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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA DO ARRENDAMENTO RURAL: CONTRATO E PARTICULARIDADES VALDINÉA PEREIRA CASTELUGE FARAH RIO DE JANEIRO 2010

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … · INTRODUÇÃO Por se tratar de assunto atual e polemico, este trabalho traz inicialmente o conceito, a generalidade e o Direito

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

DO ARRENDAMENTO RURAL: CONTRATO E PARTICULARIDADES

VALDINÉA PEREIRA CASTELUGE FARAH

RIO DE JANEIRO 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

VALDINÉA PEREIRA CASTELUGE FARAH

DO ARRENDAMENTO RURAL: CONTRATO E PARTICULARIDADES

Monografia apresentada como exigência final do Curso de Pós-Graduação em Docência do Ensino Superior sob a orientação do Prof. ____________________________

RIO DE JANEIRO 2010

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Às minhas três filhas Rackel, Éricka e Priscila e ao meu marido José Alves Farah. Exclusivamente aos quatros, os donos do meu coração.

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Aos mestres, todos, desde os que me ensinaram, com toda paciência e ternura, a ler e a escrever, até aqueles que, com o ideal de partilha e propagação, me ensinaram a ser docente.

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“Educar é crescer. E crescer é viver. Educação é, assim, vida no sentido mais autêntico da palavra.”

Anísio Teixeira

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SUMÁRIO

RESUMO....................................................................................................................... 05

INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 06

CAPÍTULO 1 – Dos princípios do Direito Agrário e da sua autonomia .......................... 07

1.1 – Visão Geral ................................................................................................... 07

1.2 – Definições ..................................................................................................... 08

1.3 – Da autonomia do Direito Agrário .................................................................. 09

1.3.1 – Da autonomia na Esfera Legislativa ...................................................... 09

1.3.2 – Da autonomia na Visão Didática ........................................................... 10

1.3.3 – Do Direito Agrário como ramo autônomo do Direito .............................. 10

1.4 - Direito Agrário: princípios basilares ............................................................... 12

1.4.1 – Princípio da Supremacia da Ordem Pública .......................................... 12

1.4.2 – Princípio da Efetivação da Justiça Social .............................................. 14

1.4.3 – Princípio da Função Social da Propriedade .......................................... 14

1.4.3.1 – Adequação e racionalidade do aproveitamento .............................. 15

1.4.3.2 – Preservação do meio ambiente e utilização adequada dos

recursos naturais disponíveis ........................................................................................ 15

1.4.3.3 – Breves comentários acerca da regulamentação das relações

de trabalho .................................................................................................................... 16

1.4.3.4 – O bem-estar do proprietário e dos trabalhadores ........................... 16

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CAPÍTULO 2 – Dos Contratos Agrários ....................................................................... 18

2.1 – Características ............................................................................................ 23

CAPÍTULO 3 – Do Arrendamento Rural: Contrato e Particularidades ......................... 27

3.1- Arrendamento Rural versus Parceria ............................................................ 35

CONCLUSÃO ................................................................................................................ 39

REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 41

RESUMO

Desde épocas anteriores ao advento do Estatuto da Terra, promulgado em 1964, a relação do homem com a terra sempre foi uma questão muito debatida na sociedade e no mundo jurídico, tendo em vista que não existia regulamentação legal da matéria nem para as relações particulares, tampouco para as da seara rural. Neste setor, as mais sensíveis e prementes demandas se tornaram questões sócio-político-jurídicas atuais. Desta forma, o direito agrário, emergindo dos interesses da atividade agropecuária – setor de fundamental importância dentre as prioridades de toda e qualquer sociedade moderna, tratando de contrato agrário e função social da propriedade, se transforma em um instituto jurídico em posição de destaque. Portanto, ao abordar este assunto, objetiva-se permear a questão agrária, formulando uma sistemática acerca da função social da propriedade nos contratos agrários. Palavras-chave: Direito Agrário; Contratos Agrários; Arrendamento Rural.

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INTRODUÇÃO

Por se tratar de assunto atual e polemico, este trabalho traz

inicialmente o conceito, a generalidade e o Direito Agrário como um ramo

autônomo do direito, sendo o principal foco o “Do arrendamento rural: contrato e

peculiaridades”. Motivada neste intuito, através do projeto de pesquisa e no

decorrer da formulação deste, exsurge o interesse de sua elaboração, fundado na

sua importância do tema para uma melhor capacitação profissional em

decorrência da aprendizagem e aprofundamento nas lições do referido instituto,

servindo de grande valia para as próximas etapas a serem alcançadas.

Neste sentido, com fulcro na Constituição da República Federativa

do Brasil, em seus basilares, nos princípios fundamentais do Direito Agrário e

diante toda pesquisa bibliográfica utilizada, é elaborado o presente trabalho,

seguindo fielmente os preceitos gerais e a melhor doutrina.

Assim, de acordo com o disposto no Estatuto da Terra – Decreto n.

59.566/66) e da Carta Magna, o contrato de arrendamento rural, suas minúcias

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e peculiaridades, em especial, a extinção contratual e a distinção da parceira, será

analisado ao fim.

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CAPÍTULO 1 - DOS PRINCÍPIOS DO DIREITO AGRÁRIO E DA SUA

AUTONOMIA

1.1) VISÃO GERAL

Direito agrário vem da palavra agri, ager, que deriva de agrarius que

significa campo. O termo rural é situado fora da área urbana. Agrário é o campo

suscetível de produção. A denominação do Direito Agrário é bastante

controvertido entre os estudiosos. A preferência de sua denominação é Direito

Agrário, mas alguns agraristas o define como Direito Rural, Direito da Agricultura,

Direito Agrícola ou Direito da Reforma Agrária.

A história do direito agrário, ainda que tivesse essa nomenclatura,

remonta aos primórdios da humanidade e ninguém mais tem dúvida de que suas

primeiras raízes foram fincadas com o início do aparecimento do homem sobre a

face da terra, pensamento esse que encontra guarida nas lições de Del Veccio

quando afirma que "a agricultura é contemporânea, se não do homem, mas

certamente da civilização humana" e, prosseguindo, diz o mestre que "quem diz

agricultura, diz também direito agrário", por isso o homem jamais pode ser

dissociado desse ramo da ciência do direito, constituindo-se no seu objetivo

primeiro.

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O direito agrário, pois, inquestionavelmente, está ligado diretamente

à atividade agrária, à agricultura, para dizer melhor, que é a ação exercida

diretamente pelo braço humano sobre a terra a fim de que ela produza os gêneros

alimentícios indispensáveis à sobrevivência mesma do homem. Não se pode

compreender direito agrário sem que a primeira figura que nos venha à mente seja

a agricultura, logo, para que se tenha um direito agrário vivo, atuante, realista,

cogente e coercitivo, temos que ter uma agricultura forte, pujante, viva, dinâmica,

assistida e bem sustentada técnica, econômica e financeiramente, do contrário

haverá o fracasso, a falta de alimentos, a miséria, enfim, a fome – senhora

soberana de todas as desgraças.

Ninguém sobrevive na face da terra sem a agricultura. Ela é básica,

fundamental, para a sobrevivência humana. Nenhum rei, nenhum imperador,

nenhum papa, nenhum governante, enfim, nenhum ser, pensante ou irracional,

conseguirá sobreviver na face deste globo terrestre sem uma agricultura

sustentável. E foi essa atividade, que retira da terra o sustento de todos os seres

humanos, que levou o homem a instituir o conceito de propriedade, pois aonde

estava o homem lavrando, aí estaria a sua propriedade, conceito que se alargou

ao longo do tempo até chegar aos nossos dias, não mais como um produto de

mero deleite pessoal, de status de grandeza entre os iguais, mas como autêntico

bem de produção, regrado, assim, pelo princípio da função social da propriedade.

No que diz respeito à propriedade privada, esta deixou de ser encarada como um direito absoluto, capaz de originar status e prestígio político para o senhor da terra, para tornar-se um bem que deve ser usado unicamente em função do interesse coletivo ou a serviço do comum. Deriva daí o princípio da função social da propriedade, adotado, a partir de 1964, pelo Estatuto da Terra , e atualmente encontra-se agasalhado no (art.184 da CF), pois a terra constitui-se num bem destinado a produzir riquezas, e não sendo observado esses requisitos essa propriedade

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poderá ser objeto de desapropriação por interesse social, para efeito de reforma agrária.1

Já no Brasil, desde o século XVI, a política agrícola brasileira tem

sido voltada exclusivamente para a exportação, ora por interesse da metrópole

durante o período colonial, ora por interesses da União para gerar divisas, depois

da independência. Com a crise do petróleo, esse interesse voltou-se para o campo

com vistas ao desenvolvimento do cultivo da cana-de-açúcar, como forma de

incentivar a produção de álcool combustível a fim de limitar a importação de

petróleo e aumentar drasticamente a exportação de gasolina, fazendo com que

milhares de hectares agrícolas deixem de ser ocupados com agricultura de

subsistência, afastando o trabalhador rural da produção de alimentos e forçando-o

a permanecer na região como bóia-fria ou morando perto da área urbana mais

próxima, ou, então, migrar para os grandes centros urbanos do país, em busca de

melhores condições de emprego, forçados a viverem na periferia, sem assistência,

sem emprego, como autênticos parias nacionais, engrossando a fileira dos

marginais e criminosos que hoje atemorizam todos os grandes centros do País.

