1
Um achado invulgar: massa no seio maxilar num crânio masculino adulto dos séculos XVI-XVII da Igreja de San Salvador de Palat de Rey, cidade de León, Espanha Laura González-Garrido 1,2* , Claudina V. González 3 , Sofia N. Wasterlain 2 1 Área de Antropología Física, Departamento de Biodiversidad y Gestión Ambiental, Universidad de León, León, España 2 CIAS – Centro de Investigação em Antropologia e Saúde, Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal 3 Instituto de Antropología de Córdoba, CONICET - Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas. Museo de Antropología, Facultad de Filosofía y Humanidades, Universidad Nacional de Córdoba, Córdoba, Argentina * E-mail: [email protected] (L. González-Garrido) Descrição do caso Um crânio masculino adulto (PR-II5-h.s.-Nc-b) recuperado da necrópole da igreja de San Salvador de Palat de Rey da cidade de León (Espanha), datação relativa dos séculos XVI-XVII (Miguel, 1987), apresenta no seio maxilar esquerdo uma grande massa ossificada. A natureza exuberante da lesão bem como a escassez de casos em Paleopatologia levaram-nos a fazer um diagnóstico diferencial Contexto arqueológico A igreja de San Salvador de Palat de Rey, localizada no centro histórico da cidade de León, é considerada a igreja mais antiga da cidade (séc. X). O subsolo da igreja presenta uma ocupação funerária intensa do espaço com presença de múltiplos restos ósseos que aparecem como ossuários ou soltos (Miguel, 1987). A coleção esquelética recuperada da sua necrópole está alojada na Área de Antropologia Física da Universidade de León (OSTEOULE) e é constituída por mais de 350 indivíduos O indivíduo Diagnose sexual baseada na morfologia craniana (Buikstra e Ubelaker, 1994): Masculino Estimativa da idade-à-morte baseada no desgaste dentário (Miles, 1963): >40 anos (não foi recuperado esqueleto pós-craniano nem mandíbula, o que dificultou a estimativa da idade) Ancestralidade Estimativa da ancestralidade realizada no programa AncesTrees (Navega et al., 2015): indivíduo predominantemente europeu (Filiação = 1; p-valor = 0,70; Precisão = 0,94; Valor Preditivo Positivo = 0,90) com uma segunda afiliação do sudeste africano (Filiação = 2; p-valor = 0,30; Precisão = 0,60; Valor Preditivo Positivo = 0,73) Patologia oral Dentes presentes: canino e primeiro pré-molar direitos com desgaste dentário severo (C: 8/PM1: 7) (Smith, 1984) Perda dentária post-mortem: canino esquerdo e segundo molar direito Hipodontia: terceiros molares Perda dentária ante-mortem: massiva e em diferentes fases de reabsorção alveolar (Fig. 3.A) Inflamação periapical: a região molar esquerda apresenta uma lesão residual (Dias e Tayles, 1997) ao nível do segundo molar (Fig. 1.A) Doença periodontal: categoria 3 (crise aguda de periodontite) de classificação de Kerr ( 1988) (Fig. 3.A) Outras alterações orais: porosidade no palato (Fig. 3.A) Alterações patológicas No seio maxilar esquerdo identificou-se uma grande massa ovoide ossificada (24x19x24mm), que ocupa quase a totalidade do antro maxilar (exposto por fratura post-mortem do maxilar) (Fig. 4). A massa apresenta uma consistência óssea dura, de superfície lisa, cercada por sulcos deixados por vasos ou nervos que foram desviados pelo crescimento patológico (Fig. 4) Outras alterações patológicas Osso frontal: grande porosidade (Fig. 2.A) Fossa esquerda da articulação temporomandibular: sinais de erosão (Fig. 5) Trauma no crânio: observa-se uma depressão ovoide (15,6mmx25mmx1,5mm) entre os ossos frontal e parietal esquerdo na interseção da linha temporal superior e sutura coronal (Fig. 1.A) Características Radiológicas A Tomografia Axial Computorizada (TAC) revelou uma massa radiolucente bem demarcada, com presença de cortical, ao nível da crista alveolar esquerda