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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM LINGUÍSTICA Reflexões sobre o ensino de língua portuguesa no início do século XX: análise de prática de composição oral EUNICE EMÍLIA JANSONS ALMEIDA Orientadora: Profª. Drª. Ana Elvira Luciano Gebara Dissertação apresentada ao Mestrado em Linguística, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Linguística. SÃO PAULO 2014

UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL · A linguagem é fundamental para todos os seres humanos. É por meio dela ... documento reconhece e privilegia a dimensão interacional e discursiva

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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM LINGUÍSTICA

Reflexões sobre o ensino de língua portuguesa no início

do século XX: análise de prática de composição oral

EUNICE EMÍLIA JANSONS ALMEIDA

Orientadora: Profª. Drª. Ana Elvira Luciano Gebara

Dissertação apresentada ao Mestrado em Linguística, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Linguística.

SÃO PAULO

2014

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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA

UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

A446r

Almeida, Eunice Emilia Jansons. Reflexões sobre o ensino de língua portuguesa no início do

século XX: análise de prática de composição oral / Eunice Emilia Jansons Almeida. -- São Paulo; SP: [s.n], 2014.

83 p. : il. ; 30 cm. Orientadora: Ana Elvira Luciano Gebara. Dissertação (mestrado) - Programa de Pós-Graduação em

Linguística, Universidade Cruzeiro do Sul. 1. Língua portuguesa - Ensino 2. Oralidade 3. Parâmetros

curriculares nacionais – Língua portuguesa I. Gebara, Ana Elvira Luciano. II. Universidade Cruzeiro do Sul. Programa de Pós-Graduação em Linguística. III. Título.

CDU: 801(043.3)

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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

Reflexões sobre o ensino de língua portuguesa no início

do século XX: análise de prática de composição oral

Eunice Emília Jansons Almeida

Dissertação de mestrado defendida e aprovada

pela Banca Examinadora em 05/06/2014.

BANCA EXAMINADORA:

Profª. Drª. Ana Elvira Luciano Gebara

Universidade Cruzeiro do Sul

Presidente

Profª. Drª. Guaraciaba Micheletti

Universidade Cruzeiro do Sul

Profª. Drª. Norma Seltzer Goldstein

Universidade de São Paulo

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AGRADECIMENTOS

A Deus, meu Senhor e Salvador, pela vida, misericórdia e graça na capacitação

em mais uma jornada na área acadêmica.

Ao meu bem amado, Luiz Percival, por acreditar que este projeto era

importante para mim. Por ser meu companheiro de viagem, pelo incentivo e

grande amor demonstrados, este título também lhe pertence.

Aos meus pais, João e Odete, pelo incentivo nos estudos e por abdicarem de

si próprios para que a aprendizagem fosse efetiva em minha vida.

Aos meus professores do passado: Maria Aparecida Palma, Luiz Favret, Vanda

Elias, grandes inspirações.

Aos professores do presente: Guaraciaba Micheletti, Ana Lúcia Cabral, Manoel

Guaranha, Carlos Andrade, Maria Valíria Mello Vargas e Magali Sparano.

À querida e especial orientadora, Ana Elvira Luciano Gebara, pela grande

paciência e todo amor dispensado.

À professora Norma Seltzer Goldstein, de conhecimentos profundos, pelas

valorosas observações a este trabalho.

Todos, agora, são parte da minha história.

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“A escola deixará de ser, talvez como nós a

compreendemos, com estrados, bancos,

carteiras: será talvez um teatro, uma

biblioteca, um museu, uma conversa”.

Leon Tolstoi

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ALMEIDA, E. E. J. Reflexões sobre o ensino de língua portuguesa no início do século XX: análise de prática de composição oral. 2014. 83 f. Dissertação (Mestrado em Linguística)-Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2014.

RESUMO

Este trabalho aborda a proposta para a produção oral “composição colletiva” da 1ª.

Revista Escolar do Estado de São Paulo, de janeiro de 1925, na parte Lições

Práticas. A verificação busca identificar as concepções de ensino de língua e as

relações entre o ensino da escrita e da oralidade na proposta, comparando essas

concepções com o ensino da oralidade hoje. A metodologia usada é a análise

linguístico-discursiva aliada à análise dos elementos referentes às instruções de

ensino de produção escrita, encenando a oralidade. A fundamentação teórica recai

sobre os estudos de Bakthin (2011), Maingueneau (1997), Orlandi (2007), Marcuschi

(2010), Geraldi (2011), Signorini (2001), Santos, Mendonça e Cavalcanti (2007),

Gomes-Santos (2012), Goulart (2005) entre outros. O objetivo é identificar caminhos

para o ensino do oral, tomando essa atividade e suas potencialidades.

Palavras-chave: Oralidade e gêneros orais, Ensino dos gêneros orais, Ensino de

língua materna, Composição oral coletiva.

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ALMEIDA, E. E. J. Reflections on the teaching of portuguese in the early twentieth century: analysis of practice of oral composition. 2014. 83 f. Dissertação (Mestrado em Linguística)-Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2014.

ABSTRACT

This paper discusses the proposal for oral production "colletiva composition" in 1st.

School of São Paulo, January 1925 magazine, Practical Lessons in part. Verification

seeks to identify the conceptions of teaching of language and the relationship

between the teaching of writing and orality in the proposal, comparing these views

with the teaching of oral today. The methodology used is the linguistic-discursive

analysis combined with analysis of the elements relating to the instructions of

teaching writing production, staging orality. The theoretical foundation rests on

studies of Bakhtin (2011), Maingueneau (1997), Orlandi (2007), Marcuschi (2010),

Geraldi (2011), Signorini (2001), Santos Mendonça and Cavalcanti (2007), Gomes-

Santos (2012), Goulart (2005) among others. The goal is to identify ways for teaching

oral taking this activity and its potential.

Keywords: Orality and oral genres, Teaching of oral genres, Mother tongue

teaching, Collective oral composition.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 8

CAPÍTULO 1 - O ENSINO DO ORAL ......................................................................... 13

1.1 Oralidade: características .............................................................................. 16

1.2 Relações entre escrita e oralidade ................................................................ 20

CAPÍTULO 2 - CONTRAPONTO DA REVISTA ESCOLAR: OS PCN ....................... 28

2.1 O ensino da língua portuguesa antes dos PCN ............................................ 28

2.2 Os PCN e a oralidade ...................................................................................... 30

2.3 Gêneros textuais e os PCN ............................................................................ 34

2.4 O ensino da oralidade junto aos PCN hoje ................................................... 40

CAPÍTULO 3 - APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DO CORPUS ................................... 44

3.1 As Revistas de 1925 ........................................................................................ 46

3.2 Análise do corpus central .............................................................................. 51

3.3 As relações do ensino da escrita e da oralidade .......................................... 64

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 72

REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 75

ANEXO ....................................................................................................................... 79

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INTRODUÇÃO

A linguagem é fundamental para todos os seres humanos. É por meio dela

que todos se inserem na sociedade; por meio dela interagimos, discutimos opiniões

e produzimos conhecimento.

O ensino e aprendizagem da língua materna é, dessa forma, uma constante

preocupação nos programas educacionais propostos ao longo dos anos. No ensino

fundamental, é apontado como grande problema o fracasso escolar nas atividades

de leitura e de escrita. As questões referentes à participação social de todos os

indivíduos também têm sido amplamente discutidas, inclusive no que se refere ao

acesso aos saberes concernentes à língua, necessários ao exercício da cidadania.

Cabe à escola a responsabilidade de dar oportunidades aos alunos,

observando se suas práticas pedagógicas fornecem efetivamente o conhecimento

da língua. Muitos ainda externam que a tradição em ensinar se perpetua. Entende-

se por tradição o fazer pedagógico mecânico, sem reflexão, sem considerar a

participação de todos os envolvidos no processo de construção do conhecimento,

conforme Vigotsky (2003).

A motivação desta pesquisa é refletir sobre o trabalho com a língua oral, uma

vez que o ensino do oral hoje em dia é desenvolvido de forma tímida nas escolas,

embora o tratamento do oral como uso e prática nas suas diversas formas esteja

contemplado nos Parâmetros Curriculares Nacionais. O que ainda se vê são

atividades em que há correção da fala “errada” dos alunos e não há preocupação

em oferecer um ambiente favorável onde os alunos possam se manifestar a respeito

do que pensam e sentem. Cabe à escola, portanto, propiciar o desenvolvimento da

capacidade de uso da língua oral em diferentes situações de comunicação,

principalmente nas situações mais formais.

Para tanto, o interesse em investigar as práticas de ensino da língua materna

e o de tentar responder às questões à luz dos estudos mais recentes sobre ensino e

aprendizagem da língua, apontar as concepções de língua e linguagem, o que está

consagrado nas práticas de ensino oral, como era e como deve ser. Assim, na busca

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de respostas aos questionamentos feitos por mim, para afinar a minha prática

pedagógica com as necessidades dos alunos, quanto ao uso adequado da

oralidade, deparei-me com os arquivos da memória paulista e a descrição das aulas

nas revistas que orientavam os professores de outras épocas (de 1925). Pude

observar ali uma grande oportunidade de pesquisa e reflexão sobre o ensino do oral.

Pelo estudo desse corpus escolhido, foi possível refletir sobre estratégias a serem

utilizadas em sala de aula.

Este trabalho tem como objetivo analisar a proposta simulada para a

produção oral intitulada “composição colletiva”, da 1ª. Revista Escolar do Estado de

São Paulo, identificando as concepções de ensino de língua e as relações entre o

ensino da escrita e da oralidade, comparando essas concepções com o ensino da

oralidade hoje.

O corpus constituído para essas reflexões é a simulação do

exercício/orientação proposto na 1ª. Revista Escolar datada de janeiro de 1925,

retirada do Arquivo Público do Estado de São Paulo – “Memórias da Educação” –

organizada pela Diretoria Geral da Instrução Pública – SP.

Toda documentação referente à 1ª. Revista Escolar encontra-se à disposição

no site do Arquivo do Estado de São Paulo – “Memória da Educação”1, direcionado a

pesquisadores e interessados nos documentos sobre a História da Educação

Paulista nos séculos XIX e XX que integram o acervo do Arquivo Público do Estado

de São Paulo.

Nesse arquivo, estão digitalizados e disponibilizados relatórios, dados

estatísticos, instruções pedagógicas, revistas, trabalhos escolares, fotos, ou seja,

uma multiplicidade de tipos documentais que permitem uma aproximação do

pesquisador da complexidade dessa temática.

A 1ª. Revista Escolar apresenta-se em 75 páginas, sendo dividida em temas

educacionais e indicações práticas para o ensino da escrita e para outros, a saber:

Lições Práticas, Pedologia, Lições de Coisas, Methodologia, Literatura Infantil,

Escotismo, Questões Geraes, Pelas Escolas, Notícias, Directoria Geral, Secretaria

1 Disponível em http://www.arquivoestado.sp.gov.br/a_acervo.php .

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do Interior. É na primeira folha que aparecem, como um editorial da revista, as

intenções de sua existência, ou seja, ela serviria contando com o apoio de todos os

que se denominam de “classes letradas”, para o aperfeiçoamento do ensino público

paulista, o que podemos constatar neste trecho:

Eis o 1º. número da REVISTA ESCOLAR. Sua denominação, as secções de que se compõe e, sobretudo, a matéria nella contida, dizem claramente os seus intuitos.

(...)

Certa do apoio das classes letradas e, principalmente, do concurso intellectual do professorado, a REVISTA ESCOLAR, espera poder contribuir efficazmente para o aperfeiçoamento do ensino público paulista. Ella aguarda, pois, com prazer, collaborações de caracter didactico, informações pedagógicas, instrucções, esclarecimentos, emfim todo e qualquer trabalho que se harmonize com a sua natureza e seus fins.

Nosso recorte na Revista Escolar – Lições práticas - é a parte analisada neste

trabalho. Nela, é indicado como o professor deveria conduzir as aulas de língua

portuguesa sobre diversos temas. A primeira aula é de “linguagem oral”, como é

denominada na Revista, e a atividade a ser desenvolvida são as “composições

colletivas”. Em quatro páginas, que simulam a ação do professor em sala de aula,

são indicadas as composições coletivas e a estratégia para o ensino da língua

portuguesa.

Usamos como contraponto os Parâmetros Curriculares Nacionais, editados

em 1998 pelo Ministério da Educação e Cultura – MEC, para servir de referência, de

fonte de consulta e de objeto para reflexão e debate nas práticas de leitura e de

escrita de Língua Portuguesa e que, ainda hoje, mantêm-se atuais e em vigor. Esse

documento reconhece e privilegia a dimensão interacional e discursiva da língua e

recomenda que haja um foco nos usos da língua oral e escrita, além da reflexão

sobre esses usos. Pode-se considerar que o primeiro passo para o ensino de língua

portuguesa seria trazer para a sala de aula a oralidade e desmistificar a ilusão da

postura ''corretiva'', assumindo que existem modalidades e variedades de uso da

língua. Por isso, nas aulas de Língua Portuguesa, haveria respeito pelas variedades

nas falas dos alunos ao mesmo tempo em que se buscaria desenvolver a

competência no uso da norma padrão.

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Para Rojo e Cordeiro (apud SCHNEUWLY e DOLZ, 2004, p. 11) os

referenciais curriculares “não apresentam propostas operacionalizadas – geraram

inúmeras dúvidas quanto a como pensar o ensino dos gêneros escritos e orais e

como encaminhá-los de maneira satisfatória”. Como Marcuschi (2010, p. 22) aponta,

“Na sociedade atual, tanto a oralidade quanto a escrita são imprescindíveis. Trata-

se, pois, de não confundir seus papéis e seus contextos de uso, e de não discriminar

seus usuários”. Assim, os PCN são um documento utilizado neste trabalho como

contraponto, muito embora esta dissertação não comporte outros aspectos também

importantes para se avançar no ensino dos gêneros na escola.

A metodologia escolhida para o trabalho é a análise linguístico-discursiva do

corpus e os procedimentos para elaborá-la são o estudo bibliográfico e a análise dos

elementos referentes às instruções de ensino de produção escrita, encenando a

oralidade.

Os autores elencados como centro da fundamentação teórica são teóricos

que trabalham com o ensino de língua e de oralidade, bem como as relações entre

língua e escrita. Entre eles estão Bakthin (2011), Maingueneau (1997), Orlandi

(2007), Marcuschi (2010), Geraldi (2011), Signorini (2001), Santos, Mendonça e

Cavalcanti (2007), Gomes-Santos (2012) e Goulart (2005).

A dissertação traz reflexões sobre como se ensinava a língua portuguesa no

início do século XX, em especial as práticas de composição oral, conforme se

apresenta no corpus da 1ª. Revista Escolar, extraída do site do Arquivo Público do

Estado de São Paulo – “Memórias da Educação” – organizada pela Diretoria Geral

da Instrução Pública – SP.

No primeiro capítulo, pretende-se realizar a fundamentação teórica sobre a

língua oral e como ela é constituída, além de um contraponto com a língua escrita no

espaço escolar.

No capítulo seguinte, faremos um paralelo com os Parâmetros Curriculares

Nacionais, documento do Ministério da Educação (MEC-1998), criado para auxiliar

os docentes, apontando metas de qualidade no ensino. Faremos um levantamento

sobre as práticas de ensino e aprendizagem nele indicadas e as teorias que lhe

servem de base.

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No terceiro capítulo, pretende-se analisar as concepções do ensino de língua,

presentes nas práticas de composição coletivas e individuais, descritas na 1ª.

Revista Escolar: como se dão as indicações para o ensino em sala de aula, quais as

concepções que permeiam as práticas indicadas naquele tempo e como é possível

entrever o modo de interação professor-aluno.

Na conclusão, buscaremos apontar caminhos produtivos para o ensino da

língua oral, a partir das referências teóricas e das análises realizadas, ao lado da

modalidade escrita.

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CAPÍTULO 1 - O ENSINO DO ORAL

A oralidade, como objeto de ensino/aprendizagem da língua materna, tem

sido pouco praticada de forma sistemática na escola, embora os estudos a respeito

não sejam novos. Foi a partir de 1960 que esses estudos propuseram algumas

mudanças, o que não frutificou, pelo menos não tanto quanto esperavam os

idealizadores da reforma educacional, pois logo nos anos 70 as intenções de

mudança foram barradas pelo Regime imposto pelos militares. Dos estudos sobre a

oralidade destacam-se os do grupo NURC, como se observa em Marcuschi (2010, p.

25), que indica a oralidade como “uma prática social interativa para fins

comunicativos que se apresenta sob variadas formas ou gêneros textuais fundados

na realidade sonora”.

Dessa forma, a importância do ensino da língua, voltado para as práticas

sociais de interação, é permitir a inserção de todos os sujeitos na construção do

próprio conhecimento, conforme indicado nos estudos bakhtinianos sobre o caráter

dialógico das práticas sociais de comunicação, em que a língua está sendo pensada

e trabalhada como interação. Assim, dentro da sala de aula, deve existir uma ação

dialógica entre alunos, bem como entre alunos e professor.

A dificuldade encontrada ao abordar conceitos preliminares, sobretudo no

debate sobre o tema da oralidade, é determinante no desconhecimento (que ainda

persiste), pela maioria dos professores de língua portuguesa, da importância de se

estudar a língua segundo suas modalidades e variações. A escola necessita levar

em conta a modalidade oral e a modalidade escrita, assim como as diversas

variedades para entender os alunos enquanto usuários da língua e quais suas reais

lacunas. Para isso, a escola conta com a documentação vigente que são os

Parâmetros Curriculares Nacionais.2

A oralidade consiste na prática social interativa para fins comunicativos,

manifestada sob variadas formas ou gêneros textuais, evidentemente fundados na

2 Comentários sobre o conteúdo desse documento serão apresentados no próximo capítulo.

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comunicação falada, que vai desde uma realização mais informal a uma mais formal

conforme os variados contextos de uso. A essa conceituação, soma-se que ensinar

a língua é criar condições para que as pessoas internalizem as regras que a

constituem por meio do seu uso efetivo, contextualizado.

Segundo Castilho (1990), em seu artigo “Português falado e ensino de

gramática”, a língua oral deveria servir de ponto de partida para o ensino da língua,

por ser esse o primeiro contato que os alunos têm com seu idioma dentro dos

âmbitos sociais a que pertencem. É pelo uso da língua que todo sujeito se constitui

como tal. É necessário, então, ampliar as reflexões sobre essa modalidade a fim de

abrir um novo canal de possibilidades para o ensino de língua materna e para a

própria posição e concepção da escrita.

