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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NA GESTÃO ASSOCIADA DE SERVIÇOS POR CONSÓRCIOS PÚBLICOS Por: Cristina Blum Miranda Orientador Prof. Jorge Vieira Rio de Janeiro 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NA GESTÃO ASSOCIADA DE

SERVIÇOS POR CONSÓRCIOS PÚBLICOS

Por: Cristina Blum Miranda

Orientador

Prof. Jorge Vieira

Rio de Janeiro

2010

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FOLHA DE ROSTO

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NA GESTÃO ASSOCIADA DE

SERVIÇOS POR CONSÓRCIOS PÚBLICOS

Monografia apresentada ao Instituto A Vez do Mestre -

Universidade Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Gestão Pública.

Por: Cristina Blum Miranda

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AGRADECIMENTOS

À Secretaria de Estado de Planejamento e

Gestão, do Governo do Rio de Janeiro, pelo

incentivo à capacitação, e ao corpo docente

do curso de pós-graduação em gestão

pública, do Instituto A Vez do Mestre, em

especial, ao professor Jorge Vieira,

orientador desta monografia, pela

materialização do projeto em lições de valor

inestimável.

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RESUMO

O estudo tem por objetivo apresentar as Parcerias Público-Privadas e o seu

potencial para viabilizar investimentos no âmbito da gestão associada de serviços por

Consórcios Públicos. Para tanto, preliminarmente faz-se uma breve contextualização

histórica, evidenciando o esgotamento da capacidade de financiamento do Estado,

cenário propício para a introdução das Parcerias Público-Privadas no Brasil. Em

seguida, apresenta-se a lógica subjacente deste modelo de concessão em parceria e suas

principais características, de acordo com a Lei 11.079/2004, caminhando ao encontro da

ideologia do federalismo cooperativo e da necessidade da gestão associada de serviços

por uma de suas formas, os Consórcios Públicos, conforme a Lei 11.107/2005. No

último passo, verte-se o cruzamento entre Parcerias Público-Privadas e Consórcios

Públicos, de sorte a refletir a sinergia dos referidos institutos. Constata-se, por

conclusão, pela potencialidade do arranjo institucional vis-à-vis as fragilidades

existentes e as dificuldades de implementação, a esperarem o devido enfrentamento,

como desafio ao exercício da governança em rede.

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METODOLOGIA

O método de abordagem utilizado no presente trabalho apoiou-se na

investigação teórica, que, conforme definição de Ayres e Larosa (2008, p.31), “são

idéias e conceitos, científicos ou não, que serão fundamentados a partir de documentos,

livros ou outras pesquisas”. Com base nos referidos autores, a pesquisa pode ser

classificada como explorativa permitindo a compreensão dos assuntos, através da

pesquisa bibliográfica. Para tanto, utilizou-se a literatura nacional, como fonte de coleta

de dados, e ainda materiais publicados em revistas acadêmicas, artigos assinados por

renomados autores em Administração Pública e internet, sendo esta última destinada

especialmente à tentativa de localizar modelagens de Parcerias Público-Privadas e

Consórcios Públicos. Partindo disto, a pesquisa aproximou-se do paradigma explicativo,

na tentativa de aclarar o universo delimitado e solucionar o problema-chave do trabalho

de conclusão de curso, sendo finalizada na zona de confluência dos referidos institutos,

onde se constatou a escassez e a primariedade do tratamento conjunto dos assuntos nas

fontes de consulta antes mencionadas. Por conseguinte, para não restar prejudicada a

pesquisa, utilizou-se a observação para integrar os institutos circunscritos no tema e

concluir pela perfeita simbiose, demonstrando, porém, fragilidades e riscos existentes, a

esperarem o devido enfrentamento, para materialização do arranjo institucional em tela.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 7 CAPÍTULO I PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS 9 CAPÍTULO II GESTÃO ASSOCIADA DE SERVIÇOS POR CONSÓRCIOS PÚBLICOS 42 CAPÍTULO III PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NA GESTÃO ASSOCIADA DE SERVIÇOS POR CONSÓRCIOS PÚBLICOS 73 CONCLUSÃO 83 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 87 ÍNDICE 91 FOLHA DE AVALIAÇÃO 93

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INTRODUÇÃO

No atual contexto de modernização do papel do Estado na Administração,

observa-se uma atuação cada vez mais colaborativa entre os agentes públicos e privados.

Em uma realidade complexa e dinâmica, a tutela do interesse público alia-se ao

dinamismo e criatividade dos particulares em nome da solução de problemas que

acabam por atingir a toda a sociedade. Desta forma, a atuação em conjunto entre Estado

e particular não apenas é útil como também necessária em muitos casos.

O debate sobre a descentralização e o valor do gasto público torna-se cada vez

mais atual, apresentando-se sob diferentes enfoques. Destes, extrai-se o objetivo do

presente trabalho acadêmico: expor as parcerias público-privadas e o seu potencial para

viabilizar investimentos no âmbito da gestão associada de serviços públicos através dos

consórcios públicos, de sorte a demonstrar a perfeita simbiose do arranjo institucional e

indagar os riscos incidentes por constatar a subutilização do mesmo.

O Poder Público, por atribuição constitucional, tem o dever da prestação de

serviços públicos, podendo fazê-lo de forma centralizada ou descentralizada. Entretanto,

um dos gargalos da gestão centralizada passa pela carência de recursos públicos, que

não autoriza a inércia da Administração Pública, forçando a busca pelo capital privado

através das diferentes formas de descentralização. O setor privado, por sua vez, nem

sempre julga os projetos de interesse público, atrativos ou seguros o suficiente para

motivar o aporte de capitais.

As parcerias público-privadas foram criadas como modalidades de concessão

especial, pela Lei Federal nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, tornando-se uma

alternativa para a colaboração entre o setor público e a iniciativa privada, visando atrair

fortes investimentos privados, para projetos públicos não autossustentáveis, com fluxo

de caixa insuficiente ou inexistente, mas que apresentam grandes externalidades

positivas.

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Nesse modelo de concessão especial em parceria, o privado financia o público,

ao assumir a implantação e a operação do serviço concedido, estando os aportes de

verbas públicas condicionados ao efetivo início da prestação do serviço e variável por

vinculação ao atendimento de metas de desempenho, contudo, assegurados por um

sistema de garantias contra a inadimplência do Poder Público.

Ao lado das parcerias público-privadas, surgem as parcerias público-públicas,

com os Consórcios Públicos personificados, instituídos pela Lei Federal nº 11.107, de

06 de abril de 2005. Nessa nova concepção, um ente da Federação pode cooperar com

outros entes políticos para o exercício das atividades de planejamento, regulação ou

fiscalização de serviços públicos, acompanhadas ou não da prestação de serviços

públicos ou da transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens

essenciais à comunidade. É a batuta da gestão associada de serviços públicos, na

maestria do Consórcio Público.

A aplicabilidade das parcerias público-privadas, no âmbito da gestão associada

de serviços públicos através dos consórcios públicos, decorre de uma conjunção de

fatores que estabelece um cenário favorável para o surgimento e fortalecimento de

novas relações de cooperação federativa, num ambiente de concerto e associação,

potencializando o alcance de objetivos comuns na prestação de serviços públicos de

forma regionalizada.

Não obstante tal perspectiva e a despeito de constitucional e legalmente

inexistirem impedimentos, a subutilização de um arranjo institucional envolvendo os

dois institutos denota a existência de dificuldades e fragilidades para concretizá-lo,

pontos ainda obscuros, que o presente trabalho acadêmico busca enfrentar, como desafio

lançado ao exercício da boa governança pública em rede.

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CAPÍTULO I

PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS

1.1. Precedentes Históricos: Parcerias em Sentido Amplo

As parcerias público-privadas, numa acepção generalista, não são um

fenômeno novo. A evolução histórica demonstra a alternância de ações de capitais

público e privado no provimento das necessidades do Estado e da sociedade em geral,

conforme o sistema econômico e a situação político-social vigente.

Não há como negar a existência de exemplos marcantes de associações de

investimentos realizados no Brasil, tais como, o caso do Convênio de Taubaté, em que o

Estado intervinha diretamente no mercado e no processo de formação de preços para

controlar o excedente da produção cafeeira por meio de financiamento internacional.

Há que se recordar, ainda, na ilustração de Caio Tácito (1997, p.754):

[...] a criação e expansão da rede de estradas de ferro, de portos, de energia elétrica, de serviços de transporte coletivo se realizaram satisfatoriamente mediante a concessão destes serviços. Nossa história econômica está pontilhada de nomes ilustres que se ocuparam destas atividades, mobilizando recursos em empreendimentos desta natureza. Mauá, no setor das ferrovias, foi um criador e coordenador de empresas concessionárias de serviço públicos. Um homem como Teófilo Ottoni, sonhou abrir um caminho marítimo para Minas Gerais, através do Vale do Mucuri, no Espírito Santo, numa realização que não teve êxito e que fora planejada através do esquema de uma empresa concessionária. O grande desenvolvimento da região Sul, especialmente de São Paulo, foi em grande parte possibilitado pela existência de suficiente potencial elétrico fornecido por empresa concessionária.

Assim considerada em sentido amplo, conforme observa Carlos Ary Sundfeld

(2005), a imprecisão da terminologia Parceria Público-Privada permite comportar as

múltiplas relações negociais estabelecidas entre a Administração Pública e os

particulares, para viabilizar, sob a responsabilidade destes, o desenvolvimento de

atividades de interesse geral, juridicamente relevantes e prolongadas no tempo.

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Por certo, o contexto que as define e as necessidades que provocam a sua

utilização são efetivamente distintos, mas, no conjunto, representam uma reflexão sobre

os limites da atuação estatal e as alterações na forma de conceber o Estado, afastando o

dogma dos interesses opostos e introduzindo na gestão pública a colaboração privada.

O fato é que a idéia de parcerias entre o setor público e o setor privado tem se

desenvolvido cada vez mais desde os últimos anos do século passado. A partir da

derrocada do modelo intervencionista, iniciou-se o movimento pela descentralização do

Estado. O Decreto-Lei 200, de 25 de fevereiro de 1967, que, sofrendo transformações ao

longo deste tempo, ainda vige, veio a ser o marco inicial para a reforma administrativa,

estabelecendo suas diretrizes e dispondo sobre a organização da Administração Pública

Federal.

Segundo Fernando Luiz Abrucio (2001), quatro fatores estiveram diretamente

relacionados com esgotamento do modelo estatizante. O primeiro foi a grande crise

econômica mundial, iniciada na década de 1970, intensificada após a crise do petróleo, e

agravada durante os anos de 1980. A economia mundial enfrentava grande período

recessivo e as políticas keynesianas mostravam-se incapazes de controlar tal situação.

Por consequência, houve um processo de aceleração inflacionária, altas taxas de

desemprego e reduzidos índices de crescimento econômico. O desenvolvimento

econômico brasileiro, que até então havia se dado à custa de um endividamento,

sobretudo externo, fez com que o Estado se visse incapaz de sustentar a máquina estatal

hipertrofiada pelos anos de intervencionismo. Após décadas de expansão, o Estado

mergulhou em uma crise fiscal sem precedentes - o segundo fator dessa bancarrota. Os

estados não conseguiam mais financiar seus elevados déficits e despesas, obras foram

paralisadas, equipamentos sem manutenção se depreciaram, e já não era possível atender

todos os serviços demandados pela sociedade. Associada a tais fatores, embora em

menor grau, há a globalização e a emergência de novas tecnologias que transformaram a

lógica do setor produtivo, afetando o Estado e resultando em perda de parcela de seu

poder de ditar políticas macroeconômicas.

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Com efeito, ao passo que a crise fiscal veio a agravar a ausência da capacidade

de investimentos do Estado, desencadeando o famoso gargalo de infraestrutura, houve

uma crescente pressão social por transformações na prestação dos serviços públicos,

culminando no movimento reformista do Estado dos anos 1990.

De acordo com Flávio da Cunha Rezende (2004), a onda das reformas

administrativas dos anos 1990 se diferencia das anteriores por estarem voltadas para

aspectos mais amplos, como a alteração do papel do Estado, a redução dos gastos

públicos e a implementação de um desenho institucional que permitisse alterar os

incentivos internos de seu funcionamento. Segundo o autor, o que se pretendia, em

última instância, era a mudança de um modelo burocrático intervencionista para um

modelo orientado pela performance. Kettl (1999, citado por REZENDE, 2004)

argumenta que nesse ponto reside o diferencial dessas reformas e o motivo de sua

impressionante proliferação, pois os governos passaram a se preocupar em como fazer

para funcionar melhor, com menor custo.

Para Christopher Hood (1990, citado por SEABRA, 2001), esse conjunto de

idéias que dominou a agenda política da maioria dos países e visava fundamentalmente

a transformação das burocracias do setor público, era conhecido como nova

administração pública (new public management).

No Brasil, o modelo que efetivamente tomaria a forma da nova administração

pública, cunhada Reforma do Estado, encontra-se expresso no Plano Diretor da Reforma

do Aparelho do Estado (BRASIL, 1995), formulado pelo extinto Ministério da

Administração Federal e Reforma do Estado (Mare), que previa mudanças nos arranjos

inter e intraorganizacionais das instituições do aparelho estatal brasileiro, constituindo

as bases da reforma administrativa de 1995 (SEABRA, 2001).

O diagnóstico mostra que para uma reforma consistente do aparelho do Estado necessita-se, hoje, mais que um mero rearranjo de estruturas. A superação das formas tradicionais de ação estatal implica descentralizar e redesenhar estruturas, dotando-as de inteligência e flexibilidade, e sobretudo desenvolver modelos gerenciais para o setor público capazes de gerar resultados (BRASIL, 1995, p. 40).

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A estrutura central de direção da Administração Pública engrenou no

movimento de descentralização de atividades que não se configurassem como típicas de

Estado, deixando as funções operacionais e executoras para a iniciativa privada.

Concentrando-se nas atividades de planejamento, supervisão, coordenação, o Estado

passou a buscar uma atuação reguladora, voltada para o controle de resultados e para o

equilíbrio entre receitas e despesas públicas, com vistas à eficiência. Surge, portanto, o

modelo do Estado regulador e a ambiência de cooperação, abrindo espaço para o

mercado retomar investimentos e explorar diretamente as atividades de relevante

interesse social próprias do setor de infraestrutura.

Sob essa influência de cunho desestatizante, foram revigorados os regimes de

concessão, permissão e autorização, que ganharam nova dimensão, de acordo com as

necessidades econômico-sociais então vigentes. Emergiram novas entidades, como as

agências executivas, agências reguladoras, organizações sociais, organizações da

sociedade civil de interesse público, além de novas figuras contratuais, como os termos

de parceria, os contratos de gestão, as parcerias público-privadas (propriamente ditas),

todos considerados formas de gestão associada de serviços públicos, em sentido lato. E,

por fim, os consórcios públicos, modelo imposto para a gestão associada de serviços

públicos, em sentido estrito.

1.2 As Parcerias Público-Privadas em Sentido Estrito

1.2.1 Contextualização do novo marco legal

Foi justamente no contexto da Reforma do Estado que a idéia de uma

legislação específica de parcerias público-privadas (PPPs) desenvolveu-se no Brasil. A

provisão de serviços de infraestrutura, traduzida geralmente em projetos estratégicos de

grande porte e longos períodos de maturação, foi diretamente afetada por reestruturações

patrimoniais e restrições fiscais. Na medida em que o processo de privatização, em seu

modelo puro, demonstrou-se problemático em setores de utilidade pública, com forte

predominância de monopólios naturais, inovações no âmbito da estruturação dos

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empreendimentos foram sendo introduzidas, ao lado de aprimoramentos no aparato

regulatório. (BRITO; SILVEIRA, 2005). A intenção do governo brasileiro, quando

iniciou o processo de discussão do que posteriormente veio a se definir como PPP, era

identificar, na parceria com o setor privado, uma alternativa para viabilizar projetos de

infraestrutura e de provisão de serviços públicos, num cenário de escassez de recursos

orçamentários e de elevado déficit de projetos estruturantes (SOUTO, 2004).

Em vista disso, vislumbrou-se o êxito da experiência internacional de parcerias

entre os setores público e privado, mais especificamente a advinda do Reino Unido, que,

na década de 1990, lançou as bases do programa inglês de partnerships, com lastro em

projetos desenvolvidos sob um instrumento denominado “Iniciativa para o Investimento

Privado”, em inglês, Private Finance Initiative - PFI (COUTINHO, 2005, p. 47).

O PFI é parte do programa inglês de public-private partnerships, o qual

envolve um amplo espectro de parcerias entre a Administração Pública e a iniciativa

privada, com o objetivo original de mover para fora do balanço do ente público

investimentos em infraestrutura, de forma a não impactar o seu nível de endividamento.

Posteriormente, já entre meados e final dos anos 1990, o foco do PFI deslocou-se da

questão fiscal para a busca da eficiência econômica na contratação (PRADO; RIBEIRO,

2007).

Do ponto de vista do marco legal brasileiro, conforme lição de Prado e Ribeiro

(2007, p.31), dois objetivos principais precisavam ser atingidos. Em primeiro lugar,

viabilizar a implementação de projetos com alto retorno econômico e social, mas

incapazes de, por si sós, alcançarem a autossustentabilidade financeira, condição sine

qua non para motivar a participação do parceiro privado, o que implica em “[...] taxas

de retorno, sobre o capital próprio e de terceiros investido, compatíveis com o padrão de

mercado para projetos de semelhante risco”. Em segundo lugar, pretendia-se viabilizar a

amortização de investimentos de montante elevado por meio da exploração do próprio

serviço, o que requer prazos mais longos que o permitido para os contratos comuns de

prestação de serviço.

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Quanto às restrições orçamentárias, ainda segundo os referidos autores,

também se justificava a criação das PPPs. Pretendia-se viabilizar investimentos em

infraestrutura sem aumentar o endividamento público e com impacto reduzido na meta

de resultado primário.

Por conseqüência da alta relação dívida pública/PIB e das metas de resultado primário – metas de caixa as quais, por isso, requerem o contingenciamento de recursos públicos – , o investimento público direto em infra-estrutura tem minguado nos últimos anos, ou pelo menos, tem sido insuficiente para dar conta das ingentes e crescentes demandas de infra-estrutura. (PRADO; RIBEIRO, 2007, p.32).

A conjuntura exigia, portanto, a complementação da legislação brasileira,

agregando um novo viés, para viabilizar contratos específicos de grandes externalidades

positivas (que se verificam sempre que a produção ou consumo de bem gere benefícios

que são subvalorizados pelo mercado), em uma estrutura contratual que criasse

incentivos à eficiência e alocação de riscos entre as partes.

1.2.2 A inadequação dos modelos existentes

Na lição de Hely Lopes Meirelles (2005), a prestação do serviço público pode

ser centralizada, descentralizada e desconcentrada, e sua execução, direta e indireta.

O serviço centralizado é o que o Poder Público presta por seus próprios órgãos

em seu nome e sob sua exclusiva responsabilidade. Em tais casos o Estado é, ao mesmo

tempo, titular e prestador do serviço, que permanece integrado na Administração Direta.

O serviço descentralizado é aquele em que o Poder Público transfere sua

titularidade ou, simplesmente, sua execução, por outorga ou delegação, a autarquias,

fundações, empresas estatais, empresas privadas e mais recentemente, aos consórcios

públicos (Lei 11.107/2005).

Há outorga quando o Estado cria uma entidade e a ela transfere, por lei,

determinado serviço público e somente por lei pode retirar ou modificar tal

competência. Há delegação quando o Estado transfere, por contrato (concessão, em

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quaisquer das suas modalidades, ou consórcio público) ou ato unilateral (permissão ou

autorização), unicamente a execução do serviço, para que o delegado o preste ao público

em seu nome, nas condições regulamentares e sob controle estatal. Mas em ambas as

hipóteses o serviço continua sendo público, apenas descentralizado, contudo sempre

sujeito aos requisitos originários e sob regulamentação e controle do Poder Público que

os descentralizou.

O serviço desconcentrado é aquele que a administração executa

centralizadamente, mas o distribui entre vários órgãos da mesma entidade, para facilitar

sua realização e obtenção pelos usuários. A desconcentração é uma técnica

administrativa de simplificação e aceleração do serviço dentro da mesma entidade,

diversamente da descentralização, que é uma técnica de especialização, consistente na

retirada do serviço de uma entidade e transferência a outra para que o execute com mais

perfeição e autonomia.

A execução direta do serviço é a realizada pelos próprios meios da pessoa

responsável pela sua prestação ao público, seja pessoalmente ou por seus órgãos, ou por

seus prepostos (não por terceiros contratados). A execução indireta dos serviços é a que

o responsável pela sua prestação comete a terceiros para realizá-lo nas condições

regulamentares. Serviço próprio ou delegado feito por outrem, é execução indireta.