e da parede medial do seio maxilar à altura do corneto inferior, com algumas áreas radiopacas (Fig. 2.B), onde o seio maxilar exibe uma expansão óssea A massa apresenta uma cavidade vazia no interior, de paredes irregulares (Fig. 1.B, 2.B, 3.B) com evidências de remodelação (Fig. 1.B. setas a-b) por osteólisis e osteogenesis. Aparentemente não há comunicação com o alvéolo do segundo molar esquerdo (Fig. 1.B, 2.B) Não se observaram quaisquer alterações patológicas nos ossos circundantes, nomeadamente lesões erosivas ou sinais de inflamação na maxila direita (Fig. 2.B) Discussão e Conclusões A patologia unilateral das cavidades perinasais poder dever-se a etiologias muito variadas, representando um desafio diagnóstico ante a impossibilidade de realizar um estudo histopatológico da lesão devido a considerações de equilíbrio risco-benefício. Por outro lado, as evidências histológicas podem acrescentar confiança a um diagnóstico diferencial, mas raramente é possível chegar a um diagnóstico definitivo (Eversole et al., 2008; Silva e Wasterlain, 2010). Com essa dificuldade em mente, tentou-se um diagnóstico diferencial tendo por base as características macroscópicas e radiológicas das lesões (Tabela 1). Foram tidos em consideração os processos infecciosos (e.g. osteomielite e patologias fúngicas), as neoplasias ou malignidades (e.g. osteosarcoma) e os vários tipos de tumores que podem causar crescimento ósseo anormal, nomeadamente, osteoma, osteoblastoma e cimentoblastoma, assim como lesões fibro-ósseas, fibroma ossificante, displasia fibrosa/cimento-óssea e cimentoma gigante familiar (classificação de tumores da OMS) (EI-Naggar et al., 2017) De forma geral, as características macroscópicas e radiológicas descritas não apoiam um diagnóstico de patologia inflamatória ou tumoral maligna tipo osteosarcoma. Em contrapartida, existe uma grande semelhança entre este caso e os diagnósticos paleopatológicos de fibroma ossificante (FO) descritos por Silva e Wasterlain (2010) para um indivíduo adulto masculino da população neolítica tardia de Portugal e por Colard et al. (2008) para um indivíduo adulto feminino do período Merovíngio (séc. VI-VII a.C.) de França Embora possam conter uma quantidade variável de tecido semelhante ao osso, como osteomas e osteoblastomas, os FO são geralmente bem definidos em radiolucidez e bem organizados regionalmente (Eversole et al., 2008; Abdel Razek, 2011). Apesar do FO ser mais prevalente na mandíbula (70%), cerca de 22% dos casos são encontrados na região molar do maxilar superior (Barberi et al., 2003). Os FO afetam mais frequentemente o sexo feminino (71%), ocorrendo sobretudo na 2ª década de vida (50% dos casos ) e nas três décadas seguintes (15-20%) (MacDonald, 2015). Clinicamente, esta condição é observada principalmente em pacientes de ascendência caucasiana, seguidos por aqueles de ascendência africana (Ahmad e Gaalaas, 2018) Embora as causas deste tumor permaneçam desconhecidas, a inflamação secundária a infecções ou trauma tem sido proposta como eventual agente etiológico (Barberi et al., 2003; Colard et al., 2008). Atendendo a que este indivíduo apresenta uma lesão traumática próxima da massa ossificada, aparentemente provocada por um objeto pequeno e obtuso (Ortner, 2003), uma etiologia traumática para o FO não deve ser descartada A porosidade do osso frontal é compatível com hiperostose porótica (Ortner, 2003), que pode ter estado relacionada com uma possível anemia (Rivera e Mirazón, 2017). Também aqui uma relação com o FO não deve ser excluída uma vez que, em fases mais avançadas, esta condição pode provocar vários problemas oftalmológicos, respiratórios e dentários (El-Mofty, 2014) Os sinais erosivos de osteoartrite na fossa esquerda da articulação temporomandibular