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Uma Visão Ética na Filosofia Política do Desporto
- O Homem Ético do Desporto que Vive na Polis -
Dissertação apresentada às provas de
mestrado em Ciências do desporto,
realizado no âmbito do curso do 2º ciclo
em Gestão Desportiva, nos termos do
decreto – lei 74/2006 de 24 de Março
Orientador: Professor Doutor Rui Proença Garcia
Marco André da Silva Alves
Porto, 2014
II
Alves, M. (2014). Uma Visão Ética na Filosofia Política do Desporto – O
Homem Ético do Desporto que Vive na Polis. Porto: M. Alves. Dissertação para
a obtenção do grau de mestre em gestão desportiva, apresentado à Faculdade
de Desporto da Universidade do Porto.
Palavras-chave: POLÍTICA, SOCIEDADE, ÉTICA, DESPORTO
III
“… O que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos
desonestos, dos sem carácter, dos sem ética...O que me preocupa é o silêncio
dos bons…Saiba que o seu destino é traçado pelos seus próprios
pensamentos e atitudes, e não por alguma força que venha de fora. O seu
pensamento é a planta concebida por um arquitecto para construir um edifício
denominado prosperidade. Você deve tornar o seu pensamento mais elevado,
mais belo e mais próspero. Enfrentaremos a força física com a nossa força
moral...Esta é a nossa esperança, esta é a fé com que regressarei para o Sul.
Com esta fé, poderemos cortar da montanha do desespero, uma pedra de
esperança…”
Martin Luther King
“…Se caio em busca do meu objectivo, busco forças em Deus, levanto-me e
sigo, tolerando as dores e obstáculos e se não conseguir atingir o meu alvo,
terei feito o máximo…Espero conseguir percorrer a pé todo o Canadá e
recolher um dólar por cada pessoa ao longo desta longa caminhada, para que
os médicos possam investigar a cura desta doença, se eu não chegar a
concluir a minha jornada, por favor completem-na…”
Terry Fox
“…Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor da sua pele, pela sua origem
ou ainda pela sua religião. Para odiar, as pessoas precisam de aprender, e se
podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar…”
Nelson Mandela
V
Dedicatória
Dedico este trabalho à minha família, sempre presente nos bons e nos maus
momentos, dando-me a força e a tranquilidade necessária para a obtenção do
sucesso. A verdadeira felicidade está na própria casa entre as alegrias da
família. Neste sentido não poderei esquecer a minha segunda casa, ou seja, a
família FADEUP e prestar-lhe um tributo através desta dissertação com total
humildade, dignidade e humanidade.
Na família Fadeup, não poderia deixar de mencionar uma pessoa muito
especial. A Profª. Dr.ª. Olga Vasconcelos não só pelo seu profissionalismo mas
também pela sua amizade e sobretudo pela nobreza do seu espírito humano.
Uma verdadeira mãe jamais deixa o seu filho ao abandono e por tal facto
considero-a como a minha “mãe” nesta família. Esteve sempre presente para
me ajudar e apoiar em momentos obscuros, doentios, sombrios e muito
complicados por que passei nesta enorme montanha académica mas sempre
exigindo o rigor e o respeito, valores esses que deverão sempre nortear esta
casa no seio académico, social e político.
“Os momentos mais felizes da minha vida foram aqueles, poucos, que pude
passar na minha casa, com a minha família.”
Thomas Jefferson
Antigo Presidente dos Estados Unidos
VII
Agradecimentos
A realização desta dissertação só se tornou possível devido a um conjunto de
pessoas muito importantes para mim que, direta ou indiretamente, me
apoiaram ao longo deste percurso de formação, instrução e crescimento
académico. A estes quero prestar o meu agradecimento:
Ao Professor Doutor Rui Proença Garcia, pela orientação, disponibilidade,
apoio e transmissão de conhecimentos ao longo de toda a minha vivência
académica e no desenvolvimento desta dissertação. Uma pessoa com quem
tive o privilégio de conviver desde o início do meu percurso na FADEUP, o
qual, considero como um “pai” nesta instituição por toda a dedicação,
preocupação e amizade. O meu muito especial obrigado.
À Mafalda, Virgínia e Patrícia por todo apoio e disponibilidade no âmbito
bibliográfico desta dissertação no que concerne à pesquisa inerente das obras
literárias existentes na biblioteca da FADEUP como também pela amizade.
A todos aqueles que em momentos difíceis me apoiaram nas decisões com
manifestações de carinho, de esperança e de luta para a construção de uma
sociedade justa, harmoniosa e saudável. Não é uma Utopia! Será uma
Realidade! Uma Utopia concretizável?!
IX
Índice
Dedicatória V
Agradecimentos VII
Índice IX
Resumo XI
Abstract XIII
1. Intenção 1
2. Classificação Ética e Política 19
3. A Etimologia de Ética 43
4. O Homem Ético e Político do Desporto 53
5. Conduta, Virtude e Consciência Ética 63
6. Deveres do Homem Ético e Político do Desporto 89
7. Educação, Orientação e Estado Ético 109
8. Ética Profissional – O Homem e o Grupo 127
9. Profissão e o Ingresso Profissional 135
10. Função Ética e Social da Profissão 159
11. Dignidade e Finalidade do Homem Profissional 167
12. Conclusão 181
13. Referências Bibliográficas 187
XI
Resumo
Esta investigação debruçou-se sobre a análise política e filosófica do homem
ético do desporto baseada na revisão bibliográfica, procurando desenvolver
uma conceção ética na filosofia política do desporto. Os objetivos foram
centrados na classificação ética e política, na etimologia de ética, no homem
ético e político do desporto, na conduta, virtude e consciência ética. Também
foram traçados como propósitos neste estudo os deveres do homem ético e
político do desporto, a educação, orientação e Estado ético, a ética profissional,
a profissão e o ingresso profissional, a função ética e social da profissão e a
dignidade e finalidade do homem profissional. Sócrates referiu que a filosofia é
a teoria racional da ética sendo que esta apresenta vários sistemas de
classificação. Viana distingue a ética teórica da ética prática, a ética intergrupal
da ética intragrupal, a ética geral da ética profissional e a ética docente da ética
utente. Bento refere que no desporto a tarefa da ética tem como objetivo refletir
sobre o desporto como um lugar de moralidade no contexto da vida social,
cultural e política. Comparato acrescenta que o homem ético tem deveres para
com os seus semelhantes mas também deveres para com o grupo, como este
também tem deveres para cada um dos seus componentes. Para Lopes de Sá
é importante realizar e operar uma ação afetiva que implica conhecer a
verdade e o bem mas também que o homem seja realizador e opere a
mudança no plano da afetividade. Viana refere que há deveres que o homem
terá que ter, tais como, o dever de sinceridade, de delicadeza, de obediência,
de perfetibilidade, de humanidade, de coragem e de trabalho. Platão refere que
ao Estado interessa a valorização do homem político e este apenas pode valer
enquanto elemento de solidariedade, trabalho e de harmonia social. Importa
uma base filosófica a ser seguida para que se forme uma estrutura e se tracem
os caminhos para uma ética profissional. Neste sentido Santo Agostinho diz
que a profissão pressupõe algumas ideias fundamentais, tais como, a inclusão
de permanência, retribuição, duração, personalidade, liberdade, caráter social,
vocação e aptidão, competência, probidade e espírito cívico. Para Aristóteles
dignificar a profissão importa conhecer a responsabilidade que esta implica e
cumpri-la integralmente com heroica obstinação.
Palavras-Chave: Política, Sociedade, Ética, Desporto
XIII
Abstract
This research aimed the political and philosophical analysis of the sports ethical
man based on the bibliographic revision targeting the development of an ethical
concept on sports political philosophy. The objectives focused on the ethical
and political classification, on ethics etymology, on sports ethical and political
man, on behaviour, virtue and ethical awareness as well as on sports ethical
and political man duties, education, guidance and ethical State, professional
ethics, occupation and professional entrance, the social and ethical
performance of occupation and the professional man’s objective and dignity.
Socrates referred that philosophy was the ethics rational theory which
presented several classification systems. Viana differentiates between
theoretical and practical ethics, intergroup and intragroup ethics, general and
professional ethics and between the pedagogical and the usable ethics. Bento
sustains that in sports the ethics task aims to think about sports as a place of
morality within social, cultural and political life context. Comparato adds that the
ethical man has obligations not only towards his peers but also towards the
group, as the group feeds back towards each one of its members. Lopes de Sá
feels important to perform and operate a loving action which implies the
knowledge of the good and truth but also the man as a worker of this change.
Viana sustains that man should have duties, such as sincerity, politeness,
obedience, perfectibility, humanity, courage and work. Plato refers that the
State is interested in the political man’s improvement and this man only is an
asset while being an element of solidarity, work and social harmony. A
philosophical foundation must be followed and a structure must be framed and
the way must be drafted towards a professional ethics. Saint Augustine claims
that the professional occupation implies some fundamental ideas, such as
inclusion of perseverance, retribution, duration, personality, character, freewill,
social character, calling and skill, ability, uprightness, and civics. Aristotle wrote
that to give dignity to a professional occupation it is necessary to know the
responsibility of it and fulfil it completely with courageous pertinacity.
Key-Words: Politics, Society, Ethics, Sports
1
1. Intenção
É meu intento estudar e abordar, ou seja, “olhar” para as questões pertinentes
relacionadas com a ética na política desportiva para uma melhor compreensão
do fenómeno desportivo e do homem na sua máxima extensão, o que pratica
desporto e o que se vê a fazer desporto, “Eu faço desporto e vejo-me a fazer
desporto”.
Centrarmo-nos nos por quês e nos para quês, para melhor definirmos, a
posterior, o como fazer e como atuar no contexto político da gestão do
desporto, será a forma mais correta para o desenvolvimento da sociedade e da
sua melhor humanização, trazendo à face presencial o humanismo perdido
entre as entranhas do passado e tanto proclamado mas com uma imensidão de
ausência de ideias para a respetiva conversão.
A importância de como alicerçar o desporto à referida corrente humanista para
incremento e aperfeiçoamento de uma componente política, social e económica
que garanta a sustentabilidade do fenómeno desportivo e de uma sociedade
respeitadora dos princípios e dos valores da moral.
Urge implementar um novo modelo de pensamento na sociedade que
protagonize a mudança de paradigmas e a ascensão de valores, princípios,
meios e fins que torne a gestão do Desporto mais eficiente, mais evolutiva e
mais conhecedora do fenómeno social e cultural e das suas várias relações
sociais e humanas, no fundo, orientar uma filosofia política baseada na ordem
ética.
Uma nova gestão e uma política centrada numa ética que derrote a imoralidade
e que se oriente no sentido da virtude, da glorificação e do humanismo, aliás, a
ética é a colocação de limites ao ser humano, para um bem-estar social e
humano através das suas múltiplas relações.
A dignidade humana acima de tudo permitirá sustentar uma política nobre e
alicerçada numa gestão leal e honesta ao serviço do homem, igualmente
fundamentada pela axiologia, através da força criadora da palavra ao nível dos
2
vários discursos a serem implementados, nos quais poderemos presenciar
vários contextos político-económicos, sociais e desportivos.
Tais contextos apresentam analogias no sentido de uma transcendência
definida numa ética, bem como na componente de resistência à ignorância
intelectual, para uma construção social assente na Paideia e exercida pela
Areté.
Ao longo da dissertação, tentarei fundamentar à luz da filosofia e da política, o
que considero fulcral ser definido e compreendido. A relevância ética e moral
no desporto, na sociedade e por inerência na vertente política através dos
deveres e dos valores inseridos e contextualizados numa transversalidade
axiológica, levará a compreender que o desporto para além de uma alavanca
macroeconómica assume relevância no contexto educacional, cultural, social e
político conduzindo à formação de um ser humano digno e completo.
Pensarmos na construção de um bloco sedimentado de sabedoria e do
cumprimento honesto em qualquer plano de ação.
Para entendermos o fenómeno desportivo como um meio dinamizador crucial
no panorama ético-social e ético-político, devemos, inevitavelmente, enaltecer
as suas virtudes de dimensão e de elo social, ou melhor, como acontecimento
de regulação da sociedade onde assentam valores e por conseguinte uma
ética e uma estética que determinam o comportamento do “Eu” em relação ao
“Outro” e mais do que isso, a relação do “Eu” em comunhão com “Todos”. O
homem ético é o homem “belo” de alma e espírito permitindo um casamento
entre a ética e a estética.
Uma mera implementação de um projeto desportivo terá que passar pela
compreensão da gestão como veículo de desenvolvimento e de preparação
para uma dignidade humana assente nos padrões normativos de educação e
de cultura, quer na vertente ontológica da criação de uma nova palavra e de
um novo conceito de Gestão e de Política, quer na vertente axiológica, perante
os valores inerentes a tal propósito. Toda uma fundamentação no plano da
reflexão exercida pela filosofia terá repercussões no âmbito político e na
essência da gestão.
3
Tal questão pode ser estabelecida e suportada pelo conceito de “fenómeno
social total” de Marcel Mauss, para que os fenómenos sociais mais importantes
possam ser considerados totais. Um “fenómeno social total” é aquele no qual
podemos ver em funcionamento traços ou vestígios de todas as instâncias
fundamentais da sociedade, nomeadamente, a família, a educação, a cultura, a
política, a religião e a recreação.
Para o mesmo autor qualquer fenómeno que tenha no seu funcionamento
estas seis instâncias é considerado um fenómeno social total. Contudo, o
fenómeno poderá ser definido como “social total” mesmo não comportando as
seis instâncias supramencionadas em detrimento de outras que sejam
fundamentais para o funcionamento social. De qualquer das formas, podemos
dizer que o desporto tem ligação com todas essas instâncias e por isso, pode
ser considerado um fenómeno social total, já que integra e interage com todas
as grandes instâncias sociais.
O desporto é um fenómeno simbólico da sociedade e se a amplitude deste
fenómeno desportivo construir pontes com a realidade social, poderá haver
uma esperança para que a sociedade se harmonize e se realize enquanto tal.
Então para compreendermos a sociedade, existe a necessidade de saber e
compreender a sua estrutura, através da análise dos seus fenómenos,
concretamente, do fenómeno desportivo.
Donald Guy (1993) refere que o Desporto é um fenómeno composto por seis
elementos: a atividade física, a competição, o divertimento, o objetivo a
alcançar, a regra e o espírito desportivo, detendo este espírito três dimensões,
nomeadamente, a equidade, o desejo de vencer e a lealdade.
É uma interpretação do fenómeno desportivo, de natureza sistémica, isto é,
sem a presença das seis dimensões, não se está perante o respetivo
fenómeno, pois se faltar algum elemento deixa de ser a definição de desporto.
Tal facto incorpora a ideia de que sem lealdade, sem espírito de equidade, sem
objetivo a alcançar e sobretudo sem regras não há desporto. Isto torna-se
muito útil para o desenvolvimento da temática e da sua pertinência na
4
abordagem da ética na política do desporto, alicerçada no homem desportista
no contexto social, ou seja, na polis.
Costa (1995) também considera que além do desporto ser um “fenómeno
social total”, tornou-se um fenómeno verdadeiramente planetário, ou seja, o
desporto caracteriza a sociedade e “funciona” no mundo inteiro, operando
como uma religião onde apresenta os seus Deuses, as suas glórias e seguindo
as mesmas regras, o que o torna, para além de mítico-religioso, num fenómeno
cultural.
O desporto é uma maneira de exprimir a cultura de um povo, Portugal não joga
como a Inglaterra, nem o povo latino reage da mesma forma que o povo
nórdico. O desporto é um meio de transmissão de cultura, todos os holandeses
sabem que em Portugal há boas condições, quer estruturais quer climatéricas,
para o golfe e que se pratica muito e bem, e que tem uma boa gastronomia.
Estes aspetos de dimensão cultural no desporto, são cruciais na formação e
instrução do homem ético no desporto, pois só com um acrescento axiológico e
cultural é que poderemos estruturar o homem político e dirigente do desporto
na polis para outros pergaminhos, atitudes e comportamentos face à sua
consciência, conduta e tendência ética e a uma nova identidade, que para além
de ética, se reforce na dignidade.
Do ponto de vista ideológico, o partido comunista francês seguiu durante
muitos anos a perspetiva de Pierre de Coubertin (1919) que definia o desporto
como o culto voluntário e habitual do exercício muscular intensivo apoiado no
desejo do progresso ilimitado, fundamento da revolução industrial que esteve
na génese do desporto moderno, e não tendo medo de ir até ao risco. Nesta
perspetiva situa-se a divisa Olímpica: “,Citius, Altius, Fortius”, ou seja, ir “mais
rápido, mais alto, mais forte”. Esta ideia permite formular um pensamento da
gratificação do exercício e da elevação do corpo e do espírito, atuando e
confrontando, com as respetivas regras e o respeito por si próprio e pelos
adversários e portanto, perante uma atuação ética, implicando uma visão de
acordo com o dever e a conduta moral consciencializada no plano ético.
Contudo no plano da sociologia política, alicerçada na filosofia política do
desporto, sobre o estudo das bases sociais do desporto na política, e a sua
5
aplicação, a posterior, ao conceito ético e estético, Brhom (1976) fundamenta o
desporto como uma atividade física competitiva e regulamentada e que é capaz
de servir para, no seu funcionamento, determinar o melhor desempenho, por
exemplo, o recorde e o melhor participante, isto é, o campeão. Torna-se
evidente que as respetivas bases sociais conectadas ao desporto se
correlacionam com os princípios éticos e morais do referido fenómeno e por
conseguinte é possível extrapolar da sociologia política, uma filosofia política
do desporto.
O desporto pode, então, ajudar a perceber, na perspetiva de Costa (1995),
todos os aspetos da sociedade. Mais do que um espelho da sociedade, o
desporto é um microcosmos, é a sociedade vista em ponto pequeno e
analisada de uma forma muito mais rápida e eficaz.
No desporto presencia-se o Bem e o Mal da sociedade, ou seja, ou se ganha
ou se perde, ou se é o melhor, ou se é o pior, tal como na sociedade. Ao
perceber o desporto, percebemos a sociedade, percebemos o homem na sua
máxima extensão.
A filosofia política do desporto pretende compreender a causa e a finalidade
dos assuntos políticos relativos ao fenómeno desportivo, apresentando uma
dimensão ética em estreita colaboração com a componente cientifica de âmbito
social e humano. Para tal, torna-se necessário ampliar o nosso entendimento e
o nosso conhecimento para uma dinâmica transversal do espaço da sociologia
política no que concerne ao entendimento político das bases sociais do
desporto, da antropologia política, no campo de uma reflexão fundamentada da
compreensão das relações e dos fenómenos sociais e culturais, como por
exemplo, a violência, o racismo e o desrespeito pelas regras no desporto, por
parte do homem político do desporto, o exercício político do poder e a
organização desportiva da polis.
É importante a fundamentação da pedagogia política, no seu âmbito de educar
o homem para uma decisão coletiva que é crucial no bom funcionamento
social. Há uma necessidade de objetivar uma ética na política, facto que, como
referi, a torna específica e uma sociologia política com o intuito de perceber o
6
poder político no homem do desporto, enquanto ser sociável e perfetível, e na
comunicação do mesmo com a sociedade desportiva que o mesmo representa.
Para se compreender de uma forma mais elaborada o desporto e se poder
aplicar a forma mais perspicaz de gestão para um melhor contributo social, e
objetivar uma análise através de uma visão verdadeiramente digna da vertente
humana, não poderemos estar “contaminados” pelo referido desporto. Como
afirma Garcia o desporto pode ver-se como um labirinto, quando estamos no
meio do labirinto, não sabemos se estamos no caminho correto, no bom
caminho e se iremos ao encontro da melhor gestão do desporto.
Para o mesmo autor, só quem se encontrar “fora” é que poderá saber e obter
as respostas necessárias. Assim, temos que sair do desporto para entender o
respetivo fenómeno, para não estarmos ”contaminados” através da sua
projeção prática, por sermos praticantes desportivos, e perceber o por quê e o
para quê do desporto.
Garcia diz de uma forma muito esbelta e apelativa do ponto de vista filosófico
que importa ver o desporto numa outra dimensão, ou seja, como se
estivéssemos em “cima do castelo” a observar o que se encontra e como tudo
funciona e se organiza bem lá em baixo para entendermos e percebermos o
caminho a seguir, encontrando a saída e combater a falta de visão, só com o
espelho. Importa perceber se será que, estando na prática desportiva, vejo
como desportista.
Temos que “sentir” e ao mesmo tempo “analisar” para tomarmos as melhores
decisões no que concerne à melhor linha de pensamento organizacional, que
para obter a excelência jamais poderá intervir sem ser rumo à excelência e à
dignidade humana.
Na obra “ No Labirinto do Desporto. Uma Perspetiva da Antropologia” Proença
Garcia refere muito bem a necessidade de sairmos do nosso “Eu” como
praticante e sermos o nosso “Eu” a ver o desporto, vermo-nos a “ser” ou
vermo-nos a saltar, a correr, é assim que se compreende a dimensão humana,
os valores implícitos, a ver a ação humana.
7
Brincava a criança
Com um carro de bois
Sentiu-se brincando
E disse, eu sou dois…
Há um a brincar
E há outro a saber
Um vê-me a brincar
E outro vê-me a ver…
Fernando Pessoa
“Eu sou dois!” fundamenta o autor a partir deste pensamento, “Eu” sou o
praticante e vejo-me a praticar , adaptando então o poema de Fernando
Pessoa ao caso em concreto. “Eu” sou o que faço desporto e que estuda
desporto, logo é mais fácil argumentar, intervir e agir, presenciando a ação
humana e os valores que se encontram implícitos num plano transversal e
aplicado ao desporto.
Torna-se imperativo perceber esta dupla vertente para que possamos entender
o Desporto na sua plena dimensão, pois o homem necessita de sair do labirinto
em que se encontra “contaminado” para melhor compreender as questões
levantadas e centradas na ética e na política numa perspetiva filosófica, para
assim ser mais fácil de argumentar e de pautar a sua intervenção e o seu
discurso.
O homem é um animal político pois só na polis, isto é, na cidade ou numa
localidade pode viver. Não basta que ele esteja tranquilo com a sua
consciência, importa que ele viva o mais humanamente possível e em perfeita
harmonia e entendimento com a sociedade de que faz parte, na sua relação
com o “outro” e com “todos” e com a qual mantém ligações humanas e
públicas.
8
Por tal facto, é importante estudarmos e entendermos o homem político, para
se definir e construir uma corrente ética que se coadune com uma política que
lance e protagonize as linhas orientadoras, no âmbito virtuoso e racional, para
uma sociedade mais humana e justa tendo como ponto central o fenómeno
desportivo na construção do Estado Ético. O Estado como organização política
e com uma permanente consciencialização ética.
É essencial focar que Estado e Sociedade não são a mesma coisa. Através da
obra “O olhar de um politólogo sobre a sociedade” de Duarte Nuno Pinto é
possível mencionar alguns autores, nomeadamente, Marcelo Caetano no seu
trabalho “Manual de Ciência Política e Direito Constitucional”, que refere que o
Estado é constituído por um povo, fixado num território, de que é senhor, e que
dentro das fronteiras desse território institui, por autoridade própria, órgãos que
elaboram as leis necessárias à vida coletiva e impõem a respetiva execução.
Sem no essencial pôr em causa esta definição, torna-se crucial contrapor com
a opinião de outro autor, Freitas do Amaral, numa interpretação de ciência
política, encontrar uma definição de Estado. Para o autor, “Estado” é
considerado a comunidade constituída por um povo que, a fim de realizar os
seus ideais de segurança, justiça e bem-estar, governa um território e nele
institui, por autoridade própria, o poder de dirigir os destinos nacionais e de
impor as normas necessárias à vida coletiva.
Tendo por base uma linha de fundamentação da referida obra e dos autores
supramencionados posso concluir que o Estado é uma comunidade humana
onde os elementos essenciais são três: o povo, o território e o poder político.
Os fins do Estado são também três: a segurança, a justiça e o bem-estar. Para
Aristóteles o Estado surgiu para promover um conjunto de realidades
inacessíveis ao individuo isolado ou ao grupo familiar. Fundamentado em “A
Política”, a sua finalidade consiste em proporcionar aos seus cidadãos o
conjunto de meios necessários à sua realização e sobretudo à sua felicidade.
Esta só é todavia suscetível de ser alcançada através de práticas virtuosas,
como a amizade e o autodomínio. Uma sociedade justa é aquela onde os
cidadãos se comportam de forma justa. Não existem sociedades justas onde os
homens que a constituem não o são. É por esta razão que se afirma que só a
9
formação moral de cada cidadão, por meio da qual ele se integra e aprende os
valores da sua comunidade, permite reconciliar, ao nível individual, a justiça e a
felicidade.
Um Estado ou Governo é, neste contexto, ilegítimo desde que não contribua
para o bem comum, isto é, a realização da natureza humana e a felicidade dos
seus cidadãos. A sociedade organiza o Estado para se proteger e se manter
em ordem, embora, por vezes, possa ser vítima da sua própria organização,
quando a autoridade é mal exercida e o poder se transforma em tirania ou falsa
aplicação da justiça acontecendo o mesmo no plano ético.
Não confundir com o Estado social ou Providência que representa a forma
organizativa de sociedade que fornece a resposta coletiva às necessidades dos
homens.
O ponto-chave desta dissertação reside na ânsia de conectar ou relacionar a
conduta do homem do desporto, que é a única a ser estudada pela ética, por
ser variável no tempo, em face da sua bondade e da sua virtude, atendendo à
sua consciência e conduta perante a temática da ética e da moral na filosofia
política do desporto. Parte da premissa do que se poderá entender como
virtude no seio desportivo e educativo em consonância com a vertente política
do homem constituinte do Estado.
Aristóteles abordou a questão da virtude, excelência e areté na consideração
ontológica de virtude de um homem bom e na de um bom cidadão, se seriam
idênticas ou diferentes, e partindo deste pressuposto poderemos definir os
alicerces para uma correta gestão no plano do desporto.
Se esta questão tem que ser estudada e analisada mais pormenorizadamente
para um melhor conhecimento da filosofia política do desporto, devemos
começar por descrever a virtude do homem (homem virtuoso) de uma maneira
sintética para que todos possam entender.
Aplicando ao fenómeno desportivo, por exemplo, e retratando o caso da
modalidade de ciclismo, assim como o ciclista é um membro de uma
comunidade, assim é o cidadão. Os ciclistas diferem uns dos outros em virtude
das diferentes tarefas, ou seja, uns são sprinters, outros são trepadores, outro
10
é o chefe de equipa ou de fila, há o que é o “aguadeiro” e assim por diante na
constituição da equipa.
Sendo este o caso, é claro que a definição mais exata da virtude de cada
ciclista será específica do homem atleta em questão, mas também é evidente
que uma definição comum de virtude se aplica a todos, na medida em que a
conquista de uma prova em estrada, o “tour”, é um objetivo que todos devem
cumprir e que cada um deseja, é um objetivo da equipa vencer na classificação
geral e ter também os seus corredores como vencedores nas várias categorias
ou classes individuais.
Analisando e estabelecendo o devido paralelismo social, quanto aos cidadãos,
ainda que sejam desiguais, têm uma tarefa comum que é a de assegurar a
segurança, a harmonia, a dignidade, o desenvolvimento social, cultural,
educativo e desportivo da polis. Ora como a sociedade se constitui como o
governo político, no âmbito executivo, corroborado a nível legislativo, a virtude
do cidadão deve necessariamente ser relativa a esse mesmo regimento, a esse
governo e modelo legislativo e político. Entendendo que há diferentes
circunstâncias ou modelos de Governo inseridos no respetivo regimento
político, não pode existir uma única virtude perfeita do bom cidadão.
Segundo Aristóteles, o homem bom é chamado “bom” devido a uma virtude
única, a virtude perfeita. Obviamente, que é possível ser um bom cidadão sem
possuir a virtude que é a qualidade do homem bom.
Para Sócrates, a virtude é fazer aquilo que a cada um se destina. Aquilo que no
plano objetivo é a realização da própria essência, no plano subjetivo coincide
com a própria felicidade, em que a mesma alicerça o destino político.
É impossível que uma cidade ou localidade ou a abrangência desportiva se
componha inteiramente de homens bons. No entanto, cada cidadão deve
cumprir bem a função que lhe compete e é nisso que consiste a sua virtude:
um treinador ser um bom metodólogo e fisiologista, o atleta ser um bom
cumpridor do trabalho técnico e tático e o gestor ser um bom administrador e
cumpridor orçamental, ou seja, o homem desportista é o homem político que
veste as roupagens de homem virtuoso consoante a sua excelência vocacional,
11
ou no treino propriamente dito ou na gestão, administração e execução
orçamental.
Por outro lado, como também é impossível que todos os cidadãos sejam iguais,
a virtude do cidadão não pode ser idêntica à do homem bom.
A virtude do bom cidadão deve pertencer a todos porque é esta a condição
necessária para a Polis ser a melhor. Mas, por outro lado, a virtude do homem
bom não pode pertencer a todos, já que não é necessário que sejam homens
bons os cidadãos que vivem na polis perfeita, tanto mais que a própria polis é
composta por elementos distintos.
Mencionando Aristóteles através da sua obra “Política”, assim como um
homem é composto, para além de espírito e matéria, de corpo e alma e a alma
de razão e de desejo, e a casa de homem e mulher, e a empresa de patrões e
empregados, também a polis é composta por estes elementos e de forma
idêntica no desporto, dado corresponder à sociedade em ponto pequeno.
Impera o desejo de vencer e ser o melhor, as rugas na alma e no corpo
marcadas pela dureza da derrota, a transpiração da alma nos momentos duros
com o intuito do autoaperfeiçoamento, na vivência diária com todos os
elementos da equipa, na relação com todos os intervenientes do processo de
treino e da organização institucional, na aplicação teórica e prática da sua
metodologia, na sua gestão e na sua política administrativa.
Deste pressuposto e entendimento, segue-se que não pode existir uma virtude
idêntica em todos os homens, assim como não pode haver uma só virtude
comum ao corifeu (chefe do coro) e aos seus coreutas, ou seja, ao treinador e
aos seus atletas.
É, pois, claro que a virtude do bom cidadão e a do homem bom não são
absolutamente idênticas. Mas poderá coincidir em alguém a virtude do bom
cidadão e a do homem bom?
Evocamos homem bom e prudente ao governante político responsável, e
Aristóteles referiu na sua obra que o homem político deve ser prudente, tal
como o homem desportista na pele de líder e de elemento responsável pela
organização da sua polis.
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A prudência é a única virtude peculiar do governante, do homem político, a
virtude particular aos governados não pode ser a prudência, mas sim a opinião
verdadeira, indo ao encontro do pensamento filosófico e político de Aristóteles.
Os governados, os homens que dependem das decisões do grande gestor do
desporto, podem ser comparados aos fabricantes de flautas e os governantes
políticos, o homem político legislador, aos tocadores. A grande virtude do
gestor do desporto, enquanto homem político que aplica um determinado
regimento mesmo no desporto, deverá ser a prudência, enquanto na faceta de
homem atleta governado, que lhe compete a obediência perante superiores
com total responsabilidade, competência e dignidade pelo trabalho em equipa.
Este paralelismo de divergência e convergência de homem bom e de bom
cidadão, a nível racional e virtuoso, na política do desporto, remete-nos
imperiosamente para a fundamentação de Kant, através do seu conceito
análogo de “homem de boa vontade”.
O homem político do desporto tem que defender o primado da honradez, deve
procurar ser honrado. A virtude é uma força ativa, o homem bom tem o dever
de demonstrar, por si, a eficiência dessa força. A honestidade não se apura
tanto pelas atitudes esporádicas e “espetaculares” no sentido exibicionista,
como pelo desejo sincero e constante de acertar e de praticar o bem. Ao
heroísmo “espetacular” de um dia, sobrepõem-se, como mais valioso, o
heroísmo moral de uma vida inteira, formado pelo enredo de pequenas virtudes
obscuras e silenciosas.
O homem político do desporto enquanto cidadão de boa vontade deve
pretender condignamente a sua posição no mundo, deve ter a estreita
obrigação de ser disciplinado, não abusando da posição por ele ocupada, nem
das circunstâncias, porventura favoráveis ao cometimento de excessos de
qualquer ordem. Para impor disciplina é preciso ser disciplinado, não abusando
da posição por ele ocupada, nem das circunstâncias, porventura favoráveis
para cometer e empreender excessos de qualquer ordem. Um homem
desportista bom, bem como um bom cidadão da política do desporto deve
saber ganhar e saber perder, ter cometimento e sensatez na vitória e
humildade e nobreza na derrota.
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Abundam, infelizmente, no desporto, pessoas que só evocam palavras de ódio,
e a estas devem contrapor-se palavras construtivas de moderação e de paz,
palavras suscetíveis de harmonizarem e consagrarem em vez de desunirem. O
homem de boa vontade, para marcar a sua posição no mundo de forma
honesta, deve ser, acima de tudo, na linha de Kant, um homem de obras. O
homem político do desporto, através dos seus atos, marcará a sua
personalidade, não precisará nem de provocar nem de proferir palavras
agressivas.
O homem político do desporto para ser útil à sua polis e constituinte de um
Estado ético, deve esforçar-se por ser um “animador”, mas não um qualquer
animador. Falo de um “animador” de boas ideias, de bons sentimentos e de
boas iniciativas, no qual, um homem político de nível superior não deverá
limitar-se a procurar o justo, o bom e o belo, deverá, isso sim, esforçar-se no
sentido de o revelar ao seu próximo e à sua sociedade.
No fundo, aquele que pretenda ser o verdadeiro homem bom da política do
desporto deve esforçar-se, no sentido de evitar a prática de alguns desvios
fatais que em muito abundam nas mentes de muitos, que se julgam o centro do
mundo, que se perdem perante a malícia da riqueza e que pretendem
desaustinadamente o poder e a força, como diria Martin Luther King,
“Enfrentaremos a força física com a nossa força moral… o seu destino é
traçado pelos seus próprios pensamentos e atitudes, e não por alguma força
que venha de fora...Você deve tornar o seu pensamento mais elevado, mais
belo e mais próspero.”
O sistema ético que presenciamos na sociedade contemporânea exerce uma
função de organizar ou ordenar a sociedade, com vista a uma finalidade geral,
e por isso, não existe ordem social desligada de um objetivo último, pois é
justamente em função dele que se pode dizer se o grupo, onde está inserido o
homem bom da gestão e da política do desporto, é ordenado ou desordenado,
se está diante de uma reunião ocasional de pessoas, ou de uma coletividade
ou instituição organizada.
A ordem é o conceito desta mesma relação, subordinada à definição de uma
finalidade, e essa verdade lógica elementar é, no presente, desconhecida pelos
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ideólogos da ordem por si mesma. O que se esconde, por trás dessa fórmula
de propaganda, é obviamente o favorecimento de determinadas pessoas,
classes sociais ou de grupos específicos, em detrimento do bem comum de
todo o povo e da polis.
Para a introdução de novos valores ou a defesa dos que já vigoram no seio
social, não basta o recurso à força, sendo indispensável uma total justificação
ética aliada à força moral. A consciência do bem e do mal, com o consequente
sentimento de justiça ou injustiça, é inerente à condição humana, qualquer que
seja a conceção que se tenha da sua origem, se se trata de algo inato, ou
totalmente adquirido no trajeto da vida social.
É neste terreno que se travam as grandes batalhas de ideias, e sem um
trabalho constante sobre a opinião pública, no plano ético e moral, tendem com
o tempo a enfraquecerem e a desarticularem, num processo semelhante à
segunda lei da termodinâmica (entropia), isto é, o valor que permite avaliar o
estado de desordem e que vai aumentando à medida que este evolui para um
estado de equilíbrio. O objetivo é de mostrar que as instituições desportivas
que patenteiam um determinado poder, onde se integra o homem bom do
desporto e o bom cidadão político, são justas, convenientes ou necessárias.
"A quantidade de entropia de qualquer sistema isolado no âmbito
termodinâmico, tende a incrementar-se com o tempo, até alcançar um valor
máximo".
De uma outra forma elucidativa, quando uma parte de um sistema fechado
interage com outra parte, a energia tende a dividir-se por igual, até que o
sistema alcance um equilíbrio térmico. Com o devido paralelismo social e
político-desportivo, um Estado ético e também do ponto de vista social, tende a
desmembrar-se e a autodestruir-se se não for justo, necessário e interventivo
no plano ético e moral para com o seu povo, e na sua relação com o homem
político do desporto, sendo necessário para se restabelecer um equilíbrio para
o respetivo funcionamento e para a sua sobrevivência enquanto Estado ético e
digno. Evidencia-se assim, a necessidade de uma dinâmica convergente de
ideias sobre o que é justo ou injusto assente na consciência do bem e do mal,
bem como no plano moral inerente à condição do homem ético no exercício do
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desporto e como elemento constituinte da sociedade, e portanto responsável
pelo seu normal funcionamento perante uma política social no âmbito da sua
intervenção e ainda uma sociologia política para o respetivo estudo.
Contudo, pretendo referir, embora a posterior nesta dissertação, que este
paralelismo entre homem bom e bom cidadão de Aristóteles, leva Rousseau a
abordá-lo e a estudá-lo, com o intuito de verificar as possíveis diferenças entre
humanidade e cidadania perante a questão levantada por Émile sobre a
posição do Estado como Contrato Social, também defendido por John Locke.
Surge o problema da possibilidade de se ser “homem” e “cidadão” ao mesmo
tempo, e separar estas duas dimensões humanas, o que quanto a mim seria
surreal.
Urge formar e instruir o homem e o cidadão, e a humanidade e a cidadania não
se completam nem se identificam, nem tão pouco se opõem, pois todo o
homem é formado no plano social, ou seja, os homens instituem a sociedade e
esta é instituída e institui os homens. Há um ciclo que, contudo, não se encerra
ou se explica racionalmente, pois não só o homem é razão e sentimento, mas
também o seu conhecimento, ou melhor, o seu saber é feito de razão e de
desejo.
É com base na interpretação desta linha de pensamento, que muitos filósofos e
sociólogos são defensores de que a educação só é possível dentro de uma
sociedade corrompida, e nem é possível uma educação entre o educador não
corrompido e um educando não corruptível, por esta natureza cíclica e pelo seu
conhecimento serem feitos, para além de razão, de desejo a todo custo.
Perante esta doutrina, poderíamos analisar o fenómeno desportivo no que
concerne à sua gestão e à sua política de uma forma nada digna, e por
conseguinte, sem conduzir a uma qualidade de vida para os seus
intervenientes, sem ética e sem moral, dado que transforma o homem político
do desporto num mero ser que marca a presença na sociedade sem afirmar a
diferença do ponto de vista humano perante a sua condição e identidade como
homem bom, de alma e de espírito.
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Presenciaríamos uma ausência de valores na formação do homem do
desporto, dado que sem valores não se instrui, num campo delimitado na
instrução de futuros profissionais para a reconstrução social e a respetiva
humanização do homem contemporâneo, muito para além da simples
cidadania, implícita a qualquer a ser humano integrado no contexto desportivo.
Para este sentido de entendimento, estes “homens” não existem e o paraíso já
está perdido, e nem se pensa em reencontrá-lo.
Rousseau frequenta a escola deste “Realismo de Maquiavel”. Nicolau
Maquiavel na sua obra “ O Príncipe” aborda a emancipação do poder político
em relação à ética e à moral, considerando-o uma utopia e portanto recusando
a grandiosa construção teórica da polis ou do Estado Ideal imaginado por
Platão.
Para ele, a "boa política" é antes de mais aquela que atinge o seu objetivo mas
não tem, para isso, de ser uma política moralmente boa ou moralizadora e
virtuosa.
O sucesso político não transforma um mal num bem. Um crime, mesmo que útil
em termos políticos, continua a ser um crime, só é necessário saber distinguir
os planos e ver que há atos moralmente reprováveis que são úteis e até
necessários em termos de política de governo. É o que se passa nesta
sociedade contemporânea. Numa sociedade com valores instituídos para o seu
funcionamento mas com uma total ausência na sua aplicação pelo homem
político do desporto, sendo bizarra a ausência da presença da edificação dos
mesmos valores, o homem consegue, perante o seu povo, subir a escadaria da
glorificação, com o afogamento de todos os princípios éticos, morais e de
ordem axiológica que pretendem colocar o homem no patamar divino da
condição e da dignidade humana.
Ao escrever o “ O Príncipe”, Maquiavel questiona-se em que condição se pode
dizer que "as crueldades são bem empregues"? E rapidamente acrescenta,
através de uma pequena frase primordial e fundamental, "Se é que a palavra
bem pode ser aplicada ao que é um mal". Perante esta análise e fazendo
emergir um pensamento político para a justificação da sua obra, isto quererá
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dizer que se uma crueldade pode ser um bem, ela só o poderá ser de um ponto
de vista político e nunca de um ponto de vista moral, e neste patamar
ideológico, separa-se a política da moral, pois, uma crueldade, um crime serão
instrumentos úteis, eficazes e talvez indispensáveis a quem governa, mas
nunca serão coisas boas ou moralmente louváveis.
Não estamos perante um “gangster” mas sim perante um homem que, em
termos políticos é realista e sabe que uma certa dose de mal, como mentiras,
agressões e crimes, é muitas vezes necessária, e é esta a visão que,
atualmente, avistamos na política nacional em qualquer das suas áreas de
ação, na ausência de grandes líderes, estadistas e humanistas. Além disso,
Maquiavel nunca aconselha o príncipe a mostrar-se regular e sistematicamente
imoral, se a virtude não tem, per si, qualquer valor político intrínseco ou
imortalidade.
Estamos perante diferentes visões da conceção de homem e de Estado, em
que se consubstanciam diferentes análises morais e éticas propícias a uma
intervenção estudiosa na área, quer a nível do desporto, bem como no plano
transversal, ao qual o fenómeno desportivo se encontra indexado num
multiverso de áreas, de conhecimentos, de pensamentos e de ações.
Por tais factos, apela-se a um conhecimento mais profundo da ética na filosofia
política do desporto e por inerência, ao homem ético do desporto que vive na
polis, constituindo-se como um homem político.
Em consequência, esta dissertação pretende apresentar as linhas de estudo
sobre a componente ética, o que se deve procurar para que se sinta e se
pratique o bem, hoje acolhida de uma forma relevante e primordial para o
sucesso político e desportivo, dada a “tortura das almas” que se debate na
condição humana atual.
Perspetivou-se a forma de entendimento do pensamento na Idade Clássica,
inclusive como veículo para a felicidade e para a justiça, que todavia com o
correr do tempo, arrefeceu na Idade Média, para depois tomar nova força no
período do Renascimento.
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Intentou-se analisar e compreender o homem político e ético do desporto e
quais os seus deveres para com a sua profissão e para com a sociedade em
que se insere, bem como estudar o homem e o grupo para uma vertente de
entendimento da ética profissional.
Importa também refletir sobre as classificações de ética e de política, os seus
objetivos e a distinção entre ética e moral.
Não é de somenos relevância perceber como se processa a conduta virtuosa
para uma consciencialização ética orientada numa educação tendo em vista
uma orientação ética na construção do Estado Ético.
Por último, e não menos essencial, comentar o conceito de profissão e o
ingresso profissional donde ramifica a assimilação da função ética e social da
profissão e a finalidade do homem político do desporto para a dignidade
profissional.
2. Classificação Ética e Política
O objetivo principal deste capítulo é o de estabelecer algumas reflexões e
alguns fundamentos que possam possibilitar a compreensão da relação entre a
ética, através das suas várias classificações, e a conceção política.
A ética é um ramo da filosofia e perante este tipo de conhecimento temos de
compreender que o mesmo poderá ser interpretado de diversas formas,
consoante o tipo de homem que queiramos analisar. Como se a filosofia
apresentasse “várias interpretações e extensões” e por tal facto, torna-se
necessário considerá-la nos seus diversos aspetos, cada um dos quais tem
significado diferente e oferece perspetivas também distintas. A filosofia de vida
ou a filosofia desportiva e, por inseparabilidade, a filosofia política de um
poderá não ser igual à do outro elemento em comparação.
Se nos limitássemos a encarar a ética no plano geral ou abstrato, não
poderíamos com facilidade descobrir e entender a sua importância ou validade
no sentido da racionalidade, na lógica incutida na perceção do sentido ético e
moral. Por tal facto, há uma grande necessidade da realização de uma análise
adequada de acordo com classificações que sejam esclarecedoras.
Urge de uma vez por todas irmos ao encontro de respostas para questões
constantemente colocadas nos diferentes contextos e conjunturas ético-sociais,
ético-políticas e ético-desportivas, e de que raras vezes se conhece o seu
alcance e muito menos se obtém respostas esclarecedoras para as dúvidas do
homem.
Foco por exemplo, questões importantes de compreensão da extensão ética e
da política na sociedade e no desporto, a perceção das possíveis ligações da
ética e quais os setores humanos, a quem pode interessar a mesma ética.
Equacionando o problema desta maneira, podem-se indicar alguns caminhos
de classificação muito elucidativos e que segundo Viana (1989) revelam de
modo impressionante, a amplitude e transcendência da questão.
No geral e de acordo com o referido autor, é costume distinguir-se entre ética
teórica e ética prática, ou seja, tendo por base uma outra terminologia, entre
Ética ciência e Ética arte. Importante será perceber estas duas vertentes, a
ética teórica, terá a categoria de ciência, sobreposta ao conhecimento
filosófico, do ponto de vista do estudo humano. Será o estudo do bem, do
dever e do fim último do homem, e a ela competirá a busca das leis ideais da
verdade moral. Estuda os problemas fundamentais e gerais no plano filosófico,
ou seja, o objeto, os fins e a responsabilidade do homem político do desporto.
Enquanto a ética prática será a categoria da “arte”, a técnica do bem e do
dever, e a ela competirá a busca das regras adequadas e válidas, suscetíveis
de orientarem a vida com acerto, assim como a adaptação dos princípios
ideais, como é o caso do ideal ético, às realidades e necessidades da vida,
com vista à conquista do bem perfeito, neste caso, o bem público no plano
político do desporto.
Viana (1989) salienta que se está, portanto, perante um binómio “ética ciência”
e “ética arte” mas este mesmo binómio não é suficiente para nos revelar, em
toda a sua transcendência, a missão polivalente da ética, nas sociedades
humanas. Profere que a ética não pode interessar apenas ao homem, como
individuo, interessa também ao homem como elemento integrante da
sociedade. Considerada sob este âmbito, apresentam-se dois ramos da ética, a
ética individual e a ética social.
Sendo o homem ético do desporto, como é, um animal político, dado que só na
polis pode viver, importa que ele esteja bem e em paz com a sua alma, com a
sua consciência. Todavia, isso não chega, pois implica também que ele viva de
uma forma verdadeiramente humana, em perfeita harmonia e ajuste com a
polis de que faz parte e com a qual mantém relações humanas.
Relacionando com a posição de Aranguren (1958), o homem como cidadão
terá de conduzir-se, eticamente, nos seus contatos com os seus semelhantes e
o próprio Estado terá de se interiorizar do ponto de vista ético, o “Estado ético”,
tratando eticamente aqueles que nele estão integrados. É uma questão de
“mútuos ajustamentos” como refere o autor, tais como, geográficos, jurídicos,
económicos, políticos, sociológicos, filosóficos, psicológicos e até mesmo
antropológicos.
Mas tal como Lopes de Sá (1998) refere o assunto não poderá ser somente
analisado sob estes únicos pontos de vista, pois, na realidade, para além da
ética cívica, de caráter geral, há que ponderar outros tipos de relações
específicas, igualmente básicas, representadas pelas relações entre o homem
e os grupos em que ele está integrado e pelas relações entre os diversos
grupos, e sob este ponto, convém distinguir a ética intragrupal e a ética
intergrupal.
O homem do desporto como ser político, tem deveres para com o grupo ao
qual pertence ou no qual ingressa, e o grupo, por sua vez, tem deveres para
com os seus componentes, nomeadamente na forma ética como cada um
destes elementos se conduzir. Desta interação dependerá a coesão, a força, a
prosperidade, a continuidade e a dignidade de cada grupo na polis. Há portanto
uma dimensão política implícita no estudo e na classificação da ética.
Por outro lado, é preciso não esquecer que nas sociedades desportivas e por
conseguinte, humanas, não se verificam apenas relações entre indivíduos e
grupos, pois também se processam relações entre grupos, as quais não podem
ficar excluídas do âmbito moral e, têm por consequência, de ser reguladas por
princípios éticos, para que haja uma hierarquia, ordem e possibilidades de
coexistência pacífica no seio das coletividades, associações e instituições
desportivas e públicas.
Mas a questão ainda não poderá quedar-se neste âmbito, pois o homem é um
animal ativo, um ser que trabalha, e como tal, há que atribuir especial
relevância a este facto, tornando-se importante relacioná-lo com a opinião de
José Mallart (1960). Este autor considera necessário preparar as massas para
que estas trabalhem e produzam nas melhores condições técnicas e éticas,
proporcionando ao respetivo país um alto bem-estar.
Analisada à claridade deste critério, e para a política do desporto, a ética pode
ser considerada sob dois aspetos, sendo de salientar a posição de Viana
(1989) que diferencia entre a ética geral e a ética profissional, correlacionando-
se estes dois tipos de ética entre si, enquanto consideram o homem como
trabalhador e como político.
Assim, na ética geral, o homem político do desporto não deverá esquecer a sua
situação profissional, em que, quanto mais importante e elevada for a atividade
desempenhada, o papel que tem na gestão e na política desportiva, tanto mais
ela se projetará do ponto de vista ético sobre o profissional, impondo-lhe uma
conduta que não o prejudique como trabalhador nem prejudique a profissão ou
vocação por ele desempenhada, e perante isto, é imperativo estabelecer
novamente a ponte com a opinião de José Mallart (1960).
Este sustenta que há uma necessidade da conveniência de glorificar o trabalho
prestado como serviço, com abnegação e heroísmo, com ânimo de contribuir
para o bem geral e político e a necessidade de associar intimamente a vida
profissional de todos os produtores numa irmandade, dentro da necessária
hierarquização.
É claro que a ética terá de fixar uma escala de valores gerais e especiais,
graduando estes últimos princípios, em função das respetivas profissões ou
vocações, desde o gestor desportivo até ao político responsável pela área.
Quanto mais transcendente e influente for a vocação ou a profissão
desempenhada, tanto mais exigente ela será eticamente, e irá impor mais
deveres apertados. Por isso mesmo, dirigindo a todas as pessoas que iniciam
uma atividade profissional ou vocacional, Fontègne (1974) apresenta um
preceito ideológico, muito particular e de enorme utilidade para aplicação no
contexto educativo, filosófico e político num possível paralelismo na
implementação de uma nova visão e estruturação do desporto, enquanto
fenómeno de dinamização e regulação social e política.
Fontègne (1974) menciona que o homem não é um ser isolado no mundo e por
tal deverá ser solidário com todos aqueles que o cercam e com quem trabalha.
É portanto necessário, no exercício da profissão, que se dê provas de
honestidade, de boa vontade, de probidade, de consciência. Se se tem medo
de tomar uma decisão, afasta-se de todos os empregos em que se tenha medo
de assumir uma certa responsabilidade.
Apreciando bastante este pensamento e com toda a fundamentação associada
dos restantes autores, a ética pode ser classificada como sendo o conjunto de
determinações volvidas para uma época e para uma determinada instituição,
orientadas no sentido de assegurar à respetiva instituição um funcionamento
eficiente, condigno e honroso em prol da dignidade institucional e humana no
sentido da reconciliação da moralidade com o homem contemporâneo no
exercício político.
Na ação política é urgente uma atuação cirúrgica no plano ético e moral,
porquanto a dignidade é a fonte necessária ao homem para o seu
desenvolvimento, tendo repercussões futuras no conceito de qualidade de vida
do homem político do desporto. Pois sem a real dignidade não se poderá falar
de qualidade de vida na polis.
No exercício político em prol da sua sociedade jamais se deverá trocar os
valores éticos e morais que deverão nortear a atuação do homem-político pelo
trabalho e atuação menos nobre e de atitudes sombrias, cobertas de uma
imensidão branca que cega e apressa a entrar numa miopia ética. Não será
digno da sua atividade enquanto político ou professor, atendendo ao facto das
coisas terem um preço ou um valor, e se se troca, neste caso, a vertente do
bom exercício político pelo desrespeito pela sociedade, seja qual for o motivo
de tal atitude, é porque teve um preço; logo não têm dignidade.
É perante esta visão humanista, fundamentada por Kant, na sua obra
“Fundamentação da Metafísica dos Costumes” que considero fulcral a
honestidade, o trabalho solidário em prol das pessoas, a responsabilidade pelo
desenvolvimento e pela humanização, centrada numa ética redigida de todos
os bons costumes morais e direcionada para a sociedade, no caminho da
dignidade humana.
"No reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa
tem um preço, pode pôr-se, em vez dela, qualquer outra coisa como
equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não
permite equivalente, então ela tem dignidade".
(Kant, Fundamentação da metafísica dos costumes)
Como o próprio Kant reconheceu, as respostas dadas às questões colocadas
dependiam do nosso conhecimento da natureza do próprio homem. O que
posso conhecer, fazer ou esperar, depende, em última análise, da minha
própria condição humana e a visão de Kant era a da ação de tal modo que se
tratasse a humanidade, tanto na sua pessoa como na do outro, sempre e ao
mesmo tempo, como um fim e nunca simplesmente como um meio.
Para Kant, “o ser humano é um valor absoluto, fim em si mesmo, porque
dotado de razão. A sua autonomia, porque ser racional, é a raiz da dignidade,
pois é ela que faz do homem um fim em si mesmo".
Portanto, não devemos conceber uma política sem ética como também sem
liberdade, embora no meu entender, seja necessário interpretarmos o sentido
da palavra “liberdade” e a função que o homem político queira dar à mesma.
Não se deverá confundir o termo “liberdade” no sentido aplicado à ação
humana com “liberdade” de pensamento. Mesmo num determinado plano de
ação é necessário perceber e compreender o sentido da palavra no respetivo
conceito, para não colocar em causa o sentido ético e moral do homem político
no desporto.
Esta conceção implica uma dimensão de “liberdade arbitrária” dado que em
sociedade há regras subjacentes a uma ética e estética para um
desenvolvimento moral na instrução dos indivíduos e para o normal
funcionamento da polis. Há hipótese de escolha na decisão a tomar, por parte
de cada elemento da polis, e por conseguinte necessitará de ser implementado
o total respeito com as próprias normas e regras sociais que deverão estar
assentes em padrões éticos e dirigidas a uma atuação política em prol da
sociedade, ancorada numa ética responsável que definirá os caminhos para a
liberdade do pensamento humano e de libertação da alma, no intuito da
elevação e da excelência humanas.
É imperativo perceber que a liberdade no sentido lato da palavra é utópica, pois
a vida em sociedade está assente em valores morais, em regras e leis que
assumem a respetiva relevância ética para o normal funcionamento social.
Como referi, presenciamos um sistema de “livre arbítrio”, em que temos a
capacidade de escolha entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, de forma
consciente e com conhecimento. A pessoa tem o poder de decidir as suas
ações segundo o seu próprio desejo ou da forma como acredita ser o melhor
para si própria ou para a sua sociedade, isto é, desde que não prejudique
ninguém.
Santo Agostinho, através da sua obra “De Libero Arbitrio”, aborda a tese do
respeito pela liberdade humana e a origem do mal moral e diferencia de uma
forma clara os conceitos de liberdade e de livre arbítrio.
Segundo o mesmo autor, o livre arbítrio é a possibilidade de escolher entre o
bem e o mal, enquanto a liberdade é o bom uso do livre arbítrio. O que significa
que nem sempre o homem é livre quando põe em uso o “livre arbítrio”, uma vez
que depende sempre de como usa essa característica. Assim, o “livre arbítrio”
está mais relacionado com a vontade. Porém, uma distinção entre os dois é
que a vontade é um acto ou ação, enquanto o “livre arbítrio” é uma faculdade.
Tal distinção é muito importante para podermos aplicar corretamente os
conceitos e contextualizá-los à luz da filosofia política e do desporto.
Então, sendo a liberdade um conceito utópico, é questionável se realmente os
homens na nossa sociedade e no desporto têm a liberdade que dizem ter. Na
aplicação no contexto ético, a liberdade é relacionada com responsabilidade,
uma vez que um indivíduo tem todo o direito de ter liberdade, desde que essa
atitude não desrespeite ninguém e não transponha valores éticos e da moral.
Numa análise filosófica e centrada numa perspetiva política (filosofia política), a
liberdade é o conjunto de direitos de cada indivíduo, seja ele considerado
isoladamente ou em grupo, perante o governo do país em que reside, sendo o
poder que qualquer cidadão tem de exercer a sua vontade dentro dos limites
da lei.
Jean Paul Sartre, um grande pensador político e filósofo, aborda o tema da
liberdade e da sua contextualização política. Na sua visão, a liberdade é a
condição de vida do ser humano, o princípio do homem é ser livre. O homem é
livre por si mesmo, independente dos fatores do mundo, das coisas que
ocorrem, ele é livre para fazer o que tiver vontade. O homem é um ser que não
pode querer senão a sua liberdade e que reconhece também que não pode
querer senão a liberdade dos outros, daí que ninguém vive livre sozinho. Para
Sartre não existe o destino, nós construímos o nosso futuro.
É importante percebermos que a nossa liberdade depende da liberdade do
“outro”. Quando alguém lidera um Estado ou toma alguma decisão política
baseia-se seguindo um conceito de liberdade de ação que definirá e
determinará a liberdade do mais comum cidadão como elemento social.
Todas as ações que busquem a tão proclamada liberdade terão que ter na sua
génese dois pilares, ou seja, a forma como se exerce o poder, por parte do
interveniente na decisão, procedendo à demonstração de liberdade de ação e a
responsabilidade que o homem que vive nessa mesma liberdade decretada,
imposta ou definida possui para com a sua sociedade.
Temos de perceber que a liberdade acaba quando se coloca em causa a
liberdade ou dignidade do “outro”. Por tal facto nenhum ser humano
conseguirá viver em liberdade sem o “outro”, sem o respeito, responsabilidade
e solidariedade de todos os elementos constituintes do Estado, na busca
transcendente do “Estado ético” constituido pelo “homem ético” dependente da
sua espécie e defensor de valores e princípios morais que definem a sua
posição enquanto “homem político”. Existe, pois, o intuito da concretização e
implementação de uma politica do Desporto alicerçada nos valores da moral,
dos bons costumes, do caráter, dos direitos, dos deveres e da ética.
A visão e o pensamento de Jean Paul Sartre não se desfoca da tese
defendida por Santo Agostinho, dado que para ele a liberdade é o bom uso do
livre arbítrio, ou seja, a liberdade tem regras e assenta perante os valores e
padrões éticos e morais. Para cumprir a sua liberdade, o homem dependerá
da liberdade imposta ao “outro” ou pelo “outro”. Estamos perante uma relação
entre o “Eu” e o “Outro” no que concerne ao limite do ser livre, pois a ética
impõe os respetivos limites à vida humana.
Segundo Santo Agostinho a liberdade é o bom uso do livre arbítrio. Se
aplicarmos a sua fundamentação à nossa área, verificamos que o desporto
apresenta um conjunto de regras para serem cumpridas, ou seja, tem uma
regulamentação para impor os limites ao homem desportista ou ao homem
atleta, como queiramos designar. Portanto, está assente num prisma ético
para a respetiva regulação tal como na vida nos nossos dias onde se
presencia o bem e o mal, a vitória e a derrota.
Aliás, essas mesmas regras apresentam-se de acordo com uma ética que
evidencia uma escola axiológica, isto é, os valores inerentes ao fenómeno
desportivo entendendo o desporto como um fenómeno ético, observado e
estudado na sua prática pelo homem ético que se auto constitui como homem
político por inerência e por natureza.
Neste contexto, o conceito de liberdade, como também no desporto, é utópico
tal como o Comunismo e o Nazismo, conjuntamente com a Liberdade que
pertence ao quadro das utopias que nunca se concretizaram em Ideais, algo
atingível e alcançável. O Comunismo buscava uma sociedade perfeita que
ruiu com a queda do muro de Berlim; o Nazismo tinha em mente a elevação
da Raça Ariana e do orgulho alemão e dizimou milhares e milhares de
pessoas, de judeus a comunistas, de pessoas com deficiência a doentes, e
que ruiu com a segunda guerra mundial, para o bem da humanidade.
A política é uma fonte de intervenção utilizada a cada segundo pelo homem,
tornando-o num ser político, o “homem político”, na construção de uma
sociedade cada vez mais humana e tendo por base a ética, “o homem ético”,
dado que a política é uma extensão da ética, como refere Aristóteles. Contudo,
será mais correto, dado que a ética não é normativa, referir que a política é um
plano de fundo da ética, como se se tratasse de um cenário de atuação.
A política ao ser um plano de fundo da ética terá que permitir a caminhada
triunfante para o ideal de Paideia, ou seja, a elevação humana a partir da
educação e da cultura com o intuito de alcancar a Areté, a excelência e a
virtude humana. A política e a ética são os mecanismos para que os
processos de transformação social e por inerência, do fenómeno desportivo,
se processem.
Prosseguindo o estudo que tem por base este capítulo, é crucial perceber a
génese do conceito de política. Este conceito nasceu na cidade grega de
Atenas, ou seja, na polis (cidade ou conjunto de aldeias) e por tal facto torna o
homem para além de ativo, um ser político. Na realidade, este conceito nasceu
intimamente ligado à ideia de liberdade já aqui demonstrada e analisada, que
para o grego era a razão própria da vida.
A política é algo semelhante a uma necessidade muito importante para a vida
do homem, e na verdade, tanto para a vida do indivíduo como para a
sociedade. Como as pessoas necessitam umas das outras para a sua
existência, é necessário estabelecerem-se regras, normas e princípios
assentes em padrões éticos e morais, sem os quais não seria possível o
respetivo convívio social que fomenta o fortalecimento das múltiplas relações
sociais e humanas na busca incessante pelo renascimento humanístico.
Os antigos Gregos consideravam que a política devia organizar e regular o
convívio das pessoas diferentes e não das pessoas iguais, no sentido da sua
forma de ser e de estar na sociedade e na vida, não havendo distinção entre
política e liberdade, estando ambas associadas à capacidade das pessoas em
agir, tomar decisões, no fazer, implementar e operacionalizar em público, o
local original do político.
Atualmente, os homens não conseguem pensar da mesma maneira devido às
desilusões geradas pela política sem dignidade e sem caráter, em relação ao
mau político e à atuação do mesmo no poder, pela falta do “humano” na
decisão e na ação. Isto remete-nos para uma nova conceção de “homem
ético” para credibilizar o novo “homem político” e assim se propiciar uma nova
filosofia e uma nova política social com a incorporação no desporto, e que seja
responsável pela formação de um novo ideal humano de dignidade,
responsabilidade e de alteridade para a criação de um “Estado Ético”.
É importante que todos percebam que a política é algo primordial para a vida
humana, tanto para a vida do homem como para a vida da sociedade.
Como as pessoas dependem umas das outras na sua existência, é necessário
haver regras, normas, razões morais, e que sem as mesmas, não seria
possível o convívio e a construção social como nós na atualidade a
concebemos.
O objetivo da política deverá ser a garantia da ética na vida, no sentido mais
amplo, e a sua tarefa será a necessidade de se relacionar diretamente com a
grande aspiração dos homens contemporâneos, ou seja, a busca da felicidade
e da dignidade, suportada pelo conceito de política, defendido por Aristóteles.
A Política poderá ser considerada como a “arte de governar”. Contudo tal
preceito só será válido se estiver assente no princípio da Governamentalidade,
no qual, o homem político do desporto incute na sua iniciativa política critérios
de competência, responsabilidade, criatividade, dignidade, humanidade, ética e
estética e de instrução e formação.
Não é fácil discutir as questões da vida política nos dias de hoje, devido à
degradação moral e à desconfiança em relação aos homens que assumem a
ação e que exercem o poder para a respetiva tomada de decisão. O homem é
um ser político, todas as suas ações são políticas e motivadas por
pensamentos, comportamentos ou atos assentes em ideologias, ou seja, no
idealismo, no algo concretizável e real na ação.
Tudo o que fazemos na vida tem consequências e somos responsáveis pelas
nossas ações e perante esta minha linha de pensamento, e tendo, também, por
base o estudo de Aristóteles, considero a política como sendo o confronto ou o
debate de ideias, ideologias, doutrinas ou teses entre os homens que vivem na
polis, um estabelecer de diálogo entre o “homem ético” e o “homem político”.
Não podemos esquecer que a construção de tal percurso sem uma base ética
não levará ao encontro da luz da sabedoria que conduza a ação moral e digna
em prol da configuração da sociedade contemporânea e do próprio homem na
sua origem.
Com o poder de fundamentação, através deste estudo, a política no sentido
social, cultural e filosófico, sobre a qual se versa nesta dissertação, terá que
compreender o “homem político” que cada um de nós representa perante um
Estado que se pretende ético, “Estado ético”, tendo por base a presença do
mesmo homem também numa dimensão ética, o “homem ético” com o
respetivo acrescento axiológico.
Exercemos ou fazemos política quando tomamos atitudes no nosso trabalho,
quando estamos a conversar num café ou na casa de um amigo e a ver um
jogo de futebol, quando exigimos os nossos direitos de consumidor ou quando
nos indignamos ao ver que tudo o que defendemos não é atendido pelos
nossos representantes legislativos e executivos no poder público.
A política é um campo de debate e de reflexão, isto é, um espaço para a
atuação do homem na sociedade, encontrar e expor os por quês e para quês, a
causa e a finalidade da vida humana, da alma e do espírito do homem para a
sua concretização como homem ético e digno de pertencer à sua polis.
Uma determinada política evidencia-se a partir de uma filosofia de vida e de
pensamento que remeterá o homem para a aspiração da boa gestão, ou seja,
encontrar o caminho a percorrer até chegar ao “como” implementar, elaborar,
realizar e cumprir passando por um conjunto de fases intermédias na
abordagem ética e estética das coisas, com execução científica ao nível das
ciências humanas (sociologia, antropologia, pedagogia ou psicologia) bem
como do conhecimento filosófico.
O estudo e a reflexão do homem desportista na polis através da sua ação
moral e dos respetivos modelos educativos em grupo ao encontro de um Ideal
Ético tendo por base uma educação para uma orientação construtora de um
novo “Estado Ético”.
A política está sempre presente nas nossas ações, sempre que agimos
fazemos política, faz parte do ser ativo que é o “homem político” que terá que
exercer as suas ações e atitudes perante uma ética, perante limites que não
coloquem em causa a ação social e pública, pois as nossas atitudes, as nossas
condutas, que são marcantes no estudo da ética, fazem parte da nossa ação
política perante a vida.
Somos responsáveis politicamente, no sentido grego da palavra, pela luta por
uma justiça social e desportiva e por uma sociedade inclusiva, verdadeiramente
democrática, assente nos pilares humanistas da dignidade para todas as
pessoas.
No desporto a ação política presencia-se de igual forma, a cada jogada, a cada
conversa entre jogadores ou jogador e treinador estabelecendo um sistema de
comunicação, evidenciando uma experiência estética.
No dia seguinte aos jogos onde se discute a atuação dos jogadores,
treinadores ou árbitros, os ditos treinadores de bancada, tudo numa perspetiva
de interpelações do “homem político” acerca do “homem desportista” ou do
“homem atleta”. O mesmo homem que se deverá nortear pelo discurso ético,
pois é ele que vive em sociedade e que com o desporto deverá ser um homem
completo, e portanto terá que se apresentar como o “homem ético” para a
verdadeira atuação social, digna, solidária e humana respeitando os princípios
fundamentais do bom funcionamento social perante a moral dos bons
costumes.
O desporto para além de ser um espelho social, apresentando uma dimensão
cultural, é também um meio de atuação política, através das várias
performances e dos discursos vividos e presenciados e está assente em
padrões que determinam o comportamento ético no respetivo fenómeno,
restando somente ao homem do desporto escolher o caminho a seguir, uma
vez que somos seres com capacidade de pensamento, de racionalidade e de
alcançar a Areté.
Considero o “homem do desporto” como sendo o “homem político” que para se
completar terá que se evidenciar como “homem ético” para a construção de um
“Estado Ético”.
Muitas vezes deparámo-nos com discursos contraditórios em relação ao que se
diz e ao que se faz, tanto acerca do homem em ação no desporto quando
aborda as questões centradas, por exemplo, no “doping”, no racismo, acerca
da xenofobia ou até mesmo quando é abordado numa perspetiva moral.
Percebe-se que tal discurso não vai ao encontro da ação ou mesmo perante a
análise política, onde muitas vezes temos dificuldade de encontrar um ponto de
encontro entre o que se diz e o que se faz em que não será estranho para nós
o velho ditado “não faças o que eu faço, faz o que eu te digo”.
Esta atuação ou este contexto discursivo poderá trazer dificuldade na
interpretação de determinadas atitudes a serem analisadas perante uma escala
axiológica, uma ética inserida nos valores, uma moral político-desportiva e
político-social, pois nem sempre o homem do desporto como homem político
faz o que diz ou vice-versa.
Perante esta situação, Viana (1989) revela que o problema ético pode, ainda,
ser considerado sob um outro aspeto, ou seja, as relações entre o que se diz
ou ensina e aquilo que se faz. Assim, existem possibilidades de distinguir entre
a “Ethica docens e a Ethica Utens”, ou seja, a ética docente e a ética Utente.
Para Viana (1989) a ética docente é a filosofia moral, que se elabora como
Ideal puro, sendo a ética utente a moral realmente praticada e vivida.
Como facilmente se compreenderá, estes dois tipos diferentes de ética nunca
se conjugam, porque para além do facto do homem político do desporto ter
uma forte atuação inconsciente, no plano social, desportivo e pessoal, trata-se
de algo inatingível, conquanto ninguém alcança a perfeição.
O homem do desporto é um ser perfetível, e portanto não poderemos tão
pouco tratar a ética no sentido mais abrangente como sendo um ideal, pois se
não é alcançável significa que é utópico, o que não quererá dizer que não
poderemos caminhar na busca da perfeição, e tal caminho com o respetivo
esforço, coragem e dedicação permitirá que tal utopia se aproxime cada vez
mais do ideal ético, isto é, de algo atingível e concretizável a qualquer
momento.
De facto, com este fundamento, podemos referir que é muito difícil de se
reunirem no mesmo homem político do desporto, e nas mesmas proporções, o
pensamento moral e o sentimento moral. Para Lopes de Sá (1998) em alguns
homens predomina a tendência para fazer moral especulativa ou passiva, isto
é, o não concretizar o ato moral em si e noutros, a moral ativa, com a respetiva
operacionalização, quer seja no contexto social, desportivo ou pessoal.
Já Santo Tomás de Aquino (filosofia Tomista) distinguia entre virtudes
dianoéticas ou intelectuais e virtudes éticas e morais.
As primeiras levavam o homem a raciocinar perfeitamente, a perspetiva de
aquele que filósofa com rigor primoroso mas não vive como pensa. Por isso, é
que se ensina mais do que se pratica e às vezes há uma grande desproporção
entre a doutrina (teoria) e a prática. Algumas pessoas aproximam-se de tal
modo pelas suas considerações, que vão até ao exagero de pretenderem para
outros uma perfeição moral inatingível, como já foi salientado.
Viana (1989) acentua que é preciso realçar que a virtude perfeita, que
degenera numa “mania da virtude”, longe de ser uma força incentivadora e
dinamizadora, é uma simples inércia podendo tiranizar o homem, ou então
como refere Kant, fazê-lo resvalar para uma espécie de “ginástica ética” ou
“dialética moral”.
Em certos casos, a meditação filosófico-moral realizada no vazio de ideias
temáticas, resvala para formas vizinhas do fanatismo improdutivo ou pela
designação da filosofia Tomista de “masoquismo fronteiriço”.
O homem mais humano do desporto será, sem dúvida, aquele que relacione o
bom pensamento ético com uma fértil ética zelosamente praticada, em suma,
aquele que basear a sua conduta numa filosofia compreensiva e honesta.
Importa jamais esquecer que o juízo ético é de sua natureza, um juízo que
apresenta duas partes, ou seja, não é apenas o acordo ou desacordo em
relação a ideias, convicções ou crenças, implica, também, e principalmente,
atitudes e condutas ajustados à doutrina ou à ideologia formulada ou enaltecida
com uma base de sustentação concreta do que nos propomos realmente a
fazer ou executar de acordo com uma norma.
Tudo terá que ser construido com esforço, sagacidade e sabedoria, tal como
Sísifo, carregando o rochedo e percorrendo montanha acima, personificando a
capacidade sagaz que o homem tem de se transcender e de ultrapassar a
capacidade humana. A capacidade de superação perante os obstáculos sem
nunca desistir e definindo os trilhos ou caminhos a seguir, a percorrer, ou seja,
o nosso destino, ou como refere Sartre, o nosso futuro.
Como refere Marinho (2008) somos seres capacitados de pensamento, de
razão e de areté e a nobreza de um homem desportista consiste no respeito
que deve a si próprio, ao outro, à vida, ao desporto e à sociedade.
Jornada de Sísifo
Sísifo foi por deus condenado
A levar uma pedra assaz tamanha
Por um serro, só sendo perdoado
Quando alcançasse o cimo da montanha.
Mas foi ignoto e bem terrível fado
Foi sempre inútil toda a sua sanha.
Mil vezes veio atrás extenuado
E retomou em vão essa campanha.
Sísifo não é mito legendário
Sísifos somos neste mundo vário,
Mas vasto de amargura desmedida.
Todos temos um sonho irrealizado.
Todos temos um fim inalcançado.
A jornada de Sísifo é a vida
Francisco Ventura
Baseando-me na fundamentação teórica da obra de Marinho (2008), “ Em
defesa do desporto de alto rendimento. Uma visão a partir da Gestão (pessoal)
desportiva”, tudo isto significa a capacidade que o homem político do desporto
tem de se superar e de se transcender, ir além da sua ascendência, ultrapassar
a condição humana, o seu próprio destino. Sísifo é mais forte que o seu
rochedo, é superior ao seu destino.
A vida é um constante empurrar do rochedo em direção à constelação estrelar
e nesse sentido Marinho (2008) afirma que o recomeço é constante, a
exigência está patente, lágrimas no rosto criando rugas na pele e na alma. No
entanto, acrescenta na sua obra, que é a procura de um significado, de uma
resposta, de um suspiro que faz o homem continuar a percorrer as difíceis
encostas da verdade.
O ato de iniciar uma tarefa delegada requer uma análise aperfeiçoada, na
realidade, sempre que tal feito acontece, a referida autora menciona que o
Homem não é o mesmo, a pedra não é a mesma, a encosta não é a mesma, a
montanha não é a mesma, o objetivo não é o mesmo, só a ideia permanece.
Sísifo espelha a permanente luta pela perfeição e o facto de o rochedo nunca
alcançar o cimo da montanha, revela a tentativa sagaz do Homem na
persecução do desejo que visa atingir.
É muito duro e penoso, é sofrido, mas o destino ou o futuro, é mesmo assim,
obscuro e contudo sempre atento à mais ínfima oportunidade em auxiliar o
Homem político do desporto na busca da verdade e da linha perdida do
horizonte, transformando as Utopias em Ideais. No verdadeiro sentido, e como
refere Marinho (2008), o empurrar eterno do rochedo personifica o permanente
recomeçar de uma qualquer tarefa, seja ela física ou espiritual, em suma,
verdadeiramente humana.
O Desporto pela sua natureza pode ser caraterizado como um campo de
realização de utopias. Em boa verdade, o homem político através do fenómeno
desportivo, autorrealiza-se, transforma-se no verdadeiro “homem desportista”
ou “homem atleta”, e a capacidade de ir para além da sua ascendência só será
possível na íntegra com um acrescento axiológico, ou seja, subjugado a uma
ordem de valores e perante um conceito ético e moral, que conjuntamente com
o seu sentido cultural, distingue o Desporto de uma simples e mera atividade
física.
A presença do “homem político” como homem ético no homem desportista
enaltece a forma de viver, dado que a vida é um constante empurrar do
rochedo em direção às estrelas, pelo que o homem político será um eterno
Sísifo na vida, o recomeço será constante, a exigência estará patente a cada
momento ou a cada instante, são as ditas lágrimas transbordadas,
denunciando a dureza e amargura do transpirar do corpo e da alma.
Contudo, é a procura de um significado, de uma resposta, de uma atitude ou de
uma concretização que faz o homem político continuar a percorrer as difíceis
encostas da construção de uma nova sociedade assente em diferentes valores.
Como refere Patrício, realmente o homem é uma escultura a ser trabalhada
mas também é a pedra dessa escultura, a ferramenta da escultura e o escultor
da mesma escultura. No desporto é igual. O homem atleta enquanto homem
político terá que lutar dia a dia para vencer, de se esforçar cada vez mais no
trabalho, tendo paciência com o seu próprio corpo, educando o seu corpo,
treinando cada vez mais, no sentido de alcançar o objetivo final com dignidade,
com o intuito de se completar para a transcendência humana.
O homem do desporto que para além de ser um animal político é um ser ativo
tenta sempre vencer e ser superior, mas como em tudo na vida, nem sempre
se ganha e aprende-se a adquirir a noção e o sentido da humildade na derrota.
O homem político do desporto necessita urgentemente da derrota para ser
melhor a cada dia que passa e orientar o seu pensamento e a sua atuação
para a superação. Depois de uma montanha há outra para subir com o fardo às
costas, o rochedo que personaliza as dificuldades, os obstáculos do homem na
concretização de um objetivo. Há que encarar com nobreza e dignidade cada
dificuldade e cada angústia pois trata-se da mais bela escola da vida. O
desporto ensina o homem político a ser correto, perspicaz, ousado, humilde,
digno e melhor a cada dia, a cada montanha que subir.
O desporto é uma verdadeira escola de vida. Abrem-se das trevas novos
caminhos, treina-se mais, mais e mais com o intuito de ser o melhor e se assim
se continuar, alcançar muitos ensinamentos, muitas vitórias, as quais
apresentam várias formas e sentidos. O desporto tem um objetivo que é a
superação, nem que seja melhor do que ontem, já é uma vitória, já são mais
meia dúzia de passos na subida da montanha rumo à Areté e à Imortalidade.
A cultura que trabalha em prol do desporto e da educação onde o homem
procura a excelência, a honra, a coragem, a superação, o sacrifício. O
desporto não “vive” sem estes valores, pois como salienta Garcia o desporto
tem o valor que possui porque mantém vivos estes mesmos valores da
essência humana, onde temos que revitalizar o símbolo da Areté pois vivemos
numa sociedade do mínimo esforço.
Fundamentando na ótica de Garcia o homem político como homem do
desporto deverá pretender a dignidade e justiça (ser justo e aceitar a vitória e
a derrota), o ilimitado (buscar o limite, se é que há limite), a transcendência (ir
além da nossa ascendência, ser considerado como Deus), o reconhecimento
(há atletas que vivem por uma medalha, a transcendência), o conhecimento de
si próprio (quando as pernas não andam ou quando a nossa mente não
acompanha, estamos a conhecer o nosso corpo, o esforço para fazer melhor
para atingir o ilimitado, a superação).
No entanto, Marinho (2008) menciona que o desporto sofre desilusões
sentindo-se traído imensas vezes por falsos heróis e manchas sombrias que
põe em causa o ideal de Pierre de Coubertin, demonstrado na sua Ode
Olímpica, conforme texto retirado da obra da autora:
“ Ó desporto, tu és progresso! Para bem te servir, é necessário que o Homem
se aperfeiçoe, no corpo e na alma. E tu impõe-lhes o cumprimento duma
higiene superior e o afastamento de todo o excesso. Ensinas-lhe as regras
sensatas que hão de permitir no seu esforço o máximo de intensidade, sem
comprometer o equilíbrio da saúde”.
É necessário compreender o sentido da vida e das coisas que nos rodeiam
onde o verdadeiro mestre do “homem político” não poderá, em caso algum,
permitir que o seu aluno quebre as regras do respeito, dos bons costumes, da
ética e da moral, optando por caminhos pouco éticos na caminhada para a
realização dos objetivos.
Como sustentáculo do que foi referido, Marinho (2008) fundamenta que não se
poderá tolerar a alteração da mensagem e o uso inadequado da virtude e da
fama pois tudo na vida se pode comparar à beleza das suas atitudes de acordo
com uma norma estética, assim como à monstruosidade, revelado no
“Realismo de Maquiavel”.
Em jeito de conclusão, considero fulcral abordar a componente do homem
político como homem legislador dado que o mesmo é considerado um animal
político que vive e legisla para a polis. Por tal ponto, é de extrema relevância
relacionar, mesmo que de uma forma sintetizada, a ética e o direito no estudo
da filosofia política do desporto.
Para se compreender a razão ética e moral no campo social e político torna-se
indispensável perceber e analisar a moral na sua relação com o direito, uma
vez que o homem enquanto ser político atua como um verdadeiro “homem
legislador”.
Segundo Viana (1989) o conhecimento filosófico mais antigo pretendia
enquadrar a vida humana num princípio ético universal, onde os próprios
juristas romanos faziam, por vezes, figurar o viver honestamente entre os
princípios do direito. O legislador que é o homem político, que vive na polis,
tem que ser um homem ético para a constituição do seu Estado, derrubando a
vergonha do manto branco da miopia intelectual e as sombras obscuras de
atuação, tornando-se digno de pertencer à humanidade.
Ninguém aceita, por norma ou em princípio, que o direito possa ser imoral, pelo
contrário, verifica-se que deve haver perfeita harmonia e acordo entre os
princípios morais e as normas jurídicas. O homem ético que legisla na polis e
para a polis é o mesmo homem político do desporto e que o regula quando
considera haver necessidade para tal.
Então Viana (1989) fundamenta que quando a moral decai, e os povos
degeneram eticamente, estando o desporto sujeito a tal decadência atendendo
à harmonização que este possui socialmente, logo o direito acorre a
transformar, em normas jurídicas com sanções materiais, os princípios éticos e
morais, enfraquecidos pelo desuso.
Cogliolo (1915) a este respeito esclarece que a separação completa entre o
direito e a moral não quer dizer que o primeiro não deva garantir a segunda. É
antes supremo interesse do Estado cuidar o quanto possível da moralidade
externa (não da interna) do povo e disso é claríssimo exemplo a nulidade dos
contratos bonos mores (contra os bons costumes). É sabido que as boas leis
não podem fazer bem sem uma boa moralidade, e quanto mais afortunado e
grande é um povo, tanto mais corroborado pelo dever moral é o direito na
consciência de cada um e tanto mais existe o sentimento popular de querer
justiça e lutar pelo seu triunfo.
Podemos referir que quando as sociedades atingem um elevado nível de
desenvolvimento civilizado e uma boa consciência ética, os princípios morais
impõem-se, com plena superioridade, aos atos individuais mais intrínsecos e
até ao próprio pensamento.
Há, portanto, uma estreita ligação ou correlação entre a ética e o direito, e
sempre que a moral de um povo decai, tem o legislador, enquanto homem
político e legislador do desporto, de acorrer, imediatamente, a consolidar a
moral, transformando os deveres éticos em obrigações jurídicas, e as
proibições éticas em proibições jurídicas.
Isto explica-se desde há muito tempo, se considerarmos a visão de Le Bon
(1905) que sustenta que, o nível moral de um povo, ou seja, a forma como ele
respeita certas regras de conduta marca o seu lugar na escala da civilização, e
também o seu poder, a partir do momento em que a moral se desagrega e
todos os laços do edifício social se desagregam igualmente.
Relacionando-se com o pensamento de Le Bon (1905), Viana (1989) afirma e
acrescenta que esta desagregação moral pode manifestar-se sob forma
dissimulada e hipócrita, isto é, fingindo acatar a moral, mas desrespeitando-a
de facto, ou então sob a forma ostensiva e cínica, suscitável de desorientar as
consciências hesitantes ou os temperamentos perturbáveis e de provocar o
escândalo público ou de perturbar a própria ordem e estabilidade sociais.
Analisando estes autores, podemos, portanto, interiorizar alguns pontos, e
desde já, algumas situações e conceitos que são importantes termos em linha
de crítica para este tema da dissertação, pois o homem ético que vive, faz e vê
desporto na polis, na situação de “homem político legislador” é responsável
pela sua posição social e pelo bem-estar das múltiplas relações humanas que
se estabelecem no Estado, incluindo na prática desportiva.
Não é a excessiva austeridade ou a rigidez das leis que melhor contribuem
para a moralidade da vida social. As leis mais eficazes são as leis praticáveis e
sensatas, justas e honestas, desde que se façam cumprir.
Na base deste pensamento, importa evidenciar a lição de São Tomás de
Aquino:
“ As leis humanas, sendo elaboradas para a generalidade dos homens, cuja
maioria é imperfeita, não devem proibir todos os vícios, mas apenas os mais
graves, aqueles cuja proibição é necessária à conservação da sociedade”
Através da lição de São Tomás de Aquino sob o ponto de vista político-social,
importa que haja harmonia entre a ética e o direito, porque a ética implica
harmonização dos sentimentos com o critério do bem, e o direito implica a
harmonização dos interesses humanos com o critério do justo, e assim
complementam-se mutuamente e a conformidade da lei com a moral facilita a
missão dos governantes, dos gestores e dos políticos da área do desporto.
O direito não pode desinteressar-se da ética, até porque o homem político, de
moralidade baixa, medíocre ou inferior tende a tomar por guia da sua conduta
muito mais o direito do que a moral, pois nos dias de hoje o que se presencia é
o direito a representar, para o homem, o que é permitido e o que é proibido e a
ideia de moral é absorvida ou apagada, a bem dizer, em face do direito.
Cogliolo (1915) apontou na sua obra “ Filosofia do direito privado” que a ética,
pressupondo o uso da liberdade moral e psíquica, não pode ser igualmente
sentida e praticada por todos os homens.
A ética marca um objetivo difícil de atingir, que nem todos os homens sentem
ou compreendem. Porém, a qualidade essencial de uma lei não é de agradar a
todos ou mesmo, apenas, à maioria, mas sim ser apta, como admite São
Tomás de Aquino, a assegurar o bem da sociedade. Evidentemente que há
homens na política do desporto medíocres na sua moralidade e que não
atingem esta verdade elementar.
Esse homem do desporto não compreende que para ser beneficiário da paz e
da harmonia social é necessário que todos respeitem a lei, obedeçam à ordem,
observem a hierarquia. Para essas pessoas, mais do que para quaisquer
outras, torna-se indispensável a existência de uma lei explícita, formal e
garantida por sanções materiais, e seguindo a ideia de São Tomas de Aquino:
“ Uma lei humana positiva, mais necessária ainda, porque só ela pode servir de
base sólida para uma ação coerciva sobre os que procedem contra o bem da
sociedade ou dos outros homens. Essa lei é a lei civil que se funda na lei
natural, e é, como disse, em parte, a explicação das suas prescrições, a
determinação do que ela deixa indeterminado, a lei civil deverá promover o
bem comum”.
O jurista, como homem político e legislador, deve, pois, ser um homem
honesto, honrado e consciencioso, que tenha noção ética das suas
responsabilidades, pelo que o conteúdo e a substância das leis devem
corresponder às necessidades da vida social, disciplinada e honesta. O mesmo
princípio de fundamentação aplica-se ao desporto.
