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Junho 2001 Semestral Volume 10 Veja nesta edição Minha História Os Judeus do Papa Judaizante e Hebraísta O Mistério do Pe. Sanctos Saraiva Inês Henriques de Leão e sua parentela Bandeirantes e Cristãos-Novos em Curitiba ainda nesta edição: Obituário e outras notícias Um perfil do banqueiro Raphael Mayer: benfeitor esquecido Raphael Mayer, 1894-1978

Um perfil do banqueiro Raphael Mayer: benfeitor esquecidoahjb.org.br/pdf/jornal_jun01.pdf · Tendo enriquecido, Raphael Mayer foi morar em uma casa sun- tuosa no bairro da Aclimação,

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Junho 2001 Semestral Volume 10

Veja nesta edição

Minha História

Os Judeus do Papa

Judaizante e Hebraísta

O Mistério do Pe. Sanctos Saraiva

Inês Henriques de Leãoe sua parentela

Bandeirantes e Cristãos-Novosem Curitiba

ainda nesta edição:Obituário e outras notícias

Um perfil do banqueiro Raphael Mayer:benfeitor esquecido

Raphael Mayer, 1894-1978

EditorialB om dia, leitor (a). Antes de qualquer outra coisa que se escreva, vamos confirmar, este é o décimonúmero que lançamos. Nossa numeração

anterior, seguiu alguns padrões acadêmicos, o que nos tirou a clareza da sequência numeral. Assim confirmamos: este é o décimo número deGerações/Brasil! O que temos a oferecer? Algumas biografias de pessoas que gozaram prestígio em vida e depois foram sendo esquecidas. É oestranho caso do Padre Sanctos Saraiva, um português de origem cristã-nova que viveu em vários lugares do Brasil, até abjurar a batina. O outro éRaphael Mayer, um judeu-italiano que foi banqueiro no Brasil, filantropo, ajudou muitas pessoas e entidades, e depois desapareceu como que porencanto. Nós recuperamos as histórias destes dois personagens incomuns. Trazemos também um artigo sobre os “judeus do Papa”, ou seja os judeusdo Comtat Venaissin(França), que por viverem numa cidade papal, obedeciam leis especiais, forjando uma identidade peculiar. Outros dois artigossão de muito valor: num deles, Rubens R. Câmara, analisa didaticamente o processo inquisitorial de Inês Henriques de Leão, seguindo todos os passosprocessuais, da entrega da prisioneira até o seu julgamento. Inês Henriques pertenceu a importantes troncos cristãos-novos portugueses, basta dizer queum de seus primos afastados era...Baruch de Espinoza! Falando em primos, Ricardo Costa de Oliveira, traz um ensaio sobre uma família paranaenseque descende de um bisavô de Antonio José da Silva, “o Judeu”. Como se vê, apesar de não obedecermos a uma pauta pré-estabelecida, estamoscomemorando, ao nosso modo, os 500 anos de Brasil. Uma bom proveito deste nosso esforço é o que desejamos aos nossos leitores.

Todos Nós!

O “Conde” Raphael Mayer,um benfeitor quase esquecido

Anna Rosa Campagnano

Raphael Mayer, Italian (1894-1978) was a self made man of meteoric success in Brasil. He arrived here in theearly century. Here he built a carreer becoming an important banker, contemporary with Getulio Vargas andOswaldo Aranha, President of the UN General Assembly at the time of the creation of the State of Israel. As theracist laws of Italy were implemented, he helped many refugees with his money and influence.

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A história de Raphael Mayer, também conhecido como RaffaeleMayer, um judeu triestino que emigrou para o Brasil em 1926, apre-

senta fatos interessantes que são, em parte, difíceis de seguir em umacerta sequência, devido à falta de dados suficientes2. Mesmo estandoainda vivos sua filha, Lia Lustosa, que tem dois filhos, Fernanda e Jonas,e a filha de seu irmão Mario, Edda Bergmann, atual presidente daB’nai B’rith, as lembranças são fragmentadas. A documentação, poroutro lado, é rica: diplomas honorários, atestados de contribuições finan-ceiras às mais variadas obras de beneficiência, tanto judaicas comocatólicas, títulos nobiliários, fotografias, etc. Através dessa documenta-ção, portanto, aparece a figura de Raphael Mayer como a de um homemque, do nada, tornou-se uma personalidade pública, aproveitando-sedesse fato não somente em benefício próprio, mas também para auxiliara comunidade judaica em geral, o seu país de origem, e o Brasil.

Comecei a conhecer sua história através de um outro sobrinho,Giulio Mario Guglielmi , filho de Renzo e de Gina Guglielmi (ambosjá falecidos), irmã de Edda. Giulio conta que seu tio Raphael chegou aoBrasil a bordo de um navio do Lloyd de Trieste, onde trabalhava comocomissário de bordo. Chegando ao Brasil, encantou-se com este país,decidindo aqui ficar. Parece que, com um primo, Carlo Mayer, ou comum amigo, abriu um bar em São Paulo, mas não teve sucesso. Empre-gou-se então como office-boy no Banco Ítalo Brasileiro. Este bancohavia sido fundado em 1924 com o nome de Banca Popolare Italiana, esua sede ficava em um elegante edifício no número 25 da Rua ÁlvaresPenteado. Um dos diretores o viu um dia, enquanto lustrava os bronzesdo portão de entrada. Após fazer-lhe algumas perguntas, percebeu queele era muito inteligente e estava sendo desperdiçado naquele tipo detrabalho, e promoveu-o a contínuo.

Com o passar dos anos, fez uma belíssima carreira, até chegar adiretor superintendente do banco. Esta sua posição está mencionada àpág. 513 de um velho livro, “Cinquenta anos de trabalho dos italianos

no Brasil”, editado em 1936 pela SEI (Sociedade Editora Italiana) emSão Paulo. O período mais brilhante do banco foi aquele no qual sefizeram as subscrições “Pro Patria” , por ocasião da guerra da Itália naAbissínia (região central da Etiopia), em 1935/36. Com a anexação daregião africana ao território italiano, a Itália foi punida por 52 naçõescom severas sanções econômicas. As subscrições “Pro Patria” foramfeitas nos países onde havia uma grande porcentagem de imigrantesitalianos. A subscrição “Pro Patria” foi inaugurada no dia 1º de abril de1935 pelo Conde Francesco Matarazzo, que ofereceu a enorme soma demil contos de réis. Com a entrada do Brasil na guerra, em 1942, o bancopassou a chamar-se Banco Nacional da Cidade de São Paulo, trans-

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ferindo-se para uma sede própria situada na rua São Bento, no centro dacidade. Várias empresas eram sócias do banco, como a Superga, deartefatos de borracha, a Copam, de armações para óculos, a Certo, deprodutos alimentícios, famosa especialmente pela produção de óleovegetal, a Uva, que produzia o vinho Centauro, o Laboratório Biosin-tético, a Tecelagem Taquara, uma firma de tecidos que fabricava voal, emuitas outras. Mayer também foi diretor da Lacta, cujo proprietário eraAssis Chateaubriand, diretor administrativo dos Diários Associadosetambém da Rede Tupi.

Tendo enriquecido, Raphael Mayer foi morar em uma casa sun-tuosa no bairro da Aclimação, na rua Pandiá Calógeras, cujo jardimtinha vinte mil metros quadrados. Ele também usava a casa para darrecepções e festas, através das quais consolidava antigas relações efazia novas, que lhe serviam tanto para seus próprios negócios, comopara obras de beneficiência. Através dessas festas, por exemplo, eleconseguiu vender muitos bônus do Estado de Israel que, em 1954,concedeu a ele e a sua mulher o título de “Guardian of Israel” (Guar-dião de Israel). Era amigo de Getúlio Vargas e de membros de suafamília, os quais frequentemente, de passagem por São Paulo,hospedavam-se em sua casa. Parece que, muitas vezes, ele financiouo governo Vargas, chegando a ser conhecido como o banqueiro deVargas. Seu sobrinho, Bruno Levi , lembra de ter participado dealgumas dessas festas, onde estavam presentes personalidades dapolítica, da indústria e da alta sociedade, tais como membros da famíliaVargas, Oswaldo Aranha, Negrão de Lima, Tancredo Neves, AssisChateaubriand, etc. É interessante notar, salienta Bruno Levi, que detodos estes personagens, o único que não era anti-semita, e o demons-trava através de seus jornais, era o Assis Chateaubriand.

O relacionamento com todas essas pessoas e entidades políticas,nacionais e internacionais, que sem dúvida ajudava a política externado Brasil, está evidenciado nos vários documentos e honrarias recebi-dos por Raphael Mayer, entre os quais podemos citar: um salvo-con-duto emitido pelo Palácio da Presidência da República, assinado porBenjamin Vargas, irmão do presidente, expedido em 23 de maio de1944, nomeando Raphael Mayer “Guarda Pessoal”, com livre acessoao palácio; o diploma de membro efetivo do Serviço de Saúde daAeronáutica, expedido pelo Ministério da Aeronáuticaem janeiro de1941; o Diploma de Honra ao Mérito Rural, concedido pelo InstitutoBrasileiro de Propaganda e Defesa do Café. Lembramos que a po-lítica de defesa do café foi, a partir de 1938, uma das bases da políticaeconômica de Vargas; a medalha Marechal Cândido Mariano da Sil-va Rondon, que lhe foi outorgada em novembro de 1959 pela Socie-dade Geográfica Brasileira, os diplomas que lhe foram concedidospela União Cultural Brasil-México; pelo Instituto Brasil-Honduras;pelo Instituto Cultural Brasil-Mônaco, com o agradecimento de S.AS. Ranier III; pela Asociación Panamericana de Intercambio Cul-tural, da Bolívia, com direito ao uso da Cruz de Mérito; uma medalhada Fundación Internacional Eloy Alfaro, do Panamá; muitos diplo-mas e agradecimentos de entidades católicas, provavelmente emdecorrência de financiamentos concedidos por seu banco.

Os imigrantes italianos bem-sucedidos financeiramente, buscavamtítulos que pudessem ajudá-los a ingressar na sociedade brasileira.Procuravam diferenciar-se dos imigrantes comuns adquirindo títulosnobiliários. Os mais ricos buscavam o Vaticano ou a Casa de Savóia e,em troca de ricas doações, recebiam títulos condais (Matarazzo, Crespi,Siciliano, etc.). Como era impossível para Mayer receber um destestítulos, ele aproximou-se de nobres italianos que alegavam descender danobreza bizantina e tinham o direito de conferir títulos. Em 15 defevereiro de 1947, na cidade de Nápoles, ele foi elevado à condição de“Comendador”por Antonio de Curtis dei Griffo-Focas, “PríncipeImperial de Bizâncio, Porfirogenito3 da Estirpe Constantiniana dosGriffo-Focas, Grão-Mestre Hereditário da Ordem Soberana MilitarAngélica Constantiniana”. Esse “príncipe bizantino” era ninguém menosque o comediante Totó4, neto ilegítimo de um marquês e que dois anosantes fora reconhecido como membrodessa estirpe. Mayer recebeu

depois um segundo título, “Commendatore”, de outro nobre “bizan-tino”, Vito Zappalà-Lascaris di Dorilea, “III General e Grão Mestreda Ordem Internacional da Legião de Honra da Imaculada”, emPalermo, a 8 de dezembro do mesmo ano. Culminou, nessa sucessão detítulos bizantinos, sendo nomeado “Conde”, em 1951, por TeodoroCostantino Augusto Giulio Angelo Flavio, Marziano II , “pela graça deDeus Imperador Titular de Constantinopla e de todo o OrienteRomano”.5 O seu brasão condal é assim descrito: “de prata o leão devermelho, com a faixa azul atravessada, gravado com três meias-luas ocampo”.

Foram muitas as entidades auxiliadas por Raphael Mayer, entreelas o Hospital Israelita Albert Einstein, o Lar dos Velhos, e a Sinagogada Abolição. Em muitas das entrevistas que fiz com judeus italianos emSão Paulo que haviam fugido das leis raciais de julho de 1938, RaphaelMayer é mencionado várias vezes como uma pessoa sempre pronta aajudar os seus correligionários nos primeiros e difíceis momentos deadaptação no Brasil. Edda Bergmann, por exemplo, conta que seu pai,Mario Mayer, era funcionário da Banca Commerciale Italiana. Decidiuemigrar para o Brasil após a decretação das leis raciais, impelido pelofato de que, em 1938, seu irmão, Raphael Mayer, havia alcançado umaposição tal que lhe permitia ajudá-lo a emigrar e, quando chegasse, aencontrar-lhe trabalho. Ele conseguiu emprego na firma Superga, deSão Paulo. Como Edda conta, Raphael era amigo de Getúlio Vargas e,ainda antes que fossem promulgadas as leis raciais, Oswaldo Aranha eJoão Briccolo, diretor do banco do qual Raphael havia se tornadoproprietário, pediram a Mario Mayer que fosse encontrá-los em Berna.Nessa ocasião, Mario Mayer foi informado das futuras leis, e con-vencido a emigrar para o Brasil. Quando o navio Conte Grandeatracouem Recife, Raphael Mayer e Oswaldo Aranha, com as respectivasesposas, o estavam esperando e, todos juntos, viajaram para o Rio deJaneiro e depois para Santos. A família de Edda ficou hospedada nacasa de Raphael até conseguir acomodações apropriadas.

Ettore Baroccasconta... “quando o Brasil entrou na guerra,precisaram transferir a firma para um brasileiro e escolheram paraisso o administrador da mesma, o qual os enganou, tendo eles per-dido tudo6. Então, Leone Baroccas deixou o seu trabalho por contaprópria e, com a ajuda de Raphael Mayer, foi trabalhar como em-pregado em seu banco e, em seguida, em uma firma de tecidos”.

Laura Salmoni, esposa de Giuseppe Levi, em um depoimento feitono arquivo da memória, diz: “tínhamos um primo no Brasil, RaphaelMayer, que era proprietário, em São Paulo, de um banco (Banco ÍtaloBrasileiro) e da fábrica de chocolates Lacta”. Esse primo empregou seumarido primeiro na Lacta, para que se familiarizasse com a linguaportuguesa, e depois o mandou para Jaú, distante aproximadamente 100kms de São Paulo, como diretor de uma das filiais do banco.

Bruno Levi citou-lhe várias vezes. Ele conta, por exemplo, sobre aajuda oportuna do tio, certa vez em que estava para ser expulso doColégio Dante Alighieri. Nesse colégio, na época fascista, vigorava aobrigação, instituida pelo diretor Attilio Venturi, de fazer a saudaçãofascista ao entrar. Bruno se recusava a fazê-lo e, denunciado, sem aajuda de Raphael Mayer teria sido obrigado a mudar de escola. Porémele permaneceu na mesma e foi dispensado de fazer a saudação, que,para ele que vinha de uma família que fugira do regime nazi-fascista,era ultrajante. A obrigação dessa saudação na escola havia sido abolidapor ordem expressa do Presidente da República, em abril de 1938.Evidentemente, o diretor da escola não havia seguido as ordens. De fato,como consta em um artigo do Jornal da Manhãde 11 de março de1939, (que encontrei no arquivo do Ministério do Exterior em Roma), aordem foi novamente repetida, após a inspeção feita na escola pelo prof.Eusébio de Paula Marcondes. Desta vez, o prof. Venturi assegurou que“respeitaria, com profunda lealdade, as leis do país”.

No livro inédito de Umberto Beer, “Va fuori d’Italia” 7, na pá-gina 4, está escrito: “... um dia, enquanto eu estavano escritório dosr. Farina, do Banco Francês e Italiano para a América do Sul, apro-ximou-se sorridente o sr. Raphael Mayer, diretor do Banco Ítalo Bra-

sileiro, que me ofereceu um lugar em sua firma. E eu aceitei e come-cei a trabalhar. (Este sr. Mayer teve grande importância em minhavida, como veremos em seguida. Ele era uma das personalidadesimportantes do setor bancário: infelizmente, por negócios errados,ele decaiu muito na escala financeira...Para recomeçar a trabalhar,fui novamente ajudado pelo sr. Mayer, o qual me ofereceu a direçãode uma pequena fábrica de caixas de papelão que, por estar quasefalida, o banco de Mayer havia adquirido. Essa firma havia sidoagregada a uma outra indústria de propriedade do banco, a COPAM(Cia. Paulista de Artefactos de Metal), que fabricava armações decelulóide para óculos”.

Se sua vida profissional foi, até certo ponto, plena de satisfações,não se pode dizer o mesmo da familiar. Raphael Mayer casou-se, emsetembro de 1941, com Emília Frioli , filha do adido cultural italiano emSão Paulo. Ele teve três filhos Alberto Jonas Mayer, que morreu comapenas sete anos, de tuberculose; Raphael Mayer Junior, que tevemorte violenta aos vinte e três anos e Lia Mayer Lustosa que viveatualmente com dois filhos, Fernanda e Jonas, ambos estudantesuniversitários.

Edda Bergmann mostrou-me um livro que Raphael Mayer man-dou imprimir por ocasião da morte do filho Jonas. Trata-se de umaobra sobre o Talmud, intitulada:

Seleção de Máximas, Parábolas e Lendas8

Em memória do inesquecível Alberto Jonas, que teria sidoeducado com a orientação espiritual do Talmud. Aos meus carosfilhos Lia e Raffaele, aos quais indico o Talmud como mestre intelec-tual para a formação de uma alma perfeita.

Ao Brasil, terra bendita, na qual encontrei Pátria, Família, Paz.

A morte do segundo filho perturbou profundamente RaphaelMayer, que começou a perder o interesse pelo trabalho e pela polí-tica. Mas manteve o banco até o fim do governo de Jânio Quadros.Com a renúncia do mesmo, desgostoso com os altos e baixos da polí-tica, vendeu a sua empresa para o grupo Bradesco.

Notas2 Raffael Jedidia Mayer, nasceu em Trieste (20-08-1894), filho de Jona

e Regina (Valenzin) Mayer, e faleceu em S. Paulo (22-09-1978). 3 Filho do Imperador.

4 O comediante Totó teve uma vida plena de lances rumorosos. Elenasceu como filho ilegítimo de uma jovem trabalhadora e de ummoço pertencente à nobreza, recebendo o nome de Antonio Clemen-te, porém, com o casamento de sua mãe, ele foi reconhecido pela fa-mília paterna, tomando o nome de Antonio Maria de Curtis deiGriffo Focas (Nápoles, 1898 – Roma, 1967), herdando assim os tí-tulos nobiliárquicos pertencentes aos seus ancestrais. Mas Totó fêz oseu nome e fortuna como comediante em vários filmes.

