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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA A IMPORTÂNCIA DO AFETO NO CONTEXTO FAMILIAR PARA A FORMAÇÃO DA SAÚDE EMOCIONAL DO INDIVÍDUO Por: Márcia Lima Silva Orientador Prof.ª Fabiane Muniz Rio de Janeiro 2012

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … · Integrada como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Terapia Familiar Por: Márcia Lima Silva . 3 AGRADECIMENTOS

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

A IMPORTÂNCIA DO AFETO NO CONTEXTO FAMILIAR PARA A

FORMAÇÃO DA SAÚDE EMOCIONAL DO INDIVÍDUO

Por: Márcia Lima Silva

Orientador

Prof.ª Fabiane Muniz

Rio de Janeiro

2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

A IMPORTÂNCIA DO AFETO NO CONTEXTO FAMILIAR PARA A

FORMAÇÃO DA SAÚDE EMOCIONAL DO INDIVÍDUO

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Terapia Familiar

Por: Márcia Lima Silva

3

AGRADECIMENTOS

À Dr.ª Cláudia Nunes, minha terapeuta,

sempre generosa, competente e

afetuosa. Aos meus amigos, pela força

e carinho; aos clientes, motivo para o

aprimoramento do meu saber; a equipe

da AVM, pela oportunidade de

crescimento e aprimoramento. A todos

os professores e colegas de turma em

especial à Renata Lucas e Elizangela

Rodrigues, com as quais troquei

experiências e compartilhei angústias e

alegrias. À minha orientadora, pelo seu

apoio.

4

DEDICATÓRIA

À minha família, a de origem, e a que construí,

por todo o amor e apoio incondicional, por

estarem sempre presentes na minha vida.

Pelos sorrisos que me aquecem o coração e

me dão forças para continuar.

5

RESUMO

O presente trabalho investigou e identificou os vários aspectos e

fatores que contribuem para a formação de uma estrutura emocionalmente

saudável do ser humano, tendo como foco a importância do afeto no contexto

familiar na educação de filhos sendo a sua ausência ou deficiência fator

principal para o surgimento de problemas de ordem emocional do indivíduo.

No primeiro momento desta pesquisa observou-se que a família é

um grupo natural que através dos tempos tem desenvolvido padrões de

interação. Estes padrões constituem a estrutura familiar, que por sua vez

governa o funcionamento dos membros da família, delineando sua gama de

comportamento e facilitando sua interação. Uma forma viável de estrutura

familiar é necessária para desempenhar suas tarefas essenciais e dar apoio

para a individuação ao mesmo tempo em que provê um sentido de pertinência.

Os membros da família não se experienciam normalmente como parte desta

estrutura familiar. Todo ser humano se vê como unidade, um todo, interagindo

com outras unidades. Sabe que influi sobre o comportamento de outros

indivíduos e que eles influenciam o seu. E quando interage dentro de sua

família, experiencia o mapeamento do mundo da família.

No segundo momento identificou-se que é no convívio estabelecido

desde a gestação, que surgem as primeiras dúvidas dos pais a respeito da

criação de filhos e como as primeiras relações podem influenciar na formação

de uma estrutura emocional saudável desse filho.

Nesse contexto, observa-se o significativo papel do afeto, bem como

a qualidade das primeiras relações no ambiente familiar que pode, ou não

favorecer o desenvolvimento saudável do indivíduo.

E, finalmente, o terceiro capítulo discorreu-se sobre a terapia

familiar, sua história e funcionamento como ferramenta para ajudar famílias

que, por algum motivo procuram ajuda para a resolução dos seus problemas

emocionais.

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METODOLOGIA

O presente estudo tem como instrumento o método de pesquisa

bibliográfica, ou seja, o levantamento de informações e leitura em livros, artigos

científicos, materiais coletados em internet, revistas e diversos trabalhos de

pesquisas publicados a respeito do tema em questão. O objetivo é fazer um

estudo bibliográfico do assunto.

Serão colocados em anexo, além de outros materiais, dois casos

como material para estudo de caso em terapia de família, como mostra da

abordagem a ser utilizada.

Os principais autores e teóricos utilizados para a realização desta

pesquisa foram, Phillipe Ariès, Salvador Minuchin, Donald W. Winnicott, Tânia

Zagury, Içami Tiba, Maria tereza Maldonado, Bruno Bettelheim e Daniel

Goleman.

7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - Família e historicidade: Idade Média aos dias atuais 11

CAPÍTULO II - Educação de filhos e suas vicissitudes na atualidade 37

CAPÍTULO III – Terapia de Família 81

CONCLUSÃO 93

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 103

ANEXOS 94

ÍNDICE 108

8

INTRODUÇÃO

A complexidade e a riqueza dos

relacionamentos familiares, a sutileza dos afetos, os

desdobramentos da vida no cotidiano das famílias não

cabem inteiramente nas palavras. (Maldonado, 2006).

O presente trabalho de pesquisa tem por objetivo investigar e

identificar os vários aspectos e fatores que contribuem para a formação de

uma estrutura emocional saudável no ser humano desde o seu nascimento,

sendo a afetividade no núcleo familiar fator importante para a boa formação da

estrutura emocional do indivíduo.

Nos dias atuais, educar um filho traz consigo uma série de dúvidas e

angústias aos pais, que se sentem inseguros quanto ao seu papel e ao modo

de educar.

Frequentemente ouvimos falar sobre qual seria a melhor maneira de

educar filhos e se existe algum modelo a seguir, como se fosse uma receita.

Na clinica psicológica ouve-se frequentemente perguntas relacionadas com a

questão do trauma e do que fazer para que o filho tenha uma boa saúde

emocional.

Devido às várias mudanças ocorridas em nossa sociedade,

atualmente com modelos de famílias dos mais variados, se faz necessário um

estudo aprofundado e algumas reflexões acerca da criação de filhos em suas

diversas dinâmicas familiares e, como essas dinâmicas podem influenciar para

o surgimento de problemas emocionais em seus filhos, sendo a deficiência na

relação afetiva no interior da família, como ponto principal de estudo deste

trabalho.

Na era pós-moderna os pais tem se ausentado muito de seus

lares, deixando a educação do filho em mãos de terceiros. Filhos tem se

queixado de não receberem afeto e atenção, muitos apresentando

comportamentos considerados inadequados por seus familiares.

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Vemos pais que não se relacionam afetivamente com seus filhos,

alegando falta de tempo por terem que trabalhar muito para sustentar seus

filhos.

A família representa um dos pilares da sociedade e é o contexto

primário e privilegiado de socialização, permitindo aos indivíduos influenciar-se

mutuamente no contato com as diferentes gerações (Cruz, 2005).

De acordo com Maldonado (2006), as crianças são agentes de

mudança na família pelo simples fato de nascerem, com suas características e

necessidades, mexem profundamente com a afetividade dos pais e de outros

familiares (p.222).

Segundo Goleman (1995) é na tenra infância, no berço, que as

crianças recebem dos pais os ensinamentos emocionais que levarão para suas

vidas.

Os adolescentes, com seu olhar sobre o mundo, questionam e

desafiam o que está estabelecido, muitas vezes por hábitos arraigados ou por

posturas rígidas que não passaram por uma reflexão mais cuidadosa;

comportamentos rebeldes e contestadores podem estimular revisões

importantes nos adultos, assim como as contribuições advindas do

relacionamento com outras pessoas podem enriquecer o conhecimento e as

ações da família. (p. 206 e p. 222).

Neste sentido, a estrutura familiar representa a teia invisível que

organiza o modo como os subsistemas familiares e os seus membros

interagem entre si (Minuchin, 1974).

A parentalidade ao constituir-se como uma das etapas mais

marcantes e significativas do ciclo vital da família, está em constante

desenvolvimento e crescimento, de acordo com a idade dos filhos (Cruz,

2005). No subsistema parental, também a aliança parental estabelecida pelos

pais, assume um papel preponderante na vida familiar, contribuindo para a sua

progressão e para o seu bem estar. Para um terapeuta de família, entretanto,

10

a rede das transações familiares aparece em toda a sua complexidade. Ele vê

o todo, que é maior que a soma de suas partes.

De acordo com Minuchin (2007), a família como um todo se

assemelha a uma colônia animal, esta entidade composta por uma forma de

vida diferente, cada parte cumprindo o seu papel, porém, o todo formando um

organismo multicelular que em si mesmo é uma forma de vida.

Perceber as famílias como elas são, e não como desejamos que

elas sejam, tem sido o desafio enfrentado pelos profissionais de saúde.

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CAPÍTULO I

FAMÍLIA E HISTORIDADE: IDADE MÉDIA AOS DIAS

ATUAIS

As famílias felizes parecem-se

todas; as famílias infelizes são

infelizes cada uma à sua

maneira. Léon Tolstói

Este primeiro capítulo discorrerá sobre o processo histórico da

família desde o período da Idade Média até os dias atuais, como forma de

entender a importância da família na vida do indivíduo.

A família é um grupo natural que através dos tempos tem

desenvolvido padrões de interação. Estes padrões constituem a estrutura

familiar, que por sua vez governa o funcionamento dos membros da família,

delineando sua gama de comportamento e facilitando sua interação. Uma

forma viável de estrutura familiar é necessária segundo MINUCHIN (2007),

para desempenhar suas tarefas essenciais e dar apoio para a individuação ao

mesmo tempo em que provê um sentido de pertinência.

Segundo Roudinesco (2003), existiriam três fases de evolução da

família. A primeira se referia a família dita tradicional, que serviria acima de

tudo para assegurar a transmissão de um patrimônio. A família moderna se

enquadraria na 2ª fase, a qual seria o receptáculo de uma lógica afetiva, seria

fundada no amor romântico, sanciona a reciprocidade de sentimentos e dos

desejos carnais por intermédio do casamento, valoriza a divisão de trabalho

entre os esposos – busca de satisfação pessoal, concede a educação dos

filhos ao Estado. Já a família contemporânea/ pós-moderna, estaria na 3ª

fase, onde: dois indivíduos se unem em busca de relações íntimas ou

realização sexual.

12

Para Figueira (1987), a diferença entre a família “tradicional” e a

"moderna” consiste em que na família "hierárquica", ou tradicional, a identidade

de seus membros é "posicional": (...) todos tendem a serem definidos a partir

de sua posição, sexo e idade. Há várias ideias em tomo do que é 'certo' e

'errado', e há vários mecanismos dentro e fora dos sujeitos para tentar suprimir

ou controlar as várias formas de desvio do comportamento. As regras emanam

de uma autoridade exterior. “Já a família igualitária, ou moderna, é definida

como aquela em que seus membros percebem-se como iguais porque

indivíduos, e ao mesmo tempo diferentes pessoal e idiossincraticamente”. Nela

as diferenças pessoais sobrepõem-se às diferenças sexuais, etárias e

posicionais. (...) As noções bem delineadas de 'certo' e 'errado' perdem suas

fronteiras, a noção de desvio de comportamento, pensamento ou desejo perde

clareza, e instaura-se, aparentemente, o reino da pluralidade de escolhas, que

só são limitadas pelo respeito à individualidade do outro. O que regula as

relações entre as pessoas não seria, então, um conjunto de regras de

comportamento com conteúdo fixo e visível, mas sim aquelas que, tendo como

eixo a ideia de indivíduo, incidem no sujeito deixando-lhe o direito de opção, o

que pode levar a comportamentos bastante variáveis, de tal forma que,

imoralidade agora é “contrariar os princípios da ideologia individualista:

respeito, igualdade, direito ao autodesenvolvimento etc.”

A estrutura familiar atual, centrada na afeição e na intensificação

das relações entre pais e filhos na privacidade de suas casas, é uma invenção

relativamente recente na história do Homem ocidental, ganhando contornos

mais nítidos a partir do século XVII na Europa.

A originalidade da Idade Média é justamente a sua organização

baseada na família, e em um novo modelo de família, fundado no modelo de

casamento cristão. Ao compreender-se o matrimônio como um contrato a ser

estabelecido entre o casal, dá-se voz também à mulher. A família se funda

assim na união do homem e da mulher e nos filhos que naturalmente virão

dessa união. É uma visão que toma por modelo inclusive a Sagrada Família,

cuja devoção aumenta continuamente ao longo da Idade Média. Claro que os

13

casamentos arranjados continuam a acontecer, mas valem quase sempre

tanto para o homem quanto para a mulher, ou seja, os pais decidem o

casamento dos filhos, em oposição ao modelo antigo, no qual o homem

tomava para si uma mulher. (p.15 e 26).

Ariès (1981) em seus estudos retrata com detalhes, partindo

principalmente de fontes francesas, o processo histórico que resultou na

constituição de valores e dos costumes da família moderna que praticamente

subsistem até os dias atuais.

Historicamente o conceito de família esteve associado ao aspecto

de linhagem, pois ela confundia-se com a sociedade como um todo. Com o

passar dos anos, ela afastou-se cada vez mais desse conceito de linhagem, de

feudalismo, e começou a moldar-se no modelo burguês nuclear - pai, mãe e

filhos (Ariès, 1986).

Ao longo dos anos, a família foi dividida em tipos e subtipos. Bach

(1983) apontou diferentes tipos e subtipos de família. Para esse autor existia a

família parental onde a procriação e a educação eram o eixo fundamental e

essa compreendia a família patriarcal e a família doméstica. Já a família

conjugal era aquela em que a moral encontrava-se nas relações entre o marido

e a mulher e englobava a família nuclear.

A família está atrelada ao processo dinâmico da história e sofre

modificações, pois sua estruturação está intimamente vinculada com o

momento histórico em que atravessa a sociedade da qual faz parte, uma vez

que os diferentes tipos de estruturas familiares são determinados por um

conjunto significativo de variáveis ambientais, sociais, econômicas,culturais,

políticas, religiosas e históricas. Sendo assim, observa-se atualmente o

surgimento de novas configurações familiares, como as famílias com base em

união livre, as famílias monoparentais comandadas por um dos cônjuges,

famílias divorciadas gerando novas uniões, famílias recompostas, mulheres

com filhos sem companheiro estável, entre outras. (SINGLY, 2000). Elucidando

este aspecto histórico da família, cabe ressaltar que nos anos 60 e 70, durante

14

a revolução sexual, o movimento feminista questionou a família nuclear.

(Goodrich, Rampage, Ellman; Halstead, 1990).

Desse modo, a família, que anteriormente seguia um modelo rígido

a partir dessas transformações sociais, políticas e econômicas, passou a ser

vista sob outras formas.

Entretanto, Féres-Carneiro e Ponciano (2003) apontam outros tipos

de família, como a família determinada por valores, entre os quais relações,

como: o sentimento de amor, a realização pessoal na convivência com o outro

significativo, e, por consequência, a formação da identidade humana por meio

da filiação e da transmissão intergeracional. E, ainda, essas autoras observam

que, embora o modelo nuclear tenha sido questionado, a família não foi

substituída por nenhum outro grupo ou instituição social. Atualmente, observa-

se a tendência atual das famílias igualitárias, estruturas familiares onde há

igualdade na divisão de tarefas domésticas e maior participação da mulher no

mercado de trabalho (Pratta e Santos, 2007).

1.1 – A descoberta da infância

Para compreendermos melhor a situação da criança nos dias de

hoje, se faz necessário um relato sobre o aparecimento da valorização de ser

criança em determinado contexto histórico.

Até o século XII, as condições gerais de higiene e saúde eram muito

precárias, o que tornava o índice de mortalidade infantil muito alto. Pode-se

apresentar um argumento contundente para demonstrar que a suposta

indiferença com relação à infância nos períodos medieval e moderno resultou

em uma postura insensível com relação à criação de filhos. Os bebês abaixo

de 2 anos, em particular, sofriam de descaso assustador, com os pais

considerando pouco aconselhável investir muito tempo ou esforço em um “

pobre animal suspirante”, que tinha tantas probabilidades de morrer com pouca

idade. (Heywood, 2004, p.87)

15

E, ainda sim, as crianças que conseguiam atingir certa idade não

possuíam identidade própria, só vinda a tê-la quando conseguissem fazer

coisas semelhantes àquelas realizadas pelos adultos, com as quais estavam

misturadas. Sendo assim, dos adultos que lidavam com as crianças não era

exigida nenhuma preparação. Tal atendimento contava com as chamadas

criadeiras, amas de leite ou mães mercenárias.

Contudo, um sentimento superficial da criança – a que chamei de

“paparicação” – era reservado á criancinha em seus primeiros anos de vida,

enquanto ela ainda era uma coisinha engraçadinha. As pessoas se divertiam

com a criança pequena como um animalzinho, um macaquinho impudico. Se

ela morresse então, como muitas vezes acontecia, alguns podiam ficar

desolados, mas a regra geral era não fazer muito caso, pois outra criança logo

a substituiria. A criança não chegava a sair de uma espécie de anonimato

(Áries, 1981, p.10).

Vale ressaltar também que o tratamento dado a uma criança do

sexo masculino era, em muitos casos, diferente do tratamento recebido por

uma criança do sexo feminino, pois “as meninas costumavam ser consideradas

como o produto de relações sexuais corrompidas pela enfermidade,

libertinagem ou a desobediência a uma proibição” (Heywood, 2004, p.76).

E sendo assim, a celebração do nascimento de uma criança se

diferenciava de acordo com o sexo da mesma. Um exemplo é a Bretanha do

século XIX, em que a chegada de uma criança do sexo masculino era saudada

com três badaladas de um grande sino, enquanto a chegada de uma criança

do sexo feminino era saudada com apenas duas badaladas e de um sino

pequeno.

Até mesmo na arte a infância foi ignorada. “Até por volta do século

XII, a arte medieval desconhecia a infância ou não tentava representá-la. É

difícil crer que essa ausência se devesse à incompetência ou a falta de

habilidade.

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“É mais provável que não houvesse lugar para a infância nesse

mundo” (Ariès, 1981, p.50).

No século XIII, atribuíram-se à criança modos de pensar e

sentimentos anteriores à razão e aos bons costumes. Cabia aos adultos

desenvolver nelas o caráter e a razão. No lugar de procurar entender e aceitar

as diferenças e semelhanças das crianças, a originalidade de seu pensamento,

pensava-se nelas como páginas em branco a serem preenchidas, preparadas

para a vida adulta.

Sendo que até o fim do século XVIII, não existem crianças caracterizadas por

sua expressão particular, sendo retratadas então como homens de tamanho

reduzido.

“A “descoberta” da infância teria de esperar pelos séculos XV, XVI e

XVII, quando então se reconheceria que as crianças precisavam de tratamento

especial, “uma espécie de quarentena”, antes que pudessem integrar o mundo

dos adultos”. Fazendo assim com que as crianças deixassem de ser

misturadas aos adultos. Essa quarentena foi a escola, que substituiu a

aprendizagem como meio de comunicação.

A passagem da família medieval para a moderna implicou numa

lenta e insidiosa construção de um novo sentimento de família. Esta

transformação foi possível porque a família modificou suas relações e

atribuições com a criança (Heywood, 2004, p.23)

Àries (1981) defende a ideia de que a escola se constituiu no marco

fundamental dessa passagem, na medida em que deixou de ser reservada

somente aos clérigos para se tornar um instrumental normal da iniciação

social, do percurso da infância à idade adulta. A escola substituiu a

aprendizagem como meio de educação, rompendo o convívio da criança com o

mundo dos adultos.

A escolarização não foi imediatamente generalizada a todos os

setores da sociedade. A partir do século XVII criou-se uma extensa rede de

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instituições escolares de importância variável. A escolarização restringiu-se,

inicialmente, apenas à camada média da população. A alta nobreza e os

artesãos permaneceram por mais tempo fiéis à antiga aprendizagem. No

mundo artesanal e operário ainda persistem vestígios desse modelo os dias

atuais. O acesso das meninas, por outro lado, só se fundiu no final do século

XVIII e início do XIX.

Gradativamente, por meio da ampliação de seus efetivos, do

aumento e do fortalecimento do número de instituições de ensino, a escola

venceu as resistências e impôs sua autoridade moral. A escola passou a

confinar a infância, antes livre no universo dos adultos, num regime disciplinar

cada vez mais rigoroso, que nos séculos XVIII e XIX resultou no

enclausuramento total do internato.

Simultaneamente ao fortalecimento da escola, a casa da família foi

perdendo seu caráter de espaço social aberto à visitação pública e aos

negócios, para se fechar em sua privacidade. A casa privada modificou sua

organização e arquitetura para expressar a nova preocupação com a vida

doméstica, particular, e para se defender de um mundo exterior percebido mais

e mais como perigoso.

Àries (1981, p.43) acredita que, a formação dessa ideia de família

limitou-se, inicialmente, à burguesia e à nobreza. Os criados foram alojados

em áreas separadas e camas tiveram seu uso reservado apenas ao quarto de

dormir. Os visitantes, como sinal de boa educação, passaram a marcar

antecipadamente suas visitas, e eram recebidos em salas apropriadas para

este fim. A necessidade de conforto e da diferenciação dos espaços na casa

espelhou o desejo recente de intimidade e isolamento.

A partir do século XVIII, esse modelo de família nuclear e

sentimental, que antes se limitava às classes abastadas, será lentamente

imposto à consciência de todas as camadas da população. Ainda no início do

século XIX, grande parte dos setores pobres ainda vivia como as famílias

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medievais, afastando as crianças da casa dos pais, como do processo de sua

formação.

Rousseau, ainda no século XVIII, marcou um novo conceito de

infância: ela não era corrupta, mas poderia ser corruptível. Não era algo contra

o que se devesse lutar, mas era preciso cuidá-la para que não se deformasse

em erro (Mello Neto,1998). A criança começou a ser valorizada como um ser

humano que necessita de cuidados e atenção especiais. Esse período marcou

uma maior aproximação entre os filhos e seus pais verdadeiros, pois, nos

séculos anteriores, a criança ficava sob cuidados de pessoas alheias à família,

mas gradativamente ela passou a ter um contato mais intenso e também

afetivo com seus pais (Ariès, 1978; Roig & Ochotorena, 1993)

Trata-se de um sentimento inteiramente novo: os pais se

interessavam pelos estudos dos seus filhos e os acompanhava com solicitude

habitual nos séculos XIX e XX, mas outrora desconhecida.

A família começou a se organizar em torno da criança e a lhe dar tal

importância que a criança saiu de seu antigo anonimato, que se tornou

impossível perdê–la ou substituí–la sem uma enorme dor, que ela não pôde

mais ser reproduzida muitas vezes, e que se tornou necessário limitar seu

número para melhor cuidar dela (Ariès, 1981, p.12). (...) A família moderna

construiu-se ao redor da preocupação dos adultos em torno da infância, o que

lhes exigiu dedicação considerável. Ariès (1981, p.91).

