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8 TUTELA ANTECIPADA DO PEDIDO INCONTROVERSO? Uma Cisão do Julgamento de Mérito (Vanessa Rocha Ferreira – Belém/PA) INTRODUÇÃO Hoje um dos maiores problemas que assolam o Poder Judiciário e a efetividade do processo para a obtenção da justiça é o problema da morosidade processual, onde o réu tem o fator tempo como um grande aliado. O que se observa no sistema processual brasileiro é a falta de instrumentos hábeis a realizar as pretensões do direito material do autor. Veremos a em seguida que com base na instrumentalidade do processo e no princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV da CF), buscou-se mecanismos para a realização de um provimento mais justo e igualitário, onde o ônus do tempo, que outrora era suportado somente pelo autor 1 , foi dividido entre os litigantes. Buscou-se como forma de solução ao problema uma tutela jurídica diferenciada, dotada de dois mecanismos: 1) Procedimentos específicos 2 de cognição plena e exauriente (cada qual elaborado em função da especificidade da relação material); 2) Tutelas sumárias típicas, precedidas de cognição não exauriente, onde se destacam os mecanismos de sumarização da cognição para a prestação de tutela, caso este em que a tutela antecipada poderá ser concedida desde que estejam presentes os requisitos exigidos em lei. É a respeito dessa tutela que, por ora, nos interessa falar, já que ela pode ser vista como uma tentativa de produção antecipada de alguns dos efeitos práticos pleiteados na exordial 3 antes da decisão que põe fim ao processo, em primeira instância. O ponto a ser discutido neste trabalho refere-se aos casos de concessão de tutela quando se tratar de pedido incontroverso 4 , pois nesse caso entendemos que há uma falha no atual sistema processual por ainda não ter conseguido romper com alguns dogmas, i.e., o dogma da unicidade e unidade do julgamento, como veremos detalhadamente mais adiante. O que buscamos é uma solução a esse entrave, tendo em vista que um sistema eficaz, que visa solucionar um problema gravíssimo da efetividade do processo, que é a concessão de tutela antecipada, encontra limites legais que impedem a sua plena realização. Por isso adentraremos na discussão acerca da natureza jurídica da decisão que concede a Tutela Antecipada em decorrência do 1 O autor além de suportar o mal que lhe é feito geralmente pela privação de um direito tinha que suportar o ônus da demora de forma integral. 2 Temos como exemplo alguns tipos de ação no Livro IV do Código de Processo Civil, bem como a Ação Popular, a Ação Civil Pública etc. 3 É bom não olvidarmos que existe a possibilidade de aditamento do pedido antes mesmo da citação, conforme os art. 294 c/c art.321, do CPC. 4 Art. 273, §6º do Código de Processo Civil: “A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela dele, mostrar-se incontroverso”.

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TUTELA ANTECIPADA DO PEDIDO INCONTROVERSO? Uma Cisão do Julgamento de Mérito (Vanessa Rocha Ferreira – Belém/PA)

INTRODUÇÃO

Hoje um dos maiores problemas que assolam o Poder Judiciário e a efetividade do processo para a obtenção da justiça é o problema da morosidade processual, onde o réu tem o fator tempo como um grande aliado. O que se observa no sistema processual brasileiro é a falta de instrumentos hábeis a realizar as pretensões do direito material do autor. Veremos a em seguida que com base na instrumentalidade do processo e no princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV da CF), buscou-se mecanismos para a realização de um provimento mais justo e igualitário, onde o ônus do tempo, que outrora era suportado somente pelo autor1, foi dividido entre os litigantes. Buscou-se como forma de solução ao problema uma tutela jurídica diferenciada, dotada de dois mecanismos: 1) Procedimentos específicos2 de cognição plena e exauriente (cada qual elaborado em função da especificidade da relação material); 2) Tutelas sumárias típicas, precedidas de cognição não exauriente, onde se destacam os mecanismos de sumarização da cognição para a prestação de tutela, caso este em que a tutela antecipada poderá ser concedida desde que estejam presentes os requisitos exigidos em lei. É a respeito dessa tutela que, por ora, nos interessa falar, já que ela pode ser vista como uma tentativa de produção antecipada de alguns dos efeitos práticos pleiteados na exordial3 antes da decisão que põe fim ao processo, em primeira instância.

O ponto a ser discutido neste trabalho refere-se aos casos de concessão de tutela quando se tratar de pedido incontroverso4, pois nesse caso entendemos que há uma falha no atual sistema processual por ainda não ter conseguido romper com alguns dogmas, i.e., o dogma da unicidade e unidade do julgamento, como veremos detalhadamente mais adiante.

O que buscamos é uma solução a esse entrave, tendo em vista que um sistema eficaz, que visa solucionar um problema gravíssimo da efetividade do processo, que é a concessão de tutela antecipada, encontra limites legais que impedem a sua plena realização. Por isso adentraremos na discussão acerca da natureza jurídica da decisão que concede a Tutela Antecipada em decorrência do

1 O autor além de suportar o mal que lhe é feito geralmente pela privação de um direito tinha que suportar o ônus da demora de forma integral. 2 Temos como exemplo alguns tipos de ação no Livro IV do Código de Processo Civil, bem como a Ação Popular, a Ação Civil Pública etc. 3 É bom não olvidarmos que existe a possibilidade de aditamento do pedido antes mesmo da citação, conforme os art. 294 c/c art.321, do CPC. 4 Art. 273, §6º do Código de Processo Civil: “A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela dele, mostrar-se incontroverso”.

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pedido incontroverso, bem como se tal decisão tem caráter provisório ou definitivo, ou seja, se ela pode ou não ser revogada ao longo do processo.

Ao final, proporemos a cisão do julgamento com a possibilidade da existência de uma sentença intermediária, quebrando o dogma da Unicidade do Julgamento e mudando o entendimento de que a sentença é apenas o provimento judicial que põem fim ao processo em primeiro grau, resolvendo as questões do 267 e do 269 do CPC; e passando a entender que sentença é o provimento que põem fim a qualquer discussão controversa no processo.

Se essa sentença for concedida ao longo do processo normalmente, após a instrução ou dilação probatória, ou no caso de julgamento antecipado da lide, ela continua a ser o ato que põe fim aos pontos controvertidos no processo, sendo o ato do juiz que implica em algumas situações do 267 e do 269 do CPC, devendo acolher ou rejeitar o pedido formulado pelo autor, tendo a função de pacificação dos interesses antagônicos ou controvertidos; se ela for concedida no caso de pedido incontroverso, a decisão que a conceder será denominada de sentença interlocutória (ou intermediária), com a produção de todos os efeitos de uma sentença final, nos termos dos art. 162; 459; 472, e outros artigos do Código de Processo Civil. Essa sentença é de mérito específico.

Essa cisão do julgamento de mérito, se fosse admitida por nosso ordenamento jurídico, passaria a permitir, como veremos no decorrer deste trabalho, que se atendam as necessidades do autor de plano, através da chamada execução definitiva, o que daria uma maior efetividade e celeridade ao processo.

CAPÍTULO 1 - Perspectivas Metodológicas: Instrumentalidade do Processo e Acesso à Justiça

1.1. Instrumentalidade e Efetividade do Direito (Eficiência do Provimento Jurisdicional):

Falar em instrumentalidade do processo é falar em formas da legislação processual atinentes à realização do direito material das partes, mediante a eliminação dos conflitos que as envolvem. Esse instituto mostra que existem leis, normas processuais pré-existentes, destinadas a assegurar e realizar todas as relações jurídicas do direito material. Ele mantém uma preocupação com a lógica do procedimento e a sua celeridade, tornando a busca pelos direitos mais justa, pública e acessível.

Todo processo busca produzir direitos efetivos às partes e é, por definição, instrumental com relação a uma situação do direito material, e é esta a sua razão de existir, já que busca não só aplicar, mas também proteger efetivamente o direito substancial, servindo de meio para a sua correta e concreta realização.

Antes de adentrarmos nessa discussão, faz-se necessário fazermos um breve apanhado histórico sobre a evolução do direito processual como ciência, para que possamos entender melhor a idéia de instrumentalidade que temos no contexto atual.

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A evolução do Direito Processual foi marcada basicamente por três fases: a imanentista, a autonomista e a instrumentalista. Vejamos brevemente no que consistiu cada uma dessas fases.

A fase imanentista se refere à época em que o direito processual não era dotado de autonomia, sendo visto como um apêndice do direito material. Havia uma nítida confusão entre o direito substancial e o direito adjetivo, onde o direito processual era tido como o conjunto de formalidades para a atuação pratica do direito material. Não havia de fato a existência de um direito processual; o processo era tido como uma mera seqüência de atos e formalidades. Essa fase teve seu término com os inúmeros questionamentos acerca da autonomia do direito de ação e do próprio direito processual.

A fase autonomista teve como marco inicial a publicação, em 1868, da obra Die Lehre Von Den Prozesseinreden5, que inaugurou6 a idéia do processo como relação jurídica e traçou os princípios básicos do direito processual como ciência autônoma, onde se destacavam dois planos com realidades distintas: o da relação processual e o da relação do direito privado. Essa fase também merece destaque por ter enumerado as premissas metodológicas do processo como ciência, principalmente na criação de institutos processuais7.

A terceira fase, a instrumentalista, é a fase em que vivemos atualmente, onde se busca um processo que deve cumprir os seus escopos jurídicos, políticos e sociais, devendo ser analisado a partir de ângulos externos, levando em conta os resultados a serem atingidos.

Note que o instrumentalismo antes apegado apenas à formalidade, hoje tenta se colocar a serviço da substancialidade e materialidade do direito, para o resguardar mesmo diante da inexistência ou ineficácia de normas processuais capazes de solucionar os conflitos de interesses existentes. Ele é, em verdade, o núcleo e a síntese dos movimentos pelo aprimoramento do sistema processual, que visa a construção de um sistema jurídico apto a conduzir aos resultados práticos desejados.

O que se busca, em verdade, é um processo civil de resultados, onde o processo é um instrumento de positivação do acesso à ordem jurídica justa e efetiva, apta a produzir o resultado que a parte espera. Esse é o aspecto positivo do Instrumentalismo. Ao mesmo tempo em que isso acontece, essa instrumentalidade também nega ao processo um fim em si mesmo, defendendo que ele não pode ter um valor superior a essência do direito material. A forma não pode assumir um valor preponderante, pois o que se busca com o processo é a

5 Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais, do jurista alemão Oskar Von Bülow. 6 Cândido Rangel Dinamarco em sua obra, a Instrumentalidade do Processo defende que que Bülow apenas racionalizou e desenvolveu uma idéia pré-existente, propondo os seus desdobramentos. Enfatizando que na realidade ele não criou a idéia da relação jurídica processual, nem tão pouco a sua concepção tríplice. (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instrumentalidade do Processo. 10ª Ed. Editora Malheiros, São Paulo, 2001). 7 Segundo Alexandre Câmara, é nessa fase que surgem os maiores nomes do Direito Processual Civil de todos os tempos, tais como: Guiseppe Chiovenda, Francesco Carnelutti, Piero Calamandrei, Erico Tullio Liebman, dentre outros. (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil.Vol.I. 9ª Ed. Editora Lúmen Júris, Rio de Janeiro. 2003, p. 9).

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efetivação de um direito substancial. Esse é o seu aspecto negativo, que pode ser melhor vislumbrado no Princípio da Instrumentalidade das Formas.

Essa atual tendência do instrumentalismo tem como objetivo precípuo conferir meios hábeis e eficazes aos jurisdicionados para que possam satisfazer os direitos urgentes, ou aqueles que se encontrarem em situação de perigo e dano iminente.

Segundo Cândido Rangel Dinamarco8, a efetivação da instrumentalidade do processo, visa coloca-lo a disposição das pessoas com vistas a eliminar as suas insatisfações, buscando a justiça e assegurando-lhes a liberdade.

