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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE <> <> <> <> <> PHILIPPE PERRENOUD: AS DEZ COMPETÊNCIAS NORTEANDO A FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA <> <> <> Por: Francisco Galdino Silva da Costa <> <> <> Orientador Prof. Celso Sanchez Rio de Janeiro

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … GALDINO SILVA DA COSTA.pdf · nenhum método de ensino ou linha de atuação pedagógica; o próprio Philippe Perrenoud declara-se

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

<>

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PHILIPPE PERRENOUD: AS DEZ COMPETÊNCIAS

NORTEANDO A FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA

<>

<>

<>

Por: Francisco Galdino Silva da Costa

<>

<>

<>

Orientador

Prof. Celso Sanchez

Rio de Janeiro

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2006

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

<>

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<> PHILIPPE PERRENOUD: AS DEZ NOVAS COMPETÊNCIAS

NORTEANDO A FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA

<>

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Esta monografia é apresentada como pré-requisito final

para a conclusão do curso de pós-graduação latu sensu

em docência do ensino superior pela universidade

Cândido Mendes, através do projeto “A Vez do Mestre”.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, ao corpo docente do

projeto “A Vez do Mestre”, aos meus pais

João e Cida, que, sendo professores,,

sempre me incentivaram à vida acadêmica,

à minha esposa Ana Lúcia, universitária,

que, além de ter contribuído com entrevistas,

encorajou-me incansavelmente a produzir

este trabalho, trazendo-me ânimo nos

momentos mais desafiadores e finalmente

aos universitários Daniel Hir, Jean Fontes e

Stefano L. da Silva pelas entrevistas

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concedidas para o incremento desta

monografia.

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho primeiramente a Deus,

cuja grandiosidade capacitou-me a realizá-lo.

Também àqueles que, apesar das dificuldades,

ainda persistem no exercício do magistério,

crendo em uma possível reversão da presente

realidade, inóspita para os que buscam uma

educação formadora de caráter direcionada ao

bem social.

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RESUMO

O sociólogo e antropólogo Philippe Perrenoud estabeleceu dez novas

competências necessárias para ensinar nos dias de hoje. Essas competências

abrangem habilidades de natureza organizacional e interativa, que auxiliam tanto no

exercício da docência dos ensinos fundamentais e médios quanto da docência do

ensino superior. Abrangem também aspectos da administração, do trabalho em

equipe, da tecnologia e dos ciclos de aprendizagem.

O ensino no Brasil é historicamente centrado no professor, aspecto herdado

do sistema trazido pelos jesuítas, que embora tenha contribuído positivamente para o

desenvolvimento da educação no país, não favorecia a relação dialógica nem

questionamentos por parte do educando. Essa tradição de não-questionamento e

acepção do professor como detentor da verdade, adentrou séculos fazendo com que

o educando chegasse ao nível superior sem a devida maturidade para gerenciar sua

própria aprendizagem, submetendo-se a auto-avaliação e traçar metas acadêmicas

e profissionais para o seu futuro.

O docente, por sua vez, encontra-se despreparado para administrar a

heterogeneidade dentro de uma sala de aula do ensino superior. Ele tende a não

respeitar as diferenças, pois o seu único objetivo é o cumprimento de um conteúdo

programático e de planos de aulas que pouco têm a ver com a realidade social do

educando. O sistema em sua ortodoxia não vê o educando como cooperador de seu

próprio processo formativo e dos outros.

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As competências de Perrenoud aplicadas na educação superior, não

pretendem em si, solucionar os complexos problemas dessa área educacional. Elas

apenas objetivam promover o debate entre as partes envolvidas nesse processo para

encontrar soluções para problemas que afetam a educação, fazendo com que a

universidade transcenda os muros e vá em direção aos interesses da comunidade

que a circunda, buscando a inclusão e o diálogo.

METODOLOGIA

A metodologia utilizada neste trabalho foi baseada em leituras de obras

escritas por educadores de renome nacional e mundial, dentre os quais Philippe

Perrenoud, cuja obra tornou-se objeto deste estudo, Paulo Freire, Edgard Morin, etc.

Também fiz consultas a espaços virtuais dedicados à educação, tais como o

www.universia.com.br , que possibilitou-me ter acesso aos cursos que as

universidades nacionais tem oferecido recentemente, o www.pesquisaescolar.com.br

, o www.bn.br e outros que encontram-se devidamente relacionados nos anexos.

Recorri também ao sistema de “chat on line” MSN, da Microsoft, que viabilizou

conversas com acadêmicos de diversas áreas, que me ofereceram estímulos e

esclareceram dúvidas a respeito de alguns temas.

Entrevistas com educandos da graduação também foram muito úteis para uma

avaliação real e mais precisa do cenário da educação superior no Brasil. Entrevistei

educandos de várias idades, oriundos dos setores público e privado. Pude, então,

confrontar as duas realidades constatando suas respectivas influências no sistema

educacional brasileiro.

A proposta deste trabalho é apresentar a docência do ensino superior sob a

ótica das novas competências para ensinar, estabelecidas pelo antropólogo

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sociólogo suíço Philippe Perrenoud, que embora primeiramente destinadas à

educação básica, são perfeitamente aplicáveis no ensino superior.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 9

CAPÍTULO I 12

PHELIPPE PERRENOUD E O CONCEITO DE COMPETÊNCIA 12

1.1 – Quem é Philippe Perrenoud 12

1.2 – O conceito de competência 14

1.3 – As dez novas competências para ensinar 15

CAPÍTULO II 18

UM PANORAMA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL 18

2.1 – Um olhar sobre a educação no setor público e privado 18

2.2 – Quem são os alunos que chegam ao ensino superior 19

2.2.1 – O interesse do aluno 21

2.2.2 – Os diferentes níveis de maturidade na sala de aula 22

2.3 – O professor do ensino superior 23

CAPÍTULO III 25

COMPREENDENDO A EDUCAÇÃO, SUA SITUAÇÃO E SUAS TENDÊNCIAS 25

3.1 – Uma breve retrospectiva na história 25

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3.2 – A visão tradicional a educação 26

3.2.1 – A visão linear e a fragmentação de conteúdos 27

3.2.2 - A visão transdisciplinar antagonizando a visão

tradicional fragmentadora 28

3.3 – A visão tradicional sobre a homogeneidade em classe 29

3.3.1 – A padronização como tentativa de homogeneização 30

3.3.2 – Efeitos da padronização na universidade 31

CAPÍTULO IV 33

AS DEZ COMPETÊNCIAS NORTEANDO O ENSINO SUPERIOR 33

4.1 – Competência 1: organizar e dirigir situações de aprendizagem 34

4.1.1 –Trabalhando a partir dos erros 34

4.1.2 – Despertar o interesse em projetos e pesquisa 35

4.2 – Competência 2: administrar a progressão 36

4.3 – Competência 3: conceber e fazer evoluir os dispositivos diferenciados 37

4.3.1 – Identificando-nos com e no outro 37

4.3.2 – Desenvolvendo a cooperação entre os alunos 38

4.4 – Competência 4: envolver os alunos em sua aprendizagem

e em seu trabalho 39

4.5 – Competência 5: trabalhar em equipe 40

4.5.1 – Os fracassos típicos de equipes mal formadas 41

4.5.2 – Como formar uma equipe eficiente 42

4.6 - Competência 6: participar da administração da escola 43

4.7 – Competência 7: informar e envolver os pais 45

4.7.1 – O debate como solução 45

4.7.2 – Gerando frutos na universidade 46

4.8 – Competência 8: utilizar novas tecnologias 47

4.8.1 – Como ter acesso à tecnologia para a educação 47

4.8.2 – Utilizando o que há disponível 48

4.9 – Competência 9: enfrentar os deveres e dilemas éticos da profissão 49

4.10 – Competência 10: administrar a própria formação contínua 51

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CONCLUSÃO 53

BIBLIOGRAFIA 57

ATIVIDADES CULTURAIS 60

INTRODUÇÃO

O papel da educação superior tem sido objeto de discussão tanto na esfera

política quanto na esfera pedagógica, principalmente a partir do início do século XX,

quando, adquire perfil mais tecnicista, por conta do avanço industrial e tecnológico

característico daquele tempo, que perdura até hoje. Há uma demanda por uma

formação superior cada vez mais rápida e “focada” em determinada tecnologia, para

suprir determinado nicho de mercado. Este enfoque tem gerado uma tendência por

parte das instituições de ensino superior a relegar a formação do caráter a segundo

plano. Que conseqüência esta realidade tem gerado? Quais os reais motivos que

têm levado o jovem da atualidade a procurar o ensino superior? Que competências

têm sido desenvolvidas ao longo da vida escolar-acadêmica para que o educando

adquira autonomia para administrar e avaliar o seu próprio desenvolvimento?

Philippe Perrenoud estabeleceu dez competências que auxiliam tanto na

construção de conhecimentos quanto no gerenciamento de situações-problemas que

aparecem no dia-a-dia dos educandos e dos educadores (Perrenoud, 2000). Quando

Perrenoud estabeleceu essas competências, teve em mente, principalmente, a

educação na formação geral, a rotina das escolas de ensino fundamental e médio,

relação entre professores e alunos, professores e pais e professores e direção. Este

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trabalho, no entanto, objetiva mostrar a aplicabilidade das dez competências no

âmbito do ensino superior; tanto as já desenvolvidas como também a necessidade

de aquisição de novas competências geradas pela demanda em encontrar soluções

que venham a facilitar a trajetória do educando na universidade. Não se trata de

nenhum método de ensino ou linha de atuação pedagógica; o próprio Philippe

Perrenoud declara-se essencialmente um sociólogo e antropólogo, dispensando o

título de pedagogo. Um dos grandes desafios que educadores e educandos têm de

enfrentar hoje é a heterogeneidade presente nas salas de aula de uma universidade.

É o lugar onde encontra-se alunos de diversas origens, credo, classe social, valores

e, até mesmo, com objetivos finais diferentes. Muitas vezes, a única meta em comum

é a conclusão do curso superior. Como atender a interesses tão diversos? Como

administrar situações de conflitos éticos que possam gerar impasses no processo de

aprendizagem? Não vejo solução, senão a democratização do ensino universitário,

de modo que este atenda não somente às necessidades utilitárias, mas também aos

interesses do cidadão, visando ao seu crescimento como pessoa humana sob todos

os aspectos, tornando-o capaz não só de gerar renda, mas também de gerar

soluções eficazes no enfrentamento dos problemas quotidianos no entorno de sua

comunidade.

Verificaremos ao longo deste trabalho que cada problema requer um tipo de

competência para solucioná-lo e sabemos que, uma vez solucionado um problema,

outros certamente virão. Faz-se então necessária a aquisição de novas

competências para resolvê-los. Uma das maneiras mais eficazes de adquirir novas

competências é através do trabalho em equipe, seja para a criação de projetos ou

para a solução de problemas. As equipes são capazes de obter soluções através do

diálogo e do debate, que estimulam o compartilhamento das diferentes competências

de seus membros. Isto possibilita a aquisição de outras novas competências

conquistadas pela motivação em torno dos esforços direcionados à resolução de um

problema ou conclusão de um projeto. Ou seja, competências individuais gerando

competências de equipe. Entretanto, nem todo grupo de trabalho pode ser

considerado uma equipe. Para considerar-se como tal, todos os integrantes devem

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estar conscientes de sua condição de membros de uma equipe, agindo sempre em

conjunto, canalizando esforços em direção a um mesmo objetivo previamente

estabelecido, que encorajou a opção pela transformação do grupo de trabalho em

uma equipe. É de grande importância que numa equipe, os papéis e objetivos sejam

claramente definidos, a fim de evitar falhas que podem ocasionar impedimentos,

atraso no cumprimento de metas e conflitos que podem vir a causar discórdias,

desordem e desafetos, resultando fatalmente na dissolução da equipe.

