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UNIVERSIDADE FEDEL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CI Ê NCIAS JUR i DICAS E ECON Ô MICAS INSTITUTO DE P Ó S GRADUAÇ Ã O E PESQUISA EM ADMINISTRAÇ Ã O - COPPEAD UMA ANAUSE EXPRAlDRIA SOBRE COElS DE QL I DADE UM EST UD O DE CASO NO ITITUTO DE PUERICULTURA E PEDIATRIA MARTAGAO GESTRA DA UNIVSIDADE FEDERA L D O RIO DE JANElRO - UF Ricardo Luiz de Souza Ramos Mestrado em Administração Orientadora: Pro. Anna Maria Campos Rio de Janeiro 1995

UMA ANAUSE EXPLDRAlDRIA SOBRE CONCEllDS DE QUALIDADE … · Outros blocos econômicos semelhantes ao bloco europeu foram ... Norte, os tigres asiáticos junto com o Japão formarão

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURiDICAS E ECONÔMICAS

INSTITUTO DE PÓS GRADUAÇÃO

E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO - COPPEAD

UMA ANAUSE EXPLDRAlDRIA SOBRE CONCEllDS DE QUAL IDADE NA ADMIN ISTRAÇAO

UM EST UD O DE CASO NO INSTITUTO DE PUERICULTURA E PEDIATRIA MARTAGAO GESTElRA DA UNIVERSIDADE

FEDERA L D O RIO DE JANElRO - UFRJ

Ricardo Luiz de Souza Ramos

Mestrado em Administração

Orientadora: Prota. Anna Maria Campos

Rio de Janeiro

1995

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UMA ANÁLISE EXPLORATÓRIA SOBRE CONCEITOS DE QUALIDADE NA ADMINISTRAÇÃO:

UM ESTUDO DE CASO NO INSTITUTO DE PUERICULTURA E PEDIATRIA MARTAGÃO GESTEIRA DA UNIVERSIDADE

FEDERAL DO RIO DE JANEIRO - UFRJ

RICARDO LUIZ DE SOUZA RAMOS

TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DO COPPEAD - INSTITUTO DE PÓS­

GRADUAÇÃ E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO - DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO

RIO DE JANEIRO, COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À OBTENÇÃO DO

GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS (M. Se.)

APROVADA POR:

ANNA MARIA CAMPO� Presidente

FGV - RJ

� HELOISA LEITE

COPPEAD - UFRJ

Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Março de 1995

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Ficha Catalográfica

RAMOS,. Ricardo Luiz de Souza.

Uma Anãlise exploratória sobre conceitos de qualidade na adminis­traça0: um estudo de caso no Instituto de PuericuHura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG) da Universidade Federal do Rio de JaneirolRicardo Luiz de Souza Ramos. Rio de Janeiro: COPPEAD, 1996.

XVII, 134 fs.

Dissertação - Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPEAD.

1. Qualidade. 2. Serviços 3. IPPMG - Estudo de caso. 4. Tese (Mestr. - COPPEAD/UFRJ).

I. Título

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RESUMO DA TESE APRESENTADA AO COPPEAD/UFRJ COMO PARTE

DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE

EM CIÊNCIAS (M. Se.).

UMA ANÁLISE EXPLORATÓRIA SOBRE CONCEITOS DE QUALIDADE

NA ADMINISTRAÇÃO: um estudo de caso no Instituto de Puericultura e

Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG) da Universidade Federal do Rio de

Janeiro.

RICARDO LUIZ DE SOUZA RAMOS MARÇO DE 1995

ORIENTADORA: PROFa. ANNA MARIA CAMPOS

o presente estudo visa analisar os conceitos do modelo "Qualidade Total",

mapeando as principais dificuldades encontradas quando da sua implantação. Seu principal

objetivo é enfatizar as inúmeras variáveis com que um administrador terá de se relacionar

quando da implantação de sistemas da qualidade, destacando a importância dos aspectos

humanos geralmente colocados em segundo plano tais como poder, motivação e cultura. O

caso analisado foi o Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira da Universidade

Federal do Rio de Janeiro.

Os resultados sugerem que a discussão sobre a implantação do modelo "Qualidade

Total" deva fazer parte do planejamento estratégico da organização. Sugerem, também,

que qualidade é um conceito amplo, não comportando definições simplistas que relacionam

qualidade aos atributos físicos dos produtos/serviços. Concluiu-se, também, que o modelo

"Qualidade Total" não parece ser a solução para todos os problemas organizacionais, sendo

possível se obter qualidade sem seguir estritamente sua proposta.

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ABSTRACT

RESUMO DA TESE APRESENTADA AO COPPEAD/UFRJ COMO PARTE

DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE

EM CIÊNCIAS (M. Se.).

UMA ANÁLISE EXPLORATÓRIA SOBRE CONCEITOS DE QUALIDADE

NA ADMINISTRAÇÃO: um estudo de caso no Instituto de Puericultura e

Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG) da Universidade Federal do Rio de

Janeiro.

RICARDO LUIZ DE SOUZA RAMOS MARÇO DE 1995

ORIENTADORA: PROFa. ANNA MARIA CAMPOS

The research aimed at understanding the variety of factors which must be taken into

aecount by those who lead the development of quality oriented changes in an organization.

The Author identifies the concepts underlying the Total Quality Control (TQC) model as the

starting point to identify the difficulties faced along the implementation of the change.

A case study was carried out in the Institute of Child·rearing and Pediatrics

Matargão Gesteira, a university hospital of the Federal University of Rio de Janeiro, where

the Author spent 4 months as a participant observer.

The results suggest that the decision to implement a TQC project must be taken in

the process of strategic planning; linear causal relationships assumed in the model to be

reconsidered in the lighls of human factors related to power, motivation, culture; lhe TQC

model should not be taken as lhe solution to ali organizational problems; some

improvements in quality may be achieved without following the TQC model strictly.

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Aos meus pais, pela infância e adolescéncia que me proporcionaram. A minha mulher Glória, companheira e

amiga em todas as ocasiões e ao meu filho Luiz Filipe que com sua luz

preencheu minha vida de amor e alegria.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todas as pessoas que, de alguma forma, contribuíram

para realização desse trabalho.

Sou grato, em especial, à profa. Anna Maria Campos por sua

orientação segura, ágil e inteligente, sempre agregando valor com suas

contribuições.

A Edmundo Abreu, Glaydson e Geraldo Luciano pelo estímulo e

aprendizado durante o curso de mestrado.

Aos meus colegas do grupo de estudo que muito contribuíram com

suas observações e seu entusiasmo. Dentre eles, um agradecimento

especial a Neiva de Araújo Marques por sua colaboração na realização de

parte da pesquisa.

Por terem viabilizado financeiramente este projeto, agradeço ao

CNPQ e à CAPES.

Por fim, agradeço a Glória e Luiz Filipe que pelo incentivo, paciência

e compreensão foram sempre fonte de inspiração nos momentos mais

difíceis desta jornada.

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Há pessoas que passam a vida inteira sem saber o que está aCXJntecendo.

Outras perCXJrrem suas vidas tentando saber o que está aCXJntecendo.

Uma minoria trata de fazer acontecer. A estas, o meu apreço e admiraçao.

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ix

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .. .. . .. ... . . . . . .. . . . . . . . . . . . .. . . .. . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . ..... . . 2

1 . 1 O PROBLEMA . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2

1 .2 ABORDAGEM DO TEMA E SUA RELEVÂNCIA ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . 2

1 .3 OS OBJETIVOS DA TESE . . . . . . . ... . . .. . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . ........ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

1 .4 ESTRUTURA DA TESE . .. . . . ... . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . .. . . . . ... . . 6

2. A MUDANÇA DE PARADIGMA. ... .. . . . ..... .. .. . ..... . .... ... .. . . . ... . . . 9

2.1 O PARADIGMA VIGENTE . . .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . . . . ..... . . . . . . . . . . . . . . . 9

2.2 O PARADIGMA EMERGENTE .... . . . . .. . . . . ........ . . . . ... . . . . . . . . . . . . . . ...... . . . . . . . . 1 1

2.2.1 O PARADIGMA EMERGENTE E AS CIÊNCIAS NATURAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . ... .... .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

2.2.2 O PARADIGMA EMERGENTE E AS CIÊNCIAS SOCiAiS ... . . . . . ...... . . . . . . . . . . . .. . . . ............. . . . . . .......... . . . . . . .. . . . . , ..... , .. , .. " 1 3

2.2.3 A QUESTÃO DOS PARADIGMAS E A ÁREA DA SAÚDE , ..... , .................................. ", .. , ................. , ..................... 1 5

3. O QUE É QUALIDADE? . . .. . .. .. . ..... .. ... ....... .. .. . . .. . .. ..... . . . . . . . . . . 20

3. 1 BUSCANDO UMA DEFINiÇÃO . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . ... . .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

3.1.1 ENFOQUE INTUITIVO, FILOSÓFICO OU TRANSCENDENTAL. . . ....... . . . . . .... . .. . ...... . . . . . .. . . . . . . . , ..................... 21

3.1.2 ENFOQUE BASEADO NO PRODUTO . . .. . . . ..... . .. . . ........... . . . . .. . . . .. . 21

3.1.3 ENFOQUE BASEADO NO USUÁRIO . . . . . . . . .......... . . . . . . . ... . . . . . . . . ... . 21

3.1.4 ENFOQUE BASEADO NA FABRiCAÇÃO ......... . . . . .. . . . . .. . . . . . . . .. . . . . 22

3.1,5 ENFOQUE BASEADO NO VALOR . . .. . . . . . ...... . . . . . . . . .. . ............ .. . . . . 22

3.1.6 QUALIDADE COMO UM CONCEITO DINÂMiCO . . . ........ . . . . . . . . . . . . 23

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4. ASPECTOS TECNICOS DO GERENCIAMENTO DA QUALIDADE ............................ ............................... ... ............. 26

4.1 DO CONTROLE À GESTÃO - HISTÓRICO ........ . . . . . . . . . . . . . . . . . ........ . . . . 26

4.2 QUALIDADE TOTAL. ........................... . . .............. . . . . . . . ............ . . . . . . ... . 29

4.2.1 A VISÃO DO LONGO PRAZO ................ .. . .......... . . . . . ......... ... . ..... 31

4.2.2 A INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E O KAIZEN .......... ................. . . . 32

4.2.3 UM NOVO OLHAR SOBRE OS CUSTOS DA QUALIDADE ...... . . .. . . . . . . . .............. . . . . . . . .. . ........... . . .......... . . . . ... . . . . . . . 34

4.2.4 O RACiOcíNIO ESTATísTiCO .. . . . . ................. . .. . . ................ . . ..... 36

4.2.4.1 O CONTROLE ESTATíSTICO DO PROCESSO (CEP) ... ......... . . . .... 37

4.2.5 O TRABALHO EM EQUIPES E AS METAS MUL TIFUNCIONAIS . . . . ............... ..................... .. . . . .............. ....... 41

4.2.6 O MARKETING NO TQC .............................................................. 44

4.2.6.1 A VISÃO AMPLIADA DO CLIENTE .. . ...... . . . ........ . . . .. . ..... . ... ..... . . . . .... 45

4.3 O SETOR DE SERViÇOS .... ... . . . . . . ........... . . . . . ..... . . . .. . . . . .. . . . . . .. . .. . . .. . ... ..47

4.3.1 QUALIDADE E PRODUTIVIDADE EM SERViÇOS . .................... 48

4.3.2 ESTRATÉGIAS PARA SERViÇOS ................. . . .............. ... . ......... 51

5. A QUESTÃO DA MOTIVAÇÃO ........................................... 55

5.1 NECESSIDADES - OS VERDADEIROS MOTiVADORES ................ 56

6. A QUESTÃO DA CUL TURA ................................................ 63

6.1 A ABORDAGEM ANTROPOLÓGiCA .... . . . ..... ... ... . .. . . . . .. . ... . . . . . ...... .... . 64

6.2 A ABORDAGEM SOCIOLÓGICA ................... ....................... ...... . . . . . 65

7. A QUESTÃO DO PODER ................................................... 70

7.1 TIPOS DE DOMINAÇÃO ............. . . . . . . . . . . . ... . ....... ... ... . . .. . . ......... . . . . . ... .. 71

7.2 O PODER NAS ORGANIZAÇÕES . . ... ...... . . . . . ....... . . ... . . . . ... ....... . . . . . . . .. 74

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8. METODOLOGIA DA PESQUISA. ........................................ 78

8.1 O MÉTODO HERMENÊUTICO-DIALÉTICO . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78

8.2 A METODOLOGIA DA PESQUISA EM QUESTÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 81

8.3 A ORGANIZAÇÃO PESQUISADA . ... . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . ... ... ... . . . . . . ... . .. 83

9. A PESQUISA - UM ESTUDO DE CASO . ........ .... . ............... 86

9.1 A REUNIÃO INICIAL. . . . . . . ...... . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . ... . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86

9.2 REDEFININDO O PROBLEMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . ... . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87

9.3 AS REUNIOES SETORIAIS . . . . . , ...................................... , ................. 91

9.3.1 DIVISÃO ASSISTENCIAL ........... . . . . . . . . . . . . . ........ . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... ...... 91

9.3.2 DIVISÃO DE APOIO AO DIAGNÓSTICO ........ . . . . . . ..... . . . . . . . . .. . .. . . . 92

9.3.3 DIVISÃO DE APOIO ASSISTENCIAL ... . . . . . . . . . . .... . . . .... . . . . .. . . . . . . . . ... 94

9.4 O SISTEMA DE INFORMAÇÕES .. , ................................ , .... , ............. 96

9.5 A PESQUISA DE SATISFAÇÃO DO USUÁRIO DO AMBULATÓRIO DE PEDIATRIA GERAL.. . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . 98

9.5.1 RESULTADOS DA PESQUISA JUNTO AOS USUÁRIOS . . . . . . . ......... ............... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ............... ............. 99

9.6 ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA VIVIDA Á LUZ DO REFERENCIAL TEÓRiCO .. ... . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. .. . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... ... . 101

9.6.1 O CONCEITO DE QUALIDADE NO INSTITUTO ..... . . . . . . . .. . . . .. . . . . . 101

9.6.2 O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . ... . . . . . . . .. . . . . . . . 1 03

9.6.3 MELHORANDO O SISTEMA DE INFORMAÇÕES ..... . . . . . . . . . . . .. . . . 1 04

9.6.4 A QUESTÃO DOS CUSTOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ......... ................... 1 06

9.6.5 O TRABALHO EM EQUIPE E AS METAS MUL TIFUNCIONAIS . . . . . .... ... . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . 1 07

9.6.6 O MARKETING NO IPPMG ................. . ............. . . . ........... . . . . . . . . . . . 108

9.6.7 AS QUESTÕES DA CULTURA, DO PODER E DA MOTIVAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . ....... . . . . . . . . . . . . . ... ... . . . .... . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . 1 1 0

9.6.7.1 A QUEST Ao DA CULTURA .............. . ......... .......... ........... ........ .., .. 110

9.6.7.2 A QUESTÃO DO PODER ................. ... ....... ,..... ........ ............ .. .. , .. , 111

9.6.7.3 A QUESTÃO DA MOTIVAÇÃO ................ ...... . . . . , ...... ............... , ..... 112

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10. CONCLUSÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . .. .. 116

1 0. 1 SíNTESE DA APRENDIZAGEM .... .... ...... ........... ....... .................. . .. 1 1 7

1 0.1.1 MODELO TEÓRICO x REALIDADE OBSERVADA .................. 1 1 7

1 0.1.2 O DETERMINISMO DOS ADMINISTRADORES ....................... 118

1 0.1.3 OS PARADOXOS DA ORGANIZAÇÃO .................................... 1 19

1 0.1 .4A CULTURA DO CURTO PRAZO ....................... ................ .. 1 19

1 0.1.5 SOBRE A QUESTÃO DOS CUSTOS .............................. ........ 1 20

1 0.2 ALTERNATIVAS PARA O IPPMG AUMENTAR SEUS NíVEIS DE QUALIDADE E PRO DUTIVIDADE .................... ...... ..... 1 20

1 0.3 RECO MENDAÇÕES PARA PESQUISAS FUTURAS . . ..... ... .... ...... 1 22

ANEXO 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123

BIBLIOGRAFIA . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . 128

FIGURA 1 .................................................................. ............. 46

QUADRO 1 .................................................................... ......... 81

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2

1. INTRODUÇÃO

1 .1 O PROBLEMA

Segundo Wright MíIIs (1983), um cientista social não deve separar seu tra­

balho de sua vida, pois ambos devem ser encarados com demasiada seriedade

para permitir tal dissociação. Seguindo esta linha de pensamento, este trabalho

trata, fundamentalmente, do processo que envolve mudança organizacional, por ser

este um assunto que faz parte do universo cognitivo do autor, fruto de sua vivência

profissional anterior.

Dentro do tema maior, minha proposta é analisar a mudança organizacional

sob a ótica da implantação de novas técnicas que visam, basicamente, melhorar a

qualidade e elevar a produtividade das organizações. Muitas dessas técnicas foram

praticadas originalmente em empresas japonesas, sendo hoje difundidas por todo o

mundo, fazendo parte de um modelo chamado "Qualidade Tota/"; modelo este

adotado pelo governo brasileiro como paradigma de modernização.

São analisados criticamente os pressupostos teóricos em que se fundamenta

o modelo em termos da viabilidade de sua aplicação às organizações brasileiras,

mais especificamente uma organização pública de saúde. Procurei, assim, através

de um estudo de caso, mapear dificuldades e possibilidades de sua implantação no

Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG).

1 .2 ABORDAGEM DO TEMA E SUA RELEVÂNCIA

Enfoco não somente o aspecto técnico, mas fundamentalmente os aspectos

humanos envolvidos no gerenciamento da qualidade (na verdade, penso existir uma

relação dialética entre os dois). Dessa forma, é indispensável abordar questões

como motivação, poder e cultura, entre outras. Elas surgem naturalmente como

componentes indissociáveis do cenário de mudança.

Ressalto a relevância do tema para as organizações do Brasil, no momento

em que o governo brasileiro implementa um programa de redução de alíquotas de

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3

importação, visando elevar a concorrência, aumentando assim a competitividade da

economia.

Outro fato importante que afeta as organizações em geral é a formação de

blocos econômicos. A partir de 1 992, toda organização que quiser exportar para a

Europa tem que se adequar aos requisitos técnicos constantes nas normas IS01.

série 9000. Outros blocos econômicos semelhantes ao bloco europeu foram

formados. Os Estados Unidos, Canadá e o México formam o bloco da América do

Norte, os tigres asiáticos junto com o Japão formarão outro bloco enquanto os paí­

ses do sul da América do Sul (inclusive o Brasil) formam o Mercosul.

Paradoxalmente, a união econômica parece estar sendo dificultada pelas

diferenças culturais dos diversos países. Ao mesmo tempo em que os dirigentes das

nações tentam viabilizar a formação desses blocos econômicos, as populações

desses países dão sinais de indecisão. Pode até ser possível formar grandes blocos

econômicos, padronizando requisitos de segurança e algumas especificações

técnicas de produtos e serviços, mas será muito difícil homogeneizar os gostos e

anseios de consumidores bastante diferentes em suas especificidades. Esse será

um grande desafio das organizações: pensar e planejar globalmente sem perder de

vista as peculiaridades de cada povo.

Dentro deste contexto de mudanças, até algumas instituições públicas, tidas

como intocáveis até bem pouco tempo atrás, parecem ter que se adaptar às novas

realidades. Quebra do monopólio do petróleo e das telecomunicações, privatização

da previdência social são alguns pontos debatidos na sociedade civil. Para que

tenham defesa perante a sociedade, estas e outras organizações terão que mostrar

eficiência na produção e na prestação de seus serviços.

O governo brasileiro, pelo menos em tese, parece estar atento para a

importância de se aumentar a competitividade das organizações brasileiras. Em

junho de 1 990, o governo editou o Programa Brasileiro da Qualidade e Produtivi­

dade (PBQP), que incorpora essa filosofia:

"Qualidade e produtividade são hoje conceitos amplos. Representam uma filosofia de gestão empresarial que pretende conduzir todos os segmentos da empresa a uma postura pró qualidade e produtividade, através de um compromisso total de dirigentes e empregados, em todas as fases do processo produtivo. Tal postura assegura produtos e serviços com

I As normas ISO 9000 foram traduzidas e se transformaram nas normas NB-9000, NB-9001. NB-9002, NB-9003 e NB-9004, emitidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, jun. de 1990.

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desempenho conforme as especificações e totalmente orientados para as aspirações do mercado.2"

4

Segundo o PBQP, todas as instituições públicas, autarquias e estatais estão

obrigadas a desenvolver programas de qualidade total.

Embora reconheça, nesse documento, que qualidade e produtividade são

conceitos amplos, o texto trata do assunto de forma reducionista pois as torna

meros instrumentos para atendimento do mercado. Áreas onde o mercado não atua,

ou não deveria atuar, parecem não fazer parte das prioridades do governo no to­

cante à qualidade.

Outro reducionismo cometido por essa definição é dar a nítida impressão ao

leitor de que a obtenção de qualidade e produtividade por determinada organização

só depende da ação de dirigentes e empregados e não de uma ação integrada

entre empresas, governo e sociedade civil.

A aprovação do Código de Defesa do Consumidor é outro fator de

preocupação para as organizações. À medida que o consumidor brasileiro conhecer

o poder que este código lhe confere, as organizações terão que melhorar a

qualidade de seus produtos e serviços, sob pena de se envolverem em diversos

processos judiciais. O Código de Defesa do Consumidor reforça a idéia de que

qualidade é resultado de esforços em todos os setores da sociedade, dentro e fora

das organizações.

Todos estes fatores pressionam as organizações brasileiras a aumentar a

produtividade e melhorar a qualidade de seus produtos e serviços simultaneamente.

A dicotomia qualidade e produtividade é antiga, porém um novo entendimento se

faz necessário para que percebamos o quanto é falsa. Nessa nova forma de pensar,

não é mais necessário escolher entre as duas; não precisamos mais percebê-Ias

como uma contradição. A partir desse novo olhar, verificamos que qualidade e pro­

dutividade relacionam-se dialeticamente. A opção por uma não significa,

necessariamente, abdicação da outra.

Embora não tenha resolvido todos os problemas das organizações

modernas, o fenômeno da "Qualidade Tota"3, originado no Japão, tem o mérito de

2 Brasil. Decreto-Lei no 1 71 de 26 de junho de 1990. Estabelece o Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, pág. 12455, 28 de junho de 1990. Seção 1. 3 A expressão "Qualidade Total" se refere a um conjunto de medidas administrativas que visem a melhoria da qualidade com consequente aumento de produtividades. Existem diversas siglas ou expressões que podem

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5

forçar as pessoas a repensarem o que há muito era tido como certo. No bojo das

novas técnicas (muitas delas nem tão novas assim), estão inseridos conceitos

interessantes, tais como repensar o processo produtivo e estimular a criatividade

das pessoas para a descoberta de novas soluções para antigos problemas. Longe

de serem conceitos novos ou complicados, são simples e, por isso, altamente efi­

cientes em muitos aspectos.

Pelo acima exposto, acredito que esse é um tema importante no momento em

que vivemos, face às mudanças no contexto político-econômico, tanto no Brasil

quanto no mundo.

1 .3 OS OBJETIVOS DA TESE

o presente estudo visa analisar os conceitos do modelo "Qualidade Total",

mapeando as principais dificuldades encontradas quando da sua implantação. Seu

principal objetivo é enfatizar as inúmeras variáveis com que um administrador terá

de se relacionar quando da implantação de sistemas da qualidade.

Vejo implantação de sistemas da qualidade como um processo contínuo,

onde são importantes não só as novas técnicas gerenciais apresentadas mas,

principalmente, as reações, interpretações, expectativas e incertezas das pessoas

envolvidas neste processo.

É minha intenção, também, tentar entender onde estão possíveis focos de

resistência que levam as organizações a experimentarem insucessos quando se

tenta melhorar qualidade no processo produtivo da organização.

Como questão específica, enfoco, através de um estudo de caso, as

dificuldades de se melhorar a qualidade nos serviços de uma instituição pública de

saúde, notadamente de um Hospital Universitário, o Instituto de Puericultura e

Pediatria Martagão Gesteira - IPPMG da Universidade Federal do Rio de Janeiro -

UFRJ.

Por último, pretendo apreciar criticamente o mito da eficiência que nos induz

a pensar ser inexorável para a organização a implantação do modelo "Qualidade

substituir es/a expressão e que correspondem a esta mesma expressão: "Total Quality ContraI" (l'QC), Cantrole da Qualidade To/ai (CQ1), Controle da Qualidade To/aI por Toda Empresa (CQTE) são alguns exemplos.

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Total". Dentro deste contexto, espero mostrar que qualidade e produtividade é um

assunto que deve ser discutido com múltiplos enfoques.

1 .4 ESTRUTURA DA TESE

Este trabalho é composto de dez capítulos, tendo como primeiro, a in­

trodução. O segundo, uma discussão sobre o momento de mudança de paradigma

pela qual a sociedade ocidental capitalista está passando. São mostrados os

conceitos subjacentes ao paradigma vigente e ao emergente. O terceiro apresenta

tentativamente uma conceituação de qualidade.

O quarto capítulo apresenta os sistemas da qualidade baseados no TQC e

os princípios básicos das técnicas de gerenciamento da qualidade. Sem

preocupação em ser exaustivo, é apresentada uma visão geral de diversos campos

tecnológicos pertinentes ao modelo denominado "Qualidade Total", como

estatística, confiabilidade, técnicas de produção, entre outros. Ainda nesse quarto

capítulo, apresento alguns aspectos referentes à qualidade em serviços, área que

se diferencia da indústria em alguns aspectos críticos.

Os capítulos quinto, sexto e sétimo enfocam as questões humanas e

organizacionais envolvidas no processo de mudança organizacional. Em vez de

procurar estabelecer relações de causa e efeito, enfoco aspectos como motivação,

cultura e poder por considerá-los fundamentais à abordagem interpretativa, mais

apropriada para a análise destas questões.

No oitavo capítulo, apresento a metodologia de pesquisa utilizada, bem como

breve descrição da organização pesquisada.

No intuito de associar a teoria à prática, o nono capítulo apresenta os

resultados de pesquisa realizada no Hospital de Pediatria da Universidade Federal

do Rio de Janeiro. Cabem algumas ressalvas a fim de não criar falsas expectativas.

Na pesquisa realizada, de caráter qualitativo, não houve a pretensão de quaisquer

generalizações dos resultados para outras organizações. Considero o processo de

mudança organizacional, visando a melhoria da qualidade e produtividade, par­

ticular para cada organização. É ingênuo, ou até mesmo leviano, fazer quaisquer

generalizações.

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Esse hospital vivenciava uma experiência de tentativa de implantação de

técnicas gerenciais que possibilitassem à organização ganhos de produtividade e

aumento da qualidade do serviço prestado. É importante verificar o quanto é

diferente a realidade das organizações públicas brasileiras daquela descrita em

livros. Será, portanto, apresentado um estudo de caso, onde são descritas

experiências vividas por mim dentro da organização e feita uma análise dessas

experiências à luz do referencial teórico descrito nos capítulos quatro a sete.

No último capítulo, são apresentadas as conclusões finais da pesquisa.

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2. A MUDANÇA DE PARADIGMA

Toda sociedade se apóia em um conjunto de idéias e de valores sobre os

quais as pessoas agem, pensam e produzem conhecimentos. Este conjunto pode

ser chamado de paradigma da sociedade, e é válido até que as pessoas percebam

fraquezas na sua capacidade de explicação da realidade. Não há um tempo pré­

determinado para que isto aconteça. Um paradigma pode durar séculos para que

comece a ser questionado. Este questionamento é um processo social e coletivo, e

inicia-se quando ocorrem dissonâncias cognitivas entre membros da sociedade e a

realidade vivida por eles.

Normalmente, este processo de questionamento é lento (pode durar anos),

pois o conjunto de idéias e valores que formam o modelo conceptual de uma deter­

minada sociedade fica reificado em seus membros. Questioná-lo, é muitas vezes,

desconfortante e geralmente modifica as relações de poder existentes. Em toda

revisão paradigmática temos que considerar estas estruturas de poder e os seus

interesses investidos que possam vir a ser contrariados, pois neles reside o maior

foco de resistência à mudança.

2.1 O PARADIGMA VIGENTE

A partir do século XV, uma nova forma de pensar emergiu nas sociedades

ocidentais. Este conjunto de idéias e de valores, que esteve associado às várias

correntes da cultura ocidental, entre elas o iluminismo, o renascimento, a reforma

da Igreja e as revoluções científica e industrial, compreende o paradigma atual de

nossa sociedade (CAPRA, 1982).

Inúmeras crenças, que ainda hoje permeiam o seio de nossa sociedade,

fazem parte deste paradigma: a concepção mecanicista do universo; a idéia de que

se conhecendo as partes conhece-se o todo; o progresso material il imitado a ser al­

cançado através do crescimento econômico e tecnológico; e o conhecimento cientí­

fico como a única forma válida do saber. Este paradigma, chamado de positivista­

lógico, fez da sociedade ocidental uma sociedade extremamente dinâmica e prag­

mática, com grandes conquistas tecnológicas devido ao avanço da física, medicina,

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biologia e outras ciências; avanço este que muito contribuiu para difundir a idéia de

que seria possível dominar e controlar a natureza.

o modelo de natureza concebido por Newton e a forma de pensar de

Descartes são as bases para o pensamento em qualquer ramo da ciência hoje em

dia. A ciência, de contemplativa na Idade Média, passa a ser pragmática,

reducionista e utilitária. Difundiu-se a idéia de que existe sempre uma melhor

maneira de se fazer as coisas, levando a que a racionalidade instrumental assu­

misse um papel preponderante em nossa sociedade. Saberes como religião e artes,

que se apóiam na racionalidade substantiva, passaram a ocupar lugares secundári­

os. Como forma de se legitimar, a ciência se pretendeu um conhecimento neutro,

desprovido de quaisquer interesses.

Se a concepção orgânica do universo dos cientistas medievais tivesse

triunfado, é muito provável que muitos dos avanços tecnológicos hoje existentes

não fossem possíveis. Porém a supervalorização, em nossa sociedade, dos valores

YANG (racional, analítico, competitivo e agressivo) em detrimento dos valores YIN4

(receptivo, cooperativo, intuitivo e sintético) está gerando um desequilíbrio que se

faz sentir na diminuição da qualidade de vida, representada pelo aumento da vio­

lência, pela poluição que coloca em risco a vida no planeta, pelo crescente desem­

prego, aumento do número de suicídios etc. Construiu-se uma sociedade onde o

mercado é a categoria fundamental para a comparação, a avaliação e o desenho de

sistemas sociais. A sociedade tornou-se o próprio mercado amplificado. Os valores

humanos tornaram-se valores econômicos, no sentido moderno, e todos os fins têm

a mesma categoria.

Alguns valores, tais como o consumismo, a central ização e a massificação,

foram favorecidos pelo modelo atual de sociedade. Estes mesmos valores são hoje

acusados de favorecerem a degradação das condições de vida no planeta e da ex­

clusão da maioria da população dos resultados do progresso científico e tec­

nológico. Exatamente por não poder dar soluções a todos os problemas que afl igem

nossa sociedade é que o paradigma vigente está em crise. A partir da segunda

metade do século XX, ganhou força a revisão paradigmática ora em curso.

4 Na concepção chinesa. todas as manifestações da realidade (cuja essência chamaram de TAO) são geradas pela interação dinâmica desses dois palas arquetipicos. os quais estão associados a numerosas imagens de opostos colhidas na natureza e na vida social. Existe uma relação dialética entre o YANG e o YIN. É muito diflcil para nós, ocidentais. entender que esses opostos não pertencem a diferentes realidades. mas são palas extremos de um único todo. A natureza está em constante mutação. e em constante busca do equilíbrio; equilíbrio este dindmico.

