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CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 55, p. 41-64, Jan./Abr. 2009 41 Mariana Fix DOSSIÊ Este artigo analisa conflitos e articulações por trás da transformação de uma antiga área alagadiça, as várzeas do rio Pinheiros, em uma das regiões mais valorizadas de São Paulo e, atualmente, sua fachada globalizada. O texto discute, particularmente, os nexos que se constituem, nas últimas décadas, entre a financeirização global da economia e os arranjos específicos que se configuram em São Paulo; entre mecanismos supostamente avançados – como operações urba- nas, Cepacs e fundos de investimento imobiliário – e formas típicas de acumulação primitiva, nas quais força, fraude, opressão e pilhagem são exibidas de modo recorrente; entre “a cidade própria” das elites e a cidade dita clandestina, que ocupa beiras de córrego, encostas de morros, margens de represas. Tomo como referência três ícones dessa paisagem urbana: uma ponte estaiada, imagem-síntese da cenografia da “nova cidade”; um gigantesco emprendimento murado, que mescla residência, comércio de luxo e escritórios; e um complexo empresarial com torres de escritório e hotel, interligados por um shopping subterrâneo. PALAVRAS-CHAVE: globalização, financeirização, imóveis, São Paulo, cidade global. UM “CARTÃO POSTAL” EM DOIS TEMPOS Em 10 de maio de 2008, foi inaugurada a ponte estaiada sobre o rio Pinheiros, com desfile de carros antigos, palanque de políticos de diver- sos partidos e protestos de ciclistas e moradores de favelas da região. Anunciada como novo car- tão-postal de São Paulo, virou capa de muitas re- vistas e motivo para cartazes e anúncios publicitá- rios de todo tipo. A maior obra de infraestrutura realizada na cidade nos últimos anos tem capaci- dade para 8 mil carros por hora; em sua constru- ção, consumiu 492 toneladas de cabos de aço, 58.700 metros cúbicos de concreto e 7 mil tonela- UMA PONTE PARA A ESPECULAÇÃO - ou a arte da renda na montagem de uma “cidade global” 1 Mariana Fix * das de aço. 2 A solução dos tabuleiros suspensos por cabos – mais complexa do que uma transposi- ção convencional do rio e ainda pouco experimen- tada no Brasil – produziu a espetaculosidade al- mejada pela prefeitura, que pretendia fazer da obra um “chamariz” para o mercado imobiliário, mais do que uma solução para o problema viário. O desenho foi inspirado em modelos estrangeiros, como as conhecidas pontes do engenheiro Santia- go Calatrava, embora sem a mesma elaboração for- mal. Os estais amarelos, suspensos no mastro em “x” (conhecido popularmente como “estilingão”), de 138 metros de altura, produzem efeito de névoa durante o dia, e são iluminados à noite com cores diferentes, conforme a ocasião. A ponte é de uso exclusivo para automóveis e faz parte do comple- xo viário Real Parque. A nova transposição do rio prolonga o eixo criado pela Avenida Jornalista Roberto Marinho, interligando bairros residenciais de alto padrão (como Morumbi, recordista em lan- * Arquiteta e urbanista. Doutoranda no Instituto de Eco- nomia da Unicamp. Mestre em sociologia no Departa- mento de Sociologia da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP. Professora do curso de Design das Facul- dades Campinas (Facamp) e integrante do Laboratório de Habitação e Urbanismo da FAUUSP. Rua do Lago, 876. Cep: 05508- 900 - Cidade Universitá- ria - São Paulo - Brasil. [email protected] 1 Agradeço muito a Ana Carolina Maciel, Carolina Gimenez, Flávio Villaça, Ethel Leon, Higor Carvalho, José Baravelli, Otília Arantes, Pedro Fiori Arantes e ao parecerista anô- nimo deste periódico pelos comentários e sugestões. 2 “Ponte Estaiada é inaugurada na zona sul”, O Globo Online, SPTV, 10/5/2008; “Arquitetos já criticam ponte no Brooklin, Rodrigo Brancatelli, O Estado de S. Paulo, 8/9/2007.

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Este artigo analisa conflitos e articulações por trás da transformação de uma antiga área alagadiça,as várzeas do rio Pinheiros, em uma das regiões mais valorizadas de São Paulo e, atualmente,sua fachada globalizada. O texto discute, particularmente, os nexos que se constituem, nasúltimas décadas, entre a financeirização global da economia e os arranjos específicos que seconfiguram em São Paulo; entre mecanismos supostamente avançados – como operações urba-nas, Cepacs e fundos de investimento imobiliário – e formas típicas de acumulação primitiva,nas quais força, fraude, opressão e pilhagem são exibidas de modo recorrente; entre “a cidadeprópria” das elites e a cidade dita clandestina, que ocupa beiras de córrego, encostas de morros,margens de represas. Tomo como referência três ícones dessa paisagem urbana: uma ponteestaiada, imagem-síntese da cenografia da “nova cidade”; um gigantesco emprendimentomurado, que mescla residência, comércio de luxo e escritórios; e um complexo empresarialcom torres de escritório e hotel, interligados por um shopping subterrâneo.PALAVRAS-CHAVE: globalização, financeirização, imóveis, São Paulo, cidade global.

UM “CARTÃO POST AL” EM DOIS TEMPOS

Em 10 de maio de 2008, foi inaugurada aponte estaiada sobre o rio Pinheiros, com desfilede carros antigos, palanque de políticos de diver-sos partidos e protestos de ciclistas e moradoresde favelas da região. Anunciada como novo car-tão-postal de São Paulo, virou capa de muitas re-vistas e motivo para cartazes e anúncios publicitá-rios de todo tipo. A maior obra de infraestruturarealizada na cidade nos últimos anos tem capaci-dade para 8 mil carros por hora; em sua constru-ção, consumiu 492 toneladas de cabos de aço,58.700 metros cúbicos de concreto e 7 mil tonela-

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das de aço.2 A solução dos tabuleiros suspensospor cabos – mais complexa do que uma transposi-ção convencional do rio e ainda pouco experimen-tada no Brasil – produziu a espetaculosidade al-mejada pela prefeitura, que pretendia fazer da obraum “chamariz” para o mercado imobiliário, maisdo que uma solução para o problema viário. Odesenho foi inspirado em modelos estrangeiros,como as conhecidas pontes do engenheiro Santia-go Calatrava, embora sem a mesma elaboração for-mal. Os estais amarelos, suspensos no mastro em“x” (conhecido popularmente como “estilingão”),de 138 metros de altura, produzem efeito de névoadurante o dia, e são iluminados à noite com coresdiferentes, conforme a ocasião. A ponte é de usoexclusivo para automóveis e faz parte do comple-xo viário Real Parque. A nova transposição do rioprolonga o eixo criado pela Avenida JornalistaRoberto Marinho, interligando bairros residenciaisde alto padrão (como Morumbi, recordista em lan-

* Arquiteta e urbanista. Doutoranda no Instituto de Eco-nomia da Unicamp. Mestre em sociologia no Departa-mento de Sociologia da Faculdade de Filosofia Ciências eLetras da USP. Professora do curso de Design das Facul-dades Campinas (Facamp) e integrante do Laboratório deHabitação e Urbanismo da FAUUSP.Rua do Lago, 876. Cep: 05508- 900 - Cidade Universitá-ria - São Paulo - Brasil. [email protected]

1 Agradeço muito a Ana Carolina Maciel, Carolina Gimenez,Flávio Villaça, Ethel Leon, Higor Carvalho, José Baravelli,Otília Arantes, Pedro Fiori Arantes e ao parecerista anô-nimo deste periódico pelos comentários e sugestões.

2 “Ponte Estaiada é inaugurada na zona sul”, O Globo Online,SPTV, 10/5/2008; “Arquitetos já criticam ponte no Brooklin,Rodrigo Brancatelli, O Estado de S. Paulo, 8/9/2007.

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çamentos imobiliários de prédios de apartamen-tos, e seu vizinho, Cidade Jardim) a um dos prin-cipais polos empresariais da cidade e ao aeroportode Congonhas. A prefeitura planeja ainda ligar aavenida à Rodovia dos Imigrantes por meio de umtúnel de 4,5 km de extensão, com custo estimadoem 1 bilhão de reais.

Na margem direita do rio, o empreendimen-to imobiliário Parque Cidade Jardim mescla fun-ções residenciais, de consumo e negócios, em umterreno murado de 72 mil metros, ocupados pornove edifícios de apartamentos (que variam entre235 e 2 mil metros quadrados de área privativa),um shopping center de luxo e três torres de escri-tório. Os apartamentos são vendidos por preçosentre 1,6 e 10 milhões de reais, e o valor geral devenda é de 1,5 bilhões.3

Um lugar nobre em São Paulo, porque, além daconcentração de áreas verdes, também tem amaior renda per capita do Brasil. O padrão devida é semelhante aos mais altos do mundo. ACidade Jardim realmente é muito especial, umlugar bonito, charmoso, perto de tudo de bomque a cidade oferece.4

O empreendimento assumiu o nome do bair-ro residencial situado logo atrás, e suas torres fo-ram batizadas em homenagem às ruas do entorno,possivelmente uma estratégia para criar – ao menosno plano do marketing – um mínimo de continui-dade entre o novo ideal de moradia da classe domi-nante e o antigo padrão de urbanização das redon-dezas, com desenho no estilo bairro-jardim, comcasas unifamiliares implantadas em ruas sinuosas.

O projeto leva ao extremo a tipologia dosenclaves fortificados e o uso do estilo neoclássico,tão em voga em São Paulo desde os anos 1990.5 Se

o bairro-jardim já era de uso exclusivo da classedominante e tinha suas fronteiras delimitadas pelalegislação urbanística,6 mas ainda buscava algumaqualidade no urbano, o novo empreendimentoaspira a ser um “espaço total, um mundo comple-to, uma espécie de cidade em miniatura”.7 Repete,em escala ampliada, a configuração dos condomí-nios “com tudo incluído”, ou all included, comopreferem os incorporadores, que vêm se multipli-cando em São Paulo, ou do modelo já testado pelaVilla Daslu, também recentemente instalada namarginal Pinheiros – exemplo máximo no Brasildo consumo de luxo –, com a diferença de que, noParque Cidade Jardim, pode-se também morar. Osucesso do empreendimento é, possivelmente,indício da aceitação dessas gigantescas máquinasantiurbanas, que não querem fazer parte da cida-de, mas se colocar como seu equivalente ou subs-tituto – megaprojetos que integram um movimen-to de polarização de espaços radicalmente antagô-nicos nas cidades.8

É justamente como substituto de um conví-vio urbano perdido, ou melhor, “roubado”, que oempreendimento é vendido:

Muito mais do que perspectivas arquitetônicas, eletraz perspectivas de vida que a cidade nos roubou,como caminhar depois do jantar, andar com segu-rança ou fazer compras a pé. São desenhos de pro-jetos de vida. São esboços de uma cidade mais ha-bitável, mais humana e mais saudável.9

3 Valores fornecidos pela assessoria de imprensa do em-preendimento. Teriam sido bem superiores, segundo areportagem: “Cobertura mais cara do Brasil custa R$ 18mi e tem 17 vagas de carros”, de Adriana Mattos, naFolha de S. Paulo, publicada em 18 maio 2006. Acessoem: 14 maio 2009.

4 www.parquecidadejardim.com.br. Acesso em: 11 junho2008. Ver, sobre o empreendimento, o texto “Cidade-jardim ou anticidade”, Wisnik (2009).

5 Guilherme Wisnik comenta que “essas fachadas orna-mentadas são, hoje, construídas muitas vezes atravésde processos racionalizados, com painéis leves produzi-dos em série e montados rapidamente sobre umaossatura metálica pré-fabricada”. Desse modo, “redu-

zem em muito a área de vidro e caixilhos se comparadosao padrão de um edifício moderno. Evidentemente, nãofoi uma má idéia para as construtoras levantar aparta-mentos a custos mais baixos, e vender no mercado es-paços mesquinhos sob o invólucro compensatório deuma mansarda real”. (“Do calhambeque ao iPhone”, emEstado crítico da arquitetura.)

6 Sobre a relação entre a lei urbana e as formas concretasde produção imobiliária na cidade, ver Rolnik (1997). Obairro segue o padrão implantado pela Companhia City,como o pioneiro Jardim América (Ottoni, 1996, p.71).Os contratos de compra e venda em loteamentos da CiaCity continham diretrizes especiais, como uso exclusi-vamente residencial, número máximo de pavimentos,recuo frontal e de fundos, lotes mínimos, frentes míni-mas, que foram, depois, oficializadas por decreto-leimunicipal (Rolnik, 1997, p.135-136).

7 Jameson, ao analisar o Bonaventure Hotel (1996).8 Cf. Mike Davis (1989, p.97). A expressão “gigantescas

máquinas antiurbanas” foi utilizada por Manfredo Tafuripara descrever megaprojetos nos quais as pessoas po-dem trabalhar, participar da vida social e até mesmo vi-ver sem sair deles.

