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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE A TEORIA DA CONSIDERAÇÃO ECONÔMICA DO FATO GERADOR, INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DO DIREITO TRIBUTÁRIO E AS NORMAS GERAIS ANTIELISIVAS Por: Marcos Augusto Rodrigues Amorim Orientadora Prof. Claudia Gurgel Rio de Janeiro 2008

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · que surgiu como oposição ao formalismo da jurisprudência dos conceitos originada no apogeu do Estado Liberal. A jurisprudência

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A TEORIA DA CONSIDERAÇÃO ECONÔMICA DO FATO

GERADOR, INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DO DIREITO

TRIBUTÁRIO E AS NORMAS GERAIS ANTIELISIVAS

Por: Marcos Augusto Rodrigues Amorim

Orientadora

Prof. Claudia Gurgel

Rio de Janeiro

2008

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A TEORIA DA CONSIDERAÇÃO ECONÔMICA DO FATO

GERADOR, INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DO DIREITO

TRIBUTÁRIO E AS NORMAS GERAIS ANTIELISIVAS

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em.Direito Público

e Tributário.

Por: Marcos Augusto Rodrigues Amorim

AGRADECIMENTOS

Aos mestres do curso de Pós Graduação “Lato Sensu”, em Direito

Público e Tributário, da Universidade Cândido Mendes, que, com paciência e

brilhantismo, conseguiram reacender neste aluno, a vontade pela busca de

conhecimento, o gosto pelo estudo e pela pesquisa.

DEDICATÓRIA

Aos meu pais que sempre me estimularam a buscar novos horizontes

através dos estudos, a minha esposa Ana Claudia que nunca me deixou

desistir, e, aos meus filhos, Felippe Augusto e Maria Fernanda (ainda por

nascer), principal razão deste trabalho.

RESUMO

Utilizando como fio condutor, a técnica de interpretação conhecida por

consideração econômica do fato gerador, ou simplesmente interpretação

econômica, busca-se no presente trabalho, traçar um perfil da evolução da

interpretação no Direito Tributário. Demonstrando-se que, ao longo dessa

evolução, observou-se a predominância de determinadas teorias, entre elas a

da interpretação econômica, cujos radicalismos, com a utilização exclusiva ou

preponderante de um determinado método de interpretação, fizeram com que

dois dos principais valores que norteiam a tributação não encontrassem

harmonia, ora prevalecendo a justiça, ora a segurança jurídica. Constitui,

assim, a busca do equilíbrio entre esses dois valores, um dos objetivos da

moderna doutrina sobre interpretação tributária, que influenciada,

principalmente, pelas idéias de Kal Larenz e John Raws, propugna a adoção de

um pluralismo metodológico na interpretação das normas tributárias.

Será demonstrado, ainda, mediante uma análise da interpretação e da

integração, assim como de seus respectivos métodos, que a hermenêutica no

Direito Tributário não difere daquela aplicada em outros ramos do Direito.

Constituindo, a teoria da interpretação econômica, na materialização no campo

tributário, do método teleológico de interpretação. Nessa análise, outrossim,

serão enfocados de maneira sintética alguns aspectos polêmicos no Direito

Tributário, como o uso de conceitos abertos, das cláusulas gerais, da analogia

gravosa, e, em especial, da importância dos valores e princípios na

interpretação tributária, à luz das idéias originárias do pós-positivismo e da

jurisprudência dos valores, a justificar as normas gerais antielisivas, outro tema

abordado neste trabalho.

Por fim, a análise das cláusulas gerais antielisivas passará pelos

conceitos de evasão e elisão, pela sua justificação no princípio da

transparência e na teoria do abuso de direito, por seus mecanismos de

atuação; concluindo-se, pela constitucionalidade da norma geral antielisiva do

parágrafo único do art. 116 do CTN, demonstrando-se a utilidade da norma

geral antielisiva como um importante instrumento de combate à elisão abusiva.

METODOLOGIA

Os métodos utilizados na realização do presente trabalho, foram, a

consulta bibliográfica e a consulta em publicações na Internet.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - Histórico da Teoria da Interpretação 10

Econômica

CAPÍTULO II - A Interpretação e a Integração no 14

Direito Tributário 1- A Evolução da Interpretação no Direito Tributário 14 2- Interpretação e Integração – Definições e Diferenças 19 3- Métodos de Interpretação 21 3.1- Método Literal 22 3.2- Método Lógico 23

3.3- Método Histórico 23 3.4- Método Sistemático 24 3.5- Método Teleológico 25

4- A Interpretação Quanto aos Resultados 27 5- Valores e Princípios na Interpretação Tributária 28 6- A Integração e Lacunas 33 7- Métodos de Integração 34 7.1- Os Princípios Gerais de Direito 35 7.2- A Eqüidade 35 7.3- A Analogia 35 CAPÍTULO III – As Normas Gerais Antielisivas 36

1-Evasão e Elisão 36 2-Definição e Mecanismos de Atuação das Normas 38 Antielisivas 3-Fundamento e Justificação 40 3.1- O Princípio da Transparência 41 3.2- A Teoria do Abuso de Direito 42 4- A Norma Geral Antielisiva do CTN 43

CONCLUSÃO 49

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 51

INTRODUÇÃO

Originária do direito alemão, nascida sob a influência da jurisprudência

de interesses, a teoria da consideração econômica do fato gerador, ou

interpretação econômica, como ficou conhecida, teve como seu idealizador

Enno Becker, elaborador do anteprojeto do Código Tributário Alemão de 1919.

Não obstante criada com vistas a atender aos princípios de justiça e da

capacidade contributiva, foi abraçada por ideologias nefastas, como a do

Nacional Socialismo e a do Fascismo, tendo sido utilizada, principalmente, ao

longo dos tempos, como meio arrecadatório, encontrando-se hoje em refluxo.

Com a introdução da chamada Norma Geral Antielisiva, no art. 116 do

Código Tributário Nacional, pela Lei Complementar n¤ 104, de 10.01.01,

ressurgiu a discussão acerca da aplicabilidade da interpretação econômica no

Direito Tributário Brasileiro, a justificar a tese da ilicitude da elisão fiscal.

Como método teleológico de interpretação, a utilização isolada da

interpretação econômica tem sido negada pela moderna hermenêutica do

Direito Tributário, que consagra o pluralismo metodológico na interpretação

tributária, fundado na denominada jurisprudência de valores da era pós-

positivista, que rediscute a idéia de justiça fiscal a luz dos valores das normas

dos direitos humanos fundamentais.

Entende-se que a interpretação das normas antielisivas não deva ser

exceção, prevalecendo um pluralismo metodológico com a interação do Direito

Tributário e Civil, lastreado nos novos contornos dados pelo pensamento pós-

positivista aos valores expressos em princípios jurídicos de direito público,

como, o da igualdade, da capacidade contributiva, da solidariedade somados

ao dever fundamental de pagar tributos, assim como em princípios de direito

privado, como o abuso de direito e de formas, da simulação e da fraude.

Se por um lado não se admite, na analise da interpretação das normas

antielisivas, a utilização de fórmulas especiais, entre elas a do conteúdo

econômico, por outro não se justifica o apego excessivo a dogmas formalistas

como o da teoria da tipicidade, na forma como é entendida por grande parte da

doutrina no Direito Tributário brasileiro.

O presente trabalho tem por objetivo levar ao estudo das normas gerais

antielisivas com base em uma hermenêutica contemporânea, com a utilização

do pluralismo metodológico consolidado pela jurisprudência dos valores.

CAPÍTULO I - HISTÓRICO DA TEORIA DA

INTERPRETAÇÃO ECONÔMICA.

Nenhuma teoria sobre interpretação nasce ao acaso, deslocada de um

contexto histórico e de um ambiente jusfilosófico, encontra-se, ao contrário,

sempre ligada a uma ideologia.

A interpretação econômica funda-se na jurisprudência dos interesses,

que surgiu como oposição ao formalismo da jurisprudência dos conceitos

originada no apogeu do Estado Liberal.

A jurisprudência dos interesses corresponde ideologicamente ao

Estado do Bem Estar Social ou Estado Providência. Teve como seu principal

defensor Philipp Heck, que a partir da virada de Jhering para uma

jurisprudência mais pragmática, defende voltar a decisão do legislador aos

interesses que efetivamente motivaram a produção legislativa, baseada em um

contexto social. Adotava o positivismo científico, a partir das idéias de Marx

Weber, constituindo, conforme concepção de Eugen Ehrlich, num viés de

natureza sociológica, a buscar o nexo causal da conduta humana. Com o

utilitarismo aplicado à teoria por Stuart Mill, a jurisprudência dos interesses

adquire conotação econômica, ganhando relevo os aspectos econômicos sobre

a norma jurídica.1

No campo da fiscalidade, a jurisprudência dos interesses projetou-se

através da interpretação econômica do fato gerador, ou da consideração

econômica do fato gerador, cujas principais teses eram, a autonomia do direito

tributário frente ao direito privado; possibilidade de analogia, a preeminência da

capacidade contributiva sacada diretamente dos fatos sociais, função criadora

do juiz; a intervenção sobre a propriedade e regulamentação da vontade.

Assim, segundo a teoria da consideração econômica do fato gerador, o

Direito Tributário, ao mencionar conceitos e institutos de outros ramos do

Direito, deveria o intérprete considerar o fato econômico subjacente ao fato

jurídico ou seus efeitos econômicos, e não o fato jurídico em sua natureza

jurídica específica. O Direito Tributário, autônomo ao Direito Civil, não

autorizava a elisão fiscal, prevalecendo a realidade econômica subjacente,

permitindo-se a tributação por analogia gravosa.