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2.2 O PARADIGMA EMERGENTE

Na Idade Média, quando Copémico formulou a hipótese de o universo ser

heliocêntrico (e não geocêntrico, como se acreditava na época), provavelmente não

imaginava que estava iniciando um conjunto de transformações tão intensas que

nos levaria ao modelo de sociedade atual. O modelo do universo heliocêntrico, a

"descoberta" das Américas e o universo mecânico concebido por Newton provavel­

mente tiveram um impacto maior sobre a sociedade medieval do que a ida do

homem à Lua teve sobre a nossa (PIRSIG, 1988). A concepção da época de que a

terra era chata e que o homem era o centro do universo jamais previra coisas como

aquelas. O único jeito de se lidar com a nova realidade foi abandonar a perspectiva

medieval e começar uma nova expansão do raciocínio, que culminou com o para­

digma vigente.

Desta forma, podemos inferir que a viagem à Lua foi apenas uma extensão

da viagem de Colombo, visto que não foi preciso nenhum alargamento das raízes

do pensamento para entendê-Ia. A viagem ao espaço, o advento de máquinas como

computadores, automóveis e aviões encaixam-se perfeitamente no paradigma atual.

Não há razões para duvidar de que as formas existentes de pensamento são ade­

quadas para lidar com esses avanços. Uma exploração completamente nova, que

está para nós como Colombo esteve para seu tempo, deveria questionar os pilares

deste paradigma e mexer com suas crenças arraigadas de modo a fazer com que

comece uma nova expansão do pensamento. Acredito que esta exploração já come­

çou, iniciada com o questionamento da razão instrumental como forma única de

saber válida, e culminará com uma nova forma de pensar, representada pelo

paradigma ora emergente chamado de hermenêutico-dialético (CAMPOS, 1990).

Da mesma forma que a ascensão do paradigma vigente foi ajudada pela

ciência com o modelo mecanicista newtoniano, pelo método de raciocínio analítico

de Descartes e pela crença de que é possível dominar e controlar a natureza, o

paradigma emergente está sendo impulsionado pelas revolucionárias descobertas

na física atômica, pelo esgotamento do modelo de crescimento auto-sustentado da

economia e pela fantástica evolução tecnológica (que ao mesmo tempo produz

maravilhas que nos seduzem e monstruosidades que nos assustam).

Os problemas criados e não solucionados pela sociedade industrial

começam a abrir espaços para o surgimento de uma nova sociedade. Conforme já

mencionado neste trabalho, esta transição de paradigmas poderá ser muito lenta,

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na medida em que, como em qualquer mudança, forças contrárias defenderão seus

próprios interesses, ou seja, a manutenção do status quo. A resultante destas forças

determinará o ritmo desta mudança.

Os conceitos subjacentes ao paradigma emergente já se fazem notar em

nossa sociedade. A preocupação com a ecologia (GUATARI, 1989)5, o questiona­

mento pelo qual passa a ciência no que diz respeito a sua neutralidade e sua

arrogância cognitiva (CAMPOS, op. cit., p. 7), o questionamento do modelo centro­

periferia e a revisão das diversas teorias, que têm a pretensão de explicar tudo, são

indícios de que a nossa sociedade passa por um momento de transição. É extrema­

mente importante ressaltar que o paradigma emergente não pressupõe o descarte

do conhecimento adquirido por nossa sociedade durante os últimos quatro séculos.

Ele não preconiza que a racionalidade substantiva deva substituir a racionalidade

instrumental. Na verdade, ao resgatar os valores l igados à primeira (intuição,

cooperação, sensibilidade e flexibilidade entre outros), ele mostra que, longe de ser

uma antítese do paradigma vigente, ele opta pela síntese do estoque social de

conhecimentos.

2.2.10 PARADIGMA EMERGENTE E AS CiêNCIAS NATURAIS

Os físicos já não mais separam os conceitos de matéria-energia e onda­

partícula, não separam o observador do experimento, não buscam mais uma teoria

que explique todo o funcionamento do universo. Na explicação mais moderna este

universo está sempre em expansão e não possui um centro. Imagina-se que o

universo se encontra em expansão a partir de qualquer ponto que se imagine como

um referencial para as medições. O texto de Stephen Hawking (1989, p. 69-71),

reproduzido a seguir, nos revela uma face até então desconhecida da nossa ciên­

cia, a modéstia cognitiva:

"(. . .) A primeira vista, entretanto, toda esta evidência de que o universo se mostra o mesmo, não importa de que direção seja observado, pode sugerir que exista alguma coisa especial a respeito do lugar que ocupamos nele. Particularmente, pode parecer que estamos no seu centro, uma vez que ob­servamos todas as outras galáxias se movendo para longe de nós. Existe, entretanto, uma outra explicação alternativa: o universo pode se mostrar o mesmo em todas as direções, também quando visto de uma outra galáxia. Esta, como sabemos, foi a opção de Friedmann. Não temos qualquer evi­dência científica a favor ou contra ela. Acreditamos nela apenas por uma

5 o termo ecológico neste trabalho deve ser entendido de maneira ampla, ou seja, além da ecologia ambiental, a sociedade industrial afetou profundamente a ecologia social e mental.

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questão de modéstia: seria mais surpreendente se o universo parecesse o mesmo em todas as direções à nossa volta mas não em tomo de outros pontos no universo ...

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Isto nos leva a crer que tanto o modelo geocêntrico da Idade Média como o

heliocêntrico de Copémico eram parcialmente corretos.

Assim como na física, em todas áreas das ciências naturais surgem con­

ceitos, teorias e modelos influenciados pelo paradigma emergente. Na medicina,

biologia, psicologia e química surgem modelos que incorporam valores deste para­

digma, tais como flexibilidade, holismo, multidisciplinaridade do conhecimento e

equilíbrio dinâmico como forma natural das coisas existirem. Cada vez com mais

intensidade, percebemos o resgate da lógica dialética e da racionalidade

substantiva como forma de compreender nossa realidade. Essas dimensões da

realidade se tomam mais relevantes quando se fala em ciência social, parti­

cularmente ciência administrativa (objeto de estudo deste trabalho), pois durante

muito tempo procurou-se eliminar a subjetividade numa área onde mais do que

nunca ela é fundamental.

2.2.2 O PARADIGMA EMERGENTE E AS CIÊNCIAS SOCIAIS

No começo do ,século XX, um novo tipo de conhecimento começou a ganhar

status de ciência: as ciências sociais. Antropologia, sociologia, economia e

administração começaram a ocupar espaços significativos e tinham como base de

pensamento o paradigma mecanicista e o reducionismo.

Da mesma forma que este modelo se mostrou ineficaz para as ciências

naturais, também nâo conseguiu explicar satisfatoriamente a complexa realidade do

objeto de estudo das ciências sociais: o mundo social. Neste mundo, mais do que

em qualquer outro, a subjetividade, a intuição e os sentimentos são fatores que de­

vem ser levados em conta. A tentativa de adaptar uma realidade inerentemente

subjetiva ao modelo mecanicista, reducionista e determinista do paradigma vigente,

levou as ciências sociais a desconsiderarem a racionalidade substantiva nos seus

modelos.

o ato de teorizar (formular modelos expl icativos da realidade) nas ciências

sociais não se pode prender nem ao objeto, dado o fenômeno, como nas ciências

naturais, nem à abstração formal e simbólica das conjecturas ou postulados, como

na matemática. O objeto de estudo das ciências sociais não apenas se comporta,

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ele age e interage com o pesquisador, proporcionando uma relação dialética entre

pesquisador e pesquisado. Segundo Otaviano Pereira (1988, p. 58):

"A formulação da teoria nas ciências humanas tem de ser mais aberta, visto que o seu objeto de investigação não é o mero dado bruto da natu�za ou do raciocínio e tampouco passivel de certa "manipulação". Seu objeto de investigação ao mesmo tempo sujeito. Não deixa de ser a natureza. Mas não mais apenas a natureza natural. É a natureza humana e social. Este é o nó da questão. Dessa forma, a relação sujeito-objeto das ciências empírico-formais torna-se relação sujeito-sujeito nas ciências humanas. "

Dentro da abordagem mecanicista, os cientistas sociais utilizaram a ciência,

que apregoa a neutralidade de valores, e engajaram-se em um projeto ideológico,

dando às estruturas de poder formas para controlar, manipular e promover o desen­

tendimento entre os seres humanos. Como maiores exemplos deste fato podemos

citar: (i) a economia, que, ao longo deste século, criou modelos extremamente

matematizados e eficientes na explicação dos fatos, mas se mostraram ineficazes

quando confrontados com a realidade; e (i i) a administração de empresas que ao

longo dos anos, formulou modelos que justificam e legitimam as estruturas de poder

vigentes nas organizações. Sobre este aspecto, Guerreiro Ramos (1989, p. 23)

afirma:

"A teoria corrente da organização dá um cunho normativo geral ao desenho implíCito na racionalidade funcional. Admitindo como legitima a ilimitada in­trusão do sistema de mercado na vida humana, a teoria de organização atual é, portanto, teoricamente incapaz de oferecer diretrizes para a criação de espaços sociais em que os indivíduos possam participar de relações in­ter pessoais verdadeiramente autogratificantes. A racionalidade substantiva sustenta que o lugar adequado à razão é a psiquê humana. Nessa con­formidade, a psiquê humana deve ser considerada o ponto de referência para a ordenação da vida social, tanto quanto para a conceituação da ci­ência social em geral, da qual o estudo sistemático da organização constitui domínio particular. ( . . .) A teoria organizacional existente já não pode mais esconder seu paroquialismo e ela é paroquial porque focaliza os temas organizacionais do ponto de vista de critérios inerentes a um tipo de sociedade em que o mercado desempenha o papel de padrão e força abrangentes e integrativos. Torna-se muda, quando desafiada por temas organizacionais comuns a todas as sociedades. Além disso, é paroquial porque alimenta a fantasia da localização simples, isto é, da ignorância da interligação e da interdependência das' coisas, no universo; lida com as coisas como se as mesmas estivessem confinadas em seções mecânicas de espaço e tempo".

Neste mesmo l ivro, Guerreiro Ramos (op. cit., p 140) formula a teoria da deli­

mitação dos sistemas sociais que consiste num modelo multicêntrico onde o

mercado passa a ser apenas uma das dimensões da sociedade (mas não mais a

única nem a mais importante). Este modelo pressupõe uma total reestruturação da

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nossa sociedade e tem como maior mérito incorporar valores subjacentes ao pa­

radigma emergente.

Como já foi mencionado neste trabalho, não considero o fenômeno da

"Qualidade Tota!' uma nova teoria das organizações, mas sim um conjunto de técni­

cas gerenciais que auxiliam os gerentes na obtenção da qualidade e produtividade

num sistema produtivo. Porém, pode-se identificar algumas peculiaridades neste

modelo que estão em consonância com o paradigma emergente. Conceitos como

flexibilidade, multidisciplinaridade, multifuncionalidade do empregado e cooperação

são levados em conta quando da implementação destas técnicas gerenciais, em­

bora muitas vezes estes conceitos sejam manipulados visando apenas um aumento

da produtividade.

Um dos fundamentos da filosofia do TQC é o estabelecimento de uma

cultura de mudança (PINHO TAVARES, 1991) na organização, ao invés da

mudança na cultura. Embora seja relativamente fácil entender o modelo, sua

aplicação é muito complexa pois toda mudança mexe com a estrutura de poder

vigente, com a cultura organizacional e esbarra no conservadorismo natural das

pessoas que compõem a organização. Devemos encarar a busca pela qualidade

como um ato político que depende das pessoas e não a simples aplicação de

técnicas que "têm" que dar certo por que já foram exaustivamente testadas em

outras organizações.

2.2.3 A QUESTÃO DOS PARADIGMAS E A ÁREA DA SAÚDE

No Brasil, a saúde não parece ser encarada como item fundamental à

qualidade de vida da população. A desigualdade no acesso aos serviços de saúde

mostra que existem muitos interesses ocultos.

A falta de uma política adequada de saúde resultou em saldo dramático. Os

números de morte de crianças, e mesmo de adultos, por doenças que poderiam

estar erradicadas, são assustadores.

Como principais problemas destaco a falta de uma visão preventiva de saúde

(saneamento básico e ação intensiva dos agentes de saúde), a centralização do

atendimento em grandes hospitais e o uso de critérios econômicos para a decisão

de investimentos. Buarque (1991, p. 71) afirma que "a saúde vem sendo vista como

um insumo do processo econômico, e não como uma necessidade infrfnseca do

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processo sociar, enquanto Vilaça (1986) diz que " ... saúde será a resultante da ação

articulada de diferentes setores e o eixo integrador dos setores sociais com as

políticas econômicas".

Visto desta forma, percebemos que o sistema de saúde encontra-se, ainda,

inadequado para satisfazer as necessidades da população. A qualidade dos seus

serviços é insatisfatória, pois há uma multiplicidade de instituições que atuam no

setor e uma total descoordenação entre elas. A ausência de integração das ações

de saúde e a excessiva centralização do processo decisório ajudam a aumentar a

ineficácia social do sistema. Como agravante verificamos que a grande parte dos

funcionários do setor não apresenta um compromisso maior com o seu trabalho.

Para mão-de-obra menos qualificada, a rigor, o setor de saúde é apenas uma

grande fonte de empregos.

Essa área parece não ter escapado da invasão do mercado. Na maioria das

vezes, as decisões a ela são tomadas levando-se em consideração critérios que

nada têm a ver com os anseios da população. Freqüentemente o governo reduz

investimentos alegando não ter dinheiro, muda currículos escolares por esses não

atenderem o mercado de trabalho ou fecha hospitais a fim de economizar recursos,

atitudes típicas de executivos que atuam no mercado.

Critérios como lucro e retorno sobre investimentos não podem constituir boas

orientações para tomada de decisões em saúde, educação ou cultura, áreas onde a

racionalidade substantiva deve se sobrepor à racionalidade instrumental. Não há

como quantificar ou precificar vidas humanas, patrimônios históricos ou o bem-estar

de toda uma população. Outro sintoma da invasão do mercado no setor de saúde é

a priorização da "saúde curativa", por ser muito mais lucrativa, em detrimento da

"saúde preventiva", função que deveria pertencer basicamente ao Estado.

Segundo Loureiro Pinto e Garcia Donini (1991), o enfoque das deficiências

do setor nos conduz a Quatro conclusões:

"a) a política social brasileira tem sido, historicamente, marcada pela compartimentalização intra e interinstitucional;

b) há uma estreita correlação entre baixos dispêndios e indicadores sanitários alarmantes;

c) o Poder Público tem sido secularmente indiferente aos problemas sanitários da população precisamente porque a massa de recursos disponiveis para cumprir suas múltiplas funções é insuficiente para realizar

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ações acima do metabolismo basal para operar uma singela burocracia responsável pelos serviços de saúde; e

d) o desempenho gerencial do setor não tem sido exemplar no gasto tempestivo dos recursos que lhe são alocados, faltando-lhe, portanto, historicamente, competência técnico-administrativa e gerencial ...

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A sinergia de todo esse processo resulta num estado de acelerada entropia

do Sistema Nacional de Saúde, que se expressa no desperdício de recursos e

energias; na precária eficácia social dos programas e projetos e na baixa

capacidade resolutiva dos serviços de saúde.

Para que a saúde seja encarada de forma correta, isto é, um problema

público, é preciso mudanças urgentes na política do setor. Nos anos 80 já se pode

notar, embora muito incipiente, o início de transformações nos contextos sócio­

econômico e político que poderão levar a avanços significativos.

Na educação dos futuros profissionais, já podemos notar uma tentativa de

mudança do modelo vigente. O modelo tipicamente biocêntrico Flexneriano,

tecnocêntrico, já passa a ser visto como ultrapassado ou, pelo menos, como um

modelo que já não atende as necessidades da sociedade. Nele, o homem é visto

isoladamente do seu contexto social - paradigma mecanicista. O modelo a ser per­

seguido é o que tenta integrar o homem com a natureza, o que já pode ser

observado no modelo sociocêntrico centrado em problemas.

Outro ponto favorável à mudança no setor é a proposta do Sistema Único de

Saúde (SUS), contemplado na Constituição Federal. Em sua filosofia básica, afirma

que a expansão do setor de saúde deverá ser descentralizada, favorecendo as

estruturas estaduais, municipais e comunitárias na oferta de serviços de natureza

local ou regional. É importante notar que estão presentes no SUS os mesmos

pressupostos contemplados no Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde -

SUDS: universalização, integralidade, resolutividade, hierarquização,

regionalização, descentralização e participaçã06.

Enfim, existe uma conscientização crescente para o problema existente no

setor da saúde. A própria crise que vivemos está sendo oportuna para pensarmos e

6 Universalizaçlio: nlio-distinçlio da clientela entre previdenciários e nlio-previdenciários; integralidade: atendimento integral à saúde, superando a dicotomia entre ações preventivas e ações curativas; hierarquização: modulação da rede de prestaçlio de serviços em nlveis de complexidade; resolutividade: garantia de acesso do usuário a todos os nlveis de complexidade; regionalização, descentralização e participação: novo modelo de gestlio do sistema, horizontalizado e parlicipalivo (JUNQUElRA E INOJOSA, 1990).

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repensarmos sua estrutura. Embora tenhamos muito que caminhar, é possível

antever dias melhores para o setor. A melhora da saúde no Brasil depende de

decisões políticas por parte do Governo e o empenho de toda a sociedade.

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3. O QUE É QUALIDADE ?

Num ambiente de crescente competitividade como é o atual, qualidade do

produto e/ou serviço passou a ser um atributo fundamental para a organização

produtiva. Embora a introdução dos sistemas da qualidade no processo produtivo

tenha alcançado pleno êxito sob o ponto de vista privado, há sérios indícios de que

não logrou o mesmo êxito se visto sob o prisma social. Ao mesmo tempo que o

modelo da "Qualidade Total' reduziu custos de produção, melhorou a qualidade do

que é produzido e aumentou a produtividade do sistema, ele impôs à sociedade o

ônus do desemprego estrutural7. Enquanto o modelo permite a conquista de novos

mercados, ele retira de milhares de cidadãos um dos pi lares básicos da cidadania,

o emprego. A qualidade exaltada por aqueles que defendem cegamente a

implementação do TQC a qualquer preço não incorpora, de forma alguma, uma

visão social mais ampla.

Embora a melhoria da qualidade de vida seja o objetivo declarado, o que se

tem visto, no Brasil, é a preocupação única com o aumento da fatia de mercado e

dos lucros. Cada agente econômico utiliza-se da definição de qualidade que melhor

lhe convém para legitimar suas ações.

3.1 BUSCANDO UMA DEFINiÇÃO

De uma forma geral, podemos identificar cinco enfoques diferentes para a

definição de qual idade (INSTITUTO DE ESTUDIOS SUPERIORES DE LA

EMPRESA, 1984), nos quais podemos inserir quase todas as definições existentes

na literatura.

7Somente em duas sociedades o desemprego não se verificou, Japão e Itália. A explicação disto foi por que a implantação do modelo visando o aumento de produtividade se foz acoplado a uma polltica macroeconômica de crescimento. Entretanto, a partir de 1990, quando não foi possivel manter tal política, também essas duas sociedades começaram a ter problemas na área do desemprego (AMADEO; VILLELA, 1994)

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3.1.1 ENFOQUE INTUITIVO, FILOSÓFICO OU TRANSCENDENTAL

Este conceito intuitivo está associado à excelência de um bem (produto ou

serviço), expressa através de características excepcionais. Um exemplo de uma

definição dentro deste enfoque é dada por Robert M. Pirsig (op. cito p. 197):

"Qualidade é uma característica do pensamento e da expressão, reconhecida por um processo não intelectual. Por serem as definições um produto do pensamento rígido e formal não se pode definir Qualidade. (. . .) Porém, mesmo que a Qualidade seja indefinível, sabemos o que ela é. "

Este conceito, altamente subjetivo, implica em sérias dificuldades na prática

organizacional. Estas dificuldades podem ser exemplificadas pelas seguintes

perguntas: "o que é um automóvel de qualidade?", "o que é um serviço de bordo de

qualidade?", ou "o que é um televisor de qualidade?". Na verdade, existe uma infini­

dade de respostas possíveis sem que nenhuma esteja necessariamente incorreta.

3.1.2 ENFOQUE BASEADO NO PRODUTO

Se o enfoque principal for o produto (seja ele um bem físico ou um serviço

prestado) a nova definição enfocará qualidade como uma variável precisa e

mensurável. A percepção de qualidade dar-se-á por diferenças de alguns atributos

(aqueles julgados importantes) do produto considerado. Um exemplo de definição

baseado neste enfoque é dado por Abbott (1955, p. 126-127), "As diferenças de

qualidade derivam das diferenças na quantidade de algum ingrediente ou atributo

desejado".

A partir deste enfoque, pode-se chegar a duas importantes, porém perigosas,

conclusões: a primeira é que um produto com mais qualidade deve ser

necessariamente mais caro; e a segunda é que qualidade pode ser medida

objetivamente.

3.1.3 ENFOQUE BASEADO NO USUÁRIO

Este enfoque leva em consideração o ponto de vista do consumidor de

determinado produto. Bem diferente do enfoque anterior, este conceito parte do

princípio de que a qualidade nasce nos olhos do consumidor, sendo portanto

subjetiva. A definição mais famosa dentro deste enfoque foi dada por Juran (1990,

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22

p. 12), embora ele mesmo advirta para a armadilha das definições curtas,

"Qualidade é a adequação ao uso".

Este enfoque apresenta dois problemas. O primeiro é de ordem prática visto

que é muito difícil agregar preferências individuais muito diferentes de maneira a

formar uma definição que seja representativa do mercado. O segundo problema é

distinguir aqueles atributos que conotam qualidade dos atributos que simplesmente

maximizam a satisfação do consumidor. Embora ambos estejam relacionados, eles

não são a mesma coisa.

3.1.4 ENFOQUE BASEADO NA FABRICAÇÃO

Enquanto a definição anterior leva em consideração as preferências dos

consumidores (enfocando assim o lado da demanda), as definições baseadas na

fabricação têm como ponto central o outro lado da equação, o da oferta. Este con­

ceito baseia-se no processo de fabricação do produto e/ou serviço e no planeja­

mento/engenharia. Uma definição baseada neste conceito é dada por Philip Crosby

(1979, p. 15), "Qualidade significa conformidade com os requisitos".

Segundo esta definição, uma vez estabelecidos os requisitos, será

considerada redução de qualidade qualquer desvio em relação à especificação.

Com este enfoque, é possível melhorar a qualidade de um item aumentando o

controle da produção e/ou obtendo melhoras no projeto. Áreas como confiabilidade

e controle estatístico do processo se desenvolveram graças a este conceito. Tanto

uma técnica como a outra perseguem a redução de custos. Portanto, baseado nesta

definição, um produto e/ou serviço pode ter mais qualidade sem ser

necessariamente mais caro. O perigo desta abordagem é o esquecimento daquele

que, em última análise, avalia a qualidade: o cliente.

3.1.5 ENFOQUE BASEADO NO VALOR

Nesta abordagem, qualidade é definida em termos de custos e preços. Um

exemplo de definição baseada neste enfoque é dada por Feigenbaum (1961, p. 1),

"Qualidade significa o melhor para cerias condições do cliente. Estas condições são:

a) o uso real; e b) o preço de venda deste produto".

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A dificuldade de utilização deste enfoque é que ele relaciona dois conceitos

muito distintos. Qualidade, uma medida de excelência, é comparada a um valor

econômico, que é uma medida de valor absoluto. Portanto, toma-se difícil traduzir

esta definição em termos práticos.

3.1.6 QUALIDADE COMO UM CONCEITO DINÂMICO

Qualquer que seja a definição escolhida, ela apreenderá apenas uma parte

do que é qualidade como um todo. Por isso, devemos ter em mente que a definição

a ser utilizada deverá ser aquela mais adequada ao momento. Entendendo esta

multiplicidade de definições, começaremos a entender os conflitos potenciais tanto

entre as diversas áreas funcionais de uma organização (marketing, engenharia,

produção) como entre os diversos agentes (sindicatos, empresas, Governo). Todos,

freqüentemente, utilizam definições diferentes acerca do mesmo fenômeno:

qualidade.

Desta forma, quando se decide implantar um sistema da qualidade, é

importante que se defina o que é qualidade para seus membros. Quanto maior o

consenso obtido acerca do que é qualidade mais chances de sucesso o sistema a

ser implantado terá. Esta definição, que facilita a comunicação do conceito de quali­

dade por toda a organização, é chamada por Deming (1990, p. 206-207) de

"definição operacional". Segundo ele:

"(. . .) A definição operacional confere significado comunicável a um conceito. Adjetivos como bom, confiável, uniforme, redondo, cansado, seguro, inseguro, desempregado, não têm significado comunicável até que sejam expressos em termos operacionais de amostragem, teste e critério. O conceito atrás de uma definição é inefável: não pode ser comunicado a mais ninguém. Uma definição operacional ajuda a aumentar a concordáncia entre os homens. (. . . ) "

É interessante notar que, embora uma definição operacional seja importante

para que se possa implantar um sistema de gerenciamento da qualidade, ela

também não incorpora em seu conceito todos os enfoques acima descritos. Seu

maior mérito é reduzir o conflito e comunicar um conceito igualmente a todas as

partes envolvidas no processo. Seu maior defeito é restringir qualidade a um

conceito técnico, retirando seu viés político. O conceito operacional, portanto,

permite que se determine em termos operacionais a qualidade de um bem elou

serviço, e que se possa comparar objetivamente a qualidade de bens elou serviços

similares. Percebemos, no entanto, que existe uma dinâmica quanto à definição do

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que seja qualidade, que é expressa pela citação de Shewhart (apud FALCONI,

1989, p. 13):

"A dificuldade em definir qualidade é a de traduzir as necessidades futuras do usuário em características mensuráveis, de forma que o produto possa ser projetado e transformado para oferecer satisfação a um preço que o cliente possa pagar. Isto não é fácil, e assim que se sente razoavelmente bem sucedido nesta tarefa, descobre-se que as necessidades do cliente mudaram, outros concorrentes entraram no mercado, surgiram novos mate­riais, alguns melhores que os antigos outros piores, alguns mais baratos, outros mais apreciados".

Numa visão mais ampla, podemos considerar não somente se o produto elou

serviço atende o cliente mas também o impacto de sua fabricaçãolprestação no

meio ambiente, empregados e comunidade. Nessa abordagem, esse produto elou

serviço só será aceitável em termos de qualidade quando conciliar todos esses as­

pectos. Essa visão incorpora o conceito de cliente ampliado, que será explicado

mais a seguir.

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4. ASPECTOS TÉCNICOS DO GERENCIAMENTO DA QUALIDADE

4.1 DO CONTROLE À GESTÃO - HISTÓRICO

Na época dos artesãos, a qualidade de um produto estava intrinsecamente

ligada a seu produtor. As "espadas de Toledo", os "violinos de Stradivarius" e

outros produtos afamados da antigüidade são até hoje paradigmas de qualidade,

cuja excelência estava diretamente ligada a seus fabricantes, que lhes empres­

tavam seus nomes. Nesta época, não era necessário um controle de qualidade

formal, pois o artesão mantinha contato permanente com o produto, da aquisição da

matéria prima, através da fabricação até o produto final e o contato direto com o

comprador no ato da venda.

o advento da Revolução Industrial veio modificar profundamente as técnicas

e relações de produção. A fragmentação do trabalho através da multipartição da

produção em pequenas tarefas, e a necessidade de intercambialidade das peças

vieram assentar as bases dos processos de produção em massa. O trabalho de

Frederick Winslow Taylor (1990), desdobrando a produção em tarefas mínimas

unitárias e repetitivas, marca o nascimento da chamada administração científica,

possibilitando alcançar níveis de produtividade jamais imaginados até então.

Em contrapartida, o afastamento dos artífices do produto final tornava difícil o

controle da sua qualidade. As razões para isto eram:

a) não havia a motivação do artífice para a apresentação de um produto do

qual, regra geral, não tomava conhecimento quando acabado;

b) a interferência na produção de mais de uma pessoa despersonalizava o

produto, desligando-o, automaticamente, dos artífices que o haviam

produzido;

c) a diferença de acuidade, habilidade e de zelo profissional entre dois ou

mais artífices, que tomavam parte na fabricação do produto, complicava

até mesmo a montagem final, dadas as discrepâncias pessoais nos re­

quisitos assinalados.

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Desta forma, a maneira encontrada para se controlar a qualidade foi

inspecionar os produtos após sua fabricação. Assim, o sistema produtivo foi munido

de uma série de inspetores que ao final dà linha produtiva comparavam o produto

acabado com as especificações de produção. Assim, a responsabilidade pela qua­

lidade final era da equipe de inspetores. Este modelo criou algumas dificuldades, a

saber:

a) a inspeção de 1 00 % dos produtos não garante a detecção de 1 00 % das

falhas;

b) a subordinação dos inspetores da qualidade aos capatazes de produção

criava um conflito de interesses, já que os últimos tinham metas de

produção a cumprir;

c) o aumento do volume de produção tornava proibitivo os custos de

inspeção 1 00 %.

Estas dificuldades foram pouco a pouco sendo amenizadas através da

mudança do modelo organizacional, tornando a função de controlar a qualidade

independente da fabricação, do desenvolvimento de técnicas refinadas de inspeção

e com o surgimento de técnicas estatísticas de amostragem (desenvolvidas por W.

Shewhart da Bell Laboratories).

No entanto, um aspecto essencial permanecia intacto: por ser um enfoque

voltado para o produto, todos os esforços voltados para controlar a qualidade di­

rigiam-se para detecção de defeitos, depois destes terem acontecido. Como vimos

anteriormente, este enfoque nos leva à conclusão de que qualquer acréscimo de

qualidade em um determinado item, necessariamente, levará a um acréscimo em

seu custo. Outro aspecto negativo desta prática é que, quando se detecta a falha,

esta já aconteceu, ou seja, a organização já incorreu nos custos deste erro.

Com o desenvolvimento tecnológico acelerado, os produtos e serviços

tornam-se cada vez mais complexos, os investimentos em pesquisa,

desenvolvimento, fabricação, marketing, comercialização e serviços pós-venda

atingem altos valores, as organizações tornam-se mais complexas e os

consumidores cada vez mais exigentes. É evidente, portanto, que o risco potencial

de uma falha ao final do ciclo de produção ou, ainda pior, de uma falha em serviço,

poderá acarretar conseqüências incalculáveis em termos de custos, segurança e

perda de imagem junto ao mercado.

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Desta forma, a abordagem do problema de controlar a qualidade evoluiu da

detecção para prevenção de falhas. Neste enfoque, a qualidade precisa ser

controlada não mais apenas no produto final, mas em todas as funções do ciclo de

produção que possam afetá-Ia. Isto envolve então esforços para controlar a

qualidade desde a concepção do produto, passando pelas etapas de suprimentos,

fabricação, testes intermediários e finais e atividades pós-vendas, bem como as

atividades administrativas envolvidas. O elemento humano tem papel fundamental,

sendo enfatizados, nesta nova abordagem o treinamento, a conscientização, a

motivação de pessoal para a qualidade, temas abordados com maior profundidade

em itens posteriores deste trabalho.

Segundo este conceito, ao agir sobre todos os elementos que possam influir

na qualidade, passa-se não mais a controlar, mas a garantir a qualidade. Por isso, o

nome que se deu a este movimento, originado nos EUA, foi Garantia da Qua/i­

dade.

