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1 Eixo: Ideias Pedagógicas UMA FILOSOFIA SENSORIAL NA SALA DE AULA Wesley Brust (Bolsista IC/UNIRIO) 1 Dalton Alves (UNIRIO) 2 Resumo: Este trabalho tem por objetivo pensar as dificuldades do ensino de filosofia depois que a Disciplina tornou-se obrigatória em nível nacional em 2008. Tais como: os problemas teórico-metodológicos e os conteúdos filosóficos a serem trabalhados em sala de aula. Nosso objeto de estudo resulta de pesquisa anterior intitulada: Uma Filosofia Descolonizadora na Sala de Aula. Propõe-se partir da crítica ao colonialismo e eurocentrismo como base da educação filosófica nacional para pensar as consequências sobre o modelo de ensino de filosofia no Brasil. Historicamente a filosofia viveu o maniqueísmo do racional x sensorial, equivalente ao dualismo entre alma e corpo na religião. Interessa-nos pensar as formas de superar esse dualismo. Um pensamento plural pode ajudar a romper essa dicotomia, para tanto, apresentamos como necessário enxergar a filosofia fora do eixo ocidental estigmatizada historicamente como não filosófica, considerada forma inferior de pensamento. A perspectiva do continente imperialista imposta às colônias interrompeu seu processo de autonomia e independência, tanto político e econômico quanto cultural e intelectual. O selvagem processo colonizador gerou entraves para o desenvolvimento autônomo do pensamento próprio dos povos dominados e por isto limitou também o desenvolvimento do pensamento produzido nas metrópoles ao ignorarem o potencial das contribuições que estavam ao seu alcance. Estamos refletindo sobre esta relação de subalternidade como uma tentativa de descolonizar o pensamento. Partimos de considerações provenientes da filosofia oriental, latina e mesmo europeia atuais. Noutra perspectiva, observamos como a neurociência trata a relação do racional com o sensorial e como isto pode iluminar um caminho que nos ajude a superar esse dualismo. Temos como referências pesquisas teóricas que fazem a crítica ao racionalismo da filosofia ocidental. Na perspectiva da Filosofia da Libertação na América Latina e da Descolonização do pensamento teórico- científico e filosófico. A intenção é fazer a crítica a esse racionalismo decorrente do 1 Wesley Augusto Brust, Bolsista de Iniciação Científica da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected] 2 Dalton José Alves, Professor Doutor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected]

UMA FILOSOFIA SENSORIAL NA SALA DE AULA - Unicamp · Alguns filósofos, como o argentino Enrique Dussel (2013), ... termo filosofia pode assim ser utilizado para designar este tipo

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Eixo: Ideias Pedagógicas

UMA FILOSOFIA SENSORIAL NA SALA DE AULA

Wesley Brust (Bolsista IC/UNIRIO)1

Dalton Alves (UNIRIO)2

Resumo: Este trabalho tem por objetivo pensar as dificuldades do ensino de filosofia

depois que a Disciplina tornou-se obrigatória em nível nacional em 2008. Tais como: os

problemas teórico-metodológicos e os conteúdos filosóficos a serem trabalhados em

sala de aula. Nosso objeto de estudo resulta de pesquisa anterior intitulada: Uma

Filosofia Descolonizadora na Sala de Aula. Propõe-se partir da crítica ao colonialismo

e eurocentrismo como base da educação filosófica nacional para pensar as

consequências sobre o modelo de ensino de filosofia no Brasil. Historicamente a

filosofia viveu o maniqueísmo do racional x sensorial, equivalente ao dualismo entre

alma e corpo na religião. Interessa-nos pensar as formas de superar esse dualismo. Um

pensamento plural pode ajudar a romper essa dicotomia, para tanto, apresentamos como

necessário enxergar a filosofia fora do eixo ocidental estigmatizada historicamente

como não filosófica, considerada forma inferior de pensamento. A perspectiva do

continente imperialista imposta às colônias interrompeu seu processo de autonomia e

independência, tanto político e econômico quanto cultural e intelectual. O selvagem

processo colonizador gerou entraves para o desenvolvimento autônomo do pensamento

próprio dos povos dominados e por isto limitou também o desenvolvimento do

pensamento produzido nas metrópoles ao ignorarem o potencial das contribuições que

estavam ao seu alcance. Estamos refletindo sobre esta relação de subalternidade como

uma tentativa de descolonizar o pensamento. Partimos de considerações provenientes da

filosofia oriental, latina e mesmo europeia atuais. Noutra perspectiva, observamos como

a neurociência trata a relação do racional com o sensorial e como isto pode iluminar um

caminho que nos ajude a superar esse dualismo. Temos como referências pesquisas

teóricas que fazem a crítica ao racionalismo da filosofia ocidental. Na perspectiva da

Filosofia da Libertação na América Latina e da Descolonização do pensamento teórico-

científico e filosófico. A intenção é fazer a crítica a esse racionalismo decorrente do

1Wesley Augusto Brust, Bolsista de Iniciação Científica da Universidade Federal do Estado do Rio de

Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected]

2Dalton José Alves, Professor Doutor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de

Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected]

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colonialismo e do eurocentrismo que marca o modelo de ensino da filosofia no Brasil.

Entendemos que para romper este dualismo entre razão e sensibilidade no ensino de

filosofia devemos entender que entre o sensorial e o racional há uma interdependência.

O processo de busca do conhecimento é permeado de relações afetivas e sensíveis que

tanto nos afastam quanto nos aproximam da verdade sobre os objetos estudados. As

metodologias de ensino de filosofia predominantes nas escolas preocupam por sua

origem imperialista e racionalidade eurocêntrica. Os resultados parciais aos quais

chegamos apontam que ao conjugarmos uma abstração racional com uma sensibilidade

pé no chão isto pode nos aproximar de uma filosofia brasileira que pense nossos

problemas com nossa linguagem e nossa potencialidade interpretativa. Temos que sentir

constantemente a realidade que queremos representar idealmente

(teoricamente/filosoficamente), temos que tê-la ao nosso lado enquanto escrevemos,

pensamos. Temos que ser e estar afetados por ela a cada novo parágrafo, a cada nova

abstração. Se continuarmos a seguir pelo caminho até hoje trilhado de comentadores da

filosofia europeia, da filosofia hegemônica, esse sensorial não nos fará falta, nenhuma

falta, mas se pretendermos pensar a partir da realidade e das questões próprias

nacionais, a “filosofia” é outra.

Palavras-chave: sensorial; racional; descolonização; ensino de filosofia; metodologia

da filosofia.

