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MIGUEL ÂNGELO MICAS UMA NOVA VISÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Centro Universitário Toledo Araçatuba 2009

UMA NOVA VISÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA NO ESTADO … · “Quando me amei de verdade, compreendi que em qualquer circunstância, eu estava no lugar certo, na hora certa, no momento

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MIGUEL ÂNGELO MICAS

UMA NOVA VISÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA NO ESTADO

DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Centro Universitário Toledo Araçatuba

2009

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MIGUEL ÂNGELO MICAS

UMA NOVA VISÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA NO ESTADO

DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação do Centro Universitário Toledo-

Araçatuba, para obtenção do título de Mestre em

Direito

Orientadora:

Professora Dra. Samyra Haydée Farra N. Sanches

Centro Universitário Toledo Araçatuba

2009

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BANCA EXAMINADORA

__________________________________________ Profª Dra. Samyra H Dal Farra N. Sanches

__________________________________________

Prof.

__________________________________________

Prof.

Araçatuba, _______ de _________________de 2009

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho com muito carinho as minhas filhas, e a minha amiga especial que me apoiou Claudinha.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus por ter me dado forças e paciência para alcançar o meu

objetivo, e sabedoria para vencer mais essa trajetória da vida.

Agradeço a minha família que sempre me incentivou para que eu pudesse alcançar

mais este objetivo em minha vida;

Agradeço a todos os amigos que conquistei, pois sem eles não teria conseguido

forças para superar cada obstáculo destes anos;

Agradeço a todos os professores que com zelo e destreza puderam transmitir seus

conhecimentos a mim;

Agradeço a minha professora orientadora Dra. Samyra Haydee Farra N. Sanches

pela sua paciência e dedicação dispensada para que eu pudesse ter êxito nesta etapa da minha

vida.

E a todos que de maneira direta ou indireta me apoiaram para que eu chegasse ao

final desta trajetória.

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“Quando me amei de verdade, compreendi que em qualquer circunstância, eu estava no lugar

certo, na hora certa, no momento exato. E então, pude relaxar.

Hoje sei que isso tem nome... Auto-estima.

Quando me amei de verdade, pude perceber que minha angústia, meu sofrimento emocional,

não passa de um sinal de que estou indo contra minhas verdades.

Hoje sei que isso é...Autenticidade.

Quando me amei de verdade, parei de desejar que a minha vida fosse diferente e comecei a

ver que tudo o que acontece contribui para o meu crescimento.

Hoje chamo isso de... Amadurecimento.

Quando me amei de verdade, comecei a perceber como é ofensivo tentar forçar alguma

situação ou alguém apenas para realizar aquilo que desejo, mesmo sabendo que não é o

momento ou a pessoa não está preparada, inclusive eu mesmo.

Hoje sei que o nome disso é... Respeito.

Quando me amei de verdade comecei a me livrar de tudo que não fosse saudável... Pessoas,

tarefas, tudo e qualquer coisa que me pusesse para baixo. De início minha razão chamou

essa atitude de egoísmo.

Hoje sei que se chama... Amor-próprio.

Quando me amei de verdade, deixei de temer o meu tempo livre e desisti de fazer grandes

planos, abandonei os projetos megalômanos de futuro.

Hoje faço o que acho certo, o que gosto, quando quero e no meu próprio ritmo.

Hoje sei que isso é... Simplicidade.

Quando me amei de verdade, desisti de querer sempre ter razão e, com isso, errei muitas

menos vezes.

Hoje descobri a... Humildade.

Quando me amei de verdade, desisti de ficar revivendo o passado e de preocupar com o

futuro. Agora, me mantenho no presente, que é onde a vida acontece.

Hoje vivo um dia de cada vez. Isso é... Plenitude.

Quando me amei de verdade, percebi que minha mente pode me atormentar e me

decepcionar. Mas quando a coloco a serviço do meu coração, ela se torna uma grande e

valiosa aliada.

Tudo isso é... Saber viver!!!

Charles Chaplin.

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RESUMO

No Brasil, a polícia apresenta composição complexa, pois é formada por duas instituições distintas, com relativa divisão de funções. Um segmento é fardado, com administração militar, e tem como principal atribuição o policiamento ostensivo. O outro segmento, de natureza civil e atua como auxiliar do Poder Judiciário, por isto é chamado de Polícia Judiciária e sua principal função é a apuração das infrações penais. A Polícia Judiciária é dirigida por Delegados de Polícia de carreira, bacharéis em direito. Histórica e culturalmente a Polícia Judiciária exerce suas atividades de forma apenas repressiva embora desempenhe diversos papéis no Estado Democrático de Direito, incluindo o social. Diante do aumento da criminalidade conclui-se que a repressão, utilizada pelas agências policiais para contê-la não é, isoladamente, eficaz para combatê-la. Desse modo, surge a necessidade de se buscar alternativas, em especial de prevenção ao crime. Para enfrentar o desafio de construir um papel também preventivo para a Polícia Judiciária, tornando-a mais legítima e eficaz, o presente trabalho apresenta uma alternativa que propõe a mudança de conduta da Autoridade Policial, o Delegado de Polícia, que passaria a atuar com o objetivo de tornar efetivos os princípios norteadores da nova ordem constitucional a fim de garantir e dar maior eficácia a dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais, promovendo a conciliação e orientação em conflitos sem natureza criminal ou em crimes de menor potencial ofensivo, ou ainda deixando de autuar em flagrante delito, de forma motivada, quando as circunstâncias e a gravidade do crime assim indicarem, autores de crimes de pequena ou eventualmente média gravidade. Na estrutura da Delegacia de Polícia haveria a criação de equipes multidisciplinares, com profissionais do Serviço Social e Psicologia que auxiliariam a Autoridade Policial na busca das motivações do crime e da personalidade dos envolvidos para se encontrar soluções mais justas e adequadas já na fase pré-processual. Também participariam se desejassem as pessoas atendidas, autoridades religiosas, para promover o conforto espiritual e auxiliar na busca da solução pacífica e consensual do conflito. Um profissional de jornalismo auxiliaria a Autoridade Policial em campanhas preventivas visando a redução do medo e a insegurança pública. A participação da comunidade seria de fundamental importância para o desenvolvimento da proposta e sua atuação se daria pó meio do conselho comunitário de segurança que passaria a funcionar nas sedes das Delegacias de Polícia, ao lado da Autoridade Policial, para auxiliá-la e promover estudos com vistas à participação nas políticas públicas de segurança. Este novo modelo de Polícia Judiciária teria incumbências preventivas e participaria ativamente da solução de conflitos que lhe chegassem ao conhecimento com base nos modelos de polícia comunitária e práticas restaurativas. A finalidade desta atuação preventiva seria buscar maior eficácia das garantias aos direitos fundamentais e seus elementos jurídicos encontram supedâneo nas modernas teorias do garantismo penal e do direito penal mínimo. Palavras-Chave: Estado Democrático de Direito, dignidade da Pessoa Humana, Polícia Judiciária. Criminalidade, Repressão, Prevenção, Garantismo, Conflitos sociais, Conciliação, Prisão, Polícia Comunitária, Práticas Restaurativas, Plantão Social, Equipes, Multidisciplinares.

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ABSTRACT

In Brazil, police have complex composition, because it is formed by two different institutions, with relative division of functions. A segment is uniformed, with military administration, and he/she has as main task the ostensible policing. The other segment has civil nature and acts as assistant to the Judiciary, for that is call of Judiciary Police and its main function is the investigation of criminal offenses. The Judicial Police is headed by Deputy Police career, in bachelors law. Historically and culturally the Judiciary Police performs their activities in repressive but only plays various roles, formal and informal, in the Democratic State of Law, including the media. Faced with rising crime conclude that the repression, used by police agencies to tell it is not, in isolation, effective. There are the needs to seek alternative arrangements, in particular the prevention of crime. To meets the challenge of building a preventive role also for the Judicial Police, making it more legitimate and effective, this work creates an alternative that proposal which proposes to conduct of the Police, the police Officer who will work with order to make effective the principles of the new constitutional order to ensure greater efficiency and to human dignity and reduction social inequalities, promoting reconciliation and guidance on conflicts without criminal or crimes of lower offensive potential, or also reported leaving in flagrante delicto, so motivated, when so indicate, the authors of minor crimes or, average severity. The structure of the Police station there is proposal of the creation of multidisciplinary teams, with professionals of the Social Work and Psychology to assist the police in the investigation also the motivations of those involved in crime and to seek fair and adequate solutions in the pre-procedure. Also participate if they whish people attended, religious authorities, in order to promote the comfort and spiritual help in the search of the peaceful and consensual solution of the conflict. A professional journalism to help the police in preventive campaigns aimed at reduction the public fear and insecurity. Community participation is essential of the proposal and its performance will be given through Community Security Council that would work in the headquarters of the Police station, next to the Police Authority, to assist them and promote studies in order to participate and guide the public policies of security. This new model of Judiciary Police have preventive tasks and actively participate in resolving disputes brought to it by using the techniques of conciliation, mentoring, community policing and restorative practices. The purpose of this preventive action is to search for more effective guarantees of fundamental rights and their legal aspects find supedâneo guaranteed in the modern theories of criminal and penal law minimum. Keywords: Democratic state of law, Judicial police, crime, Repression, Prevention, Guaranteed; Social conflict; Conciliation; Prison; Community Police; Restorative practices; Social duty; Multidisciplinary teams.

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Lista de Siglas

CESeC - Centro de Estudos de Segurança e Cidadania

CONSEG - Conselhos Comunitários de Segurança

DDM - Delegacia de Defesa da Mulher

DISE - Delegacia de Investigações sobre Entorpecentes

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

PRONASCI - Programa Nacional de Segurança Cidadã

RG - Registro Geral de Pessoas

SENASP - Secretaria Nacional de Segurança Pública

SUSP - Sistema Único de Segurança

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10

I - A Polícia Judiciária e seus Papéis no Estado Democrático de Direito .......................... 15

1.1. O Papel Institucional e Formal da Polícia Judiciária ......................................................... 15

1.2. O Papel Repressivo e Informal das Agências Policiais e o Poder de Polícia da Polícia ... 19

1.3. O Papel Social Formal e Informal da Polícia Judiciária .................................................... 24

1.3.1. Segurança Pública como Direito Social Formal e Polícia Judiciária ............................. 24

1.3.2. Fatos de Natureza Social e o Papel Social Informal da Polícia Judiciária ..................... 26

1.3.3. O Boletim de Ocorrência sem Natureza Criminal e Polícia Judiciária .......................... 27

1.4. O Papel da Polícia Judiciária no Regime Democrático ..................................................... 30

1.5. Construindo um Papel Preventivo para a Polícia Judiciária .............................................. 35

1.5.1. O Papel Preventivo da Polícia Judiciária e alguns princípios Constitucionais do Estado Democrático de Direito ............................................................................................................ 39

II – CRIMINALIDADE E ATUAÇÃO POLICIAL ............. .............................................. 46

2.1. Ocupação Espacial das Cidades ........................................................................................ 47

III – ELEMENTOS JURÍDICOS PARA A ATUAÇÃO PREVENTIVA DA POLÍCIA JUDICIÁRIA .......................................................................................................................... 55

3.1. Estado de Direito - Garantismo Penal ................................................................................ 59

3.2. Garantismo Penal e Polícia Judiciária ............................................................................... 63

3.3. Prevenção e Garantismo Penal .......................................................................................... 65

IV – TÉCNICAS DE PREVENÇÃO À CRIMINALIDADE E O PROG RAMA NACIONAL DE SEGURANÇA CIDADÃ (PRONASCI) ........... ....................................... 69

4.1. Justiça Restaurativa............................................................................................................ 69

4.2. Polícia Comunitária ........................................................................................................... 75

4.3. A Política de Segurança Pública voltada a Prevenção da Criminalidade do Governo Federal ...................................................................................................................................... 81

V - PROPOSTA ALTERNATIVA DE PREVENÇÃO Á CRIMINALIDA DE CONDUZIDA PELA POLÍCIA JUCICIÁRIA ................. .................................................. 84

5.1 Funcionamento Permanente do Conselho Comunitário de Segurança na Delegacia de Polícia ....................................................................................................................................... 86

5.2. Equipes Multidisciplinares Atuando ao Lado da Autoridade Policial ............................... 89

5.3. Plantões Sociais ................................................................................................................. 94

5.4. A Asistência Religiosa ....................................................................................................... 97

5.5. A Publicidade Preventiva feita pela Polícia Judiciária ...................................................... 98

CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 101

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA .................................................................................... 105

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INTRODUÇÃO

A motivação desta pesquisa nasceu da experiência do autor como dirigente

de unidades da Polícia Judiciária há mais de 20 anos e pretende demonstrar que é possível

redimensionar o poder da polícia, de cultura repressiva, também para a prevenção, com o

objetivo de prestar serviços públicos que atinjam os fins constitucionais do moderno Estado

Democrático de Direito.

Sempre que ocorre um crime é porque houve falha dos mecanismos estatais

que deveriam preveni-lo.

A prevenção é realizada de diversas maneiras, mas pode-se, sucintamente,

classificá-la em formal e informal. A prevenção formal é a colocada em prática pelo Estado

através de suas instituições. A informal é a exercida pela sociedade (família, religião,

comunidade, etc.). Ambas têm o objetivo de impedir a prática de um crime.

A prevenção geral formal de crimes é feita por um segmento fardado da

polícia. No Brasil, esse segmento é denominado de Polícia Militar e existe apenas a nível

estadual. A principal função desta instituição estatal é a de atuar ostensivamente, ou seja, de

forma visível, por isso é fardada (com vestimenta uniforme e destacada). A finalidade é a de

conter o ímpeto de pessoas que eventualmente desejam praticar uma conduta considerada

crime pela lei. Como é impessoal é chamada de prevenção geral.1

O crime é um fato social que está descrito de maneira abstrata (anterior a

sua realização) na lei penal. A esta descrição é atribuída uma pena que tem dupla função:

preventiva e repressiva. É preventiva porque a ameaça da pena tem a finalidade de incutir

temor de sua aplicação às pessoas e com isto impedi-las de praticar um fato social que está

descrito como crime (prevenção geral abstrata).

A seleção dos fatos sociais descritos pela lei penal como crime, com a

conseqüente previsão de pena, feita pelo legislador, é chamada de criminalização primária.

1 Art. 144, parágrafo 5º., da Constituição Federal de 1988: Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública;...

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Se, contudo, determinada pessoa não se intimida e pratica o fato descrito

como criminoso pela lei a ela será imposta a pena, como castigo ou retribuição pelo mal que

causou, mas também para servir de exemplo a outras pessoas, desencorajando-as de praticar

aqueles fatos selecionados pela lei penal (prevenção geral concreta).

Para que haja a efetiva aplicação da lei penal, o fato criminoso ocorrido e

sua autoria precisam ser investigados. Essa apuração é feita pela Polícia Judiciária, outra

instituição estatal, mas de caráter civil, que atua de maneira formal e por meio de um

procedimento chamado Inquérito Policial.2

No Brasil são duas as agências policiais, uma militar e outra civil. Exceto a

prevenção formal e geral as polícias atuam repressivamente, ou seja, atuam após a prática do

crime e com a finalidade de impor penas aos seus autores.

A repressão é um ataque direto apenas aos efeitos da criminalidade e causa

um aumento extraordinário na população dos presídios que, sem política adequada, produz

mais criminalidade. É dirigida especialmente às camadas menos favorecidas da sociedade.

Houve tentativas de combater a criminalidade com a edição de leis mais

severas, com aumento das penas para crimes mais graves. Esse modelo teve preferência

política porque representa uma resposta mais rápida à sociedade e atende, satisfatoriamente, a

manutenção da escala vertical da sociedade.

A sensação é de que apenas com repressão policial a criminalidade pode ser

enfrentada. E da polícia é exigida maior atuação repressiva, apesar disto não há diminuição da

criminalidade.

Conclui-se que a repressão, isoladamente, não é eficaz no combate à

criminalidade. Feita de forma seletiva causa injustiças e pode ter efeito inverso, ou seja,

contribui para o seu aumento.

A Polícia Judiciária precisa cumprir sua função social de proporcionar

segurança pública com eficiência e ao mesmo tempo não servir de instrumento de manutenção

das desigualdades sociais.

O desafio é encontrar alternativas a este modelo repressivo que possam

contribuir para a redução da criminalidade e ao mesmo tempo atender os objetivos

fundamentais do Estado Democrático de Direito. A presente pesquisa pretende trazer uma

proposta de atuação policial preventiva como resposta a esse desafio.

2 Artigo 144, parágrafo 4º, da Constituição Federal de 1988: Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

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Ao falar em “funções de polícia judiciária” a Constituição Federal de 1988

alargou as atribuições dessa instituição que também e concomitantemente fará a apuração das

infrações penais, exceto as militares (artigo 144, § 4º, da CF).

As atribuições conferidas à Polícia Judiciária pela Constituição Federal de

1988, portanto, não se resumem na atuação repressiva e esta não esgota seu potencial de

participação democrática. A Polícia Judiciária pode e deve atuar na prevenção à

criminalidade.

Destarte, buscar uma nova dimensão das atribuições policiais, adequando-

as a realidade social parece ser uma atitude positiva e necessária para contribuir efetivamente

com a prestação jurisdicional penal mais justa e legitimar a atuação da Polícia Judiciária

orientada pelos princípios do Estado Democrático de Direito.

A diversidade de atuação permitiria uma mudança significativa na cultura

dos policiais.

Entende o autor deste trabalho que é possível reduzir o número de

procedimentos, policiais ou judiciais, que visam à repressão unicamente, manejando

adequadamente os instrumentos jurídicos colocados à disposição das Autoridades Policiais,

como o instituto da antecipação da tutela da liberdade provisória, da conciliação, das práticas

restaurativas e da polícia comunitária, para buscar outros meios de solução de conflitos, como

o reparatório, terapêutico e conciliatório. (ZAFFARONI E PIERANGELI, 2002, pg. 60).

A grande maioria dos registros de ocorrências policiais relativas a

pequenos delitos e a fatos sem natureza criminal não chegaria à fase judicial e os de média

gravidade teriam uma investigação mais detalhada em relação às causas e às pessoas nela

envolvidas se fossem adotadas medidas mais adequadas.

Em face deste novo modelo de atuação, caberá à Polícia Judiciária a busca

de novos incentivos jurídicos que lhe dê possibilidades para investigar também as causas do

crime que lhe chega ao conhecimento para uma atuação preventiva e mais eficaz.

Destarte, a Polícia Judiciária terá, necessariamente, maior participação na

vida comunitária e a consciência de que a desestruturação da família, a ocupação desordenada

do solo, a educação, a cultura e a miséria, dentre outros, também podem ser elementos que

contribuem para a formação da personalidade desviada e nortear suas atuações para medidas

de prevenção às condutas criminalizadas.

É que, “para avaliar o controle social em um determinado contexto, o

observador não deve deter-se no sistema penal, e menos ainda na mera letra da lei penal, mas

é mister analisar a estrutura familiar (autoritária ou não), a educação (a escola, os métodos

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pedagógicos, o controle ideológico dos textos, a universidade, a liberdade de cátedra, etc.), a

medicina (a orientação “anestesiante” ou puramente organicista, ou mais antropológica de sua

ideologia e prática) e muitos outros aspectos que tornam complicadíssimo o tecido social.

Quem quiser formar uma idéia do modelo de sociedade com que depara, esquecendo esta

pluridimensionalidade do fenômeno de controle, cairá em um simplismo ilusório”.

(ZAFFARONI E PIERANGELI, 2002, pg. 62).

Esta pesquisa tenta demonstrar que o pensamento preventivo de atuação

policial encontra supedâneo científico e doutrinário e sua aplicação resulta em benefícios para

a administração da justiça, com reflexos na prestação jurisdicional no Estado Democrático de

Direito.

Os elementos jurídicos da proposta preventiva são encontrados nas teses do

Garantismo e do Direito Penal Mínimo (Teoria Crítica do Direito).

As idéias centrais da alternatividade no Sistema Penal, contudo, são

recentes e competem com o longo predomínio das idéias positivistas e da reação estatal

legitimada na defesa social.

Por isso, não se abandonou por completo a dogmática jurídica que pode

coexistir com essas teorias e completarem-se para comporem os fundamentos jurídicos da

proposta preventiva desenvolvida neste estudo.

O tema, ainda que difícil, é muito interessante já que dá uma nova visão de

Polícia Judiciária, procurando alargar sua atuação no campo preventivo. O estudo teve por

objetivo chamar a atenção para a possibilidade de um novo sistema de trabalho policial que

contribuirá para a legitimação da atuação da Polícia Judiciária perante a comunidade e

redução dos índices de criminalidade com o conseqüente aumento da segurança pública

interna.

O trabalho, desenvolvido com pesquisa bibliográfica e sócio-jurídica, foi

dividido em cinco capítulos demonstrou que a Polícia Judiciária pode ter atuação apenas

repressiva. O autor propôs a criação de plantões sociais, com equipes multidisciplinares, para

que a Polícia Judiciária assuma funções também preventivas

O primeiro capítulo teve o objetivo de demonstrar que a Polícia Judiciária

exerce vários papeis no Estado Democrático de Direito e a possibilidade de se construir um

papel preventivo para a instituição, com uma atuação da Autoridade Policial voltada à

prevenção, em especial aos crimes de pequena e média repercussão.

A criminalidade foi analisada sucintamente no segundo capítulo. Duas das

causas estudadas pela sociologia, a ocupação do solo nas cidades e a desestrutura familiar

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foram abordados detalhadamente porque seu conhecimento facilita o planejamento das ações

preventivas da proposta.

No terceiro capítulo o autor trouxe a fundamentação jurídica que legitima a

atuação policial preventiva.

Os modelos de prevenção à criminalidade existente foram objetos do

quarto capítulo. A justiça restaurativa e a polícia comunitária foram pormenorizadas porque se

identificavam com a proposta alternativa preventiva que foi conduzida pela Polícia Judiciária

e que é objeto do quinto e último capítulo.

A proposta de atuação preventiva trás contornos de como será feita a

prevenção pela Polícia Judiciária.

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I - A Polícia Judiciária e seus Papéis no Estado Democrático

de Direito

Neste capítulo, o autor desta pesquisa pretende fazer uma breve análise da

história, cultura e estrutura da Polícia Judiciária e também dos vários papeis que ela

desempenha no sistema penal e demonstrar que sua função institucional formal tem conotação

repressiva.

A crítica criminológica e até pesquisas com dados históricos revelam que

as agências policiais, incluindo a Polícia Judiciária, sempre foram utilizadas como longa

manus do Estado com a finalidade de manter o poder da classe dominante. Pode-se afirmar

que a esse respeito às agências policiais exercem também um papel político informal.

Em razão da grande procura das unidades de Polícia Judiciária pelas

camadas mais pobres da sociedade para resolver conflitos de cunho social, principalmente por

não haverem outras instituições que lhes dêem esse amparo, a Polícia Judiciária exerce um

papel social, também informal.

Será necessário construir um papel preventivo para a Polícia Judiciária já

que as leis não prevêem atribuições preventivas para a instituição.

Os principais atos do dirigente da Polícia Judiciária, a Autoridade Policial,

são exclusivamente repressivos e, em sua maioria, atingem as classes mais pobres da

sociedade. Para uma adequação desses atos ao programa preventivo de combate à

criminalidade, será necessário, por parte da Autoridade Policial, uma interpretação principio

lógica e conforme a Constituição Federal que enfatize principalmente o princípio da

dignidade da pessoa humana.

1.1. O Papel Institucional e Formal da Polícia Judiciária

A polícia estadual, de forma geral, é composta por duas instituições. A

prevenção geral de crimes é feita por um segmento fardado da polícia. No Brasil esse

segmento é denominado Polícia Militar. A principal função desta instituição é a de atuar

ostensivamente, ou seja, de forma visível, por isso é fardada (com uniforme).

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Para que haja a efetiva aplicação da lei penal, o fato criminoso e sua autoria

precisam ser investigados. Essa apuração é feita pela Polícia Judiciária, outra instituição

policial, mas de caráter civil, que atua de maneira formal e por meio de um procedimento

administrativo denominado Inquérito Policial.

Para o cumprimento das funções previstas na Constituição Federal de 1988

a Polícia Judiciária conta com uma estrutura física e humana. É a única instituição policial

dirigida por agentes públicos com formação jurídica como requisito: o Delegado de Polícia de

carreira.

O papel institucional da Polícia Judiciária está delineado no artigo 144,

parágrafo 4º., da Constituição Federal, assim redigido:

Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. Câmara Leal, (apud NILSSON,1996) conceitua as funções institucionais da

polícia judiciária nestes termos:

Tomando providências para disciplinar a ordem e segurança e prevenir infrações, a polícia exerce sua função normal, cuja necessidade social determinou sua criação e organização. Nessa esfera, sua missão é de ordem administrativa. Tomando, porém, providências para assegurar a ação da justiça, fornecendo-lhe os elementos de investigação e fixando o delinqüente no distrito da culpa, para repressão do crime e punição do criminoso, a polícia torna-se agente auxiliar do poder judiciário e assume, portanto, uma atividade de feição judiciária. Administrando a vigilância e prevenção, é o órgão administrativo, mas auxiliando a justiça repressiva e punitiva converte-se por desclassificação, em órgão judiciário auxiliar.

A instituição, no entanto, tem diversas atribuições que vão muito além das

funções de Polícia Judiciária e da apuração da infração penal e sua autoria, como, v.g., a

expedição de importantes documentos públicos (trânsito, antecedentes criminais, etc.), bem

como os registros de fatos de interesse jurídico sem natureza criminal e prestação de serviço

social, este de caráter informal.

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Por exercer funções públicas relevantes que exige tomada de decisões com

certo poder discricionário, o Delegado de Polícia é intitulado Autoridade Policial.3 Para seu

auxílio há um quadro de funcionários públicos denominados agentes da Autoridade Policial,

ou simplesmente policiais civis.

A Autoridade Policial é o Delegado de Polícia, incumbindo-lhe por

dispositivo legal a mantença da ordem social e a tranqüilidade coletiva. Possui, assim, poder e

exerce autoridade. Poder e autoridade que devem ser empregados unicamente a serviço da

população.

Nilsson (1996, p. 93) afirma que só “é autoridade o funcionário que está

investido no poder de mando, que exerce coerção sobre pessoas e coisas, que dispõe do poder

de polícia, ou seja, discricionariamente, nos expressos termos previstos na lei”.

No Brasil o cargo de Delegado de Polícia surgiu com o Decreto nº. 120, de

31 de janeiro de 1842, que regulamentou a Lei nº. 261, de 3 de dezembro de 1841. O nome

Delegado de Polícia foi usado pela primeira vez no Alvará de 10 de maio de 18084, para

designar a autoridade policial da Província, que representava o Intendente Geral (NILSSON,

1996, p. 93).

As funções da Polícia Judiciária são exercidas em sedes próprias chamadas

Delegacias de Polícia ou Distritos Policiais.

3 Código de Processo Penal - Art. 4º: A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. Artigo 144, § 4º da Constituição Federal: "às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares". Damásio Evangelista de JESUS adverte que o "conceito processual penal de autoridade policial é mais restrito do que o do Direito Administrativo na medida em que este último alcança todos os servidores públicos”. Assim, o artigo 301 do CPP, tratando do flagrante compulsório, acentua que ‘as autoridades policiais e seus agentes’ deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito. A lei faz distinção entre os termos ‘autoridade e agente policial’, indicando que nem todo agente policial será autoridade". Será considerada autoridade policial, exclusivamente, aquela com poderes para conceder fiança, presidir o inquérito e requisitar diligências investigatórias, tomando todas as providências previstas no artigo 6º do CPP, ou seja, somente os Delegados de Polícia. No IX Encontro dos Tribunais de Alçada do Brasil, realizado nos dias 29 e 30 de agosto de 1997, em São Paulo, SP, através do Comunicado de n.º 20, de 16 Outubro de 1997, na Resolução de Matéria Criminal, em seu item 7, por maioria decidiu-se que a Autoridade Policial a que se refere à Lei n.º 9099/95, é o Delegado de Polícia". 4 No Brasil, pode-se dizer que a Polícia ganhou o primeiro sopro de vida institucional com o Alvará de 10 de maio de 1808, assinado pelo príncipe regente, criando, a exemplo do que já existia em Portugal, o cargo de Intendente-Geral da Polícia do Brasil. Em 03 de dezembro de 1841, através da Lei n° 261, que reformulou o Código Criminal do Império, logo no Título I, é criada a Instituição Policial, estabelecendo-se a hierarquia entre Delegados e Sub-Delegados, chamando-os de AUTORIDADES POLICIAIS, subordinando-os ao denominado CHEFE DE POLÍCIA. O projeto de Código de Processo Penal de Frederico Marques, na Exposição de Motivos, já dizia: “Mantém o Projeto a designação “Autoridade Policial” em lugar de “Delegado de Polícia”, por abranger a primeira os funcionários públicos que exerçam a mesma atividade, tanto nos Estados como na Polícia Federal. Distingue-se, ainda, a Autoridade Policial de seus agentes. Tem-se a primeira como pessoa que, investida por lei, dirige as atividades da Polícia Judiciária, no âmbito de suas atribuições” (FOGOLIN, Marco Antônio Scaliante. Autoridade Policial, conceito e tratamento. São Paulo, Revista ADPESP, ano 19, nº. 26, dezembro de 1998, p. 55).