Isto levou Cogliolo (1915) a afirmar, que saber as necessidades de um povo
em cada momento, da sua vida, é obra de um grande regedor da coisa pública,
e as leis não devem inspirar-se em abstrações teóricas, mas surgir de uma
necessidade, e, satisfazendo-a, trazer uma utilidade.
Esta interpretação é de uma utilidade pertinente para se compreender a gestão
e a política desportiva e permitir o seu desenvolvimento quer do ponto de vista
cívico e regulamentar, quer no âmbito político e económico. No desporto
assentam normas e regras, que vão desde as regulamentares das respetivas
modalidades na vertente prática até às transações económico-financeiras que
se fazem.
Se tais princípios, meios ou fins éticos e normas jurídicas assentes nos
alicerces morais forem bem introduzidos e pensados poderão aperfeiçoar
muitíssimo o desporto.
Por outro lado, se forem mal inseridos e com pouco alcance estrutural, a
utilidade será praticamente insignificante, devido à sua aplicação conforme com
um pensamento individualista e não de acordo com uma necessidade coletiva.
43
3. A Etimologia de Ética
O capítulo que se apresenta tem por base fundamentar a origem da palavra
“ética”, bem como distinguir ética de moral, e não somenos relevante
apresentar noções do significado de felicidade como objetivo político.
Etimologia é o estudo da origem da palavra, nesta caso da palavra ética. A
palavra ética é de origem grega, proveniente do vocábulo êthos, que por sua
vez, deriva de éthos.
Será desde já importantíssimo definir o significado ou significados deste étimo
e tendo por base a análise bibliográfica, verifica-se que como em todas as
palavras, também a palavra “ética” foi evoluindo ao longo dos tempos e nem
sempre teve o mesmo significado.
Num primeiro momento, atendendo à ordem cronológica, a palavra “ética”
correspondia a “residência, morada, lugar onde se habitava”, primeiramente
onde habitavam os animais e numa fase posterior da mesma ordem
cronológica passou, também, a referir-se à morada dos homens e dos povos.
Num segundo momento passou-se a enunciar a palavra “ética” num contexto
um pouco diferente. Ética representava tudo aquilo que o homem trazia dentro
de si, ou seja, a sua atitude psíquica em relação a si próprio e ao mundo, tendo
evoluído, portanto, para comportamento, atitude moral ou estado de espírito.
Finalmente, e a partir de Aristóteles, a ética é integrada na filosofia, como nós a
conhecemos na atualidade (enquanto ramo da filosofia), sendo o seu
significado presente para os filósofos, embora sempre com algumas variantes
ou limitações, caracterizado como modo de ser, caráter.
Zubíri (1974) salienta que o vocábulo “êthos” apresenta um sentido muito mais
amplo e abrangente do que aquele que atribuímos, hoje, á palavra “ética”.
Menciona que o “ético” compreende antes de tudo, as disposições do homem
na vida, o seu caráter, os seus costumes e, naturalmente, também a sua moral.
Na realidade, poderia traduzir-se pelo modo ou forma de vida, no sentido
profundo da palavra.
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O caráter que aparece implícito no êthos é o obtido mediante o hábito, seja ele
qual for. Portanto, verifica-se um encadeamento que vai dos hábitos até aos
atos que derivam dos mesmos.
De acordo com Viana (1989), o objeto da ética não se relaciona com os atos
irresponsáveis do homem, mas sim com os atos livres e conscientes, pois só
estes são atos humanos.
Embora a maior parte das pessoas utilize os vocábulos ética e moral para o
mesmo fim e como sinónimos, torna-se imprescindível clarificar que há
divergência no que concerne à génese dos mesmos, ou seja, o vocábulo moral
tem como origem o latim “mores”, tendo os romanos tentado uma tradução
apropriada para ética embora “esquecendo-se” do sentido êthos. A génese da
ética é grega, gerada para sustentar uma ação genuinamente humana (êthos)
e também uma outra vertente, a do éthos subordinada às questões dos
hábitos, costumes, usos e regras, isto é, tudo o que se pode materializar na
apropriação social dos valores.
Há, portanto, diferença entre os dois vocábulos ética e moral, donde podemos
definir à partida, como se vem referindo que ética não é apenas um problema
de costumes, é mais alguma coisa, pois pressupõe três elementos
fundamentais da filosofia aristotélica, tais como, Eupraxia (boa conduta),
Eudaimonia (felicidade) e Makariotês (beatitude). Os próprios romanos
definiam a ética como a filosofia que trata da vida e dos costumes, ou seja,
integrava estes dois pontos de intervenção.
Bento (1998) no seu livro “ Desporto e Humanismo” também distingue e separa
ética de moral, de uma forma clara e à luz da abordagem científica e filosófica.
Para Bento (1998, p.61) e aplicando ao tema do desporto designa-se ética ao
espaço de reflexão e estudo quem tem como objeto “ o teor moral dos atos
desportivos”. Para o referido autor, a ética do desporto é a teoria da moralidade
da prática desportiva ou da prática moral do desporto. A sua tarefa é a de “
refletir sobre o desporto como um lugar de moralidade no contexto da vida
social, política e cultural”.
45
A moral, por sua vez, apresenta-se em três categorias: como tradição moral,
como moral viva e como moral teórica ou teoria moral. Bento (1998) explica
que a tradição moral recorda a moral aclamada no passado, sendo válida e
atual até ao momento de conflito com imposições e interesses do presente. A
moral viva incute e nasce do comportamento atual.
Para o referido autor não é uma criação do livre arbítrio porque se baseia em
experiências e convicções pessoais e forma-se de atos espontâneos
integrando a receção do que é necessário e útil à luz do espírito do tempo, ou
seja, “ sob uma forte influência de fatores sociais e económicos e políticos”
Bento (1998, p.62)
Ainda Bento (1998,p.62) na obra “Desporto e Humanismo” refere que a moral
teórica referencia um sistema de normas e princípios ancorados “ numa ética
descritiva e normativa, destinada a balizar a atuação individual”. Porém, bem
raras vezes, ela se converte na moral viva e observada por toda a sociedade e
por isso ela cumpre apenas “ a função de utopia ou ideologia”.
O caráter adquire-se vivendo, embora a vida dependa da própria
personalidade, da forma de ser, estar e pensar de cada um de nós, e nesta
perspetiva, o pensamento de Fichte (1794), que posteriormente vários autores
seguiram, enquadra-se na perfeição, pois a classe de filosofia que se escolhe
depende da classe de homem que se é.
Viana (1989) alude que a ética implicará uma contínua evolução e
aprendizagem, à medida que se adquirem novas vivências e novas noções
morais e por isso, os princípios éticos serão, logicamente, princípios dos
costumes e da virtude e não apenas dos costumes.
O homem não é o ser inacabado nem perfeito e portanto, tratando-se de um
ser perfectível, isto é, que se encontra em constante aperfeiçoamento, resulta
que a ética também o será, “a perfeição ética há de realizar-se no tempo e com
tempo” como afirma Aranguren (1958, p. 62).
Os nossos projetos são elaborados no tempo, a perfeição é qualitativamente
diferente no decurso dos anos, a “experiência da vida” é experiência do tempo
vivido, por tal, há que dar tempo ao tempo, saber esperar, aproveitar a
46
verificação de todas as condições, a realização de todas as possibilidades
previamente necessárias.
Para Lopes de Sá (1998) o sentido dado à ética tem sido o da ciência da
conduta humana perante o ser e seus semelhantes em que analisa o homem
virtuoso na conduta e a razão do ser.
Neste caso, e “lendo” o pensamento do autor há uma análise diferente,
integrando o estudo do comportamento humano, no individual e no grupo, e daí
a necessidade da ligação científica no sentido da compreensão dos problemas
e fenómenos sociais inerentes a tais atitudes e comportamentos, o que ditará a
atuação no terreno de uma linha orientadora no plano pedagógico, na
elaboração de uma teoria política, para a correta intervenção no âmbito da
dimensão politico-desportiva.
O homem de corpo e alma, não é um ser imperfectível, daí necessita de ser
reconstruido ao longo do tempo, pelo que tal horizonte é de extrema
importância para a reflexão do homem situado no tempo e no espaço. O
homem que faz desporto e que vê o desporto, as suas virtudes e inquietações
e que seja tratado à luz da reflexão filosófica do estudo da alma, inserida numa
componente científica no plano antropológico, da origem do homem, e
sociológico na sua relação em grupo como elemento convivente e constituinte
da polis.
Exige-se perceber os “por quês” e os “para quês” do desentendimento e do
desacerto axiológico e moral na política do desporto. A ética, enquanto ramo da
filosofia, impõe ao homem uma reflexão e ponderação da sua vida e da sua
alma, pois o filósofo está sempre consciente de ter uma alma, o homem em
quem o espírito e a alma predominam.
Aristóteles, na obra “ Ética a Nicómaco”, refere que entre a filosofia e a alma
existe uma relação natural, desconhecendo a filosofia, desconhece-se a alma,
é viver sem alma.
Contudo, o homem busca o pensamento filosoficamente puro e enquanto ser
integrado e situado projeta no plano da vida e define o “como” implementar, a
partir da mesma reflexão do homem ético no desporto, na comunhão do
47
conhecimento sociológico, antropológico, psicológico, pedagógico e político, ou
seja, completado pelas ciências humanas.
Não podemos permitir que se dissocie a ética da explicação política, como não
poderá existir política sem a ética, embora na contemporaneidade o inverso
aconteça. Aristóteles considera a política como uma extensão, ou mais
corretamente, um plano de fundo da ética e neste sentido, para ele, também é
uma função do Estado criar condições para o cidadão ser feliz.
Para percebermos o conceito e todo o enredo político que está associado ao
homem ético do desporto, necessitamos de procurar o verdadeiro pensamento
filosófico, muitas vezes contemplado na alma de Sócrates, como guia das
almas, pois a política tendo como objetivo a busca incessante da felicidade,
reivindica a reflexão da vida humana pela ação que a filosofia exerce na alma.
Não podemos conceber uma explicação política sem estar acomodada à
filosofia, dado que a mesma intervém na vida, impõe uma finalidade que para
Aristóteles, assenta na virtude humana.
Como também se torna imperativo uma associação da política na filosofia pois
o filósofo é aquele que interpreta a alma, que lhe anuncia o seu destino, e que
ao mesmo tempo, age sobre ela, conduzindo-a à imortalidade e por isso, tal
intuito é contemplado perante os parâmetros de decisão política.
Por sua vez, a alma fornece ao homem político os materiais da sua construção,
da génese axiológica, ética e moral, com base na sua consciência, conduta,
tendência, bondade e até mesmo relativamente à boa vontade suplicada por
Kant. Ao mesmo tempo o homem político do desporto tem que conviver com
almas de diferentes ordens na enorme diversidade patenteada na Polis.
Tais processos e dinâmicas são de extrema relevância na definição e
classificação de política, para contextualização na gestão do desporto, pois é
um caminho filosófico de reflexão da vida e do homem, com vista à ação
humana. Por tal, é compreendido como um fenómeno territorial de sequências
verdadeiramente humanas como a virtude e a bondade ascendidas a uma
dimensão social e cultural em face às intenções e atuações relativas à própria
pessoa ou à sociedade em que se insere, isto é, na polis.
48
A política, como plano de fundo da ética, que tem como objetivo a busca da
felicidade do homem apresenta um campo ou raio de ação na ciência
permitindo a comunhão de conhecimentos ou saberes. É uma estrutura que
apresenta como fio condutor da sua construção uma dimensão sociológica,
antropológica e pedagógica, e que se inicia na filosofia como reflexão do
homem na vida, na sua máxima extensão.
O homem de corpo e alma e como produtor e produto de cultura para definição
de uma determinada orientação prática ao nível da gestão e da administração
no seio da polis, dado que o homem é um ser que vive em grupo, o “homem
convivente”.
Por tal prisma, a política, para além de ser uma ciência, é sobretudo um campo
de reflexão filosófico, dado que trata da vida do homem e do objetivo da vida
humana, da dignidade e do humanismo, encontrando um envolvimento
tipicamente contemporâneo que se mune de um pensamento e de um
conhecimento multidisciplinar.
Envolve, pois, a sabedoria ética e moral da aprovação ou da desaprovação da
ação dos homens e a consideração do conceito de valor como equivalente de
uma avaliação do que é real e voluntarioso no campo das ações da virtude e
da bondade, tendo como objetivo fazer feliz o homem do desporto que vive na
polis.
Nesta fundamentação podemos definir o conceito de felicidade segundo várias
linhas filosóficas, tais como, John Locke, que referiu que a felicidade é um
“prazer duradouro”. Kant, através da sua obra “ Critica da razão prática” definiu
a felicidade como “a condição do ser racional no mundo”, para quem, ao longo
da vida, tudo acontece de acordo com o seu desejo e vontade.
Platão, discípulo de Sócrates, considerava que todas as coisas tinham uma
função, assim como a função do olho é ver, do ouvido, ouvir, a função da alma
é ser justa e virtuosa, e exercendo a justiça e a virtude o homem alcançará a
felicidade. Indo ao encontro do seu mestre, Sócrates, e de Aristóteles que
consideravam a respetiva virtude como objetivo político e como conceção da
felicidade humana.
49
Então, e segundo a filosofia Grega, o conceito de felicidade é entendido como
o momento, o instante, o tempo em que o homem assim espera que jamais
acabe, um momento que o homem desejaria a eternidade, um momento que o
homem gostaria que durasse mais tempo.
Pretende-se, para o bem do homem, que esse estado corresponda ao
momento da criação das condições humanas e dignas para que o homem ético
do desporto consiga salvaguardar e exponenciar as suas características no
plano individual, em que o Estado Ético e também na vertente social conceba e
consubstancie as condições e oportunidades no exercício político.
O homem político do desporto como homem desportista necessita de exercer
com amor, paixão e dedicação o que lhe faz sentir feliz. Há que garantir e
permitir a execução do que se mais ama e estar o mais tempo possível naquilo
que se gosta e que se quer. Assim será muito mais fácil estar na vida, pois será
muito bom viver, não se quererá que a vida acabe e é nesta perspetiva que se
tem que desenvolver o homem ético no desporto que vive na polis, pois é esta
a ilustração da filosofia política do desporto.
A ética encara a virtude como prática do bem, e esta promove a felicidade do
homem, quer individualmente, quer coletivamente, mas também avalia os
desempenhos humanos em relação às normas comportamentais pertinentes.
A felicidade do homem deverá nortear a base de atuação do homem político,
pois a felicidade é a grande aspiração dos homens e o objetivo da política bem
como a garantia da ética e da moral na vida do homem contemporâneo
incorporado na polis, na busca dessa mesma felicidade e dignidade. A política
tem como princípio fundamental a busca da felicidade do homem desportista,
daí o homem desportista encarnar na pele de homem político.
Aristóteles na obra “ A Política”. (Livro IV, p.273) afirmou que “para o homem
não existe maior felicidade que a virtude e a razão” e situou tal pensamento no
sentido de que a prática do bem, que decorre do exercício da virtude, é a
felicidade e que ela deve ser praticada como ideal e de uma forma consciente
por parte do homem, ou seja, auto consciente, e parafraseando o conceito de
felicidade, significa que o homem para ser feliz terá que ser virtuoso e justo o
50
mais tempo possível da sua vida, exercendo a razão de ser na vida com total
amor e paixão.
Contudo, algo leva o homem político do desporto a atuar de uma forma
diferente da sua natural “felicidade”, cujos motivos estão relacionados com a
complexidade do cérebro humano, que lhe sufoca a alma e o espírito, o seu
“ego” ou o seu “Eu”, perante um determinado momento da vida, dependendo
da consciência, da conduta e da tendência ética bem como de uma educação e
orientação tendo em vista um Ideal Ético na construção de um Estado social e
ético.
Urge, então, uma educação e orientação delineada numa perspetiva ética,
consagrando um Ideal Ético que vise moldar e colocar o homem ético da
política do desporto na devida condição humana em plena dignidade.
É neste cruzamento de conceitos que o homem político do desporto tem que
atuar, estudando e compreendo os por quês e os para quês do homem ético do
desporto, por vezes sair da linha natural da felicidade de vida defendida por
Aristóteles enquanto ser virtuoso e bondoso, concretizada perante a ética e a
moral.
Pois se a felicidade para o homem, segundo Aristóteles e Sócrates, são a sua
virtude e justiça, deveria, segundo este pensamento filosófico, de querer estar
sempre nesse estado de alma e de espírito, o que não acontece. É nesse
sentido que necessitamos procurar as respostas e a reflexão que nos alimente
de esperança de um dia conseguirmos, para uma gestão e uma política do
desporto plena de dignidade.
Tal fundamentação insere-se no caminho da afirmação de Aristóteles, quando
escreve que a felicidade é indiferentemente concebida pelo leigo e pelo sábio e
que o bem é o que se relaciona com o espírito e com a mente, mas não apenas
concebido, senão praticado, através da atividade virtuosa.
Ao afirmar em “A Política” (Livro IV, p.313) “ pelos atos que praticamos nas
nossas relações com os homens nos tornamos justos ou injustos” e que “ é
preciso ponderar, pois, pela qualidade dos atos que praticamos, verificando a
sua desconformidade se pode apreciar a diferença de carateres”, Aristóteles
51
deixa claro que mesmo as situações ideais não alcançam todo o valor se não
se materializarem pela conduta virtuosa, o homem ético como ser virtuoso e
inscrito na Areté.
Mas a análise do tema da conduta e da virtude humana será ponto de encontro
num outro capítulo desta dissertação, capítulo V – Conduta, Virtude e
Consciência Ética.
53
4. O Homem Ético e Político do Desporto
Neste capítulo, de uma forma apelativa, tentar-se-á perceber quem é o homem
ético e político do desporto recorrendo ao estudo do conhecimento filosófico e
ético enquanto ramo do mesmo saber.
Bernard Jeu, um desportista e filósofo, referiu que quer o desporto quer a
filosofia tratam das mesmas questões fundamentais para a vida humana e
portanto é possível fazer uma reflexão filosófica do desporto tendo na sua
génese o homem. O desporto é uma imagem da vida, a filosofia aborda as
questões sobre a vida. O desporto é uma imagem do homem e a filosofia apela
a uma reflexão do homem de corpo e alma.
O desporto pode ser o ponto de partida para colocarmos o homem integrado na
cultura atual, onde com a sua teatralização dos seus rituais concilia a morte
com a imortalidade. Um caso concreto de tal comprovação e linha de
pensamento aplica-se a Ayrton Senna que morreu em pista após um grande
embate, contra um muro de proteção, em plena prova do Grande Prémio de
Imola de Fórmula 1. Um grande campeão que ficará para sempre imortal, ou
seja, no pensamento de todos nós.
O desporto, como na política, também é um sistema de comunicação, através
dos jornais, das rádios, da televisão, dos adversários, onde vemos que o
homem que não comunica está morto. O homem que não interage, no desporto
e na política, está morto, e esta é uma das grandes lições a ser introduzidas na
gestão e política desportiva.
A este respeito, Bento (1998, p.62) menciona que é inquestionável que a
televisão desempenha um papel relevante no fomento do desporto e na
promoção do valor da sua prática. Não apenas no que diz respeito à veiculação
de imagens e informações sobre a realização dos eventos desportivos, sobre a
sua preparação, decurso e resultados, mas essencialmente por ajudar na
formação de atitudes e motivos e por permitir visualizar e desfrutar, em toda a
sua extensão, “as componentes estéticas do desporto, fazendo dele a oitava
arte”.
54
Costa (1990) no seu estudo “Repensar a questão ética à luz do fenómeno
desportivo moderno” refere que Mircea Eliade (1945), no mesmo âmbito desta
investigação, colocou os valores da cultura humana e da mitologia e chegou à
conclusão que o desporto ajuda o homem desportista a criar a sua própria
imagem, e o homem que joga é uma espécie de metaforização do homem
religioso “Homo Religiosus”.
Apelando ao estudo antropológico, isto é, à análise da génese humana, Garcia
apresenta uma perspetiva de extrema relevância para este estudo, dado que
afirma que o homem tem um projeto de futuro apresentando a capacidade de
prever esse mesmo futuro e de projetar o que pretende que aconteça, ou seja,
por esta análise pode-se considerar a conceção de homem como sendo o”
homem Projeto de futuro”.
Huizinga, na sua obra “homo Ludens” (homem lúdico), referiu que o homem é
um ser que joga, sendo o jogo um elemento de cultura. O jogo está na génese
do pensamento, da descoberta de si mesmo, da possibilidade de experimentar,
de criar e transformar o mundo, onde se encontra patente o referido “lúdico”.
Na referida obra, a ideia do jogo era o ponto central para a civilização, o jogo
enquadra-se numa categoria absolutamente primária da vida, tão essencial
quanto o raciocínio do “homo sapiens” e da fabricação de objetos do “homo
faber”.
Mas o que importa mesmo, e tema deste capítulo, é referir quem será o homem
político do desporto e quem é o homem, no sentido filosófico, e de acordo com
o estudo político da ética.
A esta angústia pela busca do conhecimento responde Fulliquet (1945)
considerando que o homem é uma liberdade regulada, um livre poder
submetido a uma lei.
Na verdade, aquele que se afasta sistematicamente do plano ético, aquele que
ignora ou procura desconhecer a lei moral, perde a sua humanidade, porque
um homem desmoralizado é um ser alheio a si mesmo, que está fora da sua
essencial autenticidade e que, por isso, não vive a sua vida, não cria, nem
frutifica, nem domina o seu destino.
55
Sem uma consciência idónea e sem uma perfeita integração na moral, não há
verdadeira humanidade, o homem, no entender de Aranguren (1958, p.63)
“pode dispensar-se de fazer metafisica, mas quer queiram, quer não, e por
muito imoral que seja o seu comportamento, é sempre um ser moral”.
O homem é ou deverá ser uma consequência com um contínuo louvor e em
contínua luta com as suas fraquezas e insuficiências, pois como refere Manso
(1938) o homem nasce na consciência, cresce com ela, é corpo e alma com
ela, faz-se espírito, sacrifício, humildade, heroísmo e santidade, graças à
fidelidade com que a serve e à submissão com que a venera. Na obra do
escritor ou do artista, na meditação do filósofo, na visão rescendente do
místico, no sentido da honra e do dever, no amor e na amizade, ele confessa a
sua presença e mais do que isso, a sua inspiração.
Quando não comanda o seu comportamento, quando este não tem unidade e
consistência, verifica-se, no homem ético do desporto, um processo
desagregador de desumanização porque a conduta pressupõe uma filosofia da
vida, em suma, uma ética.
Fora do contexto moral, o ser humano limita-se a ser o que é, e só a ética
poderá transformar o homem naquilo que deverá ser, através da aplicação dos
seus limites. De uma situação estática e imobilizadora, poderá levá-lo para uma
vida de louvor e adoração com uma contínua busca pela perfeição e Areté.
Viana (1989) refere que a virtude não é uma atitude meramente passiva ou
negativa, como, por vezes, se julgou, dado que quem se limita a aceitar ou
suportar o dever, está longe de ser um homem ético no desporto, é preciso
procurá-lo insistente e corajosamente.
Colocar acima do dever as suas paixões ou interesses sem significado de ser,
é animalizar-se, pois o homem que se deixa conduzir pelo simples egoísmo
perde, progressivamente, a sua condição humana, para se tornar num
instrumento passivo da natureza, visando alcançar fins desconhecidos e
incompreensíveis.
56
A vida ética implica, pois, um contínuo esforço de melhoria, uma constante
ansiedade de perfeição e de justiça, dirigindo todas as suas ações segundo as
regras da justiça, tanto proclamada por Aristóteles.
Porém, temos que considerar que nem sempre é fácil encontrar e aplicar de
forma satisfatória as mencionadas regras da justiça, porque de facto, não há
situações puras, nem é possível optar-se sempre entre o “bem e o mal”, assim
de uma forma tão taxativa.
Em geral, o que se presencia na sociedade contemporânea é a necessidade de
escolher entre condutas ou “soluções mistas”, com doses mais ou menos
sensíveis e direcionadas de bem e de mal como de um fármaco se tratasse
para tratamento de uma doença crónica. Contudo diria de uma outra forma que
a conduta do homem político do desporto poderá ser bem ou mal direcionada e
compete ao mesmo decidir.
Lopes de Sá (1998) fundamenta este pensamento ao referir que nem mesmo a
pessoa mais virtuosa e mais conscienciosa pode deixar de cometer alguns
erros e de causar alguma dor ou sofrimento, e além disso, verificam-se, por
vezes, conflitos de dever que afligem e inquietam o homem do desporto de
consciência saudável.
Segundo Viana (1989) aqueles que, mesmo na melhor boa-fé, declaram ter a
sua consciência tranquila ou se enganam ou querem enganar. Quem vive sem
lutas íntimas, julgando ter sempre encontrado a verdade e o bem, é um homem
moralmente deficiente, sendo vítima de uma dupla insensibilidade, a
insensibilidade ao mal, porventura ou realmente feito e a insensibilidade à
dúvida moral e aos remorsos de consciência.
O homem no mundo contemporâneo é atacado por todos os lados, pelas suas
ideias, afetos ou paixões e estes fatores chocam-se e interferem uns com os
outros. Todo o homem que não é impermeável nem parcial, todo aquele que
não é homem de uma ideia, terá hesitações, inquietações e lutas íntimas antes
de seguir qualquer dever.
Como salienta Viana (1989) são pouquíssimos os problemas morais que
podem resolver-se de uma maneira completamente satisfatória, pois quando se
57
sentem todas as ideias, há geralmente que sacrificar, em parte, alguns deles a
todos.
A “luta interior” do homem ético e político do desporto, não se manifesta,
unicamente antes de tomar qualquer resolução ou decisão, manifesta-se,
também, depois de ter agido.
O homem ético do desporto enquanto homem político na mesma área e na
vida, é uma consciência em plena vibração, e aquele que vive tranquilo, sem
problemas, sem dúvidas, mostra não sentir nem a amplitude, nem a
complexidade dos problemas humanos e desportivos.
Pois como refere Vaz Ferreira (1910), um excelente filósofo Uruguaio, na sua
obra “Lógica Viva”, um homem mesmo que tivesse resolvido todas as
dificuldades morais da sua vida e, se a sua organização moral e psicológica for
elevada, mesmo neste caso, terá dúvida, dúvida moral sobre o passado, no
presente e no futuro. Para Ferreira (1910) a dúvida moral é sofrimento e é
também intranquilidade de consciência. Assim, a falta de dúvida moral salvo
certos casos de uma grande simplicidade mental, não é critério de
superioridade, mas de inferioridade.
Perante isto, considero, que o homem ético do desporto é, pois, um ser em
constante evolução e reconstrução moral, um homem que se eleva, mesmo
quando erra, porque os seus erros serão, naturalmente, a escada do seu
aperfeiçoamento.
Porque o homem é um ser que não é perfeito, busca a perfeição a cada
instante da sua vida, daí ser considerado e definido como ser perfectível, mas
que jamais a conseguirá alcançar na sua máxima plenitude, deverá reconhecer
as suas virtudes e defeitos. Deverá analisar os seus erros e corrigi-los de
acordo com os mais elementares princípios, meios e fins éticos e morais para
um caminho mais próspero de desenvolvimento moral, social e político.
Considero que homem ético do desporto é efetivamente o “homem em
permanente reconstrução”.
Na ligação a esta minha fundamentação, Viana (1989) declara que uma
vertente para distinguir o homem ético do homem não-ético é que, neste último,
58
o erro atrai o erro, cada dever traído arrasta, atrás de si, novas e mais graves
abdicações, deslizes e traições.
E aponta ainda, na mesma obra, com total significado, que segundo uma antiga
etimologia, atribuída, na velha Hélade, “Hélas”, (Grécia) à palavra do homem,
este seria aquele que olha para cima (para o céu), isto é, aquele que procura
viver sempre eticamente.
Bento (1998, p. 60) aponta as alterações na sociedade e na moral que são hoje
evidentes no desporto. A aproximação ao trabalho e a sua crescente
configuração à evolução do contexto social colocam o desporto sob o domínio
de uma lógica pouco sensível a comportamentos morais. “São disso exemplo a
ausência de fair - play e o aumento das várias formas de violência corporal dos
desportistas contra os outros e contra si mesmos”.
Segundo o mesmo autor, tal situação não acontece sem haver um sentido ou
significado, ou seja, devido à agregação ou junção do desporto com o mundo
da economia ou do comércio. Refere “as elevadas somas investidas no
negócio desportivo e a conversão dos clubes em sociedades por ações abrem
a porta à entrada de outros valores. O fair-play tornou-se um princípio
meramente formal e até fictício”.
Com este devido alicerce teórico, torna-se crucial a compreensão desta
situação real que permite estabelecer linhas orientadoras para o funcionamento
político e ético das instâncias sociais e desportivas. É imprescindível interpretar
o homem político e ético do desporto, como garante da harmonia, paz e justiça,
na sua pretensão de homem em constante reconstrução e que revitalize o
verdadeiro sentido do fair-play e do humanismo quer na sociedade de que faz
parte bem como no desporto.
O homem é um ser convivente e perfetível, não é um ser perfeito, nem formado
ou instruído completamente, encontra-se em constante reconstrução, e para
além do mais é elemento que interage e convive na polis.
O homem político do desporto não é um ser isolado, pois vive na sociedade e
integra-se irresistivelmente em vários grupos, no grupo familiar, no grupo de
59
amigos, no grupo de vizinhos, no grupo recreativo, no grupo cultural, no grupo
desportivo ou no grupo profissional.
Importa a opinião de Comparato (2006) que se pronuncia relativamente ao
problema ético, sendo que este apresenta-se sob um aspeto duplo, isto é, a
ética pessoal e a ética em grupo.
O homem ético do desporto tem deveres para com os seus semelhantes,
quando considerado individualmente, mas por outro lado, tem deveres para
com o grupo, como este, aliás, tem deveres para cada um dos seus
componentes ou elementos.
A análise inicial do problema, sob o ponto de vista geral, é simples, porém, o
assunto torna-se mais complicado do que seria de supor, à medida que se
consideram as respetivas interações e ligações.
Interessa saber se haverá sempre uma perfeita concordância entre a moral do
homem, no individual, e a moral do grupo. Como também se a moral individual
influirá sobre a moral do grupo e vice-versa. Outro aspeto pertinente é tentar
perceber se um só individuo poderá dignificar ou corromper o grupo. Estes são
pensamentos lógicos neste estudo em que se pretende compreender o homem
ético e político do desporto.
Porém, não resta dúvida que a uma ética individual, há que associar uma ética
social e uma ética grupal, e tendo em apreciação Viana (1989) há que
considerar duas dimensões humanas, classificadas pelo mesmo autor, o
homem sócio e o homem companheiro.
O referido autor aponta que esta limitação da “liberdade” individual em nada
afeta a dignidade humana e a sua independência. Acrescentaria que tal
situação se presencia porque o homem é, fundamentalmente, um animal
político e um ser convivente.
A liberdade absoluta nunca existiu, a não ser na imaginação de alguns
utopistas, os homens nunca foram livres, dependeram sempre das condições
do meio envolvente, positiva ou negativamente e do contexto político-social,
quer da natureza quer das estruturas coletivas.
60
Como salienta Galéot (1919) toda a organização significa constrangimento,
com vista à obtenção de uma satisfação subsequente e maior do que o
desprazer do constrangimento.
O homem apenas se realiza plenamente quando se integra num grupo, e,
através dele cumpre a sua missão humana, dedicando-se inteiramente à obra
que lhe coube por missão realizar. Mesmo as obras geralmente consideradas
individuais são fruto da vida coletiva (em sociedade), e importa, a cada um
prestar mediante elas, o maior número de benefícios à sociedade.
Unamuno, poeta e filósofo Espanhol, apresenta uma ideia interessante e
sublinha que o primeiro dever do homem não é diferenciar-se mas sim ser
homem pleno, íntegro, capaz de assimilar os mais diversos elementos que lhe
proporciona um ambiente diferenciado. E acrescenta, o dever de quem quer
que se consagre à ciência ou à arte, é estimar a sua obra mais do que a si
próprio e procurar não distinguir-se, mas alcançar a maior satisfação do maior
número dos seus semelhantes, a intensificação maior da vida própria e do
maior número possível de vidas alheias.
O homem não pode ser considerado como entidade isolada ou solitária, é um
ser social, ativo e por isso mesmo é que o seu processo de integração nos
grupos essenciais é um problema de crucial e de extrema importância.
Então teremos que analisar a questão da ética e da moral em várias
perspetivas transversais, pois torna-se imperativo compreendermos o
fenómeno perante uma inerência sociológica, na escolha de uma forma de
Gestão e de Política do Desporto e da Educação. Há uma questão de moral
social, cuja solução necessita, simultaneamente, das luzes da pedagogia e da
antropologia e dos dados da sociologia, a relação da filosofia com a ciência
característica do pensamento contemporâneo.
Em princípio tem de haver concordância entre a moral individual e a moral do
grupo, indivíduos imorais, desonestos e perversos não podem, como é óbvio,
assegurar uma vida moral condigna ao grupo no qual ingressam e trabalham,
indivíduos mal-intencionados ou indisciplinados prejudicam a coesão e a
moralidade do grupo. O homem ético do desporto tem que se munir de
61
capacidade para afastar a malignidade da imoralidade permitindo o
desenvolvimento ético, moral e humano do desporto e da sua sociedade, a
polis.
O conceito da moral política, de onde resulta o de ética política, relaciona-se
intimamente com o conceito pessoal de honra e com o conceito mais extenso
de moral pública.
Ainda para Viana (1989) o grupo pode exercer sobre o indivíduo duas ações
contrárias, conforme os casos, ou seja, uma ação moralizadora ou uma ação
desmoralizadora.
Nesta última hipótese, o grupo não cumpre, evidentemente, a sua missão, a
par do homem ético, importa apenas a existência leal de grupos éticos, isto é,
grupos que se movam dentro dos princípios éticos básicos, e que fortaleçam as
estruturas psicomotoras do homem político do desporto.
É este, aliás, o processo normal de humanização, no qual, o grupo, quando
cumpre integralmente a sua missão, é, ou deve ser, como demonstra a
sociologia, um elemento socializador e disciplinador por excelência.
Proporciona ao homem mais um ambiente hierarquizado de valores humanos e
coordenador de liberdades e esforços individuais. Por isso mesmo é que a
pedagogia recorre, com frequência, aos grupos, para a formação educativa e o
ajustamento social das gerações imaturas ou precoces.
No âmbito político inserido no contexto ético, como já se reparou, há uma
relação entre a filosofia e as ciências humanas, como a psicologia, sociologia,
antropologia e a pedagogia, com o intuito de contribuir para o conhecimento e
estudo das questões éticas do comportamento. As mesmas refletem-se
perante a moral e colocam em causa o ser social tornando-se imperativa a
elaboração de modelos pedagógicos alicerçados na ética, e a serem
implementados em grupo e no grupo tendo o objetivo da colocação do homem
ético na sociedade construída e delineada perante as leis morais com pilares
fortalecidos na constituição do “Estado Ético”.
Ingressando no grupo, o homem político do desporto tende a melhorar a sua
personalidade, compreendendo melhor o quanto necessário é à vida ética, e a
62
consequente necessidade de melhorar o nível das relações humanas e sociais,
com vista ao bem coletivo e ao bem geral em relação ao seu sucesso e ao
êxito da sua equipa.
O homem ético da política do desporto deve trabalhar eticamente, de acordo
com os princípios da virtude, os valores inerentes ao sistema do desporto, com
justiça e com o máximo de honradez e de coragem em prol da sua equipa, da
sua empresa, da sua sociedade, em suma, da sua polis.
A humanização do homem ético do desporto, por intermédio da ação política,
garantindo uma dinâmica profissional e organizacional no desporto, terá que
começar a ser, nos nossos dias, um dos processos preconizados para a
sociedade de massas em que vivemos.
Hoje assiste-se a uma desagregação progressiva do lar e das famílias e em
virtude disso ocorrem limitações nas influências éticas. Há que recorrer a
outros grupos, desde os grupos culturais, recreativos e desportivos, até ao
grupo por excelência, que é o grupo profissional inserido num contexto político,
no qual deverá desenvolver e mostrar total honradez e nobreza na sua
execução e no seu exercício.
A este propósito fundamenta Chacón (1979), relativamente à política do
trabalho, que os problemas da moral na política do trabalho podem ser um
processo eficaz de difusão de cultura, estruturando hoje a sociedade de
massas num processo crescente de especializações e que não deve terminar
no período de ensino ou aprendizagem mas que deveria continuar no interior
das empresas e das organizações.
63
5. Conduta, Virtude e Consciência Ética
No presente tópico pretende-se elucidar acerca da conduta virtuosa para uma
consciencialização ética por parte do homem político do desporto. Para tal é
imperioso abordar os assuntos pertinentes para o esclarecimento das condutas
e dos comportamentos do homem, bem como se processam os mecanismos
éticos e virtuosos para a consecução da referida consciência ética.
A ética é a colocação de limites ao ser humano e não deverá ser considerada
como algo desagradável mas sim como uma filosofia da moral, humanizadora e
dignificadora. Viana (1989) menciona que nunca poderá ser considerada uma
filosofia casuística. Segundo ele, o casuísmo pode ter razão de ser para a
distinção do verdadeiro do falso mas não se aplica no que concerne à fixação
de normas de conduta.
A ética, com base na verificação efetuada, formula os princípios essenciais a
que deve subordinar-se a vida moral e a conduta do homem desportista em
toda a parte onde ele se encontre, indicando ao homem o seu dever.
A ética vai ao encontro de um problema básico humano, como refere Zubíri
(1989) a satisfação das aspirações morais é um dos principais objetivos das
diversas atividades humanas, e neste prisma a filosofia, que aborda e reflete
sobre o homem e sobre a sua vida na polis entronca, pois está na génese das
ciências humanas.
Procuram-se as respostas objetivas, emancipadas da abertura do espírito e da
alma do homem, anteriormente advinda pela âncora filosófica, no sentido do
como concretizar e planear tal ato de reflexão, permitindo uma conjugação de
saberes e assim se definir, para este estudo, uma filosofia política do Desporto.
Ninguém pode viver ao acaso e ao sabor das suas paixões ou caprichos
momentâneos. Tem de haver uma regra de conduta, uma norma à qual todos,
ou pelo menos a maioria, se subordinem.
Nenhuma sociedade, nem nenhum grupo pode viver fora de qualquer regra ou
lei, pois a vida é uma contínua determinação, uma contínua seleção e criação,
não é apenas um deixar-se viver.
64
Lopes de Sá (1998) alude que os próprios grupos fora da lei (associações
secretas ou grupos terroristas) conseguem “viver” e resistir à pressão das
forças legais pelo facto de se sujeitarem a uma forte disciplina e aceitarem um
apertado código de honra, tal como eles o concebem.
No desporto presencia-se o mesmo facto pois verifica-se uma compartilha de
valores, por exemplo, num campeonato de boxe o pugilista que lute com o seu
adversário no ringue está perante um mesmo código de honra inerente ao
conceito de desporto numa vertente cultural.
Podemos matar respeitando as regras, o pugilista se cumprir a regra não é
punido pois quem entra num ringue sabe o que poderá acontecer. Tal como na
Guerra ou na Polícia, no desporto pode-se matar respeitando as regras pois há
um código de valores inerente ao mesmo fenómeno. Embora não relacionado
com o desporto mas tendo por base o pensamento de Clyde Kluckhohn no que
diz respeito ao conceito de “compartilha de valores”, poderemos também
integrar o desporto, nesta perspetiva, de compartilha de valores.
O referido autor fundamenta a cultura como meio de identificação com a
educação e que corresponde ao que o homem absorve da mesma educação.
Há um conjunto de valores inerentes, pois o desporto implica a aceitação de
uma punição pelo incumprimento de uma regra e sendo a cultura suportada
pela compartilha de valores irá colocar o desporto como um fenómeno cultural
para além de social, mítico-religioso, económico, político e recreativo.
Contudo ainda se presencia o etnocentrismo, ou seja, “lemos” muito o “Outro”
através do “Eu”, por exemplo, só consideramos culto e ético quem se encontrar
na nossa civilização. Em Portugal onde o futebol é o desporto-rei, quem não
praticar ou jogar a modalidade é considerado um atrasado no jogo e no
desporto do nosso povo. Não ocorre o conceito de Alteridade definido por
Emanuel Lévinas, o qual, significa o respeito e a aceitação pelo “Outro”.
Para que todas as pessoas estudiosas, ligadas ao desporto, possam perceber
no âmbito da aplicação ao correspondente fenómeno, se organizarmos um
duelo de esgrima com um colega, na via pública, e se um dos intervenientes
65
morrer pelo ato do despique em si, o mesmo será punido com base na
legislação penal e do poder judicial.
Embora o desporto faça parte da sociedade, a mesma não aceita alguns
valores que se evidenciam no desporto e por tal não são compartilhados.
Poderei referir que dentro do desporto há uma compartilha de valores e um
código de honra diferente do da sociedade.
Porém, a norma ou lei que os homens devem respeitar quer como cidadãos,
quer como profissionais, terá de ser aquela que melhor se harmonize e se
coadune com a sua “humanidade” e “dignidade”, e aquela que melhor assegure
as possibilidades de vida em comum e de progresso social. Em todas as
comunidades, existe um mínimo ético, abaixo do qual as várias sociedades ou
grupos caem na decadência e na desagregação.
Segundo Durkheim (1985), um grande sociólogo e pensador político, as bases
da conduta moral estariam assentes na disciplina, implicando a existência de
uma autoridade capaz, digna de tal nome e de vida regular e regularizada. Não
somenos importante a adaptação à vida social, isto é, à vida em grupo (coesão
grupal), o que implicaria a aceitação e subordinação do grupo às normas nele
vigentes, como já se referiu, anteriormente, em casos concretos para
exemplificação teórica com o intuito de aplicação na prática através da Política
do desporto.
Viana (1989) menciona que a autonomia da vontade também desempenha um
papel crucial pois está subjacente a uma descrição correta do conhecimento
dos princípios fundamentais da moral e de uma escala de valores que cada um
deverá aceitar e adotar livremente.
Mas é de sublime pertinência perceber se a ética será um veículo de fácil
aplicabilidade no seio social e político. É claro que o problema é delicado e
difícil porque nem todos os homens se integram na lei moral e perante as
condutas da boa ética, quer por incapacidade, quer por ignorância ou malícia.
Tudo está dependente do que interiorizamos ou definimos como o senso moral,
ou seja, o conjunto de sentimentos mais profundamente radicados no espírito
humano, e tal senso na maioria das vezes não impede que inúmeros indivíduos
66
se revelem inacessíveis à compreensão deste fenómeno que Lopes de Sá
(1998) refere ser psíquico, e por tal analisado à luz da ciência incorporada no
estudo filosófico da mente e da alma e sua relevância natural.
Neste ponto de análise, encontramos a referida ligação dos vários saberes que
nos ligam à contemporaneidade e o conhecimento científico interligado ao
saber filosófico na busca do rigor e da verdade para as respostas às questões
que procuramos a cada instante.
Para se interpretar com extrema coerência um fenómeno, uma atitude ou um
comportamento necessitamos de apelar aos vários tipos de sabedoria para que
a conclusão seja definida com exatidão, mesmo que não vá ao encontro de
resultados práticos, mas que seja simplesmente um estado de espírito e de
reflexão, e de uma natural libertação da alma a que se propõe a filosofia nas
múltiplas temáticas envolvidas, seja no contexto do desporto seja no âmbito da
filosofia política.
Já referia Saramago, uma sociedade de pessoas cobertas de um manto
branco, sem ideias, cegas de atitudes, e diria mais, constituída por cegos
morais que não têm senso-moral e que não se comportam perante a nobreza
da ética e do belo da sua implementação. Homem que não se coaduna com os
valores éticos nem tão pouco a nível estético, no “belo” da sua atitude ética
para uma comunhão do verdadeiro humanismo.
