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1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro Faculdade de Formação de Professores Pós-Graduação em Educação Básica: Gestão Escolar Priscila Barcellos Pacheco Escola Municipal Ernani Moreira Franco: Diálogos entre Memória e História São Gonçalo 2010

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1

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Faculdade de Formação de Professores

Pós-Graduação em Educação Básica: Gestão Escolar

Priscila Barcellos Pacheco

Escola Municipal Ernani Moreira Franco:

Diálogos entre Memória e História

São Gonçalo

2010

2

Priscila Barcellos Pacheco

Escola Municipal Ernani Moreira Franco:

Diálogos entre Memória e História.

Trabalho apresentado como requisito parcial

para obtenção do curso de Especialização

em Educação Básica da Faculdade de

Formação de Professores (FFP) da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

(UERJ). Área de concentração: Gestão

Escolar.

Orientadora: Profª Drª Inês Ferreira de Souza Bragança

São Gonçalo

2010

3

PÁGINA PARA A FICHA CATALOGRÁFICA

4

Priscila Barcellos Pacheco

Escola Municipal Ernani Moreira Franco:

Diálogos entre Memória e História

Trabalho apresentado como requisito parcial

para obtenção do curso de Especialização

em Educação Básica da Faculdade de

Formação de Professores, da Universidade

do Estado do Rio de Janeiro. Área de

concentração: Gestão Escolar.

Aprovado em: ____/ ____/ _____

Banca Examinadora:___________________________________________________

________________________________________________________

Profª Drª Inês Ferreira de Souza Bragança (Orientadora)

Faculdade de Formação de Professores- FFP/UERJ

________________________________________________________

Prof Dr. Jorge Antonio da Silva Rangel

Faculdade de Formação de Professores- FFP/UERJ

São Gonçalo

2010

5

Dedico este trabalho à “minha” escola. A tudo que passei e passo

dentro dela, com seus problemas e conflitos, mas também com

suas alegrias. E às minhas primeiras professoras. Elas não me

ensinaram somente a ler o abc, mas também a ler o mundo. Sempre

com seus exemplos e incentivos, dos quais me recordo até hoje e

que são um dos motivos pelos quais escrevo este trabalho.

6

AGRADECIMENTOS

Ao meu esposo. Em meio a toda essa correria de aulas, monografia, nos casamos.

Pelas noites acordado me esperando enquanto escrevia ou me ajudando na digitação. E

ainda pior, pelo meu mau humor quando não conseguia escrever.

À minha família, meus pais e meu irmão. Pelos momentos que precisei estar um

pouco distante e não pude dispensar a atenção merecida.

À minha orientadora, Inês Bragança. A cada orientação saia mais confiante, suas

palavras não só orientam como acalmam. Além de sua enorme disposição em estar sempre

ajudando. Enfim, consegui.

Às amigas Angélica, Célia, Dalva e Neli, que tanto me ajudaram com seus

depoimentos. E o melhor era sentir que o faziam felizes por saberem estar me ajudando.

E a todos dessa escola, de ontem e de hoje, que carrego no coração. Não poderia

citar o nome de todos, mas muito me ajudaram e apoiaram para que concluísse esse

trabalho.

7

O cronista que narra os acontecimentos, sem distinguir entre os grandes e os

pequenos, leva em conta a verdade de que nada do que um dia aconteceu pode ser

considerado perdido para a história. Sem dúvida, somente a humanidade redimida poderá

apropriar-se totalmente do seu passado. Isso quer dizer: somente para a humanidade

redimida o passado é citável, em cada um dos seus momentos.

Walter Benjamim

8

RESUMO

Nossa sociedade não tem mais o hábito de narrar suas histórias. Esquecemos o nosso

passado e perdemos nossa identidade. O hábito do diálogo é algo que perdemos um pouco

a cada dia. Na Escola Municipal Ernani Moreira Franco, que é parte da rede municipal de

educação de Niterói, isso não é diferente. É uma escola nova, mas pouco se sabe sobre seu

passado. O presente trabalho busca compreender melhor a história da instituição, levando

em consideração, principalmente a sua relação com a comunidade em que está inserida, e a

sua relação com os acontecimentos que marcaram a história nacional, influenciando o setor

educacional. Para tanto, buscamos articulação teórico-metodológica com autores como

Romanelli (1997), Silva (1990), Larossa (2002), Laneuville (2009), Le Goff (2003),

Pollack (1989 e 1992), Thompson (1992), com as entrevistas coletadas e documentos

encontrados na Escola Municipal Ernani Moreira Franco. Dessa maneira foi possível um a

melhor compreensão dos acontecimentos que fizeram da história dessa instituição um fato

singular mas na qual podemos perceber as características do todo social.

Palavras- chave: Educação. História. Memória

9

ABSTRACT

Our society no longer has the habit of telling their stories. We forget our past and lost our

identity. The habit of dialogue is something that we lose a little every day. It is not different

at the E. M. Ernani Moreira Franco that is part of the municipal net of education in Niterói.

It’s a new school, but little is known about its past. The present work tries to understand

better the story of institution taking for granting the main relationship with the community

which is inserted, and its relation to the events that marked the national story and

influenced the educational sector. Thus theoretical and methodological researching were

developed with the following authors like Romanelli (1997), Silva (1990), Larossa (2002),

Laneuville (2009), Le Goff (2003), Pollack (1989 e 1992) , Thompson (1992), all was

collected through interviews and documents found in the E. M. Ernani Moreira Franco.

Thus it was possible a better understanding of the events that made the story of this

institution a unique fact on which we can understand as a social whole.

Key words: Education. History. Memory

10

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 12

CAPÍTULO I: CONVITE A UM PANORAMA: MEDIAÇÕES ENTRE A

HISTÓRIA NACIONAL E O LOCAL.............................................................................20

1.1- A complexidade histórica nacional ...........................................................................20

1.2-História Educação no período estudado: caminhos e tensões................................. 28

1.3- O município de Niterói................................................................................................36

CAPÍTULO II : REFLEXÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS: TESSITURA

ENTRE HISTÓRIA E MEMÓRIAS................................................................................39

2.1- A Memória: discutindo o conceito.............................................................................39

2.2- A História.............. .....................................................................................................43

2.3 – A História Oral ........................................................................................................ .47

2.4 – O Desenvolvimento da Pesquisa ..............................................................................49

CAPÍTULO III: ENTRE FRAGMENTOS DA HISTÓRIA: CONVITE AO

DIÁLOGO ..........................................................................................................................52

3.1- Escola Municipal Duque de Caxias: lampejos de memória e história....................55

3.2- Escola Municipal Ernani Moreira Franco: outras memórias e histórias ..............58

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3.3 – Lembranças do Passado ...........................................................................................60

3.4- Uma escola no meio do caminho: relato autobiográfico .........................................66

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................71

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................................75

APÊNDICE A- Contrato de Trabalho proposto as entrevistadas (as).................................78

APÊNDICE B- Roteiro para entrevistas .............................................................................79

APÊNDICE C- Transcrição das entrevistas........................................................................80

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INTRODUÇÃO

São inúmeras as discussões sobre os sentidos da memória e da história. Levando em

consideração a importância e a dinâmica que dialeticamente os articula proponho, no

presente trabalho, problematizar e registrar memórias de uma instituição escolar, indicando

sua importância no processo de formação/transformação da identidade de indivíduos e

comunidade.