Introdução

Este trabalho é resultado de uma pesquisa de iniciação científica iniciada em

agosto de 2015 com o título de “Uma Filosofia Descolonizadora na Sala de Aula”. A

opção por trabalhar esta temática surgiu dos estudos, vivências e aprendizados da

participação no projeto de extensão “Filosofia na Sala de Aula” desenvolvido em nossa

Instituição desde o ano de 2013.

Ademais, é necessário dizer que este trabalho é fruto de pesquisa em andamento,

o qual submetemos à apreciação e aprovação para apresentação neste Evento, no X

SEMINÁRIO NACIONAL DO HISTEDBR, com o objetivo de testar nossas hipóteses

e submeter o trabalho às críticas e sugestões sobre o conteúdo e os rumos destes

estudos.

A proposta tem como objetivo geral pensar acerca das dificuldades do ensino de

filosofia no Brasil. A primeira dificuldade seria analisar as condições de possibilidades

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do ensino de filosofia no nível médio após a exigência de a disciplina ser obrigatória

colocada pela Lei nº. 11.683, de 02 de junho de 2008.

Depois de a Filosofia ser retirada do currículo no início da década de 1970 como

resultado da política educacional implementada pelo Governo Militar (SILVEIRA,

1991), passaram-se 37 anos, aproximadamente, de luta e reivindicações pela introdução

da Filosofia como disciplina obrigatória no currículo. Este objetivo é alcançado apenas

em 2008.

A questão que se coloca agora é o “que fazer?”. Como o ensino de filosofia deve

ser ministrado em instituições escolares de ensino médio de modo que seja percebido

como uma valiosa contribuição à formação dos estudantes deste nível de ensino em

contraposição às tentativas de se retirar esta disciplina do currículo sob a alegação da

sua suposta “inutilidade” na formação e para a vida desses jovens? Ou seja, isto coloca

para o ensino de filosofia o problema da sua finalidade e justificativa no currículo, bem

como a questão da sua metodologia de ensino.

A conquista da obrigatoriedade legal foi um passo muito importante e

necessário, porém, insuficiente para firmar o espaço da Filosofia como componente

curricular na formação dos jovens e adolescentes do ensino médio. A exigência agora

passa a ser a de criar metodologias de ensino, materiais didático-filosóficos, delimitar

conteúdos e perspectivas filosófico-pedagógicas adequadas para o trabalho com a

filosofia na escola média.

Destas dificuldades iniciais nos impactou mais as questões de cunho teórico-

metodológico e sobre os conteúdos filosóficos a serem trabalhados na sala de aula de

filosofia.

O recorte que fizemos para delimitar nosso objeto de estudo visando atingir os

fins propostos, foi partirmos da perspectiva da crítica ao colonialismo, ao eurocentrismo

o qual caracteriza em muitos aspectos a formação e a educação filosófica no Brasil. Isto

traz, ao nosso ver, três consequências sobre o modelo de ensino de filosofia no Brasil:

um ensino de filosofia racionalista e não apenas racional; um ensino de filosofia que se

confunde com o ensino da história da filosofia (conteudista); e ainda um ensino de

filosofia que não promove a autonomia do pensar.

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Quando nos referimos a um ensino de filosofia racionalista e não apenas

racional, estamos pensando em um ensino médio que ofereça ao estudante adolescente

oriundo da instituição escolar pública os temas e questões que são problematizados por

ele em sua vida: a marginalidade social, a violência, a sexualidade latente e outros

assuntos que afetem esse estudante. Se o sensorial é ignorado nessa pedagogia, como

esses temas serão inseridos ou considerados? Acreditamos que devemos oferecer ao

estudante as ferramentas e a oportunidade para que possa refletir sobre tudo aquilo que

o toca, que o afeta. Temos, como é sabido, tentado prepará-lo para o mercado de

trabalho, ignorando diversas de suas necessidades e inquietações, suas lutas sociais e

individuais. Pretendemos nos ater neste artigo ao racionalismo da filosofia ocidental

como gerador de entraves ideológicos ao ensino da filosofia, um racionalismo

decorrente do colonialismo e do eurocentrismo presente em nossa pedagogia filosófica.

1. Uma filosofia colonial e racionalista.

"As coisas não querem mais ser vistas por pessoas razoáveis. Elas

desejam ser olhadas de azul – Que nem uma criança que você olha de

ave."

[Manoel de Barros, 2013].

Alguns filósofos, como o argentino Enrique Dussel (2013), o brasileiro Renato

Noguera (2013) e o suíço Fernand Brunner (1988) defendem que a filosofia, assim

como a literatura, a gastronomia, a música e a arquitetura, por exemplo, não tem lugar

de nascimento. Não se definem por sua origem geográfica. São necessidades humanas.

Todos desejaram se expressar musicalmente, todos tiveram necessidade de se abrigar,

de se alimentar, de registrar seus feitos, bem como tiveram necessidade de pensar para

encontrar soluções para estes e outros dilemas. E não apenas pensaram, mas criaram

caminhos para enriquecer o seu pensamento, criaram métodos para torná-lo mais

rigoroso. Nessa perspectiva, a filosofia grega seria uma filosofia dentre muitas outras.

Assim como são de origem grega os vocábulos literatura, gastronomia, arquitetura, o

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termo filosofia pode assim ser utilizado para designar este tipo de conhecimento

também existente em várias outras culturas e não somente na Grécia antiga.

Dito isto e pensando em como seria, ou como é o modelo de filosofia presente

num Brasil que parece insistir em manter valores de seu passado colonial, nos

perguntamos: como esse modelo racionalista, conteudista e repetidor se comporta em

uma sala de aula? O que caracteriza ou poderia caracterizar a filosofia brasileira?

Na história da filosofia sempre houve um dualismo entre o racional e o sensível,

que aqui chamaremos também de sensorial, se nós latinos, brasileiros, temos uma

postura filosófica própria, como nos situamos nesse dualismo, ou melhor, como

superamos esse dualismo?

Uma das marcantes características da filosofia grega é a racionalidade,

aparentemente em contraponto ao mitológico que, quando de seu surgimento, era a

fonte do conhecimento nesta sociedade. Essa definição calcada no racional talvez seja o

ponto principal na argumentação de sua “universalidade” e “centralidade” a partir da

Grécia. Desse modo, essa apropriação se presta a inibir e a desqualificar outras

construções do pensar que desafiam a versão de um nascimento único da filosofia e que,

segundo argumentos da filosofia europeia, como o exemplo de Hegel (1991), são

construções que careceriam de racionalidade.

O filósofo suíço Fernand Brunner (1988), em defesa de uma filosofia oriental,

fala do etnocentrismo ocidental e da história oficial que propõe que toda filosofia que

não é ocidental, não aderiu à racionalidade. Opondo-se a essa visão, ele discorre sobre o

mito de uma origem da filosofia em terras gregas.

