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Um retrato da exclusão social no conto A Rosa Caramela, de Mia Couto Michel Adão de Oliveira Fernandes 1 , Evandro Gonçalves Leite 2 1 Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/IFRN– IFRN Campus Pau dos Ferros. e-mail: [email protected] 2 Professor de Língua Portuguesa e Literatura – IFRN Campus Pau dos Ferros. e-mail: [email protected] Resumo: Em várias circunstâncias, a literatura se apresenta como uma excelente aliada a propósitos de caráter social e aborda diversas questões sobre tal aspecto. No presente trabalho, estudamos o conto A Rosa Caramela, do livro Cada homem é uma raça, do moçambicano Mia Couto. Nosso objetivo foi analisar como a narrativa retrata certas diferenças que inferiorizam e promovem a exclusão social das pessoas. Para analisar o conto, recorremos a estudiosos como Gotlib (2006), que trata sobre a teoria do conto vista por vários ângulos; Cortázar (2008), que apresenta alguns aspectos do conto; e Candido (2010), na relação entre literatura e sociedade. O conto estudado busca denunciar e mostrar uma realidade sofrida por muitos na sociedade em que vivemos, materializados na exclusão pela loucura que é reforçada pela associação de outros fatores de caráter racial, político e histórico da sociedade pós-colonial de Moçambique. O conhecimento acerca dos movimentos histórico-sociais evidenciados no conto permitiu-nos uma visão maior acerca dos costumes da sociedade moçambicana e como eles influenciam a vida das pessoas. Palavras–chave: A Rosa Caramela, conto, exclusão social, Mia Couto 1. INTRODUÇÃO As artes em geral têm servido como forma de denúncia, principalmente quando mostra a sua importância como instrumento de críticas sociais. A arte, então, coloca sua função estética a serviço de protestos e críticas coletivas. É nessa perspectiva que se configura a obra Cada homem é uma raça, de Mia Couto (1994), da qual definimos o conto A Rosa Caramela como objeto de estudo. O livro apresenta vários pontos de caráter grupal que afligem a sociedade moçambicana, como violência e miséria, por exemplo, mas nesse trabalho optamos por analisar como a exclusão social é tematizada. Para tanto, utilizamos como fundamentação teórica os seguintes autores: Gotlib (2006), que trata da teoria do conto vista por vários ângulos; Cortázar (2008), que apresenta alguns aspectos do conto; e Candido (2010), que estabelece relações entre literatura e sociedade. A partir deles, realizamos a análise do conto mediante a interpretação dos sentidos do texto. O artigo estrutura-se da seguinte forma: primeiramente, expomos a fundamentação teórica, e nela abordamos a teoria do conto e seus aspectos, bem como a relação entre literatura e sociedade; em seguida, apresentamos a metodologia, caracterizando a pesquisa e delineando as categorias de análise; posteriormente, procedemos à análise do conto; por fim, segue a conclusão. 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 Teoria e aspectos do Conto Não é fácil definir o conto: várias são as suas teorias, umas com mais prestígio que outras. Há os que admitem uma teoria e há os que nem a admitem, de modo que não existe acordo sobre esse gênero de tão difícil definição. Mário de Andrade já dizia em “Contos e contistas”, “em verdade, sempre será conto aquilo que seu autor batizou com o nome de conto” (GOTLIB, 2006, p. 9). O grande contista brasileiro, Machado de Assis, manifestava-se: “é gênero difícil, a despeito da sua aparente facilidade”. (GOTLIB, 2006, p. 9). Apesar dessa flagrante dificuldade, podemos admitir que o conto parte da noção de limite, e, no caso, do limite físico. Para se entender o caráter peculiar do conto, costuma-se compará-lo com o romance:

Um Retrato Da Exclusão Social No Conto a Rosa Caramela de Mia Couto

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Um retrato da excluso social no conto A Rosa Caramela, de Mia Couto Michel Ado de Oliveira Fernandes1, Evandro Gonalves Leite2 1 Bolsista de Iniciao Cientfica PIBIC/IFRN IFRN Campus Pau dos Ferros. e-mail: [email protected] 2 Professor de Lngua Portuguesa e Literatura IFRN Campus Pau dos Ferros. e-mail: [email protected] Resumo:Emvriascircunstncias,aliteraturaseapresentacomoumaexcelentealiadaapropsitos de carter social e aborda diversas questes sobre tal aspecto. No presente trabalho, estudamos o conto A Rosa Caramela, do livro Cada homem uma raa, do moambicano Mia Couto. Nosso objetivo foi analisar como a narrativa retrata certas diferenas que inferiorizam e promovem a excluso social das pessoas. Para analisar o conto, recorremos a estudiosos como Gotlib (2006), que trata sobre a teoria do contovistaporvriosngulos;Cortzar(2008),queapresentaalgunsaspectosdoconto;eCandido (2010),narelaoentreliteraturaesociedade.Ocontoestudadobuscadenunciaremostraruma realidadesofridapormuitosnasociedadeemquevivemos,materializadosnaexclusopelaloucura quereforadapelaassociaodeoutrosfatoresdecarterracial,polticoehistricodasociedade ps-colonial de Moambique. O conhecimento acerca dos movimentos histrico-sociais evidenciados no conto permitiu-nos uma viso maior acerca dos costumes da sociedade moambicana e como eles influenciam a vida das pessoas. Palavraschave: A Rosa Caramela, conto, excluso social, Mia Couto 1. INTRODUO Asartesemgeraltmservidocomoformadedenncia,principalmentequandomostraasua importncia como instrumento de crticas sociais. A arte, ento, coloca sua funo esttica a servio de protestos e crticas coletivas. nessa perspectiva que se configura a obra Cada homem uma raa, de MiaCouto(1994),daqualdefinimosocontoARosaCaramelacomoobjetodeestudo.Olivro apresentavriospontosdecartergrupalqueafligemasociedademoambicana,comoviolnciae misria, por exemplo, mas nesse trabalho optamos por analisar como a excluso social tematizada.Paratanto,utilizamoscomofundamentaotericaosseguintesautores:Gotlib(2006),que tratadateoriadocontovistaporvriosngulos;Cortzar(2008),queapresentaalgunsaspectosdo conto;eCandido(2010),queestabelecerelaesentreliteraturaesociedade.Apartirdeles, realizamos a anlise do conto mediante a interpretao dos sentidos do texto. Oartigoestrutura-sedaseguinteforma:primeiramente,expomosafundamentaoterica,e nela abordamos a teoria do conto e seus aspectos, bem como a relao entre literatura e sociedade; em seguida, apresentamos a metodologia, caracterizando a pesquisa e delineando as categorias de anlise; posteriormente, procedemos anlise do conto; por fim, segue a concluso. 2. FUNDAMENTAO TERICA 2.1 Teoria e aspectos do ContoNo fcil definir o conto: vrias so as suas teorias, umas commais prestgio que outras. H osqueadmitemumateoriaehosquenemaadmitem,demodoquenoexisteacordosobreesse gnerodetodifcildefinio.MriodeAndradejdiziaemContosecontistas,emverdade, sempresercontoaquiloqueseuautorbatizoucomonomedeconto(GOTLIB,2006,p.9).O grandecontistabrasileiro,MachadodeAssis,manifestava-se:gnerodifcil,adespeitodasua aparente facilidade. (GOTLIB, 2006, p. 9). Apesar dessa flagrante dificuldade, podemos admitir que o conto parte da noo de limite, e, no caso,dolimitefsico.Paraseentenderocarterpeculiardoconto,costuma-secompar-locomo romance:ISBN 978-85-62830-10-5VII CONNEPI2012 Nessesentido,oromanceeocontosedeixamcompararanalogicamente com