estão provavelmente associadas à sobrecarga funcional produzida pelos problemas oclusais derivados do desgaste dentário e da perda dentária ante-mortem da dentição posterior (Rando e Waldron, 2012) Este estudo evidencia a importância da investigação dos seios maxilares durante a análise paleopatológica, particularmente em casos que evidenciam fraca saúde oral. Por outras palavras, uma análise endoscópica ou radiográfica dos seios é fortemente recomendada quando não há um defeito post-mortem que permita o seu exame direto como neste caso Agradecimentos Os autores agradecem o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), do Centro de Investigação em Antropologia e Saúde (CIAS), do serviço de Imagiologia do Centro Hospital e Universitário de Coimbra, especialmente a Rosa Cristina Ramos, do National Scientific and Technical Research Council, Argentina (CONICET) e do Programa Erasmus+ Referências Abdel-Razek. 2011. Imaging appearance of bone tumors of the maxillofacial region. World Journal of Radiology 3 (5):125-34 Ahmad, Gaalaas. 2018. Fibro-osseous and other lesions of bone in the jaws. Radiologic Clinics of North America 56 (1):91-104 Baltensperger, Eyrich. 2009. Osteomyelitis of the jaws: definition and classification. In: Baltensperger M, Eyrich, G. (Eds.), Osteomyelitis of the Jaws. Springer, Berlin, pp. 5-56 Barberi et al,. 2003. Bilateral cemento-ossifying fibroma of the maxillary sinus. British Journal of Radiology 76:279-280. Bartelink, Wright. 2011. Benign mandibular tumours: Two case studies from the Maya lowland site of Tikal, Guatemala. International Journal of Osteoarchaeology 21 (3):351-359 Buikstra, Ubelaker. 1994. Standards for Data Collection from Human Skeletal Remains. Arkansas Archaeological Survey, Fayetteville Canalis et al,. 1980. Fibrous dysplasia: Findings in a pre-Columbian skull. American Journal of Otolaryngology 1 (2):31-135 Colard et al,. 2008. A paleopathological case of a right maxilla’s cemento-ossifying fibroma. International Journal of Osteoarchaeology 18:195-201 Dias, Tayles. 1997. ‘Abscess cavity’ - a misnomer. International Journal of Osteoarchaeology 7: 548-554 EI-Naggar et al,. 2017. (Eds): WHO classification of Head and Neck Tumours (4th edition). IARC: Lyon El-Mofty. 2014. Fibro-Osseous Lesions of the Craniofacial Skeleton: An Update. Head and Neck Pathology 8 (4):432-444 Eversole et al,. 2008. Benign fibro-osseous lesions of the craniofacial complex: a review. Head and Neck Pathology 2, 177-202 Kendall et al,. 2015. An unusual exostotic lesion of the maxillary sinus from Roman Lincoln. International Journal of Paleopathology 211:45-50 Kerr. 1988. A method of assessing periodontal status in archaeologically derived skeletal material. Journal of Paleopathology 2 (2):67-78 Lee. 2008. Unilateral paranasal sinus diseases: analysis of the clinical characteristics, diagnosis, pathology, and computed tomography findings. Acta Oto- Laryngologica 128 (6):621-6 MacDonald. 2015. Maxillofacial fibro-osseous lesions. Clinical Radiology 70 (1):25-36 Mann et al,. 1991. Maxillary suture obliteration: a visual method for estimating skeletal age. Journal of Forensic Science 36 (3):781-791 Miguel. 1996. Monasterios leoneses en la Edad Media: los casos de Palat de Rey y Carracedo. En: Arqueoleón. Historia de León a través de la Arqueología, León, Junta de Castilla y León, pp. 131-162 Miles. 1963. The dentition in the assessment of individual age in skeletal material. In: (D. R. Brothwell, Ed.) Dental Anthropology. Oxford: Pergamon Press, pp. 191- 209 Molnár et al,. 2017. Rare Case of an Ancient Craniofacial Osteosarcoma with Probable Surgical Intervention. Pathology & Oncology Research 23 (3):583-587 Montague et al,. 