Com o passar do tempo, gerenciar a qualidade assumiu uma dimensão de

complexidade comparável à tarefa de administrar a própria organização, e a

abordagem departamental já não é mais suficiente para que se possa efetivamente

assegurar a qualidade de produtos e serviços. Surgiu então o enfoque sistêmico da

qualidade. Sistema da qualidade é uma metáfora vinda da área da biologia, onde o

biólogo alemão Luclwig von Bertalanfy enunciou pela primeira vez o conceito de sis­

tema.

Assim, a malha de atividades necessárias para assegurar a qualidade passa

a ser tratada como um sistema, onde todas as atividades, ou subsistemas, são

interdependentes, com interfaces definidas. Cria-se então o termo sistema da quali­

dade que é definido na norma NB-9004 como "estrutura organizacional, respon­

sabilidades, procedimentos, processos e recursos para a implementação da gestão

da qualidade.S" De Garantia da Qualidade passou-se à Gestão da Qua/idade.

Mais do que nunca gerenciar, a qualidade passa a ser uma atividade formal.

Este formalismo se manifesta através de produção ostensiva de documentos

regulamentando as atividades da organização, muitas vezes requerendo a

aprovação do cliente. Programas da qualidade, manuais de procedimento definindo

atividades administrativas e operacionais, relatório de inspeção e testes e

8 NORMA BRASILEIRA NB-9004. Gestão da Qualidade e Elementos de Sistema da Oualidade - Diretrizes. Associação Brasileira de Normas Técnicas, Junho de 1990, pág. 3.

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certificados da qualidade são exemplos de alguns destes documentos que devem

ser permanentemente atualizados, verificados, controlados e distribuídos.

Já não é mais concebível identificar o gerenciamento da qualidade a um

departamento ou diretoria. Esta atividade transformou-se numa função gerencial de

staff, ou em uma unidade independente nas organizações matriciais. A respon­

sabilidade pela qualidade já não pode ser imputada a uma pessoa ou departa­

mento. Os sistemas da qualidade tornaram-se complexos e já incorporam diversos

outros campos do saber (além da estatística e metrologia) como marketing, ciências

sociais ou psicologia.

A preocupação com a qualidade abrange agora desde o simples atendimento

telefônico do cliente até a pol ítica da organização, ou seja, qualidade passa a ser

uma das políticas da organização. É a chamada "Qualidade Totar, que é conhecida

com vários nomes, tais como "Controle de Qualidade por Toda Empresa" (CQTE),

"Gerenciamento Total da Qualidade", "Gerenciamento da Qualidade Amplo

Empresarial" e, principalmente, o TQC - ''Total Quality Contrai", originado no Japão.

Estes movimentos têm características menos formais, com uma preocupação maior

com o elemento humano, seja no âmbito da própria organização, seja fora dela,

focando os esforços na satisfação do cliente.

4.2 QUALIDADE TOTAL

A implantação de um sistema de gerenciamento da qualidade eficaz depende

de uma série de fatores cujo controle nem sempre está nas mãos daquele que lidera

o processo de mudança. Antes de qualquer ação, o executivo principal da

organização deve estar alerta para o fato de que a implantação de sistemas da

qualidade vai muito além das técnicas gerenciais conhecidas e propaladas como

Just-in-time, Kanban, CCQ entre outras. Essas, nem mesmo são absolutamente

necessárias para se obter qualidade naquilo que se produz (bens ou serviços).

Na verdade, a aplicação destas técnicas exige uma mudança nas atitudes

das pessoas envolvidas no processo, particularmente nas atitudes das pessoas

que, de alguma forma, detêm poder na organização. A tentativa de introduzir as

técnicas sem essa mudança de atitudes pode levar a organização a frustrações e

problemas, pois além de não conseguir melhorar a qualidade e produtividade,

poderá gerar resistências para futuras mudanças.

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Quando se fala em "Qualidade Total", está se falando muito mais do que

simples qualidade do produto elou serviço produzido pela organização. Na sua

filosofia básica, qualidade é um aspecto global. Aliada à qualidade do produto elou

serviço, a organização deve se preocupar com o ambiente de trabalho, o relacio­

namento com os fornecedores e com a comunidade que a abriga. Em outras pa­

lavras, é uma preocupação com a melhoria da qualidade de vida.

Este modelo despertou a atenção do ocidente por causa do assombroso

sucesso comercial do Japão a partir da década de 60. Muitos fatores contribuíram

para que fosse sucesso no Japão. Certamente alguns fatores não se reproduzirão

em outros países, nem mesmo novamente no Japão. Porém, muitas práticas japo­

nesas têm sucesso simplesmente porque são boas práticas de administração. Este

sucesso tem pouco a ver com fatores culturais (embora estes sempre devam ser

levados em conta durante o processo de mudança). Muitas destas práticas podem

ser - e são - empregadas com o mesmo sucesso em qualquer lugar. Assim como o

Japão possui organizações fracas os Estados Unidos ou o Brasil possuem excelen­

tes organizações, que fixam novos padrões de qualidade de produtos e serviços. A

distinção não está na nacionalidade mas sim na mentalidade.

Esta mentalidade pode ser resumida numa palavra japonesa que resume sua

estratégia de ação: Kaizen, que significa contínuo aperfeiçoamento. Talvez a maior

lição que o fenômeno japonês tenha dado às sociedades ocidentais seja esta incrí­

vel tenacidade em buscar sempre o aprimoramento.

Assim, entende-se por falta de qualidade qualquer fato ocorrido que possa

ser melhorado, seja este fato importante ou não para a organização em termos de

custo. Dentro desta estratégia, é importante que todos na organização tenham

reificado a busca da qualidade através do contínuo aperfeiçoamento.

o recado da estratégia do Kaizen é que nenhum dia deve passar sem que

algum melhoramento tenha sido feito em algum lugar da organização. Esta melhoria

pode tanto atingir a organização como seu ambiente externo. O que importa é a

ação empreendida voltada para o aperfeiçoamento, é a mentalidade da busca pela

qualidade a todo o momento, qualidade esta que, em algum momento, se refletirá

na qualidade do produto elou serviços oferecidos pela organização.

Infelizmente, a prática contradiz a teoria em diversos pontos, tanto no Brasil

como em outros países que aplicam o modelo, inclusive no Japão. Em muitos

casos, a preocupação com a qualidade de vida é substituída pela busca incansável

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do lucro e do aumento da participação de mercado. Há fortes indícios de que o

sucesso comercial do Japão não veio acompanhado por um proporcional aumento

da qual idade de vida.

De qualquer forma, podemos encarar a busca da qualidade de vida como um

processo contínuo, onde podemos aplicar o conceito do kaizen. Dentro desse

processo, podemos perceber que esse novo modelo vem a resolver alguns dos

problemas que modelos anteriores não resolveram.

o grande mérito desse modelo é ver a obtenção da qualidade como um

processo de contínuo aperfeiçoamento. Seu grande defeito é não rediscutir as

organizações burocráticas, seu papel e sua continuidade na sociedade. Embora

tenha uma proposta de visão hol ística da qualidade, o modelo parte de

pressupostos antigos existentes nas sociedades capitalistas e, talvez por isso,

muitas de suas pretensões não se concretizaram. Acredito que, embora o TQC

tenha sido um avanço, muito ainda temos que caminhar para conseguirmos

construir uma sociedade melhor. Para isso, acho que será necessário surgir

modelos que tenham compromisso de redesenhar a sociedade e não melhorá-Ia a

partir do status quo.

A partir desse ponto, discutirei alguns pontos do TQC que diferem da prática

administrativa de organizações com gestão baseada ainda na chamada

Administração Científica.

4.2.1 A VISÃO DO LONGO PRAZO

Todas as organizações enfrentam dois tipos de problemas: os problemas

imediatos e os problemas de longo prazo. É muito comum os administradores

dedicarem a maior parte do seu tempo ao primeiro tipo, pois existe uma forte

pressão por resultados a curto prazo. Isto leva, muitas vezes, à tomada de decisões

que favorecem a obtenção de benefícios imediatos e prejudicam a organização a

longo prazo. Como exemplo, posso citar a decisão de se reduzir o investimento em

P&D.

Dentro da "Qualidade Total", as ações que visam o longo prazo, como

investimentos em P&D e treinamento de pessoal, são encaradas com muita

atenção. Dentro desta visão, a alta gerência deve estar mais voltada para o

processo, e não para os resultados imediatos.

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Uma organização onde a alta gerência é orientada demais para o resultado

tende a ser mais flexível em suas ações no dia a dia, porém corre o risco de, por

não ter estratégia de longo prazo, passar por sérias dificuldades no futuro.

A maior herança da utilização do critério de resultado é a avaliação de

desempenho das pessoas. Nesta avaliação, geralmente leva-se em consideração

os resultados obtidos pelo funcionário no desempenho de suas funções. Se o resul­

tado está em primeiro lugar, a avaliação não premia o esforço contínuo para sua

obtenção. A contribuição da pessoa é valorizada apenas pelos seus resultados

concretos. É interessante salientar que resultados concretos, dentro desta visão,

significa melhorias que aumentem o lucro da organização a curto prazo. Percebe-se

assim que, também no nível pessoal , esta lógica é perversa pois para ser bem

avaliado o funcionário deve maximizar o lucro a curto prazo, muitas vezes sacri­

ficando o lucro a longo prazo, ou seja, para obter uma boa avaliação hoje,

compromete a sua própria avaliação futura.

É muito difícil sinalizar ao funcionário que a alta gerência prioriza ações de

longo prazo com um sistema de avaliação de curto prazo. Portanto, no TQC,

procura-se premiar o esforço do funcionário elou grupo na busca pela excelência.

A visão a longo prazo não inviabiliza o resultado a curto prazo. O modelo não

propõe um total esquecimento das ações de curto prazo mas sim, uma total

reformulação nos conceitos e ações, incorporando assim critérios que direcionem a

organização a tomar medidas que se sustentem ao longo do tempo.

Compatibilizar o longo com o curto prazo é talvez o maior desafio da alta

gerência e obterão bons resultados aqueles que alcançarem o equilíbrio entre as

duas visões. O melhor instrumento para isso talvez seja a introdução de exercícios

de planejamento estratégico que, para cumprirem seu objetivo, devem ser contínuos

e flexíveis.

Paradoxalmente, pensar coerentemente a longo prazo é agir corretamente no

curto prazo.

4.2.2 A INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E O KAIZEN

É muito comum grandes organizações investirem maciçamente em Pesquisa

e Desenvolvimento (P&D) a fim de lançarem no mercado inovações capazes de

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satisfazer as necessidades dos seus clientes e manter sua imagem de inovadora.

No momento em que estas inovações entram no mercado e apresentam sucesso, a

organização já se dá por satisfeita e investe em outra inovação que muitas vezes

descontinuará a primeira. A inovação aqui é vista como quaisquer mudanças de

procedimentos decorrentes de avanços tecnológicos, ou ainda, como a introdução

de técnicas recentes de gestão e produção.

Este modelo de inovação faz com que a organização evolua em saltos, com o

agravante de, entre um salto e outro ao longo do tempo, haver uma tendência à

deterioração constante do sistema implantado pela inovação anterior. Por causa

disto, ele adapta-se melhor a economias em crescimento rápido. Outras característi­

cas deste modelo são: (i) é mais voltado para a tecnologia do que para as pessoas

envolvidas no processo (desde funcionários até mesmo os consumidores); ( i i)

normalmente exige grandes investimentos; e (iii) o sucesso da inovação é medido

pelo lucro obtido através dela.

A proposta da "Qualidade Total" é incorporar à estratégia de inovação o

enfoque de mudança contínua subjacente ao Kaizen. Esta filosofia de

melhoramento contínuo vem ao encontro da estratégia de inovação, uma vez que

não exige grande investimento, tem uma profunda orientação para as pessoas

envolvidas e não exige técnicas sofisticadas nem tecnologias avançadas (IMAI,

1988, p. 21). As duas estratégias combinadas podem, ainda, reverter a tendência

de deterioração que os sistemas têm entre uma inovação e outra, já que o Kaizen é

uma filosofia voltada para o melhoramento contínuo do processo. A idéia passa a

ser então, melhorar ao máximo uma inovação até que esta seja substituída por ou­

tra.

Talvez o maior benefício do Kaizen seja a necessidade, para sua im­

plantação, de haver um forte compromisso entre as pessoas que fazem parte da

organização. Segundo Imai Masaakí (op. cit., p. 24):

"Outra característica do Kaizen é que ele exige os esforços pessoais de praticamente todos. Para que o espírito do Kaizen sobreviva, a administração deve fazer um esforço consciente e contínuo para apoiá-lo . . . O Kaizen está mais interessado no processo do que no resultado. "

Juntar a estratégia de inovação com o Kaizen parece ser o caminho mais

atraente para as organizações. É interessante perceber que a diferença entre as

organizações é, muitas vezes, estabelecida pelo que acontece depois que uma tec­

nologia foi desenvolvida. Normalmente, um produto elou serviço que resulta de uma

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tecnologia em formação é muito caro e, de certa forma, incerto em termos de

qualidade. Por isto, uma vez que a nova tecnologia tenha sido identificada, o

esforço deve ser dirigido cada vez mais para áreas como a produção em massa, a

redução de custo, o melhoramento da qualidade - áreas que exigem esforços

obstinadamente persistentes. Desta forma, dentro da filosofia Kaizen, é fundamental

que haja uma cooperação muito grande entre as áreas de P&D, fabricação, marke­

ting e contabilidade, de maneira a se desenvolver uma filosofia de aprimoramento

constante das inovações.

4.2.3 UM NOVO OLHAR SOBRE OS CUSTOS DA QUALIDADE

Desde a revolução industrial, garantir a qualidade dos produtos elou serviços

passou a ser uma das maiores preocupações dos administradores. Sempre se

encarou a função de controle de qualidade como um fator de custo elevado, já que

o enfoque de qualidade baseado no produto encarava qualidade e produtividade

dicotomicamente.

Com o incremento da produção, os custos da inspeção final tomaram-se

proibitivos, já que era extremamente difícil inspecionar 1 00% de uma produção que

crescia aceleradamente. Outro problema que se percebeu na época foi que a

inspeção final detectava muitas vezes defeitos das fases iniciais do processo pro­

dutivo, tais como defeitos na matéria prima. Concebeu-se então um modelo de

inspeção diferente do utilizado até então. Estudavam-se pontos nevrálgicos do

processo produtivo e colocavam-se ali postos de inspeção. Normalmente esses

postos de inspeção eram colocados antes que se iniciasse uma fase do processo

onde seria agregado um alto valor, pois assim compensava detectar um eventual

erro antes que essa fase iniciasse. Embora o processo evitasse custos desneces­

sários, ainda estava focado no produto, ou seja, um aumento de qualidade passava

necessariamente por uma queda na produtividade.

Com o aumento das exigências dos consumidores quanto à qualidade de

serviços elou produtos, sem estarem dispostos a pagar mais por isso, qualidade e

produtividade passaram a ser um problema premente a ser resolvido. Para se

resolver este aparente paradoxo, mudou-se o enfoque de qualidade do produto para

o do processo produtivo. A partir desse novo enfoque, qualidade é obtida através do

controle do processo, e não mais realizando inspeções intermediárias. O último

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grau deste processo é a completa eliminação da inspeção como forma de garantir a

qualidade do produto/serviço. Aqui cabem três importantes observações:

1 a) a eliminação completa da inspeção durante o processo produtivo não

pode ser feita de uma hora para outra, e sim gradativamente. Na verdade,

controlando-se o processo produtivo (através do controle estatístico), a

inspeção, com o passar do tempo, torna-se desnecessária. Portanto, a

eliminação da inspeção não é para as organizações que querem, mas

somente para aquelas que querem e podem;

2a) em certos processos produtivos (os que envolvem grande complexidade

ou riscos elevados), não há como eliminar a inspeção durante o processo.

Neste caso, é importante realizar a inspeção na hora certa de maneira a

minimizar o custo total (DEMING, op. cit. p. 14);

3a) é muito difícil colocar postos de inspeção nas atividades de serviço, visto

que a produção e consumo geralmente ocorrem simultaneamente. Dentro

deste setor, o controle do processo produtivo torna-se crucial para a

organização.

Segundo Norton (Apud FIGUEIREDO, 1 979), os custos envolvidos com a

qualidade podem ser classificados em:

a) custos de prevenção - incorridos em atividades que objetivam evitar erros

que possam trazer à organização perdas futuras. Alguns exemplos destes

tipos de custos são custos de P&D, de pesquisa de Marketing,

treinamento de inspetores, planejamento da produção etc.

b) custos de avaliação - incorridos na avaliação do produto, durante a fase

de produção. São relacionados com a inspeção final, testes, controle do

processo etc.

c) custos das falhas - incorridos em função dos erros cometidos. São alguns

exemplos destes tipos de custos os refugos, a perda da capacidade de

produção, a perda dos clientes, a perda da competitividade.

Muito embora não seja conhecido o percentual do custo final de produção

considerado como custos da qualidade, estima-se que estes estejam entre 6 e 16%

(FIGUEIREDO, op. cit.). Estes custos são distribuídos, em média, entre as três

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categorias acima descritas, na proporção de 60 a 70% nos custos por falhas, 30 a

40% nos custos de aval iação e somente 5% nos custos de prevenção.

É fácil notar que esta não é uma boa distribuição. É importante destacar que

um aumento nos custos de prevenção , faz com que a organização não somente

diminua seus custos decorrentes com falhas como até mesmo reduza seus custos

totais da qualidade.

A filosofia da "Qualidade Total" dá um passo a mais no enfoque do controle

do processo, pois o conceito de qualidade é mais abrangente, envolvendo toda a

organização e não somente o processo produtivo. Como já foi dito antes, qualidade

não está mais relacionada apenas com o produto e sim com o todo em que a

organização se insere. Desta forma, a organização que atua dentro desta filosofia

prioriza os custos de prevenção e avaliação (principalmente os custos decorrentes

do controle do processo) e, como conseqüência disto, diminui drasticamente os

custos decorrentes das falhas.

Na verdade os custos decorrentes das falhas não podem ser incluídos como

custos da qualidade e sim, como custos decorrentes da não-qualidade. Esta

diferença não é apenas semântica e sim de princípios. Os custos decorrentes das

falhas ou os custos da não-qualidade são prejudiciais à organização em todos os

sentidos: primeiro, porque através deles a organização corre sérios riscos de perder

seus clientes; e segundo, talvez o mais importante, porque a organização

desenvolve uma cultura em que é natural errar, é natural consertar os erros

cometidos e investir em qualidade é alocar recursos na correção das falhas. Visto

que, cada vez mais, está ficando caro errar, é necessário pensar em prevenção e

controle do processo ao invés de inspeção e correção.

Ao mudar o enfoque da correção para a prevenção, a organização passa a

encarar qualidade como algo a ser incorporado durante o processo. Qualidade

agora é obtida em todas as ações empreendidas dentro da organização. Além dos

benefícios de redução de custos demonstrados, a organização recebe como be­

nefício maior inserção do conceito de "Qualidade Total" em sua cultura.

4.2.4 O RACiOcíNIO ESTATíSTICO

Mais importante que conhecer profundamente estatística, é importante ter o

raciocínio estatístico como filosofia do Controle da Qualidade Total. A organização

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37

que adquire esta sensibilidade encara o processo produtivo (seja ele a confecção

de uma peça de roupa, o atendimento médico ou uma simples xerox) como um

conjunto de fatos que podem ser entendidos com base neste tipo de raciocínio.

Pode�se afirmar que o raciocínio estatístico induz as pessoas a agir com base nos

seguintes conceitos:

a) as pessoas pensarem e decidirem baseadas em fatos e dados, nas

questões relacionadas aos processos produtivos;

b) pensar separando a causa do efeito;

c) reconhecer a variação e aproveitá-Ia ; e

d) raciocinar em cima de prioridades (FALCONI, op. cit., p. 41)·

Diversos métodos foram desenvolvidos para facil itar o uso da estatística no

controle da qualidade de produtos e serviços. Estes métodos têm por finalidade

tomar a estatística acessível a todos em uma organização e faz com que a co­

municação entre as diversas áreas funcionais seja facilitada, pois toda a

organização os conhece e os pode utilizar para a resolução de seus problemas.

Eles são chamados de ferramentas da qualidade e os mais conhecidos são: folha

de verificação, fluxograma, diagrama causa-efeito, carta de controle, histograma,

gráfico de pareto e diagrama de dispersão.

o processo produtivo, encarado como um sistema aberto, e a utilização

destes métodos, estatísticos ou não, para controlá-lo não devem ser vistos como a

melhor forma de entendimento do problema mas sim como uma das formas. O uso

da estatística auxilia o gerente a aceitar a variabilidade e os métodos existentes de

controle modelam esta variabilidade. É importante lembrar que, como todo modelo,

este é uma abstração da realidade e possui alguns pressupostos que podem ser

questionados.

4.2.4.1 O CONTROLE ESTATÍSTICO DO PROCESSO (CEP)

Embora o estudo do controle estatístico do processo não seja escopo deste

trabalho, considero interessante entender, pelo menos, como pode ser utilizado sob

o ponto de vista do TOC. Não entrarei, contudo, nos detalhes técnicos, que

certamente seriam suficientes para compor uma tese.

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38

A idéia de se realizar o controle estatístico do processo vem da percepção de

que um processo produtivo (seja ele de produtos ou de serviços) pode ser encarado

como um sistema. Sendo assim, além da vontade dos emrpegados que trabalham

dentro do sistema produtivo, existem outros elementos que afetam o desempenho

deste sistema. Desta forma, segundo Deming (op. cit., p. 49), pouco adiantará a alta

administração exortar seus funcionários a melhorarem seu desempenho, pois

qualquer melhora em um sistema produtivo com nível de erro estável deve partir de

ações vindas de fora do sistema (normalmente da gerência).

Esta afirmação não significa que considero os trabalhadores incapazes de

melhorar o sistema produtivo. O que quero dizer é que quando uma organização

atinge estabilidade no seu sistema produtivo (a qualquer nível de erro), as

mudanças requeridas normalmente ultrapassam o nível de poder do empregado

(por exemplo, compra de nova máquina, mudança de lay-out etc.). Dentro desta

perspectiva, é natural que mudanças deste porte dependam mais da vontade e

determinação da gerênCia do que do empregado. Isto não dispensa reconhecer que

este talvez seja a melhor fonte de informação que a gerência possa ter, pois poucas

pessoas, ou talvez ninguém, conhece seu serviço melhor do que aquele que está

acostumado a fazê-lo.

Outro fato relevante a ressaltar é que, sem a utilização de algum método de

controle, o gerente poderá ter dificuldades em avaliar se o processo possui um nível

de erros estável. Isso é perfeitamente possível utilizando-se o CEPo Ele pode ser

feito pelo próprio funcionário que realiza a tarefa, através da utilização da carta de

controle. Com sua utilização, o controle da tarefa passa a fazer parte da própria

tarefa.

Por isso, em um sistema de gerenciamento da qualidade baseado na filosofia

da "Qualidade Total", pode haver uma descentralização do controle do processo,

passando parte deste para o nível operacional. Segundo Fleury (1991, p. 8), a

respeito de pesquisa realizada no Brasil:

'� implantação do sistema Just-in-time (compreendendo técnicas diversas como Kanban, TQC, CCQ, Tecnologia de Grupo, Perda Zero) exigiu mudanças nas formas de gestão da força de trabalho, visando criar uma situação de mobilização e participação dos operáriOS com relação aos objetivos da empresa.. . há uma interiorização do controle por parte dos operáriOS, o qual deixa de ser explicitamente coercitivo como no sistema taylorista-fordista e torna-se mais transparente com as falhas e problemas facilmente detectáveis".

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39

Historicamente, o controle da produção foi possível a partir da divisão do

trabalho em tarefas simples. Sob a ideologia9 da eficiência, o que se buscou no

início foi um maior controle do capital sobre o trabalho. Segundo Prestes Motta

(1986, p. 297):

"( . . .)Não parece fundamental no desenvolvimento capitalista qualquer superioridade tecnológica da fábrica em relação ao putting-out-system. O que parece realmente fundamental é o controle sobre a produção que ela possibilitou e que não deixou ao produtor mais do que a opção de sub­meter-se ou morrer de fome.. . O controle sobre o produtor, possibilitado pelo sistema fabril, foi a grande inovação na produção. "

Os administradores, até então, não pareciam estar preocupados com o

controle do processo, no sentido de conhecer seu processo produtivo mas sim ter o

controle do processo no sentido de controlar o operário que trabalha na linha de

produção.

Fazendo-se uma análise mais detalhada dos textos de Fleury e Prestes

Motta, identifica-se uma mudança conceptual do que é controle de fabricação.

Quando se utiliza o controle estatístico do processo 10 observam-se mudanças nas

atitudes e nos relacionamentos das pessoas que compõem a organização, tais

como uma descentralização do poder no que concerne a decisões operacionais,

reformulação do sistema de recompensas da organização e no papel da chefia que,

dentro do novo enfoque, passa a funcionar mais como liderança.

Uma descentralização do controle do processo produtivo não pode prescindir

da participação e do apoio dos trabalhadores do nível operacional, que terão novas

funções. É bem possível que, neste processo de cooptação do nível operacional, a

alta gerência tenha que negociar novas formas de administração mais

participativas. O nível mais atingido deverá ser a média gerência pois esta poderá

ter uma sensação de perda de poder e de antigas atribuições. A descentral ização

requer ainda um forte e consistente programa de treinamento para todos os níveis

hierárquicos. Tal requisito se torna ainda mais crítico no Brasil, pois o país tem

sérias deficiências no seu ensino básico.

9 Ideologia aqui é vista como um conjunto de idéias que visam mascarar uma determinada realidade social (CHAUI, 1990). 10 Embora o controle eslat/slico de processo tenha sido desenvolvido para fabricação, ele pode ser aplicado para o setor de serviços. Tados os processos necessários a uma boa execução de um determinado serviço pode ser considerado como um processo produtivo. Como exemplo, pode-se citar a resen'Q de passagens aéreas, o atendimento telefônico por uma recepcionista, o atendimento dos pedidos por parte dos garçons de um restaurante, o atendimento médico em um ambulatório, etc.

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Seria ingênuo esperar que o empregado realize o autocontrole estando sob

pressão por resultados imediatos. A prática do controle estatístico do processo vem

ao encontro da avaliação por esforço e não somente por desempenho numérico. A

l iderança é desejável ao invés da chefia tradicional , que se vale de sua posição de

poder para impor sua vontade. Dentro do espírito da l iderança, a administração

pode passar a ter a função de trabalhar as fontes de melhoria, constituindo-se num

importante apoio ao nível operacional. O funcionário, ao se sentir seguro quanto à

chefia, estimular-se-á a mostrar seus erros, para que estes possam ser analisados.

Os erros passam a funcionar como tesouros, pois a partir deles, poder-se-á

melhorar o processo produtivo.

Como já mencionei neste trabalho, o CEP possibilitará, a médio e longo

prazo, a diminuição e, em muitos casos, a total eliminação da inspeção final do item

ou serviço. A qualidade passa então a ser obtida durante o processo, viabilizando

a obtenção de qualidade e produtividade simultaneamente.

A obtenção da qualidade durante o processo torna-se vital no setor dos

serviços, pois a produção e consumo ocorrem simultaneamente e, geralmente, com

a presença do cliente. Neste setor da economia, a produção não deve conter erros

pois não há chances de reparos ou segregação de itens defeituosos. Na maioria

das vezes os erros são presenciados pelo cliente e o controle da produção se torna

essencial para se garantir a lealdade do cliente.

Outro aspecto interessante que afeta a organização, quando da utilização do

CEP, é a tangibilização da variabilidade do processo produtivo. Através da carta de

controle, podemos verificar que a produção do sistema fica, aleatoriamente, em

torno da média possuindo dois limites, um inferior e outro superior.

Existem dois tipos de variabilidade dentro de um sistema produtivo: (i) devido

a causas especiais, e (i i) devido a causas comuns. Causas de falhas especiais são

aquelas oriundas de eventos passageiros e as causas comuns oriundas do sistema.

Quando retiramos do sistema todos os defeitos oriundos de causas

especiais, o sistema fica estatisticamente controlado. Na verdade, esta é uma

situação típica que ocorre em muitas organizações que, diante de sérias

dificuldades, contratam alguém para resolver seus problemas. A melhora inicial

pode ser explicada pela remoção das causas especiais que causavam problemas e

ninguém percebia. Por isso, a produtividade aumenta de forma acentuada no início,

mesmo que este agente de mudança não apresente um planejamento consistente. A

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simples remoção das causas especiais faz com que a organização tenha um ganho

inicial perceptível. Como diz Juran (apud DEMING, op. cit., p. 242), "a remoção de

uma causa especial apenas traz o sistema para onde deveria estar desde o inrcio

( . . .) os problemas importantes de melhora de um processo começam assim que se

tenha conseguido o seu controle estatístico".

A remoção das causas comuns depende de uma análise mais detalhada

sobre o processo, seu entendimento e, provavelmente, a colaboração do nível

operacional na solução e implementação das medidas corretivas.

o controle estatístico do processo é uma das maneiras de que a organização

pode dispor para este entendimento. A partir deste controle, poderão ser tomadas

medidas visando dois tipos de melhoria: (i) reduzir a variabilidade; e (ii) reduzir o

percentual médio de itens defeituosos.

Por último, é importante frisar que o CEP é um modelo e, como todo modelo,

passível de questionamentos. Podemos questionar a validade ética de se tentar

interiorizar o controle na cabeça dos trabalhadores do nível operacional ou

questionar sua utilização para avaliação de desempenho. Todos os questionamen­

tos são válidos e ajudam a melhorar nosso entendimento a cerca dos novas práticas

administrativas.

4.2.5 O TRABALHO EM EQUIPES E AS METAS MULTIFUNCIONAIS

Com um ambiente externo razoavelmente estável, era possível resolver os

problemas das organizações por partes e geralmente uma pessoa conseguia

resolvê-los sozinha. No mundo atual, o ambiente no qual as organizações estão

inseridas faz com que seus problemas se tornem tão complexos que é necessário a

formação de equipes que estudem e resolvam os problemas existentes. É difícil,

hoje em dia, conseguir delimitar estes problemas e confiá-los a especialistas,

porque problemas de uma área normalmente tem repercussões em outras. A

subdivisão das organizações em áreas - finanças, marketing, produção,

contabi lidade - fica cada vez mais pró forma e a resolução efetiva das dificuldades

depende da capacidade da organização em integrar suas diversas áreas funcionais.

Dessa forma, o trabalho em equipe parece se tomar uma necessidade na

maioria das organizações. Ele exige que um compense com sua força a fraqueza de

outro, e que todos agucem as inteligências uns dos outros com questionamentos.

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Chegamos, novamente, ao problema do sistema de avaliação atual. A

avaliação por desempenho (e não por esforços para a melhoria da qualidade)

dificulta a formação de equipes pois parecerá às pessoas um empreendimento

arriscado, na medida em que, quem trabalha para ajudar os outros, pode não ter

sua produção tão apreciada na avaliação quanto o teria se tivesse trabalhado

sozinho.

Na busca de integração foram desenvolvidos estudos que mudaram a

estrutura de muitas organizações. A estrutura organizacional e a estratégia adotada

pela organização são duas faces de uma mesma moeda, ou seja, relacionam-se

dialeticamente.

Dentro da filosofia da "Qualidade Total" a integração das áreas se manifesta

de diversas formas. Primeiro existe uma forte aproximação entre as áreas de

Marketing, Produção e Pesquisa e Desenvolvimento. A integração faz com que haja

uma rápida expansão na produção, uma vez que estas áreas estão constantemente

trocando importantes informações acerca do processo produtivo, das necessidades

do consumidor e do desenvolvimento de determinado projeto.