Juntamente com a cana-de-açúcar, as plantações em grande escala

de laranja e soja, voltadas ambas para o mercado de exportação, ocuparam o solo

anteriormente usado para a plantação de alimentos, forçando o Brasil a ser

importador de produtos agrícolas que deveriam ser produzidos em larga escala

em solo nacional. Em 1960 o Brasil possuía excedentes na produção de

alimentos; apenas 20 anos depois, foi obrigado a importar arroz e feijão para

1 LUZ, Valdemar P da. Curso de Direito Agrário. 2ª ed. Porto Alegre: Sagra-DC Luzzatto, 1996, p. 08.

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abastecer o mercado interno. Nesse período, 50% das famílias que viviam da terra

perderam seu meio de subsistência.

Neste contexto, as primeiras normas de direito agrário foram ditadas

pelo código civil de 1916, em que abordou de forma precária a locação de imóveis

rústicos (arrendamento rural), nos arts. 1211 a 1215 e a parceria rural, nos arts.

1410 a1423. Dessa forma o código civil de 1916, era insuficiente para regular os

contratos agrários. Diante de tal situação surgiu o Estatuto da Terra (Lei 4.504 de

30 de novembro de 1964) que regulava várias matérias ligadas ao campo, entre

elas podemos destacar os contratos agrários. Esses contratos foram

regulamentados dois anos depois pelo Decreto número 59.566/66, que trouxe

consigo Princípios, Definições, explicações sobre o instituto da Parceria, e

inclusive os contratos propriamente ditos.

1.2) DEFINIÇÕES

Direito agrário é o conjunto de normas imperativas e supletivas e

princípios jurídicos de produtividade e justiça social de direito público e de direito

privado, que tem como finalidade, disciplinar as relações emergentes da atividade

do homem sobre a terra (atividade rural), tendo em vista o progresso social e

econômico do rurícola e o enriquecimento da comunidade com base na função

social.

O objeto do direito agrário é toda ação humana no sentido da

produção orientada, no qual há a participação ativa da natureza, visando à

conservação das fontes produtivas naturais, pois a atividade agrária é o resultado

da atuação humana sobre a natureza com participação funcional do processo

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produtivo. O direito agrário respalda-se em princípios e normas de alcance social,

e tem como objetivo regular os litígios do campo, decorrentes do uso ou posse

temporária da terra.

Nas lições de Fernando Pereira Sodero, “direito agrário é o conjunto

de princípios e normas de direito público e de direito privado, que visa disciplinar

as relações emergentes da atividade rural, com base na função social da terra”2.

Existem dois agraristas que introduziu teorias ao direito agrário. O

primeiro é o professor Antônio Carroza, que introduziu a teoria mais moderna que

é a teoria da agrariedade, no qual existe um critério intrínseco à atividade agrária e

a ser dela extraído e analisando e por fim aplicado, onde todas as atividades

agrárias dependem de um ciclo biológico, ligadas à terra e aos recursos da

natureza (forças naturais), separando, portanto, as atividades agrárias das

atividades comerciais e industriais.

E temos a teoria da acessoriedade, proposta por Antônio C. Vivanco,

no qual todas as atividades de transformação e venda dos produtos agropecuários

é complementar à atividades agrária.

Portanto, tal matéria por ser um ramo de direito novo e de autonomia

discutível, não possui normas o bastante para prever todas as situações que

possam ocorrer nessa relação “homem-terra”, em virtude disso, embora os

contratos agrários sejam atualmente regidos por legislação especial, nada impede

que os dispositivos do código civil possam ser aplicados de forma subsidiária.

2 HIRONAKA, Giselda Maria F. Novaes. Direito Civil. Estudos. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 154.

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1.3) DA AUTONOMIA DO DIREITO AGRÁRIO

O direito agrário, sob o aspecto de sua autonomia, pode ser analisado sob três

diferentes enfoques: na esfera legislativa, na visão didática e como ramo

autônomo do Direito. Nisto, ressalvando que o direito privado está impregnado de

norma de ordem pública e vice-versa.

1.3.1) Da autonomia na Esfera Legislativa

Conforme melhor doutrina do jurista Paulo Frota:

Após o surgimento do Estatuto da Terra (lei n° 4.504, de 30-11-64) não se pode na realidade, desprezar o fato de que as questões agrárias tiveram um novo impulso, dado este diploma legal constituir-se, sem a menor dúvida, num importantíssimo marco nesse campo de atividade [...] observou-se o surgimento da justiça social, do interesse social, da desapropriação por interesse social, e cujos princípios básicos, a partir de então, passaram a ser consagrado em múltiplos dispositivos legais.3

A autonomia legislativa, que se deu com a EC n. 10/1964, que

acrescentou na CF de 1946, a competência da União para legislar sobre o direito

agrário. Essa EC ensejou a promulgação da Lei n. 9.504/64, que é o Estatuto da

Terra, considerado para muitos como Código Agrário.

A lei fundamental desse campo jurídico é o Estatuto da Terra, lei n°

4.505, 30-11-64 que cuida do problema em dois planos, quais sejam a reforma

agrária e a política agrícola. Essa lei traçou os rumos básicos de relacionamento

entre o homem e a terra. No que diz respeito aos contratos de uso ou posse

temporária da terra esse diploma foi complementado e regulamentado pelo

Decreto n° 59.566/66.

A autonomia do direito agrário se verifica, quando o Congresso

Nacional discute e edita a lei, em que a mesma reconhece as desigualdades entre

3 LUZ, Valdemar P. da. op. cit., p. 10.

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as partes envolvidas nas relações rurais. Portanto os Estados e Municípios

brasileiros não possuem competência para legislar normas de direito agrário,

demonstrando-se assim a plena autonomia desse direito.

Em termos legislativos, cabe registrar, ainda, que a Constituição

Federal vigente, em seu artigo 22, inciso I, reafirma a competência exclusiva da

União para legislar sobre Direito Agrário.

1.3.2) Da autonomia na Visão Didática

A autonomia didática começa a esboçar-se em 1972, quando o

Conselho Federal de Educação publica, inicialmente, a Resolução nº 3, de

25.02.72, e, logo após, a Deliberação nº 162, incluindo a disciplina Direito Agrário,

como opcional ou eletiva, no Curso de Direito.

Atualmente, o Direito Agrário é disciplina obrigatória em muitos

Cursos de Direito, não apenas no Brasil, mas, igualmente, em todos os países do

Mercosul, em diversos outros da América Latina, na Itália, Espanha, França (onde

adotou a denominação Droit Rural) e outros.

No ano de 1943, MALTA CARDOSO, solicitava ao Congresso Nacional a criação de cátedras de direito rural em nossas universidades. Entretanto somente em 1972, foi dado um grande passo nesse sentido, com a resolução n° 3 emitida naquele mesmo ano pelo Conselho Federal de Educação, e ao mesmo tempo determinou a inclusão do direito agrário como disciplina opcional ou eletiva, nos currículos das faculdades de direito do país. Cabe ressaltar que esta foi uma tese aprovada um ano antes, no I Congresso- Americano de direito agrário, realizada em Porto Alegre em outubro de 1971. Em outro Congresso, realizado em Cruz Alta foi aprovada a proposta de que a cadeira de direito agrário passasse a ser disciplina obrigatória nas faculdades de direito de todo o país.4

E essa autonomia propricia uma conscientização do problema

agrário, Goiás tem sua vocação nas atividades agropastoris. Pode-se até mesmo 4 LUZ, Valdemar P. da. op. cit., p. 11.

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dizer que a autonomia didática se encontra presente nos dias de hoje em nosso

ordenamento jurídico brasileiro, a partir do momento em que várias instituições de

ensino superior a incluem na sua grade curricular, como cadeira obrigatória,

inclusive em várias faculdades de Direito, em que consta de forma obrigatória a

referida disciplina da mesma forma inúmeras obras existentes de grandes autores

do assunto no mercado livreiro, bem como palestras ministradas por profissionais

competentes, seminários e congressos que continuamente se realizam sobre o

tema do direito agrário, ficando provado assim a sua autonomia didática como

ramo de ciência jurídica.

1.3.3) Do Direito Agrário como ramo autônomo do Direito

A autonomia judiciária se manifesta, de modo especial, em dois

aspectos: primeiro, através do disposto no artigo 126 da Constituição Federal 23,

abrindo caminho para a criação de uma Justiça Agrária Especializada, a exemplo

do que já existe em outros países; segundo, pela existência de uma ampla

jurisprudência eminentemente agrária, notadamente nos Tribunais, de Alçada ou

de Justiça, dos Estados onde a atividade agropastoril é bastante desenvolvida.

Discute-se na doutrina se a autonomia legislativa do Direito Agrário é

absoluta ou tão somente relativa.

Entende-se por autonomia legislativa absoluta o ramo do direito que

consegue reger-se por suas próprias normas, ou seja, as normas contidas em seu

ordenamento jurídico bastam a si próprio, sendo desnecessário que o mesmo

busque em outros diplomas legais normas suplementares. Neste sentido podemos

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citar como exemplo: o direito civil, o direito processual, o direito penal e o direito

processual penal.

Em relação ao direito agrário, entende-se que sua automia relativa,

pois em decorrência de inúmeras situações fáticas ocorridas entre essa relação

homem e terra, a legislação agrária não prever todas as soluções de conflitos

existentes, em que obriga o profissional do direito a buscar a solução em outros

diplomas legais, principalmente no código civil e no código de processo civil de

forma supletiva.

