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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” FACULDADE INTEGRADA AVM Poder Constituinte Derivado – Um Poder realmente subordinado e condicionado? Por: Alessandro Carlini Orientador Prof. Anselmo Souza Niterói 2012

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … · do Poder Constituinte Derivado; enumerar as espécies de ... e demonstrar os motivos pelos quais a ... após a queda do Império

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

FACULDADE INTEGRADA AVM

Poder Constituinte Derivado – Um Poder realmente

subordinado e condicionado?

Por: Alessandro Carlini

Orientador

Prof. Anselmo Souza

Niterói

2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

FACULDADE INTEGRADA AVM

PODER CONSTITUINTE DERIVADO – UM PODER REALMENTE

SUBORDINADO E CONDICIONADO?

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Direito Público

e Tributário

Por: Alessandro Carlini

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AGRADECIMENTOS

Aos professores que, com este curso

de especialização, possibilitaram a

consolidação e a ampliação de meus

conhecimentos em segmento tão

amplo e complexo do Direito.

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DEDICATÓRIA

Ao meu filho, Pedro, por ser a luz que me

guia e a força motriz da minha vida, e à

minha esposa, Daniela, pelo

companheirismo e perseverança que

sempre me auxiliaram.

Aos meus pais, por estarem sempre

presentes e me apoiando nos momentos

mais difíceis de minha vida.

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RESUMO

Esta pesquisa tem como tema as limitações impostas ao Poder

Constituinte Derivado e como objetivo principal analisar se, no Brasil, o Poder

Constituinte Derivado é realmente limitado e condicionado. Tem como

objetivos secundários: identificar a quem pertence a titularidade e o exercício

do Poder Constituinte Derivado; enumerar as espécies de Poder Constituinte

Derivado, apresentando a diferenciação entre cada um deles, de acordo com

suas respectivas características; apresentar os principais dispositivos

constitucionais que são objetos de vedação explícita ou implícita na

Constituição; apresentar os principais mecanismos de controle impostos ao

Poder Constituinte Derivado; e demonstrar os motivos pelos quais a limitação e

o condicionamento do Poder Constituinte Derivado não podem ser tão rígidos.

Tem como justificativa a necessidade de aprofundamento de estudos sobre

cláusulas estabelecidas como pétreas no artigo 60 parágrafo 4º da atual

Constituição, promulgada em 1988, haja vista as inúmeras transformações por

que passou e vem passando a sociedade brasileira ao longo destes 23 anos, a

qual, em última análise, é a detentora do Poder Constituinte e clama por

soluções que exigem alterações em algumas destas cláusulas. Os resultados

obtidos como fruto, conclusões e considerações finais desta pesquisa

comprovam a necessidade de tais alterações, mesmo que tenham de ser

levadas a efeito por intermédio dos processos informais de mutação da

Constituição.

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METODOLOGIA

A metodologia empregada na elaboração desta monografia amparou-

se numa abordagem qualitativa do tema e, como técnica, utilizou-se a pesquisa

bibliográfica, pela coleta de dados em livros de conhecidos autores sobre o

assunto.

Também foram consultados artigos em publicações e Internet

(documentos eletrônicos), os quais permitiram a produção da monografia, bem

como contribuíram para a formação de uma massa crítica de conhecimentos,

que complementou as ideias e as informações adquiridas ao longo do curso de

especialização.

Dos vários autores consultados durante a pesquisa, destacam-se, pela

gama de informações fornecidas, SILVA( 2003), PAULO e ALEXANDRINO (

2009 ), BONAVIDES e ANDRADE ( 1991 ) e FILHO (2007 ).

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 8

CAPÍTULO I – PODER CONSTITUINTE ....................................................................12

1.1 CONCEITUAÇÃO .................................................................................................12

1.2 TITULARIDADE E EXERCÍCIO ............................................................................12

1.3 ESPÉCIES ............................................................................................................14

1.3.1 PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO ....................................................................14 1.3.2 PODER CONSTITUINTE DERIVADO......................................................................15

1.4 TEORIAS DO PODER CONSTITUINTE ...............................................................16

1.4.1 A VISÃO CLÁSSICA DO PODER CONSTITUINTE ....................................................16 1.4.2 A VISÃO MODERNA DO PODER CONSTITUINTE ....................................................17 1.4.3 A VISÃO CONTEMPORÂNEA DO PODER CONSTITUINTE ........................................19

CAPÍTULO II – PODER CONSTITUINTE NO BRASIL ...............................................21

2.1 PODER CONSTITUINTE DE 1987 ........................................................................21

2.1.1 ORIGEM ...........................................................................................................22 2.1.2 TITULARIDADE E EXERCÍCIO ..............................................................................23

2.2 CONSTITUIÇÃO DE 1988 ....................................................................................24

2.2.1 PODER CONSTITUINTE DERIVADO......................................................................27 2.2.2 PRINCIPAIS LIMITAÇÕES E DISPOSITIVOS DE VEDAÇÃO EXPLÍCITA E IMPLÍCITA ......29 2.2.3 CONVENIÊNCIA OU NÃO DA RIGIDEZ E DO CONDICIONAMENTO DO PODER DERIVADO ................................................................................................................................30

CAPÍTULO III – A SOCIEDADE BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA ..........................33

3.1 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS .......................................................................33

3.2 PRINCIPAIS PROBLEMAS ENFRENTADOS .......................................................35

3.3 OS ENTRAVES CONSTITUCIONAIS AO PODER DERIVADO ............................42

CONCLUSÃO .............................................................................................................47

BIBLIOGRAFIA ..........................................................................................................51

ÍNDICE ........................................................................................................................52

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INTRODUÇÃO

A sociedade brasileira teve a sua primeira constituição em 1824, sob o

império de D. Pedro I, dois anos após sua independência, ocorrida em 1822. A

nossa história constitucional, e consequentemente de nossa sociedade, inicia-

se com uma constituição outorgada, isto é, imposta pelo imperador.

Sucederam-se as constituições de 1891, já no Período Republicano, e as de

1934, de 1937, de 1946, de 1967 e, finalmente, a atual promulgada em 1988.

Salta aos olhos do observador mais desatento o fato de que todas,

sem exceção, foram elaboradas e promulgadas – quando não outorgadas,

sempre em curto período após a ocorrência e superação de crises

institucionais ou acontecimentos marcantes de nossa história, fruto ou não de

fatos ocorridos no mundo, como o fim da Segunda Guerra Mundial. Sem medo

de errar, podemos afirmar que nossas constituições foram elaboradas visando

o futuro, mas sempre criando mecanismos que pudessem evitar a ocorrência

de fatos que se verificaram no passado, inclusive a atual constituição de 1988.

Nossos representantes no Congresso, formando Poderes Constituintes

Originários, sempre estabeleceram os dispositivos de nossas Cartas Magnas

procurando regular os mínimos detalhes, ao invés de estabelecerem princípios

gerais e por isso mesmo duradouros, assombrados que estavam pelos

fantasmas do passado. Com certeza esta é uma das razões de termos tido

tantas constituições em tão curto espaço de tempo (187 anos, de 1824 a 2011)

e terem elas sofrido tantas emendas em seus curtos períodos de vigência.

Sem dúvida, também contribuiu e continua contribuindo para isso a velocidade

de transformação da sociedade brasileira ao longo deste período, passando de

uma sociedade aristocrática, rural e conservadora para uma sociedade

democrática, industrializada, aberta e pluralista, ainda em crescente

transformação política, econômica e social.

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O dinâmico processo de transformação de

qualquer sociedade democrática será

sempre mais rápido e radical do que as

mudanças constitucionais podem

acompanhar (sejam mutações

interpretativas ou formais). Isto porque as

sociedades são históricas, frutos de

pessoas históricas, logo em permanente

processo de transformação (FREITAS,

2010).

As inúmeras emendas sofridas pela atual Constituição comprovam as

afirmações anteriores, pois só se emenda a constituição de um país quando a

sociedade clama por isso. Nesse contexto, avulta de importância a existência

de sintonia da constituição com os anseios da sociedade, de modo a permitir o

acompanhamento e o direcionamento da sua evolução. Daí a importância e a

necessidade de não se ter a constituição engessada por dispositivos imexíveis

e intocáveis, ressalvados naturalmente aqueles que, se alterados, ponham em

risco a própria existência do Estado e da sociedade.

A previsão de um poder constituinte de

reforma (por meio de emenda e revisão)

permite a atualização da Constituição,

fazendo com que o texto e sua

interpretação acompanhem as

transformações sociais que não podem (e

nem devem) ser impedidas ( FREITAS,

2010 ).

Ou seja, constituição sem00000 cláusulas pétreas é um risco

inadmissível, da mesma forma que uma constituição com excesso destas

cláusulas ou com cláusulas indevidamente petrificadas é um entrave à

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evolução da sociedade e da sintonia que deve existir entre esta e sua

constituição.

(...) Democracia é transformação e logo

risco. Constituição é segurança e logo

busca de estabilidade e permanência. Se

a segurança e a estabilidade prevalecem

sobre a transformação eliminamos a

democracia. (...) Democracia sem limites

pode se transformar criando formas

totalitárias. Assim, embora tensa, a

relação entre Constituição e Democracia,

é fundamental nas sociedades

contemporâneas (FREITAS, 2010).

Há que se considerar ainda o que está ocorrendo no mundo em termos

de garantias individuais e outros dispositivos constitucionais, pois embora cada

sociedade tenha suas próprias características história, direito, costumes etc.,

estamos inseridos no contexto mundial e não isolados no planeta e o mundo

de hoje não é mais como em 1988, pois os avanços da tecnologia, da

informática e dos meios de comunicação nos deixam inteiramente conectados

a ele.

