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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA
CENTRO DE ARTES HUMANIDADES E LETRAS
CINEMA E AUDIOVISUAL
CAÍQUE PIMENTEL GUIMARÃES
O AUDIOVISUAL COMO FERRAMENTA DE AUTORREPRESENTAÇÃO: UM
ESTUDO DAS PRODUÇÕES DA OI KABUM! SALVADOR
Cachoeira-BA Agosto 2016
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CAÍQUE PIMENTEL GUIMARÃES
O AUDIOVISUAL COMO FERRAMENTA DE AUTORREPRESENTAÇÃO: UM
ESTUDO DAS PRODUÇÕES DA OI KABUM! SALVADOR
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB, como parte dos requisitos para obtenção de grau de Bacharel em Cinema e Audiovisual. Orientador: Prof. Dr. Danilo Marques Scaldaferri.
Cachoeira-BA Agosto 2016
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA
CENTRO DE ARTES, HUMANIDADES E LETRAS - CAHL
CINEMA E AUDIOVISUAL
DECLARAÇÃO DE APROVAÇÃO
TÍTULO: O AUDIOVISUAL COMO FERRAMENTA DE AUTORREPRESENTAÇÃO: UM ESTUDO DAS PRODUÇÕES DA OI KABUM! SALVADOR.
AUTOR: CAÍQUE PIMENTEL GUIMARÃES
APROVADO COMO PARTE DAS EXIGÊNCIAS PARA A OBTENÇÃO DO TÍTULO DE GRADUAÇÃO EM CINEMA E AUDIOVISUAL, PELA BANCA EXAMINADORA:
______________________________________________________
Prof. Dr. Danilo Marques Scaldaferri Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas – UFBA
Instituição: Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
______________________________________________________ Profª. Me. Ana Paula Nunes de Abreu
Mestre em Comunicação – UFF Instituição: Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
______________________________________________________ Profª. Drª. Daniela Abreu Matos
Doutora em Comunicação Social – UFMG Instituição: Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
4
À mainha, Iriene Marinho (in memoriam), que sempre está comigo... Tudo que sou agradeço a ela.
5
AGRADECIMENTO
A Deus, roteirista de minha vida, ele que a cada dia me leva aos caminhos
certos.
A meus pais, Iriene Marinho (in memoriam) e José Ary, que dirigiram/dirigem o
meu filme chamado “Vida”, e que me dão todo suporte necessário para viver.
Às minhas irmãs, Keise, Lila, Ló e Nananda que também são protagonistas
desse filme e me ajudam e apoiam sempre que preciso. Também aos meus
sobrinhos, Júlia, Kelny e Kenedy por me darem a alegria de viver.
A todos os meus amigos/as que nesse filme foram coadjuvantes, porém não
menos especiais. Agradeço aos antigos e aos que encontrei nesses quatro anos e
pouco de jornada, em especial, Alexandre Delgado, Erica Sansil, Isabela Silveira,
Lua Batista e Thuane Maria, sou muito grato por ter vocês comigo.
Ao meus amigos/irmãos, Kiuhh Araújo e Railson Araújo, a família que escolhi
pra morar comigo nessa jornada.
Ao meu professor Danilo Scaldaferri, pela ajuda, disposição e orientação nesta
pesquisa.
Aos grupos PET Cinema, e principalmente, ao Quadro a Quadro que
acrescentaram muito em minha formação acadêmica, sendo este último o que me
abriu o olho para o mundo onde Cinema e Educação caminham juntos.
A todos os jovens de comunidades populares.
Aos queridos ex-alunos da Oi Kabum! Salvador, sem vocês esta pesquisa com
certeza não teria sido realizada. Os meus eternos agradecimentos para: Agnaldo
Passos, Celso Kenny, Danilo Umbelino, Diih Sena, Felipe Brito, Gisele Lopes, Lenon
Reis, Loren Santiago, Mariana Dornelas, Mariela Almeida, Marina Lima, Pingo
Carvalho, Raiane Vasconcelos, Ramires Machado, Vaguiner Braz, Vinicius Eliziário
e Yuri Rebouças.
6
A Jean Cardoso coordenador de Núcleo de produção e a Fernando PJ
professor de Design Gráfico da Oi Kabum!. Muito obrigado pela disponibilidade e
toda ajuda que me deram.
Para cada erro, um recomeço. Para cada descoberta, uma sabedoria. Para cada fim, uma nova vida.
Karen Kruger
Obrigado por estarem no meu filme!
7
RESUMO
As comunidades periféricas são em geral sempre vistas e relacionadas com a violência e o tráfico de drogas. As juventudes populares que ocupam esses espaços são um dos grupos que mais sofrem com estes estigmas. Com o objetivo de criar suas próprias representações, jovens das comunidades da cidade de Salvador encontraram a possibilidade de “falar de/por si”. A partir do audiovisual como ferramenta de autorrepresentação, estes produtores ganham força e voz, permitindo expor seus próprios discursos. Ao produzir, eles passam por um processo de inversão: a periferia passa de excluída, para um patamar que ganha nova expressão e representação. É nessa perspectiva que o audiovisual pode ser entendido como indutor de transformação social. Assim, para conceituar este pensamento faremos um estudo de caso da Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia, na cidade de Salvador. A pesquisa se concentrará na análise de cinco produtos audiovisuais produzidos no Edital interno I e II do Núcleo de Produção! da escola. Além disso, para fundamentar a pesquisa foi disponibilizado as equipes dos filmes um questionário buscando entender como o audiovisual possibilitou esta autorrepresentação.
Palavras-chave: Audiovisual; Autorrepresentação; juventudes populares; Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia;
8
ABSTRACT
Keywords:
9
Sumário INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 10
1. Juventudes populares e autorrepresentação .................................................... 14
1.1. As juventudes ................................................................................................................. 14
1.2. Os jovens populares ...................................................................................................... 18
1.3 Autorrepresentação nas Juventudes Populares de Salvador ........................................ 21
2. Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia ................................................................ 30
2.1 A Escola .............................................................................................................................. 30
2.2 Núcleo de Produção Kabum! Novos Produtores. ........................................................... 39
2.3 Incubadora de projetos jovens/Editais Internos .............................................................. 41
2.3.1 Editais I e II da Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia ...........................................43
2.4 Produções audiovisuais ..................................................................................................... 46
2.4.1 Baleiros ..........................................................................................................................46
2.4.2 Candomblé – Visão Jovem ..........................................................................................48
2.4.3 Carlos ............................................................................................................................51
2.4.4 Filtro dos sonhos ...........................................................................................................53
CONCLUSÃO.................................................................................................................... 57
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 61
ANEXO I – Cartaz - Edital II ........................................................................................... 64
ANEXO II – Regulamento – Edital II ............................................................................. 65
ANEXO III – Ficha de inscrição – Edital II ................................................................... 69
APÊNDICE - Questionário ............................................................................................. 70
10
INTRODUÇÃO
Minha relação com a pedagogia sempre foi muito frequente. Cresci num
ambiente escolar onde minha mãe lecionava. Via sua dedicação para com os alunos, seu esforço em ensiná-los e o amor e empenho que ela tinha. Quando
adolescente, mesmo vendo toda sua disposição não me imaginava trabalhando
naquele ambiente, pois já havia despertado o interesse em estudar algum curso de
arte. Não sabia que existia graduação em Cinema e quando soube, corri para me
inscrever. Eis que faço o vestibular e passo no curso que almejava.
Assim que comecei a cursar Cinema conheci o projeto de Ensino, Pesquisa e Extensão Quadro a Quadro1. Sabendo do que se tratava, um projeto que
visava trabalhar Cinema e Educação, corri para me voluntariar. Foi o começo de um
ciclo que quero que perdure por muito tempo. Consegui através do projeto unir duas coisas que sempre estiveram presentes em minha vida, o cinema, que me encanta
constantemente, e a educação, que através de minha mãe aprendi a apreciar e
respeitar. Encontrava-me fazendo uma coisa que verdadeiramente gostava, que
mesmo como voluntário me dava o prazer necessário para seguir meus estudos na
área.
De lá para cá fui me envolvendo em projetos pessoais atrelados à prática
pedagógica, sempre relacionando e inserindo o audiovisual em sala de aula. Nesse
percurso, ministrei algumas oficinas de audiovisual para crianças e jovens. E tudo
isso foi me abrindo portas para que assim eu sempre avançasse minhas pesquisas
neste campo.
Estudando o contexto das juventudes no Brasil, percebo que o período dos 15 aos 29 anos é um momento onde os jovens constroem suas marcas
identitárias, ou seja, é a fase em que eles formam suas próprias identidades e que
podem ser observadas a partir das suas ações cotidianas. Este estado de
construção a UNESCO (2004) vai chamar de condição juvenil, onde dentre alguns
1 Projeto de Ensino, pesquisa e extensão no curso de Cinema e Audiovisual da UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia), coordenado pela Professora Ana Paula Nunes. O projeto visa promover uma interação entre Cinema e Educação a partir da educação básica de alunos da rede pública de ensino.
11
dos seus ideais, além da construção da identidade, estão a emancipação e
autonomia, a relação dos jovens entre as gerações e sua interação como processo
de socialização. A nossa sociedade deve ser percebida como um território de pluralidades de juventudes, dentro dessas tantas, há as juventudes populares, que
também trazem suas singularidades e uma diversidade de tipos identitários.
Nos dados estatísticos do mapa da violência (WAISELFISZ, 2011), é perceptível que no Brasil, e mais especificamente, na Bahia, os que mais sofrem a
violência homicida são os jovens. Sendo que: negros morrem mais que brancos,
homens morrem mais que mulheres, pobres morrem mais que ricos, moradores das
periferias morrem mais do que os que residem nos bairros nobres. Não sabemos
exatamente quem são os causadores dessa violência, mas o que se observa é que
ser homem, e ainda, negro, pobre e morar na comunidade é um risco vivido, já que os dados relatam que estes são os que mais sofrem esta violência no país.
Dentre as tantas juventudes, as que mais sofrem com esta exclusão são
as populares. Contudo, é perceptível que esses jovens buscam frequentemente por uma sociedade melhor e querem ser vistos de outras formas, diferentes das que o
poder midiático impõe. Tais jovens tornam-se atores sociais que buscam por
visibilidade e que desejam participar e usufruir meios que não são oferecidos a eles.
Neste sentido, busco entender como os referidos jovens, a partir da sua convivência
nesses territórios, criam seus mecanismos de representação. Para, além disso,
entender também como procuram combater o ideário marginal e criminoso que a
sociedade os impõe.
Dentre as tantas possibilidades de autorrepresentação nas periferias, decidi estudar a linguagem audiovisual buscando entende-la como uma ferramenta
que possibilita dar acesso e voz aos jovens populares que passam a ser agentes
políticos visando mostrar outras perspectivas vindas das comunidades e criando
seus próprios discursos e representações. Nesta perspectiva, é um “olhar de dentro”
que constrói e faz o filme e é este olhar que interessa aqui. Jovens que agora podem
falar de seus próprios espaços e vivências na comunidade, “e o modo como, nesse processo, tornam visível esses espaços e acionam e/ou (re)elaboram
representações sociais já recorrentes, seja na televisão ou no cinema” (ZANETTI,
12
2010, p. 14). Diminuindo, mesmo que aos poucos, a visão estigmatizada deles e de
seus territórios.
Com isso, o audiovisual pode ser entendido como uma ferramenta rica em
significações e como indutor de desenvolvimento social se pensado como um
processo de socialização. Sendo uma pedagogia de inclusão onde os jovens
passam a ser agentes e produtores da interação social.
Para realizar esta pesquisa, que objetiva compreender de que maneira o
audiovisual pode ser entendido como ferramenta de autorrepresentatividade,
proponho o estudo de alguns produtos audiovisuais produzidos na escola Oi Kabum!
Salvador, buscando uma compreensão dos mecanismos operados pelos alunos
(atores sociais) em suas narrativas.
Na Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia, na cidade do Salvador - Bahia
era oferecida formação nas áreas de artes, tecnologias da comunicação e ação
comunitária para jovens de comunidades periféricas da cidade. Instalado
primeiramente no Rio de Janeiro, a escola foi replicado em Salvador, 2004, e,
posteriormente, em Belo Horizonte e Recife. Com o objetivo de fomentar as
capacidades de ação autônoma e coletiva, e despertando o interesse dos jovens, a
escola dava condições para o desenvolvimento pessoal e profissional das
juventudes populares.
Durante dezoito meses eram oferecidos aos jovens cursos básicos em quatro linguagens: Computação gráfica, Design gráfico, Fotografia e Vídeo.
Comportando 20 jovens em cada uma delas. Aqui, daremos ênfase à disciplina de
Vídeo, já que a maior porcentagem dos produtos audiovisuais era produzida por
alunos dessa linguagem.
Dentro do programa, além dos cursos, havia o Núcleo de produção
Kabum! Novos produtores. Que funcionava como uma extensão da escola com o
propósito de dar suporte profissional aos jovens já formados, oferecendo trabalhos
profissionais com remuneração a eles, atuando como um aperfeiçoamento
profissional. No Núcleo as produções podem ser divididas em três categorias:
Projetos realizados por leis de incentivo e editais, Prestação de serviços, e por
último, Incubadora de projetos jovens ou Editais internos.
13
Esta análise se concentrará nos Editais internos da escola, onde se
pretendia que os jovens fossem ainda mais autônomos e pudessem produzir seus
projetos pessoais, sem a interferência de nenhum educador. Assim, alunos formados podiam inscrever seus projetos e, caso selecionados, recebiam um financiamento para produzi-los. Na Kabum de Salvador foram criados quatro Editais.
Farei uma análise audiovisual a partir dos Editais I, com Baleiros e Candomblé –
Visão Jovem; e II, com Filtro dos sonhos, Carlos e São Jorges. Sendo estes os
únicos produtos audiovisuais dos quatro editais, uma vez que os editais III e IV
trabalharam apenas com instalações interativas. Além disso, para fundamentar a
pesquisa foi disponibilizado as equipes dos filmes um questionário para entender
como o audiovisual possibilitou esta autorrepresentação no período pós-escola e
como atualmente eles utilizam da ferramenta nos seus cotidianos.
A escolha deste recorte que visa estudar as produções da Incubadora
Jovem se deu principalmente por se tratar de produtos em que a autonomia e
independência dos jovens eram mais trabalhadas, justamente porque não havia a
interferência dos educadores nas escolhas dos produtores. Nesse sentido, as
produções audiovisuais dos editais são mais apropriadas para discutir as questões que pautam este trabalho: autorrepresentatividade e identidade juvenil.
Trabalhando nesta pesquisa com jovens que habitam comunidades
periféricas, pretendo evocar o audiovisual como ferramenta possível de
autorrepresentação e apresentar outras perspectivas divergentes das que veem
esses territórios apenas como empobrecidos, e afirmam o periférico como uma
massa única e homogênea. Neste encontro entre os jovens das comunidades de
Salvador, pude constatar que são lugares compostos de multiplicidades, de pessoas
que buscam e lutam por oportunidades, e que estão longe de serem designados
apenas como “pobres”. Esta população plural encontra no audiovisual um meio possível de se criar novas representações de si, estimulando seu desenvolvimento e
sendo fruto de uma transformação social.
14
1. Juventudes populares e autorrepresentação
1.1. As juventudes
O termo juventude pode se referir ao período do ciclo de vida onde as
pessoas passam da infância à condição adulta. No Brasil, este ciclo vai dos 15 aos
29 anos2, e é nesse tempo que ocorrem algumas mudanças físicas, psicológicas,
sociais e culturais. Às juventudes podem ser consideradas como um valor positivo e
de potencialidade na sociedade. Por isso, alguns anos atrás se passou a reservar uma atenção especial aos jovens. Em 1980 já haviam estudos relacionados a este
tema. A Organização das Nações Unidas definiu 1985 como o Ano Internacional da
Juventude. No Brasil em 2013, foi aprovado e sancionado o Estatuto da Juventude3.
