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Universidade de Brasília Universidade de Brasília Faculdade de Direito Faculdade de Direito Curso de Especialização a distância em Direito Sanitário para Membros do Curso de Especialização a distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Ministério Público e da Magistratura Federal Programa de Apoio ao Fortalecimento do Controle Social do SUS Monografia Final de Curso O MINISTÉRIO PÚBLICO E O ACOMPANHAMENTO DA GESTÃO DO SUS – SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE METODOLOGIA PARA ANÁLISE E AVALIAÇÃO Aluno: TARCÍSIO HUMBERTO PARREIRAS HENRIQUES FILHO Brasília (DF), 31 de janeiro de 2003.

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Ministério Público e da Magistratura Federal Ministério Público e da Magistratura Federal

Programa de Apoio ao Fortalecimento do Controle Social do SUS

Monografia Final de Curso

O MINISTÉRIO PÚBLICO E OACOMPANHAMENTO DA GESTÃO DO SUS –

SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

METODOLOGIA PARA ANÁLISE E AVALIAÇÃO

Aluno: TARCÍSIO HUMBERTO PARREIRAS HENRIQUES FILHO

Brasília (DF), 31 de janeiro de 2003.

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Ministério Público e da Magistratura Federal Ministério Público e da Magistratura Federal

Monografia Final de Curso

O MINISTÉRIO PÚBLICO E OACOMPANHAMENTO DA GESTÃO DO SUS –

SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

METODOLOGIA PARA ANÁLISE E AVALIAÇÃO

Aluno: TARCÍSIO HUMBERTO PARREIRAS HENRIQUES FILHO

Tutora: Conceição Rezende

Diretor da Faculdade de Direito: Prof. José Geraldo de Sousa JúniorCoordenadora de Pós-Graduação: Prof. Loussia Musse FelixCoordenadoras do Curso: Prof. José Geraldo de Sousa Jr e Prof.Márcio AranhaConsultora de Saúde: Dra. Conceição Aparecida Pereira RezendeConsultor Jurídico: Prof. Sebastião Botto de Barros TojalConsultora de Ensino a Distância: Prof. Maria de Fátima Guerra deSousaConsultora de Metodologia e Monografia Final de Curso: Prof. LoussiaMusse Felix

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DEDICATÓRIA

Este trabalho, para conclusão do Curso de Especializaçãoa distância em Direito Sanitário, não teria sido elaborado sem

as precisas lições da Professora Conceição Rezende,que, como tutora, com paciência infinita, suportou minhas

dúvidas e me forneceu elementos necessários à compreensão dos temas importantes da disciplina.

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O MINISTÉRIO PÚBLICO E O ACOMPANHAMENTO DA GESTÃO DO SUS

METODOLOGIAS PARA ANÁLISE E AVALIAÇÃO

1. Introdução. 2. A saúde na Constituição

Federal. 3. A legitimidade e a competência do

Ministério Público no processo de

implementação do SUS. 4. Princípios

constitucionais das ações e serviços públicos

de saúde. 5. A estruturação do SUS a partir de

indicadores sócio-econômicos. Uma proposta

para a racionalidade das ações e serviços do

SUS. 6. O papel do Ministério Público na

implantação do SUS. 7. Conhecimento, análise

e avaliação do SUS. 8. Instrumentos de atuação

do Ministério Público. 9. Considerações finais.

10. Bibliografia.

1. INTRODUÇÃO

Não é difícil reconhecer que a implementação do Sistema Único de Saúde é objeto de um

processo permanente.

Os problemas de saúde da população não são nem serão sempre os mesmos, o que leva à

constante necessidade de adequação da política de saúde às condições da população.

4

A eficiência das soluções das políticas de saúde pressupõe, como decorrência direta desse

processo, o envolvimento de todos os agentes sociais.

A responsabilidade pela coordenação é do Poder Público, mas não podemos nos esquecer

de que a lei também exige a participação nesse processo de implementação do SUS dos

trabalhadores da saúde, das equipes de auditoria1, dos usuários, dos prestadores de serviços de

saúde complementar e suplementar2, do Poder Legislativo3 e, no ponto que interessa a este

trabalho, do próprio Ministério Público.

De forma geral tem-se reconhecido que o Ministério Público deve participar da discussão

“sobre o funcionamento do sistema de saúde e estabelecer mecanismos de cumprimento de suas

determinações”4.

O Ministério Público é um importante agente nesse processo e, sobretudo pelos

instrumentos de que dispõe (como a ação civil pública5, por exemplo), capaz de dar uma decisiva

contribuição para o perfeito funcionamento do Sistema Único de Saúde.

No ponto atual do processo de implementação do SUS, essa participação do Ministério

Público é essencial, tanto para o aperfeiçoamento das medidas já tomadas pelos gestores, como

1 Para as pesquisadoras Conceição Rezende e Maria Passos Peixoto, na monografia Metodologia pararealização de análises funcionais da gestão de sistemas e redes de serviços de saúde no Brasil, OPAS/OMS/MS,Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da UFMG, compete a tal “componente” doSUS a utilização dos “instrumentos e mecanismos de controle, avaliação e auditoria” com necessária integraçãoao “Sistema Nacional de Auditoria” e articulação “com a programação de ações e serviços de saúde e comalimentação regular dos bancos de dados das três esferas de gestão do SUS”. Tais dados, como veremos adiante,são essenciais para avaliação da efetividade do sistema e para definição de novas políticas de saúde.2 As pesquisadoras mencionadas na nota anterior apontam, no que se refere aos prestadores de serviços, aimportância da verificação do “processo, os critérios e os instrumentos de contratação” e “se os contratos sãofirmados pelo gestor municipal ou outro, com controle social”. Acrescentaríamos a necessidade de avaliar aresolutividade desses contratos, como fator para se justificar ou não a contratação, o que deve ser um dos maisimportantes papéis destinados aos Conselhos de Saúde.3 O Poder Legislativo tem um papel relevante na estruturação do arcabouço legal do Sistema Único de Saúde.As pesquisadoras mencionadas nas notas anteriores, fixando diretrizes para avaliação do papel desse poder,apontam, com razão, que, neste aspecto, se deve analisar ou verificar o “nível de relacionamento estabelecidoentre o gestor e o Poder Legislativo, além de se verificar o empenho do gestor na resolução dos problemas legaisque interferem na implementação do sistema de saúde”. Acrescentaríamos aqui a necessidade de se estenderesta avaliação para o “relacionamento” desse Poder com os membros do Conselho de Saúde, sobretudo no quese refere à formalização das decisões tomadas pelos conselheiros.4 REZENDE, Conceição e PEIXOTO, Maria Passos, Metodologia para realização de análises funcionais dagestão de sistemas e redes de serviços de saúde no Brasil, OPAS/OMS/MS, Núcleo de Estudos em SaúdeColetiva da Faculdade de Medicina da UFMG.5 A ação civil pública, instituída pela Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985, se destina a disciplinar “as ações deresponsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico,estético, histórico, turístico e paisagístico”, além de, conforme disposição inserida em seu art. 1º, inciso V,permitir a tutela de “qualquer outro interesse difuso ou coletivo”, em que se abriga a saúde.

5

para a própria continuidade regular do processo de estruturação do sistema de saúde, tudo com a

observância das diretrizes traçadas pelo legislador.

Numa eloqüente demonstração da importância do Ministério Público nesse apontado

processo de estruturação do SUS, a Coordenadora da Plenária Nacional de Conselhos de Saúde e

Presidente do Conselho de Saúde do Rio Grande do Sul, Adalgiza Balsemão, em artigo publicado

no Manual do Curso de Especialização em Direito Sanitário, registrando “que a grande maioria [dos

promotores de justiça] ainda está muito distante e ausente” dos Conselhos de Saúde, relaciona os

“principais questionamentos dos Conselheiros de Saúde aos membros do Ministério Público” 6,

entre eles, precisamente, o pedido de maior participação do Ministério Público no processo de

construção do SUS.

Isso, muito mais do que constituir uma reclamação da sociedade por uma maior presença

do Ministério Público na questão da saúde, representa uma demonstração clara da importância que

tem o papel do órgão no tema em questão.

Na mesma linha temos inúmeras outras manifestações de seguidas Conferências Nacionais

de Saúde em que o problema tem sido ventilado com destacada freqüência.

É o caso, por exemplo, do item 10 do relatório da 10ª Conferência, realizada em 1996:

6 Segundo a autora mencionada, tais questionamentos seriam os seguintes: “como garantir o caráter deliberativoe fiscalizador do Conselho de Saúde? O que fazer quando o gestor não homologa as resoluções do Conselho deSaúde? Ou como garantir a homologação das resoluções aprovadas pelo Plenário do Conselho de Saúde, comdiscordância do gestor? É ético o Gestor do SUS ser também Presidente do Conselho de Saúde? Se o Gestor doSUS é também quem homologa as Resoluções do Conselho de Saúde, sendo ele o presidente, é quem assina aResolução e a Homologação? Como garantir a eleição da Mesa Diretora ou Núcleo de Coordenação doConselho, pelo Plenário do Conselho de Saúde? Como evitar que o Chefe do Poder Executivo encaminheProjeto de Lei ao Legislativo, sem concordância do Plenário do Conselho, modificando a lei de criação doConselho de Saúde e, como muito acontece, modificando a sua composição, retirando ou substituindoentidades? Como garantir a estrutura para funcionamento dos Conselhos de Saúde, com dotação orçamentáriaprópria, com verbas para seu funcionamento, para divulgação dos direitos da população, para realização deeventos e demais necessidades do Conselho? Como garantir verbas para deslocamento de conselheiros, quandoem representação do Conselho de Saúde e para que todos os conselheiros tenham os mesmos direitos? Quandovamos resolver o problema das cobranças do SUS, em especial nos procedimentos anestésicos e quando vamosresponsabilizar os que cometem a ilegalidade da cobrança? A Lei de Responsabilidade Fiscal pode ser utilizadacomo argumento de impossibilidade de gastos, mesmo em serviços de relevância pública, como a saúde? Comoos conselheiros podem fiscalizar realmente os aspectos econômicos e financeiros, como prevê a Lei 8.142/90, seos administradores públicos não discutem os orçamentos da saúde com os conselhos e os poderes legislativosaprovam esses orçamentos, com total desconhecimento da Emenda Constitucional 29? O conselheiro é co-responsável junto com o gestor público pela aprovação das prestações de contas dos gastos em saúde?”. Anatureza de tais questões demonstra, como queremos apontar, que a simples presença do membro do MinistérioPúblico nas reuniões dos Conselhos de Saúde pode funcionar como instrumento de implementação dasdiretrizes e dos princípios constitucionais e legais do sistema nacional de saúde.

6

“10 – Os gestores do SUS e os Conselhos de Saúde devem exigir do MinistérioPúblico a defesa do SUS e das demais políticas que atuam na ampliação emanutenção da qualidade de vida da população. Para tanto, os participantes da 10ªCNS deliberam por:10.1 – defender que o Ministério Público exerça seu papel constitucional e social(...), com a democratização do acesso ao mesmo, a garantia da informação e ocompromisso deste com a defesa dos interesses do cidadão;10.2 – defender que o Ministério Público seja o tutor da legislação em saúde, daassistência social e do Estatuto da Criança e do Adolescente, fiscalizando suaimplantação e execução nos setores públicos e privados, e tomando asprovidências cabíveis no caso de descumprimento do texto legal; (...)10.4 – responsabilizar os Conselhos de Saúde por encaminhar a todos os membrosdo Ministério Público Federal e Estaduais as resoluções das ConferênciasNacionais de Saúde (...), as normas operacionais básicas, portarias, instruções eleis complementares relativas ao SUS, bem como as resoluções dos Conselhos deSaúde, para que o Ministério Público fiscalize seu cumprimento;10.5 – reivindicar ao Ministério Público a criação de Curadorias de Saúde (setorespecífico para cuidar as questões pertinentes à saúde); (...)”7

As mesmas decisões e preocupações também motivaram manifestações constantes do

relatório final da XI Conferência Nacional de Saúde, realizada em Brasília em dezembro de 2000:

“No que se refere às responsabilidades dos Poderes (...) e do Ministério Público nagarantia do acesso, eqüidade, qualidade e humanização na atenção à saúde, osparticipantes constatam que: 1. Faltam informações sobre o SUS, sua legislação,problemas e perspectivas, tanto no caso do Ministério Público, como no Judiciário eno Poder Legislativo. Da mesma forma, faltam instrumentos de articulação entreesses Poderes em termos de comunicação, de capacitação e de controle. Emsituações em que há avanços na atuação do Ministério Público, ocorrem tambémprogressos no encaminhamento de questões relacionadas à garantia do direito àsaúde. (...). 4. Os Poderes Legislativos, Judiciário e o Ministério Público atuampontualmente, apenas quando acionados, de maneira desigual, de acordo comconjunturas específicas locais. 5. O Ministério Público carece de maior estruturatécnica para atuar na questão da saúde, apesar de ser uma área de RelevânciaPública (...)”8

7 BALSEMÃO, Adalgiza, Competências e rotinas de funcionamento dos conselhos de saúde no Sistema Únicode Saúde do Brasil, Manual do Curso de Especialização (...) em Direito Sanitário, p. 539 e 540.8 Relatório Final da XI CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE – Efetivando o SUS: Acesso, Qualidade eHumanização na Atenção à Saúde, com Controle Social, Manual do Curso de Especialização (...) em DireitoSanitário, páginas 601 e 602.