Neste trabalho focalizo memórias e histórias da Escola Municipal Ernani Moreira

Franco, que faz parte da rede municipal de educação de Niterói. Uma escola cuja fundação

é recente, 1964, mas, que, no entanto, pouco se sabe sobre ela. Apesar de ainda trabalharem

nela professores que participaram de sua fundação, sua história parece estar esquecida.

Pouco se comenta sobre períodos mais afastados no tempo. Mas, isso não ocorre apenas

nesta escola - foram poucos os registros que encontrei sobre a educação no município de

Niterói, até mesmo as visitas à biblioteca da Fundação Municipal de Educação foram

infrutíferas.

Busco por meio deste trabalho, entender um pouco melhor os momentos pelos quais

a escola passou no decorrer dessas três décadas. Seus primeiros momentos, ainda como

Escola Municipal Duque de Caxias, e sua transferência para um prédio novo e mais amplo,

em 1981, quando passou a se chamar E. M. Ernani Moreira Franco. Além disso, procuro

registrar momentos significativos para os personagens dessa história. A pesquisa foi

desenvolvida por meio de entrevistas entre professores, diretores e comunidade escolar,

indivíduos que fizera esta história acontecer. São seus relatos que ajudam a na tentativa de

montar este grande quebra cabeça.

Apóio-me em depoimentos orais, estes que desde 1929, com os Annales, vêm se

tornando cada vez mais importantes. A historiografia, desde então, busca um novo olhar

sobre a história. Um olhar que anteriormente estava voltado apenas para os grandes feitos

da humanidade, realizado por pessoas públicas. Isto é, tomavam como história apenas o

que ocorria com os que consideravam importantes personagens da história. Eram deixados

de lado as visões dos demais que participavam desses acontecimentos. Nesse trabalho,

serão estes os mais importantes.

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Nesse sentido, a escola é um lugar de grande relevância sócio-histórica. A escola é

o local por onde a maioria da população passa, ou deveria passar, grande parte de sua vida.

É um local onde as pessoas convivem por longos períodos de tempo. Parte da formação,

não apenas intelectual, de um indivíduo se dá neste espaço. Sua importância social é muito

grande. Seja qual for a interpretação, não se pode negar a importância da escola como local

de formação do indivíduo e da sociedade em que este está inserido. Para Larossa (2002) o

saber está baseado em experiências que marcam a vida de um indivíduo, e na escola todos

passam por diversos momentos marcantes, que tocam profundamente.

A escola também é palco de inúmeros problemas, que não são apenas seus,

particulares, mas que se estendem por toda sociedade brasileira, como violência, baixos

salários, insatisfação social, etc. Segundo Bragança:

A complexidade da escola fundamental pública brasileira nos leva ao encontro de

problemas sociais e historicamente construídos que se afirmam com a força de instituído

– a violência urbana, que invade os corredores e as salas de aula e a falta de condições

materiais, conjugam-se com um movimento crescente de expropriação da profissão

docente levando ao aligeiramento no tratamento dos saberes. (BRAGANÇA, 2007, p.

237).

Caminhando nesse sentido, busco entender um pouco melhor esse local que

apresenta problemas, contradições, pessoas diferentes, mas que esperamos muito,

esperamos algumas vezes, que traga respostas e soluções.

Não é a proposta desse trabalho o estudo da escola em geral, como nasceram ou se

desenvolveram. A busca se direciona a uma escola em especial, tomando-a como um local

único, mas que pode apresentar características de aspectos comuns a outras escolas. Sendo

assim, o trabalho poderá tocar em assuntos comuns a vivências de outras instituições

escolares, ligando-se dessa maneira a um sentido mais amplo.

A escola que será pesquisada chama-se E.M. Ernani Moreira Franco1, e conta

com uma equipe de mais de (cinqüenta) 50 funcionários, atendendo a 4652 alunos, no 1º e

2º turnos, desses mais de (vinte) 20 são alunos portadores de necessidades educacionais

especiais. Com (doze) 12 turmas de Educação Infantil e (treze) 13 turmas de Ensino

Fundamental, sendo elas de 1º e 2º ciclo. A E. M. Ernani Moreira Franco tem um amplo

1 A escola localiza-se na Rua Bonfim, s/n, Fonseca – Niterói. É administrada pela Fundação Municipal de Educação de

Niterói. 2 Dado extraído do Mapa Estatístico do mês de março de 2010.

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espaço para atender a seus alunos. Possui três pavimentos, uma quadra coberta, pátio

coberto, pátio ao ar livre, parquinho para a Educação Infantil, sala de recursos, sala de

informática, sala de vídeo, sala de leitura e refeitório.

A noite ainda recebe uma turma do PROJOVEM3 e, aos finais de semana a escola

não fica fechada, pois nela funciona o Programa Escola Aberta4. Ambos do Governo

Federal. Durante as férias funciona na Unidade Escolar o Programa Férias Nota 105, do

governo municipal, em que alunos e comunidade podem participar de eventos culturais,

brincadeiras, oficinas, teatro, animação, contação de histórias.

A E. M. Ernani Moreira Franco recebeu esse nome em 1981, mas já funcionava

desde a década de 1960, em um prédio menor, localizado na Rua Coelho. Na época

chamava-se E.M. Duque de Caxias e ficava na mesma localidade, apenas uma rua depois, e

precisou mudar, pois a demanda por vagas aumentava a cada ano e o espaço não iria

suportar um grande número de alunos. A escola apresenta hoje um quadro bastante distinto

do momento de sua criação, embora não tenha se passado tanto tempo assim. Não foi

apenas a escola que mudou, mas toda a comunidade a seu redor. Este é um dos motivos que

me levam a achar importante resgatar a história da escola e das pessoas que dela fazem

parte, tais como, professores, funcionários, alunos, toda a comunidade.

A professora Neli dos Santos Pereira, que hoje atua como professora de apoio de

alunos portadores de necessidades educacionais e coordenadora de turno, foi uma das

primeiras professoras da E. M. Duque de Caxias e, participou de sua fundação. As diretoras

Maria Angélica Gomes e Mariza Marques, bem como a secretária Maria Célia Aguiar, já

trabalham na escola há mais de vinte anos e a participação das referidas professoras na

gestão escolar já dura mais de treze anos. Levando em consideração todos esses aspectos

foi muito importante a contribuição das professoras para entendermos melhor a história da

escola. Elas que ajudaram a construir essa escola e podem contá-la e, em grande parte são

também responsáveis por conquistas de toda aquela comunidade, que, muitas vezes, apenas

3 O PROJOVEM é um programado Governo Federal, que visa elevar o grau de escolaridade e o desenvolvimento

humano, de jovens de 18 a 29 anos que apesar de alfabetizados não concluíram o ensino fundamental. 4 O Programa Escola Aberta é uma parceria do Ministério de Educação e Cultura com as secretarias estaduais e

municipais. Nele a escola se torna um espaço alternativo para o desenvolvimento de atividades de formação, cultura,

esporte e lazer durante os finais de semana. 5 O Programa Férias Nota 10 é desenvolvido pelo governo municipal. Funciona durante as férias escolares com atividades

de lazer e cultura para os alunos da rede municipal de ensino.

15

é lembrada pelos problemas e dificuldades por que passa. No entanto, essas professoras não

esquecem as vitórias que conseguiram exercendo a sua prática de educadoras.

Além da história da escola, o trabalho foca, também, as administrações que a escola

teve. No entanto, a pesquisa dará uma ênfase maior a administração atual, que já dura mais

de dez anos. Como se deu esse processo, seus avanços e problemas, e como se construiu a

sua relação com a comunidade escolar. Analisando essa gestão a pesquisa estará analisando

a própria história da escola, principalmente, se for levado em consideração que a escola

tem quarenta e seis anos e a gestão atual já tem treze anos. Esta foi, em grande parte,

responsável pelos rumos que a escola tomou e, por conseqüência levou, a comunidade a

tomar.

A escola tem grande importância em uma comunidade, e entender como se dão

essas relações podem ajudar a entender a sociedade em que vivemos, seus problemas e

desigualdades, mas também suas vitórias. As transformações por que passou, os governos

que a administraram e as pessoas que por ela passaram podem contribuir para esclarecer o

sistema de ensino brasileiro e os dilemas que apresenta. O trabalho busca compreender um

pouco da história do local e como a escola foi importante nesse percurso, a relação escola-

comunidade.

Em um período tão curto, apenas trinta anos, a região se modificou de uma maneira

muito intensa. O que aconteceu? Como as pessoas envolvidas nesse processo viram e

sentiram essas mudanças?

Acredito que, dessa forma, estudando a história da escola conseguirei resgatar um

pouco da história da comunidade em que ela se insere. Dentro de um ambiente e história

singulares é possível entender como determinados processos sociais mais genéricos se

desenvolvem, bem como entender melhor o funcionamento escolar.

A escola pública brasileira é um local em que é possível perceber um grande

número de conflitos e problemas. E estes não estão presentes somente nas escolas, mas em

toda sociedade brasileira. Desvendar um pouco destes conflitos ajudaria a entender melhor,

com maior clareza, a realidade em que a escola está situada. E, apesar dos problemas, a

escola apresenta muitas experiências que merecem ser estudados. Concordando com

Bragança (2007, p. 241) “acreditamos no trabalho de professores/as que, apesar das

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condições mais adversas, têm historicamente assegurado a possibilidade de experiências

escolares significativas”.

A história das ciências humanas por muito tempo foi pautada nos rigores das

ciências naturais e precisavam estar baseadas nos experimentos e na linguagem

matemática, como explica Japiassu (1994). Deveriam se inscrever no modelo das ciências

rigorosas, no entanto, atualmente, buscam-se outros caminhos, as ciências humanas

conseguiram legitimar sua própria metodologia de fazer ciência.

No século XIX, a história acompanhava as teorias positivistas. Segundo Bourdé e

Martin (2000, p. 104), “a escola metódica quer impor uma investigação científica afastando

qualquer especulação filosófica e visando a objetividade absoluta”. No entanto esse modo

de pensar a história da humanidade muda a partir da década de 1930 e, principalmente, em

1940 com a Revista Les Annales. A partir desse momento, a história não será mais baseada

nos grandes heróis ou feitos da humanidade. O homem simples, o cotidiano e os contatos e

trocas entre as ciências humanas ganharão grande valor para o estudo da história das

sociedades. Após esse momento, novas fontes serão aceitas pela história. Tudo será

considerado documento. E, nesse sentido, também foi, posteriormente, o momento da

ascensão da história oral. Pessoas comuns podem narrar suas histórias, e, nelas é possível

perceber sua relação com o social, no sentido mais amplo do termo. Segundo Bragança e

Maurício:

Narrar histórias pessoais e coletivas é uma prática propriamente humana, que revela o

lugar fundamental da partilha na construção dos modos de ser e estar no mundo.

Observamos assim que a narrativa se apresenta como possibilidade de partilha e

compreensão do sentido da vida e da história nas práticas sociais.(BRAGANÇA e

MAURÍCIO, 2008, p.253-254)

O trabalho buscará levar em consideração as fontes escritas e as fontes orais. Estas

últimas que serão focalizadas por meio das histórias de vida, que irão ajudar a entender a

vida dos entrevistados, porém, muito mais do que isto, irão ajudar a compreender sua

relação com a sociedade que os cerca, e como certos acontecimentos sociais foram

recebidos. Dessa forma, as histórias de vida ajudam a compreender a identidade do grupo.

Segundo Bragança (2007, p. 08) é possível “por meio das entrevistas trazer

elementos sobre a história da instituição a partir das experiências vividas pelos

17

professores”. E essa possibilidade é vista de maneira muito favorável, pois esses

professores ajudaram a construir a história da instituição junto com a história de suas vidas.

São muitas as contribuições que as histórias de vida podem trazer para o entendimento da

sociedade.

Neste trabalho também há uma grande importância dada ao estudo do local. Pois é

neste em que os problemas se desenvolvem cotidianamente. É através dele que se mostra a

totalidade social, a história local tem sim suas especificidades, embora seja influenciada

por componentes universais. Por isso, a grande importância do estudo do local, através dele

percebemos aspectos mais amplos relacionados com a totalidade social.

No caso de Niterói, sua história da educação foi muito pouco estudada, são poucas

as referências bibliográficas sobre o assunto. Pensando no local, isto é ainda pior. Depois

de muitas visitas a bibliotecas e arquivos, percebi a quase inexistência de material de

estudo sobre a educação local. Assim, perde-se o elo de ligação entre o micro e o macro, o

local e o nacional.

Com todos esses aspectos, o tema acabou por me interessar ainda mais. Poder fazer

algo útil para futuras pesquisas, ser mais um elemento para o estudo da educação

niteroiense. Mas a importância desse tema é para mim muito anterior ao início dessa

pesquisa.