2015. Gigantiform cementoma of the mandible: case report and literature review. Oral Surgery 8 (3):171-181 Navega et al,. 2015. AncesTrees: ancestry estimation with randomized decision trees. International Journal of Legal Medicine 129:1145-1153 Ortner. 2003. Background data in paleopathology. In: Identification of Pathological Conditions in Human Skeletal Remains, Ortner DJ (ed.). Academic Press: San Diego, pp. 37-44 Premužić et al,. 2013. Frontal sinus osteoma in a 16th century skeleton from Zagreb, Croatia. International Journal of Paleopathology 3 (1):54-58 Rando, Waldron. 2012. TMJ Osteoarthritis: A New Approach to Diagnosis. American Journal of Physical Anthropology 148:45-53 Riccomi G, Fornaciari G, Minozzi S, Aringhieri G, Giuffra V. 2018a. A rare case of osteoblastoma from medieval Tuscany. The Lancet Oncology 19 (1): 26 Riccomi et al,. 2018b. Paleopathological evidence of paranasal lesions: Two cases of frontal sinus osteomata from Imperial Rome. International Journal of Paleopathology 20:60-64 Rivera and Mirazón. 2017. New evidence suggesting a dissociated etiology for cribra orbitalia and porotic hyperostosis. American Journal of Physical Anthropology 164:76-96 Rothschild et al,. 2018. Radiologic/histologic discrepancies in tumour identification: The case of a “basketballsized” mandibular tumour in a woman from 17th century West Virginia. International Journal of Osteoarchaeology 1-7 Sankari, Ramakrisnan. 2011. Benign cementoblastoma. Journal of Oral Maxillofacial Pathology 15, 358–360 Shah et al,. 2013. Recurrent osteoblastoma of the maxilla. Dentomaxillofacial Radiolology 42 (5):20100263 Silva, Wasterlain. 2010. A possible case of an ossifying fibroma in a Late Neolithic population from Portugal. International Journal of Osteoarchaeology 20, 579- 585 Smith. 1984. Patterns of molar wear in hunger-gatherers and agriculturalists. American Journal of Physical Anthropology 63 (1):39-56 Strouhal et al,. 1997. A Case of Osteosarcoma in a Late Medieval-Early Modern Skull from Kyjov (Czech Republic). International Journal of Osteoarchaeology 7: 82-90 Wang et al,. 2015. Familial gigantiform cementoma: distinctive clinical features of a large Chinese pedigree. British Journal of Oral and Maxillofacial Surgery 53 (1):83-85 Figura 1.A. Visão lateral esquerda do crânio. Depressão ovoide compatível com um traumatismo antemortem (seta) Figura 1.B. TAC - janela óssea secção sagital. Mostra os lugares de remodelação por osteogénesis (seta -a) e osteolisis (seta -b) Figura 2.A. Visão frontal do crânio Figura 2.B. TAC - janela óssea secção coronal Figura 3.A. Visão inferior do crânio Figura 3.B. TAC - janela óssea secção axial Figura 4. Detalhe da massa ossificada na visão frontal. Sulcos deixados por vasos ou nervos (seta) Figura 5. Sinais de osteoartrite na articulação temporomandibular na fossa mandibular esquerda (seta) 2.A 1.A 3.B 3.A 2.B 1.B a b 5 4 Tabela 1. Fatores tido em consideração aquando do diagnóstico diferencial da lesão Patologia Massa arredondada Unifocal Seio maxilar dilatado Adelgaçamento das paredes do seio Foco lítico metastático Odontogénico TAC Referências Clínicas Referências paleopatológicas Isolado Presença de cortical Interior oca Ground- glass Bola fúngica Lee, 2008 Osteoma Premužić et al., 2013 Riccomi et al., 2018a Osteomielite Baltensperger e Eyrich, 2009 Kendall et al., 2015 Osteoblastoma Shah et al., 2013 Riccomi et al., 2018b Cimentoblastoma Sankari e Ramakrisnan, 2011 Fibroma ossificante El-Mofty, 2014; Bartelink e Wright, 2011 Barberi et al., 2003; Silva and Wasterlain, 2010; Colard et al., 2008 Displasia fibrosa/ cimento-óssea MacDonald, 2015 Canalis et al., 1980 Cimentoma gigante familiar Montague et al., 2015; Wang et al., 2015 Neoplasias malignas Molnár et al., 2017 Strouhal et al., 1997; Rothschild et al., 2018 3.B

