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Uma cidade em conflito questotildees socioespaciais e ambientais e a justiccedila
espacial em Natal-Brasil
Rubenilson Teixeira Ruth Ataiacutede
I Introduccedilatildeo
A cidade do Natal capital do estado do Rio Grande do Norte (Brasil) eacute
um campo privilegiado para o estudo dos conflitos socioespaciais e ambientais
na busca da justiccedila espacial Situada num siacutetio urbano fraacutegil caracterizado e
delimitado por dunas mangues rio e mar Natal tem sido palco de conflitos
permanentes entre a necessidade de conciliaccedilatildeo do crescimento urbano por
um lado e de proteccedilatildeo ambiental por outro
O presente trabalho que se propotildee a analisar essa questatildeo estaacute
estruturado em quatro seccedilotildees aleacutem da introduccedilatildeo e conclusatildeo Na primeira e
a tiacutetulo de contextualizaccedilatildeo apresentamos um breve resgate do processo
histoacuterico de crescimento ou de expansatildeo fiacutesico-territorial da cidade Na
segunda seccedilatildeo discutimos a natureza conceitual dos conflitos que
fundamentam a presente discussatildeo assim como a sua materializaccedilatildeo no
espaccedilo Nesse contexto destacamos os conflitos socioambientais que
decorrem dessa expansatildeo ao longo das trecircs uacuteltimas deacutecadas comeccedilando por
volta de 1980 por razotildees que seratildeo explicitadas no momento oportuno Nessa
seccedilatildeo tambeacutem analisamos o papel mediador e os limites da gestatildeo urbana
para conciliar os conflitos existentes entre a necessidade de crescimento
urbano e a proteccedilatildeo ambiental tomando como referecircncia os instrumentos
reguladores especialmente os Planos Diretores e os atores governamentais
envolvidos na perspectiva da justiccedila espacial Na terceira seccedilatildeo dedicamos
atenccedilatildeo a duas situaccedilotildees emblemaacuteticas para o objeto da discussatildeo aqui
apresentada presentes no municiacutepio de Natal uma vez que ambas
representam o esforccedilo da sociedade para consolidaccedilatildeo das estrateacutegias de
gestatildeo urbana dirigidas agrave efetivaccedilatildeo do direito agrave cidade Trata-se dos
processos de regulamentaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo das Aacutereas Especiais de
Interesse Social de Matildee Luiza e de Ponta Negra exemplos por excelecircncia de
que os conflitos socioambientais ali existentes satildeo inerentes agrave proacutepria
constituiccedilatildeo do lugar Na quarta seccedilatildeo tecemos algumas consideraccedilotildees finais
sobre as perspectivas de efetivaccedilatildeo das accedilotildees tendo em vista a adoccedilatildeo de
estrateacutegias voltadas para a conciliaccedilatildeo dos conflitos analisados
II Da ldquoNatal natildeo haacute talrdquo para a Natal com pretensotildees metropolitanas
Natal fundada em 1599 eacute uma das mais antigas cidades do Brasil No
entanto ainda que a sua expansatildeo fiacutesica e populacional tenha sido uma
constante o seu crescimento foi extremamente lento ateacute o iniacutecio do seacuteculo XX
Em meados do seacuteculo XVIII por exemplo sua populaccedilatildeo natildeo atingia mil
habitantes Era entatildeo uma cidade pequena e precaacuteria de modo que segundo
um ditado popular de entatildeo se dizia que ldquoNatal natildeo haacute talrdquo um trocadilho ou
jogo de palavras para expressar em tom jocoso a tacanhez da cidade
O crescimento de Natal se revela de modo mais evidente a partir do iniacutecio
do seacuteculo XX periacuteodo que eacute acompanhado por um processo relativamente
importante de modernizaccedilatildeo urbana1 que tambeacutem se expressa na segregaccedilatildeo
socioespacial que apenas se exacerbaraacute nas deacutecadas seguintes Durante a
Segunda Guerra Mundial esse processo se acelera efetivamente pois a
capital do Rio Grande do Norte serviu de base militar brasileira e
principalmente americana durante o conflito O municiacutepio de Natal que contava
55119 habitantes em 1940 totalizava 103215 pessoas dez anos depois em 7
de janeiro de 19502 representando um aumento espetacular de 8725 da
populaccedilatildeo em apenas uma deacutecada
Em termos fiacutesico-espaciais o crescimento da cidade daacute-se por um lado
pela consolidaccedilatildeo de bairros mais antigos e por outro pela expansatildeo de sua
malha urbana em praticamente todas as direccedilotildees No poacutes-guerra o seu
crescimento eacute marcado pelo surgimento de novas aacutereas de pobreza que
surgem inicialmente como assentamentos informais Eacute o caso de Brasiacutelia
Teimosa e Matildee Luiza entre as deacutecadas de 1950 e 1960 aacutereas perifeacutericas que
1 Infelizmente nos limites deste item cujo interesse maior se volta para o crescimento fiacutesico da
cidade natildeo eacute possiacutevel discorrer sobre as transformaccedilotildees em termos da dotaccedilatildeo de novos equipamentos urbanos e de infraestrutura visiacuteveis desde a primeira deacutecada do seacuteculo XX como expressatildeo da modernizaccedilatildeo Esses dados apenas reforccedilariam a constataccedilatildeo desse crescimento urbano mas natildeo cabem nos limites deste artigo 2 CLEMENTINO Maria do Livramento Miranda 1995 Economia e urbanizaccedilatildeo o Rio Grande
do Norte nos Anos 70 UFRN CCHLA Natal p 162
aos poucos elevam o seu padratildeo habitacional3 Nas deacutecadas de 1950 e 1960
contudo a imigraccedilatildeo para Natal continua importante Por um lado a estrutura
agraacuteria concentradora expulsa as populaccedilotildees rurais do campo e por outro o
esforccedilo de industrializaccedilatildeo do Nordeste que ocorre na deacutecada de 1960
provocando investimentos especialmente nas capitais via projetos da
Superintentecircncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) atrai grandes
contingentes populacionais Natal foi a terceira capital estadual do Nordeste a
receber em termos relativos o maior fluxo migratoacuterio na deacutecada de 19604
Outra caracteriacutestica desse crescimento se verifica pela formaccedilatildeo dos
loteamentos os primeiros dos quais surgem ainda durante a Segunda Guerra
Mundial Eles estatildeo na origem dos conjuntos habitacionais tatildeo presentes na
paisagem urbana de Natal Entre 1967 e 1978 o Banco Nacional da Habitaccedilatildeo
(BNH) financiou 25 conjuntos habitacionais na cidade totalizando 19 207
unidades Considerando uma estimativa de 5 pessoas por unidade esses
conjuntos abrigavam cerca de um quinto da populaccedilatildeo da capital potiguar
Mesmo assim em 1977 havia 10 000 casebres correspondendo 50 000
pessoas5 A cidade que tinha 160 253 habitantes em 1960 passa a ter 416
898 habitantes em 1980 segundo dados do IBGE6 um crescimento de 260
em apenas duas deacutecadas
No periacuteodo que se estende de 1941 ateacute o final da deacutecada de 1970 os
loteamentos e os conjuntos habitacionais que se lhes seguem se concentram
na regiatildeo sul da cidade do Natal confirmando o seu crescimento nessa
direccedilatildeo Neoacutepolis Cidade Sateacutelite Candelaacuteria Mirassol Ponta Negra e muitos
outros surgem ao longo desse periacuteodo Satildeo em geral destinados a estratos de
renda meacutedia da populaccedilatildeo Seja com for o crescimento da cidade em direccedilatildeo
ao sul do nuacutecleo inicial era inevitaacutevel uma vez que o Rio Potengi o Oceano
Atlacircntico e os cordotildees dunares a leste esbarravam a expansatildeo urbana nessas
direccedilotildees Desses limites o uacutenico que podia ser realmente transposto e mesmo
assim com dificuldade foi o Rio Potengi Visto no seacuteculo XIX como obstaacuteculo
3 A migraccedilatildeo rural-urbana que estaacute na origem desse processo foi consideraacutevel durante a
Segunda Guerra Mundial motivada principalmente pela busca de trabalho na capital potiguar 4 SOUZA Itamar de 1980 Migraccedilotildees Internas no Brasil Vozes Rio de Janeiro p 83-96 5 SOUZA ibid p 94-95 6 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE 1988 Anuaacuterio Estatiacutestico do
Brasil1987-1988 Vol48 IBGE Rio de Janeiro
ao crescimento e ao desenvolvimento econocircmico da cidade pois a isolava do
interior do mesmo modo que as dunas no seacuteculo XX Natal cresceu a ponto
de finalmente ldquoatravessarrdquo o Rio Potengi e se expandir pela sua margem
esquerda formando o que eacute hoje a sua Regiatildeo Administrativa Norte (RAN)
Isso terminou por incorporar em seu espaccedilo urbano o estuaacuterio do rio que antes
apenas delimitava a cidade fisicamente7 Esta Regiatildeo cresceu principalmente
atraveacutes dos chamados conjuntos habitacionais a partir do final da deacutecada de
1970 poreacutem se tornou uma aacuterea urbana perifeacuterica separada fiacutesica e
simbolicamente do restante da cidade pelo Rio Potengi8
A partir da deacutecada de 1970 e especialmente da deacutecada seguinte o
processo de ocupaccedilatildeo do solo se intensificou impulsionado tambeacutem pela
construccedilatildeo massiva dos conjuntos habitacionais horizontais promovidos pelo
Estado nas aacutereas entatildeo denominadas de expansatildeo urbana (Quadro 1 e Figura
1|) Posteriormente o processo se ampliou com a consolidaccedilatildeo da participaccedilatildeo
do capital imobiliaacuterio no processo de constituiccedilatildeo desse urbano a partir da
produccedilatildeo de moradias de padratildeo vertical e da infraestrutura de serviccedilos de
apoio turiacutestico especialmente nas franjas litoracircneas
Quadro 1 Evoluccedilatildeo do crescimento demograacutefico de Natal ndash 1960-2010
Ano Populaccedilatildeo Crescimento demograacutefico
1960-1970 1970-1980 1980-1991 1991-2000 2000-2010
1960 160 253 513 1970 264 379 466 1980 416 898 347 1991 606887 149 2000 712 317 121 2010 803739
Fonte Ataiacutede (2013) a partir de Ataiacutede (1997) IBGE (2000 2010) y SEMURB (2006 2010
2011)
Nesse contexto cabe destacar natildeo apenas o processo de produccedilatildeo
formal mas tambeacutem a produccedilatildeo informal de moradias que embora existente
7 Eacute verdade que ldquodo lado de laacuterdquo do rio havia dois nuacutecleos habitacionais Igapoacute e Redinha hoje
bairros que se relacionavam com a cidade De origem muito antiga ambos se confundem com o iniacutecio da histoacuteria de Natal Enquanto o primeiro era uma aldeia indiacutegena que foi contemporacircnea da fundaccedilatildeo da cidade a Redinha se encontra no mesmo local onde os primeiros moradores da cidade exploravam a pesca TEIXEIRA Rubenilson Brazatildeo 2015 O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23 8 SILVA Alexsandro Ferreira Cardoso da 2003 Depois das fronteiras a formaccedilatildeo dos
espaccedilos de pobreza na periferia Norte de Natal ndash RN Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Arquitetura e Urbanismo da UFRN Natal
pelo menos desde o iniacutecio do seacuteculo XX tambeacutem se ampliou e se espraiou em
todas as direccedilotildees do territoacuterio municipal a partir da deacutecada de 1980 (Figura 1)
Figura 1 ndash Evoluccedilatildeo da expansatildeo territorial com destaque para a participaccedilatildeo da produccedilatildeo formal de moradias promovida pelo estado ateacute a deacutecada de 1990
Antes de 1970 Depois da deacutecada de 1970
Fonte Ataiacutede (2013) a partir de Ataiacutede (1997) SEMTHAS UEM (2001) Morais (2004)SEMURB (2010) e UFRNFUNPECSEMTAS V 3 2004
Outro aspecto a considerar eacute que diferentemente de outros municiacutepios do
Rio Grande do Norte inclusive dos que compotildeem a sua Regiatildeo Metropolitana
Natal natildeo dispotildee mais de uma zona rural ou de expansatildeo Isso explica em
grande parte trecircs fenocircmenos recentes na dinacircmica urbana da cidade 1) o seu
crescimento por transbordamento isto eacute seus moradores estatildeo se fixando nos
municiacutepios limiacutetrofes da RMN onde o preccedilo da terra urbana eacute mais acessiacutevel
2) a consolidaccedilatildeo do processo de verticalizaccedilatildeo que vem ocorrendo desde a
deacutecada de 1980 3) o aumento da pressatildeo crescente para a ocupaccedilatildeo das
aacutereas ambientalmente fraacutegeis remanescentes como mangues dunas e aacutereas
ribeirinhas especialmente pelos estratos de renda sociais mais baixos que natildeo
podem se inserir no mercado formal de terras
A etapa mais recente do processo histoacuterico de expansatildeo urbana de Natal
se manifesta por intermeacutedio de duas caracteriacutesticas essenciais o processo de
verticalizaccedilatildeo da cidade notadamente a partir da deacutecada de 1980 por um lado
e por outro a crescente ameaccedila de ocupaccedilatildeo de aacutereas ambientalmente
fraacutegeis tatildeo presentes na cidade e que satildeo legalmente protegidas pela
legislaccedilatildeo urbana e ambiental Os dois processos mantecircm aliaacutes relaccedilatildeo entre
si enquanto que a verticalizaccedilatildeo atende aos estratos meacutedios e altos da
sociedade natalense que ocupam em geral aacutereas privilegiadas da cidade as
populaccedilotildees de baixa renda tendem a ocupar as aacutereas inadequadas do ponto
de vista ambiental como mangues dunas e as margens de rios A
mercantilizaccedilatildeo do solo urbano a especulaccedilatildeo imobiliaacuteria e a ineficaacutecia da
gestatildeo urbana satildeo alguns dos fatores que explicam essa situaccedilatildeo
Nesse processo de crescimento e expansatildeo urbana de Natal percebe-se
que o antigo nuacutecleo urbano adormecido durante pelo menos dois seacuteculos
comeccedila a se expandir consideravelmente ainda no seacuteculo XIX e iniacutecio do XX e
de maneira acelerada a partir da Segunda Guerra Mundial A cidade abrigava
em 2010 uma populaccedilatildeo de 803 739 habitantes segundo dados do IBGE9 e
forma com municiacutepios vizinhos a Regiatildeo Metropolitana de Natal (RMNatal)
Com efeito o antigo nuacutecleo urbano insignificante a ldquoNatal natildeo haacute talrdquo torna-se
progressivamente uma capital moderna com pretensotildees metropolitanas
III Uma situaccedilatildeo de impasse o crescimento urbano e os conflitos
socioambientais
O crescimento e a consolidaccedilatildeo da ocupaccedilatildeo da cidade do Natal foram
miacutenimos durante seacuteculos tendo em vista o pequeno nuacutemero de habitantes
Vivendo principalmente da pesca no Rio Potengi e no mar da exploraccedilatildeo
vegetal nos arredores da cidade e da agropecuaacuteria essas atividades ainda
que causassem algum impacto ambiental - desmatamento para o plantio e a
exploraccedilatildeo madeireira - natildeo atingiam uma escala significativa Aleacutem disso
desconhecemos a existecircncia de uma consciecircncia ambiental de seus habitantes
antes das preocupaccedilotildees higienistas que marcaram a cidade do Natal e outras
cidades do Brasil entre fins do seacuteculo XIX e primeiras deacutecadas do seacuteculo XX10
Essa preocupaccedilatildeo eacute relativamente recente na histoacuteria da humanidade e no
9httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=240810ampsearch=rio-grande-
do-norte|natal Acesso em 02 de abril de 2015 10
Preocupaccedilotildees que estavam circunscritas a uma elite e que eram principalmente de natureza
meacutedica isto eacute dos seus efeitos sobre a sauacutede dos habitantes do que no sentido atual de preocupaccedilatildeo com a salvaguarda e proteccedilatildeo dos recursos naturais Ver a respeito FERREIRA Angela Luacutecia A et al 2008 Uma Cidade Satilde e Bela a trajetoacuteria do Saneamento de Natal entre 1850 e 1969 IAB RN CREA RN Natal
Brasil parece se evidenciar somente a partir das trecircs uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo
XX
Em Natal as referecircncias agrave proteccedilatildeo do meio ambiente com alguma
efetividade seja por meio de iniciativas do movimento social seja por meio de
estrateacutegias de gestatildeo tambeacutem datam de finais da deacutecada de 1970 quando os
debates sobre a proteccedilatildeo dos recursos naturais ganham relevo e passam a
integrar as agendas dos movimentos sociais e de algumas accedilotildees
governamentais Desde entatildeo especialmente desde a deacutecada de 1980
algumas accedilotildees com motivaccedilotildees sociais e ambientais tecircm demonstrado o
crescimento de uma consciecircncia ambiental e produzido alteraccedilotildees nas
estrateacutegias de planejamento e gestatildeo urbana do municiacutepio Respeito isso
destaca-se pelos movimentos sociais as reaccedilotildees contraacuterias ao projeto de
construccedilatildeo da Via Costeira (1978-1980) agraves primeiras iniciativas de
verticalizaccedilatildeo da orla mariacutetima e a defesa da paisagem costeira e da
permanecircncia das populaccedilotildees tradicionais ali residentes (1980-1984) e pelas
accedilotildees governamentais as estrateacutegias de proteccedilatildeo da paisagem (Zonas
Especiais de Interesse Turiacutestico) inseridas no Plano Diretor de 1984
(PDN1984-Lei 317584) e a aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de 1994 (PDN1994-
Lei 0794) e da Lei 466395 que regulamenta a AEIS de Matildee Luiza
O marco temporal da presente discussatildeo eacute portanto definido a partir dos
conflitos socioambientais que emergiram com o avanccedilo do processo de
ocupaccedilatildeo do solo (formal ou informal) sobre os espaccedilos naturais e que foram
reconhecidos como objeto de proteccedilatildeo especial pelo atual marco normativo
urbaniacutestico e ambiental fundamentado no reconhecimento dos direitos de
todos os cidadatildeos agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado No caso de Natal
que reproduz uma situaccedilatildeo visiacutevel em todo o urbano brasileiro tal cenaacuterio de
conflitos revela-se como uma das caracteriacutesticas da sua paisagem Do ponto
de vista urbano e ambiental a maioria desses espaccedilos foi historicamente
produzida de forma ilegal e marginal tendo origem em sua maioria a partir
das demandas das populaccedilotildees mais pobres que geralmente natildeo possuem
renda para participar do mercado formal de terras
Para a compreensatildeo da natureza dos conflitos que estamos analisando eacute
importante lembrar que a relevacircncia das questotildees socioambientais como um
problema nas disputas territoriais soacute ganhou algum destaque quando ambas as
dimensotildees (social e ambiental) incorporaram a natureza do interesse puacuteblico
Com base nesta abordagem os conflitos inicialmente tratados como conflitos
de terra e considerados principalmente pela luta ao acesso agrave moradia
adicionaram novas configuraccedilotildees novos atores e novas dimensotildees para o
problema Nessa configuraccedilatildeo os problemas relacionados com a posse de
terra urbana e o acesso agrave moradia na esfera puacuteblica tambeacutem passaram a ser
definidos como problemas ambientais
Segundo Ataiacutede (2013) um dos desafios do enfrentamento dos conflitos
socioambientais tem sido identificar como os diferentes atores sociais tecircm
efetivado suas accedilotildees relacionadas com o processo de ocupaccedilatildeo do solo dos
espaccedilos naturais tendo como referecircncia a manutenccedilatildeo do fortalecimento da
relaccedilatildeo entre o direito agrave moradia e os preceitos da proteccedilatildeo ambiental Tal
reflexatildeo se apoia no fato de que grande parte das situaccedilotildees de conflito se
manifesta em aacutereas caracterizadas por dualidades e ambiguidades e
evidenciam interesses de diversas naturezas seja em decorrecircncia da
inadequaccedilatildeo urbaniacutestica (parcelamento e tipologias ediliacutecias diferentes dos
padrotildees gerais da cidade) seja pelos aspectos ambientais (localizaccedilatildeo em
aacutereas ambientalmente fraacutegeis protegidas ou natildeo)11
Essa caracterizaccedilatildeo dual faz parte da complexidade da mateacuteria e a sua
compreensatildeo exige a consideraccedilatildeo da sua dimensatildeo histoacuterica na perspectiva
de reconstituir os conflitos e as accedilotildees de resistecircncia contra ameaccedilas de
supressatildeo de direitos Nesse sentido eacute que Andreacutea Zhouri (2007) chama a
atenccedilatildeo para o fato de que a proteccedilatildeo dos recursos naturais deve sempre ser
considerada de forma associada aos processos socioculturais especiacuteficos do
lugar e os conflitos socioambientais considerados como resultado das praacuteticas
e disputas de interesses na apropriaccedilatildeo desses recursos pelos distintos atores
Nesses processos o Estado tem legitimado as suas praacuteticas atraveacutes do
discurso da proteccedilatildeo ambiental que se tornou argumento de consenso dos
interesses dos diferentes setores sociais Por outro lado a compreensatildeo da
natureza desses conflitos tambeacutem depende do funcionamento do modelo de
poliacutetica urbana e ambiental a que estatildeo sujeitos A identificaccedilatildeo de
11
Traduccedilatildeo livre de Ruth Ataiacutede (2013 p 60) na sua Tese de doutorado Entre os autores que
orientam essa discussatildeo a autora destaca Andrea Zhouri (2007 y 2005) referidas Simone Polli (2010) y Silvana Mameri (2011)
convergecircncias e diferenccedilas entre essas duas dimensotildees da poliacutetica permite-
nos discutir estrateacutegias de planejamento urbano- ambiental aplicadas a estas
aacutereas A partir dessa identificaccedilatildeo e tomando como referecircncia estrutura de
Ataiacutede (2013) os conflitos satildeo analisados segundo duas dimensotildees a
institucional que se expressa nas estrateacutegias de gestatildeo e regulaccedilatildeo e a fiacutesico-
territorial que se expressa nas relaccedilotildees espaciais (sociais e ambientais)
No acircmbito institucional expresso nas estrateacutegias de regulaccedilatildeo e gestatildeo a
autora identifica pelo menos dois grupos de conflitos no primeiro grupo objeto
de reflexatildeo no trabalho incluem-se os que satildeo gerados no campo da proacutepria
formulaccedilatildeo da poliacutetica a partir das mudanccedilas na concepccedilatildeo do planejamento
(como previsatildeo ou desejo de uma situaccedilatildeo ideal) que foi substituiacuteda pela
concepccedilatildeo de gestatildeo que se baseia em uma accedilatildeo sobre os espaccedilos de uma
compreensatildeo das condiccedilotildees (sociais culturais poliacuteticas e econoacutemicas) reais
de sua produccedilatildeo e consumo Ou seja uma concepccedilatildeo da poliacutetica estruturada
no princiacutepio do reconhecimento da cidade existente e do planejamento como
um processo dinacircmico que reconhece as accedilotildees do homem sobre a produccedilatildeo
do espaccedilo (urbano ou rural) como expressatildeo legitima do vivido e este como
uma das suas partes inseparaacuteveis
O segundo grupo de conflitos que tambeacutem eacute dependente do primeiro eacute
resultado dos limites da accedilatildeo das esferas puacuteblicas e privadas Nesse sentido
a sua resoluccedilatildeo depende da criaccedilatildeo de novas articulaccedilotildees entre essas esferas
para alavancar o adequado funcionamento desses espaccedilos de mediaccedilatildeo
exigidos pela nova concepccedilatildeo da poliacutetica No estado atual de gestatildeo urbana e
ambiental os limites da accedilatildeo sobre os conflitos tecircm ganhado relevo quando
confrontados com a natureza do regime de propriedade das aacutereas protegidas
na maioria dos casos privada A natureza de uma suposta irregularidade
urbaniacutestica ou ambiental nesses espaccedilos se evidencia no cruzamento de
interesses e accedilotildees opostas sobre os mesmos No caso de Natal e do ponto de
vista da regulaccedilatildeo alguns desses espaccedilos como veremos adiante satildeo
definidos como zonas de proteccedilatildeo especial com base em duas perspectivas a
ambiental por meio de delimitaccedilotildees como Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental
(ZPAs) para as aacutereas ambientalmente fraacutegeis e a social por meio da
classificaccedilatildeo como Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) para os
assentamentos irregulares ou fraccedilotildees urbanas ocupadas pelas populaccedilotildees
mais pobres ou merecedoras de atenccedilatildeo especial em virtude das condiccedilotildees de
precariedade socioambiental
Neste debate destacamos o aspecto crucial do conflito e que estaacute na base
da matriz de sustentabilidade democraacutetica ou da justiccedila ambiental12 que
fundamentam o atual modelo de Poliacutetica Urbana brasileira Isto eacute realccedila a
necessidade de afinarmos a compreensatildeo sobre a noccedilatildeo de justiccedila espacial
na qual se insere a discussatildeo ora proposta sobre Natal a partir de duas das
suas fraccedilotildees territoriais consideradas simboacutelicas nos estudos sobre os conflitos
socioambientais o bairro (ou AEIS) de Matildee Luiza e a AEIS da Vila de Ponta
Negra Para entendermos o aparecimento desses conflitos conveacutem
retomarmos a breve anaacutelise sobre a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do solo do
municiacutepio Nesse sentido sublinhamos que esta ocupaccedilatildeo se desenvolveu
sobre um sitio geograacutefico com alta fragilidade ambiental caracterizado pela
presenccedila de ecossistemas primitivos como as dunas a vegetaccedilatildeo de
mangues as matas e as restingas aleacutem de uma diversidade de corpos drsquoaacutegua
que inclui lagoas e rios no seu interior e o Oceano Atlacircntico na sua feiccedilatildeo leste
com suas praias A maior parte das aacutereas caracterizadas por esses
componentes ambientais se manteve pouco alterada ateacute meados dos anos
1970 quando a ocupaccedilatildeo estava concentrada nos bairros centrais A partir de
entatildeo com o impulso do processo de urbanizaccedilatildeo e o avanccedilo dos debates da
consciecircncia mundial sobre a necessidade de conciliar o desenvolvimento
urbano com a preservaccedilatildeo dos recursos naturais evidenciaram-se o que hoje
denominamos ldquoconflitos espaciaisrdquo ou ldquoconflitos socioambientaisrdquo
Eacute fato que no caso do municiacutepio de Natal a caracterizaccedilatildeo fiacutesica referida
se aplica a todo o seu territoacuterio Entretanto ateacute a deacutecada de 1970 aleacutem da
ocupaccedilatildeo do solo ser de baixa intensidade demograacutefica e construtiva havia
pouca preocupaccedilatildeo quanto aos impactos da intensidade do processo de
urbanizaccedilatildeo no equiliacutebrio do ecossistema inclusive no acircmbito institucional
considerando que o municiacutepio a exemplo de outras realidades brasileiras
tambeacutem natildeo dispunha de instrumentos de controle urbaniacutestico e ambiental fato
12
Conceitos desenvolvidos por Henri Acselrad e outros autores que discutem as matrizes da
sustentabilidade nas poliacuteticas Ver a respeito ACSELRAD H (org) 2001 A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD Henri e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro
que contribuiu para o avanccedilo da ocupaccedilatildeo de forma dispersa em todas as
direccedilotildees do territoacuterio Estudos recentes sobre esse processo denotam o avanccedilo
dos impactos ambientais sobre territoacuterio municipal e as suas franjas
metropolitanas conforme consta no Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento
Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natalrdquo13 Nesse documento foram
demonstrados os efeitos do processo de urbanizaccedilatildeo com destaque para as
elevadas taxas de impermeabilizaccedilatildeo do solo a contaminaccedilatildeo das aguas
subterracircneas que abastecem a cidade e toda a regiatildeo e de outros corpos
drsquoagua incluindo o rio Potengi assim como para os problemas de alagamentos
e assoreamentos nas aacutereas vulneraacuteveis de erosatildeo costeira entre outros
A contribuiccedilatildeo dos assentamentos precaacuterios sobre o avanccedilo dessa forma
de ocupaccedilatildeo nas aacutereas ambientalmente fraacutegeis consiste no interesse principal
deste trabalho objeto de aprofundamento na quarta seccedilatildeo do trabalho a partir
da anaacutelise de duas fraccedilotildees Para tanto recuperamos os estudos recentes de
Ataiacutede (2013)14 sobre o tema quando realccedila a classificaccedilatildeo das condiccedilotildees de
risco e vulnerabilidade ambiental das 74 favelas existentes no municiacutepio
distribuiacutedos nas quatro regiotildees administrativas Entre essas algumas
localizados em Matildee Luiza e Ponta Negra apresentam condiccedilotildees de risco pela
relaccedilatildeo com os espaccedilos ambientalmente fraacutegeis como as dunas e as Aacutereas de
Preservaccedilatildeo Permanente(APPs)
IV Instrumentos e as dificuldades da sua efetivaccedilatildeo
Como referido anteriormente o municiacutepio de Natal tem feito esforccedilos para
efetivar o seu novo modelo de planejamento e gestatildeo urbana expresso no
Plano Diretor do municiacutepio que foi alccedilado agrave condiccedilatildeo de principal instrumento
13
O Plano (e o seu respectivo diagnostico) foi elaborado para fundamentar as estrateacutegias de
gestatildeo da RMNatal mas nunca se concretizou Ambos foram produzidos por uma equipe multidisciplinar e publicado em 2006 Plano tem como horizonte o ano de 2020 e contou na sua elaboraccedilatildeo com a Secretaria de Planejamento e Financcedilas do Governo Estadual a FADEUFPE e a FUNPECUFRN Ver FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN 2007 Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal Disponiacutevel em httpwwwnatalmetropolerngovbrdowloadsp2v3pdf acceso en 06 de Agosto de 2011 14
Nesses estudos a autora tomou como referecircncia o Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco
(PMRR) elaborado em 2008 que estabeleceu cinco criteacuterios para definir os graus de risco (0 a 5) dos assentamentos e que foram ser passiacutevel de deslizamento e erosatildeoassoreamento estar localizada sobre Dunas Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente (APPs) ou faixas de domiacutenio Ver a respeito SEMURBAQUATOLCONSULTORIA 2008 Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal
de desenvolvimento urbano desde a Constituiccedilatildeo Federal de 1998 e em
especial a partir da vigecircncia da Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano
denominada Estatuto da Cidade (Lei Federal nordm 102572001) em 2001 As
aacutereas de conflitos socioambientais objeto de anaacutelise ganharam evidecircncia a
partir desse marco normativo que orientando-se pelos princiacutepios da garantia
do direito agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado introduziu um conceito de
zoneamento territorial que realccedila as especificidades do municiacutepio a partir seu
tecido social e das suas caracteriacutesticas ambientais Nesse sentido estrutura-se
em duas escalas a macro que fundamenta a divisatildeo do territoacuterio em trecircs
grandes zonas Zona Adensaacutevel Zona de Adensamento Baacutesico e Zona de
Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA)15 a micro ou especiacutefica que possibilita a delimitaccedilatildeo
de fraccedilotildees do territoacuterio como merecedoras de tratamento urbaniacutestico e
ambiental diferenciado de forma correspondente aacutes suas condiccedilotildees de
precariedade urbaniacutestica e vulnerabilidade social e ou ambiental Essas aacutereas
denominadas de Aacutereas Especiais satildeo entendidas como ldquoporccedilotildees da Zona
Urbana situadas em zonas adensaacuteveis ou natildeo com destinaccedilatildeo especiacutefica ou
normas proacuteprias de uso e ocupaccedilatildeo do solordquo e classificadas em quatro
categorias Aacutereas de Controle de Gabarito (ACG) Aacutereas Especiais de Interesse
Social (AEIS) Aacutereas de Operaccedilatildeo Urbana (AOUR) Aacutereas Non Aedificand16
(Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20) As fraccedilotildees urbanas analisadas se
inserem na categoria Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) e alguns
conflitos se evidenciam nas relaccedilotildees com as Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental
localizadas no seu interior ou entorno
As duas categorias ZPAs foram instituiacutedas no Plano Diretor de 1994
como estrateacutegia de gestatildeo para assegurar as populaccedilotildees agrave garantia do direito
agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado nos termos definidos pela
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entretanto essas categorias ainda natildeo foram
regulamentadas na sua totalidade Objetivamente apenas as ZPAs tecircm sido
objeto de accedilotildees mais efetivas nessa direccedilatildeo considerando que entre as dez
15 Definida como a que se destina a ldquoproteccedilatildeo manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo dos aspectos
ambientais ecoloacutegicos paisagiacutesticos histoacutericos arqueoloacutegicos turiacutesticos culturais arquitetocircnicos e cientiacuteficos do municiacutepiordquo (Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 17) 16
NATAL Prefeitura Municipal Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20 Em NATAL
Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal
aacutereas assim classificadas 50 (cinco) jaacute tiveram seus processos de
regulamentaccedilatildeo concluiacutedos e outras cinco encontram-se em fase de debate
puacuteblico As ZPAs 06 e 10 que correspondem aos maciccedilos dunares de Ponta
Negra e Matildee Luiza respectivamente incluem-se neste segundo grupo Quanto
as AEIS embora tambeacutem instituiacutedas no mesmo marco normativo (1994) os
seus processos de regulamentaccedilatildeo natildeo avanccedilaram no mesmo ritmo que os
das ZPAs fato que ratifica ainda que por meio de tiacutemidas accedilotildees a primazia do
ambiental sobre o social no processo de gestatildeo urbana do municiacutepio (Figura 2)
Figura 2 ndash AEIS (1) e ZPAs (2) no PDN2007
Fonte Ataiacutede (2013 adaptado pelos autores)
Ressalte-se ainda que o instrumento AEIS foi ratificado e ampliado no
PDN2007 com o acreacutescimo de novas categorias e aacutereas Agraves favelas Vilas e
Loteamentos clandestinos foram acrescidas outras quatro categorias de AEIS
uma das quais aplicada agraves fraccedilotildees urbanas definidas como aacutereas que estatildeo
sob influecircncia de empreendimento de impacto socioeconocircmico cultural e
paisagiacutestico entre elas a da Vila de Ponta Negra17 Contudo passados 21
anos da vigecircncia do PDN 1994 e oito do PDN 2007 considera-se que apenas
17
NATAL Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o
Plano Diretor de Natal DOM Natal Mapa 04 Anexo II
1 2
a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral
Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma
discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os
objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o
avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees
urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)
e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou
dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo
entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute
objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho
V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra
1 A AEIS de Matildee Luiza
A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e
regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei
46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de
1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a
discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS
(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor
(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A
fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes
(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram
incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano
(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do
PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007
(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi
reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras
18
As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova
Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19
Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a
existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994
Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de
uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)
incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades
apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo
Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar
alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee
Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e
reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas
nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades
(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal
que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico
ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com
predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com
alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e
social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de
infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a
meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do
bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila
destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)
Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de
fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado
e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas
delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito
municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando
se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de
risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de
Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no
PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de
risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da
ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da
deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de
20
Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo
com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21
A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema
de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara
controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em
seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias
em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam
alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o
PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da
criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do
municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento
das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem
disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os
anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo
imobiliaacuteria
Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar
que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem
adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao
sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa
popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e
os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a
elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem
no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um
empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo
ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na
aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos
22
O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei
mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE
Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em
httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24
O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado
mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida
atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja
Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades
de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de
discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos
da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os
moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito
ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre
os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os
princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do
campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo
protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da
AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26
Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10
Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)
adaptado pelos autores
25
ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta
de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26
Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que
dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea
O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo
da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de
gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-
territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo
juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na
alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da
normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam
entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que
revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de
Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do
estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do
Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com
as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que
reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com
o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como
Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo
tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia
sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas
ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de
tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia
expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam
dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de
governo
Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com
a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade
da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave
resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do
municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo
das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da
ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o
conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno
com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque
Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e
proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade
Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se
apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo
sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das
situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da
favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das
dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo
PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem
contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo
gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas
ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e
com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo
ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias
institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do
movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus
interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza
Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da
favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no
processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam
pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas
remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco
tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na
proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os
objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos
estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de
Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto
conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos
territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees
nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)
Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
27
Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538
2 A AEIS da Vila de Ponta Negra
A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007
Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-
guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a
partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de
grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo
que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo
e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e
internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)
Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628
Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta
Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento
de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja
aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante
emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam
segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que
estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora
O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico
municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos
atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra
ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais
envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor
imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes
28
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento
urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123
das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo
cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007
no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses
representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os
princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso
desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A
ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -
batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e
que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29
Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do
resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos
A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser
encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do
direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute
uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas
precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do
Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar
da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea
Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8
(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda
natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de
gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade
Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao
papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local
da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam
numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de
pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens
culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao
conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com
uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e
29
Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30
De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no
mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo
apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria
pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees
acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos
adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos
com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como
AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas
principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se
opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua
regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de
fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou
negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo
de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida
natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com
moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser
submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios
fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores
da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com
ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo
Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta
Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa
numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta
Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06
que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei
municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem
estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do
Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea
ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e
estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do
31
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade
Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32
A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal
do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33
Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN
Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008
bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a
ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal
como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi
contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas
proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca
Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno
Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores
Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando
abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como
fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de
determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e
da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo
Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a
necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para
o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados
nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a
verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio
ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras
formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como
AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca
Praia de Ponta Negra
ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA
que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os
empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio
e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas
do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse
importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da
densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta
desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes
comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em
duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de
Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos
diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a
uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por
ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que
ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os
interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo
social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial
Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra
ZPA 06 - MORRO DO CARECA
ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)
BAIRRO PONTA NEGRA
ZONA DE AMORTECIMENTO
(ZA)
Praia de Ponta Negra
0m 50m 100m 200m
N
Morro do
Careca
01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca
03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento
06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca
05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca
04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo
Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth
VI Consideraccedilotildees Finais
Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves
relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos
protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto
devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm
estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994
tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas
estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees
especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo
apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)
No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor
imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo
de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de
acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades
especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia
de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de
expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se
realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal
por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao
novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse
novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o
desenvolvimento do trabalho
Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os
mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental
de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do
acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado
deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos
classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas
garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se
reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica
encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada
lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as
necessidades de morar na cidade
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sobre as perspectivas de efetivaccedilatildeo das accedilotildees tendo em vista a adoccedilatildeo de
estrateacutegias voltadas para a conciliaccedilatildeo dos conflitos analisados
II Da ldquoNatal natildeo haacute talrdquo para a Natal com pretensotildees metropolitanas
Natal fundada em 1599 eacute uma das mais antigas cidades do Brasil No
entanto ainda que a sua expansatildeo fiacutesica e populacional tenha sido uma
constante o seu crescimento foi extremamente lento ateacute o iniacutecio do seacuteculo XX
Em meados do seacuteculo XVIII por exemplo sua populaccedilatildeo natildeo atingia mil
habitantes Era entatildeo uma cidade pequena e precaacuteria de modo que segundo
um ditado popular de entatildeo se dizia que ldquoNatal natildeo haacute talrdquo um trocadilho ou
jogo de palavras para expressar em tom jocoso a tacanhez da cidade
O crescimento de Natal se revela de modo mais evidente a partir do iniacutecio
do seacuteculo XX periacuteodo que eacute acompanhado por um processo relativamente
importante de modernizaccedilatildeo urbana1 que tambeacutem se expressa na segregaccedilatildeo
socioespacial que apenas se exacerbaraacute nas deacutecadas seguintes Durante a
Segunda Guerra Mundial esse processo se acelera efetivamente pois a
capital do Rio Grande do Norte serviu de base militar brasileira e
principalmente americana durante o conflito O municiacutepio de Natal que contava
55119 habitantes em 1940 totalizava 103215 pessoas dez anos depois em 7
de janeiro de 19502 representando um aumento espetacular de 8725 da
populaccedilatildeo em apenas uma deacutecada
Em termos fiacutesico-espaciais o crescimento da cidade daacute-se por um lado
pela consolidaccedilatildeo de bairros mais antigos e por outro pela expansatildeo de sua
malha urbana em praticamente todas as direccedilotildees No poacutes-guerra o seu
crescimento eacute marcado pelo surgimento de novas aacutereas de pobreza que
surgem inicialmente como assentamentos informais Eacute o caso de Brasiacutelia
Teimosa e Matildee Luiza entre as deacutecadas de 1950 e 1960 aacutereas perifeacutericas que
1 Infelizmente nos limites deste item cujo interesse maior se volta para o crescimento fiacutesico da
cidade natildeo eacute possiacutevel discorrer sobre as transformaccedilotildees em termos da dotaccedilatildeo de novos equipamentos urbanos e de infraestrutura visiacuteveis desde a primeira deacutecada do seacuteculo XX como expressatildeo da modernizaccedilatildeo Esses dados apenas reforccedilariam a constataccedilatildeo desse crescimento urbano mas natildeo cabem nos limites deste artigo 2 CLEMENTINO Maria do Livramento Miranda 1995 Economia e urbanizaccedilatildeo o Rio Grande
do Norte nos Anos 70 UFRN CCHLA Natal p 162
aos poucos elevam o seu padratildeo habitacional3 Nas deacutecadas de 1950 e 1960
contudo a imigraccedilatildeo para Natal continua importante Por um lado a estrutura
agraacuteria concentradora expulsa as populaccedilotildees rurais do campo e por outro o
esforccedilo de industrializaccedilatildeo do Nordeste que ocorre na deacutecada de 1960
provocando investimentos especialmente nas capitais via projetos da
Superintentecircncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) atrai grandes
contingentes populacionais Natal foi a terceira capital estadual do Nordeste a
receber em termos relativos o maior fluxo migratoacuterio na deacutecada de 19604
Outra caracteriacutestica desse crescimento se verifica pela formaccedilatildeo dos
loteamentos os primeiros dos quais surgem ainda durante a Segunda Guerra
Mundial Eles estatildeo na origem dos conjuntos habitacionais tatildeo presentes na
paisagem urbana de Natal Entre 1967 e 1978 o Banco Nacional da Habitaccedilatildeo
(BNH) financiou 25 conjuntos habitacionais na cidade totalizando 19 207
unidades Considerando uma estimativa de 5 pessoas por unidade esses
conjuntos abrigavam cerca de um quinto da populaccedilatildeo da capital potiguar
Mesmo assim em 1977 havia 10 000 casebres correspondendo 50 000
pessoas5 A cidade que tinha 160 253 habitantes em 1960 passa a ter 416
898 habitantes em 1980 segundo dados do IBGE6 um crescimento de 260
em apenas duas deacutecadas
No periacuteodo que se estende de 1941 ateacute o final da deacutecada de 1970 os
loteamentos e os conjuntos habitacionais que se lhes seguem se concentram
na regiatildeo sul da cidade do Natal confirmando o seu crescimento nessa
direccedilatildeo Neoacutepolis Cidade Sateacutelite Candelaacuteria Mirassol Ponta Negra e muitos
outros surgem ao longo desse periacuteodo Satildeo em geral destinados a estratos de
renda meacutedia da populaccedilatildeo Seja com for o crescimento da cidade em direccedilatildeo
ao sul do nuacutecleo inicial era inevitaacutevel uma vez que o Rio Potengi o Oceano
Atlacircntico e os cordotildees dunares a leste esbarravam a expansatildeo urbana nessas
direccedilotildees Desses limites o uacutenico que podia ser realmente transposto e mesmo
assim com dificuldade foi o Rio Potengi Visto no seacuteculo XIX como obstaacuteculo
3 A migraccedilatildeo rural-urbana que estaacute na origem desse processo foi consideraacutevel durante a
Segunda Guerra Mundial motivada principalmente pela busca de trabalho na capital potiguar 4 SOUZA Itamar de 1980 Migraccedilotildees Internas no Brasil Vozes Rio de Janeiro p 83-96 5 SOUZA ibid p 94-95 6 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE 1988 Anuaacuterio Estatiacutestico do
Brasil1987-1988 Vol48 IBGE Rio de Janeiro
ao crescimento e ao desenvolvimento econocircmico da cidade pois a isolava do
interior do mesmo modo que as dunas no seacuteculo XX Natal cresceu a ponto
de finalmente ldquoatravessarrdquo o Rio Potengi e se expandir pela sua margem
esquerda formando o que eacute hoje a sua Regiatildeo Administrativa Norte (RAN)
Isso terminou por incorporar em seu espaccedilo urbano o estuaacuterio do rio que antes
apenas delimitava a cidade fisicamente7 Esta Regiatildeo cresceu principalmente
atraveacutes dos chamados conjuntos habitacionais a partir do final da deacutecada de
1970 poreacutem se tornou uma aacuterea urbana perifeacuterica separada fiacutesica e
simbolicamente do restante da cidade pelo Rio Potengi8
A partir da deacutecada de 1970 e especialmente da deacutecada seguinte o
processo de ocupaccedilatildeo do solo se intensificou impulsionado tambeacutem pela
construccedilatildeo massiva dos conjuntos habitacionais horizontais promovidos pelo
Estado nas aacutereas entatildeo denominadas de expansatildeo urbana (Quadro 1 e Figura
1|) Posteriormente o processo se ampliou com a consolidaccedilatildeo da participaccedilatildeo
do capital imobiliaacuterio no processo de constituiccedilatildeo desse urbano a partir da
produccedilatildeo de moradias de padratildeo vertical e da infraestrutura de serviccedilos de
apoio turiacutestico especialmente nas franjas litoracircneas
Quadro 1 Evoluccedilatildeo do crescimento demograacutefico de Natal ndash 1960-2010
Ano Populaccedilatildeo Crescimento demograacutefico
1960-1970 1970-1980 1980-1991 1991-2000 2000-2010
1960 160 253 513 1970 264 379 466 1980 416 898 347 1991 606887 149 2000 712 317 121 2010 803739
Fonte Ataiacutede (2013) a partir de Ataiacutede (1997) IBGE (2000 2010) y SEMURB (2006 2010
2011)
Nesse contexto cabe destacar natildeo apenas o processo de produccedilatildeo
formal mas tambeacutem a produccedilatildeo informal de moradias que embora existente
7 Eacute verdade que ldquodo lado de laacuterdquo do rio havia dois nuacutecleos habitacionais Igapoacute e Redinha hoje
bairros que se relacionavam com a cidade De origem muito antiga ambos se confundem com o iniacutecio da histoacuteria de Natal Enquanto o primeiro era uma aldeia indiacutegena que foi contemporacircnea da fundaccedilatildeo da cidade a Redinha se encontra no mesmo local onde os primeiros moradores da cidade exploravam a pesca TEIXEIRA Rubenilson Brazatildeo 2015 O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23 8 SILVA Alexsandro Ferreira Cardoso da 2003 Depois das fronteiras a formaccedilatildeo dos
espaccedilos de pobreza na periferia Norte de Natal ndash RN Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Arquitetura e Urbanismo da UFRN Natal
pelo menos desde o iniacutecio do seacuteculo XX tambeacutem se ampliou e se espraiou em
todas as direccedilotildees do territoacuterio municipal a partir da deacutecada de 1980 (Figura 1)
Figura 1 ndash Evoluccedilatildeo da expansatildeo territorial com destaque para a participaccedilatildeo da produccedilatildeo formal de moradias promovida pelo estado ateacute a deacutecada de 1990
Antes de 1970 Depois da deacutecada de 1970
Fonte Ataiacutede (2013) a partir de Ataiacutede (1997) SEMTHAS UEM (2001) Morais (2004)SEMURB (2010) e UFRNFUNPECSEMTAS V 3 2004
Outro aspecto a considerar eacute que diferentemente de outros municiacutepios do
Rio Grande do Norte inclusive dos que compotildeem a sua Regiatildeo Metropolitana
Natal natildeo dispotildee mais de uma zona rural ou de expansatildeo Isso explica em
grande parte trecircs fenocircmenos recentes na dinacircmica urbana da cidade 1) o seu
crescimento por transbordamento isto eacute seus moradores estatildeo se fixando nos
municiacutepios limiacutetrofes da RMN onde o preccedilo da terra urbana eacute mais acessiacutevel
2) a consolidaccedilatildeo do processo de verticalizaccedilatildeo que vem ocorrendo desde a
deacutecada de 1980 3) o aumento da pressatildeo crescente para a ocupaccedilatildeo das
aacutereas ambientalmente fraacutegeis remanescentes como mangues dunas e aacutereas
ribeirinhas especialmente pelos estratos de renda sociais mais baixos que natildeo
podem se inserir no mercado formal de terras
A etapa mais recente do processo histoacuterico de expansatildeo urbana de Natal
se manifesta por intermeacutedio de duas caracteriacutesticas essenciais o processo de
verticalizaccedilatildeo da cidade notadamente a partir da deacutecada de 1980 por um lado
e por outro a crescente ameaccedila de ocupaccedilatildeo de aacutereas ambientalmente
fraacutegeis tatildeo presentes na cidade e que satildeo legalmente protegidas pela
legislaccedilatildeo urbana e ambiental Os dois processos mantecircm aliaacutes relaccedilatildeo entre
si enquanto que a verticalizaccedilatildeo atende aos estratos meacutedios e altos da
sociedade natalense que ocupam em geral aacutereas privilegiadas da cidade as
populaccedilotildees de baixa renda tendem a ocupar as aacutereas inadequadas do ponto
de vista ambiental como mangues dunas e as margens de rios A
mercantilizaccedilatildeo do solo urbano a especulaccedilatildeo imobiliaacuteria e a ineficaacutecia da
gestatildeo urbana satildeo alguns dos fatores que explicam essa situaccedilatildeo
Nesse processo de crescimento e expansatildeo urbana de Natal percebe-se
que o antigo nuacutecleo urbano adormecido durante pelo menos dois seacuteculos
comeccedila a se expandir consideravelmente ainda no seacuteculo XIX e iniacutecio do XX e
de maneira acelerada a partir da Segunda Guerra Mundial A cidade abrigava
em 2010 uma populaccedilatildeo de 803 739 habitantes segundo dados do IBGE9 e
forma com municiacutepios vizinhos a Regiatildeo Metropolitana de Natal (RMNatal)
Com efeito o antigo nuacutecleo urbano insignificante a ldquoNatal natildeo haacute talrdquo torna-se
progressivamente uma capital moderna com pretensotildees metropolitanas
III Uma situaccedilatildeo de impasse o crescimento urbano e os conflitos
socioambientais
O crescimento e a consolidaccedilatildeo da ocupaccedilatildeo da cidade do Natal foram
miacutenimos durante seacuteculos tendo em vista o pequeno nuacutemero de habitantes
Vivendo principalmente da pesca no Rio Potengi e no mar da exploraccedilatildeo
vegetal nos arredores da cidade e da agropecuaacuteria essas atividades ainda
que causassem algum impacto ambiental - desmatamento para o plantio e a
exploraccedilatildeo madeireira - natildeo atingiam uma escala significativa Aleacutem disso
desconhecemos a existecircncia de uma consciecircncia ambiental de seus habitantes
antes das preocupaccedilotildees higienistas que marcaram a cidade do Natal e outras
cidades do Brasil entre fins do seacuteculo XIX e primeiras deacutecadas do seacuteculo XX10
Essa preocupaccedilatildeo eacute relativamente recente na histoacuteria da humanidade e no
9httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=240810ampsearch=rio-grande-
do-norte|natal Acesso em 02 de abril de 2015 10
Preocupaccedilotildees que estavam circunscritas a uma elite e que eram principalmente de natureza
meacutedica isto eacute dos seus efeitos sobre a sauacutede dos habitantes do que no sentido atual de preocupaccedilatildeo com a salvaguarda e proteccedilatildeo dos recursos naturais Ver a respeito FERREIRA Angela Luacutecia A et al 2008 Uma Cidade Satilde e Bela a trajetoacuteria do Saneamento de Natal entre 1850 e 1969 IAB RN CREA RN Natal
Brasil parece se evidenciar somente a partir das trecircs uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo
XX
Em Natal as referecircncias agrave proteccedilatildeo do meio ambiente com alguma
efetividade seja por meio de iniciativas do movimento social seja por meio de
estrateacutegias de gestatildeo tambeacutem datam de finais da deacutecada de 1970 quando os
debates sobre a proteccedilatildeo dos recursos naturais ganham relevo e passam a
integrar as agendas dos movimentos sociais e de algumas accedilotildees
governamentais Desde entatildeo especialmente desde a deacutecada de 1980
algumas accedilotildees com motivaccedilotildees sociais e ambientais tecircm demonstrado o
crescimento de uma consciecircncia ambiental e produzido alteraccedilotildees nas
estrateacutegias de planejamento e gestatildeo urbana do municiacutepio Respeito isso
destaca-se pelos movimentos sociais as reaccedilotildees contraacuterias ao projeto de
construccedilatildeo da Via Costeira (1978-1980) agraves primeiras iniciativas de
verticalizaccedilatildeo da orla mariacutetima e a defesa da paisagem costeira e da
permanecircncia das populaccedilotildees tradicionais ali residentes (1980-1984) e pelas
accedilotildees governamentais as estrateacutegias de proteccedilatildeo da paisagem (Zonas
Especiais de Interesse Turiacutestico) inseridas no Plano Diretor de 1984
(PDN1984-Lei 317584) e a aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de 1994 (PDN1994-
Lei 0794) e da Lei 466395 que regulamenta a AEIS de Matildee Luiza
O marco temporal da presente discussatildeo eacute portanto definido a partir dos
conflitos socioambientais que emergiram com o avanccedilo do processo de
ocupaccedilatildeo do solo (formal ou informal) sobre os espaccedilos naturais e que foram
reconhecidos como objeto de proteccedilatildeo especial pelo atual marco normativo
urbaniacutestico e ambiental fundamentado no reconhecimento dos direitos de
todos os cidadatildeos agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado No caso de Natal
que reproduz uma situaccedilatildeo visiacutevel em todo o urbano brasileiro tal cenaacuterio de
conflitos revela-se como uma das caracteriacutesticas da sua paisagem Do ponto
de vista urbano e ambiental a maioria desses espaccedilos foi historicamente
produzida de forma ilegal e marginal tendo origem em sua maioria a partir
das demandas das populaccedilotildees mais pobres que geralmente natildeo possuem
renda para participar do mercado formal de terras
Para a compreensatildeo da natureza dos conflitos que estamos analisando eacute
importante lembrar que a relevacircncia das questotildees socioambientais como um
problema nas disputas territoriais soacute ganhou algum destaque quando ambas as
dimensotildees (social e ambiental) incorporaram a natureza do interesse puacuteblico
Com base nesta abordagem os conflitos inicialmente tratados como conflitos
de terra e considerados principalmente pela luta ao acesso agrave moradia
adicionaram novas configuraccedilotildees novos atores e novas dimensotildees para o
problema Nessa configuraccedilatildeo os problemas relacionados com a posse de
terra urbana e o acesso agrave moradia na esfera puacuteblica tambeacutem passaram a ser
definidos como problemas ambientais
Segundo Ataiacutede (2013) um dos desafios do enfrentamento dos conflitos
socioambientais tem sido identificar como os diferentes atores sociais tecircm
efetivado suas accedilotildees relacionadas com o processo de ocupaccedilatildeo do solo dos
espaccedilos naturais tendo como referecircncia a manutenccedilatildeo do fortalecimento da
relaccedilatildeo entre o direito agrave moradia e os preceitos da proteccedilatildeo ambiental Tal
reflexatildeo se apoia no fato de que grande parte das situaccedilotildees de conflito se
manifesta em aacutereas caracterizadas por dualidades e ambiguidades e
evidenciam interesses de diversas naturezas seja em decorrecircncia da
inadequaccedilatildeo urbaniacutestica (parcelamento e tipologias ediliacutecias diferentes dos
padrotildees gerais da cidade) seja pelos aspectos ambientais (localizaccedilatildeo em
aacutereas ambientalmente fraacutegeis protegidas ou natildeo)11
Essa caracterizaccedilatildeo dual faz parte da complexidade da mateacuteria e a sua
compreensatildeo exige a consideraccedilatildeo da sua dimensatildeo histoacuterica na perspectiva
de reconstituir os conflitos e as accedilotildees de resistecircncia contra ameaccedilas de
supressatildeo de direitos Nesse sentido eacute que Andreacutea Zhouri (2007) chama a
atenccedilatildeo para o fato de que a proteccedilatildeo dos recursos naturais deve sempre ser
considerada de forma associada aos processos socioculturais especiacuteficos do
lugar e os conflitos socioambientais considerados como resultado das praacuteticas
e disputas de interesses na apropriaccedilatildeo desses recursos pelos distintos atores
Nesses processos o Estado tem legitimado as suas praacuteticas atraveacutes do
discurso da proteccedilatildeo ambiental que se tornou argumento de consenso dos
interesses dos diferentes setores sociais Por outro lado a compreensatildeo da
natureza desses conflitos tambeacutem depende do funcionamento do modelo de
poliacutetica urbana e ambiental a que estatildeo sujeitos A identificaccedilatildeo de
11
Traduccedilatildeo livre de Ruth Ataiacutede (2013 p 60) na sua Tese de doutorado Entre os autores que
orientam essa discussatildeo a autora destaca Andrea Zhouri (2007 y 2005) referidas Simone Polli (2010) y Silvana Mameri (2011)
convergecircncias e diferenccedilas entre essas duas dimensotildees da poliacutetica permite-
nos discutir estrateacutegias de planejamento urbano- ambiental aplicadas a estas
aacutereas A partir dessa identificaccedilatildeo e tomando como referecircncia estrutura de
Ataiacutede (2013) os conflitos satildeo analisados segundo duas dimensotildees a
institucional que se expressa nas estrateacutegias de gestatildeo e regulaccedilatildeo e a fiacutesico-
territorial que se expressa nas relaccedilotildees espaciais (sociais e ambientais)
No acircmbito institucional expresso nas estrateacutegias de regulaccedilatildeo e gestatildeo a
autora identifica pelo menos dois grupos de conflitos no primeiro grupo objeto
de reflexatildeo no trabalho incluem-se os que satildeo gerados no campo da proacutepria
formulaccedilatildeo da poliacutetica a partir das mudanccedilas na concepccedilatildeo do planejamento
(como previsatildeo ou desejo de uma situaccedilatildeo ideal) que foi substituiacuteda pela
concepccedilatildeo de gestatildeo que se baseia em uma accedilatildeo sobre os espaccedilos de uma
compreensatildeo das condiccedilotildees (sociais culturais poliacuteticas e econoacutemicas) reais
de sua produccedilatildeo e consumo Ou seja uma concepccedilatildeo da poliacutetica estruturada
no princiacutepio do reconhecimento da cidade existente e do planejamento como
um processo dinacircmico que reconhece as accedilotildees do homem sobre a produccedilatildeo
do espaccedilo (urbano ou rural) como expressatildeo legitima do vivido e este como
uma das suas partes inseparaacuteveis
O segundo grupo de conflitos que tambeacutem eacute dependente do primeiro eacute
resultado dos limites da accedilatildeo das esferas puacuteblicas e privadas Nesse sentido
a sua resoluccedilatildeo depende da criaccedilatildeo de novas articulaccedilotildees entre essas esferas
para alavancar o adequado funcionamento desses espaccedilos de mediaccedilatildeo
exigidos pela nova concepccedilatildeo da poliacutetica No estado atual de gestatildeo urbana e
ambiental os limites da accedilatildeo sobre os conflitos tecircm ganhado relevo quando
confrontados com a natureza do regime de propriedade das aacutereas protegidas
na maioria dos casos privada A natureza de uma suposta irregularidade
urbaniacutestica ou ambiental nesses espaccedilos se evidencia no cruzamento de
interesses e accedilotildees opostas sobre os mesmos No caso de Natal e do ponto de
vista da regulaccedilatildeo alguns desses espaccedilos como veremos adiante satildeo
definidos como zonas de proteccedilatildeo especial com base em duas perspectivas a
ambiental por meio de delimitaccedilotildees como Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental
(ZPAs) para as aacutereas ambientalmente fraacutegeis e a social por meio da
classificaccedilatildeo como Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) para os
assentamentos irregulares ou fraccedilotildees urbanas ocupadas pelas populaccedilotildees
mais pobres ou merecedoras de atenccedilatildeo especial em virtude das condiccedilotildees de
precariedade socioambiental
Neste debate destacamos o aspecto crucial do conflito e que estaacute na base
da matriz de sustentabilidade democraacutetica ou da justiccedila ambiental12 que
fundamentam o atual modelo de Poliacutetica Urbana brasileira Isto eacute realccedila a
necessidade de afinarmos a compreensatildeo sobre a noccedilatildeo de justiccedila espacial
na qual se insere a discussatildeo ora proposta sobre Natal a partir de duas das
suas fraccedilotildees territoriais consideradas simboacutelicas nos estudos sobre os conflitos
socioambientais o bairro (ou AEIS) de Matildee Luiza e a AEIS da Vila de Ponta
Negra Para entendermos o aparecimento desses conflitos conveacutem
retomarmos a breve anaacutelise sobre a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do solo do
municiacutepio Nesse sentido sublinhamos que esta ocupaccedilatildeo se desenvolveu
sobre um sitio geograacutefico com alta fragilidade ambiental caracterizado pela
presenccedila de ecossistemas primitivos como as dunas a vegetaccedilatildeo de
mangues as matas e as restingas aleacutem de uma diversidade de corpos drsquoaacutegua
que inclui lagoas e rios no seu interior e o Oceano Atlacircntico na sua feiccedilatildeo leste
com suas praias A maior parte das aacutereas caracterizadas por esses
componentes ambientais se manteve pouco alterada ateacute meados dos anos
1970 quando a ocupaccedilatildeo estava concentrada nos bairros centrais A partir de
entatildeo com o impulso do processo de urbanizaccedilatildeo e o avanccedilo dos debates da
consciecircncia mundial sobre a necessidade de conciliar o desenvolvimento
urbano com a preservaccedilatildeo dos recursos naturais evidenciaram-se o que hoje
denominamos ldquoconflitos espaciaisrdquo ou ldquoconflitos socioambientaisrdquo
Eacute fato que no caso do municiacutepio de Natal a caracterizaccedilatildeo fiacutesica referida
se aplica a todo o seu territoacuterio Entretanto ateacute a deacutecada de 1970 aleacutem da
ocupaccedilatildeo do solo ser de baixa intensidade demograacutefica e construtiva havia
pouca preocupaccedilatildeo quanto aos impactos da intensidade do processo de
urbanizaccedilatildeo no equiliacutebrio do ecossistema inclusive no acircmbito institucional
considerando que o municiacutepio a exemplo de outras realidades brasileiras
tambeacutem natildeo dispunha de instrumentos de controle urbaniacutestico e ambiental fato
12
Conceitos desenvolvidos por Henri Acselrad e outros autores que discutem as matrizes da
sustentabilidade nas poliacuteticas Ver a respeito ACSELRAD H (org) 2001 A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD Henri e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro
que contribuiu para o avanccedilo da ocupaccedilatildeo de forma dispersa em todas as
direccedilotildees do territoacuterio Estudos recentes sobre esse processo denotam o avanccedilo
dos impactos ambientais sobre territoacuterio municipal e as suas franjas
metropolitanas conforme consta no Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento
Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natalrdquo13 Nesse documento foram
demonstrados os efeitos do processo de urbanizaccedilatildeo com destaque para as
elevadas taxas de impermeabilizaccedilatildeo do solo a contaminaccedilatildeo das aguas
subterracircneas que abastecem a cidade e toda a regiatildeo e de outros corpos
drsquoagua incluindo o rio Potengi assim como para os problemas de alagamentos
e assoreamentos nas aacutereas vulneraacuteveis de erosatildeo costeira entre outros
A contribuiccedilatildeo dos assentamentos precaacuterios sobre o avanccedilo dessa forma
de ocupaccedilatildeo nas aacutereas ambientalmente fraacutegeis consiste no interesse principal
deste trabalho objeto de aprofundamento na quarta seccedilatildeo do trabalho a partir
da anaacutelise de duas fraccedilotildees Para tanto recuperamos os estudos recentes de
Ataiacutede (2013)14 sobre o tema quando realccedila a classificaccedilatildeo das condiccedilotildees de
risco e vulnerabilidade ambiental das 74 favelas existentes no municiacutepio
distribuiacutedos nas quatro regiotildees administrativas Entre essas algumas
localizados em Matildee Luiza e Ponta Negra apresentam condiccedilotildees de risco pela
relaccedilatildeo com os espaccedilos ambientalmente fraacutegeis como as dunas e as Aacutereas de
Preservaccedilatildeo Permanente(APPs)
IV Instrumentos e as dificuldades da sua efetivaccedilatildeo
Como referido anteriormente o municiacutepio de Natal tem feito esforccedilos para
efetivar o seu novo modelo de planejamento e gestatildeo urbana expresso no
Plano Diretor do municiacutepio que foi alccedilado agrave condiccedilatildeo de principal instrumento
13
O Plano (e o seu respectivo diagnostico) foi elaborado para fundamentar as estrateacutegias de
gestatildeo da RMNatal mas nunca se concretizou Ambos foram produzidos por uma equipe multidisciplinar e publicado em 2006 Plano tem como horizonte o ano de 2020 e contou na sua elaboraccedilatildeo com a Secretaria de Planejamento e Financcedilas do Governo Estadual a FADEUFPE e a FUNPECUFRN Ver FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN 2007 Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal Disponiacutevel em httpwwwnatalmetropolerngovbrdowloadsp2v3pdf acceso en 06 de Agosto de 2011 14