A globalização reduziu as distâncias, compactou o mundo como se

fosse um só país, eliminou as barreiras naturais, aproximou os povos e

permitiu que todos observem e tenham conhecimento instantâneo do que

ocorre no planeta. Não há mais o lado de lá. Os crimes cometidos em um país,

sejam eles por governantes, idosos, adultos, adolescentes ou crianças são

imediatamente divulgados e conhecidos pelo mundo inteiro, bem como cada

sociedade procede em relação aos criminosos, os quais, dependendo do

crime, poderão vir a ser internacionalmente procurados, presos e extraditados

para seus países de origem ou julgados pelo Tribunal Internacional de Haia,

em caso de crimes contra a humanidade.

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Ao longo deste trabalho, procuraremos analisar à luz da Constituição

em vigor se, no Brasil, o Poder Constituinte Derivado é realmente limitado e

condicionado e se, caso positivo, a rigidez desta limitação e deste

condicionamento é benéfico ou não para a evolução da sociedade brasileira.

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CAPÍTULO I

PODER CONSTITUINTE

“Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido”1

1.1 Conceituação

Poder Constituinte é o poder exercido pelo legislador constituinte, ou

seja, aquele legislador com competência para elaborar ou modificar normas

constitucionais. Em Estados que possuem constituição rígida e escrita, temos

outro tipo de legislador que é o legislador ordinário, competente para elaborar

normas infraconstitucionais de ordenamento.

De acordo com Paulo e Alexandrino (2009), quem primeiro esboçou a

Teoria do Poder Constituinte foi Emmanuel Sieyès, pouco antes da Revolução

Francesa, com a obra “O que é o Terceiro Estado?”. Ainda segundo os

mesmos autores, o ponto fundamental dessa teoria é a distinção entre o poder

constituinte e os poderes constituídos, já que o primeiro cria a constituição e os

outros são resultado dessa criação, ou seja, são poderes por ela estabelecidos

, sendo esta a razão do princípio da supremacia da constituição nos Estados

onde ela é rígida e escrita.

1.2 Titularidade e exercício

Se nos debruçarmos sobre a obra de Burns (1971), em sua “História

da Civilização Ocidental- O Drama da Raça Humana”, poderemos constatar

que a titularidade e o exercício do poder no mundo ocidental, ao longo de sua

história, foi sofrendo profundas transformações, até chegar ao” status atual”.

1 Sobral Pinto, campanha das “Diretas Já”, 1984. http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/capa_18041984.shtml. Acesso em 04/12/2011, às 15:40Hs.

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Da concentração nas mãos dos imperadores, após a queda do Império

Romano o poder diluiu-se pelos senhores feudais durante a Idade Média.

Posteriormente, com o fortalecimento dos reis e o avassalamento dos

senhores feudais, surgem na Idade Moderna os Estados Nacionais e cresce o

poder absoluto dos soberanos, o qual, com o apoio da Igreja, passa a ser

considerado como de origem divina. A frase “l’État c’est moi”, dita por Luís XIV,

rei da França, caracteriza muito bem a titularidade e o exercício do poder

absoluto.

Ainda naquele período, com o surgimento da Renascença, do

Iluminismo e do Racionalismo, em oposição ao Absolutismo, dar-se-á uma

nova alternância de poder, deslocando-se este, gradativamente dos reis para o

povo. Surge o Constitucionalismo, com a Constituição de 1215 da Inglaterra, o

qual passa a limitar o poder real. No prosseguimento deste movimento,

teremos a Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos

(Convenção de Filadélfia em 1787 e Assembleia Nacional Francesa de 1789)

culminando com o aparecimento da República e o surgimento do povo como

única fonte de poder.

De acordo com Paulo e Alexandrino (2009), hoje em dia, é

universalmente aceito que o titular do poder constituinte é o povo, pois só ele

tem legitimidade para determinar quando e como se deve elaborar uma

constituição ou modificar a que está em vigor. Assim, a soberania popular,

consubstanciada no poder constituinte do povo, é a única fonte dos poderes

públicos do Estado. Enquanto a titularidade do poder constituinte é única e do

povo, o exercício deste poder pode-se dar de duas maneiras bem distintas:

democraticamente ou autocraticamente.

O exercício democrático do poder constituinte ocorre quando uma

assembleia nacional constituinte ou uma convenção, constituída por

representantes escolhidos pelo povo, reúne-se para elaborar uma nova

constituição ou modificar uma já existente que, quando pronta, será

promulgada. A participação do povo na situação anterior poderá ocorrer de

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forma democrática representativa (pela eleição de representantes) ou

participativa (por plebiscito, referendo ou apresentação de propostas populares

de dispositivos constitucionais ao órgão constituinte).

Já no exercício autocrático do poder constituinte, a constituição é

outorgada, isto é, estabelecida e imposta por um indivíduo ou grupo de

indivíduos, sendo um ato unilateral deste(s) governante(s), sem a participação

popular e que autolimita seu poder e impõe normas constitucionais ao povo.

1.3 Espécies

De acordo com a doutrina, existem duas espécies de poder

constituinte: o Poder Constituinte Originário e o Poder Constituinte Derivado.

Vejamos as principais características de cada um deles.

1.3.1 Poder constituinte originário O Poder Constituinte Originário, que é o poder de elaborar uma

constituição ou modificar uma já existente, tem como principais características:

• não se prende a limites formais; é essencialmente político, extrajurídico

ou pré-jurídico, pois a ordem jurídica nasce e começa com ele;

• é poder inicial, pois cria um novo Estado, rompendo com a ordem

anterior;

• é ilimitado, autônomo e incondicionado;

• é um poder permanente, que não se esgota na elaboração da

constituição e permanece latente, podendo a qualquer momento voltar a

ser convocado pelo povo, quando assim o desejar.

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Apesar das características anteriormente citadas, há algumas

correntes doutrinárias, com as quais concordamos, que afirmam que o Poder

Constituinte Originário teria algumas limitações, a saber:

• limitações impostas pelo direito natural (imperativos de direito

suprapositivo, de valores éticos superiores e de consciência jurídica

coletiva);

• limitações impostas pelas regras do Direito Internacional;

• limitações de ordem lógica, impedindo o estabelecimento de normas

que acarretem a aniquilação ou o desaparecimento do Estado, a

abdicação à sua soberania ou sua identidade.

1.3.2 Poder Constituinte Derivado O Poder Constituinte Derivado é previsto, regulado e condicionado

pelo texto da própria constituição, sendo essencialmente jurídico e exercido por

órgão constitucional, sob limitações constitucionais expressas e implícitas. O

Poder Constituinte Derivado poderá ser Reformador, Revisor ou Decorrente. O

Poder Derivado Reformador, conforme previsto pela própria constituição e de

acordo com as limitações por ela impostas, poderá reformar ou emendar a

constituição.

Doutrinariamente, as limitações impostas ao Poder Derivado de

Reforma podem ser:

• temporais - quando estabelecido um período durante o qual o texto

constitucional não pode ser modificado;circunstanciais- quando é

vedado modificar a constituição sob condições excepcionais (estado de

sítio, por exemplo);

• processuais ou formais- quando a constituição estabelece exigências

no processo legislativo para aprovar sua modificação ( o que caracteriza

uma constituição rígida );

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• materiais- quando a constituição enumera de forma explícita que

matérias não são passíveis de modificação.

O Poder Constituinte Derivado Revisor ocorre quando previsto pela

constituição para proceder à revisão de algumas matérias, sob condições

específicas. Já o Poder Constituinte Derivado Decorrente é o que ocorre numa

federação, quando prevista pela sua constituição que os Estados- Membros

têm atribuição para elaborar suas próprias constituições, respeitadas as

normas da constituição original.

1.4 Teorias do Poder Constituinte

O poder constituinte é um tema controvertido e apaixonante dentro da

Teoria da Constituição, pois ele é o princípio do embasamento jurídico que

regrará e dirigirá o Direito e a evolução de uma sociedade. Suas

características, natureza, titularidade, limitações e forma de exercício passam a

ser objeto de estudo por doutrinadores e juristas, com o surgimento do

fenômeno do Constitucionalismo em 1215 com a Constituição Inglesa e sua

intensificação em meio à Independência dos Estados Unidos e à Revolução

Francesa.

Por ser a Teoria do Poder Constituinte assunto vasto e controvertido,

porém de necessária compreensão para o bom entendimento do presente

trabalho, exporemos a seguir, embora de forma sucinta, as três grandes

vertentes doutrinárias existentes a respeito: a visão clássica, a visão moderna

e a visão contemporânea.

1.4.1 A visão clássica do Poder Constituinte Segundo Freitas (2010), a doutrina da Teoria do Poder Constituinte, de

acordo com a visão clássica, inicia-se com a obra de Sieyès (O que é o

Terceiro Estado?) e engloba duas correntes: a corrente Jusnaturalista (o poder

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constituinte é poder de direito anterior ao próprio Estado) e a corrente

Juspositivista (o poder constituinte é poder de fato sem natureza jurídica).

Ainda segundo o mesmo autor, a visão clássica tem as seguintes

principais características:

• o Poder Constituinte é o único capaz de criar ou modificar o texto

constitucional, podendo ser Originário ou Derivado de Reforma;

• o Poder Constituinte Originário, por criar uma nova constituição é

anterior a ela, ao Estado e ao ordenamento jurídico;

• sua titularidade pertence à nação, nação essa que implica o

reconhecimento de sociedade homogênea, compartilhando as mesmas

tradições, língua, história, cultura, fé e ideais;

• uma Assembleia Nacional Constituinte, representando os membros da

nação, exerceria o Poder Constituinte Originário e elaboraria uma nova

Constituição;

• o Poder Constituinte Originário é inicial, originário, ilimitado e

incondicionado;

• o Poder Constituinte Derivado de Reforma é um poder instituído pelo

Poder Originário, formalizado na Constituição e através do qual são

feitas as alterações na mesma;

• possui limitações temporais, circunstanciais e formais.

