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1
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Faculdade de Formação de Professores
Pós-Graduação em Educação Básica: Gestão Escolar
Priscila Barcellos Pacheco
Escola Municipal Ernani Moreira Franco:
Diálogos entre Memória e História
São Gonçalo
2010
2
Priscila Barcellos Pacheco
Escola Municipal Ernani Moreira Franco:
Diálogos entre Memória e História.
Trabalho apresentado como requisito parcial
para obtenção do curso de Especialização
em Educação Básica da Faculdade de
Formação de Professores (FFP) da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Área de concentração: Gestão
Escolar.
Orientadora: Profª Drª Inês Ferreira de Souza Bragança
São Gonçalo
2010
4
Priscila Barcellos Pacheco
Escola Municipal Ernani Moreira Franco:
Diálogos entre Memória e História
Trabalho apresentado como requisito parcial
para obtenção do curso de Especialização
em Educação Básica da Faculdade de
Formação de Professores, da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. Área de
concentração: Gestão Escolar.
Aprovado em: ____/ ____/ _____
Banca Examinadora:___________________________________________________
________________________________________________________
Profª Drª Inês Ferreira de Souza Bragança (Orientadora)
Faculdade de Formação de Professores- FFP/UERJ
________________________________________________________
Prof Dr. Jorge Antonio da Silva Rangel
Faculdade de Formação de Professores- FFP/UERJ
São Gonçalo
2010
5
Dedico este trabalho à “minha” escola. A tudo que passei e passo
dentro dela, com seus problemas e conflitos, mas também com
suas alegrias. E às minhas primeiras professoras. Elas não me
ensinaram somente a ler o abc, mas também a ler o mundo. Sempre
com seus exemplos e incentivos, dos quais me recordo até hoje e
que são um dos motivos pelos quais escrevo este trabalho.
6
AGRADECIMENTOS
Ao meu esposo. Em meio a toda essa correria de aulas, monografia, nos casamos.
Pelas noites acordado me esperando enquanto escrevia ou me ajudando na digitação. E
ainda pior, pelo meu mau humor quando não conseguia escrever.
À minha família, meus pais e meu irmão. Pelos momentos que precisei estar um
pouco distante e não pude dispensar a atenção merecida.
À minha orientadora, Inês Bragança. A cada orientação saia mais confiante, suas
palavras não só orientam como acalmam. Além de sua enorme disposição em estar sempre
ajudando. Enfim, consegui.
Às amigas Angélica, Célia, Dalva e Neli, que tanto me ajudaram com seus
depoimentos. E o melhor era sentir que o faziam felizes por saberem estar me ajudando.
E a todos dessa escola, de ontem e de hoje, que carrego no coração. Não poderia
citar o nome de todos, mas muito me ajudaram e apoiaram para que concluísse esse
trabalho.
7
O cronista que narra os acontecimentos, sem distinguir entre os grandes e os
pequenos, leva em conta a verdade de que nada do que um dia aconteceu pode ser
considerado perdido para a história. Sem dúvida, somente a humanidade redimida poderá
apropriar-se totalmente do seu passado. Isso quer dizer: somente para a humanidade
redimida o passado é citável, em cada um dos seus momentos.
Walter Benjamim
8
RESUMO
Nossa sociedade não tem mais o hábito de narrar suas histórias. Esquecemos o nosso
passado e perdemos nossa identidade. O hábito do diálogo é algo que perdemos um pouco
a cada dia. Na Escola Municipal Ernani Moreira Franco, que é parte da rede municipal de
educação de Niterói, isso não é diferente. É uma escola nova, mas pouco se sabe sobre seu
passado. O presente trabalho busca compreender melhor a história da instituição, levando
em consideração, principalmente a sua relação com a comunidade em que está inserida, e a
sua relação com os acontecimentos que marcaram a história nacional, influenciando o setor
educacional. Para tanto, buscamos articulação teórico-metodológica com autores como
Romanelli (1997), Silva (1990), Larossa (2002), Laneuville (2009), Le Goff (2003),
Pollack (1989 e 1992), Thompson (1992), com as entrevistas coletadas e documentos
encontrados na Escola Municipal Ernani Moreira Franco. Dessa maneira foi possível um a
melhor compreensão dos acontecimentos que fizeram da história dessa instituição um fato
singular mas na qual podemos perceber as características do todo social.
Palavras- chave: Educação. História. Memória
9
ABSTRACT
Our society no longer has the habit of telling their stories. We forget our past and lost our
identity. The habit of dialogue is something that we lose a little every day. It is not different
at the E. M. Ernani Moreira Franco that is part of the municipal net of education in Niterói.
It’s a new school, but little is known about its past. The present work tries to understand
better the story of institution taking for granting the main relationship with the community
which is inserted, and its relation to the events that marked the national story and
influenced the educational sector. Thus theoretical and methodological researching were
developed with the following authors like Romanelli (1997), Silva (1990), Larossa (2002),
Laneuville (2009), Le Goff (2003), Pollack (1989 e 1992) , Thompson (1992), all was
collected through interviews and documents found in the E. M. Ernani Moreira Franco.
Thus it was possible a better understanding of the events that made the story of this
institution a unique fact on which we can understand as a social whole.
Key words: Education. History. Memory
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 12
CAPÍTULO I: CONVITE A UM PANORAMA: MEDIAÇÕES ENTRE A
HISTÓRIA NACIONAL E O LOCAL.............................................................................20
1.1- A complexidade histórica nacional ...........................................................................20
1.2-História Educação no período estudado: caminhos e tensões................................. 28
1.3- O município de Niterói................................................................................................36
CAPÍTULO II : REFLEXÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS: TESSITURA
ENTRE HISTÓRIA E MEMÓRIAS................................................................................39
2.1- A Memória: discutindo o conceito.............................................................................39
2.2- A História.............. .....................................................................................................43
2.3 – A História Oral ........................................................................................................ .47
2.4 – O Desenvolvimento da Pesquisa ..............................................................................49
CAPÍTULO III: ENTRE FRAGMENTOS DA HISTÓRIA: CONVITE AO
DIÁLOGO ..........................................................................................................................52
3.1- Escola Municipal Duque de Caxias: lampejos de memória e história....................55
3.2- Escola Municipal Ernani Moreira Franco: outras memórias e histórias ..............58
11
3.3 – Lembranças do Passado ...........................................................................................60
3.4- Uma escola no meio do caminho: relato autobiográfico .........................................66
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................71
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................................75
APÊNDICE A- Contrato de Trabalho proposto as entrevistadas (as).................................78
APÊNDICE B- Roteiro para entrevistas .............................................................................79
APÊNDICE C- Transcrição das entrevistas........................................................................80
12
INTRODUÇÃO
São inúmeras as discussões sobre os sentidos da memória e da história. Levando em
consideração a importância e a dinâmica que dialeticamente os articula proponho, no
presente trabalho, problematizar e registrar memórias de uma instituição escolar, indicando
sua importância no processo de formação/transformação da identidade de indivíduos e
comunidade.
Neste trabalho focalizo memórias e histórias da Escola Municipal Ernani Moreira
Franco, que faz parte da rede municipal de educação de Niterói. Uma escola cuja fundação
é recente, 1964, mas, que, no entanto, pouco se sabe sobre ela. Apesar de ainda trabalharem
nela professores que participaram de sua fundação, sua história parece estar esquecida.
Pouco se comenta sobre períodos mais afastados no tempo. Mas, isso não ocorre apenas
nesta escola - foram poucos os registros que encontrei sobre a educação no município de
Niterói, até mesmo as visitas à biblioteca da Fundação Municipal de Educação foram
infrutíferas.
Busco por meio deste trabalho, entender um pouco melhor os momentos pelos quais
a escola passou no decorrer dessas três décadas. Seus primeiros momentos, ainda como
Escola Municipal Duque de Caxias, e sua transferência para um prédio novo e mais amplo,
em 1981, quando passou a se chamar E. M. Ernani Moreira Franco. Além disso, procuro
registrar momentos significativos para os personagens dessa história. A pesquisa foi
desenvolvida por meio de entrevistas entre professores, diretores e comunidade escolar,
indivíduos que fizera esta história acontecer. São seus relatos que ajudam a na tentativa de
montar este grande quebra cabeça.
Apóio-me em depoimentos orais, estes que desde 1929, com os Annales, vêm se
tornando cada vez mais importantes. A historiografia, desde então, busca um novo olhar
sobre a história. Um olhar que anteriormente estava voltado apenas para os grandes feitos
da humanidade, realizado por pessoas públicas. Isto é, tomavam como história apenas o
que ocorria com os que consideravam importantes personagens da história. Eram deixados
de lado as visões dos demais que participavam desses acontecimentos. Nesse trabalho,
serão estes os mais importantes.
13
Nesse sentido, a escola é um lugar de grande relevância sócio-histórica. A escola é
o local por onde a maioria da população passa, ou deveria passar, grande parte de sua vida.
É um local onde as pessoas convivem por longos períodos de tempo. Parte da formação,
não apenas intelectual, de um indivíduo se dá neste espaço. Sua importância social é muito
grande. Seja qual for a interpretação, não se pode negar a importância da escola como local
de formação do indivíduo e da sociedade em que este está inserido. Para Larossa (2002) o
saber está baseado em experiências que marcam a vida de um indivíduo, e na escola todos
passam por diversos momentos marcantes, que tocam profundamente.
A escola também é palco de inúmeros problemas, que não são apenas seus,
particulares, mas que se estendem por toda sociedade brasileira, como violência, baixos
salários, insatisfação social, etc. Segundo Bragança:
A complexidade da escola fundamental pública brasileira nos leva ao encontro de
problemas sociais e historicamente construídos que se afirmam com a força de instituído
– a violência urbana, que invade os corredores e as salas de aula e a falta de condições
materiais, conjugam-se com um movimento crescente de expropriação da profissão
docente levando ao aligeiramento no tratamento dos saberes. (BRAGANÇA, 2007, p.
237).
Caminhando nesse sentido, busco entender um pouco melhor esse local que
apresenta problemas, contradições, pessoas diferentes, mas que esperamos muito,
esperamos algumas vezes, que traga respostas e soluções.
Não é a proposta desse trabalho o estudo da escola em geral, como nasceram ou se
desenvolveram. A busca se direciona a uma escola em especial, tomando-a como um local
único, mas que pode apresentar características de aspectos comuns a outras escolas. Sendo
assim, o trabalho poderá tocar em assuntos comuns a vivências de outras instituições
escolares, ligando-se dessa maneira a um sentido mais amplo.
A escola que será pesquisada chama-se E.M. Ernani Moreira Franco1, e conta
com uma equipe de mais de (cinqüenta) 50 funcionários, atendendo a 4652 alunos, no 1º e
2º turnos, desses mais de (vinte) 20 são alunos portadores de necessidades educacionais
especiais. Com (doze) 12 turmas de Educação Infantil e (treze) 13 turmas de Ensino
Fundamental, sendo elas de 1º e 2º ciclo. A E. M. Ernani Moreira Franco tem um amplo
1 A escola localiza-se na Rua Bonfim, s/n, Fonseca – Niterói. É administrada pela Fundação Municipal de Educação de
Niterói. 2 Dado extraído do Mapa Estatístico do mês de março de 2010.
14
espaço para atender a seus alunos. Possui três pavimentos, uma quadra coberta, pátio
coberto, pátio ao ar livre, parquinho para a Educação Infantil, sala de recursos, sala de
informática, sala de vídeo, sala de leitura e refeitório.
A noite ainda recebe uma turma do PROJOVEM3 e, aos finais de semana a escola
não fica fechada, pois nela funciona o Programa Escola Aberta4. Ambos do Governo
Federal. Durante as férias funciona na Unidade Escolar o Programa Férias Nota 105, do
governo municipal, em que alunos e comunidade podem participar de eventos culturais,
brincadeiras, oficinas, teatro, animação, contação de histórias.
A E. M. Ernani Moreira Franco recebeu esse nome em 1981, mas já funcionava
desde a década de 1960, em um prédio menor, localizado na Rua Coelho. Na época
chamava-se E.M. Duque de Caxias e ficava na mesma localidade, apenas uma rua depois, e
precisou mudar, pois a demanda por vagas aumentava a cada ano e o espaço não iria
suportar um grande número de alunos. A escola apresenta hoje um quadro bastante distinto
do momento de sua criação, embora não tenha se passado tanto tempo assim. Não foi
apenas a escola que mudou, mas toda a comunidade a seu redor. Este é um dos motivos que
me levam a achar importante resgatar a história da escola e das pessoas que dela fazem
parte, tais como, professores, funcionários, alunos, toda a comunidade.
A professora Neli dos Santos Pereira, que hoje atua como professora de apoio de
alunos portadores de necessidades educacionais e coordenadora de turno, foi uma das
primeiras professoras da E. M. Duque de Caxias e, participou de sua fundação. As diretoras
Maria Angélica Gomes e Mariza Marques, bem como a secretária Maria Célia Aguiar, já
trabalham na escola há mais de vinte anos e a participação das referidas professoras na
gestão escolar já dura mais de treze anos. Levando em consideração todos esses aspectos
foi muito importante a contribuição das professoras para entendermos melhor a história da
escola. Elas que ajudaram a construir essa escola e podem contá-la e, em grande parte são
também responsáveis por conquistas de toda aquela comunidade, que, muitas vezes, apenas
3 O PROJOVEM é um programado Governo Federal, que visa elevar o grau de escolaridade e o desenvolvimento
humano, de jovens de 18 a 29 anos que apesar de alfabetizados não concluíram o ensino fundamental. 4 O Programa Escola Aberta é uma parceria do Ministério de Educação e Cultura com as secretarias estaduais e
municipais. Nele a escola se torna um espaço alternativo para o desenvolvimento de atividades de formação, cultura,
esporte e lazer durante os finais de semana. 5 O Programa Férias Nota 10 é desenvolvido pelo governo municipal. Funciona durante as férias escolares com atividades
de lazer e cultura para os alunos da rede municipal de ensino.
15
é lembrada pelos problemas e dificuldades por que passa. No entanto, essas professoras não
esquecem as vitórias que conseguiram exercendo a sua prática de educadoras.
Além da história da escola, o trabalho foca, também, as administrações que a escola
teve. No entanto, a pesquisa dará uma ênfase maior a administração atual, que já dura mais
de dez anos. Como se deu esse processo, seus avanços e problemas, e como se construiu a
sua relação com a comunidade escolar. Analisando essa gestão a pesquisa estará analisando
a própria história da escola, principalmente, se for levado em consideração que a escola
tem quarenta e seis anos e a gestão atual já tem treze anos. Esta foi, em grande parte,
responsável pelos rumos que a escola tomou e, por conseqüência levou, a comunidade a
tomar.
A escola tem grande importância em uma comunidade, e entender como se dão
essas relações podem ajudar a entender a sociedade em que vivemos, seus problemas e
desigualdades, mas também suas vitórias. As transformações por que passou, os governos
que a administraram e as pessoas que por ela passaram podem contribuir para esclarecer o
sistema de ensino brasileiro e os dilemas que apresenta. O trabalho busca compreender um
pouco da história do local e como a escola foi importante nesse percurso, a relação escola-
comunidade.
Em um período tão curto, apenas trinta anos, a região se modificou de uma maneira
muito intensa. O que aconteceu? Como as pessoas envolvidas nesse processo viram e
sentiram essas mudanças?
Acredito que, dessa forma, estudando a história da escola conseguirei resgatar um
pouco da história da comunidade em que ela se insere. Dentro de um ambiente e história
singulares é possível entender como determinados processos sociais mais genéricos se
desenvolvem, bem como entender melhor o funcionamento escolar.
A escola pública brasileira é um local em que é possível perceber um grande
número de conflitos e problemas. E estes não estão presentes somente nas escolas, mas em
toda sociedade brasileira. Desvendar um pouco destes conflitos ajudaria a entender melhor,
com maior clareza, a realidade em que a escola está situada. E, apesar dos problemas, a
escola apresenta muitas experiências que merecem ser estudados. Concordando com
Bragança (2007, p. 241) “acreditamos no trabalho de professores/as que, apesar das
16
condições mais adversas, têm historicamente assegurado a possibilidade de experiências
escolares significativas”.
A história das ciências humanas por muito tempo foi pautada nos rigores das
ciências naturais e precisavam estar baseadas nos experimentos e na linguagem
matemática, como explica Japiassu (1994). Deveriam se inscrever no modelo das ciências
rigorosas, no entanto, atualmente, buscam-se outros caminhos, as ciências humanas
conseguiram legitimar sua própria metodologia de fazer ciência.
No século XIX, a história acompanhava as teorias positivistas. Segundo Bourdé e
Martin (2000, p. 104), “a escola metódica quer impor uma investigação científica afastando
qualquer especulação filosófica e visando a objetividade absoluta”. No entanto esse modo
de pensar a história da humanidade muda a partir da década de 1930 e, principalmente, em
1940 com a Revista Les Annales. A partir desse momento, a história não será mais baseada
nos grandes heróis ou feitos da humanidade. O homem simples, o cotidiano e os contatos e
trocas entre as ciências humanas ganharão grande valor para o estudo da história das
sociedades. Após esse momento, novas fontes serão aceitas pela história. Tudo será
considerado documento. E, nesse sentido, também foi, posteriormente, o momento da
ascensão da história oral. Pessoas comuns podem narrar suas histórias, e, nelas é possível
perceber sua relação com o social, no sentido mais amplo do termo. Segundo Bragança e
Maurício:
Narrar histórias pessoais e coletivas é uma prática propriamente humana, que revela o
lugar fundamental da partilha na construção dos modos de ser e estar no mundo.
Observamos assim que a narrativa se apresenta como possibilidade de partilha e
compreensão do sentido da vida e da história nas práticas sociais.(BRAGANÇA e
MAURÍCIO, 2008, p.253-254)
O trabalho buscará levar em consideração as fontes escritas e as fontes orais. Estas
últimas que serão focalizadas por meio das histórias de vida, que irão ajudar a entender a
vida dos entrevistados, porém, muito mais do que isto, irão ajudar a compreender sua
relação com a sociedade que os cerca, e como certos acontecimentos sociais foram
recebidos. Dessa forma, as histórias de vida ajudam a compreender a identidade do grupo.
Segundo Bragança (2007, p. 08) é possível “por meio das entrevistas trazer
elementos sobre a história da instituição a partir das experiências vividas pelos
17
professores”. E essa possibilidade é vista de maneira muito favorável, pois esses
professores ajudaram a construir a história da instituição junto com a história de suas vidas.
São muitas as contribuições que as histórias de vida podem trazer para o entendimento da
sociedade.
Neste trabalho também há uma grande importância dada ao estudo do local. Pois é
neste em que os problemas se desenvolvem cotidianamente. É através dele que se mostra a
totalidade social, a história local tem sim suas especificidades, embora seja influenciada
por componentes universais. Por isso, a grande importância do estudo do local, através dele
percebemos aspectos mais amplos relacionados com a totalidade social.
No caso de Niterói, sua história da educação foi muito pouco estudada, são poucas
as referências bibliográficas sobre o assunto. Pensando no local, isto é ainda pior. Depois
de muitas visitas a bibliotecas e arquivos, percebi a quase inexistência de material de
estudo sobre a educação local. Assim, perde-se o elo de ligação entre o micro e o macro, o
local e o nacional.
Com todos esses aspectos, o tema acabou por me interessar ainda mais. Poder fazer
algo útil para futuras pesquisas, ser mais um elemento para o estudo da educação
niteroiense. Mas a importância desse tema é para mim muito anterior ao início dessa
pesquisa.
Minha relação com meu objeto de estudo, a E. M. Ernani Moreira Franco começou
ainda bastante cedo. Desde a infância, estive em contato com a escola. Sempre morei em
frente a ela e a família de meu pai sempre residiu em seus arredores. Por isso, desde
pequena ouvia meu pai contar as histórias do lugar e como era, anteriormente, à construção
da escola.
Aos seis anos de idade iniciei meus estudos, no Ensino Fundamental nesta escola.
De lá só sai aos dez anos, na quarta série. Meu irmão mais novo também estudou lá. E hoje
não me restam só lembranças, mas também o cotidiano, pois nela trabalho desde 2007.
Tive professoras muito boas, que me ensinaram tantas coisas que até hoje recordo.
Lembro das brincadeiras no recreio e na sala de aula, dos castigos, que eram quase
diários, dos amigos, inclusive os que perdi. Muitos amigos que fiz por lá acabei perdendo,
ou porque foram para outros caminhos ou porque morreram. 6
6 Estudei na E. M. Ernani Moreira Franco do ano de 1989 à 1993.
18
A escola era e ainda é muito grande e tinha muitos alunos. Hoje uma das coisas que
percebo é que ela tinha muitos alunos com idades diferentes. As turmas não eram
homogêneas quanto à faixa etária, tinham muitos alunos mais velhos do que, talvez, fosse
desejável pedagogicamente. Sempre havia confusão no recreio, eles sempre acabavam
brigando. Era sempre entre eles.
As professoras me pareciam muito rígidas, mas eram, ao mesmo tempo, muito
amorosas e cuidadosas. A sua autoridade era muito forte. Não toleravam conversas fora do
momento adequado, mas percebíamos que estavam sempre dispostas a ensinar e ajudar
quando precisávamos.
Uma das coisas que percebo diferença de quando eu lá estudava é o cuidado com a
escola. Era muito depredada e pichada, pelos próprios alunos. As janelas tinham muitos
vidros quebrados. E a conservação da escola também era bastante precária, sem serviços de
manutenção ou obras.
Não sei por que, mas o fato é que essa escola me deixou marcas profundas. Sempre
que penso em educação e valores, lembro dela. Sempre me recordo do que nela havia
vivido, e me senti muito feliz ao escolhê-la como tema para este trabalho.
Na verdade, a princípio me senti um pouco perdida com relação ao meu tema. Não
sabia sobre o que iria escrever. Só tomei essa decisão depois da leitura do texto de Larossa
(2002). Quando ele falou sobre experiência e o que nos toca, pensei imediatamente nesta
escola, afinal é muito melhor fazer algo que nos seja prazeroso.
Para conhecer melhor a história da escola é necessário estabelecer relações de
mediação com o todo social. Por isso, o Capítulo I irá tratar do contexto histórico-social
vivido pela escola em questão. Como se trata de um período amplo, da década de 1960 aos
dias atuais, este será contextualizado em seus aspectos principais, levando em consideração
o cenário nacional e as mudanças no setor educacional. Além disso, também é de grande
relevância dirigir o olhar para o município de Niterói, por isso serão analisados alguns
aspectos sobre o referido município.
Reflexões sobre a relação entre história e memória são aprofundadas no Capítulo II,
já que estes consistem em conceitos fundamentais para a pesquisa, bem como as
referências do campo teórico-metodológico da história oral. Apresento, também, nesse
capítulo o desenvolvimento da pesquisa.Como as fontes oficiais e a bibliografia sobre o
19
assunto mostraram-se insuficientes para resgatar a história da instituição, foram coletados
depoimentos orais de pessoas que estiveram ligadas à escola por longos períodos. Assim
um cenário mais rico poderá ser apresentado.
Já o Capítulo III busca articular os documentos obtidos e os relatos orais, a fim de
efetivar o movimento passado-presente. Inicialmente retomo a trajetória da escola de sua
fundação ao ano de 1964, buscando lampejos e memórias da Escola Municipal Duque de
Caxias, a seguir, apresento o período posterior, quando a escola recebeu novas instalações e
o nome Escola Municipal Ernani Moreira Franco. Finalmente, apresento um relato
autobiográfico de minha experiência como ex-aluna e, hoje, funcionária da escola. Relato
que aponta para as tensões e complexidades atuais.
As considerações finais retomam o caminho percorrido. Foi um grande desafio
desvendar trilhas e caminhos das memórias e histórias de uma instituição tão cheia de
sentidos e de tanta importância para a comunidade.
20
CAPÍTULO I
CONVITE A UM PANORAMA: MEDIAÇÕES ENTRE A
HISTÓRIA NACIONAL E O LOCAL
1.1. A Complexidade Histórica Nacional
O período de funcionamento da Escola Municipal Ernani Moreira Franco é bastante
longo, se o considerarmos em relação à sua contextualização. Fundada em 1964, são
quarenta e seis anos de existência. Desde então, a sociedade brasileira passou por inúmeras
transformações. Experimentou uma ditadura civil-militar, um período de transição e a
democratização. São momentos ímpares, que deverão ser retomados para que se possa
entender melhor o movimento da escola na sociedade. Também serão retomados momentos
anteriores à fundação, pois estes trazem aspectos que irão influir em acontecimentos
futuros. Entretanto, tais momentos não poderão ser muito aprofundados, já que o período
de que trata a pesquisa é extenso demais. Dessa forma, apenas os aspectos mais
importantes serão analisados.
Além da história em geral, também é de enorme importância para este trabalho
chamar a atenção para os rumos que a educação vai tomar no contexto nacional e o
desenvolvimento do município de Niterói.
São dimensões muito importantes e de grande contribuição que se tome
conhecimento do contexto. Sempre levando em consideração o quanto o nacional influi no
local. Mesmo tendo este um aspecto singular, mediações do nacional sempre acabam por
influenciá-lo.
Na busca por uma melhor compreensão do objeto é preciso voltar um pouco no
tempo e compreender tal período. A Escola Municipal Ernani Moreira Franco foi
inaugurada no ano de 1981, quando um novo prédio, na Rua Bonfim, foi construído. No
entanto, o colégio já existia desde 1964, em outro endereço, com o nome de Escola
Municipal Duque de Caxias.
A escola passa por distintos e variados momentos da história nacional. E para
compreendê-la é preciso saber um pouco sobre esses momentos. Quando é fundada, o país
21
passa por um período em que os militares estão no poder e, recebe, então o nome do
patrono do Exército. Logo após a abertura política e redemocratização nacional, tal escola
muda de nome, recebendo o nome do filho falecido do prefeito da cidade, que fora eleito
em 1976, ficando no cargo até 1982, pelo MDB, partido de oposição ao regime militar.
Sendo assim, é de extrema importância explicar tal momento, tão significativo da história
nacional, e os que o precederam7.
Segundo Silva (1990, p. 351) “no período entre 1950 e 1980, ocorre o mais intenso
processo de modernização pelo qual o país já passou, alterando em profundidade a
fisionomia social, econômica e política do Brasil”.
Grandes alterações vinham acontecendo desde a década de 1950, dentre elas
podemos destacar a grande importância da relação campo/cidade. Ainda segundo Silva
(1990), de 1950 para a década de 1980 a população rural caiu de 64% para 33%. Isso
representa o deslocamento do eixo econômico do campo, com sua tradicional e secular
produção de riquezas, para a cidade com a formação megalópoles. Um forte êxodo rural
esvazia o interior causado por condições sociais extremamente desfavoráveis e pelo
aumento da violência rural. Com esse crescimento populacional das cidades, houve a quase
generalização das relações de produção capitalista. A maior parte da mão-de-obra passa
para o setor operário.
É importante ressaltar que o setor industrial brasileiro vinha crescendo desde o
governo de Eurico Gaspar Dutra, em 1946. As prioridades estabelecidas pelo seu governo
levavam o Brasil a se moldar a associação com o capital estrangeiro. O governo de Getúlio
Vargas dá continuidade ao processo nacional-desenvolvimentista, com sua política de
substituições das importações. O desenvolvimento econômico seria baseado nas
exportações tradicionais e na substituição de importações, em que estes bens seriam
produzidos no Brasil. O processo de industrialização pautado no capital estrangeiro é
intensificado no governo de Juscelino Kubitscheck. Tal processo econômico levou a
algumas contradições como o favorecimento do processo de concentração de capital das
empresas, mas por outro lado esbarra na questão da inflação e da dívida externa.
Além disso, os governos Vargas e Kubitscheck não eram admirados pelos militares.
Silva (1990, p. 355) coloca que, em 1954, um núcleo de conspiração havia se formado e
7 As afirmações são produzidas através de minhas observações e reflexões sobre os acontecimentos e de documentos
encontrados, neste caso, especificamente, do decreto1529 de 24 de agosto de 1964, de fundação da escola.
22
“levaria o próprio Vargas ao suicídio em agosto do mesmo ano, sob a liderança dos
generais Juarez Távora, Canrobert Pereira da Costa e Pery Beviláqua”. Com posse de
Juscelino Kubtischeck e João Goulart os militares continuaram conspirando e os acusavam
de corrupção e de serem economicamente ineptos, permitindo que a inflação alcançasse um
nível que ainda não fora visto.
Só então conseguem que um membro da UDN, partido apoiado pelos militares,
chegue ao poder. Jânio Quadros é eleito em 1961, com proposta de recuperação econômica
e austeridade. Apesar disso, o vice-presidente eleito foi João Goulart do PDT e que fora
ministro de Vargas e vice de Kubitscheck. De acordo com Silva:
O presidente Jânio Quadros, inconformado com os limites constitucionais ao seu governo
e açoitado pelos índices inflacionários, concebe um plano tão sinistro quanto ingênuo, de
forçar a concessão de amplos poderes pelo Congresso Nacional, apresentando em 24 de
agosto de 1961, sete meses depois de sua posse, sua renúncia.” (ibid, p. 356)
Como seu vice estava em viagem a China, e não tinha o apoio militar, Quadros
acreditava que estes o pediriam para que retomasse o poder e, agora sob forma ditatorial.
Não foi o que aconteceu, os militares assumiram o poder e declararam Goulart impedido de
assumir. Em 07 de novembro de 1961, Goulart assume, mas sob o regime parlamentarista.
Nesse mesmo ano, a crise de abastecimento que já vinha ocorrendo é potencializada. A
inflação aumenta, motins populares ocorrem em algumas cidades com saques a armazéns.
Mas:
Todas as propostas de desbloquear a economia brasileira eram duramente acusadas de
comunismo, condenadas pelos partidos políticos de direita e do centro, particularmente o
PSD, com forte inserção rural em Minas Gerais e no Nordeste, onde seus quadros eram
compostos por velhos coronéis, caciques políticos locais, com base latifundista e que
usavam o acesso a terra como elemento de barganha eleitoral. (Ibid, p. 361)
Em janeiro de 1963, apoiado pela classe operária, representada pela CNTI
(Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria), Goulart assume o poder, após um
plebiscito que apoiava o presidencialismo. João Goulart se prende a idéia de que a
industrialização garantiria a Reforma Agrária. O que garantiria “o fim da inflação, baixos
salários e abundância de matérias-primas, através da modernização agrícola e da superação
23
do latifúndio tradicional, atrasado e improdutivo” (Ibid, p. 362). Porém, Goulart tinha
dificuldade para realizar seus projetos, pois não tinha maioria no Congresso e, por outro
lado, seus aliados pressionavam exigindo a reforma. Cada vez mais os problemas se
agravavam. A carestia não diminuía e foi seguida de fome no Nordeste. “Gêneros de
primeira necessidade, como açúcar, feijão e arroz desapareciam dos mercados do Rio de
Janeiro e de São Paulo. Criando um clima de convulsão social e mal-estar político.” (Ibid,
p. 362)
Não bastassem os problemas internos, o governo Goulart ainda sofria pressões
norte-americanas. O governo John Kennedy tentava alinhar o Brasil a política de
enfrentamento e bloqueio a Cuba. Utilizava-se da “Aliança Para o Progresso”, fornecendo
alimentos e recursos apenas aos estados e municípios que apresentassem oposição ao
Governo Federal. Além disso, incentivava a doação de somas em dinheiro a dois institutos
formados para organizar e centralizar ações contra o governo Goulart, o IBAD (Instituto
Brasileiro de Ação Democrática) e a ESG (Escola Superior de Guerra).
Otavio Ianni (1968, p. 144) coloca que a “crescente militarização da política é o
resultado do aguçamento das tensões e contradições entre grupos e classes sociais em luta
pelo poder”.
Neste momento de forte crise econômica e de enfrentamento social o golpe civil-
militar começa a ser estabelecido. Goulart busca na rua, através de manifestações de massa,
o respaldo que o Congresso Nacional não lhe oferecia. No entanto, o golpe é rápido e o
presidente prefere se retirar pacificamente para evitar o derramamento de sangue.
A sociedade civil que apoiou o golpe acreditava que esta seria uma intervenção
rápida. Duraria apenas o tempo de restabelecer a economia, controlar a inflação e acabar
com a corrupção. “A intervenção deveria ser curta e saneadora, tendo em vista,
exclusivamente, o restabelecimento da ordem política e econômica, para permitir em
seguida a volta a vida política normal do país” (Silva, 1990, p. 367).
No entanto não foi o que aconteceu. De 1964 a 1984, os generais se sucederam no
poder. Cada vez mais autoritários, reprimindo qualquer reação contrária ao regime.
Entretanto o grau de envolvimento que os militares assumiram em inúmeros setores da
vida nacional, sempre convencidos de sua superioridade administrativa e seguros de seu
neutralismo político desde os primeiros dias do golpe, deixava entrever uma ação
continuada e de longa duração. (SILVA, 1990, p. 368).
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O período foi marcado pela intensidade da ação repressiva, principalmente contra o
trabalhismo e as organizações de esquerda, sindicatos, UNE, Universidades, jornais e rádio,
tiveram suas sedes ocupadas ou destruídas. Houve mortes e desaparecimentos de lideranças
políticas.
O governo Castelo Branco tem em seu ministério políticos identificados com o
liberalismo. Uma das medidas adotadas foi a revogação da Lei de Remessas de Lucros para
o Exterior, em que houve a liberalização da entrada, ação e saída de capital estrangeiro no
país. Além disso, houve o controle dos salários sempre abaixo da inflação, com a finalidade
de manter a competitividade dos produtos brasileiros no exterior. A privatização de alguns
setores também foi utilizada como meio de criar bases para o desenvolvimento nacional.
Com estas medidas o regime se torna antipopular e se vê obrigado a aprofundar a repressão
para manter o controle.
Como toda essa ação repressiva provocasse mal-estar no Congresso, já funcionando sob
controle militar, algumas lideranças protestam contra militarização do país. As lideranças civis
da “Revolução”, em particular Carlos Lacerda e Ademar de Barros, temem a perpetuação do
poder militar, que prejudicaria seus projetos de alcançar a presidência da República” (Silva,
1990, p. 369)
Com o passar do tempo foi possível a população reconhecer que a regularização da
inflação e a retomada do crescimento econômico, foi possível pela ampliação da pobreza e
da repressão, imposta pela Lei de Segurança Nacional.
A oposição estava se fortalecendo e, por isso, os militares mais radicais impõem o
Ato Institucional n° 2 que dissolve os partido políticos, limitando a ação política a duas
frentes. Eram elas a ARENA (Aliança Nacional Libertadora) de apoio ao regime e o MDB
(Movimento Democrático Brasileiro). A Constituição de 1946 é reformula com um sentido
amplamente autoritário.
No ano de 1968, a resistência civil se torna mais forte, e ocorrem conflitos de rua,
principalmente no Rio de Janeiro. Em resposta a isso, é instalado o Ato Institucional n° 5.
Este fecha o Congresso, cassa parlamentares, estabelece a censura e os inquérito militares
sigilosos. O país é declarado em guerra subversiva.
25
A maioria dos autores considera o governo Médici o mais radical do regime militar.
Registraram-se casos famosos de mortes de opositores do regime, como o caso de Rubens
Paiva e Stuart Angel. A censura é cada vez mais dura com os setores culturais como a
música, o cinema e o teatro. É também neste governo que se dá o chamado “Milagre
Brasileiro” depois dos mais altos índices de crescimento do país. Mas é também neste
governo que o milagre inicia sua decadência, que leva a descrença no regime.
O presidente Geisel inicia a abertura política, e afasta do poder militares
identificados com a tortura e a corrupção. “Sob pressão da opinião pública dá continuidade
a uma abertura lenta, gradual e segura, consolidada pela Emenda Constitucional de 1978,
que revoga os atos discriminatórios e restabelece eleições locais” (Silva, 1990, p. 374).
De 1978 a 1984, o último general presidente esteve no poder. Figueiredo acelerou a
abertura política. Concedeu a anistia política, exigida pela sociedade civil, alterou a
legislação partidária dando maior liberdade de organização aos partidos.
A década de 1980 foi vista pelo país como um momento de rever suas políticas
econômicas e sociais. Chamada de década perdida, foi um período de inadimplência levado
pela dependência em relação ao endividamento externo. Sob pressão o Congresso vota
pelas eleições indiretas. Tancredo Neves é eleito, porém morreu antes de assumir o cargo e
quem assume é seu vice-presidente, José Sarney, ex-líder governista. Para Silva (Ibid, p.
385) esse processo se deu sob a forma de transição pactuada, “lenta e gradual, segura para
as forças até então no poder e as forças progressistas da oposição”.
O Congresso Nacional foi transformado em Assembléia Nacional Constituinte, em
fevereiro de 1987 e a Constituição foi aprovada em 5 de outubro de 1988. Silva (Ibid, p.
391) considera esta a “mais democrática Constituição brasileira e a com maior preocupação
com os direitos sociais”. Esta estabelecia eleições diretas, em dois turnos, para os cargos do
executivo, com mandatos de cinco anos; o presidencialismo como forma de governo; a
independência dos três poderes; restringia a atuação das forças armadas; com voto
facultativo, extensivo aos analfabetos e maiores de 16 anos. Apresentava também a
incorporação de uma série de direitos civis e sociais, bem como garantias trabalhistas.
Um outro ponto importante do governo Sarney foi a implementação do Plano
Cruzado, em março de 1986. Esta foi uma reforma monetária, com a criação de uma nova
moeda, o Cruzado, que previa algumas medidas para estabilizar a economia. Dentre estas
26
medidas estava o congelamento dos preços e salários, abono de 8% para todos os
trabalhadores, o salário desemprego e a criação de um gatilho salarial para quando a
inflação ultrapassasse 20%.
A inflação diminuiu, no entanto, a dívida externa continuava pressionando o
câmbio, a arrecadação é menor que os gastos públicos, e continuavam os empréstimos no
mercado financeiro.
Em outubro de 1986 o governo decretou o Plano Cruzado II. Em 1988, o ministro
da economia - Luís Carlos Bresser - lança o plano Bresser. Apesar de promover perdas
salariais não consegue manter a inflação que neste ano chega a 933% ao ano.
Os trabalhadores reagem a partir de inúmeras greves. Ocorrem também
manifestações nas ruas do Rio de Janeiro.
É ainda no governo Sarney que começa a despontar a candidatura de Fernando
Collor de Melo. Este, governador do Alagoas, denunciou os inúmeros “marajás” do serviço
público. Com isso, ganhou fama e venceu o candidato Lula, nas primeiras eleições diretas
para presidente do Brasil, em 1988.
No dia seguinte à sua posse o presidente dá a notícia do confisco quase total das
poupanças no país. Houve a implantação do Plano Collor, buscando combater a inflação,
reduzir gastos públicos, o congelamento de preços e fixar valores de aluguéis e salários.
Embora a princípio parecesse dar certo, o país caminhava para a recessão, com
desemprego, alto custo de vida, falências. Mas o que desgastou o governo Collor foram os
escândalos e denúncias de corrupção, desvios de verbas, tráfico de influência,
superfaturamentos. Foi instaurada uma CPI que constatou a veracidade das denúncias.
Devido a estes acontecimentos iniciou-se o movimento de impeachment, que ganhou
vitalidade com a adesão dos estudantes, cara-pintadas. Em 1992, o presidente renunciou ao
mandato como forma de evitar a cassação dos seus direitos políticos por oito anos e
garantir sua elegibilidade. No entanto, o Senado decidiu pelo impeachment e Collor ficou
proibido de disputar qualquer eleição até 2000.
Com a saída de Collor, assume a presidência o seu vice-presidente Itamar Franco. A
opinião pública acreditava que o país fosse restaurar a moralidade política, entretanto, o
país continuou em recessão, inflação e aumento da pobreza.
27
Fernando Henrique Cardoso foi nomeado Ministro da Fazendo. Elaborou um plano
de estabilização financeira, combate à inflação e redução dos gastos públicos, o Plano Real.
Introduziu uma nova moeda, o Real. A inflação que em junho de 1994 era de 50,7% cai em
novembro para 2,95% e em dezembro para 0,96%. Assim, o valor real dos salários
aumentou, a economia se fortaleceu, a produção industrial cresceu e os gastos públicos
diminuíram.
O sucesso do plano gerou um resultado político altamente favorável ao ministro
Fernando Henrique Cardoso, sua eleição à presidência da República em 1994.
Seu governo foi marcado pelo grande número de privatizações das empresas
estatais, mesmo com oposição de alguns setores sociais. Mantém forte relacionamento com
as agências financeiras internacionais e segue um modelo econômico neoliberal.
Consegue se reeleger em 1998, mas, posteriormente, não consegue deixar seu
sucessor no poder. Quem assumiu a presidência foi Luis Inácio Lula da Silva, o Lula, que
vinha crescendo no cenário nacional como líder sindicalista no ABC Paulista e que buscava
se eleger desde a primeira eleição direta. Candidato de oposição, tinha a promessa de
melhoria da vida do brasileiro. Apresentou programas de complementação de renda, na
verdade ampliou bastante, pois estes já existiam desde o governo anterior, programas
voltados para as classes mais pobres. Apesar do grande apoio popular, teve problemas com
o envolvimento de seus aliados em acusações de corrupção. Foi reeleito e está no poder até
a presente pesquisa.
O recorte temporal da pesquisa é bastante longo, por isso se faz necessário este
painel, sabendo, porém que nessa contextualização não focalizamos todos os fatos sobre o
período. É importante conhecer os momentos pelos quais o país passou, pois, ajudará a
compreender as tensões o desenvolvimento da escola, como instituição pública oficial.
É um período muito extenso e no qual o país passou por intensas transformações em
seus quadros políticos, econômicos, sociais, culturais. Foram momentos controversos para
chegar a atual e jovem democracia. Todos esses acontecimentos influíram nos demais
setores sociais e a educação sofreu ampla interferência no período.
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1.2. História da Educação no período estudado: caminhos e tensões
O período que trata esse trabalho passou por intensas mudanças na educação. É um
período longo e pelo qual o país passou por momentos bastante distintos, os quais influíram
muito na educação nacional. Foram registradas muitas políticas públicas ligadas à
educação.
Segundo Otaísa Romanelli, a educação brasileira está intimamente ligada não
apenas a demandas sociais, mas também a questões da economia nacional, “[...] a escola
nacional evolui também em função dos papéis que lhe reconhecia a economia. Pelo menos
enquanto perdurou a economia exportadora agrícola, com base em fatores arcaicos de
produção, a escola não foi chamada a exercer qualquer papel importante na formação de
quadros e qualificação de recursos humanos” (ROMANELLI, 1997, p. 55). Foi a partir do
período de implantação do capitalismo no Brasil, na década de 1930, que na busca por uma
mão-de-obra mais qualificada, a educação começa a se expandir. Sendo que as mudanças
ocorridas foram apenas de caráter quantitativo. “Onde, pois, se desenvolvem relações
capitalistas, nasce a necessidade da leitura e da escrita, como pré-requisito de uma melhor
condição para concorrência no mercado de trabalho”(Ibid, p. 59). A crescente urbanização,
o aumento da densidade demográfica e da renda per capta foram acompanhados pela
diminuição da taxa de analfabetismo.
Segundo Romanelli (1997), a expansão do sistema escolar se dá a partir de
contradições. Existia a pressão social pela educação, cada vez mais exigente. Por outro lado
as elites no poder buscavam controlar essa expansão, limitando a distribuição das escolas e
mantendo o seu caráter elitizante. De acordo com Noronha (1994) a escola passou a ser
priorizada, no discurso, como elemento chave no processo de desenvolvimento nacional.
Noronha (Ibid) coloca que a década de 1960 foi marcada por movimentos de
educação popular. O governo João Goulart mostrou alguma preocupação com a cultura e
educação nacionais, criando em 1962 o CFE (Conselho Federal de Educação) e com
aprovação do PNE (Plano Nacional de Educação). Este plano tinha como uma de suas
metas a eliminação do analfabetismo. Foi criado também com esse mesmo intuito a
Comissão Nacional de Alfabetização, que deveria elaborar o Plano Nacional de
29
alfabetização, que tinha o propósito de adotar o método Paulo Freire, estendendo a
alfabetização ao maior numero de pessoas possível. O PNA foi extinto pelo, já citado
anteriormente, golpe civil militar de 1964, que implantou em seu lugar a Cruzada ABC.
O projeto de atuação da Cruzada ABC estava destinado principalmente ao Nordeste,
tendo como objetivo neutralizar a ação de programas anteriores. Era financiada pela
USAID.
Posteriormente, foi criado o Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização). Este
era financiado por parte da arrecadação da Loteria Esportiva e por 1% do imposto de renda
das pessoas jurídicas. Na visão de Noronha (Ibid) era um instrumento de controle político
de massas. Arnaldo Niskier (1989) coloca como objetivos do movimento a erradicação do
analfabetismo, a integração dos alfabetizados na sociedade, oportunidade aos menos
favorecidos através da educação.
Em 1961 foi decretada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que busca
adequar a educação ao projeto de modernização do país. Segundo Noronha, a LDBEN
buscava dar maior liberdade de ensino e defender a escola pública. No entanto, “os
princípios da descentralização e o favorecimento ao ensino particular, de certa forma,
estimularam a expansão de cursos profissionalizantes de nível médio de qualidade
duvidosa, oferecidos no período noturno, em sua maioria” (NORONHA, 1994, p. 219)
Neste mesmo ano, empresários de São Paulo e do Rio de Janeiro criaram o Ipes
(Instituto de Pesquisas e Estudos Socias), e com seus estudos buscavam influenciar a
política do pós 1964 e as políticas educacionais a partir da visão empresarial. “O objetivo
da educação seria formar o produtor, o consumidor e a mão-de-obra requerida pela
indústria moderna, integrando-se ao capitalismo internacional.” (Ibid, p. 219)
Neste período podemos observar também o surgimento de propostas de educação
Permanente, para que a população trabalhadora pudesse se adaptar rapidamente às novas
demandas exigidas pelo mundo do trabalho. É nesse contexto que se dão os acordos
MEC/USAID, em que o Brasil recebe ajuda internacional para conduzir sua educação.
Romanelli coloca que a ação da AID:
Embora não explicitasse uma ação direta, planejadora e organizadora, incluía, e isso está
evidentemente implícito nos programas, um tipo de ação que implicava doutrinação e e
treinamento de órgãos e pessoas intermediárias brasileiras, com vistas obviamente a uma
30
intervenção na formulação de estratégias que a própria AID pretendia fosse adotada pelos
dirigentes, órgãos e instituições educacionais. (ROMANELLI, 1997, p.210)
Segundo a mesma autora os acordos tinham como objetivo estabelecer uma relação
de eficácia entre recursos e produtividade; atuar no nível micro, para melhorarem
conteúdos, métodos e técnicas de ensino; atuar diretamente nas instituições de ensino,
fazendo delas mais eficientes ao desenvolvimento; modernizar os meios de comunicação de
massas, melhorando assim a informação nos meios extra-escolar; reforçar o ensino
superior, para auxiliar no desenvolvimento nacional.
Tais acordos conseguiram uma abrangência muito grande, alcançando todo o
sistema escolar, nos níveis primário, médio e superior, nos ramos acadêmico e profissional,
e no funcionamento, através da reestruturação administrativa, do planejamento e do
treinamento de pessoal docente e técnico, além do controle do conteúdo, através do
controle de publicação e distribuição de livros.
Outro aspecto importante foi a utilização de órgãos centrais de decisão e
administração de educação para coordenação e execução dos programas propostos. Dessa
forma os governos estaduais não tomaram parte nas decisões acertadas.
Romanelli cita que estes acordos tomavam uma análise parcial e tendenciosa dos
problemas educacionais brasileiros e usavam a crise do sistema como justificativa para a
assinatura dos acordos. Além disso, explica também que os acordos são mais vantajosos ao
país fornecedor do que ao país beneficiário, e coloca que o teor de todos os documentos
inclui:
a) fornecimento de ajuda financeira sob a forma de pagamento de serviços aos
assessores americanos, bolsas de treinamento de brasileiros nos Estados Unidos
e, am alguns casos, financiamento para a realização de experiências-piloto de
treinamento de pessoal;
b) fornecimento de pessoal técnico americano para prestação de assessoria
técnica, assessoria de planejamento e proposição de programas de pesquisas;
c) financiamento sob a responsabilidade do MEC, das despesas de alojamento
desse pessoal e de viagens, transporte e manutenção do pessoal brasileiro
designado para trabalhar nas comissões junto dos técnicos americanos. (Ibid,
p.215)
31
Mesmo com todos esses acordos, que foram, de alguma forma, tentativas de
melhorar a qualidade da educação, para que o país inserido no universo capitalista pudesse
se modernizar, as alterações para melhor, no período que compreende entre 1960 e 1970,
devem ser relativizadas. Noronha explica que o problema do analfabetismo se agravou, em
vista do aumento do número de pessoas analfabetas em número absoluto e porque não
foram tomadas medidas efetivas em nível governamental para que este problema fosse
resolvido.
Nesse momento da história brasileira, o planejamento foi uma das maneiras
encontradas para tentar resolver as crises criadas pelo avanço capitalista. As políticas
educativas foram também adotando os preceitos técnicos. Na educação é possível perceber
perfeitamente este aspecto na tendência tecnicista.
Em meio ao regime militar se instala a tendência tecnicista em toda a sociedade,
incluindo a educação nacional.Isso ocorre baseado na idéia de que a escola só se tornaria
eficaz se adotasse o modelo empresarial. “Isso significa adotar na escola o modelo de
racionalização típico do sistema de produção capitalista” (ARANHA, 2000, p. 175).
Tal tendência educacional surgiu nos EUA, e seus teóricos passaram a influenciar
países latino-americanos em vias de desenvolvimento. No Brasil essa influência se
manifestou após 1964, nos já citados acordos MEC/USAID.
Como coloca Aranha (2000, p. 175), a tendência tecnicista tem sua escola baseada
no modelo empresarial, em que precisava adequar a educação à sociedade “industrial e
tecnológica. Dando ênfase à preparação de mão-de-obra qualificada para o mercado”. Seu
conteúdo é baseado em informações objetivas que possam propiciar ao indivíduo sua
adaptação ao trabalho. Preocupação com a apropriação do saber científico.
O método para transmissão do conteúdo é o taylorista, baseado na divisão de tarefas
entre os técnicos do ensino. Estes estão incumbidos do planejamento racional e cabe ao
professor executar em sala de aula aquilo que previamente havia pensado. A avaliação dos
alunos é baseada na verificação do cumprimento ou não dos objetivos propostos. Os meios
didáticos eram valorizados a partir da ênfase sobre a tecnologia educacional. Era
incentivado o uso de filmes, slides, máquinas de ensinar, telensino, módulos de ensino,
computador, entre outros.
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Como coloca Aranha (2000), a tendência tecnicista se baseia em uma visão
tecnocrática e cientificista que orientava o período. E, assim, passamos a viver numa
sociedade em que a última palavra era sempre dos técnicos e administradores competentes.
Baseados nesta tendência educacional, a partir dos acordos MEC/USAID, foram
implantadas duas grandes reformas na educação nacional.
Por meio da Lei 5540/68 se deu a Reforma do Ensino superior. Basicamente, nessa
reforma houve a departamentalização, a instituição do ciclo básico, a unificação do
vestibular, a matrícula por disciplina, a criação de cursos de curta duração, entre outros.
Tais medidas se contrapunham ao anseio de autonomia da Universidade.
Como conseqüência, estes não teriam mais turmas que estariam unidas até o final do
curso, e os professores ficariam isolados em seus departamentos dificultando assim o
encontro e a coesão política ( NORONHA, 1994, p. 236)
Romanelli resume as mudanças e observa nelas as seguintes características:
Integração de cursos, áreas e disciplinas.
Composição curricular, que teoricamente atende a interesses individuais dos alunos pela
presença de disciplinas obrigatórias e optativas e pela matrícula por disciplina.
Centralização da coordenação administrativa, didática e de pesquisa.
Cursos de vários níveis e de duração diferente.
Incentivo formal à pesquisa.
Extinção da cátedra
Ampliação da representação nos órgãos de direção às várias categorias docentes.
Controle de expansão e orientação da escolha da demanda pelo planejamento da
distribuição de vagas.
Dinamização da extensão universitária, etc. (ROMANELLI, 1997, p. 231)
Esta autora explica que tal reforma criou um a “complexidade administrativa e uma
intrincada teia de mecanismos de controle” que a tornou mais conservadora na sua estrutura
geral. “Com tudo isso, a modernidade só veio acarretar um poderoso aumento do esquema
de dominação dentro e fora da universidade, do que resultou na perda total de sua
autonomia” (Ibid, p. 233)
Pouco tempo depois o ciclo de reformas continuou com a lei 5692/71, que trazia
mudanças ao ensino de 1° e 2° graus. Nas palavras de Noronha, essa lei “acabou por
expressar as estratégias em prol de uma ideologia desenvolvimentista com acento
privatizante na educação e compulsoriamente profissionalizante” (1994, p. 249). Com
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relação aos cursos profissionalizantes, as escolas particulares tiveram maior êxito, enquanto
as públicas tiveram mais dificuldade devido ao repasse de recursos por parte do Estado.
Romanelli (1997) chama a atenção para o fato de que essa reforma já havia sido
indicada, anteriormente, nos acordos MEC/USAID, no Relatório Meira Matos e no
Relatório do Grupo de Trabalho da Reforma Universitária. Entretanto, havia divergências
entre a proposta do grupo internacional e dos grupos brasileiros, quanto ao teor da reforma.
A reforma proposta nos acordos MEC/USAID privilegia o ensino de 1° grau. A
industrialização exigia uma base de educação fundamental, mas não era necessária uma
escolarização muito alta, pois dispenderia custos desnecessários. Além disso, a mão-de-
obra deveria ser qualificada, mas não cara.
Já os grupos nacionais estavam mais preocupados com o 2° grau e com a
Universidade. Viam no ensino profissional uma maneira de diminuir também a
marginalização dos que terminariam a sua escolarização sem chegar a Universidade.
A reforma trouxe a ampliação da obrigatoriedade escolar, para oito anos, da faixa
etária dos 07 aos 14 anos, com carga horária anual de 720 horas. Houve a junção do curso
primário e do ginasial, com a eliminação do exame admissional. Este era um dos entraves
para que os estudantes continuassem em frente. O 2° grau deveria ter três ou quatro anos,
com as respectivas cargas horárias de 2200 horas e 2900 horas. Seu objetivo primordial era
a habilitação profissional.
