Upload
others
View
1
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
Um achado invulgar: massa no seio maxilar num crânio masculino adulto dos séculos XVI-XVII da Igreja de San Salvador de Palat de Rey, cidade de León, Espanha
Laura González-Garrido1,2*, Claudina V. González3, Sofia N. Wasterlain2
1Área de Antropología Física, Departamento de Biodiversidad y Gestión Ambiental, Universidad de León, León, España
2CIAS – Centro de Investigação em Antropologia e Saúde, Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal
3Instituto de Antropología de Córdoba, CONICET - Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas. Museo de Antropología, Facultad de Filosofía y Humanidades, Universidad Nacional de Córdoba, Córdoba, Argentina
*E-mail: [email protected] (L. González-Garrido)
Descrição do caso
Um crânio masculino adulto (PR-II5-h.s.-Nc-b) recuperado da necrópole da
igreja de San Salvador de Palat de Rey da cidade de León (Espanha), datação
relativa dos séculos XVI-XVII (Miguel, 1987), apresenta no seio maxilar esquerdo
uma grande massa ossificada. A natureza exuberante da lesão bem como a
escassez de casos em Paleopatologia levaram-nos a fazer um diagnóstico
diferencial
Contexto arqueológico
A igreja de San Salvador de Palat de Rey, localizada no centro histórico da
cidade de León, é considerada a igreja mais antiga da cidade (séc. X). O subsolo
da igreja presenta uma ocupação funerária intensa do espaço com presença de
múltiplos restos ósseos que aparecem como ossuários ou soltos (Miguel, 1987).
A coleção esquelética recuperada da sua necrópole está alojada na Área de
Antropologia Física da Universidade de León (OSTEOULE) e é constituída por
mais de 350 indivíduos
O indivíduo
Diagnose sexual baseada na morfologia craniana (Buikstra e Ubelaker, 1994):
Masculino
Estimativa da idade-à-morte baseada no desgaste dentário (Miles, 1963):
>40 anos (não foi recuperado esqueleto pós-craniano nem mandíbula, o que
dificultou a estimativa da idade)
Ancestralidade
Estimativa da ancestralidade realizada no programa AncesTrees (Navega et al.,
2015): indivíduo predominantemente europeu (Filiação = 1; p-valor = 0,70;
Precisão = 0,94; Valor Preditivo Positivo = 0,90) com uma segunda afiliação do
sudeste africano (Filiação = 2; p-valor = 0,30; Precisão = 0,60; Valor Preditivo
Positivo = 0,73)
Patologia oral
Dentes presentes: canino e primeiro pré-molar direitos com desgaste dentário
severo (C: 8/PM1: 7) (Smith, 1984)
Perda dentária post-mortem: canino esquerdo e segundo molar direito
Hipodontia: terceiros molares
Perda dentária ante-mortem: massiva e em diferentes fases de reabsorção
alveolar (Fig. 3.A)
Inflamação periapical: a região molar esquerda apresenta uma lesão residual
(Dias e Tayles, 1997) ao nível do segundo molar (Fig. 1.A)
Doença periodontal: categoria 3 (crise aguda de periodontite) de classificação
de Kerr ( 1988) (Fig. 3.A)
Outras alterações orais: porosidade no palato (Fig. 3.A)
Alterações patológicas
No seio maxilar esquerdo identificou-se uma grande massa ovoide ossificada
(24x19x24mm), que ocupa quase a totalidade do antro maxilar (exposto por
fratura post-mortem do maxilar) (Fig. 4). A massa apresenta uma consistência
óssea dura, de superfície lisa, cercada por sulcos deixados por vasos ou nervos
que foram desviados pelo crescimento patológico (Fig. 4)
Outras alterações patológicas
Osso frontal: grande porosidade (Fig. 2.A)
Fossa esquerda da articulação temporomandibular: sinais de erosão (Fig. 5)
Trauma no crânio: observa-se uma depressão ovoide (15,6mmx25mmx1,5mm)
entre os ossos frontal e parietal esquerdo na interseção da linha temporal
superior e sutura coronal (Fig. 1.A)
Características Radiológicas
A Tomografia Axial Computorizada (TAC) revelou uma massa radiolucente bem
demarcada, com presença de cortical, ao nível da crista alveolar esquerda e da
parede medial do seio maxilar à altura do corneto inferior, com algumas áreas
radiopacas (Fig. 2.B), onde o seio maxilar exibe uma expansão óssea
A massa apresenta uma cavidade vazia no interior, de paredes irregulares (Fig.