Constitucionalmente, a concessão e a permissão de serviços públicos são as

formas consagradas de descentralização por colaboração, delegando-se, sempre por

meio de licitação, a execução de serviços públicos a particulares, em obediência ao

preconizado pelo artigo 175 da Constituição Federal. Assim, “Incumbe ao Poder

Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre

através de licitação, a prestação de serviços públicos”. Tal dispositivo veio a ser

regulamentado pela Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995.

Entretanto, para o modelo imaginado de parcerias público-privadas, com

contratos de longo prazo e de grandes investimentos, o regime de permissão,

caracterizado especialmente por sua precariedade, não se ajustava. Por outro lado, o

regime da concessão de serviços públicos, que já era tratado como parceria em sentido

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amplo, viria mesmo a servir como base para a legislação de PPP em sentido estrito.

Precedidas ou não de obras, as concessões envolvem delegações contratuais de longo

prazo, que exigem forte investimento por parte do concessionário privado para

exploração de um serviço público de natureza econômica, sendo calcada no sistema

tarifário de remuneração pela exploração dos serviços e obras públicas. Aqui há um

ambiente de autossustentabilidade, onde os riscos são deixados, em regra, para o

concessionário.

O problema é que nem sempre a tarifa é suficiente para remunerar as

concessões comuns, e a Lei 8.987/1995 não disciplina o sistema de pagamentos públicos

adicionais à tarifa ou mesmo um sistema de garantias, que protegesse o concessionário

contra o inadimplemento (SOUTO, 2005; SUNDFELD, 2005). Além disso, era preciso

criar condições jurídicas para permitir a aplicação da lógica econômico-contratual da

concessão tradicional a outros objetos que não a exploração de serviços públicos

econômicos.

Nessa esteira, há o regime das terceirizações da Lei de Licitações e Contratos

Administrativos, Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Destina-se aos tradicionais

contratos administrativos de obras públicas e de prestação de serviços, com duração, em

regra, adstrita à vigência dos créditos orçamentários, em respeito ao princípio da

anualidade do orçamento. Nos serviços contínuos, embora o prazo seja prorrogável até o

limite de 60 (sessenta) meses, isto nem sempre é suficiente para amortizar o

investimento realizado pelo particular contratado, terminando por concentrar valores

mais elevados nas contraprestações desembolsadas pela Administração contratante.

Neste regime exige-se, como dentre os requisitos prévios à licitação, a definição precisa

do serviço que será prestado, desdobrando todos os seus elementos característicos,

dentre os quais se destacam os projetos para os serviços de engenharia ou termos de

referência para os serviços que não se enquadrem nesta categoria, e, sempre, o

orçamento detalhado em planilhas, contendo todos os custos unitários necessários para a

execução do objeto da contratação, de sorte a comprovar a economicidade da proposta

selecionada. Frise-se, por oportuno, que tais exigências, na prática, não se revertem

necessariamente em segurança e eficiência. Aqui a gestão da atividade permanece

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pública e os riscos são todos da Administração, o que vem a ser agravado pelo controle

ex post, meramente formalista, adotado pela Lei 8.666/93, no ato de liquidação da

despesa, não sendo avaliado o desempenho do contratado ou o resultado efetivamente

alcançado. Ademais disso, exige-se disponibilidade imediata de recursos financeiros do

Poder Público, vez que o pagamento se dá em função de uma medição de curto prazo,

conforme o cronograma de desembolso inicialmente previsto pela Administração, sendo

vedado o financiamento do projeto pelo próprio particular contratado (PRADO;

RIBEIRO, 2007; SOUTO, 2005; SUNDFELD, 2005).

Em resposta à inadequação dos modelos, até então existentes, para atender a

exigência de investimentos de grande monta pelo parceiro privado em infraestrutura

para a prestação de um dado serviço público, não autossustentável; para a necessidade

de amortização e remuneração desse investimento por meio da exploração do próprio

serviço pelo parceiro privado em contratos com prazos longos, atrelado, a um sistema de

garantias, e, ainda, para a mudança da lógica de fiscalização e controle de resultados dos

contratos pelo Poder Público, além de outras questões anteriormente pinceladas,

surgem, então, as Parcerias Público-Privadas, com a Lei 11.079, de 30 de dezembro de

2004, qualificadas como uma concessão especial, na linha evolutiva dos contratos de

concessão comum da Lei 8.987/1995.

1.2.3 A lógica subjacente da PPP

“Os contratos de PPP, assim como os de concessão comum, promovem

alteração relevante na lógica econômica subjacente aos contratos de prestação de

serviços comuns.” (PRADO; RIBEIRO, 2007, p. 34).

Em primeiro lugar, a transferência para o parceiro privado, em conjunto, da

responsabilidade por realizar o investimento em infraestrutura e mantê-la por diversos

anos, tende a gerar uma maior eficiência e qualidade na prestação dos serviços,

especialmente quando se está sob regulação econômica adequada, capaz de criar

condições de concorrência no mercado. Essa eficiência retornaria, então, ao usuário e ao

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Poder Público, sob forma de melhores serviços e maior modicidade no pagamento de

tarifas ou economicidade nas contraprestações públicas.

Segundo Prado e Ribeiro (2007, p.35), sendo do parceiro privado o encargo de

manter a infraestrutura por anos, ele sopesará, por exemplo, se é melhor investir mais na

construção para reduzir o custo de manutenção, ou o inverso. E, ninguém de maior

expertise do que ele para imprimir uma lógica de longo prazo no gerenciamento dos

bens públicos necessários à prestação dos serviços que ele explora, e evitar “o

subinvestimento na qualidade das obras, o que gera, muitas vezes, custos de manutenção

superiores a eventuais economias realizadas na construção do empreendimento.”

Justo por isso, a Administração Pública tem, nos modelos de concessão

patrocinada, bem como nos de concessão comum, a faculdade legal de fornecer apenas

os elementos do projeto básico à época da licitação, permitindo a transferência ao

parceiro privado, em conjunto, a responsabilidade por elaborar os projetos (básico e

executivo), financiar, construir, operar e manter o serviço.

Com efeito, é preciso especial cuidado na configuração dos contratos de PPP

que envolvam serviços de provimento de infraestrutura para a prestação de um serviço

público, ante a indelegabilidade da função de regulação do Estado. Os contratos devem

ser feitos de modo a que o parceiro privado encarregado da operação da infraestrutura

não termine por indiretamente regular a prestação do serviço. Sua atividade deve ser

executória das regras estabelecidas pela Administração – o que não significa dizer que

se possa deixar ao parceiro privado margem para exercer julgamento e tomar decisões

com base nas normas técnicas aplicáveis à situação, sob pena de se por em risco

inclusive a segurança da prestação do próprio serviço (PRADO; RIBEIRO, 2007).

Aqui o foco da fiscalização do Poder Público, embora tenha o monitoramento e

supervisão permanentes, desloca-se principalmente para os resultados finais, nos níveis

de serviço disponibilizados ou prestados em acorde com as diretrizes e indicadores de

performance pré-estabelecidos na contratação, vinculados a uma sistemática de

pagamentos que permita a penalização por não alcançar os índices correspondentes,

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deixando ao parceiro privado a escolha dos melhores meios, modos e tecnologia a serem

utilizados para prestar o serviço e a responsabilidade de gestão.

1.2.4 A solução encontrada

Pela justificativa que acompanhou o projeto de lei ao Congresso Nacional,

verifica-se que os objetivos das parcerias público-privadas (PPPs) são o de suprir a falta

de disponibilidade de recursos financeiros do setor público, aproveitar a eficiência do

setor privado e obter investimentos que supram as demandas desde as áreas de

segurança pública, saneamento básico até as de infra-estrutura viária ou elétrica.

A parceria público-privada (PPP) foi instituída pela Lei Federal 11.079, de 30

de dezembro de 2004, como norma de caráter geral, dada a competência constitucional

privativa da União, prevista no inciso XXVII do art. 22, para legislar sobre licitação e

contratação, em todas as modalidades.

Como norma geral, aplica-se, portanto, obrigatoriamente à Administração

Direta e Indireta de todos os entes federativos, muito embora estes permaneçam com a

opção de editar de suas próprias leis, adequando o procedimento às peculiaridades de

cada região, sem conflitar com o comando geral da Lei federal. Assim o fez, dentre

tantos outros, o Estado do Rio de Janeiro, publicando sua Lei nº 5.068, de 10 de julho de

2007, que institui o Programa Estadual de Parcerias Público-Privadas.

Nesse ponto, importante lição é extraída de Gasparini (2006, p.33),

considerando que nem todos os entes federativos possuem lei de parcerias para

fundamentar suas licitações:

Essa ausência legislativa, ainda que dificulte, não proíbe a celebração de parcerias público-privadas pelos entes federados, pois se valerão da Lei federal das PPPs, tal como hoje ocorre em termos de licitação, inclusive com a modalidade pregão (GASPARINI, 2006, p.33)

A Lei de PPP buscou, tanto quanto possível, preservar e aproveitar o arcabouço

legal e institucional montado ao longo dos anos 90 para realização dos processos de

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desestatização, incorporando inovações e aperfeiçoamentos. (PRADO; RIBEIRO,

2007).

Por oportuno, vale observar que desestatização não é sinônimo de privatização.

A relação é de gênero (desestatização) e espécie (privatização). Outras espécies de

desestatização são: a concessão, permissão, terceirização e gestão associada de funções

públicas. O que vale dizer que “PPP não é privatização” (MOTTA, 2005, p.1008),

aproximando-se apenas de uma desestatização lato sensu.

O padrão PPP não envolve e não se envolve com a figura da privatização. Embora transfira para o setor privado a feitura de obra pública, acompanhada da execução de serviço ou tão somente esse, mediante um adequado mecanismo remuneratório (tarifário ou não), não há o repasse da responsabilidade final. Essa continua na esfera estatal, pois a obra e o serviço continuam na área de competência do poder público (CAGGIANO; LEMBO apud MOTTA, 2005, p.1008).

[...] cumpre salientar que as parcerias público-privadas não constituem uma forma de privatização. A uma, porque os bens construídos ou produzidos pelos parceiros privados serão, após o término do prazo de vigência dos respectivos contratos, revertidos para o Estado. A duas, porque, embora transfira para o domínio privado a prestação de um serviço público, não haverá o repasse da competência atribuída ao Poder Público (ZYMLER, 2005, p.9)

Conveniências de natureza econômica e jurídica levaram à definição de PPPs

como espécies de concessão (PRADO; RIBEIRO, 2007; SOUTO, 2005). Optou-se por

adotar variantes do formato-base já previsto constitucionalmente, criando-se a

concessão patrocinada e a concessão administrativa, como se depreende do conceito da

Lei 11.107/2004, a seguir:

Art. 2º [...] § 1º Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. §2º Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens. §3º Não constitui parceria público-privada a concessão comum, assim entendida a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando não envolver contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro-privado.

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Pela definição legal, verifica-se a obrigatoriedade da presença de

contraprestação pública nos contratos de PPP. Na concessão patrocinada a remuneração

do parceiro privado é composta pela associação de recursos públicos e receitas próprias

(tarifária), enquanto que na concessão administrativa toda a remuneração advém do

parceiro público. Em ambas as modalidades, há a vantagem do início efetivo do

pagamento das contraprestações públicas só ocorrer quando o serviço ou parcela fruível

deste estiver disponível, mesmo que para isso seja precedido de obras pelo parceiro

privado.

A concessão patrocinada é, juntamente com a concessão comum, espécie do

gênero concessão de serviço público. Por isso, a ela se aplica o regime da legislação

geral desse gênero de contratos (a Lei de Concessões e outras correlatas, como a Lei

federal 9.074/1995), em complemento às normas da Lei das PPPs. Destinam-se a

serviços públicos de interesse econômico, remunerados por tarifa. O que peculiariza a

concessão patrocinada, nesse aspecto, é seu regime remuneratório, que deve incluir

obrigatoriamente tanto tarifa cobrada dos usuários como contraprestação pecuniária do

poder concedente por não ser autossustentável.

Em verdade, essa modelagem já era possível anteriormente, mas em regime

jurídico diferente e apenas por exceção. As concessões comuns podem incluir o

adicional de tarifa, mas como receita alternativa ou complementar prevista no edital de

licitação, desde que não envolva pagamento de natureza pecuniária do poder

concedente. Ainda nas concessões comuns, o cabimento de vantagens ou subsídios não

é de todo vedado, havendo justificativa cabal devem ser autorizados por lei especifica.

(art. 17, da Lei 8.987/95 e art. 35 da Lei 9.074/95). Já na PPP o subsídio é aceito

contratualmente, afinal já foi regulado na própria norma geral, logo, não depende de lei

específica. A exceção disso somente se dá quando mais de 70% (setenta por cento) da

remuneração do parceiro privado na concessão patrocinada for paga pela Administração

Pública, devendo então ser precedidas de autorização legislativa específica.

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A questão antes aposta poderia levar a se pensar na seguinte hipótese: no curso

de uma concessão comum, o aparecimento da Lei de PPPs poderia permitir a sua

conversão em concessões patrocinadas? A reflexão é válida, em face da possibilidade de

que existam concessões comuns nas quais seja conveniente o estabelecimento de

contraprestação pública como instrumento para reequilibrar o contrato.

A resposta é encontrada nos ensinamentos de Prado e Ribeiro (2007) que

concluem por não haver cabimento de tal hipótese. A natureza jurídica, a diversidade

dos procedimentos e a justificativa econômica dos institutos impedem a transformação.

Se, na concessão comum, há necessidade de complementação das tarifas por

contraprestação pública significa que este instrumento teria a finalidade de reequilibrar o

contrato. Tradicionalmente o reequilibrio econômico financeiro de concessões comuns

dá-se pela modificação das tarifas, dos investimentos exigidos do concessionário ou do

prazo do contrato. A obtenção de pagamento pela Administração Pública em face de

desequilíbrio econômico-financeiro do contrato só é possível sob a forma de

indenização. Nas PPPs, o pagamento da contraprestação, a rigor, não é mecanismo

indenizatório, e sim pagamento por um serviço, o que torna seu regime bastante diverso

do regime das indenizações.

Corroboram tal assertiva os mecanismos de controle do impacto da

contraprestação pública nas metas de resultado fiscal e na dívida pública, previstos na

Lei de PPPs (art. 6º, parágrafo único, art. 7º e art.10). Ademais, o regime das concessões

patrocinadas vincula o pagamento da contraprestação ao cumprimento pelo

concessionário de índices de performance, o que, por óbvio, não faria sentido considerar

nos pagamentos de indenização, vez que estaria vinculado a um prejuízo causado e não

a um serviço prestado. Ressalte-se ainda que, não há espaço para argumentar que a

indenização poderia ser entendida como um pagamento por serviços prestados, na

medida em que o concessionário tenha mantido a prestação de serviços enquanto o

contrato corria desequilibrado. Seria como estabelecer uma recompensa pelo serviço

prestado, o que não se coaduna com o princípio da continuidade da prestação dos

serviços públicos, apanágio por excelência do regime das concessões, dado a sua

essencialidade para a sociedade. Além do que, a previsão desse mecanismo de

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reequilíbrio desde a origem no contrato só é possível na PPP (PRADO; RIBEIRO,

2007)

Se não bastasse, pode-se ressaltar que o mecanismo de pagamento de

contraprestações públicas constitui aspecto importante de diferenciação do marco legal

das PPPs com relação ao das concessões comuns, no qual, conforme dito, apenas por

exceção e por autorização legislativa específica poderia ocorrer. Não seria razoável

supor que o Legislador, ao elaborar a Lei de PPP, tivesse pretendido retirar a eficácia, ao

menos parcialmente, dos citados artigos 17 e 35, permitindo que um simples aditivo

contratual tivesse o condão de transformar um contrato de concessão comum em PPP,

elidindo o requisito de lei específica para pagamento de subsidio à prestação de um

serviço. Se assim fosse, melhor seria tê-los revogado, o que não ocorreu. Logo,

respeitado os princípios de hierarquia das normas e paralelismo das formas, contratos

não derrogam o disposto em lei. Donde se conclui “não nos parecer cabível a

transformação, no âmbito administrativo, de concessão comum em patrocinada”

(PRADO; RIBEIRO, 2007, p. 86).

Os cuidados de responsabilidade fiscal na adoção de compromissos também já

existiam em dispositivos da Lei 4.320/1964 e da Lei Complementar 101/2000, o que a

Lei de PPP fez, foi reafirmar essas exigências dentro de seu texto e criar limites

específicos para as despesas com contratos de PPP, em reforço à responsabilidade fiscal

(SUNDFELD, 2005).

Já a concessão administrativa não existia. A Lei de PPP introduziu “dois tipos

de concessão administrativa: a de serviços públicos e a de serviços ao Estado”.

(SUNDFELD, 2005, p.29). Observe-se que tais expressões não são utilizadas pela Lei

de PPP, respeitando-se aqui a didática do referido autor.

A “concessão administrativa de serviços públicos” (SUNDFELD, 2005, p.29) é

aquela em que, tendo por objeto os serviços públicos a que se refere o art. 175 da CF,

estes sejam prestados diretamente aos administrados sem a cobrança de qualquer tarifa,

remunerando-se o concessionário por contraprestação pecuniária do concedente, em

conjunto, ou não, com outras receitas alternativas. Nesse caso, embora os administrados

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sejam os beneficiários imediatos das prestações, a Administração Pública será havida

como usuária indireta, cabendo a ela os direitos e responsabilidades econômicas que, de

outro modo, recairiam sobre eles.

A “concessão administrativa de serviços ao Estado” (SUNDFELD, 2005, p.30)

é a que tem por objeto os mesmos serviços a que se refere o art. 6º da Lei nº 8.666/1993,

isto é, o oferecimento de utilidades à própria Administração, que será havida como

usuária direta dos serviços e versará a correspondente remuneração. É certo que as

características ímpares dos contratos de serviços da PPP, mesmo por sua indispensável

complexidade, vão diferenciar esta modalidade concessória dos simples contratos

administrativos de serviços da Lei de Licitações, cujo objeto se restringe ao

fornecimento. Há de se lembrar, por exemplo, da vedação legal de que os contratos de

PPP tenham por objeto único uma obra, um fornecimento de bens ou de mão de obra, ou

seja, assim, sempre haverá a realização de investimentos pelo concessionário, para

criação, ampliação ou recuperação de infraestrutura, que depois passará à sua operação e

gestão de serviço, sendo amortizados no prazo do contrato, em montante de, ao menos,

R$ 20 milhões. Contrata-se sempre um “pacote de serviços” (SOUTO, 2005, p. 29).

Note, obrigatório é ter o serviço, o restante é que não poderá estar desvinculado dele.

Cabe notar, portanto, que a concessão administrativa é reservada para os casos

de serviços públicos instrumentais, em que a própria Administração é usuária; ou para

serviços sociais, que não comportam exploração econômica pelo Estado, como saúde e

educação. Há mesmo os casos em que é possível a transferência parcial do serviço, que

não envolva a delegação de autoridade, admitindo-se o “fracionamento do serviço

público, como, por exemplo, o tratamento final de resíduos sólidos, que é parte do

serviço de limpeza urbana em que não há contato direto do prestador com o usuário”

(SOUTO, 2005, p.34). Na linha de possibilidade de delegação parcial, a Lei de PPP

acolhe entendimento, no sentido de vedação da atribuição ao setor privado de funções

de regulação, de jurisdição e de poder de polícia.

Importante disso é que não impede que alguns aspectos instrumentais do

exercício de funções típicas do Estado possam ser transferidos para particulares. Embora

os papeis e responsabilidades, dos setores público e privado, possam variar em cada

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projeto, o papel formal e as responsabilidades específicas do governo não mudam. “Não

se trata de uma substituição de decisões governamentais, já que a Administração Pública

jamais renuncia ao seu poder de decisão” (MOTTA, 2005, p.1004). Cite-se, como

exemplo, a delegação da construção e operação de um presídio, mas sem transferir as

funções que exijam o uso de autoridade, como ocorreu em Minas Gerais. Nessa mesma

linha, é possível contratar a gestão de escolas, sem renunciar à definição do projeto

acadêmico; contratar o uso de scanners para cargas e câmaras fotográficas e de

filmagem privados em rodovias, cabendo a definição dos parâmetros técnicos de

operação do equipamento e a lavratura do auto ao Poder Público (SOUTO, 2005).

A novidade da PPP em relação às concessões, permissões, terceirizações, convênios, termos de parceria e contratos de gestão estaria em celebrar contratos em que o Estado transfira para o particular a obrigação de realizar investimentos a serem posteriormente recuperados pelo resultado da atividade fornecida – por exemplo, a vaga na escola e a vaga no presídio e não a construção da escola ou do presídio, pois isso estaria ligado à idéia de investimento. O que se quer é o serviço, tratado como custeio. (SUNDFELD, apud SOUTO, 2004, p. 433)

1.2.5 Características gerais dos contratos de PPP

Pelo sobredito, algumas características essenciais aos contratos de PPP podem

ser extraídas, bem como outras podem ser acrescentadas pela leitura da própria Lei nº

11.079/2004.