UM ENCONTRO CASUAL: MASSA NO SEIO MAXILAR NUM …cias.uc.pt/wp-content/uploads/2018/12/Poster_FibromaOssificante_FinalPDF.pdfigreja de San Salvador de Palat de Rey da cidade de León

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: UM ENCONTRO CASUAL: MASSA NO SEIO MAXILAR NUM …cias.uc.pt/wp-content/uploads/2018/12/Poster_FibromaOssificante_FinalPDF.pdfigreja de San Salvador de Palat de Rey da cidade de León

Um achado invulgar: massa no seio maxilar num crânio masculino adulto dos séculos XVI-XVII da Igreja de San Salvador de Palat de Rey, cidade de León, Espanha

Laura González-Garrido1,2*, Claudina V. González3, Sofia N. Wasterlain2

1Área de Antropología Física, Departamento de Biodiversidad y Gestión Ambiental, Universidad de León, León, España

2CIAS – Centro de Investigação em Antropologia e Saúde, Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal

3Instituto de Antropología de Córdoba, CONICET - Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas. Museo de Antropología, Facultad de Filosofía y Humanidades, Universidad Nacional de Córdoba, Córdoba, Argentina

*E-mail: [email protected] (L. González-Garrido)

Descrição do caso

Um crânio masculino adulto (PR-II5-h.s.-Nc-b) recuperado da necrópole da

igreja de San Salvador de Palat de Rey da cidade de León (Espanha), datação

relativa dos séculos XVI-XVII (Miguel, 1987), apresenta no seio maxilar esquerdo

uma grande massa ossificada. A natureza exuberante da lesão bem como a

escassez de casos em Paleopatologia levaram-nos a fazer um diagnóstico

diferencial

Contexto arqueológico

A igreja de San Salvador de Palat de Rey, localizada no centro histórico da

cidade de León, é considerada a igreja mais antiga da cidade (séc. X). O subsolo

da igreja presenta uma ocupação funerária intensa do espaço com presença de

múltiplos restos ósseos que aparecem como ossuários ou soltos (Miguel, 1987).

A coleção esquelética recuperada da sua necrópole está alojada na Área de

Antropologia Física da Universidade de León (OSTEOULE) e é constituída por

mais de 350 indivíduos

O indivíduo

Diagnose sexual baseada na morfologia craniana (Buikstra e Ubelaker, 1994):

Masculino

Estimativa da idade-à-morte baseada no desgaste dentário (Miles, 1963):

>40 anos (não foi recuperado esqueleto pós-craniano nem mandíbula, o que

dificultou a estimativa da idade)

Ancestralidade

Estimativa da ancestralidade realizada no programa AncesTrees (Navega et al.,

2015): indivíduo predominantemente europeu (Filiação = 1; p-valor = 0,70;

Precisão = 0,94; Valor Preditivo Positivo = 0,90) com uma segunda afiliação do

sudeste africano (Filiação = 2; p-valor = 0,30; Precisão = 0,60; Valor Preditivo

Positivo = 0,73)

Patologia oral

Dentes presentes: canino e primeiro pré-molar direitos com desgaste dentário

severo (C: 8/PM1: 7) (Smith, 1984)

Perda dentária post-mortem: canino esquerdo e segundo molar direito

Hipodontia: terceiros molares

Perda dentária ante-mortem: massiva e em diferentes fases de reabsorção

alveolar (Fig. 3.A)

Inflamação periapical: a região molar esquerda apresenta uma lesão residual

(Dias e Tayles, 1997) ao nível do segundo molar (Fig. 1.A)

Doença periodontal: categoria 3 (crise aguda de periodontite) de classificação

de Kerr ( 1988) (Fig. 3.A)

Outras alterações orais: porosidade no palato (Fig. 3.A)

Alterações patológicas

No seio maxilar esquerdo identificou-se uma grande massa ovoide ossificada

(24x19x24mm), que ocupa quase a totalidade do antro maxilar (exposto por

fratura post-mortem do maxilar) (Fig. 4). A massa apresenta uma consistência

óssea dura, de superfície lisa, cercada por sulcos deixados por vasos ou nervos

que foram desviados pelo crescimento patológico (Fig. 4)

Outras alterações patológicas

Osso frontal: grande porosidade (Fig. 2.A)

Fossa esquerda da articulação temporomandibular: sinais de erosão (Fig. 5)

Trauma no crânio: observa-se uma depressão ovoide (15,6mmx25mmx1,5mm)

entre os ossos frontal e parietal esquerdo na interseção da linha temporal

superior e sutura coronal (Fig. 1.A)

Características Radiológicas

A Tomografia Axial Computorizada (TAC) revelou uma massa radiolucente bem

demarcada, com presença de cortical, ao nível da crista alveolar esquerda e da

parede medial do seio maxilar à altura do corneto inferior, com algumas áreas

radiopacas (Fig. 2.B), onde o seio maxilar exibe uma expansão óssea

A massa apresenta uma cavidade vazia no interior, de paredes irregulares (Fig.

