marcos. Adotando o

ideário indígena, uma qualidade literária inquestionável e o tom irônico em seus

comunicados, o Subcomandante tem sido o instrumento mais eficaz dos indígenas na

luta contra a desinformação e a alienação imposta pelos meios de comunicação. Para

Hilsenbeck, nos discursos zapatistas:

Mesclam-se, numa forma de escrita bastante singular, elementos da linguagem e cultura indígenas, da tradição socialista clássica, das atuais demandas por direitos humanos, democracia e direito à

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diferença. Combinam-se narrações do cotidiano das comunidades, citações de Shakespeare, Pablo Neruda, García Lorca e vários estilos literários e formas lingüísticas, variando conforme o objetivo e o interlocutor. Também são diversas as criações de personagens literárias nos comunicados escritos por Marcos, que têm por propósito a decodificação de uma determinada linguagem e uma determinada realidade para outra. Tal fato não apenas resgata e ressignifica aspectos da cultura secular de resistência indígena, mas, principalmente, auxilia na compreensão das táticas e estratégias desenvolvidas pelos zapatistas na condução de suas lutas. Isso permite a publicização de sua política, e ainda realiza algo como uma ponte em que se encontram dois mundos de matriz civilizatória distinta, o ocidental capitalista e o indígena, mas muito iguais na exploração e na miséria impostas pelo capital (HILSENBECK, 2009, p.3).

Figura 9: Subcomandante Marcos em entrevista a CNN.

FONTE: http://www.submarcos.org

Há uma percepção nítida entre os zapatistas que o uso do espaço virtual e da

mídia tem colocado a insurreição de Chiapas em novos patamares. De uma estrutura de

miséria e do coração de uma selva para a internet, este caminho traçado pelos

insurgentes atribui um caráter de excepcionalidade àquela luta, que acena pôr em

silêncio as armas para desencadear um confronto quase que transnacional, que se

aproveita do fluxo comunicativo que a era da informação impôs.

O uso destes espaços pelos zapatistas como forma de ampliação e

desterritorialização da luta social tem permitido pelo menos dois tipos de interpretações

acerca da práxis zapatista. De um lado, a ocupação do mundo da mídia e da

comunicação em massa tem posto o movimento zapatista em oposição às experiências

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tradicionais de guerrilha que nossa região conheceu, o que faz com que muitos neguem

o caráter guerrilheiro do EZLN. Esse tipo de estratégia fez com que se atribuísse ao

zapatismo o status pouco convencional de primeira guerrilha contemporânea, primeiro

movimento social armado que incorpora a sua prática o uso dos avanços tecnológicos e

comunicativos inaugurados pela globalização.

Essa ação para além da selva faz com que se multipliquem os espaços de

intervenção na realidade social tendo-se como referencia o zapatismo, ou seja, é um

conflito sem lugares, onde novos sujeitos se sentem parte integrante e direta do conflito,

fazendo com que somem-se mais vozes, mais lideranças, mais rebeldias, diluindo-se o

caráter hierárquico tão comum nas experiências de guerrilhas conhecidas.

Por outro lado, a guerra midiática adotada pelos insurgentes corre o

eminente risco de se perder em meio à inserção desenfreada dentro de meios de

comunicação manipuláveis, fazendo com que o movimento perca sua funcionalidade

material e seu aspecto bélico. Como assinala Antônio Rubim:

Acionar e transitar intensamente na mídia, exigências políticas da contemporaneidade, apresentam inúmeros e imensos riscos. O estar no ar, com sua acelerada e voraz lógica de atualização e novidades, pode descolar o movimento de sua terra firme. Este deslocamento entre a selva, a montanha, a comunidade, a praça, a rua; enfim o mundo da convivência e a tela, com sua “vivência” à distância, pode ser fatal, pois torna a intervenção política na mídia sem substrato e, por conseguinte, presa frágil do devorador aparato sócio-tecnológico do campo da mídia”. (RUBIM, 2008, p. 9.)

Portanto, a ação zapatista deve buscar o equilíbrio entre a ação material,

militar, conservando sua identidade guerrilheira, indispensável para a compreensão das

origens do levante e do contexto histórico de aparecimento do EZLN na década de 1980

e as necessidades de transformação frente às mudanças impostas pela velocidade do

mundo globalizado. O certo é que os zapatistas se mantêm em guerra, seja ela de papeis,

de armas ou comunicados eletrônicos e se mantém em alerta frente ás ameaças do mau

governo22, sabendo da necessidade de redirecionar suas ações de acordo com as

circunstâncias:

Os zapatistas não podem se dar ao luxo de ter como norte somente as ações midiáticas, espetaculares; têm que cotidianamente atentar para a

22 Basta lembrar que a maioria das posições militares do governo federal em Chiapas se mantém.

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reprodução das próprias condições de vida, nas formas mais duras, dentro das comunidades autônomas em rebeldia. A ausência declarada do conflito não é garantia de paz, e a guerra declarada pelo EZLN não terminou, pois as causas que a provocaram permanecem vigentes. O Exército Zapatista tem convocado, desde os primeiros meses da insurreição, um movimento nacional democrático, civil e pacífico para que se tornem inúteis suas armas, bem como o próprio Exército Zapatista, mas o espaço democrático mexicano não está consolidado a tal ponto e os ventos de cima, por diversos motivos, como os recursos naturais e estratégicos de Chiapas, ou a impertinência e rebeldia que significam o zapatismo, podem soprar em outro sentido. Até porque do lado do governo nunca houve uma verdadeira opção pelo diálogo. (HILSENBECK, 2009, p. 8).