o cinema e a fotografia, na medida em que um filme em princpio uma ordemaberta,romanesca,enquantoqueumafotografiabemrealizada pressupe uma justa limitao prvia, imposta em parte pelo reduzido campo que a cmara abrange e pela forma com que o fotgrafo utiliza esteticamente essa limitao. (CORTZAR, 2008, p. 151) Muitossooscontistasqueexpressamsuaopiniosobreoqueoconto,masumdelesem destaquetemumadasteoriasmaisaceitas:onorte-americanoEdgarAlanPoe.Suateoriatemuma relao importante: o tamanho do conto e a reao que ele consegue causar no leitor.Segundo ele, o conto uma composio literria curta. Alm disso, causa um estado de excitao no leitor e, como todas as excitaes, elas so necessariamente transitrias (GOTLIB, 2006, p.32). Dessa forma, Poe deixaclaroquenecessriopensarmuitobemnaextensodaobra,paraque,assim,elapossa segurar o leitor do incio ao fim. Se o texto for longo ou breve demais, esta excitao ou efeito ficar diludo. Torna-se imprescindvel, ento, a leitura de uma s assentada, para se conseguir esta unidade de efeito (GOTLIB, 2006, p.32). Poe ainda diz que a produo de um conto depende de como o autor domina os seus materiais narrativos. O conto fruto de um trabalho consciente que tem como inteno a conquista da impresso total.Aeconomiademeiosnarrativosoutrofatorimportante,poisoautortemqueconseguiro mximo de efeitos possvel com o mnimo de meios, e tudo aquilo que no for necessrio para prender a ateno do leitor deve ser descartado. O enredo serve para entender a organizao dos fatos, e como elemento estruturador do enredo h o conflito. Esse, por sua vez, deve se organizar para se condensar, j que ele o responsvel por organizar a histria, prender a ateno do leitor e estruturar suas partes (introduo, desenvolvimento, clmax e desfecho). Um enredo com uma economia de meios narrativos consegueumaunidadede efeitomaiorperanteo leitor.Esse tipodeeconomiatambmempregado naspersonagens,tantononmeroquantonacaracterizao.Otempoessencialnanarrao,esua durao normalmente condensada em um curto perodo: Os contos de modo geral apresentam uma durao curta em relao aos romances, nos quais o transcurso do tempo mais dilatado (GANCHO, 2008, p.24). O espao tambm contribui: se a ao for concentrada, isto , se houver poucos fatos na histria, ou se o enredo for psicolgico, haver menos variedade de espaos.NospensamentosdePoe, aquesto dabrevidadepermanececomoelementocaracterizadordo conto. Ela um diferencial, mas a questo essencial no ser ou no ser breve, a questo : provocar ou no impacto no leitor.Assim concebido, o conto seria um modo moderno de narrar, caracterizado por seu teor fragmentrio, de ruptura com o princpio da continuidade lgica, tentando consagrar este instante temporrio (GOTLIB, 2006, p.55). No conto sempre algo acontece, por isso a originalidade sempre importante; e quando associada conciso, melhor ainda. O texto que consegue transmitir o mximodeinformaescomummnimodepalavrasfazcomquedesapareamosexcessos lingusticos e melhore a interpretao. Emboravrioselementosconcorramparaacriaodeumconto,parecequeodestinode sucessooufiascodependemenosdesteselementos(significado,intensidadeetenso)quedomodo como so tratados pelo contista. Ou seja: o que decide se um conto bom ou ruim o procedimento doautor,enopropriamenteesteouaqueleelementoisolado.Paraprovaroquefoidito anteriormente, basta perguntar por que determinado conto ruim. No ruim pelo tema, porque em literaturanohtemasbonsouruins,hsomenteumtratamentobomouruimaotema (CORTZAR, 2008, p. 152).Osignificadodocontoestrelacionadocomaintensidadeeatenso,quejnosereferem apenasaotema,masaotratamentoliterriodessetema,tcnicaempregadaparadesenvolv-lo.O estilo de um conto baseado na intensidade elimina todas as suas situaes intermedirias, que servem apenas como recheio, como bastante utilizado no romance. Essa tenso aparece na forma pela qual o autor vai se aproximando devagar do que se conta. 