Para além da falta de um pensamento moral, não se apresentam ideias morais
nem pontos de encontro para uma mudança ética e comportamental,
continuaremos míopes morais, cujo senso-moral revela numerosas lacunas ou
ausências, o que faz com que as pessoas fiquem, pessoalmente, abaixo do
nível médio da ética e da moral social.
Este ponto de vista vai ao encontro do defendido por Viana (1989) que revela
que é também percetível, pelo conhecimento da sociedade, que muitos
homens de mediocridade de espírito observam os mais rigorosos princípios da
moral, mas não porque daí lhes venha utilidade, mas porque
inconscientemente se sentem obrigados a respeitá-los. Então, para Lopes de
Sá (1998) se a moral fosse o resultado de um raciocínio individual, as pessoas
67
mais honestas seriam as que, pela sua maior capacidade intelectual, mais
facilmente pudessem elevar-se à conceção das condutas éticas e das leis da
adaptação entre o egoísmo e o altruísmo.
Por tal ponto, torna-se crucial referir que na maior parte das vezes a ética e a
moral surgem numa perspetiva social e grupal e não de forma isolada e
singular ou individual. Como o homem é um ser social será importante
estudarmos a vertente moral e ética no contexto de grupo, de funcionamento
social e de intervenção política.
Quando um homem se limita a praticar a virtude e a ser honesto sob pressão
de forças externas, é sinal que ignora o que faz e que atua dominado por cenas
sombrias. Para que as mesmas representações, as tais cenas sombrias e
esbatidas, se definam e consolidem, será fulcral consciencializar-lhe a
respetiva conduta ética e moral porque a consciência é uma síntese ativa em
perpétua realização, como Comparato (2006) tão bem menciona.
Só com base numa consciência moral será possível ao homem do desporto
formular juízos morais e juízos de valor que são a base de todo e qualquer
comportamento ético motivado, ou seja, comportamento dependente da
vontade humana pois só assim o tornará ético e moral.
A questão coloca-se em saber se poderá o homem, sem o auxílio da axiologia
conhecer a escala de valores indispensável à formulação das suas ideias e à
orientação da sua conduta.
Só a ética poderá marcar uma direção a seguir na vida, fixar um tipo de vida a
cada individuo, tratando-se de um problema evidentemente filosófico mas
também social e pedagógico, o que nos remete, como já foi referido, para
várias áreas do saber onde a filosofia ocupará um lugar de destaque na
reflexão e libertação do homem para melhor entender e concretizar a ação.
É importante o entendimento global dirigido para a perceção de que o homem
do desporto não pode viver isolado da ética e da moral, nem tão pouco
desconhecer o próprio “Eu” no plano afetivo, que não raro se sobrepõe ao
próprio “Eu” a nível intelectual.
68
Em toda a reflexão e explicação filosófica do homem o sentimento
desempenha um papel deveras importante e relevante que é irredutível a
qualquer outra função, pelo que e para tal, e segundo Viana (1989) será crucial
conhecer a verdade e o bem, mas também que o “Eu” seja realizador e que
opere a mudança no plano da afetividade, sem o qual pouco ou nada se
conseguirá no âmbito da ética sem o “Eu” operante afetivo.
Conclui-se assim que agir eticamente não consiste apenas em pensar bem e
honestamente. Como se verifica, será necessária mais alguma substância para
o respetivo desenvolvimento. Temos necessidade de verificar os atos ou
condutas que se relacionam com o homem, mas que não partem dele de uma
forma direta e também distinguir no plano pessoal o ato que convém escolher e
dar-lhe oportuna execução, isto é, não chega quedar pela ideia, há que
concretizar tal conduta para se tornar uma ação ética.
É crucial ativar o “Eu” operativo para se ir ao encontro do “Eu” inteiramente
afetivo para que perante as ações realizadas pelas pessoas que nos rodeiam
saibamos verificar o mérito ou demérito, aprovando-as ou condenando-as com
justiça, caridade e oportunidade.
É importante também, ao realizar um ato, experimentar a satisfação do dever
cumprido ou sentir a mágoa por qualquer erro cometido. Está bem patente a
ligação do “Eu” operativo com o “Eu” afetivo para presenciar uma atitude ética
espelhada neste processo.
Não basta só um olhar para cada um dos “Eu” pois ficaremos ou sem a
afetividade, crucial no plano ético, ou sem o “Eu” como realizador de uma ação
afetiva, pois há que realizar e operar a respetiva ação para torná-la
substancialmente ética e moral.
Por tudo isto, podemos verificar que a ética é um ramo da filosofia que domina
a vida em todos os setores e em todos os estádios da existência humana, dado
que a moralidade do homem político do desporto é concebida como atitude e
como conjunto de qualidades ou valores morais.
O homem político do desporto terá de considerar a lição ética e de procurar
nela as luzes indispensáveis para sair da escuridão e do “manto branco” que
69
nos cobre para uma miopia intelectual, afetiva e moral colocando o humanismo
como corrente filosófica indispensável para o desenvolvimento e para a
valorização da condição humana acima de tudo.
Importa referir que para a compreensão do fenómeno ético na sua total
plenitude há que entender que ocorre uma estreita e pertinente ligação entre
três vetores essenciais, tais como, conduta, virtude e consciência.
Relevante e marcante será perceber se conduta e comportamento significam o
mesmo. E também compreender o por quê do homem político do desporto se
desfocar da sua virtude e por conseguinte do seu conceito de felicidade de
vida, como ficou em aberto no capítulo IV – O homem ético e político do
desporto.
Para irmos ao encontro da tão desejada compreensão destas pertinências, é
essencial que se esclareça desde já como se define o conceito de “conduta” e
o que procura expressar, de uma forma sintética.
Segundo Lopes de Sá (1998) a conduta do homem é a sua resposta a um
estímulo mental, ou seja, é uma ação que se segue ao comando do cérebro e
que, manifestando-se variável, também pode ser observada e avaliada.
O mesmo autor menciona na sua explicação que tais respostas aos estímulos
não são sempre as mesmas, variando sob diversas circunstâncias e condições,
pelo que não se deve confundir o ato de conduta com um simples
comportamento, que também é uma resposta a um estímulo cerebral, mas é
constante, ou seja, ocorre sempre da mesma forma, diferenciando-se assim da
conduta, pois esta resume-se à variabilidade de efeitos e consequências que
apresenta na vida do homem.
Na aplicação e definição dos conceitos, tais como a ação, a atitude, o
comportamento e a conduta, existem diferenças que expressam razões,
também diferentes das consequências da influência do cérebro, sobre o que
ocorre na concretização dos seus estímulos e das suas respostas. Comparato
(2006) menciona que o que a ética estuda é a ação que, comandada pelo
cérebro, é observável e variável, representando a conduta humana.
70
Ao estudarmos os motivos que levam a produzir uma conduta no homem
político e desportista, caminhamos numa linha de atuação para se alcançar o
conhecimento que promove a satisfação, o prazer ou a felicidade. É o objetivo
político e assim perceber e compreender o por quê e o para quê de um
afastamento do homem político que faz e vê desporto da felicidade inerente à
condição humanada pois há uma divergência nos conceitos, de qualidade de
vida assente na dignidade, de virtude e justiça para si e em relação à
sociedade que o envolve.
A vida feliz, prazerosa, adequada, o bem-estar pela prática racional da virtude,
muito importantíssimo na visão de Aristóteles, a sociedade, o Estado, como
Ideais de vida traçados para o bem, consoante matérias que se tornam objetos
de estudo através da ética, deixam de assumir o papel principal como objeto
isolado de investigação e de reflexão, quando se pretender alcançar o
conhecimento da conduta, como principal prioridade.
Aristóteles afirmou que para o homem não existe maior felicidade que a virtude
e a razão e que ao mesmo tempo, ele deve regular a sua conduta, se o sentido
direto da intervenção política e do respetivo objetivo se centrar na busca da
felicidade humana.
A virtude e a razão são meios e veículos fulcrais para o sucesso do homem
político enquanto homem ético dado que não existe maior felicidade que a
prática da virtude e a razão de ser na justiça, em que tais elementos são
integrantes no processo da ação humana e por tal, o homem desportista
deverá ter a capacidade de controlar a sua conduta.
Uma justificação de acordo com a filosofia política do desporto, no sentido ético
e moral da ação do homem que se “alimenta” de desporto e que tem
responsabilidades na sua administração e gestão, bem como pelo seu
crescimento e desenvolvimento social assente na Paideia e na Areté.
A ética, como estudo da conduta, todavia, já é percebida em Protágoras,
quando nos seus ensinamentos pregava o que fazer para se ser virtuoso
perante terceiros.
71
Xenofonte indicou caminhos na ação do homem para que fossem observados
de forma adequada, perante cada um dos aspetos da sua presença, ou seja,
perante a divindade, os amigos, a sociedade, e a pátria, cada um exigindo uma
ação específica, uma conduta particular a ser observada e estudada e refletida
na verdadeira essência da alma.
O mesmo pensador, através da sua experiência, escreveu de uma forma muito
consciente como foi a sua relação com a administração e gestão, não só
militar, mas na vida prática do governo e da gestão da abundância e da
prosperidade para a satisfação das necessidades humanas e com uma grande
objetividade implícita no seu discurso.
Na sua obra “O económico” (cap. XIII) apresentou perspetivas de condutas que
realmente nos fornecem uma relação lógica impecável, como a que diz respeito
à gestão do bem público, quando sugeriu que aquele que não sabe administrar
a sua casa não sabe, também, administrar o Estado.
Segundo Lopes de Sá (1998) os pensadores da época entenderam por ética a
ação virtuosa, desde que esta resultasse do consenso de todos, ou seja, fosse
aceite como tal.
O estudo sobre a componente Ética e o que se deve procurar para que se sinta
e se pratique o bem deverá ser acolhido de uma forma relevante e primordial
para o sucesso político e desportivo, dada a tortura das almas que se abate
sobre a condição humana atual. Também foi nesta perspetiva que se traçou a
linha de entendimento e de pensamento da Idade Clássica, inclusive como
veículo para a felicidade e para a justiça, mas, com o decorrer dos séculos
perdeu força e notoriedade na Idade Média, para, depois, retomar com novo
vigor no período do Renascimento.
A forma de entender a conduta do homem, elemento político no desporto, a
favor da sua vida, a partir dos caminhos capitais e elementares que deve
assumir, variou, no tempo, em relação a diversos pensadores.
Para uma ideia sobre a evolução do raciocínio em torno do assunto, existem
alguns (entre vários) autores que merecem consideração para este estudo da
filosofia política do desporto centrado na componente ético-política.
72
John Locke acompanha a tendência de conservação do homem e acrescenta
que se deve evitar a tristeza, servindo-se da experiência na capacidade de
sentir e refletir o que lhe vai na alma e no espírito, procurando-se, ao máximo,
a alegria e a felicidade de viver.
A Ética, nos séculos XVII e XVIII, não apresentou divergência quanto ao
sentido ao de uma valorização do homem enquanto animal político. Aristóteles
já evidenciava que a felicidade era o caminho, a partir da virtude e da razão e
esse terá que ser o objetivo de um novo conceito de política do desporto, na
sua prática e no seu entendimento teórico no plano construtivo de um “Estado
Ético” Este filósofo não diverge desta linha de Aristóteles.
Conservar-se em felicidade, alegria e prazer, como objetivo, como conduta
ética decisiva, foi uma forma de apresentar com uma nova roupagem velhos
pensamentos.
Locke, no início da sua obra,” Dois tratados para as ideias de Estado de direito”
nega o conhecimento inato, ou seja, afirma que tudo é adquirido nesse
particular, condicionando, pois, a estrutura mental a um processo de conquista
da verdade por um processo educacional e cultural, obrigatório, por iniciativa
do homem ou da própria polis, ou seja, imposto pela sociedade.
Isto permite concluir que a conduta, pelo espírito e pela alma, ou seja, pelo
nosso cérebro, é fruto de algo adquirido, excluídas, pois, para o filósofo, as
causas naturais.
O que falta entender é saber se esta posição de John Locke será a mais
correta para a compreensão do desenvolvimento da conduta do homem político
do desporto. O homem é, ao longo da sua vida, como se sabe do ponto de
vista científico, também muito influenciado pelo meio, havendo uma interação
entre o meio e a hereditariedade.
Assim, o meio é constituído por elementos que intervêm no comportamento de
cada indivíduo da sociedade.
A componente genética, isto é, hereditária, tem uma grande influência nas
características e na conduta de um indivíduo. Refiro-me sempre à sua
73
influência nas características físicas (a cor da pele, dos olhos ou do cabelo).
Porém, a influência genética atua também sobre as estruturas orgânicas, como
por exemplo, no sistema nervoso e endócrino, cuja importância é relevante
para o comportamento e para a conduta humana e por inerência para uma
consciencialização ética.
Há quem defenda que o nosso desenvolvimento é influenciado, sobretudo pelo
meio, ou principalmente pela hereditariedade. Porém, a hereditariedade não
pode exprimir-se sem um meio apropriado, assim como o meio não tem
qualquer efeito sem o potencial genético. Podemos ter um homem atleta com
um potencial genético (teto genético) muito elevado, que sem a devida
estimulação e exercitação nunca chegará à glorificação ou apresentar uma
conduta ética digna.
Como, também, poderá ocorrer o inverso, isto é, um homem do desporto com
baixo potencial genético para uma determinada função, mas que através de um
enorme esforço e dedicação alcança patamares elevados de sucesso e uma
conduta humana irrepreensível. Por tal fundamentação, afirma-se
cientificamente que a hereditariedade e o meio interagem, determinando o
desenvolvimento orgânico, psicomotor, a linguagem, a inteligência, a
afetividade, o comportamento e a referida conduta.
Contudo, para John Locke a ideia é o objeto do pensamento e todas as ideias
brotam da sensação ou reflexão sendo o objeto da sensação uma fonte das
ideias. E tais factos implicam pela racionalidade uma abordagem filosófica do
homem de corpo e alma.
Tal posicionamento evidencia-nos como esse filósofo considerou as fontes da
conduta e como atribuiu importância à génese da conduta ou génese da
formação e da evolução ética, e como partindo da sua análise defende a
perceção como uma fonte da ideia e diz que a alma começa a ter ideias
quando começa a perceber.
O homem político do desporto só poderá apresentar um projeto desportivo se
perceber o por quê e o para quê do referido projeto, da mesma maneira, que
um treinador só poderá ter uma ideia de um plano de treino quando perceber o
74
estado mental e físico do seu atleta. Tais factos processam-se de forma
idêntica no que concerne à conduta humana, isto é, só podemos ter uma ideia
da conduta e da diferença que ocorre relativamente ao termo comportamento,
quando percebermos o significado, o objetivo e acima de tudo o seu conceito.
Espinosa refere que na medida em que uma coisa está de acordo com a nossa
natureza é necessariamente boa e nenhuma coisa pode ser boa ou má para
nós, a não ser que tenha algo de comum connosco, e isto remete-nos para o
espírito de familiarização no homem do desporto com a ética.
Só aplicando a ética e a moral, e estarmos totalmente integrados nas mesmas,
é que o homem do desporto poderá compreender o quão útil ou não é a sua
aplicação e fundamentação, tanto para si como para o bem do grupo.
Espinosa defende que se a natureza criou o homem, foi para que o mesmo
pudesse exercer a sua função como tal, e portanto, seguir o que mais fosse
conveniente na sua conservação e bem-estar.
A consciência ética no entender de Espinosa incita o homem, na sua forma de
observar e que ele age de acordo com a energia que recebe, e com a
responsabilidade de moldá-la ao necessário, sem deformar a sua génese. Tal
como se percebêssemos a gestão como uma forma de regulação de energia
do nosso corpo em que não conseguimos estruturar ou organizar tudo ao
mesmo tempo, porque isso gasta muita energia e para tal o homem prefere
relaxar na execução e fazer uma coisa de cada vez.
Para Espinosa, a conduta para se ser natural e útil deve retornar ao amor, ao
útil, não por ser obrigatória, mas por ser necessária. Pois para ele a “vontade”
não deve ser indefinida, mas a de “causa necessária” e nega a liberdade como
essência, na vontade.
Refere o mesmo autor que não há na alma vontade alguma absoluta ou livre,
porque a alma é determinada por outra e esta, por sua vez, ainda por outra, e
assim até ao infinito.
O praticante do desporto é o filósofo do seu corpo, mas o homem político do
desporto enquanto homem desportista é mais do que isso. O homem político
75
do desporto é o filósofo da sua alma, dado que ele sem alma não existe nem
consegue filosofar, da mesma maneira que controla vários estados de alma de
todos os elementos que pertencem à polis.
Espinosa tem como um princípio fundamental na sua teoria, a preservação da
liberdade, sendo este um dever de todos e do Estado, mas é necessário
percebermos bem o sentido que se queira dar à mesma liberdade. Neste
contexto Espinosa quis evidenciar que a liberdade não é o que se refere à
consciência, mas aos efeitos que sobre ela atuam na construção dos nossos
pensamentos.
Neste plano, vai ao encontro dos restante pensadores e filósofos políticos no
que concerne ao entendimento de liberdade de pensar consoante as
circunstâncias e as nuances da vida social e política perfazendo a generalidade
das ações na polis.
Segundo Espinosa, o facto de reconhecermos o que causa exteriormente, não
exclui a aceitação da nossa força interior, da nossa força moral, competente
para entendimentos e juízos da própria vida humana, neste caso particular, na
ação desportiva.
Seria absurdo que as ações que lesassem na prática contra nós mesmos ou
contra o nosso próximo fossem frutos de uma causa que tivesse na origem o
descontrolo, sobre o qual não possuímos nenhum domínio. Se eliminássemos
os atos da própria determinação, o ato doloso encontraria a justificação na
vontade alheia e não naquela que levou a ser a prática de tal conduta e, nesse
caso, seria injusto punir-se quem quer que fosse, pois ninguém seria
responsável por coisa alguma.
Se a virtude é da essência do homem, e o que o torna um ser feliz, o vício é a
sua antítese, mas não deixa de ser a sua vontade, decorrente do seu poder de
contrariar a sua natural conformação, consentido um destino sofrido, mas de
seu desejo.
No teorema de Espinosa, o mesmo aponta que o homem livre jamais age
enganado, age de boa-fé. O homem dirigido pela razão é mais livre na cidade,
76
onde vive de acordo com a lei comum. Na solidão não obedece senão a si
próprio.
Immanuel Kant, na sua obra “Critica da razão pura” (1781) afirma que a razão
guia a moral e que são três os pilares em que se sustenta: Deus, liberdade e
Imortalidade, entendendo que a razão que não se aplica à moral deixa de ter
sentido e se imobiliza a produzir eternos enganos.
Reclama, para a moral, o emprego da Justiça de modo que a felicidade se
distribua de acordo com os méritos decorrentes da prática da virtude. O homem
virtuoso e racional do desporto deverá procurar a felicidade perante a mesma
virtude da razão de ser justo e atuar sempre de acordo com as leis da ética e
da moral.
Afirma entretanto, na sua obra “ Fundamentação da metafísica dos costumes”
(Secção I) que a simples inclinação para o cumprimento da lei, por respeito,
não é o exercício de uma vontade por si mesmo, na essência, referindo que o
valor moral da ação não reside, portanto, no efeito que dela se espera, também
não reside em qualquer princípio da ação que precise de pedir o seu
fundamento ou o seu objeto para este efeito esperado.
Kant justifica que sem liberdade não pode haver virtude e sem esta não existe
moral, nem pode haver felicidade dos povos, porque também não pode haver
justiça. No que tocava à felicidade escreveu que assegurar a cada homem a
sua própria felicidade é um dever, pois a ausência de alegria com o seu próprio
estado num remoinho de muitos cuidados e no meio das necessidades
insatisfeitas, poderia facilmente tornar-se uma grande tentação para
transgressão dos deveres.
O dever de ser feliz, dentro de limites de uma razão que inspira a boa vontade,
para ele tinha um duplo sentido, o da satisfação do ser e o do impedimento dos
atos antiéticos. Tal facto se comprova amplamente na prática quando o
desemprego aumenta, gerando, inevitavelmente, mais criminalidade e outras
mazelas sociais.
Kant atribui à “razão” a exclusiva responsabilidade da origem das ações éticas
e admite que só existe valor quando o homem age sob o impulso de um
77
sentimento de dever, procedido da razão. Quando alguém cumpre um dever
ético por interesse, admite Kant, pode lucrar com isto, mas não pode receber a
classificação de virtuoso.
Por isto, escreveu na sua obra, anteriormente citada, que nada é possível
pensar que possa ser considerado como bom sem limitação, a não ser uma só
coisa, uma boa vontade.
“Poder, riqueza, honra, mesmo a saúde, e todo o bem-estar e alegria com a
sua sorte, sob o nome de felicidade, dão ânimo que, muitas vezes, por isto
mesmo, desanda em soberba, se não existir também a boa vontade que corrija
a sua influência sobre a alma e juntamente todo o princípio de agir e lhe dê
utilidade geral… a boa vontade parece constituir a condição indispensável do
próprio facto de sermos dignos da felicidade.” (Kant, Fundamentação da
metafísica dos costumes. Secção I)
O que ele designou de “boa vontade em si mesmo”, já mencionado neste
estudo, estava pois, acima das práticas usuais das virtudes que reconhecia
como habitualmente aceite, tais como, a modelação das emoções, moderação
das paixões, autodomínio, calma e reflexão e só aceitava a virtude completa se
originada de um precedente a que denominou de boa vontade.
Kant, este grande filósofo, viveu também numa época bastante difícil devido às
importantes mutações axiológicas que se evidenciaram. Foi demasiado
organizado e metódico e mesmo que nunca tivesse saído do seu país para
conhecer os outros povos e restantes Estados, não se pode negar que a sua
visão ética em grande parte aplica-se aos nossos dias, à sociedade
contemporânea.
Kant foi apologista do ser racional, como elemento ligado a uma comunidade,
com deveres para com ele mesmo e para com o todo e, a partir dessas
considerações, envolvido numa felicidade derivada da razão, ou seja racional,
elevou-se a sua doutrina guiada pelos trilhos atordoados da conduta,
condicionando o conceito do bem à lei moral e esta a uma vontade guiada pela
razão.
78
Perante este estudo sobre a conduta humana, torna-se fulcral pensar a virtude
como meio de se alcançar a consciência ética.
Aristóteles, na sua obra, “Ética” (Livro I) aponta, “aos hábitos dignos de louvar
chamamos virtudes” e nesta expressão o referido pensador apela e ressalva o
efeito “louvor”, como causa determinante e não a virtude, em si, ou seja, o que
ela de facto representa.
Lopes de Sá (1998) comenta que podemos apontar casos práticos em que
virtuosos não são dignos de louvor em meios onde o vício prevalece, o que não
invalida o teor da virtude, por exemplo, o político que rouba mas que faz obra
em prol dos seus eleitores, faz o bem perante a sua sociedade, ou seja, a
quem o elege na polis, apresenta uma virtude, mas não é louvável no sentido
ético.
Entendo que a nossa observação das coisas ou do que queiramos observar
torna-se mais evidente, quando imaginamos que o “louvor” pode ser efeito de
uma forma particular de ver as coisas, de ver o mundo que nos rodeia, relativa
a um grupo de pessoas, ou também, uma visão particular de conduta do grupo.
Para Lopes de Sá (1998), a conduta virtuosa, como ele a entende, é algo
essencial e apoia-se na qualidade do homem em viver a vida de acordo com a
natureza da alma, ou seja, na prática do amor, no seu sentido pleno de não
produzir malefícios a si e nem ao seu semelhante, seja ele qual for.
E ao encontro desta teoria, foi o próprio Aristóteles que em divagações mais
profundas evidenciou que a virtude provém de algo intuitivo.
No sentido virtuoso não pode ser apenas o homem político do desporto, que se
comporta louvavelmente, mas o que também recebendo louvores os tem
provenientes de qualidades transcendentes e humanas, fundadas no respeito a
si e a todos os elementos constituintes da sociedade onde o mesmo se insere.
A virtude é uma capacidade ligada a origens da transcendência humana,
relacionada às propriedades do espírito, tornando-se essencial e que se
manifesta envolvida e contornada pelo amor, pela sabedoria, pela ação
competente em exercer o respeito ao homem e à prática do bem, pela reflexão
79
que mantém a energia humana em convívio com outro mundo mais
abrangente, seja ele qual for.
Na conduta ética, a virtude é condição essencial, ou seja, não se pode
conceber o ético sem o virtuoso como princípio, nem deixar de apreciar tal
capacidade em relação ao grupo, à sociedade, à Polis.
A virtude está muito relacionada com o carácter, do ponto de vista explicativo
dos pilares éticos e morais e Marden (1925) clarifica o carácter como sendo a
vontade firma, justiça reta, inflexibilidade no cumprimento dos deveres e
energia em todos os atos.
A fonte dele é, pois, essa energia que provém, como diz o referido autor, de um
mundo invisível, mas beneficiado pela educação e também pela qualidade do
ambiente social em que se vive.
A crença num espírito perfeito, numa energia suprema, fonte da verdade e do
saber, da bondade e do amor, acompanha os homens há milénios e já
Sócrates referia-se a ela, ao admitir que tal fonte não possuía as iras e os
defeitos dos “Deuses do Olimpo”.
Marden (1925) narra que é uma energia tão vibrante que pode transferir-se, ou
seja, pode influir sobre outras e é habitual encontrar-se nas sociedades, onde
existem líderes virtuosos, esta ampliação da virtude aos demais membros.
O exemplo da conduta ética dos líderes dignifica uma sociedade e cria novos
elementos que seguem tal forma de viver, sendo modelos para serem
observados e abraçados no sentido de inspiração no caminho para o “além”,
pois a tomam como paradigma, isto é, como modelo ou como norma.
Precisamos, novamente, de grandes Estadistas, de grandes Humanistas para
constituírem a Polis mais humana, uma sociedade para todas as pessoas,
construída em harmonia e em virtude louvável para uma conduta humana e
digna na reconstrução do Estado Social com e para o desporto, assente nos
ideais da Paidéia e da Areté.
80
Esta é a razão do Estado, quando bem dirigido, procurar perpetuar a memória
dos homens que servem de padrões e de exemplos de virtude e pela qual os
Códigos de Ética buscam preservar as suas imagens, onde nem sempre se
consegue, pois falta uma lei fundamental, que é a lei do “ que se cumpra o que
está na lei”.
A imagem da virtude, corporificada no homem político do desporto, leva as
outras pessoas da sociedade a seguirem o caminho da conduta perfeita, razão
pela qual merecem tais expoentes e a proteção necessária, pois são eles os
comandos do espírito e da alma, ou seja, existem homens que conseguem não
só ser virtuosos, mas também, promover a virtude.
A conduta é um efeito em que a causa é uma vontade, e esta se inspira em
algo que se materializa proveniente de um estado de consciência, contido no
carácter e que, por sua vez, é fruto de energias existentes no homem e que se
alteram pela forma de captar as vibrações éticas dos outros elementos da polis.
Há uma conduta desportiva porque há uma vontade do homem desportista em
praticar uma determinada modalidade, essa mesma vontade de praticar o
futebol deve-se, na alma do atleta ou do desportista a um estado de
consciência que está internamente ligado com o seu carácter e que esse
mesmo carácter depende de forças e de um potencial energético para atuar e
desenvolver as suas potencialidades de alma e espírito, propiciando a ação de
tal decisão. Não há dúvida de que o carácter distingue o indivíduo, sendo a sua
marca de ação como individualidade que permite a qualificação.
Para fundamentar este meu pensamento Menciono Marden (1925) que diz que
a virtude está além do carácter, mas um carácter virtuoso projeta-se e nivela-se
nesse além. Um bom caráter forma-se na virtude. Porém, a virtude não
depende das individualidades para existir, como o filósofo e pensador Grego,
Heráclito, afirmou ser o carácter o próprio destino do homem.
Neste sentido Lopes de Sá (1998) salienta que tudo tende a se reger pelo
poder da vontade sobre o uso do carácter, isto é, o carácter de um homem é
que vai determinar o sentido de uma determinada vontade. Sendo a vontade a
expressão do livre arbítrio, embora possa ser guiada por intuições e
81
pressentimentos, aspetos estes que ainda não possuem uma definição
satisfatória no campo do conhecimento.
Temos exemplos de homens que, nascendo em condições de adversidade
ambiental chegaram, todavia, ao ápice da sabedoria e da glória, do poder e da
grandeza, tornaram-se grandes Estadistas e Humanistas. Seja como for, o
carácter, como forma de individualização, termina por identificar os indivíduos,
e quando se assenta na virtude, não há dúvida, revela sempre uma vida
competente para o homem político do desporto e para a sociedade. Nós
nascemos com a nossa individualidade, mas aperfeiçoamo-nos através da
educação, pois o carácter é adaptável e inconstante.
Por isso, no campo da ética, a promoção de uma cultura qualificada precisa,
realmente, de ser efetiva desde os primeiros anos de vida, sendo importante o
desporto como fenómeno social e educativo, por excelência, um meio para se
alcançar a tão proclamada humanização perdida numa imensidão de ideais,
que pela ausência da virtude humana passam a sistemas utópicos.
Cada homem continuará a ter a mesma estrutura, a sua individualidade digna
de respeito, dentro dos limites de qualidade do ser, em que a ética procura a
cada instante colocar limites para o bom funcionamento social, político e
desportivo.
Lopes de Sá (1998, p. 76) cita, “O carater, parece-me, é competente para
qualificar o ser, e quando for virtuoso, será, sempre, também, ético.”
Por tudo o que se tem referido no campo da ética, a consciência possui, então,
um aspeto característico de observação que vai desde o seu conceito até aos
vários ângulos ou vértices dos seus conflitos com as práticas sociais, e neste
caso, também, desportivas, inseridas obviamente no contexto social e humano.
Para a filosofia (ética enquanto ramo da filosofia), nos nossos dias, a
consciência resulta da relação íntima do homem consigo mesmo, ou seja, é
fruto da conexão entre as capacidades do “ego”, com as energias do nosso
espírito e da nossa alma e responsáveis pela nossa vida, ou seja, pelo nosso
“Eu”.
82
Lopes de Sá (1998) acrescenta que a consciência ética é o estado decorrente
da alma e do espírito, através do qual não só aceitamos modelos para a
conduta, como efetivamos julgamentos próprios, e ainda nos condicionamos
mentalmente para a realização dos factos inspirados na conduta sadia, do bem
na conduta, para com os nossos semelhantes em geral e os do nosso grupo
em particular e também realizamos críticas a tais condicionamentos.
Aplicando esta fundamentação à Gestão e à política do desporto, poderemos
dizer que a consciência é o nosso “Disponível”, ou seja, é um Fundo, tal como
os clubes, em parcerias, usam para contratar um qualquer jogador e que se
encontra à nossa mercê para cumprir obrigações no nosso dia a dia, como se
fosse a nossa “caixa”, com a entrada e saída de dinheiro, e que se encontra em
plena circulação, com movimentos orientados para determinadas condutas que
são determinadas pelo nosso “Know-how “ (como fazer) através de um
determinado “background” (contexto) social, cultural, educativo, desportivo e
político.
Seguindo esta teoria, assim o nosso “Disponível” é extremamente útil para
constituir-se de um aporte derivado da nossa ação pessoal ou de outros
elementos da Polis. Tal como o nosso “Disponível”, que é realizado e
materializado de parcelas de entradas de diversas naturezas (dinheiro, cheque
ou multibanco), a consciência forma-se com parcelas de informações,
ensinamentos, influências ambientais, observações, perceções e até
sentimentos.
Só podemos pagar se possuirmos um “Disponível”, ou seja, um Fundo, com
dinheiro e por paralelismo ao tema da dissertação, só podemos agir eticamente
se tivermos uma consciência ética formada e numa atividade plena sem
deficiência moral.
Há aspetos da consciência ética que são muito importantes de serem
salientados e trazidos à discussão neste estudo, tais como, conhecer-se, auto
julgar-se e condicionar-se à prática; são estados da consciência que dependem
de vários fatores e conexões.
83
Comparato (2006) refere que no campo ético, a questão prende-se a uma
conduta objetiva de comportamento de grupo que exclui o subjetivismo e é por
essa porta que a nossa conduta, como fruto da nossa consciência, passa por
julgamentos próprios, mas, também, de outros elementos da sociedade.
Em consequência desta atuação, ou seja, neste particular de objetividade,
torna-se genuinamente ética pois é elevada à discussão entre todos os
elementos do grupo para um consenso geral, pois caso contrário, seria
complicado gerir um clube, ministrar a área política do desporto ou até mesmo
gerar o consenso ético entre todos os atletas da mesma equipa.
Se desejarmos figurar como exemplo usando a Gestão do Desporto diríamos
que estamos permanentemente sujeitos a uma “Normalização da Gestão” que
nos estabelece como registar, classificar e demonstrar o percurso evolutivo na
construção de uma infraestrutura desportiva e os seus desvios orçamentais ou
até mesmo na estruturação de uma organização, associação, instituição ou de
um evento desportivo. Mas também, de uma Auditoria Interna às respetivas
contas e ao orçamento estipulado e definido inicialmente, que corrige, fiscaliza,
crítica e orienta as nossas ações como gestores e políticos desta nossa área
do desporto.
Os princípios de consciência têm indicado, por exemplo, na Política, como
manifestação geral, a tendência para um conservadorismo moral, para uma
realização compatível com a própria função de “Pessoa de Confiança”, como
deverá ser o cargo político.
O absorver os segredos da Instituição ou de um Ministério, que se representa,
ao obrigar-se a mantê-los em sigilo, por uma força ética, o político e por
inerência um gestor, em geral, é um homem com precaução no falar e no agir.
Não podemos, também, perder de vista, nesta questão, o conceito de
Descartes, que atribui à consciência o que se adquiriu como experiência. O
normal seria que quanto mais experiente fosse um gestor ou um político, tanto
mais viria a ter a sua consciência ética aguçada, mas nem sempre isto é o que
se verifica.
84
Este ângulo de observação do filósofo francês pode ser lógico, mas Lopes de
Sá (1998) não o considera prático, para mais numa sociedade em que o
dinheiro tem-se sobreposto à humanidade.
O normal é que a sabedoria derivada da experiência melhore a conduta, mas
as ambições que residem nos egoísmos, que Descartes entende como prazer,
como felicidade, podem ser canalizados para um materialismo exacerbado e
condenável. O objetivo da política é a felicidade das pessoas, de todos os
homens da polis, e tais egoísmos que comprometem a falsa felicidade
colocarão em causa a verdadeira política e o digno “homem político” enquanto
homem de virtude.
Neste caso referido, da supremacia do valor monetário sobre o humano
processam-se deformações da consciência e rompe-se a moral tanto
proclamada, e se se troca o dinheiro pela moral, logo não há dignidade humana
nem garantia de uma qualidade de vida humana.
Neste território politico-desportivo de investigações sobre a consciência ética, é
possível ter uma clara visão do quanto ela depende do ambiente, das
circunstâncias que podem levar o homem político do desporto, em casos
extremos, a entrar em conflito com o interesse social e com os restantes
membros da polis.
Também pode ocorrer que o homem ético do desporto se volte contra medidas
preventivas dos poderes que gerem o Estado pelo homem político governante
e legislador e que forçam medidas em nome social, mas na verdade, com
lesões ao interesse individual do próprio homem do desporto que exerce o seu
trabalho na área desportiva e educativa.
Refiro-me, por exemplo, em termos práticos ao que se passa no seio da
política desportiva, com a intervenção do homem político legislador, em que o
poder desportivo representado pelo respetivo órgão legislativo estabelece
determinadas leis que obrigam ao homem ético do desporto a denunciar o seu
semelhante em situações em que são consideradas atuações desleais a nível
de concorrência, atendendo ao incumprimento de determinadas obrigações,
85
quando os mesmos também estão perante as mesmas obrigações e sem as
aplicarem na prática.
Quando o respetivo exercício político, seja com o intuito profissional ou
meramente vocacional, a consciência ética atua na sua especificidade e
portanto apresenta virtudes também específicas, nesse caso, segundo Lopes
de Sá (1998) é preciso seguir-se a razão fundamental que é a da necessidade
de adicionar, no plano virtuoso, as pessoas que ele apelidou de “células
sociais”, isto é, o património social e a riqueza inerente ao mesmo.
Transpondo para a política do desporto, no caso do homem político, no seu
exercício quer no âmbito do treino desportivo quer na gestão das estruturas
orgânicas, é crucial ter como objetivo a defesa das “células sociais” de todos os
elementos constituintes da polis através do desporto, na sua relativa interação
com o Estado na vertente ética e social, pois caso não ocorra a respetiva
interação promovem-se desequilíbrios no seio da mesma polis.
Lopes de Sá (1998) atribui o termo “célula social”, pois para ele é o que há de
mais essencial de ser assegurado, prevenindo-se assim a ocorrência de
desequilíbrios. Ocorre assim como no caso da ideia de “unidade celular” em
face do objetivo que o homem político do desporto persegue e da interação que
deve existir com um organismo que representa o coletivo, ou seja, não se pode
dissociar a riqueza da célula social, isto é, da sociedade, nem esta do homem e
nem este da sociedade, sendo o homem um elemento integrante e convivente
da Polis e responsável pelo seu desenvolvimento de acordo com a sua conduta
virtuosa.
Não é possível imaginar a célula, a polis, sem que possua a riqueza como meio
que alimenta a própria existência da mesma, nem justificar seja o que for sem o
homem do desporto e nem uma sociedade sem a participação das suas
unidades que a compõem, integradas no sistema associativo, federativo e
governamental.
É fulcral definir um papel de gestor ou de político com virtudes numa
determinada área em que se executa a respetiva ligação e orientação na
solução dos problemas e fenómenos sociais inerentes à respetiva matéria,
86
tendo por vista o equilíbrio social promovido através da defesa das “células
sociais”. Todos os elementos constituintes e orgânicos da Polis devem
patentear utilidade e primazia humana, atribuindo, de uma vez por todas, ao
homem do desporto, capacitado de alma e espírito, o seu lugar mais que
merecido no seio do comando político na área desportiva em sintonia com o
Estado Ético e composto na área social.
Uma consciência ética pode não corresponder à melhor das expetativas,
havendo condutas nada éticas, dependendo de certos fatores que deturpam a
dignidade humana motivados por fanatismos políticos camuflados de religiosos,
como por exemplo, o ataque às torres gémeas, a 11 de Setembro de 2001, em
que princípios e paixões de diversas naturezas ultrapassaram o limite
considerado ético e moral tendo existido uma extrapolação na passagem dos
próprios limites em qua a ética não conseguiu impor os ditos limites à condição
humana.
O mundo exterior pode mudar o mundo interior do homem político num
determinado tempo e em qualquer espaço, dependendo da qualidade da
estrutura da consciência ética e da força das circunstâncias do meio envolvente
numa interação entre a hereditariedade e o ambiente, dado que a ética é a
colocação de limites e nem sempre a mesma consegue impor os limites ao
homem.
A este respeito Meneu (1995) refere que essa maior incidência das alterações
são notadamente favorecidas pela ignorância, pela inexperiência, pela carência
de amor dos seres e que se espelham nos seus medos e consequentes
inseguranças e submissões. Quanto menos culto é o homem, mais é suscetível
de influências e quanto menos culta uma sociedade mais facilmente se deixa
levar por práticas enganosas dos que detêm o poder político, inclusive o
próprio fanatismo.
Quanto menos culta é uma classe, mais vulnerável se torna na sociedade,
quanto menos culta uma nação mais se torna suscetível de ser dominada, e
portanto é crucial a aposta numa educação com o intuito de formar e instruir o
homem político do desporto.
87
A ignorância facilita o enfraquecimento da virtude. O filósofo grego,
Hermógenes versa sobre a ignorância, “dois ignorantes encontram-se e não
tardam em de agredir, dois sábios encontram-se e não tardam a se abraçar”. O
erro pode consagrar-se como conduta aceitável até perante a polis, isto é, na
envolvência social, e tornando-se ético na prática, todavia, jamais se poderá
aceitar como verdade nos princípios da Ética e nesse ponto é que se
diferenciam as qualidades das consciências, as quais determinarão as
respetivas condutas humanas.
O próprio Aristóteles, um dos mais consagrados pensadores da ética, tinha na
sua consciência a aceitação da escravatura como algo natural, consagrando
uma atitude aceite pela sociedade do seu tempo. Os seus conceitos provinham
dessa ética relativa à sua envolvência social e sobre o que se passava na Polis
desse tempo, e não nos podemos esquecer que, ao longo do tempo estivemos
em presença de vários tipos de sociedade, tais como, a Sociedade Tradicional,
Moderna ou a Ultra Moderna ou Contemporânea.
Associado a cada tipo de sociedade, teríamos um determinado tipo de
conhecimento, de saber e até mesmo de pensamento, em que uns prevaleciam
sobre outros.
Na sociedade tradicional estavam mais presentes e identificados os saberes
filosófico, religioso e teológico, como, posteriormente, na transição para a
sociedade moderna se encontrava alicerçado o conhecimento científico. Nesta
sociedade contemporânea evidenciamos a notoriedade de todos os tipos de
saberes, do filosófico ao científico, em harmonia e em conjugação, sendo que o
tipo de sociedade reivindica um determinado tipo de saber para si, o que vai
definir e orientar as mentes do homem do desporto que vive na Polis numa
determinada época.
Não podemos, num sentido absoluto, considerar Aristóteles, um antiético, já
que foi um dos pensadores mais notáveis da época em questão. Não obstante,
podemos admitir um estado especial de consciência derivado de uma
relevância de um saber imposto, o qual estava sob o forte impacto da pressão
do pensamento coletivo do seu tempo.
88
Se aceitarmos a verdade de um determinado tempo como absoluta estaremos
negando a evolução do pensamento. Por tal facto, a verdade, como absoluto
alcançável a cada momento é atemporal, e a ética de cada época não pode
ser, perante a parte da moral, senão casos especiais de estudo, como é o caso
desta dissertação, jamais podendo alcançar o carácter de universalidade
científica.
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6.Deveres do Homem Ético e Político do Desporto
Compreender os deveres éticos que o homem político do desporto terá que
colocar em prática é de extrema relevância para o tema desta investigação, a
qual pretende levar ao leitor a face da revelação e da exteriorização do
comportamento do homem político do desporto em sociedade e perante a sua
profissão. Tais aspetos emergem para a necessidade de uma conduta virtuosa
e de uma consciencialização ética.
Muitas são as definições apresentadas para explicar e exemplificarem o dever,
tais como, a harmonização das faculdades individuais com as imposições do
bem geral, ou ainda podemos centrar-nos na definição da necessidade
absoluta que impõe à vontade uma lei imprescritível ou irrevogável e universal.
Mas estas e outras definições idênticas não bastam para o esclarecimento do
assunto, pois a sua importância é tão grande que impõe um maior
desenvolvimento do tema, e por tal motivo determina uma reflexão no âmbito
da filosofia política do desporto, tema desta dissertação.
O dever pressupõe e implica o conhecimento que diferencia as condutas
corretas das condutas incorretas do homem político do desporto. O dever
considerado sob este aspeto é a consciência clara que o homem civilizado
eticamente deve ter da atitude que deve adotar em cada momento, em face de
cada problema. Diz respeito à orientação do seu espírito e da sua alma e ao
sentido da ação implícita perante uma conduta para consigo próprio, para com
o desporto e para com a sociedade.
Segundo Viana (1989) o dever pressupõe e implica dois conceitos opostos, a
subjetivação e a objetivação. Exige subjetivação, para que o individuo saiba
aplicar, a si próprio, a lei moral, e não apenas enunciá-la.
Já Séneca afirmava que, não obstante, muitos homens conhecerem
teoricamente a vertente ética, a maior parte da sua vida fazem o mal, uma
outra parte não fazem nada, e o resto do tempo a fazer tudo diferente daquilo
que se deveria fazer.
90
Porém e para Viana (1989) para além desta subjetivação, importa realizar um
esforço “sine qua non” de objetivação, e isto para que não se confunda o bem
geral com o bem individual.