Projetos com as seguintes características contratuais são elegíveis para PPP:

• prestação de serviços associada a investimentos de grande monta, podendo

incluir obras, mão-de-obra e fornecimento de material/insumos;

• contratos não autossustentáveis financeiramente, mas com significativas

externalidades positivas, requerendo contraprestações públicas;

• valor do contrato superior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais);

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• prazo de vigência do contrato, compatível com a amortização dos

investimentos realizados, não inferior a 5 (cinco), nem superior a 35 (trinta e

cinco) anos, incluindo eventual prorrogação;

• remuneração pelo parceiro público ao parceiro privado somente após a

disponibilização do serviço;

• remuneração variável pelo parceiro público ao parceiro privado vinculada ao

seu desempenho;

• repartição objetiva de risco entre o parceiro público e o parceiro privado;

• adimplência das obrigações financeiras do parceiro público relativamente ao

parceiro privado assegurada através de um sistema de garantias.

A presença destas características nem sempre significa que a PPP é uma opção

viável ou que possa contemplar todo tipo de contrato administrativo, na medida em que

esse regime implica em compromissos vultosos e de maior prazo, que, se assumidos

indiscriminadamente, podem prejudicar seriamente a disciplina fiscal. Mas, quando elas

estão presentes, a possibilidade do projeto ser implementado na modalidade PPP deve

ser devidamente considerada.

Por conseguinte, decidido que um determinado projeto é prioritário para o ente

público, o que deve ser ponderado com base nas consequências positivas para a

sociedade e na análise econômica preliminar, comparativa aos demais projetos do

governo; o passo seguinte deve ser verificar a conveniência e oportunidade de sua

realização na forma de PPP. Não é recomendável a delegação de um serviço se seu

escopo, metas, resultados, não podem ser especificados adequadamente em contrato. A

verificação disso deve ser feita tanto quantitativamente como qualitativamente, vez que

algumas vantagens da contratação das PPPs dificilmente podem ser reduzidas a

números, senão por meio de levantamentos intrincados ou, mesmo, impossíveis de se

fazer. Na experiência internacional, especialmente a inglesa, esse tipo de análise é

conhecido por value for money. Verifica-se, então a disponibilidade de recursos para o

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Poder Público para contratação de PPP e o limite disponível para aumento do

endividamento (PRADO; RIBEIRO, 2007).

A Lei de PPP estabelece a obrigatoriedade da realização de estudos técnicos

relacionados ao projeto eleito e estudos sobre o impacto fiscal, fundamentando a decisão

pelo modelo concessório. Nesse iter, alguns estudos tornam-se necessários, tais como o

estudo de demanda pelo serviço; definição dos elementos do projeto básico

(patrocinadas) ou mesmo o projeto básico (administrativas); estudos ambientais (quando

aplicável); e, estudo da viabilidade econômico-financeira, que levará em conta os

estudos retrocitados. E, mais ainda, deverá integrar a modelagem econômico-financeira

a matriz de riscos do projeto e estudos jurídicos validando seu cabimento e abordando,

dentre outros aspectos, os relativos às formas de mitigação de riscos do projeto.

Na consolidação desses estudos técnicos deverão constar elementos que

permitam verificar os seguintes pontos, a teor do que dispõe a Lei de PPP do Estado do

Rio de Janeiro (Lei nº 5.068/2007), em consonância com os ditames da Lei Federal:

• atendimento ao efetivo interesse público, considerando a natureza, relevância

e valor de seu objeto, a conveniência e a oportunidade da contratação, bem

como o caráter prioritário da respectiva execução, observadas as diretrizes

governamentais;

• obtenção de vantagem socioeconômica e operacional com a proposta e de

melhoria da eficiência no emprego dos recursos públicos, comparativamente

a outras possibilidades de execução direta ou indireta, em especial, às

concessões regidas pela Lei nº 8.987/95;

• indicação das metas e resultados a serem atingidos, bem como dos critérios

de avaliação ou desempenho a serem utilizados;

• efetividade dos indicadores de resultado a serem adotados, em função de sua

capacidade de aferir, de modo permanente e objetivo, o desempenho do ente

privado em termos qualitativos e/ou quantitativos, bem como de parâmetros

que vinculem o montante da remuneração aos resultados atingidos;

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• viabilidade econômico-financeira, compreendendo, no mínimo, o estudo de

demanda, matriz de riscos, forma e prazos de execução e de amortização do

capital a ser investido pelo contratado, explicitando o fluxo de caixa

projetado e a taxa interna de retorno do projeto (incluindo recursos públicos

e privados);

• estudos fiscais e orçamentários previstos na Lei Complementar nº 101/2000

(Lei de Responsabilidade Fiscal), na forma do requerido pelo art. 10, I,

alíneas ‘b’ e ‘c’, da Lei Federal n.º 11.079/04;

• estudos jurídicos relativos aos principais riscos do projeto e formas de

mitigá-los, pareceres e opiniões legais sobre aspectos específicos de acordo

com a complexidade do projeto; minutas do edital e do contrato;

Verifica-se no exposto, a complexidade e importância da realização dos

Estudos Técnicos e Fiscais para a gestão pública responsiva e eficiente, comprometida

com a eficácia do resultado, no enfrentamento do longo tempo necessário para a

maturação de um projeto de PPP e na articulação dos diversos atores que devem ser

envolvidos para o êxito do processo.

A eficiência é a principal razão para a contratação das PPPs, sendo mesmo

abordada como a primeira diretriz da contratação pela norma geral. Assim, a PPP só se

justifica quando os ganhos globais de eficiência esperados a partir dessa formatação

contratual superem os custos a serem incorridos na sua estruturação e no

acompanhamento, fiscalização e regulação do contrato (PRADO; RIBEIRO, 2007).

1.2.6 Características diferenciais dos contratos de PPP

A extensão do assunto vis-à-vis a delimitação do ambiente em que se coloca o

presente trabalho força ao destaque de algumas das muitas características diferenciais

dos contratos de PPPs, elegendo-se para tanto, a contraprestação pública, a partilha de

riscos, o sistema de garantias e a arbitragem.

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1.2.6.1 As contraprestações públicas

A contraprestação pública, presente nos contratos de PPP, foi assim

denominada por caracterizar os pagamentos da Administração Pública como

contrapartida à aquisição de serviços. Nesse sentido, o regime de PPPs exige que os

pagamentos públicos estejam vinculados à disponibilização de serviços ou à sua efetiva

prestação (PRADO; RIBEIRO, 2007; SOUTO, 2005).

Conforme enumera o Art. 6º da Lei 11.079/2004, as contraprestações da

Administração Pública nos contratos de PPP podem ser feitas por:

I - ordem bancária; II - cessão de créditos não tributários; III - outorga de direitos em face da Administração Pública; IV - outorga de direitos sobre bens públicos dominicais; V - outros meios admitidos em lei.

Atente-se que, especificamente em relação às concessões patrocinadas, por

representarem desafios especiais de ordem financeira, a definição legal impõe a

presença de contraprestação pecuniária (Art. 2º, §1º, da Lei de PPPs), mesmo que

complementadas pelas não-pecuniárias. Nesse sentido, adicionalmente à tarifa, as

contraprestações pecuniárias do parceiro público ao privado limitam-se às formas

previstas nos incisos I e II do referido art. 6º, quais sejam: ordem bancária e cessão de

créditos não-tributários. As demais formas contidas nos incisos III e IV são entendidas

como não-pecuniárias, podendo somar-se às pecuniárias. É o que adverte Sundfeld

(2005, p. 28):

Essas receitas, em princípio, enquadram-se no conceito de receitas alternativas, a que alude o art. 112 da Lei de Concessões. O mero fato de um concessionário recebê-las não faz de seu contrato uma concessão patrocinada, pois esta só se configura quando a Administração versa uma “contraprestação pecuniária”; do contrário será “comum”. De outra parte, estando presentes a cobrança de tarifas aos usuários e a contraprestação pecuniária do concedente, estar-se-á diante de uma concessão patrocinada, ainda que o concessionário também receba contraprestação não-pecuniária da Administração (a dos incisos III e IV do art. 6º da Lei de PPPs) e outras receitas alternativas.

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O mesmo não ocorre em relação às concessões administrativas. Para estas, a lei

não exige que as contraprestações da Administração sejam em pecúnia, podendo adotar

quaisquer das formas contidas no art. 6º, de forma isolada ou combinada entre seus

incisos. “A única forma de remuneração que descaracterizaria a concessão

administrativa é o recebimento pelo concessionário de tarifa dos administrados

especificamente para remunerar seus serviços” (SUNDFELD, 2005, p.33).

É preciso assinalar que qualquer que seja a forma eleita para a realização da

contraprestação, ela deve ser construída sob critérios técnicos por influenciarem

diretamente na modelagem do contrato e na definição da modalidade concessória, como

deve estar prevista, de forma mais detalhada possível, no edital de licitação por afetar

sensivelmente a proposta financeira do parceiro privado. Lembrando ainda, que a

remuneração é variável, sofrendo a incidência de indicadores de performance, sendo

estes um conjunto de parâmetros, medidores da qualidade dos serviços prestados, que

contribuem para determinar o valor da contraprestação efetivamente devida pelo poder

público e que auxiliam no controle de resultados, conforme o exigido na Lei de PPP e o

determinado no contrato.

“A forma da contraprestação constitui um dos elementos fundamentais para

definição do perfil do projeto e do exato esquema de distribuição de riscos entre as

partes” (PRADO; RIBEIRO, 2007, p. 185).

1.2.6.2 A repartição de riscos

Em relação à partilha de riscos, são dois os dispositivos da Lei 11.079/2004

que tratam expressamente da repartição de riscos.

Art. 4º. Na contratação de parceria público-privada serão observadas as seguintes diretrizes: [...] VI – repartição objetiva de riscos entre as partes. Art. 5º. As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao disposto no art. 23 da Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber, devendo também prever: [...] III – a repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária.

Bem se vê que, embora a Lei determine a fixação dos riscos, não impõe

critérios para tal divisão entre o parceiro público e o privado. Considerando inexistir

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uma divisão natural de riscos, esta dependerá dos estudos de viabilidade econômica e

fiscal, bem como da equação formada pelos encargos e remuneração do concessionário.

Assim, a distribuição de riscos é a principal função de qualquer contrato.

“Trata-se de antecipar e atribuir a cada uma das partes a obrigação de assumir as

conseqüências futuras” (PRADO; RIBEIRO, 2007, p.117). Ao fazê-lo, gera-se incentivo

para as partes adotarem, por um lado, providências para evitar ocorrências ou

consequências que lhes sejam gravosas; e, por outro, estímulo a agirem com o objetivo

de realizar situações que lhes são benéficas. Cite-se como exemplo, no caso da

concessionária, a melhoria da qualidade do serviço visando ao aumento da demanda, e,

portanto, das suas receitas operacionais (SOUTO, 2005; SUNDFELD, 2005).

“Vale notar que o custo de uma PPP será tanto maior para os destinatários do

serviço e para a Administração quanto maior for a percepção de risco pelos parceiros

privados” (PRADO; RIBEIRO, 2007, p.95). Quanto mais confusa a divisão dos riscos,

mais elevado o preço que o parceiro privado cobrará para a implementação do projeto,

porque a dúvida sobre a quem é atribuído um dado risco leva o parceiro privado a

considerá-lo como dele, em sua proposta, num cenário pessimista que não

necessariamente venha a ocorrer (PRADO; RIBEIRO, 2007).

Pesquisa realizada na Inglaterra demonstra que 60% dos ganhos obtidos com a contratação de PPPs em comparação às formas tradicionais de implantação dos empreendimentos provêm da adequada repartição de riscos (cf. Value for Money Drivers in the Private Finance Iniciative – A Report by Arthur Andersen and Enterprise LSE, Commissioned by The Treasury Taskforce, 17.1.2000) (PRADO;RIBEIRO, 2007, p. 103)

A repartição objetiva dos riscos apresenta inegável impacto econômico

(SOUTO, 2005), tanto por sua relevância para a adequada composição das propostas

técnica e econômica pelo parceiro privado, quanto para a higidez fiscal do Poder

Público, tendo em vista que, a depender do sistema de distribuição de riscos adotado no

contrato, podem restar com o Poder Público passivos contingentes, e isso deverá estar

adequadamente refletido na contabilidade pública, de modo que o passivo, embora

contingente, não reste oculto (PRADO; RIBEIRO, 2007).

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Ainda do ponto de vista do Poder Público, a minimização da existência de

riscos ou a sua distribuição através de mecanismos implícitos no contrato podem

resultar em efeito contrário ao inicialmente pretendido. Riscos são eventos da realidade,

não se pode simplesmente eliminar sua existência, pois, em ocorrendo, alguma das

partes, nesta incluída a sociedade, terá que arcar com as consequências gravosas do

evento. Essa preocupação deve incidir especialmente sobre a definição dos critérios para

o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos, pois, a depender da forma como eles

forem configurados, riscos que foram transferidos, implícita ou explicitamente, no corpo

do contrato para os parceiros privados podem retornar para a Administração Pública. O

sistema de distribuição de riscos e o mecanismo de recomposição do equilíbrio

econômico-contratual, embora distintos, devem ser pensados de forma conjunta, como

instrumentos que se destinam a maximizar a eficiência da contratação. (PRADO;

RIBEIRO, 2007).

Ressalte-se que a parte final do art. 5º, III, menciona que todos os riscos de uma

PPP podem ser repartidos entre as partes, inclusive os “referentes a caso fortuito, força

maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária”. Isso significa que a

Administração tem a opção de transferir até mesmo riscos que fogem ao controle do

parceiro privado, como força maior, o que de fato não ocorre no regime da Lei nº

8.666/1993.

É inconteste que identificar a alocação de riscos mais eficiente não é uma tarefa

fácil, exigindo uma série de informações técnicas, nem sempre disponíveis. Além disso,

a repartição de riscos não é a mesma em todos os projetos, podendo variar a cada caso, a

depender do tipo de serviço contratado. Tanto assim, Marcos Barbosa Pinto (2006, p.

168), com base na teoria econômica do direito sobre a minimização de custos de

acidentes e na experiência internacional, sugere algumas diretrizes básicas como ponto

de partida para balizar as decisões na alocação de riscos, a seguir:

[...] A primeira diretriz é bastante intuitiva: os riscos de uma PPP devem ser alocados para a parte que puder, a um custo mais baixo, reduzir as chances de que o prejuízo venha a se materializar ou, não sendo isso possível, mitigar os prejuízos resultantes. Normalmente, essa parte é aquela que tem maior controle sobre os riscos em questão ou sobre suas conseqüências. [...]

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A segunda diretriz nos aconselha a não atribuir riscos para agentes econômicos que podem externalizar suas perdas. Com efeito, o incentivo que se pretende criar atribuindo riscos a uma das partes não funciona quando se pode transferir os prejuízos para terceiros. Essa regra indica claramente que, na maior parte dos casos, o Estado não é um bom absorvedor de riscos, já que ele pode transferir todos os seus custos para os contribuintes. Logo, as perdas sofridas pelo Erário não induzem a uma administração mais eficiente de custos. A terceira diretriz é mais controversa. Em tese, se uma das partes pode obter seguro contra determinados riscos a um custo mais baixo, deveríamos atribuir a ela esses riscos. Todavia, a comparação de prêmios de seguro é difícil nas PPPs, pois o Estado raramente contrata seguro, dado o tamanho de seu patrimônio e a diversidade de suas atividades. [...]. É impossível confirmar essa proposição sem dispor de dados empíricos precisos. [...], no entanto, podemos formular a seguinte diretriz intermediária: o custo de seguros não deve influenciar a alocação de riscos em uma PPP, exceto nos casos em que os riscos correspondentes não encontrem cobertura no mercado, ou cujos prêmios sejam proibitivos. Nesses casos, é mais eficiente que o Estado assuma o risco em questão [...]. A quarta diretriz é uma regra prudencial. Sempre que não for claro qual é a alocação de riscos mais eficiente, devemos alocar os custos para a parte sobre a qual eles recaem naturalmente. [...] Desta forma, evitam-se os custos indiretos relacionados a compensações econômicas, [...] e o custo de eventuais compensações indevidas resultantes de comportamento oportunista.

Há, de fato, alguns riscos típicos da PPP. Exemplificativamente, podem ser

citados, como gerenciáveis pelo particular: riscos da variação de custos, da construção,

operação, rendimento, tecnologia e competição; e, que devam ser suportados pelo

Estado: riscos políticos, de interpretação judicial, de disponibilidade financeira, de

relações internacionais (SOUTO, 2005). Já em relação aos riscos de demanda, a

alocação varia conforme o tipo de serviço contratado. “Sempre que as ações de uma das

partes puderem levar a um aumento ou diminuição da procura pelo serviço, o risco de

demanda deve recair sobre ela.” (PINTO, 2006, p.171) E, ainda, com relação ao risco de

caso fortuito ou força maior, a solução mais indicada, seguindo as diretrizes de Marcos

Barbosa Pinto (2006) é a alocação para o setor privado sempre que houver cobertura

securitária.

1.2.6.3 A sociedade de propósito específico

Ainda no âmbito da segregação de riscos, ora entre o negócio concedido e a

pessoa do contratado, vale mencionar a obrigatoriedade da constituição de sociedade de

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propósito específico (SPE), como condição prévia para assinatura do contrato, pelo

concessionário responsável em implementar e gerir uma PPP. Esta pode assumir forma

de capital aberto, e deverá obedecer a padrões de governança corporativa e adotar

contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas, definidas em regulamento.

Entretanto, é proibido à Administração Pública ser titular da maioria do capital votante,

exceto se por instituição financeira controlada pelo Poder Público, em caso de

inadimplemento de contratos de financiamento. A SPE é encarregada de gerir,

separadamente, as receitas e despesas do projeto de PPP, de modo que o investidor não

precisa temer outras atividades ou a vida pregressa do contratado. Trata-se de medida já

empregada nos contratos de concessão, só que de forma facultativa, que viabiliza ao

investidor ser proprietário da receita alienada ou de ações da companhia contratada, ou

ainda, de títulos garantidos pela renda do negócio. A transferência do controle da SPE

estará condicionada à autorização expressa da Administração Pública (SOUTO, 2005).

1.2.6.4 O sistema de garantias

Outra característica relevante das PPPs é a maior segurança oferecida tanto ao

executor do projeto quanto aos seus financiadores, através de um sistema de garantias,

que deverá se desenvolver com observância de critérios estabelecidos na Lei

Complementar, nº. 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF) e de forma

compatível com as obrigações assumidas.

Como nos contratos de PPPs existe uma vinculação de recursos orçamentários

no longo prazo, mas inexiste uma cultura consolidada por todos os governantes, no

sentido de honrar as obrigações assumidas, torna-se necessário resguardar o contratado

quanto ao risco de não pagamento das contraprestações pela Administração Pública.

Além disso, conforme salientado, a contraprestação pública somente terá início quando

o serviço objeto do contrato estiver em funcionamento. Por conseguinte, o parceiro

privado, dependerá, em regra, de financiamento obtido junto a terceiros.

Para viabilizar tal iniciativa a Lei de PPP prevê diversas formas de constituição

de garantia de cumprimento das obrigações pecuniárias assumidas pelo parceiro público

perante o parceiro privado, bem como possibilita a contragarantia prestada pelo parceiro

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público à entidade financiadora do projeto. Por óbvio que também haverá a garantia de

execução do contrato, prestada pelo parceiro privado ao parceiro público (DI PIETRO,

2008).

Assim, para assegurar o fluxo de pagamentos do concessionário e, por

consequência, a continuidade dos serviços contratados, a garantia prestada pelo parceiro

público ao parceiro privado, poderá abranger as seguintes modalidades previstas no art.

8º da Lei 11.079/2004, além de outros mecanismos admitidos em lei:

(i) Vinculação de Receitas Públicas; valendo lembrar que tal vinculação não

poderá ter por objeto a receita de impostos, com as ressalvas contidas no art. 167, IV,

CF, ou seja, a contrario sensu do dispositivo constitucional, todas as demais receitas,

em tese, poderão ser oferecidas em garantia, exceto as que tenham uma destinação legal

específica, como é o caso de taxas, que devem ter suas receitas naturalmente vinculadas

à execução de determinadas despesas, para cobrir custos necessários à prestação de

serviços públicos ou ao exercício do poder de polícia; e da mesma forma as

contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, que, em regra, têm suas

receitas vinculadas a uma determinada destinação.

Entretanto, segundo observam Prado e Ribeiro (2007, p. 221), “[...] na garantia

por meio de vinculação de receitas, inevitavelmente, sujeitar-se-á o parceiro privado ao

pagamento por meio de precatório, se tiver que executar seu crédito”. Dessa assertiva,

verifica-se que a vinculação não é uma forma de garantia, segundo o significado

ordinariamente associado a esse termo. Como bem afirmam, seria apenas a indicação de

uma fonte específica de receitas que vinculadas garantem a destinação específica, ou

seja, uma garantia orçamentária. Assim, “se o pagamento não ocorrer, não há garantia

de ser acionada, eis que embora a garantia vincule a receita, não obriga a realização da

despesa” (PRADO; RIBEIRO, 2007, p. 221). Contudo, a vinculação de receitas, reforça

a inclusão na Lei Orçamentária Anual das previsões orçamentárias para pagamento das

contraprestações públicas, isso porque não seria possível dar outra destinação a essa

receita sem revogar a norma que estabeleceu sua vinculação, o que de certa forma

funciona como incentivo para utilizar a receita na destinação prevista, evitando a disputa

política sobre sua destinação na passagem pelo Legislativo (PRADO; RIBEIRO, 2007).