A teoria da interpretação econômica do fato gerador ou apenas

interpretação econômica, como ficou conhecida, positivou-se pela primeira vez,

por inspiração de Enno Becker, no Código Tributário Alemão promulgado em

13 de dezembro de 1919.

1RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumenn Juris, 2003, p. 12.

Enno Becker, não foi só o elaborador do anteprojeto do Código

Tributário Alemão de 1919, mas o maior responsável pela criação e divulgação

da teoria da interpretação econômica, seguido por Hensel e Othmar Buhler.

O Código Tributário Alemão de 1919, recebeu nova redação na RAO

de 1931, sendo alterado em 1934, pela Lei de Adaptação Tributária, em pleno

regime Nazista.

Após a 2ª Guerra Mundial o art. 1º , I, da Lei de Adaptação Tributária,

foi revogado, permanecendo os demais até o advento do Código Tributário de

1977, que revogou os dispositivos relativos à consideração econômica do fato

gerador, dando nova redação à norma antielisiva.

Além de Enno Becker, pode-se citar como defensores da teoria da

interpretação econômica, Grizotti, na Itália, D. Jarach, na Argentina e Amílcar

de Araújo Falcão 2 no Brasil que assim prelecionou:

“quando a lei tributária indica um fato, ou circunstância,

como capazes de, pela sua configuração, dar lugar a um

tributo, considera esse fato em sua consistência econômica

e o toma como índice da capacidade contributiva. A

referência é feita, sempre, à relação econômica.”

A teoria da consideração econômica vem sofrendo diversas críticas, ao

longo dos tempos, entre elas a de que serviu como garantia de regimes

totalitários e beligerantes, como o nacional socialismo e o fascismo, de que

geraria incerteza e arbítrio, de que se vincula ao aspecto arrecadatório do

Fisco, entre outras.

A partir da década de 1970, sob o influxo das idéias de Kal Larenz e J.

Rawls, é disseminada a Jurisprudência dos Valores que suplanta ao

positivismo normativista e conceptualista da Jurisprudência dos Conceitos e ao

positivismo sociológico e historicista da Jurisprudência dos Interesses, com a

2 FALCÃO, Amílcar de Araújo. Introdução ao Direito Tributário. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976, p. 83.

adoção de um pluralismo metodológico na interpretação do Direito Tributário,

descartando a prevalência de qualquer método interpretativo.

Hoje, a teoria da interpretação econômica assim como todos seus

corolários, encontram-se em refluxo; a tese da autonomia do Direito Tributário

não se sustenta em face das novas idéias de interdisciplinaridade; a total

ilicitude da elisão não prevalece pelo encolhimento da noção de abuso de

forma jurídica, a liberdade de criação do juiz tributário direciona-se a uma

concepção unitária do processo constitucional e legal; e a exagerada

preocupação com a justiça fiscal e a capacidade contributiva, com base em

métodos causalistas, com fins arrecadatórios, perdeu força ante o equilíbrio

dos valores jurídicos e dos princípios constitucionais vinculados às idéias de

justiça, segurança e utilidade.3

Não obstante em refluxo, observa-se, ainda, reflexos da teoria da

interpretação econômica na legislação tributária de alguns países, como da

Alemanha, Espanha, Austria, Argentina e Brasil.

No Brasil, segundo análise de Ricardo Lobo Torres, não obstante

houvesse a Comissão que elaborou o Código Tributário Nacional se

manifestado no sentido de que adotara a interpretação teleológica ou finalista,

por influência da doutrina e legislação germânicas, o texto aprovado, ao

estabelecer normas de interpretação, pendeu para o método sistemático,

filiando-se, simultânea e confusamente ao positivismo lógico e conceptualista e

ao positivismo sociológico.

Defende o mencionado autor; como forma de superar ao anacronismo

do Código Tributário Nacional, no que tange às normas interpretativas, bem

como ao radicalismo daqueles que reivindicam a exclusividade ou a

prevalência do método lógico-gramatical e sistemático, ou do teleológico, de

acordo com a corrente ideológica a que se filiam; a adesão às idéias da

jurisprudência dos valores, com a adoção de um pluralismo de métodos de

3 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário: Renovar, 2006, p. 151-153.

interpretação, que em última análise, implicaria na própria desnecessidade de

normas sobre interpretação.4

CAPÍTULO II - A INTERPRETAÇÃO E A INTEGRAÇÃO

NO DIREITO TRIBUTÁRIO

1- A Evolução da Interpretação no Direito Tributário.

Ao longo dos tempos, no eterno embate entre os interesses antagônicos

do Fisco e do Contribuinte, a interpretação no Direito Tributário ora pendeu

para um lado ora para o outro, verificando-se, outrossim, em determinadas

fazes históricas, a existência de normas que, vedando a atividade

interpretativa aos juízes e jurisconsultos, a atribuía aos soberanos,

fortalecendo, assim, seu poder de estabelecer o direito.

A hermenêutica do direito tributário vem evoluindo na esteira da teoria

geral da interpretação, que no desenrolar da história, ao se identificar com um

pensamento jusfilosófico específico, acabou por estabelecer três posição com

idéias definidas, quais sejam, a jurisprudência dos conceitos, a jurisprudência

dos interesses e a jurisprudência dos valores.

A jurisprudência dos conceitos originou-se durante o século XIX, no

auge do liberalismo individualista, à luz das idéias do Iluminismo, tendo sido

criada por Puchta. Entendia Puchta, ser, o direito, organizado no estilo de uma

4 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário: Renovar, 2006, p. 341, 346.

pirâmide de conceitos, para os quais eram autorizadas determinadas

afirmações, considerando-se válidas para o conceito inferior, as afirmações

feitas para o conceito superior ao qual se encontra subsumido.5

No campo fiscal, a jurisprudência dos conceitos lançou a interpretação

formalista e conceptualista; defendendo as seguintes teses:

a) A da superioridade do Direito Civil e de seus conceitos sobre o Direito

Tributário, como decorrência direta da aplicação, com primazia, do método

sistemático de interpretação, em desconsideração da realidade econômica

subjacente ao fato gerador, autorizando-se livremente, destarte, a elisão fiscal.6

b) A da legalidade estrita, elevando o valor da segurança jurídica ao mais

alto patamar, elegendo-o como sustentáculo do ordenamento jurídico em

detrimento da capacidade contributiva e da noção de justiça.

c) Com a adoção da legalidade estrita e conseqüente absoluta vedação à

analogia, assumiu o legislador a hercúlea missão de antever todas as

situações aonde se denote alguma manifestação de riqueza, passíveis de

configurarem fato gerador de tributo, limitando-se, sobremaneira, a atividade

interpretativa.

A jurisprudência dos conceitos teve grande penetração entre

doutrinadores do Brasil, entre eles Alfredo Augusto Becker, Rubens Gomes de

Souza, Geraldo Ataliba, Sacha Calmon Navarro Coelho, entre outros,

acabando por ser adotada pelo CTN, que parece dar prevalência ao método

de interpretação lógico-sistemático.

Ao final do século XIX, sob a inspiração das idéias difundidas no

chamado Estado Social ou Estado Providência, que aspirava garantir à todo

cidadão o atendimento de suas necessidades básicas, surge, como reação ao

formalismo da jurisprudência dos conceitos, a jurisprudência dos interesses,

assim denominada porque, segundo os integrantes dessa escola, entre eles

Philipp Heck, seu maior defensor, “o legislador, como pessoa, vem a ser

5RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 08. 6 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 09.

substituído pelas forças sociais, que são por eles denominadas de interesses,

extraídos pela lei do contexto social”.7 O que é relevante, portanto, não é a

vontade pessoal do legislador, mas os interesses que deram causa à produção

legislativa.

A escola da jurisprudência de interesses adotava o positivismo

científico, a partir da idéias de Marx Weber, constituindo, conforme concepção

de Eugen Ehrlich, num viés de natureza sociológica, a buscar o nexo causal da

conduta humana. Com o utilitarismo aplicado à teoria por Stuart Mill, a

jurisprudência dos interesses adquire conotação econômica, ganhando relevo

os aspectos econômicos sobre a norma jurídica, sustentando, o mencionado

economista, que a adequação da medida adotada, encontra-se em razão direta

com o número de pessoas beneficiadas por ela, podendo não ser, a mesma,

necessariamente a mais justa. O mal de um justifica-se pelo bem de vários.8

A segurança jurídica, antes considerada como sustentáculo do

ordenamento jurídico, deu lugar à idéia de justiça. A capacidade contributiva,

ainda que ligada a uma visão economicista, usada como meio arrecadatório do

Estado, ganha relevância em face do princípio da legalidade. Adota-se como

principal método de interpretação, em detrimento dos demais, o método

teleológico.

A aplicação no campo fiscal da escola da jurisprudência dos interesses,

por influência de Enno Becker, deu origem à teoria da consideração

econômica do fato gerador, a qual fora positivada pela primeira vez no Código

Tributário Alemão de 1919, continuando a influenciar os tribunais daquele país

até 1955, aproximadamente, quando, então, a jurisprudência tributária alemã

passou a tender para uma visão formalista civilista, retomando mais tarde, a

teoria da consideração econômica do fato gerador, agora livre do radicalismo

anterior, sua influência no direito tributário germânico.

7 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p.12. 8 RIBEIRO, Ricardo Lodi, Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2003, p. 12,13.

