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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO “A VEZ DO MESTRE” FRANCINETI DA SILVA MATTOS FRACASSO ESCOLAR TRABALHO MONOGRÁFICO APRESENTADO COMO REQUISITO PARCIAL PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE ESPECIALISTA EM SUPERVISÃO ESCOLAR. FRANCINETI DA SILVA MATTOS NELSOM JOSÉ VEIGA DE MAGALHÃES APROVADO POR: RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL FEVEREIRO/2002

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

FRANCINETI DA SILVA MATTOS

FRACASSO ESCOLAR

TRABALHO MONOGRÁFICO APRESENTADO COMO REQUISITOPARCIAL PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE ESPECIALISTA EM

SUPERVISÃO ESCOLAR.

FRANCINETI DA SILVA MATTOS

NELSOM JOSÉ VEIGA DE MAGALHÃES

APROVADO POR:

RIO DE JANEIRO, RJ - BRASILFEVEREIRO/2002

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Dedico, cada página desta monografia aos

meus dois filhos queridos Luís Gustavo e Luís

Guilherme, que são a razão do meu viver.

Através deles posso imaginar e esperar um

mundo bem melhor porque as crianças são

iluminadas e refletem na pureza e sinceridade

de seus atos a alegria, a paz e a esperança

que todos procuram.

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Esta monografia é resultado de um trabalho de

dedicação e preservação. Foi muito gratificante e por

isso agradeço imensamente ao bom Deus por ter me

concedido a oportunidade de concluir mais este

desafio.

Ao meu marido, Luís Antônio, pelo amor, carinho,

apoio, compreensão e respeito que me dedicou

durante todo o curso.

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

TRABALHO MONOGRÁFICO APRESENTADO COMO REQUISITOPARCIAL PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE ESPECIALISTA EM

SUPERVISÃO ESCOLAR.

FRANCINETI DA SILVA MATTOS

FRACASSO ESCOLAR

ORIENTADOR: NELSOM JOSÉ VEIGA DE MAGALHÃES

Este trabalho desenvolve uma questão na qual o meio familiar influideterminantemente no desempenho escolar das crianças brasileiras, ou seja, noseu fracasso escolar e social. Mostramos que o processo de fracasso escolarreforça e alimenta o perverso ciclo que envolve a pobreza, analfabetismo, odesemprego e a exclusão social. Consideramos neste texto que o processoavança direta e rapidamente, de modo a atingir as zonas urbanas das cidades emgeral. No entanto percebemos que para as crianças oriundas de famílias bemestruturadas interna e economicamente, o desenvolvimento escolar e social está,assegurado, independentemente de residirem em zonas urbana ou periférica.Todavia, para as crianças de famílias economicamente desfavorecidas, o fracassotem-se mostrado um fato real, e assustadoramente presente, já na 1ª série doEnsino Fundamental, mesmo para aquelas que freqüentam escolas situadas emzona urbanas.Concluímos que para o eficaz combate ao fracasso escolar nas escolasbrasileiras, necessitando da elaboração de um projeto baseado em fatosverdadeiros – norteado pela concepção do fazer como fonte do saber comabrangência no processo – aprendizagem, o qual, por sua vez, só poderáconcretizar-se em tipos de organização do trabalho pedagógico e emdeterminadas condições de trabalho quando alterem a forma hierárquica em que aescolas estão organizadas, para que possamos obter conhecimento dosproblemas e principalmente das crianças.

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INDICE

CAPÍTULO I

Introdução

1.1. Tema 2

1.2. Delimitação do tema 2

1.3. Justificativa 2

1.4. Objetivo 3

1.5. Problema 3

1.6. Hipóteses 4

1.7. Metodologia 4

1.8. Fundamentação teórica 4

1.9. Definição dos termos da pesquisa 6

1.10. Conteúdo do trabalho 7

CAPÍTULO II

Fracasso Escolar?

2.1 Introdução 9

2.2 Fracasso Escolar? 10

2.3 Questionamento a ética do êxito 14

2.4 Para ensinar melhor, aprender melhor 16

2.5 Diferenças entre fracasso escolar e problema de aprendizagem 18

2.6 Intervir ou interferir 22

2.7 Intervenção psicopedagógica na escola 23

2.8 Intervenção psicopedagógica com os professores 24

2.9 O que entendemos por intervenção psicopedagógica clínica 25

2.10 Conclusão 25

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CAPÍTULO III

Fracasso – Sucesso: O peso da cultura escolar e do ordenamento da educação

básica

3.1 Introdução 28

3.2 O fracasso – sucesso escolar – Velhos problemas, novos olhares 29

3.3 O peso da cultura escolar 31

3.4 Escola – Instituição excludente 32

3.5 Novo ordenamento para a educação básica 34

3.6 Conclusão 35

CAPÍTULO IV

Conclusão 38

ANEXO A 39

ANEXO B 41

ANEXO C 42

GLOSSÁRIO 44

BIBLIOGRAFIA 45

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1.1. TEMA:

Aprendizagem.

1.2. DELIMITAÇÃO DO TEMA:

Fracasso Escolar

1.3. JUSTIFICATIVA:

O “fracasso escolar” tem sido visto como um dos grandes sintomas da

realidade brasileira atual. É o desafio educacional dos nossos tempos que pode

ser sintetizado no embate entre a persistência de uma herança histórica

extremamente pesada em termos de fracasso escolar e os crescentes esforços

que estão sendo empreendidos para reverter este quadro através de um

conjunto de políticas voltadas para a melhoria da qualidade da educação no

País. A situação de alunos com mais de dois anos de atraso escolar, gerado na

maioria das vezes por reprovações contínuas, não é um fenômeno novo entre

nós; ao contrário, é antigo e tão freqüente que se tornou um fato corriqueiro,

naturalizado aliás, como outras manifestações do fracasso escolar. Ignora-lo é o

mesmo que considerar inevitável haver ainda problemas de acesso, reprovações

numerosas, evasão significativas, baixa aprendizagem e, também escolas mal

equipadas e deterioradas, salários miseráveis dos professores, etc. _ porque

sempre estiveram presentes na realidade do sistema público de ensino. É muito

pouco dizer que esses problemas são agora tratados apenas por uma questão

de economia e racionalização de recursos, e que por isso não questões a serem

enfrentadas pelos educadores progressistas. Em que pese à política econômica

impondo aos sistemas de ensino redução de custos e enxugamento dos

desperdícios causados pelo acúmulo de alunos repetentes, enfrentar o problema

da perspectiva pedagógica significa respeitar pessoas reais que enfrentam a

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escola e contam com ele para organizar suas vidas, que aguardam o

atendimento prometido, mesmo carregando insucessos e dificuldades. Na

situação de desvantagem há alunos reais, excluídos e diminuídos em sua auto-

estima. Os alunos prejudicados têm rosto, nome, sonhos, história – não são

números ou índices, assim como seus professores e suas professoras. Entender

a situação da educação como um problema sem solução a curto e médio prazo

não pode impedir de adentrar a sala de aula. É necessário enfrentá-lo, fortalecer

a escola nas questões pedagógicas visando a melhoria na qualidade do ensino

para todos.

1.4. OBJETIVO:

GERAL: Estudar a possibilidade de implantar ações inovadoras no

processo de aprendizagem que atenda os anseios da clientela e que estejam de

acordo com as necessidades e realidades apresentadas, criando assim

ambiente e situações favoráveis para o sucesso dos alunos.

ESPECÍFICO: Identificar através do conhecimento diário das escolas

do Ensino Fundamental que o fracasso escolar se constitui em um processo

gestado a partir de pequenas ações e reações vividas no cotidiano.

1.5. PROBLEMAS:

Como a educação oferecida atualmente, atende aos alunos do ensino

fundamental?

A quem podemos atribuir o fracasso escolar?

Quais as causas possíveis do fracasso escolar?

1.6. HIPÓTESES:

Possibilitar o sucesso dos alunos nas questões pedagógicas, significa

uma participação efetiva de todos (educadores, pais e comunidade escolar) em

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ações polêmicas, que ofereça muitas possibilidades de acertos e erros em sua

aplicação.

O fortalecimento da escola em seu trabalho específico deve fazer

parte da luta maior pela conquista de serviços públicos de boa qualidade, que

garantam atendimento digno e justo a toda a população educacional.

Resgate da família na escola.