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As Delegacias de Polícia, onde são exercidas as funções da Polícia

Judiciária, permanecem abertas durante o dia e também à noite. Têm acesso físico facilitado,

diferente de outras repartições, públicas ou privadas, que exigem procedimentos ou

identificação antes do ingresso no seu interior. Por isso foram, sem dificuldades, alvos de

ataques de um grupo criminoso organizado5. Nem mesmo em estabelecimentos de saúde, que

também funcionam ininterruptamente, é tão fácil o acesso ao médico, v.g. A Autoridade

Policial é a única a receber cidadãos sem necessidade de audiência previamente marcada.

O autor deste trabalho fez uma pesquisa no município6 em que exerce suas

funções e a Delegacia de Polícia foi apontada pelos entrevistados como a segunda repartição

pública mais procurada pela população, ficando atrás apenas da Prefeitura Municipal. Setenta

e um por cento (71%) das pessoas entrevistadas disseram que antes de procurarem outra

repartição, passaram primeiro pela unidade policial para obterem informações. Quando se

pesquisou os motivos que levam os cidadãos a procurarem o auxílio de órgãos ou entidades

públicas, descobriu-se que os “conflitos interpessoais” estão entre os principais, e que neste

particular, dentre os demais órgãos públicos, a unidade policial é a mais procurada7.

Podemos sentir, com isto, que a Delegacia de Polícia é uma instituição

democrática e de apoio à cidadania, e não, (como imaginam muitos), uma agência policial que

age com truculência na apuração de crimes.

Hodiernamente, as Delegacias de Polícia Especializadas fornecem

atendimento mais racional e qualitativo em relação a determinados fatos de maior incidência

num determinado universo, como é o caso das Delegacias de Defesa da Mulher (D.D.M.) e

Delegacias de Investigações sobre Entorpecentes (D.I.S.E.). Nestas são onde mais se sentem

as necessidades de um aprofundamento da investigação em relação aos motivos do fato

criminoso e pessoas nele envolvidas para a busca de uma resposta, não apenas repressiva, mas

também como medida eficaz para solução do conflito.

5 O PCC – Primeiro Comando da Capital – organizou vários ataques a Delegacias de Polícia e postos policiais em São Paulo no ano de 2006 (Souza, 2006). 6 Município de Castilho, interior do Estado de São Paulo. População de 16.580 habitantes. (Fonte IBGE, posto de Andradina). 7 Pesquisa de campo realizada pelo autor no município de Castilho exclusivamente para este trabalho, nos meses de agosto e setembro de 2008. Foram entrevistadas 176 pessoas em todos os bairros da cidade, inclusive fora do perímetro urbano. Questionou-se: 1) Qual repartição pública você mais procurou no ano para solucionar problemas? 2) Você procurou por uma delegacia de polícia durante este ano? Você pode informar qual motivo levou a procurar uma repartição pública: () documentos; () conflitos com outras pessoas; () assuntos relacionados a imóveis; () assuntos relacionados à família, etc.? Foram feitos questionários escritos, com explicações para preenchimento e espaço para respostas. A folha foi colocada dentro de um envelope e entregue a pessoa para responder com prazo de 2 dias, quando então seriam recolhidos os envelopes. Foram distribuídos 500 envelopes e recolhidos houve aproveitamento com respostas e em condições de atender à pesquisa 176. Não houve registro da pesquisa ou qualquer detalhamento técnico, porque serviria exclusivamente a obter dados para este trabalho.

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Destarte, nas unidades de Polícia Judiciária deságuam, em maior

proporção, fatos que requerem uma solução mais ampla do que a repressão orientada pelo

sistema penal. A solução mais eficaz dos conflitos, com reflexos no índice de criminalidade,

necessita de uma atuação mais complexa que a apuração do fato criminoso e sua autoria e

exige uma investigação técnico-profissional dos motivos do crime e das pessoas nele

envolvidas.

Pode-se aproveitar o fluxo de conflitos que chegam às unidades policiais

para conhecimento, avaliação e aplicação de formas alternativas de solução de conflitos, com

a finalidade, também, de prevenir à criminalidade.

1.2. O Papel Repressivo e Informal das Agências Policiais e o Poder de Polícia da Polícia

Sabe-se que o poder de polícia é inerente ao Estado e que vários órgãos o

exercem. Em linhas gerais, o poder de polícia é definido como sendo a atividade do Estado,

consubstanciada em um conjunto de atribuições conferidas à Administração Pública, com a

finalidade de disciplinar ou restringir direitos e liberdades individuais em favor do interesse

público.

Nilsson (1996, p. 91), citando o Juiz Cooley (Constitutional Limitation,

New York, 1903, p. 829), assevera que:

O poder de polícia (police power), em seu sentido amplo, compreende um sistema total de regulamentação interna, pelo qual o Estado busca não só preservar a ordem pública, senão também estabelecer para a vida de relações dos cidadãos aquelas regras de boa conduta e de boa vizinhança que se supõem necessárias para evitar conflito de direitos e garantir a cada um o gozo ininterrupto de seu próprio direito, até onde for razoavelmente compatível com o direito dos demais. Segundo o citado autor (1996, p. 91), “foi Marshall, no caso Brown vs.

Maryland, em 1827, quem empregou a primeira vez a expressão “police power”, a qual voltou

a ser usada dez anos mais tarde, no caso Mayer of New York vs. Miln, tornando-se, depois,

costumeira”.

O Poder da polícia, espécie do gênero poder de polícia, é mais específico,

portanto, mais nítido. Em linhas gerais é definido como o poder de restringir direitos e

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liberdades individuais para a preservação da ordem pública e na prevenção ou repressão de

crimes. 8

Em relação ao poder da polícia, ensina Moraes (2008, p. 21) que:

Inicialmente, no que tange à sua origem etimológica, registra-se que o termo polícia é originário do grego “politéia”, passando para o latim “politia”, e representava o conjunto de leis ou regras impostas ao cidadão (de cidade, ou “civitate”), com o fito de assegurar a moral, a ordem e a segurança pública”, ou significando ainda a limpeza, a organização, à civilidade, visando, enfim, a tranqüilidade e a segurança do grupo social (grifos nossos).

A atividade administrativa é comum a todos os órgãos do Estado. Contudo,

quando se fala em poder da polícia quer significar o órgão (civil ou militar) da Administração

que tem por finalidade garantir a ordem e a tranqüilidade públicas.

O poder da polícia, no entanto, segundo abalizadas críticas, tem sido

desvirtuado e acaba sendo utilizado para a implantação ou manutenção de um regime de

governo.

Muniz (2001, p.1), pesquisadora do Centro de Estudos de Segurança e

Cidadania (CESeC), da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, em entrevista ao

site ComCiência, lembra que ao longo de quase 160 anos da história da polícia no Brasil as

organizações policiais estiveram empenhadas para a proteção do Estado contra a sociedade,

ou seja, desde que criadas elas foram, por força de lei, forçadas a abandonar as funções

estritamente policiais para assumir papel de instrumento de imposição da ordem advinda do

Estado. “O fazer polícia significando defender o Estado contra o cidadão é algo que está

bastante claro na farta documentação histórica, legal e formal existente” (grifos nossos).

Destarte, historicamente as agências policiais foram a longa manus do

Estado e exercem, por isso, um poder exclusivamente repressivo. Se não, vejamos:

No ano 1.000 a.C., no Egito, os “guardas” eram facilmente identificáveis

pelos bastões que carregavam porque possuíam uma bola de metal com o nome do Faraó a

que serviam (MORAES, 1986, p. 97).

No mundo Ibérico os policiais eram tidos como dignitários e suas funções

eram exercidas por cidadãos conhecedores das leis. As funções de polícia e magistratura

concentravam-se na mão de uma só pessoa que estava a serviço do governo (Ibid, p. 99).

No Brasil, a idéia de polícia foi introduzida quando D. João III outorgou a

Martin Afonso de Souza uma carta régia para estabelecer a administração, promover a justiça

e organizar o serviço de ordem pública nas terras que conquistasse na colônia. O primeiro 8 Esta dedução pode ser extraída das atribuições da polícia enunciadas no artigo 144 da Constituição Federal de 1988.

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governador geral do Brasil tinha a “alçada no crime e no civil”, segundo as Ordenações

Manoelinas, então vigentes em Portugal e nas colônias, e era o encarregado de determinar a

abertura, conduzir e mesmo sentenciar os processos, podendo, inclusive, impor a morte, sem

apelação e nem agravo (Ibid, p. 100).

As estruturas das agências policiais, como visto, foram criadas e mantidas

pelo Poder, de maneira que sua finalidade acabava sendo o cumprimento da vontade da classe

dominante, ou seja, eram orientadas ou manipuladas a cumprir e servir àqueles que detinham

o poder.

Verifica-se, assim, que o nascimento da idéia de polícia prende-se à

repressão para preservação da ordem pública (formal) e do sistema de governo (informal).

No Brasil, a polícia sempre esteve ligada, e ainda está, culturalmente, à

repressão e ao poder político. Essa verdade foi traduzida em fatos por Neder e Cerqueira Filho

(2006, p. 19):

Se colocarmos o foco de nossas lentes para as instituições policiais (policias militares e policias judiciárias no modelo federativo pactuado por Rui Barbosa no início da implantação da ordem republicana, por exemplo), podemos observar uma tal permanência de longa duração na cultura política e jurídica destas instituições. [...] Os momentos considerados como marcos históricos de ruptura política na história republicana, como a Revolução de 1930, ou o retorno para o Estado de Direito em 1945, passando pelo nacional-desenvolvimentismo e mesmo pelo golpe militar de 1964, por exemplo, não implicaram mudanças institucionais estruturais significativas nestas instituições acima mencionadas (instituições policiais e judiciais), que diferenciassem radicalmente do modelo jurídico-institucional de sua reforma no início da República. Nem mesmo os acalorados debates da Constituinte de 1988, quando as forças do campo democrático experimentaram um momento de muitas vitórias políticas e ideológicas, foram capazes de empreender grandes mudanças na estrutura das instituições policiais [...] Saímos de uma ditadura militar sem uma séria discussão sobre sua reforma e sobre os efeitos políticos e ideológicos da não-mudança nas políticas de segurança pública.

Embora o direito moderno evolua para a busca de limites para o poder

institucional da polícia, as agências policiais continuam sendo as executoras diretas dos atos

punitivos e ligadas, consequentemente, à repressão e ao poder político.

Portanto, o poder da polícia reside e sempre residiu na repressão. Este

poder funda-se na possibilidade de impor ou recomendar um castigo, o que causa temor. O

medo das pessoas pelas agências policiais, em razão do seu poder, acaba sendo o fundamento

do seu uso pelo Estado para manter um regime de governo, ou seja, o poder e estrutura das

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agências policiais são usados para manter a ideologia do controle social9. É oportuna a

observação de Batista (2002, p. 168):

[...] as elites que sempre governaram o país usaram-nos historicamente, enquanto funcionários do Estado, para os serviços mais difíceis, mais brutais e brutalizantes, inclusive algumas vezes para serviços sujos; usaram-nos e mantiveram-nos bem longe de qualquer coisa importante; bons para a porta da garagem, porém sem nenhum acesso à sala de visitas.”

Apesar disto, no Brasil, este poder de polícia da polícia: a repressão, foi

mitigado e encontrou maior recuo nas críticas que passou a sofrer após a nova ordem

constitucional inaugurada em 1988. A fiscalização das agências passou a ser exercida por

diversos órgãos e de múltiplas formas (interna ou externa). A repressão baseada na tortura e à

margem da lei, amplamente difundida durante o militarismo, experimentou acentuada queda

com a edição de leis que proíbem e punem estas práticas10.

Os paradigmas autoritários e desumanos de combate ao crime foram

abolidos pela nova ordem jurídica. As agências policiais foram surpreendidas por uma

legislação mais democrática que exigem uma atuação menos repressiva de seus quadros.

Paralelamente, houve aumento de organizações e associações para o crime e maior acesso de

criminosos a novas tecnologias. Com isto, os policiais se viram despreparados para o

enfrentamento deste fenômeno e passaram a justificar suas existências intensificando o

combate a média e pequena criminalidade que, para o Estado, foi conveniente, pois em

relação ao controle social a polícia continua a desempenhar bem o seu papel político.

Esta atuação policial causou um aumento considerável na população

carcerária que redunda, evidentemente, na crise do sistema penitenciário, que não estava

preparado por não ter políticas públicas destinadas a atender a demanda.

Este modelo altamente repressivo e seletivo teve inspiração norte-

americana, no programa denominado “Tolerância Zero”. A década de 1980 ficou marcada nos

USA pelo “endurecimento” de seu sistema de justiça criminal em relação ao crime. Desde

então, a população prisional dos USA vem aumentando regularmente, tendo crescido de

aproximadamente 500 mil para dois milhões de indivíduos em vinte anos (Blog da Segurança,

2007).

9 Controle que o Estado exerce sobre a sociedade para legitimar a ideologia do governo. Ideologia é considerado um estilo político que indica e prescreve aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer (Lopes, 1997, p. 133-134). 10 Em especial a Lei 9.455/97, sobre a tortura.

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Moraes (2008, p. 54) chama a atenção para o fato de que:

Os presídios estão lotados de criminosos e o povo continua amedrontado, do lado de fora. Entretanto, qualquer pessoa medianamente informada estranha que a superlotação carcerária brasileira, composta de “perigosos bandidos”, apresente mais de 95% de indivíduos sem instrução e efetivamente pobres, não tendo condições sequer de pagar um advogado para sua defesa. Naspolini Sanches (2006, p. 160), citando matéria da revista Veja

intitulada: A Punição Inútil salienta que “de cada dez presos, três cometeram delitos banais,

como roubar tijolos ou uma lata de leite”.

O sistema penitenciário, de notórias rebeliões e famosos criminosos,

dispensa maiores comentários quanto à sua rudeza e às nefastas conseqüências que traz

àqueles que a ele são levados. Dois ditos populares são suficientes para se ter uma idéia do

que representa as prisões: “É escola do crime”. “ É o inferno na terra”.11

Desvenda-se o papel, também informal, das agências policiais no atual

Estado Democrático de Direito: a repressão aos pobres.

Acuados, dentro e fora dos presídios, sem assistência nem opção, os

pequenos e os eventuais criminosos encontram na associação e no trabalho organizado uma

forma mais racional de buscarem seus anseios e se tornarem mais fortes com a prática do

crime.

Entende o autor deste trabalho que a atuação apenas repressiva em relação

à pequena e média criminalidade possibilita o recrutamento de seus autores pelo crime

organizado ou a associação a outros criminosos, e isto gera mais criminalidade.

Torquato Avolio (1995, p. 17) capta essa realidade e salienta:

A criminalidade nos grandes centros toma proporções de uma velada guerra civil, em que se digladiam poderosas organizações criminosas. Entre a apatia da sociedade (caracterizada por uma generalizada descrença na Justiça e no Parlamento) e a ineficiência do Estado (agravada pelo descompasso no paralelismo processo-Constituição) instala-se o que poderíamos denominar de uma “atual crise da Justiça. Que se distingue pela ineficiência dos mecanismos repressivos, conduzindo a uma vexatória e ameaçadora impunidade dos infratores, em todos os níveis da sociedade” (grifos nossos).

A crise da segurança, a ineficiência do Estado, a descrença na justiça têm,

em parte, sua origem, segundo entendimento do autor desta pesquisa, na incapacidade do

Poder Público de prevenir, de forma adequada e eficaz, à criminalidade e utilizar de forma

equivocada as agências policiais, empregando-as apenas na repressão.

11 Ditos populares em relação ao que representa os presídios na concepção popular.

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Em face do que foi dito fica claro, destarte, que as agências policiais

exercem um papel político informal de natureza exclusivamente repressiva, dirigido as

camadas mais pobres da sociedade com o fim de manter o controle social, por isto são tidas

como longa manus do Estado.

1.3. O Papel Social Formal e Informal da Polícia Judiciária

1.3.1. Segurança Pública como Direito Social Formal e Polícia Judiciária

O direito à segurança pública é, portanto, um direito social e,

consequentemente, um direito fundamental.

Os direitos sociais, como direitos fundamentais, podem ser exercidos sob

dois aspectos: o das instituições e o das pessoas. Para as instituições que detêm parcelas de

poder o seu exercício deve ser instrumento de tutela e satisfação de direitos fundamentais.

Portanto, é tarefa das instituições buscarem a harmonia social para permitir o livre

desenvolvimento da pessoa humana. As instituições devem adotar como finalidade a busca da

dignidade humana e a redução das desigualdades sociais, princípios da base da nova ordem

jurídica e norteadores do Estado Democrático de Direito.

A instituição policial, órgão do sistema penal, não pode fugir a essa

responsabilidade e sua atuação deve estar voltada a este ideal, envidando esforços na tarefa de

pacificação social e na busca incessante de soluções para conflitos com o menor custo social

possível (atuação preventiva).

Também o policial, individualmente, terá a mesma responsabilidade de

oferecer segurança pública com qualidade e observando os postulados do Estado Democrático

de Direito. O policial é um cidadão e na cidadania deve encontrar sua razão de ser. É igual a

todos na sociedade, agente de direitos e deveres. Contudo, emblematiza o Estado em seu

contato mais imediato com as pessoas e tem especial permissão para o uso da força, no âmbito

da lei, que lhe confere natural e destacada autoridade para contribuir para a construção social,

havendo em seu agir um fundo pedagógico. Essa dimensão pedagógica, claro, não se

confunde com dimensão demagógica, não o eximindo de sua função técnica principal de

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intervir nos momentos de crise, atuando com mais eficácia se estiver consciente da

complexidade causal que vai do social ao psicológico (BALESTRERI, 1998, p. 19).

Agências e policiais fornecem e são responsáveis pela qualidade de um

importante direito social, o da segurança pública. “O desiderato dos direitos sociais, como

direitos a prestações, consiste precisamente em realizar e garantir os pressupostos materiais

para uma efetiva fruição das liberdades [...]” (Sarlet, 2007, p. 303). Ao oferecer segurança

com qualidade, atuando preventivamente e dispondo de maneira racional da repressão, a

instituição policial estará cumprindo de maneira adequada sua função social.

A polícia está em posição de garante em relação ao direito social de

segurança pública. Bobbio (1992, p. 25-64) chama a atenção para a problemática das

garantias do direito. Uma coisa é falar de direitos e outra garantir-lhes proteção efetiva. Sobre

isso pondera o referido autor que: “à medida que as pretensões aumentam, a satisfação delas

torna-se cada vez mais difícil. Os direitos socais, como se sabe, são mais difíceis de proteger

do que os direitos de liberdade”.

À efetivação de direitos correspondem garantias para seu exercício. O

direito à segurança é, em parte, garantido pelo Estado por meio das agências policiais. Estas,

para desempenharem bem suas funções, necessitam dividir tarefas e buscar novos

instrumentos de atuação.

O direito à segurança deve merecer, ainda, especial atenção quanto ao seu

custo social. A atuação policial deve ter excelência para que não se produza injustiças.

As “cifras da injustiça”, formada pelo número de inocentes processados

(condenados ou não), são apontadas por Ferrajoli (2006, p. 196-197), para quem “os custos da

injustiça, por seu turno, são, neste diapasão, injustificáveis [...]”. A isto pode se fazer um

paralelo em relação aos custos da ausência de atuação preventiva da Polícia Judiciária.

Se agir de forma preventiva a Polícia Judiciária reduzirá consideravelmente

as cifras da injustiça. Sua atuação será, assim, legítima.

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1.3.2. Fatos de Natureza Social e o Papel Social Informal da Polícia Judiciária

Outro aspecto importante é a proximidade da Polícia Judiciária com a

população. Pessoas com menos recursos financeiros procuram as Delegacias de Polícia,

inclusive, para consultas simples, orientações das mais variadas ou até mesmo para relatar

suas desventuras. De qualquer forma, a procura é sempre grande porque as pessoas desejam

resguardar direitos, obter informações, buscar auxílio, fazer denúncias ou pedir providências

em relação à segurança pública ou conflitos interpessoais com ou sem natureza criminosa.

Souza (1982, p. 129) salienta que a população em geral tem se valido da

Polícia a fim de encaminhar os problemas que os munícipes mais humildes não têm ou não

sabem a quem apelar. “A porta da Polícia é a mais próxima e a mais fácil”, segundo esse

autor.

Poncioni Mota, em artigo intitulado “A Polícia e os Pobres, Negociação e

Conflitos em Delegacias de Polícia do Rio de Janeiro” (1992, p. 4), retrata bem esta realidade

ao afirmar que:

A constatação da alta freqüência de atendimentos aos chamados "casos sociais" no âmbito das delegacias de polícia, bem como a incorporação dessas situações de cunho social, cujas características escapam a uma definição estritamente jurídica, na rotina policial, através de seu atendimento no âmbito das delegacias nos colocou face a duas questões fundamentais para reflexão. De um lado, a procura da delegacia reflete a absoluta carência da população para solucionar seus problemas, seja na área das relações interpessoais e familiares, ou em termos de recursos institucionais, das organizações de "bem-estar social" e da justiça. De outro, revela que a polícia busca resolver assuntos que vão além de sua competência na área do crime, funcionando como uma "instância alternativa de resolução dos conflitos", para aqueles cujos problemas freqüentemente não são atendidos em qualquer outra instituição pública.

Vislumbra-se com isso que a Polícia Judiciária também cumpre um papel

social de alta relevância para o regime democrático.

As agências policiais lidam com os setores mais vulneráveis da sociedade

(Nepomoceno, 2004, p. 59). Esta proximidade com a população é um dos fatores que explica

a grande procura pela unidade policial, justificada pela crença desses setores de que a polícia

detém parcelas de poder capazes de dar solução a todos os conflitos surgidos.

Um idoso, v.g., procurou a Delegacia de Polícia para reclamar e solicitar

ajuda comunicando que sua mulher não cumpria seu compromisso conjugal, por isso

acreditava que ela estava “tendo um caso” com o próprio filho, porque o via abraçado com a

mãe. Falava em vingança. Foi atendido e orientado. Encaminhado para vários profissionais,

inclusive psicólogos e médicos, deixou de alimentar suas suspeitas somente depois que

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passou a freqüentar uma igreja evangélica. Mas, porque procurou primeiramente a Delegacia

de Polícia?12 Certamente por acreditar que teria ali a solução que buscava para o conflito que

vivia.

Apesar de bizarro e insólito o episódio oferece um bom exemplo do que

acontece amiúde nas Delegacias de Polícia e do papel social que a Polícia Judiciária exerce.

Infelizmente há poucas pesquisas e estudos a respeito.

1.3.3. O Boletim de Ocorrência sem Natureza Criminal e Polícia Judiciária

Ao falar em “funções de polícia judiciária” a Constituição Federal de 1988

alargou as atribuições dessa instituição que também e concomitantemente fará a apuração das

infrações penais, exceto as militares (artigo 144, § 4º, da CF).

As atribuições conferidas à Polícia Judiciária pela Constituição Federal de

1988, portanto, não se resumem apenas na apuração das infrações penais e sua autoria. A

repressão ao crime não esgota seu potencial de participação democrática. A Polícia Judiciária

pode e deve atuar na prevenção à criminalidade e mesmo na solução de conflitos cuja

natureza não seja criminal.

Muitos conflitos que chegam às unidades policiais envolvem direitos da

criança e do adolescente, problemas conjugais, relacionados a tratamento de saúde, de solução

na esfera civil, etc., sem reflexos criminais. Os registros de ocorrências para “preservação de

direitos” ou “comunicações de fatos não criminais” têm sido amplamente utilizados pelas

pessoas (cerca de 40%)13.

Estes registros demonstraram ser uma fórmula eficaz de prestar

atendimento àqueles que procuram as unidades policiais e comunicam fatos que não tem

natureza criminal. Destarte, é possível deduzir que a Polícia Judiciária participa ativamente da

vida comunitária contribuindo para a solução dos mais variados conflitos entre pessoas.

Cada vez mais as pessoas procuram as Delegacias de Polícia, não para

comunicarem um fato criminoso, mas para solicitarem o registro de uma informação, que

12 Fato registrado no setor de serviço social da Delegacia de Polícia de Castilho e consta dos arquivos. O interessado e toda sua família foram atendidos pela Autoridade Policial que os encaminhou para o setor de serviço social. Foram devidamente orientados e todas as providências tomadas para que se evitasse qualquer conduta criminosa daquele homem. 13 Dados obtidos nas delegacias de polícia da região de Andradina, estado de São Paulo (Fonte: Delegacia Seccional de Polícia de Andradina).

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precisam materializar, para posteriormente buscarem seus direitos na esfera cível,

administrativa ou qualquer outra.

As informações são escritas no Boletim de Ocorrência que, nestes casos,

perde sua originalidade para se transformar numa declaração pública unilateral sobre um fato.

O Boletim de Ocorrência é um documento originado nos órgãos da Polícia

Judiciária, não previsto na legislação processual penal, criado por normas administrativas14,

que tem a finalidade de registrar a notícia do crime, ou seja, fatos que devam ser apurados

através do exercício da atividade de Polícia Judiciária, portanto, originariamente de cunho

repressivo.

O Boletim de Ocorrência, segundo Moraes (1986, p. 6) “não se assemelha

ao “rapporto” italiano, nem ao “crime report” norte-americano. É um jeito brasileiro de

registrar a notícia de uma infração penal ou um fato de interesse para a segurança pública”.

Além dessa função principal, vem sendo cada vez mais utilizado como

declaração pública com fins de preservação de direitos, tanto que leva este título: Boletim de

Ocorrência de Preservação de Direitos.

Sua força cognitiva, como documento público, elaborado por órgão

público, encontra-se na maior probabilidade de serem verdadeiras as alegações nele inseridas

porque o interessado foi capaz de se dirigir a uma unidade policial onde foi orientada sobre as

conseqüências da falsidade de seu relato.

De outro lado existe a facilidade de sua obtenção já que é gratuito, de

acesso irrestrito e feito a qualquer hora do dia ou da noite. Para o mesmo resultado a pessoa

teria que se dirigir a um cartório, que, diversamente da unidade policial, nem sempre está de

portas abertas, e formalizar uma declaração pública, que é onerosa.

Este documento vem instruindo muitas ações cíveis e tem natureza

cautelar, pois visa preservar um direito material violado e se constitui como meio de prova.

Tem caráter de urgência e é provisório. Mesmo sendo feito no âmbito policial, eventualmente

é usado em processo judicial.

Não se busca a tutela jurisdicional e com ela não se confunde, mas é um

documento apto a eventualmente obtê-la. Não é rara a solução do conflito apenas com a

14 Decreto Estadual nº. 25.410, de 30 de janeiro de 1956, estado de São Paulo. Art. 7º. – As ocorrências de que tomem conhecimento as Autoridades Policiais serão objeto de boletim, em fórmula impressa, a ser preenchido em três vias, destinando-se a 1ª. ao início do processo, inquérito ou outra providência; a 2ª. será enviada, dentro de 24 horas, à 6ª. Divisão Policial, e a 3ª. destina-se ao arquivo. Parágrafo único: O boletim, cujo modelo será fixado por ato do Secretário da Segurança, substituirá a atual folha de informações.

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elaboração do referido documento. É o que acontece, v.g., com empresas como a Telefônica,

dentre outras, que retira débitos contestados após o mencionado registro.

Os próprios advogados e mesmo entidades de defesa do consumidor, como

o PROCON, dentre outros, instruem as pessoas a promoverem, antes de qualquer medida

judicial ou administrativa, o registro do Boletim de Ocorrência de Preservação de Direitos,

como garantia da obtenção de um documento que comprove a violação do direito material a

que se busca preservar. Verifica-se aí sua urgência e meio acautelatório de formação de prova

através de documento público.

A Autoridade Policial, destarte, determina o registro do Boletim de

Ocorrência de Preservação de Direitos, formalizando um meio de prova que contém a

indicação do direito material violado, para, inclusive, instruir processos judiciais ou

administrativos.

Por ser medida cautelar de atribuição da Autoridade Policial, não pode ser

dispensado o registro deste tipo de Boletim de Ocorrência com o argumento de que não é

assunto de interesse da segurança pública ou porque não tem natureza criminal.

O referido registro se constituiu num direito subjetivo do interessado em

construir um meio de prova célere para a defesa de direitos que foram violados. Assim sendo,

é medida cautelar adotada pela Autoridade Policial, a pedido do interessado, com as

características de urgência (perigo da demora) e indicação do direito que foi violado (fumaça

do bom direito).

Além disto, o registro pode ser utilizado como medida de prevenção à

criminalidade. Alguns fatos poderão não terem, inicialmente, natureza criminal, mas se não

forem tomadas medidas preventivas poderá evoluir para a prática de um crime.

Vale ressaltar que o Boletim de Ocorrência, criado, por legislação

administrativa, no estado de São Paulo, hoje é adotado em todos os estados da federação e faz

parte do texto da Lei Federal 5.970, de 11 de dezembro de 197315.

Posteriormente, com a entrada em vigor da Lei 9.099/95, foi criado o

Boletim de Ocorrência Circunstanciado e/ou Termo Circunstanciado de Ocorrência Policial

(TC), para registro de infrações penais de menor potencial ofensivo.