Nesses estudos a autora tomou como referecircncia o Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco
(PMRR) elaborado em 2008 que estabeleceu cinco criteacuterios para definir os graus de risco (0 a 5) dos assentamentos e que foram ser passiacutevel de deslizamento e erosatildeoassoreamento estar localizada sobre Dunas Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente (APPs) ou faixas de domiacutenio Ver a respeito SEMURBAQUATOLCONSULTORIA 2008 Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal
de desenvolvimento urbano desde a Constituiccedilatildeo Federal de 1998 e em
especial a partir da vigecircncia da Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano
denominada Estatuto da Cidade (Lei Federal nordm 102572001) em 2001 As
aacutereas de conflitos socioambientais objeto de anaacutelise ganharam evidecircncia a
partir desse marco normativo que orientando-se pelos princiacutepios da garantia
do direito agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado introduziu um conceito de
zoneamento territorial que realccedila as especificidades do municiacutepio a partir seu
tecido social e das suas caracteriacutesticas ambientais Nesse sentido estrutura-se
em duas escalas a macro que fundamenta a divisatildeo do territoacuterio em trecircs
grandes zonas Zona Adensaacutevel Zona de Adensamento Baacutesico e Zona de
Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA)15 a micro ou especiacutefica que possibilita a delimitaccedilatildeo
de fraccedilotildees do territoacuterio como merecedoras de tratamento urbaniacutestico e
ambiental diferenciado de forma correspondente aacutes suas condiccedilotildees de
precariedade urbaniacutestica e vulnerabilidade social e ou ambiental Essas aacutereas
denominadas de Aacutereas Especiais satildeo entendidas como ldquoporccedilotildees da Zona
Urbana situadas em zonas adensaacuteveis ou natildeo com destinaccedilatildeo especiacutefica ou
normas proacuteprias de uso e ocupaccedilatildeo do solordquo e classificadas em quatro
categorias Aacutereas de Controle de Gabarito (ACG) Aacutereas Especiais de Interesse
Social (AEIS) Aacutereas de Operaccedilatildeo Urbana (AOUR) Aacutereas Non Aedificand16
(Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20) As fraccedilotildees urbanas analisadas se
inserem na categoria Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) e alguns
conflitos se evidenciam nas relaccedilotildees com as Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental
localizadas no seu interior ou entorno
As duas categorias ZPAs foram instituiacutedas no Plano Diretor de 1994
como estrateacutegia de gestatildeo para assegurar as populaccedilotildees agrave garantia do direito
agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado nos termos definidos pela
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entretanto essas categorias ainda natildeo foram
regulamentadas na sua totalidade Objetivamente apenas as ZPAs tecircm sido
objeto de accedilotildees mais efetivas nessa direccedilatildeo considerando que entre as dez
15 Definida como a que se destina a ldquoproteccedilatildeo manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo dos aspectos
ambientais ecoloacutegicos paisagiacutesticos histoacutericos arqueoloacutegicos turiacutesticos culturais arquitetocircnicos e cientiacuteficos do municiacutepiordquo (Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 17) 16
NATAL Prefeitura Municipal Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20 Em NATAL
Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal
aacutereas assim classificadas 50 (cinco) jaacute tiveram seus processos de
regulamentaccedilatildeo concluiacutedos e outras cinco encontram-se em fase de debate
puacuteblico As ZPAs 06 e 10 que correspondem aos maciccedilos dunares de Ponta
Negra e Matildee Luiza respectivamente incluem-se neste segundo grupo Quanto
as AEIS embora tambeacutem instituiacutedas no mesmo marco normativo (1994) os
seus processos de regulamentaccedilatildeo natildeo avanccedilaram no mesmo ritmo que os
das ZPAs fato que ratifica ainda que por meio de tiacutemidas accedilotildees a primazia do
ambiental sobre o social no processo de gestatildeo urbana do municiacutepio (Figura 2)
Figura 2 ndash AEIS (1) e ZPAs (2) no PDN2007
Fonte Ataiacutede (2013 adaptado pelos autores)
Ressalte-se ainda que o instrumento AEIS foi ratificado e ampliado no
PDN2007 com o acreacutescimo de novas categorias e aacutereas Agraves favelas Vilas e
Loteamentos clandestinos foram acrescidas outras quatro categorias de AEIS
uma das quais aplicada agraves fraccedilotildees urbanas definidas como aacutereas que estatildeo
sob influecircncia de empreendimento de impacto socioeconocircmico cultural e
paisagiacutestico entre elas a da Vila de Ponta Negra17 Contudo passados 21
anos da vigecircncia do PDN 1994 e oito do PDN 2007 considera-se que apenas
17
NATAL Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o
Plano Diretor de Natal DOM Natal Mapa 04 Anexo II
1 2
a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral
Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma
discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os
objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o
avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees
urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)
e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou
dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo
entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute
objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho
V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra
1 A AEIS de Matildee Luiza
A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e
regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei
46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de
1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a
discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS
(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor
(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A
fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes
(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram
incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano
(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do
PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007
(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi
reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras
18
As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova
Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19
Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a
existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994
Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de
uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)
incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades
apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo
Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar
alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee
Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e
reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas
nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades
(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal
que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico
ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com
predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com
alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e
social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de
infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a
meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do
bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila
destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)
Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de
fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado
e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas
delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito
municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando
se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de
risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de
Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no
PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de
risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da
ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da
deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de
20
Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo
com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21
A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema
de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara
controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em
seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias
em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam
alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o
PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da
criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do
municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento
das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem
disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os
anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo
imobiliaacuteria
Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar
que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem
adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao
sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa
popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e
os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a
elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem
no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um
empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo
ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na
aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos
22
O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei
mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE
Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em
httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24
O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado
mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida
atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja
Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades
de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de
discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos
da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os
moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito
ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre
os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os
princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do
campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo
protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da
AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26
Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10
Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)
adaptado pelos autores
25
ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta
de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26
Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que
dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea
O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo
da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de
gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-
territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo
juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na
alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da
normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam
entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que
revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de
Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do
estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do
Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com
as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que
reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com
o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como
Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo
tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia
sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas
ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de
tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia
expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam
dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de
governo
Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com
a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade
da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave
resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do
municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo
das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da
ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o
conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno
com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque
Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e
proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade
Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se
apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo
sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das
situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da
favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das
dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo
PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem
contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo
gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas
ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e
com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo
ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias
institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do
movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus
interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza
Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da
favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no
processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam
pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas
remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco
tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na
proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os
objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos
estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de
Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto
conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos
territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees
nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)
Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
27
Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538
2 A AEIS da Vila de Ponta Negra
A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007
Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-
guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a
partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de
grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo
que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo
e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e
internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)
Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628
Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta
Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento
de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja
aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante
emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam
segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que
estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora
O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico
municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos
atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra
ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais
envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor
imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes
28
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento
urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123
das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo
cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007
no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses
representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os
princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso
desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A
ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -
batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e
que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29
Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do
resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos
A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser
encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do
direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute
uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas
precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do
Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar
da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea
Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8
(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda
natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de
gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade
Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao
papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local
da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam
numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de
pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens
culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao
conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com
uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e
29
Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30
De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no
mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo
apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria
pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees
acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos
adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos
com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como
AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas
principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se
opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua
regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de
fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou
negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo
de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida
natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com
moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser
submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios
fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores
da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com
ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo
Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta
Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa
numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta
Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06
que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei
municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem
estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do
Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea
ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e
estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do
31
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade
Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32
A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal
do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33
Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN
Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008
bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a
ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal
como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi
contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas
proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca
Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno
Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores
Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando
abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como
fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de
determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e
da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo
Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a
necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para
o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados
nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a
verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio
ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras
formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como
AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca
Praia de Ponta Negra
ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA
que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os
empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio
e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas
do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse
importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da
densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta
desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes
comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em
duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de
Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos
diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a
uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por
ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que
ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os
interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo
social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial
Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra
ZPA 06 - MORRO DO CARECA
ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)
BAIRRO PONTA NEGRA
ZONA DE AMORTECIMENTO
(ZA)
Praia de Ponta Negra
0m 50m 100m 200m
N
Morro do
Careca
01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca
03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento
06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca
05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca
04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo
Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth
VI Consideraccedilotildees Finais
Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves
relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos
protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto
devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm
estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994
tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas
estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees
especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo
apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)
No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor
imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo
de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de
acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades
especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia
de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de
expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se
realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal
por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao
novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse
novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o
desenvolvimento do trabalho
Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os
mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental
de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do
acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado
deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos
classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas
garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se
reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica
encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada
lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as
necessidades de morar na cidade
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TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23
aos poucos elevam o seu padratildeo habitacional3 Nas deacutecadas de 1950 e 1960
contudo a imigraccedilatildeo para Natal continua importante Por um lado a estrutura
agraacuteria concentradora expulsa as populaccedilotildees rurais do campo e por outro o
esforccedilo de industrializaccedilatildeo do Nordeste que ocorre na deacutecada de 1960
provocando investimentos especialmente nas capitais via projetos da
Superintentecircncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) atrai grandes
contingentes populacionais Natal foi a terceira capital estadual do Nordeste a
receber em termos relativos o maior fluxo migratoacuterio na deacutecada de 19604
Outra caracteriacutestica desse crescimento se verifica pela formaccedilatildeo dos
loteamentos os primeiros dos quais surgem ainda durante a Segunda Guerra
Mundial Eles estatildeo na origem dos conjuntos habitacionais tatildeo presentes na
paisagem urbana de Natal Entre 1967 e 1978 o Banco Nacional da Habitaccedilatildeo
(BNH) financiou 25 conjuntos habitacionais na cidade totalizando 19 207
unidades Considerando uma estimativa de 5 pessoas por unidade esses
conjuntos abrigavam cerca de um quinto da populaccedilatildeo da capital potiguar
Mesmo assim em 1977 havia 10 000 casebres correspondendo 50 000
pessoas5 A cidade que tinha 160 253 habitantes em 1960 passa a ter 416
898 habitantes em 1980 segundo dados do IBGE6 um crescimento de 260
em apenas duas deacutecadas
No periacuteodo que se estende de 1941 ateacute o final da deacutecada de 1970 os
loteamentos e os conjuntos habitacionais que se lhes seguem se concentram
na regiatildeo sul da cidade do Natal confirmando o seu crescimento nessa
direccedilatildeo Neoacutepolis Cidade Sateacutelite Candelaacuteria Mirassol Ponta Negra e muitos
outros surgem ao longo desse periacuteodo Satildeo em geral destinados a estratos de
renda meacutedia da populaccedilatildeo Seja com for o crescimento da cidade em direccedilatildeo
ao sul do nuacutecleo inicial era inevitaacutevel uma vez que o Rio Potengi o Oceano
Atlacircntico e os cordotildees dunares a leste esbarravam a expansatildeo urbana nessas
direccedilotildees Desses limites o uacutenico que podia ser realmente transposto e mesmo
assim com dificuldade foi o Rio Potengi Visto no seacuteculo XIX como obstaacuteculo
3 A migraccedilatildeo rural-urbana que estaacute na origem desse processo foi consideraacutevel durante a
Segunda Guerra Mundial motivada principalmente pela busca de trabalho na capital potiguar 4 SOUZA Itamar de 1980 Migraccedilotildees Internas no Brasil Vozes Rio de Janeiro p 83-96 5 SOUZA ibid p 94-95 6 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE 1988 Anuaacuterio Estatiacutestico do
Brasil1987-1988 Vol48 IBGE Rio de Janeiro
ao crescimento e ao desenvolvimento econocircmico da cidade pois a isolava do
interior do mesmo modo que as dunas no seacuteculo XX Natal cresceu a ponto
de finalmente ldquoatravessarrdquo o Rio Potengi e se expandir pela sua margem
esquerda formando o que eacute hoje a sua Regiatildeo Administrativa Norte (RAN)
Isso terminou por incorporar em seu espaccedilo urbano o estuaacuterio do rio que antes
apenas delimitava a cidade fisicamente7 Esta Regiatildeo cresceu principalmente
atraveacutes dos chamados conjuntos habitacionais a partir do final da deacutecada de
1970 poreacutem se tornou uma aacuterea urbana perifeacuterica separada fiacutesica e
simbolicamente do restante da cidade pelo Rio Potengi8
A partir da deacutecada de 1970 e especialmente da deacutecada seguinte o
processo de ocupaccedilatildeo do solo se intensificou impulsionado tambeacutem pela
construccedilatildeo massiva dos conjuntos habitacionais horizontais promovidos pelo
Estado nas aacutereas entatildeo denominadas de expansatildeo urbana (Quadro 1 e Figura
1|) Posteriormente o processo se ampliou com a consolidaccedilatildeo da participaccedilatildeo
do capital imobiliaacuterio no processo de constituiccedilatildeo desse urbano a partir da
produccedilatildeo de moradias de padratildeo vertical e da infraestrutura de serviccedilos de
apoio turiacutestico especialmente nas franjas litoracircneas
Quadro 1 Evoluccedilatildeo do crescimento demograacutefico de Natal ndash 1960-2010
Ano Populaccedilatildeo Crescimento demograacutefico
1960-1970 1970-1980 1980-1991 1991-2000 2000-2010
1960 160 253 513 1970 264 379 466 1980 416 898 347 1991 606887 149 2000 712 317 121 2010 803739
Fonte Ataiacutede (2013) a partir de Ataiacutede (1997) IBGE (2000 2010) y SEMURB (2006 2010
2011)
Nesse contexto cabe destacar natildeo apenas o processo de produccedilatildeo
formal mas tambeacutem a produccedilatildeo informal de moradias que embora existente
7 Eacute verdade que ldquodo lado de laacuterdquo do rio havia dois nuacutecleos habitacionais Igapoacute e Redinha hoje
bairros que se relacionavam com a cidade De origem muito antiga ambos se confundem com o iniacutecio da histoacuteria de Natal Enquanto o primeiro era uma aldeia indiacutegena que foi contemporacircnea da fundaccedilatildeo da cidade a Redinha se encontra no mesmo local onde os primeiros moradores da cidade exploravam a pesca TEIXEIRA Rubenilson Brazatildeo 2015 O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23 8 SILVA Alexsandro Ferreira Cardoso da 2003 Depois das fronteiras a formaccedilatildeo dos
espaccedilos de pobreza na periferia Norte de Natal ndash RN Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Arquitetura e Urbanismo da UFRN Natal
pelo menos desde o iniacutecio do seacuteculo XX tambeacutem se ampliou e se espraiou em
todas as direccedilotildees do territoacuterio municipal a partir da deacutecada de 1980 (Figura 1)
Figura 1 ndash Evoluccedilatildeo da expansatildeo territorial com destaque para a participaccedilatildeo da produccedilatildeo formal de moradias promovida pelo estado ateacute a deacutecada de 1990
Antes de 1970 Depois da deacutecada de 1970
Fonte Ataiacutede (2013) a partir de Ataiacutede (1997) SEMTHAS UEM (2001) Morais (2004)SEMURB (2010) e UFRNFUNPECSEMTAS V 3 2004
Outro aspecto a considerar eacute que diferentemente de outros municiacutepios do
Rio Grande do Norte inclusive dos que compotildeem a sua Regiatildeo Metropolitana
Natal natildeo dispotildee mais de uma zona rural ou de expansatildeo Isso explica em
grande parte trecircs fenocircmenos recentes na dinacircmica urbana da cidade 1) o seu
crescimento por transbordamento isto eacute seus moradores estatildeo se fixando nos
municiacutepios limiacutetrofes da RMN onde o preccedilo da terra urbana eacute mais acessiacutevel
2) a consolidaccedilatildeo do processo de verticalizaccedilatildeo que vem ocorrendo desde a
deacutecada de 1980 3) o aumento da pressatildeo crescente para a ocupaccedilatildeo das
aacutereas ambientalmente fraacutegeis remanescentes como mangues dunas e aacutereas
ribeirinhas especialmente pelos estratos de renda sociais mais baixos que natildeo
podem se inserir no mercado formal de terras
A etapa mais recente do processo histoacuterico de expansatildeo urbana de Natal
se manifesta por intermeacutedio de duas caracteriacutesticas essenciais o processo de
verticalizaccedilatildeo da cidade notadamente a partir da deacutecada de 1980 por um lado
e por outro a crescente ameaccedila de ocupaccedilatildeo de aacutereas ambientalmente
fraacutegeis tatildeo presentes na cidade e que satildeo legalmente protegidas pela
legislaccedilatildeo urbana e ambiental Os dois processos mantecircm aliaacutes relaccedilatildeo entre
si enquanto que a verticalizaccedilatildeo atende aos estratos meacutedios e altos da
sociedade natalense que ocupam em geral aacutereas privilegiadas da cidade as
populaccedilotildees de baixa renda tendem a ocupar as aacutereas inadequadas do ponto
de vista ambiental como mangues dunas e as margens de rios A
mercantilizaccedilatildeo do solo urbano a especulaccedilatildeo imobiliaacuteria e a ineficaacutecia da
gestatildeo urbana satildeo alguns dos fatores que explicam essa situaccedilatildeo
Nesse processo de crescimento e expansatildeo urbana de Natal percebe-se
que o antigo nuacutecleo urbano adormecido durante pelo menos dois seacuteculos
comeccedila a se expandir consideravelmente ainda no seacuteculo XIX e iniacutecio do XX e
de maneira acelerada a partir da Segunda Guerra Mundial A cidade abrigava
em 2010 uma populaccedilatildeo de 803 739 habitantes segundo dados do IBGE9 e
forma com municiacutepios vizinhos a Regiatildeo Metropolitana de Natal (RMNatal)
Com efeito o antigo nuacutecleo urbano insignificante a ldquoNatal natildeo haacute talrdquo torna-se
progressivamente uma capital moderna com pretensotildees metropolitanas
III Uma situaccedilatildeo de impasse o crescimento urbano e os conflitos
socioambientais
O crescimento e a consolidaccedilatildeo da ocupaccedilatildeo da cidade do Natal foram
miacutenimos durante seacuteculos tendo em vista o pequeno nuacutemero de habitantes
Vivendo principalmente da pesca no Rio Potengi e no mar da exploraccedilatildeo
vegetal nos arredores da cidade e da agropecuaacuteria essas atividades ainda
que causassem algum impacto ambiental - desmatamento para o plantio e a
exploraccedilatildeo madeireira - natildeo atingiam uma escala significativa Aleacutem disso
desconhecemos a existecircncia de uma consciecircncia ambiental de seus habitantes
antes das preocupaccedilotildees higienistas que marcaram a cidade do Natal e outras
cidades do Brasil entre fins do seacuteculo XIX e primeiras deacutecadas do seacuteculo XX10
Essa preocupaccedilatildeo eacute relativamente recente na histoacuteria da humanidade e no
9httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=240810ampsearch=rio-grande-
do-norte|natal Acesso em 02 de abril de 2015 10
Preocupaccedilotildees que estavam circunscritas a uma elite e que eram principalmente de natureza
meacutedica isto eacute dos seus efeitos sobre a sauacutede dos habitantes do que no sentido atual de preocupaccedilatildeo com a salvaguarda e proteccedilatildeo dos recursos naturais Ver a respeito FERREIRA Angela Luacutecia A et al 2008 Uma Cidade Satilde e Bela a trajetoacuteria do Saneamento de Natal entre 1850 e 1969 IAB RN CREA RN Natal
Brasil parece se evidenciar somente a partir das trecircs uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo
XX
Em Natal as referecircncias agrave proteccedilatildeo do meio ambiente com alguma
efetividade seja por meio de iniciativas do movimento social seja por meio de
estrateacutegias de gestatildeo tambeacutem datam de finais da deacutecada de 1970 quando os
debates sobre a proteccedilatildeo dos recursos naturais ganham relevo e passam a
integrar as agendas dos movimentos sociais e de algumas accedilotildees
governamentais Desde entatildeo especialmente desde a deacutecada de 1980
algumas accedilotildees com motivaccedilotildees sociais e ambientais tecircm demonstrado o
crescimento de uma consciecircncia ambiental e produzido alteraccedilotildees nas
estrateacutegias de planejamento e gestatildeo urbana do municiacutepio Respeito isso
destaca-se pelos movimentos sociais as reaccedilotildees contraacuterias ao projeto de
construccedilatildeo da Via Costeira (1978-1980) agraves primeiras iniciativas de
verticalizaccedilatildeo da orla mariacutetima e a defesa da paisagem costeira e da
permanecircncia das populaccedilotildees tradicionais ali residentes (1980-1984) e pelas
accedilotildees governamentais as estrateacutegias de proteccedilatildeo da paisagem (Zonas
Especiais de Interesse Turiacutestico) inseridas no Plano Diretor de 1984
(PDN1984-Lei 317584) e a aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de 1994 (PDN1994-
Lei 0794) e da Lei 466395 que regulamenta a AEIS de Matildee Luiza
O marco temporal da presente discussatildeo eacute portanto definido a partir dos
conflitos socioambientais que emergiram com o avanccedilo do processo de
ocupaccedilatildeo do solo (formal ou informal) sobre os espaccedilos naturais e que foram
reconhecidos como objeto de proteccedilatildeo especial pelo atual marco normativo
urbaniacutestico e ambiental fundamentado no reconhecimento dos direitos de
todos os cidadatildeos agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado No caso de Natal
que reproduz uma situaccedilatildeo visiacutevel em todo o urbano brasileiro tal cenaacuterio de
conflitos revela-se como uma das caracteriacutesticas da sua paisagem Do ponto
de vista urbano e ambiental a maioria desses espaccedilos foi historicamente
produzida de forma ilegal e marginal tendo origem em sua maioria a partir
das demandas das populaccedilotildees mais pobres que geralmente natildeo possuem
renda para participar do mercado formal de terras
Para a compreensatildeo da natureza dos conflitos que estamos analisando eacute
importante lembrar que a relevacircncia das questotildees socioambientais como um
problema nas disputas territoriais soacute ganhou algum destaque quando ambas as
dimensotildees (social e ambiental) incorporaram a natureza do interesse puacuteblico
Com base nesta abordagem os conflitos inicialmente tratados como conflitos
de terra e considerados principalmente pela luta ao acesso agrave moradia
adicionaram novas configuraccedilotildees novos atores e novas dimensotildees para o
problema Nessa configuraccedilatildeo os problemas relacionados com a posse de
terra urbana e o acesso agrave moradia na esfera puacuteblica tambeacutem passaram a ser
definidos como problemas ambientais
Segundo Ataiacutede (2013) um dos desafios do enfrentamento dos conflitos
socioambientais tem sido identificar como os diferentes atores sociais tecircm
efetivado suas accedilotildees relacionadas com o processo de ocupaccedilatildeo do solo dos
espaccedilos naturais tendo como referecircncia a manutenccedilatildeo do fortalecimento da
relaccedilatildeo entre o direito agrave moradia e os preceitos da proteccedilatildeo ambiental Tal
reflexatildeo se apoia no fato de que grande parte das situaccedilotildees de conflito se
manifesta em aacutereas caracterizadas por dualidades e ambiguidades e
evidenciam interesses de diversas naturezas seja em decorrecircncia da
inadequaccedilatildeo urbaniacutestica (parcelamento e tipologias ediliacutecias diferentes dos
padrotildees gerais da cidade) seja pelos aspectos ambientais (localizaccedilatildeo em
aacutereas ambientalmente fraacutegeis protegidas ou natildeo)11
Essa caracterizaccedilatildeo dual faz parte da complexidade da mateacuteria e a sua
compreensatildeo exige a consideraccedilatildeo da sua dimensatildeo histoacuterica na perspectiva
de reconstituir os conflitos e as accedilotildees de resistecircncia contra ameaccedilas de
supressatildeo de direitos Nesse sentido eacute que Andreacutea Zhouri (2007) chama a
atenccedilatildeo para o fato de que a proteccedilatildeo dos recursos naturais deve sempre ser
considerada de forma associada aos processos socioculturais especiacuteficos do
lugar e os conflitos socioambientais considerados como resultado das praacuteticas
e disputas de interesses na apropriaccedilatildeo desses recursos pelos distintos atores
Nesses processos o Estado tem legitimado as suas praacuteticas atraveacutes do
discurso da proteccedilatildeo ambiental que se tornou argumento de consenso dos
interesses dos diferentes setores sociais Por outro lado a compreensatildeo da
natureza desses conflitos tambeacutem depende do funcionamento do modelo de
poliacutetica urbana e ambiental a que estatildeo sujeitos A identificaccedilatildeo de
11
Traduccedilatildeo livre de Ruth Ataiacutede (2013 p 60) na sua Tese de doutorado Entre os autores que
orientam essa discussatildeo a autora destaca Andrea Zhouri (2007 y 2005) referidas Simone Polli (2010) y Silvana Mameri (2011)
convergecircncias e diferenccedilas entre essas duas dimensotildees da poliacutetica permite-
nos discutir estrateacutegias de planejamento urbano- ambiental aplicadas a estas
aacutereas A partir dessa identificaccedilatildeo e tomando como referecircncia estrutura de
Ataiacutede (2013) os conflitos satildeo analisados segundo duas dimensotildees a
institucional que se expressa nas estrateacutegias de gestatildeo e regulaccedilatildeo e a fiacutesico-
territorial que se expressa nas relaccedilotildees espaciais (sociais e ambientais)
No acircmbito institucional expresso nas estrateacutegias de regulaccedilatildeo e gestatildeo a
autora identifica pelo menos dois grupos de conflitos no primeiro grupo objeto
de reflexatildeo no trabalho incluem-se os que satildeo gerados no campo da proacutepria
formulaccedilatildeo da poliacutetica a partir das mudanccedilas na concepccedilatildeo do planejamento
(como previsatildeo ou desejo de uma situaccedilatildeo ideal) que foi substituiacuteda pela
concepccedilatildeo de gestatildeo que se baseia em uma accedilatildeo sobre os espaccedilos de uma
compreensatildeo das condiccedilotildees (sociais culturais poliacuteticas e econoacutemicas) reais
de sua produccedilatildeo e consumo Ou seja uma concepccedilatildeo da poliacutetica estruturada
no princiacutepio do reconhecimento da cidade existente e do planejamento como
um processo dinacircmico que reconhece as accedilotildees do homem sobre a produccedilatildeo
do espaccedilo (urbano ou rural) como expressatildeo legitima do vivido e este como
uma das suas partes inseparaacuteveis
O segundo grupo de conflitos que tambeacutem eacute dependente do primeiro eacute
resultado dos limites da accedilatildeo das esferas puacuteblicas e privadas Nesse sentido
a sua resoluccedilatildeo depende da criaccedilatildeo de novas articulaccedilotildees entre essas esferas
para alavancar o adequado funcionamento desses espaccedilos de mediaccedilatildeo
exigidos pela nova concepccedilatildeo da poliacutetica No estado atual de gestatildeo urbana e
ambiental os limites da accedilatildeo sobre os conflitos tecircm ganhado relevo quando
confrontados com a natureza do regime de propriedade das aacutereas protegidas
na maioria dos casos privada A natureza de uma suposta irregularidade
urbaniacutestica ou ambiental nesses espaccedilos se evidencia no cruzamento de
interesses e accedilotildees opostas sobre os mesmos No caso de Natal e do ponto de
vista da regulaccedilatildeo alguns desses espaccedilos como veremos adiante satildeo
definidos como zonas de proteccedilatildeo especial com base em duas perspectivas a
ambiental por meio de delimitaccedilotildees como Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental
(ZPAs) para as aacutereas ambientalmente fraacutegeis e a social por meio da
classificaccedilatildeo como Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) para os
assentamentos irregulares ou fraccedilotildees urbanas ocupadas pelas populaccedilotildees
mais pobres ou merecedoras de atenccedilatildeo especial em virtude das condiccedilotildees de
precariedade socioambiental
Neste debate destacamos o aspecto crucial do conflito e que estaacute na base
da matriz de sustentabilidade democraacutetica ou da justiccedila ambiental12 que
fundamentam o atual modelo de Poliacutetica Urbana brasileira Isto eacute realccedila a
necessidade de afinarmos a compreensatildeo sobre a noccedilatildeo de justiccedila espacial
na qual se insere a discussatildeo ora proposta sobre Natal a partir de duas das
suas fraccedilotildees territoriais consideradas simboacutelicas nos estudos sobre os conflitos
socioambientais o bairro (ou AEIS) de Matildee Luiza e a AEIS da Vila de Ponta
Negra Para entendermos o aparecimento desses conflitos conveacutem
retomarmos a breve anaacutelise sobre a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do solo do
municiacutepio Nesse sentido sublinhamos que esta ocupaccedilatildeo se desenvolveu
sobre um sitio geograacutefico com alta fragilidade ambiental caracterizado pela
presenccedila de ecossistemas primitivos como as dunas a vegetaccedilatildeo de
mangues as matas e as restingas aleacutem de uma diversidade de corpos drsquoaacutegua
que inclui lagoas e rios no seu interior e o Oceano Atlacircntico na sua feiccedilatildeo leste
com suas praias A maior parte das aacutereas caracterizadas por esses
componentes ambientais se manteve pouco alterada ateacute meados dos anos
1970 quando a ocupaccedilatildeo estava concentrada nos bairros centrais A partir de
entatildeo com o impulso do processo de urbanizaccedilatildeo e o avanccedilo dos debates da
consciecircncia mundial sobre a necessidade de conciliar o desenvolvimento
urbano com a preservaccedilatildeo dos recursos naturais evidenciaram-se o que hoje
denominamos ldquoconflitos espaciaisrdquo ou ldquoconflitos socioambientaisrdquo
Eacute fato que no caso do municiacutepio de Natal a caracterizaccedilatildeo fiacutesica referida
se aplica a todo o seu territoacuterio Entretanto ateacute a deacutecada de 1970 aleacutem da
ocupaccedilatildeo do solo ser de baixa intensidade demograacutefica e construtiva havia
pouca preocupaccedilatildeo quanto aos impactos da intensidade do processo de
urbanizaccedilatildeo no equiliacutebrio do ecossistema inclusive no acircmbito institucional
considerando que o municiacutepio a exemplo de outras realidades brasileiras
tambeacutem natildeo dispunha de instrumentos de controle urbaniacutestico e ambiental fato
12
Conceitos desenvolvidos por Henri Acselrad e outros autores que discutem as matrizes da
sustentabilidade nas poliacuteticas Ver a respeito ACSELRAD H (org) 2001 A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD Henri e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro
que contribuiu para o avanccedilo da ocupaccedilatildeo de forma dispersa em todas as
direccedilotildees do territoacuterio Estudos recentes sobre esse processo denotam o avanccedilo
dos impactos ambientais sobre territoacuterio municipal e as suas franjas
metropolitanas conforme consta no Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento
Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natalrdquo13 Nesse documento foram
demonstrados os efeitos do processo de urbanizaccedilatildeo com destaque para as
elevadas taxas de impermeabilizaccedilatildeo do solo a contaminaccedilatildeo das aguas
subterracircneas que abastecem a cidade e toda a regiatildeo e de outros corpos
drsquoagua incluindo o rio Potengi assim como para os problemas de alagamentos
e assoreamentos nas aacutereas vulneraacuteveis de erosatildeo costeira entre outros
A contribuiccedilatildeo dos assentamentos precaacuterios sobre o avanccedilo dessa forma
de ocupaccedilatildeo nas aacutereas ambientalmente fraacutegeis consiste no interesse principal
deste trabalho objeto de aprofundamento na quarta seccedilatildeo do trabalho a partir
da anaacutelise de duas fraccedilotildees Para tanto recuperamos os estudos recentes de
Ataiacutede (2013)14 sobre o tema quando realccedila a classificaccedilatildeo das condiccedilotildees de
risco e vulnerabilidade ambiental das 74 favelas existentes no municiacutepio
distribuiacutedos nas quatro regiotildees administrativas Entre essas algumas
localizados em Matildee Luiza e Ponta Negra apresentam condiccedilotildees de risco pela
relaccedilatildeo com os espaccedilos ambientalmente fraacutegeis como as dunas e as Aacutereas de
Preservaccedilatildeo Permanente(APPs)
IV Instrumentos e as dificuldades da sua efetivaccedilatildeo
Como referido anteriormente o municiacutepio de Natal tem feito esforccedilos para
efetivar o seu novo modelo de planejamento e gestatildeo urbana expresso no
Plano Diretor do municiacutepio que foi alccedilado agrave condiccedilatildeo de principal instrumento
13
O Plano (e o seu respectivo diagnostico) foi elaborado para fundamentar as estrateacutegias de
gestatildeo da RMNatal mas nunca se concretizou Ambos foram produzidos por uma equipe multidisciplinar e publicado em 2006 Plano tem como horizonte o ano de 2020 e contou na sua elaboraccedilatildeo com a Secretaria de Planejamento e Financcedilas do Governo Estadual a FADEUFPE e a FUNPECUFRN Ver FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN 2007 Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal Disponiacutevel em httpwwwnatalmetropolerngovbrdowloadsp2v3pdf acceso en 06 de Agosto de 2011 14
Nesses estudos a autora tomou como referecircncia o Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco
(PMRR) elaborado em 2008 que estabeleceu cinco criteacuterios para definir os graus de risco (0 a 5) dos assentamentos e que foram ser passiacutevel de deslizamento e erosatildeoassoreamento estar localizada sobre Dunas Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente (APPs) ou faixas de domiacutenio Ver a respeito SEMURBAQUATOLCONSULTORIA 2008 Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal
de desenvolvimento urbano desde a Constituiccedilatildeo Federal de 1998 e em
especial a partir da vigecircncia da Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano
denominada Estatuto da Cidade (Lei Federal nordm 102572001) em 2001 As
aacutereas de conflitos socioambientais objeto de anaacutelise ganharam evidecircncia a
partir desse marco normativo que orientando-se pelos princiacutepios da garantia
do direito agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado introduziu um conceito de
zoneamento territorial que realccedila as especificidades do municiacutepio a partir seu
tecido social e das suas caracteriacutesticas ambientais Nesse sentido estrutura-se
em duas escalas a macro que fundamenta a divisatildeo do territoacuterio em trecircs
grandes zonas Zona Adensaacutevel Zona de Adensamento Baacutesico e Zona de
Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA)15 a micro ou especiacutefica que possibilita a delimitaccedilatildeo
de fraccedilotildees do territoacuterio como merecedoras de tratamento urbaniacutestico e
ambiental diferenciado de forma correspondente aacutes suas condiccedilotildees de
precariedade urbaniacutestica e vulnerabilidade social e ou ambiental Essas aacutereas
denominadas de Aacutereas Especiais satildeo entendidas como ldquoporccedilotildees da Zona
Urbana situadas em zonas adensaacuteveis ou natildeo com destinaccedilatildeo especiacutefica ou
normas proacuteprias de uso e ocupaccedilatildeo do solordquo e classificadas em quatro
categorias Aacutereas de Controle de Gabarito (ACG) Aacutereas Especiais de Interesse
Social (AEIS) Aacutereas de Operaccedilatildeo Urbana (AOUR) Aacutereas Non Aedificand16
(Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20) As fraccedilotildees urbanas analisadas se
inserem na categoria Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) e alguns
conflitos se evidenciam nas relaccedilotildees com as Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental
localizadas no seu interior ou entorno
As duas categorias ZPAs foram instituiacutedas no Plano Diretor de 1994
como estrateacutegia de gestatildeo para assegurar as populaccedilotildees agrave garantia do direito
agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado nos termos definidos pela
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entretanto essas categorias ainda natildeo foram
regulamentadas na sua totalidade Objetivamente apenas as ZPAs tecircm sido
objeto de accedilotildees mais efetivas nessa direccedilatildeo considerando que entre as dez
15 Definida como a que se destina a ldquoproteccedilatildeo manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo dos aspectos
ambientais ecoloacutegicos paisagiacutesticos histoacutericos arqueoloacutegicos turiacutesticos culturais arquitetocircnicos e cientiacuteficos do municiacutepiordquo (Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 17) 16
NATAL Prefeitura Municipal Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20 Em NATAL
Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal
aacutereas assim classificadas 50 (cinco) jaacute tiveram seus processos de
regulamentaccedilatildeo concluiacutedos e outras cinco encontram-se em fase de debate
puacuteblico As ZPAs 06 e 10 que correspondem aos maciccedilos dunares de Ponta
Negra e Matildee Luiza respectivamente incluem-se neste segundo grupo Quanto
as AEIS embora tambeacutem instituiacutedas no mesmo marco normativo (1994) os
seus processos de regulamentaccedilatildeo natildeo avanccedilaram no mesmo ritmo que os
das ZPAs fato que ratifica ainda que por meio de tiacutemidas accedilotildees a primazia do
ambiental sobre o social no processo de gestatildeo urbana do municiacutepio (Figura 2)
Figura 2 ndash AEIS (1) e ZPAs (2) no PDN2007
Fonte Ataiacutede (2013 adaptado pelos autores)
Ressalte-se ainda que o instrumento AEIS foi ratificado e ampliado no
PDN2007 com o acreacutescimo de novas categorias e aacutereas Agraves favelas Vilas e
Loteamentos clandestinos foram acrescidas outras quatro categorias de AEIS
uma das quais aplicada agraves fraccedilotildees urbanas definidas como aacutereas que estatildeo
sob influecircncia de empreendimento de impacto socioeconocircmico cultural e
paisagiacutestico entre elas a da Vila de Ponta Negra17 Contudo passados 21
anos da vigecircncia do PDN 1994 e oito do PDN 2007 considera-se que apenas
17
NATAL Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o
Plano Diretor de Natal DOM Natal Mapa 04 Anexo II
1 2
a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral
Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma
discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os
objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o
avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees
urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)
e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou
dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo
entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute
objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho
V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra
1 A AEIS de Matildee Luiza
A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e
regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei
46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de
1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a
discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS
(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor
(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A
fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes
(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram
incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano
(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do
PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007
(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi
reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras
18
As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova
Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19
Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a
existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994
Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de
uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)
incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades
apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo
Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar
alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee
Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e
reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas
nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades
(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal
que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico
ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com
predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com
alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e
social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de
infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a
meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do
bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila
destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)
Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de
fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado
e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas
delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito
municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando
se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de
risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de
Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no
PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de
risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da
ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da
deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de
20
Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo
com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21
A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema
de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara
controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em
seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias
em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam
alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o
PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da
criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do
municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento
das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem
disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os
anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo
imobiliaacuteria
Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar
que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem
adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao
sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa
popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e
os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a
elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem
no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um
empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo
ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na
aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos
22
O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei
mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE
Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em
httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24
O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado
mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida
atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja
Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades
de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de
discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos
da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os
moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito
ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre
os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os
princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do
campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo
protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da
AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26
Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10
Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)
adaptado pelos autores
25
ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta
de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26
Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que
dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea
O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo
da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de
gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-
territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo
juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na
alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da
normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam
entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que
revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de
Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do
estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do
Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com
as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que
reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com
o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como
Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo
tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia
sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas
ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de
tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia
expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam
dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de
governo
Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com
a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade
da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave
resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do
municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo
das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da
ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o
conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno
com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque
Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e
proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade
Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se
apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo
sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das
situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da
favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das
dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo
PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem
contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo
gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas
ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e
com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo
ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias
institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do
movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus
interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza
Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da
favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no
processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam
pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas
remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco
tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na
proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os
objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos
estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de
Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto
conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos
territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees
nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)
Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
27
Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538
2 A AEIS da Vila de Ponta Negra
A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007
Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-
guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a
partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de
grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo
que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo
e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e
internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)
Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628
Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta
Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento
de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja
aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante
emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam
segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que
estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora
O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico
municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos
atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra
ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais
envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor
imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes
28
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento
urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123
das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo
cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007
no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses
representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os
princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso
desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A
ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -
batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e
que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29
Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do
resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos
A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser
encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do
direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute
uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas
precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do
Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar
da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea
Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8
(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda
natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de
gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade
Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao
papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local
da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam
numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de
pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens
culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao
conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com
uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e
29
Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30
De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no
mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo
apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria
pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees
acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos
adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos
com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como
AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas
principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se
opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua
regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de
fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou
negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo
de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida
natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com
moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser
submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios
fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores
da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com
ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo
Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta
Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa
numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta
Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06
que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei
municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem
estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do
Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea
ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e
estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do
31
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade
Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32
A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal
do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33
Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN
Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008
bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a
ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal
como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi
contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas
proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca
Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno
Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores
Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando
abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como
fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de
determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e
da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo
Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a
necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para
o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados
nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a
verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio
ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras
formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como
AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca
Praia de Ponta Negra
ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA
que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os
empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio
e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas
do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse
importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da
densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta
desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes
comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em
duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de
Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos
diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a
uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por
ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que
ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os
interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo
social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial
Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra
ZPA 06 - MORRO DO CARECA
ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)
BAIRRO PONTA NEGRA
ZONA DE AMORTECIMENTO
(ZA)
Praia de Ponta Negra
0m 50m 100m 200m
N
Morro do
Careca
01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca
03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento
06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca
05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca
04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo
Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth
VI Consideraccedilotildees Finais
Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves
relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos
protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto
devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm
estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994
tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas
estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees
especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo
apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)
No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor
imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo
de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de
acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades
especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia
de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de
expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se
realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal
por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao
novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse
novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o
desenvolvimento do trabalho
Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os
mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental
de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do
acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado
deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos
classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas
garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se
reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica
encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada
lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as
necessidades de morar na cidade
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TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23
ao crescimento e ao desenvolvimento econocircmico da cidade pois a isolava do
interior do mesmo modo que as dunas no seacuteculo XX Natal cresceu a ponto
de finalmente ldquoatravessarrdquo o Rio Potengi e se expandir pela sua margem
esquerda formando o que eacute hoje a sua Regiatildeo Administrativa Norte (RAN)
Isso terminou por incorporar em seu espaccedilo urbano o estuaacuterio do rio que antes
apenas delimitava a cidade fisicamente7 Esta Regiatildeo cresceu principalmente
atraveacutes dos chamados conjuntos habitacionais a partir do final da deacutecada de
1970 poreacutem se tornou uma aacuterea urbana perifeacuterica separada fiacutesica e
simbolicamente do restante da cidade pelo Rio Potengi8
A partir da deacutecada de 1970 e especialmente da deacutecada seguinte o
processo de ocupaccedilatildeo do solo se intensificou impulsionado tambeacutem pela
construccedilatildeo massiva dos conjuntos habitacionais horizontais promovidos pelo
Estado nas aacutereas entatildeo denominadas de expansatildeo urbana (Quadro 1 e Figura
1|) Posteriormente o processo se ampliou com a consolidaccedilatildeo da participaccedilatildeo
do capital imobiliaacuterio no processo de constituiccedilatildeo desse urbano a partir da
produccedilatildeo de moradias de padratildeo vertical e da infraestrutura de serviccedilos de
apoio turiacutestico especialmente nas franjas litoracircneas
Quadro 1 Evoluccedilatildeo do crescimento demograacutefico de Natal ndash 1960-2010
Ano Populaccedilatildeo Crescimento demograacutefico
1960-1970 1970-1980 1980-1991 1991-2000 2000-2010
1960 160 253 513 1970 264 379 466 1980 416 898 347 1991 606887 149 2000 712 317 121 2010 803739
Fonte Ataiacutede (2013) a partir de Ataiacutede (1997) IBGE (2000 2010) y SEMURB (2006 2010
2011)
Nesse contexto cabe destacar natildeo apenas o processo de produccedilatildeo
formal mas tambeacutem a produccedilatildeo informal de moradias que embora existente
7 Eacute verdade que ldquodo lado de laacuterdquo do rio havia dois nuacutecleos habitacionais Igapoacute e Redinha hoje
bairros que se relacionavam com a cidade De origem muito antiga ambos se confundem com o iniacutecio da histoacuteria de Natal Enquanto o primeiro era uma aldeia indiacutegena que foi contemporacircnea da fundaccedilatildeo da cidade a Redinha se encontra no mesmo local onde os primeiros moradores da cidade exploravam a pesca TEIXEIRA Rubenilson Brazatildeo 2015 O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23 8 SILVA Alexsandro Ferreira Cardoso da 2003 Depois das fronteiras a formaccedilatildeo dos
espaccedilos de pobreza na periferia Norte de Natal ndash RN Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Arquitetura e Urbanismo da UFRN Natal
pelo menos desde o iniacutecio do seacuteculo XX tambeacutem se ampliou e se espraiou em
todas as direccedilotildees do territoacuterio municipal a partir da deacutecada de 1980 (Figura 1)
Figura 1 ndash Evoluccedilatildeo da expansatildeo territorial com destaque para a participaccedilatildeo da produccedilatildeo formal de moradias promovida pelo estado ateacute a deacutecada de 1990
Antes de 1970 Depois da deacutecada de 1970
Fonte Ataiacutede (2013) a partir de Ataiacutede (1997) SEMTHAS UEM (2001) Morais (2004)SEMURB (2010) e UFRNFUNPECSEMTAS V 3 2004
Outro aspecto a considerar eacute que diferentemente de outros municiacutepios do
Rio Grande do Norte inclusive dos que compotildeem a sua Regiatildeo Metropolitana
Natal natildeo dispotildee mais de uma zona rural ou de expansatildeo Isso explica em
grande parte trecircs fenocircmenos recentes na dinacircmica urbana da cidade 1) o seu
crescimento por transbordamento isto eacute seus moradores estatildeo se fixando nos
municiacutepios limiacutetrofes da RMN onde o preccedilo da terra urbana eacute mais acessiacutevel
2) a consolidaccedilatildeo do processo de verticalizaccedilatildeo que vem ocorrendo desde a
deacutecada de 1980 3) o aumento da pressatildeo crescente para a ocupaccedilatildeo das
aacutereas ambientalmente fraacutegeis remanescentes como mangues dunas e aacutereas
ribeirinhas especialmente pelos estratos de renda sociais mais baixos que natildeo
podem se inserir no mercado formal de terras
A etapa mais recente do processo histoacuterico de expansatildeo urbana de Natal
se manifesta por intermeacutedio de duas caracteriacutesticas essenciais o processo de
verticalizaccedilatildeo da cidade notadamente a partir da deacutecada de 1980 por um lado
e por outro a crescente ameaccedila de ocupaccedilatildeo de aacutereas ambientalmente
fraacutegeis tatildeo presentes na cidade e que satildeo legalmente protegidas pela
legislaccedilatildeo urbana e ambiental Os dois processos mantecircm aliaacutes relaccedilatildeo entre
si enquanto que a verticalizaccedilatildeo atende aos estratos meacutedios e altos da
sociedade natalense que ocupam em geral aacutereas privilegiadas da cidade as
populaccedilotildees de baixa renda tendem a ocupar as aacutereas inadequadas do ponto
de vista ambiental como mangues dunas e as margens de rios A
mercantilizaccedilatildeo do solo urbano a especulaccedilatildeo imobiliaacuteria e a ineficaacutecia da
gestatildeo urbana satildeo alguns dos fatores que explicam essa situaccedilatildeo
Nesse processo de crescimento e expansatildeo urbana de Natal percebe-se
que o antigo nuacutecleo urbano adormecido durante pelo menos dois seacuteculos
comeccedila a se expandir consideravelmente ainda no seacuteculo XIX e iniacutecio do XX e
de maneira acelerada a partir da Segunda Guerra Mundial A cidade abrigava
em 2010 uma populaccedilatildeo de 803 739 habitantes segundo dados do IBGE9 e
forma com municiacutepios vizinhos a Regiatildeo Metropolitana de Natal (RMNatal)
Com efeito o antigo nuacutecleo urbano insignificante a ldquoNatal natildeo haacute talrdquo torna-se
progressivamente uma capital moderna com pretensotildees metropolitanas
III Uma situaccedilatildeo de impasse o crescimento urbano e os conflitos
socioambientais
O crescimento e a consolidaccedilatildeo da ocupaccedilatildeo da cidade do Natal foram
miacutenimos durante seacuteculos tendo em vista o pequeno nuacutemero de habitantes
Vivendo principalmente da pesca no Rio Potengi e no mar da exploraccedilatildeo
vegetal nos arredores da cidade e da agropecuaacuteria essas atividades ainda
que causassem algum impacto ambiental - desmatamento para o plantio e a
exploraccedilatildeo madeireira - natildeo atingiam uma escala significativa Aleacutem disso
desconhecemos a existecircncia de uma consciecircncia ambiental de seus habitantes