Minha relação com meu objeto de estudo, a E. M. Ernani Moreira Franco começou

ainda bastante cedo. Desde a infância, estive em contato com a escola. Sempre morei em

frente a ela e a família de meu pai sempre residiu em seus arredores. Por isso, desde

pequena ouvia meu pai contar as histórias do lugar e como era, anteriormente, à construção

da escola.

Aos seis anos de idade iniciei meus estudos, no Ensino Fundamental nesta escola.

De lá só sai aos dez anos, na quarta série. Meu irmão mais novo também estudou lá. E hoje

não me restam só lembranças, mas também o cotidiano, pois nela trabalho desde 2007.

Tive professoras muito boas, que me ensinaram tantas coisas que até hoje recordo.

Lembro das brincadeiras no recreio e na sala de aula, dos castigos, que eram quase

diários, dos amigos, inclusive os que perdi. Muitos amigos que fiz por lá acabei perdendo,

ou porque foram para outros caminhos ou porque morreram. 6

6 Estudei na E. M. Ernani Moreira Franco do ano de 1989 à 1993.

18

A escola era e ainda é muito grande e tinha muitos alunos. Hoje uma das coisas que

percebo é que ela tinha muitos alunos com idades diferentes. As turmas não eram

homogêneas quanto à faixa etária, tinham muitos alunos mais velhos do que, talvez, fosse

desejável pedagogicamente. Sempre havia confusão no recreio, eles sempre acabavam

brigando. Era sempre entre eles.

As professoras me pareciam muito rígidas, mas eram, ao mesmo tempo, muito

amorosas e cuidadosas. A sua autoridade era muito forte. Não toleravam conversas fora do

momento adequado, mas percebíamos que estavam sempre dispostas a ensinar e ajudar

quando precisávamos.

Uma das coisas que percebo diferença de quando eu lá estudava é o cuidado com a

escola. Era muito depredada e pichada, pelos próprios alunos. As janelas tinham muitos

vidros quebrados. E a conservação da escola também era bastante precária, sem serviços de

manutenção ou obras.

Não sei por que, mas o fato é que essa escola me deixou marcas profundas. Sempre

que penso em educação e valores, lembro dela. Sempre me recordo do que nela havia

vivido, e me senti muito feliz ao escolhê-la como tema para este trabalho.

Na verdade, a princípio me senti um pouco perdida com relação ao meu tema. Não

sabia sobre o que iria escrever. Só tomei essa decisão depois da leitura do texto de Larossa

(2002). Quando ele falou sobre experiência e o que nos toca, pensei imediatamente nesta

escola, afinal é muito melhor fazer algo que nos seja prazeroso.

Para conhecer melhor a história da escola é necessário estabelecer relações de

mediação com o todo social. Por isso, o Capítulo I irá tratar do contexto histórico-social

vivido pela escola em questão. Como se trata de um período amplo, da década de 1960 aos

dias atuais, este será contextualizado em seus aspectos principais, levando em consideração

o cenário nacional e as mudanças no setor educacional. Além disso, também é de grande

relevância dirigir o olhar para o município de Niterói, por isso serão analisados alguns

aspectos sobre o referido município.

Reflexões sobre a relação entre história e memória são aprofundadas no Capítulo II,

já que estes consistem em conceitos fundamentais para a pesquisa, bem como as

referências do campo teórico-metodológico da história oral. Apresento, também, nesse

capítulo o desenvolvimento da pesquisa.Como as fontes oficiais e a bibliografia sobre o

19

assunto mostraram-se insuficientes para resgatar a história da instituição, foram coletados

depoimentos orais de pessoas que estiveram ligadas à escola por longos períodos. Assim

um cenário mais rico poderá ser apresentado.

Já o Capítulo III busca articular os documentos obtidos e os relatos orais, a fim de

efetivar o movimento passado-presente. Inicialmente retomo a trajetória da escola de sua

fundação ao ano de 1964, buscando lampejos e memórias da Escola Municipal Duque de

Caxias, a seguir, apresento o período posterior, quando a escola recebeu novas instalações e

o nome Escola Municipal Ernani Moreira Franco. Finalmente, apresento um relato

autobiográfico de minha experiência como ex-aluna e, hoje, funcionária da escola. Relato

que aponta para as tensões e complexidades atuais.

As considerações finais retomam o caminho percorrido. Foi um grande desafio

desvendar trilhas e caminhos das memórias e histórias de uma instituição tão cheia de

sentidos e de tanta importância para a comunidade.

20

CAPÍTULO I

CONVITE A UM PANORAMA: MEDIAÇÕES ENTRE A

HISTÓRIA NACIONAL E O LOCAL

1.1. A Complexidade Histórica Nacional

O período de funcionamento da Escola Municipal Ernani Moreira Franco é bastante

longo, se o considerarmos em relação à sua contextualização. Fundada em 1964, são

quarenta e seis anos de existência. Desde então, a sociedade brasileira passou por inúmeras

transformações. Experimentou uma ditadura civil-militar, um período de transição e a

democratização. São momentos ímpares, que deverão ser retomados para que se possa

entender melhor o movimento da escola na sociedade. Também serão retomados momentos

anteriores à fundação, pois estes trazem aspectos que irão influir em acontecimentos

futuros. Entretanto, tais momentos não poderão ser muito aprofundados, já que o período

de que trata a pesquisa é extenso demais. Dessa forma, apenas os aspectos mais

importantes serão analisados.

Além da história em geral, também é de enorme importância para este trabalho

chamar a atenção para os rumos que a educação vai tomar no contexto nacional e o

desenvolvimento do município de Niterói.

São dimensões muito importantes e de grande contribuição que se tome

conhecimento do contexto. Sempre levando em consideração o quanto o nacional influi no

local. Mesmo tendo este um aspecto singular, mediações do nacional sempre acabam por

influenciá-lo.

Na busca por uma melhor compreensão do objeto é preciso voltar um pouco no

tempo e compreender tal período. A Escola Municipal Ernani Moreira Franco foi

inaugurada no ano de 1981, quando um novo prédio, na Rua Bonfim, foi construído. No

entanto, o colégio já existia desde 1964, em outro endereço, com o nome de Escola

Municipal Duque de Caxias.

A escola passa por distintos e variados momentos da história nacional. E para

compreendê-la é preciso saber um pouco sobre esses momentos. Quando é fundada, o país

21

passa por um período em que os militares estão no poder e, recebe, então o nome do

patrono do Exército. Logo após a abertura política e redemocratização nacional, tal escola

muda de nome, recebendo o nome do filho falecido do prefeito da cidade, que fora eleito

em 1976, ficando no cargo até 1982, pelo MDB, partido de oposição ao regime militar.

Sendo assim, é de extrema importância explicar tal momento, tão significativo da história

nacional, e os que o precederam7.

Segundo Silva (1990, p. 351) “no período entre 1950 e 1980, ocorre o mais intenso

processo de modernização pelo qual o país já passou, alterando em profundidade a

fisionomia social, econômica e política do Brasil”.

