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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA NA CARTA POLÍTICA DE 1988 Por: Cristina Pinheiro Araújo Orientador: Prof. Anselmo Souza RIO DE JANEIRO 2011

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA NA

CARTA POLÍTICA DE 1988

Por: Cristina Pinheiro Araújo

Orientador:

Prof. Anselmo Souza

RIO DE JANEIRO

2011

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

NA CARTA POLÍTICA DE 1988

Apresentação de monografia ao Instituto A

Vez do Mestre – Universidade Cândido

Mendes, como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Direito

Público e Tributário.

Por: Cristina Pinheiro Araújo

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AGRADECIMENTOS A meus pais e minha madrinha, por todo amor,

incentivo e dedicação, imprescindíveis na minha

vida.

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DEDICATÓRIA

A meu noivo, Ticiano, pelo amor estimulante,

companheiro e incansável, dia a dia.

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RESUMO

A presente monografia tem por escopo abordar questões relativas ao

Princípio da Capacidade Contributiva, expresso no art. 145, §1º da Constituição da

República, no que tange ao seu alcance e real sentido. Para fins de melhor

compreensão do tema ora proposto, o trabalho foi dividido em três capítulos. O

primeiro deles dedica-se à análise dos princípios constitucionais gerais e

tributários, dando-se enfoque, inicialmente, ao significado etimológico da palavra

princípio e, em seguida, ao estudo do princípio da capacidade contributiva. No

segundo capítulo, buscou-se demonstrar a interpretação e aplicabilidade do

referido princípio na doutrina e jurisprudência do país, para então, finalizar,

abordando a relação existente entre a capacidade contributiva e os demais

princípios que permeiam a ordem constitucional pátria.

Palavras-chave: Direito Tributário; Princípios Constitucionais Gerais e Tributários; Princípio da Capacidade Contributiva.

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METODOLOGIA

A metodologia de pesquisa deste trabalho foi baseada em pesquisa

doutrinária, sistematizando-se diversos posicionamentos acerca do tema

abordado, a partir de obras dos principais pensadores e teóricos do direito

tributário, dentre os quais Roque Antônio Carrazza e Sacha Calmon Navarro

Coêlho. Ademais, foram colacionados julgados dos Tribunais brasileiros, de modo

a evidenciar a aplicabilidade do objeto deste estudo em nosso país.

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SUMÁRIO

Introdução 08

Capítulo I – Os Princípios Constitucionais Gerais e os Princípios Constitucionais

Tributários

I.a) O Significado Etimológico de Princípio 10

I.b) Dos Princípios 12

I.c) O Princípio da Capacidade Contributiva 14

Capítulo II – Interpretação e aplicabilidade do Princípio da Capacidade

Contributiva

II.a) Doutrina 19

II.b) Jurisprudência 24

Capítulo III – A relação entre o Princípio da Capacidade Contributiva e demais

Princípios Constitucionais 29

Conclusão 34

Referências Bibliográficas 36

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INTRODUÇÃO

O princípio da capacidade contributiva é preceito orientador do Direito

Tributário Brasileiro, tendo surgido na Constituição de 1824 e desaparecido

apenas na de 1967, permanecendo até os dias atuais, dada a sua importância

para alcançar a igualdade entre os contribuintes.

O mundo moderno elegeu este princípio como um valor muito caro em

tema de tributação, sendo certo que alguns sistemas o constitucionalizaram,

enquanto outros, o positivaram em texto legislativo.

No Brasil pós-1988, o princípio está expressamente consagrado no

texto da Lei Maior, em seu art. 145, §1º. Assim, além de ser jurídico, o princípio é

genuinamente constitucional.

Em verdade, não se trata de dispositivo programático, mas sim, de

princípio constitucional de eficácia plena, que confere um direito público-subjetivo

ao cidadão-contribuinte, oponível ao legislador.

Com efeito, o tributo deve ser um ônus suportável, um encargo que o

contribuinte deva pagar sem sacrifício do desfrute normal dos bens da vida.

Dentro desse contexto, o presente estudo pretende analisar o aspecto

social da arrecadação dos impostos no Brasil, diante de um sistema que, por

vezes, excede a capacidade contributiva dos contribuintes.

Os princípios atinentes ao Direito Tributário existem para proteger o

cidadão contra os abusos do poder estatal. E dentre eles, destaca-se o Princípio

da Capacidade Contributiva, que se traduz em ditame moral, conceito econômico

e de justiça social, verdadeiro pressuposto da lei tributária.

Trata-se de um desdobramento do Princípio da Igualdade, aplicado no

âmbito da ordem jurídica tributária, na busca de uma sociedade mais igualitária,

menos injusta, que impõe uma tributação mais pesada sobre aqueles que têm

mais riqueza. Logo, se um tributo violar a capacidade contributiva estará

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desrespeitando a própria isonomia constitucional e a diretriz da justiça fiscal, da

qual se reveste o tributo.

Noutros termos, citando ensinamentos do ilustre mestre Sacha Calmon,

“é no ideal de justiça que se inspira o princípio da igualdade, cujo conteúdo, por

sua vez, é integrado no Direito Tributário pelo princípio da capacidade contributiva,

determinando-se desta forma o profundo sentido ético-jurídico do tributo, que não

poderá fugir ao que Heinrich Kruse denomina princípio da justiça da imposição,

cuja interpretação, afinal, cabe ao Poder Judiciário1”.

Em suma, é objetivo da presente monografia o estudo do significado do

princípio capacidade contributiva, expresso na CRFB/88, com vistas a analisar se

os impostos que vigem no país, de fato, são exigidos levando-se em conta a

capacidade de quem os recolhe.

Nesta linha de raciocínio, dar-se-á enfoque às dúvidas existentes no

tocante à aplicação do princípio da capacidade contributiva, como, por exemplo, o

que seja realmente a capacidade econômica do indivíduo, se em função da renda

de que dispõe para a sobrevivência ou se em face do seu patrimônio ou algum

signo de riqueza.

Como é cediço, os impostos incidem sobre alguma manifestação de

riqueza do contribuinte, a qual dá ensejo à solidariedade social compulsoriamente

imposta pelo Estado, obrigando o particular a entregar-lhe parte dessa riqueza, a

fim de redistribuí-la por toda a sociedade. Assim, nada mais justo que cada

pessoa seja solidária na medida de suas possibilidades, visto que quem possui

mais renda, tem maior possibilidade de contribuir com a sociedade sem

comprometer sua subsistência. É esse, portanto, o sentido da capacidade

contributiva, a seguir estudado.

1 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999, p. 85

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Capítulo I - OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS GERAIS E

OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS

I.a) O Significado Etimológico de Princípio

Inicialmente, a fim de melhor dissertarmos quanto à acepção e ao

alcance da expressão "capacidade contributiva", será necessária uma visão geral

dos princípios que norteiam a Constituição da República Federativa do Brasil,

tanto os que refletem em outros ramos do Direito, como os atinentes aos

princípios gerais do Sistema Tributário Nacional.