1.B, 2.B, 3.B) com evidências de remodelação (Fig. 1.B. setas a-b) por osteólisis e
osteogenesis. Aparentemente não há comunicação com o alvéolo do segundo
molar esquerdo (Fig. 1.B, 2.B)
Não se observaram quaisquer alterações patológicas nos ossos circundantes,
nomeadamente lesões erosivas ou sinais de inflamação na maxila direita (Fig.
2.B)
Discussão e Conclusões
A patologia unilateral das cavidades perinasais poder dever-se a etiologias
muito variadas, representando um desafio diagnóstico ante a impossibilidade
de realizar um estudo histopatológico da lesão devido a considerações de
equilíbrio risco-benefício. Por outro lado, as evidências histológicas podem
acrescentar confiança a um diagnóstico diferencial, mas raramente é possível
chegar a um diagnóstico definitivo (Eversole et al., 2008; Silva e Wasterlain,
2010). Com essa dificuldade em mente, tentou-se um diagnóstico diferencial
tendo por base as características macroscópicas e radiológicas das lesões
(Tabela 1). Foram tidos em consideração os processos infecciosos (e.g.
osteomielite e patologias fúngicas), as neoplasias ou malignidades (e.g.
osteosarcoma) e os vários tipos de tumores que podem causar crescimento
ósseo anormal, nomeadamente, osteoma, osteoblastoma e cimentoblastoma,
assim como lesões fibro-ósseas, fibroma ossificante, displasia
fibrosa/cimento-óssea e cimentoma gigante familiar (classificação de tumores
da OMS) (EI-Naggar et al., 2017)
De forma geral, as características macroscópicas e radiológicas descritas não
apoiam um diagnóstico de patologia inflamatória ou tumoral maligna tipo
osteosarcoma. Em contrapartida, existe uma grande semelhança entre este
caso e os diagnósticos paleopatológicos de fibroma ossificante (FO) descritos
por Silva e Wasterlain (2010) para um indivíduo adulto masculino da população
neolítica tardia de Portugal e por Colard et al. (2008) para um indivíduo adulto
feminino do período Merovíngio (séc. VI-VII a.C.) de França
Embora possam conter uma quantidade variável de tecido semelhante ao osso,
como osteomas e osteoblastomas, os FO são geralmente bem definidos em
radiolucidez e bem organizados regionalmente (Eversole et al., 2008; Abdel
Razek, 2011). Apesar do FO ser mais prevalente na mandíbula (70%), cerca de
22% dos casos são encontrados na região molar do maxilar superior (Barberi et
al., 2003). Os FO afetam mais frequentemente o sexo feminino (71%), ocorrendo
sobretudo na 2ª década de vida (50% dos casos ) e nas três décadas seguintes
(15-20%) (MacDonald, 2015). Clinicamente, esta condição é observada
principalmente em pacientes de ascendência caucasiana, seguidos por aqueles
de ascendência africana (Ahmad e Gaalaas, 2018)
Embora as causas deste tumor permaneçam desconhecidas, a inflamação
secundária a infecções ou trauma tem sido proposta como eventual agente
etiológico (Barberi et al., 2003; Colard et al., 2008). Atendendo a que este
indivíduo apresenta uma lesão traumática próxima da massa ossificada,
aparentemente provocada por um objeto pequeno e obtuso (Ortner, 2003), uma
etiologia traumática para o FO não deve ser descartada
A porosidade do osso frontal é compatível com hiperostose porótica (Ortner,
2003), que pode ter estado relacionada com uma possível anemia (Rivera e
Mirazón, 2017). Também aqui uma relação com o FO não deve ser excluída uma
vez que, em fases mais avançadas, esta condição pode provocar vários
problemas oftalmológicos, respiratórios e dentários (El-Mofty, 2014)
Os sinais erosivos de osteoartrite na fossa esquerda da articulação
temporomandibular estão provavelmente associadas à sobrecarga funcional
produzida pelos problemas oclusais derivados do desgaste dentário e da perda