Segundo Jubran, o texto oral é definido como “entidade sócio-comunicativa,

que engloba o linguístico-pragmático. É o resultado concreto do jogo de atuação

interacional, projetado na sua superfície linguística” (apud FINOTTI, 2008, p. 162).

Nessa perspectiva, estudar o texto oral e ensinar o texto oral deve promover o

afastamento da representação de oralidade como mera exposição oral feita em

algumas práticas em sala de aula ou em ambientes informais.

Na Antiguidade, a arte do bem falar era prestígio e uma forma de poder, ou a

manutenção do poder pelo uso e apropriação da palavra; logo, a Arte Retórica era

um bem. No entanto, a oralidade, na escola, foi sendo caracterizada como um

pretexto para a escrita – modalidade considerada de grande prestígio –; ela não era

ensinada em seus embates, não era abordada em suas várias esferas e era dirigida

para apenas um fim – a escrita. Assim afirmam Crescitelli e Reis (2011, p. 30):

O valor conferido à escrita, na sociedade e na escola, vincula-se ainda a uma postura ideológica de grupos dominantes em determinados momentos históricos mobilizados em prol da conquista e da manutenção do poder. Sendo assim, a supremacia da escrita não se relaciona a valores intrínsecos à linguagem que, por ventura, viessem a estabelecer algum critério a favor de maior ou menor prestígio desta ou daquela modalidade da língua.

A escrita e a fala, como hoje assumimos, são modalidades de uso da língua e

possuem características próprias, duas realidades que se integram, não são

modalidades separadas, embora utilizem o mesmo sistema linguístico.

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A despeito disso, vemos que essa forma de pensar sobre as modalidades da

língua impera, conferindo importância a uma mais que à outra. É uma questão “de

natureza valorativa”, segundo Crescitelli e Reis que, refletindo sobre a proposta de

Marcuschi, afirmam:

(...) se um único sistema linguístico possui duas modalidades (fala e escrita) num continuum de variações e se, nas mesmas condições de produção, o valor atribuído a uma modalidade é profundamente desigual ao valor atribuído à outra, tem-se uma desproporção qualitativa, uma visão grafocêntrica, inerente à sociedade contemporânea, que a escola (re)produz continuamente sem refletir sobre ela, sem a criticar. (2010, p. 30)

A pedagogia tradicional, portanto, carrega consigo ao longo dos tempos, uma

proposta de educação centrada no professor, cuja função se define como a de vigiar

e aconselhar os alunos, corrigir e transmitir a matéria. O que pode ser constatado

nos documentos oficiais, a saber:

A metodologia decorrente de tal concepção baseia-se na exposição oral dos conteúdos, numa sequência predeterminada e fixa, independentemente do contexto escolar; enfatiza-se a necessidade de exercícios repetidos para garantir a memorização dos conteúdos. A função primordial da escola, nesse modelo, é transmitir conhecimentos disciplinares para a formação geral do aluno, formação esta que o levará, ao inserir-se futuramente na sociedade, a optar por uma profissão valorizada. Os conteúdos do ensino correspondem aos conhecimentos e valores sociais acumulados pelas gerações passadas como verdades acabadas, e, embora a escola vise à preparação para a vida, não busca estabelecer relação entre os conteúdos que se ensinam e os interesses dos alunos, tampouco entre esses e os problemas reais que afetam a sociedade. Na maioria das escolas essa prática pedagógica se caracteriza por sobrecarga de informações que são veiculadas aos alunos, o que torna o processo de aquisição de conhecimento, para os alunos, muitas vezes burocratizado e destituído de significação. No ensino dos conteúdos, o que orienta é a organização lógica das disciplinas, o aprendizado moral, disciplinado e esforçado. Nesse modelo, a escola se caracteriza pela postura conservadora. O professor é visto como a autoridade máxima, um organizador dos conteúdos e estratégias de ensino e, portanto, o guia exclusivo do processo educativo. (BRASIL/MEC, 1998, p.30-31).

Assim, a ação pedagógica tradicional, a que não defende a posição de a

língua ser bimodal, tem sido ainda o molde na prática de muitos que estão

envolvidos no processo educacional: professores, orientadores pedagógicos,

coordenadores, pais, alunos etc.

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1.1 Oralidade: características

É preciso distinguir, antes de elencar as características da oralidade, a fala

espontânea – com as marcas do oral conhecidas de todos – da expressão oral na

escola que, geralmente, é fruto de preparação e organização prévias.

A fala espontânea, também nomeada como discurso espontâneo, se

diferencia a da expressão oral na escola, por ser uma fala preparada e nem

treinada; um modelo de fala não-roteirizada, ou seja, não planejada em termos de

organização e expressão dos pontos de informação e de comunicação, como num

diálogo: planejamento e fala ocorrem simultaneamente.

Já numa expressão roteirizada, como um debate regrado, uma apresentação

de trabalho, uma encenação, um sarau de poemas, as atividades orais são fruto de

preparação prévia. Quem se expressa nesse tipo de atividade, fala algo que

conhece, porque leu, pesquisou, preparou e estudou antes do momento da fala.

As características da oralidade se evidenciam quando observadas situações

de comunicação nas práticas sociais reais. São interações feitas face a face, que

implicam envolvimento dos participantes e acontecem em turnos. Nelas, há

negociação, há repetições e possibilidades de correção. As situações de

comunicação oral são planejadas simultaneamente à execução, segundo a

perspectiva sociointeracionista, cujo modelo trata da língua como fenômeno

interativo e dinâmico. (MARCUSCHI, 2010, p. 33)

A interação face a face é a característica central da oralidade, pois, nessa

modalidade, os participantes estão frente a frente comunicando-se ativamente, de

forma intencional. O texto oral, proveniente dessa interação, é o resultado da criação

coletiva dos interlocutores, segundo Fávero (2002, p.93), ou seja, a fala ocorre com

os participantes no mesmo tempo e no mesmo espaço. Essa presença simultânea

pode gerar um envolvimento / distanciamento, que é identificado pela incidência de

traços marcados linguisticamente. As marcas de envolvimento / distanciamento

parecem ocorrer de forma variada, também de acordo com o gênero e a situação /

função a ele relacionadas. Mas não basta que dois sujeitos falem de forma

intercalada para que haja a troca comunicativa, é preciso que todos estejam

envolvidos nessa troca e empenhados no processo comunicativo (mesmo que

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resistindo a ele), pois é na comunicação oral face a face que a experiência

linguística se concretiza, uma vez que cada um dos envolvidos exerce, um sobre o

outro, uma rede de influências. Assim, falar é negociar como se darão as trocas.

Em observação à teoria da conversação de Brown e Yule (apud

MARCUSCHI, 2000), a modalidade oral mantém-se em turnos – participação de

cada interlocutor - que se constituem pelo que o falante produz enquanto está com a

palavra, incluindo o silêncio, que também é significativo, podendo ser modalizado

por gestos, posturas ou até a entonação de voz. O sentido para manter o turno é

usar a palavra, enquanto o outro reflete e pensa como e o que vai responder.

Porém, pode acontecer de um falante “roubar” a fala do outro (assalto ao turno), sem

estar no seu, o que é próprio em toda e qualquer interação (principalmente nas

manifestações da fala espontânea), haja vista que, nesse processo, seguem os

objetivos e refletem a hierarquia entre os falantes.

A manutenção do turno depende da situação e relação entre falantes

(fortemente hierarquizadas ou horizontais). Os turnos não significam passividade, ao

contrário, enquanto um falante mantém o seu turno, o outro prepara a resposta e

assim a dinâmica das trocas se dá. Para que a interação seja mantida, é necessária

a negociação entre os falantes para que reformulem o seu discurso, caso um deles

não entenda ou demonstre não aceitar o que foi exposto. Assim se dá dentro da

teoria da conversação um dos tipos de turnos: a simetria, em que ambos os

interlocutores contribuem para o desenvolvimento do tópico conversacional.

(CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004). Cada um deles busca discutir o tópico e

expor seu ponto de vista. Outra modalidade básica na interação é a assimetria, em

que há diferentes formas de participação dos interlocutores no diálogo. Nela as falas

são de valor referencial; os sinais indicam que o interlocutor está “acompanhando”

as palavras do interlocutor; um dos interlocutores ocupa a cena e o outro apenas

contribui com intervenções episódicas.

O mais difícil, segundo Marcuschi (2000), não é definir quando há uma

mudança de turno, mas, sim, saber o que determina essa mudança e qual é o

momento propício para ela ocorrer. Ele aponta algumas questões, tais como: falar

um por vez é a regra geral básica da conversação? Quem tem a palavra? E quando

há falas simultâneas e sobreposições, pausas, silêncios e hesitações, reparações e

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correções? Há relações que não são recíprocas e elas podem ser percebidas no

momento em que um dos lados decide assumir o turno ou trocar o tópico da

conversa. Em geral, trata-se de uma decisão que leva em conta as posições reais

dos sujeitos envolvidos e a posição ideológica, a representação de si e do outro

participante.

Como o planejamento é simultâneo ou quase simultâneo à execução da fala,

as trocas verbais orais são passíveis de ajustes (retomadas, hesitações,

retificações), que, muitas vezes, resultam em correção ou reformulação. Essa

reformulação ou correção no momento da fala é perfeitamente normal, é uma

consequência do uso da língua nessa modalidade, dada a ausência de

planejamento anterior, embora, dependendo do gênero, ela possa indicar

despreparo, ou falta de atenção, ou engajamento na atividade desenvolvida. Assim,

a correção é um dos mecanismos da fala que pode ser promovida tanto pelo falante

como pelo ouvinte e indica, por parte de quem faz a correção, o cuidado com a

própria imagem e com a interação que está ocorrendo.

A administração no funcionamento da fala requer de todos os envolvidos uma

posição adequada em relação ao outro - falante e ouvinte. Por haver a

impossibilidade de apagamento na interação falada, não se deve dizer qualquer

coisa, de modo irresponsável, pois isso pode prejudicar não só a conversação como

o relacionamento futuro entre os envolvidos. Não dizer o óbvio também é uma

preocupação a ser assumida. Essas decisões sobre o que dizer e quanto dependem

do gênero oral em questão e das relações entre falante e ouvinte. A não cooperação

interrompe a comunicação, o que ocorre quando um dos lados na interação não

entende ou finge não entender o que é comunicado. Como afirma Fávero (2002 p.

83), “a língua falada é uma atividade administrada passo a passo e de forma

coletiva”.

O que deve ser considerado nas produções discursivas orais, no entanto, são

as complexidades, quando se fala em oralidade conforme declara Bentes (2010, p.

132-134):

(...) a fala é emoldurada tanto pela maneira como são pronunciados determinados sons (segmentos) como também pela maneira como o fluxo de fala (suprassegmento) é produzido (o que envolve pausas, entonação, qualidade de voz, ritmo e velocidade da fala) (...) Uma segunda

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complexidade (...) diz respeito a um conjunto de linguagens que concorrem ao mesmo tempo em que falamos: a gestualidade, a postura corporal, a expressão facial e o direcionamento do olhar.

Assim, ao tratar da oralidade, percebe-se que há complexidades envolvendo

essa prática e que devem ser percebidas pelos alunos na atividade em que a

produção se dá, na mediação do professor em sala de aula e na exploração em

diversos contextos. A mesma autora, ainda, aponta uma outra complexidade, que é

o fato de que há uma imbricação constitutiva entre fala/oralidade e

escrita/letramento, concepção tratada por Marcuschi (2010).

A oralidade é uma modalidade da língua que se organiza na interação em

diversos gêneros orais e em situações formais como nos seminários, diálogos com

autoridades, debates, exposições, que podem ser objeto de ensino desde o ensino

fundamental I; e, em outras situações, informais, como os bate-papos, os

telefonemas, a discussão no futebol, e tantos outros. Em cada um desses gêneros,

as características da oralidade se apresentam de forma particular, como em uma

conversa de bar que tem por função manter o relacionamento com os amigos e

mostrar afetividade. Nesse gênero, são comuns o assalto ao turno, as

sobreposições, as hesitações, as correções, as digressões. Por outro lado, em uma

palestra, que tem por função disseminar o conhecimento e / ou propor uma

discussão sobre o tema trabalhado, há alternância de turnos mais regrada; as

pausas são deixadas para o momento do debate ao final da apresentação: enquanto

o palestrante fala, a plateia ouve e, apenas, manifesta-se ao final com perguntas

sem interromper etc. Pelos inúmeros gêneros orais, por aparecerem em diferentes

domínios, a oralidade assim se justifica como necessário objeto de ensino.

Embora muitas vezes pareça ao senso comum que a modalidade oral não

tem organização, é possível afirmar o contrário, uma vez que a estrutura da

oralidade supõe a interação regrada pelo gênero (função, estilo e estrutura) e pela

participação dos falantes envolvidos. Assim, tanto a conversa de bar, quanto o

discurso de um premiado escritor na Academia Brasileira de Letras (ABL)

apresentam estrutura própria.

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Ainda quanto ao senso comum, o valor que se atribui à língua escrita é muito

grande, se comparado ao dado à língua oral. Isso se dá pelo fato de a primeira ser

considerada modalidade de prestígio na sociedade; por isso a pouca atenção dada à

modalidade oral. Marcuschi (2010, p. 34) discorre sobre a relação entre fala e escrita

e acrescenta que “não são óbvias nem lineares, pois elas refletem um constante

dinamismo fundado no continuum que se manifesta entre essas duas modalidades

de uso da língua”.

As modalidades oral e escrita convivem e têm formas peculiares de

organização em diversas situações, como por exemplo numa aula, em que se

encontram entrelaçadas; há uma organização anterior, em geral, embasada na

informação de textos escritos, porém a interação em sala não pode ser prevista, pois

a troca entre alunos e professor é que constrói o que seja a aula, conforme

Schneuwly e Dolz (2004). Apontam também que “toda ação de linguagem implica

(...) diversas capacidades da parte do sujeito: (...) capacidades de ação, (...)

discursivas e (...) linguístico-discursivas (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p.63).

1.2 Relações entre escrita e oralidade

A escrita, como modalidade da língua, também é uma forma de interação e

vai depender das relações sociais, de diferentes conhecimentos e do

armazenamento de conhecimentos. Ambas se configuram como formas

complementares de uso social da língua e apropriação do mundo. Como Marcuschi

(1999, p.43) conceitua: são “formas de construção e exposição do raciocínio, mas

não dois sistemas cognitivos paralelos”. Para tanto, há de se destacar que as

relações entre essas modalidades são recíprocas, uma modalidade contribui para

que a outra se estabeleça, porém elas possuem características diferentes. Isso pode

ser observado pela organização que se instaura na escrita, a qual envolve outros

elementos. Embora se pense que, na oralidade, não haja organização, como citado

anteriormente, ela se estabelece na interação regrada pelo gênero discursivo, como

o que se pode ver num debate ou numa entrevista profissional em que os

participantes têm de obedecer a seus turnos de fala, ou pelo menos deveriam,

mantendo-se em certo tópico, respondendo ao que foi solicitado etc.

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A diferença entre fala e escrita, segundo Marcuschi (2010), está na

perspectiva de um continuum de práticas e de gêneros. Há, assim. dois polos em

que um é mais representativo da fala, como conversas públicas, a conversa

telefônica, a conversa espontânea. Outro polo é mais representativo da escrita,

como textos acadêmicos, os relatórios, os pareceres em processos, as leis, os

artigos científicos. Apesar de serem apresentados oralmente, no entanto, a

exposição acadêmica, os discursos oficiais e a conferência estariam mais próximos

da escrita do que da fala. Ao contrário, os bilhetes, as cartas pessoais, estariam

mais próximos da fala do que da escrita. Assim, em algumas práticas há influência

maior de uma modalidade sobre a outra. Embora sendo escritas, elas são

influenciadas pela fala e vice-versa, baseadas nos meios de produção e de

concepção discursiva, como pode ser percebido no gênero entrevista, em que a

concepção é oral, mas o modo de circulação é escrito (MARCUSCHI, 2010, p. 40).

Para diferenciar também a oralidade da escrita, Fávero, Andrade e Aquino

(2011, p. 19-20) afirmam que, dentro das teorias da Análise da Conversação e da

Sociolinguística Interacional, os marcadores conversacionais estabelecem distinção

de uma modalidade à outra

Os marcadores conversacionais não têm a mesma distribuição e são distintos na oralidade e na escrita. (...) aparecem em grande quantidade e cumprem papéis específicos na língua falada. Servem para designar não só elementos verbais, mas também prosódicos e não linguísticos que desempenham uma função interacional qualquer da fala. Podem ser produzidos pelo falante ou por seu interlocutor, atendendo, pois, às necessidades do envolvimento direto entre os participantes. São exemplos desses marcadores elementos como: claro, sabe?, certo, né?, acho, então, aí, uhn, ahn.

Na fala, as pessoas se veem, se observam, há a prosódia, elementos que auxiliam no processo inferencial. Assim, os marcadores são meios de que a língua se serve para facilitar a articulação entre o dito e o contexto. Eles asseguram não só o desenvolvimento continuado do discurso, mas também operam na organização hierárquica do tópico discursivo. Conferem coesão ao texto, mas também deixam evidências de sua segmentação.(...), eles suprem, em certa medida, o papel da pontuação que inexiste na fala.

Conforme Bentes (2010, p. 131), quando falamos, fornecemos ao outro um

pouco da nossa identidade social e um tanto da nossa competência comunicativa;

quando falamos, marcamos, de certa forma, a região a que pertencemos e pela

“melodia” marcada pelo ritmo, velocidade e entonação; quando falamos, também o

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fazemos num determinado “tom de voz”. Tudo isso, segundo a autora, de modo mais

ou menos consciente, em função do interlocutor e do contexto social no qual nossa

produção discursiva oral se insere.