1.4.2 A visão moderna do Poder Constituinte Esta visão surge a partir de meados do século XX, em função do

fenômeno pós-positivista conhecido por “movimento de retorno ao direito”,

onde se busca novos fundamentos para o Direito e a ordem jurídica, contra o

positivismo. A contribuição das ciências humanas, como Sociologia, História,

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Ciência Política, Teoria do Estado e Filosofia, é essencial para a reconstrução

da dogmática jurídica em superação ao modelo positivista (Freitas, 2010).

Desta forma, o Liberalismo, o Comunitarismo e o Procedimentalismo

passam a ser as três principais vertentes da Filosofia Política, encampadas

pelo Direito Público contemporâneo, que se debruçam sobre o tema do

pluralismo, da democracia e do direito nas atuais e complexas sociedades

(Cittadino, apud Freitas, 2010).

Para os liberais, o pluralismo compreende a multiplicidade de

concepções individuais sobre a vida boa, sendo as sociedades democráticas

modernas permeadas pela coexistência de diversos projetos pessoais de vida

digna e a constituição compreendida como uma constituição- garantia,

positivando direitos fundamentais (Freitas, 2010).

Para os comunitaristas, o pluralismo é entendido como as existências

de variadas identidades sociais, formadas por grupos historicamente situados,

compartilhando a mesma etnia, cultura ou religião, sendo a constituição vista

como uma ordem concreta de valores supremos, ou seja, como instrumento de

aglutinação destes valores (Ibid).

As duas vertentes acima (Liberalismo e Comunitarismo) constituem a

visão moderna, sendo o Procedimentalismo enquadrado na visão

contemporânea, a ser visto mais à frente. A visão moderna tem as

seguintes principais características:

• a titularidade do Poder Constituinte é do povo, povo este visto de forma

liberal ou comunitária;

• para a visão moderna, o Poder Constituinte Originário ou de Reforma é

um poder de direito, de natureza jurídica e limitada.

Em síntese, de acordo com a visão moderna, o Poder Constituinte é

limitado pelos direitos fundamentais, é exercido em momentos específicos,

exaurindo-se quando da elaboração do texto constitucional, tendo como

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titulares os cidadãos, ou seja, o povo considerado em bloco, em abstrato,

representado por delegados escolhidos para comporem uma Convenção

Constituinte (Ibid).

1.4.3 A visão contemporânea do Poder Constituinte De acordo com Freitas (2010), é nas sociedades contemporâneas pós-

convencionais, caracterizadas pelo pluralismo e pelo alto grau de

complexidade, onde as pessoas exercem inúmeros papéis sociais e atuam

tanto no âmbito de esfera privada quanto na esfera pública, que vigora a visão

contemporânea nos termos da Teoria Discursiva do Direito e da

Democracia, de Jürgen Habermas. Para ele, responsável pela corrente

Procedimentalista, o pluralismo é a existência tanto de várias concepções

individuais, quanto dos grupos sociais, acerca do bem.

Na visão contemporânea, ao contrário das visões clássica e moderna

anteriormente vista, as sociedades são heterogêneas, com muitos indivíduos

que muitas vezes não compartilham da mesma língua, história, tradições,

crenças culturais e outros valores, como é o caso das sociedades encontradas

hoje nos Estados Unidos, Brasil, Reino Unido, França, Alemanha e outros

países. O fenômeno da pluralização das sociedades pós-convencionais

acentua-se com a intensificação dos movimentos migratórios, particularmente

provenientes de países da África, da Ásia e do Oriente Médio, rumo àqueles

mais desenvolvidos e com melhores condições de vida. Intensifica-se também

graças à globalização, à facilidade de locomoção e de comunicação.

Entretanto, em um mundo globalizado,

formado por sociedades pós-

convencionais, marcadas pelo pluralismo,

cada vez mais a ideia de consciência

cívica torna-se planetária, ou seja, além

do sentimento de pertença a um dado

país ou grupo étnico local, também já se

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conforma outro sentimento, ode pertencer

a uma mesma humanidade (FREITAS,

2010, p. 95)

Nestas sociedades complexas e em constante transformação, a

nação/povo, tradicional e homogênea, cuja aglutinação em torno de valores,

desaguava no nacionalismo, passa agora a aglutinar-se em torno da

constituição. Desta forma, o patriotismo nacionalista vai sendo substituído pelo

“patriotismo constitucional”, onde o principal fator de coesão é a

constituição. E esta constituição será tão mais aglutinadora, quanto mais

democrática for sua elaboração.

Para a visão contemporânea, a principal ferramenta para a elaboração

democrática da constituição é o discurso, pois é através dele que o cidadão,

sujeito constitucional e titular do poder constituinte, não importando sua

origem, crença ou valores, far-se-á representar no processo constituinte. Ao

contrário das visões clássica e moderna, em que o sujeito constitucional era

identificado a priori, na visão contemporânea ele tem sua identidade

permanentemente constituída, pois o poder constituinte realiza-se de forma

perene e não em momentos pontuais e esporádicos e sua constituição não é

algo datado, pronto e acabado num momento específico de um pacto

fundador. Dessa forma, o poder constituinte, na visão contemporânea, é algo

perene e permanente.

E é graças à permanência do discurso e à ação constante do poder

constituinte que a constituição pode-se manter legítima, sendo assim o

discurso constitucional o único limite àquele poder.

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CAPÍTULO II

PODER CONSTITUINTE NO BRASIL

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia

Nacional Constituinte, para instituir um Estado democrático, destinado a

assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a

segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como

valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,

fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional,

com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de

Deus, a seguinte” CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO

BRASIL”.2

2.1 Poder Constituinte de 1987

Conforme já visto na Introdução deste trabalho, ao longo de nossa

história constitucional, o Poder Constituinte brasileiro foi normalmente

convocado cerca de 2 a 3 anos após o fim de crises institucionais ocorridas,

sendo estes os momentos em que o povo e as elites sentiram ser preciso criar

uma nova constituição.

Apesar das várias constituições promulgadas ou outorgadas desde

1824, o foco deste trabalho é a Constituição de 1988, o Poder Constituinte que

a originou, bem como o Poder Derivado por ela estabelecido e suas

respectivas limitações, já que estes são os protagonistas que regem e dirigem

a vida quotidiana e os destinos da sociedade brasileira contemporânea.

2 Preâmbulo da Constituição Federal Brasileira de 1988 (DOU n.º 191-A, de 05 de outubro de 1988)

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2.1.1 Origem

A gênese do Poder Constituinte que promulgou a atual Constituição de

5 de outubro de 1988, ao findar o governo do Presidente José Sarney (1985-

1989), remonta ao final do governo do seu antecessor, o Presidente João

Batista Figueiredo, último General- Presidente (1980- 1985), com o

“Compromisso da Aliança Democrática” (Compromisso com a Nação),

documento elaborado e subscrito, em 7 de agosto de 1984, por Ulisses

Guimarães, então Presidente do PMDB; Tancredo Neves, então Governador

de Minas Gerais; Aureliano Chaves, então Vice- Presidente da República; e

pelo então Senador pelo Estado de Pernambuco, Marco Maciel (Bonavides e

Andrade, 1991).

O referido documento que, além da assinatura dos citados líderes

políticos, teve a participação de José Sarney, Jorge Bornhausen e Freitas

Nobre e que, dentre vários tópicos, previa no tópico “Reorganização Nacional”:

“- É urgente a necessidade de se proceder à organização institucional do país.

Uma nova Constituição fará do Estado, das leis, dos partidos políticos, meios

voltados para a realização do homem- sua dignidade, sua segurança e seu

bem-estar. (...)”; e no tópico “Constituinte Livre e Soberana”: “Convocação de

Constituinte livre e soberana, em 1986, para elaboração de nova Constituição”.

(Ibid)

O texto deste documento, elaborado em quatro vias e mantido em

segredo e em cofre até a posse de José Sarney, primeiro presidente civil pós-

regime militar, é o embrião do Poder Constituinte Originário de 1987 e de sua

criação, a Constituição de 1988 que, de certa forma, ao contrário das

constituições anteriores, teve uma gestação mais longa e profícua e seguiu um

processo democrático de elaboração, desde a origem até a sua promulgação.

As ideias arroladas no referido texto, tais como: Aliança Democrática,

Compromisso com Inadiáveis Mudanças, Pacto Político, Congraçamento

Nacional, Reorganização Institucional, Erradicação da Miséria, Eleições

Diretas, Convocação de Constituinte Livre e Soberana em 1986,

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Independência dos Poderes, Fortalecimento da Federação, Reforma da

Legislação Eleitoral, Retomada do Desenvolvimento, Dívida Externa, Inflação,

Reforma Tributária, Prioridade ao Nordeste, Fome e Desemprego,

Descentralização do Poder, Apoio à Livre Iniciativa, Revisão da Política

Salarial, Educação para Todos, Plano Nacional de Cultura, Combate às

Discriminações, Carências Básicas da População, Proteção ao Meio-ambiente,

Previdência Social e Sistema Financeiro de Habitação, Reforma Agrária,

Política Externa e Soberania, e Programa de Governo, constituíram-se no

arcabouço da futura constituição e balizaram os trabalhos dos constituintes de

1987 (Ibid).

2.1.2 Titularidade e exercício

À luz do que já vimos no Capítulo I, em termos doutrinários, é fácil ao

leitor concluir que a titularidade do Poder Constituinte de 1987 foi do povo e

permanece sendo dele até hoje, de forma inconteste, de direito e de fato. Da

mesma forma, após rápida análise, fácil é também concluir que o seu exercício

foi feito de forma democrática, consubstanciada pela ocorrência da Assembleia

Nacional Constituinte de 1987, quando os representantes do povo brasileiro,

legitima e democraticamente eleitos, reuniram-se para elaborar uma nova

constituição, em substituição à anterior de 1967, sendo a mesma promulgada

em 05 de outubro de 1988, por aquela assembleia.