Esse esquema reflete, assim, o etnocentrismo ocidental que, no último

século e no começo deste, privilegiava o racionalismo moderno e a

civilização científica e técnica. Garantido por autores ilustres e aceito

pela cultura geral, a idéia da origem única do pensamento racional,

nascida alguns séculos antes de Cristo na bacia do Mediterrâneo,

dominava as consciências e justificava a projeção de um certo ideal

intelectual sobre todas as civilizações, tendo em vista determinar o

lugar de cada uma delas na evolução universal dos espíritos. Concluía-

se que pertenciam, todas, à pré-história do pensamento ocidental

(BRUNNER, 1988, p. 11).

Aderindo à crítica de Brunner iremos concordar que não há apenas uma

filosofia, há uma pluralidade delas, paridas em vários cantos do mundo, assim como a

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música, a arquitetura e outras ciências e manifestações humanas. O material didático

utilizado por professores do ensino médio enfatiza o caráter racional da filosofia oriunda

da Grécia. Por mais que entre os mestres e os acadêmicos da filosofia se reconheça que

há várias racionalidades dentro do pensamento filosófico e também se reconheça o valor

do sensitivo, do estético, na busca do conhecimento, essa postura ainda não alcançou os

bancos escolares e nem a produção acadêmica atual. O tema é reconhecido pela filosofia

tradicional há dois séculos e a filosofia moderna vem qualificando a racionalidade como

sujeita ao tempo, à cultura e ao ambiente geográfico aonde foi utilizada. Iremos

observar alguns materiais didáticos utilizados no ensino médio e veremos a força do

racional na definição da filosofia que nasceu na Grécia. Primeiro selecionamos um livro

editado pela Secretaria de Educação do Estado do Paraná:

A filosofia nasceu como uma forma de pensar específica, como

interrogação sobre o próprio homem como ser no mundo, quando o

homem passou a confrontar-se com as entidades míticas e religiosas e

procurou uma explicação racional para a sua existência e a existência

das coisas. De uma explicação mítica, que entendia que o homem e

todas as coisas tinham sido gerados por deuses, o homem elaborou

novas explicações racionais a partir da reflexão sobre si e sobre o

mundo (MENDES, 2006, p. 42).

O livro Filosofando, muito utilizado no ensino médio, diz-nos o seguinte:

Por volta dos séculos VII e VI a.C. surge a filosofia na Grécia, mais

propriamente nas colônias gregas da Jônia e da Magna Grécia. Essa

filosofia, conhecida como pré-socrática, representou um esforço de

racionalização e de desvinculamento do pensamento mítico.

Caracteriza-se ainda pelo prevalecimento de questões cosmológicas,

por especular a respeito da origem e da natureza do mundo físico,

procurando a arché, ou seja, o princípio de todas as coisas. Se, porém,

o pensamento racional se desliga do mito, filosofia e ciência

permanecem ainda vinculados. Aliás, não haverá separação entre elas

antes do século XVII (ARRUDA; MARTINS, 2003, p. 192)

A posição antagônica entre razão e sensibilidade está sempre associada às artes e

à religião, instituições que também apresentam conceitos para explicar a realidade e

temas que irão desafiar o pensamento. Pois, foi justamente em oposição aos conceitos

gerados pela mitologia, pela religiosidade grega, que surgiu o pensamento racional e

filosófico. Este nascimento sustenta uma indicação de superioridade na capacidade

reflexiva do europeu, do colonizador. A lógica imperialista alienou o colonizado do

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status filosófico e da construção de temáticas filosóficas próprias, é como se o

colonizado fosse incapaz de pensar as questões e problemas que o sensibilizavam, como

se essas questões fossem menores. Afinal, os protagonistas europeus é que

determinavam as condições e os temas da filosofia.

Hegel afirmava que os Africanos, por exemplo, não eram aptos a filosofar

porque viviam em regime de escravidão (colonização), não eram homens livres e não

poderiam alcançar por isso a racionalidade (HEGEL, 1991, p. 344). Ele ainda excluiu os

orientais da história da filosofia alegando que estes não possuíam nem consciência nem

ética, portanto, não teriam também a sabedoria filosófica (HEGEL, 1955, p. 95).

Curioso notar que em condições análogas aos africanos viveram os epicuristas, os

cínicos, os estóicos e os céticos sob o jugo do Império Romano, neste período, no

entanto, para os europeus a produção filosófica continuou existindo e é considerada

historicamente válida.

No mesmo livro ele afirma ainda que a filosofia nasceu em uma Grécia

escravocrata, entre os aristocratas. Um grupo que vivia numa sociedade escravagista,

mas possuía condições para o exercício filosófico. Todavia, não foi Gramsci quem

escreveu seus Cadernos de dentro do cárcere? Será que faltou sensibilidade a Hegel?

Se Hegel privilegia o racional, alguns outros escritores trataram da dualidade

entre a razão e a sensibilidade na história da filosofia com destaque para o sensorial. A

professora Terezinha afirma que,

ao refletir sobre a experiência sensorial (experiência sensível ou

estética), a tradição filosófica ocidental raramente esteve interessada

na arte. Seu propósito, ao contrário, era formular teorias do

conhecimento, teorias da ciência ou teorias políticas. A maioria das

teorias estéticas é derivação dessas discussões filosóficas e nelas se

inscrevem como contraponto negativo. Confrontando a experiência

sensorial e a experiência racional, os filósofos indagam sobre a origem

do conhecimento e as condições para o discernimento da verdade. E,

de modo geral, o lócus do conhecimento e da verdade será atribuído à

filosofia ou à ciência como representação racional do homem e do

universo, e não às representações sensíveis realizadas pelas artes

(LOSADA, 2011, p. 13).

Dois momentos históricos da cultura brasileira nos mostram o quanto a arte nos

fez refletir sobre nossa identidade e sobre nossa construção social: a Semana de Arte

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Moderna3 e o Tropicalismo4. Talvez a arte tenha feito mais pela formação da identidade

brasileira do que a própria filosofia, e se o fez, o fez por vias primordialmente

sensoriais, sem negar o uso da razão.

Marilena Chauí, em seu livro Convite à Filosofia, muito utilizado como material

didático, ao tratar do surgimento da filosofia e de seus primeiros representantes

apresenta o seguinte paralelo entre Platão e Aristóteles:

Platão diferencia e separa radicalmente duas formas de conhecimento:

o conhecimento sensível (crença e opinião) e o conhecimento

intelectual (raciocínio e intuição) afirmando que somente o segundo

alcança o Ser e a verdade. O conhecimento sensível alcança a mera

aparência das coisas, o conhecimento intelectual alcança a essência

das coisas, as ideias. Aristóteles distingue sete formas ou graus de

conhecimento: sensação, percepção, imaginação, memória,

raciocínio e intuição. Para ele, ao contrário de Platão, nosso

conhecimento vai sendo formado e enriquecido por acumulação das

informações trazidas por todos os graus, de modo que, em lugar de

uma ruptura entre o conhecimento sensível e o intelectual, Aristóteles

estabelece uma continuidade entre eles (CHAUI, 1994, p. 140, grifos

nossos).