15 Art. 1º. – Em caso de acidente de trânsito, a autoridade ou agente policial que primeiro tomar conhecimento do fato poderá autorizar, independentemente, do exame do local, a imediata remoção das pessoas que tenham sofrido lesão, bem como dos veículos nele envolvidos, se estiverem no leito da via pública e prejudicarem o tráfego. Parágrafo único – Para autorizar a remoção, a autoridade ou agente policial lavrará boletim de ocorrência, nele consignando o fato, as testemunhas que o presenciaram e todas as demais circunstâncias necessárias ao esclarecimento da verdade.

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O registro de Boletim de Ocorrência de Preservação de Direitos se passa

unicamente na esfera de atribuição da Polícia Judiciária. Portanto, não se trata de tutela

cautelar, própria da jurisdição. É uma medida administrativa cautelar, tomada no âmbito

policial, que tem finalidade jurídica. Em razão de sua aceitação e grande utilização tornou-se

um instrumento legítimo e hábil e contribui para maior segurança da prestação jurisdicional e

prevenção da criminalidade.

Por tudo isto, o Boletim de Ocorrência de Preservação de Direitos é

instrumento democrático de acesso à justiça que está contribuindo para uma ordem jurídica

mais justa.

Isso demonstra que a Autoridade Policial tem acesso às mais variadas

informações da vida da comunidade e pode direcionar sua atuação também para a prevenção

de crimes.

Muitos registros expõem um conflito que pode se agravar e levar os

envolvidos à prática de crimes. Nestes casos as pessoas seriam encaminhadas para o plantão

social com o objetivo de serem orientadas ou, eventualmente, realizar a conciliação.

1.4. O Papel da Polícia Judiciária no Regime Democrático

O poder de polícia da polícia deve voltar-se também para uma atuação

preventiva. No lugar do temor se coloca a solidariedade.

Este poder da polícia se legitimaria porque a cultura repressiva e do medo

deixaria de existir isoladamente. Os policiais ampliariam seus conhecimentos para (atuando

no início do processo de criminalização) encontrarem técnicas que os possibilitem diferenciar

onde a repressão é realmente necessária e onde será mais adequada a atuação preventiva.

A idéia é que a atuação preventiva da Polícia Judiciária contribua para

impedir que pequenos criminosos, ou criminosos eventuais, ou ainda comportamentos

desviados em razão de conflitos de cunho social, integrem grupos ou organizações criminosas

ou reincidam nas condutas desviadas.

Se o combate à criminalidade é atribuição das agências policiais será

necessário que estas atuem também preventivamente para obterem resultados mais eficazes.

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Assim haveria a mitigação do papel repressivo e político da polícia para assumir outro, mais

democrático e com finalidades preventivas.

O método preventivo que o autor propõe ao final deste trabalho tem a

vantagem de pesquisar os motivos do fato concreto e as pessoas nele envolvidas para que se

adotem medidas mais eficazes destinadas a incentivar comportamentos socialmente

adequados e diminuir a possibilidade da reincidência.

O aumento da criminalidade combatida unicamente pela repressão, por si

só, indica que este método não está sendo totalmente eficaz.

Embora a legislação, em relação à atuação policial, tenha buscado o maior

controle das agências e a limitação de seu poder, contraditoriamente, o Estado preferiu

políticas privilegiadoras da norma penal incriminadora mais severa, a policialização das

políticas públicas de segurança com a estratégia repressivo-ostensiva para lidar com a

criminalidade e conter o seu aumento (TANGERINO, 2007, p. 1).

Em relação aos fatos criminosos, em particular os de maior repercussão,

houve sempre a preferência governamental por novas leis penais que aumentavam o rigor

repressivo. De resto isto também colabora para nutrir a cultura repressiva dos policiais uma

vez que deles será sempre exigida mais repressão à criminalidade.

Uma contradição pode ser detectada neste contexto. Apesar do aumento da

repressão com a proliferação de novas leis que aumentam as penas ou criam novas infrações

penais, Franciulli Neto (2004, p. A3) chama a atenção para o aumento preocupante, no Brasil,

de assassinatos, trabalho escravo, tráfico de mulheres, menores para a prostituição, de drogas

e chacinas, dentre tantos outros comportamentos desviantes. É um sinal de que o sistema

penal da repressão não tem sido totalmente eficaz.

Parece paradoxal, mas a legislação da nova ordem constitucional, ao

mesmo tempo em que exige uma atitude mais democrática do policial no exercício de suas

funções, desenvolveu-se tão somente para aumentar a repressão aos crimes em geral ou criar

novos crimes, sem confiar a eles qualquer função preventiva. Foi assim que se viu o porte de

arma sair de contravenção penal para crime punido com reclusão sem direito à fiança; à

edição de inúmeras leis repressivas como a dos crimes hediondos (1990), improbidade

administrativa (1992), proteção ao meio ambiente (1998), crime organizado (2001), etc., além

de outras que trouxeram modernas formas de investigação criminal (infiltração de agentes,

escuta telefônica etc.). Nenhuma destinada a atuação policial preventiva.

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Por isso Moraes (2008, p. 11) desabafa:

Há, infelizmente, sociólogos, professores e até juristas que ainda confundem, talvez por falha universitária ou outro vício desconhecido, a simples diferença entre os termos ostensivo e preventivo, e depois reclamam da violência e dos crimes não evitados, como bem prova o texto da Constituição Federal, no artigo 144, em que os nobres constituintes de 1988, embora assessorados por estudiosos, não fizeram inserir o substantivo prevenção, o adjetivo preventivo, nem o verbo prevenir – palavras sem as quais não se pode falar em segurança pública -, como incumbência das polícias dos Estados.

Uma polícia que atua apenas repressivamente está distante da comunidade

e causa medo. Em consulta à população entre os dias 3 e 4 de abril de 1997, o Instituto

Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) concluiu que cerca de 70% dos brasileiros

não confiam "nem um pouco" na polícia. A maioria acha que a qualidade dos serviços da

polícia piorou ultimamente e 92% disseram ter medo que policiais possam fazer mal a algum

de seus parentes (NUNES, 2008, p. 1).

As pessoas desejam que a polícia cumpra a lei, mas não se dão conta de

que as leis estão cada vez mais repressivas e que a conduta da polícia reflete a vontade da lei,

que nada mais é do que a vontade do Estado e de seus representantes. Esse é um exemplo de

significado negativo de ideologia (Lopes, 1997, p. 133), ou seja, de como as pessoas pensam

como o Estado deseja que elas pensem.

Nosso sistema penal é altamente repressivo. Não permite v.g.,

discricionariedade da Autoridade Policial para a prisão em flagrante, que deve ocorrer sempre

que estiverem presentes seus pressupostos (estado de flagrância, tipicidade e presença de

condições de procedibilidade)16, exceto para as hipóteses de crimes denominados de menor

potencial ofensivo, quando o compromisso de comparecer a uma audiência no Juizado

Especial Criminal17, assumido pelo seu autor, evita a prisão.

No entanto, o conceito de menor potencial ofensivo, infelizmente, ficou

adstrito, em nossa legislação, a um único critério objetivo, o da pena em abstrato.

16 Artigos 301 e seguintes do Código de Processo Penal. 17 Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995: Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 anos, cumuladas ou não com multa. Art. 69...Parágrafo único: Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante nem se exigirá fiança...

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Acredita o autor deste trabalho que, a exemplo da legislação italiana18, o

legislador pátrio poderia ter ido além, tornando facultativa a prisão em flagrante pela

Autoridade Policial, obrigando-a a motivação e argumentação no caso de decretá-la.

E isto seria importante em face da prevenção. É que a prisão em flagrante,

para fatos de média gravidade, só existiria se justificada pela sua extrema necessidade,

evitando-se o contato do criminoso eventual com aqueles que poderiam corrompê-lo. Mas,

acima de tudo, permitiria uma intervenção comunitária, a partir deste fato, no sentido de evitar

que houvesse reincidência.

Se considerarmos a grande criminalidade aquela que tem forma de atuação

organizada, de colarinho branco (criminalidade dourada), em associações que obtém altos

rendimentos ou a que tem grande poder de lesividade (homicídios, roubos, seqüestros, etc.),

inclusive coletivo (como nos casos de crimes contra o meio ambiente) e, a pequena

criminalidade a que é considerada de menor potencial ofensivo, o restante é de média

criminalidade.

Para uma atuação preventiva em face da pequena e média criminalidade,

obviamente não podemos considerar tão somente a conduta descrita pela lei (tipo) e a

quantidade de pena abstratamente prevista no preceito secundário (sanctio juris). Outras

circunstâncias, como os motivos do crime e a personalidade das pessoas envolvidas devem ser

considerados. A Autoridade Policial, por ter contato direto com a comunidade e conhecimento

das ocorrências de interesse para a segurança pública, teria totais condições de fazer a análise

destas circunstâncias motivadamente.

Sobre isto Thompson (1998, pg. 8) assevera que:

“à polícia não deve estar reservado, com exclusividade, o papel de reprimir e perseguir, prender e processar, mas cabe-lhe, também, agir visando ao bem social, abrindo mão de seus poderes duros sempre que for possível restabelecer a ordem perturbada independentemente do uso daqueles poderes. Em vez de se deixar amarrar pela camisa-de-força dos preceitos legais e regulamentares, que lhe ordenam formalizar um procedimento criminal contra o autor de um delito, desde que este, de alguma forma, lhe chegue ao conhecimento, melhor fará se suavizar a interpretação de tais comandos pelo emprego do bom senso, da exegese teleológica, pelo uso de uma visão mais abrangente de seu papel, de modo a resolver os conflitos que lhe batem à porta com o menor sacrifício possível dos jurisdicionados. Mostra-se viável, em inúmeros casos, compor os interesses do criminoso e da vítima por meio de um trabalho de persuasão, de apelo à mútua compreensão, de desarmamento dos espíritos; por que desprezar essa via para obedecer cegamente ao texto frio das leis, registrando o fato, expondo o agente ativo aos riscos de um processo criminal e cortando, praticamente, a possibilidade de o sujeito passivo ter seu prejuízo indenizado?

18 A prisão em flagrante é tida como facultativa pelo artigo 381 do Código de Processo Penal italiano para os delitos puníveis com reclusão superior no máximo a 3 anos se o crime é doloso. Se o crime for culposo a prisão em flagrante será facultativa quando a pena máxima cominada ao crime não for superior a 5 anos. Na Itália é também a Autoridade Policial a responsável pela prisão em flagrante (art. 380 do Código de Processo Penal). A prisão em flagrante é obrigatória para a Autoridade Policial somente quando o crime tiver pena mínima de 5 anos ou mais.

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A atuação policial, para ser legitima, deve ter orientação repressiva ou

preventiva, conforme as circunstâncias do fato concreto.

A Polícia Judiciária deve adotar formas menos traumáticas de interagir

com a comunidade e fazer prevalecer o conceito de proteção sobre o de repressão quando for

o caso. “Na visão tradicional, em que os destinatários dos serviços policiais são, além dos

criminosos de fato, os suspeitos incertos, a ação repressiva acaba sendo exercitada na base de

estereótipos” (SILVA, 2008, p. 301).

Bayley (apud SILVA, 2008, p. 301) faz uma análise do papel da polícia

contemporânea, estudando comparativamente as polícias japonesa e norte-americana (esta

muito semelhante a nossa). A observação é de que:

Os policiais japoneses não são meramente agentes do cumprimento da lei; são mestres na virtude da lei. À polícia japonesa atribui-se um mandado moral, baseado no reconhecimento de sua importância na formação da sociedade organizada; os policiais americanos têm recebido instruções legais e a recomendação de não se desviarem da lei. A polícia no Brasil, como visto, é alvo de muitas críticas. Não será porque

atua apenas repressivamente?

A “violência institucional ocorre quando o agente é um órgão do Estado,

um governo, o exército ou a polícia” (Baratta, 2002, pg. 48) e pode ser exercida dentro da

legalidade ou fora dela. Não se constituirá em violência institucional o uso da repressão pela

Polícia Judiciária, principalmente pela constrição da liberdade, quando o meio mais

apropriado seria o preventivo?

Sobre a solução de conflitos pelo meio repressivo, escreve Baratta (apud

NASPOLINI SANCHES, 2006, p. 3):

O sistema penal gera muito mais conflitos do que aqueles que pretende resolver. Na verdade o sistema punitivo não resolve os conflitos existentes na sociedade, ele os reprime. Dessa forma, muitas vezes os conflitos alcançam uma dimensão mais grave do que se fossem resolvidos pelos envolvidos na situação, no momento de seu surgimento. Por outro lado, o custo social da intervenção penal produz novos conflitos, muitas vezes piores do que os que se reprimiu. (grifo nosso).

É oportuno neste momento dizer que a Polícia Judiciária deve desempenhar

um papel mais democrático, voltado também à prevenção da criminalidade e a observação dos

princípios que norteiam o moderno regime democrático de direito.

A atuação das agências policiais deve ser diferente em relação à gravidade

do crime. Devem atuar também preventivamente quando as circunstâncias permitirem.

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Entende o autor deste estudo que a repressão deve ser dirigida à grande

criminalidade, incluindo os crimes financeiros, econômicos e organizados. Aos pequenos

delitos e aos comportamentos desviados será mais eficaz a atuação preventiva.

A atuação preventiva terá reflexos diretos no combate a grande

criminalidade. Se não, vejamos:

Os grupos criminosos, organizados ou não, só podem agir se contarem com

uma rede de colaboradores que estão filiados à mesma ideologia e facilmente manobráveis. O

recrutamento é feito entre os que praticaram crimes de pequena e média gravidade e que não

encontram assistência para uma opção diferente desta que lhes é oferecida por esses grupos.

São facilmente manobráveis porque não tiveram acesso à educação, à cultura e às

informações necessárias para enxergarem criticamente sua situação.

O exemplo mais comum são os viciados em drogas que praticam pequenos

crimes para sustentarem seu vício e são logo chamados a servir os grupos criminosos onde

encontrarão farta oferta da substância da qual dependem. Pela condição de dependência

também são facilmente influenciados e articulados para servir aos interesses do grupo.

As organizações ou grupos de criminosos sofrerão forte impacto em suas

estruturas se não tiverem acesso àqueles que cometeram pequenos delitos. A prevenção

evitaria que houvesse referido acesso.

A atuação preventiva se daria em relação à pequena e, eventualmente, a

média criminalidade e consistiria em pesquisar as causas do crime e a personalidade dos

envolvidos para que medidas adequadas fossem tomadas e evitar que ocorresse a reincidência

ou ainda, para que os envolvidos superassem os problemas que os levaram àquela situação.

Crê o autor desta pesquisa que atuando em conformidade com os princípios

constitucionais e de forma preventiva a Polícia Judiciária conciliaria sua função social de

proporcionar segurança e não atuaria seletivamente para manter os estratos sociais,

contribuindo para a redução das desigualdades e exercendo um papel mais democrático.

1.5. Construindo um Papel Preventivo para a Polícia Judiciária

Vimos que a formação cultural dos policiais e a forma de atuação escolhida

pelo sistema penal são predominantemente repressivas. É fato notório que este modelo não

tem sido eficaz ou capaz de dar resposta aos emergentes desafios da segurança pública.

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O momento que vivenciamos, de rápidas transformações, exige grandes

mudanças, dentre as quais, na área de segurança pública, a modernização e atualização de

conduta e do comportamento da atividade policial. O momento exige criatividade e

originalidade na busca de soluções para dinamizar o trabalho policial e torná-lo mais efetivo,

racional e legítimo, em face do Estado Democrático de Direito.

É necessário criar condições de ampla liberdade e de participação

democrática no campo da Polícia Judiciária.

A função policial, diante da nova ordem constitucional, não pode mais

cingir-se à apuração da infração penal e sua autoria, como constam dos manuais de processo

penal. A Polícia Judiciária deve esforçar-se e seus integrantes se conscientizarem de que sua

missão alargou-se e nesse momento consiste também na proteção aos direitos e garantias

fundamentais, na participação e luta por uma existência digna, na busca por melhores

condições da qualidade e do padrão de vida e bem-estar social (princípios da dignidade

humana e redução das desigualdades), uma militância ativa para preservar os fundamentos do

Estado Democrático de Direito com os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, do

pluralismo político e do poder popular exercido por meio de representação e em relevantes

temas da atualidade como a proteção ao meio ambiente, dentre outros.

A atitude dos novos policiais deve ser ativa e dentro de um processo de

educação permanente. Devem estudar, pesquisar, questionar, produzir grupos de trabalho,

seminários, encontros, congressos de caráter local, municipal e estadual, regional e nacional,

para debater seus problemas específicos, incluindo os de legislação e jurídicos. Devem ainda

dialogar, discutir, e apresentar soluções em anteprojetos, projetos de leis e suas justificativas,

postulando junto às autoridades dos diversos poderes, contra as injustiças de toda ordem

(econômica, social e política) fazendo parte da evolução histórica e do processo sócio-cultural

onde está inserido, já que é o responsável por uma fração do processo de desenvolvimento.

A atuação do policial, além de repressora, deve ser participativa, educativa

e preventiva. Os novos policiais devem acautelar-se para não sofrerem a influência de um

sistema sócio-cultural que apela unicamente para a repressão. Só assim os policiais formarão

a vontade da instituição e as agências trabalharão no sentido de evitarem o sofrimento popular

que pode resultar em levantes, atos de violência inusitada, insurreições, rebeliões, revoluções,

recrudescimento dos atos anti-sociais, ascensão e agravamento da criminalidade, do crime

organizado, da violência extrema e da subversão da ordem social com ameaça aos direitos e

garantias fundamentais.

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A consciência policial precisa estar voltada à realidade brasileira. Milhões

de concidadãos não têm ainda acesso a esgoto; não sabe o que é água tratada e encanada em

sua casa. A precariedade do sistema de saneamento básico agrava o sistema de saúde e é

responsável pela maioria das doenças e das internações hospitalares infantis, em um sistema

de saúde pública altamente deficitária. Enquanto isto a sonegação de impostos, em especial

pelas grandes empresas, ainda é muito alta e a corrupção e atuação de grupos organizados

para fraudar o erário público surpreende cada vez mais (Pereira, et al, 1996, p. 102).

Neste contexto é possível visualizar que a micro e macro criminalidade esta

composta, em suma, pelo tráfico internacional de mulheres, crianças, órgãos humanos, armas

letais e drogas, crimes de colarinho branco, contrabando, chacinas e o crime organizado ou

estruturado, fazendo com que o elenco dos crimes comuns do catálogo do Código Penal tenha

outra dimensão.

De outro lado, a micro criminalidade é formada principalmente por

comportamentos desviados, sobre os quais incidem os estereótipos que têm por finalidade a

produção e reprodução das desigualdades sociais e a manutenção da escala vertical da

sociedade.

Por tudo isto deve crescer o interesse policial sobre os motivos e causas

secundárias do fato criminoso e do comportamento das pessoas nele envolvidas.

Para cumprir sua missão de proporcionar segurança pública com eficiência,

a Polícia Judiciária deve direcionar sua atuação para a observância dos princípios

constitucionais e para a prevenção à criminalidade.

Neder e Cerqueira Filho (2006, p. 85), citando a participação de Edgard

Costa nas “Conferências Judiciário-Policiais”, de 1917, demonstram, naquela época, a

preocupação com a prevenção e com as primeiras experiências no crime quando relatam sobre

a infância abandonada. “Os argumentos morais sobre a validade da educação e sua influência

no comportamento social de futuros cidadãos foram destacados no diagnóstico apresentado

pelo autor da tese”. Houve sugestão da criação de um órgão protetor da infância, “que não

encarnaria a lei inflexível, punindo e castigando exclusivamente” (grifo nosso).

Devemos chamar a atenção, também, para o debate sobre a desestatização

dos serviços públicos e da crise do Estado, bem como o processo de globalização da

economia na virada do século/milênio. A eficácia dos serviços prestados ao público no Brasil

repõe algumas temáticas relacionadas à pobreza e à exclusão social que explodem com o

momento de potencialidade do crescimento e desenvolvimento.

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Neder e Cerqueira Filho (2006, p. 92), arrematam o tema escrevendo:

A despeito da pertinência da demanda por maiores investimentos nos serviços públicos básicos (Educação, Saúde e Segurança), e da possibilidade de discordância política na eleição das prioridades definidas pelo governo, devemos ser capazes, neste momento, de identificar problemas estruturais na condução das políticas públicas. Em que medida os profissionais que prestam serviço ao público estão preparados para atendê-lo, do ponto de vista técnico e do ponto de vista cultural e existencial?

Construir a cultura preventiva não será tarefa fácil porque não se trata de

edificar em terreno vazio, mas onde há uma construção repressiva que precisa ser reformada.

Além da cultura preventiva, necessário será uma conscientização para desenvolver modelos

de atuação policial comunitária junto a profissionais que geralmente são hostis a estas idéias.

Além da repressão, há formas mais democráticas de atuação policial

dirigidas a enfrentar a pequena, média criminalidade e comportamentos desviados com

participação da comunidade e que vem sendo desenvolvidas e defendidas mundo afora, como

veremos mais à frente.

Não se pode, e nunca ninguém ousou afirmar que a repressão não é

necessária ou que tem mais valor que a prevenção, ou vice-versa. O que se constatou, com a

evolução do pensamento, é que isoladamente uma e outra não são totalmente eficazes para

enfrentar um dos mais dramáticos problemas da humanidade, a criminalidade.

Repressão e prevenção devem coexistir e são os instrumentos postos à

disposição do sistema penal para realizar o desiderato de fornecer segurança pública.

A observação histórica, entretanto, demonstra um recuo sempre crescente

na forma repressiva, pelas conseqüências que gera. A experiência aconselha que sua aplicação

deva ser restrita aos casos necessários, extremos ou justificáveis.

A prevenção, realizada nas mais diversas modalidades, vem sendo objeto

do interesse cada vez maior da sociedade e tem mostrado resultados alentadores,

principalmente porque investiga as causas do fenômeno da conduta desviada e procura

interagi-las com diversos outros fenômenos que formam a personalidade humana, como o

social, cultural, etc. Talvez por isso sua eficácia e legitimidade alcancem maior sucesso.

A maior importância da prevenção, na visão do autor deste trabalho,

decorre da sua maior capacidade de impedir a exclusão social, a seletividade policial, a

criação de estereótipos e realizar os objetivos do Estado Democrático de Direito, ampliando

consideravelmente a cidadania.

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Por todas estas razões a predileção deste estudo é pela proposta de uma

atuação preventiva especializada, com fins práticos e científicos, realizada pela Polícia

Judiciária em parceria com a comunidade.

1.5.1. O Papel Preventivo da Polícia Judiciária e alguns princípios Constitucionais do

Estado Democrático de Direito

A atuação da Autoridade Policial, dirigente da Polícia Judiciária, terá

grande importância para a construção do papel preventivo aqui proposto, pois deverá alicerçar

suas decisões em princípios constitucionais para não autuar em flagrante delito, em face das

circunstâncias, autores de crimes de pouca repercussão para fazer o aconselhamento em

crimes de menor potencial ofensivo, ou dar solução a conflitos cuja natureza não seja

criminal. As pessoas envolvidas serão encaminhadas para o plantão social para as

providências preventivas que o caso requerer.

A Autoridade Policial, no exercício de suas funções, observa todos os

princípios constitucionais correlatos à sua atividade, entretanto, encontra dificuldade quando a

alguns deles recorre à forma preventiva: na medida equiparada à antecipação da tutela de

liberdade provisória quando da prisão em flagrante delito e na conciliação prévia nas

infrações de menor potencial ofensivo, que serão detalhadamente explicadas em tópicos

separados. Isto porque a Autoridade Policial é de certa forma, impedida pelo sistema penal de

considerar, como fundamento de suas decisões, alguns princípios constitucionais no exercício

de suas funções, seja pela cultura positivista classista, seja para manter os papeis políticos

informais que desempenha a Polícia Judiciária, como visto anteriormente.

O princípio pode representar o núcleo irradiador do sistema, como o sol no

sistema solar para os demais planetas. O princípio lança luzes para o interprete analisar o caso

concreto em face da norma jurídica. Sendo mandamento nuclear de todo o sistema a

interpretação não pode se afastar do princípio (NEPOMOCENO, 2004, p. 108).

Serão os princípios, de forma geral, que tornarão possível uma atuação

mais ousada e preventiva da Polícia Judiciária.

Reale (1980, p. 299) frisa que princípios são:

[...] verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.

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Bonavides (2001, p. 229) define princípios “como verdades objetivas, nem

sempre pertencentes ao mundo do ser, senão do dever-ser, na qualidade de normas jurídicas,

dotadas de vigência, validez e obrigatoriedade”.

Para Bandeira de Melo (2000, p. 68), princípio é:

Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce deste, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas comparando-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

A dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do

Brasil, Estado Democrático de Direito (artigo 1º., da Constituição Federal de 1988), cujos

objetivos fundamentais, dentre outros, são o de erradicar a pobreza e a marginalização e

reduzir as desigualdades sociais (inciso III, do artigo 3º., da Constituição Federal de 1988).

A dignidade da pessoa humana e a redução da marginalização são

princípios basilares que permeiam todo o sistema jurídico.

Na atividade policial esses princípios devem ser observados, em especial

em dois dos principais atos praticados pela Autoridade Policial no exercício de suas funções:

a manutenção da prisão em flagrante delito e na mediação de conflitos, abaixo analisados,

para o desenvolvimento de um programa preventivo à criminalidade.

1.5.1.1. A Medida Preventiva Equiparada a Antecipação da Tutela da Liberdade

Provisória Tomada pela Autoridade Policial na Prisão em Flagrante Delito

A prisão em flagrante delito, cuja decisão é atribuição exclusiva da

Autoridade Policial, é a medida mais drástica em face da liberdade de uma pessoa. É medida,

muitas vezes, excessivamente repressiva.

Defendeu o autor deste trabalho, em artigo intitulado: O Estado

Democrático de Direito, a Autoridade Policial e a Prisão em Flagrante Delito (2007, p. 197),

que a Autoridade Policial deve ter à sua disposição, quando da decisão sobre a prisão em

flagrante delito, instrumentos legais que permitam uma medida equiparada à antecipação de

tutela da liberdade provisória para que faça valer princípios constitucionais como o da

dignidade humana.

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A mais importante medida constritiva tomada pela Autoridade Policial é a

confirmação da prisão em flagrante delito realizada por alguém do povo ou por seus agentes.

A Autoridade Policial está obrigada a lavrar o auto de prisão em flagrante e

confirmar a prisão nos casos em que foram preenchidos os requisitos processuais legais.

Ocorre, contudo, que em muitas situações, embora preenchidos esses requisitos processuais

legais haja violação de princípios constitucionais e, na práxis judiciária, somente o juiz poderá

reconhecê-las e, consequentemente, colocar em liberdade o preso. Neste caso, entretanto, a

decisão judicial será tardia já que a pessoa terá permanecido por algum tempo presa e em

contato com os malefícios da prisão.

A decisão de soltura do preso em flagrante, no caso da medida ser contrária

aos princípios constitucionais vigentes, poderá ser tomada pela Autoridade Policial que estará

acautelando o direito de liberdade provisória.

A prisão em flagrante delito é espécie de prisão cautelar.

Marques (2001, p. 223), salienta que a prisão cautelar:

Tem por objeto a garantia imediata da tutela de um bem jurídico para evitar as conseqüências do periculum in mora. Prende-se para garantir a execução ulterior da pena, o cumprimento de futura sentença condenatória e assenta-se ela num juízo de probabilidade; se houver probabilidade de condenação, a providência cautelar é decretada.

Muccio, (apud TORNAGHI, 2007, p. 93), também sustenta que “a prisão

provisória é cautelar, funda-se na necessidade de chegar a uma solução correta e é justa desde

que o bem comum a exija”.

A prisão em flagrante delito é prisão provisória. É o único caso de prisão

administrativa existente em nosso ordenamento jurídico, exceto as previstas

constitucionalmente (transgressão e crime propriamente militares, definidos em lei).

Apesar de administrativa, a decisão pela prisão, na autuação em flagrante

delito, é um ato que se aproxima do judicial, porquanto somente ao juiz é possibilitada a

decretação da medida extrema e sempre pautada no sistema de garantias constitucionais.

Não há na doutrina jurídico-penal, entendimento uniforme sobre o

fundamento da prisão em flagrante delito.

Temor de fuga do culpado, garantia de que o preso não sofrerá represálias,

providência que evita sucessivas desordens, medida de defesa social, de satisfação da opinião

pública, providência acautelatória da prova da materialidade do fato e respectiva autoria etc,

são fundamentos desta prisão cautelar apontados pelos cultores do direito penal.

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Muccio (2003, p. 99-100), citando-os, contesta a todos, apesar de

reconhecer que possuem alguma sustentação. Afirma que a possibilidade da fiança e da

liberdade provisória afasta qualquer desses argumentos como fundamento para a prisão em

flagrante. Para ele:

O fundamento da prisão em flagrante se assenta, ao mesmo tempo: na necessidade de se conferir ao Estado um poderoso instrumento de força para fazer respeitado o império da lei – o Direito Penal objetivo – impondo ao transgressor, de imediato, séria conseqüência pela prática da infração penal; - na prevenção: o Estado, prendendo imediatamente aquele que se vê surpreendido na prática do crime, se faz presente, forte, atuante, dá mostras de que não tolera a audácia, a desfaçatez, e com isso desencoraja a que outros incidam na prática do crime.

A conseqüência do crime é séria quando a ofensa ao bem jurídico violado é

grave ou porque existe maior probabilidade de que o crime não tenha sido praticado com

excludentes de antijuridicidade.

Constata-se que a prisão em flagrante delito é medida repressiva.

