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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADO CURSO DE DIREITO LUCIANA CLARO MACHADO O ACESSO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE À PRESTAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE. Caxias do Sul 2007

UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS …pessoal. É o coroamento de toda a luta do indivíduo contra a tirania do Estado3. Ao destacar as conquistas obtidas com a Revolução

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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SULCENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADOCURSO DE DIREITO

LUCIANA CLARO MACHADO

O ACESSO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE À PRESTAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE.

Caxias do Sul2007

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LUCIANA CLARO MACHADO

O ACESSO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE À PRESTAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE.

Monografia apresentada no Curso de Direito da Universidade de Caxias do Sul, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Rafael Lazzarotto Simioni

Caxias do Sul2007

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O ACESSO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE À PRESTAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE.

Luciana Claro Machado

Monografia submetida à Banca Examinadora no Curso de Direito da Universidade de Caxias do Sul, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Bacharel em Direito.

Caxias do Sul, 26 de junho de 2007.

Banca Examinadora:

Prof. Ms. Rafael Lazzarotto Simioni (Orientador)Universidade de Caxias do Sul

Prof. Ms. Andréa AldrovandiUniversidade de Caxias do Sul

Prof. Paulo Natalício WeschenfelderUniversidade de Caxias do Sul

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Aos meus pais e irmãos, pela dedicação, paciência e crença em mim; aos meus amigos, em especial à Maria José e à Débora, pelo companheirismo e fidelidade, e ao Rafael, pela atenção, cuidado e carinho.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu orientador, Rafael Lazzarotto Simioni, pelo exemplo que é e pelo conhecimento compartilhado, e ao aos meus colegas do Ministério Público, em especial à Dra. Adriana Karina Diesel Chesani e ao José Roberto, pela escola, apoio e estímulo.

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A mão que parte o pãoa mão que semeiaa mão que o recebe- como seria belo tudo isso se não fosse os intermediários!

Mário Quintana

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RESUMO

O acesso de crianças e adolescentes ao direito fundamental à saúde é assegurado com absoluta prioridade pela Constituição Federal, entretanto, não é cumprido pelo Poder Executivo. Em face disso, o Poder Judiciário tem feito intervenções em favor daqueles, visando a assegurar-lhes seu direto constitucional. Assim, há que se analisar a possibilidade jurídica de intervenção dos provimentos de jurisdição nas políticas governamentais quanto à prestação da saúde a crianças e adolescentes. Para tal análise, a pesquisa fez uso do método histórico-descritivo na verificação da evolução histórica dos direitos fundamentais, bem como o método analítico para a descrição do direito à saúde em face da prioridade prevista constitucionalmente a crianças e adolescentes a partir da intervenção do Poder Judiciário nas funções do Poder Executivo. Assim, no primeiro capítulo, analisa-se a evolução histórica do direito à saúde no contexto das transformações sofridas pelo Estado. No segundo capítulo, observa-se o acesso prioritário de crianças e adolescentes ao direito fundamental da saúde e esse direito enquanto fundamental. No terceiro e último capítulo, verifica-se o problema da autonomia dos Poderes Judiciário e Executivo. Com as devidas análises, verifica-se a real intervenção do Poder Judiciário na atuação do Poder Executivo, bem como a deterioração da democracia representativa no Estado de Bem-estar Social.

Palavras-chave: criança e adolescente; direito à saúde; autonomia dos poderes; judicialização da política; colisão de preceitos.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................ 9

1 O DIREITO À SAÚDE NO ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL ....................... 13

1.1 O Estado Liberal de Direito. ......................................................................... 13

1.2 O estado Social de Direito. ........................................................................... 17

1.3 O estado Democrático de Direito. ................................................................ 19

1.4 O estado de Bem-estar Social...................................................................... 20

2. CRIANÇA, ADOLESCENTE E DIREITO À SAÚDE......................................... 23

2.1 A doutrina da Proteção Integral e o Princípio da Prioridade Absoluta..... 23

2.2 A Saúde Como Direito Fundamental: .......................................................... 28

2.3 A Proteção Judicial dos Interesses Individuais, Difusos e Coletivos

assegurados à criança e ao adolescente:......................................................... 31

3. O PROBLEMA DA AUTONOMIA DOS PODERES.......................................... 37

3.1 – A questão do mérito do ato administrativo.............................................. 37

3.2. Politização da Justiça e a Judicialização da Política. ............................... 40

3.3 O Conflito de Direitos Fundamentais. ......................................................... 44

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 47

REFERÊNCIAS..................................................................................................... 50

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INTRODUÇÃO

A Constituição Federal, em seu art. 227, assegura a todos os cidadãos, de

forma igualitária, o direito à saúde, entre outros direitos fundamentais. No entanto,

traz em seu texto que seja assegurado, com prioridade, tal direito às crianças e

adolescentes, por estarem em peculiar condição de formação, o que também é

previsto na legislação específica - Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA -, Lei

nº 8.069/90, no art. 4º.

Contudo, há que se levar em conta que o Estado não tem cumprido de forma

satisfatória seu papel de fornecer a todos o acesso à saúde, nem mesmo às

crianças e adolescentes, sendo necessário o ajuizamento de ações civis públicas

para que aqueles tenham tal direito assegurado. Em função disso, indispensável é a

intervenção do Poder Judiciário para o exercício de tal direito, determinando que o

Poder Executivo dê aplicação à previsão legal.

Nesse panorama, vislumbra-se o conflito entre os poderes - Executivo e

Judiciário -, uma vez que esse, em princípio, não possui autonomia para que se

execute o fornecimento de qualquer bem necessário à manutenção da saúde a uma

criança ou adolescente, tendo aquele, em sua autonomia, a previsão de destinação

de certa parcela do orçamento público à área da saúde, prevendo, também, sua

aplicação. Disso se depreende que, embora haja a previsão constitucional de que os

três poderes do Estado sejam autônomos e independentes, na situação exposta, o

Executivo e o Judiciário se confundem, dando ensejo à discussão visando ao

asseguramento de um direito fundamental.

O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 6º, traz que sua

aplicação observará os direitos individuais e coletivos. Assim, ao se determinar

judicial e coercitivamente o fornecimento de atendimento à saúde à administração

pública, que por vias tradicionais não está sendo prestado, em favor de uma

criança/adolescente, estar-se-á prejudicando a coletividade, uma vez que o Poder

Executivo terá de arcar com tal prestação, em detrimento de outras tantas

necessidade sociais. Indo de encontro a isso, o texto constitucional do art. 5º, XXXV,

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expõe à apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito, bem

como o ECA, em seu art. 5º, prevê que “Nenhuma criança ou adolescente será

objeto de qualquer forma de negligência [...] por ação ou omissão, aos seus direitos

fundamentais”.

Ao priorizar-se a saúde, conseqüentemente dá-se primazia ao direito à vida,

que naturalmente se sobrepõe e do qual derivam os demais direitos fundamentais.

Em função disso, justificar-se-ia a atuação do Poder Judiciário interferindo no Poder

Executivo, determinando que se forneça o tratamento necessário à saúde de

crianças e adolescentes, em que pese a existência de tantos outros direitos

fundamentais que devem ser assegurados.

Por outro lado, em havendo a interferência do Poder Judiciário, teria o Poder

Executivo que remanejar o orçamento público planejado, disponibilizando à saúde,

em um caso específico, verbas previstas a outros projetos que beneficiariam a

coletividade.

Diante do exposto, questiona-se se o Poder Judiciário tem a capacidade de

privilegiar um caso específico de uma criança/adolescente, fornecendo-lhe o

atendimento à saúde, fundamentado na previsão legal de que esses têm prioridade

ao assegurar-se qualquer direito, em detrimento da coletividade e seus demais

direitos fundamentais, interferindo na autonomia e discricionariedade do Poder

Executivo.

O assunto ora abordado é atual e de extrema importância. Frente à

perspectiva do direito, verifica-se a interferência do Poder Judiciário no Poder

Executivo, constitucionalmente independentes e harmônicos entre si, o que gera

uma demanda de fundamentação jurídica que justifique a possibilidade ou não de tal

intervenção. Em função disso, a presente explanação aborda as diversas visões

jurídicas acerca do mesmo assunto, polêmico e contraditório, cujos entendimentos

doutrinários são das mais diferentes espécies, assim como as decisões em primeira

instância e dos tribunais superiores, que não apresentam um posicionamento

uniforme em face dessa recente problemática, que não encontra embasamento

plenamente sedimentado.

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A relevância na abordagem do presente assunto está em que ao se englobar

seus vários posicionamentos, através da pesquisa de obras acerca do tema,

trazendo à baila tanto as teorias já conhecidas e entendimentos pacíficos quanto o

pensamento de doutrinadores contemporâneos, está-se ampliando o conhecimento

acerca do tema abrangendo-se suas diversas visões em um só trabalho.

Dessa forma, além dos entendimentos jurídicos a serem mencionados, bem

como a relevante importância de se explanar sobre o assunto, tendo em vista o

número restrito de obras que abordam especificamente a questão de isonomia entre

os Poderes Judiciário e Executivo no que tange à garantia de direitos fundamentais,

há que se focar o benefício social de se pesquisar sobre o assunto. Isso porque ante

a controversão encontrada quando da abordagem da interferência do Poder

Judiciário no Poder Executivo, visando à prestação de um direito fundamental de

tamanha importância como o da saúde a cidadãos, esclarece-se o tema,

amenizando a discussão.

E uma vez que o debate abandona o âmbito somente do direito, em

discussões meramente jurídicas, passando a priorizar a efetivação de um direito

inerente e imprescindível ao cidadão, beneficia-se a coletividade, pois a pacificidade

à questão é pressuposto da absoluta garantia de que se obterá tal prestação.

Nessas condições, objetiva-se analisar as possibilidades jurídicas de

interferência dos provimentos jurisdicionais sobre as políticas do governo, no que

tange à prestação de saúde a crianças e adolescentes.

Para serem atingidos esses resultados, a pesquisa utilizará o método

histórico-descritivo na análise da evolução histórica do direito fundamental à saúde,

bem como o método analítico para a descrição desse direito em face da prioridade

prevista constitucionalmente a crianças e adolescentes, a partir da intervenção do

Poder Judiciário nas funções do Poder Executivo.

Nessa ordem de idéias, no primeiro capítulo será analisada a evolução

histórica do direito à saúde no contexto das transformações sofridas pelo Estado. No

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segundo capítulo, será observado o acesso prioritário de crianças e adolescentes ao

direito fundamental da saúde e a saúde como direito fundamental. No terceiro e

último capítulo, será verificado o problema da autonomia dos Poderes Judiciário e

Executivo.