Entretanto, ainda antes de ponderarmos acerca de tais princípios, será

também necessário absorver de forma adequada o significado da palavra

“princípio”, especificamente quanto ao seu sentido jurídico.

Celso Antônio Bandeira de Mello, citado por Ricardo Alexandre, é autor

da clássica definição, segundo a qual “princípio é, por definição, mandamento

nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se

irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério

para a sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a

racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido

harmônico”2.

Nesse esteio, segundo Ricardo Alexandre, somente com a

compreensão do conteúdo e do alcance dos princípios é possível entender as

diversas normas integrantes de um determinado ramo do direito e, por

conseguinte, de todo o ordenamento jurídico.

Para Roque Antônio Carrazza, "etimologicamente, o termo ‘princípio’

(do latim principium, principii) encerra a idéia de começo, origem, base. Em

2 MELLO, Celso Antônio Bandeira de, 2002, apud ALEXANDRE, Ricardo, 2008, p. 97)

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linguagem leiga é, de fato, o ponto de partida e o fundamento (causa) de um

processo qualquer3."

Indo além, Carrazza conceitua sistema, definindo-o como a reunião

ordenada das várias partes que formam um todo, de modo que elas se sustentam

mutuamente e as últimas explicam-se pelas primeiras. Segundo o autor, as que

dão razão às outras chamam-se princípios, e o sistema é tanto mais perfeito,

quanto em menor número existam”.

Desta feita, conclui-se que há, no sistema, um conjunto de elementos

que se integram porque são harmônicos entre si. No entanto, para que haja essa

integração, deve haver uma razão que dê sustento à união, tal como uma

premissa maior que dê sentido à premissa menor. E essa premissa maior é o que

se denomina princípio.

Por tal motivo, ensina a doutrina que violar um princípio é muito mais

grave do que transgredir uma norma. Ou seja, a desatenção ao princípio implica

ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo sistema

de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade,

conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra

todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais.

Sobre o tema, vale ressaltar que no "Dicionário Jurídico Brasileiro

Acquaviva" a expressão "Princípios Gerais de Direito" significa "princípios que

decorrem do próprio fundamento da legislação positiva, que, embora não se

mostrando expressos, constituem os pressupostos lógicos necessários das

normas legislativas”4.

Para os casos de lacuna na legislação tributária, o Código Tributário

Nacional traz em seu artigo 108 a previsão para utilização dos princípios gerais de

direito tributário e dos princípios gerais de direito público, com a ressalva

constante do artigo 109, no sentido de que os princípios gerais de direito privado

3 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 16ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 30. 4 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva. 7ª. ed. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira Ltda., 1995, p. 1143.

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devem ser utilizados para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de

seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos

tributários.

Portanto, em havendo referência, no presente estudo, aos princípios

constitucionais gerais ou aos princípios constitucionais tributários, pode-se afirmar

que tais princípios se inserem num rol de princípios gerais de direito. Contudo, no

cerne do direito tributário, somente se é permitido aplicar estritamente aqueles

princípios, sendo vedado o uso dos advindos do direito privado, a não ser da

maneira suprareferida.

I.b) Dos Princípios

É cediço que a nossa Constituição é compostas por diversos princípios.

Leciona Sacha Calmon que tais princípios traduzem no imo e em suas

expansões projeções de direitos fundamentais, ou melhor, são, no miolo, garantias

fundamentais – capacidade, liberdade, dignidade humana, propriedade e

igualdade – além de valores republicanos, federalistas e solidaristas5.

Conforme ensinamentos do mestre Geraldo Ataliba6, três princípios

devem ser considerados como suportes em torno dos quais se ergue o edifício

das instituições republicanas no direito positivo brasileiro, operando como

premissas básicas. Em grau de igualdade de importância encontram-se os

princípios da legalidade, da isonomia e da intangibilidade das liberdades públicas,

nos quais se amparam a certeza e a segurança do direito.

Por outro lado, os princípios constitucionais tributários são as linhas-

mestras do sistema tributário nacional, servindo para balizar a conduta dos

Poderes Públicos, principalmente do legislador. Limitam o poder de tributar do

5 COÊLHO, Sacha Calmon. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999, p.180. 6 ATALIBA, Geraldo. Sistema tributário constitucional brasileiro. São Paulo: Editora RT, 1966

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Estado e constituem postulados que têm por destinatário exclusivo o poder estatal,

que deve se submeter à imperatividade de suas restrições.

Paulo de Barros Carvalho7 cataloga os princípios gerais que influem

mais diretamente nos feitos jurídicos tributários, sendo eles: o princípio da justiça,

o princípio da certeza do direito, o princípio da segurança jurídica, o princípio da

igualdade, princípio da legalidade, princípio da irretroatividade das leis, princípio

da universalidade da jurisdição, princípio que consagra o direito de ampla defesa e

o devido processo legal, princípio de isonomia das pessoas constitucionais,

princípio que afirma o direito de propriedade, princípio da liberdade do trabalho,

princípio que prestigia o direito de petição, princípio da supremacia do interesse

público sobre o particular e o princípio da indisponibilidade dos interesses

públicos.

Na seara dos princípios constitucionais rigorosamente tributários,

encontramos quatro categorias, assim divididas: princípios expressos, princípios

decorrentes, princípios vedatórios e princípios específicos.

Dentre os princípios expressos, temos: legalidade tributária (art. 150, I);

igualdade tributária (art. 150, II); capacidade contributiva (art. 145, §1º);

irretroatividade da lei (art. 150, III, a); anterioridade (art. 150, III, b); carência

tributária (art. 150, III, c); proibição de confisco (art. 150, IV); liberdade de tráfego

(art. 150, V).

Os princípios decorrentes são os que provêm dos expressos, não se

limitando, necessariamente, ao sistema constitucional tributário, podendo advir de

outras partes da Constituição. São eles: princípio da universalidade (art. 153, §2º,

I); da destinação pública dos tributos (art. 145) e princípio da não-surpresa (art. 5º,

II, c/c art. 150, I).

Já os princípios vedatórios são aqueles que consagram proibições ou

limitações ao poder de tributar do Estado, impedindo a prática de privilégios

odiosos, a citar: princípio da uniformidade tributária (art. 151, I) e da limitação de

7 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário.13ª Edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2000, p. 142.

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rendas (art. 151, II); do poder de isenção (art. 151, III); da não-diferenciação

tributária (art. 152).

Por fim, registramos os princípios constitucionais tributários específicos,

que são os que se dirigem a determinado tributo, dentre os quais: princípio da

progressividade (art. 153, §2º, I; 156, §1º; 182, §4º, II); da não-cumulatividade do

imposto (arts. 153, IV, §3º, II; 155, II, §2º, I) e princípio da seletividade do imposto

(art. 153, IV e §3º, I).