A mudança de paradigma no que se refere ao conceito de infância

está diretamente ligada com o fato de que as crianças eram consideradas

adultos imperfeitos. Sendo assim, essa etapa da vida provavelmente seria de

pouco interesse. “Somente em épocas comparativamente recentes veio a

surgir um sentimento de que as crianças são especiais e diferentes, e,

portanto, dignas de serem estudadas por si sós” (Heywood, 2004, p.10).

A valorização da criança foi muito tardia. Legalmente, ela só se

tornou um sujeito de direitos no século XX, em 1959, na Assembleia Geral da

19

ONU, na qual foi promulgada a Declaração dos Direitos da Criança. A

conscientização sobre a particularidade infantil levou muitos estudiosos a

pesquisarem e conhecerem melhor todo o processo de desenvolvimento

infantil, as práticas educativas usadas pelos pais e suas relações com o

comportamento dos filhos.

Como pudemos perceber, a maneira como a infância é vista

atualmente é consequência das constantes transformações pelas quais

passamos, e que é de extrema importância nos darmos conta destas

transformações para compreendermos a dimensão que a infância ocupa

atualmente. “Este percurso (esta história), por outro lado, só foi possível

porque também se modificaram na sociedade as maneiras de se pensar o que

é ser criança e a importância que foi dada ao momento específico da infância”

(Bujes, 2001, p.13)

Uma infância que requer “especialistas” não é, certamente, uma

infância qualquer, mas sim, uma que supostamente necessita de um séquito

de “conhecedores para lhe revelar sua verdade”. Assim, a noção de infância na

modernidade se articula dentro de uma política de verdades, amparada pela

autoridade do saber de seus porta vozes. (Cirino apud Castro, 1999, p.24)

Atualmente, a infância ganha um destaque em relação ao papel que

lhe era atribuído na Antiguidade. Hoje é reconhecido o período cronológico da

infância e inclusive a legislação assegura os direitos e deveres das crianças.

(Angerami-Camon, 2011, p. 263). Para assegurar que a infância seja efetivada,

existe a legislação, que serve para regular a sociedade. É a legislação que

determina o período da infância, quais são os direitos e os deveres das

crianças e quais são as responsabilidades dos pais ou responsáveis. O

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi criado para normatizar a

infância. É ele que define quando começam e quando terminam a infância e a

adolescência: (Angerami-Camon, 2011, p. 262)

Considera-se criança, para efeitos desta lei, a pessoa até

doze anos de idade incompletos; e adolescente aquela

20

entre doze e dezoito anos de idade. (Brazil, 1990, artigo

2º, título I).

O direito à educação é assegurado na Constituição Federal (CF) da

República Federativa do Brasil de 1988, em que, pela primeira vez na história

constitucional do país, explicita-se a declaração dos direitos sociais,

destacando-se, com primazia, a educação. No artigo 205, afirma-se que “a

educação, direito de todos e dever do Estado e da família”.

Além de garantir os direitos assegurados às crianças, a lei ajuda a

definir a compreensão da infância e das atividades que são permitidas e

esperadas das crianças. Por exemplo, a obrigatoriedade do ensino

fundamental garante que a criança de determinada faixa etária estará

matriculada na escola, dificultando o trabalho infantil, que também é proibido

por lei, e garantindo que a criança desenvolva s aptidões e habilidades

determinadas para seu desenvolvimento cognitivo.

Porém, é importante salientar que muitos dos mitos do passado

ainda assombram o presente e perpetuam preconceitos contra crianças.

Dentre eles podemos destacar o da criança como ser irracional ou mesmo

imaturo. Os preconceitos constroem uma linha imaginária que separa entre

dois mundos distintos as crianças dos adultos, seguindo a mesma lógica que

rege os preconceitos raciais. Assim, tem-se a ideia de que a criança, ao se

emancipar e se tornar um adulto maduro e racional, deixará de ser um “ser

infantil”.

É importante reconhecer que a infância vai sendo construída cultural

e historicamente, que alguns preconceitos perpetuam e que sua conceituação

não é universal tampouco se limita a aspectos biológicos. Uma reflexão acerca

da infância nos dá possibilidades de pensá-la de outra forma, dando novas

possibilidades às crianças (Angerami-Camon, p.263, 2011).

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1.2 – Família e afetividade

Sobre sentimentos, ao olhá-los pelas lentes dos

padrões transacionais manifestos pelas famílias,

vemos que eles regulam o modo como os familiares

se relacionam. (Minuchin, 1982).

Antes de falarmos de família e afetividade precisamos conceituar

afeto de acordo com alguns teóricos e pesquisadores.

Afeto é um termo que a psicanálise foi buscar na terminologia

psicológica alemã (affekt) e que exprime qualquer estado afetivo, penoso ou

desagradável, vago ou qualificado, quer se apresente sob a forma de uma

descarga maciça, quer como tonalidade geral. Segundo Freud, toda pulsão se

exprime nos dois registros, do afeto e da representação. O afeto é a expressão

qualitativa da quantidade de energia pulsional e das suas variações.

(Laplanche e Pontalis, 2004, p.9).

Para Cabral e Nick (2003), afeto é o estado sentimental que se

caracteriza, por uma parte, pela inebriação física perceptível e, por outra parte,

por uma perturbação peculiar do processo representativo. Jung empregou o

termo emoção como sinônimo de afeto, quando se afastou de Bleuler ao

distinguir entre sentimento e afeto. “O sentimento só se converte em afeto

quando adquire certa intensidade que provoca intervenções físicas

perceptíveis, acrescentando que “o sentimento pode ser função

voluntariamente disponível, enquanto o afeto não costuma ser.” Dos dois

conceitos originais, poderemos extrair o significado de afeto como qualquer

espécie de sentimento e (ou) emoção associada a ideias ou a complxos de

ideias.(p.16).

O estado afetivo pode ser manifestado por emoções positivas (amor

e alegria) e, ainda, por emoções negativas (raiva, tristeza e medo); a

predominância dos aspectos positivos ou negativos vai depender do alicerce

familiar. É nas relações entre as pessoas que a criança começa a criar dentro

dela sentimentos dominantes, que serão manifestados pelos comportamentos.

22

O relacionamento mais importante para a formação desta base emocional,

afetiva, é o relacionamento entre filho e os pais.(Castro, p.27 e 28, 2012)

A afetividade diz respeito a ações e reações internas, que interferem

no externo. É por meio dos sentimentos (que são dirigidos para o interior e são

privados) que as emoções (que são dirigidas para o exterior e são públicas)

iniciam o seu impacto na mente. (Castro, p.27, 2012).

O século XX assistiu a uma profusão de trabalhos cujo propósito era

compreender as formas de relacionamento em família, as mudanças que o

modelo impôs à construção das subjetividades, os impactos causados sobre o

campo social e mais recentemente as mudanças que esse mesmo modelo

vem por sua vez sofrendo em razão de demandas da sociedade con-

temporânea. A emergência da noção de infância provocou igualmente

inúmeros estudos acerca do desenvolvimento afetivo no interior da família, dos

variados padrões educacionais adotados e sua variação ao longo do tempo e

conforme os valores de cada cultura.

Wallon (1993) se debruçou, durante grande parte de sua vida, sobre

o estudo das emoções e da afetividade, em busca de fundamentar a sua

pesquisa sobre a psicogênese da pessoa completa, considerada em todos os

aspectos: afetivo, cognitivo e motor. Identificou as primeiras manifestações

afetivas do ser humano e suas características. Estudou, também, a grande

complexidade que a afetividade e as emoções sofrem no decorrer do

desenvolvimento, assim como suas múltiplas relações com outras atividades

psíquicas. Para ele, a afetividade é fator fundamental na constituição do

sujeito. É entendida como instrumento de sobrevivência do ser humano, pois

corresponde à primeira manifestação do psiquismo, propulsiona o

desenvolvimento cognitivo ao instaurar vínculos imediatos com o meio social,

abstraindo deste o seu universo simbólico, culturalmente elaborado e

historicamente acumulado pela humanidade. Por conseguinte, os instrumentos

mediante os quais se desenvolverá o aprimoramento intelectual são,

irremediavelmente, garantidos por estes vínculos, estabelecidos pela

consciência afetiva. Desde pequeno, ainda recém-nascido, o ser humano

utiliza a emoção para comunicar-se com o mundo. O bebê, antes mesmo da

23

aquisição da linguagem, consegue estabelecer relação com a mãe, ou pessoa

que dele cuida, através de movimentos de expressão, primeiramente

fisiológica:

“O recém-nascido não tem ainda outras formas de se comunicar

com o outro, que não a emoção [...] Cada movimento, cada expressão corporal

dessa criança, acaba por receber um significado, atribuído pelo outro,

significado esse do qual ela se apropria. Uma criança que chora porque seu

estômago dói de fome, não chora inicialmente para alguém vir alimentá-la, mas

chora por causa da dor. Ao receber a atenção que necessita, vai construindo

os significados de cada ação sua. (Gonçalves, 2003, p. 14 e15)”.

Portanto, o ser humano é produtor de cultura e só depois se torna

produto dela. Ou seja, a linguagem do choro, que é uma produção cultural, e

os movimentos e gestos do recém-nascido são carregados de significados

afetivos, sendo expressões da necessidade alimentar e do humor. Assim, o

bebê estabelece uma comunicação com a mãe (ou substituta) através das

manifestações não-verbais. Dessa forma, as reações corporais, antes limitadas

ao próprio espaço corporal, agora se dirigem ao mundo.

O recém-nascido e a criança, no seu primeiro ano de vida, utilizam

gestos e expressões carregadas de significados afetivos, anteriores à

inteligência (Wallon, 1993).

Para Mchaffie apud Pinheiro, 1999), a sua importância é primordial,

pois considera o alimento afectivo tão imprescindível, como os

nutrientes orgânicos. “Sem o afecto de um adulto, o ser humano enquanto

criança não desenvolve a sua capacidade de confiar e de se relacionar com o

outro” (Idem; p. 30).

Para Almeida (1999, p.42), “a afetividade manifesta-se

primitivamente no comportamento, nos gestos expressivos da criança”.

Bowlby (2004) vê como pontos importantes no desenvolvimento da

criança a presença da mãe, sua disponibilidade e a continuidade de cuidado,

24

que datam do início da vida pessoal do bebê, quer dizer, antes mesmo que ele

possa perceber objetivamente a mãe total.

“Sabemos que o mundo estava lá antes do bebê, mas o bebê não sabe

disso, e no início tem a ilusão de que o que ele encontra foi por ele criado”.

Esse estado de coisas, no entanto, só ocorre quando a mãe age de maneira

suficientemente boa. (Winnicott, 1982)

Em sua teoria do desenvolvimento emocional, Winnicott afirma que

“A dinâmica é um processo de crescimento, sendo este herdado por cada

indivíduo. Toma-se como certo aqui, o meio ambiente facilitante e

suficientemente bom, que, no início do crescimento e desenvolvimento de cada

indivíduo, constitui um sine qua non. Há genes que determinam padrões, e

uma tendência herdada a crescer e a alcançar a maturidade; entretanto, nada

se realiza no crescimento emocional, sem que esteja em conjunção à provisão

ambiental, que tem de ser suficientemente boa. Observa-se que a palavra

perfeito não figura nesse enunciado; a perfeição é própria das máquinas e as

imperfeições, características da adaptação humana à necessidade, constituem

qualidade essencial do meio ambiente que facilita.”.

Winnicott (apud Macedo, 1987, p. 8) afirma ainda que, a criança vai

se desenvolvendo para ser uma pessoa saudável e poder se relacionar com as

outras pessoas. Para isto, também terá que passar do estado de relação de

objeto para o estado de uso do objeto. Aí ela estará com plena consciência da

existência de um mundo não-eu onde ela não será mais onipotente e seu ego

estará integrado.

Para Vigotski (1998) a experiência social exerce seu papel através

do processo de imitação; quando a criança imita a forma pela qual o adulto usa

o instrumento e manipula objetos, ela está dominando o seu verdadeiro

princípio envolvido numa atividade particular. Os gestos de carinho, as formas

de aconchego, as trocas de olhares devem ser estimuladas pela família,

buscando valorização destes momentos.

25

A criança começa a explorar o ambiente materno através da

imitação, vivenciando as situações através de experiências realizadas com o

propósito de reforçar o seu vínculo com a mãe e os demais familiares (Vigotski,

1998).

Para Reich (1974) o afeto é o construtor do psiquismo. O gesto é

pleno de afeto, senão ele se mecaniza, se encouraça. O afeto ainda existe

para manter e lembrar da existência da vida. O afeto é a nossa ligação

imediata com a vida. É através dele que percebemos que fazemos parte do

universo.

Em Freud, o conceito de afeto (affekt) está ligado ao de

pulsão (trieb). A pulsão é uma produção teórica de Freud, "conceito situado na

fronteira entre o mental e o somático, como o representante psíquico dos

estímulos que se originam dentro do organismo e alcançam a mente, como

uma medida de exigência feita à mente no sentido de trabalhar em

consequência de sua ligação com o corpo" (1915a, Ed. St. Br., 1974, p. 142).

Quanto aos destinos do afeto, Freud (1915c) aponta três

possibilidades: ou ele permanece, no todo ou em parte, como é; ou é

transformado num afeto qualitativamente diferente, sobretudo em angústia; ou

é suprimido, isto é, impedido de se desenvolver. Suprimir o desenvolvimento

do afeto constitui, para Freud, a verdadeira finalidade do recalcamento (e da

repressão). Aliás, ele admite falar de "afetos inconscientes" apenas nos casos

em que estes foram inibidos, em seu desenvolvimento, pelo processo de

recalcamento.

Freud chama a atenção, no entanto, para a diferença produzida pela

incidência do recalcamento na idéia e no afeto. Após o processo de

recalcamento, diz ele, "as idéias inconscientes continuam a existir como

estruturas reais no sistema inconsciente, ao passo que tudo o que naquele

sistema corresponde aos afetos inconscientes é um início potencial impedido

de se desenvolver" (1915c, Ed. St. Br., 1974, p. 204). Portanto, não existem,

26

para Freud, rigorosamente falando, afetos inconscientes da mesma forma que

existem idéias inconscientes.

Referindo-se ainda ao afeto, Pain (1991) situa dois níveis: "a) o da

categoria dos afetos, reconhecíveis como estados ou sinais específicos de um

estado emocional e b) o da categoria dos valores afetivos, onde se produz a

transformação da emoção em um valor dentro de um sistema simbólico (p.39).

Inúmeros estudos da década de setenta mostram que, além de

poder dispensar cuidados ao bebê, o pai também se torna um elemento de

ligação afetiva, embora sua atuação não seja igual à da mãe. O que essas

pesquisas mostraram também é que o próprio pai se considera importante

tanto no que se refere aos cuidados de vida prática dispensada à criança,

como na formação dos filhos. Revelaram ainda que o contato, o brinquedo e a

companhia dos filhos são sentidos como prazerosos.

Tal como a mãe, o pai sente-se hoje responsável pelo filho. Pensa,

por sua vez, que lhe deve cuidados, amor e sacrifícios. E que, para ser bom

pai, já não basta aparecer episodicamente no quarto do bebê, enquanto ainda

não pode conversar com o homenzinho e levá-lo para passear e ver coisas

interessantes.

Antigamente, pensava-se que nos primeiros meses o bebê só se

relacionava com a mãe e dela dependia a satisfação de suas necessidades

básicas de sobrevivência física e emocional. No entanto, sobretudo a partir da

década de 80, as pesquisas e a observação refinada do comportamento dos

recém-nascidos no contexto familiar mostram que desde os primeiros dias há

também a percepção do pai. Portanto, o pai entra muito mais cedo na vida da

criança do que se costumava supor. É importante que ele participe dos

cuidados do filho, para construir um vínculo sólido com o bebê, o vínculo pai-

filho (a), influenciando qualitativamente o desenvolvimento emocional mais

saudável, minimizando possíveis rivalidades, somatizações e regressões.

27

Assim, quanto mais fortes forem os laços afetivos fixados entre pai e

filho (a) na gravidez, melhor será o desenvolvimento da paternidade e do

vínculo pai-filho (a) na vida fora do útero, sendo o estabelecimento desses

laços, nos primeiros estágios de vida, a chave para reviver a instituição da

paternidade.

Segundo Carvalho (2003), os pais (gênero masculino) devem ter um

papel importante na divisão da responsabilidade, nos cuidados com a criança e

de apoio à vulnerável dupla mãe-filho, desde as primeiras semanas de vida da

criança. Antes de se tornarem pais, o homem e a mulher passam boa parte do

seu tempo juntos conhecendo-se melhor e fortalecendo seu relacionamento.

Mas, uma vez que o bebê nasce tudo muda, o novo foco de praticamente tudo

que se faz é para o bebê. Neste momento, esse casal passa a reelaborar suas

atividades conjugais e opta como prioridade cotidiana o cuidado com o recém-

nascido. A partir de estudos sobre a ausência paterna, alguns psicólogos

defendem que tanto o pai, quanto a mãe, tem importante papel no

desenvolvimento infantil, não apenas na provisão das necessidades materiais,

mas, também nas relações de afeto. A nova disposição para assumir o

exercício da paternidade, a responsabilidade cotidiana pelo cuidar do outro, o

ocupar-se e o permitir-se ser ocupado cotidianamente pelo filho, representa

uma grande humanização e contribui para a desconstrução do papel

tradicional do masculino.

Para Winnicott (1982), o pai seria vivido pela criança como se fosse

outra mãe, não sendo reconhecido como uma pessoa de outro sexo. O modelo

do relacionamento inicial com o bebê seria o modelo materno, mesmo que

desempenhado pelo pai. Tal fator está relacionado à valorização do vínculo

materno na formação da personalidade da criança, baseada num modelo de

família em que cabia à mulher a exclusividade dos cuidados com os bebês, e

numa compreensão das origens do amor na satisfação das necessidades da

nutrição.

28

Nos dias atuais, o novo pai materna o filho à imagem e semelhança

da mãe. Ele se insinua, como uma outra mãe, entre a mãe e o filho, o qual

experimenta quase indistintamente um corpo a corpo tão íntimo com a mãe

quanto com o pai. Para nos convencermos disso, basta observarmos as

fotografias, estampadas com freqüência cada vez maior nas revistas, de pais

seminus estreitando nos braços seus filhos recém-nascidos. Percebe-se em

seu rosto uma ternura toda materna que não escandaliza ninguém. Sim,

depois de séculos de autoridade e de ausência do pai, parece surgir um novo

conceito, o "amor paterno", semelhante em tudo e por tudo ao amor materno.

É provável que essa nova experiência da paternidade seja

amplamente imputável à influência das mulheres que reclamam cada vez mais

a divisão de todas as tarefas, e mesmo do amor a ser dado aos filhos. Elas

pressionam, portanto nesse sentido os homens que as amam. É possível

também que a parte de feminilidade que existe em todo homem tire algum

proveito disso. Mas não se pode excluir o fato de que as mulheres atribuem

aos homens uma responsabilidade tão grande e exercem sobre eles uma

pressão tão forte quanto aquelas que os homens dos séculos XVIII e XIX

fizeram pesar sobre elas.

A partir do momento social em que a mulher começou a integrar de

forma mais significativa, à força de trabalho, os papéis masculino e feminino,

dentro do lar, deixaram de ser tão estanques, e o pai passou a ser visto como

um elemento importante para o desenvolvimento da personalidade da criança

desde a infância inicial. (Osório, 1996)

1.3 – Família: universo de gerações

Ouve-se muito que a família contemporânea estaria em crise. Para

fazer essa afirmação, cabe-se ir ao conceito de crise, que etimologicamente

significa “decisão”, “juízo”, “discriminação” (do grego krisis derivado de krino:

eu decido, separo, distingo, julgo), diferentemente do sentido apocalíptico ou

de ruptura com que foi o termo empregado através dos tempos (Osório, 1996).

29

As crises, segundo o mesmo autor, remetem ao acúmulo de

experiências e a uma melhor definição de objetivos. O que está em jogo "não é

o desaparecimento da família, mas sua profunda diversificação e a mudança

do seu sistema de poder" (Castells, 1999).

A família contemporânea, em suas múltiplas configurações, pode

ser importante núcleo afetivo, de apoio e de proteção. Pode, também, ser

agência de desigualdades, de controle e de repressão, quando não de

violência, fator de risco para seus membros (Antoni & Koller, 2000, p.59).

A família suscita desde sempre sentimentos ambivalentes. A vida

familiar é uma das primeiras experiências significativas de vida do indivíduo.

Weiss (1992) afirma que, os relacionamentos humanos possuem

múltiplas facetas, pois cada indivíduo desempenha na vida uma enorme

variedade de papéis, muitos dos quais com alicerces na dinâmica

familiar/individual: papel de pai, mãe, de filho, avó, irmão, irmã etc. Papéis que

são determinantes no desenvolvimento tanto afetivo quanto físico.

O sucesso ou o insucesso dos outros inumeráveis papéis que os

indivíduos irão exercer ao longo de sua história (aluno, profissional, por

exemplo), dependerão, em grande parte, do sucesso ou insucesso de suas

relações dentro do sistema familiar.

Segundo Rubinstein (2003), os pais às vezes deixam de acertar,

mas não quer dizer que erram com seus filhos. Eles, os pais, fazem o que

podem e como podem em relação à educação dos filhos, pois o que entra em

cena é a gama de relações possíveis sustentadas ou não pela família, que é

tecida pelas expectativas, desejos, frustrações, enfim cumprindo a profecia

destinada a cada sujeito, seguindo as histórias de vida de cada um.

Uma boa relação familiar, de acordo com muitos teóricos, deve ter

início na infância, pois isso pode ser fundamental no que diz respeito às

escolhas feitas e aos caminhos a serem percorridos até a vida adulta. Pois

aqui, todas as influências que ele recebeu da família, influências estas que

30

formaram sua identidade até então, servirão para que o indivíduo constitua

uma nova gestalt original e funcional de si mesmo, ou seja, busque sua própria

identidade, a partir das múltiplas identificações que recebeu até aquele

momento.

Erikson (2000), afirma que duas são as condições para que se

desenvolva o sentimento da identidade: a percepção da uniformidade e

continuidade da existência pessoal no tempo e no espaço; a percepção do fato

de os outros reconhecerem essa uniformidade e continuidade da pessoa.