Defendem os seguidores da teoria da interpretação econômica do fato

gerador, a tese da autonomia do direito tributário, segundo a qual, os conceitos

de direito privado possuem conseqüências próprias quando aplicados pelo

direito tributário, o que acaba por acarretar a vedação à elisão fiscal, uma vez

que possibilita ao aplicador da lei, afastar a forma jurídica adotada pelo

contribuinte, prevalecendo a realidade econômica subjacente. Realidade,

esta, inclusive, mais importante para o aplicador da lei que a própria previsão

legal, autorizando a tributação por analogia gravosa.

Foi, conforme salientou com maestria, como sempre, Ricardo Lobo

Torres, a época da “escravização do direito tributário à economia e às ciência

das finanças, pela redução daquele à técnica jurídica e pela atribuição do

conteúdo valorativo às ciências extrajurídicas...”.9

A teoria da interpretação econômica, fruto da jurisprudência dos

interesses, serviu como viés arrecadatório do Estado, encaixando-se

perfeitamente aos interesses de regimes autoritários como o nacional-

socialismo e o fascismo.

Influenciados pelo pensamento neokantiano alemão do início do século

XX, surge, como criação de filósofos como Rudolf Stammler, Wilhem

Windelband, Heinrich Rickert, e Gustav Rabruch, a jurisprudência dos valores,

aplicada e desenvolvida no campo do Direito por Karl Larenz (Metodologia da

Ciência do Direito) e, a partir da década de 70, intensificada na obra de John

Rawls ( Uma Teoria da Justiça, 1971).10

A jurisprudência dos valores chega para romper com o positivismo

normativista da jurisprudência dos conceitos e com o positivismo sociológico da

jurisprudência dos interesses, promovendo uma reaproximação do direito com

a moral e a ética, resgatando, especialmente a partir da obra de John Rawls,

as teorias dos direitos fundamentais e o valor de justiça.

Rawls, fundamenta sua teoria em uma idéia de justiça, que denomina

justiça com eqüidade, baseada nos princípios da liberdade e da diferença,

9 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário: Renovar, 2006, pág. 151,152. 10 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p.14.

partindo da hipótese que, se todos os cidadãos pudessem ignorar as situações

individuais de cada um, optariam pelos mesmos princípios, como forma de

solução de um caso concreto.11

As idéias de Rawls tiveram grande influência no pensamento jurídico, e

resgataram o valor de justiça, que, quando aplicado ao direito tributário, abre

caminho para uma discussão sobre uma justiça tributária baseada em valores e

princípios.

No que se refere à interpretação do direito tributário, a jurisprudência

dos valores possibilitou a reformulação de paradigmas ao propor: a) a

prevalência dos princípios; b) ponderação entre o princípio da capacidade

contributiva e o princípio da legalidade; c) a adoção de um pluralismo

metodológico, sem a aplicação apriorística de qualquer dos métodos; d)

pluralidade de intérpretes; e) harmonização entre o direito e a economia; e)

superação da questão acerca da autonomia dos conceitos de direito tributário

em face dos institutos do direito civil, com a adoção da teoria da unidade da

ordem jurídica de Klaus Tipke; f) equilíbrio entre os poderes do Estado, com

possibilidade de controle jurisdicional de políticas fiscais; entre outras.

As idéias da jurisprudência dos valores encontraram um ambiente

histórico propício ao seu desenvolvimento, marcado pelo declínio dos regimes

socialistas e a crise do Welfare State, com o surgimento de um Estado

Subsidiário ou Estado da Sociedade de Risco, no qual, incumbe primariamente

à sociedade a solução de seus problemas, cabendo ao Estado uma atuação

apenas subsidiária, naqueles casos em que o indivíduo não possa atuar.12

No Brasil, conforme avaliação de Ricardo Lobo Torres:13

“ depois do longo período de polarização entre interpretação

sistemática e interpretação econômica, entre o primado do

direito privado e a autonomia do direito tributário e entre

jurisprudência dos conceitos e dos interesses, já se nota por 11 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 15. 12 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris,2003, p. 17,18. 13TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário: Renovar, 2006, p. 155.

parte de tributaristas mais jovens a adesão às idéias básicas

da jurisprudência dos valores e dos princípios, do pluralismo

metodológico e do pós-positivismo”.

2- Interpretação e Integração – Definições e Diferenças.

Historicamente, no direito, não se diferenciava com nitidez a

interpretação da integração. Somente a partir da obra de Savigny, com sua

tradicional classificação de métodos de interpretação, é que se passou a

diferenciar a interpretação da norma de sua integração. Diferenciação, esta,

aprofundada por Geny, que apontou como limites para interpretação da norma,

o texto da lei e a vontade do legislador, noção aprimorada por Karl Larenz, em

Metodologia da Ciência do Direito, para quem, o limite da interpretação

encontra-se no sentido possível da lei.14

A interpretação no Direito, segundo Luiz Roberto Barroso “é a atividade

prática de revelar o conteúdo, o significado e o alcance de uma norma, tendo

por finalidade fazê-la incidir em um caso concreto”. Segundo o autor, a

interpretação, assim como o conceito de hermenêutica jurídica, “um domínio

teórico, especulativo, cujo objeto é a formulação, o estudo e a sistematização

dos princípios e regras de interpretação do direito”, e o de aplicação da norma,

“momento final do processo interpretativo, sua concretização pela efetiva

incidência do preceito sobre a realidade de fato”; constituem “marcos do

itinerário intelectivo que leva à realização do direito”.15

Karl Larenz, por sua vez, define a interpretação como a “mediação, pela

qual o intérprete traz à compreensão o sentido do texto que se lhe torna

problemático”.16

No que se refere à interpretação no Direto Tributário, não obstante

houvesse, no passado, prevalecido o entendimento de que interpretação das

normas Tributárias seria excepcional, hoje é consenso de que a interpretação

14 TORRES, Ricardo Lobo, Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário: Renovar, 2006, p.32 15BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: Ed. Saraiva,2008, p. 103. 16RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p.94.

deste ramo do Direito segue as mesmas idéias e princípios que norteiam a

interpretação nos demais ramos do Direito. Ressalta-se que, em virtude de

características próprias na estrutura das normas tributárias, possa a

interpretação das mesmas apresentar certas peculiaridades, não existindo,

porém, diferenças de métodos, consistindo, por exemplo, a interpretação

econômica, em um método teleológico comum a todos os ramos do Direito.17

A atividade hermenêutica não se resume à interpretação jurídica

propriamente dita, compreendendo, além desta, a sua complementação por

intermédio da integração e da correção. Consistindo, a integração, no

preenchimento de lacunas no texto legal, e a correção, num modo de se

contornar as antinomias do Direito. A primeira destina-se a dar aplicação plena

ao Direito, atuando de maneira positiva e a segunda objetiva lhe assegurar

coerência, operando negativamente, retirando-lhe as antinomias.

Ricardo Lobo Torres ao traçar com precisão a diferença entre a

interpretação e a integração, assim preleciona:

“ A grande diferença entre interpretação e integração,

portanto, está em que, na primeira, o intérprete visa a

estabelecer as premissas para o processo de aplicação

através do recurso à argumentação retórica, aos dados

históricos e às valorizações éticas e políticas, tudo dentro do

sentido possível do texto; já na integração o aplicador se

vale dos argumentos de ordem lógica, como a analogia e o

argumento a contrario, operando fora da possibilidade

expressiva do texto da norma.”18

Contudo, por mais que se esforcem os doutrinadores em diferenciar a

interpretação da integração, admitem existir situações difíceis de se qualificar,

estando compreendidas em uma zona cinzenta entre os dois conceitos. A

distinção entre analogia (método de integração) e a interpretação extensiva, ou

17 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário: Renovar, 5ª. Edição, p.123. . 18 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário: Renovar, 2006, p. 33.

entre a analogia e a interpretação analógica, por exemplo, não é nítida, assim

como as normas antielisivas, que embora não sejam normas sobre

interpretação, situam-se nessa zona de separação imprecisa, atuando como

normas de qualificação de fatos.19

3- Métodos de Interpretação

Foi Savigny quem melhor estabeleceu a classificação dos métodos de

interpretação, tanto assim, que a classificação proposta pelo referido autor,

perdura até os dias atuais. Previu Savigny, quatro métodos de interpretação:

gramatical, lógico, histórico e sistemático. No século XIX, os juristas ligados à

jurisprudência dos interesses criaram o método teleológico, que veio a se

somar aos demais, e que, no direito Tributário, correspondeu à consideração

econômica do fato gerador, ou interpretação econômica.

Ressalta-se que Savigny já estabelecia que a atividade interpretativa

envolveria a utilização conjunta de todos os métodos, não cabendo ao

intérprete escolher de modo arbitrário um o outro método. O que, por motivos

históricos, conforme se explanou, cap.II 1, não ocorreu, tendo sido dada, ora a

prevalência aos métodos lógico-gramatical e sistemático, ora ao método

teleológico.20

Prevalece na moderna interpretação do Direito Tributário, um

pluralismo metodológico, inexistindo a predominância de um método

específico, devendo os mesmos, serem aplicados de acordo com o caso, e em

consideração aos valores ínsitos na norma, podendo a valoração jurídica variar

conforme a época da aplicação. Portanto, dentro de uma visão pluralista, na

interpretação do Direito Tributário, inexiste hierarquia entre métodos.

3.1 Método Literal

19 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário; Renovar, 2006, p. 02, 34. 20 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 99.

Pelo método literal, também denominado semântico, gramatical, verbal e

outros, busca-se, em síntese, dar significado a um termo ou aos enunciados

lingüísticos de um texto legal.

Ricardo Lobo Torres identifica, atualmente, três enfoques possíveis ao

conceito de interpretação literal, conforme se cuide de início, de resultado ou

de limite da interpretação. Assim, quando se analisa como início do processo

interpretativo. “tem por objetivo compatibilizar a letra com o espírito da lei.