1.B, 2.B, 3.B) com evidências de remodelação (Fig. 1.B. setas a-b) por osteólisis e

osteogenesis. Aparentemente não há comunicação com o alvéolo do segundo

molar esquerdo (Fig. 1.B, 2.B)

Não se observaram quaisquer alterações patológicas nos ossos circundantes,

nomeadamente lesões erosivas ou sinais de inflamação na maxila direita (Fig.

2.B)

Discussão e Conclusões

A patologia unilateral das cavidades perinasais poder dever-se a etiologias

muito variadas, representando um desafio diagnóstico ante a impossibilidade

de realizar um estudo histopatológico da lesão devido a considerações de

equilíbrio risco-benefício. Por outro lado, as evidências histológicas podem

acrescentar confiança a um diagnóstico diferencial, mas raramente é possível

chegar a um diagnóstico definitivo (Eversole et al., 2008; Silva e Wasterlain,

2010). Com essa dificuldade em mente, tentou-se um diagnóstico diferencial

tendo por base as características macroscópicas e radiológicas das lesões

(Tabela 1). Foram tidos em consideração os processos infecciosos (e.g.

osteomielite e patologias fúngicas), as neoplasias ou malignidades (e.g.

osteosarcoma) e os vários tipos de tumores que podem causar crescimento

ósseo anormal, nomeadamente, osteoma, osteoblastoma e cimentoblastoma,

assim como lesões fibro-ósseas, fibroma ossificante, displasia

fibrosa/cimento-óssea e cimentoma gigante familiar (classificação de tumores

da OMS) (EI-Naggar et al., 2017)

De forma geral, as características macroscópicas e radiológicas descritas não

apoiam um diagnóstico de patologia inflamatória ou tumoral maligna tipo

osteosarcoma. Em contrapartida, existe uma grande semelhança entre este

caso e os diagnósticos paleopatológicos de fibroma ossificante (FO) descritos

por Silva e Wasterlain (2010) para um indivíduo adulto masculino da população

neolítica tardia de Portugal e por Colard et al. (2008) para um indivíduo adulto

feminino do período Merovíngio (séc. VI-VII a.C.) de França

Embora possam conter uma quantidade variável de tecido semelhante ao osso,

como osteomas e osteoblastomas, os FO são geralmente bem definidos em

radiolucidez e bem organizados regionalmente (Eversole et al., 2008; Abdel

Razek, 2011). Apesar do FO ser mais prevalente na mandíbula (70%), cerca de

22% dos casos são encontrados na região molar do maxilar superior (Barberi et

al., 2003). Os FO afetam mais frequentemente o sexo feminino (71%), ocorrendo

sobretudo na 2ª década de vida (50% dos casos ) e nas três décadas seguintes

(15-20%) (MacDonald, 2015). Clinicamente, esta condição é observada

principalmente em pacientes de ascendência caucasiana, seguidos por aqueles

de ascendência africana (Ahmad e Gaalaas, 2018)

Embora as causas deste tumor permaneçam desconhecidas, a inflamação

secundária a infecções ou trauma tem sido proposta como eventual agente

etiológico (Barberi et al., 2003; Colard et al., 2008). Atendendo a que este

indivíduo apresenta uma lesão traumática próxima da massa ossificada,

aparentemente provocada por um objeto pequeno e obtuso (Ortner, 2003), uma

etiologia traumática para o FO não deve ser descartada

A porosidade do osso frontal é compatível com hiperostose porótica (Ortner,

2003), que pode ter estado relacionada com uma possível anemia (Rivera e

Mirazón, 2017). Também aqui uma relação com o FO não deve ser excluída uma

vez que, em fases mais avançadas, esta condição pode provocar vários

problemas oftalmológicos, respiratórios e dentários (El-Mofty, 2014)