Cabe à Autoridade Policial a demonstração motivada da sua convicção

jurídica para reconhecimento da necessidade desta medida e não se pode negar que a

determinação da prisão em flagrante é ato decisório, excepcional e que gera limitação ao

direito de liberdade.

A decisão sobre a prisão em flagrante deve ser criteriosa já que suas

conseqüências não podem ser revertidas. É medida satisfativa e só pode ser efetivada quando

houver maior probabilidade possível de que será necessária e justa.

O tempo transcorrido entre a prisão e sua análise de legalidade e

regularidade pelo Poder Judiciário (tutela da liberdade) poderá causar prejuízos irreparáveis

para a pessoa humana.

Necessário, como ilação lógica, que a Autoridade Policial, diante das

circunstâncias objetivas sob análise, antecipe a tutela da liberdade provisória para evitar as

conseqüências funestas da prisão e garantir a dignidade humana.

Zaffaroni e Pierangeli (2001, p. 70), criticando nosso sistema penal,

assinalam que dele fazem parte “os procedimentos contravencionais de controle de setores

marginalizados da população, as faculdades sancionatórias policiais arbitrárias e as penas sem

processo.” Mais adiante (2001, p. 71), afirmam que “a centralização do poder punitivo nas

mãos dos órgãos executivos é fato comprovado amplamente, com o que se desequilibra

seriamente a tripartição dos poderes do Estado Democrático.”.

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Nesse sentido, a prisão em flagrante origina-se de ato administrativo, é

exemplo de medida sancionatória sem processo e pode ser encarada como faculdade

sancionatória policial arbitrária se não revestida do necessário bom senso advindo de uma

interpretação principiológica e constitucional por parte da Autoridade Policial.

Vislumbra-se a necessidade de um instrumento jurídico que permita à

polícia agir também preventivamente e que, em face das circunstâncias, possa interpretar à lei

de acordo com os ditames do Estado Democrático de Direito.

Assim, verificando que se trata de infração de pequena ou média gravidade,

em face das circunstâncias, a Autoridade Policial não manterá a prisão em flagrante delito,

fundamentando sua decisão e antecipando, dessa forma, a liberdade provisória com o objetivo

de dar eficácia ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Os princípios podem e devem ser manejados pela Autoridade Policial para

uma atuação voltada à prevenção da criminalidade, evitando-se prisões desnecessárias.

Os princípios da dignidade humana e redução da marginalização podem ser

empregados para evitar, na fase policial, criminalizações de condutas que configuram apenas

perigo abstrato, crimes impossíveis e autolesões, ou ainda, crimes de resultados

insignificantes e com notórias circunstâncias que excluam a antijuridicidade. Mas, todos os

registros acionam as antenas da prevenção para que sejam investigados os motivos destes

fatos e eles não voltem a se repetir. Serão encaminhados ao plantão social para medidas

preventivas adequadas.

Sobre o princípio da adequação social, v.g., muito ilustrativo é o exemplo

trazido por Bitenourt (apud NEPOMOCENO, 2004, p. 115) que o considera princípio geral de

interpretação. “Na contravenção penal do “jogo do bicho”, o intérprete poderia afastar a

incidência da regra contravencional em relação ao apontador e mantê-la em relação ao

banqueiro”. Neste caso, v.g., o apontador seria investigado quanto a motivação do crime e a

potencial consciência de sua prática para, conforme o caso, receber orientação e apoio no

plantão social com o fim de não voltar a reincidir na prática delituosa, prevenindo-se futuros

envolvimentos dele na contravenção do “jogo do bicho”.

Destarte, o não autuado em flagrante delito responderia pela sua conduta,

mas não seria encaminhado à prisão e sim ao plantão social, onde a motivação do crime e sua

personalidade seriam investigadas com o fim de dar subsídios a Autoridade Policial, Minitério

Público e Juiz para uma solução mais justa para o conflito, inclusive em relação à vítima do

crime, e para que as medidas preventivas o incentivassem a evitar condutas desviantes e a

reincidência.

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1.5.1.2. Conciliação Prévia feita pela Autoridade Policial nos Delitos de Menor Potencial

Ofensivo como outra Forma de Prevenção à Criminalidade

Outro exemplo do uso de princípios gerais pela Polícia Judiciária, com

finalidade de prevenção, é o da conciliação prévia, feita na fase policial quando ocorrer

crimes de menor potencial ofensivo.

O artigo 2º. da Lei 9.099/95, que traça todo o procedimento a ser observado

quando há incidência de crimes de menor potencial ofensivo, determina que sejam observados

os critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade,

buscando sempre que possível a conciliação ou a transação.

A conciliação e a orientação podem ser métodos preventivos de combate à

criminalidade e podem ser utilizados pela Autoridade Policial. Somente a transação será feita

na fase judicial.

Sabemos, como já dito, que não é de nossa cultura jurídica a aplicação de

critérios e princípios, nem interpretação conforme a Constituição Federal, por parte da

Autoridade Policial. Mas, tem o autor desta pesquisa lutado para que ocorram mudanças neste

pensamento, pois haverá nesta conduta grande contribuição para a busca da justiça e combate

à criminalidade.

A Polícia Judiciária é dirigida por Delegados de Polícia de carreira, com

formação jurídica. Pode, assim, contribuir em muito para um moderno sistema de justiça

criminal que busca maior eqüidade e celeridade da prestação jurisdicional, incluindo aí a

atuação policial especializada (Polícia Judiciária) na solução de conflitos por mediação, em

especial na conciliação de crimes de menor potencial ofensivo.

Também é a posição adotada por Queiroz (1996, p. 18), quando, ao

comentar o artigo 2º. da lei 9.099/95, afirma:

O artigo 2º. da Lei nº. 9.099/95, em consonância com seu artigo 62, especifica critérios e princípios da prestação jurisdicional, e, por via reflexa, da atividade policial-judiciária, onde pontificam, com destaque, os critérios da informalidade e da celeridade do procedimento traçado para a fase preliminar, no âmbito da Polícia Civil.

Grinover (1996, p. 22), comentando a referida lei, leciona:

...instituindo o Juizado Especial Criminal, rompeu com os esquemas clássicos do direito criminal e do processo penal, adotando corajosamente soluções profundamente inovadoras.

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A posição de atendimento a princípios constitucionais e o de colocação

como critérios na parte geral da Lei 9.099/95, no artigo 2º, deixa claro que seus comandos

também são dirigidos à Autoridade Policial, havendo, inclusive, sua reprodução no artigo 62

da mesma lei, sendo que este é específico para a fase judicial. A intenção do legislador era

justamente evitar que fatos que não comportam tipicidade ou possam ser resolvidos por outros

meios que não os repressivos devam ser logo solucionados, inclusive com conciliação ou

orientação pela Autoridade Policial.

Com a conciliação prévia a Autoridade Policial atua preventivamente

evitando que o conflito se agrave ou que volte a ocorrer.

A conciliação será feita pela Autoridade Policial com auxílio do plantão

social e do conselho comunitário de segurança, após a investigação das motivações e das

pessoas nele envolvidas, com o objetivo de dar solução definitiva ao conflito e evitar a

reincidência, ou ainda que este conflito se agrave e possa constituir um crime.

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II – CRIMINALIDADE E ATUAÇÃO POLICIAL

Segundo Cerqueira e Lobão (2004, p. 234), os criminólogos identificaram

uma série de fatores criminogênicos que poderiam explicar a causação do crime.

Do ponto de vista da intervenção pública para a manutenção da paz social,

contudo, importa apenas reconhecer se em uma determinada região há alguma regularidade

estatística entre os fatores criminogênicos concretos (ocupação do solo, drogas, etc), ou

imaginários (supervisão familiar, insegurança, etc), e, além disso, saber se o Estado possui

instrumentos para intervir nessa regularidade, direta ou indiretamente, com a participação da

própria sociedade.

Para Cerqueira e Lobão (2004, p. 236):

As teorias de causação do crime, ao lançarem luz sobre determinadas variáveis e sua epidemiologia, permitem que o planejador do Estado escolha dentre inúmeras variáveis aquelas que supostamente devem ser as mais importantes. Os modelos empíricos, ao detalharem a metodologia de aferição, possibilitam a centralização das atenções e dos escassos recursos públicos em algumas poucas variáveis, que podem não explicar uma verdade universal, mas interferem decisivamente (com maior probabilidade) na dinâmica criminal daquela região onde se quiser intervir. Desse modo, o planejador público que acreditar piamente em um único modelo de causação criminal (seja qual for) para tomar suas decisões e orientar suas ações e recursos estará fadado a utilizar um “leito de Procusto”, algumas vezes com êxito, outras não, a depender do “cliente” ou da situação em particular. Daí a necessidade da multidiciplinariedade: um meio de aumentar o conjunto de instrumentos de análise e de intervenção pública para um objeto extremamente complexo.

Os autores citados (2004, p. 237) informam que “os estudos sobre as

causas da criminalidade têm se desenvolvido em duas direções: naquela das motivações

individuais e na dos processos que levariam as pessoas a se tornarem criminosos”.

Para Cressey, (apud CERQUEIRA e LOBÃO, 2004, p. 239), uma teoria

que explique o comportamento social, em particular as ações criminosas, deveria levar em

conta pelo menos dois aspectos: a) a compreensão das motivações e do comportamento

individual; e b) a epidemiologia associada, ou como tais comportamentos distribuem e se

deslocam espacial e temporalmente.

Coelho (1998, p. 157), critica a importância de fatores socioeconômicos na

determinação da criminalidade. Segundo ele há variáveis também relacionadas com o sistema

de justiça criminal no Brasil, principalmente no que diz respeito à polícia.

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Para a proposta de um programa de prevenção criminal realizado pela

Polícia Judiciária terá importância impar a existência de uma equipe multidisciplinar junto as

Delegacias de Polícia que auxiliem a Autoridade Policial, principalmente para determinação

de algumas variáveis de causação do crime e em especial para um planejamento da segurança

pública que evite o modelo repressivo.

O programa será dirigido aos casos concretos, individualmente. Mas,

conhecendo algumas variáveis comuns da criminalidade na cidade, em especial as de pequeno

porte, poder-se-ia adotar também medidas preventivas gerais, principalmente em relação à

atuação da polícia comunitária e as campanhas publicitárias de prevenção criminal.

Nesse aspecto, interessam mais a este trabalho, a ocupação espacial das

cidades e a desorganização familiar, que serão separadamente estudadas.

2.1. Ocupação Espacial das Cidades

Sob o enfoque sociológico os comportamentos desviantes podem ter como

causa a ocupação do solo nas cidades. Nesta óptica o comportamento desviado não se

determina pelas pessoas, mas pelas áreas da cidade onde elas vivem que favorecem a

produção desse comportamento.

A sociologia procurou definir o comportamento pela utilidade social das

condutas observadas. “A vida de uma sociedade repousa sobre a interiorização das normas,

sobre a correspondência entre as instituições que elaboram e fazem respeitar as normas e

aquelas que se encarregam de socializar os membros da coletividade” (TOURAINE, 1998, p.

371).

Será possível, em razão da degradação habitacional, urbana e social,

causadas pela exclusão social, apontar como uma das causas da violência o local da moradia

das pessoas e determinar uma tendência ao comportamento desviado, isto porque há áreas

repulsivas da cidade, muito degradadas, que alimentam a violência e o crime19.

A atuação preventiva deve recair sobre o fortalecimento dos laços sociais e

comunitários nas áreas degradadas da cidade com objetivo de diminuir a exclusão social.

19 Sobre isto interessante consultar pesquisa com o título de “Janelas Quebradas” (Broken Windows), em artigo de Q. Wilson e George L. Kelling, publicado em março de 1982, na revista norte-americana "The Atlantic Monthly" (TAM) – (Fenapef, 2008)

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Quando o Estado prefere políticas que privilegiam a norma penal ou o

aumento da pena, com tratamento exclusivamente repressivo do crime, demonstra que ignora

as verdadeiras causas da criminalidade e as estratégias de combate. O resultado é que em vez

de servirem de combate a violência e ao crime, não raro, tais medidas funcionam como um

dos fatores condicionantes de seu aumento.

Enxergando o crime como produto da ausência de laços sociais o seu

combate efetivo só poderá se dar através do fortalecimento das instituições locais como meios

preventivos, incluindo aí a polícia comunitária. Prioriza-se o controle social informal como

alternativas no sistema penal.

Esta corrente de pensamento nasce junto com a criação, em 1890, nos

Estados Unidos, da Escola Sociológica de Chicago. A preocupação volta-se com os

problemas sociais da comunidade como um todo. A criminalidade passa a ser estudada

metodologicamente, assim como as formas alternativas de sua prevenção.

Em 1915, surge um novo e interessante conceito sobre o estudo da

ocupação do solo nas cidades denominado Ecologia Humana. O nome se deve a comparação

que se faz com as plantas no reino vegetal. A disputa pela luz solar faz com que determinadas

plantas cresçam mais que outras e, com porte maior, se beneficiem mais do elemento

nutriente e determine, assim, a hegemonia sobre determinada ecosfera. São os processos de

competição que geram a dominância de um grupo social por outro e isto tem como

conseqüência imposições sociais na ocupação dos terrenos e nos estatutos sociais e

econômicos (TANGERINO, 2007, p. 15).

O habitat do ser humano se aperfeiçoa com a divisão social do trabalho e

sua organização se dá de forma cultural (identidade de costumes, crenças, etc.), baseada na

comunicação e consenso (cidade). A competição no trabalho (distribuição de renda)

determina a distribuição ecológica da cidade, fazendo surgir as comunidades (Ibid., 2007, p.

16).

Neste prisma surge a escola criminológica ecológica com enfoque

substancial nas circunstancias sociais que levam à delinqüência, tendo como objeto de seu

estudo as cidades industriais modernas.

As relações entre criminalidade e habitação, saneamento, justiça criminal,

pobreza, salários, educação pública são estabelecidas com o objetivo de se buscar uma

fórmula que atue preventivamente, não em termos de tratamento do delinqüente ou sua

punição, mas por meios de políticas públicas intervencionistas.

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Isso é um grande avanço, pois vislumbra a possibilidade de combate ao

crime por meio de intervenção estatal. Mais que isso, demonstra que as condições de bem

estar social são fundamentais para a organização do Estado e tem marcada influência no

princípio da redução das desigualdades sociais.

A erradicação das condições produtoras do comportamento desviado

existentes nas áreas de baixa renda na cidade é condição primária para a prevenção do

fenômeno criminal.

Pablos de Molina, (apud TANGERINO, 2007, p. 49) observa que:

O diagnóstico é de que as condições de vida guardam relação com a criminalidade. Existiria em todo núcleo urbano industrializado um determinado ‘espaço’, geográfica e socialmente delimitado – uma zona de transição ou terreno intermediário, de ninguém – onde se concentrariam as taxas mais elevadas de criminalidade [...] O descobrimento dessas zonas de trânsito, altamente deterioráveis e com péssimas condições de vida e infra-estrutura, residência forçosa das classes sociais mais conflitivas (minorias, imigrantes etc.) explicaria a debilidade do controle social e os índices alarmantes de delinqüência verificados nas mesmas. [...] as taxas criminais alcançam seus níveis mais elevados na zona de transição, onde se encontram as piores habitações de imigrantes e das classes baixas que não chegam a se adaptar ao hábitat urbano e industrial e carecem de meios econômicos para escapar para outras zonas menos deterioradas (mobilidade social).

Dias e Andrade (1997, p. 276) explicam bem a influência do meio na

personalidade desviada:

São três os elementos naturais criminais: as áreas naturais criminais, a desorganização social dessas áreas e a tradição delinqüente. É na área criminal que se encontra o tecido social mais desgastado, ou seja, onde a desorganização social é intensa. Como conseqüência, é onde o controle social se faz sentir de maneira mais tênue. Assim, com uma complexidade de maneiras de viver coexistentes, nenhuma delas obstruída pelo controle social, está formado um rico meio de transmissão da cultura delinqüente, ou seja, da tradição criminal.

A subcultura criminal produzirá campo fértil para a organização de grupos

voltados a prática do crime. E o aprendizado do crime é como qualquer outro aprendizado

social.

Outro aspecto importante a ser extraído da orientação preventiva

sociológica é, sem dúvida, a evidência dos meios de controle social informal como a escola,

família e a igreja em face do papel relevante que desempenham na vida da comunidade.

Esta evidência retira do sistema penal (formal), com orientação repressiva,

a responsabilidade quase que exclusiva de combate à criminalidade muito difundida no plano

político em nosso país.

Como dirigente de unidades policiais do interior do estado de São Paulo, o

autor desta pesquisa tem observado que a pequena e média criminalidade e os conflitos

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interpessoais são mais comuns em determinados bairros da cidade, principalmente em

conjuntos habitacionais, onde as condições de vida são mais precárias. Os plantões sociais das

unidades de Polícia Judiciária, através dos dados colhidos em casos concretos atendidos,

poderiam comprovar estatisticamente este fato e propor políticas públicas e medidas

adequadas para estas áreas da cidade visando à prevenção do crime especificamente.

Mesmo nas grandes cidades do Brasil, podemos identificar esses focos de

criminalidade e violência em bairros, como os morros na cidade do Rio de Janeiro e as favelas

na cidade de São Paulo.

Relevante ainda é a constatação por pesquisas que raça, cor ou

nacionalidade, ou seja, a diversidade populacional, não tem qualquer relação com a

criminalidade. Não há qualquer relação entre crime e origem étnica (TANGERINO, 2007, p.

69).

Para a corrente sociológica, entretanto, crime e pobreza podem ter relação.

Estar submetido a uma situação de pobreza é um componente ecologicamente relevante, pois

serão os mais pobres a se verem obrigados a residir nas piores regiões da cidade, onde há

preferência de estabelecimento dos criminosos (TANGERINO, 2007, p. 70).

As crianças e adolescentes dessas áreas, residindo nessas regiões, terão

maior contato com os comportamentos desviados o que se agrava pela ausência de supervisão

educacional dos pais que necessitam trabalhar e ausência do poder público em não oferecer

escola integral ou atividades culturais. Nesse ambiente não é raro encontrar pais que,

inclusive, incentivam os filhos à criminalidade ou, sabendo do envolvimento deles, se

omitem.

Ocorre que não se pode estabelecer um nexo de causalidade entre

criminalidade e pobreza. Os pobres não são os únicos criminosos nem há uma causa definida

para o crime, senão um complexo de fatores.

A Polícia Judiciária precisa estar atenta a estes detalhes para que sua

atuação preventiva seja capaz de efeitos práticos eficazes.

O que se pretende mudar com a proposta deste trabalho é a ausência de

compreensão destes fenômenos pela Polícia Judiciária para que, neste ambiente, atue

preventivamente.

Conclusão importante é a de que a criminalidade deve ter tratamento local.

Deve haver políticas públicas voltadas para a comunidade, com suas realidades sociais

diversas, envolvendo todos os segmentos sociais.

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A polícia comunitária é um modelo de gestão da segurança pública em que

as ações policiais são debatidas e orientadas pela comunidade.

Em alguns estados existem iniciativas de participação dos segmentos

sociais na determinação de políticas de segurança pública. No estado de São Paulo foram

criados, nível de secretaria, os Conselhos Comunitários de Segurança (CONSEG). Como

participante ativo (membro nato) desse modelo de gestão da segurança pública da cidade, o

autor deste trabalho pode afirmar que a ausência completa de recursos, pouco ou nenhum

incentivo do poder público local (Prefeituras Municipais) e baixa consciência da importância

da participação dos membros (com modestas iniciativas) têm contribuído para a pouca

notoriedade da sua existência.

Na imensa maioria dos municípios o CONSEG não tem sede própria e as

reuniões são pouco freqüentadas. Suas manifestações têm sido pouco visíveis, porque se

resumem na quase totalidade, a ouvir passivamente quais medidas policiais foram tomadas em

relação a um ou outro acontecimento de repercussão.

Estes conselhos representam a democratização da atuação policial, fazendo

com que os vários seguimentos da comunidade participem, ativamente, dos meios de

prevenção e repressão à criminalidade. Também contribuem para a busca de alternativas e o

desenvolvimento de atividades policiais e comunitárias que visem o estudo e a compreensão

do fenômeno da criminalidade na cidade.

A eficiência policial será maior se sua atuação se der com flexibilidade,

compreendendo os fenômenos sobre a criminalidade e atuando em conjunto com a

comunidade para encontrar critérios lógicos para divisão das práticas delituosas e desenvolver

métodos preventivos para umas e repressivos para outras e propugnar por alternativas no

Sistema Penal que busquem a maior eficácia de sua atividade fim, ou seja, a promoção da

segurança pública.

2.2. Desintegração Familiar.

Pela relevância, o tema será tratado particularmente, dando-se conotação

especial a desorganização familiar, apontado pelos leigos como a principal causa da

criminalidade.

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Mais que sanguíneos, os vínculos familiares são de solidariedade e

educação. A assistência mútua e o controle por meio de normas e valores determinam os laços

familiares e são preponderantes na formação da personalidade.

Cerqueira e Lobão (2004, p. 257) afirmam que:

Ficam evidentes a complexidade do fenômeno e a dificuldade em creditar a umas poucas variáveis os determinantes da criminalidade, que tem raízes no processo destorcido de aculturação da criança desde a fase esfincteriana (2 a 3 anos) até a pré-adolescência (12 a 13 anos), passando pela supervisão e elos com a família, com os amigos e com a escola, e terminando com outras virtuais fontes de tensão social inerentes a um espectro mais amplo que envolve as instituições e a forma de organização macroestrutural.

Antes das influências do meio social há as influências proporcionadas pela

família na formação de qualquer pessoa. Será importante considerar os valores culturais,

religiosos e sociais da família na compreensão do fenômeno da criminalidade. Essa influência

não é determinante, nem a única, mas tem grande importância.

O sistema capitalista determina a economia individual e os valores

econômicos passam a ter mais ressonância que outros (como o religioso) determinando um

comportamento mental de individualismo no sentido de fazer fortuna e se destacar

socialmente. Os laços familiares se afrouxam para estabelecer uma relação maior com os

bens. A atitude egoísta é antagônica a familiar e social. A desintegração familiar tem reflexos

direitos na vida comunitária, contribuindo para a sua desorganização (TANGERINO, 2007, p.

77-81).

Tangerino (2007, p. 82) explica que:

A desorganização da comunidade começa, de fato, tão logo seus membros comecem a definir as situações exclusivamente como econômicas, intelectuais, religiosas, hedonísticas e não como sociais, quando suas necessidades de sucesso – sucesso, evidentemente, como eles o vêem – em qualquer linha específica torna-se mais importante subjetivamente que a necessidade por reconhecimento social – quando dissociam a opinião social sobre um caso do mérito do caso.

A busca pela sobrevivência ou simplesmente o acúmulo de riqueza e bens

determina um empobrecimento dos vínculos familiares sobrando pouco tempo para a

educação e controle dos filhos que se auto determinam sem orientação familiar.

Como crianças e adolescentes são mais influenciáveis em razão de sua

imaturidade ficam muito mais sensíveis as influências do meio. Sem o freio necessário aos

impulsos mais íntimos, a personalidade vai se determinando conforme as influências que sofre

sem a preocupação de uma ética familiar, valorativa e social.

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Aqui também se percebe a necessidade de uma diferença de tratamento em

relação aos jovens. Naturalmente, na família, na escola ou perante a comunidade deverá ter

atenção especial aquele que demonstra tendência à violência (o que segue livremente seus

instintos e humores) ou preferências anti-sociais (que não é conduzido segundo regras de

conduta comuns). A este será preciso mecanismos contentores e aos outros mecanismos

incentivadores de autodeterminação. Por isso defende o autor, neste trabalho, o estudo da

personalidade dos envolvidos no episódio criminoso.

Segundo Tangerino (2007, p. 84), no plano jurídico, “não há nada que

difira uma criança normal de outra com comportamentos anti-sociais; exceto a imposição de

barreiras morais por agentes externos, tais como a família e a comunidade”.

Para o autor deste estudo fica evidente a necessidade de se agregar ao fato

concreto investigado pela Polícia Judiciária às informações sobre a história de vida pessoal e

os efeitos da pressão do grupo sobre a formação da personalidade dos envolvidos. A

investigação destas circunstâncias também colaborará para que se tomem medidas preventivas

específicas em relação às pessoas envolvidas, com objetivo de evitar a reincidência. Para isto

deverá haver na Delegacia de Polícia uma equipe multidisciplinar.

A pena, da forma como é aplicada em nosso país, pode gerar desigualdades

uma vez que provoca reações nos círculos familiares, de amigos, conhecidos e da comunidade

e cria a marginalização, determinada, principalmente, pelas dificuldades de acesso ao

mercado de trabalho e às escolas. “Levar uma conduta desviada para o âmbito da reprovação

estigmatizante tem uma função reprodutora de controle social” (TANGERINO, 2007, p. 92).

Uma atuação preventiva da Polícia Judiciária poderá considerar estas

circunstâncias e reduzir a rejeição social em relação ao investigado.

Cerqueira e Lobão (2004, p. 257-258) afirmam que a distribuição do

produto da economia, aferido objetivamente a partir de variáveis, como renda per capta, graus

de desigualdade de renda, probabilidade de se estar empregado e acesso às oportunidades e

serviços que possibilitem a obtenção de moradia, saúde, alimentação e cultura são condições

necessárias para a inclusão social.

Terá relevância a determinação das condições da família e acesso ao

trabalho das pessoas envolvidas em conflitos com o objetivo de se buscar uma medida

adequada para a prevenção ou para impedir a reincidência.

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Em pesquisa sobre a atuação policial, Neto (2008, p.6), conclui:

Outra atividade indicada na pesquisa e que pôde ser constatada in locué a utilização dos policiais para atendimento de demandas da comunidade que não estão diretamente afetas a uma conduta criminosa, enquadram-se nesse aspecto, principalmente, consoante denominação no meio, as famosas "brigas de vizinho" ou "brigas de família". Trata-se de situações fáticas ocasionadas geralmente em face da precariedade da infra-estrutura básica e de saneamento das habitações, principalmente aquelas localizadas em favelas e grotões, ou divergências no seio das próprias famílias e que em face da proximidade com o órgão policial e do imediatismo na solução dos problemas, conduta inerente à própria essência do ser humano, acabam por desaguar num distrito policial.

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III – ELEMENTOS JURÍDICOS PARA A ATUAÇÃO

PREVENTIVA DA POLÍCIA JUDICIÁRIA

Propostas de atuação policial preventiva pela Polícia Judiciária são viáveis

e encontram inspiração em diretrizes discutidas e debatidas na atualidade como, v.g., a Justiça

Restaurativa e a Polícia Comunitária.

A atuação preventiva da Polícia Judiciária, com a adoção de práticas

restaurativas, conciliatórias ou comunitárias, demandará maior discricionariedade da

Autoridade Policial.

No modelo garantista de Ferrajoli (2006, p. 102), aqui adotado, “a

discricionariedade não é um mal a ser eliminado a qualquer custo”. Na atuação preventiva há

“uma discricionariedade dirigida não para estender, mas para excluir ou reduzir a intervenção

penal quando não motivada por argumentos cognitivos seguros”.

A dogmática penal convencional20 coexistirá com a teoria crítica do direito

para comporem os elementos jurídicos da proposta preventiva de atuação da Polícia Judiciária

desenvolvida neste trabalho.

Segundo Barroso (2001, p. 16), em nosso país:

O pensamento crítico alçou vôos de qualidade e prestou inestimável contribuição científica. Mas não foi um sucesso de público. Nem poderia ter sido diferente. O embate para ampliar o grau de conscientização dos operadores jurídicos foi desigual. Além da hegemonia quase absoluta da dogmática convencional – beneficiária da tradição e da inércia -, a teoria crítica conviveu, também, com um inimigo poderoso: a ditadura militar e seu arsenal de violência institucional, censura e dissimulação. A atitude filosófica em relação à ordem jurídica era afetada pela existência de uma legalidade paralela – dos atos institucionais e da segurança nacional – que, frequentemente, desbordava para um Estado de fato.

Há necessidade de se colocar em prática uma proposta de atuação

preventiva pela Polícia Judiciária, pois “ou bem o jurista pensa o Sistema Penal do qual

participa, ou bem se converte num jurista-objeto, reprodutor mecânico das funções concretas

de controle social penal numa sociedade determinada” (Batista, 2002, p. 3).

20

Dogmática penal – Sistema ou doutrina que trata dos ilícitos penais e das penas, orientando-se por certezas prévias e criando dogmas indiscutíveis. Comentário: “O Dogmatismo é um sistema filosófico, o que significa discutível, mas contraria o próprio conceito de Filosofia ao forjar os dogmas indiscutíveis.” (Santos, 2001, p. 85).

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Na esteira do labeling approach21, encontramos o desenvolvimento

histórico das alternativas ao Sistema Penal. As teorias da reação social se preocupam com as

reações das instâncias oficiais de controle social e colocam em evidência a forma repressiva

de atuação destas instâncias, estabelecendo uma crítica: o efeito estigmatizante da atividade

da polícia, dos órgãos de acusação pública e dos juízes.

Para o autor desta pesquisa os estereótipos são criados a partir da reação

exclusivamente repressiva do sistema penal em face dos comportamentos desviantes sem a

necessária correlação entre eles e suas motivações.

Não se trata de Sistemas Penais alternativos, mas alternativas ao Sistema

Penal que podem ser extraídas da Criminologia Crítica, do Garantismo e do Direito Penal

Mínimo (Teoria Crítica do Direito).