“A intensa participação popular foi uma

das marcas do processo constituinte.

Foram apresentadas 122 emendas

populares, que reuniram um total de mais

de 10 milhões de assinaturas. Não seria

nenhum exagero afirmar que o amplo

sistema de direitos fundamentais

assegurados na Constituição Federal é,

em boa parte, resultado desse processo

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de participação política”. (CITTADINO,

2000, p. 50).

Também, ainda à luz dos aspectos doutrinários expostos no capítulo

anterior, podemos afirmar que o Poder Constituinte de 1987, apesar de, como

todo do poder constituinte, ser originário, inicial, incondicionado, permanente e

ilimitado, sofreu, como todos eles, as limitações impostas pelo Direito Natural

(imperativos de Direito suprapositivo, de valores éticos superiores e de

consciência jurídica coletiva), limitações impostas pelas regras de Direito

Internacional e limitações de ordem lógica, impedindo o estabelecimento de

normas que acarretem a aniquilação ou o desaparecimento do Estado, a

abdicação à sua soberania ou à sua identidade.

As limitações ao Poder Originário citadas são facilmente perceptíveis

no Preâmbulo da Constituição de 1988 (Estado Democrático de Direito,

exercício de direitos sociais e individuais, liberdade, segurança, bem-estar,

desenvolvimento, igualdade e justiça como valores supremos de sociedade

fraterna, pluralista, sem preconceitos, harmonia social, comprometida na

ordem interna e internacional, sob a proteção de Deus).

As referidas limitações ao Poder Originário são também constatadas

no Título I, Art 1º, Incisos de I a IV e Parágrafo único (“A República Federativa

do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito

Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como

fundamentos: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os

valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político; Todo

poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou

diretamente, nos termos desta Constituição”).

2.2 Constituição de 1988

A Constituição de 05 de outubro de 1988, da República Federativa do

Brasil, com seus 250 artigos de texto e 97 artigos do Ato das Disposições

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Constitucionais Transitórias (ADCT), acrescida de 67 Emendas Constitucionais

(que se fizeram necessárias até 22 de dezembro de 2010) e de 06 Emendas

Constitucionais de Revisão, representa e consolida o esforço de homens

públicos que, representando o povo brasileiro, de forma firme e permanente,

souberam, através do discurso e da via pacífica (ao invés da luta armada),

redemocratizar o país, reconciliar a sociedade e direcioná-la para os altos

destinos que nos reserva o futuro.

“A legitimidade dessa Constituição não

decorreu, é claro, de sua problemática

convocatória, a Emenda Constitucional n.

26, de 27.11.1985, à Carta Autoritária de

1967, nem tampouco do processo

eleitoral marcado pelo clima de

continuísmo, decorrente da não-

exclusividade de Assembleia Constituinte

e da adoção de um plano econômico que

nos possibilitou viver no melhor dos

mundos até o dia da eleição (...), a grande

legitimidade que caracteriza a

Constituição de 1988 decorreu de uma via

inesperada e, até o momento da eleição

da Assembleia Constituinte, bastante

implausível. Com a morte de Tancredo

Neves, e a posse como Presidente do

Vice-Presidente José Sarney, as forças

populares mobilizadas pela campanha

das “ Diretas Já “ voltaram a sua atenção

e interesse de maneira decisiva para os

trabalhos constituintes, então em fase

inicial, pois a de organização ou de

definição do processo havia acabado de

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encerrar. Como resultado dessa renovada

atenção, o tradicional processo

constituinte pré-ordenado, contra todas as

previsões, subitamente não mais pode ser

realizado em razão da enorme

mobilização e pressão populares que se

seguiram, determinando a queda da

denominada comissão de notáveis - a

comissão encarregada da elaboração do

anteprojeto inicial - e a adoção de uma

participativa metodologia de montagem do

anteprojeto a partir da coleta de

sugestões populares. Canais de

participação direta e indireta da sociedade

civil organizada, terminaram encontrando

significativa acolhida no regimento revisto

do processo constituinte; o despertar do

interesse de todos alimentou e fomentou

o aprofundamento dos debates,

acompanhados por todo o país todas as

noites através da televisão. Foi desse

processo, profundamente democrático,

que a Constituição hauriu sua

legitimidade original, resultando de uma

autêntica manifestação de poder

constituinte, em razão do processo

adotado. (CARVALHO NETO, apud

FREITAS, 2010).

Apesar de ser a Constituição e suas Emendas o reflexo da sociedade

e de sua evolução, em continuação ao presente estudo, focaremos nossa

atenção no Poder Constituinte Derivado, por ela estabelecido.

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2.2.1 Poder Constituinte Derivado Na atualidade constitucional brasileira, o Poder Constituinte Derivado

de Reforma é permanente3 e claramente estabelecido pelo Poder Constituinte

Originário no Art 59 e seu Inciso I (definição do processo legislativo e previsão

de emendas à Constituição) e no Art 60 e Incisos I, II e III (possibilidade de

emendas e competência para sua proposição).

Nossa Constituição de 1988 previu dois poderes derivados: um Poder

Derivado de Reforma, permanente, e um Poder Derivado de Revisão, devendo

a mesma ser levada a efeito após 5 anos, contados a partir da promulgação da

Constituição, de acordo com o Art 3º do ADCT, tendo sido aprovadas 06

Emendas Constitucionais de Revisão, todas na sessão legislativa de 1994 (a

primeira em 1º de março e as demais em 7 de junho).

Convém também ressaltar que o referido Ato, em seu Art 2º previu a

realização, no dia 7 de setembro de 1993, de plebiscito para que o povo

brasileiro, exercendo diretamente o poder, se manifestasse sobre a

manutenção ou não da forma de governo (República ou Monarquia) e do

sistema de governo (Presidencialismo ou Parlamentarismo), tendo o mesmo

optado pela manutenção da forma e do sistema de governo vigentes.

O Poder Derivado de Reforma, cuja titularidade, a exemplo do Poder

Originário, é do povo brasileiro, e é exercido pelo Congresso Nacional, de

forma permanente e representativa, ao qual compete emendar a Constituição

(Art 60) mediante proposta:

I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do

Senado Federal;

II - do Presidente da República;

3 Art. 1º, parágrafo único: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes, ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

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III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da

Federação, manifestando-se cada uma delas, pela maioria relativa de seus

membros, verificando-se de imediato que a Constituição de 1988 é rígida,

impondo limitações processuais restringentes quanto à competência para a

propositura de emendas ao Poder Derivado de Reforma exercido pelo

Congresso Nacional, devendo as demais limitações ser estudadas mais à

frente.

Apesar da rigidez de nossa Carta e das limitações ao Poder Derivado

de Reforma, maneiras há, dentro da visão moderna, de alterá-la sem modificar

o seu texto. Segundo Freitas (2010), estas maneiras seriam processos de

mutação informal da Constituição, que vem ocorrendo constantemente e

que se podem dar de três formas: lª) pela interpretação constitucional; 2ª)

pela legislação infraconstitucional reguladora de normas constitucionais;

3ª) pela mutação consuetudinária, todas visando permitir a adequação do

texto constitucional à evolução da sociedade, sem alterá-lo.

A mutação informal via interpretação constitucional permite que o

significado do texto constitucional possa ser reinterpretado em face das

modificações da realidade social, adaptando-se a Constituição à evolução da

sociedade, podendo isto ocorrer no âmbito judicial, administrativo ou

legislativa.

A mutação informal via legislação regulamentadora de normas

constitucionais é outra alternativa para se adequar a Constituição à realidade

social, sem ter que emendá-la e sem ferir os dispositivos e preceitos por ela

estabelecidos.

Por último, temos a mutação informal via consuetudinária, que ocorre

em função da mudança das práticas constitucionais que se estabelecem com a

evolução e a mudança dos costumes da sociedade, sendo esta a mais difícil

de se controlar, pois ocorre à margem da moldura constitucional.

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2.2.2 Principais limitações e dispositivos de vedação explícita e implícita

De acordo com Paulo e Alexandrino (2009), as principais limitações

estabelecidas pelo Poder Originário ao Poder Derivado são as seguintes:

• limitações processuais - 1) restrição de competência para propositura

de emendas, de acordo com o Art 60, Incisos I, II e III, conforme já visto

no item antecedente; 2) exigência de votação em cada Casa do

Congresso em dois turnos, considerando-se aprovada somente se

obtiver 3/5 dos votos dos membros de cada casa; 3) exigência de

promulgação da emenda, se aprovada, pelas Mesas da Câmara e do

Senado, sob o mesmo número; 4) proibição de matéria constante de

proposta rejeitada ou havida por prejudicada ser objeto de nova

proposta na mesma sessão legislativa.

• limitações circunstanciais - proibição de emenda à Constituição na

vigência de Intervenção Federal, Estado de Defesa ou Estado de Sítio.

• limitações materiais - por excluírem determinadas matérias ou

conteúdos da possibilidade de abolição, podendo ser explícitas ou

implícitas: 1) limitações materiais explícitas (“cláusulas pétreas”) -

materializadas pela proibição constante do §4º, do Art. 60, de que não

será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a

forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e

periódico; III - a separação dos poderes; I V- os direitos e garantias

individuais; 2) limitações materiais implícitas - matérias que, apesar

de não mencionadas expressamente no texto constitucional como

insuprimíveis, estão implicitamente fora do alcance do Poder Derivado

de Reforma, sob pena de ruptura da ordem constitucional, a saber: a

titularidade do Poder Constituinte Originário; a titularidade do Poder

Constituinte Derivado; e o próprio processo de modificação da

Constituição (Revisão e Reforma).

