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UFF – UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
VINNÍCIUS DE MATOS HIPÓLITO
O DIREITO DE GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO: UMA ANÁLISE DA DECISÃO
DO STF PROFERIDA EM SEDE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO N° 693.456
Macaé – RJ
2018
UFF – UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
VINNÍCIUS DE MATOS HIPÓLITO
O DIREITO DE GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO: UMA ANÁLISE DA DECISÃO
DO STF PROFERIDA EM SEDE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO N° 693.456
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal Fluminense como requisito à obtenção do grau Bacharel em Direito.
ORIENTADOR: Prof. Dr. Saulo Bichara Mendonça
Macaé - RJ 2018
Ficha catalográfica automática - SDC/BMAC H667d Hipólito, Vinnícius de Matos
O Direito de Greve no Serviço Público: Uma análise da decisão do STF proferida em sede do Recurso Extraordinário n° 693.456 / Vinnícius de Matos Hipólito ; Saulo Bichara Mendonça, orientador. Macaé, 2018. 57 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direit o)- Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências da Sociedade, Macaé, 2018. 1. Direito de Greve. 2. Servidor Público. 3. Recurs o Extraordinário. 4. Brasil. Supremo Tribunal Federal. 5. Produção intelectual. I. Título II. Mendonça,Saulo Bichara, orientador. III. Universidade Federal Flum inense. Instituto de Ciências da Sociedade. Departamento de Direito.
CDD –
Bibliotecária responsável: Fernanda Nascimento Silv a - CRB7/6459
VINNÍCIUS DE MATOS HIPÓLITO
O DIREITO DE GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO: UMA ANÁLISE DA DECISÃO
DO STF PROFERIDA EM SEDE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO N° 693.456
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal Fluminense como requisito à obtenção do grau Bacharel em Direito.
__________________ em 26 de junho de 2018.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________ Prof. Dr. Saulo Bichara Mendonça (Orientador)
Universidade Federal Fluminense
__________________________________________ Prof. Dr. Daniel Arruda Nascimento Universidade Federal Fluminense
____________________________________________ Prof. Dr. Jorge Luiz Lourenço das Flores
Universidade Federal Fluminense
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus pelo dom da vida, força, saúde e sustentação durante esta
etapa concluída.
Agradeço a minha família pelo apoio incomensurável durante todo este período, em que tive
de me furtar de momentos preciosos para com eles, em busca de alcançar este objetivo.
Agradeço ao meu orientador professor Saulo Bichara Mendonça pela força e orientação
durante cada passo deste trabalho.
Aos professores Daniel Arruda Nascimento e Jorge Luiz Lourenço das Flores que compõe a
Banca Examinadora.
“O homem disse que tinha de ir embora, antes queria me ensinar uma coisa muito importante: - Você quer conhecer o segredo de ser um menino feliz para o resto de sua vida? – Quero. Respondi. O segredo se resume em três palavras, que ele pronunciou com intensidade, mãos nos meus ombros e olhos nos meus olhos: - Pense nos outros.”
Fernando Sabino.
RESUMO
O presente trabalho visa analisar o instituto da greve, nos termos que é assegurado aos
servidores públicos, carente de norma regulamentadora, apesar de já se passaram mais de
vinte e nove anos desde a promulgação da Constituição Federal. Nessa seara, como não há lei
específica, mas há a previsão constitucional do direito, instituiu-se um problema apresentado
ao judiciário, que teve de se pronunciar sobre o tema, e o fez por meio do Supremo Tribunal
Federal no julgamento do Recurso Extraordinário n° 693.456, o qual teve sua repercussão
geral reconhecida. A tese ali formada é a que passa a valer para toda Administração Pública e
Tribunais quando se depararem com essa situação, foi definido que os gestores públicos que
quando enfrentarem uma greve de seus servidores devem proceder o desconto da
remuneração dos dias sem produção. Dessa forma analisar-se-á tal decisão à luz da
jurisprudência e doutrina correlata, apresentando o voto proferido por cada Ministro do STF,
ressaltando a questão do ativismo judicial, presente na decisão bem como tem-se dado a
aplicabilidade da decisão citada pelos gestores públicos e Tribunais. Metodologicamente,
apurou-se as hipóteses aventadas ante ao problema proposto por meio de ponderações de uma
representante sindical, em entrevista na qual comenta a decisão e as greves que foram
deflagradas pela entidade que representa, após a decisão. E por fim conclui-se apresentando
que a regulamentação da data base com a revisão geral anual prevista no artigo 37, inciso X
da Constituição Federal surtiria mais efeitos benéficos que a criação de uma lei de greve.
Palavras-chaves:
Direito de Greve. Servidor Público. Julgamento do Recurso Extraordinário n° 693.456.
ABSTRACT
This paper aims to analyze the institute of the strike, under the terms that are guaranteed to
public servants, lacking a regulatory norm, although it has been more than twenty-nine years
since the promulgation of the Federal Constitution. In this section, since there is no specific
law, but there is the constitutional provision of law, a problem was presented to the judiciary,
which had to pronounce on the subject, and did so through the Supreme Federal Court in the
judgment of Extraordinary Appeal n 693,456, which had its general repercussion recognized.
The thesis formed there is what is valid for all Public Administration and Courts when faced
with this situation, it was defined that public managers who when faced with a strike of their
servers should proceed with the discount of the days without production. In this way, this
decision will be analyzed in light of the jurisprudence and related doctrine, presenting the vote
given by each STF Minister, highlighting the issue of judicial activism, present in the decision
as well as the applicability of the decision cited by the managers and courts.
Methodologically, the assumptions raised before the problem proposed by means of weights
of a trade union representative were determined in an interview in which he comments on the
decision and the strikes that were triggered by the entity that represents after the decision.
Finally, it is concluded that the regulation of the base date with the annual general review
provided for in article 37, item X of the Federal Constitution would have more beneficial
effects than the creation of a strike law.
Keywords:
Right to strike. Public server. Judgment of Extraordinary Appeal n ° 693.456.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 09 1. DIREITO DE GREVE: UMA ANÁLISE CONCEITUAL SOBRE O INSTITUTO 13 1.1 Origem Histórica e Conceituação 13 1.2 Natureza Jurídica 15 1.3 Finalidade 16 1.4 Greve no serviço publico 16 2. UMA ANÁLISE SOBRE O JULGAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO N° 693.456 18
19
a) Ministro Dias Tofolli – Relator 20 b) Ministro Edson Fachin 22 c) Ministro Luís Roberto Barroso 23 d) Ministro Teori Zavaski 24 e) Ministro Gilmar Mendes 25 f) Ministra Rosa Weber 25 g) Ministro Marco Aurélio 26 h) Ministro Luiz Fux 26 i) Ministro Ricardo Lewandowski 27 j) Ministra Carmen Lúcia (Presidente) 28 2.1 TESE FIRMADA A PARTIR DO JULGAMENTO DO RECURSO 28 3. O ATIVISMO JUDICIAL E SUA UTILIZAÇÃO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO N° 693.456. 28
29
3.1 Ativismo Judicial 29 3.2 Entrevista com o professor adjunto Dr. Heron Abdon de Souza, da cadeira de Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense
31
4. PESQUISA JURISPRUDENCIAL SOBRE A APLICABILIDADE DA DECISÃO EM GREVES DE SERVIDORES PÚBLICOS OCORRIDAS APÓS O JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO N° 693.456.
39
5. ENTREVISTA COM UM REPRESENTANTE SINDICAL DO SINDICATO DOS TRABALHADORES DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – SINTUFF SOBRE A GREVE E A DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO N° 693.456
43
CONCLUSÃO 52 REFERÊNCIAS 54
9
INTRODUÇÃO
O presente trabalho pretende abordar o direito de greve que é assegurado pela
Constituição Federal aos servidores públicos, onde num primeiro momento aborda-se o
conceito de greve, sua origem histórica e no direito pátrio, cabendo destacar que inicialmente
o movimento paredista era tido como um delito, o qual com a evolução dos movimentos
sociais tornou-se um direito assegurado aos trabalhadores, conforme breve panorama
introdutório que relata esta transição.
A lei Le Chapelier de 1791 vedava qualquer agrupamento profissional em defesa de
interesses coletivos. O Código Penal de Napoleão de 1810 tipificava a greve de trabalhadores
como crime punido com prisão e multa. E em 1947, a Itália passa a reconhecer a greve como
um direito.
No ordenamento pátrio, o Código Penal de 18901 foi a primeira lei a tipificar a greve
como delito, onde no capítulo VI, Dos Crimes Contra a Liberdade de Trabalho punia quem
exercesse tal conduta. Cabendo destacar que as Constituições Federais de 1824, 1890 e 1934
nada disseram sobre o tema.
A Constituição de 1937, em seu artigo 1392, aduzia que a greve e o lock-out são
declarados recursos antissociais nocivos ao trabalho e ao capital, e incompatíveis com os
superiores interesses da produção nacional.
O Decreto-Lei n° 431, de 1938, em seu artigo 3°, incisos XXI e XXII3, punia com
pena de 1 a 3 anos, a incitação de funcionários públicos ou servidores do Estado à cessação
coletiva, total ou parcial, dos serviços a seu cargo e o induzimento de empregadores ou
empregados à cessação ou suspensão do trabalho.
O Código Penal de 1940, em seu artigo 2014, punia o fato de participar de suspensão
ou abandono coletivo de trabalho, provocando a interrupção de obra pública ou serviço de
interesse coletivo.
A Consolidação das Leis Trabalhistas de 1943, em seu artigo 7235 , previa que
incorreriam em pena os empregados que, coletivamente e sem prévia autorização do tribunal 1 BRASIL, Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/d847.htm>,acesso em 23 de novembro de 2017. 2 BRASIL, Constituição Federal de 1937, de 10 de novembro de 1937. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm>,acesso em 23 de novembro de 2017. 3 BRASIL, Decreto-lei nº 431, de 18 de maio de 1938. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del0431.htm>, acesso em 23 de novembro de 2017. 4 BRASIL, Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm>, acesso em 23 de novembro de 2017.
10
competente, abandonassem o serviço, ou desobedecessem a qualquer decisão proferida em
dissídio. Ademais, o artigo 724 previa que quando a suspensão do serviço ou a desobediência
às decisões dos Tribunais do Trabalho for ordenada por associação profissional ou sindical
poderia ser punido com multa, cancelamento do registro ou perda do cargo, caso a
manifestação fosse de responsabilidade exclusiva dos administradores do sindicato.
O Decreto-Lei nº 9.070, de 19466, primeira lei a admitir o exercício da greve, limitou-
a para as atividades acessórias, proibindo nas atividades fundamentais nele elencadas.
A Constituição Federal de 1946, em seu artigo 1587, foi a primeira Carta a prever a
possibilidade dos trabalhadores exercerem o movimento paredista, porém condicionou o seu
exercício à elaboração de lei regulamentadora.
A Constituição Federal de 1967 manteve a garantia de exercício da greve aos
trabalhadores, conforme dispunha seu artigo 158, inciso XXI, porém vedou o exercício no
âmbito dos serviços públicos e nas atividades essenciais, definidas por lei, conforme artigo
157, § 7°8. A Emenda Constitucional nº 1 de 1969, restringiu-se a repetir a disposição
constitucional anterior.
O Decreto-Lei n° 1.632, de 19789, regulamentava a proibição de greve nos serviços
públicos e em atividades essenciais, disciplinando as sanções para quem ousava exercer o
movimento.
A lei 6.620, de 197810, que versava sobre os crimes contra a Segurança Nacional,
definiu em seu artigo 36, inciso V, a punição para o incitamento à paralisação de serviços
públicos, ou atividades essenciais. Ademais em seu artigo 37, vedava, expressamente, aos
funcionários públicos cessarem, coletivamente, no todo, ou em parte, os serviços a seu cargo.
A Constituição Federal de 1988, denominada Constituição Cidadã, assegurou o
exercício de greve tanto no âmbito da iniciativa privada, quanto no serviço público,
ressaltando que em ambos os casos a deflagração do movimento dependia de lei que lhe
regulamentasse.
5 BRASIL, Decreto-lei nº 5.452, de 01 de maio de 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>, acesso em 23 de novembro de 2017. 6 BRASIL, Decreto-lei nº 9.070, de 15 de março de 1946. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del9070.htm>, acecsso em 23 de novembro de 2017. 7 BRASIL, Constituição Federal de 1946, de 18 de setembro de 1946. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm>, acesso em 23 de novembro de 2017. 8 BRASIL, Constituição Federal de 1967, de 24 de janeiro de 1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm>, acesso em 23 de novembro de 2017. 9 BRASIL, Decreto-lei nº 1.632, de 04 de agosto de 1978. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1632.htm>, acesso em 23 de novembro de 2017. 10 BRASIL, Lei nº 6.620, de 17 de dezembro de 1978. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/L6620.htm>,acesso em 23 de novembro de 2017.