Prefaciando obra de Baratta, Santos (2002, p. 18) aduz que:

[...] se o processo de criminalização é o mais poderoso mecanismo de reprodução das relações de desigualdade do capitalismo, a luta por uma sociedade democrática e igualitária seria inseparável da luta pela superação do sistema penal – mas, paradoxalmente, também seria inseparável da defesa do direito penal: contra os ataques às garantias legais e processuais. Contra o próprio direito penal, para conter e reduzir a área de penalização e os efeitos de marginalização e divisão social; e através do direito penal, ainda uma resposta legítima para solução de determinados problemas [...].

As sugestões da criminologia crítica para a redução da criminalidade são: a

redução do sistema punitivo mediante despenalização da criminalidade comum e substituição

de sanções penais por controles sociais não-estigmatizantes (Direito Penal Mínimo) e a

ampliação do sistema punitivo para proteger interesses individuais e comunitários em áreas de

saúde, ecologia e segurança do trabalho, revigorando a repressão da criminalidade econômica,

do poder político e do crime organizado (Garantismo). “Por isto, no campo penal, devemos

propugnar por um direito penal mínimo para condutas (bagatelares, de mera conduta, etc) que

não lesam a comunidade e os objetivos do Estado Democrático de Direito e um direito penal

interventivo no que diz respeito à criminalidade econômico-social...” (STRECK, 1999, p.

109).

As idéias centrais da alternatividade no Sistema Penal são recentes e

competem com o longo predomínio das idéias positivistas e da reação estatal legitimada na

defesa social. É a partir da década de 1970 que as teorias da repressão e prevenção geral e

21 A teoria do “[...] o labeling approach tem se ocupado principalmente com as reações das instâncias oficiais de controle social, consideradas na sua função constitutiva em face da criminalidade. Sob este ponto de vista tem estudo o efeito estigmatizante da atividade da polícia, dos órgãos de acusação e dos juízes.” (Baratta, 2002, p. 86).

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especial positiva (ressocializadoras) da pena são contestadas, já que não demonstraram

eficácia ante o fenômeno universal do aumento da criminalidade. Temas como o custo da

criminalização, busca de soluções alternativas e comunitárias, programas de

descriminalização entre outros, passam a merecer atenção científica e fomentam projetos

práticos que visam à reforma dos Sistemas Penal e Penitenciário.

Para Baratta (2002, p.131) o processo de criminalização cumpre funções de

conservação e reprodução do meio social e a criminalidade sofria dupla seleção: de bens

protegidos penalmente nos tipos penais e de indivíduos estigmatizados nesse processo.

O processo de criminalização, ativado por estereótipos e preconceitos da

polícia e da justiça, dirige a repressão criminal para as camadas mais pobres da sociedade, o

que amplia a seletividade do sistema penal.

No Brasil isto é evidente, segundo Mingardi (1998, p. 208):

Quanto às polícias estaduais, muito mais antigas, inúmeros estudos mostram que elas foram criadas para lidar com o criminoso pobre, o ladrão de rua. Em seu livro Crime e Cotidiano, Fausto (1984) revela que o público alvo da ação policial, já na virada do século, eram os “marginais” e os criminosos pobres em geral. Pinheiro (1982) também fala no uso da polícia como meio de controlar as camadas desfavorecidas, isto já na década de 70. Praticamente todos os mortos pela ROTA (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar) citados por Barcellos (1992) eram também pessoas pobres, muitos também pequenos marginais. Os métodos “investigativos” usados durante muitos anos pela Polícia Civil, principalmente nas áreas dos crimes contra o patrimônio, foram o “Ganso” (informante) e o “Pau” (tortura). Gerações de policiais foram treinadas para combater especialmente aquilo que os americanos chamam de Street Level Crime, nada mais. Policiais treinados para reprimir estes crimes podem, quando muito, atuar eficientemente contra quadrilhas comuns.

Castilho (apud STRECK, 1999, p.109) afirma que em nosso país quase não

existe condenação de réus por crimes do colarinho branco, enquanto há, cotidianamente,

processos nos quais pessoas são condenadas – em primeira instância – por furtar um tubo de

cola (usado), avaliado em R$ 1,25.

Diminuir o impacto das agências de poder na sociedade e reduzir ao

máximo sua estrutura, conter a inflação legislativa como forma de criminalização primária,

minimizar o Sistema Penal e buscar soluções alternativas ao Direito Penal são objetivos que

encontram aceitação da comunidade jurídica como resposta a repressão seletiva que atinge

apenas as camadas mais pobres da sociedade e não está sendo eficaz para reduzir a

criminalidade.

A Polícia Judiciária contribuiria com esses objetivos acrescentando às suas

funções o paradigma preventivo de combate à criminalidade neste estudo desenvolvido.

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Hulsman (1993, p. 69), discorrendo sobre os efeitos negativos da

criminalização (repressão), demonstra que são três. O primeiro é a distorção de uma visão

realista sobre o homem e a sociedade, através da manutenção dos entendimentos de que a

solução satisfatória para o desvio é pela estigmatização e a punição, e que a criminalidade é o

principal problema social. O segundo efeito é a promoção do desvio secundário e, em terceiro

lugar, a colocação de obstáculos à assistência das vítimas. Individualmente, a atuação do

sistema produziria efeitos estigmatizantes não somente ao indivíduo, mas, sim, a toda sua

família, determinando a influência negativa da intervenção penal. Mais adiante afirma que a

partir dos levantamentos realizados entre a distribuição da criminalidade em diferentes classes

sociais se pode concluir que o Sistema Penal, em sua forma atual, está mal equipado para

atender sua finalidade de contribuir para a solução dos problemas sociais e por isso aumenta

consideravelmente as desigualdades existentes e que o funcionamento dele constituiu

problema social em si mesmo. O funcionamento atual do Sistema Penal é, em grande parte,

não controlado e incontrolável.

Vislumbra-se que, somente por meio de atuações preventivas do sistema

penal o princípio meta de redução das desigualdades sociais, previsto na Constituição de 1988 22, poderá ser atingido.

O paradigma alternativo de um programa preventivo para a Polícia

Judiciária, desenvolvido neste trabalho, se estrutura nos programas do Direito Penal Mínimo e

Garantismo que têm como principais teóricos Hassemer, Ferrajoli, Cervini, Baratta, Batista e

Zaffaroni.

Em todos encontramos a defesa da substituição da sanção penal para

crimes de pequena e média gravidade por soluções alternativas dos conflitos com negociação

ou conciliação, práticas restaurativas e participação comunitária.

Essa tendência já se materializa em nosso país, na região sul, onde se fala

em Direito Alternativo. Na conduta do Magistrado gaúcho, v.g., dentre outras, há tendência de

se evitar, sempre que possível, a condenação de réus a presídio, ante o caos do Sistema

Presidiário brasileiro; o afrouxamento na apreciação dos delitos sexuais não violentos;

alargamento da conceituação de delitos de bagatela e do conceito de furto famélico, incluindo

o roubo famélico, ante a insignificância da potencialidade ofensiva e, por outro lado, maior

rigor na apreciação de delitos que agridam toda a sociedade, como a sonegação fiscal e

formas de corrupção de agentes do Estado. Nesta região já existem também experiências com

22 Artigo 3º., inciso III, da Constituição Federal de 1988.

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o modelo de Justiça Restaurativa e em várias partes do país experiências de Polícia

Comunitária, merecendo destaque a Criação dos Conselhos Comunitários de Segurança

(CONSEGs) criados no estado de São Paulo.

A estratégia da intervenção mínima procura alternativas de solução de

conflitos, estabelecendo acordos e reconciliações com a participação da comunidade. Essa

idéia, contudo, desafia o sistema penal tradicional, como lembra Carvalho (1998, p. 339):

Se a lei penal é, oficialmente, a principal forma de controle social e representa o meio necessário para controle da criminalidade, a minimização do aparato criminal, além de estabelecer pânico em relação ao incremento das atividades permitidas – apesar de não existirem pesquisas que demonstrem a realidade dessa assertiva-, “pode conllevar a la perdida del respecto y majestad em ele cual es considerado el Sistema Penal, porque puede ser visto como la admisión de que estaba operando sin uma adecuada justificación em el passado”23

Por isso Zaffaroni (1989, p. 58) assevera que “creemos que el desafio que

tenemos por delante es la reconstrucción del derecho penal de garantias sobre esta base o

sobre cualquier outra que no intente la re-legitimación del poder punitivo”24.

3.1. Estado de Direito - Garantismo Penal

A luta pelo direito sempre foi contra a repressão, que é instrumento de

dominação largamente utilizado pelo poder. No início, contra a repressão do mais forte

fisicamente (pleonexia25). Atualmente, contra a repressão estatal, não só constituída pelo

monopólio do uso da força, mas também pela opressão econômica, financeira e social.

A evolução do Estado pode ser medida por esta luta e pelas mais variadas

formas de dominação que se flexibilizaram para buscar legitimidade e manter a hegemonia de

uma classe sobre as demais.

A indenização e fiança, métodos de punição preferida na Alta Idade Média

onde não havia espaço para um sistema de punição estatal, foram substituídas por um sistema

de punição corporal e capital que, por sua vez, abriu caminho para a prisão, principal

instrumento opressor dos sistemas penais, que teve seu desenvolvimento embrionário em fins

23 Pode levar a perda de respeito e majestade, o que é considerado alto no sistema de justiça penal, uma vez que pode ser visto como uma admissão de que ele estava operando sem a devida justificação no passado. 24Acreditamos que o desafio é a reconstrução do direito penal de garantias nessa base ou qualquer outra que não tentar a re-legitimação do poder punitivo. 25 Teoria que sustenta que o mais forte estaria legitimado pelo mero fato de sê-lo.

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do século XVI com a criação das Casas de Correção, cujo “objetivo principal era transformar

a força de trabalho dos indesejáveis, tornando-a socialmente útil” (RUSHE e

KIRCHHEIMER, 2004, p. 69).

Na lenta evolução das teorias e sua aplicação às transformações sociais se

dá o nascimento do Estado moderno, como Estado de Direito, com uma série complexa de

vínculos e de garantias estabelecidas para a tutela do cidadão contra o poder opressor.

O constitucionalismo moderno pode ser entendido como uma técnica de

limitação do poder com fins de garantismo.

O Sistema Penal, sustentado pelas teorias da defesa social26, passa a ser

confrontado e expõe seu objetivo real: instrumento de dominação social.

A pena de prisão, como é concebida, mostra sua contradição quando se

constata a impossibilidade de se contrapor proteção da sociedade a vingança ou retribuição.

Após a segunda guerra mundial, com a reação humanitária no direito penal,

surgem teorias abolicionistas da pena de prisão27 num choque profundo com a cultura

repressiva.

Atualmente, em posição harmônica entre os extremos, há os que propõem

uma redução maior do poder punitivo e um aumento real das garantias contra o abuso deste

poder28 (direito penal mínimo e garantismo penal).

Bobbio, prefaciando a obra de Ferrajoli, (2006, p. 8), ao falar sobre o

garantismo ensina que o modelo:

[...] tem idéia inspiradora iluminista e liberal, iluminista em filosofia, liberal em política, segundo a qual frente à grande antítese que domina toda a história humana entre liberdade e poder, pela qual nas relações entre indivíduos e entre grupos, quanto maior a liberdade tanto menor o poder e vice-versa, é boa e ainda desejável e propugnável que de vez em quando aquela solução que alarga a esfera da liberdade e restringe aquela do poder; com outras palavras, aquela pela qual o poder deve ser limitado de modo a permitir a cada um gozar da máxima liberdade compatível com a igual liberdade de todos os outros.

Ferrajoli (2006, p. 16) explica que “o modelo penal garantista equivale a

um sistema de minimização do poder e de maximização do saber judiciário, enquanto

condiciona a validade das decisões à verdade, empírica e logicamente controlável, das suas

motivações”. 26O Estado, como expressão da sociedade, está legitimado para reprimir a criminalidade, da qual são responsáveis determinados indivíduos, por meio de instâncias oficiais de controle social (legislação, polícia, magistratura, instituições penitenciárias). Estas interpretam a legítima reação da sociedade, ou da grande maioria dela, dirigida à reprovação e condenação do comportamento desviante individual e à reafirmação dos valores e das normas sociais (Baratta, 2002, p. 42). 27 HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernal de. Penas Perdidas. Rio de Janeiro: Luam Editora, 1993. 28 Zaffaroni. Em Busca Das Penas Perdidas. Rio de Janeiro: Revan, 1989.

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As idéias de Ferrajoli são uma resposta epistemológica à crise do

garantismo penal de matriz iluminista cujo esquema baseava-se sobre um silogismo perfeito

do julgamento, atribuindo ao juiz a qualidade de “boca da lei”29. O autor demonstrou a

fraqueza política derivada da sua impraticabilidade jurídica.

Na óptica positivista a lei é vista como expressão superior da razão. “É o

domínio asséptico da segurança e da justiça. Separada da filosofia do direito por incisão

profunda, a dogmática jurídica volta seu conhecimento apenas para a lei, sem qualquer

reflexão sobre seu próprio saber e seus fundamentos de legitimidade” (Barroso, 2000, p. 12).

O garantismo moderno, por outro lado, tem como fonte primária de

legitimação a função primordial de tutelar de forma eficaz os direitos fundamentais dos

cidadãos, o respeito da pessoa humana, os valores fundamentais da vida e da liberdade

pessoal, o nexo entre legalidade e liberdade, a separação entre direito e moral, a tolerância, a

liberdade de consciência e expressão e os limites da atividade do Estado.

Em face da crise estrutural das garantias do Estado de Direito, Ferrajoli

(2006, p. 21) propõe o funcionamento concreto das instituições a partir de “modelos de

racionalidade e de justiça assumidos como fundamento dos esquemas de legalidade

positivamente elaborados e constitucionalizados”, buscando o nexo que caracteriza o Estado

de direito entre garantias jurídicas e legitimação política e formas legais e democracia

substantiva.

Evidencia a antítese do direito penal mínimo contra direito penal máximo,

o direito do mais fraco contra o direito do mais forte. “A batalha em defesa do garantismo é

sempre, malgrado as solenes declarações de princípios nem sempre confrontadas pelos fatos,

uma batalha de minorias” (BOBBIO, 1992, p. 13).

O antagonismo entre a existência do Estado para a busca das aspirações

sociais e o uso do poder que dele emerge pela classe que o administra, e que determina a

forma de dominação, legitima a busca pela redução e emprego correto desse poder (direito) e

maior participação na sua administração (democracia). Desta dialética surgem os direitos

fundamentais como limites de atuação impostos a esta estrutura jurídico-política.

29 MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Saraiva, 1987, p. 176. “Mas os Juízes da Nação como dissemos, são apenas a boca que pronuncia as palavras da lei; seres inanimados que não lhe podem moderar nem a força, nem o rigor”.

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Ferrajoli (2006, p. 17) aduz:

E é sobretudo através da crítica dos sistemas penais e processuais que se vem definindo, como veremos, os valores da civilização jurídica moderna: o respeito da pessoa humana, os valores “fundamentais” da vida e da liberdade pessoal, o nexo entre legalidade e liberdade, a separação entre direito e moral, a tolerância, a liberdade de consciência e de expressão, os limites da atividade do Estado e a função de tutela dos direitos dos cidadãos como sua fonte primária de legitimação [...] Este casamento entre direito penal e filosofia política reformadora rompeu-se na segunda metade do século passado, no momento em que consolidado o Estado liberal, prevalece nas disciplinas penais uma concessão conservadora do direito penal como técnica de controle social [...].

A luta não se cinge somente na redução do poder do Estado, mas agora

também no encontro de garantias legitimadoras dos fins sociais que busca o Estado

Democrático de Direito.

O garantismo de Ferrajoli relaciona normatividade à efetividade da tutela

de direitos e por isso se afasta do mero legalismo, formalismo ou processualismo para atingir

as expectativas sociais de subsistência dos direitos individuais aos coletivos.

Quando se fala em efetividade não se pode deixar de fazer uma crítica ao

modelo extremamente jurisdicionalizado defendido por todos os segmentos do pensamento

jurídico. Nada pode escapar à jurisdição, tudo tem que ser resolvido pelo juiz ou dentro da

jurisdição. Mas a jurisdição é garantia e não razão de ser da existência do fato ou da norma.

Ferrajoli (2006, p. 347) chama a atenção para:

[...] Mais precisamente, as doutrinas que valorizam o substancialismo do elemento subjetivo do delito costumam estar associadas às doutrinas pedagógicas da emenda ou às terapêuticas do tratamento curativo, que apontam sobretudo para a prevenção especial positiva; enquanto as baseadas na relevância atribuída à materialidade do elemento objetivo e, particularmente, na periculosidade, costumam estar associadas às doutrinas da defesa social, as quais se orientam sobretudo para a prevenção especial negativa. Em qualquer caso, todas dão ensejo, junto às correspondentes doutrinas acerca do fim da pena, a modelos de direito penal máximo e antigarantista, nos quais, de fato, remete-se à livre valoração do juiz a decisão não somente do “quando”, senão, também, como se verá, do “como” punir. (grifos nossos).

O moderno Estado Democrático de Direito, assim entendido, deve estar

munido de garantias liberais e sociais para que os direitos fundamentais possam ser

materializados e livremente exercidos.

O garantismo é, destarte, a busca da eficácia total dos direitos

fundamentais.

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3.2. Garantismo Penal e Polícia Judiciária

Um poderoso instrumento que pode ser utilizado para a busca da eficácia

dos direitos fundamentais é a polícia, instituição existente em todas as sociedades

contemporâneas.

Se o exercício do poder se dá também pela Polícia Judiciária, mas ela é

utilizada como “longa manus” do Estado, natural que sofra as mesmas críticas e que se

busque redução da parcela de poder com que atua.

As esferas de exercício arbitrário da polícia podem ser transformadas,

contudo, se houver a possibilidade de redimensionamento de suas funções que interagirão

diretamente na cultura e consciência de seus membros. É importante que à polícia não sejam

distribuídas apenas atribuições repressivas, mas principalmente conciliatórias, terapêuticas e

preventivas com a finalidade de proporcionar a efetividade dos direitos fundamentais.

No Estado Democrático de Direito, vencidas as reminiscências culturais da

repressão, a instituição pode dar valorosa contribuição ao garantismo, já que terá como

principal foco de sua atuação a busca da maior eficácia dos direitos fundamentais.

Se prender em flagrante, v.g. é conduta aparentemente antagônica ao

direito de liberdade, o garantismo se sobrepõe na medida em que orienta a conduta da

Autoridade Policial a só efetuar a prisão em casos de extrema necessidade (quando a violação

a bens jurídicos e os prejuízos sociais justificarem) em face de uma motivação principiológica

constitucional e interpretação conforme a constituição.

“A polícia é, portanto, uma espécie de superego social indispensável em

culturas urbanas, complexas e de interesses conflitantes, contenedora do óbvio caos a que

estaríamos expostos na absurda hipótese de sua inexistência” (BALESTRERI, 1998, p. 21).

Tanto que nem as teorias abolicionistas pensaram em eliminá-las.

Embora seja um órgão do Estado, do Poder Executivo propriamente dito, o

que lhe dá conotação meramente de função executiva, a Polícia Judiciária é auxiliar do Poder

Judiciário e como tal deveria estar munida das garantias conferidas aos integrantes desse

Poder para que cumprisse de forma isenta e independente sua missão, alinhando-se

ideológicamente ao modelo garantista.

Na Alemanha, v.g., todos os poderes públicos estão vinculados aos direitos

fundamentais. O artigo 1º, alínea 3, da Constituição Alemã prevê que os direitos fundamentais

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vinculam legislação, poder executivo e jurisdição como direito vigente diretamente (HESSE,

1998, p. 275).

É possível uma atuação democrática da Polícia Judiciária, voltada a

garantir os direitos fundamentais, já que o policial é um cidadão. Um cidadão qualificado

porque representa esse Estado no contato mais próximo com a população, exercendo uma

profissão formadora de opinião. O policial é “um legítimo educador” e embora não possa se

eximir da sua função técnica de intervir, quando necessário, de forma repressiva, em

momentos de crise, tem sua conduta pautada na busca do ideal democrático (BALESTRERI,

1998, p. 19).

Destarte, cabe à Polícia Judiciária a busca de soluções alternativas que

contribuam com o Sistema Penal para alcançar os objetivos do Estado Democrático de

Direito, em especial a plena justiça, a dignidade humana e a redução das desigualdades

sociais.

As funções de polícia judiciária previstas na Constituição Federal de

198830, como dito, vão muito além de mera repressão a crimes e apuração de sua autoria.

Defende o autor deste estudo a possibilidade de solução de conflitos de

menor gravidade por outros órgãos, inclusive a Polícia Judiciária e comunidade (Polícia

Comunitária). À jurisdição caberia, nesses casos, tão somente a fiscalização (garantia). O

Magistrado e o órgão do Ministério Público cumpririam melhor esta função com máxima

efetividade e mínimo tempo.

Não se pode falar em garantismo, segundo os novos modelos, se existir um

hiato entre a Constituição Federal que coloca à disposição da comunidade jurídica um

conjunto de direitos e mecanismos para a sua implementação, e uma sociedade carente de

garantias, no interior da qual o acesso à justiça tem sido negado a imensa maioria da

população. “A inefetividade do aparelho judiciário coloca a lume uma das funções específicas

da função do Estado: a jurisdição.” (STRECK, 1999, p. 108).

Por isso muitos propugnam por uma mudança na postura dos operadores

jurídicos para apontar saídas possíveis para superar a crise de legitimidade do Estado.

A polícia existe em toda comunidade, está junto da comunidade, vivencia

com ela os conflitos, interage para sua solução e intervém quase que imediatamente; diferente

da jurisdição, que na maioria das vezes fica distante e só recebe as informações escritas, frias

30 Art. 144, § 4º., da Constituição Federal de 1988: “Ás polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.

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e incompletas sobre o conflito, intervindo posteriormente. Por isso pensa o autor deste

trabalho que a Polícia Judiciária poderia prestar maior auxílio à Jurisdição, recebendo

atribuições legais conciliatórias e preventivas, deixando para o Magistrado e Promotor

Público a fiscalização, que as exerceriam direta e indiretamente.

Dias (apud STRECK, 1999, p. 110) ensina que:

A Constituição é um espaço garantidor das relações democráticas entre o Estado e a Sociedade (Ribas Vieira), podendo/devendo ser vista/entendida “precisamente como zona más o menos segura de mediación, aparte de la habitual entre legalidad y legitimación, también – más radicalmente y vinculado a todo ello – entre legitimidad y justicia”31.

3.3. Prevenção e Garantismo Penal

A prevenção é a maneira mais adequada de se combater a criminalidade de

pequena gravidade e condutas desviantes.

Não se retira o direito dos conflitos cuja gravidade seja pequena (pouca

lesividade ou repercussão social). Por isso é que, em relação a esses conflitos, a busca por

fórmulas alternativas no sistema penal tem sido objeto da ciência e experimentos mundo

afora. O sistema penal repressivo, como se encontra, não tem legitimidade nem condições de

cumprir os fins sociais a que se destina, ou seja, distribuir justiça e contribuir para o avanço

social com respeito à dignidade humana e aos direitos fundamentais.

Para se chegar ao garantismo (máxima eficácia das garantias) o caminho é

a minimização do poder e a redução dos conteúdos do Direito Penal (taxatividade) com um

aumento (maximização) do saber jurídico e o desenvolvimento de metodologias legítimas que

atendam ao anseio social (o uso, gozo e fruição plenos dos direitos fundamentais), ou seja, a

prevenção é um dos caminhos que leva ao garantismo.

E neste momento caberia a pergunta sobre a própria legitimação da

prevenção, uma vez que sempre presente a suspeita de que o discurso jurídico esteja servindo

ao poder.

Para Zaffaroni (1989, p. 14):

O discurso jurídico-penal falso não é nem um produto de má fé nem de simples conveniência, nem o resultado da elaboração calculada de alguns gênios malignos, mas é sustentado, em boa parte, pela incapacidade de ser substituído por outro discurso em razão da necessidade de se defenderem os direitos de algumas pessoas.

31 ... apenas como mais ou menos segura área da mediação, para além da habitual entre legalidade e legitimidade, bem como - de forma mais dramática esta ligado a todos - entre legitimidade e justiça.

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A legitimidade da prevenção encontrar-se-á na racionalidade, pois tem a

finalidade verdadeira de promoção do bem comum sendo por isso coerente. “O direito serve

ao homem, não o contrário” (ZAFFARONI, 1989, p. 16).

Ferrajoli (2006, p. 337) capta sensivelmente esta verdade e acrescenta:

Pode-se dizer, inclusive, que quanto mais altos e ambiciosos são os valores de justiça professados e perseguidos por um ordenamento, e quanto mais complexas e vinculantes são as garantias incorporadas para tal fim em seus níveis normativos superiores, mais ampla é a possível divergência entre modelos normativos e práticas efetivas e, por conseguinte, o índice de ineficácia das primeiras e de falta de validez das segundas [...]

Para o autor citado as diferenças entre garantismo e autoritarismo,

formalismo e substancialismo jurídico, direito penal mínimo e direito penal máximo, está

exatamente na forma diferenciada de proceder do operador de direito que condiciona sua

interpretação e decisão à verdade jurídica (validade) e as conseqüências de sua aplicação

(eficácia), já que estará vinculado ao princípio da legalidade estrita.

O direito penal mínimo corresponde a defesa do mais fraco e a prevenção

de conflitos originados pelo exercício das próprias razões. A lei penal é voltada a minimizar o

conflito e a prevenir, através de sua parte proibitiva, o exercício das próprias razões, a

vingança e outras possíveis reações. “A lei penal se justifica enquanto lei do mais fraco,

voltada para a tutela dos seus direitos contra a violência arbitrária do mais forte” (Ferrajoli,

2006, p. 311). Por isso não se pode prescindir do Direito Penal formal. É necessário destacar

na sociedade quais modalidades de conduta são nocivas e atribuir a elas uma penalidade.

Para além da taxatividade das normas penais, que vigora no plano teórico,

o autor desta pesquisa quer chamar a atenção para a possibilidade de um tratamento

diferenciado, pelas agências policiais, para a pequena e eventualmente média criminalidade e

condutas desviantes, existente no plano fático. E aqui vale perguntar quem é o mais fraco,

como fez Muller (2003, p. 25), ao indagar quem é o povo?

Nesse diapasão será necessário buscar outro sentido para a intervenção

estatal que vai além da restrição das liberdades negativas.

Não se podem desconhecer as complexas razões sociais, psicológicas e

culturais dos delitos que não são neutralizáveis apenas com o temor das penas.

Nas relações de poder com o sistema penal, fraco será o julgado apenas

pelo seu ato e, como conseqüência, colocado em situação de total abandono. O Estado não

intervém senão para puni-lo se comprovada sua culpabilidade, oferecendo não mais que a

prevenção geral, tornando-o ainda mais fraco e passível de novas condutas com maior

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violência num sistema penal e penitenciário completamente desvinculado de garantias quanto

à dignidade da sua pessoa.

A intervenção do Estado Democrático de Direito deve se dar, também, de

forma preventiva, promovendo em relação àqueles que cometeram infração penal de pouca ou

média gravidade uma investigação das causas da sua conduta para a solução definitiva do

conflito.

Como observa Carrara, apud Ferrajoli (2006, p. 308), “é impossível

impedir o delito em todos os delinqüentes”, mas com certeza é possível intervir no conflito

para dissuadirem muitos a não voltar a delinqüir, não pela prevenção geral, mas por formas

alternativas no sistema penal.

Esta seria uma forma de proporcionar o mínimo mal-estar necessário aos

desviantes, fazendo-os responsáveis não só pelos seus atos, mas também pela capacidade

adquirida (com assistência devida) de não voltar a cometê-los, proporcionando também maior

bem estar dos não desviantes, segundo a fórmula garantista de Ferrajoli (2006, p. 308).

E, garantir a aplicabilidade da prevenção à criminalidade no plano fático é,

como defende o autor deste estudo, papel relevante da Polícia Judiciária.

Para a Polícia Judiciária importa uma mudança de comportamento para a

legitimação de sua atuação. A busca da racionalidade e da verdade jurídica determinará

condutas, válidas e eficazes, que objetivem alcançar os fins sociais propostos pela

Constituição Federal. A despeito de intervir em momentos conflituosos devem os policiais

pautarem-se com o necessário bom senso a fim de que vigore, de fato, o princípio da

igualdade, oferecendo tratamento diferenciado para grande, média e pequena criminalidade.

Os órgãos do sistema penal estão à evidência porque exercem poder para

controlar. Com isto causam a morte e o aprisionamento em massa (Zaffaroni, 1989, p. 13). As

agências policiais atuam com um nível elevado de violência e dirigido as classes sociais

menos abastadas numa sociedade estratificada, cumprindo a função real do sistema penal que,

por isso, é ilegítimo e se mostrou totalmente incapaz para conter a criminalidade. Esta é a

constatação sobre a atuação policial que queremos modificar.

Segundo os críticos das agências policiais elas agem dentro da lei, mas

exercendo arbitrariamente o poder, dirigindo a repressão para as classes pobres, criando

estereótipo e estigmatizando. Agem, positivamente dentro da lei (mera legalidade), mas

ideologicamente ao arrepio dela. Com isto, são encarregados de um controle social

verticalizado, exercido sobre grande parte da população e tem função positiva, configuradora

da vida social.