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Essas manifestações e considerações são importantes porque tornam a participação

constante do Ministério Público um fator fundamental para a perfeita implementação do SUS, como

aqui queremos demonstrar.

Se há ainda certa distância entre os Promotores de Justiça e Procuradores da República

dos demais agentes sociais, é preciso trabalhar para que a mesma seja apagada.

Essa é a única forma de viabilizar as condições necessárias para o regular e legal

funcionamento do SUS.

Este trabalho monográfico defende a tese de que o Ministério Público, mais do que

restringir sua participação a atuações “pontuais” e “apenas quando acionado”, deve assumir uma

posição verdadeiramente ativa no que se refere às questões do Sistema Único de Saúde, sobretudo

em consideração da natureza dos interesses aí envolvidos.

O Promotor de Justiça e o Procurador da República devem se aproximar dos demais

agentes, acompanhar de perto o processo de implementação do sistema de saúde e, quando for o

caso, utilizar os instrumentos jurídicos existentes para a efetivação concreta dos princípios

constitucionais e legais que norteiam o mencionado sistema, com o que estarão cumprindo com

perfeição o seu papel.

2. A SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Nosso constituinte, em 1988, deu à questão da saúde uma configuração toda especial e

isso torna essencial o envolvimento do Ministério Público no processo de implementação do

Sistema Único de Saúde.

O constituinte não se limitou a definir a saúde como sendo um direito social, mas foi além,

abrindo toda uma seção no Título VIII da Constituição - que trata da Ordem Social (artigos 196 e

seguintes), para assentar diretrizes e princípios fundamentais para o processo de construção de um

novo modelo de assistência à saúde da população, em tudo diferente dos modelos anteriores.

O dispositivo constitucional inserido no artigo 197 atribui “ relevância pública” às “ações e

serviços de saúde”, o que tem levado a doutrina nacional a se debater com o problema da definição

8

de “serviços de relevância pública” e a conseqüente necessidade de operacionalizar o acesso

público à saúde a partir da compreensão precisa das mencionadas disposições constitucionais, já

que as opções do legislador constituinte não podem permanecer abstratas ou petrificadas no texto

da Constituição (para usar expressão da Professora Sueli Dallari, “não mais se admite a

enumeração de objetivos quiméricos no texto constitucional” 9).

A idéia de “relevância pública” inserida no texto constitucional, assim, tem necessariamente

um alcance horizontal amplo, alcançando, além do serviço de saúde, outros serviços e ações

sociais, relacionados à atuação da Administração Pública quando voltada a seu “fim último”, qual

seja, a realização do “bem comum”.

Nesse sentido a saúde é um direito social, previsto no artigo 6º da Constituição Federal e

que configura, nas palavras dos Professores Camargo Ferraz e Herman Benjamin, um “direito

subjetivo público que é (...) assegurad(o) sempre através do exercício de uma função

administrativa” 10. Tem uma “ relevância pública especial”, na medida em que dela tratou

especificamente o constituinte no artigo 197.

Tais disposições devem ser concretizadas – através das “funções administrativas”

necessárias – pois só assim estaremos lhes dando a eficácia desejada pelo constituinte.

Esse processo de concretização exige a participação ativa e efetiva do Ministério Público.

Isso porque a implementação daquele dispositivo constitucional, a sua densificação ou a

precisa identificação daquilo que o Professor Luis Alberto David Araújo designa como sendo

“vetores interpretativos”11 envolvidos na implementação da vontade do constituinte, pressupõe a

necessidade de estruturação adequada e eficiente dos serviços essenciais, sobretudo no que se

refere aos serviços de saúde.

Nesse sentido, é observada omissão do Poder Público em implementar ou estruturar de

forma adequada e eficiente o serviço de saúde à população, diante da estruturação deficiente ou

irregular desse mesmo serviço, sendo provocado ou não pelos demais agentes sociais, o Ministério

9 DALLARI, Sueli Gandolfi, Direito Sanitário, Manual do Curso de Especialização (...) em Direito Sanitário.10 CAMARGO FERRAZ, Antônio Augusto Mello e VASCONCELLOS E BENJAMIN, Antônio Herman de, Oconceito de “relevância pública” na Constituição Federal, O Conceito Constitucional de Relevância Pública,Série Direito e Saúde n.º 1 – Organização Mundial de Saúde, Brasília: 1992.11 DAVID ARAÚJO, Luis Alberto, O conceito de “relevância pública” na Constituição Federal de 1988, OConceito Constitucional de Relevância Pública, Série Direito e Saúde n.º 1 – Organização Mundial de Saúde,Brasília: 1992.

9

Público deve promover, ainda que judicialmente, as medidas necessárias a suprir tal omissão ou

irregularidade, dando com isso plena validade às opções do legislador constituinte.

3. A LEGITIMIDADE E COMPETÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO DE

IMPLEMENTAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Não há manifestação pacífica, seja doutrinária ou jurisprudencial, em torno de divisão de

atribuições entre o Ministério Público Federal e os diversos Ministérios Públicos Estaduais no que

se refere à atuação no campo da implementação das políticas de saúde.

Se em nossos tribunais muitos são os casos envolvendo questões criminais decorrentes da

malversação dos recursos do sistema pelos diferentes gestores, principalmente no que diz respeito

ao problema da competência, não menos certo é que, no campo residual cível, o problema da

definição ou divisão de atribuições também permanece sendo objeto de infinitas discussões.

Manifestando-se sobre o problema, em seu aspecto criminal, o Supremo Tribunal Federal

deixou assentado que

“A prática de crime de concussão por dirigentes de hospitais privados vinculadospor convênios à assistência médica da Seguridade Social contra segurado não fazcompetente a Justiça Federal, se não se encontra demonstrado que resultouprejuízo para União Federal, suas autarquias ou empresas públicas” (1ª Turma –HC n.º 77.717-7 – Relator Ministro Ilmar Galvão – RT 764/147).

Em outra decisão, agora classificando o crime como sendo o crime de extorsão, afirmou

que

“ (...) assim como ocorre na espécie, versam todos os precedentes sobre médicos,dirigentes ou não, de hospitais privados, embora vinculados por convênio à agênciafederal de assistência médica da seguridade social.

Esse convênio, entretanto, não basta, em princípio, para fazê-losfuncionários públicos, sequer para efeitos penais, do que decorre – como observou,no julgamento invocado do STJ, o em. Ministro Cernicchiaro – que o crime acogitar-se não é o de concussão, mas, se for o caso, o de extorsão, este, sim, de

10

competência da Justiça Estadual” (HC 77.024 – relator Ministro SepúlvedaPertence, transcrito na decisão do HC 77.717-7, acima referido).

Muitas são, por outro lado, as decisões judiciais, sobretudo do Superior Tribunal de Justiça,

reconhecendo a competência da Justiça Federal para julgamento desses crimes, ou dando-lhes

uma classificação diferente.

Podem ser citados como exemplos dessas decisões judiciais os seguintes casos: de

fraudes com recursos do SUS (CC n.º 19.548 – relator Gilson Dipp, publicado no DJ do dia

04.12.2000; e, ainda, o CA n.º 98, relator Ministro José Arnaldo, publicado no DJ do dia

05.03.2001), casos de concussão (RHC n.º 8.271, relator Ministro Gilson Dipp, publicado no DJ do

dia 21.06.1999; e o RHC n.º 7.966, relator Ministro Gilson Dipp, publicado no DJ do dia 21.06.1999),

peculato (CC n.º 14.754, relator Ministro Anselmo Santiago, publicado no DJ do dia 29.10.1996),

cobrança indevida de honorários médicos (RES 3.035, relator Ministro Élcio Pinheiro de Castro,

publicado no DJ do dia 29.05.2002; e a Apelação Criminal n.º 5.577, Ministro Élcio Pinheiro de

Castro, publicado no DJ do dia 17.10.2001; e o RES 1798, Ministro João Pedro Gebran Neto,

publicado no DJ do dia 23.08.2000); e, finalmente, os casos de exigência de caução indevida (HC

n.º 97/0469600-0, Ministra Tania Escobar, publicada no DJ do dia 17.06.1998).

Indo além do campo criminal, numa nota publicada no Informativo n.º 291 do STF, do

período de 18 a 22 de novembro de 2002, restou reconhecida a legitimidade do Ministério Público

Federal para questões relacionadas aos convênios ou contratos firmados entre gestores e

prestadores de serviço. De acordo com a decisão do STF:

“ (...) aplicando o entendimento firmado no RE 208.790-SP (DJU de 15.12.2000) –no sentido de que o Ministério Público possui legitimidade para propor ação civilpública em defesa do patrimônio público (CF, art. 129, III) − , a Turma manteveacórdão do TRF da 1ª Região que reconhecera a legitimação extraordinária doMinistério Público Federal para propor ação civil pública cujo objeto referia-se àanulação de contrato celebrado entre o Estado do Maranhão e estabelecimentoprivado para a prestação de serviços do Sistema Único de Saúde – SUS, sem aobservância de prévio procedimento licitatório. RE 230.232-MA, rel. MinistroMoreira Alves, 19.11.2002.”

11

Em uma outra decisão judicial de importância, o STJ, em relatório do Juiz Edgard A.

Lippmann Júnior, enfatizando a legitimidade passiva da União para as questões de saúde

envolvendo o repasse de recursos, deixou assentado o seguinte:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONVÊNIOS. SUDS. SUS. LEGITIMIDADE PASSIVA.UNIÃO. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. EFICÁCIA DA DECISÃO.ABRANGÊNCIA. PORTARIA N.º 1.827/94. MINISTÉRIO DA SAÚDE.- A CF-88, art. 37, § 6º, consagra a responsabilidade objetiva do Estado, de

modo que não existe a responsabilidade pessoal do agente público, a não serperante o ente público a que serve, titular da ação regressiva contra ele. Assimsendo, o Estado do Rio Grande do Sul e a União possuem legitimidade paraintegrar o pólo passivo em ação civil pública onde se discute a legalidade dorepasse das verbas oriundas de convênios SUDS e SUS e destinadas à SaúdePública do Estado.

- Considerando-se a relevância do direito posto em causa – Saúde Pública – esendo a União parte legítima passiva, inexiste restrição territorial deabrangência da decisão proferida nesta ação civil pública. Não é razoávelatribuir-se caráter divisível, por competência territorial do órgão prolator dadecisão, e ao mesmo tempo, individualizar direitos transindividuais, na pessoados indivíduos que integram aquela competência territorial. Precedentes.

- É nulo o art. 7º da Portaria n.º 1.827/94, oriundo do Ministério da Saúde, aodeterminar que os recursos transferidos para os fundos estaduais e municipaisda saúde sejam considerados como receitas próprias dos estados e municípios,permitindo que a compensação de recursos, pois transforma a natureza dasverbas federais repassadas pela União, cuja destinação, por imperativoconstitucional, deve ser obrigatoriamente utilizada na saúde pública.” (Processo2000.04.01028702-4-RS, 4ª Turma do STJ, decisão de 15.08.2002, publicadano DJ do dia 02.10.2002, página 780).

Também com conteúdo parecido a seguinte decisão prolatada pela Juíza Marga Inge Barth

Tessler:

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MALVERSAÇÃO DOS RECURSOSDESTINADOS A FINANCIAR O SUS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. LEGITIMIDADEPASSIVA SOLIDÁRIA DO MUNICÍPIO DE CURITIBA.1. O fato de os Estados e Municípios terem autonomia para gerenciar a verba

financeira destinada ao Sistema Único de Saúde não afasta a competência da

12

Justiça Federal para julgar a demanda em que se discute a malversação dosrecursos, uma vez que é responsabilidade da União Federal acompanhar esupervisionar a sua aplicação, nos termos do art. 33, § 4º, da Lei n.º 8.080/90.

2. Destacada como função institucional do Ministério Público Federal a defesa dopatrimônio público e social via ação civil pública (art. 127, III, da ConstituiçãoFederal, c/c o art. 6º, VII, b, da Lei Complementar n.º 75), não há que seperquirir sobre a legitimidade ativa do Parquet na presente demanda, cujoobjetivo é verificar a regularidade da operacionalização do Sistema Único deSaúde.

3. Sendo os recursos integrantes do Sistema Único de Saúde gerenciados pelaSecretaria Municipal através do Fundo Municipal de Saúde, cabe ao Municípiode Curitiba fiscalizar a alocação e a aplicação da verba, de modo quenecessária sua presença no pólo passivo da demanda para que o mesmopossa defender a regularidade dos procedimentos utilizados pela administraçãomunicipal no financiamento dos serviços de saúde prestados por entidades aele conveniadas.

4. Agravo improvido”. (Processo n.º 2000.04.01031050-2, 3ª Turma do STJ,decisão do dia 28.08.2001, publicada no DJ de 19.09.2001, página 383).