“(...) aqui está a síntese de tudo. É preciso romper preconceitos e encarar o processo como algo que seja realmente capaz de ‘alterar o mundo’, ou seja, de conduzir as pessoas à ‘ordem jurídica justa’. A maior aproximação do processo ao direito, que em termos atuais é uma vigorosa tendência metodológica das ciências jurídicas, exige que o processo seja posto a serviço do homem, com o instrumental e as potencialidades de que dispõe, e não o homem a serviço da sua técnica”.9

Note que a instrumentalidade do processo surge com o intuito de satisfazer as necessidades humanas, onde a técnica processual deve, acima de qualquer coisa, garantir os direitos dos indivíduos.

Para finalizar essa discussão acerca do instrumentalismo não podemos deixar de citar que ele pode ser visto por dois prismas: o positivo, que está vinculado à problemática da efetividade, para que se busque atingir a função social, política e jurídica do processo; e o negativo, que mostra a negação do processo como valor em si mesmo e a rejeição ao formalismo exagerado, já que o que se busca com o processo é a valorização de um fim a ser atingido, dos resultados práticos, e não necessariamente dos meios utilizados. É exatamente por isso, que o processo serve como um instrumento para a realização do direito material.

1.2. Efetividade x Tempo: Morosidade Processual

Amparado pelo consagrado entendimento do mestre Rui Barbosa, Luiz Guilherme Marinoni ao tratar da duração do processo10 diz que a morosidade processual estrangula os direitos fundamentais do cidadão, exatamente por entender que a justiça lenta é na realidade sinônimo de injustiça. A demora do processo pode acarretar danos incalculáveis a quem espera uma tutela jurisdicional efetiva, além de ser uma afronta ao princípio da igualdade, tendo em vista que os mais pobres ou fracos, muitas vezes, preferem transacionar abrindo

8 Cândido Rangel Dinamarco, A Instrumentalidade do Processo, cit., p.331 9 Cândido Rangel Dinamarco, A Instrumentalidade do Processo, cit., p.365 10 Luiz Guilherme Marinoni, Novas Linhas de Processo Civil, 3ª ed. São Paulo. Malheiros, 1999. cit, p. 33

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mão de parcelas dos seus direitos a ter que esperar um provimento final mais demorado.

O Estado, que tem a incumbência de conduzir o processo em tempo razoável11, deve ser dotado de meios capazes de proporcionar uma resposta eficiente as demandas que lhe são propostas, e para isso deve usar de maneira correta as técnicas que lhe são colocadas a disposição, v.g., técnicas da cognição, da antecipação, das sentenças e da atuação dos direitos.

O que se espera, quando se busca a proteção a algum direito, é que o Judiciário possa assegurá-lo de maneira eficaz, sem deixar que a demora excessiva para a prestação dessa tutela, acarrete uma injustiça ou uma inadequação à demanda pleiteada.

Cada vez mais a efetividade do processo mostra-se como um grande problema a ser superado dentro do ordenamento jurídico. Acontece que ela está ligada a uma série de fatores intrínsecos e extrínsecos do Poder Judiciário, que abarcam desde a sua estrutura até o sistema de tutela de direitos. Temos que por em prática os princípios e garantias constitucionais para que se tenha um melhor exercício da função jurisdicional, a fim de se obter uma tutela adequada e justa, sendo inclusive o ônus do tempo processual dividido de maneira equânime entre as partes litigantes.

O que se busca, em verdade, é evitar protelações a fim de se obter a efetividade da garantia constitucional de uma tutela jurisdicional12 tempestiva. Destarte, a Tutela Antecipatória foi introduzida no nosso sistema processual como uma técnica de distribuição do ônus do tempo na relação jurídica, tentando restaurar a igualdade no procedimento.

Ora, a tutela antecipada veio corroborar com o Princípio da Máxima Efetividade do Processo, visando não só a garantia da entrega da prestação jurisdicional, mas também uma tutela satisfatória, tempestiva e completa.

Às vezes, a morosidade processual pode alterar a necessidade do autor, pois se a tutela não for concedida de forma imediata, a demora pela prolação da sentença de mérito pode equivaler a uma negação a própria justiça.

O que não podemos olvidar é que o direito a uma tutela jurisdicional tempestiva é corolário do próprio direito de acesso à justiça.

11 Após a Emenda Constitucional nº 45/04, tal garantia passou a ser tratada de forma expressa na própria Constituição, art. 5º, LXXVIII, que dispõe: “A todos, no âmbito de judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Antes da EC a idéia de acesso à ordem jurídica justa já comportava por si só a idéia da efetividade e tempestividade da tutela. Ponto importante sobre o tema, refere-se ao fato de, ainda que em lei infraconstitucional, já termos a idéia de celeridade positivada no nosso ordenamento jurídico. Ver art. 5º, §2º da CF c/c art. 8º do Pacto de São José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil em 06.11.1992. Art. 5º, § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Art. 8º, 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. 12 Quando falamos em tutela jurisdicional, falamos na proteção que o Estado confere àquele que tem direito ao bem jurídico da vida. Ela se dá por meio da atividade jurisdicional que deve ser provocada pela parte.

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1.3. Acesso à Justiça

Ao falar de acesso à justiça somos imediatamente remetidos ao art. 5º, XXXV da Carta Magna, já que este dispositivo garante tanto o direito de defesa quanto o direito a tempestividade da tutela, que se traduz no direito que todos têm de ir a juízo e também no direito à tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva. Exatamente por isso que esse princípio constitucional não pode ser visto de maneira isolada, devendo ser vinculado ao Princípio da Efetivação da Tutela Jurisdicional.

O legislador infraconstitucional busca construir procedimentos para que se atinjam tais fins. Ele prevê tutelas que atuando internamente no procedimento permitam uma racional distribuição do tempo no processo13, e a entrega hábil do direito sem perder a segurança jurídica.

O que se busca com o acesso à justiça é garantir o acesso à ordem jurídica justa. Esse direito não pode ser visto como uma garantia meramente formal, devendo ser exercido através do processo, de forma a se atingir a chamada justiça social, garantindo-se o direito de acesso ao processo da maioria “não privilegiada” da população, tendo em vista que o alto custo do processo, aliado a fatores sociais e culturais, pode acabar por limitar ou mesmo impedir que o cidadão comum exerça esse direito de poder recorrer ao judiciário.

A idéia de acesso à justiça, juntamente com o Principio da Inafastabilidade e do Devido Processo Legal visam garantir uma adequada tutela jurisdicional, que seja ao mesmo tempo ágil e útil, efetiva. Não podemos deixar que o cidadão tenha direitos e não tenha meios de exigi-los.

Para que possamos entender o amplo sentido dessa garantia é imprescindível que tenhamos conhecimento acerca do que foram as chamadas “ondas renovatórias”14 do acesso à justiça. Essas ondas constituem-se de três fases:

1ª) Fase da Assistência Gratuita: nessa fase havia uma luta para que a justiça fosse possível para todos, pois a sua onerosidade dificultava o acesso dos menos favorecidos. Buscou-se meios para que todos tivessem acesso ao poder judiciário, não importando se tinham ou não condições econômicas de arcar com as custas processuais. Foi criada a Lei nº 1060/50, que assegurou a isenção do pagamento de custas aos mais carentes, e a prestação de serviços de defesa gratuita através da Defensoria Pública e dos Escritórios Modelos. Dessa forma, todos podiam levar suas pretensões a juízo.

Embora tais garantias estivessem asseguradas, existiam direitos (metaindividuais15) que continuavam sem proteção, exatamente pela vedação do

13 O tempo do processo, a morosidade processual, é um dos fundamentos dogmáticos que permite a concessão da tutela antecipatória. 14 CAPPELLETTI, Mauro, Acesso à Justiça, Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 31. 15 Os direitos metaindividuais dividem-se em direitos difusos e direitos coletivos. São direitos que estão acima dos indivíduos e pertencem a uma coletividade como um todo e não a algumas pessoas determinadas e específicas.

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art. 6º do nosso Código de Processo Civil, que proíbe que alguém pleiteie em nome próprio direito alheio.

2ª) Fase da Proteção dos Direitos Supra-individuais: essa fase foi marcada pela introdução no nosso ordenamento jurídico de meios hábeis a proteção desses direitos, v.g, a ação popular, a ação civil pública, a ação civil coletiva e o mandado de segurança coletivo.

3ª) Fase da Busca da Satisfação do Jurisdicionado ou da Instrumentalidade do Processo: a terceira e ultima fase, é a que vivemos hodiernamente; os processualistas buscam descobrir meios capazes de garantir uma tutela jurisdicional justa e efetiva, capaz de satisfazer plenamente o jurisdicionado.

É nesse contexto que está inserida a busca pela efetivação do processo, bem como a criação de tutelas específicas capazes de satisfazer de forma cada vez mais intensa e célere as pretensões de quem ingressa em juízo.

1.4. Solução do Sistema: Tutelas de Urgência

A universalização do procedimento ordinário teve grande parcela de culpa na lentidão da justiça, em virtude da falta de efetividade do procedimento comum. Com base nisso o Processo Civil Brasileiro tenta cada vez mais suprir essas lacunas deixadas por essa universalização, que há tempos mostra-se ineficaz a proteção de alguns direitos e situações de perigo. Desse modo o processo deixa de atender as suas finalidades, sendo, de certa forma, inútil para que se alcance a pretensão do autor.

Criou-se, então, uma necessidade de superação dessa universalização e da idéia de o “juízo de certeza” como única forma de reconhecer e conferir o direito à parte lesada de forma efetiva e eficaz.

Como vimos anteriormente o processo é naturalmente moroso, o que pode acarretar a destruição do objeto da pretensão. O meio que o direito achou para suprir essa demora foram as denominadas tutelas de urgência, que são tutelas diferenciadas, onde o fator tempo deve prevalecer sobre o fator grau de cognição. É gênero do qual são espécies a tutela antecipatória satisfativa e a tutela acautelatória.

A expressão tutela de urgência tem utilização recente, e é usada para designar um fenômeno jurídico que até meados de 1994 era conhecido por Tutela Cautelar (Poder Geral de Cautela).

Elas são providências urgentes tomadas antes do desfecho natural do processo, para afastar situações graves de risco de dano à efetividade, prejuízos que decorrem da sua inevitável demora e que começam a se consumarem antes desta.

“Os efeitos da tutela de urgência (provisória, temporária e reversível) atuam para garantir a utilidade da prestação jurisdicional e dos direitos sob ameaça, podendo ir além da simples garantia e chegar, desde logo, a entrega do bem da vida a alguém. A função da urgência se origina da

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necessidade de regular a situação de fato, que é uma antes do processo e será outra depois dele.”16

Essas tutelas visam conciliar17 os dois objetivos principais do processo: a segurança jurídica e a celeridade processual. Através delas, buscamos um processo mais célere, que seja ao mesmo tempo seguro, ou seja, é um mecanismo destinado a proporcionar a efetividade do processo, da tutela jurisdicional, sem comprometer a sua segurança.

As medidas de urgência não dependem de discussão e instrução exauriente, e embora sejam uma providência que pode se antecipar ao contraditório e a ampla defesa, o juiz deverá, sempre que possível, ouvir o réu antes de ele decidir pelo cabimento ou não da medida emergencial18.

É importante frisar que as tutelas de urgência não são meras faculdades do juiz, não podendo ser recusadas quando presentes os seus pressupostos legais, e a parte assim o requerer.

Tendo em mente que não é somente através de um juízo de certeza que se pode reconhecer e/ou conferir o direito à parte de forma eficaz e pautado na segurança jurídica, buscou-se uma nova forma de reconhecimento de direitos, através de outros meios de cognição, como por exemplo, a cognição exercida nas tutelas de urgência.

A criação da chamada tutela antecipada foi uma dessas soluções encontradas, onde, com base em uma cognição sumária, através de um juízo de verossimilhança, tenta-se satisfazer o direito do autor.