1.7. METODOLOGIA:

Ü Pesquisa bibliográfica

Ü Entrevistas publicadas em revistas pedagógicas

Ü Pesquisa de campo

Ü Estatísticas

Ü Gráficos

Ü Relatórios

1.8. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA:

O conhecimento do cotidiano das escolas de Ensino Fundamental nos

permite afirmar que o fracasso escolar se constitui em um processo administrado

a partir de pequenas ações e reações vividas diariamente. Estudos

desenvolvidos em escolas de Ensino Fundamental da rede pública observaram

como se formam as representações de sucesso e fracasso escolar dos

professores, alunos e pais. O estudo das representações constitui-se em uma

alternativa promissora na tentativa de identificação das que obstruem mudanças

e das que se apresentam como alternativas para a viabilização das mesmas.

Entretanto a afirmação mais freqüente junto aos alunos, é a de que um dos

elementos mais fortes, presentes em suas representações de fracasso escolar é

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a atribuição dos mesmos apenas ao resultado do comportamento adotado. Os

pais reforçam tal postura, destacando-se no caso do fracasso escolar, os

problemas familiares, doenças ou dom. Com relação aos profissionais da

escola, a isenção total de responsabilidade no processo, atribui-se

exclusivamente a fatores extra-escolares. Através do conhecimento das

representações, é possível constatar que estas se constituem em guias de

ações norteadoras da prática pedagógica desenvolvida, necessitando serem

conhecidas e trabalhadas para o aprimoramento da mesma, oportunizando a

construção do sucesso escolar.

É preciso entender a questão do fracasso escolar a partir de uma

queixa com alta demanda nos serviços oferecidos.

O fracasso escolar não deve ser encarado como o fracasso do aluno,

mas sim discutida como resultados da presença familiar na escola, apoiando e

participando de maneira efetiva do aprendizado do filho. O meio familiar influi

determinantemente no desempenho escolar das crianças brasileiras, ou seja, no

seu fracasso escolar e social. Isso mostra que o processo de fracasso escolar

infantil reforça e alimenta o perverso ciclo que envolve a pobreza, o

analfabetismo, o desemprego e a exclusão social. Lamentavelmente, este

processo avança rapidamente, de modo a atingir as zonas urbanas da cidade

em geral. Às crianças oriundas de famílias bem estruturadas interna e

economicamente, o desenvolvimento escolar e social está, de certo modo,

assegurado, independentemente de residirem em zonas urbanas ou periféricas.

Todavia, para as crianças de família desfavorecidas, o fracasso tem-se mostrado

um fato real, e assustadoramente, já na 1ª série do Ensino Fundamental, mesmo

para aquelas que freqüentam escolas situadas em zonas urbanas. Esta situação

se agrava e se torna mais complexa em nosso país tendo em vista que os

avanços da modernidade se distribuem de forma muito desigual.

Por outro lado, a falha fica também no sistema de ensino que não

está cumprindo com o seu papel básico que é de ensinar.

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O sistema escolar produziu e continua produzindo suas disciplinas,

sua seriação, suas grandes; e se limita a ensinar suas próprias produções e a

aprovar e reprovar com base em critérios de precedência que ele mesmo definiu

como mínimos para transitar no seu próprio curso, percurso – escolar. Neste

sentido afirmar-se que o sucesso ou o fracasso escolar é produzido

deliberadamente pelo sistema de ensino.

Para prevenir o fracasso escolar, é necessário trabalhar em e com a

escola, realizar um trabalho para o professor possa conectar-se com sua própria

autoria e, portanto, seu aluno possa aprender com prazer, denunciar a violência

encoberta e aberta instalada no sistema educativo.

1.9. DEFINIÇÃO DOS TERMOS DA PESQUISA:

Segundo Texto publicado na revista EM ABERTO (v.17, p.57 – 73,

janeiro de 2000, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais –

Inep – Brasília) – O fracasso escolar se justifica pela falta de investimento

financeiro na educação.

Segundo Fonseca, Luiz /Eduardo na sua dissertação de mestrado

(Rio de Janeiro, Escola Nacional de Saúde Pública, 1988. iii,227p.Mapas) _ O

fracasso escolar não pode ser visto como simples questão de saúde, as causas

possíveis são atribuídas a questão familiar da escola propriamente dita e outras

questões que são colocadas como justificativa da repetência e do mau

aproveitamento escolar.

1.10. CONTEÚDO DO TRABALHO:

No capítulo II, é feita uma abordagem sobre o Fracasso Escolar.

Apresentamos um histórico sobre o questionamento da ética do êxito, diferenças

entre fracasso escolar e problema de aprendizagem, e as intervenções

psicopedagógicas na escola, com professores e em clínicas.

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No capítulo III, desenvolve-se a conceituação de Fracasso –

Sucesso. O estudo versa sobre tema em que o reconhecimento do mesmo vem

sendo recolocado nas preocupações dos profissionais da educação.

No capítulo IV está reservado às conclusões, comentários e

sugestões sobre o tema abordado, com suas principais contribuições e seus

possíveis desdobramentos contínuos e futuros, contextualizando-os em nossa

realidade cotidiana.

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CAPÍTULO II

FRACASSO ESCOLAR?

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2.1. INTRODUÇÃO:

O capitulo II faz uma referência singular sobre o trabalho

psicopedagógico desenvolvido pelos profissionais da educação, com o objetivo

de produzir uma maravilhosa e transformadora atividade do pensamento.

Atividade esta que será abordada com ênfase no decorrer deste capítulo.

Desenvolver e potencializar questões relacionadas ao pensamento só

faz sentido se o trabalho for realizado com o propósito de responder sobre o

conhecimento do lugar onde o pensamento acontece.

É certo que a fábrica dos pensamentos não se situa nem dentro

nem fora da pessoa; localiza-se entre. A atividade do pensar nasce na

intersubjetividade, promovida pelo desejo de fazer próprio o que é alheio, mas

também é nutrida pela necessidade de nos entender e de que nos entendam.

O pensar alimenta-se de nos diferenciarmos o máximo possível do

outro, mas, por sua vez, de que esse outro nos aceite como seu semelhante.

Entre o verbo ensinar e o verbo aprender situam-se diversas

operações, muitas delas opostas entre si: Transmissão – Herança – Reprodução

– Transformação – Construção – Mudança – Repetição – Novidade –

Permanência – Mutação.

Um campo de produção de diferenças abre-se entre quem aprende,

pois cada indivíduo tem uma modalidade de aprendizagem, um idioma próprio

para tomar do outro e fazê-lo seu. A modalidade de aprendizagem é como um

idioma que cada um utiliza para entender os outros e fazer-se entender por eles.

O conhecimento do idioma falado enriquece a maioria de como se

interpreta o mundo e a nós mesmos. O reconhecimento do idioma utilizado pelos

indivíduos para aprender e ensinar, permite que todos sejam mais livres e

criativos.

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Quando o sujeito renuncia aa história ou é impedido de ser autor dela,

a primeira conseqüência desse impedimento manifesta-se no enrijecimento de

sua modalidade de aprendizagem. Ele não apenas deixa de transformar o

mundo, mas abandona a tarefa humana de transformar a si mesmo.

No entanto, a potência da pulsão transformadora da vida é tão grande

que é válido apelar para que ela descongele tudo aquilo que foi congelado.

Melhor, o que o sujeito construiu, ele pode destruir.

Por outro lado, na fase inicial, a maioria das dificuldades escolares

que as crianças apresentam ainda não alterou suas modalidades de

aprendizagem.

Mesmo que, com mais ou menos intensidade aqueles que nos

precederam tenham insistido para que repetíssemos o seu legado, nós, seus

descendentes, sempre nos revelaremos rebeldes, assim como farão aqueles

que nos seguirão.

Já a postura psicopedagógica é vista por alguns estudiosos como

uma proposta que deve propiciar modalidades de aprendizagem que

potencializem possibilidades singulares de cada pessoa, oferecendo-lhe

espaços em que possa realizar experiências com ensinantes que favoreçam

esse processo.

2.2. FRACASSO ESCOLAR:

Segundo Sara Pain (1982), “o sujeito que não aprende nenhuma das

funções sociais da educação, acusando, sem dúvida, o fracasso dela, mas

sucumbindo a esse fracasso”.

Na maioria das vezes, os profissionais de educação se sentem

responsáveis por um crime similar ao de confundir um desnutrido com um

anoréxico pelo fato de ambos estarem mal alimentados. Os dois não comem,

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mas as causas que os levaram a desnutrição são totalmente diferentes, por

tanto, as soluções também deveriam ser diferentes.

O alimento é o conhecimento que o aprendente precisa incorporar,

transformar, metabolizar.

O individuo desnutrido não pode ser tachado como paciente com

doença no aparelho digestivo, sem antes ser diagnosticado pela medicina, já em

outras situações, o especialista diz que o fracasso escolar pode ter como causa

provável, a disritmia ou a hipercinesia (ADD ou ADHD)1, situando no organismo

do aluno as disritmias, hipercinesias e desatenções do sistema educativo.