dentária ante-mortem da dentição posterior (Rando e Waldron, 2012)
Este estudo evidencia a importância da investigação dos seios maxilares
durante a análise paleopatológica, particularmente em casos que evidenciam
fraca saúde oral. Por outras palavras, uma análise endoscópica ou radiográfica
dos seios é fortemente recomendada quando não há um defeito post-mortem
que permita o seu exame direto como neste caso
Agradecimentos
Os autores agradecem o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), do Centro de Investigação em Antropologia eSaúde (CIAS), do serviço de Imagiologia do Centro Hospital e Universitário de Coimbra, especialmente a Rosa CristinaRamos, do National Scientific and Technical Research Council, Argentina (CONICET) e do Programa Erasmus+
Referências
Abdel-Razek. 2011. Imaging appearance of bone tumors of the maxillofacial region. World Journal of Radiology 3 (5):125-34Ahmad, Gaalaas. 2018. Fibro-osseous and other lesions of bone in the jaws. Radiologic Clinics of North America 56 (1):91-104Baltensperger, Eyrich. 2009. Osteomyelitis of the jaws: definition and classification. In: Baltensperger M, Eyrich, G. (Eds.), Osteomyelitis of the Jaws. Springer,
Berlin, pp. 5-56Barberi et al,. 2003. Bilateral cemento-ossifying fibroma of the maxillary sinus. British Journal of Radiology 76:279-280.Bartelink, Wright. 2011. Benign mandibular tumours: Two case studies from the Maya lowland site of Tikal, Guatemala. International Journal of
Osteoarchaeology 21 (3):351-359Buikstra, Ubelaker. 1994. Standards for Data Collection from Human Skeletal Remains. Arkansas Archaeological Survey, FayettevilleCanalis et al,. 1980. Fibrous dysplasia: Findings in a pre-Columbian skull. American Journal of Otolaryngology 1 (2):31-135Colard et al,. 2008. A paleopathological case of a right maxilla’s cemento-ossifying fibroma. International Journal of Osteoarchaeology 18:195-201Dias, Tayles. 1997. ‘Abscess cavity’ - a misnomer. International Journal of Osteoarchaeology 7: 548-554EI-Naggar et al,. 2017. (Eds): WHO classification of Head and Neck Tumours (4th edition). IARC: LyonEl-Mofty. 2014. Fibro-Osseous Lesions of the Craniofacial Skeleton: An Update. Head and Neck Pathology 8 (4):432-444Eversole et al,. 2008. Benign fibro-osseous lesions of the craniofacial complex: a review. Head and Neck Pathology 2, 177-202Kendall et al,. 2015. An unusual exostotic lesion of the maxillary sinus from Roman Lincoln. International Journal of Paleopathology 211:45-50Kerr. 1988. A method of assessing periodontal status in archaeologically derived skeletal material. Journal of Paleopathology 2 (2):67-78Lee. 2008. Unilateral paranasal sinus diseases: analysis of the clinical characteristics, diagnosis, pathology, and computed tomography findings. Acta Oto-
Laryngologica 128 (6):621-6MacDonald. 2015. Maxillofacial fibro-osseous lesions. Clinical Radiology 70 (1):25-36Mann et al,. 1991. Maxillary suture obliteration: a visual method for estimating skeletal age. Journal of Forensic Science 36 (3):781-791Miguel. 1996. Monasterios leoneses en la Edad Media: los casos de Palat de Rey y Carracedo. En: Arqueoleón. Historia de León a través de la Arqueología, León,
Junta de Castilla y León, pp. 131-162Miles. 1963. The dentition in the assessment of individual age in skeletal material. In: (D. R. Brothwell, Ed.) Dental Anthropology. Oxford: Pergamon Press, pp. 191-
209Molnár et al,. 2017. Rare Case of an Ancient Craniofacial Osteosarcoma with Probable Surgical Intervention. Pathology & Oncology Research 23 (3):583-587Montague et al,. 2015. Gigantiform cementoma of the mandible: case report and literature review. Oral Surgery 8 (3):171-181Navega et al,. 2015. AncesTrees: ancestry estimation with randomized decision trees. International Journal of Legal Medicine 129:1145-1153Ortner. 2003. Background data in paleopathology. In: Identification of Pathological Conditions in Human Skeletal Remains, Ortner DJ (ed.). Academic Press: San