CAPÍTULO 2 – TUTELA ANTECIPATÓRIA.

2.1. Evolução Histórica:

Como é sabido o direito processual brasileiro em sua configuração clássica filia-se ao direito romano, que aquela época já era dotado de instrumentos eficazes (ainda que de caráter provisório) para a proteção do direito. Temos como exemplos, só para citar:

- Interdito (vem do latim: entre = inter / dicere = dizer): é a manifestação da autoridade entre as partes em conflito

Características: caráter administrativo / condicionais / cognição sumária / caráter provisório.

- Missio in possession: Imissão na posse de bens do devedor.

16 ASSIS, Araken de. “Fungibilidade das Medidas Inominadas Cautelares e Satisfativas”, Revista de Processo, 100/39. 17 Note que essas tutelas de urgência também surgiram como um remédio provisório e necessário para tentar compatibilizar o conflito entre duas garantias constitucionais: o devido processo legal e o acesso efetivo à justiça. 18 “Não existe, no Estado de Direito, lugar para decisões fruto do poder arbitrário”. Bandeira de Mello, Celso Antônio. Elementos de Direito Administrativo. Editora RT, São Paulo. 1980, pág. 20. É relevante ressaltar que em 1980, essa idéia de arbitrariedade já existia, se contrapondo a idéias que hoje ainda são recentes.

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Características: preventiva/ provisória - Operis novi nuntiatio (Nunciação de Obra Nova): Ato solene

extrajudicial destinado a proibir a alguém que prosseguisse uma obra iniciada. Entre essas figuras temos o embrião da tutela de urgência, mas sem

similaridade com a Tutela Antecipada, que é uma forma refinada de adiantamento dos efeitos do provimento final, tendo caráter, em regra, provisório, satisfativo e revogável.

Ao proibir a autotutela o Estado chamou para si a responsabilidade de tutelar adequada e efetivamente os diversos conflitos de interesses existentes na sociedade. Diante dessa proibição, o Estado colocou a disposição da sociedade o processo, para que as pessoas possam pleitear em juízo os seus direitos; destarte, se uma situação requer uma tutela imediata de cognição sumária, deve o Estado satisfazer essa necessidade através dos art. 273 e/ou do art. 461 do CPC.

No Brasil, a Ação Cautelar surgiu como o primeiro instituto com a finalidade de moderar a intensidade da mora processual. A tutela antecipada foi introduzida no ordenamento Brasileiro através da lei nº 8952/94, tendo por base o art. 285, do CPC de 1975, inspirado nos estudos do Doutrinador Ovídio de Araújo Batista da Silva. Note que a Tutela Antecipada no Processo Civil Brasileiro não foi novidade absoluta, pois já existia em legislações esparsas. Ex: Liminares possessórias; em liminar de Busca e apreensão – DL 911/64; liminar19 na Ação Civil Pública, as novas hipóteses de antecipação de efeitos executivos (despejo liminar) contempladas pelo legislador no CPC de 1973, e também no Código de Defesa do Consumidor (art.84, §3º do CDC).

A “ordinarização do Código de Processo Civil”, responsável pela morosidade da justiça e desgaste da imagem do poder judiciário, precipitou a reforma do CPC, que passou a admitir a Tutela Antecipada. É bom salientar que o art. 273 apenas converteu em regra geral o que já estava prescrito para situações particulares, no nosso ordenamento.

Esse artigo surgiu com um caráter progressista, rompendo com o preconceito de que a antecipação de efeitos não se coadunava com o acautelamento; buscando uma inovação imediata no sistema: redistribuir o ônus do tempo no processo, e estabelecendo uma melhor sistematização da tutela de urgência ao tentar recuperar a idéia de celeridade da prestação jurisdicional, e tendo em mente que a tutela antecipada deve ser útil para o aperfeiçoamento da Justiça.

2.2. Conceituação:

Como vimos anteriormente, o procedimento ordinário tornou-se inefetivo. A tutela antecipada foi introduzida no Código de Processo Civil a partir do momento em que a demora do procedimento comum não era mais suportável,

19 Também tem caráter especial e excepcional, porque a regra geral é que a execução seja precedida da cognição (atos coativos somente após a sentença que declare o direito).

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fazendo-se necessária uma tutela sumária capaz de satisfazer o direito, a fim de resolver o conflito: tempo x grau de cognição.

O art. 798 do CPC passou a ser a válvula de escape para a prestação das tutelas jurisdicionais. A tutela cautelar transformou-se em técnica de sumarização, sendo utilizada como Tutela Antecipada contra a ineficiência do procedimento ordinário. Essa distorção foi fruto da necessidade de uma tutela efetiva, célere e justa.

A utilização da tutela cautelar com fins satisfativos ou como técnica de antecipação da tutela de conhecimento, levou o legislador brasileiro a perceber que essa tutela não mais poderia ser prestada sob o manto protetor da Tutela Cautelar Inominada, o que levou a introdução, no final de 1994, a norma que hoje está prevista no art. 273, do CPC.

A Tutela Antecipatória é um remédio jurídico que visa satisfazer a pretensão do autor quando o processo corre o risco de demora excessiva capaz de provocar um dano de difícil reparação. Tenta tutelar de forma mais eficaz o direito do autor, sempre que ele preencher os requisitos exigidos pela lei. É possível quando a defesa deixa entrever a grande probabilidade de o autor resultar vitorioso.

Quando falamos em antecipação da tutela falamos em uma técnica processual através da qual o litigante recebe antes, aquilo que só obteria em momento posterior. De modo geral, essa tutela é provisória, já que é pautada em um juízo de probabilidade, e tem caráter satisfativo.

Ela pode ser requerida tanto nos procedimentos ordinários quanto nos sumários, bem como nos procedimentos especiais.

Quanto ao seu objeto, João Batista de Lopes20 entende que são apenas os efeitos práticos da sentença, que podem assumir caráter executivo ou mandamental; a eficácia declaratória, constitutiva ou condenatória não pode, segundo esse doutrinador, ser objeto dessa antecipação.

Ela é um meio que visa resolver alguns problemas existentes no nosso ordenamento jurídico, tais como: os males causados pela demora processual, evitar danos irreparáveis ou de difícil reparação, tenta distribuir entre as partes litigantes o tempo do processo.

“A técnica antecipatória visa apenas distribuir o ônus do tempo no processo. É preciso que os operadores do direito compreendam o novo instituto e o usem de forma adequada. Não há razão para timidez no uso da tutela antecipatória, pois o remédio surgiu para eliminar um mal que já está instalado. É necessário que o juiz compreenda que não pode haver efetividade sem riscos. A tutela antecipatória permite perceber que não o é só a ação (o agir, a antecipação) que pode causar prejuízo, mas também a omissão. O juiz que se omite é tão nocivo quanto o juiz que julga mal. Prudência e equilíbrio não se confundem com medo, e a lentidão da justiça exige que o juiz deixe de lado o comodismo do procedimento ordinário – no qual alguns imaginam que ele não erra – para assumir as responsabilidades de um novo juiz, de um juiz que trata dos “novos direitos” e que também tem que entender – para cumprir a sua função sem deixar de lado a sua responsabilidade social – que as

20 LOPES, João Batista. Tutela Antecipada no Processo Civil Brasileiro. Saraiva, 2001. São Paulo.

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novas situações carentes de tutela não podem, em casos não raros, suportar o mesmo tempo que era gasto para a realização dos direitos de 60 anos atrás, época em que foi publicada a célebre obra de Calamandrei, sistematizando as providencias cautelares.”21.

Ora, pelo trecho extraído da obra de Marinoni podemos observar a importância da técnica antecipatória, devendo, o juiz, agir de forma prudente, mas audaciosa, para eliminar os problemas gerados pela lentidão da justiça, assumindo uma responsabilidade social para a realização dos direitos da sociedade.

2.3. Tutela Antecipada e Tutela Cautelar:

A tutela antecipada não pode ser confundida com a tutela cautelar, embora ambas sejam espécies do gênero Tutela de Urgência, que possuem em comum a sua provisoriedade e a possibilidade de revogação. Enquanto que aquela dá ao autor, desde logo, aquilo que ele somente obteria após a pronúncia da sentença, ou seja, antecipa os efeitos preponderantes da sentença final, os efeitos práticos da sentença; esta apenas assegura a possibilidade da realização efetiva do direito, não podendo realiza-lo, porque a tutela cautelar não tem conteúdo satisfativo22.

Além disso, a tutela cautelar tem base processual e procedimento próprio, sendo concedida em razão da necessidade de se dar efetividade a outra tutela jurisdicional. É daí que se permite inferir a sua instrumentalidade23 e acessoriedade, existindo apenas para que uma outra tutela jurisdicional possa ser efetiva do ponto de vista jurídico ou prático, ou seja, é uma tutela de conteúdo tão somente conservativo, que está sempre ligada a uma tutela definitiva. Não tem relação direta com a tutela final pleiteada no processo principal, não podendo, dessa forma, antecipar a decisão sobre o direito material. Serve, em síntese, para viabilizar a realização prática de um direito constante na ação principal, não podendo viabilizá-lo.

Já a tutela antecipada tem conteúdo basicamente satisfativo. É uma medida de urgência que se destina não a resolver a crise do direito material, mas a conferir utilidade prática a tutela definitiva. Não se trata de uma antecipação de tutela propriamente dita, mas sim de uma antecipação dos efeitos dela. É um procedimento que visa pacificar um conflito com base na analise do mérito. É

21 Luiz Guilherme Marinoni, Novas Linhas de Processo Civil, pág.124; Idem, A Antecipação de Tutela, pág. 24. Idem. Manual do Processo de Conhecimento, p. 234. 22 Note que a tutela que satisfaz o direito material não pode ser classificada como tutela cautelar, já que essa não pode antecipar a tutela de conhecimento, pressupondo sempre a existência de um outro direito que é pleiteado na ação principal. A tutela que realiza o direito seja com base na cognição sumária, seja com base na cognição exauriente, não é e nem pode ser cautelar. 23 Segundo Cândido Rangel Dinamarco, em sua obra acerca da Instrumentalidade do Processo, quando o juiz concede uma cautelar, optando por não deixar o direito material sujeito a sacrifício, ele está tomando uma medida rigorosamente instrumentalista, porque ele usa o processo como um instrumento para conceder algo (direitos) com base na possibilidade razoável e suficiente.

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exercitável incidentalmente por requerimento. Sendo, pelo exposto, completamente diferente da tutela cautelar.

2.4. Caracterização:

Para que a tutela antecipada seja concedida devem estar presentes alguns pressupostos legais, que podem ser necessários e/ou cumulativos ou alternativos. São pressupostos positivos para a concessão da tutela antecipada:

a) Necessários: - Pedido da parte: É um requisito ligado ao principio da

demanda, pelo que cabe à parte a iniciativa de provocar o exercício da função jurisdicional.24

É a manifestação da parte pleiteando a concessão da medida. A iniciativa da tutela é reservada à parte interessada, podendo ser pleiteada tanto pelo autor quanto pelo réu, por qualquer terceiro interessado ou substituto processual incluindo-se neste rol o Ministério Público. O que não se admite é que o juiz conceda a medida de ofício, ainda que útil ou necessária (Art. 273, do CPC).

- Prova Inequívoca: É a prova capaz de convencer o magistrado da verossimilhança da alegação. É aquela que só pode ser entendida em um sentido.

É uma prova robusta, contundente, que dê maior margem de segurança possível para o magistrado sobre a existência ou inexistência de um fato. É aquela a respeito da qual não se admite qualquer discussão; ela é tão robusta que não permite equívocos ou dúvidas. Embora o juiz não alcance a essência da verdade, ele está convicto dela.

- Verossimilhança da alegação: Aquilo que for narrado e provado deve parecer verdadeiro, deve ter

aparência de verdadeiro. Diz-se que é a razoável aceitabilidade da versão, a plausibilidade de ser. É o juízo de probabilidade que resulta da análise dos motivos que lhe são favoráveis e dos que lhe são contrários.