Sacha Calmon, em seu estudo, relaciona os seguintes princípios

expressos na CRFB/88, em matéria tributária, conexos aos direitos fundamentais:

legalidade formal e material da tributação (arts. 5º, II e 150, I); irretroatividade da

lei tributária (arts. 5º, XXXVI, e 150, III, “a”); anterioridade da lei tributária – seja a

anual ou a nonagesimal, também chamado de princípio da não-surpresa (arts.

150, III, “b” e 195, §6º); livre trânsito de bens e pessoas em território nacional (art.

150, V); isonomia tributária (arts. 5º, I e 150, II); capacidade econômica e

pessoalidade dos impostos (art. 145, §1º); não-confisco (arts. 5º e 150, IV);

generalidade, universalidade e progressividade do IR (art. 153, §2º).

Com efeito, tem-se que os princípios constitucionais tributários e as

imunidades (vedações ao poder de tributar) traduzem reafirmações, expansões e

garantias dos direitos fundamentais e do regime federal. São, portanto, cláusulas

constitucionais perenes, pétreas e insuprimíveis (art. 60, §4º da CRFB/88).

I.c) O Princípio da Capacidade Contributiva

Muitos autores têm se dedicado ao estudo desse Princípio, com o

escopo de traduzir o seu significado, o seu alcance e a sua relação com os demais

princípios constitucionais.

Dispõe o art. 145, parágrafo 1º, da Constituição da República

Federativa do Brasil: “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e

serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à

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administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos,

identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os

rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.

Decorre deste dispositivo que os impostos incidem sobre alguma

manifestação de riqueza do contribuinte, a qual dá ensejo à solidariedade social

compulsoriamente imposta pelo Estado, obrigando o particular a lhe entregar parte

dessa riqueza, a fim de redistribuí-la por toda a sociedade. Assim, nada mais justo

que cada pessoa seja solidária na medida de suas possibilidades, visto que quem

possui mais renda, tem maior possibilidade de contribuir com a sociedade sem

comprometer sua subsistência. É esse, pois, o sentido da capacidade contributiva.

Daí porque quem ganha pouco fica isento de pagar imposto de renda.

Neste caso, o Estado reconhece que praticamente todos os seus rendimentos

estão comprometidos com suas necessidades básicas, configurando a ausência

de capacidade contributiva.

Vale destacar as sábias palavras do mestre Luciano Amaro, para o qual

“o princípio da capacidade contributiva inspira-se na ordem natural das coisas:

onde não houver riqueza é inútil instituir imposto, do mesmo modo que em terra

seca não adiante abrir poço à busca de água. Porém, na formulação jurídica do

princípio, não se quer apenas preservar a eficácia da lei de incidência (no sentido

de que esta não caia no vazio, por falta de riqueza que suporte o imposto)”. E vai

além, afirmando que “além disso, quer-se preservar o contribuinte buscando evitar

que uma tributação excessiva (inadequada à sua capacidade contributiva)

comprometa os seus meios de subsistência, ou o exercício de outros direitos

fundamentais, já que tudo isso relativiza a sua capacidade econômica. Como

registraram Geraldo Ataliba e Cléber Giardino, a capacidade econômica

corresponde à ‘real possibilidade de diminuir-se patrimonialmente, sem destruir-se

e sem perder a possibilidade de persistir gerando a riqueza de lastro à

tributação’”8.

8 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 14ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008; p.138-139.

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Muitas controvérsias sobre o verdadeiro significado e alcance do

princípio da capacidade contributiva têm dado ensejo a debates entre vários

estudiosos do direito tributário. Enfim, o que realmente significa tal princípio

quando se diz que ninguém poderá pagar mais impostos do que realmente possa

pagar. Discute-se se tal princípio, por exemplo, se refere ao dinheiro ou fortuna

que o contribuinte dispõe, e, neste caso, haveria uma possível limitação que

pudesse impedir retirar desses recursos apenas uma parcela para pagamento do

imposto?

Há quem defenda, por exemplo, que se um cidadão possui uma

mansão numa região nobre, mas que aufira uma renda insignificante, não poderia

pagar um IPTU, cuja base de cálculo levasse em conta o valor daquele imóvel, na

qual uma tabela progressiva exigisse um valor em patamar insuportável para

aquele proprietário. Ou, ainda, algum sortudo de escassos recursos financeiros

que ganhasse um automóvel importado caríssimo em promoção de que participou,

não deveria pagar o IPVA. Não seria esse o verdadeiro sentido da capacidade

contributiva?

Então, como pagar um imposto incidente sobre um patrimônio tão

valioso, se não houver uma renda capaz de suportá-lo? O proprietário perderia o

bem para o Estado?

Na prática, o que se tem conhecimento é que tal sujeito, não

recolhendo o imposto, certamente veria o seu bem ser objeto de penhora numa

execução fiscal, que seria alienado para fins de pagamento do imposto que incidiu

sobre ele. Como bem explica o mestre Carrazza9, não haveria como evitar que o

proprietário da mansão ou o sorteado do veículo não pagassem os respectivos

impostos incidentes sobre esses bens. É que, o que vale para efeito da

capacidade contributiva, é o signo de riqueza e não as condições econômicas do

contribuinte.

9 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 16ª. edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p.67.

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De modo mais esclarecedor no que se refere ao signo de riqueza,

Carrazza traz como exemplo um patrimônio, seja uma mansão, um carro etc.

Sendo um deles alienado, o sujeito o substituirá por dinheiro. Daí porque não se

pode afirmar que seu possuidor não tem recursos para pagar o tributo. Esse,

portanto, seria o significado fundamental da capacidade contributiva.

Noutro aspecto, ressalta Ricardo Alexandre10 que a Constituição

Federal de 1988, no texto do artigo 145, §1º, com a finalidade de disponibilizar ao

Estado instrumentos jurídicos aptos a fazer valer, na prática, o referido Princípio,

facultou à administração tributária “identificar, respeitados os direitos individuais e

nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do

contribuinte”. Nota-se, aí, que o legislador constituinte fez uma ponderação entre a

finalidade social do tributo e a intimidade dos particulares, entendendo que, dentro

da razoabilidade, esta não pode servir como obstáculo intransponível ao Estado,

quando este busca tributar cada um na medida de sua capacidade contributiva.

Destarte, a lei obriga cada contribuinte a declarar, anualmente, suas atividades,

rendas e patrimônios à Receita Federal do Brasil.

Logo, se o legislador considerar as diferenças dos cidadãos, tratando

de forma desigual os desiguais, impondo o recolhimento de impostos de acordo

com a capacidade contributiva de cada um, separadamente, haverá tratamento

justo. O tributo é justo desde que adequado à capacidade econômica da pessoa

que deve suportá-lo. Não basta que o imposto seja legal, necessário também que

seja legítimo.

Neste sentido, o nobre doutrinador Sacha Calmon se pronunciou: “Por

que deve o legislador considerar as disparidades? Para nós, a juridicidade da

capacidade contributiva resulta, como vimos, do lado positivo do princípio da

igualdade: o dever imposto ao legislador de distinguir disparidades”11.