9 Material publicitário do empreendimento.

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Nessa cidade, contudo, não há espaço paraos moradores da favela ao lado, o Jardim Panorama,assediados pela construtora para se mudarem antesda inauguração.10 A não ser, talvez, para alguns,nos pequenos cômodos dos novos edifícios, desig-nados para as empregadas domésticas; ou para aque-les que, moradores de outras favelas mais distan-tes, voltam para trabalhar na construção, limpeza,manutenção ou segurança privada dos prédios.11

As tentativas de resistência incluíram umprotesto organizado na noite de inauguração do stand

de vendas do empreendimento, em 24 de maio de2006. Jovens do Jardim Panorama conseguiram in-terromper o show de Caetano Veloso para ler o ma-nifesto escrito pelo grupo Favela Atitude, no qualse apresentavam aos “novos vizinhos como cida-dãos que sabem dos seus direitos e vão lutar paraadquirir: urbanização, moradia digna e emprego”.12

Os enclaves fortificados já haviam sido iden-tificados por Teresa Caldeira, no início da décadade 1990, como indícios da formação de um novopadrão de segregação urbana: “uma cidade de muroscom uma população obcecada por segurança e dis-criminação social” (Caldeira, 2008, p.231). Embo-ra, segundo a autora, a oposição entre centro eperiferia continuasse a marcar a cidade, os proces-sos que produziram esse padrão teriam mudadoconsideravelmente, e novas forças estariam geran-do uma distribuição diferente das classes na cida-de. São Paulo não poderia mais, pois, ser mapeadapela simples oposição centro rico versus periferiapobre. O espaço público “não se relaciona maiscom o ideal moderno de universalidade”. Em vezdisso, “promove a separação e a idéia de que os

grupos sociais devem viver em enclaves homogê-neos, isolados daqueles percebidos como diferen-tes” (2008, p.212). Assim, “o novo padrão de se-gregação espacial serve de base a um novo tipo deesfera pública, que acentua as diferenças de classee as estratégias de separação” (p.212). Os enclavessão representados, no livro, pelos condomíniosfechados (como o pioneiro Portal do Morumbi),conjuntos de escritórios, prédios de apartamentose shopping centers. Ainda distantes, talvez, do queviriam a ser os enclaves do novo milênio, como oempreendimento Parque Cidade Jardim, no que dizrespeito a padrão estético, tipologia, ostentação deriqueza e mescla de usos. A autora interpretou, naépoca, a ostensiva separação social como uma rea-ção à ampliação do processo de democratização,“para estigmatizar, controlar e excluir aqueles queacabaram de forçar seu reconhecimento como cida-dãos, com plenos direitos de se envolver na cons-trução do futuro e da paisagem da cidade”.

Parece ter localizado, assim, o início de umprocesso que depois se aprofundou, com a enxur-rada de produtos importados (inclusive na indús-tria da construção), que se segue à abertura econô-mica do governo Collor, e com o avanço dafinanceirização da economia, nos governos seguin-tes. As novas técnicas desenvolvidas acentuam, ain-da, a ilusão de autossuficiência que os enclaves cri-am. Acompanham, ao mesmo tempo, o movimentode privatização do público, analisado por Franciscode Oliveira. A “falsa consciência da desnecessidadedo público” parece se materializar no urbano, naforma de enclaves que se fazem passar por espaçosautossuficientes, mesmo quando se trata justamen-te do contrário.13 O volume de recursos aplicadosnessa região, nas várias gestões municipais – é pos-sível notar a linha de continuidade entre elas –, é

10 Sobre os conflitos entre o Parque Cidade Jardim e oJardim Panorama, ver Tiaraju Pablo D’Andrea (2008). Oautor pesquisou ainda uma reintegração de posse nafavela Real Parque, também na região.

11 As plantas do projeto preliminar mostram que um dosedifícios tem apartamentos de 300 m2, com “dormitóriode empregada” sem janelas, de 4 m2 (6,3 m2, com ba-nheiro incluído), e “suíte máster” de 17 m2 (46 m2, in-cluindo os 2 banheiros e os 2 closets). Guilherme Wisnikidentifica no “neoclassicismo requentado” paulistano, alinha de continuidade, que havia sido interrompida pelaarquitetura moderna, com a sociabilidade própria do sis-tema “casa-grande e senzala”. As torres residenciais, naobservação de Roger Bastide, respeitam as “leis da estru-tura social do Brasil” e as inscrevem “nas suas linhasverticais” (Wisnik, 2009).

12 D’Andrea (2008, p.54).

13 “A privatização do público é a falsa consciência dadesnecessidade do público. Ela se objetiva pela chamadafalência do Estado, pelo mecanismo da dívida públicainterna, onde as formas aparentes são as de que o priva-do, as burguesias emprestam ao Estado: logo, o Estado,nessa aparência, somente se sustenta como uma exten-são do privado. O processo real é o inverso: a riquezapública, em forma de fundo, sustenta a reprodutibilidadedo valor da riqueza, do capital privado. Esta é a formamoderna de sustentação da crise do capital, pois anteri-ormente, como nos mostrou a Grande Depressão de trin-ta, assim como todas as grandes crises anteriores, o capi-tal simplesmente se desvalorizava” Oliveira (1999, p.68).

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evidência empírica da importância que assume ofundo público na acumulação de capital. No lugarda suposta autossuficiência, há drenagem de recur-sos para sustentar a construção dessas cidades dentroda cidade. “A esse processo objetivo correspondeuma subjetivação da experiência urbana burguesaque é radicalmente antipública”, encerrada,clautrofobicamente, em um “cotidiano totalmentefechado em seu próprio círculo”.14

Do outro lado do rio Pinheiros, o CentroEmpresarial Nações Unidas (Cenu) domina a pai-sagem. Anunciado como o maior da América Lati-na, foi inaugurado no final da década de 1990.Seu programa também combina vários tipos de uso:inclui torres de escritório e um hotel, interligadosno subterrâneo por um shopping center, que, porsua vez, dá acesso aos andares inferiores da uni-dade brasileira do World Trade Center. O conjun-to é composto por três volumes, cujos cortes echanfros produzem prismas; as fachadas, sem oselementos decorativos que caracterizam o CidadeJardim, são revestidas com vidro e granito.

O Centro Empresarial Nações Unidas e oParque Cidade Jardim representam dois estilos re-correntes, hoje, nos complexos arquitetônicos dealto padrão. Essa alternância sugere que não se tra-ta, do ponto de vista do mercado, de opções anta-gônicas. Parece haver certa preferência pela sobrie-dade de prédios como o Cenu para os projetos deescritórios, cuja monumentalidade resulta dos pró-prios volumes, revestidos de materiais nobres; epor um “neoclássico” ostentatório, cujo efeito é ob-tido por alvenaria rebocada e pintada, que simulaos monólitos de pedra, para edifícios de moradia econsumo de luxo. Contudo, prédios de escritório,como o Plaza Iguatemi, entre outros, também sãoconcebidos no estilo neoclássico: um “resgate dorenascimento italiano”, na definição do seu arqui-teto, que introduziu, na composição da fachada,relevos de moedas de 25 centavos.15 Um edifício“bem elitista mesmo”, no dizer do presidente daconstrutora, que se traduz no seu funcionamentocotidiano: elevadores diferenciados para diretores,

funcionários, visitantes e manobristas.As “perspectivas arquitetônicas” que o con-

domínio Parque Cidade Jardim celebra são, no sen-tido mais estrito do termo, garantidas pelo alarga-mento do campo de visão propiciado pelo leito dorio Pinheiros, que permite a percepção recíprocadas fachadas urbanas das duas margens do rio –agora interligadas pela ponte – além da observaçãodo conjunto à distância. A nova centralidade pas-sa a ser vista em bloco, do ponto de vista de suasinterações com outras áreas sociais e paisagens deSão Paulo e de outras cidades.16 Assume, portan-to, graças a uma ampliação da profundidadeperspéctica, um poder de imagem superior ao deoutras regiões do mesmo tipo, como a Faria Lima.

Edifícios e infraestrutura urbana, portanto,ao mesmo tempo em que configuram fisicamente oespaço, nos dão a percepção que temos da cidade(Zukin, p.23), uma paisagem de poder e dinheiroque tem por trás uma história marcada porimpasses e conflitos. A ponte, imagem-síntese dacenografia da “nova cidade”, impõe, sobre a reali-dade, a realidade da sua imagem. E encobre o imen-so desejo de eliminar da paisagem urbana os queali viviam, “marcando-os ao mesmo tempo com ossignos indeléveis da diferença e da indiferença”.17

Contudo, o suposto triunfo que expressa é des-mentido quando as contradições, aparentementesuprimidas nas superfícies reluzentes da novacentralidade, ganham visibilidade.18

Dezembro de 1995. A avenida Água Esprai-ada (atual Jornalista Roberto Marinho) estava emobras, e empreendimentos imobiliários multipli-cavam-se na região. Algumas favelas estavam nocaminho, entre elas Jardim Edith, na avenida LuisCarlos Berrini:

... os moradores olhavam incrédulos para o outrolado da avenida: tratores empurravam o entulho

14 Ibidem, p.70-73.15 “Moderno e luxuoso...” (2002, p.10-16).

16 Efeito discutido por Mike Davis, em outro contexto, nolivro Cidade de quartzo, p.210.

17 “São Paulo não é mais uma cidade” Santos, 2002.18 Cf. Deutsche, R. “Homeless projection and the site of

urban “revitalization” (Eviction, The MIT Press, 1996).Wodiczko projetou sobre as esculturas do novo centroempresarial imagens dos moradores que foram expulsosda região, desmanchando o discurso urbano que relacio-na os edifícios à cidade apenas como um ambiente físico.

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dos barracos de alvenaria derrubados. Mais adi-ante, trabalhadores desmontavam barracos, es-coltados por uma enorme fileira de policiais, ali-nhada ao córrego Água Espraiada, na beira dobarranco.19

Inúmeros barracos foram reduzidos a escom-bros. Muitos tentaram resistir ao avanço dos trato-res, mas tiveram suas estratégias desarticuladas pelorolo compressor da parceria público-privada. Odinheiro recebido, atualmente conhecido como“cheque-despejo”, foi suficiente, no máximo, paramudar para outra favela, na maior parte dos casos,bem distante do polo empresarial.

Janeiro de 1996. Nas margens da represaBillings, região de proteção ambiental na Zona Sul– que já abrigava milhões de pessoas –, uma antigaocupação clandestina foi apelidada Jardim Edith 2,por conta do grande número de moradores quevieram da favela com mesmo nome, na AvenidaBerrini. Com as casas alagadas, tapumes de ma-deira faziam o papel de ponte e as crianças passe-avam com água pela cintura. Dona Maria Paraíbachegara há poucos meses: “Tava tudo de plaqui-nha: ‘vende, vende...’. Mas era bonitinho, tudoassim enxutinho. Não era assim”.

A situação resultava não de uma enchente,mas da elevação anual do nível das águas. MariaParaíba conta sobre o cheiro de peixe, que “não ébom para comer”, fala das doenças do neto, das inje-ções que passou a tomar no posto de saúde, da lamafétida, do lixo com o qual não estava acostumada.

Eu saí em novembro. O povo falava: ‘Ah, que ver-gonha, o luxo encostado no lixo...20’ mas era mes-mo, isso aí eu não vou tirar a razão de ninguémnão. Ali estava precisando tirar mesmo [...]. Estábonito. Se você passa lá você vai ver que coisamais linda está lá, limpinho”.

No lugar da antiga favela, nesse dia, haviaapenas a estação de bombeamento de águas e umcanteiro de flores. O terreno, ainda livre, ocasio-nalmente utilizado por um circo, agora é parcial-

mente ocupado pelas alças de acesso à ponteestaiada Octavio Frias.

A ponte é a materialidade e, ao mesmo tem-po, expressão simbólica da realidade urbana quese aprofundou e consolidou nesse período, cindidaentre uma ‘nova cidade’ para poucos – que con-centra investimentos públicos e privados, cresceem metros quadrados construídos, mas perde po-pulação – e uma imensa periferia, com índicesexplosivos de crescimento populacional. A ima-gem de uma cidade de contrastes, no entanto, co-mum nas representações de São Paulo, não é exa-ta. Perdem-se de vista as conexões entre essas duasrealidades, para além do usual registro da existên-cia de dois polos: de um lado, a paisagem de po-der e dinheiro dos centros empresariais eresidenciais de luxo; de outro, a cidade dita clan-destina ou ilegal, que ocupa beiras de córrego, en-costas de morros, margens de represas.