11
Transcorrido este breve histórico introdutório sobre a greve, em que ela passou de um
delito para um direito assegurado aos trabalhadores, adentra-se no fato de que tal instituto é
assegurado ao serviço público, porém carece de regulamentação a qual até o presente não
ocorreu.
Nesta toada, em decorrência da falta de norma regulamentadora e pelo fato de os
servidores exercerem o movimento paredista, tais questões chegaram ao judiciário que teve de
se manifestar sobre o tema.
Dessa forma o presente objetiva analisar como o Supremo Tribunal Federal tem
enfrentado os litígios que envolvam o tema, mais especificamente far-se-á uma análise do
julgamento ocorrido em plenário do STF, no dia 27 de outubro de 2016, referente ao Recurso
Extraordinário n° 693.45611, do Rio de Janeiro, em que figura como Agravante: Fundação de
Apoio à Escola Técnica – FAETEC; e como Agravados: Renato Barroso Bernabe e outros, de
relatoria do ministro Dias Toffoli, onde foi discutida em plenário a questão sobre a
possibilidade de haver o corte de ponto, pela Administração Pública, dos dias em que os
servidores públicos a ela subordinados estiverem no exercício do direito de greve, com
desconto da remuneração deste período. Valendo destacar que o recurso teve a sua
repercussão geral reconhecida e a tese ali firmada é a que passa a valer para todos os gestores
da Administração Pública e para os Tribunais brasileiros, quando se depararem com situações
em que envolvam o assunto.
Após a análise da decisão apresenta uma pesquisa bibliográfica sobre o ativismo
judicial, além de uma entrevista realizada com o Doutor em Direito, Professor Adjunto Dr.
Heron Abdon de Souza, da Universidade Federal Fluminense, em que fala um pouco sobre
greve e ativismo.
Trazendo em seguida uma pesquisa jurisprudencial em que se busca informar a
aplicabilidade da tese formada a partir do julgamento do Supremo sobre como os gestores
públicos devem proceder em caso de greve de seus servidores.
Ademais, o último capítulo apresenta uma entrevista realizada com a advogada Dra.
Dalila Pinheiro de Sousa, representante do Sindicato dos Trabalhadores da Universidade
Federal Fluminense – SINTUFF, em que fala um pouco sobre como se dá a deflagração da
11 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário n° 693.456, julgado em 27 de outubro de 2016, disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+693456%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EACMS%2E+ADJ2+693456%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/apu9638>, acesso em 19 de março de 2018.
12
greve pelo sindicato que representa, inclusive naquelas ocorridas após a decisão do Supremo
sobre greve no serviço público.
Por fim, pretende-se evidenciar que, diante da mora legislativa em regulamentar o
direito de greve que é assegurado aos servidores públicos e pelo quadro de greves
prolongadas ocorridas no âmbito da Administração Pública, seria mais viável a
regulamentação da data-base, prevista no artigo 37, inciso X da Constituição Federal, que
assegura a revisão geral anual, quando seriam discutidas a questão salarial e melhores
condições de trabalho, do que a regulamentação da greve para o serviço público.
13
1. DIREITO DE GREVE: UMA ANÁLISE CONCEITUAL SOBRE O INSTITUTO
1.1 Origem histórica e Conceituação
O presente trabalho traz uma abordagem sobre o direito de greve e sua aplicação no
âmbito do serviço público, porém inicialmente antes de adentrar neste mérito cumpre
apresentar a origem histórica do instituto, onde segundo Jorge Neto e outros12 apresentam em
sua obra um panorama de como surgiu a palavra, a qual merece ser transcrita para uma
melhor elucidação do tema:
O termo “greve” vem de greve, francesa, que significa praia, areal, enquanto griève significa agravo, gravame (plainte). Segundo Paul Garcia, a origem da adoção do vocábulo greve para designar o fenômeno, está ligada ao fato dos operários franceses terem se reunido na Praça do Hotel de Ville, em Paris, quando desempregados, ou para discutirem ‘fatos relativos à suspensão do trabalho’. Como tal praça, após enchentes do Sena, ficava cheia de detritos – chamados ‘no baixo francês’ de gravé, passou a ser chamada ‘Place de laGravé’, e mais tarde, por vício de pronúncia, ‘Place de lagrève’, donde greve, com o significado que até hoje perdura, com uso e compreensão generalizados”.
No direito brasileiro, o instituto surgiu formalmente em meados do século XIX, a
partir da massificação do trabalho assalariado. Segundo Uchôa, a primeira greve do país
ocorreu em 1858, no Rio de Janeiro, quando os tipógrafos da capital imperial deram-se às
mãos para protestar por melhoria salarial.
Neste diapasão surge a greve, a qual num primeiro momento foi considerada como um
crime, pois contradiz os ideais do capitalismo, onde os funcionários que incitavam ou
optavam por aderir ao movimento paredista eram severamente punidos nos termos da lei,
visto que proporcionavam o caos no ambiente de trabalho.
No entanto, com o passar dos anos, após muitas lutas, enfrentamentos e resistência dos
operários, foi verificado que tal instituto era a única maneira que permitia haver uma
negociação justa entre empregado e empregador, em busca de melhores condições de trabalho
e reajustes salariais, momento em que o tema alçou à posição de um direito que é garantido à
classe trabalhadora, dessa forma urge trazer à baila a conceituação externada por diferentes
doutrinadores sobre a matéria.
12 JORGE NETO, Francisco Ferreira e outros. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2013. p.1312 e 1313.
14
Rivero e Savatier13 formulam a seguinte definição para o instituto da greve, aduzindo
ser a cessação ajustada do trabalho pelos assalariados, para constranger o empregador, através
desse meio de pressão, a aceitar seus pontos de vista sobre a questão que é objeto do litígio.
Segundo assevera Martinez,14 a greve é um direito fundamental que legitima a
paralisação coletiva de trabalhadores realizada de modo concentrado, pacífico e provisório,
como instrumento anunciado de pressão para alcançar melhorias sociais ou para fazer com
que aquelas conquistas normatizadas sejam mantidas e cumpridas.
Já Cassar15 sustenta em sua obra que greve é a cessação coletiva e voluntária do
trabalho, decidida por sindicatos de trabalhadores assalariados de modo a obter ou manter
benefícios ou para protestar contra algo.
Suarez16 conceitua greve como suspensão temporal do trabalho, resultante de uma
coalizão operária – acordo de um grupo de trabalhadores para a defesa de interesses comuns -,
que tem por objetivo obrigar o patrão a aceitar suas exigências e conseguir, assim um
equilíbrio entre os diversos fatores de produção, harmonizando os direitos do trabalho e do
capital.
Cairo Junior17 advoga que greve é uma forma de autotutela admitida como exceção
pelo ordenamento jurídico e é representada pela paralisação coletiva, pacífica e temporária da
prestação de serviço por parte dos trabalhadores, decidida pela manifestação de vontade da
organização sindical, com a consequente interrupção da atividade empresarial, total ou
parcialmente.
Barros18 aduz que greve não é simplesmente uma paralisação do trabalho, mas uma
cessação temporária do trabalho, com o objetivo de impor a vontade dos trabalhadores ao
empregador sobre determinados pontos. Ela implica a crença de continuar o contrato,
limitando-se a suspendê-lo.
Garcia19 ensina que na greve a suspensão não pode ser individual, mas do grupo de
trabalhadores, ou seja, coletiva e que a paralisação deve ser temporária, para não caracterizar
abandono de emprego, além de pacífica.
13 Apud JORGE NETO, Francisco Ferreira e outros. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2013. p.1313. 14 MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 808. 15 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. São Paulo: Método, 2016. p. 1293. 16 Apud CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. São Paulo: Método, 2016. p. 1293. 17 CAIRO JUNIOR, José. Curso de Direito do Trabalho. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 1128. 18 BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: LTr, 2017. p. 849 19 GARCIA, Gustavo Felipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1366.
15
A Lei n° 7.783 de 28 de junho de 198920 que regulamenta o instituto da greve para os
trabalhadores da iniciativa privada, em seu artigo 2° aduz que greve é a suspensão coletiva,
temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador.
Nesta toada pode-se afirmar após análise das definições apontadas por diferentes
doutrinadores e pela lei que regula o instituto no âmbito privado que greve é uma paralisação
coletiva temporária das atividades laborais intentada pelos trabalhadores de determinada
empresa ou categoria, que pode se dá de forma total ou parcial, cujo objetivo é provocar um
impacto financeiro negativo nas contas do empregador, forçando-lhe a ouvir as reivindicações
apresentadas pela categoria e abrindo negociação para chegar a um denominador comum afim
de que as atividades sejam restabelecidas o quanto antes.
1.2 Natureza jurídica
Segundo sustenta a doutrinadora Cassar21o instituto da greve tem natureza jurídica de
direito potestativo fundamental coletivo, esclarecendo que é direito potestativo porque é
exercido de acordo com a oportunidade e conveniência do grupo. Coletivo, pois é no grupo
que o exercício do direito de greve alcança seu objetivo final. É um superdireito porque
reconhecido constitucionalmente como direito fundamental.
Pinto22 aduz que a greve tem natureza jurídica complexa melhor revelada através de
seus fundamentos metajurídicos e de sua finalidade de pressão coletiva para induzir o
atendimento de pretensões trabalhistas.
Martins23 assevera que greve tem natureza jurídica de direito de coerção visando à
solução de um conflito coletivo.
Já Garcia24 prefere advogar que a greve tem natureza jurídica de forma de solução de
conflito coletivo de trabalho, ou seja, por meio da autodefesa, por ser uma reação contra a
resistência do empregador diante da reivindicação de melhores condições de trabalho. E esta
no enfoque do contrato de trabalho acarreta sua suspensão.
Nesta toada pode-se depreender que a greve tem natureza jurídica de direito
constitucional potestativo coletivo que opera a suspensão do contrato de trabalho quando os
trabalhadores de determinada categoria resolvem exercê-lo. É um direito constitucional, pois 20 BRASIL, lei 7.783 de 28 de junho de 1989, disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7783.htm>, acesso em 19 de março de 2018. 21 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. São Paulo: Método, 2016. p. 1296. 22 Apud CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. São Paulo: Método, 2016. p. 1296. 23 Apud CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. São Paulo: Método, 2016. p. 1296. 24 GARCIA, Gustavo Felipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1368.
16
está assegurado nos artigos 9° e 37, VII da Constituição Federal. Potestativo, pois compete à
categoria a decisão política do momento em que irão exercitá-lo, coletivo visto que não é
possível a realização de greve por apenas um trabalhador, pois caso assim o fizesse acarretaria
abandono de emprego, ensejando a demissão daquele que optou em exercê-lo e por fim opera
a suspensão do contrato de trabalho, dado que no momento em que se opta pela realização do
movimento paredista suspende-se as atividades laborais, logo o empregador fica dispensado
da obrigação de pagar salários e encargos trabalhistas durante o período de sua realização.
1.3 Finalidade
Conforme sustenta a doutrinadora Cassar25 a greve possui finalidade de exteriorizar o
conflito existente entre a classe trabalhadora e o patrão acerca das questões pendentes que,
apesar das tentativas de negociação, persistem, logo objetiva pressionar o empregador a ceder
em alguns pontos.
Nestes termos a greve é um instrumento de negociação coletiva utilizado pela classe
trabalhadora nos casos em que o empregador se recusa a negociar os pontos por eles
reivindicados.
Tal instituto tem por finalidade balancear a relação de hipossuficiência que ocorre
entre empregador e empregado, pois assim que iniciado o movimento paredista, o patrão já
começa a sentir os impactos financeiros negativos em sua atividade, vendo-se obrigado a
transacionar, cedendo às reivindicações da categoria, para que seja restabelecido o quanto
antes as atividades, pois dias parados representam prejuízos para a empresa.
1.4 Greve no serviço público
O direito de greve no serviço público foi assegurado pela Constituição Federal em seu
artigo 37, VII, o qual teve sua redação alterada pela Emenda Constitucional n° 19, de 04 de
junho de 1998, onde ficou com a seguinte redação “o direito de greve será exercido nos
termos e nos limites definidos em lei.”
Neste diapasão já se passaram mais de vinte e nove anos da entrada em vigência da
atual Constituição e quase vinte anos da publicação da Emenda Constitucional que alterou o
25 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. São Paulo: Método, 2016. p. 1296.
17
artigo 37, VII da Constituição Federal e não foi editada até o presente nenhuma lei que
regulamente a greve no serviço público.
Diante deste quadro, por se tratar de uma norma de eficácia limitada, a qual segundo
Lenza26 trata-se de norma que, de imediato, no momento que a Constituição é promulgada ou
entra em vigor, não têm o condão de produzir todos os seus efeitos, precisando de uma lei
integrativa infraconstitucional, ou até mesmo de integração por meio de emenda
constitucional, são, portanto, de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida.
Nesta toada restou ao Judiciário à incumbência de se pronunciar mediante os conflitos
em que fora instado a resolver envolvendo lides que versavam sobre greves no âmbito do
serviço público.
Neste diapasão, o Supremo Tribunal Federal, num primeiro momento, por meio do
julgamento dos Mandados de Injunção n° 670/ES27, 708/DF28 e 712/PA29 pronunciou-se no
sentido de que a mora legislativa em regulamentar o exercício do direito de greve no âmbito
do serviço público não poderia persistir, visto que era uma garantia fundamental prevista na
Carta Maior, sendo assim fixou entendimento de que deveria ser aplicada a Lei n° 7.783 de 28
de junho de 1989, a qual regulamenta a greve no contexto da iniciativa privada, aos conflitos
e ações que versem sobre movimento paredista envolvendo servidores públicos, até que fosse
promulgada a lei regulamentadora da greve no domínio da administração pública.
Tal entendimento prevaleceu até o dia 27 de outubro de 2016, quando o plenário do
Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário n° 693.45630, do Rio de Janeiro,
em que figura como Agravante: Fundação de Apoio à Escola Técnica – FAETEC; e como
Agravados: Renato Barroso Bernabe e outros, de relatoria do ministro Dias Toffoli, quando
26 LENZA, Pedro. Direito Penal Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 251. 27 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Mandado de Injunção n° 670/Espírito Santo, julgado em 25 de outubro de 2007, disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28MI%24%2ESCLA%2E+E+670%2ENUME%2E%29+OU+%28MI%2EACMS%2E+ADJ2+670%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/cswygf3>, acesso em 19 de março de 2018. 28 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Mandado de Injunção n° 708/Distrito Federal, julgado em 25 de outubro de 2007, disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28MI%24%2ESCLA%2E+E+708%2ENUME%2E%29+OU+%28MI%2EACMS%2E+ADJ2+708%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/chjgwcv>, acesso em 19 de março de 2018. 29 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Mandado de Injunção n° 712/Pará, julgado em 25 de outubro de 2007, disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=712&classe=MI&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M>, acesso em 19 de março de 2018. 30 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário n° 693.456, julgado em 27 de outubro de 2016, disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+693456%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EACMS%2E+ADJ2+693456%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/apu9638>, acesso em 19 de março de 2018.
18
foi discutida a questão sobre a possibilidade de haver o corte de ponto, pela Administração
Pública, dos dias em que os servidores públicos a ela subordinados estiverem no exercício do
direito de greve, com desconto da remuneração deste período.
Este recurso teve a sua repercussão geral reconhecida e a tese que foi firmada ao final
daquele julgamento é a que passou a valer para todos os gestores da Administração Pública,
assim como para os Tribunais brasileiros, quando se depararem com situações em que
envolvam o assunto.
No julgamento em tela ficou definido que o gestor público deverá descontar os dias
em que o servidor optar pela adesão ao movimento paredista, sendo tal desconto, contudo,
incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público.
Sendo esta a decisão que prevalece atualmente para as situações que chegam ao judiciário
envolvendo exercício de greve no âmbito da administração pública, mesmo não havendo
legislação alguma regulamentando o instituto, tal decisão será objeto de análise do próximo
capítulo.
19
2. UMA ANÁLISE SOBRE O JULGAMENTO DO SUPREMO TRIBUN AL FEDERAL
NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO N° 693.456
O presente capítulo busca fazer uma análise do julgamento em plenário do Supremo
Tribunal Federal iniciado no dia 02 de setembro de 2015, sobre o Recurso Extraordinário n°
693.456, do Rio de Janeiro, em que figuram como Agravante: Fundação de Apoio à Escola
Técnica – FAETEC; e como Agravados: Renato Barroso Bernabe e Outroscom relatoria
atribuída ao Ministro Dias Toffoli31.No caso sob análise foi discutida a temática sobre a
possibilidade de haver o corte de ponto, pela Administração Pública, dos dias em que os
servidores públicos a ela subordinados estiverem no exercício do direito de greve, com o
consequente desconto da remuneração deste período, independente de ser o movimento
declarado pelo judiciário como legal ou ilegal, ou seja, discutiram se seria legítimo ao gestor
público cortar o ponto do servidor imediatamente e depois verificar a legalidade do
movimento.
Cumpre destacar que o recurso em epígrafe teve a sua repercussão geral reconhecida e
a tese que ficou definida a partir do seu julgamento é a que passou a valer para a
Administração Pública e Tribunais brasileiros quando se depararem com situações que
envolvam o tema.
Ademais, ressalta-se que na data informada teve início o julgamento, onde os
Ministros Dias Tofolli (relator) e Edson Fachin apresentaram seus votos, contudo o Ministro
Luis Roberto Barroso, no momento de proferir sua decisão, solicitou vista dos autos para
melhor analisar a situação de direito que ali se apresentava, sendo assim o caso foi colocado
em pauta novamente para julgamento em 27 de outubro de 2016.
Dessa forma, passa-se a expor como foi o voto proferido por cada Ministro,
apresentando uma síntese da argumentação jurídica manifestada por suas Excelências e por
derradeiro informa-se a tese que foi definida a partir deste julgamento.
31SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário n° 693.456, julgado em 27 de outubro de 2016, disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+693456%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EACMS%2E+ADJ2+693456%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/apu9638>, acesso em 19 de março de 2018.
20
a) Ministro Dias Tofolli – Relator
O Ministro iniciou a apresentação do seu voto trazendo a origem histórica do instituto
da greve desde o seu surgimento originariamente no Egito, no reinado de Ramsés III, no
século XII a.C, no episódio conhecido como “pernas cruzadas”, quando os trabalhadores, por
não terem recebido o que fora prometido pelo faraó, a isso se opuseram cruzando as pernas,
até os primeiros movimentos ocorridos em solo brasileiro, em meados do século XIX, a partir
da massificação do trabalho assalariado.
Ato contínuo informa como o ordenamento jurídico pátrio lidou com a temática, a qual
passou de um delito a ser concebida como um direito que é assegurado aos trabalhadores,
ressaltando, contudo, que se trata de uma garantia que tem sua eficácia limitada, pois depende
de norma regulamentadora para que produza seus efeitos, onde destacou que no âmbito da
iniciativa privada o direito já foi regulamentado pela Lei nº 7.783 de 28 de junho de 1989 e
que no serviço público ainda depende de regulamentação, pois até o presente momento não
houve a edição do necessário ato legislativo a regulamentar-lhe o exercício da greve.
Seguindo na sustentação destacou que diferentemente do que ocorre na iniciativa
privada, na relação estatutária não há tensão entre capital e trabalho e que na Administração
Pública vigora o princípio da Supremacia do Interesse Público, do qual é corolário o da
Continuidade do Serviço Público, que implica que os serviços públicos não podem ser
prejudicados, interrompidos ou paralisados, devendo-se, assim, haver um fluxo de
continuidade, e, também, o dever inescusável do Estado em prestá-lo. Por fim aduz que o
pressuposto de existência do serviço público é a garantia do atendimento às necessidades
inadiáveis dos administrados, pois indispensável à concretização e ao desenvolvimento social.
Momento em que adentra na questão de como a Corte vinha se pronunciando nas
vezes em que se deparou com casos que envolvam o tema, onde trouxe o julgamento dos
Mandados de Injunção nº 670/ES, 708/DF e712/PA, onde a Suprema Corte decidiu que, até a
edição da lei regulamentadora do direito de greve, previsto no art. 37, inciso VII, da
Constituição da República, as Leis nº 7.701 de 21 de dezembro de 1988 e 7.783 de 28 de
junho de 1989 poderiam ser aplicadas provisoriamente para possibilitar o exercício do direito
de greve pelos servidores públicos, em especial, os arts. de 1º ao 9º, 14, 15 e17 da Lei nº
7.783 de 28 de junho de 1989 .
Nesta toada passou a discorrer sobre a natureza jurídica do instituto da greve que é de
suspensão do contrato de trabalho, o que implica consequentemente na suspensão do
pagamento de salário dos dias que perdurar o movimento, salvo no caso em que a greve tenha
21
sido provocada justamente por atraso no pagamento ou por outras situações excepcionais que
justifiquem o afastamento da premissa da suspensão da relação jurídica de trabalho e, por
consequência, da atividade pública.
Pontuou que os grevistas assumem os riscos da empreitada. Caso contrário, estaria-se
diante de enriquecimento sem causa, a violar, inclusive, o princípio da indisponibilidade dos
bens e do interesse público. Ressaltando que isso não significa que o legislativo não possa,
com a edição de lei regulamentadora, entender por configurar o movimento grevista como
hipótese de interrupção do contrato de trabalho.
Ademais destacou que a Constituição Federal quando assegurou aos servidores
públicos o exercício do direito de greve, não garantiu que fosse mantido o pagamento de
salários durante o período do movimento, onde trouxe alguns argumentos a justificar o
desconto, são eles: i) a manutenção do serviço público de forma contínua e eficiente interessa
a toda a coletividade; ii) as referidas estabilidade e efetividade do servidor público também
pesam sob o aspecto político e estratégico a favor do servidor, que não pode ser - em princípio
- demitido e pode continuar a exercer pressão junto aos dirigentes após o período grevista;iii)
alguns servidores, por prestarem serviços uti universi, estão menos sujeitos a sofrer cobranças
diretas da coletividade para o pronto retorno às suas respectivas atividades.
Sendo assim mencionou a questão do fundo de greve, onde pontuou que em países
como Reino Unido, França, Canadá, Espanha e Portugal este fundo garante a reposição
salarial para os dias em que este encontra-se no exercício da greve, e que no Brasil desde a
década de 80 intensificou-se a criação deste fundo, devendo os servidores usufruírem dele
para os dias em que forem descontados.
Dessa forma iniciou a conclusão de seu voto no sentido de que a regra há de ser o
desconto dos dias não trabalhados. Tratando-se de uma opção vinculante e não pode o gestor
abrir mão disso, sob pena de violar o princípio da legalidade. Ponderando, contudo, que é uma
discricionariedade administrativa do administrador público aceitar a compensação dos dias e
horas paradas ou mesmo o parcelamento dos descontos, os quais poderão ser objeto de
negociação.
Ante o exposto, o ministro deu provimento ao recurso para denegar a segurança e
aderindo à proposta formulada pelo Ministro Roberto Barroso, votou para que seja fixada a
seguinte tese de repercussão geral:
A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso
22
de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público.32
b) Ministro Edson Fachin
O Ministro iniciou seu voto apresentando as peculiaridades presentes na relação de
trabalho na iniciativa privada e no serviço público, onde pontuou que na primeira quando um
funcionário opta pelo exercício do direito de greve há um prejuízo imediato para o
empregador, o qual se vê compelido a escutar as reivindicações da categoria e buscar uma
solução célere para a contenda. Já na administração pública, pontuou o ministro, quando um
servidor opta por aderir ao movimento paredista não há prejuízo imediato algum para o gestor
público, o qual não se vê compelido a negociar rapidamente e em muitos casos a opção do
administrador é postergar ao máximo a negociação, pelas mais diversas razões.
Por conseguinte, destacou que o tema merece ponderações cuidadosas da Suprema
Corte, uma vez que a adesão de servidor a movimento grevista não pode representar uma
opção economicamente intolerável ao grevista e ao respectivo núcleo familiar.
Por fim ponderou que caso fosse decidido pelo corte imediato da remuneração do
servidor que opta por aderir ao movimento paredista estar-se-ia praticamente aniquilando o
direito de greve no serviço público.
Ante o exposto, o ministro negou provimento ao recurso para conceder a segurança,
sendo assim, concluiu como tese jurídica, a ser fixada neste Tema de sistemática da
repercussão geral:
A suspensão do pagamento de servidores públicos que aderirem a movimento paredista exige ordem judicial que reconheça a ilegalidade da greve, em concreto, ou fixe condições para o exercício deste direito, nos termos da Lei n° 7.783 de 28 de junho de 1989 e com o menor prejuízo possível aos beneficiários dos serviços públicos afetados.33
32 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário n° 693.456, julgado em 27 de outubro de 2016, disponível em:<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13866341> p. 80, acesso em 28 de abril de 2018; 33 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário n° 693.456, julgado em 27 de outubro de 2016, disponível em:<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13866341> p. 84 e 85, acesso em 28 de abril de 2018;
23
c) Ministro Luís Roberto Barroso
Após a vista dos autos pelo Ministro Luís Roberto Barroso foi retomado o julgamento
em 27 de outubro de 2016, onde o mesmo iniciou o seu voto fazendo um breve relato do que
já havia sido discutido anteriormente no bojo do recurso, e de antemão externa seu
posicionamento no sentido de ser favorável ao corte de ponto imediato dos servidores que
optam por aderir ao movimento paredista.