Grandes alterações vinham acontecendo desde a década de 1950, dentre elas

podemos destacar a grande importância da relação campo/cidade. Ainda segundo Silva

(1990), de 1950 para a década de 1980 a população rural caiu de 64% para 33%. Isso

representa o deslocamento do eixo econômico do campo, com sua tradicional e secular

produção de riquezas, para a cidade com a formação megalópoles. Um forte êxodo rural

esvazia o interior causado por condições sociais extremamente desfavoráveis e pelo

aumento da violência rural. Com esse crescimento populacional das cidades, houve a quase

generalização das relações de produção capitalista. A maior parte da mão-de-obra passa

para o setor operário.

É importante ressaltar que o setor industrial brasileiro vinha crescendo desde o

governo de Eurico Gaspar Dutra, em 1946. As prioridades estabelecidas pelo seu governo

levavam o Brasil a se moldar a associação com o capital estrangeiro. O governo de Getúlio

Vargas dá continuidade ao processo nacional-desenvolvimentista, com sua política de

substituições das importações. O desenvolvimento econômico seria baseado nas

exportações tradicionais e na substituição de importações, em que estes bens seriam

produzidos no Brasil. O processo de industrialização pautado no capital estrangeiro é

intensificado no governo de Juscelino Kubitscheck. Tal processo econômico levou a

algumas contradições como o favorecimento do processo de concentração de capital das

empresas, mas por outro lado esbarra na questão da inflação e da dívida externa.

Além disso, os governos Vargas e Kubitscheck não eram admirados pelos militares.

Silva (1990, p. 355) coloca que, em 1954, um núcleo de conspiração havia se formado e

7 As afirmações são produzidas através de minhas observações e reflexões sobre os acontecimentos e de documentos

encontrados, neste caso, especificamente, do decreto1529 de 24 de agosto de 1964, de fundação da escola.

22

“levaria o próprio Vargas ao suicídio em agosto do mesmo ano, sob a liderança dos

generais Juarez Távora, Canrobert Pereira da Costa e Pery Beviláqua”. Com posse de

Juscelino Kubtischeck e João Goulart os militares continuaram conspirando e os acusavam

de corrupção e de serem economicamente ineptos, permitindo que a inflação alcançasse um

nível que ainda não fora visto.

Só então conseguem que um membro da UDN, partido apoiado pelos militares,

chegue ao poder. Jânio Quadros é eleito em 1961, com proposta de recuperação econômica

e austeridade. Apesar disso, o vice-presidente eleito foi João Goulart do PDT e que fora

ministro de Vargas e vice de Kubitscheck. De acordo com Silva:

O presidente Jânio Quadros, inconformado com os limites constitucionais ao seu governo

e açoitado pelos índices inflacionários, concebe um plano tão sinistro quanto ingênuo, de

forçar a concessão de amplos poderes pelo Congresso Nacional, apresentando em 24 de

agosto de 1961, sete meses depois de sua posse, sua renúncia.” (ibid, p. 356)

Como seu vice estava em viagem a China, e não tinha o apoio militar, Quadros

acreditava que estes o pediriam para que retomasse o poder e, agora sob forma ditatorial.

Não foi o que aconteceu, os militares assumiram o poder e declararam Goulart impedido de

assumir. Em 07 de novembro de 1961, Goulart assume, mas sob o regime parlamentarista.

Nesse mesmo ano, a crise de abastecimento que já vinha ocorrendo é potencializada. A

inflação aumenta, motins populares ocorrem em algumas cidades com saques a armazéns.

Mas:

Todas as propostas de desbloquear a economia brasileira eram duramente acusadas de

comunismo, condenadas pelos partidos políticos de direita e do centro, particularmente o

PSD, com forte inserção rural em Minas Gerais e no Nordeste, onde seus quadros eram

compostos por velhos coronéis, caciques políticos locais, com base latifundista e que

usavam o acesso a terra como elemento de barganha eleitoral. (Ibid, p. 361)

Em janeiro de 1963, apoiado pela classe operária, representada pela CNTI

(Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria), Goulart assume o poder, após um

plebiscito que apoiava o presidencialismo. João Goulart se prende a idéia de que a

industrialização garantiria a Reforma Agrária. O que garantiria “o fim da inflação, baixos

salários e abundância de matérias-primas, através da modernização agrícola e da superação

23

do latifúndio tradicional, atrasado e improdutivo” (Ibid, p. 362). Porém, Goulart tinha

dificuldade para realizar seus projetos, pois não tinha maioria no Congresso e, por outro

lado, seus aliados pressionavam exigindo a reforma. Cada vez mais os problemas se

agravavam. A carestia não diminuía e foi seguida de fome no Nordeste. “Gêneros de

primeira necessidade, como açúcar, feijão e arroz desapareciam dos mercados do Rio de

Janeiro e de São Paulo. Criando um clima de convulsão social e mal-estar político.” (Ibid,

p. 362)

Não bastassem os problemas internos, o governo Goulart ainda sofria pressões

norte-americanas. O governo John Kennedy tentava alinhar o Brasil a política de

enfrentamento e bloqueio a Cuba. Utilizava-se da “Aliança Para o Progresso”, fornecendo

alimentos e recursos apenas aos estados e municípios que apresentassem oposição ao

Governo Federal. Além disso, incentivava a doação de somas em dinheiro a dois institutos

formados para organizar e centralizar ações contra o governo Goulart, o IBAD (Instituto

Brasileiro de Ação Democrática) e a ESG (Escola Superior de Guerra).

Otavio Ianni (1968, p. 144) coloca que a “crescente militarização da política é o

resultado do aguçamento das tensões e contradições entre grupos e classes sociais em luta

pelo poder”.

Neste momento de forte crise econômica e de enfrentamento social o golpe civil-

militar começa a ser estabelecido. Goulart busca na rua, através de manifestações de massa,

o respaldo que o Congresso Nacional não lhe oferecia. No entanto, o golpe é rápido e o

presidente prefere se retirar pacificamente para evitar o derramamento de sangue.

A sociedade civil que apoiou o golpe acreditava que esta seria uma intervenção

rápida. Duraria apenas o tempo de restabelecer a economia, controlar a inflação e acabar

com a corrupção. “A intervenção deveria ser curta e saneadora, tendo em vista,

exclusivamente, o restabelecimento da ordem política e econômica, para permitir em

seguida a volta a vida política normal do país” (Silva, 1990, p. 367).

No entanto não foi o que aconteceu. De 1964 a 1984, os generais se sucederam no

poder. Cada vez mais autoritários, reprimindo qualquer reação contrária ao regime.

Entretanto o grau de envolvimento que os militares assumiram em inúmeros setores da

vida nacional, sempre convencidos de sua superioridade administrativa e seguros de seu

neutralismo político desde os primeiros dias do golpe, deixava entrever uma ação

continuada e de longa duração. (SILVA, 1990, p. 368).