Neste artigo, procuro descrever alguns dosconflitos e articulações que estão por trás da pro-dução de ícones como a Ponte Estaiada, o ParqueCidade Jardim e o Centro Empresarial NaçõesUnidas, e do skyline do qual fazem parte.21 Umapaisagem que não é mera testemunha dos poderesde transformação da expansão capitalista, mas temlógica própria e formas específicas de contradição.22

Analiso transformações espacialmente restritas,porque confinadas ao que é estratégico: uma par-cela da cidade que se projeta como uma nova

19 Fix (2001, p.144).20 Entrevista concedida à autora, em 1996. Dona Maria

refere-se à expressão utilizada em reportagem da revistaVeja, “Na mira do trator. Empresários fazem vaquinhapara remover favela”, publicada em 5/7/1995.

21 Para isso utilizei, além de pesquisa realizada especifica-mente para a redação deste artigo, resultados de algumasoutras investigações, como as que deram origem aoslivros Parceiros da exclusão, 2001 e São Paulo CidadeGlobal, 2007; o texto “A ‘fórmula mágica’ da parceriapúblico-privada: Operações Urbanas em São Paulo”; e aorelatório “City Report, Slums and Poverty: São Paulo”,2003; além de outras investigações inéditas, como umestudo sobre a Operação Urbana Faria Lima (realizado noâmbito da pesquisa comparativa “Grandes projetos ur-banos: o que aprender com a experiência brasileira”, noETTERN). Esses trabalhos incluíram a realização de le-vantamento de campo e entrevistas com agentes dossetores imobiliários (das áreas de incorporação e desen-volvimento, construção, venda, arquitetura, etc.) e fi-nanceiros (gestores de fundos de pensão, funcionáriosde banco e empresas de crédito, etc.), agentesinstitucionais, funcionários das empresas locatárias,associações de moradores, funcionários públicos, mora-dores de classe média e das favelas, entre outros. Reite-ro, aqui, os agradecimentos feitos em cada um dessestrabalhos.

22 Cf. David Harvey (1989, p.54).

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centralidade em São Paulo. Centralidade que é, emverdade, não um fato, mas um processo social,uma imposição espacial de poder econômico epolítico. Discuto algumas das estratégias que defi-niram o destino dessa região da cidade, transfor-mando aquela que fora, até o início do século XX,uma área alagadiça, as várzeas do rio Pinheiros,em uma das suas regiões mais valorizadas e, atual-mente, sua face globalizada.

Discuto, particularmente, os nexos que seconstituem entre a financeirização global e os ar-ranjos específicos que se configuram em São Pau-lo; e entre mecanismos supostamente sofisticados– como operações urbanas, Certificados de Poten-cial Construtivo Adicional, fundos de investimen-to imobiliário, sistemas construtivos avançados –e formas típicas de acumulação primitiva, nas quaisforça, fraude, opressão e pilhagem são exibidasabertamente, de modo recorrente.23 Discuto siste-mas de produção dos edifícios e da cidade, que sealimentam de formas violentas de extração de ren-da e de mais-valia.

A nossa hipótese é de que a lógica especulativamercantil da produção do espaço é reciclada e adap-tada às novas condições. Combina-se, contudo, coma lógica atual da mundialização financeira, que im-põe novos parâmetros e temporalidades de acu-mulação – por meio da abertura comercial, dadesregulamentação financeira, do crescimento daprevidência privada, das privatizações, da trans-formação dos edifícios em ativos financeiros oufundos de investimento –, ao mesmo tempo emque encontra barreiras próprias à formação socialbrasileira, como a desigualdade social, o padrãode segregação e o modo de inserção na economiamundial. O resultado concreto é uma paisagemque expressa algumas das incongruências do Bra-sil atual, ao mesmo tempo em que se assemelha aoutros espaços como esse no mundo, recentemen-te batizados por Mike Davis “Paraísos do Mal”.

DA VÁRZEA À CIDADE GLOBAL: recapitulan-do algumas estratégias

Os arredores do rio Pinheiros foram alvode estratégias imobiliárias desde a incorporação desuas várzeas à cidade, por meio das obras de reti-ficação do rio, nos anos 1930, que tornaram a em-presa canadense Light & Power detentora do mo-nopólio de produção e distribuição de energia,proprietária de 21 milhões de metros quadradosna cidade (Seabra, 1987). A transformação de umaregião pantanosa, entre o espigão da AvenidaPaulista e o rio Pinheiros, na região mais valoriza-da da cidade – o chamado quadrante sudoeste –se deu por meio de uma articulação entre capitalfinanceiro internacional, mercado de terras, legis-lação urbanística e redes de infraestrutura, para aprodução dos loteamentos residenciais da Cia. City,empresa criada por um banqueiro belga e um ar-quiteto francês. “A racionalidade do capitalmonopolista já se manifesta nessas grandes con-cessionárias de serviços públicos, na incorpora-ção de novas tecnologias importadas do exterior(iluminação, bondes elétricos) e nas grandes com-panhias loteadoras”,24 em um período no qual SãoPaulo se afirma como principal núcleo industrialdo país.25

A área urbana se expande ao mesmo tempoem que os bairros já existentes são adensados, emum padrão que combina “intensificação daverticalização, expansão periférica e reestruturaçãoda centralidade” (Feldman, 2004, p.124). Na déca-da de 1960, a região da Avenida Paulista – antigasede dos casarões da elite cafeeira – começa a serapresentada como “novo centro” de São Paulo, aomesmo tempo em que o centro da cidade propria-mente dito passa a ser considerado “decadente”pelas elites, na medida em que crescem o comér-

23 Ver, a respeito dessa combinação, designada por DavidHarvey “acumulação por espoliação”, O novo imperia-lismo.

24 Adriano Botelho, (2007, p.139).25 São Paulo era um pequeno centro de comércio até o final

do século XIX. Impulsionado inicialmente pelo café, edepois pela industrialização, passou de burgo a metrópoleem apenas algumas décadas, tornando-se a maior cidade eo principal centro financeiro do país. A respeito da gamade atividades econômicas que São Paulo abrigou no perí-odo – que vão além dos rótulos de “cidade do café” e“metrópole industrial” –, ver o artigo de Flávio Saes, “SãoPaulo republicana: vida econômica”.

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cio e os serviços orientados para as camadas po-pulares.26 Diferentemente do centro antigo, com-pacto e diversificado, o dito “novo” centro era“atomizado, fragmentado, expandido e constituí-do por uma nuvem de áreas especializadas, mis-turado com vários tipos de áreas residenciais.”(Villaça, 1998, p.265). A Paulista era especializadaem cinemas, escritórios e sedes de bancos – e abri-gará a sede da Federação das Indústrias do Estadode São Paulo. Tratava-se da formação do chamado“centro expandido”, disperso e com delimitaçãocontrovertida e complexa (1998, p.265-266).

No final da década de 1970, o capital imo-biliário avança no sentido sudoeste, na direção daAvenida Faria Lima e, posteriormente, das aveni-das Luis Carlos Berrini e da marginal Pinheiros.As três avenidas fazem parte de um grande con-junto de vias abertas no regime militar, que privi-legiou esse quadrante da cidade, na mesma épocaem que o automóvel tornava-se onipresente (Villaça,2004, p.150). O quadrante sudoeste passará a con-centrar as novas moradias, empregos, comércio eserviços da classe dominante (2004, p.151). Empouco tempo, com apenas parte do projeto execu-tado, a Faria Lima passou a ser considerada umaespécie de sucessora da Avenida Paulista, até en-tão identificada como endereço de maior prestígiona metrópole. Em 1966, inaugurava-se o ShoppingIguatemi, o primeiro a se instalar no país.

Na marginal Pinheiros, mais ao sul, umaempresa multinacional de origem argentina foi res-ponsável por um dos principais empreendimen-tos, o Centro Empresarial São Paulo, cujo objetivoera reunir os escritórios da empresa, dispersos nocentro histórico da cidade. Disso resultou a cria-ção de um dos maiores centros desse tipo na Amé-rica Latina, levantado por quatro mil operários,que abrigaria também empresas que não pertenci-am ao grupo, como a Rodhia, a Gessy Lever, aMercedes-Benz e a Alcoa.

Os preços relativamente mais baixos dosterrenos da região da Avenida Berrini foram utili-zados para apresentar a área também como alter-

nativa em relação à Avenida Paulista. Na mesmaépoca, um único agente produziu, em uma mesmaavenida, 50 edifícios, o que motivou um pesqui-sador a caracterizar a estratégia como de perfilmonopolista (Fujimoto, 1994). Por meio de umaoperação agressiva de compra de terras – para ad-quiri-las a baixo custo –, o bairro começou a serconvertido em frentes de negócios. A população,na maioria de média ou baixa renda, “... não tinhaidéia do valor de suas propriedades com asbenfeitorias que seriam realizadas no local”, se-gundo um dos empresários (1994, p.55). Alémdisso, a construção dos edifícios em pontos estra-tégicos da avenida evitava que os adquirentes deandares ou de edifícios se apropriassem da valori-zação futura, quando outros edifícios estivessem àvenda – que era então capturada pelo próprio gru-po. Ao mesmo tempo, a valorização das áreas res-tantes funcionava como uma espécie de barreira àentrada de concorrentes.

O resultado foi assim traduzido numa man-chete de jornal: “A cidade muda de rumo”.27 Aformulação é emblemática da tendência de se iden-tificar “a cidade” como aquela parte onde se con-centram as camadas de mais alta renda e os inte-resses da classe dominante. Esse mecanismo – re-velado por Flávio Villaça como o modo específicode, no urbano, interesses particulares apareceremcomo universais (1988, p.344, 348) – facilita a açãodo Estado, que privilegia essa fração da cidade. Oboletim de uma conhecida empresa de consultoriaimobiliária, a Jones Lang LaSalle, não deixa mar-gem a dúvidas:

A Berrini foi amplamente beneficiada pelos in-vestimentos públicos que facilitam o acesso àregião. Para a região dos novos centros comerci-ais na zona sul foram canalizados nos ano 1990cerca de 85% dos investimentos públicos em sis-tema viário e infraestrutura urbana na cidade.São bons exemplos o túnel Ayrton Senna, o pro-longamento da avenida Faria Lima e a aberturadas avenidas Água Espraiada [atual JornalistaRoberto Marinho] e Hélio Pellegrino.

Nessa época, uma nova geração de empre-endimentos foi construída na região, como o World

26 Villaça (1998, p.265). 27 Jornal da Tarde, 4/8/1989.

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Trade Center e o Centro Empresarial Nações Uni-das (Cenu), os quais se beneficiaram da aberturada Avenida Jornalista Roberto Marinho. O Cenu,anunciado como o maior encontro empresarial daAmérica Latina, é considerado uma espécie deRockfeller Center em menor escala.

Projetado por um conhecido escritório dearquitetura brasileiro, o empreendimento resulta,inicialmente, da associação de uma incorporadorabrasileira com a holding da família proprietária doUnibanco, um dos principais bancos do país. Aprimeira torre foi executada pela Hochtief, cons-trutora alemã que já atuava no Brasil. Durante asobras, a Tishman Speyer Properties, conhecidaincorporadora norte-americana, associou-se a umaconstrutora brasileira, a Método Engenharia, paraa compra da fração ideal do terreno corresponden-te a uma das torres, a maior delas. No final, entre-tanto, o empreendimento só se viabilizou com aparticipação, como proprietário, do fundo de pen-são dos funcionários da Caixa Econômica Federal,a Fundação dos Economiários Federais (Funcef).Os recursos do fundo – uma entidade de previ-dência privada – são compostos por depósitos dospróprios trabalhadores e também da empresa, nocaso uma estatal. Por fim, a terceira torre, a Leste,foi integralmente custeada pelo grupo hoteleiroHilton, que tem sede em Londres.

A Torre Norte, avaliada em 408 milhões re-ais,28 foi um dos primeiros casos de formação deum fundo de investimento imobiliário no Brasil, amaneira que a Tishman encontrou para vender suaparcela do imóvel, recebida como parte do paga-mento, que equivalia a 16,17% do edifício. De acor-do com o esquema, estruturado, no caso, pelo ban-co Ourinvest, o edifício seria vendido em cotasnegociáveis na Bolsa de Valores. Seria um modode atrair pequenos e médios investidores, semprecisar fragmentar o imóvel em andares ou salas,como no sistema convencional de condomínio.