Os currículos deveriam ter uma base nacional comum, no entanto, havia espaço
para os conhecimentos locais. Estes deveriam ser definidos a nível estadual, pelos
Conselhos Estaduais de Educação. Houve, ainda, a inclusão de matérias obrigatórias,
Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde.
Paralela a reforma levada pela lei 5692/71 outras medidas foram tomadas para
compensar as defasagens de aprendizagem. Dentre estas medidas é possível destacar os
cursos supletivos, cursos rápidos de aprendizagem de um ofício, junto ao Senai, Sesi,
Senac, os Telecursos e as tvs educativas.
A partir do governo Geisel, em 1975, se iniciou a municipalização do ensino, que
estava prevista na lei 5692/71. Assim, deveria ser transferido ao município a
responsabilidade do ensino de 1° grau. Tinha como justificativa a democratização do
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ensino. Na verdade, tal medida acabou por levar a desobrigação do Estado com relação à
Educação Básica.
Mesmo com tantas medidas e reformas no Ensino Nacional, o índice de
analfabetismo continuou a crescer. Aumentavam também os índices de evasão e repetência
no 1° grau. O ensino profissionalizante não conseguiu atingir seus objetivos. Os egressos
de cursos profissionalizantes continuaram a procurar as Universidades. A falta de recursos
levou as escolas públicas a manterem equipamentos precários e obsoletos. A manutenção
de seus estudantes era 60% mais cara que nos cursos do antigo secundário. Levados por
tais problemas, a educação profissionalizante foi gradativamente deixando de ser
obrigatória (Pareceres CEF 45/72 e 76/75). Até sua obrigatoriedade ser totalmente
revogada com a lei 7044/82.
A década de 1980 foi um período de crise econômica, política, social. Neste período
a pressão pela abertura política do regime aumentava a cada dia. Os setores educacionais
também estavam nesta luta e buscavam, ainda, mais verbas para o ensino público. Houve
uma intensa reorganização no campo da educação, principalmente nas reflexões
educacionais. Algumas entidades foram criadas, a saber, o Cedes (Centro de Estudos de
Educação e sociedade), a Anped (Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em
Educação); a Ande (Associação Nacional de Docentes em Educação).
Foi formado o Fórum Nacional de Educação na Constituinte, bem como o Fórum
em Defesa da Escola Pública, a Federação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino e a
Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas. Todas buscavam defender os
direitos das instituições que representavam na nova Constituição que estava sendo
formulada.
A partir da constituição de 1988, há o início do projeto da nova Lei de Diretrizes e
Bases da Educação, e essa passa a ser discutida no Congresso. O governo José Sarney traz
em seu discurso a idéia de “tudo pelo social” e lança o IPND/NR (Plano Nacional de
Desenvolvimento da Nova República – 1986-1989) que se autodefine como um plano de
reformas, de crescimento econômico e de combate à pobreza. É preciso revertê-la para que
todos os brasileiros possam usufruir seus direitos básicos.
No âmbito da questão educacional tal plano “apropria-se das principais bandeiras e
símbolos críticos existentes na produção teórica e nas expressões de luta do professorado.
35
Desta maneira, professores e governo parecem estar empenhados nas mesmas metas, em
prol da melhoria do sistema escolar brasileiro” ( NORONHA, 1994, p. 283).
Destacam-se aspectos ligados ao acesso ao sistema escolar, à qualidade do ensino, a
valorização dos profissionais de educação, e ao grande contingente de analfabetos. Propõe
ainda, a redefinição da escola de acordo com a realidade brasileira, buscando a
credibilidade da escola pública.
Esse plano trazia a resposta a todas as reivindicações básicas da sociedade com
relação à educação. Em seu projeto Brasil Novo, inexistia um programa de governo que
visasse a melhoria da educação. Alguns planos e programas foram criados e bastante
divulgados para causar impacto positivo na sociedade. No entanto, alguns deles sequer
saíram do papel.
Diante da omissão oficial com relação à educação algumas entidades da sociedade
civil iniciaram projetos de alfabetização de adultos. No ano de 1992, em meio a uma crise
econômico social, Collor recebe acusações de corrupção e sofre um processo de
impeachment. Em seu lugar, assume Itamar Franco. Devido ao sucesso do Plano Real, que
consegue estabilizar a economia, seu ministro Fernando Henrique Cardoso consegue se
eleger.
No governo de Fernando Henrique, a discussão sobre educação se deu em torno da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Tal governo implementou um perfil
neoliberal e profundamente alinhado com os pressupostos internacionais, como o Banco
Mundial. Para este, o sistema educativo deveria estar correlacionado ao sistema econômico
capitalista.
O Banco Mundial recomenda, numa situação de enfrentamento à pobreza, que a
prioridade na educação esteja voltada para a Educação Básica. A descentralização e
autonomia das instituições escolares por seus resultados positivos foi apoiada. Houve o
impulso do setor privado e das organizações não-governamentais.
São criados programas de avaliação da educação. Sendo que, estas avaliações estão
mais preocupadas com o resultado final do que com o processo educativo. A LDB, lei
9495/96, é aprovada pelo Congresso Nacional e “resultou da iniciativa personalista do
senador Darcy Ribeiro que fez uma síntese deturpada do longo processo de negociação do
36
projeto com a sociedade organizada, dando ao governo, que não tinha projeto de LDB,
exatamente aquilo de que necessitava” (LANEUVILLE, 2009, p117)
A política educacional brasileira estava sendo concebida sob a ótica neoliberal.
Como conseqüência desse modelo econômico, muitas privatizações de empresas
ocorreram, alguns direitos trabalhistas foram reduzidos, o desemprego aumentou, levando
ao conseqüente aumento da exclusão social.
De acordo com Laneuville (2009), apesar das reformas ocorridas, a educação não
melhorou. Com o fim do mandato de Fernando Henrique Cardoso, o ex-operário Lula
chegou ao poder, em 2002. Nos anos que se seguiram, três ministros estiveram no comando
da educação - Cristóvam Buarque, Tarso Genro e Fernando Haddad. Tais alterações podem
indicar a importância desta temática no governo, mas também foram responsáveis por
descontinuidades administrativas e alterações de programas e projetos educacionais.
Esse governo se encontrava em meio a um conflito sobre educação. Se por um lado,
sob a influencia do FMI o capital tradicional visava à implementação de políticas de
conformidade com seus interesses, de outro, os movimentos de esquerda exigiam do
governo a elaboração de programas e políticas que garantissem e ampliassem direitos e
conquistas da classe trabalhadora.
O governo Lula, segundo Laneuville (2009), acreditava estar promovendo uma
descentralização executiva. Faz uma crítica ao sistema nacional de avaliação e ao
descumprimento da lei do Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
de Valorização do Magistério (Fundeb), sobre o custo/aluno. Prevê a instituição de um
programa que propiciaria à família a manutenção financeira da criança na escola, para
garantir sua permanência.
1.3. O Município de Niterói
Um breve histórico se faz necessário sobre Niterói. No entanto, não é necessário
recuar muito no tempo, o período que mais interessa nesse trabalho é o que se aproxima da
fundação da escola até a atualidade, o que de qualquer forma já é um período bem extenso.
37
A cidade de Niterói surgiu no século XVI, depois da doação das terras à Araribóia,
posteriormente, chamado Martin Afonso. Isso Ocorreu como “premiação” por ter ajudado
aos portugueses, na expulsão dos franceses do Rio de Janeiro.
Desde que o Rio de Janeiro era sede da Corte Imperial e na, República, Distrito
Federal, acidade de Niterói era a capital fluminense. Com a transferência da capital
nacional para Brasília a cidade do Rio de Janeiro se tornou o estado da Guanabara. Isso
ocorreu até 1974, quando houve a fusão dos dois estados, Guanabara e Rio de Janeiro.
Dessa forma, Niterói perdeu seu status de capital para a cidade do Rio de Janeiro. Depois
desses acontecimentos, se deu um esvaziamento econômico e político da antiga capital.
A auto-estima dos habitantes de Niterói sofreu com o impacto da fusão. Mas Niterói
cresce. Suas qualidades e belezas passaram a ser conhecidas por habitantes de cidades
vizinhas. A população da cidade aumentou, principalmente depois da construção da ponte
Presidente Costa e Silva, mais conhecida como ponte Rio-Niterói. Em busca de qualidade
de vida, membros da classe média e alta vindos da região metropolitana do Rio de Janeiro,
do interior do estado e do Nordeste brasileiro procuravam Niterói para morar. Membros de
classes menos favorecidas também vinham para a cidade em busca de melhor qualidade de
vida.
Nesse contexto, a primeira escola criada no município de Niterói foi instalada no
Morro do Atalaia, entre os anos de 1914 e 1918. Segundo Laneuville (2009), até o final da
década de 1950 o preceito constitucional de obrigatoriedade e gratuidade no ensino de 1°
grau era garantido através de concessões de bolsas de estudos em escolas particulares.
A rede física da educação municipal começou a se formar depois de 1959, no
governo de Wilson Pereira de Oliveira. Tendo continuidade nos governos seguintes, que
até 1971 haviam criado treze unidades escolares, por meio de cessão, aluguel de prédios. E,
segundo Laneuville (Ibid) não puderam ser identificados precisamente o ano de fundação,
pois os documentos oficiais não eram precisos.
Na década de 1960, foram criados os primeiros órgãos de acompanhamento da
educação pública municipal. Em 1960 foi criado o Grupo Coordenador de Educação e
Cultura, em 1964, a Divisão de Educação e Cultura e, em 1969, o departamento de
Educação e Cultura. No ano de 1972 foram construídos os primeiros prédios públicos
38
destinados a abrigar unidades municipais de educação. Terrenos também foram adquiridos
para a substituição de unidades instaladas em prédios alugados ou cedidos.
A primeira Secretaria Municipal de Educação foi criada em 1975 e teve como o seu
primeiro secretário o professor Hélter Barcellos. Após a fusão dos estados da Guanabara e
do Rio de Janeiro foram criadas mais sete unidades.
A prioridade, segundo Laneuville (Ibid), estava na criação de escolas de Ensino de
1° grau. O que está de acordo com a obrigatoriedade constitucional de atendimento
municipal a esta clientela, de sete a catorze anos. No entanto, havia a demanda pelo Ensino
Pré-Escolar, que começava a se delinear. Além do atendimento à alunos do
Ensino Supletivo, que buscavam dar continuidade aos estudos do MOBRAL.
No primeiro governo Jorge Roberto da Silveira (1989-1992) houve a continuidade
do atendimento pré-escolar. Este recebeu um novo direcionamento, passando da
competência da Secretária de Bem-Estar Social para a Secretaria Municipal de Educação
(SME). Esse atendimento recebeu, assim, um caráter mais pedagógico e menos
assistencialista. Nos anos seguintes o crescimento desta continuou. Em 1991, foi criada a
Fundação Municipal de Educação, que, em conjunto com a SME, administra a educação
municipal da qual a Escola Municipal Ernani Moreira Franco é parte.
Este é parte do quadro pelo qual a escola passou durante os anos de seu
funcionamento, desde a sua fundação aos dias atuais. Sua compreensão nos ajudará a
entender um pouco melhor a história desta instituição. Como ela reage e se movimenta
neste cenário mais amplo sem perder características que a identificam.
39
CAPÍTULO 2
REFLEXÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS: TESITURA
ENTRE HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
As discussões entre os conceitos de memória e história remontam longa data. Se
pensarmos na Antiguidade Clássica essa discussão já ocorria. Em meio às lendas
mitológicas, havia o envolvimento entre essas dimensões. Nos mitos antigos, Mnemosine
era uma titã, que teve com Zeus nove filhas, dentre elas estava Clio, a musa da História.
Assim, pode-se perceber como essa discussão vem longa data e até hoje nos mobiliza.
Não se pode negar que, em alguns momentos, certa rivalidade ocorria entre os que
defendiam a primazia da memória ou da história. No entanto, acredito não ser essa a
discussão mais importante. O que teria valor seria ter como questão os modos de abordá-las
em conjunto, em sua indissociabilidade para desvendar o passado, com a finalidade de
permitir que o passado tome novos contornos. A história deve levar em consideração as
variadas versões sobre um fato, e procurar novos documentos, além dos oficiais. É preciso
tomar conhecimento do que aquele fato significou para todos os envolvidos, e a memória
tem grande importância nesse momento.
2.1. A Memória: discutindo o conceito
Neste trabalho o conceito de memória é muito importante, ou como nos escreve Le
Goff (2006, p. 419) - “crucial”, este autor a descreve como a “propriedade de conservar
certas informações, que nos remete em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas,
graças as quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou o que ele
representa como passadas”.
Nesse sentido podemos perceber a memória como essencial para a interpretação de
fatos passados. Além disso, permite também que vestígios do passado sejam revistos.
40
Através desses fatos podemos recordar acontecimentos e sentimentos que graças à memória
podem ser retomados e reinterpretados. E daí pode-se depreender que o passado não é
estático, seus significados estão em constante movimento.
Nas sociedades sem escrita havia os especialistas da memória, que eram os
responsáveis por sua guarda, fazendo com que esta memória não se perdesse. O que é
muito difícil na sociedade atual. Os fatos passados não são rememorados, não existem
pessoas com esta incumbência. E cada vez menos as pessoas falam sobre o passado mais
distante, e quando o fazem este não suscita discussão. Nas sociedades que não possuem
escrita, existem vários mitos, e é importante ressaltar que estes adquirem várias versões,
que estão ligadas a quem está narrando esse mito. Le Goff, escreve que Platão, no Fedro,
coloca que Sócrates conta a lenda de Thot, deus egípcio, patrono dos escribas e dos
funcionários letrados, inventor do cálculo, da astronomia, da geometria, do jogo de dados e
do alfabeto. Com isso, tal deus transforma a memória, contribuindo para enfraquecê-la.
O alfabeto engendrará o esquecimento nas almas de quem o aprender ; estas cessarão em
executar a memória porque, confiando no que está escrito, chamarão as coisas a mente
não já no seu próprio interior, mas no exterior, através de sinais estranhos. Tudo aquilo
que encontraste não é uma receita para a memória, mas para trazer as coisas à
mente.(Apud. Le Goff, 2006, p. 433).
No caso deste trabalho, busco, ao contrário, fazer com que a memória não vá para o
esquecimento. Na atualidade, a memória é pouco praticada, esse hábito de rememorar vai
se perdendo cada vez mais, dessa forma, aqui a escrita se torna um meio de guardar a
memória, que poderia desaparecer com o passar do tempo. É um registro escrito, pois como
Platão bem assinala não está mais no interior do indivíduo, mas em seu exterior.
Já na Idade Média, a idéia da escrita de fatos passados começa a ser mais bem
aceita, embora no domínio literário, oralidade e escrita continuem lado a lado. Segundo Le
Goff , Gyu, Conde de Neves declara em 1174:
O uso das letras foi descoberto e inventado para conservar a memória das coisas. Aquilo
que queremos reter e aprender de cor fazemos redigir por escrito, a fim do que se possa
reter perpetuamente na sua memória frágil e falível seja conservado por escrito e por
meio de letras que durem para sempre. ( ibid, p. 445)
41
Percebe-se que a escrita da memória passa a ter maior valor. Dão a esta o poder de
conservar a memória, sendo ela passível de erros, depois de escrita isso não poderia mais
acontecer. No entanto, esta visão trabalha com a idéia de que a memória escrita seria algo
estático e, assim, não seria possível sua reinvenção, ou mesmo que fosse revista de forma
mais crítica.
Na Idade Média são apresentadas por diversos autores uma série de cuidados com a
memória. Tomás de Aquino chega a formular regras mnemônicas, baseada em imagens e
lugares. No entanto, daí surgiram discussões sobre como tratar as memórias. Deveriam ser
tomadas ou não como algo único, por meio de regras.
Outro fator de revolução da memória foi a introdução da imprensa. Foram
mudanças lentas, porém, significativas. Le Goff coloca que, segundo alguns autores, seria
esse o período em que se inicia a agonia da memória. No século XVI, escreve Yates
“parece que a arte da memória se afasta dos grandes centros nevrálgicos da tradição
européia para se tornar marginal” (Ibid, p. 452).
Após a Revolução Francesa a memória retoma seu prestígio a partir das
comemorações. Nesse período, dá-se também a instalação dos arquivos nacionais, pois
devem estar disponíveis publicamente os documentos da memória nacional. Surge ainda a
era dos museus públicos e nacionais, como mais um meio de perpetuação e democratização
da memória.
Le Goff coloca ainda duas manifestações significativas para a memória coletiva. A
construção de monumentos aos mortos da 1ª guerra mundial, “em numerosos países é
erigido um Túmulo ao Soldado Desconhecido, procurando ultrapassar os limites da
memória, associado ao anonimato, proclamado sobre um cadáver sem nome a coesão da
nação em torno da memória comum” e a fotografia que multiplica e democratiza, dando
“uma precisão e uma verdade virtuais nunca antes atingida, permitindo assim guardar a
memória do tempo e da evolução cronológica” (Ibid, p.460).
Mas ainda estava por vir o que pode ser considerada a maior revolução da memória.
Esta se dá no século XX, depois de 1950, com o computador.
Le Goff (Ibid) destaca a memória como um elemento essencial da identidade
individual ou coletiva. Nesse sentido, também são grandes as contribuições de Michael
Pollak (1992). Este escreve que a memória embora pareça um fenômeno individual, deve,
42
porém, ser entendida como um fenômeno coletivo e social, construída coletivamente e
submetida a flutuações, transformações, mudanças constantes. Destaca elementos
constitutivos da memória, como os acontecimentos vividos pessoalmente e os
acontecimentos vividos por tabela. A pessoa ao relatar suas experiências, descreve
acontecimentos que vivenciou e acontecimentos que a marcaram, mas que dos quais não
participou. No entanto alguns acontecimentos são tão marcantes socialmente que até
mesmo as pessoas que não se envolveram o descrevem como se dele tivessem participado.
A memória também se constitui de pessoas e personagens, e os lugares. Todos esses podem
sofrer do mesmo fenômeno descrito acima para os acontecimentos, em que relatam o que
viveram e o que por tão forte se passou com a comunidade, que passou a fazer parte de sua
própria memória individual.
Uma outra característica da memória é a sua seletividade. Como descrita por Pollak
(Ibid), nem tudo fica gravado na memória do indivíduo, esta pode sofrer flutuações em
função do momento em que vive. As preocupações do momento têm grande importância na
estruturação da memória. Mas outro fator também está relacionado a esta seletividade da
memória, o esquecimento. Alguns fatos são marcantes na vida de uma sociedade, mas de
uma forma contrária aos que já foram citados anteriormente, os fatos que os indivíduos não
participaram que o contam como se o tivessem presenciado. Alguns destes acontecimentos
causam traumas no indivíduo ou em toda a sociedade, e estes acabam colocando-os no
esquecimento. Alguns quando perguntados preferem não comentar, outros passam pelo
assunto como se deles não tivesse nenhuma experiência. Quanto a isto, Pollak nos fala em
“Memória, esquecimento e silêncio” (1989). O autor usa o exemplo de pessoas que
sobreviveram a Segunda Guerra mundial e que preferem não falar de determinados
assuntos. “Em face dessa lembrança traumatizante, o silêncio parece se impor a todos
aqueles que preferem evitar culpar as vítimas” (Ibid, p.4). Le Goff (2006) também coloca a
questão do que não foi dito, a chamando de amnésia. Esta não é apenas uma perturbação
individual. Pode ocorrer de forma voluntária ou involuntária, a perda da memória coletiva
de povos e nações, e assim determinam grandes problemas na identidade coletiva.
Se a memória já é um termo tão controverso, cheio de detalhes que precisam ser
percebidos, e que já sofreu tanta discriminação social, com relação a escola a situação
parece ser ainda pior. Segundo Souza (1996) a pedagogia moderna surge como uma critica
43
a memória, como uma oposição entre memória e inteligência. Com isso a memória perdeu
toda a sua importância para o fazer pedagógico e por muito tempo foi desprezada. Nhary
(2008) nos coloca que o retorno da memória, das abordagens (auto)biográficas, das
histórias de vida são fruto da insatisfação das ciências sociais com o paradigma científico e
da necessidade de novos modos de conhecimento científico. Havia uma separação do “eu”
profissional do “eu” pessoal. No entanto, a crise do modelo escolar brasileiro vem trazendo
de volta a importância da memória, na busca pela identidade. Souza (1996), descreve que
há uma crise de identidade entre os professores e que a questão da memória é de grande
valia para a superação dessa crise.
A memória se mostra bastante importante para construção e manutenção de
identidades sociais. Sua retomada pelas ciências sociais mostra um momento marcado pela
importância dessa identidade para os grupos sociais.
A memória, essa operação coletiva dos acontecimentos e das interpretações do passado
que se quer salvaguardar, se integra, em tentativas mais ou menos conscientes de definir
ou reforçar sentimentos de pertencimento e fronteiras sociais entre coletividades... A
referência ao passado serve para manter a coesão dos grupos e das instituições que
compõem uma sociedade, para definir seu lugar respectivo, sua complementaridade, mas
também as oposições irredutíveis. (POLLAK, 1989, p. 9)
Sendo assim, podemos considerar a grande importância da memória para a
construção histórica do passado. A história pode ser mais completa, nos aspectos que
analisa, se considerar a memória.
2.2. A História
Atualmente, a História vem se interessando cada vez mais por temas que envolvem
o cotidiano das sociedades. Busca compreender como se dão os fenômenos sociais, por
mais peculiares que sejam, levando em consideração todos os que participaram dos
acontecimentos. A totalidade dos indivíduos é considerada atores histórico-sociais, e
44
histórias singulares de pessoas comuns são de grande valia para o entendimento do
complexo social. No entanto, nem sempre foi assim.
No século XIX, a História era feita de uma forma em que tentavam impor um modo
de pesquisa científica, “afastando qualquer especulação filosófica e visando objetividade
absoluta do domínio da história” (BOURDÉ; MARTIN, 2000, p. 97). Um de seus maiores
expoentes é a Revista Histórica, fundada por autores como G. Monod e G. Fagniez, em
1876, que tenta proceder segundo um método científico. Com a grande preocupação de
entrar para o hall das ciências, buscam assuntos que acreditam ser de interesse geral, como
economia e política, principalmente. Preocupados com os grandes feitos e grandes homens,
heróis. Essa história historicizante não levava em consideração o homem comum, ou as
situações cotidianas. A memória não fazia parte de suas possíveis fontes para investigação,
esta podia estar impregnada de juízos de valor, de sentimentos do indivíduo, e por isso, não
seria uma boa maneira de descobrir a verdade dos fatos. Somente os documentos oficiais
eram passíveis de estudo, neles encontrariam a verdade e, assim , poderiam descortinar o
passado (Ibid).
Charles Langlois e Charles Seignobos definem as regras da disciplina. Segundo
estes autores os documentos a serem utilizados só podem ser os escritos, refutam todos os
demais vestígios da história.Sendo assim, em sua visão os documentos históricos são
limitados o que leva também limitação da história. Uma de suas funções como
historiadores seria coletar esses materiais, registrá-los, classificá-los e depois submetê-los a
análise.
Embora seja intitulada por seus historiadores como uma ciência positiva, segundo
Bourdé e Martin (Ibid), a história era baseada não nos ensinamentos de Auguste Comte,
mas em Leopold Von Ranke, pois vários destes historiadores franceses foram completar
seus estudos na Alemanha. Dentre os postulados de Von Ranke é importante destacar
alguns que foram a base do da historiografia metódica.
1ª regra; incumbe ao historiador não julgar o passado nem instruir os seus
contemporâneos mas simplesmente dar conta do que realmente se passou,; 2ª regra: não
há nenhuma interdependência entre o sujeito conhecedor – o historiador – e o objeto do
conhecimento – o fato histórico. Por hipótese, o historiador escapa a qualquer
condicionamento social, o que lhe permite ser imparcial na percepção dos
acontecimentos; 3ª regra: a história existe em si, objetivamente, tem mesmo uma dada
forma, uma estrutura definida, que é diretamente acessível ao conhecimento; 4ª regra: a
relação cognitiva é conforme a um modelo mecanicista. O historiador registra o fato
45
histórico de maneira passiva, como o espelho reflete a imagem de um objeto, como o
aparelho fotográfico fixa o aspecto de uma cena ou de uma paisagem; 5ª regra: a tarefa do
historiador consiste em reunir um número suficiente de dados, assente em documentos
seguros, a partir destes fatos, por si só, o registro histórico organiza-se e deixa-se
interpretar. Qualquer reflexão teórica é inútil, mesmo prejudicial, porque introduz um
elemento de especulação” (Ibid, p. 114).
Assim, podemos perceber que esta maneira de fazer história estava baseada no
paradigma moderno da ciência, e que para ser identificada com esse paradigma precisava
criar suas regras científicas. Com isso, a história perdia de vista o homem comum e os
documentos que se fazem no dia-a-dia. Acreditava em uma ciência que conseguiria
descobrir o passado de verdade, porém, um passado limitado.
A história, como a conhecemos hoje, vem se formar a partir das críticas a este
modelo positivo. Uma nova tendência da historiografia francesa surge a partir da década
de 1920, onde este grupo “combate a uma história narrativa e do acontecimento, a
exaltação de uma historiografia problema, a importância de uma produção voltada para
todas as atividades humanas e não só à dimensão política e, por fim, a necessária
colaboração interdisciplinar” (BLOCH, 2001, p.10).
Esse novo movimento ficou conhecido como os Analles, que se expõe na A Revista
da Síntese, nos anos de 1920 e depois de maneira mais aberta na revista Les Analles,
durante os anos de 1930, liderados por Lucien Febvre e Marc Bloch, surge como um
combate ao modo de fazer história na França e ao qual chamavam historicizante.
No contexto do século XX, a Escola dos Analles tem uma maneira diferente de
fazer história, é a Nova História. E esta foi chamada pelo historiador inglês Peter Burk de a
“Revolução Francesa da Historiografia”. Esta dita revolução foi desencadeada em 1920,
por Febvre e Bloch, continuada por Braudel, mas é a partir dos historiadores de La
Nouvelle Histoire, de 1978, que encontrou seu grupo mais amplo.
A história nova é preocupada com o social, com as massas populares, sua vida,
pensamentos e sentimentos, sem se preocupar com fatos e pessoas singulares. Ao contrário
também do que pregava a história marxista que preconizava as estruturas econômicas. E
Cardoso e Vainfas assim nos descrevem a história nova:
uma história preocupada, enfim, não com a apologia de príncipes ou generais em feitos
singulares, senão com a sociedade global, e com a reconstrução dos fatos em série
passível de compreensão e explicação.(CARDOSO; VAINFAS, 1997, p. 130)
46
Após a fase de influência de Febvre e Bloch, surge no cenário historiográfico
Fernand Braudel. Este também tem forte influência sobre os estudos históricos, fazendo
parte da segunda geração dos Analles. Com ele surgem novas problemáticas, o espaço e o
tempo. Aborda três tipos de tempo, o tempo longo, o tempo médio e o tempo curto. A idéia
de longo tempo é de enorme importância para as mentalidades que mudam de forma muito
lenta.
Com o surgimento da terceira geração dos Analles, há um impulso sobre a história
das mentalidades. Somando-se a isso a influência da antropologia de Levi-Strauss na obra
de Michel Foucault. Sempre como alvo de muitas críticas, a história das mentalidades é
algo que muitos estudiosos tentaram definir. Esta tenta investigar o irracional das atitudes
humanas, resgatando a vida cotidiana, aceita qualquer tipo de documento e interage com
outros campos de conhecimento.