Assim, quando ocorrem conflitos de terra, como, ex.gr; nas hipóteses de invasões de propriedades rurais, tão comuns em nossos dias, o proprietário esbulhado em sua posse não encontrará na legislação agrária norma específica que lhe garanta a reintegração de posse, terá portanto, que socorrer-se do código civil e código de processo civil, eis que estes diplomas legais atuam de forma subsidiárias em relação ao que a legislação agrária for omissa, conforme prevê o art.92 § 9° do Estatuto da Terra.5

Diante disso, é pacífica a constatação de que, a exemplo do que

ocorre com a consolidação das leis do trabalho (CLT), o direito agrário somente

adquirirá um status de autonomia absoluta, quando as autoridades competentes

elaborarem um código rural ou um código agrário brasileiro, como já existem em

outros países como França e Uruguai. Embora infrutíferas as inúmeras tentativas

para elaboração de um código agrário, é necessário uma união entre o poder

executivo juntamente como o poder legislativo em que ambos nomeiam uma

comissão jus agrarista com profissionais da área para organizar e elaborar um

projeto de consolidação das leis

5 LUZ, Valdemar P. da. op. cit., p. 12.

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Agrárias e posteriormente encaminhá-las para aprovação do

Congresso Nacional e uma vez aprovada e promulgada pelo Presidente da

República. Somente assim deixará de existir a atual dicotomia na prestação

jurisdicional onde de um lado temos o conflito entre o trabalhador e o empregador

rural, onde a competência é da justiça do trabalho, e de outro lado, os conflitos

decorrentes dos contratos agrários, onde a competência é da justiça comum.

Por fim, conclui-se que o direito agrário é, hoje, ramo autônomo de

estudo pelo alto grau de especialização que demanda, trata-se de uma área do

Direito inteiramente permeada pela prevalência de valores sociais.

Na sua base estão a propriedade do solo e a produção agropecuária

ambas demandando a presença de interesse público. A função social da

propriedade, contrapondo-se à noção da propriedade absoluta individualista

preconizada pelo Códe de Napoleón, inspirada não só no liberalismo mas também

na pandectologia, reconhece na propriedade imprescindível mecanismo de justiça

social. A função social é um conceito complexo que não está relacionado

exclusivamente à produtividade, mas também ao trabalho e à proteção do meio

ambiente e do potencial produtivo do solo.

O Estatuto da Terra e o decreto que o regulamenta constituíram

experiências pioneiras na introdução de valores sociais no Direito Positivo

nacional e o fato de se terem produzido em uma época atribulada da história

política nacional não impediu que obtivessem um padrão de excelência em seus

dispositivos, sintonizados com as mais modernas correntes contemporâneas.

1.4) DIREITO AGRÁRIO: PRINCÍPIOS BASILARES

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Diante da imperiosa aplicação dos princípios e normas

constitucionais ao direito agrário, a dicotomia direito publico versus direito privado

perde sua eficácia, gerando o conceito de direito agrário constitucional, com base

na horizontalidade da aplicação dos direitos e garantias fundamentais.

No que diz respeito ao direito agrário, dentre outros princípios

apontados por diversos autores destacam-se os seguintes princípios, considerado

como os principais, a supremacia da ordem pública, da efetivação da justiça social

e da função social da propriedade.

Os princípios de forma em geral, é o ponto básico, o alicerce do

direito. Segundo PLÁCIDO E SILVA “os princípios regulam o conjunto de regras

ou preceitos, que se fixaram para servir de norma a toda espécie de ação

jurídica”6.

Pode-se definir como princípios gerais do direito agrário: principio da

supremacia da ordem publica, da efetivação da justiça social e função social da

propriedade.

1.4.1) Princípio da Supremacia da Ordem Pública

A questão da supremacia da ordem publica fundamenta-se,

sobretudo, na hierarquia das leis, na medida em que a norma de ordem publica

deve preponderar sobre as de cunho meramente privado, eis que a sua finalidade

é a preservação do interesse publico, estendendo relevância e supremacia a

ordem publica e ao interesse coletivo.

6 LUZ, Valdemar P. da. op. cit., p. 13.

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Dessa forma podemos visualizar que o princípio da supremacia da ordem pública

consiste, na predominância do interesse coletivo sobre o interesse ou a vontade

do particular. No direito agrário o princípio da supremacia da ordem pública

vislumbra em diversas situações, como por exemplos: a desapropriação por

interesse social, as restrições na liberdade em contratar referentes aos contratos

previstos na legislação agrária e as restrições ao fracionamento rural.

A supremacia da ordem pública respalda-se na hierarquia da leis, segundo a qual

a norma de ordem pública de força congente (normas que não podem ser

afastadas pela vontade das partes, que visa preservar os interesses sociais do

estado) em detrimento das normas de natureza privada, eis que seu objetivo é a

preservação do interesse público.

Desapropriação por interesse social - o instituto da

desapropriação sempre esteve estreitamente ligado ao interesse social e coletivo,

de forma a caracterizar uma efetiva restrição ao direito de propriedade.

A desapropriação pode ocorrer por utilidade pública, que tem por objeto o imóvel

urbano e a outra forma de desapropriação é por interesse social, esta diz respeito

aos imóveis de natureza rural para fins de reforma agrária.

A desapropriação por interesse social está condicionada à exigência do cumprimento da função social da propriedade, como determina o art.184 da CF/ 88: “ compete a União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel que não esteja cumprindo a sua função social (...)” e o Estatuto da Terra, em seu art.18, também menciona a desapropriação e a função social da propriedade, dispondo que: “ a desapropriação por interesse social tem por fim condicionar o uso da terra a sua função social (...).”7

Restrições a liberdade de contratar - a supremacia da ordem

pública mais uma vez interfere na autonomia da vontade das partes quando,

7 LUZ, Valdemar P. da. op. cit., p. 14.

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através da legislação agrária, impõe a inclusão de cláusulas obrigatórias nos

contratos agrários (art.13, do DEC 59.566/66 que regulamenta o estatuto da terra

na parte dos contratos agrários) e declara nulas de pleno direito, as estipulações

contrárias a estas cláusulas (art.2°, do DEC 59.566/66).

Restrição ao fracionamento rural - tal restrição tem

embasamento legal com fulcro no art.65 do Estatuto da Terra que coíbe a divisão

do imóvel rural em fração inferior à do módulo rural. Essa redação baseia-se no

interesse social, pois visa evitar a proliferação de minifúndios antieconômicos que

por suas dimensões não possam permitir o progresso sócio-econômico daquele

que trabalha na terra e de sua família.

1.4.2) Princípio da Efetivação da Justiça Social

O principio da efetivação da justiça social no direito agrário reside na

conseqüência de aplicação de suas regras, posto que toda idéia de sua criação

buscou a justiça social no campo através de leis inovadores que permitem mudar

a estrutura injusta existente e que colocava o homem trabalhador unicamente

como mera engrenagem de um sistema, e não sua preocupação.

Embora a justiça social seja algo permanentemente buscado e

almejado por todas as sociedades democráticas, e em boa parte do mundo, no

que se refere ao meio rural, busca-se essa justiça social através da reforma

agrária, da justa distribuição de terras entre aqueles que, embora conserve toda

uma tradição agrícola, não possuem sua própria terra para cultivar e com isso não

conseguem promover a sua ascensão social e econômica.

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Isso é o que se extrai do conceito de reforma agrária contido no

Estatuto da Terra, no qual o princípio da justiça social encontra-se expressamente

presente.

1.4.3) Princípio da Função Social da Propriedade

No campo especifico do direito agrário, tem-se a função social da

propriedade quando ela produz, respeita a ecologia e as regras inerentes as

relações de trabalho podendo-se afirmar que, hoje, no Brasil, o imóvel qualquer

que seja ele, traz ínsita uma obrigação social de primeiramente atender as

necessidades coletivas e só depois satisfazer as necessidades do individuo

proprietário.

Apesar de ter sido previsto no Estatuto da Terra, em 1964, sem

sombra de dúvidas foi a Constituição Federal de 1988 que conseguiu, para

malgrado de alguns definir com precisão o conceito da função social da

propriedade.

Verifica-se que a função social da propriedade é um princípio

solidamente assentado sobre uma base doutrinária e legislativa, tendo sido erigido

em princípio constitucional como se pode atestar em várias passagens de nossa

constituição. Como a propriedade é um instituto de vasta aplicação jurídica o

princípio da função social, inserindo-se no conteúdo da propriedade, irradia efeitos

por igual extensão, atuando porém mais intensamente em algumas áreas capitais.

O jurista moderno não pode se alhear a esse novo enfoque que se

dá ao instituto da propriedade, mormente o agrarista, tanto mais quando vivemos

sérios problemas de distribuição de terras e graves tensões no campo. Da correta

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compreensão da função social da propriedade, depende indubitavelmente a

atuação do jurista, qualquer que seja a atividade a ser desenvolvida. Esta é

apenas uma singela contribuição nessa busca.

1.4.3.1) Adequação e racionalidade do aproveitamento

Há dois fatores importantes: o quantitativo e o qualitativo. O

quantitativo refere-se ao aproveitamento de um certo percentual da área total

aproveitável do imóvel, que deve ser efetivamente cultivada.

O qualitativo diz respeito à produtividade a ser obtida pelo agricultor,

e que não deve ser inferior aos índices médios de produtividade previamente

estabelecidos pelo INCRA, para cada produto e de acordo com a peculiaridades

de cada região.

1.4.3.2) Preservação do meio ambiente e utilização adequada dos recursos

naturais disponíveis

Os recursos naturais constituem-se num bem necessário para a

sobrevivência da humanidade. As matas, o solo, os animais de forma em geral e

os rios, além de outros elementos que compõem o meio ambiente, constituem

recursos naturais que, explorados adequadamente não afetam o nível de

produção. A utilização adequada dos mesmos, bem como a não utilização de

queimadas e de produtos químicos que venham poluir o meio ambiente,

pressupõe uma conscientização das pessoas para cuidar e preservar o meio

ambiente, para que essa destruição não venha trazer reflexos negativos, como um

todo, a propriedade rural e a sociedade.

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1.4.3.3) Breves comentários acerca da regulamentação das relações de

trabalho

O trabalhador rural, anteriormente tutelado por legislação especial

própria, equipara-se hoje, ao trabalhador urbano, em relação aos direitos

trabalhistas, assegurado pela Constituição Federal de 1988.

Quando investido na qualidade empregador, o proprietário rural, deve

observar as disposições legais que regula as relações de trabalho conforme

dispõe a CLT. Quer a lei, assim evitar a exploração do homem pelo homem

circunstâncias que pode levar o empregado rural a um trabalho escravo,

configurado por um trabalho cruel e desumano.

1.4.3.4) O bem-estar do proprietário e dos trabalhadores

Partindo do pressuposto que não existe o social sem que lhe

anteceda o econômico, entende-se que somente depois de obtida a

independência econômica terá o agricultor, e sua família, obtidos reais condições

de bem-estar e, por extensão, também os trabalhadores que a eles se

subordinam, em razão da percepção de melhores salários. O bem-estar dos

proprietários de terra e trabalhadores rurais está intimamente ligado a um

progresso econômico em que se procura obter com o cumprimento da exigência

contida no inciso I.

De acordo com MANOEL GONÇALVES “a Constituição não nega o direito exclusivo sobre o dono da coisa, mas exige que o uso da coisa seja condicionado ao bem-estar geral. Em outras palavras, a garantia da propriedade do bem de produção está condicionada a seu uso, seja

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propriedade rural ou urbana. Se improdutiva, será desapropriada (vide arts.182, § 4°, III e 184). Concluímos que a Constituição de 1988 disponibilizou para o poder público variados instrumentos contundentes, jurídicos e administrativos, para que efetivamente seja atingido o ideal da função social da propriedade, não importando se a propriedade é urbana ou rural. 8

O cumprimento da função social da propriedade, após analise dos

requisitos exigidos pelo art.186/CF, encontra-se condicionada à situação do

homem sobre a terra e os seus reflexos sobre a comunidade, assim devendo

existir uma perfeita relação comunidade-homem-terra.

8 MOTA FILHO, Sylvio Clemente da; SANTOS, Willian Douglas Residente dos. Direito Constitucional. Teoria, jurisprudência e 1000 questões. 11ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2002, p. 736.

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CAPÍTULO 2 – DOS CONTRATOS AGRÁRIOS

Os contratos agrários por seu turno constituem relações jurídicas de

natureza privada nas quais porém verifica-se uma forte gama de interesses

públicos. Destarte o contrato agrário, tendo por objeto a exploração da terra e a

produção agropecuária coloca-se em íntima ligação às políticas governamentais,

as quais encontram um importante mecanismo de atuação na disciplina de tais

contratos.

Isto posto, inserem-se os contratos agrários dentre as relações

jurídicas especiais que, sem perderem o caráter privado, demandam intervenção

de disciplina publicística, tal como as relações de consumo e locatícias, dada a

sua especial configuração. Esta disciplina publicística toma múltipla forma e

variado conteúdo em toda a disciplina dos contratos agrários, tornando relativo e

condicionado o dogma da liberdade contratual e enfraquecendo o dogma do

"pacta sunt servanda", o que representa um novo enfoque nas relações privadas

dessa espécie e um critério orientador para o julgador.

Os contratos agrários destinam-se aos imóveis rurais. Estes são

conceituados segundo a sua destinação segundo o art. 4° da lei 8.629 de 1993 (lei

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que regulamenta dispositivos constitucionais referentes à reforma agrária) o

imóvel rural pode estar situado tanto na zona urbana quanto na rural.

Art.4°- Para os efeitos desta lei, conceituam-se: I - Imóvel rural - o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial.9

Os contratos agrários são regidos por legislação especial, fundada

no princípio da supremacia da Ordem Pública, representada pela intervenção do

estado na liberdade dos contratantes com o objetivo de diminuir as desigualdades

entre as partes. Deste modo, antes do advento do Estatuto da Terra prevalecia a

regra “pacta sunt servanda” do direito civil, onde as vontades das partes,

manifestada em contrato tinha de ser rigorosamente respeitada.

Após o Estatuto da Terra, a vontade das partes foi substituída pelo

dirigismo contratual ou dirigismo estatal, onde o Estado pressupõe uma

desigualdade entre as partes onde uns trabalham a terra mais não têm terra,

enquanto outros, “privilegiados” possuem a terra ocupando uma posição de

vantagem e poder em relação aos primeiros.

Em seu sentido amplo, os contratos são regulados pelo código civil:

compra e venda, locação, comodato empreitada entre outros. Antes do Estatuto

da Terra (lei 4.504 de 1964) o contrato de parceria rural e o arrendamento rural

(que era chamado de “locação de imóveis rústicos”) também eram tutelados pelo

código civil de 1916 em seus (arts. 1.211 a 1.215) e da parceria agrícola e

pecuária (arts. 1.410 a 1.423). Essas disposições tornaram-se meramente

9 BRASIL. Lei n.º 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos a reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII da Constituição Federal. Brasília, DF, 25 fev. 1993. Disponível em: <www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 29 fev. 2007.

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supletiva da legislação especial, que se faz necessária em razão das modificações

sociais do século XX. Tanto o arrendamento como a parceria são disciplinados em

leis próprias, não tendo sido contemplado pelo atual código civil. Hoje em dia os

contratos são regulados pelo decreto 59.566/ 66, também chamados de

regulamento dos contratos agrários, porém nada impede que os dispositivos do

código civil possam ser aplicados subsidiariamente.

Por esta razão, múltiplas relações jurídicas acontecem diariamente

entre os próprios produtores rurais, seus fornecedores, arrendatários, parceiros,

prestadores de serviço, compradores e outros. A cada relação jurídica havida

corresponde a tutela de uma norma legal, outras vezes se busca a proteção no

código civil, a exemplo dos contratos de locação, e outras no próprio Estatuto da

Terra, os contratos de parceria e arrendamento rural.

Deve-se primeiramente, nos pactos contratuais, verificar a

capacidade dos contraentes, da licitude do objeto do contrato, de sua forma que

deve ser permitida ou de que não seja proibida.

A fim de que os contratantes não corram grandes riscos, e nem

tenham suas expectativas frustradas, faz-se necessário que gozem de idoneidade

moral e financeira, que tenham sólidas garantias de que tenham condições de

cumprir o pacto inicialmente firmado e conhecimento teórico e prático do

empreendimento e objeto do contrato.

A parceira agrícola e o contrato de arrendamento rural devem ser

registrados no Álbum Imobiliário e posteriormente em dia com o INCRA e a

Secretaria da Receita Federal (ITR).

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Apesar de que se possa haver a incumbência de se provar a

existência dos contratos agrários através de prova testemunhal, muitos conflitos

surgem face à ausência de um contrato escrito, gerando prejuízos financeiros e

morais aos contratantes, e, por isso aconselha-se que ambas as partes

expressem suas vontades por escrito.

Vários podem ser os negócios contratuais visando um melhor

aproveitamento e a exploração de terra, não se limitando obviamente aos

contratos de parceria e arrendamento rural. Portanto existe um outro tipo de

contrato também chamado de atípico ou inominados que mesmo não tendo uma

denominação prevista na legislação agrária, são por elas regidos, no que for

possível, desde que atendidas determinadas condições no Decreto 59.566/66.

Diante de tal ótica, o art.39 do Decreto n° 59.566/66 dispõe que:

Quando o uso ou a posse da terra for exercido por qualquer outra modalidade contratual, diversa dos contratos de Arrendamento e Parceria, serão observadas pelo proprietário do imóvel as mesmas regras aplicáveis a arrendadores e parceiros, e em especial, a condição estabelecida no art.38 supra.10

O disposto no art. 38 define o que a lei entende como exploração

adequada da terra de forma eficiente, direta, pessoal e correta, a fim de permitir a

proteção legislativa. Uma vez utilizando-se mal a atividade de uso temporário da

terra desviando sua finalidade, esse contrato submeter-se-á as regras gerais de

direito civil e não mais a legislação agrária. Será atípico, por exemplo, os contratos

denominados como “fica” ou “roçado”.

O denominado contrato inominado ou atípico, intitulado “fica”, é

muito comum na Região Centro Oeste e se caracteriza pela entrega de animais

10 BRASIL. Decreto n.º 59.566, de 14 de novembro de 1966. Brasília, DF. 14 nov. 1966. Disponível em: <www.presidencia.gov.br> . Acesso em: 27 fev. 2007.

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que ficam em poder do declarante. Assim, de outro lado o parceiro “donos dos

animais” e de outro lado fica o parceiro criador, cujos termos são mais ou menos

estes: Joaquim ficará com mil bezerros de criar, puro, sem defeitos, de três a cinco

anos, com a marca “M” na perna direita, pertencente a Paulo, obrigando-se a

entregar os referidos bezerros quando por ele for exigido.

Outra espécie de contratos inominados ou atípicos é o “roçado” em

que é muito utilizado no sertão nordestino, em que o ocupante entrega ao

proprietário ou possuidor o resto das culturas para servir de ração para animais

como: palha de milho, ponta de cana, casca de mandioca entre outros.

No que tange a natureza do contrato de parceria e arrendamento

rural, conclui-se ser ele:

Bilateral, porque derivam dele direitos e obrigações de ambas as partes pois deve existir reciprocidade mútua entre os contratantes. Consensual, isto é, pelos estipulantes, de comum acordo, na celebração do contrato, de conformidade com os ditames da lei. Torna-se o contrato perfeito e acabado com a integração das declarações de vontade. Oneroso, porque os participantes auferem vantagens e sacrifícios decorrentes da própria natureza do contrato e seu objeto. Aleatório, em face da incerteza entre as partes quanto a vantagem esperada. Não solene, pois a lei permite que os contratos agrários possam celebrar-se de forma escrita ou verbal e “intuitu personae”, eis que formalizado em função da pessoa do contratante.11

Segundo os arts. 77 a 79 do Estatuto da Terra, os contratos de

arrendamento e parceria rural prescrevem a obrigação do cadastro de

arrendamentos e de parceiros. A função de tais registros é a de controlar o “uso

temporário” da terra, e de controlar os contratos acima citados.

Os registros em tal sentido são desenvolvidos em todo o País

através das Prefeituras Municipais e pelo próprio Incra nas capitais.Tais registros

têm o objetivo, controlar as formas contratuais, e de identificar quem são os seus 11 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Vol. II. São Paulo: AIDE, 1988, p. 887.

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possuidores, isto é, se são pessoas físicas ou jurídicas, e verificar se os contratos

cumprem realmente o princípio da função social da propriedade (art.186, CF), e se

estão estipulados de acordo com os requisitos estabelecidos no Decreto

59.566/66.

O Dec.72.106, de 18.04.1978, em seu art.12, estabelece a obrigação para os proprietários territoriais (ou titulares de outros direitos reais sobre o imóvel) de apresentar ao INCRA, dentro de sessenta dias da estipulação do contrato, a declaração cadastral contendo todos os dados relativos aos arrendatários e parceiros; em caso de falta de declaração por parte do proprietário, a obrigação imposta recai sobre o arrendatário ou parceiro. A inscrição dos arrendatários e parceiros no Registro dá direito a receber o Certificado de Cadastro que tem valor probatório, como título que da certeza da sua condição de produtor agrícola e é válido por todo o tempo de duração do contrato, extinguindo-se ao final da relação contratual.12

2.1) CARACTERÍSTICAS

A principal característica é no que diz respeito às suas normas

especiais relativas aos contratos que regem o uso da terra. São normas próprias e

protetivas ao contratante hipossuficiente e por isso, muitas vezes parecem

contrariar as normas contratuais gerais, estabelecidas no Direito Civil. Segundo

LIMA:

O capítulo IV do título III da lei nº 4.504, de 30-11-1964, o estatuto da terra, dispõe sobre o “uso ou a posse temporária da terra”. Sob esse título disciplinam os contratos agrários de arrendamento e os de parcerias (agrícola, pecuária, agroindustrial e extrativismo). Assim, o Uso ou a posse temporária da terra abrange, no que concerne aos contratos agrários, somente os acima mencionados, isto porque abrange também os “ocupantes de terras públicas”. Sucede que a lei n° 4.947, de 06-04-1966, que “ fixa normas de direito agrário, dispõe sobre o sistema de organização e funcionamento do Instituto de Reforma Agrária e dás outras providências”, tratado em seu capítulo III dos contratos agrários (arts.13 a 15). O § 1° da lei n° 4.947, de 1966, determina que o disposto no seu art. 13 aplicar-se-á a todos os contratos pertinentes ao direito agrário e informará a regulamentação do capítulo IV do título III da lei n° 4.504, de 1964. Isto significa que os contratos agrários não só os que estão disciplinados pelo Estatuto da Terra, são todos que dizem respeito ao uso ou à posse temporária da terra, como comodato por exemplo. Desta forma, todos os contratos que tiverem por objeto o uso ou a posse

12 Revista dos Tribunais, São Paulo: Revista dos Tribunais, Ano 87, Vol. 757, nov. 1998, p. 48.

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temporária da terra, mesmo os disciplinados pelo direito civil, pelo Direito Comercial ou pelo Direito Administrativo, terão que obedecer aos princípios relativos aos contratos agrários constantes do Estatuto da Terra, na forma do disposto no § 1° do art. 13 da lei 4.947, de 1966.13

Graças à permissão conferida pelo § 1° do art. 2.° da Lei de

Introdução ao Código Civil, a revogação das normas do direito comum por normas

próprias e especializadas do direito agrário foi possível, cujo o teor é o seguinte:

“A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declara, quando seja

com ela incompatível, ou quando regule inteiramente a matéria que tratava a lei

anterior”14.

Propõe-se o dirigismo estatal, portanto, a proteger a parte

economicamente e hipossuficiente: em razão disso apresentam as seguintes

características:

Qualquer que seja o seu valor e a sua forma, admitem a prova

exclusivamente testemunhal –(art.14 do Decreto 59.566/66). Isso também

acontece nos contratos civis, que poderão ser provados exclusivamente por

testemunhas, mas somente quando o valor do contrato “não exceder o décuplo do

maior salário mínimo vigente do país, ao tempo em que foram celebrados”15.

A renúncia de direito ou vantagens estabelecidas em lei ou

regulamentos é conduta proibida pelos arrendatários ou parceiros outorgados

(art.2°, caput e inciso I, do artigo 13, ambos do decreto).

13 LIMA, Rafael Augusto de Mendonça. Direito Agrário. 2ª ed. São Paulo: Renovar, 1995, p. 319-320. 14 BRASIL. Decreto-lei 4.657, de 04 de setembro de 1942. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 04 de set. 1942. 15 BRASIL. Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 jan. 1973. Disponível em: <www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 29 fev. 2007.

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Ainda que no contrato haja cláusula onde o arrendatário ou parceiro outorgado

abra mão de direitos ou vantagens, segundo a norma legal agrária, esta cláusula é

nula de pleno direito (o parágrafo único do art.2° do regulamento estipula que

serão nulas de pleno direito às cláusulas que contrariarem este artigo) Em síntese

os contratos agrários não valem pacta sunt servanda, pois o direito agrário visa a

proteção social e econômica da parte considerada mais fraca na relação

processual.

Por exemplo, aqueles previstos no código de defesa do consumidor - lei 8.078/90

bem como naqueles previstos no código civil, esta proibição existe hoje em muitos

contratos modernos,.

Conforme o artigo 13 do regulamento que diz “Nos contratos

agrários qualquer que seja a sua forma, constarão obrigatoriamente, cláusulas que

assegurem a conservação dos recursos naturais e à proteção social e econômica

do arrendatário e dos parceiros-outorgados.”16 Neste artigo encontramos uma

vasta relação de cláusulas que devem constar dos contratos agrários, sendo

clausulas obrigatorias.

Os contratos agrários possuem liberdade de forma, podendo

ser escritos e verbais (artigo 11 do regulamento). O Estatuto da Terra, antes do

decreto que o regulamentou, dispunha que os contratos poderiam ser expressos

ou tácitos. Expresso é sinônimo de escrito, mas tácito não é sinônimo de verbal,

pois verbal indica uma concordância expressa, enquanto que tácita indica uma

concordância silenciosa, através de uma atitude que demonstra concordância.

16 BRASIL. Decreto n.º 59.566, de 14 de novembro de 1966. Brasília, DF. 14 nov. 1966. Disponível em: <www.presidencia.gov.br> . Acesso em: 27 fev. 2007.

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Deste modo, sendo o contrato verbal presume-se nele que num contrato escrito

deverão existir as mesmas cláusulas.

De acordo com a legislação agrária vigente, os contratos agrários,

sejam eles de arrendamento ou de parceria poderão ser escritos ou verbais.A

dispensa do formalismo, do documento escrito, resulta, sem dúvida, na atenção

conferida pelo legislador à praxe do agro, pois no campo, via de regra, impera o

analfabetismo, especialmente no tocante a figura daquele considerado

hipossuficiente.

Consciente das mudanças operadas no âmbito jurídico e atento às necessidades imperativas de uma “sociedade” do Direito, o próprio legislador de 1975, ao apresentar redação final do Projeto 634 (Código Civil), incluiu, como dispositivo inaugural do Título referente aos “Contratos em geral”, o art.420, cujo esplendor de essência e redação o colocam como marco importantíssimo na nova tendência de conceber o próprio Direito Civil.Diz o art. 420 do projeto 634/75: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.O próprio professor e em lustre jurista, Dr. Miguel Reale, supervisor da comissão elaboradora e revisora de tal Projeto de Código Civil, apresentou sua justificativa, quando do encaminhamento do Anteprojeto, dizendo, textualmente, em determinados seguimentos: “Firme consciência ética da realidade sócio-econômica norteia a revisão das regras gerais sobre a formação dos contratos e a garantia de sua execução eqüitativa, bem como as regras sobre resolução dos negócios jurídicos em virtude de onerosidade excessiva, à as quais vários dispositivos expressamente se reportam, dando a medida do propósito de conferir aos contratos estrutura e finalidade sociais. È um dos tantos exemplos de atendimento da ‘socialidade’ do direito. Nesse contexto, bastará, por conseguinte, lembrar alguns outros pontos fundamentais, a saber: [...] c) Tornar explíto, como princípio condicionador de todo o processo hermenêutico, que a liberdade de contratar só pode ser exercida em consonância com os fins sociais do contrato, implicando os valores primordiais da boa fé e da probidade. Trata-se de um preceito fundamental, dispensável talvez sobre o enfoque de uma estreita compreensão positiva do Direito, mas essencial à adequação das normas particulares à concreção ética da experiência jurídica.17

Definidos como típicos ou nominados, estes contratos agrários são

os que têm uma denominação prevista no Estatuto da Terra e no Decreto

59.566/66, denominados como arrendamento rural e a parceria. Concluem-se

17 HIRONAKA, Giselda Maria F. Novaes. ob.cit., p. 157.

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tendo como partes, de um lado, o proprietário da terra ou quem lhe faça as vezes

como o possuidor legitimado, e de outro lado o rurícola que exercerá ali as

atividades agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, conforme o art.1°

do Decreto n° 59.566/66.