Neste contexto expõe sua preocupação com o usuário do serviço público que é o
principal prejudicado com a greve no âmbito da Administração Pública, onde junta decisões
proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal entendendo ser
cabível os descontos da remuneração do servidor público, durante os dias que se encontra no
exercício da greve e que não cabe ao judiciário intervir nesta seara, pois é discricionária a
decisão do gestor público que opta pelo desconto dos dias paralisados ao invés de aceitar a
compensação.
Para contra-argumentar os pontos trazidos pelo Ministro Edson Fachin, que possui
entendimento diverso do apresentado pelo relator, destacou que se precisa trabalhar com a
premissa de um poder público interessado em não ter seus serviços interrompidos em desfavor
da população e, portanto, verdadeiramente empenhado em evitar o sacrifício e o sofrimento
que é causado à sociedade pela interrupção de tais serviços.
Seguindo na argumentação apresentou uma inovação jurisprudencial adotada pela
Corte, batizada de solução intermediária para os casos em que a greve se prolongue por
muitos dias, visando mitigar os prejuízos impostos à classe trabalhadora, visto que o desconto
integral dos dias de paralisação poderá acarretar ônus excessivo ao trabalhador e prejuízos à
sua sobrevivência e a de sua família, onde tem autorizado, nesses casos, a compensação de
50% dos dias parados, sendo, contudo, cabível o desconto salarial de 50% durante estes dias.
Ante o exposto, o ministro deu provimento ao recurso para denegar sua segurança e
votando em que seja formulada a seguinte tese de repercussão geral:
A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso
24
de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público.34
Por derradeiro ressaltou que defende a possibilidade de implementação, pelo tribunal
competente, da decisão intermediária, a qual determine o corte parcial e/ou a compensação
parcial dos dias de paralisação, em caso de greve de longa duração, em que haja indícios de
que o próprio poder público: i) esteja se recusando a negociar com os servidores, ii) esteja
recalcitrante na efetiva busca de acordo ou iii) pareça beneficiar-se, por qualquer razão, em
termos imediatos, com a permanência da paralisação. Onde tal decisão deve ter o propósito de
distribuir os ônus da greve entre poder público e servidor, de forma a provocar a superação de
impasses que ensejem paralisações prolongadas.
d) Ministro Teori Zavascki
O Ministro iniciou seu voto argumentando que a decisão proferida no bojo dos
Mandados de Injunção n° 708/DF35 e 712/PA36 onde reconheceu o direito de greve aos
servidores públicos e definiu pela aplicação subsidiária das Leis n° 7.701 de 21 de dezembro
de 1988 e 7.783 de 28 de junho de 1989 aos movimentos paredistas no âmbito da
Administração Pública, aduzindo que tal sentença possui caráter normativo, pois cria toda
uma base legal, não apenas de Direito material, mas de Direito processual para o tema.
Ademais esta possui eficácia erga omnes.
Nesta toada, justamente por aplicar a lei da iniciativa privada, sustenta o ministro que
deve haver o corte de ponto dos dias em que o servidor estiver no exercício do direito de
greve, conforme aduz o mandamento legal, ressalvando, contudo, os casos em que a greve
seja motivada no atraso de pagamento ou por outras situações excepcionais.
34 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário n° 693.456, julgado em 27 de outubro de 2016, disponível em:<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13866341> p. 124, acesso em 28 de abril de 2018; 35 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Mandado de Injunção n° 708/Distrito Federal, julgado em 25 de outubro de 2007, disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28MI%24%2ESCLA%2E+E+708%2ENUME%2E%29+OU+%28MI%2EACMS%2E+ADJ2+708%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/chjgwcv>, acesso em 19 de março de 2018. 36 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Mandado de Injunção n° 712/Pará, julgado em 25 de outubro de 2007, disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=712&classe=MI&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M>, acesso em 19 de março de 2018.
25
Ante o exposto o ministro acompanhou o voto do relator para dar provimento ao
recurso extraordinário negando-lhe a segurança.
e) Ministro Gilmar Mendes
O ministro iniciou seu voto destacando que os vencimentos são devidos em razão de
uma prestação de serviços, e que o Ministério Público ajuíza demasiadamente ações de
improbidade administrativa para quaisquer situações que impliquem em prejuízo para a
Administração Pública, porém queda-se inerte para os casos em que servidores estão em
greve a mais de quatro meses, em que citou o exemplo da Universidade de Brasília,
questionando tratar-se de greve ou alguma licença remunerada.
Ato contínuo numa perspectiva de direito comparado citou o modelo alemão em que
há servidores enquadrados na categoria de Beamter e o Angestellter. O Angestellter faz greve;
o Beamter, não. Porque é estável, aduzindo assim que a rigor o funcionário público no mundo
afora não faz greve.
Ante o exposto o ministro acompanhou o voto do relator para dar provimento ao
recurso extraordinário negando-lhe a segurança.
f) Ministra Rosa Weber
A ministra iniciou seu voto aduzindo ser contrária ao corte imediato do ponto do
servidor que opta pela adesão ao movimento paredista, pois entende que a consagração de
uma tese de que é dever o corte do ponto - dever do administrador público -, em última
análise, redunda numa negação do próprio direito de greve, que foi assegurado como direito
fundamental também ao servidor público pela nossa lei Fundamental.
Neste diapasão se manifestou no sentido de que seja fixada a seguinte tese:
A suspensão do pagamento de servidores públicos que aderirem a movimento paredista exige ordem judicial que reconheça a ilegalidade da greve em concreto, ou fixe condições para o exercício deste direito, nos termos da Lei nº 7.783 de 28 de junho de 1989; e com o menor prejuízo possível aos beneficiários dos serviços públicos afetados.37
37SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário n° 693.456, julgado em 27 de outubro de 2016, disponível em:<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13866341> p. 148, acesso em 28 de abril de 2018;
26
Sustentando que aprovar a tese nos moldes proposto pelo relator será o mesmo que
negar o direito de greve ao servidor.
Ante o exposto, a ministra acompanhou a divergência negando provimento ao recurso
para conceder sua segurança.
g) Ministro Marco Aurélio
O ministro apresentou seu voto de forma sucinta e objetiva onde trouxe à baila o fato
de quando o constituinte previu esse direito – ligado à dignidade do prestador dos serviços,
que é o direito à greve –, assim o fez para autorizar a paralisação como recurso extremo para
alcançar-se algum direito que não está sendo reconhecido – é essa a presunção.
Sendo assim sustentou que na forma que estão inclinados a decidir estarão
simplesmente fulminando o direto constitucional à greve, pois, dizer que, desde o primeiro
dia, o empregador está não apenas autorizado, mas tem o dever – como arguiram em Plenário
– de cortar os salários. Isso é uma coação política. É exercício de um direito por mão própria,
o que não pode haver.
Por fim destacou que o exercício de um direito não pode implicar, de início, prejuízo,
nessa área sensível, que é a do sustento próprio e da respectiva família.
Ante o exposto, o ministro acompanhou a divergência negando provimento ao recurso
para conceder sua segurança.
h) Ministro Luiz Fux
O ministro iniciou seu voto aduzindo que a questão central do recurso em epígrafe
é de quem deve bancar a greve. Onde apontou que na iniciativa privada o responsável por
bancar os dias de paralisação é o empregado, que já possui ciência desde o momento que
inicia a greve que lhe serão descontados o período de manifestação, dessa forma se
prepara para tal. Já na administração publica, pontuou o ministro, quem banca é a
sociedade, visto que são suspensos serviços públicos que são subsidiados através de
impostos pagos pelo cidadão.
Nesta toada ele destaca o artigo 9°, da Constituição Federal o qual prevê: “É
assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a
27
oportunidade de exercê-lo [...]". Nestes termos, ressalta a parte do texto que apresenta
competir ao servidor à decisão da oportunidade de exercer o direito, reflete no fato de que
este ensejará na suspensão dos pagamentos durante o período.
Por fim ressalta que antevendo ao momento difícil por conta da crise, e
consequentemente, o aumento dos movimentos paredistas, a seu ver, a opção pelo corte
imediato da remuneração é a que melhor resolve a questão da greve no âmbito do serviço
público.
Ante o exposto o ministro acompanhou o voto do relator para dar provimento ao
recurso extraordinário negando-lhe a segurança.
i) Ministro Ricardo Lewandowski
O ministro iniciou seu voto apresentado o fato de que a Constituição Federal
assegurou o exercício da greve aos servidores públicos, porém tal fato depende de lei
regulamentadora, a qual até o presente não foi editada pelo Congresso Nacional. Logo não há
regramento algum que autorize o desconto da remuneração no momento em que for
deflagrada a greve.
Nesta toada citou o fato de que o Supremo ao julgar os mandatos de injunção ordenou
que fosse aplicada a Lei n° 7.783 de 28 de junho de 1989 que rege a greve no setor privado,
para as paralisações no âmbito público.
Por conseguinte pela leitura do artigo 7° da Lei n° 7.783 de 28 de junho de 1989,
temos que:
Observadas às condições previstas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho.38
Dessa forma as relações obrigacionais durante o período devem ser regidas por
acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça Comum (Estadual ou Federal),
portanto, sustentou o ministro, ressalvados os casos dos serviços ou atividades essenciais,
elencados nos artigos 10 e 11da Lei n° 7.783 de 28 de junho de 1989, nos quais há
impedimento legal para a sua paralisação, nos residuais é possível a deflagração da greve sem
38 BRASIL, Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7783.htm>,acesso em 28 de abril de 2018;
28
corte imediato da remuneração, e posteriormente, após levado ao conhecimento do judiciário
seja constatado a ilegalidade do movimento, aí sim se torna lícito o desconto.
Ante o exposto, o ministro acompanhou a divergência negando provimento ao recurso
para conceder sua segurança.
j) Ministra Cármen Lúcia (Presidente)
A ministra iniciou seu voto destacando que o direito de greve assegurado aos
servidores públicos não é estabelecido sem limites de todos os direitos. Ressaltou o fato de
terem estabelecido que o desconto não se realizará nos casos em que tiver sido decorrente,
aquele movimento, por condições criadas pela própria Administração Pública, sendo esta uma
forma de modular e adequar a legislação privada aplicada com as características do serviço
público, até que sobrevenha lei própria regulamentando o tema.
Ante o exposto a ministra acompanhou o voto do relator para dar provimento ao
recurso extraordinário negando-lhe a segurança.
2.1. TESE DEFINIDA A PARTIR DO JULGAMENTO DO RECURS O
Apesar de ter havido divergência entre ministros em relação ao voto do relator, estes
restaram-se vencidos, prevalecendo a seguinte tese com repercussão geral reconhecida, que
passa a valer para os gestores públicos e Tribunais brasileiros quando se deparem com uma
situação envolvendo greve no serviço público:
A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público.39
39 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário n° 693.456, julgado em 27 de outubro de 2016, disponível em:<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13866341> p. 176, acesso em 28 de abril de 2018;
29
3. O ATIVISMO JUDICIAL E SUA UTILIZAÇÃO PELO SUPREM O TRIBUNAL
FEDERAL NO JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO N° 693.456.
O presente capítulo apresenta o conceito de ativismo judicial externado por diferentes
doutrinadores, adentrando em seguida no mérito se a decisão proferida pelo Supremo Tribunal
Federal no julgamento do Recurso Extraordinário n° 693.45640 foi carreada por este viés
ativista.
Neste contexto, em busca de conhecer o entendimento de quem estuda a questão do
ativismo judicial, foi realizada uma entrevista com o Doutor em Direito, Professor Adjunto
Dr. Heron Abdon Souza, da Universidade Federal Fluminense, que ministra aula no Curso de
Direito, com lotação no Instituto de Ciências da Sociedade de Macaé e exercício no
Departamento de Direito de Macaé, onde assume uma das cadeiras de Direito Constitucional
do curso, há mais de cinco anos no cargo.
Na ocasião o entrevistado falou sobre o conceito de ativismo judicial e suas variações
técnicas doutrinárias; adentrando no fato se a decisão proferida pelo Supremo Tribunal
Federal no Recurso Extraordinário n° 693.456, possui ou não um viés ativista; se tal decisão
infringe a teoria da separação dos poderes; se o Supremo quando decidiu desta forma estava
legislando sobre o tema; e por fim externou sua opinião sobre se a regulamentação da data
base, prevista no art. 37, X da Constituição Federal, que também depende de lei para produzir
seus efeitos, surtiria mais benefícios do que a edição de uma norma para greve no serviço
público.