Criando-se, em seguida, a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) e o Conselho
Nacional de Juventude (CONJUVE), que objetiva garantir os direitos aos jovens.
Os estudos sobre a juventude brasileira e a necessidade de políticas específicas para este público ganharam força no fim da década de 1990 e início dos anos 2000. [...] sendo que o ano de 1985 pode ser considerado um marco a partir do qual os direitos da juventude passaram a fazer parte dos assuntos tratados nas atividades e estudos destas organizações (ANDRADE, 2014, p.211).
Em algumas discussões se defende o pensamento de que não se tem
apenas um tipo de juventude e que para falar desse grupo em nossa sociedade
precisamos pluralizá-lo. Pesquisas feitas pela Secretaria Nacional de Juventude em
2013 mostrou que 51,3 milhões de brasileiros são jovens entre 15 e 29 anos, mais
de um quarto da população no país. Não é possível homogeneizar tamanho número,
2 Segundo a ONU: [...] Ao subscrever as diretrizes para o planejamento posterior e o acompanhamento adequado no setor da juventude, a Assembleia, para fins estatísticos, definiu como jovens as pessoas entre os 15 e os 24 anos, sem prejuízo de outras definições de Estados Membros [...] (ONU apud AVILA, 2014, p. 220). Relativo ao Brasil, a Lei Nº 12.852, de 05 de agosto de 2013, do Estatuto da Juventude: “parágrafo primeiro do Art. 1º assim definiu os limitadores etários para juventude: § 1º - Para os efeitos desta Lei, são consideradas jovens as pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos de idade”. 3 Lei Nº 12.852 de 05 de agosto de 2013. “De acordo com informações adquiridas no site da Secretaria Nacional da Juventude, o Estatuto faz com que os direitos já previstos em lei, como educação, trabalho, saúde e cultura, sejam aprofundados para atender às necessidades específicas dos jovens, respeitando as suas trajetórias e diversidade, ao mesmo tempo em que assegura novos direitos como os direitos à participação social ao território, à livre orientação sexual e à sustentabilidade” (OLIVEIRA, 2014, p. 20).
15
por este motivo não se tem apenas uma juventude, mas juventudes com um
conjunto diversificado, com diferentes pensamentos, pontos de vista, dificuldades,
facilidades e oportunidades. Há jovens, muitos deles, em múltiplos sentidos e olhares. As juventudes são múltiplas.
Mas afinal o que é juventude? Ao defini-la podemos dizer que ela é uma
construção social, ou seja, uma produção de determinada sociedade, que se relaciona “com formas de ver os jovens, inclusive por estereótipos, momentos
históricos, referências diversificadas e situações de classe, gênero, raça, grupo,
contexto histórico, entre outras”. (ABRAMOYAY; CASTRO, 2015, p. 14). A juventude
é uma condição social que dá aos jovens a possibilidade de fazer e modelar suas
histórias de vida. Nesse sentido, a condição juvenil
Refere-se ao modo como uma sociedade constitui e atribui significado a essa condição, sua representação, e à forma como a situação é vivida no conjunto de realidades na sociedade, a condição social. (DAYREL, 2007; PERALVA, 1997; ABRAMO, 2005. apud DAYRELL; PAULA, 2011).
Segundo a UNESCO (2004) há cinco elementos que definem a condição
juvenil em termos ideias/objetivos:
1. A emancipação e a autonomia, como trajetória;
2. A construção de uma identidade própria, como questão central;
3. As relações entre gerações, como um marco básico para atingir tais propósitos.
4. As relações entre jovens para modelar identidades, ou seja, a interação deles como processo de socialização.
O período da juventude pode ser vista como um momento de escolhas. É
nesse período que as visões ideológicas e políticas são construídas, que há a descoberta e experimentação do corpo, a constituição de uma família, a escolha da
profissão, os caminhos a seguir, enfim, toda uma gama de opções feitas pelos
jovens. Por isso, há o conceito de juventude como consciência de identidade, que
pode ser compreendida enquanto um empreendimento em construção, estando
relacionada aos posicionamentos assumidos nos processos de identificação
vivenciados. As marcas identitárias vão sendo incluídas e/ou excluídas, constituindo
práticas essencialmente políticas. Assim a marca identitária das juventudes está em
permanente fluxo e pode ser observada a partir de suas ações cotidianas.
16
Ao relatar a “identidade jovem” construída dos 15 aos 29 anos e
pensando o desenvolvimento e bem-estar deste grupo, faremos a seguir um
levantamento de alguns dados estatísticos, a partir de Waiselfisz (2014)4, que se fazem importantes para o embasamento desta pesquisa.
Em termos socioeconômicos metade dos jovens vive nos extratos médios
de renda familiar, e 28% deles estão em extratos baixos de vulnerabilidade, pobres ou de extrema pobreza. Grande parte da população jovem se concentra na área
urbana. A cada 10 jovens, 8 vivem nas cidades. Sobre o grau de escolaridade, os
dados revelam que os homens possuem níveis mais baixos entre sem
instrução/analfabeto até o Ensino Médio Incompleto, sendo as mulheres possuidoras
de níveis mais altos de escolaridade (ABRAMOVAY; CASTRO, 2015 p. 15).
É importante destacar que nosso estudo se concentra apenas na
violência a partir do índice de homicídios. A respeito desta violência contra os jovens
os dados estatísticos são alarmantes. Em 2012, o Brasil registrou uma taxa de 54,5
ficando no 8° lugar no mundo, segundo a taxa de homicídio (por 100 mil) na população jovem. A grande maioria desses homicídios se dá por armas de fogo,
que, literalmente, disparou em números nas últimas décadas. O crescimento pode
ser constatado ao observarmos os dados na década de 1980 com 4.415 vítimas,
saltando para 24.882 em 2012, tendo um aumento de 463,3% nesses mais de trinta
anos. O curioso é que na tabela de mortalidade os números de homicídios
aumentam muito na fase jovem entre 15 e 29 anos, e diminui gradativamente a partir
dos 30 anos. Ou seja, o período da juventude pode ser considerado a fase de maior
vulnerabilidade, o que também pode ser constatado a partir dos índices de
assassinatos.
Pensando os homicídios em relação ao gênero, pesquisas feitas em 2012
relatam que enquanto 93,3% dos homicídios são de jovens do sexo masculino,
apenas 9,3% são vítimas femininas. Observando esses dados desde a década de
1980 e fazendo um comparativo com os últimos anos, percebe-se que essas
porcentagens continuam praticamente as mesmas.
4 Todos os dados estatísticos mencionados nesta pesquisa foram retirados do Mapa da violência, 2014.
17
Em relação à cor/raça, o mapa da violência indica que a vitimização dos
negros por homicídios tem aumentado. Em 2011 constatou-se que para cada jovem
branco assassinado, morriam 2,7 negros. Entre os anos de 2002 a 2012 percebeu-se um aumento nos números de homicídios negros, com uma taxa de 100,7%,
enquanto que nesse mesmo período a taxa de pessoas brancas assassinadas caiu
24,8%.
Na Bahia as taxas de homicídios de jovens cresceram 249% entre
2002/2012. Como em todo o país, no Estado baiano há mais assassinatos de
homens do que de mulheres. De todas as capitais brasileiras Salvador tem um dos
maiores crescimentos na taxa de homicídios, encontra-se no 5º lugar com 60.6% de
crescimento na população total em 2012. Perdendo apenas para Maceió com
90.0%, Fortaleza com 76.8, João Pessoa 76.5 e São Luís com 62.6%. Já na taxa de homicídios juvenis (por 100 mil), Salvador encontra-se também em 5º lugar com
138.5%.
Na capital baiana as taxas de homicídios definidas a partir da raça/cor das vítimas também têm aumentado, ficando em terceiro lugar na tabela das capitais
brasileiras, com uma taxa de 22,1 de homicídios brancos para 71,3 de homicídios
negros, em 2012. A cada 66 jovens brancos mortos na capital, morrem 992 jovens
negros, nesse mesmo ano.
O que se nota diante de dados tão alarmantes é que os índices de
assassinato de jovens vêm crescendo no Brasil, e a cor da pele das vítimas é um
fator importante para esses dados, à violência homicida é concentrada na população
negra, e mais especificamente, nas juventudes negras. Neste sentido, os jovens, principalmente, os negros, aparecem como os principais alvos da violência física, e
ainda, da violência simbólica, que também mata, e faz com que as forças físicas e
psicológicas sejam aos poucos anuladas. Muitos deles vêm de comunidades
populares e sofrem por vezes através de insultos preconceituosos e estigmatizantes.
É o que Jailson Souza (2005, apud MATOS, 2015, p. 455) vai chamar de kit-estigma
que viria acompanhado de vários argumentos que ofendem e mancham a figura dessas pessoas. Não suficiente à violência psicológica, este público é alvo principal
da violência física.
18
1.2. Os jovens populares
As juventudes populares são vistas de três formas distintas pela mídia, e
consequentemente, pela sociedade na cidade de Salvador. Dentre elas, estão: o
jovem como alvo da violência, o jovem como responsável pela violência e o jovem
como público que se beneficia com ações sociais. A abordagem que aparece com
maior frequência é a do jovem da periferia que sofre a violência. O número de jovens moradores das comunidades, vítimas de homicídios é bastante elevado. Sendo a
maior recorrência a da violência policial contra esses cidadãos. Os rapazes,
inclusive nessas localidades, são os mais vitimados pela violência homicida
(MATOS, 2015, p. 459)5. Ser jovem, pobre e do sexo masculino é um risco corrido,
já que os homens são os que maior sofrem nas estatísticas.
O jovem popular é também taxado pela mídia como o causador da
violência urbana. Sua imagem neste ponto está sempre relacionada ao envolvimento
com o tráfico de drogas, a violência física, e ainda, roubos e furtos como práticas
associadas a eles. Estes jovens são quase sempre negros e vistos tantas vezes nos noticiários midiáticos como indutores de violência, onde sua imagem, já naturalizada
no imaginário da sociedade, associando-se a um sujeito criminoso e sem direito.
Essa recorrência é habitualmente transmitida contribuindo para estabelecer essa
visão das juventudes “pobres” como sujeitos da violência.
[...] Mas é muito restritivo (e chega a ser preconceituoso) fazer uma equação juventude = risco de criminalidade, deixando de considerar as experiências da grande maioria de jovens pobres e moradores das áreas carentes e violentas que constroem suas trajetórias sem considerar as redes do narcotráfico alternativas para suas vidas. (NOVAES, 2006, p. 115)
Por último, esse mesmo jovem é narrado a partir da sua condição de
vulnerabilidade social, sendo considerado como um público prioritário e que deve ser
beneficiado por ações sociais. Ou seja, o jovem é o público-alvo e beneficiário de
projetos e ações. Através de um viés assistencialista eles são sujeitos que precisam
ser ajudados por instâncias fora do seu círculo de sociabilidade.
É sabido que as juventudes populares são as que mais sofrem os
processos de desqualificação e exclusão que resultam na desigualdade social. A
5 Estes dados correspondem à pesquisa feita através de 58 textos midiáticos que foram publicados no Jornal A Tarde (impresso), da cidade de Salvador, coletados a partir das palavras-chave juventude e periferia.
19
discriminação é um fator recorrente na vida de jovens pobres. Inevitavelmente, os
mais pobres estão nas comunidades e dados mostram que a grande maioria desses
territórios são formados por homens e mulheres negras. Se tratando das desigualdades, a mais evidente entre os jovens se refere à classe social.
Esse recorte se explicita claramente na vivência da relação escola/trabalho. A indagação sobre quando e como um jovem começa ou termina de estudar ou trabalhar expõe as fissuras de classe presentes na sociedade brasileira. Este “quando” e este “como” revelam acessos diferenciados a partir das condições econômicas dos pais. (NOVAES, 2006, p. 114).
Porém, as diferenças de origem social e a classe social não são os únicos
quesitos diante das desigualdades enfrentadas por este grupo. Gênero e raça
também contam. Outra questão está relacionada à aparência dos rapazes e moças, pois nos muitos empregos a exigência é de “boa aparência” e os jovens mais pobres
acabam sendo vetados por muitas vezes não estarem inclusos nos padrões de
beleza impostos pela sociedade ou simplesmente por não andarem bem vestidos e
arrumados. Por último, o local que eles residem conta muito. Há muitos relatos de
moradores que em entrevistas ao serem questionados onde vivem são dispensados por morarem em bairros periféricos. Para muitos, “o jovem que mora em tal lugar de
bandidos é um bandido em potencial” (NOVAIS, 2010, p. 105). Não bastasse a
discriminação de classe, gênero e raça, acrescenta-se aí a discriminação por
endereço. Todos esses pontos fazem diferença nas possibilidades de viver a
juventude. Além disso, as juventudes populares sofrem ainda com as políticas de
proibição que geram algumas consequências para as populações das áreas mais
pobres. Há ainda a violência policial, que “cai matando” nos sujeitos vulneráveis,
pobres e periféricos.
Algumas pesquisas feitas com o público juvenil mostram que ao serem indagados sobre quais seriam os maiores problemas do Brasil, grande parte
respondeu ser o desemprego e a violência. O que mais eles temem é o medo de
morrer e o medo do futuro. O medo de morrer relaciona-se a violência. Esta geração
teme a violência já que cada vez mais ela faz parte do seu dia a dia. A bala perdida
está no imaginário de todos, seja rico ou pobre, branco ou negro, homem ou mulher.
E em todos os lugares, no ônibus, no bairro nobre, na comunidade ou no centro. Já o medo do futuro está relacionado ao mundo do trabalho. Moças e rapazes temem
não conseguir emprego ou perder o que possui, medo também de não entrar na
20
faculdade, ou ainda, o medo de não obter sucesso profissional. Com todas as
diferenças expostas, seja qual for o jovem ou classe social, eles temem o futuro.
Pensando as juventudes populares se observa que estas são as que mais sofrem com este temor, já que estão propensas aos riscos sociais.
Tratando de exclusão social, este tema não se limita exclusivamente a
oportunidades de trabalho. Há outras problemáticas relacionadas à crise dos sistemas de socialização juvenil resultados dessa exclusão. Esta pode ser entendida
como um processo e não uma condição, que no decorrer da vida pode ser mudado.
Mas o isolamento e o distanciamento das juventudes populares fragilizam suas
oportunidades, o que resulta em um futuro fragmentado.
A exclusão juvenil está restritamente ligada a um dos problemas mais
preocupantes da sociedade que é o crescimento da violência já explicitado aqui.
Este crescimento que na qualidade de vítimas e de agressores os jovens são atores
destacados, sendo muitas vezes excluídos e obrigados a viverem em situações de
risco e de possíveis limitações. Toda problemática vivenciada por eles justifica todo o baixo desenvolvimento juvenil: o fracasso escolar, a falta de acesso à escola, a
incapacitação e o desemprego.
Muitas das características da sociedade vão interferir diretamente na
construção das identidades juvenis. Com isso, os jovens passam a encontrar
caminhos de desenvolvimento social e pessoal. Tais jovens descobrem maneiras
próprias de viver a comunidade, de sobreviver nela e de transformá-la. São sujeitos
com potencialidades que almejam construir uma sociedade mais justa e que estão
construindo, mesmo que aos poucos e “por baixo”, desordenando o sistema e negando a posição que este os impõe.
São jovens que não são ‘problemas’ ‘nem solução’, que vivem seu cotidiano e procuram um espaço, um tempo, uma forma, uma linguagem para expressar seus desejos, suas dores e alegrias, suas demandas e sentimentos, suas diferenças e diversidades, buscando ser ouvidos, ou simplesmente, ser visíveis. Que vivem e convivem com crianças, adultos, idosos e constroem com eles os sentidos de suas narrativas e trajetórias de vida. Que procuram espaços e tempos de autonomia, violência cotidiana com a qual convivem (TOMMASI, 2013 apud MATOS, 2015, p. 455).