Posteriormente, a Funcef, com o objetivo decumprir uma determinação legal que estabelece o

limite máximo do percentual de imóveis que osfundos podem ter na carteira, pensou em se desfa-zer de parte do edifício. Por isso, ingressou tam-bém no fundo, que passou a deter 100% do imó-vel. O enquadramento acabou por se dar, entre-tanto, de outra maneira, e a Fundação continua,até hoje, detentora das cotas, deixando, porém, derespeitar uma instrução da Comissão de ValoresMobiliários (CVM), que limita a participação defundos de pensão em, no máximo, 25% de umfundo de investimento. Para não se desfazer doativo, a Funcef propôs uma cisão no fundo, paradepois reverter sua parte ao sistema anterior depropriedade, gerida de modo convencional.29

A carteira de imóveis da Funcef inclui ainda13 shoppings centers, 4 hotéis, 3 outros fundos deinvestimentos imobiliários e aproximadamente 130imóveis para renda,30 com patrimônio total de 1,96bilhões de reais.31 Assim como outras fundações, aFuncef compõe sua carteira imobiliária principal-mente com empreendimentos de alto padrão, comograndes resorts. As escolhas e as justificativas ofere-cidas pelos gestores indicam que a finalidade ética,social ou política de um investimento não pode es-tar no horizonte de decisões dos fundos ou, aomenos, acima do compromisso com a concessão debenefícios de aposentadoria e pensão a seus parti-cipantes. É o que explica o fato de os fundos faze-rem frequentemente aplicações contrárias aos inte-resses dos trabalhadores, de modo análogo ao queocorre no mercado de ações, no qual se veem obri-gados a buscar papéis com maior capacidade devalorização, muitas vezes, hoje, aqueles pertencen-tes às empresas que melhor executam programasde redução do número de trabalhadores(downsizing), terceirização e flexibilização de mão-de-obra.32 Além disso, a captação de recursos nomercado de valores implica mudança nos parâmetros

28 Relatório da instituição administradora, Banco OurinvestS/A, de 14/8/2008. Disponível em: www. bovespa.com.br/pdf/cTorreNorteA_281008.pdf. Acesso em: 14 maio 2009.

29 Informações fornecidas pela diretoria de investimentosimobiliários da Funcef e pelo banco Ourinvest.

30www.funcef.com.br/cgi-bin/Pagesvr.dll/Get?id_doc=1011.Acesso em: 14 maio 2009.

31 Relatório gerencial 1º trimestre de 2006, Diretoria imo-biliária, Funcef.

32 “Investimentos e servidão financeira: o Brasil do últi-mo quarto de século”, Paulani; Pato (2005). Cf., tam-bém, Oliveira (2003).

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de produção e gestão dos imóveis: “... os atos prati-cados por proprietários e empreendedores passa-ram a ser mais controlados, e submetidos à análisede especialistas e investidores, bem como de órgãosreguladores do mercado financeiro”, explica aCVM.33 Vemos, pois, como a reforma da previdên-cia, ao empurrar os trabalhadores para o sistemaprivado, acaba por atar ainda mais o futuro de gera-ções à lógica do padrão financeirizado de acumula-ção de riqueza.34

O sistema acaba por aproximar o setor imo-biliário do mercado de capitais, acompanhando omovimento de financeirização da economia, em-bora sem a mesma liquidez de outros investimen-tos. Há diferenças, por exemplo, no modo como omercado define o preço no mercado secundáriode cotas de fundos de investimento imobiliário ecomo é feita a precificação no sistema convencio-nal de propriedade. No mercado secundário, opreço varia mais conforme o movimento da taxade juros. O fato de o investidor individual ter per-fil mais conservador do que outros do mercadofinanceiro faz, no entanto, com que as negociaçõesna bolsa sejam menos frequentes, uma vez que asofertas tendem a ser mais reduzidas. Shopping

centers e torres de escritório são os imóveis demaior “apelo” para esse tipo de investidor. No casodo shopping, além da perspectiva de uma rentabi-lidade crescente, “... o investidor se sente donodaquilo tudo, o apelo emocional conferido pelocharme é grande... ”, explica um gestor. No casodo edifício, a rentabilidade crescente é mais remo-ta, mas existe a perspectiva de valorização do imó-vel, ou seja, de ganho na venda, se o preço subir.Por isso, a localização passa a ser fundamental.

Antes que os 12 mil frequentadores do mai-or centro empresarial da América Latina chegas-

sem às torres do Cenu, mais de 15 mil famílias dasfavelas ao lado foram obrigadas a se mudar. À épo-ca, as obras do Cenu eram separadas por um muroda favela Jardim Edith, que integrava uma grandefavela linear, composta por 68 núcleos implanta-dos nas margens de um córrego, desde que as ter-ras foram desapropriadas para a construção de umtrecho do anel viário da cidade, nos anos 1970.Após mudanças nos planos do governo, muitosimóveis desapropriados foram ocupados por fun-cionários do próprio poder público, e as terrasserviram para a construção de moradias precárias,no início usadas por migrantes que vinham traba-lhar em São Paulo, muitos deles nas indústrias deSanto Amaro. “A avenida era só mato”, conta umamoradora ao descrever a avenida Berrini, quandose mudou para a favela Jardim Edith. Contudo, aregião passaria, pouco depois, por um rápido pro-cesso de transformação, como vimos, por meio deestratégias imobiliárias que contribuíram para ele-var bastante o preço da terra. O antigo padrão deexpansão da periferia da cidade se inviabilizava, ea população favelada crescia de modo acelerado,passando de 1 a 8% do total do município entre1973 e 1987 (Cf. Marques; Saraiva, 2004; Pasternak,1997; Maricato, 1996; Bonduki, 1998; Fix; Arantes;Tanaka, 2003, entre outros).

As favelas ao longo do córrego Espraiadaadensaram-se com a vinda de pessoas que trabalha-riam nas obras dos edifícios de escritório e shoppings

e, depois, como auxiliares de limpeza, manobristas,etc., ou nas residências de classe média e alta, comoempregados domésticos, jardineiros, pintores, mo-toristas, nos anos 1970 e 1980. Viver próximo aolocal de trabalho tornava-se cada vez mais impor-tante, diante do custo do sistema de transporte e dotempo gasto nos deslocamentos.

Do ponto de vista dos interesses imobiliári-os, contudo, a favela era um entrave à expansão.Entre dezembro de 1995 e janeiro de 1996, a maiorparte dos moradores do Jardim Edith foi violenta-mente expulsa, retirada que representou, porém,mais do que a remoção de um obstáculo, a possi-bilidade de grandes ganhos. Os custos com a aber-tura de uma avenida e a expulsão dos moradores,

33 http://www.cvm.gov.br/port/protinv/caderno6.asp. Aces-so em: 14 maio 2009.

34 “Ao contrário do que ocorre no regime de repartiçãosimples, no regime de capitalização, que caracteriza omercado privado, não há solidariedade intergeracional.Cada um responde apenas por si e tem um retorno futu-ro proporcional à sua capacidade de pagamento corrente.Aos gestores desses fundos cabe garantir o rendimentofinanceiro necessário para honrar os compromissosprevidenciários futuros” (Paulani; Pato, não publicado).A respeito da reforma da previdência, ver Rosa MariaMarques, “Teias da desinformação”.

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como veremos, foram socializados, pela ação daprefeitura, e os ganhos foram capturados por agen-tes privados, através da valorização dos empreen-dimentos imobiliários.

A condição de ilegalidade em relação à pos-se da terra foi utilizada para justificar os métodosutilizados na expulsão dos moradores, apesar de alegislação brasileira incluir uma série de dispositi-vos jurídicos sobre a função social da propriedadee em defesa do direito à cidade (Fernandes; Afonsin,2005, entre outros), como, por exemplo, o usucapiãourbano, que permite a regularização fundiária deáreas particulares ocupadas por população de bai-xa renda para fins de moradia por, no mínimo, cin-co anos, quando não há oposição à posse.

Os habitantes da favela enfrentaram pres-são, violência e terror. Foram ameaçados e força-dos a abandonar rapidamente suas casas, sem al-ternativa de moradia.35 Constituíram movimentosde resistência para reivindicar inclusão no progra-ma habitacional da prefeitura, que prometia cons-truir moradias no próprio local das favelas.36 Im-pedidos de permanecer no local, os moradores re-ceberam três “propostas”: a) verba de R$1500,00(cerca de 1,5 mil dólares pelo câmbio da época, ouR$ 3600,00 em valores atuais corrigidos pelo IPCA)para abandonar a moradia e se mudar por contaprópria; b) passagem de ônibus para voltar à “terranatal”; ou c) apartamento na periferia de São Pau-lo, na Zona Leste, a aproximadamente 40 quilô-metros de distância do local.

A verba em dinheiro era insuficiente para acompra de nova moradia, mesmo em favelas. Aoferta da passagem pressupunha que os morado-res fossem migrantes das regiões norte e nordeste,quando, na verdade, muitos eram nascidos em SãoPaulo, integrantes de segunda ou terceira geraçãona cidade. A precariedade da construção, o tama-nho reduzido dos apartamentos, a localização emregião com pouca oferta de empregos, as parcelas

mensais a serem pagas por 25 anos, a perda dosvínculos sociais estabelecidos no bairro de origeme a violência no novo bairro (com a exigência depagamento de “pedágio” pela passagem) eram al-guns dos problemas apontados em relação ao con-junto habitacional proposto pela prefeitura. Mui-tos moradores alegavam que não foram sequer in-formados dessa possibilidade. Eram, ao contrário,induzidos a aceitar a oferta da verba em dinheiro.

Os que tentavam permanecer em suas casaseram desencorajados pelo tráfego constante dostratores e dos caminhões de mudança que ronda-vam os barracos “feito urubus”. Os moradores que,apesar das restrições, aceitaram a propostahabitacional da prefeitura foram colocados em alo-jamentos provisórios, que descreveram como umaespécie de “campo de concentração”, onde sofri-am ainda cortes de água e energia.

À época, teve boa repercussão na mídia adoação de 8 milhões de reais, por um grupo de122 empresas, supostamente para resolver o pro-blema dos moradores das favelas. O valor, contu-do, era suficiente para atender apenas 15% dosmoradores desse perímetro, ou 1%, se considerar-mos também os que foram expulsos das outrasfavelas da região. Desse modo, a doação funcio-nou, na verdade, como um pretexto para justificara derrubada de todas as casas da favela situadasentre a Marginal e a Berrini, e não apenas daquelasque estavam no caminho da nova avenida. Essegrupo contratou a Arthur Andersen, uma das mai-ores empresas de consultoria do mundo, para cal-cular os benefícios a serem auferidos por cadadoador – ou seja, o quanto ganhariam com a eleva-ção do preço dos seus imóveis em decorrência dasaída da favela. Uma combinação de cálculos eco-nômicos cuidadosos com métodos violentos e ile-gais de remoção de favelas.

No final, menos de 5% dos moradores fo-ram assistidos por programas habitacionais. A maiorparte foi para outras favelas, muitas localizadas emregiões de proteção ambiental, como as reservasde água para abastecimento da cidade. Emborapolíticos e empresários afirmem que a favela foieliminada, na verdade apenas se deslocou para

35 Resumo brevemente aqui acontecimentos que relatopor extenso Parceiros da exclusão.

36 Chamado Cingapura, revelou-se um programa demarketing eleitoral, muito mais do que habitacional. Osedifícios eram construídos em locais estratégicos, de gran-de visibilidade, como se fossem outdoors.

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outras regiões da cidade de menor interesse para omercado imobiliário. Isso confirma a regra de queo uso ilegal da terra é tolerado desde que não in-terfira nos circuitos centrais de lucro imobiliário(Cf. Maricato, 1996). Se as possibilidades de sairdaquela condição já eram reduzidas, os moradoresexpulsos dessa região são agora praticamente con-denados à ilegalidade, literalmente empurrados pelopoder público, associado aos interesses privados,para outras soluções clandestinas de habitação.Muitos continuam sob a ameaça de despejo, porexemplo, por conta das obras do Rodoanel – umagrande obra viária conduzida pelo governo do Esta-do – e de um parque nas margens da represaBillings, obra da atual administração municipal.

UMA PONTE PARA A ESPECULAÇÃO

Com o terreno preparado por essa operaçãode “limpeza social”, foi aprovada, na região, umaoperação urbana, realizada na madrugada do dia28 de dezembro de 2001: a Água Espraiada. O pro-jeto de lei era antigo, formulado inicialmente na ges-tão Erundina (PT, 1989-1992) e modificado nasadministrações seguintes, sempre mantendo, comosuposta justificativa, a “resolução” do problemahabitacional dos moradores dos 68 núcleos de fa-velas ao longo do córrego, que deveriam ser atendi-dos obrigatoriamente dentro do perímetro da ope-ração. O projeto inicial continha, inclusive, dese-nhos de inúmeros pequenos conjuntoshabitacionais na região. Em princípio, as obras decanalização do córrego e de abertura da avenida,bem como a construção das habitações de interessesocial, seriam feitas com recursos arrecadados me-diante a venda de benefícios aos proprietários daregião, como o direito de construir mais do que opermitido por lei. Contudo, a gestão seguinte, dePaulo Maluf (PPB, 1993-1994), não enviou o proje-to para a Câmara, provavelmente porque havia inte-resse em estimular a concentração de novos empre-endimentos em outra região, na Faria Lima.