O fracasso escolar pode intervir como fator desencadeante de um

“problema de aprendizagem” que, de outro modo, não teria aparecido. Sendo

assim o diagnóstico se torna mais complexo e difícil exigindo da psicopedagogia

uma maior responsabilidade e precisão teórica baseada em dados concretos.

O fracasso escolar afeta o sujeito em sua totalidade e para resolver

este problema devemos intervir no contexto que o priva de um espaço de autoria

de pensamento. Ou seja, devemos intervir no sistema ensinante.

A criança que se encontra inclusa no grupo dos fracassados, sofre

pela subestimação que sente ao não poder responder às expectativas dos pais e

professores. Por sua vez, a identidade não é algo que se adquire de uma vez e

para sempre, mas é produto de construções identificatórias para as quais

cumpre um papel importante os modos como os demais nos definem.

Para qualquer aluno, a sua escola e seus professores costumam ter

lugar reservado e de reconhecimento nas suas aptidões a partir dos resultados

obtidos.

1ADD – Transtorno por Déficit de Atenção

ADHD – Transtorno por Déficit de Atenção com Hiperatividade

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“Por que o êxito ocupa um lugar tão grande na vida de nossos

contemporâneos, crianças, pais, educadores, governantes? Que projetos,

que fantasmas recobrem essa aspiração ao êxito?”. Segundo CORDIÉ,

Anny apud FERNÁNDEZ, Alicia.

O objeto de qualquer intervenção psicopedagógica pode ser o abrir

espaços objetivos e subjetivos de autoria de pensamento. O psicopedagogo

aposta em que o desejo de conhecer e de saber possa sustentar-se apesar das

carências nas condições econômicas, orgânicas, educativas, apesar das

injustiças dos déficits ou das lesões biológicas.

A problemática da realidade é uma aprendizagem alienante e

imobilizadora que pode apresentar-se tanto no individual quanto no coletivo. Em

qualquer produção, intervêm fatores que dizem respeito ao socioeconômico, ao

educacional, ao intelectual, ao orgânico e ao corporal. Porém, visando

tratamento terapêutico e prevenção, impõe-se o encontro entre diferentes áreas

de especialização: psicopedagogia, psicologia, psicanálise, pedagogia, pediatria,

sociologia e outras.

A desnutrição alimentar e a carência afetiva, o fracasso dos

ensinantes e da instituição educativa ou as lesões cerebrais não dão conta por si

só da existência do problema de aprendizagem em um sujeito individual.

A desnutrição alimentar e a carência afetiva, a fracasso dos

ensinantes e da instituição educativa ou as lesões cerebrais não dão conta por si

só da existência do problema de aprendizagem em um sujeito individual.

A psicopedagogia clínica comprova que, embora seja necessário

trabalhar estudar os determinantes orgânicos, sociais, políticos..., a capacidade

de pensar e aprender podem sobreviver ou ainda renascer nas situações

educativas, sociais, econômicas e orgânicas consideradas as mais

desfavoráveis.

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A liberação da inteligência aprisionada só poderá dar-se através do

encontro com o prazer de aprender que foi perdido. Por razão, acredita-se que

nossa principal tarefa na relação com os pacientes é a de ajuda-los a recuperar

o prazer de aprender e, de igual modo, pretender, para nós mesmos, recuperar o

prazer de trabalhar aprendendo e de aprender trabalhando.

Uma tarefa só pode ser considerada renovadora, se buscar mudança

nos serviços da saúde mental em geral. Essa busca deve estar articulada com

os diferentes enfoques profissionais e os importantes recursos humanos com os

escassos recursos econômicos e institucionais, para satisfazer a ampla

demanda de assistência e a urgente necessidade de promoção de saúde na

aprendizagem.

O significado inconsciente do conhecer e do aprender e o

posicionamento diante do escondido são questões, segundo a psicopedagogia,

que intervêm na fabricação do problema de aprendizagem.

E para finalizar, é importante ressaltar, que a psicopedagogia clínica

vem para dizer também que, na fabricação do fracasso escolar, participam

questões relativas ao posicionamento dos ensinantes médicos e do poder

médico, as quais, exibindo, por vezes, um conjunto de informações hegemônicas

e monopolistas, supõem o aprendente como um sistema nervoso central

caminhando.

Existe um paradoxo que exemplifica bem como andam nossas

crianças com relação as que estão aprendendo: na escola, aprendem como

cabeças sem corpo e, quando não aprendem, são enviadas ao hospital onde

são consideradas organismos sem inteligência nem desejo.

Considera-se que todo lugar de saber é um lugar de poder, e todos os

psicopedagogos devem pretender conhecer sobre o conhecer, o não conhecer e

sobre os que não podem aprender, para que seja encontrada na solução dos

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problemas uma posição de certeza, que muitas das vezes também é solicitada

pelos consultantes.

A inteligência é construída e produzida na interação social, de acordo

com processos identificatórios.

Nossa teoria é frágil, mas nosso suporte é uma atitude clara e

compartilhada e um principio quase piagetiano: na base de toda cognição está

ação, primeiro material e, logo, possível de ser interiorizada.

2.3. QUETIONANDO A ÉTICA DO ÊXITO:

“O fracasso oposto ao êxito implica um juízo de valor e esse

valor é função de um ideal. O sujeito constrói-se perseguindo as idéias que

lhe são propostas ao longo de sua existência. Dessa maneira, é produto

dessas identificações sucessivas que formam a trama de seu eu. Esses

ideais são essencialmente os de seu meio sociocultural e os de sua família,

ela mesma marcada pelos valores da sociedade a que pertence”. Segundo

CORDIÉ, Anny apud FERNÁNDEZ, Alicia.

Perdoa-se, menos fracasso, atualmente parece ser o lema de

algumas famílias e escolas que estão preocupadas com seus jovens e com isto

procuram implementar projetos voltados para a solução deste problema. O

fracasso é o oposto ao êxito. Não será que, para evitar ou buscar diminuir o

fracasso escolar, é necessário reverter essa ética do êxito?

O melhor caminho seria repensar o uso da denominação fracasso

escolar? Tal termo surge como parte de um questionamento necessário à

postura que depositava o problema na criança, chamando de problema de

aprendizagem o que era um problema de ensino.

Entretanto, não se cairá nas redes da ética do êxito ao nomear como

fracasso que se tenta analisar como processo?

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Anny Cordié (1994) assinala que”... a evolução da sociedade deu

lugar a uma nova patologia: o fracasso escolar (...) trata-se rápida mudança do

mundo do trabalho em uma sociedade cada vez mais tecnicista. Às novas

exigências desta sociedade agregam-se os estragos provocados pela

exploração dos testes de nível...”.

O uso que se faz dos testes nas escolas é cada vez mais

discriminatório. É necessário um posicionamento clinico correto, que respeite as

diversas questões que envolvem o momento da aprendizagem.

Para atuar sobre as causas que geram o fracasso escolar, é

necessário que a psicopedagogia saia do consultório e, ao dirigir-se a outros

âmbitos, como a escola, não tente levar o consultório à escola, nem propor uma

psicopedagogia superior, que exclua ou desvirtue a pedagogia. A intervenção

psicopedagógica precisa atuar em interdisciplina com outras disciplinas, em

particular com a pedagogia, sem tentar copiá-la, nem substituí-la.

Visando melhor atuação e resultados positivos nos trabalhos, uma

escola deverá possuir em sua equipe de educadores, profissionais com

formação psicanalítica talvez maior do que quando atende em seu consultório, já

que deverá dar conta dos fenômenos transferências em suas diversas

manifestações. Por sua vez, deverá conhecer questões que dizem respeito ao

grupal e ao institucional.

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2.4. PARA ENSINAR MELHOR, APRENDER MELHOR:

Já que o fracasso escolar é uma resposta reativa à situação escolar, a

psicopedagogia precisa trabalhar com professoras e professores, educadoras e

educadores, mesmo que eles sofram e possam ser vítimas da iatrogenia da

instituição, até porque, sem dúvida, eles são a cara visível da escola para as

crianças.

Tendo em vista sua prática na formação de formadores, Jacky

Beilerot (1996) assinala:

... A formação (do professor) relaciona-se com toda a pessoa: suas

capacidades conscientes, assim como sua afetividade, seu imaginário e seu

inconsciente total. Isto é, fantasmas, resistências, inibições, etc.

A psicopedagogia Argentina Silva Iannantuoni (1996) escreve:

... a escola como instituição tende à submissão a determinadas

pautas, em vez de promover o fato artístico e a autoria da produção; não

surpreende o fato de que não conte com a possibilidade de questionar a si

mesma. As respostas de que as crianças não lêem, não gostam de ler,

escrevem sempre as mesmas orações, apresentam muitos erros de

ortografia, etc., sempre encontram linearmente suas causas fora do ambiente

escolar. Não servem para questionar-se dentro dele.

Como a escola pode propiciar o surgimento de sujeitos escritores,

representantes de suas idéias, gestores de atos criativos? Talvez não apenas

enunciado-os formalmente em objetivos e/ou expectativas de sucesso. Talvez

possibilitando que os docentes possam mostrar-se como modelos de autoria de

pensamento e de palavras, como sujeitos que possa, demonstrar seus “duendes

e suas princesas”, porque, como pretender que o aluno que vai à escola seja

construtor de suas próprias aprendizagens, se não se outorga ao docente que,

como ensinante, se encontre com sua autoria?...

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Geralmente professores, recebem nos cursos informações e dicas

interessantes sobre como ensinar, mas que são, de fato, uma representação

dramática de como ensinar. Tal contradição, comum em muitos âmbitos

educativos, ocorre porque as professoras e professores, mais do que cursos

precisam de formação e “a formação é clinica, pois toma lugar na historia

individual; porque une, necessariamente, saberes e saber, o passado e o futuro

do sujeito” (Beilerot, 1996).

Referindo-se à experiência de cursos de capacitação docente, a

psicopedagoga Argentina Soledad Lugones (1999) escreve:

... fazemos apontamentos em silêncio, com o olhar centrado no

professor e com nosso corpo quieto, aderido à cadeira... uma só voz, um só

rosto...

... esta é uma cena que se repete invariavelmente em nossa história

como alunos. Essa matriz encarnada em nosso corpo omite o Saber e a

Potencia de nossos ser aprendentes.

Para autorizar-nos a Ensinar, devemos fazer-nos autores... acreditar

em nós. Olhar o valor que tem o que fazemos, apropriar-nos da singularidade

que possuímos... Fazer-nos autores de nossos pensamentos.

Hoje em dia, fala-se muito sobre a necessidade de Capacitação

Docente. Todavia, muito pouco se fala e se reflete sobre como os Docentes e as

Instituições se capacitam e como são seus espaços de formação...

Não aprender na escola supõe um ato de violência da escola frente à

criança.

O propósito do trabalho psicopedagógico na escola consiste em

conseguir que o fracasso escolar não seja denúncia que renuncia a denunciar.

É construir espaços para que as professoras e os professores encontrem-se

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com suas autorias e, assim, sintam a paixão por produzir com seus alunos e

com suas alunas.

2.5. DIFERENÇAS ENTRE FRACASSO ESCOLAR E PROBLEMA

DE APRENDIZAGEM:

Para Sara Pain, uma análise econômica das superestruturas

educativas permite-nos compreender por que o sujeito aliena-se na

ignorância, mas necessitamos ver qual a estrutura que possibilita a

disfunção da inteligência e como o faz.

O fracasso escolar responde a duas ordens de causas que se

encontram imbricadas na história de um sujeito – próprio da estrutura familiar e

individual daquele que fracassa em aprender e próprios do sistema escolar,

sendo estes últimos determinantes. Não se deve confundir os fracassos

escolares (desnutrição de conhecimentos) com os problemas de aprendizagem

(anorexia-bulimia do conhecimento) para poder intervir antes que sejam

produzidos, pois, muitas vezes, um pode derivar do outro.

Ao ser diagnosticado, um fracasso escolar pode diferenciar-se de um

problema de aprendizagem, sendo analisada a modalidade de aprendizagem do

aprendente em sua relação com a modalidade ensinante da escola. Nos casos

de fracasso escolar, a modalidade de aprendizagem do sujeito não se torna

patológica; quando se constitui um problema de aprendizagem, a modalidade de

aprendizagem altera-se.

Uma intervenção psicopedagógica pontual se torna necessário

quando se trata de resolver o problema de aprendizagem que se origina de

causas provenientes de estrutura individual e familiar da criança. De acordo com

cada situação, será possível optar por:

a) Tratamento individual e familiar psicopegagógico;

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b) Grupo de tratamento psicopedagógico de crianças;

c) Grupo de orientação paralelo de mães;

d) Oficinas de arte, arte-terapia, recreação com objetivos terapêuticos, etc.;

e) Entrevistas familiares psicopedagógica, etc.

O fracasso pode responder, em proporção menor do número de

crianças, à construção de um modo de pensamento derivado de uma estrutura

psicótica e, em uma proporção ainda menor, pode ser devido a fatores de déficit

orgânico. Em ambas as situações, em geral, ainda que por diferentes causas, a

criança não pode estabelecer uma comunicação compreensível coma realidade,

ou seja, poderá ter dificuldades para aprender.

Desse modo fica estabelecida a diferença entre as diversas respostas

que as crianças assumem para expressar diferentes problemáticas em sua

aprendizagem.

Na aprendizagem escolar, reflete-se toda dinâmica social e familiar. O

trabalho do educador será o de saber escutar e olhar para além e para aquém

daquilo que se percebe. Existem situações que se mostram como não-

aprendizagem, respondendo a diversas causas:

• Fracasso escolar;

• Problemas de aprendizagem da ordem do sintoma;

• Inibição cognitiva;

• Oligotimia, baseada em uma estrutura psicótica.

A gravidade da problemática corresponde à crescente ordem do

enunciado. Todavia, a extensão da problemática corresponde de forma

decrescente à ordem do enunciado.

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O fracasso escolar afeta o aprender do sujeito na suas varias

manifestações, mas não chega a aprisionar a inteligência porque surge do

choque entre o aprendente e a instituição educativa que funciona de forma

segregadora. Para melhor atender e abordar o tema, é preciso apelar para a

situação promotora do bloqueio.

A criança que por ventura estiver nessa situação não precisará, na

sua maioria, de tratamento psicopedagógico, mas caso seja necessário à

intervenção do psicopedagogo será dirigida, fundamentada pela instituição

educativa.

Intervenção terapêutica psicopedagógica não é recomendada para

abordar oligotimia social que, pode funcionar como resseguro do sistema se o

psicopedagogo, ao equivocar-se no diagnóstico, torna-se cúmplice

ingenuamente da situação. Os transtornos de aprendizagem reativos exigem da

picopegagogia clínica o planejamento de novas e mais eficazes propostas de

abordagem, assim como impõem a necessidade de perfilar estratégias

preventivas.

Uma observação na manifestação dos problemas, sem uma análise

profunda na modalidade de aprendizagem, indica fracassos escolares de forma

equivocados e tratados por diferentes especialistas como problemas de

aprendizagem.

Quando se diagnostica a partir do que se observa como resultado,

trabalha-se com modalidade de pensamento que confunde a conseqüência com

as causas múltiplas. Como conseqüência de tal confusão resulta marginalização,

expulsão e culpa do aprendente, eximindo o sistema educativo e a instituição

ensinante se serem interpelados e de interpelarem-se por sua participação na

produção e/ou na manutenção desse fracasso na aprendizagem.

Além disso, são diagnosticadas, de forma errônea, como

deficiências mentais, no conhecimento dos diagnosticadores.

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Por sua vez, diagnosticam-se de forma errônea, com excessiva

leviandade, dislexias, discalculias, disgrafias, hipercinesias, ADDs2, sendo assim

fica excluída, para professores a responsabilidade por seu ensinar, para os pais

a implicação nessa questão, e o mais grave, que é colocar as crianças como

objetos de manipulação.

Crianças nessa situação produzem um problema de aprendizagem

como mensagem inconsciente que quer ser escutada. E nessa escuta o

psicopedagogo se inclui.

Uma criança rotulada perde toda possibilidade de comunicação,

funciona como método de controle.

Tanto no fracasso escolar quanto no problema de aprendizagem, o

aluno mostra que não aprende, mas, no primeiro caso, a patologia está instalada

nas modalidades de ensino da escola, e esse é o lugar sobre qual se deve,

prioritariamente, intervir. Por outro lado, é preciso considerar situações que não

chegam a conformar um fracasso escolar nem um problema de aprendizagem.

Para entender a significação do problema de aprendizagem, é dever

descobrir a funcionalidade do sintoma dentro da estrutura familiar e aproximar da

historia singular do sujeito e da análise dos níveis que operam. Já para buscar a

remissão dessa problemática, necessita-se apelar a um tratamento

psicopedagógico clínico que se oriente para a liberação da inteligência e

mobilize a circulação patológica do conhecimento em seu grupo familiar.