Diego, pp. 37-44Premužić et al,. 2013. Frontal sinus osteoma in a 16th century skeleton from Zagreb, Croatia. International Journal of Paleopathology 3 (1):54-58Rando, Waldron. 2012. TMJ Osteoarthritis: A New Approach to Diagnosis. American Journal of Physical Anthropology 148:45-53Riccomi G, Fornaciari G, Minozzi S, Aringhieri G, Giuffra V. 2018a. A rare case of osteoblastoma from medieval Tuscany. The Lancet Oncology 19 (1): 26Riccomi et al,. 2018b. Paleopathological evidence of paranasal lesions: Two cases of frontal sinus osteomata from Imperial Rome. International Journal of
Paleopathology 20:60-64Rivera and Mirazón. 2017. New evidence suggesting a dissociated etiology for cribra orbitalia and porotic hyperostosis. American Journal of Physical
Anthropology 164:76-96Rothschild et al,. 2018. Radiologic/histologic discrepancies in tumour identification: The case of a “basketball‐sized” mandibular tumour in a woman from 17th
century West Virginia. International Journal of Osteoarchaeology 1-7Sankari, Ramakrisnan. 2011. Benign cementoblastoma. Journal of Oral Maxillofacial Pathology 15, 358–360Shah et al,. 2013. Recurrent osteoblastoma of the maxilla. Dentomaxillofacial Radiolology 42 (5):20100263Silva, Wasterlain. 2010. A possible case of an ossifying fibroma in a Late Neolithic population from Portugal. International Journal of Osteoarchaeology 20, 579-
585Smith. 1984. Patterns of molar wear in hunger-gatherers and agriculturalists. American Journal of Physical Anthropology 63 (1):39-56Strouhal et al,. 1997. A Case of Osteosarcoma in a Late Medieval-Early Modern Skull from Kyjov (Czech Republic). International Journal of Osteoarchaeology 7:
82-90Wang et al,. 2015. Familial gigantiform cementoma: distinctive clinical features of a large Chinese pedigree. British Journal of Oral and Maxillofacial Surgery 53
(1):83-85
Figura 1.A. Visão lateral esquerda do crânio. Depressão ovoide compatível com um traumatismo antemortem (seta)
Figura 1.B. TAC - janela óssea secção sagital. Mostra os lugares de remodelação por osteogénesis (seta -a) e osteolisis (seta -b)
Figura 2.A. Visão frontal do crânio
Figura 2.B. TAC - janela óssea secção coronal
Figura 3.A. Visão inferior do crânio
Figura 3.B. TAC - janela óssea secção axial
Figura 4. Detalhe da massa ossificada na visão frontal. Sulcos deixados por vasos ou nervos (seta)
Figura 5. Sinais de osteoartrite na articulação temporomandibular na fossa mandibular esquerda (seta)
2.A
1.A
3.B3.A
2.B
1.B
a
b
54
Tabela 1. Fatores tido em consideração aquando do diagnóstico diferencial da lesão
PatologiaMassa
arredondadaUnifocal
Seio
maxilar
dilatado
Adelgaçamento
das paredes
do seio
Foco lítico
metastáticoOdontogénico
TAC
Referências
Clínicas
Referências
paleopatológicasIsolado
Presença
de
cortical
Interior
oca
Ground-
glass
Bola fúngica Lee, 2008 −
Osteoma Premužić et al., 2013 Riccomi et al., 2018a
Osteomielite Baltensperger e Eyrich, 2009 Kendall et al., 2015
Osteoblastoma Shah et al., 2013 Riccomi et al., 2018b
Cimentoblastoma Sankari e Ramakrisnan, 2011 −
Fibroma ossificante El-Mofty, 2014;
Bartelink e Wright, 2011
Barberi et al., 2003;
Silva and Wasterlain, 2010;
Colard et al., 2008
Displasia fibrosa/
cimento-óssea MacDonald, 2015 Canalis et al., 1980
Cimentoma gigante
familiar
Montague et al., 2015;
Wang et al., 2015−
Neoplasias malignas Molnár et al., 2017Strouhal et al., 1997;
Rothschild et al., 2018
3.B