A enorme quantidade de críticas, internas e externas, juntamente com o desgaste do
termo, fez com que muitos autores deixassem de utilizá-lo. Em 1980, Le Goff publica um
artigo em que troca o termo por cotidiano.
A história cultural surge na tentativa de dar nova vida ao conceito de mentalidade.
Tem em comum com esta a aproximação com a antropologia e a longa duração, além de
abordar os mesmos temas e valorizar os atos cotidianos. Com o distanciamento dos
historiadores das mentalidades, mais precisamente com os historiadores desse campo
preocupados em descrever o cotidiano, é observada a preocupação com as classes e os
conflitos sociais.
Assim como a história das mentalidades, a história cultural foi vítima de
ambigüidades e discordâncias. Disciplina que apresenta muitas formas de se manifestar, é
difícil que os autores que tentam explicá-la cheguem a um consenso nestes modelos.
Apesar disso existem características muito importantes e que estão sempre presentes, como
a recusa ao modelo deturpado de mentalidade, influência do setor popular, e a valorização
das classes e dos conflitos sócio-culturais.
No presente momento, a história tem seus temas voltados para questões que
envolvem toda a sociedade. Não privilegia acontecimentos ou pessoas. Todas as classes
sociais são focadas nesta nova história. As fontes para pesquisa se ampliaram bastante, pois
47
qualquer pequeno vestígio pode ser muito importante. E houve uma retomada dos relatos
biográficos e da história oral.
2.3. A História Oral
A história oral é uma metodologia muito utilizada atualmente para se compreender
a história do tempo presente, de períodos não muito afastados no tempo. Sua utilização é
muito importante para a reconstituição de fatos passados, dos quais não temos muitos ou
nenhum vestígio escrito. Através dessa metodologia, é possível entender os acontecimentos
e também os sentimentos dos atores sociais envolvidos.
Segundo Abreu (200, p.01), “a história oral é uma metodologia de pesquisa e de
constituição de fontes para o estudo da história contemporânea surgida em meados do
século XX, após a invenção do gravador à fita”. Esta é o relato de pessoas que participaram
de um determinado acontecimento e que podem contribuir para sua interpretação.
A partir da década de 1970-1980 surgiu um novo quadro na história em que temas
contemporâneos foram incorporados a história, e com o impulso da história cultural,
revalorizando a biografia e as histórias de vida.
Queiroz (1988, p. 19) considera a história oral um “termo amplo que recobre uma
quantidade de relatos a respeito de fatos não registrados por outro tipo de documentação,
ou cuja documentação se quer completar”. Assim, com o auxílio da história oral é possível
pesquisar o tempo presente, onde muitos relatos podem ser conseguidos a respeito,
considerando sua pouca quantidade de fontes escritas. Dentre os meios de coleta dessas
informações, elas podem ocorrer como histórias de vida, entrevistas, depoimentos pessoais,
autobiografias, biografias, entre outros.
A história oral traz a possibilidade de dar chance a uma história vista por um outro
ângulo. Daqueles que participavam da situação, mas que não davam opinião ou não se
colocavam diretamente no conflito. “A história oral, torna possível um julgamento mais
imparcial: as testemunhas podem, agora, ser convocadas também de entre as classes
subalternas, os desprivilegiados e os derrotados. Isso propicia uma reconstrução mais
48
realista e mais imparcial do passado, uma contestação ao relato tido como verdadeiro”
(THOMPSON, 1998, p.26). Alguns autores citam que, a partir de seu uso, a história torna-se
mais democrática, pois assim todas as classes sociais podem ser ouvidas.
Neste trabalho a história oral será utilizada na forma de histórias de vida. Este é um
relato mais completo do narrador, sobre todos os aspectos de sua vida, principalmente nos
relacionados ao tema deste trabalho.
A história de vida, por sua vez, se define como o relato de um narrador sobre sua
existência através do tempo, tentando reconstituir os acontecimentos que vivenciou e
transmitir a experiência que adquiriu. Narrativa linear e individual dos acontecimentos
que nele considera significativos, através dela se delineiam as relações com os membros
de seu grupo, sua profissão, de sua camada social, de sua sociedade global, que cabe ao
pesquisador desvendar. Desta forma, o interesse deste último está em captar algo que
ultrapassa o caráter individual do que é transmitido e que se insere nas coletividades que
o narrador se insere ... embora o pesquisador subrepticiamente dirija o colóquio, quem
decide o que vai relatar é o narrador, ....Nada do que relata pode ser considerado
supérfluo, pois tudo se encadeia para compor e explicar a sua existência (Ibid, p. 21)
As histórias de vida são um instrumento muito valioso para compreender a
sociedade e seus acontecimentos de forma mais completa. Através das histórias de vida
chega-se a valores inerentes aos sistemas sociais em que estes indivíduos vivem. Além
disso, capta-se com maior facilidade a multiplicidade da realidade social do que ocorreria
com a análise de um documento escrito.
Embora com todos esses aspectos a favor, a história oral foi por muito tempo
desacreditada em sua relevância ao se fazer uma pesquisa histórica. Desde que a história
buscou seu caráter científico, a partir do século XVII, grandes foram as críticas à tradição
oral e ao testemunho.
Philippe Joutard (1996) descreve o retorno da história oral à cena historiográfica a
partir da década de 1950, nos Estados Unidos da América. Este autor mostra algumas
gerações de historiadores que retomam a história oral a partir do século passado.
A primeira geração surgiu nos estados Unidos da América, em 1950, com intenção
de reunir materiais para historiadores futuros. A segunda geração aparece em fins dos anos
1960, em meio ao clima dos movimentos sociais ocorridos nesta década, procura dar voz
aos povos que consideram sem história, usando como objeto de pesquisa as minorias. No
entanto, esses historiadores são marginalizados pelo meio acadêmico. Em meados de 1970,
49
dois encontros internacionais podem ser considerados como ponto de partida para a terceira
geração da história oral. A partir de então seu uso irá se difundir pela historiografia, no
Brasil, em 1975, foi fundada na Fundação Getúlio Vargas o primeiro programa de história
oral, destinado a colher depoimentos de líderes políticos desde a década de 1920. A década
de 1980 foi um período em que se multiplicaram os colóquios internacionais sobre o
assunto e onde reflexões epistemológicas e metodológicas se desenvolveram.
A história oral vem se desenvolvendo cada vez mais amplamente desde então. É
utilizada para desvendar o passado, mesmo quando este apresenta dificuldades em outros
tipos de fontes. Através da fonte oral todas as classes podem estar em análise, a história
pode ser vista de vários ângulos. Através de uma história de vida é possível perceber
inúmeros aspectos que envolvem uma sociedade.
Os relatos orais foram amplamente utilizados nesta pesquisa, para complementar e
dar vida, ao que era descrito nos documentos.
2.4. O Desenvolvimento da Pesquisa
No presente trabalho os conceitos citados anteriormente são de enorme relevância.
Há a busca pela historia da instituição apoiada nas memórias de quem ajudou a construí-la.
Nesse sentido, a história oral tem grande importância. Através dela as memórias estão
sendo guardadas, através das histórias de vida.
A história de cada indivíduo e de sua relação com o objeto estudado é bastante
singular. E, é através delas que é possível recuperar parte do passado. Um passado que
algumas vezes se mostra, pelos entrevistados, tão próximo, outras vezes, distante. Cada um
apresenta sua visão sobre os fatos e como a relação com a escola influi em suas vidas.
Em algumas entrevistas, talvez na maioria delas, os entrevistados falam mais de
seus momentos vividos com a/na escola, do que de suas vidas pessoais. Aparentemente,
isto ocorre porque os entrevistados sabem que o objeto da pesquisa é conhecer melhor a
instituição e, talvez, achem que sua vida pessoal é menos importante para esta pesquisa. O
que não é verdade. E, embora antes do início da entrevista eu tenha buscado explicar que
50
suas histórias de vida eram importantes para o trabalho, a maioria deu maior foco ao seu
envolvimento com a escola Municipal Ernani Moreira Franco, ou à sua história
profissional.
Algumas entrevistas foram realizadas na sala de leitura da escola, por ser um local
mais tranqüilo. Foram momentos muito interessantes e que chamou também a atenção da
responsável pelo local, que a cada entrevista também parava para escutar. Este é um
assunto para o qual as pessoas não atentam em seu dia a dia. No entanto, quando é tocado
as pessoas se interessam, afinal é um pouco de sua história também. Outras entrevistas, no
entanto foram cedidas na secretaria da escola. Que apesar de ser um local mais calmo,
algumas vezes fomos encontradas e tivemos que parar por alguns instantes. O que não
considerei ruim, pois assim, é possível perceber a dinâmica da escola, seus afazeres,
problemas, correrias, barulho.
Os momentos de entrevistas pareceram também muito proveitosos para os
narradores. Foi um momento de revisão de suas vidas, sua história. Se compararmos a
escola dos dias de hoje, com a escola em seus momentos inicias, parece que se fala de uma
outra instituição, embora tenham se passado pouco mais de quarenta anos.
Cada episódio relatado pelos entrevistados está repleto de suas experiências.
Larossa (2002) descreve a experiência como “o que nos passa, o que nos acontece, o que
nos toca”. Assim, o que o autor coloca é que a experiência não é o que simplesmente
acontece, mas o que nos acontece e nos deixa suas marcas, seus efeitos. No entanto, mesmo
que um acontecimento seja comum a um grupo de indivíduos, a experiência que este
acontecimento traz é singular, cada um irá vivê-lo de forma distinta.
É assim o que acontece com as entrevistas realizadas. Pessoas distintas passaram
pelas mesmas situações na escola, e cada um descreve da sua forma, com sentimentos
diferentes. Alguns desses entrevistados conviveram num mesmo período, e elegeram
momentos diferentes para narrar, e mesmo quando narram um mesmo momento o fazem
com ênfases diferentes.
Os entrevistados foram todos muito solícitos ao pedido da entrevista. No entanto,
alguns demonstraram certo receio. Benjamim (1994, p. 197), já em 1936, coloca que a
narração é uma ação em vias de extinção. “Quando se pede num grupo, que alguém narre
51
alguma coisa, o embaraço se generaliza. É como se estivéssemos privados de uma
faculdade que nos parecia segura e inalienável: a faculdade de intercambiar experiências”.
No entanto, ao decorrer das entrevistas a situação foi sempre ficando mais calma. E
as lembranças iam fazendo os entrevistados relaxarem e se sentirem a vontade. As
memórias são retomadas, e cada um dá a elas o significado que bem entende. Como o que
Benjamim (Ibid, p. 222) coloca “articular historicamente não significa conhecê-lo como
ele de fato foi. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no
momento de um perigo”. Estudar o passado, narrar memórias, não mostra o que passou de
forma essencialmente verdadeira, mas levam em consideração o momento e quem
desvenda esse passado.
Posso considerar que os depoimentos coletados foram muito bons, todas as
entrevistadas estavam muito dispostas a colaborar. Foi um pouco difícil conseguir parar
para conversar, pois a correria do dia-a-dia dentro da escola é muito grande. E todas
preferiram dar seus depoimentos na escola, pois para elas seria mais cômodo. Para a
pesquisa poderia ter sido prejudicial, pois poderiam haver interrupções, mas não foi, estas
quando ocorreram foram bem contornadas. E para as entrevistadas parecia ser algo
agradável deixar suas impressões sobre a escola.
Só um momento foi ruim. Contava com a contribuição da primeira diretora na
pesquisa. Esta parecia estar de acordo, mas ao final não consegui coletar o seu depoimento.
Fiquei um pouco decepcionada, mas dei prosseguimento ao trabalho. E acabei tendo uma
grata surpresa. Não havia encontrado documentos antigos, já havia revirado o armário
algumas vezes e nada. Até que um dia achei alguns documentos que me ajudaram muito.
Nem posso imaginar como foram parar ali. Até mesmo as fotos que pensei que tivessem
sumido reapareceram.
Depois de tanta procura, achados, perdidos, decepções e surpresas, a solução foi
escrever e organizar tudo isso, os fragmentos. E será o que vou tentar fazer no capítulo
seguinte.
52
CAPÍTULO 3
ENTRE FRAGMENTOS DA HISTÓRIA: CONVITE AO DIÁLOGO
“Mais tarde, surge a idéia de fazer funcionar uma escola neste prédio por causa da
dificuldade que os moradores tinham em levar seus filhos para a escola. Esta ficava muito
distante e as crianças tinham que atravessar a Estrada Amaral Peixoto que é muito
perigosa, sendo causadora de muitos acidentes mortais. Assim, foi criada a Escola Duque
de Caxias no dia 24/08/1964.”
A citação acima foi retirada de um documento manuscrito, sem registro de data,
encontrado nos armários da secretaria da Escola Municipal Ernani Moreira Franco. Tal
documento parece um relatório sobre a escola, com um pequeno histórico e dados sobre a
construção, alunos, professores quantidade de vagas.
Encontrar este documento deu ânimo novo à pesquisa. A secretaria e a direção da
escola já haviam sido pesquisadas, já havia procurado por documentos que remetessem a
períodos anteriores, mas, nada havia sido encontrado. Até mesmo algumas fotos, da década
de 1970, que sabia que existia desde 2007, haviam sumido. Quando o referido documento
foi encontrado foi possível entender melhor o que havia sido dito pelos entrevistados.
Escrever sobre os primeiros anos da Escola Municipal Duque de Caxias, somente com os
depoimentos orais seria muito mais difícil, pois é um período mais antigo e não havia
muitas pessoas que participaram deste momento.
Havia ainda as fotos para serem encontradas. Sua existência era um fato, mas não
sabia onde estavam guardadas, pois tivemos uma obra muito grande na escola em 2007, e
muitas coisas foram guardadas as pressas e depois não sabíamos onde encontrá-las.
Novamente, buscando em um dos arquivos, elas apareceram. Haviam sido guardadas pela
diretora adjunta, em virtude da obra de 2007, mas nem mesmo ela se recordava de ter feito
isso.
A partir desses achados a escrita ficou mais fácil. Não existiam outros documentos
daquele período. Hoje os documentos são mais bem guardados, embora, depois de cinco
anos, a maioria deles ainda seja incinerada. Não há local para serem guardados, são muitos
os documentos produzidos durante um ano letivo. Anualmente, diários, atas, ofícios são
perdidos. Apenas a documentação individual referente a alunos e professores e também
alguns livros de atas, de processos são mantidos; o que ocorre não para preservar o
passado, mas para o bom funcionamento administrativo.
53
Na Fundação Municipal de Educação, também não havia nada que pudesse ajudar
na pesquisa, fui algumas vezes à sua biblioteca, como também a algumas bibliotecas
municipais, mas havia pouca coisa que se referisse a Educação; mesmo em relação à
Educação Municipal, poucos escritos foram encontrados e o que foi possível encontrar não
auxiliava muito a esta pesquisa.
Quase tudo já havia se perdido, menos a memória. A memória daqueles que
participaram dessa história foi muito importante para a reconstrução do passado, os
depoimentos deram vida ao movimento de pesquisa, trouxeram clareza aos documentos
escritos e vice-versa. Além disso, os depoimentos fizeram aflorar mais sentimento. Assim
alguns aspectos e acontecimentos muito importantes para a comunidade escolar foram
retomados; fatos que, talvez, os documentos tidos como oficias não tenham registrado com
toda a sua riqueza.
A memória traz consigo os sentimentos e emoções de quem a narra. Existem
também os esquecimentos e os silêncios (POLLACK, 1989) que ainda assim trazem seu
significado. É importante ressaltar a importância das experiências para a memória. Com
toda a sua seletividade, a memória guarda o sentido da sua experiência. Se a considerarmos
como o que nos passa e o que nos toca (LAROSSA, 2002) a memória é impregnada dela.
Embora pessoas diferentes passem pelas mesmas situações, a sua visão pode divergir
muito. E foi o que aconteceu com os depoimentos recolhidos. Alguns dos entrevistados
conviveram no passado, e hoje todos estão ainda na escola. No entanto, sua visão sobre o
passado nem sempre coincide. Cada um vê o acontecimento de acordo com o sentido que a
experiência lhe dá. Cada um deles influi na escola e a escola em suas vidas, mas sempre de
uma forma diferente. Elegeram momentos e acontecimentos diferentes sobre a mesma
escola, além disso, quando foram perguntados sobre as diferenças ou continuidades, viram
coisas sob ângulos diversos.
Todas as entrevistadas se mostraram com muita vontade de ajudar. Cada uma
relatou suas lembranças, a sua maneira. Alguns sentiram mais a vontade para falar, outras
um pouco menos, mas todos os depoimentos contribuíram muito para o trabalho. Foram
tomados quatro depoimentos de pessoas que participaram e ainda participam da história da
escola.
54
A primeira entrevistada foi Maria Angélica Gomes, atual diretora. Chegou na escola
em 1986, e depois de dez anos como professora, em 1996 assume a direção da escola por
meio de eleição. Desde então é a dirigente, concorrendo com sua adjunta Mariza Marques,
em chapa única. Somente na primeira vez tiveram um chapa de oposição, depois disso
concorreram sempre sozinhas.
Também foi entrevistada Maria Célia Aguiar. Atual secretária da escola,
coordenadora da Educação Infantil e responsável pela Escola Aberta do município de
Niterói, chegou na escola em 1987, para assumir o cargo de secretária escolar.
Neli Pereira também deu seu depoimento. Está na escola desde os tempos do Duque
de Caxias, quando começou como merendeira. Hoje é professora e coordenadora de turno.
E, apesar de tantos anos, não pensa em se aposentar.
Por último, Dalva Cardoso foi entrevistada. Moradora da comunidade desde que
nasceu é agente da Administração Educacional da escola desde 1986. Mas anteriormente já
participava da vida da escola e da comunidade. Trabalhava na associação de pais e na
associação de moradores, e só em 1986 entrou para o funcionalismo municipal.
No entanto havia na lista mais uma entrevista a ser feita. Sempre muito citada
quando falam dos bons momentos da escola, a ex-diretora Maria José Alves, não aceitou
dar o seu depoimento. Acredito que com ele o trabalho ficaria mais rico, pois poderia
elucidar melhor fatos que foram citados em outros depoimentos. Porém, não foi possível,
são os movimentos vivos da pesquisa e que escapam aos planejamentos e cronogramas.
Da mesma forma não foi possível também localizar um aluno de um período mais
antigo. As fichas nem sempre são completas e, além disso, a maioria é datada de períodos
posteriores a 1976 e também muitas fichas individuais de alunos foram perdidas. E nem
mesmo os entrevistados conseguiram me ajudar nesse sentido. No entanto, o olhar do aluno
está presente no trabalho, é o meu mesmo, que desde a alfabetização à 4ª série estudei nesta
escola e me coloco como ex-aluna, pesquisadora e sujeito da pesquisa.
Mesmo com tantos percalços, a pesquisa foi adiante. E espero que tenha conseguido
encontrar/refletir sobre algumas pistas e lampejos da história/memória da Escola Municipal
Ernani Moreira Franco e que se abra no desejo de novas e futuras descobertas.
55
3. 1. Escola Municipal Duque de Caxias: lampejos de memórias e
histórias
A Escola Municipal Ernani Moreira Franco é bastante conhecida pelos moradores
dos bairros do Fonseca, Caramujo e Baldeador, porém, poucos sabem alguma coisa sobre
sua história. A maioria nem imagina que, anteriormente, funcionava em outro prédio e que
tinha outro nome.
No ano de 1960, um grupo de moradores da região, que antes se chamava Vila
Tijuca Fluminense, se reuniram para formar uma Associação de Moradores. No entanto,
como não possuíam um prédio próprio, foi necessário construí-lo, o que só se concretizou
no ano de 1963, com ajuda financeira de alguns políticos.
A região tinha certa dificuldade com a educação, não haviam escolas próximas ao
local e havia, ainda, o perigo trazido pela necessidade de terem que atravessar a Rodovia
Amaral Peixoto para chegar ao colégio mais próximo, a Escola Estadual Alberto Brandão8.
Levados por tais dificuldades, os moradores conseguem uma escola, que passou a
funcionar no prédio da Associação de Moradores.
Em 24 de agosto de 1964, o prefeito municipal de Niterói, Sylvio Picanço, através
do Decreto 1529/1964, criou a Escola Municipal Duque de Caxias. Recebeu tal nome em
homenagem ao Patrono do Exército Nacional. O que está bastante de acordo com o
contexto histórico e político nacional. Como de costume, as denominações dadas às
escolas, geralmente, são feitas em forma de homenagem. Nesse caso, a escola
homenageava o patrono de Exército e, indiretamente, podemos considerar que
homenageava, também, o sistema político implantado no dia 1º de abril do mesmo ano,
com a tomada do poder pelos militares por meio de um golpe apoiado pela sociedade civil.
Era um período bastante conturbado pelo qual a sociedade passava. A educação
também se transformava no município, some-se a isso a importância da decretação da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1961. Segundo Laneuville (2009), no final
da década de 1950, o governo municipal cumpria o preceito constitucional de
obrigatoriedade e gratuidade do ensino, cedendo bolsas de estudo em instituições
8 A Escola Estadual Alberto Brandão é localizada na Rua Castro Alves, s/n°, Fonseca.
56
particulares. A partir de 1959, a rede municipal de educação começou a se expandir.
Houve, ainda, em 1964, a criação da Divisão de Educação e Cultura, Com isso, entre 1959
e 1971, doze escolas públicas municipais foram criadas na cidade.
É bem em meio a esse movimento de mudança que se insere a criação da Escola
Municipal Duque de Caxias. A prefeitura aproveitou o prédio cedido pela Associação de
Moradores e instalou a escola que teve como sua primeira diretora a professora Braulia
Albuquerque. No entanto, talvez o prédio cedido não fosse o mais adequado para o
funcionamento de uma escola.
Segundo depoimento de Neli Pereira9, a sala de aula era, na verdade, um salão onde
anteriormente ocorriam as reuniões da Associação de Moradores. As turmas dividiam o
mesmo espaço: duas turmas pela manhã, duas turmas à tarde. Também dividiam o mesmo
espaço a secretaria e o refeitório. A escola não suportava um grande número de alunos, mas
estava sempre acima de sua capacidade total.
Em um relatório encontrado na secretária da escola, no arquivo morto, trouxe
algumas informações que ajudam a compreender melhor como era essa instituição. No ano
de 1970, as dependências escolares passaram por um período de reformas de ampliação,
proporcionadas pela prefeitura municipal. Foram construídos dois banheiros, refeitório,
cozinha, muros, varanda coberta e calçadas cimentadas.
A festa de inauguração das novas instalações deu-se no dia 25 de agosto de 1970, com a
presença de autoridades civis e militares, moradores alunos e funcionários da escola. 10
Mas, mesmo após a reforma de ampliação do espaço escolar, levando em
consideração as anotações do relatório já citado, a situação física da escola ainda era
bastante precária. No ano de 1978, a escola contava com 14 funcionários e 117 alunos. A
área total do terreno era de 163m2, sendo 60 m2 de área livre e 103 m2 de área construída,
em um pavimento.
A escola não possuía abastecimento de água encanada, usavam uma cisterna.
Também não possuía rede de esgotos, era utilizado um sistema de fossa séptica. Não havia,
9 Depoimento cedido no dia 16/06/2010. 10 Trecho extraído do documento manuscrito sem autoria.
57
ainda, algum tipo de comunicação como telefone, auto-falante, interfone ou aparelho de
som. E a prática de Educação Física não era feita em um local próprio.
Segundo o relatório, havia um local destinado ao registro sobre a conservação do
prédio. Neste espaço havia a opção “ótimo”, que não foi preenchida em nenhum momento.
Em bom estado foram considerados o muro e as paredes. Regular estavam a maioria dos
itens, sendo eles, pintura, cobertura, paredes, pisos e instalações elétricas. Foi considerado
em péssimo estado de conservação as instalações sanitárias. O preenchimento do relatório
foi finalizado com a afirmação de que estavam “aguardando com ansiedade a nova Escola
Municipal Duque de Caxias, que está com projeto pronto dependendo de iniciar a
construção”.
Segundo Neli Pereira, foi por volta desse período que os moradores começaram a
reivindicar uma escola mais ampla. A comunidade estava iniciando um processo de
expansão e o prédio não comportava mais as demandas e as expectativas que o cercava. Os
pais de alunos fizeram abaixo-assinados, pedindo esta ampliação. E é já na direção de
Maria José Alves, que se inicia a construção de um prédio novo para receber melhor os
alunos.
Foi nessa época que a entrevistada Neli Pereira chegou ao colégio, a princípio como
merendeira e depois como auxiliar de secretaria. Sendo que estava já a trabalho pela
prefeitura desde 1976. Sobre esse período é a entrevistada que mais conhece. Havia tentado
falar com a ex-diretora Maria José Alves, já que Braulia Albuquerque é falecida, mas ela
preferiu não se pronunciar. Fui informada que a sua saída do setor de educação foi
tumultuada, foi exonerada sem mesmo ser informada.
Maria José Alves chegou à escola, em 1967, como professora e à direção, no ano de
1975, quando Braulia Albuquerque, diretora desde então, saiu da unidade para trabalhar
como dirigente de outra escola da rede municipal de Niterói, a Escola Municipal Levi
Carneiro. Do período em que Braulia Albuquerque dirigiu a escola não há muitos
registros, nem mesmo nos depoimentos orais e como já é falecida não foi possível
descobrir um pouco mais sobre o período. Já a administração de Maria José Alves foi
bastante citada nos depoimentos, e existem alguns documentos, sobre sua administração.
Mesmo o documento manuscrito parece ter sido preenchido por esta diretora, embora não
seja assinado. Tal documento era um relatório que ao que parece deve ter sido entregue a
58
prefeitura e o que restou pode ser um rascunho, já que era a diretora do período e deve ter
tomado a responsabilidade de preenchê-lo. Além disso, quando fui buscar sua ficha
funcional, as letras eram muito parecidas.
Assim, este documento foi muito importante para a pesquisa. No entanto, acredito
que muitas coisas ainda ficaram perdidas no passado. Mas este já é um começo. Apesar
disso, sobre a nova escola, a Escola Municipal Ernani Moreira Franco, existem muito mais
documentos e memórias para ajudar a contar essa história.
3.2. Escola Municipal Ernani Moreira Franco: outras memórias e
histórias
Com o crescimento da comunidade e as más condições de conservação das
instalações da Escola Municipal Duque de Caxias, começam a ocorrer reivindicações para
a construção de um novo prédio. Foram alguns anos de luta, mas enfim, a construção se
iniciou.
O Parecer nº 189-1981, de 30 de março de 1981, do Conselho Estadual de Educação
do Rio de Janeiro propõe “que seja negado o reconhecimento à Escola Duque de Caxias,
cujo funcionamento fora autorizado pelo Conselho de Educação do antigo Estado do Rio de
Janeiro através do parece 850/74”. O relator aceita o relatório e define que “quanto à
Escola Duque de Caxias e a do Morro da Penha, devemos acatar, em vista das informações
prestadas, a opinião da Comissão Verificadora, negando-lhes o reconhecimento”.
No entanto, a escola não chegou a deixar de funcionar. No mesmo ano, de 1981,
iniciou o funcionamento do novo prédio, mas agora com novo nome.
De acordo com a Resolução nº 1088/1981, de 19 de junho de 1981, a nova escola
recebeu o nome de Ernani Moreira Franco. Nesse momento, o Brasil passava por um
período de redemocratização e, assim, era importante desvincular, das instituições mantidas
pelo Estado, a ligação com o passado autoritário. Neste momento, o prefeito de Niterói era
59
Wellington Moreira Franco11
político ligado ao MDB, partido de oposição ao regime.
Some-se a isso tudo, a precoce morte de sue filho, ainda bebê.
Segundo o depoimento de Neli Pereira, o prefeito exigiu a mudança do nome da
escola. Os moradores e a comunidade escolar protestaram, mas acabaram concordando.
Assim, a Escola Municipal Duque de Caxias foi substituída pela Escola Municipal Ernani
Moreira Franco e transferida para o novo prédio na Rua Bonfim, s/nº.
Anteriormente à construção do prédio, naquele local havia um casarão, onde residia
a família de um morador bastante antigo da região. Seu Rocha, como era conhecido, era
dono de uma fábrica de cachaça no município. E não se sabe por que o terreno foi
desapropriado para a construção do colégio. Um pouco mais acima, onde hoje está situada
a quadra havia um pequeno clube, Clube de Futebol Tijuca, o Tijuquinha. Era onde
ocorriam os eventos da comunidade.
Foi nesse local que a escola continuou sua história, depois de quase vinte anos, no
endereço da Rua Coelho. Um prédio muito mais amplo, com três pavimentos, bom espaço
externo, com pátio coberto e uma quadra poliesportiva, naquela época ainda descoberta.
A mudança, como nos conta Neli Pereira, foi feita pelas próprias professoras.
Carregavam documentos, mobiliário, não tiveram auxílio de carros para fazer o transporte.
A direção da escola continuou sob a responsabilidade da diretora Maria José Alves,
que ficou no cargo até 1986, quando a direção passou às mãos de Tereza Cristina. Esta
ficou no cargo até 1991, quando se inicia o processo eletivo para direção da escola. Tereza
Cristina se candidatou, mas perdeu a direção para Maud Marli. Como no ano de 1993 sua
chapa concorreu sozinha esta diretora ficou na direção até 1995. Neste ano não se
candidatou e, com isso, a chapa formada por Maria Angélica e Mariza Marque se elegeu e
estas estão na direção da escola até hoje. E ao que tudo indica continuarão pelo menos até
2013, pois nenhuma chapa se manifestou até este momento para concorrer ao pleito que
11 Wellingtom Moreira Franco, formado em Ciências Econômicas pela UFRJ, nasceu em Teresina, no ano de 1944,
chegando ao Rio de Janeiro em 1955. Seu envolvimento com a política se deu desde a mocidade. Em 1969, casou-se com
Celina Vargas, neta de Getúlio Vargas, filha de Alzira Vargas e Amaral Peixoto. Em 1974 foi eleito Deputado Federal pelo estado do Rio de Janeiro, na legenda do MDB (Movimento Democrático Nacional) partido de oposição ao regime
militar. Em 1976 foi eleito prefeito de Niterói pela mesma legenda, após renunciar ao cargo na câmara. Em 1980 foi
aprovada uma emenda constitucional que prorrogou o mandato de prefeitos e vereadores até 1983. Mas, em 1982 deixa a
prefeitura para concorrer ao cargo de governador do estado do Rio de Janeiro, desta vez pelo PDS, partido para o qual
migrou após o fim do bipartidarismo em 1979.Não conseguiu vencer o pleito. Como presidente regional do PDS
declarou-se favorável ao restabelecimento das eleições diretas para presidente da República. Em março de 1985 ingressou
no PMDB de Niterói. Foi eleito ao governo do estado em 1986. No ano de 1994 foi o candidato a Deputado Federal mais
votado do PMDB. Já em 1998, concorre ao Senado, mas não consegue a vaga. De 1995 à 2004 foi presidente estadual do
PMDB e, desde 2003 é deputado federal por este partido.
60
deverá ocorrer no fim deste ano. Como o que acontece desde 1998, quando começaram a
concorrer em chapa única, só a sua primeira eleição foi disputada com outra chapa, onde
ganhou de 179 a 48 votos. E, posteriormente, sempre ganhando por quase unanimidade.
Cada uma dessas dirigentes teve grande importância para a constituição dessa
escola como instituição. Cada uma, a sua maneira, tentou melhorar o funcionamento da
escola, cada uma deixando suas marcas, acompanhando as transformações da sociedade
como um todo e da comunidade em seu entorno.
A comunidade foi crescendo continuamente. Situada à beira da Rodovia Amaral
Peixoto, era um pólo de atração de pessoas, com acesso rápido ao Centro de Niterói, São
Gonçalo e também do Rio de Janeiro, principalmente, após a construção da Ponte
Presidente Costa e Silva, mais conhecida como Ponte Rio-Niterói. A cidade atraía um
grande número de pessoas que não nasceram nela. E isso pode ser percebido nas fichas
individuais dos alunos. Nestas percebemos moradores dos arredores, nascidos aqui e os que
nasceram em outras cidades.
No entorno da comunidade existem morros, que foram se favelizando muito
rapidamente. Até hoje pode-se perceber essa expansão da favelização, a cada olhar mais
atento, percebe-se uma nova casa, um novo espaço habitado. São moradias humildes, com
pessoas humildes. E, como ocorre em muitas favelas deste estado, têm pouco acesso a seus
direitos, que deveriam ser garantidos pelo poder público. Também tem em comum com
outras comunidades, a expansão do crime organizado e do tráfico de drogas. Influenciados
pelo este ambiente, muitos ex-alunos da escola foram levados por este caminho, que, na
maior parte das vezes, foi sem volta. Muitos ex-alunos, a maioria, por outro lado, não se
envolveram com o crime, mas os mais lembrados pela comunidade são sempre os
primeiros.
É uma comunidade que muda a cada dia, seja para melhor ou para pior. São
mudanças no cotidiano social, na qual a escola está inserida, como um organismo vivo, a
escola apresente intensa mediação com a comunidade.
61
3.3. Lembranças do Passado
Sempre quando falamos do passado sentimos um certo saudosismo. Como se o
passado fosse um lugar mais bonito que o presente. Mas em outras situações falamos do
passado como um meio, caminho para o futuro. Repensando o passado para criar um
significado para o presente. Afinal, ambos são partes de um todo muito complexo.
Esses dois tipos de visões foram encontrados nos depoimentos recolhidos. Em
alguns casos o passado apresenta uma beleza incomum. Revela-se como um lugar onde as
coisas eram melhores, a educação mais valorizada e exercida com mais amor. Mas há
também quem questione esse passado, no sentido de entender o que e o porquê mudou. É
possível também perceber os insucessos, que são tão incomuns no cotidiano das
instituições. Aspectos positivos e negativos sobre a escola foram levantados nos
depoimentos orais.
Nos depoimentos de Neli Pereira e Dalva Cardoso um aspecto importante levantado
foi a questão das festas, não apenas no sentido do divertimento. A importância da festa no
seu sentido simbólico, do envolvimento com a comunidade. Quando falam das festas estão
se referindo ao período que Maria José Alves dirigia a escola. Sempre havia alguma festa,
ao contrário do que relatam sobre o presente, da festa como uma atividade pouco
desenvolvida na escola.
Não eram festas que ocorriam apenas para entreter, mas muitas para comemorar
alguma conquista da comunidade ou da escola, deixavam registrado algum acontecimento
que consideram importante. Eram festas com uma enorme participação da comunidade
escolar - todos ajudavam, pais, professores, funcionários, moradores, alunos, autoridades.
Conforme contam o envolvimento, naquele período, era maior, da parte de todos. São
citadas festas de inauguração da escola, de algumas dependências, como a quadra e o
parquinho, do asfalto da comunidade.
Dalva Cardoso conta que, para ela, a festa que mais marcou foi a inauguração do
“Orelhinha”, isto é o telefone público. Foi o primeiro a funcionar na comunidade, e ficava
dentro da escola. Para comemorar a inauguração houve uma grande festa, organizada pela
dirigente com apresentação de dança, concurso, onde muitos se envolveram. A comunidade
62
participou da festa e pode se beneficiar do aparelho, que não havia no local. Além disso, a
festa ainda tentava incentivar os alunos a participarem através de concursos e prêmios.
“Eu fiz o bolo. O bolo era com duas crianças, uma de cada lado com o telefone.
Tinha aquela música da Maria Alcina, “Alô, alô, responde”. Foi o que eu escrevi no fio do
telefone. E teve também a apresentação de dança dessa música. Isso ficou muito marcado.
Foi uma coisa que ajudou a comunidade também, e incentivou as crianças.”
Dalva Cardoso também comenta que seus irmãos, moradores da comunidade tinham
um grupo de música. E que na “Festa do Livro” eles sempre vinham cantar. Era um
envolvimento muito grande entre a escola e a comunidade, as pessoas participavam,
estavam dispostas a ajudar quando a escola precisava. Mas hoje isso ainda ocorre, sempre
que a comunidade precisa a escola está aberta a ajudar, o que será melhor discutido mais
adiante no texto.
Outro momento que foi marcante para a escola, foi a implantação do horário
integral, logo após a inauguração do novo prédio. É claro, seria excelente se a escola e o
corpo escolar tivesse se organizado para esta situação; as crianças ficavam em sala
praticamente o dia inteiro. Como explica Neli Pereira, não havia estrutura para mantê-los o
dia inteiro na escola, as atividades se tornavam cansativas, pois não havia nenhum tipo de
recreação ou aulas diferenciadas – deviam, simplesmente, estudar o dia inteiro. Além disso,
não havia almoço na escola. As crianças saiam para almoçar em casa e não retornavam à
tarde. Algumas vezes as professoras recolhiam dinheiro entre elas para fazer o almoço, mas
não tinham condição para manter diariamente. Em um ano, a tentativa do horário integral
fracassou e os alunos retornaram ao turno parcial.
Até então, a escola só atendia ao Ensino Fundamental, entretanto, a comunidade
crescia, havia cada vez mais crianças ao redor. E, se antes, a comunidade reivindicava por
uma escola de Ensino Fundamental, passaram a reivindicar que atendesse também as
crianças menores, através da Educação Infantil. As mães precisavam trabalhar e deixar os
filhos na escola. Só no ano de 1986, com a Portaria SME 029/1986, foi liberado o
funcionamento da Educação Infantil na Escola Municipal Ernani Moreira Franco.
Segundo Neli Pereira, além dos pedidos da comunidade, a diretora precisou também
reivindicar muito com a Secretaria Municipal de Educação. O que ocorreu na direção de
Maria José Alves, e nesse período, após a autorização do funcionamento da Educação
63
Infantil na unidade, houve a construção do parquinho para melhor atender a essa nova
faixa-etária de alunos.
Tomando a dinâmica da gestão escolar como um eixo importante da história da
escola registro abaixo um quadro:
Diretores da Escola
Indicação Eleição
1964-1975 1975-
1986
1986-
1991
1991-
1995
1996-
2010
Braulia
Albuquerque
Maria
José
Alves
Tereza
Cristina
Maud
Marli e
Otília
Leite
Maria
Angélica
e Mariza
Marques
Como podemos observar acima, Maria José Alves foi a segunda diretora, depois
dela mais três direções estiveram presentes. A direção de Braulia Albuquerque, Maria José
Alves e Tereza Cristina se deram por meio de indicação de cargo. Somente a partir de 1991
esse quadro foi modificado. Segundo Maria Célia Aguiar esse foi um momento marcante
para a escola, quando a direção passou a ser escolhida pela comunidade escolar.
Professores, pais e responsáveis, e alunos escolhiam quem eles preferiam que os
representasse, sem ter que apenas aceitar o que lhes era imposto.
As coisas vão acontecendo no dia-a-dia. Acho que quando a gente olha para atrás muita
coisa mudou. E acho que a questão da eleição para direção da escola fez com que os
diretores se empenhassem mais, porque antes não era eleição.(Depoimento oral de Maria
Célia Aguiar, 11/05/2010)
A primeira eleição ocorreu no ano de 1991. Duas chapas disputaram a direção. A
Chapa 1 era formada ela diretora em exercício Tereza Cristina, que já dirigia a escola desde
1986, e a professora Vera Lúcia. Mas venceu a Chapa 2, formada pela professora Maud
Marli, que já atuava na escola desde 1983 e a professora Otília Leite. O processo eleitoral
foi bastante disputado. Consta no livro de atas denúncia de mães de que as professoras da
3ª série estavam manipulando os alunos. No dia do pleito o livro registra um “clima
tumultuado” com incidências de boca-de-urna. E a votação só foi encerrada às 20h, quando
64
se iniciou a apuração dos 297 votos, sendo 191 para a chapa 2 e 98 para a chapa 1, com
mais 06 nulos e 02 brancos.
Já no ano de 1996, na segunda eleição só houve uma chapa concorrendo. Esta era
formada por Maud Marli e Otília Leite. A eleição, de acordo com o livro de atas,
transcorreu na “paz e tranqüilidade”. Não havia disputas. Dos 277 votantes a chapa recebeu
273 votos para que continuassem na direção da escola, onde ficaram até 1995, quando
preferem deixar a direção e apoiar uma outra chapa.
No pleito de 1995, duas chapas concorreram. A Chapa 1 era formada por Maria
Angélica Gomes e Mariza Marques. E a Chapa 2 por Cassia Regina e Simone Andrade.
Segundo Maria Angélica Gomes sua chapa teve o apoio da direção que estava no comando
e das mães de alunos de sua turma, que estavam com ela há três anos.
Foi esta turma, essas mães que me ajudaram na campanha para a direção da escola.
Porque eu fiquei com esta turma três anos. No Jardim de Infância, alfabetização e 1ª
série. Comecei aí a ganhar o respeito da comunidade. E aí, tempos depois, quatro anos
depois eu acabei assumindo a direção da escola. Que foi em 96. (Depoimento oral de
Maria Angélica Gomes, 11/03/2010)
A partir desta data a escola vem sendo dirigida pelas professoras Maria Angélica
Gomes e Mariza Marques. Os pleitos eleitorais têm ocorrido normalmente, mas sempre em
chapa única, sem concorrência. E elas ganham sempre por quase unanimidade.
Um dos momentos de dificuldade da escola foi vivido sob esta administração.
Segundo Maria Célia Aguiar, entre os anos de 2004 e 2005, quando um grande número de
alunos saiu da escola. No ano de 2004 a saída se deu pela inauguração da Escola Municipal
Paulo Freire12
, no mesmo bairro. É um prédio muito grande com boas instalações e que foi
comprado pela prefeitura, anteriormente era uma escola particular. Assim, muitos dos
alunos do Ernani Moreira Franco pediram transferência para essa nova, o Paulo Freire. A
saída de alunos continuou no ano seguinte com uma greve bastante demorada na rede
municipal, da qual a escola participou. Neste caso, a escola perdeu muitos de seus alunos
para escolas estaduais, em particular para a Escola Estadual Alberto Brandão.
12
A Escola Municipal Paulo Freira é localizada na Rua soares de Miranda, 77 – Fonseca.
65
Atualmente, a cada ano a escola vem tentando se recuperar. A cada ano o número
de alunos cresce um pouco. Nada muito rápido, mas é possível observar gradativo e
contínuo crescimento.
Dentre toda essa temática, o assunto que sempre permeia os depoimentos é o aluno.
Suas vitórias e suas conquistas, mas também são citados seus problemas e dificuldades. As
professoras têm muito orgulho em citar os alunos que conseguiram uma boa inserção
social, que hoje trabalham, cursam universidades. Quando perguntada sobre os bons
momentos da escola, Maria Angélica coloca a questão dos alunos. A importância para a
escola em saber que o aluno está bem, que deu prosseguimento aos estudos, ou que está
empregado. Como também ressalta a tristeza que sente ao saber que algum ex-aluno
morreu por estar envolvido com o tráfico de drogas.
“Assim, eu já tive muitas tristezas, porque chorei muitas vezes por perdas de
alunos que a gente perde por conta do tráfico. Mas já tive muitas alegrias de mães que
voltam para contar. Essa semana mesmo você viu o bilhete que a mãe de Magno mandou,
dizendo que tinha muito a agradecer, e hoje ele está fazendo escola técnica. Então, assim,
tem muitas alegrias”. (Depoimento oral de Maria Angélica, 11/03/2010)
São momentos muito felizes quando a família dá um retorno sobre o aluno. Mas,
quando ao contrário, o retorno é negativo a escola também se mobiliza. Em meio a esta
pesquisa, mais um aluno veio a falecer devido ao envolvimento com o tráfico de drogas. O
fato ocorreu depois da troca de tiros com policiais, no dia 12 de maio de 2010. Havia
marcado de gravar o depoimento de Dalva Cardoso, mas não houve possibilidade, a família
do rapaz, que também é pai de um aluno nosso, esteve na escola para pedir auxílio e avisar
do enterro.
Mais uma vez a história se repetiu, e parece que acontecimentos como estes
repercutem com muito mais força. E é o que a diretora busca modificar. Tenta aumentar a
auto-estima dos alunos, e para isso tenta mostrar a eles os alunos que, sob sua ótica, deram
certo. Todos os anos pensa em fazer na escola uma festa e trazer esses ex-alunos para que
os atuais possam conhecê-los. Mas todos os anos aparecem prioridades e este projeto vai
sendo adiado.
Um dos questionamentos que se coloca no depoimento é sobre a dificuldade de
aprendizagem dos alunos. Depois de tantos anos na direção, esse é um desafio que ainda a
deixa sem respostas. Segundo seu depoimento, nestes anos a vida vem ficando mais
66
complexa, as mulheres também precisam trabalhar e sobra pouco tempo para a educação
dos filhos. Soma a isso alguma falha na formação pedagógica dos professores que faz com
que não consigam ligar o cognitivo aos alunos e a escola.
Mas para resolver estes problemas é preciso a união da família com a escola. É
preciso trazer a escola para dentro da comunidade. Preciso que vejam que a escola quer e
pode ajudar a esses alunos em um caminho rumo ao futuro.
3.4. “Uma escola no meio do caminho”: relato autobiográfico
A Escola Municipal Ernani Moreira Franco é uma escola que está no meio do
caminho de muitas pessoas, e também em meio a sua caminhada. É uma escola jovem que
ainda tem muito a contar, muito ainda tem para acontecer. Em sua história estão pessoas,
que como eu, tiveram suas vidas marcadas por momentos vividos e proporcionados por ela.
Sempre morei na rua em frente à escola, a família de meu pai é muito antiga na
região. Como aluna, cheguei no ano de 1989, na alfabetização, e só saí em 1993, depois de
completar a 4ª série. A escola sempre foi importante em minha vida, pelos estudos, amigos
e professores, em meu imaginário com suas lendas e histórias. Toda vez que via as luzes
piscarem ficava apavorada, pois as crianças falavam de um tal “Seu Rocha”, que vivia a
assombrar a escola. Mas quem seria esse homem? Um dia meu pai me esclareceu que o Sr
Rocha era o ex-morador do casarão onde depois foi construída a escola, e que ele o
conheceu. Ele não era nenhum fantasma, pois talvez ainda nem tivesse morrido. Quanta
imaginação nós tínhamos. E eu sempre tive vontade de saber um pouco mais sobre a escola
e a região, e estava sempre perguntando a pessoas mais velhas.
A idéia de saber mais sobre a escola foi retomada em 2007 quando comecei a
trabalhar nela. Estava terminando a graduação em história e esse seria um ótimo momento,
se já estivesse fazendo uma outra pesquisa monográfica. Mas iniciei a procura por fontes e
percebi que não eram muitas as que poderiam ajudar na finalidade da pesquisa que
pretendia desenvolver, apesar da quantidade de documentos.
67
Quando iniciei a pós-graduação estive muito ansiosa em busca de um tema. E só
depois de muito pensar e tentar inventar um tema percebi que já tinha um, a ser pesquisado.
E passei a ver cada acontecimento sob um novo olhar, mais atento e mais minucioso.
Em 2007, ano em que entrei na escola, ela passou por uma grande reforma. Foram
mais de doze meses convivendo com poeira, barulho e uma dezena de trabalhadores de
fora. Estes que, ao final acabaram fazendo parte de nosso convívio.
Toda a escola foi reformada. Tanto no interior como no exterior. Ficou muito bom o
trabalho. Mas também sofreu com um razoável número de transferências e de alunos com
pouca freqüência, devido aos transtornos causados pela obra. Em virtude dela, também
alguns documentos se perderam, nada de importante para a administração ou o
funcionamento da escola, mas alguns registros da prática pedagógica cotidiana.
Documentos de pouco uso, mas que ficavam guardados para consulta. Com o grande
movimento, era muito difícil controlar onde estavam sendo guardados, já que muitas vezes
mudavam mais de uma vez de lugar.
É claro, a obra trouxe muitos transtornos, pois ocorreu em meio ao ano letivo.
Algumas vezes, certas turmas ficavam em casa para que pudessem trabalhar nas salas. Mas
a obra trouxe mudanças e melhorias para a escola. Não foram mudanças estruturais, o
objetivo era mesmo reformar, o que ocorreu em toda a escola, salas, secretaria, direção,
banheiros, refeitório, cozinha, pátio, parquinho e quadra. Nunca se havia feito na escola
uma reforma tão completa como esta.
Neste mesmo ano, a comunidade passou também por transformações. A escola fica
na Rua Bonfim, que é bem próxima a Rodovia Amaral Peixoto. O entorno da rodovia era
repleto de eucaliptos, que ajudavam a sustentar a escola. Essas árvores foram todas
retiradas pela prefeitura. Eram bastante antigas, e faziam parte da paisagem da região. Não
havia pedidos da comunidade para que fossem retirados, apenas que fossem podadas
periodicamente já que cresciam demais. E, mesmo sem o apoio da comunidade, as árvores
foram retiradas.
Com a retirada dos eucaliptos, foram plantadas mudas de outros tipos de árvore que
não crescessem tanto. No dia do plantio das mudas, houve uma solenidade, com a presença
do prefeito, e a escola esteve presente. As crianças ajudaram no plantio e as aulas que se
seguiram neste dia foram sobre o meio-ambiente. Não foram plantadas todas as mudas
68
neste dia, isso deveria ocorrer posteriormente, mas houve certa demora. Preocupada, a
direção mandou ofício para saber do atraso.
As mudas restantes foram plantadas, mas não resistiram muito. E, durante as chuvas
do mês de abril de 2010, parte da rodovia desmoronou, chegando a fechar uma das ruas de
acesso á escola. Não chegou a atingir nenhuma casa. Um dos motivos apontados pela
comunidade para este desabamento foi a retirada das árvores.
Era tudo muito fértil, o eucalipto da estrada, que infelizmente agora foi cortado. Para
mim, eu não sou geóloga, mas acho que o que aconteceu na estrada, o desmoronamento
da estrada foi por ter retirado o eucalipto, tenho quase certeza disso. Na época fiquei
muito triste, agora mais triste ainda porque a estrada está desabando.(Depoimento oral de
Dalva Cardoso, 24/05/2010)
A estrada está desmoronando, mas uma obra já está sendo feita para conter o
deslizamento. Entretanto as chuvas do mês de abril fizeram um grande estrago na
comunidade.
Na madrugada do dia 05 para o dia 06 de abril de 2010, uma forte chuva assolou a
cidade de Niterói. Houve enchentes e muitos desabamentos na cidade. Muitas casas dos
morros ao redor da escola foram atingidas e desabaram. Na manhã do dia 06 de abril a
escola foi aberta para que pudessem se abrigar.
Ficaram abrigados, na escola, mais de 270 pessoas entre adultos e crianças. Esse
número foi decrescendo à medida que a chuva diminuía. Algumas pessoas que não
perderam suas casas voltaram para elas, mesmo estando em área de risco. Muitas doações
chegaram todos os dias e os desabrigados permaneceram na escola até o dia 06 de maio.
Em seu depoimento Maria Célia fala um pouco dessa experiência:
Eu garanto o que eu faço. Agora para fazer esse trabalho, eu acho que o coração falou
mais alto. Foi muito difícil para a gente aqui da escola lidar com a comunidade dentro da
escola. Não eram crianças, os nossos alunos, o que estamos acostumados no dia-a-dia.
Eram famílias aqui dentro, cada um com seus hábitos, seus costumes. Foi realmente
muito complicado. Foi uma queda muito grande no nosso trabalho pedagógico. Porque
hoje já tem quase uma semana que eles voltaram e a gente ainda não conseguiu que todos
voltassem para a escola.(Depoimento oral de Maria Célia, 11/05/2010)
As aulas recomeçaram no dia 03 de maio, ainda com os desabrigados na escola.
Como já haviam perdido muitos dias, a direção achou melhor recomeçar as aulas. Mas a
freqüência foi muito baixa. Alguns responsáveis ligaram para a escola para avisar que não
69
mandariam as crianças pois não se sentiam seguros com pessoas estranhas circulando pelo
colégio. Mas essa convivência durou pouco. No dia 06 de maio os desabrigados foram
transferidos para um batalhão desativado do Exército, o 3º Batalhão de Infantaria (BI).
Alguns já começaram a receber o aluguel social e alugaram uma nova moradia, mas a
maioria foi para o 3º BI. E os que retornaram para contar disseram estar muito felizes.
Estão sendo bem atendidos e alguns conseguiram emprego.
Foi um momento muito delicado, mas trouxe muita experiência. Inclusive numa das
reuniões que nós fizemos com eles eu disse para eles que aprendi a ser mais solidária,
mais humana, mais gente. A gente vê as pessoas sem casa, meu Deus. Que horror!
Mesmo assim, acho que eles são bastante otimistas.[ ... ]Eles estão felizes, com seu
apartamento, com numeração, com chave da porta. Teve festa no dia das mães. Ontem
teve uma criança fazendo 15 anos. Aniversário, com bolo.(Depoimento oral de Maria
Célia, 11/05/2010)
Depois do reinício das aulas, muitos alunos não retornaram. Alguns pediram
transferência porque foram para outras cidades, mas outros, apenas não retornaram. A
escola perdeu duas alunas por óbito, e uma ex-aluna também.
Não foi apenas a escola que teve que interromper as suas atividades, a presente
pesquisa também teve um período de estagnação por conta das chuvas. Foi um momento
em que escola funcionava apenas para ajudar aos desabrigados. Os funcionários que lá
estavam, iam somente para tentar ajudar. O espaço onde ficam os arquivos ficou totalmente
tomado por doações, roupas, material de limpeza, colchonetes. Por alguns dias a secretária
e a direção da escola ficaram tão cheias de doações que era bastante difícil andar dentro
delas. Além disso, emocionalmente ninguém conseguia pensar no que estava acontecendo,
nos problemas que aquelas pessoas passavam. Foram momentos muito difíceis,
principalmente, quando soubemos das mortes das alunas já citadas. Foram momentos
muito difíceis, mas que serão superado com bastante trabalho.
No mês de março haviam 465 alunos matriculados. Já em maio contamos apenas
443 alunos. Sendo que este número pode subir um pouco, pois a Escola Municipal Djalma
Coutinho e a Creche comunitária Renata Magaldi, ambas da rede municipal, foram
interditadas pela Defesa Civil. Como ainda não tem um prédio novo e ficam nas
proximidades, alguns alunos tem vindo procurar por vaga, mas nem sempre estas estão
disponíveis.
70
A escola está recomeçando o ano letivo. Muitos dias foram somados ao calendário
escolar para completar os 200 dias letivos exigidos por lei. E, nesse momento, a escola esta
tentando se reorganizar.
No início de maio, a escola começou um novo projeto intitulado “No meio do
caminho tem uma escola”, o projeto busca trazer o máximo de organização para dentro da
escola. Será uma proposta que envolverá todos os funcionários da instituição. Com
encontros semanais no final do planejamento pedagógico, que já era realizado pelos
professores, todos discutem sobre os problemas e as possíveis soluções, se comprometendo
a ajudar.
É um novo momento para a escola. Será um caminho árduo, pois é preciso apontar
caminhos e soluções. Na primeira reunião as pessoas tinham certo receio de estar se
intrometendo no trabalho do outro, e que isso pudesse causar embates. Mas já tivemos
quatro encontros e as coisas parecem estar prosseguindo bem, todos aceitam os
questionamentos e soluções. Mas com o envolvimento de todos poderá dar certo. A escola
com todos os seus problemas tenta a cada dia novos caminhos, novas formas de melhorar,
crescer. Ainda há muito a acontecer e a descobrir.
71
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vivemos em uma sociedade que muda um pouco a cada dia. As transformações são
constantes e as instituições sociais também as acompanham. A escolas é uma das
instituições mais afetadas com estas mudanças. Toda a sua estrutura vem se transformando,
sua estrutura física, as práticas pedagógicas, a administração e as pessoas envolvidas,
alunos professores, funcionários, pais e responsáveis.
A escola tem uma grande importância na formação do indivíduo, assim como os
indivíduos tem grande importância em sua (trans)formação. A quase totalidade da
população passa, e por longos anos, pela escola. Isso faz com que as transformações e
conflitos sociais, suas idéias, reivindicações, problemas, anseios, sejam internalizados pela
escola. Sendo assim, de acordo com Bragança (2007), podemos perceber na complexidade
escolar o encontro de problemas históricos e sociais.
O olhar dirigido à trajetória histórica da Escola Municipal Ernani Moreira Franco
nos leva ao encontro desse movimento. No âmbito local é possível perceber tensas e
intensas mediações com a dinâmica social. As relações estão em cada gesto, cada atitude
analisada no cotidiano.
A escola foi construída em 1964, poucos meses depois da implantação de uma
ditadura comandada por militares. Nesse contexto recebe o nome de um dos ícones
militares do Brasil, Duque de Caxias. A pesquisa mostra um grande envolvimento da
comunidade com a escola e que reivindicavam mais por seus direitos. A iniciativa de luta
pela fundação escola foi tomada pela própria comunidade, bem como a sua ampliação e
posteriormente, a inclusão da Educação Infantil. A comunidade estava mais envolvida com
as atividades realizadas na e pela escola, bem como a escola se envolvia com os problemas
e conquistas da comunidade. Os pais e responsáveis estavam mais presentes na vida escolar
de seus filhos. Não que hoje a escola esteja isolada ou que não haja participação alguma,
mas é mais difícil esta união. Não só a comunidade em si, mas outras instituições também
estavam mais envolvidas na vida da comunidade escolar, como por exemplo, o quartel de
polícia militar, que se localiza próximo à comunidade, sempre estava presente e algumas
vezes cedia seu espaço para as atividades escolares.
72
Era um período em que o Brasil sofria inúmeras transformações. O país inicia, com
vigor, sua urbanização e industrialização; as pessoas saiam do campo e vinham para a
cidade, em busca de emprego e melhores condições de vida. Houve um aumento no
número de favelas e da pobreza, com a falta de investimentos públicos nestas localidades e,
assim, tais favelas acabam sendo dominadas pelo crime organizado.
Em meio a tudo isso, um novo prédio foi inaugurado. O Brasil se democratizou e a
escola mudou de nome. Recebeu o nome em homenagem ao filho falecido do prefeito da
cidade e, que era opositor ao regime. É um prédio novo, mais amplo, e que foi construído
exclusivamente para ser uma escola. Mas a comunidade do entorno começava a sofrer com
a favelização. O governo municipal tentou implantar o horário integral, que auxiliaria a
tentativa de conter a expansão da marginalidade, tirando as crianças da rua. Mas os
investimentos foram insuficientes para a manutenção do projeto.
A escola iniciou seu processo democrático para eleição de diretores em 1991,
refletindo o que ocorrera no cenário nacional. Foram eleições bastante disputadas e, com
ampla participação da comunidade escolar.
Outras unidades escolares foram sendo construídas na localidade. O que diminuiu o
número de alunos na escola e a lotação ficou abaixo do limite mínimo de alunos. Foram
tomadas providências por parte da administração municipal, sobre os alunos fora da faixa
etária. Mas se por um lado a redução trouxe um número de alunos mais adequado ao
trabalho pedagógico, em 2004, a perda de mais estudantes quase trouxe problemas à
instituição. Foi preciso reduzir o número de turmas e até a data de hoje, a escola vem
tentando crescer cada dia mais um pouco.
Observamos nos depoimentos que, hoje, há mais apoio da administração municipal,
mais recursos, entretanto, a comunidade se afastou. Registram que está presente em festas,
mas sentem falta da cooperação. Uma das entrevistadas acredita que essa desatenção com a
escola se dá por conta das novas condições de vida, em que precisam trabalhar demais,
inclusive as mulheres, e não podem estar mais presentes na vida escolar de seus filhos.
Um olhar dirigido à trajetória da escola permite perceber que quando as famílias se
encontram em dificuldades, se possível, a escola os auxilia, o que foi possível perceber de
forma muito significativa no presente ano. As chuvas desabrigaram muitas pessoas da
região. Estas ficaram abrigadas na unidade por mais de um mês. Neste momento, a escola
73
está tentando se recuperar dos traumas causados pelas chuvas. O retorno inicial às aulas foi
com poucos alunos, agora, quase todos já retornaram. Muitos alunos perderam tudo com as
chuvas, inclusive suas casas, então o que dizer sobre uniforme, cadernos. Os professores
tentam retomar o processo de ensino-aprendizagem, este se tornou ainda mais complicado.
Estes são alguns lampejos sobre a Escola Municipal Ernani Moreira Franco. Que
tem em sua estrutura aspectos do que é vivido por uma sociedade muito complexa. Porém,
mais do que isso - apresenta características únicas, pessoas, histórias, sentimentos que são
só seus. É fascinante perceber como essas características gerais e únicas se unem e formam
uma instituição tão dinâmica.
No entanto, é instigante saber que muito ainda ficou escondido, muito ainda ficou
por saber. Ao final deste trabalho me restam ainda mais questões a serem respondidas. São
outras e novas perguntas que, agora, elaboro. Gostaria de ter conseguido mais detalhes
sobre determinados assuntos, tê-los discutidos mais a fundo. Como o período da década de
1960, logo após a fundação da escola, pois me pareceu um período quase esquecido pelas
pessoas. Até a primeira diretora é pouco citada, embora saibam dela e com ela tenham
convivido. Se a documentação é escassa, sobre este período ela simplesmente inexiste.
Nem mesmo as pastas individuais dos alunos, que são os documentos mais bem guardados,
foram encontrados - no arquivo só constam alunos a partir de 197413
. Além disso, não
consegui encontrar alguém que pudesse relatar alguma coisa sobre o período. A primeira
diretora já é falecida, mas contava com o depoimento da segunda diretora, que
anteriormente era professora da escola, mas, conforme registrei, ela se recusou e não tive
tempo hábil para encontrar outra pessoa que pudesse contribuir com este trabalho.
Confesso, fiquei decepcionada, seu depoimento constava em meus planos desde o
princípio.
Outro ponto que me chamou a atenção foi a respeito das práticas pedagógicas pelas
quais a escola passou. O assunto não estava inserido no projeto e por isso não foi citado,
mas acabou por me interessar. Sendo que terá que ficar para um outro momento a
compreensão de como se deram as mudanças nesse aspecto. Como a escola passa de uma
prática tradicional para a busca por uma pedagogia que tenta alcançar o construtivismo,
13
As pastas individuais de alunos são guardadas no arquivo de acordo com o ano que saíram da escola.
Entretanto, não haviam alunos que tivessem ingressado na escola nos primeiros anos.
74
baseada em um sistema de ciclos? E digo tenta porque até hoje é possível perceber
professores que defendem os dois lados e questionando porque essa ou aquela é melhor.
Como se deu esse embate e a implantação dos ciclos, levando em consideração de que
essas mudanças são impostas verticalmente pela Fundação Municipal de Educação.
Depois de tudo isso, consigo perceber um pouco melhor a escola, mas novas
questões se colocam apontando para a dinâmica viva da pesquisa e da construção do
conhecimento. Uma pesquisa não se fecha, mas, pelo contrário, instiga novas questões.
Quanto mais descobrimos, mais nos envolvemos ed procuramos outras respostas. A escola
segue seu caminho e, quem sabe, no futuro, essas e novas inquietações poderão ser
retomadas.
75
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THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
78
APÊNDICE A - CONTRATO DE TRABALHO
Eu, _________________________________________________________ ,
declaro para os devidos fins que cedo as entrevistas biográficas realizadas no contexto da
investigação intitulada “E. M. Ernani Moreira Franco: Diálogos entre História e Memória”,
com o objetivo de sua utilização, integralmente ou em partes, sem restrições de prazos,
trabalhos acadêmicos.
Eu, ___________________________________________________________ me
comprometo em transcrever e retornar a entrevista em sua íntegra ao entrevistado (a),
reservando-o seu direito de posteriormente alterá-la e ou revisá-la, desde que não haja
mudança do contexto e ou sentido da frase mencionada.
Niterói, _____ de _____ de 2010.
______________________________________________________________________
Assinatura do Entrevistado (a)
Assinatura do Entrevistador (a)
79
APÊNDICE B - ROTEIRO PARA ENTREVISTA
1ª Etapa: Apresentação do contrato de trabalho;
2ª Etapa: Perguntas semi-estruturadas ao entrevistado (a):
Identificação do entrevistado(a).
Fale um pouco Fale um pouco de sua Trajetória de vida, até sua chegada à escola.
O que conhece sobre a história da Escola municipal do Duque de Caxias?
O que sabe sobre a construção da E. M. Ernani Moreira Franco e sobre seus anos
iniciais?
Como considera a relação da escola com a comunidade?
Fale sobre as mudanças que percebeu na comunidade que cerca a escola.
Fale sobre as mudanças que percebeu na escola, durante os anos que nela esteve.
Descreva alguns momentos na escola que, sob sua visão, considera importantes e/ou
marcantes. Bons ou Ruins.
Se desejar, deixe alguma contribuição final.
80
APÊNDICE C - TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
1ª Entrevista
Data: 11/03/2010
Local: Escola Municipal Ernani Moreira Franco
Entrevistada: Maria Angélica Borges Gomes
Transcrição na íntegra da 1ª entrevista:
Maria Angélica Gomes: Hoje são 11/3/2010. Bom Dia. Meu nome é Maria Angélica, eu
estou na direção da Escola Municipal Ernani Moreira Franco e vou falar uma pouco da
minha trajetória de vida até os dias de hoje, como eu cheguei aqui. Olha é tempo, heim.
Desde pequena eu tinha a certeza de que queria ser professora. Eu era filha única e já
brincava com as bonecas, botava elas sentadas e dizia que eu estava dando aula. E aí me
formei no instituto de educação14
. Formei-me aos 17 anos e fui trabalhar numa escola,
naquela época, 1ª série, uma escola em São Gonçalo. Tinha 38 alunos e eu acho que foi ali
que começou o meu desafio. Porque tinham dois alunos na sala que não sabiam ler nem
escrever, numa escola particular. E aquilo começou a me incomodar. Eu comecei a
procurar formas de ensinar o menino a ler e escrever. Porque ele não conseguia
acompanhar e, por conta disso, ele era muito indisciplinado. Hoje a gente tem um perfil
diferente. Encontramos crianças indisciplinadas, mas, de repente, não só por questões
cognitivas. A indisciplina já tem hoje um outro enfoque, mesmo a questão do limite, da
família, que hoje ela não está mais presente.
E eu estou na sala de aula há vinte e oito anos. Muito tempo, né. (risos) Eu costumo brincar
hoje com meus alunos que daqui a pouco eu vou estar mordendo, batendo com a bengala.
Talvez eu me afaste da rede estadual esse ano, no final do ano vou me aposentar, mas no
município eu ainda vou continuar. E aí você quer que eu ...?
Entrevistadora: Como você chegou até a escola?
14
Instituto de Educação Professor Ismael Coutinho (IEPIC), na cidade de Niterói.
81
Maria Angélica Gomes: Ah, tá. Em 86 eu fui chamada para o município de Niterói e aí me
ofereceram algumas escolas para eu escolher. Dentre essas escolas, a única que tinha
Educação Infantil era o Ernani. E eu vim para cá certa de que era uma turma de Educação
Infantil. Só que houve um engano da Fundação com a escola porque, na verdade, eram
duas irmãs. Uma era da Educação Infantil e a outra do Ensino Fundamental. A que queria
sair da escola era do Ensino Fundamental, professora de alfabetização. Quando eu cheguei
na escola eu me desesperei. Só que eu fui recebida pela diretora adjunta, na época era
Ivaneide, ela ainda está na rede, até aqui pertinho da escola. E ela me disse: “Olha as
meninas da alfabetização daqui são ótimas, vão te dar uma força” E aí ela chamou as
professoras, a Vera, a Neli e a Otília. E aí elas vieram e me abraçaram. Falaram: “Você
pode ficar, a gente vai te ajudar, porque a gente trabalha muito junta e tal.” Eu tinha vindo
com o meu marido para ouvir dele o aval se seria legal ficar na escola ou não. Como aqui
era muito próximo da estrada, da Rodovia15
, eu vinha de São Gonçalo porque eu trabalhava
na rede privada em São Gonçalo. Aí, assim, facilitou o acesso e eu fiquei.
Peguei uma turma de alfabetização com trinta e cinco alunos, em setembro. Em que a
professora, no dia seguinte, era Cosme e Damião. Dia 27 de setembro, eu cheguei na porta
da sala e a professora olhou para mim e me mostrou todos os alunos. Porque era Cosme e
Damião tinham poucos alunos na escola e falou o seguinte: “Olha, essa é a sua turma, eles
sabem sete palavras”. E aí eu fiquei pensando assim, será que eles são doentes mentais, tem
algum tipo de deficiência. Como é que eu vou trabalhar com estas crianças? Eu comecei a
ver a cartilha, “No reino da alegria”. Ela trabalhou sete palavras. A cartilha, naquela época,
funcionava assim, fonemas simples e aí começava. Baú era a primeira palavra da cartilha.
Depois cacau. Ela seguia até uma ordem alfabética.Eu peguei essas crianças em setembro.
E comecei a dizer para a diretora que adorava o Pré-escolar. Pré-escolar naquela época não
havia a denominação Educação Infantil. Precedia a escola. “Eu quero o Pré-Escolar. Eu
quero o Pré-Escolar”. Ela tinha um filho que ficava aqui na escola. Ubiratan, Birinha que a
gente chamava. E Birinha começou a ir para a minha sala, mesmo sendo turma de
alfabetização, e eu trabalhava com ele. Com cola colorida, massinha, tinta. Quando ele viu
que eu tinha esse material e que eu trabalhava com os meus alunos, ele estava sempre na
minha sala. E eu comecei a fazer chantagem com ele, e dizia assim: “Pede para a sua mãe
15 Rodovia Amaral Peixoto.
82
me dar a turma de jardim e você vai comigo. Aí, ano que vem você fica como aluno
matriculado”. No ano seguinte ela me chamou e disse que era ordem da secretaria de
educação que todo professor novo de matrícula teria que ficar pelo menos três anos com a
alfabetização. Eu continuei na alfabetização. Só que culminou no último ano que eu estava
na alfabetização, eu fui fazer especialização na UFF. E aí eu comecei a ver a alfabetização
sob outro enfoque. A questão do letramento. Já tinha feito a primeira faculdade de
pedagogia, retornei de reingresso para a UFF e comecei a fazer alguns cursos de
alfabetização. E me encantei com a história da alfabetização. Só que eu ganhei de presente
a turma de pré-escolar, na época, hoje Educação infantil. Eu comecei a fazer um trabalho
de alfabetização no ultimo ano do jardim, né, pré-escolar. Fui para o pré-escolar, peguei
uma turma e fiquei com eles dois anos. Peguei o 3° período e depois continuei com eles na
alfabetização. Foi esta turma, essas mães, que ajudaram na minha campanha para a direção
da escola. Porque eu fiquei com esta turma três anos. Fiquei no Jardim de Infância, na
alfabetização, na 1ª série. Comecei aí a ganhar o respeito da comunidade. E tempos depois,
quatro anos depois eu acabei assumindo a direção da escola. Que foi em 96.
Entrevistadora: Você entrou quando aqui na escola?
Maria Angélica Gomes: Cheguei aqui na escola em 86. Dez anos depois eu peguei a
direção. Eleita pela comunidade. Lógico que tive indicação da direção. Ela não ia continuar
e aí me apresentou para a comunidade. E esse grupo de mães, que tinham sido minhas, me
ajudou muito na campanha. Teve uma outra chapa e aí a gente conseguiu uma boa votação.
Eu acredito que pelo fruto do trabalho que eu construí.
Entrevistadora: E como foi o processo? Os pais vieram, votaram?
Maria Angélica Gomes: Nossa e..., não vou nem falar antigamente porque fica parecendo
que é uma coisa assim... A gente percebe, assim, antes uma participação dos pais muito
mais efetiva que hoje. Mesmo no processo eleitoral. Mesmo nas reuniões de pais . Eu
lembro que nós tínhamos o auditório, um espaço grande na escola. De a gente ter aquilo
lotado em reuniões quando a gente convocava os pais. Eu não sei se a vida, o dia-a-dia
83
ficou muito mais complexo ao longo desses dez anos, porque já tem uma década. A gente
percebe isso até por nós mesmos, a gente tá tendo que matar um leão por dia para dar conta
dos nossos afazeres. A mulher, hoje, a maioria já tem esse comprometimento. A maioria
sustenta os lares sozinha. Elas têm que trabalhar. Ainda tem a nossa cultura que acho que é
do brasileiro que achamos que a escola pública .... Coloquei, fiz a matrícula e a escola se
vira com o meu filho. Um conjunto de coisas que não favorece muito o trabalho no dia-a-
dia.
Entrevistadora: O que nesse período de direção você encontrou que considera importante?
Desafios, problemas.
Maria Angélica Gomes: Desafios você, que hoje é funcionária da escola, percebe que a
gente tem muitos. Mas eu acho que ainda hoje o desafio é que em uma década a gente
ainda não conseguiu dar conta da dificuldade de aprendizagem que o aluno apresenta. Falta
alguma coisa na formação pedagógica que, por mais que a gente tente, dialogue, a gente
não conseguiu ainda encontrar o elo de ligação da escola com o cognitivo dos alunos. A
gente já mudou a prática pedagógica. Hoje a gente tem uma escola muito mais prazerosa do
que a dez anos atrás. A gente oferece um espaço físico que é de qualidade, a gente tem as
salas arejadas, tem mobiliário adequado, sala de leitura, sala de informática de última
geração e a gente não consegue dar conta da aprendizagem com esses alunos. Então o
grande desafio continua sendo este. E aí entra aquele conjunto de coisas que eu já citei
anteriormente. Por exemplo, falha a saúde. Por que se a gente encaminha alguma criança
que a gente já passou por uma avaliação pela Fundação, que já foi detectado que essa
criança precisa de uma fono, precisa de um acompanhamento, a saúde marca para daqui a
seis meses. Aí, o ano letivo passou e a criança foi ficando. Então a questão da socialização
mesmo. O professor perde muito tempo para trabalhar a questão de hábitos e atitudes. A
construção do conhecimento, a ampliação do conhecimento, a gente não tem,
minimamente, o ano letivo não tem 200 dias e 800 horas. Acho que isso ainda é um grande
desafio, que a escola consiga organizar melhor o seu tempo. A gente não consegue ainda
organizar o tempo. A gente perde tempo na hora da entrada, perde tempo na saída. A gente
conta com a questão de que porque somos mulheres, mulheres educadoras. E quando o
84
filho fica doente, não é o pai que falta ao trabalho e sim a mulher. Hoje a gente não tem
efetivamente muitos problemas de falta na escola, mas a gente tem a questão do atraso. Por
conta dessa obra da rodovia16
. Muita gente percebe assim que a gente não tem 4 horas e
meia de efetivo trabalho com os nossos alunos, porque aí entra o desjejum, entra a rotina do
dia-a-dia e a gente, eu acho, acho não, tenho certeza, que isso também contribui para não
aprendizagem desses alunos.
Entrevistadora: Você falou da relação do pai. E da escola com a comunidade, tem alguma
mudança que você viu?
Maria Angélica Gomes: Nós tivemos agora a pouco tempo o plano de trabalho. Há pouco
tempo, há dois dias. A gente estava conversando sobre o plano de trabalho e no plano
colocamos que essa é uma escola afetiva e calorosa. É lógico que a gente tem problemas,
mas que a gente procura assim, trazer a comunidade para dentro da escola, mas ainda
sentimos que a comunidade é bastante arredia. Por exemplo, eles vem a escola quando são
convocados para festas, mas não vem para tratar de questões pertinentes a aprendizagem
dos filhos deles. Ora, porque não se sentem gabaritados para isso, ora porque não
conseguem entender a nossa fala. A gente ainda não conseguiu perceber bem o que é.
Embora já consigamos esmiuçar bastante a proposta pedagógica, damos aula na reunião de
pais, mas a gente ainda percebe assim, que faz parte da cultura popular que a escola é o
espaço onde quem está é que sabe fazer educação. Palpites elas gostam de dar mas, para
vir para discutir, para entender é bastante difícil.
Entrevistadora: Tem algum momento nesse período todo que foi importante para você?
Bom ou ruim?
Maria Angélica Gomes: Posso até ressaltar alguns pontos. Por exemplo, você, ex-aluna da
escola, que está aqui dentro hoje como funcionária pública. Quer dizer, foi a escola de base
da sua vida. Você passou por aqui. Eu encontrei agora com a mãe da Tuane e ela me disse
que Tainá passou para universidade. Quer dizer, já tem uma filha que foi aluna daqui,
16 Refere-se a obra que esta ocorrendo na rodovia desde março de 2010 para contenção do desmoronamento ocorrido, o que
piorou com as chuvas do mês de abril
85
educação de base, que está fazendo mestrado em São Paulo e, agora, a segunda filha passou
para universidade, está fazendo administração. Então, assim, são desafios, que a gente ...
“Ah, são poucos.” Não são muitos, mas quando vem alguém para escola para dar esse
retorno para gente, a gente percebe, que a gente tem alguma contribuição. É que nós
gostaríamos que fosse uma quantidade maior, mas aí a gente precisaria. Esse ano nós
vamos colocar em prática um projeto chamado “Estreitando Laços”, que seria um trabalho
diretamente voltado para as famílias, e essas famílias que tem mais dificuldades, seja por
falta com as crianças, seja por questões sociais mesmo, questão do desemprego. Estamos
formando uma parceria com um pai de aluno que nos ofereceu ajuda. Está fazendo visita
domiciliar para a gente ver o que pode fazer com estas famílias que tem mais problemas.
Ver se conseguimos minimizar esses problemas. Então, assim, eu já tive muitas tristezas,
porque chorei muitas vezes por perdas de alunos. E que a gente perde por conta do tráfico.
Mas já tive muitas alegrias de mães que voltam. Essa semana mesmo você viu o bilhete que
a mãe de Magno mandou dizendo que tinha muito a agradecer, porque também foi
educação de base do menino aqui e ele está fazendo escola técnica. Então assim, tem
muitas alegrias. Não que a gente queira que o resultado desse trabalho seja que todos
estejam ingressando na faculdade mas, que pelo menos, todos estejam exercendo o seu
direito nessa sociedade que já é tão maldosa, tão cruel com as nossas crianças.
Entrevistadora: Eu tenho uma pergunta que não estava no roteiro mas, que pensando nisso
tudo ... Eu acho que, na época que eu estudei aqui, a escola era mais cheia e tinham alunos
muito grandes.
Maria Angélica Gomes: É sim, distorção de idade. De dez anos para cá o próprio governo
criou regras para estar terminando com a distorção série/idade. Ou seja, com quatorze anos,
com quinze anos. O município de Niterói começou com um trabalho que foi o CEMOA, no
ano de 2000. E começou a dar conta destas crianças. Hoje nós não temos mais o CEMOA,
que era o Centro de Otimização da Aprendizagem, que funcionava fora das escolas.
Atendia a todas as comunidades. Não tem mais isso, agora eles tem o EJA. Então alunos de
quatorze anos já são encaminhados para o EJA que atende a jovens e adultos. Assim,
conseguiu dar conta um pouco disso, com essa nova legislação.
86
Entrevistadora: Só para terminar, para ver se você me ajuda um pouco. Gostaria de saber
sobre antes desse seu período aqui na escola, se você sabe alguma coisa, onde posso
procurar?
Maria Angélica Gomes: Deixar registrado alguma coisa? O que eu sei da escola, assim, o
terreno foi doado por uma pessoa da comunidade. A escola funcionava na rua Coelho, que
era uma rua acima daqui e era Escola Municipal Duque de Caxias. Era uma escola
pequenininha, que só atendia de 1ª a 4ª série. Através de políticos, o vereador Wolney
Trindade, junto com o prefeito Moreira Franco conseguiu a construção dessa escola na
comunidade que me parece já ser uma reivindicação antiga, por ser próximo da rodovia. Só
havia escolas da rede estadual que não eram tão perto. Não atendiam a comunidade e aí
surgiu a Escola Municipal Ernani Moreira Franco. Ernani foi o filho de Moreira Franco,
então prefeito que, na época, em 81, faleceu ainda bebê. Eles inauguraram ainda com perfil
de horário integral, mas não deu muito certo. Porque a prefeitura ainda não tinha condições
de bancar a merenda. A verba, me parece, eu não sei como vinha, ainda era merenda da
FAE, era alguma coisa assim. E me parece que as crianças eram liberadas meio dia para
irem almoçar em casa. Eles fugiam e não voltavam. Hoje a gente teria mais estrutura, até
para atender melhor esse horário integral, que naquela época não existia. A escola tinha
dentistas, ela foi toda projetada para atender inclusive com o sistema de saúde. Com
consultórios dentários, médico, mas o planejamento não deu certo, acabou. Logo depois,
um ano depois da construção da escola, começou a atender a Educação Infantil, o antigo
jardim de Infância, pré-escolar17
. Começou atender crianças de três a cinco anos, isso
também já era uma reivindicação da comunidade. E porque que eu atribuo o fato da escola
ser mais cheia? Hoje, infelizmente, temos o problema de brigas entre comunidades. Então
quem é de fora tem medo ou não quer vir estudar em uma escola inserida dentro de uma
comunidade. Por não conhecer, pela questão do acesso, né? E, em torno da gente, outras
escolas foram construídas. Então quer dizer, garantiu melhor esse acesso a rede de
educação básica.
17 Na verdade, de acordo com a Portaria SME: 029/86, o pré-Escolar só foi autorizado em abril de 1986.
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Entrevistadora: Acho que estamos chegando ao fim. Se você quiser falar alguma coisa que
não tenha falado.
Maria Angélica Gomes: Nossa, eu falo tanto.Sobre a escola, sim. Eu acho, eu não acho, eu
tenho certeza. Por todas as reuniões que eu vou, onde estão os diretores reunidos, na FME,
que a gente está evoluindo para uma escola de qualidade. Ainda falta muito, como eu disse
antes, na nossa formação ainda falta muito, e eu estou me incluindo. Embora eu esteja na
direção, eu sou professora. A nossa formação ainda é deficitária. Ainda é muito ruim e
seria muito bom se começassem a rever o curso de formação de professores. De que forma
a gente poderia melhorar o nosso conhecimento. O município de Niterói oferece muita
formação continuada em serviço para os professores. Só que a gente chega, vai para a sala
de aula para só depois se apropriar desse conhecimento. Ganhamos um pouco de tempo, se
esse caminho fosse anterior. Se pelo menos essa formação de professores fosse revista. Que
tipo de trabalho é feito lá. Porque fica muito fácil depois dizer que professor não sabe
ensinar, não sabe colocar em prática tantas propostas. Porque, hoje, a gente se depara com
o universo de crianças vindos de lares totalmente diferentes. Algumas com famílias
estruturadas, outras desestruturadas. Quando a gente junta isso dentro da escola ficamos
meio que perdidos, por que tudo que você aprende no pedagógico parece nada frente a
todos esses desafios, que a gente tem, que esta na escola, no dia a dia. Acho que seria,
assim, um alerta, que alguma coisa fosse feita já no curso de formação de professores para
a gente poder vir melhor. Teoria e prática. Porque a gente faz estágio, mas o estágio não
garante, porque o tempo é muito pouco. Então que a gente tivesse tempo hábil para poder
estudar mais, poder dar conta dessa questão da qualidade. Mas a gente tem, assim, uma
escola que busca por isso. Você está aqui dentro você vê, mas somos humanos e temos
nossas batalhas diárias também. O resultado não é aquele que a gente gostaria que fosse.
Entrevistadora: Não vou nem perguntar se você gosta do que faz.
Maria Angélica Gomes: Não. Com certeza, eu ontem falei dentro do carro com meu filho,
que não teria outra coisa que eu... Nada, nada do que eu olho, nós ganhamos pouco e aí eu
nem coloquei a questão do salário. Eu acho que não teria nada do que eu fizesse que me
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traria o que eu tenho hoje de ser professora e de estar na direção. É uma escola fora da
escola, sabe? Acho que todo professor deveria passar pela direção da escola, porque a gente
vê sob outro enfoque e não tem nada que eu me encaixaria que me daria tanta satisfação
para fazer.
Entrevistadora: Gostaria de deixar gravado que foi muito difícil chegar aqui, porque você
tem muita coisa para fazer, toda hora tem alguém chamando. E você dedicou esse tempinho
para a pesquisa.
Maria Angélica Gomes: Que bom. Desculpa pelo transtorno e pela demora porque seu
trabalho já estaria adiantado. E nem ocupou tanto tempo assim, mas é a questão de chegar e
pegar. Vamos fazer agora, porque é assim o dia a dia da escola. O MEC, há alguns anos ,
não sei bem quanto tempo, lançou uns livrinhos, são de capa azul, amarela. Eu tenho
certeza de a gente tem por aqui. Seria até legal dar uma lidinha. Ele dizia do dia-a-dia de
uma diretora de escola e comparava a um incêndio. Porque é assim, você não consegue
fazer nada. A minha segunda mente está o tempo todo funcionando. Porque, ao mesmo
tempo, que eu tô aqui com você, conversando, eu tô ouvindo se as crianças estão correndo.
Isso a gente desenvolve na direção da escola, porque a gente precisa de quatro olhos, não
deixa passar nada. É um pouco de loucura. Lógico que a gente não deveria ser assim. Você
começa com isso, aprendi para dar conta da demanda. Então, assim, no final do dia eu
estou muito cansada porque eu costumo prestar atenção em muitas coisas ao mesmo tempo.
Mas foi ótimo ter contribuído com alguma coisa. Obrigada.
Entrevistadora: Obrigada.
89
2ª Entrevista
Data: 11/05/2010
Local: Escola Municipal Ernani Moreira Franco
Entrevistada: Maria Célia da Cunha Aguiar
Transcrição na íntegra da 2ª entrevista:
Entrevistadora: Você pode começar se identificando, falando quem você é...
Maria Célia Aguiar: Meu nome é Maria Célia da Cunha Aguiar, sou secretária do Ernani
Moreira Franco há 24 anos. Mesmo antes de estar aqui como secretária eu já estive diretora
de escolas particulares. Comecei minha vida trabalhando em secretaria de escola. Antes
mesmo de ir para sala de aula, comecei a trabalhar em secretaria de escola. Esta parte
administrativa, de verdade, não é a minha praia, gosto mais da parte pedagógica, mas
consegui conciliar as duas, nesses anos todos de trabalho.
Entrevistadora: Conta um pouco de sua história, dessa trajetória...
Maria Célia Aguiar: Como secretária?
Entrevistadora: Não só, de sua vida também.
Maria Célia Aguiar: Minha história profissional?
Entrevistadora: Sua vida também é importante para a pesquisa.
Maria Célia Aguiar: Eu comecei, o primeiro curso de Ensino Médio que eu fiz foi o de
química industrial. Logo, logo, eu vi que não podia ser aquilo, mas por influência da
família: “Vamos, é uma profissão nova. Técnico em química industrial”. Eu levei três anos
e meio dentro da escola, mais meio de estágio e quando termine,i cheguei em casa e disse:
“Olha, eu quero ser professora”. Imagina, eu dentro de um laboratório. Eu terminei, mas,
90
não tinha identificação nenhuma. Aí, em 1972, foi quando teve uma nova Lei de Diretrizes
e Bases, e eu consegui entrar já no 2° ano, que não era mais normal, no curso pedagógico.
Fiz o 2° e o 3° ano, já casada. Eu casei nesse meio tempo. Tinha 19 anos, 18 quando
comecei. Terminei com 19 porque só fiz o 2º e o 3º ano. Já terminei casada, com um
barrigão enorme, já para ter neném. Logo, logo, eu já comecei a trabalhar. Mesmo antes de
formada no curso Plínio Leite18
tinha o Rota Mirim, era do estado. E o Plínio Leite dava as
dependências e aí eu comecei a trabalhar nesse curso de Rota Mirim. Como eles não
tinham as dependências, eram da escola, mas o curso não tinha nada haver, o curso era do
estado. Só que o pessoal dizia, eu estudo no Plínio Leite, então eles mantinham quando
faltava professor eles pagavam a parte para eles não ficarem sem professor. Então uma
doação maravilhosa da escola particular. E aí eu comecei trabalhar lá, na turma de 4ª série.
Eram alunos do morro do Estado. Eu quando saia para trabalhar eles já estavam me
esperando na porta da minha casa. De manhã eu trabalhava na secretaria da escola e a tarde
eu trabalhava com essa turma de 4ª série. Foi uma grande experiência. Eles eram quase da
minha idade, eu era muito nova e eles tinham quase a mesma idade. Eu morava no centro
da cidade, eles vinham do Morro do Estado, passavam na porta da minha casa e a gente ia
junto.
Eu fui trabalhar no curso de administração do ginásio. Para você entrar no ginásio tinha um
curso de férias e eu trabalhei nesse curso de admissão. E comecei a minha carreira como
professora em escola, fazendo quase tudo em escola, continuei tendo essa experiência de
secretaria no Plínio Leite e trabalhava com a turma. Em 1974 tive o meu segundo filho e no
final do no eu não fiquei mais com as turmas, fiquei só com a secretaria. Fiquei oito meses
em casa cuidando dos filhos, foi o suficiente para u ficar enlouquecida. No final do ano eu
fiz vestibular para pedagogia e tratei de arrumar um emprego, também em escola. Eu fui
trabalhar em uma escola da Campanha19
. Elas funcionavam à noite. Essas escolas tinham
um grupo que as mantinha. E eu fui trabalhar em São Gonçalo, à noite em uma escola de
campanha, na secretaria. De dia era uma escola estadual e a noite era uma escola da
Campanha, era curso noturno.
18 O Colégio Plínio Leite fica no Centro de Niterói, à Rua Visconde do Rio Branco. 19 A Campanha Nacional de Escolas da Comunidade-CNEC é uma rede brasileira de educação de direito privado,
constituída sob a forma de associação civil sem fins lucrativos, reconhecida de utilidade pública pelo Decreto 36905/54 e
registrada junto ao conselho Nacional de Assistência Social, desde 1951, que atende desde a Educação Infantil até à Pós-
Graduação.
91
Entrevistadora: Isso era o que?
Maria Célia Aguiar: Eu já não me lembro bem. Ainda existem escolas de campanha hoje.
Só olhando na minha carteira profissional, era Campanha Nacional de Escolas. Eles
mantinham, era particular, mas vários lugares tinham essas escolas de campanha, que
funcionava a noite. Bom, daí eu fui para uma escola particular como coordenadora. Eu já
estava fazendo a faculdade, foi em 1977. Eu fui trabalhar como coordenadora de uma
escola que eu já tinha estudado quando era pequena, Instituto São Rafael, também em São
Gonçalo. E aí eu realmente comecei como coordenadora, sem nenhuma experiência.
Apanhei muito na época do “Casinha Feliz”, era aquele método de alfabetização fonado.
Apanhei muito. Aprendi com o tempo. Aprendi vivendo aquelas experiências. O meu modo
de trabalho eu adquiri na vida, pela vivência. Fiquei ali uns seis anos, terminei a faculdade
e cheguei a ser diretora desta escola. Depois esta escola acabou porque ela tinha uma
entidade mantenedora e ela foi vendida. A pessoa que comprou não zelou pela escola e ela
acabou.
Fui trabalhar no Colégio Maria Thereza. Ele, a noite, tinha outro nome, Colégio Castilho
Lima, mas que era da mesma família. De manhã e de tarde ele funcionava com um nome e
a noite com outro. Eu trabalhava a tarde e a noite, mas pelo Castilho Lima, não pelo Maria
Thereza. Como eu já tinha aqueles anos todos de experiência, lá eu trabalhava na secretária.
Consegui com uma colega, que também trabalhava lá, uma escola que precisava de
coordenadora e que era também em São Gonçalo. Depois fiquei de manhã nessa escola e de
tarde e a noite no Castilho Lima. Depois acabei ficando só a noite. Fiquei de tarde lá na
outra porque os filhos pequenos começaram a exigir mais. Depois eu acabei ficando só a
tarde lá e saí do Castilho Lima, exatamente pela preferência pela parte pedagógica do que
pela parte administrativa.
Entrevistadora: Você lá era professora?
Maria Célia Aguiar: Não, era coordenadora. Nesse intervalo eu estive em outra escola,
como professora de Educação Infantil, na época de Jardim de Infância, no Cecília Meireles,
92
em São Gonçalo. Mas fiquei um ano só porque era muito longe. O que aconteceu? Eu
acostumei a ficar fora de sala de aula. Até, por sinal, minha experiência em sala de aula é
bem pequeno. Eu me identifiquei muito com a questão de coordenação, e aí em 1982, ainda
lá no São Rafael eu entrei para o município de Niterói. Não entrei como professora, entrei
como agente da administração escolar, que nem era esse o nome, era auxiliar
administrativo. E só que eu fui para uma escola, Tiradentes, e me deram uma turma para eu
trabalhar. Tinha saído uma professora de licença maternidade e eu fiquei um ano inteiro
trabalhando com aquela turma. Era uma turma de 1ª série. Só que eu sabia que não era esse
o meu cargo, e eu não ia ficar trabalhando, ganhando menos. Chegou o final do ano e eu
pedi para sair e fui para o Infante Dom Henrique. Vim para cá em 1986. É esse tempo todo
que eu estou aqui. Fiquei como coordenadora nessa outra escola, em São Gonçalo. Depois
cansei de trabalhar em São Gonçalo e fui para o Chantrinho. Trabalhava aqui e no
Chantrinho, até 1999, quando fui ser diretora em uma escola no Rio, mas, fiquei muito
cansada em sair daqui para o Rio. Eu ia duas vezes por semana, ficava lá o dia inteiro. Os
outros dias ficava no Ernani. Joguei para o alto o Rio e fiquei aqui. Quando foi em 2000, eu
recebi uma proposta de Angélica, para ficar como coordenadora da Educação Infantil, com
uma dupla, e ficar na secretaria da escola, até os dias de hoje. É mais ou menos isso.
Minha vida profissional prejudicou bastante essa coisa de faculdade. Já depois de casada,
dois empregos, na criação de meus filhos. Teve uma vez, eles colocaram nos exercícios de
casa: “Não sei. Não sei. Não sei”. E aí eu acordei, eu não posso trabalhar nos três turnos.
Foi quando eu deixei de trabalhar a noite, fiquei trabalhando só de tarde e de manhã.
Depois fiquei só a tarde e quando eu entrei para o município fiquei só de manhã e de tarde
novamente.
Entrevistadora: Aqui você entrou como agente administrativo. Como você se tornou
secretária?
Maria Célia Aguiar: Eu já vim para cá, para ser secretaria. Pela bagagem que eu já tinha
vim para ser secretaria da escola. Só que nessa época, a Fundação queria que fizesse um
curso da FESP. O curso que formava secretários escolares. Acho até que hoje é o único que
forma secretário escolar, tanto é que eu tenho registro. Eu acho até que na rede não tenha
93
ninguém com esse registro de secretária. Foram mudando, se aposentando. Então eu vim
para cá com a função de secretária escolar, mas meu cargo no município é Agente
Educacional. Os primeiros dias já fui convidada para isso, o que me exigiu fazer esse curso,
tirei o registro. Eles hoje não exigem mais. Esse cargo de secretária no município de
Niterói me dá o direito de ser, hoje, da equipe de articulação pedagógica e magistério. Pelo
mapa estatístico você observa quando a gente conta, na primeira página, o total de
magistério. Eu estou incluída, está entendendo.
Entrevistadora: E nesse período, o que você encontrou de mudanças?
Maria Célia Aguiar: Olha, eu vim para cá em 1986. As escolas de ensino Fundamental, 1º
seguimento, na época, de 1º grau, antes de 1976, não tinha obrigatoriedade de
documentação de arquivos. Então quando eu cheguei tinha um monte de papel. Já dez anos
depois tinha um monte de papel, pastas vazias. Eu levei um ano trabalhando para organizar.
Porque eu não podia jogar nada fora. Tinha que olhar tudinho, eram pilhas. Não tinha
arquivo, não tinha nada. Então eu organizei essa secretaria toda. Eu comecei a organizar
dez anos depois da exigência da lei. E a Fundação fez alguns cursos depois de atualização
de secretário escolar, uns dois ou três. Redação oficial, arquivo, coisas que hoje a gente
nem utiliza mais. Tivemos alguns cursos desses. Mas eu acho que eu criei a minha maneira
de trabalhar. Hoje, de 1999 para cá, foi instalada a Gestão20
. Antes era tudo manual, depois
passamos para o computador. A Gestão você pegou agora, com a Internet, que é de 2007.
De 2007 para cá que a gente começou a trabalhar com Internet. É um trabalho rotineiro.
Todo ano a mesma coisa, na mesma época. Início do ano, cadastra aluno, faz diário,
relações que a gente tem para estar acompanhando, pasta de aluno, documentação, pedem
documentos, históricos, declarações, protocolos, as matrículas, os pedidos de transferência,
é esse o tipo de trabalho que faz. Esse monte de registro que agora é muito mais fácil
porque fazemos com o computador. Antigamente, a gente tinha nota, somatório de nota,
somatório de freqüência. Tudo isso era feito à mão e hoje a gente tem o computador que
auxilia muito. Por pior que seja o sistema de gestão, por mais complicado que seja ele pela
web, ele é muito mais prático. Eu só conseguia entrar de férias dia dez de janeiro. Eu nunca
20 A entrevistada se refere ao programa de computador chamado Gestão Escolar. Desde 2007 ele é utilizado on-line.
94
conseguia entrar junto com todo mundo, porque não dava tempo. Tinha que lançar
conceitos, notas, que também veio mudando. Antes era nota, depois passaram para
conceitos e aí, de acordo com a proposta de trabalho da Fundação, é que a gente tem que
seguir21
. E agora a gente vai voltar para conceito novamente.
Entrevistadora: Coloca o que você vê de diferente de quando você entrou na escola para
agora. O que você viu de mudanças nesse tempo todo?
Maria Célia Aguiar: Olha, radical a mudança para melhor. A característica dos nossos
alunos, dos nossos pais. Eram pessoas que você percebia de classe bem humilde. Eles eram
muito humildes. Eu, hoje, percebo que o pai já conhece alguma coisa. Eles vinham para a
escola e não faziam matrícula. No primeiro dia de aula, sobrava 80%. Só 20% estava
matriculado. “Ah, mas minha mãe mandou eu para a escola”. Eu tinha que mandar essa
criança para casa, voltar com o responsável, para fazer matrícula. Isso foi uma cultura
criada aqui, nessa comunidade, porque isso não existia. Todo mundo chegava e ia direto
para a sala de aula. A escola não era arrumada. Não existia essa organização da secretaria.
Então, todo mundo ficava. Eu nem sei como eram feitos os documentos de transferência,
não sei. Até porque a exigência tinha ata, tinha livro de matrícula e esses alunos não faziam
parte de nada disso. Aí, com o tempo eles foram aprendendo. Você vê que não vem
ninguém sem matrícula.
Desde a clientela, toda parte pedagógica da escola, era uma escola essencialmente
tradicional na parte pedagógica. Hoje já prima mais por uma escola mais progressista, mais
livre, entre aspas, até porque a proposta da Fundação, hoje, que está sendo alterada. Mas
hoje é uma escola mais progressista.
E os alunos vinham para a escola, não penteavam o cabelo. De manhã não tomava banho,
não cheiravam bem. Hoje você vê que a coisa é totalmente diferente. A escola em si, o
prédio escolar era muito ruim. Não existia essa consciência de limpeza. Alguns próprios
funcionários de limpeza iam ali, faziam uma limpeza, assim por cima. Hoje não. Passam
cera no chão, o banheiro é lavado mais de uma vez por dia. Evoluiu e evoluiu muito.
Outros tempos, de vinte e quatro anos para cá, nossa. Até o traje do professor. Eu observo
21 Refere-se a proposta pedagógica implantada pela Fundação Municipal de Educação de Niterói , “Escola de Cidadania”
através da Portaria 132/08. Mas esta vem sofrendo algumas alterações.
95
muito isso, o professor vinha mais..., era mais doméstico. Era uma coisa mais casa. E
tinham muitos professores que moravam aqui perto. Era lenço na cabeça. Hoje, você vê o
professor dando o exemplo de vir mais arrumadinho. Não precisa estar de escarpin, mas
vem mais arrumado, cabelo penteado, bota uma bijouteria. Até porque eu acho que isso é
um exemplo para o aluno dele. Né, poxa, a gente tem professor aqui que todo mundo quer
ser aluno. Porque está arrumadinha. Eu acho que isso também faz parte, está implícito no
currículo da escola.
Entrevistadora: A população da região mudou?
Maria Célia Aguiar: A população da comunidade modificou para melhor. Modificou para
muito melhor. A gente sabe, que é uma classe popular, que tem uma outra postura. A gente
vê pela questão da higiene. A gente vê como as crianças vinham para a escola, de manhã ou
de tarde. Porque o turno da manhã sempre foi pior, porque levanta né, e tal. Hoje não, você
não percebe isso. Eles vem arrumadinhos, vem limpos. À tarde sempre foi muito melhor.
Modificou muito a nossa comunidade. Nossa, eu acho que essa escola aqui, muitas vezes a
gente diz: “Poxa, a gente tem muitos problemas.” Mas ela fez um bem muito grande a essa
comunidade. Ela cresceu. A comunidade cresceu, a gente percebe isso. A gente percebe
com clareza.
Entrevistadora: O que você colocaria como momentos importantes para a escola?
Maria Célia Aguiar: As coisas vão acontecendo no dia-a-dia. Olha para trás, nossa, como
que mudou, não é? Eu acho que a questão da eleição para direção da escola fez com que os
diretores se empenhassem mais. Porque antes não era eleição. Começou, se eu não me
engano, em 1988. Não sei se foi 1988 ou 1990. Não sei.22
Era Tereza quando vim para cá.
Ela era indicação e, depois foi Maud. Era de dois em dois anos. Era Maud e Otília. A
Tereza ganhou os dois primeiros, ficou até 1992. De 1992 a 1996 ficou Maud e aí depois
entrou Angélica. E aí, eu acho que essa questão do diretor eleito pela comunidade escolar.
Porque quem é que quer ser diretor da escola? Aquele que quer trabalhar. Então eu acho
22 Segundo o livro de atas, a primeira eleição para a direção da escola ocorreu em 1991.
96
que é um momento histórico e eu nem sei se é só aqui. Fez com que a escola municipal
crescesse. Sabe, eu acho que é um momento histórico para toda escola municipal. Inclusive
preservou até os dias de hoje a eleição, às vezes dois anos, as vezes três anos, dependendo
da legislação. Mas eu acho que este foi um momento histórico e um marco na história da
escola municipal de Niterói.
Entrevistadora: A escola tinha bastante alunos e perdeu quando foi aberta outra escola nas
proximidades.
Maria Célia Aguiar: São momentos críticos. Em 2004, o Paulo Freire23
. Aquele prédio,
que era do antigo Colégio Brasil, foi comprado pelo município. E o Paulo Freire foi
inaugurado com promessas. Aí, é da cabeça do povo, que tinha piscina, elevador. Elevador
tem. Mas que tinha piscinas, quadras. E eu acho que a vontade de sair daqui da
comunidade. Acho que foi benéfico para eles. Todo mundo quis se matricular. O Paulo
Freire foi a escola que inaugurou bombando, já. E enquanto isso, aqui, o Ernani esvaziou.
No ano seguinte teve a greve que levou muitos dias. E aí, foi para a Escola Estadual
Alberto Brandão, saiu quase todo mundo. E nesses anos, Paulo Freire foi 2004, a greve
2005, a gente vem se recuperando. Agora, com esses desabamentos, a enchente, pode
complicar um pouquinho. Porque anos estamos sem um número razoável de transferências,
mas porque o Ernani é uma escola dentro de uma comunidade. Raramente, alguém de fora
vem estudar aqui. Tem até um ou outro aluno que vem de outro lugar, mas a maioria é
daqui desse complexo do Caramujo, Baldeador, finalzinho do Fonseca, todos aqui da
redondeza, a grande maioria. Mas mesmo assim, a gente mantém essas 12 turmas de
Educação Infantil, e hoje temos treze de Ensino Fundamental. São treze por causa da
Bilíngüe.
Entrevistadora: Você falou um pouco da tragédia do desabamento. Você que participou
tanto, deste momento, poderia falar um pouquinho?
23 A E. M. Paulo Freire fica na rua Soares de Miranda, 77 – Fonseca.
97
Maria Célia Aguiar: Ah, eu nunca pode imaginar que ia ter uma atuação dessas, nós todos
que estivemos todos os dias aqui, de assistente social. Eu garanto o que eu faço. Agora,
fazer esse trabalho, eu acho que o coração falou mais alto. Foi um momento muito difícil.
Para gente daqui escola, porque, meu Deus, lidar com a comunidade dentro da escola. Não
eram crianças, os nossos alunos, o que estamos acostumados, no dia-a-dia. Eram famílias
aqui dentro. Cada um com seus hábitos, com seus costumes. Foi realmente muito
complicado. Foi uma queda muito grande no nosso trabalho pedagógico. Porque, hoje, já
tem quase uma semana que eles voltaram e a gente ainda não conseguiu que todos os
alunos voltassem para escola. Na Educação Infantil não sabemos quem vem, quem não
vem, porque não tem transferência. Foi um momento muito delicado. Agora, uma boa
experiência. Inclusive numa das reuniões que nós fizemos com eles eu disse que eu aprendi
a ser mais solidária, mais humana, mais gente. A gente vê as pessoas sem casa, meu Deus,
que horror! Mesmo assim, acho que eles são bastante otimistas. Todas as pessoas que
foram para o 3º BI são as primeiras que vão ganhar as casas, pelo menos é a promessa. Diz
que eles estão felizes. Cada um com seu apartamento, com numeração, com chave da porta.
Teve festa no dias das mães. Ontem, teve uma criança fazendo quinze anos. Aniversário
com bolo. Firmas estão indo dentro do quartel perguntar quem quer trabalhar, fazer
cadastro. Andreia mesmo já arrumou emprego. Não é legal isso? E, eu acho que eles vão
melhorar como pessoas. Porque saíram do ambiente em que foram nascidos e criados, de
repente não é muito fácil. Ordem, organização. Eu acho que isso pode melhorar muito eles
como pessoas. No relacionamento da escola com a comunidade, Eu acho que a gente tem
um bom relacionamento. Sou testemunha de várias vezes precisarem, correrem para a gente
.E quando precisamos, corremos para eles. Eu acho que eles confiam muito na escola.
Porque tem essa questão de reunião de pais, a gente tem um impasse muito grande com as
reuniões de pais. Por mais atrativa que seja, fazer isso ou aquilo, dinâmicas e tudo mais,
aquilo que o pedagogo sabe fazer. Não sei se por causa do horário, horário de trabalho,
estão comprometidos. Mas a gente vê alguns pais, algumas mães que não trabalham, mas
que não vem as reuniões de pais. Eu acho isso um grande Empecilho para a escola. Só se
você chamar. As vezes chama uma vez, chama duas vezes aquela criança, que tem mais
necessidade que a escola converse, que seja acompanhada mais de perto pelo pai. Eu acho
98
que ainda não foi despertado. Eu acho que a gente precisa trabalhar mais para estar
despertando essa consciência na comunidade.
Entrevistadora: Eu queria saber se você sabe de alguma coisa de antes que possa ajudar
um pouco?
Maria Célia Aguiar: Eu sei o que ouvi as pessoas falando. Antes era escola Duque de
Caxias, na Coelho, na associação. Onde é a associação hoje. Ela funcionava com duas ou
três salas de aula. Era Escola Municipal Duque de Caxias. Em 1981, no governo Moreira
Franco, é que foi construída essa aqui. Esse local era uma horta, de propriedade de um
senhor, chamado Rocha. Que a gente até brinca, Seu Rocha pra lá, Seu Rocha pra cá. Lá
era Braulia, a diretora. Quando veio para cá já passou Maria José. Maria José foi destituída
em 1985 ou princípio de 1986, e, aí, entrou Tereza. Ela foi diretora no Duque de Caxias e
depois veio para cá. A escola tinha algumas necessidades. A Fundação Municipal de
Educação, antes era só secretaria, ela só foi constituída pelos idos de 1990. E, aí sim, foi
um marco na história da educação municipal de Niterói. Porque, antes, a secretaria, pelas
minhas observações, pelo pouco que eu fiquei, só três ou quatro anos. Eu entrei em 1980,
fiquei mais, mas a gente não tinha todo esse apoio que a gente tem hoje da FME. É
diferente. O marco foi a partir da FME. Eram poucas escolas, cinqüenta a sessenta escolas,
mas, ele não tinha a assistência e a organização que tem hoje. Tinha uma queda muito
grande, não primava pela qualidade de ensino. Hoje ainda estudamos propostas, mas eu
acho exatamente por isso. Porque a gente prima pela qualidade na educação.
Entrevistadora: Tem mais alguma coisa que você acha que seria importante, que você não
falou?
Maria Célia Aguiar: Para você que está iniciando a sua carreira profissional na educação tá
a pouco tempo. O que eu acho importantíssimo é a consciência profissional. O nosso
trabalho é um trabalho diferenciado. Trabalho com a cabeça, mas também tem que
trabalhar com o coração. A gente trabalha com gente e se a gente não tiver essa doação,
você não vê o seu trabalho render. É isso. Obrigado.
Entrevistadora: Obrigado.
99
3ª Entrevista
Data: 24/05/2010
Local: Escola Municipal Ernani Moreira Franco
Entrevistada: Dalva Ferreira Cardoso.
Transcrição na íntegra da 3ª entrevista :
Entrevistadora: Fala um pouco de você e da sua história na escola?
Dalva Cardoso: Eu, Dalva Ferreira Cardoso, sou agente da administração educacional. Vou
contar toda a minha história de vida nessa comunidade. O meu pai Luiz Gonzaga Ferreira,
veio morar nesta comunidade aos 17 anos. Aos 30 anos de idade casou-se com minha mãe,
Antônia Gomes Ferreira. Nasceu o primeiro filho e a segunda filha fui eu, na época Dalva
Gomes Ferreira. Nasci dia 10 de março de 1945. Comecei a estudar aos sete anos na escola
Alberto Brandão. Terminei o comercial que representava o ginasial, na época, no SENAC.
Parei de estudar por ignorância da família. Não satisfeita passei a fazer cursos de
artesanato, que incluía pintura, bordado e outros, e culinária, na qual trabalho até hoje.
Aos 14 anos abri uma escola que funcionava no meu quintal com nome de “Curso Estrela
Dalva”. Alfabetizei várias crianças, inclusive ajudei no início dos estudos do pai da
Priscila, Paulo César, filho de família antiga desta comunidade.
Em 1965 casei com Ingadi Rocha Cardoso, nascido nesta comunidade, em 1943. Continuei
como moradora, sou mãe de 3 filhas. Inclusive voltou a funcionar em minha residência
outra escola com o nome de “Recanto da Criança”, sob a direção e responsabilidade de
minha primeira filha Ingrid Mara Ferreira Cardoso, formada no pedagógico.
Não havia a Escola Moreira Franco. Com a inauguração da escola Ernani Moreira Franco
fui convidada a participar da APAM (Associação de Pais, Amigos e Mestres). Trabalhei
cinco anos ajudando no que era possível nesta escola. Na época estava contratada como
instrutora da LBA. Deixei esta entidade para trabalhar por minha comunidade. Entrei na
mesma escola, Ernani Moreira Franco, como agente da administração educacional.
100
Vinte e seis anos depois, quase vovô, voltei para terminar o pedagógico. Agora trabalho
como funcionária e também dou a minha colaboração como moradora da comunidade a
qual pertenço com muito orgulho. E, agradeço a Deus todo poderoso, por esta
comunidade, pela direção como pelos outros funcionários. Fui e sou amiga de todos.
Entrevistadora: Você falou do Alberto Brandão. Antes você havia falado comigo que era a
única escola e depois que eles construíram o Duque de Caxias, na Coelho.
Dalva Cardoso: Mas antes de construírem esta aqui, quando eu estava com 17 anos eles
estavam reconstruindo o Alberto Brandão.
Entrevistadora: Já era nesse endereço ou era em outro?
Dalva Cardoso Quando eu comecei a estudar era na Riodades. Era um prédio antigo,
estava em ruínas, aí, acabaram com aquela construção que era bem antiga. Ali se formou
uma vila de moradores. Depois ele foi para Palmeira, mas lá funcionou pouco tempo. Aí, a
direção da escola veio procurar um espaço por aqui, para fazer o Alberto Brandão. Antes
dele ir para a Palmeira, ele veio para um prédio antigo, ali, naquela primeira residência, na
Rua Primor. Eu ainda estudei ali. Dali ele foi para dentro da São Januário. Acho que
pediram o prédio, era particular. Na São Januário ele ficou pouco tempo. Aí, a direção da
escola que era Maria do Carmo, auxiliar de direção Aidê, veio procurar um espaço. Nós
tínhamos na comunidade o Centro Pró-Melhoramentos, no qual eu fazia parte da diretora.
Aí, a direção do Centro Pró-Melhoramentos, mais tarde veio funcionar como Grupo dos 20,
ela cedeu o espaço. Isso foi em 1965, quando eu estava para casar, quase casando. Aí o que
eu fiz? Precisava de alunos. Não tinha essas crianças. As famílias já tinham matriculado as
crianças no Machado de Assis, Hilário Ribeiro. Como eles queriam trazer o Alberto
Brandão para cá, eu como ex-aluna, moradora da comunidade, meus irmãos também foram
alunos antigos. Nesta época estava difícil conseguir alunos pois já estavam matriculados
em outra escola, de preferência dos pais. O que aconteceu? Pediram no que eu poderia
ajudar. Peguei um caderninho e saí pelo morro, tanto o morro daqui da Bonfim e uma parte
do Caramujo. Saí inscrevendo alunos para reabertura da escola, inclusive ele chegou a
101
funcionar em um galpão que foi feito pela prefeitura, aqui nesta comunidade, ao lado da
minha casa. Funcionou um certo tempo até terminar a construção e aí foi concluída. Só
depois que veio o Ernani Moreira Franco, que já tinha a escola funcionando, o Duque de
Caxias, lá dentro da Rua Coelho.
Entrevistadora: Lá você não participou, não chegou a trabalhar lá?
Dalva Cardoso: Não consegui. Não, porque não tinha liberdade para ir até ali, um espaço
maior. Sempre ouvia falar nessa escola, é perto, né? Porque mais pais eram muito
rigorosos, eu não tinha liberdade. Até para sair da minha casa para vir até aqui, onde
funcionava neste espaço o Clube de Futebol Tijuca, que tinha vários eventos, várias
atividades, era difícil, mas, era difícil eles deixarem participar.
Entrevistadora: Aqui era um clube?
Dalva Cardoso: Uma parte era o clube, a outra parte pertencia a um morador muito
conhecido, Seu Rocha. Eu conheci, conversava muito com ele, mas era de passagem. Bom
dia. Boa tarde. Ele ia muito na minha casa, mas ia por motivos comerciais. A gente não
tinha intimidade para estar conversando com pessoas que não eram da família ou pessoas
muito próximas. A criação de antigamente era essa.
Entrevistadora: Havia pedido da comunidade para construção da escola?
Dalva Cardoso: Não. Que eu saiba não. Nem ouvia dos moradores antigos que precisava
da construção. Sei que lá no Duque de Caxias é que não estava dando para suportar o
número de alunos. Por isso precisava de uma nova construção.
Entrevistadora: Gostaria que você contasse um pouco como era a comunidade do entorno.
Dalva Cardoso: A comunidade, as casas, eram quase as mesmas. O casarão onde morava
Seu Rocha, onde pegou todo o espaço da escola, e tinha muito mato, muita árvore. Era tudo
102
muito fértil, o eucalipto da estrada que, infelizmente, agora foi cortado. Arrancaram todos
os eucaliptos. Para mim, eu não sou geóloga, mas acho que o que está acontecendo na
estrada, o desmoronamento da estrada foi por ter retirado o eucalipto. Tenho certeza disso.
Na época fiquei muito triste, agora, mais triste ainda por ver a estrada desabando e essa
construção que não termina nunca. Eu acho que já está há quase um ano isso aí.
Entrevistadora: Os morros como eram?
Dalva Cardoso: Tinha os morros, mas não tinha casa. Não tinha moradores assim. Era um
ou outro, mas longe, muito longe mesmo. Tinha a escadaria, tinha o caminho das pessoas
que moravam lá em cima. É como eu disse a você, eu não ia para lá. Eu tinha muitos
conhecidos, porque meu pai tinha comércio ali embaixo onde a gente morava. Eu conhecia
as pessoas e não tinha liberdade de vir até a casa das pessoas.
Entrevistadora: Na história da escola, que você tanto participou, o que você acha que se
modificou ao longo do tempo?
Dalva Cardoso: Mudou muita coisa. Melhorou muita coisa. Só que eu acho que havia mais
amor e mais aconchego dos professores e alunos. Isso havia. E hoje, infelizmente, com a
vida tão corrida para todos. Acho que não sobra muito tempo para esse tipo de carinho. Eu
como moradora, como ser humano, eu gostaria que existisse. Porque a gente vê que eles
entregam os filhos como se estivesse entregando qualquer objeto de uso. A maior parte,
infelizmente, é assim. Já carregam essa mala de casa, que é bem pesada para eles.
Dificuldade de acompanhamento dos pais. Tem crianças aqui que foram alunos, e hoje são
formados em faculdade. Não era faculdade particular, porque não tem condições de pagar.
Vários e vários daqui saíram para várias faculdades. Passaram e hoje trabalham. Que eu
vejo que tinham o acompanhamento dos pais. Tinham carinho maior das professoras. Isso
tudo acontecia naquela época porque é muito difícil as pessoas trabalharem por amor àquilo
que está fazendo. Direcionando, principalmente, para as crianças.
Entrevistadora: Tem algum momento que você acha importante na escola?
103
Dalva Cardoso: Vários momentos. Um dos momentos que a escola passou e que me
marcou muito foi a inauguração do “orelhinha” na escola.
Entrevistadora: O que é isso?
Dalva Cardoso: Orelhinha é o filho do orelhão. Telefone público. Na comunidade quase
ninguém tinha telefone. Celular nem pensar. Aí, tinha o orelhinha. Quando inaugurou
vieram várias autoridades. Foi instalado aqui na escola. Um aluno me marcou muito. Na
época ele ganhou até um prêmio. A diretora da escola na época, Maria José, fazia uma
porção de promoção com as crianças. Ganhava qualquer coisa. Aplauso, acho que mais
carinho ainda. Incentivava os alunos. E nessa inauguração teve esse menino, hoje, ele é
casado, tem filhos. E os filhos dele estudaram aqui, o nome dele agora não me lembro. Ele,
na época, fez o desenho do orelhinha e ganhou o prêmio do orelhinha. Eu fiz o bolo. O bolo
tinha duas crianças, uma de cada lado, com o telefone. Tinha aquela música da Maria
Alcina, “Alô, alô, responde”. Foi o que eu escrevi no fio do telefone. E teve também
apresentação de dança dessa música, com as crianças dançando. Isso ficou muito marcado.
Foi uma coisa que ajudou a comunidade também. E incentivou as crianças. E esse mesmo
menino, até hoje sabe fazer desenho. Não foi para essa parte de desenhista, trabalha em
outros lugares. Eu não conheço ele muito, mas pra mim ele foi importante e acho que pra
muita gente. Depois, este mesmo menino, em um passeio que nós fizemos, eu ainda era da
APM, não era funcionária da escola. Na quinta da Boa Vista. Ainda se falava muito do
Garrincha.. Aí, lá, nós demos papel e lápis de cera, argila para eles trabalharem. Esse
mesmo menino fez um desenho com um caixão, a imagem do Garrincha dentro do caixão e
um balão carregando. O balão indo para o céu. Esse menino me marcou duas vezes.
Tinha muito evento na escola. Era muito mais do que agora, não tem nem comparação.
Uma coisa que eu achava muito importante era a festa da alfabetização. A festa do livro.
Inclusive nesta festa do livro, meus irmãos tinham um conjunto e, esse conjunto vinha tocar
aqui nesta festa para a escola.
Entrevistadora: Os pais vinham?
104
Dalva Cardoso : Vinham. Gratuitamente, eles vinham cantar aqui. E o que cantava, na
última vez que ele cantou, mesmo sabendo que já estava com problemas cardíacos, ele
cantou a música da professorinha. Também me deixou marcado isso. Ela já se foi e lá de
cima deve estar orando por todas as professoras. Os pais estavam todos presentes. Tanto
vinham funcionários da secretaria, como vinham diretores, autoridades. Inclusive a escola
participava, também, como participou da inauguração do asfalto da nossa comunidade, na
qual eu fiz parte para que ele chegasse até aqui.
Entrevistadora: N a época de qual direção?
Dalva Cardoso: Na época da Maria José. Eu não era funcionária da escola ainda. Teve a
inauguração do asfalto feito pelo Grupo Pró-melhoramentos, que já era Grupo dos 20.
Entrevistadora: A escola era mais envolvida com a comunidade?
Dalva Cardoso: Era bem mais envolvida. É, agora como tudo mudou, isso também. O
jovem de antigamente, eles cresciam, saiam da escola, mas, eles participavam do que
acontecia na escola. Hoje infelizmente pela vida que eles levam, fica difícil a presença
deles aqui na escola.
Entrevistadora: Então as mudanças, essa separação. Mais alguma coisa você percebe de
diferente?
Dalva Cardoso: As crianças caminhavam pela comunidade, participavam também de
alguns eventos no quartel rodoviário24
. Inclusive os comandantes do quartel participavam
também aqui. Vinham porque a escola mandava convite especial para eles. Mandava para o
Grupo Pró-Melhoramentos, mandava para a direção ---
Entrevistadora: Esse Grupo Pró-Melhoramentos era onde?
24
Refere-se ao quartel de Polícia Rodoviária Militar, que fica em um dos acessos à comunidade.
105
Dalva Cardoso: Era onde funciona a Capela do Senhor do Bonfim. Ali era como um centro
comunitário. Aconteciam muitos eventos, muitas festividades. Todas as festividades de
época tinha ali. Como tinha festa junina, aniversário do clube. Time de futebol que saia
para jogar fora. E fazia também esse trabalho pela comunidade. Inclusive, eu sempre fazia,
mas não era eu a responsável pela entidade. Eu, Dalva, fazia um evento para as crianças
todo ano no mês de outubro, sempre no sábado. Fazia o evento o dia inteiro. Inclusive o
evento cresceu tanto que eu pedia o quartel emprestado para fazer o evento. Eu trabalhava
o ano inteiro, comprando prendas e presentes para as crianças. Tinha a colaboração
primeiro da família, porque sou de uma família muito grande. E dos moradores da rua onde
eu morava. Que é, agora, Altineu Cortes Pires. Todos sabiam do meu trabalho e me
ajudavam. Vendia rifa dos bolos que eu fazia e eu fazia juntando, para as atividades para as
crianças, isso era todo ano.
Entrevistadora: Gostaria que você falasse um pouco dessa questão das chuvas, dos
desabamentos, queria que você contasse um pouco. Foi um acontecimento que acabou se
tornando importante para a escola e para a comunidade.
Dalva Cardoso: Já havia acontecido. Em 1966, houve uma chuva na qual desabaram várias
casas, principalmente lá embaixo onde eu moro, que é onde eu posso falar mais. Isso foi há
44 anos atrás. Caíram algumas casas. Aconteceu de repente. Inclusive a minha casa foi
afetada, como também agora foi afetada. E a escola acolheu os moradores, na medida do
possível. Como a Igreja25
acolheu também. Abrigou várias pessoas. Tem gente que ainda
dorme lá. Aqui na escola, graças a Deus já foi desocupado. Acho que foram muito bem
abrigados. Teve muita ajuda comunitária. Na igreja também não faltou nada, e ainda tem
alguma coisa lá que vamos distribuir. Eu fui uma das responsáveis e fui uma das abrigadas
também. Ajudei não só como abrigada, mas como moradora da comunidade, trabalhando
como sempre faço. Foi muito triste, graças a Deus aqui não morreu ninguém. Todos saíram
sãos e salvos. Alguns perderam tudo mesmo, mas graças a Deus não houve morte. Acho
que a nossa obrigação é agradecer a Deus. Eu por exemplo agradeço por mim e pelo
restante da comunidade. Todas as orações que nós fazemos na igreja da qual eu pertenço.
25
Capela de nosso Senhor do Bonfim, situada à rua Altineu Cortes Pires.
106
Trabalho no grupo. Ele é pequeno, mas a igreja é nova. O que aconteceu? A escola cedeu
para as missas de sábado. A igreja começou assim, com a Roseny, que a gente chama de
Rosa, que pediu à direção da escola se poderia ceder o espaço para as missas. Sem a gente
pensar em capela. Quando veio o Padre Marinho, nas primeiras missas, ele perguntou se
não teríamos um espaço para fazer a igreja, na comunidade. E aí tinha esse espaço que era
do Centro Pró-Melhoramentos, que depois veio a ser o Grupo dos 20. Nesse momento eu
não estava mais na diretoria. Saí porque fui avó e passei a cuidar dos meus netos, ajudar na
criação. Como moradora da comunidade acho que eu já havia feito o que era possível. Já
cresceram e ainda continuo fazendo ainda, não terminou ainda a minha missão aqui na
Terra. Aí, na época, tinha outra direção, na qual participava Délio, que estava também
querendo entrar como candidato a vereador e ele no mesmo instante que era o diretor mais
antigo aceitou prontamente porque o prédio já estava quase desabando. Padre Marinho,
junto com Folly, que na época também estava pela comunidade, foi à prefeitura e
conseguiu esse espaço para a construção da capela. Nessa construção nós começamos
fazendo missas, fazendo eventos, ao ar livre. Inclusive, até missa no meu quintal teve,
vários angus, para poder ajudar na construção da igreja. A igreja no dia 06. A gente
comemora o dia do santo dia 06 de agosto. Já é a quinta festa que nós vamos fazer em
agosto. Já tem várias visitas do Dom Alano, arcebispo da comunidade. Depois do padre
Marinho veio o Padre Afonso. Este se despediu sexta-feira e, agora, está entrando o padre
Antonio Sobrinho da Conceição. Deve rezar a primeira missa pra gente no próximo sábado.
Entrevistadora: Há mais alguma coisa que você tem a dizer, para finalizar?
Dalva Cardoso: O que eu tenho a falar da escola é que eu a defendo muito aqui na
comunidade. Se eu ver ou ouvir alguma coisa errada aqui dentro eu vou tomar as dores doa
a quem doer. Eu falo a minha comunidade porque meu pai veio para cá garoto. Eu nasci
aqui, meu marido nasceu aqui e, ele dizia que queria morrer aqui. Então eu tenho um amor
muito grande por essa comunidade. Vou defende-la aqui, como na igreja. As vezes, eu sei
que aconteceu algo com alguma criança, jovem, eu chamo eles para conversar. Se alguma
coisa de ruim acontecer com eles eu não tenho arrependimentos de não ter feito nada. E
também tenho que falar de você. Não posso deixar de falar de você. Você, filha de morador
antigo, ele casou, nasceram vocês dois. Você veio para cá como aluna da escola, continuou
107
como moradora. De repente, você vem como funcionária da escola. O que é que eu acho?
Vou ter que ser a mãe da Priscila, vou ter que proteger do que for possível. Eu guardo
muito as coisas boas. Eu sempre acho que tenho que cuidar das coisas boas. Tudo passa,
mas as coisas boas e as pessoas boas que eu vejo que posso fazer alguma coisa. Aí
perguntam, o que é que ela faz? É orando e pedindo para que você tenha sempre
prosperidade na sua vida, sempre benções. Aí eu me acho meio sua mãe.
Entrevistadora: Quero agradecer, você ajudou muito.
Dalva Cardoso: Deus te abençoe, que você tenha êxito nos seus estudos, cada vez mais. Eu
fico muito feliz.
108
4ª Entrevista
Data: 16/06/2010.
Local: Escola Municipal Ernani Moreira Franco
Entrevistada: Neli dos Santos Pereira
Transcrição na íntegra da 4ª entrevista:
Neli Pereira: Meu nome é Neli dos Santos Pereira, comecei na educação na escola
Municipal Duque de Caxias como merendeira. Só que eu achava que ser professora era
uma realização para mim porque eu gostava. Aí comecei a estudar, me formei e consegui
passar para professora aqui na Escola Ernani Moreira Franco, mas a princípio era Duque de
Caxias. Mas a comunidade fez abaixo assinado junto com o corpo docente da escola Duque
de Caxias. Queriam um prédio maior porque a comunidade estava crescendo. O prefeito na
época era o Moreira Franco. Ele atendeu ao pedido, conseguiu esse terreno, aqui na rua
Bonfim e foi construída a escola neste terreno.
Com muito orgulho nós trouxemos os móveis à pé da Rua coelho para cá porque
naquela época não tinha tantos recursos como tem hoje. Aí o prefeito queria homenagear o
seu filho que havia falecido. O pessoal concordou. Ele colocou o nome Ernani Moreira
Franco.
Entrevistadora: Foi o prefeito que pediu para trocar o nome?
Neli Pereira: Foi ele que pediu. Ele fez a escola com esse propósito de colocar o nome do
filho que tinha morrido aos nove meses.
Entrevistadora: E a comunidade aceitou?
Neli Pereira: Aceitou.Primeiro teve uma pequena polêmica, mas concordou. O ideal era
uma escola grande para atender a comunidade. Aqui eu passei para professora. Eu tinha
muito orgulho de exercer essa profissão. Não é muito bem remunerada, mas, a gente tem
109
que abraçar com amor porque está lidando com o ser humano. Cada momento que uma
criança cresce é um orgulho para mim que tenho 33 anos de profissão, de luta.
A primeira diretora trabalhou muito para que tivesse a Educação Infantil, porque é a base
dos outros segmentos.
Entrevistadora: Qual foi a diretora?
Neli Pereira: A diretora Maria José, primeira diretora da escola. Ela batalhou, com apoio
dos políticos e conseguiu.
Entrevistadora: Os pais também queriam, pediam a ela?
Neli Pereira: Com certeza, os pais também queriam. Vinham aqui e pediam a ela e ela
pediu ao prefeito. Ele, depois de muita luta, deixou. O que também deu um orgulho para
nós porque a Educação Infantil é a base.
Entrevistadora: Sobre o Duque de Caxias, sabe dizer se o prédio era da prefeitura? E como
era o prédio?
Neli Pereira: Não era da prefeitura. Era um prédio pequeno e velho, com duas salas
divididas. Um salão que dividia. Misturava as turmas. Eram duas turmas, heterogêneas. Por
isso pediram para inaugurar uma escola maior. O refeitório e a secretaria eram no salão.
Era dividido. As crianças almoçavam .
Entrevistadora: Você como professora só atuou aqui. E como era, naquela época, a relação
com a comunidade. Vocês participavam da vida da comunidade?
Neli Pereira: Sim, olha só, a nossa relação com a comunidade sempre foi boa, graças a
Deus. Eu sempre procurei fazer tudo a aquilo que Deus colocou no meu caminho. Isso foi
uma dádiva, eu trabalho com amor. Nunca tive problemas com a comunidade. Sempre me
tratou direitinho, e eu sempre os respeitei. Sempre com respeito às crianças, porque aqui a
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gente trabalha com o ser humano. A gente precisa de respeito. Tratar com amor e respeito
para que eles cresçam, porque a educação é a base. A gente forma o cidadão. Para que ele
possa questionar, procurar seus direitos. A gente aprende muito com eles. Cada
crescimento deles é uma vitória. Eu visto a camisa da educação até hoje, tanto é que estou
aqui até agora. Trinta e três anos e enquanto eu puder, sem dar nada em troca. Nunca fiz
nada por interesse. Porque gosto, por amor e porque quero ver essas crianças crescerem.
Entrevistadora: Eu estava conversando com a Dalva e ela falou das festas aqui na escola.
Que a diretora gostava. Como era isso?
Neli Pereira: Ela gostava muito de festa. Dia das mães ela fazia o bolo. A comunidade
participava. Gostava de festa. Quando a comunidade ganhou o orelhão, a inauguração foi
aqui na escola. A direção também batalhou para conseguir esse telefone para a
comunidade. Foi uma festa, as crianças se vestiram de orelhão, fizeram roupa. Foi
emocionante. A gente se emocionou. A diretora também. Os pais participavam mais. A
educação na época era muito séria, sacrificada. Porque não tinha material para trabalhar,
mas a gente conseguia muita coisa. Batalhava e conseguia que a criança soubesse ler e
escrever, pensar. Antes não tinha material como agora, mas, a gente tinha amor.
Entrevistadora: Você falou também de uma inauguração do Rotary. Como foi?
Neli Pereira: Todas as festas, eventos da comunidade a escola participava. A diretoria
tinha esse orgulho, de levar junto a comunidade.
Entrevistadora: Você lembra de mais alguma coisa?
Neli Pereira: O orelhão que foi inaugurado. A Educação Infantil também teve festa quando
inaugurou. Foi quase um mês preparando. Um mês arrumando. Fazendo matrícula. As
festas juninas também eram muito boas. O pessoal participava bem. A mudança que eu falo
é que hoje a gente tem muitos recursos e antigamente não. E nós conseguíamos dar conta
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do recado direitinho. Vou repetir, com amor e respeito, tem que abraçar, vestir a camisa,
pegar a bandeira e sair por aí. Tem que ser com garra., se não, a gente não consegue nada.
Entrevistadora: A região mudou muito. Agora os morros estão habitados. Quando você
veio trabalhar aqui como era?
Neli Pereira: Aqui tinha poucas pessoas nessa área. Por isso que teve a inauguração desse
maior. Asfaltaram a rua, antes não tinha esse asfalto. E a comunidade também. Eu fui
professora da mãe que hoje as crianças estudam aqui. É um processo, uma seqüência. Fui
professora da mãe, agora dos filhos.
Entrevistadora: Você falou da época que foi implantado o horário integral.
Neli Pereira: É isso aí, teve um período integral. Mas não deu muito certo não. A escola
não estava preparada para receber esta estrutura. A escola não, o prédio, sim. Mas eu digo,
professora, merenda. Não tinha merenda, era precária.
Entrevistadora: Como eles faziam? As crianças almoçavam aqui?
Neli Pereira: As professoras faziam um trabalho de cooperação. Cada uma dava um
pouquinho e fazia a merenda. Mas não era todo dia. Alguns iam em casa almoçar e, depois,
não retornavam. Era uma briga. Tinha aula o dia inteiro. Não tinha estrutura para atividades
extras para eles ficarem. Para que despertasse o interesse deles em ficar aqui o dia inteiro.
Só sala de aula, coitados oito horas diárias.
Entrevistadora: E como era para vocês, professores, passar o dia inteiro em sala de aula?
Neli Pereira: Muito cansativo. Mas foi bom. Todo desafio, toda experiência é boa. Você
vai melhorando. E a criança ficava o dia inteiro, mas a professora trocava, era uma de
manhã e a tarde outra.
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Entrevistadora: E nas pessoas você percebeu mudanças? Naqueles alunos para os alunos
de hoje?
Neli Pereira: Na época tinha menos recurso, mas na educação a gente trabalhava com mais
carinho. Tinha mais raça. Se a gente for esperar que tenha, que a criança traga. Hoje em
dia, o que atrapalhou muito foi que a mãe teve que trabalhar fora e largou um pouquinho a
família. Perdeu um pouquinho o interesse pelo estudo. Antigamente era bem melhor, tinha
mais carinho e respeito. Até o próprio professor com a criança.
Entrevistadora: E nesse período todo você poderia falar alguma coisa que você considera
que foi importante para a escola? Algum momento.
Neli Pereira: Foi importante a Educação Infantil. Também a mudança da escola. A quadra
que colocaram a cobertura. O parquinho. Eu fico emocionada quando vou ao parquinho.
Antes não tinha porque não tinha Educação Infantil. Lembro quando começou a construir.
Quando eu vou ao parquinho eu fico emocionada. E a agora a obra também melhorou,
modificou algumas coisas, dentro da estrutura da escola.
Entrevistadora: Você teria mais alguma coisa a dizer, para finalizar?
Neli Pereira: Na educação a gente tem que ter amor, tem que ter garra. Se não a gente não
consegue. Remuneração a gente não vai ter. Tem que abraçar o que tem e pensar no ser
humano, para que esse país melhore. Esse país depende da gente, depende de nós. E
depende da Educação. Se tiver uma boa Educação a gente vai mudar muita coisa.
Entrevistadora: Obrigada, Neli.