Na escrita, pelo fato de não ter o parceiro à frente, deve-se imaginar um leitor

e saber que não há a possibilidade de o leitor assaltar ao turno, sobrepor falas,

tampouco há espaço para as hesitações. Deve-se apresentar um fluxo contínuo

marcado pelos parágrafos e, quando há as digressões, são delimitadas pelo uso de

um exemplo ou de parênteses. Não há também a alternância de turnos e as pausas

são destacadas pela pontuação. Esses fatores, então, são importantes para se

mostrar que o trabalho com os gêneros orais na escola facilita a aprendizagem das

modalidades pela justaposição analítica. Em Schneuwly e Dolz (2004, p.136-138),

encontram-se as reflexões sobre essa relação:

Em oposição à linguística histórica, que tinha, essencialmente, uma visão retrospectiva e fundava seus estudos sobre os textos escritos, a linguística estrutural atribuía uma propriedade ao oral (...) A confusão persiste até hoje, apresentando-se a língua escrita como um sistema substitutivo da língua oral (“natural”) ou a expressão escrita como uma simples transposição da expressão oral (...) tentaremos esclarecer dois mal-entendidos. O primeiro diz respeito aos registros ou às variações da língua. Com frequência, a linguagem falada é considerada pobre, (...) popular e mal-estruturada, enquanto a língua escrita constitui o fundamento de toda a norma de correção do francês padrão. Essa simplificação ignora as múltiplas possibilidades de escrever numa variante “popular” ou “familiar” e de falar num registro cultivado ou acadêmico (...) O segundo mal-entendido se refere aos aspectos levados em consideração para descrever o francês oral e para precisar uma eventual distinção que marcaria a distância entre o sistema do oral e da escrita.(...) a polissemia do termo gramática é certamente responsável pela radicalização abusiva da distinção entre o oral e a escrita.

Não se pode perder de vista que é a questão central aqui o ensino do oral, e

também era o da Revista Escolar da época, na forma como era trabalhada a

narrativa no gênero composição oral. Embora o objetivo da escola fosse ler e

escrever, o oral entrava transversalmente. Se bem que Kato (apud RODRIGUES,

1988, p. 30-31) afirme que, no processo de letramento, a oralidade é vista no

cotidiano da criança antes mesmo de ela ir à escola, pois ela domina essa

modalidade, é a “fala do pré-letramento, a que ela desenvolve como membro de

uma comunidade linguística, constitui ponto de partida para o aprendizado do

escrito”, o que é chamado pela autora como fala 1. Assim, ao entrar na escola, a

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criança tem o contato com a escrita, e a toma como uma tentativa de representar a

fala de forma mais natural e que gera uma nova oralidade, a fala 2. É nessa que o

letramento desabrocha a partir do trabalho com a escrita e é nela que a escola deve

ensinar usando os gêneros orais. Sobre essa situação, Rodrigues (1988, p. 31)

afirma:

Ao incentivar a leitura, a escola dá ao aluno oportunidade indispensável para que ele aprenda a fala 2, construída sobre o modelo da escrita, realização distinta daquela resultante da interação face a face, linguagem diferente que se nutre da escrita e que caracteriza (ou deve caracterizar) o letrado.

Aqui caberia dizer que essa relação é constitutiva para as modalidades no

uso dos falantes/escritores-alunos e que a compreensão dessa relação, de forma

equilibrada, deve ser um dos elementos basilares do ensino de língua materna.

Outro aspecto a ser considerado, quando se aborda o ensino de língua

portuguesa, é o viés metalinguístico e estrutural conferido à língua em sala de aula.

Tanto o ensino da língua oral quanto o ensino da língua escrita foram vistos ao longo

do tempo pelo viés do estudo gramatical. Em Geraldi (2013), encontra-se a

problemática do ensino da língua ao longo das reformas efetuadas pelo Estado, o

autor frisa que “(...) a gramática tem sido o objeto do ensino de português no Brasil e

não a língua como deveria ser”, tanto na modalidade oral como na escrita. A fala era

vista como desorganizada, variável, heterogênea e a escrita como lógica, racional,

estável, homogênea; a fala seria não-planejada e a escrita, planejada e permanente;

a fala seria o espaço do erro e a escrita, o da regra e da norma, enquanto a escrita

serviria para comunicar à distância no tempo e no espaço; a fala somente

aconteceria face a face; a escrita se inscreveria, a fala seria fugaz; a fala é

expressão unicamente sonora; a escrita, unicamente gráfica. Assim, por muitos

anos, a escola perpetuou o ensino da língua baseando-se exclusivamente na

gramática normativa e valorizando ao extremo a escrita, com o pensamento

equivocado de que, se o aluno tiver domínio da gramática e de suas regras, ele

saberá escrever e falar corretamente. Nesse caso, não havia espaço para a

multiplicidade dos gêneros orais, e o que acontecia na escola eram gêneros orais

em que os participantes assumiam posições hierarquizadas e assimétricas.

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Embora autores como Bakhtin (2011), Bronckart (2003), Marcuschi (1999),

Geraldi (2013) e Rojo e Cordeiro (apud SCHNEUWLY e DOLZ, 2004) entendam que

existam esforços e efetivamente ações para trabalhar a oralidade como objeto de

ensino, eles apontam que a oralidade não tem sido objeto de ensino como deveria

ser. O que é visto é o descaso dos avanços quanto aos estudos da linguística e a

perpetuação do ensino da língua materna, focando tão somente a escrita como

modalidade primeira e única; a oralidade como meio de se chegar à escrita culta e

não como fim. Além disso, o ensino da gramática, como tradicionalmente vem sendo

feito, é ineficaz, não permite aos alunos, segundo estudos atuais, a atribuição de

sentido necessária na aprendizagem da língua materna.

Esses autores defendem que oralidade e escrita mantêm uma relação

complexa de mútuo efeito e interferência. Nos gêneros orais, pode ser melhor

compreendida em termos de “sistema de atividades” que colocam em circulação e

em relação “sistemas de gêneros” (BAZERMAN, 2005a, 2005b), entendidos no

sentido bakhtiniano do termo. O autor, tematizando as relações entre os gêneros em

atividades de sala de aula, afirma que:

Um sistema de gêneros compreende os diversos conjuntos de gêneros utilizados por pessoas que trabalham juntas de uma forma organizada e também as relações padronizadas que se estabelecem na produção, circulação e uso desses documentos. Um sistema de gêneros captura as sequências regulares com que um gênero segue um outro gênero, dentro de um fluxo comunicativo típico de um grupo de pessoas. (BAZERMAN, 2005a, p. 32)

Marcuschi (2010, p.43) parece completar essa concepção,

(...) partindo da noção de língua e funcionamento da língua tal como concebidas aqui, surge, como hipótese forte, a suposição de que as diferenças entre fala e escrita podem ser frutiferamente vistas e analisadas na perspectiva do uso e não do sistema. E, neste caso, a determinação da relação fala-escrita torna-se mais congruente levando-se em consideração não o código, mas os usos do código. Central, neste caso, é a eliminação da dicotomia estrita e a sugestão de uma diferenciação gradual ou escalar. (grifo do autor)

O que se espera do trabalho da oralidade na escola é que ela seja valorizada

tanto quanto a escrita. Um dos aspectos relevantes para o ensino é a observação

das marcas presentes na oralidade, como, por exemplo, as hesitações, a linguagem

corporal, as pausas, os gestos e expressões da face, fatores que Goulart (2005)

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destaca. Outro aspecto é saber quais os gêneros orais são adequados ao ensino e

quais não, pela ocorrência e importância social desses gêneros.

Além disso, o trabalho da escola deveria ir além, no sentido de não só levar

os alunos à reflexão e ao uso eficaz com maior frequência e de forma mais crítica

das práticas de linguagem orais, como também fornecer os contextos, as

motivações e finalidades para o exercício de diferentes oralidades, em sala de aula e

fora dela.

Atualmente, as inquietações que o ensino da modalidade oral trazem

aparecem tanto nos objetivos a serem traçados pelo professor como na avaliação da

oralidade. O professor deve tomar decisões para poder cumprir o que os Parâmetros

Curriculares Nacionais (1998, p.48) inscrevem, a saber, “Eleger a língua oral como

conteúdo escolar exige o planejamento da ação pedagógica de forma a garantir, na

sala de aula, atividades sistemáticas de fala, escuta e reflexão sobre a língua”.

O ensino do oral sempre aconteceu ao longo da história educacional, nas

práticas de linguagem adotadas, contudo a forma recaía na correção dos falares

cotidianos e regionais; em outros tempos, a forma adotada era a da memorização e

declamação de poemas; outras vezes, o trabalho da oralidade se limitava à leitura

em voz alta. Nenhuma dessas, porém ocupava-se da oralidade de fato, mas da

prática de oralização. A oralidade assume formas nas situações de comunicação

que não estão restritas à declamação e à leitura em voz alta, muito menos à

correção dos modos de falar. É preciso que elas sejam ensinadas e aprendidas,

porque são manifestações culturais presentes nas relações sociais que exigem

planejamento e organização prévios. O fato é que, para que aconteça o ensino e

aprendizagem, é necessário que o trabalho seja baseado na correta concepção de

língua e de linguagem. A proposta é que o foco esteja na interação, concepção

dialógica, como é encontrada em Bakhtin (2010).

A expectativa, então, é encontrar respostas às questões que cercam o ensino

da oralidade. O que tem inquietado é em que tipo de interação esse ensino de dá:

seria naquela em que está mais programada? Há de se pensar também nas

relações estabelecidas nessa interação: na relação horizontal ou na mais tradicional,

verticalizada.

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Segundo Gomes-Santos (2012, p. 21-22), em seu livro sobre exposição oral,

o ensino deve acontecer sempre que houver situações didáticas favoráveis e com a

mediação do professor, o qual se apresenta como mentor ou “parceiro mais

experiente e com um percurso de contato com textos mais duradouro”.

Em Schneuwly e Dolz (2004, p. 103-104), a indicação é que o ensino do oral

deve “privilegiar os mesmos gêneros em diferentes níveis de complexidade, evitando

a repetição dos gêneros” ao longo dos anos escolares, porém, para cada atividade

ou segmento, “é preciso prever uma alternância entre atividades escritas e orais, em

particular, nas sequências orais”. O desafio proposto por esses autores, e que

também aparece como um desafio na referida obra como um todo, é o trabalho

numa progressão didática que venha a “cobrir a totalidade da escolaridade

obrigatória”. Outros princípios de progressão para o ensino do oral (e da escrita) são

“uma progressão organizada em torno dos agrupamentos de gêneros”.

Eles próprios propõem, “(...) a intenção não é a de pedir aos professores que

realizem todas as sequências e na sua integralidade, mas de levá-los a apropriarem-

se, progressivamente, da proposta”. (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p.108)

Além de se atentar para não trabalhar todas as atividades e sequências de

uma vez, é necessário pensar que trabalhar com o oral é também trabalhar a

participação – o cerne da interação -, o envolvimento dos interlocutores, no que

tange à maneira mais adequada de se portar, de ouvir, de respeitar o tempo que

envolve a participação individual ou grupal, buscando formas de minimizar a timidez.

Desse modo, as práticas orais ultrapassam o ensino da língua, atingindo o aspecto

formador da atividade escolar.

Nesse processo interacional, por meio da oralidade, há de se destacar ainda

a relação entre os falantes, conforme Koch (1992, p.15), “os sujeitos são vistos

como atores/construtores sociais”. Destaca a autora:

(...) o caráter ativo dos sujeitos na produção mesma do social e da interação e defendendo a posição de que os sujeitos (re)produzem o social na medida em que participam da definição da situação na qual se acham engajados, e que são atores na atualização das imagens e das representações sem as quais a comunicação não poderia existir.(p.15)

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Essa relação sugere clareza no objetivo principal que é, segundo Bentes

(2010, p.147),

(...) fazer com que os alunos construam de forma colaborativa e conjunta os conhecimentos sobre os sentidos veiculados (...) por (...) gêneros, contribui para que, em primeiro lugar, os alunos aprendam a ouvir o outro. Trabalhar com o campo da oralidade pressupõe necessariamente a contínua “apuração do ouvido”.

Além disso, verifica-se a negociação que essas relações impõem. Segundo

Azanha (apud BENTES, 2010, p. 147), observa-se que

(...) quando colocados em uma situação de interação mais simétrica (sem a intervenção mas com a supervisão do professor) e no contexto de um grupo menor de participantes (de quatro a seis pessoas), os alunos passam a ter uma postura diferenciada: envolvem-se com a atividade de linguagem proposta, elegem o outro como interlocutor legítimo (o que tem um impacto imediato na maneira como formulam e reformulam sua produção discursiva), apresentam atitude colaborativa em relação ao que os interlocutores dizem e também conseguem discordar e/ou entrar em conflito com o(s) outro(s) de forma polida. (...) os alunos passam a de fato exercitar e refletir sobre as outras linguagens próprias dessa situação comunicativa específica (direcionamento do olhar, gestualidade e expressão facial).

Dentro dessa discussão, é preciso pensar o que leva à escolha de um gênero

em vez de outro. Para Schneuwly e Dolz, (2004, p. 147), “O papel da escola é levar

os alunos a ultrapassar as formas de produção oral cotidianas para os confrontar

com outras formas mais institucionais, mediadas, parcialmente reguladas por

restrições exteriores”.

Ainda esses autores lembram que,

Os gêneros formais públicos constituem as formas de linguagem que apresentam restrições impostas do exterior e implicam, paradoxalmente, um controle mais consciente e voluntário do próprio comportamento para dominá-las. São, em grande parte, predefinidos,”pré-codificados” por convenções que os regulam e que definem seu sentido institucional.

Assim, o trabalho com esses gêneros permitiria a compreensão mais clara

das relações entre oralidade e escrita, sendo uma forma de se trabalhar sem excluir,

abordar essas modalidades como ocorrem além dos muros da escola, em constante

imbricamento.

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CAPÍTULO 2 - CONTRAPONTO DA REVISTA ESCOLAR: OS PCN

2.1 O ensino da língua portuguesa antes dos PCN

Desde o século XIX até meados do século XX, a linguagem era tida como

uma expressão do pensamento. Ler e escrever bem eram considerados uma

consequência do pensar e as propostas dos professores se baseavam na discussão

sobre as características descritivas e normativas da língua. Os primeiros anos da

disciplina deveriam garantir a aprendizagem da escrita, considerada um código de

transcrição da fala, tomando como base as considerações nos estudos de Geraldi

(2011), Travaglia (2003) e Soares (2002).

Através de décadas o ensino de língua portuguesa passou por muitas

transformações. As aulas focavam os aspectos normativos e descritivos da língua,

mesmo após a introdução de novas teorias, segundo Faraco (2008, p.184-185),

A linguística, em especial sob inspiração do estruturalismo norte-americano, explicitamente negava estatuto de cientificidade às categorias, aos conceitos e aos procedimentos analíticos do corpo de conhecimento que passou a ser designado pela expressão “gramática tradicional” (...) O ensino da gramática continuou a ser feito sem que houvesse qualquer esforço de renovação crítica. Se era pobre, ficou mais pobre. Desprovido de qualquer sustentação filológica ou linguística mais consistente, o ensino da gramática se cristalizou num saber limitado, repetitivo e nada funcional (...).

Sobre essa confusa realidade, o autor comenta que o ensino revelou uma

falta de comunicação entre os documentos oficiais e a efetiva prática pedagógica.

Se, na modalidade escrita, a ênfase recaía no ensino da gramática, a linguagem oral

se apresentava como inadequada para ser trabalhada em sala de aula.

As práticas de ensino mais antigas foram sendo incorporadas pelas novas

concepções de ensino da língua portuguesa e aliadas a políticas públicas. Segundo

os dados do Ministério da Educação (BRASIL/MEC, 1998) e Mortatti (2000), em

1759, a Reforma Pombalina tornava obrigatório no Brasil o ensino de Língua

Portuguesa nas escolas. A intenção era transmitir o conhecimento da norma culta da

língua materna aos filhos das classes mais abastadas. Em 1800, a linguagem foi

tratada como uma expressão do pensamento e a capacidade de escrever era

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consequência do pensar e os textos mais valorizados eram os literários. Assim, a

questão da variedade da língua, como os regionalismos, era ignorada, de acordo

com o que é encontrado em Faraco (2008, p.188),

O senso comum também não distingue a norma culta/comum/standard falada da norma escrita. Em consequência, não é rara a crença de que se deve falar como se escreve.

Por fim, o senso comum não distingue a norma culta – isto é, a variedade efetivamente praticada pelos falantes letrados nas situações mais monitoradas de fala ou escrita - e a norma curta – ou seja, os preceitos conforme estipulados pela tradição gramatical normativa conservadora.

De acordo com esse mesmo autor, a escola não avança na criação de uma

pedagogia da variação linguística e esse tratamento continua a reprodução do

preconceito linguístico. Essa falta de tratamento da variação também se reflete na

perpetuação da lacuna da didática do oral.

Porém, as modificações significativas na disciplina Português só ocorreram a

partir dos anos de 1950, devido a transformações nas condições sociais, que

viabilizaram um maior acesso à escola e exigiram reformulações nas instituições e

nas disciplinas. Soares (2002) nos diz que a partir dessas alterações, gramática e

texto, estudo sobre e da língua, começam realmente a constituir uma disciplina com

conteúdo articulado. Segundo a autora, nos anos 70 e 80, o ensino de Português

passa por mudanças determinantes decorridas de uma intervenção governamental.

A concepção de linguagem foi modificada na década de 1980, graças aos

estudos bakhtinianos no Brasil ao lado de outros estudos linguísticos para o ensino

de língua materna. Apresentaram um caminho possível, o enunciativo-discursivo,

que considera o discurso uma prática social e uma forma de interação/concepção

que vigora até hoje. A relação interpessoal, o contexto de produção de textos, as

diferentes situações de comunicação, os gêneros, a interpretação e a intenção de

quem o produz passaram a ser peças-chave. A expressão não era mais vista como

uma representação da realidade, mas o resultado das intenções de quem a produziu

e o impacto que terá no receptor. O aluno passou a ser visto como sujeito ativo, e

não um reprodutor de modelos, e atuante - em vez de ser passivo no momento de

ler e de escutar.

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Além disso, com o lançamento do livro Psicogênese da Língua Escrita, de

Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985), essa concepção foi reafirmada: o foco

deveria estar na interação entre os indivíduos. Só em 1997 é que são publicados os

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) pelo Governo Federal para o Ensino

Fundamental, defendendo as práticas sociais de interação de linguagem no ensino

da língua portuguesa, segundo Mortatti (2000).

Com relação às transformações da década de 70, Faraco (2008) aponta que

elas foram as causas do período em que a formação docente se fragilizou e o perfil

socioeconômico do magistério ajudou a desvalorizar a profissão docente. Segundo

ele, foram grandes as consequências desse processo para o país como um todo e

para o sistema de ensino em particular. Segundo o autor, o Brasil ainda não se

organizou frente às modificações que o ensino do português sofreu no decorrer de

sua História como disciplina escolar, embora algumas propostas tenham sido

lançadas na tentativa de sanar essa problemática.