O antagonismo entre os dois caminhos do conhecimento percorreu toda a

história da filosofia ocidental e parece que ainda não há uma conciliação entre as

propostas desse modelo filosófico, uma superação desta dicotomia.

3 A Semana de Arte Moderna de 1922, realizada em São Paulo, no Teatro Municipal, de 11 a 18 de

fevereiro, teve como principal propósito renovar, transformar o contexto artístico e cultural urbano, tanto

na literatura, quanto nas artes plásticas, na arquitetura e na música. Mudar, subverter uma produção

artística, criar uma arte essencialmente brasileira, embora em sintonia com as novas tendências europeias,

essa era basicamente a intenção dos modernistas. Novos conceitos foram difundidos e despontaram

talentos como os de Mário e Oswald de Andrade na literatura, Víctor Brecheret na escultura e Anita

Malfatti na pintura. [Disponível em: <http://www.infoescola.com/artes/semana-de-arte-moderna/>.

Acesso:10.05.2016].

4 Tropicalismo - O universo musical brasileiro estava saindo dos embalos da bossa nova, quando

mergulhou num movimento cultural contestador e vanguardista, em plena década de 60, a Tropicália ou

Tropicalismo. O país estava recém-dominado pela ditadura militar, em plena efervescência social e

política, lutando contra a presença dos militares no poder, contra as sementes iniciais da censura. É neste

contexto que nasce o movimento tropicalista, sob a inspiração da esfera pop local e da estrangeira,

principalmente do pop-rock e do concretismo. A tropicália era o espelho do sincretismo brasileiro, pois

mesclava em um único caldeirão as mais diversas tendências, como a cultura popular brasileira e

inovações extremas na estética. Ela pretendia subverter as convenções, transgredir as regras vigentes,

tanto nos aspectos sócio-políticos, quanto nas dimensões da cultura e do comportamento. Integraram

diligentemente esta corrente cultural o cantor e compositor baiano Caetano Veloso, Torquato Neto,

também poeta, Gilberto Gil e outros no campo musical; Hélio Oiticica e outros criadores nas Artes

Plásticas; Glauber Rocha e seu Cinema Novo na esfera audiovisual; e figuras como José Celso Martinez

Corrêa no teatro. [Disponível em: <http://www.infoescola.com/movimentos-culturais/tropicalia-

tropicalismo>. Acesso em: 10.05.2016].

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2. A Estética.

Alexander Gottlieb Baumgartem como filósofo procurou definir e instituir a

estética como tema da filosofia. Segundo ele, a estética é a ciência do conhecimento

sensitivo e uma faculdade de conhecimento inferior (1993). Em seu livro inacabado A

Estética - A Lógica da Arte e do Poema, escrito em parágrafos numerados como um

texto legislativo, apresenta regras e definições para a apreciação do belo, da arte e

define o conceito de Estética.

§ 1

A Estética (como teoria das artes liberais, como gnoseologia inferior,

como arte de pensar de modo belo, como arte do análogon da razão) é

a ciência do conhecimento sensitivo.

§10

Objeção 8. A Estética é uma arte e não uma ciência. Resp.: a) a arte e

a ciência não são maneiras de ser opostas. Quantas artes, que outrora

eram apenas artes, agora são também ciências? A experiência provará

que nossa arte pode ser demonstrada. É evidente "a priori" que a nossa

arte merece ser elevada à categoria de ciência porque a psicologia e

outras ciências fornecem certos princípios e porque as aplicações,

mencionadas nos § 3, 4 e outros, o demonstram (BAUMGARTEN,

1993, p. 95 e 97).

Na Inglaterra o termo usado para designar o conceito de Estética foi crítica, os

franceses chamaram de teoria das belas artes, era a fundação da crítica da arte. É

inegável a importância, na história da filosofia, do esforço empreendido por

Baumgarten para qualificar e visibilizar esta fonte do conhecimento que se mantinha

ignorada até como tema da filosofia. Enquanto a razão se mantinha como a

característica suprema e básica da filosofia o sensível não chegava ainda a ser um tema

relevante.

Baumgarten tentou pelo racional valorizar o sensorial, colocando regras na

apreciação da arte. O que se pode entender, no entanto, como uma tentativa de

condicionar unilateralmente o sensorial à razão, como se fosse possível ao ser humano

em algum momento se desvencilhar de seus processos cognitivos, como se o problema

do homem fosse de escassez do uso da razão e não da qualidade deste racional. Ora, o

sensorial já é pré-condicionado pelo racional e, vice-versa, o racional também é pré-

condicionado pelo sensorial. Não há independência entre eles. A consciência do

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sensorial e a própria qualidade do sensorial podem ajudar, em muito na qualidade do

racional. Estudando a relação histórica da razão e da sensibilidade na filosofia, Losada

nos apresenta um pensamento do psicólogo Rudolf Arnheim:

embora “os padrões perceptivos” sejam ligados à experiência concreta

da percepção, eles guardam grande semelhança com a capacidade de

formular conceitos, típica da atividade intelectiva ou racional,

levando-o a formular a máxima de que “ver é compreender”.

(LOSADA, 2011, p. 45).

Ainda comentando esses padrões perceptivos ela mostrará que Ernst Gombrich

rejeitava a teoria de que existem dois métodos de representação visual, o natural,

baseado no sentido da visão e o conceitual baseado no conhecimento. O historiador da

arte afirmava que

toda arte é conceitual. Assim como a percepção não é o mero registro

dos estímulos visuais, exigindo a formulação conceitual de padrões

perceptivos [...] em suma, do mesmo modo como precisamos criar

algumas “chaves” conceituais para perceber o mundo, também

precisamos criá-las para poder representá-lo (LOSADA, 2011, p. 47).

O que podemos entender a partir destas considerações de Losada é que o

sensorial é constituído e condicionado pelo cognitivo, pela razão. Como veremos mais

adiante, num rápido estudo sobre a neurociência, não há independência de ação entre o

sensorial e o racional, eles são interdependentes ou meras categorias de interpretação do

ser.