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1 O DIREITO À SAÚDE NO ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL

1.1 O Estado Liberal de Direito.

A Estado Liberal surge após o absolutismo, em resposta a essa forma de

governo onde o poder político restringia-se ao soberano, trazendo em sua essência

a limitação do poder e das funções do Estado. Nesse sentido, referem Morais e

Streck, acerca do liberalismo:

como uma doutrina que foi-se forjando nas marchas contra o absolutismo onde se situa o crescimento do individualismo que se formula desde os embates pela liberdade de consciência (religiosa). Todavia, isso avança na doutrina dos direitos e do constitucionalismo, esse como garantia contra o poder arbitrário, da mesma forma contra o exercício arbitrário do poder legal1.

Ainda, relacionando o liberalismo com o surgimento do Estado de Direito,

mencionam que:

no seu nascedouro o conceito de Estado de Direito emerge aliado ao conteúdo próprio do liberalismo, impondo, assim, aos liames jurídicos do Estado a concreção do ideário liberal no que diz respeito com o princípio da legalidade – ou seja, a submissão da soberania estatal à lei – a divisão de poderes ou funções e, a nota central, a garantia dos direitos individuais2.

Bastos caracteriza essa forma de Estado como:

Estado constitucional, é o que vai procurar com a maior eficiência até hoje conhecida o atingimento da liberdade no sentido do não-constrangimento pessoal. É o coroamento de toda a luta do indivíduo contra a tirania do Estado3.

Ao destacar as conquistas obtidas com a Revolução Francesa, ocorrida

quando da formação do Estado Liberal, refere que:

1 MORAIS, José Luis Bolzan de; STRECK, Lenio Luiz. Ciência política e teoria geral do estado. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2004. p. 50-56.2 ibidem., p. 89.3 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do estado e ciência política. 4. Ed. São Paulo: Saraiva. 1999. p. 138.

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Os usos e costumes locais, nos quais se encastelavam as forças do passado, foram subordinados à lei do Estado que se transformou na fonte por excelência do Direito, como única expressão da ‘vontade geral4.

Tal aspecto do Estado Liberal converte-se no conhecido conceito de Estado

Mínimo, onde, relativamente aos direitos individuais e em termos constitucionais,

menciona o mesmo autor que o liberalismo, que reparou as insuficiências sociais e

repeliu as postulações extremadas:

prega o caráter negativo desses direitos, é dizer: o Estado os satisfaz por um abster-se, por um não atuar [...] Considera-se, também, como asseguradores de uma área de inibição da atuação estatal [...] a Constituição é que cumpre esse papel, qual seja, o de dividir aquilo que compete ao Poder Público, o que é feito por um sistema de outorga de competências, e aquilo que cabe ao particular, que é levado a efeito por meio de uma definição de direitos individuais que funcionam como autênticos inibidores da esfera de atuação estatal [...] Buscou-se, num primeiro momento, o asseguramento de uma igualdade inicial, que eliminasse privilégios, através da insurgência contra a ordem anterior, qual seja, a da monarquia absolutista5.

Analisando criteriosamente o aspecto das constituições surgidas com o

liberalismo, Bonavides menciona que:

a brevidade das Constituições liberais deriva sem dúvida da sua inteira indiferença ao conteúdo e substância das relações sociais. A Constituição, que não podia evitar o Estado, ladeava, contudo, a sociedade, para conservá-la por esfera imune ou universo inviolável de iniciativas privatistas [...] À Constituição cabia tão somente estabelecer a estrutura básica do Estado, a espinha dorsal de seus poderes e respectivas competências, proclamando na relação indivíduo–Estado a essência dos direitos fundamentais relativos à capacidade civil e política dos governados, os chamados direitos da liberdade6.

Analisando Dworkin, Dall’Agnol refere, acerca da teoria liberalista daquele

autor, que:

direitos são trunfos políticos possuídos por indivíduos. Disso também se segue que esses fins coletivos não podem servir de justificativa para impor algum tipo de dano ou prejuízo aos indivíduos. Essa caracterização dos direitos é formal na medida em que não diz quais são os direitos de que os indivíduos são efetivamente portadores. Todavia, ela representa um claro

4 BASTOS, Celso Ribeiro, ibidem, p. 1385 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 1. ed. São Paulo: Celso Bastos. 2002. p. 303-4.6 BONAVIDES; Paulo. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros. 2006. p. 229.

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avanço em relação à teoria dos supostos direitos naturais ou das fundamentações metafísicas dos direitos humanos7.

Bobbio, analisando o nascimento do Estado representativo, surgido com o

Liberalismo, referiu, sobre esse período, que:

há a descoberta e afirmação dos direitos naturais do indivíduo – direitos que cada indivíduo tem por natureza e por lei e que, precisamente porque originários e não adquiridos, cada indivíduo pode fazer valer contra o Estado inclusive recorrendo ao remédio extremo da desobediência civil e da resistência. O reconhecimento dos direitos do homem e do cidadão, primeiro apenas doutrinário através dos jusnaturalistas, depois também prático e político através das primeiras Declarações de Direitos, representa a verdadeira revolução copernicana na história das relações entre governantes e governados: o Estado considerado não mais ex parte principis ma ex parte populi. O indivíduo vem antes do Estado. O indivíduo não é pelo Estado mas o Estado pelo indivíduo. [...] O pressuposto ético da representação dos indivíduos considerados singularmente e não por grupos de interesse, é o reconhecimento da igualdade natural dos homens8.

Morais e Streck destacam as características surgidas com essa nova forma

de Estado, indicando da “afirmação de valores e direitos básicos atribuíveis à

natureza do ser humano – liberdade, dignidade, vida – que subordina tudo o mais à

sua implementação” 9, a questão de que “O status dava lugar ao contrato”10, a

tomada das decisões pela “legislatura eleita pelo povo, restringida pela própria

natureza da convenção que a estabeleceu originariamente”11, ressaltando o

surgimento de Constituições como:

um documento fundamental acerca do poder político é crucial para a garantia dos direitos fundamentais dos indivíduos, bem como para traçar os marcos da atividade estatal, não só pela limitação de seus poderes como também pela divisão de suas funções12.

Diante de toda essa exposição, mencionam o Liberalismo como uma teoria

antiestado, uma vez que “O aspecto central de seus interesses era o indivíduo e

7 DALL'AGNOL, Darlei. O igualitarismo liberal de Dworkin. Revista Kriterion., Belo Horizonte, v. 46,n. 111, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2005000100005&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 26 Abr 2007. Pré-publicação.8 BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade; por uma teoria geral da política. 9. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2001. p. 116-117.9 MORAIS, José Luis Bolzan de; STRECK, Lenio Luiz, op. cit. p. 50-56.10 ibidem, p. 50-56.11 ibidem, p. 50-56.12 ibidem, p. 50-56.

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suas iniciativas. A atividade estatal, quando se dá, recobre um espectro reduzido e

previamente reconhecido”13.

Relevante se faz mencionar que foi no mesmo período de formação do

Estado Liberal que se elaborou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,

em 1789, marco para o reconhecimento dos direitos individuais, cuja referência de

Bastos é de que “se deu dentro de uma ambiente culturalmente racionalista, onde se

chegou a identificar a validade desses direitos que se impõe independentemente do

lugar e do tempo, e que são decorrentes da própria natureza humana” 14.

Há que se trazer a conhecimento o destaque dado por Bonavides às

Declarações, surgidas nessa época e que embasaram e deram ensejo às

atualmente existentes, ao afirmar que:

têm primeiro a índole de um manifesto ou plataforma revolucionária do que de um documento verdadeiramente jurídico. São cartas de princípios, com inspiração antiabsolutista, anti-restauradora, anexas ao texto constitucional propriamente dito, do qual às vezes se acham desmembrados, embora sejam parte também da Constituição15.

Ainda, refere o citado autor que tal quadro sofreu alteração de forma que o

texto das declarações passou a constar como artigo constitucional a partir da

Constituição Belga de 1832, inovadora em face de tal aspecto.

Em que pese o reconhecimento doutrinário acerca da Declaração dos Direitos

do Homem e do Cidadão de 1789, merece destaque a análise acurada de Canotilho,

cuja referência foi de que: “os direitos fundamentais liberais decorriam não tanto de

uma declaração revolucionária de direitos, mas do respeito de uma esfera de

liberdade individual” 16, o que retoma a idéia inicial trazida a conhecimento acerca do

liberalismo e não-intervencionismo do Estado.

13 Ibidem, p. 50-56.14 BASTOS, Celso Ribeiro, op. cit. 2002, p. 305.15 BONAVIDES; Paulo. op. cit. 2006. p. 226.16 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina. 1999. p. 93.

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Nesse diapasão, a análise ampla e profunda de Bobbio, bem resume a

passagem do Estado Liberal:

que não é mais apenas o governo das leis, contraposto ao dos homens, já louvado por Aristóteles, mas o governo que é ao mesmo tempo dos homens e das leis, dos homens que fazem as leis, e das leis que encontram um limite em direitos preexistentes dos indivíduos que as próprias leis não podem ultrapassar, em uma palavra, o Estado Liberal moderno que se desdobra sem solução de continuidade, e por desenvolvimento interno, no Estado Democrático17.

Dessa forma, tem-se o surgimento do regramento social em face de leis,

ainda que essas tenham o caráter de isolar o indivíduo, a quem foram reconhecidos

direitos individuais, do Estado, que apenas regula suas próprias funções.

1.2 O estado Social de Direito.

Na transição do Estado Liberal para o Estado Social é consenso doutrinário o

surgimento dos direitos sociais nesse último. No mesmo sentido coloca-se

Bonavides:

Ora, na atenuação dessa influência ou do domínio que a burguesia outrora exerceu incontrastavelmente é que se distingue também o Estado liberal do Estado social. [...] Quando o domínio daquele era completo, quando ele tina em si, virtualmente intacto, o poder político, viveu a idade saudosa do liberalismo. [...] À medida, porém, que o Estado tende a desprender-se do controle burguês de classe, e este se enfraquece, passa ele a ser, [...] o Estado de todas as classes, o Estado fator de conciliação, o Estado mitigador de conflitos sociais e pacificador necessário entre o trabalho e o capital18.

O mesmo autor aduz, ainda, acerca do referido período de transição, que:

Ao divórcio entre o Estado e a Sociedade, sucedeu novo e imprevisto quadro de absorção da Sociedade pelo Estado, isto é, a politização de toda a Sociedade, pondo termo àquele dualismo clássico, àquela antinomia, bastante típica da idade liberal e das instituições que o individualismo produziu no século passado. [...] As declarações de direitos, as normas constitucionais ou normas-princípios, não importa o teor organizativo ou

17 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2004.p. 224.18 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 7. ed. São Paulo: Malheiros. 2001. p. 184-185.