antes das preocupaccedilotildees higienistas que marcaram a cidade do Natal e outras
cidades do Brasil entre fins do seacuteculo XIX e primeiras deacutecadas do seacuteculo XX10
Essa preocupaccedilatildeo eacute relativamente recente na histoacuteria da humanidade e no
9httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=240810ampsearch=rio-grande-
do-norte|natal Acesso em 02 de abril de 2015 10
Preocupaccedilotildees que estavam circunscritas a uma elite e que eram principalmente de natureza
meacutedica isto eacute dos seus efeitos sobre a sauacutede dos habitantes do que no sentido atual de preocupaccedilatildeo com a salvaguarda e proteccedilatildeo dos recursos naturais Ver a respeito FERREIRA Angela Luacutecia A et al 2008 Uma Cidade Satilde e Bela a trajetoacuteria do Saneamento de Natal entre 1850 e 1969 IAB RN CREA RN Natal
Brasil parece se evidenciar somente a partir das trecircs uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo
XX
Em Natal as referecircncias agrave proteccedilatildeo do meio ambiente com alguma
efetividade seja por meio de iniciativas do movimento social seja por meio de
estrateacutegias de gestatildeo tambeacutem datam de finais da deacutecada de 1970 quando os
debates sobre a proteccedilatildeo dos recursos naturais ganham relevo e passam a
integrar as agendas dos movimentos sociais e de algumas accedilotildees
governamentais Desde entatildeo especialmente desde a deacutecada de 1980
algumas accedilotildees com motivaccedilotildees sociais e ambientais tecircm demonstrado o
crescimento de uma consciecircncia ambiental e produzido alteraccedilotildees nas
estrateacutegias de planejamento e gestatildeo urbana do municiacutepio Respeito isso
destaca-se pelos movimentos sociais as reaccedilotildees contraacuterias ao projeto de
construccedilatildeo da Via Costeira (1978-1980) agraves primeiras iniciativas de
verticalizaccedilatildeo da orla mariacutetima e a defesa da paisagem costeira e da
permanecircncia das populaccedilotildees tradicionais ali residentes (1980-1984) e pelas
accedilotildees governamentais as estrateacutegias de proteccedilatildeo da paisagem (Zonas
Especiais de Interesse Turiacutestico) inseridas no Plano Diretor de 1984
(PDN1984-Lei 317584) e a aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de 1994 (PDN1994-
Lei 0794) e da Lei 466395 que regulamenta a AEIS de Matildee Luiza
O marco temporal da presente discussatildeo eacute portanto definido a partir dos
conflitos socioambientais que emergiram com o avanccedilo do processo de
ocupaccedilatildeo do solo (formal ou informal) sobre os espaccedilos naturais e que foram
reconhecidos como objeto de proteccedilatildeo especial pelo atual marco normativo
urbaniacutestico e ambiental fundamentado no reconhecimento dos direitos de
todos os cidadatildeos agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado No caso de Natal
que reproduz uma situaccedilatildeo visiacutevel em todo o urbano brasileiro tal cenaacuterio de
conflitos revela-se como uma das caracteriacutesticas da sua paisagem Do ponto
de vista urbano e ambiental a maioria desses espaccedilos foi historicamente
produzida de forma ilegal e marginal tendo origem em sua maioria a partir
das demandas das populaccedilotildees mais pobres que geralmente natildeo possuem
renda para participar do mercado formal de terras
Para a compreensatildeo da natureza dos conflitos que estamos analisando eacute
importante lembrar que a relevacircncia das questotildees socioambientais como um
problema nas disputas territoriais soacute ganhou algum destaque quando ambas as
dimensotildees (social e ambiental) incorporaram a natureza do interesse puacuteblico
Com base nesta abordagem os conflitos inicialmente tratados como conflitos
de terra e considerados principalmente pela luta ao acesso agrave moradia
adicionaram novas configuraccedilotildees novos atores e novas dimensotildees para o
problema Nessa configuraccedilatildeo os problemas relacionados com a posse de
terra urbana e o acesso agrave moradia na esfera puacuteblica tambeacutem passaram a ser
definidos como problemas ambientais
Segundo Ataiacutede (2013) um dos desafios do enfrentamento dos conflitos
socioambientais tem sido identificar como os diferentes atores sociais tecircm
efetivado suas accedilotildees relacionadas com o processo de ocupaccedilatildeo do solo dos
espaccedilos naturais tendo como referecircncia a manutenccedilatildeo do fortalecimento da
relaccedilatildeo entre o direito agrave moradia e os preceitos da proteccedilatildeo ambiental Tal
reflexatildeo se apoia no fato de que grande parte das situaccedilotildees de conflito se
manifesta em aacutereas caracterizadas por dualidades e ambiguidades e
evidenciam interesses de diversas naturezas seja em decorrecircncia da
inadequaccedilatildeo urbaniacutestica (parcelamento e tipologias ediliacutecias diferentes dos
padrotildees gerais da cidade) seja pelos aspectos ambientais (localizaccedilatildeo em
aacutereas ambientalmente fraacutegeis protegidas ou natildeo)11
Essa caracterizaccedilatildeo dual faz parte da complexidade da mateacuteria e a sua
compreensatildeo exige a consideraccedilatildeo da sua dimensatildeo histoacuterica na perspectiva
de reconstituir os conflitos e as accedilotildees de resistecircncia contra ameaccedilas de
supressatildeo de direitos Nesse sentido eacute que Andreacutea Zhouri (2007) chama a
atenccedilatildeo para o fato de que a proteccedilatildeo dos recursos naturais deve sempre ser
considerada de forma associada aos processos socioculturais especiacuteficos do
lugar e os conflitos socioambientais considerados como resultado das praacuteticas
e disputas de interesses na apropriaccedilatildeo desses recursos pelos distintos atores
Nesses processos o Estado tem legitimado as suas praacuteticas atraveacutes do
discurso da proteccedilatildeo ambiental que se tornou argumento de consenso dos
interesses dos diferentes setores sociais Por outro lado a compreensatildeo da
natureza desses conflitos tambeacutem depende do funcionamento do modelo de
poliacutetica urbana e ambiental a que estatildeo sujeitos A identificaccedilatildeo de
11
Traduccedilatildeo livre de Ruth Ataiacutede (2013 p 60) na sua Tese de doutorado Entre os autores que
orientam essa discussatildeo a autora destaca Andrea Zhouri (2007 y 2005) referidas Simone Polli (2010) y Silvana Mameri (2011)
convergecircncias e diferenccedilas entre essas duas dimensotildees da poliacutetica permite-
nos discutir estrateacutegias de planejamento urbano- ambiental aplicadas a estas
aacutereas A partir dessa identificaccedilatildeo e tomando como referecircncia estrutura de
Ataiacutede (2013) os conflitos satildeo analisados segundo duas dimensotildees a
institucional que se expressa nas estrateacutegias de gestatildeo e regulaccedilatildeo e a fiacutesico-
territorial que se expressa nas relaccedilotildees espaciais (sociais e ambientais)
No acircmbito institucional expresso nas estrateacutegias de regulaccedilatildeo e gestatildeo a
autora identifica pelo menos dois grupos de conflitos no primeiro grupo objeto
de reflexatildeo no trabalho incluem-se os que satildeo gerados no campo da proacutepria
formulaccedilatildeo da poliacutetica a partir das mudanccedilas na concepccedilatildeo do planejamento
(como previsatildeo ou desejo de uma situaccedilatildeo ideal) que foi substituiacuteda pela
concepccedilatildeo de gestatildeo que se baseia em uma accedilatildeo sobre os espaccedilos de uma
compreensatildeo das condiccedilotildees (sociais culturais poliacuteticas e econoacutemicas) reais
de sua produccedilatildeo e consumo Ou seja uma concepccedilatildeo da poliacutetica estruturada
no princiacutepio do reconhecimento da cidade existente e do planejamento como
um processo dinacircmico que reconhece as accedilotildees do homem sobre a produccedilatildeo
do espaccedilo (urbano ou rural) como expressatildeo legitima do vivido e este como
uma das suas partes inseparaacuteveis
O segundo grupo de conflitos que tambeacutem eacute dependente do primeiro eacute
resultado dos limites da accedilatildeo das esferas puacuteblicas e privadas Nesse sentido
a sua resoluccedilatildeo depende da criaccedilatildeo de novas articulaccedilotildees entre essas esferas
para alavancar o adequado funcionamento desses espaccedilos de mediaccedilatildeo
exigidos pela nova concepccedilatildeo da poliacutetica No estado atual de gestatildeo urbana e
ambiental os limites da accedilatildeo sobre os conflitos tecircm ganhado relevo quando
confrontados com a natureza do regime de propriedade das aacutereas protegidas
na maioria dos casos privada A natureza de uma suposta irregularidade
urbaniacutestica ou ambiental nesses espaccedilos se evidencia no cruzamento de
interesses e accedilotildees opostas sobre os mesmos No caso de Natal e do ponto de
vista da regulaccedilatildeo alguns desses espaccedilos como veremos adiante satildeo
definidos como zonas de proteccedilatildeo especial com base em duas perspectivas a
ambiental por meio de delimitaccedilotildees como Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental
(ZPAs) para as aacutereas ambientalmente fraacutegeis e a social por meio da
classificaccedilatildeo como Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) para os
assentamentos irregulares ou fraccedilotildees urbanas ocupadas pelas populaccedilotildees
mais pobres ou merecedoras de atenccedilatildeo especial em virtude das condiccedilotildees de
precariedade socioambiental
Neste debate destacamos o aspecto crucial do conflito e que estaacute na base
da matriz de sustentabilidade democraacutetica ou da justiccedila ambiental12 que
fundamentam o atual modelo de Poliacutetica Urbana brasileira Isto eacute realccedila a
necessidade de afinarmos a compreensatildeo sobre a noccedilatildeo de justiccedila espacial
na qual se insere a discussatildeo ora proposta sobre Natal a partir de duas das
suas fraccedilotildees territoriais consideradas simboacutelicas nos estudos sobre os conflitos
socioambientais o bairro (ou AEIS) de Matildee Luiza e a AEIS da Vila de Ponta
Negra Para entendermos o aparecimento desses conflitos conveacutem
retomarmos a breve anaacutelise sobre a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do solo do
municiacutepio Nesse sentido sublinhamos que esta ocupaccedilatildeo se desenvolveu
sobre um sitio geograacutefico com alta fragilidade ambiental caracterizado pela
presenccedila de ecossistemas primitivos como as dunas a vegetaccedilatildeo de
mangues as matas e as restingas aleacutem de uma diversidade de corpos drsquoaacutegua
que inclui lagoas e rios no seu interior e o Oceano Atlacircntico na sua feiccedilatildeo leste
com suas praias A maior parte das aacutereas caracterizadas por esses
componentes ambientais se manteve pouco alterada ateacute meados dos anos
1970 quando a ocupaccedilatildeo estava concentrada nos bairros centrais A partir de
entatildeo com o impulso do processo de urbanizaccedilatildeo e o avanccedilo dos debates da
consciecircncia mundial sobre a necessidade de conciliar o desenvolvimento
urbano com a preservaccedilatildeo dos recursos naturais evidenciaram-se o que hoje
denominamos ldquoconflitos espaciaisrdquo ou ldquoconflitos socioambientaisrdquo
Eacute fato que no caso do municiacutepio de Natal a caracterizaccedilatildeo fiacutesica referida
se aplica a todo o seu territoacuterio Entretanto ateacute a deacutecada de 1970 aleacutem da
ocupaccedilatildeo do solo ser de baixa intensidade demograacutefica e construtiva havia
pouca preocupaccedilatildeo quanto aos impactos da intensidade do processo de
urbanizaccedilatildeo no equiliacutebrio do ecossistema inclusive no acircmbito institucional
considerando que o municiacutepio a exemplo de outras realidades brasileiras
tambeacutem natildeo dispunha de instrumentos de controle urbaniacutestico e ambiental fato
12
Conceitos desenvolvidos por Henri Acselrad e outros autores que discutem as matrizes da
sustentabilidade nas poliacuteticas Ver a respeito ACSELRAD H (org) 2001 A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD Henri e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro
que contribuiu para o avanccedilo da ocupaccedilatildeo de forma dispersa em todas as
direccedilotildees do territoacuterio Estudos recentes sobre esse processo denotam o avanccedilo
dos impactos ambientais sobre territoacuterio municipal e as suas franjas
metropolitanas conforme consta no Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento
Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natalrdquo13 Nesse documento foram
demonstrados os efeitos do processo de urbanizaccedilatildeo com destaque para as
elevadas taxas de impermeabilizaccedilatildeo do solo a contaminaccedilatildeo das aguas
subterracircneas que abastecem a cidade e toda a regiatildeo e de outros corpos
drsquoagua incluindo o rio Potengi assim como para os problemas de alagamentos
e assoreamentos nas aacutereas vulneraacuteveis de erosatildeo costeira entre outros
A contribuiccedilatildeo dos assentamentos precaacuterios sobre o avanccedilo dessa forma
de ocupaccedilatildeo nas aacutereas ambientalmente fraacutegeis consiste no interesse principal
deste trabalho objeto de aprofundamento na quarta seccedilatildeo do trabalho a partir
da anaacutelise de duas fraccedilotildees Para tanto recuperamos os estudos recentes de
Ataiacutede (2013)14 sobre o tema quando realccedila a classificaccedilatildeo das condiccedilotildees de
risco e vulnerabilidade ambiental das 74 favelas existentes no municiacutepio
distribuiacutedos nas quatro regiotildees administrativas Entre essas algumas
localizados em Matildee Luiza e Ponta Negra apresentam condiccedilotildees de risco pela
relaccedilatildeo com os espaccedilos ambientalmente fraacutegeis como as dunas e as Aacutereas de
Preservaccedilatildeo Permanente(APPs)
IV Instrumentos e as dificuldades da sua efetivaccedilatildeo
Como referido anteriormente o municiacutepio de Natal tem feito esforccedilos para
efetivar o seu novo modelo de planejamento e gestatildeo urbana expresso no
Plano Diretor do municiacutepio que foi alccedilado agrave condiccedilatildeo de principal instrumento
13
O Plano (e o seu respectivo diagnostico) foi elaborado para fundamentar as estrateacutegias de
gestatildeo da RMNatal mas nunca se concretizou Ambos foram produzidos por uma equipe multidisciplinar e publicado em 2006 Plano tem como horizonte o ano de 2020 e contou na sua elaboraccedilatildeo com a Secretaria de Planejamento e Financcedilas do Governo Estadual a FADEUFPE e a FUNPECUFRN Ver FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN 2007 Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal Disponiacutevel em httpwwwnatalmetropolerngovbrdowloadsp2v3pdf acceso en 06 de Agosto de 2011 14
Nesses estudos a autora tomou como referecircncia o Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco
(PMRR) elaborado em 2008 que estabeleceu cinco criteacuterios para definir os graus de risco (0 a 5) dos assentamentos e que foram ser passiacutevel de deslizamento e erosatildeoassoreamento estar localizada sobre Dunas Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente (APPs) ou faixas de domiacutenio Ver a respeito SEMURBAQUATOLCONSULTORIA 2008 Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal
de desenvolvimento urbano desde a Constituiccedilatildeo Federal de 1998 e em
especial a partir da vigecircncia da Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano
denominada Estatuto da Cidade (Lei Federal nordm 102572001) em 2001 As
aacutereas de conflitos socioambientais objeto de anaacutelise ganharam evidecircncia a
partir desse marco normativo que orientando-se pelos princiacutepios da garantia
do direito agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado introduziu um conceito de
zoneamento territorial que realccedila as especificidades do municiacutepio a partir seu
tecido social e das suas caracteriacutesticas ambientais Nesse sentido estrutura-se
em duas escalas a macro que fundamenta a divisatildeo do territoacuterio em trecircs
grandes zonas Zona Adensaacutevel Zona de Adensamento Baacutesico e Zona de
Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA)15 a micro ou especiacutefica que possibilita a delimitaccedilatildeo
de fraccedilotildees do territoacuterio como merecedoras de tratamento urbaniacutestico e
ambiental diferenciado de forma correspondente aacutes suas condiccedilotildees de
precariedade urbaniacutestica e vulnerabilidade social e ou ambiental Essas aacutereas
denominadas de Aacutereas Especiais satildeo entendidas como ldquoporccedilotildees da Zona
Urbana situadas em zonas adensaacuteveis ou natildeo com destinaccedilatildeo especiacutefica ou
normas proacuteprias de uso e ocupaccedilatildeo do solordquo e classificadas em quatro
categorias Aacutereas de Controle de Gabarito (ACG) Aacutereas Especiais de Interesse
Social (AEIS) Aacutereas de Operaccedilatildeo Urbana (AOUR) Aacutereas Non Aedificand16
(Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20) As fraccedilotildees urbanas analisadas se
inserem na categoria Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) e alguns
conflitos se evidenciam nas relaccedilotildees com as Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental
localizadas no seu interior ou entorno
As duas categorias ZPAs foram instituiacutedas no Plano Diretor de 1994
como estrateacutegia de gestatildeo para assegurar as populaccedilotildees agrave garantia do direito
agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado nos termos definidos pela
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entretanto essas categorias ainda natildeo foram
regulamentadas na sua totalidade Objetivamente apenas as ZPAs tecircm sido
objeto de accedilotildees mais efetivas nessa direccedilatildeo considerando que entre as dez
15 Definida como a que se destina a ldquoproteccedilatildeo manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo dos aspectos
ambientais ecoloacutegicos paisagiacutesticos histoacutericos arqueoloacutegicos turiacutesticos culturais arquitetocircnicos e cientiacuteficos do municiacutepiordquo (Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 17) 16
NATAL Prefeitura Municipal Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20 Em NATAL
Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal
aacutereas assim classificadas 50 (cinco) jaacute tiveram seus processos de
regulamentaccedilatildeo concluiacutedos e outras cinco encontram-se em fase de debate
puacuteblico As ZPAs 06 e 10 que correspondem aos maciccedilos dunares de Ponta
Negra e Matildee Luiza respectivamente incluem-se neste segundo grupo Quanto
as AEIS embora tambeacutem instituiacutedas no mesmo marco normativo (1994) os
seus processos de regulamentaccedilatildeo natildeo avanccedilaram no mesmo ritmo que os
das ZPAs fato que ratifica ainda que por meio de tiacutemidas accedilotildees a primazia do
ambiental sobre o social no processo de gestatildeo urbana do municiacutepio (Figura 2)
Figura 2 ndash AEIS (1) e ZPAs (2) no PDN2007
Fonte Ataiacutede (2013 adaptado pelos autores)
Ressalte-se ainda que o instrumento AEIS foi ratificado e ampliado no
PDN2007 com o acreacutescimo de novas categorias e aacutereas Agraves favelas Vilas e
Loteamentos clandestinos foram acrescidas outras quatro categorias de AEIS
uma das quais aplicada agraves fraccedilotildees urbanas definidas como aacutereas que estatildeo
sob influecircncia de empreendimento de impacto socioeconocircmico cultural e
paisagiacutestico entre elas a da Vila de Ponta Negra17 Contudo passados 21
anos da vigecircncia do PDN 1994 e oito do PDN 2007 considera-se que apenas
17
NATAL Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o
Plano Diretor de Natal DOM Natal Mapa 04 Anexo II
1 2
a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral
Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma
discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os
objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o
avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees
urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)
e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou
dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo
entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute
objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho
V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra
1 A AEIS de Matildee Luiza
A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e
regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei
46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de
1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a
discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS
(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor
(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A
fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes
(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram
incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano
(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do
PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007
(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi
reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras
18
As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova
Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19
Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a
existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994
Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de
uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)
incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades
apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo
Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar
alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee
Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e
reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas
nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades
(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal
que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico
ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com
predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com
alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e
social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de
infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a
meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do
bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila
destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)
Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de
fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado
e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas
delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito
municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando
se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de
risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de
Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no
PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de
risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da
ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da
deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de
20
Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo
com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21
A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema
de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara
controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em
seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias
em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam
alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o
PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da
criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do
municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento
das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem
disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os
anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo
imobiliaacuteria
Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar
que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem
adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao
sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa
popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e
os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a
elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem
no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um
empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo
ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na
aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos
22
O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei
mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE
Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em
httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24
O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado
mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida
atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja
Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades
de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de
discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos
da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os
moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito
ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre
os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os
princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do
campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo
protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da
AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26
Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10
Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)
adaptado pelos autores
25
ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta
de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26
Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que
dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea
O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo
da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de
gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-
territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo
juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na
alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da
normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam
entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que
revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de
Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do
estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do
Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com
as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que
reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com
o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como
Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo
tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia
sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas
ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de
tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia
expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam
dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de
governo
Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com
a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade
da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave
resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do
municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo
das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da
ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o
conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno
com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque
Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e
proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade
Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se
apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo
sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das
situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da
favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das
dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo
PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem
contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo
gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas
ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e
com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo
ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias
institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do
movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus
interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza
Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da
favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no
processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam
pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas
remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco
tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na
proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os
objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos
estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de
Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto
conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos
territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees
nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)
Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
27
Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538
2 A AEIS da Vila de Ponta Negra
A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007
Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-
guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a
partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de
grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo
que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo
e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e
internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)
Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628
Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta
Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento
de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja
aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante
emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam
segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que
estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora
O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico
municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos
atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra
ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais
envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor
imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes
28
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento
urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123
das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo
cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007
no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses
representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os
princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso
desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A
ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -
batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e
que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29
Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do
resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos
A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser
encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do
direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute
uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas
precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do
Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar
da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea
Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8
(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda
natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de
gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade
Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao
papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local
da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam
numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de
pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens
culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao
conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com
uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e
29
Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30
De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no
mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo
apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria
pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees
acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos
adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos
com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como
AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas
principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se
opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua
regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de
fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou
negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo
de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida
natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com
moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser
submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios
fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores
da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com
ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo
Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta
Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa
numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta
Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06
que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei
municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem
estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do
Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea
ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e
estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do
31
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade
Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32
A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal
do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33
Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN
Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008
bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a
ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal
como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi
contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas
proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca
Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno
Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores
Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando
abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como
fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de
determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e
da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo
Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a
necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para
o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados
nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a
verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio
ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras
formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como
AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca
Praia de Ponta Negra
ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA
que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os
empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio
e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas
do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse
importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da
densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta
desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes
comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em
duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de
Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos
diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a
uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por
ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que
ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os
interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo
social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial
Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra
ZPA 06 - MORRO DO CARECA
ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)
BAIRRO PONTA NEGRA
ZONA DE AMORTECIMENTO
(ZA)
Praia de Ponta Negra
0m 50m 100m 200m
N
Morro do
Careca
01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca
03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento
06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca
05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca
04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo
Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth
VI Consideraccedilotildees Finais
Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves
relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos
protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto
devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm
estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994
tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas
estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees
especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo
apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)
No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor
imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo
de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de
acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades
especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia
de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de
expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se
realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal
por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao
novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse
novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o
desenvolvimento do trabalho
Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os
mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental
de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do
acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado
deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos
classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas
garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se
reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica
encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada
lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as
necessidades de morar na cidade
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pelo menos desde o iniacutecio do seacuteculo XX tambeacutem se ampliou e se espraiou em
todas as direccedilotildees do territoacuterio municipal a partir da deacutecada de 1980 (Figura 1)
Figura 1 ndash Evoluccedilatildeo da expansatildeo territorial com destaque para a participaccedilatildeo da produccedilatildeo formal de moradias promovida pelo estado ateacute a deacutecada de 1990
Antes de 1970 Depois da deacutecada de 1970
Fonte Ataiacutede (2013) a partir de Ataiacutede (1997) SEMTHAS UEM (2001) Morais (2004)SEMURB (2010) e UFRNFUNPECSEMTAS V 3 2004
Outro aspecto a considerar eacute que diferentemente de outros municiacutepios do
Rio Grande do Norte inclusive dos que compotildeem a sua Regiatildeo Metropolitana
Natal natildeo dispotildee mais de uma zona rural ou de expansatildeo Isso explica em
grande parte trecircs fenocircmenos recentes na dinacircmica urbana da cidade 1) o seu
crescimento por transbordamento isto eacute seus moradores estatildeo se fixando nos
municiacutepios limiacutetrofes da RMN onde o preccedilo da terra urbana eacute mais acessiacutevel
2) a consolidaccedilatildeo do processo de verticalizaccedilatildeo que vem ocorrendo desde a
deacutecada de 1980 3) o aumento da pressatildeo crescente para a ocupaccedilatildeo das
aacutereas ambientalmente fraacutegeis remanescentes como mangues dunas e aacutereas
ribeirinhas especialmente pelos estratos de renda sociais mais baixos que natildeo
podem se inserir no mercado formal de terras
A etapa mais recente do processo histoacuterico de expansatildeo urbana de Natal
se manifesta por intermeacutedio de duas caracteriacutesticas essenciais o processo de
verticalizaccedilatildeo da cidade notadamente a partir da deacutecada de 1980 por um lado
e por outro a crescente ameaccedila de ocupaccedilatildeo de aacutereas ambientalmente
fraacutegeis tatildeo presentes na cidade e que satildeo legalmente protegidas pela
legislaccedilatildeo urbana e ambiental Os dois processos mantecircm aliaacutes relaccedilatildeo entre
si enquanto que a verticalizaccedilatildeo atende aos estratos meacutedios e altos da
sociedade natalense que ocupam em geral aacutereas privilegiadas da cidade as
populaccedilotildees de baixa renda tendem a ocupar as aacutereas inadequadas do ponto
de vista ambiental como mangues dunas e as margens de rios A
mercantilizaccedilatildeo do solo urbano a especulaccedilatildeo imobiliaacuteria e a ineficaacutecia da
gestatildeo urbana satildeo alguns dos fatores que explicam essa situaccedilatildeo
Nesse processo de crescimento e expansatildeo urbana de Natal percebe-se
que o antigo nuacutecleo urbano adormecido durante pelo menos dois seacuteculos
comeccedila a se expandir consideravelmente ainda no seacuteculo XIX e iniacutecio do XX e
de maneira acelerada a partir da Segunda Guerra Mundial A cidade abrigava
em 2010 uma populaccedilatildeo de 803 739 habitantes segundo dados do IBGE9 e
forma com municiacutepios vizinhos a Regiatildeo Metropolitana de Natal (RMNatal)
Com efeito o antigo nuacutecleo urbano insignificante a ldquoNatal natildeo haacute talrdquo torna-se
progressivamente uma capital moderna com pretensotildees metropolitanas
III Uma situaccedilatildeo de impasse o crescimento urbano e os conflitos
socioambientais
O crescimento e a consolidaccedilatildeo da ocupaccedilatildeo da cidade do Natal foram
miacutenimos durante seacuteculos tendo em vista o pequeno nuacutemero de habitantes
Vivendo principalmente da pesca no Rio Potengi e no mar da exploraccedilatildeo
vegetal nos arredores da cidade e da agropecuaacuteria essas atividades ainda
que causassem algum impacto ambiental - desmatamento para o plantio e a
exploraccedilatildeo madeireira - natildeo atingiam uma escala significativa Aleacutem disso
desconhecemos a existecircncia de uma consciecircncia ambiental de seus habitantes
antes das preocupaccedilotildees higienistas que marcaram a cidade do Natal e outras
cidades do Brasil entre fins do seacuteculo XIX e primeiras deacutecadas do seacuteculo XX10
Essa preocupaccedilatildeo eacute relativamente recente na histoacuteria da humanidade e no
9httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=240810ampsearch=rio-grande-
do-norte|natal Acesso em 02 de abril de 2015 10
Preocupaccedilotildees que estavam circunscritas a uma elite e que eram principalmente de natureza
meacutedica isto eacute dos seus efeitos sobre a sauacutede dos habitantes do que no sentido atual de preocupaccedilatildeo com a salvaguarda e proteccedilatildeo dos recursos naturais Ver a respeito FERREIRA Angela Luacutecia A et al 2008 Uma Cidade Satilde e Bela a trajetoacuteria do Saneamento de Natal entre 1850 e 1969 IAB RN CREA RN Natal
Brasil parece se evidenciar somente a partir das trecircs uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo
XX
Em Natal as referecircncias agrave proteccedilatildeo do meio ambiente com alguma
efetividade seja por meio de iniciativas do movimento social seja por meio de
estrateacutegias de gestatildeo tambeacutem datam de finais da deacutecada de 1970 quando os
debates sobre a proteccedilatildeo dos recursos naturais ganham relevo e passam a
integrar as agendas dos movimentos sociais e de algumas accedilotildees
governamentais Desde entatildeo especialmente desde a deacutecada de 1980
algumas accedilotildees com motivaccedilotildees sociais e ambientais tecircm demonstrado o
crescimento de uma consciecircncia ambiental e produzido alteraccedilotildees nas
estrateacutegias de planejamento e gestatildeo urbana do municiacutepio Respeito isso
destaca-se pelos movimentos sociais as reaccedilotildees contraacuterias ao projeto de
construccedilatildeo da Via Costeira (1978-1980) agraves primeiras iniciativas de
verticalizaccedilatildeo da orla mariacutetima e a defesa da paisagem costeira e da
permanecircncia das populaccedilotildees tradicionais ali residentes (1980-1984) e pelas
accedilotildees governamentais as estrateacutegias de proteccedilatildeo da paisagem (Zonas
Especiais de Interesse Turiacutestico) inseridas no Plano Diretor de 1984
(PDN1984-Lei 317584) e a aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de 1994 (PDN1994-
Lei 0794) e da Lei 466395 que regulamenta a AEIS de Matildee Luiza
O marco temporal da presente discussatildeo eacute portanto definido a partir dos
conflitos socioambientais que emergiram com o avanccedilo do processo de
ocupaccedilatildeo do solo (formal ou informal) sobre os espaccedilos naturais e que foram
reconhecidos como objeto de proteccedilatildeo especial pelo atual marco normativo
urbaniacutestico e ambiental fundamentado no reconhecimento dos direitos de
todos os cidadatildeos agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado No caso de Natal
que reproduz uma situaccedilatildeo visiacutevel em todo o urbano brasileiro tal cenaacuterio de
conflitos revela-se como uma das caracteriacutesticas da sua paisagem Do ponto
de vista urbano e ambiental a maioria desses espaccedilos foi historicamente
produzida de forma ilegal e marginal tendo origem em sua maioria a partir
das demandas das populaccedilotildees mais pobres que geralmente natildeo possuem
renda para participar do mercado formal de terras
Para a compreensatildeo da natureza dos conflitos que estamos analisando eacute
importante lembrar que a relevacircncia das questotildees socioambientais como um
problema nas disputas territoriais soacute ganhou algum destaque quando ambas as
dimensotildees (social e ambiental) incorporaram a natureza do interesse puacuteblico
Com base nesta abordagem os conflitos inicialmente tratados como conflitos
de terra e considerados principalmente pela luta ao acesso agrave moradia
adicionaram novas configuraccedilotildees novos atores e novas dimensotildees para o
problema Nessa configuraccedilatildeo os problemas relacionados com a posse de
terra urbana e o acesso agrave moradia na esfera puacuteblica tambeacutem passaram a ser
definidos como problemas ambientais
Segundo Ataiacutede (2013) um dos desafios do enfrentamento dos conflitos
socioambientais tem sido identificar como os diferentes atores sociais tecircm
efetivado suas accedilotildees relacionadas com o processo de ocupaccedilatildeo do solo dos
espaccedilos naturais tendo como referecircncia a manutenccedilatildeo do fortalecimento da
relaccedilatildeo entre o direito agrave moradia e os preceitos da proteccedilatildeo ambiental Tal
reflexatildeo se apoia no fato de que grande parte das situaccedilotildees de conflito se
manifesta em aacutereas caracterizadas por dualidades e ambiguidades e
evidenciam interesses de diversas naturezas seja em decorrecircncia da
inadequaccedilatildeo urbaniacutestica (parcelamento e tipologias ediliacutecias diferentes dos
padrotildees gerais da cidade) seja pelos aspectos ambientais (localizaccedilatildeo em
aacutereas ambientalmente fraacutegeis protegidas ou natildeo)11
Essa caracterizaccedilatildeo dual faz parte da complexidade da mateacuteria e a sua
compreensatildeo exige a consideraccedilatildeo da sua dimensatildeo histoacuterica na perspectiva
de reconstituir os conflitos e as accedilotildees de resistecircncia contra ameaccedilas de
supressatildeo de direitos Nesse sentido eacute que Andreacutea Zhouri (2007) chama a
atenccedilatildeo para o fato de que a proteccedilatildeo dos recursos naturais deve sempre ser
considerada de forma associada aos processos socioculturais especiacuteficos do
lugar e os conflitos socioambientais considerados como resultado das praacuteticas
e disputas de interesses na apropriaccedilatildeo desses recursos pelos distintos atores
Nesses processos o Estado tem legitimado as suas praacuteticas atraveacutes do
discurso da proteccedilatildeo ambiental que se tornou argumento de consenso dos
interesses dos diferentes setores sociais Por outro lado a compreensatildeo da
natureza desses conflitos tambeacutem depende do funcionamento do modelo de
poliacutetica urbana e ambiental a que estatildeo sujeitos A identificaccedilatildeo de
11
Traduccedilatildeo livre de Ruth Ataiacutede (2013 p 60) na sua Tese de doutorado Entre os autores que
orientam essa discussatildeo a autora destaca Andrea Zhouri (2007 y 2005) referidas Simone Polli (2010) y Silvana Mameri (2011)
convergecircncias e diferenccedilas entre essas duas dimensotildees da poliacutetica permite-
nos discutir estrateacutegias de planejamento urbano- ambiental aplicadas a estas
aacutereas A partir dessa identificaccedilatildeo e tomando como referecircncia estrutura de
Ataiacutede (2013) os conflitos satildeo analisados segundo duas dimensotildees a
institucional que se expressa nas estrateacutegias de gestatildeo e regulaccedilatildeo e a fiacutesico-
territorial que se expressa nas relaccedilotildees espaciais (sociais e ambientais)
No acircmbito institucional expresso nas estrateacutegias de regulaccedilatildeo e gestatildeo a
autora identifica pelo menos dois grupos de conflitos no primeiro grupo objeto
de reflexatildeo no trabalho incluem-se os que satildeo gerados no campo da proacutepria
formulaccedilatildeo da poliacutetica a partir das mudanccedilas na concepccedilatildeo do planejamento
(como previsatildeo ou desejo de uma situaccedilatildeo ideal) que foi substituiacuteda pela
concepccedilatildeo de gestatildeo que se baseia em uma accedilatildeo sobre os espaccedilos de uma
compreensatildeo das condiccedilotildees (sociais culturais poliacuteticas e econoacutemicas) reais
de sua produccedilatildeo e consumo Ou seja uma concepccedilatildeo da poliacutetica estruturada
no princiacutepio do reconhecimento da cidade existente e do planejamento como
um processo dinacircmico que reconhece as accedilotildees do homem sobre a produccedilatildeo
do espaccedilo (urbano ou rural) como expressatildeo legitima do vivido e este como
uma das suas partes inseparaacuteveis
O segundo grupo de conflitos que tambeacutem eacute dependente do primeiro eacute
resultado dos limites da accedilatildeo das esferas puacuteblicas e privadas Nesse sentido
a sua resoluccedilatildeo depende da criaccedilatildeo de novas articulaccedilotildees entre essas esferas
para alavancar o adequado funcionamento desses espaccedilos de mediaccedilatildeo
exigidos pela nova concepccedilatildeo da poliacutetica No estado atual de gestatildeo urbana e
ambiental os limites da accedilatildeo sobre os conflitos tecircm ganhado relevo quando
confrontados com a natureza do regime de propriedade das aacutereas protegidas
na maioria dos casos privada A natureza de uma suposta irregularidade
urbaniacutestica ou ambiental nesses espaccedilos se evidencia no cruzamento de
interesses e accedilotildees opostas sobre os mesmos No caso de Natal e do ponto de
vista da regulaccedilatildeo alguns desses espaccedilos como veremos adiante satildeo
definidos como zonas de proteccedilatildeo especial com base em duas perspectivas a
ambiental por meio de delimitaccedilotildees como Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental
(ZPAs) para as aacutereas ambientalmente fraacutegeis e a social por meio da
classificaccedilatildeo como Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) para os
assentamentos irregulares ou fraccedilotildees urbanas ocupadas pelas populaccedilotildees
mais pobres ou merecedoras de atenccedilatildeo especial em virtude das condiccedilotildees de
precariedade socioambiental
Neste debate destacamos o aspecto crucial do conflito e que estaacute na base
da matriz de sustentabilidade democraacutetica ou da justiccedila ambiental12 que
fundamentam o atual modelo de Poliacutetica Urbana brasileira Isto eacute realccedila a
necessidade de afinarmos a compreensatildeo sobre a noccedilatildeo de justiccedila espacial
na qual se insere a discussatildeo ora proposta sobre Natal a partir de duas das
suas fraccedilotildees territoriais consideradas simboacutelicas nos estudos sobre os conflitos
socioambientais o bairro (ou AEIS) de Matildee Luiza e a AEIS da Vila de Ponta
Negra Para entendermos o aparecimento desses conflitos conveacutem
retomarmos a breve anaacutelise sobre a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do solo do
municiacutepio Nesse sentido sublinhamos que esta ocupaccedilatildeo se desenvolveu
sobre um sitio geograacutefico com alta fragilidade ambiental caracterizado pela
presenccedila de ecossistemas primitivos como as dunas a vegetaccedilatildeo de
mangues as matas e as restingas aleacutem de uma diversidade de corpos drsquoaacutegua
que inclui lagoas e rios no seu interior e o Oceano Atlacircntico na sua feiccedilatildeo leste
com suas praias A maior parte das aacutereas caracterizadas por esses
componentes ambientais se manteve pouco alterada ateacute meados dos anos
1970 quando a ocupaccedilatildeo estava concentrada nos bairros centrais A partir de
entatildeo com o impulso do processo de urbanizaccedilatildeo e o avanccedilo dos debates da
consciecircncia mundial sobre a necessidade de conciliar o desenvolvimento
urbano com a preservaccedilatildeo dos recursos naturais evidenciaram-se o que hoje
denominamos ldquoconflitos espaciaisrdquo ou ldquoconflitos socioambientaisrdquo
Eacute fato que no caso do municiacutepio de Natal a caracterizaccedilatildeo fiacutesica referida
se aplica a todo o seu territoacuterio Entretanto ateacute a deacutecada de 1970 aleacutem da
ocupaccedilatildeo do solo ser de baixa intensidade demograacutefica e construtiva havia
pouca preocupaccedilatildeo quanto aos impactos da intensidade do processo de
urbanizaccedilatildeo no equiliacutebrio do ecossistema inclusive no acircmbito institucional
considerando que o municiacutepio a exemplo de outras realidades brasileiras
tambeacutem natildeo dispunha de instrumentos de controle urbaniacutestico e ambiental fato
12
Conceitos desenvolvidos por Henri Acselrad e outros autores que discutem as matrizes da
sustentabilidade nas poliacuteticas Ver a respeito ACSELRAD H (org) 2001 A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD Henri e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro
que contribuiu para o avanccedilo da ocupaccedilatildeo de forma dispersa em todas as
direccedilotildees do territoacuterio Estudos recentes sobre esse processo denotam o avanccedilo
dos impactos ambientais sobre territoacuterio municipal e as suas franjas
metropolitanas conforme consta no Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento
Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natalrdquo13 Nesse documento foram
demonstrados os efeitos do processo de urbanizaccedilatildeo com destaque para as
elevadas taxas de impermeabilizaccedilatildeo do solo a contaminaccedilatildeo das aguas
subterracircneas que abastecem a cidade e toda a regiatildeo e de outros corpos
drsquoagua incluindo o rio Potengi assim como para os problemas de alagamentos
e assoreamentos nas aacutereas vulneraacuteveis de erosatildeo costeira entre outros
A contribuiccedilatildeo dos assentamentos precaacuterios sobre o avanccedilo dessa forma
de ocupaccedilatildeo nas aacutereas ambientalmente fraacutegeis consiste no interesse principal
deste trabalho objeto de aprofundamento na quarta seccedilatildeo do trabalho a partir
da anaacutelise de duas fraccedilotildees Para tanto recuperamos os estudos recentes de
Ataiacutede (2013)14 sobre o tema quando realccedila a classificaccedilatildeo das condiccedilotildees de
risco e vulnerabilidade ambiental das 74 favelas existentes no municiacutepio
distribuiacutedos nas quatro regiotildees administrativas Entre essas algumas
localizados em Matildee Luiza e Ponta Negra apresentam condiccedilotildees de risco pela
relaccedilatildeo com os espaccedilos ambientalmente fraacutegeis como as dunas e as Aacutereas de
Preservaccedilatildeo Permanente(APPs)
IV Instrumentos e as dificuldades da sua efetivaccedilatildeo
Como referido anteriormente o municiacutepio de Natal tem feito esforccedilos para
efetivar o seu novo modelo de planejamento e gestatildeo urbana expresso no
Plano Diretor do municiacutepio que foi alccedilado agrave condiccedilatildeo de principal instrumento
13
O Plano (e o seu respectivo diagnostico) foi elaborado para fundamentar as estrateacutegias de
gestatildeo da RMNatal mas nunca se concretizou Ambos foram produzidos por uma equipe multidisciplinar e publicado em 2006 Plano tem como horizonte o ano de 2020 e contou na sua elaboraccedilatildeo com a Secretaria de Planejamento e Financcedilas do Governo Estadual a FADEUFPE e a FUNPECUFRN Ver FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN 2007 Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal Disponiacutevel em httpwwwnatalmetropolerngovbrdowloadsp2v3pdf acceso en 06 de Agosto de 2011 14
Nesses estudos a autora tomou como referecircncia o Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco
(PMRR) elaborado em 2008 que estabeleceu cinco criteacuterios para definir os graus de risco (0 a 5) dos assentamentos e que foram ser passiacutevel de deslizamento e erosatildeoassoreamento estar localizada sobre Dunas Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente (APPs) ou faixas de domiacutenio Ver a respeito SEMURBAQUATOLCONSULTORIA 2008 Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal
de desenvolvimento urbano desde a Constituiccedilatildeo Federal de 1998 e em
especial a partir da vigecircncia da Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano
denominada Estatuto da Cidade (Lei Federal nordm 102572001) em 2001 As
aacutereas de conflitos socioambientais objeto de anaacutelise ganharam evidecircncia a
partir desse marco normativo que orientando-se pelos princiacutepios da garantia
do direito agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado introduziu um conceito de
zoneamento territorial que realccedila as especificidades do municiacutepio a partir seu
tecido social e das suas caracteriacutesticas ambientais Nesse sentido estrutura-se
em duas escalas a macro que fundamenta a divisatildeo do territoacuterio em trecircs
grandes zonas Zona Adensaacutevel Zona de Adensamento Baacutesico e Zona de
Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA)15 a micro ou especiacutefica que possibilita a delimitaccedilatildeo
de fraccedilotildees do territoacuterio como merecedoras de tratamento urbaniacutestico e
ambiental diferenciado de forma correspondente aacutes suas condiccedilotildees de
precariedade urbaniacutestica e vulnerabilidade social e ou ambiental Essas aacutereas
denominadas de Aacutereas Especiais satildeo entendidas como ldquoporccedilotildees da Zona
Urbana situadas em zonas adensaacuteveis ou natildeo com destinaccedilatildeo especiacutefica ou
normas proacuteprias de uso e ocupaccedilatildeo do solordquo e classificadas em quatro
categorias Aacutereas de Controle de Gabarito (ACG) Aacutereas Especiais de Interesse
Social (AEIS) Aacutereas de Operaccedilatildeo Urbana (AOUR) Aacutereas Non Aedificand16
(Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20) As fraccedilotildees urbanas analisadas se
inserem na categoria Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) e alguns
conflitos se evidenciam nas relaccedilotildees com as Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental
localizadas no seu interior ou entorno
As duas categorias ZPAs foram instituiacutedas no Plano Diretor de 1994
como estrateacutegia de gestatildeo para assegurar as populaccedilotildees agrave garantia do direito
agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado nos termos definidos pela
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entretanto essas categorias ainda natildeo foram
regulamentadas na sua totalidade Objetivamente apenas as ZPAs tecircm sido
objeto de accedilotildees mais efetivas nessa direccedilatildeo considerando que entre as dez
15 Definida como a que se destina a ldquoproteccedilatildeo manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo dos aspectos
ambientais ecoloacutegicos paisagiacutesticos histoacutericos arqueoloacutegicos turiacutesticos culturais arquitetocircnicos e cientiacuteficos do municiacutepiordquo (Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 17) 16
NATAL Prefeitura Municipal Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20 Em NATAL
Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal
aacutereas assim classificadas 50 (cinco) jaacute tiveram seus processos de
regulamentaccedilatildeo concluiacutedos e outras cinco encontram-se em fase de debate
puacuteblico As ZPAs 06 e 10 que correspondem aos maciccedilos dunares de Ponta
Negra e Matildee Luiza respectivamente incluem-se neste segundo grupo Quanto
as AEIS embora tambeacutem instituiacutedas no mesmo marco normativo (1994) os
seus processos de regulamentaccedilatildeo natildeo avanccedilaram no mesmo ritmo que os
das ZPAs fato que ratifica ainda que por meio de tiacutemidas accedilotildees a primazia do
ambiental sobre o social no processo de gestatildeo urbana do municiacutepio (Figura 2)
Figura 2 ndash AEIS (1) e ZPAs (2) no PDN2007
Fonte Ataiacutede (2013 adaptado pelos autores)
Ressalte-se ainda que o instrumento AEIS foi ratificado e ampliado no
PDN2007 com o acreacutescimo de novas categorias e aacutereas Agraves favelas Vilas e
Loteamentos clandestinos foram acrescidas outras quatro categorias de AEIS
uma das quais aplicada agraves fraccedilotildees urbanas definidas como aacutereas que estatildeo
sob influecircncia de empreendimento de impacto socioeconocircmico cultural e
paisagiacutestico entre elas a da Vila de Ponta Negra17 Contudo passados 21
anos da vigecircncia do PDN 1994 e oito do PDN 2007 considera-se que apenas
17
NATAL Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o
Plano Diretor de Natal DOM Natal Mapa 04 Anexo II
1 2
a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral
Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma
discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os
objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o
avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees
urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)
e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou
dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo
entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute
objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho
V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra
1 A AEIS de Matildee Luiza
A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e
regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei
46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de
1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a
discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS
(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor
(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A
fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes
(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram
incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano
(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do
PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007
(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi
reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras
18
As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova
Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19
Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a
existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994
Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de
uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)
incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades
apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo
Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar
alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee
Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e
reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas
nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades
(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal
que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico
ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com
predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com
alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e
social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de
infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a
meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do
bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila
destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)
Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de
fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado
e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas
delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito
municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando
se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de
risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de
Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no
PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de
risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da
ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da
deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de
20
Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo
com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21
A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema
de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara
controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em
seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias
em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam
alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o
PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da
criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do
municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento
das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem
disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os
anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo
imobiliaacuteria
Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar
que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem
adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao
sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa
popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e
os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a
elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem
no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um
empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo
ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na
aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos
22
O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei
mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE
Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em
httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24
O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado
mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida
atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja
Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades
de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de
discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos
da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os
moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito
ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre
os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os
princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do
campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo
protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da
AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26
Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10
Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)
adaptado pelos autores
25
ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta
de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26
Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que
dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea
O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo
da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de
gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-
territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo
juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na
alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da
normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam
entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que
revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de
Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do
estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do
Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com
as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que
reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com
o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como
Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo
tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia
sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas
ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de
tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia
expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam
dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de
governo
Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com
a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade
da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave
resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do
municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo
das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da
ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o
conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno
com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque
Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e
proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade
Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se
apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo
sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das
situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da
favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das
dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo
PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem
contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo
gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas
ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e
com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo
ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias
institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do
movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus
interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza
Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da
favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no
processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam
pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas
remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco
tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na
proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os
objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos
estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de
Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto
conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos
territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees
nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)
Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
27
Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538
2 A AEIS da Vila de Ponta Negra
A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007
Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-
guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a
partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de
grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo
que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo
e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e
internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)
Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628
Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta
Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento
de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja
aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante
emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam
segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que
estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora
O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico
municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos
atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra
ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais
envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor
imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes
28
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento
urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123
das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo
cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007
no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses
representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os
princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso
desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A
ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -
batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e
que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29
Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do
resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos
A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser
encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do
direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute
uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas
precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do
Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar
da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea
Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8
(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda
natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de
gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade
Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao
papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local
da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam
numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de
pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens
culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao
conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com
uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e
29
Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30
De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no
mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo
apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria
pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees
acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos
adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos
com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como
AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas
principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se
opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua
regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de
fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou
negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo
de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida
natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com
moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser
submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios
fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores
da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com
ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo
Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta
Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa
numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta
Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06
que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei
municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem
estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do
Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea
ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e
estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do
31
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade
Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32
A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal
do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33
Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN
Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008
bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a
ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal
como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi
contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas
proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca
Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno
Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores
Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando
abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como
fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de
determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e
da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo
Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a
necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para
o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados
nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a
verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio
ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras
formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como
AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca
Praia de Ponta Negra
ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA
que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os
empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio
e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas
do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse
importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da
densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta
desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes
comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em
duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de
Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos
diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a
uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por
ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que
ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os
interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo
social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial
Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra
ZPA 06 - MORRO DO CARECA
ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)
BAIRRO PONTA NEGRA
ZONA DE AMORTECIMENTO
(ZA)
Praia de Ponta Negra
0m 50m 100m 200m
N
Morro do
Careca
01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca
03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento
06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca
05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca
04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo
Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth
VI Consideraccedilotildees Finais
Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves
relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos
protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto
devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm
estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994
tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas
estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees
especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo
apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)
No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor
imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo
de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de
acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades
especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia
de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de
expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se
realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal
por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao
novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse
novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o
desenvolvimento do trabalho
Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os
mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental
de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do
acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado
deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos
classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas
garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se
reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica
encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada
lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as
necessidades de morar na cidade
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legislaccedilatildeo urbana e ambiental Os dois processos mantecircm aliaacutes relaccedilatildeo entre
si enquanto que a verticalizaccedilatildeo atende aos estratos meacutedios e altos da
sociedade natalense que ocupam em geral aacutereas privilegiadas da cidade as
populaccedilotildees de baixa renda tendem a ocupar as aacutereas inadequadas do ponto
de vista ambiental como mangues dunas e as margens de rios A
mercantilizaccedilatildeo do solo urbano a especulaccedilatildeo imobiliaacuteria e a ineficaacutecia da
gestatildeo urbana satildeo alguns dos fatores que explicam essa situaccedilatildeo
Nesse processo de crescimento e expansatildeo urbana de Natal percebe-se
que o antigo nuacutecleo urbano adormecido durante pelo menos dois seacuteculos
comeccedila a se expandir consideravelmente ainda no seacuteculo XIX e iniacutecio do XX e
de maneira acelerada a partir da Segunda Guerra Mundial A cidade abrigava
em 2010 uma populaccedilatildeo de 803 739 habitantes segundo dados do IBGE9 e
forma com municiacutepios vizinhos a Regiatildeo Metropolitana de Natal (RMNatal)
Com efeito o antigo nuacutecleo urbano insignificante a ldquoNatal natildeo haacute talrdquo torna-se
progressivamente uma capital moderna com pretensotildees metropolitanas
III Uma situaccedilatildeo de impasse o crescimento urbano e os conflitos
socioambientais
O crescimento e a consolidaccedilatildeo da ocupaccedilatildeo da cidade do Natal foram
miacutenimos durante seacuteculos tendo em vista o pequeno nuacutemero de habitantes
Vivendo principalmente da pesca no Rio Potengi e no mar da exploraccedilatildeo
vegetal nos arredores da cidade e da agropecuaacuteria essas atividades ainda
que causassem algum impacto ambiental - desmatamento para o plantio e a
exploraccedilatildeo madeireira - natildeo atingiam uma escala significativa Aleacutem disso
desconhecemos a existecircncia de uma consciecircncia ambiental de seus habitantes
antes das preocupaccedilotildees higienistas que marcaram a cidade do Natal e outras
cidades do Brasil entre fins do seacuteculo XIX e primeiras deacutecadas do seacuteculo XX10
Essa preocupaccedilatildeo eacute relativamente recente na histoacuteria da humanidade e no
9httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=240810ampsearch=rio-grande-
do-norte|natal Acesso em 02 de abril de 2015 10
Preocupaccedilotildees que estavam circunscritas a uma elite e que eram principalmente de natureza
meacutedica isto eacute dos seus efeitos sobre a sauacutede dos habitantes do que no sentido atual de preocupaccedilatildeo com a salvaguarda e proteccedilatildeo dos recursos naturais Ver a respeito FERREIRA Angela Luacutecia A et al 2008 Uma Cidade Satilde e Bela a trajetoacuteria do Saneamento de Natal entre 1850 e 1969 IAB RN CREA RN Natal
Brasil parece se evidenciar somente a partir das trecircs uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo
XX
Em Natal as referecircncias agrave proteccedilatildeo do meio ambiente com alguma
efetividade seja por meio de iniciativas do movimento social seja por meio de
estrateacutegias de gestatildeo tambeacutem datam de finais da deacutecada de 1970 quando os
debates sobre a proteccedilatildeo dos recursos naturais ganham relevo e passam a
integrar as agendas dos movimentos sociais e de algumas accedilotildees
governamentais Desde entatildeo especialmente desde a deacutecada de 1980
algumas accedilotildees com motivaccedilotildees sociais e ambientais tecircm demonstrado o
crescimento de uma consciecircncia ambiental e produzido alteraccedilotildees nas
estrateacutegias de planejamento e gestatildeo urbana do municiacutepio Respeito isso
destaca-se pelos movimentos sociais as reaccedilotildees contraacuterias ao projeto de
construccedilatildeo da Via Costeira (1978-1980) agraves primeiras iniciativas de
verticalizaccedilatildeo da orla mariacutetima e a defesa da paisagem costeira e da
permanecircncia das populaccedilotildees tradicionais ali residentes (1980-1984) e pelas
accedilotildees governamentais as estrateacutegias de proteccedilatildeo da paisagem (Zonas
Especiais de Interesse Turiacutestico) inseridas no Plano Diretor de 1984
(PDN1984-Lei 317584) e a aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de 1994 (PDN1994-
Lei 0794) e da Lei 466395 que regulamenta a AEIS de Matildee Luiza
O marco temporal da presente discussatildeo eacute portanto definido a partir dos
conflitos socioambientais que emergiram com o avanccedilo do processo de
ocupaccedilatildeo do solo (formal ou informal) sobre os espaccedilos naturais e que foram
reconhecidos como objeto de proteccedilatildeo especial pelo atual marco normativo
urbaniacutestico e ambiental fundamentado no reconhecimento dos direitos de
todos os cidadatildeos agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado No caso de Natal
que reproduz uma situaccedilatildeo visiacutevel em todo o urbano brasileiro tal cenaacuterio de
conflitos revela-se como uma das caracteriacutesticas da sua paisagem Do ponto
de vista urbano e ambiental a maioria desses espaccedilos foi historicamente
produzida de forma ilegal e marginal tendo origem em sua maioria a partir
das demandas das populaccedilotildees mais pobres que geralmente natildeo possuem
renda para participar do mercado formal de terras
Para a compreensatildeo da natureza dos conflitos que estamos analisando eacute
importante lembrar que a relevacircncia das questotildees socioambientais como um
problema nas disputas territoriais soacute ganhou algum destaque quando ambas as
dimensotildees (social e ambiental) incorporaram a natureza do interesse puacuteblico
Com base nesta abordagem os conflitos inicialmente tratados como conflitos
de terra e considerados principalmente pela luta ao acesso agrave moradia
adicionaram novas configuraccedilotildees novos atores e novas dimensotildees para o
problema Nessa configuraccedilatildeo os problemas relacionados com a posse de
terra urbana e o acesso agrave moradia na esfera puacuteblica tambeacutem passaram a ser
definidos como problemas ambientais
Segundo Ataiacutede (2013) um dos desafios do enfrentamento dos conflitos
socioambientais tem sido identificar como os diferentes atores sociais tecircm
efetivado suas accedilotildees relacionadas com o processo de ocupaccedilatildeo do solo dos
espaccedilos naturais tendo como referecircncia a manutenccedilatildeo do fortalecimento da
relaccedilatildeo entre o direito agrave moradia e os preceitos da proteccedilatildeo ambiental Tal
reflexatildeo se apoia no fato de que grande parte das situaccedilotildees de conflito se
manifesta em aacutereas caracterizadas por dualidades e ambiguidades e
evidenciam interesses de diversas naturezas seja em decorrecircncia da
inadequaccedilatildeo urbaniacutestica (parcelamento e tipologias ediliacutecias diferentes dos
padrotildees gerais da cidade) seja pelos aspectos ambientais (localizaccedilatildeo em
aacutereas ambientalmente fraacutegeis protegidas ou natildeo)11
Essa caracterizaccedilatildeo dual faz parte da complexidade da mateacuteria e a sua
compreensatildeo exige a consideraccedilatildeo da sua dimensatildeo histoacuterica na perspectiva
de reconstituir os conflitos e as accedilotildees de resistecircncia contra ameaccedilas de
supressatildeo de direitos Nesse sentido eacute que Andreacutea Zhouri (2007) chama a
atenccedilatildeo para o fato de que a proteccedilatildeo dos recursos naturais deve sempre ser
considerada de forma associada aos processos socioculturais especiacuteficos do
lugar e os conflitos socioambientais considerados como resultado das praacuteticas
e disputas de interesses na apropriaccedilatildeo desses recursos pelos distintos atores
Nesses processos o Estado tem legitimado as suas praacuteticas atraveacutes do
discurso da proteccedilatildeo ambiental que se tornou argumento de consenso dos
interesses dos diferentes setores sociais Por outro lado a compreensatildeo da
natureza desses conflitos tambeacutem depende do funcionamento do modelo de
poliacutetica urbana e ambiental a que estatildeo sujeitos A identificaccedilatildeo de
11
Traduccedilatildeo livre de Ruth Ataiacutede (2013 p 60) na sua Tese de doutorado Entre os autores que
orientam essa discussatildeo a autora destaca Andrea Zhouri (2007 y 2005) referidas Simone Polli (2010) y Silvana Mameri (2011)
convergecircncias e diferenccedilas entre essas duas dimensotildees da poliacutetica permite-
nos discutir estrateacutegias de planejamento urbano- ambiental aplicadas a estas
aacutereas A partir dessa identificaccedilatildeo e tomando como referecircncia estrutura de
Ataiacutede (2013) os conflitos satildeo analisados segundo duas dimensotildees a
institucional que se expressa nas estrateacutegias de gestatildeo e regulaccedilatildeo e a fiacutesico-
territorial que se expressa nas relaccedilotildees espaciais (sociais e ambientais)
No acircmbito institucional expresso nas estrateacutegias de regulaccedilatildeo e gestatildeo a
autora identifica pelo menos dois grupos de conflitos no primeiro grupo objeto
de reflexatildeo no trabalho incluem-se os que satildeo gerados no campo da proacutepria
formulaccedilatildeo da poliacutetica a partir das mudanccedilas na concepccedilatildeo do planejamento
(como previsatildeo ou desejo de uma situaccedilatildeo ideal) que foi substituiacuteda pela
concepccedilatildeo de gestatildeo que se baseia em uma accedilatildeo sobre os espaccedilos de uma
compreensatildeo das condiccedilotildees (sociais culturais poliacuteticas e econoacutemicas) reais
de sua produccedilatildeo e consumo Ou seja uma concepccedilatildeo da poliacutetica estruturada
no princiacutepio do reconhecimento da cidade existente e do planejamento como
um processo dinacircmico que reconhece as accedilotildees do homem sobre a produccedilatildeo
do espaccedilo (urbano ou rural) como expressatildeo legitima do vivido e este como
uma das suas partes inseparaacuteveis
O segundo grupo de conflitos que tambeacutem eacute dependente do primeiro eacute
resultado dos limites da accedilatildeo das esferas puacuteblicas e privadas Nesse sentido
a sua resoluccedilatildeo depende da criaccedilatildeo de novas articulaccedilotildees entre essas esferas
para alavancar o adequado funcionamento desses espaccedilos de mediaccedilatildeo
exigidos pela nova concepccedilatildeo da poliacutetica No estado atual de gestatildeo urbana e
ambiental os limites da accedilatildeo sobre os conflitos tecircm ganhado relevo quando
confrontados com a natureza do regime de propriedade das aacutereas protegidas
na maioria dos casos privada A natureza de uma suposta irregularidade
urbaniacutestica ou ambiental nesses espaccedilos se evidencia no cruzamento de
interesses e accedilotildees opostas sobre os mesmos No caso de Natal e do ponto de
vista da regulaccedilatildeo alguns desses espaccedilos como veremos adiante satildeo
definidos como zonas de proteccedilatildeo especial com base em duas perspectivas a
ambiental por meio de delimitaccedilotildees como Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental
(ZPAs) para as aacutereas ambientalmente fraacutegeis e a social por meio da
classificaccedilatildeo como Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) para os
assentamentos irregulares ou fraccedilotildees urbanas ocupadas pelas populaccedilotildees
mais pobres ou merecedoras de atenccedilatildeo especial em virtude das condiccedilotildees de
precariedade socioambiental
Neste debate destacamos o aspecto crucial do conflito e que estaacute na base
da matriz de sustentabilidade democraacutetica ou da justiccedila ambiental12 que
fundamentam o atual modelo de Poliacutetica Urbana brasileira Isto eacute realccedila a
necessidade de afinarmos a compreensatildeo sobre a noccedilatildeo de justiccedila espacial
na qual se insere a discussatildeo ora proposta sobre Natal a partir de duas das
suas fraccedilotildees territoriais consideradas simboacutelicas nos estudos sobre os conflitos
socioambientais o bairro (ou AEIS) de Matildee Luiza e a AEIS da Vila de Ponta
Negra Para entendermos o aparecimento desses conflitos conveacutem
retomarmos a breve anaacutelise sobre a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do solo do
municiacutepio Nesse sentido sublinhamos que esta ocupaccedilatildeo se desenvolveu
sobre um sitio geograacutefico com alta fragilidade ambiental caracterizado pela
presenccedila de ecossistemas primitivos como as dunas a vegetaccedilatildeo de
mangues as matas e as restingas aleacutem de uma diversidade de corpos drsquoaacutegua
que inclui lagoas e rios no seu interior e o Oceano Atlacircntico na sua feiccedilatildeo leste
com suas praias A maior parte das aacutereas caracterizadas por esses
componentes ambientais se manteve pouco alterada ateacute meados dos anos
1970 quando a ocupaccedilatildeo estava concentrada nos bairros centrais A partir de
entatildeo com o impulso do processo de urbanizaccedilatildeo e o avanccedilo dos debates da
consciecircncia mundial sobre a necessidade de conciliar o desenvolvimento
urbano com a preservaccedilatildeo dos recursos naturais evidenciaram-se o que hoje
denominamos ldquoconflitos espaciaisrdquo ou ldquoconflitos socioambientaisrdquo
Eacute fato que no caso do municiacutepio de Natal a caracterizaccedilatildeo fiacutesica referida
se aplica a todo o seu territoacuterio Entretanto ateacute a deacutecada de 1970 aleacutem da
ocupaccedilatildeo do solo ser de baixa intensidade demograacutefica e construtiva havia
pouca preocupaccedilatildeo quanto aos impactos da intensidade do processo de
urbanizaccedilatildeo no equiliacutebrio do ecossistema inclusive no acircmbito institucional
considerando que o municiacutepio a exemplo de outras realidades brasileiras
tambeacutem natildeo dispunha de instrumentos de controle urbaniacutestico e ambiental fato
12
Conceitos desenvolvidos por Henri Acselrad e outros autores que discutem as matrizes da
sustentabilidade nas poliacuteticas Ver a respeito ACSELRAD H (org) 2001 A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD Henri e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro
que contribuiu para o avanccedilo da ocupaccedilatildeo de forma dispersa em todas as
direccedilotildees do territoacuterio Estudos recentes sobre esse processo denotam o avanccedilo
dos impactos ambientais sobre territoacuterio municipal e as suas franjas
metropolitanas conforme consta no Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento
Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natalrdquo13 Nesse documento foram
demonstrados os efeitos do processo de urbanizaccedilatildeo com destaque para as
elevadas taxas de impermeabilizaccedilatildeo do solo a contaminaccedilatildeo das aguas
subterracircneas que abastecem a cidade e toda a regiatildeo e de outros corpos
drsquoagua incluindo o rio Potengi assim como para os problemas de alagamentos
e assoreamentos nas aacutereas vulneraacuteveis de erosatildeo costeira entre outros
A contribuiccedilatildeo dos assentamentos precaacuterios sobre o avanccedilo dessa forma
de ocupaccedilatildeo nas aacutereas ambientalmente fraacutegeis consiste no interesse principal
deste trabalho objeto de aprofundamento na quarta seccedilatildeo do trabalho a partir
da anaacutelise de duas fraccedilotildees Para tanto recuperamos os estudos recentes de
Ataiacutede (2013)14 sobre o tema quando realccedila a classificaccedilatildeo das condiccedilotildees de
risco e vulnerabilidade ambiental das 74 favelas existentes no municiacutepio
distribuiacutedos nas quatro regiotildees administrativas Entre essas algumas
localizados em Matildee Luiza e Ponta Negra apresentam condiccedilotildees de risco pela
relaccedilatildeo com os espaccedilos ambientalmente fraacutegeis como as dunas e as Aacutereas de
Preservaccedilatildeo Permanente(APPs)
IV Instrumentos e as dificuldades da sua efetivaccedilatildeo
Como referido anteriormente o municiacutepio de Natal tem feito esforccedilos para
efetivar o seu novo modelo de planejamento e gestatildeo urbana expresso no
Plano Diretor do municiacutepio que foi alccedilado agrave condiccedilatildeo de principal instrumento
13
O Plano (e o seu respectivo diagnostico) foi elaborado para fundamentar as estrateacutegias de
gestatildeo da RMNatal mas nunca se concretizou Ambos foram produzidos por uma equipe multidisciplinar e publicado em 2006 Plano tem como horizonte o ano de 2020 e contou na sua elaboraccedilatildeo com a Secretaria de Planejamento e Financcedilas do Governo Estadual a FADEUFPE e a FUNPECUFRN Ver FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN 2007 Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal Disponiacutevel em httpwwwnatalmetropolerngovbrdowloadsp2v3pdf acceso en 06 de Agosto de 2011 14
Nesses estudos a autora tomou como referecircncia o Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco
(PMRR) elaborado em 2008 que estabeleceu cinco criteacuterios para definir os graus de risco (0 a 5) dos assentamentos e que foram ser passiacutevel de deslizamento e erosatildeoassoreamento estar localizada sobre Dunas Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente (APPs) ou faixas de domiacutenio Ver a respeito SEMURBAQUATOLCONSULTORIA 2008 Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal
de desenvolvimento urbano desde a Constituiccedilatildeo Federal de 1998 e em
especial a partir da vigecircncia da Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano
denominada Estatuto da Cidade (Lei Federal nordm 102572001) em 2001 As
aacutereas de conflitos socioambientais objeto de anaacutelise ganharam evidecircncia a
partir desse marco normativo que orientando-se pelos princiacutepios da garantia
do direito agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado introduziu um conceito de
zoneamento territorial que realccedila as especificidades do municiacutepio a partir seu
tecido social e das suas caracteriacutesticas ambientais Nesse sentido estrutura-se
em duas escalas a macro que fundamenta a divisatildeo do territoacuterio em trecircs
grandes zonas Zona Adensaacutevel Zona de Adensamento Baacutesico e Zona de
Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA)15 a micro ou especiacutefica que possibilita a delimitaccedilatildeo
de fraccedilotildees do territoacuterio como merecedoras de tratamento urbaniacutestico e
ambiental diferenciado de forma correspondente aacutes suas condiccedilotildees de
precariedade urbaniacutestica e vulnerabilidade social e ou ambiental Essas aacutereas
denominadas de Aacutereas Especiais satildeo entendidas como ldquoporccedilotildees da Zona
Urbana situadas em zonas adensaacuteveis ou natildeo com destinaccedilatildeo especiacutefica ou
normas proacuteprias de uso e ocupaccedilatildeo do solordquo e classificadas em quatro
categorias Aacutereas de Controle de Gabarito (ACG) Aacutereas Especiais de Interesse
Social (AEIS) Aacutereas de Operaccedilatildeo Urbana (AOUR) Aacutereas Non Aedificand16
(Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20) As fraccedilotildees urbanas analisadas se
inserem na categoria Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) e alguns
conflitos se evidenciam nas relaccedilotildees com as Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental
localizadas no seu interior ou entorno
As duas categorias ZPAs foram instituiacutedas no Plano Diretor de 1994
como estrateacutegia de gestatildeo para assegurar as populaccedilotildees agrave garantia do direito
agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado nos termos definidos pela
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entretanto essas categorias ainda natildeo foram
regulamentadas na sua totalidade Objetivamente apenas as ZPAs tecircm sido
objeto de accedilotildees mais efetivas nessa direccedilatildeo considerando que entre as dez
15 Definida como a que se destina a ldquoproteccedilatildeo manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo dos aspectos
ambientais ecoloacutegicos paisagiacutesticos histoacutericos arqueoloacutegicos turiacutesticos culturais arquitetocircnicos e cientiacuteficos do municiacutepiordquo (Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 17) 16
NATAL Prefeitura Municipal Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20 Em NATAL
Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal
aacutereas assim classificadas 50 (cinco) jaacute tiveram seus processos de
regulamentaccedilatildeo concluiacutedos e outras cinco encontram-se em fase de debate
puacuteblico As ZPAs 06 e 10 que correspondem aos maciccedilos dunares de Ponta
Negra e Matildee Luiza respectivamente incluem-se neste segundo grupo Quanto
as AEIS embora tambeacutem instituiacutedas no mesmo marco normativo (1994) os
seus processos de regulamentaccedilatildeo natildeo avanccedilaram no mesmo ritmo que os
das ZPAs fato que ratifica ainda que por meio de tiacutemidas accedilotildees a primazia do
ambiental sobre o social no processo de gestatildeo urbana do municiacutepio (Figura 2)
Figura 2 ndash AEIS (1) e ZPAs (2) no PDN2007
Fonte Ataiacutede (2013 adaptado pelos autores)
Ressalte-se ainda que o instrumento AEIS foi ratificado e ampliado no
PDN2007 com o acreacutescimo de novas categorias e aacutereas Agraves favelas Vilas e
Loteamentos clandestinos foram acrescidas outras quatro categorias de AEIS
uma das quais aplicada agraves fraccedilotildees urbanas definidas como aacutereas que estatildeo
sob influecircncia de empreendimento de impacto socioeconocircmico cultural e
paisagiacutestico entre elas a da Vila de Ponta Negra17 Contudo passados 21
anos da vigecircncia do PDN 1994 e oito do PDN 2007 considera-se que apenas
17
NATAL Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o
Plano Diretor de Natal DOM Natal Mapa 04 Anexo II
1 2
a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral
Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma
discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os
objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o
avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees
urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)
e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou
dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo
entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute
objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho
V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra
1 A AEIS de Matildee Luiza
A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e
regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei
46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de
1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a
discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS
(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor
(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A
fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes
(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram
incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano
(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do
PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007
(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi
reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras
18
As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova
Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19
Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a
existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994
Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de
uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)
incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades
apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo
Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar
alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee
Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e
reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas
nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades
(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal
que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico
ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com
predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com
alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e
social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de
infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a
meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do
bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila
destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)
Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de
fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado
e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas
delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito
municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando
se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de
risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de
Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no
PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de
risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da
ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da
deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de
20
Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo
com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21
A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema
de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara
controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em
seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias
em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam
alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o
PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da
criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do
municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento
das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem
disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os
anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo
imobiliaacuteria
Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar
que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem
adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao
sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa
popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e
os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a
elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem
no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um
empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo
ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na
aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos
22
O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei
mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE
Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em
httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24
O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado
mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida
atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja
Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades
de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de
discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos
da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os
moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito
ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre
os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os
princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do
campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo
protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da
AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26
Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10
Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)
adaptado pelos autores
25
ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta
de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26
Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que
dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea
O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo
da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de
gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-
territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo
juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na
alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da
normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam
entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que
revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de
Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do
estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do
Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com
as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que
reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com
o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como
Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo
tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia
sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas
ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de
tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia
expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam
dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de
governo
Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com
a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade
da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave
resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do
municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo
das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da
ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o
conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno
com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque
Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e
proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade
Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se
apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo
sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das
situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da
favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das
dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo
PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem
contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo
gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas
ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e
com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo
ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias
institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do
movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus
interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza
Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da
favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no
processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam
pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas
remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco
tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na
proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os
objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos
estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de
Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto
conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos
territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees
nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)
Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
27
Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538
2 A AEIS da Vila de Ponta Negra
A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007
Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-
guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a
partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de
grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo
que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo
e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e
internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)
Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628
Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta
Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento
de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja
aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante
emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam
segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que
estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora
O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico
municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos
atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra
ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais
envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor
imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes
28
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento
urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123
das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo
cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007
no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses
representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os
princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso
desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A
ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -
batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e
que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29
Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do
resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos
A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser
encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do
direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute
uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas
precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do
Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar
da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea
Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8
(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda
natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de
gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade
Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao
papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local
da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam
numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de
pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens
culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao
conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com
uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e
29
Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30
De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no
mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo
apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria
pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees
acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos
adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos
com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como
AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas
principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se
opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua
regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de
fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou
negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo
de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida
natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com
moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser
submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios
fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores
da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com
ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo
Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta
Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa
numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta
Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06
que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei
municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem
estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do
Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea
ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e
estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do
31
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade
Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32
A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal
do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33
Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN
Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008
bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a
ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal
como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi
contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas
proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca
Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno
Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores
Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando
abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como
fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de
determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e
da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo
Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a
necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para
o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados
nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a
verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio
ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras
formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como
AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca
Praia de Ponta Negra
ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA
que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os
empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio
e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas
do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse
importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da
densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta
desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes
comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em
duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de
Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos
diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a
uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por
ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que
ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os
interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo
social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial
Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra
ZPA 06 - MORRO DO CARECA
ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)
BAIRRO PONTA NEGRA
ZONA DE AMORTECIMENTO
(ZA)
Praia de Ponta Negra
0m 50m 100m 200m
N
Morro do
Careca
01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca
03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento
06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca
05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca
04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo
Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth
VI Consideraccedilotildees Finais
Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves
relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos
protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto
devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm
estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994
tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas
estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees
especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo
apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)
No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor
imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo
de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de
acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades
especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia
de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de
expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se
realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal
por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao
novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse
novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o
desenvolvimento do trabalho
Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os
mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental
de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do
acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado
deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos
classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas
garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se
reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica
encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada
lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as
necessidades de morar na cidade
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Brasil parece se evidenciar somente a partir das trecircs uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo
XX
Em Natal as referecircncias agrave proteccedilatildeo do meio ambiente com alguma
efetividade seja por meio de iniciativas do movimento social seja por meio de
estrateacutegias de gestatildeo tambeacutem datam de finais da deacutecada de 1970 quando os
debates sobre a proteccedilatildeo dos recursos naturais ganham relevo e passam a
integrar as agendas dos movimentos sociais e de algumas accedilotildees
governamentais Desde entatildeo especialmente desde a deacutecada de 1980
algumas accedilotildees com motivaccedilotildees sociais e ambientais tecircm demonstrado o
crescimento de uma consciecircncia ambiental e produzido alteraccedilotildees nas
estrateacutegias de planejamento e gestatildeo urbana do municiacutepio Respeito isso
destaca-se pelos movimentos sociais as reaccedilotildees contraacuterias ao projeto de
construccedilatildeo da Via Costeira (1978-1980) agraves primeiras iniciativas de
verticalizaccedilatildeo da orla mariacutetima e a defesa da paisagem costeira e da
permanecircncia das populaccedilotildees tradicionais ali residentes (1980-1984) e pelas
accedilotildees governamentais as estrateacutegias de proteccedilatildeo da paisagem (Zonas
Especiais de Interesse Turiacutestico) inseridas no Plano Diretor de 1984
(PDN1984-Lei 317584) e a aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de 1994 (PDN1994-
Lei 0794) e da Lei 466395 que regulamenta a AEIS de Matildee Luiza
O marco temporal da presente discussatildeo eacute portanto definido a partir dos
conflitos socioambientais que emergiram com o avanccedilo do processo de
ocupaccedilatildeo do solo (formal ou informal) sobre os espaccedilos naturais e que foram
reconhecidos como objeto de proteccedilatildeo especial pelo atual marco normativo
urbaniacutestico e ambiental fundamentado no reconhecimento dos direitos de
todos os cidadatildeos agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado No caso de Natal
que reproduz uma situaccedilatildeo visiacutevel em todo o urbano brasileiro tal cenaacuterio de
conflitos revela-se como uma das caracteriacutesticas da sua paisagem Do ponto
de vista urbano e ambiental a maioria desses espaccedilos foi historicamente
produzida de forma ilegal e marginal tendo origem em sua maioria a partir
das demandas das populaccedilotildees mais pobres que geralmente natildeo possuem
renda para participar do mercado formal de terras
Para a compreensatildeo da natureza dos conflitos que estamos analisando eacute
importante lembrar que a relevacircncia das questotildees socioambientais como um
problema nas disputas territoriais soacute ganhou algum destaque quando ambas as
dimensotildees (social e ambiental) incorporaram a natureza do interesse puacuteblico
Com base nesta abordagem os conflitos inicialmente tratados como conflitos
de terra e considerados principalmente pela luta ao acesso agrave moradia
adicionaram novas configuraccedilotildees novos atores e novas dimensotildees para o
problema Nessa configuraccedilatildeo os problemas relacionados com a posse de
terra urbana e o acesso agrave moradia na esfera puacuteblica tambeacutem passaram a ser
definidos como problemas ambientais
Segundo Ataiacutede (2013) um dos desafios do enfrentamento dos conflitos
socioambientais tem sido identificar como os diferentes atores sociais tecircm
efetivado suas accedilotildees relacionadas com o processo de ocupaccedilatildeo do solo dos
espaccedilos naturais tendo como referecircncia a manutenccedilatildeo do fortalecimento da
relaccedilatildeo entre o direito agrave moradia e os preceitos da proteccedilatildeo ambiental Tal
reflexatildeo se apoia no fato de que grande parte das situaccedilotildees de conflito se
manifesta em aacutereas caracterizadas por dualidades e ambiguidades e
evidenciam interesses de diversas naturezas seja em decorrecircncia da
inadequaccedilatildeo urbaniacutestica (parcelamento e tipologias ediliacutecias diferentes dos
padrotildees gerais da cidade) seja pelos aspectos ambientais (localizaccedilatildeo em
aacutereas ambientalmente fraacutegeis protegidas ou natildeo)11
Essa caracterizaccedilatildeo dual faz parte da complexidade da mateacuteria e a sua
compreensatildeo exige a consideraccedilatildeo da sua dimensatildeo histoacuterica na perspectiva
de reconstituir os conflitos e as accedilotildees de resistecircncia contra ameaccedilas de
supressatildeo de direitos Nesse sentido eacute que Andreacutea Zhouri (2007) chama a
atenccedilatildeo para o fato de que a proteccedilatildeo dos recursos naturais deve sempre ser
considerada de forma associada aos processos socioculturais especiacuteficos do
lugar e os conflitos socioambientais considerados como resultado das praacuteticas
e disputas de interesses na apropriaccedilatildeo desses recursos pelos distintos atores
Nesses processos o Estado tem legitimado as suas praacuteticas atraveacutes do
discurso da proteccedilatildeo ambiental que se tornou argumento de consenso dos
interesses dos diferentes setores sociais Por outro lado a compreensatildeo da
natureza desses conflitos tambeacutem depende do funcionamento do modelo de
poliacutetica urbana e ambiental a que estatildeo sujeitos A identificaccedilatildeo de
11
Traduccedilatildeo livre de Ruth Ataiacutede (2013 p 60) na sua Tese de doutorado Entre os autores que
orientam essa discussatildeo a autora destaca Andrea Zhouri (2007 y 2005) referidas Simone Polli (2010) y Silvana Mameri (2011)
convergecircncias e diferenccedilas entre essas duas dimensotildees da poliacutetica permite-
nos discutir estrateacutegias de planejamento urbano- ambiental aplicadas a estas
aacutereas A partir dessa identificaccedilatildeo e tomando como referecircncia estrutura de
Ataiacutede (2013) os conflitos satildeo analisados segundo duas dimensotildees a
institucional que se expressa nas estrateacutegias de gestatildeo e regulaccedilatildeo e a fiacutesico-
territorial que se expressa nas relaccedilotildees espaciais (sociais e ambientais)
No acircmbito institucional expresso nas estrateacutegias de regulaccedilatildeo e gestatildeo a
autora identifica pelo menos dois grupos de conflitos no primeiro grupo objeto
de reflexatildeo no trabalho incluem-se os que satildeo gerados no campo da proacutepria
formulaccedilatildeo da poliacutetica a partir das mudanccedilas na concepccedilatildeo do planejamento
(como previsatildeo ou desejo de uma situaccedilatildeo ideal) que foi substituiacuteda pela
concepccedilatildeo de gestatildeo que se baseia em uma accedilatildeo sobre os espaccedilos de uma
compreensatildeo das condiccedilotildees (sociais culturais poliacuteticas e econoacutemicas) reais
de sua produccedilatildeo e consumo Ou seja uma concepccedilatildeo da poliacutetica estruturada
no princiacutepio do reconhecimento da cidade existente e do planejamento como
um processo dinacircmico que reconhece as accedilotildees do homem sobre a produccedilatildeo
do espaccedilo (urbano ou rural) como expressatildeo legitima do vivido e este como
uma das suas partes inseparaacuteveis
O segundo grupo de conflitos que tambeacutem eacute dependente do primeiro eacute
resultado dos limites da accedilatildeo das esferas puacuteblicas e privadas Nesse sentido
a sua resoluccedilatildeo depende da criaccedilatildeo de novas articulaccedilotildees entre essas esferas
para alavancar o adequado funcionamento desses espaccedilos de mediaccedilatildeo
exigidos pela nova concepccedilatildeo da poliacutetica No estado atual de gestatildeo urbana e
ambiental os limites da accedilatildeo sobre os conflitos tecircm ganhado relevo quando
confrontados com a natureza do regime de propriedade das aacutereas protegidas
na maioria dos casos privada A natureza de uma suposta irregularidade
urbaniacutestica ou ambiental nesses espaccedilos se evidencia no cruzamento de
interesses e accedilotildees opostas sobre os mesmos No caso de Natal e do ponto de
vista da regulaccedilatildeo alguns desses espaccedilos como veremos adiante satildeo
definidos como zonas de proteccedilatildeo especial com base em duas perspectivas a
ambiental por meio de delimitaccedilotildees como Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental
(ZPAs) para as aacutereas ambientalmente fraacutegeis e a social por meio da
classificaccedilatildeo como Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) para os
assentamentos irregulares ou fraccedilotildees urbanas ocupadas pelas populaccedilotildees
mais pobres ou merecedoras de atenccedilatildeo especial em virtude das condiccedilotildees de
precariedade socioambiental
Neste debate destacamos o aspecto crucial do conflito e que estaacute na base
da matriz de sustentabilidade democraacutetica ou da justiccedila ambiental12 que
fundamentam o atual modelo de Poliacutetica Urbana brasileira Isto eacute realccedila a
necessidade de afinarmos a compreensatildeo sobre a noccedilatildeo de justiccedila espacial
na qual se insere a discussatildeo ora proposta sobre Natal a partir de duas das
suas fraccedilotildees territoriais consideradas simboacutelicas nos estudos sobre os conflitos
socioambientais o bairro (ou AEIS) de Matildee Luiza e a AEIS da Vila de Ponta
Negra Para entendermos o aparecimento desses conflitos conveacutem
retomarmos a breve anaacutelise sobre a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do solo do
municiacutepio Nesse sentido sublinhamos que esta ocupaccedilatildeo se desenvolveu
sobre um sitio geograacutefico com alta fragilidade ambiental caracterizado pela
presenccedila de ecossistemas primitivos como as dunas a vegetaccedilatildeo de
mangues as matas e as restingas aleacutem de uma diversidade de corpos drsquoaacutegua
que inclui lagoas e rios no seu interior e o Oceano Atlacircntico na sua feiccedilatildeo leste
com suas praias A maior parte das aacutereas caracterizadas por esses
componentes ambientais se manteve pouco alterada ateacute meados dos anos
1970 quando a ocupaccedilatildeo estava concentrada nos bairros centrais A partir de
entatildeo com o impulso do processo de urbanizaccedilatildeo e o avanccedilo dos debates da
consciecircncia mundial sobre a necessidade de conciliar o desenvolvimento
urbano com a preservaccedilatildeo dos recursos naturais evidenciaram-se o que hoje
denominamos ldquoconflitos espaciaisrdquo ou ldquoconflitos socioambientaisrdquo
Eacute fato que no caso do municiacutepio de Natal a caracterizaccedilatildeo fiacutesica referida
se aplica a todo o seu territoacuterio Entretanto ateacute a deacutecada de 1970 aleacutem da
ocupaccedilatildeo do solo ser de baixa intensidade demograacutefica e construtiva havia
pouca preocupaccedilatildeo quanto aos impactos da intensidade do processo de
urbanizaccedilatildeo no equiliacutebrio do ecossistema inclusive no acircmbito institucional
considerando que o municiacutepio a exemplo de outras realidades brasileiras
tambeacutem natildeo dispunha de instrumentos de controle urbaniacutestico e ambiental fato
12
Conceitos desenvolvidos por Henri Acselrad e outros autores que discutem as matrizes da
sustentabilidade nas poliacuteticas Ver a respeito ACSELRAD H (org) 2001 A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD Henri e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro
que contribuiu para o avanccedilo da ocupaccedilatildeo de forma dispersa em todas as
direccedilotildees do territoacuterio Estudos recentes sobre esse processo denotam o avanccedilo
dos impactos ambientais sobre territoacuterio municipal e as suas franjas
metropolitanas conforme consta no Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento
Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natalrdquo13 Nesse documento foram
demonstrados os efeitos do processo de urbanizaccedilatildeo com destaque para as
elevadas taxas de impermeabilizaccedilatildeo do solo a contaminaccedilatildeo das aguas
subterracircneas que abastecem a cidade e toda a regiatildeo e de outros corpos
drsquoagua incluindo o rio Potengi assim como para os problemas de alagamentos
e assoreamentos nas aacutereas vulneraacuteveis de erosatildeo costeira entre outros
A contribuiccedilatildeo dos assentamentos precaacuterios sobre o avanccedilo dessa forma
de ocupaccedilatildeo nas aacutereas ambientalmente fraacutegeis consiste no interesse principal
deste trabalho objeto de aprofundamento na quarta seccedilatildeo do trabalho a partir
da anaacutelise de duas fraccedilotildees Para tanto recuperamos os estudos recentes de
Ataiacutede (2013)14 sobre o tema quando realccedila a classificaccedilatildeo das condiccedilotildees de
risco e vulnerabilidade ambiental das 74 favelas existentes no municiacutepio
distribuiacutedos nas quatro regiotildees administrativas Entre essas algumas
localizados em Matildee Luiza e Ponta Negra apresentam condiccedilotildees de risco pela
relaccedilatildeo com os espaccedilos ambientalmente fraacutegeis como as dunas e as Aacutereas de
Preservaccedilatildeo Permanente(APPs)
IV Instrumentos e as dificuldades da sua efetivaccedilatildeo
Como referido anteriormente o municiacutepio de Natal tem feito esforccedilos para
efetivar o seu novo modelo de planejamento e gestatildeo urbana expresso no
Plano Diretor do municiacutepio que foi alccedilado agrave condiccedilatildeo de principal instrumento
13
O Plano (e o seu respectivo diagnostico) foi elaborado para fundamentar as estrateacutegias de
gestatildeo da RMNatal mas nunca se concretizou Ambos foram produzidos por uma equipe multidisciplinar e publicado em 2006 Plano tem como horizonte o ano de 2020 e contou na sua elaboraccedilatildeo com a Secretaria de Planejamento e Financcedilas do Governo Estadual a FADEUFPE e a FUNPECUFRN Ver FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN 2007 Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal Disponiacutevel em httpwwwnatalmetropolerngovbrdowloadsp2v3pdf acceso en 06 de Agosto de 2011 14
Nesses estudos a autora tomou como referecircncia o Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco
(PMRR) elaborado em 2008 que estabeleceu cinco criteacuterios para definir os graus de risco (0 a 5) dos assentamentos e que foram ser passiacutevel de deslizamento e erosatildeoassoreamento estar localizada sobre Dunas Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente (APPs) ou faixas de domiacutenio Ver a respeito SEMURBAQUATOLCONSULTORIA 2008 Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal
de desenvolvimento urbano desde a Constituiccedilatildeo Federal de 1998 e em
especial a partir da vigecircncia da Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano
denominada Estatuto da Cidade (Lei Federal nordm 102572001) em 2001 As
aacutereas de conflitos socioambientais objeto de anaacutelise ganharam evidecircncia a
partir desse marco normativo que orientando-se pelos princiacutepios da garantia
do direito agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado introduziu um conceito de
zoneamento territorial que realccedila as especificidades do municiacutepio a partir seu
tecido social e das suas caracteriacutesticas ambientais Nesse sentido estrutura-se
em duas escalas a macro que fundamenta a divisatildeo do territoacuterio em trecircs
grandes zonas Zona Adensaacutevel Zona de Adensamento Baacutesico e Zona de
Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA)15 a micro ou especiacutefica que possibilita a delimitaccedilatildeo
de fraccedilotildees do territoacuterio como merecedoras de tratamento urbaniacutestico e
ambiental diferenciado de forma correspondente aacutes suas condiccedilotildees de
precariedade urbaniacutestica e vulnerabilidade social e ou ambiental Essas aacutereas
denominadas de Aacutereas Especiais satildeo entendidas como ldquoporccedilotildees da Zona
Urbana situadas em zonas adensaacuteveis ou natildeo com destinaccedilatildeo especiacutefica ou
normas proacuteprias de uso e ocupaccedilatildeo do solordquo e classificadas em quatro
categorias Aacutereas de Controle de Gabarito (ACG) Aacutereas Especiais de Interesse
Social (AEIS) Aacutereas de Operaccedilatildeo Urbana (AOUR) Aacutereas Non Aedificand16
(Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20) As fraccedilotildees urbanas analisadas se
inserem na categoria Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) e alguns
conflitos se evidenciam nas relaccedilotildees com as Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental
localizadas no seu interior ou entorno
As duas categorias ZPAs foram instituiacutedas no Plano Diretor de 1994
como estrateacutegia de gestatildeo para assegurar as populaccedilotildees agrave garantia do direito
agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado nos termos definidos pela
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entretanto essas categorias ainda natildeo foram
regulamentadas na sua totalidade Objetivamente apenas as ZPAs tecircm sido
objeto de accedilotildees mais efetivas nessa direccedilatildeo considerando que entre as dez
15 Definida como a que se destina a ldquoproteccedilatildeo manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo dos aspectos
ambientais ecoloacutegicos paisagiacutesticos histoacutericos arqueoloacutegicos turiacutesticos culturais arquitetocircnicos e cientiacuteficos do municiacutepiordquo (Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 17) 16
NATAL Prefeitura Municipal Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20 Em NATAL
Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal
aacutereas assim classificadas 50 (cinco) jaacute tiveram seus processos de
regulamentaccedilatildeo concluiacutedos e outras cinco encontram-se em fase de debate
puacuteblico As ZPAs 06 e 10 que correspondem aos maciccedilos dunares de Ponta
Negra e Matildee Luiza respectivamente incluem-se neste segundo grupo Quanto
as AEIS embora tambeacutem instituiacutedas no mesmo marco normativo (1994) os
seus processos de regulamentaccedilatildeo natildeo avanccedilaram no mesmo ritmo que os
das ZPAs fato que ratifica ainda que por meio de tiacutemidas accedilotildees a primazia do
ambiental sobre o social no processo de gestatildeo urbana do municiacutepio (Figura 2)
Figura 2 ndash AEIS (1) e ZPAs (2) no PDN2007
Fonte Ataiacutede (2013 adaptado pelos autores)
Ressalte-se ainda que o instrumento AEIS foi ratificado e ampliado no
PDN2007 com o acreacutescimo de novas categorias e aacutereas Agraves favelas Vilas e
Loteamentos clandestinos foram acrescidas outras quatro categorias de AEIS
uma das quais aplicada agraves fraccedilotildees urbanas definidas como aacutereas que estatildeo
sob influecircncia de empreendimento de impacto socioeconocircmico cultural e
paisagiacutestico entre elas a da Vila de Ponta Negra17 Contudo passados 21
anos da vigecircncia do PDN 1994 e oito do PDN 2007 considera-se que apenas
17
NATAL Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o
Plano Diretor de Natal DOM Natal Mapa 04 Anexo II
1 2
a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral
Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma
discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os
objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o
avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees
urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)
e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou
dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo
entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute
objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho
V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra
1 A AEIS de Matildee Luiza
A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e
regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei
46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de
1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a
discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS
(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor
(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A
fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes
(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram
incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano
(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do
PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007
(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi
reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras
18
As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova
Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19
Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a
existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994
Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de
uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)
incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades
apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo
Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar
alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee
Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e
reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas
nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades
(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal
que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico
ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com
predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com
alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e
social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de
infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a
meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do
bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila
destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)
Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de
fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado
e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas
delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito
municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando
se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de
risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de
Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no
PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de
risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da
ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da
deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de
20
Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo
com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21
A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema
de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara
controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em
seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias
em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam
alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o
PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da
criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do
municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento
das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem
disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os
anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo
imobiliaacuteria
Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar
que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem
adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao
sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa
popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e
os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a
elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem
no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um
empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo
ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na
aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos
22
O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei
mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE
Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em
httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24
O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado
mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida
atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja
Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades
de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de
discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos
da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os
moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito
ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre
os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os
princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do
campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo
protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da
AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26
Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10
Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)
adaptado pelos autores
25
ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta
de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26
Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que
dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea
O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo
da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de
gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-
territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo
juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na
alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da
normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam
entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que
revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de
Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do
estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do
Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com
as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que
reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com
o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como
Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo
tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia
sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas
ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de
tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia
expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam
dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de
governo
Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com
a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade
da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave
resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do
municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo
das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da
ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o
conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno
com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque
Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e
proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade
Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se
apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo
sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das
situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da
favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das
dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo
PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem
contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo
gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas
ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e
com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo
ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias
institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do
movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus
interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza
Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da
favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no
processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam
pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas
remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco
tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na
proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os
objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos
estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de
Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto
conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos
territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees
nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)
Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
27
Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538
2 A AEIS da Vila de Ponta Negra
A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007
Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-
guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a
partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de
grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo
que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo
e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e
internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)
Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628
Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta
Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento
de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja
aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante
emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam
segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que
estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora
O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico
municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos
atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra
ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais
envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor
imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes
28
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento
urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123
das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo
cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007
no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses
representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os
princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso
desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A
ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -
batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e
que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29
Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do
resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos
A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser
encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do
direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute
uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas
precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do
Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar
da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea
Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8
(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda
natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de
gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade
Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao
papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local
da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam
numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de
pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens
culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao
conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com
uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e
29
Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30
De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no
mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo
apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria
pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees
acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos
adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos
com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como
AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas
principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se
opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua
regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de
fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou
negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo
de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida
natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com
moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser
submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios
fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores
da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com
ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo
Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta
Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa
numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta
Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06
que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei
municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem
estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do
Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea
ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e
estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do
31
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade
Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32
A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal
do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33
Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN
Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008
bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a
ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal
como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi
contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas
proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca
Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno
Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores
Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando
abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como
fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de
determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e
da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo
Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a
necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para
o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados
nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a
verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio
ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras
formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como
AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca
Praia de Ponta Negra
ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA
que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os
empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio
e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas
do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse
importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da
densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta
desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes
comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em
duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de
Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos
diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a
uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por
ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que
ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os
interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo
social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial
Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra
ZPA 06 - MORRO DO CARECA
ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)
BAIRRO PONTA NEGRA
ZONA DE AMORTECIMENTO
(ZA)
Praia de Ponta Negra
0m 50m 100m 200m
N
Morro do
Careca
01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca
03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento
06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca
05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca
04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo
Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth
VI Consideraccedilotildees Finais
Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves
relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos
protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto
devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm
estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994
tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas
estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees
especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo
apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)
No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor
imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo
de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de
acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades
especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia
de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de
expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se
realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal
por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao
novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse
novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o
desenvolvimento do trabalho
Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os
mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental
de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do
acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado
deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos
classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas
garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se
reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica
encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada
lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as
necessidades de morar na cidade
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dimensotildees (social e ambiental) incorporaram a natureza do interesse puacuteblico
Com base nesta abordagem os conflitos inicialmente tratados como conflitos
de terra e considerados principalmente pela luta ao acesso agrave moradia
adicionaram novas configuraccedilotildees novos atores e novas dimensotildees para o
problema Nessa configuraccedilatildeo os problemas relacionados com a posse de
terra urbana e o acesso agrave moradia na esfera puacuteblica tambeacutem passaram a ser
definidos como problemas ambientais
Segundo Ataiacutede (2013) um dos desafios do enfrentamento dos conflitos
socioambientais tem sido identificar como os diferentes atores sociais tecircm
efetivado suas accedilotildees relacionadas com o processo de ocupaccedilatildeo do solo dos
espaccedilos naturais tendo como referecircncia a manutenccedilatildeo do fortalecimento da
relaccedilatildeo entre o direito agrave moradia e os preceitos da proteccedilatildeo ambiental Tal
reflexatildeo se apoia no fato de que grande parte das situaccedilotildees de conflito se
manifesta em aacutereas caracterizadas por dualidades e ambiguidades e
evidenciam interesses de diversas naturezas seja em decorrecircncia da
inadequaccedilatildeo urbaniacutestica (parcelamento e tipologias ediliacutecias diferentes dos
padrotildees gerais da cidade) seja pelos aspectos ambientais (localizaccedilatildeo em
aacutereas ambientalmente fraacutegeis protegidas ou natildeo)11
Essa caracterizaccedilatildeo dual faz parte da complexidade da mateacuteria e a sua
compreensatildeo exige a consideraccedilatildeo da sua dimensatildeo histoacuterica na perspectiva
de reconstituir os conflitos e as accedilotildees de resistecircncia contra ameaccedilas de
supressatildeo de direitos Nesse sentido eacute que Andreacutea Zhouri (2007) chama a
atenccedilatildeo para o fato de que a proteccedilatildeo dos recursos naturais deve sempre ser
considerada de forma associada aos processos socioculturais especiacuteficos do
lugar e os conflitos socioambientais considerados como resultado das praacuteticas
e disputas de interesses na apropriaccedilatildeo desses recursos pelos distintos atores
Nesses processos o Estado tem legitimado as suas praacuteticas atraveacutes do
discurso da proteccedilatildeo ambiental que se tornou argumento de consenso dos
interesses dos diferentes setores sociais Por outro lado a compreensatildeo da
natureza desses conflitos tambeacutem depende do funcionamento do modelo de
poliacutetica urbana e ambiental a que estatildeo sujeitos A identificaccedilatildeo de
11
Traduccedilatildeo livre de Ruth Ataiacutede (2013 p 60) na sua Tese de doutorado Entre os autores que
orientam essa discussatildeo a autora destaca Andrea Zhouri (2007 y 2005) referidas Simone Polli (2010) y Silvana Mameri (2011)
convergecircncias e diferenccedilas entre essas duas dimensotildees da poliacutetica permite-
nos discutir estrateacutegias de planejamento urbano- ambiental aplicadas a estas
aacutereas A partir dessa identificaccedilatildeo e tomando como referecircncia estrutura de
Ataiacutede (2013) os conflitos satildeo analisados segundo duas dimensotildees a
institucional que se expressa nas estrateacutegias de gestatildeo e regulaccedilatildeo e a fiacutesico-
territorial que se expressa nas relaccedilotildees espaciais (sociais e ambientais)
No acircmbito institucional expresso nas estrateacutegias de regulaccedilatildeo e gestatildeo a
autora identifica pelo menos dois grupos de conflitos no primeiro grupo objeto
de reflexatildeo no trabalho incluem-se os que satildeo gerados no campo da proacutepria
formulaccedilatildeo da poliacutetica a partir das mudanccedilas na concepccedilatildeo do planejamento
(como previsatildeo ou desejo de uma situaccedilatildeo ideal) que foi substituiacuteda pela
concepccedilatildeo de gestatildeo que se baseia em uma accedilatildeo sobre os espaccedilos de uma
compreensatildeo das condiccedilotildees (sociais culturais poliacuteticas e econoacutemicas) reais
de sua produccedilatildeo e consumo Ou seja uma concepccedilatildeo da poliacutetica estruturada
no princiacutepio do reconhecimento da cidade existente e do planejamento como
um processo dinacircmico que reconhece as accedilotildees do homem sobre a produccedilatildeo
do espaccedilo (urbano ou rural) como expressatildeo legitima do vivido e este como
uma das suas partes inseparaacuteveis
O segundo grupo de conflitos que tambeacutem eacute dependente do primeiro eacute
resultado dos limites da accedilatildeo das esferas puacuteblicas e privadas Nesse sentido
a sua resoluccedilatildeo depende da criaccedilatildeo de novas articulaccedilotildees entre essas esferas
para alavancar o adequado funcionamento desses espaccedilos de mediaccedilatildeo
exigidos pela nova concepccedilatildeo da poliacutetica No estado atual de gestatildeo urbana e
ambiental os limites da accedilatildeo sobre os conflitos tecircm ganhado relevo quando
confrontados com a natureza do regime de propriedade das aacutereas protegidas
na maioria dos casos privada A natureza de uma suposta irregularidade
urbaniacutestica ou ambiental nesses espaccedilos se evidencia no cruzamento de
interesses e accedilotildees opostas sobre os mesmos No caso de Natal e do ponto de
vista da regulaccedilatildeo alguns desses espaccedilos como veremos adiante satildeo
definidos como zonas de proteccedilatildeo especial com base em duas perspectivas a
ambiental por meio de delimitaccedilotildees como Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental
(ZPAs) para as aacutereas ambientalmente fraacutegeis e a social por meio da
classificaccedilatildeo como Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) para os
assentamentos irregulares ou fraccedilotildees urbanas ocupadas pelas populaccedilotildees
mais pobres ou merecedoras de atenccedilatildeo especial em virtude das condiccedilotildees de
precariedade socioambiental
Neste debate destacamos o aspecto crucial do conflito e que estaacute na base
da matriz de sustentabilidade democraacutetica ou da justiccedila ambiental12 que
fundamentam o atual modelo de Poliacutetica Urbana brasileira Isto eacute realccedila a
necessidade de afinarmos a compreensatildeo sobre a noccedilatildeo de justiccedila espacial
na qual se insere a discussatildeo ora proposta sobre Natal a partir de duas das
suas fraccedilotildees territoriais consideradas simboacutelicas nos estudos sobre os conflitos
socioambientais o bairro (ou AEIS) de Matildee Luiza e a AEIS da Vila de Ponta
Negra Para entendermos o aparecimento desses conflitos conveacutem
retomarmos a breve anaacutelise sobre a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do solo do
municiacutepio Nesse sentido sublinhamos que esta ocupaccedilatildeo se desenvolveu
sobre um sitio geograacutefico com alta fragilidade ambiental caracterizado pela
presenccedila de ecossistemas primitivos como as dunas a vegetaccedilatildeo de
mangues as matas e as restingas aleacutem de uma diversidade de corpos drsquoaacutegua
que inclui lagoas e rios no seu interior e o Oceano Atlacircntico na sua feiccedilatildeo leste
com suas praias A maior parte das aacutereas caracterizadas por esses
componentes ambientais se manteve pouco alterada ateacute meados dos anos
1970 quando a ocupaccedilatildeo estava concentrada nos bairros centrais A partir de
entatildeo com o impulso do processo de urbanizaccedilatildeo e o avanccedilo dos debates da
consciecircncia mundial sobre a necessidade de conciliar o desenvolvimento
urbano com a preservaccedilatildeo dos recursos naturais evidenciaram-se o que hoje
denominamos ldquoconflitos espaciaisrdquo ou ldquoconflitos socioambientaisrdquo
Eacute fato que no caso do municiacutepio de Natal a caracterizaccedilatildeo fiacutesica referida
se aplica a todo o seu territoacuterio Entretanto ateacute a deacutecada de 1970 aleacutem da
ocupaccedilatildeo do solo ser de baixa intensidade demograacutefica e construtiva havia
pouca preocupaccedilatildeo quanto aos impactos da intensidade do processo de
urbanizaccedilatildeo no equiliacutebrio do ecossistema inclusive no acircmbito institucional
considerando que o municiacutepio a exemplo de outras realidades brasileiras
tambeacutem natildeo dispunha de instrumentos de controle urbaniacutestico e ambiental fato
12
Conceitos desenvolvidos por Henri Acselrad e outros autores que discutem as matrizes da
sustentabilidade nas poliacuteticas Ver a respeito ACSELRAD H (org) 2001 A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD Henri e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro
que contribuiu para o avanccedilo da ocupaccedilatildeo de forma dispersa em todas as
direccedilotildees do territoacuterio Estudos recentes sobre esse processo denotam o avanccedilo
dos impactos ambientais sobre territoacuterio municipal e as suas franjas
metropolitanas conforme consta no Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento
Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natalrdquo13 Nesse documento foram
demonstrados os efeitos do processo de urbanizaccedilatildeo com destaque para as
elevadas taxas de impermeabilizaccedilatildeo do solo a contaminaccedilatildeo das aguas
subterracircneas que abastecem a cidade e toda a regiatildeo e de outros corpos
drsquoagua incluindo o rio Potengi assim como para os problemas de alagamentos
e assoreamentos nas aacutereas vulneraacuteveis de erosatildeo costeira entre outros
A contribuiccedilatildeo dos assentamentos precaacuterios sobre o avanccedilo dessa forma
de ocupaccedilatildeo nas aacutereas ambientalmente fraacutegeis consiste no interesse principal
deste trabalho objeto de aprofundamento na quarta seccedilatildeo do trabalho a partir
da anaacutelise de duas fraccedilotildees Para tanto recuperamos os estudos recentes de
Ataiacutede (2013)14 sobre o tema quando realccedila a classificaccedilatildeo das condiccedilotildees de
risco e vulnerabilidade ambiental das 74 favelas existentes no municiacutepio
distribuiacutedos nas quatro regiotildees administrativas Entre essas algumas
localizados em Matildee Luiza e Ponta Negra apresentam condiccedilotildees de risco pela
relaccedilatildeo com os espaccedilos ambientalmente fraacutegeis como as dunas e as Aacutereas de
Preservaccedilatildeo Permanente(APPs)
IV Instrumentos e as dificuldades da sua efetivaccedilatildeo
Como referido anteriormente o municiacutepio de Natal tem feito esforccedilos para
efetivar o seu novo modelo de planejamento e gestatildeo urbana expresso no
Plano Diretor do municiacutepio que foi alccedilado agrave condiccedilatildeo de principal instrumento
13
O Plano (e o seu respectivo diagnostico) foi elaborado para fundamentar as estrateacutegias de
gestatildeo da RMNatal mas nunca se concretizou Ambos foram produzidos por uma equipe multidisciplinar e publicado em 2006 Plano tem como horizonte o ano de 2020 e contou na sua elaboraccedilatildeo com a Secretaria de Planejamento e Financcedilas do Governo Estadual a FADEUFPE e a FUNPECUFRN Ver FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN 2007 Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal Disponiacutevel em httpwwwnatalmetropolerngovbrdowloadsp2v3pdf acceso en 06 de Agosto de 2011 14
Nesses estudos a autora tomou como referecircncia o Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco
(PMRR) elaborado em 2008 que estabeleceu cinco criteacuterios para definir os graus de risco (0 a 5) dos assentamentos e que foram ser passiacutevel de deslizamento e erosatildeoassoreamento estar localizada sobre Dunas Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente (APPs) ou faixas de domiacutenio Ver a respeito SEMURBAQUATOLCONSULTORIA 2008 Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal
de desenvolvimento urbano desde a Constituiccedilatildeo Federal de 1998 e em
especial a partir da vigecircncia da Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano
denominada Estatuto da Cidade (Lei Federal nordm 102572001) em 2001 As
aacutereas de conflitos socioambientais objeto de anaacutelise ganharam evidecircncia a
partir desse marco normativo que orientando-se pelos princiacutepios da garantia
do direito agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado introduziu um conceito de
zoneamento territorial que realccedila as especificidades do municiacutepio a partir seu
tecido social e das suas caracteriacutesticas ambientais Nesse sentido estrutura-se
em duas escalas a macro que fundamenta a divisatildeo do territoacuterio em trecircs
grandes zonas Zona Adensaacutevel Zona de Adensamento Baacutesico e Zona de
Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA)15 a micro ou especiacutefica que possibilita a delimitaccedilatildeo
de fraccedilotildees do territoacuterio como merecedoras de tratamento urbaniacutestico e
ambiental diferenciado de forma correspondente aacutes suas condiccedilotildees de
precariedade urbaniacutestica e vulnerabilidade social e ou ambiental Essas aacutereas
denominadas de Aacutereas Especiais satildeo entendidas como ldquoporccedilotildees da Zona
Urbana situadas em zonas adensaacuteveis ou natildeo com destinaccedilatildeo especiacutefica ou
normas proacuteprias de uso e ocupaccedilatildeo do solordquo e classificadas em quatro
categorias Aacutereas de Controle de Gabarito (ACG) Aacutereas Especiais de Interesse
Social (AEIS) Aacutereas de Operaccedilatildeo Urbana (AOUR) Aacutereas Non Aedificand16
(Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20) As fraccedilotildees urbanas analisadas se
inserem na categoria Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) e alguns
conflitos se evidenciam nas relaccedilotildees com as Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental
localizadas no seu interior ou entorno
As duas categorias ZPAs foram instituiacutedas no Plano Diretor de 1994
como estrateacutegia de gestatildeo para assegurar as populaccedilotildees agrave garantia do direito
agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado nos termos definidos pela
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entretanto essas categorias ainda natildeo foram
regulamentadas na sua totalidade Objetivamente apenas as ZPAs tecircm sido
objeto de accedilotildees mais efetivas nessa direccedilatildeo considerando que entre as dez
15 Definida como a que se destina a ldquoproteccedilatildeo manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo dos aspectos
ambientais ecoloacutegicos paisagiacutesticos histoacutericos arqueoloacutegicos turiacutesticos culturais arquitetocircnicos e cientiacuteficos do municiacutepiordquo (Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 17) 16
NATAL Prefeitura Municipal Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20 Em NATAL
Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal
aacutereas assim classificadas 50 (cinco) jaacute tiveram seus processos de
regulamentaccedilatildeo concluiacutedos e outras cinco encontram-se em fase de debate
puacuteblico As ZPAs 06 e 10 que correspondem aos maciccedilos dunares de Ponta
Negra e Matildee Luiza respectivamente incluem-se neste segundo grupo Quanto
as AEIS embora tambeacutem instituiacutedas no mesmo marco normativo (1994) os
seus processos de regulamentaccedilatildeo natildeo avanccedilaram no mesmo ritmo que os
das ZPAs fato que ratifica ainda que por meio de tiacutemidas accedilotildees a primazia do
ambiental sobre o social no processo de gestatildeo urbana do municiacutepio (Figura 2)
Figura 2 ndash AEIS (1) e ZPAs (2) no PDN2007
Fonte Ataiacutede (2013 adaptado pelos autores)
Ressalte-se ainda que o instrumento AEIS foi ratificado e ampliado no
PDN2007 com o acreacutescimo de novas categorias e aacutereas Agraves favelas Vilas e
Loteamentos clandestinos foram acrescidas outras quatro categorias de AEIS
uma das quais aplicada agraves fraccedilotildees urbanas definidas como aacutereas que estatildeo
sob influecircncia de empreendimento de impacto socioeconocircmico cultural e
paisagiacutestico entre elas a da Vila de Ponta Negra17 Contudo passados 21
anos da vigecircncia do PDN 1994 e oito do PDN 2007 considera-se que apenas
17
NATAL Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o
Plano Diretor de Natal DOM Natal Mapa 04 Anexo II
1 2
a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral
Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma
discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os
objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o
avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees
urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)
e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou
dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo
entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute
objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho
V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra
1 A AEIS de Matildee Luiza
A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e
regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei
46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de
1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a
discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS
(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor
(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A
fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes
(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram
incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano
(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do
PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007
(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi
reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras
18
As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova
Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19
Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a
existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994
Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de
uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)
incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades
apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo
Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar
alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee
Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e
reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas
nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades
(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal
que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico
ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com
predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com
alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e
social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de
infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a
meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do
bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila
destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)
Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de
fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado
e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas
delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito
municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando
se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de
risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de
Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no
PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de
risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da
ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da
deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de
20
Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo
com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21
A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema
de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara
controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em
seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias
em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam
alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o
PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da
criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do
municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento
das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem
disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os
anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo
imobiliaacuteria
Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar
que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem
adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao
sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa
popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e
os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a
elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem
no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um
empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo
ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na
aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos
22
O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei
mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE
Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em
httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24
O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado
mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida
atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja
Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades
de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de
discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos
da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os
moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito
ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre
os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os
princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do
campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo
protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da
AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26
Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10
Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)
adaptado pelos autores
25
ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta
de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26
Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que
dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea
O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo
da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de
gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-
territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo
juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na
alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da
normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam
entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que
revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de
Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do
estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do
Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com
as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que
reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com
o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como
Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo
tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia
sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas
ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de
tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia
expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam
dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de
governo
Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com
a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade
da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave
resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do
municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo
das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da
ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o
conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno
com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque
Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e
proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade
Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se
apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo
sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das
situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da
favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das
dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo
PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem
contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo
gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas
ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e
com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo
ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias
institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do
movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus
interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza
Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da
favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no
processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam
pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas
remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco
tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na
proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os
objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos
estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de
Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto
conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos
territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees
nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)
Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
27
Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538
2 A AEIS da Vila de Ponta Negra
A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007
Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-
guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a
partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de
grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo
que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo
e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e
internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)
Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628
Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta
Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento
de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja
aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante
emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam
segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que
estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora
O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico
municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos
atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra
ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais
envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor
imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes
28
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento
urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123
das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo
cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007
no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses
representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os
princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso
desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A
ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -
batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e
que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29
Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do
resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos
A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser
encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do
direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute
uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas
precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do
Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar
da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea
Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8
(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda
natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de
gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade
Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao
papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local
da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam
numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de
pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens
culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao
conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com
uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e
29
Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30
De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no
mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo
apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria
pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees
acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos
adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos
com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como
AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas
principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se
opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua
regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de
fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou
negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo
de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida
natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com
moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser
submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios
fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores
da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com
ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo
Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta
Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa
numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta
Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06
que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei
municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem
estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do
Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea
ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e
estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do
31
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade
Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32
A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal
do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33
Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN
Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008
bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a
ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal
como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi
contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas
proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca
Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno
Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores
Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando
abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como
fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de
determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e
da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo
Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a
necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para
o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados
nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a
verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio
ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras
formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como
AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca
Praia de Ponta Negra
ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA
que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os
empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio
e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas
do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse
importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da
densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta
desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes
comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em
duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de
Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos
diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a
uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por
ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que
ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os
interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo
social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial
Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra
ZPA 06 - MORRO DO CARECA
ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)
BAIRRO PONTA NEGRA
ZONA DE AMORTECIMENTO
(ZA)
Praia de Ponta Negra
0m 50m 100m 200m
N
Morro do
Careca
01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca
03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento
06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca
05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca
04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo
Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth
VI Consideraccedilotildees Finais
Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves
relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos
protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto
devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm
estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994
tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas
estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees
especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo
apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)
No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor
imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo
de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de
acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades
especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia
de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de
expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se
realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal
por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao
novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse
novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o
desenvolvimento do trabalho
Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os
mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental
de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do
acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado
deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos
classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas
garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se
reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica
encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada
lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as
necessidades de morar na cidade
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convergecircncias e diferenccedilas entre essas duas dimensotildees da poliacutetica permite-
nos discutir estrateacutegias de planejamento urbano- ambiental aplicadas a estas
aacutereas A partir dessa identificaccedilatildeo e tomando como referecircncia estrutura de
Ataiacutede (2013) os conflitos satildeo analisados segundo duas dimensotildees a
institucional que se expressa nas estrateacutegias de gestatildeo e regulaccedilatildeo e a fiacutesico-
territorial que se expressa nas relaccedilotildees espaciais (sociais e ambientais)
No acircmbito institucional expresso nas estrateacutegias de regulaccedilatildeo e gestatildeo a
autora identifica pelo menos dois grupos de conflitos no primeiro grupo objeto
de reflexatildeo no trabalho incluem-se os que satildeo gerados no campo da proacutepria
formulaccedilatildeo da poliacutetica a partir das mudanccedilas na concepccedilatildeo do planejamento
(como previsatildeo ou desejo de uma situaccedilatildeo ideal) que foi substituiacuteda pela
concepccedilatildeo de gestatildeo que se baseia em uma accedilatildeo sobre os espaccedilos de uma
compreensatildeo das condiccedilotildees (sociais culturais poliacuteticas e econoacutemicas) reais
de sua produccedilatildeo e consumo Ou seja uma concepccedilatildeo da poliacutetica estruturada
no princiacutepio do reconhecimento da cidade existente e do planejamento como
um processo dinacircmico que reconhece as accedilotildees do homem sobre a produccedilatildeo
do espaccedilo (urbano ou rural) como expressatildeo legitima do vivido e este como
uma das suas partes inseparaacuteveis
O segundo grupo de conflitos que tambeacutem eacute dependente do primeiro eacute
resultado dos limites da accedilatildeo das esferas puacuteblicas e privadas Nesse sentido
a sua resoluccedilatildeo depende da criaccedilatildeo de novas articulaccedilotildees entre essas esferas
para alavancar o adequado funcionamento desses espaccedilos de mediaccedilatildeo
exigidos pela nova concepccedilatildeo da poliacutetica No estado atual de gestatildeo urbana e
ambiental os limites da accedilatildeo sobre os conflitos tecircm ganhado relevo quando
confrontados com a natureza do regime de propriedade das aacutereas protegidas
na maioria dos casos privada A natureza de uma suposta irregularidade
urbaniacutestica ou ambiental nesses espaccedilos se evidencia no cruzamento de
interesses e accedilotildees opostas sobre os mesmos No caso de Natal e do ponto de
vista da regulaccedilatildeo alguns desses espaccedilos como veremos adiante satildeo
definidos como zonas de proteccedilatildeo especial com base em duas perspectivas a
ambiental por meio de delimitaccedilotildees como Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental
(ZPAs) para as aacutereas ambientalmente fraacutegeis e a social por meio da
classificaccedilatildeo como Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) para os
assentamentos irregulares ou fraccedilotildees urbanas ocupadas pelas populaccedilotildees
mais pobres ou merecedoras de atenccedilatildeo especial em virtude das condiccedilotildees de
precariedade socioambiental
Neste debate destacamos o aspecto crucial do conflito e que estaacute na base
da matriz de sustentabilidade democraacutetica ou da justiccedila ambiental12 que
fundamentam o atual modelo de Poliacutetica Urbana brasileira Isto eacute realccedila a
necessidade de afinarmos a compreensatildeo sobre a noccedilatildeo de justiccedila espacial
na qual se insere a discussatildeo ora proposta sobre Natal a partir de duas das
suas fraccedilotildees territoriais consideradas simboacutelicas nos estudos sobre os conflitos
socioambientais o bairro (ou AEIS) de Matildee Luiza e a AEIS da Vila de Ponta
Negra Para entendermos o aparecimento desses conflitos conveacutem
retomarmos a breve anaacutelise sobre a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do solo do
municiacutepio Nesse sentido sublinhamos que esta ocupaccedilatildeo se desenvolveu
sobre um sitio geograacutefico com alta fragilidade ambiental caracterizado pela
presenccedila de ecossistemas primitivos como as dunas a vegetaccedilatildeo de
mangues as matas e as restingas aleacutem de uma diversidade de corpos drsquoaacutegua
que inclui lagoas e rios no seu interior e o Oceano Atlacircntico na sua feiccedilatildeo leste
com suas praias A maior parte das aacutereas caracterizadas por esses
componentes ambientais se manteve pouco alterada ateacute meados dos anos
1970 quando a ocupaccedilatildeo estava concentrada nos bairros centrais A partir de
entatildeo com o impulso do processo de urbanizaccedilatildeo e o avanccedilo dos debates da
consciecircncia mundial sobre a necessidade de conciliar o desenvolvimento
urbano com a preservaccedilatildeo dos recursos naturais evidenciaram-se o que hoje
denominamos ldquoconflitos espaciaisrdquo ou ldquoconflitos socioambientaisrdquo
Eacute fato que no caso do municiacutepio de Natal a caracterizaccedilatildeo fiacutesica referida
se aplica a todo o seu territoacuterio Entretanto ateacute a deacutecada de 1970 aleacutem da
ocupaccedilatildeo do solo ser de baixa intensidade demograacutefica e construtiva havia
pouca preocupaccedilatildeo quanto aos impactos da intensidade do processo de
urbanizaccedilatildeo no equiliacutebrio do ecossistema inclusive no acircmbito institucional
considerando que o municiacutepio a exemplo de outras realidades brasileiras
tambeacutem natildeo dispunha de instrumentos de controle urbaniacutestico e ambiental fato
12
Conceitos desenvolvidos por Henri Acselrad e outros autores que discutem as matrizes da
sustentabilidade nas poliacuteticas Ver a respeito ACSELRAD H (org) 2001 A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD Henri e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro
que contribuiu para o avanccedilo da ocupaccedilatildeo de forma dispersa em todas as
direccedilotildees do territoacuterio Estudos recentes sobre esse processo denotam o avanccedilo
dos impactos ambientais sobre territoacuterio municipal e as suas franjas
metropolitanas conforme consta no Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento
Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natalrdquo13 Nesse documento foram
demonstrados os efeitos do processo de urbanizaccedilatildeo com destaque para as
elevadas taxas de impermeabilizaccedilatildeo do solo a contaminaccedilatildeo das aguas
subterracircneas que abastecem a cidade e toda a regiatildeo e de outros corpos
drsquoagua incluindo o rio Potengi assim como para os problemas de alagamentos
e assoreamentos nas aacutereas vulneraacuteveis de erosatildeo costeira entre outros
A contribuiccedilatildeo dos assentamentos precaacuterios sobre o avanccedilo dessa forma
de ocupaccedilatildeo nas aacutereas ambientalmente fraacutegeis consiste no interesse principal
deste trabalho objeto de aprofundamento na quarta seccedilatildeo do trabalho a partir
da anaacutelise de duas fraccedilotildees Para tanto recuperamos os estudos recentes de
Ataiacutede (2013)14 sobre o tema quando realccedila a classificaccedilatildeo das condiccedilotildees de
risco e vulnerabilidade ambiental das 74 favelas existentes no municiacutepio
distribuiacutedos nas quatro regiotildees administrativas Entre essas algumas
localizados em Matildee Luiza e Ponta Negra apresentam condiccedilotildees de risco pela
relaccedilatildeo com os espaccedilos ambientalmente fraacutegeis como as dunas e as Aacutereas de
Preservaccedilatildeo Permanente(APPs)
IV Instrumentos e as dificuldades da sua efetivaccedilatildeo
Como referido anteriormente o municiacutepio de Natal tem feito esforccedilos para
efetivar o seu novo modelo de planejamento e gestatildeo urbana expresso no
Plano Diretor do municiacutepio que foi alccedilado agrave condiccedilatildeo de principal instrumento
13
O Plano (e o seu respectivo diagnostico) foi elaborado para fundamentar as estrateacutegias de
gestatildeo da RMNatal mas nunca se concretizou Ambos foram produzidos por uma equipe multidisciplinar e publicado em 2006 Plano tem como horizonte o ano de 2020 e contou na sua elaboraccedilatildeo com a Secretaria de Planejamento e Financcedilas do Governo Estadual a FADEUFPE e a FUNPECUFRN Ver FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN 2007 Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal Disponiacutevel em httpwwwnatalmetropolerngovbrdowloadsp2v3pdf acceso en 06 de Agosto de 2011 14
Nesses estudos a autora tomou como referecircncia o Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco
(PMRR) elaborado em 2008 que estabeleceu cinco criteacuterios para definir os graus de risco (0 a 5) dos assentamentos e que foram ser passiacutevel de deslizamento e erosatildeoassoreamento estar localizada sobre Dunas Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente (APPs) ou faixas de domiacutenio Ver a respeito SEMURBAQUATOLCONSULTORIA 2008 Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal
de desenvolvimento urbano desde a Constituiccedilatildeo Federal de 1998 e em
especial a partir da vigecircncia da Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano
denominada Estatuto da Cidade (Lei Federal nordm 102572001) em 2001 As
aacutereas de conflitos socioambientais objeto de anaacutelise ganharam evidecircncia a
partir desse marco normativo que orientando-se pelos princiacutepios da garantia
do direito agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado introduziu um conceito de
zoneamento territorial que realccedila as especificidades do municiacutepio a partir seu
tecido social e das suas caracteriacutesticas ambientais Nesse sentido estrutura-se
em duas escalas a macro que fundamenta a divisatildeo do territoacuterio em trecircs
grandes zonas Zona Adensaacutevel Zona de Adensamento Baacutesico e Zona de
Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA)15 a micro ou especiacutefica que possibilita a delimitaccedilatildeo
de fraccedilotildees do territoacuterio como merecedoras de tratamento urbaniacutestico e
ambiental diferenciado de forma correspondente aacutes suas condiccedilotildees de
precariedade urbaniacutestica e vulnerabilidade social e ou ambiental Essas aacutereas
denominadas de Aacutereas Especiais satildeo entendidas como ldquoporccedilotildees da Zona
Urbana situadas em zonas adensaacuteveis ou natildeo com destinaccedilatildeo especiacutefica ou
normas proacuteprias de uso e ocupaccedilatildeo do solordquo e classificadas em quatro
categorias Aacutereas de Controle de Gabarito (ACG) Aacutereas Especiais de Interesse
Social (AEIS) Aacutereas de Operaccedilatildeo Urbana (AOUR) Aacutereas Non Aedificand16
(Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20) As fraccedilotildees urbanas analisadas se
inserem na categoria Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) e alguns
conflitos se evidenciam nas relaccedilotildees com as Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental
localizadas no seu interior ou entorno
As duas categorias ZPAs foram instituiacutedas no Plano Diretor de 1994
como estrateacutegia de gestatildeo para assegurar as populaccedilotildees agrave garantia do direito
agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado nos termos definidos pela
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entretanto essas categorias ainda natildeo foram
regulamentadas na sua totalidade Objetivamente apenas as ZPAs tecircm sido
objeto de accedilotildees mais efetivas nessa direccedilatildeo considerando que entre as dez
15 Definida como a que se destina a ldquoproteccedilatildeo manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo dos aspectos
ambientais ecoloacutegicos paisagiacutesticos histoacutericos arqueoloacutegicos turiacutesticos culturais arquitetocircnicos e cientiacuteficos do municiacutepiordquo (Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 17) 16
NATAL Prefeitura Municipal Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20 Em NATAL
Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal
aacutereas assim classificadas 50 (cinco) jaacute tiveram seus processos de
regulamentaccedilatildeo concluiacutedos e outras cinco encontram-se em fase de debate
puacuteblico As ZPAs 06 e 10 que correspondem aos maciccedilos dunares de Ponta
Negra e Matildee Luiza respectivamente incluem-se neste segundo grupo Quanto
as AEIS embora tambeacutem instituiacutedas no mesmo marco normativo (1994) os
seus processos de regulamentaccedilatildeo natildeo avanccedilaram no mesmo ritmo que os
das ZPAs fato que ratifica ainda que por meio de tiacutemidas accedilotildees a primazia do
ambiental sobre o social no processo de gestatildeo urbana do municiacutepio (Figura 2)
Figura 2 ndash AEIS (1) e ZPAs (2) no PDN2007
Fonte Ataiacutede (2013 adaptado pelos autores)
Ressalte-se ainda que o instrumento AEIS foi ratificado e ampliado no
PDN2007 com o acreacutescimo de novas categorias e aacutereas Agraves favelas Vilas e
Loteamentos clandestinos foram acrescidas outras quatro categorias de AEIS
uma das quais aplicada agraves fraccedilotildees urbanas definidas como aacutereas que estatildeo
sob influecircncia de empreendimento de impacto socioeconocircmico cultural e
paisagiacutestico entre elas a da Vila de Ponta Negra17 Contudo passados 21
anos da vigecircncia do PDN 1994 e oito do PDN 2007 considera-se que apenas
17
NATAL Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o
Plano Diretor de Natal DOM Natal Mapa 04 Anexo II
1 2
a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral
Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma
discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os
objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o
avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees
urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)
e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou
dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo
entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute
objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho
V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra
1 A AEIS de Matildee Luiza
A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e
regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei
46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de
1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a
discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS
(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor
(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A
fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes
(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram
incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano
(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do
PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007
(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi
reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras
18
As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova
Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19
Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a
existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994
Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de
uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)
incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades
apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo
Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar
alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee
Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e
reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas
nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades
(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal
que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico
ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com
predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com
alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e
social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de
infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a
meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do
bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila
destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)
Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de
fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado
e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas
delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito
municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando
se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de
risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de
Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no
PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de
risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da
ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da
deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de
20
Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo
com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21
A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema
de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara
controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em
seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias
em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam
alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o
PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da
criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do
municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento
das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem
disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os
anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo
imobiliaacuteria
Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar
que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem
adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao
sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa
popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e
os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a
elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem
no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um
empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo
ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na
aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos
22
O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei
mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE
Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em
httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24
O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado
mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida
atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja
Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades
de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de
discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos
da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os
moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito
ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre
os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os
princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do
campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo
protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da
AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26
Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10
Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)
adaptado pelos autores
25
ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta
de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26
Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que
dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea
O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo
da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de
gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-
territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo
juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na
alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da
normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam
entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que
revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de
Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do
estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do
Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com
as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que
reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com
o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como
Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo
tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia
sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas
ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de
tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia
expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam
dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de
governo
Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com
a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade
da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave
resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do
municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo
das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da
ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o
conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno
com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque
Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e
proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade
Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se
apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo
sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das
situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da
favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das
dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo
PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem
contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo
gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas
ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e
com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo
ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias
institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do
movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus
interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza
Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da
favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no
processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam
pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas
remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco
tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na
proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os
objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos
estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de
Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto
conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos
territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees
nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)
Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
27
Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538
2 A AEIS da Vila de Ponta Negra
A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007
Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-
guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a
partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de
grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo
que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo
e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e
internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)
Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628
Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta
Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento
de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja
aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante
emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam
segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que
estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora
O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico
municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos
atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra
ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais
envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor
imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes
28
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento
urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123
das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo
cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007
no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses
representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os
princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso
desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A
ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -
batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e
que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29
Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do
resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos
A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser
encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do
direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute
uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas
precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do
Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar
da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea
Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8
(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda
natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de
gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade
Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao
papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local
da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam
numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de
pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens
culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao
conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com
uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e
29
Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30
De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no
mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo
apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria
pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees
acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos
adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos
com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como
AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas
principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se
opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua
regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de
fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou
negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo
de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida
natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com
moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser
submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios
fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores
da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com
ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo
Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta
Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa
numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta
Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06
que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei
municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem
estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do
Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea
ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e
estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do
31
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade
Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32
A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal
do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33
Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN
Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008
bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a
ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal
como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi
contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas
proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca
Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno
Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores
Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando
abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como
fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de
determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e
da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo
Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a
necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para
o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados
nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a
verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio
ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras
formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como
AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca
Praia de Ponta Negra
ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA
que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os
empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio
e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas
do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse
importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da
densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta
desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes
comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em
duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de
Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos
diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a
uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por
ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que
ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os
interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo
social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial
Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra
ZPA 06 - MORRO DO CARECA
ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)
BAIRRO PONTA NEGRA
ZONA DE AMORTECIMENTO
(ZA)
Praia de Ponta Negra
0m 50m 100m 200m
N
Morro do
Careca
01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca
03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento
06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca
05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca
04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo
Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth
VI Consideraccedilotildees Finais
Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves
relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos
protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto
devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm
estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994
tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas
estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees
especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo
apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)
No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor
imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo
de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de
acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades
especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia
de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de
expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se
realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal
por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao
novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse
novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o
desenvolvimento do trabalho
Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os
mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental
de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do
acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado
deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos
classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas
garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se
reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica
encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada
lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as
necessidades de morar na cidade
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mais pobres ou merecedoras de atenccedilatildeo especial em virtude das condiccedilotildees de
precariedade socioambiental
Neste debate destacamos o aspecto crucial do conflito e que estaacute na base
da matriz de sustentabilidade democraacutetica ou da justiccedila ambiental12 que
fundamentam o atual modelo de Poliacutetica Urbana brasileira Isto eacute realccedila a
necessidade de afinarmos a compreensatildeo sobre a noccedilatildeo de justiccedila espacial
na qual se insere a discussatildeo ora proposta sobre Natal a partir de duas das
suas fraccedilotildees territoriais consideradas simboacutelicas nos estudos sobre os conflitos
socioambientais o bairro (ou AEIS) de Matildee Luiza e a AEIS da Vila de Ponta
Negra Para entendermos o aparecimento desses conflitos conveacutem
retomarmos a breve anaacutelise sobre a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do solo do
municiacutepio Nesse sentido sublinhamos que esta ocupaccedilatildeo se desenvolveu
sobre um sitio geograacutefico com alta fragilidade ambiental caracterizado pela
presenccedila de ecossistemas primitivos como as dunas a vegetaccedilatildeo de
mangues as matas e as restingas aleacutem de uma diversidade de corpos drsquoaacutegua
que inclui lagoas e rios no seu interior e o Oceano Atlacircntico na sua feiccedilatildeo leste
com suas praias A maior parte das aacutereas caracterizadas por esses
componentes ambientais se manteve pouco alterada ateacute meados dos anos
1970 quando a ocupaccedilatildeo estava concentrada nos bairros centrais A partir de
entatildeo com o impulso do processo de urbanizaccedilatildeo e o avanccedilo dos debates da
consciecircncia mundial sobre a necessidade de conciliar o desenvolvimento
urbano com a preservaccedilatildeo dos recursos naturais evidenciaram-se o que hoje
denominamos ldquoconflitos espaciaisrdquo ou ldquoconflitos socioambientaisrdquo
Eacute fato que no caso do municiacutepio de Natal a caracterizaccedilatildeo fiacutesica referida
se aplica a todo o seu territoacuterio Entretanto ateacute a deacutecada de 1970 aleacutem da
ocupaccedilatildeo do solo ser de baixa intensidade demograacutefica e construtiva havia
pouca preocupaccedilatildeo quanto aos impactos da intensidade do processo de
urbanizaccedilatildeo no equiliacutebrio do ecossistema inclusive no acircmbito institucional
considerando que o municiacutepio a exemplo de outras realidades brasileiras
tambeacutem natildeo dispunha de instrumentos de controle urbaniacutestico e ambiental fato
12
Conceitos desenvolvidos por Henri Acselrad e outros autores que discutem as matrizes da
sustentabilidade nas poliacuteticas Ver a respeito ACSELRAD H (org) 2001 A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD Henri e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro
que contribuiu para o avanccedilo da ocupaccedilatildeo de forma dispersa em todas as
direccedilotildees do territoacuterio Estudos recentes sobre esse processo denotam o avanccedilo
dos impactos ambientais sobre territoacuterio municipal e as suas franjas
metropolitanas conforme consta no Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento
Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natalrdquo13 Nesse documento foram
demonstrados os efeitos do processo de urbanizaccedilatildeo com destaque para as
elevadas taxas de impermeabilizaccedilatildeo do solo a contaminaccedilatildeo das aguas
subterracircneas que abastecem a cidade e toda a regiatildeo e de outros corpos
drsquoagua incluindo o rio Potengi assim como para os problemas de alagamentos
e assoreamentos nas aacutereas vulneraacuteveis de erosatildeo costeira entre outros
A contribuiccedilatildeo dos assentamentos precaacuterios sobre o avanccedilo dessa forma
de ocupaccedilatildeo nas aacutereas ambientalmente fraacutegeis consiste no interesse principal
deste trabalho objeto de aprofundamento na quarta seccedilatildeo do trabalho a partir
da anaacutelise de duas fraccedilotildees Para tanto recuperamos os estudos recentes de
Ataiacutede (2013)14 sobre o tema quando realccedila a classificaccedilatildeo das condiccedilotildees de
risco e vulnerabilidade ambiental das 74 favelas existentes no municiacutepio
distribuiacutedos nas quatro regiotildees administrativas Entre essas algumas
localizados em Matildee Luiza e Ponta Negra apresentam condiccedilotildees de risco pela
relaccedilatildeo com os espaccedilos ambientalmente fraacutegeis como as dunas e as Aacutereas de
Preservaccedilatildeo Permanente(APPs)
IV Instrumentos e as dificuldades da sua efetivaccedilatildeo
Como referido anteriormente o municiacutepio de Natal tem feito esforccedilos para
efetivar o seu novo modelo de planejamento e gestatildeo urbana expresso no
Plano Diretor do municiacutepio que foi alccedilado agrave condiccedilatildeo de principal instrumento
13
O Plano (e o seu respectivo diagnostico) foi elaborado para fundamentar as estrateacutegias de
gestatildeo da RMNatal mas nunca se concretizou Ambos foram produzidos por uma equipe multidisciplinar e publicado em 2006 Plano tem como horizonte o ano de 2020 e contou na sua elaboraccedilatildeo com a Secretaria de Planejamento e Financcedilas do Governo Estadual a FADEUFPE e a FUNPECUFRN Ver FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN 2007 Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal Disponiacutevel em httpwwwnatalmetropolerngovbrdowloadsp2v3pdf acceso en 06 de Agosto de 2011 14
Nesses estudos a autora tomou como referecircncia o Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco
(PMRR) elaborado em 2008 que estabeleceu cinco criteacuterios para definir os graus de risco (0 a 5) dos assentamentos e que foram ser passiacutevel de deslizamento e erosatildeoassoreamento estar localizada sobre Dunas Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente (APPs) ou faixas de domiacutenio Ver a respeito SEMURBAQUATOLCONSULTORIA 2008 Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal
de desenvolvimento urbano desde a Constituiccedilatildeo Federal de 1998 e em
especial a partir da vigecircncia da Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano
denominada Estatuto da Cidade (Lei Federal nordm 102572001) em 2001 As
aacutereas de conflitos socioambientais objeto de anaacutelise ganharam evidecircncia a
partir desse marco normativo que orientando-se pelos princiacutepios da garantia
do direito agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado introduziu um conceito de
zoneamento territorial que realccedila as especificidades do municiacutepio a partir seu
tecido social e das suas caracteriacutesticas ambientais Nesse sentido estrutura-se
em duas escalas a macro que fundamenta a divisatildeo do territoacuterio em trecircs
grandes zonas Zona Adensaacutevel Zona de Adensamento Baacutesico e Zona de
Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA)15 a micro ou especiacutefica que possibilita a delimitaccedilatildeo
de fraccedilotildees do territoacuterio como merecedoras de tratamento urbaniacutestico e
ambiental diferenciado de forma correspondente aacutes suas condiccedilotildees de
precariedade urbaniacutestica e vulnerabilidade social e ou ambiental Essas aacutereas
denominadas de Aacutereas Especiais satildeo entendidas como ldquoporccedilotildees da Zona
Urbana situadas em zonas adensaacuteveis ou natildeo com destinaccedilatildeo especiacutefica ou
normas proacuteprias de uso e ocupaccedilatildeo do solordquo e classificadas em quatro
categorias Aacutereas de Controle de Gabarito (ACG) Aacutereas Especiais de Interesse
Social (AEIS) Aacutereas de Operaccedilatildeo Urbana (AOUR) Aacutereas Non Aedificand16
(Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20) As fraccedilotildees urbanas analisadas se
inserem na categoria Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) e alguns
conflitos se evidenciam nas relaccedilotildees com as Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental
localizadas no seu interior ou entorno
As duas categorias ZPAs foram instituiacutedas no Plano Diretor de 1994
como estrateacutegia de gestatildeo para assegurar as populaccedilotildees agrave garantia do direito
agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado nos termos definidos pela
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entretanto essas categorias ainda natildeo foram
regulamentadas na sua totalidade Objetivamente apenas as ZPAs tecircm sido
objeto de accedilotildees mais efetivas nessa direccedilatildeo considerando que entre as dez
15 Definida como a que se destina a ldquoproteccedilatildeo manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo dos aspectos
ambientais ecoloacutegicos paisagiacutesticos histoacutericos arqueoloacutegicos turiacutesticos culturais arquitetocircnicos e cientiacuteficos do municiacutepiordquo (Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 17) 16
NATAL Prefeitura Municipal Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20 Em NATAL
Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal
aacutereas assim classificadas 50 (cinco) jaacute tiveram seus processos de
regulamentaccedilatildeo concluiacutedos e outras cinco encontram-se em fase de debate
puacuteblico As ZPAs 06 e 10 que correspondem aos maciccedilos dunares de Ponta