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(ii) Instituição ou utilização de Fundos Especiais previstos em lei,

submetendo-se às mesmas vedações do artigo 167, IV da CF e as mesmas observações

dos autores supracitados: por se tratar de garantia orçamentária, submete-se ao regime

de precatórios.

O fundo especial, seja de natureza contábil ou financeira, constitui uma forma

de segregação de recursos orçamentários, dentro do próprio orçamento público, para

destinação específica. Por constituir patrimônio do próprio ente que o instituiu, e não ter

personalidade jurídica própria, as garantias prestadas por fundo especial serão

consideradas como prestadas pelo ente instituidor, pessoa com a qual juridicamente se

contrata a garantia, logo, será uma garantia pessoal. Implica dizer que “a prestação de

garantia por fundo especial apenas faz sentido quando o parceiro público não for o

próprio ente criador do fundo, eis que, nessa hipótese, seria como dar garantia de si

mesmo” (PRADO; RIBEIRO, 2007, p.228). Trata-se, sobretudo, de uma “forma de

planejamento e de execução orçamentária, por meio de vinculação de receitas a

determinadas finalidades”, ou seja, a vinculação de receita daquele determinado fundo

destina-se a um único contrato, com a característica adicional de permitir que, ao final

do ano, o saldo não utilizado permaneça na conta do fundo e não retorne ao caixa único

do Tesouro, o que pode vir a resvalar em mecanismo de burla às restrições

orçamentárias, necessitando, portanto, da instituição de mecanismos de controle pela

própria lei que o constituir (PRADO; RIBEIRO, 2007, p.227).

(iii) Contratação de Seguro-Garantia com companhias seguradoras que não

sejam controladas pelo Poder Público, valendo observar que, se de um lado, a outorga

de seguro-garantia é bem visto pelos parceiros privados, por permitirem uma fácil e

rápida execução da garantia, bastando, por vezes, o seu mero acionamento; de outro,

para o Poder Público pode não ser o mais conveniente, considerando a dificuldade no

mercado de existir seguradoras dispostas a assumir o risco de não-pagamento de

contraprestações públicas, ainda mais quando contratadas pelo próprio ente público

contra o seu risco de inadimplência em contratos longos; e, de certo, em havendo,

exigiriam um prêmio de risco excessivamente elevado (PRADO; RIBEIRO, 2007).

Outra desvantagem é que “exige o desembolso no momento da contratação” (SOUTO,

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2005, p.47). O seguro-garantia não é uma inovação das PPPs, sendo um instrumento

jurídico largamente utilizado nos contratos de empreitada regidos pela Lei nº

8.999/1993. Há que se considerar, ainda, que a possibilidade de inclusão dos

financiadores do projeto como beneficiários do seguro pode configurar importante

instrumento de garantia nos financiamentos a serem contratados, podendo, até mesmo,

reduzir os custos da operação a ser contratada. Cabe, portanto, ponderar a escolha por

essa modalidade com base na relação custo/benefício.

(iv) Garantia prestada por Organismos Internacionais ou Instituições

Financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público, valendo observar que tem

sido comum o desenvolvimento por organismos multilaterais, nos moldes do Banco

Mundial ou do Banco Interamericano de Desenvolvimento, de produtos nessa linha de

garantias, recebendo como contragarantia dos entes públicos, o aval soberano. Há de

fato, preferência pelos parceiros privados por essa estruturação de garantia, entretanto,

isso imputa para o poder público um custo adicional na implementação de cada projeto,

pois há de ser pago ao organismo multilateral alguma taxa para assumir a diferença

entre o risco soberano e o seu risco de crédito, que é usado como garantia. Observa-se,

mais uma vez, a relação custo/benefício: se a redução na contraprestação superar o custo

da garantia emitida pelo organismo multilateral, será vantajoso contratá-la (PRADO;

RIBEIRO, 2007). Os organismos internacionais de fomento, em alguns casos, também

financiam recursos para a criação de unidades de PPP, para sustentar fundos ou projetos

específicos (SOUTO, 2005).

(v) Garantias prestadas por Fundo Garantidor ou Empresa Estatal criada

para essa finalidade; valendo observar que, diferentemente dos fundos especiais,

mencionados no item (ii) retro, o fundo garantidor tem natureza sui generis, que mais se

aproxima de um fundo de investimento, composto de patrimônio próprio, e não

simplesmente reservas contábeis. E, quanto à garantida prestada por entidade da

Administração Indireta, é uma das mais amplas formas previstas na Lei de PPP, visto

que poderá a garantia concedida tomar quaisquer das formas dentre as legalmente

admitidas, mas que será constituída através de uma empresa estatal, sob a édige do

direito privado, portanto, com maior flexibilidade em sua atuação e na gestão de seus

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bens, o que em tese a leva a optar pela forma de constituição de garantia melhor aceita

pelos padrões de mercado vigentes, quando da contratação da PPP e em função do

objeto do contrato. Acrescente-se, ainda, que em razão da personalidade jurídica de

natureza privada, o patrimônio torna-se alienável e penhorável, podendo ser também

oferecido em garantia.

Ademais, por serem entidades de Direito privado, as empresas estatais ou

fundos garantidores não se sujeitam ao regime de precatórios consagrado no art. 100 da

CF, recaindo a execução diretamente contra seus respectivos patrimônios. Esse

expediente facilita consideravelmente a aceitabilidade do sistema de garantias

constituído por empresas ou fundo garantidor, na medida em que aumentam a certeza de

recebimento dos recursos. Em quaisquer dos dois casos, a instituição depende de

autorização legislativa específica, por força constitucional.

Exemplo disso, optando por constituir Fundo Garantidor: o Governo Federal,

que aproveitou a própria lei de PPP para instituí-lo em nível federal; e Minas Gerais. E,

optando pela criação de Empresa Estatal: São Paulo com a sua CPP – Cia Paulista de

Parcerias. Em Minas, embora não conste da lei estadual que criou a CODEMIG – Cia de

Desenvolvimento Econômico um objeto específico nesse sentido, Prado e Ribeiro

(2007, p.233) entendem que isso não representa um “obstáculo intransponível” para que

possa prestar garantias.

No que tange às contragarantias prestadas pelo Parceiro Público aos

financiadores, essa também pode assumir diferentes modalidades previstas no art. 5º,

§2º, da Lei nº 11.079/2004, a saber: (i) transferência para os financiadores do controle

da sociedade de propósito específico, constituída pelo parceiro-privado; (ii)

possibilidade de emissão de empenho em nome dos financiadores do projeto em relação

às obrigações pecuniárias da Administração Pública, desde que previsto no edital e

contrato; (iii) legitimidade dos financiadores do projeto para receber indenizações por

extinção antecipada do contrato, desde que previsto no edital e contrato; (iv)

possibilidade de recebimento, pelo financiador, de pagamentos efetuados pelos fundos e

empresas estatais garantidores de PPPs.

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1.2.6.5 A arbitragem

Considerando que as PPPs são contratos de longa duração, a ocorrência de

controvérsias ou divergências ao longo de sua execução é algo que pode ser pressentido,

mesmo porque, o Poder Público continua a ser titular de direitos que o colocam numa

posição de supremacia sobre o particular, supremacia esta que só deverá ser utilizada na

defesa do interesse público. A Lei de PPP prevê a possibilidade do uso da arbitragem ou

de outros mecanismos privados de resolução de disputas, a exemplo da conciliação ou

da mediação, o que vem a contribuir como forma de mitigação de riscos.

A interpretação doutrinária preleciona a arbitragem como método privado de

solução amigável de conflitos, não se aplicando a ela o conceito de exigência de exame

jurisdicional, pois não há renúncia. Nesse sentido, observam que o Código de Processo

Civil permite preestabelecer um critério para a solução de conflitos emergentes, e a Lei

de Concessões tem também previsão de solução amigável de conflitos, sempre buscando

o acordo que melhor atenda ao interesse público (SOUTO, 2005; PRADO; RIBEIRO,

2007).

O recurso exclusivo ao Poder Judiciário aumentaria a noção de risco, dada a

realidade dos prazos envolvidos e as obrigações assumidas pelas partes, tal

exclusividade é deixada para a seara dos direitos indisponíveis. A arbitragem, na medida

em que confere celeridade à solução, e permite que a controvérsia seja dirimida por

especialistas, vem ao encontro do desejo de todos os envolvidos, resolvida na técnica e

imparcialidade.

1.3. PPP administrativa em destaque: gestão de hospitais

Várias iniciativas de Parcerias Público-Privadas estão em processo de

modelagem e estudo técnico, outras tantas sendo licitadas ou em execução para

finalidades diversas.

Cite-se, como exemplo de contratos em vigor, na modalidade patrocinada: a

Linha 4 do Metrô de SP; a Ponte do Paiva, em Pernambuco; a rodovia MG050, em

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Minas Gerais; e, na modalidade administrativa, o Presídio e a Unidade de Atendimento

Integrado, ambas em Minas Gerais; o emissário submarino de Jaguaribe (BA); o

esgotamento sanitário dos Municípios de Rio Claro (SP) e de Rio das Ostras (RJ).

Destaque-se, por muito oportuno, a demonstrar a credibilidade das PPPs e as

vantagens do modelo se sobrepondo aos custos e a complexidade da modelagem, alguns

aspectos da recente PPP realizada pelo Estado da Bahia para concessão administrativa

da gestão e operação do Hospital do Subúrbio, em Salvador, no contrato licitado no

início de 2010, através do Edital 008/20091 publicado no Diário Oficial do Estado da

Bahia, em 05 de dezembro de 2009, para a concorrência no modelo de pregão,

modalidade introduzida na Lei nº. 11.079/2004.

O Estado da Bahia utilizou do mecanismo da vinculação de receitas não apenas

para garantir o adimplemento, mas para o próprio pagamento das contraprestações

públicas, através da segregação de determinada parcela das receitas futuras do Fundo de

Participação do Estado – FPE (transferência obrigatória da União para os Estados, por

força do art. 159 da CF), conforme autorizado na Lei Estadual nº. 11.477, de 02 de julho

de 2009, por todo o prazo da concessão (10 anos, prorrogáveis), em nome da Agência de

Fomento do Estado da Bahia – Desenbahia (empresa estatal constituída na forma de

sociedade anônima). A sistemática de pagamento é prevista no “Contrato de Nomeação

de Agente de Pagamento e Administração de Contas”, anexo do Edital, firmado entre

Estado da Bahia, a Desenbahia e o Banco do Brasil, com a interveniência-anuência da

Secretaria da Fazenda do Estado, no qual a citada instituição financeira é constituída

gestora da conta apartada do FPE e agente pagadora das contraprestações públicas.

Na hipótese de surgimento de controvérsias, determinou-se no contrato a

utilização da arbitragem pela Corte de Arbitragem da Câmara de Comércio

Internacional – CCI, a ser realizada no Estado da Bahia e utilizando-se da língua

nacional, como exige a Lei de PPP, para as questões que não puderem ser solucionadas

na esfera da Comissão Técnica (composta por membros indicados pelo Estado da Bahia,

1 Edital de Licitação nº 008/2009, da Concessão Administrativa da gestão e operação de Unidade Hospitalar do Estado da Bahia, publicado no Diário Oficial do Estado da Bahia. Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br/hospitaldosuburbio/docs.html; acesso em 18/07/2010.

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pela Concessionária e um membro de comum acordo entre as partes, com expertise

comprovada na matéria objeto de divergência). Há também a figura do Verificador

Independente do Contrato (já utilizada em outras modelagens, como nas PPPs de Minas

Gerais) para auditagem e apuração de indicadores de desempenho e cálculo da variação

da contraprestação mensal efetiva, além da avaliação do equilíbrio econômico-

financeiro do contrato e revisão do fluxo de caixa.

Vale dizer que o êxito da licitação muito se deve ao comprometimento dos

diversos atores envolvidos em todo o processo, tanto do setor público como do setor

privado, desde o planejamento, modelagem dos estudos técnicos, incluindo as minutas

de edital e contrato, contando com a participação ativa de consultores especializados da

Corporação Financeira Internacional (IFC – International Finance Corporation), braço

do grupo Banco Mundial, cujo trabalho restou pago pelo vencedor da licitação, através

do mecanismo de ressarcimento permitido pelo art. 21 da Lei nº 8.987/1995, também

aplicável às PPPs, por força do disposto no art.3º da Lei nº 11.079/2004. Ressalte-se que

o IFC consignou Carta de Intenções para financiamento junto ao concessionário, ao lado

de outras instituições financeiras nacionais, como o Banco Nacional de

Desenvolvimento do Estado – BNDES e do Banco do Nordeste – BNB (anexos do

Edital), ante a credibilidade do projeto.

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CAPÍTULO II

GESTÃO ASSOCIADA DE SERVIÇOS PÚBLICOS POR

CONSÓRCIOS PÚBLICOS

2.1. Ambiência do Federalismo Cooperativo

O Estado brasileiro, no processo histórico-administrativo, encontra sua pedra

fundamental no regime federativo, a partir da instituição da República em 1889, assim

preservando-o, a despeito das transformações que vem sofrendo desde então. O

federalismo é mesmo um processo.

Segundo José Afonso da Silva (1999) a federação consiste na união de

coletividades regionais autônomas, que a doutrina chama de Estados federados,

caracterizados principalmente pela descentralização política e administrativa, o que

significa que, além do poder central e soberano, os entes integrantes são igualmente

dotados de capacidade e representação políticas, tendo sua autonomia federativa

delimitada pelo sistema de partilha de competências estabelecido na Constituição

Federal de 1988.

Se por um lado, a descentralização de competências, antes detida pelo Governo

Federal, trouxe a municipalização de serviços e deu maior autonomia às instâncias

locais favorecendo um ciclo de inovação na elaboração e implementação de políticas

públicas; por outro, acentuaram desigualdades, disputas e distorções. Forçando a

restrição de enumeração dos pretensos motivos, pode-se dizer, com apoio em Camargo

(1999), que esse descompasso deu-se, primeiro, porque não houve o proporcional

acompanhamento de receitas para suportar as novas competências; segundo, porque não

houve o concomitante acompanhamento de políticas sustentáveis de desenvolvimento

regional; terceiro, porque houve a (bem-vinda) contenção de gastos pela Lei de

Responsabilidade Fiscal. Some-se ainda, a superposição de iniciativas em uma mesma

área de atuação, por parte de diferentes esferas de governo ou, a revés, a omissão em

tantas outras que não foram definidas constitucionalmente.

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Vários doutrinadores atribuem a fragilidade institucional do federalismo

brasileiro à falta de mecanismos efetivos de articulação e cooperação na execução de

políticas públicas por parte de cada esfera de governo, e, ainda, à falta de

regulamentação de dispositivos constitucionais específicos para a distribuição de

competências, donde advém uma compartimentalização artificial das atribuições entre

essas esferas públicas (ABRUCIO, 2001).

A par disso, há a preocupação pela descentralização dos recursos entre os entes

da Federação, de forma a que Estados e Municípios tenham verba suficiente para

execução de suas competências. Aqui reside o debate do federalismo fiscal.

De nada adianta a grita pela autonomia se há a extrema dependência financeira

do repasse de recursos da União, a vinculação de receitas por expressa determinação

constitucional e a descontinuidade de pagamentos de parcelas de convênios, levando à

paralisação de obras já iniciadas. Se não bastasse, é inconteste os desvios de verbas ou

mau uso do dinheiro público, a problemática do custeio da máquina pública e a

descontinuidade de programas ao longo de sucessivos governos. Acrescente-se, que

mesmo nas administrações públicas bem intencionadas e corretas no emprego de

recursos públicos, há a carência de quadro técnico-jurídico preparado para o

enfrentamento de exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal ou mesmo para o

planejamento, modelagem, licitação e consecução de grandes projetos.

Por tudo dito, a única forma de evolução política e social é aquela através da

qual as pessoas federativas se associam para um fim comum: a evolução do próprio

Estado e o bem-estar da sociedade. A realidade do regime federativo, portanto, mesmo

precisando de amadurecimento, não pode abdicar do regime de cooperação e parceria

entre seus componentes.

Nesse sentido diferentes experiências de consorciamento foram levadas a cabo

por municípios no país, principalmente nas áreas de Saúde e Meio Ambiente.

Entretanto, a inexistência de uma legislação específica, as limitações institucionais e

inseguranças jurídicas dos desenhos utilizados pelos municípios, criando os consórcios

como um acordo de vontades sem personalidade jurídica, entre entes do mesmo nível,

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vieram a contribuir para a inserção do debate em sede constitucional, inflamado

especialmente por uma questão-chave, o saneamento (CAMPOS; MONTENEGRO,

2009; SOUTO, 2008).

Relevou-se, então, no bojo da reforma administrativa do Estado, o mandamento

constitucional da gestão associada de serviços públicos por meio de consórcios públicos

e convênios de cooperação entre os entes federados, representando uma nova faceta do

regime de parceria pública, ampliando o leque das opções existentes.

2.2. Gestão Associada de Serviços Públicos: velhas e novas facetas

A Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, introduziu

significativas mudanças na Lei Maior do país, dentre elas, a nova redação dada ao art.

241 da Constituição Federal, para fomentar o regime cooperativo e viabilizar a

associação entre entes federados para o desenvolvimento de competências próprias ou

para a transferência de competências elegendo, para tanto, os consórcios públicos e os

convênios de cooperação entre os entes federados.

Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.

Por oportuno, a referida Emenda alterou também a redação do art. 22, XXVII

da Constituição Federal, determinando a competência privativa da União para legislar

sobre “normas gerais de contratação em todas as modalidades”.

Afinal, anos depois, em face do preceito constitucional e “na esteira de um

projeto de saneamento centralizado na União” (SOUTO, 2005, p.204), verificou-se a

necessidade de editar lei nacional contendo diretrizes comuns para a formalização da

gestão associada de serviços públicos.

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Veio a lume, o Projeto de Lei nº 3.884/2004, que resultou na Lei nº 11.107, de

06 de abril de 2005, para tratar dos consórcios públicos, e, no passo seguinte, sua

regulamentação pelo Decreto 6.017, de 17 de janeiro de 2007.

Entretanto, conforme esclareceu Wladimir Ribeiro (2004 apud SOUTO, 2005,

p. 200), consultor especial, da Subsecretaria de Assuntos Federativos da Presidência da

República, na elaboração da Lei dos Consórcios e do respectivo Decreto

regulamentador, que a proposta do Governo Federal seria a de dispor, em sede de

normas gerais, de um contrato de constituição de consórcios públicos, respaldado nas

evidências e fragilidades apontadas pela doutrina até então, para criar “mais uma forma

jurídica, sem impedir o uso das formas atuais”.

No período anterior à vigência da Lei 11.107/2005, os consórcios e convênios

eram criados como um acordo de vontades com os mesmos objetivos, diferenciando-se,

segundo lição clássica de Hely Lopes Meirelles (2004 apud CARVALHO FILHO,

2009), pela qualidade dos participantes: quando celebrados entre entidades estatais,

autárquicas, fundacionais ou paraestatais, sempre da mesma espécie, denominavam-se

consórcios administrativos; quando firmados por entidades administrativas de diferentes

espécies, ou entre estas e organizações particulares sem fins lucrativos, convênios

administrativos. Contudo, dada a ausência de regramento legal específico, ambos se

submetiam ao mesmo regime jurídico, sendo tratados da mesma maneira pelo

ordenamento.

Até o advento da Lei 11.107/2005, competia, precipuamente, à doutrina e à

jurisprudência nacionais estabelecerem o perfil dos consórcios e dos convênios. Não

havia regra legal no direito brasileiro que obrigasse a personalização dos consórcios ou

autorizasse a considerá-lo como pessoa jurídica, para que eles pudessem responder

objetivamente por direitos e obrigações. Havia apenas a opção, por sugestão doutrinária,

de criação de uma pessoa jurídica com o objetivo específico de executar o serviço de

interesse comum (DI PIETRO, 2008).

No mesmo sentido era a lição de Diógenes Gasparini (1995, apud Di Pietro,

2008, p.236), tanto em relação ao convênio, como ao consórcio. Para o referido autor,

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“o convênio, dada a sua índole, não adquire personalidade jurídica.” Não lhe cabendo

comprar ou vender, contratar, ter inscrição estadual ou conta bancária, por não ser titular

de direitos e obrigações, poderes próprios de pessoas físicas ou jurídicas. Além disso,

não se pode pretender que o convênio tenha estrutura organizacional e administração

empresarial, por incompatibilidade com sua natureza e instabilidade institucional. “A

execução do convênio, por todas essas razões, fica sob responsabilidade dos partícipes

ou uma comissão executiva, que atuará nos termos e condições do convênio, mas

sempre em nome dos partícipes” (GASPARINI, 1995; apud DI PIETRO, 2008, p.236).