2.2 Os PCN e a oralidade

O lançamento dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL/MEC, 1998)

foi realizado em meio a debates na tentativa de mobilizar o ambiente educacional,

convocando pareceres de pessoas, instituições e associações sobre versões do

documento e de atender a ações variadas como a aprovação da Lei de Diretrizes e

Bases de Educação Nacional (LDB), reforma do ensino médio e profissionalizante,

desenvolvimento de equipamentos de educação a distância, produção de livros e de

materiais didáticos, sistemas de avaliações do ensino fundamental e médio, em nível

nacional, entre outras.

Os PCN promovem a escola como instituição autorizada pela cultura a

ensinar a ler e a escrever e como detentora do saber legítimo. Os documentos

oficiais oferecem referência para as discussões curriculares da área – em curso há

vários anos em muitos estados e municípios – e contribuição a técnicos e

professores no processo de revisão e elaboração de propostas didáticas, conforme

descrito na apresentação do documento.

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Alguns fatores de caráter social motivaram a construção desse documento,

como a presença de alunos diferentes dos que frequentaram a escola até a década

de 1960; a questão da ordem social após a época da ditadura; o fracasso escolar

identificado na evasão, repetência e analfabetismo. Outros fatores, de caráter

interno, próprios da discussão que emergiam dos novos paradigmas no campo das

ciências e da linguagem, apontavam para aquele que ensina, para aquele que

aprende, de que forma aprende e de que forma ensina.

Nos PCN, quanto à questão do trabalho com a oralidade, afirma-se a

necessidade de desenvolvê-la como objeto de ensino, na medida em que os alunos

serão avaliados na hora de responder a diferentes exigências de fala e de

adequação às características próprias de diferentes gêneros do oral. Assim, para o

documento (PCN 1998, p.67):

Ensinar língua oral deve significar para a escola possibilitar acesso a usos da linguagem mais formalizados e convencionais, que exijam controle mais consciente e voluntário da enunciação, tendo em vista a importância que o domínio da palavra pública tem no exercício da cidadania. Ensinar língua oral não significa trabalhar a capacidade de falar em geral. Significa desenvolver o domínio dos gêneros que apoiam a aprendizagem escolar de Língua Portuguesa e de outras áreas e, também, os gêneros da vida pública no sentido mais amplo do termo. (grifo meu)

Ainda, nos PCN (1998, p.22), consta que “linguagem é uma forma de ação

interindividual; um processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais

existentes nos diferentes grupos de uma sociedade, nos distintos momentos da sua

história”, que outrora fora desprezado no ensino da língua portuguesa, como se

observa na Revista Escolar no início do século.

A fala pública seria o foco do trabalho com a oralidade. Dessa forma, os PCN

demonstram que a escola deve preparar o aluno para utilizar a linguagem oral no

planejamento e realização de apresentações públicas como entrevistas, debates,

seminários e apresentações teatrais, por exemplo, propondo situações em que

essas atividades façam sentido, envolvendo, além do mais, regras de

comportamento social.

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Um aspecto importante ressaltado no documento é que não se pode mais

empregar somente o nível mais formal de fala para todas as situações. A escola

precisa se livrar da ideia de que a fala “correta” é a que se aproxima da escrita.

Em se tratando de conteúdo, os Parâmetros Curriculares propõem objetivos

bem definidos para o trabalho com a oralidade. As atividades são divididas em

escuta e produção de textos orais. Para a escuta, são privilegiadas as atividades

que proporcionem a ampliação do conjunto de conhecimentos discursivos,

semânticos e gramaticais envolvidos na construção dos sentidos.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais sugerem formas de abordagens de

ensino do oral e do escrito separadamente, tendo como resultado a convergência

das modalidades, a fim de melhorar o entendimento da língua e linguagem, por parte

dos alunos, e dos professores quanto à prática docente, numa perspectiva atual.

Porém, mesmo nesse documento, o gênero oral não é tratado de forma minuciosa.

A utilização da linguagem escrita, quando necessário, como suporte para a

oralidade, e a ampliação da capacidade de reconhecer as intenções dos

enunciadores também são apontadas como objetivo do trabalho oral. A prática de

escuta e de produção de textos orais está delineada a partir de gêneros textuais, já

que os textos são considerados no documento a unidade básica de ensino. Os

gêneros – cuja diversidade é praticamente ilimitada – são selecionados pelo critério

de domínio fundamental à efetiva participação social do aluno. A seleção, consoante

o documento, não pode ser redutora, deixando livre a abertura para uma seleção

que se encaixe no projeto da escola e das especificidades dos grupos de alunos.

Um aspecto relevante é que, na produção dos textos orais, o documento alia

o planejamento prévio da língua oral à escrita – em função da intencionalidade do

locutor, das características do receptor, das exigências da situação e dos objetivos

estabelecidos. Isso reforça o que Fávero (2005, p. 12-13) também prescreve: “aliar

o tratamento da oralidade à escrita”.

Assim, a escuta, na concepção do documento, significa colocar os alunos em

situações reais de interlocução – simultâneas ao processo ou gravadas –, apenas

ouvindo ou participando ativamente com interferências, com a finalidade de realizar

avaliação, durante ou depois desta, fazer anotações para apreensão do tema,

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analisar a linguagem em função do contexto, verificar as diferenças em função dos

interlocutores envolvidos e tomar conhecimento da estrutura de participação dos

eventos linguísticos em questão.

A escuta de textos pode ser real ou gravada, de autoria dos alunos. São

relevantes para o processo de aprendizagem, pois as gravações conferem ao

processo de análise um verdadeiro entendimento da relação oral-escrito, uma vez

que se pode transcrever os dados, retornar aos trechos que não tenham sido bem

compreendidos, dar ênfase a trechos que mostrem características típicas da fala etc.

Na visão dos PCN, as produções seriam atividades em que os alunos são

orientados tanto para a preparação prévia – elaboração de quaisquer suportes,

como cartazes, esquemas, encenação, memorização de textos – quanto para o uso

em situações reais de interlocução – gêneros por natureza orais como entrevistas,

debates, exposições, teatros, leituras expressivas.

Dessa forma, fica bem definida a via pela qual as atividades serão realizadas.

Os alunos são colocados em contato com os gêneros via modalidade oral.

Assim sendo, trabalhar com o ensino distante dessa concepção seria deixar

de dar ao aluno a oportunidade de se expressar, de trabalhar em conjunto, ou até de

ser ouvido com atenção quanto ao conhecimento pesquisado e exposto. Como

Bakhtin apresenta (2011, p.348):

A vida é dialógica por natureza. Viver significa participar do diálogo: interrogar, ouvir, responder, concordar, etc. Nesse diálogo o homem participa inteiro e com toda a vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, todo o corpo, os atos. Aplica-se totalmente na palavra, e essa palavra entra no tecido dialógico da vida humana, no simpósio universal.

Nesse sentido, para Bakhtin, o dialogismo é o desdobramento do sujeito

como um ser social, pois, ao elaborar o enunciado, já aguarda a resposta do outro; é

nessa relação que o sujeito pretende estabelecer que ele se constitui como tal. Para

tanto, a expressão oral é o meio mais adequado para que o aluno se constitua um

sujeito enunciador dono da sua história.

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2.3 Gêneros textuais e os PCN

Este trabalho tem como foco o ensino da oralidade, porém é necessário

reafirmar que trabalhar com gêneros é uma saída viável para o ensino da língua. A

questão dos gêneros textuais tem sido foco em muitos estudos da língua e

linguagem por parte dos pesquisadores e professores do mundo todo. De acordo

com Brandão (2000, p.17), é possível afirmar que “necessário se faz um

redimensionamento na forma de trabalhar a linguagem. Hoje é quase consensual

que esse trabalho deve estar centrado no texto.

Marcuschi (2008) observa que os gêneros são estudados desde a

Antiguidade, na poética de Platão e, posteriormente, na retórica de Aristóteles. Já

em Bakhtin (2011, p.263) pode-se encontrar uma concepção de gênero:

Começando pela Antiguidade, estudavam-se os gêneros retóricos (demais, as épocas subseqüentes pouco acrescentavam à teoria antiga); aí já se dava mais atenção à natureza verbal desses gêneros como enunciados (...) Estudavam-se, por último, também os gêneros discursivos do cotidiano (...).

As concepções de Bakhtin que organizam o gênero de forma tripartida –

composição organizacional, estilo e função serve hoje de base para duas diferentes

linhas de estudo dos gêneros: a textual e a discursiva. Isso se deve, segundo

Marcuschi (2008, p.152), porque Bakhtin fornece subsídios macroanalíticos e

categorias mais amplas, além disso, é uma espécie de bom-senso teórico em

relação à concepção de linguagem, por isso é assimilado por todos.

Bakhtin (2011) apresenta os gêneros, orais e escritos, como meio ou a

condição pela qual as pessoas, em suas diversas atividades, utilizam para se

comunicar, dependendo da necessidade que é motivada pelo meio. Os gêneros se

formam a partir de enunciados provenientes das necessidades de comunicação que

ganham forma e se cristalizam. Embora os gêneros sejam sujeitos a padronização,

não são compartimentados, pois podem renovar-se e até serem criados outros

gêneros que tomam o lugar dos anteriores nesse processo.

Os gêneros textuais possuem um caráter heterogêneo, pois um gênero pode

incorporar outros. Bakhtin ainda classifica e diferencia os primários, que ele

denomina também de simples, e os secundários, também conhecidos como

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complexos. Os primeiros são aqueles da vida cotidiana que mantêm uma relação

imediata com as situações nas quais são produzidos, como, por exemplo, recados,

bilhetes, conversas, telefonemas etc. Os últimos são os que aparecem em situações

de “um convívio cultural mais complexo e relativamente muito desenvolvido e

organizado” (p.263), como, por exemplo, nas manifestações artísticas, científicas,

políticas, jurídicas etc.

Ainda em Bakhtin (2011, p.282) encontramos: “falamos apenas através de

determinados gêneros, isto é, todos os nossos enunciados possuem formas

relativamente estáveis e típicas de construção do todo”. Eles são, portanto,

diferentes formas de uso da linguagem conforme as esferas de atividade em que

todos estão engajados.

Já em sua perspectiva, Marcuschi (2008) defende a tese de que, comunicar-

se por meio de algum gênero é utilizar necessariamente algum texto, por isso ele

passa a usar o termo gênero textual, que se faz necessário na identificação de

fenômenos específicos, ou melhor, meios de se realizar objetivos linguísticos.

A organização feita por Marcuschi (2008, p.154-155) dá-se da seguinte forma:

a. tipo textual – o tipo textual está ligado a uma espécie de construção teórica

definida pela natureza linguística de sua composição. São sequências linguísticas

que se materializam nos textos. Geralmente, abrangem cinco categorias: exposição,

narração, descrição, argumentação, injunção; b. gêneros textuais – dizem respeito

aos textos materializados e padronizados em contextos comunicativos, amplamente

utilizados no dia a dia e apresentam em si indícios de sociointeração e de

constituição sócio-histórica. Eis alguns exemplos: bilhete, carta pessoal, sermão,

reportagem, telegrama etc.; c. domínio discursivo – no sentido bakhtiniano é a

“esfera ou instância de atividade humana” com o qual se pode classificar os textos,

indicando instâncias discursivas, como: discurso jornalístico, jurídico, político etc.

Rojo (2005) defende que aqueles que adotam a perspectiva dos gêneros

partirão sempre de uma análise em detalhe dos aspectos sócio-históricos da

situação enunciativa, focando-se, antes de tudo, na vontade enunciativa do locutor,

ou seja, a unidade formada pela “finalidade da enunciação e a apreciação valorativa

sobre seu(s) interlocutor(es) e tema(s) discursivo(s)”. O que se pretende é uma

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descrição do texto/enunciado pertencente ao gênero, ligada, sobretudo, às maneiras

(inclusive linguísticas) de configurar a significação. Ao chegarmos ao último nível, a

análise linguística pode revelar-se uma grande contribuição para a compreensão do

discurso. As regularidades de gênero encontradas devem-se não às formas fixas da

língua, mas às regularidades e similaridades das relações sociais numa esfera de

comunicação específica.

Na experiência de Rojo (2005, p.207) encontra-se um caminho na questão

dos gêneros,

Nossas experiências, tanto na formação de professores como na análise das interações em sala de aula, orientaram-nos na direção de um enfoque bakhtiniano. Nossos professores de língua – seja por formação profissional, seja por falta de formação – são muito atraídos pela descrição da língua e pelo ensino de gramática. Sempre fazemos sucesso na formação de professores quando discutimos as características formais e de estilo de um texto ou gênero, a partir de nossos instrumentos. Por outro lado, nossos alunos não precisam ser gramáticos de texto e nem mesmo conhecer uma metalinguagem sofisticada. Ao contrário, no Brasil, com seus acentuados problemas de iletrismo, a necessidade dos alunos é de terem acesso letrado a textos (de opinião, literários, científicos, jornalísticos, informativos etc.) e de poderem fazer uma leitura crítica e cidadã desses textos.

Segundo Bakhtin (2011, p.285), o domínio dos gêneros dá-se de forma

natural, quando coloca que:

Quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais livremente os empregamos, tanto mais plena e nitidamente descobrimos neles a nossa individualidade (onde isso é possível e necessário), refletimos de modo mais flexível e sutil a situação singular da comunicação; em suma, realizamos de modo mais acabado o nosso livre projeto de discurso.

Assim, verifica-se a importância do trabalho com os gêneros textuais na

escola como um instrumento, a fim de favorecer o ensino da leitura e de produção

de textos escritos e, também, orais.

Uma vez constatada a variedade de gêneros, assim como os vários domínios

discursivos nos quais estamos inseridos, o ensino pelos gêneros não é um caminho

que pode atingir bons resultados. Os PCN (1998, p.21) destacam:

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(...) é preciso que as situações escolares de ensino de Língua Portuguesa priorizem os textos que caracterizem os usos públicos da linguagem. Os textos a serem selecionados são aqueles que, por suas características e usos, podem favorecer a reflexão crítica, o exercício de formas do pensamento mais elaboradas e abstratas, bem como a fruição dos usos artísticos da linguagem, ou seja, os mais vitais para a plena participação numa sociedade letrada.

Eles assumem o papel de referência principal na mudança de paradigma para

o ensino de língua portuguesa, desde a segunda metade da década de 1990,

trazendo uma didática de gêneros textuais. Embora se proponha como um

documento atualizado quanto às discussões a respeito do ensino da língua

portuguesa, os Parâmetros não representam todo o universo das inovações. Eles se

constituem uma das fontes nas quais a presença da teoria dos gêneros pode ser

observada, como foi demonstrado antes pelas várias tendências.

No quadro dessa didática, os PCN (1998, p.22) apontam para a concepção da

linguagem como forma de interação mediadora e constitutiva das relações sociais,

para a percepção das diferenças dialetais, para a necessidade de se ensinar a partir

da diversidade textual, para adoção das práticas de leitura e produção e de análise

linguística em suas condições de uso e de reflexão como conteúdo da disciplina.

Assim, a finalidade do ensino de língua portuguesa, segundo o documento, deixa de

ser exclusivamente o desenvolvimento de habilidades de leitura e de produção ou o

domínio da língua escrita padrão, para passar a ser o domínio da competência

textual além dos limites escolares, na solução dos problemas da vida como no

acesso aos bens culturais e à participação plena no mundo letrado.

Os PCN partem do pressuposto de que a língua se realiza no uso das

práticas sociais, no espaço em que os homens (em diferentes momentos, lugares e

contextos) apropriam-se dos seus conhecimentos pela ação com e sobre eles, tal

como estão postos no mundo, em situações de uso de fato. Assim é que o homem

utiliza a língua tanto oral quanto escrita, dentro de uma concreta e determinada

situação comunicativa, com condições e finalidades específicas, produz discurso

que significa dizer alguma coisa a alguém, de uma determinada forma, num

determinado contexto histórico e em determinadas circunstâncias de interlocução.

(p.7).

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Quando nos expressamos ou comunicamos, estabelecemos relações

interpessoais e agimos sobre a linguagem por meio de textos, enquanto produtos de

práticas sociais orais e escritas. Uma palavra dita só é entendida dentro de um

contexto de uma conversa, de um diálogo, por exemplo, entre pessoas.

Assim é que ao desejarmos dizer algo para alguém, nós o fazemos dentro de

um determinado gênero disponível na cultura, caracterizado por três elementos:

conteúdo temático, estilo e construção composicional. Isso quer dizer que qualquer

usuário da língua, ao interagir verbalmente com outro, organizará o seu discurso

levando em conta o quer dizer (conteúdo) com a seleção operada nos recursos da

língua – lexicais, fraseológicos e gramaticais, o modo de dizer (estilo) e com a

estrutura que quer dar ao seu texto. Escrever ou falar, portanto, exige a articulação

desses três aspectos (conteúdo, estilo, estrutura composicional) constituídos num

todo que é o gênero adotado pelo usuário. Pode-se constatar em:

Todo texto se organiza dentro de um determinado gênero, formas relativamente estáveis de enunciados, disponíveis na cultura caracterizados por três elementos: conteúdo temático, estilo e estrutura composicional. A noção de gêneros refere-se a "famílias" de textos que compartilham algumas características comuns, embora heterogêneas, como visão geral da ação à qual o texto se articula, tipo de suporte comunicativo, extensão, grau de literariedade, por exemplo, existindo um número quase ilimitado. (PCN, 1998, p.8)

Também percebe-se que os PCN trazem para o interior das práticas de

compreensão (modalidades oral e escrita), produção de textos (oral e escrita) e

análise linguística (oral e escrita), organizadas em torno do eixo do uso – reflexão -

uso a questão do gênero permeada pela estreita relação deste conteúdo específico

(gênero) com os usos efetivos da linguagem socialmente construídos nas diferentes

práticas discursivas (1998, p.37).

A concepção de linguagem assumida pelo professor reflete-se nos métodos

de ensino da língua. Ensinar requer método. Segundo Oliveira (2010, p.30) “o

conceito de método é composto de três partes: a abordagem, o projeto ou design e o

procedimento”. De acordo com esse autor, todo “professor precisa conhecer um

pouco de teorias para que sua prática pedagógica seja realizada de forma

consciente” (p.32).