3.1. Ativismo Judicial
O ministro Barroso descreve no texto Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade
Democrática41 a conceituação de ativismo judicial, a qual merece ser transcrita:
A idéia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se
40SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário n° 693.456, julgado em 27 de outubro de 2016, disponível em:<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13866341> , acesso em 28 de abril de 2018; 41BARROSO, Luis Roberto, em Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Disponível em <http://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/ArtigoBarroso_para_Selecao.pdf>,acesso em 22 de novembro de 21017.
30
manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas.
Já Bulos42 advoga que:
Ativismo judicial é o ato em que os juízes criam pautas legislativas de comportamento, comose fossem os próprios membros do Poder Legislativo. Trata-se de um perigoso veículo de fraude à constituição, podendo acarretar mutações inconstitucionais, afinal um órgão do Poder adentra na esfera do outro, ao arrepio da cláusula da separação de Poderes.
Streck prescreve em seu texto: Entre o Ativismo e a Judicialização da Política: a difícil
concretização do direito fundamental a uma decisão judicial constitucionalmente adequada. 43
a seguinte definição:
O ativismo representa um tipo de decisão na qual a vontade do julgador substitui o debate político (seja para realizar um pretenso “avanço”, seja para manter o status quo). Ativismo é, assim, um behaviorismo judicial. (...) O ativismo sempre é ruim para a democracia, porque decorre de comportamentos e visões pessoais de juízes e tribunais, como se fosse possível uma linguagem privada, construída à margem da linguagem pública.
No caso em tela estamos diante de uma situação em que a Constituição Federal
assegura aos servidores públicos o direito de exercer a greve, porém condiciona seu exercício
ao estabelecimento de uma lei regulamentadora, tratando de uma norma de eficácia limitada, a
qual segundo sustenta Lenza, em sua obra:
Trata-se de norma que, de imediato, no momento que a Constituição é promulgada, ou entra em vigor, não têm o condão de produzir todos os seus efeitos, precisando de uma lei integrativa infraconstitucional, ou até mesmo de integração por meio de emenda constitucional, são, portanto, de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida.44
Diante deste contexto, percebendo a inércia do poder legislativo em regulamentar a
greve no âmbito do serviço público, num primeiro momento o Supremo Tribunal Federal ao
42 BULOS, Uadi Lammego. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 442 43 STRECK, Lenio em Entre o Ativismo e a Judicialização da Política: a difícil concretizaçãodo direito fundamental a uma decisão judicial constitucionalmente adequada. Disponível em <https://editora.unoesc.edu.br/index.php/espacojuridico/article/viewFile/12206/pdf> acesso em 25 de abril de 2018. 44 LENZA, Pedro. Direito Penal Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 251
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julgar os Mandados de Injunção n° 670/ES45, 708/DF46 e 712/PA47estabeleceu que deveria ser
aplicada a Lei n° 7.783 de 28 de junho de 1989, a qual dispõe sobre a greve na iniciativa
privada, para os casos em que servidores públicos optassem por exercer o movimento
paredista, até que sobreviesse uma lei regulamentadora do tema.
Sendo este o entendimento que prevalecia na Corte até o julgamento do Recurso
Extraordinário n° 693.456,48 o qual teve a sua repercussão geral reconhecida, onde a tese ali
definida é a que passou a valer para os gestores públicos e Tribunais quando se depararem
com situações que envolvam greve de servidores públicos, até que os nossos legisladores
rompam a inércia legiferante e criem uma norma regulamentadora do instituto.
Neste diapasão um tema que estava pendente de regulamentação, passa, após uma
decisão proferida pela Suprema Corte, a ter um norte, que por sinal prejudica o exercício da
greve por parte dos servidores, pois agora no marco inicial do movimento paredista já irá
implicar em afetação numa área tão sensível ao trabalhador que é a sua remuneração, visto
que se trata de uma verba de natureza alimentar. Cabendo ao grevista a decisão política sobre
conveniência e oportunidade de reivindicar, ciente de não receberá durante estes dias.
3.2. Entrevista com o professor adjunto Dr. Heron Abdon de Souza, da cadeira de
Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense
Neste tópico, apresento uma entrevista realizada com o Doutor em Direito, Professor
Adjunto Dr. Heron Abdon de Souza, da Universidade Federal Fluminense, que ministra aula
no Curso de Direito, com lotação no Instituto de Ciências da Sociedade de Macaé e exercício
45SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Mandado de Injunção n° 670/Espírito Santo, julgado em 25 de outubro de 2007, disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28MI%24%2ESCLA%2E+E+670%2ENUME%2E%29+OU+%28MI%2EACMS%2E+ADJ2+670%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/cswygf3>, acesso em 19 de março de 2018. 46SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Mandado de Injunção n° 708/Distrito Federal, julgado em 25 de outubro de 2007, disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28MI%24%2ESCLA%2E+E+708%2ENUME%2E%29+OU+%28MI%2EACMS%2E+ADJ2+708%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/chjgwcv>, acesso em 19 de março de 2018. 47SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Mandado de Injunção n° 712/Pará, julgado em 25 de outubro de 2007, disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=712&classe=MI&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M>, acesso em 19 de março de 2018. 48SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário n° 693.456, julgado em 27 de outubro de 2016, disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+693456%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EACMS%2E+ADJ2+693456%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/apu9638>, acesso em 19 de março de 2018.
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no Departamento de Direito de Macaé, onde assume uma das cadeiras de Direito
Constitucional do curso.
Isto posto passa-se a expor as perguntas apresentadas na entrevista com as respectivas
respostas, fazendo uma interlocução ao final de cada questão com o posicionamento
doutrinário, jurisprudencial e o posicionamento do autor.
• Qual a definição de ativismo judicial que o Sr. reconhece como mais
adequada? Existem variações técnicas-doutrinárias?
Resposta: Esta é uma forma do judiciário assumir o protagonismo em questões que os
outros poderes não assumem, quando o legislativo se omite, é inerte. O mesmo vale para o
poder executivo, nestas situações o judiciário acaba assumindo este protagonismo, tornando
pró-ativo daí o nome ativismo.
Quanto às variações técnicas-doutrinárias elas existem, por exemplo, no ativismo ligado ao
neoconstitucionalismo onde se busca a efetividade dos direitos fundamentais, que é o mais
utilizado, divulgado e abordado na doutrina de Luis Roberto Barroso, Ana Paula Barcelos,
dentre outros doutrinadores, pois é aquele ativismo que busca a concretude das normas
constitucionais especificamente nos direitos fundamentais e alguns princípios como a
dignidade da pessoa humana, sendo este o mais conhecido.
Essa busca por efetividade de alguns princípios elencados no corpo constitucional é
um tanto perigosa, pois para alcançá-la é necessário invadir a esfera de outro poder, neste
diapasão sustenta Bulos49:
O ativismo judicial é uma ultrapassagem das linhas demarcatórias da função judiciária, pois o juiz desborda o núcleo essencial da jurisdição. Em vez de dizer o direito nos conflitos de interesse, passa a criar comandos normativos, via sentenças judiciais, indo muito além da criatividade natural que permeia o múnus judicante.
Logo este empenho em alcançar a efetividade de normas e princípios, por meio da
manifestação do judiciário, deve ser analisado com temperança, pois implica na infração a
cláusula de separação dos poderes.
• A decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n° 693.456,
o qual teve a sua repercussão geral reconhecida, onde foi formulada a seguinte tese:
49 BULOS, Uadi Lammego. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 442
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A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público.
Pode ser caracterizada como um ativismo judicial?
Resposta: Sim, pode ser considerada como uma atitude pró-ativa que não é novidade
no Supremo Tribunal Federal neste campo do direito de greve. O que o Supremo realizou,
nada mais foi, do que aproximar cada vez mais o tema greve relacionado à iniciativa privada à
greve do serviço público, o que não é novidade, em 2007 a Corte já havia tomado decisão
neste sentido em três Mandados de Injunção julgados em conjunto, onde entendeu que no que
coubesse a lei da iniciativa privada que trata da greve, que é uma lei de 1989, deveria ser
aplicada também para a greve do servidor público, isso em 2007, ou seja, a mais de dez anos,
o Supremo agora mantém esse ativismo buscando soluções relacionando com a iniciativa
privada, então o que se fez agora é a continuidade da aproximação do tema com a iniciativa
privada, corte de ponto, desconto de dias que é o usual na seara privada e agora está se
aplicando no setor público, ou seja não é uma novidade, mas sim uma sequencia do que o
Supremo já havia iniciado em 2007, quando determinou que a lei de greve privada fosse
aplicada ao setor público.
Entrevistador: Contudo a sistemática da greve na iniciativa privada é diferente da que
ocorre no setor público?
Resposta: Sim, a lógica da greve, historicamente falando, a paralisação do proletariado
é para produzir um prejuízo ao capital, essa é a lógica do movimento, então a lógica do
sentido de paralisação dos serviços é de pressionar a burguesia para que ela conceda algum
tipo de benefício ou direito, afim de que mantenha seus lucros com a produção, agora no setor
público isso perde a certa lógica porque não há a figura do burguês, “o empregador” é o
Estado e os servidores públicos servem a ele e a população na prestação da atividade fim, logo
perde um pouco o sentido quando se fala no corte de ponto, porque este prejuízo não está
atingindo a um burguês propriamente dito, mas sim à sociedade que tem a interrupção dos
serviços de transporte, educação e saúde, por exemplo.
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Então não há uma perda financeira ao burguês, a um detentor do meio de produção,
como no caso do corte de ponto na greve da iniciativa privada, o que há é uma perda na
qualidade ou até a execução de um serviço público e muitos deles essenciais.
Isso vai de encontro ao entendimento que se busca explorar, pois quando o servidor
público entra em greve não há prejuízo direto para o gestor, mas sim para o usuário
consumidor do serviço público que tem a prestação interrompida, diferente da situação
quando envolve greve na iniciativa privada em que os prejuízos são sentidos imediatamente.
• Na sua visão, essa decisão infringiu a teoria da separação dos poderes?
Resposta: Essa questão da teoria da separação dos poderes o Supremo vem mitigando-
a em várias outras decisões, onde a Corte muitas vezes impõe um prazo para o outro poder
atuar, deixando este explícito na decisão, contudo no próprio texto informa que não está
ferindo a separação, pois não está impondo nada, então veja as contradições dizem que não é
uma imposição, mas pela simples leitura do parágrafo anterior da decisão é perceptível a
ordem emanada.
Então essa linha de estar ingressando na esfera de outro poder é muito tênue, e a régua
que mede isto é a do judiciário, logo ele tem condições por suas forças de ingressar em outra
seara e ao mesmo tempo dizer que não está fazendo.
Se o judiciário que tem a função de realizar esta filtragem/análise se um poder está
ingressando na esfera do outro, não o faz, confirmando esta atitude como legal/legítima, quem
mais virá?
Nesta mesma linha já se pronunciou o Ministro Celso de Melo, no julgamento do
Mandado de Segurança n°: 27.931-150, conforme trecho de sua decisão:
(...) Interpretações regalistas da Constituição - que visem a produzir exegeses servilmente ajustadas à visão e à conveniência exclusivas dos governantes e de estamentos dominantes no aparelho social - representariam clara subversão da vontade inscrita notexto de nossa Lei Fundamental e ensejariam, a partir da temerária aceitação da soberania interpretativa manifestada pelos dirigentes do Estado, a deformação do sistema de discriminação de poderes fixado, de modo legítimo e incontrastável, pela Assembléia Nacional Constituinte.(...)
50 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Mandado de Segurança N° 27.931-1, disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28MS%24%2ESCLA%2E+E+27931%2ENUME%2E%29+NAO+S%2EPRES%2E&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/b2mgpxv>, acesso em 07 de junho de 2018;
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Isso demonstra o quão pernicioso é o ativismo judicial presente em nosso judiciário,
visto que tal atitude implica na invasão na esfera de outro poder e o pior de tudo é a falta de
reconhecimento pelo próprio poder, que suas atitudes são carreadas por este viés. O pior cego
é aquele que se recusa a ver!
• Quando o Supremo Tribunal Federal determina que no marco inicial da greve
deva haver o corte da remuneração dos dias parados pelos servidores, ele está “legislando”
sobre o assunto?
Resposta: Está realizando analogia com o setor privado, criando uma obrigação nova.
O Supremo nunca deveria, pelo menos em tese, atuar como legislador positivo, teria de atuar
como legislador negativo, ou seja, quando há uma legislação que já esta em pleno vigor e a
Corte faz uma análise sob a sua viabilidade de aplicação e continuidade de seus efeitos, em
último senso seria a análise de sua constitucionalidade, para que continue a viger. No entanto
o Supremo vem realizando uma atitude como legislador positivo, ou seja, ele produz a norma,
dita e cria regra jurídica que é uma função típica, primado do poder legislativo.
Contudo, a Corte só adquire esta capacidade diante da inércia, omissão e muitas vezes
em face da conveniência do poder legislativo, que não quer se expor na tomada de algumas
decisões, ou seja, legislar sobre determinado tema que é polêmico e que poderá gerar um
desgaste pessoal ou partidário, que significará em perda de votos.
