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UFSM TESTAGEM DE PROFICIÊNCIA EM LEITURA EM INGLÊS: EXAMINANDOS E TESTE COMO FONTES DE ENTENDIMENTO SOBRE ESSE PROCESSO Hamilton de Godoy Wielewicki DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM LETRAS Fevereiro, 1997

UFSM TESTAGEM DE PROFICIÊNCIA EM LEITURA EM INGLÊS

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UFSM

TESTAGEM DE PROFICIÊNCIA EM LEITURA EM INGLÊS: EXAMINANDOS E TESTE COMO FONTES DE ENTENDIMENTO SOBRE

ESSE PROCESSO

Hamilton de Godoy Wielewicki

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM

LETRAS

Fevereiro, 1997

TESTAGEM DE PROFICIÊNCIA EM LEITURA EM INGLÊS: EXAMINANDOS E TESTE COMO FONTES DE ENTENDIMENTO SOBRE ESSE PROCESSO

por

HAMILTON DE GODOY WIELEWICKI

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Letras, Estudos Lingüísticos, da Universidade Federal de Santa Maria (RS), como requisito

parcial para a obtenção do grau de MESTRE EM LETRAS.

Santa Maria, RS - Brasil

1997

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

A COMISSÃO EXAMINADORA, ABAIXO ASSINADA, APROVA A DISSERTAÇÃO

TESTAGEM DE PROFICIÊNCIA EM LEITURA EM INGLÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NUMA UNIVERSIDADE FEDERAL BRASILEIRA

ELABORADA POR HAMILTON DE GODOY WIELEWICKI

COMO REQUISITO PARCIAL PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE

MESTRE EM LETRAS

COMISSÃO EXAMINADORA:

_________________________________ Désirée Motta Roth - Orientador

_________________________________ José Luiz Meurer - UFSC

_________________________________ Margarete Schlatter - UFRGS

Santa Maria, 04 de fevereiro de 1997.

iii

À Angélica, Raquel e Fernando,

pelo estímulo constante,

crescimento compartilhado e

paciência sem medida.

AGRADECIMENTOS

Aos examinandos que colaboraram na pesquisa, sem os quais esse

trabalho não seria possível.

À equipe de professores do Departamento de Letras Estrangeiras

Modernas da UFSM, pelo apoio e encorajamento.

À professora Anna Maria Becker Maciel (UFRGS), pela orientação

inicial e pelo estímulo à realização deste trabalho.

Ao professor Dr. Luiz Paulo Moita Lopes (UFRJ), pelas sugestões

recebidas.

À Marlei Marcuzzo, da Divisão de Apoio ao Usuário do Centro de

Processamento de Dados da UFSM, pela inestimável ajuda com o

processamento estatístico do trabalho.

À Coordenação e funcionárias do Mestrado em Letras da UFSM, por

terem ajudado a criar as condições para o desenvolvimento deste trabalho.

À CAPES, pelo apoio financeiro recebido.

Aos colegas da UNIJUÍ, pela compreensão e apoio.

Ao Titi, Antônia e Vitória, pelas incontáveis horas de perturbação que

criei.

Aos membros da Banca Examinadora, pela atenção e sugestões

recebidas.

E, muito especialmente, à minha orientadora, professora Dra. Désirée

Motta Roth, por ter acompanhado cada passo dessa jornada, com extrema

dedicação, compreensão e respeito.

RESUMO

TESTAGEM DE PROFICIÊNCIA EM LEITURA EM INGLÊS:

EXAMINANDOS E TESTE COMO FONTES DE ENTENDIMENTO SOBRE

ESSE PROCESSO

Autor: Hamilton de Godoy Wielewicki

Orientadora: Désirée Motta Roth

Em função de grande parte do conhecimento na ciência hoje estar

essencialmente veiculado em língua inglesa, a habilidade de leitura em

inglês para fins acadêmicos (ESP) tem sido vista como uma das condições

fundamentais para ingresso e continuidade em cursos de pós-graduação em

universidades brasileiras. Nesse contexto, a comprovação da habilidade de

leitura em ESP tem sido freqüentemente exigida através de testes

especialmente desenvolvidos para esse fim. O objetivo do presente

trabalho, portanto, é discutir o processo de testagem em leitura em ESP em

uma universidade federal brasileira a partir de uma perspectiva que

considere tanto o teste, quanto o ponto de vista dos examinandos, de forma

a propiciar um melhor entendimento dos possíveis fatores de influência

sobre o índice de aprovação dos examinandos. Inicialmente analisou-se a

edição de abril de 1996 do teste de proficiência da UFSM, tomando-se por

base as micro-habilidades de leitura subjacentes às suas questões. Em

seguida, através de um questionário, sondou-se a auto-avaliação da

habilidade de leitura em ESP de 61 examinandos, confrontando-se esses

dados com o conceito efetivamente obtido por esses sujeitos no teste. Os

resultados demonstram que a maioria dos examinandos auto-conceituou

sua habilidade de leitura como equivalente ou superior a ‘bom/razoável’.

Isso parece estar associado ao fato desses examinandos já estarem em

vi

estágios relativamente avançados de seus cursos, julgando-se capazes de

fazer as leituras necessárias ao desenvolvimento de seus projetos de

pesquisa. Apesar disso, os resultados mostram um índice de reprovação de

45.9%, o que parece estar associado à dificuldade dos examinandos em

localizar informação específica no texto e em responder a questões que

demandem um conhecimento mais apurado de sintaxe. Portanto, muitas

das dificuldades apresentadas pelos examinandos podem estar

relacionadas a diferenças entre os conhecimentos sistêmico e esquemático

necessários à leitura do texto proposto e aqueles usados habitualmente

pelos sujeitos na leitura dos textos de suas respectivas áreas. Nesse

sentido, sugere-se o incremento de pesquisas que discutam a relação entre

ensino e testagem, o nível de especificidade de testes e o papel da

testagem de proficiência enquanto processo de seleção no contexto

acadêmico.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS Autor: Hamilton de Godoy Wielewicki Orientadora: Désirée Motta Roth Título: Testagem de proficiência em leitura em inglês: examinandos e teste

como fontes de entendimento sobre esse processo Dissertação de Mestrado em Letras - Estudos Lingüísticos Santa Maria, 04 de fevereiro de 1997.

ABSTRACT

ESP READING PROFICIENCY TESTING: TEST AND TESTEES AS

SOURCES OF UNDERSTANDING OF THIS PROCESS

Author: Hamilton de Godoy Wielewicki

Advisor: Désirée Motta Roth

One of the basic assumptions about students of graduate programs in

Brazilian universities is that they should be able to read in English for

Specific or Academic Purposes (ESP) in order to deal with the large amount

of scientific information available in that language. Due to that, such students

are usually required to demonstrate their ESP reading ability, through

proficiency tests specially developed by those universities. This work aims at

discussing the testing procedures of ESP reading proficiency at a Brazilian

university, from a perspective that takes both the test and the testees into

account, in order to provide a better understanding of the factors that might

influence the testees’ passing rate. Firstly, the test taken in April 1996 was

analised in terms of the reading micro-skills underlying the questions. Next,

the data about the 61 testees’ evaluation of their own reading ability in ESP

were discussed and later correlated with their actual scores obtained in the

test. The results show that most testees considered their own ESP reading

ability to vary between satisfactory and good. This, in turn, seems to be

related to the fact that they are already at advanced stages of their studies

and, presumably, consider themselves to be able to read the material

necessary for the accomplishment of their research work. In spite of that,

45.9% of the testees failed in the test. That might be associated with the

difficulty they face when answering questions for specific information in the

text and syntax. Therefore, to a great extent, the difficulty faced by the

viii

testees might be related to differences between the systemic and schematic

knowledge necessary for the accomplishment of the reading tasks in the test

and the ones usually need by these subjects while reading texts in their own

disciplinary fields. Further research is needed on the relationship between

teaching and testing, the lack of specificity of proficiency testing, and the role

of proficiency testing as a screening process in the academic context.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS Author: Hamilton de Godoy Wielewicki Advisor: Désirée Motta Roth Title: ESP reading proficiency testing: testees and test as sources of

understanding of this process Master Thesis in Linguistic Studies Santa Maria, February 4th., 1997.

SUMÁRIO

RESUMO ................................................................................................. v

ABSTRACT ............................................................................................. vii

LISTA DE TABELAS .............................................................................. xii

LISTA DE FIGURAS ............................................................................... xiii

LISTA DE APÊNDICES ........................................................................... xiv

INTRODUÇÃO ........................................................................................ 1

1.1 Pesquisa em Lingüística Aplicada ..................................................... 3 1.2 Organização do trabalho ................................................................... 9

2 LEITURA ............................................................................................. 12

2.0 Considerações iniciais ...................................................................... 12 2.1 Modelos ascendentes (bottom-up) de leitura .................................... 13 2.2 Modelos descendentes (top-down) de leitura ................................... 15 2.3 Modelos interativos de leitura ........................................................... 19 2.3.1 Modelo interacional de leitura proposto por Moita Lopes .............. 23 2.3.2 Modelo interativo de leitura proposto por Cavalcanti ..................... 27 2.4 Leitura em inglês para fins acadêmicos (ESP) .................................. 32 2.5 Considerações finais ......................................................................... 40

3 TESTAGEM DE PROFICIÊNCIA EM LEITURA .................................. 40

3.0 Considerações iniciais ...................................................................... 40 3.1 Perfil histórico da pesquisa sobre testagem de proficiência ............. 43 3.2 Concentração em uma língua e baixo desempenho dos candidatos. 51 3.3 Validade ............................................................................................ 53 3.3.1 Validade de conteúdo ..................................................................... 57

x

3.3.2 Validade aparente .......................................................................... 58 3.4 Fidedignidade .................................................................................... 59

3.5 Taxonomia de micro-habilidades de leitura (Munby, 1978) .............. 63 3.5.1 Habilidades motoras e perceptuais ................................................ 65 3.5.2 Conhecimento lexical ..................................................................... 66 3.5.3 Compreensão de significado conceitual ......................................... 66 3.5.4 Compreensão do valor comunicativo ............................................. 66 3.5.5 Habilidades operantes no nível de coesão do discurso ................. 67 3.5.6 Conhecimento esquemático ........................................................... 68 3.5.7 Habilidades operantes no nível de coerência do discurso ............. 68 3.5.8 Habilidades de sumarização .......................................................... 69 3.5.9 Habilidades de leitura geral e de leitura seletiva ........................... 69 3.6 Considerações finais sobre testagem de proficiência em leitura em

língua inglesa .................................................................................... 70

4 METODOLOGIA ................................................................................. 72

4.0 Pressupostos ..................................................................................... 72 4.1 Corpus da pesquisa .......................................................................... 73 4.1.1 Seleção das fontes e coleta de dados ........................................... 73 4.2 Procedimentos para análise do teste ................................................ 74 4.3 Procedimentos para a análise dos dados sobre a população alvo

da testagem .......................................................................................

76 4.4 Foco de análise ................................................................................. 78

5 A VISÃO DOS EXAMINANDOS SOBRE LEITURA E TESTAGEM .....

80

5.0 Considerações iniciais ...................................................................... 80 5.1 Dados pessoais ................................................................................. 80 5.2 Perfil acadêmico dos examinandos ................................................... 85 5.2.1 Razão para escolha da língua do teste .......................................... 89 5.2.2 Reprovação em testes anteriores ................................................... 92 5.3 A testagem sob o ponto de vista dos examinandos .......................... 93 5.3.1 A exigibilidade do teste .................................................................. 94 5.3.2 Habilidades lingüísticas a incluir na testagem ............................... 96

xi

6 DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS DADOS SOBRE O TESTE ............... 101

6.0 Pressupostos para a análise do teste ............................................... 101 6.1 Visão geral sobre o teste ................................................................... 105 6.2 O texto base para as tarefas do teste ............................................... 106 6.3 Micro-habilidades de leitura avaliadas nas seções do teste ............. 109 6.3.1 Seção I do teste ............................................................................. 109 6.3.2 Seção II do teste ............................................................................ 111 6.3.3 Seção III do teste ........................................................................... 113 6.3.4 Seção IV do teste ........................................................................... 119 6.3.5 Seção V do teste ............................................................................ 122 6.4 Considerações finais sobre a análise do teste .................................. 127

7 AUTO-AVALIAÇÃO E DESEMPENHO EFETIVO DOS EXAMINANDOS 131

7.0 Considerações iniciais....................................................................... 131 7.1 Auto-avaliação dos examinandos ...................................................... 132 7.2 Desempenho dos examinandos em relação ao seu auto-conceito ... 137 7.2.1 Desempenho dos examinandos com auto-conceito ‘excelente’ .... 138 7.2.2 Desempenho dos examinandos com auto-conceito ‘bom/razoável’ 142 7.2.3 Desempenho dos examinandos com auto-conceito ‘não- satisfatório’ e ‘não informado’ .........................................................

147

7.3 Dificuldades dos examinandos nas questões do teste ...................... 150

8 CONCLUSÃO, IMPLICAÇÕES E SUGESTÕES PARA FUTURAS PESQUISAS ....................................................................................... 157

8.1 Síntese das conclusões da pesquisa ................................................ 157 8.2 Implicações da pesquisa para a testagem de proficiência e para o

ensino de línguas ..............................................................................

166 8.3 Limitações da pesquisa e sugestões para futuras pesquisas ........... 169

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................

172

APÊNDICES............................................................................................. 180

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Resultados do Teste de Suficiência em Leitura em

Língua Estrangeira na UFSM ...........................................

56

Tabela 2 - Opinião dos candidatos sobre a importância da habilidade de leitura em inglês e em português no contexto global e no contexto brasileiro (em %) ...........

90

Tabela 3 - Quadro esquemático da situação dos examinandos em relação e reprovações anteriores .............................

92

Tabela 4 - Correlação entre auto-conceito dos examinandos

sobre sua habilidade de leitura e desempenho global dos candidatos no Teste de Suficiência em Leitura em Língua Inglesa da UFSM (08/04/96) .................................

133

Tabela 5 - Correlação entre auto-conceito dos examinandos prestando o teste em inglês, sobre sua habilidade de leitura em inglês, espanhol, francês e alemão ..............

134

Tabela 6 - Desempenho dos examinandos por auto-conceito ...... 136

Tabela 7 - Índice de acertos nas questões do teste, dos examinandos com auto-conceito ‘EXCELENTE’ ...........

140

Tabela 8 - Índice de acertos nas questões do teste, dos

examinandos com auto-conceito ‘BOM/RAZOÁVEL’ ....

143

Tabela 9 - Índice de acertos nas questões do teste, dos examinandos com auto-conceito ‘NÃO SATISFATÓRIO’ e ‘NÃO INFORMADO’ ...........................

148

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Modelo Interacional de Leitura (Moita Lopes,1996, p.

143) ..................................................................................

27

Figura 2 - Interação Leitor-Texto (Cavalcanti, 1989, p. 46) ........... 30

Figura 3 - Modelo de competência comunicativa de Canale e Swain (Hecht, 1987, p. 103) ............................................

49

Figura 4 - Texto utilizado no Teste de Suficiência ....................... 108

Figura 5 - Seção I do Teste de Suficiência .................................... 110

Figura 6 - Seção II do Teste de Suficiência ................................... 112

Figura 7 - Seção III do Teste de Suficiência .................................. 114

Figura 8 - Seção IV do Teste de Suficiência .................................. 120

Figura 9 - Questões V.1 e V.2 do Teste de Suficiência ................ 124

Figura 10 - Questões V.3 e V.4 do Teste de Suficiência ................ 126

LISTA DE APÊNDICES

Apêndice A (Seção 4.3)

Questionário aplicado aos examinandos durante a realização do Teste de Suficiência em Leitura em Língua Estrangeira da UFSM - Edição de 08 de abril de 1996

Apêndice B (Seção 6.0)

Correspondência e questionários enviados a pesquisadores de universidades brasileiras sobre os Testes de Proficiência em Leitura em Língua Estrangeira

Apêndice C (Seção 6.1) Teste de Suficiência em Leitura em Língua Inglesa aplicado na UFSM em 08 de abril de 1996

INTRODUÇÃO

Um dos objetivos dos cursos de mestrado das universidades

brasileiras é a formação de pesquisadores que possam atuar junto ao

ensino de nível superior (cf. Parecer 977/65 do CFE). Para tanto,

pressupõe-se que os estudantes de tais cursos sejam capazes de acessar o

crescente volume de informações nas diversas áreas de conhecimento em

que esses cursos estão inseridos. Se considerarmos que, em geral, a maior

parte desse volume de informações está disponível em outras línguas que

não o português (cf. Izquierdo, 1995, p .6), a habilidade de leitura em língua

estrangeira, especialmente, em inglês passa a assumir um papel de extrema

relevância no âmbito desses cursos.

Em função dessa importância, a comprovação da habilidade ou

proficiência de leitura em língua inglesa para finalidades específicas (ESP)

é, não raro, critério de seleção ou condição para habilitação à conclusão dos

cursos de mestrado. Tal comprovação é obtida, via de regra, através dos

testes de proficiência desenvolvidos nas universidades envolvidas. Esse é o

caso, por exemplo, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), foco

da atenção do presente estudo.

Nessa instituição, o acompanhamento do desempenho dos

2

examinandos1 em edições recentes do Teste de Suficiência em Língua

Inglesa desenvolvido na UFSM tem revelado um índice de reprovação em

torno de 50% (Wielewicki, 1995). Esse fato, se encarado simplisticamente

sob a ótica do princípio de seletividade intelectual preconizado no Parecer

977/65, indicaria que tais examinandos não estão plenamente aptos a

ingressarem em um curso de mestrado. Ocorre, no entanto, que tais

examinandos já são, em sua maioria, estudantes dos cursos de mestrado da

UFSM e, muitos deles, em estágio de defesa de dissertação. Assim, a

situação que se estabelece é paradoxal. De um lado, a justificativa para tais

testes é de que sejam capazes de identificar o nível adequado de habilidade

de leitura em ESP com o qual um estudante de mestrado possa realizar

seus estudos mas, por outro lado, estudantes que, em muitos casos, já

estão em fase adiantada de seus estudos, não são capazes de ter um

desempenho considerado suficiente nesses testes de proficiência. Pode-se

especular, por exemplo, que o baixo desempenho desses examinandos nos

testes talvez esteja relacionado à não adaptação da testagem ao contexto

específico onde esses examinandos desenvolvem suas leituras. Assim, uma

interpretação simplista desses resultados põe em jogo a própria função que

se espera que os testes de proficiência tenham.

Dessa forma, parece importante investigar-se mais detalhadamente

esse processo de testagem e o papel que lhe é conferido nesse contexto

acadêmico. Assim, o presente trabalho visa abordar a questão desse

acentuado índice de reprovação sob uma perspectiva que busque, tanto um

1Os termos examinando e examinador serão usados como equivalentes aos termos testee e tester, utilizados em inglês, e referir-se-ão, genericamente, ao sujeito que é submetido aos

3

maior entendimento sobre o teste de proficiência em si, quanto um exame

mais atento da população envolvida. A premissa que norteia o presente

estudo é de que os testes de proficiência podem efetivamente desempenhar

uma função importante no contexto acadêmico da UFSM. Isso, no entanto,

pressupõe que a função do teste seja considerada não somente a partir da

qualidade do teste em si, mas, principalmente, de sua inserção no contexto

específico dos cursos de pós-graduação da UFSM. Espera-se, assim,

discutir não apenas o teste, mas o processo de testagem.

Quer-se com o presente trabalho contribuir para a área de Lingüistica

Aplicada, no que concerne ao desenvolvimento da pesquisa sobre os

processos e produtos do ensino e aprendizagem de inglês para fins

acadêmicos ou fins específicos (ESP).

1.1 A pesquisa sobre testagem na Lingüística Aplicada

A pesquisa em Lingüística Aplicada (LA) no Brasil foi, durante um

longo período, vinculada à idéia da “aplicação” da Lingüística teórica ao

contexto de sala de aula, “numa relação de dependência comum e natural

entre uma ciência teórica em expansão e sua aplicação incipiente”, (cf.

Kleiman, 1992, p. 26-28). A partir da metade da década de 70, essa

concepção de “Lingüística Aplicada como locus de aplicação da lingüística

foi cedendo lugar a uma concepção autônoma” da disciplina (ibid.),

especialmente na área de ensino de língua estrangeira. Dois nomes são de

fundamental importância na constituição da área no Brasil: Francisco

testes de proficiência e ao sujeito que os formula, aplica, ou organiza, respectivamente.

4

Gomes de Matos, que há mais de três décadas tem tido relevada

importância no campo de ensino de línguas no Brasil (cf., por exemplo,

Almeida Filho, 1991; Gomes de Matos, 1992) e o de Maria Antonieta Alba

Celani, cuja atuação profissional junto ao LAEL PUC/SP (o primeiro

programa de pós-graduação em LA do Brasil, implantado por ela no início

da década de 70) e, em especial, frente à coordenação do Projeto Nacional

Ensino de Inglês Instrumental nas Universidades Brasileiras, garantem a ela

um lugar de destaque na história da LA no Brasil e internacionalmente (cf.,

por exemplo, Alderson & Scott, 1992, p. 31-39; Kleiman, 1992, p. 28; Moita

Lopes, 1996, p. 31). Mais recentemente, os trabalhos desenvolvidos por

Moita Lopes (1986) e Cavalcanti (1989) contribuem sobremaneira para a

constituição da LA enquanto disciplina autônoma.

Dois fatores contribuíram decisivamente para que ocorresse essa

alteração do perfil epistemológico da LA. Em primeiro lugar, o incremento

que ocorre na área atrai para ela pesquisadores com diferentes formações e

experiências acadêmicas, “cujo interesse de pesquisa influenciou na

constituição de um objeto diversificado com linhas de pesquisa próprias”

(Kleiman, 1992, p. 28). Isso equivale a dizer que esses pesquisadores

respondem ao caráter interdisciplinar da LA já que o objeto de estudo — a

linguagem e os processos envolvidos na produção e recepção dela — é de

ordem complexa, envolvendo aspectos cognitivos e sociais.

O segundo fator que teria, segundo Kleiman, facilitado “uma

configuração independente da área é o estado de fluxo e desordem em que

se encontrava a lingüística descritiva”, por conta do “questionamento e até

5

desencanto com o paradigma estrutural chomskyano” (ibid.). Assim, a

diversificação do objeto de pesquisa faz com que a linguagem passe a ser

estudada a partir de diferentes pontos de vista, com o que a preocupação

com o aspecto social da linguagem passa a ganhar maior importância,

contribuindo decisivamente para a ruptura com o modelo de linguagem

autônomo (do paradigma chomskyano), e fazendo com que a pesquisa trate

de lidar com as tensões e perturbações que afetam o falante, o leitor, enfim,

o aprendiz real (ibid.).

Assim, a ampliação do campo de pesquisa em LA e a tentativa de se

apreender a complexidade do seu objeto de estudo fizeram com que se

adotasse uma abordagem transdisciplinar, ou seja, uma abordagem em que

o objeto de pesquisa vai além dos limites estanques das diferentes

disciplinas envolvidas em seu estudo. Esse tipo de abordagem tem respaldo

teórico na “idéia de que a linguagem é uma forma de ação, situada cultural,

histórica e institucionalmente” (Moita Lopes, comunicação pessoal, Santa

Maria: UFSM, 04/12/95).

Portanto, de acordo com essa abordagem, o estudo de questões

relativas à linguagem, como, por exemplo, a aprendizagem de língua

estrangeira, ou a testagem de proficiência de língua, pode (e, na medida do

possível, deve) supor uma visão global de linguagem que busque oferecer

uma interpretação mais fidedigna do fenômeno a ser estudado. É a isso que

Schmitz (1992) se refere, num artigo de revisão sobre a LA e o ensino de

línguas estrangeiras no Brasil, onde afirma que a disciplina de LA estaria

“desenvolvendo um conjunto de conhecimentos pertinentes para a reforma

6

do ensino de línguas e para a mudança da visão do próprio professor de seu

papel na sala de aula” (p. 233).

Nesse sentido, há pelo menos duas razões que podem justificar a

abordagem adotada aqui para pesquisar sobre testagem de proficiência em

ESP. A primeira razão para estudar a testagem de proficiência em ESP, é

de que muito pouco foi pesquisado especificamente nessa área no contexto

brasileiro. Em conseqüência disso, algumas questões básicas ainda

carecem de resposta, como, por exemplo, o que significa testar proficiência

nesse contexto, quem são os examinandos e os examinadores e quais são

as implicações de se testar proficiência como se faz hoje em grande parte

das universidades brasileiras, entre as quais a UFSM se insere. Essa

carência de informações resultantes de pesquisa sobre proficiência pode ser

ilustrada pela dificuldade de obtenção de dados sobre o assunto. Nem as

instituições que promovem os testes, nem os órgãos responsáveis pelo

sistema de pós-graduação no país dispõem de informações acuradas sobre

a testagem de proficiência. Em outras palavras, há uma exigência formal2 de

que os alunos de cursos de mestrado e doutorado das universidades

brasileiras submetam-se a testes que comprovem habilidade de leitura em

língua estrangeira, mas não há registros sistemáticos sobre os resultados

obtidos nessa testagem, nem um acompanhamento minucioso do processo

e do efeito dessa testagem nos contextos institucionais em que ela está

2 O Parecer No 77 do CFE, de 11 de fevereiro de 1969, é a normativa oficial que define a obrigatoriedade de que alunos de Pós-graduação sejam submetidos a “provas que verifiquem a capacidade de leitura em línguas estrangeiras, uma para o Mestrado e duas para o Doutorado”. Na UFSM, o Regimento Geral dos Programas/Cursos de Pós-Graduação define, além disso, que essa prova seja realizada até o final do 1o ano (Cap.I, Seção I, Art. 4o, Inciso IX) e, que, a comprovação da “aprovação no exame de proficiência” é uma das

7

inserida.

A segunda razão para a opção de pesquisa que se delineia para este

trabalho está diretamente relacionada à primeira. Ocorre que, embora a

pesquisa sobre testagem tenha experimentado um grande desenvolvimento

qualitativo e quantitativo, principalmente durante a década de 80 (Bachman,

1991), ainda há muito a pesquisar sobre o assunto. Dentre os tópicos

freqüentemente citados como de interesse situam-se, por exemplo, a

relação entre testagem e ensino (referida na literatura como efeito

backwash), os problemas relativos à mensuração e a própria questão da

fundamentação teórica que sustenta a testagem de proficiência.

Contribuindo para tornar a questão ainda mais complexa, pode ser citada

aquela que é a característica singular da testagem de proficiência de língua

em relação a outros tipos de testagem, isto é, o fato de que a linguagem é,

ao mesmo tempo, instrumento e objeto de medida (Bachman, 1990, p. 2).

Além dessas duas razões, há ainda uma terceira questão a ser

mencionada, que ilustra a relevância do tema proposto para a presente

dissertação. Considerando-se que: 1) a proposta do trabalho é examinar a

testagem de proficiência em leitura em ESP em uma universidade brasileira

específica; 2) no universo específico de análise, tem-se verificado um

acentuado índice de reprovação; 3) não há ainda um exame detalhado das

possíveis razões para esse índice; a análise envolvida aqui deverá explorar

o assunto sob diferentes perspectivas. Buscar-se-á, portanto, uma

perspectiva ampla do processo de testagem, que tente acomodar não só a

condições para a habilitação à defesa da monografia, nos moldes em que o Regulamento

8

análise do teste em si, mas também a visão daquele que se submete ao

teste de proficiência (considerando-se que a visão do examinador está mais

ou menos implícita na confecção do teste) e os resultados do teste

propriamente dito.

Pretende-se, dessa forma, oferecer contribuições que auxiliem na

ampliação do entendimento que se tem sobre testagem de proficiência no

contexto brasileiro. Um ponto de partida para tanto é a pesquisa sistemática

já realizada em outros países, como por exemplo, a Austrália, o Canadá, os

Estados Unidos e a Inglaterra3. Considerando-se ainda que as atividades

acadêmicas, nesses países, envolvem a expressão e compreensão oral

integralmente em inglês, diferentemente, portanto, do que ocorre no Brasil,

buscar-se-á oferecer questionamentos específicos à realidade acadêmica

brasileira, tomando como ponto de partida os subsídios oferecidos pela

pesquisa realizada naqueles contextos.

Para embasar o trabalho de pesquisa ora proposto, serão discutidos

três pontos que alicerçam tanto a concepção teórica, quanto a construção

prática da análise do teste de proficiência de leitura em ESP no contexto da

UFSM. Esses três pontos são: os modelos teóricos de leitura, a pesquisa

sobre ESP, e a pesquisa sobre testagem de proficiência. Entende-se aqui

que, em um estudo sobre o processo de testagem de proficiência, esses

três pontos estão interligados sob diversos aspectos, já que está se tratando

Interno de cada Programa/Curso definir. 3 É nesses quatro países que se desenvolve grande parte dos estudos na área de testagem de língua, conforme pode ser visto pelo grande volume de publicações de pesquisadores desses países em periódicos internacionais sobre testagem (por exemplo, Language Testing e Language Testing Update) ou pela pouca quantidade de estudos sobre o

9

de pesquisa sobre testes que tratam de avaliar habilidade de leitura em

língua inglesa no contexto acadêmico brasileiro.

Por outro lado, a análise da testagem levará em consideração a

introspecção do examinando sobre sua própria habilidade de ler e sobre o

papel da leitura em ESP na sua formação acadêmica.

Assim, o objetivo fundamental do presente trabalho é interpretar o

problema do acentuado índice de reprovação dos examinandos no Teste de

Suficiência em leitura em ESP na UFSM, sob a perspectiva de como esses

examinandos conceituam seu nível de habilidade de leitura e de como a

instituição, através da comissão responsável pelo teste, os conceitua

efetivamente como leitores. Espera-se, com isso, oferecer observações

sobre a testagem de proficiência em língua inglesa que se desenvolve na

UFSM, que também possam contribuir para um maior esclarecimento sobre

o processo de testagem de língua em termos mais gerais.

1.2 Organização do trabalho

A discussão ao longo do trabalho está organizada em sete capítulos.

O Capítulo 2 apresenta uma discussão sobre modelos de leitura, através da

qual procura-se estabelecer um referencial teórico para discutir a testagem

aqui envolvida. Para tanto, procura-se mostrar que a concepção de leitura

como um processo interativo tem prevalecido entre os pesquisadores da

área e, de fato, parece ser o tratamento dado à testagem em leitura. Ainda

assunto em outras áreas do globo (por exemplo, o Brasil). Uma crítica nesse sentido, referindo-se mais especificamente ao TOEFL, é feita por Peirce (1992, p. 686-687).

10

nesse capítulo, é feita uma discussão sobre o ensino de ESP, na qual se

procura situar a questão da leitura em língua inglesa no contexto das

universidades brasileiras.

No Capítulo 3, são discutidos aspectos relacionados à testagem. Na

primeira seção do capítulo, é esboçado um perfil histórico sobre testagem

de proficiência, buscando-se dar uma visão do desenvolvimento teórico

sobre testagem de proficiência. Na segunda seção, é introduzida a

discussão sobre dois pontos essenciais do presente trabalho: (1) a

concentração da testagem de proficiência em praticamente uma só língua

(inglês) que parece ocorrer nas universidades brasileiras; e (2) o baixo

desempenho dos examinandos nesses testes.

As seções 3 e 4 do Capítulo 3 são devotadas à discussão de dois

critérios fundamentais à análise e avaliação da qualidade de testes de

proficiência: validade e fidedignidade. A quinta seção do capítulo aborda a

leitura, em termos das micro-habilidades envolvidas nesse processo. A

sexta seção sintetiza algumas considerações sobre testagem de

proficiência.

O Capítulo 4 informa sobre os procedimentos de análise adotados no

presente trabalho e da delimitação do corpus da pesquisa.

No Capítulo 5, são discutidos os dados sobre os examinandos,

apurados através de um questionário aplicado durante a realização do teste

de proficiência. As informações referentes aos examinandos são analisadas

como forma de ampliar o entendimento que se tem sobre a situação em que

11

a testagem ocorre na UFSM. Para tanto, são discutidos dados sobre a

situação dos examinandos em relação ao seu perfil acadêmico, suas

avaliações sobre sua própria habilidade de leitura e sobre testagem de

proficiência.

No Capítulo 6 é feita a análise do teste, em termos do texto cuja

leitura é a base para a resposta às questões ali formuladas, das questões

que o constituem e das micro-habilidades que parecem ser o foco de

avaliação nessas questões.

O Capítulo 7, por sua vez, é destinado à discussão sobre as auto-

avaliações e o desempenho dos examinandos no teste. Os dados relativos

ao desempenho dos examinandos no teste são analisados, correlacionando-

se esses dados ao auto-conceito que esses examinandos têm sobre sua

habilidade de leitura. Ali trata-se especificamente das respostas que os

examinandos deram às questões do teste, procurando-se relacioná-las às

micro-habilidades de leitura que esses examinandos parecem ter utilizado

quando da realização do teste. As questões do teste que podem ter trazido

maior dificuldade aos examinandos também são discutidas no Capítulo 7

Por fim, o Capítulo 8 trata das conclusões do presente trabalho, com

base nos problemas apontados ao longo da discussão sobre a testagem de

proficiência em leitura em ESP na UFSM. Em conseqüência dessas

conclusões, também são apontadas algumas sugestões para futuros

estudos envolvendo testagem e para futuras elaborações de testes de

proficiência em ESP.

2 LEITURA

2.0 Considerações iniciais

Muito freqüentemente, no ensino de terceiro grau, a habilidade da

leitura é aquela que mais se faz necessária para a realização de estudos,

visando aprimoramento técnico, científico e profissional. Por essa razão, a

habilidade ou capacidade de leitura é comumente utilizada como fator

fundamental de julgamento na tomada de decisões no contexto acadêmico

em todos os níveis (Alderson, 1984, p. 1). Dentre essas decisões, pode-se

citar, por exemplo, a aceitação ou não de um candidato a um determinado

curso, ou a exigência formal de que os alunos de cursos de mestrado e

doutorado no Brasil comprovem habilidade de leitura em, pelo menos, uma

língua estrangeira no primeiro caso e duas, quando se trata de cursos de

doutorado. Essa posição privilegiada da leitura enquanto instrumento para

realização de inferências sobre rendimento acadêmico pode ter origem no

papel relevante que é conferido ao conhecimento perpetuado materialmente

através da forma escrita4.

Há que se considerar ainda que, mesmo em países onde há uma

extensa produção de conhecimento acadêmico registrada em língua nativa,

a habilidade de leitura em língua estrangeira ou em inglês, mais

4 Gnerre (1991) e Ilich & Sanders (1988), por exemplo, fazem uma extensa e aprofundada discussão sobre como a escrita e, por conseqüência, a leitura, assumiram tamanha importância, principalmente nas sociedades ocidentais. Tal discussão será tratada aqui em

13

especificamente, é normalmente vista “como um meio poderoso de adquirir

o conhecimento especializado sobre o qual a participação no mundo

moderno é baseada“ (Hill & Parry, 1992, p. 433, grifo meu)5. Assim, o

grande interesse pela pesquisa sobre essa habilidade, nas últimas duas

décadas, tem uma estreita relação “com a centralidade que a leitura tem no

mundo da escola” (Tavares, 1993, p. 12).