24

O período foi marcado pela intensidade da ação repressiva, principalmente contra o

trabalhismo e as organizações de esquerda, sindicatos, UNE, Universidades, jornais e rádio,

tiveram suas sedes ocupadas ou destruídas. Houve mortes e desaparecimentos de lideranças

políticas.

O governo Castelo Branco tem em seu ministério políticos identificados com o

liberalismo. Uma das medidas adotadas foi a revogação da Lei de Remessas de Lucros para

o Exterior, em que houve a liberalização da entrada, ação e saída de capital estrangeiro no

país. Além disso, houve o controle dos salários sempre abaixo da inflação, com a finalidade

de manter a competitividade dos produtos brasileiros no exterior. A privatização de alguns

setores também foi utilizada como meio de criar bases para o desenvolvimento nacional.

Com estas medidas o regime se torna antipopular e se vê obrigado a aprofundar a repressão

para manter o controle.

Como toda essa ação repressiva provocasse mal-estar no Congresso, já funcionando sob

controle militar, algumas lideranças protestam contra militarização do país. As lideranças civis

da “Revolução”, em particular Carlos Lacerda e Ademar de Barros, temem a perpetuação do

poder militar, que prejudicaria seus projetos de alcançar a presidência da República” (Silva,

1990, p. 369)

Com o passar do tempo foi possível a população reconhecer que a regularização da

inflação e a retomada do crescimento econômico, foi possível pela ampliação da pobreza e

da repressão, imposta pela Lei de Segurança Nacional.

A oposição estava se fortalecendo e, por isso, os militares mais radicais impõem o

Ato Institucional n° 2 que dissolve os partido políticos, limitando a ação política a duas

frentes. Eram elas a ARENA (Aliança Nacional Libertadora) de apoio ao regime e o MDB

(Movimento Democrático Brasileiro). A Constituição de 1946 é reformula com um sentido

amplamente autoritário.

No ano de 1968, a resistência civil se torna mais forte, e ocorrem conflitos de rua,

principalmente no Rio de Janeiro. Em resposta a isso, é instalado o Ato Institucional n° 5.

Este fecha o Congresso, cassa parlamentares, estabelece a censura e os inquérito militares

sigilosos. O país é declarado em guerra subversiva.

25

A maioria dos autores considera o governo Médici o mais radical do regime militar.

Registraram-se casos famosos de mortes de opositores do regime, como o caso de Rubens

Paiva e Stuart Angel. A censura é cada vez mais dura com os setores culturais como a

música, o cinema e o teatro. É também neste governo que se dá o chamado “Milagre

Brasileiro” depois dos mais altos índices de crescimento do país. Mas é também neste

governo que o milagre inicia sua decadência, que leva a descrença no regime.

O presidente Geisel inicia a abertura política, e afasta do poder militares

identificados com a tortura e a corrupção. “Sob pressão da opinião pública dá continuidade

a uma abertura lenta, gradual e segura, consolidada pela Emenda Constitucional de 1978,

que revoga os atos discriminatórios e restabelece eleições locais” (Silva, 1990, p. 374).

De 1978 a 1984, o último general presidente esteve no poder. Figueiredo acelerou a

abertura política. Concedeu a anistia política, exigida pela sociedade civil, alterou a

legislação partidária dando maior liberdade de organização aos partidos.

A década de 1980 foi vista pelo país como um momento de rever suas políticas

econômicas e sociais. Chamada de década perdida, foi um período de inadimplência levado

pela dependência em relação ao endividamento externo. Sob pressão o Congresso vota

pelas eleições indiretas. Tancredo Neves é eleito, porém morreu antes de assumir o cargo e

quem assume é seu vice-presidente, José Sarney, ex-líder governista. Para Silva (Ibid, p.

385) esse processo se deu sob a forma de transição pactuada, “lenta e gradual, segura para

as forças até então no poder e as forças progressistas da oposição”.

O Congresso Nacional foi transformado em Assembléia Nacional Constituinte, em

fevereiro de 1987 e a Constituição foi aprovada em 5 de outubro de 1988. Silva (Ibid, p.

391) considera esta a “mais democrática Constituição brasileira e a com maior preocupação

com os direitos sociais”. Esta estabelecia eleições diretas, em dois turnos, para os cargos do

executivo, com mandatos de cinco anos; o presidencialismo como forma de governo; a

independência dos três poderes; restringia a atuação das forças armadas; com voto

facultativo, extensivo aos analfabetos e maiores de 16 anos. Apresentava também a

incorporação de uma série de direitos civis e sociais, bem como garantias trabalhistas.

Um outro ponto importante do governo Sarney foi a implementação do Plano

Cruzado, em março de 1986. Esta foi uma reforma monetária, com a criação de uma nova

moeda, o Cruzado, que previa algumas medidas para estabilizar a economia. Dentre estas

26

medidas estava o congelamento dos preços e salários, abono de 8% para todos os

trabalhadores, o salário desemprego e a criação de um gatilho salarial para quando a

inflação ultrapassasse 20%.

A inflação diminuiu, no entanto, a dívida externa continuava pressionando o

câmbio, a arrecadação é menor que os gastos públicos, e continuavam os empréstimos no

mercado financeiro.

Em outubro de 1986 o governo decretou o Plano Cruzado II. Em 1988, o ministro

da economia - Luís Carlos Bresser - lança o plano Bresser. Apesar de promover perdas

salariais não consegue manter a inflação que neste ano chega a 933% ao ano.

Os trabalhadores reagem a partir de inúmeras greves. Ocorrem também

manifestações nas ruas do Rio de Janeiro.

É ainda no governo Sarney que começa a despontar a candidatura de Fernando

Collor de Melo. Este, governador do Alagoas, denunciou os inúmeros “marajás” do serviço

público. Com isso, ganhou fama e venceu o candidato Lula, nas primeiras eleições diretas

para presidente do Brasil, em 1988.

No dia seguinte à sua posse o presidente dá a notícia do confisco quase total das

poupanças no país. Houve a implantação do Plano Collor, buscando combater a inflação,

reduzir gastos públicos, o congelamento de preços e fixar valores de aluguéis e salários.

Embora a princípio parecesse dar certo, o país caminhava para a recessão, com

desemprego, alto custo de vida, falências. Mas o que desgastou o governo Collor foram os

escândalos e denúncias de corrupção, desvios de verbas, tráfico de influência,

superfaturamentos. Foi instaurada uma CPI que constatou a veracidade das denúncias.

Devido a estes acontecimentos iniciou-se o movimento de impeachment, que ganhou

vitalidade com a adesão dos estudantes, cara-pintadas. Em 1992, o presidente renunciou ao

mandato como forma de evitar a cassação dos seus direitos políticos por oito anos e

garantir sua elegibilidade. No entanto, o Senado decidiu pelo impeachment e Collor ficou

proibido de disputar qualquer eleição até 2000.