Essa busca por reconhecimento social desses atores é um ação
importante que pode ser percebida como a causa de diversos movimentos e grupos
com ações contestatórias, que articulam meios de se fazerem visíveis e constroem
21
modos de ser jovem nas comunidades, visibilizando as situações de escassez em
que vivem. Atores que não se calam, que exigem, são os novos sujeitos no cenário
político e cultural, que para Hall (2003, apud MATOS, 2015, p. 454) ocupam algum espaço de fala em meio às diversidades sociais hegemônicas e colocam em prática
“guerras de posição culturais”.
Ora, uma das prerrogativas do discurso do reconhecimento social diz respeito justamente ao posicionamento de sujeitos (coletivos ou individuais) na esfera pública, posicionamento que pode se efetivar através ou não de movimentos sociais, através ou não de um tipo de mobilização representativa de um determinado segmento da sociedade civil (minorias, negros, mulheres), mas que de todo modo passa pela esfera da visibilidade pública (ZANETTI, 2010, p. 55).
Há uma necessidade de reconhecimento, que pode ser conquistada
através da visibilidade. Ao identificar o lugar da autorrepresentação, os jovens têm
os espaços que se criam, se compartilham, se produzem e possibilitam a elaboração de suas próprias estratégias para viver nos seus territórios carregados de
inventividade. Podendo ser um lugar de elaboração de estratégias e de subjetivação,
seja singular ou coletiva, dando novos arranjos as suas representatividades e
conquistando o reconhecimento social que desejam.
1.3 Autorrepresentação nas Juventudes Populares de Salvador
Muito se diz da alienação das juventudes contemporânea sem interesse
algum por questões políticas e sociais. São jovens apolíticos e apáticos que preferem estar passivos, sem nenhuma ação diante das ocorrências do cotidiano.
Porém, há uma discordância quanto a esta afirmação, pesquisas feitas pelo Instituto
Cidadania em todo país apontam resultados nem tanto pessimistas. Nesses dados
há indícios de que os valores mais importantes para os jovens são solidariedade
com 55%, respeito às diferenças com 50% e igualdade de oportunidades com 46%.
Nessa mesma pesquisa, foi questionado o trabalho social no próprio bairro, 57% deles desejam se engajar em alguma experiência e 22% já fazem algum tipo de
trabalho social. Nota-se que as juventudes desejam lutar por um lugar melhor na
sociedade. Tendo em vista a exclusão, o propósito desses jovens de se envolver em
projetos sociais parte da tentativa de não ter somente o auxílio do governo, mas de
outras esferas que os façam trabalhar e desenvolver suas capacidades. Desse
22
modo, o desejo dessas juventudes é também de que possam diminuir
gradativamente a invisibilidade sentida na pele. Sua luta é por mudança, almejando
transformação social.
O discurso vindo de muitos jovens populares, observados a partir de suas
atuações sociais em movimentos e grupos que lutam por igualdade, aponta para um
olhar que vê a comunidade não necessariamente como lugar de pobreza, mas como espaço de esquecimento, de falta e de carências, estando inevitavelmente
afastados, onde o poder público custa a chegar para o fornecimento de condições a
população, seja em educação, saúde, saneamento, transporte, lazer e cultura.
Nessas comunidades, há jovens que existem e não existem, há os que deixam de
existir e são esquecidos, e por último, os que lutam na tentativa de “re-existir”.
Muitos desses moradores residentes nos bairros populares, e que
questionam a exclusão social em que vivem, passam a atuar na sociedade com uma
maior participação social e simbólica através de grupos que buscam adquirir meios
em que sua autonomia, liderança e identidade são trabalhadas, com uma constante busca por legitimação. O primeiro passo para esta participação social é a tomada de
consciência, onde os jovens passam a modificar suas ideias e comportamentos,
tornando-se sujeitos emponderados. Assim, eles passam a ter (re) leituras e uma
análise crítica da sociedade, que sem essa mudança de perspectiva acabaria
estruturando aspectos de marginalidade e exclusão. O ideal é justamente
problematizar seu cotidiano fazendo com que os jovens percebam de forma crítica
suas condições, para que assim eles saiam de seu momento de inércia e se tornem
agentes sociais consciente de suas ações na sociedade.
Contra o discurso que os estigmatiza e marginaliza, os moradores da
cidade de Salvador, principalmente jovens, encontraram um viés que escapa desse
olhar marginal e que junto ao audiovisual faz acontecer um processo de mudança.
São jovens, oriundos de vários bairros populares da capital baiana, egressos do curso de Vídeo da escola Oi Kabum! Salvador, que se apropriaram do audiovisual
como aposta e ativação de territórios subjetivos e que aliando-se a tal ferramenta ganharam força e voz, permitindo expor seus discursos. Ao produzirem, estes
sujeitos passam por um processo de inversão: a periferia sai de excluída e
silenciada, para um patamar que ganha nova expressão e representação.
23
Então, até aquele momento imaginava que não era possível fazer cinema no Nordeste de Amaralina, periferia da cidade de Salvador, onde a violência e a criminalidade alcançavam índices altíssimos nos quadros estatísticos do Estado [...] Analiso a apropriação da Linguagem Audiovisual como um processo de interpretar o espaço de relações sociais e urbanas que me cercavam e somente a partir desta interpretação construir o meu cinema, a minha maneira de filmar, deixando sempre impresso nas imagens a forma como enxergo o mundo, a partir do meu espaço. Rompendo desta forma com o audiovisual limitador que tinha experimentado anteriormente como espectador, pautado na repetição de fórmulas e regido por uma lógica industrial de entretenimento e maximização de lucros (Danilo Umbelino6).
É importante que se analise atentamente o audiovisual como ferramenta de autorrepresentação a partir da atuação dos jovens. Os grupos juvenis da Oi
Kabum! aprenderam a tomar sua palavra, a ter voz do seu jeito, e, dessa forma, a
reapropriar-se das ferramentas da comunicação. Esta atitude pode ser vista como
uma dimensão transformadora expressa na ideia de mudar o olhar dos jovens,
fazendo-os mais sensíveis às problemáticas encontradas na comunidade e as
expondo. E ao mesmo tempo, os colocando na condição de agente transformador
de sua realidade, acionando forças maiores a partir das narrativas apresentadas em suas produções. Há uma preocupação com a realidade local que também busca
combater os problemas e preconceitos vividos.
[...] é o direito à “auto-representação”: a possibilidade de indivíduos e coletivos da periferia de exercerem maior controle sobre suas próprias representações, com o objetivo de refutar aquelas consideradas “erradas” ou não-satisfatórias, as estereotipias, as distorções, etc. Por trás destas reivindicações, o que se sobressai são demandas por produção e exibição de bens simbólicos através do audiovisual. [...] O sentimento de pertencimento a um lugar, comunidade ou mesmo a um movimento cultural se configura num importante fator subjetivo de articulação entre os agentes realizadores, que também encontram na própria prática do audiovisual um elemento de unidade (ZANETTI, 2010, p. 59 - 61).
Nessa perspectiva, as comunidades populares de Salvador passam a
“experimentar” o audiovisual para contar suas histórias. Os moradores vão de
personagens a contadores. Entre os termos “a periferia como personagem” e “a
periferia como produtora”, não se tem uma ruptura, a comunidade transitam entre
esses dois extremos. A grande questão está aí, sendo agentes produtores a perspectiva é outra, o ponto de vista agora vem de dentro das comunidades
periféricas soteropolitanas, o olhar que conhece e vivência seus próprios espaços.
Estes jovens querem ser visto, querem mostrar seus rostos, a suas características, 6 Todos os depoimentos de Danilo foram concedidos em entrevista para esta pesquisa em Julho de 2016. Danilo é um dos alunos egresso do programa. Fez parte da II turma de vídeo.
24
suas singularidades, sorrisos ou lágrimas, seus costumes e seu cotidiano. Tudo isso
são marcas das juventudes populares de Salvador que nos faz perceber o quão
plural elas são. Há uma relação de pertencimento aos lugares onde vivem que são percebidos a partir da sua autorrepresentação, onde a ideia é de que a câmera
esteja nas mãos dos próprios moradores para que eles possam tomar imagens de
seus mundos.
[...] No momento em que se discutiam quais imagens e imaginários o cinema brasileiro estava construindo de favelas, subúrbios e periferias, moradores desses espaços estavam dando os primeiros passos rumo a uma construção de suas próprias imagens. [...] as classes populares passavam de personagem a realizadoras, as contadoras de suas próprias histórias (SOUZA, 2012, p. 121).
O audiovisual se tornou a minha ferramenta de liberdade, onde a maioria das minhas ideias se tornaram possíveis, onde a minha voz não era silenciada (Danilo Umbelino).
Ao considerar o audiovisual como uma possibilidade de se expressar,
constituído de discurso e representações, vemos nele uma plataforma para que tais
realizadores contem suas histórias, reais ou ficcionais, falando e mostrando seus
próprios espaços de vivência. Dando a possibilidade de “falar de/por si” como forma
de democratização, integrando um instrumento de autorrepresentação e de luta por reconhecimento. É perceptível que esses realizadores constroem um tipo de capital
simbólico baseado principalmente na distinção e no reconhecimento social.
[...] isso daria respeito, por um lado, à possibilidade de grupos e indivíduos exercerem maior controle sobre suas próprias representações e as representações da realidade que os cercam, de modo a refutar aquelas consideradas “erradas” ou não-satisfatórias, por vezes estereotipadas, ou não-representativas de uma “diversidade cultural” [...] (ZANETTI, 2010, p. 123).
A intenção é justamente dar projeção a essa diversidade de vozes que
emergem dos produtos periféricos e que deseja ser vista de outra forma, e para tal
visibilidade é preciso o reconhecimento do “outro”. Não apenas os que compõem a
realidade mostrada, o campo social da produção em questão, mas uma visibilidade
mais ampla, permitindo afirmar identidades, lançando os realizadores para fora da
invisibilidade e conferindo-lhe existência.
Há um investimento no discurso de valorização desses territórios
periféricos, onde as juventudes procuram valorizar suas raízes, buscando legitimar o
fato de morar em comunidades, já que grande parte da sociedade vê isso como um
25
problema. Assim, esta produção audiovisual específica, se coloca, inevitavelmente,
como busca de igualdade social, e ainda, como sujeitos providos de autenticidade e
de uma identidade própria.
As tantas multiplicidades de vozes desses espaços, articulam um discurso
sobre seu cotidiano e lutam pelo direito de comunicação em sintonia com o direito de
autorrepresentação. Nesse sentido, o audiovisual contribuiu para criar uma rede alternativa de comunicação através da mobilização da comunidade e dos projetos
sociais ou educativos oferecidos.
Os produtos gerados pelas classes populares costumam ser mais representativos da história local e mais adequados às necessidades presentes do grupo que os fabrica. Constituem, nesse sentido, seu patrimônio próprio. Também podem alcançar alto valor estético e criatividade, conforme se comprova no artesanato, na literatura e na música de muitas regiões populares. Mas têm menor possibilidade de realizar várias operações indispensáveis para converter esses produtos em patrimônio generalizado e amplamente reconhecido: acumulá-los historicamente [...], torná-los base de um saber objetivado [...], expandi-los mediante uma educação institucional e aperfeiçoá-los através da investigação e experimentação sistemática (CLANCLINI apud LIBÂNIO, 2008, p. 132).
Acreditamos que os jovens produtores audiovisuais, baseado na narrativa
autoral identitária, desempenham a função de atores ou políticos sociais ao
produzirem suas narrativas. O grande ganho está não só no produto pronto, mas
em todas as etapas da construção dele. O esforço em interromper os ciclos de
exclusão, que podem ser caracterizadas como uma prática de resistência das
juventudes populares força a abertura de novos espaços para a ocupação desse
grupo. Segundo a UNESCO (2004) os jovens participam na dinâmica da sociedade
através de estratégias diferenciadas, seja como atores sociais e políticos ou
manifestando diversas formas de expressão e identidade. A simples tentativa de
participação e de se fazer visível é considerada como uma ação política e
transformadora. Desse modo, “o que se instaura através das produções audiovisuais
é uma “projeção simbólica” de uma unidade e de uma identidade, um discurso que garante uma determinada visão do mundo social” (ZANETTI, 2010, p. 62).
Este poder simbólico visto nas lutas por representação pode ser dividido
em dois tipos de lutas simbólicas: as objetivas, que contempla as ações de
representação a fim de mostrar determinadas realidades. Dentro desta categoria,
têm-se as lutas coletivas e individuais, a primeira se refere a manifestações
26
relacionadas aos grupos nas periferias, e a segunda, estão relacionadas às
apresentações de si e de seu posicionamento social. Já as lutas simbólicas
subjetivas buscam mudar as categorias de percepção do mundo social, o objetivo seria de impor uma nova construção da realidade social (BOURDIEU apud
ZANETTI, 2010).
Contudo, diante das dificuldades vivenciadas por muitos jovens populares, surge à questão: O que permitiu o desenvolvimento dessa produção
audiovisual nas comunidades periféricas?
Os maiores fatores que colaboraram para este desenvolvimento estão apoiados: 1) Políticas Culturais que ganharam força nos últimos anos; 2)
Desenvolvimento das novas tecnologias que deu voz as minorias; 3) Novas
propostas de políticas de representação, que tentam diminuir a estigmatização das
comunidades. O intuito é mostrar a peculiaridade da relação desses três polos
estabelecida com o audiovisual realizado nas comunidades.
Políticas culturais, tecnologia digital e políticas de representação são planos irredutíveis, mas que podem ser investigados segundo uma mesma estratégia: às instâncias da instauração cultural corresponderão, mutuamente, às instâncias da tecnologia, e estas, por sua vez, às das representações. (SOUZA, 2012, p. 112).
1) Políticas Públicas - Nos anos 2000, com as Políticas Culturais já
consolidadas, depois de passar por alguns vetos e modificações, o audiovisual na comunidade ganha força. É nesse período que o acontece o boom, graças ao
aumento progressivo de entidades e grupos independentes voltados para realização de filmes e vídeos. As Políticas Culturais podem ser entendidas como:
[...] conjunto de intervenções realizadas pelo Estado, instituições civis e grupos comunitários organizados a fim de orientar o desenvolvimento simbólico, satisfazer as necessidades culturais da população e obter consenso para um tipo de ordem ou de transformação social. (CANCLIAN, 2001 apud FÉLIX; FERNANDES, p. 1).
Ou ainda,
Conjunto de práticas sociais conscientes e deliberadas, de intervenções e não-intervenções, tendo por objeto satisfazer certas necessidades culturais pelo melhor emprego possível de todos os recursos materiais e humanos de que dispõe uma sociedade. (UNESCO, 1969 apud Cury, 2002, p. 6).
As Políticas são em grande parte apoiadas nas leis de incentivo fiscal e
ou através de editais públicos, tendo como principal objetivo fomentar e fortalecer
27
métodos de promoção para o maior acesso de todas as classes sociais da
população a cultura, em um processo de democratização da sociedade e lutando
contra a exclusão e marginalização, tendo como meta maior diversidade cultural e respeito às identidades. A cultura se insere na esfera da cidadania investindo na
democratização dos processos tanto de produção, como de consumo cultural.
Alguns meios são utilizados para a promoção da diversidade e estímulo a
produções, principalmente programas culturais que beneficiem classes e grupos
sociais desfavoráveis, para que assim haja um nivelamento. O investimento em
cultura pensado por essas Políticas não cogitam apenas a questão de inclusão, mas
mais que isso, “se aposta na capacidade de gerência e autonomia das
comunidades, grupos e instituições que se voltam para produções artístico-culturais”
(ZOUZA, 2012, p. 114).