Com efeito, o que é bom para um determinado homem nem sempre se
identifica com o bom, puro e simples, pois, para dar um exemplo, no primeiro
caso, o bom é um elemento estável e encontra-se essencialmente fora do
individuo. No segundo caso é inerente a ele e é instável, pois pode variar com
a sua disposição de espírito e de alma, com as mudanças da sua afetividade e
dos seus sentimentos.
O dever moral não consiste apenas em distinguir entre o bem e o mal. O autor
refere que estes são os dois polos, os dois núcleos-base, havendo entre eles
pontos intermédios, tais como o melhor, o pior ou o possível e o impossível e
até mesmo, o oportuno e o inoportuno. É por isso mesmo que a componente
moral implica duas funções, determinar claramente o bem moral e a interação
entre o objeto da moral e o homem com o qual ela se relaciona.
Ainda segundo a fundamentação do mesmo autor, o dever moral deve ser
considerado como algo de positivo e de inerente à própria vida e no
pensamento moral, pode surgir, também, o elemento negativo, mas apenas
com função reforçadora do elemento positivo, como por exemplo, “devo
guardar segredo; não devo falar” (p. 348) sendo a excelência humana a
condição primária e principal de todos os deveres éticos.
O “dever” de viver está implícito no dever de bem viver e todo o ser humano
vivente é um “devedor”. Por isso Viana (1989) evoca sob este prisma, que uma
morte pode ser uma infelicidade pública, se quem morreu foi um homem ético
ou um benefício público, se quem morreu foi um homem antiético.
Contudo penso que é sempre de lamentar a morte de um ser humano por mais
brutais que fossem os crimes cometidos em vida contra a sociedade, como por
exemplo, Saddam Hussein, através da dizimação com armas químicas no
Curdistão e no Irão, matando milhares de pessoas, mas nada no meu
entendimento, através do dever de punição do “homem legislador”, é
justificável para aplicação da pena de morte e sobretudo com a congratulação
91
de tal ato como garantia de uma importante vitória para a liberdade de um
Estado.
Um Estado justo e Ético é um Estado com princípios éticos e morais, com
deveres e direitos com vista à humanização e à sua dignidade caminhando
para a glória, na qual deverá assentar o “dever” da excelência humana como
dever ético.
Um ponto importante será proceder em separado quanto à interpretação do
que possa ser o entendimento incorreto do “dever”, pois o dever moral não se
relaciona com as ideias de “retribuição” e de “gratidão”, com os interesses ou
ambições humanas e Renato Kehl (1958) fundamenta que o dever não implica
favores, retribuições, reciprocidade. Deve-se cumprir o “dever” perante os pais,
perante a família, a sociedade, a pátria, sem outro instinto que o de obedecer
aos imperativos abstratos, anónimos, da consciência coletiva.
Como já foi referido, o dever moral tem projeção pedagógica, politica e social, é
exemplo e lição. O dever bem cumprido enriquece o indivíduo e as nações, o
dever desprezado pode arruiná-los e a este propósito será essencial citar os
seguintes versos de Alfred Tennyson, poeta Inglês, referentes ao duque de
Wellington, incluídos no poema:
Death of the duke of Wellington
“Not once or twice in our fair island story. The path of duty was the way to
glory”.
“Mais uma vez, na história da nossa bela ilha, o caminho do dever foi o
caminho da Glória”.
O dever moral confunde-se com o caráter, entroncando com a disciplina e com
a hierarquia e quando alguém apresente rebeldia ou inacessibilidade ao
cumprimento do dever, tal atitude denuncia desorientação, falta de palavra,
indignidade, egoísmo e espírito antissocial. Muitas vezes ouvimos no nosso
dia-a-dia a expressão “ Um só homem, uma só palavra”.
Cada um, homem do desporto, trabalhador, pensa em vencer ou em superar
qualquer companheiro ou adversário, pois quer na vida quer no desporto não
92
há inimigos, pelo contrário, há adversários sem os quais não seria possível
vencer nem alcançar a tão proclamada transcendência e imortalidade.
Mas há um “choque silencioso” de pessoas inquietas e de consciências
desformadas que cria, no mundo contemporâneo, uma atmosfera perigosa de
inveja, de angústia e de desagregação. Se o “vence”, vangloria-se e se “é
vencido”, desespera-se e pensa, desde logo, em tirar uma desforra.
Mesmo na orientação psíquica ou mental do trabalho cometem-se erros de
ordem filosófica e ética, praticados pelos homens. Na realidade este clima
moral está a tornar-se catastrófico, gerando, na sociedade, uma psicose de
uma surda adversidade e hostilidade, de uma permanente “guerra-fria”, e ao
agir deste modo, o trabalho desmoraliza e “intoxica” as almas, em vez de as
dignificar e enobrecer, pelo que o caminho que convém trilhar não será bem
este.
Para fundamentar a minha versão Viana (1989) refere que “de modo algum
interessa estar, cada um, ao trabalhar, a pensar continuamente naquele que
pretende superar, humilhar ou derrotar” (p.127).
Aquilo que cada homem, onde se situa o homem político do desporto, deve
esforçar-se por conseguir é a perfeição e o rigor no trabalho realizado, em
obediência aos princípios de cumprimento do seu dever, de execução do
melhor possível da sua missão ou tarefa e de fazer, cada um, o que pode e o
que deve sem lhe interessar, invejosamente, o que os outros façam.
Importa cumprir o dever e ser honesto e perfeito no que se faz perante a vida
em sociedade, em que o ponto de alcance e de execução deve ser a “obra”
que se realiza, o trabalho árduo conseguido, e não o “homem” que ao nosso
lado ou do outro lado da rua, em plena prova, ou na nossa equipa de projetos
de eventos desportivos também trabalha, e está em atuação connosco, num
verdadeiro palco de aprendizagem. Só assim é que poderemos melhorar as
nossas aptidões e qualidades.
Aliás, no desporto não há inimigos, como referi, só há adversários, pois o
homem político do desporto precisa do “outro”, seu colega, para se superar. É
este preceito que temos que interiorizar nas mentes e nas almas alheias ao
93
desporto e que muito carecem do apoio da alma e do homem bom pois se cada
um se devotar, com a “alma limpa”, ao cumprimento dos seus deveres e
apenas pensar em trabalhar honrada e dignamente, com brio e consciência, o
mundo, sem deixar de progredir, tornar-se-á melhor e digno de ser vivido e os
homens estimar-se-ão sem reserva mental e as suas relações tornar-se-ão
mais cordiais e mais humanas.
É isto que espero! Esta é a sociedade contemporânea que terá que despertar
para atualizar o “chip” da humanização e da sua dignidade.
O dever cumpre-se não para superar outrem, mas por imperativo categórico,
por firme amor à justiça, à verdade, à honra e à lei, como evidencia o filósofo
Kant em “Fundamentos da Metafísica dos Costumes”.
“Dever! Pensamento admirável que não atua por insinuação, por lisonja ou por
qualquer espécie de ameaça, mas apenas com vista a manter na alma, a sua
lei aberta, e a granjear, deste modo, para o individuo, o respeito, embora nem
sempre a obediência; perante ele, todos os apetites são surdos, embora
secretamente se revelem” (secção I).
O dever moral não compete apenas aos grandes e poderosos, compete a
todos, em todos os setores da vida, em todas as profissões e vocações há
lugar para o dever, e quem não cumpre renega-se e trai a sua missão. A
melhor vida diz o sociólogo Francês Edmond Goblot não é a mais longa, mas a
mais rica, a mais rica de dois bens que não se separam senão nos seus graus
inferiores, o prazer espiritual e a ação honesta.
Muitas vezes sinto-me triste ao passar na rua e ouvir as pessoas, o homem
político do desporto a pretender estribar-se em argumentos tipicamente
ilusórios.
Não podemos esquecer-nos que cada um, cada homem político do desporto é
constituído de racionalidade, de pensamento e de poder de alcance da Areté, e
o sentido que cada um dará a essas virtudes só a ele dirá respeito na
construção do seu destino ou do seu futuro. Na realidade, o homem ético do
desporto deverá sempre cumprir, em todas as exceções, os seus deveres, sem
querer saber se as demais pessoas cumprem ou não.
94
A admitir-se tal hipótese, o mesmo homem político do desporto, seria honesto e
desonesto, praticaria conjuntamente atos morais e atos imorais, conforme
tratasse com “pessoas de bem” e com “pessoas de mal” ou com pessoas
honradas e com pessoas desonradas. Isto tornaria, como é óbvio, as relações
humanas, no plano ético, instáveis, desorientadas e cínicas.
E relativamente a esta matéria será significativo mencionar um ponto
importante, a consciência ética, pois ela impõe um sentimento de cumprimento
da mesma e a isto podemos denominar “dever ético“ ou dever moral, como
outros pensadores referem, dado que a ética é considerada a teoria da moral.
Cumprir o que se faz útil e necessário à sobrevivência em harmonia, própria e
do grupo, dos semelhantes, da sociedade, é um “dever” ou obrigação perante
as regras de convivência.
Quer aceitando-se que isso seja uma disposição de vontade, como Kant
admitiu, bem como os sociólogos Spencer e Durkheim admitem, quer sob um
ângulo idealista, quer materialista, quer compulsório, o dever situa-se como
uma disposição especial a exigir o seu cumprimento como condição de
respeito, conveniência e êxito da conduta humana perante terceiros.
Há uma lógica natural do dever que, “partindo do nosso espírito” nos estimula a
cumprir os modelos mentais e educacionais, estes que recebemos e aqueles
que adquirimos pela convivência.
Segundo Spencer existe uma cobrança em nós mesmos que nos impele ao
correto e a questão é observada por um ângulo que muito se aproxima da
visão de Kant e ao que o mesmo denominou de “boa vontade”, como indução
ao sentimento de dever, como atuação de uma sensibilidade ética.
Na explicação de Lopes de Sá (1998) se um homem mantém sigilo sobre uma
informação que lhe revelaram, segue a respetiva conduta quase por um instinto
natural de vontade, mas, se não o faz, recebe, intimamente, repreensões da
sua consciência, sentindo um certo peso que não pode explicar mas que pode
perceber, a tal consciência pesada, que muitas pessoas dizem ter após alguma
decisão, além da condenação de quem foi prejudicado e de terceiros que
possam observar nesse ato uma desqualificação para quem o pratica.
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Um homem do desporto que use substâncias dopantes para melhorar o seu
rendimento desportivo sentirá que a sua consciência pesará por tal conduta,
mas a ânsia num grande desempenho o levará a tal, e se posteriormente em
prova for apanhado num controlo positivo e penalizado perante o sistema
desportivo será visto pelos colegas de profissão como um homem antiético.
Um elemento que não respeita a verdade desportiva desrespeitando o próprio
desporto em si, ou até mesmo, o facto de ser visto em tal prática pelos seus
colegas, ou ser mencionado perante os mesmos, mesmo antes de qualquer
resultado de punição do sistema desportivo, sofre com esta revelação que se
mostra punitiva perante os restantes elementos da equipa ou de profissão.
A ética, como conduta, é quase intuitiva, a partir das bases educativas comuns,
mas aperfeiçoa-se, como já foi mencionado, quanto à complexidade dos
deveres, pelos Códigos, através das Leis ou regras, pelo consenso nas
comunidades, aceites e geradas especialmente para tal fim.
O que parece existir em nós como algo natural pela força dos costumes pode
identificar-se, e quase sempre isto ocorre em regulamentos e leis, como ações
de ordem obrigatória.
Tais resultados normativos não permitem, por si só, no campo do
conhecimento a confusão do legal, do regulamentar com o ético, seja sob os
ângulos ou esferas da sensibilidade, como um complexo de tudo o que é
sensível no homem, isto é, tudo o que pelo homem pode ser percebido através
da sua racionalidade.
Lopes de Sá (1998) aponta na sua obra que o que contraria o normativo pode
não contrariar o ético e vice-versa, em sentido relativo. Quando, entretanto,
existe uma coincidência de princípios, tudo o que contraria tal consolidação é
uma violação e a transgressão, por efeito, passa a ser um defeito.
Assim, por exemplo, caluniar um amigo motivado pela inveja ou desejo de
ascensão social, é uma traição, e esta é um dos mais abomináveis defeitos do
homem e neste caso do político do desporto, condenável pela má qualidade
moral de quem o pratica. O traidor é um ser deformado moralmente, indigno do
respeito dos seus semelhantes e antes de tudo, um covarde. A obrigação de
96
lealdade advém da virtude exigível para a amizade, para as relações de
ligações de trabalho e para o funcionamento social em harmonia na polis.
A emoção inerente que impele a distinguir o bem e o mal, que nos conduz em
direção ao que é certo e que nos reprova diante do errado, é, como o admitiu
Rosseau, algo natural, sendo esse o sentimento que nos modela para o dever,
pelas vias de uma consciência ética.
Aquele que vive no vício, como exemplifiquei no caso do amigo traidor, ou no
caso do “doping”, não possui a sensibilidade ética nem a racionalidade
pertinente, e termina, quase sempre, desprezado pelos seus próximos, amigos
ou colegas, como um marginal no seu grupo, embora possa, de uma forma
temporária, tirar proveito do seu ato indigno como acontece, por exemplo, no
ciclismo, quer com Marco Pantani ou com Armstrong.
A relacionar com o dever, e como já foi mencionado neste estudo, não
podemos deixar de abordar a pertinência da educação. Não entendo como útil
o que se denomina educação, deixando que o educando faça tudo o que quer,
ao sabor do acaso e de uma suposta liberdade, sem uma orientação
competente para o que é necessário no campo da moral e da ética.
Da mesma forma, não posso conceber uma comunidade profissional que não
esteja orientada por uma norma de conduta ética e que não eduque
constantemente o seu grupo, a sua sociedade, a sua polis.
A orientação para o cumprimento do dever é tarefa educacional permanente,
quer dos lares, quer das escolas, quer das Universidades, quer do Estado, quer
das demais instituições. Educar, que significa alimentar para o dever é
contribuir para a harmonia social e para o êxito do homem político do desporto
que recebe os modelos de conduta.
Sendo assim, o sentido do dever parece ter proveniência de disposições
ocultas no nosso espírito e em nós manifesta-se como se fosse uma vocação
ou aptidão específica em que tal missão parece ser uma parcela de um sistema
gigantesco e indefinido para nós, quanto às suas finalidades últimas, mas
plenamente identificável e percetível nos objetivos que nos estão próximos.
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Lopes de Sá (1998) faz referência que não tem conhecimento de casos nem
referências de estudiosos que pudessem ter comprovado a excelência da
conduta apenas por um efeito absolutamente natural. Embora saibamos que o
natural ocorra, isto não exclui a admissão de que também o aperfeiçoamento
se faça imprescindível.
Parece determinante e relevante a qualidade da educação, pois esta,
paralelamente ao bom caráter, ao ambiente sadio em que se forma o homem,
procura também uma consciência ética de qualidade, e a mesma ao firme
conceito de dever. Mesmo os dotados não podem prescindir do referido
“polimento”, desse acrescento à natureza.
Somos parte de uma sociedade que nos oferece grandes vantagens mas que
nos requer como participantes ativos da sua organização e servi-la deixa de ser
um dever imposto ou mesmo sugerível, para emergir do racional e do sensível.
A racionalidade de um dever para com a entidade social, ou seja, a nossa
sociedade, a polis, significa também ser sensível, ao que Lopes de Sá (1998)
designa de “lei de retorno”, ou ainda, ao que devemos dar, não só em razão do
que recebemos, mas como um princípio que nos habilita sempre a continuar a
receber, em face da nossa posição na interação dos benefícios. É neste prisma
que inserimos a velha máxima de São Francisco de Assis, “porque é dando
que se recebe”.
Paralelamente ao assunto da “racionalidade ética” é importante referir na sua
ligação ou conexão à “vontade ética” que tudo o que provém do carácter já
formado sob as condições da génese ética é ato de vontade.
Um complexo de atividades do homem político, já inserido no seu universo
mental, caracteriza o que denominamos de “vontade ética” a qual envolve a
ação e a reflexão, que no campo da ética se evidencia por uma atitude
aparentemente impensada e automática, como imposição de uma energia que
se situa na nossa mente e que nos força a praticar a virtude sem os maiores
raciocínios.
A vontade ética envolve, igualmente, a “tendência ética” que possui a sua
explicação nos efeitos de uma sensação de inclinação para a prática virtuosa.
98
O desejo de agir corretamente, de praticar o bem, inerente à formação natural
de alguns dos homens é inegável quando na profissão recebem a educação
ética específica tornando-se verdadeiros gigantes da ética.
Vidari (1992) alerta, contudo, para se ter o cuidado e se evitar os extremos, ou
seja, a potencialização da tendência com a irracionalidade do excesso de rigor
que pode levar a radicalismos e terminar a prejudicar em vez de beneficiar a
sociedade e o homem político do desporto quando sob certas circunstâncias se
situa na inflexibilidade e na austeridade.
É pertinente focar o instinto ético na vontade ética, pois a ética é um fim e é o
que caracteriza o instinto ético uma vez que os valores são fins e não meios.
O instinto busca a utilidade porque é uma forma de ação que visa ao homem
político do desporto, mas, no sentido ético deve ser tomado com a
condicionalidade que liga o homem à sua sociedade, à sua polis.
Lopes de Sá (1998) salienta que embora o instinto seja fortemente subjetivo,
não poderá ser excluído da conceção ética, se ele se fundamenta numa
proteção respeitante dentro do todo em que o homem político se insere.
“O instinto ético não provém de algo que se recebeu nem do que se escolheu,
mas de uma disposição natural, biológica, de autoconservação pela prática de
uma ação, sendo estável na sua manifestação” (p.87).
Cada uma destas parcelas (ação reflexa, tendência ética e instinto ético)
constitui-se como um todo denominado de “vontade ética” e que tem a sua
importância e que se justifica como conceito dentro do estudo da matéria.
O estado de consciência ética está em interação com a vontade ética e o ato
volitivo, a espontaneidade aparente no cumprimento dos princípios das virtudes
morais e éticas provém de uma consciência formada, mas dela se distingue
pela forma e pela prática efetiva ou ação do estado consciente mental.
O homem antes de ser um animal político é um cidadão e é sobre a estrutura
deste que se formam as estruturas da sua atividade política. Há deveres que,
antes de serem políticos e profissionais ou vocacionais são humanos e cívicos.
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Quando certas virtudes e bons hábitos faltam ao individuo como cidadão, de
uma forma lógica irão faltar, naturalmente, ao homem político como ser político
do desporto.
Importa, por isso mesmo, fixar algumas regras essenciais, que o homem do
desporto, digno de tal nome, deverá respeitar evidenciando-se como o “homem
ético” integrado e camuflado ou inserido na pele de “homem político”.
Para tal, existe a necessidade de as acompanhar no âmbito de fundamentação
teórica inserida na lógica e nos pensamentos de São Tomás de Aquino e de
Santo Agostinho, sendo posteriormente mencionadas nas obras de Figueiredo
(1936) Renato Kehl (1958) e Viana (1989).
O dever de sinceridade no “homem honesto” em que este deve proceder e falar
sempre com boa-fé, sem intenções ocultas, sem reserva mental e sem malícia.
Quem procede com sinceridade é capaz de reconhecer o seu erro, quando lho
demonstram, seguindo a lição de Santo Agostinho: “ A objeção do adversário
deve ser, para vós, uma ocasião de vos instruíres”. Precisamos do adversário
no desporto para sermos melhores, para aperfeiçoarmos a técnica e a tática, a
própria prática política implica tal visão, o confronto de ideias, para um melhor
esclarecimento e desenvolvimento na busca da polis ideal como Estado Ético.
Menciona Renato Kehl (1958) que no que diz respeito à palavra convém
acentuar que o facto de ser sincero não quer dizer que se diga tudo o que se
pensa ou sabe. A sinceridade, para uma boa política, deve conciliar-se com a
prudência, “ Falar com sinceridade sobre coisas que devemos calar, é como
disse alguém, faltar à prudência, à honestidade, e, muitas vezes, à caridade”
(P.104).
Ser delicado, cortês, é um dever, em suma, ser humano não custa dinheiro. A
vida social e política, quando nela predomina uma correta e honesta
sociabilidade, isto é, uma verdadeira política, decorre num ambiente favorável e
feliz no bom sentido do conceito filosófico de felicidade, em estar o máximo de
tempo possível a fazer o que gostamos mesmo de fazer e vivermos para isso.
100
Muitos problemas difíceis resolvem-se, apenas, com delicadeza. Aliás, há uma
antiga máxima que recomenda, “Respeita os outros, para seres respeitado”. A
falta de respeito pela pessoa do nosso próximo é a concretização de
sentimentos inferiores de egoísmo, e este transforma sempre em momentos
ordinários, repulsivos e desagradáveis.
Na política, as relações humanas devem ser norteadas pela calma, moderação
e ponderação. As atitudes violentas, intolerantes e agressivas arruínam,
prejudicam e são antissociais. O “homem político” na ação desportiva,
evoluído, educado, formado e instruído deve saber ouvir e saber calar, deve
saber guardar silêncio quando outras pessoas gritam e deve conservar-se
lúcido quando as outras pessoas ficam desorientadas e perdem o rumo.
A calma evita conflitos inúteis, muitos desentendimentos desagradáveis, muitas
discussões estéreis ou dececionantes. A propósito, pondera um filósofo “Uma
discussão surge entre duas pessoas, tu discordas, tu questionas
exaltadamente. Que concluir daí? Que tens razão? Não, apenas se pode
concluir que és violento e brutal”. Assim não poderá ser o homem político do
desporto.
Há necessidade de haver um dever de gratidão. A vida social e política no
desporto não pode basear-se sobre a injustiça, apresente-se esta de que forma
se apresentar.
O reconhecimento moral no seio social e político é um dos mais altos sinais e
prova de superioridade moral. Por isso, e de acordo com Viana (1989) a
ingratidão é uma consideração inflamante, o que levou a sabedoria dos povos
e das nações a condenar, “De mal-agradecidos está o inferno cheio”.
Evidentemente procede tão mal aquele que pretender forçar o seu próximo a
uma gratidão desmesurada ou humilhante, como aquele outro que tem
vergonha de se mostrar grato ou que retribui, abertamente, o bem recebido,
com toda a variedade de atos desumanos e cruéis.
No dever de obediência como dever geral, incluem-se alguns deveres
fundamentais, o cumprimento da palavra, o cumprimento dos contratos, o
dever de pontualidade, o dever de respeitar a honra alheia e o dever de
101
escrupuloso cumprimento do trabalho. Em todos estes casos, o homem terá de
“obedecer” a uma combinação livremente aceite, a um princípio superior a ele e
útil ao seu bem e ao bem comum, e desobedecer a isso implica uma traição ao
contratado ou ao interesse geral, que é também o seu interesse.
A vida política e social baseia-se na confiança mútua: se alguém aceita fazer
alguma coisa em determinadas condições ou comparecer, a determinada hora,
em certo local, e se não cumpre o acordo pré estabelecido, comete uma falta
inadmissível.
Retirado da obra de Viana (1989) conta-se que, certa vez, um amanuense ao
serviço de Washington, quando este era presidente da República, chegou
tardiamente ao serviço alegando com cinismo:
“O meu relógio atrasa-se…
Se o seu relógio se atrasa, respondeu Washington com rara calma, arranje
imediatamente outro relógio, caso contrário, procurarei, eu, outro amanuense!”
No desporto evidencia-se tal desígnio, um atleta que hoje seja campeão e que
amanhã deixe de treinar e não queira mais saber do rigor do treino, que se
acomode ao passado e não prime a sua vida desportiva pela primazia, pela
verdade, pela precisão e pela eficiência que lhe permitirão ir ao encontro da
linha que lhe permitirá a sua superação e a busca pela transcendência está
definitivamente perdido e tornar-se-á um homem imoral.
No exercício político, um dirigente desportivo que permaneça sentado à luz do
passado brilhante e cintilante e que não tenha a astúcia de fazer mais e melhor
na sua carreira ao serviço da harmonia e da paz social, jamais alcançará a
virtude de um homem moral, de uma ética humana, será sempre um arruinado,
um devasso, um inútil e um corrupto para com o seu povo e para com a sua
polis.
No que diz respeito ao dever de perfetibilidade, o homem não é um ser perfeito,
mas é, sem dúvida perfetível e poderá ser trabalhado como refere Patrício, pois
o homem para além de ser a escultura é o escultor da escultura e a ferramenta
da mesma escultura. Pode cometer pecados e erros, mas deve procurar
102
comete-los cada vez em menor número. O grande mal não está em errar mas
sim em persistir e insistir nos erros já cometidos, nada apreendendo com a sua
experiência pessoal.
É certo que há erros humanamente invencíveis, mas não é menos verdade que
também há erros perfeitamente vencíveis. Nenhum homem de boa vontade
deverá ou poderá escusar-se a dominar estes últimos.
Mas, para o fazer, é importante formar uma consciência insuscetível de errar
com frequência e vencer o amor-próprio. É preciso estar sempre vigilante,
porque a consciência pode enganar-se, se se mostrar duvidosa ou ser errada
ou falsa, isto é, se eventualmente classificar como boa uma má ação. E este
desvio tornar-se-á ainda muito maior se interferir no respetivo julgamento o
amor-próprio do indivíduo.
Relativamente ao dever de justiça, compete a cada um julgar o seu próximo
com zelo e humanidade, pois os seus juízos devem ser desapaixonados,
objetivos e corretos. O verdadeiro “homem ético” no desporto deve procurar
avaliar a verdade, esteja ela onde estiver, no amigo ou no inimigo, no
conhecido ou no desconhecido. A sua apreciação deve ser, tanto quanto
humanamente possível solta de sentimentos ou paixões desvirtuadas, como
por exemplo, a vingança, a inveja, o despeito, o interesse.
Na política do desporto, o cidadão consciente das suas responsabilidades não
deve acreditar cegamente em tudo que lhe dizem de suspeitoso e de mal. Deve
duvidar, com prudência, de boatos sem fundamento, de acusações maliciosas
ou de insinuações ofensivas.
É através de juízos formados com base em informações falsas, perversas ou
caluniosas, que muitos praticam ações injustas quer por palavras, quer por atos
colocando em causa toda a fundamentação e toda a ação política.
O dever de Humanidade é um dos que mais é mencionado nos livros e
compete ao “homem desportista” enquanto figura ética e moral tratar o seu
semelhante, o seu adversário em pista ou em jogo, o seu opositor no Estado,
com o devido respeito à pessoa humana para a respetiva atuação política.
103
Este dever é extensivo a todas as pessoas e a todas as situações, aos que
mandam e aos que obedecem; aos que têm o poder de decidir e aos que não
têm esse mesmo poder. O dirigente desportivo, o treinador, ou político
responsável pala área do desporto, ao comandar a sua massa humana não
deve confundir autoridade com desumanidade, com autoritarismo ou com
brutalidade.
Por seu lado, o mais humilde homem não deve exigir o “impossível” ao seu
superior hierárquico, nem deve, tão pouco desvalorizá-lo só porque é seu
superior, não tendo a noção que só a unidade será sinónimo de vitória.
Todos os homens têm algo de comum na sua humanidade, e a caridade é uma
virtude que por todos deverá ser praticada, embora sob formas diversas.
Muitas vezes, aquele mesmo que se queixa da desumanidade do seu superior
hierárquico é o mesmíssimo que no seu plano familiar e social apresenta
comportamentos desviantes do tão proclamado humanismo.
Portanto, há aqui uma contradição, o mesmo indivíduo a queixar-se de um mal
que ele próprio pratica sobre outrem. Tal situação é deveras clara no contexto
político e desportivo, em que o “homem político” por inúmeras vezes aborda
questões sobre a ética ou sobre a falta dela em determinadas matérias quando
se sente prejudicado e noutros contextos da vida social atenta de diversas
maneiras e feitios contra o bem comum e institucional.
Há que presenciar o dever de coragem. No desporto há muitas pessoas
honestas no seu foro íntimo, e que, no entanto, procedem, com frequência,
desonestamente ou permitem a consumação de desonestidades, muito
simplesmente pelo facto de não serem capazes de tomarem atitudes definidas,
claras e firmes.
Estes indivíduos sofrem, fazem sofrer e espalham em redor de si ondas de
inquietação, de angústia e de mal-estar.
Estudos mostram que foram relatados medos, o receio, o espírito comodista,
inibem de procederem bem, não obstante conhecerem o bem. Alguns vão até
ao ponto de prejudicarem e ofenderem alguém e dirigirem-se-lhe a pedirem
104
desculpa do mal que lhe causaram, “Eu reconheço que você foi ofendido nos
seus legítimos direitos…mas não pude fazer nada…” (Viana, 1989, p. 328).
O homem político no desporto que assim proceda é um divulgador insensato
do erro e do mal, uma moral abatida pode ser reabilitada por um direito severo,
assim como um direito mal orientado pode ser corrigido por uma moral rigorosa
e estamos perante a interação entre o direito e a moral.
E depois disto, importa ter coragem de servir de uma forma inequívoca e clara
as causas honestas, dignas, justas, mas servi-las de modo inteligente e reto,
em obediência a princípios racionais.
Há que se estabelecer o dever de trabalho. Como na vida, o desporto na sua
ação técnica e política implica este dever fundamental, como todas as pessoas
conhecedoras do fenómeno devem saber, a obrigação de evitar a inércia e de
desempenhar a atividade política compreendendo as capacidades psíquicas,
mentais e biológicas de cada um. Perante o trabalho dever-se-á nortear as
respetivas capacidades a todo um relacionamento do comportamento ético e
moral para a definição e integração do homem politico no seu trabalho em prol
do desporto, porque quando falamos do homem político e do homem
desportista estamos a estudar e a compreender o mesmo homem.
Aquele que pretender exercer a atividade política no desporto e na educação
terá que possuir aptidões e aquele que vê no trabalho um simples meio de
ganhar a vida, sem outra preocupação, afasta-se da ética da cidadania.
É preciso saber fazer da política um serviço social e trabalhar bem e
dignamente.
É importante trabalhar com honestidade, cada um no que sabe e fazendo
apenas o que pode fazer, sem pretensões a acumular atividades, apenas com
vista em lucros e sob o signo da ambição desmedida.
O último ponto deste capítulo que importa salientar promove uma abordagem
ao facto da sociedade não ser constituída por homens isolados. A sociedade
não é de modo algum uma disseminação de indivíduos solitários, os homens
105
vivem em grupos constituindo e construindo uma polis bela de alma e espírito
no sentido do “Estado Ético”.
Esta realidade implica quatro tipos-base de fenómenos, de acordo com Viana
(1989).
a) Relações dos indivíduos dentro de cada grupo;
b) Relações dos grupos entre si;
c) Relações dos grupos com os indivíduos;
d) Relações dos indivíduos com os grupos;
Para a existência social, política, desportiva e comunitária ser possível torna-se
necessário que as supracitadas relações se processem a um nível mínimo de
dignidade, pois é precisamente a vida de relação, de ligação e de afinidade que
traça os contornos do mundo e das nações para a confiança mútua entre os
povos.
De facto, não pode haver convivência nem progresso sem alguns requisitos
essenciais, tais como um certo grau de agregação, a comunicação entre as
“pessoas” individuais e coletivas, uma vez que comunicar simboliza a nossa
existência. O homem desportista que não comunica está morto, e tal facto
torna-o no homem político por excelência na difusão do bem comum pela polis.
Neste sentido, e igualmente significativa, é a proximidade e boa vizinhança
entre indivíduos e grupos, nas várias formas, as relações definidas e honestas
entre os referidos indivíduos e grupos, e uma certa coesão dentro de cada
grupo, porque nenhum grupo poderá atuar confiadamente enquanto não
conseguir unir-se por opiniões comuns, afetos comuns e interesses comuns.
A vida em comum não é fácil e todos nós no nosso dia-a-dia sabemos disso.
Cada pessoa tem temperamentos diferentes, personalidades diferentes,
conceções de vida diferentes, interesses diferentes, aspirações diferentes,
formas de pensar diferentes assentes em filosofias de vida diferentes. Existe
um velho provérbio português que há muito reza: “Cada cabeça, cada
sentença”.
106
No desporto presencia-se tal visão, pois trata-se de um fenómeno que para
além de cultural e de mítico-religioso, económico e político evidencia uma
conexão social acentuada, perante a qual Costa (1995) justificou como um
“facto social total”, sendo o desporto um regulador social e o espelho da
sociedade. O desporto faz apelo à inteligência e à cooperação com vista ao
rendimento e à superação, enquanto categorias axiológicas, entre todos os
elementos de uma equipa para se alcançar a tão proclamada vitória.
Mesmo no desporto dito “individual” há o coletivo, podemos observar a
presença do “homem sócio” pela definição de Viana (1989), o homem
integrante na sociedade, dado que para se superar e se transcender será
sempre necessário o “outro”, não como um inimigo, mas sim como adversário.
Então para que o grupo possa subsistir torna-se indispensável distinguir entre
os elementos agregadores e os elementos desagregadores, procurando
encontrar aquilo que é suscetível de unir e reconciliar os homens, e afastando
ou suprimindo as fontes de desunião e de desentendimento.
Terá de se estabelecer um mínimo de condições suscetíveis de tornarem
possível a coordenação de esforços e de boas vontades num ponto de
convergência, onde todos possam entender-se e dar-se as mãos na busca
incessante pela vitória, seja ela qual for.
Essas condições mínimas podem resumir-se, talvez, na admissão de uma base
ética, à qual quase todos e cada um em particular devem obedecer, como
respeitar, cumprir e fazer cumprir as leis emergentes da referida base ética.
Será também importante e fundamental admitir a sinceridade e a boa-fé do
referido “escol”, ou seja, a elite ética, procurando compreender a
transcendência da sua missão e procurando conhecer as intenções retas de
cada um, porque a condição indispensável para se viver harmoniosamente com
qualquer pessoa é conhecê-la bem.
De não somenos importância será afastar dignamente aqueles que na “escol”,
na elite ética, atraiçoam as bases éticas essenciais, mas logo aos primeiros
desvios, e antes que o mal alastre e se torne grave; antes que o mau exemplo
incite os perversos e antes que os justos e honestos sejam vítimas dos
107
referidos desvios, porque toda a liberdade deve ser tida por legitima na medida
em que acresce o poder de fazer o bem, e fora daí, não.
“ A verdadeira liberdade, a que devemos desejar acima de tudo, é aquela que,
na ordem individual, subtrai o homem à escravidão dos erros e das paixões, a
pior das tiranias, e na ordem pública, oferece aos cidadãos regras prudentes,
facilita amplamente o bem-estar e salvaguarda a República de um domínio
arbitrário” (in Mário Gonçalves Viana).
A força e o poder tendem a desvairar o “homem atleta” e o “homem
desportista” e a levá-lo à prática de excessos e de abusos no exercício político
da sua atividade e na prática desportiva por inerência. Importa estar de
sobreaviso contra estes perigos e fixar princípios éticos fundamentais.
A força bruta, a força que é dada pelo poder ou pelos músculos, só vale
quando é colocada ao serviço do bem. Fora disto, semelhante força não passa
de um desvio lamentável. A força do espírito, da alma, da razão, da justiça, da
verdade e do bem é a verdadeira força, tanto para o homem que dirige, gere ou
administra, como para o homem que obedece e que deverá colocar a força
física de que possivelmente disponha ao serviço e em defesa das leis éticas,
obedecendo-lhes inteiramente e cumprindo-as com absoluta sinceridade.
Na ética desportiva e no exercício político do desporto, a força verdadeira não
se compadece com o medo, com a hesitação e com a impulsividade explosiva.
É dever do homem desportista enquanto ser político, responsável pela vida e
haveres dos outros, pela glorificação do seu Estado, não perder a serenidade e
a lucidez nas emergências difíceis, nas horas de luto, de dor, de sofrimento, de
perigo, de derrota, de triunfo, de alegria. Um indivíduo desorientado ou
descontrolado pode cometer, sem dar por isso e sem querer, as piores
indignidades morais.
Na ética desportiva e no exercício político do desporto a força verdadeira não
se compadece com a falta de confiança em si próprio, e aquele que duvida de
si fica à mercê das mais várias influências externas. Porém, a atitude contrária
é igualmente condenável, julgar-se alguém infalível e deixar-se dominar pelo
orgulho e pelo amor-próprio é um erro grave e de graves consequências. O
108
político, o dirigente, o treinador ou líder deve ser firme, sem ser teimoso ou
rígido. Pode e deve saber desculpar as fraquezas daqueles que estão sob as
suas ordens, mas não deve ser “passa-culpas”.
Na ética desportiva e no exercício político do desporto a força verdadeira
revela-se por uma linha de conduta unitária, coerente e coesa, só por uma
conduta total. O homem versátil e inconstante, que manda ao acaso e ao
capricho de qualquer ideia súbita ou sob qualquer pressão, é um fraco e um
elemento de perturbação. Semelhante atitude pode resumir-se na seguinte
definição sugerida por Viana (1989): Ordem + Contraordem = Desordem.
Na ética desportiva e no exercício político do desporto, a força verdadeira tem
de se basear sobre a competência, sobre o conhecimento dos problemas e
sobre o exemplo. O político, o dirigente, o treinador ou líder responsável deve
saber pôr o homem certo no lugar que lhe compete, deve procurar conhecê-lo
razoavelmente bem, dando-lhe bons exemplos, ensinar-lhe a cumprir o seu
dever, proceder com boa-fé para com ele e recompensá-lo com perfeita justiça.
Só aquele que procede com reta consciência e saber pode sentir-se seguro de
si no posto que ocupa.
Na ética desportiva e no exercício político do desporto a força verdadeira não
consiste apenas em agir; consiste em resistir. Resistir à tentação do mal, da
corrupção, do facilitismo em evidenciar ou elevar o seu nome por fama alheia e
em resistir às pressões suspeitas do exterior.
O homem ético no desporto tem que saber resistir, igualmente, à influência dos
pequenos e dos grandes, dos astutos e dos fortes, nunca objetivar a prática de
uma infâmia por amizade, nem uma injustiça por ódio, ou um delito por
ambição. A força moral torna o homem superior às suas paixões e indiferente
às paixões do mundo.
109
7. Educação, Orientação e Estado Ético
Para a obtenção de uma conduta virtuosa que direcione o homem político do
desporto nos trilhos gloriosos de uma consciencialização ética é importante que
o referido homem seja colocado perante uma educação que contemple uma
formação e instrução e que o oriente para a construção do Estado Ético.
Compreender o funcionamento de um “Estado Ético” implica perceber qual a
educação e orientação ética a ser seguida. Para tal, necessita da interpretação
com base na filosofia, de um fator de extrema relevância para este assunto, o
“Ideal ético”.
O Ideal moral terá de se basear na essência da própria natureza humana, pois
já São Tomás de Aquino considerava no seu tempo: “A natureza ocupa o
primeiro lugar em cada coisa.”
No Desporto não poderia ser diferente, dado que o Desporto só poderá ser
considerado como tal, atendendo ao facto de ser um acrescento à natureza
devido ao seu sentido cultural, para além do âmbito genético e instintivo.
O desporto é uma estrutura de sentido permitindo a interiorização do mesmo
como fenómeno cultural e que acrescenta algo à Natureza, sendo este o ponto
de partida para a nossa reflexão enquanto fenómeno humano, cultural, social e
político.
O acrescento axiológico, a escola dos valores, distingue o Desporto de uma
atividade física, e portanto o homem desportista como homem político
necessitará de se comportar em sociedade como um verdadeiro homem ético
construtor de um Estado de excelência humana perante as normas éticas na
composição do Ideal moral.
Considerando o problema sob este ponto de vista, Viana (1989) alude ao
poder da admissão no homem, a nível afetivo, de três atitudes fundamentais,
tais como, a irritabilidade, que implica atitudes defensivas ou de fuga, de
submissão ou de renúncia. A agressividade, que implica atitudes combativas,
de domínio, de ataque, de raiva e de ira. A reprodução, que implica atitudes de
conciliação, simpatia, cooperação, imitação ou amor.
110
O homem terá de evitar o mal ou fugir do mesmo, submetendo-se às normas
éticas e de renunciar a quaisquer prazeres maléficos ou atividades nocivas.
Há que enfrentar de forma corajosa o mal, dando-lhe combate e procurando
dominá-lo, vencê-lo e suprimi-lo na medida do humanamente possível. Mas o
mais importante será o homem ético e político compreender que deverá possuir
uma atitude aberta e leal procurando amar o bem e praticá-lo, assim como
cooperar com o seu próximo e companheiro social, no sentido de melhorar a
sua conduta e a conduta alheia em benefício próprio e geral, isto é da
sociedade, para uma política social eficiente.
Então para uma correta política social e desportiva há que se construir um
homem com uma conduta ética assente em bases morais, cujo conteúdo de tal
propósito será a razão de ser do respetivo princípio ético e moral. Para poder
proceder desta maneira importa a cada pessoa poder e saber distinguir entre o
bem e o mal, a fim de poder escolher sempre o primeiro caminho, repudiando o
segundo.
Eis o ponto de partida essencial, segundo Aires Bello (1946), que admitindo
que na sua forma fundamental a consciência moral é inata, sendo necessário
de se reconhecer a consciência como sendo apenas a capacidade de emitir
juízos absolutos muito gerais, decorrentes imediatamente dos princípios
primeiros da moralidade.
Savianni (2009) estudou duas obras de Aires Bello, a “Filosofia Pedagógica” e
“Introdução à Pedagogia” e aponta uma contextualização do respetivo autor, o
qual refere que os princípios da moralidade podem reduzir-se aos seguintes: o
bem e o mal opõem-se, o bem é preferível ao mal, deve-se praticar o bem e
evitar o mal. São princípios muito gerais e que não podem de modo algum
servir de norma da conduta humana, se não forem aplicados num sistema
objetivo de deveres e exigências que constituem a lei moral”
Portanto, terá que se considerar uma outra dimensão para o estudo das
normas da conduta humana, muitas vezes afastado da linha de pensamento a
estudar, que é o problema das emoções.
111
Então há que considerar, além dessa consciência de Aires de Bello (1946)
sobre os princípios gerais, o problema das emoções, porque a consciência é,
em suma, a capacidade de sentir as emoções éticas com vista à fixação de
ideias éticas.
Neste particular pode-se admitir que o homem político do desporto é
influenciado pelos sentimentos básicos da verdade, da beleza e do bem, pela
emoção do conhecimento ou da verdade, pela emoção estética ou de beleza e
pela emoção ética ou do dever.
Como facilmente se compreenderá, as próprias emoções da verdade e da
beleza entroncam-se na emoção ética, por isso é que o ideal ético é também
um ideal de verdade e de beleza, de verdade moral e de beleza moral. O ideal
ético é um Ideal estético, permitindo a comunhão perfeita entre a ética e a
estética, já abordada neste estudo.
Heguel (1876) refere no seu estudo que o objetivo supremo não é o
conhecimento da verdade, o conhecimento de Deus, e daí resulta que também
já não se conhece o que é o direito e o que é o dever.
Neste campo o Desporto funciona como uma verdadeira polis, atendendo à
presença ética e estética no debate, na linguagem e no planeamento
discursivo. A experiência estética no Desporto apresenta uma dimensão
emocional e comunicativa, o ambiente desportivo converte-se num terreno
emocional através da observação do fenómeno dada a sua sensibilidade (a
alegria, satisfação e calma na vitória, a tristeza, irritação e raiva na derrota).
O contato com o Desporto traduz-se num diálogo entre quem realiza e o que é
realizado e quem assiste. O desporto tendo algo para oferecer ao público,
constitui um elemento imprescindível à valorização do espetáculo desportivo e
à qualidade do diálogo que se estabelece, que deverá assentar em
determinadas características e patamares éticos e justos para o seu bom
funcionamento. Exemplos assertivos são:
Do estadista norte-americano Henrique Clay (1777-1852) que sendo candidato
à presidência da República proferiu uma frase que ficou célebre: “Prefiro ser
justo, a ser presidente da República”.