Com a saída de Collor, assume a presidência o seu vice-presidente Itamar Franco. A

opinião pública acreditava que o país fosse restaurar a moralidade política, entretanto, o

país continuou em recessão, inflação e aumento da pobreza.

27

Fernando Henrique Cardoso foi nomeado Ministro da Fazendo. Elaborou um plano

de estabilização financeira, combate à inflação e redução dos gastos públicos, o Plano Real.

Introduziu uma nova moeda, o Real. A inflação que em junho de 1994 era de 50,7% cai em

novembro para 2,95% e em dezembro para 0,96%. Assim, o valor real dos salários

aumentou, a economia se fortaleceu, a produção industrial cresceu e os gastos públicos

diminuíram.

O sucesso do plano gerou um resultado político altamente favorável ao ministro

Fernando Henrique Cardoso, sua eleição à presidência da República em 1994.

Seu governo foi marcado pelo grande número de privatizações das empresas

estatais, mesmo com oposição de alguns setores sociais. Mantém forte relacionamento com

as agências financeiras internacionais e segue um modelo econômico neoliberal.

Consegue se reeleger em 1998, mas, posteriormente, não consegue deixar seu

sucessor no poder. Quem assumiu a presidência foi Luis Inácio Lula da Silva, o Lula, que

vinha crescendo no cenário nacional como líder sindicalista no ABC Paulista e que buscava

se eleger desde a primeira eleição direta. Candidato de oposição, tinha a promessa de

melhoria da vida do brasileiro. Apresentou programas de complementação de renda, na

verdade ampliou bastante, pois estes já existiam desde o governo anterior, programas

voltados para as classes mais pobres. Apesar do grande apoio popular, teve problemas com

o envolvimento de seus aliados em acusações de corrupção. Foi reeleito e está no poder até

a presente pesquisa.

O recorte temporal da pesquisa é bastante longo, por isso se faz necessário este

painel, sabendo, porém que nessa contextualização não focalizamos todos os fatos sobre o

período. É importante conhecer os momentos pelos quais o país passou, pois, ajudará a

compreender as tensões o desenvolvimento da escola, como instituição pública oficial.

É um período muito extenso e no qual o país passou por intensas transformações em

seus quadros políticos, econômicos, sociais, culturais. Foram momentos controversos para

chegar a atual e jovem democracia. Todos esses acontecimentos influíram nos demais

setores sociais e a educação sofreu ampla interferência no período.

28

1.2. História da Educação no período estudado: caminhos e tensões

O período que trata esse trabalho passou por intensas mudanças na educação. É um

período longo e pelo qual o país passou por momentos bastante distintos, os quais influíram

muito na educação nacional. Foram registradas muitas políticas públicas ligadas à

educação.

Segundo Otaísa Romanelli, a educação brasileira está intimamente ligada não

apenas a demandas sociais, mas também a questões da economia nacional, “[...] a escola

nacional evolui também em função dos papéis que lhe reconhecia a economia. Pelo menos

enquanto perdurou a economia exportadora agrícola, com base em fatores arcaicos de

produção, a escola não foi chamada a exercer qualquer papel importante na formação de

quadros e qualificação de recursos humanos” (ROMANELLI, 1997, p. 55). Foi a partir do

período de implantação do capitalismo no Brasil, na década de 1930, que na busca por uma

mão-de-obra mais qualificada, a educação começa a se expandir. Sendo que as mudanças

ocorridas foram apenas de caráter quantitativo. “Onde, pois, se desenvolvem relações

capitalistas, nasce a necessidade da leitura e da escrita, como pré-requisito de uma melhor

condição para concorrência no mercado de trabalho”(Ibid, p. 59). A crescente urbanização,

o aumento da densidade demográfica e da renda per capta foram acompanhados pela

diminuição da taxa de analfabetismo.

Segundo Romanelli (1997), a expansão do sistema escolar se dá a partir de

contradições. Existia a pressão social pela educação, cada vez mais exigente. Por outro lado

as elites no poder buscavam controlar essa expansão, limitando a distribuição das escolas e

mantendo o seu caráter elitizante. De acordo com Noronha (1994) a escola passou a ser

priorizada, no discurso, como elemento chave no processo de desenvolvimento nacional.

Noronha (Ibid) coloca que a década de 1960 foi marcada por movimentos de

educação popular. O governo João Goulart mostrou alguma preocupação com a cultura e

educação nacionais, criando em 1962 o CFE (Conselho Federal de Educação) e com

aprovação do PNE (Plano Nacional de Educação). Este plano tinha como uma de suas

metas a eliminação do analfabetismo. Foi criado também com esse mesmo intuito a

Comissão Nacional de Alfabetização, que deveria elaborar o Plano Nacional de

29

alfabetização, que tinha o propósito de adotar o método Paulo Freire, estendendo a

alfabetização ao maior numero de pessoas possível. O PNA foi extinto pelo, já citado

anteriormente, golpe civil militar de 1964, que implantou em seu lugar a Cruzada ABC.

O projeto de atuação da Cruzada ABC estava destinado principalmente ao Nordeste,

tendo como objetivo neutralizar a ação de programas anteriores. Era financiada pela

USAID.

Posteriormente, foi criado o Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização). Este

era financiado por parte da arrecadação da Loteria Esportiva e por 1% do imposto de renda

das pessoas jurídicas. Na visão de Noronha (Ibid) era um instrumento de controle político

de massas. Arnaldo Niskier (1989) coloca como objetivos do movimento a erradicação do

analfabetismo, a integração dos alfabetizados na sociedade, oportunidade aos menos

favorecidos através da educação.

Em 1961 foi decretada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que busca

adequar a educação ao projeto de modernização do país. Segundo Noronha, a LDBEN

buscava dar maior liberdade de ensino e defender a escola pública. No entanto, “os

princípios da descentralização e o favorecimento ao ensino particular, de certa forma,

estimularam a expansão de cursos profissionalizantes de nível médio de qualidade

duvidosa, oferecidos no período noturno, em sua maioria” (NORONHA, 1994, p. 219)

Neste mesmo ano, empresários de São Paulo e do Rio de Janeiro criaram o Ipes

(Instituto de Pesquisas e Estudos Socias), e com seus estudos buscavam influenciar a

política do pós 1964 e as políticas educacionais a partir da visão empresarial. “O objetivo

da educação seria formar o produtor, o consumidor e a mão-de-obra requerida pela

indústria moderna, integrando-se ao capitalismo internacional.” (Ibid, p. 219)

Neste período podemos observar também o surgimento de propostas de educação

Permanente, para que a população trabalhadora pudesse se adaptar rapidamente às novas

demandas exigidas pelo mundo do trabalho. É nesse contexto que se dão os acordos

MEC/USAID, em que o Brasil recebe ajuda internacional para conduzir sua educação.