Para prosseguir tratando dessa questão parece necessário, porém,

definir qual o conceito de leitura subjacente ao presente trabalho. Assim,

será levado em consideração que a pesquisa realizada até o momento

produziu três concepções básicas sobre a natureza do processo de leitura.

A primeira, engloba os modelos chamados ascendentes (ou bottom-up), a

segunda, os modelos descendentes (ou top-down) e a terceira, os modelos

interativos. A caracterização de cada uma dessas três concepções téoricas

é discutida nas seções que se seguem.

2.1 Modelos ascendentes (bottom-up) de leitura

Poder-se-ia apontar os psicolingüistas americanos como

responsáveis pelas formulações que embasam essa primeira concepção

teórica de leitura. Tais formulações se fundamentam essencialmente na

psicologia behaviorista que, ao abordar a língua sob uma perspectiva

mecanicista, desconsidera a conexão entre “o psiquismo dos interlocutores

termos de como a leitura em língua estrangeira (especialmente em ESP) desempenha um papel fundamental no contexto acadêmico brasileiro. 5Todas as traduções de excertos de obras ainda não traduzidas para o português são de minha autoria.

14

e os contextos sociais em que ocorre a situação comunicativa” (Motta-Roth,

1991, p. 92).

Assim, é possível afirmar, em consonância com Kleiman (1989, p. 23-

25), que essa visão teórica de leitura pode ser caracterizada por um fluxo

unidirecional da informação, no qual o estímulo vem da página impressa

para o leitor, que decodifica o texto seguindo uma seqüência pré-

estabelecida de eventos perceptuais que iriam desde a percepção dos

traços distintivos grafêmicos até o procedimento visual para unificação dos

grafemas no nível frasal. Segundo essa concepção, então, quanto maior a

automatização de tais processos, melhor seria a leitura. Dentre os modelos

de decodificação, Samuels & Kamil (1988) citam dois que mereceriam

destaque.

O primeiro, é o modelo de processamento serial de Gough (1976),

que tenta “descrever a seqüência de eventos que acontecem em um

segundo de leitura, a fim de sugerir a natureza dos processos que unem

esses eventos” (Kleiman, 1989, p. 23). O segundo, é o modelo de

processamento automático de Laberge e Samuels (1976), que presume que

a leitura envolva uma seqüência de estágios no processamento da

informação, que evoluiriam à medida que o processamento da leitura se

tornasse mais automático. Um ponto comum de entendimento, até mesmo

entre críticos a esse modelo teórico (por exemplo, Smith, 1978), é que os

modelos ascendentes conseguem efetivamente dar conta de processos

complexos que ocorrem num segundo de leitura, como por exemplo, os

movimentos de fixação ocular e os mecanismos de processamento da

15

informação visual disponível no momento da leitura. Esses modelos falham,

no entanto, por não considerarem os processos mentais de ordem superior

que ocorreriam na leitura, nem tampouco o contexto onde a leitura ocorre.

As críticas que foram feitas à essa visão teórica nos anos 70 , são

baseadas na hipótese de que a leitura seria realmente um processo

unidirecional, porém, em sentido oposto, ou seja, a leitura seria tipicamente

um processo onde o sentido se constrói do leitor para o texto, conforme

argumentado pelos pesquisadores dos modelos descendentes de leitura.

2.2 Modelos descendentes (top-down) de leitura

Conforme mencionado anteriormente, os anos 70 marcam um

período de intenso questionamento sobre o processo de leitura. Naquele

período, autores como Goodman ([1967]1970) e Smith (1978) fazem um

reenquadramento teórico do processamento da leitura, propondo o

entendimento do texto como um objeto de sentido a posteriori, ao qual o

leitor atribui significado de acordo com sua experiência prévia e seus

objetivos. Os estudos desenvolvidos por esses dois pesquisadores resultam

no que foi chamado de modelo psicolingüístico de leitura.

Como se sabe, no modelo psicolingüístico de testagem de hipóteses

de Goodman, a leitura seria um “jogo psicolingüístico de adivinhação” no

qual a principal tarefa do leitor seria a reconstrução da mensagem

codificada por um dado escritor. Nesse modelo, ler eficientemente, por

envolver uma interação entre pensamento e linguagem, não implicaria uma

16

“identificação e percepção precisas de todos os elementos, mas da

habilidade de selecionar o mínimo de indicadores necessários para construir

‘adivinhações’ corretas” (Goodman, [1967]1970, p. 498). Um ponto

importante no modelo de Goodman é a noção de que o leitor utiliza não

uma, mas três fontes de informação simultaneamente. Além do input

gráfico, o leitor usaria tanto a informação sintática, como a semântica, para

processar a leitura (idem, p. 505). Assim, embora Goodman apresente

evidências de que a leitura não seja um “processo serializado de percepção

e identidade seqüencial, mas um processo que envolve seletividade e a

capacidade de antecipar a informação” (Kleiman, 1989, p. 30), ele não

consegue explicar, por exemplo, as relações entre os diversos mecanismos,

estratégias e processos envolvidos na leitura.

Grabe (1991, p. 376-377) coloca que a pesquisa desenvolvida por

Goodman (op.cit.) permitiu propor a leitura como um processo seletivo no

qual o (bom) leitor usa seu conhecimento prévio de mundo para levantar

hipóteses que são confirmadas ou não durante o desenvolvimento do

processo. Ainda segundo Grabe (idem, p. 377), a elaboração teórica de

Goodman é ampliada por Smith (1978), que argumenta que a testagem das

previsões feitas seria eficiente devido à grande redundância existente na

linguagem natural, assim como à capacidade que o leitor tem de fazer as

inferências necessárias a partir de seu conhecimento prévio (background

knowledge), que pode ser entendido como o conjunto de conhecimentos

extratextuais que o leitor emprega “para detectar a intenção do autor e,

conseqüentemente, perceber o efeito que este desejava causar” (Motta-

17

Roth, 1991, p. 95).

É interessante observar que Smith (1978) acentua a importância do

conhecimento prévio quando afirma que

a habilidade na leitura, na verdade, depende o mínimo possível do uso dos olhos e, à medida em que nos tornamos leitores fluentes, aprendemos a confiar naquilo que já conhecemos, naquilo que está além dos olhos e, cada vez menos, no que está impresso na página diante de nós. (p. 9)

O que parece comum às duas formulações teóricas acima é a

preocupação com o que Smith (1978, p. 13-14) chama de informação não-

visual, ou seja, a informação que resulta da familiaridade com o assunto e

alguma capacidade geral para a leitura. Segundo ele, a informação visual,

atuaria juntamente, ou antes ainda, em função da informação não visual,

havendo uma relação recíproca entre os dois tipos de informação.

Teoricamente, portanto, quanto mais informação não-visual estiver

disponível, menos informação visual será necessária para a leitura e vice-

versa. Smith (1978, p. 15-16) menciona também que há um limite para a

quantidade de informação visual com que o cérebro é capaz de lidar. O que

ocorreria, segundo ele, é que, a informação não-visual teria papel

preponderante nos processos envolvidos na leitura. Nesse sentido Tomitch

(1995, p. 2-4) menciona que face à grande quantidade de informação que o

leitor tem que lidar quando do complexo processo de leitura, há um limite

para a capacidade de armazenagem de informação possível de ser

processada. Assim, “para compreender um texto, o leitor tem que manter

18

em mente uma representação da informação previamente lida”, ao mesmo

tempo em que precisa lidar com a informação nova que vai lendo (ibid.).

De acordo com o que se procurou mostrar aqui, as proposições de

Goodman (1970) e Smith (1978) privilegiam os processos mentais de ordem

superior na leitura, destacando-se o entendimento de que a leitura é

um processo não linear, dinâmico na interrelação de vários componentes utilizados para o acesso ao sentido, e é uma atividade essencialmente preditiva, de formulação de hipóteses, para a qual o leitor precisa utilizar seu conhecimento lingüístico, conceitual e sua experiência (Kleiman, 1989, p. 30).

Deve-se apontar aqui que a diferença fundamental entre os modelos

ascendentes e descendentes é que, enquanto os modelos de decodificação

(ascendentes) representam a leitura como um ato perceptual, os modelos

psicolingüísticos (descendentes) concebem a leitura como um processo

cognitivo. A ênfase desses últimos, no entanto, ainda é direcionada

essencialmente aos aspectos psicolingüísticos, relegando os aspectos mais

relacionados a contexto (por exemplo, sociolingüístico, psicossocial) a um

segundo plano (cf. Tavares, 1993, p. 17). A preocupação com o contexto só

começa a ganhar mais peso, entretanto, quando do surgimento dos modelos

interativos.

Assim, de acordo com o que foi tratado até agora, o modelo

ascendente tem o input visual como a dimensão mais importante na leitura.

Em função disso, é chamado de data-driven, ou seja, orientado para os

dados (no caso, o texto impresso). O modelo descendente, por outro lado,

19

pressupõe os esquemas mentais prévios (schemata) como dimensão mais

importante na leitura. Por isso, é chamado de concept-driven, ou seja,

orientado para o conceito (aqui, o conhecimento prévio). Portanto, em

ambos os casos, há uma predominância quer de um ou de outro extremo. O

que a pesquisa realizada ao longo dos anos 70 e, em especial, nos anos 80,

tem procurado mostrar é que, quando se trata de leitura, as etapas do

processo representado nos modelos ascendentes e descendentes são, na

realidade, complementares. É esse entendimento de complementaridade

que permeia os modelos interativos de leitura.

2.3 Modelos interativos de leitura

O termo abordagens interativas ao processo de leitura pode ser uma

referência, de acordo com Grabe (1991, p. 383), a duas concepções

diferentes. A primeira tem relação com a interação geral que ocorre entre

leitor e texto. Isso implica dizer que “o leitor (re)constrói a informação do

texto, tanto a partir do próprio texto, quanto a partir do conhecimento prévio

que ele tem disponível”. A segunda concepção de abordagens interativas

refere-se “à interação entre as várias habilidades componentes que se

encontram potencialmente em operação simultânea” (ibid.).

Embora essas duas concepções sejam complementares, a pesquisa

sobre leitura em inglês como primeira língua (L1), nos anos 80, geralmente

enfatizou a segunda concepção, com a preocupação central de “explicitar as

relações entre habilidades específicas e como tais relações podem ser

examinadas” (Grabe, 1991, p. 383). Isso resultou, segundo ele, numa

20

postura mais cautelosa em relação às explicações que não pudessem ser

explicitamente testáveis ou que não fossem passíveis de definição dentro de

uma teoria sobre leitura.

Enquanto para a pesquisa sobre inglês como primeira língua a noção

de esquemas (schemata) era criticada por não ser claramente tangível, para

a pesquisa sobre leitura em inglês como língua estrangeira (EFL), a teoria

dos esquemas teve um papel fundamental na construção teórica dos

modelos interativos de leitura (Grabe, 1991, p. 383-384).

A pesquisa em leitura em EFL incorpora efetivamente o termo

esquema aos seus conceitos teóricos com Rumelhart (1980)6 que, ao

questionar modelos não interativos afirma que os esquemas, ou schemata

são verdadeiramente os blocos de construção da cognição. São eles os elementos fundamentais dos quais todo processamento de informação depende. Os esquemas (schemata) são empregados no processo de interpretação dos dados sensoriais (tanto lingüísticos, quanto não-lingüísticos), na busca de informação da memória, na organização de ações, na determinação de objetivos e, genericamente, na condução do fluxo de processamento no sistema (Rumelhart, 1980, p. 33-34)

Para uma teoria de esquemas, portanto, “a compreensão eficiente (de

um texto) requer a habilidade de relacionar o material textual com o

conhecimento prévio” (Carrell & Eisterhold, 1988, p. 76). A objeção a essa

visão pode ser manifestada pelo fato de que, enquanto para Rumelhart

”...um esquema é ... uma estrutura de dados para a representação dos

6Embora o termo esquema tenha sido usado originalmente por Kant, no século XVIII, passando por Bartlett na década de 30 (Clark & Clark, 1977, p. 167-168).

21

conceitos genéricos guardados na memória” (Rumelhart, 1984, p. 2), para

outros pesquisadores, conforme aponta Grabe (1991, p. 384), uma teoria de

esquemas não passaria de uma metáfora teórica para tentar dar conta do

conhecimento prévio do leitor. Independente do caráter que se atribua à

teoria de esquemas, o fato é que ela é bastante útil para explicar muitos dos

resultados experimentais em leitura em EFL segunda língua (por exemplo, o

fato de que atividades direcionadas de pré-leitura auxiliam a leitura e a

compreensão).

Em consonância com a teoria de esquemas, os modelos interativos

de leitura são tomados aqui como aqueles nos quais o fluxo de informação

seria caracterizado pela bidirecionalidade, ou seja, nos quais a informação

fluiria tanto do texto para o leitor (leitura como processo perceptivo), quanto

do leitor para o texto (leitura como processo cognitivo), em geral, de forma

simultânea. Dessa forma, o foco de estudo passa da compreensão de

micro-unidades para a compreensão do texto como um todo (cf. Moita

Lopes, 1996, p. 138; Tavares, 1993, p. 18; Kleiman, 1989, p. 30-32). Assim,

convém aludir novamente ao conceito de esquemas que, segundo Moita

Lopes, são

estruturas cognitivas armazenadas em unidades de informação na memória de longo prazo (MLP) — ou seja, constituem o nosso pré-conhecimento — que são empregadas no ato de compreensão. Assim, os esquemas do leitor são vistos como informando, na direção descendente, a informação oriunda do texto que está sendo processada de maneira ascendente (Moita Lopes, 1996, p. 139)

22

Além da interação no fluxo de informação, pode-se postular que a

leitura tem ainda um caráter dialógico, ou seja, que a interação ocorre não

somente no fluxo da informação, mas também entre os participantes no

discurso. Esse caráter dialógico, por sua vez, amplia sensivelmente a

concepção interativa que se possa ter sobre leitura (Moita Lopes, 1996, p.

138-143; Tavares, 1993, p. 18-19).

Dentro dessa concepção ampliada sobre modelos teóricos de leitura,

serão discutidas duas perspectivas que, embora tenham núcleo comum,

abordam aspectos diferenciados sobre o processo da leitura: o modelo

interacional de leitura proposto por Moita Lopes (1986) e o modelo interativo

proposto por Cavalcanti (1989).

2.3.1 Modelo interacional de leitura proposto por Moita Lopes

O modelo de leitura proposto por Moita Lopes é denominado de

interacional

no sentido de que é derivado de uma visão interacional do: a) fluxo da informação — na linha de teorias de esquema; e b) do discurso, entendido aqui como o processo comunicativo entre leitor e escritor na negociação do significado do texto. (Moita Lopes, 1996, p. 138)

Uma noção inerente aos modelos interativos de leitura, que está

23

presente no modelo interacional de Moita Lopes (1986), diz respeito à

bidirecionalidade no fluxo da informação no processo da leitura, de modo

que o leitor seja enfocado (nos termos da teoria de uso de linguagem de

Widdowson, 1983) como fazendo uso de dois tipos de conhecimento: o

sistêmico e o esquemático. O conhecimento sistêmico pode ser relacionado

com aquilo que a lingüística tradicional 7 chama de competência lingüística.

Moita Lopes incorpora a seu modelo “a posição tomada da psicolingüística

de leitura de que a interpretação semântica não requer a interpretação

fonológica” (Moita Lopes, 1996, p. 140). Assim, o conhecimento sistêmico

consistiria no conhecimento do leitor nos níveis sintático, léxico e semântico.

O conhecimento esquemático, por sua vez, seria aquele que daria conta das

expectativas que o leitor traz para o texto, envolvendo o pré-conhecimento

do leitor na área de conteúdo do texto, e “o conhecimento que os leitores

têm das rotinas de interação lingüística, conforme expresso nas estruturas

retóricas da linguagem” (idem), o que Carrell chama, respectivamente, de

esquemas de conteúdo (content schemata) e esquemas formais (formal

schemata) (Carrell, 1983, 1989; Tavares, 1993). O conhecimento prévio,

portanto, permite ao leitor interagir com o texto tanto numa perspectiva

ascendente, quanto numa perspectiva descendente, possibilitando que o

texto possa ser percebido enquanto discurso. Dessa forma, o modelo de

Moita Lopes pode ser representativo do que Dell Hymes (1972) chama de

competência comunicativa.

Moita Lopes ainda argumenta, consoantemente com Stanovich

7 O termo lingüística tradicional é utilizado por Moita Lopes em contraposição ao termo lingüística aplicada.

24

(1981), que o ato de ler é uma combinação tanto de processos perceptivos,

quanto de processos cognitivos. Mais recentemente, entretanto, a

concepção de leitura defendida por Moita Lopes está mais identificada com

os aspectos sociais relacionados com a leitura, o que traz à cena a segunda

questão a discutir dentro do modelo interacional de leitura proposto por ele:

o processo comunicativo.

Dentro dessa questão interessa discutir particularmente o conceito de

capacidade (ability), tomado de Widdowson (1983). Esse conceito está

relacionado com a habilidade de utilizar os procedimentos de interpretação

necessários para a negociação do significado entre os interlocutores (cf.

Tavares, 1993, p. 19-20). Essa negociação, por sua vez, é que possibilita a

situação da leitura como ato comunicativo, sendo postulado implicitamente

no modelo interacional de Moita Lopes “o fato de que leitores e escritores

estão posicionados social, política, cultural e historicamente ao agirem na

construção do significado” (Moita Lopes, 1996, p. 142). Fica claro, então,

que

A tentativa desse modelo interacional de leitura de abarcar em um mesmo arcabouço teórico, elementos em nível de competência lingüística e comunicativa, e capacidade parece oferecer àqueles que estão interessados no ensino de leitura um modelo mais adequado do que modelos não-interacionais, já que envolve não só os tipos de conhecimento requeridos do leitor como também os procedimentos interpretativos utilizados na negociação do significado na sociedade (ibid.)

Assim, de acordo com esse modelo, o processo de leitura seria

carcterizado “por uma interação entre o mundo do leitor, representado por

seu conhecimento sistêmico e seu conhecimento esquemático, e o mundo

25

do escritor expresso no texto”, de forma que entre leitor e escritor haveria

uma tentativa de ajuste entre seus respectivos esquemas. Essa interação,

por sua vez, seria “caracterizada por procedimentos interpretativos que são

parte da capacidade do leitor de se engajar no discurso ao operar no nível

pragmático da linguagem” (ibid., p. 141).

A estrutura geral, bem como a relação entre os diversos

componentes do modelo interacional de leitura proposto por Moita Lopes

pode ser visualizada através do quadro sintético da Figura 1.

Figura 1- Modelo Interacional de Leitura (Moita Lopes, 1996, p. 143)

Essa perspectiva oferecida por Moita Lopes serve de base para a

definição de proficiência em leitura em ESP adotada no presente trabalho.

Parece importante ressaltar aqui a visão de que não interessa restringir a

Níveis sintático, Nível Nível pragmático léxico-semântico esquemático CONHECIMENTO CONHECIMENTO SISTÊMICO ESQUEMÁTICO CONHECIMENTO DO LEITOR(A) esquemas esquemas top bottom procedimentos compreensão de conteúdo formais down up interpretativos TEXTO (conhecimento competência apresentado no comunicativa texto) capacidade ESCRITOR(A), por assim dizer competência competência lingüística discursiva competência textual

26

discussão sobre leitura “a questões no nível sistêmico, esquemático e

pragmático” (ibid.), mas ampliá-la de modo a incluir também questões

relativas ao uso da linguagem na sociedade, já que, no caso específico dos

testes de proficiência em leitura em ESP a que alunos de pós-graduação

são submetidos, o que está em jogo não é apenas um rol de habilidades

lingüísticas envolvidas na leitura de textos em língua estrangeira, mas um

sistema de valores que permite ou nega acesso de indivíduos à interação no

âmbito acadêmico. Essa discussão, no entanto, receberá maior atenção

quando for tratado do conceito de testes de proficiência.

2.3.2 Modelo interativo de leitura proposto por Cavalcanti

Pode-se pensar em uma convergência de foco entre o modelo

apresentado por Moita Lopes (1986) e aquele proposto por Cavalcanti, já

que ambos parecem identificar-se teoricamente com aqueles pesquisadores

que têm “interesse pelo estudo dos processos socio-interacionais enquanto

elementos geradores da construção do conhecimento, isto é, da cognição”

(Moita Lopes, p. 1992, 12). É nessa perspectiva que Cavalcanti afirma que

seu modelo tem como ponto de partida a combinação de duas abordagens

de conhecimento prévio, a de Schank & Abelson (1975), que trata dos

sistemas de valores que o leitor leva para a leitura, e a de Rumelhart, que

lida com o conhecimento prévio, propriamente dito, combinadas com a

abordagem proposta por van Dijk (1977), com base no texto. Dentro desse

amplo leque teórico listado,

27

a leitura é vista como um processo de comunicação complexo e altamente automático do tipo receptivo dependente do jogo de inter-relações entre conhecimento prévio, sistema de valores e o conhecimento acumulado sob a influência de variáveis de desempenho. O conhecimento prévio e os sistemas de valores constituem as restrições do leitor. O conhecimento acumulado é o resultado dinâmico proveniente da interação entre as restrições do leitor e do texto. As variáveis de desempenho representam as restrições do contexto de leitura, isto é, elas influenciam e são influenciadas pelas restrições do leitor. (Cavalcanti, 1989, p. 46-47)

É importante frisar também que as restrições das quais Cavalcanti

trata são de três tipos diferentes. O primeiro tipo é o das restrições mínimas

do leitor na interação com o texto, as quais podem se originar das estruturas

de conhecimento que estão subjacentes à sua competência, dos sistemas

de valores que determinam os pontos de vista adotados e do conhecimento

acumulado que reflete a visão do leitor do que seja informação relevante no

texto. O segundo tipo de restrições do texto, tem relação com o ponto de

vista do leitor. Essas restrições, a seu turno, são relacionadas a dois fatores:

implicitude e explicitude (de organização, ponto de vista, intenções, etc.).

Finalmente, o terceiro tipo de restrições tem relação com o contexto de

leitura. Assim, variáveis de desempenho como, por exemplo, o foco de

atenção imediata, as expectativas, o propósito e a motivação estariam

subjacentes às atitudes adotadas na leitura. Essas restrições aludidas acima

estariam combinadas aos processos cognitivos, conforme mostra a Figura 2.

De acordo com esse esquema proposto por Cavalcanti (ibid.), a

leitura seria um processo ativo, porque envolve interpretação e exige

competência comunicativa; construtivo, porque baseia-se em interpretação

28

de planos das expressões indexicais8sinalizadas no texto; interativo, já que

sofre a influência das variáveis de desempenho e, finalmente, a leitura seria

um processo reconstrutivo, por permitir a introdução de vieses e distorções

provenientes das variáveis de desempenho e dos sistemas de valores do

leitor (ibid.).

Figura 2 - Interação Leitor-Texto (Cavalcanti, 1989, p. 46)

Assim, Cavalcanti (1989, p. 225-226) argumenta que os problemas

que ocorrem na leitura podem ser analisados com base na interação entre

leitor e texto, no sentido de que essa interação pode ser definida pela busca

de uma relação de equilíbrio entre a saliência textual e a relevância para o

leitor. A saliência textual é definida pela pesquisadora em termos de itens

lexicais chaves, que funcionam como um elo entre coesão e coerência. A

8 Em outras palavras, o leitor persegue as pistas ou índices lingüísticos ou metalingüísticos

PROCESSOS COGNITIVOS

RESTRIÇÕES COMPETÊNCIA COMUNICATIVA CONHECIMENTO EXPLICITUDE RESTRIÇÕES DO SISTEMAS DE VALORES ACUMULADO IMPLICITUDE DO LEITOR ESTRUTURAS DE CONHECIMENTO TEXTO

VARIÁVEIS DE DESEMPENHO

29

relevância para o leitor é definida em termos dos itens contextualmente

relevantes para o leitor, ou seja, levam em consideração seu ponto de vista.

Nesse sentido, o trabalho da pesquisadora procura sistematizar o

tratamento das diversas instâncias envolvidas no processo de leitura e de

como essas instâncias interagem simultaneamente e, para tanto, propõe

uma divisão metodológica em estágios e fases de leitura, destinados a

explicar o ponto de vista do leitor na interação com o texto.

A pesquisadora menciona dois estágios (redução e mudança). O

estágio de redução se refere à simplificação conceitual dependente da inter-

relação entre o conhecimento prévio e acumulado do leitor e sua atribuição

de relevância às informações do texto” (Ibid., p. 49). Em outras palavras, o

leitor reduziria o texto àquelas informações consideradas por ele como mais

importantes. O estágio de mudança refere-se à utilização da informação e

estaria relacionado ao efeito provocado pelo texto nas estruturas de

conhecimento e sistemas de valores do leitor. Embora a própria

pesquisadora argumente que esses dois estágios são demasiadamente

genéricos para explicar a complexidade do processo de leitura e, por essa

razão, proponha sua subdivisão em fases intermediárias, o conceito de

estágio de redução parece ser especialmente relevante para os propósitos

do presente trabalho, no sentido de que parece explicar, ainda que em

termos gerais, a interação entre o conhecimento prévio do leitor e a

informação contida no texto.

deixados para ele/a no texto pelo escritor.

30

A interação aqui aludida será tratada no presente trabalho em termos

da proximidade entre a informação que os alunos precisam processar e

interpretar no texto e nas questões do teste, e aquela informação que esses

mesmos examinandos buscam acessar nos seus estudos. Esse ponto será

retomado quando da discussão dos dados sobre os examinandos e seu

desempenho nos testes (Capítulo 7).

Nas seções 2.1 e 2.2 do presente capítulo, foram apontadas duas

abordagens unidirecionais ao processo de leitura (ascendente e

descendente, respectivamente, nas seções 2.1 e 2.2), bem como as críticas

feitas a elas, no sentido de que embora tanto uma quanto a outra pudessem

explicar dados momentos dentro do complexo processo de leitura, nenhuma

das duas parece ser capaz isoladamente de tratar da leitura na sua

totalidade. Isso pode se dever ao fato de que a interpretação do sentido de

um texto demanda do leitor o acesso aos esquemas formais e de conteúdo

sobre o assunto em questão. Os modelos ascendentes e descendentes não

garantiriam que autor e leitor estivessem se referindo às mesmas coisas,

atribuindo-lhes o mesmo sentido. Assim, aludimos a

um terceiro nível de processamento de sentido, onde a compreensão se dá num contexto comunicacional pragmático, cabendo ao leitor fazer ilações sobre as intenções do autor em relação ao enunciado, conjeturando sobre a situação (sócio-econômica, política, cultural etc.) em que se deu o estabelecimento do texto como tal e fazendo as inferências necessárias à compreensão do mesmo (Motta-Roth, 1991, p. 94)

Esse terceiro nível de processamento não seria apenas uma soma

dos dois outros níveis, mas uma interação não hierarquizada de processos,

31

em que ambos os níveis podem ocorrer isolada ou simultaneamente. A

questão central aos modelos interativos de leitura, como se pode ver, é a

preocupação em situar a leitura como um processo em que os aspectos

específicos e gerais ocorrem simultaneamente, em oposição à visão

atomística do processo, proporcionada pelos modelos de decodificação e à

visão da leitura a partir do todo, característica do segundo grupo de modelos

aqui abordado.

Assim sendo, seria interessante que essa concepção de leitura como

interação não hierarquizada entre processos ascendentes e descendentes

fosse usada como base teórica para o desenvolvimento de testes de

proficiência, já que o uso maciço do conhecimento prévio, característico da

leitura em ESP, por si só, é insuficiente para uma leitura bem sucedida. É

interessante, portanto, integrar diferentes níveis de processamento para se

tirar maior proveito da leitura. Para melhor esclarecer essa questão, cabe

agora discutir a respeito de um aspecto específico sobre leitura, de central

importância para o presente trabalho, ou seja, a questão da leitura

especificamente orientada para as necessidades do contexto acadêmico.

2.4 Leitura em inglês para fins específicos ou acadêmicos (ESP)

A leitura em inglês no contexto acadêmico é um tema que há muito

atrai a atenção de pesquisadores (cf. Alderson, 1984; Grabe, 1991) e esse

interesse tem resultado em um repertório de justificativas, ênfases e

referenciais teóricos que têm variado consistentemente ao longo de mais de

meio século. Em 1923, por exemplo, foi iniciado um estudo nos Estados

32

Unidos (publicado em 1929 sob o título de Coleman Report) cuja conclusão

foi de que, face ao pouco tempo disponível para ensinar as habilidades de

conversação, do preparo limitado dos professores para ensiná-las e da

percepção de que tais habilidades em língua estrangeira seriam irrelevantes

para alunos universitários americanos, não seria prático ou viável insistir no

ensino de conversação. Assim, tal estudo sugeria que

um objetivo mais razoável para um curso de língua estrangeira seria (propiciar) um conhecimento de leitura na língua estrangeira, realizável através da introdução gradual de palavras e estruturas gramaticais em textos de leitura simplificada. O resultado principal dessa recomendação foi que a leitura tornou-se o objetivo da maior parte dos programas de línguas estrangeiras nos Estados Unidos (Richards & Rodgers, 1986, p. 11)

É possível sugerir que as recomendações feitas pelo Coleman Report

tenham sido determinantes para dois fatos. Em primeiro lugar, para o fato

de a ênfase na leitura dentro dos programas de língua estrangeira nos

Estados Unidos persistir até a II Guerra Mundial (ibid.). Em segundo lugar,

para o fato de os métodos de leitura terem sido desenvolvidos com amparo

metodológico em concepções teóricas que entendiam a leitura como

resultante de processos ascendentes, ou seja, de que a atribuição de

sentido na leitura seria dada pelo estímulo grafo-fonêmico da palavra

impressa no papel, cabendo ao leitor buscar o significado a ela inerente.

Não pretendo retomar aqui a discussão sobre as diferentes abordagens ao

processo de leitura, mas tão somente mostrar que o interesse pela pesquisa

que trata da leitura em língua estrangeira além de já existir há bastante

tempo, é também responsável por muitas das transformações nas

33

concepções teóricas sobre o processo de leitura.

Considerando que o presente trabalho enfoca especificamente a

leitura em ESP numa universidade inserida no contexto acadêmico

brasileiro, concentrarei a análise naqueles tópicos mais diretamente

vinculados às especificidades desse contexto, embora algumas questões de

âmbito geral sejam também discutidas.

No que se refere à pesquisa sobre leitura em ESP, poder-se-ia

mencionar nesse quadro o grande impulso recebido pela área na segunda

metade da década de 60, quando aumentou drasticamente o número de

estudantes nos Estados Unidos e Inglaterra que tinham o inglês como língua

estrangeira. Isso, segundo Grabe (1991, p. 376) teria gerado uma

necessidade de preparar um número crescente de estudantes com

habilidades avançadas (advanced skills) adequadas aos estudos no nível

universitário. O termo habilidade está sendo usado aqui para fazer

referência a certas capacidades específicas envolvidas na comunicação, e

não aos quatro tipos de habilidades normalmente referidas pelas pesquisa

em aquisição de linguagem (leitura, escrita, compreensão oral e fala), logo,

traz em seu bojo a concepção de que certos habilidades específicas seriam

necessárias ao trato acadêmico como, por exemplo, a habilidade de

distinguir a idéia principal das idéias secundárias no texto. Assim, é possível

inferir que um desdobramento lógico dessa tentativa de identificar

habilidades especificamente necessárias a um determinado tipo de cultura

(acadêmica, no caso) implicaria em fortalecer a pesquisa sobre as

especificidades dessa dada cultura.

34

Esse crescente número de estudantes estrangeiros nos Estados

Unidos e Inglaterra nos anos 60 funcionou como um estímulo ao

crescimento na pesquisa sobre ensino de ESP. Assim, é possível afirmar

que, ao longo dos últimos 30 anos, a área estabeleceu-se como um

movimento vigoroso dentro do campo de ensino de inglês como língua

estrangeira (cf., por exemplo, Johns & Dudley-Evans, 1991). Assim, quando

se fala de cursos de ESP, tem-se em mente cursos orientados para

determinados públicos, em contraposição àqueles voltados para um público

mais heterogêneo que faz uso de inglês para propósitos gerais. Em razão

dessa particularidade, define-se ESP a partir de quatro características

absolutas e duas características variáveis 9(Jonhs & Dudley-Evans, 1991, p.

298).

Como características absolutas poderia ser dito que ESP consiste no

ensino de língua inglesa que: a) é criado para atender as necessidades

específicas do aprendiz; b) tem conteúdos relacionados a disciplinas,

ocupações e atividades específicas; c) centra-se na exploração da

linguagem apropriada às disciplinas, ocupações e atividades acima, no que

se refere a sintaxe, léxico, retórica, etc. e d) contrasta com o que se entende

por ‘inglês geral’.

Como características variáveis, poder-se-ia dizer que o ensino de

ESP pode (embora não necessariamente): a) estar restrito às habilidades

lingüísticas que se quer aprender (por exemplo, leitura); e b) ser ministrado

sem seguir uma metodologia rigidamente pré-ordenada, ou seja, pode haver

9 Segundo Johns & Dudley-Evans (1991, p. 298), essa definição, proposta por Strevens

35

uma coexistência de diferentes métodos, desde que eles conduzam aos

objetivos específicos de ensino e de aprendizagem (ibid.).

Como essas características subjazem a praticamente todas as

iniciativas de ensino de ESP, iremos nos reportar a elas considerando o

caso específico desse tipo de ensino no Brasil.

O ensino de ESP tem grande popularidade e aceitação

internacionalmente (cf. Johns & Dudley-Evans, 1991). Especificamente no

ensino de terceiro grau, essa aceitação é ainda maior quando se trata de

leitura, tanto em conseqüência da centralidade dessa habilidade no universo

acadêmico, quanto da importância da língua nas mais variadas áreas do

conhecimento em nível mundial (cf. Philipson, 1992), e nacional (Célia,

1983; Tavares, 1993, p. 12).

Dada essa importância, surge, nos anos 80, o Projeto Ensino de

Inglês Instrumental, envolvendo um grande número de universidades

brasileiras. O projeto representou um marco fundamental na história do

ensino de língua inglesa no Brasil por diversas razões. Dentre essas razões,

tem especial destaque o fato de que, através do projeto, o desenvolvimento

de material didático ganhou uma nova dimensão. Com isso, a pesquisa em

sala de aula teve um estímulo adicional. A partir daí, dadas as

características específicas que os cursos de ESP procuravam ter, a análise

de necessidades do público envolvido assume um papel relevante e, em

função disso, o professor insere-se na sala de aula como pesquisador.

(1988, p. 1-2), é amplamente aceita no meio acadêmico.

36

Talvez por essa razão, durante a segunda metade da década de 80 e início

da década de 90, há um incremento no nível de produção de pesquisa

especificamente identificada com ESP na área de LA. Além disso, no final

dos anos 80 o projeto passa por uma avaliação que é destaque no cenário

global da área de ESP, visto que pela primeira vez um projeto de

abrangência nacional (principalmente se for considerado o porte e a

abrangência do projeto) passa por uma avaliação de resultados que vai

além da simples submissão dos alunos participantes a testes de língua.