As dez competências para ensinar visam a auxiliar quem assume uma sala

de aula, ajudando a refletir sobre as dificuldades desta árdua tarefa e podem ser

resumidas em uma simples definição: consistem na capacidade de exercer o

relacionamento inter e intra-pessoal, isto é, ver no outro possibilidade de crescimento

e auto-conhecimento. É a constante busca da autonomia, mas com a consciência de

que no decurso desta busca, haverá momentos em que a dependência e a confiança

serão elementos necessários para o sucesso. É desta forma que o ensino superior

pode melhorar substancialmente; é através da habilidade de negociar planos e

projetos. É quando o educando passa a dispor da capacidade de opinar sobre seu

próprio destino acadêmico, influenciando nas decisões para a formação de um

currículo, conteúdo programático e/ou plano de curso. Enquanto o conteúdo

programático de um curso universitário emanar somente do corpo acadêmico, não

teremos a tão sonhada universidade democrática, mas sim uma instituição cuja única

meta é atender os anseios da máquina do capital.

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CAPÍTULO I

PHILIPPE PERRENOUD E

O CONCEITO DE COMPETÊNCIA

Quando falamos de competências, o que nos vem a mente? Talvez um monte

de conceitos que se confundem quanto ao propósito do termo; geralmente girando

em torno do que diz respeito aos saberes, capacidades ou habilidades. Não

pretendo, no entanto, transcrever definições de dicionários renomados para fins de

comparação, até porque este trabalho não visa a discutir o termo em seus múltiplos

conceitos, nem tampouco comparar conceitos, seja no âmbito lexical ou cultural.

Trata-se apenas do termo escolhido por Philippe Perrenoud para designar os

saberes e habilidades necessárias ao ensino/aprendizagem, expressos em sua obra

“Dez novas competências para ensinar” (ARTMED, 2000). Novas porque levam em

conta não somente aspectos socioculturais e antropológicos, mas também os

aspectos que envolvem o mundo de hoje, de economia globalizada e tecnologias

avançadas; é a rede mundial de computadores, que cada vez mais se insere no

campo da pedagogia, da educação e da pesquisa, através da revolução dos

hipertextos e espaços virtuais.

1.1 – Quem é Philippe Perrenoud

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Philippe Perrenoud é Doutor em sociologia e antropologia e atualmente

leciona nas Faculdades de Psicologia e de Ciências da Educação da

Universidade de Genebra nas áreas de currículo, práticas pedagógicas e

instituições de formação. Nasceu em 1944 na Suíça e é autor de vários livros,

dentre os quais “Os ciclos de aprendizagem: um caminho para combater o

fracasso escolar” e “Dez novas competências para ensinar”, ambos largamente

divulgados no Brasil.

Perrenoud esteve no Brasil algumas vezes ministrando palestras a professores

e pedagogos. Seus pensamentos têm servido como base para a formação dos

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) e o Programa de Formação de

Professores Alfabetizadores (Profa), ambos estabelecidos pelo MEC, durante o

governo de Fernando Henrique Cardoso. Desde 1970 tem enfocado sua pesquisa

nas desigualdades sociais e no fracasso escolar, abrindo discussões sobre

métodos de avaliação e questionando as ortodoxias do sistema educacional atual.

Os chamados ciclos de aprendizagem são um dos assuntos mais

amplamente discutidos. Segundo o sociólogo, um ano não é suficiente para os

alunos adquirirem as competências necessárias, nem para os professores

avaliarem o progresso de suas classes. Em entrevista publicada no site da CRF

(Centro de Referência Educacional) em 2004, ele emite a seguinte opinião sobre

ciclos de aprendizagens:

“O conceito de ciclo admite definições muito diversas. Para

mim, uma certa homogeneidade dos programas e dos

professores não constitui um ciclo de aprendizagem, mas

apenas um simples ciclo de estudos. Só existem verdadeiros

ciclos plurianuais de aprendizagem quando a escolaridade é

dividida em etapas de mais de um ano, com um currículo

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cobrindo o conjunto do ciclo, que pode ter a duração de dois,

três ou quatro anos de escolaridade.”

O que Perrenoud propõe é um ciclo de três anos, onde o educando terá muito

mais tempo de desenvolver as competências necessárias e, portanto, menos

chance de ficar reprovado. Segundo ele, em três anos uma criança teria chance de

adquirir as competências que ela não teria adquirido em um, pois teria tempo de

amadurecer em certos aspectos, tanto acadêmicos como pessoais. O professor

também se beneficiaria, pois teria tempo para agir e corrigir. No entanto, não nega

a importância das avaliações anuais ou semestrais, mas sendo que apenas com o

propósito de medir o progresso dos alunos e detectar possíveis dificuldades a

serem sanadas. As avaliações anuais ou semestrais, sejam elas escritas ou orais,

devem ter função exclusivamente diagnóstica: “Isso não exclui os balanços feitos

ao final do ano e um recorte das progressões por semestre ou por ano, mas a

título puramente indicativo.”, diz ele na mesma entrevista.

1.2 – O conceito de competência

Neste trabalho, basear-me-ei no seguinte conceito de competência, segundo

Perrenoud: “Competência é a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos

cognitivos (saberes, capacidades, informações etc.) para solucionar uma série de

situações).”

Em princípio, competências são recursos cognitivos, aparentemente simples

como a habilidade de localizar-se em uma cidade, que mobiliza a capacidade de ler

um mapa, pedir informações, baseando-se no conhecimento de referências

geográficas, conhecimentos matemáticos, etc. Algumas competências se

desenvolvem em grande parte na escola, enquanto outras se desenvolvem fora dela,

entretanto, a competência na educação deve ser entendida dentro de um contexto

que vai além da utilização de recursos. São muitas vezes conhecimentos e

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habilidades adquiridas involuntariamente, puramente pela simples experiência de

vida, gerados pela necessidade de sobrevivência no dia-a-dia. Estamos adquirindo

novas competências o tempo todo, de forma involuntária, como já mencionei, ou de

forma voluntária. O primeiro caso refere-se àqueles saberes que adquirimos pelo

simples fato de estarmos inseridos num contexto sócio-cultural. Estamos

constantemente observando e sendo observados, imitando e sendo imitados em

procedimentos utilizados em diversas situações, seja no âmbito da comunicação ou

da resolução de problemas. Aprendemos, no convívio social, a nos comportarmos em

diversas situações, sabendo administrar, por exemplo, o grau de formalidade que

usaremos ao nos dirigirmos a alguém ou grupo de pessoas hierarquicamente

superior, que roupa usaremos em determinado evento, como persuadir, falar em

público etc. O segundo caso refere-se à nossa vontade de adquirir novos saberes

que julgamos importantes para a nossa vida social ou acadêmica, dentre os quais,

podemos citar: o aprendizado de uma língua estrangeira (que mobiliza um conjunto

de recursos cognitivos relacionados à estrutura gramatical, lexis fonologia e outros) ,

a obtenção de conhecimento de informática (como operar um software, utilizar um

editor de texto ou navegar na internet, que mobilizam recursos cognitivos

relacionados à interpretação e compreensão do que se lê) ou simplesmente dirigir

um automóvel. Contudo, este trabalho propõe-se a direcionar-se à área educacional,

portanto, enfocarei as competências necessárias para atuar nas áreas do ensino e

da pedagogia.

Embora Philippe Perrenoud tenha estabelecido as suas dez novas

competências voltando-as para o ensino fundamental e médio, mostrarei como essas

dez novas competências podem, da mesma forma, ser aplicadas com êxito no

exercício da docência no ensino superior, onde encontramos grupos heterogêneos

que exigem competências especiais da parte do docente cuja meta é conduzi-los a

um objetivo comum: a aprendizagem eficiente; a conclusão do curso, embora cada

aluno tenha traçado (ou traçará) sua meta de vida pessoal.

1.3 – As dez novas competências para ensinar

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Tendo em vista que o ofício do professor tem se transformado através de

novos projetos, pedagogia diferenciada e novas situações de aprendizagem, foi

criada por Philippe Perrenoud uma “família” de dez novas competências que

certamente auxiliam tanto o educador quanto o educando na empreitada à aquisição

de novos saberes. São elas:

1. Organizar e dirigir situações de aprendizagem.

2. Administrar a progressão das aprendizagens.

3. Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação.

4. Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho.

5. Trabalhar em equipe.

6. Participar da administração da escola.

7. Informar e envolver os pais.

8. Utilizar novas tecnologias.

9. Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão.

10. Administrar sua própria formação contínua.

O termo “família” é aqui usado porque o desejo ou necessidade de adquirir

cada uma destas dez competências mobiliza outras competências já adquiridas ou

estimula a aquisição de outras novas “competências menores”, de modo que

possamos reunir conhecimentos suficientes para adquiri-la. Por exemplo, organizar

e dirigir situações de aprendizagem (competência de nº.1) requer de um professor

universitário, além do domínio do conteúdo a ser ensinado, a capacidade de

relacioná-lo a objetivos e a diversas situações de aprendizagens. Envolve “trabalhar

a partir dos erros e obstáculos e dos obstáculos à aprendizagem” (PERRENOUD,

2000, p. 30), construindo e planejando dispositivos didáticos, encorajando

atividades de pesquisa e projetos.

Ao planejar dispositivos didáticos, o professor universitário deverá levar em

conta não somente as suas competências, mas também o “background” do

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educando, tendo consciência de que cada aluno é um universo cultural , e o sendo,

tem muito a contribuir com o seu próprio desenvolvimento e com a aula. É com a

troca de informações e saberes que as dez famílias de competências irão atuar. É o

educando como sujeito do processo, não como um mero objeto receptor de

informações. Paulo Freire expressou muito bem a idéia da educação autêntica: “a

educação autêntica, repitamos, não se faz de A para B ou de A sobre B, mas de A

com B, mediatizados pelo mundo “ (FREIRE, 2005, p.97).

No entanto, não pretendo dar ao leitor a impressão de que as dez nova

competências, por si só, são suficientes na promoção de um ensino/aprendizagem

de qualidade. Aspectos psico-sociais, como a afetividade também deverão ser

levados em conta, pois auxiliam no caminhar para uma aprendizagem mais

“humanizada” e eficiente também na formação do caráter.

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CAPÍTULO II

UM PANORAMA DO ENSINO SUPERIOR

NO BRASIL

Não há tema tão debatido quanto a educação no Brasil. Atualmente discute-se

a reforma da universidade sem, no entanto, termos noção do que isso poderia vir a

tornar-se, ou mesmo sequer dispomos de informações suficientemente precisas

sobre a real situação. Muitas estratégias têm sido utilizadas numa tentativa de

democratizar o ensino superior, viabilizando-o para as camadas mais necessitadas

da população, como o sistema de quotas e a criação de cursos a distância com a

finalidade de promover a inclusão. No entanto, temos visto muito pouco resultado e

muita crise: paralizações, falta de investimentos e condições de trabalho adequadas.

Portanto, há ainda realidades muito contraditórias no que concerne os dois principais

setores educacionais: o público e o privado.