De Plácido e Silva diz que a verossimilhança resulta das circunstâncias que apontam certo fato, ou certa coisa, como possível ou como real, mesmo que não se tenham deles provas diretas.25

b) Cumulativos ou alternativos: - Receio de Dano Irreparável ou de difícil reparação:

O sistema visa criar uma alternativa meta processual para situações em que, de tão aguda que é a situação de dano irreparável, a decisão de ir ao judiciário poderia redundar em ineficácia total de qualquer medida, mesmo que vigente. Deve-se observar o trinômio (necessidade – utilidade – adequação) antes da concessão da medida, de forma que se obtenha realmente a satisfação jurisdicional, sem causar prejuízos irreversíveis26 a qualquer das partes.

24 Ver também o §2º do art. 262 do CPC. 25 Revista Forense, vol. 334/472 26 Sobre o tema ver também item 2.5, página 32 deste trabalho.

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Quando se concede uma tutela antecipada, o juiz a concede, em regra, com base na cognição sumária, e é isso que determina a provisoriedade da medida, que deverá ser negada se houver perigo de irreversibilidade da medida.

- Abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu:

É o exercício anormal, irregular, egoístico do direito com o propósito de prejudicar. É a prática pelo réu de atos indevidos ou duvidosos, desnecessários ao processo. Ainda que o art. 5º, LV da Constituição Federal assegure o direito à ampla defesa, o que é assegurado é uma defesa adequada a natureza do processo em que é exercida; e não uma defesa ilimitada como se imagina. Essa defesa ilimitada, se houver um desvio de finalidade, será abusiva.

Na maioria dos casos observa-se uma tendência do réu a protelar o resultado do processo, pois o seu interesse é de manter o status quo, enquanto que o interesse do autor é modificar a realidade empírica, já que esta privilegia o réu de alguma forma.

2.5. Espécies de Tutela Antecipada:

De modo geral a Tutela Antecipada pode ser: a) De urgência: Art. 273, I do CPC, que são tutelas que

reclamam a urgência para a sua concessão. b) Sem urgência: Art. 273, II do CPC, são tutelas com caráter

punitivo e Art, 273, § 6º do CPC são tutelas para a concessão de um julgamento parcial. Para essas tutelas antecipar o que viria com a sentença já basta.

- Fundado Receio de Dano: A tutela antecipada concedida com base em fundado receio de dano

requer a existência de dois pressupostos básicos: o fundado receio de dano irreparável (efeitos irreversíveis) ou de difícil reparação e a alegação verossímil.

Embora o art. 273 fale em prova inequívoca27, exige-se que seja demonstrada apenas a probabilidade do direito invocado, ou seja, uma prova suficiente para o verossímil, e não para a declaração de existência ou inexistência do direito. A verossimilhança a ser exigida pelo juiz deve considerar: o valor do bem jurídico ameaçado, a dificuldade de o autor provar a sua alegação, a própria urgência descrita e a credibilidade da sua alegação.

Como a dilação probatória acarreta o ônus do tempo, a Tutela Antecipatória pode ser concedida antes dessa produção; se isso ocorrer dizemos que a tutela foi concedida com a postecipação da produção de provas; que devem ser produzidas normalmente após a concessão da Tutela Antecipada, a fim de se obter uma cognição exauriente.

Essa tutela geralmente é requerida junto com o pedido inicial, na exordial, mas também pode ser requerida após o encerramento da fase instrutória, ou após ter sido proferida a sentença.

27 “Deixe-se claro destarte, que estamos estudando a ‘prova inequívoca’ suficiente para o surgimento da verossimilhança necessária para a concessão da tutela antecipatória de cognição sumária baseada em fundado receio de dano” (Marinoni, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento. P.248.).

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Quanto ao momento de sua concessão este pode ser: antes da oitiva do réu, quando isso for comprometer a efetividade do direito de ação, e a efetividade do direito afirmado e demonstrado como provável. Ela também é possível ser concedida após a contestação onde o procedimento deve caminhar para a produção de provas.

“TUTELA ANTECIPADA – PROVIMENTO ANTE A PRESENÇA DOS REQUISITOS EXIGIDOS NO ART. 273 DO CPC – Concessão de liminar sem a oitiva da parte contrária – Possibilidade – Faculdade reservada ao julgador – Possibilidade, na espécie, frente ao iminente risco de frustração do objeto visado na medida – Inexistência de afronta ao princípio do contraditório”. (TJPR, 1ª CC, AI 49.155-8, rel. Dês. Ulysses Lopes, julgado em 06.08.1996).

- Manifesto intuito protelatório do réu; ou abuso do direito de

defesa: O que tem se observado no processo civil brasileiro é que o tempo

do processo sempre prejudica o autor que tem razão, beneficiando o réu, que se utiliza dessa morosidade para protelar, o máximo de tempo possível, o término do processo.

“Se o réu tende a abusar do seu direito de defesa, igual ou maior é o seu interesse em abusar do direito ao recurso, seja para conservar o bem disputado em seu patrimônio, seja ainda para tentar tirar do autor alguma vantagem econômica em troca do tempo (bastante longo) necessário ao processamento e ao julgamento do recurso”28.

O que se busca com a tutela antecipada em decorrência do abuso do direito de defesa é distribuir entre as partes litigantes, de acordo com a evidência do direito afirmado pelo autor e a fragilidade da defesa apresentada pelo réu, o ônus do tempo do processo.

Essa tutela pode ser antecipada em muitos casso, pois o abuso do direito de defesa pode ser observado: no caso de exceção substancial indireta infundada; a partir da técnica monitória; através das técnicas da não contestação e do reconhecimento parcial do pedido; do julgamento antecipado de um ou mais pedidos cumulados e do julgamento antecipado de parcela do pedido.

Nessa modalidade de tutela se busca dar ao autor a antecipação, não pelo perigo da demora, mas sim pela injustiça que se forma diante do abuso do réu ao exercer o seu direito de defesa.

- Em virtude da falta de controvérsia sobre parte da pretensão formulada pelo autor (§6º):

A tutela antecipada concedida com base no pedido incontroverso é o ponto central de análise neste trabalho.

28 Marinoni, Luiz Guilherme. Tutela Antecipada e Julgamento Antecipado. P.161

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Embora a doutrina já admitisse a Antecipação da Tutela em relação a parte da demanda que se mostrasse incontroversa, foi a lei nº 10.444/02 que a introduziu de forma expressa no nosso ordenamento jurídico. Ela pode ser concedida tanto com base na técnica da não-contestação ou do reconhecimento parcial do pedido quanto pela técnica do julgamento de parcela do pedido ou de um dos pedidos cumulados.

Segundo o Princípio da Impugnação Específica (Art. 302, c/c art. 334, II e III do CPC), o que não for impugnado é presumidamente verdadeiro. A falta de impugnação especificada assemelha-se, em tese, a uma revelia. Há também uma presunção de veracidade, já que é fornecido ao juiz um mecanismo para analisar antecipadamente o pedido ou parte dele, que não foi impugnado pelo réu. Para que seja possível um julgamento antecipado desse pedido, com fulcro no §6º do art. 273, do CPC, faz-se necessário que pelo menos um dos pedidos ou parcela dele esteja em condições de ser imediatamente julgado, e o outro pedido (ou a outra parcela dele) necessite de instrução dilatória.

Veremos mais detalhadamente esse tipo de tutela nos itens subseqüentes.

Antes de finalizarmos essa classificação resta-nos falar da irreversibilidade das tutelas antecipatórias.

Quanto a irreversibilidade das tutelas antecipatórias temos que ter bastante cuidado, visto que, embora o §2º do art. 273 proíba que se conceda a tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, quando estivermos diante do inciso I para que se evite um dano irreparável, não podemos levar em conta tal proibição, pois se o fizermos estaremos dizendo que o direito provável deve ser sempre sacrificado diante da possibilidade de prejuízo irreversível de direito improvável. Na realidade faz-se necessário uma ponderação de direitos, e o magistrado com base no caso concreto deve analisar qual o direito que deve prevalecer.

Também no caso do §6º do art. 273 do CPC, entendemos que uma vez concedida a tutela, esta não poderá mais ser revogada, levando em conta que esta foi concedida, como veremos detalhadamente mais adiante, com base em uma cognição exauriente, em um juízo de certeza.

2.6. Pedido e Tipos de Pedido:

Segundo Cândido Rangel Dinamarco29 o objeto do processo é a pretensão posta em juízo, em busca da satisfação. É o pedido formulado ao juiz para que ele tome uma providência de interesse do autor. Falar em pedido, portanto, é falar da pretensão do autor (ou do réu, i.e., reconvenção), da providência jurisdicional que ele pede ao juiz.

O pedido é o objeto litigioso; é o que fixa os lindes da atuação jurisdicional, e o juiz decidirá as lides nos limites em que ela for proposta. O pedido relaciona-se diretamente com as condições da ação e com os fundamentos

29 A Reforma da Reforma, p.100.

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da sentença. Cada pedido corresponde a uma demanda e conseqüentemente a um capítulo da sentença.

Raramente o processo é formado por uma só pretensão, que não possa ser decomposta. Falamos em objetos: simples, composto ou decomponível.

O objeto composto é aquele formado por várias pretensões, que podem ser trazidas pelo autor (ou por ele e outro sujeito). O autor dá ao processo um objeto composto quando cumula demandas e o réu quando reconvém ou deduz pedido contraposto ao do autor (ações dúplices); já o terceiro, ao deduzir uma oposição interventiva30.

São exemplos de demandas cumuladas as baseadas em: pedidos cumulados que são aqueles pedidos onde existe apenas conexão subjetiva, que admitem fracionamento do mérito e conseqüentemente julgamento parcial; pedidos sucessivos que são aquelas em que ocorre uma prejudicialidade entre os pedidos. Um pedido é prejudicial do outro ou outros. Julgado o pedido em determinada direção, o juiz deve rejeitar o pedido ou pedidos prejudicados; pedidos alternativos que são aqueles em que, pela natureza da obrigação, o devedor pode cumprir a prestação de mais de um modo. Quando, pela lei ou pelo contrato, a escolha couber ao devedor, o juiz lhe assegurará o direito de cumprir a prestação de um ou de outro modo, ainda que o autor não tenha formulado pedido alternativo. O que ocorre na realidade é uma reunião de demandas distintas em um só processo, embora haja uma complexidade de seu objeto. A instrução, de acordo com o sistema vigente deve ser uma só, bem como a sentença que deve ser em capítulos distintos.

Acerca desse tema Marinoni, ao criticar o sistema vigente tem o seguinte entendimento:

“Nessa perspectiva de tempestividade, a cumulação de pedidos – que sempre foi estimulada em nome da economia processual-, por poder gerar situações em que um pedido se torne pronto para o julgamento bem antes do outro, também pode atentar contra tal direito fundamental ao se insistir na impossibilidade de fragmentação da demanda”31.

Para que o juiz possa decidir sobre parte do objeto do pedido, é necessário que esse pedido seja ou composto ou decomponível. Resta-nos falar apenas do pedido decomponível.

O pedido decomponível é aquele em que podemos fracionar o objeto pleiteado. Refere-se a bens sujeitos a algum tipo de quantificação. Ocorre no caso de coisas fungíveis em geral (dinheiro etc.), onde o juiz pode determinar que o réu conceda ao autor apenas parcela do objeto do litígio.

Tendo com fulcro o que motiva o §6º do art. 273 do CPC, falaremos primeiramente do que decorre a incontrovérsia de um pedido, para tratar com mais segurança o tema do item seguinte.