Naquela avaliação, os alunos foram chamados a opinar sobre os processos

de ensino e aprendizagem do qual participaram. Isso ocorreu, em parte,

como uma reação à avaliação por parte de especialistas que, sem

envolvimento direto no projeto, avaliavam-no em visitas rápidas10(Alderson &

Scott, 1992, p. 27-37). Holmes (1992, p. 44-45) aponta ainda que, a partir

disso, os alunos passam a tomar parte ativa na pesquisa sobre como eles

próprios aprendem. Esse fato, segundo Holmes, colocaria o ensino de ESP

no plano da pós-modernidade da pesquisa em LA (ibid.).

Como desdobramento do projeto, iniciativas de pesquisa sobre as

especificidades do discurso acadêmico e das necessidades dos aprendizes

ajudaram a valorizar áreas como a Análise do Discurso (ver, por exemplo,

Motta-Roth, 1995; Santos, 1995) e as abordagens etnográficas da pesquisa

em sala de aula (ver, por exemplo, Cavalcanti, 1989; Moita Lopes, 1996)

10 Há, no texto de Alderson & Scott (1992) uma referência irônica a tais especialistas, chamados jocosamente de JIJOEs (Jet-In Jet-Out Experts). A ironia está na semelhança desse com o termo G.I.JOE, que se refere às brigadas de soldados (americanos) que tomam lugares de assalto, interferindo na vida dessas localidades.

37

Embora tais trabalhos abordem diferentes aspectos relacionados ao

ensino de ESP, parecem indicar, contudo, uma mudança de ênfase ao

longo das décadas de 80 e 90, quando o Projeto Nacional Ensino de Inglês

Instrumental em Universidades Brasileiras (conforme já mencionado, sob a

coordenação de Maria Antonieta Alba Celani, da PUC-SP) provoca um

redirecionamento das práticas pedagógicas na sala de aula de ESP através

dos materiais e das atividade desenvolvidos pelo Projeto. Passou-se da

ênfase ao produto da compreensão, que marcava o ensino de ESP até o

final dos anos 70, para uma preocupação claramente identificada com a

conexão entre o produto e o processo através do qual o significado da

leitura é construído (cf. Tavares, 1993; Kleiman, 1992). Dito de outra forma,

passa-se de uma prática pedagógica calcada em modelos de decodificação

para outra, que

pode refletir a adoção de um modelo psicolingüístico, caso a ênfase recaia em estratégias que privilegiem a contribuição do aluno-leitor, ou a adoção de um modelo interativo, caso as estratégias trabalhadas dêem conta dos procedimentos interpretativos e da bidirecionalidade do fluxo da informação. (Tavares, 1993, p. 31)

A partir da segunda metade dos anos 80, entretanto, a concepção de

leitura como processo interativo tem sido enfatizada na pesquisa e nos

currículos de ESP, indicando a necessidade de o ensino se ocupar em

trabalhar tanto os aspectos lingüísticos, quanto aqueles relativos ao

conhecimento prévio e ao discurso enquanto processo de negociação de

significado entre participantes de um ato comunicativo. Pode-se citar como

38

exemplo dessa ênfase, os trabalhos que indicam a necessidade de inter-

relacionar os processos ascendentes e descendentes no ensino de leitura

em ESP, como forma de garantir as bases sobre as quais possa ser

construída uma leitura que se postule crítica.

Nesse particular, é importante observar o crescente número de

trabalhos que se alinham com uma postura crítica em relação à leitura, na

premissa de que há a necessidade de se investigar o funcionamento do

discurso em suas diferentes facetas (ver, por exemplo, Scaramucci, 1996;

que propõe uma gramática centrada no léxico, especialmente nos estágios

iniciais do ensino de leitura em ESP e Braga, 1996, que parte de uma

concepção interativa entre processos ascendentes e descendentes e

advoga a intervenção do professor dentro da situação de ensino formal).

Discurso é interpretado neste trabalho nos termos apresentados por Motta-

Roth (1995, p. 2), a partir de Fairclough (1992), que entende discurso como

sendo um fenômeno social multifacetado, envolvendo três dimensões. A

primeira dimensão é aquela representada por um texto oral ou escrito. A

segunda, uma interação entre pessoas e os processos de produção e

interpretação. A terceira e última dimensão é a das ações sociais que

resultam do entrelaçamento entre texto e interação social (Fairclough, 1992,

p. 10).

2.5 Considerações finais

39

Embora todos os tópicos discutidos ao longo deste capítulo estejam

diretamente ou indiretamente relacionados à tessitura da análise dos dados

da presente pesquisa, convém apontar aqui a relevância desses tópicos

para o presente trabalho. Nesse sentido, na discussão sobre modelos de

leitura e sobre ESP que se procedeu aqui, procurei acentuar o entendimento

de que a leitura é um processo caracterizado tanto por aspectos cognitivos

quanto sociais e que toda leitura é social e historicamente localizada. Esse

mesmo entendimento permeia a discussão sobre testagem de proficiência

(Capítulo 3), onde os aspectos técnicos e procedimentais de testagem serão

discutidos tendo-se em mente a função e no impacto social da testagem de

proficiência em leitura.

3 TESTAGEM DE PROFICIÊNCIA EM LEITURA

3.0 Considerações iniciais

Em universidades brasileiras, a proficiência em língua estrangeira,

definida em termos gerais como a habilidade de usar uma língua estrangeira

para um determinado propósito11 , está entre as condições regulamentares

para admissão de candidatos à Pós-Graduação ou para a habilitação à

defesa dos trabalhos de conclusão dos cursos de Mestrado e Doutorado11.

Tal exigência pode ser justificada pelo fato de que uma das expectativas

que se têm sobre alunos de pós-graduação é que possam ter acesso ao

crescente volume de leituras exigidas nesse nível e, dessa forma, que sejam

capazes de interagir com seus pares, principalmente, por meio da leitura do

que é publicado nos mais diversos fóruns acadêmicos e científicos, tais

como, livros, revistas especializadas e anais de congressos.

Embora o termo proficiência em língua estrangeira esteja associado,

no contexto acadêmico brasileiro, a habilidades receptivas e produtivas orais

e escritas em qualquer língua que não o português, é possível observar uma

11 Definição de language proficiency tomada do Longman Dictionary of Language Teaching & Applied Linguistics ( Richards, Platt & Platt, 1992, p. 204). 11 Dois instrumentos legais dão amparo à testagem de suficiência/proficiência na UFSM. O primeiro é o Regimento Geral dos Programas/Cursos de Pós-Graduação, datado de dezembro de 1995, que apresenta como aspectos comum a tais Programas/Cursos stricto sensu da UFSM onze ítens, dos quais a exigência de realização de prova de língua estrangeira até o final do 1o ano de ingresso sem a qual nenhum candidato pode concluir seu curso. O segundo instrumento é a Resolução no 009/96, que define normas internas

41

concentração na habilidade de ler e interpretar textos acadêmicos em língua

inglesa. Isso poderia ser explicado principalmente pela constatação de que

a habilidade de leitura em ESP é freqüentemente necessária a alunos de

pós-graduação em qualquer área. Essa predominância da língua inglesa no

cenário acadêmico pode ser explicada pelo fato do inglês ser considerado

lingua franca nos mais diversos campos da atividade humana (Philipson,

1992). Assim, espera-se de indivíduos engajados em cursos de Pós-

Graduação uma proficiência de leitura em ESP12.

Entre os vários fatores relacionados ao conceito de proficiência, três

merecem especial atenção: competência, habilidade e desempenho.

Competência deve ser entendida neste trabalho como “a habilidade não

somente de usar as regras gramaticais de uma língua [no sentido

chomskyano de regras] para formar sentenças corretas, mas também saber

como, onde e para quem usar essas sentenças” (Richards, Platt & Platt,

1992, p. 65), prevendo, portanto, a habilidade de usar a linguagem como

discurso. Habilidade refere-se-á ao nível de capacitação demonstrado por

um sujeito para realizar uma determinada tarefa num dado contexto.

Finalmente, desempenho, refere-se ao nível mensurável de habilidade de

um sujeito, numa determinada tarefa, como, por exemplo, um teste. O termo

performance, quando utilizado, deve ser entendido como sinônimo de

desempenho.

para a realização de tais testes, segundo os preceitos do Regimento Geral. Em nenhum dos instrumentos há qualquer menção à língua na qual o teste deve ser prestado. 12 Para a finalidade do presente estudo, quando se falar em testes de proficiência, se estará tratando dos testes de leitura em ESP desenvolvidos e aplicados em universidades brasileiras, mesmo para aquelas instituições que adotam outras denominações, como é o caso da UFSM, onde o nome adotado é suficiência de leitura em língua inglesa.

42

Uma vez definidos esses termos, cabe mencionar que, no Brasil, a

pesquisa em testagem de proficiência é praticamente inexistente e que, a

despeito disso, os testes de proficiência continuam sendo aplicados. Assim

é fundamental que se incremente a pesquisa nessa área, posto que a

construção de testes de proficiência em universidades brasileiras pode estar

calcada fundamentalmente no que se pesquisa sobre o assunto em outros

países, notadamente nos Estados Unidos e na Inglaterra. Nesses países,

conforme mencionado anteriormente, o termo proficiência vai além da noção

de habilidade de leitura, visto que o aluno terá que enfrentar atividades as

mais diversas, envolvendo tanto a comunicação oral, como a escrita. Em

outras palavras, é sob a ótica do que é considerado razoável e adequado

para a realidade daqueles países que pode estar sedimentada a testagem

de proficiência no contexto nacional, fato que, por si só, justificaria um

esforço de pesquisa voltado à realidade local.

Assim, como a presente pesquisa parte do pressuposto de que o

insucesso de estudantes de mestrado, em testes de proficiência, pode ser

causado por falhas na adaptação da testagem ao contexto acadêmico no

qual se insere, optou-se por fazer um estudo que possa dar conta da

interface entre testagem e contexto. Para tanto, as indicações que Peirce

(1992, p. 687) faz sobre as diversas carências em termos de pesquisa sobre

testagem permitem identificar algumas áreas que interessaria pesquisar. De

acordo com aquela pesquisadora, seria razoável reivindicar estudos mais

aprofundados sobre os testes de proficiência, visando elucidar questões que

dizem respeito ao teste como um evento comunicativo, envolvendo o texto

43

como conteúdo proposicional e formal, participantes (pelo menos os

examinandos e o examinador) e o contexto que encompassa as relações e

ações que se estabelecem em torno desse evento comunicativo. É nessa

vertente que este estudo pretende seguir. Agora, no entanto, se discutirá

pesquisa sobre testagem. As questões relacionadas ao teste e ao contexto

são tratadas ao longo dos capítulos de discussão dos resultados.

3.1 Perfil histórico da pesquisa sobre testagem de proficiência

Numa simplificação da história da testagem, pode-se apontar quatro

momentos distintos. No primeiro momento, denominado “pré-científico”, é

possível identificar a ausência de um estudo sistemático dos testes e do

processo de testagem de línguas (Célia 1983, p. 46-48). Nesse período, o

referencial teórico era a Gramática Descritiva e a noção de proficiência dava

conta de que conhecer uma língua implicava tão somente em aprender as

regras de sua gramática. Não havia, portanto,

preocupação de caráter psicológico — o que ocorre na mente do indivíduo — sociológico — as interações sociais do aluno usando a língua — ou, muito menos, comunicativo — o uso real que o aluno faz da língua. (ibid., p. 47)

Os procedimentos de testagem nessa fase careciam de uma

preocupação com critérios técnicos, tais como, fidedignidade13— a

13 O termo original utilizado é reliability, cujo significado mais usual em português é confiabilidade. Optei, no entanto, por fidedignidade, conforme proposto por Célia (1983) que é, no meu entender, mais abrangente e fiel à acepção original do termo, que dá conta de

44

capacidade de mensuração consistente e invariável do desempenho de um

indivíduo no teste — e validade — a capacidade de medir com precisão o

que se espera que o teste meça. Os teste eram constituídos de exercícios

que refletiam tal concepção, como, por exemplo, a tradução mecânica de

textos.

Apesar dos ataques a essa primeira tendência em testagem (a

começar pela denominação a ela atribuída), em meados dos anos 80,

muitos currículos e, conseqüentemente, modelos de testagem eram

largamente baseados em tal concepção (ibid., p. 35). Pode-se dizer, então,

que o maior mérito dessa primeira tradição reside nas falhas que nela

transpareciam, que acabaram por resultar nas primeiras tentativas de

sistematizar a testagem de proficiência.

A segunda tradição, denominada de “psicométrica-estruturalista”,

surge com o advento do estruturalismo e a busca de uma cientificidade na

testagem. Tal abordagem buscava acompanhar basicamente o método

audio-lingual, inspirado no estruturalismo e na psicologia

comportamentalista, bem como nas concepções cognitivistas do ensino de

línguas, em que se aplicavam, em sala de aula, os princípios da gramática

transformacional. Durante essa fase tem-se como foco principal a

compreensão, com ensino dedutivo da gramática (ibid., p. 47), no sentido de

treinar o aluno para a produção de diálogos, com a finalidade de criar

hábitos e formar regras. Os dois fatos que se salientam nessa fase são o

quão fielmente um teste cumpre sua função de avaliação, ou, em outras palavras, quão confiável ele é enquanto instrumento de avaliação.

45

surgimento do primeiro teste padronizado de proficiência em larga escala, o

TOEFL (Test of English as a Foreign Language), e o estabelecimento de

bases que, até hoje, são válidas para a construção de testes de proficiência.

O surgimento do TOEFL foi muito relevante para o contexto da

testagem em função da quantidade de pesquisa que precisou ser feita até

que ele pudesse ser implementado. A preocupação com a técnica de

testagem e com o próprio conceito que se tinha de proficiência passa a

ocupar um plano de destaque na área de EFL. Outro fato que merece nota é

a sinonímia que se estabelece entre TOEFL e testagem de proficiência. O

Teste de Proficiência aplicado na UFSM, por exemplo, adota a

nomenclatura de Teste de Suficiência, provavelmente pelo entendimento de

que Testes de Proficiência são aqueles que seguem os moldes do TOEFL,

em que as quatro habilidades básicas (a compreensão e a expressão oral, a

escrita e a leitura) são testadas em separado segundo os preceitos

psicométrico-estruturalistas14. Essa pode ser, portanto, uma explicação

razoável para a diferenciação feita na UFSM entre suficiência e proficiência.

A terceira corrente teórica sobre testagem, chamada de

“psicolingüística-sociolingüística” têm origem na abordagem comunicativa

para o ensino de línguas e marca uma guinada na testagem,

particularmente porque até então a língua era vista dissociada de sua

função social. A partir daí, ter proficiência numa determinada língua não

implicava somente ter domínio sobre as estruturas da língua. A contribuição

14 O teste de expressão oral não é mais parte obrigatória da bateria de testes do TOEFL. Há que se mencionar ainda que o TOEFL está passando atualmente por um processo de

46

mais importante dessa corrente vem da proposta de modelo de competência

comunicativa de Canale e Swain (1980) que, por sua vez, é embasada na

noção de competência comunicativa, particularmente a partir de Hymes

(1972).

Canale & Swain sugerem a adição das noções de competência

sociolingüística, discursiva e estratégica àquela de competência lingüística

para explicar a natureza da proficiência de língua (Fouly, Bachman & Czico,

1990). A Figura 3 representa graficamente o modelo de competência

comunicativa proposta por Canale & Swain (1980), a partir de sugestões

feitas por Hecht (1987, p. 103-105), que trata a competência discursiva

como sub-item da competência sociolingüística, bem como usa o termo

competência gramatical ao invés de competência lingüística.

Figura 3 - Modelo de competência comunicativa de Canale e Swain (Hecht, 1987, p. 103)

revisão chamado TOEFL 2000, que visa adaptá-lo teórica e tecnicamente às necessidades atuais de testagem de língua (sobre isso, ver, por exemplo, Peirce, 1992).

COMPETÊNCIA COMUNICATIVA

competência estratégica

competência gramatical estratégias de compensação lexico competência sociolingüística morfologia sintaxe semântica e gramática da sentença regras coesão fonologia socioculturais coerência

47

O modelo da Figura 3 mostra que o entendimento que se pode ter

sobre competência extrapola o limite do texto em si, fazendo alusão a uma

competência sociolingüística, que compreende as regras sócio-culturais de

uso da linguagem e as regras do discurso, em termos de coesão e

coerência. O modelo menciona ainda a competência estratégica, ou seja, a

habilidade de usar recursos verbais e não-verbais para compensar falhas na

comunicação devidas a variáveis de performance ou a um nível insuficiente

de competência.

O quarto momento na história da testagem “sociolingüístico-

comunicativo” está enraizado em diversas áreas, tais como a pragmática, a

análise do discurso, a teoria dos atos de fala, além da análise de

necessidades e da relação entre competência lingüística e competência

comunicativa. Nessa tradição surge uma diferença fundamental em relação

à tradição “psicolingüística-sociolingüística” particularmente a partir do

modelo proposto por Bachman. Esse modelo entende que a competência

lingüística consiste em dois componentes, o organizacional e o pragmático

(Fouly, Bachman & Czico, 1990, p. 2-3).

O componente organizacional consistiria daquelas habilidades

envolvidas no controle da organização formal da língua, que compreenderia

a competência gramatical (léxico, morfologia, sintaxe e fonologia/grafologia),

e a competência textual (coesão e organização retórica). O componente

pragmático, onde, aliás, está a diferença para o modelo anterior, conforme

proposto por Bachman, foi concebido em função da teoria dos atos de fala

48

de Austin (1962) e Searle (1969) e da descrição das funções da linguagem

de Halliday (1973, 1976) e subdivir-se-ia em competência ilocucionária e

competência sociolingüística.

A competência ilocucionária seria o conhecimento para desempenhar

as funções da língua e a competência sociolinguïstica referir-se-ia à

habilidade de usar a língua estrangeira apropriadamente em uma cultura em

particular e em contextos variados naquela cultura.

Pode-se dizer que, pelo menos no que tange à concepção teórica

sobre a natureza da proficiência de língua, o modelo “sociolingüístico-

comunicativo” estabelece um relativo consenso entre pesquisadores (um

exemplo disso é a coletânea organizada por Douglas & Chapelle, 1993). É

importante observar também que, somente a partir da década de 80, a área

de testagem pôde reivindicar para si o status de disciplina dentro da LA,

com a criação de um periódico internacional na área (Language Testing) e

com a publicação de alguns textos seminais na disciplina (por exemplo,

Canale, 1983; Canale, 1988; Hughes, 1989; Skehan, 1989). Para resumir,

conforme coloca Bachman (1991, p. 679), atualmente já se reconhece que a

testagem de língua tem suas próprias questões e metodologia de pesquisa.

Dentre essas questões, observa-se, então, uma preocupação com

aspectos que vão além do rigor técnico na definição e mensuração da

competência comunicativa. Canale, por exemplo, (1988, p. 67-84) enfatizou

aquilo que ele denominou “dimensão humana” da testagem de língua, um

evento que ele conceituava como tendo origens e conseqüências sociais. É

49

por esse entendimento que o próprio Canale afirma que a quarta e atual

tradição em testagem de língua, também chamada por ele de “naturalística-

ética”, deve refletir a responsabilidade social (ética) da testagem, junto com

as preocupações acerca do uso de uma linguagem natural(ística) nos testes

(Canale, 1988, p. 77; Chapelle & Douglas, 1993, p. 1-4). Nesse sentido, a

linguagem natural referida por Canale pode ser vista, no caso da testagem

de ESP, como o uso de conteúdos e tarefas que os examinandos

efetivamente precisam usar nos seus estudos.

O termo “dimensão humana” conforme empregado por Canale, é

interpretado, no presente trabalho, como uma afirmação no sentido de que

toda testagem de proficiência tem no sujeito examinado, o seu foco maior

de atenção. Assim, a avaliação qualitativa do processo de testagem de

proficiência desenvolvida na UFSM parece demandar que as considerações

feitas sobre o teste estejam diretamente relacionadas ao examinando e à

função social que o teste desempenha.

A escolha do termo “naturalística”, por Canale, reflete sua crença de

que

os testes de língua devem medir a competência dos estudantes em usar aquilo que a teoria define como linguagem natural [ ou seja, que esteja relacionada o mais diretamente possível com as situações reais de uso de linguagem que o examinando tem que enfrentar] e avaliar a competência através da observação dos estudantes à medida em que eles desempenham tarefas naturais na [situação específica de uso da] língua (Chapelle & Douglas, 1993, p. 3).

50

Este termo implica também na busca de evidências substanciais no

que concerne ao significado dos escores obtidos pelos alunos nos testes,

salientando-se o fato de que, em última instância, os testes desviam dos

contextos de uso de linguagem natural. No tocante ao termo ético do

binômio, ele ali está para lembrar da responsabilidade que os usuários15 dos

testes têm em garantir que tais testes sejam experiências valiosas e que

produzam conseqüências positivas para todos os envolvidos. É por essa

razão que Canale adverte que o foco de atenção na tradição naturalística é

“o que testar, como testar e por que testar, refletindo, assim, a visão de que

a testagem de linguagem é notadamente uma questão ética” (Canale, 1988,

p. 77).

A nomenclatura e os conceitos propostos por Canale (1988) podem

ser interpretados como um estímulo para que os responsáveis pelos testes

de proficiência invistam na construção de um processo de testagem

marcado tanto por critérios técnicos adequados, quanto por uma

preocupação ética em relação aos usuários do teste.

Isso faz sentido na medida que, independentemente de intenção, tais

testes acabam por traçar uma linha divisória que coloca, de um lado,

aqueles considerados competentes e, de outro lado, uma massa crescente

de indivíduos à margem dessa “competência”. Amplificando tais resultados,

num mundo onde a língua inglesa ocupa um lugar de destaque, pessoas

cujo comando dessa língua é considerado adequado, passam a ter não só

15 Entenda-se usuário como todo sujeito envolvido no processo de testagem, seja o examinando, examinador, instituições promotoras e pessoas ou instituições que utilizem seus resultados.

51

versatilidade lingüística mas também, poder político, econômico e

educacional (Peirce, 1992, p. 686). Isso significa que testes que determinam

qual é o domínio adequado sobre a língua inglesa investem-se de um poder

de influenciar não somente o futuro educacional de indivíduos, mas, até

mesmo, o futuro político de nações inteiras (ibid.). É por exemplo, o caso do

TOEFL que, considerando o grande número de examinandos que a ele se

submetem anualmente, influencia algo em torno de um milhão de decisões

sobre carreiras profissionais e acadêmicas por ano (Bachman, Davidson &

Foulkes, 1993, p. 25).

Importa, portanto, buscar respostas às três questões consideradas o

foco da tendência naturalística-ética de testagem — o que, como e para que

testar. Especialmente no âmbito das universidades brasileiras, objeto de

interesse do presente trabalho, a resposta para tais perguntas pode ser um

tanto complexa. Para procurar respondê-las, acredito ser fundamental

entender, em primeiro lugar, o que são e de que consistem afinal os testes

aos quais alunos de Mestrado em universidades brasileiras têm que se

submeter. É importante também abordar a intrincada relação entre testagem

e o contexto no qual ela está inserida, buscando estabelecer um

relacionamento de mão dupla entre a pesquisa em testagem de proficiência

e o ensino de línguas.

3.2 Concentração em uma língua e baixo desempenho dos candidatos

Quando se fala em testagem de proficiência no contexto acadêmico

52

brasileiro, duas questões se destacam: a concentração da testagem

preferencialmente em língua inglesa, e o baixo desempenho dos

examinandos nos testes.

Em relação à primeira questão, deve-se ressaltar que processos de

testagem não ocorrem isoladamente, ou seja, pode-se pressupor uma

relação diretamente proporcional entre o volume ou quantidade de testagem

que ocorre numa dada língua e o ensino ou necessidade dessa língua num

dado contexto formal de ensino. Essa é a situação que parece ocorrer

tipicamente em relação aos testes de proficiência aplicados em

universidades brasileiras para averiguar o nível de habilidade de leitura

daqueles que postulam uma vaga num curso de Mestrado ou Doutorado, ou

que, já estando neles, precisam comprovar tal habilidade. Tomando por

base o que ocorre na UFSM, o número de candidatos que se submeteram

ao teste de proficiência em inglês na primeira edição realizada em 1996

(120), foi seis vezes superior ao número de candidatos que prestaram o

teste em língua espanhola, quinze vezes maior do que o número de

candidatos em francês e 60 vezes maior do que o número de candidatos em

alemão (dados coletados a partir das listas fornecidas pela Comissão

responsável pelo Teste de Suficiência da UFSM). Esses dados corroboram

o entendimento que a língua inglesa ocupa uma posição de destaque no

cenário acadêmico, principalmente se levarmos em conta que a opção pela

língua em que o teste deve ser prestado é de livre escolha do examinando.

Um outro aspecto que deve ser levantado diz respeito às razões pelas quais

os candidatos fazem tal opção. Pressupondo-se que a escolha

predominante pela língua inglesa decorra do fato dos alunos reconhecerem

53

a importância dessa língua no cenário acadêmico ou terem maior

conhecimento sobre ela, é possível inferir que isso, por sua vez, possa ser

atribuído a uma maior exposição à língua inglesa nos contextos

educacionais formais, começando pelo ensino de primeiro grau e se

estendendo até a pós-graduação.

A questão que parece ser problemática em relação a essa

predominância do inglês na testagem e no ensino de línguas diz respeito ao

baixo desempenho dos candidatos nos testes de proficiência em leitura em

ESP, realizados na UFSM. Nessa instituição, são considerados aprovados

no teste de proficiência os candidatos que obtiverem nota igual ou superior a

7,0. Aos candidatos aprovados são conferidos três diferentes conceitos: C,

para aqueles cuja nota situa-se entre 7,0 e 7,9; B, para aqueles com nota

entre 8,0 e 9,0 ; e A, para aqueles cuja nota excede a 9,1. Para aqueles

candidatos com nota inferior a 7,0, não há expedição de conceito, sendo

apenas informada a nota obtida.

Assim, pode-se ver na Tabela 1, que houve uma preferência dos

candidatos pela testagem em língua inglesa. Além desse fato, o índice de

candidatos cujo desempenho foi considerado insuficiente é bastante

elevado, representando quase metade dos candidatos. É interessante

observar também que esse índice se mantém relativamente estável entre as

quatro línguas em que se oferece a testagem, embora para inglês e alemão

esse índice seja um pouco mais elevado do que para espanhol e francês.

Tabela 1 - Resultados do Teste de Suficiência em Leitura em Língua Estrangeira na UFSM

54

Língua Escolhida

Conceito A

Conceito B

Conceito C

desempenho insuficiente

Total

INGLÊS * n

%

5

4,2

21

17,5

36

30

58

48,3

120

79,5

ESPANHOL n

%

1

5,3

2

10,5

8

42,1

8

42,1

19

12,6

FRANCÊS n

%

1

10

5

50

4

40

10

6,6

ALEMÃO n

%

1

50

1

50

2

1,3

TOTAL n %

6

3,9

25

16,6

49

32,4

71

47,1

151

100

*n = número de candidatos prestando o teste

Quanto ao elevado nível de reprovação, constatei, numa sondagem

preliminar, que a situação não é muito diferente em outras universidades16,

onde os fracos resultados obtidos pelos alunos nos testes de proficiência de

leitura têm demonstrado a existência de uma diferença entre as expectativas

das instituições e o desempenho efetivo dos alunos nos testes, sugerindo a

necessidade de pesquisas que discutam ou proponham caminhos para

interpretar e até mesmo minimizar esse problema (Wielewicki, 1995).

Dada a constatação de que um grande número de examinandos são

reprovados em testes de proficiência, não se postula aqui que seja o caso

de simplesmente dar menor relevância aos testes. Pelo contrário, o

argumento que venho desenvolvendo é de que a proficiência em leitura em

ESP tem um papel fundamental no sistema de pós-graduação, reconhecido

tanto pelos dispositivos legais que o regulamentam, quanto por

pesquisadores de diversas áreas (cf., Celia, 1983; Izquierdo, 1995). Esse

16 Embora ainda não haja estudos sistemáticos atualizados e publicados sobre o índice de reprovação em tais testes, há estudos em andamento na UFRGS sobre o assunto, bem como dados isolados de instituições como a UNIJUÍ e a UFPA. Informações esparsas

55

reconhecimento pode ser percebido, por exemplo, pelo uso da habilidade de

leitura em ESP como critério de seleção de alunos para cursos de pós-

graduação, via de regra, através de testes de proficiência. A justificativa para

tanto é simples: o Brasil é um país carente e o uso dos recursos investidos

em pós-graduação precisa ser otimizado, selecionando-se candidatos que

tenham uma razoável habilidade de leitura em ESP para fazer frente às

necessidades de leitura de seus respectivos cursos.

Com isso, torna-se necessário desenvolver testes que possam avaliar

consistentemente a habilidade de leitura necessária para se realizar estudos

em nível de pós-graduação. Pressupõe-se, portanto, um claro entendimento

das necessidades do sistema de pós-graduação e das potencialidades e

dificuldades dos examinandos, além das questões relativas à construção do

teste em si.

Assim, acredito que uma das atitudes a tomar está relacionada com a

aferição da qualidade dos testes com base em critérios que,

reconhecidamente, possam melhorar o entendimento sobre os eles e sobre

o desempenho dos examinandos nesses testes. Como os dois critérios mais

utilizados para avaliar a qualidade de um teste são validade e fidedignidade,

farei uma discussão sobre esses conceitos, a seguir.

3.3 Validade

oriundas de outras instituições, ainda não formalmente comunicadas, sugerem a consistência desses resultados.

56

Assumindo que os testes de proficiência sejam necessários, cabe

discutir então o termo validade, que normalmente refere-se à significância

atribuída a um teste. Aliada à significância está a noção de relevância.

Dessa forma, um teste será considerado válido se os conteúdos, noções,

funções e estruturas nele contidos forem, ao mesmo tempo, significativos e

relevantes para o público que faz uso deles (Célia, 1983, p. 38). Assim, a

validade é apontada como a característica mais importante e necessária

para um teste, podendo ser aferida a partir de diferentes parâmetros. Dentre

os principais parâmetros de validade adotados, podem ser citados os

seguintes: validade de construto, validade preditiva, validade de conteúdo e

validade aparente.

Validade de construto refere-se ao julgamento que se faz do teste a

partir de uma teoria de testagem ou de linguagem que sirva de base para a

testagem que se tem em mente. A validade preditiva tem relação com o

grau de previsibilidade que um determinado teste pode dar sobre o

desempenho futuro de um examinando nas atividades que envolvam as

habilidades testadas. A validade de conteúdo refere-se à representatividade

do conteúdo do teste para os objetivos de avaliação propostos. Já a

validade aparente estaria relacionada ao julgamento intuitivo sobre a

aceitabilidade de um teste como uma medida válida de proficiência

(Alderson, Clapham & Wall, 1995, p. 286-289).

A literatura mais recente em testagem, favorece a idéia de validade

como um conceito unitário e argumenta que o desenvolvimento de um

determinado teste torna necessária a reunião de informações a respeito da

57

relevância do conteúdo, da capacidade dos resultados desse teste

fornecerem previsões sobre o desempenho do candidato nos contextos

reais de uso de linguagem e da inter-relação dos critérios adotados

(Bachman, 1990, p. 237).

Embora Bachman pareça favorecer a uma maior integração de

diferentes parâmetros na construção do conceito de validade, o tratamento

dado à questão por Célia (1983), Hughes (1989) e Bachman (1990) é

basicamente o mesmo, que vêem tais parâmetros como diferentes métodos

para se chegar a uma validação plena dos testes. Assim, considerando que

nem a discussão sobre a teoria de testagem ou de linguagem que subjaz ao

teste, nem o grau de previsibilidade que o teste pode dar sobre o

desempenho futuro dos examinandos estão entre os objetivos imediatos do

presente trabalho, a questão da validade será abordada a partir de dois

desses parâmetros de validade: validade de conteúdo e validade aparente.

3.3.1 Validade de conteúdo

Considera-se que um teste apresenta validade de conteúdo (ou

relevância de conteúdo, conforme Bachman, 1990) se seu conteúdo

constituir uma amostra representativa e relevante das habilidades e

estruturas de língua que o teste busca especificamente avaliar (Hughes,

1989, p. 22). Assim, para ter validade de conteúdo, um teste de proficiência

que tenha como objetivo avaliar proficiência em leitura em ESP num dado

contexto, deve ser constituído por textos e questões que sejam

suficientemente representativos do que se entenda por proficiência naquele

58

contexto. Isso, por sua vez, garantiria, teoricamente, que se pudesse fazer

as generalizações relativas ao desempenho do candidato nos contextos

reais de uso da língua (Célia, 1983, p. 41).

Bachman (1990, p. 289-290) argumenta que esse tipo de validade é

“por si próprio inadequado para se fazer inferências sobre a demonstração

de habilidades pelos examinandos, já que ela só enfoca o teste, não

considerando o desempenho dos que a ele se submetem”.

É justamente nesse sentido que justifico a abordagem metodológica

adotada no presente trabalho, analisando não somente o teste com base no

seu conteúdo, mas também o desempenho dos examinandos nas questões

que o compõem. A correlação entre essas duas fontes de dados pode

propiciar uma avaliação mais consistente sobre a validade do teste, mas

não garante que se amplie o entendimento que se tem sobre o contexto em

que a testagem se desenvolve. Por isso, acrescento a essas duas fontes de

dados uma terceira — a auto-avaliação que os examinandos fazem de sua

própria habilidade de leitura em ESP. Espero, dessa forma, deslocar o eixo

da discussão. do teste para o processo de testagem.

3.3.2 Validade aparente

O termo validade aparente é usado na literatura sobre testagem para

dar conta da propriedade que um teste tem de parecer medir o que se

supõe que ele deva medir. Devido a isso, vários autores encaram esse tipo

de validade com certa reserva, alegando falta de cientificidade. A alegação é

59

procedente até certo ponto, já que o critério adotado para tal tipo de

validade é apenas o da opinião que os usuários têm do teste. Nada garante,

por exemplo, que um teste aceito como aparentemente válido, seja

fidedigno ou mesmo teoricamente fundamentado. Ocorre, entretanto, que,

se um teste não for reconhecido por seus usuários como medida válida e fiel

de habilidade lingüística ou de proficiência, os reflexos dessa falta de

reconhecimento podem afetar a motivação e as atitudes dos usuários em

relação ao teste e, em função disso, até mesmo o desempenho dos

candidatos no teste.

O parâmetro de validade aparente é relevante para o presente

trabalho na medida que a reprovação consistente de examinandos no teste

pode, de alguma maneira, estar relacionada a uma divergência entre a

concepção de leitura subjacente ao conteúdo do teste e aquela dos

examinandos. A discussão sobre essa questão, no entanto, pode ser mais

objetiva após a discussão do desempenho dos examinandos no teste, com

base nas suas auto-avaliações (Capítulo 7).

Para concluir a discussão sobre validade, é necessário salientar que

a testagem de proficiência ocorre “num dado contexto social e educacional e

os usos de tais testes são determinados em grande parte por mudanças

políticas que variam ao longo do tempo e de uma sociedade para outra”

(Bachman, 1990, p. 291). Assim, sendo, qualquer consideração que se faça

sobre validação de testagem deve necessariamente ir além dos limites da

psicometria e da LA, incluindo no rol da discussão os aspectos sociais, os

valores e opiniões que os usuários têm sobre os testes, bem como aqueles

60

aspectos relativos à fidedignidade dos testes, objeto de atenção da próxima

seção.