Desta forma, quando percebemos a voracidade do Estado quanto à

carga pesada que recai sobre os contribuintes, gerada, v.g., pelo imposto de 10 ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 2ª Ed. São Paulo: Ed. Método, 2008, p. 112 11 COELHO, Sacha Calmon. Comentários à Constituição de 1988 – Sistema Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 39.

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renda, temos a sensação de que, ou o princípio da capacidade contributiva não é

respeitado, ou realmente os fundamentos que o norteiam não são bem

compreendidos nem pelo fisco, nem pelo próprio contribuinte.

É difícil compreender que a exigência do Imposto de Renda respeita o

princípio da capacidade contributiva, uma vez que o Estado, ao optar por não

corrigir anualmente a tabela desse imposto, abocanha, a cada ano, importante

parcela das nossas rendas, as quais não se sabe realmente se são rendas, pois

parte substancial delas, imprescindível ao sustento da família, serve para saciar a

fome do "leão".

Em verdade, a capacidade contributiva a ser aferida deveria ser a

capacidade subjetiva do contribuinte, a real aptidão de determinada pessoa para

recolher ao Fisco.

A capacidade econômica subjetiva corresponde, portanto, a um

conceito de renda ou patrimônio líquido pessoal, livremente disponível para o

consumo, e também para o pagamento de tributo. Dessa forma, realizar-se-iam os

princípios constitucionalmente exigidos da pessoalidade do imposto, proibição do

confisco e igualdade, conforme dispõem os artigos 145, §1º, 150, II e IV, da

Constituição da República.

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Capítulo II - INTERPRETAÇÃO E APLICABILIDADE DO

PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

II.a) Doutrina

Consoante lição do ilustre Sacha Calmon, “a capacidade contributiva é

a possibilidade econômica de pagar tributos (ability to pay). É subjetiva quando

leva em conta a pessoa (capacidade econômica real). É objetiva quando toma em

consideração manifestações objetivas da pessoa (ter casa, carro no ano, sítio

numa área valorizada etc)”. Daí, portanto, extraem-se “signos presuntivos de

capacidade contributiva”12. Para ele, nossa Constituição de 1988 elegeu como

princípio a capacidade econômica real do contribuinte.

A redação do art. 145, §1º, inserta na atual Constituição Federal,

traduzindo o Princípio da Capacidade Contributiva, está calcada na Constituição

de 1946, cuja redação previa: “Os tributos terão caráter pessoal sempre que

possível, e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte”.

Na reflexão do autor supracitado, tal como naquela Carta, a expressão “sempre

que possível” encontra-se, ainda nesta Constituição, ligada à ideia de

pessoalidade, uma vez que não seria crível a instituição de impostos sem amparo

na capacidade das pessoas para pagá-los.

Verifica-se que na Constituição de 1946 o princípio sob exame

abarcava a expressão “tributo”, não se restringindo apenas aos impostos, como o

fez a hodierna. E é com espeque nesta interpretação literal que parte da doutrina

defende a sua aplicação tão-somente aos impostos.

12 COÊLHO, Sacha Calmon. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.79.

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Contudo, alguns juristas e pensadores do direito tributário militam em

favor da aplicação do princípio da capacidade contributiva a outras espécies

tributárias.

Ives Gandra Martins, citado por Leandro Paulsen, com muita

propriedade, manifestou: “o tríplice conjunto de princípios – ‘capacidade

contributiva’, ‘não confisco’ e ‘equivalência’ – gera fronteiras definitivas ao poder

de tributar, que, se as ultrapassar, fatalmente incidirá no vício maior de qualquer

ato legislativo ou normativo, que é o da inconstitucionalidade, da mácula, do

ferimento da lei maior. Desta forma, o tríplice conjunto de princípios, aplicável ao

poder impositivo em geral, não poderia, de forma alguma, restar restrito a uma

categoria de tributos. Informa todos eles, diretos ou indiretos, reais ou pessoais,

até porque, se houvesse qualquer limitação à sua aplicação, à evidência, caberia

ao constituinte enunciar as exceções – que não existem. São, pois, umbilicalmente

ligados e rigorosamente aplicáveis a todos os tributos, sem exceção13”.

Outrossim, o próprio Leandro Paulsen ressaltou que a proibição do

confisco e a preservação do mínimo vital, como decorrências do princípio da

capacidade contributiva, impõem-se relativamente a qualquer espécie tributária.

Na esteira deste raciocínio, Sacha Calmon explica de forma brilhante a

questão, aduzindo ser errado supor que, apenas por ser a taxa um tributo que tem

por fato jurígeno uma atuação do Estado, não se cogitaria da aplicação da

capacidade contributiva. De fato, nos impostos, mais que nas taxas e

contribuições de melhoria, está o campo de eleição da capacidade contributiva,

razão por que, mesmo os impostos “de mercado”, “indiretos”, não se prestam a

realizar o princípio com perfeição. É, pois, nos impostos patrimoniais e sobre a

renda que a efetividade do princípio é plena, pela adoção das tabelas progressivas

e deduções pessoais.

Com efeito, verifica-se que nas taxas e contribuições de melhoria, o

princípio realiza-se negativamente pela incapacidade contributiva, através de

remissões e reduções subjetivas do montante a pagar imputado ao sujeito passivo 13 MARTINS, Ives Gandra da Silva, 2007, apud PALSEN, Leandro, 2008.

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sem capacidade econômica real. Como exemplo, podemos citar a isenção da taxa

judiciária para os pobres e a redução ou isenção da contribuição de melhoria para

os hipossuficientes que tiveram suas humildes residências beneficiadas por obras

públicas valorizadoras da área.

Por sua vez, cabe ressaltar as lições do mestre Aliomar Baleeiro, in

verbis: "o art. 145, §1º fala em pessoalidade sempre que possível. A cláusula

sempre que possível não é permissiva, nem confere poder discricionário ao

legislador. Ao contrário, o advérbio sempre acentua o grau da imperatividade e

abrangência do dispositivo, deixando claro que, apenas sendo impossível, deixará

o legislador de considerar a pessoalidade para graduar os impostos de acordo

com a capacidade econômica subjetiva do contribuinte. E quando será

impossível? A doutrina costuma apontar a hipótese dos impostos que são

suportados pelo consumidor final, como exemplo de tributação não-pessoal. É que

nos impostos incidentes sobre a importação, a produção ou a circulação, o sujeito

passivo, que recolhe o tributo aos cofres públicos (o industrial ou o comerciante),

transfere a um terceiro, o consumidor final, os encargos tributários incidentes.

Tornar-se-ia muito difícil, senão impossível, graduar o imposto sobre produtos

industrializados ou sobre operação de circulação de mercadoria de acordo com a

capacidade econômica da pessoa que adquire o produto ou a mercadoria para o

consumo"14.