As obras, que custaram mais de 1 bilhão dereais e foram feitas com recursos orçamentários,

motivaram, contra o ex-prefeito Paulo Maluf, acu-sações de superfaturamento, desvio de recursos,lavagem de dinheiro público e remessa ilegal.37

Curiosamente, os custos dessas obras – monetári-os e sociais – não costumam ser computados quan-do a operação urbana é avaliada, de modo a favo-recer as ilusões criadas em torno do mecanismo.Algo semelhante aconteceu em outra operação, aFaria Lima, costumeiramente apresentada como umcaso de sucesso por aqueles que evitam conside-rar nos cálculos os investimentos públicos reali-zados no entorno da avenida e que contribuírampara torná-la o “filé mignon” da cidade, na defini-ção dos promotores imobiliários.

As operações urbanas são instrumentos ur-banísticos apresentados, principalmente a partir dadécada de 1990, como solução para a renovação oumodernização de trechos da cidade, por suposta-mente permitirem custear os investimentos comrecursos arrecadados entre seus beneficiários. Oexame sobre como essas operações aconteceramem São Paulo indica que, embora possam ser pro-postas para qualquer região da cidade, só funcio-nam em áreas de interesse imobiliário, acentuan-do, desse modo, a concentração de investimentosem poucos trechos da cidade. Paradoxalmente, osmecanismos concentradores de renda foram refor-çados com o Estatuto da Cidade, que institui aobrigatoriedade de que os recursos obtidos sejamaplicados exclusivamente na área da operação, cri-ando um circuito de reinvestimento em regiões jáfavorecidas.38Assim, tenham ou não sucesso finan-ceiro, as operações são contrárias ao desenvolvi-mento de políticas de distribuição de renda, de-mocratização do acesso à terra e aos fundos públi-cos. Ao contrário, fragmentam o fundo público e

37 Cf. “Maluf superfaturou R$ 432,5 mi, diz CPI”, RonaldFreitas e Roberto Cosso, Folha de S. Paulo, 27/8/2001” e“Pela 1ª vez, STF mantém condenação a Maluf e o obrigaa ressarcir Estado”, Silvana de Freitas, Folha de S. Paulo,14/8/2007.

38 Cf. Brasil. Estatuto da Cidade (Lei nº10.257/2001), artigoVII, parágrafo 10. Na prática, as operações urbanas emSão Paulo já continham essa determinação de que os re-cursos deveriam ser aplicados no próprio perímetro; amudança é que, se antes isso era estabelecido em cadaprojeto de lei, com o Estatuto passa a ser algo obrigatório.

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aumentam o controle privado sobre sua destinação.39

Além disso, seu uso tem sido sempre associado ainvestimentos feitos diretamente com recursos or-çamentários, utilizados antes da aprovação da ope-ração (como na Água Espraiada), ou no entornodo seu perímetro, como em outra operação, a FariaLima – de modo a acentuar fortemente a valoriza-ção imobiliária, pressuposto básico para o funcio-namento do instrumento.40

Foi no contexto da crise da dívida, na déca-da de 1980, que as “parcerias público-privadas”,privatizações e concessões de serviços públicos,passaram a ser defendidas, quase unanimemente, econstituíram-se em parte fundamental da políticaurbana dos governos que se seguiram, fossem elesde esquerda ou de direita. O processo de urbaniza-ção do país seguiu acelerado, num quadro de gran-de restrição fiscal e falta de recursos para investi-mentos. O impasse se deu concomitantemente àextinção das políticas nacionais de saneamento ehabitação e à descentralização das políticas soci-ais. As operações urbanas não correspondem, nocaso brasileiro, a um abandono da idéia de plano,tal como aconteceu em países da Europa, com suasubstituição por projetos urbanos pontuais. Se-gundo Villaça, os planos elaborados no país nun-ca atenderam às finalidades para as quais forampropostos. Para ele, o zoneamento, esse sim, teriaimportância no destino das cidades, e, justamentepor isso, suas revisões costumam ser acompanha-das de perto pelo setor imobiliário. Assim, umahipótese para o interesse despertado pelas opera-ções urbanas pode ser o fato de que elas reúnem,em um mesmo projeto de lei: um programa de in-vestimentos (característico dos planos) e a defini-ção de novas regras de uso e ocupação do solo

(características do zoneamento); a legitimidade so-cial conferida por seu suposto autofinanciamento,de modo a dispensar qualquer discussão sobre ofato de serem prioritárias ou não; e o respaldo dourbanismo dito progressista, que as identifica comoum mecanismo de recuperação das chamadas“mais-valias urbanas”. Tudo isso, vale dizer, demodo muito mais restrito, dirigido e controladono tempo e no espaço. Por isso, justamente, maisinteressante para o circuito imobiliário, uma vezque a criação da “exclusividade” e da diferencia-ção são ingredientes básicos da apropriação da ren-da fundiária. E, por motivos diferentes, atraentepara arquitetos e urbanistas, especialmente aque-les que têm como referência modelos europeus enorte-americanos de desenho urbano.41

Após a aprovação da operação, numa novaadministração do Partido dos Trabalhadores, ago-ra com Marta Suplicy (PT, 2001-2004), os Certifi-cados de Potencial Construtivo Adicional foramregulamentados (Cepacs). Com isso, os benefíciosoferecidos nas operações urbanas, que eram ainda“comprados” diretamente na prefeitura, passarama ser comercializados na forma de Cepacs, certifi-cados emitidos pela prefeitura e utilizados parapagamento de obras ou leiloados na Bolsa de Valo-res. Como qualquer título financeiro, o preço doscertificados oscila conforme o interesse do merca-do, visto que é determinado em leilões e passa,depois, a ser negociado no mercado secundário.A especificidade é que isso deve ocorrer em fun-ção da expectativa dos investidores em relação àspossibilidades de valorização de uma região dacidade. Nessa lógica, passa a ser desejável, por-tanto, que essa valorização aconteça. Na definiçãoda Bovespa, os Cepacs são justamente “ativos derenda variável, uma vez que sua rentabilidade estáassociada à valorização dos espaços urbanos”.4239 Cf. Massoneto (2003) observa que: “As operações difi-

cultam o compartilhamento da valorização decorrentedos processos de urbanização dentro da cidade, tornan-do impossível uma política de redistribuição. E, assimcomo nos demais setores regulados, o equilíbriosistêmico é obtido mais pelo que é excluído do que peloque integra de fato o processo, de forma que o desenhoterritorial da operação urbana é tanto mais atrativo aosinvestidores quanto menor for o efeito distributivo pos-sível dentro do equilíbrio da operação”.

40 Discuto mais extensamente o assunto em “A fórmulamágica da parceria público-privada: operações urbanasem São Paulo”.

41 A respeito da crise do plano – em sua acepção modernis-ta – e da passagem para a ideologia do projeto, do designurbano e das intervenções pontuais, e seus desdobra-mentos, ver Arquitetura depois dos modernos e Urba-nismo em fim de linha, de Otília Arantes. Sobre a voltade uma visão de planejamento, já na sua versão ditaestratégica, ver “Uma estratégia fatal: a cultura nas no-vas gestões urbanas”, em Cidade do pensamento único.

42 “O que são os Cepacs”, Disponível em: www.bovespa.com.br/Mercado/CEPAC.htm. Acesso em: 03 maio 2006.

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Com isso, cria-se a possibilidade de um novo tipode especulação imobiliária financeirizada, com osinvestimentos feitos segundo os parâmetros e asexpectativas próprios de uma lógica de valoriza-ção de tipo financeiro.43

Outra consequência é que a prefeitura, aoemitir os Cepacs, precisa garantir as condições paraque esses ativos se valorizem, ou corre o risco decriar uma espécie de moeda podre. Começa a pa-recer razoável, portanto, que seja mobilizada parapromover essa valorização, por exemplo, por meioda concentração ainda maior de investimentospúblicos. Assim, passa a ser visto como algo posi-tivo que os recursos arrecadados só possam serutilizados em obras específicas, com regras deter-minadas na ocasião da emissão dos títulos, e queo dinheiro seja separado do caixa da prefeitura.Ou seja, a concentração de investimentos, quepoderia eventualmente ser vista como algo a sercombatido, em uma cidade tão desigual como SãoPaulo – num país com uma das piores distribui-ções de renda do mundo –, parece, ao contrário,desejável e necessária, como mostra o tratamentopositivo que o processo de “elitização” dos espa-ços da operação urbana Faria Lima recebeu emprospecto da prefeitura sobre o lançamento dosCepacs.44 Mais do que isso, os destinos de trechosda cidade – e da população – tornam-se cada vezmais atados ao sucesso da operação imobiliária emjogo. Em resposta a um morador de favela sobre aexecução ou não de uma obra na Água Espraiada, o

coordenador do conselho gestor esclareceu que háuma relação entre “continuidade da obra e financi-amento”: “quanto mais bem-sucedida for a realiza-ção das obras, maior o interesse do setor imobiliá-rio em adquirir Cepacs e, consequentemente, have-rá maiores possibilidades de obter recursos para afinalização das obras”.45

A definição das prioridades a serem atendi-das com os recursos arrecadados nos leilões dosCepacs da Água Espraiada ficou a cargo do grupogestor da operação: (a) complexo de pontes do RealParque; (b) habitações de interesse social (HIS); (c)ampliação de áreas verdes; (d) elaboração dos pro-jetos relativos ao Plano de Intervenções. As pri-meiras emissões de Cepacs foram realizadas paraos dois primeiros itens, com os seguintes prazos eorçamentos: 18 meses e R$165 milhões para a pon-te; 15 meses e R$36,6 milhões para HIS. Apesarde o problema habitacional ter sido largamente uti-lizado como justificativa para a aprovação da ope-ração,46 apenas dois dos 17 membros do grupoeram diretamente ligados aos moradores das fave-las.47 A definição da ponte como prioridade núme-ro um desobrigou a prefeitura de construir as casasenquanto as obras viárias – que beneficiam larga-mente essas entidades – não ficassem prontas.

O caso do Parque Cidade Jardim é paradigmático.O empreendimento só pôde assumir aquele portepor conta da compra dos Cepacs. Os recursos ar-recadados, no lugar de serem redistribuídos nacidade, foram, graças aos mecanismos já discuti-

43 Embora essa possibilidade seja criada pela emissão deCepacs, os certificados não parecem ter se constituído,ao menos até o momento, como alternativa de aplicaçãofinanceira, uma vez que não há um mercado secundárioconstituído que justifique a retenção de certificados pararevender. Além disso, a forma como a prefeitura utilizouos Cepacs para o pagamento das obras da ponte estaiadamotivaram suspeitas de que o instrumento criaria umnovo mecanismo de favorecimento de empreiteiras, maisdifícil de identificar do que o superfaturamento. A sus-peita foi motivada pela realização de pagamento a umaempreiteira, efetuado quando o título tinha como valorde face 411 reais. Um mês depois, a Emurb (EmpresaMunicipal de Urbanização) promoveu um leilão comoferta reduzida de certificados, e o título acabou sendocomercializado por 1100 reais. A prefeitura teria deixadode arrecadar 70 milhões de reais, segundo denúncia apre-sentada pelo Vereador Donato, apresentada na Tribunada Câmara Municipal de São Paulo em 8/5/2008.

44 Prospecto de Registro (o “Prospecto”) da Operação Ur-bana Consorciada Faria Lima, Prefeitura de São Paulo, 26de outubro de 2004.

45 A resposta está citada tal como redigida na ata da reu-nião do conselho n.º 7/2005, disponível em http://ww2.prefeitura.sp.gov.br (acesso em 13/5/2009).

46 A produção de habitações de interesse social voltou aser utilizada para dar seguimento à operação urbana emdefesa contra uma ação civil pública ajuizada pelo mi-nistério público (n.º 172/053.02.002694-6), que pedia adeclaração de ilegalidade da operação.

47 O grupo gestor é coordenado pela Empresa Municipal deUrbanização (Emurb) e composto por 8 membros daprefeitura e representantes das seguintes entidades:Movimento Defenda São Paulo; IAB - Instituto de Ar-quitetos do Brasil; IE - Instituto de Engenharia; APEOP- Associação Paulista dos Empreiteiros de Obras Públi-cas; SECOVI - Sindicato das Empresas de Compra, Ven-da, Locação e Administração de Imóveis Residenciais eComerciais de São Paulo; OAB - Ordem dos Advogadosdo Brasil; FAU/USP - Faculdade de Arquitetura e Urba-nismo; União dos Movimentos de Moradia; associaçãode moradores das favelas contidas no perímetro da Ope-ração Urbana Consorciada.

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dos, reinvestidos logo ao lado, na ponte. O ciclovicioso explicita-se no Prospecto:

... oferece-se ao mercado imobiliário a oportuni-dade de adquirir Direitos Urbanísticos Adicio-nais para atendimento de suas necessidades antesmesmo da realização das Intervenções que, emtese, gerarão uma valorização dos imóveis do pe-rímetro urbano respectivo, e consequentemente,desses próprios direitos.