Depende, por isso mesmo, das próprias concepções da lingüística acerca da

adequação entre o pensamento e a linguagem.” Quando analisada sob o

ponto de vista do resultado, a interpretação literal poderá ser restritiva ou

subjetiva.21

Pode consistir ainda, o método literal, na acepção de K. Larenz, em um

limite á atividade do intérprete, servindo o sentido literal possível do texto, em

suas várias acepções, seja na linguagem comum, seja na linguagem especial,

em balizamento da atividade do intérprete; além desse limite, ao que o autor

chamou de franja marginal do conceito, alcançado pela utilização da

interpretação extensiva, estaremos diante de integração e complementação do

direito e não mais de interpretação.22

3.2 Método Lógico

Não obstante tenha sido idealizado por Savigny, como um dos métodos

de interpretação, o método lógico não é autônomo, encontrando-se ora

vinculado ao método sistemático, compondo o que se chama método lógico-

sistemático, visando buscar o sentido da norma dentro do sistema jurídico, ora

encontra-se ligado a uma conclusão gramatical, formando o chamado método

lógico-gramatical.

3.3 Método Histórico

Através do método histórico, busca o intérprete pesquisar a origem e o

desenvolvimento das normas, com base em um ambiente histórico fundado nos

trabalhos parlamentares e doutrinários preparatórios à lei, assim como na 21 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário: Renovar, 5ª edição, pág. 131. 22 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 97, 104.

intenção reguladora, que revela a vontade do legislador, segundo as idéias de

Larenz.23 Aspecto este, que demonstra a vinculação do método histórico ao

teleológico, posto que ligado aos fins almejados pela lei.

Ao método histórico vincula-se o problema da interpretação subjetiva ou

objetiva. Na primeira, busca o intérprete pesquisar o sentido da lei alcançando

a vontade do legislador histórico. Dominante no séc. XIX, teve como principais

defensores Savigny, Philipp Heck, Bierling, e outros. Na interpretação objetiva,

busca-se o sentido da lei na própria norma e não mais na vontade do

legislador, interpreta-se o texto à luz dos acontecimentos atuais na sociedade.

Atualmente, prevalece uma visão unificadora, com a síntese entre as teorias

objetiva e subjetiva, defendida por Engisch, Larenz, e outros.

3.4 Método Sistemático

Conforme o método sistemático, na interpretação da norma, deve-se

considerar que esta faz parte de um sistema jurídico composto por inúmeras

outras normas. Como brilhantemente ensina Luís Roberto Barroso,

“ O direito objetivo não é um aglomerado aleatório de

disposições legais, mas um organismo jurídico, um sistema

de preceitos coordenados ou subordinados, que convivem

harmonicamente. A interpretação sistemática é fruto da

idéia de unidade do ordenamento jurídico. Através dela, o

intérprete situa o dispositivo a ser interpretado dentro do

contexto normativo geral e particular, estabelecendo as

conexões internas que enlaçam as instituições e as normas

jurídicas.”24

Modernamente, entende-se que adequação da norma, fruto da idéia de

unidade do ordenamento jurídico, apresenta-se em dois planos: o externo,

através da harmonização com os demais dispositivos e com sua posição

topográfica no texto legal; e no plano interno, através da análise de sua

dimensão valorativa, ligada, assim, aos valores e princípios a ela vinculados. 23 Ribeiro, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 108, 109. 24 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. Ed. Saraiva, 2008, p.136

No Direito Tributário, uma visão da adequação apenas em seu plano

externo, a significar que os conceitos e institutos jurídicos devem ser

interpretados de acordo com o lugar que ocupam ou com o sistema de que

derivam, levam ao entendimento de que os conceitos de Direito Privado,

quando utilizados no Direito Tributário, não podem ser modificados, levando-se

a impossibilidade de se juridicizar conceitos econômicos, restando lícita a

elisão fiscal, prevalecendo a segurança jurídica e a legalidade.

É no plano interno, contudo, que o método sistemático melhor se realiza.

O sistema jurídico não é apenas composto por leis, é aberto aos princípios e

valores, possuindo o significado da lei caráter valorativo em essência. É,

portanto, na busca da finalidade axiológica da lei, que o método sistemático

incorpora o método teleológico, no que conclui Ricardo Lobo Torres, “que do

sistema jurídico emana a dimensão econômica e finalista.”25

3.5 Método Teleológico

Denomina-se teleológico, o método de interpretação que busca revelar o

fim e os objetivos da norma. A formulação do método deriva dos estudos de

Ihering, Heck e Geny.

Assim como o método sistemático incorpora o método teleológico, o

finalismo também pressupõe o sistema, uma vez que os valores jurídicos, os

princípios constitucionais tributários e a ciência do Direito, se organizam em

sistemas.26

No Direito Tributário, especificamente, o método teleológico traduz-se na

interpretação econômica, cujos exageros perpetrados pelo positivismo

causalista, levaram à insegurança jurídica. O método, contudo, resgatado pela

metodologia de Larenz baseada em critérios teleológicos objetivos, agora livre

dos exageros da jurisprudência dos interesses, é considerado, juntamente com

os demais métodos numa relação de equivalência, apto a ser aplicado,

dependendo do caso e dos valores ínsitos na norma, conforme acepção

pluralista oriunda das idéias de juristas ligados à jurisprudência dos valores.

25 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário: Renovar, 5ª edição p. 133. 26 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário: Renovar, 2006, p. 158.

Os elementos trazidos pela teoria de Larenz, revelam-se pelo exame do

conteúdo econômico, tanto dos conceitos utilizados pelo legislador como pelos

fatos tributários previstos na norma, possibilitando a interpretação dos fatos

jurídicos praticados pelo contribuinte, fundada em sua consideração

econômica.

A possibilidade da verificação econômica na moderna interpretação

teleológica, não se confunde com a teoria da interpretação econômica da

jurisprudência dos interesses. Ao contrário do que acontecia na teoria da

consideração econômica elaborada por Enno Becker, não se admite, hoje, uma

livre criação do direito, além dos limites da lei; ao contrário, a apreciação do

conteúdo econômico no método teleológico encontra seu balizamento no

sentido literal possível da norma, segundo teoria desenvolvida por Larenz.

Deve o intérprete optar por aquele que melhor se compatibilize com os

princípios da capacidade jurídica, com a generalidade e com a igualdade, salvo

se da interpretação da norma, advenha outro sentido fundado na segurança

jurídica, extrafiscalidade, etc., a serem conjugados com os demais princípios

mediante a técnica da ponderação de valores.

Tampouco, se sustenta, perante a moderna visão do método

teleológico no Direito Tributário, a total autonomia dos conceitos de Direito

Tributário, defendida pelos partidários da teoria da interpretação econômica.

Como bem salientou Ricardo Lobo Torres, que citando Engich, ensina;

“ A autonomia dos conceitos do Direito Tributário, tese tão

cara aos adeptos da interpretação teleológica e da

jurisprudência dos interesses, diminui consideravelmente em

razão do princípio da unidade e da relatividade dos

conceitos jurídicos, que, segundo Engich, consiste em que a

“univocidade da linguagem jurídica tem de subordinar-se à

relatividade material”, dependendo do contexto, teleológico e

sistemático no qual se insere, o que, por exemplo, determina

a diferença entre a noção de negligência no Direito Penal e

no Civil. Quando o legislador fiscal vai buscar os conceitos

no Direito Civil, conservam estes o seu sentido primitivo

limitado pela sua possibilidade expressiva, além da qual

começa a distorção ou o abuso de formas, possuem

originariamente significação econômica, sendo objeto de

interpretação finalista;”27

Ressalte-se, ainda, com base na lição de Ricardo Lobo Torres, que a

interpretação “é simultaneamente juridico-econômica, pois a finalidade

econômica vive sempre sub espécie juris.”28

Assim, no caso de dúvida, deverá prevalecer a acepção econômica

sobre a interpretação do direito civil, devendo o aplicador da norma preocupar-

se com o fundo econômico do ato praticado, com vias a atender em especial, o

princípio da capacidade contributiva.

4- A Interpretação Quanto aos Resultados

Quanto aos resultados, a interpretação pode ser restritiva ou extensiva

e subjetiva ou objetiva, os dois últimos já definidos no item 2.2.3, supra.

Será restritiva quando visa a restringir o sentido do texto legal havendo o

legislador dito mais do que desejava. No direito tributário, a utilização da

interpretação restritiva como favorável ao contribuinte, sob o argumento da

excepcionalidade do direito tributário e da máxima in dúbio contra fiscum,

encontra-se em desuso. A interpretação restritiva não corresponde a

interpretação estrita, na qual não há qualquer ampliação do sentido da norma,

só se aplicando no caso de total transparência verbal da norma.

Em sentido contrário, será extensiva a interpretação quando

concluindo o intérprete que o legislador disse menos que pretendia, estende a

compreensão do texto legal. Difere da analogia, método de integração, na

medida em que a interpretação extensiva atua nos limites da possibilidade

27 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário: Renovar, 2006, p. 158. 28 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário: Renovar, 2006, p. 162.

expressiva da letra da lei, enquanto que o âmbito de atuação da analogia

encontra-se além daqueles limites.