1ADD – Transtornos por Déficits de Atenções

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2.6. INTERVIR OU INTERFERIR:

O psicopedagogo ou a psicopedagoga deve abandonar seu

consultório quando requisitado para atendimento às crianças, professores e

outros dentro da escola.

Muitas vezes, a escola solicita ao psicopedagogo ou ao psicólogo

escolar uma tarefa não possível: que realize um tratamento individual com

crianças que fracassam, ou que as diagnostique e encaminhe a profissionais

que as atendam fora escola. Essa função não é apenas impossível de ser

abarcada, mas também incapacitante para o exercício da psicopedagogia, já que

a presença de um psicopedagogo nunca poderia atender, desse modo, à

quantidade de alunos apontados como problema. O psicopedagogo,

assoberbado com ma demanda impossível, sente-se fracassado e a escola,

assim, o expulsa. Dessa forma, aparecem escola que acumulam erros,

expulsam número considerado alarmante de crianças com fracasso escolar e

com diversos orientadores educacionais também expulsos por fracasso

profissional. Nem em um caso nem em outro se pode falar de um fracasso

pessoal, seja da criança, seja do profissional.

Qual é a posição que o psicopedagogo deve assumir em uma escola?

Quem são os que demandam? Como escuta a demanda obturada escondida do

professor na queixa que explicita?

Caso o psicopedagogo ou a psicopedagoga aceite o lugar de poder

resolver tudo o que solicitam, estará aceitando incapacitar seu lugar. Aceitar que

pode o que não pode resultará em desconhecer o que, de fato, pode:

desmoralizar-se e abandonar.

Já dentro da escola, estes profissionais, precisam utilizar os

conhecimentos e a atitude clinica para situarem-se em outros lugares, diferente

ao que têm no consultório. A experiência de consultório pode servi-lhes

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muitíssimo para situarem-se diante de professores, alunos e de si mesmos como

alguém que propicia espaços de autoria de pensamentos.

Os psicopegagogos devem atuar com total liberdade e conhecimento

necessários para convocar todos a refletirem sobre sua atividade, a

reconhecerem-se com autores, a desfrutarem o que têm para dar. Induzir o

sujeito a descobrir o que ele pensa, embora permaneça muito sepultado, no

fundo de cada aluno e de cada professor. Criar situação que conduta o professor

ou à professora a recordar-se de quando era menino ou menina. Alguém que

permite a cada habitante da escola sentir a alegria de aprender para além das

exigências de currículos e notas.

2.7. INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA NA ESCOLA:

Pensar e atender a Diversidade e a Diferença como critérios de

Promoção de Saúde em Instituições Educativas é um desafio. Segundo

MONTALDO, Beatriz Rama apud FERNÁNDEZ, Alicia.

A psicopedagogia dirige-se para a relação entre a modalidade

ensinante da escola e a modalidade de aprendizagem de cada aluno, e a este

como aprendente e ensinante em seu grupo de pares.

A constituição do sujeito autor se dá quando o sujeito ensinante e

aprendente, em cada individuo, pode entrar em um dialogo. Quando é que o

sujeito ensinante entra em um dialogo? Quando se autoriza mostra-se naquilo

que aprende. Interagir com o outro, mostrar-lhe o que sabe. Às vezes, pode-se

conhecer o que se sabe somente a partir de mostrar ao outro.

A intervenção psicopedagógica nas escolas deve dirigir seu olhar

simultaneamente para seis instâncias:

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• Ao sujeito aprendente que sustenta cada aluno;

• Ao sujeito ensinante que habita e nutre cada aluno;

• À relação particular do professor com seu grupo e com seus alunos;

• A modalidade de aprendizagem do professor e, em conseqüência, à sua

modalidade de ensino;

• Ao grupo de pares real e imaginário a que pertence o professor;

• Ao sistema educativo como um todo.

E, nessas seis instâncias, deve dirigir um olhar para a circulação

singular de conhecimento que se estabeleceu entre os diversos personagens e o

conhecimento.

2.8. INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA COM PROFESSORES:

A intervenção da psicopedagogia deve acontecer de maneira racional,

para que os profissionais não se sintam aprisionados pela exigência de

eficiência, na tentativa de ajudar o aluno em questão, esquecendo inclusive o

professor.

A intervenção da psicopedagogia deverá partir de próprio espaço de

autoria de pensamento e estar direcionada a abrir um espaço de autoria do

próprio profissional. Antes de qualquer trabalho, propriamente dito, os

psicopedagogos devem escutar a si mesmos, reconhecer-se importantes e

descobrir o quanto podem ajudar as pessoas apenas olhando de maneira

diferente.

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2.9. O QUE ENTENDEMOS POR INTERVENÇÃO

PSICOPEDAGÓGICA CLÍNICA:

A intervenção psicopedagógica clinica é muito diferente da

reeducação, já que esta ultima tende a corrigir ou remediar. Assim, muitas

crianças são submetidas a métodos reeducativos que tentam uma ortopedia

mental como se fosse possível colocar próteses cognitivas.

O fracasso escolar ou o problema de aprendizagem deve ser sempre

um enigma a ser decifrado que não deve ser calado, mas escutado. Sendo

assim, quando o não sei aparece como principal resposta, é possível perguntar

o que é que não está permitido saber.

A escuta de cada individuo não se dirige aos conteúdos não-

aprendidos, nem aos aprendidos, nem às operações cognitivas não-logradas ou

logradas, nem aos condicionadores orgânicos, nem aos inconscientes, mas às

articulações entre essas diferentes instâncias.

Não se situa no aluno, nem no professor, nem na sociedade, nem nos

meios de comunicação como ensinantes, mas nas múltiplas relações entre eles.

2.10. CONCLUSÃO:

Sendo assim a abordagem do fracasso escolar no item 2.2 destaca a

importância de um bom especialista na realização do diagnóstico a respeito do

problema de aprendizagem, tão complexo, difícil e que exige muita

responsabilidade e precisão teórica.

Prosseguindo então, a leitura dos outros itens deste capitulo podemos

conferir que o fracasso escolar é uma patologia nova. Apareceu recentemente

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com a instauração da escolaridade obrigatória nos finais dos séculos XIX e

adquiriu uma importância considerável entre as preocupações de nossos

contemporâneos devido à mudanças radical da sociedade. Também, neste caso,

não é somente a exigência da sociedade moderna a que engendra os

problemas, como se pensa com freqüência, mas um sujeito que expressa seu

mal-estar na linguagem de uma época em que o dinheiro e o êxito social são

valores predominantes, constitui-se um problema de aprendizagem que pode

afetar a dinâmica de articulação entre os níveis de inteligência, desejo,

organismo e corpo.

Condições devem existir para que se crie um ambiente facilitador e

este se transforme em gerador de potência para a saúde, possibilitando que o

saudável possa ser mostrado e fazê-lo andar.

O desafio está em concordar com as novas estratégias que

estimulem, desenvolvem e possibilitem as condições para que se instale a

saúde.

Enfim, para prevenir o fracasso escolar, todos os profissionais da

educação, necessitam trabalhar de forma harmônica com a escola. O trabalho

deve ser realizado de modo que o professor possa conectar-se consigo mesmo

e, portanto, seu aluno possa aprender verdadeiramente com prazer,

denunciando a violência encoberta e aberta no sistema educativo. Mas uma vez

gerado fracasso e conforme o tempo de permanência, o psicopedagogo também

deverá intervir para que o fracasso do aprendente, encontrado um terreno fértil

na criança e me sua família, não se constitua em um sintoma neurótico.

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CAPÍTULO III

FRACASSO – SUCESSO:

PARA ENSINAR MELHOR, APRENDER MELHOR

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3.1. INTRODUÇÃO:

Este capítulo tem como finalidade delinear a própria noção do

fracasso escolar, desenvolvendo uma abordagem complexa no aspecto das

diferenças de olhares sobre o que vem a ser fracasso escolar. Diferenças em

termos de abordagens teóricas. Diferenças entre os alunos. Diferenças nas

leituras das estatísticas em que se baseiam as políticas públicas. Diferenças de

aprendizes que a escola desqualificada por meio das repetências e das

expulsões escolares. Diferenças que estão presentes no cotidiano escolar

produzindo transformações, visíveis ou não. Diferenças que são vozes vivas dos

alunos das classes populares nas suas lutas e conquistas por uma qualidade

melhor de ensino. Entretanto o tema fracasso escolar não resulta conversa

atraente para os educadores. É como rever um velho filme ou seriado de TV.

Será que mudar de discurso e falar de sucesso resolverá o problema?

O ardor cívico do inicio dos anos 80 nos empolgou com os temas

mais atraentes: a construção da cidadania critica e participante. Reformar

currículos, transmitir conteúdos críticos foi a empolgação do momento.

Infelizmente os sonhos cívicos não foram acompanhados pelo desenvolvimento

econômico e social. Os anos 80 passaram como uma década perdida. A

marginalidade, a pobreza e a miséria estão presentes e afetando os setores

populares, os trabalhadores, a infância e a adolescência de nossas escolas.

O momento em particular está sensível às velhas realidades: as

desigualdades e os múltiplos processos de exclusão e marginalização. Por outro

lado os educadores, não poderiam ser diferentes, retomaram velhos seriados tão

atuais como: as desiguais oportunidades socioculturais da infância pobre e os

perenes mecanismos de exclusão de nosso sistema escolar. O fracasso volta

com toda força, ou melhor, na verdade nunca deixou de estar presente. As

motivações para tanta sensibilidade são diversas, desde o medo dos conflitos

sociais, da violência dos meninos de rua, até os velhos idéias de uma escola

igualitária, passando pela redução de custos na administração de reprovados –

repetentes.

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O tema fracasso – sucesso escolar está posto pela realidade social

com toda urgência que o caso necessito. O tema continua desafiante, mas a

forma de encara-lo ainda é preocupante. E preocupante também continua a

teimosia em fazer as mesmas análises clínicas e individuais como se houvesse

uma epidemia, uma doença crônica que se impõe à competência profissional e a

ousadia pedagógica.

3.2. O FRACASSO – SUCESSO ESCOLAR: VELHOS

PROBLEMAS, NOVOS OLHARES:

Podemos partir da hipótese de que existe entre nós uma cultura do

fracasso que dele se alimenta e o reproduz. Cultura que legitima praticas rotula

fracassados, trabalha com preconceitos de raça, gênero e classe, e que exclui,

porque reprovar faz parte da pratica de ensinar-aprender-avaliar.

Resultados de pesquisas indicam que nas últimas décadas se

instalou, no ensino privado, sobretudo, não exclusivamente, uma indústria da

reprovação. Colégio e professor que pretendam manter seu status no mercado

tem de ser exigentes, preservar o alto nível, eliminar os medíocres, selecionar os

cobras e assim valorizar sua disciplina, sua área e seu prestigio. Sem dúvida

que esse não é o tipo de fracasso que vem preocupando por décadas os

educadores e administradores do ensino público popular.

Se partirmos da hipótese de que tanto na escola privada quando na

pública a lógica não é muito diferente, observa-se que há uma indústria, uma

cultura de exclusão. Cultura essa que não é desse ou daquele colégio, desse ou

daquele professor, nem apenas do sistema escolar, mas das instituições sociais

brasileiras, geradas e mantidas, ao longo deste século republicano, para reforçar

uma sociedade desigual e excludente. Ela faz parte da lógica e da política da

exclusão que permeia todas as instituições sociais e políticas o Estado, os

clubes, os hospitais, os partidos, as igrejas, as escolas, ... A política de exclusão

não é próprias dos longos momentos de administração autoritária e de regimes

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totalitários, ela perpassa por todas estas instituições, inclusive aquelas que

trazem no seu sentido e função a democratização de direitos

constitucionalmente garantidos como a saúde ou a educação.

Infelizmente a instituição continua seletiva e excludente, pois não

conseguiu se estrutura a ponto de garantir o direito à educação básica universal.

A escola como instituição ainda mantém a mesma estrutura de rigidez e

exclusão que há séculos se faz presente, permanece o domínio seriado e

disciplinar de um conjunto de habilidades e saberes que provoca a perda

irrecuperável do direito de uma experiência sociocultural formadora.

Outra hipótese que norteia a análise do fracasso-sucesso escolar é

que a cultura da exclusão que está materializada na organização e na estrutura

do sistema escolar. Está estruturado para excluir. A cultura do fracasso, tão

freqüente no sistema escolar, não é privilegio de alguns diretores, especialistas

ou professores, nem se quer está na rigidez das avaliações. É uma cultura que

se materializou ao longo de décadas na própria organização da escola e do

processo de ensino. No próprio sistema. Aí radica sua força e sua persistência,

desafiando a competência dos mestres e das administrações mais progressistas.

Uma escola como modelo social e cultural de funcionamento

organizativo, deve praticar análises tanto do fracasso quando do sucesso

escolar, para além dos tradicionais diagnósticos reducionistas que os identificam

com supostas capacidades dos alunos e dos mestres ou com o grau de

eficiência dos métodos, isolando a estrutura e o funcionamento do próprio

sistema educacional. Esses aspectos são determinantes dos processos e dos

produtos, são os produtores dos fracassos e dos sucessos.

3.3. O PESO DA CULTURA ESCOLAR:

O processo ensino-aprendizagem passou a ser avaliado como

qualquer processo de produção, pois o produto escolar estaria condicionado

pelos materiais empregados e pelos recursos utilizados: os alunos, suas

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aptidões, suas deficiências; e os recursos didáticos, os conteúdos, as

competências dos mestres, a eficiência das técnicas. Se os recursos forem de

boa qualidade, acontece o sucesso escolar. Se forem de baixa qualidade,

acontece o fracasso escolar.

Por outro lado estas análises vêm sendo criticadas por esquecer que

a escola é uma instituição sociocultural. Está organizada e pautada por valores,

concepções e expectativas. Está perpassada por relações sociais na

organização do trabalho e da produção. Em outros termos, os alunos, os

professores, a direção, os pais e as comunidades não são meros recursos e

materiais, são sujeitos históricos, culturais. A própria instituição escolar é um

produto histórico, cultural, e age e interage numa trama de complexos processos

socioculturais. A escola é uma organização socialmente constituída e

reconstituída, tem uma dinâmica cultural. Diante da ênfase nas imagens

racionais, mecânicas, determinantes, entrada-processo-saída-produto, as

imagens de cores sociocultural teriam maior poder de compreensão e explicação

dos resultados escolares. Se a escola está impregnada de uma cultura

construída lentamente e em permanente interação com a cultura mais ampla, a

questão que passa a ser central é qual cultura escolar é essa, quais seus

competentes e qual seu peso sobre o fracasso ou sucesso escolar.

Falar da cultura escolar é reconhecer, sobretudo que os alunos e os

profissionais da escola carregam para esta suas crenças, seus valores, suas

expectativas e seus comportamentos, o que certamente poderá condicionar os

resultados esperados. Portanto, aceitar que existe uma cultura escolar significa

trabalhar com o suposto de que os diversos indivíduos que nela entram e

trabalham adaptam seus valores aos valores, às crenças, às expectativas e aos

comportamentos da instituição. Adaptam-se à sua cultura materializada no

conjunto de práticas, processos, lógicas, rituais construtivos da instituição.

.

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3.4. ESCOLA – INSTITUICÃO EXCLUDENTE:

A cultura do estigma e da exclusão das camadas populares e seus

efeitos sobre o rendimento escolar não são novas. As pesquisas que por ventura

poderiam trazer novidades seriam aquelas que aprofundassem a compreensão

das formas sutis em que essa cultura do estigma se materializa na instituição

escolar e impregna todas as suas práticas. Por exemplo, as crianças das

camadas populares são colocadas em condições de instrução menos exigentes,

em classes especiais; os conteúdos são reduzidos ao mínimo; o currículo é

adaptado às suas condições etc. A proposta, hoje tão freqüente, vai nessa

direção: facilitar a passagem de serie, eliminar a reprovação por decreto, mas

mantendo a cultura escolar seletiva, hierarquizadora, seriada e gradeada.

A pedagogia, a didática e a teoria do currículo tentam justificar a

estrutura disciplinar e seriada no suposto de que as disciplinas escolares são

condensações das ciências, dos saberes e dos conhecimentos técnicos

produzidos e acumulados socialmente. Os recortes e as diferenças entre uma e

outra se justificam pela necessidade de simplificar e, na infância, até vulgarizar

esses saberes que nessa idade não podem ser transmitidos em estado puro,

nem em sua globalidade. As disciplinas escolares seriam a expressão

metodológica e didática da arte de preparar o alimenta do saber adaptado ao

paladar e ao aparelho intelectual de cada idade mental. Se cada disciplina e

cada série são conjuntos de saberes e métodos cujo domínio garantiria a cada

cidadão o direito ao conjunto do saber total, e se entre elas há uma

complementaridade e precedência, tem de haver uma permanente avaliação da

capacidade de cada educando de aprender esses saberes e essa disciplinas. O

domínio insuficiente de um desses recortes disciplinares e seriados exclui da

possibilidade de prosseguir no direito ao saber socialmente produzido. Justifica-

se a reprovação e a repetência ou retenção - negação do direito ao saber e a

cultura em nome da concepção disciplinar e seriada da vulgarização pedagógica

do direito ao saber total.