Apesar da divergência jurisprudencial quanto à competência para julgamento das causas

envolvendo o SUS, é importante observar que o Sistema Único de Saúde é marcado por uma

estruturação hierárquica entre os entes federativos. Desse modo, todos eles têm definidas suas

responsabilidades e destinam recursos próprios para o financiamento do setor, sendo que, em

muitos casos, as responsabilidades se confundem, o que pode dar origem ou provocar uma

situação em que não se possa definir com precisão onde começa e onde termina o interesse de

cada um dos gestores, e isso pode tornar difícil a definição da competência ou da atribuição do

Ministério Público para apuração das responsabilidades dos envolvidos ou para a tutela dos

interesses ligados ao perfeito funcionamento do Sistema Único de Saúde.

Assim, por exemplo, na precisa lição das Professoras Conceição Rezende e Maria Passos

Peixoto12, o Gestor Federal tem os seguintes “papéis básicos”:

“exercer a gestão do SUS, no âmbito nacional; promover as condições e incentivaro gestor estadual para o desenvolvimento dos sistemas municipais, conformando o

12 REZENDE, Conceição e PEIXOTO, Maria Passos, Metodologia para realização de análises funcionais dagestão de sistemas e redes de serviços de saúde no Brasil, OPAS/OMS/MS, Núcleo de Estudos em SaúdeColetiva da Faculdade de Medicina da UFMG, páginas 34 e seguintes.

13

SUS-Estadual; fomentar a harmonização, a integração e a modernização dossistemas estaduais, compondo o SUS-Nacional; exercer as funções denormalização e de coordenação da política nacional de saúde; financiar o sistemanacional de saúde”.

O Gestor Estadual, por outro lado, teria uma importância “estratégica” fundamental para a “

regulação do sistema” e para a construção “das relações intergestores” 13. Para as mencionadas

professoras, compete ao Gestor Estadual:

“exercer a gestão do SUS, neste âmbito, e a liderança intersetorial com o objetivode promover políticas governamentais que modifiquem a qualidade de vida dapopulação; promover a descentralização das ações e serviços de saúde, criando ascondições e incentivando o poder municipal para que assuma a gestão da atençãoá saúde de seus munícipes, sempre na perspectiva da atenção universal, integral eequânime e da gestão única em cada esfera de governo; assumir, em carátertransitório, a gestão da atenção à saúde daquelas populações pertencentes amunicípios que ainda não tomaram para si esta responsabilidade, reforçando aorganização da gestão municipal enquanto sistema local; estabelecer normas, emcaráter suplementar, para o controle e avaliação das ações e serviços de saúde epara o acompanhamento, avaliação e divulgação dos indicadores de morbidade emortalidade no âmbito do estado; financiamento do sistema estadual de saúde;promover a harmonização dos sistemas municipais de saúde, apoiando,cooperando e capacitando, monitorando, promovendo a integração e amodernização dos subsistemas municipais (componentes de programasespecíficos, recursos humanos, sistema de informação, controle, avaliação eauditoria, vigilância epidemiológica e sanitária, política de sangue e demedicamentos, controle de zoonoses, saúde do trabalhador), compondo assim, oSUS-Estadual”.

13 De acordo com a Norma Operacional Básica do SUS n.º 01/93, são duas as Comissões que se formam com aparticipação simultânea dos gestores: a CIB – Comissão Intergestores Bipartite, de nível estadual e compostapela Secretaria de Estado da Saúde – SES e por representantes do Colegiado de Secretários Municipais de Saúde– COSEMS e a CIT – Comissão Intergestores Tripartite, de nível nacional e composta por representantes doMinistério da Saúde, do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde – CONASS, e do ConselhoNacional de Secretários Municipais de Saúde – CONASEMS. A primeira Comissão, a CIB, tem a função dedefinir as “prioridades de ações, serviços e programas”, bem como dos “critérios para a distribuição de recursos(....) de custeio e investimentos; para a elaboração de programações pactuadas (...) e para a pactuação deprocedimentos, normas, protocolos e regulamentos no âmbito de suas competências”. A CIT, também deacordo com as professoras mencionadas no texto, tem a atribuição de definir “sobre a implementação dasdiretrizes nacionais das políticas de saúde, o financiamento do setor, a elaboração de programações pactuadas(...), a definição de prioridades de ações, serviços e programas; critérios para a distribuição dos recursos (...) paracusteio e investimentos e para a pactuação de procedimentos, normas e resoluções, no âmbito de suascompetências”.

14

Finalmente, na ponta do sistema, e com a atribuição principal de viabilizar as ações e

serviços da atenção básica à saúde da população, teremos o Poder Público municipal. O Gestor

Municipal, assim, ainda na lição das professoras Conceição Rezende e Maria Passos Peixoto,

“deve assegurar à população o acesso às ações e serviços de saúde e os meiospara o atendimento integral, conforme a necessidade, configurando aresponsabilização sanitária, no que se refere à saúde de todos os residentes emseu território, seja por atendimento local ou por mecanismos de referência e contra-referência, devidamente pactuados nas comissões intergestores”, a eles competeainda “a celebração de contratos e convênios com entidades prestadoras deserviços de saúde, bem como controlar e avaliar a sua execução”.

A definição dessas atribuições pode servir como fundamento para definição da competência

do Ministério Público ou do próprio juízo a quem a ação deve ser dirigida.

Contudo, em alguns casos pode haver atribuições e responsabilidades comuns destinadas

aos três gestores envolvidos na implementação do SUS, e isso pode levar, em muitas situações

concretas, à participação de um gestor em competência de outro.

Essa dificuldade de definição do campo de atuação de cada gestor, além das diferenças

regionais e municipais do próprio processo de estruturação do sistema de saúde, podem levar a

uma situação concreta em que não se possa precisar a competência de um órgão do Ministério

Público. Em outras palavras, tal situação, dada a comunicabilidade das responsabilidades entre os

entes federativos, bem como a própria natureza do serviço público em questão, pode tornar

impossível ou impraticável a definição de qual órgão do Ministério Público deve atuar e é mais

provável que assim aconteça em casos concretos, dada a natureza das atribuições e do próprio

serviço de saúde.

Assim, considerando tal dificuldade, pode ser o caso de se atuar conjuntamente, ou seja, de

dois Ministérios Públicos, por seus órgãos, atuarem em litisconsórcio ativo14, o que acabaria por

14 Em várias situações práticas, tanto a doutrina como nossos tribunais têm aceitado tal atuação em conjunto. OProfessor Rodolfo de Camargo Mancuso, por exemplo, aponta que “em virtude de alteração legislativa provindado art. 113 do CDC (Lei 8.078/90), acrescentando um parágrafo (5º) ao art. 5º da Lei 7.347/85, os MinistériosPúblicos da União, Distrito Federal e Estados podem consorciar-se no pólo ativo da ação civil pública”.

15

representar uma maior eficiência da ação do Ministério Público, e isso, com o decorrente

entrosamento dos dois órgãos, daria também efetivo cumprimento à vontade do constituinte, já que

ampliaria a participação do Ministério Público no processo de implementação do SUS.

4. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DAS AÇÕES E DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE

Nossos constituintes adotaram um modelo específico para a concepção, o gerenciamento,

a organização e o controle das ações e dos serviços de saúde.

Em linhas gerais, estabeleceu-se uma rede regionalizada, hierarquizada e descentralizada

dessas ações e serviços, toda ela centrada na viabilização de um atendimento universal, integral e

equânime da população.

Como apontam as Professoras Conceição Rezende e Maria Passos Peixoto, com inteira

procedência, todo o sistema de atendimento à saúde no Brasil é de responsabilidade pública. Isso

significa dizer que “a gestão de todo o sistema, bem como a responsabilidade sanitária pela saúde

dos cidadãos, é, necessariamente, da competência do poder público e exclusiva desta esfera de

governo, respeitadas as atribuições do respectivo Conselho de Saúde e de outras instâncias de

poder”.

Assim, se se define como atribuição do Poder Público tal atendimento, é evidente que os

casos de irregularidade ou de omissão de seus agentes justificam e legitimam a atuação do

Ministério Público, já que tal instituição foi contemplada pela Constituição com a função de defender

“a ordem jurídica” (artigo 127, caput), de “zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos

serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as

medidas necessárias a sua garantia” (artigo, 129, inciso II), e de “promover o inquérito civil público

e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio (...) social, do meio ambiente e de outros

interesses difusos e coletivos” (artigo 129, inciso III).

Existe assim um vasto campo de atuação para o Ministério Público, no que se refere ao

processo de implementação do SUS ou mesmo em situações decorrentes do funcionamento

deficiente do sistema.

16

No próprio texto da Constituição de 1988 deparamos com as diretrizes básicas para a

organização do Sistema Único de Saúde.

O artigo 198 e seus incisos, por sinal, estabelecem que “as ações e serviços públicos de

saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado

com as seguintes diretrizes: I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II

– atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços

assistenciais; III – participação da comunidade”.

Aí deparamos com os princípios constitucionais da atenção à saúde no SUS, que, de

acordo com a lição da Professora Conceição Rezende15, são os seguintes: “a saúde como direito

social”, “a unicidade do sistema”, “a universalidade”, “a integralidade da assistência”, a

“igualdade”16, a “preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e

moral”17, “o direito à informação às pessoas assistidas sobre sua saúde” (direito de informação

“sobre diagnóstico, tratamento e prognóstico, além de esclarecimentos sobre “benefícios e os

riscos de todos os procedimentos”), a “descentralização dos serviços para os municípios”, “a

regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde”, a “resolubilidade”18, a

“humanização do atendimento”, “ a intersetorialidade” ou “integração, em nível executivo, das

ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico, com organização dos serviços públicos de

modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos” e, também de fundamental importância, o

princípio da “participação da comunidade”19.

15 REZENDE, Conceição, Manual de atuação jurídica em saúde pública, Programa de Apoio ao Fortalecimentodo Controle Social no SUS, monografia, páginas 52 e seguintes.16 De acordo com a mencionada professora, por esse princípio o “poder público deve oferecer condição deatendimento igual para todos. O que deve determinar o tipo de atendimento é a necessidade das pessoas, pordemanda própria ou identificadas pelo sistema de saúde, e o grau de complexidade da doença ou agravo, e não acondição sócio-econômica dos usuários, ou outros critérios particulares”.17 Diz a lição da Professora Conceição Rezende, nesse aspecto, que “a ética dos serviços de saúde deve ser a deproteger e cuidar de seus usuários contra todas as adversidades, enquanto freqüentam os serviços de saúde.Além disto, atendê-los, tratá-los, orientá-los, curá-los e fortalecê-los para a vida. Alguns dos objetivos dosserviços de saúde são a sua reabilitação física, para que retomem sua capacidade de mobilizar-se, auto-cuidar-se, conviver, produzir, amar, divertir-se, viver e ser feliz”.18 Para a Professora Conceição Rezende, a resolubilidade importa na “capacidade de resolução dos serviços emtodos os níveis de assistência”, isso importando em que “suas equipes de trabalho, bem assim os seus usuários,sejam capazes de identificar a sua utilidade prática e a sua missão institucional no sistema, e que, se acaso umadeterminada unidade da rede não tiver condições de solucionar uma dada situação, ela saiba exatamente onderesolver e seja capaz de entrar em contato, encaminhar, viabilizar o acesso do usuário, ter resposta satisfatóriapor parte do usuário e tê-lo de volta reencaminhado ao território de referência com seu problema solucionado”.19 Sobre esse princípio, a Professora Conceição Rezende aponta o seguinte: interessa a “democratização doconhecimento do processo saúde/doença e dos serviços, estimulando a organização e a participação da

17

Ao lado desses princípios voltados a atenção à saúde, a Professora Conceição Rezende,

na obra mencionada, relaciona ainda os princípios ligados à gestão do SUS, e que seriam os

seguintes: “a descentralização, com direção única em cada esfera de governo”, “a

regionalização”20, o “financiamento solidário” na forma do que determina o artigo 195 da CF/88, “a

aplicação mínima de recursos” na área da saúde (como prescreve o texto da Emenda

Constitucional n.º 29, de setembro de 2000), “o planejamento ascendente”21, a “utilização da

epidemiologia” na forma do que determina o inciso VII do artigo 7º da Lei n.º 8.080/90”, a

“divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo

usuário”, a “integração” das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico”, a

“conjugação” de recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos dos três entes federativos

para uma adequada prestação de serviços à população, e o “controle social”, assegurando-se à

sociedade a possibilidade de interagir com o Poder Público na formulação das políticas de saúde,

na discussão de suas prioridades e na fiscalização da execução dessas políticas e na utilização dos

recursos existentes e voltados para a área da saúde22.

Tais princípios estão relacionados em dispositivos da Lei n.º 8.080/90, principalmente nos

incisos do artigo 7º, que tem a seguinte redação:

“Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratadosou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS) são desenvolvidosde acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal,obedecendo ainda aos seguintes princípios:

comunidade nas ações de promoção da saúde e prevenção de doenças, com orientações para o efetivo auto-cuidado, para a incorporação de hábitos saudáveis e para a proteção do ambiente”.20 Como determina o artigo 8º da Lei n.º 8.080/90: “Art. 8º As ações e serviços de saúde, executados peloSistema Único de Saúde (SUS), seja diretamente ou mediante participação complementar da iniciativa privada,serão organizados de forma regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade crescente”. 21 A disposição legal contida no artigo 36 da Lei n.º 8.080/90 determina que “Art. 36. O processo deplanejamento e orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS) será ascendente, do nível local até o federal,ouvidos seus órgãos deliberativos, compatibilizando-se as necessidades da política de saúde com adisponibilidade de recursos em planos de saúde dos Municípios, dos Estados, do Distrito Federal e da União. §1º Os planos de saúde serão a base das atividades e programações de cada nível de direção do Sistema Único deSaúde (SUS), e seu financiamento será previsto na respectiva proposta orçamentária. § 2º É vedada atransferência de recursos para o financiamento de ações não previstas nos planos de saúde, exceto em situaçõesemergenciais ou de calamidade pública, na área de saúde”.22 Grande parte dessas disposições legais voltadas à garantia do controle popular estão inseridas na Lei n.º 8.142,que “Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre astransferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências”.

18

I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis deassistência; II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo dasações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cadacaso em todos os níveis de complexidade do sistema; III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física emoral; IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquerespécie; V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde; VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a suautilização pelo usuário; VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocaçãode recursos e a orientação programática; VIII - participação da comunidade; IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera degoverno: a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios; b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde; X - integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente esaneamento básico; XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos daUnião, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviçosde assistência à saúde da população; XII - capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; e XIII - organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios parafins idênticos”.

Todos esses princípios, ao lado das demais disposições normativas contidas em leis ou

mesmo atos normativos do Ministério da Saúde, dão a apontada configuração ao serviço de saúde

brasileiro, em que o ponto mais importante está na mudança de ênfase das políticas públicas,

viabilizando um novo modelo assistencial de saúde pública.

O modelo anterior era marcado pela inserção da saúde como “complemento dos benefícios

da Previdência Social”, o que lhe dava um caráter limitado e uma ligação estreita com gestores de

outras políticas públicas.

Na precisa lição da Professora Conceição Rezende23:

23 REZENDE, Conceição. Manual de atuação jurídica em saúde pública, Programa de Apoio ao Fortalecimentodo Controle Social no SUS, monografia, página 31.

19

“suas ações e serviços sempre foram estabelecidos e geridos [até os anos oitentado século XX] por gestores de outras políticas públicas. Inicialmente, pelo Ministérioda Educação e Saúde; subdividiu-se nos Departamentos do Ministério do Trabalho,Indústria e Comércio; depois, no Ministério do Trabalho e Previdência Social; noMinistério do Trabalho e Assistência Social; no Ministério da Agricultura; em umsem número de autarquias, (...). Quando não era submetida diretamente aosgestores de outras políticas, possuía uma ‘autonomia inadequada’, por meio deInstitutos e Fundações que abrigavam sub-setores da saúde.

Neste período instituiu-se um sistema ‘múltiplo de saúde’ no País, no qualmuitos deles nunca souberam o que eram uns e outros. Nunca se integraram naordenação e na implementação da política de saúde. (...)

Mesmo a partir de 1953, quando da criação do Ministério da Saúde, váriossub-setores da saúde se mantiveram em outros Ministérios, como foi o caso daassistência médica e odontológica, que permaneceu no Ministério da Previdência eAssistência Social, a Saúde do Trabalhador (inspeção dos ambientes de trabalho)que ficou, parcialmente, no Ministério do Trabalho e os serviços de reabilitação dasaúde que ficaram no Ministério da Previdência e Assistência Social, como ação deassistência social, numa concepção de benefício da previdência social e não comoações de saúde.

A saúde acumulou uma longa experiência de fazer parte de um sistema deproteção social nos moldes do seguro, que, ao longo do século, demonstrou queera especialmente oneroso, excludente e injusto. Ou seja, asseguravam-sebenefícios, a cada um, segundo a sua contribuição... com maior ou menor tempo decarência... com benefícios controlados pela receita... com acesso aos benefícios ouprestações vinculados ao prazo da permanência no emprego e regulados pelaoferta de tecnologia".

Assim, com a estruturação do Sistema Único de Saúde, tentou-se modificar a forma de

organização e implementação das políticas de saúde no Brasil.

Se até então os serviços eram definidos com base no cálculo dos recursos disponíveis ou

com base na existência da demanda social existente, a partir dos anos 80 o processo de

organização procurou se assentar sobre bases diferentes.

Nas palavras do Professor Paulo Eduardo Elias24, as diretrizes dessa nova organização

estavam inseridas no movimento que se denominou “reforma sanitária brasileira”, que tinha como

“ideário” ou principais pontos os seguintes:

24 ELIAS, Paulo Eduardo, Políticas de Saúde, Manual do Curso de Especialização (...) em Direito Sanitário,páginas 93 e seguintes.

20

“ (...) proposta de um sistema de saúde único, fundamentalmente estatal, sendo osetor privado suplementar àquele, sob controle público, e descentralizado. (...) auniversalidade da atenção à saúde, superando-se a histórica dicotomia entreassistência médica individual e ações coletivas de saúde. (...) a saúde como umdireito (...) descentralização do sistema. (...) maior racionalidade do sistema desaúde, mas fundamentalmente a valorização da criação de novos espaçosinstitucionais de participação, com poder deliberativo dos segmentos organizadosda sociedade, constituindo-se assim como uma estratégia de ampliar, do espectrosocial, as oportunidades de acesso ao poder”.

Tais diretrizes foram implementadas no texto da Constituição de 1988.

A Constituição Federal, como já acenado acima, mudou completamente esse quadro,

fixando um novo conceito de saúde, que passa a ser vista como “um estado que se garante a todos

‘mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros

agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e

recuperação’”, como estabelece o próprio texto do artigo 196.

De acordo com a lição do Professor Paulo Eduardo Elias, a nova Constituição buscou

implantar

“ (...) sistema de seguridade – e não mais de proteção social – fraturado: sua basede financiamento continua obedecendo à mesma lógica anterior, fundamentada naeconomia formal e no salário, ao mesmo tempo que se ampliam os direitos sociaisa largos setores da sociedade, desvinculados da capacidade de contribuiçãofinanceira desses setores. Esse ‘novo’ sistema de seguridade social – segurosocial, saúde e assistência social – (...), ao mesmo tempo que universaliza osdireitos sociais, segmenta os distintos setores da sociedade no acesso a benefíciose serviços”.

Como bem conceitua a Professora Conceição Rezende, esse novo enfoque da questão da

saúde pela Constituição é marcado pelas seguintes características: “princípio da solidariedade, seu

21

financiamento é feito por toda a sociedade e a oferta da atenção à saúde e à assistência social é

assegurada a todos, conforme a necessidade e o direito à previdência social” 25.

Esse novo modelo assistencial, observando todos os princípios acima referidos, só pode ser

implementado, ainda de acordo com a precisa lição da Professora Conceição Rezende26, se se

“Compreender os problemas de saúde individuais como expressão de processoscoletivos de formas de vida. As ações e serviços que respondem às necessidadesindividuais da população são necessários mas, além das ações curativas ereabilitadoras, devem ser incorporadas prioritariamente, as ações de proteção epromoção da saúde, na organização do Sistema;Organizar Sistema de Comunicação Social, que favoreça o desenvolvimento decomportamentos e ações mais saudáveis dos cidadãos, ampliando a consciênciasanitária da população, respeitando a sua cultura e os seus conhecimentos;Organizar as ações e os serviços de saúde, assegurando o acesso universal,integral e de forma equânime: (...) planejados a partir das necessidades individuaise coletivas da população de uma comunidade específica; (...) acessíveis àpopulação durante o maior tempo possível e capazes de atender com efetividade àsnecessidades da comunidade; (..) com ações básicas de saúde realizadas próximoda residência (ou na residência) ou do trabalho dos cidadãos. As Unidades Básicasde Saúde (postos de saúde, centros de saúde, unidades sanitárias) ou equipes deprograma de saúde da família devem ser localizadas e organizadas de modo afacilitar o atendimento; (...) com oferta de ações e serviços de retaguarda ecomplementares às ações das Unidades Básicas de Saúde, das equipes de PSF ede agentes comunitários, tais como, exames laboratoriais, de radioimagem etraçados gráficos, consultas especializadas, internações hospitalares, atendimentospor projetos ou programas especiais (saúde da mulher, da criança, do trabalhador,para portadores de sofrimento mental, de DST/AIDS, de hanseníase, entre outros,conforme a necessidade) e atendimento às ações de reabilitação. Além disso,assegurar a distribuição de medicamentos necessários ao tratamento proposto; (...)com Unidades de Saúde de Referência de Especialidades e Hospitalareslocalizadas e organizadas de modo a atender aos usuários referenciados pelasUnidades Básicas de Saúde, pelas equipes de saúde da família e de agentescomunitários, considerando-se que a maior facilidade de acesso aos usuáriostambém implica em um menor custo para o sistema, na maioria das vezes. Instituir mecanismos de marcação de consultas especializadas e de solicitação devagas para internações, que devem funcionar de forma a evitar o desgaste do

25 REZENDE, Conceição, Manual de atuação jurídica em saúde pública, Programa de Apoio ao Fortalecimentodo Controle Social no SUS, monografia, página 31.26 REZENDE, Conceição e PEIXOTO, Maria Passos, Metodologia para realização de análises funcionais dagestão de sistemas e redes de serviços de saúde no Brasil, OPAS/OMS/MS, Núcleo de Estudos em SaúdeColetiva da Faculdade de Medicina da UFMG, páginas 35 e seguintes, monografia.

22

usuário, o custo financeiro excessivo e a “seleção de clientela” pelos serviços dereferência, com controle público;Contratar serviços privados de saúde, em caráter complementar, quando o setorpúblico não estiver estruturado para oferecer determinados serviços. Definir o território de atuação e responsabilidade sanitária dos respectivos gestores,dos serviços ou equipes de saúde, não como um lugar geográfico/administrativolimitador do acesso universal, mas como espaço de referência, móvel, construídoquotidianamente pelas características políticas, culturais e epidemiológicasespecíficas, apropriado não só pelos serviços e equipes de saúde, mas tambémpelos usuários;Organizar o sistema de vigilância epidemiológica garantindo a produção e adivulgação das informações sobre a cobertura vacinal de todas as vacinasobrigatórias; a notificação e a divulgação das informações sobre a prevalência,incidência e mortalidade por todas as doenças de notificação obrigatória; anotificação e a divulgação sistemática de todas as doenças transmissíveis (atravésdo ar, da água, dos alimentos e do contato com pessoas e animais), das doençascrônico-degenerativas, das endemias, das toxologias e das doenças produzidaspelo ambiente de modo geral, inclusive pelo ambiente de trabalho; as ações debloqueio, quimioprofilaxia, entre outras; o estudo e a divulgação da cobertura eresultados das ações e serviços de saúde de programas especiais, analisando-se anecessidade de se implantar novos programas, incluindo as doenças de testagemobrigatória em doadores de sangue; o estudo e a análise permanente da morbidadeambulatorial e hospitalar, verificando sempre o local de ocorrência, apontando paraa revisão das prioridades de oferta de ações e serviços de saúde; a implantação emtodos os estados e municípios dos sistemas de informações epidemiológicasbásicos, prioritariamente os de registro de nascidos vivos, mortalidade, morbidade ede vigilância nutricional e alimentar.Executar as ações e serviços de saúde, inclusive as atividades de gestão dosistema, estrategicamente, por equipes multiprofissionais (que se complementamna integralidade das ações, inclusive na clínica) e, de preferência, utilizar-se deconhecimentos transdisciplinares como os recursos do institucionalismo, da arte, dacultura, entre outros. É necessário que cada componente da equipe dê o melhor desua formação geral e específica, sabedor que é da complexidade do ser humano,ou seja, subjetivo e singular, principalmente em situações de sofrimento;Construir coletivamente um novo processo de trabalho, baseado na legislaçãovigente, nas diretrizes emanadas dos fóruns de controle social e do órgão gestor,pela elaboração de fluxogramas de funcionamento dos serviços, bem como deprotocolos de procedimentos, de ações e rotinas, capazes de resolver os problemasde saúde dos usuários.Construir um modelo assistencial que organize o sistema de saúde de modo agarantir: (...) o acesso dos usuários às ações e serviços de saúde. Os usuáriosdevem ser atendidos nas unidades de saúde ou em seus domicílios, conformesuas necessidades; (...) o acolhimento. É necessário humanizar as relações entre

23

os trabalhadores e aqueles que são os destinatários e razão de ser do Sistema deSaúde, os usuários. Os trabalhadores do sistema de saúde devem escutar ousuário e realizar o encaminhamento adequado para a solução do problema queoriginou a demanda. O gestor e os gerentes de serviços devem assegurar ascondições mínimas para que isto aconteça; (...) a resolubilidade. As equipes dasunidades e serviços de saúde ou do PSF devem resolver os problemas dosusuários atendendo-os ou encaminhando-os para onde for necessário; (...) oestabelecimento de vínculo entre os usuários e as equipes e deles com o serviço. Arelação entre os usuários e os profissionais de saúde deve ser de confiança,cordialidade e solidariedade. O usuário deve ser informado sobre sua doença (seuproblema) e participar da sua cura; (...) a implementação de mecanismos depetição e prestação de contas. Isso implica no estabelecimento de protocolos quegarantam o atendimento formulado de um serviço ou unidade de saúde ao(a) outro(a) para a realização do atendimento ao usuário e também, na discussão eprestação de contas sobre o modelo assistencial com e para o usuário (controlesocial do modelo)”.

Em todos esses pontos o Ministério Público pode, e deve, ter uma ação positiva,

participando do processo de implementação e, se for o caso, na omissão dos gestores ou dos

outros agentes do sistema, tomar medidas judiciais ou extrajudiciais para a cumprimento dos

princípios e diretrizes decorrentes dos atos normativos mencionados.

5. A ESTRUTURAÇÃO DO SUS A PARTIR DE INDICADORES SÓCIO-EPIDEMIOLÓGICOS −

UMA PROPOSTA PARA A RACIONALIDADE DAS AÇÕES E SERVIÇOS DO SUS

Com a mudança de enfoque promovida pelas disposições constitucionais, e com as

mudanças de princípios e diretrizes do sistema de saúde pública, como bem aponta a Professora

Conceição Rezende27, “o sistema de saúde brasileiro vem dando saltos qualitativos em seu

reordenamento institucional. Exemplo disso vêm sendo as tentativas de organização do sistema a

partir do (re)conhecimento da realidade por meio de indicadores básicos econômicos,

demográficos, sociais e epidemiológicos”.

27 REZENDE, Conceição, Manual de atuação jurídica em saúde pública, Programa de Apoio ao Fortalecimentodo Controle Social no SUS, monografia.

24

Assim, o desenvolvimento do sistema pressupõe que as “informações acumuladas e

sistematizadas sobre uma determinada realidade” sejam utilizadas pelos atores sociais, inclusive o

próprio Ministério Público, como instrumentos para organização ou reorganização “(d)as ações e

(d)os serviços de saúde”, o que, além de permitir uma maior racionalidade nas ações e nos

serviços de atenção à saúde da população, pode, evidentemente, permitir ou viabilizar o controle

das políticas desenvolvidas ou implementadas pelos diferentes gestores do Sistema Único de

Saúde.

Diz a autora, com propriedade, que tais informações

“(...) nem sempre são produzidas no próprio local onde foram coletados os dados,como são as produzidas pelo IBGE; pelo DATASUS/MS; por meio da RedeNacional de Informações em Saúde – RNIS, que opera os maiores sistemas deinformação do Ministério da Saúde (SIH, SAI, SIM, SINASC e SINAN); peloCENEP/MS; e pela FUNASA/MS, entre outros. Mas é fundamental que sejamanalisadas e avaliadas em seu ponto de origem pelas comunidades locais, incluindoos próprios profissionais de saúde, os conselheiros de saúde e os gestores. Outrasinformações, mais específicas, são geradas e produzidas no próprio local. O fato éque as informações são importantes, porque são decisivas para as discussõessobre a organização do sistema de saúde, no que diz respeito à hierarquização deprioridades, ao acompanhamento de sua implementação, à avaliação das ações eserviços, à aplicação dos recursos disponíveis e seus resultados. As informaçõesutilizadas adequadamente contribuem para que as decisões não sejam tomadascom base em dados subjetivos, em conhecimentos ultrapassados ou empreconceitos”.

Este o ponto central: os dados produzidos devem ser utilizados pelos agentes sociais

envolvidos na implementação do SUS. É princípio do sistema a utilização desses dados para o

planejamento da gestão ou mesmo para a própria organização do sistema de saúde28. Só através

28 Veja, por exemplo, o que se diz nos artigos 7º, VII e 15, IV, ambos da Lei n.º 8.080/90: “Art. 7º As ações eserviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único deSaúde (SUS) são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal,obedecendo ainda aos seguintes princípios: (...) VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento deprioridades, a alocação de recursos e a orientação programática; VIII - participação da comunidade; (...)”; e“Art. 15. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão, em seu âmbito administrativo, asseguintes atribuições: (...) III - acompanhamento, avaliação e divulgação do nível de saúde da população e dascondições ambientais; IV - organização e coordenação do sistema de informação de saúde; VIII - elaboração eatualização periódica do plano de saúde; X - elaboração da proposta orçamentária do Sistema Único de Saúde(SUS), de conformidade com o plano de saúde; (...)”

25

da utilização desses dados teremos decisões políticas e administrativas objetivas e eficazes, sendo

que as ações e os serviços de saúde, com a utilização dos dados pelo “controle social” do SUS,

tendem a alcançar maior e mais segura eficiência.

Muitos são os dados que os gestores podem viabilizar, desde que respeitadas as

disposições normativas do Ministério da Saúde que implantam e regulamentam o Sistema Nacional

de Auditoria ou mesmo os demais sistemas de informações na saúde.

Não podemos nos esquecer de que as ações de “vigilância epidemiológica”, na forma do

que determina o inciso I, alínea “d”, do artigo 6º, da Lei n.º 8.080/90, são consideradas ações do

campo de atuação do SUS, sendo tais ações definidas, no § 2º do mesmo artigo, como sendo “um

conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer

mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a

finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos”.

Assim, resta demonstrada a necessidade da existência de um sistema de informações

adequado, bem como a utilização dos dados por ele fornecidos, não só para a alteração das

políticas de saúde implementadas, como também para a ação do próprio controle social.

De acordo com a lição da Professora Conceição Rezende29, o Ministério da Saúde

“construiu Sistemas de Informações em Saúde, que contribuem para a definição e utilização de

indicadores epidemiológicos, dentre os quais os seguintes:

- SIM – Sistema de Informações sobre Mortalidade, com base em dados constantes das

Declarações de Óbito, como determinam as disposições da Lei n.º 6.015/73 com a

redação dada pela Lei n.º 6.216/7530;

29 REZENDE, Conceição, Manual de atuação jurídica em saúde pública, Programa de Apoio ao Fortalecimentodo Controle Social no SUS, monografia, páginas 104 e seguintes.30 Para a Professora Conceição Rezende, esse sistema “produz estatísticas de mortalidade e os principaisindicadores de saúde, permitindo estudos não apenas do ponto de vista estatístico, mas também sócio-demográfico. (...). Desse sistema de informação (SIM), os indicadores utilizados com maior freqüência,combinados ou não com dados populacionais, são: mortalidade proporcional por grandes grupos de causasdeterminadas, mortalidade proporcional por faixa etária, taxa ou coeficiente de mortalidade por causasespecíficas, taxa ou coeficiente de mortalidade infantil, mortalidade proporcional por determinada doença emdeterminada faixa etária, taxa ou coeficiente de mortalidade materna”.

26

- SINASC – Sistema de Nascidos Vivos, que tem como base dados extraídos da

Declaração de Nascido Vivo, do Ministério da Saúde31;

- SINAN – Sistema de Informação de Agravos de Notificação, que substituiu o SNDC –

Sistema de Notificação Compulsória de Doenças, previsto na Lei n.º 6.259/7532;

- SIH/SUS – Sistema de Informações Hospitalares do SUS33;

- SAI/SUS – Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS34.

31 A Professora Conceição Rezende, comentando esse sistema de informações, aduz que ele “não estátotalmente implantado no Brasil, mas os principais indicadores que poderiam ser formulados para avaliação deriscos são: a proporção de nascidos vivos de baixo peso; a proporção de prematuridade; a proporção de partoshospitalares; a proporção de nascidos vivos por faixa etária da mãe. (...). Alguns indicadores também podem serformulados para a avaliação da rede de serviços de atenção à gravidez e ao parto, como por exemplo a proporçãode Apgar no primeiro minuto, menor que 7 em nascidos vivos com mais de 2.500 g, ou o número de consultaspré-natal realizadas para cada nascido vivo, entre outros. (...) Podem ainda ser calculados indicadores clássicosvoltados à caracterização geral de uma população, como a taxa bruta de natalidade e a taxa de fecundidadegeral.”32 Como aponta a Professora Conceição Rezende, o SINAN “foi concebido e desenvolvido com o objetivo decoletar e processar dados sobre agravos de notificação em todo o território nacional, fornecendo informaçõespara a análise do perfil de morbidade, podendo ser operado a partir das Unidades de Saúde ou no nível centraldas secretarias municipais de saúde, no nível regional ou nas secretarias estaduais. (...) O formulário de entradade dados tem duas partes. A primeira, a Ficha Individual de Notificação – FIN, é encaminhada aos serviçosresponsáveis pela vigilância epidemiológica, pelas unidades de saúde, a partir da suspeita clínica da ocorrênciade algum dos agravos notificáveis. A segunda, a Ficha Individual de Investigação – FII, configura-se como umroteiro de investigação para cada tipo de agravo, sendo utilizado preferencialmente pelos serviços municipais devigilância. (...) Esse sistema de informação só poderá ser adotado para o cálculo de indicadores nos locais ondeele é utilizado normalmente. Possui dados para o cálculo de indicadores extremamente úteis, como a taxa oucoeficiente de incidência, taxa ou coeficiente de prevalência, taxa ou coeficiente de letalidade, dentre outros”.33 De acordo com as considerações feitas pela Professora Conceição Rezende, o SIH/SUS “não foi concebidosob a lógica epidemiológica, mas para operar o sistema de pagamento de internação dos hospitais contratadospelo Ministério da Previdência. (...). Este sistema consolida em torno de 70% das internações hospitalares,resultando numa importante fonte de informações das enfermidades que requerem internação (morbidadehospitalar). Seu formulário, a AIH [Autorização de Internação Hospitalar], dentre outros dados, registra o CID(Código Internacional de Doenças), o que possibilita a sua utilização como dado epidemiológico e vem sendo,gradativamente, incorporado à rotina de análise e informações de alguns órgãos de vigilância epidemiológica deestados e municípios. (...) A finalidade do sistema é propiciar a elaboração de indicadores de avaliação dedesempenho de unidades além do acompanhamento dos números absolutos relacionados à freqüência de AIHse o valor total, entre os quais podem ser citados: tempo médio de permanência geral ou por alguma causaespecífica, proporção de internação por causa ou procedimento selecionado, utilização de UTI, mortalidadehospitalar geral, ou por alguma causa, ou procedimento específico. (...) Outros indicadores vêm sendo utilizadospelos gestores para uma primeira aproximação da avaliação de cobertura de sua rede hospitalar e até parapriorização de ações de caráter preventivo. Entre esses se destacam: relação entre as proporções de população,de AIHs pagas, de valor total de internação e de dias de internação por faixa etária e/ou sexo, taxa de utilizaçãopor faixa etária (e/ou sexo, geral ou por causa), índice de hospitalização por faixa etária (e/ou sexo, geral ou porcausa), índice de gasto com hospitalização por faixa etária (e/ou sexo, geral ou por causa)”.34 O SAI/SUS, nas palavras da Professora Conceição Rezende, foi “implantado em todo o território nacional em1991, (...). Por obedecer à lógica de pagamento por procedimento não registra o CID do(s) diagnóstico(s) dospacientes e portanto não pode ser utilizado como informação epidemiológica. Suas informações são utilizadasjuntamente com outros indicadores operacionais importantes como complemento das análises epidemiológicasa exemplo do número de consultas médicas por habitante ao ano, número de consultas médicas por consultório,número de exames/terapias realizados pelo quantitativo de consultas médicas”.

27

Outras fontes de dados demográficos podem ser utilizadas para a construção de

indicadores que sirvam de parâmetros para a avaliação e análise das ações e serviços de saúde,

como, por exemplo, os dados da Pesquisa Brasileira por Amostragem de Domicílios do IBGE. Tais

dados, como consigna a Professora Conceição Rezende, podem ser utilizados para a determinação

dos seguintes índices demográficos:

“ (...) distribuição da população no território (área urbana e rural); distribuição por

faixa etária; crescimento populacional; densidade populacional (hab/km²); relação

de masculinidade (homens por 100 mulheres); população com acesso a água

tratada; acesso a esgotamento sanitário; renda per capita; taxa de pobreza

(população com renda inferior a ½ salário mínimo); taxa de desemprego; taxa de

alfabetização; expectativa de vida ao nascer (masculina e feminina); taxa bruta de

natalidade (por 1.000 hab.); e taxa de fecundidade geral”.

Tais dados e informações podem servir de parâmetros seguros para o aperfeiçoamento das

políticas de saúde, mudando claramente o perfil da organização da rede de serviços de saúde e a

própria gestão do sistema, como sugere a Professora Conceição Rezende.

Além dos Sistemas Nacionais de Informação acima citados e dos dados extraídos da

PNAD, existem outros dados e informações que podem ser buscados junto aos demais gestores do

sistema de saúde.

Como vimos acima, o sistema de saúde implantado com a nova Constituição, definindo

responsabilidades e evitando superposição de ações dos entes públicos envolvidos, representa um

claro avanço institucional, restando, a partir dele, a busca de sua implementação social, o que só se

verificará com a devida compreensão das disposições inseridas no texto da Constituição e do

trabalho conjunto de todos os agentes sociais.

Nesse sentido podemos afirmar que o serviço e as ações de saúde são essenciais à

comunidade, envolvendo todo um conjunto de medidas “dirigidas ao enfrentamento das doenças e

suas seqüelas, através da atenção médica preventiva e curativa”, o que é atribuição básica do

Estado, que deve “zelar pela sua efetiva prestação e por sua qualidade”, o que não impede a ação

28

de outros agentes sociais, como o Ministério Público, ente designado como responsável pela defesa

da “ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

É fato que a funcionalidade e eficiência desse mesmo sistema dependem não só da

vontade política dos poderes públicos (Executivo, Legislativo e Judiciário) mas também da

participação necessária dos demais agentes sociais, sobretudo os prestadores de serviço e os

próprios usuários.

Tal participação decorre de princípios inseridos na própria legislação que regulamenta e

estrutura o sistema, e ela dá, ao final, a legitimação necessária às ações públicas de saúde.

A sociedade é, assim, chamada a participar desse processo de implantação.

Nessa linha, nossa legislação tem estabelecido inúmeras regras buscando viabilizar a

participação dos usuários do sistema. É o caso, para citarmos um exemplo, da constituição dos

chamados Conselhos de Saúde, compostos por representantes do próprio governo, dos

trabalhadores de saúde, dos prestadores de serviços de saúde e dos usuários do sistema.

O fortalecimento do próprio sistema de saúde torna-se diretamente vinculado ao

envolvimento, nele, da sociedade.

Mesmo com tais previsões normativas, o processo de implantação do Sistema Único de

Saúde tem levado a alguns problemas que exigem um esforço, principalmente do Gestor Nacional,

para solucioná-los.

São comuns, nesse sentido, reclamações de conselheiros municipais no sentido da

inexistência de mecanismos para implementação das decisões tomadas pelos Conselhos, e neste

ponto, como defendemos, tem presença fundamental o Ministério Público.

Este, bem como os demais agentes sociais, devem lançar mão dos dados fornecidos pelos

gestores, não só para avaliar e fiscalizar as ações e serviços de saúde, mas também para viabilizar

o próprio controle social.

6. O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA IMPLANTAÇÃO DO SUS

29

O Ministério Público, na forma do que dispõe o inciso II do artigo 129 da Constituição

Federal, tem, como uma de suas importantes funções institucionais, a atribuição de “zelar pelo

efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados

nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”.

Vimos que a saúde é um dos direitos sociais reconhecidos e assegurados pela Constituição

(artigo 6º) e que os princípios do Sistema Único de Saúde encontram abrigo também no texto da

Constituição (artigos 196, 198, 199 e 200), o que legitima a atuação do Ministério Público em casos

de desrespeito dos poderes públicos a tal direito e a tais princípios.

Durante algum tempo se discutiu a legitimidade dessa atuação ministerial, considerando-se,

principalmente, a viabilidade do controle, pelo Ministério Público, da omissão administrativa.

Tal discussão hoje pode ser considerada ultrapassada, na medida em que o próprio texto

constitucional determina e autoriza que o Ministério Público promova “as medidas necessárias” à

garantia dos próprios direitos reconhecidos pela Constituição.

Nesse sentido, o Ministério Público, como já afirmamos, pode e deve adotar medidas

judiciais ou extrajudiciais para o respeito dos poderes públicos aos dispositivos constitucionais que

dão configuração ao Sistema Único de Saúde.

Com efeito, nas precisas palavras de Luís Roberto Gomes35, a clara redação do dispositivo

constitucional acima transcrito “indica que os poderes públicos e os serviços de relevância pública

devem respeito aos direitos constitucionais assegurados e de que ao Ministério Público incumbe

zelar por esse respeito, tomando as medidas necessárias à sua garantia, quando aqueles falharem

nesse mister”36.

35 GOMES, Luís Roberto, O Ministério Público e o controle processual e extraprocessual da omissão daAdministração Pública O controle da omissão estatal no Direito Ambiental, monografia.36 Em nota, comentando o conteúdo do dispositivo constitucional em questão, LUÍS ROBERTO GOMESacrescenta que “Não prevê obviamente o dispositivo reportado a função de o Ministério Público zelar peloefetivo respeito da coletividade e dos cidadãos aos Poderes Públicos, como afirmou José Cretella Jr., verbis: “Oart. da Constituição, caracterizando o Ministério Público, atribui a essa instituição permanente a defesa daordem jurídica e, sob esse aspecto, entre suas funções institucionais, está incluído o dever de zelo pelo efetivorespeito aos Poderes Públicos. Estes devem ser cercados de todo respeito da coletividade. Não pode o MinistérioPúblico permitir que os cidadãos, individualmente, ou em grupos, pratiquem atos que ofendam a dignidade dosrepresentantes de qualquer dos Poderes, injuriando-os, caluniando-os, difamando-os, em razão do cargo queocupam. O dispositivo está mal redigido” (Comentários à Constituição de 1988. 2a. ed. Rio: ForenseUniversitária, 1993, P. 3321-3322). É certo que cabe ao Ministério Público também zelar pelo respeito aosPoderes e agentes públicos, promovendo, v.g., conforme o caso, a ação de improbidade administrativa, a açãocivil pública para proteção do patrimônio público, a ação penal quando houver crimes contra a AdministraçãoPública, contra a administração da Justiça, contra a honra de funcionários públicos no exercício da função, etc.

30

Assim, podemos visualizar nessa atribuição do Ministério Público uma verdadeira função

“de ombudsman constitucionalmente qualificado para agir em defesa do interesse público

primário”37, o que motivou a seguinte afirmação de Wallace Paiva Martins Júnior, caracterizando o

papel do Ministério Público: “Fator de equilíbrio nas relações entre Administração Pública e

administrado, visando o bom e correto funcionamento da Administração Pública (em relação aos

seus meios e fins), a salvaguarda dos direitos dos administrados e a harmonia entre os Poderes”38.

Continua o mestre Luís Roberto Gomes, afirmando que

“A propósito, acerca do direito coletivo à saúde, o Egrégio SuperiorTribunal de Justiça teve a oportunidade de decidir que ‘tem o Ministério Públicolegitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público e socialvisando à verificação da situação do Sistema Único de Saúde e suaoperacionalidade’39. Neste campo, como bem pontifica Alexandre de Moraes, ‘oMinistério Público poderá, em defesa do direito fundamental à Saúde, fiscalizar epraticar as iniciativas necessárias e pertinentes para zelar pela efetiva prestação equalidade de todas as ações e serviços relacionados à saúde pública, por tratar-se deserviços de relevância pública’40.

Na defesa do direito constitucional da saúde, aliás, o Ministério PúblicoFederal, pela Procuradoria da República no Rio Grande do Sul, moveu ação civilpública contra a União Federal, que tramitou sob o nº 98.0025524-9 na 4ª Vara Federalda Seção Judiciária de Porto Alegre, visando a proibição do uso de produtos fumígenosnas aeronaves brasileiras, para efetivo cumprimento da Lei 9.294/96 e do Decreto2.018/96 (que proíbem tal atividade nos lugares coletivos, privados ou públicos, salvoem área destinada a tal finalidade). Referida ação foi julgada procedente em 04/04/99,com efeito em todo território nacional, tendo sido a Portaria 121/DGAC consideradailegal, ordenando aquele Juízo Federal que o Departamento de Aviação Civil - DACdesse efetivo cumprimento à Lei 9.294/96, fiscalizando as companhias áreas, para queestas não admitissem o uso de produtos fumígenos a bordo de suas aeronaves,enquanto não fossem providenciados espaços separados para o exercício de talatividade41”.

Todavia, também cabe ao Ministério Público – e é isso que busca o artigo 129, II, da Constituição – o zelo dosPoderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos da coletividade, função de ombudsmanqualificado para agir em favor do interesse público primário. 37 GOMES, Luís Roberto, monografia citada.38 Wallace Paiva Martins Júnior. Controle da Administração Pública pelo Ministério Público (MinistérioPúblico Defensor do Povo). São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 8.39 RESP n.º 124.236/MA, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 4/5/98, p. 84).40 Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. São Paulo: Atlas, 2002, p. 1908.41 Decisão mantida pelo Tribunal Regional Federal da 4a Região. Vide: Embargos de Declaração em ApelaçãoCivil n.º 2000.04.01.017495-3/RS, 4a Turma, j. 21/03/2002, DJ de 15/05/2002, p. 574.

31

Insta salientar que o desrespeito aos direitos assegurados na Carta Magna pode se

dar também quando houver omissão do Poder Público ou de serviço de relevância pública,

reconhecendo-se ao Ministério Público a função institucional que o autoriza a agir, promovendo as

medidas necessárias para a supressão da inércia.

Com efeito, diz o Professor Luís Roberto Gomes, “se a própria norma constitucional é

expressa quando diz que o exercício de reportada função dar-se-á ‘promovendo as medidas

necessárias a sua garantia’, certamente legitima o Parquet a expedir recomendação ou ajuizar ação

civil pública visando a que a entidade responsável saia da inércia, quando configurada omissão

inconstitucional, lesiva a direitos assegurados na Constituição”.

O mesmo acontece quando a omissão do Poder Público se relacionar a programas,

atividades ou serviços de saúde.

Aduzindo a lição do Professor Luís Roberto Barroso, e trazendo à baila a natureza dos

interesses envolvidos que demandam a atuação do Ministério Público, o mestre Luís Roberto

Gomes acrescenta ainda que

“Ademais, conquanto a expressão ‘direitos assegurados naConstituição’42 mereça ampla acepção face ao princípio da máxima efetividade danorma constitucional, não é demais observar porém a íntima conexão que deveguardar com a destinação constitucional do ‘advogado da sociedade’ para dar lastro àlegitimação do Parquet. Assim, os direitos constitucionais assegurados que podem serdefendidos pelo Ministério Público junto aos poderes públicos e aos serviços derelevância pública são os relacionados a interesses individuais indisponíveis (CF, art.127) e aos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (CF, art. 129, III, Lei8.078, art. 81, I, II e III, art. 82, I). Quanto aos interesses individuais homogêneos,mesmo que disponíveis, nossa posição é que podem ser defendidos por medidaadministrativa ou por ação civil pública pelo Ministério Público, desde que socialmenterelevantes e afinados com a destinação constitucional da instituição. Agora, não háfalar-se no patrocínio de interesse individual disponível isolado, nem mesmo deinteresses individuais homogêneos quando despidos de relevância social, face ao

42 Luís Roberto Barroso enuncia que “as normas constitucionais definidoras de direitos são as que tipicamentegeram direitos subjetivos, investindo o jurisdicionado no poder de exigir do Estado – ou de outro eventualdestinatário da norma – prestações positivas ou negativas, que proporcionem o desfrute dos bens jurídicos nelasconsagrados. Nessa categoria se incluem todas as normas concernentes aos direitos políticos, individuais,coletivos, sociais e difusos previstos na Constituição” (Interpretação e Aplicação da Constituição. 2a ed. SãoPaulo: Saraiva, 1998, p. 228).

32

perfil típico conferido à instituição pela norma constitucional, que demanda talpressuposto legitimador para a tomada de qualquer medida, seja no âmbitoadministrativo43, seja na esfera judicial44.45”

E ainda relembra que a atuação do Ministério Público também se legitima quando

houver violação de disposições infraconstitucionais, já que o órgão tem também a incumbência de

promover a defesa da ordem jurídica, de uma forma geral, e não só de direitos expressamente

previstos na Constituição Federal.

É o que se encontra no dispositivo constitucional inserido no caput do artigo 127.

Com o mesmo sentido, a Lei Complementar n.º 75/93, além de dispor que cabe ao

Ministério Público da União zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos da União, dos serviços

de relevância pública aos princípios, garantias, condições, direitos, deveres e vedações previstos na

Constituição Federal e na lei, relativos à comunicação social e aos direitos relativos às ações e aos

serviços de saúde e à educação (art. 5o, IV e V), ainda diz que compete ao Ministério Público zelar

pelo respeito daqueles órgãos e serviços “aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da

43 I.e., expedindo recomendações.44 Wallace Paiva Martins Júnior entende que, “no exercício das funções do art. 129, II, da Constituição Federal,o Ministério Público pode zelar tanto por direitos individuais quanto transindividuais. A norma constitucional emdestaque não se refere de maneira explícita e privativamente aos direitos transindividuais nem exclui osindividuais. Não se liga, tampouco, diretamente ao exercício do direito de ação (civil ou penal) confiado aoMinistério Público. Tanto é assim que a normatização infraconstitucional oferece ao Ministério Públicomecanismos de atuação para os fins do art. 129, II, da Constituição Federal que não se resumem ao direito deação (e se assim o fosse, aboliria, por completo, a concepção do Ministério Público como autêntico órgão decontrole da Administração Pública), como acima foi enfatizado e demonstrado, dotando o órgão deinstrumentos de atuação para solução extrajudicial de conflitos de interesse (representação, reclamação, tomadade informações e esclarecimentos, inquérito civil, requisição de procedimentos e sindicâncias, audiênciaspúblicas, sugestões e recomendações e compromisso de ajustamento de conduta). É bem verdade que, se essesmeios não conseguirem alcançar êxito, o Ministério Público tem em seu favor o direito de ação, mas ele sópoderá ser exercido nas hipóteses dos artigos 127 e 129, III e IV, da Constituição Federal, relacionados aosdireitos difusos e coletivos e aos individuais indisponíveis. Contudo, como órgão de controle da AdministraçãoPública, o Ministério Público deverá receber representações, verificar sua admissibilidade, dar-lhes andamentoobtendo informações e apresentando soluções também para os direitos individuais disponíveis, sem, no entanto,poder ajuizar ações civis se o Poder Público resistir à sua atuação, como está previsto nos arts. 11 a 15 da LeiComplementar Federal n. 75/73 e no art. 27 da Lei Federal n. 8.625/93” (Controle da Administração Públicapelo Ministério Público. Ministério Público Defensor do Povo. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 41-42).De nossa parte, contudo, entendemos que, ao deparar com o caso concreto, o Promotor de Justiça ou oProcurador da República devem, desde logo, investigar se há legitimidade para agir. Não havendo, quando setratar de interesse privado disponível sem relevância social, por exemplo, não há falar-se na tomada de qualquermedida, seja administrativa, seja judicial. Destarte, discordamos, neste ponto, com o preclaro autormencionado, situação em que o particular é que deve insurgir-se, sponte propria, na via adequada, contra a açãoou omissão lesiva a seu interesse. 45 GOMES, Luís Roberto, monografia citada.

33

moralidade e da publicidade” (art. 5o, V, b), aos quais deve somar-se agora o princípio da

eficiência.

É ainda essa Lei Complementar que estipula, nas palavras de Luís Roberto Gomes,

“ (...) ainda que compete ao Ministério Público da União expedirrecomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bemcomo ao respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover,fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis (art. 6o, XX). Alémdisso, diz caber ao Ministério Público Federal exercer a defesa dos direitosconstitucionais do cidadão, sempre que se cuidar de garantir-lhes o respeito pelosPoderes Públicos Federais, pelos órgãos da administração direita ou indireta, pelosconcessionários e permissionários de serviço público federal e por entidades queexerçam outra função delegada da União (art. 39).

De seu turno, a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, Lei 8.625/93,prevê que cabe ao Ministério Público exercer a defesa dos direitos assegurados nasConstituições Federal e Estadual, sempre que cuidar de garantir-lhe o respeito pelospoderes estaduais ou municipais, pelos órgãos da Administração Pública estadual oumunicipal, direta ou indireta, bem como pelos concessionários e permissionários deserviço público estadual ou municipal (art. 27, II)”.

Seria interessante construir, também para o caso dos serviços e atividades ligados ao

campo da saúde pública, regras parecidas com as que estabeleceu a Lei n.º 8.987/95, fixando

princípios legais que disciplinem o relacionamento entre as concessionárias e permissionárias do

serviço público e seus “clientes”.

Além disso, em determinados casos, a própria Constituição remete a regulamentação

do direito à legislação infraconstitucional, como faz, v.g., quando estabelece que incumbe ao Poder

Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, a prestação de

serviços públicos (art. 175, caput), e que a lei disporá sobre os direitos dos usuários e a obrigação

de manter serviço adequado (art. 175, par. único, II e IV). Cabível aqui citar a Lei 8.987/9546, que,

complementando a norma constitucional, diz ser direito do usuário receber serviço adequado (art.

7o), que “serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade,

eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das

46 A Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, “dispõe sobre o regime de concessão e permissão de serviçospúblicos previsto no artigo 175 da Constituição Federal e dá outras providências”.

34

tarifas” (art. 6o, par. 1o), e que “a atualidade compreende a modernidade das técnicas, do

equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço”

(Lei 8.987/95, art. 6o, par. 2o). O pleno atendimento dos usuários consumidores, ademais, é

reconhecido em sede do Código de Defesa do Consumidor, dispondo que tem direito à adequada e

eficaz prestação dos serviços públicos (art. 6o, X).

Enfim, detém o Ministério Público a atribuição constitucional de zelar pelo respeito aos

direitos assegurados na Carta Magna e na legislação infraconstitucional, seja em face

da Administração Pública direta ou indireta, seja em face daqueles que executam

atividade pública concedida ou delegada pelo Poder Público, podendo tomar as

medidas que se fizerem necessárias em defesa da sociedade, tanto em razão de ação

como de omissão do responsável pela lesão.

7. CONHECIMENTO, ANÁLISE E AVALIAÇÃO DO SUS

Em função das próprias informações fornecidas pelos gestores do sistema e considerando

ainda as manifestações dos demais agentes envolvidos na implementação do SUS, principalmente

os membros dos Conselhos de Saúde, é plenamente possível alcançar uma imagem ou quadro do

funcionamento do sistema como tal e, a partir daí, analisar as políticas públicas implantadas e

avaliá-las, de modo a buscar mudanças necessárias ao aperfeiçoamento das mesmas.

Nesse aspecto, como os instrumentos legais ou não de que é dotado, o Ministério Público

deve assumir uma postura mais ativa, e pode começar buscando acesso às apontadas

informações, necessárias à orientação de sua atuação funcional.

Ao tratar do problema da avaliação funcional da gestão do sistema e das redes de serviços

do Sistema Único de Saúde, as Professoras Conceição Rezende e Maria Passos Peixoto apontam

que todo trabalho de avaliação do sistema pode ser visualizado na figura 1, como adiante

apresentada.

35

Esse trabalho de avaliação pode servir para retratar de forma perfeita a situação do sistema

de saúde em questão, e, ao final, permitir, com a identificação de seus problemas e a perfeita

quantificação das atividades ou ações desenvolvidas pelo serviço, alcançar o objetivo maior da

avaliação realizada: a proposta “de linhas estratégicas e prioritárias de intervenção”, que possam

contribuir com o aperfeiçoamento do funcionamento das ações e serviços de saúde.

De acordo com as mencionadas professoras,

“Como se verifica no esquema, o trabalho inicia-se com três grandes tarefas, que podemser realizadas de forma paralela:

• o estudo demográfico e epidemiológico;• a descrição do modelo de gestão do respectivo sistema de saúde;

• a descrição da rede de serviços”.

FIGURA 1 – ANÁLISE FUNCIONAL DA GESTÃO DO SUS

(Esquema apresentado pelas Professoras Conceição Rezende e Maria Passos Peixoto)

36

IDENTIFICAÇÃO DEPROBLEMAS OFERTA

OFERTA OTIMIZADA

DEMANDA

NECESSIDADE DE AÇÕES E SERVIÇOS

PROPOSTAS DE LINHAS ESTRATÉGICAS EPRIORITÁRIAS DE INTERVENÇÃO

Estudo Demográfico eEpidemiológico:- Características da po-

pulação- Projeção da população- Perfil epidemiológico atual- Perfil epidemiológico

projetado

Gestão do Sistema de Saúde:- Aspectos conceituais .- Instrumentos de Gestão- Papel das três esferas

gestoras do SUS- Gestão do Sistema de Saúde- Gestão do Modelo As-

sistencial

Descrição da Rede deServiços:- Modelo Assistencial- Descrição da Rede de

Serviços- Recursos Físicos e

Humanos- Produção dos serviços- Sistemas de Referência e

Contra Referência

- Diretrizes gerais da Gestão do Sistema de Saúde- Organização, Adequação e Funcionali dade dos

Instrumentos de Gestão- Gestão do Modelo Assistencial- Mecanismos e Instrumentos de Negociação

Cobertura QualidadeEfetividade Eficiência

AVALIAÇÃO DA REDE DE SERVIÇOSAVALIAÇÃO DA GESTÃO DO SISTEMA

Essas etapas inicias do processo de avaliação e análise da gestão do Sistema Único de

Saúde são assim definidas pelas mencionadas professoras:

37

“Estudo demográfico e epidemiológico - o estudo demográfico tem porobjetivo identificar e caracterizar a população da área de influência da rede e dosistema e projetar seu crescimento a médio e longo prazos. Com o estudoepidemiológico pretende-se estabelecer o perfil de morbidade e mortalidade geral epor grupos específicos da população. Com base nas análises de tendência e deoutras informações disponíveis projeta-se no tempo. Ambos os conteúdos sãoessenciais para se estabelecer a demanda de serviços.Análise do modelo de gestão - Considerando a Constituição Federal, as LeisOrgânicas da Saúde, as Normas e Resoluções do SUS, avaliam-se os principaisaspectos da gestão do respectivo sistema de saúde, incluindo o papel do gestor, osinstrumentos de gestão do sistema e do modelo assistencial e realiza-se aidentificação de problemas prioritários na gestão do sistema e do modeloassistencial.Descrição da rede de serviços - Consiste numa revisão sistemática de seuscomponentes, unidades e serviços de saúde, na qual avaliam-se os aspectosfísicos e funcionais, bem como a organização e o funcionamento do sistema. Aomesmo tempo se conhece o nível de produção de serviços de cadaestabelecimento e do conjunto de estabelecimentos. A informação obtida servepara identificar os recursos disponíveis na rede, sua distribuição, natureza eorganização e os principais problemas que obstaculizam a produção de serviços.Este estudo constitui a base para a análise da oferta de serviços e forneceinformações para a avaliação do funcionamento da rede”.

Dessas informações se passa à avaliação da rede e à análise da oferta e demanda de

serviços de saúde à população que vive na área do sistema de saúde que se examina, de modo

que, nesse ponto, são necessários os seguintes passos, ainda na lição das professoras acima

mencionadas:

“Avaliação da rede - Nesta fase do estudo, avalia-se o cumprimento dos requisitosbásicos de uma rede e de um sistema para que possa promover a melhoria nasituação de saúde da população. Este conteúdo nasce da conceituação de que asanálises da funcionalidade devem concentrar-se na produção da rede de serviços,mas também devem abordar a eficácia do conjunto de ações que oferecem. Paratanto, foram definidos quatro aspectos básicos: cobertura, efetividade, eficiência equalidade. Todavia, no estudo de rede são abordados os dois primeiros, devido a suamaior vinculação com um dos objetivos do estudo - a identificação das necessidadesde atenção não cobertas ou do excedente na produção. Nesta avaliação utilizam-se asinformações levantadas no estudo demográfico e epidemiológico e na descrição da

38

rede, cujos resultados podem servir para o desenho das linhas prioritárias deintervenção.

Estudo da oferta - Consiste em quantificar o número de atividades realizadas emcada estabelecimento e no conjunto da rede, desagregados por nível de atenção,complexidade e região. A oferta, normalmente, se expressa pelo número deprocedimentos realizados por habitante, relação que também é utilizada paradeterminar a necessidade de atenção. Esta etapa do estudo inclui uma fase deotimização, na qual a produção de ações e serviços verificada se ajusta de acordocom a capacidade de produção dos recursos disponíveis.

Determinação da demanda - Consiste na transformação das necessidades emsaúde derivadas do estudo demográfico e epidemiológico e na solicitação deatendimentos aos serviços de saúde, expressas no número de atendimentosrealizados por habitante, baseadas em parâmetros.

Determinação da necessidade de serviços - Da diferença entre a relação daoferta de serviços por habitante e a demanda, identificam-se as necessidades deserviços. As necessidades podem ser estabelecidas para o momento 0, ou seja, noano do estudo, e ser projetada no tempo, que pode ser a médio e longo prazos”.

Finalmente, com base nos dados até aqui alcançados, promove-se a elaboração de

propostas de solução para os problemas e as necessidades identificados, sendo então o momento

de se chegar à

“Definição de linhas estratégicas de ação - A análise dos problemasidentificados nos capítulos permite a definição de linhas estratégicas de ação e aelaboração de alternativas de solução, baseadas nos documentos legais einfralegais, além do contexto e estágio de implementação do SUS.

Definição de linhas prioritárias de intervenção - Normalmente, as propostasconsistem em intervenções tendentes à otimização dos recursos físicos, humanose tecnológicos ou em intervenções que aumentam a capacidade de produção dasunidades e serviços de saúde. No desenho das intervenções também deve-seconsiderar o marco das políticas setoriais, o modelo de atenção à saúde, asustentabilidade econômica e as preferências sociais da população, assim como ocontexto demográfico e epidemiológico, que foi operacionalizado na avaliação da

39

demanda. Na prática, as linhas prioritárias de intervenção transformam-se em uma

carteira de projetos que deve ser priorizada ao longo do tempo (Plano de Saúde).”

Entendemos, com base nas etapas sugeridas pelas autoras, que o mesmo procedimento

pode e deve ser adotado pelos demais agentes sociais participantes da questão da saúde,

principalmente o Ministério Público, uma vez que a avaliação funcional sugerida pelas Professoras

Conceição Rezende e Maria Passos Peixoto permite muito bem uma análise adequada do sistema

de saúde e autoriza, como acima já afirmamos, a definições de “linhas prioritárias de intervenção”,

o que, se for o caso concreto, é o que se espera do Órgão Ministerial.

8. INSTRUMENTOS DE ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A alínea “a” do inciso V do artigo 5º da Lei Complementar n.º 75/93 aponta como uma das

funções institucionais do Ministério Público da União a atribuição de “zelar pelo efetivo respeito dos

poderes públicos da União e dos serviços de relevância pública quanto: (...) aos direitos

assegurados na Constituição Federal relativos às ações e aos serviços de saúde”.

Para o desenvolvimento dessa atribuição, a própria Lei Complementar mencionada

relaciona uma série de instrumentos de atuação, dentre os quais, especificamente voltados para o

campo das ações e serviços de saúde pública, cabe relacionar os constantes nos seguintes incisos

do artigo 6º:

“VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para:a) a proteção dos direitos constitucionais; (...)c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativosàs comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, àsminorias étnicas e ao consumidor;d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos ecoletivos. (...)VIII - promover outras ações, nelas incluído o mandado de injunção sempre que afalta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdadesconstitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e àcidadania, quando difusos os interesses a serem protegidos; (...)

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XX - expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e derelevância pública, bem como ao respeito aos interesses, direitos e bens cujadefesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providênciascabíveis.”

No desempenho dessas atribuições, os artigos 7º e 8º da Lei Complementar em questão

autorizam ainda uma série de providências necessárias à instrução dos procedimentos instaurados

de modo a assegurar condições para o exercício de suas funções de proteção aos direitos

assegurados na Constituição às ações e aos serviços de saúde. Dentre tais providências, podemos

relacionar: a instauração do inquérito civil e outros procedimentos administrativos (art. 7º, inciso I); a

requisição de diligências (art. 7º, inciso II); a oitiva de testemunhas dos fatos em apuração (art. 8º,

inciso I); a “requisição de informações, exames, perícias e documentos de autoridades da

Administração Pública” (art. 8º, inciso II); a requisição à Administração Pública de “serviços

temporários” dos servidores e de “meios materiais necessários para a realização de atividades

específicas” (art. 8º, inciso III); a requisição de informações e documentos a entidades privadas (art.

8º, inciso IV); a realização de inspeções e diligências investigatórias (art. 8º, inciso V); ter livre

acesso a qualquer local público ou privado (art. 8º, inciso VI); expedir notificações e intimações

necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar (art. 8º, inciso VII); e ter acesso

incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviços de relevância

pública, como é o caso específico daqueles decorrentes das ações e serviços de saúde (art. 8º,

inciso VIII).

Para tais situações, o parágrafo 2º do artigo 8º da mencionada lei ainda determina que

“nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de

sigilo”, e o parágrafo 3º estabelece que “a falta injustificada e o retardamento indevido do

cumprimento das requisições (...) implicarão a responsabilidade de quem lhe der causa”.

Em disposições mais específicas sobre a função ministerial de defesa dos direitos

constitucionais, como é o caso das ações e dos serviços de saúde, a Lei Complementar n.º 75/93

ainda prescreve, em seus artigos 11 usque 16, o seguinte:

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“Art. 11. A defesa dos direitos constitucionais do cidadão visa à garantia do seuefetivo respeito pelos Poderes Públicos e pelos prestadores de serviços derelevância pública.Art. 12. O Procurador dos Direitos do Cidadão agirá de ofício ou medianterepresentação, notificando a autoridade questionada para que preste informação,no prazo que assinalar.Art. 13. Recebidas ou não as informações e instruído o caso, se o Procurador dosDireitos do Cidadão concluir que direitos constitucionais foram ou estão sendodesrespeitados, deverá notificar o responsável para que tome as providênciasnecessárias a prevenir a repetição ou que determine a cessação do desrespeitoverificado.Art. 14. Não atendida, no prazo devido, a notificação prevista no artigo anterior, aProcuradoria dos Direitos do Cidadão representará ao poder ou autoridadecompetente para promover a responsabilidade pela ação ou omissãoinconstitucionais.Art. 15. É vedado aos órgãos de defesa dos direitos constitucionais do cidadãopromover em juízo a defesa de direitos individuais lesados.§ 1º. Quando a legitimidade para a ação decorrente da inobservância daConstituição Federal, verificada pela Procuradoria, couber a outro órgão doMinistério Público, os elementos de informação ser-lhe-ão remetidos.§ 2º. Sempre que o titular do direito lesado não puder constituir advogado e a açãocabível não incumbir ao Ministério Público, o caso, com os elementos colhidos, seráencaminhado à Defensoria Pública competente.Art. 16. A lei regulará os procedimentos da atuação do Ministério Público na defesados direitos constitucionais do cidadão.”

Para atuar em sua função de defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis,

como determina o artigo 127 da Constituição Federal, o Ministério Público conta, assim, com uma

série de instrumentos que podem ser utilizados tanto na esfera extrajudicial como na judicial.

A maior parte desses instrumentos estão disciplinados na Lei n.º 7.347/85, que regulamenta

a “ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a

bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras

providências”.

Essa lei permite a defesa em juízo, como expressamente prescreve o inciso V do artigo 1º,

de todos “os interesses difusos e coletivos”, como é o caso das questões ligadas às políticas

públicas de saúde.

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Um dos instrumentos para a apuração de fatos e a avaliação da responsabilidade do Poder

Público por omissões na prestação das ações e serviços de saúde se encontra no inquérito civil

público.

Diz o parágrafo primeiro do artigo 8º da Lei da Ação Civil Pública que “O Ministério Público

poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público

ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não

poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis” .

Esse instrumento pode ser caracterizado, como aponta Sandra Akiko Tsunoda47, como um “

procedimento administrativo e inquisitorial, de natureza informal, (...), destinado a investigar sobre a

ilegalidade do ato denunciado, a colher elementos de convicção para ajuizamento da ação civil

pública ou de qualquer outra medida judicial e, convencido o órgão condutor da irregularidade

denunciada, a tomar do inquirido termo de ajustamento de conduta às disposições legais”.

Presentes elementos suficientes que demonstrem a ilegalidade do ato do Poder Público ou

mesmo a ofensa às disposições legais que disciplinam as ações e serviços de saúde, o Ministério

Público, evidentemente, pode prescindir da instauração do inquérito civil público, como acontece,

também, com o inquérito policial, já que o mesmo só acompanha a denúncia ou queixa quando for a

base de uma ou outra, como determina o artigo 11, caput, do Código de Processo Penal.

O desenvolvimento do inquérito civil público, ou mesmo do procedimento administrativo

instaurado pelo Ministério Público, pode levar ao Termo de Ajustamento de Conduta ou Termo de

Compromisso.

Diz o artigo 5º, parágrafo 6º, da Lei da Ação Civil Pública, que “os órgãos públicos

legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de conduta às exigência

legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”.

Sobre tal instrumento, Sandra Tsunoda aponta, como propriedade, o seguinte:

“ (...) Busca-se com o termo de compromisso ‘a solução imediata, consensual e nãoonerosa da questão’, na qual o inquirido compromete-se a dar, fazer ou deixar de

47 TSUNODA, Sandra Regina Akiko, Ação civil pública como instrumento de prevenção e proteção ao meioambiente do trabalho, monografia, Presidente Prudente: 2002. Páginas 46 e seguintes.

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fazer alguma coisa, mediante a cominação de multa, a fim de não contrariar asnormas (...).

A fixação de cominações ou astreines (....) costuma ser extremamente altano termo de ajustamento de compromisso, como forma de compelir o inquirido acumprir a lei e as condições estabelecidas (...).

O termo de compromisso tem sido bastante eficaz, considerando que o seudescumprimento enseja a sua direta execução, em razão de sua natureza comotítulo executivo extrajudicial”.

Há, ainda como instrumento extrajudicial de atuação, a recomendação.

Esse instrumento encontra-se disciplinado no inciso XX do artigo 6º da Lei Complementar

n.º 75/93, que já transcrevemos acima.

O dispositivo prescreve que o Ministério Público, no exercício de suas funções

institucionais, pode vir a “expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de

relevância pública, bem como ao respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe

promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis”.

A recomendação, assim, no campo das ações e serviços de saúde, pode e deve ser

utilizada como modo ou forma de advertir os gestores das políticas públicas sobre suas

responsabilidades para o caso de descumprimento das medidas objeto da recomendação.

De acordo com a lição de Sandra Tsunoda, “este instrumento gera um efeito de ordem

psicológica sobre o sujeito da recomendação, de forma a estimulá-lo ao cumprimento das normas

que protegem o direito” envolvido.

A despeito da previsão legal desses instrumentos de atuação do Ministério Público,

entendemos que é fundamental, contudo, como queremos apontar com este trabalho, que o

Ministério Público, mais do que a utilização deles, se faça presente nas discussões levadas diante

dos Conselhos de Saúde.

Sua presença nessas reuniões e discussões pode servir como fator importante para a

racionalidade das ações exigidas para o aperfeiçoamento do SUS e pode ter um efeito

“psicológico” sobre os gestores das políticas de saúde tão ou mais eficiente do que aquele

verificado com a utilização da recomendação.

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A disposição contida no § 2º do artigo 6º da Lei Complementar n.º 75/93, por sinal,

assegura a participação do Ministério Público nos “órgãos colegiados estatais, federais ou do

Distrito Federal, constituídos para defesa de direitos e interesses relacionados com as funções da

Instituição”.

Tal disposição assegura, por analogia, a presença do Órgão Ministerial nas reuniões do

Conselho de Saúde ou nas demais reuniões em que discutidas são as políticas de saúde pública.

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com inteira razão os membros dos Conselhos de Saúde reclamam a participação mais

efetiva dos membros dos Ministérios Públicos nas discussões, fiscalizações ou definições das ações

e serviços de saúde pública.

Se existem disposições legais que legitimam a atuação do Ministério Público nessas

questões, o certo é que os Promotores de Justiça e os Procuradores da República têm-se mantido

distantes das questões de saúde.

Como afirmamos, mais do que restringir sua participação a atuações “pontuais” e “apenas

quando acionado”, os membros do Ministério Público devem assumir uma posição verdadeiramente

ativa no que se refere às questões do Sistema Único de Saúde, sobretudo em consideração à

natureza relevante – a Constituição define tais ações e serviços como sendo de “relevância

pública” − dos interesses aí envolvidos.

O Promotor de Justiça e o Procurador da República devem se aproximar dos demais

agentes, acompanhar de perto o processo de implementação do sistema de saúde e, quando for o

caso, utilizar os instrumentos jurídicos existentes para a efetivação concreta dos princípios

constitucionais e legais que norteiam o mencionado sistema, já que, só com tal conduta, eles

estarão cumprindo com perfeição o seu papel.

Para tanto devem participar ativamente das reuniões dos Conselhos de Saúde e lançar mão

da metodologia sugerida no item 5, voltada para uma análise “funcional” da gestão da saúde,

45

instrumento este que permitirá uma visão segura da demanda por ações e serviços de saúde,

permitirá a identificação dos problemas existentes na área, além da identificação simultânea dos

recursos existentes, disponibilizados e alocados no setor.

Após tal análise, e se for o caso, o membro do Ministério Público, fundamentado nos dados

coligidos, estará habilitado a adotar as medidas extrajudiciais (como a recomendação prevista no

inciso XX do artigo 6º da Lei Complementar n.º 75/93) ou judiciais (como a propositura da ação civil

pública disciplinada pela Lei n.º 7.347/85) cabíveis.

É possível, com tais instrumentos, como vimos no item 6, até mesmo o controle da omissão

dos gestores na implementação das diretrizes legais do SUS.

Só assim, participando ativamente das questões de saúde, o Ministério Público estará

assumindo seu papel e realizando o desejo que o legislador constituinte fez inserir nos artigos 196 e

seguintes da Constituição Federal.

10. BIBLIOGRAFIA

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Sistema Único de Saúde do Brasil, Manual do Curso de Especialização (...) em Direito Sanitário.

- CAMARGO FERRAZ, Antônio Augusto Mello e VASCONCELLOS E BENJAMIN, Antônio Herman

de, O conceito de “relevância pública” na Constituição Federal, O Conceito Constitucional de

Relevância Pública, Série Direito e Saúde n.º 1 – Organização Mundial de Saúde, Brasília: 1992

- DALLARI, Sueli Gandolfi, Direito Sanitário, Manual do Curso de Especialização (...) em Direito

Sanitário.

46

- DAVID ARAÚJO, Luis Alberto, O conceito de “relevância pública” na Constituição Federal de

1988, O Conceito Constitucional de Relevância Pública, Série Direito e Saúde n.º 1 – Organização

Mundial de Saúde, Brasília: 1992.

- ELIAS, Paulo Eduardo, Políticas de Saúde, Manual do Curso de Especialização (...) em Direito

Sanitário, páginas 93 e seguintes.

- GOMES, Luís Roberto, O MINISTÉRIO PÚBLICO E O CONTROLE PROCESSUAL

EXTRAPROCESSUAL da omissão da Administração Pública O controle da omissão estatal no

Direito Ambiental, monografia.

- MANCUSO, Rodolfo de Camargo, Ação civil pública em defesa do meio ambiente, do patrimônio

cultural e dos consumidores – Lei 7.347/85 e legislação complementar. São Paulo: RT. 2002.

- RELATÓRIO FINAL DA 11ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE – Efetivando o SUS: Acesso,

Qualidade e Humanização na Atenção à Saúde, com Controle Social, Manual do Curso de

Especialização (...) em Direito Sanitário

- REZENDE, Conceição, Manual de atuação jurídica em saúde pública, Programa de Apoio ao

Fortalecimento do Controle Social do SUS, monografia.

- REZENDE, Conceição e PEIXOTO, Maria Passos, Metodologia para realização de análises

funcionais da gestão de sistemas e redes de serviços de saúde no Brasil, OPAS/OMS/MS, Núcleo

de Estudos em Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da UFMG.

- TSUNODA, Sandra Regina Akiko, Ação civil pública como instrumento de prevenção e proteção

ao meio ambiente do trabalho, monografia. Presidente Prudente: 2002.

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