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GE J Port Gastrenterol. 2013;20(4):179---180 www.elsevier.pt/ge INSTANTÂNEO ENDOSCÓPICO Tumor de Abrikossoff do esófago Abrikossoff’s tumor of the esophagus Cláudia Cardoso , Ricardo Freire e Ana Paula Oliveira Servic ¸o de Gastrenterologia, Centro Hospitalar de Setúbal, Setúbal, Portugal Recebido a 28 de janeiro de 2012; aceite a 11 de julho de 2012 Disponível na Internet a 23 de outubro de 2012 Homem de 50 anos, rac ¸a branca, submetido a endosco- pia digestiva alta por queixas dispépticas. Observou-se um pólipo séssil com 10 mm de diâmetro no 1/3 inferior do esófago, de aparente origem subepitelial (fig. 1), que se removeu com ansa diatérmica. A histologia foi compatí- vel com tumor de células granulares, com margens livres (figs. 2 e 3). A endoscopia de controlo, realizada após 12 meses, não mostrou evidência de recidiva tumoral. O tumor de células granulares foi descrito pela pri- meira vez em 1926 por Abrikossoff. Pode surgir em qualquer órgão, sendo a língua, a pele e a glândula mamária os locais mais frequentemente atingidos 1 . O envol- vimento do tubo digestivo ocorre em cerca de 5% dos casos. Destes, 1/3 localizam-se no esófago e podem ser múltiplos 2 . Na sua génese têm sido implicadas várias células, incluindo mioblastos, fibroblastos e histiócitos. A maioria dos investigadores sustenta, porém, uma etiologia neural, fundamentada na presenc ¸a de mielina e na positividade para a proteína S-100 3 , sendo que a sua designac ¸ão deriva da acumulac ¸ão de lisossomas secundários no citoplasma. Os tumores com localizac ¸ão esofágica afetam predo- minantemente doentes do sexo masculino, com um pico de incidência entre a 4. a e a 6. a décadas de vida. Na sua maioria, são achados endoscópicos. Quando sintomá- ticos, a disfagia, a regurgitac ¸ão e a dor retroesternal são as queixas mais comuns. O aspeto endoscópico habitual é o de um pólipo séssil, com dimensão inferior a 2 cm, de Autor para correspondência. Correio eletrónico: [email protected] (C. Cardoso). consistência dura e colorac ¸ão amarelada, recoberto por mucosa normal e situado no 1/3 distal do esófago. A ecoen- doscopia digestiva, na qual se observam lesões hipoecoicas ou isoecoicas, homogéneas, com bordos regulares, por vezes com um halo periférico, na dependência da mucosa pro- funda/submucosa (2. a e 3. a camadas), poderá ter utilidade na realizac ¸ão de biopsia e na avaliac ¸ão da viabilidade da ressecc ¸ão 4 . Histologicamente, são formados por grupos de células ovoides ou poligonais, com citoplasma eosinofílico, delimitados por septos de tecido conjuntivo, localizados na camada mucosa e submucosa. Por vezes, o epitélio a reco- brir a lesão apresenta hiperproliferac ¸ão, associada ou não a alterac ¸ões pseudoepiteliomatosas, que podem levar a um diagnóstico erróneo de carcinoma epidermoide quando as biopsias são superficiais. No estudo imuno-histoquímico, a proteína S-100 é o marcador mais característico, embora não específico. Outros marcadores, como o CD57, a enolase neuronal específica, a vimentina e a nestina, podem tam- bém estar presentes. A maioria destes tumores é benigna, verificando-se um comportamento maligno em apenas 1-3% dos doentes. A recorrência local, o tamanho superior a 4 cm, o crescimento infiltrativo, o aumento das dimensões da lesão em relac ¸ão ao tamanho inicial ou a invasão linfática devem aumentar a suspeita de malignidade, que se associa a um risco de mortalidade de 40% 5 . Não existem consensos relativamente ao tratamento. A excisão, endoscópica ou cirúrgica, é considerada a terapêu- tica de primeira linha. A opc ¸ão pelo tratamento endoscópico deverá ser reservada para tumores com <20 mm e ausência de invasão da muscularis própria, associando-se, contudo, a um risco de recorrência de 5-10%. Alguns autores sugerem 0872-8178/$ – see front matter © 2012 Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia. Publicado por Elsevier España, S.L. Todos os direitos reservados. http://dx.doi.org/10.1016/j.jpg.2012.08.001

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GE J Port Gastrenterol. 2013;20(4):179---180

www.elsevier.pt/ge

INSTANTÂNEO ENDOSCÓPICO

Tumor de Abrikossoff do esófago

Abrikossoff’s tumor of the esophagus

Cláudia Cardoso ∗, Ricardo Freire e Ana Paula Oliveira

Servico de Gastrenterologia, Centro Hospitalar de Setúbal, Setúbal, Portugal

Recebido a 28 de janeiro de 2012; aceite a 11 de julho de 2012Disponível na Internet a 23 de outubro de 2012

Homem de 50 anos, raca branca, submetido a endosco-pia digestiva alta por queixas dispépticas. Observou-se umpólipo séssil com 10 mm de diâmetro no 1/3 inferior doesófago, de aparente origem subepitelial (fig. 1), que seremoveu com ansa diatérmica. A histologia foi compatí-vel com tumor de células granulares, com margens livres(figs. 2 e 3). A endoscopia de controlo, realizada após12 meses, não mostrou evidência de recidiva tumoral.