Assim, a maioria desses consórcios, anteriores à Lei 11.107/2005, foi

constituída como uma associação civil regida pelo direito privado. A soma de pessoas

jurídicas de direito público gerava, contraditoriamente, uma pessoa jurídica de direito

privado que, a princípio, não precisava obedecer a regras de direito público, por

exemplo: a admissão por concurso público ou a licitação para as compras públicas

(CAMPOS; MONTENEGRO, 2009). E, para haver transferência de recursos do ente

federativo para tais pessoas, imprescindível estar previsto na lei orçamentária ou

autorização legislativa específica.

Esse é outro problema que a nova lei tenta solucionar, o da transferência de

recursos públicos para o consórcio, prevendo para o caso um contrato de rateio, que se

submete à Lei de Responsabilidade Fiscal, ao dever de prestar contas e a uma finalidade

específica.

Ainda segundo Wladimir Ribeiro (2004 apud SOUTO, 2005), os já

consagrados institutos das concessões e permissões não seriam adequados porque “a

gestão associada não é nem direta e nem se contrata o capital privado”; é uma espécie de

“parceria público-pública” (SOUTO, 2005, p.200), influenciada por relações políticas.

Nesse sentido, por via do consórcio público ou do convênio de cooperação, os entes

estabeleceriam um programa de trabalho, por meio de um contrato de programa.

A gestão associada, tal como prevista no art. 241 da Constituição Federal

representa uma das facetas do regime de parceria pública, segundo Carvalho Filho

(2009, p.6), “[...] significando o conjunto de ações e estratégias que envolvem todos os

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entes da federação interessados na execução de serviços públicos comuns”, qualificada

pelo fato dos pactuantes serem exclusivamente pessoas jurídicas de direito público

interno. A chancela para a sua formação, como reza a Lei de consórcios públicos, é

somente a dos Chefes do Poder Executivo.

Um dos referenciais da Lei de consórcios públicos é o princípio da

subsidiariedade, assim entedido, (RIBEIRO, 2007) “as instâncias federativas mais

amplas não devem realizar aquilo que pode ser exercido pelas instâncias federativas

menores”, ou seja, não deve o Estado fazer o que pode ser resolvido pelo Município,

assim como não cabe à União avocar-se do que deva ser executado pelos Estados e

Distrito Federal. Inobstante isso, as desigualdades regionais, inclusive de capacidade

econômica e de gestão, não podem ser simplesmente abstraídas. Por isso, ao lado do

princípio da subsidiariedade merece destaque o princípio da cooperação. Pelo princípio

da subsidiariedade a primazia da ação é do município, em reforço da instância local,

mais próximo do cidadão. Porém, se este não possuir isoladamente condições técnicas

ou econômicas para agir, entra em voga o princípio da cooperação, que pode ser

horizontal (entre entes do mesmo nível) ou vertical (envolvendo Estado-Município ou

União-Estado-Município), em reforço da instância regional.

Nessa nova concepção de consórcios públicos, um ente da Federação pode

cooperar com outros entes para o exercício das atividades de planejamento, regulação ou

fiscalização de serviços públicos, acompanhadas ou não da prestação de serviços

públicos ou da transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens

essenciais à comunidade. A gestão associada é assim conceituada, do ponto de vista

interno, pelo Decreto 6.017/2007, art.2º, IX, diferenciando-a de outras formas de

prestação de serviço público.

A partir desta, torna-se possível integrar entes de níveis federativos distintos.

Destaque-se, como outra diferença, que, tanto os consórcios públicos como os

convênios de cooperação são celebrados somente entre entes federativos, sendo assinado

exclusivamente pelos Chefes do Executivo, de forma voluntária, não permitindo

entidades da administração indireta e pessoas do setor privado no polo contratual. A

participação destas decorrerá do que for previamente acordado no contrato de consórcio

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ou no convênio de cooperação, ou seja, é preciso que fique consignada tal autorização

específica já no Protocolo de Intenções, que é o primeiro documento necessário para

formalizar os consórcios e os convênios.

São dois novos institutos que servem ao mesmo objetivo geral, a gestão

associada de serviços públicos, mas por meios diferentes. A principal diferença entre

ambos está na atribuição de personalidade jurídica aos consórcios públicos, enquanto os

convênios de cooperação entre entes federados tendem mais para o caráter de acordos

temporários, muito embora possam ser firmados por tempo indeterminado, qualificados

por lei de cada ente participante, para atuação conjunta.

No convênio de cooperação, as relações jurídicas com terceiros são efetivadas

em nome de um dos entes signatários, e não em nome do próprio convênio, uma vez que

este não pode ser sujeito de direitos e obrigações ante a ausência de personalidade

jurídica. Logo, apenas o signatário que contratou em nome próprio poderia ser

responsabilizado. Já o consórcio público responde por si, pois adquire personalidade

jurídica, e, portanto, se obriga em nome próprio, por conta própria, e, subsidiariamente,

implica responsabilidade dos consorciados (NAVARRO, 2005).

Pode-se afirmar que o convênio não se presta à delegação de serviço público ao

particular, porque essa delegação é incompatível com a própria natureza do convênio.

Na delegação ocorre a transferência de atividade de uma pessoa para outra que não a

possui; no convênio, pressupõe-se que as duas pessoas têm competências institucionais

comuns e vão prestar mútua colaboração para atingir seus objetivos.

Destarte, por pertinência aos objetivos do trabalho acadêmico, a abordagem

passa a concentrar-se especialmente dos consórcios públicos, vertendo sobre os

principais pontos do regime de parceria público-pública que demonstram sincronia com

o regime de parceria público-privada para a gestão associada de serviços públicos.

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2.3 Consórcios Públicos: inovações da Lei nº 11.079/2005

2.3.1 Quadro Jurídico

O consórcio público é um instrumento de cooperação federativa no qual entes

políticos contratam, de forma voluntária, obrigações entre si para atuação conjunta ou

integrada na realização de objetivos de interesse comum.

A Lei Federal nº 11.107, de 06 de abril de 2005, que “Dispõe sobre normas

gerais de contratação de consórcios públicos e dá outras providências”, veio a

estabelecer o novo regime jurídico dos consórcios públicos entre os entes federados,

sendo regulamentada pelo Decreto 6.017, de 17 de janeiro de 2007.

Enquanto a competência legislativa é privativa da União, a competência para a

sua formação é comum a todos os entes federados, orientados pelos ditames da norma

geral. Vale dizer, por oportuno, que a Lei geral, em seu art. 18, veda a celebração de

contrato ou outro instrumento congênere que tenha por objeto a prestação de serviços

públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades nela previstas, sob

pena de caracterizar ato de improbidade administrativa, alterando, nesse sentido, a

redação do inciso XIV, art. 10, da Lei 8.429/1992.

A constituição de um consórcio público tem como ponto de partida a

manifestação soberana de cada ente federativo da intenção de consorciar-se com outros

entes. Por esta razão, a Lei Federal nº 11.107/2005, em seu artigo 3º, estabelece que “o

consórcio público será constituído por contrato cuja celebração dependerá da prévia

subscrição de protocolo de intenções”. Esta subscrição é realizada pelos chefes do Poder

Executivo, representantes legais de cada um dos entes federativos consorciados.

O Protocolo de Intenções é o principal instrumento de constituição de um

consórcio e estabelece, em conformidade com a Lei nº 11.107/2005, aspectos jurídicos e

institucionais do novo modelo de gestão dos serviços para o qual está sendo implantado,

tais como: natureza jurídica, objetivos, direitos dos usuários dos serviços, estrutura

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organizacional, competências, atribuições, procedimentos para o funcionamento dos

órgãos do consócio e para as relações entre o consórcio e os entes consorciados.

O Protocolo de Intenções transforma-se juridicamente em contrato de

constituição do consórcio público “com a ratificação, mediante lei” (artigo 5º) pelo

Legislativo de cada um dos entes consorciados. No art. 4º da Lei são fixadas as

cláusulas que o protocolo de intenções obrigatoriamente deve conter, dentre elas o

número mínimo de ratificações necessário para a constituição do consórcio.

É extenso o rol das cláusulas consideradas como mínimas necessárias para o

protocolo de intenções, sob pena de nulidade do ato. Constam dos incisos do art. 4º da

Lei 11.107/2005 e do art. 5º do Decreto 6.017/2007. Além da definição pela natureza

jurídica de direito público ou de direito privado, devem constar cláusulas como a

denominação eleita para identificar o Consórcio, a(s) finalidade(s), o prazo de vigência,

(ressalte-se a inovação trazida pela Lei de Consórcios permitindo estabelecer o ajuste

por prazo indeterminado), a identificação dos entes da federação, cláusulas referentes ao

regime de pessoal, e, à autorização para gestão associada de serviço público,

explicitando, dentre outros itens, a autorização para licitar e contratar concessão de

serviços públicos.

Se a opção para a constituição foi por regime de direito público, a vigência do

número mínimo previsto de leis de ratificação dará início à personalidade jurídica. O

Protocolo de Intenções convertido em Contrato de Consórcio. Se a opção foi por regime

de direito privado, além da vigência das leis, necessária a inscrição do ato constitutivo

no respectivo registro, para o nascimento da pessoa de direito privado associada.

Além das normas legais e regulamentares, os consórcios públicos deverão

possuir estatuto próprio, nele disciplinados a organização e o funcionamento de seus

órgãos componentes.

As relações entre o consórcio e cada município consorciado serão reguladas por

meio de contratos de programa e contratos de rateio, importantes ferramentas de

articulação trazidas pela Lei 11.107/2005. Tais contratos são “negócios jurídicos

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autônomos, dotados de objetivos próprios, ainda que possam estar interligados ou que

um deles possa ser pressuposto do outro” (CARVALHO FILHO, 2009, p.23).

Enquanto o protocolo de intenções tem as diretrizes e condições gerais da

gestão associada de serviços públicos, o contrato de programa, previsto no art. 13, é o

instrumento competente pelo qual devem ser constituídas e reguladas obrigações

específicas que um ente da Federação, inclusive sua administração indireta, tenha para

com outro ente da Federação, ou para com consórcio público, no âmbito da prestação de

serviços públicos por meio de cooperação federativa e estabelecerem as penalizações e

indenizações pelo inadimplemento destas.

A gestão associada pressupõe que o consórcio se constitua para prestar o

serviço, ou, como mais comumente, que detenha os poderes de planejamento, regulação

e fiscalização e delegue a prestação do serviço para outra pessoa. Se tal delegação para

executar o serviço for feita a um dos entes consorciados, ou envolver a administração

indireta destes o meio correto será através de contrato de programa, celebrados mediante

dispensa de licitação; se a delegação for para pessoa privada, será através de contrato de

concessão, celebrados mediante licitação. Seja qual for a opção pela forma de prestar o

serviço, a gestão associada deve estar autorizada e devidamente caracterizada no

protocolo de intenções.

O contrato de rateio, com previsão no art. 8º, tem por objetivo regular as

obrigações financeiras entre o Consórcio e os entes consorciados, obedecidas as normas

de direito financeiro aplicáveis às entidades públicas, inclusive fiscalização pelo

Tribunal de Contas competente. Consoante o referido dispositivo legal, somente por este

instrumento poderão ser repassados os recursos dos entes ao consórcio, tendo como

contrapartida os benefícios a serem fruídos e gastos de forma específica. Os sujeitos dos

contratos de rateio são, de um lado, o ente consorciado e, de outro, o consórcio público.

Vale dizer, cada consorciado firmará seu próprio contrato de rateio com o respectivo

consórcio, que em respeito ao princípio da anualidade orçamentária, contido na Lei

4.320/1964, terá, em regra, duração correspondente ao exercício financeiro.

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Por conseguinte, a cada ano deverá ser firmado novo contrato de rateio, com

suporte na lei orçamentária relativa àquela execução financeira. Há, entretanto, duas

exceções. A primeira é aquela em que o contrato tenha por alvo projetos contemplado

em plano plurianual, visto que este deva estabelecer diretrizes, objetivos e metas para as

despesas dos programas de duração continuada. Para tanto, os consórcios devem estar

previstos no plano plurianual dos entes políticos, encontrando a mesma correspondência

na elaboração orçamentária do próprio consórcio, como pessoa. A segunda exceção

consiste na hipótese de gestão associada de serviços públicos mantidos por preços

públicos, inclusive tarifas, por considerar que tais recursos são suficientes para dar

suporte à execução do serviço, não havendo como regra, motivo para a alocação de

recursos financeiros por parte do ente consorciado.

Quanto ao regime orçamentário, financeiro e contábil, a execução das receitas e

despesas do consórcio público deve obedecer às normas de direito financeiro aplicáveis

às entidades públicas. As normas de direito financeiro encontram-se dispersas em vários

diplomas legais e dispositivos constitucionais. O diploma básico, em nível

infraconstitucional, é a Lei 4.320/1964, que estabelece normas gerais de direito

financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços das pessoas

federativas. A Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) tem forte

presença, ao estabelecer normas de finanças públicas direcionadas para a

responsabilidade na gestão fiscal, exigindo o cumprimento de metas de resultados entre

receitas e despesas, bem como a observância de certos limites e condições para os gastos

com pessoal, renúncia de receita, operações de crédito, dívidas consolidadas e outras.

Além dos referidos diplomas, que incidem permanentemente sobre a matéria, há os

diplomas específicos, como as Leis dos orçamentos anuais, diretrizes orçamentárias e

planos plurianuais nos quais devem estar previstos a destinação de recursos aos

consórcios públicos (CARVALHO FILHO, 2009)

Vale notar que, para a compatibilização da gestão financeira e orçamentária dos

consórcios públicos com as normas de responsabilidade fiscal, previu o Decreto

6.017/2007 a regulamentação a cargo da Secretaria de Tesouro Nacional (STN), do

Ministério da Fazenda. Recentemente o STN publicou o Manual de Contabilidade

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Pública, cujos volumes estão contidos na Portaria Conjunta com a Secretaria de

Orçamento Federal SOF/STN nº2, de 06 de agosto de 2009, na Portaria STN nº 467, de

06 de agosto de 2009 e na Portaria STN nº 749, de 15 de dezembro de 2009, visando

padronizar procedimentos para a consolidação das contas públicas nos três níveis de

governo.

Nesse sentido, os registros na execução da receita e da despesa do consórcio

serão efetuados de acordo com a classificação constante da Portaria Interministerial

SOF/STN nº 163, de 04 de maio de 2001, e demais normas aplicáveis aos entes da

Federação. O consórcio deverá elaborar seu orçamento próprio com os programas,

projetos ou atividades dos consorciados. A classificação da receita e da despesa pública

do consórcio deverá manter correspondência com as dos entes consorciados. O

consórcio público, segundo o referido Manual do STN, caracteriza-se como entidade

multigovernamental, não devendo, dessa maneira, constar do orçamento do ente. Por

esse motivo, já havia sido editada a Portaria STN nº 860, de 12 de dezembro de 2005,

que determina que os consórcios públicos sujeitam-se à legislação contábil aplicável às

entidades da administração pública dos entes consorciados e às regras descritas na

referida Portaria. Assim, os recursos entregues pelo ente consorciado ao consórcio

público, em função de sua participação no mesmo, deverão ser registrados na

modalidade de aplicação “71 – Transferências a Consórcios Públicos” e nos elementos

de despesas correspondentes aos respectivos objetos de gastos. Já no consórcio público,

deverão ser classificados como receita orçamentária de transferência correspondente ao

ente transferidor, segundo o discriminado no Manual.

Por fim, o Consórcio Público estará sujeito “à fiscalização contábil,

operacional e patrimonial do Tribunal de Contas competente para apreciar as contas do

Chefe do Poder Executivo representante legal do consórcio [...]”, devendo também

prestar todas as informações financeiras necessárias aos entes consorciados para que

estes consolidem corretamente em suas contas todas as receitas e despesas realizadas. É

o comando do Parágrafo único, do art. 9º da Lei, que aparentemente tenta resolver um

hipotético conflito, ao evitar a repetição de controles das contas do Consórcio, por

Tribunais de Contas diferentes. Contudo, isso não tem e não pode ter o condão de

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afastar o controle efetuado pelo Tribunal de Contas competente para apreciar as contas

dos demais entes federativos partícipes do consórcio, sob pena de infringência às

normas constitucionais sobre fiscalização pelo Poder Legislativo, com o auxílio do

Tribunal de Contas. O Decreto 6.017/2009, também não elucidou tal questão, limitando-

se a repetir no art. 12, o entabulado pela Lei que regulamenta (CARVALHO FILHO,

2009; DI PIETRO, 2008).

2.3.2 A personificação dos consórcios

A Lei 11.107/2005 veio a mudar a natureza jurídica do consórcio,

compreendendo dois momentos distintos, o da sua constituição e o posterior a este ato.

Marçal Justen Filho (2005, p.26) precisa que a natureza jurídica do ato de

constituição dos consórcios públicos é de “contrato plurilateral”. Plurilateral,

complementa Carvalho Filho (2009, p.25), porque “comporta tantos pólos quantas

sejam as pessoas consorciadas”. Esse aspecto provoca o efeito de cada consorciado

vincular-se juridicamente a todos os pactuantes, com o que se entrelaçam as relações

jurídicas constituídas entre eles.

Partindo disto, o ajuste consorcial vai resultar na criação de pessoa jurídica,

incorporando a opção aposta no protocolo de intenções para constituir-se com

personalidade jurídica de direito público ou de direito privado. A importância de

personificar o consórcio público está no fato de propiciar o surgimento de sujeitos, a

quem serão investidas a execução de tarefas próprias dos entes federados, praticando

atos e responsabilizando-se em nome próprio, titularizando um patrimônio específico e

participando diretamente de relações jurídicas.

2.3.2.1. A personalidade jurídica de direito público

A atribuição de personalidade jurídica de direito público visa dotar a entidade

criada de competência, funções e regime próprios dos entes estatais. Equivale afirmar

que tal entidade, embora com personalidade autônoma, é um instrumento para

realização de funções propriamente públicas, o que importa em afastar a aplicação dos

princípios inerentes à organização privada (JUSTEN FILHO, 2005).

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Por assim dizer, é que Marçal Justen Filho (2005), em parecer jurídico

encomendado pelo Ministério das Cidades sobre a proposta legislativa de criação de

consórcios públicos, antevia que a sua constituição com personalidade jurídica de

direito público tornava-o uma da figura muito mais próxima à autarquia do que as

demais entidades integrantes da Administração Indireta, podendo mesmo configurar

uma “autarquia interfederativa” pela vinculação instrumental a diversos entes federados

(JUSTEN FILHO, 2005, p.19). A autarquia clássica, no direito brasileiro, consiste numa

descentralização administrativa de um ente federado, assumindo encargos que estão na

titularidade do ente que a criou.

A natureza jurídica dos consórcios constituídos com personalidade jurídica de

direito público é mesmo de autarquia, que, por força de sua peculiaridade específica,

qual seja, a de resultar do ajuste cooperativo entre pessoas públicas, foi caracterizada

como associação pública.

A associação pública, segundo expressa previsão legal (art. 6,§1º) integra a

Administração Indireta de todos os entes consorciados, ou seja, a pessoa de direito

público criada vai integrar, ao mesmo tempo, a Administração Indireta de diversos entes

políticos consorciados.

Por conseguinte, Carvalho Filho (2009, p.29) assevera que “tais pessoas

consorciais têm a natureza jurídica de autarquias associativas, criadas sob a forma de

associações públicas”.

A corroborar o exposto, vale notar que a Lei de Consórcios Públicos alterou a

redação do art. 41, do Código Civil Brasileiro, o qual relaciona as pessoas jurídicas de

direito público interno, e, em seu inciso IV, onde constava a figura “as autarquias”,

passou a constar “as autarquias, inclusive as associações públicas”.

O início da personalidade jurídica na pessoa jurídica de direito público é

condicionado à vigência das leis de sua criação, que, no caso, são as leis de ratificação

do Protocolo de Intenções por cada ente associado. Significa dizer que enquanto o

Protocolo de Intenções não for ratificado por lei, não estará criado o consórcio público.

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Nesse ponto reside uma dificuldade: a determinação do momento exato de

criação da associação pública. As Casas Legislativas dos entes federativos que

pretendem se consorciar devem ratificar, por meio de lei, o protocolo de intenções. O

protocolo de intenções é uma espécie de minuta do contrato de consórcio, que após a

vigência das leis de ratificação converte-se no contrato de consórcio. A Lei 11.107/2005

tenta responder tal questão, em seu art. 5º, parágrafo primeiro: “O contrato de consórcio

público, caso assim preveja cláusula, pode ser celebrado por apenas uma parcela dos

entes da Federação que subscreveram o protocolo de intenções” Apesar de não haver

aparente problema, quando se vai à realidade da separação dos poderes, legislativo e

executivo municipais, bem se encontra certa preocupação do executivo em aprovar

determinados pleitos no legislativo, necessitando mesmo de costuras políticas, o que

pode vir a atrasar ou mesmo sobrestar o processo de formação dos consórcios. Em que

pese tal ocorrência, mesmo meritória, não há aqui espaço para o aprofundamento da

questão, restando, por outro lado mais objetivo, as posições doutrinárias divergentes no

assunto.