Negra e Matildee Luiza respectivamente incluem-se neste segundo grupo Quanto
as AEIS embora tambeacutem instituiacutedas no mesmo marco normativo (1994) os
seus processos de regulamentaccedilatildeo natildeo avanccedilaram no mesmo ritmo que os
das ZPAs fato que ratifica ainda que por meio de tiacutemidas accedilotildees a primazia do
ambiental sobre o social no processo de gestatildeo urbana do municiacutepio (Figura 2)
Figura 2 ndash AEIS (1) e ZPAs (2) no PDN2007
Fonte Ataiacutede (2013 adaptado pelos autores)
Ressalte-se ainda que o instrumento AEIS foi ratificado e ampliado no
PDN2007 com o acreacutescimo de novas categorias e aacutereas Agraves favelas Vilas e
Loteamentos clandestinos foram acrescidas outras quatro categorias de AEIS
uma das quais aplicada agraves fraccedilotildees urbanas definidas como aacutereas que estatildeo
sob influecircncia de empreendimento de impacto socioeconocircmico cultural e
paisagiacutestico entre elas a da Vila de Ponta Negra17 Contudo passados 21
anos da vigecircncia do PDN 1994 e oito do PDN 2007 considera-se que apenas
17
NATAL Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o
Plano Diretor de Natal DOM Natal Mapa 04 Anexo II
1 2
a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral
Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma
discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os
objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o
avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees
urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)
e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou
dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo
entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute
objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho
V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra
1 A AEIS de Matildee Luiza
A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e
regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei
46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de
1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a
discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS
(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor
(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A
fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes
(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram
incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano
(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do
PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007
(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi
reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras
18
As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova
Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19
Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a
existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994
Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de
uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)
incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades
apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo
Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar
alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee
Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e
reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas
nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades
(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal
que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico
ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com
predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com
alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e
social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de
infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a
meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do
bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila
destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)
Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de
fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado
e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas
delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito
municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando
se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de
risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de
Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no
PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de
risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da
ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da
deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de
20
Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo
com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21
A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema
de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara
controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em
seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias
em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam
alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o
PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da
criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do
municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento
das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem
disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os
anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo
imobiliaacuteria
Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar
que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem
adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao
sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa
popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e
os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a
elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem
no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um
empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo
ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na
aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos
22
O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei
mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE
Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em
httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24
O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado
mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida
atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja
Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades
de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de
discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos
da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os
moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito
ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre
os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os
princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do
campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo
protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da
AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26
Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10
Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)
adaptado pelos autores
25
ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta
de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26
Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que
dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea
O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo
da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de
gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-
territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo
juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na
alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da
normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam
entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que
revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de
Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do
estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do
Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com
as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que
reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com
o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como
Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo
tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia
sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas
ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de
tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia
expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam
dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de
governo
Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com
a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade
da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave
resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do
municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo
das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da
ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o
conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno
com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque
Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e
proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade
Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se
apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo
sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das
situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da
favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das
dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo
PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem
contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo
gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas
ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e
com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo
ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias
institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do
movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus
interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza
Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da
favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no
processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam
pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas
remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco
tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na
proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os
objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos
estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de
Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto
conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos
territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees
nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)
Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
27
Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538
2 A AEIS da Vila de Ponta Negra
A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007
Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-
guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a
partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de
grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo
que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo
e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e
internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)
Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628
Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta
Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento
de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja
aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante
emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam
segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que
estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora
O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico
municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos
atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra
ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais
envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor
imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes
28
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento
urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123
das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo
cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007
no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses
representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os
princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso
desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A
ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -
batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e
que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29
Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do
resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos
A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser
encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do
direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute
uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas
precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do
Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar
da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea
Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8
(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda
natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de
gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade
Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao
papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local
da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam
numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de
pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens
culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao
conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com
uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e
29
Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30
De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no
mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo
apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria
pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees
acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos
adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos
com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como
AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas
principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se
opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua
regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de
fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou
negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo
de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida
natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com
moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser
submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios
fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores
da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com
ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo
Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta
Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa
numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta
Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06
que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei
municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem
estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do
Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea
ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e
estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do
31
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade
Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32
A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal
do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33
Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN
Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008
bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a
ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal
como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi
contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas
proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca
Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno
Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores
Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando
abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como
fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de
determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e
da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo
Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a
necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para
o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados
nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a
verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio
ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras
formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como
AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca
Praia de Ponta Negra
ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA
que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os
empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio
e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas
do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse
importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da
densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta
desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes
comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em
duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de
Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos
diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a
uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por
ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que
ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os
interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo
social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial
Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra
ZPA 06 - MORRO DO CARECA
ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)
BAIRRO PONTA NEGRA
ZONA DE AMORTECIMENTO
(ZA)
Praia de Ponta Negra
0m 50m 100m 200m
N
Morro do
Careca
01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca
03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento
06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca
05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca
04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo
Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth
VI Consideraccedilotildees Finais
Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves
relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos
protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto
devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm
estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994
tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas
estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees
especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo
apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)
No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor
imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo
de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de
acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades
especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia
de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de
expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se
realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal
por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao
novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse
novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o
desenvolvimento do trabalho
Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os
mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental
de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do
acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado
deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos
classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas
garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se
reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica
encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada
lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as
necessidades de morar na cidade
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que contribuiu para o avanccedilo da ocupaccedilatildeo de forma dispersa em todas as
direccedilotildees do territoacuterio Estudos recentes sobre esse processo denotam o avanccedilo
dos impactos ambientais sobre territoacuterio municipal e as suas franjas
metropolitanas conforme consta no Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento
Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natalrdquo13 Nesse documento foram
demonstrados os efeitos do processo de urbanizaccedilatildeo com destaque para as
elevadas taxas de impermeabilizaccedilatildeo do solo a contaminaccedilatildeo das aguas
subterracircneas que abastecem a cidade e toda a regiatildeo e de outros corpos
drsquoagua incluindo o rio Potengi assim como para os problemas de alagamentos
e assoreamentos nas aacutereas vulneraacuteveis de erosatildeo costeira entre outros
A contribuiccedilatildeo dos assentamentos precaacuterios sobre o avanccedilo dessa forma
de ocupaccedilatildeo nas aacutereas ambientalmente fraacutegeis consiste no interesse principal
deste trabalho objeto de aprofundamento na quarta seccedilatildeo do trabalho a partir
da anaacutelise de duas fraccedilotildees Para tanto recuperamos os estudos recentes de
Ataiacutede (2013)14 sobre o tema quando realccedila a classificaccedilatildeo das condiccedilotildees de
risco e vulnerabilidade ambiental das 74 favelas existentes no municiacutepio
distribuiacutedos nas quatro regiotildees administrativas Entre essas algumas
localizados em Matildee Luiza e Ponta Negra apresentam condiccedilotildees de risco pela
relaccedilatildeo com os espaccedilos ambientalmente fraacutegeis como as dunas e as Aacutereas de
Preservaccedilatildeo Permanente(APPs)
IV Instrumentos e as dificuldades da sua efetivaccedilatildeo
Como referido anteriormente o municiacutepio de Natal tem feito esforccedilos para
efetivar o seu novo modelo de planejamento e gestatildeo urbana expresso no
Plano Diretor do municiacutepio que foi alccedilado agrave condiccedilatildeo de principal instrumento
13
O Plano (e o seu respectivo diagnostico) foi elaborado para fundamentar as estrateacutegias de
gestatildeo da RMNatal mas nunca se concretizou Ambos foram produzidos por uma equipe multidisciplinar e publicado em 2006 Plano tem como horizonte o ano de 2020 e contou na sua elaboraccedilatildeo com a Secretaria de Planejamento e Financcedilas do Governo Estadual a FADEUFPE e a FUNPECUFRN Ver FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN 2007 Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal Disponiacutevel em httpwwwnatalmetropolerngovbrdowloadsp2v3pdf acceso en 06 de Agosto de 2011 14
Nesses estudos a autora tomou como referecircncia o Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco
(PMRR) elaborado em 2008 que estabeleceu cinco criteacuterios para definir os graus de risco (0 a 5) dos assentamentos e que foram ser passiacutevel de deslizamento e erosatildeoassoreamento estar localizada sobre Dunas Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente (APPs) ou faixas de domiacutenio Ver a respeito SEMURBAQUATOLCONSULTORIA 2008 Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal
de desenvolvimento urbano desde a Constituiccedilatildeo Federal de 1998 e em
especial a partir da vigecircncia da Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano
denominada Estatuto da Cidade (Lei Federal nordm 102572001) em 2001 As
aacutereas de conflitos socioambientais objeto de anaacutelise ganharam evidecircncia a
partir desse marco normativo que orientando-se pelos princiacutepios da garantia
do direito agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado introduziu um conceito de
zoneamento territorial que realccedila as especificidades do municiacutepio a partir seu
tecido social e das suas caracteriacutesticas ambientais Nesse sentido estrutura-se
em duas escalas a macro que fundamenta a divisatildeo do territoacuterio em trecircs
grandes zonas Zona Adensaacutevel Zona de Adensamento Baacutesico e Zona de
Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA)15 a micro ou especiacutefica que possibilita a delimitaccedilatildeo
de fraccedilotildees do territoacuterio como merecedoras de tratamento urbaniacutestico e
ambiental diferenciado de forma correspondente aacutes suas condiccedilotildees de
precariedade urbaniacutestica e vulnerabilidade social e ou ambiental Essas aacutereas
denominadas de Aacutereas Especiais satildeo entendidas como ldquoporccedilotildees da Zona
Urbana situadas em zonas adensaacuteveis ou natildeo com destinaccedilatildeo especiacutefica ou
normas proacuteprias de uso e ocupaccedilatildeo do solordquo e classificadas em quatro
categorias Aacutereas de Controle de Gabarito (ACG) Aacutereas Especiais de Interesse
Social (AEIS) Aacutereas de Operaccedilatildeo Urbana (AOUR) Aacutereas Non Aedificand16
(Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20) As fraccedilotildees urbanas analisadas se
inserem na categoria Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) e alguns
conflitos se evidenciam nas relaccedilotildees com as Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental
localizadas no seu interior ou entorno
As duas categorias ZPAs foram instituiacutedas no Plano Diretor de 1994
como estrateacutegia de gestatildeo para assegurar as populaccedilotildees agrave garantia do direito
agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado nos termos definidos pela
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entretanto essas categorias ainda natildeo foram
regulamentadas na sua totalidade Objetivamente apenas as ZPAs tecircm sido
objeto de accedilotildees mais efetivas nessa direccedilatildeo considerando que entre as dez
15 Definida como a que se destina a ldquoproteccedilatildeo manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo dos aspectos
ambientais ecoloacutegicos paisagiacutesticos histoacutericos arqueoloacutegicos turiacutesticos culturais arquitetocircnicos e cientiacuteficos do municiacutepiordquo (Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 17) 16
NATAL Prefeitura Municipal Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20 Em NATAL
Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal
aacutereas assim classificadas 50 (cinco) jaacute tiveram seus processos de
regulamentaccedilatildeo concluiacutedos e outras cinco encontram-se em fase de debate
puacuteblico As ZPAs 06 e 10 que correspondem aos maciccedilos dunares de Ponta
Negra e Matildee Luiza respectivamente incluem-se neste segundo grupo Quanto
as AEIS embora tambeacutem instituiacutedas no mesmo marco normativo (1994) os
seus processos de regulamentaccedilatildeo natildeo avanccedilaram no mesmo ritmo que os
das ZPAs fato que ratifica ainda que por meio de tiacutemidas accedilotildees a primazia do
ambiental sobre o social no processo de gestatildeo urbana do municiacutepio (Figura 2)
Figura 2 ndash AEIS (1) e ZPAs (2) no PDN2007
Fonte Ataiacutede (2013 adaptado pelos autores)
Ressalte-se ainda que o instrumento AEIS foi ratificado e ampliado no
PDN2007 com o acreacutescimo de novas categorias e aacutereas Agraves favelas Vilas e
Loteamentos clandestinos foram acrescidas outras quatro categorias de AEIS
uma das quais aplicada agraves fraccedilotildees urbanas definidas como aacutereas que estatildeo
sob influecircncia de empreendimento de impacto socioeconocircmico cultural e
paisagiacutestico entre elas a da Vila de Ponta Negra17 Contudo passados 21
anos da vigecircncia do PDN 1994 e oito do PDN 2007 considera-se que apenas
17
NATAL Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o
Plano Diretor de Natal DOM Natal Mapa 04 Anexo II
1 2
a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral
Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma
discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os
objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o
avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees
urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)
e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou
dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo
entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute
objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho
V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra
1 A AEIS de Matildee Luiza
A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e
regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei
46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de
1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a
discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS
(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor
(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A
fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes
(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram
incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano
(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do
PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007
(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi
reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras
18
As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova
Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19
Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a
existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994
Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de
uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)
incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades
apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo
Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar
alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee
Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e
reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas
nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades
(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal
que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico
ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com
predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com
alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e
social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de
infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a
meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do
bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila
destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)
Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de
fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado
e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas
delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito
municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando
se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de
risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de
Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no
PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de
risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da
ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da
deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de
20
Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo
com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21
A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema
de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara
controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em
seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias
em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam
alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o
PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da
criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do
municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento
das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem
disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os
anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo
imobiliaacuteria
Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar
que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem
adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao
sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa
popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e
os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a
elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem
no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um
empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo
ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na
aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos
22
O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei
mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE
Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em
httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24
O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado
mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida
atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja
Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades
de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de
discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos
da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os
moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito
ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre
os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os
princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do
campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo
protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da
AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26
Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10
Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)
adaptado pelos autores
25
ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta
de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26
Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que
dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea
O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo
da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de
gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-
territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo
juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na
alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da
normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam
entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que
revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de
Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do
estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do
Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com
as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que
reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com
o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como
Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo
tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia
sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas
ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de
tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia
expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam
dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de
governo
Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com
a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade
da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave
resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do
municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo
das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da
ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o
conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno
com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque
Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e
proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade
Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se
apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo
sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das
situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da
favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das
dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo
PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem
contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo
gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas
ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e
com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo
ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias
institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do
movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus
interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza
Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da
favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no
processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam
pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas
remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco
tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na
proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os
objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos
estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de
Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto
conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos
territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees
nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)
Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
27
Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538
2 A AEIS da Vila de Ponta Negra
A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007
Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-
guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a
partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de
grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo
que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo
e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e
internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)
Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628
Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta
Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento
de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja
aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante
emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam
segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que
estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora
O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico
municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos
atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra
ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais
envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor
imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes
28
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento
urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123
das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo
cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007
no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses
representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os
princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso
desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A
ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -
batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e
que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29
Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do
resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos
A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser
encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do
direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute
uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas
precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do
Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar
da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea
Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8
(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda
natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de
gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade
Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao
papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local
da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam
numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de
pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens
culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao
conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com
uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e
29
Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30
De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no
mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo
apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria
pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees
acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos
adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos
com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como
AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas
principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se
opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua
regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de
fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou
negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo
de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida
natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com
moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser
submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios
fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores
da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com
ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo
Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta
Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa
numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta
Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06
que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei
municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem
estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do
Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea
ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e
estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do
31
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade
Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32
A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal
do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33
Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN
Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008
bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a
ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal
como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi
contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas
proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca
Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno
Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores
Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando
abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como
fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de
determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e
da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo
Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a
necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para
o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados
nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a
verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio
ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras
formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como
AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca
Praia de Ponta Negra
ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA
que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os
empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio
e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas
do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse
importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da
densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta
desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes
comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em
duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de
Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos
diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a
uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por
ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que
ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os
interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo
social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial
Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra
ZPA 06 - MORRO DO CARECA
ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)
BAIRRO PONTA NEGRA
ZONA DE AMORTECIMENTO
(ZA)
Praia de Ponta Negra
0m 50m 100m 200m
N
Morro do
Careca
01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca
03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento
06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca
05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca
04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo
Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth
VI Consideraccedilotildees Finais
Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves
relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos
protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto
devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm
estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994
tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas
estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees
especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo
apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)
No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor
imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo
de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de
acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades
especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia
de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de
expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se
realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal
por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao
novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse
novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o
desenvolvimento do trabalho
Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os
mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental
de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do
acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado
deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos
classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas
garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se
reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica
encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada
lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as
necessidades de morar na cidade
Referecircncias bibliograacuteficas
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de desenvolvimento urbano desde a Constituiccedilatildeo Federal de 1998 e em
especial a partir da vigecircncia da Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano
denominada Estatuto da Cidade (Lei Federal nordm 102572001) em 2001 As
aacutereas de conflitos socioambientais objeto de anaacutelise ganharam evidecircncia a
partir desse marco normativo que orientando-se pelos princiacutepios da garantia
do direito agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado introduziu um conceito de
zoneamento territorial que realccedila as especificidades do municiacutepio a partir seu
tecido social e das suas caracteriacutesticas ambientais Nesse sentido estrutura-se
em duas escalas a macro que fundamenta a divisatildeo do territoacuterio em trecircs
grandes zonas Zona Adensaacutevel Zona de Adensamento Baacutesico e Zona de
Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA)15 a micro ou especiacutefica que possibilita a delimitaccedilatildeo
de fraccedilotildees do territoacuterio como merecedoras de tratamento urbaniacutestico e
ambiental diferenciado de forma correspondente aacutes suas condiccedilotildees de
precariedade urbaniacutestica e vulnerabilidade social e ou ambiental Essas aacutereas
denominadas de Aacutereas Especiais satildeo entendidas como ldquoporccedilotildees da Zona
Urbana situadas em zonas adensaacuteveis ou natildeo com destinaccedilatildeo especiacutefica ou
normas proacuteprias de uso e ocupaccedilatildeo do solordquo e classificadas em quatro
categorias Aacutereas de Controle de Gabarito (ACG) Aacutereas Especiais de Interesse
Social (AEIS) Aacutereas de Operaccedilatildeo Urbana (AOUR) Aacutereas Non Aedificand16
(Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20) As fraccedilotildees urbanas analisadas se
inserem na categoria Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) e alguns
conflitos se evidenciam nas relaccedilotildees com as Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental
localizadas no seu interior ou entorno
As duas categorias ZPAs foram instituiacutedas no Plano Diretor de 1994
como estrateacutegia de gestatildeo para assegurar as populaccedilotildees agrave garantia do direito
agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado nos termos definidos pela
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entretanto essas categorias ainda natildeo foram
regulamentadas na sua totalidade Objetivamente apenas as ZPAs tecircm sido
objeto de accedilotildees mais efetivas nessa direccedilatildeo considerando que entre as dez
15 Definida como a que se destina a ldquoproteccedilatildeo manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo dos aspectos
ambientais ecoloacutegicos paisagiacutesticos histoacutericos arqueoloacutegicos turiacutesticos culturais arquitetocircnicos e cientiacuteficos do municiacutepiordquo (Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 17) 16
NATAL Prefeitura Municipal Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20 Em NATAL
Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal
aacutereas assim classificadas 50 (cinco) jaacute tiveram seus processos de
regulamentaccedilatildeo concluiacutedos e outras cinco encontram-se em fase de debate
puacuteblico As ZPAs 06 e 10 que correspondem aos maciccedilos dunares de Ponta
Negra e Matildee Luiza respectivamente incluem-se neste segundo grupo Quanto
as AEIS embora tambeacutem instituiacutedas no mesmo marco normativo (1994) os
seus processos de regulamentaccedilatildeo natildeo avanccedilaram no mesmo ritmo que os
das ZPAs fato que ratifica ainda que por meio de tiacutemidas accedilotildees a primazia do
ambiental sobre o social no processo de gestatildeo urbana do municiacutepio (Figura 2)
Figura 2 ndash AEIS (1) e ZPAs (2) no PDN2007
Fonte Ataiacutede (2013 adaptado pelos autores)
Ressalte-se ainda que o instrumento AEIS foi ratificado e ampliado no
PDN2007 com o acreacutescimo de novas categorias e aacutereas Agraves favelas Vilas e
Loteamentos clandestinos foram acrescidas outras quatro categorias de AEIS
uma das quais aplicada agraves fraccedilotildees urbanas definidas como aacutereas que estatildeo
sob influecircncia de empreendimento de impacto socioeconocircmico cultural e
paisagiacutestico entre elas a da Vila de Ponta Negra17 Contudo passados 21
anos da vigecircncia do PDN 1994 e oito do PDN 2007 considera-se que apenas
17
NATAL Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o
Plano Diretor de Natal DOM Natal Mapa 04 Anexo II
1 2
a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral
Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma
discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os
objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o
avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees
urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)
e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou
dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo
entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute
objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho
V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra
1 A AEIS de Matildee Luiza
A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e
regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei
46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de
1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a
discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS
(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor
(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A
fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes
(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram
incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano
(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do
PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007
(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi
reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras
18
As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova
Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19
Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a
existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994
Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de
uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)
incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades
apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo
Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar
alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee
Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e
reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas
nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades
(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal
que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico
ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com
predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com
alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e
social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de
infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a
meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do
bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila
destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)
Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de
fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado
e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas
delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito
municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando
se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de
risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de
Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no
PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de
risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da
ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da
deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de
20
Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo
com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21
A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema
de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara
controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em
seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias
em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam
alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o
PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da
criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do
municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento
das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem
disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os
anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo
imobiliaacuteria
Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar
que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem
adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao
sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa
popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e
os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a
elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem
no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um
empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo
ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na
aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos
22
O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei
mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE
Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em
httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24
O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado
mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida
atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja
Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades
de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de
discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos
da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os
moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito
ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre
os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os
princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do
campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo
protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da
AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26
Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10
Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)
adaptado pelos autores
25
ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta
de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26
Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que
dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea
O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo
da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de
gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-
territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo
juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na
alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da
normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam
entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que
revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de
Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do
estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do
Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com
as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que
reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com
o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como
Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo
tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia
sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas
ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de
tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia
expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam
dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de
governo
Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com
a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade
da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave
resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do
municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo
das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da
ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o
conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno
com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque
Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e
proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade
Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se
apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo
sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das
situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da
favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das
dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo
PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem
contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo
gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas
ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e
com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo
ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias
institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do
movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus
interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza
Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da
favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no
processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam
pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas
remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco
tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na
proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os
objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos
estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de
Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto
conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos
territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees
nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)
Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
27
Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538
2 A AEIS da Vila de Ponta Negra
A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007
Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-
guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a
partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de
grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo
que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo
e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e
internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)
Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628
Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta
Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento
de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja
aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante
emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam
segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que
estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora
O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico
municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos
atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra
ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais
envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor
imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes
28
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento
urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123
das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo
cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007
no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses
representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os
princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso
desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A
ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -
batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e
que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29
Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do
resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos
A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser
encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do
direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute
uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas
precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do
Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar
da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea
Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8
(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda
natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de
gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade
Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao
papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local
da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam
numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de
pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens
culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao
conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com
uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e
29
Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30
De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no
mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo
apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria
pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees
acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos
adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos
com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como
AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas
principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se
opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua
regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de
fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou
negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo
de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida
natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com
moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser
submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios
fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores
da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com
ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo
Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta
Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa
numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta
Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06
que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei
municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem
estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do
Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea
ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e
estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do
31
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade
Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32
A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal
do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33
Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN
Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008
bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a
ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal
como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi
contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas
proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca
Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno
Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores
Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando
abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como
fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de
determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e
da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo
Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a
necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para
o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados
nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a
verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio
ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras
formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como
AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca
Praia de Ponta Negra
ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA
que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os
empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio
e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas
do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse
importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da
densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta
desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes
comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em
duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de
Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos
diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a
uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por
ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que
ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os
interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo
social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial
Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra
ZPA 06 - MORRO DO CARECA
ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)
BAIRRO PONTA NEGRA
ZONA DE AMORTECIMENTO
(ZA)
Praia de Ponta Negra
0m 50m 100m 200m
N
Morro do
Careca
01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca
03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento
06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca
05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca
04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo
Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth
VI Consideraccedilotildees Finais
Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves
relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos
protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto
devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm
estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994
tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas
estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees
especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo
apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)
No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor
imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo
de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de
acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades
especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia
de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de
expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se
realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal
por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao
novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse
novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o
desenvolvimento do trabalho
Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os
mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental
de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do
acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado
deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos
classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas
garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se
reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica
encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada
lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as
necessidades de morar na cidade
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aacutereas assim classificadas 50 (cinco) jaacute tiveram seus processos de
regulamentaccedilatildeo concluiacutedos e outras cinco encontram-se em fase de debate
puacuteblico As ZPAs 06 e 10 que correspondem aos maciccedilos dunares de Ponta
Negra e Matildee Luiza respectivamente incluem-se neste segundo grupo Quanto
as AEIS embora tambeacutem instituiacutedas no mesmo marco normativo (1994) os
seus processos de regulamentaccedilatildeo natildeo avanccedilaram no mesmo ritmo que os
das ZPAs fato que ratifica ainda que por meio de tiacutemidas accedilotildees a primazia do
ambiental sobre o social no processo de gestatildeo urbana do municiacutepio (Figura 2)
Figura 2 ndash AEIS (1) e ZPAs (2) no PDN2007
Fonte Ataiacutede (2013 adaptado pelos autores)
Ressalte-se ainda que o instrumento AEIS foi ratificado e ampliado no
PDN2007 com o acreacutescimo de novas categorias e aacutereas Agraves favelas Vilas e
Loteamentos clandestinos foram acrescidas outras quatro categorias de AEIS
uma das quais aplicada agraves fraccedilotildees urbanas definidas como aacutereas que estatildeo
sob influecircncia de empreendimento de impacto socioeconocircmico cultural e
paisagiacutestico entre elas a da Vila de Ponta Negra17 Contudo passados 21
anos da vigecircncia do PDN 1994 e oito do PDN 2007 considera-se que apenas
17
NATAL Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o
Plano Diretor de Natal DOM Natal Mapa 04 Anexo II
1 2
a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral
Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma
discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os
objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o
avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees
urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)
e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou
dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo
entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute
objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho
V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra
1 A AEIS de Matildee Luiza
A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e
regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei
46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de
1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a
discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS
(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor
(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A
fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes
(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram
incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano
(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do
PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007
(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi
reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras
18
As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova
Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19
Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a
existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994
Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de
uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)
incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades
apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo
Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar
alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee
Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e
reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas
nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades
(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal
que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico
ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com
predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com
alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e
social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de
infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a
meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do
bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila
destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)
Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de
fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado
e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas
delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito
municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando
se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de
risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de
Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no
PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de
risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da
ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da
deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de
20
Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo
com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21
A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema
de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara
controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em
seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias
em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam
alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o
PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da
criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do
municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento
das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem
disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os
anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo
imobiliaacuteria
Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar
que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem
adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao
sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa
popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e
os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a
elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem
no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um
empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo
ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na
aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos
22
O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei
mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE
Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em
httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24
O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado
mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida
atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja
Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades
de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de
discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos
da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os
moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito
ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre
os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os
princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do
campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo
protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da
AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26
Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10
Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)