Os chamados impostos indiretos, de fato, configuram hipótese de

inviabilidade de aplicação do princípio da capacidade contributiva, tendo em vista

que importam, por sua própria natureza, transferência do respectivo encargo

financeiro, tudo conforme a definição prevista no artigo 166 do Código Tributário

Nacional, a saber: “a restituição de tributos que comportem, por sua natureza,

transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove

haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro,

estar por este expressamente autorizado a recebê-la”.

14 BALEEIRO, Aliomar, 1997, apud PAOLIELLO, Patrícia Brandão.

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Compreendem-se como tais os seguintes impostos: Imposto sobre

Produtos Industrializados, de competência privativa da União Federal, nos termos

do artigo 153, inciso IV, bem como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e

Serviços, de competência privativa dos Estados, nos termos do artigo 155, inciso

II, ambos da Constituição da República Federativa do Brasil.

Nesse sentido, a impossibilidade, ventilada por Aliomar Baleeiro, se

justifica pelo fato de tais impostos serem concebidos dentro de um ciclo de

industrialização e de circulação dos produtos, surgindo, conseqüentemente, vários

fatos geradores, assim como várias obrigações tributárias com os respectivos

entes federativos competentes para exigir o tributo.

Sobre a questão, Baleeiro ainda ensina que "o fenômeno, que estamos

referindo, da translação ou da repercussão ocorrente nos impostos ditos

‘indiretos’, exigirá um tratamento especial frente aos dois princípios que estamos

pondo em contato e resolver-se-á, exclusivamente, na seletividade de alíquotas ou

na isenção dos gêneros de primeira necessidade. É que a capacidade econômica

demonstrada por quem tem aptidão para o consumo, somente está disponível

para o pagamento de tributos, em se tratamento de consumo de gêneros e

produtos de necessidade média, de luxo ou supérfluos"15.

Alberto Xavier, citado por Alberto Monteiro Alves, assim leciona: "nem

todas as situações da vida abstratamente suscetíveis de desencadear efeitos

tributários podem, pois, ser designadas pelo legislador como fatos tributáveis. Este

encontra-se limitado na sua faculdade de seleção pela exigência de que a

situação da vida a integrar na previsão da norma seja reveladora de capacidade

contributiva, isto é, de capacidade econômica, de riqueza, cuja expressão sob

qualquer forma se pretende submeter a tributo. Pode o Legislador escolher

livremente as manifestações de riqueza que repute relevantes para efeitos

tributários, bem como delimitá-las por uma ou outra forma mas sempre deverá

proceder a essa escolha de entre as situações da vida reveladoras de capacidade

15 Ibid.

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contributiva e sempre a estas se há de referir na definição dos critérios de medida

do tributo"16.

Vale esclarecer que, considerando que a igualdade real é idéia utópica,

de difícil alcance pelo operador do Direito, deve-se sempre tentar identificar as

desigualdades do homem, com relação aos bens da vida e em consonância com o

ordenamento jurídico, vinculando-se a máxima "igualdade é tratar igualmente os

iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades". Assim

sendo, todos os que se encontram em situações distintas merecem tratamento

diferenciado, alcançando, assim, harmonia e igualdade na contribuição para o

financiamento do Estado.

Roque Antonio Carrazza adverte que o princípio da igualdade guarda

íntima relação com o princípio progressividade e, em decorrência disto, tais

princípios conseguem atender ao princípio da capacidade contributiva.

Registre-se, ainda, que a progressividade jamais pode ser confundida

com a proporcionalidade, pois esta vai de encontro ao princípio da capacidade

contributiva, fazendo com que pessoas abastadas economicamente paguem

impostos com as mesmas alíquotas. Desta forma, tanto as pessoas abastadas

economicamente, como as menos abastadas, estariam pagando tributos na

mesma proporção, deixando-se de considerar a capacidade econômica de cada

qual.

Traduzindo, de acordo com o princípio da proporcionalidade, parcela

considerável da população, a qual não tem a mínima condição de contribuir com o

Estado, estaria em débito. Por outro lado, o princípio da progressividade, de forma

bem mais justa e humana, fica longe de conflitar com o princípio objeto do

presente estudo, tendo em vista que atinge de forma igualitária tanto os abastados

economicamente, quanto os economicamente mais fracos.

Assim sendo, a tributação por alíquotas fixas contribuem com a

desigualdade econômica, fazendo com que indivíduos que não têm condições de

16 XAVIER, Alberto, apud, ALVES, Alberto Monteiro.

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contribuir suportem um sacrifício absolutamente injustificável. Portanto, conclui-se

que sem a progressividade não há como atingir a igualdade tributária.

Portanto, a partir do pensamento de ilustres cientistas do Direito

Tributário, conclui-se que, concordando com Ruy Barbosa Nogueira17, o princípio

da capacidade contributiva é de fato um conceito de justiça social e econômico e,

conseqüentemente, verdadeiro pressuposto da lei tributária.

II.b) Jurisprudência

Grande parte dos conflitos tributários existentes entre Estado e

contribuintes é levada à apreciação do Poder Judiciário. Os Tribunais são instados

a resolver as mais diversas lides nesta seara, de modo a garantir que a exação

estatal não infrinja os princípios ora analisados.

Aliomar Baleeiro, lembrado por Sacha Calmon, ao defender a

juridicidade do princípio da capacidade contributiva, sustentou valer ele como

standard jurídico para o juiz, no ato de aplicação do Direito.

Nesse contexto, a partir dos julgados abaixo colacionados, observa-se

que os tribunais têm decidido em consonância com o entendimento dos principais

teóricos do direito tributário, inclusive no que tange ao alcance do Princípio da

Capacidade Tributária e sua íntima relação com outros princípios deste ramo do

direito.

No sentido da restrição da progressividade às hipóteses expressamente

previstas no texto constitucional, pode-se citar o seguinte acórdão proferido pelo

Plenário da Corte Maior: “(...) ESTRUTURA PROGRESSIVA DAS ALÍQUOTAS: A

PROGRESSIVIDADE EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA SUPÕE EXPRESSA

AUTORIZAÇÃO CONSTITUCIONAL. RELEVO JURÍDICO DA TESE. Relevo

jurídico da tese segundo a qual o legislador comum, fora das hipóteses

17 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 15ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1999, p. 12.

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taxativamente indicadas no texto da Carta Política, não pode valer-se da

progressividade na definição das alíquotas pertinentes à contribuição de

seguridade social devida por servidores públicos em atividade. Tratando-se de

matéria sujeita à estrita previsão constitucional – CF, art. 153, § 2º, I; art. 153, § 4º,

II; art. 156, § 1º; art. 182, § 4º, II; art. 195, §9º (contribuição social devida pelo

empregador) – inexiste espaço de liberdade decisória para o Congresso Nacional,

em tema de progressividade tributária, instituir alíquotas progressivas em

situações não autorizadas pelo texto da Constituição (...)” (STF, Plenário, ADIn

2.010-2/DF, Rel. Min. Celso de Mello, set/99, DJ 12.04.2002. p. 51).