Os contratos de arrendamento e de parceria poderão ser escritos ou

verbais. Nos contratos verbais presume-se ajustadas as cláusulas obrigatórias

estabelecidas no Regulamento do Estatuto da Terra e Direito Agrário Decreto n.

59.566/66. Nos contratos escritos deverão conter o lugar e data da assinatura do

contrato, nome completo e endereço dos contratantes, características do

arrendador e arrendatário ou do parceiro-outorgante e parceiro-outorgado, objeto

do contrato, tipo de atividade de exploração e destinação do imóvel ou dos bens,

identificação do imóvel e número do Registro no Cadastro de Imóveis Rurais

(IBRA), descrição da gleba, enumeração das benfeitorias e demais bens e

facilidades, prazo de duração e preço, foro do contrato, cláusulas obrigatórias do

Regulamento e assinatura dos contratantes ou da pessoa a seu rogo e de quatro

testemunhas idôneas.

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CAPÍTULO 3 – DO ARRENDAMENTO RURAL: CONTRATO E

PARTICULARIDADES

É o ato jurídico celebrado entre o proprietário (possuidor, usufrutuário

ou arrendador), que cede o imóvel, no todo ou em parte, a outro (arrendatário),

que nela explorará uma atividade econômica, por prazo certo ou não, e por certo

preço, para a exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista.

No arrendamento rural temos pessoas autorizadas a dar o imóvel em

arrendamento, o proprietário, pessoa física ou jurídica; o possuidor ; o

administrador com poderes para administrar o imóvel rural; o usufrutuário, pois

este conserva o direito à posse, uso administração e percepção dos frutos. Quanto

à pessoa do arrendatário, pode ser a pessoa física ou conjunto familiar, este

representado pelo seu chefe que trabalham e pagam o aluguel (art.3 § 2°, do

Dec.59.566/66).

No contrato de arrendamento rural, a retribuição paga pelo

arrendatário pelo uso e gozo do imóvel rural caracteriza uma onerosidade dessa

modalidade contratual, pois se não houvesse isso, estaríamos diante de um

contrato gratuito, o que caracterizaria um contrato de comodato previsto no código

civil. O arrendamento assemelha-se com o contrato de locação do direito civil,

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porém este tem por objeto um imóvel rural, podendo o contrato abranger todo o

imóvel, parte do imóvel ou partes do mesmo imóvel, e incluir, ou não as

benfeitorias (moradia, galpões, depósitos entre outros).

Vale analisar o arrendatário sob esse aspecto, pois se o chefe desse

conjunto familiar vier a falecer durante a vigência do contrato, esta circunstância

não acarretará a extinção do contrato (art.26, parágrafo único do Dec.59.566/66).

Segundo a definição legal:

Arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, mediante certa retribuição ou aluguel, observados os limites percentuais da Lei. 18

As leis dos contratos agrários gozam de cunho social, pois

prescrevem a obrigatoriedade da inclusão contratuais que assegurem a proteção

social e econômica do arrendatário e dos parceiros-outorgados, e determinam de

forma expressa a irrenunciabilidade dos direitos e vantagens instituídos pela lei

agrária por parte dos mesmos (art.2°, Dec.59.566/66).

Nos contratos de arrendamento, os prazos variam de acordo com a

exploração sem deixar de observar a conservação dos recursos naturais. Contrato

de três anos quando tiver por objeto exploração de lavoura temporária e de

pecuária de pequeno e médio porte; contrato de cinco anos quando tiver por

objeto exploração de lavoura permanente ou atividades ligada à pecuária de

grande porte; contrato de sete anos quando tiver por objeto exploração florestal.

No caso das partes contratantes não estipularem prazo será considerado para

18 BRASIL. Decreto n.º 59.566, de 14 de novembro de 1966. Brasília, DF. 14 nov. 1966. Disponível em: <www.presidencia.gov.br> . Acesso em: 27 fev. 2007.

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efeitos legais o prazo de três anos, conforme prevê (art.92, II, do Estatuto da Terra

e art.21, Dec. 59.566/66).

Uma serie de obrigações é prevista tanto para o arrendador quanto

para o arrendatário em seus arts. 40 e 41 do Decreto 59.566/66.

Art 40. O arrendador é obrigado: A entregar ao arrendatário o imóvel rural objeto do contrato, na data estabelecida ou segundo os usos e costumes da região; A garantir ao arrendatário o uso e gozo do imóvel arrendado, durante todo o prazo do contrato (art.92, § 1° do Estatuto da Terra); A fazer no imóvel, durante a vigência do contrato, as obras e reparos necessários; A pagar as taxas, impostos, foros e toda e qualquer contribuição que incida ou venha incidir sobre o imóvel rural arrendado, se de outro modo não houver convencionado. Art 41. O arrendatário é obrigado I- A pagar pontualmente o preço do arrendamento, pelo modo, nos prazos e locais ajustados; II- A usar o imóvel rural, conforme o convencionado, ou presumido, e a tratá-lo com o mesmo cuidado como se fosse seu, não podendo mudar sua destinação contratual; III- A levar ao conhecimento do arrendador, imediatamente, qualquer ameaça ou ato de turbação ou esbulho que, contra a sua posse vier a sofrer, e ainda, de qualquer fato do qual resulte a necessidade da execução de obras e reparos indispensáveis à garantia do uso do imóvel rural; IV- A fazer no imóvel, durante a vigência do contrato, as benfeitorias úteis e necessárias, salvo convenção em contrário; V- A devolver o imóvel, ao término do contrato, tal como recebeu com seus acessórios; salvo as deteriorações naturais ao uso regular.O arrendatário será responsável por qualquer prejuízo resultante do uso predatório, culposo ou doloso, quer em relação à área cultivada, quer em relação às benfeitorias, equipamentos, máquinas, instrumento de trabalho e quaisquer outros bens a ele cedidos pelo arrendador. 19

Ao arrendatário é assegurado pelo Estatuto da Terra, uma proteção

de lhe auspiciar um crescimento social e econômico. Os direitos do arrendatário

são: a preferências na aquisição do imóvel, em igualdade de condições com

terceiros; irrenunciabilidade dos direitos garantidos por lei e indenização pelas

benfeitorias úteis e necessárias, podendo permanecer no imóvel e dele usufruir

19 BRASIL. Decreto n.º 59.566, de 14 de novembro de 1966. Brasília, DF. 14 nov. 1966. Disponível em: <www.presidencia.gov.br> . Acesso em: 27 fev. 2007.

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enquanto não for indenizado.Também são indenizáveis as voluptuárias, desde que

autorizados anteriormente pelo arrendador.

Os deveres do arrendatário são: pagar pontualmente o valor do

arrendamento as obrigações trabalhistas e previdenciárias; conservar o imóvel,

assim como o recebeu; preservar a fauna, a flora e os mananciais hídricos; manter

o imóvel livre de invasões e turbações e devolver os bens recebidos , assim como

os recebeu e se houver animais, deverá devolver no mesmo número, espécie e

valor, conforme o Decreto n. 5.9566/66, artigo 43.

A lei descreve a possibilidade de prorrogação do contrato em apenas

duas situações. A primeira situação que a lei prevê é a prorrogação legal, que se

insere no art. 95, I, do Estatuto da Terra em que mesmo expirado o prazo

contratual o arrendatário, poderá concluir a colheita que ainda esteja pendente ou

retardada por motivo de força maior. A segunda hipótese prevista em lei é a de

prorrogação convencional em que o arrendatário ajuste previamente com o

arrendador, a forma de pagamento do uso da terra, que se excedeu, caso

pretenda iniciar qualquer cultura cuja colheita não possa ser efetuada antes do

término do contrato (art.95, III, do Estatuto da Terra).

Quanto ao preço, no contrato de arrendamento devem ser fixados

sempre em dinheiro, pois a lei não permite outra forma. Mas, quanto ao modo de

pagamento, é possível o recebimento em frutos ou produtos, cujo o preço corrente

no mercado não será inferior ao teto mínimo da cotação oficial (art.18, Decreto

59.566/66).

No que diz respeito à renovação do contrato de arrendamento, o

arrendador tem a obrigação de notificar o arrendatário, com antecedência mínima

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de seis meses do término do prazo contratual, das propostas recebidas de

terceiros para o arrendamento do imóvel objeto do contrato. Não se procedendo a

referida notificação, considera-se o contrato automaticamente renovado, salvo se

o arrendatário, até trinta dias após o término do prazo para a referida notificação,

manifestar a sua desistência ou formular nova proposta (art.22, § 1º, Decreto

59.566/66).

No que tange ao direito de preferência não se opera em relação ao

direito que possui o arrendador de explorar pessoalmente o imóvel, ou através de

descendente. A lei é bem clara em relação a retomada do imóvel arrendado,

desde que o arrendador proceda a notificação ao arrendatário, no prazo de seis

meses antes do vencimento do contrato (art.22,§ 2° do Decreto 59.566/66). Uma

vez provada a insinceridade do arrendador, após a desocupação do imóvel pelo

arrendatário, poderá este requerer as perdas e danos que porventura sofrer em

relação ao imóvel arrendado.

Não o bastante, discute-se na doutrina e na jurisprudência, se o contrato, ao renovar-se automaticamente, passa a vigorar o prazo indeterminado ou pelo mesmo prazo do contrato renovando. Inclinando-se a favor da primeira corrente, Carvalho Santos doutrina que “não se pode e nem deve confundir, precisamente porque no caso de tácita recondução, o contrato é havido como prorrogado, quanto às condições, mas não quanto ao tempo de sua duração, que fica sendo indeterminado [...]. De outra parte, a segunda corrente, tida por majoritária, propugna pela renovação do contrato pelo mesmo prazo, conforme se demonstra: “Estatuto da Terra - Arrendamento Rural - Contrato escrito - Falta de notificação: Prorrogação automática - Não tendo havido notificação na forma da lei, o contrato de arrendamento rural se renova automaticamente pelo prazo de três anos”. Arrendamento rural. Contrato escrito por três anos não expressamente renovado, mas também não devidamente encerrado pela notificação do proprietário ao ocupante, segundo determina o Estatuto da Terra - Prorrogação tácita por outros três anos dependente, entretanto, da manifestação implícita da vontade do arrendatário ou parceiro em continuar o contrato tal como foi convencionado.20

20 LUZ, Valdemar P. da. op. cit., p. 56.

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Nessa mesma perspectiva, o direito de preferência ou preempção

para aquisição do imóvel arrendado encontra respaldo no Estatuto da Terra, em

seu art.92, § 3° e no Decreto 59.566/66 devidamente capitulado em seu art.45,

que atribui ao arrendador a obrigação de notificar ao arrendatário para que este

exerça, no prazo de trinta dias, contados do recebimento da notificação o seu

direito de preempção em relação a terceiros, na hipótese do arrendador pretender

alienar o imóvel.

No caso de um imóvel ser vendido a terceiros, sem ter havido a

competente notificação, poderá o arrendatário haver para si o imóvel alienado,

desde que o requeira no prazo de seis meses, contados do registro de escritura de

compra e venda no Registro de imóveis, de onde foi realizada a venda, e deposite

o preço pelo qual foi vendido, corrigido monetariamente, não se incluindo nesse

valor as despesas com a escritura e com o Imposto de Transmissão sobre bens

imóveis (art.47 Dec 59.566/66).

Em caso de ter sido notificado o arrendatário e não ter exercido o seu

direito de preferência na compra do imóvel arrendado, o arrendador neste caso

estará liberado para alienar o imóvel a terceiros.

Por ser injusta a exclusão do parceiro quanto ao benefício da preferência para aquisição do imóvel, no caso de sua alienação pelo proprietário, e que inúmeros agraristas se insurgem contra a restrição e afirmam que a preferência tanto vale para o arrendatário quanto para o parceiro. Altamir Pettersen e Nilson Marques, por exemplo, afirmam como veêmencia: “Nada existe no Estatuto nem seu regulamento que leve a crer que os parceiros não estão protegidos pelo direito de preferência. A proteção social e econômica não é privilégio apenas dos arrendatários. O direito de acesso à terra àqueles que nela trabalham, garantindo a permanência no solo trabalhando, não pode restringir-se apenas aos arrendatários, sob pena de não garantir-se o uso econômico da terra protegendo o seu uso temporário e impedindo que a terra vá cair em mãos de terceiros

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estranhos à relação contratual, conforme salientaram, em outras palavras, os ilustres Osvaldo e Silvia Optiz, citados.” 21

Acontecendo a venda pura e simples, o arrendatário tem direito de

permanecer explorando o imóvel até o término do prazo contratual, pois o art.15

do Decreto prevê a continuidade do contrato mesmo na hipótese de alienação do

imóvel, uma vez que o adquirente se subroga nos direitos e obrigações do

alienante.

O regulamento, no art. 40, inciso IV, inclui entre as obrigações do

arrendador a de fazer no imóvel arrendado as benfeitorias que incidam ou venham

a incidir sobre os mesmos, se de outro modo não houver convencionado. Demais

disso, também o art.41, IV, dispõe a obrigatoriedade do arrendatário realizar no

imóvel as benfeitorias úteis e necessárias, salvo convenção em contrário. Diante

da análise e de tais dispositivos, a conclusão que nós temos é que as benfeitorias

no imóvel arrendado dependem, sempre de expressa combinação entre os

contratantes, podendo tal responsabilidade tanto recair sobre um quanto sobre o

outro.

Por isso, é muito importante estabelecer a exata caracterização do tipo de benfeitoria da qual se pretenda a indenização. Conforme lembra os doutrinadores, “Mister se torna verificar as circunstancias regionais, porque, muitas vezes, uma benfeitoria é voluptuária num ponto e útil noutro. Nesse caso, uma perícia determinará a natureza da benfeitoria.22

Se constar no contrato a responsabilidade do arrendatário em

realizar as benfeitorias e vindo as mesmas a serem concretizadas, terá o

arrendatário direito à indenização, mas tão-somente se as mesmas forem tidas

como úteis ou necessárias. Sendo as benfeitorias classificadas como voluptuárias, 21 BORGES, Paulo Tarminn. Institutos Básicos do Direito Agrário. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 98. 22 HIRONAKA, Giselda Maria F. Novaes. op. cit., p. 180.

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somente serão indenizadas se tiverem sido expressamente autorizadas pelo

arrendador, conforme prevê o art. 25, do regulamento. A negativa do arrendador

em indenizar as benfeitorias enseja ao arrendatário a faculdade de reter o imóvel

até o cumprimento da obrigação conforme preceitua o art.25, § 1°.

De outra forma, sendo atribuída ao arrendador a responsabilidade

pelas benfeitorias necessárias e úteis, além de não ter o arrendatário direito a

qualquer indenização, faculta ao arrendador obter uma elevação proporcional no

preço do arrendamento, caso as benfeitorias venha dar causa a um aumento nos

rendimentos da gleba arrendada onde encontra previsão expressamente no art.25,

§ 2°.

Portanto se não houve participação da indústria humana, será uma acessão natural, não uma benfeitoria, a respeito, pontificou Clóvis Beviláqua As acessões naturais aumentam o valor da coisa, mas não entram na classe das benfeitorias, porque estas supõem a intenção de melhorar o bem, são resultado do esforço de quem o tinha em seu poder, representam certo valor criado pela indústria humana.23

No tocante ao subarrendamento, este é o contrato pela qual o

arrendatário transfere a outrem, no todo ou em parte, os direitos e obrigações do

seu contrato de arrendamento, consoante prescreve a lei agrária, é o contrato pelo

qual o arrendatário transfere a outro, no todo ou em parte, os direitos e obrigações

do seu contrato de arrendamento.

O subarrendamento, para que possa ser efetivado depende do

consentimento expresso do arrendador, conforme dispõe o art.31. Portanto, vindo

o arrendatário a subarrendar o imóvel rural sem o consentimento expresso do

arrendador, este poderá ajuizar ação de despejo fundamentada em infração legal,

com fulcro no art.32, II, do Regulamento. 23 BORGES, Paulo Tarminn. op. cit., p. 82.

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Extinto o contrato de arrendamento ou havendo a infringência de

uma das cláusulas contratuais abrem ensejo à ação de despejo, nos termos dos

nove incisos do art.32 do Decreto 59.566/66. Desse modo, o despejo somente

será concedido nos seguintes casos:

I -Término do prazo contratual ou de sua renovação; II - Se o arrendatário subarrendar, ceder ou emprestar o imóvel rural no todo ou em parte, sem o prévio e expresso consentimento do arrendador; III - Se o arrendatário não pagar o aluguel ou a renda no prazo convencionado; IV - Dano causado a gleba arrendada ou às colheitas, provada o dolo ou culpa do arrendatário; V - Se o arrendatário mudar a destinação do imóvel rural; VI - Abandono total ou parcial do cultivo; VII - Inobservância das normas obrigatórias fixadas no art.13 deste regulamento; VIII - Nos casos de pedido de retomada, permitidos e previstos em lei e neste regulamento, comprovada em juízo a sinceridade do pedido; IX - Se o arrendatário infringir obrigação legal, ou cometer infração grave de obrigação contratual.24

Nos termos do art.86, Dec 59.566/66, diz que, na ação de despejo,

os litígios judiciais entre arrendadores e arrendatários rurais obedecerão ao rito

processual estabelecido pelo art.275, II, a do código de processo civil.

Extingue-se o contrato de arrendamento rural, segundo o art.26 do

Decreto 59.566/66, da seguinte forma:

I - Pelo término do prazo do contrato e do de sua renovação; II - Pela retomada ; III - Pela aquisição da gleba arrendada, pelo arrendatário; IV - Pelo distrato ou rescisão do contrato; V - Pela resolução ou extinção do direito do arrendador; VI - Por motivo de força maior, que impossibilite a execução do contrato; VI - Por sentença judicial irrecorrível; VIII - Pela perda do imóvel rural; IX - Pela desapropriação, parcial ou total do imóvel rural; X - Por qualquer outra causa prevista em lei.25

3.1) ARRENDAMENTO RURAL VERSUS PARCERIA

O arrendamento rural é o contrato agrário celebrado entre o parceiro-

outorgante (proprietário ou usufrutuário do bem), que cede ao parceiro-outorgado,

24 BRASIL. Decreto n.º 59.566, de 14 de novembro de 1966. Brasília, DF. 14 nov. 1966. Disponível em: <www.presidencia.gov.br> . Acesso em: 27 fev. 2007. 25 Ibidem.