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É interessante ressaltar que não foi prevista na Constituição de 1988

nenhuma limitação temporal, já que, imediatamente após sua promulgação,

poderia a mesma ser emendada pelo Poder Derivado de Reforma. O Art 3º do

ADCT não proibiu emendas dentro do prazo de cinco anos após sua

promulgação, apenas estabelecendo que a sua Revisão devesse ocorrer após

aquele prazo.

Ao examinarmos os dispositivos de vedação explícita ao Poder

Derivado de emendar a Constituição, verifica-se que a ele é vedado deliberar

sobre matérias que possam violar ou por em risco a identidade do Estado, a

forma representativa do exercício do poder pelo povo e a segurança do

indivíduo perante o Estado e perante a própria sociedade. Assim, a exemplo

do que ocorreu em constituintes anteriores, buscaram e souberam os

legisladores constituintes de 1987 “petrificar” cláusulas que não permitam de

forma alguma, a indivíduos ou grupo de indivíduos, a volta a situações

passadas recentes, independentemente de suas ideologias, sejam elas quais

forem.

2.2.3 Conveniência ou não da rigidez e do condicionamento do Poder Derivado

Conforme já visto anteriormente, apesar de ser a atual sociedade

brasileira uma sociedade pluralista, democrática, pós-convencional e

complexa, em constante e rápida transformação, enquadrando-se desta forma

na visão doutrinária contemporânea da Teoria do Poder Constituinte, onde o

nacionalismo vai gradativamente sendo substituído pelo “patriotismo

constitucional” e o cidadão, “sujeito constitucional”, tem como principal

fonte de exercício de poder o “discurso político” e a representatividade,

julgamos necessários, embora nem sempre convenientes, a rigidez

constitucional e o condicionamento do Poder Derivado pois, se assim não o

fosse, correr-se-ia o risco de ter-se a Constituição desfigurada rapidamente.

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Mas devemos também ressaltar que estes mecanismos de proteção do

texto constitucional criam possibilidades de, no futuro, caso se tenha de

atualizá-lo para adequá-lo à realidade social e não se consiga devido à

vedação imposta por cláusulas pétreas e também não se possa contornar o

problema por meio dos processos informais de mutação constitucional, chegar-

se- á a um ponto de ruptura constitucional e ver-se-á a sociedade obrigada a

ter que elaborar uma nova Constituição.

Apesar das limitações, da rigidez e dos condicionamentos existentes, o

Poder Derivado, de Revisão e de Reforma, ao longo de 23 anos, modificou a

Carta em vigor 73 vezes, por meio de 67 Emendas Constitucionais e 06

Emendas Constitucionais de Revisão, numa proporção aproximada de 3

emendas por ano, ou seja, 1 emenda a cada 4 meses.

Como já foi dito, as emendas constitucionais são necessárias e

importantes, pois permitem a atualização e a adequação do texto

constitucional em acompanhamento à evolução da sociedade. Por outro lado,

não podemos tapar o sol com uma peneira e fingir que não sabemos e não

vemos o comportamento de nossos congressistas, que são nossos

representantes e legisladores constituintes derivados, e que, conforme

constante e amplamente mostrado pela mídia, têm aprovado leis (ainda que

sejam ordinárias), sem discussão em plenário e de forma simbólica,

particularmente em épocas de feriados prolongados. É fácil imaginar o risco

que correria nossa Constituição se houvesse mais flexibilidade para emendá-

la.

Se analisarmos com atenção o Art 60 da Constituição, verificaremos

que o “manto” das “cláusulas pétreas”, apesar de abrangente, particularmente

quanto à proteção dos direitos e garantias individuais (§4º Inciso IV), está

criteriosamente estabelecido, protegendo de maneira equilibrada o Estado e o

indivíduo.

Assim, a solução dos grandes problemas que afligem a nossa atual

sociedade, como veremos no próximo capítulo, passa pela atualização da

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legislação infraconstitucional (complementar e ordinária), persistindo mais por

inação, desinteresse e insensibilidade (ou até mesmo falta de coragem) de

nossos legisladores, juízes e governantes, do que devido à rigidez ou

condicionamento limitadores do Poder Derivado.

Finalizando este capítulo, gostaríamos de lembrar, conforme já visto

anteriormente no escopo deste trabalho, a possibilidade de atualização da

Constituição, sem alterar o seu texto, por intermédio dos processos de

mutação informal, seja a interpretação constitucional, legislação

infraconstitucional reguladora de normas constitucionais ou mutação

consuetudinária.

Por último, completando o leque de possibilidades de atualização da

Constituição, gostaríamos de lembrar Paulo e Alexandrino (2009) ao afirmarem

que da expressão “tendente a abolir” infere-se com segurança que nem

sempre uma emenda à Constituição tratando de matérias arroladas nos incisos

do §4º, do Art 60, afrontará “cláusula pétrea”, desde que “não tenda” a suprimir

ou enfraquecer uma das matérias ali arroladas.

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CAPÍTULO III

A SOCIEDADE BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

Em 1988, aos cinco dias do mês de outubro, em sessão solene do

Congresso Nacional, era promulgada nossa atual Constituição, trazendo em

seu bojo um mar de esperanças para o povo brasileiro. Era o coroamento e a

consolidação de uma longa luta pela redemocratização do país. Era também o

tempo da reconciliação nacional e o limiar de uma nova era para a sociedade

brasileira.

A nossa sociedade de 1988, final do século XX, jamais poderia

imaginar quão rápidas e intensas transformações sofreria ao longo de apenas

23 anos, chegando aos dias atuais, em pleno século XXI, completamente

transformada, com características marcantes e tão diferentes das daquela

época.

Na atualidade, podemos afirmar que a sociedade brasileira não

melhorou, nem piorou, apenas evoluiu e não o fez sozinha, pois acompanhou

as transformações que ocorreram ao seu redor, em todo o mundo. E é

exatamente esta sociedade que procuraremos dissecar, estudando e

analisando, embora de forma sucinta, as suas principais características e

problemas que precisam ser solucionados pelo nosso Poder Constituinte

Derivado.

3.1 Principais características

Já foi dito anteriormente que a Constituição dirige, baliza e permite a

evolução de uma sociedade segundo os parâmetros por ela estabelecidos. Isto

será tão mais verdadeiro quanto mais possível for sua atualização,

acompanhando as transformações políticas, sociais e econômicas da

sociedade que ocorrem de acordo com o dinamismo da vida e do mundo

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globalizado no qual está inserido. Ou seja, a Constituição, mal comparando,

está para a sociedade como o condutor de uma carruagem está para os

cavalos; ele os direciona e os controla, mas eles estão sempre à sua frente, na

velocidade que ele impõe.

Assim, a Constituição de 1988, por ter sido, desde o início, elaborada

de forma democrática, com grande participação popular, pode captar e

enfeixar os verdadeiros anseios do povo e condensou-se de modo a permitir

rápidas e marcantes transformações, em curto espaço de tempo.

Uma sociedade em que, até 1934, a mulher não podia sequer votar

(Silva e Bastos, 1984, p. 262), hoje tem uma como Presidente da República,

em sucessão a um ex-operário e líder sindical do ABC paulista, filho de

imigrantes nordestinos. Se pudéssemos voltar ao passado e, em l988, contar a

nossos pais e avós que estas transformações ocorreriam em apenas 23 anos,

após a promulgação da nova Constituição, certamente diriam que estávamos

delirando.

Mais incrédulos ficariam, se lhes disséssemos que hoje, por exemplo,

elementos do mesmo sexo podem unir-se livremente e constituírem parcerias

reconhecidas por lei como se casamentos fossem, já havendo casos de

adoção de crianças, as quais passam a ter seus sobrenomes (crianças com

duas mães e crianças com dois pais); que homens podem deixar pensões para

homens e mulheres para mulheres; que nas principais cidades brasileiras

famílias vão para as ruas assistir “paradas do orgulho gay”, onde homens e

mulheres homossexuais desfilam livremente e são aplaudidos; que homens

que agridem suas esposas podem ser presos com base numa lei conhecida

por “lei Maria da Penha”, já tendo havidos casos de juízes estenderem sua

aplicação a casais homossexuais; que discriminar uma pessoa negra em

função de sua cor ou ofendê-la pela mesma razão pode provocar o

enquadramento em crime de racismo, inafiançável e imprescritível; que a

liberdade de manifestação é tamanha que já é autorizada a realização de

“marchas da maconha” em prol de sua legalização, apesar de ser considerada

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como uma droga ilícita e proibida e crime a sua apologia; que não se admite

homofobia ou qualquer outra manifestação discriminatória em função de

origem, raça sexo, cor, idade e quaisquer outras razões, apenas para citar

algumas das características da sociedade brasileira atual.

Vê-se que, a passos largos, tais procedimentos admitidos e garantidos

pela Constituição, nos remete ao patamar das sociedades mais democráticas,

pluralistas, pós-convencionais e complexas do mundo. Fenômeno semelhante

verifica-se na sociedade americana, entre outras, onde um negro é o atual

Presidente dos Estados Unidos da América, fato este já visto inúmeras vezes,

mas apenas em filmes de ficção de Hollywood.

Em função dos fatos que seriam narrados a nossos pais e avós, e que

vivemos hodiernamente, como duvidar das afirmações anteriores?

Fica claro que a sociedade brasileira, que se agrupava em torno de

valores éticos, familiares, religiosos e conservadores comuns, que se

transmitiam de gerações a gerações, hoje se congrega em torno não mais

daqueles valores, mas sim das normas e direitos estabelecidos na

Constituição, num “patriotismo constitucional”, como explicado e afirmado

no capítulo anterior.

Mas nem tudo é um mar de rosas. O homem é imperfeito por natureza

e tudo o que faz ou elabora tem qualidades, mas também tem defeitos. E são

estes defeitos os responsáveis pelos principais problemas enfrentados pela

sociedade brasileira atual, os quais, sucintamente, veremos a seguir.