Outro acórdão, também sobre a progressividade: "o IPTU, como

imposto de natureza real que é, incidindo sobre a propriedade, o domínio útil ou a

posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil,

localizado na zona urbana do município (CTN art. 32), não pode variar segundo a

presumível capacidade contributiva do sujeito passivo. 2. A única progressividade

admitida pela Constituição Federal de 1988 é a extrafiscal (art. 182, § 4º, II), que,

todavia, depende de lei federal. 3. Daí a declaração de inconstitucionalidade de

normas de leis municipais de Belo Horizonte (RE 153.771) e São Paulo (RE

204.827), que instituíram a progressividade do IPTU, segundo a localização e o

valor do imóvel. 4. Examinou-se, nesse último precedente, a Lei nº 10.921/90, do

Município de São Paulo, a mesma que é objeto de questionamento nestes autos.

5. Agravo improvido" (STF – AgRg-AI 194.852-3 – SP – 1ª T. – Rel. Min. Sydney

Sanches – DJU 11.12.1998 – p. 03).

Ainda sobre a progressividade, dois emblemáticos julgados: “AGRAVO

REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. IPTU. ALÍQUOTA

PROGRESSIVA. IMPOSSIBILIDADE. 1. IPTU. Não se admite a progressividade

fiscal decorrente da capacidade econômica do contribuinte, dada a natureza real

do imposto. 2. A progressividade da alíquota do IPTU, com base no valor venal do

imóvel, só é admissível para o fim extrafiscal de assegurar o cumprimento da

função social da propriedade urbana (art. 156, I, § 1º e art. 182, § 4º, II, CF). 3.

Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento”. (STF, AgR - AI

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463.679/MG, Rel. Min. EROS GRAU, julgamento em 21/09/2004, órgão julgador:

Primeira Turma); bem como: “AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE

INSTRUMENTO. IPTU PROGRESSIVO. MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO.

IMPOSSIBILIDADE. IPTU. Alíquota progressiva. A jurisprudência desta Corte

firmou entendimento no sentido de que a capacidade econômica do contribuinte

não pode ser utilizada como critério para a estipulação de alíquotas diferenciadas.

Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, AgR - AI 459396/RJ, Rel. Min.

EROS GRAU, julgamento em 31/08/2004, órgão julgador: Primeira Turma).

Portanto, a progressividade, que instrumentaliza o princípio objeto do

presente estudo, é objeto de repulsa pela Corte Suprema quando aplicada ao

IPTU, cujas alíquotas são fixadas segundo a localização e do valor do imóvel.

Decidiu, portanto, o Supremo Tribunal Federal que a progressividade somente é

admitida pela Constituição da República Federativa do Brasil quando for caso de

extrafiscalidade.

No acórdão de n.º 1999.04.01.027743-9, do extinto TFR da 4ª Região,

publicado no DJU de 04.04.2001, ao se apreciar o ponto sobre a contribuição

instituída pela Lei Complementar n.º 84/96, incidente sobre as remunerações dos

corretores de seguro, que pretendiam a exclusão de aplicabilidade do adicional de

2,5 % sobre a base de cálculo da contribuição com base no princípio em tela, não

foi dado provimento ao recurso por se entender que o art. 2º da Lei Complementar

n.º 84/96, ao instituir adicional sobre a base de cálculo da contribuição

previdenciária, não feriu os preceitos constitucionais. O argumento utilizado por

aquele Tribunal foi o seguinte: "o princípio da capacidade contributiva significa que

os impostos devem ser graduados segundo a capacidade econômica do

contribuinte".

Sobre o alcance da expressão “sempre que possível”, o leading case do

STF é o RE 153.771-0, julgado em novembro de 1996, cuja ementa é a seguinte:

“IPTU. Progressividade. - No sistema tributário nacional é o IPTU inequivocamente

um imposto real. - Sob o império da atual Constituição, não é admitida a

progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu artigo 145,

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§ 1º, porque esse imposto tem caráter real que é incompatível com a

progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte, quer com

arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com o artigo 156,

§ 1º (específico). - A interpretação sistemática da Constituição conduz

inequivocamente à conclusão de que o IPTU com finalidade extrafiscal a que

alude o inciso II do § 4º do artigo 182 é a explicitação especificada, inclusive com

limitação temporal, do IPTU com finalidade extrafiscal aludido no artigo 156, I, §

1º. - Portanto, é inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de

IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156, § 1º, aplicado

com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do artigo 182, ambos

da Constituição Federal. Recurso extraordinário conhecido e provido, declarando-

se inconstitucional o sub-item 2.2.3 do setor II da Tabela III da Lei 5.641, de

22.12.89, no município de Belo Horizonte" (STF, Plenário, REx 153.177-0, Rel.

Min. Moreira Alves, nov/96).

No que se refere à possibilidade de aplicação do princípio da

capacidade contributiva a outras espécies tributárias, além dos impostos,

colacionamos acórdão do pleno no STF, referente à taxa de coleta domiciliar de

lixo instituída pelo Município de São Carlos/SP. O ente federativo se utilizou de

uma maneira bastante curiosa de repartir os custos da prestação do serviço entre

seus beneficiários. Fez-se um rateio proporcional à área construída de cada

imóvel beneficiado. Assim entendeu o Pretório Excelso: “Numa outra perspectiva,

deve-se entender que o cálculo da taxa de lixo, com base no custo do serviço

dividido proporcionalmente às áreas construídas dos imóveis, é forma de

realização de isonomia tributária, que resulta na justiça tributária (CF, art. 150, II).

É que a presunção é no sentido de que o imóvel de maior área produzirá mais lixo

do que o imóvel menor. O lixo produzido, por exemplo, por imóvel com mil metros

quadrados de área construída, será maior do que o lixo produzido por imóvel de

cem metros quadrados. A previsão é razoável e, de certa forma, realiza também o

princípio da capacidade contributiva do art. 145, §1º, da C.F., que, sem embaraço

de ter como destinatário os impostos, nada impede que possa aplicar-se, na

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medida do possível, às taxas” (STF, Tribunal Pleno, RE232.393/SP, Rel. Min.

Carlos Velloso,j. 12.08.1999).

Vale também, na oportunidade, citar mais um julgado, o TAPR-RN-AC

137261-2, proferido pela 5ª Câmara Cível, cuja relatoria foi do Desembargador

Tufi Maron Filho (publicado no DJPR em 02.06.2000), que tem como fundamento

a ofensa ao princípio da isonomia e da capacidade tributária, a saber: “a legislação

infra-constitucional, Federal e Municipal, que estabelece tratamento privilegiado

para as sociedades de profissionais, permitindo a cobrança anual do ISS pelo

regime de alíquotas fixas ou variáveis, conforme o número de profissionais que as

integrem, é incompatível com o princípio da igualdade tributária prevista no inc. II,

do art. 150, da nova CF, que expressamente vedou à União, Estados e Municípios

instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação

equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação profissional ou

função por eles exercida, independente da denominação jurídica dos rendimentos,

títulos ou direitos."