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restritivo que possam ter, se volvem basicamente para a Sociedade e não para o indivíduo; em outros termos, buscam desesperadamente reconciliar o Estado com a Sociedade19.

Citado por Bastos, Zippelius menciona, acerca do Estado Social de Direito,

que:

A passagem do Estado Liberal ao Estado Social moderno foi caracterizada por o Estado ter incluído no âmbito de sua actuação política, em medida crescente, aquelas decisões respeitantes às finalidades sociais e económicas e à sua efectivação planejada. Os principais elementos componentes deste alargamento das funções públicas foram a promoção do bem comum e da justiça social [...] A tendência para a promoção do bem-estar pelo Estado revela-se principalmente no facto de as preocupações com esse bem-estar terem constituído cada vez mais um tarefa administrativa20.

Acerca do Estado Social de Direito, Silva, após ressaltar que o

abstencionismo do Estado Liberal deu ensejo a injustiças, traz o conceito de Díaz,

referido que "o qualificativo social refere-se à correção do individualismo clássico

liberal pela afirmação dos direitos clássicos sociais e realização de objetivos de

justiça social"21.

É de relevância trazer a conhecimento a referência de Morais e Streck quanto

à forma de Estado ora discutida:

Transmutado em social, o Estado de Direito acrescenta à juridicidade liberal um conteúdo social, conectando aquela restrição à atividade estatal a prestações implementadas pelo Estado. A lei passa a ser, privilegiadamente, um instrumento de ação concreta do Estado, tendo como método assecuratório de sua efetividade a promoção de determinadas ações pretendidas pela ordem jurídica22.

Com o Estado Social concretizado, portanto, tem-se o surgimento dos direitos

sociais, sendo esse, provavelmente, o fator determinante dessa forma de estado,

uma vez que ressaltado por toda a doutrina.

19 BONAVIDES, Paulo. op. cit. 2006. p. 231.20 ZIPPELIUS apud BASTOS, Celso Ribeiro. op. cit. 2002. p. 144.21 DÍAZ apud SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros. 2003. p. 115.22 MORAIS, José Luis Bolzan de; STRECK, Lenio Luiz, op. cit. p. 94.

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1.3 O estado Democrático de Direito.

Inicialmente, Silva expõe acerca do Estado Democrático, utilizando-se das

palavras de Crosa, que:

se impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública, participação que não se exaure [...] na simples formação das instituições representativas, que constituem um estágio de evolução do Estado Democrático, mas não o seu completo desenvolvimento23.

Nesse sentido, Canotilho refere como inerente ao Estado Democrático "a

liberdade positiva, isto é, liberdade assente no exercício democrático o poder"24.

O Estado Democrático de Direito é avaliado por Silva, ao destacar que:

o 'democrático' qualifica o Estado, o que irradia os valores da democracia sobre todos os elementos constitutivos do Estado e, pois, também sobre a ordem jurídica. O Direito, então, imantado por esses valores, se enriquece do sentir popular e terá que ajustar-se ao interesse coletivo25.

Ainda, traz a legalidade como princípio dessa forma de Estado, uma vez que

"sujeita-se, como todo o Estado de Direito, ao império da lei, mas da lei que realize o

princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da

igualização das condições dos socialmente desiguais"26.

Nesse sentido, Morais e Streck aludem ao Estado Democrático de Direito

como a "tentativa de conjugar o ideal democrático ao Estado de Direito, não como

uma posição de conceitos, mas sob um conteúdo próprio onde estão presentes as

conquistas democráticas, as garantias jurídico-legais e a preocupação social"27.

Seguindo a mesma linha de entendimento, Silva, ao caracterizar os dois

principais fundamentos do Estado Democrático de Direito, cita que:

23 CROSA apud SILVA, José Afonso da. op. cit. p. 117.24 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit. p. 95.25 Ibidem, 119.26 Ibidem, p. 119.

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a) o sufrágio tornou-se universal, não mais sujeito ao cumprimento de qualquer exigência exceto a idade legal e o gozo dos direitos políticos; e b) as normas cogentes ocuparam integralmente a normativização da vida social e econômica, fazendo com que qualquer comportamento dependa de previsão legal28.

O constitucionalista Canotilho refere em sua obra o Estado de Direito

Democrático, por assim utilizar-se tal expressão em Portugal, em que pese o

conteúdo de sua análise fazer plena referência ao Estado Democrático de Direito:

O Estado constitucional é 'mais' do que Estado de direito. O Elemento democrático não foi apenas introduzido para 'travar' o poder [...]; foi também reclamado pela necessidade de legitimação do mesmo poder [...]. Só o princípio da soberania popular segundo o qual 'todo o poder vem do povo' assegura e garante o direito à igual participação na formação democrática da vontade popular. Assim, o princípio da soberania popular, concretizado segundo procedimentos juridicamente regulados, serve de 'charneira' entre o 'Estado de direito' e o 'Estado democrático', possibilitando a compreensão da moderna fórmula Estado de direito democrático29.

Percebe-se, portanto, que, neste período, a previsão constitucional dos

direitos sociais permanece caracterizando essa forma de estado. Entretanto,

vislumbra-se a participação e legitimação popular na vida jurídica, econômica e

social do estado, em face da democratização.

1.4 O estado de Bem-estar Social.

Morais e Streck destacam, acerca dessa forma de Estado, o “aspecto de

direito próprio do cidadão a ter garantido o seu bem-estar pela ação positiva do

Estado como afiançador da qualidade de vida do povo” 30. Assim, aduzem que o

Estado mantém:

compromisso com o bem comum e com a dignidade do ser humano, consolidando-se, concretamente, conforme as condições (ex)postas em cada Sociedade e Estado e, tendo como conteúdo finalístico, a idéia de

27 MORAIS, José Luis Bolzan de; STRECK, Lenio Luiz, op. cit. p. 92.28 SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. Curso de direito constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2003. p. 60-61.29 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit. p. 95-96.30 MORAIS, José Luis Bolzan de; STRECK, Lenio Luiz, op. cit. p. 92. p. 71.

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justiça social e, por conseguinte, de socialização das relações interpessoais31.

Ademais, para caracterizar o Estado de Bem-estar Social, os mesmos autores

citam Silva, cuja caracterização é de que

o Estado acolhe os valores jurídico-políticos clássicos; porém, de acordo com o sentido que vem tomando através do curso histórico e com as demandas e condições da sociedade do presente. [...] Por conseguinte, não somente inclui direitos para limitar o Estado, senão também direitos às prestações do Estado. [...] O Estado, por conseguinte, não somente deve omitir tudo o que seja contrário ao Direito, isto é, a legalidade, inspirada em uma idéia de Direito, senão que deve exercer uma ação constante através da legislação e da administração que realize a idéias social de Direito32.

Para conceituar o Estado de bem-estar social, Diniz cita Lavinas, referindo

que se trata de “um regime específico de transferências sociais, de base fiscal, cujo

objetivo é promover o bem-estar dos indivíduos mediante uma redistribuição de

renda e da riqueza (ativos) comprometida com a idéia de justiça"33. Seguindo essa

mesma linha, Gomes menciona que:

A definição de welfare state pode ser compreendida como um conjunto de serviços e benefícios sociais de alcance universal promovidos pelo Estado com a finalidade de garantir uma certa "harmonia" entre o avanço das forças de mercado e uma relativa estabilidade social, suprindo a sociedade de benefícios sociais que significam segurança aos indivíduos para manterem um mínimo de base material e níveis de padrão de vida, que possam enfrentar os efeitos deletérios de uma estrutura de produção capitalista desenvolvida e excludente34.

Esclarecedor, Bonavides destaca:

a dependência do indivíduo em relação às prestações do Estado e fazer com que este último cumpra a tarefa igualitária e distributiva sem a qual não haverá democracia nem liberdade [...] A importância funcional dos direitos sociais básicos [...] consiste pois em realizar a igualdade na Sociedade35.

31 Ibidem, p. 72.32 SILVA apud MORAIS, José Luis Bolzan de; STRECK, Lenio Luiz, op. cit. p. 91.33 LAVINAS apud DINIZ, Simone. Critérios de justiça e programas de renda mínina. Rev. katálysis.,Florianópolis, v. 10, n. 1, 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1414-49802007000100012&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 12 Jun2007. Pré-publicação.34 GOMES, Fábio Guedes. Conflito social e welfare state: Estado e desenvolvimento social no Brasil.Rev. Adm. Pública., Rio de Janeiro, v. 40, n. 2, 2006. Disponível em: <http: //www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-76122006000200003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 12 Jun 2007. Pré-publicação.

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Cita, ainda, a “igualdade niveladora”36 referida por Tomandl, e aduz que essa

“deve ser volvida para situações humanas concretas, operada na esfera fática

propriamente dita e não em regiões abstratas ou formais do Direito”37. Há que se

ressaltar, outrossim, a crítica trazida pelo autor, no sentido de que:

Os direitos existem de sobra, com tamanha abundância na esfera programática que formalmente o texto constitucional resolveu com o voto do constituinte todos os problemas básicos de educação, saúde trabalho, previdência, lazer [...] Com efeito, na Constituição de 1988 as promessas constitucionais ora aparecem cunhadas em fórmulas vagas, abstratas e genéricas, ora remetem a concretização do preceito contido na norma ou na cláusula a uma legislação complementar e ordinária que nuca se elabora. [...] Em razão dessa omissão constitucional e de outras incorporadas já à tradição de nosso constitucionalismo programático, a auto-aplicabilidade das regras de Constituição em matéria de direitos sociais e a eficácia das garantias que a Constituição possa oferecer nesse tocante constituem os pontos cardeais das reflexões sobre a crise da estatalidade social no Brasil38.

Em face do Estado de Bem-estar Social, o indivíduo não somente possui seus

direitos fundamentais previstos constitucionalmente, como também é possuidor da

obrigação estatal de prestação de tais direitos, em uma ação positivas.

35 BONAVIDES, Paulo. op. cit. 2006. p. 234.36 BONAVIDES, Paulo. op. cit. 2006. p. 234.37 ibidem, p. 234.38 ibidem, p. 235.

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2. CRIANÇA, ADOLESCENTE E DIREITO À SAÚDE

2.1 A doutrina da Proteção Integral e o Princípio da Prioridade Absoluta

A Constituição Federal de 1988 pela primeira vez na história brasileira,

assegurou, com absoluta prioridade, o direito à saúde, dentre outros, à criança e ao

adolescente, no caput de seu art. 227, proclamando, assim, a doutrina da proteção

integral:

Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A inspiração de reconhecer proteção especial para a criança e o adolescente

é antiga na comunidade das nações. A Declaração de Genebra de 1924

determinava "a necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial"; da

mesma forma, a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas,

datada de 1948, fazia referência ao "direito a cuidados e assistência especiais";

ainda, a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, conhecida como Pacto

de São José, de 1969, proclamava, no seu art. 19, que "Toda criança tem direito às

medidas de proteção que na sua condição de menor requer, por parte da família, da

sociedade e do Estado".