(p.19)

De acordo com Neuburger, (1999), quando se trata da família, a

compreensão dos seus processos internos passa inevitavelmente pelas

noções de intra-subjetividade, intersubjetividade e transubjetividade como

referências que permitem o discernimento daquilo que é próprio ao sujeito, ao

outro e ao campo social. Em outros termos, essas noções permitem,

simultaneamente, conceber o sujeito em seu contexto histórico e cultural, o

grupo como sujeito coletivo e a sociedade como contorno para ambos: sujeito

e grupo.

Em conjunto, essas três referências constituem o eixo central que

organiza a família e, como tal, balizam suas transformações. Cada uma delas

possui particularidades que revelam, seja individual ou entrelaçadamente, as

distintas formas pelas quais os sujeitos se movimentam no grupo. A intra-

subjetividade diz respeito àquilo que é próprio à realidade interna, à relação

que o sujeito mantém com instâncias da ordem do intrapsiquismo, como

desejos, sonhos, fantasias etc. A intersubjetividade dimensiona, mais

especificamente, as relações entre os sujeitos quase sempre inscritos em

algum espaço grupal, seja de família, de amigos, de trabalho etc. A

transubjetividade, por sua vez, se refere àquilo que é próprio a uma dimensão

social, em seu sentido mais amplo, e tem uma profunda repercussão no sujeito

e nas relações entre os sujeitos inseridos nas distintas modalidades

institucionais. Neste caso, poderíamos pensar nas implicações que têm

31

determinadas incidências do contexto social na família ou mesmo em seus

membros.

Como função primordial da família, a filiação depende de uma certa

reorganização psíquica que os pais processam no momento da gestação. De

acordo com Darchis (2000), tal movimento pressupõe um retorno que os pais

fazem à sua família de origem, por meio do qual eles reorganizam suas

identidades e suas posições tanto no que tange à conjugalidade, quanto ao

familiar e ao transgeracional. Para esta autora, é necessário que os laços

primários com os pais sejam ressignificados para que os novos laços se façam

e a parentalidade seja instaurada. Quando há traumas não elaborados e

feridas recalcadas, o encontro com o filho se revela difícil, e a parentalidade

pode se instaurar de forma defensiva.

É preciso ressaltar que o laço de filiação coexiste com outros laços

no interior da família, a saber: os laços do casal, os laços fraternos e também o

laço que associa a criança a seus antepassados. Todos eles dependem do

nível de investimentos que são feitos reciprocamente. Esses investimentos, por

sua vez, dependem do reconhecimento que cada um faz do outro no interior do

grupo e, particularmente, entre as parcerias. Isso significa dizer que, no

processo de filiação, assim como na formação dos demais laços, é

fundamental que cada sujeito se reconheça em uma determinada posição, ao

mesmo tempo em que legitima a posição do outro.

A família não se define, portanto, pelos indivíduos unidos por laços

biológicos, mas pelos significantes que criam os elos de sentido nas relações,

sem os quais essas relações se esfacelam, precisamente pela perda, ou

inexistência, de sentido. Se os laços biológicos unem as famílias é porque são,

em si, significantes. Ninguém se atreveria a contestar a força simbólica dos

“laços de sangue” em nossa cultura ibérica/ocidental, com os “nomes de

família”, as semelhanças físicas, os traços de personalidade (ou de caráter)

“que se puxa” de algum parente próximo ou distante... (Sarti, 1999).

32

As fronteiras da família, delimitadas pela história que vai sendo

contada aos indivíduos ao longo de suas vidas, são, entretanto,

constantemente redefinidas pelas várias mensagens que lhe chegam, vindas

do mundo ao seu redor. Além disso, cada um conta esta história do seu jeito.

Ela é recontada de maneiras diferentes por e para cada um dos membros que

compõem a família, dependendo do lugar a partir do qual ouvem e falam,

construindo várias (e variadas) histórias.

Os discursos são distintos porque os lugares nas relações são

diferenciados. O discurso muda não apenas de acordo com quem fala, mas

também em relação a quem se fala. A família, universo de relações, embora

comporte a equidade entre o homem e a mulher, implica autoridade, pela sua

função de socialização dos menores, definindo-se, assim, como um mundo de

relações recíprocas, complementares e assimétricas.

Crescer significa precisamente poder relativizar as referências

familiares, desnaturalizando-as, o que permite, no mundo moderno, o processo

de singularização do “indivíduo”. Este processo atualiza-se permanentemente

ao longo da vida e diz respeito não apenas ao indivíduo com relação à sua

família, mas refere, ainda, às formas alternativas de organização familiar frente

ao “modelos” legitimados socialmente. O "crescimento" passa a ser entendido

não verticalmente, mas horizontalmente como mudanças de lugares.

Os limites do mundo familiar, demarcados pela história que a família

conta sobre si, criando sua identidade, são abalados pela ação individualizada

de cada um de seus membros, que reagem singularmente às relações internas

e que trazem à convivência cotidiana a experiência também singular com o

mundo exterior.

A família é definida como um grupo de indivíduos vinculados por

uma ligação emotiva profunda e por um sentimento de pertença ao grupo, isto

é que se identificam como fazendo parte daquele grupo. Esta definição é

flexível o suficiente para incluir as diferentes configurações e composições de

famílias que estão presentes na sociedade atual.

33

“Somos cinco irmãos, moramos em cidades diferentes, alguns de nós estão no

exterior. Quando nos encontramos podemos ser, um com o outro, indiferentes

ou distraídos. Mas, entre nós, basta uma palavra, uma frase: uma daquelas

frases antigas, ouvidas ou repetidas infinitas vezes, no tempo de nossa

infância.(....) Uma dessas frases ou palavras que faria com que nós, irmãos,

nos reconhecêssemos uns aos outros, na escuridão de uma gruta, entre

milhões de pessoas. Essas frases são o nosso latim, o vocabulário de nossos

tempos idos, são como os hieróglifos dos egípcios ou dos assírios babilônicos,

o testemunho de um núcleo vital que deixou de existir, mas que sobrevive em

seus textos, salvo da fúria das águas, da corrupção do tempo. Essas palavras

são o fundamento da nossa unidade familiar, que subsistirá enquanto

estivermos no mundo, recriando-se e ressuscitando nos mais diferentes pontos

do planeta (...) ( Ginzburg, 1988)

Segundo Castilho (2003), a história da geração precedente

transmite significados, através da mediação dos pais que, com as lembranças,

seus hábitos de vida e seu modo de se relacionar com outros entes queridos

nos informa sobre relações passadas e seu valor. Podemos pensar então na

presença de uma continuidade histórica evolutiva entre os significados que

distinguem os modelos relacionais do passado e os atuais. O que nos permite

falar em uma identidade cultural da família, de um sistema de valores

ideológicos e afetivos que no tempo de várias gerações modela

comportamentos e expectativas de como ser pai, mãe, etc., e também de

como enfrentar eventos significativos na família como lutos, separações,

nascimentos, etc. A família está, então, apoiada em imagens idealizadas

construídas através de gerações: o mito familiar, elemento de coesão e matriz

do conhecimento.

A adesão ao mito é uma garantia de integração familiar, através

dele se transmitem às novas gerações modalidades de como relacionar-se, de

valores, papéis e funções. Ele estabelece significados e está impregnado no

tecido relacional da família, como um tapete multicor onde todos jogam um

jogo que ele gerencia.

34

Os mitos se convertem em verdadeiras portas de entrada para

quem se prepara para descer nas profundezas do universo de valores

compartilhados por um grupo. Invisível, é ele o arquiteto das regras de relação

de uma família, regras silenciadas que podem ser lidas em todas as paredes.

Deste contexto brota uma comunicação verbal e não verbal, entrecortada de

silêncios e olhares eficientes para transmitir “mensagens” importantes que vão

além de seu conteúdo manifesto: o que pode ser falado e o que deve ser

silenciado. O mito como a fábula, se constrói sobre uma rede de eventos, de

“personagens”, de papéis, de conteúdos simbólicos conectados entre eles.

Dele despontam elementos “organizadores” que assumem importância diante

de alguns temas ou tramas.

Nossa compreensão sobre a família nos remete a uma unidade de

interação entre os subsistemas que a compõem em sua totalidade e suas

redes de relações mais amplas, ou seja, o universo de suas inter-relações intra

e extrafamiliar. É a família em si o conjunto e a interseção de relação entre

suas partes e o todo. No entanto, este é um tema oriundo de muitas

definições, muitas das quais ao longo da história de estudos foram desviando-

se do que se acredita ser a família, uma vez que num sentido genérico ela

muda e se adapta às circunstâncias históricas e às diferentes exigências dos

estádios de desenvolvimento. “uma família é um sistema que opera através de

padrões transacionais”, ou seja, de relações de quem, como e quando a

família se relaciona dentro do sistema familiar. Minuchin (1982, p. 57).

Sobre este entendimento, Maturana e Varela (2005) ressaltam que

toda entidade viva somente pode perceber, responder, pensar, acreditar e agir

de acordo com os limites de sua estrutura única e como um ser em acoplagem

estrutural. Em outras palavras, só temos o mundo que criamos com o outro.

Esse conceito salienta que a realidade descrita por uma pessoa não existe

independente dela, pois é uma reformulação de sua experiência.

Consequentemente, a realidade descrita por uma pessoa não é uma “realidade

objetiva”, pois é uma reformulação de uma experiência vivida.

35

Na concepção de Minuchin (2000), “uma família é uma classe

especial de sistema, com estrutura, pautas e propriedades que organizam a

estabilidade na mudança. Também é uma pequena sociedade humana cujos

membros em contato cara a cara têm vínculos emocionais e uma história

compartilhada”. Desse modo, a explicação que nos permite transitar sobre

esse tema está na compreensão de perceber a pessoa como unidade do

sistema familiar, uma parte separada, mas também uma parte do conjunto.

Assim, é necessário compreender a pessoa e a família simultaneamente. (p.

27)

As famílias estão em “estado de fluxo constante e sempre em

alteração”. (Wrigth & Leahey, 2002, p. 41). Portanto, alerta-nos para a

interação de toda a família e para o relacionamento paradoxal entre

estabilidade e mudança. Nesse sentido, se destacam nas interações a forma

de construção de padrões de relações ao longo do ciclo vital da família.

(Relvas, 1996; Carter & Mcgoldrick, 2001).

Assim, é fundamental conhecer cada família de maneira

individualizada, seus vínculos e sua rede de relações, para compreender como

se desenvolvem seus laços de sangue, solidariedade e vínculos, entre outros.

(minuchin, 2000).

Segundo Foley (1990), a família “tem que manter um senso de si em

meio ao conflito e, ainda assim, permitir o crescimento e a mudança”. Refere

ainda que as marcas distintas da unidade familiar, que são a afeição, o

cuidado e a lealdade, só são possíveis mediante a referida

complementaridade. O núcleo central dessa citação está na

complementaridade, e pressupõe a singularidade do todo familiar e suas

partes ( p. 64 e p.65).

Assim, partimos do princípio de que cada tipo de família cria suas

próprias demandas, não inteiramente novas, produzidas por um complexo

entrecruzamento entre o novo e o velho, o individual e o coletivo, o visível e o

invisível. Figueira (1989, p. 21)

36

CAPÍTULO II

EDUCAÇÃO DE FILHOS E SUAS VICISSITUDES NA

ATUALIDADE

Nada mais fácil que ter um filho. Nada mais imperativo que

fazer dele um homem. Nada mais difícil que fazer dele um

homem realizado em todos os planos. Schmidt

Neste capítulo falaremos sobre a educação de filhos, bem como suas

implicações, dúvidas e dificuldades que pais e educadores estão enfrentando

nos dias atuais.

0 mundo atualmente está passando por muitas mudanças, mudanças

que afetam tanto psicologicamente quanto fisicamente a vida destas pessoas

que estão alienadas neste turbulento processo chamado de globalização. A

civilização está sempre oferecendo produtos de última geração para

justamente facilitar a qualidade de vida dos indivíduos.

Quanto mais novo, mais moderno, melhores serão os recursos do novo,

mais garantia, mais segurança, mais tranqüilidade, mais tecnologia, mais

inteligência e mais potencialidade. Porém, o novo, essa promessa de uma vida

melhor, é o que mais rapidamente envelhece, por isso, os sujeitos estão

sempre usando vestimentas de última moda, ou seja, qualquer objeto que

através de seu uso é capaz de gerar laços sociais segundo o tipo de ideal de

cada sexo. Percebe-se, portanto, a marca do ter, talvez quem sabe, para fazer

frente ao não ser com o qual o ser humano se vê confrontado.

O progresso da tecnologia e o avanço das telecomunicações nos

permitem acompanhar os acontecimentos do mundo em tempo real, ter acesso

às diferentes culturas, cujos valores são em parte semelhantes aos nossos e

em parte bem diferentes deles. A exposição a essa grande diversidade

humana, juntamente com a mudança do olhar sobre a infância e a juventude (

o reconhecimento dos direitos da criança, a maior visibilidade do problema da

37

violência doméstica, a mudança dos modelos educacionais, a divulgação das

teorias psicológicas sobreo desenvolvimento emocional), resultou num grande

questionamento dos modelos tradicionais de educar os filhos e dos conceitos

de “certo” e “errado”.

Os pais modernos, perdidos e confusos, sentem-se atordoados com

os filhos, que, desde pequenos, questionam o que é dito, resistem às tarefas

necessárias e demonstram irresistível atração pelas inúmeras opções de lazer

e entretenimento.

O que fazer para que os filhos sejam capazes de fazer boas

escolhas, cuidar bem de si mesmos e de seus relacionamentos, administrar o

tempo para cumprir as tarefas e se divertir?(Maldonado, p.15, 2006).

Rojas (1996) afirma que o indivíduo pós-moderno busca o conforto

durante todos os períodos de sua vida, já não esperando a última fase da vida

para viver melhor, para desfrutar a comodidade, sem sufocos. Apesar desta

busca incessante pela comodidade e conforto, encontramos uma sociedade

ansiosa, em estado constante de alerta, sem ideais, descompromissada, mas

com um desejo muito grande de experimentar sensações diversas e

excitantes.

Rojas (1996) nomeia este novo modelo de existência, como uma

"vida light", “onde tudo está sem calorias, sem gosto ou interesse, a essência

das coisas não importa, só o que é quente e superficial”.

A cultura contemporânea, segundo Hobbs, citado por Yalom (1983)

produz uma neurose caracterizada não pela falta de conhecimento interno,

mas por uma carência de propósito e de um significado para a vida. 0 indivíduo

contemporâneo é levado a colocar a significação de sua vida nos objetos

(Parecer-Ter).

Nos dias atuais o Parecer-Ser e o Parecer-Ter já é parte integrante

das relações estabelecidas entres as pessoas no trabalho, educação, família,

38

religião e até mesmo nas relações mais intimas, enquanto forma de

comunicação e relacionamento afetivo.

De acordo com Rudio (2001) Ser, enquanto construção pessoal, é

fruto da responsabilidade assumida com relação à própria existência, na busca

de mantê-la e aperfeiçoá-la; é buscar realizar-se dentro das condições de seu

existir no mundo.

Nesse novo contexto, o aspecto corporal assume um valor

fundamental: é preciso exibir na pele a personalidade de cada um, e essa

exposição deve respeitar certos requisitos. As telas sejam do computador, da

televisão, do celular, da câmera de foto ou da mídia que for, expandem o

campo de visibilidade, esse espaço onde cada um pode se construir como uma

subjetividade alterdirigida. A profusão de telas multiplica ao infinito as

possibilidades de se exibir diante dos olhares alheios e, desse modo, tornar-se

um eu visível.

Nesta cultura das aparências, do espetáculo e da visibilidade,

tendências exibicionistas e performáticas alimentam a procura de um efeito: o

reconhecimento nos olhos alheios e, sobretudo, o cobiçado troféu de ser visto.

Cada vez mais é preciso aparecer para ser. Pois tudo aquilo que permanece

oculto, fora do campo da visibilidade, seja dentro de si trancado no lar ou no

interior do quarto próprio, corre o triste risco de não ser interceptado por olho

algum. E, de acordo com as premissas básicas da sociedade do espetáculo e

da moral da visibilidade, se ninguém vê alguma coisa é bem provável que essa

coisa não exista. (...) Nesse monopólio da aparência, tudo o que ficar do lado

de fora, simplesmente não é. (Sibília, p.111 e 112, 2008).

Neste sentido, Ariès (1981) afirma que atualmente somos

“obcecados” pelos problemas físicos, morais e sexuais da infância,

convidando-nos a um olhar para a História que deixa patente o quanto essa

mentalidade é recente.

39

E qual é o objetivo da educação de filhos? A ação de quem educa

guia-se por objetivos imediatos e mediatos, que são determinados por valores

sócio histórico e culturalmente estabelecidos (Caldana, 1994).

Em outras palavras, a conduta do educador é guiada pelo ideário,

pelos valores e costumes do contexto no qual está inserido. Tais valores de

alguma forma determinarão as imagens da criança ideal e do adulto ideal de

determinado contexto sócio-histórico-cultural, que certamente influirão nos

objetivos da educação.

Com efeito, Newson e Newson (1974) trazem a noção de que o

aspecto mais interessante da preocupação contemporânea com as práticas

educativas é a consciência e atenção às possíveis conseqüências psicológicas

dos métodos que se usam na criação de uma criança. Isto é um fenômeno

novo, já que as gerações anteriores de pais estiveram especialmente

preocupadas com temas relacionados à sobrevivência física e ao

desenvolvimento moral, mais do que com conceitos de saúde mental e bem-

estar emocional.

Vivemos numa sociedade que democratiza o conhecimento,

aumentando o acesso à informação e aos bens culturais, sem controle estatal.

O excesso de informações e de escolhas de produtos e serviços é irreversível.

Assim como precisamos orientar os filhos (e nós mesmos) na seleção de

alimentos saudáveis e de exercícios que ajudem a cuidar bem do corpo, é

importante guiá-los (e igualmente a nós próprios) na escolha dos alimentos

para o cérebro e as emoções. Também, neste sentido, temos de nos

alfabetizar. (Maldonado, 2006)

Alfabetização de mídia é o processo de seleção consciente do que

vamos assistir e de construção do equilíbrio entre o tempo gasto com a mídia e

com outras atividades da nossa vida. Significa também desenvolver a visão

crítica e a reflexão sobre o conteúdo dos programas e da publicidade. (...). É

claro que existe a ciberpatologia aditiva, com os seguintes sintomas:

sentimento de euforia diante do computador, pensamento na internet quando

40

se está fazendo outras coisas, aumento crescente da navegação, navegar sem

rumo, dificuldade de se desconectar, alteração da vida relacional, desinteresse

por outras atividades.

2.1 – Nascimento dos filhos: a importância das primeiras

experiências

No momento em que a boca encontra o seio,

ela encontra e absorve um primeiro gole do mundo. Afeto,

sentido, cultura estão co-presentes e são os responsáveis

pelo gosto das primeiras gotas de leite. (Aulagnier, 1975)

Nos registros deixados pela nossa primeira infância, encontramos a

base de nossa vida emocional adulta. Somos, nesta fase, extremamente

sensível ao meio em que vivemos.

Neste contexto, Winnicott (1982) afirma que o meio ambiente

maternante – relação mãe/bebê é essencial no desenvolvimento e

amadurecimento saudável do ser humano. Ele coloca esse ambiente como

fundamental para a saúde. Falhas deste meio ambiente poderão ter como

consequência, diferentes quadros psicopatológicos.

Rappaport (2000), bem como a própria literatura popular, exaltam a

importância da qualidade do relacionamento criança-mãe para o

desenvolvimento da personalidade.

Muitos teóricos da aprendizagem social que aceitam o conceito de

dependência como impulsos adquiridos explicam que o início da formação do

elo mãe-criança se relaciona com a satisfação de necessidades fisiológicas

básicas.

A criança aprende a jogar com a mãe, e com os seus sentimentos.

Ela sabe que um brinquedo que cai poderá ser recuperado em seguida, sem

que este precise, necessariamente, sumir ou quebrar-se. A participação da

mãe nesse brincar de jogar objetos e recuperá-los é muito importante. Pegar o

brinquedo do chão e devolvê-lo à criança é uma prova de que ela pode ir-se e

41

voltar para ele; de que mesmo odiada e quebrada continuará com ele,

amando-o. Isto feito repetidamente, o quanto a criança deseje, estará

fortificando uma confiança na mãe, consequentemente, no mundo que a cerca,

visto que sua mãe é a referência desse mundo (winnicott, 1975 apud Macedo,

1987, p.20).

Todo o processo de desenvolvimento saudável dependerá de um

ambiente que seja facilitador, que não tenha estímulos excessivos e que

proporcione suporte para que o bebê e futuramente a criança possam

desenvolver seus potenciais. Neste ambiente facilitador do processo de

amadurecimento proporcionado pela mãe, o bebê se desenvolve. Ela é

responsável por todos os cuidados físicos e afetivos necessários, para

preencher as necessidades do bebê, e de acordo com Winnicott, esta é a

única forma de amor que o bebê pode reconhecer nesta fase.

À conduta emocional da mãe ao cuidar de seu filho, onde não

somente administra cuidados físicos, mas também lhe dá suporte e afeto,

Winnicott (1982) denominou de “holding”. É através do “holding” que o bebê

terá a experiência de continuidade do ser. Essa experiência de continuidade é

decorrente de uma adaptação do meio às necessidades da criança, que não

se sente invadida pela mãe-ambiente, nem mantida num meio inconstante e

sentido como ameaçador. Todo esse suporte necessário contido no “holding”

está estreitamente conjugado com o manejo ou “handling”, segundo Winnicott.

Será através do manejo cuidadoso, sensível e, portanto carinhoso, que a

relação positiva vai sendo construída e mantida pela mãe. Esse contato físico,

que se deu pelo manejo, levará a criança, a um reconhecimento gradativo de

seu corpo, possibilitando uma construção imaginária do mesmo, resultando na

psique encontrando o corpo como sua morada. Este momento é importante por

assinalar o êxito de um marco no desenvolvimento. No processo de integração,

o bebê reconhece-se como “eu sou”; neste momento há um reforço mútuo

entre o funcionamento do corpo e o desenvolvimento do ego. “Na posição ‘eu

sou’, o indivíduo pode ou não, por razões internas ou externas (e o bebê ainda

é altamente dependente), conseguir lidar com a rivalidade que isto engendra”.