5 Até os reis sem reinos são biografados. Foi difícil mas encontra-mos a biografia deste obscuro Marziano II, “Basileus Titolare diCostantinopoli, Despota di Nicea e della Bitinia, Gran Duca, Se-bastocratore e Patrizio Bizantino, dei Basilei di Trebisonda,Sovrani di Cefalonia e dell´Asia Minore, Erede Porfirogenito,Principe Imperiale e Reale Lascaris-Doukas, Gran Capo dellaCasa Lascaris, Dinastia IX del S.R.I d´Oriente...”Ele nasceu ita-liano em 17 de março de 1921, filho de Olga e Prospero GottardoLascaris Ventimiglia Lavarello di Turgoville, professor de Direitoe Oficial do Exército montenegrino. Sua genealogia (???) incluium rio, uma ninfa, os Giulli (de Júlio César) e a dinastia bizantinados Lascaris, mas nenhuma soberania sobre qualquer palmo deterra nos últimos quinhentos anos. Dele há uma fotografia noartigo citado. V. “Imp. Casa “Lascaris” (Relig. Cattolica). SuaAltezza Imperiale Marziano IIº”,em “Anuário GenealógicoLatino”, do Coronel Salvador de Moya, vol. 2, 1950, pp. 3-16.

6 Por lei, durante a guerra, de 1942 a l945, todos os bens que esta-vam no nome de cidadãos do Eixo Roma-Berlim-Toquio, foramtemporariamente confiscados.

7 O general Umberto Beer, nasceu em Ancona e morreu em S. Paulo(1896-1979), era filho de Ercole e Adelaide (Camerini) Beer. Foiajudante de ordens do rei Vítor Manuel III e era um dos soldadosmais condecorados do Exército Italiano. Deixou inédita suas memó-rias: “Và Fuori D´Italia, Doce Pinceladas de Umberto Beer”.

8 Organizada por Moisés Bilinson e Dante Lattes. Tradução deVicente Ragognetti. Com dedicatória de Raphael Mayer. Edigráfi-ca São Paulo – Rua de Nascimento, 114, São Paulo

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Maria Zoé Morpurgo

MAYER

Regina ValenzinJona Mayer

MarioRafael

Edda BergmanLya

Fernanda Lustosa Jonas

LEVI

Girolamo Levi Elvira Guttman Abramo Leonello Morpurgo

MORPURGO

Emma Giuseppe Giuditta Vittorio Mario Elio Carlo AlbertoNora Adele Liliana

c. Hans Rosenthal

Gina

Giulio Guglielmi

Silvana GuidoFranca Finzi

Bruno Nora

c. AnnaKulikovsky

c. GiuseppeAnaw

Marilia Livio Paolo

Anna Rosa Campagnano, autora de “A árvore de Avraham” (1991), dire-tora do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro, prepara uma dissertação demestrado sobre o bagitto(dialeto dos judeus livorneses) na USP.

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A Genealogia, mais que um passatempo, mais que uma pesquisa-é umtributo; é um ato de amor aos nossos ancestrais.

E vocar a historia dos Judeus do Papa é relembrar a história milenar dopróprio judaismo . Retrocedamos para o ano 66 D.C. quando

aconteceu a primeira guerra entre judeus e romanos; Jerusalem é tomadapor Tito em 70 d.C.; o Templo é destruido tem inicio a segunda diáspora.Lendas e antigas tradições orais nos dão conta de três barcos com exi-lados judeus que são lançados ao mar. Errando pelo mar Mediterrâneoaportam ao acaso na costa sul da então Gália — atual França —iniciando deste modo as primeiras implantações judaicas em solo gaulês.Essa lenda adquire um contôrno de realidade quando em 1967 junto àcidade de Cavaillon, em Provence , é descoberto um candelabro de seteramos, que de acordo com H. Morestin “trata-se do mais antigotestemunho de uma presença judaica em Gália”, que pelo seu estilo édatado da segunda metade do primeiro século e cuja peça ,é hoje con-servada no museu judaico daquela cidade. A população judaica do sulda França sempre se baseou nessa lenda para provar a sua presença naregião desde os tempos mais remotos. René Moulinas em sua obra “LesJuifs du Pape” cita uma petição endereçada em 1808 a Napoleão pelacomunidade judaica de Avignon:

“O estabelecimento de israelitas em Avignon remonta aostempos mais antigos e não se distancia muito da época de sua

dispersão após a queda de Jerusalém; duas familias existem ainda,que são descendentes daqueles primeiros hebreus”

O primeiro registro formal da presença judaica nessa região , naregião de Provence, data de 1178 quando por um ato do ImperadorFrederico I do Sacro Império Romano Germânico que detinha opoder sobre as terras da região, a comunidade judaica de Avignon écolocada sob a proteção do bispo local. Após reinados e impérios do-minando a região, são os condes provençais que no século XIIIdetem os direitos sobre as terras do sul da Gália. Afonso, conde dePoitiers ao fazer em 1268, inventário de seu dominio, dominio esseque mais tarde receberia a denominação de Comtat Venaissin,registra a presença judaica nas comunidades de Avignon, Bollène,Bonnieux, Carpentras, Cavaillon, Lapalud, L’Isle-sur-la-Sorgue ,Monteux, Mornas et Valréas. Em 1274, as terras do ComtatVenaissin, em decorrência do Tratado de Paris, tem seus direitostransferidos ao Papado. Um acontecimento singular transformou ahistoria de toda a região: eleito Papa o arcebispo de Bordeaux, Bertrandde Got, sob o nome de Clemente V, decide ficar por algum tempo emAvignon, para se refugiar da agitação constante de Roma. Em 1309 oPapa se instala provisoriamente na cidade. Seu sucessor em 1316 trans-fere definitivamente a sede do governo pontifício para Avignon.Durante quase setenta anos Avignon será a sede do Papado. A vidacotidiana da população judaica do Comtat Venaissinsob administra-ção pontifical é permanentemente marcada pelo perigo da contamina-ção doutrinal “que ela representa para os cristãos e em decorrênciamedidas discriminatórias são aplicadas. As mulheres judias sãoobrigadas a ostentar um determinado tipo de penteado, enquanto queos homens trazem pregado às suas vestes um símbolo em forma deroda. Em cada localidade de Provence, a comunidade judaica eraobrigada a se agrupar em quarteirões específicos, sem no entanto se

constituirem ainda em “ghetos”. Relacionamentos entre judeus e ca-tolicos eram rigorosamente proibidos e sujeitos a severas punições.Essas medidas, no entanto, eram muitas vezes quebradas pelos seuspróprios autores, ou seja , por papas e cardeais que recorriam sempreque necessário aos serviços prestados pelos talentosos médicos ju-deus, cuja tecnica fora obtida, não em escolas , mas na experiência daprática diária de sua comunidade. A comunidade judaica, podianaquele momento exercer diversas atividades, tais como: alfaiates;pedreiros; carpinteiro ; padeiros; tintureiros etc. Tinham acesso à pro-priedade imobiliária , sendo que muitos possuiam imóveis rurais,principalmente vinhedos. Somente era vetado o acesso à função pú-blica, pois isso poderia criar uma condição de superioridade em rela-ção aos católicos. Esse cotidiano, no entanto, iria mudar de formadramática em decorrencia de acontecimentos externos.

Os judeus são expulsos do reino da França por Felipe o Belo em1394, e em consequência um contingente expressivo vem buscar abrigonas terras do Papado. O aumento incessante desse fluxo migratório emdireção ao Comtat Venaissinrepresentou o início de tensões no seio dacomunidade cristã local. Como forma de aplacar os ímpetos anti-judaicos de seus fieis cristãos, o Papado criou os primeiros “ghetos” emseus domínios, em 1453. Os problemas se agravam com a chegada dejudeus, expulsos da Espanha em 1492 e de Portugal em 1496, os quaisencontraram refugio no Imperio Otomano, na Italia e no ComtatVenaissin. Novas medidas discriminatórias são aplicadas. Uma bulapapal obrigou aos judeus o uso de um humilhante chapéu amarelo. Paracontinuar atendendo ao sentimento anti-judaico da população cristã, asautoridades pontifícias determinam que os judeus do Comtatsomente

Meus Ancestrais — os “Judeus do Papa”Jean-Jacques Leopold Monteux

In the XIV century, Avignon, France was the headquarters of the Popes and until 1791 it belonged to theCatholic Church. The jews who came from this town were subject to peculiar legislation, they becameknown as “the Pope’s jews”. Jean-Jacques Leopold Monteux one of the descendants of these familiestells the story of the group, identifying people and their customs.

Leopold Jacob Monteux, circa 1920

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poderão residir em “ghetos” situados nas localidades de Carpentras,Cavaillon, Isle-sur-Sorgue e em Avignon. Essas quatro cidades sãodesignadas por seus habitantes judeus de “As Quatro Santas Comunida-des” numa terna lembrança das comunidades de Jerusalém, Safed ,Hebron e Tiberíades. Esses “ghetos” recebem o nome de “carriere” cujosignificado era rua. O talento e o espirito dos ocupantes dessas quatrocomunidades judaicas acabaram por transformar as “carrières” emverdadeiras repúblicas autônomas, perfeitamente estruturadas, dispondode organismos institucionais, administrativos e financeiros, regidos poruma peculiar forma de constituição interna. A língua falada nas“carrières” é um dialeto em que o hebreu e o provençal se fundem.Diversas peças do folclore judaico-provençal foram escritas nesse dia-leto: Cantos de circuncisão ; Pequenas Comédias; A Tragédia daRainha Ester,etc. Entretanto a vida nessas “carrières” é dificil. Diversasfamilias ocupam a mesma casa. A saida do “gheto” é permitida somenteem horas autorisadas. Para o cristão, a presença de um judeu é consi-derada ofensiva. Durante a Semana Santa e na passagem de procissõesexiste a proibição do judeu de sair de sua casa. Muitas das condiçõeshumilhantes aplicadas encobre sutilmente um convite à conversão aocatolicismo sempre rechassado pela comunidade judaica.

As medidas discriminatórias se mantiveram até a Revolução Fran-cesa de 1789 que anexou à República as terras do Comtat Venaissinper-tencentes ao dominio papal. Esse extraordinário evento marcou uma ver-dadeira libertação para a comunidade judaica das quatro “carrières”, quesão são extintas. Após uma participação ativa no movimento revolucio-nário, os judeus do Comtattornam-se cidadãos franceses. Tem início adispersão para outras cidades da região e posteriormente para Paris.

A necessidade de controle da população judaica até a Revolução foitão intensa, que propiciou um legado extraordinário de registros civis. Ogenealogista francês Michel Mayer-Crémieux assim se expressou :“Felizes os genealogistas que possuem ascendendência judaica noComtat Venaissin”.Além dos registros pertencentes aos ArquivosDepartamentais e Nacionais da França o genealogista poderá consultaros registros civis de Carpentras em hebreu, pertencentes aos ArquivosCentrais para a Historia do Povo Judeulocalizados em Jerusalém e quecompreende dois volumes: Pinkas Ha-yahas(casamentos, circuncisões enascimentos) e Hazkarat nefachot(falecimentos). Esses nossos an-cestrais, judeus de Provence, apesar das humilhações e provaçõessofridas souberam preservar sua liturgia, seus modos, seus costumes.

Esses homens atendiam pelos nomes de Crémieux , Monteux ,Naquet, Vidal , Milhaud , Lunel, Baze, Alphandery, Lisbonne, Mosse,Valabregue, etc. Eles não tiveram papel preponderante na históriauniversal do judaísmo, mas deixaram no entanto, descendentes combrilho invulgar na politica , na literatura, na música e na na defesa de suapátria, como:

• Isaac Adolphe Crémieux (1796-1880). Advogado, Deputado,Senador, Ministro de Estado. Autor da “ Lei Crémieux” queconferiu cidadania franceêsa aos judeus de Argélia.

• Alfred Joseph Naquet (1834-1916). Químico e político republi-cano. Autor da “Lei Naquet”, que regulamentou o divórcio naFrança (1884).

• Pierre Monteux (1875-1964) Maestro das Orquestras: Sinfônicade Paris; Opera de Paris; Metropolitan Opera de New York; Sin-fônica de Boston; Filarmonica de San Francisco; London SymphonyOrchestra; Concertgebouw de Amsterdam. Introdutor dos BalletsRussosno Ocidente.

• Darius Milhaud (1892-1974) Músico com mais de 450 composi-ções. Viveu dois anos no Brasil. Fundamental para a história damúsica do século XX.

• Isaac Gaston Crémieux (1836-1864) Mártir francês — Fuziladoem Marseille. Seu ultimo brado foi “Viva a Republica”.

• Armand Lunel (1892). Novelista francês.Autor de várias obrasbaseadas nos judeus de Carpentras. Uma delas, “Esther de Carpen-tras”, sobre uma velha peça de Purim provençal, foi musicada porseu amigo Milhaud.

• Pierre Vidal-Naquet (1930) — Historiador. Autor de “Os Assas-sinos da Memória”, dedicado “á memória de minha mãe, Margue-rite Valabrégue. Marselha, 20 de maio de 1907. Auschwitz, 2 dejunho (?) de 1944. Eternamente jovem”.

Esses homens construiram um patrimônio inestimável, classi-ficado hoje de monumento histórico e representado pela sinagoga deCarpentras, cuja primeira construção data de 1367, reconstruida em1741 sobre as fundações originais e pela Sinagoga de Cavaillon cujaconstrução data igualmente do século 18. Esses homens jamais aban-donaram suas crenças, suas idéias, suas convicções. Esses homens,meus ancestrais, eram os “Judeus do Papa”.

REFERÊNCIAS • Alicia Arias-Crémieux — “ Quienes fueron los Judios del Papa”,

publicado no Boletim nº 10 Toldot, Asociacion de GenealogiaJudia de Argentina

• Cercle de Genealogie Juive(França) — Documentos• Darius Millaud — “ Notes sans musique” (autobiografia).• Elisabeth Sauze-Ministerio da Cultura — França— “Les

Synagogues du Comtat “• Michel Mayer Crémieux — “Mes ancêtres: Les Juifs du Pape”• René Moulinas — “Les Juifs du Pape”(1992) • Thierry Jacob — “ Les Juifs du Comtat Venaissin”

http://www.chez.com/tjacob

ASCENDÊNCIA DE JEAN-JACQUES LEOPOLD MONTEUXLINHA AGNÁTICA

G NASCIMENTO NASCIMENTO

ANO LOCAL ANO LOCAL

I JEAN-JACQUES L. MONTEUX 1936 São Vicente, SP , BR

II JACQUES MONTEUX 1899 Paris , 5e, FR ISABEL CARVALHO-OLIVEIRA 1904 Itatiba , SP , BR

III LEOPOLD JACOB MONTEUX 1866 Marseille , 13 , FR BLANCHE ESTHER LECLERE 1876 Chantilly , 60 , FR

IV JULES DAVID MOSSÉ MONTEUX 1833 Entraygues , 84 , FR ANNA CRÉMIEUX 1834 Marseille , 13 , FR

V JOSEPH MONTEUX 1804 Bedarrides , 84 , FR ROUSSE MOSSÉ 1808 Carpentras , 84 ,FR

VI ISAAC MONTEUX 1777 Carpentras , 84 , FR PRECIEUSE MONTELIS 1775 Cavaillon , 84 , FR

VII BESSALET MONTEUX 1754 Carpentras , 84 , FR NEHUMI MONTEL 1778 Carpentras , 84 , FR

VIII ABRAHAM MONTEUX 1722 Carpentras , 84 , FR SARAH MONTEUX Carpentras , 84 , F

IX SALOMON MONTEUX 1696 Carpentras , 84 , FR EVA SARAH LISBONNE Carpentras , 84 , FR

X EMMANUEL MONTEUX 1679 Carpentras , 84 , FR RACHEL SALON Carpentras , 84 , FR

XI ISAAC DE MONTEUX 1650 Carpentras , 84 , FR

XII ABRAHAM DE MONTEUX 1620 Carpentras , 84 , FR

7 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • 7

O Padre Sanctos Saraiva foi uma celebridade no Brasil nas últimasdécadas do séc. XIX, pois era uma “figura singular de erudito,

sacerdote (ou ex-sacerdote), filólogo, cientista, professor, poeta, po-lemista, tradutor e exegeta”, como enumerou suas atividades o je-suíta Arthur Rabuske, um de seus biógrafos1. Sua singularidade es-tava não apenas no enorme leque de interesses que ele pesquisava,mas também em sua própria figura misteriosa, de quem se dizia serfilho de um rabino sírio, ter vivido em locais e situações tão diferen-tes, conviveu com orientalistas em Londres, discutiu hebraico com D.Pedro II, colheu plantas e minerais na Serra da Cantareira. Pregoupara bispos e viveu como rústico agricultor no interior de Santa Ca-tarina. Hoje ele é uma figura quase ignorada no ambiente intelectualbrasileiro. Nosso interesse é recuperar este personagem para a histó-ria cultural brasileira e devolver aos cristãos-novos portugueses umde seus vultos mais interessantes.

Quem era Sanctos Saraiva.Francisco Rodrigues dos Sanctos Saraivanasceu em Vila

Seca de Armamar, na região de Lamêgo, em 22 de fevereiro de 1834,filho do “rabbino hespanhol da Syria” António dos Sanctos Saraiva eAnna Rita Rolla. Esta é a informação consagrada que com o passardos anos e desídia dos pesquisadores tornou-se a verdade oficial. Es-tranhando o caso de judeu sefardita retornar a Portugal, os magre-binos são exceção, e ignorando a existência de uma família Saraivano Império Otomano, fomos a pesquisa e encontramos, graças a ajudade Maria das Dores Almeida Henriques e Maria Dulcinéia B. Cabralde Sena, o seu certidão de batismo no Arquivo Distrital de Viseu.

O certidão de batismo é o principal documento individual domundo ibérico até a proclamação das repúblicas. Com a união daIgreja e Estado, o batismo católico é a porta para o ingresso na cida-dania plena. Para o genealogista ele é importante pois trás, a data e olocal do nascimento, os nomes dos pais e avós, também os padrinhos,identificando suficientemente o personagem.

No caso de Sanctos Saraiva, confirmou-se parcialmente o seuaniversário, apenas o ano é diferente, ele nasceu em 1831. O dadosgenealógicos são descritos pelo documento: “filho de António dosSantos, Mesão Frio, Mondim(outro nome é ilegível) e Ana Rita.Nepto paterno de Joaquim dos Santos, Jeronima de S. José da fre-guesia de Mondim e materno de José Rodrigues Saraiva e AnnaCardoza desta freg[uesi]a”2. O que se percebe nesta documentação éque Sanctos Saraiva é filho e neto de portugueses. Nada nos autorizaa tomar como legítima a versão do “rabbino syrio”, pois nos parece acriação deste ancestral mítico apenas uma forma de desvencilhar-sedo passado católico ou legitimar-se como hebraísta.

A família Saraiva tem origem em Trancoso, difundindo-se pormigração de seus membros por toda a região, sendo muitas vezesreconhecidos como cristãos-novos3. O mais importante destes ramosé a família Saraiva, inicialmente de Mesão Frio, depois estabelecidaem Barcelos, começada por dois irmãos cristãos-novos, que se casa-

ram com filhos de Mestre Thomaz da Victória, “Rabino q[ue] lheensinava a sua seita” e que são troncos de uma farta descendênciacom este apelido Saraiva ou Cardoso, espalhada pelo nordeste dePortugal4. A lista dos “99 chefes de família” atingidos pelo pogromde Vila Nova de Fózcoa, composta por António Joaquim FerreiraPontes, trás entre eles membros desta estirpe5. António José Saraiva(1917-1993), autor de “Inquisição e Cristãos-Novos” reconhecia-secomo sendo de origem judaica6. Creio que o Padre Sanctos Saraivaviesse desta mesma origem. Não tenho ainda a ligação entre uma eoutra linhagens, mas os indícios que tenho apontam nesta direção.

Outra família Saraiva, ou outro ramo da mesma, foi para Ams-terdã onde trocou de nome7. O mais famoso deles foi o comercianteDuarte Saraiva (1570-1650), nascido em Amarante, que na comuni-dade holandesa era conhecido como David Senior Coronel— a elefoi dedicado o livro “Conciliador” do rabino Manasseh ben Israel8.David Senior Coronel era um homem muito rico e viveu também noRecife Holandês. Flávio Mendes Carvalho, autor de “Raízes Ju-daicas no Brasil. O Arquivo Secreto da Inquisição”, afirmava que a

O mistério do Padre Sanctos Saraiva,um “judaizante” na Corte de D. Pedro II

Paulo Valadares

To list all intelectual activities of the Portuguese Sanctos Saraiva (1834-1900) is fascinating: Botanist, mineralogist,philologist and catholic priest. Two instants are interesting in his biography. He was asked by D. Pedro II,brazilian monarch, to evaluate his knowledge of hebrew, establishing a lasting friendship between them. Hewas a descendant of portuguese new-christians, later he abandoned the catholic priesthood

família cearense Saraiva Leão, da qual fazia parte, descendia de umirmão do parnas(dirigente comunal) holandês9. Porém na Diásporasefardita este nome não prosperou, sendo encontrado apenas entre osjudeus de Hamburgo.

AhasverosUsando a imagem literária de Ahasveros, pode-se afirmar que

Sanctos Saraiva foi também uma espécie de “judeu errante”, ele viveuem dois continentes, quatro paises e em muitas cidades. Nascido emVila Seca de Armamar, morou em Lamêgo, estudou na Universidade deCoimbra, onde teria cumprido um doutorado em “Teologia e Direito”,ao que parece em 1850. Sua formatura teria coincidido com a revolta da“patuléia”, quando então ele expa-triou-se para Londres, onde especia-lizou-se nas áreas que lhe dariamnotoriedade. “D´essa convivência como mundo scientífico londrino, ondepontificavam sabios orientalistas he-breus, surgiu a multiforme culturad´esse homem, que estava fadado amaravilhar os seus contemporâneoscom o seu saber’10. De Londres, elefoi a Roma, e usando os contatos quefizera na Inglaterra, recebeu a direçãode uma paróquia no Brasil.

Em 1860, por falar inglês, é nomeado capelão da “Companhiade Mineração Morro Velho” em Minas Gerais. Ele ficou pouco tem-po na região, pois assustado com a intolerância do clero mineiro,mudou-se para o Rio Grande do Sul, onde assumiu em 23 de junho de1862 como “vigário encomendado” da Paróquia de S. Francisco dePaula de Cima da Serra, apesar de caráter inamovível do seu cargo,cinco meses depois já estava na Paróquia de S. Sepé.

Nos pampas ele vive várias aventuras: “viajava elle de S. Gabrielpara S. Sepé, quando, no penetrar em uma casa de negócio, á beira daestrada, afim de comprar alguma coisa, appareceu um individuo de mácatadura, que, de um modo brutal, atirou uma moeda sobre o balcão,dizendo ao dono. — Dê-me dois vintens de cachaça! Sendo-lhe offe-recida a bebida o padre Saraiva recusou e agradeceu. O gaúcho insistiu,e ainda nova recusa. Nâo notára aquelle que o dono do negócio lhepiscava o olho para que aceitasse. O tal homem voltou á carga: — Poishá de beber, por bem ou por mal! Sem perder a presença de espírito, opadre Saraiva sacou de uma pistola, e encostou o cano ao peito dovalentão, dizendo-lhe: Monte a cavallo, e já! E desappareça d´estessítios” 11. O bandido que era conhecido por ter cometido algunshomicídios fugiu frente a firmeza do barbudo misterioso.

Em 1865 ele retornou a Portugal onde permaneceu por cinco anos,ao que tudo indica, passou este tempo estudando nas bibliotecas locais.Nesta época mantém relações com o historiador Alexandre Herculano,autor de “História da Origem e Estabelecimento da Inquisição emPortugal”. Voltou ao Brasil em 1870 para o Rio de Janeiro, ondemantém contatos com o Imperador. É nomeado reitor do Colégio DomPedro d´Alcântara, em Botafogo, com trezentos alunos. Em 1875 vaipara o interior de Santa Catarina, onde adquire uma propriedade rural elabuta incognito até 1891. É o lugar onde viveu por mais tempo. Dalívai a Pelotas, no Rio Grande do Sul, onde lecionou em dois colégios“Ateneu Pelotense” e “Colégio Evolução”. Em 20 de maio de 1892chegou a S. Paulo, onde a convite de G.W. Chamberlain, lecionou na“Escola Americana” e no “Mackenzie College”.

Na Corte de D. Pedro IINo período em que Sanctos Saraiva viveu o seu apogeu criativo, o

Brasil tinha como chefe de Estado, D. Pedro II, que mantinha no Rio de

Janeiro a Corte política, ao mesmo tempo em que estimulava umambiente intelectual. D. Pedro d´Alcântara, como ele preferia ser cha-mado durante os trabalhos eruditos, era o que se podia chamado de“orientalista”. Ele falava, lia e escrevia em hebraico. Frequentousinagogas na América e na Europa, numa delas chegou a fazer aliá,lendo a Torá na Sinagoga Central de Londres, em Upper Street,convidado pelo rabino Barnett-Myers. Participou do “III Congressode Orientalistas de S. Petersburgo” (1876), onde discutiu as inscri-ções do rei moabita Méscha, os Samaritanos e a primitiva toponímiado Eretz Israel. Terminou por fazer uma peregrinação a Terra Santa,visitando a Jerusalém, Belém, “onde colhi umas florzinhas em memó-ria de Rute”12. Havia mesmo um filosemitismo latente na Corte queculminou com o engenheiro André Rebouças, propondo a criação deum Estado Judeu na região de Palmas, no Paraná, em 1889.

Segundo o próprio D. Pedro d´Alcântara, ele começou aprenderhebraico com o “judeu sueco” Leonhard Akerblom13, Cônsul dosPaises Nórdicos no Brasil, e que foi sucedido nesta função por profes-sores exclusivos, um deles, o alemão C.F. Seybold, acompanhou até oúltimo dia de vida do monarca brasileiro. Assim com professores parti-culares ele foi aprendendo a seu hebraico, até que um dia resolveu fazeruma avaliação do progresso destes estudos, já conhecendo a fama doPadre Sanctos Saraiva, convidou para que este fosse ao Paço de S.Cristovão, onde recebeu em audiência privada. Quem conta é Eliézer dosSanctos Saraiva, filho do erudito.

“Depois de se ter excusado receber a quem quer que fosse, D.Pedro, mandando que o introduzissem no seu gabinete de estudo, dis-se-lhe:

— Agora o sr. é o padre Saraiva e eu D. Pedro: nada de formali-dades, vamos conversar, e diga-me com franqueza, o que pensa demeus estudos.

Durante cêrca de duas horas estiveram ambos em amistosa pa-lestra, que versou sobre questões philologicas, sobre o hebraico deque o monarcha era apaixonado cultor e sobre os meios de interpre-tar os textos mais complicados das linguas orientaes.

Depois d’este encontro, o imperador, por varias vezes em con-versa com seus intimos, enalteceu os meritos invulgares do padreSaraiva, dizendo que nunca se lhe tinha deparado vulto mais extraor-dinario e eminente, sem exceptuar os mais celebres sabios da Eu-ropa”14.

As entrevistas se sucederam entre o monarca e o sacerdote. Sempretendo como mote o estudo do hebraico. Saraiva escreveu inclusiveuma monografia, defendendo o idioma bíblico: “Acerca da necessi-dade e utilidade das línguas bíblicas no Império do Brasil, como po-deroso auxiliar das ciências eclesiásticas e da filologia”. A amizadesincera entre ambos ultrapassou o campo político. Tanto que após umatentado a vida do Imperador, o republicano Saraiva manifestou-secontra o atentado, e quando da Guerra do Paraguai, o pacifista Sa-raiva compôs um poema em hebraico para celebrar o Imperador. Estepoema ainda inédito, foi descoberto por Reuven Faingold quando se-lecionava material para um exposição sobre as relações do monarcabrasileiro com os judeus, e chama-se “Lashilton shel Brasil — PetrusBeit: Shira Leiom Hazikaron kol Umah begvul Hamilchama alParaguai” (Ao Governo do Brasil – Pedro II: Poema para o Dia daRecordação de toda a Nação na Guerra do Paraguai)15.

Nesta passagem pelo Rio de Janeiro ele pesquisou e escreveu oprincipal trabalho de sua bibliografia, que é o “Novíssimo DicionárioLatino-Portuguez, etymológico, psosodico, historico, geographico,mythologico, biographyco, etc...redigido segundo o plano de L. Qui-cherat...Rio de Janeiro – BML. Garnier”. Ele não está datado, masacredita-se que foi impresso em Havre em 1881. Considerado pelosespecialistas como o melhor escrito sobre o assunto. No final de sua vidaele redigia um “Dicionário Etymologico da Lingua Portuguesa”, no qualsó chegou a letra “A”.

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ConflitosO ex-padre Sanctos Saraiva foi produto do meio cristão-novo.

Muito religioso, ligado ao Transcendente não pode efetivamente ser um“sacerdote”, pois a sua crença não era a crença de sua religião. Nâo lheadiantou a formação sacerdotal católica, pois ele não se convenceu destacrença. Por volta de 1875 ele abandonou definitivamente o sacerdócio eo catolicismo. Mas não se filiou a nenhuma igreja protestante, porémmanteve com os presbiterianos boas relações intelectuais, e o seu filhoúnico, recebeu um nome vetero-testamentário, Eliézer, cuja escolhareflete a sua trajetória peculiar. Já que o primeiro Eliézer, originario deDamasco (talvez uma projeção do mito do “rabbino syrio”), abandonoua idolatria, para reconhecer a verdade monoteísta, tornando-se homem deconfiança do patriarca Abraão16.

Sua despedida do sacerdócio foi registrada num manifesto de títuloagressivo, “O Catholicismo Romano ou a Velha e fatal Ilusão daSociedade” onde ele formulou suas idéias religiosas, escrito em 1888 erepublicado em 193217. Este livro foi reeditado como uma reação a

“campanha obscurantista, que mira jungir definitivamente o Brasil aosolio papal”, conforme a prosa arrevesada de Mattathias Gomes dosSantos, vice-presidente da Colligação Nacional Pro-Estado Leigo,assustado com a aproximação entre o Estado Novo e a Igreja Católica.Uma reação que culminou na lei apresentada pelo deputado JorgeAmado, descendente de cristãos-novos sergipanos, reconhecendo aliberdade de cultos religiosos, no final da década de quarenta.

Sanctos Saraiva deixou escritos que não foram publicados eoutros se perderam no anonimato de publicações obscuras do interiordo país. Mesmo assim é possível encontrar em sua bibliografia algunstítulos que remetem a sua condição de “judaizante”. São poemas queestão na periferia do judaísmo, mas que fazem parte desta herançacultural. São eles; “Cântico de Moysés” (1863), “Poema sobre aTerra Santa” (1864) e principalmente “Harpa d´Israel” (1898), umatradução tirada diretamente do hebraico e comparada com a versão deAntonio Pereira de Figueiredo. A estes deve-se acrescentar uma tra-dução que ele fêz do “Livro de Hhanokh”18, cuja autoria é atribuidaao rabino Aharon HaLevy.

FinalFrancisco Rodrigues dos Sanctos Saraiva morreu no Hospital

Samaritano em S. Paulo, em 3 de junho de 1900. Mas o seu corpo foilevado para Santa Catarina, onde foi sepultado ao lado de sua com-panheira Ana Felícia, mãe do seu filho Eliézer19. Deste modo, quasesorrateiro, terminou a vida desta figura tão peculiar. Mesmo assim épossível encontrar na sua trajetória alguns traços comuns a tantasbiografias de cristãos-novos anônimos, que sem acreditar nos dogmascatólicos, inconformados com a hegemonia da Igreja, mas sem acessoao Judaísmo, procuraram outras saidas religiosas, atraidos peloProtestantismo histórico, onde levaram suas convicções, dando a este,um caráter filo-semita. Outros, como Sanctos Saraiva, foram edu-cados como católicos, flertaram com o Protestantismo, enfim não fo-ram judeus, nem cristãos integrais, apenas cristãos-novos ou juif enpotentiel, como na classificação de I. S. Revah.

Notas1 “Francisco Rodrigues dos Santos Saraiva: Algo de sua vida e

obra, máxime no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina”, emRevista do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina”,3a fase, nº 5, 1984, pp. 119-157. Agradeço a Sra. Arina LopesVieira, de Imaruí, e ao Dr. Mário Gentil Costa, Florianópolis, acessão de grande parte da bibliografia sobre o nosso personagem.

2 Arquivo Distrital de Viseu, fl. 30/30, v., maço 17, nº 1, freguesiade Armamar (1831).

3 João Nunes Saraiva, nascido em Trancoso, foi banqueiro de Feli-pe IV. Denunciado como judaizante participou de dois autos-da-fé. V. “El Proceso Inquisitorial de Juan Núñez Saravia, banquerode Felipe IV” , de Antonio Domínguez Ortiz, Hispania (TomoXV, nº LXI, Madrid, pp. 559-581).

4 Luís de Bivar Guerra, “Lista dos judeus q[ue] se baptizaram emBarcellos e das gerações q[ue] delles procedem” (Armas e Tro-féus, II Série, Tomo 1, 1960, Lisboa). No título “Da Casa doM[estr]e Thomaz Rabino” (pp. 286-291) ele reconstruiu seis gera-ções da família Saraiva. A onomástica é semelhante a da famíliado Padre Sanctos Saraiva. P.ex., Filipa Cardosa, filha de umSaraiva, casou-se com Francisco Rodrigues e tiveram filhos, netose bisnetos com o sobrenome Saraiva (séc. XVI e XVII).

5 O pogrom de Vila Nova de Fozcoa atingiu os cristãos-novos destacidade e foi descrito por um dos autores que registrou o fato as-sim: “Escorraçando as que não tinham sido varejadas pelasbalas, como a do barão de Vila Nova de Fozcoa, as dos CamposHenriques, dos Lopes Cardoso, dos Cavalheiros, dos Campos,dos Almeidas, dos Navarros, dos Margaridos, dos Saraivas, dosTavares. O exodo é em massa, tal qual nos tempos de Israel sob alança dos filisteus. Das noventa e nove famílias foragidas, no

“Lashilton shel Brasil — Petrus Beit: Shira Leiom Hazikaron kol Umah begvulHamilchama al Paraguai” (Ao Governo do Brasil — Pedro II: Poema para oDia da Recordação de toda a Nação na Guerra do Paraguai)

terror do ferro e do fogo, umas acolhem-se aos concelhos de AlémDouro, outras poisam mais longe, no Porto e em Lisboa”. Cf.Sousa Costa, “ Páginas de Sangue. Brandões, Marçais & Co.”(1919), p. 200. Veja também, J. Silvério de Campos Henriques deAndrade, “A quadrilha dos Marçais”, p. 265.

6 Carlos Cãmara Leme, “Eu sou Israelita”, em Jornal Público/Fimde Semana(Lisboa, 01-02-1991)

7 Nos registros de casamentos da comunidade holandesa há um sóSaraiva constando daquele rol. É Mozes Isaac Saraiva, que secasou com Rachel David Jessurun, em 20 de Siwan de 5449. V.“ Handleiding bij de index op de Ketuboth van de Portugee-Israelietische Gemeente te Amsterdam van 1650-1911”, organiza-do por D. Verdoomer e H.J.W. Snel.

8 O livro era dedicado aos “Nobilissimos, y magnificos señores,...David Senior Coronel; ...Doctor Abraham de Mercado;...Jahacob Mvcate; ..Ishac Castanho; Y mas Señores de nuestranascion, habitantes en el Recife de Phernambuco” (1651).

9 Flávio Mendes Carvalho (1954-1996) foi neto materno de Osmun-do Saraiva Leão. V. Obituário, em Gerações/Brasil, novem-bro/96 e abril /97, vol.3, 1 e 2, pp. 13-4.

10 Eliézer dos Sanctos Saraiva, “O Sabio das Picadas” (1939), p. 15.11 Eliézer dos Sanctos Saraiva, ob. cit., p. 17. 12 O diário imperial desta viagem foi publicado por Reuven Faingold

sob o título “D. Pedro II na Terra Santa. Diário de Viagem –1876” (1999).

13 Leonhard Akerblom (Solleftea, 1830 – 1896), filho de Carl Magnus eCatharina Margareta (Eneroth) Akerblom, era Doutor em Filosofiapela Universidade de Uppsala. Ele começou a carreira diplomáticarepresentando os paises nórdicos no Brasil e terminou sua carreiracomo “generalkonsul” da Suécia em Lübeck Akerblom foi casado

Genealogists` Magazineé a revistaeditada pela Society of Genealogists (14Charterhouse Buildings, Goswell Road,London EC1M 7BA), cujo presidente éS.A.R. Príncipe Michael de Kent, KCVO.No número de dezembro de 2000 há umbelo artigo de Brian Vale sobre os “Britishsailors and the Independence of SouthAmerica” Durante este período 200 oficiaise 3000 marinheiros defenderam bandeiras

sul-americanas. O caso brasileiro é um dos mais interessantes, dos 46navios de guerra do país, 14 eram comandados por britânicos. Entre1825-28, tempo da guerra com Argentina, 1200 marinheiros da mesmaorigem guarneciam as naves brasileiras. A Argentina também possuiaem seus quadros outro tanto de britânicos. Tanto que o Embaixadoringlês no Rio classificou o conflito como “a war betwixt Englishmen” .Vale nomeia 60 oficiais britânicos que serviram no Brasil entre 1822 a1850:A. Anderson, C.J. Appleton, W. Blakeley, G. Broom, L.Brown, D. Carter, A. Challes, S. Chester, F. Clare, G. Clarence, S.Clewley, T. Cochrane, G. Cowan, T. Craig, V. Crofton , T. Crosbie,F. Drummond, W. Eyre, D. Fubbs, S. Gillet, J. R. Gleddon, J.P.Grenfell, B. e R. Hayden, T. Haydon, W.J. Inglis, W. January, B.Kelmare, W.MacErwing , R. Mackintosh, D. Macreights, G.Manson, W. March , C. Mosselin, R.N. Murphy, E. Newton, J.Nichol, J. Norton, G. W. Oudsley, W. Parker, T. Poynton, A. Reid,C. Rose, J. Sewell, J. Shepherd, R. Steel, G. Strickland, J.V. Taylor,J. e T. Thompson, J. Wallace, C. e J. Watson, M. Welch, J.H.B.White, J. Williams, B. Bourwill , R. Wright e C. F. Yell. Para a Guerrada Argentina: C. Adams, R.T. Bell, C. Browning, A. Heart, R.Montgomery, J. Morrow , T. Reed, E.Ruxton, M.Smith ,

com a brasileira Louise Marie Josephine Meyrad, como teve umafilha, Marie Louise (1869), que se casaria com o médico HansNaegli, de Genebra. Marie Louise Ingeborg Naegli, nascida em 1894,foi a última descendente de Akerblom. V. Axel Paulin, “Svenskaöden i Sydamerica” , pp. 150-3. Nele há uma fotografia de Akerblome afirma que ele não era judeu. Agradeço a Nair Pacheco e MaillieFjalgren, da representação diplomática sueca pelo auxílio biblio-gráfico; a Ian Hamilton (Genealogiska Föreningen, Estocolmo), aUlf Goranson e Hakan Hallberg (Uppsala Universietsbibliotek), poroutras informações e contatos.

14 Eliézer dos Sanctos Saraiva, ob. cit., p. 20-1. 15 Exposição iconográfica: “Luzes do Império. D. Pedro II e o Mun-

do Judaico” (S. Paulo, 1999), Prof. Reuven Faingold (Curador),catálogo, pág. 17.

16 (“Ele é socorro”, Bereishit, 15:2), outros nove personagens bíblicosreeberam o mesmo nome, inclusive um filho de Moisés e um profeta.

17 Há um exemplar na Biblioteca Mário de Andrade (S. Paulo) e quetrás um carimbo curioso: “Livraria do Globo. L. Marrano (...)”

18 Jornal do Comércio, Desterro, dezembro de 188819 Eliézer dos Sanctos Saraiva nasceu em Picadas do Norte, S. José,

13 de novembro de 1879 e morreu em S. Paulo, em 19 de junhode 1944. Formado engenheiro, trabalhou no Observatório Astro-nômico de S. Paulo e lecionou idiomas no Mackenzie College.Dirigiu uma escola chamada “Instituto Sanctos Saraiva”, ondeOswaldo Aranha e Marcondes Filho foram seus alunos. Autor de“O sábio das Picadas”, uma biografia paterna. Pertenceu ao Ins-tituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina. Casado comLígia “dos Sanctos Saraiva”, não teve filhos. Agradeço a AdoniasCosta da Silveira (Instituto Presbiteriano Mackenzie, 08-07-1997)pela ajuda em compor a biografia deste personagem.

G. Strickland, R. Ushere D. Williams. O uso de oficiais estrangeirosnos exércitos de libertação não era algo tão incomum. Mesmo os EUAcontavam em suas fileiras com o francês Lafayette e o alemão De Kalb,dentre tanto outros militares.

ArgentinaGenealogia Argentina. A Asociacion de Genealogia Judia de Ar-

gentinaé uma das mais ativas sociedades genealógicas em atividade.Além de palestras sobre o tema ela publica uma revista chamadaTOLDOT (“Generaciones”), que é distribuida aos sócios, trazendo oresultado de suas pesquisas. Ela já está no número 14. Sempre ofere-cendo material diversificado e de alta qualidade. A junta governativa daAGJ Argentina é composta por: Paulo Armony (Presidente); HectorMondrik (Vice-presidente); Silvia B. de Adaszko(Secretária); MarceloBenveniste(Protosecretário); Gustavo Wengrovski (Tesoureiro) eMónica E. de Benatuil (Protesoureira). O endereço é Juana Azurduy,2223, Piso 8 (1429) Buenos Aires, Argentina. [email protected] – http: //www.agja.com.ar

BrasilO Colégio Brasileiro de Genealogia (Av. Augusto Severo nº 8-12.

20021-040, Rio de Janeiro, RJ) que está festejando o seu “Ano doCinqüentenário”, elegeu em 11 de fevereiro de 2000 a sua juntagovernativa para o biênio 2000-2001: Paulo Carneiro da Cunha(Presidente), Victorino Chermont de Miranda (Vice-presidente),Nelson Vieira Pamplona (Primeiro-secretário), Atila Augusto da CruzMachado (Segundo-secretário), Roberto Guião de Souza Lima(Primeiro-tesoureiro), José Ubaldino Motta do Amaral (Segundo-tesoureiro), Frieda Wolff , Roberto Menezes de Morais e ChristovãoDias de Ávila Pires Jr(Conselho Fiscal).

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Genealogia Pelo Mundo

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1. O processo movido pelo Tribunal do Santo Ofício contra InêsHenriques de Leãotem, em linha gerais, a seguinte estrutura:

a) Termo de Entrega da ré à Inquisição de Coimbra b) Inventário dos bens c) “Culpas” [Imputações] d) Genealogia da ré e) Audiências de inquirição e admoestações f) Libelo g) Procuração do defensor h) Contestaçao e contradita das testemunhas i) Confissões, admoestações e contradição j) Libelo “diminuto” [Aditamento] k) Confissões e admoestação l) Novo libelo m) Audiência de “tormento” [Tortura] n) Sentença condenatória o) Abjuração p) Termo de Segredo q) Contas r) Termo de Soltura

2. A primeira peça do processo é o “Termo de Entrega” da ré àInquisição de Coimbra:

“Aos quatorze dias do mês de outubro do ano de seiscentos edezoito nesta cidade de Lisboa nos Estaus e Cárceres do SantoOfício desta cidade, foi entregue Inês Henriques de Leão, cristã-nova, solteira, filha do Licenciado Luis Gomes de Leão, por umoficial da Inquisição de Coimbra, o alcaide destes Cárceres Hei-tor Teixeira, nele se deu por entregue e como assim fez, assinoueste termo e sendo assinado se lhe não achei nada contra o regi-me, eu Francisco de Sousa escrevi.”

3. A seguir vem o “Inventário” dos bens que a ré possuía, declaran-do que origem desses bens era, em parte, proveniente de Florença,onde seus pais faleceram e de onde viera há cerca de sete ou oitoanos, e outras peças eram presentes de seus avós e parentes. Aofinal, declarou que não possuía bens de raiz. Há nessa parte háuma descrição detalhada desses bens, na verdade, uma grandequantidade de jóias, englobando metais e pedras preciosos. Sãodescritos anéis, brincos, colares, gargantilhas, pulseiras e outraspeças, sendo a maioria de ouro com diamantes, rubis, esmeraldas

ou pérolas incrustadas. Havia também um relicário de ouro commotivos religiosos católicos, ou seja, com imagem de Nossas Se-nhora de um lado e Santa Catarina, de outro.

4. As imputações contra a ré, nos autos denominadas de “Culpas”,são constituídas por vários traslados de depoimentos constantesem processos da Inquisição contra outros cristãos novos, a maioriaparentes da ré, que a incriminavam. O primeiro desses traslados érelativo ao processo contra um tio da ré, Luis da Cunha:

“Do processo de Luis da Cu-nha, cristão-novo, médico nacidade do Porto, o qual foi pre-so e recolhido nos cárceres doSanto Ofício da Inquisição deCoimbra ao primeiro dia domês de setembro do presenteano [1618] e aos seis dias dodito mês e anos pedia audiên-cia e começou por confessarsuas culpas e desta ré entreoutras coisa o que se segue:Aos seis dias do mês de setem-bro de mil e seiscentos e de-zoito anos em Coimbra na ca-sa do notário da Santa Inqui-sição, estando ai o senhor Simão Barreto de Meneses, Inquisidor,em audiência pela manhã, mandou vir perante si um homem queviera preso do Porto para estes cárceres e sendo presente, paraem tudo dizer a verdade, lhe foi dado juramento dos SantosEvangelhos em que ele pôs a mão e sob encargo dele prometeudizê-la e disse que se chama Luis da Cunha, doutor em medicina,da cidade do Porto, casado com Florência Dias, cristã-nova, damesma cidade e que ele é de idade de 39 anos. Disse entre outrascoisas que havia onze anos, pouco mais ou menos, não se lembrao mês, nem a era certa, nesta cidade de Coimbra em casa de seuirmão Antônio Dias da Cunha, estando ele confitente com InêsHenriques, sua sobrinha, filha de sua irmã Maria da Paz e deLuís Gomes Leão, seu cunhado, ambos defuntos, ele confitente e adita sua sobrinha se deram conta um ao outro, não se lembra aque propósito, nem quem começou a prática, de como criam eviviam na Lei de Moisés e nela esperavam se salvar, e que então

PROCESSO Nº 2742, ANO DE 1618,DO TRIBUNAL DO SANTO OFÍCIO, INQUISIÇÃO

DE LISBOA, CONTRA INÊS HENRIQUES DELEÃO, SOLTEIRA, CRISTÃ-NOVA, NATURAL DA

CIDADE DO PORTO.Rubens R. Câmara

The inquisitorial processes document the persecutions that the judaizing new-christians suffered. It is possibleto read the physical description of the accused, his genealogical relationship and his habits. Rubens R. Câmaratook the process No. 2742 of 1618 against Inês Henriques de Leão and explains all the steps of the judiciaryprocess which was common to all others. Inês Henriques de Leão belongs to an important jewish family. She isrelated to the Aboabs and a cousin of the philosopher Baruch de Espinoza.

Baruch de Espinoza, primo de InêsHenriques de Leão

não falaram mais, porém daí por diante se ficaram conhecendo etratando como judeus e se declaravam por tais quando haviaocasião para isso. Aos costumes, disse nada.”

Os demais depoimentos trasladados para os autos contêm pratica-mente as mesmas declarações, variando um pouco a época, o locale as pessoas envolvidas que, como diziam, se davam conta umasàs outras de como criam e viviam na Lei de Moisés e nela espe-ravam se salvar. Há, num ou outro depoimento, relatos sobre co-mo observavam o Sábado, jejuavam em datas especiais e acen-diam candeeiros às sextas-feiras ao pôr do sol. Além do depoimento de Luís da Cunha, foram trasladados tam-bém os das seguintes pessoas: Diogo de Pina; Paulo Lopes, tio daré; Francisco Rodrigues Villa Real; Grácia Vaz; Lucrécia Macha-do, prima da ré; Antônio Vaz, filho de Thomé Vaz e irmão deFlorência Dias, mulher de Luis da Cunha; Felipa de São Fran-cisco, freira e tia da ré; Inês Henriques, avó da ré; João Batista esua mulher Camila Dias; Isabel Nunes, mulher de Álvaro Annes eFlorência Dias, mulher de Luís da Cunha. A quase total literalidade dos depoimentos deveu-se a um possívelarranjo que os confitentes engendraram para miminizar as conse-qüências desse processos contra si e outros de sua progênie. Nessesentido, aponta a “denunciação que fez Heitor Teixeira, Alcaidedestes Cárceres, a qual está no processo de Miguel Soares”, quedisse ter ouvido fragmentos de uma conversa entre a ré e MiguelSoares: “...e denunciando disse que ontem, dois deste presente mês e ano[dezembro de 1618], às horas de jantar, indo ele para a vigia, ouviufalar Inês Henriques de Leão com Miguel Soares, marido de Mariade Sousa, presos que estão no lado do corredor do meio velho, ela naoitava e ele na nona casa, ficando ao meio a porta do dito corredorda vigia, que não se abre pela banda de dentro; ele não temcompanheiro, ela, uma velha que se chama Catarina Henriques;porquanto ele testemunha ouviu que se falavam, se chegou à ditaporta do corredor e se pôs a escutar; conhecendo-os bem na fala,ouviu o que estavam falando, ela dando-lhe conta do que se passaranaquela manhã na mesa, como quem se aconselhava e ele res-pondendo-lhe; o que foi dito por Miguel Soares entendia eletestemunha melhor porque falava mais alto,[...], ouviu deles osseguinte: Já que tendes confessado, o que nos querem mais? E elarespondeu algumas palavras que ele testemunha não percebeu maisque a última delas na seguinte forma: E pedem mais pessoas.[...],que na mesa lhe diziam que ela fora judia mais tempo que tinhaconfessado e que lhe falavam em mais cerimônias; o dito MiguelSoares respondeu falando mais alto como falava e de maneira queele testemunha entendeu o seguinte: Não sei, logo, o que mais nosquerem, se ainda não estão contentes e nos querem mais, confessaiembora mais tempo que há dois anos mais ou o que quiseres quecríeis em Deus dos Céus e que tiráveis da lampreia o quarto traseiro,mas mais pessoas, contudo, não lhe deis nenhuma; confessai‘diminuta’ que assim é bom; eles tomam nos por um dedo e por elenos levam a mão toda e depois o braço, assim nos pescam todo ocorpo e depois que nos têm de dentro, fazem-nos espremer; eu sesoubera quem aqui me meteu houvera lhe de dar mil estocadas pelocoração...” Confessar “diminuta” significava admitir menos culpas do que asimputadas à pessoa. Por outro lado, fica patente a estratégia deadmitir cerimônias e ritos, sem contudo dar novos nomes à mesainquisitorial.

5. A seguir, trata o processo da genealogia da ré:

“disse que se chama Inês Henriques de Leão, cristã-nova de vintee dois para vinte e três anos, porquanto parecesse de mais, natu-ral e moradora na cidade do Porto, e que seu pai se chama LuísGomes de Leão, letrado, pensador, que morreu em Florença; esua mãe, mulher de seu pai, Maria da Paz, também lá morreu;

ele, natural de Lisboa; ela, do Porto, donde se foram para Roma,e de Roma para Florença; e que seus avôs paternos se chamaramAntônio Gomes e Isabel Gomes, já defuntos, e não sabem ondeviveram; e seus avós maternos se chamam Lopo Dias da Cunha,físico no Porto, e Inês Henriques; e não tem outros antepassados,nem lhe sabe o nome e que da parte de seu pai não tem tio, nemtia; e da parte de sua mãe, tem três tios e três tias e que se cha-mam: Antônio Dias da Cunha, cônego em Coimbra; Luís daCunha Henriques, médico, marido de Florência Dias do Porto;Paulo Lopes da Cunha, mercador, casado com Catarina de Pina,moradores no Porto; Filipa de São Francisco e Grácia do Espí-rito Santo, freiras no Mosteiro de Monchique do Porto; e ÂngelaHenriques, casada [pela] Segunda vez com Cristóvão Lopes, mer-cador, morador em Viana; e que tem um irmão que se chamaAntônio Gomes de Leão, pensador em Madrid, de vinte e um paravinte e dois anos, solteiro; e que ela é solteira e não tem filho,nem filha; e que ela nunca foi presa, nem penitenciada pelo SantoOfício e que por ele ficaram presos os ditos seus avós, tios e tias eas mulheres deles e os maridos delas no mesmo dia em que pren-deram a ela, exceto as ditas freiras e o dito seu irmão e que ela écristã, batizada na Sé do Porto e não sabe quem foram seus pa-drinhos, o deão que então era um desembargador que não sabe onome e que ela é crismada na Igreja de São João do Porto e nãosabe por que Bispo e foi seu padrinho Jorge Lopes”.

A ré declarou que não sabia mais sobre outros antepassados e amesa inquisitorial parece não ter se preocupado em avançar maisna genealogia, pois, estando presos e processados seus avós, pode-ria ter requerido que se trasladasse para os autos a parte genealó-gica pertinente. Pesquisas recentes trouxeram uma pequenaextensão à genealogia de Inês Henriques de Leão: o doutor LopoDias da Cunhaera filho de Antônio Dias e Felipa Mendes, netopaterno de Isaac Ruae Velida, judeus batizados em pé no ano de1496 em Barcelos. No que se refere à idade da ré, a mesa demonstrou uma certadesconfiança, pois, tendo Inês declarado que tinha idade de vinte edois para vinte e três, a mesa achou que “parecesse de mais”. Asuspeita do inquisidor com relação à idade da ré tinha fundamen-to. Localizou-se recentemente o assento de batismo de Inês Hen-riques de Leão na freguesia da Sé da cidade do Porto no dia 02 denovembro de 1590:

“Aos dois dias do mês de novembro [de 1590] batizei a Inês, filhade Luis Gomes de Leão e de sua mulher Maria da Paz, moradoresna rua São Domingos, foram padrinhos Agostinho[?] da Grão[?]e o doutor Melquior Dias[...]”

Ora, tendo sido batizada em novembro de 1590, evidentementeIgnês terá nascido naquele ano, ou mesmo antes, o que a colocariacom mais de 28 anos de idade, não de vinte e dois para vinte e trêsanos, como declarara. A par dessa questão cronológica, a aparên-cia física da ré, que era “grossa de corpo”, ou seja, obesa, comodeclarou uma testemunha, terá cooperado para que a idade decla-rada por ela fosse desacreditada pela mesa. Observa-se, ainda, que a ré declinou os nomes de alguns parentes,que se achavam também presos, excetuando as tias freiras e o irmãoque morava em Madrid. É bem provável que omitiu nomes de outrosparentes ou conhecidos que não estavam envolvidos com o SantoOfício, tudo em conformidade com a postura que recomendava nãodar novos nomes à mesa. De fato, não há notícia de prisão de seuirmão Antônio Gomes de Leão, mas quanto às freiras, talvez a réainda não tivesse conhecimento de que as mesmas já se achavampresas por ocasião dessas declarações. Por outro lado, Inês Henriquesafirmou que, por parte de seu pai, não tinha tios ou tias. Ou ela omitiupropositadamente os parentes de seu pai, ou eles já teriam falecido.

Nessa parte genealógica, a ré é questionada sobre sua própria bio-grafia:

12 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10

13 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • 13

“perguntada por que terras andou e que línguas sabe, e se sabe ler eescrever, disse que sabe ler e escrever e falar português que é a sualíngua e a italiana; e que seria de três para quatro anos [de idade]quando se foi com sua mãe por terra a Roma, onde estaria quatroanos, e daí se foi com seus pais para Florença, onde esteve cincoanos, um com os ditos seus pais e quatro no mosteiro que se chamaMente Dominis [sic] de freiras descalças de São Francisco [...] emortos os ditos seus pais, se veio com seu irmão e uma criada desua mãe que se chama Brites Gomes, a qual tinha vindo com eles enão sabe se é cristã-nova, mas sabe que está casada no Porto comum alfaiate de quem não sabe o nome; chegados a Livorne seembarcaram e aportaram nesta cidade a cerca de oito anos poucomais, ou menos; e aqui esteve perto de dois meses, depois foi paraCoimbra com o dito seu tio Antônio Dias da Cunha que veio aquibuscar e em sua casa esteve oito meses e daí se foi para o Portopara a casa dos avós e com eles viveu ai até ser presa”. Nessa parte, fez também uma demonstração de que era doutrinadana fé católica dizendo que: “ ia à igreja ouvir missa e pregação e se confessava e comungavaquando manda a Santa Madre Igreja e fazia as mais obras decristã; e logo após se pôs de joelhos, se benzeu e disse o Pai Nos-so, Ave Maria, Credo, Salve Rainha, mandamentos da lei de Deus, osda Santa Madre Igreja e os artigos da fé e das obras de miseri-córdias e virtudes teológicas”.

Finalmente, nessa audiência, informavam à ré que estava presa emvirtude de ter se apartado da fé católica, professando a lei de Moisés eera aconselhada a confessar suas culpas, bem como fornecer detalhesdas práticas hereges e nomes de pessoas envolvidas. Inês Henriquesde Leão, no entanto, disse que não tinha culpas a confessar.Regularmente admoestada das conseqüências de sua atitude, foi-lhenomeado curador e enviada ao cárcere do Santo Ofício.

6. Em novas audiências perante o inquisidor, o licenciado Pero daSilva de Sampaio, foram-lhe repetidas todas as acusações de prá-ticas de ritos judaicos, que ela negou sistematicamente. Admoes-tada mais um vez sobre sua postura de negar as acusações, foi-lhelido o libelo que, ao final, pedia:

“[que] a ré Inês Henriques de Leão seja declarada por herege eapóstata de nossa Santa Fé Católica, porquanto incorrendo emsentença de excomunhão maior; em confisco de seus bens para ofisco e câmara real; e nas mais penas contra os semelhantes esta-belecidas; e como herege e apóstata pertinaz e negativa seja re-laxada à Justiça Secular”

“Relaxada à Justiça Secular” significava que, não sendo da filo-sofia do Tribunal do Santo Ofício da Santa Madre Igreja impingiraos réus a pena de morte, o condenado era colocado à disposiçãoda Justiça Comum que, se fosse o caso, referendava a recomen-dação da pena capital. Após o Libelo, seguem-se a habilitação do procurador da ré, nocaso o licenciado Manoel Rodrigues Cabral, a contestação, feitapor negação geral das imputações, e a contradita das testemunhas.Nessa última parte, tenta a ré mostrar que as imputações a elafeitas basearam-se em testemunhas que eram suas inimigas ou dealgum de seus parentes. Como exemplo, cite-se o caso de MariaCardoso, que segundo Inês Henriques de Leão lhe tinha grandeódio e “lhe beberia o sangue se pudesse”. Segundo a contradita,essa Maria Cardosa era empregada na casa do tio da ré, o cônegoAntônio Dias da Cunha, onde Inês passou seis ou sete mesesdepois que voltou da Itália. Faltava ao serviço e andava pela casados criados, sendo que Inês “pelejava com ela” sem obter re-sultado. Houve uma briga entre as duas e a ré cortou-lhe o rosto.Mais tarde, Maria Cardosa veio a ficar grávida de um pajem cha-mado Domingos e, por vingança, colocou a culpa no tio de Inês.Para provar sua inocência, o Cônego Antônio Dias da Cunha ajui-zou uma ação, conseguindo contra Maria Cardosa e o dito pajemsentença de morte, que, ao que tudo indica, foi comutada e oscondenados “ficaram com grande ódio contra o dito seu tio e, porconseguinte, contra ela, ré, pelo que seus testemunhos lhe nãopodem, nem devem, prejudicar em coisa alguma”. Outro caso, foio do físico Nicolau Lopesque pretendia se casar com uma filhade Lopo Dias, avô da ré, mas que teve sua pretensão frustrada.Respondeu-lhe Lopo Dias, na ocasião, “que nem uma negra lhedaria, quanto mais sua filha”. Anos mais tarde, Nicolau Lopesvoltaria à casa de Lopo Dias para, dessa vez, pedir-lhe a mão daprópria ré, Inês Henriques, e mais uma vez recebeu uma negativa.Além disso, a causa da inimizade de Lopo Dias e Nicolau Lopes éque sendo ambos da mesma profissão, o segundo andava “desa-creditando suas[de Lopo Dias] curas, dizendo que as não faziacomo convinha por ser muito velho”. Enredados nessa mesmamalquerença estavam Grimaesa Cardosa, mulher do dito NicolauLopes, e Branca Rodrigues, sua tia. Refutou, também, o testemu-nho de um tio, Luis da Cunha Henriques, físico, natural do Porto,sendo a razão da inimizade o fato de o avô dela, o doutor LopoDias da Cunha, ter-lhe destinado um rico dote que o dito tio da ré,por inveja, não queria que se efetivasse. Outro depoimento tam-bém contestado foi o de Pero Aires Vitória que tinha negócios

(Josuá Habillo)

Henrique Bentalhado

(Duarte Dias)

Abraham Aboab

(Lopo Dias)

Isaac Rua

(Leonor)

Velida .......

Miguel Dias

Duarte Dias, “o feio”

Manuel Dias Henriques Florencia Dias

Isaac de Matatias Aboab(1631-1707)Genealogista

Antonio Dias Isabel Henriques Duarte Fernandes

Dr. Lopo Dias da Cunha Inês Henriques Maria Nunres

Dr. Luis da Cunha Maria da Paz Luis Gomes de Leão Ana Débora Garcês

c.g.

Inês Henriques de Leão Baruch d’Espinoza

c.g.

em canaviais no Brasil em sociedade com o avô da ré, mas que odito Pero Aires Vitória não dava contas a Lopo Dias, surgindo daígrandes desavenças. Outra testemunha contraditada foi a dopróprio tio, Luis da Cunha, que segundo Inês lhe tinha granveinveja e queria apoderar-se de um dote que seu avô, o doutorLopo Dias da Cunha, lhe destinara. O tio fazia também arranjospara casá-la “com um mancebo que não cria na lei de Moisés”,razão pela qual tinham desentendimentos.

7. A seguir, no processo, lêem-se as confissões da ré que, na verda-de, repete os depoimentos das testemunhas sobre como se encon-traram há “três anos pouco mais, pouco menos”, mas sem selembrarem do “dia ou mês”, e se deram conta que criam na lei deMoisés e esperavam nela se salvar, mas não se lembravam tam-bém que iniciara a conversa, nem a que propósito. Ademais, re-petem-se as confissões, por negação geral, e novos libelos. Masnessa parte do processo, é importante destacar que os iniquisido-res fizeram admoestações à ré, “antes do tormento”, para queconfessasse suas “mais culpas” e tendo ela dito que nada mais ha-via a confessar, foi-lhe lida a “sentença do tormento” :

“Acórdão os inquisidores ordinários e deputados da Santa Inqui-sição que vistos estes autos, dos urgentes indícios que deles e daprova da Justiça resultam contra Inês Henriques de Leão, constanestes autos do não fazer inteira e verdadeira confissão de suasculpas, porquanto não disse todas as pessoas que sabe andaremapartadas de nossa Santa Fé Católica e terem crença na Lei deMoisés e quem a denunciou, nem das mais cerimônias que fez porguarda da mesma Lei e sendo por tudo perguntada com muitacaridade e admoestada a confessar a verdade delas para se usarcom ela da misericórdia, o n ão quis confessar. O que tudo vistoe com o mais que dos autos consta, mandam que antes de outrodespacho a ré Inês Henriques de Leão seja posta a tormento,conforme o assento que neste processo está tomado onde seráperguntada pelas sobreditas culpas para que manifeste a verdadepara salvação de sua alma e das ditas pessoas”

8. Publicada a sentença, inicia-se, no processo, sua parte mais dra-mática. Novamente admoestada para dizer toda verdade, InêsHenriques de Leão foi, por fim, levada à tortura. No “Termo deadmoestação na casa e tribuna junto ao tormento”, lê-se que como aré não confessasse mais coisas do que já dissera, “foi mandado vir oministro ao qual o Senhor Inquisidor Pero da Silva de Sampaio deujuramento dos Santos Evangelhos, sob o encargo dele lhe foi dito quefizesse bem e fielmente seu ofício, executando nessa mulher o que lhefosse mandado e que tivesse segredo em tudo que visse ou ouvisse,oque ele prometeu cumprir sob encargo do dito juramento. E logolevou a ré para a casa do tormento e despojada de seus vestidos aassento no escabelo na forma ordinária, estando nesse estado, oSenhor Inquisidor a admoestou de novo[para que]confessasse suasculpas, protestando que se morressse, ou quebrasse algum membro,ou lhe causasse algum mal no dito tormento, a culpa seria sua e nãodele, Senhor Inquisidor, nem dos mais ministros do Santo Ofício. Epor dizer que tinha dito a verdade, o ministro, fazendo seu ofício, lhepôs as mãos para trás e atadas, lhe foi dando voltas com a correianos braços, e a ré foi sempre gritando, dizendo que tinha dito averdade. E logo lhe foi posto o cordel por cima da correia, dandovoltas e ela sempre gritando que tinha dito a verdade e que Deus lhevalesse e a Virgem Nossa Senhora. E sendo perfeitamente atada, foioutra vez admoestada pelo Senhor Inquisidor[para que]acabasse deconfessar a verdade, e por dizer que a tinha dito, lhe foi posto ocalebre[= corda grossa]e começado a levantar até o lugar do libelo,onde foi outra vez admoestada para que acabasse de confessar suasculpas, e ela dizia que não tinha culpas que confessar. Foi levantadaaté a roldana, onde foi novamente admoestada pelo SenhorInquisidor, e por dizer que não tinha mais o que confessar, foideixada cair [...]. Por estar satisfeito ao assento, o Senhor Inquisidor

mandou que a desatassem e fosse levada a seu cárcere, onde seriacurada”.

9. A sentença final foi prolatada aos 5 de abril de 1620, confir-mando-se os termos do Libelo (abjuração, perdimento de bens,cárcere e hábito).

10.Aos aos 5 de junho de 1620, Inês Henrique de Leão peticionou,sob o argumento de que abjurara sua fé, bem como cumpria suasobrigações religiosas cristãs, penitências, uso do hábito e do cár-cere, requerendo sua soltura, que foi, aos 22 de fevereiro de 1621,deferida.

Diplomacia PortuguesaFoi criada em Portugal (22-02-2000) a Fundação Aristides de

Sousa Mendes, com recursos do Ministério dos Negócios Estrangei-ros, para homenagear o seu ex-cônsul em Bordeaux, que durante a IIGuerra Mundial emitiu vistos de entrada salvando muitos judeus doHolocausto. O objetivo da Fundação é a criação de um museu quesirva para a educar contra a intolerância das novas gerações. O presi-dente da Fundação é a escritora Maria Barroso , auxiliada por umConselho formado por Álvaro de Sousa Mendes (filho do Cônsul),António de Sousa Mendes (neto) e José Manuel Duarte. Aristides deSousa Mendes do Amaral e Abranchesnasceu em Cabanas deViriato em 19-07-1885 e morreu em Lisboa, em 03-04-1954. Sendoos seus pais, o juiz José de Sousa Mendes e Angelina Ribeiro deAbranches. Era descendente direto de um “cavaleiro da Ordem deCristo, Familiar do Santo Ofício” (Luiz Ribeiro de Abreu CasteloBranco), e o seu irmão gêmeo César de Sousa Mendes foi Ministrodos Negócios Estrangeirosdo Governo Salazar. O ilustre genealo-gista português José António Severino da Costa Caldeira(Associa-ção Portuguesa de Genealogia), é autor do artigo “Ascendênciaarganilense de Aristides de Sousa Mendes (Glosando um mote dopadre José da Costa Saraiva)”, publicado num jornal de Arganil, em1989, revelando que o “heróico diplomata tenha tido antepassadosarganilenenses, ainda que muito remotos, e que esses antepassadoshajam sofrido também o labéu, então ignominioso, de judeus”. Nocaso a sua 7ª avó, Maria Mendes da Silva (1653 - ? ), por linhamaterna. Outro diplomata português que também deu a suacontribuição à salvação dos judeus durante a II Guerra Mundial foiAlberto Carlos de Lis-Teixeira Branquinho (1902-1973). Ele en-trou para o serviço diplomático em 1930, exerceu funções no Rio deJaneiro, e em 8 de abril de 1943, assumiu um posto em Budapeste,onde permaneceu até 1944. Alí “emitiu mais de 800 vistos arefugiados e deu proteção a judeus na capital da Hungria”, segundonoticiou um jornal português. Tanto Souza Mendes, quanto TeixeiraBranquinho , foram homenageados na ONU por seus atoshumanitários em janeiro de 2000.

O último marechal brasileiroMarechal já foi o último posto do Exército Brasileiro. Era

concedido ao General-de-Exército que tivesse participado de com-bate. O posto foi extinto em 1967. Do grupo de marechais brasileirosvive o último deles, o carioca Waldemar Levy Cardoso, quecompletou 100 anos. Cardoso, irmão de outro marechal. É filho doportuguês António de Almeida Cardosoe da judia magrebinaEstella Levy. Ele nasceu no Rio de Janeiro (04-12-1900). Suacarreira militar foi brilhante. Ocupou todos os postos militares, lutouna II Guerra Mundial e um de seus destaques profissionais foi tersido Presidente da Petrobrás. A Folha de S. Paulopublicou umartigo com fotografia registrando a efeméride. [“Último marechal doBrasil chega aos 100”, Isabel Clemente, 14-01-2001]

14 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10

Rubens Rodrigues Câmara, advogado e genealogista, autor de “A GrandeFamília. Homenagem aos 75 anos de Luíza Soares de Jesus”(1996).

15 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • 15

Rituais Dialéticos

T oda comemoração é um fenômeno social. Rituais de passagemprocuram reafirmar os vínculos do passado com o presente e o

futuro. Tentativas de se marcar o vórtice do tempo social. A presençaportuguesa no planalto curitibano data de meados do século XVII.Analisaremos alguns grupos que contribuíram no povoamento deCuritiba em relação às suas origens. Estabeleceremos algumas cone-xões entre os grupos tupi (que estão no que nós chamamos de Brasilhá mais de 500 anos) com os portugueses de São Paulo e os judai-zantes do Rio de Janeiro na formação de alguns dos primeiros habi-tantes de Curitiba e povoadores do Paraná.. Toda genealogia é umacomemoração do passado familiar em seus marcos de continuidade.A linguagem genealógica pode revelar aspectos das estruturas so-ciais, econômicas, políticas e culturais do passado.

Quem casou com quem. Casar é fazer aliançassociais

Aos vinte e sete de setembro de mil setecentos e quarenta e doishouve um casamento na Igreja de Nossa Senhora da Luz dos Pinhaisde Curitiba2. O então Alferes Miguel de Miranda Coutinho contraiunúpcias com Isabel da Silva de Jesus. O pai do noivo era o Amaro deMiranda Coutinho casado com Maria de Barros e moradores emParanaguá. A noiva era filha de João Carvalho de Assunção casadocom Maria Bueno da Rocha, moradores de Curitiba. Miguel de Mi-randa Coutinho seria o primeiro Capitão-Mor Diretor de Guaratuba, aterceira vila mais antiga do Paraná, estabelecida em 17713. Isabel erabisneta do Capitão-Povoador de Curitiba Mateus Martins Leme4.

Cristãos-Novos no Paraná setecentista

A maro de Miranda Coutinho era um indivíduo com uma curiosahistória social5. Amaro e a sua família tinham sido submetidos a

um rigoroso auto-de-fé. O seu processo data de 1711. O Santo Ofícioesteve particularmente ativo no Rio de Janeiro no começo do séculoXVIII. Amaro e a sua família eram cristãos-novos. Ele nasceu e foibatizado no Rio de Janeiro em oito de maio de mil seiscentos e se-tenta e cinco6 . Dos seus onze irmãos, sete foram mencionados noauto-de-fé de vinte e seis de julho de mil setecentos e onze7. Eleseram filhos do licenciado Aires de Miranda Henriques, nascido naBahia, com Ana Gomes Coutinha. Tratava-se não apenas de umaelite social, mas também de uma elite cultural. Um dos irmãos era oDoutor João Álvares Figueiró, titulado em Coimbra. Eram primospelo lado materno com o Antonio José da Silva, o Judeu, dramaturgonascido no Rio de Janeiro e autor de óperas sarcásticas de sucesso emLisboa. Este foi queimado8 em 1739. Eram todos bisnetos de MiguelCardoso, mercador, senhor de engenho, homem público e um doschefes da comunidade marrana do Rio de janeiro. Era considerado

um homem rico pela inquisição que o perseguiu e o prendeu em1666, tendo conseguido escapar com vida, destino melhor que o seubisneto9.

O estigma de cristão-novo e de vítima da inquisição não foi impe-dimento para as posições privilegiadas obtidas posteriormente porAmaro de Miranda Coutinho no então longínquo litoral paranaense. Aosnove de novembro de mil setecentos e dezoito recebeu, diretamente doRio de Janeiro10, uma sesmaria de uma por duas léguas na paragem doCurral, pela estrada da Praia11. Em dezesseis de setembro de milsetecentos e quarenta e três recebeu outra sesmaria no litoral na loca-lidade do Olho D’Agua, com uma por uma légua, do lado de terras daCompanhia de Jesus, o que mostra o grande prestígio de Amaro deMiranda Coutinho na região. Ele foi um dos poucos a ter recebido duasdatas de sesmaria na listagem feita por Marina Ritter. De acordo comhipótese conversada com Antonio Roberto Nascimento, o tratamentopreferencial recebido por Amaro de Miranda Coutinho no sul do Brasildeve estar relacionado com os interesses estratégicos da Coroa na ocu-pação e povoamento de regiões remotas no início do século XVIII ,enquanto que em outros centros os cristãos-novos eram perseguidos emfunção de seus atributos intelectuais ou materiais mais desafiadores aostatus quocolonial.

A melhor prova da recuperação social de Amaro Miranda Cou-tinho na nova comarca foi o casamento de seu filho, o Alferes Miguel deMiranda Coutinho com Isabel da Silva de Jesus, herdeira familiardas principais famílias da Capitania de São Paulo. O título de alferesjá revelava certa integração nas formações de ordenanças, o quesignificava a sua aceitação nas estruturas de uma classe dominantemilitarizada na época. Através da genealogia de Isabel é possível arecuperação de parte das estruturas de parentesco presentes no povoa-mento inicial do Paraná.

Bandeirantes em CuritibaI sabel da Silva de Jesus era filha do Capitão João Carvalho de

Assunção12, proprietário da fazenda de Furnas, herdada de seu pai. OCapitão João Carvalho possuiu lavras de ouro no Arraial Grande (SãoJosé dos Pinhais) e se dedicava a incursões exploratórias no sertão.Participou da descoberta dos campos de Palmas com outros ban-deirantes, como Zacarias Dias Cortes, que na década de 1720 explo-ravam ouro no vale do Rio Uruguai. O Capitão também participou dagovernança de Curitiba, tendo sido eleito vereador em 1740. O Ca-pitão João Carvalho de Assunção foi casado com Maria Bueno daRocha, de cuja origem iremos analisar adiante.

O Capitão João Carvalho de Assunção era filho do Capitão Ma-noel Picam de Carvalho casado em mil seiscentos e oitenta e três comMaria Leme. Manoel Picam de Carvalho seria natural de Paranaguá.Desde cedo se dedicou a mineração no antigo Rio do Picam, com oseu pai de mesmo nome. Membro das ordenanças. Foi proprietário dosítio do Itaqui e da sesmaria de Furnas. Devido a disputas e rixas com

Bandeirantes e Cristãos-Novos em Curitiba.Tempo e comemoração em família. Um casamento de herdeiros de Bandeirantes e Cristãos-Novosem Curitiba. Uma interpretação genealógica e sociológica de alguns dos primeiros curitibanos.

Ricardo Costa de Oliveira.

The lawyer and playwriter Antonio Jose da Silva, tied and burnt in 1739 is the most well known victim ofthe Inquisition in Brazil. It is known that he had children but until now there is no genealogy of hisdescendants. In Paraná there lives a family called Miranda Coutinho who belongs to the local elite and isdescendant of from the same branch as Antonio Jose da Silva. In this article Ricardo Costa de Oliveira,member, of this family writes about their origins from the XVIII century to modern date.

Simeão Cardoso, Manoel Picam teria se mudado para as proximida-des do Rio Iguaçú. Dos diversos filhos do Capitão Manoel Picam, éinteressante o registro de Maria Leme casada com Zacarias DiasCortes, explorador do distante sudoeste, descobridor dos Campos dePalmas e do vale do Uruguai.

Maria Leme, a primeira, casada com com o Capitão Manoel Picamde Carvalho, era filha do Capitão-Povoador Mateus Martins Leme.Mateus Leme foi uma das principais lideranças na sociedade curitibanado final do século XVII. Bandeirante paulista com várias entradas nosertão. Na sua sesmaria no Rio Barigui, oficializada em documento de1/9/1668, possuía vários escravos indígenas. Participou do ato de levan-tamento do pelourinho de 4/11/1668 e da criação da vila em 29/3/1693.Faleceu Mateus Leme em 1697 com testamento, no qual se conhece opadrão de vida da classe dominante curitibana do século dezessete. Osbens materiais eram muito diminutos13. O filho Antonio Martins quandocasou com a filha de Baltazar Carrasco dos Reis levou cinqüenta vacas,um escravo rapaz e três espingardas. As posses resumiam-se a gadovacum, cavalgaduras, ovelhas, poucas ferramentas e alguns escravos daterra. Mateus Leme era senhor de cerca de trinta escravos de origemíndia, alguns dos quais deveriam ficar livres nas disposições do testa-mento. Mateus Leme foi casado com Antonia de Góes e a partir desseponto começam algumas dúvidas sobre a origem dos primeiros curiti-banos. Os registros eclesiásticos só contemplam informações de

1683-1684adiante, e de forma fragmentária. Logo, parte das informçõesdos pioneiros do povoamento de Curitiba são muito precárias. Os Góes,por exemplo, são de difícil análise em suas origens. O fato é que MateusMartins Leme pertence ao título Martins Bonilhas e Leme da clássicaGenealogia Paulistana de Silva Leme. A genealogia dos Lemes érazoavelmente conhecida desde a sua vinda de Flandres e de Bruges,passando por Portugal e pelas Ilhas Atlânticas até São Vicente e SãoPaulo.

O Capitão Manoel Picam de Carvalho era filho de ManoelPicam de Carvalho com Ana Maria Bicudo. Esta era filha de GarciaRodrigues Velho com Isabel Bicudo de Mendonça. Francisco Negrãoapresenta Garcia Rodrigues Velho como o descobridor do ouro emCuritiba14. Silva Leme15 também indica um Garcia Rodrigues Velhocasado com Isabel Bicudo (moradores em Paranaguá), sendo que oGarcia Rodrigues Velho16 era filho do Coronel Garcia RodriguesVelho, casado com uma mulher da qual não se conhece o nome, eque também estiveram em Curitiba. Seguindo a possibilidade deidentificação dos dois Garcias Rodrigues Velho presentes no territó-rio do atual Paraná, seguimos Silva Leme nas origens desses bandei-rantes mineradores dos sertões com o nome de Garcia Rodrigues Ve-lho. São quatro Garcia Rodrigues Velho, dos quais supomos que oquarto último foi o casado com Isabel Bicudo de Mendonça, pais deAna Maria Bicudo casada com o primeiro Manoel Picam de Car-valho. O segundo Garcia Rodrigues Velho foi casado com MariaBetting, filha de Geraldo Betting, natural da Alemanha e destacadomineralogista. Daí viria a grande capacidade de se encontrar novaslavras e certo expertisemineralógico dessa família. Geraldo Bettingfoi casado com Custódia Dias, neta do português Manoel FernandesRamos casado com Suzana Dias. Ora, este último casal representa acabeça do título dos Fernandes Povoadores de Silva Leme. Eles fo-ram os responsáveis pela expansão para o sul-sudoeste de São Paulo.Foram os chefes dos grupos fundadores de Santana de Parnaíba e deSorocaba. E mais, Suzana Dias seria filha da índia batizada comoBeatriz Dias, por sua vez filha de Tibiriçá, o chefe dos tupiniquins deSão Paulo. Há uma visível rede de parentesco e poder na expansãodirigida para o sul. A cada geração se avançava mais para o sertão,porém se preservava a ordem das famílias principais que comandamesse empreendimento colonizador.

Outra figura importante desse processo de avanço para os ser-tões, inserido nesse grupo familiar foi Fernão Dias Paes. O segundoGarcia Rodrigues Velho casado com Maria Betting são os pais de MariaGarcia Betim17, a casada com o Capitão Governador Fernão DiasPaes, o caçador de esmeraldas, um dos símbolos máximos do bandei-rantismo nas atuais Minas Gerais.

O quarto Garcia Rodrigues Velho, o descobridor do ouro emCuritiba, casou com Isabel Bicudo de Mendonça. Ela era filha deGonçalo Pires Bicudo casado em 1634, em São Paulo, com JulianaAntunes Cortes. Este muito provavelmente foi o primeiro casal demoradores de nomes portugueses em Curitiba18. Silva Leme afirmaque já estariam na área de Curitiba em 1660. Desde a década de 1650que eles já povoavam o local em que seria estabelecido o municípiode Curitiba19. Eles teriam vindo também em função das tropeliasentre poderosas famílias de São Paulo, a conhecida guerra entre osPires e os Camargos. Curitiba seria mais um ponto de refúgio e deataque para o partido dos Pires, grupo tendendo mais a ser da facçãopró-portuguesa dos Pires. Ermelino de Leão também refere que vie-ram acompanhando o casal Gonçalo Pires Bicudo e Juliana AntunesCortes os sogros Inocencio Fernandes Preto e Catarina Cortes mais oCapitão Nuno Bicudo de Mendonça20 (irmão de Gonçalo). Com-pletando a rede de parentesco dos primeiros povoadores ainda temoso irmão de Juliana Antunes Cortes (filhos de Inocêncio Preto comCatarina Cortes), Inocêncio Fernandes Preto, o moço, casado comMaria de Siqueira (falecida em 1674) e pela segunda vez com Izabelda Costa21. Da primeira mulher teve Maria de Siqueira, casada comLuiz de Góes, que seria irmão de Antonia de Góes, mulher de Mateus

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Antônio José da Silva, o Judeu (1705-1739) primo do capi-tão Amaro de Miranda Coutinho

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Martins Leme. Estes foram alguns dos principais moradores da Vilinhado Atuba, Vila dos Cortes ou Vila Velha, conforme era conhecida alocalidade, de acordo com o inventário de Maria Bicuda22. Em 1654 jáhaveria um primitivo templo no Atuba com a imagem de NossaSenhora da Luz, em uma modesta capelinha coberta de palha23.

O culto de Nossa Senhora da Luz foi trazido com essas pessoas.Culto tradicionalmente português, esteve associado a religiosidadepopular nos arredores de Lisboa. Outra filha de Inocêncio FernandesPreto com Catarina Cortes foi Mariana da Luz.

Inocencio Fernandes Preto (casado com Catarina Cortes e paisde Juliana Antunes Cortes e de Inocencio Fernandes Preto, o moço)era filho de Domingas Antunes com Gaspar Fernandes. Domingas erafilha de Antonio Preto, português vindo por volta de 1560 para SãoPaulo. Foi juiz ordinário em 1575, almotacel em 1576 e 1580 evereador em 1577 e 1580. Participou da entrada do Capitão-MorJeronimo Leitão ao litoral paranaense em 158524. Silva Leme colocaAntonio Preto como irmão de Manoel Preto, proprietário de umagrande fazenda com a capela de Nossa Senhora da Expectação do Ó,com centenas de índios cativos. Ele foi um bandeirante que partici-pou da entrada de 1602 ao Guairá com Nicolau Barreto e um doschefes da grande bandeira de 1628 também contra o Guairá. PedroTaques informa que ele destruiria várias reduções no Ivaí, no Tibagi eno Uruguais25.

Gonçalo Pires Bicudo (casado com Juliana Antunes Cortes) erafilho do Capitão Manoel Pires com Maria Bicudo. Manoel Pires éregistrado no sertão desde 1615. Participou com o seu genro AntonioRaposo Tavares na grande bandeira ao Guaíra de 1628. Manoel Pirestambém participou de ações contra os jesuítas em São Paulo e emBarueri. Foi um dos chefes da bandeira destroçada em 1641 emMbororé. Teve fazendas em Parnaíba e em Cutia com grande escra-vatura índia26. Manoel Pires era filho de Beatriz Pires, filha de Sal-vador Pires, personagem de destaque em São Paulo no século de-zesseis com grandes lavouras mantidas por índios. Foi da governançade São Paulo e faleceu com testamento em 1592. Era cabeça do títulodos Pires na Genealogia de Silva Leme27. Antonio Raposo Tavaresfoi casado com Beatriz Furtado de Mendonça, filha de ManoelPires28.. Maria Bicudo (a mãe de Gonçalo Pires Bicudo) era filha deAntonio Bicudo Carneiro com Isabel Rodrigues. Antonio BicudoCarneiro era natural da Ilha de São Miguel nos Açores. Participou dagovernança de São Paulo, tendo sido juiz em 1574 e 1584, vereador eouvidor em torno de 1585. Esteve em vária entradas ao sertão,inclusive na de Afonso Sardinha de 1593, na de Nicolau Barreto aoGuairá em 1602 (primeira naquela região) e na de 1628 também aoGuairá com Antonio Raposo Tavares29.. Antonio Bicudo Carneiroteria mandado levantar o pelourinho em São Paulo em 158530. Estáapontado como o capítulo 1 do título dos Bicudos, importante famíliade bandeirantes e sertanistas de São Paulo na genealogia Paulistana.Já a esposa de Antonio Bicudo Carneiro está como filha de GarciaRodrigues com Izabel Velho, pais também de sua irmã MessiaRodrigues casada com Domingos Gonçalves da Maia, pais por suavez do primeiro Garcia Rodrigues Velho(analisado atrás). Todos notítulo dos Garcias Velhos da Genealogia Paulistana de Silva Leme.

Retornando para a nossa noiva de 1742, Isabel da Silva de Jesus,analisaremos a mãe dela, Maria Bueno da Rocha31. Filha do CapitãoAntonio Bueno da Veiga casado com Isabel Fernandes da Rocha. OCapitão Antonio Bueno da Veiga teria vindo para Curitiba em168432. Dedicava-se a mineração. Recebeu a sesmaria33 de Miringuavaem 9/12/1719. Também consta a sesmaria de Goramiringuaba recebi-da em 16/8/1743, com duas léguas por duas léguas, onde o CapitãoAntonio Bueno da Veiga possuía três fazendas de gado. Para o fim desua vida, a pecuária parece ter passado a ser uma forte atividade eco-nômica, o que evidencia o destino econômico da região em meadosdo século XVIII. Antonio Bueno da Veiga casou-se pela segunda vezem Minas Gerais.

O pai do Capitão Antonio Bueno da Veiga era Baltazar da CostaVeiga, potentado em arcos, senhor de muitas terras com muitos ín-dios cativos. Seguiu em 1676 para as Minas Gerais sob o comando deFernão Dias Pais. Faleceu em 24/8/1700. Outro filho de Baltazar daCosta Veiga e irmão de Antonio Bueno da Veiga foi o Capitão-MorAmador Bueno da Veiga, importante personagem em Minas gerais,sendo o chefe dos paulistas na guerra dos emboabas. Baltazar da Cos-ta Veiga era filho de Jerônimo da Veiga, falecido em 1660, casadocom Maria da Cunha. Ela era por sua vez filha de João Gago daCunha (filho de Henrique da Cunha Gago com Isabel Fernandes) comCatarina do Prado (filha de João do Prado, natural de Olivença, comFilipa Vicente, que era filha de Pedro Vicente com Maria de Faria,sócios do Engenho dos Erasmos, um dos primeiros estabelecimentoseconômicos no litoral vicentista).

Baltazar da Costa Veiga era casado com Maria Bueno de Men-donça34, filha de Amador Bueno, o moço, casado com Margarida deMendonça em 1638 em São Paulo. Amador Bueno era filho deAmador Bueno da Ribeira (o aclamado), Capitão-Mor e ouvidor daCapitania de São Paulo. Casou-se com Bernarda Luiz, filha de Do-mingos Luiz Carvoeiro, Cavaleiro da Ordem de Cristo, casado comAna Camacho.

O núcleo do poder mameluco de São Paulo no século XVII erarepresentado em boa parte por este núcleo familiar. O Capitão-MorAmador Bueno da Ribeira era filho de Maria Pires, da importante famíliaPires35 ( Maria Pires era irmã de Beatriz Pires, por parte de pai, e logo tiado bandeirante Manoel Pires, já visto atrás na genealogia curitibana).Maria era filha de Salvador Pires com Messiauçu, filha de AntonioRodrigues com Antonia Rodrigues e neta materna da índia AntoniaRodrigues, filha do chefe tupiniquim Piquerobi. Por essas linhas serevela certa continuidade entre os maiorais tupi e a fundação de SãoPaulo. Poder que é transmitido aos seus antepassados como AmadorBueno da Ribeira. Também a mulher do Capitão-Mor, Bernarda Luizseria bisneta de Joana Ramalho36 (casada com o Capitão-Mor JorgeFerreira), filha de João Ramalho com Izabel Dias, a filha do grande chefeíndio Tibiriçá, tão importante para a colonização de São Paulo que osjesuítas e o poder municipal o enterraram com honras na Igreja da Sé.

O pai de Bernarda Luiz, Domingos Luiz Carvoeiro, também éimportante para a futura fundação de Curitiba por outro motivo. Era eleCavaleiro Professo da Ordem de Cristo e foi o fundador da Capela deNossa Senhora da Luz em São Paulo. Anchieta escreveu ao CapitãoJeronimo Leitão que Domingos Luiz estava acabando a Igreja e nela jáhavia tido uma missa com muita festa. A data era 15/11/157937. Emoutro artigo exploramos as conexões entre o culto de Nossa Senhora daLuz e o projeto expansionista de Portugal e de suas instituições como aOrdem de Cristo38.

Isabel Fernandes da Rocha (casada com o capitão AntonioBueno da Veiga) foi inventariada em Curitiba em 171739. Ela erafilha do Capitão Antonio Bicudo Camacho com Maria da Rocha. OCapitão Camacho seguia o típico padrão dos bandeirantes pioneirosde Curitiba. Natural de São Paulo, dedicava-se a mineração. Possuíalavras de ouro em Santa Cruz do Sutil, na área de Palmeira. Constavaem quase todos os inventário de Curitiba de 1694 até 1699. Senhor demuitos escravos. Posteriormente se mudaria para São Francisco doSul40. Era filho de Sebastião Fernandes Camacho com Isabel Bicudode Brito. Sebastião Fernandes Camacho era filho do pai com o mes-mo nome. Ambos eram experimentados sertanistas, sendo que o paiparticipou da bandeira contra o Guairá em 162841. Este SebastiãoFernandes Camacho mais velho foi casado com Maria Affonso, filhade outra de igual nome, casada supostamente com Marcos Fernandes(irmão de Messiauçu e bisnetos do Piquerobi). A Maria Affonso mãeseria filha de Pedro Affonso, um dos pioneiros de São Paulo. PedroAffonso teria “resgatado” uma tapuia do sertão que seria a mãe dasirmãs Affonso. Tal fato, colocado por Silva Leme, motivou e motivagrande polêmica, uma vez que seriam os antepassados de pessoas

também da Família Camargo42. O fato é que estes são os primórdiosgenealógicos de São Paulo e aconteceu intensa mestiçagem entreportugueses e tupiniquins.

Isabel Bicudo de Brito43, casada com o segundo Sebastião Fer-nandes Camacho, era filha de Antonio Bicudo com Maria de Brito.Novamente o círculo do parentesco se fecha. Antonio Bicudo era filhodo Ouvidor de 1585, o açoriano Antonio Bicudo Carneiro com IsabelRodrigues (filha de Garcia Rodrigues com Isabel Velho, título GarciasVelhos). Maria de Brito era filha de Diogo Pires (filho do pioneiroSalvador Pires, título dos Pires. Diogo era irmão de Beatriz Pires e tio dobandeirante Manoel Pires) com Isabel de Brito44.