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2.1 - Um olhar sobre a educação no setor público e privado

O setor público, que teoricamente deveria garantir atendimento a todos os

estudantes brasileiros aptos a ingressarem em uma instituição universitária, não o faz

em sua plenitude, acabando por atender uma maioria esmagadora de alunos

oriundos das escolas privadas. As razões já são velhas conhecidas, como a

ineficiência das escolas públicas de ensino fundamental e médio em preparar o

educando para ingressar na vida acadêmica. Os motivos são os de sempre: a falta

de investimentos, as precárias condições de trabalho e os baixos salários dos

profissionais da educação, que impedem os alunos oriundos dessas instituições de

receberem o mesmo padrão de atendimento que os alunos do setor privado, em sua

maioria financeiramente abastados. Esta realidade não permite aos alunos das

escolas públicas competirem com os da escola privada por uma vaga na

universidade pública. Eis aí o contra-senso. As escolas privadas, embora com

melhores recursos e qualidade, em sua maioria tratam a educação como um produto

mercantil e os educandos e pais como meros clientes, que “pagam” por um serviço

que gerará o produto “passaporte para a universidade”, conquistado graças a uma

educação de “qualidade” que consegue preparar o aluno para o tão esperado

vestibular, embora não necessariamente para a vida no contexto social.

O setor privado, cujo vestibular não é tão exigente quanto o do setor público,

acaba absorvendo os alunos menos abastados e até mesmo carentes, muitos dos

quais oriundos da escola pública; muitas vezes esses estudantes têm que trabalhar

arduamente para conseguir arcar com o ônus das mensalidades que lhes são

impostas. Muitos optam por cursos noturnos a fim de conciliá-los com seus horários

de trabalho e muitos outros desses alunos acabam tendo que “trancar” a matrícula por

não conseguirem arcar com as despesas inerentes ao curso e/ou não terem tempo

para estudar o suficiente.

Embora o senso de 2000 (IBGE) tenha registrado um aumento de 17,8% no

número de brasileiros com 25 anos ou mais que concluíram o curso superior em

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relação a 1991, a realidade não se alterou o bastante para mudar o presente quadro.

Ainda é pequeno o percentual daqueles que conseguem concluir um curso de

graduação ou pós-graduação no Brasil; 5 por cento, conforme dados divulgados pelo

IBGE em 2003 referentes ao período entre 1991 e 2000.

2.2 – Quem são os alunos que chegam ao ensino superior

Os alunos brasileiros que chegam à universidade vêm de um sistema de

ensino que centralizou os esforços dos últimos três anos escolares em direção ao

vestibular. Em grande parte, a memorização foi o principal meio utilizado nessa

empreitada. Variados recursos foram utilizados para viabilizar a memorização do

conteúdo proposto. Desta forma, o próprio sistema de ensino avalizou e estimulou

uma atitude baseada na lógica da exclusão, sem estímulo a crítica. O único objetivo a

ser alcançado tem sido a aprovação no vestibular, e não a aprendizagem

propriamente dita. As turmas se apresentam numerosas, principalmente as do

“terceirão” , como são chamados os cursos pré-vestibulares. Os alunos permanecem

sentados como meros expectadores num ambiente em que o “bom professor” é

aquele que se porta como um showman , ou seja, que é considerado excelente na

explanação dos conteúdos, muitas vezes fazendo-se “engraçado”, contando piadas

para garantir a atenção dos alunos.

Ao chegar na universidade, o educando se deparará com o mesmo sistema

de ensino e com o mesmo formato de aula, no qual espera-se que se comporte de

forma passiva e silenciosa como se estivera assistindo a um filme ou a qualquer outro

espetáculo, sem interferir dialogicamente, uma vez que não houve a sua participação

direta ou indireta, ou mesmo negociação na confecção do conteúdo programático

nem dos planos de aula. Um outro agravante é a pouca idade de grande parte dos

alunos que ingressam em uma universidade, com 17 ou 18 anos. Nesta faixa etária,

poucos estão amadurecidos o suficiente para exercer uma escolha profissional

consciente. Foram submetidos pressão da família (muitos são persuadidos a

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seguirem a carreira dos pais ou avós, mesmo sem terem vocação para tal), de

professores, de orientadores e de colegas. Hoje é comum ouvir sobre um aumento do

stress e depressão nesta faixa etária, devido a toda essa tensão que às vezes não se

encerra no momento da aprovação no vestibular; segue adentrando no decurso da

graduação, sob a forma de indecisão, de incerteza quanto à escolha procedida, uma

vez que não é possível se ter a idéia de como fluirá o curso com suas disciplinas,

professores e perspectivas para o mercado de trabalho. Muitos descobrem no meio

do curso que não tinham a mínima vocação para o que estavam cursando. Outros,

mais grave ainda, chegam a terminar a graduação com a sensação de que não

fizeram a escolha certa.

Os professores, por sua vez, reclamam do baixo nível de conhecimentos e a

ausência dos requisitos necessários para acompanhar o ensino superior, como a

falta de domínio da língua, dificuldades de interpretação, redação e leitura de textos.

Porém, não procuram buscar, em conjunto com os alunos e o corpo administrativo da

instituição, uma solução para as deficiências herdadas de um sistema educacional

falho, em quase todos os sentidos. Muitos chegam até se isentar da

responsabilidade de recuperar aquele educando que vem cheio de lacunas em seu

conhecimento e não consegue acompanhar o “ritmo” da graduação. Consideram-se

apenas profissionais, pagos para cumprir o conteúdo programático, ministrar aulas,

avaliar e só. “Se não têm o embasamento necessário, problema deles”, pensa

grande parte dos docentes universitários. Este pensamento é típico da mentalidade

mercantilista, já mencionada neste capítulo (subtítulo 2.1), da escola que “vende” o

“produto” educação e o educando simplesmente o compra. Selma Garrido Pimenta

exalta a necessidade de retirar o foco do lucro. “Responsabilizar-se pela

aprendizagem aponta para a necessidade de transformar essa lógica do lucro na da

educação, o que supõe a discussão de valores com o alunado...” (PIMENTA, 2002, p.

235).

2.2.1 – O interesse do aluno

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O sistema educacional ora vigente é quase que em sua totalidade regulado

pelas expectativas do mercado de consumo. Isso favorece um enfoque inadequado

de interesses por parte do educando. São raros os que se interessam em

desenvolver-se intelectualmente ou em envolver-se em projetos de pesquisa. Sua

expectativa resume-se em adquirir as competências necessárias para inserir-se no

mercado de trabalho, tirar boas notas e obter um diploma. Então estará apto a

conseguir um “bom” emprego e se tornar um “bom” consumidor. O próprio sistema

imposto pela globalização e pelo neoliberalismo torna a sociedade competitiva,

seletiva e excludente. Aqueles que não agem segundo as expectativas do mercado

são automaticamente excluídos do sistema.

Não é exagero dizer que o educando nem mesmo olha para o seu contexto

social, nem para dentro de si mesmo. Tem um posicionamento alienado em relação à

própria vida, gerando então uma crise de cidadania. A universidade

profissionalizante, compromissada com a melhoria da qualidade de vida humana em

geral, tornou-se a “universidade de mercado”, que não consegue suprir as

necessidades do educando enquanto pessoa humana e cidadão. Formam

profissionais que acabam se “prostituindo” ao mercado de trabalho, vulneráveis à

exploração patronal e impotentes para formar sindicatos fortes capazes de impedir a

degradação dos direitos trabalhistas. Põem em prática a visão egocêntrica do

“profissional de portifólio” cujo único objetivo é obter imunidade ao desemprego

através do “marketing pessoal”, mesmo que isto signifique se submeter às mais

humilhantes explorações trabalhistas, como horas extras não pagas e outros abusos

patronais.

2.2.2 – Os diferentes níveis de maturidade na sala de aula

Nada mas óbvio do que constatar a heterogeneidade em uma classe

universitária. Há alunos de diversas idades, classes sociais, culturas e etnias

diferentes. A maturidade do aluno trabalhador, por exemplo, certamente contrastará

com a imaturidade e inexperiência do aluno que nunca trabalhou. Os dois, no entanto,

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enfrentarão dificuldades típicas de cada situação. O aluno trabalhador terá que faltar

algumas aulas por ter ficado retido no trabalho, terá de enfrentar pressões no trabalho

contra ou a favor do curso, sem falar na falta de tempo para estudar. Já o jovem

estudante que nunca trabalhou terá que adaptar-se à nova realidade, a qual lhe

exigirá mais autonomia e responsabilidade. Terá que desenvolver hábitos de

estudos, disciplinar-se quanto ao tempo e espaço.

É fácil dizer, em nível de discurso, que a diversidade é positiva porque

enriquece o ambiente acadêmico, promovendo a troca de idéias e experiência. O

professor pode utilizar-se da experiência do aluno trabalhador, colocando-se como

mediador, para permitir que toda a classe vivencie um processo de aprendizagem

mais próximo da realidade. No entanto, nem todo docente encontra-se preparado

para tomar esse tipo de iniciativa. A maioria tende a ater-se ao conteúdo

programático padronizando seu estilo de aula, ignorando a diversidade, sem se

preocupar em conhecer os alunos ou, pelo menos, o perfil da classe como um todo.

2.3 – O professor do ensino superior

Tradicionalmente, quando se fala em “formação de professores”, a primeira

coisa que nos vem à mente é a formação de professores para o ensino fundamental

ou médio. Quase nunca a abordagem é dirigida ao ensino superior, como se a

formação de docentes para este segmento fosse irrelevante ou até mesmo

desnecessária.

Contudo, uma das reclamações mais comuns contra os professores do nível

superior é justamente no que diz respeito à didática, ou a ausência da mesma. Em

entrevista a diversos universitários, constatei que as insatisfações com os docentes

são basicamente as mesmas. A maioria disse coisas como: “o professor sabe a

matéria mas não sabe como transmitir”, “não sabe como conduzir a aula”, “fica

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distante do aluno” e “alguns são arrogantes, olham o aluno com ar de superioridade e

só consideram aluno bom aquele que tira boas notas”. Uma outra reclamação

também foi em relação ao fato de que alguns priorizam os seus projetos acadêmicos,

relegando a docência a segundo plano.

Uma outra insatisfação verificada foi quanto ao critério de elaboração de

provas e notas. Os alunos reclamam do formato das provas, do tipo de questões tipo

“pegadinha”, cujo objetivo é, segundo eles, induzir ao erro, em vez de ajudá-los. Por

fim, acusam os professores de serem inflexíveis quanto a aceitação de respostas:

“...não se leva em conta o raciocínio lógico nem a percepção do aluno”. Reclamam de

serem reprovados por décimos e ter que refazerem módulos, o que freqüentemente

leva o educando à desistência.

Em contrapartida, é cada vez mais exigida do professor universitário, a

obtenção de títulos de mestre, doutor ou Phd. No entanto, é questionável se tais títulos

possam de fato contribuir efetivamente para a melhoria da qualidade do ensino, ou se

meramente têm sido usados apenas a título de vaidade ou estratégia de marketing. A

“indústria de títulos” e cursos gerada pela competição entre as inúmeras faculdades

privadas têm provocado essa corrida. O professor, por sua vez, precisa do emprego

e de um salário, mesmo que isto implique em abdicar de certos ideais. Desta forma,

o interesse em dar aos educandos uma formação sólida parece não estar entre as

prioridades. O interesse hoje parece estar reduzido a números e posição no

mercado.