42

Para Winnicott (1982), torna-se importante nesse processo um

reforço de ego da mãe para o seu bebê e sua capacidade de adaptar-se as

necessidades dele fornecendo uma realidade de dependência, a sensação de

segurança e confiabilidade possa vir a se integrar gradativamente, ligando a

psique com o soma. A psique encontrará, aos poucos, a sua morada no corpo.

A psique se incumbe da elaboração imaginativa das funções somáticas e vai

se desenvolvendo, resultando no processo de “personificação” que é fruto da

ligação psique-soma. Desta forma, teremos o surgimento do Self como

unidade, levando ao gradual reconhecimento da mãe como um “outro”. Este

Self constituído será então chamado de Self verdadeiro, sendo deste modo o

núcleo da personalidade, o núcleo do ego que permanecerá oculto e integrado.

A mente, segundo a concepção de Winnicott, é uma instância especializada da

psique, que se desenvolverá a medida que a criança começa a ter consciência

do meio externo, e permitirá que ela possa lidar com as falhas crescentes do

meio ambiente, de acordo com o estágio e possibilidades no seu processo de

amadurecimento crescentes do meio ambiente, de acordo com o estágio e

possibilidades no seu processo de amadurecimento.

Winnicott (1982) afirma ainda que numa relação patológica com o

meio ambiente, o falso Self é utilizado como uma forte defesa onde seu uso se

torna exclusivo, a fim de atender e simplesmente agradar ao meio ambiente. O

uso do falso Self numa forma excessiva encobriria, nos casos mais graves, o

verdadeiro Self, deixando transparecer somente a “casca”, o “socialmente

aceito” e não a real pessoa. Nas pacientes de lúpus, supõe-se um uso maior

do falso Self, pela dificuldade que se observa nas pacientes em “negociar” com

o meio ambiente, passando a mostrar-se” flexíveis” nos relacionamentos com

as outras pessoas, pela sua dificuldade de expor seus desejos. Podemos,

portanto, facilmente depreender como este ser em desenvolvimento precisa de

um “meio ambiente maternante”, capaz de dar o “holding” e o “handling” que o

bebê necessita, para que possa alcançar um desenvolvimento saudável.

Porém, nem sempre é possível um desenvolvimento infantil sustentado, com

uma mãe capaz de dar o “holding” e “handling” que a criança necessita.

43

Winnicott (1982), afirma que uma boa proporção de mães e pais,

em virtude de doenças sociais, familiares e pessoais, não consegue fornecer à

criança condições suficientemente boas a época de seu nascimento. Durante o

desenvolvimento, o bebê é capaz de suportar adversidades e tensões,

contanto que ele possa confiar no “meio ambiente maternante”. Porém, se o

meio ambiente primário se apresentar como inóspito provocando “tensão” e/ou

inconstância afetiva, a sensação de segurança e continuidade de ser deixa de

existir, e surge, então, uma tendência natural de sobrevivência, de buscar

defesa fazendo uso do falso Self, a fim de poder lidar com este meio ambiente

e se adequar a ele.

A maior força motivadora da personalidade é o impulso para a

realização do self. Embora essa ânsia pela auto realização seja inata, pode

ser incentivada ou reprimida por experiências da infância e por aprendizagem.

Rogers enfatizava a importância da relação entre mãe e filho por ela afetar no

senso de self em evolução na criança. Se a mãe satisfaz a necessidade de

amor do bebê, que Rogers chamou de atenção positiva, ele provavelmente

terá uma personalidade saudável. (Rogers, 1961).

Para Rogers (1961), se a mãe condiciona o amor pelo filho a um

comportamento adequado (atenção positiva condicional), ele internalizará essa

atitude e desenvolverá condições de valor. Nesse caso, a criança se sentirá

valorizada somente sob determinadas condições e tentará evitar

comportamentos considerados reprováveis. Consequentemente, a noção de si

mesma não se desenvolverá plenamente. A criança não será capaz de

expressar todos os aspectos de si própria porque aprendeu que alguns desses

comportamentos produzem rejeição.

Desse modo, o principal requisito para o desenvolvimento da saúde

psicológica é a atenção positiva incondicional na infância. O ideal seria que a

mãe demonstrasse o amor e a aceitação à criança, independentemente do seu

comportamento. A criança que recebe atenção positiva incondicional não

desenvolve condições de valorização e assim não terá de reprimir nenhuma

44

parte emergente de si. Somente dessa maneira a pessoa eventualmente é

capaz de obter a auto-realização (Rogers, 1961).

A teoria dos objetos de Klein concentrava-se na ligação emocional

intensa entre mãe e filho, principalmente durante os seis primeiros meses de

vida do bebê. Descreveu a ligação entre o bebê e a mãe em termos

emocionais e cognitivos e não em termos sexuais. Na visão de Klein, o seio

materno seria o primeiro objeto parcial para o bebê, que o julgaria como sendo

bom ou não, dependendo da satisfação do instinto do id. Dessa forma, o bebê

percebe o seu ambiente, definido e representado com base

nesse objeto parcial bom ou ruim, como satisfatório ou hostil. À medida que se

expande o objeto do bebê, ele se relaciona com objetos completos (a mãe

como pessoa, por exemplo) e não com objetos parciais, e define

aqueles objetos completos do mesmo modo como definiu o seio, ou seja,

satisfatórios ou hostis. A interação social inicial entre a mãe e o bebê é

generalizada a todos os objetos (pessoais) da vida da criança e assim a

formação da personalidade do adulto baseia-se na natureza da relação dos

primeiros seis meses de vida. O existir humano é marcado pelo ser e atuar

com o outro no mundo e ao mesmo tempo atribuir significação, dar sentido, a

esta experiência.

Para Heidegger (1989), a relação humana autêntica desvela-se por

seu caráter envolvente e significante. O relacionar-se com o outro de maneira

envolvente e significante é o que Heidegger chama de “solicitude”, que implica

o “ter consideração” para com o outro e o “ter paciência” com o outro.

Essas características da solicitude – o ter paciência e consideração

– não se fundam em princípios morais, “mas na maneira como se vive com os

outros através das experiências e expectativas”. A consideração que se devota

ao outro tem por referente a experiência que com ele se vivenciou – funda-se

no passado. Enquanto que a paciência decorre da esperança de que algo

venha a acontecer – apresenta um sentido presente-futuro. Conforme

Heidegger, a solicitude pode ser vivenciada no cotidiano de duas maneiras

45

extremas: a primeira desvela-se pelo cuidar do outro “saltando sobre ele” e o

dominando e, a segunda, caracteriza-se pelo “saltar diante do outro”,

libertando-o. A primeira forma de solicitude implica tudo fazer pelo outro, em

“por o outro no colo”, manipulá-lo, mesmo que de modo sutil. A segunda

maneira de solicitude consiste em se antecipar ao outro em sua existência,

possibilitando a ele “assumir seus próprios caminhos, crescer, amadurecer,

encontrar-se consigo mesmo”. A solicitude pode ser vivenciada de modo

deficitário nas relações humanas, expressando-se, neste caso, como descuido,

desinteresse, descaso, indiferença, desconsideração, competição.

Cuidar em sua expressão latina significa zelar, relacionar com algo,

e Heidegger denomina o cuidar como a estrutura fundamental do ser-aí, do

humano. O cuidado ou "cura" define o homem como ser-no-mundo no seu

existir, no seu estar-lançado no mundo, na ocupação com os entes que vêm ao

seu encontro: "Todos os comportamentos e atitudes do homem são dotados

de cura e guiados por uma dedicação" (Heidegger, 1989, p. 265).

O cuidado é, de fato, primordial e não pode ser reduzido a

fenômenos como o desejar, o querer, o urgir, etc. Pelo contrário, ele mostra

que são estes fenômenos que estão baseados no cuidado.

Esse cuidado proporciona a possibilidade do bebê se sentir seguro e

confiante para poder-ser já desde o início, lançar mão do seu potencial criativo.

Poder criar é o requisito essencial para a futura vida emocional, cultural e

social, bem como para se poder-ser-no-mundo.(Heidegger, 1989).

Para consternação de muitos pais, a criança constrói em sua

personalidade, os aspectos da personalidade deles que lhe causaram

impressão mais profunda, não os que gostariam que ela internalizasse. São

frequentemente traços que os próprios pais não aprovam, mas que se

adaptam às necessidades ou aos desejos atuais do filho (Betellheim, p.129).

46

2.1.1 – Filho real ou ideal?

Um filho nasce, na verdade, mesmo antes do seu nascimento, isto

é, quando um casal se une e sonha em constituir uma família, já naquele

momento a futura criança passa a existir na imaginação dos futuros pais.

Quantos jovens namorados escolhem os nomes dos seus improváveis filhos?

Quantos deles sonham que terão um casal de filhos, com certa diferença de

idade entre eles e que a menininha será loira como a mãe e o menininho será

teimoso como o pai? Quando surge a gravidez amplia-se esse campo fértil em

que todo tipo de expectativa e idealização, em relação ao futuro bebê, é

colocado em marcha. O bebê passa a ser “sonhado” pelo casal; sonho que já

define qual será o seu lugar na atmosfera emocional da família. Essas coisas

sempre se dão dessa maneira e faz parte da natureza humana; todos nós,

desejados ou não, somos frutos dessa expectativa dos nossos pais. O

problema surge quando não há outro destino possível para a criança e ela

precisa atender, a qualquer custo, as exigências dos seus pais. São pais bem

intencionados, mas que não percebem que aprisionam os seus filhos numa

trama, muitas vezes, incompreensível para todos. Essas crianças se tornam

inseguras e incapazes de se sentirem boas o suficiente porque sentem que

nunca poderão agradar, verdadeiramente, os seus pais. Lembro-me de um

garoto de oito anos a quem darei o nome de Mário. Seus pais se preocuparam

porque Mário se isolava e apresentava dificuldades na escola tanto na

aprendizagem quanto no convívio com os outros garotos. Mário sentia-se

inseguro e sempre tinha dúvidas se estava fazendo a coisa certa. Seus pais

eram inteligentes, fortes e vaidosos e não podiam, inconscientemente, aceitar

que seu filho tivesse algum tipo de dificuldade ou fraqueza. Mário foi “sonhado”

pelos pais como um menino ideal, mas ele não conseguia atender a pressão

desse ideal. Para Mário não seria possível ser médico, bem-sucedido e

engraçado como seu pai e, portanto, ele seria nada. Aos poucos, percebemos

que Mário interessava-se por música e era muito talentoso com as palavras.

Ele era inteligente, sensível e com humor refinado. Seus pais precisaram de

ajuda para elaborar o luto daquele filho idealizado que, de fato, nunca existiu.

47

Aos poucos, foi surgindo um Mário que queria experimentar as coisas do seu

próprio jeito, mas que precisava, sobretudo, do verdadeiro consentimento e

reconhecimento de seus pais. Assim, aos poucos, surgia o verdadeiro Márioi

(Barsuglia, 2011).

Muitos são os motivos que levam um casal a planejar o nascimento

de um filho ou a se organizar para recebê-lo. Mesmo quando a criança não é

planejada, alguns fatores irão determinar o lugar que ela ocupará na família. A

decisão de ter um filho está relacionada com o momento de vida dos genitores.

O filho pode ser planejado de acordo com o cotidiano dos pais, porém algumas

crianças podem ser geradas como substitutas de realizações não alcançadas

pelos pais ou quando eles têm pouco contato social ou poucas atividades extra

domésticas. Podem ser geradas, também, para tentar encobrir um momento

de crise, falta de intimidade do casal ou como resolução de conflitos.

Segundo Sole (2005), os pais revivem seu narcisismo e atribuem ao

bebê todas as suas perfeições, além de concederem a ele privilégios que eles

próprios foram obrigados a abandonar. É na confluência da imagem desse

corpo idealizado e unificado pelo discurso apaixonado dos pais que se constitui

a primeira forma do Eu do sujeito, segundo Freud (1973 d), o Eu ideal.

Dessa forma, a imagem corporal idealizada, unificada, refletida no discurso e

nos olhos dos pais vai dar ao bebê a ilusão que mais tarde terá que reformular:

a posição de “sua majestade, o bebê”.

Muitas são também, as expectativas criadas em torno de um filho no

que se refere ao seu futuro, se ele vai corresponder ou não às idealizações

que lhe são colocadas desde o momento da concepção. É comum que essas

fantasias estejam ligadas aos conteúdos emocionais dos genitores e que

atendam a uma idealização dentro dos padrões de nossa sociedade, padrões

que enfatizam o perfeito, o saudável, o bonito.

De acordo com Laplanche & Pontalis, 1995, a idealização é um

processo psíquico, pelo qual, as qualidades e o valor do objeto são levados à

perfeição.

48

A relação entre a mãe e seu bebê começa antes mesmo da criança

ser gerada, já pelo lugar que ela ocupa no inconsciente materno enquanto

objeto de desejo. Esse corpo imaginado passa a se tornar objeto de

investimentos afetivos. A mãe atribui ao filho todas as perfeições possíveis e

ocultas e esquece todas as deficiências, salientando que a doença, a morte, a

renúncia ao prazer, e quaisquer restrições a sua própria vontade, não o

atingirão. (Aulagnier, 1991).

2.2 – Os vínculos definem a qualidade da relação

Conceituando vínculo, de acordo com Cabral e Nick, (2003) é a

conexão entre estímulo e reação ou, mais genericamente, entre dois

processos psicológicos de qualquer natureza (p.321).

Cury (2003) afirma que os filhos registram tudo sobre os pais, tanto

as imagens negativas quanto as positivas. Todas. Eles arquivam diariamente

os seus comportamentos, sejam eles inteligentes ou estúpidos. O que gera os

vínculos inconscientes não é só o que os pais dizem aos filhos, mas também, o

que eles veem nos pais. Muitos pais falam coisas maravilhosas para suas

crianças, mas tem péssimas reações na frente delas: são intolerantes,

agressivos, parciais, dissimulados. Com o tempo, cria-se um abismo emocional

entre pais e filhos. Pouco afeto, mas muitos atritos e críticas. Tudo o que é

registrado não pode mais ser deletado, apenas reeditado através de novas

experiências sobre experiências antigas. Reeditar é um processo possível,

mas complicado. A imagem que seu filho construiu de você não pode mais ser

apagada, só reescrita. Construir uma excelente imagem estabelece a riqueza

da relação que você terá com seus filhos.

As maneiras de os pais criarem seus filhos tem enorme influência

sobre seu desenvolvimento e sobre o tipo de pessoa em que se transformarão

(p.23) .

De acordo com (Tiba, 2002), a incoerência, a insegurança e a

inconstância são venenos mortais para a boa educação (p.111).

49

Shinyashiki (1992), afirma que, segundo o psicólogo norte-

americano Stephen Karpman, quando as pessoas não aprendem a crescer

juntas desenvolvem personagens negativos que atrapalham sua vida.

Perseguidores, Salvadores e Vítimas são personagens negativos

das pessoas que dedicam muito mais energia a criar problemas do que

desenvolver relacionamentos construtivos.

Segundo Shinyashiki (1992), a rigidez pode transformar o pai no

perseguidor que vive apontando defeitos e corrigindo os filhos. Esse tipo de pai

acredita que a única maneira de ajudar o filho a crescer é pressionar e exigir

perfeição. Para se sentir no direito de apontar os erros dos outros, consideram-

se perfeitos e fogem a qualquer topo de autocrítica. O restante do mundo está

aí para ser corrigido. São pessoas que nunca relaxam e provocam na vida dos

entes queridos uma tensão contínua.

Os pais perseguidores querem mostrar que estão sempre certos e

que o filho está sempre errado. Consideram-se os donos da verdade e da

virtude. Criam filhos assustados, que se sentem constantemente vigiados e

vivem com medo de serem surpreendidos e criticados.

Pais salvadores superprotegem os filhos e impedem que sua corda

se estique ao ponto em que os filhos possam tocar a música da sua vida. Eles

querem ser a fonte eterna de afeto e compreensão dos filhos e fazem deles

seres mimados que, mais tarde, se sentirão perdidos diante do menor

obstáculo. Filhos que não andam sobre as próprias pernas desconhecem sua

capacidade de superar desafios e não aprendem a ir além das suas limitações.

Não se confunda afeto com superproteção. Enquanto o primeiro favorece o

crescimento, a segunda aniquila a motivação para crescer, castra a

capacidade de autonomia e inibe a conquista da liberdade. Ser pai não é

eliminar os obstáculos da vida dos filhos, mas oferecer-lhes ajuda para que

desenvolvam a capacidade de superá-los.

50

Pais vítimas do destino não conseguem tocar sua música pessoal e

vivem querendo ensinar aos filhos que a realização pessoal é um sonho

impossível. São pessoas que se colocam como vítimas, pois, se sentem

injustiçadas e desamparadas. Não conseguem dar um sentido de realização à

própria vida. Estão sempre culpando os outros por seus fracassos.

Os pais vítimas precisam aprender que cada pessoa tem dentro de

si a capacidade de estabelecer metas e de atingi-las. Muitas vezes, o maior

obstáculo está em complicar os próprios problemas para poder reclamar

bastante da vida.

Quando os filhos recebem o afeto e a estrutura de que necessitam,

podem transformar-se em adultos que se sentem amados e confiantes em si

mesmos e na vida.

A neurociência afetiva mostra a influência do relacionamento familiar

sobre o desenvolvimento do cérebro, da empatia e das várias inteligências nos

primeiros anos de vida. Portanto, é possível plantar as sementes da paz e da

solidariedade nos primórdios da vida (Goleman, 1995).

Segundo Bettelheim (1998):

O objetivo ao se criar um filho é permitir que ele, em primeiro lugar,

descubra quem quer ser e, depois se torne uma pessoa capaz de satisfazer-se

consigo mesma e com sua maneira de viver. Eventualmente deve ser capaz de

fazer na vida o que lhe pareça importante, desejável e conveniente; de

desenvolver relações construtivas, satisfatórias e mutuamente enriquecedoras

com outras pessoas, e de suportar bem as pressões e as dificuldades que,

inevitavelmente, encontrará durante a vida. Em relação a tudo isso os pais não

são apenas os primeiros professores do filho, são aqueles a partir de quem e

através de quem ele se orienta; ele os observa e estuda todo o tempo para ver

o que estão fazendo, como estão fazendo e com que sentimentos, exibidos

abertamente, oras negados ou até mesmo reprimidos. Assim os pais mostram-

lhe quem ser e como ser o ultimo sempre decorrendo do primeiro. Esse

51

conhecimento é muito mais importante para a vida presente e futura da criança

do que a aquisição de fatos ou habilidades.

Portanto, Goleman (1995) afirma que, o ato de educar e cuidar se

constitui no processo em que a criança ou o adulto convive com o outro e, ao

conviver com o outro, se transforma espontaneamente, de maneira que seu

modo de viver se faz progressivamente mais congruente com o do outro no

espaço de convivência. Ocorrendo durante a infância e a juventude a

possibilidade do ser converter-se num ser capaz de aceitar e respeitar o outro

a partir da aceitação e do respeito de si mesma, se tornando no começo de

uma vida adulta, social e individualmente responsável.

A vida em família é onde iniciamos a aprendizagem emocional;

nesse caldeirão íntimo aprendemos como nos sentir em relação a nós mesmos

e como os outros vão reagir a nossos sentimentos; aprendemos como avaliar

nossos sentimentos e como reagir a eles; aprendemos como interpretar e

manifestar nossas expectativas e temores. Aprendemos tudo isso não somente

através do que nossos pais e do que dizem, mas, também através do modelo

que oferecem quando lidam, individualmente, com os seus próprios

sentimentos e com aqueles sentimentos que se passam na vida conjugal.

Alguns pais são professores emocionais talentosos, outros são atrozes.

Há centenas de estudos que demonstram que a forma como os pais

tratam os filhos – se com rígida disciplina ou empática compreensão,

indiferença ou simpatia, etc – tem consequências profundas e duradouras para

a vida afetiva da criança. Mas só recentemente surgiram dados concretos que

mostram que ter pais emocionalmente inteligentes é em si de enorme proveito

para a criança. A maneira como um casal lida com os seus sentimentos, além

do trato direto com a criança, passa poderosas lições para seus filhos, que são

aprendizes astutos, sintonizados com os mais sutis intercâmbios emocionais

na família. ( p.204).

Goleman, (1995), cita os três mais comuns padrões de pais

emocionalmente inábeis. São eles:

52

• Ignorar qualquer tipo de sentimento. Esses pais consideram a

perturbação emocional do filho como algo banal ou que os chateia, uma

coisa que passará com o tempo. Não aproveitam o momento para uma

aproximação maior com o filho ou para iniciá-lo na competência

emocional.

• Laissez-faire. Esses pais sabem o que o filho está sentindo, mas

partem do princípio que qualquer que seja a forma com que a criança vá

lidar com a tempestade emocional está ótimo- por exemplo, até mesmo

batendo em alguém. Tal como aqueles pais que ignoram os sentimentos

da criança, estes pais raramente intervêm para sugerir ao filho um

sentimento diferente. Tentam aliviar todas as perturbações e, por

exemplo, serão capazes de “comprar” acriança para que ela não fique

triste ou zangada.

• Ser muito rigoroso, não respeitar o que a criança sente. Esses pais

são em geral desaprovadores, severos nas críticas e nos castigos.

Podem, por exemplo, proibir qualquer manifestação de raiva e castigá-

las ao menor sinal de irritabilidade. São os pais que berram irados com

a criança que tenta argumentar: “Não fale assim comigo!”

Há pais que aproveitam um momento de perturbação do filho para

agir como uma espécie de treinador ou mentor emocional. Levam os

sentimentos do filho tão a sério que fazem tudo para entender o que

exatamente se passou e para ajudá-lo a encontrar uma forma de não se sentir

tão mal.

Para serem treinadores tão eficientes, os próprios pais devem ter

uma compreensão profunda acerca dos rudimentos da inteligência emocional.

Uma das coisas que uma criança deve saber, e que faz parte de sua

aprendizagem emocional, é, por exemplo, distinguir sentimentos; se, por

exemplo, um pai está fora de sintonia com seu próprio sentimento de tristeza,

ele não será capaz de ajudar o filho, a saber, a diferença que há entre

lamentar uma perda, sentir-se triste num filme triste e sentir tristeza porque

53

alguma coisa ruim aconteceu com alguém que a criança gosta. Além dessa

distinção, há compreensões mais sofisticadas acerca de emoções, como, por

exemplo, saber que a raiva vem do fato de nos sentirmos magoados (p.205).

Segundo Shinyashiki (1992), a criança também tem reações e

necessidades que ela mesma precisa conhecer e com as quais deve aprender

a lidar: são as carências, que cessam com alimento, carinho, sono e colo. Ela

se descobre em um mundo cheio de acontecimentos que, às vezes, tem lógica

e outras não. Percebe-se dentro de um universo que necessariamente tem de

compreender, pois, não há chance de voltar a seu “país de origem”. Ser pai de

uma criança é apresentá-la a si mesma e ao mundo com carinho, atenção e

respeito.

Para Goleman (1995) os problemas são maiores para as crianças

cujos pais são grosseiramente ineptos, imaturos, viciados em drogas,

deprimidos ou cronicamente raivosos, ou simplesmente desnorteados e

vivendo de forma desordenada. Pais nessa situação tendem a não cuidar

adequadamente dos filhos e, muito menos, a entrarem em sintonia com as

necessidades emocionais deles. Há estudos que constatam que a negligência,

pura e simples, pode ser mais prejudicial que os maus tratos diretos. Uma

pesquisa feita com crianças maltratadas constatou que os jovens que foram

negligenciados eram os que tinham o pior desempenho escolar: eram os mais

ansiosos, desatentos e apáticos, alternando agressividade com retraimento.

É na tenra infância, no berço, que as crianças recebem dos pais os

ensinamentos emocionais que levarão para suas vidas (p.206).

Á medida que crescem, as crianças vão adquirindo maturidade para

chegar a um outro nível de aprendizagem emocional. Mudam as crianças e

muda a forma como elas lidam com as emoções. As lições de empatia

começam na infância, com pais em sintonia com os sentimentos de seus

bebês. Embora algumas aptidões emocionais sejam aperfeiçoadas com os

amigos ao longo da vida, pais emocionalmente aptos muito podem fazer para

ajudar os filhos em relação a cada um dos elementos básicos da inteligência

54

emocional: aprender a reconhecer, controlar e canalizar os sentimentos; ter

empatia; e lidar com os sentimentos que afloram em seus relacionamentos

(Goleman, p.205, p. 206, 1995).

2.3 – Limites e disciplina

Os psicólogos têm tido muito trabalho para corrigir uma das maiores

distorções que o uso popular fez das teorias psicológicas: a de que não se

deve frustrar a criança para que ela não fique traumatizada. Não existe teoria

cientificamente validada que recomende a falta de limites como método de

criar filhos sem problemas.

São nebulosas as origens desse erro de interpretação: remontam à

década de 60, com as experiências de Summerhill, a onda da liberação sexual

e do movimento hippie. No Brasil, a revolta contra o autoritarismo não só da

família patriarcal como também do regime ditatorial, o horror à repressão e à

censura(“é proibido proibir”), entre outros fatores, acrescentaram outras

pinceladas a esse quadro que, segundo o ditador inglês, fez com que muitas

famílias acabassem “jogando o bebê fora com a água do banho”. Temendo

serem vistos como castradores, repressivos e autoritários, muitos pais

deixaram de exercer a autoridade parental e tornaram-se permissivos,

inaugurando a “era da infantocracia”, que tem tido resultados desastrosos,

porque não consegue transmitir os valores básicos do convívio: respeito,

consideração, cooperação, generosidade, solidariedade, responsabilidade.

Entre as causas mais comuns da educação permissiva,

encontramos o desejo de oferecer aos filhos uma educação diferente da que

receberam no regime autoritário; sentimentos de culpa ( por trabalharem muito,

por terem se separado, por disporem de pouco tempo com os filhos), gerando

a necessidade de “indenizá-los”, dando-lhes tudo o que pedem ou deixando

que façam tudo o que querem; o desejo de conquistar o amor do filho, o que os

leva a distorcer a noção de “bons pais” como sendo aqueles que cedem a

todos os desejos.

55

A falta de limites prejudica o controle da agressividade (a criança

cresce pensando que os outros têm obrigação de satisfazer seus desejos de

imediato e aceitá-la “do jeito que ela é”, mesmo quando se torna insuportável);

dificulta o controle da raiva (agride as pessoas quando contrariada, não

aprende a atacar o problema sem desrespeitar os outros); diminui a tolerância

à frustração (dificuldade de pensar em alternativas criativas quando não obtêm

o que deseja) e a capacidade de esperar para conseguir o que quer; estimula a

tirania, o egocentrismo (dificuldade de perceber que os outros também tem

direitos e desejos). Isso resulta em distúrbios de conduta e na sensação de

vazio e de insatisfação (quanto mais tem, mais quer). O uso de drogas e outras

formas de consumo compulsivo tentam preencher, inutilmente, esse vazio.

Entre autoritarismo e permissividade “há o caminho do meio”:

existem ocasiões em que “não é não” (questões inegociáveis) e outras em que

crianças e jovens buscam, junto com os adultos, meios de solucionar impasses

e conflitos de modo satisfatório para todos, em clima de respeito e

consideração. Limites colocados com firmeza e serenidade são expressões de

amor e de cuidado que estimulam crianças e jovens a serem pessoas capazes

de contribuir positivamente para a sociedade (Maldonado, 2006, p. 27 e 28).

De acordo com Tiba (1996), as crianças aprendem a comportar-se

em sociedade ao conviver com outras pessoas, principalmente com os próprios

pais. A maioria dos comportamentos infantis é aprendida por meio da imitação,

da experimentação e da invenção. Quando os pais permitem que os filhos, por

menores que sejam, façam tudo o que desejam, não estão lhes ensinando

noções de limites individuais e relacionais, não estão lhes passando noções do

que podem ou não podem fazer. Os pais usam diversos argumentos para isso:

“eles não sabem o que estão fazendo”; “são muito pequenos para aprender”;

“vamos ensinar quando forem maiores”; “sabemos que não devemos deixar...

mas é tão engraçadinho” etc. É preciso lembrar que uma criança, quando faz

algo pela primeira vez, sempre olha em volta para ver se agradou alguém. Se

agradou, repete o comportamento, pois entende que agrado é aprovação, e ela

ainda não tem condições de avaliar a adequação do seu gesto. Portanto, cada

56

vez que os pais aceitam uma contrariedade, um desrespeito, uma quebra de

limites, estão fazendo com que seus filhos não compreendam e rompam o

limite natural para seu comportamento em família e em sociedade.

Tiba (1996) ainda afirma que, hoje, os grandes responsáveis pela

educação dos jovens na família e na escola não estão sabendo cumprir bem

seu papel. É a falência da autoridade dos pais em casa, do professor em sala

de aula, do orientador na escola. Discussões homéricas surgem nas famílias

por causa de indisciplina, dificultando bastante a convivência entre as partes.

Mães ficam mal-humoradas porque as crianças bagunçam o quarto e pais se

exasperam porque os filhos se esquecem de apagar a luz.

Porém o pior ocorre quando um filho responde mal. Isso lhes estraga o

dia. Muitos alunos também não respeitam seus professores, e essa indisciplina

prejudica o ensino e a aprendizagem. Professores e orientadores têm

dificuldade em estabelecer limites na sala de aula e não sabem até que ponto

devem intervir em comportamentos inadequados que ocorrem nos pátios

escolares. Onde foi que os educadores se perderam? Antes de responder a

qualquer pergunta, é preciso levar em conta que essa geração viveu a questão

da disciplina de um modo peculiar e sofrido. Primeira, a geração dos avós;

segunda, a geração dos pais e professores; terceira, a geração dos jovens.

Pois bem, a primeira geração educou seus filhos de maneira patriarcal

com autoridade vertical — o pai no ápice e os filhos na base. Esta era obrigada

a cumprir tudo o que o ápice determinava. Com isso, a segunda geração foi

massacrada pelo autoritarismo dos pais, e decidiu refutar esse sistema

educacional na educação dos próprios filhos.

Tiba (2006) afirma que, na tentativa de proporcionar a eles o que

nunca tiveram, os pais da segunda geração acabaram caindo no extremo

oposto da primeira: a permissividade.

57

Para Maldonado (2006), a Psicologia contribuiu muito para isso ao

divulgar frases como: “Não reprima seu filho”, “Seja amigo de seus filhos”,

“Liberdade sem medo”.

Boa parte dos adultos quis aderir ao modelo horizontal, em que pais

e filhos têm os mesmos direitos, evitando neuroticamente o uso da autoridade,

por confundi-la com autoritarismo.

As intensas mudanças vividas de maneira muito rápida pela

segunda geração tiveram um custo na educação da terceira, cujo preço,

provavelmente alto, ainda não podemos estimar. Esses jovens ficaram sem

noção de padrões de comportamento e limites, formando uma geração de

“príncipes” e “princesas” com mais direitos que deveres, mais liberdade que

responsabilidade, mais “receber” que “dar” ou “retribuir”. Tais “príncipes

domésticos” querem ser, também, “príncipes sociais”, mas acabam frustrados,

pois as regras da sociedade são outras, muito diferentes das válidas na

família. As instituições de ensino, cuja tarefa é introduzir as crianças nas

normas da sociedade, muitas vezes se omitem. O professor também perdeu a

autoridade inerente à sua função. Quanto maior a perda, mais anárquica

tornou-se a aula. Ao admitir um “príncipe escolar”, em vez de ajudar o aluno a

viver em sociedade, o professor acaba por prejudicar seu crescimento.

É preciso recuperar a autoridade fisiológica, o que não significa ser

autoritário, cheio de desmandos, injustiças e inadequações.

Autoridade é algo natural e que deve existir sem descargas de

adrenalina, seja para se impor, seja para se submeter, pois é reconhecida

espontaneamente por ambas as partes. Desse modo, o relacionamento

desenvolve-se sem atropelos.

O autoritarismo, ao contrário, é uma imposição que não respeita as

características alheias, provocando submissão e mal-estar tanto na adrenalina

daquele que impõe quanto na depressão daquele que se submete. É essencial

58

à educação saber estabelecer limites e valorizar a disciplina. E para isso é

necessária a presença de uma autoridade saudável.

O segredo que difere autoritarismo do comportamento de autoridade

adotado para que a outra pessoa (no caso, filhos ou alunos) torne-se mais

educada ou disciplinada está no respeito à autoestima (p. 15 à p.19).

Desenvolver a paciência e a flexibilidade para descobrir a melhor

via de acesso ao diálogo com a criança é o grande desafio de pais e

educadores. Um limite colocado de modo duro e incisivo pode ser muito eficaz

para algumas crianças, mas assustar desnecessariamente as mais sensíveis.

Os limites são importantes para desenvolver a flexibilidade de aceitar uma

impossibilidade e se interessar pelas alternativas possíveis (2006, p. 30).

Nesse sentido, Brown (1990) aconselha:

“Veja e ouça seu filho, respire fundo e sinta sua própria

pessoa. Trabalhar com o agora abre caminho para a

resposta autêntica, para a comunicação. Não há mágica,

tampouco perfeição. A mudança necessária para se

estabelecer o contato leva tempo”.

Afirma ainda que, os pais tem medo excessivo de que, se revelarem

sua falibilidade humana, venham a perder parte da autoridade e do poder de

seu papel. Nosso verdadeiro poder nasce daqueles momentos plenos e frágeis

em que nos ligamos intimamente com os membros de nossa família. (Brown,

1990, p.146)

Para Zagury (2002), é fundamental acreditar que dar limites aos

filhos é iniciar o processo de compreensão e apreensão do outro (atualmente

muita gente acredita que o limite provoca necessariamente um trauma

psicológico e, em consequência, acaba abrindo mão desse elemento

fundamental na educação). Ninguém pode respeitar seus semelhantes se não

aprender quais são os seus limites — e isso inclui compreender que nem

sempre se pode fazer tudo que se deseja na vida. É necessário que a criança

59

interiorize a ideia de que poderá fazer muitas, milhares, a maioria das coisas

que deseja — mas nem tudo e nem sempre. Essa diferença pode parecer sutil,

mas é fundamental. Entre satisfazer o próprio desejo e pensar no direito do

outro, muitos tendem a preferir satisfazer o próprio desejo, ainda que, por

vezes, prejudique alguém. A criança que não aprende a ter limites para o seu

querer, para os seus desejos e vontades, que tudo quer e tudo pode, tende a

desenvolver um quadro de dificuldades que se vai instalando passo a passo.

Afirma ainda que, existem comportamentos nos filhos que para se

confirmarem mais tarde precisam, na infância, ser internalizados

imperativamente. Assim, manter a firmeza com os filhos e não se deixar vencer

pelo “choro” ou pela “birra”, também ajuda a educá-lo, pois a definição da

autoridade dos pais não se dá pela violência, mas pela palavra cumprida e

segura.

Sobre tal, afirma Zagury (2002):

“Enquanto nossos filhos são pequenos e até que eles tenham

maturidade para tomar decisões, é bom que eles pensem que não lhes

daremos opções sobre alguns assuntos” (p.35).

Assim, hoje em dia percebe-se, sobretudo, refletido na escola, que

faltou essa internalização de autoridade na personalidade do aluno, uma vez

que não ficou definida nos seus conceitos essa autoridade como capacidade

de mostrar o melhor, de sinalizar o perigo, de zelar e cuidar, o adolescente não

se submete à obediência de ninguém e muito menos aceitará fazer o que o

adulto (professor, orientador, diretor) lhe sugerir. Tudo isso porque sempre

burlou a autoridade dos pais ou se acostumou a ver seus pais voltando atrás

na autoridade e na palavra empenhada.

Dessa forma, educar os filhos exercitando com eles a obediência e

a capacidade de se submeter à autoridade dos pais, é um excelente

laboratório para fazê-lo valorizar as pessoas e saber ouvi-las. Para tal, a única

coisa que pode garantir a aprendizagem do filho sobre esse exercício é o

60

exemplo. Fazer “o que eu faço” e não apenas “o que digo”, desperta no filho

confiança e segurança no que os pais dizem, como comenta Zagury (2002):

“Só assim o jovem e a criança

entendem que as coisas com você

são para valer” (p.40).

Nessa outra perspectiva, a tendência dos filhos será de copiar para

si a atitude dos pais já que junto da firmeza existe a docilidade e não a rigidez.

Com essa postura, o filho se sentirá orientado e educado e não amedrontado,

sem referencial ou o centro das atenções. No último caso, ele poderá até

mesmo sentir-se precocemente “dono do próprio nariz” e não reconhecer a

autoridade dos professores em sala. Diante disso, o exercício da firmeza deve

continuar conduzindo a educação dos filhos no discernimento de suas

atribuições em casa, os resultados poderão ser observados na convivência, na

escola e no seu relacionamento social.

Portanto, assim como o exemplo pode convencer os filhos, a prática

de pequenas obrigações na família pode desenvolver lhes o valor da

responsabilidade.

Sobre isso, afirma ainda Zagury (2002):

“Assumir funções fará com que o jovem se

sinta participante de uma comunidade, e não

mero usufruidor do que os pais produzem”.

Diante disso, Zagury (2002) afirma que é bastante salutar educar os

filhos como seres cooperadores para que na escola os mesmos aperfeiçoem o

relacionamento interpessoal, a capacidade de responder a solicitações, para

ser participativo do meio que o cerca. Entretanto, muitos pais pedem socorro à

escola, porém, de modo errado quando transferem à mesma suas

responsabilidades primeiras, pois, observa-se que a relação entre pais e filhos

vem mudando as últimas gerações, tornando-se mais racionalizada e menos

afetiva, do que se conclui que nem tudo é positivo nessa mudança.

61

Infelizmente, como sinônimo de modernidade, o autoritarismo torna-

se prática comum na relação familiar marcando a impotência dos pais diante

de muitas situações (p.43).

A esse respeito afirma López (2002):

O autoritarismo provoca irresponsabilidade, imaturidade, o “deixar

fazer”, a falta de atuação convincente deixam a criança sem referência e

provoca angústia, insegurança, o que será aproveitado por outros “modelos”

para cobrir o vazio existente... a televisão, os amigos, ou a rua. As

consequências serão, então, facilmente previsíveis, e de nada adiantará

lamentar-se ou jogar a culpa nos outros.

Sabe-se que educar não é uma tarefa fácil e o que deve estar mais

claro é que através do autoritarismo não se conseguirá confiança e

aproximação dos filhos. Esta atitude, geradora de grandes prejuízos para a

família e para a escola, traz passividade, agressividade, imaturidade, etc.

Convém, no entanto, que os pais não abandonem, por excesso de

modernismo, a autoridade que lhes cabe no dia-a-dia dos filhos. Essa prática

só confirma o envolvimento da família, no desenvolvimento da criança

solidificando as relações no lar e, consequentemente, na escola, colaborando

com a autoridade do professor que é seu mediador e amigo (p.20).

Segundo Castro (2012), “o grande desafio hoje é achar o

equilíbrio entre exercer autoridade sem ser autoritário. É

saber impor os limites necessários quando crianças e

negociar os limites quando adolescentes e jovens.(..)

Cabe ao adulto não apenas dizer o que não deve ser

feito, mas o que e como fazer” ( p. 30).

Junto com o limite, a criança cria um senso de satisfação. Quando a

criança tem todos os seus desejos satisfeitos, ela continua com a ideia inicial

de “onipotência”, e isto gera um alto grau de insatisfação. Apesar de terem

tudo, esses meninos estão sempre mal-humorados, insatisfeitos, como

62

“pequenos tiranos”. Estabelecer limites é oferece a criança ou ao adolescente

os extremos, a fronteira até ela pode ir. Determinar esta fronteira é dever,

inicialmente, dos pais e, posteriormente, também dos educadores, na escola.

Quando estes limites são estabelecidos, a criança, ou o adolescente pode vir a

achar ruim, ficar de cara feia, mas fique tranquilo. Está tudo certo. Eles reagem

e, junto com esta reação, há um aprendizado para o resto da vida: aprender a

lidar com a frustração; o que é necessário e saudável. (Castro, p.33, 2012)

Segundo Tiba (1996), os limites são importantes para a formação

da personalidade. São eles que vão ajudar a criança a desenvolver a

capacidade de suportar frustrações. A colocação de limites deve iniciar cedo.

Ao nascer, a criança inicia seu processo de individualização que se

dará através dos cuidados da mãe com o bebê. Sabe-se que bebês sem

disciplina tendem a tornarem-se adolescentes e adultos que não sabem adiar

seus desejos, tendo dificuldades em lidar com seus próprios impulsos e, até

mesmo, com a realidade.

A falta de limites pode provocar desgastes na relação familiar,

excesso de castigo, culpa nos pais, e, por tudo isso, sofrimento. Além do mais,

a birra da infância pode transformar-se, mais tarde, em agressividade, violência

ou depressão.

Os pais devem ter coerência ao educar seus filhos, além de manter

suas decisões e atitudes. As crianças não entendem o “de vez em quando”,

então, se o não, vira sim, de vez em quando, o limite torna-se elástico. Por

isso, sim, deve ser sempre sim, e não, sempre não.

Apesar da revolta que os adolescentes manifestam contra

imposições de horários e de regras de conduta por seus pais considerados

ultrapassados, Rappaport (2000) diz que, “eles precisam de limites”.

Muitas vezes, os jovens que têm pais excessivamente

permissivos, que não colocam limites e não exigem explicações, chegam, por

exemplo, a imaginar um horário para chegar em casa. Isto mostra que as

imposições dos pais, desde que não sejam excessivas, é claro, servem como

63

referencial para que o jovem encontre seu próprio caminho. Ele pode ir a favor

ou contra, mas terá uma linha mestra de conduta delineada.

Embora muitas vezes seja mais fácil dizer sim, é preciso colocar

limites, e assim, ensinar aos filhos a fazer renúncias e respeitar o espaço e o

direito dos outros. Essa atitude contribuirá para que as crianças cresçam

saudáveis e felizes, aptas a se relacionarem com os outros e a viverem em

sociedade. (Rappaport, 2000).

Segundo Erikson (2000), os pais não devem se limitar a métodos

fixos de orientar por meio da proibição e da permissão; devem também ser

capazes de afirmar principalmente à criança uma convicção profunda, quase

somática, de que tudo o que fazem tem um significado. Enfim, as crianças não

ficam neuróticas por causa das frustrações, mas da falta ou da perda de

significado social nessas frustrações (p.77).

Para Brown, (1990) o mal que causamos à nossa família prejudica e

distorce todos os seus membros, tanto pais como filhos são menos do que

poderiam ser. Os filhos crescem e se transformam em adultos que são menos

do que poderiam ser vivendo com mais dor e sofrimento do que o inevitável. O

fato de o mal ser inocente não o torna benigno. Nenhum de nós quer impingir

intencionalmente os próprios problemas aos filhos. Evitar isso não significa que

tenhamos de resolver todas as questões, ou refazer nossos pais, ou anular

nossa infância por completo. Significa que é necessário nos descartar de

nossa inocência, que nos mantém amarrados a velhos modelos destrutivos,

que nos mantém culpados por usar os filhos para satisfazer nossas

necessidades emocionais. Cabe a nós desvendar a realidade do que estamos

fazendo de verdade, do que estamos sentindo de verdade e do que

precisamos de verdade em relação a nossos filhos. O perigo real está naquilo

que ocultamos (p.147).

Muitos pais não sabem frustrar seus filhos porque eles próprios não

toleram frustração. Para os pais, na maioria das vezes, o ato de estabelecer

limites é agir sem sentir prazer, para frustrar desejos imediatos em nome de

outro desejo: ver o sujeito de quem está cuidando crescer sadio e equilibrado.

64

Na construção desta educação, afetividade e limites andam juntos.( Castro,

2012, p.33).

A esse respeito, afirma Calaes (2003):

“A arte de educar exige sabedoria para distinguir aquilo em que o

educando pode ter liberdade para escolher e decidir sozinho, daquilo em que

deve ser orientado, precisando de limites claramente definidos para nortear

sua ação. Essa sabedoria requer a capacidade de ser firme e exigente, sem

perder a afetividade, a paciência, a serenidade; de ser autoridade, garantindo a

segurança dos educandos, sem ser autoritário, intransigente, sem exercer

pressão excessiva que atemoriza e inibe a iniciativa dos jovens...É na relação

afetiva explicitada, no diálogo franco e amigo, no aconchego do lar e na

interação social que se completa a personalidade humana, pela aquisição da

autonomia, princípios, valores e normas de conduta social.”(p.2).

2.3.1 – O uso de palmadas e surras como prática educativa

Por vários séculos, a imagem da infância foi aquela expressa por

Santo Agostinho (354-430 D.C.), que afirmava não existir inocência infantil.

Para ele, a criança trazia o pecado original desde o ventre de sua mãe, e

assim, representava a condenação da humanidade, e tendia sempre para o

mal. Se a infância era a personificação do pecado, a redenção deste pecado

deveria ocorrer pelo combate da infância, pela anulação da sua corrupção,

justificando as ameaças, varas e palmatórias (Ariès, 1978; Badinter, 1985;

Guerra, 1998).

O castigo físico e o infanticídio foram permitidos por lei durante

muitos séculos; a primeira lei conhecida proibindo o infanticídio só foi

promulgada no ano 374 d.C. (Badinter,1985; Gallardo, 1988; Marinopoulos,

1998; Roig & Ochotorena, 1993; Postman, 1999) (apud WEBER e tal.).

Weber, Viezzer e Brandenburg (2004) realizaram uma pesquisa pela

Universidade Federal do Paraná (UFPN) sobre o uso de palmadas e surras

como prática educativa.

65

De acordo com estas autoras, a referida pesquisa teve o objetivo de

descrever a incidência de práticas educativas parentais coercitivas,

especialmente o uso da punição corporal utilizada contingentemente ao

comportamento de crianças e adolescentes de diferentes níveis

socioeconômicos.

Responderam a um questionário com 61 questões, 472 crianças e

adolescentes de ambos os sexos e com idade entre oito e 16 anos. A maioria

dos participantes relatou que já recebera punições corporais (88,1%) e

castigos (64,8%). Sobre punições corporais, 86,1% apanharam da mãe e

58,6% apanharam do pai; 36,9% dos participantes relataram que já ficaram

machucados. A maioria dos participantes apanhou nas nádegas (64,7%), e os

punidores utilizaram mais frequentemente as próprias mãos (62,3%), embora

cinto (43,0%) e chinelo (42,3%) também tenham servido para punir. A

avaliação que os participantes fizeram sobre os métodos disciplinares revelou

uma contradição: 75,2% concordaram que, quando fazem coisas erradas, as

crianças devem apanhar, mas somente 34,5% afirmaram que utilizarão

punições corporais em seus filhos, e um número considerável (27,1%) afirmou

estar em dúvida. As implicações do uso da punição corporal foram discutidas.

Weber et tal afirmaram que as pesquisas relatadas neste trabalho

mostraram problemas com o uso de punições corporais como uma prática

educativa e, portanto, que os pais atuais precisam ter acesso ao conhecimento

de outras práticas educativas que sejam eficazes para criar e manter um

repertório de comportamentos adequados, ajudar o desenvolvimento de

habilidades sociais em seus filhos e manter uma dinâmica familiar com muita

responsividade, afeto e comprometimento. Eventualmente será preciso utilizar

alguma estratégia para reduzir ou eliminar comportamentos inadequados e/ou

transgressões aos limites. Porém, se o uso da disciplina positiva (uso de

reforçadores) for sistemática, se o estabelecimento de regras (limites) for

consistente e lógico, se houver supervisão constante, modelos positivos,

incentivo à autonomia da criança e fortalecimento de sua autoestima, não

sobrará muito espaço para a ocorrência de comportamentos inadequados

66

significativos. Os poucos que surgirem poderá ser resolvido com estratégias

menos dolorosas e indignas do que as punições corporais, tais como time out,

uso de consequências lógicas, adiamento de reforçamento, entre outras.

(Weber, Viezzer e Brandenburg, 2004)

Skinner (1953/1976), já na década de 1950, mostrava-se contrário

ao uso da punição corporal para ensinar comportamentos adequados. Apesar

de a punição corporal produzir efeito imediato que mantém a utilização desta

prática educativa, há efeitos nocivos, tais como emoções de raiva e medo e

comportamentos de esquiva diante da pessoa que pune, respostas emocionais

geradas pela punição (choro, medo, ansiedade, raiva) podem também ser

condicionadas, por meio do condicionamento pavloviano, a aparecerem em

outras ocasiões não punitivas. Assim, a punição do comportamento de mentir

de uma criança pode levá-la a apresentar os mesmos comportamentos

emocionais advindos com a punição (choro, rubor, suor) em uma situação em

que precise se expressar verbalmente.

Além da eliciação de comportamentos emocionais, há o

condicionamento de comportamentos de fuga e esquiva (por meio do

reforçamento negativo), que reduzem ou livram a criança da estimulação

aversiva ou pré-aversiva, ou seja, a criança pode simplesmente passar a fugir

e/ou evitar o agente punidor. Portanto, os comportamentos inadequados

continuam no repertório comportamental da criança, mas deixam de ser

punidos quando ela esconde-se ou mente para seus pais. Além de tudo,

Skinner enfatiza que punir um comportamento não faz com que o

comportamento adequado apareça e, ao lado disso, reforça o comportamento

dos pais que passarão a ter maior probabilidade de utilizar a punição corporal

em outras ocasiões semelhantes. Existe ainda outro aspecto importante em

relação às punições, estudado pela Análise do Comportamento, o fenômeno

chamado desamparo aprendido (Seligman, 1975/1977). O desamparo

aprendido é a incapacidade de aprendizagem de novas respostas de esquiva

diante de uma história de exposição a estímulos aversivos não contingentes a

qualquer resposta. Se as punições, especialmente corporais, não são

67

contingentes e dependem do humor dos pais, pode acontecer que ocorra o

fenômeno de desamparo, e a criança simplesmente não saiba o que fazer, não

saiba qual resposta deverá emitir para evitar as punições. O trágico, como

ressalta Matos (1982), é que a pessoa pode generalizar esse comportamento

para outras situações aversivas.

Ainda, na aplicação da punição corporal pode ocorrer uma

associação entre a dor que a criança sente e o amor em relação aos seus pais.

Geralmente a punição corporal é acompanhada por um discurso dos pais que

amam a criança e que batem para o bem dela (Cornet, 1997). Assim, a

associação entre a dor e o amor, por meio de emparelhamento de estímulos,

vai ensinar a criança a usar o mesmo método em outras situações de sua vida

ou, ainda, a suportar situações aversivas e disfuncionais que deveriam ser

terminadas (Weber, 2001).

Se o comportamento de punir é reforçador tanto para os pais quanto

para os filhos, forma-se um círculo vicioso. Este círculo perpetua-se pela falta

de conhecimento dos efeitos deste método e de outros que possam substituir a

punição corporal, como também dos próprios efeitos que reforçam o

comportamento de quem pune e, portanto, ajudam a manter tal

comportamento. Justamente pelo desconhecimento, para muitos pais bater é

considerado a melhor forma de disciplinar os filhos. Porém, disciplinar possui

diferentes significados. A maioria das definições de disciplinar encontra-se em

dois grandes campos: controlar, punir e corrigir; ou ensinar, guiar e influenciar.

Os estudos atuais (Garbarino, 1999; Hyman, 1997; Patterson, Reid, & Dishion,

1992; Straus, 2000, 2001), em sua maioria, mostram que a segunda definição

é mais efetiva na produção de comportamentos desejados.

O debate “bater versus não bater” apresenta alguns complicadores.

Em primeiro lugar, definições operacionais não diferenciam perfeitamente os

termos palmada, surra, punição corporal, espancamento. Enquanto a punição

corporal é definida como “punição aplicada em qualquer parte do corpo e de

qualquer tipo”, a famosa palmada (spanking) define-se como “um tapa,

68

aplicado com a mão aberta, nas nádegas ou em extremidades do corpo,

visando a modificação do comportamento” (Baumrind, 2001, p. 1). Em segundo

lugar, este debate volta-se para a ética e os direitos da criança. Em terceiro

lugar, a questão dos efeitos da palmada, da punição corporal, da surra leve, do

“psicotapa”, é controversa entre leigos e especialistas.

Os dados de algumas pesquisas empíricas apontam para a

condenação do uso da punição corporal (Bryant & Range, 1995; Glueck &

Glueck, 1968; Gomide, 2001; Patterson et al., 1992; Reid, Taplin, & Lorber,

1981; Welsh, 1976; Wilson & Hernstein, 1985;). Entretanto, Larzelere (2000)

defende o uso de punição corporal não muito severa para crianças de 2 a 6

anos. Um estudo liderado pelo mesmo autor indicou que a punição moderada

aliada ao diálogo (reasoning) foi a forma mais eficaz de corrigir os erros de

crianças pequenas. Os autores concluíram que a maneira pela qual a punição

é usada é mais importante do que o tipo dela (física ou não), porque as duas

formas demonstraram eficácia quando combinadas com diálogo (Larzelere,

Schneider, Larson, & Pike, 1996).

Para Straus (1991), autor que tem forte posição contra a palmada,

Larzelere somente tem certa razão em afirmar que a punição corporal traz

efeitos positivos pelo fato de ela ser imediata, ou seja, a criança pára de emitir

o comportamento inadequado. Este “efeito positivo” traz benefício para os pais,

ou seja, a obediência imediata da criança. Porém é amplamente discutido pela

Análise do Comportamento: é muito mais provável que se obtenham

consequências imediatas apresentando um estímulo punitivo do que

apresentando um reforçador (Skinner, 1953/1976; Sidman, 1995), e isso

“significa que uma pessoa, provavelmente, acha mais fácil aprender técnicas

de controle aversivo do que técnicas de reforço. No entanto, isso não significa

que as técnicas aversivas sejam melhores” (Catania, 1999, p. 128). Esse efeito

positivo imediato pode ser alcançado igualmente por uma punição não-física,

como mostram pesquisas que compararam métodos disciplinares que fazem

uso da punição corporal (a palmada) com aqueles que não o fazem (o time

69

out), e chegaram à conclusão de que os dois métodos funcionam igualmente

(Day & Roberts, 1983; Roberts & Powers 1990).

Straus (1998) ainda defende que a punição corporal pode ser eficaz

no instante em que é aplicada, mas ela traz muitos prejuízos a longo prazo,

não somente para o indivíduo como também para os outros com quem

convive, devido ao risco de delinqüência, de criminalidade violenta, de

violência contra o cônjuge.

Pesquisas realizadas com o objetivo de relacionar o recebimento de

punição corporal com alguma variável comportamental da criança encontraram

prejuízos para o desenvolvimento infantil: as crianças que apanhavam

(comparadas com as que não apanhavam) apresentaram auto-estima mais

baixa (Larzelere, Klein, Schumm, & Alibrando, 1990), comportamento mais

agressivo (Stormshak, Bierman, McMahon, & Lengua, 2000; Strassberg,

Dodge, Pettit, & Bates, 1994), altos níveis de sintomas psiquiátricos e baixo

bem-estar geral (Bachar, Canetti, Bonne, De Nour, & Shaley, 1997).

A ineficácia da punição corporal refere-se ao princípio de qualquer

punição: não mostra o que deve ser feito, apenas o que não deve. A punição

enfoca o erro e não ensina o certo (Bettner & Lew, 2000; Sidman, 1995;

Skinner, 1953/1976); então, tal comportamento pode deixar de ser emitido por

algum tempo, mas não necessariamente há a aprendizagem de qual deve ser

o comportamento adequado: “quando muito, punição somente o ensina o que

não fazer” (Sidman, 1995, p. 60).

Para Sidman (1995), além de a punição não ser eficaz na

eliminação de um comportamento em longo prazo, não contribui na construção

de um repertório comportamental mais adequado e está inserida num contexto

coercitivo. Sidman (1995) afirma que “coerção entra em cena quando nossas

ações são controladas por reforçamento negativo ou punição” (p. 51).

Para mudar as atitudes dos pais é preciso entender o que os leva a

baterem em seus filhos. Em verdade, a punição corporal é utilizada

70

principalmente pela produção de um efeito imediato, mas também pela falta de

conhecimento dos pais sobre as fases do desenvolvimento infantil, sobre

outras estratégias educativas e sobre os malefícios da educação coercitiva. A

falta de conhecimento dos pais pode produzir sentimentos de incompetência e

irritação por não saber como se comportar diante do filho. A pesquisa de

Graziano e Namaste (1990) mostra que 90,7% dos sujeitos relataram que seus

pais mostraram expressões de irritação quando bateram, e Cornet (1997)

afirma que os pais descontam nos filhos suas irritações presentes ou mesmo

passadas (pais que apanharam na infância) e tornam a agressividade um

círculo vicioso. Tendo em vista que as emoções alteram a probabilidade de

ocorrência de comportamentos públicos (Skinner, 1953/1976), compreende-se

que quando os pais estão irritados e nervosos, há maior probabilidade de eles

baterem em um nível de violência maior apenas por um pequeno

comportamento inadequado da criança. Neste caso, a punição corporal deixa

de ter um caráter educativo para transformar-se realmente em falta de

autocontrole dos pais e levar à agressão.

A associação entre “amor e dor” faz parecer para as crianças que

as pessoas que mais a amam também têm o direito de lhe infligir dor.

Igualmente nocivo é quando essa associação traz o componente de fazer da

punição um estímulo discriminativo. Se a criança recebe pouca atenção dos

pais em situações adequadas e passa a recebê-la somente quando se

comporta inadequadamente, estes comportamentos passam a ser

selecionados e aumentam de frequência.

Catania (1999) apresenta o exemplo de uma criança que foi surrada

com muita intensidade, sendo que, em geral, tal comportamento paterno pode

ser seguido por uma quantidade de atenção do pai arrependido que é maior do

que a atenção nas interações cotidianas entre pai e filho. Se essa atenção do

pai for reforçadora a ponto de suplantar os efeitos dos estímulos aversivos,

estabelece-se um efeito discriminativo da punição, e a criança pode emitir

comportamentos inadequados para, com isso, receber algum estímulo aversivo

71

e depois a atenção do pai, ou seja, antes isso do que não receber qualquer

tipo de atenção.

Por um lado, as crianças são persuadidas por seus pais a

acreditarem que tapa é uma boa punição e tendem a repetir o modelo da

palmada; por outro, elas recebem os tapas e as surras como algo

desagradável, e assim manifestam reações negativas como a tristeza, a raiva,

o medo e a ansiedade. Estes pontos contraditórios colocam a criança em uma

situação de conflito em relação ao código moral sobre o que é certo e errado.

Os próprios pais podem contribuir para a ambivalência dos filhos

quando dizem que a criança precisa apanhar para ser corrigida, porém ela não

pode bater no seu irmão ou no seu amiguinho, por exemplo.

De acordo com Sidman (1995), as pessoas que usam punição

tornam-se elas mesmas punidores condicionados. A punição corporal é uma

forma de opressão e de coerção, e ela, infelizmente, encontra eco favorável na

própria estrutura familiar. Todo tipo de agressão é injustificável, tanto do ponto

de vista ético, moral, social, humano, quanto psicológico e científico. Ela

simplesmente perpetua um círculo vicioso no qual o agredido pode passar a

tornar-se agressor (p.103).

Gershoff (2002) apud L.N.D. Weber et tal. estudou comportamentos

positivos e negativos associados à punição corporal na infância e encontrou

forte associação entre punição corporal e agressão infantil e comportamento

antissocial.

Gershoff (2002) reporta que o único efeito positivo encontrado para

a punição corporal foi a imediata obediência da criança e argumenta que,

enquanto não forem encontrados efeitos benéficos para as palmadas, e não

apenas ausência de efeitos negativos, os psicólogos não podem ter a

responsabilidade de recomendar o seu uso.

É claro que a punição corporal como prática educativa não é uma

variável isolada, pois ela ocorre em um contexto que inclui outras práticas e

72

diferentes estilos parentais. Se os pais forem muito competentes e equilibrados

em níveis de exigência e responsividade, uma palmada ocasional não causa

um dano terrível, de acordo com Baumrind (2001). Então, se os pais são muito

competentes, é preciso fazer uma pergunta retórica: por que usar as

palmadas? Disciplina não é um sinônimo para punição e muito menos para

punição corporal.

Disciplinar é ajudar uma criança a desenvolver seu autocontrole,

estabelecer limites, ensinar comportamentos adequados e corrigir os

inadequados. Disciplinar também envolve encorajar a criança, ajudá-la a

desenvolver a sua autoestima e sua autonomia, ou seja, prepará-la para

enfrentar o mundo sem que precise emitir comportamentos simplesmente para

evitar as punições e aprender que a coerção é uma solução inaceitável para a

resolução de problemas. A questão da punição, como estratégia disciplinar,

ultrapassa o conhecimento da ciência e chega à ética; é preciso entender

“quando e por que os pais escolhem a punição como uma tática de

socialização” (Parke, 2002, p. 600) e que direito temos para infringir dor a uma

criança se há tantas outras possibilidades e outros métodos. (L.N.D. Weber et

al. )

Neste sentido, Castro (2012) afirma que, ao ouvirmos a palavra

“disciplinar”, a primeira ideia que vem à mente é a definição segundo o

Dicionário Aurélio: “corrigir, fazer obedecer, sujeitar”. A palavra disciplinar vem

do latim discipulus, de onde também provém a conhecida palavra discípulo.

Neste enfoque, o destaque é o discipulado. Para disciplinar (discipular), é

preciso relacionar-se. Quem é discipulado segue um modelo, um exemplo; no

caso dos filhos, este exemplo deve ser dos pais. Quando o foco está nas

motivações, trata-se o caráter. “Caráter é quem você é quando não há

ninguém por perto”; já o comportamento limita-se a uma ação vigiada (p.57).

Para Zagury (2002), bater nada tem a ver com ensinar a ter limites;

na verdade, são atitudes até opostas. Quem bate dá uma verdadeira aula de

falta de limites próprios e até de covardia; porque existem formas infinitamente

73

mais eficientes e humanas de manter a disciplina, com mensagens bem mais

positivas do que a agressão física;

• porque, com o tempo, a famosa "palmadinha leve no bumbum", que tanta

gente defende como inofensiva, deixa de surtir efeito e acaba se

transformando em palmadas cada vez mais fortes e, ao final, em verdadeiras

surras;

• porque só bate quem não age antes de "perder a cabeça";

• porque, mesmo obedecendo, a criança não aprende verdadeiramente,

apenas deixa de fazer certas coisas por medo de apanhar;

• porque bater não resolve os problemas da relação, apenas encobre os

conflitos e, ainda assim, por pouco tempo;

• porque depois, quando os pais se acalmam, sentem-se culpados e tendem a

"afrouxar" de novo os limites, para aplacar a sensação aflitiva de culpa,

perpetuando a situação de conflito;

• porque bater é assinar seu próprio atestado de fracasso como educador. O

que a palmada realmente ensina é...

• a temer o maior, o mais forte ou o mais poderoso;

• a perda de interesse pela atividade que estava desenvolvendo no momento

em que apanhou;

• que o comportamento agressivo é válido;

• que a agressão física é uma atitude normal e praticável (afinal se papai e

mamãe estão fazendo...);

• que a força bruta é mais importante que a razão e o diálogo;

• que os pais, figuras de quem a criança espera proteção e amparo, não são

confiáveis;

74

• que ocultar ou omitir fatos pode dar bons resultados e evitar umas "boas

palmadas" — afinal, quando os pais não ficam sabendo dos erros ou faltas dos

filhos, não batem;

• que de quem se espera amor podem vir pancada e agressão.

2.4 – Maus-tratos emocionais

As palavras ferinas constituem os maus-tratos emocionais. Essa

forma de violência é mais difícil de detectar do que a violência física: não

fratura ossos, mas fratura a autoestima; não provoca hematomas, mas

machuca o coração, gerando mágoas profundas. São atitudes que transmitem

desamor e rejeição, que repercutem em sentimentos de desamparo: xingar,

colocar rótulos ou apelidos depreciativos, ridicularizar, humilhar, intimidar,

ameaçar, fazer chantagens, perseguir implacavelmente, isolar do grupo social

pela discriminação, ignorar a presença, fazer exigências excessivas,

aterrorizar, corromper.

Como todas as espécies de violência, maus-tratos emocionais

acontecem em qualquer classe social, com pessoas dos mais variados graus

de escolaridade, em todos os tipos de relacionamento: ntre pais e filhos,

namorados e cônjuges, crianças e jovens, entre irmãos, professores e alunos,

chefes e subordinados, entre colegas de trabalho.

O prazer derivado da aparente superioridade do opressor (que

tantas vezes utiliza esse canal para disfarçar até de si mesmo seus

sentimentos de inferioridade e insegurança) o motiva a sistematicamente

lançar mão de condutas e palavras que humilham e depreciam o outro

(Maldonado, 2006, p.192).

Para Maldonado (2006), os maus-tratos emocionais são tolerados

na falsa esperança de obter momentos de carinho e bem-estar. Há quem

permaneça no relacionamento por não vislumbrar saídas para viver de outro

modo. As justificativas para os maus tratos costumam ser o mau gênio, o

temperamento explosivo, os rompantes ou a tensão pré-menstrual. O agressor

75

tipicamente coloca a culpa na vítima por tê-lo provocado, achando-se no direito

de exigir dela maior paciência, tolerância e compreensão, enquanto racionaliza

sua resistência à mudança dizendo: “Eu sou assim mesmo, não tem jeito.”

Outras justificativas para os maus-tratos emocionais são argumentos do tipo:”

O ciúme é o tempero do amor”;” A briga entre irmãos é normal.” Com tudo isso,

torna-se difícil, para muitas pessoas, diferenciar entre os episódios eventuais

de destempero e os padrões mais consistentes de agressão.

As palavras ásperas das críticas arrasadoras costumam ser ditas

com a desculpa de estimular a pessoa e efetuar as mudanças consideradas

necessárias: “Digo isso para o seu bem: você é insuportável, nunca vai

conseguir encontrar um homem que aguente viver com você!”. Muitas pessoas

definem “relação de intimidade” como aquela em que se pode dizer tudo o que

vem à cabeça, confundindo espontaneidade com grosseria. Comumente, são

gentis e bem-educadas nos relacionamentos sociais e profissionais, e

verbalmente abusivas com os familiares.

Com frequência, a palavra “força” está associada com brutalidade,

abuso de poder, prepotência, autoritarismo. Profissionais competentes,

batalhadores, os bem-sucedidos que “chegaram lá” e que estão à frente de

grandes escritórios com dezenas de arquitetos ou advogados, chefes de

clínicas com uma numerosa equipe de saúde, comerciantes que dirigem

importantes cadeias de lojas podem ser emocionalmente destemperados.

Indignados quando o desempenho não alcança o padrão de qualidade exigido,

explodem violentamente, desqualificando e reduzindo a pó os méritos

anteriores. Nessa “terra arrasada”, criam um clima de profundo mal-estar,

temor, mágoa, ressentimento. Então, fica difícil conseguir a retenção de

talentos: assim que surge outra perspectiva de trabalho ou de transferência de

setor, os colaboradores preferem sair de perto do chefe rude, que passa como

trator em cima do reconhecimento, da apreciação das competências, da

sensibilidade.

76

Ter gênio forte não é força, é falha da capacidade de administrar a

própria raiva. Um dos componentes básicos da inteligência emocional é

aprender a tomar conta da raiva antes que ela tome conta da gente.

A força também está associada à perseverança, à capacidade de

suportar adversidades e superar obstáculos. Força é ainda firmeza,

assertividade, definição de metas, clareza da visão e da missão, dos valores

que norteiam as ações estratégicas de pessoas e empresas.

Um dos pontos centrais do trabalho com o agressor é fazer com que

assuma a responsabilidade por seus atos e aprenda a controlar a

impulsividade, dizendo o que sente sem ofender, humilhar nem depreciar os

outros. Um aspecto essencial do trabalho com as vítimas de maus-tratos

emocionais é desenvolver a assertividade para colocar os limites devidos,

desarmando os ataques verbais do agressor (p.193, p.194 e p. 195).

Nesse sentido, Bettelheim, (1988) afirma que, os pais que querem

castigar e magoar seu filho são capazes de usar qualquer oportunidade para

fazê-lo. Assim, não chega a ser surpreendente que alguns pais não tão bons

tirem vantagem do método de retirada do afeto para seus objetivos nefandos, o

que podem fazer, porque, aí a agressão física não está presente (p.110).

De acordo com Goleman (1995), a mente emocional é muito mais

rápida que a racional, agindo irrefletidamente, sem parar para pensar. (p.305).

Goleman (1995) afirma ainda que, na ocorrência de um evento que

traga para a mente emocional, por um mínimo detalhe, fortes sensações do

passado, a reação que se desencadeia é idêntica àquela vivida originalmente.

A mente emocional reage ao presente como reagiu no passado. Isto é

problemático, especialmente quando essa avaliação é rápida e automática,

porque às vezes não percebemos que o que valeu antes agora não vale mais.

Uma pessoa adulta que, durante a infância, sofreu castigos dolorosos e por

isso aprendeu a sentir muito medo e antipatia diante de uma cara raivosa, terá

77

sensações similares ao ver uma cara raivosa que, efetivamente, não constitua

ameaça (p.309).

Nesse contexto, Castro (2012), chama a atenção para a forma do

uso das palavras. Há palavras proferidas que marcam a alma de crianças e

adolescentes e funcionam como atrativo para os aspectos positivos ou

negativos da vida.

Castro (2012) cita as seguintes frases como exemplo:

“Você é malvado!”

“Este menino é impossível, não aguento mais!”

“Você é um desastre!”

“Você só sabe fazer as coisas erradas!”

“Você é um preguiçoso!”

“Você não quer nada com a vida!”

“Você só quer saber do que não presta!”

“Ninguém gosta de você!”

“Você não vai ser nada na vida!”

“Você é tão ruim que não morreu quando eu quis te matar em

minha barriga!”

Estes são exemplos de palavras proferidas por pais e relembradas

por adultos. Infelizmente, palavras como estas continuam sendo faladas hoje

para crianças e adolescentes, marcando negativamente a alma, trazendo um

sentimento de rejeição, desvalorização e desamor.

Quando um adolescente ou uma criança tiver uma atitude

inadequada, ele deve ser afetivamente corrigido, inclusive, com palavras.

78

Vejamos algumas das ideias expressas acima, transmitindo uma

mensagem alternativa.

“Você é malvado!” – alternativa: “ Sua atitude não foi boa, mas você

pode agir diferente! Vamos pensar nas consequências desta atitude? Estou

com você para encontrarmos uma solução!”

É preciso separar a criança ou o adolescente da atitude. Nada

adianta um discurso, sem a compreensão, sem o desejo e ouvir e a certeza de

ser ouvido.

“Este menino é impossível, não aguento mais!”- alternativa: “Preciso

encontrar uma forma de alcançar o coração deste menino, pois as estratégias

que tenho utilizado não funcionaram.”

Lembre que este menino está seguindo o caminho marcado pelos

pais e pelos professores. Em muitos casos, este menino só é visto quando faz

algo indesejado.

“Você é um desastre!” – alternativa: “Precisa tomar mais cuidado,

pois tem quebrado ou perdido muitas coisas. Vamos pensar o que pode ser

feito para melhorar esta situação?”

Neste aspecto, preciso destacar a facilidade de a criança dispersar-

se em seus interesses e de o adolescente ter um crescimento maior nas

extremidades (mãos e pés), o que, muitas vezes, facilita derramar ou quebrar

as coisas.

“Você é um preguiçoso!” – alternativa: Você tem utilizado muito do

seu tempo para dormir ou assistir à televisão. “Precisamos reorganizar a sua

rotina.”

Quando se fala em organização de rotina, isso mexe com a rotina

dos pais também, pois exige um maior acompanhamento das atitudes dos

filhos. Não funciona dizer o que não deve ser feito, é preciso orientar sobre o

que deve ser feito e como deve ser feito. Outra observação é quanto ao

79

desenvolvimento hormonal dos adolescentes, que naturalmente causa o

aumento do sono e um leve cansaço.

“Ninguém gosta de você!” – alternativa: “As suas atitudes têm

afastado as pessoas de você, mas você pode mudar esta atitude e fazer muito

amigos”. Vamos pensar nestas atitudes que precisam ser redirecionadas?”

Quando o educador diz que ninguém gosta dele, está incluindo-se e,

naturalmente, cria uma barreira para ser ouvido ou fecha as possibilidades de

ajuda-lo.

“Você não vai ser nada na vida!” – alternativa: “Você precisa pensar

em seu Projeto de Vida. Já pensou no que será daqui a 10 ou 20 anos agindo

assim?”

Orientar a criança ou o adolescente sobre as consequências de

suas atitudes no futuro tem um efeito bem positivo. Uma criança ou um

adolescente que não quer estudar, por exemplo, pode estar simplesmente

querendo afrontar seus educadores, pois estudar é algo que depende

exclusivamente dele. Uma das saídas: averiguar como está o relacionamento

entre ele e os educadores e buscar o conserto, se necessário.

“Você é tão ruim que não morreu quando eu quis te matar em minha

barriga!” – alternativa: Ficar calada. Quando uma mãe tem necessidade de

dizer algo deste tipo, isto significa que está muito mal, que tem um sentimento

de destruição e precisa de ajuda para elevar sua autoestima e, depois, poder

ajudar a melhorar a autoestima do seu filho.

As palavras podem ser bênção ou maldição na vida da família. As

palavras de bênçãos são sementes que germinarão em atitudes positivas

diante da vida (p.43 à p.47).

Neste sentido, Relvas (2011) afirma que:

“Aprendizagem emocional é uma parte integral da aparente

aprendizagem cognitiva. A aprendizagem emocional acontece em um contexto

80

dinâmico, relacional e emocional inconsciente. Processos cognitivos e

emocionais quase sempre dirigem o crescimento exitoso das capacidades

cognitivas. A emoção vai dando forma à cognição e à aprendizagem. As crises

emocionais, naturais ao desenvolvimento ou específica da pessoa, vão

influenciar de forma crônica a evolução desta mesma aprendizagem. A criança

desenvolve desde posturas rudimentares até a capacidade de socializar-se

com objetividade. Descentralizando pensamento, buscando a autoimagem em

prol de novos conhecimentos. A eficácia emocional da criança se relaciona

com a percepção da própria capacidade de lidar, monitorar, manejar e mudar

sentimentos adversos que inibem a persistência da busca de um objetivo”

(p.95).

A razão intervém quando se trata de estabelecer quais são os

deveres, quando se trata de lembrá-los na hora certa de conter um forte

desejo. Porém, por detrás dos ditames da razão, permanece a emoção.

(Relvas, 2011, p. 128).

81

CAPÍTULO III

TERAPIA DE FAMÍLIA

Neste terceiro e último capítulo o enfoque será dado à história da

terapia de família desde o seu surgimento às diversas possibilidades do fazer

terapêutico, descrevendo as etapas do processo e suas implicações.

O movimento da terapia de família surgiu após a Segunda Grande

Guerra, num contexto de crise em que as pessoas estavam chocadas com a

destruição recente e mais conscientes das contradições e interdependências

econômicas e ecológicas. Da crise também apareceram sementes de

mudanças construtivas: os movimentos antirracistas e anticolonialistas, o

movimento feminista e o movimento ecológico. Neste período, as Ciências

Humanas, como um todo, preocuparam-se em aprofundar os conhecimentos

sobre as relações entre o indivíduo e o contexto.

A terapia familiar se desenvolveu nos Estados Unidos, na década de

50, de duas vertentes principais: o trabalho com os esquizofrênicos e com

crianças, ambos dependentes de suas famílias. Ackerman é um dos teóricos

que provem da psiquiatria infantil. No leste, Bowen, Winne, Lidz, Witeaker e

outros psicanalistas insatisfeitos com o resultado com os tratamentos

individuais com esquizofrênicos, passaram a incluir a família na terapia. Na

década de 60, Minuchin e colaboradores, trabalharam em Nova Yorque com

famílias de adolescentes delinquentes. Nas décadas de 60 e 70, várias escolas

se diferenciaram dentro das terapias sistêmicas. Bowen desenvolveu a escola

trigeracional de terapia de família, mesmo trabalhando as vezes só com o

adulto da família. Witaeker e Virgínia Satir foram expoentes da escola

existencial, que enfatiza o trabalho intenso com as emoções e vivências no

aqui e agora da família e do terapeuta. Minuchin criou a terapia familiar

estrutural, que enfatiza as questões organizacionais da família na gênese e

resolução dos problemas. Em Palo Alto desenvolveu-se a escola

comunicacional, na qual o trabalho concentra-se nas comunicações

interpessoais verbais e não verbais. Haley, originário desse grupo, criou a

82

escola estratégica, em que intervenções terapêuticas criativas tendem a

reestruturar o funcionamento familiar estabelecido ao redor do sintoma.

Há grupos que enfatizam a teoria comportamental em seu trabalho

com famílias, privilegiando as intervenções destinadas a extinguir os sintomas.

A partir da década de 80, tornou-se mais nítida a tentativa de

síntese e integração (Valdemar, 1986).

O indivíduo voltou a ganhar destaque dentro do contexto familiar.

Integraram-se várias técnicas oriundas de diversas escolas. Valorizou-se cada

vez mais a função e a pessoa do terapeuta como parte do sistema terapêutico

(dentro do que se convencionou chamar de segunda cibernética) (Sluzky,

1987).

Também ganhou destaque o trabalho com as instituições e

comunidades com um enfoque sistêmico (Elizur, 1990).

3.1 – Mudanças ao longo do Ciclo Vital da Familia

A família é mais do que a soma dos seus membros. É um

organismo com leis próprias de funcionamento. Essas leis configuram uma

estrutura estável (homeostase, mais com flexibilidade para mudar com o

passar do tempo (Bateson, 1971)).

Alguns consideram que a família começa pela união de dois

indivíduos e se torna mais complexa com a chegada do primeiro filho. A família

com filhos pequenos é muito diferente daq família com filhos grandes. E

quando os filhos crescem e saem de casa, o casal volta a situação de estar só.

(Carter, 1995).

Idealmente, em nossa sociedade, a família nuclear surge do

encontro de dois adultos jovens, já independentes e diferenciados de suas

famílias de origem, que se escolhem livremente logo após um período de

namoro e de noivado. A eleição é feita de ações conscientes e inconscientes.

quando menos contraditórias forem as razões, mais chances terá o casamento

de ser satisfatório. De modo geral, os casais com afinidades culturais,

religiosas, políticas e provenientes de classes sociais não muito diferentes tem

maiores facilidades de adaptação. O casal funciona em nossa cultura

predominantemente de forma complementar, com o homem sendo

83

considerado a cabeça do casal, aquele que garante a subsistência, mesmo

quando a mulher trabalha também fora do lar. As decisões são tomadas em

conjunto, mas há uma grande predominância de um ou outro em áreas

diferentes. Por exemplo, as finanças sendo do marido e a casa da mulher.

Muito dos problemas enfrentados atualmente pelos casais saudáveis se

relacionam com as mudanças no papel da mulher na sociedade e com a

necessidade da família de se adaptar a uma mulher profissional e autônoma.

Nos casamentos saudáveis há equilíbrio entre os aspectos

complementares e simétricos do casal (Satir, 1980).

A tarefa fundamental do princípio do casamento é o conhecimento

recíproco e a construção de regras próprias de funcionamento, guardando

semelhanças, mas também diferenças das famílias de origem é um período no

qual o casal vive mais distanciado das famílias, renegociando as relações com

os pais de ambos os cônjuges e com os amigos, velhos e novos.

A chegada do primeiro filho é um período difícil, de acomodação a

uma terceira pessoa (Brazelton, 1988). Idealmente o pai oferece a segurança

necessária à formação de um bom vínculo mãe-filho, sem que o ciúme, que

naturalmente existe, interfira na sua ligação com o filho e a esposa. É um

momento em que a família diminui os contatos com o meio externo e em que

muitos hábitos mudam. Com frequência, há uma reaproximação com os avós,

que os ajudam no cuidado do bebê, sem competir com os pais. As dificuldades

das famílias de bom funcionamento, em geral, decorrem das exigências

externas do trabalho, em que o pai, a mãe, ou ambos são muito solicitados,

por estar em idade de investir profissionalmente, o que é difícil conciliar com as

diversas demandas do bebê. A cada filho que nasce a situação se torna mais

complexa, sendo necessária a preparação não só dos pais, mas também dos

irmãos, que sofrem com medo de perder o seu lugar na família. Os pais devem

adequar seus cuidados de forma especial á idade e à personalidade de cada

um dos filhos.

À medida que os filhos crescem, a família vai, gradativamente, se

abrindo para o exterior, fazendo contato cada vez mais íntimo com a

sociedade, por meio das creches, maternais e da escola de primeiro grau. Aí

84

se dá o teste da capacidade de criar filhos saudáveis e capazes de enfrentar

as exigências da vida fora de casa.

Quando os filhos chegam a adolescência, os pais estão chegando a

meia idade e os avós a aposentadoria e a velhice. Não só o adolescente, mas

toda a família vive uma crise de desenvolvimento. Com frequência, a crise se

manifesta por meio de brigas dos filhos com os pais por mais liberdade.

Quanto mais em paz estão os pais e os avós com a nova etapa de suas

próprias vidas, mas tranquila é a adolescência dos filhos. O adolescente tem

por tarefa principal encontrar a sua própria identidade. Nesse processo, em

especial nos primeiros anos da adolescência, os jovens apresentam ansiedade

e períodos de depressão, acompanhados de conflitos com os pais. Porém, a

ideia de que a adolescência seria normalmente um período de conflitos

severos, não é comprovada por estudos epidemiológicos (Valdemar, 1983).

No final da adolescência, o jovem se define vocacionalmente e

busca um parceiro sexual. Quando os filhos saem de casa, deixam atrás de si,

os pais sozinhos outra vez, face a face consigo mesmos e um com o outro,

vivendo o início da velhice e a perspectiva da morte de seus próprios pais.

Nesta fase, ocorre a chamada síndrome do ninho vazio. Resumindo, as fases

do ciclo vital da família são: individuação do adulto, casamento, nascimento do

primeiro filho, família com filhos pequenos, família com filhos adolescentes e o

chamado “ninho vazio”. Cada fase exige acomodação e mudança de cada

membro e da família como um todo.

Todavia, vivemos hoje numa sociedade em crise onde valores e

ideologias presentes em nosso cotidiano têm sido questionados

constantemente. Essas mudanças são observáveis em diversas instituições,

sendo a família uma delas. A partir dessa perspectiva, pode-se constatar que o

ciclo evolutivo da família brasileira vem sofrendo alterações e que essas, por

sua vez, refletem as aceleradas modificações na estrutura e na configuração

familiar na atualidade. Dentre elas, podemos observar índices menores de

natalidade, uma expectativa de vida mais longa, um aumento no número de

divórcios e recasamentos, além da diferenciação nos papéis de gênero. Desse

modo, o ciclo vital familiar correspondente às gerações passadas necessita de

85

novas leituras e adaptações em algumas de suas fases (Carter; Mcgoldrick,

1995; Cerveny; Berthoud, 1997).

Nessa perspectiva, O estágio do ciclo vital familiar, denominado

“lançamento dos filhos” (Carter; McGoldrick, 1995), também conhecido por

“ninho vazio”, inicia-se com a saída do primeiro filho da casa dos pais e

estende-se até a partida do último. Essa etapa é geralmente associada a um

período de depressão e solidão, principalmente para as mães.

Entretanto, atualmente, percebe-se uma profunda transformação

nessa fase, pois para muitas famílias os filhos adultos permanecem morando

em casa. As mudanças no ciclo de vida familiar estão cada vez mais evidentes,

pois, a casa dos pais de meia idade já não está mais ficando tão vazia como

antigamente. Em outros tempos, os jovens aos 18 anos já tinham autonomia e

independência em muitas áreas de suas vidas, e almejavam a liberdade, mas

esse desejo só era realizado através da saída da casa parental (Nascimento,

2006; Oliveira, 2007).

Todavia, nos dias atuais, os filhos adultos frequentemente

permanecem em casa e a convivência familiar parental está se prolongando.

Este fenômeno também ocorre em outros países. Veiga (1998) aponta que

este comportamento também ocorre nos países da Europa, como a Espanha,

onde 60% das pessoas entre 25 e 30 anos moram com os pais e apenas um

em cada cinco adolescentes faz questão de morar sozinho, pois a maioria

(54%) não deseja sair da casa dos pais. Corroborando esses dados, Féres-

Carneiro, Henriques e Jablonski (2004) apontam que este comportamento

também ocorre em países como Itália, França, Portugal e Estados Unidos.

O fenômeno do “ninho cheio” parece mais característico da classe

média já que esse prolongamento da juventude não ocorreu com tanta

frequência nas classes menos favorecidas. Esse distanciamento entre as

classes sociais é evidenciado, principalmente no adiamento da maternidade

que é mais comum nas mulheres privilegiadas economicamente.

86

Em muitos casos, a idade escolhida por elas para engravidar,

coincide com a faixa etária em que mulheres de classe mais baixa se tornam

avós.

Percebe-se que o “ninho cheio” é um fenômeno atual de caráter

multidimensional em que estão envolvidos fatores pessoais do adulto jovem e,

também, da dinâmica familiar em que ele está inserido. Deve-se salientar,

ainda, que essas famílias se encontram situadas no tempo e no espaço, ou

seja, fazem parte de um determinado contexto socioeconômico o que justifica

a necessidade de se levar em consideração os fatores psicossociais no estudo

desse tema. (Vieira e Rava, 2010).

3.2 – Consulta Terapêutica

Winnicott foi o primeiro a utilizar este termo (La consultation

thérapeutique et l’enfant, 1971). A consulta terapêutica envolve a observação

da interação entre mãe, bebê, ou criança, pai e outros membros da família.

A procura de atendimento, em geral, ocorre por meio de um membro

da família que se diz necessitado de tratamento ou que pede ajuda para outro

membro da família, definido como problemático.

Cada vez mais em nossos dias, as crianças se esforçam por

corresponder a padrões de um ambiente exigente tanto dentro da família como

na sociedade. Desta forma passam por períodos transitórios, ao longo de seu

desenvolvimento, nos quais surgem ansiedades, que se manifestam por meio

de comportamentos “discrepantes” e desadaptados. Muitos pais ficam

assustados com estes comportamentos e podem senti-los como sinal de

fracasso, e pelas dificuldades de seus filhos, podem evocar questões não

resolvidas de seu próprio passado.

No primeiro encontro, deve-se procurar estabelecer um clima de

confiança e intimidade que permita às pessoas envolvidas revelar sus

preocupações e segredos e mostrar suas formas peculiares de interagir. O

objetivo da primeira consulta é estabelecer uma boa relação e fazer uma

87

hipótese diagnóstica do problema, que, uma vez compartilhado com a família,

permite combinar um plano terapêutico. Já nesse primeiro encontro, em geral,

o problema que era considerado como sendo deum indivíduo, passa a ser

percebido como influenciando e influenciado por todos.

Às vezes, a existência de segredos, como, por exemplo, adoção,

maus-tratos e casos extraconjugais exige entrevistas individuais.

Pode ser também necessário, já de início, o encaminhamento para avaliação a

outros especialistas: pediatra ou clínico, neurologista, psicólogo, assistente

social, fonoaudiólogo, psicopedagogo e terapeuta ocupacional.

3.2.1- Diagnóstico da Estrutura e da Dinâmica Familiar

Durante a primeira entrevista é possível conhecer o paciente

identificado e sua família, de modo a estabelecer um perfil diagnóstico. O

diagnóstico é um processo dinâmico e longitudinal (Minuchin, 1982 e 1984).

Muitas vezes uma família ou pessoa em grave crise situacional

aparenta ter uma patologia muito mais grave do que se evidencia após a crise

estar resolvida. É importante evitar os rótulos definitivos que muitas vezes

acompanham as pessoas ao longo de sua vida e podem diminuir as

oportunidades que lhe são oferecidas.

Devem considerar os seguintes aspectos aos formular o diagnóstico:

• Nível socioeconômico e características étnico-culturais.

• Crise vital ou crise situacional? Estágio de desenvolvimento da

família; compreender os sintomas em relação à crise existencial que a

família vive.

• Estrutura: alianças, hierarquia, estilo de funcionamento.

• Capacidade de resolver problemas, comunicação e expressão de

afeto.

88

• Função do sintoma e presença, ou não, de diagnóstico psiquiátrico

positivo.

• Classificação do funcionamento familiar.

• Motivação para o tratamento.

3.3 – Classificação do Funcionamento Familiar

Uma das formas clinicamente mais úteis de classificar o

funcionamento familiar é o utilizado por Bavers (1982), que identifica

sete tipos:

1) – Famílias ótimas: seus membros passam por períodos de

dificuldades, mas não estruturam patologia psiquiátrica.

2) Famílias adequadas: formadas por indivíduos competentes e sem

patologia, mas frequentemente observa-se um ambiente mais tenso

e sofrimento em algum membro da família, em geral depressão ou

manifestação psicossomática nas mães.

3) Famílias médias, de estilo centrípeto: frequentemente apresentam

indivíduos neuróticos. Nessas famílias, a coalisão parental não é

nunca igualitária e sem conflito (o padrão é de submissão-

dominação, ou é de constante luta pelo controle) a interação dos

pais com os filhos é caracterizada por luta por poder explícitas ou

subliminares. Coalizões “edípicas” são frequentes. O clima geral é

contido por métodos de controle que, em geral, são eficazes. Essas

famílias excluem de seu repertório, boa parte das suas experiências

humanas, não aceitando, por exemplo, o fenômeno universal da

ambivalência. Funcionam baseadas em um estilo rígido de arbítrio

(as regras podem ser de origem religiosa, política ou outra). Os

estereótipos de gênero de “homem forte” e “mulher dadivosa” são

frequentemente rígidos.