adaptado pelos autores
25
ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta
de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26
Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que
dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea
O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo
da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de
gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-
territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo
juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na
alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da
normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam
entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que
revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de
Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do
estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do
Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com
as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que
reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com
o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como
Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo
tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia
sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas
ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de
tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia
expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam
dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de
governo
Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com
a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade
da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave
resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do
municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo
das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da
ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o
conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno
com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque
Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e
proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade
Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se
apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo
sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das
situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da
favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das
dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo
PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem
contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo
gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas
ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e
com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo
ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias
institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do
movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus
interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza
Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da
favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no
processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam
pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas
remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco
tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na
proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os
objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos
estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de
Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto
conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos
territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees
nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)
Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
27
Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538
2 A AEIS da Vila de Ponta Negra
A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007
Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-
guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a
partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de
grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo
que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo
e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e
internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)
Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628
Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta
Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento
de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja
aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante
emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam
segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que
estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora
O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico
municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos
atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra
ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais
envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor
imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes
28
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento
urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123
das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo
cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007
no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses
representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os
princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso
desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A
ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -
batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e
que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29
Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do
resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos
A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser
encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do
direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute
uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas
precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do
Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar
da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea
Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8
(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda
natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de
gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade
Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao
papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local
da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam
numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de
pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens
culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao
conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com
uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e
29
Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30
De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no
mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo
apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria
pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees
acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos
adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos
com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como
AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas
principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se
opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua
regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de
fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou
negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo
de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida
natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com
moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser
submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios
fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores
da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com
ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo
Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta
Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa
numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta
Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06
que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei
municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem
estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do
Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea
ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e
estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do
31
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade
Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32
A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal
do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33
Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN
Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008
bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a
ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal
como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi
contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas
proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca
Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno
Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores
Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando
abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como
fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de
determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e
da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo
Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a
necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para
o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados
nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a
verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio
ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras
formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como
AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca
Praia de Ponta Negra
ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA
que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os
empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio
e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas
do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse
importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da
densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta
desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes
comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em
duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de
Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos
diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a
uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por
ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que
ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os
interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo
social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial
Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra
ZPA 06 - MORRO DO CARECA
ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)
BAIRRO PONTA NEGRA
ZONA DE AMORTECIMENTO
(ZA)
Praia de Ponta Negra
0m 50m 100m 200m
N
Morro do
Careca
01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca
03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento
06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca
05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca
04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo
Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth
VI Consideraccedilotildees Finais
Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves
relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos
protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto
devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm
estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994
tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas
estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees
especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo
apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)
No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor
imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo
de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de
acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades
especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia
de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de
expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se
realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal
por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao
novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse
novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o
desenvolvimento do trabalho
Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os
mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental
de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do
acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado
deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos
classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas
garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se
reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica
encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada
lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as
necessidades de morar na cidade
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a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral
Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma
discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os
objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o
avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees
urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)
e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou
dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo
entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute
objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho
V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra
1 A AEIS de Matildee Luiza
A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e
regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei
46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de
1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a
discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS
(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor
(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A
fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes
(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram
incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano
(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do
PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007
(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi
reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras
18
As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova
Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19
Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a
existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994
Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de
uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)
incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades
apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo
Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar
alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee
Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e
reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas
nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades
(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal
que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico
ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com
predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com
alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e
social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de
infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a
meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do
bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila
destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)
Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de
fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado
e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas
delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito
municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando
se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de
risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de
Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no
PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de
risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da
ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da
deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de
20
Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo
com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21
A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema
de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara
controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em
seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias
em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam
alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o
PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da
criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do
municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento
das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem
disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os
anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo
imobiliaacuteria
Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar
que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem
adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao
sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa
popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e
os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a
elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem
no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um
empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo
ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na
aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos
22
O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei
mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE
Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em
httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24
O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado
mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida
atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja
Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades
de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de
discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos
da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os
moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito
ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre
os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os
princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do
campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo
protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da
AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26
Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10
Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)
adaptado pelos autores
25
ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta
de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26
Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que
dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea
O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo
da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de
gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-
territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo
juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na
alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da
normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam
entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que
revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de
Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do
estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do
Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com
as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que
reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com
o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como
Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo
tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia
sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas
ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de
tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia
expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam
dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de
governo
Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com
a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade
da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave
resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do
municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo
das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da
ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o
conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno
com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque
Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e
proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade
Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se
apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo
sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das
situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da
favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das
dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo
PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem
contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo
gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas
ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e
com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo
ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias
institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do
movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus
interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza
Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da
favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no
processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam
pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas
remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco
tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na
proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os
objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos
estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de
Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto
conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos
territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees
nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)
Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
27
Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538
2 A AEIS da Vila de Ponta Negra
A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007
Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-
guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a
partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de
grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo
que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo
e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e
internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)
Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628
Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta
Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento
de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja
aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante
emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam
segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que
estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora
O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico
municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos
atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra
ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais
envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor
imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes
28
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento
urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123
das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo
cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007
no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses
representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os
princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso
desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A
ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -
batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e
que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29
Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do
resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos
A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser
encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do
direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute
uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas
precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do
Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar
da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea
Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8
(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda
natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de
gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade
Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao
papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local
da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam
numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de
pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens
culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao
conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com
uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e
29
Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30
De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no
mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo
apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria
pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees
acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos
adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos
com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como
AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas
principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se
opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua
regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de
fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou
negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo
de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida
natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com
moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser
submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios
fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores
da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com
ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo
Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta
Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa
numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta
Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06
que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei
municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem
estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do
Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea
ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e
estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do
31
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade
Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32
A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal
do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33
Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN
Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008
bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a
ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal
como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi
contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas
proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca
Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno
Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores
Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando
abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como
fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de
determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e
da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo
Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a
necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para
o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados
nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a
verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio
ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras
formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como
AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca
Praia de Ponta Negra
ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA
que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os
empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio
e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas
do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse
importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da
densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta
desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes
comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em
duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de
Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos
diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a
uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por
ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que
ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os
interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo
social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial
Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra
ZPA 06 - MORRO DO CARECA
ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)
BAIRRO PONTA NEGRA
ZONA DE AMORTECIMENTO
(ZA)
Praia de Ponta Negra
0m 50m 100m 200m
N
Morro do
Careca
01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca
03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento
06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca
05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca
04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo
Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth
VI Consideraccedilotildees Finais
Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves
relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos
protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto
devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm
estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994
tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas
estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees
especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo
apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)
No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor
imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo
de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de
acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades
especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia
de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de
expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se
realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal
por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao
novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse
novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o
desenvolvimento do trabalho
Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os
mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental
de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do
acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado
deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos
classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas
garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se
reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica
encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada
lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as
necessidades de morar na cidade
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incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades
apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo
Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar
alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee
Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e
reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas
nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades
(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal
que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico
ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com
predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com
alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e
social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de
infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a
meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do
bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila
destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)
Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de
fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado
e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas
delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito
municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando
se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de
risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de
Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no
PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de
risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da
ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da
deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de
20
Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo
com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21
A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema
de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara
controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em
seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias
em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam
alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o
PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da
criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do
municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento
das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem
disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os
anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo
imobiliaacuteria
Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar
que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem
adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao
sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa
popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e
os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a
elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem
no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um
empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo
ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na
aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos
22
O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei
mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE
Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em
httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24
O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado
mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida
atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja
Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades
de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de
discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos
da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os
moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito
ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre
os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os
princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do
campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo
protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da
AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26
Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10
Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)
adaptado pelos autores
25
ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta
de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26
Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que
dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea
O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo
da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de
gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-
territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo
juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na
alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da
normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam
entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que
revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de
Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do
estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do
Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com
as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que
reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com
o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como
Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo
tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia
sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas
ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de
tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia
expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam
dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de
governo
Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com
a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade
da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave
resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do
municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo
das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da
ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o
conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno
com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque
Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e
proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade
Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se
apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo
sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das
situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da
favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das
dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo
PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem
contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo
gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas
ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e
com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo
ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias
institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do
movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus
interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza
Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da
favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no
processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam
pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas
remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco
tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na
proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os
objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos
estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de
Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto
conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos
territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees
nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)
Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
27
Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538
2 A AEIS da Vila de Ponta Negra
A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007
Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-
guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a
partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de
grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo
que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo
e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e
internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)
Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628
Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta
Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento
de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja
aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante
emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam
segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que
estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora
O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico
municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos
atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra
ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais
envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor
imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes
28
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento
urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123
das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo
cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007
no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses
representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os
princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso
desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A
ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -
batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e
que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29
Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do
resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos
A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser
encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do
direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute
uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas
precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do
Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar
da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea
Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8
(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda
natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de
gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade
Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao
papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local
da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam
numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de
pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens
culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao
conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com
uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e
29
Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30
De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no
mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo
apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria
pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees
acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos
adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos
com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como
AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas
principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se
opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua
regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de
fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou
negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo
de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida
natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com
moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser
submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios
fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores
da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com
ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo
Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta
Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa
numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta
Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06
que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei
municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem
estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do
Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea
ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e
estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do
31
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade
Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32
A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal
do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33
Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN
Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008
bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a
ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal
como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi
contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas
proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca
Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno
Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores
Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando
abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como
fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de
determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e
da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo
Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a
necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para
o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados
nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a
verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio
ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras
formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como
AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca
Praia de Ponta Negra
ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA
que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os
empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio
e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas
do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse
importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da
densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta
desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes
comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em
duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de
Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos
diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a
uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por
ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que
ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os
interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo
social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial
Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra
ZPA 06 - MORRO DO CARECA
ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)
BAIRRO PONTA NEGRA
ZONA DE AMORTECIMENTO
(ZA)
Praia de Ponta Negra
0m 50m 100m 200m
N
Morro do
Careca
01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca
03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento
06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca
05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca
04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo
Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth
VI Consideraccedilotildees Finais
Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves
relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos
protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto
devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm
estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994
tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas
estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees
especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo
apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)
No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor
imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo
de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de
acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades
especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia
de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de
expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se
realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal
por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao
novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse
novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o
desenvolvimento do trabalho
Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os
mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental
de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do
acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado
deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos
classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas
garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se
reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica
encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada
lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as
necessidades de morar na cidade
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controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em
seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias
em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam
alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o
PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da
criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do
municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento
das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem
disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os
anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo
imobiliaacuteria
Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar
que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem
adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao
sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa
popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e
os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a
elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem
no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um
empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo
ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na
aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos
22
O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei
mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE
Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em
httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24
O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado
mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida
atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja
Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades
de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de
discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos
da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os
moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito
ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre
os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os
princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do
campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo
protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da
AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26
Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10
Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)
adaptado pelos autores
25
ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta
de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26
Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que
dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea
O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo
da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de
gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-
territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo
juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na
alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da
normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam
entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que
revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de
Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do
estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do
Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com
as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que
reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com
o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como
Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo
tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia
sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas
ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de
tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia
expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam
dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de
governo
Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com
a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade
da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave
resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do
municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo
das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da
ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o
conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno
com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque
Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e
proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade
Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se
apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo
sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das
situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da
favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das
dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo
PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem
contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo
gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas
ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e
com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo
ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias
institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do
movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus
interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza
Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da
favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no
processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam
pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas
remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco
tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na
proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os
objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos
estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de
Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto
conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos
territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees
nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)
Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
27
Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538
2 A AEIS da Vila de Ponta Negra
A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007
Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-
guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a
partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de
grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo
que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo
e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e
internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)
Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628
Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta
Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento
de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja
aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante
emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam
segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que
estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora
O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico
municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos
atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra
ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais
envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor
imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes
28
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento
urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123
das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo
cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007
no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses
representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os
princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso
desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A
ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -
batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e
que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29
Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do
resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos
A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser
encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do
direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute
uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas
precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do
Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar
da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea
Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8
(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda
natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de
gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade
Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao
papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local
da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam
numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de
pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens
culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao
conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com
uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e
29
Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30
De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no
mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo
apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria
pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees
acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos
adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos
com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como
AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas
principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se
opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua
regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de
fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou
negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo
de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida
natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com
moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser
submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios
fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores
da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com
ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo
Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta
Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa
numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta
Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06
que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei
municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem
estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do
Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea
ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e
estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do
31
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade
Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32
A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal
do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33
Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN
Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008
bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a
ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal
como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi
contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas
proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca
Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno
Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores
Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando
abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como
fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de
determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e
da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo
Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a
necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para
o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados
nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a
verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio
ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras
formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como
AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca
Praia de Ponta Negra
ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA
que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os
empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio
e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas
do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse
importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da
densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta
desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes
comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em
duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de
Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos
diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a
uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por
ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que
ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os
interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo
social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial
Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra
ZPA 06 - MORRO DO CARECA
ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)
BAIRRO PONTA NEGRA
ZONA DE AMORTECIMENTO
(ZA)
Praia de Ponta Negra
0m 50m 100m 200m
N
Morro do
Careca
01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca
03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento
06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca
05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca
04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo
Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth
VI Consideraccedilotildees Finais
Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves
relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos
protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto
devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm
estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994
tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas
estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees
especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo
apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)
No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor
imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo
de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de
acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades
especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia
de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de
expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se
realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal
por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao
novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse
novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o
desenvolvimento do trabalho
Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os
mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental
de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do
acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado
deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos
classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas
garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se
reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica
encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada
lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as
necessidades de morar na cidade
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TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23
atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja
Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades
de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de
discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos
da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os
moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito
ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre
os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os
princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do
campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo
protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da
AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26
Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10
Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)
adaptado pelos autores
25
ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta
de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26
Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que
dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea
O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo
da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de
gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-
territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo
juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na
alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da
normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam
entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que
revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de
Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do
estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do
Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com
as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que
reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com
o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como
Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo
tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia
sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas
ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de
tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia
expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam
dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de
governo
Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com
a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade
da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave
resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do
municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo
das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da
ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o
conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno
com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque
Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e
proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade
Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se
apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo
sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das
situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da
favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das
dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo
PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem
contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo
gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas
ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e
com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo
ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias
institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do
movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus
interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza
Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da
favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no
processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam
pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas
remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco
tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na
proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os
objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos
estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de
Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto
conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos
territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees
nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)
Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
27
Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538
2 A AEIS da Vila de Ponta Negra
A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007
Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-
guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a
partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de
grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo
que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo
e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e
internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)
Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628
Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta
Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento
de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja
aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante
emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam
segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que
estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora
O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico
municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos
atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra
ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais
envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor
imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes
28
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento
urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123
das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo
cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007
no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses
representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os
princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso
desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A
ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -
batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e
que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29
Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do
resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos
A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser
encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do
direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute
uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas
precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do
Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar
da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea
Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8
(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda
natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de
gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade
Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao
papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local
da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam
numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de
pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens
culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao
conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com
uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e
29
Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30
De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no
mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo
apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria
pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees
acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos
adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos
com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como
AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas
principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se
opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua
regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de
fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou
negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo
de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida
natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com
moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser
submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios
fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores
da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com
ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo
Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta
Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa
numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta
Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06
que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei
municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem
estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do
Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea
ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e
estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do
31
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade
Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32
A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal
do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33
Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN
Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008
bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a
ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal
como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi
contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas
proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca
Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno
Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores
Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando
abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como
fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de
determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e
da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo
Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a
necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para
o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados
nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a
verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio
ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras
formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como
AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca
Praia de Ponta Negra
ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA
que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os
empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio
e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas
do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse
importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da
densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta
desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes
comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em
duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de
Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos
diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a
uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por
ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que
ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os
interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo
social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial
Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra
ZPA 06 - MORRO DO CARECA
ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)
BAIRRO PONTA NEGRA
ZONA DE AMORTECIMENTO
(ZA)
Praia de Ponta Negra
0m 50m 100m 200m
N
Morro do