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por tempo determinado ou não, o uso específico do imóvel rural, incluindo ou não

as benfeitorias, outros bens ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercido a

exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa vegetal ou mista, e/ou lhe

entregue animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias

primas de origem animal, mediante partilha de riscos (caso fortuito ou força maior)

do empreendimento rural e dos frutos e produtos ou lucros havidos, conforme

previsão e percentuais da lei (art. 96, VI do Estatuto da Terra), no qual o parceiro-

outorgado que participará do empreendimento com a sua mão-de-obra em sentido

amplo. É comum o parceiro-outorgado participar com o conjunto familiar.

Tanto o arrendamento e a parceria rural estão definidos,

respectivamente, nos arts.3° e 4° do Decreto n° 59.566/66. Pelo contrato de

arrendamento rural, equivale ao contrato de locação do código civil utilizada para

imóveis urbanos, onde uma pessoa obriga-se a ceder a outra o uso e o gozo de

imóvel rural para ali ser exercida atividade de esfera rural, mediante pagamento de

aluguel em dinheiro ou em espécie.Pelo contrato de parceria rural, alguém se

obriga a ceder o uso específico de imóvel rural a outrem para atividade própria

rural, mediante partilha de riscos e lucros em proporções estabelecidas em lei.

Nas lições de Lourenço Mário Prunes, em seu Dicionário prático de arrendamento

e parceria:

O arrendamento ou locação exige remuneração certa, in natura ou in specie, pagamento alto ou módico, pouco importa, mas que será sempre entregue ao arrendatário, sem que sofra reflexo de êxito ou malogro da exploração ou das safras. Na parceria o lucro é sempre representado por uma cota ou percentual; ademais, o risco corre em comum para as duas partes. No arrendamento o próprio locador recebe o preço contratado, tenha ou não o arrendatário realizado a safra. Na parceria o proprietário parceiro pode receber muito,

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pouco e até nada receber, porque seu ganho se vincula as vantagens conseguidas pela outra parte. 26

A posse direta do imóvel é necessariamente transferida ao

arrendatário, no contrato de arrendamento; estes assumem todos os riscos da

exploração e ao mesmo tempo usufruem o bem objeto de arrendamento.O

arrendador recebe remuneração certa consubstanciada no aluguel estabelecido

entre as partes.

Na parceria, é cedido o uso da coisa, sem que necessariamente seja

transferida a posse do imóvel ao parceiro-outorgado. No contrato de parceria tanto

o parceiro–outorgante quanto o parceiro–outorgado compartilharão dos lucros e

dos riscos de empreendimento, segundo percentuais que a lei estabelece. O

contrato de parceria corresponde ao contrato de sociedade previsto no código

civil.

Quanto a sua classificação, a parceria rural é um tipo de contrato

aleatório, pois a vantagem esperada é incerta, já o arrendamento geralmente não

o é. Esses dois tipos de contrato apresentam aspecto pessoal muito importante,

pois tratasse de uma avença intuitu personae, tendo em mira a pessoa de

arrendatário ou parceiro-outorgado.

Objeto de contrato de arrendamento ou parceria rural, o imóvel rural

deve ter identificação e número de seu registro no cadastro de imóveis rurais do

Incra, de acordo com o art.12, VI, do Decreto n° 59.566/66.

Bem como a subparceria de imóvel rural, o subarrendamento

somente será possível quando houver autorização respectivamente do arrendador

26 FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Agrário. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 235.

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e do parceiro-outorgante. Uma vez ausente o consentimento, estará autorizado o

despejo conforme prevê o art.32, II, do referido Decreto.

Ainda quanto à classificação, os contratos de arrendamento e de

parceria são informais. Podem ser celebrados por escrito ou verbalmente. Os

contratos verbais presumem-se integrados pelas cláusulas obrigatórias da

legislação (art.11 do Decreto n° 59566/66). Qualquer uma das partes no momento

do contrato pode exigir que o mesmo seja por escrito (art.11 § 2°).

Os contratos verbais, no entanto, não sofrem as restrições de direito

comum cabendo nessa modalidade à prova testemunhal, podendo desse modo

ser provados qualquer que seja o seu valor e a sua forma (art.92, § 8°, do

Estatuto, e art.14 do Regulamento). Sendo obedecida a forma escrita, deverão

constar de forma obrigatória os requisitos previstos no art.12 do regulamento. Nos

dias de hoje, tendo em vista o nível cultural das partes contratantes, predomina a

forma verbal. Presumimos presentes, qualquer que seja a forma do contrato

cláusulas obrigatórias que assegurem a conservação dos recursos naturais e a

proteção social e econômica dos arrendatários e dos parceiros outorgados,

(art.13, do regulamento).

Quanto a renovação ou a prorrogação dos contratos agrários, o

art.95, IV do Estatuto da Terra concede preferência de renovação do contrato ao

arrendatário, determinando que o proprietário o notifique com antecedência de

seis meses antes do término do contrato, apresentando se for o caso as propostas

existentes.

Não ocorrendo notificação, o arrendamento é considerado

automaticamente renovado, desde que o arrendatário, nos trinta dias seguintes,

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não manifeste sua desistência ou formule nova proposta, ocorrendo mediante

simples registro de suas declarações no registro de Títulos e Documentos,

previsto no art. 22 do regulamento.

A notificação se justifica pois pode haver interesse de terceiros no

arrendamento do imóvel e também no caso de intenção de retomada pelo

arrendador para explorar o imóvel diretamente ou por meio de seu descendente.

Entende a doutrina que os mesmos princípios ora referidos são aplicáveis à

parceria, por força do art.96, VII do Estatuto da Terra.

A falta de notificação, em si, não torna o contrato prorrogado ou renovado para o arrendatário, mas somente para o arrendador, por ser um privilégio legal a preferência que lhe concede, tanto que terá prazo de trinta dias para desistir ou formular nova proposta.27

Tanto o arrendatário quanto o parceiro-outorgado poderão reclamar

as benfeitorias realizadas no curso do contrato.O arrendatário ou o parceiro-

outorgado no final do contrato, terá direito á indenização das benfeitorias

necessárias e úteis, resguardando a ambos o direito de retenção e de prosseguir

usufruindo do imóvel enquanto não for indenizado. Quanto às voluptuárias,

somente será indenizado se for expressamente autorizado pelo arrendador

(art.95,VIII, do Estatuto da Terra e art.1.219 do código civil ).

A remuneração do contrato, no contrato de arrendamento rural, é

fixada em dinheiro, equivalente ao contrato de aluguel da locação em geral. O fato

de um aluguel ser fixado em dinheiro, contudo, não impede que o cumprimento da

obrigação seja substituído por “quantidade de frutos cujo preço corrente do

mercado local, nunca inferior ao preço mínimo oficial, equivalha ao aluguel, à

época da liquidação” (art.18 Decreto 59.566/66). 27 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Vol. III. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 621.

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Deste modo, trata-se de obrigação facultativa, pois o devedor pode

optar por substituir seu objeto quanto do pagamento, não podendo ser ajustada

como uma obrigação principal.A lei é clara vedando nessa modalidade de contrato

ajustar como preço de arrendamento quantidade fixa de frutos ou produtos, ou seu

equivalente em dinheiro.

Ao contrario do que ocorre no contrato de parceria em que os

parceiros assumem os riscos do negócio de forma recíproca. A vantagem do

parceiro-outorgante será representada por participação nos lucros. Da mesma

forma, sofrerá as perdas por motivo de força maior em que os mesmos repartirão

os prejuízos fruto do objeto do contrato.

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CONCLUSÃO

O Direito de propriedade e o principio da função social da

propriedade, assim estabelecidos e disciplinados nos artigos 5º, XXII e 186 da

Constituição da Republica Federativa do Brasil, não podem ser considerados

como direitos ilimitados, absolutos, indiferentes ao contexto social. O Direito

Agrário surge como ramo autônomo do direito, tendo seus reflexos evidentes da

esfera legislativa e na visão didática.

Em decorrência dessas afirmações, conclui-se que os contratos

agrários geram e constituem relações jurídicas privadas onde se verifica um

relevante interesse publico.

O principio da função social, tendo como objeto a exploração da terra

e a efetiva produção agropecuária, visa o cumprimento da função social como

condição de sua legitimidade, tornando-o incisivo sobre o conteúdo do direito de

propriedade, sistematizando os limites internos do Direito Agrário e sua própria

estrutura.

Pela elaboração do presente trabalho, conclui-se que os contratos

agrários asseguram aquele que subsiste da exploração da terra, definindo este

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individuo como hipossuficiente e elevando-o em grau de igualdade de condições

como o parceiro-outorgante ou arrendador.

Assim como acontece nas relações consumeristas e locatícias, nos

contratos agrários, mesmo com seu caráter exclusivamente privado, não ficam

excluídas a intervenções do Estado, condicionando e relativizando a liberdade

contratual em prol da supremacia da ordem publica, da efetivação da justiça social

e da função social da propriedade.

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REFERÊNCIAS

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RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Vol. II. São Paulo: AIDE, 1988, p. 887. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Vol. III. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 621.