Modernamente, têm-se entendido o fenômeno da interpretação restritiva

e extensiva sob a ótica das idéias de Larenz, para quem, em síntese, os limites

localizados além de um núcleo, extraído de conceitos da norma, compostos por

acepções semânticas excepcionalmente utilizadas, serão dados pela

interpretação extensiva. Qualquer conclusão fora desses limites será

integração e não mais interpretação do texto. No mesmo sentido, qualquer

interpretação aquém do núcleo, será considerada uma redução teleológica,

também inserido no problema da integração.29

5- Valores e Princípios na Interpretação Tributária

Vários são os valores e princípios que permeiam o direito tributário,

alguns, no entanto, são de especial importância àquele ramo do direito,

servindo de fundamento e balizamento na interpretação de suas normas.

Entre os valores, estão os da segurança jurídica e o da justiça, e dentre os

princípios cita-se o da legalidade e da capacidade contributiva.

Sobre o assunto assim ensina Ricardo Lobo Torres:

“ O Direito Tributário se afirma a partir das equações

representadas pelo equilíbrio entre a liberdade e justiça e

entre direitos fundamentais e capacidade contributiva. A

liberdade e a justiça, no início do liberalismo, apareciam

como idéias contrastantes, embora se integrassem ao

mesmo conjunto axiológico. Pode-se dizer o século XIX

conheceu a prevalência da idéia de liberdade, exacerbada

pela interpretação da liberdade Kantiana. No século XX,

com a ideologia do Estado Social, preponderou a idéia de

justiça social e fiscal sobre a liberdade, consubstanciada na

justiça material. Hoje, com a emergência do Estado

29 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 96.

Democrático de Direito, assiste-se ao novo equilíbrio entre a

liberdade e justiça, inclusive no plano tributário. O liberalismo

radical repudiava que o tributo pudesse servir de base ao

exercício da liberdade; já os liberais moderados

proclamavam o vínculo essencial entre as idéias de

liberdade e tributo e a necessidade de proteger a liberdade

contra o poder fiscal. Na vigência do Estado de Bem-estar

Social, no século XX, eclipsou-se a idéia de justiça fiscal,

substituída pelo mero causalismo economicista ou pelo

ceticismo formalista. Hoje, o tributo passa a ser visto como

“preço de liberdade”, já que no pacto social os cidadãos

fazem a reserva de sua liberdade, que se torna intributável,

mas abrem ao Estado um certo espaço de atuação fiscal,

consubstanciado na possibilidade de incidência sobre o

direito de propriedade e a liberdade de trabalho, segundo

critérios de justiça estabelecidos pelo legislador. Idêntica

conclusão se chega relativamente à capacidade contributiva,

princípio mais importante da justiça fiscal, e aos direitos

humanos que criam limitações ao poder de tributar: compõe

o mesmo quadro valorativo e se encontram em permanente

tensão e ponderação. Com efeito, a capacidade contributiva

abre ao legislador a possibilidade de instituir o tributo, que

incide sobre a riqueza de cada qual. Mas a capacidade

contributiva fica totalmente limitada por princípios anteriores

ligados aos direitos da liberdade, que não se deixam

relativizar pelo poder de tributar, e aos próprios direitos da

propriedade e de profissão em seu núcleo essencial

intributável.”30

No que tange a segurança jurídica, predomina na interpretação do

direito tributário pátrio, por questões históricas entre outras, a noção de

30 TORRES, Ricardo Lobo. A Legitimação da Capacidade Contributiva e dos Direitos Fundamentais do Contribuinte. In SCHOUERI, Luis Eduardo (coord). Direito Tributário-Homenagem a Alcides Jorge Costa. São Paulo: Quartier Latin, 2003. p.430-434, apud ABRAHAN, Marcus, O Planejamento Tributário e o Direito Privado: Quartier Latin, 2007, p. 45, 46.

segurança jurídica como valor absoluto do direito tributário, atrelada à tese da

tipicidade fechada, em detrimento da justiça, da igualdade e da capacidade

contributiva.

A segurança jurídica, contudo, ainda segundo Ricardo Lobo Torres,

“deve ser ponderada com a justiça”, consistindo, o conflito entre a segurança e

a justiça, “uma das contradições básicas do sistema jurídico em permanente

necessidade de superação.” O equilíbrio entre os dois valores deverá ser

buscado constantemente, através da técnica da ponderação de valores e da

razoabilidade na aplicação das normas.31

O equilíbrio entre os dois valores, por conseguinte, promove uma

convivência harmônica entre os princípios a eles ligados, em especial os da

legalidade e da capacidade contributiva, donde se conclui que será justo o

tributo que se coadune com os referidos princípios, sopesados conforme o

caso concreto, mediante a técnica da ponderação de princípios.

A moderna doutrina, com base em idéias desenvolvidas por juristas

ligados à jurisprudência dos valores, vem oferecendo severas críticas ao

posicionamento doutrinário e jurisprudencial dominantes no Direito Tributário

pátrio, considerado demasiadamente positivista e formalista. A técnica de

subsunção do fato à hipótese de incidência, por exemplo, tão cara aos

defensores da tipicidade fechada, sob a ótica das teorias mais recentes de

Larenz, não encontraria arrimo. Na quase totalidade dos casos, há a

necessidade de se valer o aplicador da lei, de uma valoração do ato, não sendo

possível realizar-se a subsunção de todos os atos à conceitos legais. Não

haveria, assim, subsunção mas sim uma coordenação do fato jurídico ao tipo

legal. A chamada legalidade tributária absoluta, por sua vez, não derivaria da

Constituição, mas de uma construção doutrinária, nada impedindo a expedição

de regulamentos, especialmente para elucidação de aspectos de ordem técnica

das normas, respeitados os limites do tipo legal e atendida a capacidade

31 TORRES, Ricardo Lobo. A Segurança Juriídica e as Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar: Revista Eletrônica de Direito do Estado, numero 4, outubro/ novembro/ dezembrode 2005.

contributiva, servindo, o regulamento, como um importante instrumento no

combate à evasão fiscal.32

Outra questão ligada ao princípio da legalidade, atinente à interpretação

assim como à integração, e que tem gerado discussões no Direito Tributário,

reside na possibilidade de utilização de conceitos abertos e cláusulas gerais.

Segundo Amílcar Araújo Falcão;33

“ Chama-se de indeterminado o conceito, não porque seja

indeterminável, mas porque, na norma em que está

indicado, a determinação integral de seu conteúdo não foi

possível, por isso é necessário considerar dados empíricos,

fáticos, técnicos ou científicos de que somente o intérprete e

o aplicador, em cada hipótese concreta, disporão.”

Não se confunde o conceito aberto com o conceito discricionário, uma

vez que, no conceito aberto, não se abre ao aplicador da norma, partindo-se de

uma valoração subjetiva, a liberdade de escolha entre várias soluções, como

ocorre nos conceitos discricionários. Nos conceitos abertos haverá uma

valoração objetiva, chegando-se a uma solução com base em valorações

preexistentes num setor social. A doutrina e jurisprudência no Brasil são

reticentes em aceitar a utilização de conceitos abertos na definição do fato

imponível. Admitem-na, Amílcar Araújo Falcão, Ricardo Lobo Torres, Marco

Aurélio Greco, e outros.

Cláusulas gerais, por sua vez, segundo Ricardo Lodi Ribeiro, “ se

traduzem na formulação da hipótese legal que, dada a sua grande

generalidade, abrange todo um domínio de casos subordinados a seu

tratamento jurídico”34 consistindo em conceitos com significação ampla,

utilizados em contraponto a uma visão positivista e utópica, que pretende ver

32 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p.32, 40. 33 FALCÃO, Amílcar de Araújo, Fato Gerador da Obrigação Tributária: Revista dos Tribunais, 1971, p. 113. 34RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro:Lúmen Júris, 2003, p. 47.

tipificada de maneira pormenorizada toda e qualquer conduta manifestadora de

riqueza, posicionando-se, assim, contrária a utilização de cláusulas gerais ou

conceitos abertos.

Para Ricardo Lobo Torres, a “norma de Direito Tributário não pode

deixar de conter alguma indeterminação e imprecisão, posto que se utiliza

também das cláusulas gerais e dos tipos, que são abertos por definição”.35

O uso das cláusulas gerais, dos conceitos abertos, ao lado das normas

antielisivas, constituem importantes instrumentos de combate à evasão e à

elisão, estando afinados com a moderna interpretação no Direito Tributário,

voltada à promoção do valor justiça sem se descurar da segurança jurídica,

através da ponderação dos princípios da capacidade contributiva e da

legalidade, deles decorrentes.

6 - A Integração e Lacunas

Consiste a integração, no preenchimento das lacunas no texto

normativo. Seu campo de atuação encontra-se além do sentido possível da

norma, portanto, além do da interpretação.

A primeira questão que se coloca a cerca da interpretação, consiste na

possibilidade ou não de o texto legal apresentar lacunas. No século XIX,

defendia-se a tese da plenitude da norma jurídica; o que não estivesse

regulamentado, consistiria espaço ajurídico, tese esta temperada

posteriormente, com a aceitação de lacunas na lei, mas não no Direito.

Atualmente consolida-se a idéia da possibilidade de que a norma jurídica

possua lacunas passíveis de preenchimento. No Direito Tributário brasileiro,

contudo, onde ainda prevalece um posicionamento positivista, a tese encontra

resistência.

35 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração de Direito Tributário: Renovar, 2006, p. 124.

Não é, contudo, qualquer falta de normatividade que ensejaria

lacuna a ser preenchida pelo intérprete ou juiz, no entender de Ricardo Lobo

Torres:36

“Só quando existe a insatisfação frente aos valores

suprapositivos, aos princípios gerais e ao plano do legislador

é que se pode cogitar da integração. Se for irrelevante a

carência de regulamentação, tratar-se-á de mero espaço

ajurídico, insuscetível de preenchimento, prevalecendo o

argumento a contrario sensu. Incolmatáveis igualmente as

lacunas de lege ferenda, que se incluem nos lindes da política

tributária. Quanto às lacunas intra legem, colocam-se melhor

no campo da interpretação que no da integração.”