112
E Wellington que afirmou: “ Há pouco ou nada, nesta vida, que valha a pena
viver, porém todos nós podemos caminhar direitos e cumprir o nosso dever”.
Mas, evidentemente, não basta conhecer o justo e sentir o justo, é
indispensável também praticar o justo. Embora segundo Espinosa, a falta moral
seja a consequência de um erro de julgamento, o que levaria a admitir que o
homem só por ignorância pratica o mal, o certo é que há diferença entre
conhecer o bem e praticar o bem.
É fundamental a importância moral do esforço honesto, talvez seja tempo de
reabilitar o valor do “esforço” e da “dor”, da disciplina, da vontade, ligada de
uma vez para sempre, não ao que agrada, mas também, a tudo o que
desagrada e que é duro e penoso.
Estamos perante uma sociedade do mínimo esforço, físico e espiritual, mas
teremos que ser eternos Sísifos na busca da verdade, da moral, do belo, da
sabedoria, da esperança e da plenitude. Monte a monte, sempre a empurrar o
rochedo, teremos que caminhar para a glorificação e para a transcendência
humana com total dignidade.
Viana (1989) pondera dois elementos fulcrais, a intenção e a ação que são de
extrema pertinência e relevância para este estudo na análise com total
conhecimento e transparência do bom funcionamento ético político e ético
social no desporto.
O propósito de fazer aquilo que julgamos justo deve ser completado por uma
ação concordante com semelhante objetivo, isto é, pela adoção dos princípios
éticos, gerais e especiais com vista à formulação de juízos éticos e à
submissão dos princípios e deveres éticos.
A ética, além do ideal a adotar na direção da vida, é também uma necessidade
da natureza mental e biológica, porque como refere Aranguren (1958) o
homem é, na sua constituição, um individuo moral.
Existe uma manifesta e até imperiosa tendência no homem, seja no exercício
de cidadania e político ou até mesmo no contexto social e desportivo, para
justificar os seus atos e pedir a justificação dos atos alheios.
113
Indo ao encontro de uma dimensão antropológica, isto é verdadeiramente
humano e filosófico na sua génese, dado que a filosofia estuda as questões
centradas no homem, tendo Viana (1989) clarificado a aplicação da palavra
“justificação” como uma vertente que engloba o sentimento de justiça que é
inerente ao homem e que se concretiza em determinadas ações, tais como, dar
razão, negar razão, pedir contas ou até mesmo dar contas.
Para além do que faz ou executa o homem digno e ético de tal nome procura,
irresistivelmente, fazer ressaltar as suas boas intenções, porque é isso que
vale, como se presencia na sociedade e no desporto.
Soren Kierkegaard (1959) tem uma conceção muito interessante para
fundamentar a imagem de homem ético e honesto pois sustenta que quando
um homem receia a transparência é sinal que foge da ética, pois esta mesma
componente da moralidade na realidade vai ao encontro da noção de
transparência.
Por isso, a honestidade é mais do que cumprir fielmente a lei acima de tudo. É
cumprir conscientemente os deveres que a cada um competem, e segundo
Viana (1989) é uma virtude que consiste na prática rigorosa de todos os nossos
deveres, como homem cidadão e como homem-sócio.
A lealdade funde-se na intenção e não na ação e há igualmente juízes que são
justos por enganos, vestindo-se com a roupagem do homem do desporto,
experiente na dinâmica de jogo, e por vezes antiético que só quando erra é que
dá boas cartas aos jogadores mais novos e aprendizes. Por efeito deste
princípio pode qualquer homem ser íntegro e justo e ter concorrido para uma
ação injusta, como muitas vezes se presencia no desporto e no plano político.
O Ideal é, pois, conciliar o pensamento, o sentimento e a ação, procurando
viver num mundo mental e psicológico puro e sincero, virtuoso e coerente de
emoções saudáveis e de aspirações generosas.
Analisando a obra de Lopes de Sá (1998, p.80) deparamo-nos com uma
perspetiva de um enorme alcance ético. Como disse um velho e grande
homem sábio, de uma forma tão expressiva, e posteriormente postulado como
114
uma regra do senso comum “uma noite com estrelas aprazíveis é melhor do
que mil noites nebulosas, sem o vislumbre de uma única estrela”
Só com ação é que poderemos ir ao encontro do “ideal” construindo uma nova
ética no sentido ontológico da palavra, pois de contrário estaremos a tratar de
uma “utopia”.
Assim a educação ética desempenha um papel crucial para o Ideal ético e
Viana (1989) faz referência a uma frase de Santa Teresa de Jesus, a qual
protagoniza a ideia de que dentro de cada um de nós há Deus e o demónio, e
mais tarde também, Henri Lacordaire, antigo deputado, educador e académico
Francês afirmou que no ser humano escondem-se um Santo e um malfeitor.
Através destes dois conceitos metafóricos ou simbólicos pretende-se salientar
que o homem político, neste caso, do desporto é impulsionado por duas forças
contrárias, ou seja, as forças do bem e as forças do mal, os bons instintos e os
maus instintos.
Conforme as forças que nos dominarem, assim nós seremos bons ou maus,
conforme o caminho que seguirmos, assim encontraremos o bem ou o mal,
conforme a escolha que fizermos, assim nos perderemos ou salvaremos.
A educação tem precisamente por objetivo básico elevar e canalizar o que há
de animalidade e de maldade no indivíduo. O fim principal da instrução refere
Leclercq é desenvolver o valor humano do homem, abrindo o seu espírito às
preocupações desinteressadas concernentes às transcendências do ser, isto é,
a verdade, o bem e o belo. É a ética com estética na formação do “homem
desportista” enquanto “homem político”.
Terá que haver uma formação, uma educação alicerçada numa componente
axiológica, e caso tal não ocorra, não caminharemos no sentido ético pois em
toda a sua plenitude humana é indispensável a educação moral, de acordo
com os princípios éticos e estéticos, como a única forma suscetível de dar ao
homem político do desporto as possibilidades de moralizar a sua conduta no
seio do mesmo desporto e da sua polis.
115
O homem político do desporto terá de viver com vista a atingir determinados
fins, o que pressupõe o conhecimento dos valores correspondentes, isto é, a
realização de um esforço cognitivo sobre a existência tal como ela decorre na
prática, em conformidade com um suporte teórico fundamentado e a realização
de um esforço cognitivo sobre aquilo que o desporto e que a vida devem ser.
Viana (1989) explica estes dois “esforços” à luz da sua teoria. O primeiro
esforço é de caráter descritivo e analítico e o segundo esforço é de caráter
simbólico e normativo, mas estes dois esforços, segundo o mesmo autor, têm
de se integrar ou enquadrar numa escala de valores éticos adequados às
necessidades sociais, grupais e políticas.
Porém, estes dois esforços ainda não resolvem o problema, pois, para além
destas questões da axiologia, ou seja, dos valores, há mais alguma coisa a
considerar e de extrema relevância. Há uma experiência pessoal a
operacionalizar, porque só ela educa os homens e só ela, também, poderá
instruir o “homem do desporto” enquanto “homem político”.
A experiência pedagogicamente útil terá, contudo, de ser uma experiência
convenientemente dirigida, que implique um novo esforço, esforço de sacrifício.
A educação puramente prazerosa, para a qual se tem resvalado em excesso e
de um modo lamentável, não pode formar o “ homem ético” de que as
sociedades carecem e que a política necessita para a Humanização.
Lopes de Sá (1998) revê-se na “imagem” de que se a vida é constituída por
uma via interminável de limitações, onde nós próprios somos limitados, o
homem é um ser limitado, terá de se considerar errada toda e qualquer
pedagogia que facilite e que não habitue o homem imaturo às dificuldades, às
contrariedades e aos esforços.
Tal como o “homem desportista e atleta” com o rochedo às costas pela
montanha acima em total sofrimento, angústia e desespero, mas sempre com a
esperança de chegar ao topo da virtude, da vontade, da humildade, da
glorificação e da transcendência, para se definir como um verdadeiro lutador
das suas causas.
116
Tal preceito, ou princípio, terá que encarar o “homem político” como lutador e
garante da coisa pública. Que o “homem político” encarne e vista as roupagens
do seu próprio “Eu” como “homem atleta” ou “homem desportista”. O homem
político do desporto tem, sempre, de caminhar limitado por várias forças e
poderes, tem de aprender a sujeitar-se a normas pré estabelecidas, tem de
aprender a resistir a diversos tipos de leis que o superam, tais como as sociais
e físicas.
Depois de aprender a obedecer às normas sobre as quais se estruturam as
sociedades organizadas e institucionalizadas, o homem tem de praticar essas
normas, pois nessa prática reside a base da própria ética e moral.
Stanley Baldwin, antigo primeiro-ministro Britânico, salientou que a educação
pela ação também se aplica às emoções éticas, pois assim como o exercício
fortalece a memória, assim o atuar conscientemente fortalece a consciência.
Para o antigo primeiro-ministro as teorias e os discursos morais podem servir
de estímulo ou de obstáculo, porém só o hábito de fazer o que julgamos justo
pode fortalecer-nos para praticar o justo e resistir ao injusto. O essencial é
preparar o homem político do desporto para resistir aos seus impulsos maus e
às suas paixões nocivas, para acatar conscientemente a ordem e o método,
para se colocar de sobreaviso contra as falsas grandezas, a força brutal, o
poder excessivo ou a riqueza inútil e deprimente.
Conforme salienta Kierkegaard (1959), todo e qualquer homem, ainda o mais
humilde, pode fazer obra útil, digna e bela, porque a ética nos seus diversos
domínios está longe de privar a vida da sua beleza dando-lhe pelo contrário um
significado especial, dando à vida paz, amparo e segurança.
Vencer os adversários e vencer-se a si mesmo é algo de entusiasmante, e isso
é o que faz o “homem ético” quando domina os seus instintos, os seus hábitos
ou vícios, isso é o que faz aquele que pratica o bem e cumpre os seus deveres
fundamentais quer na política, quer no desporto.
Na vida há todos os dias que escolher um caminho ou adotar uma norma, com
exclusão de outras, seguir ou não um princípio, um meio ou tendo um fim tanto
no desporto como na política.
117
A educação pode e deve encaminhar o homem do desporto numa perspetiva
ética para o seu aperfeiçoamento e para o aperfeiçoamento da sociedade em
que vive e da qual depende.
Viana (1989) tem uma visão humilde e interessante, pois diz que sob o ponto
de vista ético o esforço de um indivíduo desfavorecido ou humilde engrandece,
mais do que o esforço de qualquer outro indivíduo bastante favorecido, pois
implica maior trabalho para resistir aos vícios e às paixões do que transpirar
mediante o trabalho corporal, em que o homem é muito mais do que “corpo”, o
homem político e desportista é alma e espírito.
A missão do responsável pela política educativa e desportiva consiste em
apresentar à sociedade e ao respetivo sistema educativo, a implementar no
contexto desportivo, o ideal ético ajustado às necessidades superiores ou
nobres de cada época, de cada momento, e estimulá-lo no sentido de o levar a
viver e a realizar esse mesmo Ideal. O homem é um ser que se desconhece,
ou seja, tem forças latentes que ignora possuir ou encaminha mal e
erradamente. O antigo conceito “conhecer a ti próprio” é uma recomendação
que encerra, em si, algo de platónico, atendendo à filosofia defendida por
Platão e que já na altura fora suportada e defendida por Sócrates.
Ao ler um livro de poemas depararam-se-me uns versos muito interessantes
para este tema e que vão ao encontro da filosofia platónica e da filosofia de
Sócrates (conhecer a ti mesmo).
Conhecer-te a ti mesmo…
Mas conhecer a quem?
Dos milhões de homem que por mim perpassam,
Qual deles é esse “eu”,
Que passa e não volta,
Esse “eu” que nunca consigo observar?
Anónimo
118
No início de uma profissão ou vocação ou quando iniciamos um trajeto sem
termos conseguido ganhar experiência nas diversas situações ou atuações,
para sermos eficazes é importante passarmos pelas situações a fim de
podermos perceber de uma forma mais rápida e contextualizada os por quês
de alguns percalços ou insucessos.
Esta fase inicial de vida ou entrada numa profissão ou vocação integrada no
contexto social, desportivo e cultural, que se deverá pautar pelo enredo do bem
comum, é muitíssima problemática, exigente e perturbadora pelo que Marañon
(1958) designou por “idade ou fase esquemática”, por ser igual na
diferenciação. Para ele o homem que nunca se conhece bastante é justamente
nestes anos amorfos que menos se conhece.
É nesta fase que é premente a necessidade de uma educação orientada para a
ética e para a moral na preparação do homem ético e do homem político na
construção idealista do “Estado Ético”. Contudo, a educação pura e simples
mesmo quando realizada no plano ético não pode bastar como meio de
preparação para a vida moral plena.
Ao sair da escola e ao ingressar na vida profissional importa desde logo fazer
uma escolha, e essa capacidade de escolha implica o “estilo de vida” do
homem ético e político, pois como refere Proença Garcia nós temos ou
definimos um estilo de vida porque podemos escolher, o que não acontece, por
exemplo, numa criança. O optar por um caminho, por uma forma de viver, indo
ao encontro de um estilo de vida é humano, faz parte do homem ético no
desporto e também como homem político, do qual não nos podemos dissociar.
No que diz respeito à forma de atuar na vida, de estar no desporto e na política,
de implementar o crescimento, o desenvolvimento e a humanização que
convém seguir, antes mesmo de dar qualquer passo decisivo importa adotar
uma atitude ética.
Evitar a pressa exagerada de entrar na vida sem a indispensável maturidade,
pois indo ao encontro da linha de pensamento de Maranõn (1958) há uma
impaciência de chegar depressa ao fim que tanto prejudica o jovem homem
desportista na busca da transcendência.
119
Há uma inquietação sem aquele crescente, lento e feliz interesse que deveria
animar quem ainda não se encontra preparado para alcançar os grandes feitos,
numa linha de fundamentação de Viana (1989), no sentido de conseguir a
imortalidade, de se preparar honestamente para o cumprimento da sua futura
atividade, do seu lugar na sociedade e na representação do seu país em prol
da dignificação humana.
Urge interpretar e sentir a vida social e política num plano superior, dado que a
ação de um indivíduo não pode privar os outros do bem que por natureza lhes
compete, pois nenhuma sociedade pode desprezar os direitos das outras e
proceder como se fosse única, como focava Correia de Barros (1945) através
da sua obra “Lições de filosofia Tomista”.
Deve-se procurar escolher com conhecimento de causa a atividade e o
posicionamento desportivo, social e político que mais convenha às suas
aptidões, carácter e temperamento com vista a obter-se um grande profissional
e um mestre digno no sentido da instrução de novas gerações com vista à
mudança de paradigmas para uma sociedade contemporânea em que o
desumano enforca o que é humano.
Além de educar, é preciso orientar as gerações imaturas ou precoces de modo
progressivo e constante, porque a experiência nem sempre aproveita como
lição e, em alguns casos, apenas se revela tarde demais.
Em fundamentação deste pensamento é importante o que afirma Viana (1989,
p. 148) “há porém, muito de fictício nessa ideia de que a experiência corrige, ou
corrige com frequência, os erros da vida individual”.
Transpondo para a posição do estudo político, mesmo que tenhamos uma
educação ética centralizada para um determinado ramo de atividade
profissional ou vocacional, mestria no que se faz com capacidade ética e moral
ou meramente para as relações sociais e com experiência quer vivida quer
alicerçada na componente da prática relativa a uma determinada formação, se
o homem não tiver uma orientação ética, jamais o “homem político” conseguirá
atingir a excelência humana (Areté).
120
O homem sem apoio e sem prática, quer no desporto ou na forma de
elaboração política não consegue pois, a não ser em casos excecionais,
conhecer o mundo e interpretá-lo, porque isso implicaria a posse de uma
filosofia de vida a ele inacessível, se ninguém lha ensinar. Além disso, o
homem sem experiência e sem apoio não é capaz de por simples e instintiva
introspeção, descobrir as aptidões de que dispõem, aptidões muitas vezes
latentes, contraditórias, de graduações várias e confusas.
Urge que alguém procure discernir essas aptidões, definindo-as,
encaminhando-as, animando-as, concretizando-as e dirigindo-as para os fins
mais adequados ao bem individual, social e político, permitindo o crescimento e
desenvolvimento do desporto nas suas múltiplas facetas.
A escola que não cumpra a missão ética e que se limita a ensinar, cria um
homem que não quer ou não é capaz de aprender, pois o mundo precisa de
homens, e não de enciclopédias ou de dicionários ambulantes. Precisa de
homens que ao entrarem na vida já o façam com o mínimo essencial de
consciência e de dignidade, sem a febre exibicionista e insensata da riqueza,
do ganhar muito e depressa.
Nesta sociedade contemporânea, a componente material já há muito tempo
que ultrapassou a essência moral e ética, interessa o quanto se ganha e não o
como poderei ajudar. A esse propósito, antigo presidente norte-americano,
John F. Kennedy, teve a seguinte frase, “Não perguntes o que o teu país pode
fazer por ti. Pergunta o que podes fazer pelo teu país.”
Como o homem não é um ser isolado, vive em sociedade, e sendo um ser
profissional e político não o poderemos dissociar no seu contexto de profissão
exercida pelo “homem político”, é essencial integrar o homem profissional no
“homem social”, inserido na sua profissão, ou seja, “a sua arte”. As profissões e
as vocações e com elas a sociedade inteira sofrerão quando invadidas ou
ocupadas por indivíduos inaptos, desajustados e sem nível ético condigno.
A Gestão e a Política da Educação e do Desporto ficarão irremediavelmente
comprometidas nos seus destinos, no seu bom nome e na sua função social,
quando servidas por indivíduos sem a indispensável vocação, tais como a
121
vocação científica, a vocação filosófica, a vocação sociológica, a vocação
pedagógica, a vocação política e a vocação humanitária.
Registe-se a este respeito ainda e mais uma vez a apreciação de Maranõn
(1958) que ao fundamentar a sua tese refere que muitos homens sem vocação
para engenheiros, isto é sem aptidões, foram por esforço da vontade bons
engenheiros. Mas sem aptidão para músico, investigador ou mestre, ninguém
foi um grande professor, um grande músico, nem descobriu coisa alguma, por
poderosa que tenha sido a sua vontade.
Cumpre à educação esclarecer e elucidar o homem ainda sem experiência e
sem visão do que é ético ou moral, embora agindo sempre com a maior
prudência, uma vez que a vocação desportiva e política nem sempre se revela
cedo.
Viana (1989) refere que mesmo nos casos de flagrante vocação precoce, ainda
há a temer que ela seja ilusória ou que exista em potência, e apenas se
manifeste numa fase posterior (vocação oportuna) ou na maturidade (vocação
tardia). Independentemente, porém, dos aspetos limitativos da vocação,
específica, que importa considerar, a mediocridade compromete de uma forma
irremediável a gestão e a política da educação e do desporto.
Urge, porém, salientar que no plano ético é preciso considerar o problema da
escolha de uma política do desporto de modo polivalente, pois não é só a
ausência de vocação e de aptidões que está em jogo no domínio da moral, no
exercício do homem na atividade do “homem político” enquanto homem de
alma.
Há outros fatores que terão de ser ponderados quando se trata de preparar o
homem no desporto para o cumprimento integral das suas funções, sejam elas
humanas ou profissionais, tais como, o caráter individual relacionado com as
questões éticas, classificado no ramo da formação, o meio social de origem, o
temperamento individual, e a formação geral, técnica e especial, classificadas
como sendo a respetiva instrução.
E nesta linha de pensamento é importante distinguir a formação da instrução,
dado que alimentar o homem de uma componente ética e moral integrada
122
numa estrutura estética vai muito mais além da simples e mera instrução
técnica. Trata-se da mais pura formação do homem enquanto ser ético,
alicerçada numa componente axiológica e ontológica de um novo vocabulário
ético e estético, que o defina, irremediavelmente, como o garante de uma nova
sociedade, de uma nova visão de desporto e por inerência de um olhar
diferente do respetivo contexto político em busca do “Estado Ético”.
O homem sem caráter, astuto, ambicioso, vaidoso ou perverso na política
desportiva irá manifestar-se como um elemento de confusão e de perturbação.
A própria origem social ou o meio familiar em que o indivíduo viva pode inibir
ou dificultar o acesso a determinadas carreiras de nível superior.
Viana (1989) foca ainda um dado considerado como de máxima relevância.
Segundo ele pode-se também nomear com respeito ao temperamento, as
pessoas hesitantes, escrupulosas ou tímidas, como sendo contraindicadas
para atividades que exijam iniciativa, coragem, franqueza, pois nas pessoas
hesitantes o momento da ação é muitas vezes cheio de perplexidades e de
perigos, caminham às apalpadelas, pode conduzi-las a novas dúvidas e a
mudar as mais firmes resoluções.
A preparação geral e especializada (instrução) remete-nos para uma outra
componente da educação, a formação, com a vertente ética fundamental no
homem. Uma pessoa que atua no desporto e na política desportiva e educativa
de uma forma incompetente é um profissional imoral, não só por ser imperfeito
mas também porque pode praticar desonestidades por ignorância, mesmo na
melhor boa-fé.
Pode servir pessimamente a profissão, e mesmo na esfera vocacional,
comprometendo-a na sua eficiência, na sua produtividade e aos próprios olhos
do mundo. Compete às Universidades formar profissionais que atuem no
contexto político, social e educativo, com conhecimento técnico, ou seja com
instrução, para assumir os cargos, como também os alimentar de um sistema
de valores com o intuito de uma eficiente formação para que se consiga um
sistema de relações sociais e humanas que alie o sentido ético à eficiência
produtiva, gerando novos intelectos e novas almas capazes de mudarem a
sociedade, a polis.
123
Assim, depois da toda a compreensão sobre a educação e orientação ética é
imperativo abarcar na teoria de que, para que as relações humanas e sociais
bem como as conexões públicas e políticas se processem e desenvolvam num
plano ético, tornar-se-á necessário, evidentemente, que o Estado que as
fiscaliza, orienta e garante seja um “Estado Ético”.
O Estado será, portanto, primeiro que tudo um Estado Humanista, que saiba
respeitar a pessoa humana, isto é, limitar os seus desvios e valorizar as suas
ações e virtudes, inibir as suas paixões e estimular as suas potencialidades
úteis.
Corroborando esta asserção, Trentin (1935) sobre a nobreza da política ao
serviço do homem sustenta que “o homem jamais pertence a uma coletividade
social pela totalidade do seu ser, das suas funções, da sua vida física e
psicológica. Se ele assim pertencesse em tal grau, deixaria de ser homem”.
Entre o Estado e o Homem deve existir uma contínua simbiose de ações e de
interações onde todos os fins morais, económicos, políticos, intelectuais e
estéticos que os indivíduos isolados ou associados (o homem cidadão e o
homem-sócio) podem atingir, constituem outras tantas funções do organismo
mais forte que é o Estado.
Cruz Costa (1949), filósofo Brasileiro, aponta uma dupla visão Estatal, e
menciona que o Estado não pode ser um organismo microcéfalo nem um
organismo macrocéfalo. No primeiro caso deixaria que a anarquia e o caos
dominassem a sociedade e no segundo caso esmagaria a personalidade
humana, criando uma civilização homicida e levando ao próprio genocídio.
Já Platão defendia a conceção da primazia humana na política e o princípio de
que as leis terão sempre como objetivo assegurar o bem do Estado e o bem
dos cidadãos, compreendendo, nestes, os bens humanos (saúde, beleza,
força, riqueza) e os bens divinos (sabedoria, temperamento, justiça, coragem).
124
Ao Estado interessa, acima de tudo, a valorização do homem político do
desporto, e este apenas pode valer na medida em que for um elemento de
solidariedade, de trabalho, de disciplina e de harmonia social.
Cogliolo (1915) refere “ O Estado contemporâneo é, com efeito, um Estado de
Direito, não porque tenha como único escopo a tutela do direito, mas porque o
seu organismo, o seu operar, a sua constituição, são revistas de forma
jurídicas.” (filosofia do direito privado, 1915, p.74, in obra de Carvalho, H.)
Tal pensamento ainda se aplica nesta sociedade contemporânea na conceção
de “Estado ético”. Para cumprir estas missões o Estado terá que ser uma
pessoa de bem e um elemento ativo integrado no modelo geral contemporâneo
do “Estado ético interveniente” formado pelo “homem ético” enquanto ser ativo
no seu plano de ação, dando-lhe uma interpretação especial à luz das imortais
circunstâncias enquanto duradoiras do Humano e do Social.
A estrutura do Estado deve ser baseada em princípios éticos e toda a sua
legislação dever ser orientada, igualmente, por Ideais éticos que se
concretizem, ou seja, que não sejam utópicos. Mais ainda, a atuação do Estado
deve nortear-se pela mais íntegra retidão, imparcialidade e justiça e para que
todas as instituições políticas e desportivas vivam eticamente, importa que o
Estado lhes dê o exemplo e supervisione, em obediência aos mesmos
princípios éticos, toda a sua existência, hierarquia e interações.
O Estado é um sistema de organização da sociedade, um processo de
hierarquia de valores sociais, porque os relaciona e coordena num todo
orgânico e o direito não é a lei, é mais do que isso, é o que decide da injustiça
ou da equidade das leis. O Estado é apenas o seu primeiro servidor. Não há
Estado senão para servir o direito.
Num Estado assim, norteado pelas ideias superiores de Justiça e do Bem, não
haverá lugar para condutas irregulares e antiéticas. Em todos os setores da
vida política e pública o Estado sendo servido por homens à altura da sua
elevada e delicada missão agirá com critério e prudência, no desporto, na
educação, na política, na justiça, no trabalho, nas finanças e na economia.
125
“ O Direito, ao regular as suas instituições, não pode afastar-se da ética e da
moral, nem tão pouco pode contrariar, para ser produtivo, as leis da economia
e da política”.
Pietro Cogliolo
Um Estado dirigido por homens não éticos de modo algum pode ser um
“Estado Ético”. Os homens, governantes políticos ou legisladores amorais ou
imorais comprometerão, irremediavelmente, as estruturas e as relações
humanas e éticas de todo o Estado.
126
127
8. Ética Profissional – O Homem e o Grupo
Neste campo de estudo salienta-se a relação entre o homem e o grupo porque
o homem é um ser convivente e, portanto, necessita do “Outro” para viver,
assumindo um verdadeiro processo de socialização. Neste âmbito importa
esclarecer a ligação do homem não só com o seu grupo mas também com a
sua profissão. Neste sentido implica perceber as questões éticas centradas na
vertente profissional.
Há uma estreita interação entre o homem e o grupo. Por isso, tanto pode o
indivíduo influenciar o grupo para o bem ou para o mal, como, por outro lado,
pode o grupo influenciar o homem.
Na primeira hipótese Viana (1989) refere que são os homens, ativos, idealistas
e com poder de liderança, aqueles que conseguem exercer sobre qualquer
agrupamento uma ação decisiva informadora e conformadora.
Na segunda hipótese, o autor justifica que são os grupos bem estruturados e
de bom nível funcional que exercem uma influência mais ou menos sensível
sobre os indivíduos apáticos, amorfos, consonantes ou passivos.
Assim sendo, e dadas as referidas “interferências mútuas”, para que uma
sociedade tenha um bom nível ético torna-se indispensável que não só o
homem sócio como o homem político sejam um homem ético, mas que
também o grupo seja ético, isto é, que também ele viva e atue com moralidade.
No fundo é de desejar que o Ideal particular e o Ideal coletivo se fundam e
confundam no plano ético. Se um grupo não tiver ideais superiores e não os
procurar realizar de uma forma ativa, a moralidade individual ficará, sem
dúvida, comprometida, uma vez que, segundo Le Bon (1914) a moralidade do
grupo nasce de necessidades imperiosas que possuem às vezes, uma força e
uma estabilidade superiores às regras de conduta impostas pela lei, embora os
códigos não intervenham no sentido de as fazerem cumprir.
Então, a razão pela qual se exige uma disciplina do homem inserido no seu
grupo insere-se no facto de que as associações possuem, pelas suas
substâncias, uma necessidade de equilíbrio que pode ser encontrada indo ao
128
encontro do pensamento de Lopes de Sá (1998), “quando a autonomia do
homem se coordena na finalidade do todo”.
Refere ainda Lopes de Sá (1998) que é a lei dos sistemas que se torna
imperativa, do átomo às galáxias, de cada indivíduo até à sociedade.
Perante tal afirmação do autor, em tudo parece haver uma tendência para a
organização e o homem político e gestor do desporto não foge a essa
organização. Todo o agregado, todo o sistema depende de uma disciplina
comportamental e de uma conduta, onde cada homem apresenta um
comportamento específico, conduzido ou guiado pela característica do trabalho
executado ou de uma determinada conceção de gestão e de política.
Nesta perspetiva cada conjunto de Gestores do Desporto deve seguir uma
ordem que permita a evolução em harmonia do trabalho de todos no sentido da
dignificação do desporto, a partir da conduta de cada um, através de uma tutela
no trabalho que conduza à regulação do individualismo perante o coletivo.
São exigíveis, portanto, uma conduta humana especial, que denominamos de
Ética, e o exercício de virtudes que da mesma derivam. O sentimento social é
um imperativo na construção dos princípios éticos, e estes são incompatíveis
sem o mesmo (sentimento social).
Quando o trabalho é executado só para receber dinheiro, em geral tem o seu
valor limitado e por outro lado, nos serviços realizados com amor e paixão
tendo em vista o benefício de terceiros, da sociedade, dentro de um grande
raio de ação, com consciência do bem comum, passa a existir como refere
Lopes de Sá (1998) a “expressão social” do mesmo. O valor ético do esforço
humano é, pois, variável de acordo com o seu alcance em face da comunidade.
O homem gestor que só se preocupa com os lucros da sua gestão no desporto
e da sua intervenção política e profissional, geralmente, tende a ter menor
consciência de grupo. Passa a haver um fascínio pela preocupação monetária,
e nesse sentido ao homem político do desporto pouco importa o que ocorre
com a sua comunidade e muito menos com a sociedade, o que, aliás, na obra
de Maquiavel, “O Príncipe”, corrobora.
129
Nesse sentido, reconta-se uma saga que para suporte do tema desta
dissertação foi fundamentada através da interessante obra de Constanzo,
“Ficção- Realidade”, por mais paradoxal que pareça.
Dizem que um sábio procurava encontrar um ser completo em relação ao seu
trabalho. Entrou, então, numa obra e começou a questionar. Ao primeiro
operário perguntou o que fazia e este respondeu que procurava ganhar o seu
salário, ao segundo repetiu a pergunta e obteve a resposta de que ele
preenchia o seu tempo e finalmente, sempre repetindo a pergunta, encontrou
um que lhe disse: “ Estou construindo uma catedral para a minha cidade”.
A este último o sábio teria atribuído a qualidade de homem completo em face
do trabalho, como instrumento do bem comum.
A ausência de ética pode levar a discriminações e até a políticas desumanas,
como salienta ainda Constanzo, na obra “Ficção-Realidade”. O autor critica a
visão de certas superpotências em relação aos demais países e Estados e a
posição plena de egoísmo de certas sociedades que vivem às custas das
outras.
Mostra, criando na sua obra uma assembleia imaginária de sábios que o social
tem aspetos de ficção conveniente apenas a grupos, quando não se situa no
campo do Ideal, mas do interesse apenas dos dominantes do poder. Mostra
ainda como tais oligarquias destroem os ideais do Estado e como se
comportam desumanamente, onde o poder político está concentrado num só
partido, numa só família ou num só grupo económico-financeiro.
Portanto, quando nos referimos à classe, ao social, não nos podemos reportar
apenas a situações isoladas, a modelos particulares, mas a situações gerais
indo ao encontro do pensamento de Constanzo.
O individualismo e o egoísmo destravado de poucos pode atingir um número
expressivo de pessoas e até, através delas, influenciar o destino das nações,
dos Estados, partindo da ausência de conduta virtuosa de minorias poderosas,
preocupadas apenas com os seus lucros.
130
Como bem refere Carrel (1949) uma sociedade que reconhece a primazia do
plano económico não se dá à virtude, porque a virtude consiste essencialmente
em obedecer às leis da vida, e quando o homem se reduz à atividade
económica, logo deixa de obedecer, a quase que tudo, às regras da natureza.
Tal pensamento vai ao encontro do defendido no concilio Vaticano II, a
economia ao serviço do homem e não o homem ao serviço da economia, neste
caso em particular, as instituições ao serviço do homem e não o homem ao
serviço das instituições.
Lopes de Sá (1998) salienta que sabemos que a conduta do homem tende ao
egoísmo e ao individualismo, mas para os interesses de uma classe, de toda
uma sociedade, é preciso que se acomode às normas porque estas devem
estar apoiadas em princípios de virtude. Como só a atitude virtuosa tem
condições de garantir o bem comum, a Ética tem sido o caminho justo,
adequado, para o benefício geral.
Há, portanto, necessidade de haver uma vocação para o coletivo, um homem
político do Desporto ao serviço do bem comum, onde a organização social
deverá apresentar-se como um progresso continuando igualmente a evoluir na
definição cada vez maior das funções dos cidadãos, na definição cada vez
maior das funções dos cidadãos.
Vidari (1922) afirmou que a formação das classes sociais é um facto de grande
importância ética que se completa no momento exato em que o homem sai da
sua homogeneidade estável de origem primitiva e forma grupos mais
determinados e estáveis.
Tal facto vai ao encontro do referido por Lopes de Sá (1998) que afirma que há
uma relação entre a evolução e a definição cada vez maior das classes
profissionais, pois estas dividem-se à medida que aumentam as
especializações para suprirem novas necessidades.
Sabemos que entre a sociedade de hoje (sociedade contemporânea) e aquela
antiga (tradicional) não existem mais níveis de comparação, quanto à
complexidade. Lopes de Sá (1998) revela que nos núcleos menores o sentido
de solidariedade era bem mais acentuado, assim como os rigores éticos.
131
É preciso que cada um ceda alguma coisa para receber muitas outras, esse é
um princípio que sustenta e justifica a prática virtuosa perante a comunidade e
a sociedade, a polis. O homem político do desporto não deve construir o seu
bem destruindo o dos outros, nem admitir que só existe a sua vida em torno do
universo e por tal não deverá apresentar-se ao mundo como um “egocêntrico”.
Toffler (1995) considera que uma classe profissional se caracteriza pela
homogeneidade do trabalho executado, pela natureza do conhecimento exigido
preferencialmente para tal execução e pela identidade de habilitação para o
exercício da mesma. A classe profissional é, pois, um grupo dentro da
sociedade, isto é, definido por uma especialidade de desempenho de tarefa.
Não somenos importante de salientar que cada profissão tem as suas próprias
características e isto exige também um campo de virtudes pertinentes a um
desempenho de boa qualidade. Tais pontos de análise serão pertinentes para
os futuros gestores e políticos responsáveis na área executiva desportiva.
Traçar, pois, as linhas mestras para uma orientação ética é compor a filosofia
que será seguida e que forma a base essencial da mesma. Sejam quais forem
as linhas mestras de uma orientação ética, as mesmas terão que ser
declaradas perante pressupostos da virtude humana a serem seguidos.
A base filosófica a ser seguida é necessária para que se forme toda uma
estrutura perante a qual se trace os detalhes e os pormenores para uma ética
profissional. O princípio será sempre o de estabelecer qual a forma de um
profissional se conduzir no exercício profissional, de maneira a não prejudicar
terceiros, a comunidade e a sociedade e a garantir uma qualidade eficaz de
trabalho, e esta é para Lopes de Sá (1998) “a orientação filosófica
fundamental”.
Quando o homem político no desporto, por egoísmo ou por amoralidade,
apenas vê o seu interesse pessoal e apenas se sacrifica por si, desprezando
os interesses dos vários grupos aos quais está ligado, é sinal de desagregação
e de decadência.
132
Estar-se-á na presença de uma profissão ligada ao desporto totalmente
enfraquecida, uma instituição sem força e sem projeção e de uma política
indigna de suporte social.
Viana (1989) fundamenta que o homem não deverá escravizar-se em relação
ao grupo, nem perder a sua personalidade no seu seio, mas deverá
compreender que lhe compete valorizar e honrar o grupo, pois Le Bon afirma
que o sucesso da coletividade a que ele pertence é, também, um êxito pessoal
seu, e segundo o mesmo autor o homem lucrará por duas vias, como ele
classifica, quer naquilo que bem fizer como “homem pessoa” bem como naquilo
que de bem fizer como “homem sócio”.
A primeira condição é aquela que diz respeito ao problema do trabalho. Não
querer trabalhar ou não poder nem desejar trabalhar bem representa uma
atitude negativa, antiética e antissocial.
No entanto, Viana (1989) alude que não é só quem é preguiçoso é que é
prejudicial ao grupo e ao seu próximo. Também é aquele que se mostra
incapaz do convívio honesto com os seus companheiros do grupo, e que entra
em conflito latente ou aberto com eles.
Há homens que são arredados do grupo ou dificultam a vida deste, não porque
não trabalham, mas sim por não saberem colaborar e conviver com os seus
companheiros da vida social ou profissional. Outros, não contentes com isso,
atacam e criticam o grupo que os sustenta e que lhes dá a “categoria” social e
não faltam aqueles que se fazem passar como componentes de um grupo,
comprometendo-o com a sua desonesta atuação e este ponto de extrema
relevância presencia-se no âmbito político.
Em suma, o grupo pode ser afetado na sua vida funcional e na sua honra, tanto
por homens que nele se introduzam como por homens que de fora procurem
comprometê-lo. Há que defender a profissão ou associação no desporto de
ambos, porque ambos são desajustados, comprometendo o equilíbrio, a
harmonia e a moral sociais.
133
Há aspetos fundamentais na profissão que importa serem cuidados, estudados
e analisados no seu enquadramento social e político, como também na sua
integração coletiva.
A este respeito menciona-se a afirmação de Linton (1945) que refere que o
individuo e o seu meio ambiente constituem uma configuração dinâmica, cujas
partes mantêm uma relação recíproca tão íntima, em tal interação constante
que é muito difícil saber onde se encontram as linhas de demarcação.
134
135
9. Profissão e o Ingresso Profissional
Este capítulo é centrado na explicação do conceito de profissão, nas
competências ético-profissionais e no ingresso profissional.
A expressão “profissão” provém do latim “professione”, do substantivo professio
que teve diversos significados naquele idioma, mas foi utilizado por Cícero
como “ação de fazer profissão de”.
Amendoeira (2008) refere que de um ponto de vista histórico é possível
identificar três conceções chave de “profissão”: as profissões antigas,
baseadas na aprendizagem e na moral; as baseadas no conhecimento técnico
burocrático, que se desenvolveram essencialmente a partir da Revolução
Industrial e as mais recentes, baseadas na prática e nos valores muito
associados ao desenvolvimento do profissional reflexivo.
O conceito de profissão, na atualidade, aquele que Lopes de Sá (1998)
classifica é o de “trabalho que se pratica com habitualidade a serviço de
terceiros”, ou seja, “prática constante de um ofício”.
A profissão tem, então, além da sua utilidade para o homem, uma expressão
social, ética e moral. Neste sentido torna-se imperativo fundamentar este
pensamento analisando na perspetiva de Cuvillier que destaca os seguintes
pontos:
1. É pela profissão que o homem se destaca e se realiza plenamente,
provando a sua capacidade, habilidade, sabedoria e inteligência,
comprovando a sua personalidade para vencer os obstáculos.
2. Através do exercício profissional o homem consegue elevar o seu nível
moral.
3. É na profissão que o homem pode ser útil ao seu grupo, à sua
comunidade, à sociedade e nela se eleva e se destaca na prática dessa
solidariedade orgânica.
De facto, se acompanharmos a vida de um profissional desde a sua formação e
instrução escolar até ao seu êxito final observamos o quanto ele produz e
recebe de utilidade.
136
Aristóteles escreveu na sua obra “ Política” (cap. II) que o trabalho é um dever
social, que a salvação da comunidade é a ocupação de todos os cidadãos
qualquer que seja a diferença que entre eles exista.
Mas além de tudo, algo que realiza quem o faz, se realmente no exercício das
suas tarefas emprega o amor, a dedicação e a ética como guias das suas
ações.
A profissão permite ao homem político do desporto exercer a sua função de
solidariedade para com os seus semelhantes, com todos os elementos
constituintes da sua comunidade e sociedade, recebendo em troca, não só a
dignidade mas também o respetivo enriquecimento material para suporte da
sua sobrevivência e de uma vida em sociedade.
Amendoeira (2008) menciona que a primeira e principal responsabilidade ética
de um profissional é prestar o serviço profissional correspondente de forma
competente, isto é, procurando a excelência e fazê-lo com os meios técnicos
disponíveis de acordo com os critérios socialmente estabelecidos para o
correspondente grupo profissional.
Para o mesmo autor as profissões são práticas (ou pelo menos estão ao
serviço de uma prática, recebem dela as suas orientações, o seu sentido e o
seu critério da qualidade da realização das mesmas). Acrescenta a definição
de “prática” como uma forma coerente e complexa de atividade humana
cooperativa que está estabelecida socialmente com o fim de conseguir os bens
que só se conseguem desenvolvendo bem essas práticas.
As profissões têm uma história ao longo da qual foram adquirindo uma
configuração social onde acumularam conhecimentos, técnicas, hábitos,
imagens sociais do que é a profissão e o do que se espera dela, como é o caso
da gestão e política do desporto.
Na maioria das vezes o profissional do desporto assume esses hábitos sem os
questionar sob o ponto de vista da reflexão, a não ser considerando que os
aprendeu como um modo de fazer adquirido no processo de socialização pelo
qual se iniciou a fazer parte do grupo profissional a que pertence.
137
Nesta perspetiva o conceito de “profissional” constrói-se a partir da qualificação
para a aquisição e desenvolvimento de competências técnicas alicerçadas na
ética, através do uso de saberes pelos profissionais.
Esta teoria é suportada por Freidson (1992) na medida em que o uso do termo
“profissão”, na linguagem anglo-saxónica especifica uma ocupação
concretamente organizada num corpo de conhecimentos e capacidades
baseadas numa disciplina de educação superior.
Como o homem está integrado no seu grupo profissional importa mencionar
Dubar (1997) que refere que “Grupo profissional” é um conjunto suavizado,
segmentado, em constante evolução que reagrupa pessoas ativas sob um
mesmo nome dotado de uma visibilidade social e de uma legitimidade política
suficientes, sobre um período significativo.
Importa também focar o conceito de “profissionalismo” que para Freidson
(1992) consiste na adoção por um grupo profissional, de um conjunto de
atitudes relativas ao trabalho e à sua identidade profissional, que são
características dos membros das profissões autónomas como poderá ser
considerado o gestor e político do desporto.
Nesta conjuntura, os membros de qualquer grupo profissional encontram-se
permanentemente perante um dilema: por um lado, a necessidade de um
controlo cada vez maior sobre a prática, tornando-a mais técnica, mais
codificada, mas com isso, facilitar a intervenção. Por outro lado, continuar a
monopolizar o seu campo através de racionalizações ideológicas sobre a
natureza do seu trabalho e das suas funções, afastando a possibilidade de
intervenção de estranhos à profissão.
Nesta linha de pensamento torna-se crucial perceber se “profissão” e “vocação”
seguem a mesma linha de orientação teórica e prática. De acordo com
Gyarmati (1975) as profissões distinguem-se das ocupações basicamente em
virtude da propriedade da autonomia, enquanto direito de regular e controlar a
sua própria atividade, e do monopólio profissional fruto de leis que impedem
indivíduos formalmente não considerados membros de determinado grupo
profissional de competir com os profissionais do grupo.
138
A “autonomia profissional” é, segundo o mesmo autor, uma característica
ambígua porque por um lado permite às profissões livrarem-se do controlo da
sociedade à qual deveriam, em princípio, servir, e por outro lado a imagem da
profissão é de um poder cuja utilidade visa exclusiva e permanentemente ao
benefício da sociedade. O autor entende as profissões como os mais
importantes grupos de poder nas sociedades industrializadas.
Estudos de Durkheim (1978) acerca da divisão do trabalho social salientam o
papel das associações profissionais reconhecidas tanto pelo Estado quanto
pela sociedade, as quais, através de um poder formal assegurariam a
integração e a regulação social.
Parsons (1968), por sua vez, compreendia a identidade de uma profissão como
pautada numa “competência” técnica e prática, formalmente desenvolvida por
instituições educacionais e científicas, dando destaque aos aspetos universais
(na aplicação de princípios gerais para solução de problemas específicos das
pessoas), sociais (relacionados com a responsabilidade das suas ações em
face da sociedade), ressaltando aqui a questão da “vocação” profissional.
No entanto as relações entre grupos profissionais e entre eles e a estrutura
social são aspetos não discutidos por este autor. A sua preocupação, assim
como a de Abott (1988), parece estar mais centrada em explicar o que os
“profissionais” fazem do que como eles se organizam para realizar tais
atividades produtivas. Desta forma, o domínio de um conhecimento assume
papel central na abordagem destes dois autores.
Por outro lado, as perceções de Parsons (1968) e Abott (1988) permeavam
alguns pressupostos, tais como; o processo de profissionalização é
unidirecional, um “caminho sem volta”; a evolução de uma profissão não
depende explicitamente do desenvolvimento de outra profissão; os apelos da
estrutura social e cultural são mais importantes que o trabalho executado pelas
profissões; no interior das profissões prevalece homogeneidade e as
diversidades são tidas como contingenciais; e o processo de uma ocupação
tornar-se profissão não se altera com o tempo.
139
Tais pressupostos que não têm em consideração fatores situacionais e
dinâmicos do processo de profissionalização foram discutidos e combatidos por
outros autores que resistiam à não contextualização das profissões.
A profissionalização de determinadas ocupações é percebida por Weber (1946)
como processo essencial da modernização no que diz respeito aos estatutos
sociais como dependentes das atividades desenvolvidas pelos membros e dos
critérios racionais de competência e de especialização.
Larson (1977) reconhece o processo de profissionalização como algo dinâmico
que varia conforme as contingências histórico-culturais, sugerindo a existência
de diversos tipos de profissionalismo, com características também
diferenciadas.
Outra contribuição da autora foi a expressão “projeto profissional”, na qual
retrata as estratégias que as lideranças profissionais adotam no sentido de
caminharem rumo ao monopólio do mercado de serviços e à mobilidade
(ascendente) coletiva, numa ordem social pautada na lógica económica.
Coelho (1999) diferencia “projeto profissional” de “projeto coletivo”,
compreendendo que o segundo pode espelhar interesses coletivos, mas não
efetivamente de controlo da profissão. Como já foi mencionado neste capítulo,
importa salientar o conceito de “competência” que segundo Le Boterf (2003) é
um conceito em construção.
Torna-se necessário, portanto, focar alguns autores que se debruçaram sobre
este tema para se perceber o contexto e traçar o conceito a ser utilizado para
os objetivos desta reflexão.
McLagan (1997) tenta resumir a questão, afirmando que no mundo do trabalho
a palavra “competência” tem assumido diversos significados normalmente
alinhados a características dos indivíduos ou das suas atividades produtivas e
resultados decorrentes.
Importa também diferenciar “qualificação” de “competência” e para tal Brígido
(1999) sugere que o conceito de qualificação incorpora um conjunto de
conhecimentos e habilidades adquiridos pelas pessoas no decorrer dos
140
processos de socialização e de educação, formação e instrução que as
capacitavam potencialmente a desempenhar tarefas num lugar de trabalho de
maneira satisfatória. Já o conceito de competência diz respeito à capacidade
real para atingir uma finalidade num determinado contexto, em que esta
capacidade é constituída por certos conhecimentos e habilidades necessários
do indivíduo.
Conforme sustentam Brígido (1999) e Ramos (2001) a qualificação refere-se à
organização, ao lugar de trabalho ou cargo, à potencialidade de ação, à
possibilidade e facilidade de transferência, a algo estático e absoluto no tempo
e no espaço. A competência relaciona-se com a profissão (ou ocupação), com
o indivíduo, com os resultados reais por ele obtidos, com a dificuldade /
impossibilidade de transferência, com algo dinâmico, processual, relativo;
enfim, a competência é uma “construção social” como refere Tomasi (2004).
Roche (2004) lembra a descrição de Demailly (1987) acerca da competência
como algo a mais que torna eficiente a qualificação. A autora realizou, ainda,
uma comparação entre o conceito de “competência” e três dimensões da
vertente de “qualificação”, a social, a experimental e a conceitual, mostrando
pontos de interseção e de dispersão entre elas.
No âmbito da “competência”, Le Boterf (2003) define-a como a prática do que
se sabe em certo contexto, geralmente marcado pelas relações de trabalho,
pela cultura organizacional, pelas contingências, por diversas limitações. Para
o autor a competência traduz-se em ação, em saber ser e daí a mobilizar
conhecimentos em diferentes situações.
Fleury (2001) concebe a ideia de competência como sendo o resultado da
soma das duas linhas apresentadas anteriormente. Dessa forma, ele alarga o
conceito, evidenciando não apenas a presença de um conjunto de
qualificações como a necessidade da sua manifestação prática em
determinado contexto. Assim, o conceito amplia a sua abrangência na medida
em que engloba a geração de resultados ajustados aos objetivos
organizacionais.
141
Dessa maneira, o conceito de competência vai além da simples qualificação.
Zarifian (2001) afirma que este se relaciona com a capacidade do indivíduo de
assumir iniciativas, estar além do prescrito, compreender e dominar situações
em constante mutação, ser responsável e reconhecido por outros. A perceção
desse autor deriva de basicamente três pontos: a natureza contingencial do
mundo moderno, o teor participativo da comunicação no interior das
organizações e os seus impactos na visão de serviços dentro e fora das
organizações.
Le Boterf (2003) acrescenta ao estudo variáveis relacionadas com a
aprendizagem, na medida em que situa a “competência” num ponto
convergente entre a pessoa, a sua formação educacional e a sua experiência
profissional. Este autor afirma, ainda, que “competência” é um saber agir
responsável que engloba saber mobilizar, integrar e transmitir conhecimentos,
recursos e habilidades, em determinado contexto profissional.
Assim sendo, tal saber gera uma consequência inevitável, que é o seu
reconhecimento por outros.
Na mesma linha, Bognanno (1994) correlaciona o conceito a um leque de
atitudes que permitam adaptação rápida a um ambiente cada vez menos
estável, incitem o uso produtivo do conhecimento e promovam inovação e
aprendizagem permanentes. Tais atitudes configuram-se como relevantes para
a obtenção de alto desempenho no exercício de funções ao longo de uma
carreira profissional e no contexto de uma estratégia corporativa.
A profissão como exercício habitual de uma tarefa ao serviço de outras
pessoas insere-se no complexo da sociedade como uma atividade específica.
Trazendo tal prática benefícios recíprocos a quem pratica e a quem recebe o
fruto do trabalho, também exige nessas relações a defesa de uma conduta
condizente com os princípios éticos específicos.
Para Viana (1989) o conjunto de profissionais que exercem o mesmo ofício
determina a criação de diferentes classes profissionais e também uma conduta
pertinente, e tais propósitos aplicam-se aos gestores e políticos do desporto.
142
Existem conceitos claros, no âmbito da gestão e da política do desporto, de
observação do comportamento, nas diversas esferas em que o mesmo se
processa, isto é, perante o conhecimento, perante o cliente ou o prestador de
serviço, perante o colega de trabalho, perante a classe, perante a sociedade,
perante a nação e Estado e mais do que tudo, perante a própria humanidade
como conceito global.
A consideração ética, sendo relativa, também hoje é analisada do ponto de
vista da necessidade, e refere Lopes de Sá (1998) do ponto de vista da
necessidade de uma conduta de efeitos amplos, globais, mesmo diante de
povos que possuem tradições e costumes diferentes.
A juntar a esta posição, temos a perspetiva de Viana (1989) o qual salienta que
seria uma enorme audácia procurar definir profissão, quando é certo como já
se viu anteriormente, constituir esta palavra no singular uma pura abstração, e
isto porque as profissões são inúmeras e de características variadíssimas.
Aliás, é sempre difícil definir principalmente no domínio das ciências humanas,
de sua natureza complexas e transcendentais.
Torna-se, por isso mesmo, preferível apresentar em vez de uma definição
delimitadora e rígida, um conceito flexível acerca de profissão, em suma, uma
enumeração das características do fenómeno profissional, considerado no seu
aspeto genérico.
A profissão pressupõe algumas ideias fundamentais, tais como, a inclusão de
permanência, retribuição, duração, personalidade, liberdade, carácter social,
vocação e aptidão, competência, probidade e espírito cívico.
A profissão, seja ela qual for, e dentro do ramo da gestão e política desportiva
implica uma ideia de estabilidade e de fixidez. Quem exerça qualquer atividade
acidentalmente não pode ser, nela, considerado profissional. Quem
desempenhe muitas atividades simultaneamente, sem se fixar numa ou sem
atribuir primazia a uma delas, é um “faz-tudo”, é um homem de sete ofícios,
mas não é um profissional porque desempenha todos eles mal e
insatisfatoriamente.
143
Então para Viana (1989), desta noção basilar, de permanência, algumas
ilações éticas podem, desde já, tirar-se:
a) O homem que ingressa numa profissão com ideias de brevidade ou
fugacidade sem o propósito sincero de nela permanecer compromete
desde logo uma condição primária.
b) O homem que muda frequentemente de profissão ao sabor dos seus
caprichos ou paixões não poderá ser bom profissional, porque não se
dedicará a nenhuma profissão com espírito de continuidade: estará
sempre com a ideia de abandonar a respetiva profissão e de procurar
outra mais fácil. Isto não lhe permitirá dedicar-se a fundo ao serviço que
lhe compete.
Destas alíneas defendidas teoricamente, há primeiro que referir que a visão a
respeito da permanência na profissão encontra-se, a meu ver, desatualizada,
pois a profissão para toda a vida já não é duradoura. No presente e no futuro
temos e teremos várias profissões. Posteriormente pode-se, então, conceber a
ideia de que o homem político enquanto homem ético e gestor do desporto não
é moralmente obrigado a manter-se toda a vida preso a uma determinada
profissão, mas, ao ingressar na profissão, deve ter o desejo honesto de nela se
conservar e de a ela se consagrar regularmente. A instabilidade e a
versatilidade são atitudes mentais contrárias ao próprio “fundo” ou “essência”
do conceito de profissão.
Relativamente à retribuição Viana (1989) afirma que a profissão, além de ser
uma atividade com forma permanente, é uma atividade remunerada. Aquele
que não auferir do seu trabalho qualquer importância com regularidade, será
um amador e não um profissional.
É claro que alguém pode desempenhar várias atividades, e de todas receber
remuneração. Nesta hipótese, profissão será aquela através do qual o
indivíduo receber a retribuição mais elevada, isto é, a retribuição que lhe
assegure a manutenção da sua vida familiar e social, enquanto as restantes
atividades, ou porque não se apresentem com configuração de permanência,
ou porque apenas proporcionem pequenos ganhos, e neste contexto aplicado à
gestão desportiva, serão atividades-satélite, complementares da profissão.
144
Quanto à duração, um outro elemento categorizado, só há profissão quando
determinada atividade tem sequência e continuidade. Os serviços acidentais ou
esporádicos que se executam ocasionalmente não podem considerar-se
incluídos entre as profissões.
Aquele que durante oito, dez ou quinze dias, por ano, cumpre qualquer missão,
certamente que trabalha, mas pode afirmar-se que não exerce uma profissão.
Esta, como já se terá compreendido, implica ideias de estabilidade, de
sequência e de remuneração periódica, bastante para assegurar a manutenção
da vida física, moral e espiritual do indivíduo.
É claro que há necessidade de considerar a existência de profissões cíclicas,
isto é, de profissões dependentes do tempo ou da natureza, como são as
profissões de funcionários de hotéis, de termas e praias, de pescadores e até
mesmo a de gestores desportivos. Em tal hipótese, essas atividades devem
assegurar, aos indivíduos, as condições mínimas de existência durante o resto
do ano, para poderem ser consideradas como profissões.
Este problema apresenta uma grande relevância ética, pois, muitas vezes,
acontece que há indivíduos que, desempenhando certas atividades
secundárias, durante um curto período do ano, pretendem através dessas
atividades, desempenhar com espírito ganancioso e até desonesto, viver a
maior parte do ano sem trabalhar, à custa dos lucros obtidos, abusiva ou
ilegitimamente, num breve lapso de tempo.
Outros pretendem justificar com esses intervalos de “laboriosidade esporádica”
a sua ociosidade de sucessivos e longos meses, ou vão mais longe, até ao
ponto de mascararem atividades ocultas e elícitas permanentes com essas
incidentais atividades “visíveis”.
Finalmente, o problema ainda interessa sob um outro aspeto. O facto de
alguém viver ou parecer que vive um ano inteiro à custa dos lucros de quinze
ou trinta dias de trabalho passageiro pode exercer sobre as pessoas
desprevenidas uma sugestão de degradação, levando-as a acreditar que é
possível viver com pouco trabalho, que não é preciso trabalhar todo o ano para
se viver, muitas ocasiões, com abundância ou fartura.
145
Semelhantes ideias, na maioria dos casos falsas, podem conduzir ao desprezo
pelo trabalho contínuo e ao desejo de aventuras mais ou menos desonestas e
antissociais.
A profissão relaciona-se com a personalidade, como é defendido por Viana
(1989) e por isso, cada um deve, especialmente, trabalhar em harmonia com
as suas capacidades e possibilidades. Aqueles que seguem como um rebanho
qualquer grupo de indivíduos não exercem uma profissão, “prestam um
serviço”, como os animais ou as máquinas.
Trabalhar numa profissão inadequada ou que contrarie o pensamento ou o
sentimento de alguém é negar a própria essência da profissão, porque se não
há sintonia entre o indivíduo e a atividade o serviço será mal executado ou
executado em grande esforço e sem a harmonia necessária.
Não esquecer o conceito de liberdade, o qual, resulta, como é evidente, do
anterior, e com ele se inter-relaciona. Para se poder afirmar que alguém
desempenha uma determinada profissão, importa admitir que esse alguém
escolheu livremente.
O trabalho forçado, imposto não pode considerar-se, moralmente, como
profissão. Por isso é que Viana (1989) não lhe chama de trabalho profissional,
aliás, qualquer serviço executado sem “liberdade” implica a negação da própria
ideia de um trabalho perfeito, digno e zeloso, porque pressupõe esforço
relutante e contrariado, executado com todos os reflexos de defesa em
funcionamento.
O caráter social na profissão é de extrema relevância, seja ela qual for, e
implica necessariamente a prévia existência de uma sociedade organizada na
qual as diversas atividades se encontrem devidamente separadas e
distribuídas com vista ao bem geral e ao interesse público. Nos povos
primitivos não havia profissões, o homem trabalhava para a família, praticando,
sem distinção, todas as atividades essenciais à conservação da existência
individual e familiar. Mas a profissão também, por sua vez, tem de ser
estruturada e organizada com vista a servir os interesses comuns da
sociedade, da polis.
146
Qualquer atividade que não sirva o bem comum e a melhoria e progresso
sociais não poderá merecer o nome de profissão, mais se acrescenta, qualquer
atividade que não se enquadre na orgânica coletiva, que contrarie ou
prejudique a moral pública, terá de ser eliminada ou ajustada à vida
comunitária.
A profissão não mais é do que trabalho organizado, com vista a servir a
organização social e o bem geral.
No que concerne à vocação, em princípio, não há homens sem qualquer
aptidão, sem jeito para alguma coisa. Com o conceito de profissão, terão pois
de se relacionar os conceitos de aptidão e de vocação. Cada pessoa tem
inclinações próprias, mais ou menos pronunciadas, convindo, portanto, que
trabalhe de harmonia com elas.
Só desta maneira será o seu esforço agradável e eficiente sob o ponto de vista
qualitativo e quantitativo. Quem trabalha em esforço em algo para que não tem
a respetiva vocação, em serviços que lhe repugnam ou desagradem, sem amor
e paixão não servirá corretamente a profissão e detestá-la-á. Precisamos de
uma política e gestão do desporto que harmonize este amor e esta paixão de
trabalho com a aptidão e vocação.
E com a aptidão, relaciona-se a competência. Seguindo a linha de Viana (1989)
é preciso, além de ter disposição natural ou simpatia para cada trabalho,
possuir competência para o desempenhar, dependendo esta qualidade
daquela, da boa vontade e do estudo. Aquele que não dispõe da necessária
preparação, instrução, formação geral e específica será, necessariamente, um
mau profissional.
A incapacidade e a incompetência comprometem, irredutivelmente, a profissão
e prejudicam o bem-geral, não só os interesses particulares considerados
isoladamente mas também os interesses coletivos, os interesses das várias
famílias, da totalidade dos cidadãos, de toda a “polis”, da saúde das
populações, da ordem e tranquilidade públicas e da boa gestão do desporto.
147
No que diz respeito à probidade, ou seja, total retidão e integridade, toda e
qualquer atividade que não tiver um objetivo honesto e que não funcionar
honestamente não poderá ser considerada profissão para Viana (1989).
O trabalho na política e gestão do desporto que não seja honesto não deverá
dar origem a qualquer vocação ou profissão. Por outro lado, qualquer profissão
que não seja exercida com honradez e probidade, ou terá de ser refugada ou
reformada.
Viana (1989, p.267) deixa uma opinião muito clara sobre o assunto, “por
consequência, o culto da honestidade deve ser integrado com o culto da
competência, sem a qual a moralidade pode existir em indivíduos isolados, mas
não tarda a declinar no comportamento de uma classe detentora da liderança.”
O gestor desportivo relaciona-se com as políticas desportivas que por sua vez
estão relacionadas com os dados sociais, económicos, educacionais e
financeiros de uma sociedade.
Profissões que funcionem fora do espírito ético afetarão o moral da coletividade
e das restantes profissões, entre as quais existe estreita interação entre o
gestor, o político e o professor. O trabalho profissional é pois, uma autêntica
função social e servir a profissão equivale a servir a coletividade, a
comunidade, ou seja, a polis.
Aquele que não cumpre os seus deveres profissionais não cumpre, por esse
facto, os seus deveres sociais. O bom profissional deve, por isso mesmo,
possuir espírito de serviço, procurando servir o bem público através da sua
atividade laboriosa e tal facto dever-se-á evidenciar numa nova gestão e
política do desporto.
Há homens que pretendem receber da profissão o mais possível e dar-lhe o
menos possível, para não falar que há indivíduos de nível ético tão baixo, que
apenas trabalham por amor do dinheiro. Semelhantes “criaturas” serão sempre
indivíduos medíocres, serão maus cidadãos pura e simplesmente, por serem
maus profissionais e levarão a um mal-estar no seio da polis.
148
Com observância, Viana (1989, p. 278) revela “ a profissão é um contributo
para o bem-comum. Nada mais é do que a expansão ou distensão da própria
personalidade em favor do bem-comum. A convivência humana não é possível
sem um mínimo de honradez e de boa vontade”.
Patrício (2002) refere na sua obra “ Ontem, hoje, amanhã: a unidade criadora
do tempo nos ofícios da profissão” que o tempo faz o homem, constrói a sua
essência, o tempo cria sempre e temos o poder de atuar no tempo no sentido
da obtenção do conhecimento e na esperança desenfreada da instrução e
dignificação da profissão “ Estamos no Tempo. Diríamos, melhor ainda: Somos
no Tempo. Ou, finalmente: Somos Tempo. Ontem, Hoje, Amanhã. Somos,
fomos, seremos. Somos o que fomos e somos o que seremos, como seremos
o que fomos e o que somos. É a unidade do Tempo. Unidade criadora? O
Tempo leva, o Tempo traz. Cria sempre”.
Ao abordar o tema da profissão, obviamente, que não poderia deixar passar
em claro a temática relativa ao ingresso na devida profissão e neste caso, com
objetivo de estudo para a gestão e política desportiva.
À medida que as várias classes se tornam mais numerosas e à medida que por
força da imprudência, da leviandade, da má seleção, do espírito de aventura e
do desnivelamento moral das sociedades nelas se introduzem numa crescente
progressão indivíduos inaptos, desajustados ou irresponsáveis, torna-se cada
vez mais difícil manter no seu seio a coesão e o elevado moral que seriam de
desejar.
Como será fácil de compreender, o problema não pode ser resolvido apenas
dentro de cada profissão mediante processos éticos e jurídicos. Como será
fácil de compreender é um contrassenso este de permitir o ingresso na
profissão de gestor desportivo ou até mesmo a nível político de homens sem
idoneidade ou sem capacidade, e pretender posteriormente adaptá-los, ou
moralizá-los, quando é certo faltarem-lhes as indispensáveis condições
mínimas para bem cumprirem a sua missão.
149
Viana (1989) refere que a inferiorização de muitas profissões resulta deste
facto impressionante, delas serem “invadidas” e “estranguladas” por
incompetentes e inaptos, por aventureiros e maliciosos.
A gestão e a política desportiva têm de ser protegidas e defendidas eticamente,
impedindo-se que nelas ingressem inaptos, incompetentes ou indivíduos
contraindicados.
É um ato ilógico e absurdo permitir a entrada em profissões de escol, numa
verdadeira vertente ética, apenas por piedade mal compreendida, por
relaxamento ou favoritismo, de indivíduos incapazes e amorais ou imorais, e
pretender, ato contínuo, capacitá-los e reabilitá-los.
Com esta atitude ilógica compromete-se a vida humana e o prestígio das
instituições, do Estado e da sociedade, desilude-se e desmoraliza-se a parte
mais saudável das coletividades, da “polis”, gerando, nela uma atitude
sistemática de desilusão, de pessimismo e de fadiga moral.
Com o passar dos anos percebemos que nada evolui no sentido da
humanização, pelo contrário, degrada-se a cada década que passa. Para
fundamentar este pensamento, a afirmação na Assembleia Nacional, em 1957,
do Prof. Cid Dos Santos:
“ A sociedade actual parece já não acreditar que uma questão possa ser
tratada com desinteresse, só pela questão. E procura sempre descobrir na
mente de quem tomou essa questão em mãos uma ideia de ataque ou de
defesa num plano mesquinho ou numa finalidade secreta, mesmo quando esse
desinteresse seja patente. Por mais que se diga, por mais que se demonstre,
ninguém acredita.”
(In O Século. Lisboa, 13 de Março de 1957).
A ética tem, pois, de começar por considerar o problema da seleção pessoal,
defendendo o princípio de que a escolha da profissão implica uma atitude ética
e deve impor um comportamento ética base.
150
A seleção não pode limitar-se, por isso mesmo, a uma simples verificação das
condições físicas e de conhecimentos.
Urge alargar o rastreio dos candidatos às respetivas profissões, a outros
fatores, tais como, o temperamento, o carácter, os hábitos morais, os vícios, os
antecedentes escolares e profissionais e os serviços prestados de forma
gratuita às instituições, por exemplo, em regime de voluntariado.
Quando não se proceda desta forma, a profissão ficará à mercê de indivíduos
sem categoria, capazes de logo no primeiro minuto se desviarem do bom
caminho, comprometendo a profissão e a sociedade.
Para Lopes de Sá (1998) este problema é dos mais importantes e também dos
mais delicados, porquanto a seleção profissional é passível de sofrer
numerosas limitações na sua desejável objetividade, em que vários fatores, tais
como, a simpatia ou piedade pelos candidatos, a influência política ou
plutocrática dos candidatos e a intervenção de terceiras pessoas em favor dos
candidatos.
Viana (1989) defende que segundo a doutrina ética, a única defensável, a
escolha do profissional deverá ser feita apenas em atenção às qualidades,
capacidades, méritos e demais atributos do indivíduo.
Para o mesmo autor, escolher e nomear nestas condições representa um
valioso serviço prestado à sociedade. O homem que proceda com justiça e
respeito pelo bem público procede honestamente e cumpre o seu dever. Como
também, o homem que é escolhido ou nomeado nas referidas condições sente-
se naturalmente honrado com a justiça que lhe fizeram sem necessidade de
“mendigar” proteções e empenhos.
A sociedade ou “polis”, beneficiará desta conduta por duas vias, isto é, pelo
exemplo animador de uma tão boa prática moral, e também pela repercussão
favorável sobre as diversas instituições sociais e públicas.
Do que foi exposto até ao momento importa referir que há uma imperiosa
necessidade de rever numa nova base rigorosamente ética, os costumes das
151
pessoas responsáveis, as quais “à força de maus hábitos” acabam por não ter
a consciência dos seus desvios e erros morais.
Estabelece-se, portanto, esta posição para que a profissão funcione no plano
ético, sendo indispensável que o ingresso dos respetivos profissionais da
gestão desportiva obedeça a normas éticas, cumpridas com justiça, escrúpulo
e dignidade.
Há, portanto, necessidade de serem incutidos deveres profissionais. Lopes de
Sá (1998, p. 158) tem uma posição também clara e inequívoca relativamente
ao ingresso profissional, na medida em que “todas as capacidades necessárias
ou exigíveis para o desempenho eficaz da profissão são deveres éticos”.
O propósito ou finalidade do exercício profissional é a prestação de uma
utilidade a terceiros e à sociedade, todas as qualidades pertinentes à
satisfação das necessidades de quem requer a tarefa passam a ser uma
obrigação perante o desempenho.
Há, portanto, um complexo de deveres que se impõem no ingresso da
profissão e que passam a governar a ação do indivíduo perante o seu cliente, o
seu grupo, a sua empresa, os seus colegas, a sociedade, o Estado e
especialmente perante a sua própria disposição mental e espiritual.
Lopes de Sá (1998) defende que se distinguem os valores nas tarefas e
também a importância destas em face da conduta humana observável perante
a execução.
No pensamento de Simpson, essas mesmas distinções, por si só, já seriam
suficientes para a consideração científica do estudo da questão. Uma vez
escolhido o trabalho que desempenhará com habitualidade, o homem gestor ou
o homem político do desporto compromete-se com todo um agregado de
deveres éticos, pertinentes e compatíveis com a escolha da tarefa a ser
desempenhada.
Existem aspetos de uma realidade, virada ao trabalho, que apresenta
particularidades próprias e também peculiares a cada especialização, ou seja,
152
há um complexo de valores pertinentes a cada profissão e neste caso à gestão
e política do desporto.
Quando escolhemos a nossa profissão, o que fazer, devemos consultar a
nossa consciência, isto é, se a tarefa é realmente a desejável, proporcionada
com o que nos agrada e se possuímos competência para a realizar.
Nem sempre a escolha coincide com a vocação, mas feita a eleição, inicia-se
um compromisso entre o homem gestor e o trabalho que se propõe a realizar.
Tal compromisso, essencial, está praticamente virado para a produção com
qualidade, ou seja, para a materialização de todo um esforço, no sentido de
que se consiga oferecer o melhor trabalho, o melhor resultado final.
Por exemplo, o sistema de vagas nas faculdades, limitando a entrada de
candidatos, leva, algumas vezes, os estudantes que desejam formar-se em
algo em particular e que enveredam por carreiras que não eram as da sua
primeira escolha por aproveitar vagas de outros cursos. Posteriormente podem
transformar-se em excelentes profissionais por se encantarem com a carreira
para que se habilitaram, mas isto exigirá um enorme esforço de motivação.
Não basta escolher a profissão de gestor, é preciso que ao procurar o
conhecimento da tarefa, haja uma ligação sensível com a mesma de modo a
que possa ser prazerosa. Daí, a prática sob as influências do amor e do que se
faz concretamente desejável.
A génese, a proveniência do dever é, portanto, a eleição da tarefa. Daí
decorrem os compromissos do pleno conhecimento da mesma. Tudo se
complementa com o dever da qualidade da execução com uma conduta
valorosa, calcada numa escolha de práticas úteis e causadoras de benefícios.
Depois de interpretar esta visão de Lopes de Sá (1998) podemos compreender
que estas são as relações essenciais no fenómeno do dever ético, isto é, a
escolha da profissão implica o dever do conhecimento e o dever do
conhecimento implica o dever da execução adequada.
153
Aquele que elege um trabalho como meio de vida precisa fazer dele algo
prazeroso, ou seja, deve estar estimulado, por si mesmo a exercer as tarefas,
não só por convicção da escolha, mas por identificar-se com o selecionado.
Saga didática, extraída da obra de Lopes de Sá (1998) sobre a capacidade de
escolha, atribuiu-se à vida de Mozart e à de um aluno que lhe perguntava
sempre o que deveria compor, ao que o mestre sempre respondia: “ É preciso
esperar”. Um dia, o aluno, impaciente retrucou afirmando que ele, Mozart, já
compunha aos cinco anos de idade, ao que aquele génio da música
respondeu: “ Mas eu nunca perguntei a ninguém sobre o que deveria compor.”
Por tal, Lopes de Sá (1998) afirma que quando a seleção da tarefa está de
acordo com a consciência identificada com a escolha, dificilmente ocorrem as
transgressões éticas, porque estas seriam violações da vontade contrárias ao
próprio ser.
Isto não significa, todavia, que ninguém possa tornar-se um apaixonado adepto
de outro conhecimento, tendo escolhido o que não lhe era movido pelo que
entendia estar vocacionado.
A História regista muitos casos de profissionais de uma área que acabaram por
se notabilizar noutras, em razão das suas genialidades e até da descoberta de
aptidões que eles mesmos desconheciam.
Para Viana (1989) há deveres muito importantes para o ingresso na profissão,
tais como, o dever de prestar serviço de harmonia com o exigido pela
profissão; o dever de pontualidade e assiduidade; o dever de lealdade,
correção e delicadeza; o dever de reserva, segredo ou sigilo profissional,
conforme os casos.
O dever de prestar serviço é um princípio geral, moralmente fundamental, isto
é, quem ingressa numa profissão fica obrigado a cumpri-la com exatidão e
integridade. Se não satisfaz às exigências do seu cargo, falta um dever base,
quer isso aconteça por inaptidão, quer por incompetência, por malícia, por
leviandade ou por desonestidade.
154
Como já referido sobre a política e ética geral, a ética exige do homem ético
que ele se conduza objetiva e corretamente em cada situação em que se
encontre, tal como lho impõem as relações e existências humanas. Por outro
lado, existe a exigência que o próprio homem do desporto dê, em cada caso,
uma resposta correta, com base numa convicção que concorde com o sistema
informador de cada situação e que, ao mesmo tempo, exprima intrinsecamente
a sua autenticidade como valor moral.
Se qualquer das partes faltar ao que se comprometeu a realizar, compromete,
irremediavelmente, uma situação bilateral, ou seja, um acordo expresso, formal
ou tácito. Se não cumpre, não pode moralmente exigir que a outra parte
cumpra aquilo que previamente se fixara.
O dever de pontualidade e de assiduidade completa o dever considerado
anteriormente. Não basta trabalhar bem aquele que é competente, pois se não
trabalha com regularidade, se não comparece ao serviço às horas devidas e se
falta imensas vezes compromete a vida funcional da instituição, afeta a sua
disciplina, torna o seu trabalho precário.
O mesmo pode dizer-se com respeito à assiduidade, quem se compromete a
comparecer todos os dias ao serviço e começa a faltar sem motivos sérios,
recorrendo a mentiras, embustes, ou desculpas artificiosas procede com
desonestidade e má-fé, prejudica o serviço e desmoraliza o restante pessoal,
criando às entidades responsáveis dificuldades de ordem vária.
É dever de todo o homem digno de tal nome ser leal, correto e dedicado para
com as pessoas com quem trata. Mas se essas pessoas são aqueles de quem
depende, este dever ainda mais culmina.
Todas as atividades e negócios, todos os trabalhos executados em comum
devem ser realizados com base em relações compreensivas e amáveis, de boa
colaboração e entendimento. A delicadeza não custa dinheiro e a lealdade
torna as relações humanas confiantes e justas.
É costume, desde longa data, admitir que em certas profissões se impõe o
dever do segredo profissional. Mas, na verdade, importa considerar atualmente
155
este problema de um modo mais amplo, distinguindo, para o efeito entre:
discrição, segredo, reserva e sigilo.
“Se nem todas as profissões exigem segredo ou sigilo, de um modo geral,
todas impõem, ao profissional, o dever de ser discreto e reservado. Aliás, a
própria filosofia popular considera estas virtudes como condição indispensável
de uma vida social tranquila e feliz, sem complicações e sem intrigas:
A bom calar chamam “santo,
Mais vale calar, que mal falar;
Muito falar, muito errar;
Na boca do discreto, o público é secreto.”
(in obra de Mário Gonçalves Viana)
No ingresso da profissão temos também que analisar, de alguma forma, as
virtudes profissionais. Muitas são as virtudes que um profissional precisa de ter
para que desenvolva com eficácia o seu trabalho. Na verdade, existem
múltiplas exigências, mas entre elas destacam-se algumas, básicas, sem as
quais se torna impossível a obtenção do êxito moral.
Quase sempre, na maioria dos casos, o sucesso profissional faz-se
acompanhar de condutas fundamentalmente corretas. Tais virtudes básicas
são comuns a quase todas as profissões, mas destacam-se ainda mais
naquelas de natureza liberal, em que é necessário um conhecimento no
domínio das letras ou das ciências, como pode ser o caso do gestor e do
político desportivo.
Lopes de Sá (1998) define virtudes profissionais para o ingresso profissional
como aquelas que são indispensáveis, sem as quais não se consegue a
realização de um exercício ético competente, seja qual for a natureza do
serviço prestado. Tais virtudes devem formar a consciência ética estrutural, os
alicerces do carácter e, em conjunto, habilitarem o profissional ao êxito no seu
empenho.
156
Entre as virtudes básicas que se deverá focar como imprescindíveis a quase
todas as profissões, particularmente naquelas em que o serviço prestado se
deriva dos conhecimentos formados nas universidades, notadamente naquelas
de maior alcance e intervenção social estão os casos da política e da gestão
aplicadas ao ramo desportivo.
Há características que são deveras importantes para o ingresso na profissão,
por exemplo o zelo ou o cuidado com o que se faz e que na perspetiva de
Viana (1989) começa com uma responsabilidade individual, ou seja,
fundamentada na relação entre o homem o e o objeto de trabalho.
O antigo imperador romano, o sábio e filósofo Marco Aurélio na antiguidade
clássica já advertia escrevendo sobre esta questão: “ O homem é exigente com
os outros; o homem superior é exigente consigo mesmo.”
O zelo é uma virtude que, como as demais, depende muito do próprio homem e
pela qualidade do serviço mede-se a qualidade do profissional.
Quando alguém procura um gestor nesta área do Desporto, entrega ao mesmo,
juntamente com o trabalho requerido, algo material muito precioso, isto é, a
confiança. Maus serviços são, pois, em princípio, traições à confiança
depositada.
É digno recusar um trabalho sobre o qual não se tem a convicção sobre a
dedicação que poderá ser dada. Indigno é aceitar uma tarefa, sem a certeza de
que é factível, dentro dos limites máximos do possível e sem que haja
possibilidade de ser realizada com desvelo.
Um profissional percebe, dentro de si mesmo, o que é preciso fazer para que a
tarefa se desempenhe da melhor maneira possível e se não o sente é porque
ainda não está apto para ser um profissional.
Quem não conhece como fazer, logicamente não terá aptidão para
compreender a extensão do objeto ou matéria de trabalho e, nesse caso, se
aceita, pratica não só um ato de negligência, mas, principalmente, um de
desonestidade.
157
A atitude zelosa principia com a aceitação do trabalho e só termina aquando da
entrega. A este respeito Lopes de Sá (1998) atenta a falta de zelo, deixar de
cumprir tudo o que se faz necessário para o desempenho eficaz de uma tarefa
cuja responsabilidade se assumiu.
Em todas as profissões e entre elas a gestão desportiva, quando não há zelo
ou atenção, ocorrem as transgressões éticas. Também aqueles que muitas
vezes já se julgam famosos podem perder a consciência ética, relaxando
quando ao zelo.
Perante tal, pronuncia-se relativamente à delegação de tarefa a um colega de
menor experiência ou mesmo a um simples estagiário, e tal facto, caracteriza
falta de zelo quando o delegado não tem capacidade para cumprir com êxito o
estabelecido.
O mesmo autor revela o desejar fazer cuidadosamente, procurar ser perfeito,
abranger todas as possibilidades que garantam a boa qualidade do que se faz,
ser eficaz e cumprir tudo isto com amor e prazer caracteriza bem a virtude do
zelo.
Quando o profissional se identifica com a sua tarefa, pelas vias do amor a ela,
só pode exercer o zelo, pois este depende de tal fator. A gestão e política do
desporto exercida com paixão, carinho, amor e dedicação permitirá aos seus
profissionais cumprirem a sua função com total rigor e zelo, garantindo à
sociedade justiça, dignidade e cumprimento do seu dever ético e moral.
158
159
10. Função Ética e Social da Profissão
Esta abordagem prende-se com a função social e ética da profissão e dos seus
desafios para a construção de um verdadeiro Estado digno humano. Analisa-se
também a temática do “profissionalismo” e da “profissionalidade” bem como o
bem-estar corporativo integrado no âmbito profissional.
Nalini (2001) menciona que a profissão é uma atividade pessoal desenvolvida
de maneira estável e honrada a serviço de outros e em benefício próprio, de
conformidade com a própria vocação e em atenção à pessoa humana.
Para Viana (1989) toda e qualquer profissão tem uma função ética e social, que
importa reconhecer e o facto de pertencer a uma profissão torna o indivíduo
socialmente útil e impõe-lhe, como já referido anteriormente, deveres
específicos.
Para o mesmo autor, cada vez se considera mais vergonhoso não
desempenhar qualquer atividade económica e útil. O qualitativo “sem profissão
“ não agrada a ninguém. Aquele que não tem uma profissão, não só se sente
diminuído, mas também é olhado por todo o mundo com surpresa e
desconfiança. Viana (1989) afirma “ a profissão é um título e uma dignidade”.
A política, como plano de fundo da ética é tema desta dissertação como,
também, o estudo dos pontos sociais, humanos e públicos, e em face disto
tratar as questões sociais e éticas profissionais, dado que a profissão confere
diferentes regalias, e em contrapartida, deveres e obrigações.
Duas são as entidades que naturalmente se assumem a tal, ou seja, o Estado
e a própria profissão. Viana (1989) considera que o Estado age de fora para
dentro, no interesse do bem geral ou da moral pública, e com vista a proteger
os membros da profissão contra possíveis desvios dos respetivos dirigentes, e
isto porque uma das missões do Estado consiste precisamente em proteger os
fracos.
O objetivo de todo o ser humano deverá ser de estabelecer-se
profissionalmente, porém a ética deve ser a base da construção da vida de
qualquer profissional. Exercer a profissão com zelo, diligência e honestidade é
160
dever de todo o gestor e político do desporto comprometido com a sociedade,
com os colegas e com o seu grupo profissional.
O exercício ético é de suma importância para qualquer pessoa, e também
enquanto profissional. Muitos não conseguem assimilar e agir segundo os
princípios éticos e ter humanidade. Ser humano consiste em saber viver,
respeitar e ajudar os outros a viver a vida humana com todas as vicissitudes.
Numa sociedade de profissionais “especializados”, fragmentada em mil
contextos funcionais importa pensar na forma de encontrarmos a humanidade.
Cada profissão apresenta uma dimensão social e ética, e a gestão e política do
desporto não foge à regra. Cada profissão é exercida na base de um contrato
social implícito que é necessário explicitar e cumprir refere Amendoeira (2008).
Ao atribuirmos importância à identidade profissional como dimensão social e
ética essencial para a compreensão do contributo que a singularidade dos
trajetos profissionais dá a uma profissão, interessa refletir sobre o conceito de
“profissionalidade” e no que o distingue do conceito de “profissionalismo”.
O “profissionalismo” pode ter um sentido diferente de “profissionalidade”, na
medida em que se refere à proficiência para lidar com as questões éticas, com
os valores e a intervenção mais apropriada a cada situação.
Segundo Alonso (2004) a ideologia do profissionalismo assenta em sete
princípios: A preparação especial; a elevada posição social e económica; a
resistência ao controlo público; o monopólio e outros privilégios corporativos; os
princípios aristocráticos; a realização da cultura profissional e a ética da
responsabilidade na relação com as pessoas ou utentes.
Para o mesmo autor é possível ser membro de uma profissão sem ser um
profissional no verdadeiro sentido da palavra e é igualmente possível ser um
profissional sem ser membro de uma profissão e mesmo ter um
comportamento de profissional (no sentido do profissionalismo) enquanto
desenvolve uma atividade não profissional.
161
O conceito de profissional adquire assim a dimensão singular, a partir da
evolução de um perfil que vai do profissional técnico ao intelectual crítico,
passando pelo profissional reflexivo.
No que concerne ao conceito de “profissionalidade” anteriormente abordado,
enfatiza-se segundo Tavares (2003) a característica essencial do mesmo, na
medida em que existam profissionais efetivamente autónomos e criativos, sem
deixarem de ser colaborativos, responsáveis e livres, constituindo-se numa
qualidade dinâmica que está em construção e em construção permanente.
É essencial valorizar o profissional reflexivo como aquele que constrói saberes
para além das competências, considerando competência como o resultado da
mobilização dos saberes (de qualquer tipo) em situação, sendo essencial a
transferibilidade desses mesmos saberes, através da recontextualização para
outros contextos-interação, tornando os profissionais mais competentes em
novas situações e no seio social e ético.
Pressupõe-se que o profissional do desporto possui os conhecimentos teóricos
e as habilidades práticas que (atualizados devidamente) lhe permitem saber o
que deve fazer em cada caso individual que se lhe apresente, e fá-lo.
Constitui uma parte importante do “êthos” profissional a reflexão permanente
sobre o que significa o bem intrínseco da profissão e a que se dedica cada
profissão para o conjunto da vida humana vivida na maior e melhor plenitude
alcançável.
Isto permite uma reflexão permanente, aberta e partilhada em todas as
direções. Como definir e redefinir uma e outra vez as metas da própria
profissão, considerando as técnicas e os recursos disponíveis bem como as
metas desejáveis a atingir na cultura na qual exerce. Por outro lado como se
pode contribuir a partir da própria profissão, dos seus saberes e competências
para esclarecer, possibilitar e criticar a perspetiva do próprio saber profissional
e do modo da atuação organizacional e institucional.
A instituição atua no seu próprio seio zelando a honra e o prestígio
profissionais, e para Viana (1989) o Estado impõe aos membros de cada
profissão leis e regras ditadas pela estrutura estatal e pelos seus interesses
162
fundamentais. Para o mesmo autor, a profissão dita, no domínio interno, aos
componentes de cada grupo profissional uma deontologia e regulamentação
aplicável a todos, elaborada e sancionada pela própria instituição, com vista á
sua moralidade, prestígio, eficiência, produtividade e dignidade.
Do ponto de vista do funcionamento ético-social, torna-se imperativo, fixar e
limitar as atribuições de cada profissão, no sentido de evitar os conflitos de
jurisdição, os desvios, os erros e as injustiças.
Não somenos importantes para Viana (1989) do ponto de vista ético social são
os deveres inerentes não só à profissão, mas também os deveres de cada
grupo dentro da profissão, considerando a respetiva hierarquia, preparação,
responsabilidades e funções. Selecionar o ingresso do homem, no sentido de
assegurar à profissão trabalho eficiente e satisfatórias relações humanas e
públicas, bem como assegurar uma satisfatória organização funcional com
base no respeito mútuo, na moral e na justiça e defender, quando tal seja
necessário, o princípio do “numeros clausus” e o bom nome da profissão.