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A questão é: se as agências policiais têm a capacidade de determinar essa

configuração social, não será prudente inverter os vetores ideológicos para que se busque o

mesmo resultado com orientação diversa?

Diria o autor desta pesquisa que cumprindo a estrita legalidade, atuando de

forma garantista, buscando a aproximação comunitária e focando a ação repressiva no

combate aos verdadeiros males que afligem como sombras a sociedade, as agências policiais

estariam alinhadas com o fim constitucional, colaborariam com a redução das desigualdades

sociais e estariam dedicando sua existência ao respeito à dignidade da pessoa humana e a

garantir os direitos fundamentais.

A libertação do jugo autoritário que faz a polícia apenas instrumento de

uma ideologia dominadora e de viés repressivo só pode se desfazer com a revolução cultural e

acima de tudo com a mudança radical de sua postura, deixando de servir ao governo para

servir à constituição, onde está, efetivamente, sua razão de existência.

Isto deve ser compreendido também pelo Poder Judiciário e Ministério

Público, órgãos fiscalizadores da atuação policial que, não raro e a despeito dessa garantia

democrática, também pressionam a polícia para uma atuação repressiva, positivista32 e

autoritária.

É preciso explorar as potencialidades positivas da Polícia Judiciária (como

órgão público auxiliar do Poder Judiciário) e permitir às Autoridades Policiais (bacharéis em

direito), ad referendum, maior liberdade nas interpretações principiológicas e conforme a

constituição fundada na ética, na razão e na realidade fática. “A liberdade de que o

pensamento intelectual desfruta hoje impõe compromissos tanto com a legalidade

democrática como com a conscientização e a emancipação e o papel do conhecimento não é

somente a interpretação do mundo, mas também a sua transformação” (BARROSO, 2000, p.

18).

32 No sentido de que se opõe a uma interpretação que leva em consideração os princípios e a realidade social pela Autoridade Policial.

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IV – TÉCNICAS DE PREVENÇÃO À CRIMINALIDADE

E O PROGRAMA NACIONAL DE SEGURANÇA

CIDADÃ (PRONASCI)

Neste tópico nosso esforço concentrar-se-á na demonstração sucinta de

algumas experiências alternativas já existentes no sistema penal com destaque para a

participação da Polícia Judiciária.

Ressalta o autor deste trabalho que as práticas restaurativas e a polícia

comunitária, somadas aos institutos da conciliação e orientação, serão os instrumentos

utilizados pelo plantão social para promover as medidas preventivas. Por isso é que, apesar da

existência de outros modelos de atuação preventiva existentes, as práticas restaurativas e a

polícia comunitária formarão objeto do estudo deste capítulo.

Os programas nacionais de prevenção à criminalidade, relacionados à

segurança pública também serão mencionados, já que a proposta deste estudo se identifica

com os objetivos ali traçados.

4.1. Justiça Restaurativa

A Justiça Restaurativa é um conjunto de praticas que tem por objetivo a

reparação do dano causado pelo crime com a aproximação dos envolvidos (autor e vítima).

“São práticas sociais que podem ser aperfeiçoadas para dar conta da ruptura necessária desta

corrente de violência que vai tornando quase insuportável a vida diária (Sica, 2007, p. 3)”.

O Departamento de Justiça do Canadá elaborou um documento em que

define a Justiça Restaurativa como um meio de abordar o crime com a participação da

comunidade e buscar a reparação dos danos por ele causados.

Trata-se de um processo estritamente voluntário e relativamente informal

que utiliza técnicas de mediação, conciliação e transação para alcançar o resultado

restaurativo.

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Paul McCold e Ted Wachtel, do Instituto Internacional por Práticas

Restaurativas (International Institute for Restoratives Practices), em trabalho apresentado no

XIII Congresso Mundial de Criminologia, realizado no Rio de Janeiro, de 10 a 15 de agosto

de 200333, afirmam que:

A essência da Justiça Restaurativa é a resolução de problemas de forma colaborativa. Práticas restaurativas proporcionam àqueles que foram prejudicados por um incidente a oportunidade de reunião para expressar seus sentimentos, descrever como foram afetados e desenvolver um plano para reparar os danos ou evitar que aconteça de novo.

A Justiça Restaurativa representa, assim, uma forma democrática de

participação na Justiça Criminal já que a vitima, o infrator e a comunidade se apropriam de

significativa parte do processo decisório.

O papel da comunidade é de extrema importância. A participação

comunitária visa resgatar o sentimento de segurança coletivo.

Para o autor desta pesquisa este sentimento coletivo de segurança será

atingido com a informação ao público dos trabalhos realizados nesse sentido.

Sica (2007, p. 13), cita uma decisão de quatro de julho de 2002, do

Conselho da União Européia, para fornecer uma boa noção de Justiça Restaurativa:

Artigo 2° - Definição e formas de justiça restaurativa: para efeitos da presente decisão, o termo “Justiça Restaurativa” refere-se a uma visão global do processo de justiça penal em que as necessidades da vítima assumem a prioridade e a responsabilidade do infractor é realçada de uma maneira positiva. A justiça restaurativa denota uma abordagem lata em que a reparação material e imaterial da relação confundida entre a vítima, a comunidade e o refractor constitui um princípio orientador geral no processo de justiça penal. O conceito de justiça restaurativa abrange um conjunto de idéias que é relevante para diversas formas de sancionamento e de tratamento de conflitos nas varias fases do processo penal ou com ele relacionados. Embora até à data a justiça restaurativa tenha encontrado expressão principalmente em diversas formas de mediação entre a vítima e os infractores (mediação vítima-infractor), estão cada vez mais a ser aplicados outros métodos, como, por exemplo, o debate em família. Os governos, a polícia, os órgãos de justiça criminal, as autoridades especializadas, os serviços de apoio e assistência à vítima, os serviços de apoio ao infractor, os investigadores e o público estão todos implicados neste processo.

A Declaração de Costa Rica sobre a Justiça Restaurativa na América Latina

anunciou (Sica, 2007, p. 14):

Artigo 1º: ... §1. processo restaurativo é aquele que permite vítimas, ofensores e quaisquer outros membros da comunidade, com a assistência de colaboradores, participar em conjunto, quando adequado, na busca da paz social. §2. Arrependimento, perdão, restituição, accountability, reabilitação e integração social, entre outros, podem ser incluídos dentre as metas restaurativas.

33 Trabalho na integra, disponível em http://www.realjustice.org/library/paradigm_port.html.

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Os meios mais favoráveis para a Justiça Restaurativa são os que evitam o

processo e possibilitam uma solução extraprocessual.

O autor deste estudo ousa discordar de Leonardo Sica (2007, p. 30) quando

comenta que: “(encaminhamento pela polícia) não parece adaptável ao nosso sistema, pois a

discricionariedade conferida a polícia dependeria de um aprimoramento da própria instituição

(por exemplo, no sentido do policiamento comunitário e preventivo)”. Isto porque a

Autoridade Policial tem formação jurídica e com o devido treinamento poderia desempenhar

bem esta função com a participação da comunidade e com o auxílio do plantão social e do

conselho comunitário de segurança.

Moraes (apud TONINI, 1998, p. 29) informa que o preconceito jurídico

contra a polícia apresenta deformações de três ordens: sociais, políticas e jurídicas. Sociais,

como reflexo da cultura e subcultura alienadas; políticas, como resultados de vícios de toda

ordem que transformam pessoas em manipuláveis fantoches, servidor público em longa

manuns de chefes; jurídicas, em conseqüência do preconceito invadindo a ciência, e

alcançando as leis e decisões de tribunais. Esses preconceitos somente retardam o

aprimoramento do serviço policial.

Enquanto a polícia não for vista pela comunidade jurídica como uma

instituição capaz de atuar preventivamente será sempre a mesma. Para que se construa uma

polícia comunitária e preventiva é necessário que se apóiem experiências que encarem o

policial como agente de proteção dos direitos humanos.

O próprio policial precisa ser preparado para a atuação preventiva já que

“pela natural autoridade moral que porta, tem o potencial de ser o mais marcante promotor

dos Direitos Humanos, revertendo o quadro de descrédito social e qualificando-se como um

personagem central da democracia” (BALESTRERI, 1998, p. 31).

Paises como Inglaterra, Japão e Nova Zelândia redirecionaram a força

policial. Já que se importa quase tudo deles, por que isto também não pode ser importado? Só

o preconceito caberia como resposta.

A polícia não é repressiva apenas porque quer. É também porque recebe

atribuições apenas dessa natureza. Recebe críticas pela sua atuação, mas nenhuma proposta de

atuação diferente.

O fato de estarmos defendendo uma atuação preventiva da polícia talvez

sensibilize o meio jurídico. Propostas com finalidade da construção de uma nova mentalidade,

com ênfase para a prevenção, que não se resuma apenas na crítica e no preconceito, serão

absorvidas e bem aceitas pela Polícia Judiciária.

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A análise dos modelos de Justiça Restaurativa e a participação policial em

cada país onde foi implantado, obtendo com bons resultados, falará por si mesmo.

O pioneirismo da Nova Zelândia na implantação de práticas restaurativas

deve-se, em grande parte, a comunidade Maori. Suas reivindicações foram fundadas nas

desproporcionais taxas de encarceramento dos jovens membros desta etnia em relação à

branca de origem européia. Tinham por objetivo evitar que os jovens infratores se afastassem

do convívio de sua comunidade.

Pela sociedade Maori foi editado o Children, Young Persons and Their

Families, que oferece à Autoridade Policial um quarteto de opções ao encaminhamento do

jovem autor de um ato infracional. A primeira alternativa é a advertência simples que tem a

finalidade de elevar o jovem a uma consciência moral do ato; a segunda é o chamado

encaminhamento alternativo, onde há o deslocamento de um policial até o lar do jovem para

uma entrevista com sua família para juntos traçarem um plano de ação que pode abranger

diversas condutas como: reparação do dano causado e pedido de desculpas, dentre outros; a

terceira é a realização de uma reunião do jovem e sua família com um facilitador, a vitima e

um policial; a derradeira opção, esgotada as anteriores, é o encaminhamento do caso ao

Tribunal de Jovens. A escolha do tipo de encaminhamento é ato discricionário do policial que

levará em conta as minúcias do caso concreto, além da conduta antecedente do jovem infrator.

Estudos realizados acerca da eficácia deste procedimento demonstram que

o índice de reincidência é menor entre os jovens que são advertidos. Conclui-se que o jovem

deve se sentir envolvido com as decisões deliberadas e participar da restauração. Com os

resultados satisfatórios entre os jovens houve estímulo de criação de práticas restaurativas

também no sistema de justiça para adultos. Até o ano de 2005 havia 19 programas de Justiça

Restaurativa para adultos na Nova Zelândia, o que dá uma idéia da efetividade alcançada pelo

procedimento (SICA, 2007, p. 83).

No Estado de Nova Gales do Sul - Austrália, em 1997, foi promulgado o

Yong Offenders Act, um documento que possibilita a inclusão de conferências restaurativas.

Podem participar destas conferências o jovem, sua família, advogado, policiais e a vítima e

seus apoiadores.

O encaminhamento dos casos pode ser feito tanto pela polícia como pelo

magistrado, incluindo este, nas disposições constantes da sentença, a realização de uma

conferência restaurativa. Há várias pré-determinações para que haja o encaminhamento, entre

elas que o jovem infrator tenha entre 10 e 17 anos, e que tenha cometido infração que se

sujeita ao procedimento sumário, entre as quais estão o roubo, o furto, o dano e as chamadas

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condutas desordeiras. Avaliações demonstram um elevado grau de satisfação dos envolvidos

depois das conferências.

Deste modo, cada região daquele país (Austrália) desenvolve uma forma de

justiça restaurativa diferente, mas baseadas nos mesmos princípios e finalidades (SICA, 2007,

p. 93).

Quando se discute a origem da justiça restaurativa o Canadá é lembrado

como o país onde ocorreram as primeiras experiências.

No ano de 1974, na cidade de Kichener, na província de Ontário, foi criado

um programa de mediação entre vítima e ofensor depois que dois jovens foram condenados

pela depredação de algumas propriedades na região e que, ao saber do ocorrido, um grupo

vinculado à corrente cristã menonita, que discutia à época alternativas à prisão, sugeriu ao juiz

do caso que fosse realizado um encontro entre os jovens e suas vítimas. Desde então, vários

programas amparados em princípios restaurativos foram implementados no Canadá. Calcula-

se que até 1998 havia quase 200 iniciativas dessa natureza no território canadense (Sica, 2007,

p. 97).

Os modelos de Justiça Restaurativa no Canadá têm, basicamente, três

estruturas: a) mediação entre vítima e ofensor com a participação dos envolvidos e de um

terceiro imparcial; b) o Family Group Conferences (Conferências de Grupo Familiar); c)

iniciativa da vitima, do ofensor, da família, da comunidade, de policiais e advogados que se

reúnem perante o juiz e fazem uma recomendação da medida mais adequada ao caso concreto.

Como visto o ponto originário da mediação penal restaurativa é na justiça

dos menores, onde encontra menos óbices do que na justiça comum. Não foi diferente na

Itália, onde se destacam o trabalho desenvolvido no Tribunal de Menores de Milão e Turim

que, semelhante à Nova Zelândia, oferece tratamento ao jovem com a finalidade de persuadi-

lo a reparar o dano causado à coletividade, freqüentemente em casos de furtos, vandalismo

dentre outros.

As primeiras experiências foram realizadas em Turim e Bari, oferecendo

subsídios para outras iniciativas, dentre as quais se destaca a realizada em Milão, onde a

mediação pode ser acionada em dois momentos, antes (com a participação ativa da polícia) e

depois do inicio do processo judicial (SICA, 2007, p. 85).

A Alemanha muito colaborou para o desenvolvimento da justiça

restaurativa no mundo realizando uma série de debates, discussões, jornadas e congressos

sobre o tema. No início da década de oitenta floresceu a idéia de incorporação de métodos de

conciliação restaurativa entre vítima e ofensor na solução de conflitos penais.

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O projeto pioneiro foi o Täter-Opfer-Ausgleich (conciliação vitima –

ofensor) iniciado na cidade de Braunshweig, em 1985 (SICA, 2007, p. 88).

A notória intenção do projeto era a de aliviar a sobrecarga dos Tribunais e

acelerar a forma de dissolução dos conflitos. Sica (2007, p. 88.) salienta que:

A sobrecarga de casos sofrida pelos assistentes judiciais, o projeto Braunshweig tinha entre seus objetivos institucionais o alívio dos tribunais juvenis quanto aos delitos de bagatela, a aceleração do procedimento, a redução dos custos da persecução penal e a acentuação da perspectiva social do trabalho da Assistência judicial. Quanto ao jovem, o projeto tinha por fito capacitá-lo para a resolução não criminal de seus conflitos.

Uma das mudanças concretas mais significativas na legislação Alemã é a

possibilidade do Ministério Público, baseado nas investigações da polícia, não proceder a

persecução penal nos delitos punidos com pena mínima inferior a um ano ou multa e onde a

culpabilidade do autor possibilitar (Ibid., p. 90).

Na América Latina têm ocorrido, nos últimos anos, variadas reformas

legislativas voltadas ao incentivo do uso de mecanismos alternativos de resolução de

conflitos. O uso de sistemas alternativos na esfera penal, contudo, ainda encontra restrições.

Na Argentina existem leis específicas sobre mediação penal: Lei nº 24.573;

e conciliação: Lei nº 24.635. Todavia, não há dispositivo legal específico sobre a aplicação de

meios alternativos de solução de conflitos na esfera criminal.

Houve a instalação, naquele país, de projetos pilotos de justiça restaurativa

denominado Proyecto RAC. O projeto se desenvolve da seguinte maneira: assim que o crime é

notificado à polícia uma equipe do projeto é acionada e entra em contato com as partes

envolvidas para averiguar o grau de complexidade do conflito. Se houver possibilidade de

comunicação entre as partes e predisposição de um posterior acordo, a mediação é realizada

com a participação de um mediador, que pode ser um policial. Se houver dificuldades de

comunicação entre os envolvidos o conciliador tem maior liberdade para oferecer sugestões

de solução (KONSEN, 2007, p. 87)

No Chile, a Lei 19.334, de 1994, tornou a conciliação obrigatória nos

processos que envolvam menores de idade. No âmbito penal é possível para os delitos

patrimoniais onde não exista interesse público (SICA, 2007, p. 101).

A mediação com práticas restaurativas, como visto, é uma técnica de

prevenção à pequena criminalidade, incluindo a juvenil. Seria ideal para a proposta preventiva

que o autor desta pesquisa propõe já que será aplicada a conflitos sem natureza criminal,

condutas desviadas, conflitos interpessoais e crimes de pequena ou média gravidade.

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4.2. Polícia Comunitária

A Polícia Comunitária tem fundamentos sociológicos e criminológicos

desenvolvidos nos últimos trinta anos.

É uma forma de interpretação do trabalho policial que surgiu com as

teorias da abonação ou patrocínio normativo (Sponsorship) e da crítica social (Critical Social

Theory).

A teoria da abonação ou patrocínio normativo, de orientação sociológica,

sustenta que a maioria das pessoas naturalmente se inclinam a cooperar com as outras para a

satisfação de necessidades comuns na medida em que haja consenso quanto a normas ou

padrões gerais, válidos para todos os grupos envolvidos (LIMA, 2004, p. 27).

A teoria da crítica social, de orientação social e criminológica crítica, têm

viés social prático. Induz e estimula a cooperação entre as pessoas com a finalidade de

corrigirem e suplantarem condições sócio-econômicas e barreiras políticas adversas que

dificultam o atendimento de suas necessidades.

O desenvolvimento da consciência comunitária se desenvolve de três

formas distintas: conscientização, capacitação e emancipação (Ibid., pg. 28).

Conscientização é o resultado prático dos esclarecimentos prestados ao

público sobre problemas específicos e a possibilidade de solução com esforço próprio.

Processa-se pela reflexão, discussão e determinação das possíveis causas do conflito.

Capacitação é a motivação para atuar com a finalidade de melhorar, efetivamente, as

condições existentes. Não será o técnico quem decidirá sobre a providência a ser tomada para

melhorar a qualidade de vida da comunidade, mas sim o conjunto do serviço oferecido.

Emancipação é a libertação que resulta da reflexão sobre a conseqüente ação social sobre

determinadas situações problemáticas e deprimentes. Como numa democracia pura as pessoas

se agrupam e se reúnem para decidir, livremente, sobre questões de interesse vital para a

comunidade, podendo determinar seus destinos. É baseada na autonomia da vontade refletida

(Ibid, p. 29).

Alguns estudiosos chegaram à conclusão de que a concepção tradicional da

produção e prestação do serviço público deixava de fora o cidadão enquanto beneficiário e

interessado nesse serviço, ignorando suas potencialidades. Concluíram que a inclusão dos

destinatários como participantes desse serviço resultava sempre em satisfação e melhoria do

próprio serviço. A Polícia Comunitária é uma forma das pessoas da comunidade, destinatárias

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dos serviços de segurança pública, ajudar-se a si mesma e a polícia a obterem um melhor

serviço dessa natureza (LIMA, 2004, p. 30).

A ação policial é baseada no exercício de poderes coercitivos (repressão)

constituindo-se em uma vexata quaestio que a acompanha, principalmente, porque os limites

de sua atuação, por muitas razões, nem sempre são ou podem ser definidos com precisão,

comportando certo grau de discricionariedade. Por estas razões a polícia é sempre mal vista e

mal julgada e sua atuação tem legitimidade comprometida. Isto ocorria pelo

distancianciamento em que se colocaram as organizações policiais em relação às comunidades

junto às quais atuavam, como se impostas a elas e indiferentes aos seus reclamos e

necessidades. A Polícia Comunitária é uma forma de estabelecer uma dialética com a

comunidade e legitimar a ação policial (Ibid, p. 30).

Onde há crime há um contexto criminoso. Ouvir e pedir apoio da

comunidade, refletindo sobre as possíveis causas e soluções para o aumento da segurança são

fatos sociais que interessam a todos indistintamente. Por isso a obtenção do consenso popular

para um programa preventivo de combate à criminalidade é a meta da Polícia Comunitária.

Para exemplificar a proposta, o autor deste estudo cita a considerável

diminuição da criminalidade observada na cidade onde atua depois que promoveu uma

reunião com os proprietários e empregados em bares e similares, debatendo e refletindo a

respeito do seu funcionamento após 23h. Houve consenso de que a situação realmente

contribuía para o cometimento de crimes e a solução apontada pela maioria foi a de que os

estabelecimentos deveriam ter as portas fechadas nesse horário. De forma espontânea os

proprietários se comprometeram a assim agirem e efetivamente cumpriram o acordo.

Curiosamente, esse segmento sempre contestou a criação de um projeto de lei municipal com

esta finalidade que previa sanções pecuniárias para os infratores (modo repressivo).

O homem vive num determinado contexto social cujos valores, tendências

e interesses são por todos comungados. O problema da criminalidade não deve ser tratado

apenas do ângulo da imposição de penalidades pelo Estado, como seria do gosto dos

conservadores, nem sobre o exclusivo aspecto econômico, como pretendem os liberais. É

muito importante à prevenção criminal baseada na realidade social, que não se constitui

apenas do Estado e do setor privado. É preciso considerar e ouvir o tecido social buscando o

apoio e o consenso que legitimam as medidas e as fazem com que realmente sejam

observadas. A prevenção e a adesão evitam a violência e a coercibilidade.

A Polícia Comunitária tem como preocupação a identificação e análise dos

problemas subjacentes à atividade criminosa e não exclusivamente com o fato criminoso em

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si. Sendo assim esta atuação torna o serviço policial mais complexo e o faz transcender da

esfera judiciário-penalista para atingir outros setores do conhecimento humano.

Como defende o autor deste trabalho, para a completa apuração do fato

criminoso e a busca mais próxima da verdade substancial será necessário um aprofundamento

das investigações na busca das motivações da conduta e a efetiva participação dos envolvidos

objetivando a reunião de elementos para uma melhor cognição e prevenção de novos fatos

pelos mesmos envolvidos.

A atuação policial não pode se dar apenas de forma reflexa ao fato

criminoso. Deve aprofundar-se na investigação do contexto mais amplo (social, urbano e

psicológico) em que ocorreu. Os casos com que se defronta a polícia não podem ser tratados

apenas sob o ângulo penal-repressivo. A prevenção e a participação da comunidade devem

compor o modo de atuar da polícia.

Inverte-se dessa maneira o papel do policial que deixa de ser um mero

representante do Estado para ser um representante da comunidade, sensível a seus anseios e

apelos.

Nesse sentido a Polícia Comunitária é uma filosofia e estratégia

organizacional que promove um novo tipo de cooperação entre o público e sua polícia.

Baseia-se no pressuposto de que polícia e comunidade devem trabalhar juntas visando a

melhoria da segurança pública e a qualidade de vida.

A linha mestra da perspectiva da cura ou saneamento comunitário é a

ênfase que se dá a uma participação significativa desta mesma comunidade não apenas no que

diz respeito ao procedimento judicial, mas também nos esforços tendentes a resolver, dirimir,

constituir ou reconstituir relações sociais desgastadas. A participação construtiva dos cidadãos

no sentido de manter e reparar estas relações e de solucionar conflitos junto com a polícia

torna-se fundamental para o fortalecimento da capacidade comunitária para o controle da

criminalidade (LIMA, 2004, p. 156).

Há um esclarecimento que precisa ser proposto e que é um dos principais

obstáculos para aceitação mais ampla da filosofia comunitária: o relativo às restrições da sua

aplicação.

Amitai Etzioni (apud LIMA, 2004, p.157), diretor do Instituto de Estudos

sobre Polícia Comunitária, especialista nesta matéria, chama a atenção para o fato de que a

Polícia Comunitária não pode nem deve atuar em relação a todos os crimes ou criminosos.

Casos graves que necessitam de maior repressão devem ficar fora do programa. Para ele a

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Polícia Comunitária deve atuar nos trabalhos preventivos e junto a infratores primários e não

violentos. O autor desta pesquisa comunga desta idéia.

A Polícia Comunitária é uma alternativa no Sistema Penal do nosso país

onde a atuação policial tem aspecto exclusivamente repressivo e penal em razão das políticas

que dão preferência a este tipo de solução de conflitos. Os sintomas mais visíveis dessa

atuação, além da omissão em relação às práticas preventivas, são as inqualificáveis prisões

onde se exacerbam os sentimentos anti-sociais e os reclusos aprimoram a vocação criminosa.

À polícia é atribuído, como dito anteriormente, apenas funções repressivas

que excedem suas forças. Seus integrantes são levados a lidar apenas com os efeitos da

criminalidade reagindo como podem a eles. Consequentemente, a polícia é tida por

ineficiente, violenta e corrupta. Essa avaliação é exacerbada pela mídia e a opinião pública se

volta contra a instituição policial, enfraquecendo os laços e dificultando sobremaneira a

adoção de programas de Polícia Comunitária, por isso será importante um profissional de

publicidade atuando junto a Autoridade Policial para a divulgação dos trabalhos preventivos

feitos pela Polícia Judiciária.

Para Silva (2008, p. 501) existem grupos manipuladores que com

motivação político-eleitoral tem dependência vital da mídia. “Fora do poder, dão toda razão à

mídia nas críticas que esta faz ao poder público. No poder, só aceitam elogios e a acusam de

sensacionalismo e de contribuir para o pânico por não retirar a violência de foco”.

“Para as camadas mais altas os policiais nada mais são do que operários a

seu serviço, mantidos com os seus impostos para combater criminosos incertos encontrados

em lugares certos”. Um papel ambíguo já que num momento exige-se da policia cada vez

mais repressão aos seus presumidos alvos e em outro se cobram os abusos a que foi induzida

exatamente por aquelas exigências (SILVA, 2008, p. 467).

O próprio meio jurídico, como visto, demonstra reservas em relação à

polícia e de forma preconceituosa a exclui de uma formulação teórica que lhe dê contornos

democráticos e maior participação preventiva nas iniciativas de alternativas no sistema penal.

Em razão da desvalorização, da falta de identidade e de apoio, a polícia é

objeto das mais diversas críticas e não suscita qualquer interesse político. Por isso não há

investimentos na sua melhora, o que é conveniente, porque assim fica mais fácil manter uma

estrutura manobrável e acrítica, possibilitando seu uso e direcionamento para as

conveniências eleitas. Sem investimentos e projetos que lhe mudam a feição a polícia não

pode ser mais do que é e o sentido do seu ser não passa para além de procurar ser melhor no

que é. Cria-se, destarte, o estereótipo de ineficiente, violenta e corrupta.

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Em sua auto-imagem a polícia (estadual) é tão marginalizada quanto os

criminosos que combate e o ponto comum é que poucos desejam seus progressos. E, como

acontece na guerra civil, onde pessoas lutam contra seus pares, a polícia, em geral, luta contra

os cidadãos menos afortunados. A aproximação de rivais (polícia e comunidade) pode

atrapalhar interesses de grupos que não querem ver um organismo forte e, por isso, capaz de

incomodá-los. Por isso a Polícia Comunitária como alternativa preventiva no sistema penal

encontra forte resistência.

Na verdade, os policiais estão condicionados a serem empregados como

instrumentos de repressão e de força, da mesma forma que boa parte da sociedade esta

habituada a vê-los trabalhar desse jeito, com forte dose de preconceito, o que jamais é

admitido por qualquer policial, e somente por alguns setores da sociedade. “Ainda prevalece

entre nós uma concepção autoritária, militarista e repressivista da segurança pública,

estranhamente compartilhada por grande parte do espectro político”. (Silva, 2008, p. 379).

Talvez por isso o Brasil seja o “único país no mundo em que a polícia se

desinteressa pela delinqüência juvenil, tanto quanto de determinadas situações sociais

favoráveis à proliferação do crime, numa posição francamente defensiva, restrita ao papel de

auxiliar da justiça penal, neste sentido, aliás, puramente repressivo” (LIMA, 2004, p. 21).

Basta verificar que nas sociedades mais evoluídas a Polícia Judiciária é

mais que um “órgão estatal”. Apesar de abusos ocasionais de alguns de seus membros é uma

instituição legítima, imprescindível e democrática que recebe do meio social o devido

respeito, fazendo-a capaz de interagir com a sociedade na solução não violenta de conflitos e

privilegiando a prevenção, como ocorre na Nova Zelândia.

Inglaterra, Canadá, Noruega, Suécia, Dinamarca, Japão e outros países

adotaram a filosofia de Polícia Comunitária e com excelentes resultados (Ibid., p. 61).

No Brasil, em especial no estado de São Paulo, as iniciativas de Polícia

Comunitária são recentes e tiveram início em 1997. Sua modesta participação na atuação

policial deve-se: a) a falta de estrutura organizacional, estilo de gerenciamento e cultura

profissional da polícia; b) falta de interesse e fomento da participação da comunidade; c) falta

de integração e cooperação entre as polícias e as demais organizações do sistema de justiça

criminal e setor público.

Para que a Polícia Comunitária atinja a eficácia esperada seriam

necessárias mudanças na forma de escolha dos dirigentes policiais, maior concessão de verbas

públicas para o desenvolvimento de programas e metas estabelecidas e a edição de leis que

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disciplinassem sua organização e o funcionamento com atribuições voltadas a prevenção e

maior participação na solução de conflitos (LIMA, 2004, p. 143).