As associações, coletivos e ONGs são exemplos que utilizam os editais
para o desenvolvimento e expansão de projetos sociais e culturais voltados para as
comunidades. Para garantir a sustentabilidade dessas iniciativas, em geral, recorre-
se a tais editais públicos ou através de parcerias com empresas privadas. Nesse
contexto, os produtos audiovisuais surgem de jovens realizadores vindos de oficinas e cursos audiovisuais, oferecidos justamente por esses grupos que se apropriam
das Políticas Públicas para desenvolver projetos que visam à inclusão das
juventudes populares.
Há um incentivo desses grupos que oferecem essas oficinas para se falar
da própria comunidade, de suas histórias, das histórias dos seus vizinhos, do seu
bairro, do contexto social, criando narrativas a partir de seus próprios cotidianos. Os
temas dos produtos vão da criminalidade, violência, passando por exclusão social,
até chegar a histórias das relações afetivas, casos familiares e espírito comunitário.
Toda produção é vista como um incentivo e busca o reconhecimento da comunidade e dos próprios realizadores. Nesse sentido, todo investimento na inclusão
audiovisual não estaria caracterizado em um tipo de produção específica, pré-
concebida, mas uma tentativa de apresentar aspectos do dia a dia dessas pessoas,
a partir das suas leituras pessoais.
2) Novas Tecnologias - As novas tecnologias são mais um fator
importante contribuinte para o desenvolvimento dessa produção. Nos últimos anos
28
percebeu-se um relevante aumento no consumo de equipamentos tecnológicos,
surgiram novos meios de captação de imagem (webcam, aparelhos celulares,
câmeras portáteis), as câmeras digitais passaram a ser mais leves e mais baratas; os computadores permitiu um trabalho mais fácil e rápido de edição, além de ser
suporte para comunicação; e a internet como ferramenta para divulgação dos
trabalhos produzidos na comunidade e servindo também de comunicação com
outros agentes produtores.
Todos podemos ter uma ilha de edição dentro de casa, mais ainda, podemos ter a câmera digital e todos e os meios para produzir um filme que vai para uma sala de projeção, sem sairmos do quarto (MIGLIORIN, 2003, p. 409).
Sem dúvida a popularização das tecnologias tem sido uma rica
contribuição para os agentes produtores nas comunidades. As câmeras digitais, a
função de vídeo nas câmeras fotográficas e em aparelhos celulares facilitou muito a
captação de imagem. E ainda, com a filmagem em digital há uma facilidade tanto na
pós-produção, como na distribuição para internet ou outros meios. Hds externos, pen drives e DVDs também facilitaram a circulação das produções. Já com a
película não era assim tão “fácil”, seja na produção, pós-produção ou distribuição.
Maior rapidez, custo baixo e boa qualidade, são características facilitadoras que o
digital ofereceu.
Com as dificuldades que eram encontradas essas produções realizadas
na comunidade eram muito restritas e pouco conhecidas por aqueles que não faziam
parte desta realidade. Normalmente os filmes não circulavam e consequentemente
quase não eram vistos. É a internet que chega como plataforma de exibição e de divulgação das produções, passando a contribuir como um importante espaço de
visibilidade, onde centenas de filmes começaram a ser vistos, ganhando maior
repercussão. Além disso, ela exerce um importante papel na formação de redes
sociais entre diferentes coletivos em todo país, facilitando a comunicabilidade entre
os agentes.
Acreditamos que as novas tecnologias digitais são os verdadeiros motores da inovação cultural, desde a virtualização das identidades sociais e dos grupos em rede até a convergência digital da mídia textual e audiovisual. (Visões Periféricas, 2008 apud ZANETTI, 2010, p. 119).
Assim, o uso das tecnologias para captação, edição e exibição dos
produtos é disseminado, democratizando, mesmo que aos poucos, o audiovisual.
29
3) Políticas de representação - Como já dito, a construção da imagem e
do imaginário das periferias criado pelas mídias em geral são sempre
estereotipadas. Em sua maior parte as histórias contadas e desenroladas nesse âmbito estão relacionadas à criminalidade. Em décadas anteriores a representação
imagética dessas localidades já era veiculada pelas mídias, são inúmeros os filmes
que desde a década de 1960 podem servir como exemplos. Porém, é a partir de
1990, que esse estigma na produção audiovisual brasileira se intensifica,
[...] período fortemente marcado pela presença dos espaços periféricos e de seus moradores em diversos produtos midiáticos, revelando diversas sociabilidades e controversas modalidades representacionais. (ZOUZA, 2012, p. 119).
É perceptível que a televisão e o cinema têm contribuído para a
construção desse imaginário distorcido. Nesse sentido, a luta dos moradores para
mudar essa visão é intensa. Os fatores que favoreceram o audiovisual na
comunidade não se limitam apenas as Políticas Culturais e as novas tecnologias.
Outro motivo é justamente o contexto representacional midiático que fazem as pessoas que vivem nesses ambientes quererem ser vistas de outras formas, não
mais como promovedores da criminalidade.
É preciso frisar que mesmo com um número grande de produções que
estigmatizam as comunidades, existe uma pequena parcela de programas exibidos
na televisão e de alguns filmes que tem como foco revelar outras facetas desses
locais para além da pobreza, violência e do tráfico. Se nas periferias há
criminalidade, há também muita criatividade, pessoas do bem e muitas histórias que
merecem ser vistas e contadas. Esse é o foco central das poucas produções midiáticas e das muitas vindas dos próprios moradores que transitam entre
personagens e realizadores.
Quando o audiovisual é utilizado na vida das pessoas, principalmente dos jovens oriundos de lugares com um risco social maior, concebe-se a eles a
possibilidade de construir outros sentidos, capacitando-os a buscarem e criarem
novos sentidos da realidade, de forma independente e autônoma. Dessa maneira, o
audiovisual vem para criar espaços de compartilhamento, de conversa, e mais
ainda, de invenção coletiva. Podendo ser apresentado como uma importante
ferramenta, tendo em vista uma pedagogia de inclusão onde os jovens populares
podem ser agentes e produtores da interação social e membros protagonistas que
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ganham o direito de expressão. Contribuindo também para tornarem-se pessoas
mais proativas, solidárias, responsáveis, empoderadas, autônomas e com uma
maior sensibilidade e olhar crítico.
2. Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia
2.1 A Escola
A Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia7 foi um programa da Oi Futuro
e começou na cidade do Rio de Janeiro em 2003. O projeto visava à formação em
linguagem multimídia para jovens de comunidades periféricas das grandes cidades.
Além do Rio, outras escolas foram replicadas nas cidades de Salvador, Belo Horizonte e Recife.
Em novembro de 2004 foi inaugurada a Oi Kabum! Salvador. O principal
financiador do projeto, a Oi Futuro, entrou em parceria com a CIPÓ – Comunicação interativa8, e apoio do Governo do Estado da Bahia. No começo a escola estava
situada no bairro do Nordeste de Amaralina, na sede do projeto Viva Nordeste9. Na
primeira turma foram selecionados 80 jovens, sendo 20 originários do Nordeste e 60
provenientes de dez bairros populares da cidade: Bairro da paz, Engenho Velho da
Federação, Nova Brasília, Paripe/Periperi, Beiru, Mata Escura, Fazenda Coutos, Alto
das Pombas, Cajazeiras e Boca do Rio. Em 2006, já experientes do que daria e não
7 Entre 2003 e 2005, o projeto é chamado de Kabum!; a partir de 2006, passa a chamar-se Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia, integrando-se ao processo de consolidação da marca (CUNHA, 2010, p. 68).
8 A CIPÓ é uma ONG que atua desde 1999 no bairro Nordeste de Amaralina, na cidade de Salvador. A associação visa à promoção de direitos das crianças, adolescentes e jovens, lutando pelo direito à educação de qualidade e à comunicação. Sua atuação é direta com as comunidades populares buscando a transformação social através dos jovens da capital baiana.
9 Idealizado pelo secretário do Trabalho e Assistência Social e Esporte do Estado da Bahia, Eduardo Santos, o Programa de Desenvolvimento Integrado da Região Nordeste de Amaralina (Viva Nordeste) é uma experiência piloto e foi concebido para ir ao encontro das necessidades das comunidades mais carentes. Desde 2004 são desenvolvidas metodologias e formas de governança inovadora intitulada Programa de Desenvolvimento Integrado (Programa Viva Nordeste). O Viva Nordeste tem como objetivo promover o desenvolvimento integrado da Região Nordeste de Amaralina, que abrange os bairros (Vale das Pedrinhas, Santa Cruz, Chapada do Rio Vermelho e Nordeste de Amaralina), através de ações articuladas entre os Governos Estadual, Municipal e Federal, além de ONG’s, gerando subsídios para a auto-gestão comunitária.
31
daria certo, o curso iniciou as Turmas II. Nessa nova leva, as 80 vagas foram
distribuídas de outra forma, ficando 50 oferecidas aos jovens do Subúrbio Ferroviário
e 30 para o Nordeste de Amaralina.
Durante 18 meses, com uma carga horária total de 1260 horas (em cada
curso) e com aulas de segunda à sexta, o programa oferecia formação nas
linguagens de Vídeo, Fotografia, Design Gráfico e Computação Gráfica. O público alvo eram jovens entre 16 e 19 anos, que concluíram ou estudavam em escolas
públicas da capital. De forma mais abrangente o curso passou a ser oferecido além
do Nordeste de Amaralina10 e Subúrbio Ferroviário11 também para a juventude
popular do Centro Antigo12 de Salvador. Sendo selecionados 20 alunos do Nordeste,
20 do Centro Antigo e 40 do Subúrbio. Formando turmas de vinte pessoas em cada
curso. Além das quatro linguagens, os alunos tinham em sua grade curricular Oficina da Palavra, Arte e Tecnologia e Desenvolvimento Pessoal e Social, e ainda,
conteúdos complementares: Acesso a bens culturais, Preparação para o mundo do
trabalho e Atuação comunitária. Essas outras disciplinas eram oferecidas no intuito
de dar um suporte mais abrangente para que os alunos desenvolvessem habilidades
que iam além das técnicas.
“O curso em si me mostrou isso. Tinha outras matérias além de design gráfico, que eram as linguagens de Departamento Pessoal e Social, tinha a linguagem de história da arte, tinha um monte de outras linguagens, o curso não era só aquela linguagem que a gente aprendia, até mesmo porque ia ficar saturado e o curso ficaria curto. Então eles colocaram outras matérias, outros professores, em outras áreas psicológicas pra gente desenvolver melhor. Então a gente tinha o Departamento Pessoal e Social que nos abria a vista pra gente poder ter a noção de que a gente mora na zona periférica, mas a gente não precisa ser um marginal... E a gente poderia crescer, virar
10 Abarcando os bairros: Areal, Chapada do Rio Vermelho, Nordeste, Santa Cruz e Vale das Pedrinhas.
11 Alto do Cabrito, Alto de Coutos, Alto da Terezinha, Baixa do Fiscal, Bela Vista do Lobato, Boa Vista do Lobato, Coutos, Ilha Amarela, Ilha de Maré, Ilha dos Frades, Paramana, Itacaranha, Lobato, Marechal Rondon, Mirantes de Periperi, Paripe, São Caetano, São Tomé de Paripe, Parque São Bartolomeu, Periperi, Pirajá, Plataforma, Praia Grande, Rio Sena, Suburbana e Valéria.
12 Água de Meninos, Barbalho, Barris, Barroquinha, Caixa D’Água, Campo Grande, Comércio, Fonte Nova, Gamboa, Jardim Baiano, Lapa, Lapinha, Largo Dois de Julho, Liberdade, Macaúbas, Nazaré, Pelourinho, Pilar, Politeama, Santa Tereza, Santo Antônio, São Pedro, Saúde, Sete Portas, Soledade e Tororó.
32
empresário, continuar morando naquele mesmo lugar, ser bem sucedido, sem alterar o caráter” (Diih Sena13).
A partir das turmas III, a Oi Kabum! Salvador mudou de endereço. A nova
sede fora instalada em um casarão antigo no Pelourinho. Com uma estrutura ainda mais completa, a Kabum possuía “quatro salas de aula, uma ilha de edição, um
banco de imagens, uma coordenação, uma galeria, um sala multiuso, um estúdio de
design sonoro e um laboratório de revelação”. (SILVA, 2013, p. 46). Além de
equipamentos de som e iluminação, câmeras HD e fotográficas e computadores Mac
para edição. Os jovens recebiam uma bolsa de R$ 150,00 para o transporte (nos
primeiros anos esse valor era de R$ 80,00 e foi aumentando gradativamente no
decorrer das turmas) e ainda, ticket-alimentação para lancharem no intervalo das
aulas.
A equipe da escola era composta por um coordenador geral, um
coordenador pedagógico, sete educadores, sendo um para cada linguagem –
fotografia, design, computação gráfica, vídeo, oficina da palavra – e dois educadores
de Desenvolvimento Pessoal e Social. Havia também quatro jovens educadores que
faziam monitoria. Estes eram obrigatoriamente jovens que tinham se formado na
turma anterior. Ou seja, o educando que havia se formado na turma de fotografia IV era necessariamente o jovem educador da turma de fotografia V. Eles funcionavam
como facilitadores da comunicação entre educadores e adolescentes. Participavam
de todo o planejamento das atividades e acompanhavam todos os procedimentos
desenvolvidos na turma.
“A gente da Kabum sempre brinca dizendo que ela transforma/transformava. Porque lá a gente não aprendia somente a linguagem. A gente tinha oficina da palavra às sextas, tinha DPS14 às segundas, e aula de áudio e programação às terças, quarta e quinta que eram os dias do audiovisual” (Ramires Machado15).
13 Todos os depoimentos de Dihh foram concedidos em entrevista para esta pesquisa no dia 05 de junho de 2016. Diih é um dos alunos egresso do programa. Fez parte da II turma de Design gráfico em 2006.
14 Departamento Pessoal e Social.
15 Todos os depoimentos de Ramires foram concedidos em entrevista para esta pesquisa no dia 06 de junho de 2016. Ramires é um dos alunos egresso do programa. Fez parte da VI turma de vídeo finalizada em 2015. Inclusive última edição do projeto.
33
As inscrições eram divulgadas nos bairros através das rádios
comunitárias, boca em boca, carros de som, internet ou cartazes colocados em
escolas e lugares que o público juvenil normalmente frequentava.
Durante dois dias em cada bairro era feito a seleção. No processo, os
candidatos deveriam falar da sua relação com a comunidade, com a comunicação e
com as artes, buscando entender seu envolvimento com ações comunitárias e culturais. Também eram verificados seus níveis de articulação e compreensão
através da interpretação de textos e imagens. Na seleção, a Oi Kabum! sempre
priorizou a escolha de jovens com instinto de representatividade em seus bairros de
origem.
Depois das inscrições, em uma reunião coletiva entre os profissionais do
projeto, eram compartilhadas algumas fichas dos candidatos para debater e expor
dúvidas ou sugestões. Assim, eram decididos os 200 jovens que iriam fazer a Ação
educativa. Sendo divididos em cinco grupos de 40, eles passavam por dois dias de
dinâmicas para conhecer e entender mais de perto as suas capacidades de trabalhar em grupo, de inciativa, expressão oral e escrita, criatividade, pró-atividade,
além de, questionar os seus interesses pelas linguagens.