O pedido incontroverso que é aquele sobre o qual não há tensão das partes, ou seja, quando há ausência de um confronto de afirmações em torno de

30 Art. 59 do CPC. 31 Marinoni, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela de Direitos, Ed. RT. São Paulo, 2004. p. 143

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um fato alegado pelo autor. A incontrovérsia de um pedido pode ser em decorrência: da revelia do réu, ou seja, quando ele deixa de impugnar os fatos alegados ou parte de um deles; quando há apenas questão só de direito sem controversia fática; ou quando existe controvérsia fática, mas as provas documentais são suficientes para a concessão do pedido; ou simplesmente quando houver evidência do direito.

Falar em incontrovérsia não é apenas falar em um pedido que não foi contestado ou em um pedido que foi reconhecido. A incontrovérsia de que trata o § 6º do art. 273 do CPC é muito mais abrangente. Não há dúvidas de que o que não foi contestado ou o que foi reconhecido, resta incontroverso, porém essa noção se refere a tudo aquilo que está maduro para o julgamento, podendo resultar inclusive da própria audiência preliminar, quando ficar claro, por exemplo, que não há mais provas a serem produzidas sobre determinado assunto, ou seja, quando houver demonstração de que um direito é evidente.

2.7. Pedido Incontroverso:

Iniciado o processo o autor deve expor os fatos e fundamentos que embasam a sua pretensão. Com base nos fatos alegados pelo autor o réu deverá apresentar contestação impugnando especificamente cada uma das alegações (Ônus da Impugnação Específica - Art. 302, c/c art. 334, II – III, do CPC). Essa impugnação é que transforma os fatos em pontos controvertidos (questões) e dão propulsão ao processo, ocasionando a necessidade de instrução.

No caso de pedido incontroverso, entende-se que é necessário que o juiz determine a oitiva da parte ré (via contestação – fase postulatória), e isso irá possibilitar ao juiz a verificação da ausência de litígio acerca do pedido (ou parte dele) formulado pelo autor. Aqui o juiz estará fazendo uma análise com base em um juízo de certeza, em uma cognição exauriente, já que o pedido encontra-se em fase de julgamento.

Qualquer fato não impugnado pelo réu será presumido verdadeiro32, tornando-se incontroverso. O mesmo ocorre no caso de transação ou renúncia parcial de direito33 e no caso de confissão quanto a pedido ou parcela dele34. Uma vez incontroverso desnecessária é a produção de provas com relação a ele, permitindo ao magistrado um juízo de certeza e um pronunciamento definitivo acerca dele.

Deve ser lembrado que não é o fato de haver incontrovérsia pela falta de contestação ou confissão35 que obriga o juiz a conceder a tutela antecipada. Devem ser analisados outros requisitos, como, i.e., se o pedido do autor é lícito ou se tal antecipação é admissível nos termos legais do nosso ordenamento jurídico. 32 Exceto nos casos legalmente previstos nos art. 302 e incisos e no 320, do CPC 33 Ver o que dispõem o art. 269, II, III e V do CPC 34 Este caso é também denominado doutrinariamente como reconhecimento do pedido, e pode ser: total, que impõe a extinção do processo com julgamento de mérito; ou parcial, que supõe a possibilidade de fracionamento do julgamento. 35 Art. 334, II e III do CPC.

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Cumprido esse requisito o juiz poderá conceder a tutela antecipada, entendemos que através de uma sentença de mérito (título executivo).

Note que diante da incontrovérsia do pedido, não é razoável que o autor aguarde toda a fase instrutória referente as demais matérias, para ter o seu direito realizado. A prestação jurisdicional deve ser célere, e o autor não pode nem deve ser obrigado a arcar com o ônus do provimento final, se o seu pedido ou parcela encontram-se incontroversos. Deve-se respeitar o principio de que o processo não pode prejudicar o autor que tem razão, tornando a prestação jurisdicional mais efetiva e evitando, inclusive, um possível abuso do direito de defesa por parte do réu.

2.8. Antecipação da Parte Incontroversa da Demanda:

Ao prever a possibilidade de também se antecipar a tutela quando estivermos diante de parcela, um ou mais pedidos incontroversos, a lei nº 10.444/02 trouxe, com a introdução do §6º do art. 273 do CPC uma grande novidade ao nosso sistema processual. Essa alteração visou atender ao princípio da máxima efetividade da tutela jurisdicional, que é um princípio voltado para a concessão de uma prestação jurisdicional adequada, que respeite a idéia de tempo suportável para a obtenção de um resultado justo e eficiente que seja ao mesmo tempo dotado de segurança jurídica.

Quando falamos do §6º do art. 273 do CPC não estamos apenas diante de um tipo específico de antecipação de tutela, mas sim de um caso de tutela antecipada para julgamento antecipado parcial da lide36. Trata-se de um tipo de antecipação de tutela somente naquilo que diz respeito à possibilidade, a sua incidência concreta capaz de reconhecer efeitos práticos e reais de uma decisão que, de outro modo seria ineficaz. Não é tutela antecipada no que diz respeito aos outros requisitos, como por exemplo: possibilidade de sua revogação (§4º) ou necessidade de sua confirmação (§5º).

Cássio Scarpinela Bueno bem salientou em sua obra acerca da Tutela Antecipada que se trata muito mais de uma técnica de desmembramento de pedidos cumulados ou de parcela deles, do que de uma tutela antecipatória propriamente dita. É como se naqueles casos em que ela tem aplicação houvesse uma verdadeira cisão de pedidos (de parte deles ou de pedidos cumulados). “O que já é possível deve ser julgado e efetivado, o que não é, deve ser levado à fase instrutória do procedimento, para que seja provado37”.

O grau de convicção do juiz é inegável, pois o grau de cognição de algo incontroverso é maior, exatamente para não depender de prova

36 Segundo Carnelutti lide é o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida. 37 Em consonância com esse entendimento escreve Marinoni: “Não pode admitir protelação, razão pela qual o procedimento deveria viabilizar a tutela imediata de parcela do pedido ou mesmo de um dos pedidos cumulados tornados incontroversos no curso do procedimento que ainda deve caminhar adiante para a elucidação da outra parcela do pedido, ou do outro pedido cumulado, ainda dependente de esclarecimento”. (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória e Julgamento Antecipado: Parte Incontroversa da Demanda, 5ª Ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2002, p.20).

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complementar, dispensando inclusive o ônus da prova, pois já está suficientemente comprovado.

O que se observa é que o atual diploma legal trata desse mecanismo como se estivéssemos diante de um provimento provisório enquanto que na prática estamos diante de um provimento definitivo, que em tese é antecipado38. Dizemos que esse provimento é definitivo, porque observamos uma certa segurança jurídica pautada na incontrovérsia, justamente por estarmos diante de um juízo de certeza.

Existe um interesse notável de se dar máxima efetividade a solução imposta, pois mesmo que não seja necessário um conhecimento profundo e amplo, a certeza do direito existe e é isso que gera segurança jurídica nas decisões judiciais.

A tutela que é prestada em razão da urgência tem por característica a sumariedade de uma cognição porque o objeto do conhecimento é limitado em extensão (alcance) e profundidade (verticalidade). Ora, se o direito em que se funda o pedido é incontroverso e determinado, não há dúvidas acerca desses elementos, sendo este pautado de definitividade e segurança jurídica.

A concessão de tutela fundada no § 6º foge a regra das demais tutelas, pois não precisa ser impulsionada pela urgência, dispensando-se tanto o periculum em mora quanto o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; bastando que esteja presente o requisito da incontrovérsia; na realidade ele deve obedecer ao princípio de que as partes devem ser tratadas de forma isonômica no processo, distribuindo-se equitativamente o ônus do tempo que assola o processo.

É evidente a timidez com a qual tal instituto foi introduzido no ordenamento pátrio. Veremos mais adiante que estamos diante de um provimento definitivo, de uma decisão interlocutória com força de sentença, que inclusive produz efeito preclusivo parecido com o efeito produzido pela sentença de mérito.

De nada adianta termos uma técnica processual preocupada em ser eficaz, evitando que o tempo traga danos ao processo e ao seu conteúdo, se mesmo com a concessão da tutela não é possível a sua realização por conta de obstáculos formais impostos pelo próprio ordenamento jurídico.

É até injusto obrigar o autor a esperar a realização de um direito que não se mostra mais controvertido, tendo em vista que ele tem razão. O que deve ser feito é: o processo deve prosseguir tão somente em relação ao que necessita de dilação probatória, enquanto que o que não está mais controvertido deve ser julgado antecipadamente, de forma a agilizar a tutela ao direito do autor.

2.9. Julgamento Antecipado do Mérito ou Tutela Antecipada Provisória?

Antes de adentrar nessa discussão temos que ter em mente que não é o momento em que é proferida a decisão que vai definir se ela é ou não de

38 Entende parte da doutrina que esse parágrafo deveria ter sido introduzido no art. 330 do CPC, como um dos casos de julgamento antecipado da lide.

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mérito, mas sim o grau de cognição exercido pelo juiz. A partir disso veremos se estamos diante de Tutela Antecipada ou de um Julgamento Antecipado, de uma decisão final com formação de coisa julgada material.

Estamos diante um caso de Tutela Antecipada quando o juiz, com base em uma cognição sumária, antecipa os efeitos da sentença.

Falar de tutela antecipada fundada em pedido incontroverso é falar de julgamento antecipado parcial da lide. Não estamos diante de uma mera tutela antecipatória, mas sim diante de uma decisão interlocutória com força de sentença, pois está havendo um julgamento sobre parte do mérito, fundado em um juízo de certeza, de cognição exauriente, apto a produzir coisa julgada material.

Note que a decisão interlocutória, ainda que seja de mérito, não faz coisa julgada material, podendo no máximo estar acarretada pela segurança da preclusão, o que torna inviável a possibilidade de execução definitiva do provimento judicial proferido, tendo em vista que essa decisão interlocutória não pode fazer coisa julgada material, exatamente pelo fato de não transitar em julgado.

Por não se tratar de um título executivo judicial essa decisão não pode dar ensejo a uma ação de execução, então diante do não cumprimento espontâneo da determinação judicial, o autor fica sem meios de efetivar essa tutela39.

Nesse sentido, temos o entendimento do doutrinador Sérgio Fadel, em seu livro acerca da Antecipação da Tutela:40

“Com toda a certeza, a decisão que antecipa a tutela não constitui título executivo judicial, qualificação que o art. 586 do CPC reserva as sentenças ali referidas, com as quais não se confunde o ato judicial de que se cuida.

Tanto não existe titulo executivo na antecipação de tutela que o §3º do art. 273 do CPC, embora se refira a ‘execução da tutela’ manda que se observe, no que couber o disposto nos incisos II e III do 58841 do CPC, que cuidam da execução provisória.”

Além disso, uma tutela antecipada provisória pode ser revogada na sentença, exatamente o que tentamos evitar com a tese defendida.

Surge então uma discussão em torno da limitação da tutela do §6º pelo requisito da revogabilidade42 das tutelas antecipadas (§2º do art. 273 do CPC). Seria o §2º uma limitação ao §6º?

39 É importante ressaltar que as “astrentis” previstas no art. 461 do CPC não podem ser utilizadas no caso de não cumprimento do art. 273, 6º do CPC por parte do réu, pois estas se destinam às obrigações de fazer e não fazer. 40 FADEL, Sérgio Sahione. Antecipação da Tutela no Processo Civil. São Paulo: Dialética, 1998, p. 68 41 É importante mencionar que depois da edição da lei 11.232/05, tal dispositivo foi relocado para o art. 475-O do Código de Processo Civil Brasileiro. 42 Trata-se de um requisito negativo para a concessão da Tutela Antecipada, pois é necessário que a antecipação não implique na concessão de efeitos irreversíveis para que possa ser concedida.

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Bem, depende do entendimento a ser adotado: entendermos que no caso do §6º estamos diante de um julgamento antecipado parcial da lide, obviamente que não há de se falar em qualquer limitação por conta da irrevogabilidade da decisão, porque esta, uma vez concedida, é com caráter definitivo, pois não há mais nenhum ponto a ser discutido a seu respeito, o que ocasionou um juízo de certeza, de cognição exauriente, do magistrado que a concedeu.