3.4 Fidedignidade

A fidedignidade de um teste está diretamente relacionada com seu

grau de precisão como instrumento de mensurarão de uma determinada

habilidade lingüística (Célia, 1983, p. 42). É, portanto, na demonstração

quantitativa dessa dimensão do teste que se concentra parte substancial da

literatura sobre fidedignidade. A preocupação com esses aspectos

quantitativos tem guarida na tentativa de se garantir que um teste tenha

duas características muito importantes. Primeiro, que reflita tão fielmente

quanto possível as situações e contextos sobre os quais o teste se baseia.

Em segundo lugar e, concomitantemente, que os escores expressos por ele

sejam representativos do nível de habilidade que o teste se propõe a testar.

É particularmente essa segunda característica que se discutirá aqui.

Considerando que muitas decisões acadêmicas são tomadas com

base no desempenho dos candidatos nos testes de proficiência, é

importante que os escores que expressam esse desempenho tenham a

menor margem de erro possível, de forma que as decisões neles pautadas

sejam dignas de crédito. Assim, é de fundamental importância que, no

desenvolvimento e uso desses testes se tente “identificar as fontes

potenciais de erro numa dada medida da habilidade comunicativa de

linguagem e minimizar o efeito desses fatores naquela medida” (Bachman,

61

1990, p. 160).

Acredita-se que basicamente quatro grupos de fatores afetem o

escore de um candidato num teste: habilidade comunicativa de língua,

características do método de testagem, atributos pessoais (por exemplo,

conhecimento prévio na área de conteúdo testada) e fatores aleatórios

(como, por exemplo, o nível de tensão do examinando).

De acordo com Bachman (ibid., p. 164) a influência do método de

testagem no escore do indivíduo ocorreria de uma forma sistemática, já que

supõe-se uma uniformidade entre diferentes edições de um teste no que

concerne, por exemplo, ao tipo de questões formuladas. Convém lembrar

ainda que o efeito do método de testagem sobre o escore pode ser o

mesmo para todos os indivíduos testados, podendo também sofrer

variações individuais. De forma similar, a influência dos atributos pessoais

(não relacionados diretamente com a habilidade lingüística) sobre o escore

do indivíduo também ocorreria de forma sistemática, ou seja, as

características individuais, tais como estilo cognitivo, conhecimento prévio,

sexo, etc. afetariam o desempenho do candidato no teste regularmente.

Para exemplificar, a escolha sistemática de assuntos com os quais os

candidatos de um teste não têm afinidade, poderia ser uma fonte potencial

tanto de interferência no desempenho dos candidatos, como de erro de

medida do teste (ibid.).

Além desses dois grupos de fatores que ocorrem sistematicamente,

os fatores do terceiro grupo mencionado por Bachman afetam o

62

desempenho dos candidatos no teste de forma assistemática. Entre eles,

pode-se citar o estado emocional do candidato e variações incontroladas

nos métodos de testagem.

Em função da influência desempenhada por esses fatores, Bachman

(ibid., p. 226) argumenta que é “fundamental para o desenvolvimento e uso

de testes de habilidade de uso de língua, ser capaz de identificar e estimar

os vários fatores que atuam sobre os escores dos testes” como forma de

reduzir os efeitos que não estejam diretamente relacionados com a

habilidade lingüística que se esteja testando, garantindo-se assim, que os

resultados expressos pelo escore do candidato no teste sejam um retrato fiel

de seu nível de habilidade.

Em geral, fidedignidade e validade são consideradas duas

características distintas, porém relacionadas, ou seja, “embora a validade de

um teste seja considerada a característica mais importante, a fidedignidade

é uma condição necessária para a validade” (ibid., p. 227). Em

conseqüência desse entendimento, Hughes (1989, p. 29-34) faz uma série

de sugestões para tornar os testes mais fidedignos. Entre elas, pode-se citar

o uso de uma amostragem de comportamentos o mais ampla possível, o

exercício de um controle rígido sobre as tarefas propostas, evitando assim

redundância e ambigüidade nas instruções e nos itens incluídos no teste, a

familiarização dos candidatos com o procedimento e as técnicas de

testagem, a pontuação de forma objetiva feita por pessoal especificamente

treinado para tal fim e a discussão prévia sobre quais respostas são

aceitáveis e quais escores são apropriados. O autor adverte, no entanto,

63

que ao buscar maior fidedignidade nos testes desenvolvidos, devemos estar

cientes do risco da redução de sua validade (ibid., p. 42). Uma forma de

contornar tal risco é o estabelecimento de tarefas que resultem num

comportamento que demonstre que o candidato leu com sucesso (ibid., p.

116).

Para finalizar a discussão sobre fidedignidade, é necessário observar

que, em função dos diferentes fatores que podem influenciar o desempenho

dos examinandos num teste, é virtualmente impossível criar um teste

perfeitamente fidedigno (cf. Alderson, Clapham & Wall, 1995, p. 87). Assim,

há que se considerar a possibilidade de que o baixo desempenho dos

examinandos no teste de proficiência possa também estar relacionado a

problemas associados à fidedignidade na testagem.

Tendo isso em mente, convém encaminhar a discussão para os

aspectos que dão base à construção do conceito do examinando no teste.

Nesse sentido, o desempenho dos examinandos no teste é avaliado em

termos das habilidades (ou micro-habilidades) de leitura que os

examinadores supõem que um aluno de mestrado deva ter. É sobre essas

micro-habilidades que trata a próxima seção.

3.5 Taxonomia de micro-habilidades de leitura (Munby, 1978)

Durante um longo tempo acreditava-se que era muito mais difícil

construir testes fidedignos e válidos de escrita e expressão oral, do que de

leitura e compreensão oral. A justificativa para tal raciocínio se originava, em

64

grande parte, da concepção de que, enquanto os testes de expressão oral e

escrita dependiam de medidas ‘subjetivas’ para a obtenção do escore do

candidato, nos testes de leitura e de compreensão oral a aplicação de

métodos ‘objetivos’ de pontuação era não somente possível, como também

muita apropriada. Hughes (1989, p. 116) adverte, entretanto, que tal

raciocínio não levava em conta que as habilidades de escrita e expressão

oral podiam ser testemunhadas em comportamento explícito, já que quando

as pessoas escrevem ou falam, nós as enxergamos ou ouvimos. No que

concerne à compreensão oral ou da leitura a situação seria diferente, pois

nem sempre ela seria observável em um comportamento explícito. Assim,

conclui Hughes, ganhou aceitação a idéia de que a proposição de tarefas

que resultem numa demonstração mensurável de sucesso na realização da

tarefa, não é algo tão simples de se conseguir.

Dessa forma, alguns pesquisadores interessados em testagem de

proficiência em leitura têm procurado oferecer subsídios à construção de

testes válidos e fidedignos e que, portanto, demonstrem com a maior

clareza possível o nível de habilidade de leitura do examinando. Para tanto,

é relativamente consensual entre os pesquisadores da área, de que é

necessário entender as habilidades que se deseja testar, podendo-se assim

especificá-las de uma forma completa e precisa. É nesse sentido, por

exemplo, que muitos autores lidando com testagem aludem à taxonomia de

micro-habilidades de leitura formulada por Munby (1978) como uma

referência para a construção de testes (cf., por exemplo, Celia, 1983;

Tavares, 1992). Há, no entanto, restrições por parte de outros autores (por

65

exemplo, Alderson & Lukmani, 1989), que argumentam que há uma falta de

base empírica e de ordenamento dessa taxonomia em níveis de cognição

hierarquicamente organizados. Apesar de tais restrições, a taxonomia de

Munby ainda é uma das fontes mais usadas na especificação das micro-

habilidades a constar em testes de leitura, particularmente, de leitura em

ESP (cf. Skehan, 1989, p. 218). Assim, parece ser adequada o suficiente

para os propósitos do presente trabalho.

Como nem todas as micro-habilidades que constam da taxonomia de

Munby estão relacionadas à leitura, Tavares (1992, p. 165-184) propõe uma

adaptação dessa taxonomia, considerando somente aquelas habilidades

normalmente acessadas quando da leitura. Assim como Tavares (ibid.),

entendo leitura como um processo onde diferentes habilidades são

integradas, mas, para os fins do presente trabalho, proponho organizar

essas micro-habilidades em 9 tipos17: (1) habilidades motoras e perceptuais;

(2) conhecimento lexical; (3) compreensão de significado conceitual; (4)

compreensão do valor comunicativo; (5) habilidades operantes no nível de

coesão do discurso; (6) conhecimento esquemático; (7) habilidades

operantes no nível de coerência do discurso; (8) habilidades de

sumarização; e (9) habilidades de leitura geral e de leitura seletiva.

3.5.1 Habilidades motoras e perceptuais

17 Manterei a nomenclatura originalmente proposta por Munby (1978). Assim, as referências a discurso nessa taxonomia referem-se de fato a texto.

66

O primeiro subgrupo agrega as micro-habilidades essencialmente

motoras e perceptuais, tanto de recepção, quanto de produção. Um exemplo

disso seria, o reconhecimento do script de uma língua: (a) discriminando os

grafemas; (b) seguindo seqüências de grafemas (sistema alfabético); e/ou

entendendo a pontuação. Entende-se aqui que esse tipo de micro-

habilidade, identificado com os processos ascendentes que ocorrem na

leitura, é necessário à realização de qualquer das tarefas de leitura

propostas no teste, mas, conforme sugere Hughes (1989), não devem ser

especificamente avaliadas num teste, já que o nível de processamento

dessas micro-habilidades seria inferior ao que interessa aferir num

examinando.

3.5.2 Conhecimento lexical

O segundo grupo de micro-habilidades está relacionado ao

conhecimento lexical e compreende basicamente a dedução de significado e

uso de itens lexicais desconhecidos através do entendimento sobre a

formação das palavras (por exemplo, por derivação ou sufixação) ou pelo

uso de pistas contextuais.

3.5.3 Compreensão de significado conceitual

A micro-habilidade básica nesse grupo é a compreensão de

significado conceitual. Munby (1978, p. 119-120) lista, de forma ilustrativa,

algumas áreas de significado conceitual que julga mais importantes, tais

67

como quantidade e quantia, definição e indefinição, comparação e grau,

causa, resultado, propósito, razão, condição e contraste, entre outras..

Segundo ele, essas áreas podem demandar diferentes graus de

refinamento, dependendo do objetivo comunicativo que se tenha em mente.

3.5.4 Compreensão do valor comunicativo

As micro-habilidades desse grupo tratam da compreensão do valor

comunicativo das sentenças e asserções, relacionando os processos

psicolingüísticos ao significado pragmático. Essas micro-habilidades de

leitura assumem, portanto, uma importância destacada na compreensão no

nível do discurso. Essa compreensão pode se dar através de marcadores

explícitos ou mesmo na ausência deles, como, por exemplo, numa situação

onde, entre duas ou mais sentenças, haja uma relação de exemplificação

que não esteja explicitamente sinalizada com marcadores do tipo “tais

como” ou “por exemplo”. Espera-se que o leitor seja capaz de identificar a

força ilocucionária das assertivas, independentemente da existência dos

marcadores discursivos mencionados.

3.5.5 Habilidades operantes no nível de coesão do discurso

As micro-habilidades desse grupo estão intimamente relacionadas à

coesão no nível do discurso e comportam uma subdivisão. De um lado,

estaria a compreensão de relações intra-sentenciais e estruturais e, de outro

lado, a compreensão de relações inter-sentenciais e semânticas.

68

A compreensão de relações intra-sentenciais e estruturais

demandaria um conhecimento mais apurado sobre os elementos de

estrutura da sentença, principalmente, sobre as estruturas de modificação,

as formas de negação, os auxiliares modais, os conectores intra-

sentenciais, a estrutura de subordinação complexa, o foco e o tema, a

anteposição e a inversão temática.

A compreensão de relações inter-sentenciais e semânticas, por outro

lado, demandaria um entendimento sobre as relações entre as partes de um

texto através de mecanismos de coesão lexical, tais como, repetição,

sinonímia, hiponímia, antítese, entre outros, e de mecanismos de coesão

gramatical, como, por exemplo, a referência anafórica, a referência

catafórica, a comparação, a substituição, a elipse, os mecanismos

relacionadores de tempo e lugar e os conectores lógicos.

3.5.6 Conhecimento esquemático

As micro-habilidades desse grupo enfatizam a importância do

conhecimento esquemático, pois tratam do relacionamento da informação

contida no texto com a informação que está externa a ele. Trata, portanto,

do uso da referência exofórica, da leitura das entrelinhas do texto e da

integração dos dados do texto com a própria experiência ou conhecimento

de mundo. Em função disso, acredito que um dos pontos mais relevantes no

desenvolvimento de testes é sua adequação ao nível de conhecimento

esquemático dos examinandos.

69

3.5.7 Habilidades operantes no nível de coerência do discurso

As micro-habilidades desse grupo operam no nível da coerência do

discurso e são especialmente pertinentes para as atividades envolvendo

textos mais longos. Podem ser citados aqui o reconhecimento dos

indicadores no discurso para a introdução de uma idéia, seu

desenvolvimento, a transição de uma idéia para outra, a conclusão, a ênfase

numa determinada questão, a explicação de uma questão já proposta ou a

antecipação de uma objeção ou visão contrária. Pode-se mencionar,

também, a identificação de ponto principal ou informação importante num

fragmento de discurso e a distinção entre a idéia principal e os detalhes

secundários, através da diferenciação entre, por exemplo, significância

primária e secundária, o todo e as partes, a asserção e o exemplo, e o fato e

a opinião.

3.5.8 Habilidades de sumarização

As micro-habilidades classificadas nesse grupo estão relacionadas a

diferentes aspectos de sumarização para diferentes propósitos. Teríamos

aqui a capacidade de extrair pontos salientes para sumarizar o texto todo,

uma idéia ou tópico específico no texto, ou uma idéia ou questão subjacente

ao texto. Pode-se tratar também da extração seletiva dos pontos salientes

de um texto, envolvendo a coordenação de informações relacionadas, o

rearranjo ordenado de itens contrastantes e a tabulação de informação para

comparação e contraste.

70

3.5.9 Habilidades de leitura geral e de leitura seletiva

Nesse último grupo estão reunidas duas micro-habilidades de suma

importância na leitura de um texto. De um lado, a leitura geral 18(skimming),

com vistas à compreensão da questão central ou da obtenção de uma

impressão geral sobre o texto e, de outro lado, a leitura seletiva (scanning),

para localizar informação especificamente requerida sobre um ou mais

pontos do texto, envolvendo tanto buscas simples, quanto buscas

complexas, ou ainda, informação sobre a totalidade de um tópico.

3.6 Considerações finais sobre testagem de proficiência em leitura em língua inglesa

Dentre os conceitos que discuti ao longo deste terceiro capítulo,

procurei mostrar que, quanto maior for a validade e a fidedignidade de um

teste, maiores são as chances de que o escore dos examinandos no teste

seja representativo de seu nível de habilidade de leitura em ESP. Procurei

argumentar também que o nível de validade e fidedignidade de um teste não

pode ser aferido única e exclusivamente a partir do estudo do teste em si.

Procurei mostrar também, (consoante com a visão de leitura como um

processo interativo e com uma abordagem naturalística-ética de testagem)

que o ponto de vista do leitor deve, necessariamente, fazer parte da

avaliação sobre a qualidade de um processo de testagem. Assim, justifico

minha opção por analisar o processo de testagem de proficiência a partir da

confluência entre os dados sobre o teste, sobre o desempenho dos

18 Os termos leitura geral e leitura seletiva são propostos por Motta-Roth (1996) no Curso de Leitura Instrumental oferecido pelo DLEM-UFSM.

71

examinandos no teste e, principalmente, sobre a auto-avaliação que os

examinandos fazem sobre sua própria habilidade de leitura.

No que concerne aos passos dessa análise, julguei conveniente

analisar o conteúdo do teste em termos do texto cuja leitura era base para

as tarefas propostas nas questões que o constituíram. A idéia do teste como

um conjunto de tarefas a serem desempenhadas pareceu exigir uma análise

que desse conta do que se esperava que os examinandos fizessem em

cada questão do teste. Assim, a taxonomia de micro-habilidades proposta

por Munby (1978) mostrou-se satisfatória para que se pudesse proceder a

análise do teste em termos das tarefas ali propostas.

Para levar em conta o ponto de vista dos examinandos no processo

de testagem, no entanto, a situação era um tanto mais complexa. Não havia

informações sistematizadas sobre os examinandos e seu desempenho nos

testes e nem mesmo sobre o próprio teste enquanto instrumento de

avaliação de habilidade de leitura. Assim, em conformidade com a idéia de

que a validade de conteúdo, por si só, não dá uma base sólida para se fazer

inferências sobre a habilidade de leitura dos examinandos, optou-se pela a

aplicação de um questionário que apurasse informações sobre os

examinandos para, ao mesmo tempo, ampliar o entendimento que se tem

sobre sobre o contexto onde o teste se desenvolve e fornecer um parâmetro

adicional a ser utilizado na análise da validade do teste.

Evidentemente que, como em qualquer estudo, esse tipo de

abordagem também tem suas limitações, mas, dada a carência de

informações sobre o contexto a que me referi acima, entendo que meu

72

trabalho cumpre o papel de iniciar uma discussão mais sistemática sobre a

função desempenhada pelos testes de proficiência na UFSM.

Além disso, não se pode perder de vista que o objetivo do presente

trabalho é interpretar o problema do alto índice de reprovação dos

examinandos no teste e, pelo menos em princípio, as informações aqui

apuradas ajudam a mapear a situação sob uma perspectiva relativamente

ampliada.

4 METODOLOGIA

4.0 Pressupostos

Conforme procurou-se mostrar ao longo nos capítulos anteriores, a

complexidade do objeto de pesquisa do presente trabalho — a testagem de

proficiência em ESP desenvolvida na UFSM — demandou uma abordagem

que fosse capaz de explorar os diversos aspectos envolvidos nesse

processo. Ainda em conformidade com essa idéia, embora se tenha tido a

preocupação de esboçar um planejamento das atividades de pesquisa, a

definição dos procedimentos de pesquisa foi determinada pelo próprio

andamento do trabalho, referendando o entendimento de Davis (1992: 605)

de que, na pesquisa qualitativa, não há uma única realidade pré-construída,

mas um processo de construção múltipla da realidade, cabendo ao

pesquisador interagir com seu objeto de estudo e com seu marco teórico

referencial, numa relação de mútua influência e de tomada de decisões

frente aos desafios que a atividade de pesquisa coloca, e não numa base a

priori (cf. Meloy, 1994: 20). Assim, à medida que a análise dos dados

suscitava questionamentos adicionais ou mostrava pontos de inconsistência,

novos procedimentos foram adotados para contornar tais situações. Esses

procedimentos, assim como o corpus da pesquisa, são descritos nesse

capítulo com a finalidade de explicitar os métodos adotados para a análise,

justificando sua inserção na pesquisa.

74

4.1 Corpus da pesquisa

O corpus da pesquisa é constituido de duas fontes básicas: o teste de

proficiência aplicado na UFSM no primeiro semestre letivo de 1996 e os

dados provenientes de questionários aplicados à população-alvo da

testagem.

4.1.1 Seleção das fontes e coleta de dados

Considerando que o presente trabalho trata do problema do

acentuado índice de reprovação dos examinandos no teste, o ponto de

partida para a presente pesquisa foi o teste de proficiência em si. Definiu-se

por concentrar o estudo em uma única edição do teste, de forma a explorar

quantitativa e qualitativamente outros aspectos envolvidos no processo de

testagem, tais como, a visão dos examinandos sobre sua habilidade de

leitura e seu desempenho no teste.

A razão fundamental para a escolha da edição do teste a ser

analisada foi a possibilidade de aplicar um instrumento de pesquisa durante

a realização do teste, levantando assim dados mais ricos sobre o público e o

contexto onde a testagem ocorreria, em conformidade com a idéia de que

apenas a análise do teste em si, seria insuficiente para se discutir a

testagem numa perspectiva mais ampliada (seção 3.3.1, Capítulo 3). Além

disso, uma mudança no formato das questões do teste, de discursiva para

múltipla escolha, abriu a possibilidade de mapear as respostas dos

examinandos à cada questão do teste, o que efetivamente foi feito. Esse

procedimento possibilitou a visualização do desempenho dos examinandos

75

no teste, oferecendo indicativos sobre suas dificuldades e sobre alguns

problemas relacionados ao próprio teste que não fossem passíveis de

esclarecimento apenas pelo critério de julgamento prévio das questões (por

exemplo, o nível de dificuldade de uma determinada questão para os

examinandos).

A comissão de professores do DLEM, responsável pelo teste,

permitiu o acesso a uma cópia do teste aplicado, subseqüentemente à

divulgação dos resultados, o que ocorreu 30 dias após sua realização. Foi

feita, então a análise do teste no que concerne ao texto utilizado e às tarefas

propostas aos examinandos.

Quanto aos examinandos, ao final do teste foi aplicado um

questionário aos 151 sujeitos, independentemente da língua de escolha. A

análise aqui empreendida, no entanto, considera apenas os questionários

retornados por 61 examinandos que prestaram o teste em ESP e que se

identificaram, permitindo assim o cruzamento dos dados do questionário

com os do levantamento sobre suas respostas às questões do teste.

4.2 Procedimentos para análise do teste

O teste foi analisado a partir do texto cuja leitura deu base às

questões propostas e sob o ponto de vista das micro-habilidades de leitura

que pareciam ser o foco de avaliação nessas questões. Os dados sobre o

desempenho dos examinandos nas questões também foram considerados

na discussão sobre as questões do teste.

76

O texto que deu base às questões do teste foi submetido ao

programa Longman Mini Concordancer versão 1.01, a fim de se apurar a

quantidade e a freqüência de palavras utilizadas no texto. É através esse

levantamento que se identificou, por exemplo, a presença marcante de grau

comparativo de adjetivos no texto. Além desse levantamento, o texto

também foi analisado em termos do argumento desenvolvido pelo autor.

A análise das questões do teste foi realizada em termos das micro-

habilidades de leitura que pareciam ser necessárias para o solução das

questões propostas, sendo objeto de atenção no Capítulo 5. A base teórica

para a análise das micro-habilidades de leitura é a taxonomia proposta por

Munby (1978: 116-132) e adaptada por Tavares (1992: 165-184). Para

tanto, as tarefas solicitadas nas questões foram delimitadas e procurou-se,

em primeiro lugar, identificar quais micro-habilidades de leitura seriam

necessárias para cumprir essas tarefas. O passo seguinte foi a definição de

como essas micro-habilidades seriam operacionalizadas, levando-se em

conta, tanto as alternativas disponíveis, quanto a busca de informação no

texto, que os examinandos supostamente teriam que fazer. Nessa etapa de

análise, foram consideradas, prioritariamente, as micro-habilidades que os

examinandos poderiam ter usado para chegar às respostas consideradas

corretas.

Na discussão do desempenho dos examinandos no teste (Capítulo

7), no entanto, também são considerados os fatores que podem ter

influenciado as respostas e, conseqüentemente, a performance dos

77

examinandos nas questões do teste.

4.3 Procedimentos para a análise dos dados sobre a população alvo da testagem

O processamento das respostas ao questionário foi feito em termos

das freqüências relativas e absolutas dessas, bem como de cruzamentos

entre as diversas variáveis disponíveis, tais como, dados pessoais e

acadêmicos, situação dos examinandos em relação à testagem,

representações dos examinandos sobre habilidade de leitura, sugestões dos

examinandos sobre a testagem, e dados relativos ao desempenho dos

examinandos no teste. Esses dados são discutidos e analisados nos

Capítulos 5 e 7.

O questionário foi dividido em duas partes (ver Apêndice A). Na

primeira, procurou-se levantar dados pessoais e acadêmicos sobre os

examinandos, tais como, sexo, idade, formação acadêmica, curso ao qual

estavam vinculados, ingresso no curso. Na segunda parte, foram buscadas

informações sobre os seguintes itens: (1) situação dos examinandos em

relação a aprovações e reprovações em outros testes de proficiência; (2)

sua opinião sobre a importância das línguas nas suas respectivas áreas de

atuação; (3) seu auto-conceito sobre habilidade de leitura em língua

estrangeira; e (4) sugestões que esses examinandos teriam em relação à

testagem de proficiência.

Dos 151 questionários aplicados durante o teste de proficiência, 105

foram retornados. Desses, 84 foram referiam-se ao teste em ESP, sendo

78

que 61 vieram identificados, tornando possível, em conseqüência disso,

fazer um levantamento sobre as respostas desses examinandos às

questões do teste. Todos esses 61 questionários, assim como os dados

referentes às respostas desses examinandos às questões do teste, foram

tabulados e processados através do pacote estatístico SAS (Statistical

Package for Data Analysis, Sas Institute, Inc.), disponível na UFSM, que

permite um processamento ágil e flexível das variáveis utilizadas no

questionário, além da fusão de arquivos de dados distintos. Isso possibilitou

a combinação de informações apuradas através dos questionários com

aquelas levantadas através da análise das respostas às questões do teste.

As respostas dos 61 examinandos ao questionário foram transcritas

para uma planilha e, posteriormente, cotejadas com aquelas provenientes

dos testes, obtendo-se um perfil global dos examinandos.

A seguir, as respostas dos examinandos foram agrupadas com base

nas duas variáveis fundamentais para o presente trabalho: (1) o auto-

conceito dos examinandos sobre sua habilidade de leitura em ESP; e (2) o

conceito que esses examinandos obtiveram no teste. Com tal procedimento,

se obteve um mapeamento estratificado das respostas dos examinandos no

teste, através do qual foi possível analisar-se as respostas dos examinandos

em relação ao auto-conceito sobre sua habilidade de leitura e ao seu

desempenho efetivo no teste. Tal mapeamento é de extrema importância

para o presente trabalho, na medida em que permite correlacionar teste,

desempenho e auto-conceito, ampliando as possibilidades de interpretação

tanto sobre os problemas do teste, quanto sobre as dificuldades dos

79

examinandos.

4.4 Foco de análise

Considerando os procedimentos de análise acima descritos, buscou-

se a correlação entre o auto-conceito sobre a habilidade de leitura dos

examinandos e seu desempenho efetivo nos testes, tendo sido observados

os pontos de convergência e os focos de inconsistência entre essas duas

variáveis. A partir dessa observação, procurou-se relacionar tais resultados

ao teste e às micro-habilidades aparentemente avaliadas nas seções do

teste, com o objetivo de oferecer uma interpretação sobre os problemas de

desempenho dos examinandos.

As considerações tecidas a partir dos pontos de convergência e os

focos de inconsistência entre as auto-avaliações e o desempenho efetivo

dos examinandos são fundamentadas com base numa visão interativa sobre

leitura e sob a perspectiva naturalística- ética do processo de testagem de

proficiência em leitura em ESP.

Nesse sentido, procurou-se conciliar os aspectos quantitativos e os

aspectos qualitativos envolvidos na pesquisa, numa composição

metodológica abrangente o suficiente para dar um retrato da situação de

testagem analisada, concomitantemente a considerações mais

especificamente direcionadas aos problemas e dificuldades apontadas.

Acentuou-se assim a importância da consideração da visão dos

examinandos sobre leitura e testagem, assim como do teste em si, na

discussão sobre o processo de testagem. Para otimizar a discussão dos

80

resultados do presente estudo, os dados acima referidos são tratados em

três capítulos. No Capítulo 5, discute-se os dados provenientes dos

questionários, no Capítulo 6, o teste e no Capítulo 7, a auto-avaliação e o

desempenho efetivo dos examinandos no teste.

5 A VISÃO DOS EXAMINANDOS SOBRE LEITURA E TESTAGEM

5.0 Considerações iniciais

Conforme tenho tentado argumentar, dentro de uma visão ética de

testagem, é importante considerar-se o ponto de vista do examinando para

se ampliar o entendimento sobre o processo de testagem como um todo.

Em função disso, optei pela aplicação de um questionário que pudesse

fornecer informações até então não sistematizadas sobre os sujeitos que

têm se submetido aos teste de habilidade de leitura em ESP, além,

evidentemente, de buscar nas suas respostas às questões do teste mais

uma fonte de informação para o entendimento desse processo. Para tanto,

discutirei informações que apurei sobre os examinandos no que se refere a

dados pessoais (5.1), perfil acadêmico (5.2), e, sugestões relativas a

testagem de proficiência (5.3). A discussão sobre a habilidade de leitura e

sobre o desempenho dos examinandos será feita no Capítulo 7, onde são

integrados os dados relativos aos examinandos com aqueles relacionados

ao teste em si.

5.1 Dados pessoais

102

Dos 61 examinandos, (60.7%) são mulheres e 73.8% variam

basicamente entre 23 e 30 anos de idade. Se tomarmos como referência a

idade de 40 anos, esse número salta para 92.3%. Como se vê, portanto, é

um público essencialmente feminino e academicamente jovem em termos

de Brasil, se considerarmos que uma grande parcela dos mestres formados

no Brasil apenas atingem esses graus praticamente em final de carreira.

Nesse sentido, a argumentação que sustenta a proposta de modificações

estruturais no sistema de pós-graduação brasileiro privilegia a formação de

quadros em nível de mestrado e doutorado em estágios iniciais de suas

carreiras acadêmicas.

5.2 Perfil acadêmico dos examinandos

Desses 61 examinandos, 52 (85.2%) estão matriculados nos cursos

de mestrado da UFSM. Os 9 restantes (14.8%) são alunos do último

semestre do curso de Medicina que estão prestando o teste basicamente

para postular vagas em programas de residência médica e, nesse sentido,

sua aprovação é vital para a continuidade de seus estudos, já que a

proficiência em leitura em língua estrangeira é considerada condição

fundamental para aceitação nesses programas20 . Além disso, 36 dos 61

examinandos (59%) formaram-se entre 1991 e 1996, portanto, nos últimos

cinco anos. Logo, na maior parte, são profissionais em fase inicial de

carreira.

20 Como os acadêmicos do último semestre de Medicina estão prestando o teste para cumprimento dos pré-requisitos para a aprovação no exame da AMRIGS e, por conseguinte, tanto o teste quanto o exame são condições imprescindíveis para sua aceitação em

103

Ao investigar se haveria alguma relação entre tempo efetivo de curso

(de pós-graduação) e desempenho no teste, os resultados obtidos

apontaram duas questões interessantes. Se considerarmos apenas os

dados dos 52 examinandos que já estão efetivamente matriculados em

cursos de mestrado, 35, ou seja, a maioria (67.3%), estavam entre o

primeiro e o terceiro semestre de curso e os 17 restantes (32.7%) já haviam

cursado quatro ou mais semestres. Desses 35 examinandos que estavam

entre o primeiro e o terceiro semestre de curso, 24 (68.6%) foram aprovados

no teste e 11 (31.4%) foram reprovados. Dos 17 examinandos que já tinham

cursado quatro ou mais semestres, apenas 5 (29.4%) foram aprovados e 12

(70.6%) foram reprovados.

A primeira questão apontada por esses resultados diz respeito ao fato

do maior índice de aprovação no teste ter ocorrido entre os examinandos

que estavam nos três primeiros semestres de seus cursos. Essa situação

(aparentemente paradoxal, já que se espera que a habilidade de leitura

melhore com o passar do tempo e com o ganho de experiência, conforme

Haas, 1994) pode, a meu ver, ser explicada pelo fato de que os

examinandos em geral prestam o teste nos três primeiros semestres com

um índice de aprovação que tem ficado em torno de 70%. Os 30% de

examinandos que comumente reprovam, têm de refazer o teste nos

semestres subseqüentes. Com isso, pode estar ocorrendo uma

concentração de alunos já previamente reprovados no grupo de

examinandos que prestam o teste a partir do terceiro semestre. Supondo-se

programas de Residência Médica, eles serão considerados aqui, para efeito de análise,

104

que os testes de proficiência estejam medindo adequadamente a habilidade

de leitura dos examinandos, não seria de todo equivocado se esperar que,

nesse grupo de alunos já previamente reprovados, o índice de aprovação

tenda a ser consideravelmente menor do que 70%. O fato de alguns

examinandos refazendo o teste serem aprovados em tentativas

subseqüentes pode indicar que sua habilidade de leitura em ESP tenha

melhorado entre uma e outra edição do teste, devido a cursos realizados ou

ao ganho de experiência de leitura.

A segunda questão aqui evidenciada é que, a partir do quarto

semestre de curso parece estabelecer-se uma relação em que, quanto

maior o tempo de curso, maior o índice de reprovação no teste. A

justificativa para tanto pode ser a mesma da questão anteriormente

levantada, mas aqui parece ocorrer ainda um outro problema. A duração

prevista para um curso de mestrado é de quatro semestres, de acordo com

os critérios da CAPES. Conseqüentemente, pode-se dizer que alunos que já

estejam nos seus cursos por mais de quatro semestres estão em atraso

com suas obrigações junto aos seus próprios cursos, à UFSM e aos órgãos

que financiam a pós-graduação no Brasil. Assim, não há porque se esperar

que, no que concerne à reprovação desses alunos nos testes de

proficiência, sua situação seja uma exceção em relação aos outros aspectos

de seu rendimento acadêmico. Evidencia-se, no entanto, a necessidade de

se ampliar a discussão do papel da leitura em ESP e da testagem de

proficiência no âmbito dos cursos de mestrado da UFSM.

como alunos em situação de ingresso em curso de pós-graduação.

105

Em relação às áreas de atuação dos candidatos, duas parecem ser

predominantes: ciências da saúde (32.8% dos examinandos) e ciências

rurais (27.8%). Juntas, essas duas áreas de conhecimento perfazem 60%

de todos os candidatos que são submetidos à testagem de proficiência em

leitura em ESP na UFSM. Somando-se a elas, a área das engenharias

(18%) e das ciências naturais e exatas (matemática, física e química)

(14.8%), observa-se que elas totalizam mais de 90% dos candidatos que

realizam o teste de proficiência.

Ressalve-se aqui que nem todos os cursos de pós-graduação na

universidade estão representados na amostragem por duas razões

diferentes. Em primeiro lugar, há cursos em que a habilidade de leitura em

língua estrangeira é um pré-requisito para admissão e, assim, há a

exigência da comprovação prévia dessa habilidade (É o caso, por exemplo,

do Mestrado em Letras, que usa testes elaborados pelo DLEM, e do

Programa de Pós-Graduação em Ciência do Movimento Humano, que exige

testes padronizados, do tipo do TOEFL). Em segundo lugar, há cursos que

oferecem a alternativa de seus alunos cursarem disciplinas de língua

estrangeira instrumental oferecidas pelo DLEM. Esse é o caso, por exemplo,

dos cursos de mestrado e doutorado em Educação e do mestrado em

Agronomia. A aprovação em tais disciplinas dispensa-os automaticamente

da realização do Teste de Suficiência. Essa possibilidade, parece mais

produtiva do ponto de vista didático-pedagógico, já que procura desenvolver

as habilidades do aluno para ler textos acadêmicos em língua estrangeira da

maneira mais satisfatória possível. Ocorre, no entanto, que essa alternativa

106

esbarra em aspectos práticos de implementação como, por exemplo, a falta

de estrutura na UFSM para suprir disciplinas para todo esse público. Além

disso, o próprio gerenciamento do tempo dos alunos de pós-graduação é

também um fator limitador, já que, muitas vezes, tais alunos têm seu tempo

comprometido com o cumprimento de créditos e prazos, relegando a um

segundo plano as tarefas que não estejam diretamente vinculadas com o

cumprimento dos créditos obrigatórios. Cabe alertar, no entanto, que, para

aqueles alunos que não conseguem ter um desempenho satisfatório de

leitura em ESP, esse semestre de língua instrumental é de fundamental

importância.