Importante ressaltar que este tipo de estratégica é fruto não da simples

opção dos zapatistas por direcionar a luta indígena a outros tipos de níveis de

enfrentamento. É resultado da necessidade de incorporar novas lógicas de atuação, de se

rever e se reconstruir frente ao estado neoliberal. O EZNL, busca, dessa forma,

constantemente se legitimar frente àqueles que são o motor de qualquer tipo de

mudança social: a sociedade civil, sem no entanto, perder suas características essenciais,

a de ser um movimento indígena e armado.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nestes quinze anos de luta pública e vinte e seis de origem e formação, o

EZLN tem buscado moldar um novo tipo de organização social capaz de aceitar o

enfrentamento com o estado como única via de transformação. Aos poucos, a influencia

zapatista tem dado novo fôlego às comunidades indígenas de Chiapas direta ou

indiretamente ligadas ao EZLN, no sentido de se garantir o acesso coletivo à terra, à

participação política ampliada e discutida de acordo com a cultura e identidade

indígenas. Com o zapatismo, estes indígenas tem se sentido verdadeiramente indígenas,

tem se sentido parte de um sistema que reconhecem como seu.

No entanto, a luta zapatista se pretende mais ampla. E como um espelho do

mundo,onde os povos excluídos se reconhecem, a rebelião de Chiapas quer ser a

rebelião de cada trabalhador, pobre, camponês e toda massa relegada a segundo plano.

A ação zapatista, que transitou de uma experiência guerrilheira clássica para

um movimento social ímpar na história de nosso continente, tem indicado novos

caminhos a se percorrer na busca por uma outra realidade. Sua conjuntura histórica de

aparecimento, sua relação com o mundo e com a sociedade civil, sua capacidade de

redefinição e reformulação frente ao conflito com o Estado tem configurado um

ressurgimento das possibilidades de reestruturação do convívio social e político.

Ressurgimento baseado em novas formas de atuação e percepção da realidade.

O zapatismo é hoje um movimento que ultrapassa os velhos conceitos de

direita e/ou esquerda política; que abandona a política partidária (acostumada com os

confrontos de gabinete), gozando de autonomia em relação aos circuitos políticos

institucionais; que adota novas formas de comunicação e relação com a sociedade civil,

que privilegia não um lugar de luta mas a ampliação dos espaços de conflitualidade; que

não possui um líder carismático; que não possui nomes; que não tem rostos; que

empunha mais esperanças do que armas e que não pretende vencer, quer convencer,

quer fazer com que mais pessoas ouçam os passos pelos quais a luta zapatista vai

abrindo caminho para construção de um mundo onde caibam todos os mundos.

Sabemos que o futuro deste tipo de organização como força beligerante

permanente é incerto. Os zapatistas por várias vezes acenaram para a transformação de

sua luta em uma frente cívica pacífica. No entanto, a resposta estatal baseada no

aumento da repressão, não tem indicado que o conflito em Chiapas esteja perto de um

fim. Mas sabemos também que a disposição zapatista em manter-se em rebeldia é

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permanente como assinala o comunicado dos zapatistas no aniversário de quinze anos

do levante:

Durante 15 anos, temos sofrido ameaças, hostilidades, perseguições, ataques militares e paramilitares. O mau governo, os partidos políticos e seus aliados, ainda que sejam pessoas pobres, não cessam seus ataques de muitas formas a fim de deter o avanço de nossa luta e destruir nossa base que são todos os povos em resistência. Durante 15 anos, o mau governo tem fundado, financiado e treinado grupos paramilitares em todos os povoados, e estes têm a tarefa de provocar, ameaçar e dividir nossos povos (...), nós zapatistas não nos levantamos em armas para pedir migalhas ou para que nos tratem como pedintes. Nós lutamos por uma verdadeira democracia, liberdade e justiça para todos. Lutamos pelo bem da humanidade e contra o neoliberalismo. Lutamos por outro mundo mais justo e mais humano. (CCRI, Janeiro de 2009).

A disposição zapatista em se manter em rebeldia significa que a real

situação dos povos indígenas de Chiapas está longe de ser resolvida, mas o

fortalecimento das áreas em rebeldia tem indicado que os caminhos abertos pela marcha

indígena, pela insurreição zapatista, alcançaram um patamar nunca antes percebido na

história dos movimentos sociais daquele país.

Levando-se em consideração a lógica de atuação zapatista, são muitos os

deslocamentos que fazem da insurreição indígena referência nos debates sobre a

construção de um novo tipo de fazer política em nosso continente. Assim, temos um

tipo de organização que escapa às conceituações clássicas de movimentos

“guerrilheiros” e / ou de “esquerda”, que se baseia num conflito pós-político, uma vez

que ultrapassa a estrutura imposta pelas velhas formulações acerca da política; um tipo

de organização que sai do conflito armado direto para o comunicativo, procurando

novos espaços de confrontação ideológica; um tipo de organização em que seus

membros cobrem os rostos para serem vistos e, se necessário, silenciam para fazer-se

ouvir. O perfil da luta revolucionária sustentada pelos indígenas de Chiapas reascende

os conflitos sociais na América Latina, inaugurando uma nova era de contestação social

em nosso continente.

Anti-neoliberal, anti-estado, pós político, hibrido, sincrético, armado, com

palavras e armas, o “JÁ BASTA” zapatista tem se transformado em referência

obrigatória para a percepção das novas formas de elaboração da luta social na América

Latina.

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