Agora se entendermos que essa tutela é apenas uma tutela antecipada, o parágrafo segundo deve ser uma forma de limitar a sua concessão, porque, em princípio, só os efeitos reversíveis da sentença que poderiam ser antecipados. Note que esse entendimento deixa de resguardar uma série de direitos que poderiam ser concedidos e não o são, além de prejudicar a celeridade e efetividade do processo.

Uma vez concedida a tutela com base no §6º do art. 273, do CPC entendemos não ser possível a revogação ou modificação dessa tutela, porque a decisão que a concede é uma decisão definitiva, com conteúdo de sentença, como veremos mais adiante, e sentenças não são modificáveis ou revogáveis no nosso ordenamento jurídico (ressalvada a exceção do art. 296 e do 285-A, §1º do CPC, alterado pela lei 11.277 de 07.02.2006), restando apenas ao Tribunal, ao julgar um recurso, cassar ou reformar a decisão que a concedeu. Contra essa decisão o recurso cabível é a Apelação, e após a formação de Coisa Julgada Material, tal decisão só poderá ser modificada via Ação Rescisória.

Destarte, entendemos que o §6º também pode ser chamado de “tutela antecipada para julgamento antecipado parcial da lide”. Nesse sentido temos também o entendimento de doutrinadores como Marcelo Abelha, Fredie Didier e Flávio Jorge Cheim43:

“Embora não tenha sido expressamente acolhida pelo legislador reformista, essa técnica é perfeitamente aplicável, pois, com a introdução do §6º no art. 273, rompeu-se com o dogma da unicidade do julgamento. Tudo quanto se disser sobre resolução parcial do mérito por incontrovérsia deve-se dizer sobre a resolução parcial de mérito pelo julgamento de parte de um dos pedidos cumulados. São técnicas semelhantes com função idêntica: possibilitar a solução paulatina (não concentrada) do mérito da causa.”

Pode-se afirmar, sem dúvida, que agora, sempre que possível, poderá o magistrado resolver parcialmente o mérito da causa, fracionando sua apreciação, antes restrita ao momento de prolação da sentença.

Embora exista o dogma da proibição de ser cindido o julgamento com a antecipação da decisão ao pedido que já se encontra apto para apreciação, o art. 273, §6º do CPC, de forma inovadora e revolucionária rompeu com essa idéia, e hoje parte da doutrina já entende ser possível o julgamento antecipado parcial da lide e alguns já inclusive defendem a possibilidade da existência de duas sentenças. 43 ABELHA, Marcelo; DIDIER, Fredie Jr.; CHEIM Flavio Jorge. A Nova Reforma Processual. 2ª Ed. Saraiva. São Paulo, 2003, p.71.

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Ex.: Caso de Litisconsorte Ativo Facultativo: juiz indefere para um dos litisconsortes (sentença nos termos do art. 267, CPC). A lide continua para o outro litisconsorte até o provimento final: note que na prática o que temos são duas sentenças, a que excluiu um dos litisconsortes e a sentença final.

Ex.²: Quando duas pessoas cumularem pedidos, e uma delas decidir fazer um acordo sobre a sua pretensão, caso de acordo parcial. Teremos uma “sentença antecipada”, ou uma sentença interlocutória. Diante do não cumprimento espontâneo desse acordo parcial não havia, de acordo com o ordenamento vigente, como executar definitivamente essa decisão.

CAPÍTULO 3. Sentença:

3.1. Conceituação:

Quando falamos em atos do juiz, falamos de atos ordinátórios, que são aqueles destinados a dar andamento ao processo, e de atos decisórios, que são os atos emanados do juiz, quer sobre questões processuais, quer sobre questões de mérito.

Segundo o art. 162 do Código de Processo Civil o ordenamento brasileiro diz que os atos processuais consistem em sentenças44, decisões interlocutórias e despachos. Por hora nos interessa apenas estudar o que diz respeito a sentença45.

Ao longo do estudo acerca do tema, foi constatado que no direito romano o termo “sententia” era sinônimo de sentença definitiva, ou seja, de decisão emanada do juiz, que recebe ou rejeita a demanda. Era um provimento do juiz que resolvia o pedido do autor. Já no processo comum medieval, que teve influência do processo germânico, a sentença não era apenas o nome dado a uma decisão de fundo, mas também a questões processuais incidentes. Eram reconhecidos dois tipos de sentença: as interlocutórias e as definitivas.

O nosso código processual, como podemos observar em seu art. 162, §1º adotou a idéia de sentença oriunda do direito romano, e a doutrina tem reservado a expressão sentença para as decisões de fundo ou de mérito, com as quais o juiz de primeiro grau resolve a lide, nos termos do art. 267 e/ou 269 do Código de Processo Civil. É um ato que ostenta conteúdo pré-definido em lei.

Antes de qualquer outra observação acerca do tema, temos que falar dos requisitos processuais da sentença, previstos no art. 458 do CPC, são eles:

44 O §1º do art. 162 do CPC versa que a sentença é o ato do juiz que implica em algumas situações previstas nos art. 267 e 269 desta lei. 45 Marcelo Abelha, em sua obra Elementos de Direito Processual Civil, vol.2, pág. 242, faz uma crítica a imprecisão técnica quanto ao conceito de sentença, dizendo que nem sempre a sentença é o ato pelo qual o juiz põem fim ao processo, que, na maioria das vezes termina por acórdão. Sugere que melhor teria sido essa conceituação se o legislador tivesse dito que sentença é o pronunciamento pelo qual o juiz põe termo ao procedimento em primeiro grau de jurisdição, decidindo ou não o mérito da causa. Ainda nesse sentido, José Frederico Marques, Instituições de Direito Processual Civil, vol. III, p. 392-393.

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- Relatório: é um sumario do processo. Contem os dados e informações necessárias ao julgamento. É o relatório que determina o objeto da sentença. Ele prepara o processo para o julgamento.

- Fundamentação: São as razões de fato e de direito que motivam a decisão do magistrado. É a análise do direito material aplicado ao caso concreto.

- Dispositivo: É a decisão propriamente dita. É a resposta ao pedido do autor, onde o juiz diz se acolhe ou não o pedido. É a parte da sentença que transita em julgado.

A falta de quaisquer um desses requisitos, de acordo com o Código de Processo Civil Brasileiro, acarreta a nulidade da sentença46.

Entende-se por sentença a técnica processual que torna possível a prestação de tutela aos direitos. É o instrumento técnico através do qual o juiz deve, ao término do processo, tutelar o direito objeto da lide.

São classificadas quanto a definitividade em: terminativas (que são aquelas sentenças que põe fim ao processo sem lhe resolverem o mérito) e definitivas (que são aquelas que decidem o mérito da causa, no todo ou em parte), e quanto ao pedido imediato temos dois tipos de classificação defendida pela doutrina: a quinária e a trinária.

Com relação a classificação trinária, as sentenças se subdivide em declaratórias, condenatórias e constitutivas. Já no que diz respeito a classificação quinária a doutrina acrescenta dois outros tipos de sentença: a mandamental e a executiva.

A edição da lei nº 11.232/05, que unificou o processo de execução e pôs fim ao critério topológico antes adotado pelo nosso ordenamento jurídico quebrou também uma série de outros dogmas, mas não modificou a classificação admitida pelo ordenamento vigente, que é a trinária.

Vejamos agora, o que caracteriza cada um dos tipos de sentença, e o que as distingue.

Em regra, o processo só atua quando o direito não for suficiente para se tornar efetivo. Dentre as crises que afetam o direito, é a crise de certeza que dá ensejo ao processo de conhecimento, que requer um desses tipos de decisão. Ei-las:

1) Declaratória: Apenas declara a existência ou inexistência, o modo de ser da relação jurídica; visa conservar ou preservar o estado de coisas entre os litigantes, até que o conflito se encerre. É esse tipo de sentença que faz atuar o direito no caso concreto, declarando que está certo ou errado. Requer uma ampla cognição. Tem diversas fases, exatamente para que a jurisdição possa reconhecer o conflito como um todo. A carga de eficacia meramente declaratória é suficiente para resolver a crise.

O Tribunal de Santa Catarina tem o seguinte entendimento em RT 629/206:

“A Ação Declaratória é meio processual hábil para se obter a declaração de nulidade do processo que tiver corrido à revelia do réu por ausência de citação ou por citação nulamente feita”47.

46 Vale lembrar que a lei nº 9099/90, que é a lei dos Juizados Especiais, em seu art. 38 dispensa o relatório.

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2) Constitutiva: É a sentença que ao mesmo tempo declara quem tem razão e constitui uma nova situação jurídica. É aquela sentença que antes de criar modificar ou extinguir uma relação jurídica, declara algo que possibilita a constituição ou desconstituição. Segundo Humberto Theodoro Júnior48 ela tem a subfunção de definir o direito do caso concreto.

EX: Ação de Separação para desconstituição da Sociedade Conjugal.

3) Condenatória: É aquela sentença que pode dar ensejo ao processo de execução, por possuir sanção executiva.

Segundo Lieberman49 cabe à sentença condenatória reconhecer o inadimplemento da obrigação do devedor para determinar e impor-lhe a sanção respectiva, que, na espécie, é a sujeição à “execução forçada”, de sorte que “condenar o devedor a pagar cem significa submete-lo a execução para a indicada quantia”.

4) Mandamental: É a sentença que contém além da declaração do Estado, uma ordem. Ela serve para que na prática as coisas se ordenem de acordo com essa declaração. Ela visa eliminar a resistência que é fruto da dúvida, ou seja, ela entende que a parte deve se comportar da maneira que a declaração ordenou.

5) Executiva latu senso: É aquela sentença que conta com um aparelho instrumental de múltipla resolução do conflito. É uma sentença que deve ser multieficaz para que consiga resolver o litígio em todos os âmbitos que forem necessários.

Ex: Ação de Despejo Ainda no que tange a definição, o art. 459 do CPC versa que o juiz

proferirá a sentença acolhendo no todo ou em parte o pedido formulado pelo réu. Infelizmente o direito brasileiro ainda entende como decisão

interlocutória a decisão que negar ou conceder a antecipação de tutela (lato sensu).

Entende-se que em situações especiais, onde não há controvérsia acerca do pedido do autor, deveríamos seguir a linha de raciocínio adotada pelo sistema germânico, admitindo a existência de uma sentença interlocutória, pois o que deve ser levado em consideração não é a mera nomenclatura ou a posição onde este ato está localizado no processo, nem mesmo os efeitos gerados por este (art. 262, CPC) ou o momento em que é proferido, mas sim o seu conteúdo decisório, como finalmente passou a ser o entendimento adotado pelo nosso ordenamento jurídico com base em uma perspectiva instrumentalista, após a edição da recente lei nº 11.232/05.

47 Apud Marinoni, Luiz Guilherme. Manual do Processo de conhecimento, p. 464. 48 Theodoro Jr. Humberto. Sentença, p. 167 49 LIEBERMAN, Processo de Execução, 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 1980, nº 7, p.17, apud Humberto Theodoro Jr. em Sentença, p. 169.

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Se essa sentença fosse admitida legalmente pelo nosso ordenamento jurídico passaríamos a observar que apesar de ela não por fim ao processo, ela resolve (ainda que em parte) o pedido do autor50, pondo fim a essa controvérsia e permitindo que ele, o autor, tenha acesso ao seu pedido, sem necessariamente precisar esperar a conclusão do processo, garantindo assim a verdadeira aplicação dos princípios constitucionais da jurisdição como a indeclinabilidade, a substitutividade, a segurança jurídica, a paz social, o acesso justo e eficaz a justiça e a supremacia da norma de direito.

Note que se isso realmente acontecesse, esse instituto cumpriria com a sua finalidade precípua que é a resolução do mérito (ou parte dele), atendendo a perpectiva da instrumentalidade do processo, que busca um processo civil de resultados, garantindo ao cidadão o acesso a uma ordem jurídica justa.