5.2.1 Razão para escolha da língua do teste

Ao buscar informação sobre os examinandos, pareceu ser importante

descobrir a razão principal que os movia a optar por uma ou outra língua

estrangeira na testagem. Dos 104 candidatos que retornaram o

questionário, a maioria (79.8%) optou por realizar o teste em inglês.

Os 61 examinandos que constituem o corpus da presente pesquisa

apontaram o entendimento da prioridade da língua inglesa na pós-

graduação (59%) e a suposição de terem maior conhecimento dessa língua

(45.8%) como as principais razões para a opção pelo teste em língua

inglesa21 . Outras razões foram mencionadas, embora de forma muita

discreta como, por exemplo, exigência do curso (1.6%), uso posterior do

resultado (para seleção de doutorado) e afinidade ou interesse geral na

107

língua (1.6%). Essas informações apontam claramente para duas situações.

Em primeiro lugar, que a maioria dos candidatos tende a reconhecer na

língua inglesa um papel de centralidade no contexto acadêmico. Essa

opinião é reforçada pelas respostas dadas pelos examinandos sobre a

importância da habilidade de leitura em diferentes línguas para suas

respectivas áreas de interesse.

Tabela 2. Opinião dos candidatos sobre a importância da habilidade de leitura em inglês e em português no contexto global e no contexto brasileiro (em %)

contexto global contexto brasileiro

muito importante

de razoável importância

pouco importante

muito importante

de razoável importância

pouco importante

inglês 95.1 4.9 - 88.5 6.6 8.2

português 18 36.1 44.3 54.1 32.8 8.2

A Tabela 2 mostra as opiniões expressas sobre inglês e português,

evidenciando que, até mesmo no contexto brasileiro, a habilidade de leitura

em língua inglesa parece ser mais valorizada pelos testandos do que o

próprio português, possivelmente em função da grande quantidade de

informação disponível naquela língua .

A segunda situação é o paradoxo que se estabelece entre a opção

dos examinandos pelo teste em inglês por julgarem ter maior conhecimento

21 A soma dos percentuais é superior a 100% porque vários candidatos indicaram mais do que uma razão para a escolha da língua.

108

nessa língua do que nas demais línguas e o desempenho não satisfatório

desses candidatos no teste. Uma das maneiras de se explicar esse

paradoxo é que os examinandos talvez estejam equivocados em relação ao

conceito que têm sobre sua habilidade de leitura em EFL e, nesse sentido,

os testes não fariam mais do que refletir essa situação, indicando pelos

escores, de que sua habilidade de leitura está abaixo do nível considerado

suficiente para alunos de pós-graduação. Uma outra explicação é que os

examinandos talvez tenham razão em afirmar que têm um bom nível de

conhecimento ou habilidade de leitura em inglês, pelo menos no que se

refere ao uso instrumental da língua. Nesse caso, a discussão sobre a

validade e a fidedignidade do teste reveste-se de uma importância ainda

maior.

Como se viu, as razões que levaram os examinandos a optarem pelo

teste em língua inglesa ajudam a esclarecer, embora apenas parcialmente,

alguns pontos que podem contribuir para a formação do auto-conceito que

eles têm sobre sua habilidade de leitura. Essas razões, no entanto, estão

mais diretamente relacionadas às potencialidades desses alunos para a

leitura em ESP. É oportuno invocar também um fator que pode funcionar

como um elemento moderador na avaliação dos examinandos sobre sua

habilidade de leitura — a reprovação em testes anteriores.

109

5.2.2 Reprovação em testes anteriores

Dos 61 candidatos, 36 (59 %) estavam fazendo o teste pela primeira

vez e 25 (41%) já tinham se submetido a algum teste de proficiência pelo

menos uma vez anteriormente.

Desses 25 examinandos, 2 tinham prestado teste anteriormente em

outra língua (espanhol e alemão) e 23, em inglês. Dos 23 candidatos que já

haviam feito o teste pelo menos uma vez anteriormente em inglês, somente

um estava refazendo-o para melhorar o conceito obtido. Os outros 22, ou

seja, 36.1% do corpus, estavam refazendo o teste por terem reprovado

anteriormente. O caso é particularmente mais sério se levarmos em conta

que, daqueles 22 candidatos, 5 já haviam sido reprovados no teste pelo

menos duas vezes anteriormente (com dois casos de reprovação tripla entre

esses 5). Os dados referidos acima estão representados na Tabela 3.

Tabela 3. Quadro esquemático da situação dos examinandos em relação a reprovações anteriores

número total de examinandos 61

examinandos que já haviam prestado o teste de suficiência anteriormente 25

examinandos reprovados anteriormente no teste de proficiência em inglês 22

examinandos com pelo menos duas reprovações anteriores 5

examinandos com pelo menos três reprovações anteriores 2

Nesse ponto cabe questionar: Se o teste de proficiência tem como

função determinar o nível de habilidade de leitura em língua inglesa

necessário para realizar um curso de pós-graduação, como é possível que

110

alunos reprovados no teste já se encontrem em fase adiantada em seus

cursos?

Uma explicação possível talvez esteja relacionada a uma diferença

entre os tipos de tarefas de leitura que os examinandos têm de

desempenhar em seus cursos e o que têm de enfrentar de fato no teste. Um

exemplo disso seria o uso de textos no teste que diferem da especificidade

de suas disciplinas. Partindo dessa especulação, analisarei agora algumas

das opiniões que os examinandos têm sobre a testagem de proficiência,

como uma tentativa de esclarecer que espécie de expectativas tais

examinandos têm sobre o teste de proficiência.

5.3 A testagem sob o ponto de vista dos examinandos

A partir de uma lista de 9 opções do questionário, envolvendo tanto a

forma do teste, quanto as habilidades lingüísticas a incluir na testagem,

solicitei que os examinandos externassem suas opiniões sobre a testagem

de proficiência a que haviam sido submetidos, podendo indicar quantas

alternativas desejassem. Minha preocupação era abordar duas questões

básicas: a legitimidade do que é exigido em termos de comprovação de

proficiência e o prestígio que certas habilidades lingüísticas têm, em

detrimento de outras.

5.3.1 A exigibilidade do teste

111

Apenas 7 examinandos (11.5%), de um total de 61 disseram

considerar que o teste de suficiência seria uma formalidade dispensável,

enquanto que um número quatro vezes superior a esse (45.9%)

responderam que o teste deveria ser um pré-requisito para a aceitação de

alunos em cursos de pós-graduação. Uma terceira opinião foi expressa por

29 examinandos (47.5%), que consideram que, embora o teste seja uma

exigência necessária, poderia ser realizado durante o curso, ou seja, da

mesma forma que o teste ora analisado. No entanto, a opção que é indicada

pela maioria dos 61 examinandos (59%), sugere que o teste poderia ser

substituído por cursos de língua ao longo do cumprimento dos créditos do

curso de pós-graduação. Alguns examinandos indicaram mais do que uma

alternativa, possivelmente por entenderem que a comprovação de

proficiência deve acomodar diferentes soluções.

Minha interpretação para essas respostas é que os examinandos

parecem reconhecer, de uma forma geral, a legitimidade da exigência de

comprovação de proficiência, o que é compatível com a importância que

atribuem à habilidade de leitura em ESP em suas respectivas áreas de

atuação. Mesmo aqueles que consideram o teste uma formalidade

dispensável parecem estar cientes da importância do conhecimento de

língua estrangeira nas suas áreas, pois, em geral, indicam uma forma

alternativa de se garantir que alunos de pós-graduação tenham habilidade

de leitura (por exemplo, realização de cursos de língua). Isso talvez seja um

indício de que esses examinandos reconhecem que, no estágio inicial de um

112

curso de mestrado, um aluno talvez ainda não tenha a habilidade de leitura

em ESP suficiente para as demandas de seu curso.

Para aqueles sujeitos que entenderam que o teste deveria ser um

pré-requisito na aceitação do candidato nos cursos de pós-graduação, talvez

o fator mais importante para essa tomada de posição seja o julgamento de

que, em suas áreas de atuação, a habilidade de leitura em língua

estrangeira é de extrema importância. Nesse particular, há cursos e áreas

em que o conhecimento de ESP é absolutamente fundamental e, não raro,

condição sine qua non para a admissão nos bons cursos de pós-graduação

existentes no Brasil (Izquierdo, 1995: 5-6).

Finalmente, em relação à exigibilidade do teste, aqueles que

entendem que a comprovação da habilidade de leitura deva ocorrer ao

longo do cumprimento dos créditos do curso de pós-graduação, talvez levem

em consideração duas razões distintas. A primeira é que eles talvez tenham

um determinado desenvolvimento da habilidade de leitura e crêem que essa

habilidade tenda a se desenvolver ao longo do curso, através da leitura

intensiva que os alunos de pós-graduação se vêem obrigados a fazer.

Assim, a possibilidade de comprovar posteriormente, via testagem, que

houve um progresso em sua habilidade de leitura lhes pareceria mais justa

ou adequada. A segunda razão é que esses sujeitos talvez reconheçam a

importância do conhecimento de língua e estejam cientes de suas limitações

em relação a essa habilidade, mas julgam que poderiam ainda ter uma

chance a mais para contornar essas limitações através de cursos

promovidos pela universidade com o objetivo específico de desenvolver as

113

habilidades necessárias. A idéia subjacente a essas duas razões é que um

curso de pós-graduação é caracterizado por um crescimento, não somente

de conhecimento relacionado especificamente ao campo disciplinar do

estudante, mas também daqueles relacionados a domínios conexos que

contribuam para a realização do curso (cf. Haas, 1994).

Uma questão que não está esclarecida, no entanto, é, se nos cursos

de mestrado onde os alunos têm a possibilidade de cursar disciplinas de

ESP para suprir suas carências em termos de leitura, essas carências tem

sido realmente atenuadas ou solucionadas. Nesse sentido, um trabalho

concluído recentemente na UFSM (Santos & Hönig, 1996) indica que,

embora alguns problemas ainda estejam ocorrendo, há indícios de que a

alternativa representada pelos cursos de inglês instrumental seja uma saída

interessante para o problema de leitura dos alunos.

Um outro ponto que merece atenção é a opinião que os examinandos

têm sobre quais habilidades lingüísticas deveriam ser incluídas na testagem

de proficiência, assunto da seção que se segue.

5.3.2 Habilidades gerais a incluir na testagem

Procurei avaliar, através do questionário, que capacidades ou

habilidades deveriam, na opinião dos examinandos, ser foco de avaliação

na testagem de proficiência. Meu objetivo com isso era aquilatar quais

habilidades seriam mais ‘prestigiadas’ pelos examinandos, supostamente,

nas tarefas cotidianas de seus cursos de pós-graduação.

114

Assim, não foi surpresa observar que 45 (73.8%) dos 61

examinandos consideraram que o teste deveria avaliar a capacidade de

leitura e compreensão de textos. Por outro lado, 20 examinandos (32.8%)

entenderam que o teste deveria avaliar a capacidade de traduzir textos para

a língua materna. Houve ainda a menção por 11 examinandos (18%) de que

o teste deveria avaliar a habilidade para escrever na língua estrangeira, com

4 menções (6.6%) para a inclusão da habilidade de conversação na língua

estrangeira no teste e 6 (9.8%), para a habilidade de compreensão oral na

língua estrangeira.

De meu ponto de vista, esses resultados corroboram o entendimento

geral de que a leitura de textos é a habilidade mais importante para

estudantes de pós-graduação. No entanto, alguns estudantes parecem

assumir que a plena compreensão de um texto depende de sua tradução

para a língua materna. Convém observar que os sujeitos que consideraram

interessante incluir a avaliação da habilidade de traduzir textos para a língua

materna sempre fizeram essa observação associada a uma outra

habilidade, particularmente, a de leitura. Isso pode significar que tais alunos

encaram a tradução como recurso adicional para a compreensão de textos.

Pode-se observar também que, dentre os examinandos que sugeriram a

inclusão, tanto de leitura, quanto de tradução como capacidades que

deveriam ser avaliadas, a maior parte foi aprovada no teste.

A habilidade de escrever na língua estrangeira não parece ser

essencial para a maioria dos examinandos, já que apenas 11 deles

sugeriram sua inclusão no teste. Para aqueles que, no entanto, indicaram

115

que ela deveria ser incluída no teste, duas condições presentes em outras

respostas desses examinandos no questionário poderiam explicar tal opção:

(1) bom nível de habilidade escrita; (2) proximidade do final de seus cursos.

O auto-conceito favorável dos examinandos sobre essa habilidade

pode ter tido um peso considerável na decisão de indicar a inclusão dessa

resposta em seus questionários. O fato de estarem nos estágios finais de

seus respectivos cursos pode também responder por essa opção, em

função de que é nessa fase que o acadêmico geralmente procura inscrever

trabalhos em congressos e eventos de sua área. Como muitos congressos

exigem a submissão de abstracts em inglês, é possível que isso tenha

alguma influência no juízo de valor que esses 11 examinandos formaram

sobre a importância da habilidade escrita.

Quanto às demais habilidades mencionadas (expressão e

compreensão oral), elas só são mencionadas juntamente com outras

habilidades e, de uma forma geral, por examinandos da área de medicina.

Pode-se inferir, portanto, que os examinandos dessa área julguem haver um

volume de informação oral nessa área (como, por exemplo, em congressos,

conferências, palestras, etc.) superior ao existente nas demais.

Para finalizar a discussão sobre as sugestões dos examinandos em

relação ao teste, parece-me que, similarmente à questão da exigibilidade do

teste, não há uma solução única e completa que seja aplicável a todos os

alunos de todos os cursos de pós-graduação da UFSM, conforme

referenciarei posteriormente na conclusão do presente trabalho (Capítulo 8).

116

As realidades desses cursos, assim como suas necessidades, são distintas.

Assim, a opção que a UFSM faz — unificando os procedimentos de

testagem em torno da leitura de textos de Epistemologia ou Metodologia da

Pesquisa, teoricamente comum a todas as áreas e cursos — por um lado, é

abrangente, mas, por outro lado, relega o aspecto instrumental da leitura a

um plano secundário, já que não testa leitura de textos específicos na área

do testando e, portanto, se afasta de uma situação mais naturalística de uso

de linguagem (cf. Canale, 1988).

A questão do grau de especificidade de um teste é polêmica. Há, por

exemplo, pesquisas que indicam que o conhecimento prévio relacionado a

uma disciplina pode afetar a compreensão de leitura e de que alguns grupos

de estudantes podem ficar em desvantagem quando testados em áreas fora

de sua disciplina (Alderson & Urquhart, 1988, p. 182). Há também outros

estudos que argumentam que a falta de conhecimento fundamental da

língua estrangeira (e não de conhecimento prévio) é que pode ser

responsável pelos problemas de leitura dos examinandos (Maciel & Thielen,

1988, p. 224-225). Em ambos os casos, os autores sugerem

aprofundamento da pesquisa para que se possa ser mais conclusivo sobre o

assunto.

No próximo capítulo, será feita a análise do teste, tanto para suprir

algumas informações sobre sua constituição, como para preparar o terreno

para a discussão sobre o desempenho dos examinandos no teste com base

no seu auto-conceito sobre sua própria habilidade de leitura. Conforme se

117

tem argumentado aqui, as auto-avaliações que os examinandos fazem de

suas próprias habilidades de leitura em ESP constituem pontos

interessantes para a discussão de testagem, embora não prescindam de um

entendimento concomitante sobre o teste.

6 DISCUSSÃO E ANÁLISE DO TESTE

6.0 Pressupostos para a análise do teste

Ao tentar abordar o problema do acentuado índice de reprovação dos

examinandos no teste de proficiência aplicado na UFSM, desenvolvi a

análise de um teste anterior (edição de abril de 1995), em termos das micro-

habilidades de leitura envolvidas. Na análise daquela edição do Teste de

Suficiência, focalizei especificamente as questões propostas, traçando

algumas considerações sobre modelos teóricos de leitura, discutindo a

estrutura organizacional do teste e analisando duas de suas cinco questões

em termos das tarefas solicitadas e do conhecimento prévio necessário para

que os examinandos pudessem completá-las adequadamente.

Embora tal análise tenha se mostrado de utilidade para a

compreensão do teste em si, a falta de dados sobre a população alvo da

testagem ajudou a mostrar que um entendimento mais amplo sobre o

processo de testagem demandaria a consideração de informações sobre o

contexto onde essa testagem se desenvolve. Em função disso, busquei

contato com 14 universidades19, além da UFSM, para levantar dados sobre

como a testagem de proficiência é vista e encaminhada em outras

19 As universidades para as quais se enviou correspondência são: UFPB (João Pessoa-PB), UFU (Uberlândia-MG), PUC-RIO (Rio de Janeiro-RJ), UFPE (Recife-PE), UFMG (Belo Horizonte-MG), UFF (Niterói-RJ), FUAM (Manaus-AM), UEL (Londrina-PR), UFRN (Natal-RN), UFPA (Belém-PA). Foram realizados contatos pessoais e telefônicos com as seguintes

102

instituições. A escolha das universidades teve como critério a participação

de pesquisadores daquelas universidades na área de leitura em ESP nos

dois últimos Encontros Nacionais de Professores Universitários de Língua

Inglesa (XII e XIII ENPULI, realizados respectivamente, em Porto Alegre, em

1993 e no Rio de Janeiro, em 1995), fato que poderia ser interpretado como

um indício de atividade de pesquisa na área. Foi enviada uma carta

solicitando exemplares de testes de proficiência, juntamente com um

questionário composto de seis perguntas (ver Apêndice B) cujo objetivo era

levantar dados gerais sobre os testes: há quanto tempo as instituições

promoviam tais testes, quem eram os responsáveis pela formulação dos

mesmos, que tipo de testes eram aplicados (isto é, se consistiam de um

único modelo para todas as áreas ou se eram específicos por área), qual o

percentual aproximado de candidatos aprovados e, finalmente, se havia

diferenças de performance nas áreas e quais seriam essas diferenças.

Infelizmente, apenas três instituições responderam prontamente à

solicitação (UFRGS, UFSC e UFPA), uma universidade estava implantando

seus testes (UNIJUÍ) e duas responderam apenas recentemente (UEL e

UFMG). Constatou-se, então, que a pretensão de realizar um estudo em

escala nacional esbarrava, em primeiro lugar, na falta de resposta por parte

das instituições contatadas e, em segundo lugar, na carência de

informações sobre testes de proficiência em nível nacional. A UFRGS foi

uma exceção à regra, não sem razão, já que daquela instituição se

originaram as duas únicas dissertações encontradas, tratando

instituições: UFSC (Florianópolis-SC), UNIJUÍ (Ijuí-RS), e UFRGS e PUC-RS (Porto Alegre-

103

especificamente sobre testagem de proficiência em leitura em ESP no Brasil

nos últimos 15 anos (Maciel, 1980; Célia, 1983). Evidenciou-se, portanto, a

necessidade de reorientar os objetivos iniciais do trabalho proposto,

deixando de lado a tentativa de traçar um perfil nacional dos testes de

proficiência em ESP e voltando as atenções para o processo de testagem

desenvolvido na UFSM. De qualquer forma, vale registrar o fato de que pelo

menos aparentemente a questão da testagem de proficiência em leitura em

ESP não tem recebido um tratamento mais detalhado por parte da pesquisa

em Lingüística Aplicada realizada no Brasil.

A professora Anna Maria Becker Maciel, profissional responsável na

UFRGS pela elaboração do Teste de Proficiência em Leitura em Inglês,

prestou uma valiosa contribuição ao trabalho, indicando fontes, caminhos e

dificuldades que a pesquisa sobre testagem de proficiência poderia oferecer.

Essa contribuição foi determinante para uma reorientação nos rumos da

pesquisa. Por sugestão do professor Dr. Luiz Paulo Moita Lopes, busquei

nos testes promovidos pela UFSM o material para o estudo. Essas

sugestões foram determinantes para a decisão de, além da analisar o teste

em si, realizar-se também para o levantamento de dados sobre os

examinandos, como forma de ampliar a compreensão sobre o contexto no

qual tal testagem era desenvolvida.

Uma dificuldade adicional no levantamento ficou por conta da falta de

informações sistematizadas sobre os testes da UFSM, problema que parece

ser comum a praticamente todas as instituições consultadas. Apesar das

RS).

104

dificuldades e, com o auxílio de professores do Departamento de Letras

Estrangeiras Modernas da UFSM (DLEM), foi possível analisar as edições

de 1994, 1995 e 1996 (abril) dos testes.

A análise preliminar desses testes indicou uma mudança no formato

das questões do teste na edição de abril de 1996, quando se adotou o

formato de questões de múltipla escolha. A justificativa para tal mudança

teve, segundo relato dos professores da cadeira de língua inglesa do DLEM,

a preocupação de garantir uma medida mais padronizada na correção dos

testes, de facilitar a correção do grande número de testes que havia a cada

edição e de concentrar os esforços dos candidatos durante a testagem nas

tarefas diretamente relacionadas com a leitura, já que, até o final de 1995,

os alunos tinham várias tarefas nas quais eram exigidas habilidades outras

que a leitura como, por exemplo, versão de trechos do texto para o

português e redação sintética de idéias do texto. Ainda de acordo com esse

relato, o DLEM planeja manter esse formato, aperfeiçoando-o na medida do

possível e do necessário. A análise preliminar do conteúdo e das tarefas dos

testes indica consistência entre aqueles aplicados durante os anos de 1994

e 1995 e o aplicado em abril de 1996.

O estudo concentrou-se, portanto, na edição do teste de abril de

1996, partindo de um visão de que se, por um lado, a habilidade de leitura é

resultado de uma interação entre processos cognitivos e sociais, por outro

lado, a avaliação do nível dessa habilidade parece demandar procedimentos

que dêem conta da manifestação concreta da leitura e compreensão. Nesse

sentido, a análise das questões do teste a partir das micro-habilidades

105

aparentemente avaliadas em cada uma das seções pode, nos termos que

defini no Capítulo 3, dar algumas indicações sobre a visão que os

examinadores têm sobre os níveis de competência de leitura que um

estudante de pós-graduação deva ter.

Uma vez delimitado o perfil dos examinandos, discuto, no presente

capítulo, os dados referentes ao teste, em termos do texto cuja leitura é a

base para as questões do teste, as questões propostas e as micro-

habilidades de leitura que parecem ser o foco de avaliação nas questões do

teste. Com isso, creio que seja possível situar o processo de testagem de

proficiência sob uma ótica mais orientada para sua função e impacto social.

6.1 Visão geral sobre o teste

O teste de proficiência é promovido na UFSM duas vezes ao ano, em

datas fixadas pelo Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão (CEPE) e

incluídas no calendário. De acordo com a Resolução No 009/96, o DLEM

tem a incumbência de planejar e operacionalizar tais testes.

O teste analisado está dividido em cinco seções, perfazendo no total,

15 questões. Todas as questões deveriam ser respondidas com base na

leitura do texto “Growth of Knowledge”, extraído do livro Introduction to the

Philosophy of Science (O’Hear, 1990, p. 3-6) (ver Apêndice C).

6.2 O texto base para as tarefas do teste

Como todas as questões deveriam ser respondidas com base na

106

leitura desse texto (ver Figura 4)20, realizei uma análise de seu conteúdo e

sua inserção no teste. O texto, situado na área de Filosofia da Ciência,

argumenta centralmente que há alguma diferenças no modo de produção de

conhecimento nas artes e nas ciências. Essa argumentação é conduzida a

partir de dois pontos relativos ao tópico: (1) o julgamento sobre a validade

de uma teoria científica; e (2) a forma de desenvolvimento ou progresso do

conhecimento.

Assim, no primeiro parágrafo do texto, o autor estabelece seu ponto

de partida, invocando o progresso que teria ocorrido na ciência durante os

quatro últimos séculos, citando alguns exemplos desse progresso e

indicando alguns fatos que nos permitem dizer que esse progresso

efetivamente aconteceu. No segundo parágrafo, o autor aponta a existência

de um contraste fundamental entre o desenvolvimento da ciência moderna e

o das artes, discutindo particularmente a noção de que, nas artes e, em

especial, na música, o fato de uma obra ter surgido numa época mais

recente do que outra não significa, por si só, que essa obra é melhor do que

as que a antecederam. Isso aconteceria porque, nas artes, não seria

possível estabelecer uma escala de julgamento com base num critério de

atualização, desde que um certo nível de adequação expressiva fosse

alcançado.

No terceiro parágrafo, o autor indica que, na ciência, isso ocorreria de

forma diversa, já que, com as teorias científicas, essa escala de julgamento

20 Para fins de diagramação foi necessário reduzir o tamanho geral e a fonte usada em algumas palavras do texto reproduzido na Figura 4. A numeração de linhas,ali inserida

107

de validade seria possível e, normalmente, se basearia na busca de uma

maior aproximação com a verdade sobre um fato do mundo natural. Assim,

de acordo com o autor, geralmente uma teoria mais recente seria

considerada mais apropriada ou mais próxima da verdade. O quarto

parágrafo do texto sintetiza os dois parágrafos anteriores, dizendo que, nas

ciências, se pode falar num progresso ou desenvolvimento objetivo, porque

alguém trabalhando numa época mais recente, por esse fato em si, pode

dizer que sabe mais que seus antecessores, enquanto que, nas artes, isso

não seria necessariamente verdadeiro.

No quinto parágrafo, o autor retoma o contraste entre o avanço do

conhecimento nas ciências e nas artes, fazendo uma citação de T.S. Eliot

que afirma que, enquanto na literatura se pode dizer que sabemos mais que

nossos predecessores, pois o que conhecemos é justamente o seu trabalho,

na ciência, o crescimento de conhecimento seria encarado de maneira muito

diferente, pois a história da ciência seria feita da superação de uma teoria

por outra e o trabalho dos antecessores seria lembrado muito mais como

curiosidade histórica. Dessa forma, o conhecimento previamente produzido

na literatura faria parte da tradição da área, enquanto que, na ciência, as

teorias dos antecessores estariam mortas, do ponto de vista científico. Isso

justificaria a validade de se pesquisar a obra de literatos antigos.

manualmente foi adicionada por mim, objetiva facilitar a remissão ao texto. Tanto o texto, quanto as questões do teste são reproduzidos em escala natural no Apêndice C.

108

Figura 4 - Texto utilizado no Teste

de Suficiência

Growth of Knowledge

In a perfectly obvious sense, over the last four hundred years or so there has been progress in science. Measurement of physical quantities becomes more precise, previously unknown particles and substances are discovered, new effects are produced and applied. Even if the ancients were wiser than us, and knew better how to live, they did not know the speed of light or the mass of the earth or the structure of the hydrogen atom or how to produce and apply lasers or the 4 SCIENCE AS AN INTELLECTUAL ACTIVITY photo-electric effect. And we know now that, despite the brilliance of many of the observations, most of the theories of the universe expounded in Aristotle’s writings are quite simply false. The earth is not the centre of the universe, nor do heavy bodies seek the centre of the earth as their natural resting-place, nor is the earth surrounded by series of con-centric circles on which the other heavenly bodies revolve. There is a striking contrast between the development of modern science and the arts. No one would say of a work of music or literature that it was better than an earlier work just because it was later. A recent work by Luciano Berio is not, because of its modernity, better than Beethoven’s Violin Concerto, and, it would be just as hard to say that Brahms’s Violin Concerto was better than Beethoven’s . In contrast to the development of theories in modern science, a later masterpiece in a given artistic genre is not thereby better than an earlier one, nor does it necessarily attain the aim of the genre better, or anything of that sort. Indeed, in the case of violin concertos, it would be hard if not actually senseless to specify a target at which all violin concertos are aiming, and in relation to which one could say that concerto A got nearer to the target than concerto B. Leaving Berio aside, it hardly makes sense to say of the Beethoven and the Brahms that one is better than the other. There just is no scale on which one could judge such things, once certain level of expressive adequacy has been reached. The case with scientific theories, though, is quite different. Here we are able to specify a clear target at which all theories aim, and we often have confidence that theory A has got closer to the target than theory B. The aim might be characterized as discovering the truth about the natural world, and when we have theories which aim to describe the same bits of the natural world we can often say that a later theory is better than an earlier. Thus, Copernicus’s helio-centric picture of the universe was better than Aristotle’s geocentric picture, and Newton provided a better account of

SCIENCE AS AN INTELLECTUAL ACTIVITY 5 the solar system and the universe than either. Similarly, every schoolchild now knows that the chemist Joseph Priest-ley mistankenly thought he had identified a substance he called ‘phlogiston’, a gaseous fluid with possibly negative weight which, among other things, was given off when metals burned. We now know that there is no such thing and that there is no one substance that does all the things phlogiston had been supposed to do. Priestley had actually been observing the effects of oxygen, which metals absorb from the air when burned, rather than those of the phlogis-ton they were supposed to give off. When he imagined he had isolated a sample of dephlogisticated air, he had actually produced oxygen. As I say, this story about Priestley and phlogiston is something every schoolchild knows and in that sense, every schoolchild has knowledge Priestley did not have, and in that sense is in advance of Priestley. But it is not the case that every schoolchild is a better chemist than Priestley, any more than Berio or even Brahms is a better composer than Beet- hoven. We can speak of an objective advance or progress in the one case but not in the other because we can speak unambiguously of knowledge having grown in the sciences, so that those working later in a given field of science, by that very fact alone, may be said to know more than their predecessors. Apparently rather against the grain of what I have just been saying, T. S. Eliot once remarked that in literature we know far more than our predecessors because what we know is their work. Growth of knowledge in science, though, is not at all like that, and this is another way of bringing out the distinction I am drawing between science and the arts. Although a few stories from the history of science, like that of Priestley and phlogiston, are part of the folklore of the subject, most workers in a scientific field do not know the history of their field in any depth or detail. They do not have to know it, because the history of science will consist largely

6 SCIENCE AS AN INTELLECTUAL ACTIVITY

of theories that have been discarded, and which are regarded as giving far less true information about the world than their sucessors. An astronomer will tell you what, in the con-sidered view of astronomers today, the universe is like, not what Aristotle or Copernicus thought it was like. The theories of Aristotle and Copernicus are, from the scientific point of view, dead; we have progressed beyond them and there is no need to revive them except as historical curiosities we may briefly contrast with present knowledge. The case is quite different with works of art and literature. The dead writers of whom Eliot spoke are part of the soil and tradition in which we live, and we deepen and refresh our understand-ing both of ourselves and of art by returning to them and deepening our acquaintance with them.

O’ Hear, Anthony. 1990 - Introduction to the Philosophy of Science Clarendon Press - Oxford I 3 - 6

109

6.3 Micro-habilidades de leitura avaliadas nas seções do teste

Embora a idéia subjacente ao presente trabalho seja a de que a

leitura é uma interação de processos cognitivos e sociais, conforme se

mencionou anteriormente, a maneira que pareceu ser mais produtiva para a

análise de cada uma das cinco seções do Teste de Proficiência objeto

desse estudo, foi a descrição das micro-habilidades de leitura que parecem

ser o foco de avaliação nessas seções.

Devo frisar que não se pretende com essa abordagem reconstituir os

complexos processos mentais que ocorrem na leitura, mas tão somente

identificar as habilidades que parecem ser foco específico de testagem e

que, portanto, estão no cerne da discussão sobre a razão, a função, e a

forma do Teste de Suficiência em ESP na UFSM. Nessa perspectiva, as

habilidades que dão suporte à leitura, sem, no entanto, constituírem foco de

avaliação, como, por exemplo, aquelas relacionadas a aspectos motores e

perceptuais, não são, em princípio, relevantes para os propósitos do

trabalho.

6.3.1 Seção I do teste

A seção I do teste é composta por apenas uma questão que detém o

maior peso relativo (1.6 contra 0.6 por questão nas demais seções).

110

Figura 5. Seção I do Teste de Suficiência

Essa questão (ver Figura 5) solicita que o examinando escolha, entre

três alternativas, aquela que melhor expressa a idéia global do texto.

Parece, assim, haver o predomínio de duas micro-habilidades de leitura

para a solução adequada da tarefa proposta: a leitura geral (skimming) para

depreender a idéia global do texto, e a distinção entre a idéia principal e os

detalhes secundários (seções 3.5.9 e 3.5.7 do Capítulo 3, respectivamente).

Para responder ao exercício proposto, supõe-se que o candidato

deveria procurar compreender o sentido geral do texto para, então, cumprir

adequadamente a tarefa de identificar a questão central do texto. Para

tanto, o examinando deveria também fazer a distinção entre a idéia principal

e os detalhes secundários uma vez que todas as alternativas oferecidas

traziam asserções verdadeiras em relação a determinados trechos do texto,

porém somente a alternativa B representava a idéia geral nele contida.

Essa questão foi respondida corretamente por 55 dos 61

examinandos (90.2%), o que pode significar que a maioria dos examinandos

têm domínio sobre as micro-habilidades avaliadas nessa questão,

principalmente se for levado em conta o fato de que apenas no grupo dos

I. Escolha a alternativa que melhor expressa a idéia global do texto. Marque com um X a

resposta mais apropriada. (Peso 1.6)

a. ( ) A constatação da falsidade de alguns escritos mais antigos à luz dos desenvolvimentos

posteriores da ciência.

b ( ) O estabelecimento das diferenças entre as trajetórias cronológicas em duas áreas

diferentes do conhecimento.

c ( ) A elucidação do objetivo das ciências naturais.

111

examinandos que auto-conceituou sua habilidade de leitura como ‘não

satisfatória’ o índice de acertos foi baixo (33,3%). Isso parece corresponder

à impressão dos examinandos de que eles entendem a idéia geral do texto

(cf. Santos & Hönig, 1996), embora não consigam realizar adequadamente

todas as tarefas de leitura (propostas no teste).

6.3.2 Seção II do teste

A seção II é composta por duas questões, II.1 e II.2, valendo, assim

como as subseqüentes, 0.6 pontos cada. A instrução básica para a

resolução de ambas as questões é de que se assinale a alternativa que

melhor corresponde às idéias apresentadas no texto (ver Figura 6).

A micro-habilidade de extração dos pontos salientes para a

sumarização de uma idéia/tópico específico no texto (seção 3.5.8, Capítulo

3) é a micro-habilidade que parece operar com maior destaque nessa

seção, já que os tópicos sobre os quais os examinandos tinham que

responder estão localizados ao longo de parágrafos inteiros do texto e a

tarefa principal dos examinandos seria sintetizar os pontos principais desses

trechos.

A questão II.1 solicita que os examinandos identifiquem uma

afirmação feita pelo autor do texto, no primeiro parágrafo, em relação a

algumas comparações entre períodos diferentes da história da humanidade.