Na prática, depois de mais de 1,5 bilhão dereais gastos com obras viárias, incluindo os gastoscom a abertura da avenida e as desapropriações,que abriram caminho para a operação urbana,48

nenhuma moradia social foi ainda construída.49 Aocontrário, a Prefeitura voltou a pressionar os mo-radores das favelas pela mudança imediata paraum conjunto habitacional na periferia ou, nova-mente, com a oferta de uma pequena verba em di-nheiro para que se mudassem por conta própria,apelidada “cheque-despejo”, agora na administra-ção Serra-Kassab (PSDB, 2005-2008 e DEM, 2009).

Para tentar impedir essa nova onda de ex-pulsões, que chegou a se iniciar, os moradoresprecisaram organizar uma manifestação pública eentrar com recursos jurídicos, apoiados pelaDefensoria Pública. Conseguiram conquistar a ga-rantia de um pequeno conjunto habitacional de278 unidades, no local da favela Jardim Edith.50 Oconjunto será, ao mesmo tempo, testemunho deuma vitória – de moradores que resistiram pormuitos anos à pressão da prefeitura – e da enormedesproporção em relação ao volume gasto nas obrasviárias e ao número de habitações que deveriam

ser construídas. O fato de receber um projeto dife-renciado em relação a outros produzidos pela pre-feitura motivou o apelido de Cohab “chique”, emuma reportagem.51 O modelo de financiamento e ovalor das prestações, a falta de participação dasfamílias no desenvolvimento do projeto, os cus-tos altos de manutenção, por conta da tipologiaadotada, entre outros, são indícios de que o con-junto pode não ter sido pensado para os atuaismoradores de Jardim Edith. A pequena oferta deunidades provavelmente terá ainda o efeito de con-ferir a esses apartamentos caráter de raridade, ele-vando seu preço no mercado. Diante do históricode pressão exercida pela prefeitura para a saídados moradores, a qualidade do projeto, que deve-ria ser a regra para habitação de interesse social,parece, nesse caso, estar a serviço do marketing

político e dos interesses imobiliários.Em síntese, a ponte é uma espécie de

“coroamento” da linha de continuidade “de polí-ticas urbanas que periferizam os pobres e abremavenidas à atuação do Estado em favor de interes-ses privados”, como resumiu Maria CristinaFernandes.52 Ao mesmo tempo, grandes empre-endimentos imobiliários, do tipo “casa-trabalho-lazer intramuros expandem-se, espremendo as fa-velas remanescentes no emaranhado de suas liga-ções clandestinas”.

O CURTO-CIRCUITO DA MÁQUINAPAULISTANA DE CRESCIMENTO

Embora as logomarcas estampadas no altodas torres possam dar a impressão de que os edifí-cios do Cenu pertencem a empresas estrangeiras,o empreendimento resulta, como vimos, de umaarticulação que envolve um conjunto variado deagentes econômicos, brasileiros e estrangeiros, etem como um dos seus principais proprietáriosum fundo de pensão brasileiro.

48 Esse valor é apenas uma referência para que se tenhaidéia da enorme desproporção entre os gastos. Um le-vantamento preciso de todas as despesas da prefeituracertamente indicará um número ainda mais alto.

49 Os únicos recursos já utilizados para essa finalidadeforam os 27,5 milhões destinados para desapropriaçãode terrenos. A prefeitura afirma ter feito a transferênciade 45 milhões para a conta da SEHAB e de 4 milhõespara uma conta vinculada, que ficarão reservados. Noentanto, essa reserva é uma exigência do próprio pros-pecto de emissão dos Cepacs, para que a prefeitura sejaagora autorizada a realizar novos investimentos viários.

50 Novamente, a desproporção: enquanto outros investi-mentos da operação urbana são bastante detalhados, nasapresentações da Emurb que constam na página da pre-feitura na Internet, há apenas fotos aéreas dos terrenosnos quais os conjuntos serão construídos, no caso dashabitações de interesse social. Além daquele em JardimEdith, estão previstos mais dois conjuntos com 560 uni-dades no total.

51 “Favela em área valorizada de SP irá abrigar Cohab ‘chi-que’”, de Evandro Spinelli, Folha de S. Paulo, 18/5/2009,Cotidiano, C3.

52 “A ponte sobre a cidade limpa”, Valor Econômico, 21/9/2007.

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A ilusão é reforçada porque o Brasil passava,na época em as torres foram construídas, por um“salto de desnacionalização sem precedentes”, como crescimento dos fluxos de investimento estrangei-ro direito (IED) e o avanço das empresas de capitalestrangeiro (ECE), a partir de 1995, e pelo processode privatizações. Um novo modelo econômico seimpunha na América Latina, particularmente no Bra-sil, “pela estabilização monetária a qualquer custo,com desindustrialização, desnacionalização e expan-são de circuitos de valorização patrimonial e finan-ceira.” (Tavares, 1997, p.77).

Nas torres do Cenu, circulam, de fato, osbeneficiários dessa virada estrutural. Boa parte dosinquilinos são empresas dos setores de serviço efinanceiro, e as principais áreas de atuação são tele-comunicações e tecnologia da informação (HP eMicrosoft, por exemplo). Outras entraram no Brasilcom os leilões da privatização, como a Duke Energy,que comprou parte das usinas da CompanhiaEnergética de São Paulo (Cesp). Muitas têm origemnorte-americana, e seu ingresso no mercado brasi-leiro é recente, na década de 1990, ou, mais especi-ficamente, no período entre 1997 e 1999.53

Na época, os promotores imobiliários brasi-leiros também receberam visitas de estrangeirosinteressados em investir no mercado local. Tudoindica que não houve, porém, naquele momento,desnacionalização correspondente no setor imobi-liário, do ponto de vista da propriedade das em-presas e dos edifícios, que se mantiveram predo-minantemente nas mãos do capital local e, em boamedida, com empresas de estrutura familiar.

O ingresso de capital estrangeiro nos outrossetores, contudo, atraiu algumas das principais em-presas de consultoria e incorporação do mundo, quevieram ao Brasil para atender aos novos inquilinos:empresas estrangeiras que entraram recentemente naeconomia brasileira, e empresas nacionais que mu-daram de mãos, por meio de privatização ou aquisi-ção por capital nacional ou estrangeiro. Esses pro-motores imobiliários vieram a reboque do movimen-to das multinacionais e do IED, caso da incorporadora

Hines, que se expandiu justamente em países comoo Brasil e a Rússia. A companhia teria levado parapaíses do leste europeu moradias para executivosdas multinacionais no “estilo do West”, com “tudoque uma família norte-americana precisa, em paísesonde isso não existia”, segundo seu presidente noBrasil (Fix, 2007).

As mudanças de comportamento não vieramapenas por mãos estrangeiras. Um incorporadorbrasileiro resume, com uma anedota, suas preten-sões, contando que um concorrente dizia trazer aoBrasil os padrões norte-americanos ao “tirar umaporção de fotos” dos prédios de Miami e reprodu-zir aqui suas fachadas (2007). Afirma que, ao con-trário, tentou reproduzir o ciclo completo de cria-ção de um empreendimento, mesmo se, para isso,precisasse arcar com os custos do projeto estrangei-ro, bem maiores do que os cobrados por arquitetosbrasileiros. Em resumo, se não houve aumento ex-pressivo da presença de capital internacional comoproprietário de ativos, cresceram a influência e ocontrole de algumas especializações, que gerarammudanças qualitativas importantes.54

O tipo de articulação que produziu o Cenutem semelhanças com um arranjo montado, emmeados da década de 1980, para a construção doSão Paulo Office Park, na Granja Julieta, que en-volveu incorporadora brasileira, empresa deconsultoria estrangeira e fundos de pensão nacio-nais (Cf. Nobre, 2000; Fix, 2007). Depois disso,passou a ser comum investidores institucionaistornarem-se proprietários de edifícios inteiros, eli-minando o problema do fracionamento da propri-edade, característico dos empreendimentos ante-riores, que diminuía o controle sobre o investi-mento, criando dificuldades na gestão e desvalori-zando o empreendimento, segundo depoimentosde incorporadores (Cf. Fix, 2007). Com o novoarranjo – explicam – aumentam as possibilidadesde que o prédio deixe de ser tratado como um bem deraiz, para ser encarado como “um negócio”. Os espa-ços produzidos são alugados a empresas, que passama dispor de maior facilidade para se deslocar, o que

53 Para um quadro completo das empresas locatárias naépoca da inauguração do Cenu, ver São Paulo CidadeGlobal, p. 90-91.

54 Existe, atualmente, no Brasil, um movimento de com-pra de empresas brasileiras do mercado imobiliário porestrangeiros, o que precisa ser investigado.

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significa que elas podem mais facilmente entrar e sairda cidade, e ampliar e reduzir suas instalações.

Se, em outros tempos, sede própria signifi-cava solidez para companhias e bancos que quises-sem projetar uma imagem de respeitabilidade, a fa-cilidade de deslocamento no tempo e no espaçoganha, nesse período, maior importância. Essasvantagens, embora não fossem inteiramente novas– pois muitas empresas já eram locatárias anterior-mente –, tornaram-se mais relevantes nos anos 1990,no contexto da dita terceirização, do aumento dasrelações informais de trabalho e da abertura edesregulamentação financeira da economia brasilei-ra. E foram ressaltadas por promotores imobiliáriosinteressados no fortalecimento do mercado de edi-fícios de escritório de alto padrão para locação.

Da perspectiva geral do sistema, isso signifi-ca que o capital “pode se tornar mais geografica-mente móvel ao preço de imobilizar uma porção docapital social total no lugar”, que passa a circular nomeio ambiente construído (Harvey, 1999, p.395).Quando o mesmo capitalista compra a terra, incor-pora, desenvolve, constrói e vende utilizando seupróprio capital, assume vários papéis. Mas, quantomais capital coloca nesse tipo de atividade, menosaplica diretamente nos outros setores da produção.Por esse motivo, a produção e manutenção do am-biente construído frequentemente se cristalizam emum sistema especializado, no qual cada um desem-penha um papel, separadamente ou em arranjosvariados. Cria-se um sistema paralelo de acumula-ção, com regras próprias (1999).

Um sistema desse tipo está por trás da pro-dução dessa frente de expansão do mercado imo-biliário paulistano, composto por agentes econô-micos que se dedicam a uma ou a várias funções:incorporação, desenvolvimento imobiliário, finan-ciamento, gestão da obra, construção, consultoria,arquitetura, comercialização, marketing imobiliá-rio e administração predial, entre outras.55 Nesse

sistema, a figura do rentista – que não é nova, poisestava já presente quando os proprietários explo-ravam os imóveis para obter renda futura por lon-go prazo – é atualizada. Proprietários que não veemos seus imóveis como ativos financeiros raramen-te planejam vender e comprar rapidamente semperder valor. No entanto, quando os edifícios sãoconstruídos como ativos financeiros, o pagamentoque os proprietários recebem não é uma funçãomarginal, mas um fim em si mesmo.

Os agentes econômicos que participam daprodução do espaço em cidades cuja terra atingiucerto grau de mercantilização podem ser conside-rados, segundo dois sociólogos norte-americanos(Logan e Molotch), verdadeiros militantes ouativistas (activists). Existiriam, basicamente, trêstipos diferentes: o acidental (um rentista que ape-nas marginalmente funciona como promotor imo-biliário); o ativo (que antecipa mudanças de usodo solo e especula sobre o futuro de determinadoslugares, buscando a renda diferencial, prevendo ofuturo e se colocando no caminho do desenvolvi-mento); e o estrutural (que não busca apenas pre-ver o futuro, mas também intervém para alterá-lo,modificando as condições que estruturam o mer-cado; sua estratégia é criar rendas diferenciais, pormeio da influência na arena de decisões que tra-zem vantagens a uma região em relação a outra,como a realização de obras públicas e as alteraçõesde zoneamento; visa a apropriar-se também de ren-da monopolista, e não apenas diferencial).

Empreendimentos como a Torre Norte com-binam ganhos advindos do canteiro de obras (lu-cro) com aqueles decorrentes da estratégia de de-senvolvimento imobiliário (renda). A qualidade dosedifícios, em si mesma, não parece ser suficientepara o tipo de ganho almejado pelos promotoresimobiliários. De acordo com gestores dos fundosde pensão, edifícios de escritórios, particularmen-te, precisam estar localizados em bairros valoriza-dos – ou em processo de valorização –, para que ofluxo de rendimentos obtido com o aluguel (ren-da) e os ganhos patrimoniais com a venda (lucro eincremento da renda) sejam obtidos segundo osparâmetros esperados pelos investidores. No caso

55 Empresas desse tipo atuam em muitas cidades. Contudo, éinicialmente em São Paulo e, em menor escala, no Rio de Janei-ro, que a promoção imobiliária vai se tornar mais“profissionalizada”, e a divisão social do trabalho mais acentu-ada. Nos últimos anos, principalmente enquanto durou boomimobiliário, várias empresas passaram a atuar também no inte-rior do estado de São Paulo e em outras cidades do país, expan-dindo esse padrão de incorporação para novas fronteiras.