2.2 Literatura e Sociedade A relao entre literatura e sociedade foi decisiva para a produo do conto A Rosa Caramela, e oconhecimentodelenosimprescindvelparacompreenderocontoeascrticasqueelepromove. Isso se d porque a literatura possui uma estreita relao com a sociedade, e esta influencia aquela. Hoje podemos dizer, sem maiores restries, que a sociedade est engajada na literatura e vice-versa,propondo,assim,reflexessobrearelaodeambas.Masessarelaonemsemprefoiassim toclaraaosolhosdaspessoas.Muitosdefendiamatesedequeaarteseriaautnomaeisoladados fatossociais;outros,porm,queaarteeraoudeveriaserexpressodasociedade.Osprimeiros abrigamsuaideiacomajustificativadequeeles,enquantoartistas,deveriamproduzirsuaartesem qualquerenvolvimentocomtemaspblicos;ouseja,aartenopoderiaseenvolvercomnadade cartersocial.Outrosapoiavamqueosartistastinhamodeverdeserengajadoscomarealidade, dotando sua arte de uma funo social. Eles, ento, aproveitariam sua arte e a utilizariam como forma dedennciadeproblemas,mostrando,assim,quealiteraturanoautnomadasociedade,masa influencia e a reflete.Para Candido (2010, p. 40), a obra depende estritamente do artista e das condies sociais que determinamsuaposio.Durantemuitotempo,acreditou-sequeobraseriaconsideradadomnio pblico, de modo que a funo do artista definida historicamente por funes sociais; ou ento a obra seria apenas fruto da inspirao puramente individual do artista. Hoje, acredita-se que a obra surge da confluncia da iniciativa individual e das condies impostas pela sociedade, mesmo que o autor no tenha conscincia disso.Candido ainda aponta os elementos que marcam a influncia da sociedade sobre a obra: so os fatoressocioculturais.Elesseligamestruturasocial,aosvaloreseideologias,stcnicasde comunicao. Ograueamaneiraporqueinfluenciamestes trsgruposdefatoresvariam conformeoaspectoconsideradonoprocessoartstico.Assim,osprimeiros semanifestammaisvisivelmentenadefiniodaposiosocialdoartista, ou na configurao de grupos receptores; os segundos, na forma e contedo daobra;osterceiros,nasuafaturaetransmisso.Elesmarcam,emtodoo caso,osquatromomentosdaproduo,pois:a)oartista,soboimpulsode umanecessidadeinterior,orienta-osegundoospadresdasuapoca,b) escolhe certos temas, c) usa certas formas e d) a sntese resultante age sobre o meio. (CANDIDO, 2010, p. 31). Portanto,ficaevidentearelaoentreliteraturaesociedade,querelaaconteademodo consciente ou inconsciente. Apesar de reconhecermos que as influncias so mtuas, consideraremos neste trabalho de que forma o meio determina caractersticas da obra. 3. METODOLOGIA Opresenteartigofiliadoaumapesquisaemdesenvolvimento,intituladaUmretratoda exclusosocialemcontosdeCadahomemumaraa,deMiaCouto,eadotadestaoseu delineamento metodolgico: trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, visando interpretao dos sentidos que emergem do texto e de como eles so construdos na relao autor-texto-leitor.ApartirdaleituradocontoARosaCaramela,tomacomoobjetodeestudoaabordagemde temticarelativaadiferenasqueinferiorizamepromovemaexclusosocial,nestecaso,aloucura. Pararealizarmosainterpretaodossentidosdoscontos,elegemoscomocategoriasdeanliseos fatores socioculturais apontados por Candido (2010) como determinantes da relao entre literatura e sociedade presentes nos elementos dos contos, como tempo, espao, enredo e personagens. Ao final do processo, ser possvel compreender como a obra, inscrita em determinado contexto histrico-literrio,atuacomomanifestaoartsticaeretratodarealidade,agindotambmcomo instrumento de denncia. 