A alternativa correta (B), foi apontada por 98.4% dos examinandos (apenas

um examinando, que auto-conceituou sua habilidade de leitura como ‘não

112

satisfatória’, foi incapaz de identificar a alternativa correta).

Figura 6. Seção II do Teste de Suficiência Já em II.2, foi solicitado que o examinando identificasse, entre as três

alternativas oferecidas, a posição do autor em relação às artes e, em

especial, à música (ver Figura 6). Novamente o índice de acertos foi

bastante elevado (98.4%) e, contrariamente às minhas expectativas, o único

examinando que não conseguiu identificar a alternativa correta (A), auto-

conceituou sua habilidade de leitura num nível ‘bom/razoável’.

O elevado índice de acertos em ambas as questões da seção II

poderia ser explicado pela extração bem sucedida de pontos salientes para

a sumarização de uma idéia/tópico específico no texto).Nesse caso, pode-se

II. Assinale a alternativa que melhor corresponde às idéias apresentadas no texto.

(Peso 0.6x2)

1. No primeiro parágrafo do texto, o autor estabelece algumas comparações entre períodos

diferentes da história da humanidade. Ele afirma que:

a ( ) Não houve progresso substancial na ciência nos últimos séculos. Os antigos eram mais

inteligentes e viviam melhor do que nós.

b ( ) Ainda que os antigos fossem mais inteligentes e tivessem melhor qualidade de vida do

que nós desconheciam a velocidade da luz, entre outros avanços da ciência.

c ( ) Com todo o brilhantismo das observações feitas sobre a natureza, a maioria das teorias

sobre o universo elaboradas nos textos de Aristóteles estavam corretas.

2. De acordo com o autor do texto, nas artes:

a ( ) ...especialmente na música, não se pode julgar a qualidade de produções na área com

base no critério de atualização.

b ( ) ...o crescimento é progressivo e atualizado, o que permite a rejeição de manifestações

anteriores.

c ( )...uma manifestação recente é necessariamente considerada melhor do que uma anterior.

113

falar de uma similaridade com a seção I, já que nessas duas seções, a

compreensão do texto é avaliada num nível mais geral do que nas demais e,

em ambas, o índice de acertos é elevado. Isso pode ser um indício de que

os examinandos, ao longo de sua experiência de leitura nos cursos de

mestrado, desenvolvem melhor as habilidades que lhes permitem ter uma

idéia global do sentido do texto, priorizando-as na leitura (cf. Célia, 1983, p.

131-132; Santos & Hönig, 1996).

Há também que se considerar a possibilidade de que o uso de

estratégias de testagem (por exemplo, o descarte de alternativas

inadequadas ou incompatíveis) possa ter contribuído para esse alto índice

de acertos. De qualquer forma, o uso de tais estratégias, mesmo de forma

intuitiva, demonstra algum tipo de habilidade que pode estar relacionada à

seleção de itens lexicais chaves ou ao uso do conhecimento prévio do

examinando (nos termos da seção 2.3.2, do Capítulo 2).

6.3.3 Seção III do teste

A partir da seção III, o número de questões sobe para quatro por

seção, também com valor de 0.6 pontos cada. Essa seção tem uma

caraterística peculiar em relação às demais: é a única em que o formato de

múltipla escolha não foi adotado. Nos quatro itens que a compõem, o

candidato é instado a indicar as linhas onde determinadas informações

podem ser localizadas no texto, sugerindo que a micro-habilidade de leitura

mais importante para a realização da tarefa é a leitura seletiva (scanning)

para localização de informação especificamente requerida sobre certos

114

tópicos do texto (seção 3.5.9, do capítulo 3). Há, no entanto, algumas

diferenças no que concerne à forma pela qual os examinandos poderiam

chegar às respostas consideradas corretas.

Figura 7. Seção III do Teste de Suficiência

Conforme se vê na Figura 7, a questão III.1 solicita a indicação do

trecho onde são exemplificados os avanços científicos ocorridos nos últimos

quatro séculos, ou seja, há também a pressuposição de que o examinando

seja capaz de identificar a existência de uma relação de exemplificação

entre duas partes do texto (seção 3.5.4, Capítulo 3), seja através de

sinalizadores explícitos, ou pela compreensão da relação entre as

sentenças. Uma tarefa adicional que cabe ao examinando é a delimitação

de onde se inicia e se encerra essa exemplificação.

Assim, em III.1, embora a relação de exemplificação não esteja

sinalizada por marcadores explícitos (i.e., for example ou such as), a

sentença tópica, no primeiro parágrafo, chama atenção para o progresso da

ciência nos últimos quatrocentos anos. Em seguida, alguns fatos que podem

ser tomados como exemplos desse progresso (linhas 2-5) são enumerados.

Portanto, a resposta certa à questão seria a informação contida entre as

III. Anote ao lado de cada informação, a(s) linha(s) em que o autor do texto: (Peso 0.6x4)

1. Exemplifica os avanços científicos ocorridos nos últimos quatro séculos:

2. Cita exemplos de teorias falhas de Aristóteles:

3. Estabelece a diferença entre avanço do conhecimento na arte e na ciência:

4. Posiciona-se sobre a validade de se pesquisar obras de artistas e literatos antigos:

115

linhas 2 e 5.

Embora seja possível crer que o objetivo da questão III.1 tenha sido a

avaliação da habilidade dos examinandos em localizar informação

específica no texto (seção 3.5.9), o baixo índice de acertos dos

examinandos nessa questão (36.1%) pode estar relacionado à falta de

habilidade dos examinandos para discernir entre os exemplos de avanços

científicos ocorridos nos últimos quatro séculos (linhas 2-5) e os exemplos

de fatos sobre a natureza que os povos da antigüidade desconheciam

(linhas 6-9), posto que 59 dos 61 examinandos deram respostas que

oscilaram entre as linhas 2 e 9.

Em III.2, foi solicitado que os examinandos citassem exemplos de

teorias falhas de Aristóteles e, semelhantemente à questão III.1, aqui

também há uma sentença que diz que, apesar do brilhantismo das

observações de Aristóteles, muitas de suas teorias sobre o universo eram

falhas. Da mesma forma que o trecho base para a questão III.1, não há

sinalizadores explícitos de exemplificação, mas a sentença subseqüente cita

alguns fatos, marcados por formas de negação (linhas 12-15) que poderiam

remeter o leitor ao conceito de falta ou falha. Em primeiro lugar, o

examinando precisaria compreender que os fatos citados entre as linhas 12

e 15 são negações de teorias e que essas teorias, por sua vez, são

atribuídas a Aristóteles. Com isso, a resposta que poderia ser considerada

correta estaria entre as linhas 12 e 15 do texto, tendo sido apontada

corretamente por 88.5% dos examinandos.

116

Na questão III.3 pediu-se que os examinandos anotassem as linhas

onde o autor estabelece a diferença entre o avanço de conhecimento na

arte e aquele ocorrido na ciência moderna. Por se tratar de diferenciação, o

examinando teria que localizar o ponto A (avanço do conhecimento na arte)

e o ponto B (avanço do conhecimento na ciência moderna) reconhecendo

as diferenças entre eles. Embora a resposta possa estar localizada ao longo

do segundo e do terceiro parágrafos, parece haver diferentes possibilidades

de formulá-la. A primeira possibilidade (e, provavelmente, a mais adequada)

seria o trecho que vai da linha 17 à 19, onde, após mencionar, na sentença

tópica, a existência de uma grande diferença entre o avanço do

conhecimento na ciência moderna e nas artes (linha 16-17), o autor

argumenta que ninguém diria que uma obra mais recente de música ou

literatura seria melhor do que aquelas que a antecederam somente por ser

mais recente.

As demais possibilidades de resposta estavam situadas ao longo do

segundo e do terceiro parágrafos, onde o autor expande o argumento sobre

a diferença entre as áreas, ilustrando a idéia de desenvolvimento na ciência

moderna e nas artes através de exemplos, comparações e síntese. Assim,

outras respostas admissíveis seriam os trechos 16-42, 22-26, 22-42 e 35-42.

Essa multiplicidade de respostas admissíveis pode ter sido

ocasionada por diferentes interpretações do termo ‘estabelece’ usado na

delimitação da tarefa a ser cumprida pelos examinandos. Com isso, a

comissão que procedeu à correção dos testes, considerou muitas dessas

respostas como estando corretas, já que não se pedia o trecho que melhor

117

representa a diferença entre as duas áreas citadas, mas tão somente, o

trecho onde a diferença é estabelecida.

Não estranhamente, a questão III.3 foi a que apresentou o menor

índice de acertos no teste (14.8%). Dadas as diferenças tanto nas respostas

dos examinandos como na variabilidade de opções aceitas como corretas

pela comissão responsável pelo teste, não seria arriscado dizer que essa

questão tem problemas de elaboração que podem ter comprometido sua

validade e fidedignidade na testagem. Esse fato, no entanto, reforça a idéia

de que as questões com formato de múltipla escolha podem reduzir o risco

da variabilidade de julgamento na correção das questões de um teste.

Nesse sentido, embora a questão aparentemente tenha tentado avaliar a

habilidade dos examinandos na localização de pontos específicos no texto

(seção 3.5.9, Capítulo 3), além da habilidade de distinguir entre a idéia

principal e os detalhes secundários (seção 3.5.7, Capítulo 3), não creio que

seja possível afirmar que o baixo desempenho dos examinandos esteja

relacionado apenas à falta dessas duas habilidades. Talvez haja mais

fatores envolvidos, como, por exemplo, as restrições na interação do leitor

com o texto, que podem ter causado falhas na atribuição de relevância às

partes do texto pelo leitor (Cavalcanti, 1989, p. 46-47) ou à dificuldade da

questão21.

Na questão III.4, pediu-se que os examinandos indicassem o trecho

onde o autor posiciona-se sobre a validade de se pesquisar sobre as obras

21 O índice de dificuldade é dado pelo percentual de acertos dos examinandos na questão (cf. Alderson, Clapham & Wall, p. 80-81), isto é, quanto menor o nível de acertos, maior o índice de dificuldade numa dada questão.

118

de artistas e literatos antigos. Essa informação está localizada no final do

quarto parágrafo (linhas 90-94), no qual, após indicar que, enquanto na

ciência as teorias superadas só serviriam como curiosidade histórica, nas

artes, por outro lado, o retorno aos escritores do passado ajudaria a

melhorar o entendimento que se tem sobre nós mesmos e sobre a própria

arte. Supõe-se que o examinando deveria proceder a uma leitura seletiva

para permitir a localização de informação específica no texto (seção 3.5.8,

Capítulo 3). Nesse caso específico, tal tarefa parece demandar o acesso à

micro-habilidade de compreensão do significado conceitual22 subjacente à

idéia de tomada de posição pelo autor do texto (seção 3.5.3, Capítulo 3).

Essa questão teve um índice de acertos de 49.2%, sendo que as

respostas consideradas erradas demarcaram uma variedade de trechos que

não dão conta da idéia de justificativa de propósito (por exemplo, 17-19, 22-

26, 26-30, 30-34, 58-69, 64-69, e 79-83), solicitada na questão III.4. Isso

pode significar que aproximadamente metade dos examinandos não foram

capazes de localizar a informação específica solicitada, talvez em função da

falta de habilidade para compreender a argumentação do autor sobre a

validade de se pesquisar as obras de literatos antigos.

Para sintetizar a análise da seção III, o fato que se destaca é o baixo

índice de acertos dos examinandos nas questões que a compõem (com

exceção da questão III.2). Para melhor esclarecer as razões para esse baixo

índice de acertos parece ser necessário invocar o auto-conceito dos

22 Conforme referido no Capítulo 3, significado conceitual refere-se, nesse caso específico, à noção de propósito de se pesquisar obras de literatos antigos.

119

examinandos sobre sua habilidade de leitura em ESP, como parâmetro de

julgamento que, associado ao estudo das questões propriamente ditas,

pode ajudar a entender se o problema está mais diretamente relacionado à

falta das micro-habilidades de leitura dos examinandos ou a outros fatores.

Um problema que parece evidente, no entanto, é que questões com índice

geral de acertos muito elevado, ou demasiadamente baixo dificultam

sobremaneira a identificação do nível de habilidade de leitura do

examinando. Índices de acerto consistentemente baixos, por exemplo,

podem dar muito mais informação sobre o nível de dificuldade da questão,

do que sobre a habilidade lingüística do examinando propriamente dita

(Alderson, Clapham & Wall, 1995, p. 81).

6.3.4 Seção IV do teste

As quatro questões da seção IV (Figura 8) podem ser chamadas de

questões de referência, já que a tarefa proposta é a seleção da alternativa

que liga formas referenciais a seus referentes no texto. Postula-se a

compreensão das relações entre partes de um texto através de mecanismos

de coesão gramatical por substituição em IV.1 (pronome They substituindo

substantivo the ancients), IV.2 (pronome either substituindo Copernicus e

Aristotle) e IV.4 (substantivo subject no lugar do substantivo science) , e,

também, por referência anafórica (ligando such thing a phlogiston), em IV.3.

Trata-se do acesso às micro-habilidades operantes no nível de coesão do

discurso, citadas na seção 3.5.5 do Capítulo 3, limitando-se, entretanto à

coesão referencial.

120

Figura 8. Seção IV do Teste de Suficiência

A maior parte dos examinandos foi capaz de identificar as alternativas

corretas nas questões IV.1 (88.5% apontaram a alternativa B) e IV.2 (85.2%

assinalaram a alternativa C), indicando que, em geral, esses examinandos

talvez identifiquem claramente as relações entre partes do texto feitas

através de mecanismos de coesão gramatical por substituição de

substantivos por pronomes. Já no que se refere à substituição de um

substantivo por outro (IV.3) ou nos casos de referência anafórica (IV.4) a

situação parece ser diferente , sendo aparentemente consistente com os

resultados obtidos por Maciel (1980, p. 55-56), que argumenta que a função

e o uso dos termos referenciais seriam desconhecidos pelo leitor.

Na questão IV.3, 30 examinandos (49.2%) conseguiram identificar

que such thing referia-se a ‘flogiston’ (alternativa B). No entanto, outros 24

IV. Selecione a alternativa que melhor expressa o elemento a que cada expressão abaixo

se refere:(Peso 0.6x4).

1. They (linha 6):

a. ( ) às pessoas de um modo geral

b. ( ) aos povos da antigüidade

c. ( ) aos cientistas

2. Either (linha 45):

a. ( ) Copernicus, Aristotle, Newton

b. (....) Sistema solar e universo

c. ( ) Copernicus e Aristotle

3. Such thing (linha 50):

a. ( ) A um fluido gasoso

b. ( ) Ao flogiston

c. ( ) Aos metais

4. The suspect (linha 78):

a. ( ) À ciência

b. ( ) A priestley

c. ( ) A uma área científica

121

(39.3%) julgaram que a referência seria ‘a um fluido gasoso’, não souberam

distinguir, portanto, entre o termo referido pelo determinador such

(phlogiston) e a explicação desse termo (a gaseous fluid...).

Na questão IV.4, 32 examinandos (52.5%) assinalaram a alternativa

correta (A), enquanto 24 apontaram a alternativa C. Isso leva a crer que os

dois erros de digitação que podem ser vistos na questão IV.4 (Figura 8),

onde a palavra subject foi grafada suspect no cabeçalho da questão e

Priestley foi grafado com inicial minúscula, não parecem ter afetado

significativamente o desempenho dos examinandos nessa questão, já que

apenas 5 examinandos (8.2%) apontaram a alternativa B (que permitiria

ligar o substantivo suspect ao nome próprio Priestley).

Para concluir a discussão sobre a seção IV do teste, posso adiantar

que numa escala de dificuldades para os examinandos, baseada no índice

de acertos dos examinandos nas questões, essa seção viria em terceiro

lugar. Nessa escala, a seção III ocuparia a primeira posição, seguida pela

seção V, que passo a discutir agora.

6.3.5 Seção V do teste

As questões V.1, V.2, V.3 e V.4, solicitavam ao examinando a

seleção da alternativa que melhor traduzisse, em português, certos trechos

do texto (transcritos como cabeçalho de cada questão). As questões V.1 e

V.2 apresentavam três opções, enquanto que V.3 e V.4 contavam com

122

quatro alternativas cada. Em se tratando de questões envolvendo tradução,

dois grupos de micro-habilidades parecem ter uma atuação mais destacada.

O primeiro grupo de micro-habilidades se relaciona à competência lexical,

com a dedução de significado e uso de itens lexicais desconhecidos (seção

3.5.2, Capítulo 3). O segundo grupo, de habilidades operantes no nível de

coesão do discurso, com a compreensão das relações intra e inter-

sentenciais (seção 3.5.5, Capítulo 3). Embora esses pareçam ser os grupos

de micro-habilidades que mais se destacam nessa questão, as estratégias a

serem empregadas pelos examinandos para a resolução das questões

possivelmente tenham tornado necessário o acesso a outras micro-

habilidades, tais como a compreensão de significado conceitual (seção

3.5.3), especialmente de comparação e grau (de grande importância para as

questões V.1, 2 e 3).

Apesar do envolvimento de um amplo rol de micro-habilidades de

leitura, o componente sintático parece ter um peso elevado na solução das

questões da seção V, já que, entre as alternativas propostas para cada

questão, o conhecimento lexical não parece ser suficiente para se fazer a

opção apontada como correta. Assim, o baixo índice de acertos dos

examinandos nas questões da seção V pode ser um indício de que esses

examinandos, apesar de serem leitores funcionais, não têm uma

competência mais apurada no que se refere à sintaxe (seção 3.5.5, Capítulo

3), processando a leitura em níveis mais ‘baixos’ do sistema da língua. Isso

pode ser explicado pela tendência, muito comum a leitores em L2, de

conferir uma importância muito grande ao conhecimento lexical no processo

123

de leitura (cf., por exemplo, Scaramucci, 1996; Santos & Hönig, 1996),

relacionando o léxico peculiar às suas respectivas disciplinas ao

conhecimento esquemático das suas áreas de atuação (seção 2.3.1,

Capítulo 2).

Uma evidência dessa tendência pode ser ilustrada pelo fato de

apenas 23 examinandos (37.7%) apontarem a alternativa correta (B) para a

questão V.1. Nessa questão (ver Figura 9), o predicado do verbo say não

está na ordem canônica (say something of someone) na sentença base para

tradução, o que pode ter representado uma dificuldade adicional aos

examinandos, mesmo considerando que as alternativas A e B

aparentemente poderiam resolver essa inversão. O problema ocorrido aí

com 31 dos 61 examinandos (50.8%) é que eles parecem ter usado o

conhecimento lexical (seção 3.5.2, Capítulo 3) como base para resolver a

questão, indicando a alternativa C, que oferecia a possibilidade de uma

tradução literal (No one would say of a work...→ Ninguém diria de um

trabalho...) que funciona adequadamente até o ponto de inserção da palavra

just, que foi traduzida como ‘justamente’, ao invés de ‘somente’.

124

Figura 9. Questões V.1 e V.2 do Teste de Suficiência

Embora 42 examinandos (68.9%) tenham indicado a resposta correta

(A) para a questão V.2 (ver Figura 9), possivelmente, pelo reconhecimento

de que o pronome indefinido no anteposto a scale, equivale a not any, 17

examinandos (27.9%) não apresentaram esse nível de compreensão das

relações intra-sentenciais (seção 3.5.5, Capítulo 3), tendo indicado a

alternativa C como correta. Esses 17 examinandos parecem ter

compreendido que havia uma situação de negação na sentença base para a

tradução, mas podem ter entendido a negação como relacionada apenas ao

verbo there to be e não ao substantivo scale. Isso talvez se deva ao fato de

que, contrariamente ao que acontece em inglês, a língua portuguesa usa a

V. Assinale a sentença que melhor traduz cada um dos trechos abaixo: (Peso 0.6x4)

1. “No one would say of a work of music or literature that it was better than an earlier work

just because it was later” (linhas 17-19).

a. ( ) Nenhuma pessoa diria que um trabalho de música ou literatura é melhor do que um

trabalho anterior porque foi realizado em outra época.

b. ( ) Ninguém diria que um trabalho de música ou literatura é melhor do que outro apenas

por ter sido realizado em época mais recente.

c. ( ) Ninguém diria de um trabalho de música ou literatura que ele era melhor do que um

trabalho anterior justamente por ser mais atual.

2. “There just is no scale on which one could judge such things, once certain level of

expressive adequacy has been reached.” (linhas 32-34)

a. ( ) Não há nenhuma escala a partir da qual se possa julgar tais coisas, uma vez que um

certo nível de adequação tenha sido atingido.

b. ( ) Existe uma escala justa pela qual se pode julgar coisas quando um nível de adequação

é alcançado.

c. ( ) Não há somente uma escala a partir da qual se possa julgar tais coisas uma vez que se

tenha alcançado um nível de adequação.

125

negativa dupla ‘Não há nenhuma escala’ (como na alternativa A) . Além

disso, just pode ser comumente traduzido como somente, embora não

nessa sentença.

Já na questão V.3, (ver Figura 10) três das quatro alternativas

disponíveis (A, B e C) poderiam ser facilmente descartadas caso o

examinando reconhecesse que a palavra objective (linha 64) não tem, no

texto, a função de substantivo e sim de adjetivo. Além disso, a alternativa C

poderia ainda ser descartada em função da palavra because (linha 65), que

está traduzida inadequadamente como ‘portanto’. Assim, novamente, a

compreensão das relações inter-sentenciais e estruturais (seção 3.5.5,

Capítulo 3) é a habilidade que parece ter sido de fundamental importância

para a solução da questão V.3, em que o nível de acertos foi de 52.5%.

Assim, pode-se falar numa tendência consistente de atribuição de relevância

ao componente sintático na resposta às questões da seção V, que pode

representar uma dificuldade adicional para os examinandos, considerando-

se que, segundo Maciel (1980, p. 65), “os sujeitos têm dificuldades de usar

as informações sintáticas que o texto oferece”.

126

Figura 10. Questões V.3 e V.4 do Teste de Suficiência

Como se pode ver na Figura 10, na questão V.4, as quatro

V. Assinale a sentença que melhor traduz cada um dos trechos abaixo: (Peso 0.6x4)

3. “We can speak of an objective advance or progress in the one case but not in the other

because we can speak unambiguously of knowledje having grown in the sciences, so that

those working later in a given field of science, by that very fact alone, may be said to

know more than their predecessors.” (Linhas 64-69)

a. ( ) Podemos falar de um avanço nos objetivos ou progresso em um caso mas não no

outro porque podemos falar da ambigüidade do conhecimento evoluindo nas ciências ,

de maneira que aqueles trabalhando mais tarde em um dado campo da ciência, por

aquele fato somente, pode-se dizer que sabem mais do que seus precedentes.

b. ( ) Podemos falar de um avanço ou progresso nos objetivos em um caso mas

não no outro porque podemos falar indiscutivelmente do avanço do conhecimento nas

ciências, de maneira que aqueles trabalhando mais tarde em um dado campo da ciência,

por aquele fato somente, podem saber mais que seus precedentes.

c. ( ) Podemos falar de um avanço nos objetivos ou progresso de um caso mas não no

outro portanto podemos falar indiscutivelmente do avanço do conhecimento das

ciências, de forma a que aquele trabalho realizado mais tarde, possa levar a conhecer

um dado campo a ciência mais do que os precedentes.

d. ( ) Podemos falar de um avanço ou progresso objetivo em um caso mas não no outro

porque indiscutivelmente podemos dizer que o conhecimento evoluiu nas ciências, de

modo que aqueles que vêm a trabalhar depois em uma determinada área da ciência,

apenas por esse fato, podem ser considerados como sabendo mais do que seus

antecessores.

4.”The theories of Aristotle and Capernicus are, from the scientific point of view, dead;

we have progressed beyond them and there is no need to revive them except as

historical curiosities we may briefly contrast with present knowledge.” (linhas 85-89).

a. ( ) As teorias de Aristóteles e Copérnico estão, do ponto de vista dos cientistas,

mortas; conseguimos avançar até elas e não necessitamos revê-las, exceto nas

curiosidades históricas, as quais podem ser contrastadas com o presente.

b. ( ) As teorias de Aristóteles e Copérnico estão do ponto de vista científico, mortas,

conseguimos ultrapassá-las e não necessitamos agora voltar até as curiosidades históricas,

com excessão do que se refere ao conhecimento do presente.

c. ( ) As teorias de Aristóteles e Copérnico estão, do ponto de vista científico, mortas, já

progredimos além delas e do que se necessita para revivê-las, exceto no que diz respeito

às curiosidades históricas que brevemente contrastam com nosso conhecimento atual.

d. ( ) As teorias de Aristóteles e Copérnico estão, do ponto de vista científico, mortas;

nós progredimos além delas e não há necessidade de revivê-las, a não ser como

curiosidades históricas que se contrastam timidamente com o conhecimento atual.

127

alternativas oferecidas têm períodos compostos, com a mesma tradução

para a primeira oração, ficando as diferenças cirscunscritas à parte final de

cada período no restante de cada uma das sentenças. Quarenta e seis

examinandos (75.4%) optaram corretamente pela alternativa D,

possivelmente em função do reconhecimento do significado conceitual de

except as como ‘a não ser como’ (seção 3.5.3, Capítulo 3) e da

interpretação do advérbio briefly como ‘timidamente’, ambas naquela

alternativa. A razão principal para a opção (incorreta) pela alternativa C pode

ter sido a tradução do advérbio briefly como ‘brevemente’ que, no entanto,

não é adequada nessa situação.

6.4 Considerações finais sobre a análise do teste

Para finalizar, é interessante observar que as questões das seções III

e V estão, de certa forma, inter-relacionadas, de forma que a informação

solicitada na questão III.3 poderia ser recuperada quase em sua totalidade,

através das tarefas de tradução nas questões da seção V. Assim, não é de

se estranhar que haja uma relação bastante próxima entre o nível de

acertos dos examinandos na questão III.3 e a seção V.

É curioso, no entanto, que, no trecho cuja leitura era a base para a

solução da questão II.2, a sentença que melhor sintetizava a informação

solicitada na questão (“No one would say of a work of music or literature that

it was better than an earlier work just because it was later”) foi também

utilizada na questão V.1 e ali, no entanto, o nível de acertos dos

examinandos foi de apenas 37.7%, contra os 98.4% da questão II.2. Além

128

da possibilidade de que a questão II.2 tenha sido respondida com base em

uma estratégia de testagem, isso talvez seja um indício de que os

examinandos foram capazes de captar a idéia central ou pontos mais

importantes desse trecho do texto, mas tiveram maior dificuldade quando

precisaram depreender a informação num nível maior de detalhamento, em

que seria necessário acessar outras micro-habilidades de leitura

envolvendo, por exemplo, o componente sintático.

Isso reforça o argumento de que, para alguns examinandos a leitura

em ESP talvez seja um “jogo psicolingüístico de adivinhações” em que o

leitor tenta reconstruir o significado do texto a partir dos mínimos indicadores

possíveis para se chegar a uma adivinhação correta. Nesse caso, o

conhecimento esquemático desses examinandos (nos termos tratados na

seção 2.3.1 do Capítulo 2) ajudaria a compensar suas deficiências

relacionadas ao conhecimento sistêmico. Isso ajuda a explicar o fato desses

examinandos serem leitores funcionais, isto é, serem capazes de ler os

textos necessários aos seus estudos, mas, ainda assim, reprovarem no

teste. Pode-se também aludir às observações feitas por Maciel (1980, p. 67-

68), de que a falta de conhecimento da estrutura sintática da língua e de um

nível básico de vocabulário geral não permite que os leitores alcancem o

nível retórico construído sobre a sintaxe.

Um problema que pode ser ocorrido, especialmente nas questões da

seção V é que em função da grande quantidade de informação a ser

processada pelo leitor, quer pela tarefa ou até pela leitura, pode-se

especular também que talvez tenha ocorrido aí um estrangulamento da

129

capacidade de armazenagem de informação na memória do leitor, nos

termos indicados por Tomitch (1995).

Apesar dos problemas apontados acima, se tais examinandos têm,

de fato, habilidade de leitura em ESP suficiente para concluir seus cursos e

isso estaria refletido no auto-conceito que têm sobre habilidade de leitura,

mas não no conceito que efetivamente obtém no teste, não seria o caso de

se questionar a própria função do teste, de avaliar o nível de habilidade de

leitura em ESP necessário para um aluno realizar um curso de pós-

graduação?

Creio, conforme já mencionado, que a resposta para tal questão

passa necessariamente por considerar o ponto de vista do examinando em

relação à leitura e testagem em ESP. Esse aliás é o ponto que considero

fundamental em minha pesquisa, principalmente porque a análise que fiz

sobre o teste neste capítulo é importante, na medida em que procura

esclarecer quais aspectos da habilidade de leitura parecem ser avaliados no

teste e quais itens podem representar algum tipo de controvérsia, mas não é

suficiente para dar conta da dimensão social da testagem de proficiência.

Assim, enquanto no Capítulo 5 discuti dados referentes aos examinandos e

neste capítulo procurei situar o teste em termos do que ele parece avaliar,

no Capítulo 7 pretendo mostrar que o auto-conceito que os examinandos

têm sobre sua habilidade de leitura em ESP pode ser uma fonte rica de

informações sobre o processo de testagem, particularmente se essas

informações forem correlacionadas com aquelas obtidas através da análise

do teste.

7 AUTO-AVALIAÇÃO E DESEMPENHO EFETIVO DOS EXAMINANDOS

7.0 Considerações iniciais

Conforme mencionei anteriormente, a testagem de proficiência em

leitura em ESP, numa perspectiva ética-naturalística pressupõe o

conhecimento do que testar, como testar e por que testar. Isso demanda

aprofundar o entendimento sobre as necessidades, potencialidades e

limitações do público que se submete aos testes. Consoante com essa

idéia, no Capítulo 5, tratei de algumas informações sobre os examinandos.

Essas informações ajudam a entender quem são os examinandos e

permitem compreender alguns fatores que podem contribuir para a

formação do conceito que eles têm sobre sua habilidade de leitura. Naquele

capítulo procurei enfatizar que, dentre as informações apuradas através do

questionário, o dado que mais interessava ao presente estudo era o auto-

conceito dos examinandos sobre sua habilidade de leitura, já que, através

dele, pode-se acrescentar a visão do examinando na discussão sobre o

teste, estabelecendo-se um parâmetro adicional para a avaliação do

processo de testagem.

Assim, no presente capítulo, procuro discutir não somente as auto-

avaliações dos examinandos sobre sua habilidade de leitura, mas também

os pontos de convergência ou divergência entre as auto-avaliações e o

desempenho efetivo no teste, numa tentativa de aprofundar a discussão

131

sobre a função e o impacto dos testes de proficiência no contexto dos

cursos de pós-graduação da UFSM. Para tanto, a discussão está aqui

organizada em três seções. Na primeira (7.1), trato das auto-avaliações dos

examinandos, em termos gerais. Na segunda seção (7.2), discuto a

correlação entre as auto-avaliações e o desempenho efetivo dos

examinandos. A terceira seção (7.3) trata dos dificuldades apresentadas

pelos examinandos no teste.

7.1 Auto avaliações dos examinandos

Quando se perguntou aos 61 examinandos sobre como eles

conceituariam sua habilidade de leitura em inglês, 48 (78.7%), definiram sua

habilidade de leitura como boa ou razoável, 7 deles (11.5%) julgaram ter um

excelente nível de habilidade de leitura, 3 (4.9%) estimaram que sua

habilidade de leitura em ESP poderia ser conceituada como não satisfatória

e, finalmente, os 3 restantes (4.9%) não souberam ou preferiram não

informar a respeito. Há, no entanto, dados relativos ao desempenho dos

examinandos no teste que, de certa forma, contrariam as auto-avaliações.

Os dados sobre o desempenho global dos 61 sujeitos que constituem

o corpus da presente pesquisa indicam que, se consideradas as notas

atribuídas, 3 examinandos (4.9%) estariam na faixa considerada excelente e

30 candidatos (49.1%) poderiam ter um desempenho considerado bom ou

razoável. No entanto, 28 deles (45.9%) teriam, de acordo com os

parâmetros da instituição, um desempenho insuficiente, ou seja, sua nota

seria inferior a 7,0. A Tabela 4 correlaciona o auto-conceito e o desempenho

132

global dos candidatos.

Tabela 4 - Correlação entre auto-conceito dos examinandos sobre sua habilidade de leitura e desempenho global dos candidatos no Teste de Suficiência em Leitura em Língua Inglesa da UFSM (08/04/96)

auto-conceito dos candidatos

desempenho global efetivo dos candidatos

(n) não satisfatório

(%)

3

4.9

28

45.9 (n)

bom/razoável (%)

48

78.7

30

49.1 (n)

excelente (%)

7

11.5

3

4.9 (n)

não informou (%)

3

4.9

Conforme se pode ver na Tabela 4, os conceitos auto-atribuídos

pelos examinandos parecem ser mais altos que aqueles efetivamente

obtidos por eles nos testes. Uma explicação possível para esse fato seria a

existência de uma tendência geral de um leitor se auto-atribuir um conceito

mais elevado do que sua habilidade efetiva de leitura. Se essa explicação

for verdadeira, então o auto-conceito que os candidatos têm sobre sua

habilidade de leitura em outras línguas tenderia a ser consistentemente

positiva. Não é isso, no entanto, que parece ocorrer no caso específico do

corpus analisado. Para tentar elucidar essa questão, a Tabela 5 mostra a

correlação entre o auto-conceito que os examinandos que prestaram o teste

em inglês têm sobre sua habilidade de leitura em quatro diferentes línguas:

133

inglês, espanhol, francês e alemão.

Tabela 5 - Comparação entre auto-conceito dos examinandos prestando o teste em inglês, sobre sua habilidade de leitura em inglês, espanhol, francês e alemão

inglês

no % espanhol

no % francês

no % alemão

no %

excelente 7 11.5 15 24.6 1 1.6 — —

bom/razoável 48 78.7 36 59 13 21.3 4 6.6

não satisfatório 3 4.9 3 4.9 41 67.2 50 82

não informou 3 4.9 7 11.5 6 9.8 7 11.5

total 61 100 61 100 61 100 61 100

Conforme mencionado anteriormente (seção 5.2.1, Capítulo 5), as

duas principais razões dos examinandos para optarem pelo teste em ESP

foram a prioridade da língua inglesa para seus estudos (59%) e a crença de

terem mais conhecimento nessa língua (45.8%). Assim, é de se esperar que

o auto-conceito sobre sua habilidade de leitura nessa língua seja melhor do

que nas demais. A Tabela 5 parece refletir esse entendimento, conforme

pode ser observado pelas avaliações de que teriam uma menor

‘produtividade’ de leitura em francês e alemão. Em relação ao conceito

‘positivo’ atribuído em espanhol (59% de bom/razoável e 24.6% de

excelente) talvez seja possível explicá-lo através do senso comum de que

entre o português e o espanhol há tantos pontos de semelhança, que seria

mais fácil ler naquela do que na demais línguas estrangeiras. O fato de essa

134

projeção corresponder ou não à verdade em termos absolutos não vem ao

caso aqui.