Assim, conclui-se deste acórdão que a legislação estabeleceu uma

cobrança anual do ISS, cujas alíquotas fixas ou variáveis variavam de acordo com

o número de profissionais que integrassem suas respectivas sociedades, criando

uma situação de desigualdade entre elas, ou seja, uma sociedade com uma

equipe menor pagaria menos imposto, enquanto outra maior pagaria mais

imposto, situação esta que afrontava o princípio da igualdade tributária.

Por fim, cabe ainda ressaltar o entendimento proferido pelo Superior

Tribunal de Justiça ao decidir que “a base de cálculo do IPVA é o valor venal do

veículo, onerando o contribuinte segundo a grandeza do seu patrimônio,

observado, assim, o princípio da capacidade contributiva” (STJ – ROMS – 8309 –

RJ – 2ª T. – Relatora Ministra Laurita Vaz – DJU 08.10.2001 – p. 00189).

Nesta linha de raciocínio, regressando às primeiras considerações

ventiladas na presente monografia, com base no entendimento de Carrazza, fica

acertado que o que vale para fins de capacidade contributiva é o signo de riqueza,

e não as verdadeiras condições econômicas do contribuinte.

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Capítulo III - RELAÇÃO ENTRE O PRINCÍPIO DA

CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E DEMAIS PRINCÍPIOS

CONSTITUCIONAIS

Através deste estudo, observa-se que o princípio da capacidade

contributiva possui estreita ligação com inúmeros princípios constitucionais, sejam

eles gerais ou especificamente tributários.

A capacidade contributiva por ser vista como um subprincípio do

princípio da solidariedade, a partir da seguinte indagação: por que razão uns

pagam imposto e outros não? E a resposta é: porque uns podem mais e outros,

menos. Este é o sentido da solidariedade, que é fundamento do nosso

ordenamento jurídico.

Noutra vertente, o princípio sob análise pode ser tido como a aplicação

do princípio da igualdade, previsto no art. 5º, caput, da Constituição da República

Federativa do Brasil.

O princípio da igualdade, da isonomia, ou da justiça, é aquele que

informa o sistema jurídico brasileiro. De acordo com tal princípio, todos os que se

encontrem numa mesma situação fática devem ser tratados com igualdade. Ainda

mais se estivermos diante de tributos, uma vez que a igualdade, no campo do

direito tributário, se mostra através do princípio da capacidade contributiva, tal

como o previsto no artigo 145, parágrafo 1º da nossa Magna Carta.

Com efeito, em matéria de tributação, o principal parâmetro de

desigualdade a ser levado em consideração para a atribuição de tratamento

diferenciado às pessoas é a capacidade contributiva. Daí torna-se possível

afirmar que o princípio da capacidade contributiva está diretamente ligado ao

princípio da isonomia, dele decorrendo diretamente.

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José Maurício Conti18, ao tratar do assunto, relata que o princípio da

capacidade contributiva extrapola as fronteiras de um simples princípio

constitucional, posto que a idéia de igualdade está absolutamente vinculada à de

justiça. Isto porque, a igualdade é o núcleo de todo o nosso sistema constitucional,

é princípio básico do Regime Democrático e do Estado de Direito.

Nesse contexto, se um tributo violar a capacidade contributiva, estará

desrespeitando a própria isonomia constitucional e a diretriz da justiça fiscal, da

qual se reveste o princípio. Por isso, entende-se que a injustiça tributária se

transmuda em inconstitucionalidade da lei que a tenha estabelecido, por

desrespeito à capacidade contributiva e, com muito mais razão, por afronta à

igualdade.

Outro princípio bem próximo ao da capacidade contributiva é o da

progressividade. Isto porque este faz com que a alíquota seja maior na medida da

percepção de riqueza do indivíduo.

O mecanismo do sistema de alíquotas funciona de forma a tornar as

alíquotas cada vez mais elevadas na proporção da riqueza. Assim, a finalidade da

graduação das alíquotas é obter justiça e equidade na tributação, buscando

igualar o sacrifício do ônus fiscal de todos os contribuintes.

Roque Antônio Carrazza, analisando a situação dos dois princípios em

destaque, teceu a seguinte observação19: “é por isso que, em nosso sistema

jurídico, todos os impostos, em princípio, devem ser progressivos. Por quê?

Porque é graças à progressividade que eles conseguem atender ao princípio da

capacidade contributiva. Melhor esclarecendo, as leis que criam in abstracto os

impostos devem estruturá-los de tal modo que suas alíquotas variem para mais à

medida que forem aumentando suas bases de cálculo. Assim, quanto maior a

base de cálculo do imposto, tanto maior deverá ser a sua alíquota”.

18 CONTI, José Maurício. Princípio Tributários da Capacidade Contributiva e da Progressividade. São Paulo: Dialética, 1997. p. 25 19 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 1997, p.65.

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Para o ilustre jurista, portanto, não persistem dúvidas de que, tanto

quanto os demais impostos, a imposição do Imposto Sobre a Renda e Proventos

de Qualquer Natureza exige observância ao princípio da capacidade contributiva,

e, para tanto, deverá ser progressivo. Tal posição, nota-se, está em absoluta

sintonia com o artigo 153, parágrafo 2º, inciso I, da Magna Carta, in verbis: "o

imposto previsto no inciso III será informado pelos critérios da generalidade, da

universalidade, e da progressividade, na forma da lei".

Ato contínuo, mais um princípio merecedor de referência por sua

ligação com a capacidade contributiva é o da pessoalidade, tendo em vista que “o

caráter pessoal que deve ser revestido o imposto refere-se à aptidão de poder

relacionar-se à pessoa do sujeito passivo da obrigação tributária, considerando a

sua condição econômica levando em conta indícios que possam sugerir a

existência de riqueza tributável. É uma técnica adotada para aferir a capacidade

econômica”20.

Luciano Amaro trata do aludido princípio da seguinte forma: "a

personalização do imposto pode ser vista como uma das faces da capacidade

contributiva, à qual, sem dúvida, o imposto pessoal deve ser adequado"21.

Por sua vez, Sacha Calmon leciona que22, ao falar em pessoalidade, o

constituinte rendeu-se às classificações pouco científicas da Ciência das

Finanças, mas que, nem por isso, seu falar é destituído de significado. Com efeito,

dentre as inúmeras classificações dos impostos, destaca-se a que divide os

impostos em pessoais e reais. Impostos pessoais seriam aqueles que incidem

sobre as pessoas (IR), e reais, os que incidem sobre as coisas (IPTU, IPVA).

Segundo o aludido mestre, tal classificação é falha, uma vez que os

impostos, quaisquer que sejam, são pagos sempre por pessoas; mesmo o imposto

20 PAOLIELLO, Patrícia Brandão. O princípio da capacidade contributiva . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4138>. Acesso em: 05 jan. 2011. 21 AMARO, Luciano, 2001, apud PAOLIELLO, Patrícia Brandão. 22 COÊLHO, Sacha Calmon. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999, p. 78.