“Consegui ser selecionado pra poder fazer o processo seletivo que eram três etapas: uma era de se inscrever no tempo e a documentação, a outra foi em outra semana que você tinha que comparecer, eu estava lá. No primeiro dia foi uma coisa mais de apresentação, falar muito de si que era uma coisa que eu não tinha costume. Mas eu me dediquei sim, eu consegui trabalhar em cima disso comigo mesmo. Eu tava tendo um conflito de ter que fazer isso. Mas graças a Deus no primeiro dia aconteceu tudo bem. Marcelo falou pra mim - olha, o pessoal falou que gostou de você, falou muito bem, falou que você tem um pensamento muito aberto, e que era pra você explorar mais isso - E daí eu vi que eu estava sendo visto, e percebi que estava sendo visado por eles. E eu falei: então se é pra ser visto a gente vai ter que se jogar, e a seleção no outro dia foi mais dinâmica, e eu comecei a me abrir pra que esse mundo de arte pudesse entrar mais” (Diih Sena).
Após a ação eram selecionados os 80 jovens que de fato entrariam na Kabum. Eles passavam pelo processo chamado de rodízio, no qual ficavam uma
semana conhecendo cada linguagem para no final escolherem em que curso
queriam estar. Essas semanas de rodízio eram chamadas por alguns alunos mais recentes de oficinas click, “a famosa e temida oficinas click, onde tivemos contato
com todas as linguagens” (Ramires Machado).
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“Eu tinha fotografia em mente, entrei até pra procurar fotografia, mas quando eu me bati com o leque que eu podia escolher lá, eu decidi me jogar em todas pra ver. No dia da escolha, eu optei por Design” (Loren Santiago16).
Depois dessa fase, os educadores acomodavam 20 jovens em cada
linguagem.
Em 2014 houve uma pequena mudança no processo seletivo. Ao invés de ser selecionados os 80 para entrar na Kabum e participar do revezamento nas
quatro linguagens, houve uma reformulação do método, mesclando a ação
educativa com o rodízio e trabalhando os candidatos por uma semana e meia. Desse modo, foram selecionados 200 jovens que passavam pelo processo das oficinas click, onde as linguagens eram trabalhadas nesse momento juntas, por
estarem mais relacionadas, ficando vídeo com computação gráfica e fotografia com
design. Assim sendo, os candidatos diziam em qual curso queria estar e a partir do
critério de seleção por linguagem, cada educador escolhia os seus 20 selecionados.
A Kabum! não era um curso técnico e a ideia não era formar fotógrafos ou
animadores profissionais, por exemplo. Mas capacitar, oportunizar e dar a esses
jovens a possibilidade de ver o mundo de outra perspectiva, dando ferramentas para
que eles pudessem construir sua própria representatividade, podendo falar de si e
de sua comunidade. O trabalho lá era de geração de autonomia e de protagonismo,
com intuito de que eles escrevessem novas histórias de si a partir de suas
perspectivas.
Com o objetivo de dar ferramentas aos jovens para que se apropriassem
das tecnologias da comunicação e da informação em processos criativos, e ainda,
com a intenção de que eles criassem suas próprias representações de si, o
programa oferecia formação nas áreas de arte gráficas e digitais, sendo dividido em
quatro cursos, que também eram chamados de linguagens, dentre elas: Computação Gráfica, Design Gráfico, Fotografia e Vídeo.
1) Computação gráfica – O curso privilegiava trabalhos com as vertentes
da ilustração e animação. No decorrer do processo eram criadas
vinhetas, animações, clipes e efeitos especiais. Para tal, era
16 Entrevista concedida em 08 de junho de 2016. Loren é uma das alunas egressa. Fez parte da VI e última turma de Design Gráfico.
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apresentada uma série de programas específicos e ferramentas
avançadas.
O interesse era que os jovens ampliassem suas habilidades técnicas e artísticas, e que adquirissem conhecimentos para atuarem como
autônomos em empresas nas áreas de ilustração, animação digital e
design de elementos gráficos animados. E que eles também
desenvolvessem uma observação crítica da realidade e da mídia.
2) Design gráfico – Um dos focos principais desta linguagem era a
aprendizagem de técnicas para elaboração de produtos gráficos. Com
isso, a percepção visual e a produção textual eram muito trabalhadas,
de tal forma que capacitava aos jovens desenvolverem habilidades
artísticas e técnicas, para que eles pudessem atuar de forma
autônoma. O objetivo era apresentar ferramentas para que os educandos passassem a produzir peças gráficas, ampliando o
repertório visual deles, desenvolvendo a capacidade de observação da
realidade através de outras perspectivas e os habilitassem para
atuarem no mercado de trabalho. Tudo isso ligado a ferramentas de
mudança de perspectivas na vida do alunado.
3) Fotografia – Nessa linguagem, o curso capacitava os jovens a
perceberem o mundo a partir de outras perspectivas, inserindo a
fotografia como uma ferramenta de captação de imagem para que eles
pudessem registrar instantes de suas próprias realidades. No decorrer
do curso desenvolviam-se temas para aproximar os jovens de sua
realidade social, sempre ressaltando questões sobre sua identidade. O
desejo maior era que eles se vissem como indivíduos produtores de
conhecimentos a partir da linguagem fotográfica e que ao
desenvolverem habilidades técnicas e artísticas pudessem adentrar ao
mercado de trabalho. A ampliação do repertório cultural desses jovens
era concebida no decorrer do curso, onde eles se instrumentalizavam
e iam desenvolvendo maior sensibilidade, senso crítico e percepção visual.
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4) Vídeo – No curso de vídeo inevitavelmente trabalhavam-se ações
coletivas para o desenvolvimento em grupo, visto que para a produção
de projetos audiovisuais é de fundamental importância o trabalho em equipe. Com isso, estimulava-se a responsabilidade do educando
incentivando atitudes mais cuidadosas consigo mesmo e com o outro.
No processo de pesquisa para a produção dos projetos, os educandos
podiam conhecer mais a fundo as suas comunidades aproveitando
seus próprios espaços para o processo de construção e reafirmação.
Patrícia Sena, por exemplo, comenta que se aproximou mais das
pessoas do seu bairro e descobriu coisas que passavam
despercebidas em seu dia a dia.
“Foi legal porque a gente se aproximou muito mais de pessoas do nosso bairro. Eu descobri coisas que eu nem conseguia ver. Eu gosto muito da proposta da Oi Kabum! de buscar aquilo que está próximo da gente, aquilo que a gente nunca consegue ver” (Patrícia Sena17).
Incentivando os jovens a se expressarem, o curso de vídeo trabalhava para que eles pudessem atuar como editores de imagens,
cinegrafistas, roteiristas, diretores, produtores e técnicos de som. Ao
produzirem, os educandos iam ganhando experiências, ampliando seu
repertório cultural, seu senso estético e criativo, e criando um novo
tipo de representatividade.
Nesta linguagem, estudava-se noções básicas de formatos, estilo e
técnicas, etapas do processo de produção (pré-produção, produção e
pós-produção), roteiro, a era digital no audiovisual, leis do audiovisual,
som, montagem de banco de imagens e arquivamento, gravação,
edição e autoração18 de DVD.
Com relação aos temas trabalhados nas linguagens, o programa dividia
os cursos em três módulos durante os dezoito meses:
17 Patrícia Sena foi uma das alunas do programa. Fez parte da Turma I de Vídeo. Entrevista concedida para o programa TV da laje 3, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Q7B5UG-gdZg
18 Autoração é o processo de criação, edição, legendagem e dublagem de um filme para a mídia DVD. No processo de autoração são criados os menus, a navegação e os acessos aos extras e demais conteúdo.
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1) Módulo I - A identidade era o tema central de todo projeto, havia um
incentivo para que os jovens trabalhassem sua comunidade, sua
família e sua história. Os alunos começavam a formação nesse primeiro módulo, onde se estabeleciam regras de convivência para
melhor desenvolvimento da turma e dos trabalhos que eram feitos no
decorrer do curso. Os conteúdos básicos de cada linguagem eram
introduzidos e apresentados gradativamente no decorrer das aulas.
No final dessa etapa era criada uma mostra que reunia todos os
produtos produzidos nas quatro linguagens. A exibição era na galeria da Kabum e era aberta para parceiros, familiares e convidados dos
jovens, sendo vistas como importantes porque incentivava-os a
continuar e a se dedicar mais durante o curso para produzir novos
trabalhos. Além de promover uma integração com todos os atores
envolvidos no processo.
2) Módulo II - O trabalho nesse módulo era feito junto as suas
comunidades. Os jovens passavam a estudar e trabalhar temas
ligados aos sentidos e significados da cultura com suas identidades e
vivências. Ao fazerem algumas pesquisas nas comunidades, e tendo
aulas voltadas para arte-educação, os alunos recebiam a tarefa de escrever um projeto de oficinas, com o tema de acordo com suas
linguagens, para ser oferecida em escolas públicas de algum bairro
popular escolhido por eles. Nesse sentido, os jovens passavam de
educandos para educadores e multiplicadores, ou seja, eles multiplicavam o conhecimento adquirido na Kabum, agora nas escolas
de suas próprias comunidades.
3) Módulo III - Nos últimos meses do programa, os jovens desenvolviam
seu "Projeto de Vida". Com ajuda dos educadores, eles elaboravam
seu currículo e portfólio. No projeto de vida os formandos pensavam
as diversas formas de atuação para continuar trabalhando com suas
comunidades. Nesse último módulo, era introduzido temas relacionados à cidade e os alunos de cada turma deviam criar um
produto final. Com um clima de despedida, era feita uma última
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Mostra, chamada de Mostra final, e as produções tinham diversas
temáticas.
Diante deste panorama feito sobre a Oi Kabum! Salvador percebe-se a
amplitude que um projeto social como esse tem e a capacidade de dá oportunidades
as juventudes populares de se autorrepresentarem, além de promover e capacitar os
jovens nas áreas da arte e comunicação. Dessa maneira, fazendo com que eles percebam que moram em zonas periféricas, mas que independentemente podem e
devem crescer pessoal e profissionalmente, isso porque “a Kabum tem o poder de
conscientizar o seu papel na sociedade. E mostrar que o que falta nos bairros
periféricos são oportunidades” (Agnaldo Passos19). Entendendo os jovens como
atores essenciais no processo de construção da sociedade e de transformação
social, o programa convidava as juventudes populares para participar ativamente da melhoria de seus bairros, usando como ferramenta a comunicação e a arte como
indutores de transformação social.
Podem-se constatar dois grandes ganhos com cursos como os da Oi
Kabum!: 1) os de ordem materiais, que estão relacionados à inclusão e o
posicionamento dos agentes na sociedade, dando maiores possibilidades de
inserção no mercado, já que esses cursos podem ser percebidos como contribuintes
na vida profissional dos jovens, colaborando para redistribuição socioeconômica. 2)
Os ganhos simbólicos estão relacionados ao poder de construir novas
representações e discursos atrelados às comunidades com intuito de combater a
exclusão social, preconceitos e estigmas. Dando maior valor ao reconhecimento das
diferenças de grupos e indivíduos singulares que são detentores de uma
subjetividade própria.
Há nesses cursos o objetivo de fomentar as capacidades de ação
autônoma e coletiva, despertando o interesse dos jovens, possibilitando um acesso
a práticas de aprendizado e conhecimento inovadoras, e dando condições para o
seu desenvolvimento pessoal e social. Tais cursos podem ser vistos como uma
pedagogia de inclusão, onde moradores de comunidades podem ser agentes e produtores da interação social, membros protagonistas que ganham o direito de voz
19 Entrevista concedida em 08 de junho de 2016. Agnaldo é um dos alunos egresso do programa. Fez parte da IV turma de fotografia.
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e adquirem um “novo olhar” da realidade, podendo este olhar ser entendido como
um senso crítico. “Por isso repetimos que essa mudança de percepção não é outra
coisa senão a substituição de uma percepção distorcida da realidade por uma percepção crítica da mesma”. (FREIRE, Paulo. 1979, p. 60).
No entanto, em 2014 foi oferecida a VI e última turma do projeto. O
programa que formou e empoderou juventudes, depois de doze anos em atividade é encerrado.
“A parte mais triste é saber que a Kabum foi embora. Eu fui para a última exposição, a formação da última turma, é muito triste, foi muito triste. [...] A Kabum ajudou o jovem a se formar, a se posicionar, a se entender, a entender que você é perfeito do jeito que você é. A respeitar a opinião dos outros, as diferenças. E saber que você é capaz também de ir além. É triste saber que acabou, que meu filho, ou o filho dele, ou meu vizinho, meus sobrinhos não vão poder ter essa oportunidade. Eu tive muita sorte” (Pingo Carvalho20).
Alguns jovens dos quatro estados que passaram pelo programa
chegaram a tentar se articular para convencer a empresa a continuar patrocinando,
mas não obtiveram sucesso. A Oi Futuro, financiadora de todo projeto, alegou que
devido à crise econômica no país não poderia mais arcar com as despesas da
escola. Em Salvador, a coordenação chegou a tentar patrocínio com outros
parceiros, contudo nada foi firmado. Uma boa notícia é que mesmo não abrindo mais seleção para a Kabum, o Núcleo de Produção Kabum!, um setor interno da
escola, que visa a inserção de jovens egressos no mercado de trabalho, continua
em atividade, agora com sede na CIPÓ – Comunicação Interativa.
2.2 Núcleo de Produção Kabum! Novos Produtores.
Muito material era produzido durante os dezoito meses de curso na
escola e a prática fazia os educandos desenvolverem algumas habilidades, o que
era comum e desejado no processo. Um dos principais objetivos da escola era dar
suporte para que os jovens se tornasse um profissional da área estudada. Porém,
ainda em 2006, com a formação da primeira turma do projeto, percebeu-se que no
período do curso os jovens ainda não estavam preparados para adentrar no
20 Entrevista concedida em 09 de junho de 2016. Pingo é um dos alunos egresso do programa. Fez parte da II turma de fotografia.
40
mercado de trabalho. Nesse contexto, surge o Núcleo de Produção Kabum! Novos
Produtores. Mesmo com o programa encerrado em 2015, o Núcleo resiste e
continua funcionando na CIPÓ – Comunicação Interativa, com o mesmo propósito: buscar experiências profissionais para os jovens egressos do programa Oi Kabum!
Salvador.
Os egressos da Kabum contam com acompanhamento e orientação
constante, seja para o empréstimo de equipamentos ou para ajudar os produtores
em algum trabalho que estejam com dificuldades. Era a equipe da escola, e agora
da Cipó, quem fecha as parcerias com as empresas, servindo como condutores do
processo, e os jovens como realizadores.
No período em que a escola funcionava, era de responsabilidade do Núcleo dá maior visibilidade aos produtos criados pelos jovens durante a formação.
Para tanto, os trabalhos eram difundidos de várias formas, seja por veiculação na
mídia, festivais e mostras nacionais e internacionais ou realização de mostras e
exposições da própria escola. Enfim, todo e qualquer veículo que gerasse visibilidade aos trabalhos, trazendo benefícios no reconhecimento dos educandos e
do programa. Julgando-se importante o contato entre jovens produtores, o Núcleo
dava incentivo para que eles fossem a eventos, apostando que a experiência nesses
espaços de troca, ajudava-os a dá continuidade nos seus projetos mesmo diante
das dificuldades encontradas.
Servindo também de referência para que os jovens ampliem suas redes de intercâmbio pessoal e profissional, o Núcleo é a oportunidade de o educando dá
seguimento a sua formação, agora aprendendo com a prática profissional. Garantindo a continuidade de aprendizado e propiciando oportunidade, o maior
objetivo é transformá-los em produtores ativos.
Todo e qualquer trabalho (fotográfico ou audiovisual) realizado pelos jovens há remuneração financeira, e os “novos profissionais” tem total autonomia em
todas as etapas da realização dos serviços, seu olhar prevalece. Os clientes são em
geral instituições do terceiro setor e da área cultural que queriam/querem apostar em
novos tipos de produções, visando oportunizar essa leva de profissionais.