3.2 Principais problemas enfrentados

De acordo com Álvaro Ricardo de Sousa Cruz, prefaciando Freitas

(2010), “a ‘desestima constitucional’ se avoluma em função da questão da

impunidade que grassa por estas bandas. Não somente a morosidade judicial,

mas também a sensação de que há uma lei para os ‘políticos’ e para os

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‘milionários’ e outra para o restante da população traz desânimo e contribui

para o enfraquecimento do ‘sentimento constitucional’”.

Os problemas enfrentados pela sociedade brasileira atual abrangem

todos os campos do Poder Nacional, indo desde problemas econômicos a

problemas com a saúde pública, passando por segurança, habitação,

transportes, educação, meio-ambiente e muitos outros.

Embora a Constituição regulamente todas as atividades da sociedade,

deixaremos de lado a análise destes problemas que povoam os sonhos e

pesadelos do dia-a-dia dos brasileiros nos quatro cantos do país,

materializados por inchaço e favelização das cidades, transportes deficientes,

dificuldades de circulação e caos urbano, saúde e educação de má qualidade

ou inexistente, além da destruição do meio ambiente, por serem problemas

cuja solução depende mais de planejamento e ação governamental, nos três

níveis, do que propriamente atualização constitucional.

Para atingirmos os objetivos propostos para o presente trabalho,

debruçar-nos-emos sobre os problemas causados pelos elevados índices de

corrupção, impunidade, lentidão da justiça, penas excessivamente brandas,

altos índices de criminalidade e maioridade criminal em descompasso com a

nossa realidade social.

São complexos estes problemas, particularmente pelos níveis

alcançados, como um tumor que, não detectado e extirpado no início, cresce e

espalha-se por todo o organismo, num processo de metástase.

O tumor a que nos referimos chama-se corrupção e é ela (sempre

junta com sua mãe, a impunidade), que atualmente contamina todos os

setores de nossas atividades. E o resultado deste mal, que nos assola e aflige

a todos, repercute na Educação, na Saúde, na Segurança Pública na

Economia dentre outros setores e nos diversos níveis dos Poderes Executivo,

Legislativo e Judiciário.

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Apenas para ilustrar uma pequena parcela dos problemas citados,

transcrevemos a seguir uma série de manchetes e notícias de primeira página

do jornal “O Globo”, durante o curto período de 25 de outubro a 03 de

dezembro de 2011 (40 dias):

• “A CERVEJINHA DOS PMs (2600 LATAS DE CERVEJA NO

BATALHÃO ESPECIAL PRISIONAL COM 276 PMs PRESOS)”

(25OUT2011).

• “DELATOR ARTICULA COM 7 ONGs NOVAS DENÚNCIAS NO

ESPORTE ( MINISTÉRIO DOS ESPORTES)” (25OUT2011).

• “JUSTIÇA COBRA R$ 203 MILHÕES DO GRUPO LIGADO AO EX-JUIZ

NICOLAU” (27OUT2011).

• “DILMA SUSPENDE REPASSES A ONGs E ORDENA DEVASSA”

(31OUT2011).

• “MOTORISTA QUE BEBER SERÁ PUNIDO (FLAGRADO EM BLITZ

RESPONDERÁ CRIMINALMENTE-DECISÃO DA 2ª TURMA DO STF)”

(04NOV2011).

• “CRACK JÁ É PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA PARA 64% DAS

CIDADES” (05NOV2011).

• “FRAUDE EM CONVÊNIOS COM ONGs SE REPETE NO TRABALHO

(MINISTÉRIO DO TRABALHO)” (06NOV2011).

• “43% DOS ALUNOS ‘ALFABETIZADOS’ NÃO SABEM LER”

(07NOV2011)

• “TCU IDENTIFICA 500 CONTRATOS SEM FISCALIZAÇÃO NO

TRABALHO (MINISTÉRIO DO TRABALHO)” (07NOV2011).

• “DENUNCIA DE PROPINA ATIGE AGNELO (GOVERNADOR DO

DISTRITO FEDERAL)” (08NOV2011).

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• “NEN (TRAFICANTE DE DROGAS DA ROCINHA-RIO DE JANEIRO)

DIZ QUE METADE DO CAIXA DO TRÁFICO ERA PARA POLICIAIS”

(11NOV2011).

• “SUPREMO DEVE APROVAR ATOS A FAVOR DAS DROGAS

(SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - PERMISSÃO PARA OUTRAS

MANIFESTAÇÕES A FAVOR DA SUA LEGALIZAÇÃO ALÉM DA

AUTORIZAÇÃO PARA AS PASSEATAS JÁ CONCEDIDAS)”

(16NOV2011).

• “LUPI ( MINISTRO DO TRABALHO) DIZ QUE NÃO MENTIU, SÓ

ESQUECEU” (18NOV2011).

• “ATÉ INICIAIS DE JUÍZES SUSPEITOS VIRAM SEGREDO”

(22NOV2011).

• “OPERAÇÃO NO DETRAN PRENDE 36 DE UMA VEZ” (24NOV2011).

• “REITOR SUSPEITO DE CORRUPÇÃO RENUNCIA” (24NOV2011).

• “CHEFES DE MÁFIA NO DETRAN TÊM LIGAÇÃO COM DEPUTADOS

(RIO)” (25N0V2011).

• “DNIT: ESCÂNDALOS EM OBRAS CONTINUAM” (26NOV2011).

• “GOVERNO CANCELA CONSTRUÇÃO DE 29 PRESÍDIOS POR

DESVIOS” (26NOV2011).

• “VALÉRIO PRESO POR FAZENDAS FANTASMAS DO MENSALÃO (6

ANOS DEPOIS STF ESPERA VOTO DO RELATOR PARA JULGAR

ESCÂNDALO” (03DEZ2011).

O fenômeno da corrupção no Brasil explica quase todos os problemas

por nós enfrentados, seja a educação de má qualidade, seja a falta de

recursos para a saúde, seja a falta de segurança que se verifica em todo o

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país, seja as rodovias sem condições de tráfego, seja a necessidade cada vez

maior de impostos a serem cobrados pelo governo.

A corrupção ocorre desde alguns reais que um cidadão dá para um

policial para não ser multado ou ter seu veículo apreendido até as transações

milionárias (às vezes bilionárias) do superfaturamento de obras, das licitações

viciadas, dos “mensalões” (federais, estaduais e municipais) e, mais

recentemente, dos desvios de recursos públicos para campanhas políticas (e

bolsos de políticos), via repasses para ONGs.

Não é à toa que temos assistido sucessivas quedas de ministros do

atual governo, num efeito dominó, que com certeza não vai parar tão cedo. “O

leitor a esta altura já está a se perguntar: “O que a Constituição tem a ver com

isto?”. De fato, quem pratica a corrupção são os cidadãos, sejam eles

corruptos ou corruptores, que, como homens, são imperfeitos e transgressores

da norma por natureza. E a corrupção não é privilégio do Brasil, pois existe

desde o início os tempos. Porém, como todos nós sabemos, os homens são

tementes a Deus (alguns, por opção) e/ou à lei (por obrigação; pelo menos

deveriam sê-lo). Fica claro que se a lei for branda ou cheia de brechas ela não

será temida.

Assim, quando um jovem de 17 anos de idade mata uma ou várias

pessoas, senão for um doente mental, está plenamente ciente do que está

fazendo e das consequências que poderão advir do seu ato, ou seja: nada ou

no máximo uma internação por um ano em um estabelecimento de reeducação

de menores.

Isto tanto é verdade que alguns deles, conforme amplamente mostrado

na mídia, declararam cinicamente que logo estariam em liberdade e é por isso

que criminosos, notadamente traficante de drogas, dão preferência ao

recrutamento de “menores” para a prática de crimes, pois sabem que eles são

inimputáveis, não cometem crimes (por mais bárbaros que sejam), mas sim

“infrações” e não podem ser presos (nem em flagrante delito), somente

“apreendidos”.

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A maioridade penal, tradicionalmente no Brasil e em inúmeros outros

países, sempre foi de 18 anos (embora em vários países desenvolvidos do

mundo ela tenha sido baixada ou a sua interpretação modificada). Contudo,

conforme já dito e redito ao longo deste trabalho, a sociedade brasileira mudou

e com ela seus integrantes, sejam eles (ou elas) jovens, adultos ou idosos.

Os jovens de hoje iniciam sua vida escolar aos 02 anos de idade e têm

acesso desde muito cedo a uma gama de informações que os de antigamente

não tinham. Hoje, o amadurecimento precoce faz com que eles tenham as

primeiras relações sexuais com total liberdade, sendo que alguns, com 15 anos

(eles) e 10/11 anos (elas) já sejam pais e, mais, aos 16 anos já podem votar e

escolher aqueles que serão nossos representantes. A exemplo do que ocorre

em todo o mundo, os jovens de hoje atingem um amadurecimento mental

muito antes dos 18 anos.

Ainda falando em impunidade ou punidade excessivamente branda,

incluímos as diferenças de enfoque em crimes praticados contra o indivíduo

(por exemplo, um assalto à mão armada, resultando em um roubo de cem

reais) e o desvio num crime de “colarinho branco”, por exemplo, de dez

milhões de reais dos cofres públicos, afetando e prejudicando a vida de

milhares de pessoas.

A lentidão da Justiça, seja pelo excesso de recursos admissíveis, a

maioria protelatória, seja por inoperância ou por falta de juízes, permitindo no

final a prescrição do crime, contribuindo para o descrédito por parte da

população na mesma.

Outra causa para este descrédito e o desejo de mudanças na

legislação por parte da sociedade é a impunidade ou punidade branda demais

para os crimes praticados no trânsito, a maioria por motoristas irresponsáveis

e/ou embriagados, todos dolosos eventuais, sendo ao final julgados por crimes

considerados como culposos e passíveis de penas excessivamente brandas

como pagamento de multas e distribuição de cestas básicas.