4. RESULTADOS E DISCUSSES O conto A Rosa Caramela conta a histria de Rosa, uma daquelas pessoas que so desprezadas, poisdelasesabiamuitopouco.Desdemeninaeracorcunda-marrecae,juntamenteaoseunome, recebeuosubttulodeCaramela.RosaCaramelasofriademuitasdoenas,masapior,comcerteza, eraconversarcomesttuas,pelasquaistinhaumainclinaomaternal.Pelamanh,ningumavia pelas ruas, mas noite, sob a luz do luar, conversava e gritava com as esttuas, pedia-lhes que sassem da pedra. DeRosaCaramela,afinal,noseprocuravaexplicao.Summotivosecontava:certavez, Rosa foi abandonada na entrada da igreja pelo seu noivo que nunca mais apareceu. Porm, fala-se que tudo aquilo foi apenas uma iluso dela. Por isso, quando se curou da dor, passou a cuidar das esttuas da cidade e namor-las. As pessoas zombavam dela, mas havia um homem, Juca, que sempre prestava ateno em suas aes, sentia pena e ignorava as piadas a respeito dela.UmdiaRosafoipresa,porvenerar aesttuadeumcolonizador. Muitotempopassou semser vistanacidade,atqueumdiaapareceunoenterrodoenfermeirodacidade.Numamadrugada qualquer, sentou-se na calada da casa e ficou l a chorar. Juca ento saiu de casa e a consolou. Com isso,apresentou-secomoonoivoqueahaviaabandonadoanosatrs.Rosaoolhoucommuita meiguice, e saram os dois pela luz do luar, indo embora daquele lugar. OautorseutilizadaironiaparadefinirRosaCaramela.Arepetiodesuadescriofsicae psicolgicafazrefernciapadronizaoealienaodasociedade.Delasesabiaquasepouco.Se conhecia assim, corcunda-marreca, desde menina. Lhe chamvamos Rosa Caramela. Era dessas que se pe outro nome. Aquele que tinha, de seu natural, no servia (COUTO, 1990, p. 5). Ele tambm no especifica o motivo pelo qual Rosa foi internada, mas se observa uma grande aceitao popular quanto ao ato. Rosa,desdequefoiabandonadanaentradadaigrejapeloseunoivo,Juca,demoroumuito tempoparaserecuperardaquelessentimentosquemachucavamtantooseucorao.Nisso,foi excludadasociedadepelofatodetersidoabandonadanoaltarepassouaandarpelaruasozinha. Desprezada por todos, Rosa passou a fazer laos de amizade com esttuas, j que ela passa a ter outra visosobreossereshumanos,quandosuaspercepescomelespassamatermenorsignificao. EssasintuiescorrespondemcomavidadeRosaapsoseuvexamenaigrejaepassamaterum sentidomaisprofundoemsuavida,jquesuarelaofigurahumanamudouepassouaterum significado insignificante em sua vida.Rosatambmseassemelhavacomasnovascompanhias, jqueeratoexcludapelopovoda regioquemalapresentavasentimentos,reforandooseuestadodeloucuraportamanhaexcluso sofrida. Isso deixa claro como a personagem descriminada na sociedade por apresentar-se diferente do ambiente considerado ideal e julgada como figura estranha. Juca, o pai do narrador, se aproxima tambm das esttuas, mas, por outro motivo: pelo fato de no conseguir oferecer o amor desejado por Rosa. Ele tambm a grande surpresa do conto, j que foi o causador de todas essas dificuldades na vidadapobreCaramela.Devidoarepresariadapopulao,eleabandonaRosanoaltarparanoser alvodecrticasdasociedadeporestarsecasandocomumamestia.Percebemostambmqueele muitoparado emalemite suas opinies,oqueremeteaumaesttua.Aofinaldoconto,voembora juntos, e era aquilo que ela sempre esperou a vida toda. Mesmo sendo oprimida pela sociedade, Rosa sempre teve esperanas de reencontrar seu amor e assim ter dias melhores. OnarradorpassaboapartedocontoapresentandoaoleitorcenasvividasporRosa.Oautor deixaclaratambmaopiniodaspessoasdapoca,queviamalgoqueoslembrassesituaodo mundo colonial naquele perodo de