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dos fundos de pensão, esses parâmetros são defi-nidos pela lógica financeira, como vimos.

No caso da Torre Norte, notamos como seobtiveram incrementos de renda por meio de me-lhoramentos feitos dentro e fora do imóvel, depoiscapturados pelo incorporador. O fato de o empre-endimento ter sido construído em um vetor deexpansão da cidade – que alguns anos antes teriamudado “de rumo”, como vimos – indica que setrata de um promotor imobiliário ativo, na defini-ção de Logan e Molotch. Obteve-se novo incrementode renda, posteriormente, por meio da alteração,em termos relativos, da localização desse edifíciona cidade, com a expulsão da favela e a construçãoda avenida e da ponte. Aqui, o diferencial de ren-da será capturado pelos proprietários, ou seja, osdonos das cotas do fundo de investimento imobi-liário. A evolução do preço por metro quadradonas avenidas Luis Carlos Berrini e Faria Lima é,por si só, um indício da apropriação de fundopúblico que acontece no processo – remoções eobras são poderosos mecanismos de transferênciade riqueza. Assim, a associação (pool) que se for-mou para forçar a remoção do Jardim Edith e aconstrutora do empreendimento Parque CidadeJardim, que pressionou os moradores do JardimPanorama a se mudarem, são exemplos de ativistasde tipo estrutural. A ponte e a avenida, contudo,não são apenas meios de expandir a base de circu-lação do capital no meio ambiente construído. São,também, importantes campos de produção de va-lor e extração de mais-valia.

Em síntese, os proprietários dos imóveis re-cebem renda, por meio do aluguel; os incorporadores,incrementos na renda com base nos melhoramen-tos realizados dentro e fora do lote; os construto-res, o lucro do empreendimento, por meio da ex-tração de mais-valia nos canteiros de obra; os agen-tes de crédito fornecem o capital em troca dos ju-ros; e “o Estado pode usar os impostos (presentesou antecipados) como apoio para investimentosque o capital não pode assumir ou não assumirá,mas que expandem a base para a circulação docapital”. São papéis que existem, não importa quemos preencha (Harvey, 1999, p.395). Para Harvey, o

funcionamento desse sistema não pode ser enten-dido sem se abordarem os fatores da distribuição:renda, juros e taxas. A renda é base do preço daterra e operação para alocar capital e trabalho naterra, guiar a localização da produção, forçar consu-mos futuros, moldar a divisão geográfica do traba-lho e a organização espacial da reprodução social.

Falta à máquina paulistana, contudo, a figu-ra de um sistema de crédito que desempenha o pa-pel fundamental de coordenador das funções, atu-ando como uma espécie de “sistema nervoso” queregula os movimentos do capital (1999, p. 272). Nainterpretação de Harvey, é o sistema de crédito quetraz para um marco comum as intrincadas media-ções e diversos agentes econômicos, apropriandodiferentes tipos de rendimentos. No Brasil, contu-do, o capital portador de juros não tem a mesmaliberdade de circular pelo meio ambiente construídoque encontra em países como Estados Unidos eInglaterra. Além disso, a securitização do mercadoimobiliário é, aqui, incipiente, e a interconexão en-tre o financeiro e o imobiliário, reduzida. Asecuritização não funciona como uma modalidadefinanceira generalizada, como nos Estados Unidos,substituindo empréstimos bancários e, ao mesmotempo, constituindo modalidade propícia aos ban-cos na captação dos fundos. A vinculação dos usosda terra e da organização espacial, em um processogeral de circulação de capital – que caracterizou abolha imobiliária norte-americana, por exemplo –,não chega a se completar. A alta taxa dos juros fazcom que investimentos de rentabilidade mais baixa,como os ativos imobiliários, nem sempre tenhamcomo recorrer às instituições de financiamento, comoacontece com o setor de escritórios. A proporção deempréstimos do sistema bancário brasileiro em rela-ção ao PIB é de pouco mais de 30% – baixa, se com-parada à norte-americana, superior a 190%, ou à es-panhola, 146,1%, no mesmo período.56 Já a partici-pação do total de financiamentos imobiliários repre-

56 O percentual de crédito para o setor privado em relaçãoao PIB era de 34,8 no Brasil e 194,8 nos Estados Unidos,em 2005, segundo dados do International FinancialStatistics, do FMI, publicados no relatório “WorldDevelopment Indicators 2007”, do Banco Mundial. NoBrasil, o percentual subiu recentemente e, em março de2009, chegou a 42,5%, segundo o Banco Central.

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senta 2% do Produto Interno Bruto (PIB) no Brasil,12% no México e 100% nos Estados Unidos.57

Ainda assim, há uma abertura relativa domercado de terras operada por outras vias. No Bra-sil, os fundos de pensão atuam como uma espéciede substituto do crédito, com o que se tornaramfiguras centrais no setor imobiliário comercial, par-ticularmente na proliferação dos megaprojetos nosanos 1990, como o Cenu. Essa participação temimpacto no projeto arquitetônico dos edifícios e emsua localização na cidade. Os fundos de pensão tra-tam a terra como um ativo financeiro, de modo a teracesso a rendimentos futuros. Não é por acaso queos alvos dos fundos são os edifícios de mais altopadrão, classificados como A, duplo A, ou triple A.A classificação dos edifícios é feita por empresas deconsultoria imobiliária, que avaliam diversas carac-terísticas, como o tamanho da laje e o tipo do siste-ma de ar condicionado instalado, características queos promotores imobiliários tomam comoespecificações a serem seguidas no desenvolvimen-to do projeto. Isso acaba por funcionar como umaespécie de padronização, que age no sentido de de-finir com mais precisão o produto imobiliário, eli-minando as características particulares que o torna-riam eventualmente interessante para uma empresaespecífica. Assim, cresceriam as chances de loca-ção para maior variedade de grandes empresas e, aomesmo tempo, aumentaria a liquidez do investi-mento, ou seja, a capacidade de venda em curtoprazo, sem perda de valor, em caso dedesmobilização do ativo.

MIRAGENS URBANAS

Edifícios como o Cenu e outros da região, comoo Plaza Centenário, são projetados como acréscimossupostamente singulares ao skyline. Aexcepcionalidade e a particularidade são cruciais paraque seus proprietários se apropriem de um fluxo derendimentos maior, ou seja, da chamada renda

monopolista.58 Ao mesmo tempo, o desenho das fa-chadas, as características técnicas, os materiais em-pregados e a tipologia e o layout dos andares seguem,em certa medida, parâmetros predeterminados. Sãocaracterísticas exigidas pelas empresas locatárias e,consequentemente, pelos investidores, particularmen-te aqueles que tratam o empreendimento como umativo financeiro, exigindo, acima de tudo, rentabili-dade elevada e liquidez. Em síntese, são prédios-logomarca, que ditam um novo estilo, ao mesmo tem-po em que procuram responder mais adequadamen-te aos propósitos dos investimentos.

Desse modo, embora utilize todos os meiospara se diferenciar, nenhum produto pode ser tãoexcepcional ou especial a ponto de ficar totalmente àmargem do cálculo monetário, contradição apontadapelo geógrafo David Harvey (2005, p.32-34). Quantomais comercializáveis se tornam esses produtos,menos excepcionais e especiais parecem, de modoque deixam de ser únicos e não-reproduzíveis. E,assim, quanto mais facilmente comercializáveis, me-nor sua capacidade de constituir a base para umarenda monopolista (2005, p.32-34). A dificuldadeestaria, do ponto de vista do produto imobiliário, emencontrar o ponto ótimo entre a forma única (especí-fica) e a forma genérica (universal).

O skyline que se constitui aparece, ele pró-prio, como uma marca – não por acaso algumasvertentes de planejamento urbano aproximam-sedas estratégias empresariais de posicionamento demarcas, o branding. À primeira vista, a silhuetaparece se repetir em lugares tão distantes e dife-rentes como Dubai, Pequim, Shangai, Medelin,Cidade do México, Johanesburgo e São Paulo.

Assim como nos edifícios isolados, é pos-sível identificar, no conjunto que se constitui, cer-ta homogeneidade na forma e no programa e, aomesmo tempo, a busca por se projetar como espa-ço singular, mais atraente do que os demais. Nova-mente surge a contradição apontada: na tentativade aumentar suas marcas de distinção, para alcan-

57 “Estudo de viabilidade econômico-financeira CEPAC –Certificados de Potencial Adicional de Construção Opera-ção Urbana Consorciada Água Espraiada”, julho de 2008.

58 “A renda monopolista surge porque os atores sociaispodem obter um fluxo de ganhos maior durante umperíodo de tempo prolongado, em virtude de seu contro-le exclusivo sobre um determinado artigo, direta ou in-diretamente, e que, em determinados aspectos cruciais,é único e não reproduzível” (Harvey, 2005, p.30).

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çar uma excepcionalidade que produza rendasmonopolistas, essas paisagens tornam-se cada vezmais semelhantes.

A redução de barreiras comerciais, a desre-gulamentação financeira, o aumento da facilidadede transporte, entre outros aspectos da chamadaglobalização – ou mundialização financeira (Chesnais,1998) –, significaram uma perda de poderesmonopolistas, devido ao aumento da facilidade dedeslocamento do capital entre as regiões. A luta por“capital simbólico coletivo”59 – pela acumulação demarcas de distinção – adquire importância maiorcomo base de rendas monopolistas.

Essa busca motivou (ou justificou), em vá-rias cidades, a adoção de modelos de planejamen-to urbano nos quais a competitividade urbana éponto central. O chamado “planejamento estraté-gico de cidades”, difundido no Brasil e na Améri-ca Latina pela ação combinada de diferentes agên-cias multilaterais e de consultores internacionais,virou uma espécie de receituário aplicado por todaparte (Arantes; Maricato; Vainer, 2000; Ferreira,2007; Compans, 2005).

Não há, em São Paulo, contudo, um planoarticulado de produção de espaços espetacularesque se apresente como uma política de promoçãoda cidade no mercado mundial, como no planeja-mento estratégico de cidades, proposto no Rio deJaneiro por consultores catalães, na década de 1990(Arantes; Maricato; Vainer, 2000), ou no modeloCuritiba (Sanchez, 2003). Técnicos da administra-ção pública, políticos e promotores imobiliários, noentanto, incorporaram uma série de elementos ca-racterísticos dos novos modelos e os utilizam comfrequência. O instrumento urbanístico de maiordestaque é, como vimos, a Operação Urbana.

O fato de São Paulo figurar como “cidadeglobal”, mesmo que de segunda linha, em rankings

da literatura internacional,60 tem sido utilizado emdiscursos que procuram legitimar algumas propos-

tas ou obras na cidade.61 Operações urbanas, gran-des projetos, revitalização do centro histórico eplanejamento estratégico são algumas das novasexpressões acionadas com grande frequência. Naprática, porém, vimos que, por trás do surgimentodos novos espaços, há um conjunto de agentesque procura interferir nos vetores de valorizaçãodo espaço urbano, de modo a melhor se inserirneles, ou tentando mudar-lhe o rumo. Uma espé-cie de jogo imobiliário da vida real (Zeckendorf,1988), no qual a regra básica é intensificar o usoda terra, sempre que possível substituindo usospouco rentáveis, como a habitação social, por em-preendimentos lucrativos, como complexos luxu-osos de todo tipo. Promotores imobiliários e seusparceiros institucionais, financeiros e do poderpúblico fazem da cidade uma espécie de “máqui-na de crescimento” (Molotch; Logan, 1987).

Assim como outras cidades, São Paulo pas-sou por uma redefinição que é parcial em duplosentido: refere-se apenas a uma parte do que acon-tece na cidade e ocupa apenas uma parte do que seconsidera o espaço da cidade (Cf. Sassen, 1994).As transformações são restritas e confinadas ao queé estratégico: trechos da cidade que se destacam,enclaves ditos globais, cada vez mais desconectadosdo tecido da cidade, com técnicas mais sofisticadasde distanciamento e divisão social (Caldeira, 2001,p.255), que parecem não pertencer a seus arredoresimediatos, mas a redes invisíveis (Cenzatti;Crawford, 1998, apud Caldeira, 2000, p.259).