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Se o professor, ao ensinar a língua, optar por continuar a perpetuar a

concepção da linguagem pelo eixo normativo, ou seja, concepção gramatical

tradicional, tratando dos conceitos e estruturas gramaticais de forma monolítica e

cristalizada, não há trabalho com a oralidade e seu desenvolvimento, como

presenciamos ao longo dos anos, em que o aluno é levado à memorização e

reprodução dos conceitos sem refletir sobre a língua e usá-la sem a preocupação da

interação com outros parceiros na prática das relações sociais no ato de

comunicação e, além disso, a não há, assim, contribuição para o aprendizado efetivo

da língua.

Por outro lado, quanto ao enfoque interativo-textual, proposto pela maioria

dos estudiosos da linguagem, e encontrado nos PCN, permite uma abordagem de

uso da língua não abstrata, promovendo o desenvolvimento das habilidades leitora e

escritora, bem como o domínio dos gêneros orais formais, fundamentado na

consciência de que o uso da linguagem é um processo de estabelecimento de

interação social com o outro, seja esse outro um colega próximo da sala, a redação

de uma revista de circulação local ou nacional, ou interlocutor imaginário.

O reflexo, portanto, nos métodos de ensino de uma concepção de linguagem

em que a interação não é o foco, é deixar de proporcionar aos alunos a inserção

social, o desenvolvimento das capacidades linguísticas a que eles têm direito. Além

disso, é não permitir que o aluno utilize as diferentes formas de organizar a

comunicação, essas citadas acima – gêneros. O modo como o professor entende a

natureza fundamental da linguagem altera, em muito, a maneira com que ele aborda

o trabalho com a língua em termos de ensino. Ao docente cabe mostrar o papel

desses gêneros no processo social de interação verbal, como forma de garantir a

competência e a adequação discursiva de todos os aprendizes para as mais

variadas situações de interação socioverbal a que ele poderá ser exposto fora dos

limites escolares. Isto é, no fundo, o que se deve fazer como professores de língua

materna é, acima de tudo, seguindo os princípios teóricos de Bakhtin, levar para

dentro da sala de aula – até onde o limite natural da escola permite – a realidade

dinâmica das relações linguísticas que estão acontecendo fora dela.

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2.4 O ensino da oralidade junto aos PCN hoje

Desde os anos 1980, o ensino não é mais visto como uma sucessão de

etapas, e sim um processo contínuo. Assim, é esperado que os alunos desenvolvam

competências e habilidades diferentes e em diferentes aspectos ao longo dos anos

da sua escolaridade.

As situações didáticas essenciais para o Ensino Fundamental passaram a

ser: ler e escrever; ouvir a leitura de outrem, produzir textos escritos e orais (nesse

caso, o educador fica na posição de escriba, quando o aluno ainda está em fase de

aquisição) e fazer outras atividades para desenvolver a linguagem oral. Outras

habilidades a serem trabalhadas seriam as de enfrentar situações de análise e

reflexão sobre a língua e a sistematização de suas características e normas. Essa

nova concepção veio apresentar inúmeras diferenças em relação a perspectivas

anteriores.

Porém, há os que criticam os documentos, pois sustentam que se os alunos

já dominam as formas cotidianas de produção oral, o que caberia à escola priorizar

em relação ao ensino da oralidade? Segundo Goulart (2005, p. 76) “levar os alunos

a aprender a moldar as formas cotidianas de produção oral a outras esferas mais

formais de utilização da língua”.

Ainda em Goulart (2005, p.76-77), encontra-se a crítica feita por Marcuschi

(2000) a respeito dos PCN em relação ao ensino da língua: o autor aponta

vantagens nos documentos, mas “formam uma espécie de “ideário’” e que eles “não

indicam a dimensão exata que o trabalho com a oralidade pode assumir” (p.28).

Apesar dessas críticas, cabe salientar que uma nova perspectiva de uso e

formas da modalidade oral é encontrada nos PCN (1998, p.26-27), como se pode

ver em:

As instituições sociais fazem diferentes usos da linguagem oral; um cientista, um político, um professor, um religioso, um feirante, um repórter, um radialista, enfim, todos aqueles que tomam a palavra para falar em voz alta, utilizam diferentes registros em razão das também diferentes instâncias nas quais essa prática se realiza. A própria condição de aluno exige o domínio de determinados usos da linguagem oral.

Cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral nas diversas situações comunicativas, especialmente nas mais formais: planejamento e

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realização de entrevistas, debates, seminários, diálogos com autoridades, dramatizações, etc.

São encontrados nesse e outros trechos a razão de se eleger como conteúdo

a língua oral. A ênfase defendida nos documentos recai no papel da escola quanto à

utilização adequada da linguagem oral de forma mais competente em campos

distintos daquelas do espaço privado: contextos informais, coloquiais e familiares.

Pensa-se que não se vai à escola para aprender a falar, porém, falar não é somente

utilizar a língua nas situações informais. Nesse sentido, a sugestão, então, é a

incumbência aos professores de planejarem e propiciarem situações didáticas em

que os alunos aprendam usos e formas da oralidade, em diferentes variedades e

registros de acordo com as diferentes intenções, suportes de textos e situações,

considerando diferentes interlocutores e graus de formalidade que eles exigem, ou

seja, o objetivo é ensinar e aprender gêneros formais e mais complexos.

A prática do oral relacionada nos PCN é o acesso à diversidade de textos

ouvidos por parte do aluno e o testemunho da utilização que se faz da oralidade em

diferentes circunstâncias. Não que os alunos tenham uma atividade de falar apenas,

como querem, mas significa propor atividades sistemáticas de fala, escuta e reflexão

sobre a língua para que vivenciem usos da língua oral adequados a diferentes

situações comunicativas, sem preconceito ou valorização por qualquer um desses

usos, como podemos constatar em:

Atividades dos mais variados tipos, mas que tenham sempre sentido de comunicação de fato: exposição oral, sobre temas estudados apenas por quem expõe; descrição do funcionamento de aparelhos e equipamentos em situações onde isso se faça necessário; narração de acontecimentos e fatos conhecidos apenas por quem narra, etc. Esse tipo de tarefa requer preparação prévia, considerando o nível de conhecimento do interlocutor e, se feita em grupo, a coordenação da fala própria com a dos colegas - dois procedimentos complexos que raramente se aprendem sem ajuda. (p.51).

As práticas de oralidade na escola na prática são, contudo, quase inexistentes

(MARCUSCHI, 2003; MAGALHÃES, 2005/2006). Segundo Tfouni (2001), “a

oralidade é evitada, e nunca considerada como um produto” (...). O que vemos são

atividades que apenas usam a modalidade falada, como “conversas com colegas”,

“discussões em grupo” e “correção de exercícios feita oralmente” para outros focos

que não o estudo e a sistematização de conhecimento sobre os gêneros orais e o

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continuum oralidade-letramento. A oralização é o que impera. Segundo Marcuschi

(1997, p. 47), muitos livros didáticos propõem exercícios que se dedicam à oralidade

privilegiando atividades de oralização da escrita, ou atividades que culminam com

textos escritos não necessariamente brotados de discussão sobre o que foi falado. O

autor afirma, ainda, que nunca se propõe a audição de falas produzidas fora do

contexto de aula, ignorando-se produção falada real.

Há alguns anos, os textos orais são abordados como objetos de ensino.

Desde a implementação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, como nos diz Rojo

(2000):

Outra inovação relevante é o fato de se falar em textos orais como objeto de ensino-aprendizagem, em oralidade pública como escolarmente construída e em capacidades de escuta e fala/produção de textos orais em gêneros orais públicos.

As práticas de linguagem consistiram em leitura, compreensão, leitura-escuta,

reflexão sobre a língua ou análise linguística. Rojo destaca essas práticas de

linguagem, destacando o uso da linguagem (prática de escuta e leitura de textos e

prática de produção de textos orais e escritos) e da reflexão da linguagem na prática

de análise de textos (p. 33). Ou seja, podemos dizer que as práticas de linguagem

procuram contemplar a aplicação da oralidade de tal modo que o aluno possa

conhecer e dominar sua língua, por meio das atividades de escrita e fala, e dessa

forma dominar os diferentes gêneros nas mais diversas situações. O que amplia sua

forma de se relacionar com a linguagem oral e a escrita.

O que é necessário pensar é o fato de que não se ensina todo o gênero, de

uma vez por todas, mas de forma gradual. Na experimentação dos diversos textos, o

ensino deve possuir uma complexidade até que ele atinja a maturidade linguística. O

primeiro objetivo do ensino do gênero é ler e entender, além de produzir textos; isso

não quer dizer que os alunos serão experts em produção textual, mas que por

movimentar seus saberes linguísticos, experimentar as práticas reais de

comunicação, possam efetivamente ler e entender o que leram.

Deve-se, então, criar condições para que esses alunos experimentem, por

exemplo, o gênero oral debate, não para que encenem o gênero, mas para que

futuramente possam assumir a posição retórica, a fim de que sejam autores nesse

gênero, tal como vemos em Faraco (2005, p.39)

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O autor-criador é, assim, quem dá forma ao conteúdo: ele não apenas registra passivamente os eventos da vida (ele não é um estenógrafo desses eventos), mas, a partir de uma certa posição axiológica, recorta-os e reorganiza- os esteticamente.

Além de o aluno sentir ou perceber que está verdadeiramente participando do

debate, o professor precisa, então, trabalhar a transposição didática, a fim de levar o

aluno à condição de autor-criador pela replicação ou recriação das condições de

produção e recepção dos gêneros estudados.

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CAPÍTULO 3 - APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DO CORPUS

O corpus deste trabalho é composto pela seção “Lições Práticas” da Revista

Escolar, publicação iniciada em 1925, como um periódico dedicado a orientar os

professores que atuavam na educação pública. É necessário situar que a Secretaria

de Educação ou órgão semelhante, é o locutor dessa Revista, a qual representava

os valores da sociedade da época que se dirigiam aos professores. As propostas

desse documento devem ser lidas como uma simulação de caráter ficcional: tanto o

professor quanto os alunos são projeções e ilustram comportamentos desejáveis na

sala de aula.

A documentação referente à Revista Escolar encontra-se à disposição no site

do Arquivo do Estado de São Paulo – “Memória da Educação”3, direcionada a

pesquisadores e interessados nos documentos sobre a História da Educação

paulista nos séculos XIX e XX, que integram o acervo do Arquivo Público do Estado

de São Paulo. É possível verificar os princípios que regem a educação dessa época,

atentando para a declaração exposta sobre a publicação da revista A Escola, de

1904, que tem como propósito, segundo o que vem descrito no Arquivo do Estado

“levantar vários aspectos da educação do começo do século XX no estado de São

Paulo e, assim, apontar algumas questões como o ‘ideal’ de professor, os valores

morais que os alunos deveriam aprender na escola, o conteúdo ensinado, entre

outras”4.

Nesse arquivo, estão digitalizados e disponibilizados relatórios, dados

estatísticos, instruções pedagógicas, revistas, trabalhos escolares, fotos, ou seja,

uma multiplicidade de tipos documentais que permitem uma aproximação do

pesquisador à complexidade dessa temática. Vários assuntos são abordados, como

lições sobre elementos da natureza, questões filosóficas, civilidade, notícias

nacionais e mundiais.

3 Informações disponíveis em http:// www.arquivoestado.sp.gov.br/a_acervo.php .

4 Idem, ibidem.

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Os objetivos da Revista Escolar são os de apresentar e de discutir

metodologias direcionadas à atividade docente, o que podemos constatar neste

trecho:

Eis o 1º. número da REVISTA ESCOLAR. Sua denominação, as secções de que se compõe e, sobretudo, a matéria nella contida, dizem claramente os seus intuitos.

(...)

Certa do apoio das classes letradas e, principalmente, do concurso intellectual do professorado, a REVISTA ESCOLAR, espera poder contribuir efficazmente para o aperfeiçoamento do ensino público paulista. Ella aguarda, pois, com prazer, collaborações de caracter didactico, informações pedagógicas, instrucções, esclarecimentos, emfim todo e qualquer trabalho que se harmonize com a sua natureza e seus fins.

Nota-se que no último parágrafo da apresentação, a Revista Escolar propõe

a participação dos leitores do professorado e das classes letradas; a abertura para

ingressar com contribuições mostra que a Secretaria de Educação pode ouvir o que

o professor tem para dizer, a fim de dar orientações instrutivas para o funcionamento

dos estabelecimentos educacionais e auxiliar professores na conduta educacional

de alunos com determinados tipos de deficiência.

Naquela época era solicitado aos professores o desenvolvimento da língua de

forma lógica, buscando habilidades como atenção, raciocínio, imaginação e

memória, na tentativa de desenvolver uma racionalidade no modo de expressar os

pensamentos.

A 1ª. Revista Escolar apresenta-se com 75 páginas, sendo dividida em temas educacionais e indicações práticas no ensino da escrita e outros, a saber: Lições Práticas, Pedologia, Lições de Coisas, Methodologia, Literatura Infantil, Escotismo, Questões Geraes, Pelas Escolas, Notícias, Directoria Geral, Secretaria do Interior. Na primeira folha aparecem como um editorial da revista as intenções de sua existência, ou seja, ela serviria para a colaboração e apoio de todos os que se denominam de “classes letradas”, para o aperfeiçoamento do ensino público paulista.

Em outra parte dessa documentação, pode-se, ainda, apreender a

diversidade e o desenrolar dos métodos pedagógicos – aula de geografia, seção de

notícia de outras escolas do Estado; verificar as modificações na estrutura física

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patrimonial da educação pública; e é possível conhecer, através de suas relações

com o meio escolar, diversos aspectos da vida cotidiana da sociedade.

3.1 As Revistas de 1925

Como as Lições Práticas (LPs) têm como tema várias disciplinas, do

levantamento feito das LPs de língua portuguesa na revista, durante o ano de 1925,

obteve-se o seguinte resultado:

Janeiro Lições Práticas - Linguagem oral - “composições collectivas”:

construção de uma história; cada aluno deve inventar um trecho

da história; o professor pede depois a sua escrita.

Fevereiro Lições Práticas - Linguagem oral – “uma aula de leitura”: será

solicitada uma leitura a fim de verificar a significação das

palavras; os alunos devem reproduzi-la em voz alta.

Março Lições Práticas - Linguagem oral e escrita – “reprodução oral I e

II”; haverá a leitura de um texto, a reprodução oral dele, a

dramatização da história para se chegar à escrita.

Abril Lições Práticas - Linguagem – “composição por esboço”: na

mesa haverá flores de diversas formas; no quadro um esboço; o

professor deve fazer primeiro a composição collectiva pela forma

socrática e depois pela ordem do esboço cada aluna fará a

composição individual escrita.

Maio Lições Práticas - Linguagem – “formação de sentenças”: o

professor conversará sobre o conceito de sentença e ensinará

sua classificação quanto à forma. Posteriormente, quanto ao

conteúdo.

Junho Lições Práticas - Linguagem – “um retrato (I anno)”: Texto

descritivo - o professor pedirá a uma aluna para se posicionar à

frente da classe para fazer-lhe um interrogatório, o que resultará

numa composição; o texto será disposto no quadro para cópia.

Julho Lições Práticas - Linguagem – “(II annos)”: leitura de uma

poesia no quadro; cópia do texto; transformar a poesia em prosa.

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Agosto Lições Práticas - Linguagem – “variedade de estrutura,

variedade de phraseologia: o professor ensinará a ordem dos

elementos da sentença; o aluno que mudar uma palavra por um

sinônimo mais de uma vez, terá melhor nota.

Setembro Lições Práticas - Linguagem – Classe adeantada – “descrição

dum quadro”: o professor colocará uma figura à frente da sala;

haverá colaboração oral dos alunos para que possam pensar

sobre o que veem, sentem sobre ela; depois será solicitada a

escrita.

Outubro Lições Práticas - Linguagem – “formação de sentenças quanto

ao conteúdo”: será retomada a formação de sentenças quanto

ao conteúdo.

Novembro Lições Práticas - Linguagem – “narração”: o professor pedirá

que os alunos recontem uma história, que eles mesmos

contavam no início da aula e depois escrevam cada um a sua

maneira.

Dezembro Lições Práticas - Linguagem – “ditado”: será feita a leitura de

um texto de Coelho Netto; os alunos devem atentar para a

quantidade dos parágrafos; a interpretação desse texto

acontecerá oralmente; será observada a pontuação. À medida

que o professor for lendo algumas palavras, os alunos devem

grafá-las corretamente.

As atividades das lições práticas de língua portuguesa podem ser divididas

quanto à modalidade que abordam: escrita e oral.

Quanto à escrita, há oito lições práticas. Em maio, a atividade é formação de

sentenças escritas; a explicação é do professor que vai classificá-las quanto à forma

e ao conteúdo. Em junho, pede-se um texto descritivo depois de uma aluna ser

interrogada; ao final, todos devem copiar do quadro a composição. Em julho, os

alunos devem copiar um texto da lousa, transformando-o de poesia para prosa. Em

agosto, o trabalho é a substituição de palavras escritas numa sentença. Em

setembro, conta-se com a colaboração oral, e o processo é voltado para a descrição

de um quadro. Em outubro, a atividade é a formação de sentenças escritas. Apesar

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de iniciar novamente com a narrativa oral dos alunos, em novembro o trabalho recai

na escrita da história contada pelos alunos. Aliás, essa é a única vez que o professor

não tem a história. Ela é dos alunos, exclusivamente. Finalmente, em dezembro, os

alunos escrevem o que o professor ditar.

Essas atividades apontam para uma concepção de língua e linguagem como

expressão do pensamento, em que pensar logicamente deve ser incorporado por

regras a serem seguidas, sendo do domínio dos estudos gramaticais - normativo

tradicional. E ainda, acredita-se, dentro dessa concepção, que quem fala ou escreve

bem, é alguém que sabe organizar o seu pensamento. Assim, a língua é um simples

sistema de normas, fechado, abstrato, sem que se comente a interferência do social.

Não estabelece relação com o uso do cotidiano, porque não se relaciona com as

variantes linguísticas, trabalha preferencialmente com os gêneros escritos, ou com o

encaminhamento de atividades para a escrita, que elege como um padrão.