7- Métodos de Integração

O Código Tributário Nacional, em seu art. 108, elencou de modo

hierarquizado quatro possíveis métodos de integração no Direito Tributário

Brasileiro. Tal disposição, todavia, sofre críticas, primeiro porque não existem

justificações de ordem jurídica, lógica ou filosófica para a hierarquização de

métodos de integração, segundo porque não há distinções claramente

perceptíveis entre os diversos métodos de integração, e por fim, porque não

esgota, o referido dispositivo legal, todas as hipóteses de integração cabíveis

no direito Tributário.

7.1 Os Princípios Gerais de Direito

Os princípios gerais de direito, sejam eles escritos ou implícitos,

positivos ou suprapositivos, são reconhecidos como normas situadas em

posição ntermediária entre os valores e as regras, possuindo grande

36TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário: Renovar, 2006, p.96

importância na interpretação do Direito Tributário, conforme exposto no item

2.4, assumem igual relevância no preenchimento de lacunas como método de

integração, devendo o aplicador, no âmbito do Direito Tributário, recorrer aos

princípios da capacidade contributiva, legalidade, tipicidade, entre outros.

7.2 A Eqüidade

A eqüidade consiste na aplicação dos princípios decorrentes da noção

de justiça. É considerado um conceito complexo e que engloba os princípios

gerais de direito. Embora de grande importância quando da elaboração da

norma de Direito Tributário, mostra-se de reduzida aplicação enquanto método

de integração, uma vez que o Direito Tributário pátrio, em razão do predomínio

da legalidade estrita, poucas vezes lança mão dos conceitos indeterminados,

das cláusulas gerais, da discricionariedade administrativa ou judicial, campo

propício à atuação da eqüidade.

7.3 A analogia

A analogia assim como ocorre com a equidade, em virtude da

prevalência no Direito Tributário das idéias de índole positivista, tem reduzida

importância naquele ramo do direito; embora admita-se a sua utilização, não

poderá, por meio dela, ser criado tributo ou algum de seus elementos.

Apresenta Ricardo Lobo Torres, os seguintes parâmetros a serem observados

na utilização de analogia no Direito Tributário:

“só se utiliza quando insuficiente, a expressividade das

palavras da lei; é necessário que haja semelhança notável

entre o caso emergente e a hipótese escolhida para

comparação; beneficia assim o fisco que o contribuinte”37

A aplicação da analogia, porém, mostra-se muita vez problemática,

podendo se confundir com a interpretação extensiva. Mostra-se problemática,

ainda, diante da dificuldade em se diferenciar a lacuna intra legem, da lacuna

praeter legem, admitindo-se na primeira, a interpretação extensiva, e na

37 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário: Renovar, 5ª edição, p.138.

segunda, a integração analógica. Na prática, muitos juízes e doutrinadores,

diante da vedação à analogia, utilizam-se disfarçadamente deste método de

integração, sob a argumentação de um raciocínio interpretativo.

No Direito Tributário do Brasil, em homenagem ao valor da segurança

jurídica e ao princípio da legalidade, não se tem admitido a analogia gravosa,

ou seja, aquela contrária ao contribuinte. A vedação decorre do art. 108,

parágrafo 1º do CTN.

Para Ricardo Lobo Torres, contudo, a vedação do art. 108, parágrafo

1º, mostra-se insuficiente, uma vez que, “sendo a analogia permeável aos

princípios gerais de Direito, a proibição teria que se estender a estes, o que

não fez o CTN.”, consistindo, a norma antielisiva do art. 116, parágrafo único,

do CTN, uma exceção à vedação do art. 108, parágrafo 1º do CTN, por operar

através de contra-analogia ou por redução teleológica.38

CAPÍTULO III - NORMAS GERAIS ANTIELISIVAS

1- Evasão e a Elisão

Não é pacífica, na doutrina, a definição de elisão e de evasão, não

havendo, outrossim, consenso sobre a licitude ou ilicitude nos referidos

conceitos. Segundo Ricardo Lobo Torres, a evasão, cujo significado deriva do

termo latino evasione, evadir-se, fugir, “é a economia de imposto obtida ao se

evitar a prática do ato ou o surgimento do fato jurídico ou da situação de direito

suficientes à ocorrência do fato gerador tributário.” Consistindo a elisão, termo

originário do latim, elisione, eliminação ou supressão, na “economia de imposto

38TORRES, Ricardo Lobo.Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributáio: Renovar, 2006,p.126, 266

obtida pela prática de um ato revestido de forma jurídica que não se subsume

na descrição abstrata da lei.”39

Diferem, a elisão e a evasão, da simulação e da fraude, na medida em

que, aquelas antecedem a ocorrência do fato gerador, e estas se dão após a

ocorrência do fato gerador. A sonegação e a fraude serão sempre ilícitas,

enquanto que a elisão e a evasão, poderão ser ou não, conforme a posição

teórica sobre interpretação do Direito Tributário, que se adote.

Atualmente, por influência das idéias trazidas pela jurisprudência dos

valores e pelo pós positivismo, é reconhecida a elisão como forma de

planejamento fiscal visando a uma economia de tributos, não se admitindo,

contudo, a elisão abusiva, a ser combatida seja por um interpretação aberta à

uma valoração axiológica com ponderação entre princípios, seja pela atuação

doutrinária e jurisprudencial fundada na teoria do abuso de direito, seja pela

adoção de normas antielisivas, entre outros meios. Posicionamento, este, que

vem pouco a pouco ingressando no Direito Tributário Brasileiro, conforme se

observa da inclusão no direito positivo, da chamada norma geral antielisiva, art.

106, parágrafo único, CTN, com redação dada pela LC 104/01.

No que concerne à evasão ilícita, conforme Ricardo Lobo Torres:

“ dá-se após a ocorrência do fato gerador e consiste na sua

ocultação com o objetivo de não pagar o tributo devido, de

acordo com a lei, sem que haja qualquer modificação na

estrutura da obrigação ou na responsabilidade do

contribuinte.”40

Prevalece no Brasil, no que se refere à doutrina sobre elisão e evasão

tributária, uma forte influência do positivismo normativista, podendo-se

considerar emblemáticas as idéias de Antonio Roberto Sampaio Dória, que

introduziu no Brasil a distinção entre evasão e elisão de acordo com o

momento em que são praticados os atos tendentes a evitar o pagamento do

tributo. Considera o autor, que na evasão, o fato gerador fora praticado, porém

39TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário: Renovar, 2006, p. 219. 40TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário:Renovar, 2006, p. 221.

o pagamento do tributo correspondente, evitado através de sonegação

simulação ou fraude. E, na elisão, deixa o contribuinte de praticar o fato

gerador, praticando, todavia, um outro fato de conteúdo econômico, com os

mesmos efeitos jurídicos. Assim, conclui-se, segundo este posicionamento, ser

lícita a elisão e ilícita a evasão, restando, as possibilidades de desconsideração

do planejamento tributário, limitadas aos casos em que forem apuradas a

simulação, a sonegação ou a fraude.41

2- Definição e Mecanismos de Atuação das Nomas

Antielisivas

Constituem as normas antielisivas, um dos meios de que dispõe o

aplicador da lei, para o combate à elisão abusiva, consistindo em dispositivos

legais que permitem desconsiderar a forma jurídica adotada pelo contribuinte

com o único ou prevalente intuito de economizar tributo, que não corresponda à

finalidade da norma, ou ainda à vontade emanada e aos efeito normalmente

obtidos pela prática do negócio jurídico.

Segundo Ricardo Lobo Torres, “ a subsunção malograda e a analogia

forçada pelo contribuinte postulam, em nome da igualdade, a norma geral

antielisiva e contra-analógica”. Assim, na linha de pensamento desenvolvido

por Karl Larenz, o contribuinte ao praticar a elisão fiscal, “opera além da

possibilidade expressiva da lei”, estabelecendo seu negócio ou estruturando

sua empresa “ultrapassando os limites da interpretação jurídica, caindo

abusivamente, no campo da lacuna ou da analogia.” Donde conclui , “ a elisão

não pode ser combatida pela interpretação, mas apenas integração jurídica,

mormente pela contra analogia e pela redução teleológica, ínsitas nas normas

antielisivas.”42

41 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária: Lúmen Júris, 2003, p. 136,137. 42 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário: Renovar, 2006, p. 262, 263.

Na chamada “contra-analogia”, verificando o Fisco, a elisão, irá

procurar, após a desconsideração do ato, requalifica-lo conforme norma

existente no ordenamento jurídico. O argumento contra-analógico é

normalmente utilizado no combate à fraude à lei. Nos outros casos de abuso

de forma jurídica utiliza-se a técnica de integração denominada redução

teleológica, na qual o aplicador limita o sentido possível da lei com o fim de

adequa-lo à finalidade econômica da norma, sem, contudo, alterar a letra da

lei.43

Portanto, segundo Ricardo Lobo Torres, no combate à elisão, opera-se

por integração através de analogia e contra-analogia, concluindo, na esteira

dos ensinamentos de Tipke, ser, a analogia, inevitável em face da

indeterminação dos princípios fundamentais da tributação. Concluindo,

outrossim, que a norma elisiva do art. 116, parágrafo único, do CTN, constitui

exceção à vedação à analogia gravosa do parágrafo 1º do art. 108 do CTN.44

Sobre o assunto, vale ressaltar o entendimento de Ricardo Lodi

Ribeiro, para quem, não obstante inexista impedimento constitucional à

analogia, o combate à elisão independe desse método de integração:45

“Se o contribuinte praticou um ato que, em sua essência,

se confunde com a hipótese de incidência prevista pelo

legislador, não se trata de aplicar analogicamente a lei ao

caso por ela não previsto, mas de afastar os mecanismos

praticados pelo contribuinte, no sentido de ocultar a

ocorrência do fato imponível. Tal conclusão se baseia na

premissa de que as formalidades jurídicas só interessam ao

direito tributário quando condizentes ao fato econômico

efetivamente realizado.