Os frutos do casamentoO casal Miguel de Miranda Coutinho e Isabel da Silva de Jesus teriauma longa e próspera (para as condições do Paraná do século XVIII)vida. Encontramos registros do casal na fundação da vila de Guaratu-ba em 1771. Joaquim da Silva Mafra na sua História do Município deGuaratuba45 considera o então Capitão-Mor Diretor Miguel de Mi-randa Coutinho como o seu grande povoador. Um dos principaisresponsáveis pela governança e segurança da recém-criada povoaçãolitorânea. O Capitão-Mor faleceria em junho de 1793 e sentia-secompletamente integrado no status quocolonial do Brasil Meridio-nal. Inclusive mandou vir da Bahia uma imagem de Nossa Senhorado Bom Sucesso46. O seu casamento durou mais de cinqüenta anos eele alcançou um dos mais elevados cargos no Paraná Colonial. Nãoconseguimos descobrir por quanto tempo mais viveu a viúva Isabel

da Silva. O domínio familiar do atual litoral sul do Paraná era muitogrande e também cobria as terras ao norte de Guaratuba, haja vistoque em 20/5/1787 o Capitão-Mor Miguel de Miranda Coutinho e suaesposa venderam a seu filho a localidade de Caiová (atual Caiobá)por 25$000 a seu filho Joaquim47. O domínio familiar ficou garan-tido, uma vez que o sucessor do Capitão-Mor Miguel de MirandaCoutinho foi o seu outro filho Manoel de Miranda Coutinho, nomea-do Capitão-Mor de Guaratuba em 5/4/179548. Era casado com MariaSerafina de Araújo, filha do Tenente Joaquim Araújo de Morais comAna Maria Matozo49. O inventário da esposa do segundo Capitão-Mor de Guaratuba revela importantes aspectos da vida material daclasse dominante da região naquela época e foi transcrito por Joa-quim da Silva Mafra em sua História de Guaratuba.

Outro filho que foi identificado foi José de Miranda Coutinho.Seguiu a típica carreira militar. Em 1762 ele consta no documentodos oficiais presentes no cerco da Colônia do Sacramento e que com-bateram os espanhóis no Rio da Prata50. Em 1771 aparece comoVereador em São Francisco do Sul51. Antonio Roberto Nascimentoem sua Genealogia Francisquense(Gente de São Francisco do Sul -Os Miranda Coutinho, o encontra como Sargento-Mor, que deve tersido sua última posição. Uma das suas filhas, Rita Clara de Mirandacasou com o Capitão Salvador Gomes de Oliveira, que foi Vereador,Juiz Ordinário e Juiz de Órfãos em São Francisco do Sul52. O Capi-tão Oliveira também era o titular da sesmaria de Porto da Caçada,recebida em 180553. Os casamentos preferenciais na classe domi-nante da região continuavam nos descendentes do casal de 1742.

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Miguel CardosoChefe da Comunidade Criptojudia

do Rio de Janeiro, séc. XVIIFrancisca Coutinha

Isabel Cardoso

Ana Gomes Coutinha

Cap. Amaro de Miranda Coutinho

Amaro de Miranda Coutinho

Cap-mór Miguel de Miranda Coutinho (? – 1793)

Sarg-mór José de Miranda Coutinho

Rita Clara de Miranda

Alf. João Gomes de Oliveira (1824 – 1842)latifundiário

Cap. João Gomes de Oliveira(1865 – 1934)

João Gomes de Oliveira(Joinvile, 1896 – ?, 1937)

Cel-Aviador João Vitor Gugisch de Oliveira(Lages, 1936)

Prof. Dr. Ricardo Costa de Oliveira(RJ, 1964)

Baltasar Rodrigues Coutinho

Lourença Coutinha Maria Coutinha

Antônio José da SilvaO Judeu, 1705 – 1739 Dr. João Tomás de Castro

(ambos queimados pela Inquisição)

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O primeiro poeta paranaense

F ernando Amaro de Miranda54 é considerado o primeiro poetaparanaense. Ele seguramente é descendente de Amaro de Miranda

Coutinho e parente do Capitão-Mor Miguel de Miranda Coutinho.Nasceu em Paranaguá em 24/6/1831 e faleceu jovem em 15/11/1857.Era filho de Antonio Dionizio de Miranda, natural de São Franciscodo Sul e de Ana Rosa de Miranda, de Paranaguá. Fernando Amaro foiguarda-livro e se dedicou ao comércio em Morretes. Também foiSecretário da Câmara de Morretes. Joaquim Tamujas escreveu que“O Amaro do seu nome teria sido uma homenagem a um cidadão denome Amaro de Miranda, e, provavelmente tio do poeta. Há referên-cias histórica , hoje sabida, de que uma sua ascendente de nome Ma-ria seria proprietária de uma sesmaria em terras de Paranaguá, pro-vavelmente localizada na região do Pontal do Sul”55. As informaçõescorrespondem ao já analisado. Amaro de Miranda Coutinho recebeuuma sesmaria no litoral ao sul de Paranaguá e era casado com Mariade Barros. Um dos filhos também foi o Amaro de Miranda Coutinho,o moço. Joaquim Tramujas afirma que o poeta envolveu-se em umapaixão com uma filha do Comendador Ricardo dos Santos e teriasofrido “total restrição paterna”56. O autor aventa a hipótese da re-jeição ter sido motivada por razões centradas no preconceito racial.Seria Fernando Amaro um “mulato”, o que teria possivelmente cau-sado a sua rejeição e a sua desdita amorosa que teria contribuído pa-ra sua morte precoce, na versão de Tramujas. O fato é que FernandoAmaro de Miranda era descendente de refugiados da inquisição,parente de outro escritor de infeliz destino, o Antonio José da Silva.Apesar da modéstia do meio cultural em que ele viveu e a suapequena contribuição, ele foi homenageado pelas outras geraçõescomo o primeiro poeta paranaense, ou como coloca o Almanach doParaná de 1901 — “Foi elle quem orchestrou primeiro, em terrasparanaenses a ouvertura do sonho”57.

Conclusão

C omemorações são rituais de passagem. Comemora-se a perma-nência. Continuidades que de acordo com as genealogias clássicas

atravessam mais de quinhentos anos. Analisamos alguns membros daelite “paranaenses” colonial. Os descendentes paranaenses da fundaçãode São Paulo e de boa parte da sua classe dominante nos séculos XVI eXVII representam linhas de ascendentes muito mais distantes do que osque vieram nas caravelas ou as viram das praias. Possíveis heranças tupique permanecem recônditas, escondidas. Depois se constrói o núcleo depoder mameluco em São Paulo de Piratininga. A família dos Bueno daRibeira é um bom exemplo. Domingos Luiz Carvoeiro criou a Igreja deNossa Senhora da Luz em São Paulo58. Seus descendentes estariam napovoação de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba. Com aspequenas e as grandes bandeiras se atinge o Atuba e o Barigui. Curitibaseria em meados da década de 1650 um ponto de apoio e refúgio dopartido dos Pires, a facção considerada mais pró-portuguesa na famosaGuerra de Famíliasentre os Pires e os Camargos. Outros refugiadoscristãos-novos chegam às terras paranaenses para aqui refazerem as suasvidas. Todos estariam procurando a terra sem mal ou a simples pros-peridade material ? Singelas histórias dos distantes séculos XVI , XVII,XVIII e que continuam com outras gentes (vindas de horizontes aindamais distantes) nos séculos XIX e XX. Histórias da nossa gente e dosnossos antepassados. Que descansem em berço forte.

Fontes Primárias :• Primeiro Livro Manuscrito de Matrimônios da atual Basílica de

Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba.• Arquivo Nacional, Sesmarias Paranaenses e Catarinenses.

Referências Bibliográficas :• Arroyo, Leonardo (1954). Igrejas de São Paulo. Coleção Docu-

mentos Brasileiros 81. José Olympio.

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• Dines, Alberto (1992). Vínculos do Fogo. Companhia das Letras. • Dicionário Histórico-Biográfico do Paraná(1991). Livraria do

Chain-Banestado.• Ferreira da Silva, Lina Gorenstein (1995). Heréticos e Impuros.

Coleção Biblioteca Carioca. Volume 39.• Leão, Ermelino de (1926).Dicionário Histórico e Geográfico do

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do Sul. Os Miranda Coutinho, Os Gomes de Oliveira.• Negrão, Francisco (1926-1950).Genealogia Paranaense. Im-

pressora Paranaense.• Oliveira, Ricardo Costa de (inédito). A Identidade do Brasil

Meridional. Ciclo de Debates Brasil 500 anos- Funarte.• Rheingantz, Carlos G. (1965). Primeiras Famílias do Rio de

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XVIII. Estante Paranista 9. IHGEP.• Silva Leme, Luiz Gonzaga da (1903-1905). Genealogia Pau-

listana. Duprat. • Silva Mafra, Joaquim da (1952). História do Município de Gu-

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Amaro. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá,Ano II, jul.-dez.. N°12, 33-37.

• Varnhagen, Francisco Adolfo de (1962). História Geral do Bra-sil.. 7° Edição.

• Wolff, Egon e Frieda (1986). Dicionário Biográfico de Judaizan-tes e Judeus no Brasil. Erca Editora e Gráfica.

Notas1 Primeiro Livro Manuscrito de Matrimônios da atual Basílica de

Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba.3 História do Município de Guaratuba. Joaquim da Silva Mafra :

1952, 89,92.4 Genealogia Paranaense. Francisco Negrão. Volume 4 : 1929, 211.5 Heréticos e Impuros.. Lina Gorenstein Ferreira da Silva,44,173. A

genealogia dos descendentes de Amaro de Miranda Coutinho estásendo pesquisada por Antonio Roberto Nascimento, cujo rascunhoinicial nos foi entregue.

6 Rheingantz (1965), Primeiras Famílias do Rio de Janeiro, Volu-me II, 605.

7 Egon e Frieda Wolff. Dicionário Biográfico de Judaizantes eJudeus no Brasil, 1986, 51-52 e 89.

8 Ver Vínculos do Fogo, Alberto Dines.9 Op. cit. Genealogia. Lado Materno 1.10 Arquivo Nacional. Sesmarias do Paraná.11 As Sesmarias do Paraná no Século XVIII. Marina Lourdes Ritter.

Lista de sesmarias no Paraná.12 Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná, 960. Ermelino de

Leão.13 Op.cit. 1270-73.14 Genealogia Paranaense, Volume 4, 209-210. Francisco Negrão15 Genealogia Paulistana, Volume 7, 456. Silva Leme.16 Outra opinião apresenta Ermelino de Leão no seu Dicionário do

Paraná , 438, que o coloca como filho de Domingos Rodrigues daCunha e vinculado no título dos Cunha Gago da GenealogiaPaulistanade Silva Leme. A hipótese de Silva Leme nos parecemais significativa no atual estágio de pesquisas.

17 Genealogia Paulistana, Volume 7, 452.18 Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná, 1235. Ermelino Leão.19 Op.cit. 775-776.20 Silva Leme, 448.21 Silva Leme, V8, 326-327.

22 Ermelino de Leão, 776.23 Ermelino de Leão, 1275.24 Dicionário de bandeirantes, 316.25 Op. Cit. 318-319. Silva leme, V8, 269 –278.26 Dicionário de Bandeirantes. Francisco de Assis Carvalho Franco,

303.27 Silva Leme, V2, 5.28 Silva Leme, V6,449.29 Carvalho Franco, 101.30 Silva Leme, V6, 297.31 Silva Leme, V3, 204.32 Ermelino de Leão, 74.33 Marina Ritter, 231-232. 34 Silva Leme, V3, 202-203.35 Silva Leme, V2, 5.36 Silva Leme, V9, 67. Existe uma polêmica sobre os vínculos entre

Anna Camacho, esposa de Domingos Luiz Carvoeiro, com JoãoRamalho e Tibiriçá. O documento mais famoso que comprovaria ahipótese desta descendência, o Testamento de João Ramalho, équestionado por alguns pesquisadores, o que inviabilizaria a cone-xão genealógica entre Anna Camacho como bisneta de João Ra-malho. Novas pesquisas podem trazer mais elementos para a pos-sível descendência ou não entre eles.

37 Igrejas de São Paulo, 23, Leonardo Arroyo.38 A Identidade do Brasil Meridional. Ricardo Costa de Oliveira.

Ciclo de debates Brasil 500 anos.39 Genealogia Paranaense, Negrão, V4, 210.40 Ermelino de Leão, 73.41 Carvalho Franco, 91.42 Silva Leme, V1, 2-3,5. Todas as primeiras famílias de São Paulo

estão sendo reavaliadas criticamente em suas genealogias, o que

pode mudar radicalmente o que Silva Leme colocou na Introduçãodo seu Volume 1.

43 Silva Leme, V6, 338 e 297. 44 Silva Leme, V7, 396-397 e 470.V2,5.45 Joaquim da Silva Mafra. História do Município de Guaratuba, 89.46 Op. Cit., 68.47 Op. cit., 113.48 Op. cit. , 86. 49 Op. cit. , 86.50 Francisco Adolfo de Varnhagen, História Geral do Brasil. Tomo

IV, Notas a Seção XLIV, 223 : 1962. 7° Edição.51 Joaquim da Silva Mafra, op. cit., 42-51.52 Os Gomes de Oliveira, Antonio Roberto Nascimento, inédito.53 Arquivo Nacional, Sesmarias Catarinenses. 54 Um resumo das informações literárias sobre esse personagem está no

Dicionário Histórico-Biográfico do Paraná, 16-19. 1991. A melhortentativa biográfica foi escrita por Joaquim Tramujas, Contribuição àBiografia de Fernando Amaro. Instituto Histórico e Geográfico deParanaguá, Ano II, jul.-dez. de 1957. N°12, 33-37.

55 Op. cit., 34.56 Op. cit. , 34.57 Ermelino de Leão, Dicionário do Paraná, 644. “Nascido em lar

pobre, Fernando Amaro de Miranda descendia de uma velha ehistórica família , que se salientou pelos dons naturais da inteli-gência”.

58 Leonardo Arroyo, Igrejas de São Paulo , 1954, 23. José OlympioEditora. Coleção Documentos Brasileiro N° 81.

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Ricardo Costa de Oliveira, Bacharel em Ciências Sociais (UFRJ),Mestre em Planejamento e Desenvolvimento Urbano (Universi-dade de Londres) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP).

Um judeu italiano no BrasilO professor Armando Foá, judeu italiano, quando das “Leis

Raciais” fascistas refugiou-se no Brasil. Aqui integrou-se ao corpodocente da Universidade Católica de Campinas(depois renomeadaPUCCAMP) como professor de cálculo vetorial. Por sua alta qua-lificação intelectual era considerado uma estrela desta universidade,sendo muitas vezes convidado a proferir conferências, numa delas sofreuuma crise dos nervos, saindo do salão nobre para uma clínica em Santos,onde morreu em 18 de novembro de 1957. A razão ? Depressão e pavorao ver que a Krupp, que sustentara o Nazismo, estava construindo umafilial próxima a Jundiaí. Esta dolorida história foi recuperada e contadade forma sensível pelo jornalista e escritor Eustáquio Gomes, publicadacomo “Foá e a mecânica celeste” na Revistado Correio Popular (Cam-pinas, 30-04-2000, p. 50).

Ostrowiec, PolôniaO genealogista americano Harry Stein publicou na revista

“The Kielce Radom Special Interest Group Journal” (vol. 4, nº 2,Spring 2000, pp. 3-8) o artigo “Ostrowiec: The Witches Survived,The Jews Are Dead”. Nele, Stein, descreveu sua viagem em maio de1999 a Ostrowic Swietokrzyski, conhecida por “Ostrovya”, 180 kmsao sul de Varsóvia. Ostrowiec, de 50 mil habitantes, é uma cidadeindustrial. Ela foi uma cidade de maioria judaica: 80% de judeus em1857, 63% em 1899, 60% em 1910, 51% em 1921 e 38% em 1938. Obrasão municipal possui uma estrela de David. Stein, cujo nomeoriginal é Brochsztajn, visitou a casa de seus avós, o cemitério eencontrou registros de sua família, para compor a sua genealogia. Dois websites estão relacionados com este artigo:www.jewishgen.org/krsig e www.ostrowiec.to.pl/~um/e_index.htm

AfeganistãoEm 1948 cinco mil judeus viviam no Afeganistão Hoje o país é

dominado por milícias de estudantes islâmicos radicais (taleban).Neste Afeganistão intololerante vive o último judeu local. É YtzhakLevy, 59, o guardião da antiga sinagoga e do cemitério em Herat,capital do país. Todos os outros foram embora, inclusive sua mulhere cinco filhos. Ele porém recusa-se a partir. “Não abandono asinagoga e nosso cemitério. Se eu for, quem cuidará dos mortos e denosso prédio?”.Levy, descende dum grupo de judeus vindos daPérsia há duzentos anos, que escaparam das conversões forçadas emMeshed. A história do país registra que três tribos islâmicas locais,Afridi , Yussafzai e Durrani (de onde saiu a dinastia real), sãodescendentes do rei Saul. No Cemitério Israelita do Butantã, em S.Paulo, encontra-se sepultado, Moisés Behor Issaharof(Herat, 1905-S. Paulo, 1964), judeu de origem afegã.

Silva e a genealogia dos AbravanéisAparece na trama do livro “Agosto” de Rubem Fonseca o

repórter Arlindo Silva . É o mesmo que está no “Chatô” de FernandoMorais. Dentre suas façanhas jornalísticas ele foi o primeiro a entrarno quarto de Vargas morto. Mas ele não é um personagem de ficção,pois em um de nossos encontros dominicais da SGJ/Br., ele apareceu enão foi notícia. Ele nos deu a notícia: Estava terminando uma bio-grafia do empresário e apresentador de TV Silvio Santos, masprecisava de uma genealogia dos Abravanéis, que lhe fornecemos.Todos nós ficamos satisfeitos com a carreira que, “A FantásticaHistória de Silvio Santos” vem fazendo, desde o seu lançamento, é oprimeiro lugar em vendas. Só nos resta cumprimentá-lo. Parabéns,Silva !

Diásporas Contemporâneas

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Falecimentos• Faleceu em Berlim (13-01-2000), o cantor alemão Estrongo

Nachama, nascido em Salônica (04-05-1918), filho de um ce-realista grego. Ele foi deportado para Auschwitz, onde seus pais eirmãs foram assassinados (gassed). Foi poupado graças ao seutalento como barítono. Após o Holocausto manteve-se em Berlim,como cantor sacro e também profano. Há disco gravado por eleque registra a sua voz; “Chasanut Gesänge Aus der Synagoge”(Repertório do Hazan e cantos da sinagoga). Ele também aparecerapidamente no filme “Cabaret”. O seu filho Andreas Nachama é olider da comunidade judaica alemã.

• Faleceu em Roma (13-04-2000), o escritor italiano Giorgio Bassani,nascido em Bolonha (04-03-1916). Ele foi também poeta, ensaístae editor na Casa Feltrinelli. É dele a descoberta do romance “OLeopardo” do Príncipe Giuseppe Maria Fabrizio Salvatore Stefa-no Vittorio Tomasi di Lampedusa. Porém é mais conhecido comoo autor do romance semi-auto-biográfico “Il giardino dei FinziContini”, que descreveu a burguesia judia de Ferrara antes das leisraciais e da II Guerra Mundial, publicado em 1962, traduzido paravários idiomas, inclusive ao hebraico.