Os sinais erosivos de osteoartrite na fossa esquerda da articulação

temporomandibular estão provavelmente associadas à sobrecarga funcional

produzida pelos problemas oclusais derivados do desgaste dentário e da perda

dentária ante-mortem da dentição posterior (Rando e Waldron, 2012)

Este estudo evidencia a importância da investigação dos seios maxilares

durante a análise paleopatológica, particularmente em casos que evidenciam

fraca saúde oral. Por outras palavras, uma análise endoscópica ou radiográfica

dos seios é fortemente recomendada quando não há um defeito post-mortem

que permita o seu exame direto como neste caso

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), do Centro de Investigação em Antropologia eSaúde (CIAS), do serviço de Imagiologia do Centro Hospital e Universitário de Coimbra, especialmente a Rosa CristinaRamos, do National Scientific and Technical Research Council, Argentina (CONICET) e do Programa Erasmus+

Referências

Abdel-Razek. 2011. Imaging appearance of bone tumors of the maxillofacial region. World Journal of Radiology 3 (5):125-34Ahmad, Gaalaas. 2018. Fibro-osseous and other lesions of bone in the jaws. Radiologic Clinics of North America 56 (1):91-104Baltensperger, Eyrich. 2009. Osteomyelitis of the jaws: definition and classification. In: Baltensperger M, Eyrich, G. (Eds.), Osteomyelitis of the Jaws. Springer,

Berlin, pp. 5-56Barberi et al,. 2003. Bilateral cemento-ossifying fibroma of the maxillary sinus. British Journal of Radiology 76:279-280.Bartelink, Wright. 2011. Benign mandibular tumours: Two case studies from the Maya lowland site of Tikal, Guatemala. International Journal of

Osteoarchaeology 21 (3):351-359Buikstra, Ubelaker. 1994. Standards for Data Collection from Human Skeletal Remains. Arkansas Archaeological Survey, FayettevilleCanalis et al,. 1980. Fibrous dysplasia: Findings in a pre-Columbian skull. American Journal of Otolaryngology 1 (2):31-135Colard et al,. 2008. A paleopathological case of a right maxilla’s cemento-ossifying fibroma. International Journal of Osteoarchaeology 18:195-201Dias, Tayles. 1997. ‘Abscess cavity’ - a misnomer. International Journal of Osteoarchaeology 7: 548-554EI-Naggar et al,. 2017. (Eds): WHO classification of Head and Neck Tumours (4th edition). IARC: LyonEl-Mofty. 2014. Fibro-Osseous Lesions of the Craniofacial Skeleton: An Update. Head and Neck Pathology 8 (4):432-444Eversole et al,. 2008. Benign fibro-osseous lesions of the craniofacial complex: a review. Head and Neck Pathology 2, 177-202Kendall et al,. 2015. An unusual exostotic lesion of the maxillary sinus from Roman Lincoln. International Journal of Paleopathology 211:45-50Kerr. 1988. A method of assessing periodontal status in archaeologically derived skeletal material. Journal of Paleopathology 2 (2):67-78Lee. 2008. Unilateral paranasal sinus diseases: analysis of the clinical characteristics, diagnosis, pathology, and computed tomography findings. Acta Oto-

Laryngologica 128 (6):621-6MacDonald. 2015. Maxillofacial fibro-osseous lesions. Clinical Radiology 70 (1):25-36Mann et al,. 1991. Maxillary suture obliteration: a visual method for estimating skeletal age. Journal of Forensic Science 36 (3):781-791Miguel. 1996. Monasterios leoneses en la Edad Media: los casos de Palat de Rey y Carracedo. En: Arqueoleón. Historia de León a través de la Arqueología, León,

Junta de Castilla y León, pp. 131-162Miles. 1963. The dentition in the assessment of individual age in skeletal material. In: (D. R. Brothwell, Ed.) Dental Anthropology. Oxford: Pergamon Press, pp. 191-

209Molnár et al,. 2017. Rare Case of an Ancient Craniofacial Osteosarcoma with Probable Surgical Intervention. Pathology & Oncology Research 23 (3):583-587Montague et al,. 2015. Gigantiform cementoma of the mandible: case report and literature review. Oral Surgery 8 (3):171-181Navega et al,. 2015. AncesTrees: ancestry estimation with randomized decision trees. International Journal of Legal Medicine 129:1145-1153Ortner. 2003. Background data in paleopathology. In: Identification of Pathological Conditions in Human Skeletal Remains, Ortner DJ (ed.). Academic Press: San