Caberia ressaltar que essas atividades também poderiam ser vistas pela ótica

da concepção de língua e linguagem como um instrumento de comunicação, cuja

teoria trata da comunicação estabelecida quando o emissor e receptor conhecem e

dominam o código, utilizado de maneira preestabelecida e convencionada. Nessa

visão, há pouca preocupação com a relação entre forma e conteúdo como no caso

da passagem da poesia para a prosa – duas formas de expressão que constroem

objetos diversos ainda que de mesmo tema e que não deveriam ser colocadas como

revestimento de um conteúdo.

Quanto à oralidade, objeto de nosso trabalho, principalmente na edição de

janeiro, há quatro lições práticas, embora a maioria das atividades visem à escrita.

Na 1ª. Revista Escolar, o exercício solicitado é a construção de uma narrativa,

começando do oral, com objetivo de se chegar à escrita. Em fevereiro, a atividade é

observar a significação das palavras e reproduzir a história em voz alta, o que tem

como utilidade em gêneros orais formais o aprendizado do ritmo, o treino do volume

da voz, a pronúncia das palavras, que só poderiam ser únicas.

Em março, pede-se leitura, dramatização e por fim, a escrita. Em abril, é

solicitada uma composição por esboço, começando pelo oral para se chegar à

escrita. Enfim, verifica-se que a oralidade é um pretexto para a escrita, segundo a

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modalidade de prestígio social nessa época. Isso se explica pelas concepções de

língua, como nos apresenta Geraldi (2011). A primeira entende que a linguagem é a

expressão do pensamento, tendo por função refletir o pensamento humano e o seu

conhecimento de mundo e a língua; é dessa maneira de conceber a linguagem que

advém a premissa que muitos educadores admitem: quem não consegue se

expressar não pensa. A outra concepção, algumas décadas depois, acredita que a

linguagem é instrumento de comunicação, vinculado à teoria da comunicação e ao

estruturalismo; em livros didáticos, é a concepção subjacente nas instruções ao

professor; é a transmissão de informações. A terceira e última concepção concebe

que a linguagem é uma forma e lugar de interação, um modo de um indivíduo agir

sobre o outro estabelecendo vínculos que não existiam.

Nas duas primeiras concepções, não há distinção de importância entre as

modalidades oral e escrita, por isso, muitas vezes, a oralidade é considerada uma

prática de menor valor dentro da escola, uma vez que a escrita assume o papel de

protagonista. Uma das hipóteses, já exposta anteriormente, é que não haveria

necessidade de se ensinar a oralidade na escola, atitude que, hoje, sabemos ser

equivocada.

As atividades da seção Lições Práticas, parecem indicar que a percepção do

ensino da língua materna está baseada no estudo sistemático das regras textuais,

estruturais e gramaticais e não, das formas e lugares de se usar o idioma.

Parafraseando Geraldi (2013), a prática da produção de texto precisa ser assumida

como um processo intimamente relacionado, pelo menos no início dessa prática, a

um conjunto de experiências de fala, vivenciadas pelos alunos em demandas plurais

de interação.

Assim, o exercício de composição de texto poderia estar relacionado ao

ensino da oralidade e na conscientização dos alunos de que essa modalidade oral é

a que deve estar em paralelo à escrita, acrescentando novas habilidades e

competências em relação aos gêneros na modalidade oral, ou seja, deve ser

desenvolvida tendo como perspectiva o ensino em espiral5, ou seja, dos gêneros

orais menos formais para os mais formais, pois a capacidade de reconhecimento e

5 Cf. o conceito em capítulo 4, parte II, SCHNEUWLY; DOLZ, 2004.

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de uso desses conhecimentos será posta em prática e cobrada no meio social em

que cada aluno está e ao qual se dirigirá. Em relação à obra de Fávero, Andrade,

Aquino, Guimarães (2001, p. 109), sustenta-se “a tese da importância da oralidade

no ensino da língua como instrumento capaz de trabalhar a competência

comunicativa do aluno”.

Retomando a edição de junho, em que os alunos são levados a fazer um

interrogatório a uma colega de sala para traçar seu perfil e se chegar a um texto,

disposto no quadro para cópia, é possível perceber que os alunos não respondem

de acordo com a expectativa do professor, talvez pelas relações assimétricas: os

alunos não dizem o que pensam, não fazem jus ao que deles se espera, mas são

passivos, respondem somente ao que é perguntado. Leve-se em consideração que,

naquela época, os alunos deveriam agir sempre com certa passividade, pois a

ordem e o silêncio eram aspectos relevantes na condução da aula a fim de garantir a

atenção, segundo o discurso encontrado na Revista Escolar.

Nesse episódio, vê-se claramente que a oralidade não é tão valorizada como

a escrita. Aqui a atividade poderia ser conduzida de um aluno ao outro e ao

professor caberia pontuar a maneira como as perguntas foram direcionadas ao

colega, intervindo de forma a construir uma interação significativa a ponto de esses

alunos levarem essa prática para o cotidiano deles, em que o exercício do oral é

permanente.

Como havia respeito em relação ao professor e à hora certa de se expressar

nas possibilidades de trabalhar com o oral, a simulação descrita revela que o

professor está trabalhando a atividade de acordo com as situações formais que

encontra socialmente em que o aluno deve respeitar e esperar o momento da sua

fala.

De maneira geral, em Gomes-Santos (2012), encontra-se que o ensino do

oral deve ser privilegiado nos primeiros anos do ensino fundamental, período em

que, segundo o autor, poucos são os investimentos feitos no sentido de desenvolver

as competências orais ligadas a contextos formais de fala. A obra destaca a

importância da expressão oral enquanto instrumento de trabalho do professor e

também como tarefa a ser desempenhada pelo aluno, não só no ambiente escolar,

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mas na vida em sociedade. Além disso, o autor assinala que trabalhar com o oral na

escola deve ocorrer de forma contínua, a fim de assegurar ao aluno a cidadania

plena. No sentido mais próprio ao didático, ele acentua que o trabalho do oral se dá

utilizando-se dos procedimentos conhecidos como sequências didáticas, o que

garantiria o aprendizado não só durante o processo de investigação do tema, como

também no que tange ao progresso na sua decomposição, não só nas atividades

orais, mas privilegiando a escrita:

[...] tendo finalizado a sequência didática para o ensino de um gênero, o professor terá elementos para avaliar, juntamente com os alunos, as dificuldades, os desafios e os avanços encontrados no percurso de estudo do gênero. Esses dados podem ajudar o professor a ajustar a sequência quando a propuser a outra turma de alunos, em outro ano letivo. Com o passar do tempo, o professor teria um arquivo significativo de sequências (contendo tarefas, recursos didáticos, procedimentos e instrumentos de avaliação da aprendizagem). Esse arquivo serviria como referencial didático que, ao mesmo tempo em que testemunharia a memória do cotidiano de suas práticas didáticas, comporia um mosaico de experiências passível de servir a outros professores, ao projeto educativo da escola como um todo. (Idem, 2008, p.9)

Sabendo disso, concluímos que, muito embora, em 1925, a proposta de

práticas educativas fosse pensada de maneira diferente, era esperado que o

professor reproduzisse tarefas delegadas pelo órgão superior, para que se

mantivesse a ordem pré-estabelecida. Esse processo difere do que propõe o texto

citado acima, ou seja, o professor precisa descentralizar o que as Secretarias

indicam como formas ideais da ação pedagógica, de modo a conquistar na sua

escola, que é um espaço de discussão das práticas, o direito de elaborar o plano de

aula, as ações possíveis, os objetivos a serem que sejam alcançados, tendo em

vista a realidade dos seus alunos, constituindo-se, assim, um sujeito ativo nesse

processo, dando significado aos projetos reais.

3.2 Análise do Corpus central

A edição da Revista Escolar escolhida para análise mostra-se como um

gênero guia. Nela, vem descrito um roteiro para o professor ministrar esse conteúdo,

sendo uma simulação que tenta trazer para mais perto do professor a ação nas

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atividades a serem ensinadas. Na parte denominada – Lições práticas (LP) -, é

indicado como o professor deveria conduzir a aula de língua portuguesa.

LIÇÕES PRATICAS6

LINGUAGEM ORAL

COMPOSIÇÕES COLLECTIVAS

Dentre os variadissimos exercícios de Linguagem oral, as composições collectivas occupam um logar de destaque, como excellente processo no ensino dessa disciplina.

Entende-se por composições collectivas o trabalho literario em que a classe toda collabóra, concorrendo cada alumno com uma ou mais sentenças necessarias para o fim collimado. A attenção, a reflexão, a imaginação e a memoria ahi se exercitam de maneira altamente proveitosa para a intelligencia em geral. Para confirmar este asserto, basta considerar a ordem e a logica que devem presidir á successão das sentenças.

Tão util, tão efficiente é esse exercício, que, dado o caso de, numa composição qualquer, não terem collaborado alguns alumnos, estes nada perderam, por isso que acompanharam o trabalho em sua evolução. E tanto assim é, que, chamado um desses alumnos, elle repetirá toda a composição, sem difficuldade alguma, a não sêr que não tivesse prestado attenção no decorrer da aula.

Convem ainda attender que as composições collectivas habitúam o estudante a coordenar suas idéas, a corrigir a linguagem, a observar praticamente a syntaxe, a preparar-se, emfim, para composições individuaes, quer oraes, quer escritas, em virtude, de o seu trabalho ficar sujeito á immediata direcção do professor.

Percebe-se que o foco era a formação das sentenças. Não havia a noção de

texto como unidade superior a ser desenvolvida, isso só viria a partir dos anos 60,

mas a noção de composição presidia a soma de frases. A orientação sugere que os

professores deveriam entender e aplicar o exercício de composição pela

memorização das sentenças a fim de levar os alunos a comporem de forma lógica a

composição coletiva.

O texto imprime ordem, como é possível verificar no 3º. e 4º. parágrafos; há

uma tentativa de diálogo com o professor, mas não é imediata. Não aparece, no

texto inicial, um vocativo que convoque o professor como leitor imediato, como se

faz nos textos dos livros didáticos atuais, em que o discurso tem um agente do

6 Foram mantidas as grafias que constavam na Revista, não tendo sido feita nenhuma adaptação.

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processo, voltado para um coenunciador específico. A ausência de marcas explícitas

de sujeitos responsáveis pela fala aqui descrita – que seria um editor -, como “nós”,

“nosso” confere ao editorial um efeito de verdade, fazendo valer que as composições

coletivas pensadas e projetadas dessa maneira são as corretas e teriam o efeito

promissor, como descrito.

O que se destaca é a atividade “composição collectiva” como trabalho de

produção textual “em que a classe toda collabóra, concorrendo cada alumno com

uma ou mais sentenças necessarias para o fim colimado”.

É possível perceber a predominância de um tipo de ensino de língua nas

Revistas publicadas e distribuídas durante aquele ano: o ensino tradicional numa

concepção de língua em que a modalidade escrita era vista como a de prestígio e

considerada um código de transcrição da fala, ou seja, a norma culta da língua

materna, já que a oralidade não era objeto de ensino na escola. O que se pode

observar é a visão de língua como revestimento do pensamento, que permite o

desenvolvimento da lógica das relações que são formadas nas sentenças. Trata-se,

a princípio, pelo que se lê no texto de orientação da atividade, de um trabalho

cognitivo e não, de interação social.

Na aula simulada da primeira Revista, de janeiro de 1925, na parte das Lições

Práticas – Linguagem oral -, o professor quer a construção de uma história; cada

aluno deveria inventar um trecho dela; o professor pede depois a sua escrita. Cada

um deveria inventar e depois ir para a escrita. As possibilidades a serem

consideradas na descrição dada ao professor nessa aula revelam pontos cruciais

acerca da concepção que a língua e a linguagem assumem. Vamos à aula (p.2):

Professor. - Vimos, hontem, a historia daquelle menino malfeitor... Como era mesmo o seu nome?

Alumno. – Elias.

P. – Isso mesmo... Elias. Era um menino mau, não acham?

A. – Sim, professor.

A. - Muito mau.

A. – Era mesmo... coitado do passarinho que elle matou!

P. – Já vejo que não gostam dos meninos maus, e têm razão. Só gostam dos bons, não é verdade?

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A prática de linguagem oral dá-se na contextualização da atividade na

recuperação pela memória de texto lido anteriormente para situar o tema a propósito

da nova atividade, a de contar a história de um bom menino. O resultado e produção

esperados são a composição oral coletiva, gênero escolar hoje considerado

agrupamento do narrar. (p. 3)

A. – Sim, senhor.

P. – Então, falemos dum bom menino; inventemos uma historia a respeito delle. Querem?

A. – Queremos, queremos, sim.

P. – Primeiramente, como se chamará esse menino, Julio?

A. – Roberto. É um bonito nome.

P. – É verdade. Comece lá a historia.

A. – Roberto era um bom menino.

P. – Continúe, Alfredo.

A. – Um dia elle ia indo, muito alegre, para a escola.

P. – Você, Thomaz.

A. – No caminho encontrou-se com um colleguinha, que vinha chorando.

P. – Muito bem! A história está bem começada. Quem quer continual-a?

A. – Eu, eu, professor.

P. – Pois continúe, Luizinho.

A. – Roberto teve muito dó do pequeno.

A atividade é conduzida e regrada pelo professor numa relação assimétrica e

hierarquizada própria à escola tradicional. Os alunos, por sua vez, respondem às

interpelações do professor, produzindo frases em continuidade às dos demais

colegas, o que mantém a coesão e a coerência textual para a história sugerida

progredir. Não há, propriamente, o objetivo de elaborar um texto no gênero oral

narrativo literário; o que há é uma aproximação da redação escrita, embora exista

nessa composição oral os tipos textuais narrativo e descritivo, cujas sequências

aparecem nos gêneros do agrupamento do narrar, tanto orais quanto escritos. Os

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elementos da narração são um narrador de 3ª pessoa; uma personagem

protagonista marcada por traço de bondade e alegria que se dirige a outra que

aparenta viver um problema (chora); um lugar (caminho para a escola); uma

marcação temporal, embora vaga, (um dia...); um provável conflito, que poderá ser

desenvolvido na sequência da narrativa. Os elementos descritivos permitem nomear

ou identificar a personagem ou aquilo que será descrito, situar no tempo e no

espaço; qualificar a personagem dando-lhe características.

Gramaticalmente, observa-se na descrição o emprego de verbos de ligação,

frases e predicados nominais, verbos no presente e pretérito imperfeito do indicativo,

predominantemente, e adjetivos. Os elementos - verbos de ligação e verbos no

presente colocam as personagens no primeiro plano, dando a sensação de que

acabou de acontecer o fato narrado; os adjetivos apresentam caracterização, de

forma avaliativa; eles imprimem uma caracterização positiva ou negativa

predispondo o leitor a tomar uma posição frente aos fatos. Os elementos para os

trechos injuntivos dão maior visibilidade quanto ao mando, à sugestão ou até às

ordens nos acontecimentos. Além disso, os elementos narrativos ajudam o leitor a

compreender a ordem dos fatos, a presença das personagens, o contexto etc.

Há também no diálogo o tipo textual injuntivo (“ora, ora... arranjará”; “vamos

para a escola”) e argumentativo (“ela é muito bondosa... desculpar”), que

caracterizam esse gênero que é parte das narrativas. O que podemos verificar no

diálogo abaixo:

P. – Adeante, Paulo.

A. – Parou e perguntou-lhe: porque está chorando, Mario? Que aconteceu?

P. – Basta, Paulo. Agora, os alumnos que ainda não falaram, irão falando cada qual por sua vez, sem precisarem sêr chamados. Aquelle, porém que falar uma vez, não poderá falar mais. Não acham bem, assim?

A. – Muito bem, Sr. professor.

P. – Quero vêr si desse modo, todos concorrerão para a historia do Roberto. Outra coisa: os que falarem, continúem prestando muita attenção. Entenderam?

A. – Entendemos, sim, senhor.

Narrador em 3ª. pessoa.

Traço narrativo:

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P. – Continuemos, pois. Fale outro menino.

A. – Nada, nada me aconteceu, Roberto.

P. – Outro.

A. – Nada?! Como assim?! Mas, por nada não se chora. Vamos, meu amiguinho, fale.

P. – Outro alumno.

A. – Perdi meus desenhos, e a professora recommndou que nenhum alumno deixasse de leval-os hoje.

P. – Adeante; outro menino.

A. – Mas, que culpa tem você nisso, meu amigo?

P. – Adeante.

A. – Nenhuma, mas eu tenho vergonha da professora.

P. – Continúem.

A. – Ora, ora, não chore mais, Mario. Eu falarei com sua mestra e tudo se arranjará.

P. – Outro alumno.

A. – Ella é¹ muito bondosa; saberá desculpar¹¹. Vamos para a escola¹¹¹ Mario.

P. – Você, agora, Pedrinho.

A. – (?)

P. – Chamei-o de propósito. Vi que não estava prestando attenção. Por isso não soube continuar. Não faça mais assim, ouviu? Continúe outro menino.

A. – E Roberto deu o braço ao colleguinha e o conduziu para a escola.²

P. – Adeante.

A. – Contou o caso á professora de Mario, pedindo desculpas por elle. A mestra consolou o pequeno, dando-lhe um affectuoso abraço².

P. – Continuemos.

A. – Depois abraçou tambem o Roberto, que ficou muito satisfeito.²

P. – Ora, muito bem. Nem todos puderam falar, mas estou certo de que, á excepção de Pedrinho, qualquer dos que não falaram é capaz de reproduzir a historia. Vejamos, pois, quem quer repetil-a.

Alumnos. – Eu, eu...

P. – Basta um. Você, Carlos, conte a historia toda.

A. – (Contará a historia inteira e nessa occasião o professor terá

Personagem protagonista

Diálogo – discurso direto

Conflito

Traço descritivo: nomear ou identificar a

pessoa

Traço do tipo injuntivo

¹ Verbo de ligação

¹¹Traço argumentativo e do descritivo:

adjetivo”bondosa”

¹¹¹Traço do tipo descritivo: lugar

e do tipo injuntivo

Marca do rigor da disciplina

²Resolução do conflito

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O objetivo da atividade parece ser o exercício da linguagem oral em que os

alunos devem obedecer à ordem de manifestação tal como regrados pelo professor.

Embora a temática fosse possível (a ajuda entre colegas), há um claro

direcionamento do professor, o que condiz com as relações da época, ficando clara

a concepção de valores calcados no bem e no mal, sem nuanças.