O ponto que merece atenção é que os dados expostos na Tabela 5

sobre o auto-conceito que os examinandos têm sobre sua habilidade de

leitura devem ser examinados, considerando-se a forma como os

examinandos manifestam concretamente sua habilidade de leitura, ou seja,

como respondem às tarefas propostas pelo teste e de que forma essas

respostas podem atestar uma falta de habilidade de leitura.

Antes de fazer isso, porém, pretendo mostrar ainda que, quando se

confronta auto-conceito e desempenho efetivo dos examinandos no teste,

há uma coincidência perfeita em alguns casos (por exemplo, examinandos

que avaliam sua habilidade como ‘não satisfatória’ obtiveram conceito

insuficiente, ou ainda, mais da metade dos examinandos que se avaliaram

na faixa ‘bom/razoável’ obtiveram esse conceito). Há ainda outras áreas em

que há uma relação de proximidade (por exemplo, os 5 examinandos que se

auto-avaliaram na faixa considerada ‘excelente’ e que obtiveram conceito

qualificado como ‘bom/razoável’). O que preocupa, no entanto, são aquelas

áreas onde examinandos avaliaram sua habilidade de leitura como

‘excelente’ ou ‘boa/razoável’ e, no entanto, não foram aprovados no teste

(ver Tabela 6).

Tabela 6 - Desempenho dos examinandos no teste por auto-conceito conceito obtido pelos examinandos no teste de

suficiência auto-conceito

dos examinandos (A) excelente no %

(B/C) bom/razoável no %

(D) insuficiente no %

total no %

135

excelente 1 14.3 5 70.4 1 14.3 7 100

bom/razoável 2 4.2 25 52.1 21 43.7 48 100

não satisfatório — — — — 3 100 3 100

não informou — — — — 3 100 3 100

Assim, dos 7 examinandos que afirmaram ter uma ‘excelente’

habilidade de leitura em ESP, somente um teve um conceito correspondente

(A). Cinco deles obtiveram conceitos considerados bons (B e C). Um,

entretanto, teve um conceito não satisfatório (D, nota 6.4). Em relação aos

48 examinandos que representaram sua habilidade de leitura como sendo

boa ou razoável, 2 superaram essa expectativa e atingiram um conceito

‘excelente’ (A). Outros 25 tiveram conceitos que corresponderam às suas

representações (B e C). No entanto, 21 examinandos tiveram um

desempenho considerado insuficiente.

Assim, o fato preocupante é que 39 dos 61 examinandos (63.9%),

tiveram, no teste, um desempenho muito próximo ou até mesmo idêntico ao

seu auto-conceito, enquanto que para 22 deles (36.1%) não há essa relação

de proximidade entre auto-avaliações e conceito efetivamente obtido. Em

outras palavras, a auto-avaliação de uma grande parcela dos examinandos

é consistente com a medida de habilidade fornecida pelo teste, enquanto

que isso não acontece para o restante dos examinandos.

Dessa forma, para os 22 examinandos cujo desempenho efetivo está

numa faixa inferior ao auto-conceito que eles têm sobre sua habilidade de

136

leitura, pode-se falar ainda na possibilidade de eles não reconhecerem no

teste uma medida representativa da sua habilidade de leitura, gerando

problemas no que se refere à validade aparente do teste. Conforme

mencionado anteriormente (Capítulo 3, seção 3.4.4), a motivação, as

atitudes e até mesmo o desempenho dos examinandos no teste, podem ser

afetados por problemas dessa natureza.

Tendo essa questão em mente, passo agora ao ponto que considero

o de maior importância na análise que estou fazendo sobre o processo de

testagem de proficiência desenvolvido na UFSM: a discussão sobre o

desempenho dos examinandos nas questões do teste, tomando-se base o

auto-conceito dos examinandos sobre sua habilidade de leitura em ESP.

7.2 Desempenho dos examinandos em relação ao seu auto-conceito

Embora tradicionalmente a avaliação da qualidade de um teste seja

pautada quase que exclusivamente na análise do teste em si, tento mostrar

aqui que, dadas as características e funções dos testes de proficiência em

ESP, há outras dimensões tão ou mais importantes a serem consideradas

no desenvolvimento de testes que sejam, ao mesmo tempo, válidos,

fidedignos e, em função disso, justos. Foi com essa preocupação que

busquei informações sobre os examinandos e sobre seu desempenho no

teste. Assim, o ponto de que tratarei agora inter-relaciona praticamente

todos os dados que levantei ao longo da presente pesquisa. É necessário

ter em mente, portanto, que, quando tratei sobre o teste no Capítulo 5

137

indiquei quais de suas seções poderiam ser consideradas mais ‘difíceis’

para os examinandos e, nesse sentido, potencialmente problemáticas (no

caso, seções III, V e IV). Além disso, nas seções anteriores deste sétimo

capítulo, tentei dar uma visão sobre os examinandos, enfatizando que a

auto-avaliação sobre sua habilidade de leitura em ESP precisa ter um papel

de relevância na discussão sobre o processo de testagem. É por essa razão

que passo agora a discutir o desempenho dos examinandos no teste sob a

perspectiva de seu auto-conceito.

Conforme mencionado anteriormente, dos 61 examinandos que

constituem o corpus dessa pesquisa, 7 (11.5%) afirmaram ter um ‘excelente’

nível de habilidade de leitura em ESP, 48 (78.7%) conceituaram sua

habilidade num nível ‘bom/razoável’, 3 (4.9%) qualificaram seu nível como

‘não satisfatório’ e 3 (4.9%) omitiram opinião a esse respeito. Para a maior

parte desses examinandos, esse auto-conceito é semelhante ou até mesmo

idêntico ao conceito efetivamente obtido por eles no teste, conforme discuto

a seguir.

7.2.1 Desempenho dos examinandos com auto-conceito ‘excelente’

Dos 7 examinandos que conceituaram sua habilidade de leitura como

sendo ‘excelente’, apenas 1 obteve, no teste, um conceito idêntico. Cinco

deles (71.4%) foram avaliados na faixa de ‘bom/razoável’, ficando, portanto,

numa faixa de desempenho efetivo próxima de seu auto-conceito. Um, no

entanto, não foi aprovado. Percebe-se, portanto, que, para a maioria dos

examinandos nessa faixa de auto-conceito, o conceito obtido no teste não

138

destoa significativamente das auto-avaliações que esses examinandos têm

sobre sua habilidade em leitura em ESP.

A análise do índice de acertos dos examinandos nas questões do

teste feita a partir do auto-conceito e do conceito efetivo no teste mostra

algumas diferenças no que concerne ao desempenho desses 7

examinandos nas seções e questões do teste (Tabela 7).

Como se pode ver, independentemente do conceito efetivo obtido, o

índice de acertos dos examinandos com auto-conceito ‘excelente’ atinge

100% em cinco das questões dos teste: I, II.1, II.2, IV.1 e IV.2, e tem níveis

bastante elevados em outras três: III.2, IV.3 e IV.4. Assim, em três das cinco

seções que compõem o teste (I, II e IV), esse grupo de 7 examinandos teve

seu melhor desempenho, permitindo inferir que eles têm as principais micro-

habilidades de leitura avaliadas nessas seções (compreensão da idéia

global do texto, sumarização dos pontos ou tópicos principais e localização

de formas referenciais, respectivamente).

Tabela 7 - Índice de acertos nas questões do teste, dos examinandos com auto-conceito ‘EXCELENTE’.

QUESTÕES

desempenho geral dos 7

examinandos

conceito A

(excelente) (n=1)

conceitos B/C (bom/razoável)

(n=5)

conceito D

(insuficiente) (n=1)

% n % n % n % n

I 100 7 100 1 100 5 100 1

II.1 100 7 100 1 100 5 100 1

139

II.2 100 7 100 1 100 5 100 1

III.1 0 0 0 0 0 0 0 0

III.2 85.7 6 100 1 80 4 100 1

III.3 28.6 2 100 1 20 1 0 0

III.4 85.7 6 100 1 100 5 0 0

IV.1 100 7 100 1 100 5 100 1

IV.2 100 7 100 1 100 5 100 1

IV.3 85.7 6 100 1 80 4 100 1

IV.4 85.7 6 100 1 80 4 100 1

V.1 57.1 4 100 1 60 3 0 0

V.2 71.4 5 100 1 60 3 100 1

V.3 85.7 6 100 1 100 5 0 0

V.4 85.7 6 100 1 100 5 0 0

O problema desses examinandos parece estar localizado, no entanto,

nas micro-habilidades avaliadas nas seções III e V (dedução de significado

e uso de itens lexicais desconhecidos, e na seção V, (compreensão das

relações intra e inter-sentenciais). A extensão do problema parece ser

diferenciada de acordo com o conceito obtido no teste. Por exemplo, o

examinando cujo auto-conceito coincidiu com o conceito obtido no teste, só

teve problema com a questão III.1, não sendo capaz de identificar com

precisão o trecho onde a informação solicitada poderia ser encontrada.

Em relação ao grupo que qualificou seu nível de habilidade de leitura

como sendo ‘excelente’, mas obteve conceitos B e C no teste

(bom/razoável), há duas questões cujo nível de acertos foi muito baixo (III.1

140

e III.3) e duas em que o nível de acertos foi de 60% (V.1 e V.2). Logo, há

uma concentração dos problemas desse grupo nas micro-habilidades

avaliadas nas seções III e V.

Já em relação ao examinando com auto-conceito ‘excelente’ e

conceito ‘insuficiente’ no teste, os erros ocorreram nas questões III.1, III.3,

III.4, V.1, V.3 e V.4.

Esses dados permitem concluir que a falta de habilidade para

localizar informação específica no texto pode ter sido determinante para as

dificuldades da maioria desses examinandos na resposta às questões da

seção III do teste. O problema que pode ter ocorrido aí talvez tenha se

derivado da dificuldade dos examinandos para acessar outras micro-

habilidades que dão suporte à localização de informações específicas, tais

como, distinção entre a idéia principal e os detalhes secundários, nas

questões III.1 e III.3, e compreensão do significado conceitual subjacente à

posição do autor em relação à validade de pesquisar as obras de literatos

antigos, na questão III.4.

No caso específico do examinando que obteve um conceito

considerado ‘insuficiente’, as questões da seção V foram um fator agravante

desse desempenho abaixo da expectativa. Nessa seção, o problema não

somente desse, mas também de outros examinandos, pode ter sido a falta

de competência sintática necessária para compreender o texto num nível

maior de detalhamento. Isso, por sua vez, pode truncar a interação com o

texto enquanto discurso, consoantemente com Maciel (1980, p. 65), que vê

141

na falta das competências lexical e sintática um empecilho à compreensão

no nível do discurso.

7.2.2 Desempenho dos examinandos com auto-conceito ‘bom/razoável’

Os 48 examinandos que conceituaram seu nível de habilidade de

leitura em ESP como ’bom/razoável’ perfazem 78.7% do total de

examinandos. Esse grupo também concentra o maior número de

examinandos cujo desempenho não correspondeu plenamente ao seu auto-

conceito sobre habilidade de leitura. Ainda assim, 2 examinandos desse

grupo (4.2%) tiveram um desempenho acima do conceito que haviam

atribuído à sua habilidade de leitura em ESP, sendo que um já havia

reprovado numa edição anterior do teste.

Outros 25 examinandos (52.1%) dentro desse grupo obtiveram

conceitos B e C no teste, o que corresponde plenamente à auto-avaliação

que tinham sobre sua habilidade de leitura em ESP. Desses, 13 estavam

prestando o teste pela primeira vez e 12 já haviam prestado o teste

anteriormente.

Há, no entanto, dentro dessa faixa de auto-conceito ‘bom/razoável’,

21 examinandos (43.8%) que apresentaram um desempenho inferior ao

nível de habilidade de leitura em ESP considerado satisfatório. Desses

examinandos, 11 estavam se submetendo pela primeira vez ao teste e 10 já

haviam prestado o teste em edições anteriores.

Tabela 8 - Índice de acertos dos examinandos com auto-conceito ‘BOM/RAZOÁVEL’.

142

QUESTÕES

desempenho geral dos 48

examinandos

conceito A

(excelente) (n=2)

conceitos B/C (bom/razoável)

(n=25)

conceito D

(insuficiente) (n=21)

% n % n % n % n

I 91.6 44 100 2 100 25 81 17

II.1 100 48 100 2 100 25 100 21

II.2 97.9 47 100 2 100 25 95.2 20

III.1 45.6 22 100 2 60 15 23.8 5

III.2 87.5 42 100 2 92 23 81 17

III.3 14.7 7 0 0 24 6 4.8 1

III.4 47.9 23 100 2 60 15 28.6 6

IV.1 87.5 42 100 2 92 23 81 17

IV.2 85.4 41 100 2 92 23 76.2 16

IV.3 47.9 23 100 2 68 17 19 4

IV.4 54.2 26 100 2 72 18 28.6 6

V.1 33.3 16 100 2 32 8 28.6 6

V.2 33.3 34 100 2 68 17 71.4 15

V.3 52.1 25 100 2 60 15 38.1 8

V.4 75 36 100 2 84 21 61.9 13

À primeira vista, essa inconsistência entre auto-avaliação e conceito

obtido parece alta e mereceria um exame mais atento, conforme se

argumentará adiante.

Conforme pode ser visto na Tabela 8, o desempenho dos

examinandos que conceituaram sua habilidade de leitura como

‘boa/razoável’ apresenta algumas diferenças em relação ao grupo com auto-

conceito ‘excelente’.

O grupo de examinandos que conceituou seu nível de habilidade de

143

leitura em ESP como ‘bom/razoável’ parece ter três fontes de dificuldade na

realização do teste: as seções III e V (que também foram problemáticas

para os examinandos do grupo anteriormente analisado), e duas questões

da seção IV nas quais o desempenho dos examinandos foi menor do que

nas demais daquela seção. Para sintetizar, no caso dos examinandos do

grupo auto-conceituado como ‘bom/razoável’ pode-se falar de três situações

distintas em relação ao padrão de respostas.

Na primeira situação, estariam os dois sujeitos que superaram as

expectativas manifestas em seu auto-conceito (‘bom/razoável’), obtendo o

conceito A no teste (classificado como ‘excelente’). Nesse caso, o problema

está especificamente concentrado numa única questão — III.3 — de

localização de informação específica no texto, que, a seu turno, talvez

demandasse o acesso à micro-habilidade necessária para distinguir entre a

idéia principal e os detalhes secundários (seção 3.5.7, Capítulo 3).

Na segunda situação, aparecem os 25 examinandos cujo auto-

conceito e conceito efetivo coincidem na faixa ‘bom/razoável’. Considerando

uma índice de acertos de algo em torno de 70% como razoável, pode-se

falar numa concentração das dificuldades desse grupo em quatro questões:

III.1, III.3, V.1 e V.3, similarmente ao ocorrido com o grupo de examinandos

com desempenho efetivo na mesma faixa, mas com auto-conceito

‘excelente’. A diferença parece se dever à variabilidade na correção das

respostas dadas à questão III.3, onde 13 examinandos deram respostas que

poderiam ter sido consideradas corretas, mas não o foram.

144

As respostas dadas por esses examinandos estariam dentro das

possibilidades de interpretação da instrução dada pela questão (conforme

discutido na seção 6.3.3, do Capítulo 6), tendo sido consideradas corretas

para alguns examinandos e não para outros (por exemplo, o trecho das

linhas 16-19). Isto pode ter acontecido devido aos testes serem corrigidos

por mais do que uma pessoa. Assim, enquanto um examinador pode ter

considerado um determinado trecho apontado num dos testes como válido,

outros examinadores podem ter tido uma diferente interpretação, não

considerando-o.

Embora a desconsideração dessas respostas ‘corretas’ não altere

radicalmente o resultado global do teste (ou seja, um aluno reprovado, não

deixaria de sê-lo, só em função disso), essa situação serve de alerta para os

riscos da variabilidade no julgamento de respostas dos examinandos,

reforçando a idéia de que o formato de múltipla escolha pode evitar tal tipo

de acontecimento.

Finalmente, a terceira situação aqui apontada compreende os 21

examinandos que tiveram um desempenho efetivo inferior ao ‘bom/razoável’

que esperavam obter. Nesse caso, os problemas são mais claramente

apontáveis nas questões III.1, III.3, III.4, IV.3, IV.4, V.1 e V.3. Novamente

aqui parece ocorrer um problema relacionado à variabilidade de julgamento

de respostas de examinandos à questão III.3., conforme referido no

parágrafo anterior

Também interessa observar que, nesse grupo, apenas 1 dos 21

145

examinandos conseguiu acertar todas as questões da seção IV, indicando

que a compreensão das relações entre as partes do texto através de

dispositivos de coesão (seção 3.5.5, Capítulo 3), parece oferecer algum

nível de dificuldade para esses examinandos. O mesmo parece ocorrer em

relação à compreensão das relações intra e inter-sentenciais, foco de

avaliação na seção V, onde somente dois examinandos conseguiram

acertar as quatro questões que a compunham.

Para sintetizar o desempenho dos examinandos com auto-conceito

‘bom/razoável’ no teste, pode-se produzir uma escala de progressão de

dificuldade, em que a seção III seria o ponto de maior dificuldade para todos

os examinandos. Nessa escala, o segundo foco de problemas seria a seção

V que, no entanto, afetaria apenas aqueles examinandos com um

desempenho intermediário ou, em outras palavras, ‘bom’. Já para aqueles

examinandos com um desempenho abaixo do nível considerado ‘suficiente’,

parece haver uma terceira fonte de problemas alojada nas questões da

seção IV, conforme se verá a seguir.

7.2.3 Desempenho dos examinandos com auto-conceito ‘não satisfatório’ e ‘não informado’

A análise do desempenho desses dois últimos grupos foi agrupada

aqui com base na semelhança entre eles, já que se pode especular que

aqueles examinandos que preferiram não conceituar seu nível de habilidade

em leitura em ESP talvez o tenham feito para evitar a emissão de um

conceito ‘negativo’. O fato é que o desempenho efetivo de ambos os grupos

146

foi situado numa faixa considerada ‘insuficiente’ para os padrões da

instituição. Assim, embora haja algumas diferenças no que concerne aos

problemas enfrentados por um e por outro grupo, de uma forma geral, há

uma série de questões que se mostraram problemáticas para ambos, como,

por exemplo, as questões III.1, III.3, IV.3, IV.4 e toda a seção V (ver Tabela

9).

O grupo que auto-conceituou sua habilidade de leitura em ESP como

‘não satisfatória’, tem alguns problemas adicionais, como, por exemplo, as

questões I, II.1, IV.1 e IV.2. As questões II.2 e III.2 foram as únicas onde o

nível de acertos desse grupo foi elevado (ver Tabela 9).

Tabela 9 - Índice de acertos dos examinandos com auto-conceito ‘NÃO SATISFATÓRIO’ e ‘NÃO INFORMADO’.

auto-conceito ‘não satisfatório’

auto conceito ‘não informou’

QUESTÕES

desempenho geral dos 6 examinandos (não satisfatório +

não opinou)

conceito D

(insuficiente) (n=3)

conceito D

(insuficiente) (n=3)

% n % n % n

I 66.7 4 33.3 1 100 3

II.1 83.3 5 66.7 2 100 3

II.2 100 6 100 3 100 3

III.1 0 0 0 0 0 0

III.2 100 6 100 3 100 3

III.3 0 0 0 0 0 0

III.4 16.7 1 33.3 1 0 0

147

IV.1 83.3 5 66.7 2 100 3

IV.2 66.7 4 33.3 1 100 3

IV.3 16.7 1 0 0 33.3 1

IV.4 0 0 0 0 0 0

V.1 50 3 33.3 1 66.7 2

V.2 50 3 66.7 2 33.3 1

V.3 16.7 1 33.3 1 0 0

V.4 66.7 4 66.7 2 66.7 2

Ainda em relação ao grupo que se conceituou como ‘não satisfatório’,

ou seja, que aparentemente está consciente de suas limitações em leitura

em ESP, o baixo índice de acertos nas seções III e IV pode ser interpretado

como um indício de que esses examinandos não conseguem localizar

informação específica no texto, nem tampouco identificar com clareza as

relações entre partes das sentenças. Com isso, o nível mais elevado de

acertos desse grupo na seção V (em comparação com os acertos das

seções III e IV) pode ser devido até mesmo ao acerto casual propiciado pelo

formato de questões objetivas. Considero, no entanto, que nas demais

faixas (excelente e bom/razoável), os examinandos tenham confiado muito

mais nas habilidades que julgaram ter, do que na escolha aleatória.

No caso dos examinandos que preferiram omitir opinião sobre sua

habilidade de leitura, as seções I e II (respectivamente, identificação da

idéia/tópico central do texto e extração dos pontos salientes para

sumarização de uma idéia/tópico específico do texto) não parecem ter sido

148

problemáticas, já que todos acertaram as questões dessa seção. Para esse

grupo, houve ainda três questões com 100% de acertos de todos os

examinandos: III.2, IV.1 e IV.2. Assim, o problema desse grupo parece estar

confinado às seções III (com exceção da questão III.2), IV (com exceção

das questões IV.1 e IV.2) e V.

Ao longo da seção 7.2 do presente capítulo, procurei identificar os

pontos problemáticos nas respostas dos examinandos à partir do auto-

conceito que eles tinham sobre sua habilidade de leitura. Assim, indiquei

que a seção III do teste apresentou um nível de dificuldade maior do que as

demais. Também apontei que a seção V apresentou dificuldades para

examinandos em praticamente todas as faixas de auto-conceito, embora em

níveis diferenciados. A seção IV, por sua vez, trouxe dificuldades

praticamente apenas para os examinandos com desempenho efetivo

classificado como insuficiente. Por fim, as seções I e II, não representaram

dificuldades para os examinandos, à exceção daqueles que classificaram

sua habilidade de leitura como ‘não satisfatória’. Com isso, na próxima

seção, discutirei esses itens problemáticos apontados, encaminhando a

discussão para o último ponto a tratar no presente trabalho, ou seja, a

função e o impacto social da testagem de proficiência no contexto

acadêmico, especificamente no âmbito da UFSM.

7.3 Dificuldades dos examinandos nas questões do teste

Conforme procurei mostrar, as micro habilidades de leitura avaliadas

nas seções I (leitura geral para depreender a idéia global do texto, e

149

distinção entre a idéia principal e os detalhes secundários) e II (extração dos

pontos salientes para a sumarização de uma idéia/tópico específico no

texto) do teste, não parecem ter sido foco de problema para os

examinandos, de uma forma geral, à exceção daqueles que conceituaram

seu nível de habilidade de leitura em ESP como ‘não satisfatório’. Pode-se

concluir, portanto, que, em geral, os examinandos foram capazes de

entender o conteúdo do texto e, por extensão, poder-se-ia dizer também

que, alguma forma de interação, ainda que num plano mais geral, parece ter

sido estabelecida entre leitor e texto.

Uma outra possibilidade de interpretação para esse fato, no entanto,

é que, devido ao seu índice de acertos consistentemente elevado, essas

duas seções não possibilitam uma diferenciação muito clara entre

examinandos com maior ou menor habilidade de leitura em ESP. Em

relação à seção I, o trabalho de Santos & Hönig (1996) torna possível dizer

que os examinandos têm a micro-habilidade de compreender a idéia geral

do texto bem desenvolvida, já que os alunos entrevistados naquela pesquisa

definem leitura como: 1) a organização de idéias e conceitos; 2) a

compreensão dos pontos principais de um texto; e 3) o relacionamento do

conhecimento que têm com que o autor diz no texto.

Embora em princípio se pudesse dizer o mesmo em relação à seção

II, as alternativas oferecidas nas duas questões daquela seção podem ter

testado muito mais uma estratégia de testagem dos examinandos (descarte

de itens ‘absurdos’) do que a habilidade de leitura em ESP, propriamente

dita. Nesse sentido, é interessante observar que o uso de alternativas que

150

demandem mais elaboração na resposta dos examinandos pode melhorar a

capacidade de se fazer uma distinção mais clara entre a demonstração da

micro-habilidade de leitura avaliada e outros fatores envolvidos, tais como, o

acerto casual e a facilidade excessiva da questão (cf. Allan, 1992, p. 109-

110).

Já a seção III parece ter oferecido dificuldade para os examinandos

nas diferentes faixas de auto-conceito, atingindo tanto os que se consideram

mais proficientes, quanto aqueles que se consideram menos proficientes.

Nessa seção do teste, somente a questão III.2 teve um elevado

índice geral de acertos (entre 80 e 100%), talvez em função da proximidade

do nome Aristotle e a negação associada a elementos que poderiam ser

creditados a Aristóteles, em função dos conhecimentos lexical e

esquemático dos examinandos. Assim, esse alto índice de acertos poderia

ser explicado tanto pela demonstração da habilidade de identificar, no texto,

a citação de algumas teorias falhas de Aristóteles, quanto, pelo nível de

explicitude das intenções do autor no texto.

No caso da questão III.1, o índice de acertos só foi elevado para os

examinandos que se representaram como ‘bons’ leitores e que superaram

essa expectativa, obtendo um conceito classificado como ‘excelente’. Nem

mesmo os examinandos que se conceituaram como ‘excelentes’ leitores em

ESP tiveram acertos nessa questão. A dificuldade aí talvez esteja

relacionada com a falta de marcadores explícitos de exemplificação no

trecho em que os examinandos deveriam apontar uma exemplificação de

151

avanços científicos ocorridos nos quatro últimos séculos. Somado a isso,

havia dois conjuntos de exemplos bastante próximos, sendo que somente o

primeiro (linhas 2-5) poderia ser considerado correto. Apesar disso, 16

examinandos indicaram apenas esse segundo trecho (linhas 6-9) e 9

incluíram-no em suas respostas, ou seja, 41% dos examinandos não

souberam identificar que apenas o primeiro conjunto de exemplos era

adequado para a tarefa proposta. Isso quer dizer que eles não conseguem

distinguir claramente entre a idéia principal e os detalhes secundários.

O problema de delimitação de tarefa pode ter contribuído para o baixo

desempenho dos examinandos na questão III.3, principalmente pelo uso da

expressão ‘estabelece’. Dependendo do que o examinando entendesse por

‘estabelecer a diferença’, diferentes respostas poderiam ser dadas. Para os

que entendessem que estabelecer é ‘mencionar a existência’, vários trechos

poderiam ser apontados (como, por exemplo, linhas 16-19, linhas 22-26 e

linhas 35-42). Caso fosse entendido como ‘demonstrar’, a delimitação feita

pelo examinando deveria ser mais ampla e poderia abarcar quase

integralmente o segundo e o terceiro parágrafos do texto. Essa variabilidade

de interpretação também se deu por parte da comissão responsável pela

correção do teste, que considerou diferentes respostas como corretas,

embora tenha desconsiderado outras similares ou até mesmo idênticas.

A questão III.4 foi problema quase exclusivo para os examinandos

que se situaram nas faixas intermediária (bom/razoável) e inferior (não

satisfatório) de proficiência. Metade dos examinandos foram capazes de

identificar o trecho no qual o autor posicionava-se sobre a validade de se

152

pesquisar as obras de literatos e artistas antigos. Ainda assim, a outra

metade divergiu sobremaneira na delimitação de sua resposta, indicando,

principalmente, trechos onde arte e ciência eram contrastadas e, mais

especificamente, onde se apresentavam situações relacionadas às artes,

embora o trecho que vai da linha 90 até a linha 94 justificasse o porquê de

se fazer tal tipo de pesquisa. Uma explicação para essa grande quantidade

de erros talvez seja o caráter argumentativo do texto, que contrasta com o

caráter mais expositivo ou informativo dos textos das áreas de atuação da

maioria dos examinandos. Logo, é possível que muitos desses examinandos

não tenham os esquemas formais necessários à plena compreensão das

informações contidas no texto. Isso leva a crer que a falta de conhecimento

esquemático também pode ter sido uma fonte de dificuldade para os

examinandos. Nesse particular, o recomendável seria realizar pesquisas,

levando em conta, por exemplo, a sugestão de Célia (1983, p. 62) de que a

testagem de proficiência possa ser feita a partir de diferentes testes, e até

mesmo em níveis diferenciados.

Os problemas relacionados à seção IV do teste ocorreram

principalmente para os examinandos que se identificaram como estando na

faixa inferior de proficiência, permitindo dizer que os aspectos relacionados

à coesão textual são problemáticos para os sujeitos com tal nível de

proficiência em leitura. Parece ser possível estabelecer alguma correlação

entre esses resultados e os de Maciel (1980, p. 55-56), que argumenta que,

apesar da simplicidade vocabular dos termos referenciais, seu

funcionamento é “essencialmente semântico, realizado a nível do

153

significado”, sendo necessário “conhecer o seu funcionamento, explicitado

na gramática da língua” e “dispor de memória e atenção para poder reaver o

termo referido no momento oportuno” (ibid.). Assim, de acordo com a

pesquisadora, muitos dos problemas relacionados a referência podem ser

explicados pela interpretação dos termos referenciais como itens lexicais

individuais (ibid., p. 57).

No tocante à seção V, pode-se dizer que suas questões talvez

tenham dado um papel de alta relevância ao componente sintático na

solução da tarefa de tradução proposta. Para chegar à resposta certa, os

examinandos precisavam ter um conhecimento sintático relativamente

elevado para diferenciar, por exemplo, que ‘there is just no scale’ equivale a

‘there is not any scale’ (questão V.2). O elevado índice de erros dos

examinandos nas questões da seção V , de uma forma geral, pode estar

relacionado a uma leitura lexicalmente orientada, quando o componente

sintático parecia ser o elemento diferenciador fundamental entre as

alternativas. Considerando a existência de uma tendência dos leitores em

L2 orientarem sua leitura a partir do léxico (cf. Scaramucci, 1996; Santos &

Hönig, 1996), é possível que tanto o auto-conceito dos examinandos sobre

sua habilidade de leitura em ESP, quanto seu desempenho efetivo no teste,

possam ser explicados parcialmente pela orientação lexical de leitura

adotada por esses examinandos.

Isso explicaria também a aparente desconexão entre as respostas da

seção II e as das seções III e V que, embora tenham se concentrado

basicamente sobre os mesmos pontos do texto, impuseram aos

154

examinandos diferentes demandas em termos de processamento cognitivo

e lingüístico. Dessa forma, embora o trecho do texto que dá base às

questões II.1 seja o mesmo da questão III.1, assim como o trecho que dá

base à questão II.2 seja o mesmo da questão V.1, diferentes habilidades

parecem concorrer para a realização das tarefas propostas nessas

questões. Logo, o desempenho diferenciado dos examinandos nessas

questões pode estar relacionado ao domínio de uma micro-habilidade de

leitura numa questão (por exemplo, a extração dos pontos salientes para

sumarização de um tópico do texto) e à falta de domínio de outra micro-

habilidade de leitura, numa outra questão (por exemplo, a

localização/delimitação de informação específica no texto).

Isso, no entanto, permite crer que os examinandos talvez não tenham

percebido claramente a integração entre as diferentes tarefas propostas nas

questões do teste e até mesmo a integração das idéias no texto. As razões

para tanto são especificamente discutidas no próximo capítulo, bem como

as implicações do presente estudo para o processo de testagem de

proficiência na UFSM, além de sugestões para futuras pesquisas na área.

8 CONCLUSÕES, LIMITAÇÕES E SUGESTÕES PARA FUTURAS

PESQUISAS

8.0 Síntese das conclusões da pesquisa

O objetivo principal do presente trabalho foi a investigação sobre as

possíveis causas do acentuado índice de reprovação dos examinandos nos

testes de proficiência em leitura em ESP desenvolvidos na UFSM. Assim as

análises que precederam este capítulo de conclusão procuraram levantar

informações que pudessem ser aventadas na interpretação do problema.

Em relação aos examinandos, tracei um perfil geral no qual

identifiquei que os examinandos eram oriundos basicamente de quatro

grandes áreas: ciências da saúde (32.8%), ciências rurais (27.8%),

engenharias (18%) e ciências naturais e exatas (14.8%). Também apontei

que a principal razão para a escolha da língua inglesa no teste estava

relacionada a um entendimento de que essa era a língua prioritária para

seus cursos (59%) e de que supunham ter maior conhecimento de inglês do

que de outras línguas (45.8%). Além disso, apurei que 41% dos

examinandos já tinham se submetido à testagem de proficiência

anteriormente, em geral, em inglês e com reprovação.

A maior parte dos examinandos entende que o teste de proficiência

poderia ser substituído por cursos de ESP (59%), embora também admitam

que o teste poderia ser um pré-requisito para a aceitação de candidatos aos

156

cursos de pós-graduação (45.9%). Há ainda os que consideram que a

testagem possa ser mantida dentro dos atuais moldes, isto é, que ela possa

ocorrer durante a realização de seus cursos (47.5%). Como se viu, os

examinandos parecem ser favoráveis à adoção de diferentes formas de

comprovação de proficiência em leitura em ESP, mas são quase unânimes

em afirmar de que tal comprovação é necessária e justificável, já que

entendem que a habilidade de ler em inglês seja importante para seus

estudos.

Além de discutir questões relacionadas aos examinandos, também

analisei o teste a partir do texto cuja leitura era base para a solução das

tarefas propostas nas questões do teste, das questões propriamente ditas e

das micro-habilidades de leitura que aparentemente estavam sendo

avaliadas nessas questões. Indiquei, portanto, que o texto base era oriundo

da área de Filosofia da Ciência e que as questões do teste procuraram

avaliar uma variedade de micro-habilidades que incluíam leitura geral (seção

I do teste ) e seletiva (seção III), sumarização (seções II e III), conhecimento

de elementos operantes no nível de coesão do discurso (seções IV e V) e

no nível de coerência do discurso (seções I e III), conhecimento lexical

(seção V), e compreensão de significado conceitual (seção III). Procurei

mostrar também que, embora algumas micro-habilidades fossem foco

específico de avaliação nas questões e seções do teste, freqüentemente o

acesso a elas envolvia o uso de outras micro-habilidades. Isso reforça a

idéia de que a leitura é um processo complexo que envolve diferentes níveis

de processamento em operação simultânea, em conformidade com uma

157

visão interativa de leitura. Além disso, indiquei que muitas das dificuldades

apresentadas pelos examinandos podem estar relacionadas à diferença

entre o conhecimento esquemático necessário à leitura do texto proposto e

aquele aparentemente usado pelos examinandos na leitura dos textos de

suas respectivas áreas.

Ainda em relação ao teste, apontei algumas problemas que podem

estar relacionados à formulação das questões ou à proposição das tarefas a

serem cumpridas nas questões. Esses problemas podem ser facilmente

solucionáveis a partir de duas medidas: reuniões técnicas para análise das

questões anteriormente à sua aplicação e pré-testagem dos itens incluídos.

Um outro problema que pode ser apontado em relação ao teste diz

respeito aos níveis extremos de acertos em algumas questões. As questões

da seção I e II, por exemplo, têm um nível muito elevado de acertos para

todos os examinandos, não permitindo distinguir claramente as diferenças

no desempenho de candidatos com diferentes avaliações sobre sua própria

habilidade de leitura. Praticamente o mesmo poderia ser dito sobre as

questões das seções III e V, porém nelas, ocorre o oposto, ou seja, o índice

de acertos é muito baixo. A diferença entre esses dois grupos de questões é

que naquelas em que o nível de dificuldade foi maior, ainda é possível ver

alguma diferença no desempenho dos examinandos, ao passo em que nas

primeiras isso praticamente não ocorre. Seguindo a mesma linha de

raciocínio, pode-se dizer que as questões da seção IV são aquelas que

permitem diferenciar melhor o desempenho de examinandos com diferentes

avaliações sobre sua habilidade de leitura.