89

4) Famílias médias, de estilo centrífugo: frequentemente apresentam

pessoas com transtornos de comportamento. Em contraste com o

grupo anterior, a coalisão parental não é eficaz; ambos os pais se

sentem ineficazes para seguir regras e habitualmente brigam pelo

controle dos filhos, acusando um ao outro dos fracassos. Alianças

ilícitas entre um outro dos pais e filhos são frequentes. Acreditam

nos estereótipos sexuais do gênero.

5) Famílias médias mistas: alternam comportamentos centrífugos e

centrípetos. Tipicamente a coalizão parental varia de momentos de

dominação-submissão a outros de luta por poder. Os filhos alternam

aceitação e desafio do controle parental.

6) Famílias severamente disfuncionais, de estilo centrípeto:

frequentemente apresentam filhos esquizofrênicos. São famílias

inflexíveis, com pouca diferenciação individual e ineficazes, ao

enfrentarem problemas do desenvolvimento ou situacionais. A

estrutura de poder é mal definida; a comunicação não é clara, é

inefetiva e insatisfatória, não havendo foco comum de atenção; há

problemas extremos com limites interpessoais; pouca capacidade de

negociação e um ambiente afetivo predominantemente deprimido ou

cínico, com ambivalência tipicamente aparecendo de forma

sequencial. Nega-se à passagem do tempo. Além dessas

características, a família centrípeta, tem uma fronteira, ao seu redor,

quase impermeável, sendo frequentemente vista como “estranha”

pelos vizinhos e não facilitando a separação dos filhos.

7) Famílias severamente disfuncionais, de estilo centrífugo:

frequentemente apresentam filhos sociopáticos. Caracterizam-se

por ter uma fronteira extremamente difusa com o meio ambiente e

uma organização familiar instável. Os pais são inconstantes, filhos

fogem de casa, sendo difícil definir quem faz parte da família. As

interações são marcadas por competição, manipulação do humor e

90

conflito aberto que nunca é resolvido. Como as habilidades

interpessoais são escassas, mesmo quando pais e filhos deixam a

casa, tendem a ser malsucedidos e voltar tão carentes e hostis

quanto antes. A disciplina é tentada por meio de intimidação, mas,

em geral, falha por sua inconsistência e falta de relações

interpessoais positivas. A falta de empatia é marcante, sendo

frequentes as brigas e comportamentos antissociais, que podem ser

entendidos como defesas contra a dor e a tristeza da carência

emocional, que não se permitem expressar.

3.4 – Técnicas psicoterapêuticas

Uma das peculiaridades do tratamento da família é a ênfase na

busca e na mobilização dos aspectos saudáveis do grupo, inclusive muitas

vezes, redefinindo o sintoma como uma tentativa de manter e proteger a

família.

Em geral, trabalha-se muito no presente, procurando que apareçam

ao vivo, na sessão, os problemas interacionais sentidos pela família ( Minuchin,

1984).

Para trabalhar problemas transgeracionais mais estruturados,

frequentemente se trabalha diretamente também com os avós (Andolfi, 1989).

O terapeuta utiliza-se de sua personalidade, do seu self, em vários

graus, procurando criar um clima de empatia e confiança. Dentro dessa

atmosfera se desenvolve o complexo processo terapêutico, que tem como

objetivo permitir aos membros da família participarem plenamente dela e, ao

mesmo tempo, promoverem a individuação de cada um deles.

Alguns terapeutas buscam, através do humor e do uso da

imaginação, criar novos tipos de experiência e de relacionamento emocional.

Buscam introduzir novas formas de perceber e relacionar-se com os

problemas, de modo a ampliar o repertório de respostas da família.

91

A psicoterapia do grupo familiar em geral se inicia com sessões que

duram, pelo menos, uma hora, com frequência semanal e com a participação

de todos os membros. Se o paciente for adulto, a família pode ser incluída

mais tarde, ou mesmo ir a apenas algumas sessões. À medida que a terapia

progride, a frequência pode passar a quinzenal ou mensal (ou, em casos

especiais, pode já se iniciar assim).

A terapia de família se utiliza de muitos co-terapeutas. Todos os

familiares são incluídos no tratamento e este continua necessariamente fora do

consultório. Além disso, mobiliza-se também, quando necessário, outros

sistemas: a escola, o trabalho ou as instituições envolvidas com o paciente

(Elizur, 1990).

Apesar da amplitude dos recursos utilizados, o trabalho é sempre

focal, visando algumas mudanças objetivas, decididas em combinação com a

família, o que faz com que o tratamento seja, em geral, de curta duração. Isto é

importante, principalmente no caso de crianças e adolescentes em plena fase

de desenvolvimento (Prado, 1996).

3.5–Capacidade de resolver problemas, comunicação e

expressão de afeto

A estrutura básica da família nuclear funcional envolve uma sólida

aliança entre os cônjuges que se apoiam mutuamente na tarefa de nutrir,

prover, orientar, dar afeto e limites aos filhos. O subsistema conjugal é

permeável às solicitações dos filhos, mas a aliança principal e

hierarquicamente mais importante é entre os cônjuges. Da mesma forma,

relaciona-se com as famílias de origem promovendo trocas, mas mantendo

sua unidade básica.

O subsistema fraterno tem sua própria estruturação com papéis

diferentes para irmãos adolescentes e irmãos ainda em idade escolar ou pré-

escolar, com muitas questões podendo ser resolvidas dentro do próprio

subsistema fraterno. Além da nuclear, há muitas configurações possíveis para

92

a família funcional, por exemplo: aquela de um único pai ou mãe, responsável

pelos filhos ou aqueles que funcionam em aliança com a avó no cuidado das

crianças ou ainda aquela em que um irmão mais velho recebe dos pais a

delegação de cuidar dos irmãos em sua ausência.

Recentemente, novas constelações familiares, como casais

homossexuais com filhos, ou mulheres que decidem ter filhos sós, desafiam

nossos conceitos tradicionais em relação ao que é uma família. Entretanto, os

relatos da literatura mostram que podem ser capazes de criar filhos

competentes.

A disfunção ocorre quando há ruptura duradoura da hierarquia

familiar com as alianças, ocorrendo, por exemplo, entre mãe e filho, deixando o

pai como figura periférica, ou entre avó e neto, tratando a mãe (ou os pais)

como incompetente (Minuchin, 1992).

O trabalho com famílias tem um grande poder preventivo: por

intermédio de um irmão, tratam-se os demais; trabalhando o casal, evita-se

muitas vezes o surgimento de novos problemas e incluindo os avós (direta ou

indiretamente), trabalham-se antecipadamente futuros problemas que podem

surgir durante o ciclo vital.

Todas as famílias apresentam problemas. O que diferencia as que

funcionam bem é que são capazes de utilizar adequadamente os seus

recursos de comunicação verbal e não-verbal) e de estimular a expressão de

afeto (tanto amoroso quanto crítico) de forma a identificar, elaborar e dar

resolução aos problemas, com a participação de todos os membros da família.

93

CONCLUSÃO

Com o presente estudo foi possível detectar que, mesmo na era

pós-moderna, com a internet, o surgimento de novas patologias como a

“ciberpatologia” entre outras, e toda a mudança que um mundo globalizado e

“midializado” puderam trazer, ainda assim é através do contato afetivo e do

diálogo que as famílias conseguirão apoiar seus filhos e ajudá-los a

aprenderem a lidar com suas primeiras frustrações e outras que surgirão ao

longo de sua infância e juventude, auxiliando-os a encontrarem soluções para

as suas dificuldades.

Nesse sentido, a família exerce um papel essencial como

preparadores emocionais e mediadores de futuras gerações.

No presente trabalho ficou claro que é bastante significativo o

papel do afeto no ambiente familiar para a formação da saúde emocional do

indivíduo. Valorizar e reconhecer explicitamente as contribuições positivas de

cada membro da família melhora a vida de todos e cria um clima agradável de

convívio, em que a compreensão e o consenso predominam sobre as

desavenças. A dimensão afetiva é responsável pelo sentimento de confiança,

de segurança, e pela construção da autoestima, relacionado com a

necessidade de se sentir amado, valorizado, respeitado, aceito.

A ausência desta dimensão pode gerar ansiedade, insegurança,

falta de iniciativa, dificuldades de aprendizagem, isolamento e agressividade ou

timidez excessiva.

Sendo assim, pode-se concluir que, a ausência ou deficiência do afeto

em ambiente familiar pode ser fator desencadeante de problemas emocionais

na criação de filhos.

94

ANEXO 1

A seguir serão relatados dois estudos de casos extraídos do Livro

Psicoterapias – Abordagens Atuais de Aristides Volpato Cordioli. Ed ArtMed,

1998.

ESTUDOS DE CASO

Caso 1

Uma Mulher Adulta na Crise de Meia-idade: Mandatos que Passam de

Geração em Geração.

Maria, 39 anos, mulher atraente, casada, profissional que abandonou

o trabalho para criar os filhos (Ana, de 13, e Pedro, de 15 anos) vem à consulta

por sentir-se muito deprimida, ainda que sem prejuízo aparente de suas

funções materna e conjugal. Trabalhamos durante algum tempo a sua crise

vital da meia-idade, busca de novos objetivos de vida, as dificuldades com os

filhos adolescentes e as queixas em relação ao marido, centrado em si mesmo

e em seu trabalho. Trabalhamos, também, o luto mal elaborado pela morte, há

dois anos, de seu pai, uma pessoa carismática e contraditória, a quem era

extremamente ligada. O marido participa de uma consulta. Para ele a relação

está satisfatória. Quando Maria já se sente melhor da depressão, revela que

nunca entendeu porque sua vida sexual mudou após ter filhos. Queixa-se de

que é relativamente monótona agora, enquanto que, antes, ela e o marido

tinham relações sexuais “a toda hora” com muita criatividade e prazer. Ela

gostava de “sentir-se uma puta na cama”.

No esforço de compreendê-la melhor, peço que traga sua mãe, Vera,

e surpreendo-me quando a primeira verbalização desta é a respeito de estar

“vestida como uma puta”. Mais adiante, fico sabendo que a mãe de Vera fora

acusada pelo marido de ser puta e, em consequência, obrigada a deixar a casa

e os filhos. Vera parece ter suprido a carência materna com o marido

95

autoritário, mas protetor, e, principalmente, após sua morte, com Maria, a filha

mais velha, que se debate para suprir, sem nunca conseguir, as necessidades

da mãe.

Mais tarde, examinando as dificuldades sexuais de Maria à luz dessas

informações, ela se dá conta, com profunda emoção, de que sente como se

corresse o risco de perder os filhos, se fosse considerada puta por sua família.

Este insight parece liberá-la deste mandato passado da avó para a filha e da

filha para a neta e, com isso, das restrições na sua vida sexual atual.

Caso 2

Uma Família em Crise de Separação

Joana, 35 anos, arquiteta, trabalhando em uma repartição pública,

vem à consulta por profunda depressão, motivada pela desintegração de seu

casamento de 11 anos com Pedro, médico, que foi seu primeiro e único

namorado. Tem dois filhos: Rodrigo, de 10, e João, de 4 anos. Queixa-se de

solidão, desesperança e brigas constantes com Pedro nos últimos três anos. As

brigas pioraram há um ano, quando ele passou a ausentar-se muito de casa.

Reconhece, com culpa, que neste período teve dificuldades para cuidar de seus

filhos. É a terceira de cinco irmãos de uma família do interior, muito

conservadora, em que nunca houve separações. Está assustada porque o irmão

mais moço tem diagnóstico de esquizofrenia e sente-se parecida com ele.

Na segunda consulta, solicito conversar a sós com Pedro, como fizera

com Joana. Ele me diz que efetivamente o casamento está a caminho do fim,

que ele inclusive tem uma “relação em vista para o futuro”. Afirma que não tem

esperança de reconstruir seu casamento com Joana e que pessoalmente está

bem.

A terceira consulta é com Joana e Pedro. Pedro, pela primeira vez,

coloca claramente sua decisão de separar-se. Lembra a Joana que ela o

ameaçara de ir embora várias vezes e que ele cansara das brigas. Joana está

96

ainda mais deprimida, pedindo ajuda terapêutica de forma quase patética.

Pedro diz que tem condições de enfrentar a situação sozinho.

Combinamos que verei Joana individualmente uma vez por semana e

o casal (ou família), outra. Contra a vontade de Joana, Pedro combina que em

15 dias sairá de casa. Quando isso acontece, ela se entristece, mas, para sua

surpresa, também se alivia, pois começa o fim da sua longa batalha para

preservar o casamento.

Com o casal, são trabalhadas as combinações práticas referentes aos

cuidados com os filhos. Cuidando para evitar falar do passado e de assuntos

pessoais (a esta altura já está claro que Pedro tem outra mulher), conseguem

combinar regras de visitação e contato. Pedro verá os meninos praticamente

todos os dias e dormirão com ele um dia por semana e em finais de semanas

alternados.

Joana está mais triste que raivosa. Nas sessões individuais culpa-se

de tudo. Concentra-se, agora, nos cuidados dos filhos. Informa que João não

está querendo entrar em aula e que ela passa as manhãs sentada na porta da

sala. Esse comportamento já ocorrera no ano passado, levando-os a tirar o

menino da escola. A primeira tentativa terapêutica é incluir o pai, combinando

com ele que substitua Joana, levando João à escola. Ele o faz, mas o problema

se repete.

Com as crianças estão vivendo com Joana, a terapia passa a ser só

com ela e com os filhos. Percebe-se, então, que João é um menino sem limites,

a quem ela nunca diz não. Brinca-se na sessão e criam-se várias situações em

que ela é obrigada a repreendê-lo, ao que ele reage chorando exageradamente

e fazendo-a voltar atrás. É mostrada a analogia com o que acontece na escola:

ele chora, ela desanima da intenção de deixá-lo lá. Quando Joana se dá conta,

muda de atitude e passa a ser mais firme na sessão.

97

Na semana seguinte, Joana relata que após três dias em que João

ficou chorando na escola, com a assistência da orientadora, está, agora,

entrando e ficando na aula sem problemas. Não houve aparecimento de novos

sintomas.

Em outra sessão, Com Joana e os meninos, a concentração é nos

medos de Rodrigo. Ele não consegue dormir porque fica pensando em

monstros. Esse é um sintoma antigo. Rodrigo é cuidadosamente instruído a

observar todos os detalhes dos monstros, para que relate na próxima semana.

Com Joana inicia-se a tarefa de trabalhar aspectos de sua baixa auto

estima relacionados com sua história pessoal que a incapacitaram durante o

casamento.

Em nova sessão com os meninos e os pais, Pedro conta que ele

também tinha dificuldades para dormir quando pequeno, que também dormia

pouco. Joana está mais tranquila. Rodrigo está dormindo melhor, parecendo

menos interessado nos monstros. João continua bem.

Com o casal são trabalhados aspectos econômicos da separação. Mas

a tensão é muito grande e combinamos esperar algum tempo pra definir a

separação dos bens, já que estão podendo resolver a questão urgente da

pensão.

Joana continua a terapia individualmente. A terapia fica disponível

para Pedro no que se refere a questões da separação, e combina-se que se ele

vier a precisar de tratamento será encaminhado a outro profissional. No

trabalho com Joana, é incluída sua família de origem. Por um período curto

participa de um grupo de mulheres com problemas semelhantes em suas

relações amorosas. Recebeu alta quase um ano depois, tendo marcado

consultas eventuais após esse período. Passado um ano da alta, Joana e sua

família estão bem adaptados à nova situação.

98

ANEXO 2

INTERNET

http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/afp/2012/07/02/surras-podem-

aumentar-as-chances-de-transtornos-mentais-diz-estudo.htm

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Punição física pode elevar chances de transtornos mentais Crianças que levam surras na infância têm maiores chances de desenvolver doenças mentais quando adultas 4 de julho de 2012

Punição física pode elevar chances de transtornos mentais Crianças que levam surras na infância têm maiores chances de desenvolver doenças mentais

quando adultas. Há ainda registros de distúrbios de humor e ansiedade e de problemas com o

uso abusivo de álcool e drogas.

O estudo liderado por canadenses, divulgado nesta segunda-feira (2), é o primeiro a examinar a

relação entre problemas psicológicos e danos físicos para medir, de forma isolada, os efeitos

da punição física. Agressões mais graves ou abuso sexual foram desconsideradas.

Segundo a equipe, as pessoas que apanharam quando eram crianças apresentaram uma

probabilidade entre 2% e 7% maior de sofrer de doenças mentais. A pesquisa, publicada na

revista "Pediatrics", sondou mais de 600 adultos nos Estados Unidos para chegar a esse

resultado.

A taxa parece pequena, especialmente porque cerca de metade da população americana

99

afirma ter apanhado na infância. No entanto, fornece indícios que os castigos físicos podem

levar a consequências futuras.

"O estudo é importante porque sugere uma reflexão sobre a paternidade", diz o psiquiatra de

crianças e adolescentes Victor Fornari, diretor do Sistema Judaico de Saúde de North Shore-

Long Island, em Nova York, que não esteve envolvido no trabalho.

Os pesquisadores destacaram que o estudo não garante que os castigos físicos tenham sido a

causa das doenças em alguns adultos, e sim que há uma ligação entre as lembranças

relacionadas a essas punições e uma maior incidência de problemas mentais.

ATOS VIOLENTOS

Pesquisas prévias já demonstraram que crianças abusadas fisicamente eram mais propensas a

ter distúrbios mentais e adquirir um comportamento agressivo no futuro que crianças que não

apanharam.

Entretanto, essas abordagens anteriores geralmente lidavam com abusos mais graves. A atual

exclui o abuso sexual e qualquer outro abuso físico que deixe hematomas, cicatrizes ou

ferimentos. No lugar, ele foca em outros castigos físicos, como empurrões, agarrões, tapas ou

palmadas.

Dos entrevistados, de 2% a 5% sofriam de depressão, ansiedade, transtorno bipolar, anorexia

ou bulimia, o que pode ser atribuído aos castigos na infância.

Já entre 4% e 7% afirmaram problemas mais sérios, incluindo transtornos de personalidade,

TOC (transtorno obsessivo-compulsivo) e dificuldades de raciocínio.

O estudo serve ainda para lembrar que existem outras opções para disciplinar as crianças,

como o reforço positivo e a proibição de algum lazer, algo mais aconselhado pelos pediatras.

"O fato é que metade da população (americana) apanhou no passado. Há maneiras melhores

de os pais disciplinarem as crianças", opinou Fornari.

Fonte: folha.uol.com.br

100

ANEXO 3

INTERNET

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-294X2004000200004

Pesquisa realizada pela UFPN - Estudos de Psicologia 2004, 9, (2), 227-237

101

ANEXO 4

Revista Veja – Edição Especial - julho de 2003

Ponto de Vista: Dr. Içami Tiba

102

ANEXO 5

INTERNET

http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2012/07/problemas-na-infancia-

tem-efeito-no-desenvolvimento-cerebral-diz-estudo.html

24/07/2012 06h30 - Atualizado em 24/07/2012 06h30

Problemas na infância têm efeito no desenvolvimento cerebral, diz estudo Crianças abandonadas podem ter redução de massa cinzenta e branca. Pesquisadores americanos analisaram exames de 74 menores romenos. Do G1, em São Paulo

Um novo estudo feito nos EUA com exames de ressonância magnética mostra que problemas

físicos e psicológicos na infância podem ter um efeito mensurável sobre o desenvolvimento

cerebral. As conclusões estão publicadas na edição desta segunda-feira (23) da revista científica

americana “Proceedings of the National Academy of Sciences” (PNAS).

A pesquisa, feita no Laboratório de Neurociência Cognitiva do Hospital Infantil de Boston,

revela que algumas das crianças romenas analisadas apresentaram uma diminuição da massa

cinzenta (constituída por neurônios e células da “glia”, que suportam e nutrem os neurônios) e

da massa branca (formada por fibras que ligam os neurônios).

No sentido contrário, quando as circunstâncias sociais e ambientais melhoraram, a massa branca

foi capaz de dar sinais de recuperação e reverter parcialmente essas mudanças. Nesse caso, os

menores avaliados viviam em orfanatos e foram transferidos para lares de adoção.

Ao todo, foram observadas 74 crianças de 8 a 11 anos, divididas em três grupos. O primeiro

incluía 29 menores criados em alguma instituição, 25 escolhidos para deixarem o orfanato e

serem adotados após três anos, e 20 que nunca estiverem em lugares como esses.

Segundo os autores, crianças expostas a abuso, violência, abandono, pobreza extrema e outras

adversidades podem sofrer os mesmos efeitos.

O pesquisador Charles Nelson, um dos responsáveis pelo estudo, diz que esses trabalhos

cognitivos sugerem que pode haver um período sensível que abrange os dois primeiros anos de

vida e que, quanto antes uma criança receber cuidados assistenciais, melhores os resultados.

Dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) apontam que pelo menos 8 milhões

de crianças no mundo vivem em instituições como orfanatos, sendo expostas a situações de

negligência física e psicológica grave.

103

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108

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I 11

FAMÍLIA E HISTORICIDADE: IDADE MÉDIA AOS DIAS ATUAIS

1.1 – A descoberta da infância 14

1.2 – Família e afetividade 21

1.3 – Família: universo de gerações 28

CAPÍTULO II 36

EDUCAÇÃO DE FILHOS E SUAS VICISSITUDES NA ATUALIDADE

2.1 – Nascimento dos filhos: a importância das primeiras experiências 40

2.1.1 – Filho real ou ideal? 46

2.2 – Os vínculos definem a qualidade da relação 48

2.3 – Limites e disciplina 54

2.3.1 – O uso de palmadas e surras como prática educativa 65

2.4 – Maus-tratos emocionais 74

CAPÍTULO III 81

TERAPIA DE FAMÍLIA

3.1 – Mudanças ao longo do Ciclo Vital da Família 82

3.2 – Consulta Terapêutica 86

3.3 – Classificação do funcionamento familiar 88

3.4 – Técnicas psicoterapêuticas 90

3.5 – Capacidade de resolver problemas, comunicação e expressão 91

de afeto

CONCLUSÃO 93

109

ANEXOS 94

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 103

ÍNDICE 108