Diante disto passa-se a responsabilidade decisória para o poder judiciário que não tem
votos, então muitas vezes há uma conveniência do poder legislativo para que o tema seja
regulamentado pelo judiciário, para evitar a perda de nicho eleitoral.
Por exemplo, a questão que está sendo decidida sobre o foro por prerrogativa de
função, onde o legislador possui plena condição de restringir, ampliar ou manter como está,
inclusive há proposta de emenda constitucional tramitando em relação a isso, só que como o
legislador não se define se vai haver ou não esta restrição do foro, visto que acaba por ir
contra os seus interesses, pois não querem perder o foro privilegiado, passa-se a primazia
decisória para o judiciário.
Esta é uma situação muito preocupante, pois o ativismo judicial na maioria das vezes
se dá por conta da inércia do nosso legislativo, o que importa na invasão de um poder na
esfera do outro, fato que deveria ser plenamente combatido pelos próprios membros do
legislativo, que não são vinculados as decisões proferidas pelo judiciário em sede de ativismo,
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os quais poderiam editar normas fazendo com que a decisão perde-se sua eficácia, porém,
como bem pontuou o entrevistado, em muitos casos é mais conveniente para os membros do
legislativo esta invasão para evitarem um desgaste político.
• Nos casos de normas com eficácia limitada, previstas na Constituição, em que
o legislativo se mantém inerte na regulamentação, como ocorre com o direito de greve para os
servidores públicos, o qual é assegurado pela carta, mas já se passaram mais de 28 anos de sua
promulgação e não houve até o presente a edição de lei. Há algum meio, que não seja pelo
ativismo judicial, para coibir esta mora? Caso haja, como se dá este processo?
Resposta: Sim, inclusive já foi utilizado por meio do Mandado de Injunção. São duas
peças que são utilizadas para combater a síndrome da inefetividade das normas
constitucionais de eficácia limitada, são elas: Ação Direta de Inconstitucionalidade por
Omissão no controle abstrato e no caso da pergunta, especificamente, o Mandado de Injunção
que é utilizado para combater a inércia legiferante, isso foi usado em 2007, no julgamento de
três Mandados de Injunção que questionavam a ausência de norma regulamentadora da greve
no setor público, os quais foram julgados em conjunto pelo Supremo e o interessante que ali
ficou caracterizado a teoria concretista, ou seja, a concretude da norma constitucional, ela tem
que produzir efeito concreto.
Repare que a norma constitucional fala em lei específica que regulamentaria a greve
no setor público, estamos tratando aqui do art. 37, VII da Constituição, e este dispositivo fala
em lei específica, e tudo que a Corte decidiu em 2007 foi na contramão do próprio comando
constitucional, pois tudo que a lei da iniciativa privada de 1989 não é, é ser específica para o
setor público, mas após vinte anos de espera o Supremo assume o protagonismo e adota essa
analogia no que couber na lei de greve da iniciativa privada será aplicado aos servidores
públicos, essa é uma teoria concretista.
Aplicou-se também o efeito erga omnes para essa decisão, isso é interessante dizer,
por que o Mandado de Injunção tutela direitos próprios, individuais, então, em tese, deveria
produzir efeito inter partes, ou seja, para aquele grupo de servidores que ingressaram com a
ação.
Neste caso nota-se que há um meio de combater a inércia do poder legislativo, o qual
inclusive já foi utilizado pela Corte, porém, ao que tudo indica não surtiu muitos efeitos, pois
passados mais nove anos, desde a primeira decisão sobre o tema nos Mandados de Injunção
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n° ° 670/ES51, 708/DF52 e 712/PA53, sem que o Congresso se manifestasse em relação ao
direito de greve que é assegurado aos servidores públicos, o Supremo mais uma vez assume o
protagonismo e dessa vez decide por inibir a realização da greve pelos servidores, visto que
proferiu uma sentença normativa com repercussão geral reconhecida em que ordenou o corte
da remuneração daqueles que optarem por aderir ao movimento paredista, assim que lhe
iniciarem, independente de ter sido o movimento considerado legal ou não.
• As greves no serviço público geralmente se dão por conta de melhores
condições de trabalho e aumento de remuneração. Você entende que o estabelecimento da
data-base, que é previsto no art. 37, X, da CF, o qual estabelece a revisão geral anual dos
salários e condições de trabalho no âmbito da administração pública, surtiria mais efeitos
benéficos do que a regulamentação da greve?
Resposta: Não inibiria a greve, pois ela pode ocorrer não simplesmente por um pleito
de aumento remuneratório, podendo ser realizada por outros elementos motivadores. Se este
dispositivo fosse regulamentado e tornasse obrigacional o aumento remuneratório anual,
inibiria um dos fatores motivadores da greve que é o aspecto salarial, mas não coibiria, pois
existe uma série de outros elementos que motivam o servidor a paralisar os seus serviços.
Cumpre destacar que o legislador teve uma pretensão muito expansiva ao elaborar este
inciso, pois uma legislação que venha a estabelecer a uniformidade das condições de trabalho
em todo o serviço público é algo mais difícil de ser visualizado, mas é possível diminuir o
elemento motivador, mas as condições de trabalho que são razoáveis para um setor pode não
ser para outro. Não se sabe se diminuiria a motivação atendendo os interesses do Estado ou
dos servidores, por que também não se pode utilizar dessa garantia como discurso do Estado
para questionar as paralisações dos servidores. Por que uma coisa é a legislação formal e outra
51SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Mandado de Injunção n° 670/Espírito Santo, julgado em 25 de outubro de 2007, disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28MI%24%2ESCLA%2E+E+670%2ENUME%2E%29+OU+%28MI%2EACMS%2E+ADJ2+670%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/cswygf3>, acesso em 19 de março de 2018. 52SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Mandado de Injunção n° 708/Distrito Federal, julgado em 25 de outubro de 2007, disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28MI%24%2ESCLA%2E+E+708%2ENUME%2E%29+OU+%28MI%2EACMS%2E+ADJ2+708%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/chjgwcv>, acesso em 19 de março de 2018. 53SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Mandado de Injunção n° 712/Pará, julgado em 25 de outubro de 2007, disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=712&classe=MI&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M>, acesso em 19 de março de 2018.
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são os seus efeitos materiais, dizer que todos devem ter as mesmas condições de trabalho é
meramente formal, os efeitos materiais podem ser outros, do que adianta uma legislação
garantindo ótimas condições de trabalho para o serviço público, quando materialmente isso
não ocorre.
A regulamentação da data base pode até não erradicar a adesão de servidores a
movimentos paredistas, mas, apesar da discordância do entrevistado, acredita-se que serviria
como fator de grande inibição, pois por uma simples pesquisa sobre as últimas greves
realizadas por servidores públicos, na sua quase totalidade, a pauta de reivindicação, que leva
a deflagração do movimento, é a busca de melhor remuneração e condições de trabalho, o que
é previsto no inciso que dispõe sobre a data base.
Dessa forma acredita-se que a sua regulamentação iria surtir mais efeitos benéficos
para os servidores públicos, do que uma eventual criação da lei de greve para o serviço
público.
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4. PESQUISA JURISPRUDENCIAL SOBRE A APLICABILIDADE DA DECISÃO
EM GREVES DE SERVIDORES PÚBLICOS OCORRIDAS APÓS O JULGAMENTO
DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO N° 693.456.
Neste tópico apresenta-se uma pesquisa jurisprudencial sobre os julgamentos
ocorridos após o julgamento do Recurso Extraordinário n° 693.45654, em que ordenou aos
gestores públicos que procedam com o corte da remuneração dos dias em que seus servidores
optarem por aderir ao movimento paredista.
Dessa forma inicia-se pelos julgamentos do Superior Tribunal de Justiça no Agravo
Interno no Recurso Especial n° 1608657 / DF55 e nos Embargos de Declaração na Petição n°
664256, em que é notório que houve o desconto dos dias que os servidores públicos optaram
por aderir ao movimento paredista, conforme ementas abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N° 03/STJ. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. GREVE. DESCONTO DOS DIAS PARADOS. POSSIBILIDADE.PRECEDENTES DESTE E. STJ. CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO FIRMADO NO JULGAMENTO DO RE N. 693.453-RG PELO STF.AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Não há que se falar em negativa de prestação jurisdicional, quando não se vislumbra omissão, obscuridade ou contradição no acórdão recorrido capaz de torná-lo nulo, especialmente se o Tribunal a quo apreciou a demanda em toda a sua extensão, fazendo-o de forma clara e precisa, estando bem delineados os motivos e fundamentos que o embasam. 2. O acórdão recorrido está em sintonia com a jurisprudência atual e dominante nesta Corte superior, no sentido de que "é legítimo o ato da Administração que promove o desconto dos dias não trabalhados pelos servidores públicos participantes de movimento grevista, diante da suspensão do contrato de trabalho, nos termos da Lei 8.112/1990, salvo a existência de acordo entre as partes para que haja compensação dos dias paralisados" (REsp n.
54SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário n° 693.456, julgado em 27 de outubro de 2016, disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+693456%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EACMS%2E+ADJ2+693456%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/apu9638>, acesso em 19 de março de 2018. 55 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Agravo Interno no Recurso Especial n° 1608657, julgado em 19 de dezembro de 2016, disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=68243817&num_registro=201601627253&data=20161219&tipo=5&formato=PDF>, acesso em 07 de maio de 2018. 56 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Embargos de Declaração na Petição n° 6642, julgado em 26 de abril de 2017, disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=68243817&num_registro=201601627253&data=20161219&tipo=5&formato=PDF>, acesso em 07 de maio de 2018.
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1.616.801/AP, Rel.Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/08/2016, DJe 13/09/2016). 3. No mesmo sentido, recentemente o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 693.456-RG, com repercussão geral reconhecida assentou que "a administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público". (RE 693.456-RG, Rel. Min. Dias Tófolli, Plenário. Julgado em 27/10/2016.Acórdão pendente de publicação). 4. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1608657/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/12/2016, DJe 19/12/2016)
(###) EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM PETIÇÃO. DIREITO DE GREVE. AUDITORES-FISCAIS DA RECEITA FEDERAL. DESCONTO DOS DIAS PARADOS.AUSÊNCIA DE CONTRADIÇÃO E OMISSÃO NO ACÓRDÃO EMBARGADO. PRETENSÃO DE REEXAME DA MATÉRIA. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS REJEITADOS. 1. A contradição impugnável por meio dos embargos de declaração é aquela interna ao julgado, que demonstra incoerência entre as premissas e a conclusão da decisão, e não o alegado erro de julgamento (error in judicando) da Turma julgadora, ao reconhecer a legalidade do movimento grevista, mas, ao mesmo tempo, autorizar o desconto dos dias parados. 2. De ressaltar-se que o entendimento vencedor no acórdão embargado alinha-se perfeitamente à jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal que, no julgamento do RE n. 693.456-RG, com repercussão geral reconhecida assentou que "a administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público" (RE 693.456-RG, Rel. Min. Dias Tófolli, Plenário.Julgado em 27/10/2016. Acórdão pendente de publicação). 3. Não há como se reconhecer omissão no acórdão embargado no tocante aos motivos que justificavam o desconto dos dias parados se o voto que abriu a divergência expressamente afirmou que o pagamento dos dias de paralisação constitui exceção e depende da demonstração de que o empregador, mediante conduta recriminável ou inerte, contribuiu decisivamente para a deflagração da greve. Se o julgador concluiu pela possibilidade de desconto dos dias parados é porque não identificou, no caso concreto, nenhum indício na conduta do empregador que sinalizasse conduta recriminável. 4. Os embargos de declaração somente se prestam a corrigir error in procedendo e possuem fundamentação vinculada, dessa forma, para seu cabimento, imprescindível a demonstração de que a decisão embargada se mostrou ambígua, obscura, contraditória ou omissa, conforme disciplina o art. 535 do Código de Processo Civil (ou art. 1.022 do CPC/2015), bem como para
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sanar eventual erro material.Portanto, a mera irresignação com o resultado de julgamento, visando, assim, a reversão do julgado, não tem o condão de viabilizar a oposição dos aclaratórios. 5. Embargos de declaração do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal rejeitados. (EDcl na Pet 6.642/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/04/2017, DJe 02/05/2017)
Nesta mesma linha segue o entendimento dos Tribunais quando estão a se deparar com
o enfretamento do tema:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DIREITO DE GREVE. APLICAÇÃO DO ART. 7º DA LEI N.º 7.783/89. DESCONTOS DOS DIAS PARADOS. POSSIBILIDADE. - Em face do disposto no artigo 14 da Lei n. 13.105/2015, aplica-se a esse processo o CPC/73; - Cinge-se a controvérsia à possibilidade da realização de descontos, em folha de pagamento, das faltas praticadas por servidores públicos, em razão de greve; - O direito de greve para os servidores públicos foi assegurado pelo artigo 37, inciso VII, da Constituição Federal de 1988, sendo seu exercício condicionado à elaboração de lei específica; - Ante a inexistência de lei regulamentadora do direito de greve dos servidores públicos, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos Mandados de Injunção n.º 670/ES, 708/DF e 712/PA, posicionou-se no sentido de que, enquanto não suprida lacuna legislativa, serão aplicadas aos servidores as Leis n.º 7.701/1988 e 7.783/89; - A Lei n.º 7.783/89 estabelece que a adesão do trabalhador ao movimento paredista caracteriza a suspensão do contrato de trabalho; - O Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento no sentido de que os servidores públicos que aderem ao movimento grevista não fazem jus ao recebimento da remuneração correspondente aos dias parados. Nesse sentido, foi proferida decisão no Recurso Extraordinário (RE) 693456, com Repercussão Geral reconhecida. Outros precedentes; - O desconto não possui efeito disciplinar punitivo, mas tão somente um ônus inerente à greve, em razão da ausência de prestação específica do serviço por parte do grevista, sob pena de se configurar hipótese de enriquecimento sem causa; - A ausência em decorrência da participação em greve configura falta justificada ao serviço, a supressão/redução do pagamento prescinde de prévio processo administrativo, não havendo, deste modo, violação aos princípios da ampla defesa e do contraditório. Precedentes. - Apelação não provida. (TRF-3 - AC: 00118919020044036100 SP, Relator: JUÍZA CONVOCADA NOEMI MARTINS, Data de Julgamento: 08/08/2017, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:22/08/2017)57
57 TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO. Apelação Cível n° 00118919020044036100 SP, julgado em 08 de agosto de 2017, disponível em: <https://trf-3.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/499028874/apelacao-civel-ac-118919020044036100-sp/inteiro-teor-499028894?ref=juris-tabs> acesso em 07 de maio 2018;
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Dessa forma nota-se que quando os servidores optarem por aderir ao movimento
paredista, estarão expostos a ter o desconto da remuneração durante o período, bastando o
gestor público proceder o corte, como ocorreu nos casos apresentados em que a judicialização
do conflito não inibiu a efetivação do desconto remuneratório.
Contudo, há de se destacar que nem todos os movimentos são judicializados, visto que
muitos gestores ignoram a decisão do Supremo e não promovem o desconto dos dias em que
seus servidores optam por exercer a greve, pois esta decisão de cortar a remuneração envolve
um enorme desgaste político para quem lhe promove.
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5. ENTREVISTA COM UM REPRESENTANTE SINDICAL DO SIND ICATO DOS
TRABALHADORES DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – SINTUFF
SOBRE A GREVE E A DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO
JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO N° 693.456
Neste capítulo apresento uma entrevista realizada com a Dra. Dalila Pinheiro de
Sousa58, advogada militante representante do Sindicato dos Trabalhadores da Universidade
Federal Fluminense – SINTUFF, em exercício no jurídico do ente há mais de dez anos, sendo
que há quatro anos no cargo de advogada.
Na ocasião a entrevistada externou a sua perspectiva técnica para o instituto da greve;
como é o seu processo de deflagração pelo sindicato que representa; se antes da iniciá-la há
tentativas de negociação com o governo; se este é moroso na busca de negociação; sobre o
fato de o Supremo no julgamento dos Mandados de Injunção n° 670/ES, 708/DF e 712/PA ter
ordenado a aplicação da lei de greve da iniciativa privada, no que coubesse, para as greves do
serviço público, se isso surtiu como uma espécie de regulamentação do instituto; se a falta de
regulamentação da greve no serviço público é mais conveniente para os governantes; se com
o julgamento do Recurso Extraordinário n° 693.45659, que teve a sua repercussão geral
reconhecida, onde ordenou que o gestor público suspenda a remuneração dos servidores que
optarem por aderir ao movimento paredista, surtiu como uma espécie de veto para o exercício
da greve pelos servidores públicos; se o sindicato que representa já enfrentou alguma greve
após essa decisão; e, caso positivo, se houve o desconto; apresentou o posicionamento do
sindicato que representa sobre essa última decisão do Supremo; e por fim, respondeu se a
regulamentação da data-base, que é prevista no art. 37, X, da Constituição Federal, o qual
estabelece a revisão geral anual dos salários e condições de trabalho no âmbito da
administração pública surtiria mais efeitos benéficos do que a regulamentação da greve.
Isto posto passa-se a expor as perguntas apresentadas para a entrevista com as
respectivas respostas, fazendo uma interlocução ao final de cada questão com o
posicionamento doutrinário, jurisprudencial e o posicionamento do autor.
58 A entrevistada autorizou a divulgação do conteúdo na integra da entrevista, conforme documento autorizador que segue nos anexos. 59SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário n° 693.456, julgado em 27 de outubro de 2016, disponível em:<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13866341> , acesso em 28 de abril de 2018;
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● Qual a sua percepção técnica para o instituto da greve que é assegurado pela
constituição aos servidores públicos?
Entrevistada: Greve é um instrumento que tem um caráter legal, mas sobretudo um
importantíssimo instrumento político para que se possa negociar reivindicações dos
trabalhadores, por que geralmente estes estão em pé de desigualdade com os seus patrões.
Nesta mesma linha segue o entendimento doutrinário como assevera Cairo Junior60, a
greve é uma forma de autotutela admitida como exceção pelo ordenamento jurídico e é
representada pela paralisação coletiva, pacífica e temporária da prestação de serviço por parte
dos trabalhadores, decidida pela manifestação de vontade da organização sindical, com a
consequente interrupção da atividade empresarial, total ou parcialmente.
Dessa forma observa-se que uma vez decidida pela categoria a deflagração do
movimento paredista, este servirá como principal arma de negociação do trabalhador para
com o seu empregador, na busca de alcançar as reivindicações pretendidas.
● Como se dá o processo de deflagração de uma greve pelo sindicato que a Sra.
representa?
Entrevistada: Primeiro cumpre destacar que existe uma diferenciação entre o setor
público e o privado, pois no setor público não existe uma lei específica que regulamente a
greve, embora já haja um entendimento pacificado da aplicação da lei de greve do setor
privado ao serviço público, no que caiba. Mas voltando a pergunta, no nosso sindicato antes
da deflagração da greve convoca-se uma assembléia da categoria de base, em que é divulgada
uma pauta de reivindicações ou negociações a serem discutidas, ali os membros presentes
votam sobre adesão ao movimento, caso optem pela adesão, a Administração é notificada e só
a partir desse momento é iniciado o movimento paredista e abertura das negociações que se
dão de acordo com a postura da Administração.
60 CAIRO JUNIOR, José. Curso de Direito do Trabalho. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 1128.
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Nota-se que o procedimento para deflagração continua a seguir conforme disposto na
Lei n° 7.783 de 28 de junho de 198961, que regulamenta a greve no âmbito da iniciativa
privada, a qual em seu art. 4° caput e § 1°, dispõe:
Art. 4° Caberá a entidade sindical correspondente convocar, na forma de seu estatuto, assembléia geral que definirá as reivindicações da categoria e deliberará sobre a paralisação coletiva da prestação de serviços. § 1° O estatuto da entidade sindical deverá prever as formalidades de convocação e o quorum para a deliberação, tanto da deflagração quanto da cessação da greve.
Dessa forma pode-se depreender pela fala da advogada que a entidade sindical que
representa, na falta de norma regulamentadora para a greve no serviço público, continua a se
balizar pela lei de greve da iniciativa privada para orientar a deflagração do movimento.
● Antes do início da greve pelos servidores públicos há tentativas de negociação
com o governo?
Entrevistada: Sempre há, o nosso sindicato tem mais dificuldade de negociar
diretamente com o governo, mas somos representados pelas federações, como a FASUBRA
que busca exaustivamente negociar pautas da categoria que representamos que são as
universidades federais, pois são pautas são comuns. Um exemplo que posso citar é o Decreto
n° 9.262 de 09 de janeiro de 2018 que extingue cargos efetivos vagos e que vierem a vagar
dos quadros de pessoal da Administração Pública Federal, este é um ponto que a federação
busca negociar com o governo e não vem tendo evolução, muitas vezes o governo ou
administração, isso pode se dar em nível local ou nacional, maqueia que está fazendo uma
negociação, inclusive sentando-se à mesa, mas não propõe medidas efetivas, onde não existe
uma negociação, mas sim uma protelação desta possível negociação.
Cumpre ressaltar que este é um ponto sobre o qual a decisão do Supremo Tribunal
Federal no julgamento do Recurso Extraordinário n° 693.456, não se preocupou em abordar,
pois não há previsão de nenhuma punição para o gestor nos casos em que estiver simulando
uma negociação com os servidores sem propor medidas efetivas.
● Em caso positivo? Há mora em negociar por parte dos gestores públicos?
61 BRASIL, lei 7.783 de 28 de junho de 1989, disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7783.htm>, acesso em 23 de maio de 2018.
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Entrevistada: Bastante, e justamente por isso a greve é tão importante, pois antes de se
deflagrar uma greve há uma série de tentativas de negociação. Por exemplo, posso citar uma
greve que se deu dentro da Universidade Federal Fluminense pelos seus servidores técnicos
administrativos em busca da garantia das 30 horas de trabalho, que já lhe são assegurados há
décadas e estava na iminência de ser cortada.
Neste caso, durante mais de um ano ficou-se em reuniões setoriais, tentativas de
reuniões com a PROGEPE (Pró Reitoria de Gestão de Pessoas), solicitação de que a
Procuradoria viesse debater o assunto com a categoria, visto que dispúnhamos de todo um
referencial demonstrando a legalidade da regulamentação das 30 horas, contudo eles foram só
protelando na expectativa de que os servidores iriam engolir a argumentação por eles
apresentada sobre a impossibilidade haver essa redução na carga horária. Sendo assim, ao
final em não havendo nenhum êxito nas negociações, foi deflagrada a greve que, por sinal,
terminou vitoriosa, pois conseguiu-se a regulamentação das 30 horas de trabalho para os
servidores técnicos administrativos da UFF, a qual é a pioneira nesta questão no âmbito das
Universidades Públicas Brasileiras.
Nota-se que a mora em negociar não se dá apenas em âmbito nacional, eis que a
entrevistada apresenta um caso verídico ocorrido dentro da Universidade Federal Fluminense
em que os seus servidores técnicos administrativos, como a última opção, tiveram de partir
para o enfrentamento com a deflagração da greve, como forma de conseguir negociar com os
gestores públicos, para assegurar um direito que é inerente à categoria, pois aqueles se
negavam a negociar.
● Com a decisão do Supremo Tribunal Federal nos Mandos de Injunção n°
670/ES, 708/DF e 712/PA, onde ordenou que se utilizasse a lei de greve da iniciativa privada,
no que coubesse, para as greves no serviço público surtiu como uma espécie de
regulamentação para o instituto?
Entrevistada: Não acredito que tenha surtido como uma regulamentação, pois na
iniciativa privada há uma grande diferença para a greve no setor público, pois lá é instaurado
o dissídio, tem a possibilidade de o judiciário debater e entrar nas questões até de mérito, o
que não acontece no setor público. Os ministros Supremo Tribunal Federal e do Superior
Tribunal de Justiça são agentes políticos, posto que eles estão ali por indicação. Dessa forma,
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a meu ver, houve uma enrolação, uma forma de o judiciário tentar tapar as lacunas
decorrentes da ausência de regulamentação, contudo as características da greve na esfera
pública e privada são bastante distintas, logo não houve regulamentação, a única parte que
dava para se aproveitar da lei de greve privada era a questão de se considerar a greve legal ou
não, porém com a decisão atual do STF sobre a greve, ela não há mais nenhuma efetividade
prática.
Este é um ponto de muita discussão entre os estudiosos do instituto, visto que na
iniciativa privada quando o empregado entra em greve, o empregador de imediato irá sentir
um prejuízo em sua cadeia produtiva e, consequentemente, a diminuição de seus lucros, fato
este que o faz buscar a negociação o mais breve possível. Como exemplo podemos citar a
recente greve dos caminhoneiros brasileiros iniciada no dia 21 de maio de 2018 e que em
poucos dias já gerou um prejuízo bilionário parando toda a estrutura do país, o que fez o
governo se manifestar rapidamente em busca de atender as reivindicações da categoria.
Neste contexto a Câmara dos Deputados no dia 23 de maio de 2018 aprovou o projeto
de Lei n° 8.456/201762, o qual dá isenção tributária ao diesel, o que representa uma redução
de aproximadamente R$ 0,23 centavos no litro, a qual somada a outras reduções já anunciadas
pela Petrobras, estima-se uma redução real de R$ 0,53 centavos no litro do combustível,
conforme matéria publicada na Folha de São Paulo63, o que mostra a tamanha agilidade do
governo em atender a pauta para que a greve seja encerrada o quanto antes.