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Concluindo estes tópicos, gostaríamos de abordar especificamente os

problemas causados pela brandura das penas e dos altos índices de

criminalidade que assolam o país e estão intimamente interligados.

A brandura das penas e a maneira extremamente fácil de cumpri-las,

sem dúvida contribuem para aqueles índices. Por mais bem intencionado que

tenha sido o legislador ao estabelecer que, depois de cumprido 1/6 da pena,

poderá o apenado passar ao regime semiaberto é benevolência demais

(mesmo que tenha tido bom comportamento ao longo deste período), pois um

indivíduo condenado a uma pena de, por exemplo, 30 anos (considerada uma

pena pesada) permanecerá realmente preso apenas por 5 anos.

Da mesma forma, os indultos de Natal e as autorizações para

apenados passarem Natal com suas famílias em casa, senão forem

criteriosamente aplicados, conduzem a situações já rotineiras de evasão de

presos que saem e não mais voltam à prisão, só o fazendo quando, algum

tempo mais tarde, forem presos em flagrante cometendo os mesmos crimes

pelos quais tinham sido condenados.

Altos índices de criminalidade são também realimentados, num modo-

contínuo, pela reincidência dos criminosos, que cumpriram penas e não

tiveram a oportunidade de estudar ou trabalhar, adquirindo uma profissão

enquanto permaneceram nos presídios, sem condições mínimas de

ressocialização e reingresso na sociedade em condições favoráveis.

Não haveria espaço para detalharmos todos os problemas da

legislação processual, penal ou prisional, atualmente em vigor, mas está claro

que alguma coisa precisa ser feita, seja em termos de aprimoramento da

legislação, seja em termos de sua aplicação, assuntos que veremos nos

próximos itens.

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3.3 Os entraves constitucionais ao Poder Derivado

Já vimos anteriormente que, apesar da rigidez de nossa Constituição

de 1988, ela, em seu Art. 60, define a quem cabe exercer o Poder Derivado,

estabelece limitações processuais e circunstanciais para emendá-la e

“petrifica” matérias que não são passíveis de ser objeto de proposta de

emenda tendendo aboli-las ou enfraquecê-las.

Destas matérias constantes no §4º, incisos I, II, III e IV (já vistos)

somente as do Inciso IV (direitos e garantias individuais) poderiam vir a ser

objeto de questionamento, em face da situação adversa por que passa a

sociedade brasileira, já que a forma federativa de Estado (I), voto direto,

secreto, universal e periódico (II) e separação dos poderes (III) nada tem a ver

os problemas enfrentados atualmente.

Se algum entrave constitucional ao Poder Derivado há no sentido de

imobilizá-lo, justamente quando necessita atualizar a Carta Magna para

adequá-la à sociedade atual, está no impedimento de não se admitir como

“objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e

garantias individuais” (Inciso IV), os quais são os constantes do Art. 5º e

“direitos e garantias constitucionais de caráter individual dispersos no texto da

Carta Magna” (Paulo e Alexandrino, 2009, p.568).

Acrescentamos ainda a extensão destes direitos e garantias

individuais, com base no §2º do Inciso LXXVIII, do art, 5º, que diz

textualmente: “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não

excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou

dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja

parte”. Os princípios por ela adotados são os Princípios Fundamentais

constantes dos § 1º, 2º, 3º e 4º com seus Incisos e Parágrafos únicos, o que

estende de forma ampla as “cláusulas pétreas” previstas no § 4º Inciso IV do

Art. 60.

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Ao analisarmos os principais problemas enfrentados pela sociedade

brasileira, sintetizando, julgamos como mais importantes os seguintes:

1) a corrupção alimentada pela impunidade (ou punidade branda),

morosidade da Justiça e possibilidade de inúmeros recursos (a maioria

protelatórios, em busca da prescrição do crime):

Para combater a corrupção, além de maior controle sobre a aplicação

de recursos públicos, seriam necessárias penas mais severas, o que em nada

exigiria emendar a Constituição, já que se trata de legislação

infraconstitucional, pois sem mexer nos direitos e garantias individuais, passar-

se-ia a considerar os crimes do “colarinho branco” como crimes de maior

gravidade do que se considera agora ( talvez até como crimes hediondos).

2) a impunidade ou punidade branda:

Para solucionar o problema da impunidade ou impunidade branda,

necessidade haveria de se alterar penas, tornando-as mais severas, tomar

medidas no âmbito do Poder Judiciário, no sentido de agilização da Justiça e

reduzir-se a possibilidade de recursos protelatórios que entravam os

processos, sejam eles civis ou criminais. As medidas para tal também seriam

modificações de legislação infraconstucional, exceção talvez quanto à redução

de recursos, devido à garantia constitucional da ampla defesa e do

contraditório prevista no Art. 5º, Inciso LV (“aos litigantes, em processo judicial

ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e

a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes”).

Embora, sem dúvida, esta seja uma “cláusula pétrea” com limitação

material explícita prevista no Inciso IV, do § 4º, do Art. 60 (direitos e garantias

individuais), salvo melhor juízo, a redução do número de recursos (número

este não definido na Constituição, sendo a maioria utilizada com finalidade

protelatória e não de amplidão da defesa), não tenderia a suprimir este direito

e sim adequá-lo, já que não se estaria estabelecendo rito sumário.

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Além disso, estar-se-ia assegurando o cumprimento e o respeito a

outra “cláusula pétrea” ao garantir-se o direito previsto no Inciso LXXVIII do Art.

5º que diz que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a

razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua

tramitação”.

3) os altos índices de criminalidade

É claro que as soluções para baixá-los a níveis aceitáveis como

normais dentro de uma sociedade organizada não dependem somente de

mudança da legislação, implicando na solução por parte do governo de

problemas socioeconômicos como moradia, emprego, educação, etc.

O que pode ser feito no âmbito do Poder Judiciário é a adoção de

medidas que agilizem a Justiça, garantam julgamentos mais rápidos, tais como

aumento do número de juízes, juízes trabalhando de 2ª a 6ª feira, oito horas

por dia, como todo trabalhador brasileiro, além da garantia de julgamentos

mais rápidos e aplicação de penas coerentes com a gravidade dos crimes

praticados.

Já aos legisladores competiria a revisão e atualização da legislação

infraconstitucional que regula o processo prisional, de modo a criar condições

reais de ressocialização dos presos, para que possam, durante o cumprimento

de suas penas, prepararem-se para sua reintegração à sociedade, como

condições de emprego, caso contrário, continuarão retornando à criminalidade

e realimentando-a.

4) a redução da maioridade criminal

Gostaríamos de enfatizar que esta necessidade existe, embora

reconheçamos a dificuldade para realizá-la, tendo em vista o que prescreve o

Art. 228 (“são pessoalmente inimputáveis os menores de dezoito anos,

sujeitos às normas da legislação especial”), o que é uma garantia individual

protegida por “cláusula pétrea” (Art. 60, § 4º, Inciso IV) (negrito nosso).

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Contudo, a sujeição do inimputável às normas da legislação especial,

legislação esta infraconstitucional, prevista no Art.27 do Código Penal e na Lei

8.069/ 90, poderia permitir, sem ferir a “cláusula pétrea”, adequar a aplicação

de medidas socioeducativas com mais rigor e maior duração por parte dos

juízes, de acordo com a gravidade da infração penal cometida, refreando-se

assim a impunidade provocada pela inimputabilidade penal.

3.4 O que a sociedade espera dos seus legisladores, dos seus juízes e

dos seus governantes.

Encerrando este capítulo, gostaríamos de lembrar que, apesar de toda

a preocupação de nossos legisladores constituintes originais de 1988,

estabelecendo “cláusulas pétreas” exatamente em matérias que evitassem a

possibilidade de retorno a um passado recente por eles vivenciado, e, em

consequência, “blindando” a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto,

universal e periódico, a separação dos poderes e os direitos e garantias

individuais e ainda estendendo esta “blindagem” por inúmeros artigos da

Constituição, particularmente aqueles versando sobre esta última matéria, é a

Constituição de 1988 uma conquista do povo brasileiro que deve ser

preservada a qualquer custo, mesmo com os entraves existentes ao Poder

Derivado.

O “patriotismo constitucional” que ela enfeixa deve ser mantido e para

tal, é necessário encontrar uma fórmula de adequá-la à nossa realidade, sem

rupturas constitucionais, utilizando-se, em caso de impossibilidade de

mudança de seu texto, dos processos informais de mutação da Constituição, já

vistos no capítulo anterior.

A sociedade brasileira atual clama por mudanças, notadamente nas

áreas abordadas no item 3.2, em particular no tocante à Segurança Pública, e

como tal precisa ter sua Constituição atualizada, para que ela possa continuar

sendo o farol em torno do qual se congrega e na qual deve continuar

acreditando.

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Nesta hora de incertezas e mares revoltos, avulta de importância a

sensibilidade e a pronta ação, daqueles que foram escolhidos pelo povo para,

em seu nome, exercerem o poder, sejam eles legisladores, governantes ou

juízes.

A sociedade brasileira espera destes seus representantes que, dentro

de suas áreas de atuação e de responsabilidade, respeitadas as normas

impostas pela Constituição, proponham e consolidem as modificações

necessárias para adequá-la à sua realidade atual, e em seguida, com base na

lei estabelecida, solucionem os problemas que afligem o dia-a-dia dos

cidadãos brasileiros.

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CONCLUSÃO

Ao longo do presente trabalho, pudemos constatar que a sociedade

brasileira, desde a independência do país, teve 7 constituições, incluindo a

atual, num período de 166 anos, sendo algumas outorgadas e outras

promulgadas.