41
A atuação do Núcleo pode ser dividida em três vertentes para melhor
entendimento dos seus trabalhos: Projetos realizados através de leis de incentivo e
editais, prestação de serviços a terceiros e Incubadora de projetos jovens/Editais internos. Nesta pesquisa, abordaremos apenas a vertente dos Editais internos, já
que este ponto específico objetivava dar aos jovens formados oportunidades de
serem mais autônomos em seus projetos pessoais, sem nenhuma interferência dos
educadores.
2.3 Incubadora de projetos jovens/Editais Internos
As incubadoras de empresas desempenham a tarefa de estimular a
criação de empreendedorismo inovador e assessorar no desenvolvimento dessas iniciativas. Pensando dessa forma, a Incubadora de Projetos Jovens do Núcleo de
Produção foi criada para dar apoio aos jovens que buscavam desenvolver projetos
autorais. Para que isso fosse realizado, desejo e verba eram essenciais para produzir. Com essa premissa foram criados os Editais internos formativos da Kabum,
que visavam oportunizar aos jovens uma experiência empreendedora, colocando
suas ideias e projetos em prática. Um dos propósitos era a não interferência no
processo criativo dos educandos, deixando-os o mais livre possível. Pensando na
qualidade dos projetos inscritos, eram oferecidas aos alunos oficinas voltadas para elaboração de projetos. Depois de inscritos nos editais, os selecionados recebiam o
valor estipulado no regulamento para a produção, sendo de responsabilidade da
equipe executar e finalizar a obra, além de fazer a prestação de contas no final do
projeto.
Nesses doze anos de Oi Kabum! Salvador foram realizados quatro
editais, com algumas mudanças em cada edição. O primeiro edital foi em 2007 e
selecionou quatro projetos, três deles eram a execução de um produto audiovisual, e
o outro, uma revista eletrônica. A revista que era intitulada Grafite – O sonho e o
audiovisual As mães dizem nunca mais não foram finalizados. Os outros dois produtos chamavam-se: Baleiros21, dirigido por Marcelo Arjones, e Candomblé –
21 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=c-ja22C8Ohs
42
Visão Jovem22, dirigido por Gilson Barbosa. Os quatro grupos receberam cada um
R$ 2.000,00 reais para execução do projeto e eram formados por cinco pessoas.
Devido a não finalização de dois produtos do primeiro edital, no segundo
houve algumas mudanças. O dinheiro que antes era depositado todo de uma vez,
passou a ser entregue em mais de uma parcela. Sendo a última parcela liberada
com a entrega do produto final. Essa edição que aconteceu em 2009/2010 aumentou o número de projetos selecionados para 10. No entanto foram escolhidos
9: Carlos23, de Mariana Dornelas e Udimila Oliveira; Filtro dos Sonhos24, de Raiane
Vasconcelos e Meg Medeiros; e São Jorges25, de Marina Lima; que eram filmes
ficcionais; Liberdade e Não tenho medo, animações; Vitrine de poeira e Eu quero ser
criança, exposições fotográficas; Nossa mistura, um calendário; e E.C.A. para todos,
um cartão postal. Cada um deles ganhou R$ 3.000,00. Nesse edital, obrigatoriamente os produtos audiovisuais deveriam ser de ficção, trazendo um novo
desafio para os alunos, já que até então as produções eram quase sempre
documentais, matérias jornalísticas ou vídeos institucionais. No final do processo,
que durava seis meses, todos os produtos prontos foram exibidos em uma mostra na Oi Kabum! Salvador.
No terceiro edital, realizado em 2011/2012, o desafio era que os jovens
trabalhassem com instalações interativas. A exigência da vez era que em cada
equipe tivesse no mínimo um jovem de cada linguagem. Nesse período foi realizado o primeiro Seminário de Arte e Tecnologia da Oi Kabum! Salvador, trazendo
discussões relacionadas à arte digital. O valor passou para R$ 3.500,00, já o número
de contemplados continuou o mesmo, dez. Porém, apenas nove grupos se inscreveram, e cinco tiveram seus projetos selecionados: Sem limites, Na linha do
subúrbio, Sucata, Po-Imagem e Interart. Os Projetos articulavam não só arte e
tecnologia, mas buscavam um diálogo com questões sociais, políticas e culturais. Resultando na exposição Toque para mover sentidos um conjunto de instalações
interativas.
22 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gdgPWu-wgmw 23 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6BWmAKzf-Vw 24 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xNFSVuAIZwo
25 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=EN9jwZQGgSI
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O quarto edital tinha como proposta agregar a comunidade à Oi Kabum!
Salvador. Os selecionados obrigatoriamente deveriam desenvolver ações de
intervenção urbana nas comunidades e uma instalação tinha que ser exposta na galeria da Kabum. O valor saltou para R$ 5.000,00 e liberado em três parcelas, no
mesmo esquema de prestação de contas. O período do edital era de seis meses, e
foi realizado entre 2013/2014. Os três projetos selecionados foram: Submersos,
Objeto Comun e Nostress’art. Resultando na Exposição Interativa Olhares, trazendo
as três obras.
2.3.1 Editais I e II da Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia
Em todos os editais, os temas para inscrever os projetos eram criados
pelos próprios jovens, dando um indicativo dos seus interesses e dos caminhos de
atuação deles na sociedade. Tais jovens entravam nessa viagem para produzir com
uma bagagem maior adquirida de carga técnica, crítica e cultural apreendida durante
sua formação e com o privilégio de ter um olhar diferenciado, além da sua
experiência de vida na comunidade. Influenciando nas escolhas dos temas e
trazendo suas vivências para se construir novos conhecimentos, abordando
questões que os interessavam. Dessa forma, ao transpor suas ideias em obras
audiovisuais eles passavam/passam a se autorrepresentar e a afirmar suas
identidades a partir desta ferramenta.
Não quero nada para mim, mas tudo em conjunto. Quero contar histórias que meu vizinho, meus amigos, a moça da padaria se reconheçam. Acredito que o Edital é de grande relevância. Você sai de um local fechado e vai para rua. Agora você está só, e é preciso colocar em prática tudo que aprendeu. [...] Me apropriar da linguagem audiovisual é dar voz todas as minhas questões existenciais. Mulher preta da comunidade. É claro que vou falar disso, nem que seja nas entrelinhas (Marina Lima)26.
Nesse sentido, decidimos fazer um estudo das produções audiovisuais
dos dois primeiros editais que tinham uma abordagem mais ampla e havia
produções em vídeo, ao contrário do terceiro e quarto que se trabalhou apenas com
instalações interativas.
26 Entrevista concedida em Julho de 2016. Marina é uma das alunas egressa. Fez parte da III turma de Vídeo.
44
No primeiro edital foram produzidos dois filmes, sendo eles: Baleiros e
Candomblé – Visão Jovem. Já no segundo, foram três produtos audiovisuais
realizados: Carlos, Filtro dos sonhos e São Jorges.
Ao produzirem seus próprios produtos, os jovens podem falar de si e de
suas comunidades, sendo o olhar de dentro contando sua própria história. Na verdade todo o curso da Oi Kabum! se propõe a incentivar o jovem para que ele
trabalhe com a sua comunidade, isso é perceptível nos trabalhos e nos conteúdos
desenvolvidos durante o programa. O objetivo é justamente dá ferramentas para que
eles possam discursar através do audiovisual, resultando em um processo de
autorrepresentação. É nesse sentido que cada vez mais esses jovens buscam por
aperfeiçoamentos e novos tipos de aprendizados. Como diria Freire (1979, p. 37) às
massas querem participar mais na sociedade, e percebem que cursos de artes lhe dão uma perspectiva, fazendo com que esta participação aconteça.
[...] Algo cujo elo é a unificação da ciência com a educação e cujo destino é a transformação do conhecimento em consciência e da consciência na ação coletiva que fortaleça, no trabalho político de sujeitos das classes populares, o poder de transformar o seu mundo (BRANDÃO, 2002, p. 104).
Essa ideia de transformação está relacionada com a alteração de
perspectiva do jovem que passa a ter voz a partir da ferramenta audiovisual,
podendo ser caracterizada como uma mudança social. Esta ação transformadora
torna os jovens mais confiantes, empoderados e protagonistas.
Muitas das narrativas retratadas nessas produções são experiências
pessoais dos próprios realizadores. A maioria contam histórias que antes seriam
micro, no sentido em que são relatos pessoais ou de dentro da comunidade, mas
que se tornam macro, porque acabam sendo histórias também vividas ou parecidas
com a de outras pessoas em outros espaços ou comunidades populares.
[...] determinados filmes conseguem inserir a história pessoal numa história muito mais ampla, numa história coletiva; ou abordar essa história coletiva através da história pessoal [...] (BERNARDET, 2005, p. 153).
O nosso interesse não é evocar um tipo específico de produção a partir
dos filmes trabalhados, nem homogeneizar essas produções e generalizá-las. O que
se pretende é expor as diferenças e características presentes nesses cinco filmes produzidos por jovens vindos de dentro da comunidade, e que a partir de sua
45
formação na Oi Kabum! Salvador encontraram um meio de criar seus próprios
discursos.
Não se trata de uma comunidade única e preexistente a ser retratada, mas, parafraseando Jean Rouch, de algo como uma “comunidade do filme”. Ou seja, um grupo que se cria – e se recria – em torno da realização do filme. [...] Abre-se, portanto, um campo para que a comunidade possa, em tese, retrabalhar seus espaços, tempos e imagens (ALVARENGA, 2004, p. 32).
Buscou-se conhecer e entender mais a fundo esses produtos, e o que de
imediato se constatou foi o uso do audiovisual como ferramenta política, onde
concede aos jovens a oportunidade de mostrar suas comunidades através de suas
perspectivas. Falamos, nesse sentido, de um “olhar de dentro” que constrói e faz o
filme. E é esse olhar que interessa para nós, um olhar que cria essas produções se diferenciando das demais. São Jovens que agora podem falar de seus próprios
espaços e vivências na comunidade, “e o modo como, nesse processo, tornam
visível esses espaços e acionam e/ou (re)elaboram representações sociais já
recorrentes, seja na televisão ou no cinema” (ZANETTI, 2010, p. 14).
No plano geográfico somos simbolicamente separados e divididos em
dois grupos distintos nas grandes cidades: entre o morro e o asfalto, entre o centro e
a periferia, entre o “meu lugar” e o “lugar do outro” (ZANETTI, 2010, p. 14). Nessa
perspectiva, aquilo que era produzido pelo outro que vindo de fora tinha um olhar
estrangeiro, agora é pensado e criado por “nós” vindos de dentro. Assim, as
comunidades passam a ser protagonizadas por seus próprios moradores e
representantes.
Nos produtos em questão, a violência é o fator mais abordado. Os curtas
trazem um viés que mostra a criminalidade de um lado e, de outro, pessoas
inocentes que sofrem os “problemas” da comunidade. Nesse sentido, mesmo
mostrando a precariedade, a violência, o descaso; e destacando esses espaços
como lugares “abandonados” pela sociedade, os produtos evidenciam um tipo de
comunidade, em que há de fato criminalidade, que pessoas morrem devido ao tráfico e a violência. Mas, além disso, nos apresentam também o outro lado, o das
famílias do bem que lutam por sobrevivência e uma população que busca ter
oportunidades procurando se desenvolver. É evidente a intenção desses produtores
populares que tem um ideário político e que está implícito nos produtos, mas que é
46
percebido a partir do momento que apontam a câmera para sua comunidade e
chamam a atenção da sociedade a partir dos seus pontos de vista.
Todo o conhecimento estudado durante os dezoito meses de curso reflete
nas escolhas dos temas dos projetos desses jovens, que envolvem temáticas
ligadas ao seu cotidiano, a suas vidas ou a temas mais abrangentes que envolvem
os direitos humanos e questões políticas e sociais de seus interesses.
Quando o homem compreende sua realidade, pode levantar hipóteses sobre o desafio dessa realidade e procurar soluções. Assim, pode transformá-la e com seu trabalho pode criar um mundo próprio: seu eu e suas circunstâncias (FREIRE, 1979, p. 30).
O que se percebe diante de tais produções é a tentativa usada pelos
jovens de através do audiovisual “alfinetar” a sociedade, de provocar, de dizer que
há pessoas do bem vivendo em tais comunidades ou que há jovens morrendo nesses espaços. Uma das formas de protesto que eles encontraram é através do
audiovisual.
2.4 Produções audiovisuais
2.4.1 Baleiros
Todo trabalho é honesto, ganhar seu salário desde que não seja prejudicando ninguém é digno e se faz importante para sobreviver neste mundo que
as oportunidades estão escassas.
Em Baleiros é mostrado o dia a dia de homens que trabalham vendendo
doces (balas, chocolates, chicletes) nos ônibus urbanos na cidade de Salvador. O
filme começa apresentando seu “local de trabalho”, vemos alguns ônibus passando,
47
um baleiro atravessando a rua, e em seguida os baleiros exercitando a profissão.
Para contextualizar essas imagens, é cantada uma música em voz off27 com a
seguinte letra:
Bom dia mano Vasp. Direto do lobato, dia a dia vou vivendo, pode crer, passo a passo. Sempre vou procurando meu sucesso, por isso, estou na rua, estou vendendo caramelo. Para poder sobreviver ganhado sempre o meu troco. Recito poesia e me chamam até de louco. Mas aí, tô na rua, estou na fé. Graças a Deus! Caramelo e baré.
Em seguida começam os depoimentos. Neles alguns vendedores falam
que devido à falta de oportunidades e ao número alto de desemprego acabaram
optando pelo trabalho autônomo dentro dos ônibus. Um deles relata que desde os
oito anos de idade vende pipoca na rua, e hoje tem vinte e um anos de experiência.
Outro rapaz diz que é o seu único meio de sobrevivência.
Algo percebido e importante de destacar é que todos demonstram ter orgulho do que fazem, mas expõem o preconceito vivido no dia a dia. Segundo um
deles, as pessoas acham que só porque são baleiros eles necessariamente têm que
ser analfabetos. Neste ponto o documentário chama a atenção para os estigmas
criados pela sociedade quando se trata de pessoas “pobres” vindas de
comunidades, já que vir desses espaços pressupõe ser pobre, criminoso, e ainda, analfabeto.
Em seguida, é apresentada uma criança com uma média de onze anos.
Diferentemente dos outros entrevistados ele não fala do seu cotidiano como baleiro
ou de como começou a trabalhar. O que é mostrado é seu discurso usado ao entrar
nos ônibus durante seu dia de trabalho.
Boa tarde pessoal! Chegaram os deliciosos passatempos da sua viagem. Na promoção e na qualidade. Essa é a barra de Dona Maria, feita a noite e vendida de dia. Ta na embalagem de Seu José, fez sentado, vende em pé. Eu passo na sua porta seu cachorro late, acha que eu não vendo barra de cereais e chocolate? Se seu filho chorar não bata nele, compre a barra de cereais e dê pra ele. Chorou de novo, porrada nele28.
Um dos baleiros comenta que a forma de abordar o público é muito
importante para vender o produto e que é preciso saber falar para ganhar o cliente.
27 É uma voz que está inserida no mundo ficcional e dialoga com os personagens, mas não vemos o interlocutor.
28 O nome da criança não é divulgado.
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Um deles diz que tem que “fazer um teatro... tem que ter a divulgação do seu
produto senão não vende”. Outro comenta que “procura botar uma vozinha assim,
que nem de locutor pra chamar atenção dos passageiros”.
É perceptível que embora haja os preconceitos da sociedade contra esta
e outras profissões, os baleiros estão felizes em seus trabalhos, e relatam inclusive
que dá para tirar até dois salários mínimos. Comentam que não pensam em trabalhar em outra coisa, e que não se veem sendo mandados por um patrão. Nesta
profissão “nós mesmos somos os patrões”.