No mesmo sentido, Henrich W. Kruse, que diferencia a

analogia da aplicação da lei tributária, com base na

consideração econômica, utilizando-se da seguinte fórmula:

43 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário: Renovar, 2006, p. 263. 44TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário:Renovar, 2006, p. 266. 45 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária: Lúmen Jurris, 2003, p. 143

“Na analogia ocorre a simulação do tipo legal, no caso da

elisão são simulados os fatos”.”

3- Fundamento e Justificação

As normas antielisivas encontram seu fundamento nas teorias

desenvolvidas na jurisprudência dos valores e no pós-positivismo, já

enfocadas. Devendo o seu surgimento e propagação, à proeminência

alcançada pelo princípio da transparência. Encontrando, ainda, justificação,

em sua grande utilidade no combate ao abuso de direito.

3.1- O Princípio da Transparência

Consiste, em síntese, conforme ensina Ricardo Lobo Torres, a

transparência fiscal, em um princípio constitucional implícito, que orienta o

desenvolvimento da atividade fiscal para um caminho pautado pela clareza,

abertura e simplicidade, estando voltado tanto para o Estado quanto para a

sociedade, bem como para os organismos financeiros supranacionais e

entidades não-governamentais.46

Em atendimento ao princípio da transparência, o atuar da sociedade

deverá ser claro, evitando-se qualquer conduta abusiva, a ponto de se eliminar

obscuridades no relacionamento com o Estado que, em contrapartida,

igualmente exercerá sua atividade financeira de maneira clara, tanto na

instituição de tributos quanto na elaboração e execução orçamentária.

Apresenta-se o princípio da transparência fiscal, como o mais

adequado à superação das “ambivalências”, característica da denominada

“sociedade de risco” originária de um Estado Pós-positivista voltado para a

eliminação dos riscos sociais. Correspondendo a ambivalência, à falta de

unanimidade por parte dos cidadãos em face da execução de políticas

públicas.

Apresenta-se, ainda, a aplicação do mencionado princípio, como uma

excelente forma de superação aos riscos fiscais decorrentes da atuação

46 TORRES, Ricardo Lobo. Normas Gerais Antielisivas. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, numero 04, novembro/dezembro de 2005 e janeiro de 2006, Salvador – Bahia, p. 06.

financeira do Estado e da atuação abusiva do contribuinte. Conforme palavras

de Ricardo Lobo Torres:47

“Só a transparência na atividade financeira,

consubstanciada na clareza orçamentária, na

responsabilidade fiscal, no respeito aos direitos

fundamentais do contribuinte, no aperfeiçoamento da

comunicação social e no combate à corrupção dos agentes

públicos, em contraponto à transparência na conduta do

contribuinte garantida pelas regras anti-sigilo bancário e pelo

combate à corrupção ativa, pode conduzir à minimização

dos riscos fiscais do Estado Subsidiário.”

3.2 A Teoria do Abuso de Direito

À luz das idéias que inspiram a nova doutrina sobre interpretação

tributária, voltada a um pluralismo metodológico e ao equilíbrio entre os

valores; não devem prevalecer posicionamentos radicais como o que admite

válida qualquer forma de planejamento tributário, ou o que, ao contrário,

rechaça qualquer forma de discordância entre a forma jurídica adotada e seu

conteúdo econômico. A elisão tributária a ser combatida é aquela praticada

mediante o abuso de direito.

A teoria do abuso de direito não é nova noutros ramos do direito. No

Direito Tributário, na âmbito do combate à elisão, materializa-se na prática de

um ato ou o exercício de atividade, cuja forma, embora lícita, fora utilizada com

um fim diverso daquele previsto pela norma jurídica que a amparou. No abuso

de direito o agente utiliza-se de determinado negócio jurídico sem o intuito de

se submeter aos seus efeitos, mas visando, única ou preponderantemente, à

redução do imposto.48

47 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração no Direito Tributário: Renovar, 2006, p. 224. 48 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 144.

É de se notar que no abuso de direito, o negócio jurídico escolhido é

formalmente lícito, com efeitos econômicos idênticos ou similares àqueles

previstos pela norma de incidência, porém antijurídico na medida em que não

se mostra adequado aos fins mirados pelo legislador tributário, vindo a causar,

o agente, com o fim de efetuar a economia do imposto, um dano à direito de

terceiro, no caso, o Fisco.

Cumpre frisar, que não basta a simples ocorrência de uma economia

fiscal para caracterizar a elisão abusiva, fazendo-se necessária a intenção do

contribuinte, que, na escolha do negócio jurídico, almeje de modo único ou

preponderante, evitar o pagamento do imposto devido ou paga-lo a menor.

Sendo esta, uma das notas diferenciadoras entre aplicação da teoria do abuso

de direito, e as teorias da chamada interpretação econômica.

O abuso de direito poderá se materializar de diversas formas,

constituindo gênero de que são espécies, a fraude à lei, o abuso de forma, o

abuso de personalidade jurídica das empresas e o descompasso entre a forma

jurídica e a intenção econômica.

4- A Norma Geral Antielisiva do CTN.

Podemos encontrar no direito comparado, diversos modelos de normas

elisivas, cujas diferenças teóricas derivam das características culturais e da

evolução jurídica de cada país, possuindo, contudo, semelhanças

metodológicas, posto que derivam do princípio da transparência e de teorias

similares a do abuso de direito adotada no Brasil. Assim, temos que, na

Alemanha, aplica-se no combate à elisão, a teoria da proibição do abuso de

forma; na Espanha, Portugal e Holanda, a da vedação de fraude à lei; na

Inglaterra, Canadá, Austrália, Suécia, a teoria do propósito mercantil ou

intenção negocial; etc.

O Brasil, a despeito de sua tradição formalista, recepcionou os

parâmetros da teoria adotada pela legislação francesa no combate à elisão,

explicada pela doutrina daquele país, nas palavras de Ricardo Lobo Torres,

nos seguintes termos:49

“...se trata de instrumento que visa a manter os atos e fatos

conformes à realidade, com o equilíbrio entre substância e

forma, evitando-se que o contribuinte adote formas jurídicas

com a finalidade única de evitar ou diminuir o pagamento de

impostos, o que pode ser demonstrado negativamente pela

ausência de justificação econômica.”

Deste modo, a Lei Complementar numero 104/2001, introduziu no

CTN, o parágrafo único do art. 116, que, nos moldes do modelo francês,

estabelece uma verdadeira cláusula geral antielisiva.

O parágrafo único, do art. 116, do CTN, tem sido objeto de diversas

críticas por parte de doutrinadores de renome, como Alberto Xavier, em geral

ligados à teorias positivistas formalistas e conceptualistas, para quem, o

referido dispositivo seria inócuo e inconstitucional. Críticas, estas, rebatidas

por doutrinadores mais afinados com as modernas teorias de interpretação

tributária, ligadas ao pós-positivismo e à jurisprudência dos valores.

Alega-se inócua a norma antielisiva geral do parágrafo único do art.

116, do CTN, na medida em que estaria a repetir a proibição de simulação já

contida nos arts. 149, VII e 150, parágrafo 4º do CTN. É acoimada, outrossim,

de inconstitucional posto que contrariaria aos princípios da legalidade estrita e

tipicidade fechada, afrontaria a proibição de analogia do art. 108 do CTN e

recorreria às teorias da fraude à lei e do abuso direito, inaplicáveis no direito

tributário, tratando-se, assim, de norma antievasiva e não antielisiva.

Em defesa da norma contida no art. 116, parágrafo único do CTN,

aponta Ricardo Lobo Torres, além de argumentos específicos, a seguinte

argumentação genérica.

“a) não tem peso argumentativo concluir-se que o

Congresso Nacional, legitimamente eleito, teria se reunido

49 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário: Renovar, 2006, p. 242.

para votar lei inócua, que repetiria a proibição de simulação

já constante do CTN (arts. 149, VII e 150, parágrafo 4º)

b) não faz sentido admitir-se que a lei inócua foi votada por

engano ou por ignorância, já que a Mensagem que

encaminhou o projeto se referia expressamente à

necessidade de introdução da regra antielisiva no

ordenamento jurídico brasileiro;

c) não pode haver nenhuma incompatibilidade da norma

antielisiva com o Estado de Direito, senão até que se tornou

necessidade premente nas principais nações democráticas

na década de 1990;

d) em nenhum país democrático levantou a doutrina a tese

da inconstitucionalidade, e muito menos a declararam os

Tribunais Superiores;

e) quando muito se encontra a afirmativa de que certas

nações não estão “maduras” para a prática das normas

antielisivas, como acontece naquelas em que o

planejamento tributário se tornava freqüentemente abusivo;

f) as teses da legalidade “estrita” e da tipicidade “fechada”,

têm conotação fortemente ideológica e se filiam ao

positivismo formalista e conceptualista;

g) as normas antielisivas equilibram a legalidade com a

capacidade contributiva;

h) as normas antielisivas no direito comparado têm

fundamento no combate à fraude à lei (Alemanha, Espanha,

Portugal), ao abuso de direito (França) ou ao primado da

substância sobre a forma (Estados Unidos, Inglaterra,

Canadá, etc.), e não há motivo para que tais fundamentos

não possam ser invocados no Brasil.”50

50 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário: Renovar, 2006, p. 245, 246.