Di Pietro (2008, p.242) advoga o entendimento de que devam ser

“promulgadas tantas leis quantas forem necessárias para o funcionamento adequado do

consórcio”, mas devendo-se entender que “a personalidade jurídica surge em momentos

diferentes para cada qual”, o que ela mesma retrata como um evidente “absurdo, mas é o

que decorre da lei”. Já Odete Medauar e Gustavo de Oliveira (2006, apud Carvalho

Filho, 2009, p.30) sustentam que “a personalidade se adquire mediante a vigência de

parcela das leis de ratificação, exigindo-se número suficiente de forma a caracterizar um

consórcio”.

Carvalho Filho (2009, p.31) diverge de ambos os entendimentos: do primeiro

pela subjetividade; do segundo por entender uma ofensa ao princípio da unidade da

pessoa jurídica, pelo qual a pessoa á uma e só pode haver um momento para o início de

sua personalidade. Precisa o autor que “o início da personalidade jurídica do ente

consorcial só ocorrerá com a vigência da última lei de ratificação do protocolo de

intenções” (grifos do autor). Explica que, isto ocorrerá tanto para o caso de participação

integral de todos os entes que firmaram o protocolo, quanto para o caso de o consórcio

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ser celebrado por apenas uma parcela dos subscritores do protocolo, quando incidirá a

cláusula de início de vigência, preestabelecida nos termos do citado parágrafo primeiro,

art. 5º, da Lei 11.107/2005. Sendo assim, a personalidade jurídica terá existência legal a

partir da vigência da última lei de ratificação promulgada pelo ente federativo que

integrar a parcela dos consorciados.

A prática consorcial tem ditado constar cláusula no protocolo de intenções,

estabelecendo um quantitativo mínimo de leis vigentes como marco inicial do

Consórcio Público. De fato, se isto não põe um termo final à questão, pode facilitar o

poder de diálogo entre os municípios, considerando, na proporção, o peso de cada

Executivo municipal dentro de suas respectivas Casas Legislativas.

Nesse sentido, tome-se como exemplo, o Consórcio Público para Tratamento e

Destinação Final Adequada de Resíduos Sólidos da Região Norte do Estado do Espírito

Santo – Conorte, no qual, além dos municípios, também o Estado participa diretamente

do polo consorcial. O Espírito Santo tem na sua carteira de projetos prioritários de

governo, o “Espírito Santo sem Lixão”, visando à destinação final adequada dos

resíduos sólidos urbanos. Por todas as respectivas leis de ratificação dos entes

signatários do referido consórcio, cite-se a Lei 8.869, de 15 de maio de 2008, daquele

Estado.

2.3.2.2 A personalidade jurídica de direito privado

Ao lado da possibilidade de constituição de uma associação pública, a Lei de

Consórcios autoriza a criação de uma pessoa jurídica de direito privado. Entretanto,

nesta hipótese, nem a referida Lei e tampouco o seu Decreto regulamentador

especificaram a categoria de pessoa jurídica em que este deva enquadrar-se, limitando-

se à previsão de uma “pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos” (art. 4º,

inciso IV, Lei 11.107/2005).

No Direito Civil, a destinação da entidade a fins econômicos é o ponto

primário de distinção entre as sociedades e as associações, aquelas direcionadas, e estas

não, à atividade e objetivos econômicos. Todavia, não apenas as associações estão

afastadas de fins econômicos; as fundações também estão. Assim, o fato de o legislador

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ter-se referido à expressão “sem fins econômicos” não induziria, de plano, à idéia sobre

qual a categoria de pessoa privada em que seria enquadrado o consórcio.

Diógenes Gasparini (2006, apud CARVALHO FILHO, 2009, p.33) entende

que pode ser instituída “fundação, se a aglutinação de pessoas consorciadas se inclinar

para a personalidade jurídica de direito privado.” Carvalho Filho (2009) discorda,

considerando que fosse uma fundação, teria que ser uma fundação privada, regida pelo

Direito Civil, o que demanda a figura do instituidor, que é quem define o objetivo a que

a entidade se destina (art. 62, Código Civil), tornando-se incompatível com a pessoa

consorcial. Ademais, a fundação teria que se vincular aos entes federativos consorciados

e essa circunstância afastaria a função do Ministério Público de velar pelas entidades

fundacionais, função inafastável quando se trata de funções eminentemente privadas,

conforme art. 66, Código Civil (CARVALHO FILHO, 2009).

Em que pese tais considerações, firmam-se Carvalho Filho (2009) e Di Pietro

(2008), acompanhados por ampla doutrina, pelo caráter associativo do negócio jurídico

formador do consórcio neste regime, aproximando-se do previsto no art. 15 da Lei

11.107/2005, qual seja, “no que não contrariar esta Lei, a organização e funcionamento

dos consórcios públicos serão disciplinados pela legislação que rege as associações

civis.”, para dizer que a única natureza jurídica possível quando pessoa jurídica de

direito privado, já que a lei abriu tal opção, é de associação civil.

Mas, muito antes de tal controvérsia, a matéria relativa à formação de

consórcios públicos, com personalidade jurídica de direito privado, encontra fortes

oposições quanto ao seu próprio cabimento. A doutrina majoritária desabafa que isto

mais parece uma aberração legislativa, frisando, inclusive, que o Projeto de Lei nº

3.884/2004, que deu origem à Lei do Consórcio Público, somente previa a criação de

pessoa jurídica de direito público.

De um lado, sustenta-se pela inadequação da utilização de pessoa de natureza

privada para gerir consórcio entre pessoas políticas, notadamente quando algumas

competências conferidas aos consórcios reclamem o regime de direito público, diferente

de outras situações em relação às quais é cabível e adequada a atuação do Estado por

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pessoas de natureza privada. Nesse sentido: Alice Gonzales Borges, Floriano de

Azevedo Marques Neto, José dos Santos Carvalho Filho, Odete Medauar e Gustavo

Justino de Oliveira, e outros tantos.

De outro lado, mas não muito distante, Wladimir Ribeiro (2007) entende ser

possível tal modelagem de direito privado, podendo adotar o formato de associação civil

ou de fundação, mas recomenda a adoção do formato jurídico de direito público.

Observa, que a personificação de direito privado não a retira por completo do regime de

direito público, visto que deva guardar obediência às normas de direito público no que

se refere, por exemplo, à admissão de pessoal, contratações, estruturação do orçamento,

execução de receitas e despesas, prestação de contas do Tribunal de Contas. Ademais,

reforça que os consórcios públicos de direito privado têm um campo de atuação mais

limitado que o de direito público, exemplificando que não podem, a rigor, exercer atos

de autoridade sobre direitos de particulares, o que não ocorre com as associações

autárquicas, que por sua natureza, podem ter o poder de polícia.

Há outra controvérsia que se soma a tal celeuma. Ao contrário do que ocorre

com as associações públicas, a Lei nº 11.107/2005, silencia sobre o fato dos consórcios

públicos firmados como pessoas jurídicas de direito privado integrarem (ou não) a

esfera da administração pública indireta dos entes criadores.

Um primeiro exame conduz à conclusão de que, se no tratamento aos

consórcios públicos de direito público a lei expressamente integrou-o à administração

pública indireta, a contrario sensu, os consórcios públicos constituídos como pessoas

jurídicas de direito privado não estariam incluídos na administração indireta dos seus

componentes. Excluídos da Administração Indireta, estaria justificado o enquadramento

da pessoa jurídica de direito privado como associação civil, prevista no art. 44, I, do

Código Civil. É a lógica de Odete Medauar e Gustavo Justino de Oliveira (2006), e

também Souto (2005) faz distinção.

Em linha oposta de enfrentamento, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2008) e

Carvalho Filho (2009), entendem que qualquer que seja a personalidade jurídica eleita, o

Consórcio integrará a Administração Indireta dos entes associados, pois executa

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atividades descentralizadas da competência destes entes que se consorciaram. Wladimir

Ribeiro (2007) também considera que os consórcios públicos de direito privado fazem

parte da Administração Indireta dos entes pactuantes.

Hely Lopes Meirelles (2005) não se posiciona, mas faz uma ressalva a respeito,

adotando uma linha preventiva. Entende que o fato da Lei não o inserir na

Administração Indireta dos entes criadores deve ser levado em conta na fixação das

competências a serem transferidas para o consórcio.

Com efeito, o que importa saber nesse aspecto, é que, qualquer que seja a

forma de constituição de um consórcio público, este será regido pelas normas de direito

público, vez que é constituído por pessoas públicas. Entretanto, quando sua constituição

se der sob a forma de pessoa jurídica de direito privado, este se submeterá a um regime

híbrido e se regerá pelas normas de direito civil em tudo aquilo que não for

expressamente derrogado por normas de direito público (CARVALHO FILHO, 2009;

DI PIETRO, 2008). É o que admite a própria Lei nº. 11.107/2005, sujeitando os

consórcios públicos criados como pessoas de direito privado às leis de direito público,

quando dispõe, em seu art. 6º, inciso II, §2º, que, o consórcio público revestido de

personalidade jurídica de direito privado observará as normas de direito público no que

concerne à realização de licitação, celebração de contratos, prestação de contas e

admissão de pessoal, que será regido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.

Aceita a constituição do consórcio público com natureza jurídica de direito

privado, sem fins econômicos, o início de sua personalidade decorrerá, não apenas da

necessária vigência das leis de ratificação do Protocolo de Intenções. Após superar essa

etapa, segundo o art. 7º, do Decreto 6.017/2007, o consórcio público deverá cumprir

uma exigência adicional, que é o atendimento aos requisitos estabelecidos na legislação

civil para sua constituição. Aplica-se aqui o art. 45 do Código Civil. Assim, o início de

sua personalidade jurídica será a data de inscrição do ato constitutivo em cartório. Desse

modo, deverá ser levado à registro o estatuto da associação em que se formalizar o

consórcio público.

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2.3.3 Privilégios dos consórcios públicos

A primeira vantagem de constituir um consórcio público para gestão associada

de serviços públicos é a formação de uma pessoa jurídica, que responderá em nome

próprio por direitos e obrigações, tornando a relação mais sólida e imparcial ao

favorecer o conjunto de entes federativos abrigados na relação, sempre por decisão de

uma Assembléia Geral.

A Lei nº. 11.107/2005 conferiu alguns privilégios aos consórcios públicos,

independentemente de adquirirem natureza pública ou privada:

a) limites mais elevados para fins de escolha da modalidade de licitação (parágrafo

oitavo do art. 23 da Lei nº. 8.666/1993, acrescentado pela Lei nº. 11.107/2005);

b) valores mais elevados para a dispensa de licitação em razão do valor, prevista no

art. 24, incisos I e II, da Lei nº. 8.666/1993, conforme alteração introduzida no

parágrafo único do art. 24 pela Lei nº. 11.107/2005.

c) possibilidade de ser contratado pela administração direta ou indireta dos entes da

Federação consorciados, com dispensa de licitação (art. 2º, parágrafo primeiro,

inciso III);

d) poder de dispensar a licitação na celebração de contrato de programa com ente da

Federação ou com entidade de sua administração indireta para a prestação de

serviços públicos de forma associada, nos termos do autorizado em contrato de

consórcio público ou em convênio de cooperação (art. 24, XXVI, da Lei nº.

8.666/1993, acrescentado pela Lei nº. 11.107/2005);

e) confere prioridade ao ente federativo que realize ações por consórcio público nas

transferências voluntárias da União (art. 37, do Decreto nº 6.017/2007);

f) possibilidade de o consórcio público executar programas federais de caráter local,

mediante delegação da União por convênio administrativo (art. 38, do Decreto nº

6.017/2007);

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g) possibilidade de estados e municípios executarem, por meio de consórcio público,

ações ou programas a que sejam beneficiados por meio de transferências voluntárias

da União (parágrafo único do art. 38, do Decreto nº 6.017/2007).

Em que pese a opção dada pela Lei federal, os consórcios públicos constituídos

sob regime de direito público guardam vantagens em relação aos consórcios

constituídos sob regime de direito privado.

Mesmo conferindo, no art. 37 do Decreto nº 6.017/2007, a preferência de

transferências voluntárias2 para entes federativos que participem de consórcios públicos,

o Governo Federal, de forma contraditória, discrimina os consórcios em razão da

natureza de sua personalidade jurídica, ao decretar, no art. 39, que, “A partir de 1º de

janeiro de 2008 a União somente celebrará convênios com consórcios públicos

constituídos sob a forma de associação pública ou que para essa forma tenham se

convertido”. Em outras palavras, embora a lei faculte a instituição do ente consorcial

como pessoa de direito público ou de direito privado, a União, ao ditar para si mesma

que só realizaria convênio com consórcio público na forma de associação pública,

sabendo-se que tais convênios prestam-se justamente à transferência de recursos

financeiros, termina por afastar a opção pela forma de direito privado na constituição

dos consórcios, vez que todos os entes federativos são dependentes e disputam recursos

da União.

Observe-se, apenas pela literalidade dos dispositivos que, tanto o art. 37 como

o art. 39 tratam de transferência de recursos financeiros da União, sendo que no

primeiro, a preferência na transferência voluntária é para valorizar entes federativos que

prestigiem o instituto do consórcio público na realização de suas ações; no segundo a

transferência de recursos é para o próprio consórcio público de direito público, por meio

de um convênio administrativo. Em ambos os casos, é condição indispensável a

inexistência de débitos dos entes federativos com a União para que tais repasses sejam

efetivados.

2 Para efeito da Lei complementar nº 101/2000, art. 25, “entende-se por transferência voluntária, a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde."

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A discriminação entre os regimes também foi feita pela Lei nº 11.445, de 05 de

janeiro de 2007, norma geral de Saneamento Básico, que permite apenas aos consórcios

públicos de direito público o exercício das atividades de regulação e fiscalização na

prestação regionalizada de serviços públicos de saneamento básico.

As associações públicas, como espécies de autarquia, submetem-se ao regime

jurídico de direito público, daí advindo todas as prerrogativas próprias dessa categoria

de pessoas, como imunidade tributária (art. 150, parágrafo segundo, CF);

impenhorabilidade de seus bens e pagamento pelo sistema de precatórios (art. 100, CF);

imprescritibilidade de seus bens, não sujeitos estes à aquisição por usucapião (art. 102,

Código Civil); preservação patrimonial, só podendo ser alienados seus bens na forma

que a lei determinar (art. 17, incisos I e II, Lei 8.666/93); prescrição quinquenal de

dívidas e direitos em favor de terceiros (Decreto 20.910, de 06 de janeiro de 1932);

prerrogativas processuais (arts. 188 e 475, incisos I e II, Código de Processo Civil), tais

como, processo especial de execução, juízo privativo, prazos dilatados em juízo, duplo

grau de jurisdição, dentre outras (DI PIETRO, 2008).

O consórcio público de direito público adquire ainda o poder de promover

desapropriações e instituir servidões nos termos de declaração de utilidade ou

necessidade pública, ou interesse social, realizada pelo Poder Público (art. 2º, parágrafo

primeiro, inciso II da Lei 11.107/05). Aqui, parte da doutrina, capitaneada por Souto

(2005), entende ser atributo próprio dos consórcios públicos de direito público. De outro

lado, Carvalho Filho (2009) e Di Pietro (2008) defendem o cabimento para ambas as

formas de constituição dos consórcios. Em que pese o mérito das opiniões, o art. 10, III,

do Decreto 6.017/07, destina tal poder expressamente às associações públicas.

2.3.4. Aspectos existenciais dos consórcios públicos

A constituição dos consórcios públicos tem como primeiro ato formal a

subscrição do Protocolo de Intenções pelos Chefes do Executivo, como manifestação de

interesse em celebrar um acordo de vontades para a consecução de objetivos

determinados. Entretanto, tal intenção não se traduz em compromisso de celebrar o

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consórcio, nem implica na assunção de direitos e obrigações. No protocolo apenas se

definem as cláusulas e condições que serão observadas, caso o consórcio venha a ser

efetivado. Os entes que subscrevem o protocolo não são obrigados a ratificá-lo, não há

penalizações para isso; ou até mesmo podem ratificá-lo com reservas (ato pelo qual ente

da federação não ratifica, ou condiciona a ratificação, de determinados objetivos ou

cláusulas do protocolo de intenções), que, aceitas, implicarão em consorciamento

parcial ou condicional. Os consórcios têm a característica da voluntariedade, em

respeito à autonomia do ente federativo.

O paradoxo ou tensionamento da voluntariedade no consorciamento, podendo

o ente se retirar a qualquer tempo, desde que cumpridos determinados requisitos

previamente estabelecidos, aparece na imposição de sua utilização quando se pretende

prestar serviços públicos em regime de gestão associada. Há vedação expressa na Lei

11.107/2005, art. 18, para a celebração de contrato ou outro instrumento congênere que

tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem

observar as formalidades previstas em lei, sob pena de caracterizar ato de improbidade

administrativa, alterando, nesse sentido, a redação do inciso XIV, art. 10, da Lei

8.429/1992. O art. 30, §2º do Decreto 6.017/2007, por sua vez, dispõe que, a partir de 07

de abril de 2005, quando foi publicada a Lei 11.107, constitui ato de improbidade

administrativa a celebração de contrato ou outro negócio jurídico “que tenha por objeto

a prestação de serviços públicos por meio de cooperação federativa sem a celebração de

contrato de programa, ou sem que sejam observadas outras formalidades previstas em

lei.

Importante observar que o contrato de programa tanto pode estar vinculado a

um consórcio, como pode ser dele destacado, permanecendo autônomo, mas em ambos

os casos haverá gestão associada. Embora existam outras considerações neste ponto, o

que mais se destaca na autonomia dos contratos de programa é sua ultratividade fixada

por lei. Assim, tanto nos casos de o consórcio vir a ser extinto, como nos casos do ente

federativo se retirar do consórcio, o contrato de programa permanecerá vigente e eficaz

regulando as obrigações específicas que foram contraídas, e que não se confundem com

as advindas do instrumento anterior de autorização. A extinção de um contrato de

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programa depende do prévio pagamento das indenizações previstas. Significa assim, que

nenhuma das partes pode eximir-se de cumprir tais obrigações sob alegação de que foi

extinto o consórcio ou o contrato de programa.

Tanto para entrar, como para dele se retirar, há a presença da voluntariedade,

em respeito à autonomia federativa. É vedado, conforme expressa o art. 24 do Dec.

6.017/2007, obrigar o ente federativo a se consorciar e a permanecer no Consórcio. A

retirada voluntária resulta de decisão do próprio ente consorciado, devendo ocorrer por

ato formal de seu representante na assembleia geral, na forma que previamente ficou

determinada na lei de sua criação, ou seja, deverá estar previsto, já no protocolo de

intenções que será ratificado por lei, cláusula discriminando tal formalidade e seu

procedimento, bem como a possível hipótese de um retorno ao consórcio. Já os casos de

extinção ou alteração dos contratos de consórcio dependem da apresentação de

instrumento aprovado pela assembleia geral, cabendo à lei de todos os participantes

proceder à sua ratificação. A exceção à exigência de lei para ratificar a alteração dos

contratos de consórcio dá-se, segundo Carvalho Filho, 2009, p.123, quando “Somente

alterações de fundo devem reclamar o mencionado procedimento, e por alterações de

fundo podem ser consideradas aquelas relacionadas às cláusulas necessárias do

protocolo de intenções.” Se a pessoa nasce de uma lei, por uma lei ela se altera, por uma

lei ela termina sua existência.

É de extrema importância que na elaboração do protocolo de intenções

questões peculiares sejam levantas e discutidas, inclusive as decorrentes da retirada de

um ente e da extinção do consórcio, como por exemplo, o consórcio público que

pretenda contratar PPP para prestar um serviço público essencial, o que significa dizer

que não pode sofrer descontinuidade - na hipótese de extinção do consórcio, quem

assume o polo concedente e como fica a prestação do serviço nos demais municípios?

Como assegurar a solidez do consórcio sem determinado ente? Como garantir o

concessionário ou reequilibrar o contrato? Enfim, diferentes questões práticas podem de

fato ocorrer, sendo necessário constar tais apontamentos na lei de ratificação, e

posteriormente especificar no contrato de programa e/ou no contrato de concessão,

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todos os aspectos e consequências, em nome da regulação do serviço e governança da

Administração.

Em relação ao regime de pessoal dos consórcios, a controvérsia existente se dá

quanto à possibilidade das associações públicas adotarem o regime celetista,

considerando que a sua natureza jurídica de autarquia, carreia o regime estatutário. E

isto geraria a problemática do servidor estatutário, concursado por uma pessoa

interfederativa, na extinção do consórcio público não pertencer a nenhum dos

municípios antes consorciados.