Um dos baleiros conta uma experiência que aconteceu quando o ônibus que ele estava foi assaltado e que desesperado com a mercadoria ele não sabia o
que fazer. Foi quando o ladrão gritou para o parceiro e para os passageiros que iria
levar tudo, menos as coisas do baleiro. Ele relata que ficou mais tranquilo, mas ao
mesmo tempo com medo da reação que as pessoas teriam a partir da fala do
assaltante.
Ironicamente, todos os entrevistados, incluindo a criança, são homens
negros vindo de comunidades populares de Salvador. Enfatizando, dessa forma, a
falta de oportunidades. Complicando ainda mais o quadro se o rapaz também for
negro, pobre e vir da comunidade. Um dos baleiros chega a dizer que a “opção” que
ele tem para trabalhar em Salvador é essa, e é o que sustenta ele e sua família.
O filme é bem trabalhado e discute, a partir da vida dos baleiros, temas como a desigualdade social, desemprego e trabalho infantil. Provocando o
espectador para que ele pense sobre esses temas tão comuns nas nossas vidas,
mas ao mesmo tempo esquecidos por nós e pelo próprio poder estatal.
2.4.2 Candomblé – Visão Jovem
49
O filme começa com os créditos iniciais onde a câmera é um ponto de
vista que simula um olho abrindo e fechando. Quando aberto, este olho nos
apresenta uma celebração, mas à medida que a pálpebra desse olhar se fecha os
nomes dos envolvidos no documentário é apresentado. Há uma música extradiegética29 que acompanha essa apresentação. Em seguida temos um close
up30 desse olho e vemos refletir nele as imagens da celebração.
Posteriormente, há alguns planos31 de uma comunidade popular e nos é apresentado um rapaz negro. No decorrer dessas imagens é acrescentada sua voz off que nos conta um pouco da sua vida. O jovem comenta que é agente noturno e
busca estar sempre atento em seu trabalho. De repente, sem nenhuma introdução,
deixando o espectador sem entender exatamente do que se trata, ele começa a falar
sobre um curso que dá e que os alunos se interessam muito por questões que
envolvem arte.
Em seguida, sentado em uma área externa o rapaz se apresenta. Seu
nome é Reginaldo de Jesus e reside no bairro Fazenda Coutos em Salvador. A partir
desse momento o documentário passa a falar do candomblé com base na visão desse rapaz. Reginaldo comenta que mesmo crescendo em um ambiente onde a
religião era presente em sua vida ele não a conhecia e carregava alguns
preconceitos dentro de si. Sua avó, que era uma mãe de santo, tinha o desejo de
29 Segundo Michel Chion, o som extradiegético é aquele que não pertence a diegese do filme, ou seja, que não faz parte da narrativa, e que supostamente foi inserida na montagem.
30 É um plano fechado. A câmera está posicionada bem próxima onde se focaliza apenas uma parte do objeto ou assunto filmado.
31 O plano cinematográfico é a parte do filme rodada em uma única tomada. E é limitado por um enquadramento e por uma duração.
50
que o jovem fosse um herdeiro na casa. E é a partir desse contexto, que aos poucos
o rapaz foi se encontrando na religião.
O babalorixá, Darí Mota, comenta como o jovem começou a se aproximar
do candomblé. Segundo ele, Reginaldo primeiramente veio conhecer e assistir a
uma das festas, mas logo em seguida o procurou e pediu para frequentar, ao
mesmo tempo em que, fez alguns questionamentos para entender do que realmente se tratava a religião.
Segundo Reginaldo, ainda quando criança assistia algumas reuniões na
casa de sua avó. Antes ele achava que o candomblé era coisa do demônio, como muitos costumam falar, e devido a essa visão preconceituosa, por vezes, houve uma
rejeição de sua parte. Esse pensamento “caiu por terra” a partir do momento que se
buscou entender mais a religião.
O jovem também comenta que essa má visão que as pessoas têm do
candomblé e que ele também tinha, é na verdade um olhar errôneo. Ao seu ver, a
religião é bem humana, acolhedora, e abraça aqueles que decidem seguir esse
percurso. Foi e é onde ele encontrou um ponto de paz, de harmonia e refúgio.
Contudo, ele explica que provavelmente magoou e deixou algumas pessoas tristes,
pois durante muito tempo ele fez parte da religião cristã e lá construiu muitas
amizades. Weliton Ribeiro, um de seus amigos, relata que conhece Reginaldo a
doze anos e que quando o rapaz entrou para o candomblé logo avisou para seus
amigos mais próximos. Com medo, Reginaldo chegou a perguntar a Weliton se eles
ainda seriam amigos e o rapaz respondeu que uma amizade de longas datas não
seria destruída devido as suas escolhas pessoais.
Neste documentário, para complementar as entrevistas, são introduzidas
entre elas, imagens de uma celebração. Todos estão de branco e a iluminação da
cena é composta apenas por velas. Há batuques que imediatamente remetem ao candomblé. Os planos desse ritual são feitos com câmera na mão e as cores da
imagem são saturadas e quentes, enquanto que nas entrevistas a câmera é fixa e
temos nas imagens uma tonalidade mais neutra.
É interessante salientar que o filme não busca explicar como funciona, e
como é a religião e/ou as celebrações. Mas a partir das entrevistas percebe-se a
51
tentativa de diminuir os estigmas e os preconceitos que são criados. E que essa
“diminuição” pode acontecer quando se busca conhecer e pesquisar. Foi o caso do
próprio Reginaldo, que mesmo tendo a família como adepta a religião, carregava alguns preconceitos por não a conhecer, e só conseguiu superar isso quando, de
fato, foi aberto a entender e compreender a fundo toda a história do candomblé.
2.4.3 Carlos
Ao som de dois tiros nos é apresentado o nome do filme. A primeira cena
é composta por close up do rosto de um jovem negro embaixo de uma mesa. Sua
feição é de alguém que está com medo, desesperado e se escondendo de algo. A
câmera foca no seu olhar e o som ajuda a enfatizar a agonia do rapaz. Em seguida o
vemos andando em um cemitério carregando flores na mão, deixando-as em um dos
túmulos. Depois volta a imagem dele embaixo da mesa, a diferença é que agora
temos acesso ao seu ponto de vista, onde vemos outro rapaz negro atirando em
direção a alguém. Volta-se a sequência do cemitério e logo em seguida o jovem caminha até chegar a sua casa. Neste novo ambiente nos é revelado que seu nome
é Pedro e há uma semana que seus pais foram assassinados devido a uma dívida
do seu irmão no tráfico de drogas. Toda essa revelação é apresentada ao
espectador a partir do diálogo de sua avó que depois da morte dos pais de Pedro
passou a cuidar do jovem.
A senhora grita para que Pedro vá embora, desapareça. Na rua, ele é
surpreendido por sons de tiros e vozes distorcidas que vem da sua mente. Ao seu
lado há um ser com um capuz preto que provavelmente representa a morte. Nesse momento o filme faz uma alusão a muitos jovens populares que são mortos
52
frequentemente nas comunidades por se envolverem com o tráfico de drogas. No
caso de Pedro o envolvimento ocorreu, não através dele, mas do seu irmão que
causou a morte dos seus pais e desestruturou toda a família. A autorrepresentação nesse caso mostra que dentro da comunidade há muitos jovens, principalmente
rapazes, que perdem a vida para a criminalidade. O resultado, quase sempre, é o
homicídio que tem crescido entre as juventudes.
Com um gesto Pedro pega sua mão e “cria” uma arma. Levantando o
polegar acima do punho e usando o indicador como o cano, Pedro leva a arma em
direção a sua cabeça, num movimento que indica que ele vai cometer suicídio. Seu
sentimento naquele momento é de agonia, acompanhado de um forte desejo de ser
expulso da sua infelicidade. Angustiado com sua vida, o jovem fecha os olhos e
puxa o gatilho.
Em outro plano Pedro se levanta assustado e segue andando até chegar
a uma avenida onde passam alguns carros. Amargurado, a falta de perspectiva de
Pedro é grande, e ele faz o que poucas pessoas tem coragem de fazer: decide partir. Partir “sei lá pra onde”, partir para um recomeço, longe da criminalidade que
ele vivenciou de tão perto. Partir em busca de uma oportunidade, de uma vida
melhor, de uma moradia em paz e de tranquilidade. O personagem fictício que
representa muitos outros personagens reais vai embora procurando esquecer toda
dor vivida com a perda do irmão e dos pais. É isso que Pedro faz, vai tentar a vida
em outro lugar, longe do sangue derramado de sua família e de tantas outras
famílias da comunidade.
Pedindo carona dentre tantos carros que passa ali, quem para é um caminhão baú que faz carreto. Sem destino o rapaz se apresenta ao motorista com
um novo nome: Carlos!
Este caminhão de mudança significa na narrativa um novo começo para este jovem. Além disso, a surpresa do seu novo nome é um recurso importante do
roteiro e enfatiza essa mudança em sua vida. Agora sendo Carlos, ele almeja
recomeçar do zero. Com uma nova identidade, em um novo lugar, seja lá qual lugar
for.
53
Há um ditado que diz que “No fim do túnel sempre há uma luz”, o filme em
seus últimos segundos de alguma forma quer dizer isso. O jovem que decide ir
embora “do seu lugar”, a partir desse recomeço, tem esperança de vencer um dia. Há em Carlos uma pequena luz esperançosa ainda acesa, que insiste para que ele
continue mesmo com todos os problemas vivido, que continue, mesmo sendo longe
dali.
2.4.4 Filtro dos sonhos
As primeiras cenas são de um palhaço fazendo alguns gestos ao som de
uma música extradiegética que remete a truques. Em seguida nos é apresentado um
jovem negro acordando, atrás dele vemos filtro dos sonhos. Ao se sentar temos seu
ponto de vista que mostra uma roupa de palhaço, evidenciando que aquele palhaço
no início do filme é este rapaz.
Enquanto sua mãe prepara o café da manhã e o rapaz, que descobrimos
se chamar Éder, se arruma, ouvimos a voz de um locutor que vem do rádio da casa
narrando o assassinato de dois jovens.
Ao chegar a cozinha, Éder, de forma espontânea, diz: “A companhia de
teatro apresenta Sarapatel”. Ao sentar-se à mesa, sua mãe fala que está
preocupada com a violência na cidade, e principalmente, em seu bairro, pede que o
filho não saia e que cancele o espetáculo. Éder retruca dizendo ser sua estreia no
teatro e insiste em sair mesmo assim. Novamente ouvimos a narração do rádio que
conta mais um caso de assassinato. Antes de o jovem sair ele volta e desliga o som.
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O jovem sai de casa e vemos outro filtro dos sonhos, agora preso na
porta da entrada. É apresentado um plano de uma garota caminhando. Éder a
encontra e com um gesto pede que ela o espere, ao virar-se de costa o rapaz coloca um nariz de palhaço e a surpreende. Em um plano fixo lateral, o jovem dá uma flor à
moça que agradece e toca em seu rosto. Sem precisar de diálogos entendemos que
ambos se gostam, a música de fundo ajuda a dar um clima romântico e poético à
cena.
De repente, as imagens são apresentadas de trás para frente até
ouvirmos o som de um tiro e um plano que mostra sua mãe, que de costas, vira-se.
Logo em seguida vemos um outro plano que mostra o rosto do rapaz que escorre
sangue. Seus olhos estão cheios de lágrimas. Nesse momento, vemos a vida de um
jovem com um belo futuro pela frente, ser interrompida. O som do filme fica mudo, é como se o tiro tivesse ensurdecido tanto o personagem, como o espectador.
Em seguida, é apresentado três imagens quase fixas de Éder caído no
chão. O silêncio continua. Depois de sua morte não se ouve mais nada. O filme termina sem som algum.
No final em um intertítulo está escrito: “Este filme é uma homenagem a
todos os jovens moradores de comunidades populares, que tiveram seus sonhos
interrompidos”. É preciso salientar aqui que esta história, embora seja apresentada como uma ficção em Filtro dos sonhos é na verdade um fato que aconteceu com um
rapaz no Nordeste de Amaralina, em Salvador, e que era amigo de muitos jovens que participavam na época do programa Oi Kabum!. Esses amigos encontraram no
filme uma forma de expor parte dos seus sentimentos, suas angústias e indignação diante dessa tragédia.
2.4.5 São Jorges
55
O filme conta a história de três Jorges. Na primeira cena temos um dos Jorges que, quebrando a quarta parede32, olha para a câmera, fazendo com que o
espectador passe a ser testemunha do seu infortúnio de vida. Este primeiro rapaz
explica que sua mãe o colocou este nome porque todos os nomes dos seus irmãos
começam com a letra “J”. O rapaz, que tem uma filha, diz que mata um dragão para
poder trazer o leite (alimento) para dentro de casa.
O segundo Jorge, comenta que seu nome é esse pelo simples fato dele
ter nascido em frente à Paróquia de São Jorge. Este jovem, que é um militar,
fazendo uso da sua profissão, comenta que precisa matar um dragão para manter a
ordem na cidade.
A imagem volta para o primeiro Jorge, que após ter feito uma das
refeições, fala para sua filha, com cerca de três anos, que está indo trabalhar. A
esposa se despede do marido e fica com a menininha em casa, enquanto o rapaz
vai em busca da sobrevivência da família. Um plano do Jorge militar pegando sua
arma e saindo de casa é introduzido.
Depois é apresentado o terceiro e último Jorge. Quebrando também a quarta parede, ele relata que tem este nome porque sua mãe é católica. Ela, que
não saia da igreja, acabou dando a luz dentro da sacristia e teve seu parto feito pelo
Padre Jorge. O rapaz também comenta que foi praticamente obrigado a seguir a
religião. Primeiro tornou-se coroinha até virar padre e perder sua batina por ter se
32 O termo é derivado do teatro. Juntamente com as outras três, a quarta parede delimita o espaço do palco. Esta quarta seria uma parede imaginária que separa a plateia que passiva assiste a ação encenada. Quando há a quebra dessa quarta parede a ilusão do teatro é perdida.
56
envolvido com uma freira. Hoje, mesmo desempregado, ele não perde a fé e mata
“um dragão por dia pra sobreviver nesse mundo de meu Deus”.
O ex-padre, sentado num banco de uma pequena praça vazia ouve
música no seu aparelho mp3. De repente, é surpreendido pelo primeiro Jorge que o
assalta. Logo em seguida chega o Jorge soldado. Os Jorges estão ali, no mesmo
ambiente, cada um tentando sobreviver de uma forma, nenhum sabe da vida do outro, são três Jorges que se cruzam ironicamente. Porém, com um tiro, o militar faz
os dois rapazes se assustarem, e sem ninguém machucado cada um parte para um
lado.
Depois, em planos separados, vemos cada um deles em suas casas, em
frente ao seus altares de São Jorge rezando a oração do Santo. Três Jorges com
algumas características em comum, dentre elas seus nomes e a religião.
De forma não muito exposta o que também está em questão nessa
história é o desemprego. São rapazes negros, dois deles desempregados, um que
rouba para sobreviver, outro que nem tem com o que trabalhar, e outro, que por
sorte, tem um emprego na área militar. O desemprego é exposto de forma sutil e
com ele muitos Jorges da vida real acabam se envolvendo na criminalidade para
sobreviver, passando a serem reféns do crime. Neste filme não se vê sangue, mas
há nele uma provocação que sugere a falta de perspectivas como um possível tema
que pode levar a morte.
57
CONCLUSÃO
As comunidades periféricas são vistas muitas vezes como territórios onde
a violência e o tráfico de drogas são os principais assuntos que circundam a
população. Estes estigmas e preconceitos geralmente estão associados às mídias
que veiculam esses espaços sempre associados à criminalidade. Pensando nessas
representações errôneas, jovens de bairros populares de Salvador e que estudaram na escola Oi Kabum! encontraram no audiovisual a possibilidade de criar suas
próprias representações, diminuindo a estigmatização e criando novas perspectivas
sobre a comunidade.