Outra fonte de integração entre as diversas áreas é a formação voluntária

de grupos multifuncionais, que se reúnem para resolver determinados problemas

operacionais durante o expediente. Assim, as pessoas se sentem motivadas e não

se acham exploradas por trabalharem além do expediente normal . Estes grupos,

geralmente chamados de Círculo de Controle da Qualidade (CCQ), normalmente

fazem parte do programa de gerenciamento da qualidade.

É muito comum organizações brasileiras, e até mesmo americanas, adotarem

os CCQ's como forma de resolução de todos os problemas na organização e,

tempos mais tarde, as pessoas se sentirem frustradas por não verem resultados

concretos de seus esforços. A simples adoção dos CCQ's não garante o objetivo de

melhorar a qualidade e produtividade da organização, pois é importante mudar a

filosofia de administração da organização. A alta administração que deposita todas

as suas esperanças na formação do CCQ pode estar incorrendo em forte

reducionismo na forma de abordar seus problemas, acabando assim, por se frustrar.

Uma postura mais participativa e menos arrogante da gerência pode ser de

muita valia na medida em que esta reconhece sua modéstia cognitiva e passa a

ficar mais receptiva a sugestões. Um outro ponto importante, quando a organização

recorre ao CCQ, é o constante feedback das propostas (seja ele positivo ou

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negativo) que a alta administração passa aos grupos. Isso estimula participações

futuras.

A fixação de metas multifuncionais é outra maneira de a organização obter

uma maior integração entre as diversas áreas funcionais. As metas multifuncionais

de Qualidade, Custo e Programação (IMAI, op. cit., p. 1 1 4) são claramente definidas

como superiores a funções como projeto, produção e marketing. Assim, qualquer

gerente de área precisa tomar decisões priorizando as metas superiores, não li­

mitadas pelas necessidades de cada área. É desejável um plano de ação para toda

a organização para a obtenção de sucesso na consecução destas metas.

Dentro desta abordagem, "Qualidade" diz respeito à criação de um sistema

melhor para a garantia de qualidade; "Custo" diz respeito à criação de um sistema

para identificar os fatores de custo e também sua redução" ; "Programação" se

refere à criação de um sistema melhor para distribuição de produtos elou prestação

de serviços.

A elaboração de um plano de ação anual, para a consecução das metas

superiores, com bases na estratégia de longo prazo ressalta novamente a

importância de a alta gerência ter habilidade para equilibrar as ações de curto e

longo prazos. O plano contém aspectos objetivos e subjetivos, a saber: (i) metas

relacionadas com fatores como lucros, participação no mercado e produtos; e (ii)

metas relacionadas com melhoramentos totais nos vários sistemas e atividades

multifuncionais da organização.

Assim, os planos são compostos de metas e medidas, de finalidades e meios.

As metas são geralmente números quantitativos, estabelecidos pela alta

administração como objetivos de vendas e lucro almejado. As medidas, por outro

lado, são os programas de ação específica para atingir essas metas. Sem estas

medidas, as metas virariam simplesmente slogans e exortações. Percebe-se, então

que o plano tem por objetivo compatibilizar aspectos objetivos e subjetivos da

organização.

Outras importantes funções do plano de ação é o aumento da comunicação

entre as unidades organizacionais (comunicação lateral) e a prioridade às ações

que beneficiam a organização e não determinado departamento.

11 Sobre este sistema, Kaplan (1988) propõe um sistema bem avançado na alocação dos custos referentes aos diversos produtos elou serviços que uma empresa pode fornecer.

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Embora a adoção desses mecanismos facilite a integração dos diversos

setores da organização, e esta integração possa compatibilizar o aumento da

produtividade e qualidade com o distensionamento das relações de trabalho, acho

ingênuo considerar qualquer dos mecanismos descritos acima como soluções para

o problema da alienação do trabalhador. A alienação no trabalho é fruto do sistema

capitalista que retira os meios de produção das mãos do trabalhador e, como tal, é

inerente a esse sistema. A alienação é um traço inevitável da vida cotidiana numa

sociedade industrial, um fenômeno social total , que resiste a qualquer solução

compartimentalizada.

4.2.6 O MARKETlNG NO TQC

Ainda que a alta administração de uma organização se empenhasse para

gerenciar a qualidade e produtividade de seu sistema produtivo, sem considerar em

suas ações uma filosofia adequada de marketíng, muito pouco se poderia esperar

em termos de sua permanência na sociedade12.

No Brasil, a prática demonstra que muitas organizações ainda confundem o

conceito de marketíng com o de vendas. Em última análise, o marketíng orienta

suas ações para o cliente, pois a organização só existe enquanto os consumidores

estão dispostos a consumir seus produtos elou serviços. Isto vale para

organizações de capital privado, público, autarquias ou fundações. Enfim, vale para

qualquer organização que tenha como finalidade o atendimento de um determinado

públ ico.

Mas, como identificar os consumidores? Quais suas necessidades? Como

atendê-Ias? Estas são perguntas consideradas fundamentais para a organização.

Identificar clientes e descobrir suas necessidades pode ser tão ou mais vital que

desenvolver novas tecnologias, controlar o processo produtivo ou ter um sistema de

logística capaz de distribuir seus produtos em diversos pontos do país e do mundo.

Na verdade, foi exatamente para atender necessidades dos consumidores que

foram desenvolvidas todas estas técnicas.

Cada vez mais, o consumidor assume o controle do que as organizações

devem fazer (através de associações e organizações). Nos dias de hoje,

J 2 É claro que esta afirmação não é totalmente válida porque, em muitos setores, as empresas se reúnem e fixam preços e condições de fornecimento formando assim. os chamados oligopólios.

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percebemos uma pressão muito grande pelo aumento da qualidade dos produtos

elou serviços consumidos e pela preservação do meio ambiente, forçando as

organizações a pensar em estratégias de desenvolvimento auto-sustentado. Todas

estas mudanças só estão sendo possíveis porque os consumidores estão se organi­

zando cada vez mais em busca dos seus direitos.

Visto isto, a estratégia de marketing passa a ser peça importante na

estratégia global da organização.

4.2.6.1 A VISÃO AMPLIADA DO CLIENTE

Embora pareça óbvio que a preocupação com o cliente13 deve nortear as

ações de todos dentro da organização, nem sempre isto ocorre na prática.

Freqüentemente, a alta administração se surpreende quando faz uma pesquisa de

marketing e descobre que as reais necessidades dos clientes não estão sendo

atendidas pela organização. Isto é muito comum quando a definição das necessi­

dades dos clientes ocorre sem sua participação. Nem sempre o que a alta

administração pensa ser o principal atribulo num serviço ou produto, efetivamente, o

é para os consumidores.

Um fato muito comum é a organização abrir um canal de comunicação para

seus clientes e achar que, por isso, é uma organização voltada para o marketing.

Saber as necessidades de seu consumidor depois que já houve contato com o

produto elou serviço também não me parece a estratégia mais adequada14.

Outra estratégia normalmente utilizada pelas organizações é a de atender

apenas às especificações, praticando assim o chamado "Controle de Qualidade

Defensivo" (FALCONI, op. cit., p. 79). Mesmo que a organização combine esta

estratégia com a de manter um canal aberto com o consumidor ela continua

pecando em termos de marketing, porque está utilizando o consumidor como

cobaia. Esta estratégia é chamada por Ishikawa (1985) de postura "product out".

13 Novamente alerto para o fato de que o significado da palavra cliente usada no presente trabalho não se restringe a quem paga por um determinado serviço ou produto e sim todos aqueles que, de algum modo, são afetados pela organização burocrática (seja ela pública ou privada). 14 Não estou dizendo com isso que não é interessante a idéia de se abrir um canal direto com o consumidor. Afirmo porém, que só isto não basta pois muito poucos consumidores insatisfeitos reclamam, a maioria simplesmente deixa de consumir seu produto e/ou serviço.

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Ainda, segundo Ishikawa, a postura correta seria a de antecipar as ne­

cessidades dos clientes, incorporando estas necessidades nas especificações. Esta

postura é denominada "market in" ou "Controle de Qualidade Ofensivo". Um ponto

importante a ser lembrado é que necessidades mudam com o tempo, o que força a

organização a um contínuo planejamento de suas atividades.

A figura 1 , portanto, ilustra muito mais que um bom esquema de marketing;

ela representa uma mudança de filosofia em relação à organização tradicional, pois

tenta mostrar o loop existente no processo produtivo.

Fornecedores Recepção � Produção r----é)

a

Montagem Distribuição Consumidores

Figura 1 - A produção vista como um sistema. (DEMING, op. cit. , p. 3)

O modelo indica que existe uma relação dialética entre os clientes,

fomecedores e o processo produtivo das organizações pois cada um modifica

constantemente os demais. Clientes e fomecedores são considerados parte do pro­

cesso produtivo. Note que poderíamos mudar de lugar todos as "caixinhas" da

figura que ela ainda faria sentido. O loop poderia começar com os clientes,

produção ou P&D.

Mais importante ainda é que o conceito de clientes não deve ficar restrito à

fase seguinte do processo ou aos clientes diretos de determinada organização. As

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perguntas "quem são os meus clientes?" e "quais são suas necessidades?" devem

exigir respostas completas.

Como exemplo desta nova postura, se uma indústria qUi mica produz

determinado produto industrial em determinada localidade, as pessoas que residem

perto desta indústria devem ser consideradas seus clientes, ainda que ninguém nas

redondezas consuma este produto. É inconcebível a organização desconsiderar a

comunidade por que não compra seus produtos. Não é mais aceitável que uma

organização que afirme possuir estratégia de marketing efetiva polua o meio

ambiente como se o ar e os rios fossem de sua propriedade. Portanto, cliente é todo

aquele que, de algum modo, é afetado pela atividade de determinada organização.

Esta nova postura será cada vez mais vital para a sobrevivência da organização à

medida que a sociedade se mobilize e pressione as organizações a adotá-Ia.

Embora, em tese, a filosofia do TQC contemple uma visão ampliada do

cliente a real idade parece estar ainda muito longe da teoria, tanto no Brasil como no

resto do mundo. Basta olharmos os problemas causados por empresas ao meio

ambiente, aos empregados e às comunidades. Essa visão ampliada do cliente utili­

zado no marketing das empresas me parece mais uma forma delas tentarem se

legitimar perante as sociedades do que propriamente uma preocupação com uma

sociedade mais harmônica.

4.3 O SETOR DE SERVIÇOS

A adoção de programas formais de qualidade, tanto no Brasil como em nível

mundial teve sua origem na indústria. As tecnologias e modelos teóricos

desenvolvidos foram voltados, principalmente, para a produção de bens e

encontram-se, hoje em dia, razoavelmente sistematizados, contando com extensa

normalização e publicações especializadas, inclusive em nível intemacional.

Esta sistematização de conhecimentos, no entanto, não se verificou com a

mesma intensidade no ramo de serviços. A participação deste setor na economia

dos países ditos desenvolvidos, tanto em termos de PIB, quanto em quantidade de

mão-de-obra empregada, já ultrapassa a participação do setor industrial, adquirindo

cada vez maior relevância e forjando expressões como "economia de serviços".

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Os serviços possuem algumas características que diferenciam a produção de

bens. Fez-se, portanto, necessária a sistematização de alguns conceitos peculiares

ao setor de serviços.

As dificuldades de se transportar os modelos de gestão aplicados na

indústria para o setor de serviços são bem estabelecidas e consistem, entre outras,

na perecibil idade dos serviços, interveniência do consumidor no processo de

prestação de serviços, simultaneidade entre produção e consumo, dificuldade de

padronização e controle da qualidade etc. Estes fatores concorrem para formar um

quadro de extrema complexidade no gerenciamento de serviços (ZEITHAML;

PARASURAMN; BERRY, 1985). Estas dificuldades são tanto maiores quanto maior

for o grau de intangibilidade dos serviços.

Adicionalmente, l iteratura especializada, pesquisas e experiência acumulada

quanto à qualidade em serviços, são recentes e escassas, se comparadas com o

setor industrial.

A impossibilidade de patentear serviços e a disponibilidade de tecnologia

facilitam o processo de imitação de novas características introduzidas nos serviços,

fazendo com que ocorra uma segmentação cada vez maior no setor. Qualidade em

serviços é, desta forma, um fator de vantagem competitiva, num ambiente cada vez

mais dinâmico e mutável. Diferentes estratégias são requeridas para diferentes

segmentos, o mesmo ocorrendo com as respectivas abordagens para a qualidade

em serviços.

A seguir, descrevo alguns desses conceitos que julgo importante, lembrando

sempre que os modelos descritos neste item são adicionais a tudo o que foi aqui

exposto. Modelos refletem, antes de tudo, a visão dos seus autores.

4.3.1 QUALIDADE E PRODUTIVIDADE EM SERViÇOS

A qualidade percebida é função direta das necessidades e expectativas do

cliente. Como determinar e gerenciar estas expectativas? Esta questão é abordada

no texto de Heskett, Sasser e Hart (1990), do qual selecionei três tópicos: as

necessidades do cliente, a avaliação do cliente e as expectativas do cliente.

Para poder oferecer serviços de qualidade, é preciso compreender as

necessidades do cliente. Medidas demográficas são, em geral, facilmente obtidas,

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porém proporcionam pouca informação a respeito do que as pessoas pensam sobre

serviços. O texto recomenda ênfase na pesquisa das características psicográficas

dos clientes e dos riscos que estes percebem nos serviços, como determinantes

mais precisos das necessidades e expectativas dos clientes.

A aval iação dos clientes, por sua vez, leva em conta o risco por eles

percebido para um determinado produto ou serviço. No que diz respeito a serviços,

tem-se uma situação mais complexa, uma vez que quanto maior a intangibilidade,

mais difícil é para o consumidor determinar a qualidade antes, ou até mesmo depois

do consumo. Assim, criar evidências e referências tangíveis quanto à qualidade do

serviço, provendo segurança ao cliente, é fundamental para a redução do risco

percebido.

A manipulação das impressões do cliente também exerce papel considerável

na redução do risco percebido. Ações tais como diagnóstico correto e entrega do

carro lavado, no caso de conserto de automóveis; recepção e ambiente adequados,

no caso de hospitais e lojas, são fatores que contribuem para causar impressões

positivas e reduzir os riscos percebidos ou antecipados pelos consumidores. Outro

exemplo seria o ambiente de uma sala de espera para uma consulta médica.

Quanto mais limpo, claro e seguro for o ambiente, mais seguro sentir-se-á o cliente.

Com relação às expectativas, uma estratégia adequada de comunicação de

informações sobre o serviço, e o que dele esperar, são fundamentais para criar

expectativas corretas sobre o serviço que se oferece, e reduzir as eventuais

dissonâncias. Obviamente, a organização deve estar preparada para satisfazer às

expectativas comunicadas ao cliente.

Em "Services Under Siege - The Restructuring Imperative", Stephen S.

Roach (1991) aborda vários pontos importantes relativos à produtividade e

qualidade de serviços, ao analisar o setor de serviços americano.

O ponto de partida é a constatação de que o setor de serviços hoje emprega

cerca de 75% da mão-de-obra americana e absorve cerca de 80% dos

investimentos em tecnologia de informação. Não obstante, a produtividade do setor

de serviços é declinante.

Segundo o autor, as principais razões são:

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a) a busca incessante da última novidade tecnológica, sem um planejamento

adequado das operações de serviço;

b) as novas tecnologias não têm contribuído para diminuir custos e eliminar

ineficiências, concorrendo assim para manter baixa a produtividade;

c) o investimento maciço em tecnologia descapitaliza as organizações, sem

resultar num aumento correspondente de produtividade, causando

impactos negativos na capacidade de competir;

d) tais investimentos, na verdade, significam um movimento das

organizações de um regime de custos variáveis para custos fixos, sacri­

ficando a flexibilidade, sem que haja a contrapartida de um aumento de

produtividade;

e) a tecnologia é capaz de interconectar máquinas e sistemas de in­

formações mas tem feito pouco para produzir sinergia entre as pessoas;

f) a fixação em tecnologia desvia a atenção que deve ser dada à questão da

qualidade dos serviços;

g) a teoria contábil disponível não é adequada à área de serviços;

h) não se dispõe de uma "métrica" para a avaliação da qualidade em

serviços.

A maioria destes pontos pode ser encarada como proveniente da lógica

tradicional industrial aplicada ao setor de serviços, cuja crítica feita por Christian

Grônroos abordarei a seguir. De todos estes pontos considero o mais importante o

abordado na letra "e" pois muito se fala em aumentar a tecnologia e pouco se faz

para entender o impacto que essas novas tecnologias terão nas pessoas que

compõem o sistema produtivo. Os problemas advindos daí são mais evidentes no

setor de serviços devido a suas características peculiares já citadas neste trabalho.

4.3.2 ESTRATÉGIAS PARA SERVIÇOS

Gronroos (1985) trata das diferenças entre a abordagem industrial tradicional

e daquela voltada para o serviço, com o foco na satisfação do cliente. A abordagem

industrial privilegia as economias de escala, a manutenção de baixos custos de

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produção e administração, bem como a ênfase nos esforços de marketing e P&D.

No entanto, afirma Grónroos, tal estratégia, se aplicada ao setor de serviços, trará

resultados negativos. Na indústria, o cliente é isolado do processo de fabricação, ao

passo que ao consumir um serviço, o cliente tem a percepção não s6 da qualidade

de seu resultado ("outpuf'), como também da qualidade do processo de prestação

deste serviço.

Sobre este arcabouço, o autor desenvolve uma série de considerações sobre

estratégias para gerenciamento de serviços, das quais farei um sumário a seguir.

a) A equação do lucro: Grónroos define "custos bons", como aqueles que

melhoram a capacidade da organização em atender e satisfazer o cliente,

melhorando a eficiência externa da organização e gerando receitas.

"Custos maus" derivam, entre outros, de excessiva burocracia, múltiplas

camadas gerenciais, rotinas operacionais excessivamente complicadas, e

que não agregam valor ao processo de prestação de serviços. É comum a

ocorrência de redução de custos nas operações de linha de frente e de

retaguarda, deixando estruturas organizacionais pesadas e complexas

intocadas.

b) Autoridade para decidir: as decisões operacionais devem ser

descentralizadas, e estar tão próximas quanto possível da interface

organização-cliente. No entanto, as decisões estratégicas importantes

devem ser centralizadas.

c) Foco da organização: a organização deve estar estruturada de modo

que seu objetivo seja mobilizar recursos para apoiar a "linha de frente".

Isto requer uma organização "enxuta", sem camadas gerenciais

desnecessárias.

d) Foco da supervisão: gerentes e supervisores devem apoiar e encorajar

os empregados. É aconselhável manter o menor número possível de

procedimentos e regulamentos, embora alguns sejam necessários.

e) Sistema de recompensas: o foco do sistema deve ser a capacidade de

prestar serviços nos quais o cliente perceba qualidade. Isto é difícil, uma

vez que nem sempre se pode medir todas as facetas relevantes de um

serviço de qualidade.

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f) Foco do sistema de medição: a satisfação do cliente com serviços de

qualidade deve ser o foco do sistema de medição de desempenho.

o principal ensinamento no texto, e o ponto do qual derivam todas as

estratégias nele apresentadas, é o foco no cliente. Nenhuma estratégia bem

sucedida pode prescindir da visão do serviço sob a ótica do cliente.

A partir daí, são feitas várias proposições, bastante divergentes em relação à

visão industrial. O deslocamento do ponto de vista interno para um ponto de vista

externo traz várias implicações.

A produtividade, antes medida em relação à eficiência interna do processo de

fabricação, deve passar a ser medida tendo como parâmetro a satisfação do cliente.

A qualidade, antes uma função técnica, l igada primordialmente às características

dos produtos, depende agora da percepção do cliente em relação aos benefícios

que lhe são proporcionados. A estrutura organizacional, montada de acordo com as

necessidades operacionais internas, agora deve ser desenhada de modo a prover

máximo apoio à linha de frente, de forma que esta possa atender ao cliente da me­

lhor maneira possível.

Segundo Grõnroos, esta mudança de perspectivas redireciona o foco das

ações gerenciais, tanto para organizações de serviços como também para

empresas de fabricação. A idéia de transações a curto prazo deve se transformar

em uma idéia de relacionamento a longo prazo; o conceito de qualidade de produtos

e serviços principais deve evoluir para um conceito de "Qualidade Total" percebida

pelo cliente; o enfoque de soluções puramente técnicas voltadas para o produto ou

o serviço específicos, deve se voltar para uma visão de qualidade e utilidade totais

como um processo.

Grõnroos afirma que um mau serviço cria um ambiente negativo, onde a

insatisfação do cliente contagia o empregado que, por sua vez continuará prestando

maus serviços, num círculo vicioso.

O autor afirma ainda que quanto mais intensivo o uso de tecnologia, mais

importante se torna a interação com o cliente como uma forma de diferenciação das

organizações.

É importante perceber que a tecnologia, por si só, não garante uma boa

prestação de serviços. Sua adoção deve ser pensada e todos os prós e contras

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devem ser levantados. Esse é um ponto importante pois numa sociedade ultra­

racional, como a nossa, as pessoas geralmente crêem na tecnologia como as

sociedades primitivas criam nos seus deuses. Muitas vezes os indivíduos perdem

sua capacidade de análise e julgamento por causa do uso da tecnologia. Isso é

particularmente perigoso no setor de saúde onde os médicos, muitas vezes,

abdicam da sua capacidade de diagnosticar por causa da existência de inúmeros

exames que, se não forem bem utilizados, acabam aprisionando o profissional em

vez de ajudá-lo.

Até agora abordei os aspectos técnicos do gerenciamento da qualidade

sempre deixando claro que existiam aspectos relativos ao ser humano que deveriam

ser levados em consideração. Alguns desses aspectos serão abordados a partir

desse momento, não de forma exaustiva, pois todos eles, sozinhos, dariam para

escrever uma dissertação de mestrado.

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CAH1r1JLO S

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5. A QUESTÃO DA MOTIVAÇÃO

Muito se escreveu até agora sobre motivação. Pesquisadores como Maslow,

McGregor e Herzberg deram contribuições valiosas a este tema. Entretanto, muitos

estudiosos sobre organizações parecem aplicá-Ias de modo a manipular o com­

portamento humano para se obter uma máxima eficiência das pessoas que traba­

lham em organizações burocráticas.

Dentro desta abordagem, temos uma série de livros que prometem des­

vendar o enigma da motivação humana, fornecendo "receitas" infalíveis que, se

aplicadas na íntegra, prometem fazer as pessoas ficarem motivadas a trabalhar e

produzir com a máxima eficácia. Podemos afirmar que, dentro do contexto adminis­

trativo e teórico-organizacional, a motivação foi convertida em um instrumento de

invasão, manipulação e controle, através do qual administradores pensam poder

induzir determinados comportamentos em seus subordinados.

É interessante perceber que este enfoque manipulativo tem grande aceitação

junto a administradores pelo fato de produzir efeitos quase imediatos na produção.

Este efeito, entretanto, é chamado de "efeito mola", pois cessado o estímulo inicial,

a situação antiga tende a retomar.

Sendo assim, atualmente o conceito de motivação é limitado a uma

determinada perspectiva e favorece explicações causais. Este conceito é utilizado

por alguns teóricos de organizações como forma de estabelecer uma relação causal

entre motivos e comportamento, na medida em que este último é determinado pelos

primeiros. Burkard Sievers afirma que os teóricos de motivação deveriam deixar de

procurar explicações científicas para o fenômeno da motivação e levar adiante

imagens, analogias ou metáforas que permitiriam uma melhor conceituação e

entendimento das pessoas e de suas ações (SIEVERS, 1990).

Não existem receitas infalíveis para se motivar os seres humanos. Estes não

são como os animais a que podemos atribuir uma mesma resposta a um dado

estímulo. A complexidade das pessoas toma impossível a previsibilidade de seus

comportamentos. Se, por um lado isto dificulta o trabalho do administrador, por

outro faz com que as organizações estejam sempre em constantes transformações.

Estas transformações me parecem muito salutares e até mesmo desejáveis para

que seja possível implantar o que chamamos de "Qualidade Tota!', por ser este um

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método de gerenciamento que pressupõe participação, autocontrole e envolvimento

por parte dos funcionários. Uma vez que o agente de mudanças tenha detonado o

início das mudanças, é bem possível que ele perca o controle e não possa mais

interferir na sua velocidade e direção. É importante lembrar que qualquer processo

de mudança mexe com as relações de poder da organização mudada.

5.1 NECESSIDADES - OS VERDADEIROS MOTIVADORES

Na década de 50, Maslow propôs uma hierarquia das necessidades para o

crescimento humano. Segundo esta proposição, existe uma escala de necessidades

que deve ser atendida para que este crescimento se dê. Ele dividiu esta escala em

cinco níveis, sendo que os dois mais baixos foram chamados de inferiores e os três

mais altos de superiores. São eles:

a) necessidades fisiológicas;

b) necessidades de segurança;

c) necessidades sociais;

d) necessidades de estima e

e) necessidades de auto-realização.

Ainda segundo Maslow (Apud WEISSENBERG, 1971, p. 208-224), todas

estas necessidades têm um ciclo a cumprir, ou seja, elas se manifestam de tempos

em tempos. À medida que crescemos dentro da escala, este ciclo aumenta. Por

exemplo, a fome e a sede (necessidades fisiológicas) têm um ciclo de algumas

horas, enquanto a necessidade de auto-realização tem um ciclo de uma vida. Uma

necessidade de nível superior poderá aparecer junto com uma de nível inferior,

porém, neste caso, a de nível superior poderá ficar "adormecida" até que a de nível

inferior seja satisfeita o suficiente para que a necessidade de nível superior passe a

energizar o comportamento do indivíduo.

Uma vez satisfeita uma necessidade, esta não mais será fonte de motivação

até que se cumpra um novo ciclo.

Assumindo que as necessidades são os verdadeiros motivadores do

comportamento e são intrínsecas às pessoas, ou seja, não podem ser criadas por

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outra pessoa, é razoável pensar que um gerente não pode motivar os

trabalhadores. Segundo Cecília Bergamini (1990):

"Há grande diferença entre o movimento causado pelas reações aos agentes condicionantes extrfnsecos ao indivíduo, e a motivação que nasce das necessidades intrínsecas e que encontra sua fonte de energia nas emoções - assim sendo, ela pode então ser compreendida como algo interno de cada um. Apesar de seu caráter claramente intrinseco, a motivação pode servir-se de fatores existentes no meio ambiente como meios de satisfazer uma necessidade interna, mas isso não significa que sua compreensão possa ser reduzida à busca desses fatores em si mesmo. "

Esta confusão freqüente entre a necessidade humana e as coisas que a

satisfazem levou Emest Archer (1978) a propor uma revisão no nome da hierarquia

proposta por Maslow. Archer sugere que em vez da hierarquia das necessidades a

escala passe a se chamar hierarquia dos motivadores por entender que Maslow

queria dizer, em essência, que a motivação é a conseqüência de necessidades que

não foram satisfeitas e que somente elas são os motivadores do comportamento.

Semânticas à parte, entendo que a percepção desta sutileza é de suma

importância para o administrador, pois a tarefa de administrar tomar-se-á mais fácil

se o verdadeiro relacionamento entre motivação, satisfação e comportamento for

claramente compreendido.

Outro pesquisador que deu grande contribuição ao estudo da motivação no

trabalho foi Herzberg (Apud WEISSENBERG, op. cit., p. 319-324). Ele formulou a

teoria dos dois fatores para melhor explicar o comportamento dos indivíduos no tra­

balho. Para Herzberg, existem fatores de duas naturezas, a saber: (i) fatores

higiênicos ou extrínsecos; e (ii) fatores motivacionais ou intrínsecos. Os fatores hi­

giênicos se localizam no ambiente que rodeia o indivíduo e se referem às condições

dentro das quais ele desempenha seu trabalho. Podemos citar alguns deles tais

como: (i) salários; (i i) benefícios sociais; (i i i) estilo de chefia; (iv) condições físicas

do trabalho; e (v) política da organização. Como podemos ver todos os fatores

higiênicos podem ser administrados pela organização. Os fatores motivacionais são

relacionados com o conteúdo do cargo. Eles englobam: (i) sentimentos de auto­

realização; (ii) sentimentos de crescimento individual; e (ii i) sentimentos de re­

conhecimento profissional. Estes, ao contrário dos higiênicos, estão sob controle do

indivíduo.

Analisando a classificação de Herzberg, percebe-se que as organizações,

quando pretendem motivar seus funcionários, geralmente concentram seus esforços

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nos fatores higiênicos. O raciocínio dos administradores é que se eles mantiverem

seus funcionários satisfeitos, estes produzirão mais e melhor. Por isso, as

organizações procuram melhorar as condições ambientais e aumentar o pagamento

em troca do maior esforço das pessoas que para elas trabalham. Esta abordagem

para o problema da motivação pressupõe que o trabalho é desagradável e que a

produtividade aumenta com a satisfação do trabalhador.

Entretanto, Herzberg afirma que os fatores higiênicos, quando otimizados,

apenas evitam a insatisfação nos indivíduos; não conseguem elevar a satisfação.

Quando estes fatores são precários, provocam insatisfação. Porém, quando

elevados não levam necessariamente ao aumento da satisfação ou nem mesmo a

sustentam por muito tempo. Por isto são chamados higiênicos. Transportado do

universo simbólico da saúde, a metáfora higiênicos vem do fato de que a higiene

não provoca saúde, mas sua falta certamente trará doenças.

É interessante que, antes de os trabalhos de Herzberg serem publicados,

Douglas McGregor (1966) já levantara suspeita de que houvesse distinção entre

fatores intrínsecos e extrínsecos, quando afirmava:

"A administração indaga freqüentemente por que o pessoal não produz mais. Pagamos bons salários, damos ótimas condições de trabalho, porporcionamos estabilidade de emprego, além de excelentes benefícios adicionais. O pessoal, entretanto, parece não estar disposto a despender senão um esforço mínimo. O pessoal reivindicará insistentemente maiores salários. Torna-se mais importante que nunca comprar bens e serviços materiais que eventualmente satisfaçam, até certo ponto, essas necessida­des frustradas. Embora o dinheiro represente apenas um valor limitado no preenchimento de muitas necessidades de alto nível, talvez se torne o foco principal do interesse se for o único meio disponível. "

Bem diferentes dos fatores higiênicos, os fatores motivacionais provocam a

satisfação. E mais, uma vez alcançada, esta satisfação é profunda e estável . Em

contrapartida, se estes fatores não forem atendidos, não haverá insatisfação por

parte dos funcionários. As organizações, de uma maneira geral, definem as tarefas

com uma única preocupação: procurar maior eficiência. Visto que os fatores

motivacionais têm estreita relação com a natureza da tarefa, concluímos que a

maior parte das organizações não levam estes fatores em consideração quando

intencionam a satisfação de seus funcionários.

É fácil perceber que existe uma estreita correlação entre as análises feitas

por Herzberg e Maslow. O primeiro praticamente confirma o trabalho do segundo.

Entendo que a grande contribuição de Herzberg foi ter percebido que o oposto de

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insatisfação não é satisfação. Ele mostra que para satisfazer seus funcionários e,

portanto, motivá-los efetivamente para o trabalho, uma organização deve dar muito

mais que bons salários ou um bom ambiente de trabalho.

De uma certa maneira, os japoneses parecem ter percebido isto antes dos

ocidentais pois, no TQC, a gerência dá a seus subordinados responsabilidade e

l iberdade para decidir uma série de questões relacionadas com a execução das

tarefas (através do controle estatístico do processo, dos CCQ's, do estímulo à parti­

cipação nas decisões operacionais etc.). Isto faz com que o indivíduo se sinta

responsável pelo processo, sua atenção se redobre e seu compromisso com a

qualidade final do trabalho aumente.