Hegel se expressaria bem melhor sobre os africanos e orientais se houvesse ido à

terra deles e convivido com eles, esse contato sensível com o objeto do nosso estudo

pode afetar a qualidade do nosso racional. E o nosso racional irá afetar a qualidade do

nosso envolvimento, das nossas vivências. É o que dizemos quando vemos pessoas

avaliando situações que não vivenciaram. Para muitas pessoas que criticam o futebol

por suas mazelas e por sua elitização, podemos perguntar: você já foi ao Maracanã

alguma vez para assistir um clássico do futebol carioca?

O mesmo se dá quando queremos entender a nossa realidade com conceitos

elaborados por europeus que pouco entendem ou pouco foram afetados pela nossa

realidade. Outro erro é querer explicar a natureza sensível das coisas com conceitos

provenientes do conhecimento racional, matemático. É o mesmo que dizer que uma

representação da realidade para ter valor tem que ser, inexoravelmente, explicada com

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base no pensamento europeu, ou, com base exclusivamente no pensamento racional. O

sensitivo tem valor em si mesmo tanto quanto o racional. A busca e as fontes do

conhecimento são permeadas de relações afetivas e sensíveis que tanto nos afastam

quanto nos aproximam da verdade sobre os objetos estudados. E aqui se está apelando

ao discurso racional para dar crédito ao sensível na busca do conhecimento!

Esta depreciação do sensível tem consequências concretas. Talvez por se

entender que o homem se diferenciou dos outros animais pelo desenvolvimento racional

(Homo Sapiens Sapiens), acreditava-se que o desenvolvimento da racionalidade é que

seria, em resumo, a essência do desenvolvimento da espécie humana. Assim sendo o

trabalho intelectual sempre foi mais valorizado que o trabalho manual e, o trabalho

manual, tem mais a ver com os sentidos. Até hoje o que diferencia uma escola de massa

de uma escola de elite é que uma se dedica mais ao saber (formação intelectual) e outra

ao fazer (formação técnica), a denominada dualidade educacional (KUENZER, 2004).

Por este padrão, ou por esta “lógica”, uns serão líderes e outros comandados. Hoje se

sabe que o trabalho manual deve ser tão valorizado quanto o trabalho intelectual e ainda

que o homem se diferencia dos animais também por sua configuração emocional e

sensorial.

Arte e filosofia são interpretações da realidade (e filosofia não é ciência)

normalmente a proximidade de um conceito artístico com um conceito filosófico

legitima esse conceito artístico, o contrário, já não é verdade. Sabe-se, porém, que

muitos conceitos e muitos conhecimentos foram promovidos na sociedade por

movimentos culturais e artísticos, tais como os já citados: Semana de Arte Moderna e

Tropicalismo.

3. Conceituando o Sensorial.

3.1. Como os orientais lidariam com o dualismo sensorial x racional?

A existência e a inexistência geram-se uma pela outra

O difícil e o fácil completam-se um ao outro

O longo e o curto estabelecem-se um pelo outro

O alto e o baixo inclinam-se um pelo outro

O som e a tonalidade são juntos um com o outro

O antes e o depois seguem-se um ao outro

[Tao Te Ching. Lao Tse, s/d]

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Pode-se pensar o equilíbrio dos opostos mediante o uso adequado destes

elementos, incluindo o uso dos extremos e não somente o caminho do meio, que seria,

neste sentido, uma espécie de apatia, de mornidão. Assim sendo, houvesse uma linha

onde se opusesse o conhecimento racional ao conhecimento sensível, o equilíbrio entre

eles seria realizado mediante a necessidade imposta pelas circunstâncias e mediante a

potência apresentada por aqueles que o utilizam.

Digamos que no momento do surgimento da filosofia, para se contrapor ao

conhecimento mitológico, religioso, ela teve que se valer de forma mais intensa do

conhecimento racional. Suponhamos que nos países ocidentais prevaleça a capacitação

racional à sensorial, então eles também acabariam por usar mais esta qualidade que a

outra. Assim como se diz que o futebol brasileiro é um futebol arte enquanto o futebol

europeu é um futebol de resultados. Cada um vai trabalhar com as melhores armas de

que dispõe para obter os melhores resultados e com a intenção de suprir as necessidades

específicas do momento e da questão. Entenda-se que não se trata aqui de inteligência,

mas de construção do conhecimento.

O símbolo mais conhecido do Taoísmo, o Tai Chi, que significa em tradução

literal “grandes extremos” representa o movimento dos opostos que se somam, uma

dialética oriental. Em situação primária ao Tai Chi, está Wu Chi e o Tao, como é

explicado abaixo:

O Vazio é representado por Wu Chi, o vazio primordial, o que havia

antes da criação, o que existia antes da primeira manifestação, o

extremo silêncio e quietude. De Wu Chi surge o Tao, a primeira

faísca, o germe de criação, a semente, a energia potencial de todas as

coisas. Do Tao surge o Tai Chi, representando tudo o que existe de

maneira manifesta no universo, pois mostra o Yang dentro do Yin, o

Yin dentro do Yang, a mutação constante, a transformação constante

de um no outro, o outro no um, de um extremo ao outro e um retorno

ao outro extremo. (CASTRO JUNIOR, 2007, p.22)

O Tai Chi nos apresenta uma relação possível entre o sensível e o racional como

elementos complementares de um mesmo movimento. Ainda que pareçam antagônicos,

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A imagem do Tai Chi

como nos ensina o taoísmo, é uma distinção artificial. Na verdade o pensamento

humano nunca é puramente racional ou puramente sensorial. Não há uma chave que

desligue a nossa sensibilidade (subjetividade) e ligue a nossa racionalidade

(objetividade). São categorias manifestas de conceituação e de percepção. Os métodos

utilizados para o pensamento, para a construção do conhecimento, tentam justamente

superar a subjetividade quando deveriam superar a dualidade. Ainda sobre o Tai Chi, o

I Ching afirma:

Essa lei é o Tao de Lao-Tse, o curso das coisas, o princípio Uno no

interior do múltiplo. Para que possa tornar-se manifesto é necessário

uma decisão, um postulado. Esse postulado fundamental é o '"Grande

princípio primordial" de tudo que existe, "t'ai chi" [...] Wu Chi, um

princípio ainda anterior a t'ai chi, era simbolizado por um círculo.

Segundo essa concepção, t'ai chi era representado por um círculo

dividido em luz e escuridão, yang e yin. Esse símbolo também teve

um papel importante na índia e na Europa. No entanto, especulações

dualistas de caráter gnóstico são estranhas ao pensamento do I Ching

em sua origem. (I Ching, 2006, p. 8-9).