59 Harvey deriva o termo da obra de Bourdieu (2005, p.47-48).60 O termo surgiu como hipótese analítica para compreen-

der as mudanças pelas quais as cidades passaram, inici-almente formulada por John Friedman. A hipótese foidesenvolvida e modificada por Saskia Sassen, que prefe-riu o termo global para acentuar a especificidade do papelassumido pelas cidades na fase atual do sistema capita-

lista. A tese ganhou força ao questionar o senso co-mum, à época, de que, com o desenvolvimento acelera-do das trocas eletrônicas – por conta da crescentedigitalização da atividade financeira e do fato de as fi-nanças gerarem um produto desmaterializado ehipermóvel –, a localização não teria mais importância.Resumidamente, a globalização teria mudado a formadominante de organização dos fluxos interfronteiras,levando ao enfraquecimento do Estado nacional comounidade espacial e à ascendência das cidades e regiões.Constitui-se uma nova geografia da centralidade, na qualalgumas cidades são articuladoras-chave, em particularas global cities: Nova York, Londres e Tóquio. O termoganhou destaque na universidade e certo alcance nosórgãos públicos e na mídia.

61 O uso se tornou mais frequente com a visita do urba-nista Jordi Borja, um dos responsáveis pela propagaçãodo modelo na América Latina, para seminário preparató-rio para outro, internacional, organizado pela Associa-ção Viva o Centro, em 1994. Para uma reconstituiçãodeste e de outros acontecimentos, ver Kara-José (2007,p.102-115). Cf. também Ferreira (2007).

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Essas paisagens parecem fazer parte de umalógica geral que, de um lado, esbarra em obstáculospróprios de cada uma das formações nacionais e, deoutro, vale-se de particularidades locais para se re-produzir. Entre os obstáculos, encontram-se o baixopadrão de acumulação de riqueza, que cria dificul-dades para o financiamento dos megaprojetos, ou adebilidade da integração com os circuitos mundi-ais de acumulação, para citar alguns exemplos. E,entre as particularidades, há situações específicas,como a dos Emirados Árabes, onde a renda dopetróleo é usada para negócios imobiliários emlarguíssima escala, financiando megaprojetos, comoum conjunto de ilhas artificiais que emula os cin-co continentes, produzido também às custas damobilização de uma gigantesca força de trabalhocomposta por migrantes sem direitos sociais (Davis,2007). Também como a de Kabul, com o uso deexpedientes ilegais de acesso à terra e utilização erecursos que, em princípio, deveriam ser aplica-dos na reconstrução da cidade, depois da devasta-ção promovida pelo ataque norte-americano(Fontenot; Maiwandi, 2007); como Pequim, com aconstrução de espaços espetaculares e midiáticospara as olimpíadas que, segundo Anne-MarieBroudehoux (2004), serão futuramente destinadosao uso exclusivo da elite emergente; ou ainda comoBuenos Aires, com a privatização de terras públi-cas, convertendo-se antiga área portuária em umadas áreas mais caras e exclusivas da cidade, comtorres de escritórios e residências de alto padrãoem Puerto Madero (Fix, 2002).

Essas paisagens se repetem na forma que MikeDavis batizou de evils paradises, ou paraísos do mal:antevisões do tipo de futuro ao qual estamos sendoconduzidos. A lógica espacial do neoliberalismorevive, de modo extremado, segundo Davis, anti-gos padrões de segregação, fantasmagorias comoos arranha-céus de Dubai, construídos por umamultidão de trabalhadores migrantes, que, a qual-quer momento, podem ser deportados e vivem empéssimas condições nos campos de trabalho. “Seusdireitos desaparecem no aeroporto, onde agentesde recrutamento confiscam seus passaportes e vis-tos para controlá-los” (Davis, 2007, p.5), num sis-

tema desregulado de compra de força de trabalho,não por acaso apontado como modelo a ser segui-do por membros de uma missão do sindicato bra-sileiro da construção que visitou Dubai.62

Em síntese, são trechos de cidades que combi-nam elementos de um processo de homogeneização,63

que avançou especialmente na década de 1990, easpectos específicos, mantidos quando os promo-tores imobiliários encontram potencialidades e li-mites próprios a cada formação social específica. Iden-tificamos, neste texto, indícios de que a mundializaçãofinanceira marca as estratégias de alguns dos agentesprivados que estão por trás da produção da paisa-gem urbana, ainda que não se configurem as mes-mas interconexões entre o imobiliário e o financeiroque caracterizam outras economias.64

No caso do Brasil, a liberalização e adesregulamentação financeira inseriram novamenteo país nos fluxos internacionais de capital, inter-rompidos com a crise da dívida e a derrocada dodesenvolvimentismo, no contexto da crise da or-dem de Bretton Woods (Carneiro, 2002). Contu-do, ao contrário do ciclo desenvolvimentista, aliberalização foi responsável por atrair montanteselevados de capital financeiro especulativo, osmesmos que invadiram as periferias asiática e lati-

62 www.sindusconbnu.org.br/noticias/noticia_n381.htm.Conferir também a resposta de um engenheiro que tra-balhou em Dubai à pergunta “Como é a questão traba-lhista?”: “É bem diferente do que nós conhecemos noBrasil. Em primeiro lugar, não existe paternalismo, oque torna a relação empregador-empregado mais trans-parente e correta. É o empregado quem cuida do seufuturo, de seus seguros e, sobretudo, de manter seuemprego, por sua competência e interesse. O emprega-dor garante o salário e as condições de trabalho, incluin-do os instrumentos necessários. As leis são islâmicas,tendo o Alcorão como regra fundamental. A liberdade derelacionamento entre empregador e empregado é um dosfatores que contribui para o empreendedorismo que exis-te no país”. (Carlos Leal, em entrevista reproduzida noartigo “Dubai e os megaprojetos”, em Construção Mer-cado, n.º 60, 11/7/2006). Davis lembra que a organizaçãoHuman Rights Watch acusou os Emirados de construirsua prosperidade sobre “trabalho forçado”, em 2003.

63 A homogeneização é associada “ao movimentouniversalizante do capital, arrebatando mesmo os espa-ços mais remotos a um único domínio. Apenas nessesentido o capital é homogeneizador e abarcador”(Brandão, 2001).

64 A financeirização, na hipótese apresentada por Braga(1997), “não decorre apenas da práxis de determinadossegmentos ou setores – o capital bancário, os rentistastradicionais – mas, ao contrário, tem marcado as estraté-gias de todos os agentes privados relevantes,condicionando a operação das finanças e dispêndiospúblicos, modificando a dinâmica macroeconômica”.

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no-americana (Tavares, 1999), em um quadro deaumento da mobilidade do capital e de busca porrentabilidade também fora dos países centrais. En-tre os ditos “mercados emergentes”, o Brasil foi opaís que adotou mais tardiamente as políticasneoliberais de ajuste, recomendadas pelo FMI e peloBanco Mundial, que se iniciaram com as medidasdo governo Collor, no início da década de 1990.Por isso mesmo, as medidas de liberalização – co-merciais, de flexibilização do mercado de trabalho,reformas econômicas e do Estado e privatizações –foram executadas aqui de modo extremamente ace-lerado, em menos de cinco anos, pelo governoFernando Henrique Cardoso (1999). Concluídas asreformas, o país tornou-se apto a participar do cir-cuito da valorização financeira. Em um “mundo tãodominado por esses capitais fictícios e dominado,além disso, pela vertigem de valorizar o valor sem amediação da produção, nada mais interessante doque transformar economias nacionais com algumacapacidade de produção de renda real, mas sempretensões de soberania, em prestamistas servilmen-te dispostos a cumprir esse papel e, dessa forma,lastrear, ainda que parcialmente, a valorização des-ses capitais. Eliminados os maiores obstáculos aesse desempenho (a inflação, o descontrole dos gas-tos públicos, a falta de garantias dos contratos, ailusão do desenvolvimentismo, dentre os princi-pais deles), essas economias estão prontas a funcio-nar como plataformas de valorização financeira in-ternacional” (Paulani; Pato, 2005).

As novas articulações e desarticulações comos circuitos globais, produzidas no contexto daliberalização financeira, parecem assumir, em “eco-nomias nacionais com alguma capacidade de pro-dução de renda real” (não publicado), ou seja, quepassaram por um processo de industrialização, aforma de uma espécie de “base hospedeira”. Nes-ses países, que se encontram em uma situação in-termediária na hierarquia do sistema mundial, aprodução dessa base exige a concentração de in-vestimentos públicos e privados capazes de, mes-mo com um padrão de acumulação mais baixo,mimetizar os padrões encontrados nas cidades dospaíses centrais. A sua produção coloca em funcio-

namento uma máquina imobiliária de crescimentoque procura associar seus empreendimentos àimagem de uma cidade “globalizada”, da “classemundial”, ou de “primeiro mundo”. Cria-se umanova paisagem de poder e dinheiro, que mobilizasetores do governo e frações do capital imobiliá-rio, parceiros nas várias modalidades de apropria-ção do fundo público.65

O mito da cidade global corresponde, noplano da produção da cidade, ao esforço de “ade-quação” às supostas novas exigências e obrigaçõescriadas pela globalização. “Adaptação”, a palavrade ordem da globalização, como discute Chesnais(1996, p.25), e é também um termo-chave do recei-tuário das cidades globais, tendo, na produção denovas centralidades, um ingrediente fundamental.O mito das cidades globais, no entanto, já nasceenfraquecido, e, por isso, ganha ares de farsa. Temcomo miragem a reprodução, em escala modesta,do skyline que mimetiza os centros de comando eprojeta, em um país semiperiférico, a imagem deuma cidade global.

Além da operação de transferência de ri-queza que promove, a ponte era a extravagânciaque faltava para o efeito de conjunto que a novacentralidade produz. É mais uma marca de distin-ção na nova centralidade, ao mesmo tempo em quecontribui para aproximá-la de outras miragens comoessa no mundo. Impõe, com seu triunfo, contudo,uma celebração permanente que silencia aquelesque foram derrotados.

(Recebido para publicação em março de 2009)(Aceito em abril de 2009)

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65 São Paulo Cidade Global: fundamentos financeiros deuma miragem. Cf. também, a respeito, O mito da cidade-global, de João Sette Whitaker Ferreira e “São Paulo Ci-dade Mundial?”, de Stamatia Koliumba, entre outros.

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Mariana Fix - Arquiteta e urbanista formada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade deSão Paulo. Doutoranda no Instituto de Economia da Unicamp. Mestre em sociologia no Departamento deSociologia da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP. Professora do curso de Design das FaculdadesCampinas (Facamp) e integrante do Laboratório de Habitação e Urbanismo da FAUUSP. Suas mais recentespublicações são: Parceiros da exclusão. Duas histórias da construção de uma “nova cidade” em São Paulo:Faria Lima e Água Espraiada (Boitempo 2001); São Paulo cidade global: fundamentos financeiros de umamiragem (Boitempo 2007).

A BRIDGE TO SPECULATION - the art of rent in thestaging of a “global city”

Mariana Fix

This paper analyzes the conflicts andarticulations behind the transformation of an oldswampish area, the meadows of the Pinheiros river, inone of the most valued regions of São Paulo and itsglobalized face. The text discusses particularly theconnections made in the last decades between the glo-bal financialization of the economy and the specificarrangements that take place in São Paulo; amongsupposedly advanced mechanisms – such as urbanoperations, Cepacs and real estate investment funds –and typical forms of primitive accumulation, in whichstrength, frauds, oppression and pillage are recurrentlyexhibited; between the “city proper” of the elites andthe so-called clandestine city, that occupies streamedges, hillsides, margins of dams. I investigate threeicons of that urban landscape: a cable-supported brid-ge, synthesis of the “new city” scenery; a gigantic walleddevelopment, that mixes residential, luxury trade andoffice buildings; and a business compound with officeand hotel towers, interlinked by an undergroundshopping center.

KEYWORDS: globalization, financialization, real state, SãoPaulo, global city.

UN PONT À LA SPÉCULATION - l´art de la rentedans la montage d´une “ville globale”

Mariana Fix

Cet article analyse les conflits et les négociationssous-jacentes à la transformation d’une ancienne régioninondée, la plaine inondable du fleuve Pinheiros, situéedans l’une des parties les plus valorisées de São Paulo etmaintenant son côté mondialisé. On y présente enparticulier les liens établis au cours des dernièresdécennies entre la financiarisation mondiale de l’économieet les agencements spécifiques qui surgissent à São Paulo;entre des mécanismes supposés avancés – tels les plansd’actions urbains, les Cepacs et les fonds d’investissementimmobilier – et des formes typiques d’accumulationprimitive dans lesquelles la force, la fraude l’oppression etle pillage se répètent constamment; entre la “ville typique”des élites et la ville, dite clandestine, qui occupe les bordsdes ruisseaux, les pentes des collines, les bas-côtés desbarrages. Trois icônes de ce paysage urbain nous serventde points de repère: un pont suspendu , une image synthèsede la scénographie de la “nouvelle ville”; une œuvregigantesque murée qui mélange des résidences, descommerces de luxe et des bureaux; et un complexed’entreprises avec des tours de bureaux et d’hôtels liéesentre elles par un centre commercial souterrain.

MOTS-CLÉS: mondialisation du capital, financiarisation,propriété foncière, São Paulo, ville globale.