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CAPÍTULO III

COMPREENDENDO A EDUCAÇÃO, SUA SITUAÇÃO E

SUAS TENDÊNCIAS

O sistema educacional brasileiro tem, ao longo dos anos, tentado se

modernizar, se adequando às exigências da sociedade nacional e do cenário global,

seguindo tendências pedagógicas diversas. A educação no Brasil passou por

diversas reformas e leis, sendo a última delas a LDB (lei de diretrizes e bases) de

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1996 (lei 9.394) que enfatiza no artigo 2º, que a educação é dever da família e do

Estado. Neste mesmo artigo, declara ter por finalidade o “pleno desenvolvimento do

educando” (LDB 9.394/1996, art. 2º.). No entanto, será que é isso mesmo que

acontece? Será que nossos educandos estão tendo a oportunidade de desenvolver-

se, tanto para o trabalho, quanto para e exercício da cidadania? Será que a

capacidade de reflexão tem sido estimulada? Para estas perguntas, temos buscado

respostas através de debates, pesquisas e projetos pedagógicos.

Ao escrever este trabalho, não pretendo somente prover respostas a estas

perguntas. Seria muita presunção achar que poderia fazê-lo, ou que a solução viria na

sua totalidade de um único estudo ou projeto pedagógico, sem levar em conta as

diversas realidades que permeiam a este tema. O meu objetivo é apenas induzir o

leitor a refletir sobre a situação em que se encontra a educação; se realmente o

sistema é capaz de conduzir o educando ao à educação superior.

3.1 – Uma breve retrospectiva na história

Para que entendamos a realidade presente da nossa educação superior, vale

a pena recorrer um pouquinho à história. A educação no Brasil foi trazida pelos

Jesuítas em 1549, no período colonial. Foram expulsos em 1759 por Marquês de

Pombal mas retornaram em 1847 trazendo a Ratio Studiorum (promulgada em

1599). Tratava-se da sistematização de um plano de estudos com métodos e base

filosófica jesuíticos. A Ratio Studiorum representou o primeiro sistema organizado de

educação católica no mundo e, até hoje, muitas escolas têm seus projetos

pedagógicos fundamentados na filosofia jesuítica.

Um dos aspectos mais marcantes do modelo educacional dos jesuítas

consiste na centralização da aula no professor, isto é, o professor detém o saber e

espera que o educando retenha a informação que ele transmite sem questioná-lo.

Embora o trabalho dos jesuítas tenha sido uma grande contribuição ao

desenvolvimento da educação no Brasil, uma vez que conseguiu promovê-la em

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âmbito nacional, este modelo deixou seqüelas nos dias de hoje, com o caráter não-

dialógico da relação entre o educador e o educando. Isto favoreceu a criação de uma

“natureza antagônica” nesta relação, que mais tarde veio colocar as duas partes em

posições absolutamente opostas e defensivas, sem qualquer possibilidade de

negociação ou diálogo. Isso traz conseqüências em nossa sociedade até hoje, tais

como, a fragmentação do ensino em conteúdos nem sempre relevantes à vida do

educando sem ser questionada por ele, a não consideração do educando em sua

totalidade, em sua sociedade e sua cultura.

3.2 - A visão tradicional da educação

A nossa visão educacional é extremamente linear, embora tenha havido já

alguma melhora no que diz respeito em ver o educando na sua totalidade, porém, os

avanços ainda são muito tímidos. Quando estudamos, visamos um só objetivo e

trabalhamos incansavelmente em torno daquele objetivo. Se um indivíduo quer ser

médico, ele geralmente trabalha na direção de que um dia terá seu próprio

consultório, repleto de pacientes que lhe renderão bons pagamentos. Todavia, a

medicina é muito mais do que médicos, consultórios e pacientes. É saúde, é

qualidade de vida, é história, é sociologia.

Na visão linear da educação, Nós estimulamos apenas um dos hemisférios

cerebrais, subutilizando o outro. O hemisfério esquerdo, por exemplo, tem como uma

de suas funções selecionar pequena parte da informação para representar o todo. O

direito, tem como uma de suas funções conceber coisas em sua integralidade.

Portanto, é imperioso que estimulemos os dois hemisférios, pois nunca trabalham

sozinhos “Nosso cérebro é duplo, portanto, necessita receber estímulos específicos

(...). Não existe nada que seja unicamente regulado por um dos hemisférios”

(RELVAS, 2005, p.31).

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Somos educados ou para o trabalho ou para o estudo. O sistema educacional

em vigor não “mistura” o estudo com outras práticas, como o jogo, a arte, de modo

que ambos os hemisférios trabalhem na mesma intensidade. Isso provoca um

esgotamento extremo no educando, tornando mais difícil para o corpo encontrar ou

reencontrar o próprio equilíbrio interno.

3.2.1- a visão linear e a fragmentação de conteúdos

Jorge Ponciano Ribeiro, em seu artigo “Educação Holística” definiu de forma

interessante e com grande eficiência, o perfil da civilização produzida pelo mundo

globalizado e pelo neoliberalismo.

“Nossa civilização é fragmentada, é mecanicista, privilegia as

relações de causa e efeito, privilegia o sentido quantitativo do

comportamento, enobrece a causa eficiente e se esquece da

causa final, através da qual a qualidade fica mais clara e o

sentido da consciência se torna mais imperioso” (BRANDÃO,

CREMA, 1991, p.42).

Nossa cultura utilitarista nos impede de refletir sobre o real propósito da

educação. Em vez de vê-la como um todo, a vemos por partes e essas partes não se

misturam; são chamadas no jargão da educação de “componentes curriculares”. A

ortodoxia do sistema não permite, por exemplo, relacionar geografia e matemática,

que são dois componentes que estão ligados pela necessidade de cálculos em suas

práticas. É a tão alardeada interdisciplinaridade, tendência pedagógica que avança,

ainda que a curtos passos, em direção ao futuro da educação. A maioria dos

professores concordam que a interdisciplinaridade é a maneira mais eficaz de

promover uma relação dialógica entre assuntos dialéticos fazendo com que o

educando seja capaz de perceber a aplicabilidade do aprendizado na prática social.

No entanto, a maioria dos docentes não considera-se apta a exercê-la.

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Ainda assim não conseguiremos ver a educação como um todo, porque não

vemos o educando como um todo. Quando fragmentamos conteúdos, dividindo-os

em disciplinas ou “componentes curriculares”, também fragmentamos realidade do

aluno, dissociando-o de seu próprio contexto sociocultural, inserindo-o no que eu

chamaria de “uma realidade imposta”, a qual ele terá de adaptar-se, quer se

identifique ou não. Isso nos remete a um conceito mais amplo e dialético de

educação, o qual difere claramente do conceito de instrução: quando interagimos em

nosso meio social ou em outro, estamos sendo educados, muitas vezes sem

percebê-lo. Estamos continuamente dialogando, trocando idéias, adquirindo hábitos

e competências. É reducionismo quando achamos que educação é atribuição

exclusiva da família e da escola. Educar é, acima de tudo, expandir os limites de

forma consciente; instruir é fragmentação da realidade. É isolar as partes do seu

todo, é impedir a dialogicidade. Quando as partes se enriquecem sem fazer

referência ao todo, setores são privilegiados, sem levar em conta a relação dinâmica

dos sistemas envolvidos.

3.2.2 – A visão transdisciplinar antagonizando a visão

tradicional fragmentadora.

Não é de hoje que pensadores tentam relacionar as diversas ciências,,

encontrando pontos em comum em seu estatuto epistemológico. Morin, em diálogo

com Adroino, questiona a fragmentação das ciências (em ciências humanas,

ciências sociais, ciências do homem etc.), aglutinando-as em um único grupo:

ciências antropossociais, ou de domínio antropossocial, quebrando toda oposição

entre elas, embora admita que a idéia de ciências humanas seja mais geral. Morin

inclue as dimensões biológicas na noção de domínio antropossocial, por exemplo;

não vê relevância na dissociação dos vários aspectos que circundam estas ciências,

considerando um erro o que ele chama de “substantificação das disciplinas”: “é

legítimo privilegiar os ângulos ou os aspectos genético, orgânico, demográfico,

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histórico, psicológico, etc. (...). Acabamos por acreditar que a psicologia é uma coisa

em si, a história é uma coisa em si, que a economia é uma coisa em si” ( LE

MOIGNE, MORIN, 2000, p. 171).

Na visão transdisciplinar, não há o isolamento das ciências. Todas elas são

consideradas igualmente importantes. Não há ciência privilegiada, todas elas

trabalham para o bem comum, o químico, o matemático, o filósofo, o músico, o poeta,

todos “jogam no mesmo time”, na sua posição para que o gol se realize. Todos

reconhecem a necessidade da humildade, do respeito e da união, sem disputa por

forma alguma de hegemonia. Neste caso, não são unidos por uma “simples

aproximação interdisciplinar, mas o espírito transdisciplinar” (CREMA, BRANDAO,

1991, p.45).

Entendo que na visão transdisciplinar, não se aplica a expressão

“transmissão de conhecimento”. Uma vez que nesta visão se pressupõe uma relação

dialógica contributiva entre saberes e conhecimentos, e que as partes não podem ser

consideradas sem o todo, transmitir conhecimentos passa a ser fragmentação da

realidade. Quem transmite conhecimento, impõe sua percepção , sua lógica e

julgamento àquele a quem o é transmitido. Conhecimento não se transmite, se gera.

Informação é o que se transmite através de uma aula, palestra ou uma simples

conversa informal. O conhecimento será gerado através de um processo individual,

do qual a informação será a “centelha” desencadeadora desse processo, que

passará pelo crivo da percepção, do juízo de valores, da cultura, da escolaridade, etc.

3.3 – A visão tradicional sobre a heterogeneidade em

classe

Conforme verificado no capítulo II (2.2.2), a heterogeneidade é vista pela

pedagogia moderna com algo positivo, no campo da troca de idéias e experiências.

Contudo, considerando a problemática atual, a heterogeneidade é vista na prática

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como uma “pedra no sapato”. Muito se fala na valorização das diferenças e nas

pedagogias diferenciadas, mas não é isso que verificamos na prática. O que vemos

na realidade, é um medo em relação ao diferente. Esta é a razão pela qual o sistema

educacional tradicional tende a homogeneizar o que é heterogêneo por natureza.

Tentam igualar seres humanos diferentes.

A maioria das escolas formam turmas agrupando alunos da mesma idade,

às vezes formando classes de alunos com alto desempenho escolar e classes de

alunos “problemáticos”, com baixo desempenho que precisam de “reforço”. Baixo e

Alto desempenho, neste caso, significam meramente notas baixas e altas, na

avaliação quantitativa. Forma-se então a “turma dos mais fracos” e a “turma dos

mais fortes”. Fala-se em “turmas especiais”, que agrupam alunos com médias altas,

que tornam-se a “menina dos olhos” da instituição, servindo como mecanismo de

marketing para promovê-la comercialmente. Porém, o que na verdade esses alunos

têm em comum, é apenas a competência de hierarquizar informações que lhes

permitem organizar seus estudos priorizando os tópicos que julgam mais prováveis

de “cair na prova”. Na sua avaliação, nada mais é levado em conta a não ser a nota

ou conceito. Fora disso, são seres diferentes entre si em outros aspectos, cada um

com as suas peculiaridades, personalidades, idiosincrasias , expectativas e história.

No entanto, o sistema tenta com todas as forças homogeneizar o heterogêneo. É uma

homogeneização forçada, aviltante, que agride a individualidade do educando, os

doutrinando e os robotizando, fazendo com que traiam seu próprio ego.