Curiosamente, o termo Tao já foi traduzido no ocidente como sentido, na versão

inglesa do I Ching (I Ching, 2006), e também por razão. Há um princípio único para a

manifestação do racional e do sensível, o que nos desafia a trabalhar a busca do

conhecimento como resultante de forças dialéticas que contribuem para gerar um curso

contínuo de descobertas, um fluxo mutante, pois se movimenta e se altera. São forças

interdependentes e não forças concorrentes que se ameacem ou que coloquem em risco

a atuação do outro.

Considera-se a filosofia oriental comprometida por ser aliada e emanada da

religiosidade, ou melhor, por ter como uma de suas características o sensorial. Será que

não é apenas outro modelo filosófico? Os filósofos europeus que beberam na fonte da

filosofia oriental, parece-nos, deram mais valor ao sensível na busca do conhecimento.

O filósofo argentino Júlio Cabrera, professor da UNB, refere-se a Martin Heidegger,

Arthur Schopenhauer e a Friedrich Nietzsche como filósofos que

não se limitaram a tematizar o componente afetivo, mas o incluíram

na racionalidade como um elemento essencial de acesso ao mundo. O

pathos deixou de ser um “objeto” de estudo, a que se pode aludir

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exteriormente, para se transformar em uma forma de

encaminhamento. (CABRERA, 2006, p. 16, grifo nosso).

Cabrera diz que estes filósofos “pensaram o impacto da sensibilidade e da

emoção na razão filosófica”. Muito embora muitos filósofos tenham tratado deste tema,

poucos utilizaram o potencial do elemento afetivo (pathos) e sensível para compreensão

da realidade. Ele aponta que em sala de aula queremos que nossos alunos “se

apropriem” de uma questão filosófica e para tanto dizemos que eles devem vivenciar,

sofrer, sentir aquela questão para que não apenas a entendam, mas sejam afetados por

ela, não se mantenham insensíveis a ela. Em seu livro Cabrera propõe o uso do cinema

para introduzir o pensamento filosófico na sala de aula, os filmes teriam uma

racionalidade tanto lógica quanto pática, o que tornaria os alunos mais aptos a

entenderem os temas filosóficos. Segundo ele “o emocional não desaloja o racional:

redefine-o” (CABRERA, 2006, p.16-18).

Não parece adequado pensar que o pático, o sensível, está embutido na

racionalidade como um dos aspectos dela, uma de suas características: o lógico e o

pático. Pensamos que são categorias que devem se fundir na construção do

conhecimento mesmo sendo elementos que se manifestam de forma distinta. O racional

e o sensível são duas fontes de conhecimento que o corpo, o ser, possui.

Muito embora tenha a filosofia grega tentado romper com a religiosidade e com

o mítico na busca do conhecimento, nada é tão “novo” ou “revolucionário” quanto

pretende, observe que a filosofia perpetuou o dualismo corpo/mente, razão/sentido

herdado da religião. O corpo, da onde provém os sentidos, foi tratado em muitos

momentos como o “cárcere da alma”, o obstáculo do homem na busca da evolução, da

superação. Segundo o professor Miguel Barrenechea, Nietzsche tem uma importante

contribuição para rompermos com essa dualidade. O filósofo alemão

será um agudo crítico daqueles que julgam que o essencial do humano

seria a consciência, a razão, o pensamento. O corpo deve ser, na sua

ótica, o fio condutor para a compreensão do humano, para interpretar

todas as questões, desde as premências vitais, do dia-a-dia, até as

idéias consideradas como as mais elevadas, mais complexas da

reflexão filosófica. (BARRENECHEA, 2011).

Barrenechea vai apontar que Nietzsche refuta o dualismo clássico que enxerga

uma razão acima do corporal humano. Apresenta inclusive sua postura muito mais

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crédula dos sentidos que da razão, pois entende o “pensamento racional como uma

doença” e sugere que deveríamos nos deixar guiar pelos instintos. Para o autor alemão,

a mente, a consciência e a razão são mitos, o que realmente existe é o corpo. E veja

como o pesquisador descreve a ação desse corpo nietzschiano, que tem todas as suas

forças em constante movimento e luta:

No homem, na carne humana, encontramos um incessante dinamismo,

um perpétuo jogo de forças; contudo, a cada momento dessa

configuração do dinamismo corporal, a totalidade orgânica estabelece

hierarquias. Entre as forças há algumas que pontualmente vencem,

dominam e impõem sua vontade à totalidade corporal.

(BARRENECHEA, 2011).

Aqui nos encontramos com o Tai Chi nietzschiano, uma luta dos instintos onde

se manifestam energias que superam outras, num constante movimento. Um fluxo que

supera o dualismo entre o racional e o sensorial através do corpo. O corpo é o que

realmente importa, é o resumo do ser, Nietzsche expressa essa relevância do corpo

através de Zaratustra: “Tudo é corpo e nada mais; a alma é simplesmente o nome de

qualquer coisa do corpo” (NIETSZCHE, 2002, p, 46).

3.2. Como a neurociência entende o sensorial?

Esta parte do trabalho se baseia fundamentalmente em entrevista aos médicos

Adriano Pereira Tiago e Neliane Nunes Teodoro (TIAGO e TEODORO, 2016) que

depois foi fundamentada no livro “O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro

humano” do neurocientista Antônio R. Damásio (DAMASIO, 2015). A conversa me fez

perceber que as descobertas recentes da neurociência têm muito a contribuir com o

estudo da construção sensorial do conhecimento.

Pensando-se o sensorial a partir da neurociência, mais uma vez veremos que não

há dicotomia ou rivalidade na ação dos sentidos e da razão. Uma grande contribuição da

neurociência foi desmitificar a ideia de que o racional está na mente e o emocional no

coração. Na verdade todos os processos acontecem no cérebro, no sistema nervoso

central. O pensamento não está em uma área supracorporal (como se suponha que a

mente era) e o sensitivo localizado no corpo, não! Ambos estão no corpo e são

produzidos no mesmo lugar, no cérebro.

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No mesmo lugar e com as mesmas estruturas e elementos que produzimos o

pensamento, produzimos o sentimento. O sistema nervoso central é responsável por

receber as informações do meio externo e nos comunicar com ele, toda a nossa

interação com o ambiente externo do corpo se deve a ele, os pensamentos, as sensações,

as razões, os sentimentos, os aprendizados, as lembranças, tudo. Do sistema nervoso

central fazem parte o cérebro, o sistema nervoso periférico e o sistema límbico, citando

apenas alguns de seus componentes.