Como é possível analisar, a profissão do ponto de vista ético social e como
prática habitual de um trabalho oferece uma relação entre necessidade e
utilidade no âmbito humano, exigindo uma conduta específica para o sucesso
de todas as partes envolvidas.
Para Lopes de Sá (1998) quem pratica a profissão dela se beneficia, assim
como o utente dos serviços também disfruta de tal utilidade. Contudo, isto não
significa que tudo seja útil entre as duas partes, ou para terceiros ou até
mesmo para a sociedade.
Um grande empresário, um homem responsável pelo teor político executivo do
desporto terá forçosamente que estar informado sobre a orientação a seguir ou
até mesmo como rentabilizar o seu negócio ou a sua política de administração
pública ou de índole privada, e neste caso necessitará de um profissional
especializado na área da gestão e da política desportiva.
Em reciprocidade, o profissional da gestão desportiva necessita do trabalho e
da oportunidade que o empresário ou o responsável pela política executiva lhe
vai oferecer. Estas são relações diretas entre quem presta o serviço e o que
163
deste se beneficia, ao que classifico de “necessidades mútuos” para o
respetivo funcionamento social.
Na oportunidade gerada ou oferecida, tem o profissional pela gestão do
desporto meios de mostrar todas as suas capacidades e, em decorrência,
construir o seu conceito profissional.
O conceito profissional é a evidência, perante terceiros, a sociedade, das
capacidades e virtudes do homem no exercício de um trabalho habitual de
qualidade superior.
Não se constrói um conceito pleno sem que se pratique uma conduta também
qualificada, não dissociando a componente ética da componente profissional,
ou seja, integrar a formação com a instrução.
Lopes de Sá (1998) realça que o valor profissional deve acompanhar-se de um
valor ético para que exista uma integral imagem de qualidade. Quando só
existe competência técnica, profissional e científica e não existe uma conduta
virtuosa, a tendência é que o conceito, no campo de trabalho, possa denegrir-
se de forma bastante notada em profissões que lidam com maiores riscos.
A este respeito, e a nível político, Lopes de Sá (1998, p.168) diz o seguinte:
“ Ao longo do exercício da minha profissão, tive oportunidade de conhecer
profissionais que, sendo empregados do Governo, aceitavam causas contra
este, utilizando nomes de terceiros e se tornando, pois, servos de dois
senhores, maculando a sua conduta e estabelecendo um conjunto de práticas
viciosas.”
A profissão que pode enobrecer pela ação correta e competente pode também
dar anseios à desmoralização através da conduta inconveniente com a rutura
dos princípios éticos.
É necessário perceber, dada a sua importância, o valor social da profissão e o
do profissional inserido no contexto social no âmbito profissional.
É inequívoco que o trabalho individual influencia e recebe influências do meio
onde é praticado, pois Lopes de Sá (1998) justifica tal facto na ideia de que não
164
é somente no seu grupo que o profissional dá uma grande contribuição ou a
encobre.
Quando adquire a consciência do valor social da sua ação em sociedade, onde
se poderá praticar ou realizar feitos que alcançam repercussões amplas.
Quando o Estado, como organização promovida pela sociedade motiva a ideia
do coletivo e do grupo e quando as administrações públicas são sinceras com
o seu povo.
Da mesma forma quando a justiça é aplicada sem protecionismos e sem
esconder, apresentando o medo, os erros dos mais poderosos, podemos
interiorizar o conceito alicerçado na ideia de Lopes de Sá (1998), o qual
fundamenta que a consciência social se exerce com maior influência e que
perante um exercício ineficaz da autoridade e de um poder corrupto e
incompetente abala-se a vontade de uma ação de cooperação para com o
Estado.
Como afirmou Spengler (1945) a ideia do Estado que requer a participação
igualitária de todos é consequência de todo um processo histórico e de uma
cultura que se consolida nessas áreas do Ideal.
Idealmente é imprescindível que os profissionais se preocupem com o social,
mas se não são induzidos a isso, o que tende a ocorrer é a ação irresponsável
de todos.
Quando o profissional, isoladamente, e as classes profissionais, através das
suas entidades representadas agem a favor de uma cooperação orgânica,
social, consegue-se o estádio idealmente desejável.
É preciso, todavia, para que isso ocorra, que haja uma atmosfera moral
competente, nem sempre observável na nossa época, isto é, na sociedade
contemporânea.
Escreveu Toffler (1995), a respeito da questão, analisando a situação do fim do
século XX, que a lista dos problemas que a nossa própria sociedade enfrenta é
interminável. Sentimos o cheiro do apodrecimento moral de uma civilização
industrial moribunda, enquanto vemos as instituições, uma atrás da outra,
165
sucumbir num turbilhão de ineficácia e corrupção. Consequentemente, o ar
enche-se de amarguras, queixas e clamores por uma mudança radical.
O referido autor, ao reclamar que o mundo mudou, mas que a política e o
procedimento ético não acompanharam tal mudança, mostra o elevadíssimo
grau de decadência moral a que se chegou, em razão do poder das minorias
que vêm mantendo uma fachada de democracia, mas sem que o povo tenha
ação sobre os verdadeiros destinos das suas nações.
A realidade mostra-nos que os enormes recursos que foram conquistados no
campo do conhecimento não se fizeram acompanhar de evoluções no campo
da política, do social, e tudo isso é consequência da debilidade da educação
moral e desrespeito pelas instituições.
A luta pelo mercado de trabalho, por exemplo, tem também produzido
fenómenos sociais típicos de desrespeito entre as classes, dentro de um outro
desrespeito geral que não observa os compromissos da qualidade de trabalho,
mas exclusivamente a produção do lucro.
Como conceber o verdadeiramente moral perante a nação, perante o Estado,
perante a sociedade, perante a humanidade é um tema deveras complexo e
fonte de estudo e análise nesta dissertação.
É crucial que o Ético perante o Estado deva ser encontrado dentro de uma
filosofia de virtudes, de prática do bem, de encontro com a felicidade, como
recomendou Aristóteles, ou com o prazer, como admitiu o filósofo Inglês
Jeremy Bentham, mas é difícil de aceitar que as “filosofias” ou as “bandeiras
subjetivas de grupos do poder” possam ser o conjunto de parâmetros a serem
seguidos para a verdadeira política social e por inerência desportiva, do que se
deve aspirar como conduta humana.
Entre a vontade ética, aquela da conceção de Kant, de Espinosa e aquela que
se toma para satisfazer as tais “bandeiras”, Lopes de Sá (1998) menciona
“parecer existir um conflito ideológico de profundidade”.
166
O objetivo do Estado é o bem público, mas nem sempre os seus atores, os
seus dirigentes incumbidos de cumprir tais propósitos se comportam dentro de
uma filosofia sadia e motivadora da ética.
A ideia de um Estado infalível, idealmente perfeito, tem-se comprovado uma
utopia, mas a meta a alcançar tem que ser a de uma organização eficaz, pois o
desejável está em possuir-se um sistema social, humano e desportivo que
possa coordenar e ansiar pela liberdade, o crescimento e o bem-estar de todos
os demais.
167
11. Dignidade e Finalidade do Homem Profissional
Neste capítulo tratar-se-á das questões centradas na dignidade e na finalidade
na profissão. Relativamente ao homem político e gestor do desporto e à
dignidade e finalidade enquanto homem profissional importa mencionar três
aspetos fundamentais, a dignidade, a preparação e a responsabilidade
profissional.
Há necessidade de abordar a conceção de dignidade humana e da sua relação
com o contexto social, político e profissional que é muitíssimo relevante para
este estudo pois está na génese da nobreza da preparação profissional, da
qual depende a responsabilidade na respetiva profissão. Neste caso pretende-
se estudar apelando a uma compreensão no ramo da gestão e política do
desporto.
Da dignidade na profissão no âmbito político e profissional resulta a imperiosa
necessidade de admitir que sendo igualmente dignas as profissões intelectuais,
liberais, burocráticas, técnicas, mecânicas, manuais, assim como as atividades
noutros tempos designadas por servis, cumpre ao homem em plena harmonia
servi-las todas com dignidade. Da forma como cada um as servir, assim essas
profissões se elevarão ou abaixarão.
Seja qual for a atividade desempenhada, no âmbito da gestão e política do
desporto, é indispensável que cada um proceda mais do que com honestidade,
com probidade, ou seja, com retidão e honestidade, porque ser “probo” é mais,
muito mais do que ser honesto. Cumpre ao homem político do desporto em
plena harmonia servi-la com dignidade, da forma como cada um a servir, assim
a profissão se elevará ou abaixará.
O honesto evita o mal, esclarece Renato Kehl (1958) que cumpre os deveres,
respeita as leis e preconceitos, prova inteligência e argúcia. O probo tem o
culto natural da dignidade, da perfeição, graças à potência hereditária do que
se dominou “talento moral”.
Quanto mais elevada for a posição do profissional do desporto e quanto
maiores forem as suas responsabilidades, tanto mais se lhe deve exigir uma
168
conduta proba, “a técnica, desacompanhada da probidade, só pode criar
profissionais desonestos, tanto mais perigosos, quanto mais hábeis forem”,
afirmou Pires de Lima (1953).
Para Viana (1989) o profissional é um zelador de duas dignidades, ou seja, a
dignidade da profissão e a dignidade da sua pessoa. Le Bon (1914) esclarece a
este respeito, que o sentimento de honra é uma necessidade de dignidade
pessoal, que leva a evitar certos atos e a realizar outros, mesmo contrários aos
nossos interesses, com o único objetivo de conservar a estima própria e a
estima dos nossos semelhantes, da sociedade, da polis.
Para desempenhar qualquer profissão na área da gestão e da política do
desporto importa ao homem ter-se preparado para ela. A preparação para ser
um digno gestor desportivo variará, como é óbvio, conforme a maior ou menor
dificuldade ou transcendência do trabalho por ela exigida.
Decorre deste facto a seguinte lição conduzida por Viana (1989), “aquele que
ingressa em qualquer profissão sem a necessária preparação, pratica um ato
malicioso reprovável, a menos que se trate de um ato irresponsável. Porém,
neste caso, o indivíduo revela não ser verdadeiramente humano”, pois, e
segundo Romero (1953), o homem é, em primeiro lugar, uma “consciência
intencional” em que sem ela não há homem.
Da mesma maneira, torna-se crucial abordar a posição a este respeito de
Lopes de Sá (1998, p.181) que orienta o seu pensamento ao encontro de Viana
(1989) e afirma, “aquela profissão cuja preparação exija mais tempo ou mais
estudo ou aquela profissão cuja preparação exija mais aptidões ou mais
responsabilidades, tem de ter retribuição proporcional à graduação destes
valores. Semelhante facto não pode, eticamente, conferir-lhe qualquer
privilégio, além dos inerentes à própria liberdade e dignidade da função. Não
podem existir profissões-castas intangíveis. Se o profissional não cumprir os
deveres éticos, ficará sujeito às leis, como qualquer outro”.
Nos dias de hoje questiona-se muito a responsabilidade de alguém numa
determinada área técnica, mas é indispensável salientar que ela varia bastante
em função das diversas profissões. Além da responsabilidade legal e
169
administrativa, há uma responsabilidade comutativa segundo Viana (1989), de
natureza essencialmente moral, que depende do tipo de atividade
desempenhada, e por tal apresenta-se uma responsabilidade individual e uma
coletiva ou solidária como o mesmo autor a classifica.
Conforme se trata de uma ou de outra, ou de ambas conjuntamente, assim
devem ser impostas obrigações morais ajustadas a cada serviço, não podendo
ninguém desobrigar-se a elas.
Mas Viana (1989) acrescenta a esta tese, tendo por base o seu pensamento da
ética profissional, que estas responsabilidades têm que ser consideradas sob
um outro ângulo, e por tal, acrescenta as responsabilidades de vidas, de
haveres e as de reputações.
A vida depende muito de um profissional, dirigente ou não, depende de um ou
muitos homens e pode depender de muitos profissionais, por exemplo, de
médicos, engenheiros, arquitetos, gestores ou políticos.
O mesmo pode dizer-se relativamente aos bens económicos como são os
casos das sociedades anónimas. Finalmente, a reputação e o bom nome dos
homens da polis depende da maneira como atuarem certos profissionais, como
os professores, administradores, gestores ou políticos.
Em alguns casos a responsabilidade pode ser múltipla e abranger as várias
hipóteses consideradas, pois a vida tem um enorme valor, dado que a perda
económica pode arrastar à morte, porque a desonra e a vergonha injusta e
indevida podem causar doença e desespero, que segundo Viana (1989) “são
vestíbulos da morte”.
Urge, por consequência, atribuir à responsabilidade profissional na gestão do
desporto a maior atenção no plano ético, porque o mais grave, o mais nocivo, o
mais destruidor de todos os males que afrontam a vida portuguesa, como já
Simões (1945) referia, é a falta de dignidade profissional, ou melhor, a não
dignificação das profissões.
Para dignificar a profissão, neste caso a da gestão desportiva importa conhecer
a responsabilidade que esta implica e cumpri-la integralmente em todas as
170
ocorrências e no dia-a-dia, com heroica obstinação, indo ao encontro da
fundamentação de Viana (1989).
O referido autor fundamenta este pensamento e acrescenta que o prestígio não
se improvisa, vai-se criando lentamente, através de uma atuação irreprimível,
eficiente e contínua.
Com este pensamento podemos referir que não há profissão ou ocupação, seja
qual for o seu tipo, da gestão à política, na qual seja possível adquirir prestígio
a não ser mediante este esforço consciencioso, que para o mesmo autor
“implica muitas vezes a renúncia ao triunfo fácil mas efémero, e pressupõe
sensaborias inevitáveis, quando há o propósito de realizar um trabalho de
fôlego, não obstante as dificuldades que se oponham e o tempo que exija.”
Tendo por base esta conceção, a responsabilidade profissional em qualquer
sector da gestão à política desportiva deve ser avaliada além da capacidade,
pelo empenho que se aplica para prestar em todos os casos um serviço
honesto, nunca inferior ao prometido. Quando não se tem a certeza de poder
realizar qualquer trabalho, não deve ninguém admiti-lo como possível, o
homem profissional do desporto consciente deve analisar friamente as
possibilidades de realização da operação que se propõe executar.
Se considerar viável deve declará-lo e se julgar o contrário, também o deve
dizer, mesmo quando tal signifique a perda de um negócio, de um contrato
para um evento desportivo ou de um ato de intervenção política no seio da
sociedade.
A dignidade na profissão da gestão desportiva irá depender muito da dignidade
do homem político do desporto na sua vertente individual. O problema da
dignidade do homem é analisado em função do lugar central que este ocupa no
universo, ponto de referência de toda a realidade.
Houve sempre uma preocupação em valorizar o homem na sua condição
terrestre e tal ponto é bem patente em certos autores humanistas, tais como,
Gianozzo Manetti, discípulo de Ambrogio Traversari, que lembrou o homem e a
sua dignidade ao realçar o valor da atividade humana, mas só na medida em
que esta lhe era conferida pelo Criador.
171
Contudo foi com Giovanni Pico Della Mirandola, um dos homens a quem os
“vindouros” reconheceram a marca de génio, que a valorização humana atingiu
a máxima expressão.
Gianozzo Manetti não visiona o alcance ontológico e ético da valorização do
homem em que tal intuição está reservada ao referido Giovanni Pico Della
Mirandola.
Para o Conte di Concordia, ou seja, Pico Della Mirandola, esta questão surge
como uma abordagem muito mais elaborada, podendo detetar-se na temática
da dignidade do homem a articulação de três níveis de compreensão, isto é, de
clareza, um problema da razão, um problema da liberdade humana e um
problema de ser.
Segundo o autor é a capacidade racional que permite ao homem tomar
consciência da sua dimensão como ser livre. A abordagem do
antropocentrismo Piquiano, isto é, a função que o assunto da dignidade ocupa
no cerne do universo vem alicerçada a partir da consideração da liberdade
humana, direcionada para a ação ética, portanto, com alcance prático. Mas
articulando um nível ontológico, ou seja, existencial e para se perceber o
sentido ontológico da ética, isto é, da força criadora da palavra é fulcral
compreender-se como o homem aborda as questões da consciência ética e do
valor moral, neste caso, na sua profissão.
Pico Della Mirandola fundamenta na sua obra “Discurso sobre a Dignidade do
homem” que “o homem é o ser mais digno da Criação de Deus, porque foi
colocado no centro do Universo e porque de tudo quanto foi criado ele possui
as sementes”. (XXIII)
Segundo o mesmo, ser ontologicamente de natureza indeterminada, permite
distinguir-se por tal facto tanto do mundo natural como do mundo angélico (dos
anjos), distingue-se ainda devido a ser o artesão ou operário de si mesmo, tal
como referiu Patrício, o homem é a escultura a ser trabalhada, a pedra dessa
escultura, a ferramenta da mesma escultura e o escultor da mesma escultura.
O homem é responsável pela direção da sua existência, pelo seu destino, pelas
marcas que deixará na sua profissão e na sua sociedade e pelos trilhos que
172
pretende seguir de tal modo que para Pico Della Mirandola o problema da sua
natureza não se pode pôr a priori, mas tão-só à posteriori.
Enquanto o animal, devido à natureza que lhe é dada à partida, só pode ser
animal e o anjo só pode ser anjo, o homem tem quase o poder divino de se
constituir segundo aquilo que quiser ser, de ser um ótimo gestor e político do
desporto e digno da sua vocação ou profissão dando o melhor de si para o seu
povo, para a sua sociedade, a sua polis, ou simplesmente, ignorar a honradez
e desprezar a sua profissão.
Pode degenerar até aos brutos e pode regenerar-se até aos anjos, mas a
possibilidade de viver como os animais ou como os seres espirituais depende
inteiramente de si mesmo, isto é, da sua escolha.
Pico Mirandola fundamenta que o homem ser da natureza indeterminada e
indefinida, “ está condenado à liberdade, por parte de Deus. E porque tem de
escolher, o homem é fautor do seu destino. Eis o grande milagre”. (XXV)
O homem não se deve contentar com as coisas medíocres, mas deve aspirar
às mais altas. Deverá preocupar-se por alcançar de uma forma digna a
imortalidade e a transcendência no exercício da gestão e da política do
desporto.
Pico Della Mirandola refere que há um compromisso ético diferente do dado
ontológico pois encontra-se perante uma ética do poder ser, em que o homem,
orientado pela razão e desde que seja possível age com vista à obtenção dos
mais altos valores espirituais. Esta é uma outra forma de a sua superioridade
se expressar relativamente a todos os outros seres criados.
Mas esta dignidade do homem tem também um alcance ontológico. Pico Della
Mirandola alerta para o facto de o homem se constituir como um ser de
natureza indefinida e indeterminada não apontar para uma pobreza ontológica,
mas para uma riqueza como sublinha “porque em si estão colocadas todas as
sementes dos seres criados, há no homem uma superabundância que lhe é
conferida à partida e que lhe compete, mediante a escolha, fazer frutificar”.
(Discurso sobre a dignidade do homem, XXIII)
173
O homem possui, então, o poder de se autodeterminar e deste modo coloca-se
acima do mundo físico biológico, isto é, apresenta um alcance cultural
inscrevendo-se aqui o problema da responsabilidade moral.
Numa outra perspetiva pode-se analisar o tema sobre a dignidade do homem e
perceber que a mesma é uma qualidade intrínseca, inseparável de todo e
qualquer ser humano, é característica que o define como tal.
A conceção de que em pensamento da sua condição humana e
independentemente de qualquer outra particularidade, o homem é titular de
direitos que devem ser respeitados pelo Estado e pelos seus semelhantes, pela
sociedade. É, por tal, um atributo tido como inerente a todos os homens e
configura-se como um valor próprio que o identifica e pode trazer-se a esta
discussão a visão antropológica de Leonardo Boff, transcrita por Oliveira
(2005), aquando do insulto da dignidade:
“Nada mais violento que impedir o ser humano de se relacionar com a
natureza, com seus semelhantes, com os mais próximos e queridos, consigo
mesmo e com Deus. Significa reduzi-lo a um objecto inanimado e morto. Pela
participação, ele se torna responsável pelo outro e como cria continuamente o
mundo, como um jogo de relações, como permanente dialogação.”
(in Fé e Política: Fundamentos)
Todo o ato que promova a degradação da dignidade atinge o cerne da
condição humana, promove a desqualificação do homem político do desporto
como homem profissional e agride também o princípio da igualdade, dado que,
a meu ver, é inconcebível a existência de maior dignidade nuns do que noutros.
Pode trazer-se à colação a explicação de Silva (1998) acerca do conceito de
dignidade da pessoa humana, a fim de se entender o significado para além de
qualquer conceção, neste caso política, posto que a dignidade é, como
referido, condição inerente ao homem, atributo que o caracteriza como tal, “a
dignidade da pessoa humana não é uma criação constitucional, pois ela é um
174
desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiência
especulativa, tal como a própria pessoa humana”.
A explicação de Silva (1998) vai ao encontro do pensamento e entendimento
de Malheiros (2003) ao focar sobre as dificuldades de uma definição precisa e
razoável de dignidade humana. E como relembra este autor, foi Kant quem
definiu o entendimento de que o homem, por ser pessoa, constitui um fim em si
mesmo e, então, não pode ser considerado como simples meio, de modo que a
instrumentalização do ser humano é vedada.
Tal definição tem inspirado os pensamentos filosóficos e políticos na
contemporaneidade. A dignidade não pode ser renunciada, de tal forma que
não se pode falar na pretensão de um homem de que lhe seja concedida
dignidade, dado que o atributo lhe é inerente dada a própria condição humana.
Desta posição destaca-se a capacidade do homem agir e intervir em prol da
sua sociedade e profissão, contribuindo para o bem-estar social dando o
melhor de si, dignificando de uma forma nobre a gestão e política do desporto.
Para o estudo da dignidade humana e na sua aplicação ao homem profissional
da gestão desportiva não devemos afastar-nos do ponto de vista ontológico da
ética. É fulcral compreender-se como o homem aborda as questões da
consciência ética e do valor moral.
A consciência ética corresponde a uma decisão proclamada por cada um de
nós sobre o valor moral dos nossos atos, isto é, enquanto os julgamos
louváveis (louvor) ou reprováveis (reprovação), bons ou maus, em
conformidade com uma regra, norma ou princípio que nos transcende.
Enquanto o cientista apenas afirma a verdade que julga descobrir, com base no
princípio de causalidade e perante a objetividade, o artista exprime e traduz as
emoções que a beleza, enquanto ramo estético, nele despertou, o homem
moral e ético do desporto sente-se interiormente vinculado a um imperativo que
lhe dita o que deve fazer.
175
Segundo Freitas (2000) se a vontade não pode impor diretamente a verdade
pois não depende dela, nem a beleza porque é objeto de sensibilidade e de
gosto, nem sequer o amor dado, porque se trata de uma fonte oculta, indica e
prescreve uma obra a fazer, uma tarefa a cumprir.
Ao contrário da restante animalidade (irracional), a vida do homem político do
desporto, o seu impulso e a sua disposição de vida atinge um nível superior,
caracterizando-se pela espontaneidade interior sempre em desenvolvimento e
em expansão, proveniente de decisões livres e refletidas de quem pode
escolher os princípios, meios e os fins (o sentido axiológico) que a eles
conduzem.
O homem político do desporto deverá aspirar a um equilíbrio interior, a uma
harmonia para viver bem consigo próprio, alcançados graças a uma decisão
pessoal inteligente e livre. Para Freitas (2000) as nossas ações, de forma
alguma nos poderão ser indiferentes pois obedecem a uma lei que, por um
lado, ditamos a nós mesmos (autonomia) e, por outro lado, reconhecemos não
depender só de nós (heteronomia).
Nesta nunce, a consciência moral equivale a uma sentença proferida por cada
um de nós sobre o valor moral dos nossos atos, isto é, enquanto os julgamos
louváveis ou reprováveis, bons ou maus, em conformidade com uma regra,
uma norma ou um princípio que nos transcende.
Segundo Kant, relativamente à consciência moral e retirado da obra “ Para uma
fundamentação ontológica da ética” de Freitas (2000, p. 19) “ duas coisas
enchem o meu coração de admiração e de veneração sempre novas e sempre
crescentes na medida em que a reflexão nelas incide e a elas se aplica: céu
estrelado acima de mim e a lei moral em mim…A experiência moral eleva
infinitamente o meu valor como inteligência, pela minha personalidade, na qual
a lei moral me manifesta uma radical independência em relação à animalidade
e mesmo a todo o mundo sensível”.
Transpondo para a gestão e política do Desporto, o valor moral mostra-se
irredutível e desmedido com qualquer outro valor e suas possíveis
combinações que caraterizam o ato do homem político como tal, enquanto livre
176
e conscientemente colocado, nunca podendo ser assumido como meio ou
instrumento para a realização de outros valores, pois é fim de si mesmo, vale
por si só.
Se a vida é condição necessária para a realização do valor moral, o mesmo
valor impõe-se, por sua vez, como razão de ser da própria vida, como sentido
do ser, e ao mesmo tempo, o seu significado e sua direção.
Freitas (2000) acrescenta que assentando-se como valor próprio da pessoa, o
valor moral apresenta-se como universal, e portanto, o que é moralmente bom
para mim, sê-lo-á também para todos os que se encontrem nas mesmas
condições.
Encarnar o valor moral nas nossas atitudes e comportamentos é para nós uma
promoção, tal como se pretende no homem ético do desporto como homem
político, traí-lo é um “atentado” à nossa dignidade de seres racionais, uma
desistência. Mas não é o aperfeiçoamento que nos faz morais, mas sim a
moralidade que nos torna perfeitos.
A experiência do “remorso” e do “arrependimento” sublinha a eminente
dignidade do valor moral e o seu cumprimento ou incumprimento despertam
sentimentos de satisfação (alegria) ou de desgosto (tristeza) que constituem o
que habitualmente designamos por boa ou má consciência e esta ontologia da
ética, a força da criação da palavra ética reveste-se no desporto e no homem
político do desporto e no homem profissional.
Para Martins (2000) só há moralidade para o homem que se “sabe duplo e
dividido”, que aspira a unir-se, a ser “um. Se o “Eu” tende a reunificar-se no
arrependimento, começa a obrigar-se no dever e a condenar-se no remorso.
O arrependimento define o estado de uma consciência unificada que,
reprovando a falta, deseja firmemente emendar-se e o outro, ou seja, o
remorso, apresenta a obscuridade de uma consciência dividida entre o apego à
falta e a vergonha que lhe provoca. Há uma pressão meramente intelectual,
classificada por Martins (2000) como o homem enquanto ser de intelecto,
tensão causada por uma apreensão da inteligência, a compreensão do que é
bom ou do que é mau.
177
Sem a intervenção da inteligência o nosso ato seria cego ou brioso, sem a
intervenção da vontade não se produziria e a dignidade na profissão não
existiria.
Martins (2000, p 29) foca o seu pensamento em Pascal e aponta “que a razão
ordena-nos muito mais imperiosamente do que um senhor, porque
desobedecendo a um é-se infeliz, desobedecendo à outra, é-se parvo. O
pensamento constitui a grandeza do homem.”
Urge iniciar um percurso de pensamento sóbrio, definido, delineado perante as
diretrizes do bem e assente nos pilares políticos de reflexão e de intervenção
para uma correta gestão do desporto e mais do que tudo, para elevar com base
na cultura e na educação o homem ao patamar da dignidade e da bondade em
sociedade, refletindo nos seus atos, pois será a base do alicerce para atuação
dos princípios da boa moral e da sadia ética.
O homem político do desporto é um ser decisor em matérias políticas em prol
de um sistema desportivo idóneo e digno, já para não evocar a sua capacidade
de liderar todo um processo social de um Estado, enquanto instituição e como
constituinte de um sistema interativo de partilha de opiniões livres e
democráticas, tendo por base uma ordem axiológica, ética e moral.
Para concluir este capítulo importa compreender a finalidade da vida humana
através dos fundamentos de Maquiavel e de Kant, perceber a finalidade do
homem gestor e político do desporto.
Torna-se fulcral projetar uma imortalidade para o homem político do desporto
assente no seu esforço para a boa vontade como virtude essencial na busca
pela felicidade como objetivo político tendo em mente a construção de um novo
modelo de sociedade e de gestão desportiva.
Para Ortega y Gasset a vida humana não tem uma natureza estática, ou seja, é
sempre igual a si mesma, mas apresenta-se num estado de transformação
contínua. Ela é, propriamente analisando, um eterno escolher, uma eleição
permanente de caminhos, uma projeção para o futuro.
178
Busca-se a felicidade a cada momento, a cada instante e este princípio de vida
terá quer ser o objetivo do homem político do desporto, pois a política tem tal
objetivo como fundamento de ação. O que importa na vida, como já foi referido
na dissertação, não é só o viver, mas sim viver para o bem. O verdadeiro
sentido da vida humana é manifestamente ético.
Para Comparato (2006) assim como a vida orgânica não se confunde com a
vida propriamente humana, do mesmo modo há que se distinguir, na vida de
todos nós, entre o fim e a finalidade do homem e neste caso, do homem gestor
e político do desporto.
É importante esclarecer que o fim é a extremidade física de algo, o término de
um lapso de tempo, ou o ponto de chegada de um percurso.
Já finalidade apresenta dois sentidos. Comparato (2006) refere que ela é, de
um lado, a utilidade de uma coisa, aquilo para o que ela serve, de outro lado
fala-se também em finalidade, em referência, ao ser humano, para indicar o
intuito de uma ação, ou o objetivo de toda uma vida que se pretende que seja
digno, moral e ético na profissão e na sociedade.
Neste último sentido, é fácil perceber que a ideia de finalidade distingue-se
nitidamente da de fim. Se o termo final da vida orgânica, qualquer forma de
vida orgânica, é a morte, esta não pode, obviamente ser a finalidade da vida
humana e da profissão.
Comparato (2006) fundamenta que a busca da imortalidade aparece como uma
característica permanente do ser humano (transcendência humana), e é deste
impulso irreprimível para superar a dimensão meramente corpórea da morte
que se alimentam todas as religiões.
Nesta perspetiva deverá assentar a conceção do homem na busca da
dignidade na sua profissão e na sua ação, pois assiste-se a um desprezo pelo
povo por parte da componente política, e perante isto há que haver uma
política do e para o povo assente numa gestão digna no contexto profissional,
com sentido de apresentação ética para a sua implementação na sociedade.
179
Nos discursos, Maquiavel (Livro I, cap. IV) sustenta que “onde existe igualdade,
não se pode instituir um principado, e onde ela não exista, não se pode instituir
uma república.”
Acontece que o povo é incapaz de se governar a si mesmo, como se pode
analisar na obra “O príncipe” (exortação final), a Maquiavel esta parecia-lhe
uma verdade da maior evidência. “Uma multidão sem chefe é inútil”, assim
como um exército sem chefe é facilmente derrotado.
A sua dúvida quanto à natureza humana levou Maquiavel a reconhecer que em
toda a sociedade há sempre uma luta permanente entre o povo e os grandes
senhores como hoje ainda se apresenta, e daí a necessidade de uma nova
intervenção política.
A obra de Nicolau Maquiavel foi, sem dúvida, o mais severo requisito contra a
debilidade do poder político em Itália, despedaçada pelo estado de permanente
beligerância entre pequenos soberanos locais que acabaram por transformá-la
num simples “brinquedo” de forças externas (“os bárbaros”).
Poucos anos depois de Maquiavel fazer essa advertência, abria-se um novo
período de divergências internas, não mais na Itália, mas em várias partes da
Europa, como consequência política inevitável da Reforma Protestante, que foi
incontestavelmente a primeira revolução social do mundo moderno.
Se a finalidade do homem é a felicidade, então, como objetivo da política
deverá assentar o homem gestor do desporto na sua intervenção profissional
com total dignidade e boa vontade para o bem social e moral pois o sentido da
vida do homem é ético.
180
181
12. Conclusão
Esta dissertação incidiu sobre as questões éticas da filosofia política do
desporto, a qual se debruça nos por quês e nos para quês das questões
políticas do desporto assentes na ética cujo significado presente para a filosofia
é traçado como o modo de ser ou caráter. A política é uma extensão da ética,
ou melhor, é um plano de fundo, um cenário onde a mesma ética atua,
permitindo ao homem do desporto ser um animal politico na construção de um
Estado Ético. Tendo como ponto de partida esta investigação foi possível retirar
importantes conclusões.
A ética é definida não apenas como um problema de costumes mas sim como
um conjuntura que pressupõe a boa conduta, a felicidade e a beatitude. A ética
no desporto é o espaço de reflexão e de estudo que tem por objeto o teor moral
dos atos desportivos, sendo a ética desportiva a moralidade da prática
desportiva ou da prática moral do desporto. A sua tarefa tem como objetivo
refletir sobre o desporto como um lugar de moralidade no contexto da vida
social, cultural e política. O objetivo da política centra-se na busca da felicidade
através de uma conduta virtuosa onde podemos definir o conceito de felicidade
como sendo um prazer duradouro ou um momento que se pretende que
perdure no tempo pela eternidade.
Apontaram-se os sistemas de classificação da ética na abordagem política e
distinguiu-se a ética teórica (ética ciência) da ética prática (ética arte). A
primeira está ligada ao conhecimento filosófico, ao estado do bem, do dever e
da finalidade do homem, em que busca as ideias da verdade moral, ou seja, os
problemas fundamentais e gerais no plano filosófico. Por outro lado, a segunda
busca as regras adequadas e válidas, causáveis de orientarem a vida com
acerto assim como a adaptação dos princípios ideais, como é o caso do ideal
ético, as realidades e necessidades da vida.
Diferenciou-se a ética intragrupal da ética intergrupal. O homem político do
desporto tem deveres para com o grupo ao qual pertence ou no qual ingressa e
o grupo também tem deveres para com os seus componentes. Da forma ética
como cada um destes elementos se conduzir assim dependerá a coesão, a
182
força e a dignidade de cada grupo na polis. Há portanto uma dimensão política
implícita no estudo da classificação ética. Verificou-se, também, que não
existem apenas relações entre indivíduos e grupos pois também se processam
relações entre grupos que têm que ser reguladas por princípios éticos para que
haja uma coexistência pacífica no seio das organizações.
Concluiu-se que há uma ética geral e uma ética profissional. Na ética geral, o
homem político do desporto não deverá esquecer a sua situação de
profissional. Quanto mais elevada for a atividade desempenhada tanto mais se
projetará do ponto de vista ético sobre o profissional impondo-lhe uma conduta
que não o prejudique como trabalhador nem prejudique a profissão.
Especificou-se a ética docente e a ética utente. A diferença entre o que se diz
ou se ensina e aquilo que realmente se faz. A ética docente é a filosofia moral
que se elabora como ideal puro, sendo a ética utente a moral realmente
praticada e vivida.
A ética é classificada como sendo o conjunto de determinações admitidas
numa época e numa determinada instituição orientadas no sentido de
assegurar à respetiva instituição um funcionamento eficiente e honroso em prol
da dignidade institucional e humana. Sendo a política o confronto ou debate de
ideias, ideologias, doutrinas ou teses entre os homens que vivem na polis. Um
estabelecer de diálogos entre o homem ético e o homem político no verdadeiro
local de discussão política que é a polis para a respetiva iniciativa política.
A vida do homem político implica um esforço contínuo de melhoria, uma
constante ansiedade e luta pela perfeição dirigindo todas as suas ações
segundo as regras da justiça. A “luta interior” do homem ético e político do
desporto não se manifesta somente antes de tomar qualquer decisão ou
resolução, mas também se manifesta na ação. O homem ético do desporto
enquanto ser político é uma consciência em plena vibração, e aquele que vive
tranquilo sem problemas, sem dúvidas, mostra não sentir nem a amplitude,
nem a complexidade dos problemas humanos e desportivos.
Esta dissertação permitiu concluir que o homem não é um ser perfeito, ele
busca a perfeição a cada instante da sua vida, daí ser considerado e definido
183
como ser perfetível. Deverá analisar as suas virtudes e defeitos, reconhecer os
seus erros e corrigi-los de acordo com os mais elementares princípios, meios e
fins éticos e morais para um caminho cada vez mais próspero de
desenvolvimento moral, social e político. O homem ético do desporto, para
além de convivente pois vive em sociedade, é efetivamente o “homem em
permanente reconstrução”.
O conceito da moral política, de onde resulta o de ética política está
relacionado de uma forma muito próxima com o conceito pessoal de honra e
com o conceito mais extenso de moral pública. O homem do desporto não
pode viver isolado da ética e da moral, nem tão pouco desconhecer o seu
próprio “Eu” no plano afetivo, que não raro se sobrepõe ao próprio “Eu” a nível
intelectual.
É importante conhecer a verdade e o bem mas também que o “Eu” seja
realizador e que opere a mudança no plano da afetividade, por tal, há
necessidade que o “Eu” seja um “Eu” operante afetivo, ou seja, realize e opere
uma ação afetiva. A ética é a ação, que comandada pelo cérebro, é observável
e variável, representando a conduta humana. A produção de uma conduta leva
ao homem do desporto a entrar numa linha de atuação para se alcançar o
conhecimento que promova a satisfação, o prazer e a felicidade.
É dado assente que não existe maior felicidade que a prática da virtude mas
para existir a mesma terá que haver liberdade e sem virtude não existe moral,
nem pode haver felicidade dos povos porque também não pode haver justiça.
A conduta virtuosa apoia-se na qualidade do homem em viver de acordo com a
natureza da alma. A virtude estando relacionada com o caráter na conduta
ética é condição essencial pois não se pode conceber o ético sem o virtuoso
como princípio, nem deixar de apreciar tal capacidade em relação ao grupo, à
sociedade, à polis.
Relativamente aos deveres do homem ético e político do desporto esta
investigação também concluiu que o dever pressupõe dois conceitos:
Subjetivação e objetivação. Subjetivação para que o homem saiba aplicar, a si
próprio, os princípios morais e não apenas enunciá-los e objetivação para que
184
não se confunda o bem geral com o bem individual. Somos parte integrante da
nossa sociedade e portanto devemos servi-la. Tal facto deixa de ser um dever
imposto ou mesmo sugerível, para nascer do racional e do sensível. A
racionalidade do dever para com a entidade social significa ser sensível, “lei do
retorno”, devemos dar, não só em função do que recebemos, mas como
princípio de vida que nos habilita a continuar a receber.
Relacionada com a racionalidade ética encontra-se a vontade ética dado que
tudo o que provém do caráter já construído sob as condições da génese ética é
ato de vontade. O instinto ético busca a utilidade porque é uma forma de ação
que visa o homem político do desporto mas no seu sentido ético. A soma da
ação com a tendência ética e com o instinto ético denomina-se por vontade
ética. Há deveres que o homem ético e político do desporto deverá ter, tais
como, o dever de sinceridade, de delicadeza, de obediência, de perfetibilidade,
de justiça, de humanidade, de coragem e de trabalho.
Como objetivo deste estudo a educação deve encaminhar o homem político do
desporto numa perspetiva ética, para o seu aperfeiçoamento e para a melhoria
da sociedade em que vive e da qual depende. Há necessidade de uma
educação orientada para a ética na preparação do homem ético e do homem
político na construção do ideal de Estado ético. Ao Estado interessa a
valorização do homem político do desporto e este apenas o pode ser na
medida em que for elemento de solidariedade, de trabalho, de disciplina, e de
harmonia social.
A estrutura do Estado deve ser orientada em princípios éticos e toda a sua
legislação, mesmo no âmbito desportivo, deve ser balizada por ideais éticos. A
atuação do estado deve assentar-se pela íntegra retidão, imparcialidade e
justiça. Para que as organizações “vivam” eticamente importa que o Estado
lhes dê o exemplo e supervisione em obediência aos princípios éticos toda a
sua existência, hierarquia e interações.
Ficou também demonstrado nesta investigação que há uma ligação entre o
homem e o grupo. Tanto o indivíduo pode influenciar o grupo para o bem ou
para o mal como o grupo pode também influenciar o homem.
185
Sãos os grupos bem estruturados e de bom nível funcional que exercem uma
influência mais ou menos sensível sobre os indivíduos apáticos, amorfos,
consonantes ou passivos. Os homens ativos, idealistas e com poder de
liderança são os que conseguem exercer, sobre qualquer argumento, uma
decisiva ação informadora e conformadora.
É necessária uma base filosófica a ser seguida para que se forme toda uma
estrutura e perante a mesma se tracem os detalhes e os pormenores para uma
ética profissional. O princípio será sempre o de estabelecer qual a melhor
forma de um profissional se conduzir no exercício profissional, de maneira a
não prejudicar a comunidade ou a sociedade e a garantir uma qualidade eficaz
de trabalho. Esta é uma “orientação filosófica fundamental”.
A profissão apresenta uma expressão social, ética e moral pois é pela profissão
que o homem político do desporto se destaca e se realiza plenamente através
da sua capacidade, habilidade, sabedoria e inteligência. Através do exercício
profissional o homem do desporto consegue elevar o seu nível moral e é na
profissão que o mesmo homem pode ser útil ao seu grupo, à sua comunidade,
à sociedade. A profissão pressupõe alguns pontos fulcrais, tais como, a
inclusão de permanência, a retribuição, a duração, a personalidade, a
liberdade, o caráter social, a vocação e aptidão, a competência, a probidade e
o espírito cívico.
No ingresso profissional é necessário compreender o temperamento, o caráter,
os hábitos morais, os vícios, os antecedentes escolares e profissionais e os
serviços prestados de forma gratuita às instituições, por exemplo, a nível de
voluntariado. Quando não se procede desta forma a profissão ficará à mercê
de indivíduos sem categoria, capazes de se desviarem do bom caminho e
comprometendo a profissão.
Chegou-se à conclusão que para além destas nuances há características que
são importantes na profissão e no seu ingresso, por exemplo, o zelo ou o
cuidado com o que se faz e que começa com uma responsabilidade individual
fundamentada na relação entre o homem e o objeto de trabalho.
186
Toda e qualquer profissão apresenta uma dimensão ética e social, pois
pertencer a uma profissão torna o indivíduo socialmente útil e impõe-lhe
deveres específicos. No estudo desta dimensão social concluiu-se que há que
distinguir no conceito de profissão os conceitos de profissionalidade e de
profissionalismo. Então neste pressuposto o profissionalismo está diretamente
relacionado com a proficiência e com as questões éticas e os valores,
enquanto que a profissionalidade significa a autonomia dos profissionais
(autonomia, criatividade, colaboração, responsabilidade e liberdade no trabalho
e na profissão).
Neste objetivo de trabalho foi também estudado e analisado o valor
profissional. Ele deve acompanhar-se de um valor ético para que exista uma
integral imagem de qualidade. Quando só exista competência técnica,
profissional e científica e não exista uma conduta virtuosa a tendência é de que
o conceito de trabalho possa denegrir-se em profissões que lidam com maiores
riscos como é o caso da política desportiva.
O objetivo do Estado é o bem público, embora os seus atores incumbidos de
cumprir tais propósitos se devam comportar dentro de uma filosofia sadia e
motivadora da ética. Seja qual for a profissão é importante que cada um
proceda com honestidade e probidade. Cumpre ao homem político do desporto
em plena harmonia servi-la com dignidade, pois da forma como cada um a
servir, assim a profissão se elevará ou abaixará. Dignificar a profissão importa
conhecer a responsabilidade que esta implica e cumpri-la em todas as
ocorrências e com heroica obstinação.
A dignidade na profissão dependerá também da dignidade do homem político
do desporto na sua vertente individual. A dignidade humana tem um alcance
ontológico pois o homem possui o poder de se autodeterminar e deste modo
colocar-se acima do mundo físico biológico, isto é, apresenta um alcance
cultural. A finalidade do homem profissional é a felicidade, e neste contexto o
objetivo da política do desporto deverá assentar as suas raízes numa
intervenção profissional com total dignidade e boa vontade para o bem social e
moral, pois o sentido da vida do homem do desporto é ético.
187
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