3.3.1- a padronização como tentativa de homogeneização

Até meados do século XX, vários níveis diferentes de alunos coexistiram em

cada classe, especialmente nas áreas rurais, onde havia muito pouca crianças

escolarizadas. Porém, o processo industrial, os reagrupamentos escolares e a

urbanização do campo promoveram o surgimento das classes de um único nível.

Esse processo delimitou o horizonte do professor ao programa de um ano. Este

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agora terá de acolher alunos presumidamente preparados a assimilar o conteúdo

programático do ano e, após 35 ou 40 semanas, esses alunos devem encontrar-se

em condições se seguir o programa do ano seguinte. Era a padronização imposta

pela chegando na educação.

Há uma padronização excessiva no sistema: padroniza-se o modelo de aula,

a prova, o critério de avaliação, a perspectiva e expectativa de respostas e muito

mais. Quando certo modelo de aula, avaliação ou programas são padronizados, uns

são favorecidos e outros prejudicados. Os prejudicados não são necessariamente

mais “fracos”, mas possuem habilidades e competências outras ignoradas pelo

sistema. E o que o sistema oferece para apoiá-los? Oferece-se apoio padronizado

numa tentativa desesperada e ingênua de torná-los iguais aos mais “fortes”; numa

tentativa de homogeneizar o heterogêneo. “Um professor experiente sabe que a

homogeneidade total é inacessível na falta de uma seleção prévia bastante rigorosa

(...)”, (PERRENOUD, 2000, p.58).

3.3.2 – efeitos da padronização na universidade

Na universidade, os esforços investidos na padronização na tentativa de

homogeneizar é um dos fatores geradores do tão falado distanciamento entre o

professor e o aluno e, mais grave ainda, ente o conteúdo e a realidade do aluno. Na

maior parte do mundo, as salas da graduação têm o formato padronizado no modelo

de anfiteatro, onde as aulas são dadas diante de inúmeros rostos anônimos. O

professor não tem idéia de quem são seus alunos e nem os alunos têm idéia de

quem é o professor, pois não têm oportunidade de interagir com ele, desfavorecidos

pela própria geografia do ambiente. A atitude predominante é a de “se chegaram até

aqui é porque estão capacitados a acompanhar o programa, portanto, quem

aprende, aprende. Quem não aprende, paciência, não tenho culpa”.

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Espera-se autonomia do educando do ensino superior. Muitos professores

constatam, com razão, que o aluno chega à graduação, sem autonomia nem

maturidade suficiente para administrar sua própria aprendizagem; carecem de

metodologia de estudo e pesquisa. O problema é que o sistema educacional global

parece achar que os ciclos de aprendizagem anuais são, por si só, capazes de “dar

autonomia” ao aluno quando bem entender, de acordo com seus planos e programas.

Só que, na realidade, ninguém pode dar autonomia a ninguém. A autonomia é

conquistada à medida que se amadurece e se adquire autoconfiança na

administração do próprio desenvolvimento. Entretanto, o que o sistema faz é “forçar”

o educando à autonomia, presumindo que os ciclos anuais são suficientes para

prepará-lo para a maturidade esperada, baseando-se unicamente na idade

biológica. Desde o início do ensino fundamental, vai-se “soltando” o aluno de pouco a

pouco, até a universidade. Nesse trajeto, não há espaço nem tempo para

ponderação, negociação, constatação, reformulação, ou mesmo reflexão. Só há

espaço para aprovação ou reprovação. Quem não consegue ser “homogeneizado” é

reprovado para ter nova “chance’ de o ser. Com isso, na busca pelo desenvolvimento,

perdem o indivíduo e a sociedade, pois o sistema priva-o de contribuir legitimamente

nos limites de sua capacidade intelectual.

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CAPÍTULO IV

AS DEZ COMPETÊNCIAS NORTEANDO O ENSINO

SUPERIOR

Os temas, conceitos e situações abordados até agora servirão como

referencial para contextualizar a aplicação das competências estabelecidas por

Philippe Perrenoud no ensino superior. Para que compreendamos o valor que cada

uma das dez competências tem a contribuir para uma melhora substancial em termos

de docência e aprendizagem, vale ressaltar que, embora elas tenham sido

sistematizadas com vistas ao ensino básico, são perfeitamente aplicáveis no ensino

universitário.

Por que aplicá-las no ensino superior? Pelo simples fato de que o contexto

universitário pouco difere do contexto da educação básica, em termos de

aprendizagem. As diferenças limitam-se no campo da não-compulsoriedade e de

uma maior heterogeneidade. Somos seres inconclusos, “seres inacabados”

(FREIRE, 2005, p. 83); o somos porque temos uma história, e a história continua,

portanto, a educação continua, uma vez que estamos na eterna busca do

aprimoramento do ser. Além do mais, as dez competências abrangem aspectos

pertinentes ao nível superior, tais como: os ciclos de aprendizagem, relevância de

conteúdos, estímulo à pesquisa e princípios tecnológicos.

Ao estabelecer as dez competências, Perrenoud não levou em conta

somente a realidade européia ocidental. Por ter visitado diversos países,

pesquisando ou ministrando palestras (só no Brasil, esteve cinco vezes), adquiriu

grande conhecimento na área da educação mundial, tendo oportunidade de trocar

experiência com educadores locais. Embora em sua obra “Dez Novas Competências

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para Ensinar” dê enfoque ao sistema genebrino, ele procura manter uma abordagem

baseada em princípios e aspectos gerais da educação global. São aspectos

essencialmente humanísticos e, o mais surpreendente, é que não renega o perfil

tecnológico que a educação vem adquirindo nos últimos dez anos, com o implante de

tecnologias nas escolas através do uso de mídias, como CD-ROM’s, softwares e da

conexão de vários estabelecimentos de ensino à rede mundial de computadores. Na

universidade acontece o mesmo fenômeno. Cada vez mais a tecnologia se integra à

didática e à pesquisa.

4.1 – Competência 1: organizar e dirigir situações de

aprendizagem

Um dos maiores desafios para o docente superior, não é só aproximar o

conteúdo da realidade do educando, fazendo com que ele compreenda a

aplicabilidade deste. É trabalhar a percepção do aluno em relação ao conteúdo da

disciplina, no intuito de fazê-lo perceber o real objetivo da aprendizagem. É torná-lo

capaz de atrelá-lo à sua realidade, ou desenvolver no educando a competência de

selecionar a parte do conteúdo que cabe na sua realidade e objetivo. Não adianta

“convencer” o aluno que tal conteúdo servir-lhe-á bem no seu futuro profissional, se ele

não o percebe dessa forma. Portanto, a melhor maneira de contextualizar um

conteúdo é trabalhando a percepção e, a maneira mais eficaz de fazer isto é

sabendo organizar situações de aprendizagem, com as quais o educando se

identifique e possa facilmente aplicar o conhecimento adquirido em seu projeto

profissional ou em qualquer outra carreira futura.

4.1.1 – Trabalhando a partir dos erros

Os erros não devem ser vistos como algo reprovável ou negativo, mas sim

como parte do processo de desenvolvimento. Em qualquer empreitada há

obstáculos. Se um alpinista vai escalar uma montanha, ele vai encontrar obstáculos e

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imprevistos em sua trajetória que ele vai ter que administrar. Se ele for seguro de si o

bastante, transformará o erro ou o obstáculo em seus aliados na jornada. Com a

educação não é diferente. Os obstáculos e os erros devem servir para o diagnóstico

de problemas e o professor deve trabalhar não para corrigir o erro diretamente, mas

direcionar seu trabalho a partir daquele erro, possibilitando assim, atitudes reflexivas

e criativas.

4.1.2 – Despertar o interesse em projetos e pesquisa

Desde o ensino fundamental o aluno brasileiro não tem despertado pelas

escolas o interesse em pesquisa. O que é feito nas escolas é simplesmente dar

temas para o aluno “pesquisar” e produzir projetos de natureza expositiva (painéis,

cartazes, etc.). Muitos se desmotivam porque não se identificam com o tema a ser

pesquisado, ou não o percebem da forma que o professor o percebe. Então, acabam

por produzir o projeto de forma mecânica e indiferente só para conseguir nota. Não

há emoção nem envolvimento adequado, pois não houve interesse despertado.

Na universidade não é diferente. O aluno se sente desorientado para

pesquisa porque não há planejamento de dispositivos adequados e seqüências

didáticas que o permitissem se sentir atraído por determinado tema. Isto ocorre

porque no passado não houve estímulo à leitura e à confecção de projetos livres. A

conseqüência, é que poucas universidades hoje oferecem pesquisa. Há, obviamente

outros desestímulos como falta de verbas, parcos vencimentos, etc. A solução deste

problema tem que ser trabalhada desde a escola primária.

Envolver os alunos em atividades de pesquisa,é trazer material para leitura e

discussão em sala de aula. É trabalhando a partir de um artigo sobre a comunidade

onde vive, sobre um noticiário de tevê, é dando-lhes a missão de encontrar soluções

para problemas reais, preferivelmente que afete o seu contexto social. Ao professor,

cabe conduzir as atividades em equipe, orientando os educandos sobre fontes e

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materiais, consultando professores de outras disciplinas promovendo o diálogo e a

união com o objetivo da produção final de um projeto que visa a solucionar um

problema real, e que pode ser aproveitado pela comunidade.

4.2 – Competência 2: administrar a progressão das

aprendizagens

Quando falamos em administrar a progressão das aprendizagens, a primeira

coisa que nos vem à mente é a aplicação de testes ou outros tipos de avaliação

formal. Geralmente, os testes bimestrais e as provas finais são o único termômetro

utilizado pelos docentes da educação superior como meio de avaliar o progresso do

aluno. Contudo, há uma grande diferença entre avaliar e julgar o progresso de um

aluno. Os dois conceitos se confundem, posto que muitas vezes avaliar significa

submetê-lo a um exame, “passar” algumas tarefas para “ajudar” e no final julgá-lo.

Ora, tais “avaliações” não levam nada em consideração, que não o critério quântico

da instituição e o critério pessoal do professor, o que nos leva a concluir que não

avaliam para administrar a progressão, mas para eliminar. Na maioria das vezes, não

é levado em consideração o interesse do educando, não há negociação quanto a

escolha apropriada de tarefas, levando em conta o a realidade do aluno, mas apenas

o conteúdo a ser transmitido no semestre é o que importa.

Segundo Cipriano Carlos Carlos Luckesi, professor da Universidade Federal

da Bahia, estabelece diferenças marcantes entre os conceitos de exame e

avaliação. O primeiro é de caráter eliminatório e o segundo é de caráter construtivo.

Em entrevista ao jornalista Paulo Camargo, critica a maneira com que os professores

avaliam seus alunos nas escolas de hoje: “o que hoje chamam de avaliação é na

realidade aplicação de exames. Fazemos hoje o que se fazia há 400 anos nas

escolas da Ordem Jesuíticas”.

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Na universidade, predomina o esquema de provas bimestrais como principal

forma de diagnóstico e, caso o aluno não obtenha pontos suficientes, ele “vai para VS

(verificação semestral)” ou qualquer outro tipo de prova de” recuperação”. Desta

forma, uma nota baixa, que reflete apenas um dado momento na vida do educando,

pode ser fatal, levando-o à instabilidade emocional e a uma eventual reprovação.