Vimos também que as trocas de Constituição ocorreram de 2 a 3 anos

após crises institucionais havidas e que os Poderes Constituintes Originários

que as elaboraram sempre buscaram estabelecer normas que não permitissem

a repetição de ocorrências passadas. E de busca em busca, foi a sociedade

evoluindo, as Constituições se aprimorando e os Estados por elas

estabelecidos se modernizando, até a transposição de século XX para o século

XXI.

A Constituição de 1988, cuja gênese remonta a 1984, com uma

maturação maior que as demais e uma verdadeira e intensa participação

popular, pavimentou o caminho para aquela transposição e permitiu que, ao

longo de 23 anos, nossa sociedade evoluísse e ingressasse no novo século,

em ressonância com as transformações ocorridas no mundo.

Os constituintes de 1987, que ao longo de 21 anos de lutas

democráticas e profícuas contra o “status quo” reinante, souberam pacificar o

país e reconciliar a nação brasileira, consolidaram este trabalho de forma

brilhante, do qual resultou uma Constituição moderna, pluralista e defensora de

valores inquestionáveis e de alto significado para todos.

Estes valores estabelecidos na Constituição balizaram e conduziram

os brasileiros a estabelecerem uma sociedade fraterna, pluralista, pacífica,

democrática, sem preconceitos e com direitos e garantias individuais em

perfeito equilíbrio com os interesses do Estado.

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À luz da doutrina exposta no capítulo I sobre as Teorias do Poder

Constituinte podemos constatar que a nossa atual sociedade é uma sociedade

pós-convencional, complexa pluralista e com tal centrada num “patriotismo

constitucional”, de acordo com a visão contemporânea e a Teoria Discursiva do

Direito e da Democracia, de Jürgen Habermas.

Conforme também explicitado ao longo deste trabalho, os constituintes

de 1987, a exemplo de todos os seus antecessores, buscaram estabelecer

normas que impedissem a volta ao passado por eles vivenciado, bastando

uma rápida leitura do texto constitucional para chegar-se a esta conclusão.

Na ânsia de proteger o indivíduo da insegurança e da falta de garantia

de direitos por que passou o Brasil no período compreendido entre 1964 e

1985, nossos constituintes estabeleceram limitações processuais,

circunstanciais e materiais explícitas, as chamadas “cláusulas pétreas”, que

além de impedir mudanças no texto, não permitem sequer que sejam objeto de

deliberação as propostas de emenda tendentes a abolir a forma federativa do

Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos poderes

e os direitos e garantias individuais ( Art. 60, § 4º, Incisos I, II, III e IV).

No caso particular dos direitos e garantias individuais, ao defini-los no

Art. 5º, com seus 78 Incisos, e ao explicitar no §2º do Inciso LXXVIII que os

direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes

do regime e dos princípios por ela adotados (constantes dos Art. 1º, 2º, 3º e 4º)

ou dos tratados internacionais dos quais o Brasil seja parte, ampliou

sobremaneira o “guarda-chuva das cláusulas pétreas” de proteção daqueles

direitos e garantias.

Se por um lado é compreensível e até certo ponto louvável esta

iniciativa dos constituintes de 1987, por outro lado, sem dúvida alguma, cria

embaraços e entraves ao Poder Derivado de Reforma, dificultando-lhe o

cumprimento de sua missão que é atualizar permanentemente o texto

constitucional, visando adequá-lo constantemente à evolução e

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transformações por que passa a sociedade, de modo a permitir que ambas

(Constituição e sociedade) evoluam juntas e não se divorciem.

Ao analisarmos a sociedade brasileira contemporânea e os problemas

por ela enfrentados e para os quais clama por soluções urgentes, constatamos

que a maioria pode ser solucionada por planejamento e ações de governo, por

ações do legislativo e do judiciário, contribuindo para a redução daqueles

problemas.

No caso específico e objetivo de nosso trabalho, constatou-se que,

dos complexos problemas relativos à corrupção, crimes do “colarinho branco”,

altos índices de criminalidade, impunidade (ou punidade branda), morosidade

da justiça, possibilidade excessiva de recursos protelatórios e maioridade

penal, a maioria poderia ser resolvida por intermédio de atualização de

legislação infraconstitucional (reguladora de normas constitucionais ou até

mesmo legislação ordinária).

Os entraves ao Poder Derivado ficariam por conta: 1º) da necessidade

de redução do número de recursos protelatórios (chocando-se com a “cláusula

pétrea da ampla defesa e do contraditório assegurados no Art. 5 º Inciso LV),

choque este atenuado ou anulado pela necessidade de se dar cumprimento à

também “cláusula pétrea” assegurada no Art. 5º Inciso LXXVIII, que assegura a

todos o direito, no âmbito judicial ou administrativo, a razoável duração do

processos e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação; 2º) da

necessidade de redução da maioridade penal, chocando-se com a “cláusula

pétrea” do Art. 228 que estabelece que “são penalmente inimputáveis os

menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial, o que

constitui-se realmente em grande óbice à ação do Poder Derivado, podendo

contudo o problema, se não solucionado, ser minorado pela adequação da

legislação especial, visando reduzir os altos índices de criminalidade (ou

“infrações penais” ) praticados por menores de idade.

É interessante também lembrarmos que, apesar da rigidez e das

limitações impostas pelos constituintes de 1987 ao Poder Derivado de Reforma

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para emendar a Constituição, conforme já visto no capítulo II, existem

possibilidades de sua atualização, sem modificar o seu texto, por meio dos

processos informais de mutação da Constituição, seja pela mudança da

interpretação do seu texto, seja pela mudança da legislação infraconstitucional

reguladora das normas constitucionais, seja pela mutação consuetudinária.

Finalmente, concluindo o presente trabalho, com a certeza da plena

concordância do prezado leitor, gostaríamos de reiterar que, apesar da rigidez

e das limitações existentes ao Poder Derivado de Reforma, é a Constituição de

1988 uma conquista do povo brasileiro que deve ser preservada e defendida a

todo custo, pois representa a consolidação de aspirações e de valores de

altíssimo significado para o povo brasileiro.

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BIBLIOGRAFIA

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo. Celso Bastos

Editor. 2002

BONAVIDES, Paulo e ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil.

Rio de Janeiro. Editora PAZ E TERRA S/A. 1991.

BURNS, Edward Mc Nall. História da CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL- O DRAMA

DA RAÇA HUMANA. (Vol. I e II). Porto Alegre. EDITORA GLOBO. 1991.

CITTADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva. Elementos da

filosofia constitucional contemporânea. Rio de Janeiro. Editora Lumen Juris.

2000.

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos informais de mudança da

Constituição. São Paulo. Max Limonad. 1986

HABERMAS, Jürgen. A constelação pós-nacional. Ensaios políticos. Tradução

de Márcio Seligmann Silva. São Paulo. Editora Littera Mundi.2001.

MORAES, Alexandre de. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5

de outubro de 1988. São Paulo. Editora Atlas S.A. 2011.

PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional

Descomplicado. 4ª edição. São Paulo. Editora Método. 2009.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª edição.

São Paulo. Editora Malheiros. 2003.

SILVA, Francisco de Assis e BASTOS, Pedro Ivo de Assis. História do Brasil.

São Paulo. Editora Moderna Ltda. 2ª edição. 1984.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO........................................................................... 2

AGRADECIMENTOS........................................................................ 3

DEDICATÓRIA.................................................................................. 4

RESUMO........................................................................................... 5

METODOLOGIA................................................................................ 6

SUMÁRIO.......................................................................................... 7

INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 8

CAPÍTULO I – PODER CONSTITUINTE ....................................................................12

1.1 CONCEITUAÇÃO .................................................................................................12

1.2 TITULARIDADE E EXERCÍCIO ............................................................................12

1.3 ESPÉCIES ............................................................................................................14

1.3.1 PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO ....................................................................14 1.3.2 PODER CONSTITUINTE DERIVADO......................................................................15

1.4 TEORIAS DO PODER CONSTITUINTE ...............................................................16

1.4.1 A VISÃO CLÁSSICA DO PODER CONSTITUINTE ....................................................16 1.4.2 A VISÃO MODERNA DO PODER CONSTITUINTE ....................................................17 1.4.3 A VISÃO CONTEMPORÂNEA DO PODER CONSTITUINTE ........................................19

CAPÍTULO II – PODER CONSTITUINTE NO BRASIL ...............................................21

2.1 PODER CONSTITUINTE DE 1987 ........................................................................21

2.1.1 ORIGEM ...........................................................................................................22 2.1.2 TITULARIDADE E EXERCÍCIO ..............................................................................23

2.2 CONSTITUIÇÃO DE 1988 ....................................................................................24

2.2.1 PODER CONSTITUINTE DERIVADO......................................................................27 2.2.2 PRINCIPAIS LIMITAÇÕES E DISPOSITIVOS DE VEDAÇÃO EXPLÍCITA E IMPLÍCITA ......29 2.2.3 CONVENIÊNCIA OU NÃO DA RIGIDEZ E DO CONDICIONAMENTO DO PODER DERIVADO ................................................................................................................................30

CAPÍTULO III – A SOCIEDADE BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA ..........................33

3.1 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS .......................................................................33

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3.2 PRINCIPAIS PROBLEMAS ENFRENTADOS .......................................................35

3.3 OS ENTRAVES CONSTITUCIONAIS AO PODER DERIVADO ............................42

CONCLUSÃO .............................................................................................................47

BIBLIOGRAFIA ..........................................................................................................51

ÍNDICE ........................................................................................................................52

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Universidade Candido Mendes

Título da Monografia: PODER CONSTITUINTE DERIVADO -

Um Poder realmente subordinado e condicionado?

Autor: Alessandro Carlini

Data da Entrega: 23 de janeiro de 2012

Avaliado por:

Conceito: