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UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO - PPAD
LORENA SILVA DE JESUS
A GESTÃO SOCIAL DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM TERRITORIO
QUILOMBOLA: As ações intersetoriais do CRASQ na comunidade São João Médio
Itacuruça
BELÉM – PA
2015
LORENA SILVA DE JESUS
A GESTÃO SOCIAL DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM TERRITORIO
QUILOMBOLA: As ações intersetoriais do CRASQ na comunidade São João Médio
Itacuruça
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Administração da Universidade da
Amazônia, como requisito à obtenção do título de
Mestre em Administração, sob a orientação da
profª. Drª. Ana Maria de Albuquerque
Vasconcellos.
BELÉM – PA
2015
LORENA SILVA DE JESUS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Administração da Universidade da
Amazônia, como requisito à obtenção do título de
Mestre em Administração, sob a orientação da
profª. Drª. Ana Maria de Albuquerque
Vasconcellos.
Aprovado em, .......de.........................de 2015
BANCA EXAMINADORA
-------------------------------------------------------------------
Profª.Drª. Ana Maria de Albuquerque Vasconcellos
Universidade da Amazônia – UNAMA
Orientadora
-------------------------------------------------------------------
Profª. Drª. Eugênia Rosa Cabral
Universidade da Amazônia – UNAMA
-------------------------------------------------------------------
Profª. Tânia Guimarães Ribeiro
Universidade Federal do Pará - UFPA
BELÉM – PA
2015
À minha querida mãe Maria de Nazaré que dedico
cada conquista (pequena, média ou grande) é um
presente meu pra ela.
AGRADECIMENTOS
Esse trabalho é produto da minha trajetória e como muitas pessoas fizeram parte dela, dedico
meus agradecimentos de maneira abrangente. Gostaria de agradecer de coração todos aqueles
que mesmo não mencionados contribuíram de alguma forma para que eu alcançasse essa vitória.
À Deus, primeiramente, por mais um sonho realizado. Acredito no Deus bondoso que não
lembra dos meus pecados, nem das minhas transgressões. Segundo a sua misericórdia, lembra
de mim, olha para minha aflição e dor.
Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPQ – pela
bolsa concedida, que permitiu ingresso nesse Programa de Pós-Graduação em Administração.
À Prefeitura de Abaetetuba/PA, especialmente aos gestores e técnicos da Assistência Social, da
Secretária de Saúde e da Secretária de Educação, por interromperam sua rotina de trabalho para
me receber, pela disposição em participar da pesquisa e me permitirem o acesso às informações
necessárias.
À minha família, em especial minha mãe, que me ama incondicionalmente e estar ao meu lado
sempre. Por nunca, sequer por um instante, deixar de acreditar em mim e ainda não permitir
que eu mesma o fizesse.
Ás minhas mulheres fortes Shirley, Tia Maria, Tia Odete, Tia Conceição, Tia Valmira e Bianca,
pelo apoio e confiança em momentos que passamos por muitas dificuldades.
Quero agradecer também a minha orientadora professora Ana Maria Vasconcellos, pela
oportunidade de aprender e conviver com a pesquisa e à docência, dando-me a chance de dar
mais esse passo na vida profissional.
Ao professor Dr.Mário Vasconcellos Sobrinho, pela dedicação ao PPAD/UNAMA e por ser
sempre atencioso comigo no que precisei.
Aos meus companheiros de jornada do núcleo de pesquisa Marina, Fabrício, Naiara, Cleberson,
Ynis, Bruno, Jones, Hebert, Yana, Igor, Iury, Marcelo e Keila pelos momentos de alegrias e
dificuldades que compartilhamos.
Ao querido André Franzini e seu filho Vinicius, pelo acolhimento durante a pesquisa de campo.
Aos demais professores, igualmente queridos que buscam fazer a diferença em nossa região e
com os quais eu pude ter a honra de conviver: professor Palácios, professor Amim, professora
Eugênia, professor Sérgio e o professor Milton, meu muito obrigado!
“Não é a falta de alimentos a causa da fome,
mas a insuficiência de renda para comprar
comida.”
Amartya Sem
RESUMO
Esta dissertação objetiva analisar a gestão de um programa de transferência de renda mínima
em municípios conformados por uma grande diversidade territorial (ilhas, áreas de terra firme,
áreas de várzea e terras de quilombos). Em especial, visa analisar a gestão do Programa Bolsa
Família em comunidade remanescente de quilombo no município de Abaetetuba (PA). A
escolha do programa e de sua gestão em comunidades remanescentes de quilombos que ficam
localizadas em diferentes ilhas do município de Abaetetuba se deu em função do cruzamento
de complexidades que apresentam tanto a estrutura de funcionamento do programa que envolve
condicionalidades para acesso ao benefício, quanto ao conjunto de especificidades e demandas
sociais e econômicas das comunidades quilombolas. O problema da pesquisa consiste em
entender como o Programa Bolsa Família em área de zona rural/quilombola implementa suas
ações em função das condicionalidades e especificidades das comunidades? Toma-se como
arcabouço teórico governança e gestão social. Metodologicamente, a pesquisa será realizada
sob dois prismas. O primeiro, no entendimento de como o Secretária de Assistência Social
organiza e gerencia o Programa Bolsa Família em termos de atendimento das condicionalidades
destacando, inclusive, as dificuldades, desafios e resultados. O segundo prisma se dará à luz
das comunidades quilombolas, dentre as quais escolheu-se a comunidade São João onde
realizou-se o levantamento de dados através do CRAS Quilombola sobre o atendimento das
demandas e o acesso aos serviços (educação, saúde), vinculados às condicionalidades e
especificidades do microterritório.
Palavras-chave: Intersetoralidade, Gestão social, Programa Bolsa Família, CRAS quilombola.
ABSTRACT
This dissertation aims to analyze the management of a minimum income transfer program in
municipalities formed by a large territorial diversity (islands, upland areas, meadow areas and
quilombo land). Specifically, it seeks to analyze the management of Bolsa Familia in remaining
quilombo community in the municipality of Abaetetuba (PA). The choice of the program and
its management in remaining quilombo communities that are located in different islands of
Abaetetuba municipality was due to the crossing of complexities that have both the program
operating structure involving conditionalities to lit the benefit, as the set of specific social and
economic demands of the Quilombo communities. The research problem is to understand how
the Family Grant Program in rural area / maroon implements its actions on the basis of
conditionality and specific communities? Take as the theoretical framework governance and
social management. Methodologically, the research will be conducted from two angles. The
first, in understanding how the Secretary of Social Welfare organizes and manages the Bolsa
Família Program in terms of meeting the conditionalities highlighting, including the difficulties,
challenges and results. The second prism will bear the maroon communities, among which
chose to São João community where there was the data collection through the Quilombo CRAS
on meeting the demands and access to services (education, health), linked conditionalities and
specifics of microterritório.
Keywords: Intersetoralidade, Social management, Bolsa Família Program, CRAS maroon
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Ações complementares ao Programa Bolsa Família..............................................41
Figura 2 – Ações complementares para enfrentamento da pobreza.........................................41
Figura 3 – A fórmula de cálculo do IGD-M............................................................................47
Figura 4 – Localização do município do Abaetetuba/PA........................................................65
Figura 5 – Imagem da Escola de Ensino Infantil e Fundamental Prof. Manoel Pedro Ferreira,
Abaetetuba/PA..........................................................................................................................77
Figura 6 – Organograma da estrutura setorial e organizacional de implementação do PBF,
Abaetetuba................................................................................................................................79
Figura 7 – Ações complementares “Projeto Caravana da Vontade Popular”..........................82
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Diferentes modalidades de benefícios do Programa Bolsa Família.....................37
Quadro 2 – Compromissos das famílias nas áreas de saúde, educação e assistência social....38
Quadro 3 – Efeitos por descumprimento de condicionalidades do PBF (crianças, adolescentes
até 15 ano, gestantes/nutrizes)..................................................................................................40
Quadro 4 – Responsabilidade dos gestores do PBF no âmbito da União, Estados e
Municípios................................................................................................................................44
Quadro 5 – Comparativo ente as atribuições do CRAS e órgão gestor municipal..................54
Quadro 6 – Metas quantitativas de implantação e de atendimento dos CRAS.......................56
Quadro 7 – Rede de proteção social municipal da área de assistência social, entidades não-
governamentais.........................................................................................................................61
Quadro 8 – Serviços ofertados pela secretaria municipal de assistência social por níveis de
proteção social...........................................................................................................................63
Quadro 9 – Número de vacinação e desnutrição de crianças de 0 a 23 meses e 29 dias,
Abaetetuba 2010-2011..............................................................................................................68
Quadro 10 – Tipo de atendimento realizados pela SESMAB no município de Abaetetuba
(ref.Nove/2014).........................................................................................................................84
Quadro 11 – Quantitativo de escolas municipais de Abaetetuba, 2012-2014.........................89
Quadro 12 – Tipologia dos motivos de baixa frequência Conselho Tutelar, Abaetetuba, 2012-
2014...........................................................................................................................................91
Quadro 13 – Distribuição dos CRAS nas áreas de cobertura da assistência social, Abaetetuba,
2013...........................................................................................................................................93
Quadro 14 – Quantitativo de famílias com características específicas cadastradas no sistema
CadÚnico e beneficiárias do Programa Bolsa Família.............................................................99].
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Evolução comparativa da taxa do IDH.................................................................66
Gráfico 2 – Taxa comparativa de analfabetismo de crianças de 11 anos até 14 anos..............67
Gráfico 3 – Crianças com até 14 anos em situação de extrema pobreza, Abaetetuba 1991-
2010...........................................................................................................................................69
Gráfico 4 – Crianças com até 14 anos em situação de pobreza, Abaetetuba 1991-2010.........70
Gráfico 5 – Distribuição das famílias inscritas no Cadastro Único por faixa de renda per capita
mensal, Abaetetuba, 2014..........................................................................................................67
Gráfico 6 – Evolução de famílias atendidas pelo Bolsa Família, Abaetetuba, 2008-2014......68
Gráfico 7 – Evolução de valores repassados ao município através do Índice de Gestão
Descentralizada Municipal (IGD-M) PBF, Abaetetuba, 2012-2014........................................72
Gráfico 8 – Evolução do IGD-M do Bolsa Família, Abaetetuba, 2010-2014..........................72
Gráfico 9 – Percentual de cobertura com base nas famílias acompanhadas da saúde referente
1ªvigência/2010 até 2ªvigencia/2014, Abaetetuba....................................................................86
Gráfico 10 –Evolução comparativa da taxa de famílias com acompanhamento da Agenda de
Saúde, Abaetetuba, 2010-2014.................................................................................................87
Gráfico 11 – Percentual de cobertura de equipes da atenção básica, Abaetetuba, 2010-
2010...........................................................................................................................................88
Gráfico 12 – Percentual de alunos de 6 a 17 anos com frequência escolar acompanhadas,
Abaetetuba, 2010-2014.............................................................................................................90
Gráfico 13 – Evolução do Indicador de Desenvolvimento do CRAS Quilombola, Abaetetuba,
2007-2012...............................................................................................................................103
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AABB Associação Atlética Banco Brasil Abaetetuba
AMIA Associação de Moradores das Ilhas de Abaetetuba
APAE Associação de Pais e Amigos Excepicionais Abaetetuba
ARQUIA Associação dos Remanescentes Quilombolas de Abaetetuba
ACS Agentes Comunitários de Saúde
BPC Benefício de Prestação Continuada
BVJ Benefício Variável Jovem
BVN Benefício Variável Nutriz
BVG Benefício Variável Gestante
BSP Benefício de Superação da Extrema Pobreza
CadÚnico Cadastro Único
CAGROQUIVAIA Conselho do Assentamento Agroextrativista, Várzea, Quilombolas e
Grupos Afins das Ilhas de Várzea de Abaetetuba
CMAS Conselho Municipal de Assistência Social
CRAS Centro de Referência de Assistência Social
CRASQ Centro de Referência de Assistência Social Quilombola
CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social
CONGEMAS Colegiado Nacional de Gestores da Assistência Social
COOPROABA Cooperativa dos Produtores de Artefatos de Abaetetuba
CREAM Centro de Referência Especializado da Assistência Social de Atendimento à
Mulher
DF Distrito Federal
FHC Fernando Henrique Cardoso
FONSEAS Fórum dos Secretários Estaduais de Assistência Social
FMAS Fundo Municipal de Assistência Social
IGD Índice de Gestão Descentralizada
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
ICS Instâncias de Controle Social
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LA Liberdade Assistida
LOAS Lei Orgânica da Assistência Social
MALUNGU Associação Regional dos Remanescentes Quilombolas do Pará
MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome
MS Ministério da Saúde
MST Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
MEC Ministério da Educação
MORIVA Movimento Ribeirinhos e Ribeirinhas das Várzeas de Abaetetuba
PBF Programa Bolsa Família
PPA Plano Plurianual
PPAD Programa de Pós-Graduação em Administração
PGRM Programas Brasileiros de Garantia de Renda Mínima
PPP Parcerias Público-Privado
PT Partido dos Trabalhadores
PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
PIB Produto Interno Bruto
PAIF Programa de Atenção Integral à Família
PNAS Política Nacional de Assistência Social
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PSC Prestação de Serviço à Comunidade
SMS Secretaria Municipal de Saúde
SEMAS Secretaria Municipal de Assistência Social
SEMED Secretaria Municipal de Educação
SENARC Secretaria Nacional de Renda e Cidadania
SNAS Secretaria Nacional de Assistência Social
SEAS Secretaria Estadual de Assistência Social
SUAS Sistema Único de Assistência Social
SUS Sistema Único de Saúde
SICON Sistema de Condicionalidades
TAFE Taxa de Acompanhamento de Frequência Escolar
TAAS Taxa de Acompanhamento de Agenda de Saúde
TCQC Taxa de Cobertura Qualificada de Cadastros
TAC Taxa de Atualização Cadastral
UNAMA Universidade da Amazônia
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 15
1. GESTÃO SOCIAL E GOVERNANÇA 23
1.1 GOVERNANÇA E INTERSETORIALIDADE DAS POLÍTICAS SOCIAIS ............................. 25
1.2 POLÍTICA SOCIAL, DESENVOLVIMENTO LOCAL E IDENTIDADE.................................. 27
1.3 A GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS EM MICROTERRITÓRIOS: MUNICIPALIZAÇÃO E
DESCENTRALIZAÇÃO PÚBLICA. ................................................................................................... 29
2. CONTEXTO HISTÓRICO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA 34
2.1 O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA 36
2.1.1 CONDIÇÕES DE ACESSO AO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA ............................................................ 37
2.1.2 AS CONDICIONALIDADES DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA........................................................... 39
2.1.3 A GESTÃO DAS CONDICIONALIDADES .......................................................................................... 43
2.1.4 GESTÃO MUNICIPAL DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: AS ATRIBUIÇÕES E COMPETÊNCIAS DESSA
ESFERA DO GOVERNO ............................................................................................................................. 45
2.1.5 ÍNDICE DE GESTÃO DESCENTRALIZADA – IGD ............................................................................. 47
2.1.6 A INSTÂNCIA DE CONTROLE SOCIAL ............................................................................................ 49
3. A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL EM TERRITÓRIO QUILOMBOLA 51
3.1O PAPEL DO CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – CRAS ...................... 53
3.2 O PAPEL DO CRAS QUILOMBOLA NO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM ABAETETUBA
...............................................................................................................................................................57
4. O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NO ENFRENTAMENTO À POBREZA EM
ABAETETUBA NO ESTADO DO PARÁ 66
4.1 PERFIL DO MUNICÍPIO DE ABAETETUBA/PARÁ ................................................................ 66
4.2 O MICROTERRITÓRIO: COMUNIDADE SÃO JOÃO DO MÉDIO ITACURUÇÁ ................. 75
5. O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NO MUNÍCIPIO ABAETETUBA 80
5.1 O MODELO DE GESTÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA .............................................. 80
5.2 AS CONDICIONALIDADES NO MUNICÍPIO DE ABAETETUBA ........................................ 86
5.2.1 SAÚDE 86
5.2.2 EDUCAÇÃO 90
5.2.3 ASSISTÊNCIA SOCIAL 94
6. GESTÃO LOCAL DO PROGRAMA BOLSA FAMILÍA NO MICROTERRITÓRIO 97
CONSIDERAÇÕES FINAIS 110
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 113
INTRODUÇÃO
O Programa Bolsa Família (PBF) vem se constituindo em objeto de estudo de uma
grande quantidade de pesquisas e análises no meio acadêmico e técnico o que vem despertando
também movimentações políticas fora do ambiente acadêmico, provocando discussões e
controvérsia. Atualmente o Bolsa Família é maior programa social de transferência de renda
condicionada em implementação no Brasil desde 2003 (SILVA, 2007).
As pesquisas voltadas para a temática da implementação de políticas públicas sociais
têm dado destaque significativo ao papel dos gestores envolvidos no processo de
implementação, e nas relações verticalizadas de diferentes níveis hierárquicos. Porém, ainda há
uma grande lacuna nos estudos orientados para as relações e dinâmicas de mobilização das
organizações sociais estudadas em relação ao processo de gestão de uma política pública
intersetorial. A ausência de estudos sobre o assunto parece ainda maior quando observados os
estudos empíricos sobre as relações intersetoriais nas políticas públicas, que partir do local e,
que considere as peculiaridades e especificidades das populações tradicional estudadas
indicando um processo interativo entre os grupos sociais com as interações inter e
intracomunidades. Desta forma, este trabalho tem como objetivo cobrir essa lacuna e oferecer
algumas contribuições para discussão acerca da intersetoralidade em microterritórios.
A preocupação inicial que motivou este estudo foi analisar até que ponto as ações
implementadas por uma política pública social com gestão intersetorial no momento da
implementação, leva consideração as especificidades e peculiaridades dos grupos sociais
tradicionais em seus microterritórios. Na tentativa de identificar as características do
funcionamento dessa gestão intersetorial e das relações entre os setores na gestão de uma
política pública, essa dissertação apresenta uma investigação sobre a gestão do Programa Bolsa
Família em um microterritório
A opção pelo município de Abaetetuba como estudo dessa pesquisa é justificada,
primeiramente, por se tratar de um município com disparidades territorial, enquanto espaço
geográfico, e com realidades distintas historicamente marcadas por desigualdades sociais. Por
18
segundo por se tratar de um modelo de gestão diferenciada em relação de variedades de
beneficiários.
A escolha pelo Programa Bolsa Família se justifica a princípio por se tratar do maior
Programa de Combate à Pobreza no Brasil e na América Latina (SILVA; LIMA 2010). Dessa
maneira, o PBF se apresenta como um objeto relevante de pesquisa que desperta a visão que
privilegia uma análise de fora para dentro e de cima para baixo, que se propõe enquanto política
descentralizada, municipalizada e com caráter intersetorial.
Nesse sentido, a questão central desse trabalho está associada às relações entre os
diferentes setores e atores sociais, seus conflitos e acordos, assim como seus arranjos e
articulações políticas e pessoais para conseguir desencadear o processo de implementação no
microterritório levando em conta as especificidades e peculiaridades na localidade.
Ressalta-se que essa dissertação partiu da hipótese de que o processo de
implementação de uma política pública é afetado por diversos fatores políticos, institucionais,
relacionais e territoriais. Nesse sentido, observar a implementação de políticas públicas sociais
em microterritórios a partir dos atores que a implementam e das relações que estabelecem,
significa considerar esse processo como uma interação entre diversos atores que não agem
somente como fiéis executores dos serviços orientados por normas e regras, mas desenvolvem
seus papéis conduzidos também com base em suas experiências, valores, visão de mundo, e
inseridos em um dado contexto político-institucional e social.
Considerada a importância destes fatores para a análise, fora realizado um
levantamento da literatura e uma discussão dos principais pontos que sustentam os argumentos
aqui utilizados. São eles: gestão social e governança, gestão de políticas sociais,
intersetorialidade e identidade.
Utilizou-se o método qualitativo como o mais apropriado para analisar a categorias da
gestão do PBF no município de Abaetetuba, e suas articulações intersetoriais e as ações CRASQ
no microterritório. Através do estudo de caso único, tendo o município de Abaetetuba, como o
mais apropriado para servir de lócus da pesquisa, mais especificamente área quilombola, essa
cultura sendo incorporada à gestão. Quanto aos procedimentos metodológicos utilizados neste
trabalho consistiram na divisão de dois prismas. O primeiro prisma constitui na análise das
ações da gestão municipal envolvidas com o PBF no município de Abaetetuba/PA, onde
levantou-se dados e documentos oficiais publicados como, leis, normativas, decretos, diário
oficial, entre outros. No que se refere aos aspectos sociais foram examinados índices do
19
Programa Bolsa Família, acompanhamentos de condicionalidades, e dados e documentos
oficias publicados pelo MDS.
No segundo prisma, refere-se a análise da gestão no microterritório, no entendimento
de como o CRAS Quilombola organiza e gerencia o PBF em termos de atendimento das
condicionalidades, especificidades e peculiaridades da localidade, destacando-se, inclusive, as
dificuldades, desafios e resultados.
Para a análise dos fatores de gestão do microterritório utilizou-se, duas ferramentas
metodológicas. A primeira delas foram as entrevistas semiestruturadas com os atores
responsáveis pela execução do programa no município de Abaetetuba, nos setores e órgãos das
Secretarias de Assistência Social, Saúde e da Educação. A segunda ferramenta foi a pesquisa
participante e entrevistas semiestruturadas.
O levantamento documental foi, também, útil como ferramenta para respaldar as
informações investigativas. Esses documentos nos esclareceram o conteúdo e as determinadas
questões e serviram de comprovação para outras informações.
Como documentos, elencamos:
1). Registro do Programa, Planos e Leis e Decretos - Documentos relevantes para a
compreensão da caminhada política do Programa Bolsa Família. Sua constituição histórica e
concepção;
2). Documentos de Relatórios de Gestão do Programa Bolsa Família - dados referentes
a estatísticas do Programa no período de 2013. Com esses dados obtivemos o número total de
beneficiários, número total de beneficiários acompanhados pela educação, número total de
beneficiários acompanhados pela saúde, e total de famílias com registro de acompanhamento
familiar e total de repercussões por descumprimento de condicionalidades no município de
Abaetetuba;
3). Documentos complementares: Plano Plurianual, Diagnóstico Social e de outros
documentos tais como: registros cartográficos, mapas, pesquisas aplicadas;
4). As fotografias – Como documentos fundamentais na interpretação e análise. As
imagens fotográficas contribuem como fonte documental para evidenciar o objeto pesquisado,
favorecendo a leitura se apresenta no foco ilustrativo.
As entrevistas semiestruturadas tiveram como foco a análise da gestão do Programa
no acompanhamento de suas condicionalidades no microterritório (gestão do programa,
processo de cadastramento, participação social dos gestores, intersetorialidade, relação com
outros níveis de governo e avaliação do programa) compreendendo que esse instrumento é
20
necessário na pretensão de alcançar os objetivos propostos. Embora organizando um roteiro
“básico”, buscamos dados a partir de diálogos em que as informações puderam ser absorvidas
naturalmente permitindo, assim, que esse instrumento se relacionasse com a teoria e os
conhecimentos bibliográfico e documental. Como nos afirma Minayo (2002, p.63), “uma
entrevista rica é aquela em que o pesquisador consegue um diálogo real com o entrevistado, em
que não predominam as respostas, chavões, que nada acrescentam”.
Deste modo uma interação entre o pesquisador e o sujeito pesquisado com certa fluidez
de diálogo. Este momento fortaleceu a confiabilidade, propiciando imersão relevante de
informações. As abordagens com os entrevistados foram realizadas durante o dia, num intervalo
ou outro da rotina de seus trabalhos, sendo possível gerar os dados que foram transcritos para
posterior análise. Durante a transcrição, foram preservados os direitos de confidencialidade das
informações. Ao todo, foram realizadas entrevistas: com os gestores da Secretaria Municipal
de Assistência Social; da Secretaria Municipal de Saúde; da Secretaria Municipal de Educação,
e os técnicos do Centro de Referência de Assistência Social Quilombola e as representantes do
Conselho Municipal de Assistência Social. Esta etapa foi sendo atualizada durante todo o
período da avaliação, que iniciou em março de 2013 e foi concluído em novembro de 2014.
A entrada de campo na comunidade de São João do Médio Itacuruçá se deu através da
aproximação com os técnicos do CRAS Quilombola e seguidamente com os membros da
comunidade e através de observação participante e debates com os técnicos do CRAS e
educadores e agentes comunitários da localidade. No decorrer da pesquisa ocorreram algumas
dificuldades para levantamento de dados. Primeiramente, a equipe técnica do CRAS
Quilombola foi desfeita, portanto por este motivo precisou-se interromper as visitas do serviço
de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), esse que dá subsídio ao Programa Bolsa
Família em nível local para preenchimento do banco de dados CadÚnico e realiza as ações do
Programa com as famílias beneficiarias da área em que atua. Esse fato da equipe do CRASQ
ter sido desfeita, trouxe as impossibilidades de realizar visitas assíduas e de acesso aos dados
da comunidade escolhida e acompanhar a gestão em nível local com olhares cautelosos.
As transcrições das entrevistas foram realizadas pela própria entrevistadora para que
não ocorressem equívocos, omissões e incorreções, já que a entrevista envolve uma
complexidade e uma riqueza de informações sobre a gestão do Programa e as principais
dificuldades para execução no município.
Os dados geraram informações como, tais como: descrição do contexto local da gestão
do Programa Bolsa Família; transcrição das entrevistas dos gestores envolvidos na pesquisa,
21
em que teve destaque, trechos das entrevistas mais significativas da forma como os gestores
entendem e atuam na gestão do Programa Bolsa Família; mapeamento das ações na esfera local
da gestão do Programa Bolsa Família na perspectiva de seus desafios para gestão do Programa
em nível local; mapeamento das observações realizadas durante as visitas técnicas no
município, onde foi possível vivenciar o cotidiano das ações que envolvem a gestão do
Programa em comunidade Quilombola; mapeamento das ações de gestão do município para o
controle social no PBF em comunidade Quilombola/Ribeirinha
Esta dissertação está organizada em 7 capítulos, além desta introdução e considerações
finais. No primeiro capítulo, realizou-se uma discussão bibliográfica sobre gestão social e
governança. Neste mesmo capítulo discutiu-se sobre governança social como novo modelo na
gestão das políticas sociais e intersetoralidade. Posteriormente discutiu-se uma relação entre
política social e desenvolvimento local adoção desse modelo nas Políticas de Combate à
Pobreza no Brasil, mais especificamente do Programa Bolsa Família.
No segundo capítulo, apresenta-se o contexto histórico do Programa Bolsa Família, no
que se refere as suas normativas, leis, instruções operacionais, entre outros documentos que
regulamentam a implementação do Programa. Neste mesmo capítulo, apresenta-se o Programa
Bolsa Família, observando as condições de acesso, as condicionalidades, a gestão das
condicionalidades, a gestão municipal do Programa, o IGD-M e por final a instância de controle
social.
No terceiro capítulo, apresenta-se sobre a Política de Assistência Social em Território
Quilombola, neste mesmo capítulo, apresenta-se o papel do CRAS Quilombola como principal
gestor e organizador do Programa na esfera local;
O quarto e o quinto capítulo, dá início a apresentação do caso estudado, o Bolsa
Família no município de Abaetetuba, observando o contexto político e institucional, que nos
permitiu observar e analisar algumas questões fundamentais relacionadas à prática da
intersetorialidade e as ações locais do programa na cidade
A primeira parte do capítulo é dedicada à apresentação do perfil do município
estudado. Em seguida é apresentado o microterritório esse escolhido a comunidade São João
do Médio Itacuruça, para obtenção de dados como acompanhamento de condicionalidades na
saúde, educação e assistência social.
O quinto capítulo, inicia se com apresentação do modelo de gestão do Programa no
município de Abaetetuba. No primeiro momento, analisa a intersetorialidade de modo geral e,
seqüencialmente na perspectiva de cada um dos setores envolvidos: Saúde, Assistência Social
22
e Educação. A ideia geral deste capítulo é primeiramente levantar os fatores políticos e
institucionais que criaram um contexto específico para o desenvolvimento do Programa e para
o modelo de gestão adotado no município, para então compreendermos como eles influenciam
nas relações interpessoais e entre os setores e, consequentemente como são realizados os
arranjos e as interações para a implementação no microterritório. Por fim, o último capítulo
centra atenção nas ações da gestão local do Programa Bolsa Família no microterritório, com
base na análise das entrevistas e a observação participante.
23
1. GESTÃO SOCIAL E GOVERNANÇA
A pesquisa fundamentou-se nas literaturas sobre políticas sociais a partir de uma nova
lógica de governança para analisar a gestão do Programa Bolsa Família, enquanto política
pública de governo. De tal modo, busca-se compreender as ações do CRAS Quilombola na
gestão do Programa Bolsa Família em comunidades remanescentes de quilombos no município
de Abaetetuba/PA, considerando a sua realidade local, seus aspectos territoriais, econômicos,
socioculturais, e as inter-relações da gestão com os beneficiários locais enquanto protagonistas
dessa política. Nessa perspectiva foram abordadas algumas categorias consideradas importantes
e que fazem relação ao tema proposto como: governança social, gestão de políticas sociais
intersetorialidade, parceria e identidade.
O conceito de gestão social é apresentado na literatura sobre diferentes vieses, no
entanto, a perspectiva aqui adotada vai ao encontro da perspectiva de Cançado, Pereira e
Tenório (2004). A gestão social pode ser apresentada como a tomada de decisão coletiva, sem
coerção, baseada na inteligibilidade da linguagem, na dialogicidade e no entendimento
esclarecido como processo, na transparência como pressuposto e na emancipação enquanto fim
último. Indo na mesma direção, aborda-se o conceito de governança definido por Fischer (2002,
p.19) entende que “governança é um conceito plural, que compreende não apenas a substância
da gestão, mas a relação entre os agentes envolvidos, a construção de espaços de negociação e
os vários papéis desempenhados pelos agentes do processo”.
No contexto da gestão social, a governança é tratada como mecanismo de integração
entre Estado, mercado e/ou sociedade. Os três são protagonistas que precisam criar espaços de
diálogos abertos, definir propostas e argumentações para a construção de processos decisórios
deliberativos na gestão de políticas públicas (VILLELA; COSTA, 2009). Pressupõe-se que a
participação, dialogicidade, transparência, cidadania e democracia são variáveis congruentes
entre gestão social e governança que se intensificam ou se enfraquecem dependendo das
relações estabelecidas entre os três protagonistas que interagem nos espaços públicos.
A gestão social passou a ser discutido no Brasil, pelo menos no meio acadêmico, a
partir das experiências do Programa de Estudos em Gestão Social da Escola Brasileira de
Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas – PEGS/EBAPE/FGV,
criado em 1990 (CANÇADO, 2014) originalmente a terminologia estava mais voltada para a
gestão de políticas públicas, mais especificamente as políticas públicas sociais, ou, programas
sociais (CANÇADO; PEREIRA; TENÓRIO, 2004).
24
A gestão social proporciona uma amplitude de perspectivas analíticas, dentre as quais:
a cidadania deliberativa (TENÓRIO, 2005), e a gestão democrática e participativa (CANÇADO
et al, 2011). A gestão social traz como princípio o processo gerencial dialógico entre Estado,
setor privado e sociedade civil (CANÇADO et al, 2011), em busca de equilíbrio entre estes
agentes nos pilares da transparência, diálogo, democracia e cidadania (TENÓRIO, 2011;
CANÇADO et al, 2011).
Tenório (2004), enfatiza que a gestão social se contrapõe à gestão estratégica em sua
proposta de substituição da gestão tecnoburocrática, sem diálogo. A gestão social busca um
gerenciamento mais participativo, dialógico, no qual o processo decisório é um exercício feito
por vários atores sociais. Nesse entendimento, as ações serão frutos de relações dialógicas e não
de relações monológicas, e o consenso é elaborado pelo diálogo entre atores e deve visar o bem
comum de todos. Essa discussão integra à proposta habermasiana da cidadania deliberativa, que
está relacionada ao significado de participação, que por sua vez, deve ser praticada como um
processo intersubjetivo, onde todos têm direito à fala (TENÓRIO, 2004).
Desta forma, Tenório (2005), a compreensão sobre gestão social não deve ser atrelada
às especificidades de políticas públicas direcionadas a questões de carência social, mas como
uma possibilidade de gestão democrática na qual o imperativo categórico não é apenas o eleitor
e/ou contribuinte, mas igualmente o cidadão deliberativo; não é só a economia de mercado, mas
também a economia social; não é o cálculo utilitário, mas o consenso solidário; não é o
assalariado como mercadoria, mas o trabalhador como sujeito; não é somente a produção como
valor de troca, mas igualmente como valor de uso; não é tão somente a responsabilidade técnica,
mas, além disso, a responsabilidade social; não é a responsabilidade privada, mas sim a
responsabilidade pública; não é o monólogo, mas, ao contrário, o diálogo.
A gestão social corresponde às várias formas de administração do sistema público para
que melhor atenda aos anseios da população, resultando assim, em uma gestão participativa
(VASCONCELLOS; VASCONCELLOS, 2010). Portanto, trata-se de um mecanismo de ações
conjuntas entre Estado e Sociedade, por meio de diálogos abertos e levantamento de propostas
e argumentações para a construção dos processos decisórios deliberativos na gestão de políticas
públicas (VILLELA; COSTA, 2012).
Os problemas sociais se tornam cada vez mais complexas no mundo globalizado
requer uma nova governança (social), que se processa com novos arranjos institucionais
baseados na intersetorialidade, e que envolvam a cooperação e a atuação conjunta de atores da
esfera pública e privada (KNOPP; ALCOFORADO, 2010).
25
Enfim, o cerne da questão, ao tratar da gestão social e sua relação com os programas
direcionados à gestão local, como o PBF é analisar os desafios das ações do programa através
do CRAS Quilombola, mais especificamente em zona rural/quilombola, onde existem inúmeras
barreiras para desempenho do programa para o desenvolvimento local.
1.1 GOVERNANÇA E INTERSETORIALIDADE DAS POLÍTICAS SOCIAIS
O processo de gestão de uma política social é reconhecer que ela está inserida em um
contexto, no qual fatores endógenos (normas, regras e estruturas/instituições) e fatores
exógenos (contexto sócio-político, histórico e cultural; multiplicidade de atores envolvidos que
carregam consigo referenciais distintos, entre outros) influem sobre ela e vice-versa
(CAMPANHOLA; SILVA, 2000). Desse modo, compreender o funcionamento das ações da
gestão de uma política social, precisa se tanto considerar os fatores endógenos e exógenos da
realidade local, como também apreciar a dinâmica das interações e ações dos atores envolvidos.
No contexto de mudanças de paradigmas na gestão de políticas sociais, a
administração pública brasileira encontra-se em transformação das estruturas da gestão,
motivada pelas sucessões de crises fiscais e pela perda da capacidade de o Estado ser provedor
do bem-estar social (GUBERMAN; KNOPP, 2009). Como resultado deste processo, houve a
necessidade de reformas do Estado e da sociedade, a partir de um sistema de governança
Criou-se, portanto, um ambiente institucional favorável a uma nova acepção do papel
do Estado e a uma nova maneira de conduzir a gestão pública, que se traduzem na evolução de
um “government” para uma “governance” ou da substituição, ainda que parcial, do “governance
by hierarchies” prevalente na burocracia estatal para novos padrões de governança
(governance), mais aberta à sociedade (FIRMINO, 2008 apud KNOOP; ALCOFORADO,
2010).
Knoop e Alcoforado (2010), entendem que governança é o conceito-chave para
explicar o conjunto de mecanismos, processos, estruturas e instituições por meio dos quais
diversos grupos de interesses se articulam, negociam, exercem influência e poder. O conceito
é demarcador de relações sociais e organizacionais alternativas àquelas baseadas no centralismo
decisório unidirecional, propondo a transição de uma gestão monológica para uma gestão mais
dialógica. Falar em governança é falar em distribuição de poder entre os atores, transparência e
controle (mútuo) sobre decisões e ações.
26
O conceito de governança é polissêmico e interdisciplinar, cabendo esforço para a
compreensão nas áreas de conhecimento da sociologia, política, administração, economia e na
geografia. Desta forma, para Knopp e Alcoforado (2010) adjetivar a governança em função do
contexto no qual ela é praticada é exercício básico para que se possa delimitá-la no plano
teórico.
Entre este processo de adjetivação, estão: governança corporativa (CARVALHO,
2002), governança pública (KISSLER; HEIDEMANN, 2006), governança social (KNOPP;
ALCOFORADO, 2010), governança comunitária (ZELDIN; CAMINO; CALVERT, 2007),
governança metropolitana (LEFÈVRE, 1999) e governança urbana (FREY, 2007).
Knopp e Alcoforado (2010) acreditam que essa abordagem de governança ideal-típica,
no sentido weberiano do termo, requer por meio da inter-relação “em rede” dos atores sociais
organizacionais representativos dos três setores: Estado, mercado e sociedade civil, afim de
novos arranjos institucionais (parcerias, alianças e redes) em uma democracia formam ou
devem formar, pelo menos no plano ideal, um todo indivisível (BRESSER-PEREIRA, 2006).
Portanto, é a utilização dos meios, instrumentos e recursos disponíveis em um dado contexto
social, para se realizar um desenvolvimento local (ALCOFORADO, 2009).
A governança social é, portanto, uma práxis calcada na conciliação entre eficiência,
eficácia e efetividade (desempenho) e novos valores democráticos (KNOPP; ALCOFORADO,
2010). Isto implica dizer que a efetividade de uma política pública, da concepção à
implementação deve ser articulada por vários saberes e experiências no planejamento,
realização e avaliação de ações para o alcance do efeito sinérgico, visando o desenvolvimento
social e superando a exclusão social (JUNQUEIRA; INOJOSA, 1997).
A concepção de governança social está interligada ao conceito de intersetorialidade
(FISCHER et al., 2006; JUNQUEIRA, 2009). Neste apresenta a nova lógica para gestão das
políticas sociais, particularmente em contextos municipais, que busca superar os problemas da
fragmentação das ações e de seus efeitos, a partir da consideração do homem/natureza e
homem/homem que determinam a construção social (JUNQUEIRA; INOJOSA, 1997).
Ressalta-se que a intersetorialidade não é um conceito que engloba apenas as
dimensões das políticas sociais, mas também a sua interface com outras dimensões da cidade,
como sua infraestrutura, ambiente, que também determinam a sua organização e regulam a
maneira como se dão as relações entre os diversos segmentos sociais (JUNQUEIRA, 2009). É
uma maneira de intervenção na realidade social exige articulação de instituições e pessoas, para
integrar e articular saberes e experiências estabelecendo um conjunto de relações entre
27
instituições e pessoas permite pensar na possibilidade de reconstruir a sociedade civil (DABAS,
1995), que se desenvolve a partir de seus integrantes, que se articulam em função do bem-estar
social e da produção, tornando-os produtores ativos.
A intersetorialidade pode ser vista, ao mesmo tempo, como um instrumento de gestão,
mas também como uma nova lógica de governar os problemas sociais (JUNQUEIRA, 2009), e
concepção que deve informar uma nova maneira de planejar, executar e controlar a prestação
de serviços, para garantir um acesso igual dos desiguais.
Junqueira (2000) acredita que para tratar os cidadãos, situados num mesmo território,
e seus problemas, de maneira integrada, exige um planejamento articulado das ações e serviços.
É esse novo fazer envolve mudanças de valores, de cultura, que são percebidas: nas normas
sociais e regras que pautam o agir de grupos e organizações sociais (JUNQUEIRA;
NASCIMENTO, 2012). Em suma, é “a construção de um projeto social que se delineia”
(JUNQUEIRA, 2000, p.28). Contudo, a efetivação do ‘projeto social’ vai depende das
mudanças de práticas e valores organizacionais, que permitirão o discurso intersetorial
ganharem concretude, mediante ao respeito das diferenças e à incorporação das contribuições
de cada política social no entendimento e na superação dos problemas sociais.
1.2 POLÍTICA SOCIAL, DESENVOLVIMENTO LOCAL E IDENTIDADE
A relação entre desenvolvimento e políticas sociais se constitui hoje numa assertiva
evidente, tanto nas reflexões a respeito do desenvolvimento (SACHS, 2005; VEIGA, 2005)
quanto na das políticas sociais (VIEIRA, 2004; BEHRING; BOSCHETTI, 2006).
As novas reflexões sobre o desenvolvimento que se consolidam a partir da década de
1990 trazem um conjunto de contribuições importantes para a construção de um novo papel das
políticas sociais nas dinâmicas de desenvolvimento. Em primeiro lugar, afirmam,
definitivamente, a ideia de que as manifestações da questão social não podem ser tratadas de
forma isolada, mas devem ser vistas na perspectiva da totalidade concreta das relações sociais.
Em segundo lugar, demonstram que os espaços locais são lugares privilegiados para a
construção de alternativas que podem se transformar em referências nacionais e internacionais
(POCHMANN, 2004).
As políticas sociais são entendidas como fruto da dinâmica social, da inter-relação
entre os diversos atores, em seus diferentes espaços e a partir dos diversos interesses e relações
28
de força. Por isso, a ligação com as propostas de desenvolvimento local são essências para a
análise das políticas sociais.
O desenvolvimento local é um processo de transformação econômica, política e social,
através da qual o crescimento do padrão de vida a população tende a tornar-se automático e
autônomo. Trata-se de um processo social global, em que as estruturas econômicas, políticas e
sócias de um país sofrem continuas e profundas transformações (PEREIRA, apud ÁVILA,
2001). É um processo dinamizador da sociedade para melhorar a qualidade de vida sua
comunidade, contribuindo com a emergência de novas formas de produzir e compartilhar.
De acordo com Martin (1999), a ideia de desenvolvimento local é entendida como um
processo de tomada de consciência da população e de mobilização social, que propõe promover,
através de ações concretas, soluções aos problemas e necessidades enfrentadas pelos habitantes
de determinada localidade. Para isso, enfatizar-se a efetiva participação das comunidades nas
decisões sobre as ações a serem promovidas na sua região.
Segundo Claxton (1994), o desenvolvimento só pode prosperar quando está
fundamentado na cultura e nas tradições de um povo ou coletividade, porque é um processo
vinculado aos valores de cada sociedade e que exige ao mesmo tempo uma participação ativa
das pessoas e indivíduos que são os autores e os beneficiários do mesmo.
De acordo com Kliskberg (2001), a cultura pode ser um instrumento formidável de
progresso econômico e social. Portanto, destaca-se a relevância do conceito de identidade para
compreensão do Programa Bolsa Família em comunidades quilombolas. De acordo com
Ministério do Desenvolvimento Social (2013) o Bolsa Família se propõe ser um programa de
apoio e manutenção à permanência das comunidades quilombolas no campo, a fim de buscar a
melhoria na saúde, educação e geração de emprego e renda para essa população.
No estado do Pará convivem diferentes grupos sociais que constroem relações sociais
específicas no território e tais relações definem coletivamente a forma de apropriação dos
espaços sociais por esses grupos (ALMEIDA, 2006). Para Geertz (1989), estudar cultura
implica estudar os códigos e símbolos partilhados pelos membros da comunidade. É uma teia
de significados e regras sobre relações e modos de comportamentos.
A identidade cultural também é constituída por elementos e espaços que de alguma
forma permitem reproduzir as relações sociais da comunidade. Dias (2006) compreende
identidade cultural “é um processo de interações contínuas entre comunidades diferentes que
29
ocupam espaços distintos socialmente construídos” (DIAS, 2006, p.1). É dessa maneira e
constitui como objeto da antropologia cultural1.
Santos (2012) contribui com o objeto da antropologia define que identidade cultural
“é uma forma de comunicação do indivíduo e do grupo com o universo, é uma herança, mas
também um reaprendizado das relações profundas entre o homem e o seu meio. ” (SANTOS,
2012, p.144). A maneira dos grupos sociais se relacionarem com o território implica a afirmação
de uma identidade específica. Nesse sentido, conhecer o território através das representações
sociais que cada grupo constrói sobre ele é identificar também as diversas identidades e
conformações desse território.
No entanto, as afirmações de Hall (2006), leva-se a perceber que o processo de
identificação, através do qual nós projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais
provisório, variável e problemático. A identidade tornou-se móvel formada e transformada
continuamente em relação às formas pelas quais somos rodeados sendo definidas
historicamente (HALL, 2006). Portanto, os critérios de composição identitária nas sociedades
ditas modernas “são definidas pelas mudanças constantes, rápidas e permanentes” (GIDDENS,
1990, p. 37-38) são preponderantemente, marcados pelo hibridismo de práticas sociais,
constituindo uma identidade cultural híbrida.
Desde modo, cada sistema cultural está sempre em mudança (LARAIA, 2009). Da
mesma forma, os homens também têm a capacidade de questionar os seus próprios hábitos e
modifica-los. Portanto exercer as mudanças. Entender essa dinâmica é importante para atenuar
o choque entre as gerações e evitar comportamentos preconceituosos.
1.3 A GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS EM MICROTERRITÓRIOS:
MUNICIPALIZAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO PÚBLICA.
A gestão das políticas públicas ainda é uma questão ainda pouco explorada nos estudos
que privilegiam a análise no momento das ações da política em nível local, no que se refere a
interação com cultura local.
1 Seja o modelo utilizado, biológico, psicológico (KARDINER, 1970) ou linguístico (SAPIR, 1967), é uma antropologia frequentemente empírica, que se situa do lado da função ou, mais ainda, do sentido, em detrimento da norma e do sistema Mas o que permite essencialmente caracterizar social, mas considerado sob o ângulo dos caracteres distintivas que apresentam os comportamentos individuais dos membros desse grupo, bem como suas produções originais (artesanais, religiosas, artísticas...). Método de análise é comparativo através da etnografia. Cite-se alguns pesquisadores que contribuíram para área Mead (1927); Erny (1972); Roheim (1943); Herskovitz (1979).
30
É particularmente no nível municipal que a conjugação, convergência e integração das
políticas e programas setoriais impõem nova arquitetura institucional e organizacional
(CARVALHO, 1997), na gestão em nível local passa a ser uma etapa de reformulação e
formulação (LINDBLOM, 1980), pois implica em um processo criativo de tomada de decisões,
além de ajustes incrementais de metas, recursos, prazos, entre outros fatores.
As políticas sociais funcionam como filtros de redistribuições de proteção social e
desenvolvimento de seus cidadãos (CARVALHO, 1994). É no desenho e no conteúdo da
política social que se voltam as maiores expectativas por redução de desigualdades,
enfretamento à pobreza e oportunidade efetiva de inclusão social de uma parcela de sua
população.
A Constituição de 1988 introduziu novas diretrizes para a gestão pública:
descentralização, municipalização, autonomia dos serviços e participação deliberativa da
sociedade (CARVALHO, 1997). De acordo com Farah (2006), as novas atribuições às gestões,
de maneira geral, foram consolidadas; no entanto, as novas realidades do século XXI estão
pressionando pela introdução de arranjos de gestão mais complexos.
Carvalho (1997) discute nova estrutura da administração pública fundamentada na
lógica da cidadania promova ações integradoras em torno do cidadão e do território como eixos
de um desenvolvimento local, e requer um enfoque no território e em suas populações como
portadores de identidades, saberes, experiências e nos projetos futuro precisam ser reconhecidos
como cidadãos que querem abertura para sua participação.
As políticas e programas devem ser desenhados pelo prisma da intersetorialidade,
reduzindo a ênfase nos tradicionais recortes setoriais e especializações estanques, afim de,
promover as potencialidades e fortalezas do território, e assim, rompendo com a ênfase nas
vulnerabilidades e carências da população (JUNQUEIRA, 2005; CARVALHO, 1997)
No processo de descentralização, o município assume papel central na implementação
e oferta dos serviços sociais públicos básicos de direito dos cidadãos (saúde básica, ensino
infantil e fundamental, assistência social, etc.). Os municípios adquirem a autonomia política,
através da elaboração de sua própria lei orgânica e demais leis e da escolha do direta de seus
governantes (TEIXEIRA, 2002).
Carvalho (1997) aponta que aos processos de descentralização e municipalização,
estão ancorados nas ideias de democratização dos negócios públicos, compromisso com a maior
equidade no acesso das políticas públicas e, participação da sociedade civil, compondo assim
um novo pacto e condição para governabilidade.
31
Souza (2004) e Arretche (2001) afirmam que descentralização e municipalização no
Brasil está longe de ser abrangente. Na verdade, vem se concentrando apenas no aumento dos
recursos financeiros para os municípios. Ainda que a municipalização tenha sido um dos
objetivos dos constituintes de 1988, marca apenas a consolidação das políticas sociais e não
para o aumento da capacidade de decidir sobre onde e como investir os recursos.
Essas transferências de responsabilidade estão desenhadas estruturalmente para
delegar a implementação de uma dada política a outro nível de governo, dessa forma, a
autonomia de realizar as políticas próprias sem vinculação aos programas federais e estaduais
é mínima (ARRETCHE; 2001).
Teixeira (2002) aponta que apesar do aumento da capacidade financeira, a participação
dos municípios na receita tributária global não supera os 18 ou 20%, no entanto, eles assumem
vários encargos e responsabilidades de outras esferas, o que obriga a negociar os recursos nos
diversos programas federais ou estaduais.
Alguns diagnósticos sugerem a existência de municípios inviáveis que dependem
totalmente de transferências estaduais e federais para sobreviverem enquanto instância
federativa (TEIXEIRA, 2002). Além disso, nessas políticas, o desenho institucional
contemplou os mecanismos de recompensas e sanções caso os municípios não aderissem a elas.
É importante perceber que esse processo de municipalização no Brasil através da ótica
de uma grande heterogeneidade entre os municípios num país de tamanho continental, as
desigualdades regionais, a ausência de competências locais, a presença ainda enraizada de
oligarquias e nepotismos. De todo mundo, a descentralização e a municipalização são
percebidas como ingredientes fundamentais de reorientação substantiva das políticas sociais
(FARAH, 2000).
A vocalização geral em torno da descentralização, municipalização e o fortalecimento
da sociedade civil reforçam o poder local, propicia a participação dos cidadãos e o controle
social pela sociedade civil (FARAH, 2000), ou seja, a capacidade de promover o
desenvolvimento com base nos fatos de sua realidade sócio-territorial e em função de
prioridades por ela mesma definidas.
A concepção aqui adotada, o desenvolvimento é uma práxis calcada em uma lógica
que na literatura recente é contemplada como os adjetivos endógeno, local e integral (KNOPP
E ALCOFORADO, 2010). O local permite reinventar a política pública articulando a redes de
solidariedade microterritórios, sociais e familiares (CARVALHO, 1994). É no território local
32
que se pode fortalecer vínculos de pertencimento e redes sócio-relacionais assegurando apoios
e proteção social.
Embora muito se fale na relação entre território, territorialidade e desenvolvimento, a
articulação entre eles não é simples no campo teórico, pois estes são conceitos de multifaces
(KNOPP; ALCOFORADO, 2010). Quando se faz um recorte analítico do desenvolvimento
para o nível local, entende-se por local o agrupamento das relações sociais em que a cultura e
outros caracteres não transferíveis têm sido sedimentados (CAMPANHOLA; SILVA, 2000).
Em síntese, o desenvolvimento local se trata de um processo contínuo que se expresse
em bem-estar e qualidade de vida de acordo com as especificidades desse espaço agrupado de
relações sociais de preferência em um sistema de “baixo para cima” e a contar com participação
dos atores sociais, afim de, enfrentar as mazelas da desigualdade, da pobreza e a exclusão social
(CAMPANHOLA; SILVA, 2000; VASCONCELLOS; VASCONCELLOS, 2010).
Já realizada essa conceituação, entende-se que uma política, programa ou projeto
público torna-se mais efetivo se ele ser apropriado e incorporado ao cotidiano de seus
destinatários e ter por base, para sua concepção e implementação, a territorialidade do lócus de
ação. De acordo com Cabugueira (2000), as novas perspectivas de desenvolvimento local com
as designações “territorialista”, “endógena” e “a partir da base” tendem na noção desse espaço
como tecido social capaz de incorporar a questão da identidade cultural. Para isso, torna-se
fundamental que os cidadãos daquela localidade sejam agentes desse processo.
Vázquez (2002) adverte deve-se reconhecer que existe uma certa ambiguidade na
política de desenvolvimento local, derivada dos objetivos que se pretendem com ela.
Relativamente à questão de saber se as políticas de desenvolvimento local deverão ser do tipo
top-down ou bottom-up, para que a política seja eficiente é conveniente que se produza uma
sinergia entre as ações “acima-abaixo” que surgem devido à unicidade de cada localidade
(VÁZQUEZ, 2002; CABUGUEIRA, 2000).
De fato, a estratégia de desenvolvimento local pressupõe que ações baseadas nas
condições de cada localidade e que tratam de utilizar eficientemente as potencialidades de
desenvolvimento devem ser combinadas com as políticas setoriais e regionais que propiciam as
administrações centrais com fim de fornecer a reestruturação econômica (CABUGUEIRA,
2000).
Nesse sentido, pretende ser para os microterritórios, portanto, os gestores do seu
desenvolvimento, não ficando presos a políticas governamentais que são concebidas de forma
33
vertical não levando em consideração as relações horizontais e as particularidades locais de
uma comunidade ou grupo cultural (ÁVILA, 2001).
De acordo com Carvalho (1994) assegura-se maior autonomia de gestão às unidades
de prestação de serviços aos cidadãos (escolas, unidades básicas de saúde, CRAS e ect...).
Contudo, essa autonomia implica em reconhecimento e articulação da malha de serviços nos
microterritórios, a fim de que os mesmos não caminhem de forma isolada, mas assegurem um
fluxo permanente de relações ente eles, bem como a participação da população, a sua adesão e
participação no processo implica para o sucesso e insucesso de tal processo (CARVALHO,
2012; ÁVILA, 2001; CABUGUEIRA, 2000).
Ou seja, é preciso pensar o município como uma totalidade formada de território e de
seus habitantes que portam identidades, histórias, relações necessidades e demandas; portam
experiência humano-social, portam projetos. O plano diretor do município e suas prioridades
devem refletir a riqueza contida nestas identidades, demandas e projetos (ÁVILA, 2003).
34
2. CONTEXTO HISTÓRICO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
No Brasil, a temática dos Programas de Transferência de Renda, denominados,
inicialmente, de Programas de Renda Mínima ou Programa Bolsa Escola e outras
denominações, tem seu desenvolvimento histórico sistematizado em cinco momentos: o
primeiro momento, iniciado em 1991, quando senador Eduardo Suplicy (PT/SP) apresentou o
Projeto Lei n. 80/1991, instituindo o Programa de Garantia de Renda Mínima para todo
brasileiro a partir de 25 anos de idade, o qual foi aprovado no Senado, permanecendo, com
parecer favorável, para aprovação da Câmara Federal (SILVA; LIMA, 2010).
Silva e Lima (2010) destacam o segundo momento, estendendo-se de 1991 a 1993,
quando Camargo (1991; 1993; 1995) propõe uma transferência monetária a famílias que
tivessem crianças de 5 a 16 anos em escolas públicas, introduzindo duas inovações no debate:
a família como beneficiária, no lugar do indivíduo, bem como a articulação da transferência
monetária com a obrigatoriedade de crianças e adolescentes frequentarem a escola. O objetivo
seria articular uma política compensatória a uma estruturante, como condição de enfrentamento
da pobreza.
O terceiro momento, de acordo com Silva e Lima (2010), foi iniciado em 1995, quando
começou a implementação das experiências pioneiras nas cidades de Campinas (SP), Ribeirão
Preto (SP), Santos (SP) e em Brasília (DF), concretizando, então, a possibilidade da adoção de
políticas públicas de transferência de renda no contexto do Sistema de Proteção Social
brasileiro.
Silva e Lima (2010) destacam que o quarto momento foi iniciado em 2001, durante o
segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1999-2003), foi marcado por significativa
expansão dos programas federais criados em 1996 (Benefício de Prestação Continuada;
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) e criação de outros programas de iniciativa do
governo federal (Bolsa Escola; Bolsa Alimentação, Bolsa Renda, Vale Gás, entre outros). Nesse
quarto momento, registrou-se ainda a ampliação do debate com a introdução da ideia de uma
Renda de Cidadania para todos os brasileiros, conforme preconiza o senador Suplicy
(SUPLICY, 2002), também autor do projeto de Lei n. 266, de 2001, que propõe a instituição de
uma renda básica incondicional ou a renda de cidadania para todos os brasileiros.
O quinto momento, conforme Silva e Lima (2010), foi iniciado em 2003 com o
governo de Luiz Inácio Lula da Silva, foi marcado, desde o início, pelo Fome Zero, principal
estratégia de enfrentamento da fome e da pobreza no Brasil, cujo principal programa é o Bolsa
35
Família, criando em 2003, já implementado em todos os municípios brasileiros e nos Distrito
Federal desde 2006, cuja proposta é a unificação dos inúmeros programas de transferência de
renda criados no Brasil por iniciativa de governos municipais, estaduais e do governo federal.
Nesse momento é também sancionada, pelo Presidente da República, a Renda de Cidadania
proposta pelo senador Suplicy com a indicação de que seria implementada com o atendimento
inicial dos mais pobres. É criado, em janeiro de 2004, o Ministério de Desenvolvimento Social
e Combate à Fome em substituição ao Ministério da Assistência Social e o Ministério
Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome, verificando-se também crescimento
significativo no orçamento anual destinado aos programas de transferência de renda.
Silva e Lima (2010) entendem que as análises e avaliações sobre o PBF precisam
pontuar alguns aspectos conceituais sobre pobreza e transferência de renda. Nesse sentido,
ressaltam a existência de diferentes concepções de pobreza, sob a orientação de diferentes
valores, fundamentando a formulação e o desenvolvimento de políticas, programas e ações para
intervenção social. As autoras consideram a concepção de pobreza enquanto fenômeno
complexo e multidimensional. Assim, a pobreza é concebida para além da insuficiência de
renda; é produto da exploração do trabalho; é desigualdade na distribuição de riqueza
socialmente produzida; significa o não acesso à serviços sociais básicos, à informação, ao
trabalho e à renda digna, é não participação social e política.
Deste modo, a proposta do PBF de articulação transferência monetária direta a
indivíduos ou famílias com políticas e programas estruturantes, afim de interromper o ciclo
vicioso de reprodução da pobreza (SILVA; LIMA, 2010). O caso brasileiro e de várias
experiências da América Latina, são programas focalizados em segmentos pobres da população
e têm sua prestação condicionada a determinadas exigências que devem ser cumpridas pelos
indivíduos ou pela família, principalmente no campo da educação, da saúde e do trabalho. Em
relação à educação, a principal condicionalidade é a exigência de matrícula e frequência escolar
de crianças e adolescentes; no campo da saúde é destacado o cumprimento de medidas básicas,
como vacinação de crianças e pré-natal de mulheres grávidas e no trabalho as condicionalidades
são geralmente relativas à capacitação profissional e à inserção no mercado de trabalho.
Enquanto programa focalizado na pobreza e condicionados ao cumprimento de
determinadas exigências, três pressupostos os orientam: a) a transferência monetária
direcionada a famílias pobres possibilita a complementação de renda dessas famílias permitindo
a retirada de crianças e adolescentes da rua e de trabalhos precoces e penosos, para encaminhá-
los à escola, o que contribui para interromper o ciclo vicioso de reprodução da pobreza; b) a
36
articulação de uma transferência monetária com políticas e programas estruturantes (educação,
saúde e trabalho), direcionados às famílias pobres, constitui-se numa política de enfrentamento
à pobreza e as desigualdades sociais e econômicas; c) as condicionalidades são consideradas
contrapartidas sociais que devem ser cumpridas pelo núcleo familiar, visando certificar o
compromisso e a responsabilidade das famílias atendidas e representando o exercício de direitos
para que as famílias possam alcançar sua autonomia e inclusão social sustentável (SILVA;
LIMA, 2010).
2.1 O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
O Programa Bolsa Família (PBF) foi instituído em outubro de 2003, sendo um
programa de transferência direta de renda, destinado a famílias pobres (com renda mensal por
pessoa R$ 70,01 a R$ 140,00) e extremamente pobres (com renda mensal por pessoa R$ 70,00).
O PBF surge a partir da unificação de quatro programas federais de transferência de renda
(Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Cartão Alimentação e Vale Gás), com a finalidade de
melhorar a gestão e minimizar os gastos sociais do governo federal, e assim utilizando como
critério de inclusão a renda per capita familiar (BRASIL, 2007).
De acordo com a descrição feita pelo MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome, o PBF é um programa de transferência direta de renda com condicionalidades
para os beneficiários de famílias em situação de extrema pobreza, e, também o Programa busca
atuar na promoção do acesso aos serviços básicos de educação e saúde para as famílias
beneficiadas, a fim de contribuir para o rompimento do ciclo intergeracional da pobreza.
O PBF atualmente integra o Plano Brasil Sem Miséria é o foco deste se encontra na
atuação com de 16 milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$70 mensais
e pauta-se na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos. De acordo
com MDS2, o PBF pauta-se na articulação de quatro dimensões essenciais à superação da fome
e da pobreza:
1. Promoção do alívio imediato da pobreza, por meio da transferência direta de renda
à família;
2. Rompimento com o ciclo inter-geracional da pobreza;
2Site consultadohttp://www.mds.gov.br/bolsafamilia
37
3. Reforço ao exercício de direitos sociais básicos nas áreas de Saúde e Educação, por
meio do cumprimento das condicionalidades, com vista a que as famílias consigam romper o
ciclo da pobreza entre gerações;
4. Coordenação de programas complementares aqueles quem não conseguem cumprir
as condicionalidades, com o objetivo de alcançar vulnerabilidades que transcendem problemas
de renda. São exemplos de programas complementares: programas de geração de trabalho e
renda, trabalho socioeducativo para crianças e jovens, de alfabetização de adultos, de
fornecimento de registro civil e demais documentos.
O modelo de gestão do PBF opera em três níveis do governo por meio da criação de
uma rede intergovernamental responsável pela idealização/gerenciamento, implementação e a
operacionalização, isto é, viabilizando uma estrutura articulada na participação de todos os
entes federados cuja cada esfera de governo possui atribuições e competências diferenciadas,
de modo a respeitar a autonomia dos entes federados e a interdependência entre eles (LICIO;
MESQUITA; CURRALERO, 2011)
2.1.1 Condições de Acesso ao Programa Bolsa Família
O Programa é de responsabilidade do Ministério de Desenvolvimento Social e
Combate à Fome (MDS) e os pagamentos ocorrem através da Caixa Econômica Federal. O
Governo Federal é o principal financiador e executor do programa, fazendo o pagamento aos
beneficiários, enquanto os municípios têm o papel de efetuar o cadastro com informações
detalhadas das famílias e o controle social.
O Programa prioriza famílias com renda mensal per capita igual ou inferior a R$70,00
para o recebimento da transferência monetária, por meio da sua inclusão na base de dados do
Cadastro Único. De acordo com MDS, existem várias diferentes modalidades de benefícios
para contemplar os níveis de renda per capita dos grupos de beneficiários (quadro 1).
38
Quadro 1. Diferentes modalidades de benefícios do Programa Bolsa Família
BENEFÍCIO VALOR REGRA
Básico R$ 70,00 - Pago às famílias em situação de extrema pobreza mensal por pessoa
menor ou igual a R$70,00.
Variável R$ 32,00
- Pago às famílias em situação de pobreza (renda mensal por pessoa menor
ou igual a R$140,00) e extrema pobreza que tenham gestantes, crianças ou
adolescentes de 0 a 15 anos de idade;
- Limite de cinco benefícios por família.
Benefício
Variável à
Gestante (BVG)
R$32,00
- Pago a todas as famílias beneficiárias do PBF que tenham gestantes em
sua composição;
- Pagamento de nove parcelas consecutivas, a contar da data de concessão
do benefício, desde que a gestação tenha sido identificada no sistema até o
nono mês de gestação;
- A família precisa ser identificada no Sistema Bolsa Família na Saúde e
no Sistema de Condicionalidades (Sicon).
Benefício
Variável à
Nutriz (BVN)
R$ 32,00
- Pago a todas as famílias beneficiárias do PBF que tenham crianças com
idade entre 0 e 6 meses em sua composição;
- Pagamento de seis parcelas consecutivas, a contar da data de concessão
do benefício, desde que a criança tenha sido identificada no CadÚnico até
o sexto mês de vida.
Benefício
Variável
Vinculado ao
Adolescente
(BVJ)
R$38,00
- Pago a todas as famílias beneficiárias do PBF que tenham adolescentes
de 16 e 17 anos de idade e que estejam frequentando a escola;
- Limite de até dois benefícios por família;
- O adolescente beneficiário do BVJ, ao completar 18 anos, continua
recebendo regulamente as parcelas do benefício até dezembro do ano de
seu aniversário.
Benefício
Variável de
Caráter
Extraordinário
(BVCE)
Caso a caso
- Pago às famílias dos Programas Remanescentes (Auxílio-Gás, Bolsa
Escola, Bolsa Alimentação e Cartão Alimentação), cuja migração para o
PBF poderia ocasionar perdas financeiras;
- Tem prazo de prescrição, onde deixa de ser pago;
- Valor calculado caso a caso.
Benefício para
Superação da
Extrema
Pobreza na
Primeira
Infância (BSP)
Caso a caso
- Concedido automaticamente a todas as famílias beneficiários do PBF que
mesmo benefícios do Programa, ainda estejam no perfil de extrema
pobreza (com renda menor ou igual a R$70,00 por pessoa) independente
da presença de crianças e adolescentes entre 0 e 15 anos (ampliação em
Fev/2013);
- Valor calculado caso a caso.
Fonte: MDS3 (2009)
Conforme a composição familiar e respectiva renda per capita, os benefícios podem
variar de R$ 32,00 a R$ 242,00, e em alguns casos, o valor pago pelo Programa pode ser um
pouco maior, como acontece com as famílias que migram de programas remanescentes e
3 Site consultado http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/beneficios
39
recebiam um benefício maior nesses outros programas (LICIO; MESQUITA; CURRALERO,
2011).
A seleção das famílias para o Bolsa Família é feita com base nas informações
registradas pelo município no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal,
instrumento de coleta de dados que tem como objetivo identificar todas as famílias de baixa
renda existentes no Brasil (BRASIL,2007). É de competência de os gestores acompanharem e
darem condições as famílias pelo cadastramento e atendimentos das famílias que se encaixa
numa das faixas de renda per capita e no perfil definido pelo PBF, com atribuições especificas
para cada nível.
Em nível local é da responsabilidade da esfera municipal, que será responsável pelo
número estimado de famílias no nível de pobreza ser considerado como meta de atendimento
do Programa naquele território específico, essa estimativa é calculada com base numa
metodologia desenvolvida com apoio do IPEA e tem como referência os dados do Censo de
2000 e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2004, ambos do IBGE.
2.1.2 As condicionalidades do Programa Bolsa Família
Segundo o MDS, a família que ingressar no Programa deve se comprometer a cumprir
as condicionalidades do Programa nas áreas de saúde e educação (quadro 2), sendo facultativo
o cumprimento da condicionalidade da assistência social relacionada ao programa PETI
(Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), ou seja, o não cumprimento não implicará no
desligamento da família do programa.
40
Quadro 2. Compromissos das famílias nas áreas de saúde, educação e assistência social
Secretária Condicionalidades Público beneficiário Acompanhamento
Educação
Matrícula e Frequência escolar
mensal mínima de 85 %
Crianças de 6 a15 anos
BIMESTRAL
Matrícula e Frequência escolar
mensal mínima de 75 %
Adolescentes 16 e 17 anos
Saúde
Acompanhamento do crescimento e
desenvolvimento
Crianças de 0 a 7 anos
SEMESTRAL
Cumprimento do calendário de
vacinas
Crianças de 0 a 7 anos
Acompanhamento do Pré-Natal Gestantes
Atividades educativas sobre
aleitamento materno e alimentação
saudável Gestantes e Nutrizes
Assistência
Social
Serviços sócio educativos e serviços
de convivência e fortalecimento de
vínculos (SCFV) do PETI com
frequência mensal mínima de 85%
Famílias com crianças e
adolescentes de até 15 anos em
risco ou retiradas do trabalho
infantil pelo Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil
(PETI)
MENSAL
Fonte: MDS4 (2009).
Vale ressaltar que quando não são cumpridas as condicionalidades nas áreas de
educação e saúde, ou ainda quando há a ausência de informações sobre o acompanhamento das
condicionalidades, o programa prevê uma sequência de sanções, até a suspensão do benefício
e exclusão do programa (quadro 3).
4 Site consultado http://www.mds.gov.br/biblioteca/secretaria-nacional-de-renda-de-cidadania-
senarc/cartilhas/acompanhamento-familiar-2013-programa-bolsa-familia/acompanhamento-familiar-2013-
programa-bolsa-familia
41
Quadro 3. Efeitos por descumprimento de condicionalidades do PBF (crianças, adolescentes até
15 anos, gestantes/nutrizes)
Descumprimento Efeito Situação do Benefício
1º Registro Advertência Família passa a ser considerada em situação de
descumprimento, mas continua recendo o
benefício.
2º Registro
Bloqueio 30 dias
Uma parcela do benefício fica retida por 30 dias e
após 30 dias a família volta a receber o benefício
normalmente com o valor acumulado do mês
anterior.
3º e 4º Registros
Suspensão 60 dias
A família fica sem receber o benefício por 60 dias.
Após 60 dias a família volta a receber o benefício
normalmente, mas as duas parcelas relativas ao
período de suspensão não são pagas à família.
5º Registro
Cancelamento
Parcelas do benefício que ainda não foram sacadas
pela família são canceladas; Parcelas do benefício
que seriam pagas à família nos meses
Seguintes são interrompidas e a família é
desligada.
Fonte: MDS5 (2009).
A identificação do não cumprimento, assim como a aplicação das sanções e a
suspensão dos benefícios é realizada exclusivamente pela SENARC (Secretaria Nacional de
Renda e Cidadania), órgão pertencente ao Ministério do Desenvolvimento Social, responsável
pela gestão do programa. O acompanhamento das famílias que não cumprem condicionalidades
faz parte do trabalho de integração de agendas entre o programa Bolsa Família e o SUAS.
Os municípios podem intervir na suspensão e bloqueio do benefício por meio de
registro de recurso no sistema SISCON, do MDS, que aponte: 1) que foram identificadas as
causas do descumprimento e 2) que a família está sendo acompanhada e encaminhada para
outros programas, de modo que dentro de um prazo determinado ela volte a cumprir as
condicionalidades do Bolsa Família.
O poder dado aos municípios possibilita que erros por preenchimento incorreto dos
dados sobre o beneficiário, ou ainda, advertências que decorram da falta de estrutura na oferta
de serviços prestados pelos municípios não recaia sobre os beneficiários do Programa.
Em relação às ações complementares, a fim de alcançar as vulnerabilidades que
transcendem os problemas renda, conforme o MDS (2007) são ações aliadas as
5Site consultado http://www.mds.gov.br/biblioteca/secretaria-nacional-de-renda-de-cidadania-
senarc/cartilhas/acompanhamento-familiar-2013-programa-bolsa-familia/acompanhamento-familiar-2013-
programa-bolsa-familia
42
condicionalidades e articulação de outros programas e políticas setoriais (figura 1), buscando
romper o ciclo intergeracional da pobreza (figura 2)
Figura 1. Ações complementares ao Programa Bolsa Família
Fonte: Autoria própria
Figura 2. Ações complementares para enfrentamento da pobreza
Fonte: Autoria própria
Em respeito as ofertas dos programas complementares para famílias beneficiárias do
PBF, o MDS se propõe realizar estratégias de articulação com diversos órgãos dos três níveis
de governo, para atender necessidades das famílias em áreas como inclusão produtiva,
alfabetização e qualificação profissional (LICIO; MESQUITA; CURRALERO, 2011). Essa
articulação traz em conta o perfil das famílias atendidas, suas vulnerabilidades e
potencialidades, assim como ações já existentes em face das potencialidades econômicas,
culturais e naturais específicas de cada localidade (BRASIL, 2007).
Segundo Licio, Mesquita e Curralero (2011) a despeito da existência de programas
complementares em diferentes áreas governamentais, verifica-se que ainda não está clara uma
real convergência dessas ações para as famílias beneficiarias do PBF, inclusive no nível federal,
carecendo de melhor definição de como e por que ela deva ocorrer.
Ações complementares aliadas às
condicionalidades
Educação
Mais Educação
Brasil Alfabetizado
Saúde
Curso de educação Alimenntar e
nutricional EAD
Ações complementares aliadas ao
combate à pobreza
PRONATEC Brasil
Carinhoso
43
2.1.3 A Gestão das Condicionalidades
Fonseca (2001) e Suplicy (2004) retratam que surgiu no Brasil a partir das
contribuições de economistas às propostas iniciais dos Programas de Garantia de Renda
Mínima (CARMAGO, 1991), cujo formato de utilizar a transferência de renda como forma de
romper a chamada transmissão intergeracional da pobreza. O Estado deveria garantir uma renda
familiar compatível com acréscimo gerado pelo trabalho infantil, de maneira a possibilitar o
incremento da escolaridade das crianças e aumentar suas chances de saírem da pobreza quando
adultas.
Para autor Pires (2013) esse entendimento que condiciona a transferência de renda à
exigência de acesso à educação e saúde como forma de enfrentar a pobreza, presente no desenho
do PBF e em outras políticas de transferência de renda condicionadas, tem sido objeto de várias
discussões. A discussão sobre a gestão das condicionalidades envolve opiniões diferenciadas e,
muitas vezes, contrárias.
Esse debate apresenta duas frentes, uma a favor e a outra contrária a imposição de
condicionalidades para o recebimento do benefício. Os autores que apoiam as
condicionalidades do Programa afirmam que é válida a adoção de condicionalidades quando
elas são implementadas como estratégia de ampliação do acesso aos serviços sociais e políticas
de emprego e renda, isso se em contrapartida o Estado exerce controles rigorosos sobre o
cumprimento das condicionalidades, oferta oportunidade de inserção social aos beneficiários
do Programa, e fiscaliza os municípios quanto à oferta dos serviços básicos relacionados às
condicionalidades (LAVINAS et. al., 2000).
A frente contrária (ZIMMERMAN; LIMA 2008), destaca a incapacidade do Estado
de garantir serviços sociais básicos de qualidade, da mesma forma que enfatiza a contradição
entre a garantia de acesso aos direitos sociais e as contrapartidas do Programa. Para aqueles que
defendem os direitos humanos frente à adoção de condicionalidades, a aplicação dos efeitos da
legislação àqueles que descumprem as condicionalidades, se aproxima muito mais da punição
do que dos objetivos sociais definidos pelo programa (DIAS; SILVA, 2010).
Outro ponto destacado na discussão é a fragilidade e a qualidade dos serviços ofertados
pelos municípios brasileiros. Na literatura (LAVINAS et. al., 2000) existe um consenso sobre
a não capacidade atual dos municípios, de absorver a demanda dos beneficiários na rede pública
44
de serviços de saúde, educação e assistência social, quem dirá garantir a qualidade dos serviços
prestados.
A exigência da gestão das condicionalidades é talvez uma das novidades mais
importantes no Programa para os municípios e, ao mesmo tempo, polêmica central da gestão,
visto que, apresenta muitas requisições para facilitar o acesso de camadas da população que
dificilmente conseguiriam chegar aos serviços, porém, coloca em “cheque” a capacidade dos
municípios de ofertarem o que de mais básico está previsto no elenco de direitos sociais, isto é,
as ações básicas exigidas em contrapartida para os beneficiários do Programa.
Percebe-se, também uma existência de fragilidades no processo de constituição da
seguridade social, é preciso, portanto criar mecanismos que estimulem a inserção das famílias
nos serviços de educação e saúde, tendo em vista a perceptiva de quebra com o ciclo
intergeracional da pobreza (PIRES, 2013). O caso do acompanhamento das condicionalidades,
mais do que um caráter punitivo de suspensão de benefício para as famílias, está relacionado
ao monitoramento do acesso as famílias aos direitos básicos de educação e saúde, bem como a
identificação das causas do seu eventual descumprimento (LAVINAS et. al., 2000). Nesse caso,
identificar os motivos de não cumprimento de condicionalidades é um importante instrumento
de “busca ativa” das famílias que se encontram em maior grau de vulnerabilidade e risco social,
sendo, portanto, podem ser entendidas como um reforço de direitos de cidadania e garantia de
acesso serviços básicos.
A família que encontra dificuldades em cumprir as condicionalidades deve, além de
buscar orientações com o gestor municipal do BF, procurar o Centro de Referência de
Assistência Social (CRAS), o Centro de Referência Especializada de Assistência Social
(CREAS) ou a equipe de assistência social do município. O objetivo é auxiliar a família a
superar as dificuldades enfrentadas. Esgotadas as chances de reverter o descumprimento das
condicionalidades, a família pode ter o benefício do Bolsa Família bloqueado, suspenso ou até
mesmo cancelado (BRASIL, 2007).
A gestão das condicionalidades, segundo o MDS (BRASIL, 2007), refere-se um
conjunto de ações que os municípios devem executar no sentido de acompanhar periodicamente
as famílias beneficiárias do Programa, realizar o registro dessas informações nos sistemas
disponibilizados pelo MDS, MEC, MS e propiciar que as famílias beneficiárias tenham
condições de cumprir as condicionalidades.
Desta forma, o êxito no acompanhamento das condicionalidades depende de uma
gestão compartilhada entre as secretarias envolvidas nos diferentes níveis governamentais
45
(quadro 4). Embora os benefícios do Bolsa Família sejam repassados diretamente pelo Governo
Federal às famílias, o Programa tem a participação de todos os entes federados. Cada esfera de
governo possui atribuições e competências diferenciadas na gestão do PBF.
Essa concepção de condicionalidades, como reforço do direito de acesso das famílias,
só se viabiliza se o acompanhamento das mesmas for compartilhado pelas três esferas do
governo, como uma abordagem intersetorial. (PIRES, 2013). Para tanto, é preciso integrar ações
e equipes das áreas de assistência social, educação, saúde, e outras áreas que, nos municípios e
estados, respondam por serviços que propiciem a proteção social das famílias em situação de
maior vulnerabilidade.
2.1.4 Gestão Municipal do Programa Bolsa Família: As atribuições e competências
dessa esfera do governo
A execução e a gestão do Programa Bolsa Família se dão de forma descentralizada,
por meio da conjugação de esforços entre os entes federados, considerando a intersetorialidade,
a participação comunitária e o controle social.
Nessa dissertação analisamos somente a execução do PBF em âmbito municipal,
levando em conta as diretrizes e responsabilidades dos outros níveis envolvidos, tendo em vista
que tanto o governo federal, quanto o estadual têm responsabilidades na perspectiva
intersetorial adotada pelo município. Segue abaixo (quadro 4) atribuições e competências
diferenciadas na gestão do PBF de cada esfera do governo.
46
Quadro 4 - Responsabilidade dos gestores do PBF no âmbito da União, Estados e Municípios.
Instância
Governamental
Responsabilidades
SENARC
Promover a articulação intersetorial, a fim de assegurar o registro periódico nos
sistemas de informação e estimular o acompanhamento das condicionalidades;
Supervisionar a coleta de informações e de registro nos sistemas de informações;
Gerar e fornecer ao MEC, ao MS e à SNAS a base de dados com informações
sobre as famílias acompanhadas;
SNAS
Realizar o registro periódico das informações referentes à condicionalidade;
Informar e mobilizar os gestores municipais da assistência social sobre os
descumprimentos de condicionalidades, com vistas a garantir a oferta local de
serviços e ações de proteção básica e/ou proteção especial da assistência social,
direcionada às famílias;
Estados
Realizar articulações com os gestores das políticas setoriais específicas para que
seja realizado o registro das condicionalidades previstas no Programa quando o
acesso ao serviço se realizar em estabelecimento estadual;
Atuar em cooperação com os municípios para garantir o registro das informações
sobre as condicionalidades;
Elaborar planejamento anual intersetorial, em parceria com as áreas de assistência
social, saúde e educação, para o desenvolvimento das ações de gestão de
condicionalidades do PBF.
Municípios
Atuar em cooperação com os responsáveis pelo registro do acompanhamento das
condicionalidades nas áreas de saúde, educação e assistência social, para garantir
a coleta das informações de acordo com os calendários definidos;
Notificar formalmente o responsável pela Unidade Familiar nos casos de
descumprimento de condicionalidades;
Analisar as informações sobre não cumprimento de condicionalidades e
encaminhar as famílias beneficiárias do PBF, em situação de descumprimento, às
áreas responsáveis pelo acompanhamento familiar e oferta dos serviços sócia
assistenciais;
Elaborar planejamento anual intersetorial do município, em parceria com as áreas
de assistência social, saúde e educação, para o desenvolvimento das ações de
gestão de condicionalidades do PBF.
Fonte: MDS6 (2010)
6Site consultado http://www.mds.gov.br/biblioteca/secretaria-nacional-de-renda-de-cidadania-
senarc/manuais/guia-do-gestor-municipal-cadastro-unico-para-programas-sociais/guia-do-gestor-municipal-
cadastro-unico-para-programas-sociais
47
A responsabilidade pela gestão do Programa em âmbito municipal está atribuída, na
maioria das vezes, a Secretaria de Assistência Social.
Ao gestor municipal do PBF, no que refere à gestão de condicionalidades e
considerando o acordado nos termos de adesão específicos assinados pelos municípios, caberá:
1. Verificar, periodicamente, se as famílias do PBF e dos Programas
Remanescentes atendem aos critérios de elegibilidade traçados pelos respectivos
programas, utilizando para isso técnicas de amostragem estatística, de modo a adequar os
benefícios financeiros à realidade das famílias;
2. Realizar o credenciamento dos funcionários da prefeitura e dos integrantes da
instância de controle social municipal ao SIBEC, bem como capacitar os usuários;
3. Atender aos pleitos de informações e de esclarecimentos da Rede Pública de
Fiscalização;
4. Divulgar as informações relativas aos benefícios do PBF e dos Programas
Remanescentes aos demais órgãos públicos locais e à sociedade civil organizada;
5. Manter a SENARC informada sobre os casos de deficiências ou irregularidades
identificadas na prestação dos serviços de competência do Agente Operador ou de sua rede
credenciada na localidade (correspondente bancário, agentes lotéricos etc.).
A ênfase dada pelo gestor do Programa, a uma ou outra etapa da implementação
(cadastramento, acompanhamento das condicionalidades, ou acompanhamento dos
beneficiários em descumprimentos com as condicionalidades) pode ser atribuída também às
limitações na capacidade estrutural e de recursos humanos para atender as demandas, ou ainda
em questões específicas que tenham sido identificadas no acompanhamento dos beneficiários.
Essa discussão só será aprofundada nos próximos capítulos, em que serão analisadas
características da gestão do Bolsa Família no município de Abaetetuba/PA.
2.1.5 Índice de Gestão Descentralizada – IGD
O MDS teve intuito de apoiar financeiramente, potencializar e fomentar novas
iniciativas na gestão descentralizada, assim como atuar como instrumento de aferição da
qualidade da gestão do PBF, o governo federal criou o Índice de Gestão Descentralizada do
Programa Bolsa Família - IGD, para utilização em âmbito estadual, distrital e municipal, cujos
48
parâmetros foram regulamentados e incluídos na Lei nº 12.058, de 13 de outubro de 2009
(BRASIL, 2008) desde modo, o Ministério do Desenvolvimento repassa os recursos para os
municípios, por meio do IGD-M, é um indicador que mede a qualidade da gestão do programa
e do cadastramento das famílias de baixa renda.
Quando maior o IGD, maior o repasse mensal de recursos financeiros, que é feito
regularmente aos estados e aos munícipios que cumprirem os requisitos para seu recebimento
(BRASIL, 2008).
O IGD traz como propósito mensurar e eficiência e qualidade da gestão do programa
Bolsa Família. É um índice sintético, criado por meio da Portaria GM/ MDS nº 148, de 2006,
que tem como contrapartida governamental o apoio financeiro aos municípios do Programa
Bolsa Família, em razão do desempenho destes. O índice é composto pela média aritmética do
Indicador do CadÚnico e do Indicador de condicionalidades, conforme destacado na fórmula
(figura 3)
Figura 3 – A fórmula de cálculo do IGD-M
Fonte: MDS7 (2010)
De acordo com o art. 3º da Portaria10 GM/MDS nº 754, de 20 de outubro de 2010, o
IGD-M é calculado pela multiplicação de quatro fatores:
1. TCQC – Taxa de Cobertura Qualificada de Cadastros, objetivo cadastrar
todas as famílias pobres estimadas para o município no Cadastro Único (CadÚnico);
2. TAC – Taxa de Atualização Cadastral, objetivo manter os dados
atualizados dos cadastros de todas as famílias beneficiadas no CadÚnico;
3. TAFE – Taxa de Acompanhamento da Frequência Escolar, objetivo
acompanhar o cumprimento das condicionalidades pelas famílias na área de educação;
crianças e adolescentes devidamente matriculados; e frequência escolar;
7Site consultado http://www.mds.gov.br/biblioteca/secretaria-nacional-de-renda-de-cidadania-
senarc/cadernos/caderno-informativo-sobre-o-indice-de-gestao-descentralizada-do-pbf-igd/caderno-informativo-
sobre-o-indice-de-gestao-descentralizada-do-pbf-igd
IGD-M = Fator I x Fator II x Fator III x Fator IV
4
49
4. TAAS – Taxa de Acompanhamento da Agenda de Saúde, objetivo
acompanhar o cumprimento das condicionalidades pelas famílias na área de saúde;
acompanhamento do crescimento; e perfil de vacinação.
O repasse do recurso está condicionado à pontuação de todos os fatores, ou seja, se um
dos quatro fatores obtiver um 0, o repasse do recurso referente ao mês é suspenso. A apuração
das alterações no IGD-M é realizada mensalmente, considerando as informações atualizadas
dos parâmetros que o compõem, e o valor da remuneração ao município será transferido no mês
subsequente.
A verificação da execução das atividades, assim como o cálculo do IGD dos
municípios, ocorrerá por meio da aferição realizada pela SENARC e outros órgãos vinculados
ao MDS, a partir das informações disponíveis nos sistemas de acompanhamento de
cadastramento e de acompanhamento de condicionalidades (BRASIL, 2007)
Desta forma, a União transfere obrigatoriamente, aos entes federados que aderirem ao
Programa Bolsa Família recursos para apoio financeiro às ações de gestão e execução
descentralizada do Programa, desde que alcancem índices mínimos no IGD, ou seja, de 0,4. Os
recursos do IGD serão repassados Fundo a Fundo (Assistência Social), tendo os Estados,
Distrito Federal e Municípios que submeterem suas prestações de contas às respectivas
instâncias de controle social.
O IGD-M é uma nova medida para incentivar os municípios a melhorarem sua gestão
por meio de gratificação financeira, como por exemplo o acréscimo de até 3% do valor apurado
do IGD-M, proporcional ao acompanhamento de famílias beneficiárias em situação de
descumprimento das condicionalidades que estejam em processo de acompanhamento familiar.
Por outro lado, muitos municípios apresentam condições deficitárias em suas
capacidades estruturais e de recursos humanos. O município pode se posicionar contrário ao
programa ou à forma como é implementado, deliberadamente, o que necessariamente criaria
condicionantes contrários ao que o IGD indicaria como gestão eficiente. (MONTEIRO et al, p.
184-185, 2013).
2.1.6 A Instância de Controle Social
O controle nas ações da administração pública, na fiscalização, no monitoramento e
no acompanhamento das políticas se torna um importante mecanismo de fortalecimento da
50
cidadania, deste modo, o controle social é a participação cidadã na gestão pública (LIMA;
SILVA, 2006).
Kerstenetzky (2009) acredita que o controle social deve ser exercido diretamente pela
sociedade em vistas a fiscalização, principalmente, de órgãos públicos. Assim, o controle social
é a chave para estabelecimento de justiça social nas prestações de contas públicas.
O Controle Social do Programa Bolsa Família é realizado por meio das Instâncias de
Controle Social (ICS), instituídas formalmente pelos municípios no ato de adesão ao Programa,
garantindo aos cidadãos espaço para o seu acompanhamento e buscando assegurar os interesses
da sociedade. É uma parceria entre Estado e sociedade que possibilita compartilhar
responsabilidades e proporciona transparência às ações do poder público, buscando garantir o
acesso das famílias mais pobres à política de transferência de renda (BRASIL, 2007).
MDS (2007) discorre que a composição dessa Instância para o acompanhamento da
gestão local do Programa nos municípios deve ser composta por representantes das áreas de
assistência social, saúde, educação, segurança alimentar, da criança e adolescente, com pelo
menos 50% de representantes da sociedade.
Silva (2002) a instância de controle social pode ser formada por indicações feitas pelo
prefeito ou gestor do programa no município sem qualquer critério pré-definido. Essa crítica
não pode ser generalizada a todos os municípios, tendo em vista que muitos deles criaram
mecanismos próprios, porém legítimos para a eleição dos representantes dos beneficiários.
51
3. A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL EM TERRITÓRIO QUILOMBOLA
A sociedade brasileira em face à população negra no Brasil mostra ter uma dívida
herdada de anos cunha a trajetória de vida dos negros e negras são marcadas pela exclusão
racial/étnica, social e econômica que tem sido demonstrada por inúmeros indicadores
socioeconômicos, que vem sendo apresentados por órgãos nacionais. As políticas públicas
contra a discriminação racial começam a ser discutidas e implementadas, assim como as
políticas de promoção de oportunidades e de melhoria das condições de vida da população
negra.
Essa nova discussão que as novas configurações da Política Nacional de Assistência
Social (PNAS) ser insere, e assim, podendo ser considerada como ações e atividades de gestão
setoriais voltadas à promoção humana e ao desenvolvimento social, como para garantia de
condições de sobrevivência, em plenitude, a todos os brasileiros em situação de vulnerabilidade
e exclusão social considerando as desigualdades socioterritoriaise seu enfrentamento para
garantia dos direitos sociais. A própria PNAS contempla novas categorias, “além das clássicas
categorias de pobres e portadores de deficiências, incorporando os atingidos por outras formas
de vulnerabilidade” (BRASIL, 2007), como é o caso das populações quilombolas. Como afirma
a PNAS (2004, p.33):
“(...) ao agir nas capilaridades dos territórios e se confrontar com a dinâmica
do real, no campo das informações, essa política inaugura uma outra
perspectiva de análise ao tornar visíveis aqueles setores da sociedade
brasileiros tradicionalmente tidos como invisíveis ou excluídos das estatísticas
– população em situação de rua, adolescentes em conflito com a lei, indígenas,
quilombolas, idosos, pessoas com deficiência. ” (BRASIL, [20--])
De fato, nos últimos anos começa a ocorrer o reconhecimento das comunidades
remanescentes de quilombos que vêm se afirmando como público prioritário das políticas
públicas brasileiras. Nesse processo, as comunidades quilombolas vêm ampliando o
reconhecimento e legitimando seus direitos como usuárias e protagonistas no novo cenário da
PNAS, e a partir do Plano Plurianual (PPA) de 2004-2007, começaram a ser consideradas como
público-alvo de programas e ações da Assistência Social.
A PNAS reconhece as discriminações étnicas e raciais como promotoras de
vulnerabilidades que devem ser enfrentadas pelas ações de Proteção Social Básica. A partir de
2004, a Secretária Nacional de Assistência Social passou a co-financiar serviço de Proteção e
52
Atendimento Integral à Família (PAIF) e Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI)
em municípios que pretendiam atender, prioritariamente, a população quilombola.
Ainda em 2004, foi lançado o Programa Brasil Quilombola (PQB), com o objetivo de
consolidar o marco de políticas de Estado para as áreas quilombolas. O PQB pretende contribuir
para o alcance dos objetivos do Plano Brasil sem Miséria, visto que segundo os dados do
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) pelo menos 58 mil famílias
quilombolas situam-se abaixo da linha da extrema pobreza. O programa foi instituído em várias
áreas como: acesso à terra, infraestrutura e qualidade de vida, inclusão e desenvolvimento local
e direito e cidadania.
A grande necessidade de ampliar e fortalecer as ações de promoção da população negra
no Brasil, em 2005, a V Conferência Nacional de Assistência Social organizou, entre as oficinas
desenvolvidas, uma dedicada à discussão sobre “organização da Proteção Social Básica em
comunidades indígenas e quilombolas”. De acordo com o Decreto n° 4887, de 20 de novembro
de 2003, em seu artigo 2°, consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos:
“São os grupos étnico-raciais segundo critérios de auto - atribuição, com
trajetória históricas próprias dotadas de relações territoriais específicos, com
ancestralidade negra relacionada com resistência à opressão histórica sofrida.
” (BRASIL, p. 12, 2007)
Em 2006, surge a criação do GT “comunidades quilombolas” dentro do Conselho
Nacional de Assistência Social (CNAS). Este GT visa dar continuidade às discussões
relacionadas à oferta de serviços de proteção básica aos remanescentes de quilombos, com a
perspectiva de dar maior visibilidade às comunidades usuárias e protagonistas dentro das ações
e atividades realizadas pelas políticas sociais. O CNAS promove a participação dessas
comunidades como portadores de direitos e visando a expressão de suas demandas no próprio
espaço de participação social.
É importante salientar que o Plano Brasil sem Miséria é promovido pelo MDS como
objetivo de executar as políticas que possibilitem a superação de quadros de miséria, por meio
de transferência de renda, assistência social e fomento às atividades produtivas. Isto é, são ações
e atividades voltadas a políticas sociais do Governo Federal correlacionadas em três eixos de
atuação para superação à pobreza: Acesso a serviços; Garantia de renda; Inclusão produtiva.
De acordo com MDS esse conjunto de ações que envolvem a criação de novos programas e a
ampliação de iniciativas já existentes se utiliza de instrumento do Cadastro Único para
53
Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) que garantia dos direitos para comunidades
quilombolas.
A partir do CadÚnico que possui um campo para identificação de comunidades de
quilombolas possam garantir o beneficiamento e identificação em programas sociais, como o
PBF, Fome Zero, o Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais e a Assistência
Técnica e Extensão Rural (ATER).
3.1 O PAPEL DO CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – CRAS
De acordo com Política Nacional de Assistência Social (PNAS) é através do trabalho
executado pelo Centro de Referência de Assistência Social, que poderá ser consolidada as ações
intersetoriais. Diante dessa questão, realizou-se a escolha pelo CRAS Quilombola para
compreender como as ações intersetoriais articuladas pelo CRAS se concretizam no
microterritório, isto será retratado nos próximos capítulos.
A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) se se propõe integrada às políticas
setoriais. Assim, levando em consideração as desigualdades sociais e territoriais cujo objetivo
é garantir os direitos mínimos sociais e atender contingências sociais e à universalização dos
direitos sociais (PNAS, 2004, p.18). Para cumprir os seus objetivos e seguindo os princípios e
diretrizes da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), o Sistema Único de Assistência Social
(SUAS) reorganiza os serviços, programas, projetos e benefícios, de acordo com as funções que
desempenham.
Di Giovanni (apud MIOTTO, 2008) defende que existem três sistemas de proteção
social que são necessariamente excludentes entre si. O primeiro se constituiria das instituições
tradicionais às quais garantem proteção fundamentada nos valores da solidariedade, da
vizinhança, da família e da ajuda mútua. A segunda inclui a relação de troca no campo mercantil
e, finalmente, a terceira acontece através do Estado enquanto gestor e regulador da proteção.
Esta perspectiva Política Nacional de Assistência Social (PNAS, 2004, p.20) se propõe
Assistência Social Básica classificada nessas funções: a proteção social hierarquizada entre
básica e proteção especial, a vigilância social, entendida como produção e sistematização de
informações, indicadores e índices territorialidades das situações de vulnerabilidade e risco
social e a defesa dos direitos socioassistenciais (NOB SUAS, 2005, p.18).
A Proteção Social Básica se propõe de “prevenir situações de riscos por meio do
desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e
54
comunitários” enquanto que a Proteção Social Especial se refere às ações voltadas para o
enfrentamento de situações de risco e violação de direitos (PNAS 2004, p. 27).
Para Carneiro (2009), a Proteção Social Básica prevê o desenvolvimento de serviços,
programas e projetos locais de acolhimento, convivência e socialização das famílias e de
indivíduos. Os serviços sociais prestados, tanto de prestação continuada, como os eventuais,
integram a Proteção Social Básica e devem ser articulados aos demais programas e serviços
ofertados pelas três esferas dentro do SUAS.
Embora a Lei Orgânica venha avançando e definindo novas diretrizes, princípios
competências, gestão e financiamento da Política de Assistência, ressente-se que sua
implementação revelou (MOTA et al.,2009) uma tendência à focalização, seletividade e
fragmentação das ações.
As ações de Proteção Social Básica tendem a ser desenvolvidas com o foco voltado
para a família, tais como os beneficiários de Programa de Transferência de Renda Mínima,
exemplo Bolsa Família, e os eventuais beneficiários de prestação continuado e aos serviços de
outras políticas públicas. Esses serviços são executados pelo Centro de Referência em
Assistência Social (CRAS) e encontra-se designado como uma unidade pública estatal
responsável pela oferta de serviços continuados de proteção social básica de assistência social
às famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade social (MDS, 2004).
Também são conhecidos na literatura como Casa das Famílias (CARNEIRO, 2009) os
CRAS possuem o papel de trabalhar com as famílias que residem em territórios de
vulnerabilidade social. A principal característica deste órgão se dá na oferta do serviço de
Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF) é de caráter continuado que visa fortalecer a
função de proteção das famílias, promovendo o acesso dos direitos básicos, a fim de contribuir
para melhoria da qualidade de vida (MDS, 2009)
Ganev (2012) refere-se que o CRAS por ser uma instituição pública estatal é o
principal responsável por abarcar situações que se destina às famílias que vivem em situação
de vulnerabilidade social decorrentes da “pobreza, privação e, ou, fragilização de vínculos
afetivos-relacionais e de pertencimento social” (MDS, 2004) em seu território de abrangência.
No entanto, as funções dos CRAS não devem ser confundidas com as funções do órgão
gestor da Política de Assistência Social Municipal (quadro 5).
55
Quadro 5. Comparativo entre as atribuições do CRAS e Órgão Gestor Municipal
CRAS Órgão Gestor Municipal
Fornecimento de informações e dados para Órgão
Municipal sobre o território para subsidiar:
- a elaboração do Plano Municipal de Assistência
Social;
- o planejamento, monitoramento e avaliação dos
serviços ofertados no CRAS;
- a alimentação dos Sistemas de Informação do
SUAS;
- os processos de formação e qualificação da
equipe de referência;
Elaboração do Plano Municipal de Assistência Social;
Planejamento, execução físico-financeira,
monitoramento e avaliação dos serviços
socioassistencias do SUAS;
Alimentação dos Sistemas de Informação e
Monitoramento do SUAS;
Constituição das equipes de referência e demais
profissional dos trabalhadores do SUAS;
Oferta do PAIF e serviços de socioassistenciais da
Proteção Social Básica
Supervição, apoio técnico da oferta do PAIF e demais
serviços socioassistenciais ofertados, tanto nas
unidades públicas, quanto nas entidades privadas sem
fins lucrativos prestadoras de serviços;
Gestão territorial da rede socioassistencial da PSB
Gestão da rede socioassistencial do Município;
Gestão do processo de conveniamento das entidades
privadas sem fins lucrativos de assistência social;
Fonte: BRASIL (2009)
O CRAS é apenas uma unidade local que têm por atribuições a organização da rede
socioassistencial e oferta de serviços da proteção social básica em determinado território,
enquanto o órgão gestor municipal tem por funções a organização e gestão do SUAS em todo
o município (MDS, 2009).
A LOAS refere-se que o papel do CRAS é prestar atendimento social e assistencial,
assim articulando os serviços disponíveis da rede de Proteção Social Básica devendo se
responsabilizar por organizar a vigilância social em sua área de abrangência
(NOBSUAS/SUAS, 2006). Como foi mencionado anteriormente, o CRAS é responsável pela
oferta de serviços às famílias em situação de vulnerabilidade social. Portanto, o MDS (2004) o
configura o CRAS como as principais (embora não únicas) “portas de entrada” do sistema que
se propõe garantir acesso dos usuários ao SUAS nos Programas sociais (GANEV, 2012), e
também o responsável por articular em rede as políticas públicas, visando melhores condições
sociais para as famílias.
Para tal, o CRAS deve dispor de uma equipe técnica básica formada por coordenação,
assistente social, sociólogo e psicólogo, os quais trabalham com famílias na perspectiva do
fortalecimento do vínculo familiar e comunitário. É com esse ensejo que o trabalho parte
primeiramente do mapeamento da rede de serviços socioassistenciais no território, da
localidade da qual o CRAS está inserido, e das redes de atendimento das outras políticas e
56
sociais, tendo, em vista facilitar o desenvolvimento de ações intersetoriais que visam à
sustentabilidade, de forma a romper com o ciclo de reprodução intergeracional de pobreza
(MDS, 2004).
A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) deve enfrentar os desafios para
democratizar as relações entre poder público e sociedade civil, a fim da otimização do acesso
aos direitos sociais para minimizar as desigualdades socioterritoriais, sem excluir as
singularidades e diversidades locais (CARNEIRO, 2009; COSTA, 2011; GANEV, 2012), já
que Norma Operacional Básica de Assistência Social (NOBSUAS) ainda esteja estipulando as
dimensões territoriais do município para implantação do CRAS em conformidade com o
número de habitantes de cada cidade, e ainda, as metas de referencialmente e de atendimento
anual de famílias por unidade (quadro 6).
Quadro 6: Metas quantitativas de implantação e de atendimento dos CRAS
Porte do Município Nº de Habitantes Nº Mínimo de CRAS Nº de Famílias a
referenciar Atendimentos/Ano
Pequeno Porte I Até 20 mil 1 2.500 500
Pequeno Porte II 20 a 50 mil 1 3.500 750
Médio Porte 50 a 100 mil 2 5.000 1.000
Grande Porte 100 a 900 mil 4 5.000 1.000
Metrópole Mais de 900 mil 8 5.000 1.000
Fonte: MDS (2012)
Sposati (2004) afirma que a implantação do SUAS se estabeleceu, obviamente, como
um caminho sem volta, no qual os municípios tiveram que se adequar. A forma como se deu
esse processo não leva em consideração a estrutura existente e as dificuldades que estes
enfrentaram e/ou ainda enfrentam para sua adequação ao novo sistema que traz uma série de
compromissos que os municípios devem cumprir.
Para alguns municípios, a implantação de CRAS se torna um custo muito alto para
administração da Assistência Social. Por levar algumas dificuldades como a inadequação na
estrutura física dos CRAS, recursos materiais insuficientes e inadequados, para o atendimento
e acompanhamento das famílias (LOPES, 2007), principalmente no que se refere à locomoção
dos técnicos, tem levado ao desenvolvimento de ações emergenciais. No entanto, a
“implantação do SUAS se apresenta como sistema único, o que implica em romper com a
múltipla fragmentação das esferas de governo e o paralelismo de gestão; com a fragmentação
das ações por categorias ou segmentos sociais” (SPOSATI, 2004, p.2). Embora realidade vivida
nos municípios de pequeno e médio porte, é que grande parte da população usuária desconhece
57
a existência do SUAS e não tem clareza do papel do CRAS, como é o caso do município de
Abaetetuba, interior do Estado do Pará, o qual tomamos como exemplo.
Em muitos casos com duplicidade de ações em vários níveis de esfera do governo, o
SUAS atende, em determinados momentos, aos interesses de cada governo, mas não levam em
conta a realidade local e a necessidade da população atendida (LOPES, 2007).
De acordo com Sposati (2004) SUAS é um avanço, porém não se dá de forma pronta
e acabada, que precisa passar por um processo de construção, e que será necessário para seu
aprimoramento contínuo. Cabe a cada município definir dentro do estabelecido pela
PNAS/2004 e a NOB/2005 as ações a serem desenvolvidas, de acordo com a realidade
específica apresentada pela população usuária em sua comunidade e/ou bairro.
3.2 O PAPEL DO CRAS QUILOMBOLA NO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM
ABAETETUBA
A fim de realizar o fortalecimento da Política Nacional de Assistência Social as
diretrizes da Política indicam a necessidade de considerar o território, além de um espaço
geográfico, que guarda características sociais, culturais e identitárias de sua população, mas
também se apresenta como um conjunto de elementos que mostram e revelam a complexidade
da dinâmica social e econômica das cidades que, por vezes, representam as desigualdades
existentes nas regiões brasileiras (SEMAS, 2013).
No território amazônico o desafio se torna mais complexo, seja pela amplitude
territorial, enquanto espaço geográfico, ou pela dificuldade de atuar em um território cuja
realidade é historicamente marcada pela (re) produção das desigualdades sociais, que via de
regra se expressa de forma diferenciada territorialmente. Neste sentido, compreender o
enredamento de tais processos é fundamental na intervenção junto às necessidades sociais da
população usuária. Nesse contexto, o conhecimento da dinâmica do território enquanto espaço
social possibilita a identificação de elementos e informações que poderão facilitar a definição
de investimentos públicos no combate à exclusão. As informações acerca das especificidades
geográficas dos territórios de atuação da Política de Assistência Social também são
fundamentais na definição de estratégias eficazes de intervenção (SEMAS, 2013).
O foco da análise do programa Bolsa Família em um determinado território, como no
caso de Abaetetuba que pode influenciar negativamente ou positivamente no desempenho do
programa.
58
O município de Abaetetuba é geograficamente estruturado em três realidades distintas:
a zona urbana, que possui dezessete bairros, onde há maior cobertura da política (Proteção
Social Básica e Especial de Média e Alta Complexidade) e onde é possível visualizar com mais
intensidade, os bolsões de pobreza. Uma realidade marcada pelo crescimento desordenado
decorrente da migração e do êxodo rural, pela violência e demais formas de expressões das
mazelas sociais, onde reside aproximadamente 58,82% da população do município (IBGE,
2010); a zona rural ribeirinha, constituída por um arquipélago de setenta e duas ilhas,
entrecortadas por rios, furos e igarapés. Portanto, as ruas do município de Abaetetuba são os
rios, e a natureza que determina as atividades dos técnicos dos CRAS Ribeirinhos e CRAS
Quilombola, os dias de trabalho, a localidades e os horários; e, a zona rural estradas, que tem
sua área territorial dividida em quarenta e nove colônias e uma vila. Território entre cortado por
caminhos e ramais, que na época das chuvas se tornam de difícil acesso, recebe a menor
cobertura da Política de Assistência e demais políticas públicas, e recentemente foi ampliado
com a reorganização territorial do Estado, sem um processo de discussão dos impactos sob a
vida da população residente nas localidades envolvida.
De acordo com SEMAS (2013) existem dificuldades em mapear as comunidades
quilombolas que são assistidas pelo Sistema Único. A falta dessa listagem de comunidades
quilombolas dificulta o trabalho de financiamento, acompanhamento e controlo social das ações
do MDS em beneficio dessa população.
A discussão sobre o atendimento e acesso aos serviços do CRAS em áreas quilombolas
se torna relevante (MDS, 2007), visto que algumas comunidades apresentam particularidades
próprias, no que diz respeito às relação e integração dos membros, num contexto social distinto
do apresentado pelo conceito de vulnerabilidade proposto pela NOB-SUAS
Em relação às instalações dos CRAS em territórios quilombolas é uma questão
complexa, dado as características especiais dessas comunidades tradicionais. As comunidades
remanescentes de quilombos são, geralmente, comunidades rurais cujas terras são domínio
particular de famílias e não do domínio público.
Deste modo, foram adotadas algumas alternativas pelo Ministério do
Desenvolvimento para instalação do CRAS Quilombola as quais são: a instalação do
equipamento público em ponto de referência para os beneficiários; e o permanente
deslocamento das equipes e dos serviços, ao invés do deslocamento esperado dos beneficiários.
Um último aspecto considerado que diz respeito à necessidade de uma abordagem territorial
59
para o atendimento do CRAS Quilombola. De fato, algumas comunidades ultrapassam
fronteiras municipais, cobrindo territórios que abarcam mais de um município.
Carneiro (2009) e Costa (2011) apontam que a lógica da referência e contra referência
dos serviços existentes no território dos CRAS passam pela necessidade do conhecimento dos
serviços, como também, de identificar estruturas, propor planos de articulação, com o intuito
de articular ações em rede, como um encaminhamento de demandas no sentido de formar
articulações. No entanto, necessita se estruturar em um planejamento que obedeça a lógica da
referência e da contra referência no sentido de proporcionar uma resolutividade da demanda.
A função de referência se materializa quando a equipe processa, no âmbito do SUAS,
as demandas oriundas das situações de vulnerabilidade detectadas no território, de forma a
garantir ao usuário o acesso aos serviços, programas e projetos, conforme a complexidade da
demanda. Em relação à contra referência é exercida sempre que a equipe do CRAS recebe
encaminhamento do nível de maior complexidade (proteção social especial) e garante a
proteção básica, inserindo o usuário aos serviços, programa e projetos de proteção básica (MDS,
2007).
A gestão da rede socioassistencial se objetiva aos princípios de descentralização do
SUAS que traz como propósito a disponibilização de serviços para as famílias das localidades
próximas, tornando-se, assim, a principal unidade pública de serviços setoriais (MDS,2012).
As ações dessa gestão representam: a) articulação da rede socioassistencial de Proteção Social
Básica referenciado ao CRAS; b) promoção da articulação intersetorial; c) busca ativa e; d)
oferta do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), como principal serviço
prestado pelo CRAS (MDS, 2009).
A articulação dessa rede sociassistencial no microterritório é importante para o
estabelecimento de conexão entre o CRAS e o responsável pelo Programa Bolsa Família no
município, a fim de contribuir para a gestão integrada de serviços e benefícios, e acesso dos
beneficiários de transferência de renda aos serviços socioassistenciais locais. Para isto, a
formação, interação e integração de redes sociogovernamentais na localidade são questões
essenciais, como esclarecem Goulart et al (2010), para a construção de uma gestão baseada no
desenvolvimento local.
Nesta lógica, as formações de redes de cooperação iniciam de uma nova alternativa
para eficiência da ação estatal, com as articulações em redes entre o poder público, sociedade
civil e iniciativa privada (GOULART et al, 2010) baseadas em novas alianças intersetoriais
60
democráticas, integrativas e sistêmicas, que envolvem cooperação e atuação conjunta entre
atores públicos e privados (KNOPP; ALCOFORADO, 2010).
Os atores envolvidos no Programa se diferenciam em níveis de interação, participando
no (1) âmbito nacional, (2) territorial e (3) microterritorial
Entre os atores do âmbito nacional (1), está o Governo Federal, idealizador do
Programa, tendo sua atuação representada por meio dos seguintes órgãos: Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza (MDS), Secretaria Nacional de Assistência
Social (SNAS), Ministério da Educação (MEC) e o Ministério de Saúde (MS). Estes órgãos
têm como função orientar a gestão do Programa, que, por sua vez, regula e fiscaliza os dados
de gestão dos municípios com famílias beneficiadas.
No âmbito territorial (2), os atores são: Prefeitura, Secretaria Municipal de Saúde
(SMS), Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS) e a Secretaria Municipal de
Educação (SEMED).
Os atores sociais do Programa no âmbito microterritório (3) representam dois setores
da sociedade: Estado (Centro de Referência de Assistência Social – CRAS e o Centro de
Referência Especializado de Assistência Social – CREAS) e a sociedade civil organizada
(AABB, AMIA, APAE, Pastoral da Criança, Pastoral do Menor, Sindicato de Trabalhadores
Rurais de Abaetetuba, Conselho Municipal de Assistência Social), cada um com seu papel
definido para a localidade (quadro 6).
As conexões dessas articulações da Prefeitura com as organizações não-
governamentais do município são de responsabilidade da esfera pública, por meio das
secretarias municipais e prefeitura. No entanto, demonstram basicamente articulações para
ofertadas de serviços assistenciais ao público em situação de vulnerabilidade social, no qual são
observados os atendimentos realizados por faixa e etária e níveis de proteção, compreendendo
as ações da parceria com instituições não governamentais e instituições estaduais.
Para Amato Neto (2000), os desafios inerentes a este tipo de parceria estão na criação
de estratégias conjuntas, uma vez que os envolvidos devem estar cooperando um com o outro
e preparados para a ampliação das relações, bem como a questão da mútua confiança entre os
parceiros.
A articulação entre os setores da Saúde, Educação e Assistência Social poderia
permitir, por exemplo, que as situações de descumprimento de condicionalidades do Bolsa
Família sejam conhecidas e acompanhadas e que os retornos sejam dados ao responsável pelo
Programa. Outro exemplo, e a questão da identificação de famílias com crianças e adolescentes
61
beneficiários do PBF fora da escola. Nesta situação é importante a atuação dos técnicos do
CRAS na sensibilização da família e da escola do território para a garantia do acesso à educação
desses usuários, bem como para o acompanhamento dessas famílias pelo PAIF, de modo a
assegurar os demais direitos dos beneficiários e suas famílias.
O PBF cobre em seu escopo geral atuação em rede da gestão territorial de Proteção
Básica (quadro 7) que se norteia pelos princípios de descentralização do Sistema Único, cujo
objetivo é a disponibilização de serviços para as famílias das localidades próximas, tornando
se, assim, a principal unidade pública de serviços setoriais (MDS, 2012).
As ações dessa gestão representam: a) Articulação da rede socioassistencial de
Proteção Social Básica referenciado ao CRAS; b) Promoção da articulação intersetorial; c).
Busca ativa e; d) Oferta do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF).
62
Quadro 7. Rede de Proteção Social Municipal da Área de Assistência Social, Entidades Não
Governamentais.
Instituição Modalidade de Atendimento Nível de Atendimento
APAE
Criança de 0 a 6 anos
Básico/ Especial
Crianças e adolescentes de 7 a 14 anos
Adolescentes de 15 a 17 anos
Jovem de 18 a 24 anos
Pessoas com deficiência
Adultos de 25 a 59 anos
AMIA Adultos de 25 a 59 anos Básico
PASTORAL DA CRIANÇA Criança de 0 a 6 anos Básico
AABB Crianças e adolescentes de 7 a 14 anos Especial
PASTORAL DO MENOR
Crianças e adolescentes de 7 a 14 anos
Básico
Família
Adolescentes de 15 a 17 anos-Jovem de 18 a
24 anos
Adultos de 25 a 59 anos-Pessoas Idosas (60
ou mais anos)
Família
Adultos de 25 a 59 anos
Pessoas com deficiência
Crianças e adolescentes de 7 a 14 anos
População de rua
Crianças e adolescentes de 7 a 14 anos
Família
Adultos de 25 a 59 anos
Pessoas Idosas (60 ou mais anos)
Pessoas com deficiência
Fonte: Prefeitura Municipal de Abaetetuba (2009).
Destaca-se o CRAS que está diretamente ligado aos serviços de Proteção Básica de
Assistência Social do município, o qual assume o papel de articulador na rede de atendimento,
63
além do que, também é responsável pelo acompanhamento e direcionamento todos serviços,
projetos e ações para as famílias do PBF.
Entende-se que a partir das evidências empíricas o destaque da análise é dado ao CRAS
como o principal responsável pela articulação da rede de atendimento (MDS, 2012), portanto,
analisamos sobre a questão da mútua confiança entre os parceiros levando em consideração,
segundo Ribault et al (apud OLAVE; AMATO NETO, 2001), as redes só existem pela vontade
dos envolvidos e não possuem nenhum caráter jurídico entre si. É necessário ratificar que o
Programa determina em suas diretrizes que sua gestão deve ser feita por todos os atores nele
envolvidos, sendo que estes devem ser organizados para sistematizar e não hierarquizar o
processo de gestão.
Ainda que, as articulações entre os setores e a cooperação das entidades não-
governamentais abram possibilidade para o desenvolvimento de ações intersetoriais capazes de
responder as demandas apresentadas no contexto dos CRAS. Essas ações têm encontrado mais
legitimidade a partir do SUAS que reconhece a necessidade da complementaridade,
multisetorialidade e a interdisciplinaridade entre serviços das várias políticas sociais.
Somente por meio da ação articulada que é possível responder a complexidade das
necessidades e dos problemas trazidos pela situação de pobreza e desigualdade que os
assistentes sociais enfrentam no dia-a-dia dos CRAS. Carneiro (2009) destaca que o trabalho
em rede, reconhecido pelo SUAS como uma nova forma de gestão social, tem a perspectiva de
redimensionar as intervenções específicas, ampliando o padrão de qualidade e a efetividade das
ações desenvolvidas.
Villela e Costa (2012) aproximam o conceito de gestão social e redes por meio do
conceito de governança. Para estes autores, a governança é uma gestão que promove a decisão
coletiva na busca de um consenso no interior da rede, na gestão participativa e deliberativa
proposta no conceito que fundamenta a gestão social.
Apesar desse contexto abrangente de redes e parcerias estabelecidas consistir em expor
por meio de diálogos abertos suas propostas e argumentações para a construção enquanto
protagonistas dos processos decisórios deliberativos em Programas de desenvolvimento local
(VILLELA; COSTA, 2012).
Evidencia-se, portanto, apenas os serviços vinculados a Proteção Básica, os benefícios
com os Serviços de Proteção Integral à Família e o Serviço de Convivência e Fortalecimento
de Vínculos (quadro 8), atendem famílias e grupos de todas as faixas etárias, de forma
preventiva, ambos no apoio ao acompanhamento das famílias nas condicionalidades do PBF.
64
Quadro 8. Serviços Ofertados pela Secretaria Municipal de Assistência Social por níveis de
Proteção Social.
Proteção Social Básica Proteção Social Especial de
Média Complexidade
Proteção Social Especial de Alta
Complexidade
Serviço de Proteção Integral a
Família – PAIF
Centro de Referência
Especializado de Assistência
Social – CREAS
Espaço de Acolhimento
Institucional para Crianças e
Adolescentes
Serviço de Convivência e
Fortalecimento de Vínculos para
Crianças até 06 anos
Serviço de Proteção e
Atendimento Especializado a
Famílias e Indivíduos – PAEFI
Projeto Vida (Atendimento à
Gestante)
Centro de Referência
Especializado – CREAS Vitória
Régia
Serviço de Convivência e
Fortalecimento de Vínculos para
Crianças e Adolescentes de 06 a
15 anos (Programa de Erradicação
do Trabalho Infantil – PETI)
Serviço de Proteção Social à
Adolescentes em Cumprimento de
Medida Socioeducativa de L.A
(Liberdade Assistida) e P.S.C
(Prestação de Serviço à
Comunidade)
Serviço de Convivência e
Fortalecimento de Vínculos para
Adolescentes e Jovens de 15 a 17
anos (Projovem Adolescente)
Centro de Referência
Especializado da Assistência
Social de Atendimento à Mulher –
CREAM
Atendimento à Pessoa Idosa
Programa de Promoção e
Integração ao Mundo do Trabalho
Atendimento no CadÚnico
Programa Bolsa Família
Fonte: SEMAS (2009).
Dentro dessa perspectiva o Ministério do Desenvolvimento Social deu início no
processo de co-financiamento ao serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família e o
Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos.
As funções do serviço de Atenção Integral à Família são desenvolver ações e serviços
básicos continuados para as famílias em situação de vulnerabilidade social, tendo em vista que
o conjunto de serviços é destinado principalmente as famílias de população quilombolas. Os
municípios que realizam atendimento prioritário às comunidades remanescentes de quilombos
em territórios demarcados como áreas quilombolas recebem o benefício (MDS, 2007).
65
A publicação da Portaria nº. 137, de 25 de abril, estabelece normas para o co-
financiamento de projetos para a reestruturação da rede de Proteção Social Básica, ao
atendimento de comunidades remanescentes de quilombo para disponibilizar os recursos para
a construção e reforma de CRAS, a aquisição de veículo automotivo, mobiliário e
equipamentos. Os financiamentos dão aos municípios possibilidade de acesso à população
remanescente de quilombo aos CRAS e aos programas sociais, principalmente, o Programa
Bolsa Família, contudo se faz necessário que os dados das famílias dessas comunidades sejam
repassados com eficácia e eficiência para o CadÚnico, afim de sejam inseridos no Sistema
Único (SUAS).
De acordo com MDS (2007), esse tipo de financiamento se torna uma responsabilidade
para o município, visto que, o município que determinara as ações para definir as linhas de
trabalho, e desta forma incluir a população na Política de Assistência Social. Portanto, a
complexidade da gestão do CRA, junto a comunidades tradicionais, exige uma maior integração
entre duas esferas de governo âmbito federal (MDS) e âmbito do microterritório (CRAS
Quilombola) visando à orientação e aprimoramento desse trabalho.
Identificou-se que a solução para os problemas vigentes da gestão organizacional entre
as duas esferas (âmbito federal e âmbito microterritorial) são enfrentar os desafios gerenciais,
destacados como as essenciais da administração pública: planejar, executar, controlar,
monitorar, verificar, reunir, reformular, retroalimentar o processo por meio de feedback se
participação integrada, realizar e divulgar relatórios de acompanhamento, dentre outros.
Em decorrência, dessa falha na gestão no processo se destaca uma incapacidade na
gestão governamental do município, a desorganização local e a capacidade de planejamento.
66
4. O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NO ENFRENTAMENTO À POBREZA EM
ABAETETUBA NO ESTADO DO PARÁ
Neste capítulo, apresenta-se o caso selecionado para este estudo, o Programa Bolsa
Família no município de Abaetetuba/PA, que nos permite observar e analisar algumas questões
fundamentais relacionadas à prática da intersetoralidade e a implementação do Programa em
nível microterritorial. O início do capítulo é reservado à apresentação do perfil do município
como: sua localização, características territoriais e demográficas, seus aspectos econômicos, o
cenário da saúde, educação e assistência social. Em seguida apresenta-se o setor responsável
pela implementação do Programa no município, em sequência é realizada uma breve análise
sobre a trajetória do setor de Assistência social da adesão de Abaetetuba ao Bolsa Família em
2004. E, por fim, é analisar a questão da gestão local de modo geral, e sequencialmente na
perspectiva de cada um dos setores envolvidos em microterritório: Conselho Municipal de
Assistência Social, Secretaria Municipal de Assistência Social, Saúde e Educação. Os capítulos
anteriores dão suporte às análises dessa gestão no microterritório, o que possibilitou uma
avaliação crítica acerca dos desafios do Programa no município.
4.1 PERFIL DO MUNICÍPIO DE ABAETETUBA/PARÁ
O município de Abaetetuba é um dos municípios brasileiros pertencentes à região
Norte, está localizado no Estado do Pará, de acordo com a divisão por regiões estabelecidas
pelo IBGE (2010), pertence para a Mesorregião do Nordeste Paraense, como mostra na figura
04.
67
Figura 4. Município de Abaetetuba e Rio Itacuruçá
Fonte: Google Maps
Abaetetuba possui uma área de 1.611 km2, que se divide em três áreas distintas, sendo
zona urbana (sede municipal), ilhas, estradas e ramais (campo). O município se encontra
habitando entre a sede municipal, as 72 ilhas que são bastante povoadas e as 36 comunidades
que vivem à beira da estrada (distrito de Beja, estradas e ramais), estas áreas são cercadas por
rios, igarapés, furos, baías, costas e praias, que constituem um belíssimo cenário natural,
somado com a rica cultura ribeirinha, afirmam as peculiaridades e riquezas socioculturais da
região (IDESP, 2013).
As características territoriais do município citadas acima são fundamental importância
para compreensão das dificuldades e os desafios da gestão municipal de Abaetetuba no
Programa Bolsa Família, programa escolhido para estudo.
A rede hidrográfica é constituída por rios e igarapés que permite o tráfego de
embarcações de diversos portes, se tornando o principal meio de transporte entre os municípios
do Baixo Tocantins e a capital do Estado (IDESP, 2013).
68
Apesar de ser um município bastante novo de apenas 117 anos, possui uma população
de 141.100 habitantes (IBGE, 2010) com uma estimativa de 148.873 habitantes para 2013. A
densidade demográfica do município é de 86,79 habitantes por Km², a taxa de crescimento
demográfico anual situa-se em 2,77% (IDESP, 2013).
Gráfico 1. Evolução comparativa do IDH
Fonte: IBGE. Censo Demográfico (2010)
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) considera expectativa de vida, educação
e PIB (PPC) per capita para nortear os índices que traz uma análise de situação de questões
estruturantes dos municípios (IBGE,2010). Em Abaetetuba, o IDH é de 0,71 em 2010, enquanto
no Brasil o IDH é de 0,751 em 2010, como mostra no gráfico 01.
Quanto aos aspectos econômicos, entre 2006 e 2010, segundo o IBGE (2010), a
estrutura econômica municipal demonstrava participação expressiva do setor de Serviços, que
responde por 76,3% do PIB municipal. Cabe destacar o setor secundário ou industrial, cuja
participação no PIB era de 10,8% em 2010 contra 11,3% em 2006.
0,6
0,65
0,7
0,75
0,8
0,85
0,9
1991 2000 2010
Brasil
Pará
Abaetetuba
69
Gráfico 2. Taxa de analfabetismo de crianças de 11 anos até 14 anos
Fonte: IBGE. Censo Demográfico (2010)
Em relação à educação, o município no último Censo Demográfico em 2010, apresenta
taxa de analfabetismo das pessoas de 11 a 14 anos de 5,33%, enquanto no Brasil a taxa de
analfabetismo é 3,55% observar-se no gráfico 2.
De acordo com Censo Demográfico, na área urbana essa taxa era de 9,1 e na zona rural
era de 18,1 de analfabetos. Entre adolescentes de 15 a 17 anos, a taxa de analfabetismo era de
2,86. Os dados entre os jovens de 15 a 17 anos na extrema pobreza, 382 estavam fora da escola
sendo 17,5 dos jovens extremamente pobres nessa faixa etária (IBGE, 2010).
O Censo Educacional 2010 detectou 359 escolas em Abaetetuba, das quais 50,4%
destinadas ao Ensino Fundamental; 44,6%, ao Pré-Escolar; e, 5%, ao Médio, 79,7% das escolas
funcionam em prédios compartilhados por dois ou mais etapas de ensino e 29,5% estão na sede
do município; enquanto 43% localizam-se nas ilhas; 26% nas estradas e ramais; e, 1,5% do
Distrito de Vila de Beja. Dentre esse número de estabelecimentos de rede ensino no município
16 são privados; 342 públicos; e, 1 público federal.
No que refere à saúde, no que tange à mortalidade infantil até 1 ano de idade (por mil
nascidos vivos) foi de 19,0 crianças, ao passo que no Estado o número de óbitos infantis foi de
20,3 crianças e a taxa de mortalidade infantil 16,7 por mil nascidos vivos no País. No município,
39,7% dos nascidos vivos em 2011 tiveram suas mães com 7 ou mais consultas de pré-natal
(IBGE, 2010).
16,08 15,85
29,07
6,26 7,16
10,66
3,24 3,555,33
0
5
10
15
20
25
30
35
Brasil Pará Abaetetuba
1991 2000 2010
70
Quadro 9. Número de vacinação e desnutrição de crianças de 0 a 23 meses e 29 dias, Abaetetuba
2010-2011
Fonte: DATASUS/SESMAB (2010)
De acordo com os dados do Ministério da Saúde (2010), se encontra 3338 crianças
com de 0 a 11 meses e 29 dias com carteira de vacinação em dia e o número de 1342 crianças
com de 12 a 23 meses e 29 dias. E um número de apenas 99 crianças desnutridas entre 0 a 11
meses de 29 dias e 100 crianças entre 12 a 23 meses e 29 dias (quadro 9).
Segundo o portal do Ministério da Saúde, Abaetetuba tem 87 estabelecimentos de
saúde cadastrados, 60,9% estão localizados na zona urbana e 39,1% na zona rural; 63,2% são
públicos e 36,8%, particulares. Em 2008, a cobertura de equipes básicas no município cresceu
de 35,5% para 39,9% em 2012.
Que tange na área da assistência social, os dados do Censo IBGE 2010, a população
total do município era de 141.100 residentes, dos quais 27.764 encontravam-se em situação de
extrema pobreza, ou seja, com renda domiciliar per capita abaixo de R$ 70,00 reais. Isto é, que
18,98% da população municipal viva nessa situação pobreza. Os dados do IBGE revelam que
67, 3% viviam no meio rural e 32,7% no meio urbano (IBGE, 2010).
POR IDADE QUANTIDADE
DE 0 A 11 MESES E 29 DIAS
COM VACINAS EM DIAS 3338
PESADAS 3177
DESNUTRIDAS 99
DE 12 A 23 MESES E 29 DIAS
COM VACINA EM DIA 1342
PESADAS 4121
DESNUTRIDAS 100
71
Gráfico 3. Crianças com até 14 anos em situação de extrema pobreza, Abaetetuba 1991-2010
Fonte: IBGE. Censo Demográfico (2010)
Gráfico 4. Crianças com até 14 anos em situação de pobreza, Abaetetuba 1991-2010
Fonte: IBGE. Censo Demográfico (2010)
No município havia 3.013 crianças na extrema pobreza, sendo proporção de 25,65 das
crianças com até 14 anos de idade que têm renda domiciliar per capita igual ou inferior a R$
70,00 mensais, em reais de agosto de 2010. O grupo de crianças com até 14 anos de idade que
têm renda domiciliar per capita igual ou inferior a R$ 140,00 mensais, em reais de agosto de
2010 foi de 51,18 dessa população (gráfico 3 e 4).
Segundo dados do Censo IBGE 2010, 19% da população do município de Abaetetuba
está na faixa etária de 10 a 17 anos, destes 13,7% estavam ocupados na semana em que foram
registrados pelo censo, ou seja, desempenhavam algum tipo de trabalho, sendo que 64,9% eram
homens e 35,1%, mulheres.
35,68
40,24
25,65
1991 2000 2010
89,10
89,10
76,58
1991 2000 2010
72
Vale salientar o índice de trabalho infantil na zona rural com 73,2% dos casos, com
atividades que tem a maior incidência de crianças e adolescentes ocupadas estão justamente
relacionadas a meio rural como agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura,
somando 59,7% das referências encontradas.
Gráfico 5. Distribuição das famílias inscritas no Cadastro Único por faixa de renda per capital
mensal
Fonte: MDS8 (2014)
Em relação ao acompanhamento do Plano Brasil Sem Miséria, o MDS utiliza-se das
informações do Cadastro Único para os Programas Sociais do Governo Federal. Ele fornece os
dados individualizados permitindo saber quem são, onde moram, o perfil de casa um dos
membros das famílias e as características dos seus domicílios (MDS, 2013).
De acordo com os registros de setembro de 2014 do Cadastro Único o município conta
com 34.202 famílias registradas no Cadastro Único (gráfico 5) e 20.776 famílias beneficiárias
do Programa Bolsa Família (51,28 % da população do município).
8 Site consultado http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/relatorio.php
73
Gráfico 6. Evolução de Famílias atendidas pelo Bolsa Família, Abaetetuba
Fonte: MDS9 (2014)
O município de Abaetetuba apresenta um número de cadastros que supera as
estimativas oficiais, de maneira que a gestão municipal deve concentrar esforços em aumentar
a qualidade das informações registradas quando da atualização dos dados familiares (MDS,
2013). Considerando-se a referência média de quatro filhos por família (estimativa de família
de brasileira), constata-se que o Programa atende metade do total da população no município
de Abaetetuba.
Como pode se observar gráfico 6, de 2008 a 2014 teve o registro de 8,02 mil famílias
sendo atendidas pelo Programa. De acordo com MDS (2013) em 2004 a 2013, a soma de
recursos transferidos pelo Programa Bolsa Família teve aumento de 716,23%
A prestação de contas sobre o uso do recurso do IGD-M apesar de ser pública, ainda
não é disponibilizada no site do Ministério do Desenvolvimento.
9 Site consultado http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/ri/carrega_pdf.php?rel=bsm_no_municipio
74
Gráfico 7. Evolução de valores repassados ao município através do Índice de Gestão
Descentralizada Municipal (IGD-M), Abaetetuba, 2012-2013
Fonte: MDS (2014).
Os dados da evolução de valores repassados ao município (gráfico 7) para o apoio à
gestão municipal reflete os altos índices do IGD-M em Abaetetuba, já que se configura como
referência para o estabelecimento dos valores dos recursos repassados aos municípios.
Gráfico 8. Evolução do IGD-M do Bolsa Família, Abaetetuba, 2010-2014
Fonte: MDS (2014)
No gráfico 08 apresenta a evolução dos valores do benefício do IGD-M no município
desde janeiro/2012 até novembro/2013 e o IGD-M do município (abril/2014) corresponde a
0,92 totalizando um repasse de R$ 75.825,75 ao município por mês.
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1
2006 2010 2011 2012 2013 2014
Índice de GestãoDescentralizada nomês
75
Os dados do gráfico 8 indicam que o Índice de Gestão Descentralizada Municipal do
município por mês sofreu poucas variações ao longo dos últimos 4 anos. O Índice ficou em
torno de 0,81 e 0,92 nos anos de 2010 a 2014. Nos momentos de elevação desse índice se
constata melhoria na gestão da qualidade dos serviços prestados (educação, saúde e assistência
social) no município.
Os valores referidos nos gráficos 7 e 8 estão em concordância com os resultados
apresentados de evolução de famílias atendidas pelo Bolsa Família no gráfico 6, e atualização
cadastral no Cadastro Único. Em outras palavras, significa dizer que os altos índices no repasse
de recursos ao município de Abaetetuba, entre os períodos do segundo semestre de 2010 e
primeiro semestre de 2014 é justificada pelos fatores que definem o montante de recursos a
serem transferidos ao município.
Mais adiante, conjuntamente será apresentada a análise do acompanhamento das
condicionalidades (educação, saúde e assistência social) no município de Abaetetuba. A partir
dessas informações nas áreas de educação, saúde e assistência social é possível compreender
melhor os desafios para gestão local em um microterritório no que se refere ao
acompanhamento das condicionalidades do Bolsa Família em seus respectivos setores. No
entanto, é preciso que ocorra a atuação dos setores de forma conjunta na busca da efetividade
do Programa. É necessário ressaltar a importância da participação e mobilização da rede
socioassistencial do munícipio, assim como os debates e desdobramentos de políticas sociais
no âmbito local, particularmente, os desafios na gestão territorial da Amazônia.
4.2 O MICROTERRITÓRIO: COMUNIDADE SÃO JOÃO DO MÉDIO ITACURUÇÁ
No município de Abaetetuba somam-se 15 comunidades remanescentes de quilombos.
Sendo 08 comunidades reconhecidas pelo ITERPA (2009) essas são: Acaraqui, Tauerá-Açu,
Arapapu, Arapapuzinho, Genipaúba, Alto, Médio e Baixo Itacuruça. Nosso foco de análise
destaca a comunidade São João do Médio Itacuruçá que, como as demais, foi também
reconhecida por titulação.
A comunidade São João do Médio Itacuruçá é considera oficialmente território
quilombola desde 2002 (ITERPA, 2009). Localiza-se no Médio Itacuruça do município de
Abaetetuba. O acesso se dá por transporte fluvial via rio Itacuruça ou via terrestre, com acesso
pela estrada e ramal do município de Igarapé Miri.
A principal ligação da comunidade com município de Abaetetuba, principalmente
pelos rios (baixo e o alto Itacuruçá). Faz parte do espaço, as pequenas embarcações (barcos,
76
canoas, cascos, rabetas e rabudos) que transitam fazendo transporte de pessoas e produtos de
venda vindos da cidade de Abaetetuba.
Quanto aos aspectos econômicos, entre 2009 e 2012, segundo a Secretária Municipal
de Agricultura, o território do Médio Itacuruçá e suas famílias tiveram participação dentro dos
projetos da Secretária (quadro 10) como “Projeto Matapi”, “Projeto de Pesca Artesal” e o
“Projeto Criações Domésticas” que responde no PIB 31,83% do setor agropecuário e 0,51% na
indústria extrativa no município de Abaetetuba (IPEA, 2010).
O “Projeto Matapi” é aumentar a capacidade de produção na agropecuária trazendo
assim um slogan de “Mesa farta”. É relevante destacar o “Projeto Criações domésticas” que é
fomentar a criação de pequenos animais, como exemplo patos, pintos e porcos, os quais são as
principais atividades econômicas das famílias da comunidade do Médio Itacuruçá. No entanto,
as atividades de subsistência, como por exemplo, produção da farinha de mandioca, o manejo
do açaí e a produção artesanal de telhas e tijolos encontrar-se presentes no aspecto cultural e
econômico da comunidade.
O número de famílias beneficiadas pelos projetos da SEMAGRI no território Ilhas em
2012 são 2.668 famílias beneficiadas pelo “Projeto Matapi”; 23 tanques para as 4 localidades,
tendo 30 pescadores no “Projeto Pesca Artesanal”; o “Projeto Criações domésticas” são 2.910
famílias beneficiadas em 86 localidades. A implantação de 18 projetos grupais de criação de
suínos envolveu 65 famílias em 13 localidades, incluindo a comunidade do Médio Itacuruça.
Cabe destacar apesar desses projetos realizados pela SEMAGRI, o Programa Bolsa
Família ainda é a principal fonte de renda da maioria das famílias, e as outras formas de renda
são complementares ao Programa (SEMAGRI, 2013).
A dificuldade está associada ao desafio das famílias beneficiárias do Programa
perceberem que os projetos da SEMAGRI são ações de inclusão produtiva e de renda, na qual,
almeja propiciar o acesso da população em extrema pobreza a oportunidades de ocupação e
renda (SEMAGRI, 2013). Desta forma, o projeto possibilitaria no futuro uma vida autônoma
para os agricultores mais pobres, tornando-os menos dependentes.
A inscrição dos beneficiários do Programa Bolsa Família nos projetos da SEMAGRI
ainda é um desafio. Os gestores da secretária de Agricultura e da Assistência social justificam
que os projetos criam um sentimento de insegurança nas famílias ao se disporem como
beneficiários. Para maioria delas, existe a crença de que ao serem beneficiadas pelos projetos
receberão um tratamento diferenciado, ou ainda, correrão o risco de perderem o benefício. A
visão dos beneficiários sobre os projetos de inclusão produtiva e renda, é de “vilão” e não de
77
um projeto cuja o objetivo é aumentar a sua capacidade produtiva e a entrada de seus produtos
nos mercados consumidores, através de orientação e acompanhamento técnico, oferta de
insumos e de criações.
A organização política da comunidade é constituída por instituições religiosas e as
associações presente em diversas comunidades: ARQUIA (Associação dos Remanescentes
Quilombolas de Abaetetuba), COOPROABA (Cooperativa dos Produtores de Artefatos de
Abaetetuba), MALUNGU (Associação Regional dos Remanescentes Quilombolas do Pará) e
também MORIVA (Movimento Ribeirinhos e Ribeirinhas das Várzeas de Abaetetuba).
Cabe enfatizar que a organização MORIVA representa especialmente para as famílias
moradoras das Ilhas de Abaetê uma organização que buscar lutar pelos direitos sociais dos
ribeirinhos e ribeirinhas.
“Nós criamos o movimento dos ribeirinhos, depois com o movimento dos
ribeirinhos precisava ter alguma coisa pra trabalhar, alguma coisa concreta.
Aí o que nós vimos que era necessário criar o conselho legalizado jurídico,
pra gente poder ter o patrimônio no nome do Conselho, no caso a pessoa
jurídica – Conselho do Assentamento Agroextrativista, Várzea, Quilombolas
e Grupos Afins das Ilhas de Várzea de Abaetetuba – CAGROQUIVAIA.”
(representante do MORIVA, informação verbal)10
“Nós estamos lutando pelos nossos direitos sociais porque nós que moramos
nessa área ribeirinha, a gente sempre viveu dos nossos recursos naturais, quer
dizer o extrativismo. O forte da nossa vida, dos nossos antepassados foi
sempre a caça, a pesca e a coleta de frutos. Então, prá nós nunca teve assim
forte a educação, saúde, limpeza de rua, porque não é rua, é rio, e habitação
vários outros direitos sociais.” (conselheira do MORIVA, informação
verbal)11
“Ribeirinho é a família que nasceu e mora na beira do rio, por isso nós
chamamos de ribeirinho, porque os pais dele já moravam naquela beira, ele
nasceu e se criou. É quem mora na beira do rio nós chamamos de ribeirinho”.
(presidente do MORIVA, informação verbal)12
O MORIVA é uma organização não governamental que através das lutas diárias em
prol dos direitos sociais de ribeirinhos e ribeirinhas se apoderam dos espaços públicos (debates
políticos, conselhos, audiências públicas e organizações) que lhes permitam ter capacidades de
terem acesso e controle do processo pelo qual as decisões são feitas, particularmente decisões
que afetam suas próprias vidas.
10 Entrevista concedida à autora, Abaetetuba, 04 de julho de 2014 11 Entrevista concedida à autora, Abaetetuba, 04 de julho de 2014 12 Entrevista concedida à autora, Abaetetuba, 04 de julho de 2014
78
Ressalta-se ainda, que a comunidade São João do Médio Itacuruçá, é considerada pelos
órgãos como ITERPA, INCRA, SEPPIR e o Ministério do Desenvolvimento como uma
comunidade remanescente de quilombo. Suas características territoriais, sociais, culturais e
econômicas não equivalem ao tipo ideal (WEBER, 2002) de uma população quilombola. Pelo
contrário mostra-se uma identidade marcada pelo hibridismo de práticas sociais que se unificam
uma identidade ribeirinha e quilombola (HALL, 2006; GIDDENS, 1990).
No entanto, os critérios para a definição desses grupos étnicos tiveram mudanças.
Anova definição proposta pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA), representou um
avanço conceitual acerca da definição de quilombo o que permitiu a construção de um rol de
políticas públicas voltadas exclusivamente para as necessidades territoriais, sociais, econômicas
e culturais das comunidades quilombolas, estejam elas nos centros urbanos ou no meio rural
(ALMEIDA, 2002). Desde modo, remanescentes de quilombo são “grupos que desenvolveram
práticas cotidianas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida
característicos e na consolidação de um território próprio” (O’DWYER, 2002).
Na comunidade São João do Médio Itacuruçá encontra-se a Escola de Ensino Infantil
e Fundamental Professor Manoel Pedro Ferreira, considerada escola do campo na
especificidade quilombola, a qual recebe atendimento da Secretária Municipal de Educação de
Abaetetuba (SEMEC). Esta escola acompanha a educação infantil, ensino fundamental e EJA.
A escola possui estrutura física de alvenaria, iluminação elétrica e água de poço artesanal
(figura 5).
79
Figura 5. Imagem da Escola de Ensino Infantil e Fundamental Prof. Manoel Pedro
Ferreira, Abaetetuba
Fonte: Pesquisa de campo, nov.2013
As características sociais, econômicas, políticas e culturais são fundamentais para
entender os entraves e possibilidades da gestão local na comunidade São João do Médio
Itacuruçá. O conhecimento dessa realidade local é importante para a análise das ações do
Programa no território. Desde modo, mostra-se no quadro 11 os dados da comunidade escolhida
relacionados diretamente com o PBF
A localidade do Médio Itacuruçá possui 56 domicílios particulares com 283 habitantes
residentes, com proporção de 5 pessoas por cada residência. Sendo essas 24 residências sem
energia elétrica; 4 sem sanitário e 56 domicílios sem água encanada (MDS, 2013).
Quanto ao aspecto econômico a população com rendimento per capital de até RS 70
reais são 137 qual responde pela metade da população residente da localidade estudada. Em
relação a educação, apresenta apenas 21 pessoas analfabetas. No que se refere a Assistência
Social, número de crianças de 0 a 6 anos são 46, ao passo que pessoas com 65 anos de idade ou
mais são apenas 12.
80
5. O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NO MUNÍCIPIO ABAETETUBA
5.1 O MODELO DE GESTÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
A Gestão do PBF está diretamente relacionada a Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome (MDS). Em nível local se encontra uma coordenação estadual
intersetorial constituída por representantes da Saúde, da Assistência Social, que também assume
a Rede de Proteção Básica e Especial do Estado, da Segurança Alimentar e Nutricional e da
Educação (MDS, 2010).
De acordo com MDS (2010) o Programa encontra-se sob a coordenação, na grande
maioria dos municípios (cerca de 90%), de Secretarias de Assistência Social que, geralmente,
dispõem apenas de uma sala onde são desenvolvidas todas as atividades pertinentes ao
Programa.
O Programa no município de Abaetetuba apresenta em modelo de gestão proposto de
acordo com a Instrução Operacional de nº 09, SENARC/MDS, de 05 de agosto de 2005 com a
indicação do gestor do Bolsa Família deve ser feita pelo Prefeito Municipal de forma autônoma.
No entanto, pelo tipo de atividade que deve ser desenvolvida por esse gestor, o MDS considera
que o melhor seria a indicação do secretário municipal de Assistência Social como gestor do
Bolsa Família (SESMAS, 2013).
No caso de Abaetetuba, a gestão do Programa é de responsabilidade da coordenação
da Secretária de Assistência Social, órgão da Administração direta da Prefeitura Municipal de
Abaetetuba, que foi criada pela Lei 097/97, de 06/03/97 e regulamentada pela Lei 108/1997 de
10/11/1997.
A Secretária de Assistência Social é responsável pela formulação, coordenação e
execução da Política de Assistência Social, a qual é responsável pela elaboração do Plano
Municipal de Assistência Social em sintonia com a Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS
(nº 8.742/ 1993), e também compartilhada basicamente com a Secretária Municipal de
Educação – SEMEC; e a Secretária Municipal de Saúde – SESMAB e Conselho do Bolsa
Família.
Isso não significa que seja o único arranjo institucional baseado na intersetorialidade,
outras articulações foram firmadas para o desenvolvimento de políticas complementares com
os setores da Agricultura (SEMAGRI), Meio Ambiente (SEMEIA) e Habitação, de forma
particular, vinculada com a secretária de Assistência social.
81
A justificativa para a escolha da Secretária de Assistência Social como principal
responsável pela implementação do PBF no município, deu-se principalmente pela trajetória a
secretária frente a outros Programas de Transferência de Renda Federal anteriormente ao
Programa como Bolsa Escola e Auxílio Gás, os quais estiveram na responsabilidade deste
órgão. Em pretexto estaria associada ao fato de que a Secretária de Assistência Social pode ser
considerada como um órgão estratégico na estrutura da Prefeitura (PREFEITURA, 2010). E,
por fim, o fato de que este órgão sempre concentrou suas ações em políticas sociais
possibilitando os beneficiários a superação da condição de pobreza.
Para se compreender o funcionamento da gestão do Programa, assim como as relações
e articulação entre os órgãos e setores, apresenta-se a estrutural organizacional do município de
Abaetetuba.
Figura 6. Organograma da estrutura setorial e organizacional de implementação do PBF,
Abaetetuba
Fonte: Elaboração Própria
A figura 6 tem como objetivo apresentar a estrutura organizacional municipal nos
alcances setoriais na gestão do Bolsa Família, nessa separação se fez necessária para analisar a
82
relação entre os órgãos, isto é, antes de analisarmos a relação entre setores, precisamos saber
quem são eles e em que articulações e contribuições realizam para implementação do Programa.
A Secretária de Assistência Social (SEMAS) é a responsável pela infraestrutura do
Programa, sendo reconhecida junto ao MDS como órgão municipal gestor, constitui-se num
espaço onde se desenvolve significativamente a discussão sobre a Política de Transferência de
Renda.
O entrelaçamento das áreas de educação, saúde e assistência social da política do PBF,
SEMAS torna-se fundamental para aplicação dos Formulários de Acompanhamento Familiar
do SUAS.É, também, concomitantemente, SEMAS é gestora pelo Sistema de
Condicionalidades (Sicon) que é uma ferramenta informatizada que armazena as informações
relativas aos resultados de todos os acompanhamentos realizados pelas áreas de educação,
saúde e da assistência social.
A ferramenta Sicon permite que os gestores responsáveis pelo acompanhamento das
condicionalidades, possam visualizar o perfil das famílias (composição familiar, composição
do benefício e endereço da família); e as situações de descumprimento das condicionalidades
nos três setores.
No município de Abaetetuba, a SEMAS, dispõe de 06 Centros de Referência de
Assistência Social – CRAS, onde são realizados e ofertados diversos serviços e ações de nível
básico de Proteção Social, essencialmente ao atendimento dos beneficiários do Bolsa Família e
realização do Cadastro Único. Sendo estes serviços localizados nas áreas: urbana (CRAS
Algodoal e CRAS Angélica); rural/ilhas (CRAS Pólo 4 e CRAS Pólo 7); rural/estrada (CRAS
Beja); e rural/ilhas/estradas (CRAS Quilombola).
Além disso, a SEMAS procura criar estratégias de caráter intersetorial com objetivo
de incluir e acompanhar as demandas com o perfil do Cadastro Único e do Bolsa Família. Por
meio das ações busca-se promover mudanças nas condições de vulnerabilidade da população
abaetetubense. Dentre as ações intersetoriais o desenvolvimento do Projeto Caravana da
Vontade Popular é o mais representativo. De acordo com a SEMAS (2013), a caravana é uma
importante estratégia adotada pela administração municipal, que consiste no deslocamento de
toda equipe de governo para uma localidade que integra um dos territórios dos CRAS
ribeirinhos e rurais, durante os finais de semana.
O Ministério da Educação é responsável pelo acompanhamento da condicionalidade
de educação das famílias beneficiárias do Bolsa Família, bem como pelo Sistema de
Acompanhamento da Frequência Escolar do Programa Bolsa Família (MDS, 2010) .
83
No município de Abaetetuba, a Secretária de Educação (SEMEC) é atribuída para
gerenciar as condicionalidades do Programa, tendo assim uma equipe técnica encarregada para
coletar informações das escolas e realizar os registros no sistema. A SEMEC é o principal
articulador de todo o processo de acompanhamento das escolas municipais, estaduais, federais
e privadas sediadas em Abaetetuba. Cabe, a SEMEC articular com as escolas a pactuação de
regras e prazos no que se refere ao fluxo das informações, bem como cadastrar os operadores
auxiliares e os operadores “Diretor de Escola”, sendo co-responsável pelas informações por
estes registradas.
A SEMEC torna-se fundamental no monitoramento da frequência escolar de crianças
e adolescentes em situação de vulnerabilidade social e, com isso, deverá motivar a permanência
e a progressão escolar, o que significa propiciar melhores condições de acesso à escolarização
para o exercício da cidadania e possível posicionamento no mercado de trabalho.
De acordo com a SEMEC (2013) o Programa é um incentivo para combater à evasão
pelo encaminhamento individual das razões da não-frequência ou da baixa frequência do
educando, bem como a superação dessas razões com vistas a garantir a conclusão do Ensino
Fundamental e a continuidade dos estudos no Ensino Médio, os quais estão em sintonia com os
objetivos do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE).
Em Abaetetuba, a rede pública responde por 94% das matrículas do Pré-Escolar e o
Ensino Fundamental 93,2% pelas do Ensino Médio (SEMEC, 2103). A rede particular mesmo
com baixo índice de matrículas apresentou aumento em seu percentual se comparados os anos
de 2009 e 2012, sendo significativo o crescimento de alunos do Ensino Médio, 61,1% e no
Fundamental, 34,3%; a Pré-Escola por sua vez teve um modesto 2,3% de elevação nas
instituições privadas (SEMEC, 2013).
Finalmente, em relação à saúde a coordenação de Alimentação e Nutrição do
Ministério da Saúde (CGPAN/DAB/SAS/MS) é o setor responsável pelo acompanhamento das
condicionalidades das famílias beneficiárias do PBF com perfil saúde na esfera federal.
Em Abaetetuba, a Secretária de Saúde (SESMAB) é responsável pelo Sistema de
Gestão do Programa Bolsa Família na Saúde, desde modo, equipe técnica responsável realiza
os registros das informações das famílias beneficiárias do Programa que devem ser
acompanhadas, isto é, famílias com crianças menores de sete anos (em relação à atualização do
calendário vacinal e ao registro do crescimento e do desenvolvimento) e mulheres com idade
entre 14 e 44 anos, possíveis gestantes (quanto à realização do pré-natal).
84
A SESMAB é elementar na cobertura de saúde através do acompanhamento regular
das famílias mais vulneráveis, e traz uma equipe para acompanhamento das famílias e para
realização dos registros das condicionalidades elencadas no Programa. Por meio dos Mapas de
Acompanhamento da Agenda da Saúde das famílias do PBF os técnicos, Agentes Comunitários
de Saúde (ACS) realizam esses registros na Agenda da Saúde para condicionalidades do PBF.
É, também, fundamental na realização de atividades de forma intersetoriais,
considerando os diferentes contextos do acesso aos serviços de saúde enfrentados pelos
beneficiários e garantindo a oferta de ações preventivas visando contribuir para melhorar as
condições de vida desta população. Isto é, SESMAB não somente atua na garantia do direito à
saúde dessas populações, por meio da ampliação da cobertura de atenção básica, ainda promove
ações complementares em parceira com SESMAS, por exemplo, o Projeto Caravana da
Vontade Popular (figura 7) e o Outubro Rosa.
Figura 7. Ações complementares “Projeto Caravana da Vontade Popular”
Fonte: Prefeitura de Abaetetuba (2014)
Apesar da intersetorialidade estar atualmente em voga nas políticas públicas de âmbito
federal e fortemente presente no Programa Bolsa Família, a prática da intersetorialidade já
estava sendo construída e adotada em outras políticas sociais. Sendo assim, já possível
encontrar esse modelo na ação intersetorial presente em vários setores, como os de saúde
articulando principalmente com assistência social; a educação com a saúde, assim com
secretárias como SEMAGRI em articulação com assistência social, por exemplo. Observar-se
que a gestão intersetorial em políticas públicas, embora não significa dizer que exista uma
orientação clara, a partir de um conjunto de estratégias e ações visando o planejamento pré-
definido para o desenvolvimento dessas articulações.
85
A intersetorialidade na gestão do PBF em Abaetetuba, demostra a articulação entre os
setores proporciona uma resolução de conflitos, ou encaminhamento de beneficiários que
necessitam do atendimento de outros setores, sem que essas ações estejam condicionadas a uma
normatização operacional.
A presença desse modelo de gestão aplicado, por exemplo, no “Projeto da Caravana
da Vontade Popular” (figura 7) pode ser explicado por fatores como: complexidades dos
problemas que podem abranger um indivíduo, assim também como sua família; limitações de
recursos públicos; estrutura física; e equipe técnica para o atendimento dessa população;
limitação territorial (Fator Amazônico); interdependência entre os serviços oferecidos para a
população e; transversalidade das políticas públicas.
No caso da gestão do PBF em microterritório em Abaetetuba, a intersetorialidade ainda
é um processo em contínua construção. Atualmente podemos considera-se que possua três
principais estratégias voltadas para o desenvolvimento de uma maior integridade nas ações
entre os setores. A primeira está relacionada ao cadastramento das famílias com o perfil no
Cadastro Único e recadastramento para atualização de dados das famílias beneficiárias do PBF;
a segunda está ligada ao acompanhamento das condicionalidades e ao compartilhamento das
informações das famílias beneficiadas entre os setores direto e indiretamente envolvidos; e, a
terceira, refere-se à identificação, notificação e acompanhamento das famílias em
descumprimento com as condicionalidades do programa.
Sabendo-se do conhecimento da dinâmica do território enquanto espaço social
identifica-se os elementos e informações que poderão facilitar compreensão da implementação
do Programa. Nessa perspectiva, as análises das especificidades geográficas do território de
Abaetetuba significam um desafio complexo, pela amplitude territorial, enquanto espaço
geográfico, seja pela dificuldade de atual em um território cuja realidade é historicamente
marcada pela produção de desigualdades sociais (SESMAS, 2013).
No próximo capítulo apresenta-se analise da forma de gestão na perspectiva de cada
um dos setores envolvidos: Educação, Saúde e Assistência Social. A ideia geral é levantar os
fatores políticos e institucionais que criaram um contexto específico para o desenvolvimento
do Programa e para o modelo de gestão adotado no município, para então compreendermos
como eles influenciam nas relações interpessoais e entre os setores e, consequentemente, no
grau de intersetorialidade obtido para gestão local em microterritório.
86
5.2 AS CONDICIONALIDADES NO MUNICÍPIO DE ABAETETUBA
Este capítulo tem como objetivo identificar as condicionalidades do programa e a e
suas ações intersetoriais em nível local, com ênfase nas possibilidades e desafios. Para isso, foi
necessário inicialmente identificar as características básicas do município como: sua
localização, características territoriais e demográficas, seus aspectos econômicos, o cenário da
saúde, educação e assistência social; além de identificar o modelo de gestão do programa em
nível local, o desempenho no acompanhamento das condicionalidades do programa e as ações
intersetoriais, o que possibilitou uma avaliação crítica acerca dos desafios do programa no
município, principalmente os entraves para gestão do PBF em microterritório da Amazônia.
5.2.1 Saúde
A responsabilidade sobre o acompanhamento do calendário vacinal, do pré-natal em
gestantes e, da questão alimentar em nutrizes, é da Secretaria Municipal de Saúde (SESMAB).
No entanto, em campanhas de vacinação outros setores atuam como agentes parceiros, pois
auxiliam basicamente na divulgação e informação do público-alvo.
Quadro 10. Tipo de Atendimento realizados pela SESMAB no município de Abaetetuba (ref.
nove/2014)
Fonte: DATASUS/SESMAB *ref nov/2014
A estrutura de ação da Secretaria de Saúde no município conta com 55 unidades de
atendimento, sendo apenas 19 Unidades Básicas de Saúde e 27 Postos de Saúde (quadro 10).
Ressalta-se que a distribuição dessas unidades de UBS’s e ausência de Unidade de Saúde da
Família no território do município não compete com o número populacional e com dimensão
territorial da realidade concreta de Abaetetuba. Tal fato causa dificuldades no atendimento dos
beneficiários do Programa para o atendimento da gestão das condicionalidades que se
Tipo de Atendimento Total
Centro de Apoio a Saúde da Família – CASF 0
Centro de Atenção Psicossocial – CAPS 2
Centro de Saúde/Unidade Básica de Saúde 19
Clínica especializada/Ambulatório especializado 1
Hospital Especializado 1
Posto de Saúde 27
Unidade de Saúde da Família 0
Unidade móvel de nível Hosp.Urgência/Emergência 1
Unidade móvel fluvial 1
Unidade móvel terrestre 2
87
fundamentam na intersetorialidade. Entende-se, pois, gestão intersetorial um instrumento
estratégico que implica em uma atuação articulada das áreas de Saúde, Educação e Assistência
Social, cuja concretude deve ser alvo de ações especificas definidas e operacionalizadas em
articulação.
As fragilidades na atuação da SESMAB, referente às condicionalidades, vão desde o
recadastramento das famílias beneficiárias até o acompanhamento dos beneficiários em
descumprimento das condicionalidades.
Destaca-se três dos principais desafios apontados pela gestão do Programa no setor da
Saúde e os pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACS). O primeiro relaciona-se com a não
informatização e acesso à internet de todas as Unidades de Saúde, o que implica no
armazenamento e acúmulo de informações em prontuários de papel, ou seja, não acessíveis ao
restante da rede de atendimento.
O segundo desafio está associado à dificuldade do município em realizar uma eficiente
cobertura de atenção básica de saúde, sabendo-se que a efetividade da condicionalidade desse
setor é realizada pelas equipes de atenção básica, principalmente por meio dos ACS que ainda
existem algumas áreas ‘descobertas’ por esses profissionais, isto é, acaba dificultando o total
acompanhamento dos beneficiários, e consequentemente não consegue alcançar a cobertura
esperada. Destaque-se que esse trabalho realizado pelos ACS é feito através dos Mapas de
Acompanhamento da Agenda da Saúde na abertura da vigência, atrás dos mapas que são
retiradas as dúvidas por meio de orientações e conversas em relação ao Programa, em que é
dado um prazo para a devolução do mesmo, para que se possam inserir os dados no sistema.
O terceiro fator está associado à dificuldade na realização de articulação com a
Assistência Social. Isto é, as articulações são consideradas como novos arranjos organizacionais
(FISCHER, 2002) que as ações entre os atores sociais são coletivas com finalidade de conseguir
integrar ações que favorecem a inclusão social. Segundo depoimentos, muitos dos
encaminhamentos realizados para os CRAS do município não são atendidos e assim não
retornam Unidade de Saúde, sob a justificativa de falta de capacidade para o atendimento da
demanda.
Dois dos problemas anteriormente levantados encontram-se respostas vindas da gestão
do setor, são eles o primeiro e o segundo. O primeiro problema está ligado à informatização da
rede de atendimento da saúde. Esta questão não é exclusividade deste setor, a educação e
assistência social convivem com as mesmas dificuldades e cobram constantemente dos
governos providências. A resposta para o segundo desafio destaca que dificuldade da Secretaria
88
Municipal de Saúde é colocar ACS nessas áreas ‘descobertas’, para que todos os beneficiários
do município de Abaetetuba sejam acompanhados, e a cobertura seja completa.
O último desafio é uma questão contraditória por parte da SESMAB e SESMAS
sabendo-se que ambas conseguem desenvolver ações intersetoriais, sendo que não ocorrem
ações sistematizadas entre essa articulação aos assuntos relacionados ao Programa Bolsa
Família. Porém, dentre as ações de articulação ocorrem, por exemplo, “Projeto Caravana da
Vontade Popular” com palestras e orientações voltadas aos beneficiários, no que diz a vários
temas voltados a saúde e em algumas áreas descobertas é feito essas ações para beneficiar
população que está longe desses serviços.
Gráfico 9. Percentual de cobertura com base nas famílias totalmente acompanhadas da saúde ref.
1ªvigência/2010 até 2ªvigência/2014 em Abaetetuba/PA
Fonte: DATASUS/SESMAB (2014)
Perceber-se no gráfico 9 uma desaceleração no ritmo da 1ª vigência de 2013 até 2ª
vigência de 2014 da cobertura das famílias em relação acompanhamento de condicionalidades
pelo setor da saúde. De 2010 até a primeira metade do ano de 2014, é possível verificar um
avanço significativo na taxa de acompanhamento das famílias beneficiárias na área de saúde.
No entanto, a partir do segundo semestre de 2014 os dados nos apresentam regressão
desses avanços. Verifica-se que essa queda da 1ª vigência até 2º vigência retrata um aumento
significativo do número de perfil sendo acompanhados pela área da saúde com uma deficiência
na cobertura estimada para o atendimento de atenção básico no município de Abaetetuba.
2010 2011 2012 2013 2014
1ª Vigência 61,53 65,88 72,25 78,91 82,12
2ª Vigência 60,54 71,27 74,88 79,08 71,07
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
89
Gráfico 10. Evolução comparativa da taxa de famílias com acompanhamento da Agenda de Saúde,
Abaetetuba, 2010-2014
Fonte: MDS (2014)
No gráfico 10 observa-se que a taxa alcançada em 2013 chega a 0,79 das famílias com
perfil, ou seja, aquelas com crianças de até 7 anos e/ou com gestantes. A média nacional é de
0,73, o município de Abaetetuba está acima da média. Em relação com a capital paraense,
demostra uma taxa de regressão no período de 2012 ao período 2014 o município chega a 0,33%
longe da média nacional.
De acordo com dados do Ministério da Saúde, nota-se que no gráfico 11 que acometeu
uma instabilidade no percentual de cobertura estimada pelas equipes de atenção básica no
município. Em 2010, a cobertura era de 45,1% e reduziu no ano seguinte para 21,3%. Em 2012,
a cobertura teve o crescimento de 39,9% e até 2013 para 44,5 %.
A queda em 2011 pode ser associada ao período de descredenciamento das equipes de
saúde pelo Departamento de Regulação da Secretaria Municipal de Saúde do Município de
Abaetetuba, o qual atua junto a um Sistema Nacional de Informação do Ministério da Saúde,
pois este realiza também a atualização de dados de do Sistema Único de Saúde no município.
Porém, considerando a população municipal e as condições geográficas, esse atendimento ainda
pode ser considerado deficitário (BRABO, 2014).
2010 2011 2012 2013 2014
Abaetetuba 0,62 0,65 0,72 0,79 0,8
Belém 0,58 0,62 0,82 0,09 0,33
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
90
Gráfico 11. Percentual de Cobertura de Equipes da Atenção Básica, Abaetetuba, 2010 a 2013
Fonte: DATASUS (2014)
Os problemas apresentados pela gestora do setor da saúde no município de Abaetetuba
não são percebíveis nos dados da taxa do IGD-M e no percentual de cobertura de equipes de
atenção básica, as dificuldades estão ligadas aos encaminhamentos dos beneficiários entre os
setores. É evidente, que há uma cultura organizacional dos serviços públicos, fortemente
marcada pela setorialização, portanto, integrar e articular serviços ainda são desafios ligados ao
compartilhamento de poder, a precariedade nas estruturas de atendimento, recursos humanos
insuficientes frente à demanda do PBF.
5.2.2 Educação
A Secretaria de Educação do município conta atualmente com uma rede de 173
aproximadamente escolas municipais, que se encontra em expansão com a construção de mais
2 unidades estão sendo construídos no município.
Apesar dessa distribuição dessas unidades no território ser realizadas com base na
divisão territorial do Censo (IBGE) em 46 unidades administrativas, coincidindo com a divisão
apresentada nos setores da saúde e da assistência social.
45,1
21,3
39,9
44,5
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
2010 2011 2012 2013
%Cob.Básica
91
Quadro 11. Quantitativo de Escolas Municipais de Abaetetuba, 2012-2014
Rede Municipal 2012 2013 2014
Zona Urbana – Sede 40 41 40
Zona Rural – Estradas e Ramais 46 49 51
Zona Rural – Ilhas 83 83 82
Número total 169 173 173
Fonte: Coordenação Estatística/SEMEC
Conforme a quadro 11 observa-se a distribuição geograficamente por três realidades
distintas: zona urbana; zona rural estradas e ramais; zona rural ribeirinha/quilombola.
A responsabilidade sobre o registro, acompanhamento e notificação sobre a frequência
escolar dos beneficiários do PBF no município é da Secretaria de Educação. Contudo, as
informações referentes à porcentagem de frequência que o aluno beneficiário deve ter e ao
acompanhamento da família nas atividades dos filhos em idade escolar, são passadas e
repassadas tanto no momento do cadastramento, quanto no recadastramento.
O acompanhamento da frequência escolar pela Secretaria de Educação sempre foi
intermediado pela Assistência Social, isto é, os diários de frequência escolar eram preparados,
distribuídos e recolhidos nas escolas a cada mês por uma equipe do setor da educação básica,
que também digitava e inseria as informações no SISCON. Em casos específicos de
descumprimento da condicionalidade de frequência escolar CRAS, o responsável pela família
beneficiária aciona o Conselho Tutelar e o Ministério Público, que realizam o encaminhamento
de alerta da importância da frequência escolar para a criança. Desta forma a família continua
recebendo o benefício do Programa.
Em decorrência dos princípios constitucionais da descentralização político
administrativa e da participação popular surgem os órgãos dispostos dentro da política de
atendimento com caráter deliberativos e controladores das ações em todos os níveis. Por
exemplo os Conselhos Municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente.
O Conselho Tutelar, no número mínimo de 1 (um) por município, tem responsabilidade de zelar
pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente definidos no Estatuto13
(KAMINSKI, 2002). No caso do município de Abaetetuba existe 2 (dois) por município, devido
suas especificidades geográficas e características sociais e identitárias de sua população
diferenciadas.
13Arts. 131 e 132 do ECA.
92
Gráfico 12. Percentual de alunos de 6 a 17 anos com frequência escolar acompanhadas,
Abaetetuba, 2010 a 2014
Fonte: Site MDS, 2014
Observa-se no gráfico 12 os efeitos positivos no acompanhamento da frequência
escolar, e a evolução no percentual de crianças de 6 a 17 anos na escola permaneceu estável
desde do período de 2010 até o período de 2014.
De acordo com Secretário de Educação os avanços foram atribuídos em grande medida
à informatização das escolas, além da criação de sistemas para coletar e armazenar as
informações sobre os alunos e seu desempenho escolar.
No município de Abaetetuba, 99,58 % das crianças e jovens de 6 a 17 anos do Bolsa
Família têm acompanhamento de frequência escolar. A média nacional é de 92,03 %. Sendo
assim o município está acima da média, mas ainda assim é importante que as secretárias de
Assistência Social e de Educação continuem trabalhando juntas para aumentar o número de
famílias cujos filhos têm frequência escolar acompanhada.
No que se refere à intersetorialidade com os setores de Educação e Assistência Social,
foi unânime a indicação por parte dos gestores tanto da Secretária de Educação quanto da
Secretária de Assistência Social, sobre o vínculo entre a escola e o restante da rede de prestação
de serviços da prefeitura. A justificativa apontada é que foram criados laços entre os setores
para participação de questões que vai além dos “muros da escola”.
No que se refere aos motivos que resultaram no descumprimento das
condicionalidades do PBF, assim como as consequências desses descumprimentos, identifica-
93
se os efeitos da condicionalidade: Advertência, Bloqueio, 1a Suspensão, 2a Suspensão e
Cancelamento de Benefício
Quadro 12. Tipologias dos motivos de baixa frequência Conselho Tutelar, Abaetetuba, 2012-2014
TIPOLOGIA
2012 2013 2014
Trabalho infantil 28 24 5
Fatos que impedem o deslocamento à escola 53 70 6
Abandono Escolar/Desistência 10 37 4
Desinteresse/desmotivação pelos estudos 23 42 3
Repetência escolar 15 20 4
Dificuldade de aprendizagem 11 29 -
Inexistência de oferta de serviços educacionais 110 89 67
Ausência por questão de saúde do aluno 60 102 9
Mendicância/Trajetória de rua 19 36 7
Gravidez 22 39 12
Exploração/ Abuso sexual/ Violência Doméstica 52 37 -
Suspensão escolar 06 05 11
Negligência dos pais ou responsáveis 08 - -
Violência/Discriminação/Agressividade no
ambiente escolar 32 38 9
Fonte: Conselho Tutelar Urbano de Abaetetuba (2014)
No quadro 12 observa-se as tipologias dos motivos da baixa frequência para
justificativas no acompanhamento da frequência escolar de crianças e jovens em
vulnerabilidade. Nota-se os motivos frequentes informados pela escola da 1ª vigência de 2012
à 1ª vigência de 2014 tais motivos são relacionados ao descumprimento das condicionalidades
do PBF no município estudado, com base nas categorias estabelecidas pelo MEC das quais 68
estariam descumprindo a condicionalidade de frequência escolar (cuja exigência é de no
mínimo 85% para crianças entre 6 e 14 anos e 75% para os adolescentes entre 15 e 17 anos), os
fatos apontados mostra-se o desinteresse ou desmotivação dos alunos pelos estudos (informado
pelo Conselho Tutelar).
Observa-se que os dados do Conselho Tutelar demostram durante período de 2012,
110 pessoas não conseguiram vagas nos serviços educacionais. Em 2013, 70 crianças e
adolescentes tiveram dificuldades para o deslocamento até a escola; e 42 alunos ficaram
desmotivados ou perderam interesses pelo estudo.
A justificativa apresentada pela Secretaria de Educação foi a de que sobraram vagas
nos serviços educacionais, contudo, há dificuldades dessas famílias ter aceitação de algumas
94
escolas. Para a maioria delas, existe a crença de que existe a “escola boa” e a “escola ruim”, ou
ainda, identificam algumas escolas localizadas em bairro que recebem um tratamento
discriminatório.
Os dados de deslocamento das crianças e adolescentes são justificados pelo gestor da
Educação como sendo neste o ponto de ‘guerra’ entre SEMEC e SEDUC. Devido que o
financiamento da Educação na região Norte não leva em conta o ‘fator amazônico’, ou seja,
não considera as peculiaridades da região que afetam o acesso das crianças e adolescentes aos
serviços educacionais. O gestor da Secretária de Educação citou que preciso revisar e adequar
portarias referentes às políticas para população reside de forma dispersa e o deslocamento é
difícil pelas características geográficas e de infraestrutura e que essa meta não é praticável,
principalmente na zona rural.
Essa dificuldade foi apontada não somente pela gestão do programa no setor da
Educação, como também por profissionais da saúde e assistência social. Podemos concluir que
o “fator amazônico” deve ser visto como uma complexidade socioeconômica e política, com
singularidades de que as difere das demais regionais, e que a Amazônia é uma voz que reclama
audiência, é uma paisagem que avoca luz, é um povo que advoga isonomia (BERNARDINO,
2011).
5.2.3 Assistência Social
A responsabilidade sobre o acompanhamento dos programas PETI (Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil) e PAIF (Programa de Atenção Integral à Família), assim
como a identificação e análise de algumas famílias em descumprimento com as
condicionalidades, é da Secretaria de Assistência Social do município.
A estrutura de serviços da Secretaria de Assistência Social é formada por 06 CRAS,
01 CREAS, 01 Espaço de Acolhimento e 06 Entidades não-governamentais de Proteção Social.
Para a distribuição dos CRAS no território do município foi feita uma reagrupação destas
unidades administrativas em 4 regiões: 1) CRAS Angélica; 2) CRAS Algodoal 3) CRAS Beja;
4) CRAS Pólo 07; 5) CRAS Pólo 04; e 6) CRAS Quilombola.
95
Quadro 13. Distribuição dos CRAS nas áreas de cobertura da Assistência Social, Abaetetuba, 2013
CRAS
QUILOMBOLA
CRAS
RIBEIRINHO
PÓLO 07
CRAS
RIBEIRINHO
PÓLO 04
CRAS
RURAL
BEJA
CRAS
URBANO
ANGÉLICA
CRAS
URBANO
ALGODOAL
Assacu, Igarapé
Vilar, Genipaúba,
Acaraqui,
Taueraçú,
Arapapuzinho,
Ipanema, Baixo
Itacuruçá, Médio
Itacuruçá, Alto
Itacuruçá, Ilhinha,
Sítio Prego,
Acarajó, Furo
Limão e Piquiarana
Alto Ajuaí,
Baixo Ajuai,
Ajuaizinho,
Bacuri, Costa
Maratuíra,
Jupariquara,
Médio
Tucumanduba,
Baixo
Tucumanduba,
Furo Grande,
Quianduba, Alto
Paruru e Baixo
Paruru
Urubueua
Cabeceira,
Urubueua Fátima,
Tauá, Paramajó,
Rio da Prata, Rio
Doce, Prainha,
Arumanduba,
Xingu, Anequara,
Igarapé São José,
Sapucajuba,
Urucuri,
Caripetuba, Ilha
do Capim,
Marinquara e Ilha
Sirituba.
Rio
Pirocaba,
Guajará de
Beja,
Tauerá de
Beja,
Arapiranga
de Beja, Rio
Jarumã
Maracapucu
Santa Maria,
Mara
capucu São
José, Cariá,
Ipiramanha,
Palmar
Rio
Jacarequara e
Campompema
Fonte: Diretoria de Assistência Social da SEMAS (2013)
A divisão dessa listagem obedeceu à territorialidade e área de cobertura dos CRAS
(quadro 13). No município os CRAS que totalizam 06 unidades de atendimento a família. É
importante ressaltar que não há acompanhamento posterior desses beneficiários pelos CRAS
ou por qualquer outra unidade da Assistência Social. Quando os atores deste setor foram
questionados sobre os motivos que os levam a não dar continuidade no atendimento ao
beneficiário, a resposta foi comum a todos. Dizem que seguem à orientação vinda da
coordenação do MDS que fornece os limites sobre sua atuação. A gestão intersetorial dais quais
depende, em grande parte, o sucesso do Bolsa, vê-se que desenho da gestão do Programa, não
ocorre como pressuposto a integração dos Ministérios e das Secretarias estaduais e municipais
de Educação, Saúde e Assistência Social na gestão do Programa para favorecer o acesso dos
mais vulneráveis a direitos sociais.
O conflito entre os setores da Assistência Social e com Ministério do Desenvolvimento
Social parece claro. Com base na observação do caso estudado, é possível fazer alguns
apontamentos para se chegar ao entendimento, observa-se a relação da gestão local e as tomadas
de decisão dadas pela gestora da secretária de Assistência Social determinam os rumos
previstos, ou até mesmo já antecipados, sobre o uso e o funcionamento deste Programa em
Abaetetuba. O efeito “dinâmico” se dá especificamente devido a prática do planejamento ‘de
cima para baixo’ (top-down) e a política baseada no ‘clientelismo’. Portanto, a gestão local
procura meios específicos para realizar a gestão do PBF respeitando as diversidades da
localidade, mas a inexistência de processos intersetoriais na gestão das condicionalidades como
96
uma estratégia gerencial está retratada nos problemas de contato e integração entre os gestores
do PBF e os responsáveis do MDS.
97
6. GESTÃO LOCAL DO PROGRAMA BOLSA FAMILÍA NO
MICROTERRITÓRIO
O capítulo tem como objetivo analisar gestão local do Programa no microterritório no
município de Abaetetuba, como a gestão e operacionalização do PBF, através da análise de
documentos do Centro de Referência de Assistência Social Quilombola (CRAS Quilombola)
contribui para os desdobramentos do programa social no desenvolvimento local dessa
localidade específica, com dados dos períodos do segundo semestre de 2010 e primeiro
semestre de 2014.
A fim de fortalecer ainda mais essa pesquisa, buscou-se entrevistara assistente social,
psicóloga e técnica do CRAS Quilombola, que auxiliaram de forma ampla a pesquisa. Desta
forma, o objetivo de conhecer as possibilidades e entraves do trabalho do CRAS na
intersetorialidade do Programa em frente às famílias beneficiadas.
Sendo assim, verificou-se por meio de dados fornecidos pela secretária de Assistência
Social e através de pesquisa de campo, a abrangência territorial do CRAS, como por exemplo,
o número de ilhas e comunidades remanescentes de Quilombos cobertas pelo Centro de
Referência em Assistência Social.
Assim, por esses dados percebe-se como foi escolhida a localização para a implantação
do Centro de Referência de Assistência Social, localizado no Rio Ipanema na zona rural/ilhas
do município de Abaetetuba. Esta localidade é composta por 15 ilhas e comunidades
referenciadas que são: Assacu, Igarapé Vilar, Genipaúba, Acaraqui, Taueraçú, Arapapuzinho,
Ipanema, Baixo Itacuruçá, Médio Itacuruçá, Alto Itacuruçá, Ilhinha, sítio Prego, Acarajó, Furo
Limão e Piquiarana.
De acordo com os relatos da Assistente Social, a implantação do CRAS ocorreu em
2006 com o objetivo de contribuir para a inclusão, construção, resgate e fortalecimento de
vínculos familiares, comunitários e sociais da população remanescentes de quilombos e
ribeirinhas.
“Ele foi fundado para justamente para trabalhar com os remanescentes de
quilombos que estão no município nas ilhas e nas estradas, atualmente estamos
principalmente nas ilhas. A gente planeja e trabalha a gente tem o grupo do
PAIF que dentro da própria organização da política. Serve para fortalecer os
vínculos familiares dentro dessas comunidades.” (Assistente social do CRAS
Quilombola, informação verbal)14
14Entrevista concedida à autora, Abaetetuba, 24 de fevereiro de 2014
98
O município de Abaetetuba possui 42 ilhas, sendo que os seus moradores são
pertencentes da cultura identitária ribeirinha e quilombola. Nesse sentido, o autor Castells
(2013) afirma que as identidades são construídas culturalmente, isto é, organizadas em torno de
um conjunto específico de valores cujo significado e usos compartilhados são marcados por
códigos específicos de auto identificação.
Assim sendo, o CRAS possibilitou a comunicação, informação e a mobilização das
comunidades, bem como aproximar serviços, programas, projetos e benefícios básicos das
comunidades referenciadas pelos CRAS.
A equipe do Centro de Referência CRAS Quilombola é composto por 20 funcionários
entre as funções estão assistente social, socióloga, psicóloga, educador (a) social (com formação
em Pedagogia) e entre outros funcionários.
“A gente precisa estar lá no CRAS (referencia-se ao CRAS no Rio Ipanema)
semanalmente pelo menos um trabalho lá com crianças, mulheres,
adolescentes e com as famílias em geral beneficiadas pelas políticas sociais.
Mas gente não consegue está lá diariamente, pois temos outras comunidades
para dá atenção. Sabendo que nossa equipe é pequena, ela não é suficiente. A
gente procura fazer o possível para cumprir as demandas dessas famílias. ”
(Psicóloga do CRAS Quilombola, informação verbal)15
Identificou-se situações de vulnerabilidade e risco que se encontrasse nas famílias, tais
como: drogadição, principalmente entre jovens e mulheres, abandono material16, conflito
familiar e bolsa família.
No que tange aos recursos materiais para o desenvolvimento do trabalho, durante os
anos de 2010 e 2014, o CRAS necessitada de equipamentos essenciais como computadores,
máquina digital, internet, aparelho telefônico, estofado, ventilador, freezer, micro-ondas, e
algumas alterações nas instalações do “barracão” onde está localizado o CRAS. Tais decisões
são necessárias para que permanência das equipes de trabalho na localidade devido as alterações
das mares e rios a infraestrutura se torna precária.
Enquanto espaço físico temos esta sala (referencia-se a sala, na qual, acontece
a entrevista dentro da Secretária de Assistência Social) que consideramos um
espaço administrativo, no caso nosso apoio administrativo. Aqui que acontece
as reuniões, planejamentos do CRAS, e alguns técnicos ficam aqui nesse
espaço urbano. Temos um outro espaço físico que o CRAS da Ilha, localizado
no Rio Ipanema é o espaço ainda de madeira. Precisa de reforma, mas essas
15Entrevista concedida à autora, Abaetetuba, 24 de fevereiro de 2014 16 Art. 244 do CP tipologia citada pelo Conselho Tutelar
99
reformas acontecem de maneira lenta. Mas, é muito importante um CRAS nas
ilhas, afinal lá acontece o primeiro atendimento e acompanhamento especial
e especifico. (Psicóloga e assistente social do CRAS Quilombola, informação
verbal)17
Entretanto, é de grande importância destacar que existem algumas dificuldades na
atuação da equipe do CRAS como, por exemplo, os transportes (rabecas, rabutos e "cascos")
que se utiliza é compartilhado entre o órgão gestor, CREAS e CRAS do município Por isso,
fica agendado um dia específico para realizar visitas, não possibilitando que a equipe atue de
forma mais ampla com as família através desse meio de grande importância na ação de
fortalecer o vínculos e confiança entre as famílias e os profissionais do CRAS.
“Hoje é um dia normal para nós, mas não podemos dizer qual dia certo que
vamos para as ilhas, afinal depende muito das mares e rios. A gente vai de
rabeta que não é um barco muito grande de motor. Depende muito. Você me
perguntar: − Qual o horário que vamos? Vai variar muito de comunidade para
outra, às vezes, em média de 30 min. a 1 hora para chegar em cada
comunidade. É extremamente cansativo porque vamos e voltamos no mesmo
dia.” (Assistente social do CRAS Quilombola, informação verbal)18
Ainda, tratando-se dos entraves no desenvolvimento das ações da equipe do CRAS
Quilombola, o grupo do Centro de Referência relata que as dificuldades de realizar os
atendimentos são pelas disparidades geográficas e culturais no município de Abaetetuba, e
ainda também as dificuldades em romper a ótica da população das ilhas de Abaeté ao que tange
a Política de Assistência Social como ajuda, tutela e o paternalismo.
Dificuldades de liderar a equipe na realização dos planos para as ações do
CRAS Quilombola (3 três meses) e, também não ultrapassar os orçamentos
dentro da Assistência Social para o Centro de Referência. Uma dificuldade
que temos de nos adequar os movimentos das mares e rios. As comunidades
são extremamente dispersas geograficamente e o Rio Itacuruçá é muito
extenso, portanto existe uma hora exata para entrar em certas comunidades.
Imagina? (gerente do CRAS Quilombola, informação verbal)19
Assim, apesar dos avanços e conquistas da Assistência Social no campo das políticas
sociais voltadas direitos básicos da Constituição (KERSTENETZKY, 2009) essas ainda são
relacionadas como ajuda, tutela e paternalismo, desta maneira interfere na práxis profissional.
17 Entrevista concedida à autora, Abaetetuba, 24 de fevereiro de 2014 18 Entrevista concedida à autora, Abaetetuba, 04 de julho de 2014 19Entrevista concedida à autora, Abaetetuba, 04 de julho de 2014
100
Outro fator importante a ser ressaltado seria o espaço físico inadequado para o
desenvolvimento de todas as ações referentes ao Centro com as famílias beneficiadas por
políticas de transferência de renda mínima.
O MDS coloca como meta o atendimento de 3 mil famílias, aqui são apenas 3
técnicas (referencia-se as assistentes sociais e psicóloga do CRAS
Quilombola), então o MDS desenha de que forma deve acontecer o trabalho
do Centro de Referência. Só que antes de desenhar o MDS não vem aqui me
perguntar se isso é possível ser feito no nosso território. A dispersão territorial
dificulta muito nosso trabalho, ela torna humanamente impossível. Impossível
fazer 100% de PAIF no território total da abrangência do Centro. (gerente do
CRAS Quilombola, informação verbal)
Afim de diminuir os entraves e dificuldades da gestão local, o Centro de Referência
em Assistência Social realiza articulações com os atores sociais locais, isto é, demonstra um
esforço de compreensão da gestão da Política por parte da equipe do CRAS Quilombola que se
propõe se articular em nível local para superar os problemas gerenciais.
Desta forma, as articulações sociais representam uma oportunidade dos atores sociais
(liderança locais, agentes de saúde, diretores de escola e pastores) têm de exercitarem os canais
democráticos para o desenvolvimento local. De acordo com Teodósio (2009) as parcerias
influenciam nas ações e interações locais de maneira positiva para o processo de
desenvolvimento local, isto porque, implica na transformação do Estado em direção à oferta de
políticas públicas menos estadocêntricas, o que é uma das virtudes que essa estratégia traz na
gestão social das iniciativas em longo prazo.
“Em 2009 quando o trabalho realmente começou, a gerente teve a iniciativa
de ir visitar todas as lideranças comunitárias dessas comunidades. Que gente
chama de parceiros, e aí começamos a fazer as parcerias com os agentes de
saúde, o líder comunitário, o pastor, o diretor de escola. Justamente para
utilizar os espaços das comunidades para fazer o nosso trabalho e as reuniões.
Sem eles não íamos conseguir fazer o trabalho. Ia se tornar impossível.”
(gerente do CRAS Quilombola, informação verbal)20
“Toda semana as técnicas (psicóloga, assistente social e uma educadora
social) fazem um trabalho com os beneficiários das políticas sociais. Só que
consideramos os parceiros importante para nosso trabalho, que através do
parceiro já sabemos que aconteceu na ilha e os fatos. Os parceiros nos informa
que está acontecendo com as famílias, portanto acontece o atendimento e o
acompanhamento, as vezes, não estava nem previsto para acontecer.” (gerente
do CRAS Quilombola, informação verbal)21
20Entrevista concedida à autora, Abaetetuba, 05 de julho de 2014 21Entrevista concedida à autora, Abaetetuba, 05 de julho de 2014
101
“É a rede. CRAS não pode trabalhar sozinho. Ele precisa da rede, portanto
precisa do CREAS, Conselho Tutelar, Pastoral do Menor, APAE conforme as
demandas chegam você pode fazer um referenciamento ou encaminhamento.
Se for dentro da política você faz um encaminhamento. Se for fora você irá
fazer um referenciamento. Eu sempre digo nas reuniões quando existe
diretores de escola, agentes de saúde e técnicos que nosso usuário é o mesmo,
tanto para assistência, saúde e educação e outros órgãos do governo. Ele
precisa ser atendido. Só que precisamos fazer a rede funcionar para atender as
demandas, por ex. o direito violado encaminha para CREAS; uma criança
precisando de acolhimento faz um referenciamento para APAE.” (gerente e
Assistente Social, informação verbal)22
No CRAS Quilombola do município de Abaetetuba o trabalho em rede encontra alguns
desafios para se constituir em uma estratégia para gestão local. Contudo, o CRAS vem
construindo a rede e mantendo relações com as escolas, associações de moradores, entidades
não-governamentais que são conveniadas com a Prefeitura. É através dessa estratégia do
trabalho em rede que estabelece formas de articulação para maximizar e qualificar serviços que
estão disponíveis no território. Deste modo, visa superar a fragmentação dos serviços e construir
sinergias para que eles atuem em rede (INOJOSA, 1998).
“Eu irei sempre me reportar 2009, quando realmente nós construímos a rede,
indo atrás, chamando os órgãos responsáveis e os representantes
comunitários(...) a gente tem buscado, não tem tido dificuldades com aqueles
que conhecemos (...) Agora o município está com essa discussão de ter essa
intersetorialidade nas políticas públicas. Toda política tem que ter a chamada
intersetorialidade. Já está ocorrendo quinzenalmente uma reunião entre as
secretárias com a participação da Pastoral do Menor e outros sobre Política de
Assistência Social. E aí que possibilita ter um estreitamento, ou seja, uma rede.
Às vezes tem por conhecimento pessoal. Ah! Eu conheço uma pessoa lá.
Procuramos os representantes das entidades para articular, para fazer os
encaminhamentos. Dessa forma, os resultados do trabalho em rede, tem sido
positivo, temos conseguido estabelecer parcerias.” (gestora e Assistente
Social do CRAS Quilombola, informação verbal)23
22Entrevista concedida à autora, Abaetetuba, 05 de julho de 2014 23Entrevista concedida à autora, Abaetetuba, 05 de julho de 2014
102
Quadro 14 - Quantitativo de Famílias com características específicas cadastradas no
sistema CadÚnico e beneficiárias do Programa Bolsa Família.
FAMÍLIAS CADÚNICO PBF
Famílias quilombolas 2.440 1.974
Famílias extrativistas 7 5
Famílias de pescadores artesanais 16 12
Famílias indígenas 13 11
Famílias em situação de rua 1 1
Famílias de catadores de material reciclável 1 0
Famílias pertencentes à comunidades de terreiro 1 1
Famílias ribeirinhas 45 30
Famílias de agricultores familiares 27 17
Fonte: BRASIL (2013)
O quadro 14 destaca o quantitativo de benefícios com características específicas
cadastradas no CadÚnico no município de Abaetetuba até o período de setembro de 2013. Nota-
se que até maio de 2013, dentre as famílias de características específicas, destaca-se as famílias
quilombolas com 2.440 cadastros no CadÚnico, sendo atendidas pelo PBF 1.974.
Considerando-se que um número expressivo no atendimento desta demanda.
Contudo, ainda existe o número maior de famílias quilombolas serem cadastradas no
CadÚnico. O sentimento de insegurança das famílias ao se identificarem como quilombolas é
resultado da compressão deles que o melhor seja o enquadramento como famílias ribeirinhas,
afinal acreditam que os benefícios de políticas destinadas aos ribeirinhos são maiores no
município. Para a maioria delas, também existe a crença de que raça negra foi deixada “boa
sorte” no Brasil e vinculada com um histórico de opressão e preconceito.
“Acontece quando vem se cadastrar não se declaram quilombola. Se declara
ribeirinho. Porque isso acontece? Acontece pois existe algumas políticas para
ribeirinhos, como ex. terras de marinha. Portanto, eles não querem perder
nenhum tipo de benefícios. É claro também, existe a questão do ser negro no
Brasil. A crença de carregar uma história de desfavorecimento. O meu
antepassado veio de outro pais onde lá ele poderia ser rei. Aqui ele foi escravo.
Existe muito preconceito, descriminação, devido ao auto-declaração você ver
que pessoa é negra, mas ele se declara parda. É uma questão de auto
conscientização, né? (gerente do CRAS Quilombola, informação verbal)
103
A questão acerca do caráter do BF (se favor ou obrigação do Estado) é ainda uma das
mais difíceis de compressão das famílias beneficiarias pelo Programa.
“Quando chegou o bolsa foi um grupo de pessoas se inscrever, uns porque
precisa realmente do bolsa, pois essa será sua única renda. Alguns não
precisam até ganha o bolsa. Quem é ribeirinho e quilombola vive de que?
Apenas das safras de açaí, da mandioca, farinha, e outras atividades de roça.
Dependendo do período do ano aquela comunidade vai ter dinheiro no bolso.
Só que o CRAS tem como missão de tornar essas famílias autônomas, mas
acho que essas famílias não querem ser autônomas. Será que estou errada?
(faz pergunta para companheira de equipe). Responde a companheira: − As
famílias se acomodam. (...) existe muitas famílias incluídas no CadÚnico já
ultrapassou os limites para o município do porte de Abaetetuba.” (gerente do
CRAS Quilombola, informação verbal)24
Nota-se que as famílias beneficiarias não conseguem compreender que o objetivo do
Programa articular transferência de renda direita com políticas educacionais, de saúde, e de
trabalho a fim de fortalecer a autonomia o que permitirá interromper o ciclo vicioso da pobreza.
“Olha essa situação, chegou uma moça lá do Itararaçú, ela era
acompanhada pelo CRAS com uma cesta. Ela me perguntou assim:
Dona (...) é possível vocês comprarem peixe para mim vender? Falei
que não, só poderia ajudar apenas com isopor. Ela podia vender a cesta
(que tinha acabado de ganhar) e pegar o dinheiro para comprar o peixe.
Então ela ia vender o peixe, e faturar uma renda. Ela respondeu assim
mesmo: Ah! Não Dona (...) eu prefiro a cesta. Resumindo ela queria a
cesta, o peixe, o isopor e ainda o gelo (a equipe brinca). Isso gente, para
dá ex. que existe acomodação em relação ao bolsa e as cestas.” (gerente
e Assistente Social do CRAS Quilombola, informação verbal)25
Observa-se que o Programa seria apenas um momento em suas vidas para perspectiva
de mudança não de dependência do mesmo. Contudo, o passado sem assistência alguma pelo
Estado parece confirmar a ideia de favor, ajuda e paternalismo em relação ao PB. Essa
concepção por parte das famílias somente será alterada quando existirem políticas de cidadania,
ou seja, políticas culturais integradoras, criação de espaços públicos de encontro, debate e
deliberação, sem suma, tudo o que forma aquela que Sen (2000) capacidades como a liberdade
que um indivíduo possui para escolher que tipo de vida deseja levar, dentre as que são possíveis
para ele.
No que tange ao formato apresentado para a população de Abaetetuba, o BF ainda não
contribui de forma eficaz para a geração da renda, embora outros programas relacionados, como
24 Entrevista concedida à autora, Abaetetuba, 05 de julho de 2014 25 Entrevista concedida à autora, Abaetetuba, 05 de julho de 2014
104
o Programa de Inclusão Produtiva e de Renda da secretária SEMAGRI tenha contribuído para
a inclusão produtiva dessas famílias.
Com isso conclui-se que o Bolsa Família não foi desenhado baseado na moderna
concepção de cidadania, em que se garante o acesso a todos que necessitem de um benefício
(ZIMMERMAN, 2006). A partir do momento em que o número de famílias for preenchido,
“dificultou” a inserção de novas famílias, mesmo que sejam extremamente vulneráveis e,
portanto, sujeitas desse direito.
As ações realizadas pelo CRAS Quilombola nos setores da Saúde, Educação e
Assistência Social, junto à comunidade como apoio a participação desta no Programa, são ações
preventivas e atividades socioeducativas, as quais possibilitam a população do território, maior
informação. Isto tem potencializado a participação e ampliado a consciência dos usuários em
relação à sua cidadania. Na educação, os CRAS organizam ações também de cunho preventivo
e educativo, existindo uma ação sistematizada para o desenvolvimento das atividades de forma
integrada nas escolas, vinculadas em pactuação com o setor da Saúde, atividades como ações
preventivas como orientação nutricional, dentre outros. Sendo, porém, que em algumas áreas
essa articulação é muito mais forte com os ACS no setor da Saúde.
A transversalidade das temáticas tratadas nas políticas públicas de Assistência Social,
por si só já conferiria posição de centralidade ao setor no que se refere às relações intersetoriais
(ZIMMERMAN, 2006). O fato do órgão responsável pela gestão do PBF estar inserido no setor
de Assistência Social, coma função de coordenar as ações de acompanhamento das
condicionalidades nos setores, e estabelecer parcerias com programas complementares, se
configura como fator determinante para a posição de maior centralidade no Programa.
Essas ações podem ser o início de uma proposta de ação que vislumbra a construção
de uma estrutura de governança capaz de proporcionar uma articulação entre gestores e
população no sentido de desvendar as potencialidades do território e, a partir disso, formular
estratégias para o enfrentamento dos problemas local. Com relação a isso Toro (2004) observa
que faz parte da essência do trabalho em rede a natureza dinâmica, não-estática, por isso as
relações precisam ser estruturadas a não suprimir ideias inovadoras, mas ao contrário,
estabelecer interações inovadoras, principalmente disseminar e fomentando novos
conhecimentos para o desenvolvimento da localidade.
A avaliação e o monitoramento do processo de trabalho em relação à equipe são feitos
pelas reuniões mensais e as atividades já são discutidas no projeto de cada atividade. Em relação
ao CRAS a avaliação é feita anualmente pela Ministério do Desenvolvimento Social o
105
monitoramento se realiza pelos relatórios mensais de cada atividade precedidos pelo
circunstanciado.
“Nosso trabalho ganhou muita visibilidade. Eu gosto de usar as palavras que
fomos desbravadoras. Desculpa, as minhas amigas do CRAS urbano, mas
trabalhar nas Ilhas é cansativo equivale mais de 6horas de trabalho no urbano
(...), porém isso não foi um impedimento. É coisa de louco. Eu falo com muita
humildade sobre nosso trabalho. O nosso CRAS Quilombola é referência no
município, e também em nível nacional. Quando o MDS implantou a equipe
volante nos CRAS, nós já trabalhávamos como esse tipo equipe que se destina
ir para campo, nosso caso para Ilhas fazia tempo. Fomos em Fortaleza (refere-
se ao encontro de gestores do MDS) mostrar nossas dificuldades em campo,
contudo ainda precisamos de adequar as amaras das políticas. ” (gerente do
CRAS Quilombola, informação verbal)26
Contudo, o Ministério do Desenvolvimento Social criou um indicador sintético
(IDCRAS), com o objetivo de sistematizar as características de funcionamento dos CRAS,
através da combinação dos seguintes indicadores dimensionais: Atividades realizadas, horário
de funcionamento, recursos humanos, e a estrutura física (BRASIL, 2013). O IDCRAS foi
criado em 2008 pela Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI), em parceria com
a Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS) com o objetivo de aprimorar o processo de
monitoramento dos CRAS, iniciado em 2007, por meio do atualmente chamado de Censo
SUAS.
Gráfico 13. Indicador de Desenvolvimento do CRAS Quilombola, Abaetetuba, 2012
Fonte: MDS27, 2012
26Entrevista concedida à autora, Abaetetuba, 04 de julho de 2014 27Site consultado
http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/FerramentasSAGI/rdrct.php?http=http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/snas/imp2012/&nome_link=Demonstra%C3%A7%C3%A3o%20de%20implanta%C3%A7%C3%A3o%20dos%20servi%C3%A7os%20executados%20por%20equipes%20volantes
106
No gráfico 13 mostra-se o IDCRAS do CRAS Quilombola de 2012 com índices em
10 estágios de desenvolvimentos (insuficiente, regular, suficiente e superior) das quatro
dimensões citadas.
De acordo com MDS, o IDCRAS avaliou os 10 (dez) estágios de desenvolvimento do
CRAS Quilombola em avaliações que são Insuficiente e Regular. Isto é, a constatação da alta
dependência do microterritório com gestão do Programa. O processo de implementação do PBF
seja efetivo exige que os objetivos do Programa sejam claramente definidos, e os recursos sejam
viabilizados, por fim o sistema seja capaz de controlar os indivíduos e organizações envolvidos
na condução das diferentes tarefas.
A partir dos dados coletados, infere-se que Abaetetuba é o município afetado pelo fator
amazônico. Contudo, ainda estão sendo discutidas as relações do fator amazônico relativas à
dimensão social, diversidade étnica e cultural, com a construção do Sistema Único de
Assistência Social na região Norte.
“Na área da Assistência nós sempre preocupamos com essa história da
realidade amazônica, nós sabemos que o Governo Federal sempre elabora
políticas de maneira geral sem conhecer todas as realidades dos Estados. Que
nos preocupava era levar a política de Assistência as pessoas que estão em
vulnerabilidade social, principalmente aquelas que estão longe da zona
urbana, isto é, estradas e ilhas. Agora como levar isso para lá, se ainda não
existe essa compreensão? Na verdade, só apenas está escrito na nova SUAS
2012, mas não está implementada. No meu entendimento ainda está no
caminho e se encontra em discussão. ” (representante da Assistência Social,
informação verbal)28
A região amazônica impõe um desafio diferente ao princípio da territorialidade. As
particularidades regionais da Amazônia pedem especificidades na leitura da realidade social em
seu território, e pede compreensão das potencialização e especificidades para inclusão do debate
no âmbito do SUAS (TEIXEIRA, 2009).
É forma plural de vias de deslocamento fluviais e terrestres, com implicações de
espaço/tempo (barcos, lanchas, rabetas, rabutos, “cascos”, voadeiras, entre outros) que afetam
o trabalho da Assistência no município de Abaetetuba, e essa dispersão geográfica se torna o
‘universo florestal’ impenetrável no trânsito de muitos dos usuários/cidadãos que necessitam
do SUAS.
“Se você perguntar se cobertura da Assistência Social está como o Governo
Federal coloca dentro da política SUAS? Irei responder que não, até porque
não existe como. Porque temos que nos adequar a realidade das ilhas, por
28Entrevista concedida à autora, Abaetetuba, 04 de julho de 2014
107
exemplo CRAS Quilombola deve ter colocado para vocês que a cultura lá (se
refere à cultura local das zonas ilhas/quilombola) é diferente. Não podemos ir
de frente com essa cultura, temos que respeitar essa cultura. Estou falando
apenas um pouquinho sobre essa complexidade. Começa até levar essa
política para o atendimento, que normalmente só podemos chegar de barcos e
voadeiras. Existe ilhas que não conseguimos nem entrar de voadeiras. Vai de
canoa, vai andando, então, é um leque de dificuldades geográficas que se
encontram que vai sim interferir na implementação lá na ponta.”
(representante da Assistência Social, informação verbal)29
Ao perguntar para a gestora da Assistência Social sobre a cobertura e a existência dos
CRAS itinerantes e equipes volantes dos CREAS em âmbito local?
Compreende-se que:
“Mesmo com CRAS e CREAS a mais do determinado pelo MDS, a secretária
de Assistência Social não cobre todas as áreas do município, principalmente
as áreas das ilhas, por conta das especificidades do território abaetetubense,
que é muito disperso e com formação de 42 ilhas” (representante da
Assistência Social, informação verbal)30
De acordo Campos (2013), os CRAS e os CREAS não podem se instituir como
unidades isoladas, do contrário não darão conta das questões sociais estruturais, deste modo,
pouco poderão fazer se não se constituírem como um conjunto de unidades que se apoiam
mutuamente na região.
A partir dos dados coletados pelo CRAS verificou-se que muitas dificuldades surgem
na operacionalização do Programa e o empenho das ações não é suficiente. Além disso, é
necessário, que Governo Federal e, mais recentemente, os municípios reconheçam as
particularidades da população beneficiada e envolva, efetivamente, nesse processo de
elaboração das ações da política na localidade.
Todos esses componentes estão envolvidos no que pode dificultar, mas também podem
potencializar a gestão e o trabalho da política de Assistência. Contudo isso observa-se que a
Amazônia contém saberes e instrumentalidades absolutamente vitais para esse trabalho, haja
vista que nela vivem quilombolas, ribeirinhos e índios de diferentes etnias (TEIXEIRA, 2009).
Em Abaetetuba existem42 ilhas cujas lideranças acreditam nos programas de
transferência de renda, mas, ao mesmo tempo crítica se a forma padronizada e individualizada,
que viola valores e práticas milenares de coletividade e socialização da produção.
29 Entrevista concedida à autora, Abaetetuba, 04 de julho de 2014 30 Entrevista concedida à autora, Abaetetuba, 04 de julho de 2014
108
“Saiu da escola e foi para outra escola, mas ela tinha que declarar. Assim era direito
daquela família receber os 72 reais. É direito daquela família. A gente procura saber
o porquê daquele benefício ser cortado. Muitos estão dentro do critério, só que são
cortados do Programa. É aí gente procura ajudar. Aí ligamos para Brasília, e Brasília
fala que o município. E o município diz que é Caixa Federal. A Caixa Federal diz
que o problema do município. Temos que resolver esse problema. A gente percebe
que o Cadastro não finalizou, aí prejudica uma pessoa. É isso problema de
acompanhamento ... a gente sabe que sujeito está aí ele precisa, às vezes, cortado
porque o filho não foi para escola. Só que eles não sabem que acontece. Não sabe
porque o menino teve algumas faltas na escola. Não levou porque ele não tinha nem
5 centavos para comprar uma gasolina. Sem dinheiro de passagem, principal nessa
época do defeso. ” (representante do Movimento dos Ribeirinhos as das Ilhas e
Várzeas de Abaetetuba – Moriva, informação verbal)31.
Com bases nas entrevistas sobre o PBF é possível identificar que há relações de forças
no âmbito político alguns anseios relativos à forma de entendimento do Programa ao público
beneficiário e dificuldades da gestão de cunho estratégico e operacional. Tais fatores que podem
impactar e comprometer a governança na esfera local.
No que refere o atendimento das condicionalidades, a secretária de Educação se refere
que os desafios estão nas lacunas intergovernamental do governo do Estado no
acompanhamento da educação.
“O atendimento das condicionalidades da educação por meio da frequência
escolar, o acompanhamento de saúde por meio da carteira de vacinação e
acompanhamento nutricional. A frequência municipal é 100% acompanhada,
já a frequência estadual tem falha, pois quando as crianças saem do município
para a rede estadual essa não realiza acompanhamento de frequência, daí vai
constar que a família não está cumprindo as condicionalidades. ”
(representante da secretária de Educação, informação verbal)32
“A secretaria de saúde tem trabalhado em cumprir as demandas do PBF (...)
existem campanhas de vacinação, mas os beneficiários não cumprem com sua
parte vindo vacinar e trazendo as crianças, por que não existe uma ação
punitiva sobre aqueles que não trazem as crianças para vacinar, como a perda
do bolsa, e aí as famílias não dão importância para agenda de saúde. ”
(representante da secretária de Saúde, informação verbal)33
Observa-se no setor da saúde que as dificuldades estão nas articulações entre os setores
da Assistência e Saúde. A secretária de Saúde precisa trabalhar em rede com a secretária de
Assistência Social para conseguir convergências de interesses e metas entre as
condicionalidades do PBF e das políticas do SUS, tais como Política de Imunização Nacional,
31 Entrevista concedida à autora, Abaetetuba, 04 de julho de 2014 32 Entrevista concedida à autora, Abaetetuba, 04 de julho de 2014 33 Entrevista concedida à autora, Abaetetuba, 04 de julho de 2014
109
Política de Redução da Mortalidade, Acompanhamento de Gestantes e Nutrizes, Programa
Saúde da Família, entre outras.
As estratégias e metas devem estar definidas para conseguir atingir as famílias
beneficiadas pelo Programa e conscientização da população em relação as questões da saúde
apresentadas pelo município. Sabendo-se que se faz necessário a realização das Caravanas para
conseguir alcançar os objetivos e metas do PBF e do SUS.
É importante observar as exigências do PBF no acompanhamento das
condicionalidades, as quais tem contribuído para uma redefinição de metas e estratégias, tal
qual no investimento de recursos municipais na estruturação desses que acabam por fortalecer
os setores de uma forma geral (SILVA, 2002; MONNRAT et al. 2006).
Nota-se que a intersetorialidade é um processo ainda não incorporado à prática de
gestão no município de Abaetetuba. Embora muito citada, tal estratégia gerencial aparece
somente nas Caravanas realizadas pela Prefeitura do município.
Desta forma compreende-se que a pouca experiência dos sujeitos sociais em
estabelecer processos decisórios compartilhados como parte de uma prática de gestão
intersetorial parece depender de variáveis que não estão no campo técnico, isto é, só ocorre
quando são realizados os novos arranjos organizacionais, tais como articulações, parcerias,
redes de sociais a partir da cooperação entre os atores sociais envolvidos.
Nessa direção, identifica-se na literatura sobre reconfiguração de paradigmas de
construção da nova esfera pública (FISCHER, 2002). A criação de novos padrões de
organização (articulações, parcerias interorganizacionais, redes sociais) e modos de regulação
(espaços ampliados de concertação, dinâmicas democrático participativas de planejamento e
gestão). Essa reconfiguração pela ideia da gestão compartilhada e participativa, ligada à
construção de novas ambiências públicas capazes de conduzir e reconduzir os processos de
desenvolvimento local (SILVEIRA; REIS, 2003).
110
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta desta dissertação foi realizar um estudo voltado para gestão do PBF em
nível local, especificamente nas ações intersetoriais do CRAS Quilombola. Além disso,
objetivou-se enfatizar os principais desafios na gestão do programa no município de
Abaetetuba, sendo necessária a abordagem da gestão do programa no seu contexto macro para
o contexto micro, ou seja, para se analisar a forma como esse programa de nível federal interage
e se consolida em nível local, especificamente no microterritório.
O PBF é considerado uma referência para abordagem da gestão intersetorial. Este
programa contém na sua origem, demandas pela intersetorialidade ao propor a unificação de
programas de transferência de renda e ao propor a descentralização nos municípios, o que
demanda uma série de articulação entre os três níveis de governo e destes com a sociedade. O
desenho do Programa propõe articulação de uma transferência monetária com programas
estruturantes no campo da Saúde, Educação e Assistência social desenvolvendo o que denomina
de ações complementares; pela exigência do controle social por parte de um conselho
específico, ou já existente, preferentemente no campo da Assistência Social.
O Programa Bolsa Família foi implantado pelo Governo Federal brasileiro em outubro
de 2003, com a perspectiva de combater a pobreza e a fome no país e promover inovações no
padrão histórico de intervenção pública na área social, e tem sido objeto de análise para muitos
estudiosos que debatem sua gestão nos seus mais diversos aspectos.
As condicionalidades do programa são a essência do mesmo e exige o envolvimento das
políticas setoriais como saúde, educação e assistência social. A literatura sobre o Programa
demonstra inúmeros problemas na gestão do PBF, mais especificamente devido ausência da
participação de forma integrada entre os gestores nos três níveis de governo, conselhos e
beneficiários e outros atores sociais. A gestão integrada tem se mostrado como um entrave na
gestão do PBF, o que põe em risco sua governança principalmente em nível local.
Embora a perspectiva de gestão intersetorial seja uma das mais importantes ações do
BF, as dificuldades são identificadas na busca das ações locais nesse processo, ressaltando-se
as fragilidades de infraestrutura, de equipamentos e de recursos humanos no município de
Abaetetuba, além das fragilidades identificadas pela articulação dos três níveis de governo, na
rede socioassistencial, no desenvolvimento de ações complementares, na frágil organização da
sociedade para controle social efeito do Programa.
111
Observa-se como desafio a necessidade de integração da gestão federal do Programa
com o município de Abaetetuba. A possibilidade de processo de planejamento integrado que
permita a resolução de fragilidades através de ações definidas e operacionalizas em parceria,
utilizando como estratégia a prática de encontros locais, regionais e estaduais envolvendo a
saúde, educação e assistência social, considerando esse processo uma construção e
compartilhamento com os sujeitos envolvidos na gestão do Programa.
No município de Abaetetuba, é possível destacar uma relação ainda tímida entre as
gestões local e gestão Federal do Programa, tornando uma lacuna na integração do Programa,
pois estas que tem o papel de apoiar as ações do mesmo acabam não cumprindo com o seu
papel. Conforme se identificou nesse trabalho, essa lacuna é prejudicial, uma vez que as
políticas locais possuem uma grande necessidade de apoio, numa perspectiva de relação
recíproca, no que tange o desenvolvimento das políticas regionais centradas nas gestões
estaduais de governo.
No que se refere à existência e funcionamento de serviços sócio-assistenciais e formas
de encaminhamento do público do PBF vem sendo atendido no geral pelas ações dos Centro de
Referências de Assistência Social – CRAS. Contudo, considera a possibilidade de as famílias
beneficiárias em situação de extrema pobreza serem incluídas em ações municipais,
principalmente no CRAS Quilombola que vem atuando no município de Abaetetuba através de
encaminhamentos; palestras sócio-educativas; visitas domiciliares para acompanhamento das
condicionalidades do Programa e atividades de geração de renda em parceira com Secretária de
Agricultura.
A adoção do CRAS como espaço privilegiado das famílias beneficiarias do BPF na
gestão do microterritório no município de Abaetetuba, é fundamental. Embora com uma prática
ainda incipiente, o CRASQ pode servir de prática positiva da gestão municipal por possibilitar
a articulação dos três setores, saúde, educação e assistência social, no atendimento e
encaminhamento dos membros das famílias, no sentido de atender melhor suas necessidades.
Todavia, a estrutura montada para o Programa, por meio do Ministério do Desenvolvimento
Social, ainda não oportuniza o cumprimento das condicionalidades em nível local. Por exemplo
as condicionalidades na área da Saúde, sendo as mesmas trabalhadas em conjunto com ações
pontuais pela Prefeitura de Abaetetuba para conseguir suprir as exigências do Programa.
A proposta de descentralização e municipalização, juntamente com novos mecanismos
de participação social foram fomentados pela Constituição Federal de 1988, sendo este um
marco na política social brasileira, no entanto, formas inflexíveis e centralizadoras de gestão
112
ainda são presentes. Os recursos do PBF ficam nas mãos do Governo Federal, o que retira do
município qualquer forma de autonomia, sendo este, incluído em ações macro, mas de maneira
pontual, pois a infraestrutura e todos os aspectos do município como econômicos, sociais,
geográficos, poderão favorecer ou não para um desempenho da gestão do programa em nível
local. E não se pode incorrer no erro de se desconectar essa realidade, pois o PBF não é um fim
em si mesmo, mas deve ser considerado como um momento na vida dos que dele necessita.
Assim, a necessidade de que a condução dos processos de desenvolvimento seja
coprotagonizada pelos vários atores que constroem as relações locais, isto significa a afirmação
de novos modos de relacionamento que tornam possível a articulação entre dos diferentes
setores (governo, sociedade civil, mercado) na construção dos processos de desenvolvimento.
A fim de que através dessas articulações, parcerias e redes sociais possa ocorrer mais do que
um afastamento em relação ao padrão verticalista de construção e implementação de políticas
públicas.
As reflexões desenvolvidas indicam que a efetivação da gestão intersetorial requer
mudanças nos padrões, nas ações e gestão das políticas sociais, com valorização da participação
de todos os segmentos organizados da sociedade. Isso implica em um rompimento com a
fragmentação setorial das políticas sociais, e o estabelecimento de nova institucionalidade
baseada na cooperação e parceira com o desenvolvimento de ações articuladas entre todos os
níveis de governo e a sociedade.
113
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