Só para se ter idéia da precariedade com que o programa é desenvolvido, o

autor deste estudo, pode citar a falta de sede para os CONSEGs; ausência de programas

voltados à prevenção do crime e ao estudo da criminalidade nas cidades; falta de bibliotecas

com literatura específica nas unidades policiais e cursos para os policiais e agentes

comunitários; falta completa de recursos públicos e incentivos de qualquer espécie para o

desenvolvimento e incentivo à Polícia Comunitária.

Apesar disto há muito otimismo em relação às potencialidades do exercício

da Polícia Comunitária. Mesquita Neto (1999, p. 281) acredita que:

Apesar das limitações do policiamento comunitário e das dificuldades para sua implantação no Brasil, o policiamento comunitário pode contribuir para melhorar a atuação da polícia no controle da criminalidade e na manutenção da ordem pública e aumentar o respeito dos policiais à lei e aos direitos humanos no país.

Tonini (1998, p. 29) lembra que o Programa Nacional de Direitos

Humanos, do Ministério da Justiça, estabeleceu como uma de suas metas o apoio as

experiências de Polícias Comunitárias que encarem o policial como agente de proteção dos

direitos humanos. Isto incluiria um reposicionamento da polícia orientado para a comunidade

e a ajuda de forma abnegada às pessoas no sentido de solucionar problemas, aprimorar

resultados, prevenir e impedir conflitos.

A socióloga Maria Inês C. Ferreira (1999, p. 256) conta dois episódios

envolvendo policiais e a comunidade e chama a atenção para a complexidade da questão -

Polícia Comunitária – e sugere reflexões sobre atuação de policiais em periferias. Aduz que:

Sem dúvida, o papel dos policiais orienta-se pelas regras universais e formais da sociedade mais ampla, mas a ação na comunidade é influenciada pelos laços comunitários, pelas regras particulares. Portanto, o modo de apropriação do poder público de que os policiais estão investidos ajusta-se aos valores comunitários. A ambigüidade entre a ação dos policiais na periferia e as normas oficiais que orientam o seu desempenho, tem relação direta com a dissonância entre o discurso dos operadores da justiça e os pobres, detectada no Fórum. A diferença é a adaptação dos policiais mais próximos da população e o estranhamento dos operadores no Fórum, isto ocorre porque os primeiros geralmente são oriundos daqueles mesmos grupos sociais e os últimos são de classe social diferente.

Devem-se, portanto, tomar certas cautelas em relação ao duplo preconceito

que sofre os policiais residentes nas periferias quando seu trabalho aportar no Palácio da

Justiça.

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Também Silva (2008, p. 355) é otimista quanto à implantação da Polícia

Comunitária, mas alerta: “nada adiantará que alguns dirigentes policiais e alguns setores da

sociedade se esforcem para promover a integração da polícia com a comunidade enquanto

parcelas dessa sociedade com poder e voz, trabalham na direção oposta”.

4.3. A Política de Segurança Pública voltada a Prevenção da Criminalidade do Governo

Federal

O governo federal, no Brasil, tem adotado, ainda que timidamente,

políticas de segurança pública voltadas à prevenção da criminalidade e a participação

comunitária em assuntos de segurança pública.

Foi implantado em 2003 e está em curso o programa denominado

Segurança Cidadã que contempla políticas púbicas de prevenção à violência e da

criminalidade de forma comunitária. A finalidade é estabelecer uma confiança mútua entre as

famílias das comunidades com os profissionais da segurança pública. Para isto incentiva a

criação de conselhos municipais para atingir o sucesso de um novo modelo preventivo de

segurança pública (SILVEIRA, 2008, p. 220).

Para a implantação deste e de outros programas voltados à prevenção da

criminalidade foi criada a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), vinculada ao

Ministério da Justiça, com a atribuição principal de coordenar a Política Nacional de

Segurança Pública e de articular junto aos demais órgãos do governo, a nível federal, estadual

e municipal, a indução e concretização do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).

Paralelamente, em face da necessidade de institucionalizar os conceitos de

segurança com foco na cidadania, em legislação própria, o Ministério da Justiça lançou o

Programa Nacional de Segurança com Cidadania, de caráter nacional, que alcança todos os

níveis de governo e sociedade (SILVEIRA, 2008, p. 220).

Esse sistema pretende atuar conjuntamente e trazer uma nova visão para a

segurança pública brasileira com a gestão de sua operacionalização no conceito de segurança

cidadã.

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Silveira (2008, p. 220) afirma que:

O conceito de segurança cidadã parte das premissas de que, para que os órgãos de segurança pública atendam bem sua missão, a comunidade precisa ter confiança nos profissionais da segurança pública. Precisa enxergá-los além de sua condição humana. Estes profissionais, por sua vez, devem ver a comunidade como cidadãos e cidadãs que eventualmente poderão incorrer em algum ato delitivo como, por exemplo, atropelar alguém, mesmo que não intencionalmente.

O projeto de segurança cidadã contempla políticas de prevenção da

violência e da criminalidade consolidadas na legislação ordinária. Visa a promoção do

fortalecimento dos laços familiares, proteção à mulher, criança e adolescente, aos idosos, às

minorias (seja pela condição de raça, cor, credo ou orientação sexual), sem esquecer as

garantias e políticas públicas de prevenção já instaladas e sem deixar de consultar, também, as

universidades em seus estudos acadêmicos e científicos, para uma busca permanente de novas

tecnologias sociais e de informação que possam ajudar governo e comunidade a se munirem

de mecanismos que garantam o pleno gozo dos direitos da cidadania.

Sobre o programa interessante o trabalho de mulheres da baixada

fluminense, no Rio de Janeiro (FENAPEF, 2009, p. 1):

Afastar jovens do tráfico e da violência é o principal objetivo de um grupo de moradoras de áreas pobres do estado do Rio. Conhecidas como Mulheres da Paz, elas fazem parte do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci), do Ministério da Justiça. Elas batem de porta em porta atrás de adolescentes que estejam envolvidos com atividades ilegais ou em risco de ser cooptados pelo tráfico ou pelas milícias. Apesar de trabalharem entre esses dois grupos criminosos, dizem que não sentem medo e que não são ameaçadas.

O mais interessante deste programa é o reconhecimento da importância da

participação da Polícia Judiciária na vida da comunidade e a sua inclusão social como agência

de prevenção, mudando completamente o foco até então existente de que este segmento da

polícia deve atuar apenas repressivamente.

Como já informado, os policiais são tratados como cidadãos e poderão

participar ativamente do projeto segurança cidadã.

Um dos objetivos deste trabalho, inclusive, é o atendimento de um dos fins

buscados pelo Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), o de implantação de projetos de

prevenção à violência e criminalidade.

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Segundo Silveira (2008, p. 22-223);

As políticas levadas a efeito pelo SUSP buscam intervir sobre os modos de convivência social, proporcionando recursos para o melhoramento da qualidade dos vínculos estabelecidos, a fim de garantir a segurança integral e cidadã. Entre as ações do PRONASCI, estão a formação e valorização do policial, com os cursos de capacitação oferecidos pela Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública (Renaesp) e a Bolsa-Formação. A reestruturação do sistema penitenciário, com a criação de cerca de 34 mil vagas, o combate à corrupção policial e o fortalecimento das guardas municipais e o policiamento comunitário (interação entre polícia e comunidade) também são prioridades do programa.

A Polícia Judiciária, no exercício de suas funções, para além da apuração

da infração penal e sua autoria, recebe as pessoas nas Delegacias de Polícia e têm contato

direto com elas. Atualmente, é um órgão público procurado para fornecer informações das

mais variadas e promover registros de ocorrências, ainda que sem natureza criminal, para

preservar direitos caros aos interessados. A Autoridade Policial pratica diversos atos solenes

(certidões de antecedentes criminais, registro geral de pessoas (RG), documentos de trânsito,

etc.) que interessam à vida das pessoas e da comunidade. Por tudo isto a Polícia Judiciária

pode e deve ter uma atuação voltada também à prevenção da criminalidade com a

implantação de projetos que busquem a parceria da comunidade.

Para a efetividade deste objetivo pela Polícia Judiciária o apoio será

fundamental, principalmente dos operadores do direito e das universidades a fim de se

vencerem os preconceitos. Leis que atribuam funções preventivas à Polícia Judiciária, quando

for o caso, devem ser criadas para o combate efetivo e especializadas à criminalidade com o

objetivo de reduzi-la.

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V - PROPOSTA ALTERNATIVA DE PREVENÇÃO Á

CRIMINALIDADE CONDUZIDA PELA POLÍCIA

JUCICIÁRIA

Prevenir não será considerado neste trabalho como meio de banir a

criminalidade. Prevenir aqui terá o sentido de considerar uma série de fatores para favorecer

as pessoas a terem condições de fazer escolhas.

Cavaltanti (apud ZEMEL, 2008, p. 94), afirma “que, em geral, a prevenção

refere-se a toda iniciativa coletiva visando à sobrevivência da espécie. Na realidade é um

conceito recente e poderíamos dizer que as primeiras instituições na história que estiveram na

sua vanguarda foram as religiosas”.

Concordamos com Birche de Carvalho (2008, p. 195) quando sustenta que:

A efetiva prevenção é fruto do comprometimento, da cooperação e da parceria entre os diferentes segmentos da sociedade brasileira e dos órgãos governamentais, federal, estadual e municipal, fundamentada na filosofia da “Responsabilidade Compartilhada”, com a construção de redes sociais que visem à melhoria das condições de vida e promoção geral da saúde. As ações preventivas devem ser pautadas em princípios éticos e pluralidade cultural, orientando-se para a promoção de valores voltados à saúde física e mental, individual e coletiva, ao bem-estar, à integração socioeconômica e à valorização das relações familiares, considerando seus diferentes modelos.

O controle social com o enfoque contemporâneo, descrito na Constituição

Federal de 1988, prevê a participação da população na elaboração, implementação e

fiscalização de políticas sociais34. Essa participação se dá através de variadas formas, mas

com a união da sociedade civil com o Estado35 para atingir uma dinâmica multifacetária da

realidade e dos problemas relacionados com a segurança pública e todos os seguimentos que

lhe são afetos, como política social, educação, saúde, habitação, urbanização, trabalho, idoso,

mulher, criança, dentre outros.

34 Segundo o artigo 144 da Constituição Federal a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos. Ao mencionar que a segurnaça pública é responsabilidade de todos indica que haverá participação de todos na elaboração, implementação e fiscalização de projetos destinados a garantir o direito social de segurança. 35 Esta união é fundamento da Polícia Comunitária. O Estado é representado pelas suas instituições policiais e a sociedade civil pelos conselhos comunitários.

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A participação e controle social, segundo Neiva et al (2008, p. 166), são:

Participação é a maneira pela qual os desejos e as necessidades de diferentes segmentos da população podem ser expressos em um espaço publico de modo democrático. A participação é um processo educativo de construção de argumentos e de formulação de propostas, além de ser um espaço onde os cidadãos aprendem a ouvir outros pontos de vista, a reagir, a debater e a chegar ao consenso. Neste sentido, essas são atitudes que transformam todos aqueles que integram os processos participativos. Controle Social ou democracia direta refere-se ao acesso à informação e à participação da sociedade civil, organizada ou não, na gestão, implementação de ações e fiscalização das organizações públicas e privadas, assim como na formulação e revisão de diretrizes, normas e contratos dessas organizações. O controle social pode ser exercido via formal – mediante previsão legal ou estatutária desta participação da sociedade civil – ou informalmente, por meio de espaços institucionalizados ou não de exercício do controle social.

Os mesmos autores (2008, p. 166) enfatizam: “no que diz respeito à relação

existente entre o controle social e a participação, vale lembrar que o sentido de controle social

inscrito na Constituição Federal é o da participação da população na elaboração,

implementação e fiscalização das políticas sociais”.

“Em relação ao nosso país, cumpre enfocar o problema da prevenção

criminal, função precípua e, entre nós, descurada da polícia. Trata-se, entretanto, de

pressuposto básico de qualquer projeto que envolva a colaboração da comunidade”. (Lima,

2004, p. 20). Mais à frente o autor (2004, p. 25) complementa dizendo que:

Trata-se, sobretudo, de projetos ambiciosos, no sentido de abranger a atividade policial não só os efeitos, representados pelo crime, como também as causas deste, os fatos que possam gerá-lo. A reaproximação da comunidade pretendida deve operar-se efetivamente mediante contatos pessoais dos agentes com as pessoas do povo [...] de modo a poderem, juntos, identificar os problemas e cogitar nos meios de defesa e proteção apropriados contra o crime e a violência. Os projetos mais ousados neste sentido vão mais longe. Prescrevem não só a colaboração da população, mas também a capacitação desta para lidar com os próprios problemas, ajudada embora pela polícia.

Destarte, vimos que, na ausência de outros órgãos públicos, é para as

Delegacias de Polícia que recorrem às pessoas mais carentes buscando solução dos mais

variados problemas sociais. Há necessidade de atendimento diferenciado e qualificado para

que estes conflitos sociais não resultem em crimes.

Também constatamos que na Delegacia de Polícia são registrados diversos

fatos sem natureza criminal. O agravamento destes conflitos pode levar a prática de crimes.

Merecem, por isso, atendimento qualificado.

De outro lado a Autoridade Policial, no exercício de suas funções, precisa

assumir uma posição mais ousada para não encarcerar autores de crimes de pequena e

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eventualmente média criminalidade, em face das circunstâncias do caso concreto, evitando

que tenham contato com organizações criminosas dentro do precário sistema penitenciário e

não sejam influenciados ou corrompidos.

Os envolvidos em crimes de pequena ou média gravidade, em situação de

flagrância ou não, serão encaminhados ao plantão social. As motivações do crime e a

personalidade dos envolvidos serão analisadas pela equipe multidisciplinar com a finalidade

de se encontrar uma medida preventiva adequada e eficaz e ao mesmo tempo servir de

subsídio para a investigação do inquérito policial ou a instrução do processo.

Para a proposta aqui desenvolvida é fundamental a participação da

comunidade. Assim, em todas as ações da Autoridade Policial haverá participação da

sociedade civil, com amplo emprego do instituto da polícia comunitária que legitimaria suas

ações. De forma mais abrangente os arquivos estatísticos seriam utilizados na elaboração,

implementação e fiscalização, pela comunidade, de políticas públicas ou campanhas

publicitárias voltadas a segurança pública e prevenção à criminalidade.

Vimos ainda que a Autoridade Policial deverá utilizar técnicas de

orientação, conciliação, conscientização, mediação, práticas restaurativas e polícia

comunitária para dar o atendimento qualificado para todas estas situações.

Resta, portanto, pormenorizar como será a atuação da Autoridade Policial e

da comunidade nestas ações preventivas, o que será objeto dos temas estudados na seqüência.

5.1 Funcionamento Permanente do Conselho Comunitário de Segurança na Delegacia

de Polícia

As participações da comunidade em projetos sociais de qualquer natureza

têm se efetivado por meio da formação de conselhos comunitários36. Em relação aos assuntos

de segurança pública existem, no estado de São Paulo, os Conselhos Comunitários de

Segurança (CONSEG s), criados em cada município, tendo em sua composição, como

36 A participação da população no controle e gestão das políticas públicas se dá por meio de conselhos. Artigos 10; 194, inciso VII; 198, inciso III; 204, inciso II; 206, inciso VI, da Constituição Federal de 1988.

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membros natos, os líderes das policias civil e militar e, como membros mandatários,

representantes dos mais diversos setores da sociedade. 37

Os CONSEGs, em geral, não contam com uma sede. Este tem sido um dos

maiores problemas enfrentados pelo conselho para o seu efetivo funcionamento.

Sem sede, nem estrutura condizente, os membros do conselho não se

motivam a participarem e quando o fazem limitam muito suas atividades. Como membro nato

de diversos conselhos o autor desta pesquisa tem notado esta dificuldade.

Os Conselhos Comunitários de Segurança Pública já existem, tem

regulamentação, mas não encontram apoio para montarem uma estrutura que permita atingir

com eficácia suas finalidades.

Sem a participação efetiva dos conselhos as ações de Polícia Comunitária

ou projetos de prevenção à criminalidade se tornam muito difíceis ou quase impossíveis. Isto

porque, segundo Sudbrack (2008, p. 142), sem a participação comunitária, expressada pelos

conselhos, não haverá mudanças na maneira de se posicionar nem nas atitudes práticas das

pessoas diante do problema da criminalidade e a intervenção não adquire, assim, uma outra

eficácia, porque não se fundamenta na contribuição de todos.

Para o autor citado (2008, p. 142):

O enraizamento social, ou seja, o trabalho, tem sua origem no grupo de pessoas sobre o qual a ação se dirige; nesse caso, enfatiza-se uma atuação de parcerias que têm como resultado o funcionamento em rede de todas as iniciativas ligadas à prevenção; As parcerias múltiplas permitem uma percepção global dos recursos da comunidade e evitam que a intervenção seja restrita à ação de especialistas; o trabalho exige a utilização de recursos comunitários não mobilizados até então.

A proposta do autor deste trabalho é que os Conselhos Comunitários de

Segurança tenham como sede as Delegacias de Polícia e possam ali funcionar,

ininterruptamente, a fim de que sua participação seja a mais efetiva possível.

37 Em 10 de maio de 1985, o então governador de São Paulo, André Franco Montoro, assinou o decreto que criou os Conselhos Comunitários de Segurança. Os CONSEGs aproximam a comunidade das Polícias Civil e Militar, com o objetivo de aprimorar os trabalhos de segurança pública de uma determinada região. Desde 2004, a data de criação dos CONSEGs passou a ser, também, o Dia dos Conselhos Comunitários de Segurança, que foi instituído pela Lei 11656. Cada Conselho é um grupo de pessoas que se reúne, mensalmente, em local público e fora do horário de trabalho, para discutir quais os problemas de segurança da região que abrangem e levantar possíveis soluções. Um representante da Polícia Civil, um da Polícia Militar e pessoas da comunidade compõem o grupo do CONSEG. Hoje, são, aproximadamente, 770 Conselhos em todo o Estado de São Paulo, que têm colaborado para a melhoria da segurança. O trabalho dos CONSEGs provam que a união entre a polícia e a comunidade é o melhor caminho na luta contra a violência. (www.conseg.sp.gov.br/conseg).

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Lima (2004, p. 23) observa que “a necessidade de desenvolver-se um

trabalho sério de prevenção criminal, com a ativa participação comunitária, especialmente

junto às populações mais carentes, assume hoje, em nosso país, um ponto crítico”.

É nas Delegacias de Polícia que aportam todos os registros de fatos,

criminosos ou não. Somente com o conhecimento amplo de todos estes fatos, obtidos em

tempo real, os conselhos poderiam atingir as suas mais diversas finalidades como a de

participação, fiscalização, solução e criação de alternativas e projetos preventivos.

Para Neiva et al (2008, p. 170):

A participação nos conselhos surge, nesse contexto, com o desafio de desmistificar a lógica de fragmentação das políticas sociais e promover o debate intersetorial com a articulação dos diferentes setores, na perspectiva de complementariedade entre as políticas. Esse desafio, por sua vez, requer dos sujeitos sociais envolvidos à capacidade de uma compreensão crítica da realidade social nas suas múltiplas manifestações. Dessa forma, será possível aos conselhos ultrapassar os limites dos seus campos de atuação específicos, avançando em direção a uma atuação integrada. (grifos nossos).

Dagnino (apud NEIVA et al, 2008, p. 170), salienta que:

O desafio da construção democrática no País é um processo permeado por conflitos, em virtude da complexidade de fatores que caracterizam a relação entre Estado e sociedade civil. A multiplicidade dos interesses dispostos nesses espaços, portanto, requer novos aprendizados que instrumetalizem a capacidade de negociação e construção do interesse público na formulação das políticas.

Tendo contato direto com os registros e atendimentos policiais nas

delegacias de polícia, os conselheiros terão uma compreensão crítica da realidade social mais

ampla. Estarão cientes dos problemas de segurança pública que estão atingindo a comunidade

e poderão, com o estudo dos casos e a articulação dos demais setores sociais, criarem

alternativas preventivas e buscarem recursos para executá-las.

De forma mais direta, os conselhos e a equipe multidisciplinar (citada mais

adiante) participará, junto com a Autoridade Policial, das conciliações e orientações dirigidas

às pessoas interessadas, legitimando estas condutas e evitando processos judiciais inúteis.

A articulação feita pelos conselhos junto aos órgãos públicos poderia

agilizar os encaminhamentos de pessoas a profissionais de direito, saúde, serviço social ou

psicologia, bem como acompanhar os tratamentos e sua evolução e organizar arquivos e

estudos para a busca de soluções preventivas com base em problemas reiterados e análise de

suas causas, constatados ao longo de algum tempo como, v.g., a violência doméstica causada

pelo alcoolismo.

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Os conselhos teriam acesso às informações criminais e estatísticas policiais

e conheceriam melhor as áreas de incidência criminal, podendo sugerir e participar de ações

policiais preventivas realizadas pelas polícias civil e militar ou sugerir ao poder público a

implementação de programas educativos e preventivos a serem desenvolvidos naquelas áreas.

Como afirma Silva (2008, p. 203) “não cabe dúvida de que uma maior

eficiência do sistema de segurança pública seria conseguida se as medidas preventivas e

repressivas pudessem ser pensadas com o envolvimento das autoridades e dos profissionais

das instituições.” Convém acrescentar que os conselhos também poderiam participar desse

pensamento se estivem envolvidos diretamente com as atividades policiais.

Hoje já existem leis municipais que dão suporte financeiro a realização de

programas como este aqui exposto, através de recursos municipais para os CONSEGs38 Em

sendo assim, a proposta terá plenas condições de ser implantada e executada.

Sugere o autor desta pesquisa, inclusive, que os conselhos tenham à sua

disposição uma biblioteca, com variadas obras sobre segurança pública, polícia comunitária e

temas correlatos, para formação de uma base teórica e atuação edificada em estudos e

conhecimento a respeito do objeto de sua atuação.

Os conselhos comunitários de segurança comporiam o plantão social.

5.2. Equipes Multidisciplinares Atuando ao Lado da Autoridade Policial

A idéia de plantões sociais funcionando no interior de Delegacias de

Polícia não é novidade. Nos Estados Unidos, Europa e com mais ênfase em Amsterdã, na

Holanda, foram criados e houve incentivo ao trabalho nele desenvolvido (Pereira, 1982, p.

10).

A criminalidade varia segundo o grau de integração social e o crime não é

mais que o produto sociocultural desta realidade. Pereira, (1982, p. 11) enfatiza que “os

elementos condicionantes principais do aparecimento do crime são sociais e decorrem de

realidades socioculturais”.

38 Lei nº. 1060/05, do Município de Nova Aurora-PR, que autoriza o Poder Executivo Municipal firmar convênio com o CONSEG para transferência de recursos municipais. Lei nº. 4.622/04, que cria no município de Cuiabá-MG, o fundo municipal de Segurança Pública, administrado pelo CONSEG e que também autoriza repasse de recursos municipais a estes conselhos.

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A equipe multidisciplinar, chamada de equipe técnica, deverá ser formada

por pelo menos um profissional do serviço social e outro da psicologia que atuarão em

conjunto com a equipe policial e conselho comunitário de segurança.

O Serviço Social é uma disciplina técnico-científica de intervenção na

realidade humano-social e visa a promoção dos indivíduos, grupos e comunidades. O objeto

de intervenção do Serviço Social são as relações sociais e o ser humano e suas funções podem

ser agrupadas em educativas, construtivas e curativas. O profissional de Serviço Social pode

opinar sobre a criação de recursos e política social e deve atuar na área policial, no campo

criminológico, com a finalidade de diminuir a criminalidade (JÚNIOR, 1982, p. 51).

A criminologia caminha para um objetivo de estudo da ação criminosa,

como resultado da personalidade do agente e das circunstâncias que o envolve, ou seja, as

causas que levam o indivíduo ao comportamento desviante que pode incidir em normas

penais. “Podemos afirmar com alguma segurança que não existe uma causa isolada que leve o

indivíduo ao comportamento desviante, e sim uma interação de causas, tanto de caráter

externo ou ambiental, quanto interno ou individual.” (Ibid., p. 52).

Segundo o autor citado “nos fatores externos, ou seja, nas pressões

ambientais, podemos encontrar a desorganização social, a patologia social e a transformação

social”. Para o autor (1982, pg. 52):

A desorganização social é uma tese muito aceita pelos países em vias de desenvolvimento, que partem da premissa de que, sedimentada a organização sócio-econômica, cessará ou reduzir-se-á a criminalidade. A colocação de que o crime é conseqüência de conflito cultural está ligada à tese de desorganização social. Cultura sem violência e sem crime é mera abstração, pois sempre abrange as expressões inferiores e superiores de uma sociedade. Quanto a tese da transformação social como causa da criminalidade, enfocando os processos de urbanização, industrialização, crescimento demográfico, migração, mobilidade social, por si só se justifica. Podem criar novas formas de crime, mas muitas vezes conseguem extinguir outras. Por outro lado, as relações entre os fatores biológicos, e o crime antecedem mesmo a própria origem da criminologia e têm como base o paralelismo psico-fisiológico, que pressupõe que a natureza do homem possa ser prevista pelas suas características físicas. Finalmente, quando aos aspectos psicológicos que integram o núcleo central da personalidade criminal, podemos mencionar a agressividade, o egocentrismo, a labilidade e a indiferença afetiva para a análise do comportamento criminoso. Não existe uma correlação direta ou generalidade entre doença mental e crime, seja no que se refere às causas ou à predisposição.

A equipe multidisciplinar composta pela Autoridade Policial, assistente

social, psicólogo e conselho comunitário de segurança e, eventualmente, por autoridade

religiosa, teria por objetivo geral a prevenção da criminalidade e a implantação de técnicas

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alternativas de solução de conflitos nas unidades de Polícia Judiciária, como as expostas neste

trabalho (orientação, mediação, conscientização, práticas restaurativas, polícia comunitária).

Segundo Lima e Portão (1982, p. 64/65) o Brasil adotou o sistema jurídico

francês e a polícia tem sido desviada da tarefa preventiva, que deveria ser sua finalidade

básica. “O abandono da atuação preventiva que deveria estar conectada à outra, a repressiva,

tem sido sentido como omissão policial, podendo-se ainda apontá-lo como importante fator de

agravamento da criminalidade”, já que menores carenciados e desassistidos são deixados,

inteiramente à própria sorte, vivendo em favelas e locais promíscuos, sob as piores influências

e deles não se toma conhecimento, até que penetram na esfera da grande criminalidade. A

prevenção neste campo é também nula.

A criação de plantões sociais, com equipes multidisciplinares, devem ter

como objetivos o amparo, orientação e encaminhamento de pessoas necessitadas e carentes

que recorrem aos distritos policiais ou se envolvem em ocorrências policiais (LIMA e

PORTÃO, 1982, p. 66).

Segundo os mesmos autores à equipe multidisciplinar caberia tomar

providências de caráter administrativo, ficando as de caráter criminal sujeitas aos órgãos

componentes da Polícia. A polícia preventiva teria estrutura aberta, de modo a permitir o

entrosamento e a cooperação com outros órgãos públicos e particulares, inclusive associações

de bairros. A composição das equipes seria feita por pessoal especialmente treinado no campo

da prevenção criminal, sendo para isto necessário criação de cargos de Assistente Social,

Psicólogo e Criminólogo no quadro da Secretaria de Segurança Pública (Ibidem, 1982, p. 67).

Para o autor deste trabalho bastaria a possibilidade de convênios com

Faculdades e Universidades ou a Municipalidade ou Organizações não Governamentais

(ONGs) e as Delegacias de Polícia para a implantação dos plantões sociais com equipes

multidisciplinares, utilizando-se principalmente de estagiários e voluntários.

Para Garcia e Meserani (1982, p. 88), prestar serviços diretos a indivíduos

e famílias que se encontram em crise, do ponto de vista biopsicossocial e estado de

marginalização, que recorrem ou são levados à Delegacia de Polícia, é a forma mais rápida e

eficaz de atuação preventiva no combate à criminalidade e na prestação de serviço de

segurança pública.

Ensinam as autoras que a crise do ponto de vista psicossocial se dá em

situações em que o indivíduo experimenta um crescimento de tensão interna até um grau que

não pode dominar, ou grave ansiedade ou talvez depressão. Pode haver, com isso, um

rompimento em suas defesas, sendo que seus mecanismos de luta tornam-se inadequados para

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lidar com a ocorrência que se precipita. Vivenciando esta experiência, o ser humano pode

chegar de um extremo ao outro, entre apatia e ação precipitada, desencadeadora, muitas vezes,

de delitos de natureza mais grave, não conseguindo manejar adequadamente seus impulsos

agressivos. Nestes casos, o objetivo mais imediato da ação profissional é restabelecer um

estado de maior equilíbrio emocional, a fim de que o indivíduo seja capaz de melhor manejar

a situação (GARCIA E MESERANI, 1982, p. 89).