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sobre o patrimônio, o mais real deles, atinge o proprietário independentemente da

coisa, pois o vínculo segue o seu dono.

Por fim, pode-se concluir que o caráter pessoal a que alude o

constituinte, no texto do art. 145, §1º, significa o desejo de que a pessoa tributada

venha a sê-lo por suas características pessoais (capacidade contributiva), sem

possibilidade de repassar o encargo a terceiros.

Não se pode olvidar, também, dos princípios da Legalidade e da

Tipicidade. Com efeito, a capacidade contributiva encontra-se ligada de maneira

coesa e permanente ao princípio da legalidade. É a lei que estabelece as

hipóteses de incidência dos impostos, tomando por base o delineamento genérico

da norma constitucional, e observando que a ideia de tributar está diretamente

ligada à riqueza dos indivíduos. Por sua vez, o princípio da tipicidade é uma forma

de império constitucional, delimitando pelos tipos a forma pelas quais deverão ser

ajustadas as situações, nas quais incidirão os efeitos tributários decorrentes da lei.

Logo, o conceito de fato tributário caracteriza-se por um requisito formal, a

tipicidade, e por um requisito material, a capacidade contributiva.

Ademais, temos o princípio da vedação ao confisco, já mencionado

neste trabalho, que encontra previsão no artigo 150, inciso IV, da Constituição da

República. Seu objetivo é impedir que os entes federativos se utilizem de tributos

com efeito confiscatório. Destarte, podemos observar que o mesmo encontra-se

perfeitamente alinhado com o direito de propriedade, previsto no artigo 5º, inciso

XXII, da Magna Carta, e decorre diretamente do princípio da capacidade

contributiva. Neste sentido, tem-se por confiscatório o imposto que esgota a

riqueza tributável das pessoas, isto é, não leva em conta suas capacidades

contributivas.

Segunda a doutrina de Ricardo Alexandre23, o conceito de confisco é

indeterminado, sujeito a alto grau de subjetividade, e varia muito de acordo com as

concepções político-filosóficas do intérprete. O que não impede, entretanto, que,

23 ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 2ª Ed. São Paulo: Ed. Método, 2008, p. 135.

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em casos de notória ausência de razoabilidade de uma exação, o Poder Judiciário

reconheça a existência de efeito confiscatório da tributação.

Sobre a questão, vale também mencionar as palavras de Luiz Carlos

Trouche Ramina, segundo o qual "é elementar que só cabe imposição tributária

quando se está diante de fatos que denotem fundamento econômico e,

considerando que a tributação interfere no patrimônio das pessoas de forma a

subtrair parcelas expressivas de bens, não resta dúvida de que será

inconstitucional a imposição de cargos superiores à força desse patrimônio (...).

Tributos confiscatórios são os que absorvem todo o valor da propriedade,

aniquilam a empresa, ou impedem o exercício da atividade lícita ou moral.

Todavia, é tormentosa a tarefa de fixar limite para o que seja confisco, cuja

configuração e aferição envolvem grande margem de subjetivismo. Assim, uma

alíquota de 25% para o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza

pode não configurá-la, mas a mesma alíquota sobre o imposto de transmissão de

bens móveis indubitavelmente caracterizará confisco de propriedade. O Poder

Público, portanto, deverá se comportar pelo critério de razoabilidade, evitando

insolvências e falências, bem como permitir a subsistência e a dignidade das

pessoas”24.

Assim sendo, tem entendido o STF que a identificação do efeito

confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante a

verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte considerado o montante de

sua riqueza.

24 RAMINA, Luiz Carlos Trouche. Iniciação ao direito financeiro e tributário. São Paulo: Editora Resenha Tributária, 2ª. Ed., 1996, p. 75.

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CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, conclui-se que a capacidade contributiva,

prevista no artigo 145, parágrafo 1º, da Constituição da República Federativa do

Brasil, deveria ser aceita como uma diretriz de cunho obrigatório a nortear todo o

ordenamento tributário, e não apenas os impostos.

Não resta dúvida de que o princípio da capacidade contributiva, assim

como todos os outros princípios atinentes ao sistema tributário, objetiva

efetivamente não só limitar o poder do Estado na exigência tributária, mas também

estabelecer critérios, a fim de que cada contribuinte possa recolher tributos em

consonância com sua riqueza, sem que esta seja dilapidada pela ambição estatal.

O Estado, por sua vez, ao dimensionar tal riqueza, não pode restringir-

se a meras condições econômicas do cidadão, mas sim ao signo de riqueza que

este ostente, seja através de seu patrimônio, seja através de renda das mais

diversas origens.

Por outro lado, é poder discricionário do Estado eleger qual signo de

riqueza ele pretende tributar. Desta feita, tem-se que, em um momento poderá ser

a renda, em outro, um bem móvel ou imóvel, e por aí vai.

Ademais, verificamos que, embora no texto constitucional o princípio

em tela se refira somente a impostos, é também possível aplicá-lo às demais

espécies tributárias, como as taxas e contribuições de melhoria.

Nota-se que quanto à efetividade do princípio da capacidade

contributiva, depende esta de sua união com outros princípios, tais como o da

igualdade, da legalidade, do não-confisco, da progressividade e da pessoalidade.

Isto porque, de fato, não poderá o indivíduo ter a certeza de

inviolabilidade do seu patrimônio, se não houver observância ao princípio da

legalidade, ou seja, um tributo não lhe pode ser exigido sem que haja uma lei

anterior que o defina.

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Em suma, não haverá uma apropriada aplicação do princípio objeto

deste estudo, se a exigência tributária não obedecer a critérios que equalizem as

condições desiguais dos indivíduos, a fim de que aquele que tiver mais recursos

realmente pague mais em relação ao menos abastado.

Desta feita, o princípio da igualdade depende muito do princípio da

progressividade, por meio do qual criam-se mecanismos de alíquotas diferentes a

fim de solucionar as questões afetas à desigualdade.

Quanto ao princípio do não-confisco, talvez seja este o que esteja mais

íntimo à capacidade contributiva, tendo em vista que a mera ocorrência de alguma

exigência tributária, a qual exceda os limites da capacidade econômica do

indivíduo, dará ensejo ao fenômeno do confisco.

Com efeito, o princípio da capacidade contributiva visa a promover

justiça social, em situação em que todos pagariam a exação como pudessem, e

receberiam os serviços do Estado de forma isonômica. Em resumo, paga menos

imposto quem pode pagar menos e paga mais quem pode pagar mais, e esse

ideal deve ser alcançado por meio de critérios técnicos aplicados a uma tabela

progressiva que contemple as condições desiguais dos cidadãos contribuintes.

Enfim, diz-se “ideal”, porque, na prática, as decisões do governo

parecem se opor aos princípios elencados pela presente monografia, sobretudo,

ao princípio da capacidade contributiva.

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