É claro que o enriquecimento das tarefas (job enlargement) tem como

pressuposto básico o excelente preparo do nível operacional, o que, no Brasil, nem

sempre ocorre. De qualquer forma a crise na educação é algo com que os

administradores terão que conviver durante muito tempo ainda. Apenas reclamar

não resolve os problemas que as organizações enfrentam. Também um questio­

namento ético pode ser feito a respeito dessas técnicas "participativas" que, muitas

vezes, nada mais são do que formas de manipulação e internalização de controles.

Outra contribuição muito importante de McGregor (Apud WEISSENBERG,

op. cit., p. 307-318) foi apontar as proposições que se baseia a concepção gerencial

a respeito do comportamento de seus subordinados. Estas proposições formam a

chamada teoria X. Em síntese, essa teoria supõe que o trabalho é uma atividade

desagradável e o trabalhador o evitará, se for possível. Segundo o próprio

McGregor, esta teoria confunde causa e efeito. Na verdade, o comportamento indo­

lente das pessoas, em algumas organizações, é causado pela própria estrutura

administrativa existente. Resumindo, não é da natureza humana ser indolente,

irresponsável e preguiçoso. A pessoa, muitas vezes, ao agir desta forma, está

apenas reagindo às estruturas que simplesmente o fazem sentir desmotivado.

McGregor então, mostrou uma nova concepção a respeito do comportamento

dos empregados de uma organização. Esta nova concepção parte de pressupostos

diferentes da teoria X e foi chamada de teoria Y:

a) a administração central é a responsável por organizar os elementos

produtivos da organização - dinheiro, materiais, equipamentos, pessoas -

a fim de se obter a máxima produtividade;

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b) as pessoas não têm uma natureza passiva em relação às necessidades

da organização. Elas, algumas vezes, agem desta maneira por causa da

estrutura administrativa existente;

c) a motivação, o potencial para o desenvolvimento, a capacidade para

assumir responsabi lidades e a disposição para desprender seus esforços

a fim de atender os objetivos da organização estão sempre presentes. É função da direção da organização despertar estas características em seus

funcionários;

d) a tarefa essencial do administrador é criar condições organizacionais e

métodos de operação para que as pessoas alcancem seus próprios

objetivos. A partir daí, elas direcionariam seus esforços para atender aos

objetivos organizacionais.

o estudo de McGregor corrobora os estudos de Maslow e Herzberg e

corrobora também a afirmação feita neste trabalho de que não existe uma receita

infalível. A crença de que podemos motivar as pessoas faz com que proliferem os

enfoques manipulativos no campo da motivação.

A sociedade capitalista parece crer que a dimensão econômica é a principal

dimensão da realidade dos indivíduos, levando a crer que é necessário (e possível)

alcançar a auto-realização nas organizações produtivas. Dessa forma são

desenvolvidas "técnicas humanísticas· a fim de propiciar aos funcionários a sa­

tisfação das necessidades de mais alto nível na escala de Maslow. Discordo deste

ponto de vista por achar que, dentro das organizações produtivas, a busca pela

eficiência nos processos faz com que haja uma natural prioridade ao uso da

racionalidade instrumental . A auto-realização pode ser alcançada em outras esferas

da vida humana, onde há mais espaços para o aparecimento da racionalidade

substantiva. (Guerreiro Ramos, 1989)

Considero importante que a alta administração saiba interpretar as

necessidades de seus empregados e lhes dê boas condições de trabalho, sem

esperar que eles encontrem toda a realização pessoal nessa esfera de suas vidas.

A superação da abordagem mecanicista pela abordagem interpretativa da questão

da motivação no trabalho abrirá uma eterna negociação entre os administradores e

os empregados com maiores probabilidades de aumentar o compromisso desses

para com a organização. O entendimento que os indivíduos não se comportam

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como máquinas mas agem como sujeitos ajuda muito uma administração que

pretende favorecer a qualidade no seu sentido mais amplo.

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6. A QUESTÃO DA CULTURA

Outro aspecto importante a ser apreendido é a questão da cultura. Tanto a

sociologia quanto a antropologia abordam a questão da cultura de forma a tentar

entender como o indivíduo constrói sua realidade social, influencia e é influenciado

pela sociedade, seja uma nação ou uma organização burocrática.

Tanto na abordagem sociológica como na antropológica, a cultura parece se

constituir num elemento que dá estabilidade aos indivíduos que convivem numa

mesma sociedade. Ela faz com que as pessoas adquiram hábitos e costumes que

facilitem o convívio de todos. As pessoas não perguntam mais como agir, como

proceder em determinadas situações. Essas são tipificadas durante o convívio num

mesmo mundo social.

É interessante observar que, dentro de uma organização burocrática, a tipifi­

cação recíproca entre os indivíduos é percebida por todos de maneira objetiva, ou

seja, constituindo papéis que podem ser desempenhados por outras pessoas.

Dentro da organização, há um sentimento generalizado que estes papés exigidos

pelas organizações podem ser desempenhados por qualquer um, já que estão

establecidos e não podem ser mudados pelos indivíduos.

Dentro de uma organização existem diversas subculturas como, por exemplo,

num hospital, cultura dos médicos, das enfermeiras ou das psicólogas. Geralmente

o objetivo das organizações é tentar criar uma cultura corporativa que faça o em­

pregado se identificar com a organização. Para isto, é necessário o desenvolvimen­

to de políticas de gestão que viabilizem a integração e o comprometimento do

conjunto de empregados.

A cultura organizacional é, portanto, a responsável pela segurança psi­

cológica que as pessoas desenvolvem ao longo da sua existência social. Para o

desenvolvimento desta segurança, é necessário que haja situações conhecidas e

estáveis ao longo do tempo. Dentro deste padrão, a organização constrói seu uni­

verso simbólico e as pessoas aprendem este simbolismo que consideram

inabalável. Portanto, a questão da mudança se toma mais complexa quando esta

implica mudar profundamente padrões culturais.

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6.1 A ABORDAGEM ANTROPOLÓGICA

Há alguns séculos atrás, quando os europeus chegaram à América, se

depararam com sociedades radicalmente diferentes. São notórias as afirmações de

viajantes que retornavam à Europa e diziam ter encontrados "selvagens

americanos que vivem sem fé, sem lei e sem rei"IS.

Numa primeira abordagem, a antropologia optou por definir cultura de forma

conteudística, obviamente tendo em seu conteúdo aspectos existentes nas

sociedades industriais. Esta concepção de cultura levou as sociedades ocidentais a

dar graus diferentes de desenvolvimento para as diversas sociedades existentes.

A antropologia passou a ser o meio adequado para se legitimar o

etnocentrismo da sociedade ocidental. Dentro da lógica evolucionista, linear e

mecanicista, uma sociedade deveria possuir um conjunto de atributos que forma­

riam sua cultura. Esse conjunto de atributos, tais como leis, artes, moral e costumes,

seriam qualificados de acordo com seu grau de "desenvolvimento", tomando-se por

base a sociedade ocidental. É fácil perceber que quanto mais determinada so­

ciedade fosse diferente da referência ocidental , mais subdesenvolvida pareceria.

Nos dias de hoje, a própria antropologia reviu sua posição em relação à

definição de cultura. Em consonância com o paradigma emergente, a nova

concepção assume que existem diversas formas de uma sociedade se compor sem

que nenhuma delas seja melhor ou pior que as outrasl6. Uma definição dentro desta

concepção é dada por Clifford Geertz (1978, p. 15):

"O conceito de cultura que eu defendo é essencialmente semiótico. Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e sua análise, portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura de signifi­cados. "

/5 Na verdade, as tribos encontradas nas Américas eram sociedades que tinham uma estrutura radicalmente diferente das sociedades européias. Algumas destas difrrenças são: não possuir escrita, ter estrutura de paren/esca e religiosa difrren/es e niJo possuir Estado em sua estrutura de poder (CLASTRE. /982. p. /25). 16 É interessante percepber a relaçiJo existente entre esta abordagem e o inconsciente coletivo de Jung. Para ele, o incansciente é um processo, que envolve padrões dinâmicas coletivamente presentes. Estes padrões foram chamados de arquétipos. Ainda segundo Jung, os arquétipos são formas sem conteúdo, representando meramente a possibilidade de um certo tipo de percepção e ação. Isso explicaria o porquê de mitos semelhantes aparecerem em sociedades distintas.

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É interessante perceber o quanto este conceito de cultura é adequado

quando tratamos de organizações burocráticas. O universo simbólico na

organização, representado por seus mitos, ritos, crenças e valores compartilhados

pelos indivíduos que dela participam, são vistos, dentro deste conceito, como teias

de significados. Estas teias favorecem a identificação de cada indivíduo com o todo

organizacional, dão "estabilidade" aos relacionamentos externos e internos e dife­

renciam a organização como espaço específico.

Desta forma, durante os anos de sua existência, as organizações des­

envolvem sua cultura fazendo com que cada indivíduo adquira hábitos e costumes

que facil item o convívio de todos. As pessoas não mais perguntam como agir, como

proceder em determinadas situações.

É claro que as pessoas "constroem" as teias de maneira diferente, ou seja,

alguns indivíduos dão mais contribuições do que outros. Os fundadores da

organização têm papel decisivo na formação cultural da organização. Também os

indivíduos que detêm o poder (diretores, chefes e supervisores) têm mais condições

de "construir" as teias culturais. Por esta razão, Fleury (op. cit., p. 6) afirma que "os

elementos simbólicos que formam uma determinada cultura tanto agem como

elementos de comunicaçlío e consenso, como ocultam e instrumentalizam as

relações de poder. " Dentro desta visão, podemos afirmar que a cultura, de certa

forma, funciona como uma ideologia, muitas vezes mascarando as relações de

poder.

6.2 A ABORDAGEM SOCIOLÓGICA

Uma outra abordagem sobre a questão da cultura é a abordagem

institucional, trazida da sociologia. De um modo geral, as teorias de organizações

até o final da década de 70 são criticadas por serem modelos que apontam para o

uso da racionalidade instrumental , voltada para a adequação dos meios aos fins

organizacionais através de mecanismos de manipulação e controle das pessoas,

muitas vezes dissimulados sob o conceito de incentivos ao trabalhador.

As realidades descritas por estas teorias são construídas sob a perspectiva

dos que exercem o poder, privilegiando a produtividade como valor de orientação

das ações gerenciais em detrimento da ética humanista, que considere as questões

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subjetivas como participantes ativas da construção da realidade social e do

ambiente.

o funcionalismo (que preza os cargos e papéis em detrimento das ações

individuais) e a subestimação da complexidade da questão dos conflitos

organizacionais (feita através da adoção de soluções simplistas que visam mediar

estes confl itos) são pontos que atestam a incapacidade das teorias organizacionais

em lidar com mudanças. Assim, seu comportamento em relação a estas mudanças é

meramente reativo.

Estas teorias administrativas, portanto, não foram capazes de orientar as

ações das organizações segundo uma racional idade substantiva (em consonância

com o paradigma emergente)!7, racionalidade esta que não aceita a justificativa dos

meios pelos fins como instrumento de relativização de valores éticos. Uma teoria

capaz disto deve considerar o indivíduo como ser dotado de razão,

autodiscemimento e capacidade criativa.

No entanto, novas abordagens vêm surgindo, incorporando uma tentativa de

resgate de valores éticos, tanto a nível subjetivo como a nível social. Esses

trabalhos receberam a denominação ampla de teorias de institucionalização. Elas

estudam os processos pelos quais os indivíduos aceitam uma definição comum de

real idade social.

Fortemente baseadas nos trabalhos dos idealistas e fenomenologistas

alemães, seguidores de Alfred Schultz, as idéias de Berger e Luckmann (Apud

SCOTT, 1987, p. 495) sobre a institucionalização são centradas na questão da

natureza da ordem social. Argumentam que a ordem social fundamenta-se numa

realidade social compartilhada, criada pela interação social, existindo portanto

apenas como produto da atividade humana.

o processo de institucionalização é aquele no qual as ações repetidas ao

longo do tempo assumem um significado uniforme para as pessoas. Para Berger e

Luckmann (1990, "a institucionalização ocorre sempre que há uma tipificação

recíproca das ações habituais pelos tipos de atores". Essas tipificações recíprocas

das ações são construídas no curso da história compartilhada. Não podem ser

17 o novo paradigma tem como filosofia básica uma multidisciplinaridade do conhecimento. Dentro desta linha de pensamento podemos dizer que, em todas as áreas, há uma tendência de não se buscar teorias unificadas e sim um corpo de conhecimentos composto de múltiplas áreas do conhecimento. No campo de administração de empresas, acho que há uma tendência de passarmos da fase de teoria das organizações para "teorias para as organizações".

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criadas instantaneamente. As instituições então, devem ser entendidas dentro de

um processo histórico no qual ela foi produzida. Elas controlam a conduta humana

estabelecendo padrões previamente definidos de conduta, que a canalizam em uma

direção por oposição às muitas outras direções que seriam teoricamente possíveis.

As instituições implicam, portanto, historicidade e controle. Sobre a questão do

controle, Berger e Luckmann (op. cit., p. 80) alertam para o seguinte fato:

"(. . . ) o caráter controlador é inerente à institucionalização enquanto tal, anterior a quaisquer mecanismos de sanções especificamente estabelecidos para apoiar uma instituição ou independentes desses mecanismos. Tais mecanismos (cuja soma constitui o que geralmente se chama sistema de controle social) existem evidentemente em muitas insti­tuições e em todas as aglomerações de instituições que chamamos de sociedades. Sua eficiência controladora, porém é de tipo secundário ou suplementar. "

Dessa forma, os indivíduos produzem coletivamente a ordem social

contrangidos pela ordem social vigente. O que é aceito como dado não é

questionado. Aqui é interessante alertar para o que Schutz (1979, p. 79) escreveu a

respeito do estranho com relação ao novo grupo, ou seja, de uma pessoa que não

sofreu nenhum processo de socialização dentro do grupo:

"(. . .) o padrão cultural do novo grupo é para o estranho em vez de abrigo, um campo de aventura, em vez de ponto pacífico, um tópico questionável, que tem de ser investigado, em vez de um instrumento que auxilie a de­semaranhar situações problemáticas, uma situação problemática em si, e difícil de dominar. Esses fatos explicam dois traços básicos da atitude do estranho com relação ao novo grupo, aos quais quase todos os sociólogos que escreveram sobre esse assunto deram atenção especial: i) a ob­jetividade do estranho; ii) a sua duvidosa lealdade. "

A partir daí, podemos entender por que um agente de mudanças, que chegue

a uma organização burocrática, tem mais conforto em questionar os diversos

pressupostos com os quais as pessoas lidam há anos. Ele funciona, nesta

organização, como um estranho.

Outro aspecto relevante que se refere às sociedades modernas é a

tendência dos processos de institucionalização se tornarem mais racionalizados.

Desta forma verifica-se que, nestas sociedades, tradições e costumes são

substituídos por leis e regulamentos e as autoridades tradicionais são substituídas

pela nação-estado, profissões e sofisticados sistemas jurídicos. Essa racionalização

dos processos de institucionalização foram incorporadas pelas organizações

burocráticas, através dos cargos funções pré-definidos e regulamentos e

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procedimentos que as pessoas devem seguir e que funcionam como um sistema

legal dentro dessas organizações.

De maneira geral, as contribuições apresentadas focalizaram sua atenção na

importância dos elementos simbólicos das organizações burocráticas (considerando

essas como um sistema social). Reforçam assim, a idéia de que a organização não

é apenas um sistema técnico, mas existe em um ambiente institucional , múltiplo e

de grande diversidade, que define e delimita a realidade social.

Visto que a cultura é um elemento que visa dar estabilidade à organização e

que a implantação de um sistema da qualidade pretende mudar hábitos e costumes

há muito disseminados pela organização, o conflito entre o agente de mudanças e

as pessoas que compõem a organização parece inevitável.

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CAI'tlTtJLO '

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7. A QUESTÃO DO PODER

Da mesma forma que existem várias abordagens nas questões da motivação

e cultura, a questão do poder tem sido, ao longo do tempo, muito discutida. Não

existe uma melhor forma de se abordar a questão das estruturas de poder de uma

sociedade ou organização burocrática. Como todo modelo, haverá um reducionismo

quando se olha de uma determinada forma para essas estruturas. É interessante

estudar e conhecer diversas abordagens para que se possa então, lidar com essa

importante dimensão da realidade.

o homem é um ator político que age segundo suas crenças e convicções.

Embora a socialização tenha um papel fundamental na tentativa de "conformar" o

ser humano dentro de papéis pré-estabelecidos (incluindo aí o processo educacio­

nal), ainda assim restam espaços para que os indivíduos interpretem a realidade e

ajam diferenciadamente na cena política.

Os indivíduos não se conformam igualmente às expectativas da sociedade.

Em cada contexto social, estão definidos os comportamentos considerados

apropriados para cada posição social; no entanto, essas definições não determinam

inteiramente a forma de agir das pessoas. Como sujeito da ação social, o indivíduo

interpreta as expectativas que lhe são colocadas aceitando mais fortemente umas e

chegando a rejeitar outras. Existe, portanto, uma relação dialética entre o indivíduo

e a sociedade, pois enquanto ele é moldado à sociedade, ela é modificada por suas

ações.

É importante ter essa vlsao do indivíduo pois, ainda hoje, existem

organizações que aplicam o "modelo máquina" que pressupõe que o homem se

comporta no sentido mais tradicional do termo, ou seja, faz tudo aquilo que é

mandado por seus superiores. Na pretensão de se ter o controle total do indivíduo,

desenvolveu-se sistemas de produção/administração que castravam a liberdade e a

criatividade do funcionário, quase que reificando a idéia de que o poder dentro da

organização deveria ser centralizado e, dessa forma, a melhor estrutura organiza­

cional seria a piramidal.

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Portanto, considero fundamental o resgate do indivíduo como sujeito dentro

das organizações de modo a encará-lo não somente como um ator mas também

como autor. Segundo Campos:

"A teoria organizacional voltada para a transformação da ordem social deverá preocupar-se menos em antecipar e controlar "comportamentos organizacionais" e voltar-se para melhor entendimento da ação de indivi­duos. Estes não são apenas atores, mas também autores; não meros objetos, mas sujeitos; não apêndices das máquinas, mas seres dotados de sentimentos, emoções, atitudes. Só assim poderá reencontrar o caminho em busca do ideal de liberdade, justiça e auto-realização. '�8

Se olharmos para a cultura como uma teia de significados representando as

opções feitas pelas sociedades, podemos considerar as estruturas de poder como

uma das muitas escolhas feitas.

Esse é um ponto crucial no novo paradigma. Precisamos entender a

multiplicidade, a diferença como fator de crescimento do ser humano. Temos de

aceitar o fato de que nem tudo é simétrico, uniforme ou massificado. Devemos

acabar com nossa mania de escolhas exclusivas do tipo "um ou outro" e começar a

entender que podemos optar na base do "sim, mas também".

7.1 TIPOS DE DOMINAÇÃO

Uma característica marcante de nossa sociedade é a forte presença das

organizações burocráticas. Max Weber (Apud KAST e ROSENZWEIG, 1976) fez um

estudo dos tipos de dominação existentes nos sistemas sociais e, segundo ele, são

três os tipos fundamentais: o carismático, o tradicional e o racional-legal . Cada um

desses tipos se diferencia dos demais pela sua origem e "legitimidade". A

legitimidade da dominação, segundo Prestes Motta (op. cit., p. 26-27), "é o fato que

a torna efetiva, é o motivo pelo qual determinado número de pessoas obedece às

ordens de alguém, conferindo-Ihes poder . •

A dominação tradicional é aquela que se baseia no tradicionalismo, na

crença de que tudo o que nossos antepassados acreditaram como válido deve

continuar a sê-lo. O poder é conferido às pessoas devido a suas raízes. Esse tipo

de dominação é extremamente conservadora e não possui qualquer base racional.

18 CAMPOS, Anna Maria. Do Comportamento à Acão Organizacional. (s.n.t.) Texto Datilografada, 12 páginas.

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A dominação carismática também não possui qualquer base racional para ser

exercida. Diferentemente da dominação tradicional, a dominação carismática não

pode ser delegada nem herdada porque está diretamente ligada à pessoa do l íder.

É um poder cujos limites são dados pela sua própria personalidade. Esse tipo de

dominação está l igada ao conceito de liderança embora a definição desse conceito

geralmente adotada pelos adeptos da racionalidade instrumental procure negar que

o poder do líder tenha base em sua personalidade, em certas características es­

peciais e extraordinárias de sua pessoa. Os adeptos dessa corrente preferem tentar

definir l iderança com bases estritamente racionais.

Dentro do projeto de eficiência máxima das organizações burocráticas, tendo

como instrumento fundamental a racionalidade instrumental, a dominação racional­

legal encontrou campo fértil para se disseminar. Esse tipo de dominação, também

chamado de dominação burocrática, é aquela cuja legitimidade se baseia em

normas legais racionalmente definidas.

A autoridade de quem exerce o poder racional-legal deriva de normas

racionais-legais, ao invés de tradicionais. Assim, as normas são válidas não porque

a tradição legitime, e sim porque levam a fins previamente definidos. Essas normas

dão meios de coerção sobre os subordinados e conferem poder restrito aos obje­

tivos a serem cumpridos. A autoridade de quem exerce o poder racional-legal está

definida pelas suas funções e as funções do subordinado, não tendo o administra­

dor burocrático nenhuma autoridade sobre a vida pessoal de seu subordinado. 19

Como forma de impor sua autoridade o administrador dispõe de uma série de

recursos tais como sanções e recompensas. Aqui é importante perceber que o

sistema burocrático convencional prima pela tentativa de conformidade, ou seja,

será premiado aquele que seguir as normas e será punida qualquer tentativa de se

romper a relação pré-estabelecida de poder. É mal visto o "by-pass" ou a

insubordinação ainda que o subordinado tenha por objetivo a consecução dos

objetivos organizacionais estabelecidos pela alta administração.

Outra característica do poder racional-legal é a impessoalidade. Em tese, o

subordinado não obedece ao sujeito mas ao cargo. O projeto de uma burocracia

ideal não leva em conta as pessoas que desempenharão os cargos. Esses são

desenhados sem se levar em consideração que as pessoas são diferentes e terão

/9 Na prática, quanto maior for o dependência do indivíduo ao emprego que possui maior poder terá seus superiores pora com ele. O grau de dependência é uma das variáveis que determinam quão intensa a autoridade pode ser exercida.

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interpretações diferentes dos papéis que cabem a elas. Mais que isso, o projeto não

considera ser possível as pessoas reescreverem seu papel. Segundo Prestes

Motta (op. cit., p. 33):

"O caráter impessoal da burocracia é claramente definido por Weber quando ele diz que ela obedece o princípio da administração "sine ira ac studio", sem ódio ou paixão. A burocracia é mais plenamente desenvolvida quanto mais se desumaniza, quanto mais completamente alcança as carac­terísticas específicas que são consideradas como virtudes: a eliminação do amor, do ódio e de todos os elementos pessoais, emocionais e irracionais, que escapam ao cálculo. Em outras palavras, dentro de uma burocracia, em seu estado puro, não há lugar para sentimentos, para o favoritismo, para gratidão, para as demonstrações de simpatia e antipatia. O administrador burocrático é um homem imparcial e objetivo, que tem como missão cumprir as obrigações de seu cargo e contribuir para a consecução dos objetivos. n

É claro que essa impessoalidade de quem exerce a autoridade racional-legal,

na prática, não é absoluta. Embora, em tese, qualquer pessoa possa exercê-Ia com

igual eficiência, é fácil perceber que pessoas diferentes têm diferentes desempenho

no papel de influenciar pessoas.

Para entender esse fenômeno, é interessante conhecer o conceito de "zona

de aceitação" descrito por Simon. Ele encara a relação de poder considerando os

dois lados da questão: o que manda e o que aceita ser mandado. Segundo Simon

(1979), o ponto fundamental na relação de autoridade é que o subordinado

preserve sua capacidade de escolha entre alternativas e utilize, como base para

escolha, aquilo que recebe através de uma ordem. A zona de aceitação seria a

faixa de tolerância, dentro da qual o subordinado aceita ordens sem analisar os

méritos do comportamento relacionado com o problema que se encontra à sua

frente. Portanto, autoridade formal é, segundo esse autor, l imitada pela zona de

aceitação.

Se a efetividade da autoridade de uma pessoa depende do consentimento de

quem é governado, o papel da dominação carismática (podendo ser vista como

liderança) ganha evidência pois ela será capaz de complementar a autoridade

racional-legal, aumentando assim a zona de aceitação dos subordinados. É interes­

sante notar que, dentro dessa perspectiva, as pessoas passam a ser encaradas

como autoras da realidade social, pois os cargos já não são mais impessoais e sim

dependente tanto do chefe como dos subordinados. A relação de poder passa,

então, a depender de uma "negociação" entre chefe e subordinado.

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A importância da dominação carismática parece ganhar força à medida que a

realidade organizacional se torna complexa. Cada vez mais torna-se evidente ser

impossível controlar tudo e todos dentro da organização. Por isso, o poder racional­

legal começa a ceder espaços para o surgimento da liderança, influenciando in­

clusive as formas de estruturas organizacionais surgindo opções à velha estrutura

piramidal, tais como a autogestão (ainda muito incipiente) e a estrutura matricial (já

bastante utilizada por algumas organizações).

7.2 O PODER NAS ORGANIZAÇÕES

As organizações burocráticas estão vinculadas à estrutura social. Elas

reproduzem uma estrutura social característica de uma formação social. Esta

reprodução significa uma recriação ampliada das condições de produção em uma

dada sociedade, em um dado sistema econômico. Segundo Prestes Motta (1989,

p.33):

'j!\ reproduǧo de uma formaçlJo social capitalista e burocrática implica a re­produçlJo do sistema de classes sociais que o caracteriza através da promoçlJo da acumulaǧo do capital, da reproduçlJo da força de trabalho, da reproduǧo das relações de poder e submisslJo e das idéias que os homens têm das relações sociais em geral. "

Dentro da proposta de eficiência máxima da sociedade capitalista, foram

concebidas as grandes organizações burocráticas. Num projeto ideal de burocracia

pura, a autoridade racional-legal predominaria. Esse tipo de autoridade é favorecido

pelo modelo centro-periferia, onde o poder centralizado não dá margens aos

subordinados a questionarem novos procedimentos, novas possibilidades de

construir a realidade.

Porém, o projeto ideal não é viável pois as pessoas não o "respeitam" e

resistem a qualquer tentativa de conformidade total às normas e procedimentos

racionais-legais. Surge, então, espaços para o aparecimento da liderança

carismática que geralmente é a responsável pelas grandes mudanças que ocorrem

dentro de uma organização. Junto com a liderança, fica evidenciado que uma

burocracia possui fortes aspectos políticos e que, em muitos casos, esses se

sobrepõem à estrutura racional idealizada pelas teorias de organizações.

Sendo assim, qualquer organização burocrática pode ser vista como uma

arena de conflitos. Organizações manejam recursos e geram opções sociais e

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econômicas e, portanto, possuem grande capacidade de influência sobre o destino

das pessoas.

Dentro da organização, o poder que um indivíduo tem geralmente se traduz

pela maior ou menor influência sobre o comportamento de outrem, pelo maior

controle sobre os ganhos e perdas e sobre os destinos da própria organização. Em

geral, o poder dentro da organização é centralizado nos niveis hierárquicos mais

elevados.

Vista como uma arena de conflitos, percebe-se que o projeto de uma

estrutura puramente racional falhou exatamente por desconsiderar as dimensões

humanas que apareceriam quando os cargos fossem ocupados por indivíduos.

Segundo Motta (1988, p.85), "a racionalidade da conquista e manutençlio do poder

se choca, em muitas vezes, com a racionalidade desenhada para a organizaçlio em

termos de seus produtos e serviços."

Curioso ressaltar que a divisão do trabalho acabou por ser a responsável

pela criação de diversos grupos internos de interesse. Onde existem subunidades,

existe não só a necessidade de interdependência, mas também interesses grupais

baseados na própria subdivisão. Muitas vezes, a disputa entre os grupos, cada um

defendendo interesses próprios, coloca em risco até mesmo os interesses da

própria organização.

Dentro da visão da organização como arena política, podemos entender que

os objetivos organizacionais são, na verdade, objetivos individuais dos que têm

poder suficiente para impor suas preferências a outros indivíduos. Vale recordar

aqui a abordagem de Fleury (op. cit., p. 6) sobre a questão da cultura, onde essa é

vista como ideologia, ocultando e instrumentalizando as relações de poder.

Também Kaufmann e Kee/ey (Apud MOTTA, op. cit., p. 86) tecem críticas ao mode­

lo orgânico exatamente pelo favorecimento que esses modelos emprestavam aos

interesses comuns, escondendo, assim, a real idade dos interesses individuais.

A dimensão política da organização burocrática fica evidente quando

percebemos que os executivos não agem e respondem somente a questões

referentes à racional idade dos problemas que enfrentam, mas também em defesa

dos interesses pessoais nas organizações que dirigem. Dentro dessa perspectiva,

percebe-se que o gerente vive a tensão da solução racional e a solução possível

que é determinada pelo aspecto político, e não técnico.

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É muito comum, nas organizações, os chefes serem criticados por seus

subordinados por tomarem decisões que beiram a irracional idade e ineficiência.

Isso ocorre porque os subordinados geralmente analisam o comportamento do

gerente sob o prisma estritamente técnico, muitas vezes não compreendendo a

dimensão política dos seus atos, achando que poderiam fazer muito melhor se lá

estivessem. Não raro, quando ascendem à posição do superior, acabam por tomar

as mesmas decisões que seu antecessor. Isso ocorre porque ao ocupar o cargo de

gerente, eles adquirem a verdadeira dimensão política que o cargo exige; portanto,

não fazem tanto quanto pensavam que poderiam fazer antes de ser chefes.

Por último, é interessante perceber que o poder é percebido dentro das

organizações das maneiras mais diversas possíveis. As dimensões de poder estão

presentes no nome do cargo (se é chefe, gerente ou diretor), no tamanho da sala

ocupada ou até mesmo na facil idade de acesso à alta direção. A todo momento as

pessoas avaliam e reavaliam quem tem mais poder dentro da organização.

Gerenciar qualidade, nas organizações modernas, pede uma nova postura e

entendimento para velhas questões. Considero a questão do poder importante pois

ela permeia todo processo de mudança. Cada vez mais, reduz-se o espaço das

decisões autocráticas e amplia-se o espaço da negociação. Saber "vender" a idéia

da mudança como importante e necessária é uma habilidade cada vez mais

requerida aos adminstradores. Mais que isso, é importante ter propostas

consistentes para "vender', propostas que resgatem a dimensão do indivíduo nas

organizações.

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8. METODOLOGIA DA PESQUISA20

Por ser este um estudo exploratório das questões relativas à implantação do

modelo da "Qualidade Total", considero o método de pesquisa mais adequado

aquele que permite uma maior discussão sobre os fenômenos sociais. Por conta

disso, o método escolhido foi o método hermenêutico-dialético.

