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Universidade de São Paulo
Monografia
Estatística Quântica
Gás de Fermi
André Hernandes Alves Malavazi
SFI5814 - Física Atômica e Molecular, 2017-2
22 de novembro de 2017
Monografia Física Atômica e Molecular
Estatística Quântica e o Gás de Férmi
Resumo
Neste trabalho será discutido sobre estatística quântica e sua aplicação para o tratamento de um gás idealde Fermi. Como referência serão utilizados os livros A Modern Course in Statistical Physics [1] de L. E.Reichl, Equilibrium and Non-Equilibrium Statistical Thermodynamics [2] de M. Le Bellac, F. Mortessagnee G. G. Batrouni, e Introdução à Física Estatística [3] de S. R. A. Salinas.
1 Introdução -
O Postulado de Simetrização é um dos pilares essen-ciais da Mecânica Quântica, ele separa as partículasfundamentais em duas classes: bósons, que possuemspins inteiros; e férmions, que possuem spins semi-inteiros. É verificado que o estado global de um sis-tema de bósons idênticos deve ser simétrico sob atroca de coordernadas de duas partículas, e antis-simétrico para férmions. Este fenômeno tem con-sequências diretas no tratamento estatístico e termo-dinâmico de um gás quântico. Em baixas tempera-turas os comprimentos de onda dos constituintes dogás se sobrepõem (λT ermico ∝ T−1/2) e os efeitos daindistinguibilidade se tornam evidentes, sendo, por-tanto, necessário um tratamento quântico. De fato,um gás de bósons indistinguíveis obedece a chamadaestatística de Bose-Einstein, já um gás de férmionsobedece a estatística de Fermi-Dirac. É importanteressaltar que estas diferenças ocorrem independenteda existência ou não de interações entre as partículasdo gás [1].
Neste trabalho será tratado um gás quântico idealconstituido por férmions. Na Sessão 2 será apresen-tado a estatística de Fermi-Dirac, já na Sessão 3 serádiscutido sobre o gás ideal de Fermi em dois diferen-tes regimes: T = 0K e T TF .
2 Estatística Quântica -
Para obter as estatísticas de Bose-Einstein (BE) eFermi-Dirac (FD) será verificado o comportamentode um gás ideal quântico. Note que como não serãoconsiderados interações entre partículas (gás ideal)o estado total do sistema é o produto dos estados
individuais de cada elemento, submetido ao devidoprocesso de simetrização. Se o gás se encontra den-tro de um volume V (L3) com condições periódi-cas de contorno, reconhecemos os possíveis estadosde uma única partícula como |ix, iy, iz〉 = |i〉 comenergia εi = π2~2
2mL2
(i2x + i2y + i2z
). Sendo assim, seja
ni o número de partículas ocupando o estado i commomento pi, o Hamiltoniano (H) e o número total departículas (N) no volume são dados pelos operadoresH =
∑i εini e N =
∑i ni. Note que como estamos
interessados na descrição estatística do sistema, suaconfiguração é completamente definida com o con-junto de números de ocupação ni [2,3].
Esta descrição é comumente realizada com o en-semble grande-canônico [1], onde o número total departículas não é fixo. Este ensemble é utilizado paradescrever um sistema aberto em equilíbrio. Nestecaso, tanto a energia interna quanto o número departículas dentro do sistema flutuam mediante inte-ração com um banho externo. Entretanto, a condi-ção de equilíbrio fixa seus valores médios em 〈H〉 e〈N〉. A função de partição grande-canônica é dadapor Zµ(T, V ) = tr
e−β[H−µN]
. Assim,
Zµ(T, V ) =∑ni
e−β∑i(εi−µ)ni =
∏i
∑ni
e−β(εi−µ)ni
Note que neste momento fica claro a diferençaentre a natureza das partículas consideradas, parabósons sabe-se que ni = 0, 1, ..,∞, já para férmionsni = 0, 1.