A Lei 11.107/2005, em seu art. 6º, §2º, dispõe que no caso de se revestir de

personalidade jurídica de direito privado, o consórcio público observará as normas de

direito público no que concerne à admissão de pessoal, “que será regido pela

Consolidação das Leis do Trabalho – CLT”. Por outro lado, sem precisar o regime de

pessoal dos consórcios públicos de direito público, o art. 4º, IX, do referido diploma

legal, considera cláusula necessária a que indique o número, as formas de provimento e

a remuneração dos “empregados públicos”. A interpretação literal dos referidos

dispositivos é a de que “o pessoal dos consórcios se submeterá ao regime trabalhista

(ou regime de emprego público) seja qual for a forma pela qual se constitua” (JUSTEN

FILHO, 2009, p.38).

Entretanto, Marcos Paulo Marques Araújo (2008), sem contestar um quadro

próprio do consórcio, e mesmo entendendo que a disciplina viável é o regime celetista,

por conferir maior flexibilidade e uniformidade, adverte, seguido por Oliveira (2009),

para a existência da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2135/2000, originária do

Distrito Federal, na qual o Partido dos Trabalhadores requer a declaração de

inconstitucionalidade da alteração produzida pela EC 19/98 no art. 39 da Constituição

Federal, por eliminar o regime jurídico único da Administração Direta, autárquica e

fundacional, que, em regra, era considerado o estatutário e passaria a misto.

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Ocorre que o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu, em sede de liminar3,

a eficácia do art. 39, caput, em sua nova redação, restabelecendo a adoção do regime

jurídico único. A partir de tal deferimento cautelar, não é mais possível a contratação de

empregados públicos, ainda que a legislação infraconstitucional traga tal previsão, ao

menos até que sobrevenha a decisão final do STF.

Então, para dar efetividade a essa decisão do STF, diante do caráter

interfederativo do Consórcio Público, considerando, ainda, que o regime estatutário é

definido por lei de cada ente federativo, e não sendo possível um ente fixar regras de

pessoal para outro ente ou mesmo renunciar desta competência no protocolo de

intenções, a solução apontada pela doutrina e utilizada na prática é a cessão de

servidores públicos pelos entes consorciados ao consórcio, o que é reconhecido pela Lei

11.107/2005, art. 4º, §4º, e art. 23 do Decreto 6017/2007. Nesse caso, os servidores

permanecem submetidos ao regime de pessoal originário. E, se a cessão for com ônus

para a origem, os pagamentos podem ser contabilizados como créditos hábeis para

operar compensação no contrato de rateio. Quando extinto o consórcio, tais servidores

retornam para suas respectivas Administrações de origem (OLIVEIRA, 2009; SOUTO,

2005).

Dito isto, vale lembrar que não há criação de cargo público sem lei, portanto,

independente do regime a ser adotado, é cláusula necessária no protocolo de intenções a

previsão do quadro de pessoal (empregados públicos do consórcio) e a respectiva

remuneração, já que passará por ratificação no legislativo.

Em relação a autorização para gestão associada de serviço público que deva

constar no protocolo de intenções, esta deve ser acompanhada das seguintes definições:

a) as competências cujo exercício se transferiu ao consórcio; b) os serviços públicos

objeto da gestão associada e a área em que serão prestados; c) a autorização para licitar

ou outorgar concessão; d) as condições a que deve obedecer o contrato de programa, no

caso de a gestão associada envolver também a prestação de serviços por órgão ou

entidade de um dos entes da Federação consorciados; e) os critérios técnicos para

3 STF, ADI Nº 2135 MC/DF, Pleno, Rel. p/ acórdão Min. Ellen Gracie, julgamento 02/08/07 (Informativo nº 474 do STF)

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cálculo do valor das tarifas e de outros preços públicos, bem como para seu reajuste ou

revisão.

Há aqui uma bifurcação, na decisão pela forma de prestação do serviço:

contrato de programa ou contrato de concessão. Muito embora o contrato de programa

seja uma ferramenta de manobra importante, por obediência ao tema do presente

trabalho, o foco da análise restringe-se no segundo contrato, no qual se verifica a

possibilidade do consórcio público de direito público tomar a posição de poder

concedente, licitar e delegar a prestação do serviço, centralizando nele o planejamento, a

regulação e a fiscalização dos serviços.

2.4. Prestação de Serviços Públicos na Gestão Associada

Serviço público, conforme ensinamento de Meirelles (2005), é todo aquele

prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais,

para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples

conveniências do Estado.

Não são todos os serviços públicos que comportam administração conjunta.

Muitos deles, no entanto, não somente aconselham, como na verdade, reclamam,

exigem o auxilio mútuo entre seus titulares, para que, em última instância, beneficiem

realmente seus destinatários últimos, os indivíduos da coletividade.

A gestão associada de serviços públicos, conforme definição do Decreto

6.017/2007, art. 2º, inciso IX, compreende o exercício conjunto das atividades de

planejamento, regulação ou fiscalização de serviços públicos, que podem ou não ser

acompanhados da prestação destes serviços delegada ao Consórcio.

Importa observar que a Lei de Consórcios veda a transferência dos poderes

básicos e inerentes ao serviço sob consórcio – planejar, regular e fiscalizar – ao outro

pactuante quando este for o prestador do serviço. Tais funções espelham poderes de

direção, que não comportam renúncia pelo ente titular do serviço, mesmo que o

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contratado possa auxiliar o contratante titular naquelas tarefas. “O que não se pode é ser

o titular excluído de participar do processo de planejar, regular e fiscalizar. Se assim

fosse, não teria sentido falar-se em gestão associada” (CARVALHO FILHO, 2009,

p.153).

O referido Decreto conceitua, no art. 2º, inciso XIII, o que vem a ser a

prestação de serviço público em regime de gestão associada:

execução, por meio de cooperação federativa, de toda e qualquer atividade ou obra com o objetivo de permitir aos usuários o acesso a um serviço público com características e padrões de qualidade determinados pela regulação ou pelo contrato de programa, inclusive quando operada por transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos (grifos nossos)

Em sentido amplo, a gestão associada e a transferência de serviços são

consideradas como objetivos gerais dos Consórcios, sendo que estas podem se

desenvolver sobre qualquer serviço público de interesse comum dos gestores. O Decreto

6.017/2007, em seu art. 3º, relacionou, em caráter meramente exemplificativo, diversos

objetivos específicos para os consórcios, sendo lícito que os entes consorciados possam

proceder ao ajuste em relação a todos ou somente a parte deles.

Em sentido estrito, o Decreto 6.017/2007, no inciso XIV, do art. 2º, definiu que

a gestão associada se refere a serviços públicos que possam ser remunerados por taxa ou

preço público, inclusive tarifa. Aqui a norma delimitou o foco da gestão associada nos

serviços públicos de natureza econômica, quando então entra em voga a utilização dos

contratos de programa ou dos contratos de concessão.

Um exemplo no caminho inverso, é o consórcio de saúde, por cuidar de

atividades que não podem ser remuneradas por taxa ou tarifa, é um consórcio que não

possui por finalidade a gestão associada de serviços públicos em sentido estrito. Neste

caso o que ocorre é a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens

essenciais à continuidade dos serviços transferidos, que passam a ser executados pelo

consórcio (CAMPOS; MONTENEGRO, 2009).

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A hipótese de prestação de serviços públicos em regime de gestão associada,

em que se afasta a figura dos contratos de programa, é quando ele cede lugar aos

contratos de concessão. Ambos os instrumentos contratuais espelham a delegação total

ou parcial da execução de um serviço público sob gestão associada, diferenciando-se por

sua execução. Na concessão o executor é empresa da iniciativa privada, ao passo que no

contrato de programa, o executor é entidade administrativa. Em quaisquer dos casos,

deverá haver previsão expressa no contrato de consórcio, de acordo com os objetivos

que levaram à sua formação.

Destarte, a Lei 11.079/2004, ao alinhar as parcerias público-privadas ao modelo

de concessão, deixa a abertura para sua utilização na contratação da prestação de

serviços públicos em regime de gestão associada por Consórcios Públicos.

Verifica-se, até aqui, de um lado a prestação do serviço via PPP, de outro o

consórcio, com a regulação e a fiscalização. O planejamento é do titular de serviço

público, ou seja, do ente da Federação a quem compete provê-lo. A teor do art. 174 da

Constituição Federal, como agente normativo e regulador da atividade econômica, o

Estado exercerá as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este

determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. Cada titular de

serviço público deverá fazer valer de sua autonomia para identificar, qualificar e

quantificar todas as ações por meio das quais um serviço público deva ser prestado, no

âmbito local, elaborando as respectivas políticas públicas e editando planos diretores

para prestação do serviço.

Essa segregação de funções ficou mais evidente a partir da Lei nº 11.445, de 05

de janeiro de 2007 (LSB), marco regulatório dos serviços de saneamento básico, que,

conforme observam os autores consultados, por todos Souto (2005), é o mote dos

consórcios públicos. O titular de um serviço é o ente da Federação a quem compete

prover o serviço, conforme competência constitucionalmente definida. A Lei de

Saneamento Básico (LSB), ao tratar do exercício da titularidade destes serviços,

explicita em seu art. 8º que os titulares “poderão delegar a organização, a regulação, a

fiscalização e a prestação desses serviços, nos termos do art. 241 da Constituição

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Federal e da Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005”, omitindo a possibilidade de

delegação do planejamento.

Contudo, a LSB, apertando o cerco, introduz, no cenário da gestão de serviços

públicos de saneamento básico, o conceito de prestação regionalizada de serviços

públicos, conforme art. 14 da referida Lei, caracterizando-a pela existência de um único

prestador para vários municípios; pela uniformidade de fiscalização e regulação dos

serviços, inclusive de sua remuneração; e, pela compatibilidade de planejamento.

Para tanto, em seu art. 15, discrimina a possibilidade do exercício das

atividades de regulação e fiscalização, especificamente por consórcio público de direito

público ou por convênio de cooperação tratado no art. 241 da CF, deixando que o titular

dos serviços, no caso, municípios, recebam a cooperação técnica do Estado em que

estão inseridos para a atividade de planejamento (Parágrafo único, art. 15 da LSB).

Inobstante o que parecia ser o entendimento, de que mesmo nos casos de

prestação regionalizada de serviços cada titular deveria elaborar seu próprio plano de

saneamento básico, o recente Decreto 7.217, de 21 de junho de 2010, regulamentando a

LSB, esclareceu a mens legis. Pela LSB, em seu art. 17, o serviço regionalizado “poderá

obedecer a plano de saneamento elaborado para o conjunto de municípios atendidos”

(grifos nossos); pelo Decreto, em seu art. 43, “o serviço regionalizado de saneamento

básico poderá obedecer a plano de saneamento básico elaborado pelo conjunto de

municípios atendidos” (grifos nossos). Infere-se disso, que, preenchidas as

condicionantes da prestação regionalizada de serviço, o consórcio pode também agregar

o que antes estava obscuro na LSB.

Desta feita, pode-se vislumbrar um arranjo institucional em que o Consórcio

Público de direito público licita a contratação das parcerias público-privadas para a

concessão dos serviços, ficando com a competência de regulação, para disciplinar ou

organizar a sua prestação, bem como a correspondente fiscalização, por atividades de

acompanhamento, monitoramento, controle ou avaliação. E, se também for assim

designado, poderá elaborar o plano de saneamento do conjunto dos municípios, no

sentido de garantir a utilização, efetiva ou potencial, do serviço público.

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Observe-se, aqui, ao contrário do que pareça, órgão regulador não é sinônimo

de agência reguladora, mas esta última poderá ser empregada dependendo do porte do

Município. Trata-se de designar um órgão ou uma entidade dentro da Administração

Pública, que deverá desempenhar as funções regulatória/fiscalizatória, mas não seja

prestador dos serviços.

Nesse sentido, a figura dos consórcios públicos, ao somar as forças dos entes

federativos, titulares de serviço público, surge como uma das vias para implementação

do processo de regionalização, podendo ser designados, inclusive, como verdadeiras

entidades reguladoras regionais, possibilitando a implantação de uma gestão adequada

de serviços.

Inobstante isso, se por um lado, a instituição dos consórcios públicos pode

representar uma via segura para a implantação da gestão associada, por outro deve ser

levado em consideração a sustentabilidade na prestação do serviço. Fixa-se, nesse ponto,

o encontro da PPP, como concessão especial, para viabilizar a prestação de serviços

públicos objeto de gestão associada. É o que pretende se enfrentar no Capítulo 3, a

seguir.

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CAPÍTULO III

PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NA GESTÃO ASSOCIADA POR CONSÓRCIOS PÚBLICOS

3.1. A Sinergia das Parcerias Público-Privadas e dos Consórcios Públicos

No exame das possibilidades para a solução racional e coordenada de

problemas dos Municípios, em nível de cooperação associada, destaca-se a utilização

das parcerias público-privadas por consórcios públicos.

A ampla maioria dos autores nacionais vem igualmente acenando para o

amadurecendo de tal possibilidade, inclusive o próprio co-autor do anteprojeto da Lei

11.075/2005, Wladimir Ribeiro, conforme menciona Alice Gonzalez Borges (2006).

Não há nenhum impedimento constitucional ou legal para a formulação de um

arranjo institucional vertendo os institutos do Consórcio Público e da PPP para a

execução indireta de serviços públicos em gestão associada por concessão em parceria

público-privada.

Em Exposição de Motivos ao projeto de lei sobre as diretrizes aplicáveis aos

resíduos sólidos, datada de 4 de julho de 20074, a então Ministra de Estado do Meio

Ambiente já enfatizava a necessidade de integração das Leis de Consórcios Públicos e

de Parcerias Público-Privadas – PPP´s para viabilizar novos arranjos visando ao ganho

de eficiência na gestão e à redução de custos.

Os serviços públicos de saneamento básico, prestados de forma regionalizada,

são emblemáticos para a formação de consórcios públicos de direito público, como

requer a Lei de Saneamento Básico (LSB). Exemplos práticos no setor de saneamento

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podem resolver graves questões, enfrentadas em nível nacional, tais como, o

esgotamento sanitário e os lixões.

A despeito do silêncio da LSB - Lei 11.445/2007, não se pode reputar que o

saneamento básico seja área infensa à adoção de PPPs. Bem ao contrário. O art. 28, §2º

prevê que podem ser adotados subsídios tarifários e não tarifários (ou fiscais) para os

usuários e localidades que não tenham capacidade de pagamento ou escala econômica

suficiente para cobrir o custo integral dos serviços. Esta é exatamente a lógica das

concessões patrocinadas ou administrativas: possibilitar a adoção de um regime de

concessão em atividades ou serviços economicamente insustentáveis por si sós.

A despeito disso, há, de fato, obstáculos difíceis de serem superados

isoladamente por Municípios, um deles está no valor mínimo de contratação de PPP em

R$ 20.000.000,00 (vinte milhões) de reais, tornando-a distante da realidade financeira

da ampla maioria. Os poucos Municípios que se utilizam das parcerias público-privadas

são os detentores de maior poder econômico.

Nesse sentido, reunidos em consórcio, projetos que envolvam infraestrutura

destinada à prestação de serviços comuns vão superar, certamente, o valor mínimo de

contrato das PPPs, e, conformando-se aos prazos de contratação entre o mínimo de 5

(cinco) e o máximo de 35 (trinta e cinco) anos, previsto na Lei 11.079/2004.

Mais um ponto favorável à formação de Consórcios, é que, mesmo com o

prazo contratual estabelecido, entre o mínimo de 5 (cinco) e o máximo de 35 (trinta e

cinco) anos, para a amortização dos investimentos do parceiro privado, há a limitação da

capacidade de endividamento do ente federativo, em 3% (três por cento) da receita

corrente líquida para a soma das despesas de caráter continuado derivadas do conjunto

de parcerias contratadas. Tal limite deve ser respeitado por responsabilidade fiscal e por

ser condição para o recebimento de transferências voluntárias da União, conforme o

disposto no art. 28, caput, da Lei 11.079/2004, com redação alterada pela Lei

4 Exposição de Motivos nº. 58/MMA/2007 ao Projeto de Lei 1.997/2007. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/projetos/EXPMOTIV/MMA/2007/58.htm. Acesso em 21/04/2009.

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12.024/2009. Assim, com o Consórcio contratando a PPP isso restaria diluído

proporcionalmente à participação dos municípios.

Há que se lembrar ainda, que as PPPs são contratos que reclamam uma

complexa formatação nos aspectos técnico, econômico, financeiro e na própria

elaboração do edital de licitação, o que as coloca, mais uma vez, distante da realidade

dos municípios, agora por questões de corpo técnico. Os consórcios podem contratar tal

modelagem, nos termos do autorizado pelo protocolo de intenções, elaborando a

adequada partilha de riscos e sistema de garantias para mitigá-los.

Por todo o exposto, sem a pretensão de esgotar o assunto, mostra-se mais

vantajoso que municípios se reúnam em consórcios e concedam, via, PPPs, serviços

com fortes investimentos em infraestrutura e grandes externalidades positivas, visando

ao interesse de toda a coletividade.

3.2. Consórcios Públicos na Contratação de Parcerias Público-Privadas: um Arranjo Institucional

Nesse contexto, torna-se relevante integrar as duas vias de parcerias, a público-

pública e a público-privada, em um mesmo arranjo organizacional, elegendo como pano

de fundo uma situação hipotética: um Consórcio Público de direito público formado

para o desempenho das atividades de planejamento, regulação e fiscalização, que

contrata a prestação de serviços públicos de saneamento básico, via parceria público-

privada, podendo-se imaginar como objeto específico tanto a disposição final de

resíduos sólidos como serviços de esgotamento sanitário, em rápidas linhas.

3.2.1 Pressupostos necessários relacionados ao serviço

A contratação de serviços públicos de saneamento básico tem como

pressuposto de validade a obrigatória observância das condicionantes contidas na Lei

11.445/2007, sob pena de nulidade da contratação.

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Estas condicionantes estão relacionadas com a necessidade de elaboração de

uma política pública municipal e, ainda, um plano local, ambos voltados para o setor de

saneamento.

A política pública municipal de saneamento básico será composta pelas

seguintes atividades a serem desempenhadas pelo Município (art. 9º, incs. I a VII, da

LSB): (i) elaboração de plano de saneamento básico; (ii) definição da modelagem da

prestação do serviço, isto é, opção pela forma que o serviço será prestado, indicando

quem será o órgão responsável pela regulação/fiscalização dos serviços de saneamento,

e sua forma de atuação; (iii) Adoção de parâmetros para a garantia do atendimento à

saúde pública, inclusive quanto ao volume mínimo per capita de água para

abastecimento público, observadas as normas nacionais relativas à potabilidade da água;

(iv) fixação dos direitos e os deveres dos usuários, razão pela qual este poderá demandar

ou ser demandado; (v) criação de mecanismos de controle social, implementando,

assim, a gestão administrativa participativa, isto é, permitir que a sociedade participe

dos processos de formulação de políticas, de planejamento e de avaliação relacionados

aos serviços de saneamento básico; (vi) instituição de sistema de informações sobre os

serviços de saneamento, o qual deverá ser articulado com o Sistema Nacional de

Informações em Saneamento, permitindo um amplo compartilhamento de dados e

estudos entre os entes federativos; e, (vii) realização de plano de intervenção e de

retomada dos serviços de saneamento concedidos e permitidos mediante indicação do

órgão regulador, segundos os casos e as condições previstas em lei e nos contratos

correspondentes.

Sem prejuízo de o próprio Município promover, diretamente, a intervenção e a

retomada quando as suas condicionantes estiverem presentes, o órgão regulador, no

exercício de sua função regulatória/fiscalizatória, também poderá indicar as hipóteses

em que ocorrerão.

Quanto ao plano de saneamento básico deverá ser estruturado com a

observância das seguintes regras mínimas (art. 19, inc. I a V, da LSB): (i) realização de

diagnóstico completo do setor, isto é, levantamento dos problemas e necessidades dos

serviços de saneamento com a identificação das suas possíveis causas, com respaldo em

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indicadores sanitários, epidemiológicos, ambientais e socioeconômicos; (ii)

estabelecimento de objetivos e metas de curto, médio e longo prazos para que os

serviços possam ser prestados para toda a população, admitindo-se, para tanto, soluções

graduais e progressivas, as quais devem ser compatíveis com os planos específicos para

cada um dos serviços; (iii) indicação dos programas, projetos e ações necessárias para

atingir os objetivos e metas previstos, de modo compatível com o plano plurianual -

PPA, e outros planos governamentais correlatos, identificando possíveis formas de

financiamento; (iv) ações para emergências e contingências, as quais deverão ser

adotadas caso os serviços de saneamento passem por um estado de excepcional

racionamento, por exemplo; e, (v) mecanismos e procedimentos para a avaliação

sistemática da eficiência e eficácia das ações programadas, ou seja, o plano deverá

estabelecer um procedimento de controle sobre as ações destinadas à universalização,

visando a manutenção da sua eficiência e eficácia.