Alega-se em defesa da utilidade da norma geral elisiva do CTN, que o

vocábulo utilizado, “dissimulação”, teria significação mais ampla que o de

“simulação”, a englobar todas as espécies do gênero abuso de direito.

Ricardo Lobo Torres posiciona o problema em outros termos. Segundo

ele, teriam os detratores da norma antielisiva geral do CTN, emprestado ao

termo dissimulação, o mesmo significado de simulação relativa, utilizado pelo

Código Civil, ou seja, quando o negócio jurídico praticado é querido, mas

apresenta-se dissimulado sob falsas aparências.

Contudo, o termo dissimulação contido na norma antielisiva geral do

art. 116, apresenta-se como elemento da elisão, nos moldes da teoria

emprestada do direito francês, e não como mecanismo de simulação. A

autorização concedida na norma geral antielisiva do CTN, é para a

desconsideração de ato ou negócio jurídico efetivamente ocorrido, sem

simulação, seja ela relativa, seja absoluta. Prossegue Ricardo Lobo Torres:51

“ Quando o art. 116, parágrafo único, do CTN diz que “a

administração pode desconsiderar atos ou negócios

praticados com finalidade de dissimular a ocorrência do fato

gerador tributário” está se referindo à dissimulação do fato

gerador abstrato e não à simulação do fato gerador concreto. O

ato ou negócio praticado (fato gerador concreto) não é

dissimulado, mas dissimulador da verdadeira compreensão

do fato gerador abstrato, o que, sem dúvida, é uma das

características da elisão.”

Concluindo, assim, o autor, seu raciocínio:52

“De efeito, a nova cláusula geral antielisiva trazida pela

LC104/01 nada tem que ver com a simulação porque atua

no plano abstrato da definição do fato gerador e dos

elementos constitutivos da obrigação tributária (sujeito

51 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário: Renovar, 2006, p. 256. 52 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário: Renovar, 2006, p. 257.

passivo, tempo, base de cálculo, alíquota, etc.), impedindo

que seja dissimulada a sua ocorrência mediante

interpretação abusiva do texto da lei tributária. Opera,

portanto, no plano da mens legis, destorcendo o seu sentido

para dissimular a ocorrência do fato gerador apropriado.”

Levantam-se ainda, questionamentos sobre a constitucionalidade do

dispositivo em tela, por ofender o princípio da legalidade.

A consagração dos princípios da legalidade e da tipicidade, não é

privilégio do direito brasileiro, também os demais países que adotaram

cláusulas antielisivas, têm os referidos princípios como de relevância em seus

ordenamentos jurídicos. A introdução e aplicação das normas antielisivas,

longe de atentar contra o princípio da legalidade, constitui forma de

harmonização entre os valores da justiça e da segurança jurídica. Segurança

jurídica esta, que se manifesta pela certeza da aplicabilidade das regras. A

obrigação tributária decorre necessariamente da lei e não da vontade do

contribuinte. Donde se conclui que as normas antielisivas não atentam contra

o princípio da legalidade, mas ao contrário convergem para sua garantia.53

A proibição à analogia, por sua vez, não é decorrência direta do

princípio constitucional da legalidade, uma vez que, na linha de pensamento de

Klaus Tipke, o uso da analogia estaria a efetivar a “vontade do legislador

manipulada de maneira imperfeita e com lacunas no texto da lei”, constituindo

decorrência dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.54

O recurso à analogia, portanto, é vedado apenas por norma

infraconstitucional, qual seja o CTN, nada impedindo que o próprio Código

venha a estabelecer exceção à regra que ele mesmo previu. Operando,

assim, a norma contida no parágrafo único do art. 116 do CTN, por contra-

analogia ou por redução teleológica, inserindo exceção ao art. 108, parágrafo

1º, do CTN.

53 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 163/164. 54 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2003, p. 131.

Vale destacar a opinião dissonante de Ricardo Lodi Ribeiro, que não

obstante considere possível a analogia no Direito Tributário, não a vislumbra no

procedimento de combate à elisão, aonde, segundo o autor, ocorre uma

“subsunção da própria lei, cuja aplicabilidade ao caso foi ocultada pelo

contribuinte”.55

Quanto às críticas que vêm sofrendo a aplicação da teoria do abuso do

direito no Direito Tributário, transcreve-se a sempre precisa lição de Ricardo

Lobo Torres, que ao tratar sobre o ingresso dessas teorias no CTN e no Código

Civil, assim preleciona :

“ Por muito mais do que mera coincidência, a publicação das

duas importantes leis marcaram um momento de renovação

do direito brasileiro, com a superação de posições

positivistas formalistas e com a procura do mais íntimo

relacionamento com a ética, sem falar na busca de inserção

no mundo globalizado. O abuso de direito em ambas as

áreas jurídicas deve ser interpretado segundo o princípio da

unidade do direito e sob a perspectiva de sua abrangência e

superioridade epistemológica frente a outras modalidades de

combate ao conceptualismo.”56

Por fim, no que se refere a sua aplicabilidade, a norma geral antielisiva

do CTN é considerada meramente declaratória, ou de aplicabilidade imediata e

direta, só necessitando ser complementada nos casos em que a entidade

federativa não possuir legislação sobre processo administrativo fiscal.

CONCLUSÃO

55 RIBEIRO, Ricardo Lodi, Justiça Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2003, p. 164. 56 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário: Renovar, 2006, p. 269.

Ao longo da evolução da interpretação tributária, prevaleceu o

desequilíbrio entre os valores da justiça e da segurança jurídica. As teorias

que se sucederam, optaram, por questões históricas e jusfilosóficas, erigir

como absoluto, um desses valores em detrimento do outro, o que, obviamente,

gerou resultados funestos, no caso da teoria da interpretação econômica

idealizada por Enno Becker e abraçada pelo Nacional Socialismo e pelo

Fascismo, ou insatisfatórios e atentatórios à justiça, no caso das idéias

formalistas e conceptualistas. Ficou patente, portanto, que o apego à idéias

como a da tipicidade fechada ou da liberdade de criação do juiz tributário,

assim como a escolha de métodos de interpretação específicos, não atendia

aos anseios de uma atividade tributária mais justa e condizente com os

princípios da legalidade e da capacidade contributiva.

Com as idéias oriundas do pós-positivismo e da jurisprudência dos

valores, abre-se o Direito Tributário à noção de justiça, resgatando-se o

equilíbrio entre os princípios da legalidade e da capacidade contributiva, agora

analisada sob um novo prisma que não o do positivismo formalista ou do

positivismo causalista, promovendo-se uma reaproximação entre o direito e a

moral. Nessa linha de pensamento, defende-se o pluralismo metodológico sem

a prevalência de um único método de interpretação, a interação entre Direito

Civil e Tributário, bem como o combate a elisão abusiva através das normas

gerais antielivas.

O Direito Tributário Brasileiro, apegado as teorias formalistas, vem

pouco a pouco cedendo às idéias da jurisprudência dos valores, já

consagradas no direito comparado. O questionamento à teoria da legalidade

estrita e à tipicidade fechada, permitem ao legislador a adoção de conceitos

abertos, cláusulas gerais e normas antielisivas gerais e específicas, como

forma de melhor realizar o princípio da capacidade contributiva. Prova disto é

a inserção no CTN, de verdadeira norma geral antielisiva, a qual, não obstante

venha sofrendo diversas críticas por parte da doutrina, é defendida por

doutrinadores de escol, como Ricardo Lobo Torres.

A norma geral antielisiva do CTN, ancorada no princípio da

transparência, consagra no Direito Tributário a utilização da teoria do abuso de

direito, comum a outros ramos, como forma de combate à elisão abusiva ou o

planejamento fiscal inconsistente, fundado numa subsunção malograda por

parte do contribuinte, possibilitando a requalificação do ato ou negócio

praticado. Constitui, assim, importante instrumento de realização da justiça

fiscal, encontrando-se em consonância com o valor da segurança jurídica.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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janeiro de 2006, Salvador, Bahia.

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ao Poder de Tributar”: Revista Eletrônica de Direito do Estado, número 4,

outubro/ novembro/dezembro de 2005, Salvador, Bahia.

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

Histórico da Teoria da Interpretação Econômica 10

CAPÍTULO II

A Interpretação e a Integração no Direito Tributário 14

1 - A Evolução da Interpretação no Direito Tributário 14

2 – Interpretação e Integração – Definições e Diferenças 19

3 – Métodos de Interpretação 21

3.1 – Método Literal 22

3.2 - Método Lógico 23

3.3 – Método Histórico 23

3.4 – Método Sistemático 24

3.5 – Método Teleológico 25

4 – A Interpretação Quanto aos Resultados 27

5 - Valores e Princípios na Interpretação Tributária 28

6 – A Integração e Lacunas 33

7 - Métodos de Integração 34

7.1 - Os Princípios Gerais de Direito 35

7.2 - A Equidade 35

7.3 – A Analogia 35

CAPÍTULO III

Normas Gerais Antielisivas 36

1 - Evasão e Elisão 36

2 - Definições e Mecanismos de Atuação das 38

Normas Antielisivas

3 - Fundamento e Justificação 40

3.1 - O Princípio da Transparência 41

3.2 - A Teoria do Abuso de Direito 42

4 - A Norma Geral Antielisiva do CTN 43

CONCLUSÃO 49

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 51

ÍNDICE 53