O sistema nervoso periférico faz a comunicação de todo o nosso corpo com o

sistema nervoso central através dos nervos, estes transmitem informações motoras,

sensitivas (denominada pelo neurocientista Damasio de emoções primárias), e

sensoriais (denominada pelo neurocientista Damasio de emoções secundárias), ao

cérebro, que é parte dele. As informações motoras dizem respeito ao movimento dos

músculos do corpo, as informações sensitivas dizem respeito às percepções básicas do

corpo, como reconhecer o frio, o calor, o medo, a fome e a dor e as sensoriais estão

intrinsecamente ligada aos órgãos dos sentidos. Quando seguramos um copo de água

fria recebemos uma gama de informações, pois movemos nossa mão para segurar o

copo, percebemos o frio da água e, pelo tato e pela informação cultural que temos,

sabemos que estamos segurando um copo e que ele é diferente de uma garrafa, por

exemplo. Vê-se também que na neurociência há distinção entre o sensível e o sensorial,

como não acontece na filosofia. O professor e doutor Damásio entende o sentimento

agindo nas emoções, ele traria a consciência da emoção ao homem diferindo-o dos

animais e dando a ele condição de lidar de forma diferente com as emoções:

preparando-se para elas ou escamoteando-as, por exemplo. Ele escreve: “sentir os

estados emocionais, o que equivale a afirmar que se tem consciência das emoções,

oferece-nos flexibilidade de resposta com base na história específica de nossas

interações com o meio ambiente.” (DAMASIO, 2015, p. 155 e 156) Ainda uma vez,

verificamos o aspecto cognitivo presente no sensorial.

As informações sensitivas são ligadas ao caráter biológico do nosso corpo, em

todo lugar do mundo todo ser humano sente frio, calor, fome e dor, por exemplo. As

informações sensoriais, ligadas aos órgãos dos sentidos, são profundamente

condicionadas cultural e cognitivamente. Você entenderá como saborosa aquela comida

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que sua cultura apontar como saborosa, você utilizará o sal e o doce de acordo com ela

também, saberá o que é amargo, doce, o que é um copo ou uma garrafa pelo

aprendizado que teve. Os índios brasileiros, por exemplo, não utilizavam nem o sal nem

o açúcar até a chegada do europeu, depois aprenderam esse uso. Você vê o azul do mar

(os olhos são capazes de identificar mais de 10 milhões de cores diferentes) porque um

dia aprendeu que aquela cor era azul, você verá um copo porque um dia aprendeu o que

era um cilindro, o que era redondo, vidro... Assim também acontece com o olfato, que

identifica um milhão de odores e a audição que pode distinguir quase meio milhão de

sons diferentes (GERSCHENFELD, 2014).

A emoção e a razão são produzidas no mesmo lugar e com “matéria prima

semelhante”, basicamente no sistema límbico, que também faz parte do sistema nervoso

central. O sistema límbico funciona como um processador, utilizando-se das

informações sensitivas, sensoriais, e também da memória e da aprendizagem,

componentes cognitivos dessa engrenagem.

A regulação biológica relacionada com o tronco cerebral e o

hipotálamo é complementada por controles no sistema límbico. Não

cabe discutir aqui a complicada anatomia e o funcionamento

pormenorizado desse setor cerebral relativamente grande, mas cabe

salientar que o sistema límbico participa também no estabelecimento

de impulsos e instintos e tem uma função especialmente importante

nas emoções e nos sentimentos [... ] Talvez o dado mais significativo

acerca dessa combinação seja o fato de que as estruturas do cérebro

envolvidas na regulação biológica básica fazem igualmente parte da

regulação do comportamento e sejam indispensáveis à aquisição e ao

normal funcionamento dos processos cognitivos. O hipotálamo, o

tronco cerebral e o sistema límbico intervém na regulação do corpo e

em todos os processos neurais em que se baseiam os fenômenos

mentais, como por exemplo a percepção, a aprendizagem, a memória,

a emoção, o sentimento e, ainda — como proporei mais adiante —, o

raciocínio e a criatividade. (DAMASIO, 2015, p. 136 e 140)

Assim sendo, o sensorial para a neurociência tem o mesmo local de produção e

matéria prima similar à que encontramos nos sentimentos, nos pensamentos, na emoção

e na razão. “Os níveis mais baixos do edifício neurológico da razão são os mesmos que

regulam o processamento das emoções e dos sentimentos e ainda as funções do corpo

necessárias para a sobrevivência do organismo” (DAMASIO, 2015, p. 16).

Diferentemente do que por vezes observamos na filosofia, onde podemos antagonizar

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emoção e razão, sentimentos e pensamentos, sensorial e racional, nesta ciência os

processos são interdependentes. “Todos esses aspectos, emoção, sentimento e regulação

biológica, desempenham um papel na razão humana. As ordens de nível inferior do

nosso organismo fazem parte do mesmo circuito que assegura o nível superior da razão”

(DAMASIO, 2015, p. 16). A cada momento que tomamos uma decisão e fazemos uma

escolha, estamos nos valendo de informações sensoriais próprias e subjetivas.

Considerações Finais.

Finalmente, podemos também nos valer das contribuições da neurociência e de

nossas reflexões até agora para supor uma filosofia que não subestime o sensorial, o

sensível. No filme “Garotos Incríveis” um professor de literatura (Michael Douglas),

que já havia lançado um livro de sucesso, está escrevendo um segundo livro que já

possui mais de 3.000 páginas e nunca chega ao fim. Sua aluna (Katie Holmes) e

inquilina, após ler boa parte deste segundo livro ainda em fase de escrita, conversa com

ele e faz uma crítica ao texto:

- Grady, lembra quando você me disse que os escritores fazem

escolhas?

- Sim.

- Apesar de o seu livro ser lindo e impressionante, às vezes, você

exagera nos detalhes. A genealogia dos cavalos, o histórico dentário e

tudo mais. Posso estar errada, mas parece que em alguns pedaços você

não fez escolha... nenhuma. Será que não seria diferente se, ao

escrever, não estivesse sempre chapado? (GAROTOS INCRÍVEIS,

2000).

O interessante deste trecho é que ele nos ensina a escrever e porque relaciona a

escrita com várias decisões. A escrita e o pensar filosófico passam por um caminho de

várias tomadas de decisões, em cada esquina do livro e dos pensamentos o autor ou

filósofo tomará rumos e decisões e todas elas serão influenciadas por sua sensibilidade,

seu sensorial. Luria, companheiro de pesquisas de Vygotsky, cita em um de seus textos

o lugar do sensorial como sendo a base da busca do conhecimento:

Em síntese, o homem não vive somente no mundo das impressões

imediatas (como os animais), mas também no universo dos conceitos

abstratos, já que "dispõe, não só de um conhecimento sensorial, mas

também de um conhecimento racional, possui a capacidade de

penetrar mais profundamente na essência das coisas do que lhe

permitem os órgãos dos sentidos; quer dizer que, com a passagem do

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mundo animal à história humana, dá-se um enorme salto no processo

de conhecimento desde o sensorial até o racional" (LURIA, 1966, p.