O interesse desta pesquisa se instaurou na possibilidade dos jovens falar
de si a partir de seus próprios mecanismos, considerando o audiovisual como um
aparato possível na autorrepresentação, já que há nas comunidades uma
multiplicidade de vozes e de histórias que nem sempre estão relacionadas ao mundo
do crime. Partindo deste conceito de autorrepresentação, percebemos que os
audiovisuais analisados, mesmo os de ficção, remetem a um universo de experiências próprias e pessoais, lembranças familiares, memórias afetivas,
vivências ou histórias de amigos. Construindo novas representações sociais dos
seus mundos, das suas vidas e das suas comunidades. É perceptível o sentimento
de pertencimento desses moradores que se torna um fator importante de articulação
para criação das suas representações.
Em relação a suas vidas, percebemos mudanças significativas. Portas se
abriram para que eles continuassem trabalhando. Mesmo os jovens que não
trabalham mais com o audiovisual, os relatos deles explicitam à importância que a Oi
kabum! teve em suas vidas, desenvolvendo um trabalho enriquecedor e de
transformação, e que lhes abriu um olhar para a carreira profissional. Houve, nesse
sentido, uma quebra das barreiras impostas pela exclusão social que é recorrente na
vida dessas juventudes populares, já que novos espaços foram ocupados por eles.
Como havia muitos produtos audiovisuais produzidos pelos alunos da Kabum durante os doze anos de funcionamento em Salvador foi necessário um
recorte para uma melhor investigação nas produções. No início, a ideia era
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relacionar filmes produzidos na Turma I de vídeo com os da Turma VI, a última
turma da escola. Contudo, ao observar os produtos do Núcleo de Produção!
Decidimos que seria interessante analisar os produtos dos editais, visto que neles os alunos desenvolviam um trabalho mais autônomo e sem a interferência dos
educadores, incentivando a construção de perspectiva a partir do seu cotidiano e
interesses.
O jovem Lenon Reis, diretor de fotografia de Carlos, relata que dentro da
escola eles tinham a liberdade de experimentar, de criar seus próprios repertórios de
autoafirmação, além de haver muitos debates que reforçavam seus pensamentos
críticos. Tudo isso fazendo com que influenciasse na sua construção de identidade e
de posicionamento social. Para ele, o audiovisual, principalmente os produzidos
dentro do Edital interno, permitiu criar e produzir a partir dos seus olhares. Hoje, ele continua trabalhando na área com o mesmo ideal de quando estava na Kabum,
utilizar a ferramenta como possibilidade de autorrepresentação. Fazendo parte do
projeto social Neojibá33 em Salvador, Lenon é responsável pelo setor de audiovisual
e desenvolve produtos na área.
A diretora do curta São Jorges, Marina Lima, comentou que sempre teve
uma relação muito voltada para a comunidade e quando entrou no programa levou
todas as suas referências pessoas “jovem do subúrbio, mulher, negra...” para junto
com o audiovisual ter voz e poder expressar todas as suas questões existenciais.
Em seu filme, ela quis mostrar a vida dessas pessoas das comunidades que “tem
que matar um dragão por dia” para sobreviver nesses territórios, já que as
oportunidades são poucas e inevitavelmente a criminalidade é muito presente.
Marina também comenta à importância que o edital teve em seu processo, já que ele
contribuiu para que o jovem fossem às ruas de forma independente visando praticar
o que aprendeu a partir de sua própria perspectiva. Atualmente ela trabalha no IPAC34 no laboratório de audiovisual e desenvolve atividades de fotografia e
33 Orquestra Juvenil da Bahia formada por jovens, em sua maioria negros e de comunidades populares, da cidade de Salvador. O programa do Governo do Estado beneficia mais de 4.600 crianças, adolescentes e jovens em seus Núcleos de Prática Orquestral e Coral e através de ações de extensão, como a Rede de Projetos Orquestrais da Bahia e o Projeto Neojibá nos Bairros. 34 Instituto do Patrimônio Artístico Cultural.
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audiovisual em escolas de ensino fundamental para jovens populares, além de
fotografar eventos que acontecem nos Museus da Dimus35.
Para Raiane Vasconcelos, diretora de Filtro dos sonhos, o curso na
Kabum foi um processo muito construtivo e de aprendizado. A partir do edital ela
percebeu que ali era o momento que se deparou com o medo e a ansiedade de
produzir um curta e viu que a linguagem audiovisual não estava tão distante da sua realidade podendo contribuir e motivar para que ela se expressasse. Hoje, ela
continua trabalhando na área e tem uma relação muito forte com fotografia. Faz
parte do Coletivo Cutucar junto com Marina Lima, onde desenvolvem alguns
projetos, dentre eles Mocambos Marginais36.
Em Carlos, uma das diretoras, Mariana Dornelas, conta que é muito
perceptível seu crescimento após a escola e que durante o curso eram reveladas
muitas particularidades e vivências de cada jovem, que foram aproveitadas dentro
do programa no processo de construção e reafirmação da identidade. Como
roteirista em seu curta, ela relata que não queria contar histórias clichês, recorrentes e de final feliz, mas algo que a fizesse se sentir representada. Dessa maneira, a vida
de Pedro/Carlos é contata com base em suas vivências dentro da comunidade, onde
ela viu muitos amigos e conhecidos morrerem devido à violência. Contudo, o intuito
dela não era somente mostrar esse lado da periferia, mas dá um indicativo de que é
possível recomeçar e refazer a vida, mesmo que às vezes este recomeço esteja fora
dali. Sobre o edital, Mariana o vê como uma forma de empoderamento, onde a
possibilitou reafirmar sua identidade, e ainda, ser mais autônoma em relação à criação e direção do curta. Depois da sua formação na Kabum, ela trabalhou em
uma empresa por quase três anos na área de fotografia e vídeo. Porém, por motivos
pessoais acabou saindo da área e no momento estuda Serviço social na UFBA37.
35 Diretoria de Museus do Estado da Bahia.
36 Mocambos Marginais – Olhares identitários sobre o subúrbio ferroviário é um projeto de exposição fotográfica onde se fotografam moradores do Subúrbio de Salvador em seu cotidiano e as fotos são impressas e expostas em paredes, muros, pontos de ônibus dos próprios bairros. Um dos objetivos é elevar a autoestima dessa população. Inclusive os cinco fotógrafos do projeto são também moradores incentivando a ideia do olhar de dentro que se autorrepresenta junto com seu território.
37 Universidade Federal da Bahia.
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Nos filmes analisados dos dois editais internos foram percebidas algumas
características que são interessantes destacar. Em Baleiros e Candomblé – Visão
Jovem, por exemplo, pode ser observada a promoção da comunidade, onde há uma
noção de pertencimento desses lugares. A periferia é retratada como um ambiente
onde existem pessoas do bem, que buscam por oportunidades e que vivem suas
vidas normalmente. Nesses dois curtas não se fala da violência e da criminalidade
que a comunidade em geral sempre é associada.
Já nos produtos do edital II foram produzidos três curtas de ficção que
tinham como tema principal a violência homicida. Contudo, cada um optou por caminhos diferentes na construção dessa violência. Em Carlos a violência é
cometida por um personagem que não o conhecemos, mas que está presente no
roteiro e que todo o desenrolar da história se dá a partir dele. No caso de Filtro dos
sonhos, o jovem sofre a violência, não sabemos quem a cometeu, mas a vida de um
rapaz é interrompida por uma bala perdida. Por último, temos São Jorges que relata
três vertentes diferentes, três Jorges que se encontram em uma praça onde há uma
cena de violência, mas que não acaba em assassinato, apenas sugere. Neste filme
podemos observar tanto o jovem que comete a violência, como o jovem que a sofre. Ambas as vertentes são impostas em um trabalho que na verdade quer falar da falta
de oportunidades e dos tantos dragões que é preciso matar para sobreviver nesses
territórios.
Ironicamente, todos os personagens dos cinco filmes analisados, são
rapazes negros, pobres e moradores das comunidades populares, comprovando os
dados estatísticos do Mapa da Violência (2014) onde podemos observar este público
como os que mais sofrem com a violência homicida desde a década de 1980.
Esses filmes são apenas uma pequena amostra das inúmeras produções
desses jovens populares que destacam e defendem o direito de autorrepresentação
como tentativa de combater os estereótipos e preconceitos impostos nas
representações midiáticas. Assim, acreditamos no diferencial desse público jovem
produtor que está no plano de criar suas próprias representações, assumindo um lugar de fala que os pertence.
61
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63
64
ANEXO I – Cartaz - Edital II
65
ANEXO II – Regulamento – Edital II
REGULAMENTO
IIo. EDITAL KABUM! NOVOS PRODUTORES
1. Introdução:
O 2º. Edital Kabum! Novos Produtores irá contemplar as 04 linguagens (vídeo,
computação gráfica, fotografia e design) e selecionará 10 projetos (02 de design, 02
de computação gráfica, 02 de fotografia e 04 de vídeo), sendo permitido a mistura
das linguagens nos projetos inscritos. Todas as etapas do processo de produção
durarão um ano (jan/08 a dez/08); e cada projeto receberá R$ 3.000,00 (três mil
reais), dividida em 3 parcelas (pré-produção: R$ 500,00; produção: R$ 1.500,00 e
finalização: R$ 1.000,00). As etapas acima serão definidas por linguagem.
Preferencialmente, as principais etapas ocorrerão no período das férias escolares, pois todos os selecionados desenvolverão seus projetos no Kabum! Novos
Produtores, das 13h às 18h, de segunda a sexta-feira. Os selecionados têm que
participar de todas as etapas do edital, podendo ser desclassificados com o não
cumprimento das regras. Abaixo o regulamento por linguagem:
Vídeo – O projeto será inscrito por 02 jovens nas funções de diretor/produtor ou
roteirista/produtor. Serão selecionados 04 projetos (02 documentários e 02 ficções).
Serão pré-selecionados 10 projetos que passarão por uma oficina de elaboração de
roteiro. Só depois dos roteiros prontos, é que a comissão julgadora selecionará os
04 premiados.
Computação gráfica – O projeto será inscrito por 02 jovens nas funções de
diretor/produtor ou roteirista/produtor Serão pré-selecionados 05 projetos que
passarão por uma oficina de elaboração de roteiro. Só depois dos roteiros prontos, é que a comissão julgadora selecionará os 02 premiados.
66
Fotografia – A equipe será formada de até 02 jovens. Serão pré-selecionados 05
projetos que passarão por uma oficina de Fotografia Contemporânea. Só depois é
que a comissão julgadora selecionará os 02 premiados.
Design - A equipe será formada de até 02 jovens. Serão pré-selecionados 05
projetos que passarão por uma oficina de Design Contemporâneo. Só depois é que
a comissão julgadora selecionará os 02 premiados.
2. Etapas do edital: 2.1 Inscrições (dez/08)– As inscrições serão abertas e divulgadas para todos os
egressos/alunos que participaram dos projetos da instituição. Será preenchida uma
ficha de Inscrição informando todos os dados necessários para seleção: nomes dos
integrantes, esboço/idéia do projeto, linguagem, informações para contato etc.
2.2 Oficina de Projetos (jan/09) – Os inscritos irão participar de uma oficina
ministrada por um profissional de elaboração de projetos. O objetivo é capacitar os
inscritos para inscreverem seus projetos dentro das regras dos editais e leis de
incentivo. O produto final da oficina é o projeto formatado e orçamento pronto.
2.3 Oficinas específicas (fev/09) – Os projetos pré-selecionados passarão por oficinas específicas por linguagem. O objetivo é desenvolver melhor o conteúdo, a
estética e conceito dos projetos.
2.4 Seleção (mar/09) – Serão convidados profissionais de cada linguagem para selecionar os projetos premiados. A comissão julgadora será composta de
profissionais de marcado que não fazem parte das instituições parceiras.
2.5 Pré-produção (abr/09 a jun/09) – Os projetos premiados irão desenvolver todas
as tarefas de pré-produção, como: fechamento de roteiro, seleção de equipa, story-
board, pesquisa de conteúdo e estética etc.
2.6 Produção (jul/09 a out/09) – As ações de produção se concentrarão mais no período de férias escolares.
2.7 Finalização (nov/09 e dez/09) – Aqui é a finalização e entrega dos produtos.
Será feita um evento de lançamento dos produtos para convidados.
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Objetivo:
viabilizar projetos autorais dos jovens egressos e participantes dos projetos da CIPÓ
– Comunicação Interativa, nas linguagens de vídeo, fotografia, computação gráfica e
design.
3. Regulamento:
1. Participarão jovens egressos e participantes dos projetos audiovisuais da CIPÓ –
Comunicação Interativa.
2. Os jovens autores dos projetos participarão, obrigatoriamente, de todas as etapas
do concurso. Serão desclassificados os que não cumprirem as regras estabelecidas.
3. Todos os projetos serão em parceria com o Núcleo de produção Kabum! Novos
Produtores, que cederá os equipamentos necessários para a produção, de acordo
com cronograma pré-estabelecido e acordado entre as partes. Todos os projetos
contarão, durante a sua produção, com o apoio do núcleo de produção e de profissionais da instituição.
4. As equipes de produção serão selecionadas pelos jovens autores na pré-
produção, que contratarão todos com cachê pela função desempenhada.
5. As inscrições serão feitas na sede da Kabum! Salvador, no Nordeste de
Amaralina.
6. Fichas de inscrição ininteligíveis ou incompletas não serão aceitas.
7. Serão desenvolvidos instrumentos de avaliação e reuniões de prestação de
contas durante o processo de produção, onde será obrigatória a presença dos
jovens autores.
8. Será divulgado o resultado pó e-mail e na sede da Kabum!.
9. Os projetos selecionados têm que estar rigorosamente dentro do orçamento
proposto pelo núcleo.
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10. Os projetos selecionados serão liberados para a inscrição em mostras e festivais
de vídeos nacionais e internacionais, portanto as equipes responsáveis pelos
mesmos terão que assinar uma carta de autorização para esse fim no ato da seleção final e a partir da aceitação das normas do regulamento para produção. Em
caso de premio, o dinheiro será revertido em outro projeto da equipe ganahdora.
Datas de inscrição:
01 a 12 de dezembro de 2008
Datas das oficinas:
- Elaboração de Projetos e orçamento: de 12 a 28 de janeiro de 2009
- Roteiro, Story Board, fotografia e design: de 03 a 18 de fevereiro de 2009
Resultado da seleção:
1ª. Etapa – 30 de janeiro de 2009.
2ª. Etapa – 16 de março de 2009.
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ANEXO III – Ficha de inscrição – Edital II
Kabum! Novos Produtores
IIº CONCURSO AUDIOVISUAL DA KABUM! NOVOS PRODUTORES
FICHA DE INSCRIÇÃO n° ________
Projeto (nome):
_______________________________________________
Linguagem do projeto:
( ) Vídeo ( ) Fotografia ( ) Computação Gráfica ( ) Design
Proponentes:
1. _________________________________________________
2. _________________________________________________
Telefones: ______________________________________________
e-mails : ______________________________________________
Esboço/idéia do projeto:
__________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
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APÊNDICE - Questionário
QUESTIONÁRIO
Nome:
Filme do Edital I e/ou II que participou:
Função (es) :
1) Como você analisa o processo, vivido na Kabum, de apropriação da linguagem audiovisual e suas “ferramentas” como instrumento de expressão, de representatividade, e de afirmação de identidade? De que forma o trabalho realizada através do edital interna da kabum dialoga com essa questão?
2) Atualmente você continua atuando/trabalhando com as ferramentas audiovisuais? De que maneira?
3) Estabeleça um comparativo entre os trabalhos audiovisuais que você realizou no período em que estava vinculado à Kabum e atualmente?