158

A conseqüência dessa alta concentração tanto de acertos, como de

erros é que tais questões podem estar informando muito mais sobre o nível

de facilidade/dificuldade das questões do que propriamente sobre a

habilidade de leitura dos examinandos, podendo ocasionar assim,

problemas relativos à fidedignidade do teste como instrumento de medida.

As considerações que venho tecendo são relacionadas ao teste em

si, e conforme indiquei em várias ocasiões anteriormente, são importantes,

na medida em que procuram esclarecer questões intrinsecamente ligadas

ao processo de construção do instrumento de testagem. Essas

considerações são insuficientes, entretanto, para dar conta do processo de

testagem como um todo e, em conseqüência disso, não podem ser tomadas

como medida única para validação do teste.

Foi por essa razão, conforme fiz questão de frisar ao longo de minha

exposição, que entendi ser necessário inserir dados relativos aos

examinandos na construção de meu trabalho, tanto através do questionário

(para melhor entender quem são afinal os examinandos e como eles

avaliam o teste e sua própria habilidade de leitura), quanto através de dados

sobre seu desempenho nas questões do teste. A associação de todas essas

fontes de informação parece fornecer um retrato um pouco mais aproximado

do processo de testagem como um todo e, nesse sentido, talvez possa

oferecer algumas explicações sobre o acentuado índice de reprovação dos

examinandos no teste.

Dessa forma, os dados levantados no questionário ajudaram na

159

compreensão de como esses examinandos construíram a auto-avaliação de

sua habilidade de leitura. Assim, a constatação de que a maioria dos

examinandos auto-conceituou sua habilidade de leitura num nível

equivalente ou superior a ‘bom/razoável’ pode ser relacionado ao fato de

muitos deles já estarem em estágios relativamente avançados de seus

cursos, o que supostamente significa que, de alguma maneira, estão

conseguindo fazer as leituras necessárias ao desenvolvimento de seus

projetos de pesquisa, ou seja, podem ser considerados leitores funcionais

em ESP.

Embora discretas, há algumas diferenças no que concerne ao

desempenho dos examinandos nos diferentes grupos de auto-conceito

sobre habilidade de leitura. É a isso que referi quando propus uma escala de

dificuldades dos examinandos no teste, na qual as questões da seção III

parecem ter afetado o desempenho de praticamente todos os examinandos,

embora com menor intensidade para aqueles num nível mais elevado de

proficiência de leitura. Nessa escala, a seção V seria o segundo maior foco

de dificuldade, permitindo uma melhor diferenciação entre os examinandos

na faixa superior de proficiência e aqueles da faixa intermediária

(‘bom/razoável). A seção IV, por ser o ponto intermediário dessa escala,

pode ser considerada como aquela que melhor reflete o auto-conceito dos

examinandos sobre sua habilidade de leitura, permitindo uma distinção mais

clara entre as diferentes faixas de proficiência. As seções I e II ocupam o

ponto mais baixo nessa escala de dificuldades, podendo ser interpretadas

de duas formas. A primeira, como um indício de que os examinandos

160

conseguem depreender as idéias mais gerais do texto. A segunda forma de

interpretar esse alto índice de acertos é como um sinal de que essas

questões são muito fáceis para todos os examinandos, independente de seu

nível efetivo de proficiência. Assim, seria incauto propor generalizações

sobre o desempenho lingüístico dos examinandos com base apenas nessas

seções.

O ponto ao qual agora dirijo a atenção e que entendo como central

para os objetivos do trabalho é a correlação entre as auto-avaliações dos

examinandos e seu desempenho efetivo no teste. Conforme mencionei no

Capítulo 6, parece haver um padrão consistente de similaridade entre auto-

avaliação e conceito no teste, já que praticamente dois terços dos

examinandos (63.9%) obtiveram conceitos similares à auto-avaliação sobre

sua habilidade de leitura em ESP. Esses dados, associados à concentração

de acertos (e de erros) em algumas seções do teste, permitem crer que a

fidedignidade do teste enquanto instrumento de mensuração de habilidade

de leitura pode ter sido ligeiramente comprometida na edição aqui

analisada. Isso não responde ainda à questão inicial desse estudo, sobre o

que pode estar causando esse elevado índice de reprovação no teste.

Vejamos, portanto, a questão por outro ângulo.

Os examinandos reprovados no teste e que tinham uma auto-

avaliação sobre sua habilidade de leitura no nível ‘bom/razoável’ ou

‘excelente’ tiveram um desempenho relativamente similar. Em termos gerais,

tiveram maior dificuldade com a localização de informação específica no

texto e com as micro-habilidades que davam suporte para o cumprimento

161

desse tipo de tarefa (seção III do teste) e com as questões de tradução da

seção V que, conforme mencionei, demandavam conhecimento lexical e

compreensão das relações intra e inter-sentenciais (que fazem parte das

habilidades operantes no nível da coesão do discurso). Há uma pequena

diferença entre o examinando com auto-conceito ‘excelente’ e os

examinandos com auto-conceito ‘bom/razoável’, que além dessas

dificuldades, também tiveram um desempenho mais baixo em duas

questões da seção IV (que avaliava habilidades operantes no nível de

coesão do discurso). Desse modo, pode-se ver que até mesmo nesse caso,

parece haver uma correspondência entre auto-avaliação e conceito obtido

no teste, embora não reste dúvidas de que esses examinandos realmente

não foram capazes de responder corretamente às questões propostas.

Por outro lado, uma possibilidade de explicação para esse padrão de

‘erros’ é que, conforme mencionei anteriormente, a maioria dos

examinandos que prestaram o teste são leitores funcionais nas suas áreas

específicas. Pode-se especular que, por terem sido aceitos em seus cursos

de mestrado, tais examinandos podem ter um nível razoável de

especialização em suas respectivas áreas de atuação que pode ser

caracterizado por um conhecimento esquemático relativamente aprofundado

nas suas disciplinas, o que, por sua vez, permitiria uma leitura nos moldes

do ‘jogo psicolingüístico de adivinhações’ de Goodman [1967](1970). Assim,

a leitura desses examinandos poderia ser considerada ‘boa’ nas suas

respectivas áreas, já que seus esquemas de conteúdo seriam relativamente

elaborados, mas não seria ‘tão boa’ quando têm que trabalhar com textos de

162

áreas que não façam parte de seu conhecimento esquemático (Filosofia da

Ciência, por exemplo).

Essa explicação meramente especulativa reforça a idéia de que a

habilidade de leitura é caracterizada pela interação entre processos

ascendentes e descendentes e também no nível do discurso, nos moldes

que o Teste de Suficiência da UFSM têm procurado avaliar. Por outro lado,

essa explicação chama a atenção para a validade do conteúdo do teste, ou

seja, até que ponto o teste está avaliando a habilidade instrumental de

leitura que se propõe a avaliar.

Como mestrando — quero salientar que esse é um testemunho

pessoal — estou convicto de que meu nível de habilidade de leitura, que

considero bastante satisfatório para meus propósitos, me ajudou

sobremaneira a formar uma imagem mais plural sobre pesquisa, porque

pude acessar textos de diferentes áreas e tradições de pesquisa. Li e

também pude observar que diferentes modos de organização do

conhecimento resultam em diferentes formas de se escrever e ler sobre

esse conhecimento (cf. Motta-Roth, 1995). Assim, creio que a concentração

da leitura de um mestrando nas ‘tecnicalidades’ de sua disciplina seja

insuficiente para a formação consistente de um pesquisador de um país

que, como o Brasil, ainda é tecnologicamente dependente, embora ajude a

garantir uma formação ‘técnica’ até certo ponto razoável. Esse tipo de leitura

também não parece ser suficiente para se garantir, nas palavras da

professora Dra. Angela Vaz Leão na aula inaugural de 1996 no Mestrado

em Letras da UFSM, um ‘diálogo internacional digno’ entre os

163

pesquisadores que lêem dessa forma e a comunidade acadêmica

internacional. Em outras palavras, a discussão sobre competência lingüística

em línguas estrangeiras (e não me refiro apenas ao inglês) está no cerne da

discussão sobre o próprio sistema de pós-graduação do Brasil. Muito se têm

investido e, creio, não apenas para formar técnicos em nível de mestrado.

Assim, a preocupação da UFSM, ao desenvolver testes de

proficiência que contemplem a leitura numa perspectiva interativa é

plenamente justificável e merecedora de crédito. Há no entanto, que se

considerar algumas questões no que concerne à forma e à função desses

testes, que trato agora, na seção relativa às implicações de meu estudo

para a testagem de proficiência e para o ensino de línguas.

8.1 Implicações da pesquisa para a testagem de proficiência e para o ensino de línguas

Alguns resultados do presente trabalho podem ser de alguma valia

para a comissão que elabora os testes de proficiência. Pode-se apontar, por

exemplo, a validade de se usar questões com formato de múltipla escolha,

que conforme argumentado anteriormente, podem reduzir os riscos da

variabilidade de correção. Essas questões exigem, no entanto, uma

formulação que permita aos organizadores do teste distinguir mais

claramente entre as respostas que medem o nível de habilidade de leitura

164

do examinando e aquelas que podem ser dadas com base em artifícios que

não estejam relacionados com tal habilidade (cf. Allan, 1992). Para tanto,

sugiro a ampliação do número de alternativas de cada questão para 4 ou 5,

reduzindo assim o risco do acerto casual. Associado ao aumento do número

de alternativas, deve-se buscar, na medida do possível, a seleção de

alternativas que só permitam a identificação da resposta correta através da

leitura do texto, evitando-se o uso de alternativas que possam soar absurdas

ou que possam ser descartadas com muita facilidade (cf. Peirce, 1992, p.

667-668).

As instruções e as questões do teste devem ser claras o suficiente

para que o examinando não gaste mais tempo interpretando a intenção da

questão do que o texto propriamente dito (cf. Kirschner, Wexler & Spector-

Cohen, 1992, p. 552).

Uma outra medida que pode reduzir sensivelmente os problemas

relacionados ao teste em si, conforme sugerem Alderson, Clapham & Wall

(1995, p. 69-70) é a discussão aprofundada sobre o teste, envolvendo tanto

as questões teóricas subjacentes ao construto e ao conteúdo da testagem,

quanto à forma e à clareza das questões. Além disso, é interessante que, no

processo de construção do teste as questões sejam criteriosamente

revisadas e criticadas pelos organizadores do teste. Um passo posterior e

de fundamental importância é a avaliação empírica do teste, através do

processo de pré-testagem, que possibilita a identificação de problemas que

podem vir a ocorrer durante a testagem. Essa pré-testagem poderia

envolver, por exemplo, os estudantes matriculados nos cursos de ESP

165

desenvolvidos na UFSM.

A adoção do formato de múltipla escolha pode vir acompanhada de

uma adaptação da folha de respostas para processamento através de

programas de computador que permitam aos organizadores ter uma visão

clara do desempenho do teste. Não me refiro somente ao desempenho dos

examinandos, mas também ao desempenho das questões enquanto

instrumentos de mensuração de habilidade de leitura. Assim, ao mesmo

tempo em que tal procedimento pode agilizar a divulgação dos resultados

para os examinandos, os organizadores podem saber mais sobre o

funcionamento das questões do teste.

Além dessas sugestões mais relacionadas à forma do teste, é

necessário aprofundar o conhecimento que se têm sobre leitura em ESP e

sobre o contexto onde ocorre a testagem. Nesse sentido, compreender as

necessidades da instituição é tão importante quanto conhecer as

necessidades, potencialidades e limitações dos examinandos.

Há também que se considerar que, se for procedente a especulação

de que o alto índice de reprovação dos examinandos possa estar

relacionado com aquilo que os examinandos entendem por leitura ou até

mesmo com a falta de especificidade disciplinar do teste, uma das

implicações que podem ser oriundas do presente trabalho é de que quanto

maior o grau de especificidade do conteúdo do teste, melhor será o

desempenho dos examinandos e maior será a correlação entre as auto-

avaliações dos examinandos e seu conceito no teste. O risco num teste de

tal especificidade é criar-se uma dificuldade adicional para se distinguir até

166

que ponto o desempenho dos examinandos estaria relacionado ao seu

conhecimento de mundo ou ao conhecimento lingüístico. Tendo isso em

mente, os cursos de ESP promovidos pela instituição podem ser uma

valiosa fonte de informação para a comissão que desenvolve os testes,

assim como devem se beneficiar da ampliação do entendimento sobre o

teste, através do qual pode-se por exemplo, detectar áreas que são mais

problemáticas para os examinandos e que, portanto, podem merecer mais

atenção por parte dos professores desses cursos.

Uma vez que se adote tais medidas, seria interessante fornecer aos

examinandos informações sobre seu desempenho no teste, indicando as

áreas onde eles apresentam maiores problemas e para as quais possam

buscar solução. Com isso, pode-se esperar que os examinandos encarem o

teste como uma experiência proveitosa e construtiva, que os motive a

buscar soluções para seus problemas de leitura em ESP, garantindo assim,

que o teste seja reconhecido com uma medida válida, justa e representativa

de sua habilidade de leitura.

8.2 Limitações da pesquisa e sugestões para pesquisas futuras

Considerando a complexidade e a amplitude do problema

representado pelo alto índice de reprovação dos examinandos no teste, a

abordagem da presente pesquisa permitiu ampliar de alguma forma o

entendimento que se tinha sobre o contexto onde a testagem se

desenvolve, sobre os examinandos e sobre o próprio teste. Há, no entanto,

um número de questões ainda a ser trabalhada em futuras pesquisas.

167

Dentre elas, pode-se citar a questão do grau de especificidade que o

teste deve ter. Para tanto, uma caminho proveitoso pode estar na Análise de

Gênero, que englobaria tanto as questões relativas à existência ou não de

um gênero discursivo que pudesse ser chamado teste de proficiência,

quanto às próprias especificidades das diferentes disciplinas acadêmicas.

Até o ponto a que pude chegar, parece razoável crer que tal gênero possa

ser identificado. Isso no entanto, implica aprofundar o estudo, procurando

revelar mais explicitamente os objetivos reconhecidos pelos participantes no

processo de testagem, a configuração textual de uma amostragem mais

ampla de testes de proficiência e até mesmo a continuação da pesquisa

aqui reportada23.

Além dessa questão, a literatura sobre educação e sobre LA

reconhece consensualmente que a testagem pode influenciar as práticas

pedagógicas e essas, por sua vez, podem influenciar os resultados da

testagem, numa relação que pode ser recíproca e contínua (Alderson &

Wall, 1993, p. 115). Efeito retroativo (backwash) é o termo utilizado para dar

conta dessa relação de influência que se estabelece entre testagem e

ensino (cf. Hughes, 1989, p. 1; Bachman, 1990, p. 283). Obviamente, para

que o efeito retroativo possa ocorrer, duas condições são imprescindíveis:

uma relação muita próxima entre testagem e pesquisa e um fluxo contínuo

23 Mais recentemente, na edição do teste de setembro de 1996, apliquei um conjunto de questionários, enfatizando aquelas informações que a presente pesquisa mostrou serem mais relevantes e levantando novos itens que não pude apurar na ocasião anterior. Já pude observar, por exemplo, que, na maioria, os examinandos se consideram suficientemente informados sobre o teste, embora aleguem não reconhecê-lo como uma medida representativa de sua habilidade de leitura. Os que assim responderam afirmam ler habitualmente em ESP, principalmente textos das disciplinas acadêmicas que lhes são familiares. Em outras palavras, reforçam o caráter instrumental da leitura que têm que

168

de informação entre testagem e ensino.

Alguns autores de relevo na literatura sobre testagem de língua numa

perspectiva comunicativa referem-se ao efeito retroativo como um dos itens

a serem considerados na estimativa da validade de um teste, (ver, por

exemplo, Morrow, 1986). Também destacando a importância do efeito

retroativo, Swain (1985, p. 36-44) refere-se a ele como um dos quatro

princípios gerais a considerar na construção de testes que se pretendam

comunicativos, ao lado de outros três, também fundamentais: a) a eleição

de um ponto de partida; b) a concentração no conteúdo; e c) balanceamento

dos itens para a obtenção dos melhores resultados.

Dessa forma, a relação entre testagem e ensino pode ser uma outra

fonte de interesse na ampliação do conhecimento sobre o processo de

testagem.

Para concluir, se entendermos, consoantemente com Kress (1989,

p.5), que o ouvinte/leitor/ falante/escritor não deve ser visto como um

indivíduo isolado, mas como um agente social, localizado numa rede de

relações sociais, em lugares específicos numa estrutura social, poderíamos

dizer que a falta de habilidades específicas à leitura representa, em última

instância, a carência de um conjunto particular de potencialidades e

possibilidades dentro dessa mesma estrutura social. Em outras palavras, um

desempenho considerado insatisfatório de um examinando num teste

significa não apenas que esse candidato não tem determinadas habilidades

realizar. Face a esses dados iniciais, considero agora a possibilidade de entrevistar alguns

169

de leitura que esse teste procura avaliar, mas também que, em face da falta

dessa habilidade, esse examinando pode ter suas chances de acesso a

oportunidades dentro da estrutura social reduzidas ou até mesmo tolhidas.

Assim, a pesquisa sobre testagem não pode perder de vista sua dimensão e

compromisso social, procurando contribuir de todas as formas possíveis

para diminuir o abismo entre os que têm e os que não têm competência em

leitura.

desses examinandos que se prontificaram a tanto.

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Apêndice A (Seção 4.3)

Questionário aplicado aos examinandos durante a realização do Teste de Suficiência em Leitura em Língua Estrangeira da UFSM - Edição de 08 de abril de 1996.

Santa Maria, 08 de abril de 1996.

Prezado(a) Colega: Sou aluno do Mestrado em Letras da UFSM e a pesquisa que estou fazendo para minha dissertação trata dos testes de proficiência (ou suficiência) de leitura, como aquele que você acaba de prestar. Assim, sua resposta ao questionário abaixo é de fundamental importância para o sucesso de meu trabalho. Para agilizar sua resposta, você está recebendo junto com o questionário um envelope pronto para o envio. Contando com sua solidariedade acadêmica, agradeço desde já pela sua importante contribuição.

Caso você não queira se identificar, apenas omita seu nome, os demais dados são fundamentais Nome:......................................................................................................sexo: ( ) F ( )M

Idade: ................... Profissão:..............................................................................................

Curso de Graduação:.................................................................................Conclusão: 19....

Nível que está cursando: ( )Mestrado ( )Doutorado ( )Residência Médica ( ) outro..................

Curso:...................................................................................Ingresso: .....semestre.......ano

Área de concentração:........................................................................................................

01. Em que língua você está prestando o teste de suficiência ? ( ) Inglês ( ) Espanhol ( ) Francês ( ) Alemão 02. Por que escolheu prestar o teste nessa língua ? ( ) Por conhecê-la melhor que as demais ( ) Por ser a língua prioritária para meu curso (área) ( ) Porque, apesar de já ter feito o teste em outra língua, o curso exige proficiência em pelo menos duas línguas ( ) Outra razão.................................... 03. É a primeira vez que presta teste de proficiência/suficiência? ( ) Sim ( ) Não 04. Caso já tenha feito outro(s) teste(s) de proficiência/suficiência em qualquer língua

estrangeira, por favor comente (os mais recentes): Instituição:................................................Ano:19....Língua:........................Resultado:( )aprovado( ) reprovado

Instituição:................................................Ano:19....Língua:........................Resultado:( )aprovado( ) reprovado

Instituição:................................................Ano:19....Língua:........................Resultado:( )aprovado( ) reprovado

segue no verso >> 05. Que conceito você atribuiria ao seu desempenho nas seguintes línguas? (Por favor, use a seguinte convenção e circule apenas uma alternativa por célula)

1 Não satisfatório 2 Bom/Razoável 3 Excelente

leitura escrita fala compreensão oral Inglês 1 2 3 1 2 3 1 2 3 1 2 3 Espanhol 1 2 3 1 2 3 1 2 3 1 2 3 Francês 1 2 3 1 2 3 1 2 3 1 2 3 Alemão 1 2 3 1 2 3 1 2 3 1 2 3

06. Considerando o contexto global (material publicado mundialmente, autores mais

referidos, periódicos mais reconhecidos internacionalmente, etc.), qual a importância das seguintes línguas para a sua área de estudos?

(Por favor, use a seguinte convenção e circule apenas uma alternativa por célula)

1 Pouco importante 2 De razoável importância 3 Muito importante/fundamental

importância da língua para a área em nível mundial Português 1 2 3 Inglês 1 2 3 Espanhol 1 2 3 Francês 1 2 3 Alemão 1 2 3

07. Considerando que você está realizando seus estudos no Brasil, como você avaliaria a

importância das seguintes línguas para sua área de estudos? (Por favor, use a seguinte convenção e circule apenas uma alternativa por célula)

1 Pouco importante 2 De razoável importância 3 Muito importante/fundamental

leitura (bibliografia indicada para seu curso,

material publicado, etc.)

outros recursos (palestras, congressos, conferências,

cursos, seminários, etc.) Português 1 2 3 1 2 3 Inglês 1 2 3 1 2 3 Espanhol 1 2 3 1 2 3 Francês 1 2 3 1 2 3 Alemão 1 2 3 1 2 3

08. Você considera que o Teste de Proficiência/Suficiência... (escolha quantas alternativas desejar) ( ) é uma formalidade dispensável ( ) deveria ser pré-requisito para a aceitação de alunos em cursos de pós-graduacão ( ) é uma exigência necessária, podendo, porém, ser realizado durante o curso ( ) poderia ser substituído por cursos de língua ao longo do cumprimento dos créditos ( ) deveria avaliar a capacidade de leitura e compreensão de textos ( ) deveria avaliar a capacidade de traduzir textos para a língua materna ( ) deveria avaliar a habilidade para escrever na língua estrangeira ( ) deveria avaliar a habilidade de conversação na língua estrangeira ( ) deveria avaliar a habilidade de compreensão oral na língua estrangeira

Apêndice B (Seção 6.0)

Correspondência e questionários enviados a pesquisadores de universidades brasileiras sobre os Testes de Proficiência em Leitura em Língua Estrangeira

Santa Maria(RS), 28 de dezembro de 1995. Nome Instituição Local

Sou aluno do Mestrado em Letras da Universidade Federal de Santa

Maria (UFSM) e , para minha dissertação estou desenvolvendo um projeto

de pesquisa relacionando leitura em inglês para fins acadêmicos e testes de

proficiência (ou suficiência, como denominado na UFSM) aplicados pelas

universidades brasileiras a alunos de cursos de pós-graduação.

Como a preocupação que move meu trabalho é de que ele tenha o

maior alcance possível, o corpus com o qual pretendo trabalhar deve contar

com a maior variedade possível.

Assim, dada a dificuldade de percorrer uma a uma as universidades

do país, gostaria de poder contar com sua ajuda, através do envio de

amostras (principalmente as mais recentes) dos testes de proficiência de

leitura em inglês aplicados em sua instituição. Estou enviando em anexo um

questionário de múltipla escolha para me ajudar a contextualizar o teste

aplicado em sua instituição.

Reiterando minhas mais sinceras saudações acadêmicas,

Hamilton de Godoy Wielewicki

Rua Doze de Outubro 140, ap.101-A

` 97060-200 Santa Maria RS

Universidade:

1) Desde quando sua instituição aplica testes de proficiência de leitura

em língua inglesa?

a) um ano ou menos b) até 5 anos

c) até 10 anos d) mais de 10 anos

2) Desde quando o atual modelo de testagem de proficiência tem sido

usado em sua instituição?

a) um ano ou menos b) até 5 anos

c) até 10 anos d) mais de 10 anos

3) Quem formula os testes de proficiência ?

a) o departamento de línguas estrangeiras

b) um grupo interdisciplinar

c) os próprios cursos de pós-graduação

d) outros_______________

4) Com relação ao público-alvo, o teste de proficiência atualmente é

a) um único modelo para todas as áreas

b) específico por área

c) outra forma ___________________________________________

5) Qual é aproximadamente o percentual de candidatos aprovados no

teste de proficiência?

6) Há diferença de performance nas diferentes áreas de conhecimento?

Que áreas se destacam? Que áreas apresentam maiores problemas?

Apêndice C (Seção 6.1)

Teste de Suficiência em Leitura em Língua Inglesa aplicado na UFSM em 08 de abril de 1996

Universidade Federal de Santa Maria Centro de Artes e Letras Departamento de Letras Estrangeiras Modernas Cadeira de Língua Inglesa

TESTE DE SUFICIÊNCIA EM LÍNGUA INGLESA

NOME:

I. Escolha a alternativa que melhor expressa a idéia global do texto. Marque com um X a

resposta mais apropriada. (Peso 1.6)

a. ( ) A constatação da falsidade de alguns escritos mais antigos à luz dos

desenvolvimentos posteriores da ciência.

b ( ) O estabelecimento das diferenças entre as trajetórias cronológicas em duas áreas

diferentes do conhecimento.

c ( ) A elucidação do objetivo das ciências naturais.

II. Assinale a alternativa que melhor corresponde às idéias apresentadas no texto.

(Peso 0.6x2)

1. No primeiro parágrafo do texto, o autor estabelece algumas comparações entre períodos

diferentes da história da humanidade. Ele afirma que:

a ( ) Não houve progresso substancial na ciência nos últimos séculos. Os antigos eram

mais inteligentes e viviam melhor do que nós.

b ( ) Ainda que os antigos fossem mais inteligentes e tivessem melhor qualidade de vida do

que nós desconheciam a velocidade da luz, entre outros avanços da ciência.

c ( ) Com todo o brilhantismo das observações feitas sobre a natureza, a maioria das teorias

sobre o universo elaboradas nos textos de Aristóteles estavam corretas.

2. De acordo com o autor do texto, nas artes: a ( ) ...especialmente na música, não se pode julgar a qualidade de produções na área com

base no critério de atualização.

b ( ) ...o crescimento é progressivo e atualizado, o que permite a rejeição de manifestações

anteriores.

c ( )...uma manifestação recente é necessariamente considerada melhor do que uma anterior.

III. Anote ao lado de cada informação, a(s) linha(s) em que o autor do texto: (Peso 0.6x4)

1. Exemplifica os avanços científicos ocorridos nos últimos quatro séculos:

2. Cita exemplos de teorias falhas de Aristóteles:

3. Estabelece a diferença entre avanço do conhecimento na arte e na ciência:

4. Posiciona-se sobre a validade de se pesquisar obras de artistas e literatos antigos:

IV. Selecione a alternativa que melhor expressa o elemento a que cada expressão abaixo se

refere:(Peso 0.6x4).

1. They (linha 6):

a. ( ) às pessoas de um modo geral

b. ( ) aos povos da antigüidade

c. ( ) aos cientistas

2. Either (linha 45):

a. ( ) Copernicus, Aristotle, Newton

b. (....) Sistema solar e universo

c. ( ) Copernicus e Aristotle

3. Such thing (linha 50):

a. ( ) A um fluido gasoso

b. ( ) Ao flogiston

c. ( ) Aos metais

4. The suspect (linha 78):

a. ( ) À ciência

b. ( ) A priestley

c. ( ) A uma área científica

V. Assinale a sentença que melhor traduz cada um dos trechos abaixo: (Peso 0.6x4)

1. “No one would say of a work of music or literature that it was better than an earlier work

just because it was later” (linhas 17-19).

a. ( ) Nenhuma pessoa diria que um trabalho de música ou literatura é melhor do que um

trabalho anterior porque foi realizado em outra época.

b. ( ) Ninguém diria que um trabalho de música ou literatura é melhor do que outro apenas

por ter sido realizado em época mais recente.

c. ( ) Ninguém diria de um trabalho de música ou literatura que ele era melhor do que um

trabalho anterior justamente por ser mais atual.

2. “There just is no scale on which one could judge such things, once certain level of

expressive adequacy has been reached.” (linhas 32-34)

a. ( ) Não há nenhuma escala a partir da qual se possa julgar tais coisas, uma vez que um

certo nível de adequação tenha sido atingido.

b. ( ) Existe uma escala justa pela qual se pode julgar coisas quando um nível de adequação

é alcançado.

c. ( ) Não há somente uma escala a partir da qual se possa julgar tais coisas uma vez que se

tenha alcançado um nível de adequação.

3. “We can speak of an objective advance or progress in the one case but not in the other

because we can speak unambiguously of knowledje having grown in the sciences, so that

those working later in a given field of science, by that very fact alone, may be said to know

more than their predecessors.” (Linhas 64-69)

a. ( ) Podemos falar de um avanço nos objetivos ou progresso em um caso mas não no

outro porque podemos falar da ambigüidade do conhecimento evoluindo nas ciências , de

maneira que aqueles trabalhando mais tarde em um dado campo da ciência, por aquele fato

somente, pode-se dizer que sabem mais do que seus precedentes.

b. ( ) Podemos falar de um avanço ou progresso nos objetivos em um caso mas não no

outro porque podemos falar indiscutivelmente do avanço do conhecimento nas ciências, de

maneira que aqueles trabalhando mais tarde em um dado campo da ciência, por aquele fato

somente, podem saber mais que seus precedentes.

c. ( ) Podemos falar de um avanço nos objetivos ou progresso de um caso mas não no

outro portanto podemos falar indiscutivelmente do avanço do conhecimento das ciências, de

forma a que aquele trabalho realizado mais tarde, possa levar a conhecer um dado campo

a ciência mais do que os precedentes.

d. ( ) Podemos falar de um avanço ou progresso objetivo em um caso mas não no outro

porque indiscutivelmente podemos dizer que o conhecimento evoluiu nas ciências, de modo

que aqueles que vêm a trabalhar depois em uma determinada área da ciência, apenas por esse

fato, podem ser considerados como sabendo mais do que seus antecessores.

4.”The theories of Aristotle and Capernicus are, from the scientific point of view, dead; we

have progressed beyond them and there is no need to revive them except as historical

curiosities we may briefly contrast with present knowledge.” (linhas 85-89).

a. ( ) As teorias de Aristóteles e Copérnico estão, do ponto de vista dos cientistas, mortas;

conseguimos avançar até elas e não necessitamos revê-las, exceto nas curiosidades históricas,

as quais podem ser contrastadas com o presente.

b. ( ) As teorias de Aristóteles e Copérnico estão do ponto de vista científico, mortas,

conseguimos ultrapassá-las e não necessitamos agora voltar até as curiosidades históricas,

com excessão do que se refere ao conhecimento do presente.

c. ( ) As teorias de Aristóteles e Copérnico estão, do ponto de vista científico, mortas, já

progredimos além delas e do que se necessita para revivê-las, exceto no que diz respeito às

curiosidades históricas que brevemente contrastam com nosso conhecimento atual.

d. ( ) As teorias de Aristóteles e Copérnico estão, do ponto de vista científico, mortas; nós

progredimos além delas e não há necessidade de revivê-las, a não ser como curiosidades

históricas que se contrastam timidamente com o conhecimento atual.

Growth of Knowledge

In a perfectly obvious sense, over the last four hundred years or so there has been progress in science. Measurement of physical quantities becomes more precise, previously unknown particles and substances are discovered , new effects are produced and applied. Even if the ancients were wiser than us, and knew better how to live, they did not know the speed of light or the mass of the earth or the structure of the hydrogen atom or how to produce and apply lasers or the 4 SCIENCE AS AN INTELLECTUAL ACTIVITY photo-electric effect. And we know now that, despite the brilliance of many of the observations, most of the theories of the universe expounded in Aristotle’s writings are quite simply false. The earth is not the centre of the universe, nor do heavy bodies seek the centre of the earth as their natural resting-place, nor is the earth surrounded by series of con-centric circles on which the other heavenly bodies revolve. There is a striking contrast between the development of modern science and the arts. No one would say of a work of music or literature that it was better than an earlier work just because it was later. A recent work by Luciano Berio is not, because of its modernity, better than Beethoven’s Violin Concerto, and, it would be just as hard to say that Brahms’s Violin Concerto was better than Beethoven’s . In contrast to the development of theories in modern science, a later masterpiece in a given artistic genre is not thereby better than an earlier one, nor does it necessarily attain the aim of the genre better, or anything of that sort. Indeed, in the case of violin concertos, it would be hard if not actually senseless to specify a target at which all violin concertos are aiming, and in relation to which one could say that concerto A got nearer to the target than concerto B. Leaving Berio aside, it hardly makes sense to say of the Beethoven and the Brahms that one is better than the other. There just is no scale on which one could judge such things, once certain level of expressive adequacy has been reached. The case with scientific theories, though, is quite different. Here we are able to specify a clear target at which all theories aim, and we often have confidence that theory A has got closer to the target than theory B. The aim might be characterized as discovering the truth about the natural world, and when we have theories which aim to describe the same bits of the natural world we can often say that a later theory is better than an earlier. Thus, Copernicus’s helio-centric picture of the universe was better than Aristotle’s geocentric picture , and Newton provided a better account of

SCIENCE AS AN INTELLECTUAL ACTIVITY 5 the solar system and the universe than either. Similarly, every schoolchild now knows that the chemist Joseph Priest-ley mistankenly thought he had identified a substance he called ‘phlogiston’, a gaseous fluid with possibly negative weight which, among other things, was given off when metals burned. We now know that there is no such thing and that there is no one substance that does all the things phlogiston had been supposed to do. Priestley had actually been observing the effects of oxygen, which metals absorb from the air when burned, rather than those of the phlogis-ton they were supposed to give off. When he imagined he had isolated a sample of dephlogisticated air, he had actually produced oxygen. As I say, this story about Priestley and phlogiston is something every schoolchild knows and in that sense, every schoolchild has knowledge Priestley did not have, and in that sense is in advance of Priestley. But it is not the case that every schoolchild is better chemist than Priestley, any more than Berio or even Brahms is a better composer than Beet-hoven. We can speak of an objective advance or progress in the one case but not in the other because we can speak unambiguously of knowledge having grown in the sciences, so that those working later in a given field of science, by that very fact alone, may be said to know more than their predecessors. Apparently rather against the grain of what I have just been saying, T. S. Elliot once remarked that in literature we know far more than our predecessors because what we know is their work. Growth of knowledge in science, though, is not at all like that, and this is another way of bringing out the distinction I am drawing between science and the arts. Although a few stories from the history of science, like that of Priestley and phlogiston, are part of the folklore of the subject, most workers in a scientific field do not know the history of their field in any depth or detail. They do not have to know it, because the history of science will consist largely

6 SCIENCE AS AN INTELLECTUAL ACTIVITY

of theories that have been discarded, and which are regarded as giving far less true information about the world than their sucessors. An astronomer will tell you what, in the con-sidered view of astronomers today, the universe is like, not what Aristotle or Copernicus thought it was like. The theories of Aristotle and Copernicus are, from the scientific point of view, dead; we have progressed beyond them and there is no need to revive them except as historical curiosities we may briefly contrast with present knowledge. The case is quite different with works of art and literature. The dead writers of whom Eliot spoke are part of the soil and tradition in which we live, and we deepen and refresh our understand-ing both of ourselves and of art by returning to them and deepening our acquaintance with them.

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