Diego, pp. 37-44Premužić et al,. 2013. Frontal sinus osteoma in a 16th century skeleton from Zagreb, Croatia. International Journal of Paleopathology 3 (1):54-58Rando, Waldron. 2012. TMJ Osteoarthritis: A New Approach to Diagnosis. American Journal of Physical Anthropology 148:45-53Riccomi G, Fornaciari G, Minozzi S, Aringhieri G, Giuffra V. 2018a. A rare case of osteoblastoma from medieval Tuscany. The Lancet Oncology 19 (1): 26Riccomi et al,. 2018b. Paleopathological evidence of paranasal lesions: Two cases of frontal sinus osteomata from Imperial Rome. International Journal of

Paleopathology 20:60-64Rivera and Mirazón. 2017. New evidence suggesting a dissociated etiology for cribra orbitalia and porotic hyperostosis. American Journal of Physical

Anthropology 164:76-96Rothschild et al,. 2018. Radiologic/histologic discrepancies in tumour identification: The case of a “basketball‐sized” mandibular tumour in a woman from 17th

century West Virginia. International Journal of Osteoarchaeology 1-7Sankari, Ramakrisnan. 2011. Benign cementoblastoma. Journal of Oral Maxillofacial Pathology 15, 358–360Shah et al,. 2013. Recurrent osteoblastoma of the maxilla. Dentomaxillofacial Radiolology 42 (5):20100263Silva, Wasterlain. 2010. A possible case of an ossifying fibroma in a Late Neolithic population from Portugal. International Journal of Osteoarchaeology 20, 579-

585Smith. 1984. Patterns of molar wear in hunger-gatherers and agriculturalists. American Journal of Physical Anthropology 63 (1):39-56Strouhal et al,. 1997. A Case of Osteosarcoma in a Late Medieval-Early Modern Skull from Kyjov (Czech Republic). International Journal of Osteoarchaeology 7:

82-90Wang et al,. 2015. Familial gigantiform cementoma: distinctive clinical features of a large Chinese pedigree. British Journal of Oral and Maxillofacial Surgery 53

(1):83-85

Figura 1.A. Visão lateral esquerda do crânio. Depressão ovoide compatível com um traumatismo antemortem (seta)

Figura 1.B. TAC - janela óssea secção sagital. Mostra os lugares de remodelação por osteogénesis (seta -a) e osteolisis (seta -b)

Figura 2.A. Visão frontal do crânio

Figura 2.B. TAC - janela óssea secção coronal

Figura 3.A. Visão inferior do crânio

Figura 3.B. TAC - janela óssea secção axial

Figura 4. Detalhe da massa ossificada na visão frontal. Sulcos deixados por vasos ou nervos (seta)

Figura 5. Sinais de osteoartrite na articulação temporomandibular na fossa mandibular esquerda (seta)

2.A

1.A

3.B3.A

2.B

1.B

a

b

54

Tabela 1. Fatores tido em consideração aquando do diagnóstico diferencial da lesão

PatologiaMassa

arredondadaUnifocal

Seio

maxilar

dilatado

Adelgaçamento

das paredes

do seio

Foco lítico

metastáticoOdontogénico

TAC

Referências

Clínicas

Referências

paleopatológicasIsolado

Presença

de

cortical

Interior

oca

Ground-

glass

Bola fúngica Lee, 2008 −

Osteoma Premužić et al., 2013 Riccomi et al., 2018a

Osteomielite Baltensperger e Eyrich, 2009 Kendall et al., 2015

Osteoblastoma Shah et al., 2013 Riccomi et al., 2018b

Cimentoblastoma Sankari e Ramakrisnan, 2011 −

Fibroma ossificante El-Mofty, 2014;

Bartelink e Wright, 2011

Barberi et al., 2003;

Silva and Wasterlain, 2010;

Colard et al., 2008

Displasia fibrosa/

cimento-óssea MacDonald, 2015 Canalis et al., 1980

Cimentoma gigante

familiar

Montague et al., 2015;

Wang et al., 2015−

Neoplasias malignas Molnár et al., 2017Strouhal et al., 1997;

Rothschild et al., 2018

3.B