ps-independncia com um ar de desprezo. Por isso, a identidade deRosaeratodescriminadapelapopulao.Enquantogastavaseutempocomesttuas,Rosase enamora com uma em especial, a de um colonizador. Nisso, a populao a destrata como uma forma deprotesto.ComoRosaficavaadmirandoaimagemdeumcolonizador?Issocondizcoma mentalidadedeumpovoqueestemumperodops-colonial,quetemaindependnciacomouma honraeumsentimentoderancorperanteafiguradaquelesqueocolonizaramportantotempo.Por isso,Rosapresa,poisestavafazendorevernciaaopassadodeMoambique,oqueera extremamente condenvel pela sociedade. Eassim,emnossopequenobairro,avida seresumia.Atque,umdia,nos chegou a notcia: a Rosa Caramela tinha sido presa. Seu nico delito: venerar umcolonialista.Ochefedasmilciasatribuiuasentena:saudosismodo passado.Aloucuradacorcundaescondiaoutras,polticasrazes.Assim falou o comandante (COUTO,1990, p. 8). Aspessoasadiscriminavametinhamsentimentosdeexclusoporacharqueelanomerecia pertenceraomeioafricano,jqueelaerafrutodeumamiscigenaocolonoecolonizador.Assim, todogestodiferenteouestranho,comoser abandonadanoaltar, por exemplo,eramotivoderepdio porpartedapopulaoparainferioriz-la.DeRosaCaramela,afinal,noseprocuravaexplicao. Summotivosecontava:certavez,Rosaficaradefloresnamo,suspensaentradadaigreja.O noivo, esse que havia, demorou de vir. Demorou tanto que nunca veio (COUTO, 1990, p.6). Assim, podemos apresentar como principal causa da excluso sofrida por Rosa, sem dvidas, a sualoucuraaparente,reforadapelocarinhomaisqueespecialqueelatinapelasesttuasdaregio onde morava. Mas, por trs de tudo isso, outros fatores se mostravam tambm aparentes e fortes para explicaressecomportamentodasociedade.Ofatorracialcontavamuito,poisamiscigenaoda personagem era motivo de descriminao da populao negra de Moambique que no a considerava parte da populao por uma simples questo de cor de pele. Alm disso, algumas questes polticas e histricas de Moambique, como o desprezo figura do colonizador, aumentavam a excluso sofrida por Rosa. 5. CONCLUSES A arte engajada se apresenta a favor da livre expresso e demonstra muitas vezes mais do que o estadodeexpressodoautor.IssopodeserobservadonocontoARosaCaramela,deMiaCouto, quando aarteengajada afavordalutacontraodesmerecimentodaquelesque sofremnasociedade por possurem algum tipo de deficincia ou diferena a um padro estabelecido. Comoobjetivodecompreender,naleituradoconto,comocertasdiferenasconstituem-se comoelementosdeinferiorizaoeexclusosocial,apresentamosaspectosdeteoriadocontoe tambmarelaoentreliteraturaesociedade.Apartirdessesuporteterico,procedemosauma anlise do conto. Nele, o narrador ironiza e apresenta a populao que menospreza o diferente em prol deumasociedadementirosacercadademanifestaestidascomocorretaseaceitveis.Oconto reforaaexistnciadasdiferenaspresentesemtodasassociedadesdomundoeoquantoissogera dificuldades e problemas, martirizando milhares de comunidades espalhadas pelo globo.O trabalho, nesse sentido, possibilitou-nos um contato com manifestaes artsticas, e, por meio doestudodelas,aformaodeumsensocrticomaisamploecontribuioaindamaiscomanossa formaoacadmico-cientfica.Compreenderosignificado daanlisedo contotambmfazcomque aprendamos melhor sobre a realidade em que vivemos e procuremos melhor aceitar o diferente como algo normal e natural. REFERNCIAS CANDIDO,A.Aliteraturaeavidasocial.In:Literaturaesociedade:estudosdeteoriaehistria literria. 11ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 2010. p. 27-50. CORTZAR, J. Valise de cronpio. 2.ed. So Paulo: Perspectiva,2008. Cap. 6, p.147-163. COUTO, M. Cada homem uma raa. 3.ed. 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