3.2. Sentença Interlocutória:

A decisão que antecipa a tutela antes do processo estar encerrado é interlocutória por definição. Aliás, qualquer decisão que resolve questão incidental, mas não encerra o processo, é interlocutória (art. 162, §2º do CPC)51. O recurso cabível para re-analisar esta decisão é o Agravo de Instrumento, nos termos do art. 522, também do CPC.

A efetivação daquilo que é incontroverso faz-se como se sentença fosse. Só não se trata de sentença mesmo por causa da sua função processual. Essa decisão resolve a lide (ou parcela dela), mas não encerra o processo. É formalmente uma decisão interlocutória, mas substancialmente é uma sentença, pois ou tem conteúdo do art. 267, e/ou, mais provavelmente, conteúdo do art. 269 do CPC.

Nesses casos, o procedimento a ser adotado pelo juiz, em caso de recurso contra essa decisão parcial (sentença interlocutória), deveria ser o desmembramento do processo, para possibilitar o prosseguimento da ação em relação aquilo que ainda se encontra controverso nos autos.

Exatamente por isso que o que estamos defendendo ao longo deste trabalho é que a tutela antecipada fundada em pedido incontroverso deveria ser caso de julgamento antecipado parcial da lide, logo, não se trata de simples tutela antecipatória, como vimos anteriormente, mas sim de uma decisão interlocutória com força de sentença, que deveria produzir os mesmos efeitos de uma sentença final de mérito. Se é assim, porque não falar em sentença interlocutória??? Porque 50 Em sentido contrário: “A idéia de sentença é incompatível com a de interlocução, pois aquela tem por objetivo final julgar (procedente ou improcedente) o pedido do autor, esta visa, precisamente, a preparar a solução final. Logo, apóiam-se em noções que se excluem: interlocução é antecedente, que tem na sentença o conseqüente ( E. D. Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1ª ed, pp 39-40). No mesmo sentido, Manuel José de Arruda Alvim Neto, Manual de Direito Processual Civil, São Paulo, RT, para quem as decisões interlocutórias preparam o processo para receber a sentença final (Ambos apud J. E. Carreira Alvim, em Elementos de Teoria Geral do Processo). 51 Há quem defenda que para evitar a procrastinação processual o recurso cabível contra a decisão que concede tutela antecipada de pedido incontroverso é a apelação com a extração de uma carta de sentença.

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não conceder a parte uma forma de efetivar o exercício pleno desse direito que já é seu, sob o qual não pairam dúvidas fáticas?

A vantagem de se adotar esse entendimento, que aparentemente está longe de ser admitido pelo nosso ordenamento jurídico justamente por conta do conservadorismo reinante de dogmas e princípios que não foram quebrados ou desmistificados, é que a sentença encontra-se no rol dos títulos executivos judiciais, cabendo desde logo a execução definitiva daquilo que é incontroverso e foi concedido em sede de tutela antecipada.

Ainda que houvesse recurso da decisão que a concedeu, este seria a Apelação52 que seria julgada imediatamente pelo Tribunal, não sendo necessário aguardar toda a fase de instrução processual.

Note que embora o efeito suspensivo seja a regra no nosso ordenamento jurídico (Art. 520, caput do CPC), a apelação, neste caso, deverá ter necessariamente apenas o efeito devolutivo (Art. 520, VII do CPC).

Nesses casos o juiz deverá determinar o desmembramento do processo (art. 125; 262 c/c Poder Geral de Cautela) em caso de recurso contra tal sentença interlocutória parcial, possibilitando o prosseguimento da ação em relação à parte de pedido ou pedidos controvertidos.

3.3. Cisão do Julgamento:

Quando analisamos o CPC brasileiro concluímos que ele não permite o julgamento antecipado do pedido, ou de um dos pedidos cumulados; isso porque adotamos o princípio da unidade e unicidade do julgamento, que determina que o mérito não pode ter o seu julgamento fracionado no processo53.

Ocorre que muitas vezes o julgamento final mostra-se intempestivo, o que acarreta um ônus muito grande ao autor; além disso, há casos em que há motivos para que o julgamento do mérito seja cindido, como, v.g., no caso em que o demandado confirma parcela do débito, neste momento, essa parcela do pedido se torna ponto incontroverso, não havendo motivos para que o demandante tenha que esperar a decisão da parcela controvertida.

Em conformidade com esse entendimento, temos os escritos de Luis Guilherme Marinoni:

“... Se o Código de Processo Civil, em homenagem ao princípio da economia processual, admite a cumulação de pedidos, e um dos pedidos está maduro para julgamento, enquanto o outro está a exigir prova testemunhal e/ou prova pericial, é descabido penalizar o autor que foi autorizado a cumular pedidos, obrigando-o a esperar por uma tutela

52 Sobre o tema vide também item 3.3, p. 48 deste trabalho. 53 “Esse principio quer expressar que o mérito não deve ser resolvido pelo juiz em partes, pois seria mais adequado considerar toda a sua extensão quando do julgamento. Como conseqüência lógica, o processo deveria viabilizar somente uma oportunidade – uma sentença – para a sua solução”. (Marinoni, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela de Direitos, Ed. RT. São Paulo, 2004. p. 141.

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jurisdicional que lhe poderia ser prestada com mais imediatidade caso não houvesse optado pela cumulação”54.

Exatamente por isso, entendemos que o legislador deu um passo muito tímido em busca da efetividade do processo, pois aqui resta claro que estamos diante de um provimento definitivo, de uma decisão interlocutória com força de sentença, que inclusive produz efeito de coisa julgada55, sendo vedado pelo sistema processual brasileiro o julgamento parcial de mérito.

“Que pena! O legislador não quis ousar mais, a ponto de autorizar nesses casos um parcial julgamento antecipado do mérito (art. 330,I), como fazem os art. 277, 2ª parte, e 278, do códice italiano. A rigidez do procedimento brasileiro, no qual o mérito deve ser julgado em sentença e a sentença será sempre uma só no processo (art.459, c/c art.269, inc. I e art. 162, §1º), é somente um dogma estabelecido no direito positivo, que bem valia a pena desmitificar; as duas Reformas do Código de Processo Civil vêm proclamando a conveniência de agilizar o processo com medidas pragmáticas e vêm debelando vários dogmas, o que deveria ter conduzido a uma solução mais eficaz e menos tímida que essa do novo § 6º do art. 273.

Mais otimista, Marinoni sustenta que o direito positivo brasileiro já comporta aquelas cisões do julgamento da causa, para que algum dos pedidos cumulados já receba julgamento de meritis e a instrução prossiga com referência aos fatos controvertidos; associa seu alvitre à técnica italiana chamada provvisionale, medida com que o juiz condena o réu em parte do pedido genérico, quando a instrução já feita o permitir (c.p.p., art. 278). Oxalá os tribunais o ouçam, especialmente agora que o § 6º do art. 273 do código brasileiro abriu caminho à desmitificação do dogma da unidade do julgamento de mérito”.56

Ainda sobre o assunto Marinoni vem reforçar o dizer de Dinarmarco ao criticar o referido dogma:

“A realidade da prática forense demonstrou a necessidade da cisão do julgamento do mérito. Por exemplo: se o demandado se limita a constestar parcela do credito cobrado, a outra parcela da soma postulada, como é obvio, não foi controvertida. No entanto, estabelecer apenas um único momento para atender o contestado e ao não controvertido implica em dilação indevida da realização do direito do

54 Luiz Guilherme Marinoni, Novas Linhas de Processo Civil, pág.124 55 Em sentido contrário: José Wilson Boiago Júnior – “Da Tutela Antecipada em decorrência do pedido incontroverso”. www.jus.com.br - pág.06 - “… no caso da tutela do parágrafo 6º do artigo 273 do CPC, parece que o melhor entendimento é de dar o caráter de decisão interlocutória, e não de uma sentença, pois não há permissivo legal no ordenamento jurídico brasileiro que possibilite a divisão de julgamento em um único processo, ou seja, não pode haver duas sentenças para analisar os pedidos de uma única petição inicial, até porque, o objeto do processo é concentrado exclusivamente nos pedidos do autor, e com isso, o juiz deve analisá-los todos de uma só vez ao proferir a sentença” 56 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma da Reforma. 3ª Edição. Editora Malheiros. São Paulo, 2002. p. 96; ver também: MARINONI, Luiz Guilherme. A Antecipação de Tutela, p. 345 e seg.

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autor e, assim, constitui atentado contra o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva”.57

Ora, basta que paremos um pouquinho para analisar alguns institutos jurídicos que já fazem ou fizeram parte do nosso ordenamento jurídico e que coadunam com essa idéia.

A ação de prestação de contas é um exemplo, ela sempre existiu, admitindo-se em seu corpo duas sentenças e isso nunca foi problema para o seu desfecho, nem tão pouco para o nosso ordenamento jurídico. Outro exemplo clássico é a Antiga Ação de Liquidação de Sentença, já extinta do nosso ordenamento jurídico pelas atuais inovações legislativas. Nela também se admitiam duas sentenças.

3.4. Problemas a serem enfrentados:

É evidente que com uma modificação tão drástica do ponto de vista estrutural do processo civil venha a suscitar algumas indagações e dúvidas acerca do procedimento a ser adotado diante da admissão dessa tese.

Antes de mais nada é necessário se ter em mente que um mero procedimento formal não pode, de modo algum, inviabilizar os meios para que se atinja a justiça aplicada ao caso concreto. Nenhum direito pode ser privado sobre o mero argumento da formalidade processual.

Passaremos então aos pontos que parecem ser os mais difíceis de serem compreendidos que são a fase recursal e a fase da execução dessa sentença interlocutória, caso não haja recurso e a decisão transite em julgado.

Primeiramente já deixamos claro em capítulos anteriores que o recurso cabível, no nosso entendimento, seria a Apelação, exatamente por se tratar de uma decisão definitiva, por ter conteúdo de sentença e assim a entendermos ser. Acontece que a primeira vista pode parecer que tal procedimento nos levaria a uma enxurrada de apelações, o que embora tornasse o direito do autor mais efetivo, abarrotaria o segundo grau. Essa é uma falsa impressão, pois os julgamentos proferidos de acordo com a hipótese do §6º do art. 273 do CPC são realizados com base em uma cognição exauriente, decorrente da incontrovérsia. Note que se o réu confessa um pedido ou parcela dele, faz uma transação parcial, ou mesmo uma renúncia parcial dificilmente contestará em segundo grau algo que outrora afirmou, transacionou ou renunciou em primeiro. Por outro lado, o próprio reconhecimento da procedência do pedido constitui fato impeditivo do poder de recorrer (preclusão lógica), pois ao reconhecer a procedência do pedido, o réu praticou um ato incompatível com o desejo de ver improcedente o pedido do autor.

É evidente que em alguns casos poderá o réu apelar dessa decisão, como, v.g., nos casos em que houver presunção de veracidade de fatos, com base nos efeitos do art. 302, do CPC, pois diante da não impugnação específica

57 Marinoni, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela de Direitos, Ed. RT. São Paulo, 2004,p. 143

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ou da revelia propriamente dita, há apenas uma presunção não absoluta, que poderá ser rediscutida, via apelação.

Embora seja esse o nosso entendimento, admitimos a possibilidade de se observar tal questionamento por um outro prisma, pois alguns juristas ou mesmo estudantes da ciência jurídica podem questionar: mas “se é uma decisão interlocutória, ainda que a denominássemos de sentença, o recurso cabível deveria ser o Agravo, exatamente por ser um provimento interlocutório!”. Entendemos tal crítica, embora discordemos. Mas se a questão é basicamente o tipo de recurso cabível, podemos até admitir que o recurso interposto seja o agravo, desde que pautados no princípio da instrumentalidade e da efetividade do processo, passemos a mitigar o principio da adequação.

Só para ressaltar, há quem defenda que para evitar a procrastinação processual o recurso cabível contra a decisão que concede tutela antecipada de pedido incontroverso é a apelação com a extração de uma carta de sentença, para que seja possível a execução da medida concedida.