Luckesi critica o sistema tradicional de medir a progressão que emprega números

para obter média final, diz: “o aluno tira 2, e meses depois tira um 10. O professor não

tem dúvida e diz que a nota final é a média, ou seja 6. Na realidade, o aluno sabe

mas o professor diz que só sabe a metade. Isso não faz sentido”.

O que está faltando nas escolas e, principalmente, na universidade de hoje é

observar e avaliar os alunos em situações de aprendizagem, de acordo com uma

abordagem formativa, promovendo “balanços periódicos de competências e

tomando decisões de progressão (PERRENOUD, 2000, p.20)”. Não simplesmente

aplicar exames com dias marcados e “passar” tarefas decididas unilateralmente pelo

docente para “ajudar” na aprovação.

4.3 – Competência 3: conceber e fazer evoluir os

dispositivos de diferenciação

Esta família de competências sugere o desenvolvimento da habilidade de

saber administrar a heterogeneidade no âmbito de uma turma, discutida com ênfase

no capítulo III (3.3). Evoluir os dispositivos é ampliar os espaços, estendendo a gestão

de classe a nichos inexplorados.

4.3.1 – identificando-nos com e no outro

Quando criamos dispositivos de diferenciação, é porque nos reconhecemos

no outro; é porque temos consciência da própria identidade e da existência de outros

seres dotados de sua própria identidade. Para haver constatação da identidade, há

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que haver referencial. Não há como reconhecer a si próprio sem reconhecer

existência do outro. A identidade é o elemento diferenciador, por isso é que nós

somente nos reconhecemos através do outro. O reconhecimento geralmente ocorre

unilateralmente ou bilateralmente. Um exemplo bem simples de reconhecimento

unilateral é que quando nos confrontamos com o outro, haverá, no mínimo,

identificação de uma das partes. A presença do outro serve de referencial para pelo

menos assegurar que você não é o outro nem o outro é você, ou seja, você é você

mesmo, teve a sua identidade confirmada, embora desconheça a identidade do

outro. O outro passa pelo mesmo processo de identificação consigo próprio: ele

sabe quem ele é, mas não sabe quem você é.

Na forma bilateral os dois indivíduos se identificam mutuamente, um

reconhece a identidade do outro e no outro. Isso possibilita a interação de forma

democrática, pois o interesse comum é a satisfação mútua, não somente a

satisfação de um dos lados, o que ocorre quando não temos a habilidade de nos

reconhecer no outro. A questão da identidade ocorre, não só na educação, mas em

todos os aspectos da civilização: “... em praticamente todas as situações da vida

cotidiana, a questão da identidade aparece, de uma forma ou de outra... (CODO,

LANE, 1994, p.59)”.

4.3.2 – Desenvolvendo a cooperação entre os alunos

Como já trabalhamos a consciência da identidade, podemos afirmar que não

resta dúvida de como este fator é importante no relacionamento inter e intra-pessoal,

em qualquer contexto social ou sociocultural. Na sala de aula verificamos que isso é

de suma importância no que tange o fomento da ajuda mútua e outros tipos de

cooperação.

Desenvolver a cooperação, consiste em fornecer, primeiramente, apoio

integrado, com o objetivo de promover um ambiente inclusivo, onde todos se sintam

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partes cooperadoras reconhecidas em sua totalidade, por exemplo, é ter a

competência de lidar com educandos portadores de grandes dificuldades. Para que

isso aconteça é preciso que abandonemos o modelo de sala-anfiteatro e passemos

a adotar espaços geográficos que favoreçam o trabalho em equipe, o qual permite o

processo de interação e identificação, inclusive com a participação do professor, que

deve ser, acima de tudo, um cooperador. No conceito ortodoxo, ele é apenas um

provedor de informações cujas formas de processamento por parte do educando não

lhe interessa.

A cooperação promove o que eu denominaria “homogeneização natural”, que

consiste no estabelecimento de um objetivo comum ao todo, pelo qual todos irão lutar

igualmente sem medir esforços para antingi-lo. Esta é a forma com que a

“homogeneização natural” contrasta com a “homogeneização forçada”, imposta

através da excessiva padronização, questão abordada no capítulo III (3.3.1).

4.4 – Competência 4: envolver os alunos em sua

aprendizagem e em seu trabalho

Podemos dizer, se considerarmos principalmente o ensino superior, que esta

competência deriva da competência de número 3 (4.3), na qual abordamos o

reconhecimento no outro através da identidade para promover a cooperação. No

entanto, o desafio agora, consiste em tornar o saber atraente ao aluno, suscitando o

desejo de aprender e explicitar a relação com o saber. Iniciemos falando sobre a

competência da auto-avaliação.

Particularmente no Brasil, o educando não tem o hábito da auto-avaliação, e

não tem como desenvolvê-lo, uma vez que não é treinado para este procedimento ao

longo de sua vida escolar. Isso deve-se a anos de sistemas educativos ditatoriais,

onde o senso crítico nunca foi sequer estimulado. Desta forma, cristalizou-se o

seguinte pensamento: “avaliação é atributo do professor. Só ele tem competência

legítima para avaliar o aluno”. Esse pensamento parece reinar nas escolas de ensino

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médio e fundamental, principalmente no setor público, onde o professor não tem que

dar tantas satisfações sobre o seu critério avaliativo quanto no setor privado, onde

alunos e responsáveis questionam mais, por estarem pagando. O problema é que

quando este aluno chega à universidade, ele terá que ter um mínimo de senso crítico

e de auto-avaliação, pois para exercer o senso crítico, temos de ter a consciência de

nossa própria competência para criticar ou questionar determinado assunto. Quando

somos capazes de nos auto-avaliar, sabemos mensurar o nosso limite crítico e

fundamentá-los em elementos sólidos, de ordem epistemológica ou científica.

Uma maneira de se desenvolver o senso crítico desde o ensino fundamental

seria estimular a formação de conselhos de alunos (de classe ou de escola) e com

eles negociar diversos tipos de regras e de contratos. Nesse contrato, haveria

cláusulas que abordariam desde a criação de atividades opcionais de pesquisa à

definição de um projeto pessoal do aluno, que seria o produto final, que lhe permitirá

uma noção mais clara de suas perspectivas acadêmicas para o futuro. Desta forma,

o educando chegaria à universidade com muito mais segurança e responsabilidade

pelo seu desenvolvimento pessoal, pois fora treinado, desde o início, a envolver-se no

seu próprio processo de aprendizagem. O professor, neste caso, atua como um

orientador, “um apontador de caminhos”.

4.5 – Competência 5: trabalhar em equipe

Antes de discutirmos esta competência, é fundamental que o leitor siga o

conceito de trabalho em equipe: trabalhar em equipe é trabalhar em absoluta

cooperação em torno de um mesmo objetivo do qual todos os membros envolvidos

têm plena ciência e o mesmo empenho na “empreitada”. É necessário que cada

membro tenha clareza de sua função de modo que não venha a cometer ingerência

de forma consciente ou não.

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Nem todo grupo de trabalho constitui necessariamente um equipe. Num

ambiente como um escritório, por exemplo, há funcionários trabalhando juntos num

mesmo espaço geográfico, mas nem sempre estão trabalhando em torno de um

mesmo objetivo, embora estejam ali com o propósito comum de gerar renda para

empresa e assim receber seus salários no final do mês. Às vezes não têm sequer

noção do que consiste o trabalho do seu vizinho de mesa. Não há consciência do

conceito da parte e do todo.

4.5.1 – Os fracassos típicos de equipes mal formadas

São vários os motivos que geram a necessidade de formar uma equipe.

Quando um grupo resolve constituir-se como tal, foi certamente estimulado por um

desejo de atingir um objetivo comum a todos os membros ou por um problema

comum que tenha afetado todos os membros. Porém, há diversos fatores que podem

vir a intervir de forma nefasta no funcionamento de uma equipe. Tais fatores são

ocasionados pelo despreparo e da falta de clareza de objetivos e organização na

formação da equipe. Todos nós já testemunhamos problemas como os relacionados

abaixo, quando há reunião dos membros de certa equipe:

· Os participantes não têm muita noção do motivo pelo qual se

reuniram.

· Há dispersão fazendo com que a discussão tome diversos rumos.

· Uma ou duas pessoas falam sem parar enquanto alguns não se

expressam de maneira alguma.

· Certas pessoas hesitam em falar e, quanto adquirem coragem,

alguém já tomou a iniciativa antes.

· Não se tem noção de quando vai terminar a reunião, o que faz com

que alguns se retirem antes dela terminar.

· Há conversas paralelas entre subgrupos sobre assuntos que não

interessam a outros participantes.

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· Algumas pessoas não toleram opinião diferentes.

· A reunião termina sem que se decida o princípio, o conteúdo e a data

de uma nova reunião.

Estes problemas parecem ser marcas registradas de reuniões pedagógicas

de início de anos letivos ou final de bimestre para discutir novas estratégias. Os

professores se sentem desmotivados, e encorajados a se ausentar da próxima

reunião. Ouvimos com freqüência coisas como “essas reuniões não levam a nada,

são tudo a mesma coisa”.

4.5.2 – Como formar uma equipe eficiente

A formação de uma equipe eficiente requer competências, que nem todos

atentam em desenvolver. Dentre elas podemos citar a elaboração de um projeto de

equipe, a formação ou renovação de uma equipe pedagógica e a análise de

situações complexas, práticas e problemas profissionais. Ser capaz de administrar

crises e conflitos interpessoais também auxilia na manutenção da harmonia no grupo.

O sucesso de uma equipe deve-se a pilares construídos e solidificados antes da sua

constituição definitiva. Podemos resumi-los da seguinte forma:

· estabelecer desde o princípio clareza de objetivos e metas a serem

alcançados dentro de prazos negociados e concordados;

· clareza no que concerne a função de cada membro, bem como as

suas delimitações;

· enfrentar a questão da liderança e não confundi-la com autoridade

administrativa;

· tolerar as divergências;

· Saber ouvir e saber o momento certo de colocar-se.

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Na educação superior esta família de competências tem um papel majoritário

no que diz respeito à organização de um grupo pedagógico destinado a orientar o

corpo discente em torno de suas futuras escolhas profissionais e acadêmicas. Este

trabalho deve enfatizar a prática do diálogo entre os docentes de várias disciplinas,

que, trocando idéias, encontrarão caminhos jamais antes cogitados em benefício do

educando. Também cabe aos docentes promover a formação de equipes de estudos

e projetos entre os alunos, apresentando-lhes formas alternativas de interação e

materiais. É óbvio que muitos argumentarão que os alunos não têm maturidade

suficiente para conduzir a si próprios, exercendo escolhas que influenciarão

substancialmente suas vidas. Mas isso não deve nos desanimar. Como educadores,

temos a obrigação de estimular esse tipo de visão desde o princípio para que

formemos educandos independentes.

4.6 – Competência 6: participar da administração da

escola

Com o amadurecimento da competência anterior, pode-se dizer que a

aquisição desta competência é quase que inerente, já que nasce da disposição de

constituir grupos de trabalho em equipes. Primeiramente, porém, é vale a pena

ressaltar que além do trabalho em equipe, também há o trabalho autônomo,

independente. A linha que delimita o trabalho independente e o trabalho solitário é

tênue. Há uma tendência a confundir as duas vertentes. A primeira, normalmente vista

como positiva, encoraja a autonomia e a tomada de decisões, porém sem cair no

isolacionismo. A segunda, normalmente vista como negativa, refere-se ao indivíduo

que trabalha sem comunicar-se e sem o compartilhamento de idéias. Portanto, temos

que saber distinguir os dois pólos da questão. Trabalhar com autonomia, portanto,

não significa deixar de compartilhar idéias e trabalhar em grupo, como já vimos, não

significa trabalhar e equipe.