Já no âmbito da administração pública as atividades essenciais são proibidas de fazer
greve e nas demais, quando os seus servidores deflagram o movimento paredista quem sofre o
prejuízo imediato é o usuário consumidor do serviço público, não representando nenhum
prejuízo para o administrador, fazendo com que este não tenha pressa nenhuma em negociar,
dado que não lhe ensejará prejuízo, nem tampouco sanção.
● Passado todo este período desde a promulgação da constituição federal de 1988
e ainda não houve a regulamentação da greve. Você acredita que seja mais conveniente para
os governantes a inexistência de uma lei específica?
62 BRASIL, Projeto de Lei n° 8.456/2017, disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1594012&filename=PL+8456/2017>, acesso em 24 de maio de 2018; 63 Folha de São Paulo, matéria publicada em 24 de maio de 2018, disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/05/corte-no-diesel-oferecido-pelo-governo-pode-chegar-a-r-053.shtml>, acesso em 24 de maio de 2018;
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Entrevistada: Com certeza, não só a lei de greve, assim como outras que dependem de
regulamentação, pois se trata de uma questão política delicada, onde aqueles que farão parte
do processo regulamentador podem sofrer consequências de ordem política que não estão
dispostos a enfrentar.
A falta de regulamentação é um ponto que gera bastante controvérsia, pois já se
passaram tempo suficiente para que o nosso legislativo aprovasse um projeto de lei sobre a
greve no âmbito do serviço público. E já houve algumas tentativas, como por exemplo o
projeto de Lei n° 4.532/201264, do deputado federal Policarpo, mas todas restaram infrutíferas
cominando no arquivamento dos mesmos. Dado que este é um terreno espinhoso, pois
envolve questões políticas e aqueles que participarão do processo de formação deste
ergramento, se curvam diante das consequências que poderão vir a sofrer, o que mostra o
tamanho acovardamento do nosso legislativo, os quais na grande maioria das vezes,
infelizmente, só buscam aprovar projetos de lei que representem interesses próprios do
parlamentar.
● Com a falta de regulamentação específica, tornaram-se normais as greves
prolongadas por servidores público, sem que as partes sofressem punições, o servidor recebia
a remuneração durante o período e o governante não sofre nenhuma penalidade pela inércia
em negociar. Recaindo todo o peso da paralisação sobre o usuário consumidor do serviço
público. Neste contexto o STF em 27/10/2016 no julgamento Recurso Extraordinário n°
693.456, o qual teve a sua repercussão geral reconhecida, onde foi formulada a seguinte tese:
A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público.65
Diante deste quadro você entende que o STF vetou o exercício do direito de greve para
os servidores públicos?
64 BRASIL, Projeto de Lei n° 4.532/2012, disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=AE3B4CA19C7A53310A22DDFF76E869F9.proposicoesWebExterno2?codteor=1030360&filename=PL+4532/2012>, acesso em 23 de maio de 2018; 65SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário n° 693.456, julgado em 27 de outubro de 2016, disponível em:<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13866341> p. 84 e 85, acesso em 28 de abril de 2018;
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Entrevistada: Dificultou muito o exercício do direito de greve por parte do serviço
público e ainda, com toda essa inibição, é o que resta ao servidor, o qual tem uma relação de
trabalho com a administração. Sobre a questão da permanência do pagamento da remuneração
durante a greve é importante que se faça algumas perguntas: o servidor tem que ser
penalizado duas vezes? Porque existe uma pauta de reivindicação que já não foi cumprida e
negociada pelos gestores, onde como último meio ele resolve pela deflagração da greve. Vale
destacar que a sociedade tem uma visão muito ruim e pouco esclarecida do que seja a greve,
há uma mentalidade de que na greve os trabalhadores vão para casa descansar e não é isso.
Além disso, há uma falta de solidariedade pela sociedade com a luta alheia, eu desconheço,
por exemplo, que a paralisação dos cobradores de ônibus tenha apoio em massa daqueles que
assistem o movimento, as pessoas só se dão conta quando começa o movimento, pois sentem
o impacto dele e se sentem incomodadas. Aliás, a greve possui este intuito, porque se não
houver este incômodo grande parte da população não terá consciência das dificuldades
enfrentadas pelos trabalhadores. Pois é comum nos colocarmos na perspectiva de usuário do
serviço sem querer saber sobre a realidade que aqueles trabalhadores estão vivenciando. Por
fim destaco que a greve é a última ratio e os servidores já vivem em condições precárias, logo
haverá momentos que terão de enfrentar essa luta, não tem jeito.
Nota-se que independente de ter uma tese formada pelo Supremo, ordenando o
desconto dos dias em que os servidores optarem por aderir ao movimento paredista, estes
continuarão a utilizar-se da greve como meio para garantir a sua possibilidade de negociação
com a Administração, pois como pontuou a entrevistada, esta é a última opção, e quando se
chega a deflagrar o movimento paredista já foi tentado por todos os meios transacionar com
os gestores públicos.
● Você enfrentou alguma greve após a definição da referida tese?
Entrevistada: Sim, a greve dentro da Universidade Federal Fluminense deflagrada em
outubro de 201666, para garantia da regulamentação das 30 horas que é assegurada aos
servidores técnicos administrativos já foi pós-decisão do STF.
66 Ato de deflagração da greve. Disponível em: <http://sintuff.blogspot.com.br/2016/10/contra-pec-241-e-pelas-30h-todos.html>, acesso em 24 de maio de 2018.
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● Em caso positivo, houve o desconto dos dias em que aderiu ao movimento
paredista?
Entrevistada: Não houve o desconto por um compromisso da Administração, é
importante ressaltar que os movimentos, quanto mais encorpados, com força política e a
maneira como o sindicato é visto pela categoria faz muita diferença, pois sabemos que esta
decisão é quase como uma carta de livre arbítrio para Administração, que agora não precisa
mais recorrer ao judiciário para declarar uma greve ilegal e suspender o pagamento dos
servidores grevistas. No entanto, este é um meio de negociação, pois dificilmente, no nosso
ponto de vista, um gestor vai ser responsabilizado por não descontar os dias em que os
servidores estavam realizando o movimento paredista, mas é uma possibilidade, sendo esta
mais uma arma para que o gestor jogue com a categoria.
Nota-se que a decisão do Supremo surtiu como mais uma arma para os gestores
negociarem com os seus servidores quando optarem por aderir ao movimento paredista, pois a
entrevistada já relatou uma greve em que não houve o desconto pela Administração dos dias
paralisados, sendo este mais um instrumento político para quem negocia.
● Qual o posicionamento da entidade sindical para esta decisão?
Entrevistada: Como já nos pronunciamos a greve é a ultima opção para o servidor,
pois quando ela chega a ser deflagrada já houve uma série de tentativas que restaram
frustradas. Logo o sindicato apóia e entende que tem que haver esta política de enfrentamento
por meio da greve quando for necessário, independente deste posicionamento do Supremo,
para que não haja um sucateamento ainda maior da universidade pública. Além disso, também
iremos fazer uma política de enfrentamento caso haja os descontos.
Observa-se que a entidade sindical não irá retroceder diante da decisão do Supremo
que tenta inibir a greve pelos servidores públicos, pelo contrário, estão dispostos a, caso
ocorra, ter um desconto numa esfera tão sensível que é a alimentar em busca de suas
reivindicações.
● As greves no serviço público geralmente se dão por conta de melhores
condições de trabalho e reajuste de remuneração. Você entende que com o estabelecimento da
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data-base, que é previsto no art. 37, X, da Constituição Federal, o qual estabelece a revisão
geral anual dos salários e condições de trabalho no âmbito da administração pública, surtiria
mais efeitos benéficos do que a regulamentação da greve?
Entrevistada: A data base quase nunca é cumprida, mas caso ela fosse regulamentada,
as pautas não se limitam ao previsto neste dispositivo. Por exemplo, posso citar a greve
ocorrida dentro da Universidade Federal Fluminense que buscava a garantia das 30 horas de
trabalho para os servidores técnicos administrativos, que é um ponto que não está previsto na
regulamentação da data base.
Há um posicionamento de que a greve não se limita a questão remuneratória e
melhores condições de trabalho, mas havemos de convir que a expressão ‘melhores condições
de trabalho’ é um termo muito amplo, e que muito provavelmente, abarcaria, senão todas, mas
a grande maioria, das reivindicações dos servidores em greve. Nesta seara a questão das 30
horas pontuada pela entrevistada se enquadraria perfeitamente no quesito condição de
trabalho, pois o seu aumento pela Administração sem uma negociação refletiria diretamente
numa piora nas condições de trabalho deste servidor afetado.
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CONCLUSÃO
A greve é um direito assegurado constitucionalmente ao servidor público, contudo este
depende de regulamentação para a produção de seus efeitos, pois se trata de uma norma de
eficácia limitada. Contudo já se passaram mais de vinte e nove anos da promulgação da Carta
e o poder legislativo não se moveu para editar uma norma para o tema.
Tal situação faz com que os servidores ao optarem por exercer o movimento paredista
fiquem num limbo, devido à falta de regulamentação, fazendo com que as questões
envolvendo tal fato, sejam submetidas ao crivo do poder judiciário, que é instado a se
manifestar, onde o Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário n°
693.456, firmou a tese em sede de repercussão geral de que quando o servidor optar por
deflagrar uma greve, o gestor público deve proceder ao desconto dos dias paralisados, mesmo
não havendo nenhuma lei prevendo tal medida.
Dessa forma o Supremo assume o protagonismo e profere esta sentença normativa
carreada de ativismo judicial, o qual praticamente cerceia o exercício da greve pelos
servidores, dado que cabe a eles a decisão política, se estão dispostos a sofrer um impacto em
sua verba alimentar por conta da adesão ao movimento.
Razão pela qual se torna urgente o rompimento da inércia do nosso poder legislativo,
contudo cabe ressaltar que, caso resolva-se pela edição da norma, esta deve ser bem
articulada, pois apresenta especificidades particulares do serviço público, visto que a greve é a
suspensão coletiva das atividades laborais pelos trabalhadores na busca de garantir o sucesso
total ou parcial nas suas reivindicações em pauta, cuja natureza jurídica é de suspensão do
contrato de trabalho e o seu objetivo principal é de gerar prejuízos imediatos para o tomador
dos seus serviços, fazendo com que este se abra, desde logo, à negociação para evitar maiores
perdas em seu negócio, onde, por exemplo, podemos citar a histórica greve dos
caminhoneiros, em que a busca pelas negociações se deu no primeiro dia do movimento.
Esta situação se aplica perfeitamente para os trabalhadores da iniciativa privada,
porém não se encaixa tão bem no escopo da administração pública, dado que o principal
prejudicado quando se tem uma greve é o usuário consumidor do serviço público, não
gerando nenhum prejuízo para os administradores públicos, os quais na maioria das vezes se
negam a dialogar com o movimento paredista para ouvir suas reivindicações e apresentar-lhes
uma contraproposta, fazendo com que a greve se prolongue por meses, em muitos casos não
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gerando nenhum ganho para a categoria e nenhuma perda para o gestor, só implicando em
dano para aquele que se utiliza daquela serventia.
Dessa forma conclui-se que é preciso ter algum mecanismo institucional de debate
honesto, franco, em busca de uma solução, que no âmbito da Administração Pública
vislumbra-se que ao invés de criar uma norma regulamentadora da greve no serviço público, o
estabelecimento da data-base com a revisão geral anual dos salários e condições de trabalho
para a categoria, que também é assegurada no texto constitucional em seu artigo 37, inciso X,
e também carece de regulamentação, surtiria muito mais efeitos benéficos do que a uma lei de
greve do serviço público, visto que com o exercício desta, o maior prejudicado é o usuário
consumidor do serviço público.
Para coadunar com a conclusão impende destacar que na grande maioria das vezes as
greves se dão por questões salariais e melhores condições de trabalho, as quais com o
estabelecimento da data base poderiam ser discutidas anualmente pelos servidores com a
Administração Pública. Esclarecendo que a lei regulamentadora do tema deve prever uma
punição para o gestor que se negue ou protele o processo de negociação, tendo em vista ser
este um dos principais argumentos para a deflagração de greves pelos servidores públicos.
Por todo o exposto espera-se que o Poder Legislativo quando romper a inércia
legiferante, atendendo às expectativas da sociedade, discipline com clareza e objetividade um
instituto que regulamente o instrumento de reivindicação de melhores condições de trabalho
dos servidores públicos, que entende-se ser a revisão geral anual dos salários e condições de
trabalho.
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REFERÊNCIAS
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