2.1 Estatística de Fermi-Dirac
Dado os valores possíveis de ni o somatório da fun-ção de partição é simplesmente
∑nie−β(εi−µ)ni =
1
Monografia Física Atômica e Molecular
1 + e−β(εi−µ). Entretanto, se levarmos em conta fér-mions de spin s, teremos g = (2s+1) estados de spinpara cada estado i [1]. Assim, de forma geral
ZFDµ (T, V ) =∏i
[1 + e−β(εi−µ)
]g(2.1)
A partir da função de partição é possível calculardiferentes grandezas termodinâmicas, em particularestamos interessados no grande potencial, dado porΩ(T, V, µ) = −kBT ln(Zµ(T, V )). Assim,
ΩFD(T, V, µ) = − gβ
∑i
ln(
1 + e−β(εi−µ))
Além disso, o número total médio de partículasno gás é dado por
〈N〉 = −(∂Ω
∂µ
)T,V
=∑i
g
eβ(εi−µ) + 1
=∑i
gz
eβεi + z=∑i
〈ni〉
onde 〈ni〉 = gzeβεi+z
é o número de ocupação médiodo estado i, e z = eβµ ≥ 0 é denominado como a fu-gacidade. É importante ressaltar que neste caso nãohá restrição alguma para o potencial químico µ, emcontraste com o caso bosônico.
2.2 Estatística de Bose-Einstein
Neste caso não há limitações para o número de ocu-pação, visto que 0 ≤ ni ≤ ∞. Esta diferença apa-rentemente trivial trás consequências fundamentais,em particular a existência do Condensado de Bose-Einstein, previsto teoricamente na década de 20 eobservado experimentalmente em 1995. Embora adescrição deste caso esteja fora do escopo deste tra-balho, é interessante contemplar a função de partiçãoobtida para bósons e o número médio de ocupação:ZBEµ (T, V ) =
∏i
[1− e−β(εi−µ)
]−1, 〈ni〉 = z
eβεi−z .Dado as expressões anteriores fica claro que µ ≤ 0
para um gás de bósons. Em particular, o limite emque µ→ 0− está intimamente ligado a existência docondensado [3].
3 Gás Ideal de Férmions -
Estamos interessados na descrição termodinâmica deum gás ideal quântico composto por férmions indis-tinguíveis. A conexão do ensemble grande-canônicocom a termodinâmica clássica é estabelecida atravésdo limite termodinâmico (V → ∞) com o grandepotencial Ω(T, V, µ). Neste caso podemos transfor-mar a soma sob os estados em uma integral, tal que∑i ∼´di = V
(2π)3
´d3k. Assim, como 〈H〉 = U =∑
i εi 〈ni〉, 〈N〉 =∑i 〈ni〉 e εi = ~²k2
2m temos [3]
U = gV
ˆ ∞0
εD(ε)f(ε)dε
〈N〉 = gV
ˆ ∞0
D(ε)f(ε)dε (3.1)
Ω(T, V, µ) = −gVβ
ˆ ∞0
D(ε)ln[1 + e−β(ε−µ)
]dε
= −2
3U
onde f(ε) =[eβ(ε−µ) + 1
]−1é a distribuição de
Fermi-Dirac e D(ε) = 14π²
(2m~2
)3/2ε1/2 = Cε1/2 é a
densidade de estados. Ademais, como Ω(T, V, µ) =
−PV temos que U = 32PV , resultado que vale
mesmo para gases ideais monoatômicos clássicos [3].A seguir será discutido o caso particular de um gásde Fermi com T = 0K, subsequentemente será anali-sado o cenário um pouco mais geral em que T TF ,onde TF é a temperatura de Fermi.
ε
f(ε)
εF = µ(T = 0)
1 T = 0 K
T > 0
Fig. 3.1: Distribuição de Fermi-Dirac f(ε) em funçãoda energia ε para T = 0K e T > 0.
A Figura 3.1 ilustra o comportamento da distri-buição de Fermi-Dirac f(ε) em função da energia εpara ambos os casos. No primeiro todos os estadoscom ε ≤ εF são inteiramente ocupados, já no segundo
2
Monografia Física Atômica e Molecular
as partículas mais energéticas podem transitar paraestados com ε > εF devido a presença de flutuaçõestérmicas.
É importante ressaltar que embora seja uma te-oria relativamente simples o gás ideal de fermi temaplicações importantes e bem sucedidas na física, emparticular na física do estado sólido no estudo daspropriedades térmicas de metais, visto que - em pri-meira aproximação - os elétrons mais energéticos po-dem ser tratados como um gás de elétrons livres (fér-mions de spin 1/2). Outras aplicações interessantespodem ser encontradas em astrofísica [3], na explica-ção da estabilidade de algumas estrelas.
3.1 Gás ideal de Fermi em T = 0K
Para T = 0K (β →∞) o gás se encontra no estadofundamental e é denominado como completamentedegenerado [3]. Neste caso cada partícula ocupa oestado menos energético ε disponível, até a denomi-nada energia de fermi εF (energia da partícula maisenergética) de forma que f(ε) se comporta como umafunção degrau Θ(µ− ε) (Figura 3.1). É interessantenotar que µ(T = 0) = εF .
A partir das equações (3.1) podemos obter asquantidades de interesse. Logo,
〈N〉 =2
3gV Cε
3/2F =⇒
pF =(
6π2
g n)1/3
~
εF =(
6π2
g n)2/3
~2
2m
U =2
5V gD(εF )ε2F
onde pF =√
2mεF é o momento de Fermi e n =(〈N〉/V
)a densidade de partículas. É importante res-
saltar que mesmo a T = 0K a energia interna do gásnão é zero. Por fim, é interessante notar que:
P =2
3
U
V=
2
5nεF =
(6π2
gn
5/2
)2/3 ~2
5m(3.2)
Ou seja, diferentemente do esperado classica-mente e daquilo obtido com um gás de bósons, paraT = 0K a pressão exercida por um gás de férmi-ons não é nula, caracterizando uma consequência im-portante do Princípio de Exclusão de Pauli. Por
fim, visto que a energia de fermi εF é comumenteutilizada como uma escala da energia característicade um sistema quântico, definimos a temperatura deFermi como TF = εF/kB. Desta forma temos umaescala comparativa de temperatura [2], em que paraT TF não é esperado que efeitos quânticos afetema descrição do sistema, já que corresponde ao limiteclássico onde a distância média das partículas é maiorque o comprimento de onda térmico λT ermico [3]. Poroutro lado, para T TF é esperado que haja umadescrição quântica do sistema.
3.2 Gás ideal de Fermi em T TF
Neste caso o gás de Fermi é dito como degeneradoe corresponde a diversas situações comumente en-contradas. Como exemplo usual, para os elétronsde condução do Cu (que em primeira aproxima-ção podem ser descritos como um gás ideal) têm-seTF ' 8.104K, que é muito superior a temperaturaambiente [2, 3]. Sendo assim, é interessante estu-darmos o comportamento de um gás de férmion noregime T TF . Pela análise da Figura 3.1 ficaclaro que neste regime a distribuição f(ε) deixa deser exatamente uma função degrau, de fato as partí-culas mais energéticas podem ocupar estados acimada energia de Fermi. A partir da expansão de Som-merfeld podemos obter expressões assintóticas paraas quantidades de interesse. Note que as integraisdas equações (3.1) são do tipo S =
´∞0φ(ε)f(ε)dε
com φ(ε) = Aεn, onde A é uma constante e n ≥ 1/2.Como a distribuição f(ε) é aproximadamente umafunção degrau, sua derivada tem um pico pronunci-ado em ε = µ. Integrando S por partes obtemos
S =
ˆ ∞0
φ(ε)f(ε)dε = ψ(ε)f(ε)|∞0 −ˆ ∞
0
ψ(ε)f′(ε)dε
onde ψ(ε) =´ ε
0φ(ε′)dε′. Note que ψ(0) = 0 e que
f(ε) → 0 para ε → ∞, ademais como f′(ε) tem um
pico em ε = µ expandimos ψ(ε) em torno deste ponto.Assim,
S = −ˆ ∞
0
ψ(ε)f′(ε)dε
= −ˆ ∞
0
f′(ε)
[ ∞∑i
(ε− µ)i
i!
(diψ
dεi
)ε=µ
]dε
3
Monografia Física Atômica e Molecular
Agora, temos de resolver integrais do tipo
Si = −ˆ ∞
0
f′(ε)(ε− µ)idε =
1
βi
ˆ ∞−βµ
exxi
(ex + 1)2 dx
onde x = β(ε − µ). Alem disso, podemos alterar olimite inferior de integração a custo de um pequenoerro
Si =1
βi
ˆ ∞−∞
exxi
(ex + 1)2 dx+O(e−βεF )
Observe que para i impar a integral se anula. As-sim, para os dois primeiros termos temos S0 = 1 eS2 = π2
3β² . Portanto,
S = −∞∑i
(diψ
dεi
)ε=µ
1
i!Si (3.3)
=
ˆ µ
0
φ(ε)dε+π2
6β²
(dφ
dε
)ε=µ
+ ...
Desta forma, com a expressão (3.3) somos capa-zes de calcular a forma assintótica de (3.1). A energiainterna U é dada por:
U = gV C
ˆ ∞0
ε3/2f(ε)dε
= gV C
[ˆ µ
0
ε3/2dε+
π2
6β²
(3
2µ
1/2
)+ ...
]= gV C
[2
5µ
5/2 +π2
4β²µ
1/2 + ...
]E o número médio de partículas é:
〈N〉 = gV C
ˆ ∞0
ε1/2f(ε)dε
= gV C
[ˆ µ
0
ε1/2dε+
π2
6β²
(1
2µ−
1/2
)+ ...
]= gV C
[2
3µ
3/2 +π2
12β²µ−1/2 + ...
]Reescrevendo a expressão de 〈N〉 obtemos:
3
2
〈N〉gV C
= µ3/2
[1 +
π2
8β²µ−2 + ...
]= ε
3/2F
Ademais, podemos inverter a equação anteriorpara escrevermos uma expressão assintótica do po-tencial químico µ, tal que
µ = εF
[1− π2
12β²ε2F+ ...
](3.4)
Note que no limite de T → 0 (β →∞) recupera-mos os resultados obtidos anteriormente em (3.1):
µ = εF , 〈N〉 =2
3D(εF )εF , U =
2
5gV D(εF )ε2F
É importante observar que para T > 0 teríamosµ < εF . Utilizando (3.4), escrevemos
U =3
5〈N〉εF
[1 +
5π2 (kBT )2
12ε2F+ ...
](3.5)
A partir da energia interna podemos calcular umdos resultados mais importantes obtidos pelo modelodo gás ideal de Fermi: o calor específico a volumeconstante CV . Sabemos que CV =
(∂U∂T
)V,〈N〉, assim
CV = 〈N〉π2kB2
T
TF+ ... (3.6)
Note que o calor específico depende linearmentede T para temperaturas baixas e vai a zero emT = 0K. Tal comportamento está de acordo comaquilo observado experimentalmente em metais abaixas temperaturas, mas é importante ressaltar queeste cálculo leva em conta somente a contribuiçãodos elétrons de condução para o calor específico. Defato, há outros parâmetros que devem ser considera-dos, como a interação Coulombiana entre os elétronse os fônons da rede (com contribuição ∝ T 3 [2]). As-sim, de modo aproximado, para baixas temperaturaso calor específico de um metal pode ser descrito comoCV /〈N〉 = cV = γT + δT 3, com γ e δ constantes [3].
Referências
[1] L. E. Reichl (2004). A Modern Couser in Statistical Phy-sics. 2nd Edition, Wiley-VCH.
[2] M. Le Bellac, F. Mortessagne, G. G. Batrouni (2006).Equilibrium and Non-Equilibrium Statistical Thermody-namics. Cambridge University Press.
[3] S. R. A. Salinas (2013). Introdução à Física Estatística.Segunda Edição, Editora da Universidade de São Paulo.
4