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Entretanto, se o olhar se volta para história das disciplinas escolares,

descobre-se que o termo disciplina escolar é novo, não ultrapassa este século.

Ele aparece num momento em que se dá uma mudança bastante radical na

educação básica e na natureza da formação: o momento da crise dos estudos

clássicos e da pedagogia clássica. Em vez de centrar-se no domínio dos

conhecimentos, dos valores e da cultura, a ênfase vai sendo posta na disciplina

intelectual, na ginástica da mente, na capacidade metódica, regrada, de

raciocinar e de formar as mentes pelo e para o exercício intelectual.

A proposta de educação básica ou de formação de todas as

capacidades do ser humano, cognitiva, volitiva, tecnológica, presente nos

ilustrados e no classicismo pedagógico, vai ficando distante. As disciplinas

escolares, que passam a ser a espinha dorsal da educação escolar, vão sendo

reduzidas a um simples rubrica para classificar materiais de ensino, à margem

de qualquer referencia à formação total, nem sequer à formação intelectual.

Inclusive, sem referência ao saber socialmente produzido e acumulado, a ser

socializado a todo cidadão.

A cultura da excludência instalou-se na espinha dorsal da organização

escolar. Sem uma revisão profunda dessa ossatura, dificilmente poderemos

pensar numa cultura do sucesso. A nova Lei de Diretrizes e Bases pouco

avançou nessa direção. A oportunidade para mexer nessa ossatura fica perdida.

O pensamento educacional progressista tinha outras preocupações, aquelas que

o empolgaram no ardor cívico do inicio dos anos 80: formar cidadãos

conscientes e politécnicos. Esquecemos que 80% são expulsos dessa escola

sem completar as quatro primeiras séries, por causa de sua estrutura seriada e

disciplinar. A ossatura excludente ficou intocada. Até reforçada com o

alargamento da pirâmide disciplinar e seriada da educação básica, que incluirá o

ensino fundamental e o ensino médio. Note-se que não se manteve o termo

educação fundamental e media e sim ensino. O direito à educação básica

continua entendido como ensino com todas as conotações disciplinares

seriadas, escalonadas, avaliativas e seletivas que esse conceito foi adquirindo

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ao longo do século XX. O termo educação foi mantido apenas para educação

infantil e educação superior.

3.5. NOVO ORDENAMENTO PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA:

A superação da cultura do fracasso passa pela retomada de uma

discussão séria sobre os componentes do direito a formação básica e universal

e sobre a busca de um novo ordenamento que garanta essa formação. Seria

necessário pesquisar por onde caminharam as leis de educação de outros

paises. Parece-nos que uma das tendências é retomar a ênfase no direito à

educação básica e no direito a não sacrifica-la a ritmos diferenciados de avanço

no processo de ensino-aprendizagem. Esta linha redefine as ênfases na

avaliação – reprovação – repetência e avança alem da velha cultura da

exclusão.

Os termos sistema de educação ou sistema de ensino deixam de ser

uma questão semântica para ser uma questão política, expressando os conflitos

em torno do conteúdo dado ao direito à educação básica.

Vários movimentos sociais, com ênfase nos direitos humanos, à

cultura, à dignidade e à formação de valores individuais, vêm acontecendo com

o objetivo de pressionar a escola no sentido de perder as conotações

excessivamente adestradoras que tanto prejudicam o sentido pleno de formação

humana.

Essa ênfase na escola como experiência sociocultural, formadora,

recoloca como central a relação entre a formação e as disciplinas e os

tradicionais processos de avaliação. A retomada da velha função da escola –

educar – leva a que a velha função docente – ensina -, seja avaliada como um

dos componentes dessa função educativa mais ampla. Fora desta ou contra

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esta, a função docente perde seu sentido. Os conteúdos disciplinares, os

domínios requeridos, aprovação – reprovação só adquirem sentido enquanto

materializam um percurso formador diferenciado conforme a idade e a vivencia

sociocultural.

Toda transmissão cultural de uma geração a outra recorre a

processos que se diferenciam conforme a idade daqueles que são educados. O

tradicional critério para aprovação – reprovação, avanço – retenção, era domínio

de conteúdos predefinidos por disciplina e serie, perde qualquer sentido próprio

e não passa de uma pedagógica maquiagem da cultura da exclusão. O direito

maior a uma vivência sociocultural adequada a cada idade – ciclo de formação

se impõe como critério mais justo, igualitário.

“A modificação estrutural se converte em um dos fins da reforma

educativa e em condição essencial para a melhoria dos níveis de qualidade

da instituição escolar...” (Reforma Educativa, p.97).

3.6. CONCLUSÃO:

Por fim, há muito se discute esta temática, contudo a persistência do

fracasso escolar expresso em dados estatísticos espantosos aponta sua

complexidade e sua atualidade. Muitos trabalhos foram realizados sobre a

história, as políticas, os processos de marginalização e exclusão das classes

populares, a desmistificação da patologização e da medicalização do fracasso

escolar, as incoerências e debilidades das estatísticas oficiais, as relações entre

gênero e fracasso escolar. Entretanto o sistema escolar produziu e continua

reproduzindo suas disciplinas, sua seriação, suas grades; e se limita a ensinar

suas próprias produções e a aprovar ou reprovar com base em critérios de

precedência que ele mesmo definiu como mínimos para transitar no seu próprio

curso, percurso-escolar.

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No entanto, numa perspectiva otimista, é preciso ousar na

implementação de reformas educacionais nos sistemas escolares em paises

como o nosso, onde o fracasso escolar é bem gritante entre nós. As reformas

devem retomar a centralidade da formação e da experiência cultural, adequada

a cada ciclo de idade. Uma concepção bem mais rica e democrática do direito de

todo cidadão à educação básica. Direito que não pode ser impedido de seguir

seu percurso normal. A reprovação e a repetência a que são condenadas

nossas crianças, sem o menor escrúpulo, passam a ser tratadas com seriedade,

como um caso excepcional julgado coletivamente e nunca deixado à mercê do

elitismo e da rigidez de cada escola, cada especialista ou cada mestre.

Sem duvida, reformas nessa direção vão além da nossa LDB3,

refletem e materializam uma nova cultura do direito à educação. A cultura

democrática conquistada lentamente pela diversidade dos movimentos sociais.

3LDB – Lei de Diretrizes e Bases

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O problema aqui abordado está atualmente no coração dos

problemas educacionais da realidade brasileira. É o desafio de uma reforma

dentro do sistema educacional que só será maior se forem beneficiados

prioritariamente os alunos que fracassam na escola. Na maioria das vezes, as

reformas escolares pretendem, periodicamente, tacar as desigualdades

existentes na escola para melhor democratiza o ensino, enquanto o fracasso

escolar leva alguns estudantes para carreira menos exigentes.

A questão de saber se o fracasso escolar é o fracasso do aluno ou da

escola divide hoje alguns autores, portanto, é necessário promover uma reforma

educacional que seja devidamente baseada na relação estabelecida entre

competência e fracasso escolar, e principalmente apoiada pela opinião publica,

porque sendo aceita pela maioria, será implementada com sucesso e

apresentará efeitos positivos.

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ANEXO – A

RECONHECER O FRACASSO, NÃO CONSTRUIR SOBRE A AREIA

A escola seleciona e fabrica fracasso, com freqüência, de maneira a

esconder seu próprio fracasso. Espera-se que os alunos saibam ler

fluentemente. Uma proporção muito importante de cada geração não alcançar

ou conserva esse nível de domínio da leitura (Bentolila, 1996). O que é feito com

essa desoladora constatação? Nada decisivo nada que ataque o problema na

raiz e transforme a situação em 5 ou 10 anos. Aconteceu que os médicos

cruzam os braços e resignam-se a acompanhar uma doença incurável. Porém,

antes de chegar a isso, via de regra, eles “fizeram de tudo”. Não se pode dizer o

mesmo da escola, cuja própria organização impede que se tente tudo. A cada

fim de ano letivo, seria necessário que fossem tomadas medidas específicas,

intensivas e originais para parte dos alunos. O que é letivo, seria necessário que

fossem tomadas medidas especificadas, intensivas e originais para parte dos

alunos. O que é feito? Os mais fracos repetem a ano, como se isso fosse

garantia de sólidos aprendizados”.