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Os docentes superiores em geral, não se envolvem muito com a instituição

na qual lecionam. Seu envolvimento resume-se à ministração de aulas em dias

previamente determinados em consenso. Esse problema ocorre por diversos

motivos, dentre os quais, alguns já citados aqui. A maioria dos professores, sejam

especialistas, mestres ou doutores, prestam serviços a mais de uma instituição, o

que torna qualquer envolvimento mais profundo inviável. Muitos deles têm outras

atividades paralelas, que não a docência. Estão preocupados com seus projetos

acadêmicos e profissionais e, evidentemente, com a questão salarial. Algumas

universidades já estão tentando obter professores que ofereçam dedicação exclusiva

à instituição. Somente com dedicação exclusiva o docente pode participar com

intensidade da administração escolar.

Para manter-se ativo na participação da administração de uma escola ou

universidade, o docente deve não só estar a par dos projetos da instituição, mas

também deve participar da elaboração desses projetos e ser capaz de negociar

pontos de discórdia. Quando o docente consegue administrar os recursos da

universidade, por exemplo, ele pode oferecer mais opções para os seus alunos,

apresentando-lhes novidades e colhendo feedback destes visando a melhora na

disponibilização de recursos.

O envolvimento de um docente com sua instituição deve transcender os

limites de espaço. Toda universidade está localizada em uma região onde habita

uma comunidade, portanto, está vinculada à mesma. Não podemos, em hipótese

alguma dissociar a instituição de sua localidade. Sendo assim, é perfeitamente

recomendável que esta universidade se envolva com a comunidade que a abriga. O

professor deve ter a competência de constituir equipes para coordenar “serviços

paraescolares”, estabelecendo parcerias com associações de moradores, enviando

alunos treinados para prestar serviços sociais a título de estágio, e, desta forma,

estará cultivando no educando a sensibilidade social; estará tornando-o consciente

de que todos somos responsáveis pelo bem-estar social. Essa atitude abrandará o

sentido utilitarista que domina o perfil das universidades de hoje.

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Há um grande abismo entre as instituições universitárias e a comunidades

onde elas estão localizadas. Para a comunidades pobres, principalmente, não

passam de um mero complexos de prédios suntuosos, cuja presença em nada

contribui, a não ser para aumentar a diferença entre ricos e pobres. Esta é a triste

realidade constatadas em grande parte das capitais brasileiras. De uma forma ou de

outra, através do pagamento de impostos, a comunidade sustenta a universidade e

parece não receber nada em troca. É um grande contra-senso, tendo em vista que a

universidade foi constituída para servir a humanidade e, parece ser notório que

algumas não conseguem nem sequer participar da vida da comunidade em seu

entorno. É espantoso constatar como educandos e governantes mostram-se míopes

ante este fato.

Prestar auxílio à comunidade local seria mais do que simplesmente um

estágio para o educando, mas uma experiência de vida, onde a sua presença

constante alimentaria a esperança de milhares de outras pessoas a prosseguirem na

busca pelo estudo, pelo trabalho e pelo sucesso; enfim, pelo total resgate da

cidadania.

4.7 – Competência 7: informar e envolver os pais

A escola tradicional de ensino fundamental e médio, geralmente se comunica

com os pais nas seguintes situações: convocá-los para reuniões informativas no

começo do ano letivo a fim de informar-lhes sobre a metodologia e o sistema de

avaliação a serem utilizados ao longo do ano, ou para informar quando seu filho

apresenta alguma dificuldade em relação ao conteúdo ou à indisciplina em sala de

aula. Contudo, raramente os pais são convocados para debates que dizem respeito à

formação do seu filho.

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Como a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9.394/96 determina no artigo 2º., já

visto no capítulo III deste trabalho, que a família e o Estado são co-responsáveis pela

educação do cidadão, nada mais justo e coerente do que envolver os pais no

processo de educação escolar dos filhos. Direção, pais, professores e educandos,

juntos, através de debates, podem chegar a grandes conclusões e ter idéias

preciosas para a melhora da educação oferecida a seus filhos.

4.7.1 – O debate como solução

É fato que os quatro grupos em questão (pais, professores, diretores e

alunos) têm olhares diferenciados sobre o processo educacional. As quatro

perspectivas diferentes gerarão grande contribuição no campo das idéias e da

solução de problemas, tanto no que tange a aprendizagem quanto os assuntos gerais

da comunidade. É evidente que na realidade, há grande dificuldade em reunir todas

as partes, mas os poucos que são capazes de aderir serão suficiente para fazer com

que a semente germine, e outros tenham também interesse em participar na tomada

de decisões.

Num país onde a educação não tem tradição democrática, o debate parece

ser a única solução temporária para amadurecer as idéias até que o grupo por si só

adquira a competência de tomar decisão sobre os rumos da escola e da

comunidade, exercendo pressão sobre as autoridades, pondo-se na posição de

exigir recursos compatíveis aos impostos que se paga por uma educação que ainda

engatinha na democracia. A escola amadureceu de certa forma no debate para

compartilhar idéias. Diversos programas que envolvem os pais tem sido elaborados,

no campo da política e da ação comunitária. Mas ainda não amadurecemos o

suficiente para constituirmos debates para tomada de decisões conscientes e

maduras que influenciarão tanto na comunidade quanto na política.

4.7.2 – gerando frutos na universidade

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Os efeitos da cultura de debates, envolvendo todas as partes influentes no

processo educativo gerarão grandes transformações na universidades. Quando o

debate para a tomada de decisões for, desde a educação primária, incorporado à

rotina escolar, teremos uma universidade absolutamente democrática, e aberta à

comunidade. Estará, por fim, livre do tecnicismo utilitarista que reduz o acadêmico a

uma simples encomenda do mercado de trabalho.

Não se trata de utopia; se trata de trabalho sério e crença nas

potencialidades do educando e de sua comunidade. Só assim a universidade

trabalhará em primeiro lugar, para atender aos anseios e necessidades da sua

comunidade. Em segundo lugar para atender ao mercado. Seria o conceito de

universidade inclusiva contra o atual modelo excludente dos vestibulares e das altas

mensalidades.

4.8 – Competência 8: utilizar novas tecnologias

Quando se fala do uso de novas tecnologias na educação visualizando o

contexto nacional, o ceticismo impera. Pensamos logo nas dificuldades de acesso às

novidades tecnológicas, nos parcos investimentos destinados a essa área, na

exclusão digital e por aí vai. Talvez o leitor ache injusto o fato de eu pensar que os

maiores culpados são os docentes, e pense logo nas razões acima explicitadas

como motivos para não tentar agregar a tecnologia à sala de aula. Veremos.

Tradicionalmente, a tecnologia não é bem vista nem pelos professores nem

pelos pensadores idealistas da educação. A internet, por exemplo, tem sido alvos de

ataques por partes de mentes mais ortodoxas, que alegam que a rede priva o aluno

de pensar por si próprio, uma vez que através dela é fácil encontrar trabalhos prontos,

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pesquisas “on line” , etc. Ocorre que o mundo mudou e a sociedade de hoje tem um

olhar diferenciado sobre a escola se compararmos a décadas atrás. É muito fácil

perceber o problema através da seguinte anologia: uma sala de cirurgia hoje é

totalmente diferente de uma sala de cirurgia do século XVIII; uma oficina mecânica de

hoje não se compara às de quando o automóvel foi inventado; as lojas de hoje, em

vez de manterem velhos cofres para guardar o dinheiro ganho com as vendas do dia,

trocou-os por máquinas que processam dinheiro magnético. No entanto, se

compararmos uma sala de aula do século XVIII com uma sala de aula de hoje, nada

mudou praticamente. O mobiliário e os instrumentos são os mesmos: quadro de giz,

a mesa do professor as carteiras desconfortáveis, o lápis, a borracha ... . Como

podemos esperar atrair o educando se continuamos a ignorar a tecnologia e a

informática? Como ignorar a informática se até a padaria da esquina é

informatizada?

4.8.1 – Como ter acesso a tecnologia para a educação?

Para ter acesso às novas tecnologias temos que ter acesso primeiro à

informação, quebrar paradigmas e rever conceitos. Somente através da informação

precisa, seremos capazes de analisar e julgar as tecnologias disponíveis no mercado

como possibilidades de auxílio ou não ao exercício da docência. Ao termos acesso à

informação, logo descobriremos que há várias tecnologias disponíveis no mercado e

nem todas são caras, sofisticadas ou inacessíveis à educação brasileira. Para

agregá-las ao dia-a-dia da escola ou universidade, temos, segundo Perrenoud, que

desenvolver as seguintes competências:

· saber usar editores de textos;

· explorar as potencialidades didáticas dos programas em relação aos

objetivos do ensino;

· Comunicar-se à distância por meio da telemática;

· Utilizar ferramentas de multimídia no ensino.

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Hoje, a tecnologia e a telemática estão acessíveis a praticamente todas as

classes sociais. Resta aos educadores abrirem os olhos para o futuro para a escola

de amanhã.

“ Melhor seria que os professores exercessem antes de mais

nada uma vigília cultural, sociológica, pedagógica e didática,

para compreenderem do que será feita a escola de amanhã,

seu público e seus programas” (Perrenoud, 2000, p. 138)

4.8.2 – Utilizando o que há disponível

Nas universidades os alunos sofrem com a falta de tempo para realizarem

tarefas pedagógicas e os professores sofrem com a falta de tempo para corrigi-las.

Uma boa idéia, já posta em prática por muitas instituições escolares e universitárias

ao redor do mundo, é a construções de sites para trocas de informações. As

“homepages”, os “blogs”, “fotologs” são grandes ferramentas tecnológicas disponíveis

na rede mundial que podem auxiliar na divulgação de trabalhos escolares e

universitários. Em vez de colar cartazes pelos murais e corredores, por que não

disponibilizar o trabalhos em rede mundial? Deste modo, poderão ser

compartilhados com o resto do mundo, o que propiciará uma aprendizagem muito

maior, principalmente porque envolverão outros povos e outras culturas. Aí não

haveria somente o feedback do professor, mas de alunos e docentes de todo o

mundo. Qualquer adolescente hoje tem acesso à rede mundial, principalmente

através dos muitos “lan houses” espalhados pelos grandes centros urbanos, inclusive

em comunidades carentes. A maioria deles usa essa tecnologia somente para

diversão. Por que não trazer essa tecnologia para a rotina escolar e universitária? As

vantagens seriam muitas: o educando manteria seu espaço, poderia comunicar-se

com o professor fora do horário escolar, bem como trocar idéias com educandos de

outras partes do mundo, ou seja, teria uma nova visão de mundo através de sua

própria perspectivas, sem ser aquelas impostas pelos livros escolares.

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4.9 - Competência 9: enfrentar os deveres e dilemas

éticos da profissão

Não precisa ser da área da educação para perceber que a universidade

atravessa uma crise sem precedentes e a profissão de professor passa por uma de

suas maiores crises de identidade profissional, afetada pela desvalorização e pelo

pouco reconhecimento social.

