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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências Sociais Instituto de Estudos Sociais e Políticos Vinícius Werneck Barbosa Diniz Evangélicos e a representação política descritiva no Congresso brasileiro: uma agenda de pesquisas Rio de Janeiro 2011

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais

Instituto de Estudos Sociais e Políticos

Vinícius Werneck Barbosa Diniz

Evangélicos e a representação política descritiva

no Congresso brasileiro: uma agenda de pesquisas

Rio de Janeiro 2011

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CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA IESP

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta

dissertação, desde que citada a fonte.

_____________________________________________ _____________________

Assinatura Data

D585 Diniz, Vinícius Werneck Barbosa. Evangélicos e a representação política descritiva no Congresso

brasileiro: uma agenda de pesquisas / Vinícius Werneck Barbosa Diniz. – 2011.

79 f. Orientador: Jairo Marconi Nicolau. Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de

Janeiro, Instituto de Estudos Sociais e Políticos. 1. Governo representativo e representação - Teses. 2.

Evangelismos – Brasil - Teses. 3. Brasil. Congresso Nacional – Câmara dos Deputados – Teses. 4. Ciência Política - Teses. I. Nicolau, Jairo Marconi. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Estudos Sociais e Políticos. III. Título.

CDU 378(043.2)

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Vinícius Werneck Barbosa Diniz

Evangélicos e a representação política descritiva no Congresso brasileiro: uma agenda de pesquisas

Aprovado em 12 de janeiro de 2012. Banca Examinadora: ______________________________________________________ Prof. Dr. Jairo Marconi Nicolau (Orientador) Instituto de Estudos Sociais e Políticos - UERJ ______________________________________________________ Profa. Dra. Diana Nogueira de Lima Instituto de Estudos Sociais e Políticos - UERJ ______________________________________________________ Prof. Dr. Paulo Roberto Figueira Leal Universidade Federal de Juiz de Fora

Rio de Janeiro 2011

Dissertação apresentada, como requisitoparcial para obtenção do título de Mestre,ao Programa de Pós Graduação em Ciên-cia Política, da Universidade do Estado doRio de Janeiro.

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DEDICATÓRIA Esta vai para os loucos. Os lunáticos. Os idealistas. Os incansáveis. Para aqueles que gritam, quando mais fácil é calar. Esta vai para os que assoviam, como Emmett Till, Para os que, sem perceber, arrombam a porta do preconceito. Esta vai para os que sonham a igualdade, como King, E, fatigados de apenas sonhar, trabalham incansavelmente. Esta vai para os que lutam pela liberdade, como Milk, E combatem a monocromia das ideias. Eles ousam. Silenciam. Gritam. Choram. Podemos esquecê-los; ignorá-los, talvez. Não é preciso conhecê-los ou admirá-los. Não esperam gratidão ou reverência. Como muitos outros, Till, King e Milk sonharam demais. Foram vítimas do inconformismo com o status quo. O preconceito marcou seus corpos, mas não abalou suas palavras. Sejamos vítimas, nós também. Vítimas de nosso sonho de igualdade Vítimas de nossa crença na liberdade Vítimas de nosso assovio. Esta vai para esses loucos inconformados: A Till A King A Milk por mudarem o mundo.

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AGRADECIMENTOS

À minha família: mãe, pai e irmã, pelo carinho e apoio constantes. Vocês que me en-

sinaram tanto e nunca estiveram em outro lugar a não ser a meu lado. Minha mãe e sua dedi-

cação incansável e seu coração maior que o mundo; meu pai e sua força de vontade que tanto

me motiva; minha irmã e seu carinho e companheirismo insubstituíveis.

Ao Jairo, que soube balancear a compreensão dos meus desafios e dificuldades com as

exigências acadêmicas que me fizeram crescer tanto no mestrado. Obrigado por ter feito des-

ses corridos dois anos uma janela tão grande de oportunidade e de aprendizado com bom hu-

mor e cortesia. Um exemplo de ser humano e professor.

Ao amigo e mestre, Paulo Roberto, a quem não consigo expressar minha inteira grati-

dão, por simples ausência de palavras. A você, querido irmão, que me ensinou sobre a ciência

política e sobre a vida, sobre companheirismo e sobre profissionalismo. Com imensa admira-

ção, muito obrigado por esses 8 anos de amizade e aprendizado!

À Diana, que jamais poupou esforços para colaborar com minha formação, e acreditou

e apostou em mim desde a primeira conversa. Jamais poderei explicar o quanto sua colabora-

ção, sua paciência e suas palavras foram valiosas durante os dois anos de mestrado. Obrigado!

Sem você, sem o Paulo e sem o Jairo, certamente tudo teria sido bastante diferente (e não para

melhor).

Ao professor Gláucio Soares, que completa esse grande time de mestres que não tem

medo de ensinar, que são generosos tutores e, às vezes, pacientes conselheiros, muito obriga-

do!

Aos professores com quem cursei disciplinas durante essa importante fase, Renato

Lessa, Jairo, Marcus Figueiredo, César Guimarães, Gláucio Soares, Thamy e João Feres, o-

brigado!

Aos funcionários do Iuperj e, posteriormente, do Iesp, pela acolhida e ajuda sempre e-

ficiente. São muitos e indispensáveis os funcionários que participaram no processo que com-

pleto agora. Em vez de citar nomes, conto uma história que me emocionou, e deixo como

exemplo de ser humano que o Iesp agrega: uma noite, enquanto eu ligava para todos os alber-

gues e hotéis mais em conta da cidade, um funcionário (que percebeu minha disfarçada afli-

ção), insistiu que eu fosse dormir em sua casa, que era humilde mas estava à disposição. Ele

dormiria na sala e cederia-me a cama. Não precisei, na ocasião, abusar da generosidade, mas

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certamente jamais esquecerei esse gesto. Obrigado a todos vocês, por terem me dado suporte

durante esses dois anos, por vezes muito além do que a função original de cada um de vocês.

Aos meus amigos e às minhas amigas pela paciência de me ouvir dizer não para tantas

propostas tentadoras, de filmes, passeios e hambúrgueres nas praças, obrigado! Ao Lhot pelo

apoio absolutamente inestimável, verdadeiro e constante. À Mari pela amizade tão bonita e

ilimitada. À Agna pelo carinho e por tudo que já fez por mim nesse nosso planetinha. Isaac,

Nicks, Cleiton, Nina, Lucas Baptista, L.Heitor, Tico, Beca, Nan, Beto, Fabrício Port., Waldyr

e tantos outros... obrigado! Sem vocês pouco dessa dissertação sairia. Acreditem!

Aos meus colegas e às minhas colegas de Iesp pela rica e constante conversação, que

me ajudou a crescer. Admiro muito todos vocês pela vontade de aprender, de produzir, de

pesquisar e de compartilhar. Aos meus amigos da Turma 2010 do Iuperj (Débora, Sheila, Da-

ni, Marcelo, Paulo, Tássia, Pedro, Rodrigo, Jean e Emiliano), junto aos quais trilhei alguns

dos mais importantes momentos da minha vida, obrigado!

Aos meus queridos parentes – nos dois planos da vida: avôs e avós, tios e tias, primos

e primas. Pela família tão abençoada: obrigado! Obrigado também aos parentes por adoção

voluntária: Tia Carmen, Tio Marquinhos, Francisco, Giovane, João Pedro, Michel e Passini.

Ao Chico, pelos fundamentais anos de tutoria no Programa de Educação Tutorial da

Faculdade de Comunicação da UFJF.

À FAPERJ pelo fomento proporcionado com a Bolsa Nota 10 durante o segundo ano

do mestrado e à CAPES pela Bolsa durante os primeiros doze meses, obrigado! Foi uma o-

portunidade inestimável de crescer e de me tornar um estudante mais completo.

Obrigado a todos/as vocês por fazerem parte da minha vida e pelo tanto que deixam de

vocês em mim.

Vinícius

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cada coisa está em outra de sua própria maneira e de maneira distinta de como está em si mesma

Ferreira Gullar, Poema Sujo (fragmento)

Se nos perguntarmos de maneira imparcial como a ciência assumiu a forma que tem hoje em dia — o que em si é importante, pois ela nos domina, e nem mesmo um analfabeto está a salvo dela, pois aprende a conviver com incontáveis coisas de origem científica —, já temos dela outra imagem.

Robert Musil, O homem sem qualidades

Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem.

José Saramago, Ensaio sobre a cegueira

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RESUMO

WERNECK, V. Evangélicos e a representação política descritiva no Congresso brasileiro:

uma agenda de pesquisas. 2011. 84 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Instituto

de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro,

2011.

A dissertação lança seu olhar para o clássico tema da representação política e o relaci-ona à bastante publicizada participação evangélica na política partidária nacional. Ao analisar o quadro traçado pela literatura, bem como os mais recentes acontecimentos da cena política brasileira, a pesquisa identifica na dinâmica existente entre um grupo específico de políticos evangélicos e seus eleitores uma forma particular de representação: a descritiva. Embora já estudada por diversos autores, sugere-se que na relação acima a representação descritiva tenha se transformado de maneira relevante; essas transformações e suas possíveis consequências são os outros pontos também explorados. Seria a capacidade de o eleitor identificar-se com o representante, baseado em sua fé, transformador em alguma medida da sua relação com o mesmo, da sua visão do Congresso enquanto instituição ou de sua percepção do governo re-presentativo? Acaso os representantes que mobilizam a fé evangélica de forma prioritária compreendem, por conta desse pertencimento religioso, seu papel de representante de forma diferente? A pesquisa investiga, portanto, uma possibilidade específica de enquadramento desse conceito de representação descritiva quando o grupo representado é religioso, e, mais especificamente, evangélico.

Palavras-chave: Representação política descritiva. Evangélicos. Congresso Nacional.

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ABSTRACT

WERNECK, V. Evangelicals and the descriptive political representation in the Brazilian

Congress: a research agenda. 2011. 84 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Insti-

tuto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro,

2011.

This thesis looks at the classic subject of the political representation and relates it to the overly publicized evangelical participation in the domestic politics. Analyzing what was pictured by authors within the field, as well as the most recent facts in Brazilian political sce-ne, this research identifies in the existing dynamic between a specific group of evangelical politics and theirs constituents a very particular form of representation: the descriptive one. Although already studied by other authors, it is argued that in the dynamic above, the descrip-tive representation have been consistently transformed; these transformations and their possi-ble consequences are also explored. Does a constituent’s ability to identify, based on religious beliefs, with her representative at Brazilian National Congress affect somehow her perception of that representative, of the Brazilian Congress itself as an institution, and of the representa-tive government? Do the representatives that mobilize support on the grounds of a shared faith understand differently, because of that, their role as representatives? This thesis investi-gates, therefore, a specific framing of that classic topic of the descriptive representation, when the groups being represented are religious, and, more specifically, evangelical. Keywords: Descriptive political representation. Evangelicals. National Congress (Brazil).

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..… 14

1 A REPRESENTAÇÃO POLÍTICA…..…..…..…..…..…..…..…..…..…… 16

1.1 A representação política: conceituação e desenvolvimento…..…..…..….. 17

1.1.1 Um conceito …..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..… 17

1.1.2 Burke, Sieyès e Madison …..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…… 18

1.1.3 Do cânone às novas proposições …..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…… 23

1.2 A presença do partido e sua influência …..…..…..…..…..…..…..…..….. 25

1.3 Representação descritiva: do sim contingente à prática cotidiana ……. 30

2 RELIGIÃO E POLÍTICA …..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…… 34

2.1 Política e Religião: uma interface e uma realidade .…..…..…..…..……. 34

2.2 Estado e Religião .…..…..…..…..………..…..…..…..………..…..…..…... 37

2.3 Quem são os evangélicos .…..…..…..…..…...…..…..…..…..…...…..…..… 42

2.3.1 O esforço classificatório .…..…..…..…..………..…..…..…..…...…..…..….. 42

2.3.2 Entre pentecostais e históricos .…..…..…..…..………..…..…..…..………… 43

2.3.3 As três ondas pentecostais .…..…..…..…..…...…..…..…..…..…...…..…..… 46

2.3.3.1 Assembleia de Deus .…..…..…..…..………..…..…..…..………..…..…..…. 48

2.3.3.2 Congregação Cristã do Brasil .…..…..…..…..…...…..…..…..…..…...…..…. 49

2.3.3.3 Igreja Universal do Reino de Deus .…..…..…..…..………..…..…..…..……. 51

2.3.3.4 Batistas .…..…..…..…..………..…..…..…..………..…..…..…..…...…..…... 53

3 EVANGÉLICOS E A REPRESENTAÇÃO POLÍTICA DESCRITIVA …

56

3.1 A demanda evangélica na política .…..…..…..…..………..…..…..…..……. 56

3.2 Deputados evangélicos e partidos políticos .…..…..…..…..……………….. 61

3.3 Evangélicos e política partidária .…..…..…..…..………..…..…..…..…….. 63

3.3.1 Assembleia de Deus (AD) .…..…..…..…..…...…..…..…..…..…...…..…..…. 67

3.3.2 Congregação Cristã do Brasil (CC) .…..…..…..…..………..…..…..…..……. 69

3.3.3 Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) .…..…..…..…..…...…..…..…..….. 70

3.3.4 Igreja Batista .…..…..…..…..………..…..…..…..………..…..…..…..……… 72

CONCLUSÃO .…..…..…..…..………..…..…..…..………..…..…..…..….... 75

REFERÊNCIAS .…..…..…..…..…...…..…..…..…..…...…..…..…..…..….. 81

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INTRODUÇÃO

Um ditado popular sugere que “futebol, política e religião não se discutem”. Para que

a atual pesquisa fizesse uma combinação mais propensa a soltar faíscas, portanto, só faltou

adicionar o futebol. Mas o que move a dissertação não é um desejo normativo nem organiza-

cional: não investigamos a adequação (ou não) da presença religiosa na política eleitoral. A

pesquisa olha para um dado da realidade - eleitores evangélicos que preferem eleger candida-

tos de mesma fé e igrejas evangélicas que se organizam para eleger candidatos oficialmente

lançados por elas - e a partir disso formula suas perguntas: como se relacionam esses eleitores

e seus representantes? O que o fato de ambos pertencerem à mesma denominação religiosa

modifica nas expectativas mútuas, na prática do accountability, na forma como o eleitor deci-

de seu voto? Como as diferenças teológicas e organizacionais dentro das denominações evan-

gélicas modificam a prática representativa e a conexão eleitoral de seus candidatos eleitos?

A dissertação debruça-se, portanto, sobre o tema da representação política descritiva

mobilizada por grande parte dos evangélicos eleitos para a Câmara dos Deputados. A relação

entre política e religião não se iniciou com o fenômeno para o qual olhamos; mesmo no Bra-

sil, pode ser vinculada ao período colonial. Entretanto, mesmo após a laicização do estado

brasileiro, efetuada na Constituição republicana de 1891, movimentos como os da Liga Elei-

toral Católica (LEC) ou das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) foram marcantes no sé-

culo XX. De inédito, entretanto, está o fenômeno dos candidatos oficiais evangélicos, esco-

lhidos pelas Igrejas e apoiados institucionalmente, inaugurado com a entrada na política elei-

toral de importantes Igrejas pentecostais - como a Assembleia de Deus e a Igreja Universal do

Reino de Deus.

Esse fenômeno trouxe consigo o par candidato evangélico-eleitor evangélico; a figura

de um fiel de uma igreja específica candidatando-se para representar um fiel da mesma igreja.

É, portanto, um caso de representação política descritiva. Por conta do crescimento numérico

de evangélicos na população brasileira e do grande sucesso eleitoral alcançado desde a última

Constituinte, muito passou a ser pesquisado e estudado sobre evangélicos e política pela Aca-

demia. Entretanto, o que não se perguntou - e essa dissertação procura abordar - é justamente

como a representação descritiva, ou seja, como a possibilidade de identificar-se em matéria de

fé com seu representante no Congresso Nacional modifica as percepções de um eleitor sobre

o seu representante, sobre o Congresso enquanto instituição e sobre o governo representativo.

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Para dar conta de seus objetivos, a dissertação se compõe de 3 capítulos, cada um de-

les acompanhado de uma pequena introdução e conclusão. Por conta disso, seremos mais su-

cintos nessa introdução preliminar. A dissertação discute acerca da questão formulada ao fim

do parágrafo anterior, ampliando o debate e proporcionando um ponto de partida para uma

investigação posterior, para o qual sugerimos o uso de uma abordagem empírica e quantitati-

va.

No primeiro capítulo, a dissertação se inicia tratando do conceito da representação po-

lítica em sua generalidade, passa pela discussão acerca da cada vez menor relevância dos par-

tidos e termina, de forma mais específica, na representação descritiva. No capítulo seguinte,

discute-se a relação entre a religião e a política, a laicidade do Estado e, este que é um dos

pontos mais relevantes, quem são os evangélicos, os protestantes, os pentecostais, enfim: qual

o significado de todos esses nomes tão comentados, seja na imprensa ou no diálogo cotidiano.

No último capítulo, estabelecemos relações entre os capítulos 1 e 2: qual demanda política de

quais evangélicos estamos debatendo? Qual a relação entre deputados federais evangélicos e

partidos políticos? E quais os possíveis questionamentos sobre a representação política entre

deputados evangélicos e eleitores evangélicos podem ser investigados com base na teoria da

representação e na prática religiosa das denominações pesquisadas? Esses são, de forma re-

sumida, alguns dos pontos tratados ao longo dos 3 capítulos que seguem.

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A REPRESENTAÇÃO POLÍTICA

Introdução

O debate da representação política, muitas vezes visitado e revisitado, pode ser consi-

derado um tema clássico na ciência política contemporânea. O objetivo deste capítulo é jus-

tamente percorrer esse debate, comentando, de um lado, as clássicas contribuições sobre o

tema e, de outro, aquelas formuladas entre os séculos XX e XXI. Para tanto, o capítulo se

divide em três partes principais.

Na primeira, é contemplado o conceito da representação política, iniciando pelas con-

tribuições de Burke, Sieyès e Madison. Fala-se dos clássicos, mas também dos contemporâ-

neos. Por ser um debate já maduro, possibilita que caminhemos de forma mais célere pelos

seus pontos basilares, que servem para ativar alguns conceitos básicos a serem utilizados mais

à frente no trabalho.

Na segunda parte, entram em cena os partidos políticos, instituições cuja importância

não deve ser ignorada nem no debate da representação, nem ao longo dos pontos sustentados

no trabalho.

Na terceira e última parte, revisamos as características, as consequências e as funções

de uma das formas de representação, a descritiva, cuja importância para nossas discussões é

evidenciada desde o título da dissertação.

O debate da representação, a importância e a influência dos partidos e, por fim, a figu-

ra da representação descritiva são fundamentais para formar o quadro da representação de um

grupo específico de evangélicos na política partidária brasileira, o qual sugerimos ao fim da

dissertação.

1.1 - A representação política: conceituação e desenvolvimento

1.1.1 - Um conceito

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Definir a representação não é de maneira alguma uma tarefa simples: “todos parecem

saber o que é, mas poucos conseguem concordar com uma definição em particular” (DOVI,

2011*)1. Orbitam em torno dessa tentativa diversas correntes teóricas e posicionamentos, com

também diversas consequências para o fazer político.

Pitkin aponta que o termo representação tem origem no século XVI, momento a partir

do qual o termo representar passa a ser utilizado com o significado de “tomar ou ocupar o

lugar de outra pessoa, substituir” (PITKIN, 2006, p.20). Até este momento, não apenas o uso

do termo não ocorria nesse significado, como também não estava impresso na sociedade esse

sentido do conceito. Afinal, a “representação é, em grande medida, um fenômeno cultural e

político, um fenômeno humano” (PITKIN. 2006, p.16).

A utilização do conceito de representação para o campo da atividade política se dá pa-

ri passu com o “o desenvolvimento histórico de instituições, o desenvolvimento correspon-

dente no pensamento interpretativo sobre aquelas instituições e o desenvolvimento etimológi-

co dessa família de palavras”. (PITKIN, 2006, p.21). E é o desenvolvimento do Parlamento

inglês e o papel, em constante mutação, desempenhado por cavaleiros e burgueses que iam à

presença do Rei o evento escolhido por Pitkin para explorar a metamorfose do instituto da

representação (PITKIN, 1967, p.3).

Em um primeiro momento, a ida dos cavaleiros e burgueses ao Parlamento tinha por

objetivo “dar consentimento à cobrança de tributos”, prestar informações, “trazer o registro

dos tribunais locais em casos de disputa judicial, e para levar informações de volta às suas

comunidades”. (PITKIN, 2006, p.21). Nesse primeiro momento, eles retornavam às suas co-

munidades com autoridade de obrigá-los a pagar os tributos; em um momento posterior, pas-

saram a ser utilizados na via oposta, pela comunidade, para apresentar queixas e cobrar solu-

ções. “Os cavaleiros e burgueses que iam ao Parlamento começaram a ser vistos como servi-

dores ou agentes de suas comunidades. Eles eram pagos pelas comunidades [...] e podiam ser

solicitados a prestar contas do que haviam feito no Parlamento” (PITKIN, 2006, p.22).

1.1.2 - Burke, Sieyès e Madison

E é servindo nesse mesmo Parlamento, já no século XVIII, que encontramos um im-

portante nome no debate sobre a representação: Edmund Burke. Considerado o fundador do

1 Todos as citações marcadas com um asterisco ao longo da dissertação são traduções minhas.

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conservadorismo moderno, por sua extensa defesa das liberdades e do constitucionalismo

ingleses e de seu forte discurso contra os revolucionários franceses e “suas ideias destrutivas”.

(AVRITZER, 2007, p.450) Nosso interesse reside, no entanto, em uma das mais famosas pe-

ças deste debate sobre representação: o famoso discurso de Burke ao eleitores de Bristol, de

1774. Nesse texto, considerado a matriz intelectual do debate mandato-independência

(THOMASSEN, 1994, p.238), Burke defende que

o parlamento não é um congresso de embaixadores que defendem in-teresses distintos e hostis, interesses que cada um de seus membros deve sustentar, como agente e advogado, contra outros agentes e ad-vogados, mas uma assembleia deliberativa de uma nação, com um in-teresse: o da totalidade, onde o que deve valer não são os interesses e preconceitos locais, mas o bem geral que resulta da razão geral do to-do (BURKE apud KINZO, 2004, p. 29).

Apesar de elegerem um deputado seguindo uma regra majoritária em um distrito de

um representante, o deputado escolhido por Bristol, após eleito, desvincula-se do âmbito local

e torna-se um membro do Parlamento. Seu dever é com a nação, não com o local. Seu senhor

é a razão e o juízo e não a vontade, sua ou alheia:

Se o governo fosse, em qualquer lugar, questão de vontade, a vossa deveria, sem nenhum gênero de dúvidas, ser superior. Mas o governo e a legislação são problemas de razão e juízo e não de inclinação, e que tipo de razão é esta em que a decisão precede a discussão, em que um grupo de homens delibera e outro decide e na qual aqueles que as-sumem as decisões estão talvez a trezentas milhas daqueles que ou-vem os argumentos? (BURKE apud KINZO, 2004, p.29).

Para Burke, o processo era deliberativo e os eleitos tinham não apenas o direito, mas o

dever de seguir a própria consciência enquanto levavam a nação ao bem comum. Interesses,

para ele, não eram pessoais e mutáveis, mas “relativamente pouco numerosos [...], fixos e

objetivos” (PITKIN, 2006:33). Apesar de um representante de Bristol poder ser um porta-voz

do interesse mercantil, isso “não significa que ele precisa consultar o povo de Bristol, nem

que seus votos precisam favorecer Bristol em detrimento da Grã-Bretanha” (PITKIN, 2006,

p.33). Interesse e opinião são distintos, e a devoção devida pelo representante é ao primeiro,

não ao segundo. A sinceridade de Burke revelou-se impopular e sua defesa de outras causas

também pouco apreciadas levaram-no a não reelerger-se por Bristol na eleição posterior, de

1780.

Thomassen (1994, p.238) propõe que as ideias de Burke começaram a dominar a pes-

quisa sobre representação política a partir de 1959, quando Heinz Eulau e seus pesquisadores

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associados publicaram um relevante livro2 sobre o tema. (Eulau et al., 1959). Mais do que o

próprio Burke, Eulau distinguiu duas variáveis: o foco e o estilo da representação política.

Thomassen esclarece que o “foco da representação se refere ao interesse que representantes

devem defender: interesses locais de seus eleitores ou aqueles da nação.” (THOMASSEN,

1994, p.239*). O estilo, por outro lado, refere-se à “questão de se os representantes devem

agir como agentes que recebem instruções de seus eleitores ou de acordo com seu próprio e

maduro jugamento”. (THOMASSEN, 1994, p.239*). A posição de Burke é clara: seu foco é

nacional e seu estilo é a independência em relação à vontade do eleitor. Outros autores, como

Miller e Stokes, propuseram outro modelo na década de 1960, ao que se sucederam uma série

de trabalhos em um amplo debate - como aponta Thomassen (1994, p.244 e 246) para os tra-

balhos de Achen, Cnudde e McCrone, Erikson, Converse e Pierce e Farah.

***

Outro importante nome no debate da representação é o do abade francês Emmanuel-

Joseph Sieyès, que escrevera seus mais importantes trabalhos no contexto da convocação, por

parte de Etienne-Charles de Loménie de Brienne, dos Estados-Gerais franceses. Nascido em

Fréjus e educado em Saint Sulpice e Sorbonne, seus escritos tornaram-se cruciais para os per-

cursos da Revolução e ecoam ainda hoje nos conceitos de constitucionalismo e de representa-

ção.

Um dos importantes conceitos de Sieyès é o de nação: ela não seria seus associados

nem a soma deles. Uma nação é um corpo de associados, vivendo sob uma lei comum, repre-

sentados sob uma mesma legislatura (SIEYÈS, 2003, p.97). Para Sieyès, acreditar que primei-

ro havia uma nação e depois surgiram seus representantes é uma noção “obscura e falsa” (SI-

EYÈS, 2003, p. xix), visto que a associação teria se formado pela representação (e não esta se

formado por conta de uma associação preexistente). Essa associação pela representação

comporta o estado, seus membros e seu governo - em vez da relação mais simples governan-

tes/governados. Para Sieyès, ressalta Sonenscher, tradutor e autor do prefácio da edição em

língua inglesa dos livros do abade,

a nação era uma, embora seus membros fossem muitos. O governo re-presentaria os interesses comuns da nação, não os diversos interesses de seus muitos membros. O interesse comum pode, de tempo em tem-

2 “The Role of the Representative: Some Empirical Observations on the Theory of Edmund Burke”

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po, modificar-se. Mas mudá-lo deve evitar interferir com os interesses que outros indivíduos possam ter (SIEYÈS, 2003, p. xix*)

Sieyès concebia uma teoria da associação humana baseada em um sistema representa-

tivo duplo, no qual coexistiam as dimensões política e não-política. Essas dimensões eram

fundamentalmente distintas, visto que a representação relacionada à vida cotidiana era essen-

cialmente plural, enquanto aquela ligada à vida política era essencialmente singular. Esta era

feita dos meios utilizados para atingir o bem comum; aquela, pelos meios que os indivíduos se

utilizavam para atender suas necessidades individuais. Ambas, no entanto, estavam ligadas ao

mesmo sistema e serviam ao mesmo propósito.

Aplicar o princípio da maioria ao sistema representativo - em outras palavras, unir um

sistema puramente democrático à ideia de representação - levaria ao que Sieyès considerava

um caos de contradições. O fato de o caminho eleitoral ser o único disponível desaguaria em

uma situação peculiar: tanto a nação - o singular - quanto seus indivíduos - o plural - teriam o

mesmo conjunto de representantes, cuja escolha teria procedido de maneira semelhante e sem

aparatos institucionais diferenciados em seus processos. Para Sieyès esse resultado seria uma

aberração. Apesar de ser uma associação de muitos membros, a nação era apenas uma. Os

representantes da nação deveriam cuidar apenas dos interesses comuns da nação, e não dos

variáveis e plurais interesses dos indivíduos, que deveriam ter seus próprios representantes,

escolhidos especificamente para esta função. Para dar conta desse ideal, a sugestão teórica de

Sieyès implicava existência de um sistema monárquico constitucional (SIEYÈS, 2003, p.

170).

A sinceridade de Sieyès faz-se presente também em diversos momentos nos quais ele

ressalta que seria “um grave erro de compreensão da natureza humana, confiar o destino da

sociedade aos esforços da virtude” (SIEYÈS, 2003, p. 154*). Por isso o desenho constitucio-

nal importava para Sieyès, bem como o aparato institucional por ele formulado em torno da

representação política. Para ele, a superioridade do sistema representativo estava não tanto no

fato produzir “decisões menos parciais e menos apaixonadas”, embora isso também seja claro

nos filtros criados em sua proposta constitucional, mas principalmente “no fato de constituir a

forma de governo mais apropriada para a condição de moderna ‘sociedade comercial’, na qual

indivíduos estão primordialmente ocupados na economia da produção e troca” (MANIN,

1997, p. 3*).

Para o abade, no entanto, a representação política não é uma consequência do aumento

numérico ou da maior complexidade social. Conforme Manin, “para Sieyès, bem como para

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Madison, o governo representativo não era um tipo de democracia; ele era não apenas essen-

cialmente diferente, como além disso, uma forma preferível de governo” (1997, p. 3*).

Comentando sobre o progresso social, Sieyès percorre uma argumentação cuja rele-

vância para as discussões sobre representação continua cristalina: “Quanto mais progride a

sociedade nas artes do comércio e da produção”, argumenta em um de seus panfletos, “mais

claro se torna que o trabalho relacionado às funções públicas deve, como os trabalhos particu-

lares, ser executado menos penosamente e mais eficientemente por homens que fazem dele

sua única ocupação” (SIEYÈS, 2003, p. 48*). De maneira ainda mais clara, resumiu o abade

este ponto em um relatório para a Assembleia Nacional: “O interesse comum, a melhoria do

estado da própria sociedade clama para que nós façamos do governo uma profissão especial”

(SIEYÈS, 1789, p. 35 apud MANIN, 1997, p. 3*).

Para o abade, nem a nação como um corpo nem cada cidadão individualmente produ-

zia tudo necessário para atender às necessidades comuns e individuais. Dessa forma, todo o

trabalho em uma sociedade era representativo. Sonenscher resume, utilizando-se de uma me-

táfora empregada pelo próprio abade: “O indivíduo que confeccionou os sapatos usados pela

rica e delicada madame na mais luxuosa das cidades foi seu representante praticamente da

mesma forma que o indivíduo que fez suas leis” (SIEYÈS, 2003, p. xxix*).

***

O terceiro importante autor que trazemos para esse debate é Madison, que, escrevendo

do outro lado do Atlântico, pode ser considerado ao lado de Sieyès como um dos pais do go-

verno representativo. Esse termo foi, inclusive, utilizado de forma recorrente nas discussões

sobre a constituição americana e pode ser visto no ensaio 63 dos Artigos Federalistas (MA-

DISON et al., 2008, p. 313). Publicados pela imprensa de Nova Iorque em 1788, os ensaios

tinham objetivo de colaborar nas discussões para a ratificação de uma constituição para os

Estados americanos.

Esse conjunto de textos, de acordo com Lawrence Goldman, autor da introdução da

edição da Oxford University de “Os Federalistas”, merece seu lugar no cânone de textos que compreende a história do pensamento po-lítico ocidental, fazendo presente em seus argumentos basilares uma transição na tradição política do Ocidente de uma dependência na virtude humana como funda-ção da sociedade política para uma nova confiança depositada agora na capacidade das leis e das instituições de fazerem os homens viverem dentro de suas obrigações e de assegurar estabilidade política (MADISON, 2008, p. x*)

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Dessa forma, é importante compreender que a representação entra, para Madison, co-

mo um dos mecanismos institucionais capaz de empreender estabilidade, bem comum e cum-

primento coletivo das obrigações. Para Madison, bem como para Sieyès, não deveria um sis-

tema político confiar na boa vontade ou na bondade dos homens. De acordo com o proposto

nos artigos federalistas, a melhor abordagem seria em verdade aproveitar-se dos interesses

dos homens para o bem comum: “A ambição deve ser utilizada para neutralizar a ambição. Os

interesses pessoais serão associados aos direitos constitucionais”, diz Madison (apud LI-

MONGI, 2008, p. 273 - Art. 51)3. A necessidade do aparato institucional e da representação

em si - um dos mais importantes, senão o mais, de seus componentes -, é axiomática: “Mas

afinal”, diz Madison, “o que é o próprio governo senão o maior de todos os reflexos da natu-

reza humana? Se os homens fossem anjos, não seria necessário haver governo. Se os homens

fossem governados por anjos, dispensar-se-iam os controles internos e externos do governo”

(MADISON apud LIMONGI, p. 273 - Art. 51).

É no mesmo artigo que Madison estabelece as bases de sua teoria dos freios e contra-

pesos (checks and balances), parte de uma teoria maior cujo esforça era “equacionar o poder

das maiorias e o das minorias; a igualdade política dos cidadãos adultos de um lado e o desejo

de limitar sua soberania por outro” (DAHL, 2003, p. 207).

Para Madison, assim como para o abade Sieyès, o artifício da representação não entra

como um segundo-melhor, como um substituto para uma impossibilidade de implantar a de-

mocracia direta. Para ele, há duas grandes diferenças da república (por meio da representação)

em relação à democracia, que engendram duas grandes vantagens: primeiro, “há a delegação

do governo para um pequeno número de cidadãos eleitos pelo resto”; em segundo, há o

“grande número de cidadãos e a grande esfera do país para os quais [a república] por ser es-

tendida” (MADISON, 2008, p. 52 - Art. 10*). Daí decorrem duas vantagens, sendo a primei-

ra, de um lado, a de refinar e ampliar a compreensão pública, filtrando-a pela mediação de um corpo es-colhido de cidadãos, cuja sabedoria pode melhor discernir o verdadeiro interesse de seu país e cujo patriotismo e amor pela justiça tornarão menos provável o sacrifício, para considerações parciais e temporárias, desse verdadeiro interesse (MADISON, 2008:53*).

Pela representação, o bem comum poderia ser aferido de maneira mais competente do

que pela democracia direta, conforme diz Madison: “Sob tais regras, pode muito bem aconte-

cer de a opinião pública, expressa pelos representantes do povo, seja muito mais próxima do 3 Além da referência bibliográfica recomendada pela ABNT, estará relacionado o número do artigo federalista em que consta a citação, quando for o caso.

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bem público do que se houvesse sido pronunciada pelo próprio povo, reunido para tal” (MA-

DISON, 2008, p. 53*). A outra vantagem seria a dissolução das facções, por conta da grande

extensão populacional e territorial que uma república pode congregar, diferente do que pode

acontecer em uma democracia direta (MADISON, 2008, p. 54).

É a representação o instrumento desse desenho institucional, alcançada por meio de

eleições frequentes, para lembrarem constantemente aos eleitos sua dependência em relação

ao povo (LIMONGI, 2004, p. 280 - Art. 57). No artigo federalista de número 63 Madison

afirma: “A diferença mais acentuada entre a república americana e as outras está no princípio

da representação, que constitui o eixo em torno do qual aquela se move e que, segundo se

supõe, era desconhecido por estas ou, pelo menos, pelas mais antigas entre elas” (LIMONGI,

2004, p. 286 - Art. 63).

1.1.3 - Do cânone às novas proposições

Desses três clássicos pensadores da representação, cuja importância permanece ainda

nos debates atuais sobre representação política, chega-se às contribuições mais recentes ao

tema. Para além das contribuições de Manin, Eulau, Milles e Stokes, bem como a de Hanna

Pitkin, autora do seminal “The Concept of Representation”, todos já citados, apresenta-se a

seguir o debate diretamente mais relevante para a questão que pretende-se trabalhar: os quatro

grandes tipos de representação e, entre eles, a descritiva.

Na base de todos eles está um paradoxo que reside em Burke e perpassa Sieyès e Ma-

dison: a já citada questão mandato-independência. É a dúvida se os representantes devem

seguir sua consciência, numa relação em que o eleitor confia (trusteeship) em sua capacidade

decisória ou se, enquanto delegados (delegation), eles devem seguir as preferências dos elei-

tores. Burke se posicionou como um claro defensor da primeira possibilidade, enquanto Ma-

dison argumentava pela segunda. Pitkin, entretanto sugeria que os teóricos não deveriam ten-

tar reconciliar a natureza paradoxal da representação, tanto por ser um “daqueles debates teó-

ricos infindáveis que nunca parecem se resolver, não importa quantos pensadores tomem po-

sição” (PITKIN, 2006, p. 30), quanto por ser mais interessante que os eleitores “salvaguardem

a autonomia tanto dos representantes quanto dos representados” (DOVI, 2011). Apesar de

considerar os interesses objetivos como a chave para determinar se essa mútua autonomia está

mantida, Pitkin não chegou a especificar adequadamente como identificar esses interesses

objetivos: em alguns pontos a autora sugere que os eleitores deviam ter alguma voz para ex-pressar seus interesses objetivos, mas ao fim ela simplesmente transfere seu foco pa-ra longe desse paradoxo e recomenda que representantes devem ser avaliados com

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base nas razões que dão para contrariar as preferências de seus eleitores (DOVI, 2011*).

Prosseguindo no debate, Pitkin sugere a existência de quatro formas de conceber a re-

presentação política, quais sejam: (1) representação formalística; (2) representação simbólica;

(3) representação descritiva; (4) representação subjetiva. Em essência, essa divisão é coerente

com a abordagem austiniana4 da linguagem adotada por Pitkin (Castiglione; Warren, 2006:5),

que considera a representação como um objeto de três dimensões em um ambiente escuro,

que a cada “fotografia” feita por um teorista, tratada como um mundo à parte, obviamente

aparenta não coincidir com as outras tiradas de ângulos diferentes do mesmo objeto (PITKIN,

1967, p. 10).

Em todas as quatro formas de entender a representação, em comum está a percepção

de que há um “elemento relacional entre a entidade que representa e a entidade que é repre-

sentada” (CASTIGLIONE; WARREN, 2006, p. 6*). Apesar de parecer óbvio, esse ponto é

importante, visto que esse elemento relacional é fundamental para a atividade representativa e

para a qualidade da representação (Plotke, 1997). Essa divisão é, também, em grande medida,

a base “da discussão contemporânea sobre o conceito de representação política” (DOVI,

2011*).

A primeira distinção reside naquela que separa em dois grupos a representação: a for-

malística, de um lado, a substantiva, de outro. O entendimento formalístico foca-se na presen-

ça de características de autorização (por parte dos eleitores) e de accountability (dos agentes,

para os eleitores). Teorias de representação substantiva, ao contrário, estão preocupadas com

a forma pela qual a representação ocorre. Subdividindo a representação substantiva, Pitkin

sugere as categorias standing for - encorpando as representações descritiva e simbólica - e

acting for.5

Quanto à definição dessas duas formas de conceber a representação, abarcadas pela

ideia de standing for, assim resume Suzanne Dovi (2011*): a representação simbólica se pre-

ocupa com “as formas pelas quais os representantes se colocam para os representados - isto é,

o significado que um representante tem para aqueles representados”; já a representação des-

critiva se caracteriza “pela extensão com que o representante se parece com aqueles sendo

representados”.

4 Relativo às ideias de J. L. Austin, em seu Philosophical Papers.

5 Castiglione; Warren (2006, p. 6); Dovi (2011); Pitkin (1967, p. 38; p. 60; p. 92; p. 112)

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1.2 - A presença do Partido e sua influência

Outro importante elemento para a discussão que propomos são os partidos políticos,

cuja história se mistura de muitas formas com aquela das modernas democracias. Surgidos de

forma mais próxima à que conhecemos hoje a partir do século XIX - embora o termo já hou-

vesse sido utilizado em sentido político após o século XVI -, os partidos modernos tiveram

como um dos marcos de sua constituição o Reform Act de 1832, na Inglaterra (SARTORI,

1982, p. 87). A política baseada em partidos é considerada uma das importantes e transforma-

doras invenções do século XIX (SCARROW, 2006, p. 16).

Conceitualmente, entretanto, a história dos modernos partidos políticos teve três im-

portantes contribuições anteriores ao Reform Act inglês. A primeira delas defendida de forma

vigorosa e analítica por Bolingbroke (1678-1751), em sua “Dissertação sobre os Partidos”,

sustentava que os partidos eram formados da paixão e do interesse e enfraqueciam o governo

constitucional, o preferido do autor. Sartori (1982, p. 27) aponta também que fora Bolingbro-

ke quem estabelecera “mais do que qualquer outro antes, uma distinção entre facções e parti-

dos”. A constância com que opinava sobre o tema também foi importante para colocar o tema

dos partidos em destaque e por atrair a atenção do escocês David Hume (1711-1776).

Hume teve seus primeiros ensaios sobre os partidos publicados menos de 10 anos após

a “Dissertação sobre os Partidos”, mas suas opiniões sobre o tema são consideradas interme-

diárias entre as de Bolingbroke e aquelas publicadas cerca de 20 anos depois por Edmund

Burke (SARTORI, 1982). Hume também considerava as facções essencialmente destrutivas,

mas avançava de forma importante ao questionar se era praticável ou desejável “abolir todas

as distinções de partidos” (SARTORI, 1982, p. 27). Outra contribuição de Hume reside em

uma tipologia dos partidos, de 1742, na qual divide os partidos entre “grupos pessoais” e

“grupos reais” - e esse último entre três classes: de interesse, de princípio e de afeição (SAR-

TORI, 1982, p. 28).

Burke (1729-1797), por outro lado, foi o primeiro importante debatedor da cena públi-

ca inglesa a defender de forma veemente a respeitabilidade e a utilidade dos partidos em um

governo livre. A partir dele “o eixo de argumentação deu uma volta. Bolingbroke justificara o

‘partido’ apenas como a oposição (quando necessária) do país ao soberano inconstitucional.

Burke, em lugar disso, colocou o ‘partido’ dentro do âmbito de governo, reconcebendo-o co-

mo uma (…) divisão entre soberanos” (SARTORI, 1982, p. 31). A compreensão de Burke

acerca dos partidos formou-se ex-ante, visto que ele os concebera antes de sua existência:

“somente cerca de 50 anos depois de seu Discourse é que os partidos, tais como ele os havia

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definido, suplantaram as facções e começaram a existir no mundo de língua inglesa” (SAR-

TORI, 1982, p. 33).

Embora o partido moderno encontre-se enraizado no debate intelectual do século

XVIII e sua existência concreta remonte ao início do século XIX, seu papel modificou-se de

forma compreensiva entre o século XX e o início do XXI. São três importantes movimentos

comumente identificados nessa relação entre partidos e modernas democracias, tendo em con-

ta o que ocorreu na Europa: o primeiro deles foi a transformação do Parlamento em uma arena

fundamental de deliberação política tendo o partido como intermediário em relação à socie-

dade; o segundo foi a expansão do sufrágio para praticamente todos os adultos, com o súbito

ingresso de tantos eleitores alterando inevitavelmente a natureza dos partidos; o terceiro mo-

vimento apontado pelo autor foi uma modificação interna dos partidos, que, de organizações

estritamente legislativas, se transformaram em “estruturas de coleta de votos capazes de cana-

lizar os interesses de milhares de eleitores recém incluídos no sistema” (NICOLAU, 2010, p.

101*).

Tal síntese do desenvolvimento partidário é mais próxima do que ocorreu na Europa -

na verdade, em certos países europeus - do que em outros pontos fora do velho continente. A

existência de partidos e a presença do governo representativo são apontados como um caso de

afinidade eletiva, que pode ser resultado de processos históricos de evolução simultânea das

instituições representativas e das organizações (partidos) criadas para atuar em tal ambiente.

Um dos modelos existentes para explicar a relação entre partidos políticos e governos demo-

cráticos contemporâneos, o responsible party model, embora seja o mais difundido, não pare-

ce refletir de forma adequada o panorama brasileiro. O modelo defende que há apenas dois

atores relevantes para o processo de representação política: eleitores e partidos; que partidos

são disciplinados - ou internamente coesos - o bastante para que tenham capacidade de im-

plementar seu programa partidário; que eleitores têm sua escolha em eleições competitivas,

significando que podem escolher pelo menos entre dois partidos com programas distintos; que

eleitores têm preferências políticas; que eleitores estão cientes das diferenças entre os pro-

gramas dos partidos; e, finalmente, que eleitores votam de acordo com as suas preferências

políticas (THOMASSEN; SCHMITT, 1997, p. 168)

Essa lista de condições, entretanto, já é suficiente para levantar suspeitas quanto à sua

viabilidade no caso brasileiro, mesmo antes de buscarmos evidências que possam contradizê-

las. É perceptível, por exemplo, que no Brasil - e não apenas - o partido tem tido uma influên-

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cia decrescente na política e não tem sido, em grande medida, responsável por vertebrar a

decisão do eleitor quanto a seu voto. Pesquisa6 realizada pelo antigo Iuperj em 2002 soma-se

a outras evidências da crescente personalização das campanhas eleitorais, em detrimento da

identificação partidária. Focando na eleição para a Câmara dos Deputados, a pesquisa do Iu-

perj apontou, entre outras coisas, a altíssima proporção de eleitores que consideram o candi-

dato mais importante (83%) na decisão do voto, com partidos atingindo 17% e, ambos, 9%.

Apontou, também, que apenas 18% de todos os eleitores votaram no candidato pertencente ao

partido pelo qual disseram ter simpatia.

Entretanto, é importante ressaltar que a relativização da importância partidária na es-

colha do voto por parte do eleitor não tem por derivação lógica a eliminação do partido en-

quanto importante elemento no governo representativo no caso brasileiro. Partidos são indis-

pensáveis para qualquer cidadão que deseje se candidatar - visto que não há a figura do can-

didato sem partido no Brasil - e, por mais que se esqueça desse detalhe no diálogo cotidiano

sobre a política, são os partidos também que apresentam a lista de candidatos entre os quais os

eleitores podem optar. Há, portanto, uma definição prévia à arena eleitoral, que ocorre inter-

namente em cada um dos partidos. O sistema eleitoral de um país em suas múltiplas possíveis

configurações pode, portanto, aumentar ou diminuir a importância do partido no xadrez da

política institucional. No Brasil, por exemplo, embora seja permitido também o voto em le-

genda (no qual o eleitor pode escolher um partido em vez de um candidato), o próprio “pro-

cedimento do voto dá a sensação de que, no lugar de um sistema representativo de lista pro-

porcional, eleições funcionam como uma grande competição entre candidatos” (NICOLAU,

2010, p. 115*).

Essa relação entre eleitores e candidatos (alguns dos quais tornam-se representantes) é

relevante, portanto, visto que na ausência do partido como mobilizador da decisão do voto, os

candidatos têm buscado outras formas de apelo. Além do pertencimento territorial, de caracte-

rísticas física, de atributos subjetivos e do compartilhamento de identidades profissionais ou

de associação, uma outra forma de apelo tem profunda relação com nosso trabalho: o perten-

cimento religioso. O comportamento de eleitores brasileiros encontra-se, portanto, pelo menos

na corrida para a Câmara dos Deputados, longe do que espera o responsible party model.

“Em realidade, a decisão do voto ocorre mais frequentemente por fatores como os atributos

6 Mais detalhes sobre a pesquisa podem ser encontrados em Nicolau (2010, p. 117)

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do candidato ou de sua performance do que por conta dos partidos aos quais esses candidatos

pertencem.” (NICOLAU, 2010, p. 118*).

Esse modelo é considerado, portanto, inapto para descrever a realidade política brasi-

leira. No cômputo geral, os partidos políticos brasileiros “não enfatizam sua agenda de gover-

no durante suas campanhas, que poucos eleitores decidem seus votos baseados nos partidos

aos qual os candidatos são filiados e que partidos estão longe de se comportarem de forma

coerente na arena legislativa” (NICOLAU, 2010, p. 125*). Não apenas os partidos modifica-

ram a prática política, em conjunto com outros processos históricos, como também outros

tantos processos são apontados por Bernard Manin como responsáveis, a seu turno, por modi-

ficarem o papel dos partidos. O autor identifica quatro princípios do governo representativo,

cujas interações com outros processos histórico-sociais (sufrágio, surgimento da mídia de

massas etc) deram origem às três formas básicas do citado governo representativo: o tipo par-

lamentar, a democracia de partido e a democracia de público (MANIN, 1997, p. 193).

É sempre interessante, quando se fala de modelos, ressaltar seu caráter inevitavelmen-

te simplificador, parte de sua essência. Portanto, as considerações de Manin devem ser lidas

como o são: parte de um modelo, de uma tipologia do governo representativo. Nesse sentido,

os quatro princípios identificados - eleição de representantes por governados, independência

parcial dos representantes diante das preferências dos eleitores, liberdade de manifestação de

opinião pública e tomada de decisões políticas após debate - perpassariam toda a história do

governo representativo. Na primeira parte dessa história, o modelo parlamentar reforçaria

laços de confiança, nobilidade e a importância das relações locais; o deputado padrão vota

segundo sua consciência; o debate ocorre no Parlamento, onde o povo só chega até as portas.

Logo após, a democracia de partido evocaria um relacionamento de fidelidade partidária, de

influência de ativistas, num ambiente em que pertencimento a uma classe é relevante; os líde-

res partidários são os responsáveis por eleger as prioridades do programa; a discussão priori-

tária ocorre no interior dos partidos, que posteriormente negociam com a recém incorporada

oposição. No último e mais recente período, o partido perde espaço para a democracia do

público. Este período conta com a figura do comunicador e com a escolha por parte do eleitor

de pessoas confiáveis, não mais organizações (partidos); imagens ganham importância na

escolha dos líderes e cresce a relevância das pesquisas de opinião; as decisões levam em conta

a presença da mídia e o governo realiza negociações com grupos de interesse (MANIN, 1997,

p. 193).

Nesse breve resumo do modelo desenhado por Manin é possível perceber, indepen-

dente da precisão com que ele nomeia os períodos, uma tendência firme já percebida por di-

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versos outros autores, que Leal (2002) chama de “nova ambiência eleitoral”: personalização

das campanhas, forte presença da mídia (inclusive do recente fenômeno das redes sociais),

enfraquecimento do partido, importância da imagem, existência de grupos de interesse extra-

partidários, influência do sistema eleitoral, racionalidade do eleitor, etc. Visto que o trabalho

olha para a representação política em um grupo específico da população brasileira, compreen-

der de forma geral a relação dos eleitores, dos candidatos, dos eleitos e dos partidos no pro-

cesso da representação é de extrema importância. À frente - mais precisamente no terceiro

capítulo - retomaremos alguns dos argumentos ao analisarmos a relação entre evangélicos e a

representação descritiva.

1.3 - Representação descritiva: do sim contingente à prática cotidiana

Entre os avanços no debate da representação estão alguns provenientes da própria

transformação da realidade na qual a representação acontece. Cada vez mais intensamente,

por exemplo, organismos internacionais, transnacionais e não governamentais (Castiglione;

Warren, 2004:5) participam do processo decisório nas sociedades modernas, tornando neces-

sário revisitar os conceitos clássicos da representação. Por conta desse poder mais difuso de

traçar políticas públicas, “eleições no contexto de estado-nações são insuficientes para se en-

tender como políticas públicas tem sido criadas e implementadas” (DOVI, 2011*).

Lavalle, Houtzager e Castello (2006) defenderam uma concepção de representação

virtual baseada em Burke; outra contribuição veio de Nadia Urbinati (2008, p. 3): primeiro,

ela sugere que o discurso é uma das principais características da política democrática, antiga

ou moderna, direta ou representativa; depois, a autora argumenta que a indirectness (e repre-

sentação seria o tipo mais importante de indirectness) “tem um papel fundamental para criar o

caráter discursivo-democrático da política”, e que isso ajuda, em vez de frear a participação

(URBINATI, 2008, p. 5*); em último lugar, Urbinati sustenta que a representação “destaca a

natureza idealizadora e crítica da política, uma arte pela qual indivíduos transcendem a imedi-

atez de sua experiência biográfica e social, e seu pertencimento cultural e seus interesses, e se

educam e expandem seu julgamento político a partir das opiniões próprias e alheias” (URBI-

NATI, 2008, p. 5*).

Outro acréscimo à discussão veio nas contribuições de “John Dryzek e Simon Niema-

yer, que propõem uma concepção alternativa de representação que chamam de discursiva,

para refletir o fato de que atores transnacionais representam discursos, não pessoas reais”

(DOVI, 2011*). Mark Warren (2008, p. 69) também revisitou o conceito de representação, ao

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escrever sobre a experiência da província canadense da Colúmbia Britânica e de seus corpo de

cidadãos representantes.

Vê-se que fica cada vez mais inadequado resumir-se a representação à clássica abor-

dagem eleitoral - e os muitos estudos, dos quais alguns relatados acima, servem de indicativo.

Apesar disso, o peso da variante eleitoral continua importante para entender diversos proces-

sos a ocorrerem dentro da sociedade. Por conta disso, Mansbridge (1999) propõe uma interes-

sante abordagem normativa do conceito de representação descritiva. O conceito altera-se le-

vemente quando comparado com aquele esboçado por Pitkin (1967), tornando-se mais pro-

penso a ser utilizado em discussões sobre minorias e grupos em desvantagem.

Esse uso, no entanto, não está restrito ao artigo de Mansbridge, mas aparece difundido

pela literatura contemporânea de representação descritiva: Bentran (2010) estuda latinos;

Sway (1993), David (1999), Fenno (2003) debatem raça; Thomas (1991), Weldon (2002),

Htun (2004), Celis Karen, Childs, Kantola e Krook (2008), a questão da mulher; Dovi (2002)

debate ao mesmo tempo sobre mulheres, negros e latinos, depois (2009) fala sobre exclusão;

além desses e muitos outros, há os trabalhos de Young (1986, 1990 e 2000), Melissa Williams

(1998) e Anne Phillips (1995 e 1998)7, sobre a temática da representação e da inclusão de

grupos minoritários e de vozes ao debate público.

Como se vê, grande parte dos trabalhos trata da representação descritiva como um tipo

crucial para os estudos de grupos em desvantagem ou minorias políticas, sociais, econômicas

- ou alguma permutação dessas características. Nesse sentido, conforme defende Mansbridge,

a representação descritiva é importante para grupos em desvantagem em pelo menos quatro

contextos diferentes: (1) desconfiança no grupo, (2) interesses não cristalizados, (3) subordi-

nação ao longo da história política e (4) legitimidade de facto baixa (MANSBRIDGE, 1999,

p. 628-629)

O conceito de representação descritiva foi cunhado em um artigo da década de 19608 e

logo após foi adotado por Pitkin (1967). Mansbridge (1999, p. 629) utiliza o conceito com o

sentido de que, na representação descritiva, os representantes são, de alguma forma, típicos de

uma grande classe que eles representam. Logo, mulheres representam mulheres, negros repre-

sentam negros e - visto que a descrição pode ser de experiências compartilhadas - agricultores

representam agricultores, artistas representam artistas, etc. “Ser um de nós, um igual”, é uma

7 Esses trabalhos estão relacionado na referência bibliográfica de Dovi (2011).

8 Griffiths e Wollheim (1960)

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característica identitária comumente ativada pelos próprios concorrentes ao posto de represen-

tantes, o que evidencia a importância que possui no cálculo de uma parte do eleitorado. É

como se “ser um dos nossos” fosse assumido como promotor de lealdade aos “nossos interes-

ses” (MANSBRIDGE, 1999, p. 629).

Em relação à representação descritiva, há inúmeros contra-argumentos, visto que ela

não é muito popular entre os teóricos normativos. As críticas orbitam geralmente em torno de

alguma versão de um mordaz comentário de Pennock, que Mansbridge traz à tona: “Ninguém

argumentaria que idiotas deveriam ser representados por idiotas”. Também é regularmente

defendido que a existência de representação descritiva não garante necessariamente vantagens

para os grupos minoritários ou em desvantagem.

Em resposta a este último ponto, Mansbridge diz que, por vezes, a existência de um

representante que partilhe de uma característica reprimida ou silenciada é uma etapa impor-

tante na ressignificação daquele grupo e na equalização da relação desse grupo alijado com o

resto da sociedade. Sobre Pennock, Mansbridge argumenta que se deve perguntar se a “razão

a justificar a baixa proporção de uma dada característica é funcionalmente relacionada à habi-

lidade de realizar a tarefa da representação. Essa menor habilidade pode ser a razão pela qual

no existente sistema essa característica” é subrepresentada (1999, p. 633*). Em todos os casos

em que a resposta for não, o aparente paradoxo de Pennock perde força e a representação des-

critiva volta a ser uma possibilidade, a depender de alguns fatores.

A conclusão de Mansbridge já estava no título de seu artigo9, e a abordagem proposta

é a de utilizar a representação descritiva de forma contextual e contingente: Pode-se também abordar a contingência de outro ângulo, perguntando primeiro quais características do processo eleitoral existente resultaram em menor proporção de certos grupos descritivos na legislatura, quando comparado à proporção presente na população geral - um resultado que não se esperaria pelo acaso e que sugere a possibilidade de que “certas vozes estão sendo silenciadas ou suprimidas” (Phillips 1992, 88; also 1995, 53, 63). A próxima questão na triagem deveria ser se os mem-bros de tal grupo consideram-se adequados para representarem a si mesmos. Se a resposta é positiva, a terceira questão, que se relaciona à responsabilidade normati-va, poderia ser se há qualquer evidência de que grupos dominantes na sociedade te-nham intencionalmente tornado difícil ou ilegal para membros daqueles grupos re-presentarem a si mesmos. Uma história de forte preconceito proveria tal evidência. Se a resposta para essa terceira questão é também positiva, o grupo aparenta ser um bom candidato para representação afimativa seletiva (MANSBRIDGE, 1999, p. 639*).

Essa abordagem de Mansbridge classifica-se como contingente, visto que se “as bar-

reiras sistêmicas à participação forem eliminadas através de reforma e evolução da sociedade,

9 O título: Should Blacks Represent Blacks and Women Represent Women? A contingent ‘Yes’.

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a necessidade de passos afirmativos para garantir a representação descritiva desaparecem.”

(MANSBRIDGE, 1999, p. 639*). A própria representação descritiva é vista como um instru-

mento contingente para dar voz e poder político a grupos silenciados - de alguma forma - no

processo de construção da democracia.

Conclusão

Esse capítulo realizou uma revisão bibliográfica a respeito da representação política e

procurou demonstrar a riqueza da literatura sobre o conceito, com entendimentos pouco con-

sensuais a respeito do papel mais adequado da representação política nas modernas democra-

cias. Duas perguntas são comumente realizadas sobre o tema: como interagem os representan-

tes e os representados e em que extensão esses dois elementos da equação se assemelham?

A primeira pergunta está relacionada à representação substantiva, da prática represen-

tativa per se, enquanto a segunda se liga à representação descritiva, foco de nossos questio-

namentos. Quando candidatos a cargos eletivos são escolhidos pelos eleitores por conta de

serem iguais, é a abordagem descritiva aquela que ganha destaque. Como relacionaremos

durante o terceiro capítulo, é justamente esse o caso de uma parcela significativa dos repre-

sentantes eleitos sob a alcunha de evangélicos.

Se vivemos em um governo representativo, no qual não apenas policies são definidas,

mas diversas outras decisões também são tomadas por meio de instituições políticas represen-

tativas, certamente é relevante compreender a representação política e suas imbricações. O

capítulo, baseando-se nos estudos de Mansbridge (1999), sugere que a representação descriti-

va participa com um relevante papel na construção de uma sociedade plural e democrática,

quando ocorre de maneira contextual, de forma a trazer ao debate uma minoria silenciada ou

oprimida. Entretanto, essa forma de representação, normativamente sugerida como estratégia

pontual de grupos minoritários, encontra-se em efetiva utilização por parte dos evangélicos

envolvidos na política eleitoral.

Para responder à sua pergunta original, portanto, a dissertação parte da revisão concei-

tual dos estudos acerca da representação política e da representação política descritiva. Os

partidos, a seu termo, são relativizados em sua importância no processo a ser descrito. Embo-

ra devam ser levados em conta, sua relevância na política eleitoral brasileira tem sido cada

vez menor. Parte significativa da literatura concorda, também, que a filiação partidária não é,

atualmente, um elemento fundamental na decisão do voto.

No capítulo 2, lançaremos nosso olhar para o tema da religião e da política.

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RELIGIÃO E POLÍTICA

Introdução

O objetivo desse capítulo é relacionar religião e política, como uma forma de facilitar

a posterior pesquisa de outra relação, entre os evangélicos eleitores e seus representantes

também evangélicos. Dessa forma, iniciaremos com uma abordagem acerca das interações

desses dois temas, que consideramos serem mais do que uma importante interface para deba-

tes acadêmicos: religião e política tocam-se ao longo da história produzindo eventos históri-

cos, formas de pensar o mundo, o indivíduo, a política, entre outros variados temas.

Posteriormente, o capítulo investiga a relação entre um elemento específico na políti-

ca, o Estado, e um aspecto específico da religião, as instituições religiosas. A interação desses

dois relevantes atores é um dos assuntos aos quais o capítulo se dedica. Um dos objetivo é

demonstrar que o fenômeno que investigamos - chamado, por vezes, de “irrupção evangélica

na política” - está longe de ser uma das únicas intervenções da religião no mundo da política.

Não é novo, mas é relevante e possui características inéditas no cenário brasileiro, que serão

também tratadas no início do capítulo 3.

O terceiro ponto do Capítulo 2 é resumido em uma pergunta: quem são os evangéli-

cos? É com base nessa questão que são discutidos os esforços classificatórios desse grande

grupo que é o evangélico, recheado de diferenças internas. A pesquisa utiliza-se da separação

entre históricos e pentecostais - e de uma subdivisão deste segundo grupo proposta por Fres-

ton (1994) - e a considera apropriada para o debate a ser realizado no terceiro capítulo.

Por último, o capítulo que se segue sintetiza a história e os principais pontos da teolo-

gia das quatro Igrejas com maior número de representantes eleitos para a Câmara dos deputa-

dos: Assembleia de Deus, Congregação Cristã do Brasil, Igreja Universal do Reino de Deus e

Igreja Batista.

2.1 - Política e Religião: uma interface e uma realidade

O estudo conjunto dos temas da religião e da política traz contribuições importantes

para toda a grande área das ciências sociais. Sua importância reside não apenas na imensa

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quantidade de perguntas em busca de respostas, mas também na frequência cada vez maior

com que religião e política foram alçadas ao centro do debate público, seja na Academia ou

na imprensa. O fato de que ainda há muito a ser pesquisado sobre religião e política no Brasil

poderia levar à incorreta conclusão de que essa é uma interface nova.

Religião e política se relacionam há um longo tempo, e não apenas enquanto debates

teóricos: também não é novidade as imbricações desses dois temas na vida brasileira, em seu

dia-a-dia. Da mesma forma, pode o senso comum acreditar que a irrupção evangélica na polí-

tica institucional é um evento símbolo de uma nova era. Mas não é. Embora esse evento seja

significativo e guarde especificidades em relação a outros que o antecederam, não foi ele que

iniciou o movimento de aproximação da religião e da política no Brasil.

Há uma discussão possível sobre como e quando surgiu esse vínculo entre religião e

política no Ocidente, mas seguimos a formulação de Burity (2001, p. 29) de que o mais im-

portante é perceber, simplesmente, que tal vínculo existe e que foi historicamente construído.

Se essa é uma ligação construída a partir de algum momento do passado e está atualmente

ativa, duas alternativas se colocam naturais: ou o intervalo entre esses dois momentos no tem-

po são preenchidos por uma continuada e perene ligação da religião e da política ou essa liga-

ção desfez-se e refez-se um número n de vezes. Por conta de diversas contribuições de cientis-

tas sociais, sugerimos que tal relação nunca se rompeu, mas sofreu continuada transformação,

“sem obedecer a uma lógica linear ou ao ditame de leis irresistíveis do desenvolvimento histó-

rico”, conforme defende Burity (2011, p. 30). Não é difícil apontar contribuições que demons-

tram que essas duas áreas, em atrito, modificam-se e influenciam-se de formas diversas.

Ao longo da história europeia, provavelmente desde os concílios católicos de Niceia I

e Constantinopla I, ambos no século IV, foi bastante forte a relação entre religião e política.

Esses são os concílios nos quais a Igreja de Roma estruturou a trindade, a partir da figura do

Pai, do Filho e do Espírito Santo. Para conciliar essas três pessoas com o monoteísmo, essa

coexistência do uno e do trino, Giorgio Agamben (2011:65) sugere que a trindade foi apresen-

tada como um problema de economia, um desafio de gestão e de governo. Começa nesse pon-

to uma relação entre interpretações do divino e do profano por parte da teologia católica, cujas

implicações desaguam em uma parcela bastante significativa da prática política ocidental.10

10 Agamben sugere que a relação entre economia e religião tem reflexos significativos em conceitos importantes da política moderna: a mão invisível de Adam Smith (Agamben, 2011, p. 306), a ideia de “ordem” (Agamben, 2011, p. 303) e o Estado moderno (Agamben, 2011, p. 159).

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Muitos dos conceitos tratados como eminentemente secularizados ou modernos têm

suas raízes, portanto, alcançando discussões claramente religiosas. Em uma das possíveis in-

terpretações, por exemplo, o individualismo teria assumido sua feição moderna e generalizada

a partir da ética protestante, com suas raízes remontando a “ideias delineadas pelo cristianis-

mo de Santo Agostinho” (Domingues, 2002, p. 56). Esses apontamentos realizados têm por

objetivo relativizar a ideia de que é possível uma separação purista de religião e política; têm

como razão sustentar o argumento de que a relação entre política e religião é um fato histórico

e perene, mesmo que em graus e em modalidades em permanente transformação. A relação

desses dois temas é mais do que uma intrigante interface de estudo: é uma realidade vivida

cotidianamente.

No Brasil, um encontro relevante dos dois temas, ocorrido após a laicização do Estado

com a constituição republicana, deu-se de forma paradigmática no período a partir de 1932,

ano em que é fundada a primeira de três importantes organizações (CARNEIRO JUNIOR,

2000). Fundada pelo cardeal Leme, a Liga Eleitoral Católica (LEC) tinha a intenção de mobi-

lizar o eleitor católico e “endossar, dentre os candidatos à Assembleia Constituinte de 1933 e

ao Congresso Nacional de 1934, somente aqueles que apoiassem o programa mínimo da hie-

rarquia (inicialmente impresso em abril de 1931, tendo circulado em forma de panfleto e,

mais tarde, naquele memorável Outubro, submetido formalmente a Vargas pela hierarquia)”

(DELLA CAVA, 1975, p. 16). Até as décadas de 40 e 50 ainda era possível perceber a atua-

ção da LEC, embora ao fim desse período com menos intensidade. A segunda instituição é a

Ação Católica Brasileira (ACB), surgida em 1935, que em dois anos já havia superado todas

as organizações leigas que lhe eram anteriores. Apesar dessa intensa participação católica, o

fundador da LEC recusava a ideia de refundar o Partido Católico Brasileiro, dizendo que não

queria dividir os fiéis. Diz o cardeal Leme: “perderíamos o apoio certo de muitos, perdería-

mos o provável apoio de outros e… o que ganharíamos?” (LEME apud DELLA CAVA,

1975, p. 17 - grifo no original). Della Cava sugere que a diferença entre essas organizações e

os tradicionais partidos é que tais organizações eram vistas como grupos de interesse.

Outra forma de organização que se mostrou fundamental no panorama político brasi-

leiro foi aquela estruturada pelas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). A formação de

CEBs não é um fenômeno brasileiro, mas sua forma de ocorrência no país chamou a atenção

não apenas de pesquisadores nacionais, mas também daqueles de outros países, como Hewitt

(1990). Configura-se como um pequeno grupo formado em torno da paróquia (urbana ou ru-

ral), por iniciativa não apenas de padres ou bispos, mas também de leigos. No Brasil, as CEBs

catalisaram demandas sociais de camadas populares e, conforme Frei Betto (1985), a partir de

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uma opção da Igreja pelos pobres, buscava dar “voz ao sem voz”. Essas comunidades são

obra de seu momento histórico, conectadas a decisões institucionais da Igreja Católica: “a

renovação da Igreja, iniciada com o Concílio Vaticano II e levada a efeito na América Latina

a partir da reunião de Medellín, em 1968, fez com que a hierarquia eclesial se aproximasse

sempre mais das classes populares, das quais o Estado se encontrava cada vez mais distancia-

do” (BETTO, 1985, p. 22). Era, afinal, uma inflexão oficial do foco da Igreja para as classes

mais pobres e de uma intencional politização de suas bases de atuação.

Esses dois últimos parágrafos servem para enfatizar a importante ideia de que o en-

contro desses temas no Brasil não é uma novidade introduzida pela entrada substancial de

evangélicos na política partidária a partir da constituinte. Além disso, é importante também

notarmos que algumas das discussões resumidas acima são também relevantes para o terceiro

capítulo, quando será inevitável questionar - como já se fez na literatura: e por qual motivo

não há um Partido Evangélico? Conhecer, mesmo que brevemente, um fragmento da relação

entre catolicismo e política no país permitirá uma leitura mais completa do fenômeno da inte-

ração evangélicos-política no Brasil, ao qual lançaremos nosso olhar.

2.2 - Estado e Religião

Mas para além do aspecto teórico e simbólico, para além das heranças e das imbrica-

ções entre a política e a religião, há uma configuração objetiva dessas relações, de certa forma

institucional, que se dá entre o Estado e a religião. Por um tempo, no Ocidente, essa frase

poderia ser facilmente lida terminando com o Estado e a Igreja. Apesar de não haver uma

separação completa desses mundos quando se observa a história das ideias e as influências

mútuas, o ideal moderno chegou perto de uma separação total entre as instituições do Estado e

da Igreja. A episteme liberal, sugere Burity, prescreveu três grandes linhas normativas: (i) primeiramente, a de que os assuntos e convicções religiosas (ou a expressão de valores últimos) dizem respeito à esfera privada dos grupos e indivíduos, mantendo aí sua legitimidade ainda quando envolvendo práticas exóticas ou repulsivas a uma mentalidade moderna e letrada. Em seguida, sendo a religião um assunto privado, e em vista de assegurar a liberdade necessária para que decisões e ações de caráter público sejam implementadas visando a justiça ou o bem estar do maior número, duas outras linhas normativas são requeridas: (ii) a neutralidade do estado (tomado como sinônimo do espaço público) diante das dis-putas pela verdade das questões religiosas e das demandas por proteção ou favore-cimento feitos por grupos e instituições religiosas ao estado; e (iii) a separação en-tre igreja e estado, no sentido da autonomia institucional de um domínio em rela-ção ao outro, sob o amparo de algumas garantias constitucionais como liberdade de consciência e culto, e independência das autoridades civis e políticas em relação à autoridade eclesiástica (BURITY, 2001, p. 28 - grifos no original).

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No Brasil, essa separação institucional entre igreja e estado ascendeu ao corpo das leis

com a constituição republicana de 1891, sucessora daquela outorgada por Dom Pedro I em

1824. Enquanto esta evocava a Santíssima Trindade já no preâmbulo e definia o catolicismo

apostólico romano como a religião do Império, aquela sequer mencionava Deus. A constitui-

ção republicana também veda aos Estados e à União o direito de “estabelecer, subvencionar

ou embaraçar o exercício de cultos religiosos” (Art. 11, Inc. 2º); garante o exercício de culto

livre e público (Art. 72, § 3º); reconhece apenas o casamento civil (Art. 72, §4º); seculariza os

cemitérios, torna pública sua administração e livre todos os cultos religiosos e ritos durante as

cerimônias fúnebres (Art. 72, § 5º); torna leigo o ensino ministrado em estabelecimentos pú-

blicos (Art. 72, § 6º); exclui as possibilidades de subvenção oficial ou relações de dependên-

cia/aliança a quaisquer cultos ou igrejas (Art. 72, § 7º); impede que qualquer direito seja ne-

gado a um cidadão brasileiro ou que esse se exima de cumprir um dever cívico por motivo de

crença ou de função religiosa (Art. 72, § 28 e 29).

A constituição seguinte, de 1934 - bem como a atual, de 1988 - cita novamente Deus

em seu preâmbulo, além de afrouxar o processo de laicização institucionalizado 4 décadas

antes. O ensino religioso facultativo retornou em 34 e foi mantido em 88 (Art. 210, §1º); tam-

bém na constituição cidadã o casamento religioso passou a ter o efeito civil (Art. 226, §2º) e

as instituições religiosas obtiveram imunidade tributária quanto aos impostos incidentes sobre

os templos religiosos.11

Entretanto, mencionar Deus no preâmbulo da constituição não é a única relação ainda

existente entre as democracias do mundo contemporâneo e formas de religiosidade. Na Amé-

rica Latina, três países (Costa Rica, Bolívia e Argentina) ainda consideram o catolicismo a

religião oficial do Estado. Outros cultos entretanto, não são impedidos. Na Europa, enquanto

isso, em nenhum dos quatro países nos quais vigora uma religião de Estado a escolha recaiu

no catolicismo. Inglaterra, Grécia, Finlândia e Dinamarca têm todos como religião oficial o

protestantismo (seja na figura do luteranismo, do anglicanismo ou da Igreja cristã ortodoxa).12

A presença de uma religião do Estado, entretanto, não pode ter como inferência imediata que

causas caras à religião oficial serão defendidas com mais afinco pelo executivo, legislativo ou

judiciário. Ano passado, por exemplo, o senado argentino aprovou o casamento gay por 33

votos a 27, se tornando o décimo país do mundo a permitir o casamento entre pessoas do 11 Para consultar as constituições citadas, prosseguir para o endereço http://www4.planalto.gov.br/legislacao/legislacao-historica/constituicoes-anteriores-1#content.

12 Dados podem ser encontrados de forma sistematizada em Oro e Ureta (2007)

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mesmo sexo (G1, 2010). Certamente uma aprovação cujos motivos são bem diversos, mas

que serve para apontar que não há um alinhamento automático nos países com religião oficial,

da mesma forma que não há no Brasil de hoje, mesmo sem religião de Estado, qualquer espe-

rança que um tal projeto fosse aprovado nas duas casas do legislativo. Não haver uma religião

oficial não significa que não há adesão dos representantes às causas defendidas por grupos

religiosos.

Além dessa separação institucional, ligada a textos de leis e a pressupostos jurídicos,

as outras duas linhas normativas identificadas por Burity (2001) também enfrentaram a nunca

simples necessidade de lidar com o mundo real. As convicções religiosas, escaladas pelo es-

tado racional e moderno para uma atuação na vida privada apenas, desprivatizaram-se em um

segundo momento, em um retorno à esfera pública como força social e política. A noção de

público e privado, entretanto, não é em si simples ou consensual. Casanova (1994, p. 42) su-

gere que, pelo menos desde que Hegel propôs uma modernidade tripartite - família/sociedade

civil/estado -, tem sido um grande desafio configurá-la a partir de um modelo binário entre

público e privado, em grande medida derivado da dualidade oikos e polis, da antiguidade gre-

ga.

Não é relevante para o trabalho aprofundar-se no rico debate sobre a secularização ou

sobre seu possível fracasso (WEBER, 2004; TAYLOR, 2007; CANNELL, 2010). O que aqui

importa ressaltar é que a existência de eleitores e deputados evangélicos é um fato objetivo e

inescapável do cenário político brasileiro. Ou seja, o tema da secularização e a relação entre a

religião e a política possuem muitas faces, que demandam de maneira geral posturas normati-

vas e subjetivas. Nossa dúvida, entretanto, quanto à representação política de evangélicos no

Brasil, foge das pretensões da norma e se propõe analítica: pretende olhar para fatos objetivos

da vida política nacional (a existência de candidatos, eleitores, eleitos) e propor interpretações

e caminhos de pesquisa para responder às perguntas que serão esboçadas no terceiro capítulo.

Apesar dessa constatação, o tema da secularização não pode ser desconsiderado, visto que

“como qualquer outra ideia poderosa, ele possui muitos efeitos materiais importantes”

(CANNELL, 2010, p. 84). Entre os significados do secularismo - ou laicismo - é possível

detalhar a existência anterior ao Estado leigo, que era de uma cultura leiga. Cultura cuja de-

cantação se dera entre as correntes de pensamentos filosóficos, morais e científicos e que de-

fendia a emancipação dessas áreas do pensamento em relação à religião. O Estado leigo (ou

laico, ou secular) é aquele que, inspirado nesse fluxo de novas ideias e concepções de mundo,

separou-se institucionalmente da religião.

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A existência de um estado laico não significa, na prática, uma sociedade política abso-

lutamente emancipada de valores ou de demandas religiosas. Visto que, inevitavelmente, o

Estado é gerido por homens e mulheres, com ideologias, visões de mundo, preconceitos, valo-

res, etc., há que se perceber que não há tal coisa como um absoluto “Estado neutro”. Seria

como solicitar que todos os gestores públicos, todos os envolvidos no governo representativo,

conseguissem seccionar suas múltiplas identidades e desnudarem-se de todos os seus perten-

cimentos identitários. Uma demanda ilusória. Essa percepção não impede, entretanto, que

defenda-se a ideia de que o Estado deve buscar a neutralidade, mesmo que esta não exista de

forma absoluta. No Brasil, as confissões religiosas, desvinculadas institucionalmente do Esta-

do, podem exercer influência na esfera pública, da mesma forma que o podem ateus, indíge-

nas, liberais, marxistas, sindicalistas, acadêmicos, etc.

E as influências de quaisquer dos grupos podem dar-se de maneira variada, visto que

não há apenas um locus de atuação política. Para Casanova (1993, p. 218), ao olhar-se o

mundo político no Ocidente, pode-se pensar em três simples divisões: sociedade civil, socie-

dade política e estado. Religiões que atuassem em algum desses níveis, que são públicos,

seriam por consequência religiões presentes na esfera pública. A “religião pública”, para utili-

zar o conceito de Casanova, poderia portanto variar sua atuação de acordo com o nível em

que esta ocorresse. Religiões cuja atuação se desse no nível estatal seriam as igrejas de Estado

(como a católica da Espanha) ou religiões em busca de um Estado (como a polonesa). Aque-

las que atuassem na sociedade civil poderiam fazê-lo discursivamente (defesa de ideias na

imprensa, por exemplo) ou por meio de movimentos como o anti-aborto. Por último estão as

religiões que resolveram participar da sociedade política, forma de atuação que nos interessa

de maneira especial neste trabalho. São exemplos os partidos confessionais, as mobilizações

eleitorais, as participações organizadas no governo representativo e inclusive as já citadas

Ligas Eleitorais Católicas.

A participação na arena política - ou, a depender do cientista social, na esfera ou praça

pública - é organizada institucionalmente pelas leis de cada um dos países (no Brasil, a Cons-

tituição de 1988 trata dos direitos políticos em seu capítulo quarto), nas quais se determina

não apenas quem participa do alistamento eleitoral mas também quem pode ser considerado

elegível. Esse e todos os demais arranjos que regulam a participação geral no espaço público -

e por conseguinte regulam a inserção da religião nesse espaço - não parecem ter sofrido modi-

ficação significativa a partir da entrada organizada da religião na política. Giumbelli (2008, p.

90) sugere que fala-se sempre ou em inadequação (quando se trata de como os evangélicos

não deveriam participar do processo) ou de adequação (quando se defende a participação de-

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les). Não se argumenta, entretanto, com base em percepções de transformação do processo

democrático: Tomemos, por exemplo, a política: às acusações de teocratismo, de intromissão do religioso, os evangélicos retrucam com a obediência às regras do jogo democrático. Quando são reprovados pela prática de uma espécie de estelionato espiritual, repli-cam com a demonstração da liberdade que acompanha as doações dos fiéis. Quando são criticados pela sua intolerância, objetam que estão apenas manifestando a sua opinião. Não se trata apenas de registrar esse diálogo dissonante, mas de constatar que não temos modificações legais em resposta a esses pontos de conflito (GIUM-BELLI, 2008, p. 90 e 91).

A participação de grupos religiosos na esfera pública não é consenso entre os cientis-

tas sociais, e tampouco o é entre os religiosos. Richard John Neuhaus, que fora pastor lutera-

no e posteriormente padre da Igreja de Roma, sugere que a participação da direita religiosa e

fundamentalista nos Estados Unidos enfrenta conflitos teológicos e políticos. Para o autor, o

dilema é simples: [A nova direita religiosa] quer entrar na arena política fazendo assertivas públicas com base em fé privada. A integridade da política requer que se resista à tal propos-ta. Decisões públicas precisam ser feitas a partir de argumentos que são públicos em essência. Um argumento público é transubjetivo. Ele não deriva de fontes de revela-ção ou disposições que são essencialmente privadas com arbitrárias. (…) Certamen-te esse procedimento pode obter grande força em resultados públicos, se aqueles que concordam puderem angariar uma maioria para seu lado e impor esses resultados àqueles que não concordam (NEUHAUS, 1986, p. 36 e 37 - grifo no original*).

Neuhaus, em seguida, defende a busca de uma ética pública, que seja publicamente

discutível e que seja factível com “nosso tempo”. Cada vez que um grupo obtém sucesso na

arena pública a partir da mobilização de uma moral essencialmente privada, a construção des-

sa nova ética pública torna-se mais distante no horizonte (NEUHAUS, 1986, p. 37). Voltando

ao caso brasileiro, a incursão evangélica na política é um fenômeno que, embora conflituoso,

efetivou-se dentro das regras institucionais do jogo democrático. Não está no escopo da dis-

sertação, entretanto, resolver normativamente as muitas contradições ou pacificar os muitos

possíveis argumentos contra e a favor da participação evangélica organizada na política naci-

onal. Tal participação está dada. Sua existência nos possibilita formular perguntas que não

dialogam com o debate normativo, mas que questionam tanto a imagem dos representantes

evangélicos quanto da própria instituição da representação política, por parte de todos os

elementos da estrutura eleitoral criada a cada eleição. Como, portanto, evangélicos veem re-

presentantes evangélicos? Como os representantes evangélicos eleitos com apoio oficial veem

seu papel de representante? As perguntas serão formuladas posteriormente de forma mais

concreta, visto que antes delas outra pergunta precisa ser respondida: quem são, afinal, os

evangélicos?

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2.3 - Quem são os evangélicos

2.3.1 - O esforço classificatório

Há, quando se observa o panorama dos evangélicos no Brasil, uma percepção coletiva

de crescimento e multiplicação. E isso não é de se surpreender, visto que a diversidade interna

e o crescimento numérico foram apontados como faces do fenômeno evangélico no país. Ma-

fra (2001, p. 22) argumenta que esse grupo inaugura “uma dinâmica de multiplicação por

segmentariedade”13, característica cuja tendência é apenas crescer no campo evangélico brasi-

leiro.

O percentual de evangélicos no Brasil apresentou, desde o fim do século XIX, um a-

vanço exponencial: contavam com apenas 1% de presença detectada pelo censo de 1890 e, em

1991, passados 101 anos, alcançaram 9% da população brasileira. Depois, durante a década

de 90, uma década em que o número de católicos caiu quase 10 pontos percentuais e pessoas

sem religião subiram de 4,7% para 7,3% da população, os evangélicos cresceram para 15,5%.

Em números absolutos, o Censo de 2000 capturou o dobro dos fiéis de uma década antes: um

contingente de 26 milhões de pessoas. (IBGE, 2000)14.

Por conta dessa expansão e visibilidade, o movimento pentecostal é considerado por

muitos como o mais significativo fenômeno religioso da contemporânea sociedade brasileira

(GIUMBELLi, 2000, p. 87). Um dos reflexos disso é o número cada vez maior de estudos

sobre os evangélicos, dos quais a maior parte foca-se em um esforço classificatório. Tal preo-

cupação, que inicialmente destinara-se aos evangélicos de missão, foi posteriormente estendi-

da para a classificação de pentecostais, tanto entre si quanto em relação aos demais grupos

protestantes (GIUMBELLI, 2000, p. 90).

É bastante relevante esse debate tipológico, visto que o termo evangélico engloba uma

miríade de possibilidades e sentidos que vão muito além do que a cultura popular tende a con-

ferir-lhe. Ele foi, conforme uma excelente metáfora proposta por Mafra (2001, p. 7), construí-

do historicamente enquanto um guarda-chuva conceitual, que abarca uma diversificada gama

de igrejas constituídas a partir da Reforma Protestante, iniciada no século XVI. Seus fiéis se

13 O processo denominado por Mafra (2002) de “multiplicação por segmentariedade” foi inaugurado por Miguel Vieira, um dos 28 expulsos da Igreja Presbiteriana na década de 1880. Miguel Vieira fundou a Igreja Evangélica Brasileira e iniciou assim tal processo, caracterizado pela multiplicação do alcance do protestantismo por meio da segmentação da oferta denominacional, não apenas por conta da expansão de poucas Igrejas históricas conso-lidadas. Apesar de existirem grandes Igrejas evangélicas, quando se analisa o número de fieis, há também um crescimento significativo entre pequenas e dispersas Igrejas evangélicas das mais variadas denominações.

14 Embora todos os indicadores sugiram que o crescimento não tenha sido interrompido, os resultados do Censo 2010 relativos à religião ainda não foram divulgados.

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destacam “recorrentemente no campo religioso por adotarem uma atitude de ‘evangelizado-

res’, de ‘propagadores e difusores’ de uma leitura da Bíblia centrada no Novo Testamento, daí

uma certa adequação entre o termo e a identificação da religiosidade [=evangélicos]” (MA-

FRA, 2001:8).

Os frutos desses exercícios de classificação remontam a um trabalho do fim da década

de 1960, publicado por Souza (1969), que desenvolve uma tipologia a partir de Weber,

Troeltsch e Niebuhr. Souza sugere então um gradiente seita-igreja para dar conta da diversi-

dade interna dos evangélicos. Essa abordagem, no entanto, tem perdido a força, ao mesmo

tempo em que os estudos mais recentes têm proposto outras soluções para a classificação dos

protestantes.15

2.3.2 - Entre pentecostais e históricos

O protestantismo surgiu a partir do rompimento de uma parte da Igreja Católica em

sua relação com a Santa Sé. Estabelecida a Bíblia como instância máxima, a reforma luterana

deságua nos calvinistas e anglicanos; mais à frente decanta nos presbiterianos, metodistas,

pietistas. Também pode ser vinculada à ela as raízes do movimento pentecostal, surgido no

século XX. Essa multiplicidade de igrejas e de denominações, fundadas sob o nome de evan-

gélicos, explicita um grande desafio conceitual. Como abarcar esse terreno teologicamente

fluido quando comparado àquele de matriz católica? A sugestão de D’Epinay, numa tentativa

de definir certas fronteiras, segue nesses termos: “[protestantismo é] o conjunto de pessoas e

grupos que, além da confissão do Deus trino, se apropriam de um dos grandes princípios da

Reforma: a sola scriptura” (1975, p. 17 apud FRESTON, 1993:36).

Essa centralidade na Bíblia exclui da equação, portanto, aqueles que reivindicam uma

autoridade alternativa, como os mórmons e as Testemunhas de Jeová. Numa das definições do

fenômeno evangélico, que apesar de simples serve ao propósito do trabalho, divide-se esse

numeroso campo em outros dois. De um lado estão as igrejas históricas (por vezes divididas

entre as de imigração e as de missão); de outro, as igrejas pentecostais. Esse processo de sin-

gularização do pentecostalismo do conjunto das igrejas históricas deu-se em 1987, um ano

após uma palestra de Mendonça (1986)16 que tratava dos pentecostais. Essa multiplicidade de

igrejas deve-se, sobretudo, a uma tendência ao cisma que não surgiu com os pentecostais, 15 Para uma história detalhada do processo classificatório no protestantismo brasileiro, consultar Giumbelli (2000)

16 Citado por Giumbelli (2000:92)

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entretanto; ela iniciou-se com os missionários e “alimenta-se agora da enorme expansão de

um público flutuante” (FRESTON, 1993, p. 36). Um fiel que abandona sua igreja e cria uma

outra mantém-se no mundo evangélico. Esse divisionismo tem, no contexto pentecostal, um

componente funcional: “a flexibilidade o torna capaz de continuar alcançando as massas e

criar vertentes apropriadas para os que estão ascendendo socialmente” (FRESTON, 1993, p.

36). Mas a segmentação, apesar de bastante intensa, não é infinita. Mesmo com a centena de

denominações ou de igrejas de âmbito local, um número relativamente reduzido de grupos

reúne uma parte substancialmente grande do público evangélico. Com mais de 90 anos, o pen-

tecostalismo já foi capaz de fomentar alguns grupos bastante estruturados e com força popular

(como a Assembleia de Deus e a Congregação Cristã), da mesma forma que foi capaz de

permitir a entrada de novos atores, como a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).

Um dos pontos de cisão entre os pentecostais e as igrejas históricas reside na “adoção

de uma teologia baseada na ideia de um ‘segundo batismo’ e um estilo mais emocional de

culto” (GIUMBELLI, 2000, p. 92). Outra característica do grupo pentecostal está presente em

seu próprio nome - o que já denota sua importância -, que toma para si o evento ocorrido nos

primórdios da igreja cristã e “se vê como um retorno às origens” (FRESTON, 1996, p. 69).

Em Atos (2; 1-4), o Pentecostes foi relatado como o dia em que o Espírito Santo desceu do

céu, pousou sobre os apóstolos com línguas de fogo e lhes concedeu que falassem outras lín-

guas. “O fenômeno glossolálico não era a novidade do movimento, mas sim a elaboração dou-

trinária que lhe dava uma centralidade teológica e litúrgica”, diz Freston (1996, p. 75). O fe-

nômeno das “línguas estranhas” é substancial também na história do pentecostalismo brasilei-

ro. É a glossolalia que dá o tom na fundação da Assembleia de Deus, igreja evangélica com

maior número de fieis no Brasil: Em 13 de junho, quando um irmão leigo dirigia o culto, outros perceberam que a li-turgia se desenvolvia de forma pouco usual: várias das pessoas presentes estavam orando em ‘línguas estranhas’, o que ‘provocava um vozerio forte e irreverente den-tro do templo, e prejudicava quem orava em silêncio’. Um dos irmãos incomodados convocou uma reunião em seguida, pedindo que os membros da ‘seita’ se manifes-tassem e que fossem ‘cortados da igreja’. O rigor foi grande e a expulsão resoluta, ainda que dos 13 (em outra versão, 18) membros expulsos quatro tivessem posição de autoridade: secretário, tesoureiro, moderador e diácono. Mas nesse caso, ao con-trário de muitas outras cismas batistas, a ruptura se relacionará a uma questão teoló-gica de peso, que inclusive irá transformar o campo evangélico em todo o Brasil e América Latina: a nova igreja que se formava, a Assembleia de Deus, vaticinava que ‘os homens devem deixar lugar para o Espírito Santo se afirmar’ (MAFRA, 2001, p. 30).

O pentecostalismo chegou rápido ao Brasil, o que contribuiu para sua feição autócto-

ne. Entretanto, suas origens remontam à primeira década do século XX, nos Estados Unidos.

Uma de suas características, como já se viu, é a forte tendência a fragmentar-se. Além da difi-

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culdade conceitual que decorre dessa fragmentação (como definir as fronteiras do que não é

protestantismo?), há uma dificuldade secundária que é a de criar as delimitações internas.

Como dividem-se os grupos dentro do pentecostalismo? Quanto e em que distam teológica e

institucionalmente? Há subdivisões dentro do que convencionou-se a chamar de pentecostal?

Essas questões são importantes, pois os pentecostais respondiam, de acordo com o Censo de

2001, por 67% de todos os evangélicos; sua presença na política institucional é numericamen-

te superior à dos históricos; e seu modus operandi corresponde ao que há de realmente novo

na interação entre religião e política partidária no Brasil.

Essa proporção de pentecostais entre os evangélicos, de praticamente de 2:3, é uma

média nacional que mascara uma relação que não é uniforme. Mas embora a média nacional

não corresponda à proporção de pentecostais e históricos em cada um dos estados, a força dos

pentecostais é certamente uma tendência seguida nacionalmente, em uns estados de forma

mais intensa, em outros menos, com exceção de um. O estado do Rio Grande do Sul era o

único, em 2001, com mais históricos do que pentecostais. Já entre os estados com mais suces-

so do convercionismo pentecostal, o Amapá chega a significativos 85% de evangélicos pente-

costais. Outra situação relevante é a profunda diferença entre os extremos: de um lado, Ron-

dônia, com 27% de evangélicos em sua população; de outro, Piauí, com 6%. O fenômeno de

multiplicação evangélico não se deu da mesma forma em todos os estados; como qualquer

processo social, não é homogêneo.

A divisão entre as denominações pesquisadas pelo censo do IBGE é um tópico adicio-

nal. Há uma grande vantagem da Assembleia de Deus (AD) em relação a todas as demais

igrejas. Ela tem mais de 2,5 vezes o percentual de fieis da segunda colocada, a Igreja Batista.

Essa força, aliada a uma organização institucional voltada para eleger representantes, faz com

que a AD seja a maior força eleitoral para os evangélicos desde a última Constituinte (atual-

mente, 22 de 63 deputados federais evangélicos são assembleianos17). Entre as cinco denomi-

nações com o maior número de fieis, apenas a Batista, com seu segundo lugar, pertence ao

grupo dos evangélicos históricos. Terceiro, quarto e quinto lugar comportam, respectivamen-

te, Congregação Cristã do Brasil (CC), Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e Igreja do

Evangelho Quadrangular (IEQ).

2.3.3 - As três ondas pentecostais

17 DIAP, 2010.

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A divisão interna do pentecostalismo que usaremos no trabalho surgiu das contribui-

ções de um padre jesuíta, Jesús Hortal Sánchez (apud GIUMBELLI, 2000, p. 96), bastante

interessado nos debates ecumênicos e nas discussões para classificação do protestantismo. J.

H. Sánchez (1994) propõe a existência de três gerações a dividirem o pentecostalismo brasi-

leiro. A solução é interessante tanto por classificar internamente o pentecostalismo quanto por

fazê-lo levando em conta tanto fatores internos quanto aspectos históricos.

Freston, que substituiu gerações por ondas, sumariza essa definição e suas principais

representantes. O autor inicia pela primeira onda, que começa em 1910, com a chegada da Congregação Cristã (1910) e da Assembleia de Deus (1911). Es-tas duas igrejas têm o campo para si durante 40 anos, pois suas rivais são inexpres-sivas. A Congregação, após grande êxito inicial, permanece mais acanhada, mas a AD se expande geograficamente como a igreja protestante nacional por excelência, firmando presença nos pontos de saída do futuro fluxo migratório (FRESTON, 1993, p. 66).

São as igrejas do pentecostalismo clássico, “derivadas diretamente do pentecostalismo

americano, cuja cisão com o protestantismo ocorreu com base na doutrina do segundo batis-

mo.” Elas conservariam também sua matriz puritana e uma teologia arminiana18 e objetiva-

vam construir verdadeiras comunidades (GIUMBELLI, 2000, p. 96).

A seguir, a segunda onda inicia na década de 1950, com a fragmentação do campo

pentecostal e uma maior dinamicidade na relação com a sociedade proveniente, entre outras

coisas, dos processos de urbanização e do intenso uso dos meios de comunicação de massa.

Três grupos se destacam nesse momento: a Quadrangular (1951), Brasil para Cristo (1955) e

Deus é Amor (1962). Inauguram o “movimento de cura divina, conjugando a ênfase no even-

to com o esforço de formação de igreja” (GIUMBELLI, 2000, p. 96).

Já a terceira onda começa no final dos anos 70 e ganha força nos anos 80. Suas principais representan-tes são a Igreja Universal do Reino de Deus (1977) e a Igreja Internacional da Graça de Deus (1980). Novamente, essas igrejas trazem uma atualização inovadora da in-serção social e do leque de possibilidades teológicas, litúrgicas, éticas e estéticas do pentecostalismo (FRESTON, 1993, p. 66).

São as igrejas cujo movimento é, desde o fim da década de 80, designado “neopente-

costalismo ou pentecostalismo autônomo, que teriam perdido qualquer senso eclesial e adota-

do o modo de atuação de agências de prestação de serviços para uma clientela flutuante”

(GIUMBELLI, 2000, p. 96). Em algumas haveria a ênfase na cura e no exorcismo; em outras

18 A teologia arminiana postula “que parte da transformação sofrida pelo homem na conversão vem de Deus, parte depende do seu livre arbítrio [... abrindo] a possibilidade para a aceitação da conversão como um processo” (MAFRA, 2001, p. 19).

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a ênfase seria na prosperidade material. É uma onda que começa e se consolida no Rio de

Janeiro, cidade em que, em 1977, Edir Macedo fundou a Igreja Universal.

Por não ser um trabalho cujo foco esteja nessa extensa literatura tipológica, adotare-

mos sans phrase a proposta de Paul Freston quanto à classificação das igrejas pentecostais em

suas três ondas de implantação, atualizada a partir das contribuições iniciais de J. H. Sánchez

(1994). Freston (1993) defende também que a simplificação empreendida pela imprensa em

relação à terminologia evangélicos, protestantes, neopentecostais, etc, também chegou à Aca-

demia. Desta forma, e por não haver um trabalho de campo que permita responder às dúvidas

do trabalho em relação à cada denominação, não nos apegaremos sobremaneira a uma tipolo-

gia mais sofisticada: bastará, muitas vezes, a dual definição histórico/pentecostal, bem como

as três ondas nas quais o pentecostalismo é subdividido.

Entre as denominações pentecostais, três delas serão detalhadas abaixo (Assembleia de

Deus, Universal e Congregação Cristã), que além de serem as três maiores, são também as

mais relevantes para compreensão do fenômeno (poderia juntar-se a elas a Quadrangular, a

Brasil para Cristo e a Deus é Amor). Das históricas, a Igreja Batista será o nosso objeto de

análise.

2.3.3.1 - Assembleia de Deus

A Assembleia de Deus, ao contrário da maioria das outras cismas batistas, justificou-

se por bases teológicas. Sua fundação é considerada um divisor de águas no protestantismo

brasileiro, não apenas institucionalmente, mas doutrinariamente. Desde o início, a Assembleia

chamou atenção das elites católica e evangélica. A sobriedade das mulheres, com seus vesti-

dos e cabelos longos, e dos homens e seus ternos, contrastava com as “línguas estranhas” que

causavam o já citado “vozerio forte e irreverente”. Era “um misto de ordem e intensidade

mística incompreensível para muitos” (MAFRA, 2001, p. 30). Outra característica da Assem-

bleia que a destacava do protestantismo histórico era uma abertura maior para a improvisação

e para a irreverência, com menos daquele rigor e formalismo excessivo que ela percebia nas

igrejas tradicionais. Esse é um dos motivos para a multiplicação das igrejinhas19 da Assem-

bleia, que chegaram bem rápido inclusive a cidades do interior do país.

19 As igrejinhas da Assembleia foram assim chamadas por conta da proliferação de pequenos e simples templos fundados por todo o país desde os primeiros anos. Esse processo, como explicou Mafra (2000, p. 30), deve-se em parte ao menor formalismo e ao grande incentivo institucional para fundação de novas igrejas.

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Fundada em 1911 no Pará, por dois missionários suecos (Gunnar Vingren e Daniel

Berg), a Assembleia de Deus desvinculou-se da Missão Sueca quase 20 anos depois. Naciona-

liza-se a obra e a sede transfere-se de Belém para o Rio de Janeiro. Em relação à teologia des-

sa igreja, que viria a se tornar a principal força evangélica no Brasil, algumas das característi-

cas têm um peso significativo. Entre elas, destaca-se a versão assembleiana da via da santifi-

cação, que conjuga imersão no Espírito e leitura da palavra. Isso produziu ao menos três trans-formações importantes na reprodução do universo evangélico. Em primeiro lugar, suas Escolas Dominicais muito facilmente se tornaram verdadeiros centros de alfa-betização de adultos para uma população de balconistas, trabalhadores rurais, ferrei-ros (…). O não elogio da cultura culta, a ênfase na capacitação pura e simples da es-crita e leitura, alargou a porta de entrada na igreja da reduzida camada média baixa para as camadas populares. Em segundo lugar, uma concepção mais solta da agência do Espírito Santo permitiu a maximização da tendência batista de fazer cada mem-bro da igreja um missionário. (…) [Nesse sentido,] todo novo converso pode se sen-tir chamado par a abertura de uma nova Assembleia de Deus. (…) No ethos assem-bleiano, ‘organizar demais a obra missionária é uma heresia’ (MAFRA, 2001, p. 31 e 32).

Como terceiro ponto, Mafra (2001, p. 32) sugere uma nova forma de relação entre li-

derança e membros das igrejas. Há disciplina na vestimenta, na proibição de dança, fumo,

bebida e as vezes do futebol, mas não nos aspectos teológicos. Para os Assembleianos, a ins-

piração divina é constante. Essa relação de menos disciplina teológica não concorre, entretan-

to, para a diminuição da importância do pastor no gerenciamento da vida comunitária. Sua

autoridade é mais forte do que na mais impessoal estrutura da Igreja Batista, por exemplo; seu

cargo, geralmente vitalício. São considerados os monitores, os elementos que equilibram a

comunidade em uma busca coletiva e individual da santificação.

A Assembleia enfrenta muitos desafios, alguns deles provenientes de seu crescimento

e de sua diversificação. Há, desde os anos 80, uma maior preocupação com a produção de

uma historiografia institucional; aumentou-se, em 1979, a burocracia institucional, com a re-

estruturação da Convenção Geral (esse evento colaborou para o sucesso eleitoral assembleia-

no para a Constituinte); percebe-se, também, uma “tensão entre o desejo de aderir explicita-

mente a valores burgueses e a tradição assembleiana de um certo populismo religioso que

gloria-se na escolha dos humildes” (FRESTON, 1993, p. 75). A relação entre essa gigante

pentecostal e a política deixa muitas questões em aberto. Retomaremos a elas mais tarde.

2.3.3.2 - Congregação Cristã do Brasil

A Congregação Cristã (CC) foi fundada um ano antes da Assembleia de Deus, o que

confere a ela o título de igreja pentecostal mais antiga do Brasil. Criada por Louis Francescon,

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em São Paulo, a força do Espírito não foi interpretada como um convite à informalidade e ao

improviso, como na AD. “Ao contrário”, diz Mafra, “nesse caso o anúncio do Espírito só fez

sobressair a força da convenção e da reposição da autoridade dos mais velhos, numa atualiza-

ção para a nova religião de um traço cultural presente na comunidade de migrantes italianos

que congrega” (2001, p. 34). A junção dessas duas características (um certo conservadorismo

e um reforço da autoridade dos anciãos) tornou-se de extrema importância para a teologia

professada pela CC e marca distintiva em relação a todas as outras principais denominações

evangélicas, inclusive a Assembleia, também da primeira onda pentecostal.

Diferente da Iurd, a Congregação é uma igreja esmagadoramente interiorana e majori-

tariamente paulista20. Também se distancia da Iurd - e de outras, como a Igreja do Evangelho

quadrangular, por exemplo - no quesito “métodos modernos de divulgação”. A CC não utiliza

“rádio ou televisão, pregações em lugares públicos, ou literatura. O proselitismo é feito exclu-

sivamente dentro dos templos e nos contatos pessoais. (…) A convicção de que Deus vai tra-

zer para o seu convívio as pessoas que ele deseja salvar tem um efeito importante sobre a re-

lação da CC com a modernidade” (FRESTON, 1996, p. 103). Certamente, também, com a

política.

Nesse ponto, a CC é a mais apolítica entre as denominações evangélicas brasileiras de

relevo. Não são admitidos partidos, candidatos não são convidados a saudar a igreja, relacio-

namentos de quaisquer ordens são evitados com o mundo da política. “O ocupante de cargos

na igreja é proibido de aceitar posições políticas, e o simples membro é aconselhado a não

fazê-lo” (FRESTON, 1996, p. 107). Não são recomendados candidatos, mas recomenda-se

que não se vote em partidos que tenham em sua base uma rejeição da existência de Deus (ou

uma defesa do umbandismo). A cultura da predestinação, muito forte dentro da CC, impede

também que se dê relevância ao fenômeno eleitoral, visto que o futuro ocupante do cargo

eletivo já estaria predestinado por Deus (FRESTON, 1996, p. 108). Amiga íntima da tese da

predestinação, outra crença forte dentro da CC é na existência cotidiana da revelação pessoal

de Deus. Seja para decidir casamentos, negócios, viagens, tudo é confirmado pelo fiel no con-

tato com Deus. Por isso, a Bíblia possui um papel pequeno, “sendo mais um livro de oráculos

do que uma revelação a ser meditada sistematicamente” (FRESTON, 1996, p. 104).

Outro fator que favorece esse afastamento da política é o afastamento do mundo. Há

um forte sectarismo dentro da CC, que separa, em seus cultos, homens e mulheres, que che-

20 Dados em Freston (1996, p. 102 e 103).

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gam a usar véus. Ao mesmo tempo em que não praticam o legalismo de igrejas como a As-

sembleia, e não regulam vestimentas, dízimo, ou sobre guardar o sábado, punem pecados con-

siderados graves e cometidos após a conversão com a permanente exclusão diversas ativida-

des da igreja. A Congregação Cristã, como se vê, é um excelente exemplo de como as deno-

minações incluídas na alcunha evangélicas são diversas em suas teologias e cosmologias, bem

como em sua relação com o mundo moderno. Ao mesmo tempo em que não se pode estudar

os candidatos oficiais da CC, visto que eles não existem, é viável e intelectualmente intrigante

imaginar como os fieis da Congregação interagem com representantes e decidem seus votos,

visto que ao mesmo tempo em que contra-indica qualquer participação na política, a CC suge-

re que todos os seus fieis cumpram a lei e votem. Apesar de sua apoliticidade - ou, em verda-

de, por conta disso - a Congregação Cristã enseja interessantes questionamentos na relação de

seus fieis com as estruturas do governo representativo.

2.3.3.3 - Igreja Universal do Reino de Deus

Em 1977, após se desvincular da Igreja de Nova Vida, Edir Macedo alugou um galpão

na Avenida Suburbana21, zona norte da cidade do Rio de Janeiro. Esse foi o primeiro templo

daquela que, alguns anos depois, se tornaria a Igreja Universal do Reino de Deus, o exemplo

mais paradigmático da terceira onda pentecostal. A Universal se apresenta desde a fundação

como uma Igreja especialmente preparada para receber um público urbano (muitos recém-

chegados do campo), para mobilizar os modernos meios de comunicação de massa, para lidar

com a estagnação econômica dos anos 80 e com o crescimento da umbanda (FRESTON,

1993, p. 95). Macedo, bem como os fundadores de duas outras igrejas da terceira onda (a In-

ternacional da Graça de Deus e a Cristo Vive), fora membro da Nova Vida, igreja considerada

“pioneira de um carismatismo de classe média” (FRESTON, 1993, p. 96).

Mas a transformação da IURD num ícone do que viria a se chamar neopentecostalis-

mo não foi súbita. No início, “a questão do sofrimento e da cura pela fé se destacava. O estilo

agonístico, de luta, que a religiosidade ganhou, que garante uma capacidade de interlocução

inusitada para uma religião, foi se consolidando aos poucos” (MAFRA, 2001, p. 38). Ao uti-

lizar-se dos meios de comunicação - a princípio um programa de rádio -, Macedo apresentava

21 Essa avenida, que liga bairros populares na cidade do Rio de Janeiro, teve seu nome, posteriormente, modifi-cado para Av. Dom Hélder Câmara, em homenagem ao líder católico de mesmo nome. Nas comunicações ofici-ais, entretanto, a Universal continua a chamá-la de Avenida Suburbana.

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aos ouvintes uma alternativa religiosa focada em resultados, ao mesmo tempo em que demo-

nizava religiosidades afro e considerava idólatras os católicos. Ele transferia, assim, “em um

só movimento, o público de uma religiosidade tradicional, acostumado à dinâmica das pro-

messas para o santo (seja aqui o orixá ou o santo católico), para uma religiosidade que conti-

nuava essa lógica adicionando-lhe maior maior intensidade e agonismo” (MAFRA, 2001, p.

38).

Nos anos que circundaram as eleições para a Constituinte, a Universal, que crescera

praticamente sem atrair atenção da mídia convencional, explodiu em referências no noticiário

laico. Esse período parece coincidir com um projeto de maior inserção em arenas sociais di-

versificadas, o que pode justificar a maior atenção da mídia secular: uma das inflexões foi a

compra da Rede Record; outra, a eleição de três deputados federais para a Constituinte. No

Rio, “o voto Universal foi dividido por computador para garantir uma distribuição capaz de

eleger dois deputados federais. Um deles residia em São Paulo e quase não precisou ir ao Rio,

tal a eficiência dos pastores como cabos eleitorais” (FRESTON, 1993, p. 97). Essa disciplina

eleitoral talvez fosse, à época, a mais significativa entre as igrejas evangélicas.

Em contraste com a Asembleia de Deus, o pastor iurdiano se constrói alheio à uma ló-

gica localista e autônoma. Não apenas eles, mas também os “obreiros” e as “obreiras” são

“selecionados segundo seu carisma e seu dom de oratória, num reconhecimento da graça dada

ao indivíduo, mas que só ganhará valor se aceita pela lógica institucional” (MAFRA, 2001, p.

44). Além de frequentes treinamentos, a estrutura institucional fornece uma possibilidade

crescimento na carreira missionária, com alguns pastores presidentes chegando a assumir um

estilo de vida burguês, muitas vezes de classe média alta, como aponta Mafra (2001, p. 44).

Longe de estar descolado da cosmologia iurdiana, tanto o treinamento quanto a existência de

um plano de carreira estão em consonância com uma das principais teses abraçadas pela Uni-

versal, a teologia da prosperidade.

Inspirada na health and wealth gospel, de origem americana, a Teologia da Prosperi-

dade (TP) se baseia na concepção de que a prosperidade não é apenas possível, mas natural,

desde que se obedeça a alguns pressupostos. De um lado, o fiel deve assumir uma atitude de

“confissão positiva”, pois a pobreza é consequência da falta de fé ou da ignorância (FRES-

TON, 1996, p. 147). De outro há a necessidade de que o fiel se torne sócio de Deus. A relação

entre o fiel da Universal e seu deus, conforme aponta Lima, “é contratual e se mantém nos

termos da obrigação recíproca: para receber a graça divina de modo a ser capaz de modificar

seu destino no mundo, ele deve ‘viver de acordo com a fé’, entregar regularmente o dízimo,

fazer suas ofertas, e ‘tomar uma atitude’” (LIMA, 2010, p. 352). Todos esses elementos soli-

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citados ao fiel que busca a “plenitude” são encarados como a contrapartida que dão à bondade

divina.

A Universal é, de longe, o alvo preferencial da imprensa laica e dos cientistas sociais.

Tanto um quanto outro, muitas vezes, despreocupados até de revestir suas opiniões de certa

dose de sofisticação ou de zelo analítico. A Iurd, ao mesmo tempo em que atrai furiosos ini-

migos, conquista milhões de fieis. Essa dualidade, que abarca críticos ferozes e fieis engaja-

dos, aliada às diversas novidades teológicas disseminadas no Brasil de forma intensa pela

Universal, a tornam um excelente manancial analítico, que os cientistas sociais deveriam pas-

sar a observar com menos preconceito e com mais curiosidade intelectual. As relações entre a

Iurd, a mais midiática das Igrejas, e a política partidária, talvez seja aquela que contribuirá

com mais informações e que apontará as transformações mais intensas.

2.3.3.4 - Batistas

A doutrina do segundo batismo não é exclusiva aos batistas, mas certamente o deslo-

camento dos fieis até os rios em busca do batismo por submersão marcou bastante, a ponto de

dar o nome à igreja com maior número de fieis entre as históricas (MAFRA, 2001, p. 18). Sua

ascensão numérica deu-se sobretudo nos primeiros 40 anos após sua fundação (1882), período

após o qual começou a perder um pouco de espaço para as pentecostais. Esse crescimento é

explicado por uma uma postura ativa dos batistas, desde o início, em relação à evangelização,

numa busca proselitista que apesar de a distanciar da futura Congregação Cristã, a aproxima

de grande parte das igrejas evangélicas. Cada novo membro, para os batistas, é um novo e-

vangelista.

Esse relaxamento em relação à exigência de uma formação específica do missionário

levou a Igreja Batista a perder prestígio frente às demais igrejas históricas, e fez com que seus

evangelistas fossem apelidados de “sapateiros inspirados” (MAFRA, 2001, p. 28). Outro pon-

to se refere à organização da estrutura eclesiástica batista, que é congregacional, o que dificul-

ta a unificação e a posterior tomada de posições políticas. A novidade batista, no entanto, não

é apenas interna. A separação do fiel e do não fiel, do crente e dos “de fora”, tornou-se mais

fluida, com menor foco na hierarquia e na diferenciação entre aqueles em posição de autori-

dade e os demais. Somando a essa volatilidade, os batistas contam “com muito poucos meca-

nismos burocráticos rotineiros para aparar arestas e reverter processos de divisão em nome da

unidade da instituição, como tende a acontecer nas denominações históricas de missão” (MA-

FRA, 2001, p. 29). Vale lembrar que é após uma expulsão de um grupo batista que se fundou

a maior igreja pentecostal brasileira, a Assembleia de Deus.

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Na atualidade, a Igreja Batista reúne majoritariamente as classes média e média baixa,

“reproduzindo um ethos bastante consistente de ‘diferenciação do mundo’, no intuito de trans-

formar ‘o mundo pelo exemplo’” (MAFRA, 2001, p. 63). Uma das formas como esse ethos

batista se desenvolve é extremamente relevante para as relações entre representação política e

eleitores evangélicos, com suas implicações chegando ao papel do voto, à cultura cívica e ao

papel da educação: A estrutura institucional dos batistas é bastante complexa e participativa. Já nos primeiros anos, na faixa dos 7 aos 10 anos, tanto meninos quanto meninas são incen-tivados a organizar reuniões, discutir propostas, solucionar impasses através do voto, participar de encontros municipais, estaduais, nacionais. (…) Além desta soci-alização democrática, a autonomia local e um funcionamento por assembleia chamam todo membro batista para uma formação cívica intensa em que o sentido da representação é valorizado. (…) [Na 1a Igreja Batista de Niterói], um deputado federal, um desembargador e um pedreiro morador de uma favela próxima, todos membros [da] igreja, sentam-se para decidir os rumos da igreja em pé de igualdade na assembleia a cada final de mês, pois ali aprendem que ‘um voto é igual ao ou-tro’ (MAFRA, 2001, p. 64 - grifos nossos).

Colocar em perspectiva a Igreja Batista, a Universal, a Assembleia e a Congregação

Cristã é uma forma de demonstrar a diversidade do campo evangélico no Brasil. Além disso,

há evidências subjetivas de que esses grupos, mesmo se apelidados de bancada evangélica

por vozes internas e externas, podem mobilizar a política de formas bem diferenciadas. São

grupos que enxergam seu papel no mundo - e o próprio mundo. Por que a política e a repre-

sentação política estariam de fora?

Conclusão

O Capítulo 2 tratou da religião e da política, argumentando já de início que essa não é

uma relação estabelecida recentemente. Esses temas se encontraram de forma substancial ao

longo da história ocidental, principalmente europeia. A partir desse ponto, inclusive conceitos

como o individualismo moderno têm parte de seu significado construído a partir de diálogos

com a religião e com conceitos de origem religiosa.

Mas não foi apenas na Europa. Também no Brasil houve significativo encontro entre

religião e política eleitoral, exemplificado no capítulo através da Liga Eleitoral Católica, da

Ação Católica Brasileira e das Comunidades Eclesiais de Base. A entrada organizada e insti-

tucional dos evangélicos na política, ocorrida no entorno da última constituinte, não foi, por-

tanto, o início da interface entre esses temas na história brasileira.

Sustenta-se, também, que nosso questionamento não é quanto à norma, visto que não

interessa à pesquisa um dever ser. A pergunta da dissertação surge de um dado exterior e ob-

jetivo, que é a presença de candidatos oficiais evangélicos e de eleitores evangélicos que neles

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votam de forma preferencial. A dúvida é como se estabelece essa relação e não se ela deveria

ser estabelecida.

Para tanto, percorremos o protestantismo brasileiro, ressaltando o importante debate

tipológico que perpassa o tema - realizado internamente, por fiéis, e externamente, por estudi-

osos. A relevância dessa discussão se deve, principalmente, à extensa e diversa matriz protes-

tante, que, ao mesmo tempo que guarda semelhanças, possui muitas diferenças internas. Ado-

ta-se a divisão Históricos e Pentecostais, com o segundo grande-grupo subdivido em três on-

das de implantação. Fez-se, ainda, uma síntese histórica e teológica das quatro denominações

protestantes com maior número de fieis de acordo com o último Censo do IBGE (2000).

EVANGÉLICOS E A REPRESENTAÇÃO DESCRITIVA

Introdução

O principal objetivo do Capítulo 3 é interrelacionar os tópicos tratados nos dois capítu-

los anteriores. Se no primeiro debateu-se temas caros à política, entre eles a importância do

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partido político, o ambiente eleitoral e a representação política, no segundo capítulo nos dedi-

camos a conhecer melhor quem são os evangélicos, fundamental, certamente, para compreen-

der a representação política descritiva e os evangélicos brasileiros.

A primeira parte do capítulo discute a demanda evangélica na política, o que leva a

duas questões e suas respostas: quais evangélicos? Qual demanda política? Em seguida, pro-

cura-se demonstrar a modificação ocorrida pós-1987, quando algumas igrejas pentecostais

passaram a se articular institucionalmente para eleger candidatos oficialmente lançados. Tal

prática era inédita na relação entre evangélicos e política eleitoral no Brasil.

A inexistência de um partido político evangélico também é discutida e contextualizada

no panorama político brasileiro. Após, é tratada a atuação dos políticos evangélicos na demo-

cracia brasileira contemporânea. Na mesma parte serão trabalhados alguns aspectos da repre-

sentação política de candidatos, fieis e clero da Assembleia de Deus, da Congregação Cristã,

da Igreja Universal do Reino de Deus e da Igreja Batista - as três primeiras pentecostais e a

última histórica.

3.1 - A DEMANDA EVANGÉLICA NA POLÍTICA

O crescimento do percentual de evangélicos não ocorreu apenas na população brasilei-

ra. A bancada suprapartidária evangélica no Congresso, conforme denominação do Departa-

mento Intersindical de Assessoria Parlamentar22 (DIAP, 2010), saiu dos 43 eleitos, na 53a

legislatura (2007-2011), para alcançar, na atual (2011-2015), relevantes 66 postos (63 na Câ-

mara e 3 no Senado). Um crescimento de mais de 50%. Essa significativa participação de

evangélicos em cargos eletivos não para por aí. O estado do Rio, por exemplo, teve três go-

vernadores evangélicos entre os quatro últimos – Garotinho, Benedita da Silva e Rosinha;

elegeu em 2003 ao Senado e reelegeu em 2010 com mais de 3 milhões de votos, o bispo da

Iurd e cantor gospel Marcelo Crivella; também em 2010, elegeu Garotinho o deputado federal

mais votado no estado e o segundo mais votado no país, com quase 700 mil votos.

Quando se fala, no entanto, em “demanda evangélica na política”, cabem duas pergun-

tas: de um lado, quais evangélicos? De outro, qual demanda política? Uma simples conferên-

cia a respeito de quais igrejas possuem representação no Congresso é suficiente para demons-

trar a diversidade de denominações com representantes. Há entre elas congressistas de igrejas

históricas e pentecostais (e dentro dessas, das três gerações classificadas no capítulo anterior). 22 O DIAP, em sua Radiografia 2011, divide o Congresso brasileiro em 9 bancadas suprapartidárias: Feminina, Evangélica, Parentes, Empresarial, Sindical, Ruralista, Saúde, Educação e Comunicação.

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Entre os representantes evangélicos encontramos membros das Igrejas Maranata, Batista,

Presbiteriana, Universal, Sara Nossa Terra, Assembleia de Deus, Cristã Evangélica, Interna-

cional da Graça de Deus, Renascer, do Evangelho Quadrangular, Mundial do Poder de Deus e

Luterana. A partir dessa lista é possível perceber a presença das principais denominações e-

vangélicas presentes no país; não apenas das igrejas históricas, mas também daquelas perten-

centes às “três ondas” de implantação do pentecostalismo.

A pergunta que resta é “qual demanda política”. A dissertação olha para um tipo espe-

cífico, que é a demanda por espaços na política partidária; não nos interessam as outras for-

mas de participação política das igrejas ou dos fieis. Há, como foco, essa forma muito especí-

fica de participação, que embora presente desde a metade do século passado, irrompeu em

1987. Em 41 anos (1946-87), Freston (1993, p. 171) identifica 94 mandatos exercidos por

igrejas históricas e apenas cinco por pentecostais. A irrupção pós-1987 dá-se não apenas no

total de evangélicos eleitos, mas também no peso da presença pentecostal. De pouco mais de

5% entre 46 e 87, a parcela pentecostal sobe para 60% a partir do período constituinte. Uma

das características mais importantes dessa presença evangélica na política institucional é que

ela não se dá de forma desordenada. “Quase metade dos parlamentares protestantes pós-1987

são candidatos oficiais de igrejas pentecostais, uma modalidade praticamente inédita”

(FRESTON, 1993, p. 180).23

“O cristão não foi feito para estar em cima do muro”, disse Silas Malafaia em um ví-

deo divulgado ainda no primeiro turno das eleições de 2010. O pastor opinava sobre a tam-

bém evangélica Marina Silva, candidata pelo PV à Presidência da República, que em diversas

ocasiões havia defendido uma postura plebiscitária em relação ao aborto: Como é que uma pessoa que postula ser presidente da república e que diz que é cris-tã membro da Assembleia de Deus, vem dizer: ‘eu não quero satanizar os que são a favor e eu não quero satanizar os que são contra o aborto, eu vou fazer um plebiscito para o povo decidir’. Gente, um cristão só tem uma posição: eu sou contra e tá aca-bado (MALAFAIA, 2010).

Esse episódio do pastor Silas Malafaia, uma das lideranças mais midiáticas e influen-

tes da Assembleia de Deus no país, foi apenas um entre os muitos em que pastores evangéli-

cos pronunciaram-se publicamente a respeito das eleições presidenciais de 2010 no Brasil.

Tanto a ocorrência pública de tal demanda, quanto sua vigorosa visibilidade, são importantes

23 Freston (1993, p. 181) sugere três razões conexas para essa irrupção, que visa: primeiro, fortalecer lideranças internas; após, proteger fronteiras da reprodução sectária; e, um terceiro e duplo motivo, captar recursos para a expansão religiosa e disputar espaço na religião civil.

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características da relação entre os líderes evangélicos das principais denominações e a política

partidária nas eleições brasileiras.

A opinião do pastor Malafaia (2010), transcrita do vídeo, é sintomática dessa forma de

participação evangélica na política. Quando exige da então candidata Marina Silva uma pos-

tura específica, condicionada ao fato de ser “cristã membro da Assembleia de Deus”, Mala-

faia exemplificava uma expectativa quanto aos candidatos evangélicos, no que concerne a

comportamento, opiniões, concepções quanto a temas clássicos: o evangélico eleito deveria

defender os interesses específicos daquela comunidade – e, por consequência, cada comuni-

dade deveria eleger os seus representantes para poderem participar do processo decisório de

um país, ter acesso à proposição de políticas públicas, ter voz no debate público, etc.

Essa demanda não é, certamente, a única, assim como não são iguais as denominações

evangélicas. Entretanto, essa demanda específica, exemplificada na postura adotada por Silas

Malafaia, não é incomum entre os evangélicos - e é certamente uma característica na nova

onda de participação pós-1987, caracterizada pela entrada das principais denominações pente-

costais. A partir dessa data, deputados evangélicos passaram a ser eleitos majoritariamente

por Igrejas pentecostais, o que fez com que os candidatos preferenciais da cúpula pentecostal

ganhassem relevância. Tal candidato preferencial é normalmente descrito como possuidor de

certas características: de um lado, é o evangelista itinerante com destaque religioso, o filho ou

genro de pastores-presidentes; de outro o cantor ou apresentador da mídia evangélica ou o

empresário pentecostal que faz acordos com a cúpula eclesiástica (FRESTON, 1993, p. 180).

Entre todos, as mesmas características: evangélicos, candidatos oficiais, indicados publica-

mente. A representação inaugurada pela entrada pentecostal na política eleitoral brasileira é,

afinal, uma representação política de “iguais”.

Outra narrativa acerca da participação evangélica na política, realizada por Leonildo

Silveira Campos (2005), divide cronologicamente o processo de forma similar àquela formu-

lada por Freston (1993): posiciona-se o período das eleições, ocorrido em 1986 e com posse

em 1987, marcada pela presença da Constituinte, como um simbólico divisor de águas na prá-

tica política dos evangélicos brasileiros. Desde as primeira eleições de evangélicos, pouco

organizadas e institucionalizadas, passando por uma crescente presença de históricos, chegan-

do a um momento em que pentecostais começam a se organizar de forma mais significativa:

eis, resumidamente, o primeiro momento. Da Constituinte, com demandas mais organizadas e

presença mais forte de evangélicos eleitos, passando pelo sucesso de uma nova forma de obter

sucesso eleitoral por parte das igrejas e alcançando um estágio em que diversas denominações

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apresentam candidatos oficiais e trabalham para sua eleição: em síntese, este é o segundo pe-

ríodo.

Freston dedicou-se de forma especial à participação evangélica na política partidária

brasileira após 1987, embora tenha reconstruído uma parte relevante da participação anterior a

esse evento. Essa era, afinal, a única forma de estabelecer as comparações entre os dois perío-

dos e qualificar o segundo como amplamente distinto das décadas que lhe antecedem. Uma

das formas de entender essa modificação talvez seja compreender que o protestantismo tam-

bém se modificou no Brasil desde sua fundação, na década de 1860. Nesta época, o protestan-

tismo brasileiro era portador de um comportamento um tanto quanto ambíguo em relação ao

mundo da política. Campos sugere que isso se deve ao fato de que “a pregação da nova men-

sagem se fez à custa de se criar um comportamento ascético orientado para um misticismo

diferenciado do que até então existia em função da hegemonia cultural do catolicismo, que

imperava desde o século XVI” (2005, p. 29). O mesmo autor traz ao debate os conceitos de

Louis Dumont (1983, p. 33) do individu-hors-du-monde e do individu-dans-le-monde, e de-

fende que o protestantismo brasileiro gerou, na segunda metade do século XIX, indivíduos-

fora-do-mundo, para, apenas décadas depois, “dar origem ao que o Calvinismo fez surgir na

Europa e nas colônias inglesas da América do Norte, o indivíduo-no-mundo” (Campos,

2005:31). Esse rompimento inicialmente mais intenso teve reflexos na forma como os primei-

ros evangélicos se envolveram na política. Durante o período que antecedia e acompanhava a

Constituinte de 1934, por exemplo, os exemplos de organização e debate no meio evangélico

se dava, sobretudo, para diminuir as chances de um retorno do catolicismo ao papel de reli-

gião oficial do Estado brasileiro.

Quando investigamos o histórico do protestantismo brasileiro, a ideia de um deputado

evangélico é crescentemente polêmica a medida que se caminha, retrospectivamente, para o

fim do século XIX. Entretanto, é possível, desde muito cedo, encontrar referência ao desejo

de uma representação evangélica no Congresso Nacional. João do Rio (2011), no curioso “As

religiões no Rio”, uma compilação de textos publicados em 1904 em um jornal carioca, relata

o momento em que Manuel Gonçalves dos Santos reflete sobre a relação do “evangelismo

cristão” com a política: “A única religião compatível com a nossa República é exatamente o

evangelismo cristão. Submete-se às leis, prega o casamento civil, obedece ao código e é, pela

sua pureza, um esteio moral. […] Os evangelistas serão muito brevemente uma força nacio-

nal, com chefes intelectuais, dispondo de uma grande massa.” Manuel Gonçalves, um dos

primeiros ministros evangélicos do Brasil, completou dizendo: “Havemos de ter muito breve

na representação nacional um deputado evangelista.”.

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Como se vê, certa demanda - bastante localizada e longe de consensual - para partici-

pação evangélica na política partidária não é nova. Entretanto, é bastante distinta a forma co-

mo essa demanda se processa hoje e também são diferentes muitos dos elementos envolvidos

nessa participação eleitoral. Campos (2005) propõe dois tipos ideais a partir do comportamen-

to majoritário dos políticos de filiação evangélica durante esses dois períodos históricos pro-

postos na literatura: de um lado estão os políticos evangélicos; de outro, os políticos de Cris-

to. Os primeiros foram mais comuns durante o período inicial de implantação e consolidação

do protestantismo no Brasil, e, embora utilizassem da denominação evangélica em períodos

eleitorais, possuíam, de maneira geral, um vínculo menos intenso com a instituição. A maioria

era eleita a partir da transformação de capital econômico em político, visto que “não havia

ainda, no final dos primeiros 40 anos de Protestantismo no Brasil, estratégias corporativistas,

que, fundamentadas em condições objetivas, pudessem levar os evangélicos a transformarem

o capital religioso em capital político” (Campos, 2005, p. 37). Já os políticos de Cristo seriam

majoritários no segundo período histórico e pertencentes, de forma mais intensa, a denomina-

ções pentecostais. Sua “performance, atuação e discurso de legitimação passaram a se valer

de uma ‘escolha divina’ intermediada pela Igreja” (Campos, 2005, p. 36). O político de Cristo

é justamente aquele descrito por Silas Malafaia no vídeo: é um representante escolhido pela

denominação, que trabalha para sua eleição e em troca o utiliza como seu instrumento e seu

defensor na arena política.

Ao apontar uma possível agenda de pesquisas sobre o assunto e tecer relações basea-

das na literatura, compreende-se ser fundamental fazê-lo de forma menos genérica. Já que

nossa intenção é investigar se o pertencimento religioso evangélico pode ser considerado uma

variável explicativa de formas alternativas de entendimentos da representação política, a i-

mensa diversidade interna dos evangélicos contra-indica qualquer pretensão de concluir a

partir de generalizações. Grandes nomes muitas vezes escondem abismais diferenças internas.

Sob o guarda-chuva evangélicos, ou sob o grande grupo dos pentecostais e dos históricos, há

denominações com talvez tanto a separá-las quanto há a aproximá-las. Generalização que

consideramos inevitável, e certa generalização faz parte da própria ciência, é aquela que fa-

remos ao tratar as quatro denominações como grupos, internamente, relativamente homogê-

neos. Antes, no entanto, uma pergunta que frequentemente se faz, merece atenção: qual o mo-

tivo da inexistência de um partido evangélico no cenário político brasileiro?

3.2 - DEPUTADOS EVANGÉLICOS E PARTIDOS POLÍTICOS

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Em 2008, entretanto, o PNE teve seu pedido de registro indeferido pelo Tribunal Su-

perior Eleitoral (TSE) e o Brasil continuou sem um partido nominalmente evangélico. A justi-

ficativa do Pastor João Rocha para a fundação do Partido Nacional Evangélico (PNE)24 era

modificar “esse modelo demoníaco de política” (Paraná Online, 2011) - embora não tenha

dito exatamente a que se referia. O partido não tornou-se realidade, mas apesar disso, candi-

datos evangélicos têm alcançado excelentes resultados nas eleições brasileiras, e não há qual-

quer indício de que haveriam migrado para o PNE caso ele fosse hoje uma realidade. O mais

provável é que houvessem permanecido onde estavam, visto que a inexistência de um partido

evangélico parece decorrer mais de uma escolha das lideranças políticas por uma estratégia de

participação política do que de qualquer outro motivo.

Atualmente há evangélicos eleitos por mais de uma dezena de partidos brasileiros, se-

jam grandes, médios ou pequenos. Mesmo assim, é possível notar uma clara concentração de

deputados federais evangélicos no Partido Republicano Brasileiro (PRB), no Partido da Re-

pública (PR) e no Partido Social Cristão (PSC). A utilização dos partidos, no entanto, parece

secundária também para o candidato evangélico, e se repete o fenômeno da personalização

das campanhas descrito no Capítulo 1. Como para grande parte dos candidatos evangélicos a

religião é a principal variável mobilizada, é uma conclusão possível que o partido transfira

um pouco de sua remanescente relevância no processo para as denominações às quais se fili-

am os candidatos. Não estudaremos aqui a lógica partidária que subjaz a relação de deputados

evangélicos e suas legendas, mas ao dizermos que os partidos são secundários nas eleições de

candidatos evangélicos não sugerimos que são de todo irrelevantes. Essa relação deve ser es-

tudada mais profundamente. Mesmo com importância reduzida, por exemplo, filiados a esses

partidos não se escusam de imprimir certa dose de suas convicções pessoais ao ideário das

legendas. Um dos casos é o PSC, que, de um lado, propõe uma filosofia em que o “cristia-

nismo é professado sem neuroses e preconceitos […e o] Estado existe para servir o indiví-

duo, e não para oprimí-lo” (PSC, 2011, Palavra do…); de outro lado, repudia em nota pública

a decisão do STF acerca da união civil de pessoas do mesmo sexo, e diz ser uma “posição

contrária aos anseios da maioria”, uma “aberração” “que ofende os princípios constitucionais”

e “os valores da sociedade brasileira” (PSC, 2011, Nota oficial…).

Como já fora indicado nos capítulos anteriores, há diversos indícios de que a agenda

política dos evangélicos é construída com base em um conjunto de valores que devem ser

24 http://www.tse.gov.br/hotSites/CatalogoPublicacoes/pdf/tesauro/Tesauro_web_v2.pdf

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defendidos. Não é por menos que Campos (2005, p. 47-48) consiga identificar diversos depo-

imentos bastante contundentes acerca da importância de eleger-se evangélicos: “Somente os

eleitos de Deus devem ocupar os postos-chave da nação”, defendeu um líder da Assembleia

de Deus; “Não basta ter um Presidente evangélico”, argumentou o Bispo Carlos Rodrigues

quando ainda era articulador político da Universal, “os evangélicos deveriam ocupar todos os

escalões do governo”. A única forma de “melhorar o país” seria colocando o Estado sob o

comando de um “homem de Deus”. São valores acerca de família, sexualidade, comporta-

mento individual, presença da religião, etc, os que são especialmente relevantes para os depu-

tados evangélicos. Não são a presença do estado na economia, as posturas repressivas do

estado ou o auto-posicionamento na escala direita-esquerda as variáveis que vertebram a

identidade dos políticos de Cristo.

Apesar de tantas evidências a sugerirem que essas três últimas variáveis não mobili-

zam o discurso das igrejas, nem dos eleitores, nem dos candidatos evangélicos, elas foram as

únicas estudadas por Borges (2007) para concluir que não há uma identidade partidária entre

os políticos evangélicos dispersos entre os partidos brasileiros. Ora, o primeiro problema resi-

de em testar-se três variáveis que o próprio autor reconhece (BORGES, 2007, p. 73) não faze-

rem parte do que a literatura aponta como elo identitário dos políticos evangélicos e, a partir

disso, concluir que não há nada que os diferencie de outros deputados não evangélicos na

prática legislativa. O segundo problema está ligado à própria hipótese que o autor sintetiza

nos seguintes termos: “um partido político evangélico não foi formado devido à ausência de

uma identidade, tanto entre os representantes evangélicos, quanto entre os eleitores que decla-

ram pertencer a alguma igreja” (BORGES, 2007, p. 75). Basta, entretanto, olhar para o pano-

rama partidário brasileiro e surge uma dúvida pertinente: desde quando uma identidade com-

partilhada é exigência para a formação de partidos brasileiros? A hipótese do autor exige que

uma premissa anterior seja verdadeira, qual seja: a de que os partidos sejam formados apenas

por conta de identidades compartilhadas.

3.3 - EVANGÉLICOS E POLÍTICA PARTIDÁRIA

Observar a forma como evangélicos entram na política no Brasil é uma forma de per-

ceber, rapidamente, algumas das características apontadas ao longo da dissertação. Conforme

relatado, a entrada de evangélicos na política partidária não é recente, datando da década de

30. Entretanto, o que Freston (1993) chama de “irrupção pentecostal na política” é sim um

fenômeno novo: possui a mesma idade de nossa atual fase democrática. Além de sua intensi-

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dade, há de especial nessa incursão evangélica a existência dos candidatos oficiais e do uso da

estrutura das igrejas pentecostais para aumentar as chances de eleger representantes.

Trata-se de candidatos oficiais, obviamente, escolhidos entre iguais - ainda que iguais

selecionados entre os irmãos de fé no topo das hierarquias eclesiais. Não há uma escolha de

quais candidatos as igrejas pentecostais (como possíveis exemplos estão os procedimentos da

Assembleia de Deus e da Igreja Universal do Reino de Deus) irão apoiar, de um todo previa-

mente dado; ao contrário, as igrejas selecionam seus nomes, lançam-nos na corrida e os apoi-

am utilizando variados meios ao alcance25. Normativamente, essa escolha entre iguais é re-

comendada pela literatura para grupos em desvantagem; e, mais, para grupos em desvantagem

que preenchem requisitos quanto ao que são e a que contexto político e histórico se relacio-

nam.

Independente de como se argumente acerca da história dos evangélicos (históricos e

pentecostais) no Brasil, dos esforços para sua institucionalização e de como são tratados pela

grande imprensa e pela elite brasileira, é possível afirmar que não há, atualmente, espaço para

defender a representação descritiva afirmativa (MANSBRIDGE, 1999) entre evangélicos. Um

grupo com 26% de presença na população total (pelo Censo de 2000), com 12% das cadeiras

na Câmara dos Deputados, com jornais de circulação nacional - e internacional - e tiragem na

casa de milhões, com redes de TV e repetidoras, com grandes empresas de comunicação cer-

tamente não pode ser considerado uma voz silenciada, um dos critérios para a utilização da

representação descritiva proposta por Mansbridge (1999). O histórico das eleições brasileiras

e de como os evangélicos pautaram, em 2010, um amplo debate de questões caras à sua moral

são outros indícios de que os evangélicos não se qualificariam para uma pergunta adaptada do

título de Mansbridge: devem evangélicos representar evangélicos? Pelo argumento esposado

pela autora, a resposta seria negativa.

A representação de evangélicos no Brasil tem caminhado, desde 1987, para um perfil

oficialmente descritivo: para uma parcela significativa do movimento protestante brasileiro

apenas outros evangélicos podem ser legítimos representantes de um eleitor evangélico. Um

dos problemas dessa situação fora apontado por Mansbridge (1999, p. 638), e responde pelo

nome de essencialismo: um descritivista radical diria que é impossível para um homem repre-

sentar uma mulher. Se há uma essência de natureza inescapável, da qual deriva a capacidade

de representar seu igual, a simili uma mulher não seria capaz de representar um homem. O 25 Para entender um pouco mais sobre como a política apareceu nos meios de comunicação de duas das princi-pais denominações pentecostais na disputa eleitoral de 2010, consultar Lima e Werneck (2011).

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mesmo extremo descritivista deveria encarar outra consequência: desse corolário acima infe-

re-se que um homem representa todos os homens, a despeito de crença, raça, etnia ou qual-

quer outra identidade que se queira nomear. Transferindo essa problematização para os evan-

gélicos, quando eles discursivamente - e na prática da política institucional - ativam a ideia de

que apenas evangélicos podem representar evangélicos, forjam por consequência a impossibi-

lidade de que eles representem os não evangélicos. Ao mesmo tempo, generaliza-se a chave

identitária evangélico/protestante em um procedimento temerário, dada a intensa diversidade

interna que esse termo abriga.

A proposta da dissertação é que olhar para a conceituação de representação política e

para representantes evangélicos é uma atividade intrigante - e importante. Primeiro, por conta

desse forte componente descritivo presente na relação representante-representado quando se

fala de evangélicos. Segundo, por conta da interessante característica dos candidatos oficiais,

que são maioria - pelo menos quando se foca nos eleitos. Se, ao olhar-se para uma casa legis-

lativa, uma característica é escolhida ao acaso (como ser canhoto), é pouco razoável daí se

inferir que os possuidores desse mesmo atributo são representantes daqueles com os quais a

característica é compartilhada. Entretanto, quando candidatos são oficial e previamente esco-

lhidos por conta de tal característica e são eleitos utilizando continuamente o discurso próprio

daquela marca distintiva, o terreno para o debate torna-se menos movediço. É improvável que

esses candidatos oficiais fossem eleitos na mesma medida se concorressem à margem do hoje

influente movimento protestante.

Depois de eleitos, os representantes permanecem ativamente ligados às suas comuni-

dades, e normalmente só conseguem reeleição quando mantido o apoio oficial de suas deno-

minações. A relação entre os representantes evangélicos e suas bases, as formas como se po-

sicionam no eterno debate mandato-independência, bem como importantes questionamentos

acerca de autorização e accountability ainda precisam ser estudados de maneira mais compre-

ensiva.

Já em relação à representação descritiva, pode-se sugerir outro importante desdobra-

mento: longe de qualquer essencialismo, sugere-se agora uma especificidade acerca da repre-

sentação descritiva para evangélicos. Se a representação é descritiva, ela descreve uma carac-

terística ou experiência ou filiação que age como amálgama, como o que chamaremos de eixo

identitário. Apesar de religião, nacionalidade, etnia, etc compartilharem no texto o nome “ei-

xo identitário”, sugerimos que potencialmente levam a consequências distintas no processo de

representação política. Quando o eixo identitário é, portanto, o pertencimento religioso, ativa-

se uma miríade de consequências - sem juízo de valor acerca delas - para a própria atividade

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representativa. O argumento: a representação descritiva caracteriza-se pela representação de

uma determinada condição, de uma identidade em certo momento prevalente em um grupo de

pessoas; essa característica, utilizada para mobilizar a representação descritiva, pode ou não

incluir em si uma forma específica de ver o mundo a sua volta, uma cosmologia forte e com-

partilhada; quando inclui, o próprio eixo identitário a forjar a representação descritiva tem por

efeito modular a própria atividade representativa.

É certo que o pertencimento religioso não pressupõe homogeneidade nem dentro das

próprias igrejas e que a existência de uma moral compartilhada não deságua na concretude

dos atos cotidianos; entretanto, a própria existência de uma moral compartilhada pressupõe

em grande medida uma expectativa em relação ao comportamento alheio. Independente de

quanto dessa forma de ver o mundo seja realizada na prática cotidiana dos fieis, a expectativa

em relação aos representantes é claramente compartilhada a partir dessa forma de ver o mun-

do. Charles Taylor, em uma discussão sobre os modernos imaginários sociais, comenta: “Nós

podemos falar de uma ordem moral aqui e não apenas em um ideal gratuito, porque ela é i-

maginada como um processo de realização completa, embora o tempo ainda não tenha chega-

do” (TAYLOR, 2007, p. 166*). Permanece, analogamente a uma Utopia em suas definições

modernas, como “um padrão pelo qual se guiar” (TAYLOR, 2007, p. 166*).

São muitas as possíveis relações que poderíamos traçar entre características comparti-

lhadas por conta do pertencimento religioso e as possíveis consequências na forma de conce-

ber o papel do representante político, mas nos restringiremos, inicialmente, a duas. Imagine-

mos um eleitor evangélico, embora genérico, respaldado pela descrição das igrejas (FRES-

TON, 1993 e 1996; MAFRA, 2001; GIUMBELLI, 2000) e pela fala de pastores e lideranças

das igrejas na arena pública (MALAFAIA, 2010).

1. Por conta da representação descritiva envolver iguais, meu representante é,

antes de tudo, um evangélico. Um cristão. A expectativa coletiva em relação a

ele é semelhante àquela depositada sobre qualquer outro fiel.

2. Ele é o candidato indicado pela minha igreja, portanto, tem o aval dos pasto-

res. Ele foi eleito para ser o porta-voz do que acreditamos, baseado na fé que

compartilhamos.

Essas expectativas poderiam concorrer entre si: o representante é um igual (espelho)

ou é um melhor (filtro)? Ele é em alguma medida um igual numa dimensão horizontal, visto

que está na mesma área de pertencimento religioso enquanto ao mesmo tempo está vertical-

mente em uma posição diferenciada em relação à minha? Como essas duas possibilidades

funcionam para as diversas denominações é outro desafio.

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Justamente por conta da imensa diversidade do que conceituamos evangélicos, é im-

produtivo ir muito além de forma genérica. Entretanto, alguns questionamentos são possíveis

e a dimensão especulativa deles é proposital. Não há respostas, ainda, mas o ato de perguntar

facilita a criação de uma agenda, é um passo necessário para as conclusões e facilita a com-

preensão da suspeita que essa pesquisa levanta quanto à representação descritiva de evangéli-

cos. Cada uma das diversas configurações do que é ser evangélico guarda potencial para mo-

dificar a relação representante-representado e para transformar a concepção do papel da re-

presentação. Portanto, a pergunta é como esses pontos modificam essa relação e como eles

transformam a concepção? De quais formas, afinal, o eixo identitário a ativar a representação

descritiva - pertencimento religioso - dialoga com conceito da representação política?

São essas perguntas que a pesquisa procura responder a seguir, abordando, uma a uma,

as quatro denominações evangélicas com maior número de fiéis. A escolha de tratar das igre-

jas separadamente se deve às profundas diferenças internas do protestantismo brasileiro, cuja

diversidade foi descrita ao fim do capítulo anterior.

3.3.1 - Assembleia de Deus (AD)

A denominação evangélica com maior número de fieis também é aquela que atual-

mente conquista o maior número de cadeiras na Câmara dos Deputados. Esse sucesso eleito-

ral, entretanto, não é resultado exclusivo do significativo número de fieis, e não se pode per-

der de vista a mobilização institucional empreendida a cada pleito por parte das lideranças

assembleianas. A participação em eleições por parte da AD, a partir da década de 80, foi a

principal responsável pela nacionalização da irrupção evangélica no mundo da política e, con-

sequentemente, uma das responsáveis pelo incremento substancial de cadeiras conquistadas.

Mais exatamente em 1985, a Convenção Geral das Assembleias de Deus decidiu lançar um

candidato de cada estado ao posto de deputado federal. Após realização de eleições internas,

18 candidatos foram apresentados26.

O papel da Assembleia de Deus no Congresso Nacional é especialmente relevante,

tanto pelo número de eleitos a cada eleição, quanto pela importância do apoio institucional no

sucesso das campanhas. O discurso oficial mobilizado para explicar o porquê de a AD ter

mudado de postura, após permanecer seus primeiros 75 anos se abstendo da política, não po-

deria ser menos surpreendente: defender interesses da Assembleia de Deus, manter valores

26 Freston (1993, p. 210)

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familiares conservadores, impedir legalização das drogas, a ampliação das possibilidades de

aborto e o casamento gay (FRESTON, 2001, p. 22 e 23). Essa politização, defende Freston,

buscava “reforçar a liderança, proteger as fronteiras da reprodução sectária, granjear recursos

para a expansão religiosa e disputar espaços na religião civil” (FRESTON, 2001, p. 23*). Mas

afinal, que relações podem ser traçadas entre a representação política e as crenças comparti-

lhadas por fiéis e Igreja?

Observemos primeiramente como se estrutura a hierarquia assembleiana, o que pode

fornecer importantes elementos para a forma como são selecionados os candidatos oficiais da

Igreja. A organização da AD se dá como “uma complexa teia de redes compostas de igrejas-

mães e igrejas e congregações dependentes. (...) O pastor-presidente da rede é, efetivamente,

um bispo, com talvez mais de cem igrejas e uma enorme concentração de poder” (FRESTON,

1996, p. 86). Na página seguinte Freston completa, comentando que a cultura é de que aque-

les que rompem com a igreja-mãe estão se rebelando e não prosperarão. Rebelar-se é grave e

tornar-se um persona non grata provavelmente guarda efeitos complicados para aqueles com

pretensões eleitorais. Como esse conjunto de amarras - ausentes no desenho institucional mas

presentes no ethos assembleiano - transforma a relação do representante eleito com a cúpula

da Igreja e até que ponto isso torna o representante mais propenso a seguir em um mandato

delegado? Há, na ciência política, o índice de desobediência/obediência partidária. Até que

medida o índice que importa para representantes eleitos como oficiais pela Assembleia (e,

talvez, por outras igrejas) é um índice de obediência suprapartidário, que reside na percepção

da cúpula da igreja e/ou dos fieis?

Outro importante ponto, e que se conecta de forma direta às discussões de accountabi-

lity, é como os representantes são vistos pelos representados. Se o fiel compreender que é

Deus - ou o Espírito Santo - Aquele que conduz a atuação de seu representante, como fica a

possibilidade de cobrar uma postura diferenciada ou um voto alternativo? Mesmo em ques-

tões não relacionadas a tradicionais demandas evangélicas, como um aumento salarial ou uma

nova legislação sobre o número de dias letivos no ano, como um fiel cobra retrospectivamente

um político de Cristo? A Assembleia de Deus possui um sistema de governo considerado res-

trito à poucas lideranças, normalmente regionais e que não respondem a um poder central

(FRESTON, 1996, p. 86). O pastor é aquele que chegou ao topo da escada, mas não se separa

clero e laicato por qualquer formação especializada. Exige-se “bastante respeito ao pastor,

pois é o ‘ungido do senhor’.” (FRESTON, 1996, p. 87). Por conta disso, pergunta-se: quando

pastores são eleitos representantes, eles permanecem nesse papel social de “ungidos do se-

nhor”? Há, portanto, uma dupla caracterização dos representantes com a qual os eleitores pre-

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cisam interagir: além de serem avalizados pela sua Igreja, os representantes são pastores un-

gidos pelo senhor aos quais deve-se respeito.

Ao mesmo tempo, entretanto, o clero da Assembleia de Deus não se diferencia dos fi-

eis por uma formação especializada. “O pastor é apenas aquele que chegou ao topo da esca-

da”, conforme a metáfora de Freston (1996, p. 73). Será que essa renúncia de uma formação

especializada ecoa na forma como os candidatos oficiais assembleianos são escolhidos? Será

que, quando comparado a outras denominações, o grupo de políticos de filiação assembleiana

será menos propenso a especialização? A Assembleia é profundamente marcada pela mani-

festação do Espírito Santo, sendo inclusive este o ponto que ocasionou a cisma da Igreja Ba-

tista. Nesse sentido, com que intensidade o Espírito Santo é utilizado como argumento de

autoridade na relação representantes-representados é outra questão interessante.

3.3.2 - Congregação Cristã do Brasil (CC)

Apesar de ter surgido apenas um ano antes da Assembleia de Deus, a Congregação

Cristão do Brasil (CC) se diferencia daquela de muitas formas no que diz respeito à política. E

diferencia-se também da Universal e da Batista, descritas nessa dissertação, e de outras de-

nominações não cobertas. Isso se dá, pois a CC, que em 2000 reunia 2 milhões e meio de fieis

de acordo com o Censo (IBGE), é a “igreja que chega mais próxima do ideal apolítico. O o-

cupante de cargos na igreja é proibido de aceitar posições política, e o simples membro é a-

conselhado a não fazê-lo” (FRESTON, 1996, p. 104). A CC não admite partidos, não convida

políticos para suas reuniões, não recomenda candidatos. A única recomendação é votar, visto

que assim determina a lei, e em um candidato ou partido que não negue Deus ou sua moral. O

voto é - como viagens, negócios, casamentos -, uma decisão cuja ajuda deve vir diretamente

de Deus, por meio de revelação. A CC é, entre as igrejas protestantes, a mais afastada da polí-

tica. Pode ser posicionada no extremo de um gradiente que caminhe de uma intensa participa-

ção na política e ou de uma extrema recusa. Os motivos dessa recusa estão bem marcados em

seu ethos (FRESTON, 1996, p. 108-109) e dificilmente se modificarão, a não ser que ocorra

um sem número de revelações provenientes dos principais anciãos. Tudo conspira para a ma-

nutenção desse apartamento da política.

Mas esse afastamento da política, em vez de diminuir a importância da CC para nossa

pesquisa, o que poderia ser uma das interpretações, a aumenta. Fieis dessa denominação de-

vem votar, ao mesmo tempo em que recebem pouca ou nenhuma diretriz interna (no máximo

devem evitar candidatos que não acreditem em Deus ou que são favoráveis ao aborto, por

exemplo); eles devem votar, mesmo crendo em um conjunto de pontos que minam a impor-

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tância do voto e da própria eleição e que posicionam a política como o reino a ser evitado.

Como veem seus representantes? Que relação estabelecem com os políticos no cotidiano le-

gislativo? Como não recebem indicação de candidatos, nominalmente, como em outras igrejas

pentecostais cujos exemplos encontram-se presentes nas três ondas de implantação, em que

critérios se baseiam para decisão do voto?

São muitas as perguntas, que podem, inclusive, estar superestimando a relevância des-

sas variáveis subjetivas. Mas apesar de especulativas, apontam um questionamento importan-

te: se essas variáveis são fortes a ponto de modificarem o comportamento cotidiano de mi-

lhões de fieis em relação a não se politizarem, é plausível questionar como isso transforma a

relação representante-representado. E da mesma forma que as características sociológicas e

antropológicas da CC por um lado favorecem seu posicionamento em um extremo do gradien-

te participação-apartamento e por outro modificam a própria concepção do voto, como essas

características socio-antropológicas interagem nas demais denominações a transformar o voto,

a possibilidade de participação e o papel próprio da representação?

3.3.3 - Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd)

Um dos nomes mais fortes da breve história da relação entre Igreja Universal e políti-

ca é Carlos Rodrigues. Antes conhecido por Bispo Rodrigues, foi afastado da Igreja e do pa-

pel de articulador de toda a estratégia política da Iurd. Considera a política culpada por tudo

de ruim que lhe ocorreu, incluindo seu divórcio, seu afastamento da igreja e seu desgosto da

vida: “Perdi a pureza de coração. […] A política mostra a crueza do que é o ser humano. Não

há honradez, palavra, honestidade. Perdi minha vida, o que tinha de mais importante: minha

santidade, a vida pura, limpa. Perdi a alegria” (FOLHA, 2011). Essa visão da política, no en-

tanto, não é compartilhada pela Igreja Universal, que, assim como a Assembleia de Deus,

possui candidatos oficiais e articula-se para elegê-los.

E não é pouco o sucesso da Universal nesse quesito. Proporcionalmente, estudos

(FRESTON, 2001) sugerem que o voto corporativo na Iurd é mais eficiente do que o de qual-

quer outra igreja protestante. É também na Universal que política mais se entrelaça com a

comunicação de massa, principalmente desde 1989, quando a Igreja comprou a Rede Record.

A descrição mais comum da atividade de um representante evangélico é a de “pastor e apre-

sentador” (seja na TV, em programação local ou nacional, seja em rádios espalhadas pelo

país) (FRESTON, 2001:53). Justamente por conta dessa relação com a mídia, a ideia de que a

Universal elegeria qualquer candidato, até aqueles sem vínculos com o eleitorado enfraquece

um pouco:

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membros podem nem sempre estar votando em ‘postes’, mas em alguém com quem estão familiarizados e reconhecem como ativo no ‘trabalho de Deus’. Na maioria dos casos isso ocorreria através de uma iniciativa consciente da Igreja (por exemplo, colocando um candidato futuro por alguns anos em sua programação [de televisão ou rádio] ou como diretor estadual de seus trabalhos sociais); mas esse próprio fato é um reconhecimento de que o voto corporativo não é automático, e deve ser maximi-zado em diversas formas (FRESTON, 2001, p. 54*).

Leonildo Silveira Campos sugere que a Igreja Universal, percebendo o cansaço gene-

ralizado dos eleitores em relação aos “políticos profissionais”, tem “explorado bem essa ne-

cessidade [de mais ética], e, de maneira prática, trabalha numa perspectiva de marketing reli-

gioso-político essa demanda” (CAMPOS, 2005, p. 52). Como disse o Bispo Célio Lopes, os

nomes escolhidos para serem candidatos devem ter “Jesus Cristo no coração”; quando assim

se procede, a política não é um problema. Campos (2005, p. 50 e 51) cita dois trechos de Edir

Macedo, principal nome dentro da hierarquia iurdiana, e J. Cabral, outro responsável pela

teologia da Igreja, que assim explicaram o envolvimento com a política: “A política é exerci-

da por cidadãos, e estes compõem a Igreja. Não dá pra separar.” No segundo trecho: Não existe neutralidade política. Todos os cidadãos estão diretamente envolvidos, quer queiram, quer não (…). Por que a Igreja deveria se alienar do processo político, quando está em jogo o poder que vai governar o seu destino?… [Os cristãos] têm sua parcela de responsabilidade na construção de um País mais humano” (CAM-POS, 2005, p. 51).

Não há o sectarismo da Congregação Cristã; estamos no extremo oposto quando se

observa o pentecostalismo brasileiro. De um lado, o afastamento intencional e inexorável da

política; de outro, uma teologia que considera impossível viver sem ser individu-dans-le-

monde. Outra característica da Igreja Universal que reflete em sua participação política é sua

estrutura organizacional, que é eclesial carismática, centralizada e não participativa. Por isso,

candidatos da Igreja não são escolhidos por meio debates ou através de consulta aos fieis: “a

escolha dos candidatos é prerrogativa única e exclusiva dos dirigentes regionais e nacionais

da Igreja, segundo os seus próprios cálculos e interesses” (ORO, 2005, p. 124). Assim, perce-

be-se que a estrutura fortemente hierarquizada da Universal tem reflexos diretos na forma

como ela escolhe, organiza e promove seus candidatos. Ainda outra característica forte na

teologia iurdiana, a presença de satanás, contra quem deveria-se lutar constantemente, decanta

na rotina eleitoral da Igreja. Oro (2005, p. 129) identifica dois trechos do jornal Folha Univer-

sal que ilustram esse posicionamento: “O diabo está alojado dentro do Congresso Nacional,

criando leis injustas e erradas” e “Não votem nos políticos que estão a serviço de satanás”.

Sugerimos, com base em nossa análise da relação da Universal com a política, um

conjunto específico de características que poderiam ser atribuídas a uma parte significativa

dos representantes iurdianos: milenarista - seu papel de representante é colocar o mundo “nos

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eixos” e não permitir a vitória do diabo; midiático - e, portanto, midiatizado: em contraposi-

ção àquele candidato que vai de porta em porta, seu perfil midiático o distancia fisicamente do

representado; apocalíptico - se os políticos de Cristo não agirem sem demora e de forma efi-

caz, o diabo pode sair vencedor; ao mesmo tempo, portador de uma racionalidade moderna

que o leva a submeter-se a cálculos de computador e às regras eleitorais para garantir uma

melhor votação. O extremo, novamente, seria a Congregação Cristã, para quem os candidatos

vencedores já estão decididos de antemão por Deus, e não se pode alterar esse quadro. Outra

denominação que se diferencia, mas ao mesmo tempo participa da política, é a Igreja Batista.

3.3.4 - Igreja Batista

A Igreja Batista, a única das igrejas históricas aqui relacionada, possui a interessante

característica de diferenciar-se de pontos importantes de todas as denominações descritas a-

cima: a Congregação Cristã é apolítica, a Igreja Batista não é; os assembleianos acreditam na

manifestação do Espírito Santo e em sua inspiração direta, os batistas não; na Igreja Universal

a organização é hierarquizada e os líderes têm a decisão final, na Batista há assembleias nas

quais o corpo da igreja toma decisões relevantes e há muitas consultas aos fieis.

Em relação à não-manifestação do Espírito Santo, que se contrapõe à Assembleia de

Deus, é possível perguntar: visto que a AD surgiu de uma cisma batista, e o Espírito Santo é o

principal motivo do rompimento, será que os deputados batistas e deputados assembleianos

utilizam-se de discursos diferenciados no púlpito da Câmara para defender suas posições? Na

relação de accountability é possível perceber uma utilização diferenciada em relação a ambas,

por conta desse importante rompimento teológico?

Cada novo membro batista é um novo evangelista e a Igreja não exige uma formação

específica de seus missionários. Isso evidencia, de um lado, a relevância do convite proselitis-

ta, do qual fiel algum deve se furtar; de outro, demonstra que uma das demandas mais impor-

tantes não exige formação especializada para ser executada. Fazendo um paralelo com outra

função social, a de representante, será também plausível que se repita o fenômeno e seja des-

necessária uma formação especializada para ao candidato batista preferencial?

Em um trecho citado na terceira parte do capítulo dois, a Igreja Batista é descrita por

Mafra (2001, p. 64) como possuidora de uma estrutura institucional participativa. O voto é

valorizado e utilizado em diversas instâncias decisórias; várias dessas instâncias são coletivas,

como as assembleias, onde o voto do trabalhador braçal, do deputado, do desembargador,

todos contam com o mesmo peso. Quando se contrasta essa dinâmica que preza a autonomia

local e posturas mais democráticas com aquela da Universal, onde o superior tem a palavra

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final - em último nível, o Bispo Edir Macedo - e o âmbito local tem pouca força decisória,

fica a dúvida se a diferença é espelhada ou não na representação política. É o deputado batista

mais afeito à consultar as bases em vez de ir à cúpula da Igreja?

E quanto ao eleitor batista, treinado desde os 7 anos (MAFRA, 2001, p. 64) para deci-

dir impasses por meio de debates e de votações, estabeleceria com os representantes evangéli-

cos uma relação distinta daquela estabelecida pelos fieis de outras denominações? Há muitas

possibilidades de investigação da representação política de batistas, fato este maximizado pela

menor quantidade de estudos que trabalhem diretamente com as relações dessa denominação

e a política partidária.

Conclusão

A eleição de evangélicos para o Congresso Nacional tem sido cada vez mais frequente

e bem sucedida. Principalmente após a última Constituinte, com a entrada pentecostal na polí-

tica eleitoral, inaugurou-se um fenômeno inédito de apoio institucional de candidatos escolhi-

dos pelas Igrejas. Assembleia de Deus e Igreja Universal do Reino de Deus, por exemplo,

estão entre as denominações pentecostais que atuam dessa forma específica na política brasi-

leira.

O sucesso eleitoral evangélico tem sido bastante comentado pelos estudiosos, mas não

foram encontrados estudos que questionassem de que forma ser evangélico e votar em evan-

gélico modifica aspectos da representação política. Essa é a pergunta que a dissertação busca

responder e é esse um dos focos do capítulo. A demanda evangélica na política é uma deman-

da essencialmente pela defesa de valores morais considerados relevantes para a sociedade

como um todo, e que não são considerados pelas lideranças ou pela maior parte dos fiéis co-

mo questão de moral privada.

De acordo com a postura dos candidatos oficiais, com o discurso de lideranças evan-

gélicas e com a literatura existente, foi possível listar as principais preocupações para a atua-

ção protestante na política: impedir a ampliação das possibilidades de aborto, o casamento

entre pessoas do mesmo sexo, a adoção por casal homossexual, a legalização das drogas e a

deterioração de valores familiares.

A pesquisa sustentou também que a inexistência de um partido político evangélico no

Brasil não deve ser atribuído à ausência de identidade interna, e por não haverem evidências

suficientes sobre o tema, sugerimos que a filiação de candidatos evangélicos oficiais em vá-

rios partidos de certa forma tem importância estratégica em termos de cálculo eleitoral. Mes-

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mo sem um partido único, PSC, PRB e PR agregam parte significativa dos deputados federais

evangélicos.

O capítulo tratou também, individualmente, de quatro denominações: (a) A Assem-

bleia de Deus, que apresenta candidatos oficiais desde 1985, e tem uma estrutura de poder

regional e concentrado em pastores-presidentes também regionais; (b) A Congregação Cristã,

única apolítica entre as relacionadas; (c) A Igreja Universal, gerida de forma hierárquica e

centralizada na figura do Bispo Edir Macedo, possui a maior estrutura midiática e é aquela

fundada mais recentemente entre as quatro trabalhadas; (d) A Igreja Batista, única histórica

entre as quatro, possui uma ênfase em decisões locais e democráticas, normalmente por meio

de votos, ao mesmo tempo em que convive com uma restrição em termos de moral mais forte

do que a Igreja Universal, por exemplo.

Segue agora a conclusão, última parte da dissertação. Nesse segmento, serão retoma-

dos e aprofundados esses e outros pontos da relação desenhada ao longo dos três capítulos.

CONCLUSÃO

No ambiente já descrito, no qual partidos viram sua relevância no processo eleitoral

diminuída, candidatos tornaram-se o centro das campanhas - suas qualidades pessoais, inclu-

sive, passaram a nortear estratégias de conquista do voto - e a política é encarada com pro-

fundo desencatamento, eleitores têm baixos incentivos para buscarem informações a partir das

quais decidiriam seus votos. Popkin (1994) sustenta que os custos envolvidos no processo de

acúmulo de informação são demasiado altos frente ao benefício que advém do ato de votar -

este último que seria, de acordo com a teoria econômica do voto, uma não-utilidade que tam-

bém apresenta custo27. O que fazer então nesse contexto de altos custos para granjear infor-

mações e parco benefício para tal empreendimento? Como resposta, o eleitor tenderia a pro-

curar atalhos que os permitiriam cortar grande parte dos custos envolvidos no processo de

decisão do voto. Embora hoje com menos força, a identificação partidária é um desses ata-

lhos.

Seria a filiação religiosa também um atalho? É essa a sugestão de Lisa Sanchez

(2009), que defendeu que a religião é uma das características utilizadas como uma forma de

posicionar o candidato frente aos eleitores. Em seu artigo, ela oferece um modelo teórico em

que a religião é, portanto, um atalho informativo para o voto: “se a filiação religiosa de um

27 Informações sobre as teorias de decisão do voto em Figueiredo (2008).

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candidato combina com aquela do eleitor, este tem mais probabilidade de votar em ‘um dos

seus’ quando todas as outras variáveis estão controladas” (SANCHEZ, L. 2009, p. 1*). A

hipótese é testada com a análise de um survey28 a partir da técnica de regressão logística. A

autora conclui - analisando apenas os Estados Unidos e no contexto da eleição de 2004 - que a

religião do candidato é sim “um atalho para o voto com implicações poderosas para a repre-

sentação no Congresso. (…) Esses achados dão suporte à ideia de que eleitores talvez esco-

lham propositalmente candidatos que espelhem suas filiações religiosas e que eles talvez es-

perem em retorno uma representação descritiva e substantiva” (SANCHEZ, L. 2009, p. 22*).

Uma das consequências levantadas por Sanchez para esse panorama é bem similar a um fra-

gmento já citado: “eleitores podem esperar substantivos resultados em policies que envolvam

questões morais como aborto, direitos de gays, pena de morte, fundos para contracepção e

educação” (2009, p. 22*).

As relações possíveis entre os temas da representação política - e mais especificamen-

te da representação descritiva - e da religião são variadas. O que esse trabalho sugere é que a

representação descritiva, numa análise empírica do panorama político brasileiro, tem sido

utilizada de forma continuada para além da experiência afirmativa analisada e estudada por

grande parte dos autores, e normativamente indicada por uma parcela deles. Entre os evangé-

licos brasileiros, a representação descritiva não é contingente; de alguma forma, tornou-se

uma prática cotidiana na política partidária nacional.

Não foi possível localizar qualquer estudo que dedicasse mais de poucas linhas a rela-

cionar representação descritiva e evangélicos no Brasil. Justamente por ter sido um tema co-

mumente relacionado à grupos minoritários ou em desvantagem, a literatura consultada diz

respeito justamente a conclusões e sugestões que partem da análise desses grupos. Em um

estudo de Claudine Gay (2002) publicado no American Journal of Political Science, por e-

xemplo, o foco está na representação descritiva de negros. Uma das perguntas que o autor

tenta responder é parecida com a que nos perguntamos nesse trabalho: “A possibilidade de

um eleitor em identificar-se racialmente com seu representante no Congresso afeta suas per-

cepções do legislador ou do Congresso como uma instituição?” (GAY, 2002, p. 717*). De

nossa parte, perguntaremos: o eleitor evangélico que escolhe seu representante com base na

identidade religiosa compartilhada percebe de formas distintas esse representante quando elei-

28 O survey utilizado a partir da base de dados do ANES (American National Election Studies) de 2004. No Brasil publica-se a cada eleição desde 2002 o ESEB (Estudo do Eleitor Brasileiro). Assim como o ANES, a pesquisa do ESEB é realizada após o período eleitoral.

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to? Há percepções distintas que derivam do que é específico desse tipo de pertencimento reli-

gioso que discutiremos?

A resposta, tendo em vista o contexto estadunidense, é de que brancos são mais pro-

pensos a procurarem representantes com os quais se reconheçam racialmente do que os ne-

gros. Embora os identificados como negros também tenham mais probabilidade de procurem

seus iguais, há entre negros um foco em policies mais forte do que entre os eleitores brancos

(GAY, 2002).

Em um dos poucos estudos envolvendo diretamente os temas da representação e da re-

ligião, os autores corroboram a percepção esboçada acima acerca da parca produção na área:

“Apesar da crescente saliência do tema da religião na política norte-americana, a representa-

ção política substantiva de cunho religioso recebeu atenção empírica insuficiente e quase ne-

nhum tratamento empírico mais profundo por parte da literatura” (Smith, et al, 2008:69*).

Um dos principais loci de produção acadêmica, desde os anos 80, envolvendo religião e polí-

tica nos Estados Unidos tem sido a “emergência, a transformação e a relevância política do

Religious Right. O Religious Right é um movimento político desenhado para dar voz a preo-

cupações políticas de - e em essência para alcançar a representação substantiva para - cristãos

conservadores, principalmente protestantes” (SMITH et al, 2008, p. 69*).

E quais são essas preocupações vinculadas à representação política de religiosos para

religiosos nos Estados Unidos? Quais são as policies requisitadas a essa especializada forma

de representação? As demandas coincidem bastante com aquelas apontadas no Brasil como

relevantes temas para alguns grupos evangélicos, como a Assembleia de Deus. A Religious

Right americana tem suas metas resumidas em “estrutura familiar e normas sexuais, princi-

palmente aborto e direitos civis de gays” (SMITH et al, 2008, p. 70*). Vê-se facilmente as

semelhanças com as demandas esposadas publicamente pelos meios de comunicação oficiais

da Assembleia de Deus: fé, aborto, união civil homossexual, adoção de crianças, legalização

das drogas, degeneração da família (LIMA e WERNECK, 2010, p. 13). É clara a aproxima-

ção dos movimentos e das demandas.

Prosseguindo a análise sobre a representação política e a religião no Senado dos Esta-

dos Unidos os autores sugerem algumas hipóteses a serem testadas. Utilizando-se de seis anos

de votações (2001-2006) e relacionando-as com a agenda do mais importante grupo de inte-

resse do movimento Religious Right (Direita Religiosa), o Family Research Council. Após

realizarem os procedimentos estatísticos e testarem as quatro hipóteses traçadas, o artigo con-

clui que tanto a filiação partidária quanto a religiosa afetam a votação dos senadores nas ques-

tões já citadas. “De maneira geral, nossos resultados demonstram que a representação subs-

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tantiva é produto das características dos senadores e daquelas de seus eleitores. Especifica-

mente, nós descobrimos que a afiliação religiosa dos senadores e dos eleitores são poderosos

determinantes do suporte aos interesses da direita religiosa no Congresso” (SMITH et al,

2008, p. 78*).

Assim como o estudo de Claudine Gay (2002) apontou para a maior propensão de que

brancos e negros procurem representantes com os quais se identifiquem racialmente, será

também que evangélicos procuram mais frequentemente outros evangélicos eleitos do que

não-evangélicos? Suspeitamos que sim - e alguns indícios corroboram. Há, por exemplo, uma

cobrança pública a ocorrer nos meios de comunicação oficiais de algumas denominações.

Seguida da indicação formal de voto em alguns nomes específicos, há cobrança a esses nomes

por um comportamento também específico.

Há, portanto, indícios na literatura, mesmo que não na brasileira, que justificam nossas

dúvidas e incentivam-nos a sugerir a necessidade posterior de um estudo empírico. A maioria

das respostas não podem ser dadas, infelizmente, sem essa análise posterior, fruto de uma

abordagem quantitativa.

São muitas as possibilidades que o estudo dos temas religião e política guarda para o

pesquisador. O fato de ser uma combinação menos estudada que os clássicos (partidos, com-

portamento eleitoral, escolha do voto, etc) temas da política traz vantagens e desvantagens,

mas não há dúvida que com elas há grandes oportunidades. O tema da representação, embora

clássico na política, possui muitas perguntas sem respostas quando se analisa sua relação com

evangélicos.

***

Um uso tão agressivo da abordagem descritiva da representação por um grupo não mi-

noritário nem em desvantagem, como parece ocorrer com uma parcela significativa do movi-

mento protestante, tem, certamente, consequências. Sugerimos que algumas delas são negati-

vas, percepção que não decorre de ser um grupo religioso. (1) Esse grupo, por sua significati-

va coesão identitária para grandes questões da moral privada, tende a transformar sua atuação

em uma defesa irrestrita dessas mesmas questões. O possível problema é que a existência de

uma agenda sólida e pré-estabelecida e sem margem de manobra, elimina o importante caráter

deliberativo do governo representativo. (2) A existência desse grupo fortalece uma necessida-

de estratégica de que cada grupo que se sentir não (ou sub) representado encontre uma forma

de fazer-se presente de forma eleitoral - e provavelmente há um estímulo secundário de fazê-

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lo à maneira descritiva. Um mecanismo que seria, portanto, útil como correção de distorções

históricas e empoderamento de minorias torna-se uma ferramenta na mão de importantes e

estruturados grupos. (3) Essa irrupção evangélica na política partidária coloca um demasiado

peso na arena eleitoral, ignorando outros possíveis locais de participação. Assim, contribui-se

para desincentivar participações não eleitorais. (4) Um peso muito grande na representação

descritiva de um só grupo (evangélicos) suprime outras vozes dentro do próprio grande grupo

de evangélicos. Por mais que haja certa coesão dentro do grupo, toda representação suprime

outras vozes internas, não apenas externas. Um representante evangélico pode, como conse-

quência secundária não intencional, representar evangélicos de classe média, ou evangélicos

homens, ou evangélicos negros, às custas da supressão de vozes de evangélicos pobres, mu-

lheres e brancos respectivamente (YOUNG, 1986, p. 350-351 apud DOVI, 2011). (5) A exis-

tência desse forte grupo evangélico eleito descritivamente torna a posição das minorias com-

plexa, visto que não há como eleger uma quantidade de representantes suficiente para contra-

por-se às práticas majoritárias dos grandes grupos - na função agregativa da democracia

(MANSBRIDGE, 1999, p. 634), bem como diminui-se a já pequena margem de manobra não

eleitoral para tais minorias. (6) Em um fenômeno tão forte como o relatado, o uso da repre-

sentação descritiva torna o motivo próprio da representação um fator sobrevalorizado na di-

nâmica da democracia em seu aspecto deliberativo. Quando ser evangélico torna-se um moti-

vo para a representação descritiva de 12% do Congresso, é plausível acreditar que essa repre-

sentação modifica o caráter próprio da democracia representativa. Quando apenas um grupo é

integrado de uma forma tão forte e tão orgânica, é possível que esses 12% tenham um duplo

poder, relativamente forte: o de barganha e o de coesão em votações que lhe são caras. (7) Há

uma maior capacidade de produzir uma agenda legislativa também, por conta do relatado an-

teriormente.

Não há juízo de valor quanto a essa investida evangélica na política partidária, mas o

artigo defende haver um desequilíbrio sugerido pelas consequências listadas acima. Uma boa

aposta é fortalecer a participação popular por instâncias não eleitorais, inspirando-se nas di-

versas teorias que têm apontado uma maior superfície de contato entre os cidadãos e a prática

representativa.

Tendo tudo isso em vista a democracia pragmática defende que a representação po-lítica não deve encontrar limites nos mecanismos eleitorais, tampouco na aplicação estrita da regra da maioria. Em outras palavras, a democracia pragmática vindica abertura para experimentar modos de aferição de accountability da representação diferentes da eleição, critérios de avaliação da democracia diferentes da regra da maioria, e mecanismos de legitimação que transcendam a ambos ao deslocar-se pa-

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ra um plano ex post (baseados nas consequências da decisão) e não ex ante (funda-do nas escolhas do decisor) (POGREBINSCHI, 2005, p. 683).

Assim, uma intensificação das formas não eleitorais de representação, bem como as

novas experimentações que multiplicam os mecanismos de aferição do que é o bem comum,

diminuem a força da representação eleitoral e abrem novas arenas de participação e de ex-

pressão das vozes de grupos minoritários e em desvantagem. Esse empreendimento não ape-

nas daria voz a mais grupos, mas potencialmente diminuiria o poder dos grandes na decisão

das políticas públicas. Um accountability mais forte também diminuiria uma parte das conse-

quências acima expostas sem diminuir o caráter deliberativo da democracia - em verdade,

poderia incentivá-lo.

São muitas as perguntas e poucas as respostas. Há, portanto, uma realidade (a participa-

ção evangélica pela representação descritiva), um sintoma (a importância demasiada da arena

de participação eleitoral), algumas consequências (citadas acima), diversas perguntas e um

desafio: “tornar as experiências participativas e deliberativas constitutivas das instituições

representativas”. (POGREBINSCHI, 2005, p. 688).

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