12, apud REGO, 2001, p. 47).

O conhecimento racional aparece como um aprofundamento do pensamento

sensorial, um diferencial da espécie humana. Não podemos supor que no exercício

filosófico buscamos satisfazer os sentidos, mesmo nos valendo do raciocínio? Quanto

da nossa procura por explicação, informação e entendimento, não vem dos mitos do

nosso inconsciente, da libido que nos move? Muitas vezes se entende que essa base

sensorial é apenas o início do exercício de pensar e não o suporte contínuo do

pensamento. A todo momento estaremos recorrendo aos nossos sentidos, a todo

momento estaremos tomando decisões e se nos mantemos em uma pesquisa é porque

temos interesse por ela. Não só porque tivemos interesse nela quando iniciamos essa

tarefa. Parece que nossa ação cerebral e nossa ação institucional se espelham,

escolhemos uma profissão e pensamos que vamos viver dela a vida toda e felizes.

Quando decidimos que vamos fazer uma tal pesquisa e cremos que o interesse pelo tema

deverá se manifestar apenas na escolha inicial.

O ensino de filosofia tem particularidades didáticas e metodológicas, porém,

estamos preocupados com um modelo de filosofia que por sua veia imperialista e por

sua racionalidade não se assenta bem nos bancos escolares do Brasil, não se incorpora.

Não se pode negar a dificuldade que qualquer brasileiro tem ao ser perguntado pelo

nome de um filósofo brasileiro, o silêncio e o constrangimento são imediatos. Será que

somos inaptos para a filosofia ou a nossa perspectiva é que está errada?

Quando pensamos na filosofia como sendo a origem das ciências e nas enormes

transformações que essa ciência fez no mundo e no quanto essas mudanças têm sido

para benefício de tão poucos e tão descoladas do autêntico sentimento de humanidade e

de amor pela nossa casa natural, o planeta terra... não podemos impedir uma sensação

negativa quanto à ciência e quanto a toda racionalidade que a sustenta. Ainda bem que a

filosofia não é uma ciência, a filosofia é interpretativa, mesmo quando busca a verdade

sobre os fatos ela está interpretando esses fatos, tal qual o artista, o filósofo. Ambos

usando linguagens distintas e alcançando resultados distintos, mas aprimorando a visão

que temos da realidade.

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Os cristãos costumam citar uma frase que diz que devemos caminhar com a

cabeça no céu e os pés no chão, essa parceria dos sentidos com a razão é enriquecedora.

Pode ser interessante incitar os alunos para que tragam sua realidade para a sala de aula

e racionalmente, abstraindo-se dela, estudá-la como quem a olha de fora. Conjugar uma

abstração racional com uma sensibilidade pé no chão pode nos aproximar de uma

filosofia para o Brasil, de uma filosofia brasileira que pensa nossos problemas com

nossa linguagem e nossa potencialidade interpretativa da mesma. Temos que sentir

constantemente a realidade que queremos representar, temos que tê-la ao nosso lado

enquanto escrevemos, pensamos. Temos que ser e estar afetados por ela a cada novo

parágrafo, a cada nova abstração. Se seguimos um caminho de comentadores da

filosofia europeia, da filosofia hegemônica, talvez esse sensorial não nos faça tanta

falta, ou nenhuma falta, mas se queremos pensar a partir de nossa realidade e de nossas

questões próprias nacionais, acredita-se, a filosofia é outra.

Uma pedagogia filosófica do ensino de filosofia precisa estimular o pensamento

do aluno a partir do interesse do aluno. A permanência desse aluno na busca que

empreenderá virá do gosto pelo que faz. Aulas expositivas apelam apenas para o

intelecto, quando há imagens, cores, coisas para tocar, conversas, há lugar para os

sentidos.

No início do nosso envolvimento com o projeto de extensão “Filosofia na Sala

de Aula”, ao tratarmos da criação da logomarca para o projeto, surgiu o problema acerca

de qual imagem seria mais representativa da filosofia. Na discussão chegou-se a duas

imagens consideradas tradicionais: a coruja e “O Pensador” (estátua de Rodin).

Buscamos outras imagens para caracterizar o projeto, mas em quase todos os lugares

consultados na internet associados à filosofia as ilustrações eram as mesmas. Tivemos

que ceder e criamos uma corujinha estilizada para ilustrar o projeto.

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Logomarca do Projeto de Extensão

Mas não foi difícil notar que a filosofia está alienada do mundo sensorial de

forma muito clara e perceptível. Como se a filosofia fosse uma brincadeira séria dos

adultos, onde alunos não se metem. Como vamos ilustrar nosso material didático? Com

o rosto dos filósofos europeus ou com a corujinha?

Para finalizar esta exposição, mas não a discussão, concluímos nos posicionando

com a afirmação de que o problema do nascimento da filosofia não está, afinal, em sua

origem histórica e geográfica em sim no seu método de produção do conhecimento, no

tipo de saber que se produz, que é a Metodologia da Filosofia, o Filosofar, que nasce do

“espanto”, da “admiração” etc. Isto é o que diferencia substancialmente a Filosofia dos

demais saberes humanos. A sua origem histórica e geográfica tem certa importância

mas não é o determinante nesta discussão. No mínimo é um debate periférico, pois o

essencial é o que diferencia o modo de produção do saber de tipo filosófico dos demais

saberes. E isto tem a ver com a METODOLOGIA DA FILOSOFIA, que é diferente da

metodologia da ciência, da religião, da arte, do senso comum etc.

Deste ponto de vista, depois de identificada a metodologia da filosofia e em que

esta é diferente das demais formas de conhecimento, só depois disto é que se pode

voltar o olhar para a história e na história localizar onde (geograficamente) surgiu ou

aflorou este tipo de metodologia de produção do conhecimento, reconhecida como o

FILOSOFAR. Isto é o que permitiria propriamente reconhecer na África, no Oriente,

nas Américas o método de produção do conhecimento que aproxima-se ou identifica-se

com esta metodologia reconhecida como “filosófica” e que costuma-se atribuir somente

à Grécia. A história oficial reconhece que na Grécia antiga esta metodologia aflorou em

determinado tempo e lugar. Do mesmo modo historiadores contemporâneos da filosofia

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têm demostrado que isto ocorreu em outras regiões e até anteriormente do que na

Grécia.

Da mesma forma que se identificam os conhecimentos de engenharia, medicina,

arte, religião, formas de governo, formas de organização do trabalho semelhantes dentre

povos que jamais se relacionaram na história, assim também existiram em diferentes

povos e culturas formas próprias de produção do conhecimento filosófico, tipos

específicos de metodologias da filosofia.

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