Passemos então ao segundo problema aparente, que é o fato de haver recurso impugnando a decisão desta sentença interlocutória e o restante do processo (referente a parte controversa da demanda) continuar o seu curso normal. Aqui, estamos diante de mera questão procedimental, a qual resolvemos facilmente com a cisão também do processo, pois deveremos fazer autos suplementares, com bases procedimentais próprias para cada demanda. Daí, o processo com a sentença interlocutória pode ser reanalisado, respeitados os limites preclusivos supracitados, e executado definitivamente, como se ação autônoma o fosse58.

Note que embora o efeito suspensivo seja a regra no nosso ordenamento jurídico (Art. 520, caput do CPC), a apelação, neste caso de cisão do julgamento, deverá ter necessariamente apenas o efeito devolutivo (Art. 520, VII do CPC).

Diante dessa situação o juiz deverá determinar o desmembramento do processo (art. 125; 262 c/c Poder Geral de Cautela) em caso de recurso contra tal sentença interlocutória parcial, possibilitando o prosseguimento da ação em relação à parte de pedido ou pedidos controvertidos.

CAPÍTULO 4 – CRÍTICAS E SUGESTÕES:

4.1 - Crítica Dogmática:

58 Não há nenhum impedimento legal no nosso ordenamento jurídico que impeça tal procedimento, pois há autorização expressa no CPC permitindo que se criem autos suplementares (art.159, do CPC). Além disso, o nosso ordenamento jurídico admite essa cisão do processo, como por exemplo no caso de litisconsortes multietudinários, onde se permite que o juiz separe em demandas autônomas, ou limite o numero de litisconsortes a tantos quantos achar viável.

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A Reforma advinda com a lei nº 10.444/02 foi tímida porque, conforme vimos anteriormente, não rompeu com o velho Princípio Chiovendiano “della unità e unicità della decisione” 59.

O § 6º do art. 273 do CPC parece, na prática, ser contrário a essa afirmação, pois este apresenta esse espírito de rompimento com tal Dogma, admitindo, quando na hipótese de sua incidência, a fragmentação do julgamento; pois se ele fosse apenas mais um tipo de tutela deveria estar no inciso III do 273, do CPC, só que o que observamos neste caso é uma figura um pouco diferente.

Os pressupostos específicos para a concessão da tutela do § 6º do art. 273 do CPC, como já exposto neste trabalho, não são os mesmos que se exige nos casos de concessão de tutela previstas nos inciso I e II. Aqui não se exige a verossimilhança da alegação, pois o pedido não apresenta qualquer controvérsia, tornando-se indiscutível; tão pouco se exige perigo de dano ou quaisquer outros requisitos do art. 273 do CPC. O que se exige é a instrução do contraditório (limitado a contestação) para que o Estado-Juiz possa aferir a ausência de litígio acerca do direito pleiteado.

Note que estamos diante de uma antinomia criada entre a regra geral (art. 162, §1º do CPC), que constitui um verdadeiro dogma do direito processual e a norma peculiar ou especial (art. 273, §6º do CPC). E como é sabido, quando isso ocorrer, o que deve prevalecer dentro do ordenamento jurídico é a lei especial, já que mais específica sobre o tema.

4.1. Sugestão de redação de dispositivo:

Exatamente por entender que o critério topográfico do instituto da Tutela Antecipada em relação a parcela incontroversa da demanda encontra-se equivocado, é que venho defender que tal instituto refere-se a um caso de resolução parcial da lide, e não de uma mera tutela antecipada; pois não estamos, nesse caso, diante de mera antecipação dos efeitos da sentença final, mas sim de uma decisão definitiva, pautada em uma cognição exauriente e capaz de produzir coisa julgada material, que não precisa ser confirmado em decisão futura.

Por conta da absoluta autonomia deste instituto é que entendo tratar-se de uma nova modalidade de julgamento conforme o estado do processo60, tratando-se de um dos casos de julgamento antecipado da lide, só que de forma parcial.

O nosso sistema processual sempre utilizou o julgamento antecipado da lide para resolver toda a questão processual posta em juízo, ou seja, nos casos em que a causa não dependesse mais de novas provas. Ocorre que com a previsão da tutela antecipada do art. 273 do CPC houve o rompimento dessa unidade da sentença, permitindo que se decida parcela do pedido, somente em relação ao pedido ou a parte do pedido que já se encontrar madura para o julgamento. 59 É o conhecido Princípio da Unidade e Unicidade do Julgamento. Esse princípio determina que a Ação proposta deve ser julgada de uma só vez, sendo inviável a fragmentação do julgamento. 60 Também nesse sentido ABELHA, Marcelo; DIDIER, Fredie Jr.; CHEIM Flavio Jorge. A Nova Reforma Processual. 2ª Ed. Saraiva. São Paulo, 2003, pág. 75.

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Em decorrência desse entendimento é que propomos a modificação de alguns dispositivos do Código de Processo Civil, que aparentemente está longe de ser admitido por nosso ordenamento jurídico.

Note que embora o capítulo no qual está inserido o art. 330 do CPC refira-se ao julgamento antecipado da lide, e trate de uma forma de julgamento da lide integralmente conforme o estado do processo, quando vamos observar o art. 330, ele fala em julgamento do pedido, o que nos permite fazer uma inclusão da idéia defendida ao longo deste trabalho, nesse tópico do código. Vejamos como ficaria:

Art. 330, III, do CPC: nos casos previstos no art. 273, § 6º do CPC, prosseguindo-se o processo quanto a parte controversa da demanda.

Faz-se necessário uma reforma no art. 520, VII, que deveria ser redigido, se tal entendimento fosse admitido no nosso ordenamento jurídico, de forma a prever o recurso de apelação para esses casos.

Art. 520, VII do CPC: “... Sentença que confirmar os efeitos da tutela ou que concede-la antecipadamente nos casos do art. 330, III do CPC”.

Também é possível se mexer em outro dispositivo processual, embora entendamos que seria mais adequado alterar o art. 330 do CPC.

Vejamos como ficaria a outra sugestão. Temos a seguinte redação para um possível § 6º - A do art. 273:

“Nos casos do parágrafo anterior, o juiz poderá cindir o julgamento de mérito, proferindo sentença intermediária em relação a parte incontroversa da demanda”.

Temos como exemplo, os casos de acordo parcial, onde o juiz, após homologar parcialmente o acordo deveria cindir o julgamento, dando as partes o direito acerca do qual já não havia mais qualquer discussão fática.

Outro exemplo também pode ser vislumbrado no caso de pedidos cumulados, quando um dos pedidos já se encontrar maduro para o julgamento, e o outro pedido ainda necessitar de dilação probatória, ou mesmo nos casos em que o juiz pode (depois da edição da lei nº 11.280/06) proferir de oficio a sentença que pronuncia a prescrição.

Teríamos que fazer um link do art. 459 do CPC com o artigo supracitado. Para essa situação, sugerimos a seguinte modificação.

O art. 459 do CPC seria acrescentado do § 1º e passaria a ter a seguinte redação:

Art. 459, §1º do CPC: O juiz também proferirá sentença de mérito nos termos do art. 273, §6º-A.

Além disso, para que tal modificação ficasse com um certo rigor técnico, também se faz necessário uma reforma no art. 520, VII, do CPC, já que é esse dispositivo que trata do cabimento do recurso de apelação, a fim de abrange a sentença intermediária, por ora proposta. É evidente que tal dispositivo deveria ser redigido, se tal entendimento fosse admitido no nosso ordenamento de forma a prever o recurso de apelação para esses casos.

Art. 520, VII do CPC: “Sentença que confirmar os efeitos da tutela ou que a conceder antecipadamente”.

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CONCLUSÃO:

O objetivo precípuo deste trabalho vai muito além de uma mera critica dogmática. O que tentamos na realidade foi demonstrar que a criação de um novo instrumento processual pode ser capaz de agilizar o procedimento e dar uma maior efetividade à pretensão do autor.

Com a evolução da sociedade, os conflitos de interesse tornam-se mais complexos, e cabe a nós: operadores, criadores e estudiosos do direito, buscar meios alternativos mais eficazes e céleres para que se alcance a tão sonhada justiça.

É por isso que ao longo desse estudo sugerimos a chamada “sentença interlocutória”, pois pouco importa a natureza jurídica de um determinado pronunciamento jurisdicional; o que se busca vai muito mais além de nomenclaturas e limites técnicos; o que se busca é a efetivação do direito do autor em tempo hábil, capaz de satisfazer a sua pretensão de forma segura e eficaz, exatamente por isso que tentamos sempre dar uma visão instrumental ao processo, para que as formas não preponderem sobre o direito material.

Devemos tentar superar as dificuldades formais, porque a forma não pode definir a função do processo, ou seja, a decisão formal não pode dificultar os efeitos regulares que o processo possa surtir. Sendo assim, não há que se falar em execução provisória diante da existência prática de um provimento definitivo, como tem acontecido nos caso de concessão de tutela antecipada por motivo de pedido incontroverso. É imprescindível que o processo esteja dotado de uma técnica que, atuando no seu interior viabilize a tutela do direito que está a exigir o julgamento imediato.

O foco do processualista não deve se limitar a mera concessão da tutela, mas também a fornecer meios capazes de efetivar a sua realização concreta. Exatamente por isso que o processo se põe como instrumento do direito material, para que se busque a realização de justiça social eficaz e equânime. Não podemos deixar que as formalidades processuais e o preciosismos do sistema seja ineficaz.

Como brilhantemente comenta Marinoni, em sua obra acerca da Antecipação de Tutela e Julgamento Antecipado61:

“Se a Antecipação possui a finalidade de conferir tutela jurisdicional mais célere, impedindo que aquele que recorrer ao Poder Judiciário seja prejudicado pelo tempo da “justiça”, é pouco mais do que evidente que somente há efetiva antecipação da tutela quando esta é executada.... ... Se a Tutela depende de atos executivos, ela somente é efetivamente entregue ao seu destinatário no momento em que é executada”.

61 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Antecipatória e Julgamento Antecipado: Parte Incontroversa da Demanda, 5ª Ed. São Paulo: Editora RT, 2002, p. 202.

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As divergências e disparidades de opinião sempre vão existir e são elas que servem de estimulo para as transformações sociais, culturais e históricas. O dinamismo da vida moderna exige mudanças e superações, tanto de leis quanto de dogmas. Não podemos nos prender a visões arcaicas e ultrapassadas, temos que estar em constante superação.

É assim que o direito evolui. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABELHA, Marcelo Rodrigues. Elementos de Direito Processual Civil. 2ª Ed. São Paulo: Editora RT, 2003. ABELHA, Marcelo; DIDIER, Fredie Jr.; CHEIM Flavio Jorge. A Nova Reforma Processual. 2ª Ed. Saraiva: São Paulo, 2003. ASSIS, Araken de. Fungibilidade nas Medidas Inominadas Cautelares e Satisfativas. Revista de Processo. 100/39. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: Editora RT, 1980. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 9ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2003. v.I CAPPELLETTI, Mauro, Acesso à Justiça, Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. CARREIRA ALVIM,J. E. Procedimento Sumário na Reforma Processual. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 1997 Código de Procedimento Civil. Décima sexta ed.oficial. Santiago : Editorial Jurídica de Chile, 2004, p. 41 apud MOUTA, José Henrique de Araújo. “O cumprimento da sentença e a 3ª etapa da reforma processual. Primeiras impressões”. www.jus.com.br, consultado em 22.11.2005. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma da Reforma. 3ª Edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2002. ______. Instrumentalidade do Processo. 10ª Ed. Editora Malheiros: São Paulo, 2002. DORIA, Rogério Dotti. A Tutela Antecipada em relação a parte incontroversa da demanda. Coleção Temas Atuais de Processo Civil. São Paulo: Editora RT, 2000. v.I

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