O Município poderá estabelecer planos específicos para cada um dos serviços

que compõem o saneamento básico, quando, então, será indispensável consolidá-los, a

fim de manter a integralidade de todo o sistema (art. 19, caput, e seu §2º, da LSB). De

toda a feita, tanto o plano único para todos os serviços quanto o setorial para cada um

deles, deverão ser compatíveis com o planejamento das bacias hidrográficas que estejam

inseridos, vez que, por exemplo, a matéria-prima do serviço de abastecimento de água

potável é a água bruta captada, diretamente, de uma bacia hidrográfica (art. 19, §3º, da

LSB). Daí, a importância dessas compatibilizações.

O plano de saneamento deverá ser revisto periodicamente, pelo menos, antes da

elaboração do PPA, porque, como visto anteriormente, as ações contidas no plano para o

aperfeiçoamento dos serviços deverão ser compatíveis com essa lei orçamentária (art.

19, §4º, da LSB). Antes mesmo da sua elaboração, deverá ser submetido a um regime de

transparência, ou seja, deverá ser discutido com a população, a qual poderá exercer o

seu controle social sobre o planejamento do sistema (art. 19, §5º, da LSB). Trata-se,

uma vez mais, da implementação da gestão administrativa participativa, em que a

população poderá influir nas diretrizes dos serviços que lhe serão ofertados.

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O prestador dos serviços de saneamento que for criado ou contratado no

decorrer da implementação do plano, estará obrigado a observá-lo, cabendo ao órgão

regulador fiscalizar se aquele e os atuais prestadores estão cumprindo as normas do

planejamento, nos termos legais, regulamentares e contratuais, conforme o caso (art. 19,

§6º, da LSB).

Assim, por exemplo, se o Município promove a concessão de qualquer serviço

de saneamento básico no decorrer da implementação do seu plano, o concessionário,

que acaba de ser contratado, deverá observá-lo, sendo indispensável que o órgão

regulador municipal fiscalize se há o cumprimento das normas do planejamento pelo

novo prestador. Sem contar que se houver impacto no equilíbrio econômico-financeiro

desse contrato, o Município ou, se houver delegação da função de Poder Concedente, o

órgão regulador deverá revê-lo justamente para assegurar o direito constitucional

subjetivo do concessionário a esse equilíbrio (art. 37, inc. XXI , da CRFB/88).

Conforme anotado, o plano de saneamento básico na prestação regionalizada

desses serviços poderá ser elaborado pelo conjunto dos municípios atendidos (art. 43,

Decreto 7.217/2010).

Assim, a despeito de tantos outros desdobramentos e requisitos específicos

previstos na lei, o que se quer demonstrar neste antepasso, é a complexidade do

caminho que os municípios devem obrigatoriamente percorrer para a adequada

prestação de serviços públicos na área de saneamento básico, não apenas por sua

essencialidade ao adequado serviço, como também por requisito prévio de validade para

contratações, sob pena de nulidade absoluta do contrato e configuração de improbidade

administrativa.

3.2.2 Delineamento do arranjo institucional

A União, os Estados e os Municípios podem promover, em ambiente de

cooperação federativa, o planejamento, a regulação, a fiscalização e a prestação de

serviços públicos de saneamento básico, incluindo atividades correlatas a esses serviços

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Essa forma de cooperação, batizada de gestão associada para viabilizar a

regionalização propugnada e desempenhar as funções de regulação e fiscalização, tem

como via eleita, por tudo exposto no presente trabalho, os consórcios públicos de direito

público, associação pública detentora de natureza jurídica de autarquia interfederativa,

gozando de prerrogativas inerentes às pessoas de direito público, habilitadas ao

exercício de funções decorrentes do poder de polícia.

Conforme tudo já anotado no presente trabalho, a formalização desse consórcio

público, ora entre municípios, podendo contar com a participação do Estado, passa pela

consolidação de um protocolo de intenções, que, após ratificação por lei autorizativa de

cada ente federativo, transforma-se em contrato de consórcio, sendo a base para a

elaboração e registro do estatuto. O estatuto deverá dispor sobre a estrutura,

organização, órgãos, enfim, esmiuçar a competência do consórcio e formas de atuação.

Para efetivar as finalidades previstas do consórcio, o protocolo deverá conter a

cláusula que autorize a gestão associada e que, especificamente, confira poderes ao

consórcio para licitar e contratar concessões, incluindo a PPP, quando então o consórcio

assumirá a posição de Poder Concedente.

O consórcio público torna-se o responsável pela gestão associada dos serviços

públicos, cuja prestação será concedida via PPP. Os Municípios consorciados, mediante

contrato de rateio, comprometem-se a fornecer os recursos financeiros necessários para

suportar as despesas do Consórcio, incluindo as despesas de caráter obrigatório com a

contraprestação dos serviços a serem prestados pela concessão em parceria.

A par disso, duas possibilidades se abrem. Na primeira hipótese, o Consórcio

pode firmar contratos, convênios ou instrumentos congêneres, incluindo-se, por

preferência legal aos consórcios públicos de direito público, a possibilidade de captar de

recursos via financiamento do Fundo Nacional de Saúde - Funasa ou do Ministério das

Cidades, inclusive com a interveniência do Estado, observando-se os critérios de

elegibilidade aplicáveis ao caso concreto, especificamente para implantação ou melhoria

de sistemas de tratamento e destinação final de resíduos sólidos ou mesmo de estações

de tratamento de esgoto. Tais recursos federais não se prestam ao financiamento da

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iniciativa privada, portanto, o Consórcio, num primeiro momento, poderá contratar por

terceirização de serviços a construção do Aterro Sanitário ou da Estação de Tratamento

de Esgoto, e proceder à modelagem necessária para licitar a concessão dos serviços, via

PPP, desempenhando as funções de regulação e/ou fiscalização. Na segunda

possibilidade, o Consórcio, de plano, licita a concessão, via PPP, do modelo completo:

construir, operar e manter.

As funções de regulação e fiscalização permitem que o órgão regulador

desempenhe atribuições como edição de normas técnicas sobre o setor regulado; resolva

conflitos em sede administrativa entre os prestadores, usuários e o próprio titular dos

serviços; e, ainda, fiscalize o cumprimento de suas regras aplicando as sanções cabíveis,

como por exemplo, multas pela inobservância das normas técnicas exigidas.

Para tanto, o consórcio terá a autonomia e independência especialmente

conferidas pelos municípios consorciados, vale dizer que seu dirigente somente poderá

ser afastado pela Assembléia Geral, que é o órgão máximo do consórcio, nas hipóteses

previstas no protocolo de intenções. As decisões técnicas do consórcio não poderão ser

revistas pelos municípios consorciados. Por fim, o consórcio público, que já possui

autonomia financeira própria decorrente do repasse de recursos públicos pelo contrato

de rateio, deverá ser beneficiado por taxa de regulação pelo desempenho de sua

atividade regulatória, nos termos do contrato de consórcio.

De fato, para a efetivação de uma PPP, muitos outros aspectos além de sua

própria autorização devem ser considerados na elaboração do Protocolo de Intenções,

ainda mais quando enfrenta a característica da voluntariedade das associações. Assim,

uma cláusula de maior relevo deverá apontar o sistema de garantias da contraprestação

pública, prevendo, por exemplo, a constituição de um fundo garantidor das parcerias

público-privadas para assegurar as obrigações assumidas pelo consórcio, perante o

parceiro privado. Nesse sentido, deverá estar prevista a autorização para o consórcio

público participar do Fundo na qualidade de cotista e também a previsão de que os

municípios consorciados passarão por meio de contrato de rateio os recursos necessários

para o Consórcio fazer o aporte ao fundo garantidor, bem como os valores referentes à

sistemática de ressarcimento ao Fundo nos casos de inadimplemento.

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É possível sempre, mas não obrigatório, um arranjo em que o Estado participe

como interveniente ou como ente consorcial, fortalecendo a articulação entre municípios

e/ou repassando recursos para fomentar determinadas atividades. Tal opção também

poderá ser utilizada, caso os municípios queiram delegar a regulação e/ou fiscalização a

Agência Reguladora Estadual, embora tais funções possam ser exercidas por órgão do

próprio consórcio especialmente instituído para esse fim, como um Conselho de

Regulação.

O Estado poderia até viabilizar o Fundo Garantidor da PPP, com a segregação

de recursos de fundos específicos, desde que assegurada a sistemática para

recomposição. O Fundo Garantidor é acionado apenas nos casos de inadimplemento do

Consórcio no pagamento das contraprestações ao parceiro privado. E dada a previsão

legal de que os entes consorciados, isolados ou em conjunto, bem como o consórcio

público, são partes legítimas para exigir o cumprimento das obrigações previstas no

contrato de rateio, restaria caracterizada a inadimplência do Município com o próprio

Estado.

O procedimento de licitação de PPP também obedece a regras próprias,

previstas na Lei 11.079/2004. Cabe notar, por oportuno, que a lei de PPPs prevê apenas

a obrigatoriedade de consulta pública, mas que em se tratando de serviços de

saneamento básico, deve-se atentar para peculiaridades da LSB, no que se inclui

também realização de audiência pública.

A Concessionária licitada para a prestação do serviço, constituída na forma de

sociedade de propósito específico, será remunerada por tarifas cobradas dos usuários e,

obrigatoriamente, por contraprestações do poder público de sorte a caracterizar-se a

PPP, no caso, patrocinada.

Havendo potencial demanda de serviços por determinados clientes privados,

pode-se acrescentar um contrato de take-or-pay, e a cessão de recebíveis como parte da

remuneração. Em contratos de longo prazo, que importam em grandes investimentos,

tais cláusulas têm a finalidade de proteger a transação, coibindo a retirada da demanda

do contrato.

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Quanto aos municípios, conforme dito, não se pode obrigá-los a permanecer no

consórcio, por outro lado, mecanismos compensatórios ou indenizatórios previstos no

protocolo de intenções poderiam servir para coibir retiradas de entes consorciados, e

evitar a quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, considerando que o

longo prazo desses contratos ultrapassa o de governos. Imagina-se que este seja mesmo

um dos pontos fracos desse elo institucional.

Aqui, independente da natureza econômica do serviço e de ser passível a

cobrança de tarifa, será a sistemática de remuneração que determinará a modalidade da

concessão em patrocinada ou administrativa.

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CONCLUSÃO

A aplicabilidade de parcerias público-privadas na gestão associada de serviços

decorre de uma conjunção de fatores que estabelecem um cenário favorável para

implementação de soluções sustentáveis, calcadas no investimento privado, com

benefícios sociais, ambientais, econômicos e políticos em projetos vultosos, mas sem

sustentabilidade financeira.

Uma das motivações para a escolha do modelo de concessão especial, trazido

pela Lei 11.079/2004, decorre da necessidade de desonerar o Poder Público dos

investimentos com a implementação, operação e constante atualização requerida para a

adequada concessão de serviços públicos, no que se incluem obras de ampliação e

melhorias de infraestrutura e serviços, obrigações estas que são transferidas para o

parceiro privado sob planejamento, regulação e fiscalização do Poder Concedente.

Tal Poder Concedente pode ser não apenas um ente federativo, mas vários

reunidos para consolidar um consórcio público de direito público, na forma de

associação pública de natureza autárquica, desempenhando funções típicas de seus entes

federativos, titulares do serviço comum.

Para a sociedade, as parcerias público-privadas representam uma oportunidade

de se desfrutar de serviços públicos bem mais estruturados e coordenados, dentro de

uma política de subsídios, sobretudo pelo fato de que indicadores de desempenho

monitoram todo o processo concessional, vinculados a uma sistemática de pagamento

que possibilita a remuneração variável do parceiro privado, após a disponibilização dos

serviços contratados. Na PPP contrata-se o serviço, uma despesa corrente obrigatória.

O prognóstico do contrato de parceria público-privada é atraente para empresas

do setor privado frente a um modelo de negócios mais consistente, assegurado por um

sistema de garantias, tornando possível a realização de investimentos com prazo de

retorno alongado e com a vantagem de permitir a repartição objetiva de riscos e o

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compartilhamento de ganhos econômicos efetivos com o público, decorrentes da

redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado.

A Lei 11.107/2005 ao prever a contratação de concessão como alternativa para

a prestação do serviço público objeto de gestão associada, convida à integração entre

consórcios públicos e parcerias público-privadas, criadas pela Lei 11.079/2004, de

forma alinhada ao exigido pelo art. 175 da Constituição Federal, como modalidades de

concessão.

O emprego dos diferentes tipos de concessão vai depender, dentre outros

fatores, da natureza jurídica do serviço a ser concedido, da possibilidade de

identificação (ou não) de quem seja usuário e como ele pode vir a ser beneficiado, assim

como da própria sustentabilidade (ou não) financeira desse serviço. Trata-se, assim, de

consolidação do princípio da subsidiariedade, segundo o qual se não for cabível a

concessão comum, passa-se para a PPP patrocinada e, se pelas mesmas razões não for

cabível, deve-se empregar a PPP administrada. A definição de um projeto de PPP é

singular e somente pode ter seu contorno delineado a partir de cada situação concreta.

Não é a toa que a Lei 11.079/2004 estabeleceu no art. 10, inciso I, a necessidade da

contratação de parceria ser precedida de estudo-técnico e de justificativa que demonstre

as razões do modelo eleito.

As concessões patrocinadas são limitadas aos serviços de natureza econômica,

como requer a gestão associada em sentido estrito, havendo em complementação das

tarifas as contraprestações pecuniárias do poder público. As concessões administrativas,

embora guardem caráter residual, têm um leque maior de aplicação sendo de extrema

importância para os municípios, inclusive na gestão associada lato sensu, seja porque

nesta modalidade a cobrança de tarifas é inviável econômica ou socialmente, de acordo

com a decisão política a ser discricionária e fundamentadamente tomada pelo Poder

Público, seja porque é vedada juridicamente, como no caso da educação e saúde, ou

ainda porque o usuário é a própria Administração Pública. O fato é que contemplam

atividades diversas, inclusive fora do próprio conceito restrito de serviço público.

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Exemplos disso são incontáveis, a depender da modelagem do contrato e

decisão do poder concedente, atentando para a subsidiariedade das formas. Há casos em

que o serviço tem natureza econômica, mas o Poder Público decide subsidiar o

investimento na região, sem cobrar tarifa, para estimular o desenvolvimento (ex.

construção de rodovia em uma região muito pobre); outros pela vedação à cobrança de

tarifas, por não ser possível individualizar o usuário, como é o caso da limpeza pública

urbana e da coleta. Há ainda situações em que não basta um município realizar

determinada atividade, por estar intrinsecamente ligada a do vizinho, como a realização

de programas de preservação ambiental e de combate à poluição atmosférica ou águas,

atingindo comunidades tão próximas que ações isoladas se revelariam ineficazes; ou a

realização de programas comuns de irrigação de municípios ribeirinhos, com

aproveitamento mais racional de recursos hídricos provenientes das mesmas bacias.

Na utilização dos consórcios públicos como poder concedente para a

contratação de parcerias, obstáculos instransponíveis por um município isoladamente

são vencidos, tais como o valor mínimo de contrato necessário para celebração e a

limitação da capacidade de endividamento em 3% (três por cento) da receita corrente

líquida para a soma das despesas de caráter continuado derivadas do conjunto de

parcerias contratadas, de sorte a permitir o recebimento de transferências voluntárias da

União conforme o disposto no art. 28, caput, da Lei 11.079/2004, com redação alterada

pela Lei 12.024/2009. Com os consórcios públicos tais despesas.

A Lei de Consórcios Públicos enseja a utilização adequada de instrumentos que

possam reunir municípios carentes de recursos, impossibilitados de enfrentar

isoladamente empreendimentos de infra-estrutura altamente necessários para suas

populações, porém muito vultosos. Poderão, assim, congregar-se associadamente para

combinar os recursos materiais, financeiros e humanos de cada um, no sentido de

realizarem ações conjuntas que, se fossem desempenhadas por cada ente público,

isoladamente, nem ofereceriam a suficiente viabilidade financeira, nem alcançariam os

mesmos resultados positivos com a desejável eficiência. Decerto, porque o

compartilhamento de recursos isoladamente escassos, de máquinas e equipamentos, de

pessoal, especializado ou não, propicia condições que atinjam resultados que não seriam

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possíveis a nenhuma unidade isoladamente, na realização de políticas públicas de

grande interesse coletivo. Nas possibilidades abertas à constituição de consórcios

intermunicipais para licitações e contratações de obras e serviços de interesse comum,

há que atentar ainda para aspectos especiais de economicidade e eficiência, ligados à

proximidade de certos municípios.

Além disso, a congregação de vários municípios em torno de uma realização

comum irá, sem dúvida, representar um maior atrativo para a catalisação de

investimentos privados e de financiamentos de certo porte, ampliando

significativamente seu poder de negociação junto aos governos estaduais e federais.

Por todo o exposto, embora outras tantas considerações ainda possam ser

levantadas, pode ser visto que se mostra mais lógico, prático e eficiente que municípios

se reúnam em consórcios para tais contratações tão vultosas e complexas que se prestam

mesmo a prestação de serviços com fortes investimentos em infraestrutura e grandes

externalidades positivas, utilizando-se, para tanto, das parcerias público-privadas. Os

consórcios podem inclusive contratar tal modelagem, nos termos do autorizado pelo

protocolo de intenções, elaborando a adequada partilha de riscos e um sistema de

garantias para mitigá-los.

Os obstáculos que existem, decorrem de certas peculiaridades dos institutos

criados pelas Leis nos 11.079/2004 e 11.107/2005, os quais muitas vezes não se

compatibilizam facilmente, necessitando de engenharias institucionais complexas, mas

não impossíveis de formulação, donde se pode concluir pela viabilidade do arranjo a

esperar o devido enfrentamento e vontades políticas para concretização.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO ................................................................................................................................... 2

AGRADECIMENTOS ................................................................................................................................ 3

RESUMO ................................................................................................................................................ 4

METODOLOGIA ...................................................................................................................................... 5

SUMÁRIO .............................................................................................................................................. 6

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................ 7

CAPÍTULO I ............................................................................................................................................ 9

PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS ............................................................................................................. 9

1.1. Precedentes Históricos: Parcerias em Sentido Amplo ...................................................................... 9

1.2 As Parcerias Público-Privadas em Sentido Estrito ........................................................................... 12 1.2.1 Contextualização do novo marco legal .................................................................................... 12 1.2.2 A inadequação dos modelos existentes .................................................................................. 14 1.2.3 A lógica subjacente da PPP ...................................................................................................... 17 1.2.4 A solução encontrada .............................................................................................................. 19 1.2.5 Características gerais dos contratos de PPP ............................................................................ 25 1.2.6 Características diferenciais dos contratos de PPP ................................................................... 28

1.2.6.2 A repartição de riscos ...................................................................................................... 30 1.2.6.3 A sociedade de propósito específico ................................................................................ 33 1.2.6.4 O sistema de garantias .................................................................................................... 34 1.2.6.5 A arbitragem .................................................................................................................... 39

1.3. PPP administrativa em destaque: gestão de hospitais .............................................................. 39

CAPÍTULO II ......................................................................................................................................... 42

GESTÃO ASSOCIADA DE SERVIÇOS PÚBLICOS POR CONSÓRCIOS PÚBLICOS ......................................... 42

2.1. Ambiência do Federalismo Cooperativo ......................................................................................... 42

2.2. Gestão Associada de Serviços Públicos: velhas e novas facetas .................................................... 44

2.3 Consórcios Públicos: inovações da Lei nº 11.079/2005 ................................................................... 49 2.3.1 Quadro Jurídico ....................................................................................................................... 49 2.3.2 A personificação dos consórcios .............................................................................................. 54

2.3.2.1. A personalidade jurídica de direito público .................................................................... 54 2.3.2.2 A personalidade jurídica de direito privado ..................................................................... 57

2.3.3 Privilégios dos consórcios públicos .......................................................................................... 61 2.3.4. Aspectos existenciais dos consórcios públicos ....................................................................... 63

2.4. Prestação de Serviços Públicos na Gestão Associada .................................................................... 68

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CAPÍTULO III ........................................................................................................................................ 73

PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NA GESTÃO ASSOCIADA POR CONSÓRCIOS PÚBLICOS ....................... 73

3.1. A Sinergia das Parcerias Público-Privadas e dos Consórcios Públicos ............................................ 73

3.2. Consórcios Públicos na Contratação de Parcerias Público-Privadas: um Arranjo Institucional ..... 75 3.2.1 Pressupostos necessários relacionados ao serviço .................................................................. 75 3.2.2 Delineamento do arranjo institucional .................................................................................... 78

CONCLUSÃO ........................................................................................................................................ 83

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ............................................................................................................... 87

ÍNDICE ................................................................................................................................................. 91

FOLHA DE AVALIAÇÃO ......................................................................................................................... 93

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

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