Nas décadas de 1960 e 1970 as universidades adquiriram perfil tecnológico,

acompanhando o modelo desenvolvimentista que permeou as políticas públicas da

época. Passou a ser vista como um “um possível espaço privilegiado para a

produção de um conhecimento necessário para o fortalecimento do Estado nacional (

MOROSINI, 2001, p. 80)”. Por outro lado a mesma concepção de Estado fez uso

dessa estratégia para que a idéia clássica da universidade, onde o pensamento

crítico e universal eram estimulados, fosse apagada da memória. A partir de então, o

modelo de formação que vem presidindo o magistério do nível superior, tem na

pesquisa, sua base principal. Mas esse não é o grande problema. O grande

problema é a concepção de conhecimento adotada pelo mundo ocidental, dando

suporte ao paradigma da ciência moderna. O predomínio da razão instrumental sobre

as demais dimensões do conhecimento humano tomou proporções intensas, banindo

do mundo acadêmico a possibilidade de trabalhar com as subjetividades e de

privilegiar a condição ética.

O ofício do magistério superior, definitivamente, enquadrou-se na nova

realidade acadêmica. Grande parte dos docentes além do magistério, exercem a

profissão que ensina através de conteúdos. Muitos não exercem o seu ofício e

decidem dar aulas apenas por não terem conseguido uma vaga no mercado devido à

crise econômica e ao desemprego. Masetto apresenta em sua obra “Docência na

universidade” uma pesquisa realizada com docentes de 14 instituições de ensino

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superior da Grande São Paulo, públicas e privadas. Dos 280 questionários

distribuídos, apenas 47 foram devolvidos (17%), o que denota pouco interesse em

envolvimento na vida acadêmica. Num dos depoimentos recolhidos, encontrou-se a

seguinte afirmação: “Eu não sou professor, estou professor. Tão logo a crise

econômica do país permita, voltarei ao exercício de minha profissão (MASETTO,

1998, p.80)”. Esta afirmação constata de forma clara a desvalorização de uma

carreira assumida temporariamente como única alternativa de trabalho conseguida.

Este é um momento terrível enfrentado pelos professores realmente

vocacionados. A desvalorização de sua profissão tem gerado problemas cujas

soluções dependem da capacidade de ser flexível nas idéias e de competências

específicas, como: lutar contra preconceitos e discriminações sexuais, étnicas e

sociais prevenindo a violência na escola, no campus e fora dele, analisar a relação

pedagógica, a autoridade e a comunicação em aula e, por fim, desenvolver no

educando o senso de responsabilidade, a solidariedade e o sentimento de justiça.

Contudo, os problemas não podem sobrepor à ética, abrindo concessões que

implicam em negociatas de princípios inegociáveis.

4.10 – Competência 10: administrar a própria formação

contínua

O sistema educacional atual, que segue os paradigmas estabelecidos pela

globalização pautada no neoliberalismo, praticamente obriga ao docente universitário

a possuir esta competência. As exigências acadêmicas atuais proclamam a

necessidade de “qualificação profissional”, que incluem cursos de pós-graduação

latu sensu, strictu sensu , doutorados e pós-doutorados. No passado, o docente

optava por perseguir estes títulos por uma questão de crescimento profissional e

auto-realização. Contudo, hoje, o docente é “forçado” a obter títulos para se colocar

no mercado. Esta corrida fomentou um fenômeno que delibero em chamar de

indústria de títulos.

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As exigências do mercado do ensino parecem levar em conta a quantidade

de títulos acadêmicos ostentados por um profissional da educação mais do que a sua

habilidade e prática em sala de aula. Olham os currículos, impressionam-se coma

titularidade e com a experiência, mas não com a pedagogia em si. Essa tendência

tem gerado uma indústria que faz dos cursos de pós-graduação um grande negócio.

Cada vez mais se cria novos cursos e modalidades de cursos, todos voltados para o

mercado. Um grande exemplo é o mestrado profissionalizante, oferecido por algumas

universidades brasileiras, como o IBMEC no Rio de Janeiro. O mestrado acadêmico,

que é mais voltado para a docência, ainda tem grande procura, apesar das

inovações que aparecem dia após dia no cenário acadêmico.

Para manterem-se no mercado da docência, os educadores devem adquirir

outras competências que compõem esta mesma família. São elas:

· saber explicar as próprias práticas;

· estabelecer seu próprio balanço de competências e seu programa

pessoal de formação contínua;

· negociar um projeto de formação comum com os colegas (equipe,

escola, rede);

· envolver-se em tarefas em escala de uma ordem de ensino do

sistema educativo;

· acolher a formação dos colegas e participar delas;

De nada vale a perseguição aos títulos acadêmicos se o docente também

não se preocupa em traçar seus próprios rumos, reavaliar conceitos, desenvolver

novas competências ou repensar sua atitude em relação à profissão que escolheu,

afinal, o educando é o principal alvo de seu aprimoramento. Essa é a maior

contribuição que o educador pode oferecer para a construção de uma sociedade

mais justa e feliz.

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CONCLUSÃO

O ofício da docência permanece mais vivo do que nunca, a despeito de toda

crise gerada por um sistema que educa para o consumo, em detrimento da formação

do caráter. Por mais que se tente saquear o magistério, roubando-lhe o status, o

privilégio e a dignidade, mais ele prova seu valor fazendo-se indispensável, ainda

que para suprir as demandas de um sistema injusto, que desprioriza as

necessidades da pessoa humana, privando-a da realização dos seus sonhos. A

maior prova desse fenômeno é o crescimento do número de cursos de preparação

para a docência em todas as áreas. A grande procura não denota só a falta de

emprego em outras áreas, mas acima de tudo, a necessidade constante de

qualificação e aprimoramento.

O docente superior, ainda que forçado a formar operários do mercado em

vez de pensadores e líderes sociais, permanece à disposição da sociedade,

seguindo o rumo que a história lhe impõe, na esperança que um dia a sociedade se

dê conta da perda dos ideais que um dia serviram de pilares para a educação

superior.

As dez competências para ensinar compiladas por Philippe Perrenoud, são

uma tentativa de resgate desses ideais perdidos em algum ponto da história, ou

transformados em outros interesses. Representam, a meu ver, uma tentativa de

humanizar a geração presente e salvar a próximas gerações de educandos, para que

cresçam com a convicção de que o foco no social deve voltar e permanecer e que a

educação e dever de todos. A inclusão deve ser objetivo de todas as sociedades

civilizadas, mas não aquela inclusão alardeada por modismos pedagógicos,

implantadas sem critérios, sem capacitação e sem respeito, mas a inclusão em toda

sua dimensão social e humana, que torna o indivíduo incluso produtivo, gerando em

devolução, recursos financeiros e intelectuais à sociedade que o acolheu.

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Esperemos que os efeitos nefastos do ensino utilitarista globalizado que

começam a despontar mundo a fora, inclusive no chamado mundo industrializado,

sirvam de alerta para a próxima geração de educadores e líderes mundiais.

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ANEXO

Entrevista com universitários Ana Lúcia costa ( UniverCidade) - O que você acha da postura do professor universitário em relação às turmas de graduação? - “O aluno só é bom quando tira nota boa. Não se leva em conta o raciocínio lógico, a percepção do aluno. A avaliação é inflexível, raramente possuem didática para ensinar e não são próximos dos alunos. E as turmas são numerosas...” Daniel Hir (ABEU) - O que você apontaria como aspectos positivos e negativos da educação superior? - “ Há professores competentes, mas alguns são arrogantes e a avaliação é injusta”. Jean Fontes (UFF) - Aponte pontos positivos e negativos do professor universitário. - “ Na maioria das vezes são bons e demonstram competência, mas alguns são prepotentes por serem grandes conhecedores do assunto que lecionam”. Stéfano Lopes (Estácio de Sá) - O que você acha dos professores universitários quanto a capacidade de interagir, de avaliar e a postura em relação à turma? - “A capacidade de interação e postura perante a turma são características do professor que estão intimamente relacionadas. Um sujeito arrogante, por exemplo, jamais irá conduzir decentemente uma aula ou transmitirá conteúdo de forma plena, não importa quanto "domínio" da matéria ele possua. O ato de ensinar pressupõe, antes de qualquer outra coisa, grande dose de humildade .

Faço aqui um parêntese: não creio em transmissão de conhecimento, mas em indução. Ninguém pode transmitir o conhecimento que adquiriu. É possível, se tanto, induzir, provocar em outrem aquela centelha que desencadeará o processo, pessoal e intransferível, de aquisição de conhecimento. Mas, esta é outra história.

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A capacidade de avaliação do professor, por outro lado, raramente depende apenas dele. Normalmente o professor está inserido em uma organização que lhe impõe certo método de mensurar o "aprendizado" dos alunos, não lhe sendo possível afastar-se muito dessa metodologia.

Assim, os professores universitários ostentam as mais diversas posturas e capacidades interativas diante de uma turma. Isso depende de sua formação acadêmico/profissional e, em grande parte, de seu caráter. De modo que, uma seleção rigorosa do corpo docente realizada por uma instituição universitária, deveria aferir não apenas a capacidade técnica do professor, mas sua dimensão humanística. Sabemos todos que essa segunda característica não é devidamente considerada nos processos de seleção de professores; quando não é totalmente ignorada. De fato, predomina no ambiente universitário o professor que domina razoavelmente o conhecimento científico pertinente a sua área de atuação, carecendo, entretanto, dos mais básicos requisitos humanistas (modéstia, a usência de vaidade, despretensão, desambição, simplicidade).

Quanto à avaliação do conhecimento "transmitido" aos alunos, é um procedimento mais ou menos solidificado nas nossas instituições de ensino: avalia-se suas capacidades de memorizar uma certa quantidade de chavões, e nada mais, pouco restando ao professor mais consciente no sentido de proceder uma verificação alternativa”.

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BIBLIOGRAFIA

CODO, T. M. (org.), LANE, Silvia T. M. (org.). Psicologia social, o homem em

movimento. Brasília: Brasiliense 1994.

CREMA, Roberto (org) BRANDÃO, D. M. S. (org.). Visão holística em psicologia e

educação. São Paulo: Summus 1998.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra 2005.

MASETTO, Marcos. Docência na universidade. Campinas: Papirus 1998.

MORIN, Edgar, LE MOIGNE, Jean-Louis. A inteligência da compexidade. São Paulo:

Peirópolis 1999.

MOROSINI, Marília Costa. Professor do ensino superior. Brasília: Plano Editora 2001.

PERRENOUD, Philippe. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre:

Artmed 2000.

PILETTI, Nelson. História da educação. São Paulo: Ática 1995.

PIMENTA, Selma Garrido. Docência em formação: ensino superior. São Paulo:

Cortez 2002.

RELVAS, Marta Pires. Fundamentos Biológicos da educação. Rio de Janeiro: Wak

2005.

www.bn.br, Biblioteca Nacional – Rio de Janeiro, em 20/01/2006

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60

www.mec.gov.br, Ministério da Educação e Cultura, LDB 9394/1996 – Rio de

Janeiro, em 25/01/06.

www.educadores.com.br, entrevista com Philppe Perrenoud – Rio de Janeiro em,

22/01/2006.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

CAPÍTULO I 12

CAPÍTULO II 18

CAPÍTULO III 25

CAPÍTULO IV 33

CONCLUSÃO 53

ANEXO 55

BIBLIOGRAFIA 57

ÍNDICE 59

ATIVIDADES CULTURAIS 60

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ATIVIDADES CULTURAIS

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

Título da Monografia: PHILIPPE PERRENOUD: AS DEZ NOVAS

COMPETÊNCIAS NORTEANDO O ENSINO UNIVERSITÁRIO

Autor: FRANCISCO GALDINO SILVA DA COSTA

Data da entrega:

Avaliado por: Conceito: