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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES Lista Negra um álbum de animais inexistentes Rui Jorge Fonseca Leal Guerra Trabalho de Projeto Mestrado Desenho Trabalho de Projeto orientado pelo Prof. Doutor Américo Marcelino 2019

um álbum de animais inexistentes · 2020. 1. 20. · animais extintos desde o século XVI até aos dias de hoje. A partir daí, foram elaboradas 3 sé-ries de desenhos distintas,

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES

Lista Negra um álbum de animais inexistentes

Rui Jorge Fonseca Leal Guerra

Trabalho de Projeto Mestrado Desenho

Trabalho de Projeto orientado pelo Prof. Doutor Américo Marcelino

2019

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II

DECLARAÇÃO DE AUTORIA

Eu Rui Jorge Fonseca Leal Guerra, declaro que a presente dissertação / trabalho de projeto de mestrado intitulada Lista Negra, é o resultado da minha investigação pessoal e in-dependente. O conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente mencio-nadas na bibliografia ou outras listagens de fontes documentais, tal como todas as citações diretas ou indiretas têm devida indicação ao longo do trabalho segundo as normas académicas.

O Candidato

Lisboa, 26 de Outubro, 2019

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RESUMO

Partindo de um contexto caracterizado por uma degradação ambiental que resulta na extinção de um grande número de espécies, propõe-se um trabalho artístico que, ao mesmo tempo que celebra as condições únicas de biodiversidade que vivemos, também ajuda a man-ter na nossa cultura as criaturas entretanto extintas, permitindo aos leitores/público refletir sobre alguns momentos charneira da nossa civilização. O presente projeto é desta forma com-posto por duas partes: uma investigação teórica e um trabalho artístico.

Tendo como objetivo a criação de desenhos que pudessem ser apresentados, tanto num livro, como numa exposição, a partir da investigação feita, foi elaborada uma lista de animais extintos desde o século XVI até aos dias de hoje. A partir daí, foram elaboradas 3 sé-ries de desenhos distintas, que compõem o núcleo do trabalho artístico. A primeira, compos-ta por 75 desenhos, apresenta retratos antropomorfizados de animais extintos ou que nunca existiram. A segunda série, composta por 20 desenhos, coloca alguns dos animais anterior-mente representados, em situações que sugerem uma narrativa, e que convidam à criação de uma história. Por fim, a terceira série é composta por um conjunto de 10 retratos em perfil, sem características antropomórficas diretas.

A investigação teórica e gráfica trata da relação entre desenho e natureza, tendo em conta as suas diferentes vertentes. A relação entre o desenho e a memória de espécies extintas, é um dos aspetos fundamentais que delineiam o contexto artístico e ambiental apresentado. A riqueza do desenho, enquanto disciplina, está diretamente ligada à biodiversidade do nosso planeta, e desta maneira é possível delinear um panorama geral da representação da natureza no desenho, desde a arte pré-histórica até ao século XXI, destacando a forma como o natu-ral influencia o cultural, e o que, passados milhares ou centenas de anos, podemos intuir do cultural para imaginar o natural de então. O século XIX, no seguimento da revolução indus-trial, implicou uma redefinição do paradigma da relação entre arte e natureza, materializada no trabalho teórico e artístico de autores como Ruskin, Turner, Audubon, Haeckel, entre outros.

A relação próxima que existe entre desenho e realidade, provocou, por várias vezes ao longo da história, uma diluição da fronteira entre real e imaginário, com criaturas mitológicas a serem tomadas por animais reais. Noutros casos, um único desenho tornar-se-ia o ícone para uma espécie inteira, como é o caso do rinoceronte de Dürer. No entanto, em meados do século XVII, o estudo de animais ao vivo, começa a tornar-se uma prática generalizada, provocando uma mudança na forma de representação dos mesmos. Todos os mecanismos de representação enunciados, implicam a tradução de uma experiência do homem/desenha-dor no mundo, e dizem respeito à sua compreensão visual do mundo, seja o seu trabalho do-cumental ou ficcionado.

Palavras-Chave: Desenho; extinção; animais; natureza; conservação.

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IV

ABSTRACT

In a context characterized by environmental degradation which has resulted in the extinction of a large number of species, we also propose a practical work that, while cele-brating the unique conditions of the planet’s biodiversity, can also serve to maintain in our culture creatures already extinct, allowing the audience to reflect on some of the milestone moments of our civilization.

A list of extinct animals from the 16th century to the present day was drawn up with the objective of creating drawings that could be presented both in book form and as an ex-hibition. This list originated from 3 different series of drawings, which are at the core of the artistic project. The first series, consisting of 75 drawings, feature anthropomorphized por-traits of animals that are extinct and others that have never existed. The second series, made up of 20 drawings, places some of the animals drawn in the previous series in situations that suggest a narrative and invite the creation of a story. Finally, the third series consists of 10 portraits drawn in profile, without direct anthropomorphic characteristics.

Theoretical and graphic research deals with the relationship between drawing and na-ture, taking into account their different aspects. The relationship between drawing and mem-ory of extinct species is one of the fundamental arguments that outline the written artistic and environmental context. The richness of the drawing, as a field, is directly linked to the biodiversity of our planet, and in this way it is possible to delineate an overview of the rep-resentation of nature in drawing, from prehistoric art to the 21st century, highlighting the ways in which the natural influences the cultural, and what we, after hundreds or thousands of years, we can intuit through culture past stages of the natural world. The 19th century, following the industrial revolution, led to a redefinition of the paradigm concerning the rela-tionship between art and nature, materialized in the theoretical and artistic work of authors such as Ruskin, Turner, Audubon, Haeckel, among others.

The close relationship shared by drawing and reality has, on several occasions through-out history, blurred the boundary between real and imaginary, to the extent that mythological creatures were confused with real animals. In other cases, a single drawing would become the icon for an entire species, such as Dürer’s rhino. However, in the mid-17th century, the study of live animals began to become a widespread practice, provoking a change in the way they were represented in drawings. All the mechanisms of representation enunciated translate the draughtman’s experience of the world, inevitably addressing the artist’s visual understanding of the world, whether this work is factor fiction.

Keywords: Drawing; extinction; animals; nature; conservation.

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AGRADECIMENTOS

Amélia Fonseca; Ana Pinto Gonçalves; Carlos Dias; Francisco Medeiros; Jorge André Catarino; José Alferink; Kjartan Ingvarsson; Margarida Oliveira; Marta Rato; Miguel Vale;Pedro Gomes; Pedro Rodrigues; A Pequena Galeria; Raquel Pinhão; Sofia Henriques

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ÍNDICE

índice de imagens ................................................................................................ 21. introdução ...................................................................................................... 32. da imaginação e natureza ............................................................................ 7

2.1 apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72.2 o desenho em contexto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92.3 enquadramento/antecedentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

3. do romântico na natureza ......................................................................... 193.1 desenho, arte e natureza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193.2 século xix: ruskin e a viragem de paradigma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243.3 o ideal natural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 283.4 arte, estética e ética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

4. os limites da realidade ............................................................................... 394.1 entre facto e ficção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 394.2 descrever, representar, ilustrar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 424.3 registo direto e indireto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 474.4 desenhar o inexistente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 514.5 a ficção real . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 564.5.1 delírios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 564.5.2 fantasia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 584.5.3 imaginação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 604.5.4 fábula . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 634.5.5 ao vivo/verdade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64

4.6 síntese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73

5. trabalho artístico ....................................................................................... 755.1 abordagem ao tema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 755.2 processo de trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82

6. conclusão ...................................................................................................... 89bibliografia ....................................................................................................... 93anexo desenhos do trabalho artístico .......................................................... 99

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Índice de ImagensGeorge Raper, Pombo de Lord Howe ............................. 9Villard De Honnecourt, Leão ........................................ 11Isabella Kirkland, Gone ................................................ 16Pintura Rupestre, Sulawesi, Indonesia . ........................ 20Pintura Rupestre, Chauvet, França ................................ 21Samuel Palmer, Early Morning .................................... 27Primavera ..................................................................... 30Outono........................................................................... 30Verão ............................................................................. 30Inverno .......................................................................... 30Bill Burns, The Great Trading Project At Royal Ontario Museum ............................................ 31Richard Long, A Line Made by Walking ....................... 34Carl Brenders, The Survivors ........................................ 37Charles Le Brun, Trois Têtes d’hommes en Relation Avec le Lion................................................ 40Geovanni Battista Della Porta, De Humana Physiognomonia ....................................... 40Albrecht Dürer, Rinoceronte ......................................... 42Ulisse Aldrovandi, Ciclópe, Monstrorum Historia .................................................... 45Bernard Palissy, Travessa Oval. .................................... 45Konrad Gesner, Sátiro ................................................... 46Konrad Gesner, Cão ...................................................... 48Albrecht Dürer, Cão ...................................................... 48Konrad Gesner, Simia Marina ...................................... 49Johannes Kentmann, Simia Marina. Codex Kentmanus ......................................................... 49Konrad Gessner, Acus. Icones Animalum ..................... 50Johannes Kentmann, Acus. Codex Kentmanus ............. 50Cornelius Sittardus, Acus .............................................. 50Johannes Kentmann, Squilla Lata. Codex Kentmanus ......................................................... 50Konrad Gessner, Squilla Lata. Icones Animalum ........................................................... 50Atribuído A C. Sittardus ................................................ 50Joris Joostensz Laerle, Lophopsittacus Mauritianus ......................................... 52Robert Hooke, Olhos de uma Mosca ............................ 52Ernst Haeckel, Phaeodaria ............................................ 54Ernst Haeckel, Morcego ................................................ 54Cornelia Hesse-Honegger, Mecoptera. ......................... 55Luigi Serafini, Página do Codex Seraphinianus. ................................................... 57Luigi Serafini, Página do Codex Seraphinianus. ................................................... 57

Hieronymus Bosch, As Tentações de Santo Antão (Pormenores) ................. 59Hieronymus Bosch, Desenho de Coruja. ...................... 60Hieronymus Bosch, O Navio dos Loucos ..................... 60Henry De La Beche, Duria Antiquior – A More Ancient Dorset .................................................. 61Georges Devy, Don’t These Beings… Look Like Monsters? ..................................................... 62George Scharf, Reptiles Restore ................................... 62Gustave Doré, The Sick Stag ......................................... 64Jean-Baptiste Oudry, Cerf Aux Abois. ........................... 64Jean-Baptiste Oudry, Clara ........................................... 66Jan Wandelaar, Gravura de Clara e Esqueleto Humano ..................................................... 66Pietro Longhi, Rinoceronte. .......................................... 66Jean-Baptiste Oudry, Clara ........................................... 66Pietro Longhi, Clara ..................................................... 66Petrus Camper, Clara .................................................... 66Jean-Baptiste Oudry, Leopardo ..................................... 67Jean-Baptiste Oudry, Leopardo Fêmea ......................... 67Eugène Delacroix, Lion Dévorant Un Cheval. ............. 68Eugène Delacroix, Tigre Attaquant Un Cheval Sauvage ....................................................... 68Eugène Delacroix, Esboço de Leão. ............................. 69Johannes Jonstonus, Camelopardo, Historiae Naturalis de Quadrupetibus Libri................. 70Joseph Wolf, At Close Quarters, the Life & Habits of Wild Animals ............................................. 71William Latham, The White Horn, Mutator. ................ 73Jackalope, Exemplar Taxidérmico ................................ 76Atlas de desenhos e fotografias recolhidas ................... 78Pesquisa fotográfica de exemplares taxidérmicos e desenhos ............................................... 79Desenhos e esboços de preparação ............................... 80Desenho do Autor, Dodó ............................................... 81Desenho do Autor, Huia. ............................................... 81Desenho do Autor, Arau-Gigante ................................. 81Desenho do Autor, Pato-De-Cabeça-Cor-De-Rosa. .................................... 81Desenho do Autor, Ressureição. ................................... 82Desenho do Autor, A Troca ........................................... 82Desenho do Autor, Potorous Platyops. ......................... 83Desenho do Autor, Moa. ............................................... 83Maquete do livro do projecto ........................................ 84Plano de exposição da terceira série de desenhos. ........ 86Plano de exposição da primeira série de desenhos ....... 86Plano de exposição da terceira série de desenhos ......... 86

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1. Introdução

A atual época de destruição ecológica, cada vez mais presente no discurso mains-tream das culturas de massas, é o ponto de partida deste trabalho, que, centrado no de-senho, pretende explorar a relação entre homem e meio ambiente. Nos últimos 500 anos assistimos à extinção de um grande número de seres vivos, devido a fatores tão diversos que vão desde a introdução de espécies invasoras à destruição de habitat, sendo que mui-tas espécies terão mesmo sido extintas sem nunca termos tido a oportunidade de as co-nhecer. A destruição do meio natural e consequente desaparecimento de outras criaturas, para além de pôr em causa a riqueza orgânica do nosso planeta, ameaça também valores sociais e culturais de que sempre disfrutámos e que estão, como veremos, intimamente relacionados com o mundo natural que nos rodeia.

A partir da elaboração de uma lista de animais extintos desde o século XVI para cá, pretende-se construir um trabalho que apresente ao público um inventário de ani-mais que poderiam ainda hoje fazer parte da nossa experiência do mundo e do nosso imaginário, não fossem as nefastas atividades humanas que conduziram ao seu desapa-recimento. O tema da ecologia e da relação homem-natureza é pois central neste proje-to que tem a intenção de, para além de demonstrar as consequências que a ausência da referida relação pode provocar, também contribuir para manter vivas no nosso imagi-nário coletivo as imagens relativas a um conjunto de animais com os quais nenhum de nós conviveu. Para muitos destes animais, o desenho é mesmo o único veículo possível para a demonstração da sua morfologia, que é também por vezes parcialmente imagi-nada, dado que aquilo que sobrevive de alguns destes seres são apenas esboços, não havendo ossos ou peles que provem a sua existência. Não podemos pois separar este trabalho do atual contexto ecológico e ambiental que vivemos, e os crescentes alertas para uma possível sexta extinção em massa e consequente perda de biodiversidade, observável em todo o mundo.

Se o desenho sempre foi uma forma de interpretação visual que uma determinada sociedade faz de si própria, então, a representação do mundo natural, que remete para os primeiros desenhos que conhecemos, indica que desde o primeiro momento o desenhador reconheceu aquilo que o motivaria durante mais 45.000 anos. A importância dos animais nos campo da representação gráfica, expõe a inevitável ligação entre artista e natureza, desde a pré-história até aos dias de hoje. O mundo natural é mesmo considerado por di-versos autores como o combustível de todo o nosso ímpeto criativo, dado que o homem só existe na natureza e tudo é natureza.

A discussão da relação entre arte e natureza acontece pela primeira vez a seguir à revolução industrial, através de autores oitocentistas que glorificavam o meio natural,

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como é o caso de Turner, através das suas capacidades de registar no papel os ensinamen-tos transcendentais proporcionados pela natureza.

Esses primeiros ideais românticos são fundamentais para o entendimento de muito do trabalho de desenho contemporâneo, e definidores do tipo de relação que existe entre o artista e o meio natural. A exploração dessa relação acaba por ganhar um enfoque especial a partir dos anos 60 do século XX, com os crescentes problemas derivados da poluição e a consequente preocupação pelo mundo degradado em que vivemos.

Por outro lado, a ubiquidade do desenho animal, que encontramos tanto em traba-lhos artísticos, como em produtos de consumo de massas, implica geralmente um deter-minado contexto metafórico que passa pela antropomorfização do animal.

Esses desenhos eram frequentemente confundidos com provas científicas, dando origem a mitos e aos nascimento de criaturas lendárias.

A presença animal, tão frequente ao longo de toda a história da arte, encon-tra em artistas como Charles Le Brun (1619–1690), Ernst Haeckel (1834–1919) ou Albrecht Dürer (1471–1528), importantes paradigmas que, no caso de Dürer, ao de-senhar um rinoceronte sem ver um, acabar por definir o estereótipo da representação daquele animal durante séculos. Já outros artistas como Hieronymus Bosch (1450–1516) ou Luigi Serafini (1949) conseguem, através da recontextualização de ele-mentos naturais, criar novas criaturas, demonstrando que, apesar da natureza nos dar balizas da criação, também nos dá os elementos com os quais a podemos extrapolar. Estando o corrente projeto assente nos pilares descritos acima, o trabalho será assim divi-dido em duas partes, que consistirão (i) na produção de desenhos e (ii) na elaboração de um texto teórico, cujas premissas veremos de seguida.

Assim, temos um projeto prático de desenho que procurará dar a conhecer um de-terminado conjunto de animais, e que, partindo de um conceito enciclopédico, tem um objetivo mais efabulatório que científico. Procura-se deste modo provocar a criação de fic-ções, contribuindo também para a expansão do universo gráfico desses mesmos animais. O ponto de partida será a elaboração de uma compilação de seres, quer a partir de álbuns já editados, quer com a base em trabalhos e listas científicas, de que é exemplo a divul-gada pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN)1 online, de forma a que possam ser selecionados os animais a representar, através de critérios mais ou me-nos arbitrários, como morfologia, história e origem geográfica.

Os desenhos serão divididos em três séries diferentes, mas complementares entre si. A primeira pretende apresentar os animais no formato de um retrato, cujo enquadramento

1. A IUCN é uma organização internacional que actua na área da conservação ambiental, cujo trabalho inclui a Lista Vermelha, um indicador da biodiversidade do planeta, e na qual as espécies são inseridas numa de 9 categorias possíveis (sem informação; dados insuficientes; pouco preocupante; quase ameaçado; vulnerável; em perigo; em perigo crítico; extinto na natureza; extinto). A cada categoria é associada uma cor, sendo que o estado “extinto” (EX) é identificado com a cor preta.

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remeterá para as fotografias tipo passe, portanto mais isolados de um ambiente narrativo, sendo esse apenas sugerido por detalhes de vestuário que o enquadramento e o desenho permitam. Uma segunda série porá alguns desses animais num determinado contexto so-cio-cultural, muitas vezes com enquadramentos e ambientes que remetem para pinturas clássicas. A terceira representará apenas a preto e cinza, as cabeças dos animais de perfil.

Pretende-se como concretização final de disseminação deste projeto que estas três séries sejam reunidas, quer num objeto livro, quer numa exposição, onde o nome cientí-fico do animal fornecerá a única pista da sua origem e identidade, ficando tudo o demais aberto ao observador. A este caberá unir os pontos e relacionar as histórias provocadas por uma mistura de animais amplamente conhecidos, como o dodó, desconhecidos e raramen-te mencionados, como o kawekaweau, e completamente inventados, como o Aptenodytes redcapite.

Tem-se como referências centrais os livros A Gap in Nature: Discovering the World’s Extinct Animals, de Tim Flannery (1956), como modelo para o tratamento do mes-mo tema, e Une semaine de bonté, de Max Ernst (1891–1976), e Codex Seraphinianus, de Luigi Serafini, como suporte para o ambiente a criar, transportando o trabalho para fora do campo do desenho científico. Existe assim a intenção de que os próprios desenhos, mais do que expor um objeto científico, sugiram personagens e narrativas, de forma a que possam ultrapassar os limites do mundo real que nós próprios criámos, ao provocar as condições ambientais que levaram ao desaparecimentos das criaturas retratadas.

Por outro lado, será trabalhado o contexto teórico cuja pesquisa incidirá sobre a relação artista-natureza, no qual o mundo natural é catalisador do impulso criativo, não deixando nunca de ser objeto do mesmo. A problemática da representação animal, quer através dos seus estereótipos gráficos, quer através do estudo do desenho enquanto veí-culo de transmissão de conhecimento e, às vezes, desconhecimento, é outra das questões centrais suscitadas pela temática deste trabalho.

Esta investigação naturalmente engloba uma bibliografia onde as ciências naturais têm uma forte presença, dado que constituem a base filosófica na origem deste projeto. Podemos destacar o nome de Andreas Weber, cujo trabalho Biology of Wonder é um tex-to fundamental para o desenvolvimento desta temática, a qual ecoa também as palavras de Henry Thoreau (1817–1862), Gary Snyder (1930), Carolus Linnaeus (1707–1778) e até Alexander von Humdbolt (1769–1859). A apresentação do contexto ambiental e a for-ma como este se pode relacionar com o desenho é pois o ponto de partida de um capítulo (Da Imaginação e Natureza), que faz ainda um breve resumo de outras publicações com o mesmo tema.

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Os primeiros desenhos da história da humanidade, com cerca de 35.000 anos, aquilo que sugerem acerca da relação dos nossos antepassados com a natureza, fornecem o ponto de partida para o entendimento da relação artista-natureza e as suas consequên-cias no campo da representação. Essa relação encontra um momento fulcral no romantis-mo britânico de William Turner (1775–1851), suportado pelas palavras de John Ruskin (1819–1900), que definem, ainda hoje, o paradigma da dicotomia arte/natureza e lançaram os fundamentos éticos pelos quais muitos artistas ainda hoje se regem no seu trabalho. Não desvalorizando o contributo de movimentos como o romantismo nórdico, o naturalismo francês, o impressionismo, entre outros, para a criação e definição dos laços, conceptuais e naturais, entre arte e natureza, é nas palavras de Ruskin que encontramos o elemento unificador de todos estes movimentos.

O desenho de animais levanta ainda questões relacionadas com o real e a tangibili-dade do mesmo. Este ponto remete-nos para um tempo em que o desenho era tomado por prova científica, tendo contribuído para prolongar a existência de criaturas mitológicas, cuja referência no mundo natural é bem diferente das versões apresentadas no desenho e literatura. Por outro lado, a mentira do desenho pode ampliar as possibilidades naturais do nosso mundo, influenciando também a forma como nos relacionados com o mesmo. Seja pela invenção de uma janela através da qual podemos vislumbrar as possibilidades de outras dimensões escondidas dos nossos sentidos, seja pela antropomorfização de ou-tros seres, o desenho permite a construção de pontes que nos ensinam a relacionar com o mundo natural, sugerindo que homem e besta não são tão diferentes como muitos ten-dem a supor, até porque sem natureza simplesmente não existiriam os elementos que nos permitem desenvolver as nossas diferentes culturas e sociedades. Se o desenho puxa pela invenção de novas formas, é também certo que nada pode ser inventado fora dos limites daquilo que experienciamos e vivemos no mundo.

Na abordagem às várias questões acima referidas, optámos por estruturar o texto por forma a cobrir quatro tópicos centrais, organizados em capítulos sucessivos: (i) um breve contexto ecológico e artístico do projeto, (ii) o delineamento de um panorama geral das relações arte-natureza e artista-natureza ao longo da história, (iii) um levantamento e análise das questões relacionadas com a representação de animais através das suas ver-tentes científicas e ficcionais e, por fim, (iv) um capítulo dedicado ao desenvolvimento do projeto prático e à sua memória descritiva.

Em última instância, o presente projeto tem como objetivos a elaboração de uma in-vestigação teórica e gráfica, que explore a relação entre desenho e natureza, quer do ponto de vista do desenho, quer do desenhador, bem como as relações e possibilidades que estes acres-centam ao mundo físico observável. Da mesma maneira pretende-se a criação de um universo gráfico relativo à extinção animal resultante de ações humanas, que permita expor, reforçar ou até mesmo criar relações entre o homo sapiens e cada uma das espécies representadas.

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2. Da Imaginação e natureza

Humans seek nature because we have lost something inside. In our bodies we are nature.

Andreas Weber1

2.1 apresentaçãoO desenho tem a capacidade, inserido num certo contexto socio-económico, de

nos fazer olhar para nós, alimentando mesmo sentimentos de vergonha e culpa relativos às consequências do nosso padrão comportamental enquanto espécie. Mas mais do que uma capacidade, o desenho tem também essa responsabilidade, sendo uma área que fre-quentemente se rege por valores éticos.

Quando olhamos para a história natural do nosso planeta, facilmente percebemos que a esmagadora maioria (99%) de todas as espécies que já existiram acabaram por de-saparecer, grande parte antes do homem existir. Tal como o aparecimento de novas espé-cies, a extinção é um processo natural do universo, sendo que o desaparecimento de um grupo é geralmente um processo mais lento que a sua produção (Darwin, 1859, p. 259).

A taxa normal de extinção será à volta de uma espécie a cada 100 a 300 anos. No entanto, e dado o atual contexto de degradação ambiental a que assistimos, nos últimos 400 anos existem mais de oitenta espécies de mamíferos confirmadas extintas (Parker, 2013, p. 92). No total, a lista da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) con-ta com setecentas e cinquenta espécies declaradas extintas neste período de tempo. Esta é também uma lista da ignorância e crueldade humanas.

Este ritmo de extinção leva cientistas a considerar que estaremos perante uma sexta vaga de extinção em massa, mas desta feita por consequência direta da ação humana assun-to detalhadamente descrito por Elizabeth Kolbert em The Sixth Extinction: An Unnatural History. Na última década, a classificação do atual período geológico como Antropoceno ganhou particular importância, tendo sido proposto em 2000 por Paul Crutzen e Eugene Stoermer, que defendiam que os humanos transformaram o planeta a tal ponto, que esse impacto será visível na estratificação da terra num futuro longínquo (Heise, 2016, p. 204)2.

1. Weber, 2016, p. 6.2. “The term Anthropocene… suggests that the Earth has now left its natural geological epoch, the present interglacial state called

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Lynn White considera que a tentativa de domínio da ciência sobre a natureza não tem expressão antes de 1850, considerando a sua aceitação, enquanto padrão normal de comportamento, como o maior evento na história humana (White, 1967). Quase instanta-neamente provocou uma revolução na forma de ver a natureza e a palavra ecologia apa-rece pela primeira vez em 1873, em Inglaterra.

Hoje temos mais de 63.000 espécies ameaçadas, das quais mais de 2.000 estão em risco de extinção. Muitas nunca farão parte desta lista porque desapareceram antes de termos oportunidade de as conhecer. Cada espécie é um evento único, resultado de con-dições específicas que jamais se irão repetir, tal como considera Charles Darwin em A Origem das Espécies:

“Podemos compreender claramente a razão porque uma espécie, uma vez extinta, nunca reaparece, ainda que se repitam as mesmís-simas condições de vida orgânicas e inorgânicas. Pois embora a pro-le de uma espécie pudesse adaptar-se (o que sem dúvida aconteceu em inúmeras circunstâncias) para ocupar precisamente o lugar de outra espécie na economia da natureza e assim suplantá-la, as duas formas – a antiga e a nova – não seriam exatamente idênticas entre si, pois ambas quase de certeza herdariam dos seus progenitores ca-ráteres diferentes” (1859, p.257).

Por outro lado, existem situações em que um animal julgado extinto durante muito tempo é de novo reencontrado e retirado da lista negra da IUCN. Tal foi o caso da chelo-noidis phantasticus, uma tartaruga gigante das Galápagos, que se julgava extinta há mais de cem anos, redescoberta por biólogos em 2019 (Jornal de Notícias, 2019, 21 de Fevereiro).

Na grande maioria das vezes, as espécies extintas mencionadas ou retratadas são animais, ocupando as plantas um lugar de menor destaque, senão mesmo quase invisível. Dentro da classe dos animais, os mamíferos e as aves tendem a ter mais visibilidade do que os répteis, os peixes ou os insetos. Há, no entanto, razões para que os cientistas mantenham o foco numa espécie em detrimento de outras, tal como descrito por Ursula K. Heise em Imagining Extinction (2016, p. 24). Em 1966 o biólogo Robert Paine introduz o conceito de espécie-chave, referente a espécies que ocupam lugares centrais na cadeia alimentar e sem as quais muitas outras ficariam também em risco. A monotorização da saúde des-sas populações ajudar a avaliar o fator de risco de determinado habitat e torna mais fácil a gestão do esforço conservacionista. Por outro, lado estas espécies-chave não levam for-çosamente a animais carismáticos que apelem a um público abrangente, e que possam ser usados como ferramentas de atenção em campanhas de conservação. O foco em espécies

Holocene. Human activities have become so pervasive and profound that they rival the great forces of Nature and are pushing the Earth into planetary terra incognita” (Steffen, Crutzen e Mcneil citados por Heise, 2016, p. 205).

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escolhidas pelas suas capacidades antropomórficas ou morfológicas retira atenção a outras cuja importância para o ecossistema poderá ser bastante superior, dificultando a transmis-são da mensagem de como esse ecossistema funciona e o que ameaça esse funcionamento.

2.2 o desenho em contextoDesenhar criaturas que já não existem ajuda a conservar na memória e na nossa

cultura visual seres que de facto existiram, mantendo as portas abertas para as derivações imaginárias, ou não, que daí possam resultar. Heise considera também que as narrativas sobre extinção permitem aos seus leitores ou observadores refletir sobre os momentos char-neira da nossa história cultural, tais como o desaparecimento de uma determinada espécie, criando a consciência de como as relações entre humanos e natureza mudaram para pior (Cfr.: 2016, p. 48). Nas visualizações literárias, visuais ou musicais sobre extinção, a crise biológica tende a ser um recipiente para problemas culturais em que a preocupação pelo futuro é retratada ao lado de uma certa esperança de que a cultura e identidade nacionais sejam fortalecidas ou reanimadas se uma espécie em risco conseguir sobreviver, ou caso uma extinta seja redescoberta (Heise, 2016, p. 49).

Como já observámos, o estudo da natureza é fundamental para o exercício da dis-ciplina do desenho e, desta forma, quanto mais rica for, quanto mais houver para estudar, também mais ricas serão as nossas possibilidades. Por outro lado, os desenhos desses ani-mais ficarão sempre ligados à sua história, sendo, em muitos casos, monumentos à cruel-dade e estupidez humana: lembrar para não repetir, ou nas palavras de Anton Gill e Alex

figura 1. George Raper, pombo de Lord Howe, 1790, aguarela sobre papel, 48.7x32.2 cm, Natural History Museum, London.

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West: “Compreender a natureza da extinção desafia a imagem que temos de nós mesmos e do nosso lugar no mundo”3.

A leitura de álbuns e enciclopédias de animais extintos é, tal como considera David Day, “uma leitura extremamente desconfortável”, mas, continua o autor, “Apenas se mui-tas pessoas tiverem consciência do que aconteceu, está a acontecer e que provavelmente irá acontecer no mundo natural, é que poderemos evitar danos catastróficos”4.

O desenho assume um papel ainda mais relevante na divulgação de animais ex-tintos por consequência da ação humana, se considerarmos que há espécies das quais só sabemos da sua existência porque alguém as desenhou antes do seu desaparecimento. É o caso do pombo de Lord Howe (figura 1, p. 9), desaparecido na década de 50 do sé-culo XIX. É também, neste sentido, que a imagem de um animal extinto funciona como uma prova de que este existiu, e, tal como uma fotografia, ganha um caráter documental.

Ao mesmo tempo que é uma ferramenta importantíssima para a visualização de animais desaparecidos, o desenho é, noutro sentido, como um prémio de consolação quan-do comparado com a inexistência do animal vivo.

Se é verdade que esta história é quase uma parábola da interação humana com espé-cies desaparecidas, em um jovem inconsciente mata sem pensar, para depois se arrepender na maturidade a perda de uma criatura excecional (Flannery, 2001, p. 31), é perfeitamente compreensível que depois das grandes populações de animais morrerem, os avistamentos reclamados, muitas vezes por pessoas inexperientes, sejam duvidosos, e muito facilmen-te interpretados como wishfull thinking. Oliver Sacks considera que sentir a falta de algo ou alguém que perdemos pode provocar no cérebro um conjunto de reações que culmi-nará com o sujeito a visualizar o objeto perdido no mundo real (2012, pp. 219 – 221), tal como a monotonia pode facilitar a alucinação, daí um marinheiro alucinar perante a mo-notonia do mar:

“São especialmente comuns as alucinações geradas pela perda e pelo luto (…) e a morte desse ser cria um brusco vazio na vida da-quele que sobrevive, um vazio que – de uma maneira ou de outra – é preciso preencher.”5

Esta afirmação aprofunda as palavras do biólogo alemão Andreas Weber quan-do se refere ao vazio deixado pela extinção de uma espécie, vazio esse que jamais será preenchido (Cfr.: Weber, 2016, pp. 7-8). O desaparecimento de uma espécie inteira é, por si só, uma irreparável perda cultural e científica, pelo que Douglas Adams refere, algo

3. Tradução nossa: “Understanding the nature of extinction challenges our view of ourselves and our place in the world” (Gill, 2001, p. 19).4. Tradução nossa: “Unless a great many people get to know what has happened, what is happening and what is likely to happen in the future in the natural world around us, there will be no chance of preventing further and catastrophic damage” (Day, 1981, p. 9). 5. Sacks também refere que em trezentas pessoas, cerca de metade teve alucinações depois de perder alguém (Cfr.: Sacks, 2012, p. 223).

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optimistamente, que, como resultado da extinção do dodó, ao mesmo tempo que estamos mais tristes, somos também mais sábios (Adams, 1991, p. 193).

No campo da arte é fácil imaginar quão pobres seriamos se um animal como o leão tivesse desaparecido no século XIII, ficando o desenho de Villard de Honnecourt (figura 2, p. 11) como a realidade máxima desse animal, num mundo sem os leões de Rembrandt (1606–1669), Delacroix (1798–1863) ou Rousseau (1844–1910). Weber alerta mesmo para o facto da corrente crise ambiental estar a pôr em risco a perda de algo sem o qual poderemos não conseguir existir. A extinção de espécies acarreta consigo a perda de um caráter emocional sem o qual o homem não poderá sobreviver, citando um estudo da Universidade de Havard, que defende que, em 2020, a depressão será a segunda forma de

figura 2. Villard de Honnecourt, Leão, 1235, Bibliothéque Nationale Française, Paris.

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doença mais comum, logo a seguir às doenças cardiorrespiratórias, em grande parte ali-mentada por uma crescente alienação da natureza (Weber, 2016, p. 8). Por outro lado, Olaf Breidbach, na sua introdução para Art Forms in Nature, alerta para os problemas culturais e sociais afetos a essa alienação:

“Poucas crianças hoje têm a experiência de ver lagartas metamorfo-sear em borboletas (…) não é possível que as sensibilidades estéti-cas de quem cresceu, no que muitos considerariam como ambientes feios e artificiais, nas trincheiras industriais das metrópoles moder-nas, tenham sido também distorcidos como influência desses no-vos ambientes? (…) Não pode ser negado que, como consequência deste desenvolvimento, os sentimentos de beleza natural diminuem, acompanhados por um desmembramento de valores, ameaçando a nossa relação com a natureza e por conseguinte a comunidade de vida tão vital para a nossa sobrevivência.6

Weber propõe a criação de uma ecologia poética, nomeadamente dentro dos cam-pos científicos, que considere o sentimento e a expressão como dimensões fundamentais da realidade existencial dos organismos (2016, p. 3). Esse caminho implica uma união entre arte e ciência, que só agora, à luz dos problemas ecológicos existentes, volta a ser discutida. Durante muito tempo, cientistas argumentaram que não existe realidade para lá de matéria morta, resumindo a vida a leis cegas de sobrevivência e seleção. Baseada numa ideologia da eficiência, que não reconhece valor fora de determinados objetivos egoístas elevados a leis da natureza, essa perspetiva está na origem da forma como tratamos hoje o mundo natural e, por consequência, dos problemas que enfrentamos:

“Contudo, esse ponto de vista ignora uma profunda perceção hu-mana que nos associa a outros seres vivos. Atualmente, os inves-tigadores têm descoberto que o sentimento – a experiência de uma perspetiva subjetiva – e o desejo de existir são um fenómeno intrín-seco ao conceito moderno de biologia” (Weber, 2016, p. 5)7.

Lynn considera a definição atual de ciência herdeira de uma tradição de pensamen-to judaico-cristã, na medida em que a forma como o homem pensa que a sua ecologia está

6. Tradução nossa: “Few children today experience the wonder of caterpillars pupate and turn into butterflies (…) it is not possi-ble that the aesthetics sensibilities of people who have grown up in what many would find ugly and artificial environments of the industrial fringes of modern metropolis, have also been altered as a result of such new environments? (...) It cannot be denied as a consequence of this development, the feeling for the beauty of nature diminishes as is accompanied by a breakdown of values which threatens our relationship to nature and thus the preservation of the community of life so vital for our survival” (Haeckel, Breidbach et al., 201, p. 28). 7. Tradução de Francisco Medeiros: “Such a viewpoint, however, ignores a deep human insight which connects us with other living subjects. Today, researchers are discovering that feeling – the experience of a subjective standpoint – and the desire to exist are phenomena that lie at the heart of a modern concept of biology”.

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altamente condicionada pelas suas crenças acerca do mundo natural e destino, afirmando a vitória do cristianismo sobre o paganismo como a maior revolução psíquica na histó-ria da nossa cultura. Apesar de muitos aspetos da nossa forma de vida atual já não serem cristãos, a vida diária continua dominada por uma fé num progresso perpétuo que era, por exemplo, desconhecido das sociedades greco-romanas da antiguidade (White, 1967). A história judaico-cristã da criação do mundo define um paradigma da relação entre homem e natureza, ao apontar que deus cria o mundo, as plantas e os animais e depois o homem para exercer o seu domínio sobre todas elas. O homem não é um simples elemento da na-tureza, pois foi feito à imagem de deus. Deste ponto de vista, o cristianismo é a religião mais antropocêntrica que o mundo já conheceu: “Ao destruir o paganismo, o cristianismo tornou possível a exploração da natureza com uma atitude de indiferença em relação aos objetos do mundo natural”8.

Na mesma medida Weber afirma que a cultura tem sido entendida como uma se-paração firme entre a dimensão humana e o resto da vida no planeta, considerando que isso não é de todo verdade. A cultura é entendida aqui como um sistema de interligações envolvida num sistema simbólico que pertence à própria vida. A arte não é aquilo que se-para o humano da natureza, sendo antes uma manifestação da natureza no humano. Heise sugere que, de forma a que o trabalho de conservação seja bem sucedido, é necessário uma compreensão de como as comunidades culturais, que fazem parte de um determina-do ecossistema, mapeiam o seu entendimento e a relação com outras formas de vida, e de como essas espécies funcionam simbolicamente numa narrativa:

“Assim, o objetivo é entender o significado profundo de espécies ameaçadas e extinções – ou seja, ir além do entendimento daquilo que significam a nível ecológico para um entendimento do seu sig-nificado cultural. O futuro das espécies ameaçadas e da conservação da biodiversidade não é, afinal, apenas uma questão de ciência, mas também e sobretudo uma questão de histórias, culturas e valores” (Heise, 2016, p. 237)9.

Outras criaturas ocupam um espaço enorme na nossa imaginação, ligadas, por exzemplo, ao próprio conceito de belo ou bonito, que tal como já o havia mencionado Ruskin, estão enormemente dependente de objetos naturais. A antropomorfização de plan-tas e animais em símbolos cognitivos e emocionais, de acordo com as suas propriedades que presumimos serem reais, é exemplo disso:

8. Tradução nossa: “By destroying pagananimism, Christianity made it possible to exploit nature in a mood of indifference to the feelings of natural objects” (White, 1967). 9. Tradução de Francisco Medeiros: “The goal then is to understand how endangered species and extinctions mean – that is, to go beyond understanding what they mean ecologically toward understanding how they mean culturally. The future of endangered species and of biodiversity conservation is not, in the end, just a matter of science, but also and mainly one of histories, cultures and values”.

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“Por exemplo, a cobra, a rosa e a árvore são fortes imagens orgâ-nicas recorrentes na arte, mitologia e rituais culturais ao longo da história da humanidade. Estas formas da natureza parecem ter uma profunda relação com o indivíduo, bem como com o subconscien-te cultural. Reconhecemo-nos nas suas transformações e realidade” (Weber, 2016, p. 6)10.

Nesse sentido, o mundo natural desempenha um papel essencial na definição da nossa identidade emocional e cultural. A nossa função, enquanto produtores de cultura, é descodificar e recodificar esses símbolos. Este aspeto coloca o homem numa rede de li-gações corpóreas e psicológicas, em que apenas conseguirá compreender a sua interiori-dade se estabelecer a relação entre a sua existência cultural e os processos simbólicos na natureza. A perda da biodiversidade põe em risco esse entendimento, pois, sem a expe-riência da beleza natural, estamos destinados a perder uma parte importante da integra-ção de conceitos como graça, perdendo assim a capacidade de agir de acordo com esses significados (Cfr.: Weber, 2016, p. 8). Plantas e animais ajudam-nos a compreender partes de nós mesmos. A perda de outras criaturas, mais que um desastre ecológico, afirma-se assim também como uma catástrofe metafísica:

“Nos animais, o nosso íntimo apresenta-se perante nós de forma desconhecida. Se os perdermos, não perderemos apenas criaturas preciosas e fascinantes. Perdemo-nos a nós próprios. Renunciamos a algo profundo sobre a nossa condição de existência neste mundo. Renunciamos modos de ser criativos, modos de dar à luz. (…) Uma vez perdido, a realidade nunca será capaz de expressar o mesmo gesto (…) As espécies são únicas, imaginações criativas, variações sobre o tema da existência que nenhuma consciência instrumental poderia ter imaginado” (Weber, 2016, pp. 32-33)11.

Não sabemos até que ponto partilhamos o mesmo tipo de sentimentos, mas sabe-mos que temos em comum a mesma precariedade existencial. Cada criatura perceciona o mundo de uma forma diferente, através do processamento da informação recolhida pe-los seus órgão sensoriais. Assim, o mundo “é mais imaginado do que observado” (Weber, 2016, p. 65), afirmação válida para todos os seres.

10. Tradução de Francisco Medeiros: ““The snake, the rose and the tree, for instance, are powerful organic images that recur in art, myth and cultural rituals throughout human history. These forms of nature seem to have a deep connection to the individual as well as the cultural subconscious. In their living reality and transformations we recognize ourselves”.11. Tradução de Francisco Medeiros: “In the animals our inwardness stands before us in an unknown shape. If we lose them, we do not just lose them, we do not just lose precious, fascinating creatures. We lose ourselves. We renounce something profound about our condition of being in the world. We forsake ways of being creative, ways of giving birth. (…) After it has gone, reality will never be able to express the same gesture (…) Species are unique, creative imaginations, variations on the theme of being which no instrumental consciousness could have imagined”.

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2.3 enquadramento/antecedentesSendo a extinção de espécies, um tema frequentemente abordado por diversos au-

tores, apresentamos de seguida uma breve descrição das obras que mais influenciaram o corrente trabalho.

Os livros sobre animais extintos ajudam também, como já foi dito, a recordar a crueldade e bestialidade da espécie humana, prendendo-nos a uma realidade mais pobre. Nesse sentido, o desenho tem um papel importante na construção do real, reforça o seu papel educador, num aspeto evocado pelo filósofo francês Jean-François Lyotard: “A arte tem de servir como suporte para a forma como a realidade é construída, de forma a resga-tarmos destas fantasias complacentes”12.

Essa bibliografia, no caso de álbuns ilustrados, está algo dispersa, podendo ser ge-ralmente dividida em dois grupos, um integrado no campo da ilustração científica, e ou-tro ligado à ilustração infantil. Os álbuns ilustrados que constituem este segundo grupo apresentam uma natureza mais vaga e abrangente, englobando geralmente animais que se extinguiram no fim da idade do gelo e cujas causas de extinção não podem ser com-pletamente atribuídas à espécie humana. Tal é o caso de Animals of a Bygone Era: An Illustrated Compendium de Maja Säfström e Forgotten Beasts de Matt Sewell. No caso da ilustração científica, a bibliografia tende a ser mais circunscrita a animais extintos nos últi-mos quinhentos anos, havendo desde o século XIX uma preocupação em listar os animais perdidos desde a globalização trazida com as viagens marítimas e descobertas do século XV em diante. Walter Rothschild (1868 –1937) terá sido um dos primeiros a compilar um volume dedicado exclusivamente a pássaros extintos e presumivelmente extintos. Com a ajuda de cinco ilustradores, Rothschild publica em 1907 um volume limitado a 300 exem-plares assinados pelo autor, com 45 ilustrações e intitulado Extinct Birds. An attempt to unite in one volume a short account of those Birds which have become extinct in histor-ical times—that is, within the last six or seven hundred years. To which are added a few which still exist, but are on the verge of extinction., que é ainda hoje tido como referência nesta temática. A obra de Rothschild influencia Errol Fuller a publicar, em 1987, Extinct Birds, uma compilação com conteúdo semelhante ao do seu antecessor, mas apresentan-do desta feita uma pesquisa de imagética já produzida de aves extintas, incluindo apenas um número muito pequeno de ilustrações originais. Fuller tem ainda outro volume dedi-cado a pássaros extintos, The Lost Birds of Paradise (1995), e uma antologia de arquivo fotográfico de animais extintos: Lost Animals: Extinction and the Photographic Record (2013). Publicou ainda três livros individualmente dedicados a três espécies extintas: The Great Auk (2003), Dodo: From Extinction to Icon (2003) e The Passenger Pigeon (2014).

12. Tradução nossa do inglês: “Art must ‘foreground’ the way reality is constructed in order to rescue us from these complacent fantasies” (Lyotard citado por Godffrey, 1990, p. 77).

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David Day é o outro autor que dedicou algum tempo à investigação de animais extintos, tendo publicado dois livros sobre o tema: The Doomsday Book of Animals: A Natural History of Vanished Species (1981) é uma descrição do habitat, comportamen-tos e caraterísticas de centenas de espécies animais extintas desde o século XVII. The Encyclopedia Of Vanished Species (1981) apresenta, em conjunto com alguns ilustradores, uma extensiva lista de espécies e subespécies extintas, já com uma grande incidência nos séculos XIX e XX. No entanto, nestes livros as ilustrações ou fotografias são claramente secundárias em relação à volumosa informação textual, rica em descrições e comportamen-tos dos animais retratados. É precisamente neste aspeto que A Gap in Nature: Discovering the World’s Extinct Animals (2001) se distingue dos restantes livros mencionados. A obra

figura 3. Isabella Kirkland, Gone, 2004, óleo e acrílico em tela sobre painel, 2004, 91.5x122 cm (fonte: https://www.isabellakirkland.com).

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com textos de Tim Flannery tem nas ilustrações de Peter Schouten (1957) a sua grande força, sendo frequente o uso de um spread inteiro para uma ilustração. De resto, a propor-ção ocupada por texto e imagem é largamente favorável à segunda. O livro cataloga 104 espécies extintas desde 1492, em desenhos cheios de rigor e vida, que são um lamento aos animais perdidos nos últimos 500 anos e uma tentativa de os manter na nossa memória. Em 2004, a artista plástica Isabella Kirkland (1954) pinta Gone (figura 3, p. 16), onde estão representadas sessenta e três espécies extintas (Gone by Isabella Kirkland), numa mistura entre arte e ciência, ao estilo de uma natureza morta, que ganha aqui um sentido literal:

“Escolho aplicar um rigor semelhante a um serviço diferente: à cons-trução de um registo visual analógico daquilo que vamos perder nos próximos séculos. Quero que as imagens que construo de uma sele-ção de espécies representativas, seja testemunho da sua própria per-da … tal como Guernica testemunhou um massacre político e o qua-dro A Jangada da Medusa o naufrágio de uma embarcação militar.Utilizando métodos antigos, procuro criar um conjunto relevante de imagens icónicas que registem, identifiquem, representem e teste-munhem o destino de espécies individuais” (Kirkland, 2017)13.

13. Tradução de Francisco Medeiros: “I choose to apply a similar accuracy to a different service: to the building of an analog vi-sual record of what we are going to lose in the coming centuries. I want the images I build of select, representative species to stand witness to their own loss…..just as Guernica stood witness to a political massacre, and the painting, The Raft of the Medusa, bore witness to the sinking of a naval vessel. Using old methods I hope to make a meaningful set of iconic images that record, identify, represent, and bear witness to the fate of individual species”.

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3. Do romântico na natureza

I have always said, he who is closest to nature is best. John Ruskin

3.1 desenho, arte e naturezaNo seu sentido mais lato, natureza pode ser definida como todo o mundo material,

ou o próprio Universo. Desta forma, não é possível afirmar que um determinado objeto, como um carro, ou um determinado tipo de paisagem, como uma zona industrial, não são naturais, dado que todas as possibilidades de existência são abrangidas pelo próprio con-ceito de natureza. No entanto, embora a espécie humana faça parte da natureza, a sua ati-vidade, e respetivas consequências, são frequentemente interpretadas como exteriores ao natural. Neste sentido, a categorização dessas ações como não naturais terá começado no século XIX, quando a revolução industrial acelera uma rutura que já se adivinhava des-de o renascimento, e que daria origem aos primeiros pensadores ecologistas, como Ralph Waldo Emerson (1803–1882), inaugurando também, como veremos, uma nova linha de pensamento no campo das artes.

A relação do desenho/desenhador com a natureza remonta às nossas origens en-quanto espécie. A ligação dos primeiros hominídeos com o meio envolvente é o tema de uma das mais antigas gravuras rupestres conhecidas, desenhada, há mais de trinta e cin-co mil anos, nas paredes de uma caverna na atual Indonésia (Sample, 2014) (figura 4, p. 20). É também através de desenhos em cavernas que podemos hoje deduzir como era a nossa relação com os animais representados, e, nalguns casos, podemos inclusive deduzir sobre a história natural de uma determinada espécie, como é o caso do alce-gigante, que aparece representado pela primeira vez numa gruta de Cougnac há cerca de 25.000 anos. Do alce-gigante só são conhecidos desenhos em quatro outras grutas, pelo que é possível concluir que já era raro quando os primeiros humanos se cruzaram com a espécie (Gill, 2001, p. 126). Estas primeiras imagens refletem ainda hoje a importância – ritual ou emo-cional – que os animais representados tinham para os primeiros humanos que as concebe-ram. O desenho foi, desde o primeiro instante, um instrumento de reflexão e de retrato de uma determinada sociedade, daí que Howard J. Smagula tenha referido que todas as civili-zações se definam e interpretem através das suas representações visuais, não sendo apenas

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no seu aspeto formal, mas também a própria temática ou conteúdo que revela o que deter-minada sociedade valoriza ou mesmo como interpreta o mundo (Smagula, 1992, p. 36).

Nas grutas de Chauvet (figura 5, p. 21), os desenhos com mais de 25.000 anos representam para cima de 400 animais, alguns dos quais já extintos, distribuídos tão alea-toriamente como na natureza. Quem fez estes desenhos não respeitava fronteiras ou enqua-dramentos, sobrepondo, fundindo, interrompendo, recomeçando e intercalando escalas a um ritmo livre e orgânico, que marca na parede tanto a energia do animal representado como a do gesto do homem que o desenhou. Nalguns casos as marcas das mãos do desenhador en-chem os contornos dos animais. John Berger considera que o artista conhecia de forma ab-soluta e íntima estes animais (2005, p. 90). Tão intimamente que os conseguia visualizar no escuro. Berger chama também a atenção para o facto da maioria dos animais representados ser bastante feroz na natureza, não existindo, no entanto, nenhum traço dessa agressividade nos desenhos. Estas figuras demonstram antes um respeito fraterno, e é por isso que em to-das as imagens de animais podemos encontrar uma presença humana. Presença essa revelada pelo prazer de que cada criatura desenhada está em casa no Homem (Berger, 2005, p. 91).

Com efeito, as culturas ancestrais tendem a refletir uma estreita relação entre cul-tura e natureza. Andrea Weber considera mesmo as gravuras rupestres como imagens dos princípios da vida, tão reais como a própria natureza, uma prova de que precisamos de animais para pensar (Weber, 2016, p. 150). Essa ligação é ainda mais veemente ao referir a explicação de um ancião aborígene, que comparava a experiência das pinturas sagradas ao som de água a correr. Já Herman Melville (1819–1891) ecoou esta ligação ancestral quando afirmou que todos temos uma ligação siamesa com outras criaturas14.

Alguns dos mais celebrados trabalhos artísticos da história da arte representam ani-mais ou paisagens. A biodiversidade é a principal motivadora da imaginação fornecendo o mais importante serviço cultural à nossa espécie (Parker, 2013, p. 74).

14. Melville citado por Weber, 2016, p. 99.

figura 4. Pintura rupestre, com cerca de 35.000 anos, Sulawesi, Indonesia (Fonte: https://news.nationalgeographic.com/news/2014/10/141008-cave-art-sulawesi-hand-science/).

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Muitos autores, como Alois Riegl (1858–1905), consideram ainda que todo o esti-lo pretende alcançar uma fiel representação da natureza e nada mais, desenvolvendo cada um o seu próprio conceito de natureza (Gombrich, 1960, p. 16). Clare Walker Leslie con-firma essa proposta quando afirma que a “arte é uma simbolização da natureza” (Leslie, 1992, p. 178). Essa visão é complementada por autores como John K. Grande, que juntam a esse processo de codificação uma atitude mais crítica, parte integrante de uma mentali-dade típica de um ocidente dominado por uma forma de pensar muito integrada num mo-delo neoliberal: “Generalizamos e simplificamos a natureza, ligamo-la diretamente a uma ilusão expansionista que tem sido o nosso modelo de História”15.

No século XIX tanto a revolução científica como a darwiniana discutiram a rela-ção entre arte e natureza. Pode a arte ser modelo para a forma como interpretamos e nos relacionamos com a natureza? Será a arte parte da natureza? (Inkpen, 2014). Perguntas com as quais já Shakespeare se teria debatido no século XVII em O Conto de Inverno:

“P’la própria natureza; sendo assim,Bem acima dessa arte que tu vêsCompetir co’ a Natura, existe uma arteQue é por ela criada. Assim, donzela,Casamos nobre espécie e tronco tosco,Gerando broto raro em casca rude.É arte que corrige… isto é, altera…Natureza, mas a arte é natureza”(Shakespeare, 1611, p. 124).

15. Tradução nossa: “We generalize and simplify nature, link it directly to an expansionist illusion that has been our model of history” (Grande, 1994, p. 25).

figura 5. Pintura Rupestre, 30.000 a 25.000 anos, Chauvet, França, (fonte: http://www.bradshawfoundation.com/chauvet/).

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A ligação entre desenho e natureza é tal que alguns autores comparam mesmo o ato de desenhar a um organismo vivo: “Se interpretarmos desenhos responsivos como um equivalente gráfico de organismos vivos, então, seja o que for que dá ‘vida’ ao organismo gráfico, é tão misterioso como as forças que sustentam todas os seres vivos”16 e, de certa maneira, a forma como as imagens e experiências artísticas são hoje consumidas, tem um paralelo com a experiência contemporânea do mundo natural, tal como apontou John K. Grande em Balance: Art and Nature:

“Codificamos e processamos as nossas respostas a imagens, para depois serem descartadas, de forma a nos prepararmos para as pró-ximas. O resultado é que a ao olhar para uma pintura, escultura, instalação ou vídeo, a nossa paciência é mínima: tornarmo-nos con-sumidores de arte para deixar-mos de ser apreciadores. Da mesma forma forma, quando olhamos uma floresta ou paisagem, generali-zamos visualmente os seus elementos constituintes. Raramente con-seguimos ver a diversidade de elementos co-dependentes, camufla-dos no seu microcosmos particular”17.

Sendo o desenho uma das mais elementares atividades humanas, cujas origens re-montam à nossa própria história (Hutter, 1966, p. 7), é absolutamente natural que acabe por refletir sobre o meio e o tempo em que é executado.

Os primeiros desenhos que os nossos antepassados fizeram nas paredes de cavernas são desenhos de natureza, representações daquilo que os rodeava e daquilo que eram. Um pouco por todas as culturas da antiguidade podemos também encontrar representações de animais com grande destaque, nomeadamente através da sua antropomorfização. Egípcios, assírios, gregos e romanos, entre outros, fornecem-nos versões de seres meio humanos, enriquecidos com qualidades animais. Na mitologia dalgumas destas culturas, que tinham sempre a consequente materialização gráfica, é frequente descobrirmos que muitos dos mais poderosos deuses nunca são criados apenas à imagem do homem, envolvendo sem-pre uma mistura com outros animais. Sozinho, o homem é imcompleto e só através da fu-são com outras criaturas pode alacançar outros níveis de força e poder.

16. Tradução nossa: “ vivo: “if we regard responsive drawings as a graphic equivalent of living organisms, then whatever gives the graphic organism ‘life’ is as mysterious as those powers that animate and sustain living things in nature” (Goldstein, 1991, p. 254).17. Tradução nossa: “Our modern day vision is a techtopic one. We codify and process our responses to images, then we throw them away in preparation for the next. As a result, when we look at a painting, a sculpture, an installation or a video, our patience is minimal: We have become consumers of art, no longer appreciators. Likewise, when looking at a natural forest or landscape, we will generalize its elements visually. Seldom do we look at the diversity of camouflaged, co-dependent elements that exist within their specific microcosm” (1994, p. 15).

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Na idade média, nomeadamente no gótico, a estilização de elementos naturais não--humanos tinha um papel central, quer na ornamentação de catedrais, quer no desenho de iluminuras. No entanto, essa importância foi sendo diluída com o desenvolvimento do período renascentista.

O renascimento terá sido o primeiro período artístico onde a separação entre o homem e meio natural se terá tornado mais evidente. Ruskin considerava mesmo que a fraqueza da renascença estava no excessivo orgulho no conhecimento (Ruskin, 1853, p. 132), indiciador de uma certa arrogância, de uma atitude de domínio sobre a natureza. Em Leonardo da Vinci (1452–1519), figura central do renascimento, o foco da observação corresponde à urgência de dominar o conhecimento (Sicard, 2007, p. 26) teórico-cientí-fico das leis na natureza, tendo em vista a sua representação rigorosa (do ponto de vista científico), mas idealizada. Essa idealização continha também em si a génese do que seria o desenho científico, pois Leonardo tinha já a consciência de que o desenho pode ser tra-balhado para facilitar a observação e a compreensão do objeto:

“Tu que pensas que mais vale assistir a dissecações do que ver de-senhos, estarias no bom caminho se fosse possível observar num único sujeito dissecado todos os pormenores que os desenhos mos-tram. […] Porque há uma grande confusão na mistura das membra-nas com as veias, artérias, tendões, músculos, ossos e o sangue, que tudo cobre com a mesma cor”18.

Ironicamente, a descoberta de Galileu sobre a rotação da terra em torno do sol dá origem a um período em que a arte faz do homem o seu único centro. As próprias fronteiras entre arte e ciência não estavam então ainda definidas, mas os desenvolvimentos a que se assistiram na Europa, forçaram a uma separação de águas, que, segundo José A. Argüelles, acarretou uma perda de significado e um salto para o absurdo (1975, p. 16). O antagonismo criado entre arte e ciência tornou-se numa característica acentuada da nossa civilização. É esse o significado que o mesmo autor extrai da Escola de Atenas de Rafael, um monumento humanista, símbolo do triunfo do intelecto humano sobre a natureza (Argüelles, 1975, p. 37).

No século XVIII, essa visão matemática muda radicalmente, passando a nature-za, através da paisagem, a ter um lugar de destaque na pintura europeia. Já desde o século XVII, representavam-se paisagens que, no entanto, não correspondiam a nenhuma neces-sidade social direta, tal como considerou John Berger (1972, p. 126). A própria noção de paisagem tinha fortes conotações de cenário ou pano de fundo para o organismo, sendo de certa forma um acessório e não parte integral da natureza humana. Deste ponto de vis-ta, a pintura paisagística europeia até Turner, como diria Argüelles, realça a relação que o

18. Leonardo da Vinci citado por Sicard, 1998, p. 28.

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homem ocidental tinha com a natureza (1975, p. 104). Já a pintura chinesa e japonesa está integrada numa tradição filosófica e espiritual que enfatiza o homem em simbiose com o mundo natural. É com o romantismo que o homem ocidental se aproxima da filosofia oriental e, ao aprender a sentimentalizar a natureza, cria o seu próprio género paisagís-tico. Ao sentimentalizar o que é ao mesmo tempo o objeto de destruição, o homem está também a assumir responsabilidade pelos seus atos, daí as qualidades nostálgicas deste tipo de pintura e desenho como memória daquilo que tem de ser sacrificado em nome do progresso (Argüelles, 1975, p. 105). Desde então até hoje, a representação da natureza, e a própria natureza enquanto matéria prima, aumentou consideravelmente a sua presença não só no desenho, mas também no campo da arte em geral.

3.2 século xix: ruskin e a viragem de paradigmaNeste período, a natureza é vista por alguns autores românticos, em certa medida,

como um estado mental, algo que dotava o artista de determinados valores espirituais, tal como Goethe referiu: “Através do estudo do processo de criação da natureza, o Homem ga-nhará o mérito para participar espiritualmente na sua produção.”19 Autores como Alexander von Humboldt, Carolus Linnaeus, George Stubbbs (1724–1806), John James Audubon (1785–1851) e William Turner são essenciais para a definição de natureza não apenas na sua época, mas também nos dias de hoje. Esse género de pensamento, em que o meio natu-ral é visto como uma espécie de centro espiritual, vai ecoar durante todo século XX, acom-panhando o sentido inverso feito pela progressiva auto-alienação da natureza por parte do homem, que aos poucos vai eliminando da sua psique toda a imagética natural devido à fal-ta de envolvimento, tendo como consequência a deterioração física do meio natural através do mesmo processo de alienação, tal como descrito por Argüelles (1975, p. 104).

Uma figura central na relação da arte com o meio natural é John Ruskin, uma das primeiras vozes a ligar a prática artística à natureza e cujos escritos acompanham a pro-gressiva desnaturalização do homem, processo com origens no renascimento, mas que ga-nhou força no século XVIII com a revolução industrial. Essa desnaturalização, acionada pelo deslocamento em massa de pessoas do campo para as cidades, que consequentemente estavam cada vez mais industrializadas e urbanizadas, retirou a natureza da vivência diária de grande parte das populações, tendo como consequência, como já foi dito anteriormente, a degradação física do meio natural, tanto por eliminação, como por contaminação.

Ruskin procurava frequentemente a comunhão mística com o meio natural, seme-lhante ao descrito nos poemas de William Wordsworth (1770–1850) e Thomas Traherne (1636–1674). O belo é para Ruskin uma experiência transcendental de origem divina, ma-nifestada na natureza (Ruskin, Barrie (ed.), 1843/1987, p.XXX) e o que define o belo na

19. Goethe citado por Grande, 1994, p. 55.

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arte é a referência às ideias de verdade e beleza que esta expressa, sendo que é a própria natureza que fornece as referências pelas quais a arte se deve reger20. Qualquer trabalho artístico deve intencionalmente imitar ou acidentalmente assemelhar-se a formas naturais, logo, a beleza não é possível fora das leis da natureza. Arte e natureza não são experiências distintas, chegando ao ponto de aconselhar o aspirante a artista a observar o nascer-do-sol todos os dias como disciplina para o desenvolvimento de competências artísticas (Ruskin, Clegg, 1983, pp. 7, 85). O desenho era assim também visto como uma forma de aproxima-ção entre o indivíduo e a natureza, na medida em que o primeiro é uma forma de compreen-der e organizar visualmente as formas do segundo. Ruskin constitui leis de composição, a partir da radiação dos ramos, troncos e folhas das árvores (Ruskin, 1857, p. 182). Neste sentido, Ruskin defende que, o gótico é um estilo superior pela sua proximidade manual e conceptual com a natureza, chegando mesmo a comparar a rudeza das linhas góticas ao tronco de uma árvore, na medida em que são portadoras da “energia bruta e selvagem do desconhecido”21. Essa rudeza está a associada à simplicidade da execução, qualidade es-sencial para um bom trabalho artístico, tal como um certo mistério e incompreensibilida-de da execução, pois a natureza é sempre misteriosa e secreta no uso dos meios. Quanto mais inexplicável for a arte, mais se aproxima da natureza (Ruskin, 1995, p. 34). É assim que Ruskin, integrado no movimento Arts and Crafts, tinha consciência que o desapareci-mento de uma cultura pré-tecnológica arrastava consigo um estado emocional que estava a ser rapidamente esmagado pela industrialização (Argüelles, 1975, p. 183).

A observação próxima e atenta da natureza defendida pelo autor britânico tinha como objetivo ajudar o aluno a livrar-se de um sistema de regras académicas pré-conce-bidas, com origens numa sociedade industrial e mecanizada (Ruskin, 1857, p. 19). Daí a referência em Elements of Drawing à capacidade de desenhar o redondo22, gesto esse que está dependente da leveza da mão e perspicácia da visão, linguagem utilizada por Ruskin e que contrasta com a pesada maquinização de uma sociedade pós-revolução in-dustrial. Entra também aqui um conceito fundamental na obra do autor: imperfeição. Para ele, a procura da perfeição é sempre um sinal de uma incompreensão da finalidade da arte (Ruskin, 1853, p. 121). A imperfeição é o sinal da vida e do corpo mortal, pois estando o mundo e a natureza em progresso e mudanças constantes, nada que viva pode obedecer a um conceito rígido de perfeição:

“Em todas as coisas vivas existem determinadas irregularidades e de-ficiências que são não apenas sinais de vida, mas fontes de beleza (…) e banir a imperfeição é destruir a expressão” (Ruskin, 1853, p. 121)23.

20. “All judgment of art thus finally founds itself on knowledge of nature” (Ruskin, 1857, p. 82). 21. Tradução nossa: “Uncultivated rude energy of the unknown” (Ruskin, 1843, pp. 21, 232).22. “For nature is all made of roundness” (Ruskin, 1857, p. 50). 23. Tradução de Francisco Medeiros: “In all things that live there are certain irregularities and deficiencies which are not only signs

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Daí a admiração de Ruskin pelo gótico, cuja base artesanal impedia formas rigi-damente idênticas e perfeitas. Nesse sentido cada objeto do período gótico é único, como cada folha de uma árvore é única.

Quando o biólogo Edward O. Wilson afirma que a beleza nasce do erro (1992, p. 53), a propósito das “funções” de “mecanismos” como cores, cheiros e melodias, que re-presentam o que pode correr mal, e não o que pode correr bem, na luta pela sobrevivência, está a aplicar na teoria da evolução o que 150 anos antes Ruskin havia escrito sobre arte.

Ruskin criticou o excesso de civilização no meio natural e a falta de preocupação com a natureza na sociedade. Na sua autobiografia podemos perceber que a sua reação à arte é emocional e acionada pela memória, dominada por uma ligação empírica com o meio natural, sem o qual o homem seria incapaz de desenvolver o belo24.

Modern Painters, obra dedicada aos paisagistas ingleses que influenciam muitas das suas conclusões, apresenta ao seu público uma nova forma de ver, centrada no mun-do natural, enquanto ditador das leis da linguagem do desenho. Ruskin tinha grande ad-miração por Turner, e a origem desses sentimentos está tanto na arte como na natureza. Exemplo disso mesmo é o facto de Ruskin ter procurado desenhar nos mesmos locais que o seu ídolo, em particular sítios cuja força e grandiosidade da natureza fossem mais evi-dentes. A viagem que faz aos Alpes, em 1845, confirma esta afirmação, dado que Ruskin procurou encontrar o sítio exato onde Turner haveria desenhado anos antes. Ruskin tinha o desejo impossível de experienciar as emoções de Turner perante o natural:

“Turner sempre sentiu que todo o poder da arte é vão nos cumes ne-vados. Melhor seria ter decidido pintar opalas ou rubis. Os Alpes são para ser vistos, como as estrelas e os trovões, não pintados” (Ruskin, Clegg, 1983, p. 25)25.

A superioridade de Turner em relação aos seus antecessores é também justificada pela demonstração que fazia do seu conhecimento dos efeitos da natureza, conceito esse que alberga em si a aspiração de Ruskin e dos que se lhe seguiram em regressar a um es-tado de pureza e verdade ótica natural: “o olhar inocente” (Gombrich, 1960, p. 12), um olhar não corrompido pela conceptualização e pelas convenções. Ideia que acabará por abrir caminho para o impressionismo alguns anos mais tarde, pois, tal como resumiu John Berger, “as suas inovações estavam a afastar progressivamente a pintura do substancial e do tangível” (1972, p. 127).

of life, but sources of beauty (…) and to banish imperfection is to destroy expression” (Ruskin, 1853, p. 121).24. “I say an accidental mark, since forms are not beautiful because they are copied from nature; only it is out of power of men to conceive beauty without her aid” (Ruskin, 1995, p. 213). 25. Tradução de Francisco Medeiros: “He [Turner] felt always that every power of art was vain among the upper snows. He might as well have set himself to paint opals, or rubies. The Alps are meant to be seen, as the stars and lightings are, not painted”.

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John Constable (1776–1837) também desenha, tal como o seu contemporâneo, im-pressões percetivas em lugar de uma representação direta da natureza exterior. Argüelles defende mesmo que a visão de Constable é mais abertamente ecológica que a de Turner, porque, através de desenhos que gravaram as sensações que mais o marcaram, antecipa o futuro sombrio reservado à paisagem britânica da sua infância: os sons da água a sair dos moinhos, os salgueiros e as construções em tijolo começariam a escassear com o passar do tempo (Argüelles, 1975, p. 110).

É precisamente com Turner e Constable que a natureza ganha protagonismo e auto-nomia na representação artística, e que os sentimentos do indivíduo perante o natural (seja selvagem ou bucólico) são força motora para a criação, ou, como considerou Martin Kemp:

“[Turner] tratou temas menos convencionais do espaço pictórico que o ‘amplo côncavo do ar circundante’. A sua frase deve ser en-tendida no contexto desta intuição de que ‘a construção de nature-za’ era ‘demasiado colossal para a capacidade intelectual, a medição da sua altura ou compreensão da sua profundidade – o Universo e a Infinitude’” (2000, p. 136)26.

26. Tradução de Francisco Medeiros: “[Turner] delt less conventional boxes of pictorial space than with ‘the wide concave of the circumambient air’. His phrase should be understood in the context of this intuition that ‘the building of nature’ was ‘too colossal for the intellectual capacity, its height to measure or its depth to fathom – the Universe and Infinitude’” .

figura 6. Samuel Palmer, Early Morning, 1825, tinta a caneta e pincel sobre papel, 27x22 cm, Ashmolean Museum, University of Oxford.

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Segundo Argüelles, Turner ao transportar-nos através do seu trabalho para um mundo interior, evoca uma visão que o aproxima da tradição dos pintores Zen japoneses, que substitui as catástrofes humanas por uma visão de exaltação dos bens naturais (1975, p. 110). Neste sentido há um fatalismo eminente dentro da pintura paisagística do século XIX, relacionado com a preocupação pelo desaparecimento, não só da natureza pré-in-dustrial, como também de um modo de vida essencial para a simbiose com a natureza.

Turner e Constable são apenas dois nomes no que é já uma longa tradição da re-presentação de paisagem, género que Deanna Petherbridge considera ser aquele dentro do qual o vocabulário gráfico teve as suas manifestações mais ricas, possivelmente devido à riqueza e variedade do mundo natural, que desafia a representação, desafiando códigos convencionalizados e lineares (2010, p. 113). O desenho de paisagem é algo que se inter-põe entre a cena e o real, duplica a visão e defere o olhar autoral, pondo assim o artista como um mediador cultural da paisagem.

Samuel Palmer (1805–1881) foi um desses mediadores – também ele contestatá-rio da destruição da Inglaterra rural – dotando a paisagem inglesa de uma “intensidade alegórica”, e, ao mesmo tempo, antecipando no século XIX o que viria a ser a estilização paisagística do século XX (figura 6, p. 27), através do amontoado de convencionaliza-ções morfológicas da paisagem e das variações gráficas entre linhas finas e grossas, cujas origens nos remetem para os vitrais medievais (Petherbridge, 2010, p. 76). O mesmo po-demos afirmar de Vincent Van Gogh (1853–1890), que também desenvolveu um vocabu-lário singular, sem precedentes nas representações paisagísticas. Mas ao trabalho de Van Gogh podemos acrescentar outro elemento: a energia. John Berger refere em Shape of a Pocket que as linhas de Van Gogh, apesar de serem impulsionadas pelos músculos do corpo, “seguem as correntes de energia que não lhe pertencem fisicamente e que apenas ficam visíveis quando ele as desenha”27 (2003, p. 89). Nos desenhos do pintor holandês é visível a energia do crescimento e movimento dos mais diversos elementos naturais: do crescimento de um tronco à procura de luz de uma planta. De resto, segundo o mesmo au-tor, Van Gogh conseguia captar e registar essa energia através da precisão das suas linhas, porque estava na verdade a demonstrar que amava intensamente o objeto do seu desenho.

3.3 o ideal naturalCom o desenvolvimento dos problemas ambientais nos últimos duzentos anos e a

massificação das ideias de teóricos como Ruskin, Ralph Wald Emerson e Thoreau cres-ceu também o número de artistas cujo trabalho é um meio não só para expressar uma re-lação com a natureza, mas também para a consciencialização desses mesmos problemas ambientais. Muitos artistas falam da experiência do desenho como uma faceta do estar na natureza, realçando a ideia de santuário que se tornou comum a partir no século XIX:

27. Tradução nossa: “are following currents of energy which are not physically his and which only become visible when he draws them.”

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“Neste século XX, abrandar, sentarmo-nos calmamente na relva, desli-gar do mundo e voltar à terra, permitindo ao olho observar um salgueiro, um arbusto, uma nuvem, uma folha é uma experiência inesquecível”28.

Este tipo de ideal natural e o uso da arte como ferramenta para estreitar a relação do indivíduo com a natureza expande-se tanto nos ramos artísticos mais conservadores, tais como o desenho científico, como nas vanguardas artísticas contemporâneas, onde estes mesmos conceitos são trabalhados de formas radicalmente diferentes. A relação do artista com a natureza ganhou também conotações com um certo sentimento de auto-descoberta, em muito influenciado pela divulgação das filosofias budistas e taoístas em meados da dé-cada de 60 do século XX. A ideia de natureza enquanto santuário nasce precisamente no século XIX com a industrialização e os êxodos rurais, em que gerações inteiras começaram a ser educadas longe do mundo natural (Cfr.: Atwood, 2015). Ruskin foi um dos primeiros a identificar essa rutura e a escrever sobre a nostalgia do natural:

“Não existe um único momento nas nossas vidas em que a nature-za não produza cena após cena, imagem após imagem, glória após glória, trabalhando ainda sob tão requintados e constantes princípios da mais perfeita beleza” (1843, p. 88)29.

Nesse sentido, a paisagem ideal do século XIX tornou-se no objeto de projeção do passado longínquo do homem (Argüelles, 1975, p. 106), uma forma dele escapar do pre-sente e reviver aquilo que já não era uma experiência comum.

Um conjunto de quatro gravuras seiscentistas (figura 7, p. 30) de origem in-certa, que representam as estações do ano, parece de certa forma resumir o que anos mais tarde passaria a ser uma tendência crescente no campo da representação e no uso do desenho enquanto instrumento, na procura e construção de um equilíbrio na dialética homem-natureza:

“A subjugação dramática de toda a vida humana, animal e vegetal aos ciclos do sol nos dias e nas estações testemunha de forma irrefu-tável a posição da Terra no esquema maior dos movimentos cosmo-lógicos. Nesse cenário, humanos e animais são menos relacionados, do que partes integrantes do sistema cósmico” (Kemp, 2007, p. 27).

A partir dos anos 60 do século XX, começa a ser difícil ao mundo da arte em geral, sobretudo no ocidente, não reagir à cada vez mais evidente degradação ambiental que se

28. Tradução nossa: “In this twentieth century, to stop rushing around, to sit quietly on the grass, to switch of the world and come back to the earth, to allow the eye to see a willow, a bush, a cloud, a leaf is an unforgettable experience” (Leslie, 1992, p. 54).29. Tradução de Francisco Medeiros: “There is not a single moment of our lives, when nature is not producing scene after scene, picture after picture, glory after glory, and working still upon such exquisite and constant principles of the most perfect beauty”.

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figura 7. Primavera, século XVII, History of Medicine Collections, Duke University Medical Center Library, Durham, North Carolina, EUA

figura 8. Verão, século XVII, History of Medicine Collections, Duke University Medical Center Library, Durham, North Carolina, EUA

figura 9. Outono, século XVII, History of Medicine Collections, Duke University Medical Center Library, Durham, North Carolina, EUA

figura 10. Inverno, século XVII, History of Medicine Collections, Duke University Medical Center Library, Durham, North Carolina, EUA

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faz sentir. O livro de Rachel Carson, Silent Spring, faz um retrato alarmista do uso de pes-ticidas e herbicidas na agricultura e nos jardins urbanos, e tem um papel central na cons-ciencialização do público em geral para este tipo de problemas. A ética da criação artística (Grande, 2004, p. XX) desenvolve-se rapidamente a partir desta problemática e a relação idílica da natureza desenvolvida pelos românticos dos séculos XVIII e XIX ganha agora um caráter de urgência. John Berger afirma mesmo que, até aqui, a natureza não era en-tendida como parte integrante das ações do capitalismo:

“Era simplesmente a arena na qual o capitalismo, a vida social e qualquer vida individual encontravam o seu ser. Certos aspetos da natureza eram objetos de estudos científicos, mas a natureza-na-sua--completude escapava a todo o domínio” (1972, p. 125).

figura 11. Bill Burns, The Great Trading Project, Royal Ontario Museum, 2017, aguarela, 30x22 cm.

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3.4 arte, estética e éticaA consciencialização global dos nossos problemas ambientais trouxe inevitavel-

mente o foco para o equilíbrio ecológico. Liev Tolstoy (1828–1910) afirmou que uma das condições para a felicidade humana era que os laços entre homem e natureza não fossem quebrados (Grande, 2004, p. 51). Durante todo o século XX vai sendo cada vez mais ób-via a rutura iminente desses mesmos laços e o indivíduo-artista é obrigado a reagir, como é evidente nas declarações do artista de land art alemão Nils-Udo (1937):

“Ser parte da natureza, estar imerso nela e viver nela, parece-me que atuar de acordo com as leis da natureza é algo auto-evidente e neces-sário para a sobrevivência. É importante preservar o caráter original da natureza, a sua condição incólume, porque, tal como o ar que res-piro, é a base da minha existência. Qualquer interferência humana traria apenas destruição e extinção. Cada pedaço de natureza des-truída que descobria conduziu-me ao desespero”30.

Essas preocupações são claramente visíveis nos desenhos do canadiano Bill Burns (1957) (figura 11, p. 31), que trabalha frequentemente sobre a forma como os animais são tratados pelo sistema económico-social global, como é o caso do desenho The Great Trading Project, onde ironicamente sumariza um sistema de comércio em que bens resul-tantes de animais ou partes de animais são diretamente trocados entre si, sem recurso a di-nheiro. O seu trabalho refere-se muitas vezes à forma como animais, selvagens ou não, são explorados de forma a suavizar a alienação social e ao quão grotescos são os nossos este-reótipos desses animais. (Cfr.: Grande, 1994, p. 58). Burns critica fortemente a forma como romantizamos animais selvagens ao mesmo tempo que os torturamos por todo o mundo.

Em The Art of Resposive Drawing, Nathan Goldstein considera que o foco do de-senho é insistentemente um objeto que motive as nossas emoções, considerando ao mesmo tempo ser impossível visualizar aquilo que não experienciámos na nossa interação com a natureza (Cfr.: Goldstein, 1991, p. 310, 325). O próprio sentido ético das necessidades de representação como que soltou os pés da terra e procura regressar a uma religiosidade pagã, aquilo a que Michael Tucker apelida de “simbolismo do cosmos”:

“Deve haver um regresso a uma simbologia do cosmos, um revivên-cia dos princípios arcaicos da criatividade, extraídos das camadas mais profundas de uma psique integrada” (Tucker, 1992, p. 65)31.

30. Nils-Udo citado por Grande (2004, p. 96).31. Tradução nossa: “There must be a return to the symbolism of cosmos; a revivification of archaic principles of reativity, drawn from the deepest layers of an integrated psyche”.

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Esta poética é reminiscente dos ideais góticos, materializada nas catedrais, que pro-porcionavam a “participação universal” na construção de um edifício cultural, unificador de todas as artes e práticas espirituais (Argüelles, 1975, p. 49).

Na filosofia budista a relação com a natureza é de respeito mútuo e equilíbrio, por oposição à tradição judaico-cristã que frequentemente sugere que a natureza foi feita para servir o homem. Segundo Bob Verschueren, esse tipo de estado mental “cria uma barreira na nossa compreensão. A divisão entre homem e natureza ainda persiste, e de vários pon-tos de vista parece absurda”32. É nesse contexto que Nils-Udo desenvolve trabalhos em que a própria natureza é o objeto artístico:

“A paisagem está num pedestal. A natureza foi posta num pedestal e declarada trabalho artístico. The Flying Forest é precisamente uma reprodução modelada e plantada de paisagem natural fictícia (…) A paisagem está numa plataforma suportada por altas colunas. Uma cópia exata de um pedaço de paisagem natural foi posta num pedes-tal, exibida e assumida como um objeto artístico”33.

Compreendemos então que movimentos artísticos como a land art, que exploram uma relação mais próxima entre o indivíduo e o mundo que o rodeia, surjam numa altura em que religiões orientais como o budismo ganham destaque nos movimentos de contra--cultura ocidentais (e que haveriam de ser absorvidos pela cultura de massas alguns anos depois). A partir daqui, o discurso ambiental passa a ser um ponto recorrente no trabalho de muitos artistas e o século XX assiste ao nascimento de uma arte ambientalista, que de-monstra claramente um respeito sincero pelo ecossistema planetário.

É neste contexto que Richard Long (1945) se afirma, nos séculos XX e XXI, na procura de linguagens artísticas dentro de um mundo rural e natural, herdeiro de uma tra-dição romântica da Inglaterra novecentista, mas com formas de expressão contemporâ-neas.34 Long, que sempre procurou trabalhar a partir da natureza35, faz esculturas a partir de caminhadas, ato que frequentemente comentou como indutor de um estado de imersão e contemplação. Tal como Emerson, Goethe (1749–1832), Thoreau, Ruskin e Turner, tam-bém encontramos em Long um culto da solidão, agora sugerido pelas fotografias dos seus trabalhos (figura 12, p. 34), que procuram o equilíbrio entre padrões naturais e o forma-lismo das ideias abstratas do homem. O mesmo conseguimos encontrar nos seus desenhos

32. Tradução nossa: “sets up a kind of barrier in our understanding. The division between man and nature still persists, and from many perspectives it seems absurd” (Verschueren citado por (Grande, 2004, p. 84). 33. Nils-Udo citado por Grande, 2004, p. 100. Tradução nossa: “ The landscape lays on a pedestal. Nature has been set on a pedestal and declared a work of art. The Flying Forest is a precisely modeled and planted reproduction of a fictional natural landscape (...) The lanscape lays on a platform placed on a high set of columns A precisely shaped copy of a piece of natural landscape has been set on a pedestal, displayed, and declared a work of art”.34. “Richard Long appears as a late British romantic landscape artist, someone who fuses sixties conceptualism with 1800 panthe-ism” (Cfr.: Malpas, 2008, p. 235). 35. “I too wanted to make nature the subject of my work” (Malpas, 2008, p. 35).

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em madeira, cujos padrões sugerem um caminho, seja ele uma linha reta ou uma espiral. Long tenta ser ambientalmente amigável, tendo cuidado para que o seu trabalho não da-nifique a paisagem. Por outro lado, ao assumir que o seu trabalho são as caminhadas, no mesmo sentido que o de Turner eram as pinturas, Long desmaterializa o objeto artístico, não o retirando do contexto urbano36. No entanto, nunca um colecionador de arte poderá possuir o seu trabalho, só uma essência37 do mesmo, neste caso as fotografias, os mapas ou os desenhos. O observador não tem a experiência da obra de Long, tendo antes que imaginar o papel desempenhado pelo artista enquanto caminha (Malpas, 2008, p. 303). William Malpas sugere mesmo que a arte de Long, longe de tentar representar ou descre-ver a paisagem, refere-se antes à impossibilidade de a representar. Essa impossibilidade é também sugerida pelos mapas que Long faz das suas caminhadas. Neles o artista desenha linhas retas com ajuda de uma régua, o que representa uma impossibilidade física quando se caminha numa floresta; é a pureza da linha reta que não tem referência com o ato real.

36. “The content of Long’s art is walking the natural world, but the context is as urban as Keith Haring, Jean-Michel Basquiat, Frank Gehry…” (Malpas, 2008, p. 256).37. “My art is the essence of my experience, not a representation of it” (Richard Long citado por Malpas, 2008, p. 262).

figura 12. Richard Long, A Line Made by Walking, 1967, fotografia, 37,5x32,4 cm, Tate Liverpool.

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Assim, o contexto é essencial para os movimentos que se inserem no domínio da land art, como é o caso de Long, pois é o lugar, não a reta ou o círculo, que definem o trabalho. As formas desenhadas são sensíveis ao lugar de maneira a que seja estabelecido o processo simbiótico (Malpas, 2008, p. 320) – é o lugar que dita as regras do trabalho. Isto contribui para que o sítio onde o trabalho se realizou ganhe conotações de sagrado. São lugares de rituais, que não podem ser possuídos ou comprados: “o simples ato de desenhar um cír-culo na areia na praia isola um lugar sagrado. (…) ao desenhar um círculo, marcamos um santuário ou uma zona sagrada” (Malpas, 2008, p. 116)38. Esses lugares selvagens, em paí-ses tão culturalmente díspares como o México, Nepal ou Canadá, ficam inscritos dentro das conotações tradicionais românticas, descritos em termos de espírito e alma, incutin-do, tal como sugeriu Malpas, “um sentimento de infinito, solidão panteísmo, maravilha, eternidade e todos os outros sentimentos do portfólio estético do romantismo” (Malpas, 2008, p. 253)39. A afinidade com os princípios românticos do século XIX é tão grande que Long chega a descrever o seu trabalho como uma desculpa para conhecer lugares remotos, cheios de força, vitalidade e contemplação, como um Thoreau do século XX à procura do seu lago Walden40. Também Long procura através do seu trabalho a transmissão de valo-res espirituais e de comunhão que proporcione um reencontro entre homem e natureza, ou como afirmou Irving Sandler: “O trabalho de Long tem sido um diálogo de contra-cultu-ra com a terra, trazendo a humanidade mais perto da natureza indomável, glorificando-a e revelando preocupações ecológicas”41.

Ao entrevistar Hamish Fulton (1946), John K. Grande chama a atenção para as duas possibilidades no uso da arte enquanto veículo de consciencialização para os pro-blemas ambientais:

“Ao invés de construir enunciados políticos ou ecológicos sobre a des-truição do habitat natural, clima ou atmosfera, não será mais eficaz re-velar, através da arte, a beleza pura e simples da natureza uma forma mais contundente de comunicar os nossos inerentes (e e inconscien-tes) elos com a natureza e os seus imensos recursos?”42 (2004, p. 131).

A resposta de Fulton está focada numa atitude mais positiva demonstrada no seu trabalho, mas artistas como Alan Sonfist (1946) preferem ironizar e construir momen-tos que realcem aquilo que destruímos: “desde que 1965 Sonfist advoga a construção de

38. Tradução nossa: “ the simple act of drawing out a circle in the sand or on a beach isolates a sacred palce in amongst profane space (...) by drawing the circle, one marks out a sanctuary or a sacred zone”.39. Tradução nossa: “With a sense of infinity, solitude, phanteism, awe, eternity and all the rest of the romantic aesthetic portfolio”.40. Lago situado na localidade de Concord, Massachusetts, nos Estados Unidos, à beira do qual Thoreau viveu durante dois anos. 41. Citado por Malpas, 2008, p. 104. Tradução nossa: “Long’s art has been a counter culture dialogue with the earth, bringing hu-mankind close to untamed nature, glorifying it and pointing up ecological concerns”.42. Tradução nossa: Is revealling nature’s pure and simple beauty through art a more forceful way of communicating our inherent (and unconscious) links to anture and its immense resource than making overt political or ecological pronouncements about the destruction of natural habitat, climate, or atmosphere?”

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monumentos à história do ar limpo, sugerindo também que as migrações de animais se-jam noticiadas como eventos públicos” (2004, p. 165). Em 1968, num ensaio intitulado Natural Phenomena as Public Monuments, Sonfist tenta libertar a arte pública do antro-pocentrismo que a domina desde sempre:

“Tal como em monumentos de guerra de marcam a vida e morte de soldados, a vida e morte de fenómenos naturais como rios, nascentes e afloramentos naturais devem ser recordadas. A arte pública pode ser a memória de que a cidade já foi uma floresta ou um pântano.”43

Quando R. Richard Gayton afirma em Artist Outdoors, que existe uma autêntica sensação de descoberta ao conseguir ver para lá do que define uma determinada árvore enquanto espécie e conseguir ver cada uma como um indivíduo único, é inevitável pensar-mos em Ruskin e nos seus apelos à libertação do conhecimento verbal no ato de desenhar, para ser possível desenhar o que se vê, em vez do que se conhece, e fazer assim oposição a um tipo de desenho mecânico e industrializado44. Para Gayton o ato de desenhar é fun-damental para o estabelecimento de relações com indivíduos de outras espécies e para a quebra dos estereótipos de grupo, voltando a aproximar-se de Ruskin quando afirma que para extrair significado da nossa experiência, é fundamental ver – o desenho é precioso para o olho inquisidor e ensina-nos a observar (Leslie, 1992, p. 6). Também Clare Walker Leslie se refere ao efeito de revelação conseguido pelo estudo e observação direta da na-tureza: “o estudo da natureza transporta-nos daquilo que somos para um mundo maior, cheio de imagens universais” (Leslie, 1984, p. 21).

Ao referir que o estudo da natureza é o verdadeiro impulsionador das capacidades re-presentativas e imaginativas do artista, Nathan Goldstein afirma também que os melhores de-senhos vêm daqueles que melhor conhecem o seu meio envolvente, independentemente do seu trabalho representar o possível na nossa realidade. Sem natureza não há desenho, dado que as próprias leis do impossível são fornecidas pelo que apreendemos do mundo sensível. Daí que Odilon Redon (1840–1916) possa afirmar ter dado “a ilusão de vida às suas criações mais irreais”. A capacidade de fazer criaturas improváveis parecer reais, está de facto dependente de uma capacidade de distorcer a lógica do visível “ao serviço do invisível” (Cfr.: Goldstein, 1991, p. 333).

Para alguns desenhadores o ato de desenhar acaba mesmo por ser apenas um modo de estar na natureza, sendo o motor para a relação eu-natureza, enquanto que o desenho

43. Tradução nossa: “As in war monuments that record the life and death of soldiers, the life and death of antural phe-nomena such as rivers, springs, and antural outcroppings need to be rememered. Public art can be a reminder that the city was once a forest or a marsh”.44. “Painting is concerned with light and color only, as they are imagined in our retina. To reproduce this image correctly, therefore the painter must clear is mind of all he knows about the object he sees, wipe the slate clean and make nature write her own story” (Ruskin, 1843, p. 258), relembrando a questão do olhar inocente, já referida anteriormente a propósito de Gombrich.

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perde protagonismo para a experiência: “Vezes sem conta percebo que o produto mais valioso do meu estudo, não está numa imagem sobre um pedaço de papel, mas na expe-riência de estar tão diretamente envolvida na natureza”45. Leslie incentiva mesmo o uso do desenho como ferramenta para aproximar o indivíduo de um mundo cada vez mais frá-gil. O desenho de natureza serve ao mesmo tempo o desenvolvimentos das capacidades técnicas e o aprofundamento do conhecimento do mundo natural (Leslie, 1992, p. 104).

Carl Brenders (1937) assume a intenção de usar as suas pinturas e desenhos de for-ma a chamar a atenção para a conservação natural, considerando mesmo que a arte sobre vida selvagem é a melhor forma de alertar o público para o que está a acontecer à nossa própria espécie (1994, p. 88). Desta forma, em obras dotadas de um bucolismo fotográfi-co são incluídos elementos poluidores, como chumbos ou vidros (figura 13).

No contexto contemporâneo, a arte em geral é tão necessária para a sociedade como o sol e a água são para a vida, pois “ilumina aquilo que somos, de onde vimos e para onde vamos”46, sobretudo no atual contexto de degradação ambiental e de contínuo crescimento das cidades, num planeta onde se estima que, até 2050, setenta porcento da população vi-verá em cidades (OECD, 2012). O problema dos valores estéticos tradicionais e vanguar-distas está em que ambos reforçaram “modelos culturais baseados num expansionismo económico e que vêem a natureza como algo distinto da cultura humana”. Ao longo das últimas décadas têm aumentado as vozes que apelam para a urgência de criar um tipo de

45. Tradução nossa: “Again and again I find that the most valuable product of my study has been not the image on a piece of paper, but the experience of being so directly involved with nature” (Leslie, 1992, p. 4).46. Paul Gaugin citado por Grande, 1994, p. 1.

figura 13. Carl Brenders, The Survivors, 1989, gouache sobre cartão, 63,5x84,5 cm.

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arte que vá para além de tratar a natureza como a matéria bruta de um determinado proje-to, e que a trate antes como o fim, e não um meio do processo criativo (Cfr.: Grande, 1994, pp. 54,8), particularmente numa era em que a curiosidade pelos diversos elementos que a constituem parece adormecido. Grande refere-se ao papel de liderança que a arte pode ter no futuro da sociedade, caso os artistas contemporâneos aceitem a importância do estudo da natureza, e reconheçam o seu papel dentro de um ecossistema, pois, tal como o desen-volvimento científico, as artes mostram todo o seu potencial quando são capazes de reco-nhecer “o imenso número de variáveis existentes na natureza” : “Temos de redescobrir o lugar da natureza na cultura humana se queremos que o mundo sobreviva e prospere”47.

47. Tradução nossa: “We must rediscover nature’s place in human culture at large if the world is to survive and prosper” (Grande, 1994, pp. 38, 77).

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4. Os limites da realidade

O espírito não poderia distinguir a visão da realidade. Charles Bonnet48

4.1 entre facto e ficçãoA representação de animais ou híbridos homem-animal no desenho abrange um es-

pectro tão vasto que vai desde a história natural às fábulas, tendo também os mais diversos fins, como científicos, filosóficos e ritualistas, entre outros. A importância dos animais na cultura popular, incluindo a sua antropomorfização, é bem visível hoje, em produtos como peluches, filmes de animação, banda desenhada ou histórias para crianças.

A representação de um animal fora do domínio do desenho científico tem, regra geral, um contexto metafórico e/ou filosófico. As caraterísticas de um determinado ani-mal são transpostas para uma figura humanizada de forma a realçar o caráter de uma certa personagem, sendo também certo que determinados animais cimentaram ao longo dos sé-culos uma simbologia própria, junto das populações com quem interagiam: as pegas têm conotações de ladras (embora pouco justificadas) (pega-rabuda), o leão é frequentemente sinónimo de coragem e liderança, o cão de lealdade, enquanto que os corvos têm conota-ções mais sombrias, para nomear apenas alguns exemplos. O significado atribuído a cada espécie varia consoante a ocasião, e a sua aplicação: “Podiam ser apresentados como per-sonificações de uma qualquer qualidade, positiva ou negativa, embora isto também fosse verdade para objetos inanimados”49. Estas analogias emergem naturalmente da própria natureza do exercício (Cfr.: Kemp, 2007, p. 43), sendo possível encontrar exemplos de antropomorfização de animais desde há vários milénios, nomeadamente na cultura pic-tográfica das religiões da antiguidade como a assíria, a egípcia e a grega. Martin Kemp considera mesmo que a relação homem-animal na representação tem sempre dois lados: “animais humanizados e humanos aminalizados”, existindo um grande legado de imagens que alternam entre os dois lados da moeda (Kemp, 2007, p. 1).

48. Citado por Sacks, 2012, p. 37.49. Tradução nossa: “They could stand as embodiments of some positive or negative quality in emblem books, though this was also true of inanimate objects” (Kemp, 2007, p. 88).

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Um dos mais notórios exemplos de antropomorfização ou bestialização (depen-dendo do ponto de vista) são os desenhos de Charles Le Brun, feitos na década de sessen-ta do século XVII. Com o intuito de ilustrar as suas conferências à Academia Francesa, o pintor da corte de Louis XIV desenvolveu um conjunto de mais de duzentos e cinquenta desenhos conhecidos como as Cabeças Fisiognómicas (figura 14, p. 40), onde estabe-lece uma relação entre o rosto humano e o de um animal, caraterizando uma determina-da emoção. Tendo como objetivo sugerir uma personalidade através das linhas do rosto, Le Brun estudou um complexo sistema geométrico onde certas linhas, ligadas a diferen-tes pontos do rosto, revelavam as faculdades do espírito. Se o ângulo formado pelo eixo olhos-sobrancelhas estivesse direcionado para a testa, apontava para a alma. Por outro lado, se esse mesmo ângulo apontasse para o nariz e boca denunciava antes característi-cas bestiárias (Physiognomic Heads).

Em Aberrations: An Essay on The Legend of Forms, Jurgis Baltrušaitis considera que Le Brun dava grande importância à linha dos olhos e sobrancelhas, retirando diferentes conclusões consoante ela fosse ascendente, em direção à alma, ou descendente, direciona-da para a boca e nariz, o que segundo o artista francês, era uma referência aos aspetos mais bestiais da natureza humana, tendo também deduzido traços de personalidade e de bestia-lidade a partir da análise geométrica da cabeça (Mac, 2010). A geometria tinha claramente uma grande importância para o pintor, considerando que nalguns dos esboços das Cabeças Fisionómicas estão sobrepostos triângulos equiláteros, pois defendia que através dos ângulos do rosto seria possível sugerir que uma criatura era, por exemplo, carnívora (Meier, 2018). Num dos desenhos, os olhos e o bico de uma coruja são transpostos para um trio de rostos, so-bre a forma de olhares chocados e narizes curvos, enquanto noutro, três homens são dotados de olhos e barba de leão. De acordo com os registos da Academia, Le Brun apresentou todas as expressões que desenhou, tanto humanas como animais, realçando as caraterísticas físicas que indicavam as suas tendências psicológicas naturais (Cfr.: Gareau & Beauvais, 1992).

figura 14. Charles Le Brun, Trois têtes d’hommes en relation avec le lion, 1671, giz, tinta e gouache sobre papel, 21.7x32.7 cm, Musée du Louvre, Paris.

figura 15. Geovanni Battista Della Porta, De humana physiognomonia, 1586, U.S. National Library of Medicine, Rockville Pike.

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O seu trabalho era uma resposta clara ao ambiente francês da segunda metade do século XVII, contextualizado pela publicação, em 1649, de Les Passions de l’âme, de René Descartes (1956–1616), no qual este é influenciado por um ambiente intelectual que aban-dona a dependência das ações humanas do entendimento dos mecanismos do Universo, a favor de uma visão que favorece a compreensão das leis da natureza. Descartes propôs que a ligação da alma ao corpo, feita através da glândula pineal, implicava que a essên-cia de uma pessoa fosse manifestada na sua aparência física. A localização da glândula pineal, no centro do cérebro, explica também a importância que Le Brun dava à linha dos olhos e sobrancelhas. As paixões são as ações do corpo sobre a alma, que está totalmente sujeita à sua influência. Descartes defende que os espíritos animais estimulam a glândula pineal provocando grandes emoções na alma (Passions of the Soul), sendo esta uma ca-pacidade exclusivamente humana. A alma dos animais era entendida como desprovida de razão, sentimentos nobres e amoral, descrevendo uma visão essencialmente autómata de espécies não-humanas.

Com o título de Primeiro Pintor na corte de Louis XIV, Le Brun, tinha acesso a uma grande variedade de animais exóticos disponíveis na menagarie de Versailles, entre os quais se encontravam camelos, macacos e raposas que certamente lhe serviram de mo-delo nas suas pesquisas. Na década de 50 do século XVII é traduzida para francês a obra De humana physiognomonia, uma série de quatro livros sobre teorias de fisionomia que Giovanni Battista Della Porta (1535–1615) havia publicado em 1586. Esta obra, na qual caraterísticas físicas estão relacionadas com aspetos morais e psicológicos da personali-dade (figura 15, p. 40), é também uma clara influência no trabalho de Le Brun. Della Porta analisa as simpatias escondidas entre seres humanos e animais, através da observa-ção atenta de rostos humanos e animais, entre os quais estabeleceu relações. Para tal, visi-tou vários lugares, tais como uma prisão onde “um grande número de ladrões, parricidas, assassinos e outro tipo semelhante de pessoas” podia ser estudado (Italian Ways, 2015). Numa das ilustrações do seu texto, Della Porta cruza o rosto de homem e leão, antecipan-do em quase 500 anos a caraterização do Leão Cobarde de O Feiticeiro de Oz (1939). No entanto, Le Brun vai mais longe que as comparações simplistas de Della Porta, uma vez que reconhece subtilezas entre os vários indivíduos de cada espécie, que podem indicar diferentes carateres (Kemp, 2007, p. 50). Notas deixadas em alguns dos desenhos permi-tem-nos hoje saber – o texto da conferência foi entretanto perdido – quais eram as inclina-ções que Le Brun deduzia de um determinado rosto. Num conjunto de cinco homens-gato, o do centro está marcado como teimoso e estúpido, enquanto que o que está mais à direita é também descrito como agressivo. Num conjunto de cabeças de touro, uma está assina-lada como obstinada, selvagem e estúpida, enquanto que as outras são deixadas livres de adjetivos, ficando esse trabalho entregue à imaginação do observador (Kemp, 2007, p. 50).

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4.2 descrever, representar, ilustrarAlbrecht Dürer terá sido um dos mais proficientes desenhadores de animais do seu

tempo, tendo deixado uma vasta obra, reveladora, tanto dos seus maiores talentos, como dos seus sentimentos maiores, onde as seus estudos mais atentos indiciam a liberdade da sua ima-ginação50. Dürer, segundo Colin Eisler, não era refém de um simbolismo católico moralista, representando antes animais como símbolo de uma visão naturalista do mundo. Já Cohen afirma haver provas irrefutáveis do uso de iconografia animal simbólica na obra de Dürer, salvaguardando no entanto a singularidade do seu trabalho ao conseguir harmonizar signos simbólicos com a observação científica da natureza dentro de uma forma de expressão única.

Em 1515, Dürer imprime a gravura de um rinoceronte, que apresenta uma “estra-nheza incontestável” (Sicard, 2007, p. 68). Sem nunca ter visto um rinoceronte, Dürer de-senha o animal com as patas cobertas de escamas e reveste o corpo com uma verdadeira armadura (figura 16). O artista terá tomado conhecimento do animal através de um esbo-ço, tendo-o passado a desenho e posteriormente a gravura em madeira. Esta imagem ob-tém um sucesso estrondoso para a altura, sendo copiada vezes sem conta, mantendo-se até ao final do século XIX como a imagem de referência para o animal representado, mesmo “quando os erros e as diferenças entre o desenho e o animal eram já perfeitamente conhe-cidos” (Sicard, 2007, p. 68). Dürer construiu, assim, um desenho segundo o princípio do estereótipo ativo, tal como é descrito por E. H. Gombrich (1960, p. 61), ou seja, com base

50. Cfr.: Colin T. Eisler citado Cohen, 2014, p. 172.

figura 16. Albrecht Dürer, Rinoceronte, 1515, xilogravura, 21,4x29,8 cm, Museu Britânico, London.

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em informação diferida completada pela sua imaginação, criando assim, com alguma iro-nia, um estereótipo para o rinoceronte:

“A informação visual individual, essas características distintivas que mencionei, são inseridas, por assim dizer, num vazio ou formulário pré--existente. E, como acontece frequentemente com vazios, caso não te-nham disposições para determinados tipos de informação que conside-ramos essenciais, acaba por ser a informação perdida” (1960, p. 63)51.

Esta história é repetida inúmeras vezes ao longo do tempo: já na idade média, o próprio modelo de ensino do desenho era baseado na cópia de modelos, que perpetuavam e reforçavam estereótipos na representação. Até os elefantes que povoam abundantemen-te a pintura seiscentista e setecentista mostram ter origem num número limitado de ar-quétipos. O mesmo autor dá ainda o exemplo de uma gravura holandesa do século XVI, cujo artista, ao confundir a barbatana com uma orelha, a coloca demasiado junto ao olho, cedendo ao esquema familiar da cabeça típica. Nesses arquétipos da representação, que eram mesmo entendidos como sendo a verdade, dificilmente conseguimos hoje estabele-cer a correspondência com o real, tal como narrado por Gombrich (Cfr.:1960, pp. 61-73) acerca dos hieróglifos de plantas no reinado de Thutamose (1504–1492 AC) e a que hoje nenhum botânico consegue estabelecer a correspondência com a planta real.

A imagem impressa, por chegar a um maior número de pessoas, vai ganhar um esta-tuto de autenticação do real e, nos casos em que representa um animal raro na época em que é produzida, até que a tecnologia e o conhecimento sofram mudanças significativas, define--se como modelo para a representação desse animal, como no caso do rinoceronte de Dürer.

Até ao renascimento, mitologia, fábulas e lendas estavam inseridas no mesmo es-petro das ciências naturais, não havendo uma clara distinção entre o fantástico e o real. A biologia não existia ainda como área de estudo e bestas reais ou imaginárias eram ca-talogadas com o mesmo grau de seriedade e rigor (Kemp, 2007, p. 88). Tal como referiu Jean-Paul Sartre, ver o que uma imagem representa significa representar nela a realidade reproduzida, isto é, a imagem faz-se facilmente passar pelo objeto representado52, fazen-do-nos pensar na série A Traição das Imagens (ceci n’est pas un pipe) de René Magritte (1898–1967), desafiadora de um modelo verbal que tende a tomar a imagem de algo como o objeto em si. O próprio desenho funcionava de certa forma como uma prova científica e impunha os limites do real. Gonçalo M. Tavares interpreta jocosamente estas ideias em O Torcicologologista, Excelência, clarificando este ponto:

51. Tradução de Francisco Medeiros: “The individual visual information, those distinctive features I have mentioned, are entered, as it were, upon a pre-existing blank or formulary. And, as often happens with blanks, if they have no provisions for certain kinds of information we consider essential, it’s just too bad for the information”.52. Sartre citado por Massironi, 1983, p. 47.

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“— O desenho era a grande prova científica.— É real aquilo que eu posso desenhar. Se posso desenhar é real.— É ficção aquilo que eu não consigo desenhar!”

O mesmo autor remata depois o seu pensamento da seguinte forma:

“— Tudo o que é desenhável é imaginável. Eis a definição. Vossa excelência pode desenhar tudo o pode imaginar, mas não quer dizer que tal seja real. Só pode desenhar um elefante que voa porque pode imaginar um elefante que voa.— O desenho prova, então, apenas o que existe na imaginação e não na realidade. É isso?” (Tavares, 2015, p. 180).

Da idade média ao renascimento, os bestiários, podem nesta medida ser interpreta-dos como inventários do que existia no mundo natural e na imaginação, fosse ela coletiva ou individual. É neste aspeto que Monique Sicard se refere à “falta de estatuto” da imagem, que ao ser impressa num livro, é dotada de uma autenticidade “que torna possível qualquer descrição do mundo.”53 Por outro lado, Oliver Sacks questiona “em que medida a própria ideia de monstros, espíritos espetrais ou fantasmas poderá ter origem” (Sacks, 2012, pp. 206–207) num certo tipo de alucinações, uma vez que, como o mesmo autor considera, “Não vemos com os olhos. Vemos com o cérebro, que tem dezenas de diferentes sistemas que analisam o input proveniente dos olhos” (Sacks, 2012, pp. 206–163). E de facto a obra de artistas como Bosch ou Serafini, que é frequentemente caraterizada como alucinatória, tem a sua base iconográfica numa tradição medieval, o que realça a importância que este tipo de fenómenos tem na nossa cultura.

A evidente limitação de mobilidade geográfica, e uma grande precariedade na di-vulgação do conhecimento científico, facilitava a atribuição do estatuto de prova à imagem desenhada, dado que, tal como refere Martin Kemp, todos confiamos inconscientemente nalgumas coisas, levando-nos a tomar como verdadeiras imagens de coisas ou eventos que nunca experienciámos ao vivo.54 Neste sentido, Bert S. Hall alerta para as consequências da imagem “didática e elegante”, que pode levar o leitor/observador a assumir como real aquilo que não é (Baigrie, ed., 1996, p. 28). Em Art & Illusion, Gombrich (1960, p. 59) descreve o episódio da gravura de uma cidade que, reproduzida em contextos diferentes, aparece como uma ilustração de pelo menos quatro cidades diferentes tão distintas entre si como Damasco, Ferrara, Mantua e Milão.

53. “Tal como o livro a que pertencia, a gravura só podia dizer a verdade” (Sicard, 2007, pp. 69-70). 54. “We all have to take many things on trust, accepting that pictures of things we have not seen testify to real things or events” (Kemp, 2007, p. 88).

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Sendo geralmente considerado que os bestiários esgotaram a sua função e foram gra-dualmente desaparecendo na idade média tardia, o formato de compilação e inventariado de animais e plantas foi evoluindo e assumindo outras formas mais ou menos científicas – enci-clopédias, álbuns ilustrados, códices, etc. –, e que, ainda durante algum tempo, contribuíram para a divulgação de informações menos verdadeiras. Tal foi o caso de Monstrorum Historia, que Ulisse Aldrovandi (1522–1605) publicou em 1642. A representação convincente de fi-guras lendárias, como o ciclope (figura 17, p. 45), tornava difícil ao público contemporâ-neo desacreditar na sua existência (Cfr.: Kemp, 2007, p. 100), pois tal como afirmou Kemp:

“Um artista conceituado tem o poder de fazer um unicórnio parecer tão real como um narval – a representação rigorosa de espécimes da vida desempenhou um papel chave na transmissão de conheci-mento acerca do sempre crescente espectro de maravilhas naturais” (Kemp, 2000, p. 50)55.

Mesmo que algumas dessas maravilhas fossem imaginadas.No século XVI, as imagens de ciência de Bernard Palissy (1510–1589) (figura 18)

que ao exercer pressão na argila obtinha moldes de lagartos, serpentes e rãs, são na verdade “modelos, substitutos simplificados da realidade” sem serem uma cópia perfeita da mes-ma (Sicard, 2007, p. 32). Estes desenhos em cerâmica fascinam pela sua semelhança com o real mas possuem ao mesmo tempo, segundo Sicard, algo mais do que o mimetismo da natureza. São como “objetos mágicos” que “agem por si mesmos” (Sicard, 2007, p. 33), dotados de conotações sagradas que afastam o artista do mundo dos homens, e aproximam o criador do divino.

55. Traduçãod e Francisco Medeiros: “The individual visual information, those distinctive features I have mentioned, are entered, as it were, upon a pre-existing blank or formulary. And, as often happens with blanks, if they have no provisions for certain kinds of information we consider essential, it’s just too bad for the information”.

figura 17. Ulisse Aldrovandi, Ciclópe, Monstrorum historia, 1696, Bibliothèque National Française, Paris

figura 18. Bernard Palissy, Travessa oval, 1550, cerâmica, Getty Center, Los Angeles.

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Um dos mais célebres bestiários do século XVI é a Historia animalium de Konrad Gesner (1516–1565), publicada entre 1551 e 1587. Gesner faz um esforço notável de fun-damentação científica num tempo em que as fronteiras entre arte e ciência ainda não esta-vam completamente estabelecidas. Através de descrições detalhadas das caraterísticas que permitem a identificação do animal, o seu habitat natural e a sua utilidade para o homem – que inclui a história do animal na cultura humana –, Gesner considera aspetos como sim-bologia, referências em poesia ou outros papéis que o animal possa ter tido na vida ou na imaginação. O seu objetivo seria o de agrupar num só volume todos os animais já alguma vez descritos, tarefa demasiado ambiciosa para uma só pessoa. As fontes das ilustrações de Gesner são exemplo de como o mundo visual abrangia mais do que o observável (Cfr.: Kusukawa, 2010). Apesar do autor ter adotado uma posição crítica e rigorosa na constru-ção do livro, estudando, sempre que possível, o animal diretamente da natureza, houve casos de animais raros e exóticos em que Gesner foi obrigado a confiar em testemunhos de terceiros, tal como explica no prefácio, onde afirma que o entendimento entre autores ao longo dos séculos valida o conhecimento descrito. Neste caso não só era a imagem que servia de prova científica, mas também a descrição textual. As suas fontes foram as mais variadas, incluindo espécimes vivos, embalsamados, espécimes parciais, mapas, manus-critos, livros, encomendas a outros artistas e desenhos enviados por amigos. Assim sendo, não se estranha a presença em Historia animalium do sátiro (figura 19, p. 46), figura já descrita por Plínio (23 –79 d.C.) e outros autores clássicos, e que ocupava um lugar sólido no imaginário europeu. Gesner representa a criatura como um quadrúpede (contrariando

figura 19. Konrad Gesner, Sátiro, Historia animalium, 1551-58 (fonte: https://archive.org).

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o estereótipo dos aristas renascentistas e barrocos) estando guarnecido de garras nas patas dianteiras, enquanto que as traseiras eram semelhantes às de um pássaro, preservando-lhe no entanto as qualidades humanoides herdadas da antiguidade, através de um rosto e bar-ba humanas (Kemp, 2007, p. 93). O facto destas imagens serem apresentadas com legen-das, ou até mesmo longos textos, reforça a confusão compreensível referida por Gombrich, que referiu que uma imagem nunca é verdadeira ou falsa como uma proposição lógica. No entanto, é o texto que categoriza e contextualiza a imagem (de acordo com os mode-los linguísticos e verbais), determinando a sua verdade. Um exemplo citado por Gombrich ajudam-nos a esclarecer este ponto. Num caso célebre no século XIX a imagem de um embrião de porco foi legendada como embrião humano, de forma a provar uma teoria evo-lutiva (Gombrich, 1960, p. 59), ou seja, o texto tem a capacidade de afastar a imagem do seu referente original (caso exista) e atribuir-lhe um novo significado.

O domínio do texto sobre as imagens é tal, que tem mesmo influência na forma como as construímos. Gombrich observara exemplos destas mesmas ideias, a propósito de uma gravura alemã do século XVI, referente a uma praga de gafanhotos que terá ocor-rido naquela altura:

“Talvez o facto da palavra alemã para gafanhoto ser Heupferd (cava-lo do feno) o tenha tentado a adotar um esquema de um cavalo para representar o saltitar do inseto. A criação desse nome e a criação da imagem têm, de facto, muito em comum. Ambas resultam da classi-ficação do desconhecido com o conhecido, mais concretamente, per-manecer na esfera zoológica através da criação de uma subespécie. Uma vez que o gafanhoto é uma espécie de cavalo, deverá então par-tilhar algumas das suas características distintivas” (1960, p. 69)56.

4.3 registo direto e indiretoNa primeira metade do século XV assistimos ao início de uma mudança radical na

conceção de imagens: desenhos e gravuras passam a ser fruto de uma observação direta, substituindo “a pouco e pouco as criaturas nascidas da paixão dos discursos”, e obras de zoologia, como a de Gesner, passam a ocupar um lugar mais importante. Ao mesmo tem-po, cientistas e viajantes ganham um impulso que os aproxima do conhecimento, “aventu-raram-se em águas que inspiram cada vez menos temor e se esvaziam dos seus monstros” (Sicard, 2007, p. 62). Esse esvaziamento será bastante progressivo e demorará algum tem-po a concluir-se, acompanhando a própria delineação das fronteiras entre arte e ciência.

56. Traduçãod e Francisco Medeiros: “Perhaps the fact that the German word for a locus is Heupferd (hay horse) tempted him to adopt a schema of a horse for the rendering of the insect’s prance. The creation of such a name and the creation of the image have, in fact, much in common. Both proceed by classifying the unfamiliar with the familiar, or more exactly, to remain in the zoological sphere, by creating a subspecies. Since the locust is a kind of horse it must therefore share some of its distinctive features”.

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Outro fator que leva à invenção de espécies inexistentes é referida por Errol Fuller, quando afirma que muitos viajantes, nomeadamente entre o renascimento e o século XIX, podem ter inventado espécies de pássaros, de forma a completar as suas narrativas, for-necendo uma descrição vaga, que facilmente se poderia aplicar a espécies já conhecidas, mas com as quais o autor não seria familiar (Cfr.: Fuller, 1987, p. 238).

A obra de Gesner expõe de forma exemplar a relação entre os desenhos neste tipo de livros e a expetativa em relação às caraterísticas reais do objeto representado, sendo que estudos recentes confirmam como este tipo de visualizações influenciam a prática da investigação científica (Kusukawa, 2010). Posto que o autor explica, no prefácio do pri-meiro volume, as vantagens do desenho no livro:

“Príncipes do Império Romano costumavam exibir animais exóticos para impressionar e conquistar as mentes da população, embora es-ses animais pudessem apenas ser vistos ou inspecionados num curto espaço de tempo; por outro lado, as imagens em Historia animalium podiam ser vistas a qualquer momento e para sempre, sem qualquer esforço ou perigo.” 57

Devido à natureza ambiciosa do projeto, e ao volume do trabalho final – mais de 3500 páginas em folio –, a obra é também uma enciclopédia de fontes e processos de pes-quisa de desenho. Apesar de Gesner reforçar que todos os desenhos foram produzidos ad vivum, quer por ele, quer por pessoas da sua confiança, o uso dessa expressão terá uma in-terpretação bastante mais vaga do que “desenho de modelo ao vivo”. Dado que era impos-sível um único homem percorrer o mundo inteiro desenhar e descrever todas as criaturas

57. Gesner citado por Kusukawa, 2010. Tradução de Francisco Medeiros: “Princes of the Roman Empire used to exhibit exotic animals in order to overwhelm and conquer the minds of the populace, but those animals could be seen or inspected only for a short time while the shows lasted; in contrast, the pictures in the Historia animalium could be seen whenever and forever, without effort or danger.”

figura 20. Konrad Gesner, Cão, Historia animalium, 1551-58 58 (fonte: https://archive.org).

figura 21. Albrecht Dürer, Cão, 1550-1, pincel e tinta sobre papel, 14.8x19.8 cm, Royal Collection Trust, UK.

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únicas de todos os lugares, Gesner contou com fontes externas para completar a sua obra, tais como desenhos de outros artistas, livros e manuscritos (Cfr.: Kusukawa, 2010). Nos desenhos referentes a animais mais comuns, Gesner raramente refere a sua origem, sendo que, por exemplo, aquele que ilustra o capítulo dos cães (figura 20, p. 48) parece ter tido como modelo um desenho de Dürer (figura 21, p. 48). Inspiração evidente no trabalho de Dürer é o rinoceronte, cujo desenho foi aqui meticulosamente copiado a partir do trabalho do mestre alemão que, tal como já foi observado, havia sido feito inteiramente a partir de descrições verbais. Os desenhos compostos foram feitos a partir de partes do animal e de descrições em livros, como foi o caso do tucano, cujo bico foi feito a partir de um mode-lo ao vivo, enquanto que o corpo resulta de uma descrição existente em Les singularitez de la France antarctique58, tendo como resultado um pássaro inexistente. Já os desenhos de criaturas raras e monstros marinhos foram copiados da Carta marina, um mapa das re-giões nórdicas, desenhado por Olaus Magnus (1490–1557). Esta caraterística remete-nos novamente para Gombrich quando se referiu ao familiar como o ponto de partida para a renderização da informação”59, isto é, uma representação existente tenderá a dominar a mente do artista, mesmo que este seja rigoroso e tente registar a verdade.

Por outro lado, o porco-espinho foi desenhado a partir de um animal que um pe-dinte exibia nas ruas de Zurique, um hamster a partir de uma pele que vira numa feira em Frankfurt e de um livro alemão de animais. A autenticidade e veracidade dos desenhos eram um aspeto importante para Gesner, reforçado através da descrição dos nomes, qua-lificações e status dos seus amigos que lhe forneciam o material base. Em The Sources of Gesner’s Pictures for the Historia animalium, Sachiko Kusukawa refere ainda um curio-so episódio sobre as possibilidades das fontes de um desenho e sobre a forma como uma única imagem pode influenciar tantas outras. Johannes Kentmann (1518–1574) reúne

58. John Durkan citado Kusukawa, 2010.59. “The familiar will always remain the likely starting point for rendering of the information” (Gombrich, 1960, p. 72).

figura 22. Konrad Gesner, Simia Marina, Historia animalium, 1551-58 (fonte: https://archive.org).

figura 23. Johannes Kentmann, Simia Marina. Codex Kentmanus, 1547-9, Herzogin Anna Amalia Bibliothek, Weimar.

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figura 24. Konrad Gessner, Acus, Icones Animalum, 1560, Cambridge University Library.

figura 25. Johannes Kentmann, Acus, Codex Kentmanus, 1547-9, Herzogin Anna Amalia Bibliothek, Weimar.

figura 26. Cornelius Sittardus, Acus, aguarela, Nationaal Naturhistorisch Museum, Leiden.

figura 27. Johannes Kentmann, Squilla lata, Codex Kentmanus, 1549, Herzogin Anna Amalia Bibliothek, Weimar.

figura 28. Konrad Gessner, Squilla lata, Icones Animalum, 1560, Cambridge University Library.

figura 29. Atribuído a Cornelius Sittardus, aguarela, Nationaal Naturhistorisch Museum, Leiden.

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num volume, intitulado de Codex Kentmanus, um conjunto de desenhos de plantas e pei-xes, estudados entre 1547 e 1549, que emprestará a Gesner para que este o estude e copie. Deste modo, a simia marina na obra de Gesner (figura 22, p. 49) é bastante idêntica à aguarela original de Kentmann (figura 23, p. 49). O que é estranho é o facto de haver outras imagens bastante semelhantes entre os dois autores, com exceção da inversão em espelho, normal entre uma gravura e o desenho original, e que na obra de Gesner estão atribuídas a um outro autor: Cornelius Sittardus. Entre esses desenhos encontram-se os do acus (figura 24, p. 50), cancer hirsutus, squilla lata (figura 29, p. 50), the squilla crange, a cabeça do sargus, o manus marina e o fungus marinus. A semelhança entre os três desenhos da mesma espécie é evidente, nomeadamente no caso da squilla lata, o po-sicionamento semelhante nas pernas, a coloração nas antenas e intervalos semelhantes de cor nas manchas azuis laterais, permite-nos assumir que ambos foram desenhados a par-tir da mesma fonte. Neste caso, o elo comum será Gisbert Horstius, um holandês, dono de um vigoroso jardim, repleto de plantas exóticas, no qual tinha um canto com víboras e cobras. É muito provável que Horstius, que é sabido ter recebido a visita de Kentmann, possuísse também uma coleção de desenhos e gravuras de plantas, cobras e peixes, que deixaria os seus convidados copiar, explicando assim a presença de cobras na coleção de animais marítimos da obra Kentmann.

Nestes casos é bastante provável que os desenhos, que depois seriam a base para inú-meras versões, nem sempre seriam baseados na observação direta do seu sujeito, havendo mes-mo desenhos, que reclamando ser feitos ad vivum, eram na verdade baseados numa grande variedade de fontes. Desta forma, podemos afirmar que frequentemente este tipo de imagens fazem parte de uma cultura visual que engloba espécimes vivos, embalsamados e parciais, desenhos, gravuras e livros ilustrados, nos quais a observação direta do original não era ainda uma exigência científica. Juntamente com juntam-se os custos de impressão e uma certa con-veniência, encontramos as justificações para o facto de as imagens de animais, independente-mente da sua plausibilidade, fossem copiadas vezes sem conta nos mais diversos suportes60.

4.4 desenhar o inexistenteTomar imagens pré-existentes como base para outros desenhos é ainda hoje comum

na ilustração científica, nomeadamente no desenho de animais extintos. Dos animais ex-tintos entre o século XVI e XIX não sobrevivem de grande parte nada mais do que alguns desenhos e exemplares taxidérmicos. No entanto, estes últimos deterioram-se facilmente com o tempo e muitas vezes foram alvo de má conservação. No caso das penas, perdem com o tempo a luxuosidade das cores, sendo que muitas vezes um desenho com 400 anos

60. “(…) encompassing live, dried or partial specimens, drawings, prints and illustrated books, in which direct observation of the original was not yet a strict requirement for its images to be ad vivum. This, and the cost of printing as well as convenience, may be the reasons why images of animals, whether reliable or not, were copied and re-copied in later printed works, manuscripts and embroideries” (Kusukawa, 2010).

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será mais fidedigno do que um espécimen mal empalhado. No caso do papagaio-de-bico--largo, considerado extinto no final do século XVII, não sobrevive nenhum espécimen ou plumagem do animal que nos possa dar indicações da sua morfologia, para lá da sugeri-da por vestígios de esqueleto. A caraterização deste enorme papagaio (teria à volta de 70 cm), está hoje dependente de um desenho encontrado num diário de bordo de um navio holandês que visitou as ilhas Maurícias entre 1601 e 1602 (Day, 1981, pp. 68–69) (figu-ra 30, p. 52). Neste caso, um único desenho, correto ou não, estabelece, em articula-ção com fragmentos de esqueletos, o paradigma de representação de uma espécie inteira.

Do ponto de vista autoral, a divulgação de conhecimento científico, seja através de enciclopédias ou códices, tinha por base, para a lógica empírica, a palavra escrita, ou seja, era a linguística o modo privilegiado para a divulgação do conhecimento científico (Baigrie, 1996, p.XVII), sendo a imagem um mero complemento do texto61. Isto apresen-tava claramente uma limitação para a própria ciência, pois tal como Phillip Rawson con-siderou, o desenho é a base do pensamento visual (Rawson, 1969, p. 1), havendo aspetos científicos que são mais facilmente entendidos visualmente, como de resto já havia sido observado em Leonardo. É claro que, a partir do século XV, “a imagem gravada passou a ter uma função de difusão dos saberes” (Sicard, 2007, p. 62), o desenho era a prova for-mal de uma obra de outro medium, neste caso a palavra escrita, que por sua vez era uma prova da realidade. Sicard afirma que esta alteração de estatuto da imagem, impulsionou a representação rigorosa de espécies animais:

“Deve expor na perfeição as caraterísticas de reconhecimento: a forma das escamas, a posição das barbatanas ou das bárbulas junto

61. Martin Kemp afirma mesmo que: “there are no pictures within science, or within art for that matter, that operate outside an implicit or explicit dialogue with words” (Kemp, 2000, p. 178).

figura 30. Joris Joostensz Laerle, Lophopsittacus mauritianus, 1601, tinta e pincel sobre papel, Nationaal Archief, Den Haag.

figura 31. Robert Hooke, Olhos de uma mosca, Micrographia, 1665, The National Library of Medicine, Maryland.

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à boca. Como corolário, as diferenças entre as espécies tornam-se mais rigorosas. (..) O rodovalho, o linguado e a dourada distinguem--se claramente. A imagem abre a via do diálogo, da crítica: as formas da natureza tornam-se objeto de discussão” (2007, p. 62).

No século XVII, a invenção do microscópio proporcionou a descoberta de um mundo até então escondido do olho humano. Robert Hooke (1635–1703) publica Micrographia, ilustrada com pranchas gravadas em cobre a partir de desenhos do próprio autor. As imagens, dotadas de uma “qualidade sedutora”, revelam um mundo impressio-nantemente realista, tal como descreve Monique Sicard:

“Os parasitas ampliados como elefantes assustavam e, ao mesmo tempo, causavam admiração. O piolho e a mosca mostram em toda a página a sua estranha beleza. A gravura da pulga é de tal modo forte que, dois séculos mais tarde, Diderot e d’Alembert a utilizarão para a sua Enciclopédia” (Sicard, 2007, p. 82).

A ideia da representação como mimesis alia-se aqui ao dispositivo técnico de ob-servação, que, com uma iluminação cuidada, acende uma nova luz sobre, por exemplo, os olhos de uma mosca (figura 31, p. 52), transformados numa “rede finamente quadricula-da”. Sem o microscópio, “a superfície picotada com muitos buracos, alinhamentos de pi-râmides ou uma cobertura de escamas douradas” (Sicard, 2007, p. 82), não seria possível. É o instrumento que revela os pormenores, que necessitam, todavia, de uma observação cuidada, já que, tal como Hooke afirma no prefácio da sua obra, não foi feito nenhum de-senho “antes de ter examinado o objeto sob diferentes qualidades e diferentes posições da luz” (Sicard, 2007, p. 84). O instrumento e a evolução tecnológica não dispensam o dese-nhador de fazer escolhas acerca dos modos de representação, pois estas imagens “calcula-das” são ricas em decisões pessoais e culturais e facultam o acesso à codificação decidida pelo autor. A objetividade que reclamam é apenas aparente, o que leva Sicard a afirmar que a ciência é “a grande produtora de ficções” (2007, p. 266) e Gombrich que não exis-te “naturalismo neutro” (1960, p. 75), desmistificando assim o mito do olhar inocente, já antes enunciado.

Ernst Haeckel, biólogo, naturalista e artista alemão também usou o microscópio para revelar, através das suas ilustrações, todas as peculiaridades da natureza, escondidas dos olhos humanos. Os seus desenhos de plâncton, medusas e outras criaturas marinhas jogam na fronteira entre científico e artístico, através de uma combinação de biologia e geometria nunca vistas até ao século XIX (figura 32, p. 54). Os próprios títulos de al-guns dos seus livros de ilustração assumem essa indefinição do seu trabalho: Art Forms in Nature e Art Forms from the Abyss. Através de um princípio compositivo centrado, escravo

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de uma visão pessoal e única, criou ilustrações hipnóticas que demonstram a relação entre forma e função. Estas ilustrações têm uma força autónoma, independente do texto que as acompanhava. Com o objetivo de representar o mundo natural o mais fielmente possível, o que aproxima Haeckel do desenho científico, os rostos dos animais são reduzidos a ele-mentos ornamentais, uma qualidade do desenho artístico e do que mais tarde veremos em movimentos como a art nouveau. O artista alemão revela uma visão que enfatiza os aspe-tos decorativos naturais do sujeito representado, tomando escolhas ao nível da perspetiva, detalhe e ampliação que melhor realçam essas caraterísticas. Por exemplo, o que lhe inte-ressa nos morcegos (figura 33, p. 54), representados no seu Art Forms são os padrões que o nariz e os orifícios das orelhas criam, que, dotados que valores ornamentais, têm uma presença autónoma. Já no caso do peixe, este fica tão fragmentado que só conseguimos ver as suas escamas (Cfr.:. Haeckel, Breidbach et al., 2015, p. 15).

Estas decisões dispensam o observador, segundo Olaf Breidbach, de questionar o porquê e o para quê da forma, secundarizando efeitos e causas da evolução. Haeckel or-ganizava os esboços simetricamente “de forma a que a figura central e respetivas formas nas extremidades se distinguem-se umas das outras através que uma relação com o meio ambiente formalmente diferente” 62, raramente representando o habitat natural e o respe-

62. Tradução nossa: “(…) so that the central figure and the respective forms at the edge were distinguished from each other by a

figura 32. Ernst Haeckel, Phaeodaria, Art Forms in Nature, 1899.

figura 33. Ernst Haeckel, Morcego, Art Forms in Nature, 1899.

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tivo contexto ambiental. Olaf Breidbach (2015, p. 10) sugere que todas as formas com-piladas nos livros do artista alemão parecem, aos olhos do seu autor, como variações de constelações simétricas, nas quais observava os mecanismos evolutivos da natureza em funcionamento. A forma individual e a sua geometria inerente eram documentos que exem-plificavam as noções de Darwin sobre a evolução apesar de, para um observador inexpe-riente, parecerem à primeira vista como abundantemente ornamentais. De referir ainda que toda a natureza nos desenhos de Haeckel parece simétrica.

Cornelia Hesse-Honneger (1944) revela no seu trabalho, já no século XX, uma natureza assimétrica, parcialmente escondida dos nossos olhos, cheia de deformações e exceções (figura 34). Os insetos deformados da artista suíça diluem a fronteira entre de-senho artístico e científico, e entre ficção e realidade. Tendo formação como ilustradora científica, Hesse-Honegger começou, em 1986, a estudar insetos com deformações nos ar-redores de Chernobyl, obtendo resultados considerados “estatisticamente insignificantes” pela comunidade cientifica. No entanto, Hesse-Hornegger especula antes que estes inse-tos mutantes estarão mais próximos de uma realidade na natureza atual ou de protótipos de uma futura estética da natureza.63 Kemp vê assim nestes desenhos de rigor fotográfico a afirmação do direito do inquisidor obsessivo a aventurar-se em dimensões visuais onde questões sombrias se escondem (Cfr.: Kemp, 2000, p. 159), estimulando com isso a nos-sas capacidades de observação e pensamento.

formally differentiated relationship to the environment” (Haeckel, Breidbach et al., 2015, p. 7). 63. Hesse-Hornegger citada por Kemp, 2000, p. 159.

figura 34. Cornelia Hesse-Honegger, Mecoptera, aguarela.

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4.5 a ficção real4.5.1 Delírios

Codex Seraphinianus, obra de 1981, do artista e arquiteto italiano Luigi Serafini, vai claramente buscar inspiração às praticas de divulgação científica da idade média (pelo caráter alucinatório e surreal da imagem) ao romantismo (pela dimensão enciclopédica), subvertendo, neste trabalho de ficção, o caráter ilustrativo atribuído à imagem nos mode-los que lhe serviram de inspiração. Na segunda metade da década de 70 do século XX, o autor italiano dedica-se, durante 2 anos, à elaboração desta enciclopédia de um mundo imaginário, escrita com caracteres indecifráveis. Este livro, com mais de mil desenhos em cerca de 400 páginas, imita no texto manuscrito e com uma certa ingenuidade no traço dos desenhos e no tom dos códices medievais, sendo inclusive frequentemente comparado ao Manuscrito Voynich, um livro do século XV, com um conteúdo obscuro e indecifrável (até há pouco tempo). Os desenhos são claramente baseados em animais e plantas reais, que são depois distorcidos pelo tom surrealista e paródico com que são apresentados, que faz frequentemente lembrar o trabalho de Hieronymus Bosch. A obra está dividida em onze capítulos, sendo os três primeiros dedicados à flora (incluindo espécies de árvores que se desenraízam e migram), animais – onde se incluem variações surreais de cavalos (figura 35, p. 57), pássaros e hipopótamos –, e um dedicado a criaturas bípedes, que aparentam pertencer a outra ordem animal. O caráter fortemente delirante e misterioso da obra convi-da o leitor a explorar as fronteiras da realidade. Todo o livro cria uma atmosfera imensu-rável, não só pelo que é sugerido por alguns desenhos que replicam o conceito de espelho infinito – como aquele em que um pássaro a sair da casca segura no bico aberto outro pás-saro semelhante, que tem outro pássaro no bico, ad infinitum (figura 36, p. 57) – como pela própria ambiguidade dos desenhos e incompreensibilidade do texto, que a cada novo olhar suscita novas interpretações, tendo o próprio Serafini comparado a sua obra a um teste de Rorschach.64 Enquanto enciclopédia, Codex Seraphinianus, tem o objetivo de fa-cilitar a “visualização de coisas”, mas ao pairar sobre “uma realidade reconhecível e uma irrealidade desconcertante, acaba por ser “uma manifestação visual de entidades irreais”, que expõem a irrealidade do projeto enciclopédico (Schwenger). Mas, se numa enciclo-pédia a imagem é um complemento que clarifica o texto, em Codex Seraphinianus, dada a impenetrabilidade dos carateres, são as imagens que nos dão a única pista para o que o texto poderá significar. A incompreensibilidade dos carateres altera radicalmente a perce-ção das imagens e do livro, pois segundo o próprio autor existe a intenção de fazer ao leitor sentir o mesmo que uma criança sente perante um livro ainda incompreensível (Girolami, 2013). Os elementos das figuras representadas que identificamos como reais servem de

64. “At the end of the day, the Codex is similar to the Rorschach inkblot test. You see what you want to see. You might think it’s speaking to you, but it’s just your imagination” (Girolami, 2013). Na mesma entrevista assume também a intenção de continuar a adicionar conteúdo.

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figura 35. Luigi Serafini, Página do Codex Seraphinianus, 1981.

figura 36. Luigi Serafini, Página do Codex Seraphinianus, 1981.

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ponte para um mundo longínquo, que naquele momento conseguimos acreditar que é pos-sível existir, pois o próprio caráter da alucinação puxa por uma continuidade entre visão e visualização, provocando questões centrais acerca das formas como distinguimos real de fantasia (Schwenger). Jordan Hurder chama a atenção para o que Roland Barthes consi-dera ser o centro do eros: não o corpo nu, mas a fronteira onde dois pedaços de tecido se separam, deixando vislumbrar uma nesga de pele, afirmando que reduzir o Codex a tex-to e imagens seria muito menos do que lê-lo e poder experienciar “os momentos incon-táveis em que quase sabemos o que está ali representado” (Hurder, 2008). Segundo Peter Schwenger, o que Serafini nos mostra é o “objeto sonho” referido por Braudillard, aquele que espelha o objeto real, lembrando-nos que as imagens que vemos, quer na nossa mente, quer no mundo, representam apenas uma pequena parte de uma matriz de possibilidades ou posto nas palavras de Serafini: “Não é possível termos um outro mundo, mas é possí-vel um outro mundo de fantasia”65, encaixando, assim, na definição que Leonardo fazia de artista: aquele que consegue aproximar a fantasia aos efeitos da natureza66.

4.5.2 FantasiaAntes de Serafini, já Hieronymus Bosch havia sido um dos primeiros artistas, na his-

tória da arte ocidental, a criar um mundo de fantasia único, povoado de criaturas inexisten-tes, que hoje nos lembram o Dr. Moreau, do livro de H. G. Wells. Bosch desenvolveu uma iconografia singular, enraizada nos bestiários medievais, na qual o híbrido e o grotesco se diluem numa obra dedicada ao desenvolvimento de uma temática através da arte da combi-nação, tendo como resultado invenções iconográficas e inovações (Fischer, 2016, p. 57). Ao tirar elementos individuais de diferentes fontes, combinando-os depois em criaturas únicas e, para a época, disruptivas, remete-nos para o que Leonardo da Vinci refletiria anos mais tarde:

“É evidente que será impossível inventar qualquer animal sem lhe dar membros, que deverão assemelhar-se individualmente aos de al-gum animal conhecido. Como tal, para fazer uma quimera, ou ani-mal imaginário, parecer natural (imaginemos uma serpente): pega-mos na cabeça de um mastim, os olhos de um gato, as orelhas de um porco-espinho, a boca de uma lebre, as sobrancelhas de um leão, as têmporas de um galo velho e o pescoço de uma tartaruga-marinha” 67 (da Vinci, 1651, p. 202).

65. Tradução nossa:”Another world is not possible, but a fantasy one maybe is” (Serafini citado por Girolami, 2013).66. DaVinci citado por Petherbridge, 2010, p. 30.67. Tradução de Francisco Mededeiros, a partir do inglês.“It is evident that it will be impossible to invent any animal without giving it members and these members must individually resemble those of some known animal. If you therefore, to make a chimera, or imaginary animal, appear natural (let us suppose a serpent): take the head of a mastiff, the eyes of a cat, the ears of a porcupine, the mouth of a hare, the brows of a lion, the temples of an old cock, and the neck of a sea tortoise”.

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Rachel Campbell-Johnson considera que a imaginação de Bosch transcende os li-mites da imagética medieval de forma a que ainda hoje nos aprece moderna consideran-do-o mesmo como como primeiro artista a pintar a imaginação68.

Desta forma, em As Tentações de Santo Antão podemos encontrar uma criatura – metade cão, metade pássaro a usar patins de gelo (figura 37) –, demonstrativa de uma herança fértil na descrição de bestas e ambientes míticos presentes na literatura da altura, uma vez que a imaginação medieval era alimentada por provérbios, homílias, contos e ale-gorias bíblicas 69. O mérito de Bosch está no desenvolvimento de uma linguagem consis-tente, enunciadora de um outro mundo, tal como vimos também no trabalho de Serafini. Já em Bosch, tal como em Serafini, não era possível extrair uma simbologia que não seja pura especulação, sendo assim trabalho para a imaginação a invenção das histórias por detrás das criaturas. É neste sentido que Bickerstaff considera que a obra do pintor holan-dês é um jogo sobre os limites da imaginação, sem ter nenhuma necessidade de atribuir uma simbologia direta aos seus elementos, havendo uma amplitude de cenas dentro de cenas, enriquecidas com uma parafernália visual que tanto confude como entretém o es-petador.70 Stefan Fischer completa esta ideia, afirmando que o grotesco na esfera religiosa pode ser explicado com a ligação do monstro e da besta como ilustração do mal (Fischer, 2016, p. 59).

No meio de tantos animais e monstros fantásticos, a coruja tem na obra de Bosch uma presença recorrente, mas singular (figura 38, p. 60), sendo frequente a sua utilização em vários desenhos e pinturas (Fischer, 2016, p. 23). Por exemplo na pintura O Navio dos Loucos (figura 39, p. 60), uma coruja observa semi-escondida do cimo de uma árvore o desenrolar de toda a cena. Leila Packer sugere que a coruja seja um símbolo omnipresen-te de que algo falta no paraíso, pois na idade média a coruja com os seus enormes olhos

68. Campbell-Johnson citada por Denney, 2018.69. Bickerstaff citado por Denney, 2018.70. Idem.

figura 37. Hieronymus Bosch, As Tentações de Santo Antão (pormenores), 1495-1500, óleo sobre madeira, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa.

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era um ser que tudo via, de tal forma que é apresentada poisada bem alto, como que numa posição de julgamento e um símbolo de ameaça e precaução (Cfr.: The Curious World of Hieronymus Bosch, 2016).

4.5.3 ImaginaçãoTambém a representação de criaturas há muito desaparecidas leva os artistas a jogar

na linha entre ficção e realidade. Um dos mais populares campos de representação do des-conhecido, ou neste caso, daquilo que nunca foi contemporâneo da História do homem é a paleo-arte, género artístico que pretende representar a vida pré-histórica com base em dados científicos, e que aparece num momento em que, enquanto espécie, o homem se confronta com os efeitos das suas ações na extinção de outras espécies71. Até ao século XIX este tipo de atividade era inexistente, mas a introdução da máquina a vapor despertou um novo tipo de curiosidade, que, segundo Isaac Asimov, permitiu a formulação de per-guntas acerca do futuro que nunca tinham sido colocadas, e das quais era agora possível racionalizar uma resposta. Mas para tal, era necessário compreender o passado72. Os pri-meiros trabalhos de paleo-arte eram essencialmente ilustrações que acompanhavam tex-tos científicos, e estão hoje cientificamente datados. No entanto, “a natureza imaginativa” (Lescaze, 2017, p. 20) destes desenhos, quase sempre a preto e branco – eram poucos os que se aventuravam a imaginar as cores destes bichos há muito desaparecidos – torna-os extraordinários.

Zoë Lescaze afirma que depois de um paleontólogo desenterrar os vestígios de animais pré-históricos, um artista imagina a partir de pistas fornecidas pelo esqueleto, como a criatura teria sido em vida, e Henry Thomas de la Beche (1796–1855) terá sido o primeiro a fazê-lo. Em 1830, a partir de fósseis descobertos por Mary Anning, de La Beche desenha a aguarela Duria Antiquior, imagem que deixava vislumbrar um mundo,

71. “Ever since images of vanished animals have been potent self-portraits” (Lescaze, 2017, p. 267).72. Asimov citado por Lescaze, 2017, p. 11.

figura 38. Hieronymus Bosch, Desenho de coruja, 1500, tinta sobre papel, 20,2x12,7 cm, Staatliche Museen, Berlin.

figura 39. Hieronymus Bosch, O Navio dos Loucos, 1490-1500, óleo sobre madeira, 58x33 cm, Museu do Louvre, Paris.

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até então desconhecido dos humanos (Lescaze, 2017, p. 19). Já antes teria havido tenta-tivas de ilustrar animais há muito extintos, mas de la Beche enraizou as criaturas no seu mundo original, não deixando de contribuir com a sua imaginação para o resultado final. Duria Antiquior (figura 40) surgiu durante uma segunda revolução científica, onde todos os campos do conhecimento se expandiam diariamente com novas descobertas. Estava em voga acompanhar todas as novas descobertas, e o colecionismo de fósseis e de outros ob-jetos de história natural eram particularmente procurados. Estas descobertas provocaram uma transformação radical na forma como era concebida no Ocidente a criação do mun-do e a própria imagem que o homem tinha de si mesmo: “Não parecem monstros estas criaturas? E no entanto partilhamos as mesmas origens” (Lescaze, 2017, p. 20), questio-nava a autora Camille Flarmmarion73 na legenda para uma gravura (figura 41, p. 62) de Georges Devy, em 1886. Também aqui é clara a utilização do desenho de outros animais para o homem se questionar a si mesmo, e ver-se ao espelho enquanto olha o outro. Este tipo de desenho apresenta-se, particularmente em Inglaterra, como um reflexo da socie-dade vitoriana, considerando Lescaze que com a obra Reptiles Restore, de 1833 (figura 42, p. 62), a alegoria do controlo imperial é completa: um pomposo Iguanodon lidera um reino tropical, comandando plesiossauros, tartarugas, pássaros e outros dinossauros a viver em perfeita coexistência (Lescaze, 2017, p. 27).

Com os seus desenhos sombrios, também John Martin (1789–1854) explorou os cantos mais escuros da nossa imaginação. Numa parceria com o cientista Gideon Algernon

73. Citada por Lescaze, 2017, p. 20.

figura 40. Henry De la Beche, Duria Antiquior – A More Ancient Dorset, 1830, aguarela, 31,8x22,4 cm, National Museum of Wales, Cardiff.

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Mantell, Martin vê o seu trabalho associado ao Frankenstein de Mary Shelley, devido ao realismo da ressurreição de um monstro há muito extinto através do desenho. Martin aca-ba mesmo por canalizar as preocupações britânicas com conflitos e apocalipse, em dese-nhos cheios de fogo e trovões que representavam episódios calamitosos, rompendo com a tradição da representação idílica do passado distante (Lescaze, 2017, p. 29).

Curiosamente estes animais pré-históricos apresentam bastantes semelhanças com os monstros e dragões desenhados nos mapas da antiguidade, dando-nos ao mesmo tempo pistas da forma como outras criaturas aguçam a imaginação humana:

“Aqueles tubarões, baleias e morsas deformados não são fascinantes apenas por sugerirem que águas eram exploradas naquele tempo, ou o pouco que os viajantes conheciam dos animais marinhos. Estas estranhas criaturas semimísticas são também símbolos da complexa curiosidade e medo suscitados pelo mar (…) São caminhos para compreender a nossa relação com o passado e o nosso lugar no pre-sente (…) mas todos levam a recantos inesperados da psique huma-na” (Lescaze, 2017, p. 20)74.

Estes artistas foram os primeiros a explorar uma área até então pouco explorada pelo desenho e, à medida que iam desenhando estas bizarras bestas pré-históricas, acabaram por definir coletivamente uma longa tradição no desenho de monstros e criaturas fantásticas.

74. Tradução de Francisco Medeiros: “Those misshapen sharks, whales and walruses are not intriguing solely because they suggest which waters were explored at the time, or how little travelers knew about marine animals These strange semi-mythical creatures are also emblems of the complex curiosity and fear excited by the sea (…) They are roads to understanding our relationship to the past and our place within the present (…) but they all lead to unexpected corners of the human psyche”.

figura 41. Georges Devy, Don’t these beings… Look Like Monsters?, 1886, gravura, 13x19 cm, coleção privada.

figura 42. George Scharf, Reptiles Restore, 1833, aguarela e grafite sobre papel, 31,6x22,5 cm, National Library of New Zealand, Alexander Turnbull Library, Wellington.

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4.5.4 FábulaUm século antes de Descartes defender a tese do animal-máquina, Michel de

Montaigne (1533–1592) havia proposto a tese diametralmente oposta. Para Montaigne é a nossa arrogância que nos leva a caraterizar outras espécies como não-inteligentes, não tendo o homem maneira de aceder aos pensamentos de outros animais e às suas formas de comunicação. Montaigne via no comportamento animal pontos em comum com o com-portamento humano:

“O Homem é a mais perniciosa e débil de todas as criaturas e, con-tudo, a mais propensa ao orgulho. Esta criatura sabe e vê que está depositada aqui, entre a lama e a porcaria do mundo, presa e cravada à parte mais morta e estagnada do universo, no andar mais baixo do edifício, o mais longe da abóbada celestial … Contudo, em pensa-mento, posiciona-se acima do círculo da Lua, com os próprios céus a seus pés. A vaidade deste pensamento torna-o mesmo igual a Deus; atribui a si mesmo o modo de existência de Deus; escolhido e de-stacado do conjunto das outras criaturas”75.

Jean de La Fontaine (1621–1695, contemporâneo de Le Brun) publica, em 1668, as suas Fábulas, onde podemos perceber alguma influência dos escritos de Montaigne. Nestas pequenas histórias são os animais que ganham o protagonismo para instruire les hommes (Coutin, 1975). Segundo Kirsten H. Powell, La Fontaine examinou as implica-ções de animais falantes expondo questões fundamentais acerca dos mecanismos cogni-tivos dos animais e existência da respetiva alma76. Powel defende que nas fábulas de La Fontaine o mundo natural alia-se a uma cultura sofisticada, povoada por valores cogni-tivos que caracterizam a sociedade humana, o que demonstra uma crescente valorização da natureza e do instinto em relação à civilização. Neste sentido, La Fontaine contraria a tese cartesiana do animal máquina.

A literatura tem sido uma enorme fonte de inspiração para desenhar o impossível sendo algumas obras, como é o caso destas Fábulas de La Fontaine, combustível para inumeráveis interpretações nos últimos quatrocentos anos. Assim, referir a obra de La Fontaine implica os inúmeros artistas que nos últimos 350 anos ilustraram as suas histó-rias. Jean-Baptiste Oudry (1686–1755) apresenta uma das mais importantes versões da obra de La Fontaine. Essa colaboração é, segundo Martin Kemp, representativa de uma

75. Michel de Montaigne citado por Kemp, 2007, p. 113. Tradução de Francisco Medeiros: “Man is the most blighted and frail of all creatures, and, moreover, the most given to pride. This creature knows and sees that he is lodged down here, among the mire and filth of the world, bound and nailed to the deadest, most stagnant part of universe, in the lowest story of the building, the furthest from the vault of heaven… Yet in thought, he sets himself above the circle of the Moon, bringing the very heavens under his feet. The vanity of this same thought makes him equal himself to God; attribute to himself God’s mode of being; pick himself out and set apart from the mass of other creatures”.76. Citada por Cohen, 2014, p. 171.

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enorme tradição literária e visual, que, por mérito próprio, obteve ampla cobertura na nossa cultura (Cfr.: Kemp, 2007, p. 127). Também Gustave Doré (1832–1883) produziu alguns dos mais intemporais desenhos para Fábulas, trabalho que terá descrito como um dos mais difíceis de concretizar tendo-lhe, no entanto, proporcionado uma oportunidade de ilustrar histórias do ponto de vista dos animais (Zafran, 2007, p. 96). Um desenho que Doré fez para O Veado Doente (figura 43) difere da gravura final, mas é um exemplo perfeito de como o seu autor consegue humanizar um animal (o veado olha diretamente o espetador) sem distorcer as suas caraterísticas morfológicas e ao mesmo tempo mantém um aspeto na-turalista referente ao animal retratado, reforçando visualmente a possibilidade aberta pelas palavras de La Fontaine. Curiosamente, este desenho remete-nos para um óleo de Oudry (figura 44) que representa também um veado ferido numa posição semelhante, num apa-rente estado de exaustão física e psicológica, recheada do pathos que estava por padrão reservado a imagens sobre os grandes dramas da humanidade (Kemp, 2007, p. 133), tam-bém este olhando o espetador.

4.5.5 Ao Vivo/VerdadeOudry é também conhecido pelas seus enormes retratos de animais presentes da

ménagerie de Louis XIV, encomendados pelo próprio rei, que tinham como objetivo se-rem documentos da história natural e de promoção da coleção de animais exóticos do rei. O século XVIII viu crescer o interesse por animais exóticos, que acompanhavam a expan-são das ciências naturais e viagens filosóficas, e que realçavam a importância da observa-ção empírica direta, tendo com isso assistido ao encorajamento da importação desse tipo de animais. O facto de cada vez mais animais exóticos estarem disponíveis para os artistas europeus, provoca uma mudança no paradigma da representação animal, dado que então

figura 43. Gustave Doré, The Sick Stag, século XIX, 30.5x24.8 cm, Museum of Fine Arts, Boston.

figura 44. Jean-Baptiste Oudry, Cerf aux Abois, 1735-38, óleo sobre tela, Staatliches Museumn Schwerin.

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já era possível observar como realmente eram, eliminando a dependência de textos distor-cidos e desenhos erráticos. Oudry, para quem o empirismo era fundamental, cruza-se, em 1749, com Clara (figura 45, p. 66), uma rinoceronte indiana, trazida oito anos antes para Roterdão. Apresentada também em Paris na feira de Saint-Germain, a rinoceronte já tinha percorrido grande parte da Europa na altura da sua morte, em 1758, tendo passado quinze anos em digressão. Clara é, porventura, um dos animais mais representados na história da pintura europeia, considerando os inúmeros desenhos e pinturas em que está diretamente representada (figura 45, p. 66). Sendo um animal nunca visto na Europa até então, eram muitos os artistas que aproveitaram a oportunidade para a estudar. A obra de Oudry, pinta-da em tamanho real numa tela com mais de quatro metros de comprimento por três metros de altura, representa um triunfo técnico-artístico dentro do campo da representação animal em tamanho real, pois obrigou o autor a lidar com problemas relativos à representação rea-lista de animais, que só seriam resolvidos com a invenção da fotografia (Einspruch, 2007).

No ano em que Clara chega a Paris, Comte de Buffon inicia a publicação da Histoire Naturelle, em quarenta e quatro volumes (1749–1803), um dos quais haveria de conter uma gravura de um rinoceronte baseado na Clara de Oudry. Nas suas descrições de animais, Buffon apresenta frequentemente um contexto da espécie tendo em conta o seu lugar na “ordem das coisas”, de onde se pode deduzir uma “moral”, a partir do com-portamento do animal. Tanto as palavras de Buffon como os desenhos de Oudry partilham uma visão positiva dos animais, aos quais são atribuídos carácter e sentimentos humanos, como, por exemplo, nos retratos que fez de leopardos, em que Oudry apresenta o macho como “un tigre [sic] masle en colère”, enquanto que a fêmea é descrita como “tranquila” (figura 51, p. 67). Na presença dos animais, Oudry faz esboços eloquentes, através de linhas traçadas rapidamente (Cfr.: Kemp, 2007, p. 143), que depois levava para o estúdio, onde desenvolvia as pinturas de maiores dimensões.

As anotações de linhas rápidas, que permitam ao artista conhecer o objeto do dese-nho, evidenciam ter alguma importância para o reconhecimento de diferentes personalidades entre indivíduos da mesma espécie, facto esse que também é referido por Richard Gayton:

“Acontece que começas um esboço, mas antes de o conseguires acabar a gaivota já voou para outro lado. Entretanto pousa outra gaivota, que assume uwma posição semelhante e podes então continuar o teu es-boço (…) no entanto é importante entender que todas as criaturas são indivíduos únicos. Uma gaivota nunca é completamente igual a outra. Ao princípio podem parecer semelhantes, mas à medida que as fores conhecendo nos teus desenhos, rapidamente vais conseguir observar as diferenças entre cada uma. Começas a vê-las verdadeiramente”77.

77. Tradução nossa: “it will happen that you begin a sketch, and before you finish the gull has flown away. Another gull alights and

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figura 45. Jean-Baptiste Oudry, Clara, 1749, óleo sobre tela, 306x453 cm, Staatliches Museum, Schwerin.

figura 46. Jean-Baptiste Oudry, Clara, 1750, giz sobre papel azul, The British Museum, Londres.

figura 47. Jan Wandelaar, Gravura de Clara e esqueleto humano, 1749, Tabulae sceleti et musculorum corporis humani, Royal Academy, London.

figura 48. Pietro Longhi, Clara, 1751, óleo sobre tela, The National Gallery, London.

figura 49. Pietro Longhi, Rinoceronte, 1751, óleo sobre tela, Gallerie di Palazzo Leoni Montanari, Vicenza.

figura 50. Petrus Camper, Clara, 1748, University of Amsterdam.

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No século XIII, já Villard de Honnecourt se referia à importância de conhecer o mo-delo, estudando-o ao vivo – “Et saves bien qu’il fu contrefais al vif”78. No entanto, segundo Gombrich (1960, p. 68), estas palavras têm hoje um significado diferente. O leão desenha-do por Honnecourt (figura 2, p. 11), que se presume ter sido desenhado a partir de um modelo ao vivo, assemelha-se hoje mais a um esquema do que a um desenho rigoroso, le-vando Gombrich a afirmar que a quantidade de informação visual transmitida pelo leão que Honnecourt permitiu no seu desenho é uma questão completamente diferente (1960, p. 68).

Já no caso de Oudry, o esforço que o artista francês punha na individualização de cada bicho, vai de encontro à ideia de que os animais também têm uma alma, temperamen-to e sentimentos, tese que Montaigne havia defendido quase duzentos anos antes. Martin Kemp considera assim que Oudry, tal como Le Brun, reconhecia diferentes personalida-des dentro da mesma espécie, de forma que qualquer animal poderia ser retratado como um indivíduo distinto dos seus pares. Com efeito, os desenhos e pinturas que Oudry fez dos cães de Louis XIV estão classificados como retratos, categoria geralmente reservada para a representação da espécie humana. Os retratos de animais de Oudry, através da sua elegância e nobreza, são idelizados à semelhança dos retratos reais (Jean-Baptiste Oudry: Exotic Animals in Eighteenth-Century Europe), isto é, podemos encontrar neles aquilo a que Deanna Petherbridge descreveu como “a presença do espiritual percecionada no ma-terial” (2010, pp. 192-194).

Devido aos grandes avanços técnicos, científicos e filosóficos que se fazem sen-tir a partir do século XVIII, o interesse por animais exóticos irá estender-se até ao século XIX. Em 1829, Eugéne Delacroix – que frequentemente desenhou e pintou leões, tigres e cavalos (figura 53 e 54) – assiste à dissecação de um leão, momento que aproveita para

assumes a similar posture, and you can resume your sketch (…) but it is important to realize that all living things are individuals. Never is one gull entirely identical to another. At first they might look very alike, but as you get to know them in your sketches you quickly discover individual differences. You begin to really see them” (Gayton, 1987, p. 114).78. Citado por Gombrich, 1960, p. 68.

figura 51. Jean-Baptiste Oudry, Leopardo, 1741, óleo sobre tela, 131x160 cm, Staatliches Museum Schwerin.

figura 52. Jean-Baptiste Oudry, Leopardo fêmea, 1741, óleo sobre tela, Staatliches Museum Schwerin.

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figura 53. Eugène Delacroix, Lion dévorant un cheval, 1844, aguarela sobre papel, 19,7x7,6 cm, coleção privada.

figura 54. Eugène Delacroix, Tigre attaquant un cheval sauvage, 1826-29, aguarela sobre papel, 17.924.9 cm, Musée du Louvre, Paris

fazer uma série de esboços rápidos (figura 55, p. 69), dando um sentido quase literal às palavras de Gombrich quando afirmou que a natureza é passível de ser imitada ou trans-crita sem antes ser desconstruído e reconstruída novamente (Gombrich, 1960, p. 121). O esboço a partir do modelo ao vivo é, ainda hoje, um aspeto referenciado no processo criativo e de resolução de problemas de artistas, nomeadamente de artistas de natureza ou ilustradores científicos:

“Certa vez passei alguma tempo a trabalhar num desenho de um por-co-espinho, a partir de uma fotografia, e simplesmente não saía bem. Só ao avistar um a passear pelo meu jardim e desenhá-lo ao vivo é que consegui perceber onde estavam os meus erros”79.

Estas palavras de Claire Walker Leslie refletem aquilo que Leonardo da Vinci ha-via já pensado quinhentos anos antes, quando referiu que o o artista/estudante deve sem-pre estudar a natureza de forma a confirmar e corrigir na sua mente a razão daquilo que aprendeu (da Vinci, 1651, p. 1). Da Vinci considera mais tarde que nunca o artista deve ser arrogante ao ponto de achar que pode reter na sua memória todos os efeitos da nature-za, devendo antes consultá-a80. No entanto, o estudo da natureza era mais entendido como um ato preparatório, tal como o desenho, para que, no estúdio, o artista pudesse idealizar e modelar segundo uma perspetiva renascentista antropocêntrica. Apesar de, em termos teóricos, as palavras de Leonardo estarem bastante próximas do que Ruskin, para quem a natureza definia o padrão de belo, viria defender 400 anos mais tarde, os seus fundamentos teóricos são diametralmente opostos, dado que o britânico rejeitava que a natureza pudes-se ser melhorada. Já para Leonardo, o estudo da natureza não se traduzia numa imitação literal daquilo que era observado, tal como refere Kemp:

79. Tradução nossa: “I once spent some time laboring over a drawing of a porcupine from a photograph. It simply did not look right. Not until I saw one wondering across our lawn and was able to sketch it from life did I see where I had gone wrong” (Leslie, 1992, p. 126).80. “(…) consult nature for everything” (da Vinci, 1651, p. 208).

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“Para o Leonardo, a invenção de uma imagem convincente não se baseava na imitação literal da natureza ou na imaginação desmedi-da, antes na ordenação dos efeitos da natureza através do entendi-mento das leis naturais resultante da ‘Experiência’” (2000, p. 12)81.

No século XVIII, desenhar a partir do modelo ao vivo é também importante para a independência relativamente a outras fontes. Muitos artistas da idade média e renasci-mento estavam dependentes de descrições textuais ou de tradições orais para represen-tarem animais nunca vistos. Muitas das criaturas fantásticas que hoje povoam a nossa mitologia nasceram precisamente de descrições distorcidas de animais reais. Tal é o caso dos primeiros relatos sobre a girafa na Europa, descrita como um camelo com manchas e chifres – foi chamada de camelopardo até ao final do século XIX – o que deu origem a representações algo distorcidas (figura 56, p. 70). É também o caso das sereias, cuja origem estará nas vacas-marinhas. Também é nesse sentido que podemos interpretar as palavras de Bob Kerhn82:

“Quanto mais desenhares ao vivo, mais independente serás de fontes externas. A dependência de boas fontes legíveis limita as tuas ações. Se quiseres mudar de posição animais numa pintura, então é preciso

81. Traduçãod e Francisco Medeiros: “For Leonardo the invention of a compelling image was not based on literal imitation of nature or unlicensed imagination but on the ranking of nature effects through the understanding of natural laws derived from ‘Experience’”.82. Tradução nossa: “(…) the more you draw from life, the more independent you are from outside reference sources. Dependence on good readable source material limits what you can attempt. If you want to move animals around in your painting, then you ought to be able to construct them without resort to specific photographs” (Kerhn citado por Leslie, 1992, p. 126).

figura 55. Eugène Delacroix, Esboço de leão, 1829, lápis sobre papel, 22×34 cm, The Art Institute of Chicago, Chicago.

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que os saibas construir sem recorrer a fotografias específicas.”

Essa atividade revela-se fundamental para que, no estúdio, o artista possa desen-volver as suas composições mais ou menos idealizadas. No caso de Delacroix as compo-sições são geralmente bastante dinâmicas, representando os animais em conflito iminente ou a meio de uma ação, como o leão que devora um cavalo (figura 53, p. 68) ou um ti-gre em pleno salto, de garras e dentes presos no dorso de outro cavalo (figura 54, p. 68). Este modelo representacional afasta-se um pouco do seguido por Oudry, que desenhava animais como se fossem reis a pousar para um retrato oficial. Delacroix, representa-os an-tes em toda a sua ferocidade e violência.

No século XIX, Josef Wolf (1820–1899) ganha destaque nas suas representações de vida selvagem, que atingiram o apogeu em 1873, com um conjunto de vinte gravuras intitu-lado The Life and Habits of Wild Animals (figura 57, p. 71). Wolf já havia produzido um ano antes ilustrações para The Expression of the Emotions in Man and in Animals, a obra de Darwin, mas neste trabalho podemos observar, de forma exemplar, como os suas carac-terísticas românticas vão de encontro à visão descrita pelo autor de A Origem das Espécies:

“Quando os artistas retratavam a competição selvagem entre o poderoso e o frágil e entre o militar e o indefeso, eram participantes ativos no estabelecimento de uma visão da natureza em interação que era intransigentemente dinâmica e competitiva, em vez de fixa

figura 56. Johannes Jonstonus, Camelopardo, Historiae naturalis de quadrupetibus libri, 1657 (fonte: www.archive.org).

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figura 57. Joseph Wolf, At Close Quarters, The Life & Habits of Wild Animals, 1874, gravura (fonte: https://www.ebay.co.uk/).

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de forma convencional” (Kemp, 2007, p. 143)83.

Logo, este tipo de representação iria estabelecer o contexto visual dentro do qual a seleção natural poderia ser observada na sua vertente mais violenta. Wolf, que chegou a ser considerado, por Edwin Landseer, como o melhor pintor de animais de sempre (Royal Collection Trust), também punha grande foco no desenho de observação direta, que espe-lha o animal vivo de uma forma que remete para o concetto dell’anima de Leonardo da Vinci, contribuindo para a afirmação da wildlife art como género artístico.

No outro lado do Oceano Atlântico, o norte-americano John James Audubon, autor de um dos mais célebres trabalhos de representação animal (Birds of America), apresentou uma visão também romântica do mundo natural, mas acentuadamente menos violenta que a de Wolf. Audubon analisou detalhadamente o cadáver de indivíduos de cada espécie, muitas vezes mortos propositadamente para o livro, registando todos os detalhes e corri-gindo-se com a ajuda de réguas e compassos. A esse método aliava os estudos que fazia de silhueta das aves, à distância e em movimento, de forma a melhor captar a sua forma, ou, como descrito por Kemp, para segurar a personalidade dinâmica do pássaro no cam-po, tal como pode ser observada à distância (Kemp, 2000, p. 53), apurando os excessos plásticos da tridimensionalidade de cada pássaro, para elaborar um jogo de luz nas super-fícies modeladas. Apesar de uma visão e um sistema de representação que o aproxima da visão de Darwin, os desenhos de Audubon transmitem menos uma análise sistemática em prol de uma visão romântica de um naturalista entusiasta, como é também percetível dos seus textos:

“Onde a Natureza parece … ter disseminado generosamente as di-versas sementes, das quais brotaram todas as formas belas e esplen-didas que tentarei em vão descrever”84.

Ou seja, em Audubon, como já viramos em Turner, a natureza é colocada num patamar superior ao qual as linguagens humanas, sejam elas verbais ou visuais, jamais poderão chegar.

Também próximo do legado de Darwin, mas já no século XX, é o trabalho de William Latham, que desenvolveu um programa informático evolucionário que alia evo-lução darwiniana com estética humana (figura 58, p. 73). Com base em opções estéticas em que conteúdo e estilo são previamente definidos mas sem forma final pré-estabelecida, ou seja, as formas escultóricas são dotadas de propriedades genéticas que modulam o seu crescimento, estando inclusive sujeitas a leis de seleção natural. O resultado são imagens

83. Tradução de Francisco Medeiros: “For Leonardo the invention of a compelling image was not based on literal imitation of nature or unlicensed imagination but on the ranking of nature effects through the understanding of natural laws derived from ‘Experience’”.84. Audubon citado por Kemp, 2000, p. 53. Tradução de Francisco Medeiros: “Where Nature seems… to have strewed with uns-paring hand the diversified seeds from which have sprung all the beautiful and splendid forms which I should in vain attempt to describe”.

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3D de organismos fantásticos cuja morfologia se transforma numa sequência de imagens animadas, com uma “estética de ficção científica” (Kemp, 2000, p. 163).

4.6 sínteseTodas estas formas de representação dizem respeito a uma tradução da nossa expe-

riência no mundo, articulada através de vocabulários que foram e são replicados vezes sem conta, da mesma forma que um aluno, ao aprender o alfabeto, copia inúmeras vezes um ar-quétipo de uma determinada letra, acabando, com o tempo, por desenvolver a sua própria caligrafia. Tal como como os diversos ramos da ciência são uma tentativa de interpretação e descodificação da natureza – seja através de números, fórmulas, descrições anatómicas, etc. – também o desenho o é. Tentando compreender visualmente o real (a natureza), sabe ao mesmo tempo que nunca produzirá a imagem real e imparcial. Esse real é o ponto de partida do desenho e sem o qual este nunca poderia existir. Todas as línguas que o desenho desen-volveu estão dependentes de chaves que nos permitem interpretá-lo que, por sua vez, estão dependentes daquilo que é mundo observável num determinado contexto social. Mesmo um trabalho aparentemente aleatório como o de William Latham (1961), só é possível porque existe uma teoria científica que suporta o conceito na origem do programa informático que desenvolve os desenhos.

Uma imagem, mesmo que fotográfica, nunca poderá ser o real, mas somente um conceito do mesmo, exposto em linhas e manchas, que não existem no objeto real. As ima-gens que resultam desses vocabulários são muitas vezes confundidas com o objeto a que

figura 58. William Latham, The White Horn, Mutator, 1990 (fonte: http://latham-mutator.com/).

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se referem, na medida em que o evocam de forma imediata. Até à invenção da fotografia, o desenho tinha um papel fundamental na definição da verdade, estando sempre integra-do num contexto que estabelece a chave empírica para decifrar a imagem. Logo, pode-mos compreender que o leão de Honnecourt tivesse, na época em que foi desenhado, um realismo que não possui hoje. No entanto, e tal como afirmou Gombrich, essas represen-tações, por mais reais que pareçam, são apenas conceitos de referentes na natureza: “Se toda a arte é conceptual, a questão é bastante simples. Pois conceitos, tal como imagens, não podem ser verdadeiros ou falsos”85.

85. Tradução nossa: “If all art is conceptual, the issue is rather simple. For concepts like pictures, cannot be true or false” (Gombrich, 1960, p. 77).

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5. Trabalho artístico

5.1 abordagem ao temaNeste ponto pretendemos descrever o processo de desenvolvimento do trabalho

artístico e respetivas abordagens de investigação e experimentação na realização dos desenhos.

A partir da bibliografia consultada ficou desde cedo estabelecido que só seriam de-senhadas espécies extintas e não subespécies, sendo que a classificação de uma determina-da população em espécie ou subespécie nunca é completamente objetiva e pode variar ao longo do tempo. Tal é o caso do leão-marinho-japonês, que foi considerado até 2003 uma subespécie do leão-marinho-da-califórnia e é hoje categorizado como uma espécie autó-noma. Esta exclusão prende-se com o facto de ser considerado pela comunidade científica que quando as diferenças genéticas entre uma subespécie e a espécie mãe são tão poucas, se um elemento de outra subespécie fosse integrado no mesmo habitat, num período rela-tivamente curto de tempo assumiria as mesmas caraterísticas que a subespécie autóctone.

A lista de animais extintos usada como referência pertence à IUCN e engloba um total de oitocentas e setenta e duas espécies extintas, das quais 122 pertencem ao reino das plantas e 750 ao dos animais. Não sendo possível desenhar, num período tão curto de tempo, as 750 espécies de animalia que constam nesta lista, foi feita uma seleção a par-tir das classes científicas, tendo em conta aspetos morfológicos, emocionais e culturais. Posto que um trabalho desta natureza tem sempre preocupações sociais e ambientais, e que, como vimos anteriormente, também tende a facilitar a relação entre humano e natu-reza, considerou-se que esses objetivos seriam mais atingíveis se os animais representa-dos despertassem alguma familiaridade no observador, fator esse que é reforçado através da antropomorfização. O facto de colocar animais em corpos humanos, reforça o caráter identitário de cada um. Torna impossível ao cérebro não lhes atribuir uma personalidade, humaniza-os, aproximando-os de nós mesmos, demonstrando que a capacidade de sen-tir não é uma capacidade exclusiva dos humanos, pois, tal como Weber reconheceu, essa é uma capacidade que partilhamos com inúmeros outros seres, que, tal como nós, “estão cheios de sentimento” (Weber, 2016, p. 5). Sentimentos que reconhecemos em nós são diretamente observáveis no mundo natural, manifestando-se nos corpos dos organismos com que partilhamos o planeta. Neste sentido, considera Weber que a natureza é um es-pelho daquilo que somos, um suporte vivo para as nossas emoções e conceitos emocio-nais (2016, p. 7). Se estamos a extinguir vida porque nos tornámos cegos ao seu caráter fundamental, o desenho tem aqui um papel fulcral na cura dessa forma de cegueira. Neste caso, a presença interior de cada animal está patente na sua forma física no desenho. Ao mesmo tempo, a antropomorfização afasta completamente quaisquer pretensões científicas

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que um trabalho nesta área possa sugerir, assumindo-se definitivamente fora do campo da ilustração científica.

A escolha de animais ficou limitada às classes mammalia (81), reptilia (28), aves (156), actinopterygii (63) e amphibia (32), reduzindo a lista a trezentas e sessenta espécies. A partir das caraterísticas morfológicas, foi também tido em conta o fator geográfico, ao mesmo tempo que se tentou uma representação empiricamente justa das diversas classes de animalia. A geografia é um elemento importante, na medida em que se pretende mos-trar que a extinção não é um problema local, não estando limitado a determinadas zonas.

A grande parte dos animais aqui representados nunca foram contemporâneos das gerações de humanos que habitam hoje o planeta. No entanto, alguns deles, como o dodó e o lobo-da-Tasmânia, fazem parte do nosso imaginário individual e coletivo, sendo símbo-los de um grupo de animais que desapareceu diretamente devido à ação humana. O dodó, um dos mais fortes símbolos da extinção, ganhou esse estatuto porque terá sido das pri-meiras espécies a desaparecerem como resultado direto de ações humanas, assinalando um ponto de viragem das consequências ecológicas da colonização (Heise, 2016, p. 36). De certa forma, um animal extinto ganha conotações quase mitológicas e, devido à raridade de algumas observações de animais desaparecidos, a linha entre realidade e mito esbate--se facilmente. Neste sentido, o próprio modo de funcionamento da nossa economia dota o animal raro ou extinto de um valor financeiro, reforçando a aura quase transcendental que se cria à volta de algo que desapareceu. Day afirma que tocar a pele de um lobo-da--tasmânia, ou os chifres de um veado-azul era, para ele, equiparável a tocar o corno de

figura 59. Jackalope, exemplar taxidérmico, Zoological Museum, Zurique (fonte: foto do autor).