• Faleceu em S. Paulo (04-05-2000), o engenheiro e professor norte-americano, Hanns John Maier, de 76 anos. Nascido na Alemanha,migrou com a família nos anos trinta para os EUA, onde adquiriu anacionalidade. No Brasil, foi professor do Instituto Tecnológico daAeronáutica em S. José dos Campos, entre 1954 a 1957; vice-pre-sidente da Case Corporatione administrou uma pousada em Uba-tuba. Sua notoriedade veio da grande quantidade de cartas que pu-blicou nas seções de jornais e revistas nacionais e estrangeiros,opinando sobre os mais diversos assuntos.

• Faleceu no Rio de Janeiro (05-06-2000), o jornalista, escritor epublicitário Hélio Kaltman, de 61 anos. Ele começou a carreira nojornal “Última Hora”, passou por outros jornais, esteve na publi-cidade e escreveu vários livros. Porém a sua fama deve-se ao perso-nagem “Dr. Palhares, do Gabinete”, um suposto assessor de minis-tro, que ele criou para agilizar uma devolução de descontos indevidosem folha, que não conseguia vencer a burocracia. Bem sucedido nodesencalhe do processo ele escreveu um livro sobre a burla.

• Faleceu em Lisboa (09-06-2000), o engenheiro agrônomo portuguêsAntónio Poppe Lopes Cardoso, nascido em Praia, Santiago, CaboVerde (27-03-1933), filho de Álvaro Eurico Lopes Cardoso, Presi-dente do Supremo Tribunal de Justiça, e de Maria Júlia Cohen Poppe,descendente de judeus e cristãos-novos trasmontanos. Seguindo atradição familiar, desde cedo dedicou-se a atividade política, esteveexilado na França, Brasil e Marrocos (onde foi assessor do Ministroda Agricultura). Após o 25 de Abril de 1974 entrou para o PartidoSocialista, ocupou a pasta de Ministro da Agricultura no VI GovernoProvisório e foi deputado por várias vezes. Quando o seu ministérioiniciou um processo de reforma agrária ouviram-se insinuações anti-semitas contra ele e os “cristãos-novos” das Beiras e de Trás-os-Mon-tes. Segundo o Presidente Jorge Sampaio, o amigo era “um homemlúcido e coerente, um homem que não vergava”. V. “ Uma TeiaFamiliar: Cristãos-novos Portugueses Nobilitados no Século Pas-sado” (Gerações/Brasil, maio 1999, vol. 5, nº 1/2, p. 6 em diante).

• Faleceu em Campinas (19-06-2000), o historiador e professorbrasileiro José Roberto do Amaral Lapa, natural da mesma cidade(04-08-1929), descendente de tradicionais troncos paulistas efundador do Centro de Memória da UNICAMP. Sua relação com a

história judaica foi em dois momentos; primeiro como autor de“Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição do Grão-Pará” eatualmente como orientador de Ariel Elias numa dissertação demestrado sobre a presença dos judeus em Campinas no final doséculo XIX.

• Faleceu em Lima (21-06-2000), o camponês peruano EzequielAtaucusi Gamonal, aos 83 anos, líder messiânico da seita Israe-litas del Nuevo Pacto Universal, candidato à presidência da repú-blica do seu país. O seu grupo religioso de cerca de oitocentos milseguidores, espalhados pelas regiões amazônicas de Peru, Bolívia,Brasil, Colômbia e Venezuela, o considerava como o terceiro pro-feta histórico (Noé foi o primeiro e Abrãao, o segundo). Desde omomento que aderem a seita eles não cortam o cabelo, nem a bar-ba, usam túnicas, guardam o Sábado e nas luas novas sacrificamovelhas, cabritos e pombas. Apesar do nome eles não possuemnenhuma ligação com os judeus ou com Israel.

• Faleceu em Los Angeles (01-07-2.000), o ator norte-americanoWalter Matthau , nascido em New York (01-10-1920), com o nomede Walter Matuchanskayasky, filho de Melas Matuchanskayasky(segundo sua biografia oficial, um sacerdote ortodoxo russo) e RoseBerolsky, uma costureira judia. O ator participou em mais de 45filmes, destacando-se “Uma Loura por um Milhão” (1966), quandoganhou um Oscar como coadjuvante. Ele começou a vida profis-sional vendendo sorvetes e refrigerantes em teatros ídiches, tornou-sedepois o “ponto” nestes teatros até deslanchar sua carreira como ator.Na II Guerra Mundial foi criptógrafo de rádio numa unidade debombardeio na Europa.a.

• Faleceu em Washington (13-07-2000), o diplomata e escritorpolonês Jan Karski, nom de guerrede Jan Kozieleweski, nascidoem Lodz (1914). Tenente do Exército Polonês, católico fervorosoe anti-comunista, sobreviveu ao massacre dos oficiais polonesesem Katyn ordenado por Stalin. Em 1943 foi a primeira pessoa ainformar Anthony Eden e Franklin Roosevelt da existência doscampos de extermínio. Felix Frankfurter, juiz da Suprema Corteamericana, que era judeu, reagiu cético a esta notícia: “A man likeme, talking to a man like you, must be totally frank. So I say, I amunable to believe what you told me”. Em 1994 ele foi reconhecidocomo cidadão honorário de Israel e indicado quatro anos depoispara um Prêmio Nobel da Paz.

• Faleceu em Copenhague (28-07-2000), o físico holandês AbrahamPais, nascido em Amsterdam (1918). Era considerado um dosprincipais historiadores da ciência. Escreveu vários livros, des-tacando-se dentre todos a sua biografia de Albert Einstein, “SubtleIs The Lord – The Science and Life of Albert Eisntein”. Eletambém elaborou conceitos fundamentais da teoria moderna daspartículas elementares. Sua genealogia foi descrita na autobio-grafia “A Tale of Two Continents”. “ Eu, Abraão (os amigoschama-me Bram), sou filho de Isaías, filho de Abraão, que eracortador de diamantes, filho de Isaías, também cortador dediamantes, filho de Abrãao Pays – que casou por duas vezes eteve onze filhos, do seu primeiro e segundo casamentos – filho deNatham Paes, filho de Benjamin Paes, filho de Natham Paes.Todos estes meus antepassados, tal como eu próprio, nasceramem Amsterdam. A razão pela qual posso saber da existência detantos antepassados paternos é que todos estes Pais pertenciam àcongregação Talmud Torá de Amsterdam e estão registrados noslivros que foram preservados. Não consigo ir para trás na desco-berta dos meus predecessores, mas estou certo de que eles che-garam a Amsterdam provindos da Península Ibérica após 1590,altura em que os primeiros judeus sefarditas chegaram às terrasbaixas (hoje Bélgica e Países Baixos), por via da cidade frísia deEmden, quase certamente que provindos de Portugal”

• Faleceu em Joanesburgo (19-08-2.000) o empresário sul-africanoHarry Frederick Oppenheimer, nascido em Kimberly (28-10-1908), filho de “Sir” Ernest Oppenheimer (1880-1957), um judeu

alemão de Friedberg, que de um princípio modesto, formou a An-glo American Corporation of South Africa, Ltd., para a exploraçãomineira, controlando através dela o comércio mundial de dia-mantes. O Sr. Oppenheimer teve uma educação sofisticada, es-tudou em Oxford e depois sucedeu como chairmanno grandeconglomerado, cargo que ocupou por 25 anos, ao seu pai. Ele foium empregador sensível, construindo casas para os negros queempregava, encorajando a criação de sindicatos e fomentando aeducação para eles. Acredita-se que ele teve uma participaçãosilenciosa, mas importante, na dissolução do regime de apartheid.

• Faleceu no Rio de Janeiro (20-08-2.000), a socialite brasileiraBeki Klabin , nascida em Istambul (10-09-1921), filha de JoséAlfasso, dono de um moinho. No Brasil ela casou-se com o multi-milionário Horácio Klabin, da importante família de industriais ebenfeitores do mesmo nome, com quem teve dois filhos: Paulo eCláudio, que lhe deram sete netos. Ela tornou-se conhecida nacio-nalmente, aparecendo em programas de auditórios, transmitidospela TV, como jurada, simulando inclusive um namoro com ocantor popular Waldick Soriano. Beki Klabin foi a precursora das“emergentes”, mulheres de fortuna recém-adquirida que atraemcom sua ostentação a curiosidade popular, tornando-se uma cari-catura estereotipada da milionária.

• Faleceu no Rio de Janeiro (27 -09-2000), o editor brasileiro AbrahãoKoogan, de 88 anos, nascido na Ucrânia. Foi o primeiro editor deFreud no Brasil. Celebrizou-se pelos dicionários e enciclopediaseditados por ele. Foi um “editor que nos trouxe uma visão cos-mopolita dos fatos culturais, editando e contatando autores inter-nacionais, abrindo um generoso leque de dicionários e enciclopédiasque hoje compõem as estantes de professores e alunos, pesquisa-dores e eruditos” (Carlos Heitor Cony, “Abrahão Koogan” (FSP, 04-10-2000)

• Faleceu em S. Paulo (?-11-2000), Felícia (Felá)Mester, aos anos,diretora e redatora do Caderno Cultural, publicação da Na´amat(Pioneiras). “Ativista abnegada, de alma judia e coração sionista,impregnada de amor à Israel e fidelidade à Na´amat. Na Organi-zação, o expoente máximo de companheirismo e amor; sabedoria,criatividade, conhecimentos amplos e intelectualidade”

• Faleceu em New York (04-12-2000), a enxadrista americanaGisela Kahn Gresser, nascida em Detroit (08-02-1906). Foi aprimeira mulher a ser eleita para o Chess Hall of Fame(1992).Entre 1944 a 1969 ela venceu o campeonato feminino americanopor nove vezes.

• Faleceu em New York (03-01-2001), o atleta e cronista esportivoamericano Marty Glickman , nascido em New York (14-08-1917).Ele e Sam Stoller, ambos judeus, pertenciam a equipe de reve-zamento 4 x 100, que competiria na Olimpíada de Berlim (1936),mas foram excluidos por Avery Brundage, Presidente do ComitêOlímpico dos EUA, que temia desagradar o ditador nazista. Foramsubstituidos pelos negros Owens e Metcalfe que venceram acompetição. Mesmo com todo este ambiente anti-semita doze atletasjudeus ganharam medalhas olímpicas nestes jogos, inclusive a esgri-mista Helene Mayer, filha de pai judeu, que defendeu a equipealemã. Glickman abandonou o esporte, para narrar partidas debasquete, futebol americano e beisebol, tornando-se um dos maispopulares cronistas esportivos do seu país.

• Faleceu em Long Island (?-01-2001), a juiza americana BeatriceSobel Burstein, nascida em New York ( 05-1915), filha de Joseph eTillie Sobel, imigrantes poloneses. Esposa do advogado HerbertBurstein e mãe de outra juiza, Karen Burstein, ela pertencia achamada “primeira família legal de Nassau County”. A juizaBurstein era Democrata e defendeu fundamentalmente os Direitos dacrianças e dos prisioneiros.

• Faleceu em Paris (03-02-2001), o jornalista e empresário francêsGilbert Trigano , aos 80 anos. Ele exerceu várias atividades dife-rentes na sua vida. Foi ator, jornalista do “L´Humanité”, membroda Resistência. Porém a sua notoriedade, veio por ter criado, juntocom o belga Gérard Blitz, o Club Mediterranne, o Med, em 1950.Que foi dirigida por ele durante mais de trinta anos. Sendo sucedi-do por seu filho Serge Trigano.

• Faleceu em Campinas (25-02-2001), Iandira Valadares, aos 73anos, mãe de Sara e Paulo Valadares (nosso colaborador).

• Faleceu em Los Angeles (09-03-2001) o comerciante americanoLeopold Page (Poldek Pfefferberg), nascido em Krakow (20-03-1913). Ele foi o número 173 da “Lista de Schindler”, e tambémquem convenceu ao diretor Spilberg a fazer um filme com o epi-sódio que viveu.

• Faleceu em Ma`aleh Yisrael (08-05-2001), o agricultor Arnaldo(Arieh) Leão Agranionik, nascido em Erexim, RS (1953), des-cendente de uma família gaúcha, notável pelo cultivo do soja e dacriação de cavalos. Ele foi o primeiro brasileiro a ser assassinado porgrupos terroristas árabes em Israel. Arieh Agranionik deixou trêsfilhos: Oren, Dudu e Orian.

Visita ao Cemitério da Consolação

V ocê acharia interessante participar de uma reunião que estivessempresentes, dois Presidentes da República (Campos Sales, Was-

hington Luís), Governadores e Presidentes de S. Paulo (Carvalho Pin-to, Abreu Sodré, Bernardino de Campos e outros), além de milioná-rios, mecenas, escritores? Dia 3 de junho, último, alguns membros daSGJ/Br participaram de uma visita ao Cemitério da Consolação, guia-dos pelo Dr. Délio Freire dos Santos, a maior autoridade no assunto,participando de uma reunião semelhante. Num cemitério, além daobservação etnocultural – devoção a santos populares, cultos primiti-vos, é possível encontrar informações históricas (personalidades, fa-mílias, dados vitais, etc) e principalmente a arte cemiterial. O Dr.Délio, nos introduziu a compreensão da simbologia utilizada nestestúmulos: a papoula, símbolo do sono eterno; a ampulheta e as asas domorcego, a passagem do tempo e a sabedoria; a coluna quebrada, avida interrompida bruscamente; o pelicano, o amor materno. Além delendas milenares, como a de Orfeu e Eurídice descrita em mármorenos túmulos dos Trevisioli. A mulher, que forma uma interrogação,no túmulo do poeta Moacir Piza. O suntuoso conjunto estatuário,ninfas dispostas em forma de navio, mais algumas figuras alegóricasda vida do homenageado, como a caridade amparando a pobreza, notúmulo de Name Jafet. Foi uma visita que nos agradou muitíssimo,ensinou-nos bastante e despertou-nos o interesse para fazer umavisita destas aos cemitérios judaicos de S. Paulo.

Espanha arabizadaO Último Omeíada ?Assim como há um movimento de pessoas

identificando-se como descendentes de cristãos-novos, há também osque alegam descender dos moriscos, restos da população árabe quecompuzeram os reinos islâmicos da região. Várias famílias espanholas,originárias da região andaluza, são reconhecidas como herdeiras destastradições: Abela, Adelmón, África , Alcázar, Allobar , Ambasil,Aranda, Arenós, Belvis, Benajara, Benasar, Benegas, Benjumea,Brea (Será a família da atriz brasileira Sandra Brea ?), Ceuta,Cuéllar, Gali, Granada, Granada Venegas, Hazera, Jaén, Madrid ,Marín , Muley, Palacios de Moro, Xama e Zegrí. A mais importantedelas é a dos Granada Venegas, possuidores do título “Marqués deCampotéjar”, descendente da dinastia que reinou em Granada entre1232 a 1492. Outra família destacada, é a Bejumea (Ibn Ummayya), amesma de Julio Salvador y Díez-Benjumea(1910), Ministro daAeronáuticano Governo Franco (1973-4), de quem foi dito: “siendo laultima vez por ahora que una persona del linaje de los Omeyas hayaparticipado en la gobernación de España”.

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Relendo a coleção de HaLapid — a revista publicada pelacomunidade reunida em torno da Sinagoga Kadoorie Mekor Haim,Porto, entre as décadas de vinte e cinqüenta passadas, encontramos aseguinte notícia sobre um de seus membros: “Um jovem cripto-judeutrasmontano de 18 anos de idade, natural do concelho de Freixo deEspada à Cinta, Amílcar Nascimento Calvo Paulo, foi recebido naAliança de Abraham a fim de ser pùblicamente um servidor do DeusAltíssimo e Único. O novo israelita recebeu o nome de Levi Ben-Har.Mazal tob a este jovem resgatado1.” Este é o registro formal da en-trada naquela comunidade de mais um criptojudeu atingido pela“Obra do Resgate”liderada pelo Capitão Artur Carlos de BarrosBasto, o “Guia dos Maranos” (é assim mesmo). Este “baalei teshuvá”(retornado ao Judaísmo) ganharia importância posteriormente comsuas originais pesquisas etnográficas.

Amílcar Nascimento Calvo Paulonasceu em Monte dos Judeus,freguesia de Miragaia, Porto, em 27 de janeiro de 1929. Era filho doguarda-fiscal Francisco Augusto Paulo e Maria do NascimentoCalvo, neto paterno de Manoel Inácio Paulo e Josefina AugustaPereira, neto paterno de Joaquim Maria Calvo e Angélica CamilaCaló. Amílcar Paulo casou-se com Maria de Lourdes da FonsecaCordeiro, natural de Reigada, Castelo Branco. Não tiveram filhos.

Nascido no Porto, ele passou a infância na freguesia de Fornos,concelho de Freixo de Espada à Cinta, terra de seus avós, o que lhemarcaria a personalidade. Tanto que anotou no seu curriculum vitae:“embora “tripeiro” por nascimento é transmontano pelo sangue e pelofogo vivo do seu amor perene ao Nordeste de Trás-os-Montes”.

Amílcar Paulo teve várias atividades na sua vida. Freqüentoudois cursos superiores, mas não concluiu nenhum. Foi redator do“Diário da Noite”, trabalhou com teatro e principalmente a partir de1956 um etnógrafo interessado nas tradições criptojudaicas de suaregião. Algumas de suas pesquisas foram utilizadas para o volume IVde “Etnografia Portuguesa”, de J. Leite de Vasconcelos. Suas pu-blicações encontram-se esparsas por várias revistas portuguesas. Oseu artigo mais conhecido, foi escrito em parceria com a Profª AnitaNovinsky: “The Last Marranos”, in Commentary, New York, vol.43, nº 5, May 1967, pp. 76-81. O Prof º Reuven Faingold lembra-sedele como “baixinho e fumando muito”. O Dr. Inácio Steinhardtcedeu-me a fotografia que ilustra o seu perfil. Ele faleceu em Mira-gaia, Porto, em 15 de março de 1983.

NotaHa-Lapid, nº 132, luas de março e abril 1946/5706), p. 4.

Amílcar PauloPaulo Valadares

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e x p e d i e n t e

Layout e diagramaçãoPaulo Valadares - coordenaçãoAlfredo P. Santana - diagramação

Endereços para correspondênciaCaixa Postal 1025Campinas - São Paulo13001-970E-mail: [email protected]

EditoresGuilherme FaiguenboimReuven FaingoldAlain BigioAnna Rosa CampagnanoPaulo Valadares

GERAÇÕES / BRASIL é uma publicação semestral da Sociedade Genealógica Judaica do Brasil (organização sem fins lucrativos)filiada à Association of Jewish Genealogical Societies(AJGS/USA)e ao Arquivo Histórico Judaico Brasileiro (AHJB)

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