8.1 O MÉTODO HERMENÊUTICa-DIALÉTICO

A crença na ciência como verdade absoluta e a consagração do método

empírico em nossa sociedade teve como auge o final do século passado, quando as

sociedades ocidentais se depararam com fenômenos que o método científico não

conseguiu explicar: a física atômica. Capra (1989, p. 58) descreve esse novo

fenômeno:

"A teoria quântica acabara de por abaixo os conceitos clássicos de objetos sólidos e de leis da natureza estritamente deterministas. No nível subatômico, os objetos materiais sólidos da Física clássica dissolvem-se em padrões de probabilidade semelhantes a ondas; esses padrões, em última instância, n§o representam probabilidades de coisas mas, sim probabilidades de interconexões. (. . .) A partiç§o cartesiana entre o eu e o mundo, entre o observador e o observado, n§o pode ser efetuada quando lidamos com a matéria atômica. Na Física atômica, jamais podemos falar sobre a natureza sem falar, ao mesmo tempo, sobre nós mesmos. n

Outro fato que contribuiu para o desenvolvimento e aceitação de outros

métodos de pesquisas que não o empírico foi o desenvolvimento das ciências

sociais cujo objeto é também sujeito, tornando assim impossível a suposta

neutralidade do pesquisador. Essa percepção de que o objeto das ciências sociais

é também sujeito veio depois da tentativa de aplicar os critérios do positivismo

nessa área do saber.

Para Habermas (1 980), é impossível aos homens procederem com

indiferença em relação ao mundo que eles construíram como supostamente o

poderiam em relação aos fenômenos da natureza. Já para Horkheimer (Apud

VERGARA, p. 6), não existe teoria da sociedade que não inclua interesses políticos;

20 A concepçflo desse item foi fortemente influenciada pelo trabalho de (VERGARA, 1985).

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não há reflexão neutra, conduzindo a decisões e ações na atividade histórica

concreta.

No início, os cientistas sociais foram também influenciados pelo paradigma

positivista-lógico e pretenderam estender a racionalidade instrumental à totalidade

do ser. Com o passar do tempo, percebeu-se que a realidade social é um dos

aspectos da realidade humana que mais clama por outro tipo de pensamento: o

pensamento dialético. Nessa dimensão é imprescindível entender os aparentes

paradoxos, percebendo que esses constituem partes de uma mesma realidade, ou

metaforicamente falando, lados diferentes de uma mesma moeda.

Não quero dizer que, ao resgatar a lógica dialética, o método empírico (que

tem por base a lógica clássica) deva ser deixado de lado. Na verdade, o paradigma

hermenêutico-dialético clama pela síntese dos aparentes paradoxos, constituindo

assim a síntese dos diversos pensamentos. Dentro do paradigma hermenêutico­

dialético, então, percebe-se que o uso do método empírico ou do interpretativo

dependerá da natureza do problema estudado. O resgate da lógica dialética vem

para complementar a lógica clássica e não para suplantá-Ia. Segundo Konder

(1991, p 48-49):

"Durante séculos, a hegemonia do pensamento metafísico nos acostumou a reconhecermos somente um tipo de contradição: a contradição lógica. A lógica, como toda ciência, ocupa-se da realidade apenas em um determinado n{vel; para alcançar resultados rigorosos, ela limita o seu campo e trata de uma parte da realidade. As leis da lógica são certamente válidas no campo delas; e - nesse campo de validade - a contradição é a manifestação de um defeito de raciocínio. Existem, porém, dimensões da realidade que não se esgotam na disciplina das leis lógicas. Existem as­pectos da realidade humana que não podem ser compreendidos isolada­mente: se queremos começar a entendê-Ios, precisamos observar a co­nexão íntima que existe entre eles e aquilo que não são. " (grifo do autor)

Algumas das críticas mais severas ao positivismo vieram dos filósofos da

Escola de Frankfurt. Eles partem do pressuposto de que o homem é um ser de

dimensão histórica, que vive numa realidade concreta, particular, produzida,

contraditória. A dimensão histórica garante ao homem a possibilidade de negação e

superação da realidade, com vistas à emancipação humana. Assim a ciência deixa

de ter como objetivo somente a explicação dos fenômenos através das teorias, mas

explicá-los para a obtenção dessa emancipação.

Segundo Radnitzy (Apud VERGARA, op. cit. , p. 4) "os produtos da pesquisa

são auxiliados em termos de sua relevância para a praxis da pesquisa e para a pra-

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xis política e social, cujo fim último é a emancipação do homem". Já para Habermas

(op. cit.) a validação das leis dialéticas não trata de relações particulares de funções

específicas e contextos isolados; antes, relações fundamentais de dependência,

"por cuja mediação o mundo social aparece determinado como totalidade, presente

em todos os seus momentos".

o método dialético integra teoria e prática, sintetizadas na praxis. Ele integra

a visão de conjunto e as partes, a unidade e a diversidade em operações de síntese

e de análise. Nesse método, é importante a percepção da dimensão mediata e

imediata. Enquanto a última é a que percebemos imediatamente a primeira é a que

vamos descobrindo aos poucos com o decorrer da experiência e, paulatinamente,

interferindo nesse processo, construindo e reconstruindo essa dimensão. Disso de­

corre a possibilidade de se avaliar corretamente toda a significação do fenômeno.

Diferentemente do método empírico, o método dialético dá ênfase à

compreensão do sentido. Konder (op. cit.) explica:

"( .. .) a análise dos fenômenos quantificáveis da natureza não é o terreno do método dialético; antes, o da história humana e o da transformação da sociedade. Por essa razão, esse método leva à revisão do passado à luz do presente e questiona o presente em nome do futuro".

o método hermenêutico-dialético não separa o sujeito do objeto; antes, todos

co-participam, com suas diferentes representações da real idade e com suas ações,

do processo de pesquisa. Na visão de Radnitzy (Apud VERGARA, op. cit., p. 6), o

cientista quer que seus resultados sejam contribuições ao diálogo progressista da

humanidade, logo o cientista precisa do público como fundamento lógico de seu

trabalho. Dentro dessa nova visão, já não se pode admitir um cientista isento de

responsabilidade de possível uso dos resultados de sua pesquisa. Todos que

participam da pesquisa são co-responsáveis pelos resultados produzidos. Há uma

relação direta entre os pressupostos epistemológicos (método dialético) e a prática

da pesquisa (metodologia). O quadro 1 mostra essa relação.

Por último, é interessante ressaltar o caráter particular e único da pesquisa

pelo método hermenêutico-dialético. Dentro da nova visão fica muito difícil (e até

mesmo leviano) a generalização dos resultados obtidos em uma dada pesquisa.

Essa característica do método hermenêutico-dialético é acentuada por Habermas

(op. cit.) que afirma que as conexões interdependentes e complexas do contexto

histórico estão além dos sistemas considerados globalmente.

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PRESSUPOSTOS EPISTEMOLO­GICOS

- integra teoria e prática

- trabalha com negação

- trabalha com contradições e medi-ações, ultrapassando o âmbito da lógica clássica - envolve espírito crítico e autocrí­tico - visa a transformação da organiza­ção, a partir da análise de fenôme­nos não quantificáveis.

- não separa sujeito do objeto Fonte: (Vergara, 1992, op. cit, p. 9)

METODOLOGIA

montagem institucional e metodoló­gica da pesquisa

estudo preliminar e provisório sobre o assunto escolhido

análise crítica dos problemas consi­derados prioritários durante a fase de entrevistas e ''feedback'' dos re­sultados às organizações pesquisadas.

Quadro 1

8.2 A METODOLOGIA DA PESQUISA EM QUESTÃO

81

Pela própria natureza do método utilizado para a realização da pesquisa, é

muito difícil imaginar um receituário para a aplicação desse método. Entretanto, Le

Boterf e Grossi idealizaram um modelo tentando sistematizar o desenvolvimento da

pesquisa participante21.

Devido à escassez de recursos (tempo, dinheiro e recursos humanos) e ao

tema estudado, não foi possível realizar a pesquisa seguindo integralmente o

modelo idealizado por Le Boterf e Grossi . Porém, tomei-o como referência e

adaptei-o para as minhas condições específicas de pesquisa.

Dentro do meu projeto de pesquisa foi possível identificar três fases

distintas22, embora a realização do trabalho não tenha seguido todas as fases

21 Segundo Fals Borda pesquisa participonte é a pesquisa da açllo voltada para as necessidades básicas do indivíduo, especialmente os das c/asses mais carentes nas estruturas sociais contemporâneas, levando em conta suas aspirações e potencialidade de conhecer e agir (Apud VERGARA. op. cit .. p. 7-8). 22 O modelo de Le Boterf e Grossi possui uma quarta fase que é a programaçllo e aplicação de um plano de açdo que contribua para a solução dos problemas encontrados. Nilo foi realizada essa quarta fase pela falta de recursos já alegada e por não ser o escopo desse trabalho.

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l inearmente. Houve sempre um aprimoramento de cada etapa no momento em que

se chegou à etapa seguinte. As fases podem ser assim descritas:

1 " fase - montagem institucional e metodológica: (i) discussão do projeto de

pesquisa com a orientadora; (ii) definição do tema, objetivo, con­

ceitos e método; ( i i i) justificativa para a escolha do tema; (iv)

concepção do trabalho.

2" fase - Estudo preliminar e provisório sobre o assunto escolhido: (i) revisão

bibliográfica; (ii) elaboração de um modelo conceptual; (i i i) conheci­

mento dos pontos de vista dos indivíduos e dos grupos envolvidos.

38 fase - Análise crítica dos problemas considerados prioritários durante a

fase de entrevistas e "feedback" dos resultados à organização

pesquisada: (i) expressão das representações do problema; (i i)

questionamento dessas representações; (ii i) reformulação do

problema (iv) conclusão da pesquisa e ''feedback'' dos resultados à

organização que participou do projeto.

No intuito de associar o referencial teórico deste trabalho à vivência real, fiz

uma imersão no Instituto de Pediatria e Puericultura da Universidade Federal do Rio

de Janeiro (IPPMG), com o objetivo de entender o processo de mudança

organizacional por que passava a organização. A coleta de dados foi proporcionada

pela leitura dos documentos (legislação, regimento etc. ), pelas entrevistas e pela

observação direta do funcionamento do Instituto. Foram entrevistadas diversas

pessoas de vários níveis hierárquicos, a fim de colher suas impressões quanto ao

processo de mudança que vivenciavam.

Ao longo das entrevistas, foram feitos questionamentos, com vistas não só a

levantar como as pessoas percebiam a questão do gerenciamento da qualidade,

mas também, ao mesmo tempo, estimular nos entrevistados um novo olhar sobre a

questão da qualidade. Não se utilizou, nas entrevistas, um roteiro fechado. A

pesquisa foi feita mediante a real ização de entrevistas e debates, visando conhecer

o ponto de vista das pessoas que estavam envolvidas no processo de mudança.

Procurou-se obter opiniões de indivíduos em diversos níveis hierárquicos para

entender o problema de diversos ângulos.

As questões se iniciavam de forma ampla e se fechavam/abriam conforme as

respostas dos entrevistados. Sempre que possível , obtive a visão dos respondentes

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sobre os pontos fortes e pontos fracos da organização em termos da questão da

qualidade. Além das entrevistas e observações, foi feita uma pesquisa de opinião

junto aos usuários, com vistas a oferecer ainda outro ponto de vista quanto à

questão da qualidade.

Pode-se dizer que foi realizada uma pesquisa de caráter interpretativo das

questões levantadas, de modo a gerar "insights" para eventuais pesquisas futuras.

8.3 A ORGANIZAÇÃO PESQUISADA

A organização pesquisada foi criada pela lei nO 378 de 1 3 de janeiro de 1 937

com a designação de Instituto Nacional de Puericultura. Essa lei foi a responsável

pela reorganização do Ministério da Saúde e também criou a Universidade do

Brasil, hoje chamada Universidade Federal do Rio de janeiro.

Em 1 957 foi proposta à Congregação da Faculdade de Medicina e ao Con­

selho Universitário que as disciplinas Puericultura e Pediatria fossem reunidas em

cátedra de Clínica Pediátrica e Puericultura, bem como que o Instituto passasse a

ser denominado Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG).

É interessante saber que, na época de sua criação, a Diretoria, obedecendo

a finalidades desse centro de estudos e ensino e a fim de preencher todas as suas

atribuições, subdividiu o Instituto em quatro divisões, a saber:

- Divisão Administrativa;

11 - Divisão Assistencial;

1 1 1 - Divisão de Pesquisas; e

IV - Divisão de Ensino.

Embora bastante simples, esta estrutura foi organizada de modo que as

Divisões Administrativa e Assistencial representassem o conjunto de e/ementos­

meios para a real ização dos fins das Divisões de Pesquisa e Ensino. Nessa época

era claro para os empregados da instituição que sua missão primordial era ensino e

pesquisa.

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Ao longo do tempo, a estrutura organizacional adquiriu bastante com­

plexidade. Essa complexidade, porém, não foi acompanhada de uma maior clareza,

por parte dos integrantes do Instituto, sobre quais são seus objetivos primordiais.

Atualmente, a estrutura organizacional do IPPMG é baseada no agrupamento por

atividades de trabalho e obedece a seguinte escala hierárquica:

1 ° n ível - Direção Geral

2° nível - Divisões e Coordenação

3° n ível - Secões

4° n ível - Setores

Em uma pesquisa real izada a respeito dos objetivos primordiais do Instituto

por um consultor de sistemas de informações, encontrou-se uma enorme variedade

de respostas, onde as pessoas confundiam objetivos de curto e longo prazos,

aparecendo quase tantos objetivos quanto o número de respondentes ao questi­

onário. A maioria dos respondentes pensava ser objetivos do Instituto os objetivos

de sua D ivisão, numa clara falta de visão do todo.

Nessa mesma pesquisa, ficou evidente que a missão do Instituto, na visão de

seus empregados, passou de somente Ensino e Pesquisa para também prestar

apoio Assistencial à comunidade. Essa divisão, portanto, passou de área meio para

área fim. Mais adiante, neste trabalho, esse tema será abordado com mais

profundidade.

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9. A PESQUISA - UM ESTUDO DE CASO

A pesquisa realizada no Instituto de Pediatria e Puericultura da Universidade

Federal do Rio de Janeiro (IPPMG) teve como objetivo maior ilustrar o problema

central relatado nesse trabalho, ou seja, os aspectos envolvidos numa mudança

organizacional voltada para a implantação de um sistema de qualidade. Como a

preocupação básica da organização era a melhoria da qualidade de seus serviços,

foi oportuno identificar, entre outras coisas, as dificuldades e os êxitos da

administração do hospital na busca do objetivo perseguido. É importante ressaltar

que a experiência vivida foi muito mais rica do que conseguirei relatar neste

trabalho.

Embora a melhoria da qualidade nos serviços prestados pelo hospital fosse

nítida preocupação da alta administração do IPPMG, esta parecia desconhecer o

modelo de qualidade mostrado neste trabalho. Isso não invalida a pesquisa por três

aspectos básicos: a busca da qualidade e produtividade no hospital se dá, muitas

vezes, uti lizando-se diversos conceitos descritos neste trabalho; o próprio desco­

nhecimento do modelo por parte da alta administração demonstra a dificuldade

existente para sua disseminação; e, por último, mostra que o modelo não é a única

forma, mas um dos caminhos possíveis para a obtenção da melhoria da qualidade

nos serviços prestados por uma organização, já que o público cliente do IPPMG

reconhece os serviços prestados como de boa qualidade.

9.1 A REUNIÃO INICIAL

No final de agosto de 1 992 o Diretor-Geral do Instituto de Puericultura e

Pediatria Martagão Gesteira - IPPMG procurou o COPPEAD e solicitou que fosse

desenvolvido um trabalho na organização, pois estava preocupado com a queda de

qualidade dos serviços prestados pelo hospital à população.

Por ser qualidade o tema de minha tese, fui convidado a desenvolver uma

pesquisa participativa sobre a questão na organização. Dessa forma, o trabalho

desenvolvido serviria para o Hospital e, simultaneamente, para minha tese.

Na primeira reunião, o Diretor manifestou sua percepção quanto às causas

do problema. Em sua visão, a queda de qualidade era devido à pouca motivação

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dos funcionários, que tinha chegado a níveis tão baixos quanto perigosos. Nunca,

segundo ele, o moral dos empregados estivera tão baixo. Como solução

emergencial, ele tinha reservado parcela dos recursos do hospital para fazer face

ao pagamento de gratificação de produtividade aos empregados segundo critérios a

serem estabelecidos e queria nossa participação na definição destes critérios para

a distribuição. É importante ressaltar que a verba separada para essa distribuição

teria que ser tirada de outro setor pois o hospital trabalhava com deficit de caixa há

alguns meses, tendo a situação melhorado um pouco com a entrada do então

Ministro Adib Jatene.

A equipe de consultoria concordou em ajudar a organização caso o trabalho

não fosse simplesmente definir critérios para distribuição de verbas, já que

contrariava nossa proposta de novas práticas gerenciais. Se o Hospital estivesse

aberto a uma pesquisa mais ampla, estaríamos dispostos a realizar o trabalho em

conjunto com sua alta administração. O Diretor aceitou nossa proposta e marcamos

uma reunião com toda a alta administração do Hospital.

9.2 REDEFININDO O PROBLEMA

Foi feita uma primeira reunião com todos aqueles que ocupavam cargos

executivos na instituição. Nessa reunião, pudemos perceber o quão divergentes

eram as opiniões das pessoas que ocupavam cargos executivos a respeito do

problema central que os afligia. Que o moral e a motivação da maioria dos profissio­

nais do hospital estavam baixos e que a qualidade do serviço estava sendo

prejudicada era um consenso geral. Na abertura da reunião, o próprio diretor já

reconheceu que existia uma falta de consenso sobre a própria natureza do

problema. Configurou-se desde então, uma mudança de postura em relação ao

problema, que antes teria na distribuição de dinheiro a solução mágica.

Diversos outros oontos foram levantados. O chefe da Divisão de Ensino e

Pesquisa via na dicotomia assistência-ensino a raiz do problema a ser resolvido.

Segundo ele, houve uma época em que, nesses hospitais, só existia uma visão: a

de ensinar. Recentemente, os hospitais universitários foram obrigados a se

transformar em prestadores de serviços, sendo cobrados, pelo Governo, produtivi­

dade no atendimento à população.

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Na verdade, os hospitais universitários ficaram numa situação sui generis:

não recebem dinheiro do Ministério da Educação pois são hospitais e não recebem

dinheiro para pesquisa do Ministério da Saúde porque este se considera

responsável apenas pela parte hospitalar. Para piorar a situação, nem mesmo essa

função tem sido suprida adequadamente, dada a alegada falta de recursos. Dessa

forma, não existindo recursos para a pesquisa dentro do hospital universitário, fica

comprometida a qualidade do ensino.

Ainda segundo o chefe da Divisão de Ensino e Pesquisa, os hospitais que

optaram pelo enfoque multidisciplinar e não se preocuparam em "ganhar dinheiro"

sucumbiram. A questão fundamental, então, seria conciliar na instituição as duas

áreas: prestação de serviços de saúde com a pesquisa e ensino. Sobre a questão

da distribuição de verbas para a melhoria da qualidade o chefe da divisão foi

taxativo: seria inócuo. Segundo ele, em outras épocas, quando o salário não era tão

baixo, já se verificava uma baixa motivação nas pessoas, com reflexos sobre a

qualidade nos serviços prestados. As condições de trabalho, segundo ele,

propiciam essa baixa motivação. Segundo sua convicção, esse discurso de baixos

salários era o mesmo de alguns anos atrás.

A chefe de Recursos Humanos compartilhou as dúvidas do chefe da Divisão

de Ensino e Pesquisa quanto à melhoria da qualidade em decorrência de simples

aumento de retribuição financeira. Entretanto, lembrou que a situação dos

empregados com nível salarial mais baixo chegara ao ponto de pessoas que

trabalhavam no turno da manhã ficarem até à noite para receber o jantar no Ins­

tituto. Segundo ela, a situação atual estava levando as pessoas a perderem a noção

de cidadania. Não só no aspecto remuneração mas também nas condições de

trabalho. Os empregados tinham perdido o orgulho de ser funcionário público. O

trabalho no hospital nada tinha a ver com o projeto de vida das pessoas. Isso,

segundo ela, tirava das pessoas a motivação para a execução do seu trabalho com

a qualidade desejável.

Outro aspecto extremamente importante quanto à situação de alguns

funcionários era o não pagamento, por parte do Instituto, de todos os direitos

trabalhistas como, por exemplo, adicional de periculosidade para quem trabalhava

com raios-x. Era inconcebível, segundo ela, pensar em dar qualquer tipo de

aumento sem regularizar a situação desses funcionários.

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Outro depoimento importante foi dado por uma arquiteta, funcionária do

Instituto. Na sua percepção, quando o indivíduo começa a trabalhar em um órgão

público, parece perder sua identidade profissional original. A cultura de funcionário

público parece encampar as diversas outras subculturas profissionais tais como a

dos arquitetos, engenheiros e outras. Esse fato, segundo ela, se agrava atualmente

pois os órgãos públicos pareciam ser responsáveis por tudo de ruim que acontece

no país. Eram chamados de ineficientes, inchados de profissionais e causadores do

temível deficit público, inimigo número um da inflação brasileira. Todo esse

massacre tirava do funcionário o orgulho que deveria ter de seu trabalho.

Apontou-se ainda como problema as péssimas condições de trabalho, que

estariam levando o profissional mais especializado a não ficar muito tempo no

hospital. A elevação do turn-over afetaria tanto a realização do trabalho de

atendimento diário como a própria atividade de pesquisa.

O crescimento do Instituto ao longo do tempo foi outra causa apontada para

as dificuldades por que o IPPMG vinha passando. A maioria dos chefes presentes

reclamou da falta de profissionais para o cumprimento das tarefas.

É interessante registrar que todos apontaram o crescimento como uma coisa

boa. A chefe da radiologia citou o aumento do número de exames como um fato

positivo para seu departamento. Em seis anos o departamento passou de 70

exames para 1 200 exames/mês. Ela também reclamou da falta de tempo para os

profissionais do setor exercerem a atividade de pesquisa uma vez que o

crescimento de exames não foi acompanhado pelo aumento do número de

funcionários correspondente. Esse acúmulo de exames também era verificado nos

laboratórios clínicos, acarretando os mesmos problemas.

Nesse momento, fiz uma intervenção no sentido de detectar a incidência de

resultados "normais" em relação aos exames com alguma patologia. Não souberam

responder de imediato mas tinham certeza de que era de mais de 60% e admitiram

que isso indicava que muitos exames eram pedidos incorretamente. A discussão

sobre o número de exames elevados envolveu os participantes da reunião, que

apontaram diversos problemas decorrentes do crescimento de exames, a saber:

a) aumentava desnecessariamente os custos do hospital;

b) os estudantes de medicina aprendiam a pedir exames de maneira

desgovernada e sem critérios clínicos. Além de, a longo prazo, tender a

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encarecer o sistema de saúde como um todo, não caberia a um hospital

universitário ser reprodutor de condutas médicas não adequadas;

c) o alto número de exames retirava dos profissionais que os executavam a

possibilidade de realizar atividades de pesquisa, uma vez que o acúmulo

de serviço não deixa tempo devido; e

d) submetia os dientes a sofrimentos desnecessários, com o agravante de

os clientes do IPPMG serem crianças.

Finalmente, o responsável pela Seção de Serviços Gerais disse que percebia

que os profissionais mais especializados (chamou-os de "os grandões") procuravam

buscar fontes de recursos externas ao hospital e que os empregados menos

especializados (chamado por ele "os peões") eram mantidos com "rédeas curtas".

Acrescentou, ainda, que eram esses últimos que mantêm o IPPMG funcionando.

Ao terminar a reunião o Diretor esclareceu que a verba que estava sendo

reservada para a distribuição já não estava disponível, pois a universidade passaria

a cobrar pela comida cedida aos funcionários e pacientes do IPPMG.

Na verdade, essa primeira reunião serviu para nos mostrar o quão complexos

eram os problemas vividos pelo IPPMG. O diagnóstico inicial feito pelo diretor era

perfeito na medida em que a qualidade do trabalho no Instituto tinha chegado a

níveis que começavam a preocupar todos os que lá trabalhavam. Porém, um

diagnóstico mais profundo levava a entender que existia uma relação forte entre a

falta de qualidade do trabalho das pessoas e a queda de qualidade de vida desses

mesmos indivíduos.

A forma de resolver o problema apresentado já não parecia ser tão simples.

A distribuição de dinheiro aos funcionários não era vista como solução pela maioria

dos chefes embora todos reconhecessem que os salários pagos eram muito aquém

do mínimo indispensável. Um trabalho mais aprofundado era necessário sob pena

de o paliativo funcionar por pouco tempo ou, quem sabe, não funcionar por tempo

algum. Dessa forma, ficou combinado que faríamos diversas reuniões setoriais a fim

de pesquisar em diversos setores os fatores que, na concepção das pessoas, influ­

enciavam na qualidade do serviço prestado.

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9.3 AS REUNiÕES SETORIAIS

A princípio, ficou estabelecido, na reunião com as chefias, que faríamos

reuniões com todos os setores. Para isso, todos os executivos presentes na reunião

procurariam a secretária do diretor e marcariam as reuniões. Em todo o tempo que

permaneci no hospital (período que correspondeu a um pesquisador mês ou 1 60

horas), somente três setores marcaram suas reuniões. Diversas vezes cobrei do

diretor e sempre havia uma desculpa diferente para que não fossem marcadas

reuniões com as demais áreas. Muitas vezes, até mesmo falar com o diretor era di­

fícil. A própria dificuldade na marcação dessas reuniões foi por mim interpretada,

como resistência a eventuais mudanças. A seguir, relato o que de mais importante

aconteceu nas reuniões com os três setores, a saber: Divisão Assistencial, Divisão

de Apoio ao Diagnóstico e Divisão de Apoio Assistencial.

9.3.1 DIViSA0 ASSISTENCIAL

A divisão desemoenha uma das atividades fins do IPPMG. Embora o IPPMG

seja um hospital-escola e, portanto, tenha como função prioritária ensinar, a Divisão

Assistencial parece ter mais importância dentro do Instituto do que a Divisão de

Ensino e Pesquisa. Essa maior importância atribuo ao fato de essa divisão gerar a

arrecadação do hospital, pois o IPPMG não tem verba assegurada para ensino e

pesquisa.

o chefe da Divisão Assistencial começou a reunião falando das dificuldades

devido à falta generalizada de recursos para material de apoio ao diagnóstico e

para pesquisa. Apontou, ainda, problemas de organização por parte do pessoal da

Divisão de Apoio Assistencial que, freqüentemente, não arquivava os resultados

dos exames nos prontuários dos pacientes, trazendo assim grandes transtornos.

Segundo ele, muitas vezes, os médicos têm de sair do ambulatório para procurá-los

no arquivo, aumentando, significativamente, o tempo da consulta. Apontou como

problema mais grave a freqüência com que os resultados desses exames são

efetivamente perdidos. Nesses casos, o paciente tem que refazê-los, ocasionando

demasiada perda de tempo, elevação de custos e mais sofrimento ao paciente.

Interessou-me saber se a divisão já tinha real izado alguma pesquisa sobre

qualidade no atendimento médico. Constatei, que em todas as pesquisas já

realizadas o enfoque tinha contemplado somente o ponto de vista do médico. As

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pesquisas jamais tentaram obter a avaliação do paciente sobre a qualidade do

serviço oferecido.

Perguntei ainda se eles achavam que a qualidade do atendimento médico

era satisfatória. A resposta foi positiva sob a alegação de que se os pacientes

voltavam então o serviço deveria ser bom.

A suposta causação indicada na resposta não me pareceu muito adequada à

situação. Os serviços hospitalares no Brasil são, em geral, muito ruins e o fato de

as pessoas voltarem não significa necessariamente que tenham gostado. Poderiam

essas pessoas não ter opção de outros prestadores do serviço.

Propus, então, que realizássemos uma pesquisa tentando obter dos clientes

informações que pudessem nortear qualquer tentativa de melhora de qualidade do

serviço oferecido. O hospital presta uma gama muito grande de serviços tais como,

serviços emergenciais, ambulatoriais, de enfermarias e execução de exames. Os

participantes da reunião optaram pela realização de uma pesquisa inicialmente no

Ambulatório de Pediatria Geral. Caso os procedimentos dessa pesquisa fossem

satisfatórios, seria estendida a outras unidades.

A seguir, perguntei aos participantes da reunião o que achavam da alta

percentagem de exames normais registrada no hospital. Todos concordaram que

era exagerada. Propus então um levantamento para identificar em que tipos de

exame esse fato ocorria com mais freqüência. O chefe da divisão achou que era

melhor contactar a Divisão de Apoio ao Diagnóstico para esse levantamento.

Por último, perguntei sobre os pontos fortes e fracos do IPPMG na visão das

pessoas da D ivisão Assistencial. Como pontos fracos eles apontaram a excessiva

burocracia para se tomar decisões e as interfaces de relacionamento

(principalmente com a Divisão de Apoio Assistencial). Como pontos fortes, foram

apontados a democracia em que vive o Instituto e a qualidade do serviço médico

prestado.

9.3.2 DIVISÃO DE APOIO AO DIAGNÓSTICO

Essa divisão é composta dos seguintes setores: imunologia, bacteriologia,

laboratório geral e laboratório de raios-X e ultrassonografia. A chefe começou a

reunião afirmando que a divisão funciona como um mutirão: todos devem fazer de

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tudo pois a divisão carece de pessoal. A exceção são os serviços de radiologia e

ultrassonografia por serem muito especializados. A falta de pessoal decorre da não

substituição daqueles que se aposentam, são transferidos ou falecem.

Outro problema da Divisão é a manutenção dos equipamentos. Não há um

programa de manutenção e alguns equipamentos já estão quase quebrando. Para

que o hospital tivesse acesso a novas tecnologias o Instituto fez comodato com

algumas empresas.

Devido à falta de manutenção dos equipamentos, bem como à baixa

qualidade dos reagentes utilizados, há muitos exames com resultados "falso

positivo" ou ''falso negativo". Segundo a chefia, na maioria das vezes, esse

problema é detectado por causa da grande experiência dos profissionais que

trabalham nesta divisão. Quando detectado, o exame é repetido.

Foi levantado por todos os participantes da reunião o problema relativo ao

interrelacionamento com as demais divisões, considerado bastante deficiente.

Outra reclamação feita foi a inexistência de um plano de cargos e salários.

Muitos profissionais trabalham na Divisão como técnicos e, quando se formam, não

têm acesso a um cargo compatível com sua especialização. Acabam por ir embora,

criando problemas para a divisão.

A chefe do laboratório geral disse precisar de mais pessoal de nível superior

na coleta de sangue, pois sente haver falta de compromisso por parte das pessoas

que executam esse serviço.

Também foram apontados problemas com os documentos que seguem para

o arquivo. Muitos resultados de exames são perdidos no caminho entre esta Divisão

e o arquivo e não são anexados aos prontuários dos pacientes. Segundo a chefe do

laboratório de raios-X, o sistema de registro dos pacientes no hospital é o principal

responsável pelo número expressivo de perdas de resultados dos exames e pelo

número excessivo de exames real izados num mesmo paciente.

Outro problema apontado foi a precária comunicação interna. Foi dado como

exemplo o caso de um ginecologista do hospital que s6 soube da existência do

serviço de ultrassonografia depois de este fazer um ano de funcionamento.

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Ainda foi detectado que o número de exames de resultados normais sofre

uma nítida sazonalidade. Ele aumenta sensivelmente no início de cada ano, quando

os residentes iniciam os seus trabalhos.

Sobre o número de exames com resultados normais, confirmaram que era

elevado. O laboratório central tinha, inclusive, gráficos estatísticos que mostravam

que, em alguns exames, eles chegavam a índices de 80%. No entanto, esses

gráficos eram somente para controle interno, não servindo de informação gerencial

para que pudesse ser tomada alguma atitude em relação ao fato.

A chefe da Divisão falou que estudo mais aprofundado já tinha sido feito em

relação a determinado exame, pois o hospital, por falta de dinheiro, começou a ter

que controlar o número de "kits". Após este estudo, reduziu-se o número de exames

pedidos, economizando-se "kits".