As citadas autoras (1982, p. 91) asseveram que:

Durante a situação de crise, os costumeiros mecanismos de defesa tornam-se enfraquecidos, estando o indivíduo mais aberto para influências exteriores e mudanças. Portanto, uma força mínima, ministrada nesta fase, pode produzir um efeito máximo, ou seja, uma pequena ajuda fornecida de forma apropriada, no momento certo, pode ser mais efetiva, do que uma ajuda mais ampla, quando o indivíduo está menos aberto à mudança. O estado de atividade da crise é limitado pelo tempo, dependendo do campo total das forças biopsicossociais, levando-se em conta a natureza do evento de perigo; percepção individual e padrões de luta. Geralmente, de quatro a seis semanas, um novo estado de equilíbrio é alcançado. Durante a fase de reorganização, novos modelos de adaptação poderão ser desenvolvidos, para melhor manejo de futuras crises. Entretanto, padrões inadequados podem emergir, resultando em fraca habilidade para conduzir as situações futuras. A intervenção na crise, constitui-se na única forma de tratamento especialmente adaptada à situação crítica, não podendo ser considerada como uma terapia de longo prazo truncada e restrita no tempo e na situação.

Concluímos com isso que a pessoa em crise pode, quando levada à unidade

policial, ter orientações e ser influenciada, de maneira positiva, a deixar ou não reincidir, na

criminalidade.

Salienta o autor desta pesquisa que os objetivos específicos a serem

buscados pela equipe seriam:

a) de assessoramento da Autoridade Policial, fornecendo todos os

subsídios de natureza psicossocial em relação às pessoas envolvidas em

ocorrências policiais ou que procurem as unidades policiais.

b) participação efetiva nos trabalhos de orientação, aconselhamento,

conciliação, práticas restaurativas, dentre outros meios alternativos de

solução de conflitos.

c) colaboração em sua área específica na interpretação das situações

sociais-problemas junto aos policiais objetivando um efetivo trabalho

em conjunto sócio-policial e preventivo.

d) fornecer a base de estudos específicos e subsídios que possam

esclarecer o fenômeno da criminalidade, visando propor medidas

profiláticas às causas de disfunções e sistema de atendimento social.

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Fornecer subsídios estatísticos para a atuação policial preventiva e

políticas públicas preventivas à criminalidade.

e) opinar em Inquéritos Policiais para fornecer a Autoridade Policial, ao

Ministério Público, Juiz e Advogado subsídios sobre a personalidade do

criminoso, possíveis motivações do crime e a possibilidade de aplicação

de medidas alternativas à pena de prisão e sua eficácia.

f) combater a violência, orientando e assistindo casos de desajuste

familiar, que geralmente levam ao desajuste social,

g) dar as ocorrências sem caráter criminoso atendimento diferenciado e

orientação apropriada, liberando os policiais para o atendimento

daquelas que realmente lhe são afetos.

Além disto, o assessoramento feito a Autoridade Policial pela equipe

técnica, fornecendo subsídios de natureza psicossocial em relação às pessoas atendidas e

envolvidas com a criminalidade contribuirá em muito para a prestação jurisdicional mais

justa. Sobre isto as Garcia e Meserani (1982, p. 103-104) asseveram que:

Os técnicos da área social e policial atuam em conjunto. No âmbito familiar e vicinal, situações conflitivas limítrofes, passíveis, muitas vezes, de uma sansão policial são discutidas, propiciando uma reflexão por ambas as equipes, calcada nos vários aspectos que configuram o caso: social, jurídico, policial, etc. Ressalta-se que as medidas cautelares de praxe, são tomadas pelos Delegados de Polícia, principalmente nas situações que envolvam risco de vida, comprometimento à integridade física e segurança pessoal, constituindo-se a variável “risco”, elemento a ser controlado pela ação técnica, que como já exposto, em algumas ocasiões, não poderá ser assumida unilateralmente. O intercâmbio entre a equipe policial e social surge, também, nos casos que envolvam situações sócio-jurídicas e que se constituem numa boa parcela do total de atendimentos. A autoridade policial fornece elementos para um melhor esclarecimento jurídico inicial da situação, contribuindo para o tratamento mais adequado do caso, pelo Serviço Social. Ensina Souza (1982, p. 129) que “a porta da polícia é a mais próxima e

mais fácil”. A Polícia Judiciária vem prestando relevantes serviços sociais, mas de forma

desordenada e sem diretrizes, o que lhe impede o reconhecimento. “A autoridade policial

torna-se um misto de delegado e de sacerdote, decidindo sobre problemas que redundam na

tranqüilidade de muitas famílias” (SOUZA, 1982, p. 129).

A organização deste trabalho social, com diretrizes e participação de

profissionais especialistas, além de identificar importante espaço de atuação estatal para a

busca do bem comum, contribuirá para a diminuição da criminalidade visto que tem caráter

essencialmente preventivo.

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A esta organização e formação de diretrizes de atuação se dará o nome de

plantão social com equipes multidisciplinares e participação do conselho comunitário de

segurança, representando a sociedade civil e, eventualmente, a participação também de

autoridade religiosa, para trazer conforto espiritual ou apontar caminhos preventivos dentro da

organização religiosa.

5.3. Plantões Sociais

A Polícia Judiciária não pode ser vista como símbolo de opressão pela

comunidade. Para mudar essa idéia é preciso que a população a tenha como aliada e

prestadora de serviços de segurança pública de qualidade. A Delegacia de Policia deve ser

uma repartição pública popular, de acesso facilitado, principalmente aos mais carentes, para

que todos possam procurá-la livremente para buscarem ajuda, sabendo que serão

recepcionadas com atenção, dedicação e solidariedade.

As unidades da Polícia Judiciária devem ser também unidades prestadoras

de serviço social voltadas a um projeto preventivo amplo, para o fortalecimento das relações

entre a Polícia Judiciária e a comunidade.

A respeito da necessidade de um serviço social nas Delegacias de Polícia

um Delegado de Polícia Titular, citado por Poncioni Mota (1992, p. 6)39, fez o seguinte

depoimento:

“O que a gente chama de feijoada, você sabe bem o que é feijoada. Então, a maioria das ocorrências são feijoadas, são problemas sociais, conflitos sociais: é barulho de vizinho, é briga. É briga de marido e mulher, é a mulher que ta grávida e precisa descer lá do morro e não tem como descer (...), é o outro que ta perdido, você já viu isso..., e quer voltar pra Minas ou ir pro nordeste, o outro que quer ser operado, quer ser operado, e não tem dinheiro (...), o cara tem um acerto com a mulher, de quem ele se separou, de passear com o filho no sábado e a mulher não quer entregar o filho dele hoje, como é que faz (...) Estes conflitos sociais, é o que tem a maior demanda na polícia, no fundo, entenda bem..., o plantão policial trabalha muito mais com demandas de conflitos não criminosos do que fatos jurídicos tidos como crimes. (...) nós estamos voltados estritamente para o crime, daí (...) da necessidade extrema, extrema de um Serviço Social junto com o plantão para resolver essas questões (...) olha, se eu to na delegacia pra cuidar de crime, não tem o tempo pra tanto crime que há, (...) o cara tuberculoso não tem lugar pra dormir, quer dormir na delegacia (...) o policial não ta preocupado com problema social, ta preocupado com o crime. Entenda bem, o policial ele tá lá pra ver problema de roubo, de furto, de

39 A “feijoada” pode ser interpretada, através da fala de policiais, como uma categoria principalmente empregada para designar problemas de cunho não-criminológico que chegam à delegacia predominantemente através da população pobre, que por sua própria condição sócio-econômina não tem acesso a outra instituição que responda a sua demanda. A relação estabelecida entre a “feijoada” e a pobreza é fartamente sinalizada quando policiais descrevem as situações que frequentemente emergem no seu cotidiano (op. cit., pg. 6).

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agressão, de morte. Ele ta lá pra isso. Então, quando chega a feijoada ele resolve, ele tem que resolver, porque da feijoada sai também aí um crime, uma contravenção (...). Não é nem que seja menor, até demanda muito mais tempo (,...) não é afeto ao policial. É e não é (...) a gente não aprende na Academia a cuidar desses problemas, sabia? (...) É uma demanda que te toma muito tempo, complica teu plantão, m as que não é computado.”

A pesquisadora citada fez um trabalho, visitando Delegacias de Polícia do

estado do Rio de Janeiro, para abordar a prática institucional desenvolvida nas Delegacias de

Polícia e analisou as reapresentações dominantes entre as diferentes gerações de policiais, em

diferentes níveis hierárquicos, sobre as funções que o policial desempenha em sua atividade

profissional cotidiana, particularmente aquela desenvolvida com relação a um conjunto de

situações – casos sociais – para apreender a visão que o policial tem da sua profissão e as

imagens que tem do seu público usuário e da sociedade de um modo geral, e constatou que

(Ibid, p. 1):

A constatação da alta freqüência de atendimento aos chamados “casos sociais” no âmbito das delegacias de polícia, bem como a incorporação dessas situações de cunho social, cujas características escapam a uma definição estritamente jurídica, na rotina policial, através de seu atendimento no âmbito das delegacias nos colocou face a duas questões fundamentais para reflexão. De um lado, a procura da delegacia reflete a absoluta carência da população para solucionar seus problemas, seja na área das relações interpessoais e familiares, ou em termos de recursos institucionais, das organizações de “bem-estar social” e da justiça. De outro, revela que a polícia busca resolver assuntos que vão além de sua competência na área do crime, funcionando como uma “instância alternativa de resolução dos conflitos”, para aqueles cujos problemas frequentemente não são atendidos em qualquer outra instituição pública. [...] O policial trabalha com todos os tipos de crime e contravenções e também com uma gama enorme de situações, que nem sempre podem ser denominadas “casos de polícia”, mas afluem cotidianamente em uma delegacia de bairro, são os chamados casos sociais. Ademais, o policial, ao relacionar a “feijoada” aos diversos problemas e dificuldades da população pobre e às atividades desenvolvidas por ele para solucioná-los, manifesta a percepção de uma dupla desqualificação que a instituição policial sofre por parte do Estado e da sociedade. Além do atendimento a situações absolutamente desprovidas de caráter legal e/ou penal, o policial ainda tem que “solucionar” os “casos sociais”, para os quais nem a legislação em vigor, nem a organização social fornecem respostas satisfatórias. Via de regra, estas tarefas são do domínio de sua profissão e não lhes conferem prestígio algum.

A despeito de se reconhecer que na atuação da polícia brasileira predomine

a dimensão repressiva na relação com a sociedade, uma investigação empírica ainda que

superficial, mostra que para conhecer o que a polícia é de fato, seu modo de atuar, seus

costumes, deve-se buscar uma produção teórica que possa fornecer uma leitura mais ampla

que a tradicional concepção da polícia com um mero aparelho do Estado a serviço da

dominação de classes desempenhando as funções essencialmente repressivas, possibilitando a

chave de outra leitura que incorpore também a sua dimensão social, com vistas a um modelo

preventivo de atuação (PONCIONI MOTA, 1992, p. 6).

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A autora (1992, p. 7) conclui que:

No processo de interação com o público, o policial desenvolve um processo de negociação da lei e da realidade, que lhe permite manter a ordem. A manutenção da ordem ocorre, portanto, através de práticas de controle social e de resolução de conflitos que, obedecendo às regras e normas reconstruídas pela cultura organizacional, lhe conferem o papel de intérprete da lei e árbitro, junto a uma gama variada de situações que não encontra lugar em qualquer outra instituição da sociedade.

Apesar de socialmente aceitas, não há qualquer valoração positiva por parte

da sociedade com relação às práticas “saneadoras” da polícia desenvolvidas na rotina de seu

trabalho. Pelo contrário, a organização policial, como é cediço, é sistematicamente rejeitada e

hostilizada por parcela significativa do conjunto da sociedade, que evita o contato com a

organização e seus integrantes, procurando seus serviços como última alternativa no conjunto

de instituições da sociedade (Ibid, p. 8).

Podemos vislumbrar, destarte, uma enorme contradição. É a camada mais

pobre da sociedade que busca o auxílio da polícia em face da inexistência de instituições

públicas outras que lhes atendam e, ao mesmo tempo, é a camada que mais sofre com a ação

repressiva da polícia. “Neste sentido, chama a atenção o fato de que, na convivência diária e

intensa entre a polícia e a população, a polícia que socorre é a mesma polícia que oprime”

(PONCIONI MOTA, 1992, p. 8).

Uma mudança de postura na atuação policial repressiva, voltando os olhos

para as causas sociais da criminalidade, poderia por fim a essa incoerência, uma vez que a

sensibilidade do policial poderia dar tratamento diferenciado às diversas situações em que

deve atuar.

Sobre isto o autor desta pesquisa criou um projeto em que os policiais

engajavam-se em trabalho social para atender crianças carentes. Em contato direto com as

situações precárias em que viviam as crianças os policiais passavam a ter condições de

associar, em determinados casos, a criminalidade à sociabilização do criminoso (Micas, 2006,

p. 7).40 Aprendia-se que há diversas formas de pobreza além da financeira e que a mais

destrutiva e a que maior influência exercia sobre as crianças era a pobreza na afetividade. O

40 O projeto consistiu em um trabalho voluntário dos policiais de acompanhamento de famílias carentes que tinham crianças e que passavam necessidade de toda ordem, inclusive alimentar. Os policiais se engajavam e passariam a ser tutores destas famílias, acompanhando a educação, criação e dificuldades que enfrentam as crianças no seu desenvolvimento físico e intelectual. Assim, os policiais podiam sentir que muitos criminosos que combatiam, de forma excessivamente repressiva, tinham origem em famílias desestruturadas ou que foram fortemente influenciados pela precariedade das condições de vida. Na lida diária com os criminosos os policiais passaram a ter uma visão diferente e o tratamento, dispensado àqueles que visivelmente ingressaram no crime em razão de problemas sociais, modificou-se completamente.

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abandono aos valores e a imposição de uma realidade sem sonhos faz com que a humanidade

quase inexista na sociabilização dessas crianças.

O que o autor destas linhas chama de plantão social é um conjunto de

medidas tendentes a preparar o policial para o atendimento qualificado e identificação dos

“casos sociais” com a possibilidade de encaminhamento para profissionais das diversas áreas

do conhecimento que podem dar uma solução adequada ao conflito.

A finalidade do plantão social é o de incentivar as pessoas a procurarem a

unidade policial onde terão atendimento qualificado, aproximando assim a comunidade da

polícia para inverter o conceito de polícia repressora. A polícia, por sua vez, passa a ter

conhecimento mais detalhado da vida da comunidade e poderá desenvolver ações de polícia

comunitária preventiva específicas para áreas da cidade ou setores da população.

“A polícia, pelo lugar que ocupa entre o Estado e a sociedade, precisa ser

conhecida e reconhecida como um órgão importante da administração pública que deve servir

com um serviço público a todos os cidadãos” (Poncioni Mota, 1992, pg. 8).

5.4. A Assistência Religiosa

A religião é, entre outras, uma maneira eficiente de moldar o caráter

humano. É destinada a fazer com que as pessoas pautem suas condutas pelos valores que lhe

são transmitidos. Pessoas com formação religiosa aprimorada raramente se deixam levar para

a criminalidade.

Ottoboni (2004, p. 78) mostra que “a religião estimula a prática do

conhecimento, do estudo, da virtude e nos faz caminhar para uma estrada estreita,

disciplinada, difícil porque exige combate ao nosso egoísmo, desamor, orgulho e ambição.”

Penna (1999, pg. 27) ensina que:

Sobre os efeitos produzidos pela presença da religiosidade na cultura e no próprio indivíduo, tanto os apontam os que operam no estrito domínio da filosofia da religião como os que se situam nas áreas da psicologia, da sociologia e de outras ciências sociais. Não custa recordar [...] a função integradora especialmente realçada pelos sociólogos, bem como, num plano estritamente ético, a célebre advertência de Dostoievski quando apontou para o fato de que “se Deus não existe, então tudo se torna permitido”, conseqüência terrível, dado que, se tudo é permitido, a convivência humana se torna impossível.

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A assistência religiosa consiste em procedimentos adotados pelas

organizações religiosas que têm por finalidade ministrar conforto espiritual e oferecer apoio

moral as pessoas envolvidas em conflitos. A modalidade de assistência religiosa são as

previstas pelas Confissões Religiosas para este tipo de missão, conforme as normas peculiares

a cada uma delas.

Os líderes religiosos seriam acionados sempre que os envolvidos assim o

desejassem e passariam a integrar a equipe multidisciplinar e o plantão social.

Para a composição dos conflitos e na justiça restaurativa a assistência

religiosa tem grande importância por consistir em apoio moral e incentivo as pessoas nele

envolvidas para que sigam as orientações da equipe multidisciplinar.

5.5. A Publicidade Preventiva feita pela Polícia Judiciária

Em sua obra “Segurança e Polícia”, Jorge da Silva (2008, p. 1) salienta que

seu “estudo parte da distinção entre segurança como função essencial do Estado – o que

remete à estruturação material deste para cumprir tal função – e segurança como percepção

coletiva, o que remete à sua dimensão subjetiva”. O que corresponde, efetivamente, a

diferença entre segurança e insegurança.

Promover segurança apenas com a ação da polícia não basta. Para o citado

autor (2008, p. 2) é necessário que “o Poder Público se coloque como provedor de serviços de

segurança e também e, sobretudo como coordenador dos esforços dos diferentes setores da

sociedade contra a insegurança”.

O foco do trabalho policial que antes se limitava às formas tradicionais de

controle do crime e preservação da ordem volta-se também para a provisão de informações

sobre a segurança pessoal, num esforço coletivo para a conscientização da diminuição dos

riscos e da insegurança.

A segurança é o resultado da diminuição dos riscos reais, somado a

administração destes riscos e dos imaginários e a administração do medo (SILVA, 2008, p. 2).

Silva (2008, p. 15), esclarece que “raramente a criminalidade foi abordada

na perspectiva do seu controle, o que pressuporia o reconhecimento de que a mesma é um

fenômeno inerente à convivência social”.

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Entende o autor deste trabalho que a Polícia Judiciária deve desenvolver

métodos informativos para orientar diuturnamente a população acerca das medidas

preventivas que as pessoas podem tomar para evitar o crime. Neste caso a polícia atuaria junto

à comunidade, prestando-lhe informações detalhadas com a finalidade de criar uma

consciência coletiva de segurança, diminuindo assim a sensação de insegurança.

Medidas simples podem redundar em hábitos que certamente contribuirão

para a diminuição da criminalidade, mas que não são tomadas em razão da falta de

informação a respeito.

Para citar como exemplo, mencionaremos uma conduta que não é

conhecida pela população e que vem sendo desenvolvida em vários países e faz parte,

inclusive, do Guia para a Prevenção do Crime e da Violência, da Secretaria Nacional de

Segurança Pública (SENASP), que é a marcação, com sinal próprio e particular, dos bens de

valor de uma residência, e “comunicação” de tal circunstância com um adesivo bem visível

afixado na fachada da residência, para diminuir o interesse pelo arrombamento, já que o

produto do crime não será tão facilmente receptado (2004, p. 34)41

No mesmo documento podemos encontrar uma série de medidas tendentes

a reduzir os crimes de oportunidade. Ali é sugerido o aumento da vigilância e do esforço nas

precauções tendentes a prevenir a ocorrência do crime que podem ser colocadas em prática

pelas próprias pessoas da comunidade (2004, p. 34).

A mídia em geral dá atenção apenas aos crimes mais graves que são

àqueles que despertam maior interesse do público. Ao selecionar fatos criminosos mais

graves, entretanto, a cobertura jornalística passa a produzir vários efeitos sobre a opinião

pública. As pessoas começam a imaginar que os crimes retratados pela mídia – os mais

violentos – são os mais freqüentes (o que não é verdade), causando sensação de insegurança e

medo (ROLIM, 2004, p. 8).

Um crime hediondo ocorrido na metrópole e amplamente divulgado pela

mídia causa sensação de insegurança nos mais distantes rincões do país e em cidades que

nunca vivenciaram tais tragédias.

Os crimes de menor repercussão, por não serem divulgados, escapam à

atenção e há, consequentemente, diminuição das precauções preventivas.

Silva (2008, p. 543) aborda o tema e lembra que a força dos meios de

comunicação na potencialização do medo coletivo pode fazer, por exemplo, “com que um

41 O trabalho foi elaborado por Marcos Rolim sob encomenda da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) e entregue ao governo em Dezembro de 2004, sendo incorporado oficialmente pela secretaria.

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“insequestrável” morador pobre da periferia venha a ter medo de seqüestro (insegurança

subjetiva) como conseqüência da divulgação luminosa do drama vivido por seqüestrados e

suas famílias”.

Rolim (2004, p. 9) também ressalta este fenômeno, afirmando:

Depois de imaginar que os crimes violentos são os mais freqüentes, as pessoas tendem a supor que estão, todas elas, igualmente expostas ao risco de serem vitimadas por aqueles mesmos crimes violentos, o que também não é verdadeiro. Os riscos de vitimização em qualquer sociedade se distribuem de maneira bastante desigual. A depender do local onde as pessoas moram, a depender da renda que possuem, da sua etnia ou da sua idade – entre muitos outros fatores – os riscos reais serão bastante diferentes [...] Mas se todas as pessoas imaginam que podem ser vitimadas a qualquer momento por um crime grave, o que ocorre é que elas passam a viver com medo.

Para combater o medo e a insegurança a Polícia Judiciária deve

desenvolver um programa de comunicação social com a população, visando à prevenção da

criminalidade por meio da conscientização das pessoas, e fornecer corretas informações a

respeito da criminalidade na comunidade. Para isto a equipe técnica da unidade policial

deverá contar também com profissional de comunicação social.

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CONCLUSÃO

A Constituição Federal, ao tratar da segurança pública, criou as polícias a

nível federal e estadual, segundo suas atribuições. Nos estados a polícia tem composição

complexa e é formada por duas instituições: Polícia Militar e Polícia Civil. À Polícia Civil

cabe o exercício da Polícia Judiciária e a apuração das infrações penais, exceto as militares.

Pela função exclusiva de Polícia Judiciária esse é o nome dado,

alternativamente, à Polícia Civil. É também por esta razão que cumprem vários papeis na

sociedade, do institucional ao social.

Por exercer poder, o poder de polícia, a Polícia Judiciária sempre

desempenhou um papel informal político, na proteção do Estado, como longa manus dos

governantes contra a sociedade e como tal transformou-se em instrumento de imposição da

ordem ditada pela classe que detêm o poder.

Em sua função institucional formal cabe à Polícia Judiciária uma atividade

repressiva, pois assegura a ação da justiça na busca da punição do criminoso.

Atuando de forma exclusivamente repressiva e no interesse da classe

dominante a Polícia Judiciária também é responsável pela seleção de quem será criminoso e

deva ser punido, gerando a estigmatização e criação de estereótipos, sendo protagonista da

violência punitiva, denunciada pela criminologia crítica.

Isto ocorre, principalmente, porque à Polícia Judiciária não são distribuídas

atribuições preventivas e também porque a atividade da Autoridade Policial, dirigente da

Polícia Judiciária, está ligada, histórica e culturalmente, à repressão.

Paradoxalmente, por ser a unidade da Polícia Judiciária, a Delegacia de

Polícia, uma repartição de fácil acesso, principalmente aos mais carentes que não podem

contar com outros serviços públicos para a solução de conflitos interpessoais ou familiares é

ela muito procurada por esta camada da população e revela o papel social informal da Polícia

Judiciária como instância alternativa de solução de conflitos, oferecendo, destarte, um serviço

que vai além de suas atribuições institucionais.

Surge desse modo, um vasto campo para uma atuação preventiva da Polícia

Judiciária. Primeiro porque o atendimento qualificado a pessoas que aportam na Delegacia de

Polícia para solução de conflitos pessoais ou familiares evitará que este conflito progrida,

eventualmente, para o crime. Segundo porque a maioria dos crimes de pequena repercussão

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ou média gravidade podem ter como fatores determinantes problemas sociais que podem ser

combatidos eficazmente por uma atuação qualificada da Polícia Judiciária. O correto

tratamento destas situações evitaria, inclusive, a reincidência.

Sem abandonar suas funções institucionais de repressão a crimes graves a

Polícia Judiciária poderá acumular também funções preventivas para obter maior eficácia na

sua atuação.

Fatores que podem gerar criminalidade como as ocupações espaciais da

cidade e desestruturação da família poderão receber atenção especial da Polícia Judiciária e

possibilitar o planejamento de suas ações preventivas.

Os elementos jurídicos para atuação preventiva da Polícia Judiciária são

encontrados nas teorias do direito penal mínimo e garantismo penal.

Em face do direito penal mínimo a atuação da Autoridade Policial estaria

voltada à prevenção quando deixasse de autuar em flagrante delito os autores de crimes de

pequena repercussão e mesmo de média gravidade, diante das circunstâncias, para destinar a

eles um tratamento diferenciado com o fim de promover sua recuperação e evitar a

reincidência.

Importante a esse respeito é evitar o aprisionamento de pessoas que

cometeram crimes de pouca repercussão ou média gravidade e para isto a Autoridade Policial

pode utilizar um instrumento jurídico assemelhado a antecipação da tutela da liberdade

provisória, evitando que estas pessoas sejam recrutadas por grandes organizações criminosas.

Os envolvidos em crimes de pequena ou média gravidade, em situação de

flagrância ou não, serão encaminhados ao plantão social. As motivações do crime e a

personalidade dos envolvidos seriam analisadas pela equipe multidisciplinar com a finalidade

de se encontrar uma medida preventiva adequada e eficaz e ao mesmo tempo servir de

subsídio para a investigação do inquérito policial ou a instrução do processo.

No que diz respeito a crimes de bagatela e até mesmo os de menor

potencial ofensivo, ou ainda em conflitos não criminais, mas que aportaram na Delegacia de

Polícia, a Autoridade Policial poderá lançar mão do instituto da conciliação ou das práticas

restaurativas. A solução rápida e eficaz do conflito pela Polícia Judiciária nestes casos

contribuirá para evitar que referido conflito se agravasse ou mesmo volte a se repetir.

Numa atuação mais ampla, a Polícia Judiciária assumirá a estratégia de

Polícia Comunitária com a finalidade de integrar a comunidade a suas atividades para que sua

atuação seja legítima.

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A comunidade, inclusive, por meio dos conselhos comunitários de

segurança participará ativamente dos programas preventivos como a conciliação e as práticas

restaurativas realizadas na Delegacia de Polícia pelo plantão social.

O objetivo principal do programa de prevenção ao crime realizado pela

Polícia Judiciária é a redução da criminalidade. Considerando que a maioria dos crimes e dos

atendimentos nas Delegacias de Polícia é de pequena e média gravidade, a atuação preventiva

da Polícia Judiciária certamente contribuirá para essa redução, na medida em que promoverá

um tratamento mais adequado, tanto do fato criminoso quanto das pessoas nele envolvidas.

A reincidência, que é um dos principais fatores de aumento da

criminalidade, também será atingida pela prevenção e terá redução em seus índices.

As crises econômicas, o déficit habitacional, a injusta distribuição da renda,

as dificuldades de acesso ao trabalho, a desestruturação familiar e outros motivos contribuem

para um aumento considerável da criminalidade.

O despreparo da polícia, a política de segurança pública e a falta de

políticas públicas que atendam aos mais necessitados agravam ainda mais o problema do

aumento da criminalidade.

As prisões já não são mais a resposta ideal a todos os crimes. A crise do

sistema penitenciário, com superlotações e tratamento desumano, são motivos de revoltas que

fazem surgir organizações criminosas.

É necessário, em face deste contexto, que haja iniciativas que promovam a

atuação policial preventiva para que se evite a ocorrência ou reincidência do crime.

A Polícia Judiciária é a instituição que primeiro atua no combate ao crime.

Sua atuação, entretanto, tem sido apenas repressora, não objetivando senão a prevenção geral

dos crimes.

A criação de um plantão social nas Delegacias de Polícia para atendimento

das pessoas e dos criminosos em auxílio a atividade da Autoridade Policial, com técnicas

conciliatórias, de polícia comunitária e restaurativas, dará uma resposta preventiva ao

aumento da criminalidade.

O plantão social poderá compilar estudos específicos e subsídios que

possam aclarar o fenômeno da criminalidade e propor medidas preventivas e políticas

públicas de segurança.

A Autoridade Policial, auxiliada pelo plantão social, com a participação

direta da comunidade por meio de um programa amplo de polícia comunitária, trará um novo

modelo de prevenção primária para o sistema penal com o fim de torná-lo mais eficaz.

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O plantão social será formado pelas equipes multidisciplinares, a

Autoridade Policial, os policiais civis e a comunidade, representada pelo conselho

comunitário de segurança e sua atuação se dará junto as Delegacias de Polícia para

atendimento qualificado das pessoas envolvidas em crimes de pouca repercussão ou média

gravidade ou ainda conflitos não criminais ou problemas de cunho exclusivamente social.

As equipes multidisciplinares serão formadas por profissionais de serviço

social, psicologia, autoridades religiosas e membros da comunidade, além dos policiais que

estiveram envolvidos com a ocorrência.

A comunidade será informada a respeito das práticas preventivas por meio

de uma assessoria de comunicação social, de viés publicitário, que atuará junto a Autoridade

Policial, e terá por fim orientar as pessoas a respeito de práticas preventivas para a diminuição

do medo e insegurança.

Com a atuação do plantão social a Polícia Judiciária estará mais bem

preparada e amparada para dar a resposta preventiva a fatos que lhe chegam ao conhecimento,

contribuindo assim, decisivamente, para a diminuição da criminalidade, deixando de ser uma

agência policial de caráter apenas repressivo que atua de forma seletiva e formadora de

estereótipos, para ser uma instituição democrática com efetiva participação na prestação

jurisdicional do Estado Democrático de Direito.

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