O tumor de células granulares foi descrito pela pri-meira vez em 1926 por Abrikossoff. Pode surgir emqualquer órgão, sendo a língua, a pele e a glândulamamária os locais mais frequentemente atingidos1. O envol-vimento do tubo digestivo ocorre em cerca de 5% doscasos. Destes, 1/3 localizam-se no esófago e podem sermúltiplos2. Na sua génese têm sido implicadas várias células,incluindo mioblastos, fibroblastos e histiócitos. A maioriados investigadores sustenta, porém, uma etiologia neural,fundamentada na presenca de mielina e na positividade paraa proteína S-1003, sendo que a sua designacão deriva daacumulacão de lisossomas secundários no citoplasma.

Os tumores com localizacão esofágica afetam predo-minantemente doentes do sexo masculino, com um picode incidência entre a 4.a e a 6.a décadas de vida. Nasua maioria, são achados endoscópicos. Quando sintomá-ticos, a disfagia, a regurgitacão e a dor retroesternal sãoas queixas mais comuns. O aspeto endoscópico habitual éo de um pólipo séssil, com dimensão inferior a 2 cm, de

∗ Autor para correspondência.Correio eletrónico: [email protected] (C. Cardoso).

consistência dura e coloracão amarelada, recoberto pormucosa normal e situado no 1/3 distal do esófago. A ecoen-doscopia digestiva, na qual se observam lesões hipoecoicasou isoecoicas, homogéneas, com bordos regulares, por vezescom um halo periférico, na dependência da mucosa pro-funda/submucosa (2.a e 3.a camadas), poderá ter utilidadena realizacão de biopsia e na avaliacão da viabilidade daresseccão4. Histologicamente, são formados por grupos decélulas ovoides ou poligonais, com citoplasma eosinofílico,delimitados por septos de tecido conjuntivo, localizados nacamada mucosa e submucosa. Por vezes, o epitélio a reco-brir a lesão apresenta hiperproliferacão, associada ou nãoa alteracões pseudoepiteliomatosas, que podem levar a umdiagnóstico erróneo de carcinoma epidermoide quando asbiopsias são superficiais. No estudo imuno-histoquímico, aproteína S-100 é o marcador mais característico, emboranão específico. Outros marcadores, como o CD57, a enolaseneuronal específica, a vimentina e a nestina, podem tam-bém estar presentes. A maioria destes tumores é benigna,verificando-se um comportamento maligno em apenas 1-3%dos doentes. A recorrência local, o tamanho superior a 4 cm,o crescimento infiltrativo, o aumento das dimensões da lesãoem relacão ao tamanho inicial ou a invasão linfática devemaumentar a suspeita de malignidade, que se associa a umrisco de mortalidade de 40%5.

Não existem consensos relativamente ao tratamento. Aexcisão, endoscópica ou cirúrgica, é considerada a terapêu-tica de primeira linha. A opcão pelo tratamento endoscópicodeverá ser reservada para tumores com <20 mm e ausênciade invasão da muscularis própria, associando-se, contudo,a um risco de recorrência de 5-10%. Alguns autores sugerem

0872-8178/$ – see front matter © 2012 Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia. Publicado por Elsevier España, S.L. Todos os direitos reservados.http://dx.doi.org/10.1016/j.jpg.2012.08.001

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180 C. Cardoso et al.

Figura 1 Pólipo séssil com 10 mm de diâmetro no 1/3 inferiordo esófago.

Figura 2 Células tumorais com citoplasma granular eosinofí-lico (H&E) na camada submucosa.

que lesões de menores dimensões e assintomáticas podemser vigiadas por ecoendoscopia, com base em relatos deseguimento superior a 10 anos sem evidência de evolucãoda doenca.

Figura 3 Marcacão imuno-histoquímica positiva para a pro-teína S-100.

Face à sua raridade, não está estabelecida a periodici-dade de vigilância após a resseccão destes tumores4.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de intereses.

Bibliografia

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5. Weiss S, Goldblum JR. Enzinger and Weiss’s soft tissue tumors.4th ed. St Louis: CV Mosby; 2001. p. 863---4.