Nossa pretensão não é analisar o documento como uma realidade escolar,

mas como algo que deveria atuar na proposição de caminhos para a mudança da

realidade escolar nas aulas de língua materna. O que foi sugerido na história oral

ilustrou uma necessidade da época: o tratamento mais respeitoso aos alunos (sem o

uso de punições severas, por exemplo, quando houvesse desobediência ou

desatenção), a colaboração dos estudantes na atividade e não apenas uma posição

de ouvintes passivos. Sabendo que nem sempre os documentos que regulam

determinadas práticas são compreendidos, aceitos ou seguidos em nenhuma época,

a tentativa aqui é de ilustrar orientações oficiais que deveriam ser seguidas e que,

na verdade, não se sabe até que ponto o foram. Então, não é nossa pretensão

analisar o documento retratando a realidade escolar contemporânea a ele, mas

mostrar o que foi feito para imprimir uma reflexão como proposta e uma mudança

como aplicação na medida daquela época.

Cada história, mesmo sendo a mais curta, pode ter qualquer tema em sala de

aula. O professor em questão parece acreditar que a história serve para reforçar

comportamento desejável e não está expresso o interesse dele em que o aluno

imprima nessa história a sua visão. Essa postura hierarquizada, em que o papel do

aluno é aceitar e concordar, também é vista na literatura infantil da época que tinha

um forte direcionamento de caráter moral, o que parece estar espelhado nessa sala

de aula. Aliás, uma das funções da escola era a de promover certos

comportamentos sociais, morais, ou ainda, virtuosos, como os valores morais

descritos no início deste capítulo. A linguagem, nesse aspecto, deveria ser

opportunidade de fazer correcções de linguagem, como naturalmente já o fez no decorrer da lição.)

P. – Estou muito satisfeito. Amanhã todos vocês escreverão a historia de Roberto. E, quando formos fazer outra composição oral, começarei a chamada pelos que não tomaram parte na de hoje”.

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empregada mais formalmente e o tratamento temático tinha que se ater a certas

imposições externas.

Havia na época, vozes discordantes, que fazem parte do quadro maior das

relações sociais, como a de Cecília Meireles. As obras de Meireles (1901-1964)

contribuíram significativamente ao debate dos assuntos relacionados à educação

numa época de difícil criação e pouca disseminação de obra clássica para crianças,

obras que eram consideradas gêneros menores. Uma delas, o livro Problemas da

literatura infantil, da década de 30, em que a escritora expressa que “as histórias

infantis não teriam que ter lição de moral só porque é para o público infantil”. Aliás,

esse pensamento se instaurou por causa do contexto sociopolítico no Brasil, dos

anos 20 aos 40 (LÔBO, 2002. p.237-247).

Voltando à análise, a situação de produção proposta pelo docente alimenta

uma visão maniqueísta da realidade (o bem e o mal)7. Apesar de corresponderem às

solicitações do professor, os alunos se mostram sujeitos passivos, não interagem

entre si, pois não têm espaço nem oportunidade para tal atitude de modo

espontâneo e produtivo; eles seguem ordens para falar e continuar a compor o texto,

o que era costume da época. O que se lamenta, portanto, é a postura de alguns

professores da atualidade frente a uma classe, exigindo dos seus alunos a mesma

postura do início do século e caracterizando essa passividade como disciplina.

O que é singular destacar também é a maneira como o professor lida com o

aluno (Pedrinho), que não responde à solicitação do professor para dar seguimento

à história. É possível que ele esteja refletindo sobre a história, conforme em:

P. – Você, agora, Pedrinho.

A. – (?)

7 Tomamos o maniqueísmo nessa pesquisa como: “1. Doutrina criada por Manes (século III), que se

difundiu pelo Império romano e pelo Ocidente cristão, florescendo nesse período. Combina elementos do zoroastrismo, antiga religião persa, e de outras religiões orientais, além do próprio cristianismo. Mantém urna visão dualista radical, segundo a qual encontram-se no mundo as forças do *bem ou da luz, e do *mal, ou da escuridão, consideradas princípios absolutos, em permanente e eterno confronto. O maniqueísmo teve grande influência nos primórdios do cristianismo, sendo combatido por santo Agostinho, que inicialmente o havia adotado. 2. Em um sentido genérico, "visão maniqueísta" é aquela que reduz a consideração de uma realidade a uma oposição simplista entre algo que representaria o bem e algo que representaria o mal”. JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3ª. ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, p. 124.

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P. – Chamei-o de propósito. Vi que não estava prestando attenção. Por isso não soube continuar. Não faça mais assim, ouviu? Continúe outro menino.

Como o objetivo do trabalho era o de desenvolver a atenção, deveria haver

mais tempo para essa intervenção. É possível supor que seria mais importante para

a atividade o desenvolvimento da habilidade e não, o protagonismo do aluno como

vemos hoje em dia.

O professor poderia estar certo, mas o aluno também, ou pelo fato de o aluno

ser/estar tímido por não ter tido tempo suficiente para reformular sua resposta. A

participação dos interlocutores é clara e perceptível, embora a aula se dê de forma

pacífica, porém, de acordo com Watzlawick, Beavin e Jackson (apud De Marchi,

Rabelo, Alban, Bordignon, Passerino, 2009, p.3) “todo o comportamento numa

situação interacional, tem valor de mensagem. E ainda, até a própria inatividade ou

o silêncio agregam a eles um valor de mensagem.” Assim, aos olhos de hoje em dia,

o professor não esperou a resposta do aluno, mas naquela época, provavelmente,

era uma forma de mostrar uma intervenção possível para salas de aula

acostumadas a castigos físicos ou outros como a expulsão da sala. Ao final da aula,

o professor insiste:

P. – Ora, muito bem. Nem todos puderam falar, mas estou certo de que, á excepção de Pedrinho, qualquer dos que não falaram é capaz de reproduzir a historia. Vejamos, pois, quem quer repetil-a.

Assim como já foi exposto na fundamentação desse trabalho, uma das

modalidades básicas na interação é a ASSIMETRIA, em que há diferentes formas de

participação dos interlocutores no diálogo. A fim de gerar comunicação de forma

efetiva, para que haja troca de informações, conhecimentos socioculturais e

interação, é, de fato, necessário o uso de enunciados, que são definidos como

atitudes responsivas e valorativas, sempre relacionados ao contexto real da

produção, conforme encontramos em Faraco (2009, p. 25), “Todo enunciado emerge

sempre e necessariamente num contexto natural saturado de significados e valores

e é sempre um ato responsivo, isto é, uma tomada de posição neste contexto”,

portanto, ensinar língua por meio de gêneros nada tem a ver com ensinar formas,

estruturas rígidas ou “receitas” para se escrever ou falar nesta ou naquela situação.

A administração no funcionamento da fala requer de todos os envolvidos uma

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posição adequada em relação ao outro - falante e ouvinte. Por haver a

impossibilidade de apagamento na interação falada, não se deve dizer qualquer

coisa, de modo irresponsável, pois isso pode prejudicar não só a conversação como

o relacionamento futuro entre os envolvidos. Nesse caso, a assimetria toma o tempo

de resposta como desatenção; essa cena não ocorreria no tempo presente, se

pensarmos que os objetivos do professor mudaram e que ele não se coloca como

centro da atividade.

Além disso, ensinar a língua na modalidade oral não significa trabalhar a

capacidade de falar em geral, mas sim desenvolver o domínio dos gêneros que

apoiam a aprendizagem escolar da Língua Portuguesa e de outras áreas. De acordo

com Schneuwly (apud KUNZ, PEREIRA, CABRAL e ANDRADE 2004), “cabe à

escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral nas diversas situações

comunicativas, especialmente nas mais formais”. O autor defende que os gêneros

da fala têm aplicação direta em vários campos da vida social – trabalho, relações

interpessoais e política, por exemplo, por isso a insistência dessa atividade. E o

professor, em questão, estava ensinando um gênero em que predomina o tipo

textual narrativo.

A imaginação da criança poderia ter levado o texto a outro lugar diverso

daquele que estava sendo encaminhado pelo professor. E ainda, algum outro aluno

poderia ter interrompido para auxiliar o colega disperso. A avaliação e a proposta de

isolar o aluno que não correspondeu é, de certa forma equivocada, pois intensifica a

exclusão do aluno e não reflete a interação que a linguagem promove ao ser usada.

A relação do professor dá-se por conta da sua visão distanciada da concepção

dialógica.

Observando a concepção linguístico-discursiva enfocada nessa análise, a

linguagem é vista como constante processo de interação mediado pelo diálogo –

concepção dialógica. A aprendizagem da língua materna dá-se na interação com as

pessoas que nos rodeiam, em práticas efetivas de escuta e de produção dos textos,

segundo Bakhtin, um dos filósofos da linguagem.

As concepções de língua e linguagem, bem como as práticas de ensino da

linguagem relatadas na 1ª. Revista Escolar distanciam-se dessas concepções e de

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outros pensadores contemporâneos a ele, assim como das propostas dos

referenciais atuais, pois o professor trata a linguagem como instrumento de

comunicação e não como uma forma e lugar de interação, concepção esta que

considera o processo linguístico como evolutivo e que conta com a presença de

outro interlocutor de forma ativa. Ele também é configurado como um processo

historicamente determinado pela construção coletiva de um sistema linguístico, que

é a língua. “É na língua e pela língua que indivíduo e sociedade se determinam”,

segundo Preti (apud OLIVEIRA, 2011).

Na 1ª. edição da Revista Escolar, a história é construída coletivamente, porém

o professor dirige quando e quem deve fazer a próxima intervenção. A expectativa

em relação ao ensino é o contexto, ou seja, a situação de produção e recepção

daquele texto para a sala de aula. Ele utiliza as estratégias como se fosse escrita

mesmo que o meio seja o oral. Muitas vezes, entender um texto isoladamente, julgar

a qualidade do texto fora do contexto em que ele foi produzido e da situação na qual

ele será lido é quase impossível.

Nessa simulação de aula, a interferência do professor deveria estar voltada

para o ideal de menino bom na escolha da temática; há no diálogo do professor

claramente a presença do menino bom e do menino mau e por que eles são bons e

maus pela ótica do professor. Entende-se aqui professor como porta-voz do órgão

regulador da educação. Há a imposição do modelo moral de conduta pelo discurso,

contida desde o editorial, e pressão sobre o grupo pelo professor. Dentro das

concepções de hoje, esse modelo poderia ser tomado como um obstáculo de

desenvolvimento e um dos desafios poderia ser construir um guião com sugestões,

sem o fechamento que a palavra modelo traz. Como modelo para os professores,

essa “aula” pode gerar uma postura verticalizadora que cria obstáculos para o

ensino da oralidade. Embora seja possível verificar que o professor tenta fazer todos

os alunos falarem, permitindo a inserção das histórias dos alunos, em que os

protagonistas são eles próprios, a história tem o tratamento temático imposto pelo

contexto. Dessa forma, não se trata da atividade, mas como ela é conduzida em

sala, pois seria possível utilizá-la hoje em dia em diferentes níveis, principalmente

naqueles em que as questões da sequência narrativa, o desenvolvimento de

personagem e o trabalho com os temas sejam objetivos a serem alcançados.

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Por outro lado e de forma geral, é possível considerar também que há vários

discursos circulando na escola que não são da escola. Essa instituição não é um

espaço de libertação, mas de socialização, com discursos moralizantes.

Entendemos discurso como a prática social de produção de textos. Isso significa que

todo discurso é uma construção social, não individual, e que só pode ser analisado

considerando seu contexto histórico-social, suas condições de produção; significa

ainda que o discurso reflete uma visão de mundo determinada, necessariamente,

vinculada à do(s) seu(s) autor(es) e à sociedade em que vive(m) (CHARAUDEAU,

MAINGUENEAU, 2008).

A composição coletiva é do agrupamento do narrar e nela é predominante o

tipo textual narrativo. A pretensão aqui é transformar a simulação feita na Revista

Escolar num texto narrativo, a fim de mostrar como foi feita a narrativa e como ela se

compõe, se há utilidade como prática oral com o que a Revista propõe. Podemos lê-

la assim:

Roberto era um bom menino. Um dia, ele ia muito alegre para a escola. No caminho encontrou-se com um coleguinha, que vinha chorando. Roberto teve muito dó do pequeno. Parou e perguntou-lhe:

- Porque está chorando, Mário? Que aconteceu?

– Nada, nada me aconteceu, Roberto.

– Nada?! Como assim?! Mas, por nada não se chora. Vamos, meu amiguinho, fale.

- Perdi meus desenhos, e a professora recomendou que nenhum aluno deixasse de levá-los hoje.

- Mas, que culpa tem você nisso, meu amigo?

- Nenhuma, mas eu tenho vergonha da professora.

- Ora, ora, não chore mais, Mário. Eu falarei com sua mestra e tudo se arranjará. Ela é muito bondosa; saberá desculpar. Vamos para a escola, Mário.

E Roberto deu o braço ao coleguinha e o conduziu para a escola. Contou o caso à professora de Mário, pedindo desculpas por ele. A mestra consolou o pequeno, dando-lhe um afetuoso abraço. Depois abraçou também o Roberto, que ficou muito satisfeito.

A narração consiste em arranjar uma sequência de fatos na qual os

personagens se movimentam num determinado espaço à medida que o tempo

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passa. O texto narrativo é baseado na ação que envolve personagens, tempo,

espaço e conflito. Seus elementos são: narrador, enredo, personagens, espaço e

tempo. Dessa forma, o texto narrativo apresenta uma determinada estrutura:

apresentação, desenvolvimento, geralmente com clímax da história e o desfecho.

A narrativa é centrada num conflito vivido pelos personagens. Diante disso, a

importância dos personagens na construção do texto é evidente. Geralmente, existe

um protagonista (Roberto) e um antagonista, que neste caso é o conflito pelo qual o

amigo passa. O que existe aqui é o coadjuvante (Mário), além da professora, citada

e que no final aparece pela fala do narrador. Esses são personagens que exercem

papéis fundamentais na trama.

O texto se mantém em 3ª. pessoa, (Era uma vez um menino); o narrador é do

tipo observador, aquele que não faz parte da história, que nesse caso são os alunos

da aula simulada pelo professor da Revista. O tempo é cronológico, observado na

narrativa pelos marcadores “Um dia” e “Depois”. Quanto ao espaço, outro elemento

possível numa narrativa, dá-se no caminho da escola; apenas no último parágrafo é

possível atentar para a localização exata das personagens.

A composição coletiva pode acontecer na escola, contanto que se respeite a

oralidade e o jeito de narrar oralmente. Tomando o início da simulação, o professor

relembra os alunos a outra história pelo viés do comportamento de Elias, a

personagem principal, cuja atitude foi má pelo fato de ele matar um passarinho. (p.2)

Professor. - Vimos, hontem, a historia daquelle menino malfeitor... Como era mesmo o seu nome?

Alumno. – Elias.

P. – Isso mesmo... Elias. Era um menino mau, não acham?

A. – Sim, professor.

A. - Muito mau.

A. – Era mesmo... coitado do passarinho que elle matou!

P. – Já vejo que não gostam dos meninos maus, e têm razão. Só gostam dos bons, não é verdade?

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Faz um comentário sugerindo que agora será diferente; farão uma

composição coletiva sobre bons meninos. A estratégia do professor não leva em

conta para quem é destinada essa composição, para que finalidade.

Ao ensinar a língua, o professor não deveria continuar a perpetuar a

concepção da linguagem pelo eixo normativo, pois os alunos serão levados sempre

à reprodução e à memorização dos conceitos sem refletir sobre a língua. O

desenvolvimento da aula requer dos alunos uma única resposta às questões

levantadas. Por outro lado, é possível observar que o professor da época não fala

por si só; é sugerida a participação dele, mas não propriamente efetivada.

Por fim, é possível perceber que a composição oral pode mostrar qual o

processo de constituição das narrativas que depois podem ser recuperadas pela

escrita, mostrando aos alunos diferentes possibilidades de expressão e tratamento

do tema.

3.3 As relações do ensino da escrita e da oralidade

Como pode ser observado na aula analisada, não houve o ensino da

oralidade como uma competência comunicativa para que os alunos entendessem a

importância desse instrumento de expressão. Em todas as aulas, ou na sua maioria,

o que aconteceu foi trabalhar a oralidade como uma ponte para se chegar à escrita,

modalidade de grande prestígio na escola. O que reflete o mito de que existe uma

linguagem ideal, a escrita, que infelizmente em muitos lugares ainda prevalece.

Pode-se perceber também que essa prática de ensino da língua materna está

pautada na concepção de ensino da língua materna moldada pela educação

tradicional, que trata a linguagem ainda fossilizada, a qual se pauta numa “política

de ensino ainda enraizada em princípios puristas”, segundo Guimarães (2001).

A autora apresenta as relações entre ensino do oral e da escrita como

“mútuas e intercambiáveis”; ela ainda completa:

(...) são duas realidades que se integram, ainda que possuam características próprias e apresentem tipos de complexidade diferentes. Torna-se, pois, exato aceitar as expressões da oralidade como novo canal de possibilidades para a escrita. (grifo meu).

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Porém, não é o que se vê hoje, embora naquele tempo não existisse nenhum

referencial nacional. Atualmente os educadores podem encontrar o caminho para o

trabalho com a oralidade e a escrita, numa concepção mais adequada da linguagem,

que responde à necessidade das práticas.

Pelo fato exposto anteriormente quanto a não intenção/objetivo de se elaborar

um texto no gênero oral narrativo na aula descrita na Revista, é necessário lembrar

que há uma aproximação da escrita e da oralidade na escola, conforme se percebe

em Rodrigues 1988, p.29:

A criança (...) já conhece o uso oral de sua língua materna (...); a língua falada (...) tende a não chamar a atenção da criança na fase pré-escolar. A língua só passa a ser foco de suas atenções quando ela começa a perceber que é possível representar a língua que fala por meio de sinais gráficos no plano da escrita, ou melhor, quando percebe, no caso do falante nativo de língua portuguesa, que as letras representam sons articulados.

Ainda, segundo a autora, isso acontece de forma natural à medida do

conhecimento “das unidades que compõem um e outro código, mas também as

regras de combinação de tais unidades no plano oral e no plano escrito” (p. 29). O

ensino da língua com enfoque no processo de interação mediado pelo diálogo deve

ser prioritário.

Por isso, uma concepção da língua e linguagem relacionada ao ensino

aprendizagem dessa maneira viabiliza o aprendizado da oralidade, assim como o da

escrita. A mesma autora afirma, que

(...) a situação linguística do alfabetizado, ou daquele que sabe ler, é, em tese, a de quem usa duas línguas de expressão oral: a primeira é a que lhe pertence por aprendizado natural em sua comunidade, e a segunda é a que ele confecciona a partir do escrito, pela prática da leitura. ( p.31)

É necessário ressaltar que é a escola que deve preparar os alunos para o

mundo fora dela. Para isso, entende-se que seja essencial o planejamento de aulas

que atrelem o conhecimento formal normativo com o das práticas sociais, caminhos

em que viabilizem o ensino da oralidade no ensino de gêneros orais como

colaboradores para a plena participação do aluno-sujeito na sociedade.

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A preocupação antigamente era ensinar a ler e escrever. Porém, atualmente o

que deve avançar é o que está além do texto, ou seja, levar em conta o contexto de

produção, tanto histórica, social quanto ideologicamente, já que a língua é processo

de interação utilizado em determinado tempo e espaço por um sujeito que tem uma

intenção e é pertencente a uma dada cultura. Para tanto, é preciso saber falar

adequadamente em diferentes situações comunicativas, isto é, utilizar uma

linguagem mais formal em uma entrevista de emprego e mais informal em uma

conversa com amigos.

A escola que não trabalha com gêneros orais ainda não fornece meios para

que os alunos progridam em seus estudos posteriores de maneira eficiente, dando-

lhes sentido, já que a universidade exige deles a desinibição e a comunicação

adequada em situações mais formais, como em seminários e palestras; alunos

capazes de argumentar oralmente para defender seus projetos e suas pesquisas.

O ensino de gêneros orais colabora também para o desenvolvimento da

criatividade, que é tão importante no mercado de trabalho contemporâneo.

Como toda e qualquer atividade escolar, as atividades devem ser planejadas.

Na maioria dos casos, os alunos também precisam de tempo para organização. O

professor precisa ter em mente que gêneros, como a entrevista, o discurso, a

conferência, o seminário, a palestra, embora orais, necessitam de uma preparação

escrita.

Cabe ao professor ainda conhecer e explicitar aos alunos as diferentes

características de cada gênero. Sem o esclarecimento da função social de cada

situação comunicativa é possível que haja confusão entre seminário e palestra,

apresentação pessoal e relato pessoal, roda de conversa, entre outros. Além disso,

alguns educadores apontam atividades lúdicas como reclamação, entrevista de

emprego, conferência, atividades de teatralização e de publicidade.

Dada a importância do ensino dos gêneros na sala de aula, Schneuwly e Dolz

(2004) formulam um modelo didático que tem por objetivo entender as

particularidades de cada gênero baseado em estudos e teorias já desenvolvidos por

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pesquisadores da área, a fim de compreender a relação entre os gêneros

trabalhados na escola e também os gêneros que fora dela funcionam como objeto

de referência para o aprendizado do aluno, pois parafraseando os autores, a

sequência didática possibilita aos alunos colocar em prática os aspectos da

linguagem, já internalizados, e aqueles sobre os quais eles ainda não têm domínio,

possibilitando-lhes aprender e compreender melhor o conteúdo trabalhado pelo

professor. Por sequência didática, entende-se, conforme afirmam os autores (2004,

p.51)

(...) uma sequência de módulos de ensino, organizados conjuntamente para melhorar uma determinada prática de linguagem. As sequências didáticas instauram uma primeira relação entre um projeto de apropriação de uma prática de linguagem e os instrumentos que facilitam essa apropriação.

As sequências didáticas são operacionais, pois elas permitem um

direcionamento no trabalho do professor, tendo em vista o desenvolvimento das

capacidades linguísticas dos alunos. Dessa forma, o objetivo principal em utilizar

uma sequência didática no ensino de um gênero, segundo Schneuwly e Dolz (2004),

é possibilitar aos alunos utilizar a língua em várias situações comunicativas do dia a

dia com competência. Assim, eles desenvolverão ao longo do trabalho com as

sequências didáticas, a escrita, a oralidade, além de poderem adquirir maior

autonomia e autoavaliação da linguagem.

Assim, para que os alunos dominem diferentes gêneros, Schneuwly e Dolz

(2004 p. 100) defendem que é necessário que o professor construa com seus

alunos, durante sua vida escolar, caminhos, com objetivo de levá-los ao

desenvolvimento das capacidades necessárias para aprender a fazer uso com maior

mestria dos gêneros trabalhados. Por isso, esses autores apresentam agrupamentos

dos gêneros em um currículo flexível às diversas situações reais e cotidianas do

ensino, que possibilitarão ao professor maior previsão dos problemas a serem

enfrentados no processo de ensino aprendizagem dos alunos.

Pensando nisso, segundo os autores (2004), a melhor alternativa para

trabalhar o ensino de gêneros textuais é envolver os alunos em situações concretas

de uso da língua, de modo que consigam, de forma criativa e consciente, escolher

meios adequados aos fins que se deseja alcançar.

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Uma sequência didática é um trabalho organizado de maneira sistemática, em

torno de um gênero textual oral ou escrito e serve para dar acesso aos alunos às

práticas de linguagem novas ou dificilmente domináveis. Quando se depara com um

assunto novo, o aluno recorre a concepções, representações e conhecimentos

adquiridos em suas experiências anteriores, que aconteceram dentro e fora da

escola. Esses conhecimentos prévios determinam em boa parte as informações que

ele selecionará, como as organizará e que tipo de relações estabelecerá entre elas.

Por isso, é importante o professor inteirar-se do que seus alunos sabem e do que

precisam saber sobre o conteúdo a ser estudado.

A produção com sequência didática é, atualmente, uma das formas de se

trabalhar com a elaboração de textos e constitui-se uma estratégia desenvolvida por

Dolz e Schneuwly (2004). Os dois autores participam de um grupo de pesquisa na

Universidade de Genebra, Suíça, e seus estudos estão se espalhando pelo mundo.

A estrutura de uma sequência didática é a seguinte:

1) Apresentação da situação: momento em que é descrita de maneira

detalhada a tarefa de expressão oral ou escrita que os alunos deverão realizar, isto

é, a primeira produção, na qual a turma constrói uma representação da situação e

da atividade de linguagem a ser executada. A atividade deve ser proposta aos

alunos de maneira bastante explícita para que eles compreendam o melhor possível

a situação comunicativa na qual devem agir. É necessário expor aos alunos a quem

se dirige a produção que forma assumirá e quem participará; eles devem perceber,

imediatamente, a importância desses conteúdos e saber como trabalhar.

2) A primeira produção: a apresentação da situação não desemboca

necessariamente em uma produção inicial completa. Somente a produção final

constitui, frequentemente, a situação real em toda sua riqueza e complexidade. Para

o professor, essa primeira produção, que não receberá, evidentemente, uma nota,

constitui momentos privilegiados de observação que permitem refinar a sequência,

modulá-la e adaptá-la de maneira mais precisa às capacidades reais dos alunos de

uma dada turma.

3) Os módulos: essa etapa foca o trabalho com os problemas que aparecerão

naturalmente na primeira produção e a sua solução, por meio de instrumentos

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necessários dos quais o professor proverá seus alunos para superá-los. A produção

de textos escritos e/ou orais é um processo complexo, com vários níveis que

funcionam, simultaneamente, na mente do indivíduo. Esquematicamente, e

inspirando-se nas abordagens da psicologia da linguagem, podem-se distinguir

quatro níveis principais na produção de textos a) representação da situação de

comunicação; b) elaboração dos conteúdos; c) planejamento de texto; d) realização

do texto escolhido. Em cada módulo, é muito importante propor atividades de forma

mais diversificada possível, dando, assim, a cada aluno a possibilidade de ter

acesso, por diferentes vias, às noções e aos instrumentos, aumentando, desse

modo, suas chances de sucesso na versão final do texto em questão.

4) Produção final: a sequência é finalizada com uma produção que dá ao

aluno a possibilidade de pôr em prática as noções e os instrumentos elaborados

separadamente nos módulos. Essa produção permite também ao professor realizar

uma avaliação somativa, assentada em critérios elaborados ao longo da sequência.

A avaliação é uma questão de comunicação e de trocas, em que os professores são

orientados para uma atitude humanista, responsável e profissional, mas o importante

é frisar que esse tipo de avaliação será realizado, em geral, sobre a produção final.

Uma das sequências didáticas propostas na obra em destaque (2004 p. 213)

enfoca o gênero debate, com a intenção de explorar as capacidades argumentativas

dos alunos. O debate regrado é constitutivo tanto do círculo de práticas sociais

diversas quanto da esfera escolar, ainda que os autores citados anteriormente

esclareçam que, na variante escolar, o debate deva privilegiar mais a construção

conjunta de um ponto de vista sobre um assunto do que as dimensões polêmicas do

debate. Essa atividade, em outras palavras, deve reconhecer o outro como

interlocutor efetivo, ouvi-lo como interlocutor que é legítimo em seu gesto de dizer e,

finalmente, reconhecer em quais motivações se funda o dizer e a posição do outro.

Dentro dessa perspectiva de apresentar um gênero dentro de uma sequência

de atividades relacionadas às habilidades e competências, bem como à função

desse gênero, pode-se encaixar a atividade de composição oral coletiva.

Esse tipo de atividade, como descrita na Revista Escolar, pode parecer

antiga, mas apresenta potencial para ser retomada na medida em que se observar a

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sua função ou que se estabelecerem novas funções para ela. Para as séries iniciais

(Fundamental I), ela pode constituir-se como um gênero oral legítimo, pois permite

aos alunos que ainda não conseguem escrever, a elaboração de um texto que

responda às características do agrupamento narrar (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004).

Para as séries do Fundamental II, essa atividade pode servir como uma oficina em

uma sequência didática para se trabalhar o ritmo da fala em uma narrativa, por

exemplo. Ela não se constitui como um empecilho, nem como abordagem ampla,

mas pode ser uma das maneiras de o professor conduzir a aula, indicando quando

os alunos falam, as mudanças de turno etc.; pode, por exemplo, servir para

desenvolver a espera para a tomada de turno no gênero debate.

Numa sequência didática, a composição oral coletiva é deslocada a partir de

novos objetivos como a identificação de características das modalidades oral e

escrita, a transposição de uma narração oral para narração escrita, praticando

atividades do processo de retextualização (transcrição, edição e revisão) e a

produção de um registro de memórias. Cabe ao professor indicar aos alunos que

gênero será abordado, a quem se dirigirá a produção feita, que forma assumirá a

produção e quem participará dela, de comum acordo. Assim, o professor fornecerá

todas as informações necessárias para que conheçam o projeto comunicativo visado

e a aprendizagem de linguagem a que está relacionado, o que não apareceu, e não

poderia ter aparecido, em virtude da concepção de ensino de língua como

desenvolvimento de habilidades pontuais, na composição oral coletiva da Revista

Escolar.

Muito tem sido discutido sobre a atual situação no ensino da língua

portuguesa. Alguns apontam que o problema está nas políticas educacionais; outros,

porém, elegem a escola como centros de reprodução de um conhecimento

tradicional, que foi engessado e não tem acompanhado as necessidades atuais.

Mas, há outro fator de grande importância: a formação inicial e continuada dos

professores de língua portuguesa.

Os PCN (1998, p.10), na parte introdutória, destacam que

(...) de modo algum pretendem resolver todos os problemas que afetam a qualidade do ensino e da aprendizagem no País. A busca da qualidade impõe a necessidade de investimentos em diferentes frentes, como a

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formação inicial e continuada de professores, uma política de salários dignos, um plano de carreira, a qualidade do livro didático, de recursos televisivos e de multimídia, a disponibilidade de materiais didáticos. Mas esta qualificação almejada implica colocar também, no centro do debate, as atividades escolares de ensino e aprendizagem e a questão curricular como de inegável importância para a política educacional da nação brasileira. (grifo meu)

Ainda, apontam:

Além de uma formação inicial consistente, é preciso considerar um investimento educativo contínuo e sistemático para que o professor se desenvolva como profissional de educação. O conteúdo e a metodologia para essa formação precisam ser revistos para que haja possibilidade de melhoria do ensino. A formação não pode ser tratada como um acúmulo de cursos e técnicas, mas sim como um processo reflexivo e crítico sobre a prática educativa. Investir no desenvolvimento profissional dos professores é também intervir em suas reais condições de trabalho. (1998, p.22).

Cada vez mais a questão da formação de professores assume importância

ante as exigências que são colocadas diante da educação básica de crianças e de

adolescentes na sociedade contemporânea. Pesquisar aspectos ligados aos cursos

de formação de professores, aspectos relativos aos planos de carreira e salários,

formação continuada e condições de trabalho nas escolas tornaram-se importantes

e necessários tanto quanto pesquisar abordagens e se estudar a língua e os

processos de aquisição da oralidade e da escrita.

Em relação aos que já estão formados, mas não se alinham à concepção de

linguagem adequada descrita neste trabalho, não fazem uso das atividades ou do

material disponível, pensa-se que a melhor contribuição é investir de maneira

persistente na formação continuada desse docente. Uma das formas de se modificar

esse modo de o professor perceber a língua e compreender sua prática em sala de

aula pode ser desenvolvida pela prática e manuseio de materiais num projeto, uma

vez que o confronto com as posições estabelecidas no material pode levar o

professor a uma reflexão, à pesquisa sobre a modalidade oral e escrita, esperando

que ele, assim, questione a sua ação pedagógica, no sentido de sempre buscar

melhorias para o ensino consistente, de qualidade. Esse processo deve ser levado

em conjunto com os órgãos responsáveis, a escola, seus professores e

coordenadores, tendo em mente que só fornecer modelos ou orientações não se

mostra suficiente para a tarefa de transformação da ação do professor.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

É certo que toda atividade humana se dá pela linguagem. Aprender a interagir

por meio da linguagem é um processo complexo e que muitas vezes não é

alcançado por todos os falantes da língua materna. As instituições de ensino

necessitam conciliar alguns percalços na dinâmica da prática do cotidiano dos

alunos e a teoria existente. E muitos avanços vêm sendo atribuídos pela

preocupação de pesquisadores e de professores no sentido de fornecer aos

cidadãos a melhor maneira de interação pela linguagem, embora em algumas

localidades ainda se perpetue a prática pedagógica tradicional.

Esta pesquisa teve como base a língua oral, uma vez que a orientação

presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) sugere o tratamento do oral

tanto quanto se tem dado à atividade escrita, modalidade de prestígio no ensino da

língua. Na verdade, nesse documento o tratamento ao oral supõe que todos os

participantes da sociedade tenham acesso aos conhecimentos linguísticos e saibam

refletir sobre eles, fazendo uso da língua oral, considerando as diferentes situações

de comunicação, principalmente nas situações formais. Além disso, conforme os

PCN, o foco é na dimensão interacional e discursiva da língua, reconhecida e

privilegiada na sociedade atual.

Nesse sentido, a investigação deste trabalho tentou buscar respostas nos

estudos mais recentes sobre ensino-aprendizagem da língua, observando nas

práticas do passado as concepções de língua e linguagem, o que está consagrado

nelas sobre o ensino oral e como deveria ser conforme os estudos vigentes. Quanto

à prática do passado, foram selecionados os arquivos da memória paulista e a

descrição das aulas nas revistas que orientavam os professores em 1925, retirada

do Arquivo Público do Estado de São Paulo – “Memórias da Educação” – organizada

pela Diretoria Geral da Instrução Pública – SP.

No exame do corpus surgiu a oportunidade de pesquisa e reflexão sobre o

ensino do oral. Pelo documento escolhido, foi possível verificar o papel do docente

na proposição de atividades e quais as propostas e pressupostos que levariam a um

ensino do oral mais bem sucedido. O objetivo, então, foi de analisar a proposta para

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a produção oral “composição colletiva”, na 1ª. Revista Escolar do Estado de São

Paulo, identificando as concepções de ensino de língua e as relações entre o ensino

da escrita e da oralidade, verificando essas concepções com o ensino da oralidade

hoje. O corpus constituído para essas reflexões é o exercício-orientação proposto na

1ª. Revista Escolar datada de janeiro de 1925. A parte da revista que foi analisada,

portanto – Lições práticas -, demonstrou a ação do professor na condução da aula

de língua portuguesa.

A metodologia foi a análise linguístico-discursiva do corpus e os

procedimentos para elaborá-la foram estudo bibliográfico e análise dos elementos

referentes às instruções de ensino de produção escrita, encenando a oralidade.

A consideração feita pelo estudo dos documentos e pela análise do corpus

para o ensino de língua portuguesa foi a de trazer para a sala de aula a oralidade e

derrubar a ilusão da postura ''corretiva'', reconhecendo que existem variedades de

uso da língua. Por isso, o professor deve reconhecer que as falas de seus alunos

refletem variações regionais, socioeconômicas, de gênero e de faixa etária, embora

os PCN não enfatizem os gêneros orais, conforme verificado por alguns

pesquisadores anteriormente mencionados neste trabalho. Porém, é esse sentido

que faz desta pesquisa uma constante busca de melhorias no ensino da língua.

Como considerado neste trabalho, a atividade de composição oral pode ser

válida se repensarmos os pressupostos teóricos que a guiam, ou seja, a grande

questão é a concepção de língua assumida na atividade e o modo de aplicar essa

atividade sob o ponto de vista dessa representação. Além da imagem de linguagem,

é imprescindível colocar o professor no papel de pesquisador no seu trabalho, ou

seja, que ele possa refletir sobre a atividade que desenvolve em sala, promovendo

outras de igual conceito teórico, sem privilegiar uma modalidade em detrimento de

outra; que possa também a cada atividade desenvolvida, avaliar qual o impacto

dessa atividade para os alunos e sua formação na disciplina.

Por fim, a atividade de composição oral coletiva não é em si um problema,

como uma aula expositiva não é um problema, desde que permitam a busca do

protagonismo do aluno, a compreensão da sua variante, a ampliação das

habilidades e competências, tanto na modalidade oral quanto escrita. E desde que

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possam ser um caminho para que o professor assuma um papel ativo na elaboração

de material e / ou de estratégias dentro das condições que têm imprimido um novo

olhar para conhecidas práticas, tais como a composição oral coletiva, que promove

não somente as questões linguísticas, como permite compreender os valores que

serão decisivos na atribuição de sentidos aos textos.

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ANEXO

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Seção Lições Práticas, da Revista Escolar no. 1, janeiro de 1925

(fonte: http://www.arquivoestado.sp.gov.br/a_acervo.php)

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