Careca
01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca
03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento
06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca
05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca
04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo
Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth
VI Consideraccedilotildees Finais
Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves
relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos
protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto
devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm
estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994
tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas
estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees
especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo
apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)
No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor
imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo
de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de
acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades
especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia
de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de
expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se
realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal
por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao
novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse
novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o
desenvolvimento do trabalho
Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os
mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental
de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do
acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado
deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos
classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas
garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se
reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica
encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada
lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as
necessidades de morar na cidade
Referecircncias bibliograacuteficas
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TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23
O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo
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normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam
entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que
revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de
Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do
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reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com
o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como
Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo
tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia
sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas
ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de
tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia
expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam
dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de
governo
Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com
a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade
da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave
resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do
municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo
das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da
ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o
conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno
com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque
Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e
proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade
Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se
apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo
sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das
situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da
favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das
dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo
PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem
contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo
gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas
ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e
com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo
ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias
institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do
movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus
interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza
Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da
favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no
processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam
pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas
remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco
tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na
proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os
objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos
estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de
Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto
conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos
territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees
nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)
Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
27
Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538
2 A AEIS da Vila de Ponta Negra
A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007
Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-
guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a
partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de
grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo
que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo
e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e
internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)
Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628
Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta
Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento
de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja
aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante
emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam
segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que
estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora
O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico
municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos
atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra
ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais
envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor
imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes
28
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento
urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123
das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo
cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007
no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses
representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os
princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso
desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A
ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -
batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e
que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29
Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do
resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos
A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser
encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do
direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute
uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas
precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do
Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar
da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea
Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8
(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda
natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de
gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade
Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao
papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local
da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam
numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de
pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens
culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao
conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com
uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e
29
Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30
De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no
mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo
apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria
pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees
acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos
adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos
com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como
AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas
principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se
opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua
regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de
fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou
negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo
de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida
natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com
moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser
submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios
fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores
da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com
ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo
Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta
Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa
numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta
Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06
que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei
municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem
estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do
Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea
ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e
estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do
31
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade
Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32
A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal
do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33
Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN
Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008
bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a
ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal
como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi
contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas
proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca
Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno
Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores
Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando
abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como
fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de
determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e
da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo
Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a
necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para
o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados
nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a
verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio
ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras
formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como
AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca
Praia de Ponta Negra
ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA
que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os
empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio
e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas
do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse
importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da
densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta
desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes
comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em
duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de
Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos
diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a
uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por
ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que
ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os
interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo
social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial
Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra
ZPA 06 - MORRO DO CARECA
ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)
BAIRRO PONTA NEGRA
ZONA DE AMORTECIMENTO
(ZA)
Praia de Ponta Negra
0m 50m 100m 200m
N
Morro do
Careca
01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca
03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento
06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca
05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca
04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo
Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth
VI Consideraccedilotildees Finais
Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves
relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos
protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto
devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm
estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994
tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas
estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees
especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo
apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)
No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor
imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo
de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de
acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades
especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia
de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de
expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se
realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal
por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao
novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse
novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o
desenvolvimento do trabalho
Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os
mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental
de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do
acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado
deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos
classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas
garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se
reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica
encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada
lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as
necessidades de morar na cidade
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Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e
proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade
Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se
apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo
sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das
situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da
favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das
dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo
PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem
contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo
gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas
ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e
com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo
ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias
institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do
movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus
interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza
Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da
favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no
processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam
pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas
remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco
tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na
proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os
objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos
estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de
Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto
conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos
territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees
nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)
Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
27
Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538
2 A AEIS da Vila de Ponta Negra
A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007
Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-
guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a
partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de
grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo
que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo
e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e
internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)
Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628
Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta
Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento
de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja
aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante
emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam
segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que
estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora
O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico
municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos
atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra
ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais
envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor
imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes
28
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento
urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123
das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo
cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007
no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses
representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os
princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso
desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A
ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -
batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e
que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29
Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do
resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos
A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser
encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do
direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute
uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas
precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do
Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar
da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea
Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8
(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda
natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de
gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade
Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao
papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local
da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam
numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de
pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens
culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao
conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com
uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e
29
Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30
De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no
mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo
apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria
pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees
acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos
adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos
com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como
AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas
principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se
opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua
regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de
fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou
negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo
de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida
natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com
moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser
submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios
fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores
da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com
ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo
Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta
Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa
numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta
Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06
que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei
municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem
estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do
Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea
ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e
estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do
31
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade
Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32
A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal
do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33
Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN
Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008
bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a
ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal
como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi
contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas
proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca
Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno
Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores
Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando
abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como
fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de
determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e
da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo
Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a
necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para
o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados
nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a
verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio
ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras
formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como
AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca
Praia de Ponta Negra
ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA
que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os
empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio
e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas
do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse
importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da
densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta
desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes
comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em
duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de
Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos
diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a
uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por
ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que
ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os
interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo
social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial
Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra
ZPA 06 - MORRO DO CARECA
ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)
BAIRRO PONTA NEGRA
ZONA DE AMORTECIMENTO
(ZA)
Praia de Ponta Negra
0m 50m 100m 200m
N
Morro do
Careca
01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca
03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento
06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca
05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca
04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo
Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth
VI Consideraccedilotildees Finais
Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves
relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos
protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto
devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm
estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994
tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas
estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees
especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo
apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)
No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor
imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo
de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de
acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades
especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia
de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de
expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se
realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal
por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao
novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse
novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o
desenvolvimento do trabalho
Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os
mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental
de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do
acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado
deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos
classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas
garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se
reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica
encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada
lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as
necessidades de morar na cidade
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TEIXEIRA R B MORAIS M C ANDRADE H de A (2009) Planejamento urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123
TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23
Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no
processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam
pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas
remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco
tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na
proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os
objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos
estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de
Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto
conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos
territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees
nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)
Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas
Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores
27
Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538
2 A AEIS da Vila de Ponta Negra
A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007
Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-
guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a
partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de
grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo
que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo
e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e
internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)
Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628
Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta
Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento
de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja
aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante
emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam
segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que
estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora
O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico
municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos
atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra
ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais
envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor
imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes
28
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento
urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123
das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo
cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007
no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses
representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os
princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso
desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A
ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -
batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e
que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29
Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do
resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos
A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser
encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do
direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute
uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas
precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do
Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar
da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea
Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8
(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda
natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de
gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade
Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao
papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local
da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam
numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de
pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens
culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao
conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com
uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e
29
Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30
De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no
mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo
apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria
pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees
acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos
adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos
com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como
AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas
principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se
opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua
regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de
fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou
negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo
de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida
natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com
moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser
submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios
fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores
da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com
ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo
Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta
Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa
numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta
Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06
que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei
municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem
estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do
Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea
ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e
estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do
31
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade
Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32
A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal
do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33
Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN
Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008
bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a
ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal
como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi
contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas
proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca
Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno
Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores
Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando
abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como
fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de
determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e
da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo
Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a
necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para
o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados
nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a
verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio
ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras
formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como
AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca
Praia de Ponta Negra
ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA
que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os
empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio
e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas
do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse
importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da
densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta
desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes
comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em
duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de
Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos
diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a
uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por
ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que
ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os
interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo
social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial
Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra
ZPA 06 - MORRO DO CARECA
ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)
BAIRRO PONTA NEGRA
ZONA DE AMORTECIMENTO
(ZA)
Praia de Ponta Negra
0m 50m 100m 200m
N
Morro do
Careca
01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca
03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento
06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca
05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca
04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo
Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth
VI Consideraccedilotildees Finais
Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves
relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos
protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto
devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm
estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994
tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas
estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees
especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo
apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)
No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor
imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo
de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de
acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades
especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia
de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de
expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se
realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal
por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao
novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse
novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o
desenvolvimento do trabalho
Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os
mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental
de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do
acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado
deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos
classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas
garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se
reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica
encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada
lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as
necessidades de morar na cidade
Referecircncias bibliograacuteficas
ACSELRAD H (org) (2001) A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD H e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro
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NATAL Prefeitura Municipal (2007) Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal
SEMURBAQUATOLCONSULTORIA (2008) Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal
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SOUZA I de (1980) Migraccedilotildees Internas no Brasil Vozes Rio de Janeiro
TEIXEIRA R B et al (2012) A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo (mimeo) Natal
TEIXEIRA R B MORAIS M C ANDRADE H de A (2009) Planejamento urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123
TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23
2 A AEIS da Vila de Ponta Negra
A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007
Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-
guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a
partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de
grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo
que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo
e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e
internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)
Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628
Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta
Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento
de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja
aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante
emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam
segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que
estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora
O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico
municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos
atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra
ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais
envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor
imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes
28
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento
urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123
das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo
cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007
no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses
representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os
princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso
desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A
ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -
batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e
que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29
Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do
resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos
A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser
encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do
direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute
uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas
precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do
Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar
da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea
Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8
(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda
natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de
gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade
Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao
papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local
da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam
numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de
pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens
culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao
conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com
uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e
29
Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30
De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no
mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo
apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria
pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees
acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos
adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos
com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como
AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas
principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se
opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua
regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de
fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou
negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo
de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida
natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com
moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser
submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios
fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores
da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com
ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo
Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta
Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa
numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta
Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06
que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei
municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem
estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do
Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea
ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e
estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do
31
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade
Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32
A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal
do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33
Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN
Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008
bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a
ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal
como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi
contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas
proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca
Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno
Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores
Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando
abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como
fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de
determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e
da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo
Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a
necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para
o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados
nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a
verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio
ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras
formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como
AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca
Praia de Ponta Negra
ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA
que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os
empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio
e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas
do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse
importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da
densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta
desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes
comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em
duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de
Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos
diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a
uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por
ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que
ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os
interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo
social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial
Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra
ZPA 06 - MORRO DO CARECA
ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)
BAIRRO PONTA NEGRA
ZONA DE AMORTECIMENTO
(ZA)
Praia de Ponta Negra
0m 50m 100m 200m
N
Morro do
Careca
01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca
03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento
06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca
05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca
04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo
Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth
VI Consideraccedilotildees Finais
Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves
relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos
protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto
devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm
estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994
tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas
estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees
especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo
apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)
No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor
imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo
de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de
acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades
especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia
de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de
expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se
realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal
por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao
novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse
novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o
desenvolvimento do trabalho
Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os
mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental
de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do
acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado
deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos
classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas
garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se
reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica
encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada
lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as
necessidades de morar na cidade
Referecircncias bibliograacuteficas
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SOUZA I de (1980) Migraccedilotildees Internas no Brasil Vozes Rio de Janeiro
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TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23
das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo
cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007
no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses
representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os
princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso
desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A
ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -
batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e
que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29
Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do
resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos
A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser
encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do
direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute
uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas
precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do
Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar
da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea
Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8
(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda
natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de
gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade
Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao
papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local
da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam
numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de
pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens
culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao
conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com
uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e
29
Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30
De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no
mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo
apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria
pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees
acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos
adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos
com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como
AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas
principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se
opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua
regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de
fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou
negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo
de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida
natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com
moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser
submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios
fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores
da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com
ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo
Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta
Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa
numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta
Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06
que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei
municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem
estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do
Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea
ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e
estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do
31
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade
Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32
A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal
do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33
Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN
Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008
bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a
ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal
como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi
contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas
proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca
Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno
Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores
Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando
abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como
fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de
determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e
da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo
Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a
necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para
o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados
nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a
verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio
ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras
formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como
AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca
Praia de Ponta Negra
ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA
que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os
empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio
e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas
do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse
importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da
densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta
desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes
comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em
duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de
Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos
diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a
uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por
ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que
ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os
interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo
social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial
Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra
ZPA 06 - MORRO DO CARECA
ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)
BAIRRO PONTA NEGRA
ZONA DE AMORTECIMENTO
(ZA)
Praia de Ponta Negra
0m 50m 100m 200m
N
Morro do
Careca
01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca
03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento
06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca
05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca
04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo
Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth
VI Consideraccedilotildees Finais
Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves
relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos
protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto
devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm
estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994
tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas
estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees
especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo
apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)
No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor
imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo
de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de
acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades
especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia
de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de
expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se
realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal
por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao
novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse
novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o
desenvolvimento do trabalho
Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os
mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental
de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do
acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado
deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos
classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas
garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se
reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica
encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada
lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as
necessidades de morar na cidade
Referecircncias bibliograacuteficas
ACSELRAD H (org) (2001) A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD H e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro
ATAIacuteDE R (2013) Intereacutes ambiental frente a intereacutes social La gestioacuten de los conflictos socio-espaciales en los espacios naturales protegidos los retos de la regularizacioacuten urbaniacutestica de los asentamientos informales en Natal RN Brasil Tese de doutorado defendida na Universidade de Barcelona Espanha
BENTES D e TRINDADE Maria Aparecida da S F (2008) Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159
CLEMENTINO Maria do L M (1995) Economia e urbanizaccedilatildeo o Rio Grande do Norte nos Anos 70 UFRN CCHLA Natal p 162
FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN (2007) Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal
FERREIRA A L de A et al (2008) Uma Cidade Satilde e Bela a trajetoacuteria do Saneamento de Natal entre 1850 e 1969 IAB RN CREA RN Natal
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE (1988) Anuaacuterio Estatiacutestico do Brasil1987-1988 Vol48 IBGE Rio de Janeiro
IPLANAT(1994) Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal Natal IPLANAT (mimeo)
NATAL Prefeitura Municipal (2007) Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal
SEMURBAQUATOLCONSULTORIA (2008) Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal
SILVA A F C da (2003) Depois das fronteiras a formaccedilatildeo dos espaccedilos de pobreza na periferia Norte de Natal ndash RN Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Arquitetura e Urbanismo da UFRN Natal
SOUZA I de (1980) Migraccedilotildees Internas no Brasil Vozes Rio de Janeiro
TEIXEIRA R B et al (2012) A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo (mimeo) Natal
TEIXEIRA R B MORAIS M C ANDRADE H de A (2009) Planejamento urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123
TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23
apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria
pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees
acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos
adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos
com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como
AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas
principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se
opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua
regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de
fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou
negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo
de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida
natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com
moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser
submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios
fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores
da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com
ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo
Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta
Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa
numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta
Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06
que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei
municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem
estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do
Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea
ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e
estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do
31
TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade
Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32
A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal
do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33
Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN
Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008
bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a
ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal
como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi
contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas
proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca
Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno
Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores
Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando
abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como
fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de
determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e
da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo
Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a
necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para
o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados
nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a
verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio
ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras
formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como
AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca
Praia de Ponta Negra
ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA
que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os
empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio
e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas
do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse
importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da
densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta
desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes
comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em
duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de
Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos
diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a
uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por
ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que
ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os
interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo
social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial
Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra
ZPA 06 - MORRO DO CARECA
ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)
BAIRRO PONTA NEGRA
ZONA DE AMORTECIMENTO
(ZA)
Praia de Ponta Negra
0m 50m 100m 200m
N
Morro do
Careca
01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca
03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento
06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca
05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca
04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo
Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth
VI Consideraccedilotildees Finais
Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves
relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos
protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto
devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm
estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994
tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas
estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees
especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo
apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)
No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor
imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo
de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de
acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades
especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia
de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de
expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se
realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal
por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao
novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse
novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o
desenvolvimento do trabalho
Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os
mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental
de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do
acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado
deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos
classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas
garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se
reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica
encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada
lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as
necessidades de morar na cidade
Referecircncias bibliograacuteficas
ACSELRAD H (org) (2001) A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD H e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro
ATAIacuteDE R (2013) Intereacutes ambiental frente a intereacutes social La gestioacuten de los conflictos socio-espaciales en los espacios naturales protegidos los retos de la regularizacioacuten urbaniacutestica de los asentamientos informales en Natal RN Brasil Tese de doutorado defendida na Universidade de Barcelona Espanha
BENTES D e TRINDADE Maria Aparecida da S F (2008) Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159
CLEMENTINO Maria do L M (1995) Economia e urbanizaccedilatildeo o Rio Grande do Norte nos Anos 70 UFRN CCHLA Natal p 162
FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN (2007) Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal
FERREIRA A L de A et al (2008) Uma Cidade Satilde e Bela a trajetoacuteria do Saneamento de Natal entre 1850 e 1969 IAB RN CREA RN Natal
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE (1988) Anuaacuterio Estatiacutestico do Brasil1987-1988 Vol48 IBGE Rio de Janeiro
IPLANAT(1994) Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal Natal IPLANAT (mimeo)
NATAL Prefeitura Municipal (2007) Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal
SEMURBAQUATOLCONSULTORIA (2008) Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal
SILVA A F C da (2003) Depois das fronteiras a formaccedilatildeo dos espaccedilos de pobreza na periferia Norte de Natal ndash RN Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Arquitetura e Urbanismo da UFRN Natal
SOUZA I de (1980) Migraccedilotildees Internas no Brasil Vozes Rio de Janeiro
TEIXEIRA R B et al (2012) A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo (mimeo) Natal
TEIXEIRA R B MORAIS M C ANDRADE H de A (2009) Planejamento urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123
TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23
bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a
ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal
como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi
contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas
proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca
Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno
Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores
Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando
abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como
fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de
determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e
da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo
Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a
necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para
o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados
nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a
verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio
ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras
formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como
AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca
Praia de Ponta Negra
ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA
que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os
empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio
e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas
do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse
importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da
densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta
desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes
comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em
duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de
Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos
diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a
uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por
ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que
ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os
interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo
social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial
Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra
ZPA 06 - MORRO DO CARECA
ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)
BAIRRO PONTA NEGRA
ZONA DE AMORTECIMENTO
(ZA)
Praia de Ponta Negra
0m 50m 100m 200m
N
Morro do
Careca
01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca
03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento
06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca
05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca
04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo
Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth
VI Consideraccedilotildees Finais
Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves
relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos
protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto
devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm
estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994
tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas
estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees
especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo
apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)
No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor
imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo
de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de
acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades
especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia
de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de
expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se
realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal
por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao
novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse
novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o
desenvolvimento do trabalho
Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os
mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental
de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do
acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado
deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos
classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas
garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se
reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica
encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada
lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as
necessidades de morar na cidade
Referecircncias bibliograacuteficas
ACSELRAD H (org) (2001) A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD H e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro
ATAIacuteDE R (2013) Intereacutes ambiental frente a intereacutes social La gestioacuten de los conflictos socio-espaciales en los espacios naturales protegidos los retos de la regularizacioacuten urbaniacutestica de los asentamientos informales en Natal RN Brasil Tese de doutorado defendida na Universidade de Barcelona Espanha
BENTES D e TRINDADE Maria Aparecida da S F (2008) Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159
CLEMENTINO Maria do L M (1995) Economia e urbanizaccedilatildeo o Rio Grande do Norte nos Anos 70 UFRN CCHLA Natal p 162
FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN (2007) Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal
FERREIRA A L de A et al (2008) Uma Cidade Satilde e Bela a trajetoacuteria do Saneamento de Natal entre 1850 e 1969 IAB RN CREA RN Natal
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE (1988) Anuaacuterio Estatiacutestico do Brasil1987-1988 Vol48 IBGE Rio de Janeiro
IPLANAT(1994) Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal Natal IPLANAT (mimeo)
NATAL Prefeitura Municipal (2007) Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal
SEMURBAQUATOLCONSULTORIA (2008) Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal
SILVA A F C da (2003) Depois das fronteiras a formaccedilatildeo dos espaccedilos de pobreza na periferia Norte de Natal ndash RN Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Arquitetura e Urbanismo da UFRN Natal
SOUZA I de (1980) Migraccedilotildees Internas no Brasil Vozes Rio de Janeiro
TEIXEIRA R B et al (2012) A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo (mimeo) Natal
TEIXEIRA R B MORAIS M C ANDRADE H de A (2009) Planejamento urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123
TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23
ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA
que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os
empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio
e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas
do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse
importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da
densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta
desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes
comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em
duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de
Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos
diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a
uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por
ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que
ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os
interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo
social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial
Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra
ZPA 06 - MORRO DO CARECA
ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)
BAIRRO PONTA NEGRA
ZONA DE AMORTECIMENTO
(ZA)
Praia de Ponta Negra
0m 50m 100m 200m
N
Morro do
Careca
01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca
03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento
06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca
05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca
04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo
Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth
VI Consideraccedilotildees Finais
Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves
relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos
protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto
devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm
estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994
tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas
estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees
especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo
apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)
No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor
imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo
de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de
acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades
especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia
de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de
expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se
realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal
por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao
novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse
novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o
desenvolvimento do trabalho
Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os
mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental
de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do
acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado
deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos
classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas
garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se
reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica
encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada
lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as
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Referecircncias bibliograacuteficas
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FERREIRA A L de A et al (2008) Uma Cidade Satilde e Bela a trajetoacuteria do Saneamento de Natal entre 1850 e 1969 IAB RN CREA RN Natal
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IPLANAT(1994) Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal Natal IPLANAT (mimeo)
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VI Consideraccedilotildees Finais
Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves
relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos
protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto
devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm
estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994
tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas
estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees
especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo
apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)
No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor
imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo
de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de
acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades
especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia
de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de
expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se
realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal
por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao
novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse
novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o
desenvolvimento do trabalho
Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os
mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental
de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do
acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado
deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos
classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas
garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se
reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica
encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada
lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as
necessidades de morar na cidade
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Referecircncias bibliograacuteficas
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TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23