Em relação à proposta apresentada para a realização de um estudo mais

amplo, embora tenha achado interessante a idéia, a chefia mencionou que deveria

ser conversado com a Divisão Assistencial e a Divisão de Apoio Assistencial pois

ambas seriam envolvidas na pesquisa. De qualquer forma, ela achava que uma

forma de começar a resolver este problema seria todos os residentes fazerem

estágio na Divisão de Apoio ao Diagnóstico para conhecer suas limitações e

problemas.

Como principal ponto positivo do Instituto as pessoas desta divisão

apontaram o bom clima organizacional , principalmente após o início da atual

gestão. Esse clima propiciava um ambiente descontraído, que fazia possível a

manifestação das necessidades da Divisão, bem como a implementação de

algumas das soluções propostas.

9.3.3 DIViSA0 DE APOIO ASSISTENCIAL

A Divisão de Apoio Assistencial congrega o Serviço de Documentação

(arquivo central ) e os Setores de Psicologia, Serviço Social e Nutrição, todos

representados na reunião.

O primeiro problema mencionado pelas pessoas desta divisão foi a falta de

pessoal qualificado para a realização do trabalho. Como exemplo a chefe da

Divisão citou o caso da farmácia, que não tem um farmacêutico substituto. Naquele

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momento a responsável pela farmácia estava de licença e não tinha ninguém que

pudesse substituí-Ia.

Um aspecto interessante apontado por todas as pessoas presentes na

reunião era que, no hospital, o serviço médico tinha as atenções prioritárias da

direção. Consideravam tal fato normal, já que a demanda era por esse serviço. O

trabalho da Divisão era definido como o de colaborar com a área médica.

A chefe ressaltou que a medicalização da saúde começa com os

Departamentos de Educação e Saúde Municipal (DEC), que encaminham para o

IPPMG todas as crianças que apresentam algum tipo de problema, inclusiva de

fome, maus tratos em casa etc.

As profissionais do serviço social afirmaram não ser possível trabalhar bem a

questão social na saúde, já que as pessoas que freqüentam o hospital sequer têm

noções mínimas de cidadania. O trabalho delas passa a ser, então, lembrar a todo

momento àqueles que utilizam os serviços de saúde do hospital a todo momento, os

direitos básicos dos cidadãos.

O outro problema apontado foi o de registro dos pacientes no hospital.

Dependendo do lugar por onde o paciente entra no hospital (emergência,

ambulatório ou enfermaria), abre-se um prontuário e registra-se o indivíduo. Se ele

não informar que já é cliente do hospital, abre-se um registro duplicado. Caso ele

faça algum exame, este será arquivado num dos prontuários e, provavelmente será

esquecido quando da abertura do outro prontuário. Outro erro muito comum é o

médico guardar os resultados dos exames com ele, fazendo um arquivo próprio.

Pode ocorrer também o resultado do exame chegar à divisão quandO o prontuário

está na sala do médico. Quando ele retoma, o exame fica esquecido em algum

lugar do arquivo e não no prontuário.

Perguntados se estes problemas já tinham sido expostos às demais divisões

envolvidas, a resposta foi que nunca as três divisões chegaram a um acordo sobre

as ações a serem desenvolvidas para evitar estes problemas. Sempre que alguma

solução era proposta, uma série de obstáculos eram colocados e nada se fazia.

Coloquei-me à disposição para intermediar algumas reuniões a respeito do assunto.

Embora a chefia tenha dito que providenciaria essas reuniões, até dezembro de

1992, época em que dei por encerrada minha pesquisa, ninguém tinha me

procurado.

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Quando coloquei novamente o problema do número excessivo de exames

com resultado normal, a resposta foi imediata: eu deveria procurar o chefe da

Divisão Assistencial.

Não tendo nenhuma das três divisões se mostrado pró-ativa em relação ao

problema, apesar de todas reconhecerem que existe e é sério, resolvi levá-lo ao

Diretor do IPPMG. Este se prontificou a marcar reunião com as divisões, para que

se começasse a discutir uma solução. Inclusive pediu para que eu participasse, mas

a reunião não aconteceu até dezembro de 1 992.

9.4 O SISTEMA DE INFORMAÇÕES

Entendo como sistema de informações o conjunto de aspectos relativos ao

fluxo de informações, interno e externo. Portanto, conceber um bom sistema de

informações é muito mais do que ter computadores ligados em rede ou mainframes

capazes de processar inúmeras tarefas. As máquinas só adquirem importância a

partir do momento em que a organização já possui um sistema de informações bem

concebido e um fluxo de informações capaz de otimizar a tomada de decisões.

No IPPMG, alguns fatos me chamaram a atenção e mostram como a

organização parece ter dificuldades em conceber e implementar um eficaz sistema

de informações. O primeiro aspecto saltava aos nossos olhos: o Instituto era muito

mal sinalizado. Ao entrar, quem não conhecesse o lugar, não conseguiria chegar

aonde queria sem perguntar ao menos a três pessoas. Medidas simples e baratas,

como a colocação de cartazes indicando os locais mais freqüentados facilitariam a

comunicação do Instituto com sua clientela.

Pudemos perceber, também, a dificuldade para que os resultados dos

exames dos pacientes estivessem no prontuário no momento em que a consulta

ocorria. As reclamações partiram das três divisões entrevistadas e também dos

clientes na pesquisa sobre a qualidade da prestação dos serviços.

Outro fato que demonstrava a falta de um sistema de informações adequado

foi a constatação de que a Divisão de Apoio ao Diagnóstico controlava o número de

alguns exames feitos e seus resultados e, simplesmente, não os utilizava como

''feedback'' para a Divisão Assistencial para se reduzir o número de pedidos des­

necessários. A informação colhida se perdia por simples ineficiência do sistema.

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Diante disso ficou patente que um dos mais graves problemas do Instituto era

o seu precário sistema de informações, fato este diagnosticado pelos próprios

executivos do hospital. Após quase um mês de pesquisa, o Diretor declarou que

entrara em contato com o Centro de Processamento de Dados (CPD) da UFRJ para

pedir auxílio na elaboração de um sistema de informações eficaz. Convidou-me

então para participar de algumas das discussões a respeito da implantação deste

sistema.

Participei apenas de uma reunião e presenciei um fato curioso. O analista

responsável pela concepção do sistema de informações estava tendo dificuldades

por não conhecer suficientemente a organização. Em razão dessa dificuldade,

propôs a realização de uma pesquisa junto aos funcionários de diferentes divisões,

para conhecer a visão de cada um sobre a missão e cinco objetivos de longo prazo

do IPPMG. Definiu-se como longo prazo os próximos cinco anos.

Os resultados da pesquisa revelaram que a missão do instituto parecia

bastante clara a todos os membros da organização: ensino e pesquisa na área

médica bem como assistência à comunidade.

Porém as respostas sobre os objetivos de longo prazo evidenciaram uma

ampla falta de consenso entre as divisões. A maioria das respostas estava

circunscrita à divisão a que pertencia quem respondia o questionário. Outros dados

relevantes diziam respeito às prioridades. Para a maioria das pessoas era prioritário

executar ou acabar reformas já iniciadas nas instalações do Instituto e construir

novas unidades de atendimento. Em relação à concepção de um sistema de infor­

mações, muito pouco foi mencionado pelas pessoas como prioridade do Instituto.

Algumas pessoas pediam que fosse informatizada sua divisão, mas ninguém

estabeleceu como prioridade a concepção de um sistema de informações para o

IPPMG.

A ampla gama de objetivos revelados pela pesquisa real izada pelo analista

deixou a impressão de que o Instituto carecia de um planejamento estratégico, a

partir do qual as divisões poderiam estabelecer os objetivos de longo prazo a serem

perseguidos nos próximos cinco anos.

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98

9.5 A PESQUISA DE SATISFAÇÃO DO USUÁRIO DO AMBULATÓRIO DE PEDIATRIA GERAL

Um dos frutos das reuniões com a Divisão Assistencial foi a possibilidade de

se real izar pesquisa sobre qualidade no atendimento a partir do ponto de vista do

usuário. Em suma, a pesquisa visava, basicamente, levantar as dimensões do regis­

tro subjetivo da satisfação dos usuários do ambulatório. Por questões de tempo e

por ser uma experiência nova no hospital, ficou decidido que a pesquisa se

realizaria apenas no Ambulatório de Pediatria Geral (APG).

o questionário foi elaborado em conjunto com a chefe do Ambulatório e

submetido ao Diretor. Depois de muito negociar, conseguimos chegar à versão do

questionário, apresentada no anexo 1 deste trabalho. Ele se compõe, basicamente,

de quatro partes. A primeira diz respeito aos dados pessoais dos usuários. A

segunda parte tenta verificar a eficiência das operações do ambulatório como

marcação de exames e consultas, tempo de espera e facilidade de remarcação de

consultas. A terceira parte do questionário é sobre as instalações físicas do

ambulatório; e a última diz respeito ao atendimento médico.

o elenco de perguntas a serem respondidas, mesmo depois de inúmeras dis­

cussões com os médicos do Instituto, manteve algumas perguntas consideradas por

mim não pertinentes. Ficou combinado que a coleta de dados seria feita através de

entrevistas pessoais com os usuários. Dessa forma, pretendia-se que os resultados

fossem mais confiáveis. Estipulou-se que seriam entrevistadas 150 pessoas, nú­

mero que corresponde a 5% do total de clientes que utilizam o ambulatório em um

mês. As entrevistas foram realizadas em dezembro de 1 992.

A experiência foi interessante sob vários aspectos. O primeiro deles foi o de

conhecer parte do Brasil real, interagir com pessoas humildes, pobres e vivenciar

algumas de suas dificuldades diárias. Outro foi descobrir que muitas das pessoas

que freqüentam hospital público pertencem a chamada classe média. A falta de

consciência dos próprios direitos, por parte da maioria das pessoas, foi outro

aspecto a ser ressaltado. Por último, foi interessante perceber que as prioridades da

alta administração não são, necessariamente, as prioridades dos usuários do

IPPMG, fato que reforça a importância de uma pesquisa constante por parte do

Instituto sobre as necessidades do cliente.

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99

Embora não tenha havido rigor estatístico na pesquisa, alguns resultados

foram por demais contundentes, chegando a índices de 90%. Como a pesquisa foi

interativa, muitas das informações colhidas são frutos das conversas com os

usuários e não propriamente das respostas a perguntas do questionário.

9.5.1 RESUL TADOS DA PESQUISA JUNTO AOS USUÁRIOS

o hospital parece ser freqüentado por pessoas que pertencem à classe

média baixa e com baixo nível de escolaridade (63% dos entrevistados não tinham

completado o 1 0 grau e ganhavam até 2 salários-mínimos). Embora muitas pessoas

morem nas imediações, existe um grande contingente que mora longe do IPPMG.

Foi comum entrevistar pessoas que residiam em Niterói, Nova Iguaçu, Campo

Grande ou Bangu. Muitas destas pessoas íam lá para atendimento de nível

primári023, caso típico de consulta em posto de saúde. Por encararem o ambulatório

do hospital como um posto de saúde, algumas pessoas entrevistadas reclamaram

do fato de o hospital atender somente um de seus filhos.

o primeiro resultado evidente da pesquisa apontara a necessidade urgente

de reformas nas instalações físicas do IPPMG. Sobre isso, foram inúmeras as

reclamações. Segundo os usuários, os banheiros estavam em estado deplorável e o

aspecto da sala de espera estava muito aquém do desejável. Uma reclamação

bastante freqüente foi a inexistência de atrações para as crianças, tanto na sala de

espera como nos consultórios médicos. Segundo os clientes, no passado existia, na

sala de espera, uma televisão que divertia as crianças.

A falta de cadeiras para sentar e de bebedouros em condições de uso,

também foram reclamações repetidamente feitas. É importante notar que todos

estes aspectos se tomavam mais importantes na medida em que o tempo médio de

espera para uma consulta variava entre uma e três horas, chegando até cinco

horas.

A higiene da sala de espera foi outro ponto levantado com muita freqüência

pelos usuários do ambulatório. Chão muito sujo e pouca ventilação pareciam não

contribuir muito para a saúde de seus usuários. É sabido que diversas doenças são

transmitidas pelo ar com mais facil idade quando o ambiente é propício.

23 Nlve/ primário compreende o atendimento básico ao cidadão. São exemplos de atendimento em nlve/ primário: cllnica geral, vacinação. atividades educativas, saneamento básico. pediatria. dentista. etc.

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100

Um fato muito pouco comentado mas de grande relevância eram os fios

expostos nas paredes do local de espera das consultas. Fios expostos podem

causar acidentes graves, sobretudo entre uma clientela de crianças.

É importante notar que algumas das reclamações não necessitariam de muito

dinheiro para serem resolvidas, bastando apenas uma ação gerencial por parte da

chefia. Outras necessitariam de verbas específicas e seria necessário um aval da

direção do hospital. Nenhuma das reclamações feitas a respeito das instalações me

pareceu absurda ou impossível de ser atendida. Todas com certeza repercutiriam

no aumento do nível de qualidade do atendimento e, mais ainda, da qualidade de

vida dos usuários.

Outro fato revelado foi de que as avaliações das atendentes pelos usuários

são bastante aquém das avaliações dos médicos. Enquanto estes últimos

receberam uma avaliação "excelente" por parte dos usuários, aquelas receberam

apenas alguns elogios e muitas ressalvas. "Falta de educação", "antipática" e

"impacientes" foram alguns dos atributos utilizados pelos entrevistados. É importante frisar que presenciei alguns momentos desagradáveis no tocante ao

relacionamento mãe/atendente.

Além das atendentes do ambulatório, as pessoas criticaram as enfermeiras

que fazem a triagem, percebidas como detentoras do poder de permitir que as

crianças fossem ou não atendidas. O julgamento do estado clínico do paciente pela

enfermeira determinava ou não o atendimento. Muitos entrevistados criticaram o

critério básico utilizado por elas: a temperatura da criança. Uma mãe chegou a dizer

que, em certa ocasião, não deu um antitérmico à criança para que ela pudesse ser

. atendida naquele dia. Embora a chefe do Ambulatório de Pediatria Geral tenha

argumentado que este não era o critério utilizado pela triagem, é importante

ressaltar que a percepção das mães de que assim seja acaba por colocar em risco

a saúde das crianças.

Alguns fatos positivos foram observados. De uma maneira geral, a maioria

dos entrevistados considerou fácil tanto marcar exames como realizá-los, embora

algumas pessoas tenham reclamado de aparelhos quebrados.

O procedimento para a marcação de consultas, quando estas são perdidas,

foi considerado, pela maioria, eficiente. Eu mesmo testei este procedimento e

verifiquei que não há qualquer tipo de demora ou complicação.

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101

Por ser um hospital universitário, os pacientes são, freqüentemente,

atendidos por vários acadêmicos e médicos residentes, sempre supervisionados

pelo médico s/aff ou por um professor. Esse fato é visto com bons olhos pelas mães

pois as crianças são examinadas por "juntas médicas", expressão utilizada por

diversas mães.

Talvez o fato mais positivo revelado nas entrevistas foi que, na percepção

dos usuários, o atendimento médico é de ótima qualidade. Foram praticamente

unânimes os elogios à competência e dedicação dos médicos. Segundo os

entrevistados, os médicos, além de competentes, são atenciosos, carinhosos e não

medem esforços para curar a criança. Expressões espontâneas como "a vida de

meu filho foi salva aqui" foram comuns durante as entrevistas, inclusive por parte de

clientes cobertos por planos de saúde e que não conseguiram, fora do IPPMG,

solução para o problema da criança.

9.6 ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA VIVIDA À LUZ DO REFERENCIAL TEÓRICO

A experiência vivida não se resumiu aos dados obtidos das entrevistas e

questionários, mas também incluiu reuniões com a Direção do Instituto e com os

diversos departamentos. Outra fonte de dados resultou do convívio com o dia a dia

do Instituto, o que me deu uma dimensão maior de como os diversos conceitos de

qualidade são praticados na Instituição.

Tanto quanto possível, esta seção organiza os dados colhidos tomando por

base o referencial teórico apresentado nos capítulos 3 a 7.

9.6.1 O CONCEITO DE QUALIDADE NO INSTITUTO

Os diversos enfoques, apresentados no capítulo 3, nos dão a dimensão da

complexidade do tema, fazendo-nos entender que é impossível determinar relações

de causa-efeito entre queda de qualidade e baixa remuneração, como pensavam

inicialmente alguns membros do Instituto.

É interessante perceber como o conceito de qualidade é visto entre os

profissionais de saúde, especialmente se tratando dos médicos. Qualidade é vista

basicamente como correção no diagnóstico, resolução dos problemas do paciente.

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102

As pesquisas sobre qualidade no atendimento que o hospital desenvolveu ou

estava desenvolvendo eram todas ligadas aos aspectos técnicos e nenhuma tinha

como base a opinião do usuário. A pesquisa realizada no Ambulatório de Pediatria

Geral foi , segundo sua chefe, a primeira do gênero no Instituto e veio contribuir para

a ampliação do conceito, antes confinado à visão dos profissionais de saúde.

A própria bibliografia da área médica reforça a idéia de que a opinião do

usuário deve ser vista com ressalvas. Segundo Oliveira (1992), os pacientes, em

geral, além de possuírem uma compreensão muito incompleta da ciência e

tecnologia da atenção também têm, às vezes, expectativas que seria incorreto que

o profissional atendesse, ou porque estão social e profissionalmente proibidas, ou

porque não convêm ao paciente. Essa argumentação pressupõe que a objetividade

do conhecimento técnico se sobrepõe à subjetividade do paciente. Indica, também,

que os enfoques de qualidade utilizados pelos profissionais de saúde são aqueles

baseados na fabricação e no produto.

Entendo que a percepção do usuário deva sempre ser levada em

consideração quando da definição de qualidade no atendimento médico. Seu julga­

mento é sempre valioso, na pior das hipóteses, para mostrar ocorrência de ruídos

na comunicação entre a organização e seu cliente final. Seria mais interessante que

os profissionais de saúde "relativizassem" mais seus conceitos sobre qualidade no

atendimento e percebessem que podem ser múltiplas as visões acerca do tema.

Entender esta multiplicidade facilitaria a busca de soluções.

Qualidade no atendimento públiCO está diretamente l igada ao conceito de

cidadania, que só será plenamente exercida quando as instituições públicas

retornarem ao cidadão um serviço digno do imposto pago. Dessa forma, acho

necessário que os múltiplos conceitos de qualidade sejam disseminados pelo

Instituto de maneira que os profissionais entendam os diversos lados da questão.

Outro fato extremamente importante a destacar é que, apesar da queda de

qualidade percebida pelos dirigentes do Instituto e claramente observada nas

precárias condições de higiene e segurança do ambulatório, os pacientes, em sua

maioria, elogiaram muito o serviço de atendimento ambulatorial. Muitas vezes

atribuíram, inclusive, qualidade superior ao serviço do Instituto quando comparado

com a rede de hospitais privados incluindo o atendimento nos planos de saúde.

Dois motivos me parecem explicar o fenômeno:

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103

• os médicos do hospital são bons tecnicamente e auxiliados por

estudantes que estão com muita vontade de aprender coisas novas, o que

lhes confere uma motivação adicional para a real ização do seu trabalho.

A qualidade percebida no setor de saúde é muito l igada ao desempenho

do médico; e

• qualidade é um aspecto subjetivo e muito sujeito a comparações por parte

do usuário, principalmente no setor de serviços. Como o sistema de

saúde no Brasil e, em especial no Rio de Janeiro, está em frangalhos, o

Instituto acaba levando vantagem na comparação. Aspectos como higiene

e tempo médio de espera pelas consultas ficam em segundo plano pois,

segundo vários entrevistados, lá no hospital as pessoas são atendidas

com um mínimo de dignidade pelos profissionais.

Entretanto, alguns problemas sérios, que impactam a qualidade dos serviços

que o IPPMG oferece, devem ser levantados. Parte destes problemas só podem ser

resolvidos com ações de órgãos externos ao Instituto, o que não significa que as

pessoas que trabalham no IPPMG devam ficar paradas esperando soluções. Outra

parte dos problemas porém, se resolveriam com ações gerenciais dos

administradores do hospital. Essa divisão, na verdade, é fictícia pois muitas das

ações externas poderiam ser desencadeadas a partir de ações internas e vice­

versa.

9.6.2 O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

Embora a todo momento os executivos do hospital reclamassem da falta de

recursos, pude observar a existência de um problema mais relevante a ser

resolvido: o da falta de capacidade gerencial. Essa falta de capacidade ficou

evidente em quase todo o tempo em que me relacionei com a alta administração do

hospital e não me pareceu ser decorrente de incapacidades pessoais mas sim, por

treinamento inadequado, ou até mesmo ausência de treinamento, para as funções

executivas.

A falta de um planejamento estratégiCO era cristalizada na falta de uma

melhor coordenação entre as diversas divisões, na dificuldade em pensar no longo

prazo e na incapacidade de priorizar a resolução de problemas. O que percebi foi

uma diretoria bastante empenhada em resolver tudo de uma só vez e,

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104

paradoxalmente, sem capacidade de tomar medidas concretas que visassem à

efetiva resolução dos problemas.

De certa forma, os problemas de curto prazo atropelavam qualquer ação

voltada para o longo prazo. Como exemplo, posso citar o paradoxo de querer

construir um novo CTI quando eram inúmeras as evidências de que faltavam

recursos para a manutenção das enfermarias e ambulatórios.

Talvez fosse mais proveitosa, embora menos marcante, para a alta

administração uma atitude mais ligada ao conceito "Kaizen", que propõe a melhora

contínua como mais valiosa do que os grandes saltos. O grande desafio da

administração é a adequação entre realizações pretendidas e recursos disponíveis.

O sucesso deste gerenciamento decorre de pensar estrategicamente a organização.

O pensar estrategicamente consiste em definir prioridades a fim de concentrar

esforços e os poucos recursos disponíveis. Estabelecer estratégias de ação requer

o entendimento por parte de todos de que os problemas de sua área estão inseridos

dentro de um contexto maior, no caso o IPPMG.

À falta de um planejamento estratégico adequado, que estabelecesse

objetivos consensuais de longo prazo, a alta administração parecia ter dificuldades

na administração do dia a dia. Não se conseguia definir os verdadeiros clientes da

Instituição (se os usuários ou o Governo). Decorriam ainda dificuldades em se

conceber um eficiente sistema de avaliação de pessoal. Talvez o primeiro passo em

busca da qualidade fosse um eficaz exercício de planejamento a fim de dimensionar

os reais problemas do Instituto como um todo dentro do contexto do sistema de

saúde e do sistema universitário.

9.6.3 MELHORANDO O SISTEMA DE INFORMAÇÕES

A convivência com a diretoria do Instituto revelou sua preferência por

grandes soluções no curto prazo. Em pelo menos duas ocasiões esta preferência se

confirmou: a primeira quando o entusiasmo do diretor arrefeceu ao sentir que as

soluções propostas pelo grupo da COPPEAD não tinham nada de milagrosas. Muito

pelo contrário, eram propostas que dependiam da participação dos membros do

Instituto e s6 prometiam efeitos a médio e longo prazo. A segunda evidência foi que

o Diretor pediu ao 6rgão central de informática da UFRJ que automatizasse o

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105

sistema de informações, ao largo de outras necessidades, na própria organização e

funcionamento do Instituto, que não resolveriam com a automação.

Mais do que a introdução de uma nova tecnologia, a melhoria do sistema de

informações carecia de se enfrentar questões de relacionamento e da própria

cultura organizacional . As informações eram sempre difíceis de serem obtidas no

Instituto. Mesmo quando alguém as possuía, parecia não saber o que fazer com

elas.

É incontestável que a falta de um sistema de informações prejudicava vários

aspectos relacionados com a qualidade. Sem pretender ser exaustivo nesta seção

retomo alguns problemas detectados durante a convivência que dizem respeito ao

sistema de informações. Para cada um são propostas ações que prometem

minimizá-los.

o caso mais evidente, porém não o único, foi ídentificado na Divisão de

Apoio ao Diagnóstico onde tinha sido montado um processo estatístico que detec­

tou que alguns exames tinham como resultado normal numa proporção muito maior

do que a que deveria acontecer. Essa informação não foi processada, ou seja, ficou

restrita à divisão e nenhuma medida tinha sido tomada junto à Divisão Assistencial

para que o problema fosse resolvido. Anteriormente, problema semelhante já havia

envolvido essas duas divisões: quando o kít de determinado exame ficou em falta e

o Instituto correu o risco de não poder realizar este exame por falta de material. O

ponto que merece ser ressaltado é que um melhor sistema de informações pode

fornecer medidas que deveriam ser rotineiras, evitando a ocorrência de soluções

apenas quando a situação se torna insustentável.

Outro fato relevante era a não disponibilidade em tempo oportuno das

informações sobre os pacientes quando da realização das consultas (prontuário).

Constatou-se a ocorrência de exames que se perdiam, informações contraditórias

ou simplesmente resultados de exames totalmente equivocados. Cada divisão

envolvida no processamento do fluxo das informações alegava que o erro era da

outra divisão e nunca se dispunham a tentar resolver o problema.

Contribuía para a não disponibilidade destas informações, o fato dos

pacientes terem registros diferentes quando chegavam ao Instituto por locais

diferentes. Se uma criança chegasse na emergência teria um registro e, se a

mesma criança chegasse ao ambulatório dias depois adquiriria um outro registro

como se fosse a primeira vez que estivesse freqüentando o Instituto.

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106

Seria desejável que casos como este, de confusa repartição de

responsabilidade, fossem enfrentados antes que o Instituto passasse pela

informatização.

9.6.4 A QUESTÃO DOS CUSTOS

A falta de recursos, um problema crônico nas instituições públicas brasileiras,

também existia na organização pesquisada. No caso do IPPMG, a receita era

determinada pelo INSS que liberava verba a intervalos irregulares e em valores

aleatórios. Todo mês, ocorriam cortes nas verbas sem nenhuma explicação e,

algumas vezes, essas verbas atrasavam. Isso levava o hospital a ter problemas no

seu relacionamento externo, pois o atraso das verbas acarretava um atraso no

pagamento de seus fornecedores.

Se, é bem verdade, pouco o hospital podia fazer no tocante às receitas,

muito poderia ser feito com relação às suas despesas. Uma organização que possui

receita limitada e incerta deveria ser bastante cuidadosa no tocante às despesas,

sobretudo àquelas desnecessárias. No Instituto, já havia sido feito um trabalho a

respeito de redução de custos no setor de compras. Segundo seu diretor, havia

muito desvio de verbas nesse setor e foi feita uma reformulação geral. O desvio de

verbas é, talvez, o "ralo" mais fácil de ser detectado e eliminado pelo administrador,

pois deixa rastros grandes e é abominado por toda a organização. Existe,

entretanto, outro tipo de "ralo" muito mais difícil de ser eliminado: o desperdício.

Durante as reuniões com as divisões Assistencial, Apoio Assistencial e Apoio

ao Diagnóstico, foi reconhecido como grande fonte de desperdício o número

exagerado de exames feitos, com alta porcentagem de exames com resultado nor­

mal. Os custos deste excesso de exames podem ser considerados custos "maus"

pois em nada contribuem para a qualidade final do serviço prestado.

A redução do excesso de exames teria inúmeras vantagens, a saber:

t> redução do custo total do atendimento;

t> menor exposição do paciente a exames dolorosos;

t> alívio da carga de trabalho dos médicos e técnicos do hospital l iberando­

os para as atividades de pesquisa; e

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107

11> oportunidade de os acadêmicos e residentes aprenderem a solicitar

exames de maneira correta.

Dessa forma, ofereci-me para fazer um levantamento de quais os exames

eram feitos em excesso para quantificar o problema e, assim, poder resolvê-lo.

Durante os quatro meses, todas as três divisões acharam ótima a idéia, empurrando

porém, a responsabilidade da pesquisa para outra divisão.

É evidente que outros "ralos" deste tipo existiam no Instituto. Bastaria apenas

que houvesse vontade política de procurá-los, encontrá-los e, por fim, eliminá-los.

Controlar custos e eliminar desperdícios também são ações de continuo

melhoramento que só trazem resultados a longo prazo. Não há como tomar medida

de grande impacto nesta área. São necessários muita perseverança e empenho

para que os primeiros resultados comecem a aparecer. É necessário, acima de

tudo, uma visão de longo prazo. Novamente se percebe que, no Instituto, os

problemas de curto prazo eram priorizados em relação a um planejamento de longo

prazo.

9.6.5 O TRABALHO EM EQUIPE E AS METAS MUL TIFUNCIONAIS

Aparentemente, o IPPMG vivia uma democracia. Tudo era discutido e as

soluções encaminhadas nas reuniões semanais, onde todos os chefes

participavam. Os chefes com quem eu conversei se sentiam bastante privilegiados

uma vez que acreditavam ter voz ativa nestas reuniões. As sugestões apresentadas

eram sempre anal isadas pelo grupo e votadas quanto à procedência.

Entretanto, tive a impressão de que a democracia terminava nas chefias pois

o processo decisório parecia não descer para outros níveis hierárquicos. As

pessoas do nível operacional não estavam envolvidas com os problemas da

Instituição, não pareciam estar motivadas a dar sugestões ou até mesmo participar

das discussões sobre os problemas que o IPPMG vivia.

Outro fato relevante é que os funcionários do Instituto nem mesmo sabiam

explicitar quais os objetivos de longo prazo da organização. Se isto era verdade,

como estabelecer metas multifuncionais para o IPPMG? Metas como qualidade,

custo e programação pareciam ser utopias numa organização onde objetivos não

eram claros para a maioria. É importante ressaltar que tais metas eram

preocupações de todos os chefes no Instituto, porém de forma não sistematizada.

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Eles se diziam preocupados com qualidade no atendimento, redução de custos e

prestação dos serviços, mas não priorizavam, de forma organizada, ações que

pudessem paulatinamente resolver esses problemas. Observou-se, ainda,

demasiada preocupação das chefias com suas unidades, sem se ligar no conjunto.

Embora a fixação de metas multifuncionais não seja fator determinante para

o sucesso, trabalhar com elas ajuda a entender os objetivos da organização e as

ações necessárias para alcançá-los.

9.6.6 O MARKETlNG NO IPPMG

Enquanto a organização privada tem como principais objetivos ganhar

mercado e gerar lucro, na organização pública o principal objetivo é servir à

sociedade em suas necessidades básicas. Se a organização privada precisa estar

voltada para os interesses de seus acionistas, a organização pública deve, também,

contribuir para o resgate da cidadania, tanto do público interno como do público

externo.

Um aspecto bastante marcante na instituição era a multiplicidade de clientes

com que ela se relacionava. Numa primeira abordagem, poderíamos identificá-los

como os pacientes que diariamente procuravam os serviços do hospital. Porém,

numa análise mais detalhada, identificamos como clientes diversos agentes com

diferentes exigências e interesses em relação ao Instituto, a saber:

• o Governo representado pelos Ministérios da Saúde e da Educação, onde

um exigia atendimento médico-hospitalar enquanto o outro uma educação

de alto nível para os estudantes universitários;

• os médicos pesquisadores, que gostariam de ter mais tempo para fazer

suas pesquisas e não gastá-lo com o atendimento em nível primário,

função dos postos de saúde;

• os estudantes e residentes, que preferem casos "raros" ao invés do

atendimento rotineiro que o Instituto prestava; e

• os pacientes e suas acompanhantes, que freqüentam o hospital a fim de

obter um atendimento médico-hospitalar condizente com sua condição de

cidadão.

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Essa multiplicidade de clientes obrigaria uma melhor organização por parte

do Instituto para que todos fossem atendidos da melhor maneira possível. Embora

houvesse a percepção, por parte da alta administração, da existência dessa

multiplicidade, não percebi ações sistematizadas com o intuito de melhorar seu

relacionamento com esses diversos clientes.