Foi com esse espírito - e por que a sociedade, seguindo a tendência mundial -

clamava por um texto infraconstitucional consoante com as conquistas da Carta

Magna, que foi editada e promulgada a Lei nº 8.069/90 - Estatuto da Criança e do

Adolescente -, que no seu artigo 1º dispõe, expressamente, sobre a proteção

integral à criança e ao adolescente. Os movimentos e os documentos internacionais

supramencionados serviram como base de sustentação dos principais dispositivos

do Estatuto da Criança e do Adolescente.

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Hoje, o Estatuto da Criança e do Adolescente é um valioso instrumento

jurídico que garante a implementação dos princípios constitucionais da Declaração

dos Direitos da Criança, inserindo em seu texto o princípio de proteção integral à

criança e ao adolescente, garantindo-lhes a dignidade da pessoa humana em

formação, salvaguardando-lhes a vida e assegurando-lhes o seu desenvolvimento

pleno.

O texto trazido no caput do art. 4º a Lei 8.069/90, que em seu art. 2º refere

que criança para os efeitos do referido diploma legal, é “a pessoa até doze anos de

idade incompletos”, bem como adolescente “aquela entre doze e dezoito anos de

idade”, é semelhante ao constitucional:

Art. 4º - É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Ainda, a expressão geralmente encontrada em textos e doutrina específica

acerca da Lei 8.069/90, ao se referir a criança e adolescentes como seres em

peculiar estágio de desenvolvimento, é expressamente prevista no art. 6º do referido

diploma legal:

Art. 6º - Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.

Nesse diapasão, encontra-se na obra de Liberati a menção de que:

se deve observar é a proteção dos interesses das crianças e do adolescente, que deverão sobrepor-se a qualquer outro bem ou interesse juridicamente tutelado, levando em conta a destinação social da lei ou o

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respeito à condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento39

Elias, segue a mesma linha, referindo que:

Há vários critérios que sempre devem ser observados para a interpretação de uma lei, porque aceitos universalmente. É claro que os fins sociais a que esta lei se dirige, bem como as exigências do bem comum e os direitos de quem quer que seja, não podem ser relegados. Todavia, há que de se atentar, especialmente, à condição peculiar da criança e do adolescente, tendo em vista o objetivo de dar-lhes integral proteção40.

A referência feita por Del-Campo e Oliveira é de que:

O Estatuto da Criança e do Adolescente [...] segue a doutrina da proteção integral, que se baseia no princípio do melhor interesse da criança (the best interest of the child). Segundo ela, o Estado brasileiro tem o dever de garantir as necessidades da pessoa em desenvolvimento [...] O Estatuto afastou-se da doutrina da situação irregular, acolhida pelo código de menores [...], que compreendia como objeto de atenção apenas os menores em situação irregular, ou seja, aqueles em conflito com a lei ou, por qualquer motivo, privados de assistência41.

A definição de criança e de adolescente, trazida pelo referido estatuto é

criticada por Liberati, uma vez que essa “separação está fundada tão-somente no

aspecto da idade, não levando em consideração o psicológico e o social”42, sendo

que Saraiva, ao contrário do diploma legal, faz referência à infância e à

adolescência, justificando, de forma abrangente, a necessidade a priorizar as

pessoas nessa fase da vida ao afirmar que:

Na caminhada trilhada entre a indiferença e a proteção integral de direitos, a criança transitou desde a desconsideração de sua condição diferenciada, ao rótulo de incapaz, até a compreensão (nem sempre percebida) de sua condição de pessoa em peculiar estágio de desenvolvimento, sujeito de direitos43.

39 LIBERATI, Wilson Donizete. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente. 8. ed. São Paulo: Malheiros. 2004. p. 20.40 ELIAS, Roberto João. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente. 2. ed. São Paulo: Saraiva. 2004. P. 07.41 DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara; OLIVEIRA, Thales Cezar de. Estatuto da criança e do adolescente. 2. ed. São Paulo: Atlas. 2006. p. 03.42 Ibidem, p. 16.43 SARAIVA, João Batista Costa. Da indiferença à proteção integral. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2005. p. 66.

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Há que se frisar, também, que a previsão constitucional de prioridade a

crianças e adolescentes, quanto ao asseguramento de seus direitos fundamentais,

recebeu propulsão quando do surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente,

que corroborou a Doutrina da Proteção Integral, cuja referência na doutrina

específica é uniforme, partindo-se da menção de Santos:

garante em lei a concepção de que todas as crianças e adolescentes brasileiros são sujeitos de Direitos enquanto pessoas em especial etapa de seu desenvolvimento, devendo ser protegidos e respeitados integral e especialmente nos direitos de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias, bem como no atendimento prioritário nos serviços públicos e na destinação privilegiada de recursos públicos para áreas relacionadas à infância e juventude. [...] A legislação em vigor estipula que a criança e o adolescente são sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos pela Constituição Federal e pelas leis brasileiras44.

No que tange à questão da prioridade na obtenção de direitos fundamentais

por crianças e adolescentes, Silva atribui ao Estado e à família essa seguridade

àqueles, assim como a constituição, uma vez que “Colocá-los a salvo de toda a

forma de negligência, discriminação exploração, violência, crueldade e opressão é

exigência indeclinável do cumprimento daquele dever”45.

Destaca Liberati que:

Por absoluta prioridade devemos entender que a criança e o adolescente deverão estar em primeiro lugar na escala de preocupação dos governantes; devemos entender que, primeiro, devem ser atendidas todas as necessidades das crianças e adolescentes46.

Ainda, acrescenta:

A criança e o adolescente, que estão em fase de desenvolvimento, devem merecer a proteção especial da família, da sociedade e do Poder Público, devendo este criar condições e programas específicos que permitam seu nascimento e desenvolvimento de forma sadia e harmoniosa47.

Em consonância com a transcrição supra, Ramos aduz que:

44 SANTOS, Érika Piedade da Silva. Psicologia jurídica no Brasil. 1. ed. Rio de Janeiro: Nau. 2004. p. 226.45 SILVA, José Afonso da. op. cit. p. 823.46 LIBERATI, Wilson Donizete. op. cit. p. 18.

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os interesses de crianças e adolescentes estão acima de quaisquer outros interesses, e devem ser tratados com absoluta prioridade, seja pela família, pela sociedade ou pelo Estado, conforme previsão constitucional explícita. Assim, havendo conflito de interesses, em determinado caso concreto, prevalecerão os interesses de crianças e adolescentes, por serem prioritários a quaisquer outros48.

De relevância é a colocação de Del-Campo e Oliveira, no sentido de que:

A prioridade, contudo, não deve conduzir ao absurdo entendimento de que tais direitos são ab solutos. Quando se consagrou o princípio da proteção integral, não se pretendeu aniquilar os demais direitos individuais e coletivos, mas fornecer uma diretriz para a interpretação das normas menoristas que entende crianças e adolescentes como pessoas necessitadas de atenção jurídica especial49.

Focando suas colocações na especificidade da Justiça da Infância e da

Juventude, acerca do ajuizamento de ações visando a assegurar os direitos de

crianças e adolescente, Veronese refere que:

Cada sentença Judicial corresponderá a uma opção política. Vale dizer opção política, pois sua decisão importará numa verdadeira escolha entre várias alternativas viáveis que se apresentam na solução da causa, de modo que, mesmo perfilhando o caminho a objetividade, impossível será deixar de retratar sua ideologia (fruto de uma determinada formação cultural, social e política), que no caso específico, por estar tratando de questões que envolvam a defesa de um segmento, de uma minoria social, sua sentença revelará, sem obscuridade, sua postura, isto é, a posição de um juiz que tem por papel fundamental ser guardião, não da lei, mas dos direitos e interesses de uma massa de crianças e adolescentes50.

Necessário se faz admitir, portanto, que os doutrinadores constitucionalistas e

a da legislação específica, acerca dos direitos das crianças e adolescentes, são

uniformes em seu texto, enfatizando a inovação da doutrina da proteção integral em

relação às legislações anteriormente vigentes e trazendo a prioridade absoluta dos

mesmos em face das demais pessoas, frente à colisão de direitos fundamentais

garantidos.

47 Ibidem, p. 2248 RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. Curso de direito da criança e do adolescente. 1. ed. Rio de Janeiro: 2006. p. 422.49 DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara; OLIVEIRA, Thales Cezar de. op. cit. p. 09.50 VERONESE, Josiane Rose Petry. Interesses difusos e direitos da criança e do adolescente. 1. ed. Belo Horizonte: Del Rey. 1997. p. 100.

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2.2 A Saúde Como Direito Fundamental:

O direito à saúde está contido dentre os direitos fundamentais,

especificamente no rol dos direitos sociais. Assim, há que se dar destaque,

inicialmente, à referência de Canotilho quanto àqueles direitos:

A positivação de direitos fundamentais significa a incorporação na ordem jurídica positiva dos considerados ‘naturais’ e ‘inalienáveis’ do indivíduo. Não basta qualquer positivação. É necessário assinar-lhes a dimensão de Fundamental Rights colocados no cimeiro das fontes de direito: as normas constitucionais. Sem essa positivação jurídica, os direitos do homem são esperanças, aspirações, idéias, impulsos, ou até, por vezes, mera retórica política, mas não direitos protegidos sob a forma de normas (regras e princípios) de direito constitucional51.

Silva aduz, acerca dos direitos fundamentais, que:

se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive. [...] todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados52.

Ainda, refere que os direitos fundamentais são classificados em cinco

categorias, previstas na Carta Magna: “(1) direitos individuais (art. 5º); (2) direitos à

nacionalidade (art. 12); (3) direitos políticos (art. 14 a 17); (4) direitos sociais (arts. 6º

e 193 e ss); (5) direitos coletivos (art. 5º)”53, aduzindo, ao fim, o surgimento dos “(6)

direitos solidários (arts. 3º e 225)”54.

Alexandre de Moraes, entretanto, redimensiona a apreciação supra-referida,

trazendo em seu texto o que comumente é encontrado nas doutrinas

constitucionalistas ao se classificar os direitos fundamentais, como de primeira

geração, os quais “são direitos e garantias individuais e políticos (liberdades

públicas), surgidos institucionalmente a partir da Magna Charta”55, os de segunda

geração, “que são os direitos sociais, econômicos e culturais, surgidos no início do

51 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit. p. 353.52 SILVA, José Afonso da. op. cit. p. 178.53 SILVA, José Afonso da. op. cit. p. 183.54 SILVA, José Afonso da. op. cit. p. 183.55 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas. 2006. p. 26.

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século”56, e os direitos de terceira geração, “os chamados direitos de solidariedade

ou fraternidade”57.

Quanto aos direitos sociais, o Tavares afirma que:

como direitos de segunda dimensão [...] são aqueles que exigem do Poder Público uma atuação positiva, uma forma atuante da implementação da igualdade social dos hipossuficientes58.

É de relevante importância trazer a conhecimento as referências de Canotilho,

acerca dos direitos econômicos, sociais e culturais, que remontam a estrutura do

Estado de Bem-estar Social, ora vigente:

Os direitos sociais são compreendidos como autênticos direitos subjectivos inerentes ao espaço existencial do cidadão, independentemente da sua justicialidade e exequibilidade imediatas. [...] Nem o Estado nem terceiros podem agredir posições jurídicas reentrantes no âmbito de proteção desses direitos. [...] As normas constitucionais consagradoras de direitos económicos, sociais e culturais, modelam a dimensão objectiva de suas formas: (1) imposições legiferantes, apontando para a obrigatoriedade de o legislador actuar positivamente, criando as condições materiais e institucionais para o exercício desses direitos [...]; (2) fornecimento de prestações aos cidadãos, densificadoras da diemnsão subjectiva essencial destes direitos e executoras do cumprimento das imposições institucionais59.

Silva, ao tratar do direito à saúde, aduz que:

o direito igual à vida de todos os seres humanos significa também que, nos casos de doença, cada um tem o direito ao tratamento condigno de acordo com o estado atual da ciência médica, independentemente de sua situação econômica, sob pena de não ter muito valor sua consignação em normas constitucionais60.

Quanto ao asseguramento do direto a saúde, genericamente, Bastos, refere

quanto à previsão da Carta Maior:

A saúde é um direito de todos e um dever do Estado (art. 196). Na sua prestação desempenha um papel importantíssimo o sistema único de saúde a que se refere o art. 1998. Ele consiste numa integração das ações e serviços públicos de saúde, tendo por diretrizes o princípio da

56 Ibidem, p. 26.57 Ibidem, p. 26.58 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 1. ed. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 555.59 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit. p. 446.60 SILVA, José Afonso da. op. cit. p. 307.

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descentralização, no nível de cada esfera de governo, o atendimento integral e a participação da comunidade61.

Ao abordar o texto constitucional, acerca de crianças e adolescentes, Ferreira

aduz que “O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde de

criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não

governamentais”62. Refere, outrossim, mencionando parte da previsão da

Constituição Federal, que:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco da doença e de outros agravos, bem com o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. [...] É estabelecido um sistema único de saúde, consistindo na integração de ações e serviços públicos de saúde numa rede regionalizada, assim como hierarquizada, organizado tal sistema com as seguintes diretrizes: I – descentralização com direção única em cada esfera de governo; II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III –participação da comunidade63.

Nesse sentido também é a colocação de Tavares:

o Estado deve promover políticas sociais e econômicas destinadas a possibilitar o acesso universal igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde. Ademais, deve preocupar-se igualmente com a prevenção de doenças e outros agravos, mediante a redução dos riscos [...]. Por fim, o tema relaciona-se diretamente com a dignidade da pessoa humana e o direito à igualdade, que pressupõem o Estado-garantidor, cujo dever é assegurar o mínimo de condições básicas para o indivíduo viver e desenvolver-se64.

Há que se fazer menção ao destaque dado pela doutrina específica acerca

das crianças e adolescentes quanto ao direito à saúde, referido por Amim como

sendo “direito fundamental homogêneo, mas com certo grau de especificidade em

relação à saúde adulta” 65. Nesse sentido, ainda, coloca Silva que a saúde “Constitui

um dos direitos sociais, previstos constitucionalmente. É da competência comum da

União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde” 66.

61 BASTOS, Celso. op. cit. 2002, p. 768.62 FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Constitucional. 11. ed. São Paulo: Saraiva. 2001. p. 563.63 Ibidem, p. 539.64 TAVARES, André Ramos. op. cit. p. 570.65 AMIM, Andréa Rodrigues. Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2006. p. 21.66 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p. 1257.

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As referências acerca do assunto, por Amim, detalham a prioridade de

crianças e adolescentes frente a toda política de direitos fundamentais garantidos a

esses, ao relacionar a previsão constitucional com a legislação específica:

Estabelece primazia em favor das crianças e adolescentes em todas as esferas de interesses. Seja no campo judicial, extrajudicial, administrativo, social ou familiar, o interesse infanto-juvenil deve preponderar. Na comporta indagações ou ponderações sobre o interesse a tutelar em primeiro lugar, já que a escolha foi realizada pela nação através do legislador constituinte. [...] Ressalte-se que a prioridade tem um objetivo bem claro: realizar a proteção integral, assegurando primazia que facilitará a concretização dos direitos fundamentais enumerados no art. 227, caput, da Constituição da República e reenumerados no caput do art. 4º do ECA. [...] Mais. Leva em conta a condição de pessoa em desenvolvimento, pois a criança e o adolescente possuem uma fragilidade peculiar de pessoa em formação, correndo mais riscos que um adulto, por exemplo67.

Quanto às políticas públicas, que direta e indiretamente abrangem o direto à

saúde a crianças e adolescentes, a mesma autora aduz que:

Na prestação de serviços públicos e de relevância pública crianças e jovens também gozam de primazia. [...] Claro, como toda norma, esta deverá ser aplicada dentro dos limites do razoável68.

Ainda, exemplifica que:

teremos na balança dois direitos indisponíveis, vida e saúde, que devem ser tutelados com a razoabilidade peculiar na busca da efetividade das normas. [...] não é lícito que por preciosismo e apego à norma se renuncie ao bom senso. Não foi esse o objetivo da lei69.

Nesse sentido, percebe-se o Estado de Bem-estar Social como garantidor da

previsão constitucional e execução da prestação da saúde, direito fundamental, a

todos os indivíduos e com prioridade, a crianças e adolescentes, que se encontram

em peculiar condição de desenvolvimento.

2.3 A Proteção Judicial dos Interesses Individuais, Difusos e Coletivos

assegurados à criança e ao adolescente:

67 AMIM, Andréa Rodrigues. op. cit. p. 22.68 Ibidem, p. 27.

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A legislação em geral, tal como a específica, prevê o acesso de crianças e

adolescente à justiça, visando ao asseguramento e proteção de seus interesses

individuais, difusos e coletivos. Assim, é de relevância que se faça a distinção entre

esses três tipos de direitos.

Em referência aos direitos individuais – direitos de primeira geração - cuja

doutrina é unânime em afirmar que estão previstos no art. 5º da Constituição

Federal, Silva menciona que são “aqueles que reconhecem autonomia aos

particulares, garantindo iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais

membros da sociedade política e do próprio Estado”70.

Outrossim, por Bonavides é referido que:

tem por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. [...] São por igual direitos que valorizam primeiro o homem-singular, o homem das liberdades abstratas, o homem da sociedade mecanicista que compõe a chamada sociedade civil71.

Quanto aos direitos coletivos, também referidos pela doutrina constitucional

como direitos de segunda geração, o mesmo autor refere que “exigem do Estado

determinadas prestações materiais nem sempre resgatáveis por exigüidade,

carência ou limitação essencial de meios ou recursos”72.

Acerca dos direitos difusos, Moraes, para explicá-los, cita Vigliar, indicando

que são “os interesses de grupos menos determinados de pessoas, sendo que entre

elas não há vínculo jurídico ou fático muito precioso”73 e, neste sentido, Veronese

apresenta detalhes acerca da citada espécie de direitos, referindo que:

1. São transindividuais, tendo em vista que ultrapassam a esfera de atuação dos indivíduos singularmente considerados, para considerá-los enquanto entidade coletiva. 2. O bem jurídico, no que se refere ao objeto, é de

69 Ibidem, p. 27.70 SILVA, José Afonso da. op. cit. p. 182.71 BONAVIDES, Paulo. op. cit. 2006. p. 563-4.72 Ibidem, p. 564.73 VIGLIAR apud MORAES, Alexandre de. op. cit. 2006. p. 27.

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natureza indivisível. Esta indivisibilidade é absoluta em função da impossibilidade total de determinação dos sujeitos [...] 3. No que diz respeito à titularidade, ou seja, no aspecto subjetivo, os interesses difusos caracterizam-se pela indeterminação dos titulares, ligados entre si por circunsTâncias fáticas, o que equivale dizer que não há uma relação jurídica-base74.

Com efeito, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece:

Art. 3º - A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trataesta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 7º - A criança e o adolescente têm direito à proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

Para efetivar as ações fáticas concretas, na busca da proteção

dos direitos da criança e do adolescente, o legislador infraconstitucional inseriu no

Estatuto da Criança e do Adolescente, no Capítulo VII, que trata sobre a Proteção

Judicial dos Interesses Individuais, Difusos e Coletivos assegurados à criança e ao

adolescente, o artigo 208, que preceitua:

Art. 208 - Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular:I - do ensino obrigatório;II - de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência;III - de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;IV - de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;V - de programas suplementares de oferta de material didático-escolar, transporte e assistência à saúde do educando do ensino fundamental;VI - de serviço de assistência social visando à proteção à família, à maternidade, à infância e à adolescência, bem como ao amparo às crianças e adolescentes que dele necessitem;VII - de acesso às ações e serviços de saúde;VIII - de escolarização e profissionalização dos adolescentes privados de liberdade.§ 1o As hipóteses previstas neste artigo não excluem da proteção judicial outros interesses individuais, difusos ou coletivos, próprios da infância e da adolescência, protegidos pela Constituição e pela Lei. § 2o A investigação do desaparecimento de crianças ou adolescentes será realizada imediatamente após notificação aos órgãos competentes, que deverão comunicar o fato aos portos, aeroportos, Polícia Rodoviária e

74 VERONESE, Josiane Rose Petry. op. cit. p. 100.

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companhias de transporte interestaduais e internacionais, fornecendo-lhes todos os dados necessários à identificação do desaparecido.

Quanto ao supracitado dispositivo legal, Elias aduz que “Os incisos VI e VII

referem-se a direitos que atingem, além da criança e do adolescente, sua família.

Isso com respeito ao princípio ao art. 227 da Constituição”75. Ademais, destaca que:

o elencado no artigo não é exaustivo. Assim, quaisquer outros direitos podem ser demandados pela via judicial. Importa que às crianças e adolescentes sejam concedidos todos aqueles direitos que constam da Constituição e do Estatuto76.

Nesse sentido, também, é o comentário de Del-Campo e Oliveira de que se

trata de “um rol meramente exemplificativo de direitos cuja oferta deve ser exigida

aos poderes públicos”77. Cury, Garrido e Maçura referem que a oferta irregular

prevista no citado dispositivo legal “compreende os aspectos quantitativo e

qualitativo”78.

Ainda, no artigo 212 do referido diploma legal, vem expresso:

Art. 212 - Para defesa dos direitos e interesses protegidos por esta Lei, são admissíveis todas as espécies de ações pertinentes.§ 1º Aplicam-se às ações previstas neste Capítulo as normas do Código de Processo Civil.§ 2º Contra atos ilegais ou abusivos de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público, que lesem direito líquido e certo previsto nesta Lei, caberá ação mandamental, que se regerá pelas normas da lei do mandado de segurança.

Quanto ao caput do artigo acima mencionado, a Elias manifesta que o mesmo

é redundante, uma vez que a Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXV, prevê que

“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”79.

Contudo, Veronese considera que o Estatuto da Criança e do Adolescente:

não está preocupado com o procedimento, com o rito, nem mesmo com o nome da ação através do qual um determinado assunto deva ser

75 ELIAS, Roberto João.op. cit. p. 247.76 Ibidem, p. 247.77 DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara; OLIVEIRA, Thales Cezar de. op. cit. p. 272.78 CURY, Munir; MAÇURA, Jurandir Norberto; PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Estatuto da criança e do adolescente anotado. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 191.79 Ibidem, p. 250.

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encaminhado à Justiça da Infância e Juventude, considerando relevante o conteúdo do direito pleiteado.

Há que se considerar de certa forma despiciendo o §1º do mesmo artigo, uma

vez que o Estatuto da Criança e do Adolescente já fez constar, em seu art. 152, que

“Aos procedimentos regulados nesta Lei aplicam-se subsidiariamente as normas

gerais previstas na legislação processual pertinente”.

Quanto ao §2º do supracitado dispositivo legal, Elias aduz como objetivo de

tal previsão “coibir o abuso de autoridades ou agentes, tendo em vista a proteção

integral do menor”80. A referência, por Cury, Garrido e Maçura à mesma previsão é

de que “visa à obtenção de um mandado, pelo qual a autoridade judiciária manda

que se pratique ou se abstenha da prática de determinado ato”81. Os comentários de

Del-Campo e Oliveira quanto ao dispositivo são de que:

é possível a impetração tanto do mandado de segurança para defesa de direito individual líquido e certo da criança e do adolescente art. 5º, LXIX, da CF), como de mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX, da CF) para a defesa dos interesses difusos e coletivos, sem a mesma exigência de liquidez e certeza do direito, abrangendo os chamados interesses legítimos82.

No que tange à questão do direito líquido e certo, Veronese menciona a

importância de que “já na petição inicial os fatos devam estar provados”.

Necessário se faz ressaltar, também, que além da possibilidade de

ajuizamento de ações mandamentais e defesa dos direitos de crianças e

adolescentes, há a previsão legal de ajuizamento de Ação Civil Pública, pelo

Ministério Público, para defender direitos individuais, difusos e coletivos dos

mesmos. Assim, prevê o art. 201,V, da Lei 8.069/90, que

Art. 201 - Compete ao Ministério Público:[...]V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º inciso II, da Constituição Federal.[...]

80 ELIAS, Roberto João. op. cit. p. 251.81 CURY, Munir; MAÇURA, Jurandir Norberto; PAULA, Paulo Afonso Garrido de. op. cit. p. 195.82 DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara; OLIVEIRA, Thales Cezar de. op. cit. p. 276.

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Ressalte-se, entretanto, que o Inquérito Civil e a Ação Civil Pública são

regidos pela Lei 7.347/85. Outrossim, em face da referida disposição legal, Del-

Campo e Oliveira referem que:

Embora o ajuizamento da Ação civil Pública não seja exclusivo do Ministério Público [...] é ele, sem duvido, quem mais age em defesa da sociedade. Basta lembrar que inúmeros co-legitimados preferem ofertar representação ao parquet a propor suas próprias ações83.

Liberati, em sua obra, quanto ao aspecto ora abordado, explana que:

o Ministério Público [...] pela sua autonomia e independência na ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais, foi convocado a tutelar os direitos da criança e do adolescente. [...] a jurisdição da infância e da juventude [...] destaca-se na defesa dos direitos sociais da criança e do adolescente, principalmente na área específica dos interesses difusos e coletivos. [...] Dará início à ação Civil Pública e inquérito civil para a apuração de responsabilidade administrativa no descuido da proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente84.

Por fim, é necessário referir que essas ações tramitarão junto à Justiça da

Infância e Juventude, conforme o art. 148, IV, do ECA, cujo regramento indica que

“A Justiça da Infância e da Juventude é competente para: IV - conhecer de ações

civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao

adolescente, observado o disposto no art. 209”. Ainda, o art. 209 prevê que:

Art. 209 - As ações previstas neste Capítulo serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujo juízo terá competência absoluta para processar a causa, ressalvadas a competência da Justiça Federal e a competência originária dos tribunais superiores.

Verifica-se, portanto, que a doutrina específica é unânime em considerar a

especialização da justiça, em todos os seus âmbitos, quando afeta à direitos de

crianças e adolescentes.

83 DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara; OLIVEIRA, Thales Cezar de. op. cit. p. 259.84 LIBERATI, Wilson Donizete. op. cit. 227.

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3. O PROBLEMA DA AUTONOMIA DOS PODERES

3.1 A questão do mérito do ato administrativo

O mérito do ato administrativo não é considerado por Meirelles como seu

requisito de formação, entretanto, refere que mantém relação direta com o motivo e

o objeto desse e, por conseqüência, com suas condições de validade e eficácia.

Nesse sentido, define ato administrativo como:

toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria85.

Seguindo a mesma linha, Bastos conceitua ato administrativo conforme:

ato jurídico que produza efeitos num caso concreto, praticado pela Administração Pública, enquanto Poder Público, isto é, fazendo valer sua autoridade, porém, atendendo aos interessas determinados pela lei e individualizado por características próprias86.

A abordagem de Medauar sobre ato administrativo ratifica os conceitos já

trazidos a conhecimento e indica que aquele é:

um dos modos de expressão das decisões tomadas por órgãos e autoridades da Administração Pública, que produz efeitos jurídicos, em especial no sentido de reconhecer, modificar, extinguir direitos ou impor restrições e obrigações, com observância da legalidade [...] as decisões administrativas não são tomadas sob um enfoque particularizado, para produzir efeitos sobretudo entre partes; uma das características das decisões administrativas encontra-se na avaliação mais ampla dos interesses em confronto e no sentido de efeitos no todo, mesmo naquelas que, aparentemente, repercutem no âmbito restrito. [...] deve-se entender a “vontade”, que se exprime no ato administrativo, não como um fator psíquico, de caráter subjetivo, mas como um momento objetivo87.

85 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo. Malheiros. 2006. p. 149.86 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 2000. p. 93.87 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2004. p. 158-9.

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A mesma autora, antes de referir-se ao mérito do ato administrativo, faz a

distinção desse em relação à legalidade:

A legalidade do ato administrativo diz respeito, em síntese, a sua conformação às normas do ordenamento. A margem livre sobre a qual incide a escolha inerente à discricionariedade corresponde ao aspecto de mérito do ato administrativo; tal aspecto expressa o juízo de conveniência e oportunidade da escolha, no atendimento do interesse público, juízo esse efetuado pela autoridade à qual se conferiu o poder discricionário. [...] O contraponto entre esses aspectos de legalidade e mérito do ato administrativo aparece, sobretudo, no tema do controle jurisdicional da Administração, ao se discutir o alcance desse controle. Menciona-se classicamente que ao Judiciário descabe o exame do mérito dos atos administrativos88.

Assim, Meirelles menciona que o mérito do ato administrativo “consubstancia-

se [...] na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato, feitas pela

Administração incumbida de sua prática, quando autorizada a decidir sobre sua

conveniência, oportunidade e justiça do ato a realizar”89. Ressalta, outrossim, que:

os atos vinculados, onde não há faculdade de opção do administrador, mas unicamente a possibilidade de verificação dos pressupostos de direito e de fato que condicionam o processus administrativo, não há falar em mérito, visto que toda atuação do Executivo se resume no atendimento das imposições legais. [...] O que convém reter é que o mérito administrativo tem sentido próprio e diverso do mérito processual e só abrange os elementos não vinculados do ato da Administração, ou seja, aqueles que admitem uma valoração da eficiência, oportunidade, conveniência e justiça. No mais, ainda que se trate de poder discricionário da Administração, o ato pode ser revisto e anulado pelo Judiciário, desde que, sob o rótulo de mérito administrativo, se aninhe qualquer ilegalidade resultante de abuso ou desvio de poder90.

Telles utiliza-se do conceito trazido por Meirelles visando à caracterização do

ato administrativo e corrobora, quanto ao mérito no Direito Administrativo, a

completa distinção do mérito direito processual. Contudo, faz uso das palavras de

Fagundes para caracterizar o mérito do ato administrativo, citando que “Compreende

aspectos, nem sempre de fácil percepção, atinentes ao acerto, à justiça, utilidade,

equidade, razoabilidade, moralidade, de cada procedimento administrativo”91. Ainda,

acrescenta que:

88 MEDAUAR, Odete. op. cit. p. 158.89 MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit. p. 154-155.90 MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit. p. 154-155.

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O mérito do ato administrativo está fora da apreciação do Poder Judiciário. O que lhe assiste é a faculdade da análise do mérito, tão-só no que se refere à materialidade do fato, isto é, quanto à apreciação das provas, dos motivos, e, principalmente, se tudo isso está adequado à legalidade. Portanto, é da competência deste poder o exame não só dos aspectos formais da legalidade mas, também, das próprias condições de fato, mediante as quais o ato se realiza.92

Acerca do ponto ora em tela, Faria menciona que “ao invés de examinar a

intenção do agente público, verifica-se o fato que constitui fundamento do ato e se o

mesmo é suficiente para justificá-lo”93. Neste sentido, complementa que:

os fatos, que deram origem ao ato, devem ser apresentados e justificados pelo autor do ato [...] A inexistência da indicação do motivo ou a alegação de motivos falsos macula o ato do vício de nulidade, acarretando contra ele a possibilidade de invalidação pela própria Administração ou a invalidação pelo Poder Judiciário”94.

O entendimento de Bastos acerca do mérito do ato administrativo corrobora o

que é trazido pelos demais autores, tendo em vista que o caracteriza como:

a valoração que o administrador faz sobre a conveniência e oportunidade do ato a ser praticado e se relaciona com o motivo e o objeto do ato. Esta valoração só é possível nos atos discriscionários. De fato, nos atos vinculados, uma vez verificados os pressupostos de fato e de direito, não resta outra conduta ao administrador senão a de atender ao mandamento legal. [...] o ato discricionário apresenta tanto o aspecto da legalidade quanto o do mérito. O ato vinculado apresenta apenas o da legalidade. O aspecto da legalidade é suscetível de revisão pelo Poder Judiciário. O do mérito não. Só à administração cabe rever e corrigir o ato nesse aspecto, porque, sendo uma apreciação subjetiva sobre o momento de praticá-lo, não há determinação legal nesse sentido, e, portanto, não há como ser aferida essa atuação pelo Judiciário95.

Figueiredo, ao explanar acerca da discricionariedade da Administração

Pública, abordou, em sua obra, a questão do mérito, referindo que:

tem-se entendido por competência discricionária a que possibilita ao administrador, no caso concreto, escolher, dentre as plúrimas soluções sugeridas, pela hipótese normativa, a melhor, segundo juízo de oportunidade e conveniência. [...] os atos discricionários não se submeteriam a controle no atinente ao seu mérito [...] ao Judiciário caberia

91 FAGUNDES apud TELLES, Antonio A. Queiroz. Introdução ao Direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000. p. 75-6.92 Ibidem p. 75-6.93 FARIA, Edimur Ferreira de. Curso de Direito Administrativo Positivo. 4ª ed. Belo Horizonte: Del Rey. 2001. pág. 244.94 Ibidem, p. 245.95 BASTOS, Celso Ribeiro. op. cit. 2000, p. 93.

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controlar a atividade administrativa, desde que não invadisse o mérito das decisões discricionárias96.

Diante do exposto, tem-se que a prestação da saúde, cuja previsão é legal e

sua efetivação depende do Poder Executivo, seja federal, estadual ou municipal, em

tese, não há que ser questionada, uma vez que dependente da atuação do Poder

Executivo, que possui autonomia e discricionariedade para tomar as decisões

concernentes ao seu encargo, podendo ser questionado somente quanto à

legalidade de sua atuação e decisões.

3.2. Politização da Justiça e a Judicialização da Política.

Explanando acerca do controle de constitucionalidade e da demanda de

processos encaminhados ao Supremo Tribunal Federal, Lunelli refere-se ao fato da

politização da Justiça, justificado pela existência de um:

tribunal superior independente em face da representação política [...] Especificamente acerca do controle de constitucionalidade, observa-se que o Tribunal Supremo tem tido função de árbitro em litígios essencialmente políticos97.

Quanto à mesma questão, Canotilho cita, acerca do Tribunal Constitucional:

“a sua competência extrajurisdicional [...], o acento político de sua jurisdictio e a

escolha política dos seus membros”98. Ainda, traz o entendimento de que alguns

doutrinadores constitucionalistas entendem, acerca das decisões do referido tribunal

serem “fundamentalmente, decisões políticas em forma de justiça, podendo, quando

muito, classificar-se a jurisdição constitucional como uma função autônoma, com

caráter tendencialmente jurídico-constitucional”99.

Em contrapartida, Lunelli remete-se aos escritos de Melo, mencionando que:

96 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 7. ed. São Paulo: Malheiros. 2004. p. 216.97 LUNELLI, Carlos Alberto. Judicialização da Política, processo constitucional e legitimação para agir no controle abstrato de constitucionalidade. Revista Faculdade de Direito. Caxias do Sul, n 15, p. 25-41, 2005.98 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit. p. 630.

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a criação de um tribunal superior independente da representação política constitui um desses aspectos que conduzem à excepcionalidade do sistema. Os conflitos políticos traduzem-se em questões legais, a partir do entendimento de que o poder político está limitado pela atuação do poder delegado independente – Judiciário100.

A análise do efeito da politização da justiça no Brasil, feita por Lunelli, é de

que “A composição política do Supremo Tribunal Federal, órgão encarregado do

controle da Constitucionalidade, traz cunho político a essa atividade, ainda que não

reconhecida expressamente”101. Nesse diapasão, esclarece que:

a feição política do controle de constitucionalidade influencia profundamente essa atuação, podendo-se afirmar, inclusive, que muitas vezes utilizam-se argumentos de duvidosa sustentação jurídica, com o propósito de esquivar-se da realização do eficaz controle de constitucionalidade das leis, entre eles também a discussão acerca da legitimação processual102.

Em que pese todas as questões levantadas acerca do tema, Canotilho

considera determinante a função de controle constitucional dos tribunais superiores,

em face da politização da justiça ou da judicialização da política:

A dimensão política e a dimensão jurídica são as duas dimensões necessárias e incindíveis das questões constitucionais, sendo tão unilateral classificar as funções exercidas por um tribunal constitucional como funções políticas em forma jurisdicional, como qualificá-las de funções jurisdicionais sobre matérias políticas. O que caracteriza decisivamente um tribunal constitucional é a sua jurisdicionalidade [...] e sua vinculação a uma medida constitucional material de controlo103.

Indo ao encontro das alegações supra, e em face da deficitária atuação do

executivo frente a todas as demandas da sociedade, em todas as suas áreas, Lunelli

refere que “quando tudo é globalizado, o indivíduo é quem ganha espaço, em

detrimento do cidadão”104 sendo causa e consequência disso a judicialização da

política, ao mencionar que:

os atos dos administradores cada vez mais são passíveis do crivo judicial [...] ocupando os espaços que outrora eram da lei, estão as fontes de direito

99 ibidem p. 630.100 Ibidem, p. 25-41101 Ibidem, p. 25-41102 Ibidem, p. 25-41103 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit. p. 630-1.104 LUNELLI, Carlos Alberto. op. cit. p. 25-41

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supranacionais, numa verdadeira revolução jurídica, que também se assenta em princípios comuns a diversas nações. [...] É ainda maior essa relevância diante da crescente tendência contemporânea de judicialização da política, cujo recurso à via judicial representa alternativa contra as deficiências da sociedade democrática, contra as perversões da democracia105.

Ainda, traz a conhecimento a crítica doutrinária quanto a esse movimento de

judicialização da política, aduzindo que:

Há aqueles que criticam essa atividade jurisdicional, especialmente sob o argumento de que se cria um governo sem legitimação democrática, sem responsabilidade e sem capacidade de responder às demandas das sociedades da atualidade [...] Essa resistência ampara-se, também, no argumento de que a constituição não poderia ser utilizada como representativo da vontade nacional se contém princípios gerais, suscetíveis de interpretação106.

No entanto, seu entendimento é de que:

Tendo presente o reconhecimento que o mundo moderno dá à constituição – efetivamente norma superior às demais, colocando-a no ápice da pirâmide das normas – todo o problema estaria resolvido, já que essa submissão à constituição decorre de vontade democrática”107.

Não obstante tais afirmações, acrescenta que:

O Direito torna-se o modo de apaziguar o sofrimento do indivíduo do século XXI, que reclama por justiça numa democracia desencantada, que ao mesmo tempo afasta os indivíduos uns dos outros ao desqualificar a autoridade tradicional e apresenta-se como a autoridade palitativa dessa ausência para a qual ela contribuiu108.

Em sua breve explanação, Campilongo contextualiza a democracia

representativa atual, aduzindo a crença inicial da evolução dos Estados de forma

que, na modernidade, o sistema político pudesse formatar o campo da economia, do

direito e da sociedade em geral. Ainda, refere que parte dessas expectativas foram

supridas, no entanto, menciona o déficit da representação política, o que deu

margem à sobressalência do sistema econômico e jurídico. Nesse sentido, refere:

105 Ibidem106 Ibidem107 Ibidem108 Ibidem

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Quando o sistema político se confunde com os sistemas econômico e jurídico; quando há superposições de funções entre os sistemas; quando a diferenciação funcional encontra resistência em estruturas hierárquicas, o poder passa a ter donos [...] e a democracia transforma-se num lamentável mal-entendido [...]. A democracia representativa só é realizável num contexto em que política, economia e direito são plenamente diferenciados. Quando as decisões políticas – exceção feita ao controle de sua constitucionalidade – são condicionadas, bloqueadas ou inviabilizadas pelo poder econômico ou pelos Tribunais, não existe representação política109.

A partir da análise supra-referida, adentra especificamente no campo do

judicialização da política, trazendo a interferência dessa no campo da representação

política:

A “judicialização da política”, isto é, o recurso ao direito e aos tribunais não para o exercício do controle da constitucionalidade das leis, mas simplesmente como segunda e inadequada instância do jogo político, também perverte a representação. A representação política é fruto da modernidade. Pressupõe dupla imunização do sistema político: no interior do Estado, a divisão dos poderes; na relação com os demais sistemas parciais, a diferenciação funcional. [...] Universalização do direito e democratização da política – especialmente quando se sabe que, na democracia representativa a lei deve ser a expressão da soberania popular – sugerem uma enorme interdependência entre os sistemas jurídico e político. [...] Quando os papéis se invertem e os juízes se avocam na condição de representantes do povo, ou os políticos pretendem amordaçar o Judiciário e submetê-lo à lógica do consenso popular, criam-se bloqueios que impedem o funcionamento tanto do sistema jurídico quanto do sistema político110.

Englobando os dois tópicos analisados, a politização da justiça e a

judicialização da política, refere o mesmo autor:

O mecanismo pensado para impedir a politização do direito e para proteger a representação das intromissões de um Judiciário que pretende substituir os políticos é a constituição. Cabe à Constituição sensibilizar um sistema em relação a outro e, principalmente, delimitar o território funcional de cada um. Sem autonomia funcional, a representação política e o direito perdem a capacidade de garantir procedimentos decisórios que mantenham abertas e crescentes as possibilidades de escolha, variação e construção de alternativas111.

Em face desses acontecimentos atuais, a politização da Justiça e a

judicialização da política, constata-se certa perda do controle constitucional e das

previsão da constituição, quanto à atribuição e autonomia dos poderes previstos na

109 CAMPILONGO, Celso Fernandes. O direito na sociedade complexa. 1. ed. São Paulo: Max Limonad. 2000. p. 74-5.110 CAMPILONGO, Celso Fernandes. op. cit. p. 75-6.111 CAMPILONGO, Celso Fernandes. op. cit. p. 76-7.

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Carta Maior, o que leva à conseqüente perda da crença nas instituições estatais

como originalmente criadas.

3.3 O Conflito de Direitos Fundamentais.

Acerca do ponto neste momento abordado, verifica-se que a doutrina

constitucional, em geral, baseia-se nos escritos de Canotilho para desenvolver o

tema. Nesse sentido, o referido autor cita, acerca da colisão de direitos

fundamentais, que ocorre:

quando o exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular [...] aqui não estamos perante um cruzamento ou acumulação de direitos [...] mas perante um choque112.

Ademais, distingue a colisão entre direitos, referindo que “São possíveis

casos de colisão imediata entre os titulares de vários direitos fundamentais”113 e a

colisão entre direitos e bens jurídicos, aduzindo que:

Não se trata de qualquer valor, interesse, exigência, imperativo da comunidade, mas sim de um bem jurídico. Exige-se, pois, um objecto(material ou imaterial) valioso (bem) considerado como digno de proteção jurídica a constitucionalmente garantido114.

Steinmetz aduz que haverá colisão de direitos fundamentais quando:

“in concreto o exercício de um direito fundamental por um titular obstaculiza, afeta ou restringe o exercício de um direito fundamental de um outro titular, podendo tratar-se de direitos idênticos ou de direitos diferentes; podendo, ainda, ser direito fundamental individual versus direito fundamental individual ou direito fundamental individual versus direito coletivo fundamental [...] Em outras palavras, o conflito poderá se manifestar como colisão horizontal, (indivíduo versus indivíduo) ou como colisão vertical (indivíduo versus Estado/comunidade)”115.

Ademais, utiliza-se de Andrade para maior esclarecimento acerca do tema:

112 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit. p. 1191.113 Ibidem, p. 1192.114 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit. p. 1192.

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“haverá colisão ou conflito sempre que se deva entender que a Constituição protege simultaneamente dois valores ou bens em contradição concreta [...] O problema agora é outro: é o de saber como vai resolver-se esta contradição no caso concreto, como é que vai se dar solução ao conflito entre bens, quando ambos (todos) se apresentam efectivamente protegidos como fundamentais”116.

Moraes não se utiliza da mesma terminologia referida pelos autores até agora

citados, entretanto, seu entendimento não resta divergente, aduzindo que:

quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando a redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios) sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidades precípuas117.

A resolução do problema da colisão de direitos fundamentais é trazida pelo

autor através do método da ponderação, cuja origem é alemã, sob o qual refere que

“consiste em adotar uma decisão de preferência entre os direitos e bens em conflito;

o método que determinará qual o direito ou bem, e em que medida, prevalecerá,

solucionando a colisão”118. Canotilho também faz referência a tal forma de resolução

da colisão de direitos fundamentais, mencionando que:

As idéias de ponderação [...] ou de balanceamento [...] surge em todo o lado onde haja necessidade de “encontrar o direito” para resolver “casos de tensão” entre bens juridicamente protegidos. [...] Aqui o balancing processvai recortar-se em termos autónomos para dar relevo à idéia de que no momento de ponderação está em causa não tanto atribuir um significado normativo ao texto da norma, mas sim equilibrar e ordenar os bens conflitantes119.

Contudo, ressalta que tal método é operado a partir da:

existência, pelo menos, de dois bens ou direitos reentrantes no âmbito de proteção de duas normas jurídicas que, tendo em conta as circunstâncias do caso, não podem ser “realizadas” ou “optimizadas” em todas as suas

115 ANDRADE apud STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e principio da proporcionalidade. 1. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2001. p. 139.116 Ibidem p. 63.117 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 3. ed. São Paulo: Atlas. 2000. p. 47.118 Ibidem. p. 140.119 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit. p. 1192.

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potencialidades. Concomitantemente, pressupõe a inexistência de regras abstractas de prevalência, pois neste caso o conflito deve ser resolvido segundo o balanceamento abstracto feito pela norma constitucional. [...] Excluem-se, por conseguinte, relações de preferência prima facie, pois nenhum bem é, prima facie, quer excluído porque se afigura excessivamente débil, quer privilegiado porque, prima facie, se afigura como valor “reforçado” ou até absoluto. [...] Finalmente, é indispensável a justificação e a motivação da regra de prevalência parcial assente na ponderação, devendo ter-se em conta sobretudo os princípios constitucionais da igualdade, da justiça, da segurança jurídica120.

Ademais, encontra-se da doutrina constitucional reportações ao princípio da

proporcionalidade para solucionar a questão do conflito de direitos fundamentais.

Nesse norte, a referência de Angra:

O princípio da proporcionalidade [...] ou da razoabilidade [...] exerce uma importante função no sentido de limitar os direitos fundamentais. Ele é um instrumento imprescindível para a aplicação dos direitos fundamentais diante de casos concretos. [...] De uma forma bastante sintética podemos defini-lo como um princípio que tem o objetivo de evitar o excesso, impedindo a desproporção entre os meios e fins a serem alcançados. [...] sua natureza é instrumental, concebido como uma garantia para assegurar a solução das antinomias entre os direitos fundamentais e orientar aplicação dos mandamentos constitucionais [...] Com esse .papel ele impede que um direito fundamental possa ser suplantado por outro, calibrando os princípios constitucionais de modo que sua atuação não resulte em antinomias, com a perda da eficácia de suas normas e a quebra do seu caráter sistêmico121.

Tendo em vista a questão da colisão de direitos fundamentais, verifica-se que

a simples previsão e asseguramento desses pela Constituição não basta para que

seja efetivado, uma vez da demanda social existente e da utilização do princípio da

razoabilidade, que tenta alcançar uma mediação de forma a não prejudicar o

indivíduo e tampouco a coletividade.

120 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit. p. 1164-5.121 ANGRA, Walber de Moura. Manual de direito constitucional. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002 p.144-5.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Visando a assegurar o direto fundamental à saúde a crianças e adolescentes,

previsto constitucionalmente, o Poder Judiciário acaba por interferir na política do

governo. Isso porque a destinação do orçamento público é projetada pelo Poder

Executivo, no âmbito de sua atuação – federal, estadual e municipal – de acordo

com as peculiaridades sociais e necessidades da coletividade. Nesse sentido, ao

passo que o indivíduo não tem suprida a sua necessidade em face omissão do

poder público, a demanda judicial tem sido necessária para que se cumpra o que é

assegurado pela Carta Magna.

Entretanto, não é atribuição Poder Judiciário a execução das políticas

públicas e, enquanto determina que o Estado forneça a crianças e adolescentes,

com absoluta prioridade, a prestação da saúde, que é diretamente vinculada à vida,

bem maior do ser humano, extrapola sua atribuição, intervindo na autonomia do

Poder Executivo, a quem são deliberadas as decisões de investimento. Em face

desse processamento de demandas sociais, tem-se a judicialização da política,

surgida a partir das necessidades de satisfação dos direitos fundamentais por vias

diversas das expressamente previstas na Constituição Federal, definidas quando da

divisão da atribuição de cada um dos poderes do Estado.

Em que pese a nítida interferência do Poder Judiciário na atuação do Poder

Executivo, é sabido que tal fato somente se processa em face da justificação legal.

Tais justificativas são encontradas na Carta Maior, podendo-se exemplificar o

embasamento a partir da previsão do art. 3º, que garante o desenvolvimento social,

do art. 5º, que revela os direitos individuais, fazendo necessário o destaque do inciso

XXXV, onde é previsto “a lei não excluirá de apreciação do Poder Judiciário lesão ou

ameaça a direito”, do art. 196, que menciona a saúde como direito de todos e cujo

dever de prestação é do Estado, o que ilustra o caráter provedor do Estado de Bem-

estar Social, e, dentre outros, o art. 227, que traz o dever da família, da sociedade e

do Estado em garantir a saúde, assim como outros, com absoluta prioridade, às

crianças e adolescentes.

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Articulando os citados artigos, em um primeiro momento, a demanda judicial

para assegurar a prestação da saúde às pessoas em peculiar condição de

desenvolvimento resta justificada, uma vez que qualquer ameaça a direito é passível

de ser afastada mediante a movimentação da máquina judicial. Logo, e até mesmo

em função a priorização das crianças e adolescentes quanto a ter seus direitos

assegurados, outro caminho não haveria que não a determinação de que se preste,

com máxima urgência, um direito citado exaustivamente na Constituição Federal e

indispensável ao desenvolvimento humano e social.

De outra banda, há que se considerar que os direitos fundamentais,

justamente por carregarem essa característica, devem ser assegurados a todos os

cidadãos, sem exceção e continuamente, sendo que um direito não pode sobrepor-

se ao outro, uma vez que trazidos na mesma categoria. Assim, verifica-se a colisão

de preceitos fundamentais, sendo que esse fato contrapõe-se à explanação supra,

tendo em vista que iguala tais direitos constitucionais, fazendo com que se utilize o

princípio da razoabilidade e, por conseqüência, se priorize um ou outro direito, ainda

que ponderadamente, individual ou coletivamente, em face dos demais, o que está a

demonstrar a inaplicabilidade imediata e incondicional das previsões da Carta

Magna.

A justificativa do Poder Judiciário em não determinar ao Poder Executivo que

forneça a prestação necessária ao asseguramento do direito à saúde a uma criança

ou adolescente, sendo que também se encontra posições nesse sentido junto aos

tribunais, resta fundamentada na divisão e automonia dos três Poderes estatais –

Executivo, Legislativo e Judiciário – cuja previsão também é encontrada na

Constituição Federal, em seu art. 2º. Em face dessa autonomia, harmonia e

independência entre os três poderes, em um primeiro plano não haveria respaldo

constitucional para a intervenção do Poder Judiciário em relação ao Poder

Executivo. Isso porque o isolamento entre eles daria ensejo ao cumprimento restrito

de suas funções precípuas e à não ocorrência da judicialização da política.

Contudo, do ponto de vista do senso comum, é compreendida a justificação

de que se extrapole ou não se cumpra o preceito constitucional de autonomia dos

poderes em função da garantia da saúde de uma criança ou adolescente, até

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mesmo em face da comoção social dos casos que envolvem esses indivíduos e um

bem tão precioso e indispensável como a saúde.

Não obstante tal entendimento, bastante superficial e carente de crítica, há

que se dar destaque ao fato de que todo o contexto retratado demonstra a falência

do vigente sistema de Estado, qual seja, o Estado de Bem-estar Social, onde além

da previsão de direitos sociais, ratificada pelo regime democrático, o Estado é

responsável pela prestação dos direitos assegurados fundamentalmente, os quais

não tem conseguido fornecer.

Dessa forma, em não sendo possível que naturalmente os indivíduos

desenvolvam-se com a dignidade constitucionalmente prevista, sendo carentes de

diversos direitos que lhes são assegurados tão logo se constituam indivíduos,

necessária se faz a intervenção de um poder estatal no outro, e a extrapolação de

sua atribuição, para que a legislação tenha a vigência prevista.

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