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um unicórnio (Day, 1981, p. 12). A privação que nos é imposta devido à sua inexistência estabelece uma equivalência entre estes animais e os que nunca existiram. Se um desenho de Turner nos pode incentivar a conhecer os Alpes, porque ainda existem zonas reais que evocam a obra do mestre inglês, o desenho de um dodó é em si mesmo uma possibilida-de fechada, na medida em que a ponte com o real está quebrada. Nunca poderemos saber como um dodó era realmente e a experiência da imagem de um dodó nunca poderá ser complementada e cruzada com a experiência da ave no mundo físico. Também a existên-cia de exemplares taxidérmicos de animais extintos se compara à de animais que nunca existiram, na medida que estes são também fabricados, quase tão facilmente como num desenho e segundo processos construtivos semelhantes: através da agregação de partes de diferentes animais. Tal é o caso do jackalope ou lebrílope, um cruzamento de uma le-bre ou coelho com os chifres de um antílope e que viveria na Califórnia, atribuindo-se a sua invenção (Jacklope) ao avistamento de lebres infetadas com um vírus que provoca tu-mores na cabeça. Apesar de tal criatura nunca ter existido, podemos observar no Museu Zoológico de Zurique um exemplar do mesmo (figura 59, p. 76). Desta forma, foram inseridos no corpo do trabalho cinco animais que nunca existiram, uns mais óbvios do que outros, de forma a que a dúvida sobre a realidade da imagem pode ser sempre posta em causa. Os desenhos reforçam assim o seu caráter fantástico, aumentando as suas po-tencialidades imaginativas através do despreendimento das possibilidades dentro do fisi-camente observável.

A opção de antropomorfizar os animais, relaciona-se com a intenção de sublinhar a sua individualidade, única e irrepetível, de forma a que a sua visualização fosse mais fácil e imediata de construir ou imaginar86. Os animais assim representados, mais do que exemplares de uma espécie, são sobretudo criaturas com personalidade própria.

Se Manfredo Massironi tem razão ao dizer que “o desenho de um objeto nunca é a simples representação desse objeto e nem sempre é uma interpretação ou explicação. O emissor da mensagem gráfica está fortemente condicionado, no momento de escolher o código a aplicar, pela qualidade informativa que quer comunicar” (1983, p. 92), então a escolha de um vocabulário gráfico mais solto, associado a situações algo absurdas, são elementos importantes para o lado emocional que um trabalho deste foro pretende ter.

Havendo uma grande parte de animais extintos antes da invenção da fotografia e sendo alguns tão raros que nunca foram fotografados, como os roedores do deserto e pla-nícies australianas, as fontes utilizadas foram principalmente ilustrações científicas, que, sempre que possível, eram complementadas com informação de fotografias de exempla-res taxidérmicos. Havendo essa oportunidade, foram feitos esboços a partir de modelos

86. Prática a que recorrem autores, como o já referido La Fontaine, ou ainda Charle Perrault (1628-1703), mas que se inscrevem numa tradição mais longínqua de obras como Fábulas de Esopo (620-564 a.C.) ou Metamorfoses de Ovídio (43 a.C.-18 d.C.), onde também animais e criaturas são personificados e se confunde deliberadamente ficção e realidade.

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figura 60. Atlas de imagens recolhidas

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figura 61. Fotografias do autor recolhidas de exemplares taxidérmicos e desenhos de museus.

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figura 62. Esboços executados como preparação preparação do trabalho.

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figura 63. Desenho do autor, Dodó, 2019, 17,5x25 cm.

figura 65. Desenho do autor, Huia, 2019, 17,5x25 cm.

figura 64. Desenho do autor, Arau-Gigante, 2019, 17,5x25 cm.

figura 66. Desenho do autor, Pato-de-cabeça-cor-de-rosa, 2019, 17,5x25 cm.

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embalsamados ou esculpidos, nomeadamente no Museu de História Natural de Londres e na exposição do mesmo museu dedicada à extinção87 (figura 60, p. 78, figura 61, p. 79 e figura 62, p. 80). Assim sendo, animais como por exemplo o dodó (figura 63, p. 81), o arau-gigante (figura 64, p. 81) e a huia (figura 65, p. 81), foram construídos a partir de ilustrações científicas pré-existentes, fotografias de peles e penas conservadas e modelos ao vivo. Não foi possível proceder da mesma forma para todos os animais es-colhidos devido à falta de representações e exemplares taxidérmicos dos mesmos, estan-do mesmo alguns restringidos a um ou dois desenhos pré-existentes, como é o caso do Solenodon cubanus (figura 67, p. 82). Outros, como o macaco-da-Jamaica, tiveram de ser abandonados, devido à falta de imaginário gráfico pré-existente, exemplares taxidér-micos ou peles.

5.2 processo de trabalhoO trabalho plástico encontra-se dividido em três séries distintas. A primeira con-

ta com 75 desenhos, em papel Fabriano rosaspina, 175x250mm. A segunda é compos-ta por 20 desenhos, em cartolina passepartout numa tonalidade pérola, num formato de

87. Referimo-nos à exposição EXTINÇÃO – O fim ou o início?, apresentada em Portugal na Alfândega do Porto, entre 28 de maio e 6 de outubro de 2018. Foram também visitados os museus Victoria and Albert e o Museu Britânico, em Londres, Bem como o Mu-seu de História Natural em Zurique.

figura 67. Desenho do autor, Ressureição, 2019, 30x39,5 cm.

figura 68. Desenho do autor, A Troca, 2019, 30x39,5 cm.

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300x400mm. A terceira integra um conjunto de 10 desenhos, em formato 148x210mm, em papel canson imagine de 200g/m2. Foram feitos vários testes de papel, considerando o efeito visual pretendido e a sua reação aos materiais a utilizar, tendo ficado desde cedo estabelecido que os desenhos teriam a ganhar com a utilização de uma temperatura mais quente. Desta forma, e apesar de vários testes em papéis brancos, a pesquisa incidiu prin-cipalmente em tonalidades branco sujo, cinzentos e beges.

O papel rosaspina, apesar de demonstrar alguma resistência ao aparo, com a sua leve textura e uma tonalidade ligeiramente quente, que também permite o realce de bri-lhos e brancos puros nas figuras, estabelece o ambiente intimista e de proximidade que se pretendia atingir. Da mesma forma, o uso de cor era essencial para transmitir uma ideia de multiculturalidade e vida, sendo também um fator importante na caraterização de alguns animais, como por exemplo o pato-de-cabeça-cor-de-rosa (figura 66, p. 81).

Nas três séries foram utilizados os materiais riscadores que incluem a tinta-da-chi-na, ecoline, aguarela, lápis litográfico, grafite, grafite aguarelável, guache, acrílico e ca-neta. O uso desses materiais é sugerido pelo próprio animal a representar e pelas fontes de imagens utilizadas. Depois de assente o esboço a grafite sobre a superfície, o preto da tinta-da-china foi geralmente a primeira camada a ser aplicada com aparo. As restantes texturas e cores foram aplicadas de acordo com esse primeiro nível, processo comum às duas primeiras séries. No caso dos retratos, optou-se por um tratamento mais esboçado do corpo, para que ficasse menos definido e a atenção possa incidir sobre o rosto, uma ca-raterística que remete para os retratos executados por Ingres e Holbein, nos quais o rosto

figura 69. Desenho do autor, Potorous platyops, 2019, 17,5x25 cm.

figura 70. Desenho do autor, Fregilupus varius, 2019, 17,5x25 cm.

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é claramente mais trabalhado que o corpo do modelo. O corpo e roupagens sugerem, nal-guns casos, o contexto geográfico e cultural em que o animal desapareceu, como é o caso do dodó (figura 63, p. 81), que remete para das explorações marítimas no século XVI, enquanto que noutros casos cria uma associação ao papel cultural que o animal poderia representar, como é o caso do Fregilupus varius (figura 70, p. 83), cuja poupa o asso-cia ao movimento punk.

Já a segunda série tem um caráter abertamente mais narrativo, e, de certa forma, por ser mais curta, funciona como uma chave para a imaginação das potenciais histórias na série dos retratos. Esse caráter narrativo dos trabalhos em cartolina foi construído a partir da própria história natural do animal, da sua causa de extinção ou coloca-o simples-mente a desempenhar um papel cultural e simbólico que nunca cumpriu por ter desapare-cido numa determinada altura. Como referência e modelo para as situações representadas foram usadas pinturas clássicas ou fotografias evocadoras de uma cultura popular de for-ma a realçar a familiaridade das situações, estabelecendo inclusive paralelos com mitos e movimentos da história do homem. Alguns factos biológicos ou a história natural de al-guns animais proporcionaram facilmente a narrativa que poderia ser usada no desenho, já de outros existe tão pouca informação disponível que qualquer caminho é possível. De uma forma ou outra, a imagem do mágico e da assistente (figura 68, p. 82), da pin-up, do culturista ou da ressurreição são elementos insistentes no nosso imaginário visual co-letivo, da mesma forma que deveriam ser as dos animais já extintos.

A terceira série apresenta-se como a mais pequena das três, integrando um con-junto de dez desenhos em formato A5. Estes desenhos apresentam os animais de perfil, tendo sido executados em preto e tons de cinza, com a recurso a tina da china, ecoline, gouaches, caneta e grafite.

A disseminação e divulgação dos desenhos produzidos foi pensada para dois su-portes distintos: o formato livro e o formato exposição. No que diz respeito à paginação do projeto enquanto objeto livro, os retratos marcam um ritmo que é interrompido pelos dese-nhos mais narrativos. O livro (figura 71, p. 85) abre com uma citação distorcida do livro do genesis da Bíblia, estabelecendo uma relação com os últimos desenhos que fecham o trabalho. Foi considerado o uso da página completa para a série dos retrato mas, de forma ao livro poder respirar mais, optou-se por incluir uma margem branca a toda a volta, que acaba também por sublinhar a ideia de retrato. Nos casos em que um desenho narrativo par-tilha o spread com um retrato, este segundo assume um tamnho bastante menor, de forma a que não haja concorrência entre os dois, e a informação. Também de formar a marcar um ritmo no livro, alguns dos desenhos da segunda série, foram reenquadrados, de forma a que pudessem ocupar um spread inteiro. Os agrupamentos nos animais em spread obedecem

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figura 71. Maquete do Livro

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a uma lógica puramente visual e morfológica, estando neste aspeto libertos da sua origem geográfica, biológica ou do período temporal em que ficaram extintos. O nome do animal em latim acompanha cada desenho, tendo-se excluído a denominação local de forma a que o corpo principal do livro não fique dependente do conhecimento de português ou inglês e devido à ausência de traduções em português para os nomes de algumas espécies, como é o caso do Potorous platyops (figura 69, p. 83). O formato do livro em 170x220cm foi escolhido tendo em conta custos de produção, aproveitamento de papel, e tendo e conta as limitações técnicas de impressão para quantidades mais reduzidas. Escolheu-se assim um papel não revestido, que apesar de tirar alguma definição ao desenhos, dota o livro de qualidades mais naturais, devido à textura do papel. Por outro lado, a capa é impressa a uma cor, sobre cartolina colorida. A densidade e impacto do papel já colorido é maior do que aquele em que a cor impressa sobre o mesmo, afectando o impacto do objecto exposto numa estante. Considerou-se um cinzento de forma a fazer a ligação como título do livro, mas de forma a aumentar o impacto do mesmo preferiu-se o vermelho, de forma a tornar o livro mais luminoso, sem deixar de transmitir a ideia de Perigo (a lista da IUCN é cha-mada de Lista Vermelha). Nos versos da capa e contracapa, é apresentado um mapa, que indicia de forma genérica a distribuição de cada espécie.

Por fim, como projeto para a exposição, pretende-se dividi-la em 3 momentos, um por cada série representada. Os desenhos da terceira série fazem a introdução à exposição, sendo apresentados em 2 colunas compostas por 5 desenhos cada, afixados à direita de um texto introdutório do trabalho apresentado, com uma distância de 3 cm entre cada desenho (figura 72, p. 87). Os desenhos devem ser apresentados em molduras simples, compos-tas apenas por vidro e o MDF de suporte. As legendas são apresentadas por baixo de cada coluna, seguindo a ordem de exposição de cima para baixo. O segundo momento, corres-ponde aos desenhos da primeira série, expostos numa única parede, dispostos em 3 linhas compostas por 25 desenhos cada, também colocados com uma distância de 3cm uns dos outros (figura 73, p. 87). Desta feita, os desenhos serão enquadrados por um passepar-tout branco de 2cm de largura a toda a volta do desenho, mais uma vez apenas suportado por vidro e MDF. Tal como no momento anterior, as legendas deverão ser colocadas por baixo de cada coluna. O terceiro e último momento da exposição é assim composto pe-los desenhos da terceira série. Aqui, os desenhos são expostos em friso e afixados a uma distância de 25cm entre cada desenho, também emoldurados segundo o esquema do mo-mento anterior, e com uma pequena legenda por baixo de cada desenho.

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A extinção de um animal faz parte do complexo processo evolutivo da vida, com uma espécie a desaparecer a cada intervalo de 100 a 300 anos. No entanto, nos últimos 500 anos estão confirmadas as extinções de mais de 80 espécies de mamíferos. Este novo ritmo está directamente ligado à actividade humana, que há muito empobrece o nosso planeta. Algumas das espécies aqui representadas foram conhecidas por um período tão breve de tempo, que não chegaram sequer a ser absorvidas por qualquer cultura. Outras, como o dodó, permaneceram nas nossas vidas, como símbolo da nossa capacidade de aniquilação, enquanto outros poderão nunca ter existido.

figura 72. Plano de exposição da terceira série de desenhos.

figura 73. Plano de exposição da primeira série de desenhos.

figura 74. Plano de exposição da terceira série de desenhos.

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6. Conclusão

Como pudemos observar, os primeiros desenhos, feitos pelos antepassados do ho-mem, remetem-nos para a sua experiência com o mundo natural. Esses desenhos são hoje testemunhos de uma fauna já desaparecida e memória dos primórdios da nossa relação com outras criaturas. Deste então, a representação de animais, plantas e paisagens é uma presença frequente na história arte, sendo a forma como são representados, isoladamente ou na sua interação com o homem, um reflexo de como determinada cultura se relaciona com outros seres. Exemplo disso é a importância que o género da paisagem tem na tradi-ção da pintura oriental e ocidental há mais de dois milénios, sublinhando um desejo sim-biótico do homem com o mundo natural. No ocidente, o romantismo terá sido o primeiro momento da história da arte ocidental em que o artista conscientemente dota o mundo natural de sentimentos, relacionando o plano interior e filosófico do artista com o mundo empírico natural exterior. Com início nos finais do século XVIII, como reação à industria-lização do mundo, é no século XIX que essa forma de pensar ganha plena força, nomea-damente através das palavras e desenhos de autores como John Ruskin e William Turner. Essa forma de relacionamento com a natureza, que consiste numa tentativa de integração do homem no meio natural, lança as raízes para o que será a crescente luta, durante todo o século XX até aos dias de hoje, contra a degradação ambiental. No seu núcleo, um dese-nho de Samuel Palmer é tão atual hoje como era há 200 anos, pela dicotomia que estabe-lece entre homem e natureza, através de uma variação de espessura e direções de linhas, reveladoras de uma energia, hoje escondida para muitos de nós. Desta forma, hoje, ao tra-balharem sobre e com a natureza nos seus projetos artísticos, artistas como Richard Long mantêm aberta a ponte com os seus antepassados oitocentistas que semearam os funda-mentos filosóficos dos quais atualmente ainda nos alimentamos.

Se por um lado o desenho é uma forma do homem pensar e se relacionar com a natureza, por outro é uma ferramenta que continuamente testa as fronteiras do que essa mesma natureza permite ou não. Durante séculos, o desenho tinha o papel de prova cientí-fica: se algo estava representado num desenho era porque existia ou tinha existido nalgum ponto da história. Aspeto facilmente compreensível, numa altura em que o artista estava dependente de descrições verbais por parte de terceiros para trabalhar e em que o dese-nho ad vivum não era prática comum. Novos desenhos eram feitos a partir de antigos e eram assim perpetuados erros na representação de criaturas, exemplos que vimos através dos trabalhos de Gesner e Dürer, cujo famoso rinoceronte foi o modelo de representação para aquele animal durante séculos, mesmo numa altura em que as discrepâncias com o animal real já eram conhecidas. Desta forma, criaturas mitológicas como o ciclope ou sá-tiro eram tomadas como reais por constarem em bestiários, que foram uma das primeiras

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formas do homem catalogar o mundo natural. Aí, desenhos das mais mirabolantes cria-turas, legitimados pela palavra escrita, eram provas científicas do que existia no mundo (des)conhecido. Por outro lado, o desenho estava também muito dependente da palavra, que determinava a sua verdade, pois como observámos, um único desenho foi legendado, em diferentes contextos, como sendo quatro cidades diferentes.

Esses bestiários são também a porta de entrada para um mundo mais amplo do que aquilo que podemos sentir. Se por um lado a natureza limita aquilo que podemos ex-perienciar, por outro fornece os ingredientes com os quais a podemos extrapolar. Nesse sentido, o trabalho de artistas como Bosch ou Serafini vai para lá do que é a natureza ob-servável, sem, no entanto, nunca a abandonarem por completo. Através da reorganização e recombinação dos seus elementos, mostram-nos um mundo que não é possível no nosso.

Este desejo de invenção é também reflexo daquilo que somos enquanto indivíduos culturais, o que reforça o papel do desenho enquanto instrumento de pensamento e análi-se. Instrumento do qual este trabalho não prescinde, ao expor uma galeria de 84 animais extintos ou que nunca chegaram a existir, confrontando o observador com os resultados das nossas ações enquanto espécie, e cuja culpa é partilhada por todos.

No que respeita à produção de desenhos, as principais dificuldades encontradas prenderam-se com a inexistência de registos gráficos e até verbais de alguns animais, como o caso do macaco-da-jamaica, obrigando à contínua reavaliação dos animais escolhidos e dos critérios de seleção, dada que a falta de descrições impossibilitava a sua representa-ção. Noutros casos, a ocorrência de descrições diferentes, em diferentes representações, causavam alguma ambiguidade, que apesar de criar alguma confusão no princípio, aca-bou por ajudar o trabalho a libertar-se dos constrangimentos da representação científica. Exemplo disto mesmo é o caso do dodó, que tanto parece descrito e representado tanto com plumagem colorida, como com plumagem branca. Dado o carácter global do projeto, procurou-se a representação de animais dos mais diversos lugares do planeta de forma a que demonstração da perda de biodiversidade fosse o mais completa possível. No entan-to, nalguns casos, como na Europa, nem sempre era possível encontrar espécies extintas dentro da baliza temporal proposta, devido principalmente à interação dos elementos na-turais com os socioculturais, que terão precipitado o desaparecimento de espécies uns sé-culos mais cedo. Procurou-se também representar o mais variado número de espécies das mais variadas classes possíveis, sendo que o elevado número de aves que constam destas listas, fazem com que seja naturalmente a classe mais representada.

A classificação de determinados animais como espécie ou sub-espécie foi outra das dificuldades encontradas, dado que muitas vezes essa distinção depende do autor, estando em aberto a sua categorização, como é o caso da quagga. A própria evolução do estudo de

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determinada espécie pode reclassificá-la, e o acesso às mais recentes investigações nem sempre foi possível. Várias espécies foram ao longo do tempo classificadas e desclassifi-cadas enquanto tal, pelo que esta dificuldade de categorização é inerente à própria ciência. Do mesmo modo foi muitas vezes difícil perceber se um animal estava realmente extinto, independentemente de constar na lista da IUCN, dado que o caráter raro e evasivo que al-gumas espécies sempre tornam difícil a confirmação absoluta da sua extinção. Este é de resto um ponto abordado por todos os autores que se dedicaram ao mesmo tema, como Errol Fuller e Tim Flannery.

Outro ponto debatido e considerado foi o de como seria possível permitir a identifi-cação de uma espécie pouco representada e desconhecida do público em geral, num tipo de desenho mais livre, que faria necessariamente diluir algumas das características distintivas das espécies. No entanto, conclui-se que tal reconhecimento não está dependente apenas de um único trabalho, mas sim de um acumular de desenhos e experiências de diferentes autores, que permitam a médio-longo prazo tornar estes animais parte da nossa cultura gráfica, como já o são o dodó e o chamado lobo-da-tasmânia. Desta forma, para facilitar o reconhecimento, cada figura foi identificada com o nome científico da criatura original.

No campo teórico surgiram algumas dificuldades em manter o trabalho dentro do campo do desenho, sem que perdesse a ligação dos desenhos produzidos, dado que a pesquisa tendia naturalmente para uma bibliografia muito relacionada com as ciências naturais.

O desenvolvimento do projeto na sua vertente de disseminação passou pela produ-ção de uma tiragem que permitisse a colocação do livro à venda nalgumas livrarias, bem como a procura de um espaço que permita a exposição dos desenhos.

Como promessa de desenvolvimento futuro, fica sempre a possibilidade de conti-nuar o projeto com o desdobramento noutros livros e desenhos, que permitam a represen-tação dos mais de 650 animais na lista da IUCN que ficaram de fora deste trabalho, bem como a criação de um volume dedicado às plantas. Por fim, dado o contexto da conser-vação ambiental, parece-nos também importante o desenvolvimento de um volume que apresente um conjunto de animais ou espécies ameaçadas, de forma a que, depois de se mostrar o que já está perdido, se possa falar do que podemos ainda conservar.

O desenho tem propriedades intrínsecas que, como sugeriu Martin Kemp, pode in-duzir um sentimento de maravilha que nos encoraja a explorar (2000, p. 173). Com algu-ma sorte, o resultado dessas explorações, aliado ao reconhecimento dos erros do passado, contribuirá para que mais espécies não se esvaneçam por ação humana, e as suas imagens possam continuar a suscitar novas interpretações, só completamente possíveis se à sua verdade no papel corresponder uma outra no mundo real.

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ANEXO desenhos do trabalho artístico

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figura 1. equus kera figura 2. pinguinus impennis figura 3. caloprymnus campestris

figura 4. aplonis mavornata figura 5. lipotes vexillifer figura 6. microgoura meeki

figura 7. megalapteryx didinus figura 8. chaeropus ecaudatus figura 9. pteropus pilosus

série i

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figura 10. palaeopropithecus ingens figura 11. accipitridae vivifica figura 12. conuropsis carolinensis

figura 13. psittacula exsul figura 14. orestias cuvieri figura 15. hippotragus leucophaeus

figura 16. cynops wolterstorffi figura 17. neovison macrodon figura 18. lepus cornibus

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figura 19. pipistrellus murrayi figura 20. atelopus longirostris figura 21. raphus cucullatus

figura 22. tachygyia microlepis figura 23. drepanis funerea figura 24. lagorchestes leporides

figura 25. aepyornithidae figura 26. ectopistes migratorius figura 27. ectopistes migratorius

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figura 28. heteralocha acutirostris figura 29. heteralocha acutirostris figura 30. macrotis leucura

figura 31. gallinula pacifica figura 32. rhodonessa caryophyllacea figura 33. campephilus principalis

figura 34. chioninia coctei figura 35. pinguinus impennis figura 36. cylindraspis indica

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figura 37. fregilupus varius figura 38. nesophontes micrus figura 39. zosterops strenuus

figura 40. chloridops kona figura 41. prolagus sardus figura 42. cryptoprocta spelea

figura 43. aptenodytes redcapite figura 44. bos primigenius figura 45. Lithobates fisheri

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figura 46. hoplodactylus delcourti figura 47. camelo pardalis figura 48. phalacrocorax perspicillatus

figura 49. moxostoma lacerum figura 50. potorous platyops figura 51. coua delalandei

figura 52. dusicyon australis figura 53. alectroenas nitidissima figura 54. caracara lutosa

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figura 55. traversia lyalli figura 56. neomonachus tropicalis figura 57. macropus greyi

figura 58. columba versicolor figura 59. hydrodamalis gigas figura 60. ciridops anna

figura 61. sceloglaux albifacies figura 62. geocapromys thoracatus figura 63. alophus japonicus

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figura 64. notomys macrotis figura 65. craugastor escoces figura 66. incilius periglenes

figura 67. leporillus apicalis figura 68. conilurus albipes figura 69. camptorhynchus labradorius

figura 70. rucervus schomburgki figura 71. thylacinus cynocephalus figura 72. podilymbus gigas

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figura 73. ophrysia superciliosa figura 74. hippopotamus madagascariensis figura 75. carpodacus ferreorostris

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figura 1. a troca figura 2. o jogo

figura 3. a pin-up figura 4. o culturista

série ii

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figura 5. a ressureição figura 6. a família

figura 7. a tortura figura 8. a doença

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figura 9. a aparição figura 10. o massacre

figura 11. a dança figura 12. a culpa

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figura 13. a porta figura 14. a procura

figura 15. a perseguição figura 16. o encontro

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figura 17. a salvação figura 18. a execução

figura 19. a expulsão figura 20. a dança

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série iii

figura 1. hyaenidae hominem-edacem figura 2. contomastix charrua

figura 3. porphyrio albus figura 4. rheobatrachus silus

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figura 5. Suricata cornutum figura 6. mystacina robusta

figura 7. moho bishopi figura 8. raphus cucullatus

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figura 9. nestor productus figura 10. crateromys paulus