A concorrência é Ç>utro ponto que merece destaque. Numa primeira análise, o

"mercado" do Instituto parece ser cativo, pois a população necessita dos serviços

prestados e não pode pagar por eles em uma instituição privada.

Entretanto, numa visão mais a longo prazo, podemos perceber que as

empresas privadas de saúde são uma ameaça ao sistema público cuja degradação

leva à deterioração da imagem junto à população. A partir desse desgaste, torna-se

muito mais fácil para os interesses privados defender junto aos cidadãos a

"ineficiência" do Estado e a ''privatização'' do setor de saúde.

Um dos motivos detectados pela alta administração para a deficiência na

qualidade dos seus serviços era a falta de conscientização da importância social do

IPPMG existente por parte de alguns de seus funcionários do Instituto. Segundo a

chefe dos Recursos Humanos, baixos salários e, principalmente, o ataque constante

por parte da imprensa ao funcionalismo público, apresentado como responsável por

todos os problemas que o Brasil passava à época, baixaram o moral do corpo

funcional a n íveis bastante perigosos.

Durante a pesquisa, pude perceber que o compromisso com a qualidade do

trabalho não era o mesmo em todos os funcionários do Instituto. Regra geral, as

pessoas que tinham no Instituto muito mais uma fonte de saber do que de subsis­

tência (caso dos médicos e pesquisadores) eram mais compromissadas com a

qualidade do serviço.

Dessa forma, o resgate da cidadania, por parte do corpo funcional, pareceu­

me assunto da maior relevância pois, a partir daí, o Instituto poderia recuperar sua

capacidade de prestar bons serviços. Além disso, melhorar a qualidade do

atendimento hospitalar seria uma forma de conscientização da comunidade sobre a

importância de um sistema de saúde público.

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1 10

9.6.7 AS QUESTOES DA CULTURA, DO PODER E DA MOTIVAÇÃO

Antes de iniciar a análise deste tópico, é importante esclarecer que, na

verdade, a separação entre as questões da cultura, do poder e da motivação é

arbitrária e necessária somente para fins de redação, dado que há nítidas

implicações entre os três conceitos.

9.6.7.1 A QUESTÃO DA CULTURA

Um aspecto importante é o aspecto cultural. Segundo os próprios

funcionários, ao entrar para a instituição, eles perdem de referência sua profissão

original (arquiteto, engenheiro, nutricionista, etc.). A exceção são os médicos, talvez

por ser a medicina a atividade-fim do instituto.

Paralelamente à identificação das pessoas de diversos campos do saber à

categoria de funcionário público existia, no Brasil , uma campanha muito forte

relacionando esta categoria ao atraso, à ineficiência, à corrupção e à

incompetência. Isso provoca, além de um corporativismo exacerbado, uma

desmotivação crescente na maioria das pessoas que compõe o quadro de empre­

gados.

o reflexo natural desta desmotivação é a cultura do imobilismo. As pessoas

acham que é difícil, muitas vezes impossível , mudar o status quo e criam uma

inércia que destrói a capacidade de inovar e buscar novas soluções. Essa cultura

do imobilismo se tornava mais grave a partir do momento em que se verificam

profundas mudanças ocorridas no meio ambiente onde o Instituto se insere.

Outro aspecto cultural forte verificado no IPPMG é a aceitação geral do

fenômeno chamado (inclusive mencionado por uma das enfermeiras entrevistadas)

medicalização da saúde. Dentro do hospital, os médicos "falam" mais alto e isto é

aceito pelas pessoas. A qualidade na saúde está intrinsecamente l igada ao

desempenho do atendimento médico.

Este fenômeno parece ocorrer, também, dentro da sociedade e pôde ser

observado nas entrevistas com o público atendido no ambulatório de pediatria geral.

As pessoas ligavam a qualidade no atendimento ao desempenho dos médicos.

Como este parecia ser bom, o IPPMG era tido como de ótima qualidade ainda que a

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higiene apresentada fosse deficiente, o tempo de espera fosse elevado ou os

critérios de triagem fossem ruins.

Como prova da força dos médicos dentro da instituição, pude verificar que as

principais posições de poder eram ocupadas por esses profissionais.

9.6.7.2 A QUESTÃO DO PODER

É importante esclarecer que a estrutura de poder vigente era bastante

diferente da que normalmente ocorre numa organização burocrática. Apesar de

dividido em divisões e departamentos, as principais posições da hierarquia eram

trocadas periodicamente. Antigos diretores eram chefes de departamento e vice­

versa, ou pessoas que foram chefes de departamento passavam a ser simples­

mente médicos. Essas trocas, aparentemente, eram aceitas por todos e encaradas

como absolutamente normais.

A conseqüência imediata disto era a autoridade racional-legal ser bem

menos efetiva no IPPMG do que na maioria das organizações burocráticas

privadas. Lá, era muito mais importante a autoridade carismática para que o poder

fosse efetivamente exercido.

Talvez sabendo das enormes limitações que a estrutura do Instituto impunha

aos seus administradores, o Diretor do hospital tentava manter uma administração

participativa. Todos os chefes de divisão e de departamento participavam das

reuniões e colocavam suas posições de forma a se chegar a um consenso.

Entretanto, o projeto de administração participativa parecia terminar neste

nível hierárquico. Por falta de vontade política dos chefes ou até mesmo por falta de

motivação do corpo funcional em participar das decisões, o projeto de

administração participativa se resumia a reuniões periódicas das chefias para

discussão dos problemas mais prementes do Instituto. Existia dificuldade em

transformar em ação concreta as resoluções das reuniões de chefia.

Paralelamente à falta de um melhor preparo gerencial por parte dos

executivos, considero o vazio de poder existente24 no Instituto, à época da

pesquisa, uma das maiores causas dos problemas vividos pela organização. Em

24 É importante ressaltar que este vazio de poder é a minho percepção do que ocorre dentro do IPPMG, sendo portanto, passlvel de contestação.

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112

momento algum senti a organização efetivamente empenhada no projeto para o

qual fui convidado, pelo diretor, a participar. Em todas as reuniões, a impressão que

tive foi de que o projeto era algo concebido apenas para apagar incêndio (no caso,

o moral baixo devido aos salários achatados) e não devido a um consenso.

o discurso do diretor em muito pouco se assemelhava ao discurso dos seus

funcionários. Na verdade, acho que o vazio de poder a que me refiro era devido à

falta de uma liderança efetiva que "acordasse" as pessoas para um projeto comum

a todos.

Faltava alguém com capacidade gerencial, capaz de entender a organização,

harmonizar seus conflitos e impelir à ação seus integrantes. Alguém que não

tivesse somente boas intenções, mas sobretudo treinamento e capacidade técnica

para priorizar o que fosse necessário e agir dentro de um planejamento estratégico.

É importante ressaltar que este "alguém" não precisa ser necessariamente

médico25, bastando apenas que conheça a área da saúde e seus problemas e que

seja treinado em administração hospitalar26. Pode ser também que as próprias

pessoas que compõem a estrutura de poder percebam a necessidade de maior

capacitação gerencial e elaborem um sistema de treinamento a fim de aproveitar

todos aqueles que quiserem enveredar por um novo caminho profissional.

A própria estrutura de poder favorecia o surgimento de liderança pois a

informalidade era bastante acentuada. Entendo que, uma vez que surgissem

pessoas capazes, seria muito mais fácil elaborar e "vender" um projeto de mudança

para todo o Instituto. Um projeto capaz de harmonizar os d iversos interesses e

motivar o corpo funcional a participar do redesenho da organização.

9.6.7.3 A QUESTÃO DA MOTIVAÇÃO

Em todo o Instituto, os fatores higiênicos parecem não ser atendidos. Porém,

o grau de insatisfação nos funcionários do IPPMG não era igualmente distribuído.

Os médicos conseguiam perceber no Instituto aspectos bastante positivos para

suas carreiras e, apesar de os fatores higiênicos não estarem plenamente

25 É muito comum no Brasil o bom técnico ser "promovido" a executivo. Muitas vezes o resultado é a perda do bom técnico e o surgimento de um mau administrador. Para cumprir as fUnções de executivo, considero importante que o profissional seja treinado na área gerencial. 26Embora esta observação esteja em tese correta, haveria uma reaçtlo muito forte da organização se alguém que não fosse médico ocupasse o cargo de direção do hospital devido à cultura da institutição.

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113

atendidos, mantinham-se motivados para o trabalho, devido à existência de fatores

motivacionais que impulsionavam suas ações para a qualidade.

Um fato interessante era a visão sobre motivação humana que a alta

administração do hospital possuía à época da pesquisa. Havia uma forte convicção

de que, aumentando a remuneração dos funcionários, a produtividade aumentaria e

haveria um incremento de qualidade no serviço prestado. Em momento algum,

questionou-se o porquê de o serviço médico ser de qualidade enquanto o serviço

administrativo deixava a desejar, considerando que os médicos também recebiam

uma remuneração muito aquém do aceitável.

A própria direção do Instituto reconhecia que o trabalho médico possuía uma

qualidade bastante aceitável . Durante a pesquisa no Ambulatório de Pediatria Geral

constatei que, na visão do cliente, o serviço médico tinha uma qualidade muito

superior que o serviço auxiliar, fosse das enfermeiras ou das atendentes.

Parte desta expl icação parece estar na diferença de motivação intrínseca da

tarefa desempenhada pelos funcionários. Enquanto os médicos vêem no hospital

universitário uma fonte de conhecimento e enriquecimento de seu currículo, os

auxiliares (atendentes, faxineiros, pessoal de escritório etc.) estão ali basicamente

por causa da escassa remuneração. O setor de saúde funciona, para estas

pessoas, como um grande empregador, embora atualmente possa ser considerado

um mau empregador.

Os médicos "trocam" seus serviços não só pelo salário mas, principalmente,

pelo conhecimento e status que adquirem. Embora sejam muito melhor

remunerados em clínicas ou consultórios particulares, o hospital público recebe um

fluxo de pacientes com doenças raras que lhes garantem uma atualização

profissional constante. Além disso, eles possuem status por pertecerem aos

quadros de uma Universidade Federal e podem fazer seu horário de trabalho

dando, assim, flexibilidade para que possam trabalhar em outros empregos.

Outro aspecto interessante nas relações trabalhistas, observadas no IPPMG,

era a diferença de tratamento recebido pelos funcionários, por parte da

administração do hospital. Para os de nível superior, os pressupostos básicos

coincidiam com a teoria Y, enquanto para os de apoio, a teoria dominante era a

teoria X.

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114

Mesmo que, por milagre, os salários dos funcionários do IPPMG passassem

a ser satisfatórios e o ambiente de trabalho passasse a ser limpo e organizado,

provavelmente as diferenças do nível de motivação da equipe que lá trabalhava

permaneceria inalterado, uma vez que o processo de conscientização da

importância, para a comunidade, do trabalho lá executado levaria algum tempo.

Parece-me que seria pouco efetivo resolver os fatores que causavam

insatisfação que o pessoal de apoio desse um sentido maior ao trabalho, inserindo­

o em suas vidas nâo somente como um meio de subsistência mas como um meio de

crescimento interior. Dessa forma, o resgate da importância do papel do funcionário

público seria um dos desafios a ser perseguido pela administração do Instituto.

Como passo inicial, talvez fosse interessante a alta administração mudar

seus conceitos sobre motivação humana, deixando de acreditar ser possível motivar

alguém com ações extemas e perceber ser mais efetivo criar condições ambientais

favoráveis para que os indivíduos que trabalham na organização se motivem por si

mesmos. Lembrar sempre que a motivação é intrínseca a cada indivíduo e que

haverá sempre pessoas motivadas e não motivadas para o trabalho.

Enfim, pude perceber que o IPPMG ainda carecia de muitas mudanças

estruturais. Objetivos comuns que motivassem as pessoas a ação, liderança efetiva

que desencadeasse um processo de mudança saudável e o desenvolvimento de

uma cultura para a qualidade eram alguns dos aspectos a serem desenvolvidos. De

qualquer forma, qualquer projeto deste porte levaria algum tempo para maturar e

dar bons resultados, o que mostra que o IPPMG tem um longo caminho a percorrer

para que pudesse resolver seus problemas.

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115

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116

10. CONCLUSÕES

Este trabalho teve por motivação experimentar na prática as dificuldades

para implantação de um sistema da qualidade. Entendida como processo contínuo

interativo, a implantação de novas técnicas gerenciais foi considerada como fruto da

interpretação e da reação subjetiva dos membros da organização, à luz de suas

experiências, expectativas e incertezas. Assim, constituiu suposição fundamental

deste trabalho que as pessoas envolvidas afetam e são afetadas por processos de

mudança organizacional.

Por esse motivo, a opção metodológica levou em conta a possibilidade de

entender os aspectos da realildade social do IPPMG, mapeando a organização em

sua conexão íntima entre o que é e o que não é. Em outras palavras, identificando

seus paradoxos e encarando-os "pistas" para o encontro de possibilidades, mais do

que como oposições a serem eliminadas.

Sobre a metodologia, cabe registrar o quanto propiciou integrar teoria e

prática, compeender a organização de forma integrada, no conjunto de suas partes

a unidade na diversidade. Merece mais uma vez ressaltar o quanto a "imersão" na

organização permitiu transformar a visão imediata em uma nova visão, fruto de

descobertas sucessivas ao longo da experiência, construída e reconstruída a partir

da interação da sensibilidade, da intuição e da assimilação da subjetividade na

relação com os diretores e demais trabalhadores do IPPMG.

o relato da experiência como observador participante do IPPMG,

apresentado nos capítulos anteriores, já avançou resultados em termos do Objetivo

de mapear algumas variáveis com que se defronta o administrador na implantação

de um sistema de qualidade. Sem qualquer pretensão de ser exaustivo, de

estabelecer generalizações para outras real idades e nem mesmo de estabelecer

relações de causação, destaco, neste capítulo, tópicos de aprendizagem propiciada

pela experiência. Em alguns casos, são propostas algumas "recomendações", fruto

da minha reflexão e do meu desejo de contribuir para o realinhamento do IPPMG no

caminho de sua missão.

Finalmente, são sugeridos possíveis projetos de pesquisa que, a meu ver,

poderiam complementar este esforço ora em fase de conclusão.

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1 1 7

10. 1 SíNTESE DA APRENDIZAGEM

1 0.1 .1 MODELO TEÓRICO x REALIDADE OBSERVADA

A determinação do Governo Federal de implantar, no âmbito de toda a

administração pública federal, um sistema de qualidade revelou-se mais um

discurso do que uma vontade política de alterar a situação. Não foram dados ao

IPPMG (e possivelmente nem a outras organizações) meios necessários à

implantação.

Nem mesmo a informação sobre a disposição oficial do Governo Federal pa­

recia conhecida no IPPMG. Apesar do "ruído", era notória a preocupação da direção

do Instituto com a melhoria da qualidade de seus serviços. O IPPMG, na época em

que se iniciou a pesquisa, tinha projetos nitidamente voltados para a melhoria da

qualidade de seus serviços, os quais não receberam qualquer apoio oficial.

Embora o modelo teórico não fosse conhecido pela organização, muitas das

propostas do modelo de "Qualidade Total" puderam ser identificadas em algumas

iniciativas de pessoas em diferentes pontos do IPPMG, embora algumas

aparentemente inviáveis.

Se, por um lado, nem todos os pressupostos do modelo de qualidade se

sustentavam na realidade do IPPMG, por outro lado, na avaliação dos usuários, o

IPPMG era considerado uma "ilha" de qualidade dentro do sistema público do

Estado do Rio de Janeiro.

Os resultados da pesquisa de campo mostraram, ainda, que a sugestão de

qualidade não pode ser estabelecida em termos absolutos. Por mais que a um

observador externo as condições físicas do ambulatório parecessem inaceitáveis

(condições de segurança, tempo de espera etc.), aos olhos das mães dos pacientes

a atenção dos médicos e sua suposta competência compensavam qualquer outra

deficiência. Apesar das sérias dificuldades por que passava na época o sistema

público de saúde e apesar de o IPPMG não ter sido poupado das conseqüências

dessa crise, a comparação com outras unidades de atendimento foi fator

determinante da avaliação da qualidade do Instituto pelas mães. Essa superioridade

foi sentida tanto em relação a outras unidades do sistema público como também de

ambulatórios particulares.

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118

É curioso notar ainda, as diferenças dos conceitos de qualidade que existiam

entre os administradores do IPPMG e seus clientes do Ambulatório de Pediatria

Geral (APG). Enquanto os primeiros enxergavam qualidade sob o enfoque da

fabricação (descrito no item 3. 1 .4 deste trabalho) e por isso a consideravam

deficiente, os últimos percebiam qualidade sob o enfoque do usuário (item 3. 1 .3),

considerando-a bastante satisfatória.

10.1 .2 O DETERMINISMO DOS ADMINISTRADORES

A experiência mostrou, ainda, o quanto a vlsao determinística é ainda

arraigada entre os administradores (talvez por isso as propostas determinísticas de

mudança, enquanto mercadoria, tenham sempre aceitação no mercado).

Relacionado a tal visão, o caso estudado mostra o exemplo da motivação. Na visão

inicial do diretor do Instituto, à época em que procurou a COPPEAD, os baixos

salários estariam causando grande insatisfação, o que, por sua vez, causaria queda

do rendimento do trabalho. A partir dessa suposição de relação direta entre

aumento de remuneração e aumento da motivação e, por via de conseqüência, da

produção, o pagamento de remuneração extra apareceu como "solução milagrosa".

Esta lógica vai de encontro aos pensamentos de Maslow, Herzberg e McGre­

gor descritos no item 5. 1 deste trabalho. Motivação é algo intrínseco ao indivíduo e

não pode ser induzida a partir de ações externas. Além do mais, a remuneração é

uma necessidade básica que, uma vez satisfeita, não garante que as pessoas

ficarão motivadas para trabalhar. Trabalhar a questão do reconhecimento

profissional, ou desafio intelectual dos profissionais, poderia ser mais efetivo em

termos de motivação.

Bem ao encontro do paradigma vigente (descrito no item 2. 1 deste trabalho),

as suposições de linearidade de causação, com poucas exceções, eram

predominantes entre o corpo gerencial do Instituto.

Outros exemplos dessa suposta linearidade foram a tentativa de resolver os

sérios problemas do fluxo de informações através da informatização; a triagem de

pacientes com base em critérios de temperatura ou de moradia para resolver o

problema do excesso de pacientes nos ambulatórios.

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119

1 0.1 .3 OS PARADOXOS DA ORGANIZAÇÃO

o IPPMG lida em seu dia a dia com vários paradoxos, como por exemplo, o

de ser ao mesmo tempo um instituto de ensino e ponto de atendimento de uma

clientela que não tem na área melhor opção de atendimento; o de ter que lidar com

níveis insatisfatórios de remuneração, condições precárias de higiene e segurança

e, ao mesmo tempo ter "necessidades" de duplicar o CTI e construir uma nova

enfermaria. Estas combinações pareceriam incoerentes à luz da lógica cartesiana,

mas perfeitamente compreensíveis se considerarmos a diversidade de expectativas

identificadas por uma abordagem interpretativa.

Entre outros paradoxos, o relato da experiência indicaria, ainda, a falta de

recursos (o próprio montante que teria motivado a consulta ao COPPEAD tinha sido

sugado para outros fins antes da primeira reunião de trabalho) e aparentes

desperdícios ( o caso do excesso de exames com resultados normais).

1 0.1 .4 A CULTURA DO CURTO PRAZO

o descompromisso com o longo prazo pareceu ser um traço da cultura do

IPPMG. As decisões alocativas respondiam predominantemente a pressões do

curto prazo. Sem um planejamento estratégico para o Instituto, as pessoas, em cada

unidade, não têm um sentido de direção da organização como um todo. As chefias

não conseguem visualizar as interações e as relações de interdependência entre os

diversos setores, não vislumbram o quanto a qualidade e produtividade do IPPMG

poderia se beneficiar do estabelecimento de metas e ações multifuncionais

(conforme descrito no item 4.2.5).

Em todas as unidades pesquisadas, as pessoas falavam dos problemas

existentes em suas divisões, sem contudo entender o quanto esses problemas

poderiam ser minorados a partir de maior coordenação de esforços.

A organização carecia de medidas administrativas que sinalizassem aos

funcionários uma preocupação, por parte da alta administração, com o longo prazo.

Programas de melhoramento contínuo ou Kaizen (item 4.2.2) ou a instituição dos

Círculos de Controle da Qualidade poderiam ser tentados de forma a tentar forjar

uma cultura de longo prazo na organização. Conforme visto nos capítulos 6 e 7

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120

deste trabalho, a ação daqueles que detêm o poder para a construção da realidade

social é de vital importância.

10.1 .5 SOBRE A QUESTÃO DOS CUSTOS

A questão dos recursos merece registro, sobretudo pela perspectiva

unilateral que vem recebendo. Fala-se exaustivamente da escassez de recursos,

agravada pela incerteza, dado que a principal fonte de recursos (INSS) glosava

faturas sem qualquer explicação. Entretanto, não se observou uma mentalidade de

controle de custos em nenhum nível da organização (os gastos com exames

desnecessários são um exemplo). Os mecanismos de controle de custos são

extremamente deficientes.

Não se dispondo tampouco de uma visão de longo prazo, parece difícil para

a direção, em termos de agravamento da escassez, tomar decisões "informadas"

sobre a que gastos dar prioridade. Em geral (não só no IPPMG, mas em toda

organização a que falta uma visão estratégica), tomam-se como prioritárias ações

de impacto imediato, sem que se chegue a antecipar o quanto se podem provar

ineficazes no longo prazo.

10.2 ALTERNATIVAS PARA O IPPMG AUMENTAR SEUS NíVEIS DE QUALIDADE E PRODUTIVIDADE

Por mais que se pudesse criticar a organização à luz de teorias

administrativas, é importante deixar bastante claro que o IPPMG era uma instituição

que funcionava relativamente bem face às suas limitações externas.

As sugestões aqui apresentadas exploram os paradoxos identificados que,

se por um lado, representam as limitações do Instituto, por outro lado, podem

representar as próprias sementes/possibilidades de alteração da situação.

No caso do IPPMG, o principal foco das atenções poderia ser o planejamento

estratégico da instituição. A partir deste, então, poderiam ser implantadas técnicas

que visassem à melhoria do binômio qualidade/produtividade. As pessoas que

administravam o Instituto não sabiam que objetivos de médio e longo prazos

perseguir, pareciam não conseguir enxergar as diversas interações que as divisões

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121

tinham e não vislumbravam a necessidade de se estabelecer metas multifuncionais

para estas divisões.

Esta perplexidade quanto a objetivos de médio e longo prazos descia aos ní­

veis hierárquicos inferiores da organização. Cada pessoa entrevistada falava dos

problemas existentes em suas divisões, sem contudo entender que muitos destes

problemas eram decorrentes da ausência de uma maior coordenação de esforços.

Seria então, fundamental se estabelecer um processo de planejamento estra­

tégico no IPPMG, muito menos pela sua eficácia no cumprimento das metas mas

fundamentalmente por intemalizar na organização o hábito de pensar e estabelecer

objetivos de médio e longo prazos. Planejar a longo prazo é importante por causa

da experiência vivencial dos indivíduos que participam do exercício. A organização

sai rejuvenescida quando passa por um processo de planejamento estratégico. Este

deve ser periódico como forma de sinalizar à organização que o planejamento não

significa engessamento do que foi decidido e sim processo contínuo de

aperfeiçoamento.

Durante o processo de planejamento estratégico, a alta administração

poderia incluir as políticas para qualidade. Qualidade nos serviços deve ser um

conceito debatido junto com os demais temas da organização.

É importante enfatizar que o processo de planejar participativamente o futuro

da organização requer uma mudança de atitude da alta administração. Uma vez de­

sencadeado este processo, esvazia-se a pretensão de controlar o que pode ser

decidido, de conduzir as discussões ou impor sua visão de realidade. O processo

de planejar ganha uma dinâmica própria e pode adquirir uma autonomia, que muitas

vezes, assusta as pessoas que detêm o poder na organização.

Um processo de planejamento envolvendo toda a organização seria mais im­

portante ainda no IPPMG devido a sua estrutura de poder. Nele, o poder racional­

legal era bastante tênue, a ponto de o cargo de diretor-geral vagar a cada quatro

anos e haver um rodízio entre os médicos chefes de divisão.

Assim, através de um planejamento contínuo, os rumos da organização

poderiam ser decididos de comum acordo com as principais l ideranças de forma a

haver uma continuidade entre as administrações. Outro benefício advindo de um

processo de planejamento democrático seria o aparecimento de l ideranças naturais.

À medida que o processo se desenvolvesse, surgiriam l íderes capazes de conduzí-

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122

lo e seria possível identificar aqueles que mais preencheriam os requisitos

necessários para ocupar futuramente o cargo de diretor-geral.

10.3 RECOMENDAÇÕES PARA PESQUISAS FUTURAS

A pesquisa realizada não pode ser considerada exaustiva nem quanto ao as­

sunto sistemas da qualidade, tampouco quanto ao Instituto.

No decorrer dessa pesquisa, alguns "novos" conceitos surgiram, tais como,

"os 5 s da qualidade" ou reengenharia. Coloco entre aspas a palavra novos, uma

vez que muitos desses conceitos surgidos parecem ser velhos conceitos maquiados

de forma a se "criar dificuldades a fim de se vender facilidades" .

Embora muito se tenha escrito sobre os sistemas da qualidade, acredito que

ainda é pouco o número de trabalhos que questionem sua eficácia social e sua vali­

dade ética. Em geral, toda a l iteratura especializada reverencia como um modelo

milagroso capaz de dotar uma organização ou até mesmo uma nação de

características necessárias ao desenvolvimento.

A forma quase ufanista com que é vendido a implantação destes modelos

nas organizações produtivas nos faz pensar ser inexorável para essas

organizações sua implantação sob pena de desaparecer do mercado. Acredito

serem necessárias, também, pesquisas relatando mais casos de sucesso

administrativo de organizações que não utilizam modelos como paradigma a fim de

mostrar que o TQC é apenas uma das alternativas que o dirigente tem a sua

disposição.

Quanto à instituição estudada, muitas pesquisas poderiam ser feitas, uma

vez que ela necessitava de ajuda em diversos campos da administração.

Contabilidade de custos, Organização e Métodos e sistemas gerenciais de

informações eram apenas algumas das áreas onde se poderia executar excelentes

trabalhos.

Por último, a título de sugestão, considero muito importante que instituições

como a COPPEAD se relacionem de forma mais estreita não só como o mercado,

mas também com os demais órgãos públicos, a fim de colocar à disposição toda

uma tecnologia de gerenciamento que outras instituições públicas necessitam. A

COPPEAD poderia ser o disseminador de um conhecimento bastante útil para

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diversas áreas do Governo, conhecimento esse que o Governo já dispõe e poderia,

através de suas escolas de Administração, util izá-lo.

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124

ANEXO 1

ESTUDO DE SATISFAÇÃO DA CLIENTELA DO AMBULATÓRIO DE PEDI­

ATRIA GERAL DO IPPMG

nr - não respondeu ns - não sabe

NO Quest. : Data: Setor: Turno:

1 ) Qual o seu parentesco com o paciente que será atendido agora?

( ) mãe ( ) pai ( ) outros

2) Se é pai ou mãe, tem outros filhos menores de 1 2 anos?

( ) sim no ( ) não

acompanhados no IPPMG:

acompanhados no APG:

Caso algum filho não seja acompanhado no APG, qual o motivo?

3) Quantas vezes o Sr (a) já esteve no APG?

( ) 1 ( ) 2 a 5 ( » 5 ( ) ns

4) O Sr (a) freqüenta ou já freqüentou a escola?

( ) sim série: ( ) não ( ) nr

5)Quantas pessoas contribuem para a renda de sua casa?

6) Qual foi o ganho de cada uma delas o último mês?

1 .

2

3.

Total

Cr$

Cr$

Cr$

Cr$

( ) ns

=

( ) nr

SM

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7) Quantas pessoas são sustentadas com essa renda?

( ) ns ( ) nr

8) Em que bairro/município o Sr (a) reside?

E o paciente? ( ) No mesmo ( ) outro:

125

9) Quando veio aqui pela primeira vez, porque procurou atendimento no APG

do IPPMG, e não em outro hospital?

1 0) Passou pelo atendimento de triagem quando veio pela primeira vez?

Se não passou, como conseguiu a vaga para o APG?

1 1 ) O paciente foi consultado no mesmo dia quando veio pela primeira vez?

( ) sim ( ) não ( ) ns ( ) nr

12) Se não foi consultado nesse dia teve algum outro atendimento?

( ) sim: ( ) não ( ) ns ( ) nr

13) Quando perde uma consulta o Sr (a) tem tido dificuldades para remarcá-

la?

( ) sempre ( ) muitas vezes ( ) poucas vezes ( ) não

( ) ns ( ) nr ( ) na

Porque?

14) O Sr (a) tem tido dificuldades na marcação dos exames solicitados?

( ) sempre ( ) muitas vezes ( ) poucas vezes ( ) não

( ) ns ( ) nr ( ) na

Por que?

1 5) Em que horário o Sr (a) costuma chegar ao IPPMG para consultas no

APG?

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126

1 6) O tempo de espera para a consulta, depois que chega ao setor costuma

ser de:

( ) menos de 1 h ( ) > 1 até 3 hs ( ) > 3 hs ( ) ns

( ) nr

1 7) De que forma é tratado pela atendente da sala?

( ) mal ( ) regular ( ) boa ( ) muito boa

( ) excelente ( ) ns ( ) nr

1 8) Gostaria que o Sr (a) escolhesse uma destas opções para opinar a

respeito da sala de espera do APG:

( ) ruim ( ) regular ( ) boa ( ) muito boa ( ) excelente

( ) ns ( ) nr

19) E com relação aos sanitários do ambulatório?

( ) ruins ( ) regulares ( ) bons ( ) muito bons (

) excelentes ( ) ns ( ) nr

20) E com relação ao consultório médico?

( ) ruim ( ) regular ( ) bom ( ) muito bom

( ) excelente ( ) ns ( ) nr

2 1 ) Quem é o médico deste paciente?

22) A criança é consultada pelo próprio Dr?

( ) sempre ( ) muitas vezes ( ) poucas vezes ( ) nunca

( ) ns ( ) nr

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1 ':' 1

23) Quando é atendido por outro médico, este é supervisionado pelo Or.?

( ) sempre ( ) muitas vezes ( ) poucas vezes ( ) nunca

( ) ns ( ) nr

24) Considera a duração das consultas?

( ) rápida demais ( ) satisfatória ( ) demorada demais

25) O médico escuta o que o (a) Sr (a) tem a dizer?

( ) sempre ( ) muitas vezes ( ) poucas vezes ( ) nunca

( ) ns ( ) nr

26) O médico explica o problema do paciente de forma que o (a) Sr (a)

entende o que ele tem?

( ) sempre ( ) muitas vezes ( ) poucas vezes ( ) nunca

( ) ns ( ) nr

27) O médico explica para que serve a medicação que ele prescreveu?

( ) sempre ( ) muitas vezes ( ) poucas vezes ( ) nunca

( ) ns ( ) nr

28) O médico explica como usar a medicação prescrita?

( ) sempre ( ) muitas vezes ( ) poucas vezes ( ) nunca

( ) ns ( ) nr

29) O Sr (a) costuma entender o que o médico lhe explica durante uma

consulta?

( ) sempre ( ) muitas vezes ( ) poucas vezes ( ) nunca

( ) ns ( ) nr

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30) Recomendaria o APG do IPPMG para um amigo?

( ) sim

Por que?

Sugestões:

( ) não

128

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129

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