Desenvolver competências não é contentar-se em ter seguindo um

programa, e sim não parar com sua construção e testagem. Pouco importa o

programa; o que se deve fazer é enfrentar o problema, e o problema é que a

ação pedagógica não alcançou sua meta. Deve-se, então, teimar, sem cair na

persistência pedagógica, sem fazer “mais a mesma coisa”, procurando novas

estratégias. Ora, se os programas não são realmente concebidos para incentivar

uma construção gradual das competências. Fazem-se os alunos progredirem de

série para série, enquanto as bases fundamentais não foram dominadas.

A criação de ciclos de aprendizado é, nesse caso, um progresso, pois

põe fim ao principio que prega “um programa, um nível”, do qual decorre que é

feito no precisa mais ser feito”. Como se, ao construir uma casa, os operários

dissessem uns aos outros: “Nós não construímos o segundo andar. Vê-se que

não vai resistir, mas façamos como se fosse e construamos o terceiro!”. Nenhum

construtor sobreviveria à tamanha cegueira. Ora, assim é que funciona a escola:

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cada um “faz o que tem a fazer”, ciente de que, freqüentemente, está

construindo, se não sobre a areia, ao menos sobre bases frágeis. A divisão

vertical do trabalho pedagógico é tal, que nem sequer nos sentimos autorizados

(ou capazes) de (re) construir o andar anterior. Na verdade, pode-se dizer até

que os docentes não são pagos para isso! Uma abordagem por competência

deveria permitir uma maior continuidade. É uma razão para ligá-la aos ciclos

plurianuais, que estão sendo introduzidos por toda parte no ensino fundamental

e, em certos países, no ensino médio.

Trabalhar uma competência requer visar a uma continuidade do

processo durante, no mínimo, três anos. Durante um ciclo, todos os professores

responsabilizaram-se pela formação das “competências de fim de ciclo” e

intervem para favorecer seu pensar que o ciclo seguinte construirá competências

totalmente diferentes, mas sim a pensar as competências como entidades que

se começa a trabalhar em um dado nível do currículo e que continuam sendo

construídas até o fim da formação inicial. Assim, verifica-se sua aquisição e, no

mínimo, ajuda-se a consolida-la, para provê-la enquanto permanece inacabada.

A introdução de ciclos de aprendizado é um passo rumo à pedagogia das

competências, mas não é pequeno o risco de cada ciclo visar competências

distintas, ignorando que ele participa de um empreendimento educacional de

longo prazo, que atravessa todos os ciclos, dos 4 aos 6 anos de idade. Nesse

sentido, falar em “competência de fim de ciclo” é uma expressão infeliz e seria

melhor dizer “nível mínimo a ser alcançado no final do ciclo nos campos de

competências a serem desenvolvidas pela escolaridade obrigatória”.

Nessa perspectiva, seria possível imaginar uma escola fundamental

que continuasse ensinando a leitura a alunos com 15 anos de idade, se ainda

não a dominassem, antes de convidá-los a ler e surpreendê-los de que não

conseguissem. A abordagem por competências acentua ainda mais a

necessidade de uma diferenciação do ensino, de uma individualização dos

percursos de formação e de ruptura com a segmentação do currículo em

programas anuais.

(Phillipe Perrnoud)

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ANEXO – B

FRACASSO ESCOLAR: UMA QUESTÃO SOCIAL

O fracasso escolar seletivo das camadas pobres da população requer

explicações de ordem social, econômica e cultural. No entanto, para evitar um

determinismo mecânico destes fatores, é necessário analisar também o que

acontece na escola e a contribuição da criança para o processo de apropriação

do conhecimento escolar. Adotando o enfoque piagetiano a contribuição da

criança para a aprendizagem da matemática se dá através da:

a) Análise das relações entre o conhecimento escolar e o desenvolvimento

cognitivo da criança;

b) Caracterização do desenvolvimento cognitivo e da aprendizagem escolar

das crianças “destinadas”ao fracasso;

c) Comparação sistemática interclasses para detectar diferenças na

contribuição da criança para a aprendizagem escolar em função de sua origem

social.

Constatou-se que:

a) A aprendizagem da matemática está relacionada ao nível de

desenvolvimento cognitivo independentemente da origem social da criança;

b) Ao iniciar a instrução matemática, as crianças de camadas sociais

diversas encontram-se em níveis de desenvolvimento cognitivo comparável;

c) A aprendizagem não é significativamente diferente em crianças de

camadas sociais diversas, embora os índices de reprovação em matemática

difiram marcadamente. Os resultados refutam explicações cognitivas para o

fracasso escolar seletivo das camadas pobres e apontam a necessidade de

pesquisas sobre o que acontece na sala de aula para melhor esclarecimento do

problema.

(Terezinha Nunes Carraher / Analúcia Dias Schliemann)

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ANEXO – C

COMO FAZER? “O MAIS PROFUNDO É A PELE”

Prezada professora,

A força de um projeto é como a de um projétil, um arremesso. Um

impulso em direção a uma escola sem repetentes. Um projeto com crianças

multirrepetentes é um projeto cuja eficácia está na sua destruição, ou seja, no

desaparecimento das crianças multirrepetentes. Não podemos mais pensar uma

escola que exclua aprendizes. Não se trata do obscurecimento das diferenças,

mas da explicação, do acolhimento e da escuta delas. Uma escola que alarga

suas fronteiras e consegue “acelerar” o processo de aprendizagem das crianças

e dos adolescentes penetra em algo invisível que é a energia que gera a

aprendizagem. Isto não é fácil, é preciso ferramentas finas, um olhar e uma

escuta mais cuidadosos, conteúdos menos alienantes, e, sobretudo um desejo

de outras coisas, de outra escola.

O “Tempo de Planck”, que talvez tenha provocado alguma

estranheza, é um tempo preciso: o do arrombamento de todos os limites; o

nascimento do mundo num instante determinado, quando, no milésimo de

segundo anterior, não era nada, e, no instante seguinte, tem-se o mundo. Um

misto de acaso e determinação. Poderíamos dizer que o nada era o esconderijo

do tudo. Com os repetentes é preciso produzir este arrombamento, um momento

irrecuperável, em que, às vezes, com um toque, um olhar, uma palavra, um

gesto e uma forca desejante, o campo das possibilidades se abre novamente.

Aqui também, o lugar do nada, do menos, esconde um universo.

É preciso aceitar o desafio urgente e necessário de democratizar de

fato a escola: trazer a criança, o adolescente e sua família para dentro da

escola, acolher, ensinar e se encantar.

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Poderemos então (re) escrever novas e inéditas historias e

proporcionar às crianças e aos adolescentes uma perspectiva mais à superfície,

sair do subterrâneo. Pois o mais profundo está na superfície, ou seja, “o mais

profundo é a pele”.

(Anete Abramowicz / Jaqueline Moll)

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GLOSSÁRIO

Abarcada - alcançada com a vista, em torno

Anorexia - inapetência

Ardor - calor intenso, paixão, energia, entusiasmo

Assoberbado - sobrecarregado

Bulimia - mover um pouco, mudar de lugar

Cognitiva - área do conhecimento

Déficit - o que falta para completar uma conta ou algo

Demanda - procuram, requerem, disputam, perguntam

Desatenções - falta de atenções ou cuidados, descasos

Disritmias - disfunção do ritmo cardíaco, cerebral, etc

Enigma - enunciado ou preposição formulados em termos ambíguos,

obscuros, para decifração. Coisa difícil de definir ou de

resolver

Estigma - cicatriz, marca, sinal infamante

Imbricadas - entrosadas umas nas outras, ligadas

Oligotimia social - diagnostico e tratamento dos problemas de aprendizagem

Patológica - relativo à patologia (parte da medicina que estuda as

doenças, sintomas e natureza)

Perenes - que dura muitos anos, eterno, incessante

Semântica - estudo da evolução do sentido das palavras através do

tempo e do espaço

Superação - dominação

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BIBLIOGRAFIA

PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde a escola. Porto

Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.

FERNÁNDEZ, Alicia. Os idiomas do aprendente. Porto Alegre: Artmed Editora,

2001.

COSTA, Dóris Anita Freire. Fracasso Escolar: diferenças ou deficiências?

Porto Alegre: Kuarup, 1994.

ABRAMOWICZ, Anete e Moll, Jaqueline. Para além do fracasso escolar /

(orgs.). Campinas , SP: Papirus, 1997 (Coleção Magistério: Formação e

Trabalho Pedagógico).

Site: www.cenpec.org.br

www.educacaoonline.pro.br