Romanelli coloca que a ação da AID:

Embora não explicitasse uma ação direta, planejadora e organizadora, incluía, e isso está

evidentemente implícito nos programas, um tipo de ação que implicava doutrinação e e

treinamento de órgãos e pessoas intermediárias brasileiras, com vistas obviamente a uma

30

intervenção na formulação de estratégias que a própria AID pretendia fosse adotada pelos

dirigentes, órgãos e instituições educacionais. (ROMANELLI, 1997, p.210)

Segundo a mesma autora os acordos tinham como objetivo estabelecer uma relação

de eficácia entre recursos e produtividade; atuar no nível micro, para melhorarem

conteúdos, métodos e técnicas de ensino; atuar diretamente nas instituições de ensino,

fazendo delas mais eficientes ao desenvolvimento; modernizar os meios de comunicação de

massas, melhorando assim a informação nos meios extra-escolar; reforçar o ensino

superior, para auxiliar no desenvolvimento nacional.

Tais acordos conseguiram uma abrangência muito grande, alcançando todo o

sistema escolar, nos níveis primário, médio e superior, nos ramos acadêmico e profissional,

e no funcionamento, através da reestruturação administrativa, do planejamento e do

treinamento de pessoal docente e técnico, além do controle do conteúdo, através do

controle de publicação e distribuição de livros.

Outro aspecto importante foi a utilização de órgãos centrais de decisão e

administração de educação para coordenação e execução dos programas propostos. Dessa

forma os governos estaduais não tomaram parte nas decisões acertadas.

Romanelli cita que estes acordos tomavam uma análise parcial e tendenciosa dos

problemas educacionais brasileiros e usavam a crise do sistema como justificativa para a

assinatura dos acordos. Além disso, explica também que os acordos são mais vantajosos ao

país fornecedor do que ao país beneficiário, e coloca que o teor de todos os documentos

inclui:

a) fornecimento de ajuda financeira sob a forma de pagamento de serviços aos

assessores americanos, bolsas de treinamento de brasileiros nos Estados Unidos

e, am alguns casos, financiamento para a realização de experiências-piloto de

treinamento de pessoal;

b) fornecimento de pessoal técnico americano para prestação de assessoria

técnica, assessoria de planejamento e proposição de programas de pesquisas;

c) financiamento sob a responsabilidade do MEC, das despesas de alojamento

desse pessoal e de viagens, transporte e manutenção do pessoal brasileiro

designado para trabalhar nas comissões junto dos técnicos americanos. (Ibid,

p.215)

31

Mesmo com todos esses acordos, que foram, de alguma forma, tentativas de

melhorar a qualidade da educação, para que o país inserido no universo capitalista pudesse

se modernizar, as alterações para melhor, no período que compreende entre 1960 e 1970,

devem ser relativizadas. Noronha explica que o problema do analfabetismo se agravou, em

vista do aumento do número de pessoas analfabetas em número absoluto e porque não

foram tomadas medidas efetivas em nível governamental para que este problema fosse

resolvido.

Nesse momento da história brasileira, o planejamento foi uma das maneiras

encontradas para tentar resolver as crises criadas pelo avanço capitalista. As políticas

educativas foram também adotando os preceitos técnicos. Na educação é possível perceber

perfeitamente este aspecto na tendência tecnicista.

Em meio ao regime militar se instala a tendência tecnicista em toda a sociedade,

incluindo a educação nacional.Isso ocorre baseado na idéia de que a escola só se tornaria

eficaz se adotasse o modelo empresarial. “Isso significa adotar na escola o modelo de

racionalização típico do sistema de produção capitalista” (ARANHA, 2000, p. 175).

Tal tendência educacional surgiu nos EUA, e seus teóricos passaram a influenciar

países latino-americanos em vias de desenvolvimento. No Brasil essa influência se

manifestou após 1964, nos já citados acordos MEC/USAID.

Como coloca Aranha (2000, p. 175), a tendência tecnicista tem sua escola baseada

no modelo empresarial, em que precisava adequar a educação à sociedade “industrial e

tecnológica. Dando ênfase à preparação de mão-de-obra qualificada para o mercado”. Seu

conteúdo é baseado em informações objetivas que possam propiciar ao indivíduo sua

adaptação ao trabalho. Preocupação com a apropriação do saber científico.

O método para transmissão do conteúdo é o taylorista, baseado na divisão de tarefas

entre os técnicos do ensino. Estes estão incumbidos do planejamento racional e cabe ao

professor executar em sala de aula aquilo que previamente havia pensado. A avaliação dos

alunos é baseada na verificação do cumprimento ou não dos objetivos propostos. Os meios

didáticos eram valorizados a partir da ênfase sobre a tecnologia educacional. Era

incentivado o uso de filmes, slides, máquinas de ensinar, telensino, módulos de ensino,

computador, entre outros.

32

Como coloca Aranha (2000), a tendência tecnicista se baseia em uma visão

tecnocrática e cientificista que orientava o período. E, assim, passamos a viver numa

sociedade em que a última palavra era sempre dos técnicos e administradores competentes.

Baseados nesta tendência educacional, a partir dos acordos MEC/USAID, foram

implantadas duas grandes reformas na educação nacional.

Por meio da Lei 5540/68 se deu a Reforma do Ensino superior. Basicamente, nessa

reforma houve a departamentalização, a instituição do ciclo básico, a unificação do

vestibular, a matrícula por disciplina, a criação de cursos de curta duração, entre outros.

Tais medidas se contrapunham ao anseio de autonomia da Universidade.

Como conseqüência, estes não teriam mais turmas que estariam unidas até o final do

curso, e os professores ficariam isolados em seus departamentos dificultando assim o

encontro e a coesão política ( NORONHA, 1994, p. 236)

Romanelli resume as mudanças e observa nelas as seguintes características:

Integração de cursos, áreas e disciplinas.

Composição curricular, que teoricamente atende a interesses individuais dos alunos pela

presença de disciplinas obrigatórias e optativas e pela matrícula por disciplina.

Centralização da coordenação administrativa, didática e de pesquisa.

Cursos de vários níveis e de duração diferente.

Incentivo formal à pesquisa.

Extinção da cátedra

Ampliação da representação nos órgãos de direção às várias categorias docentes.

Controle de expansão e orientação da escolha da demanda pelo planejamento da

distribuição de vagas.

Dinamização da extensão universitária, etc. (ROMANELLI, 1997, p. 231)

Esta autora explica que tal reforma criou um a “complexidade administrativa e uma

intrincada teia de mecanismos de controle” que a tornou mais conservadora na sua estrutura

geral. “Com tudo isso, a modernidade só veio acarretar um poderoso aumento do esquema

de dominação dentro e fora da universidade, do que resultou na perda total de sua

autonomia” (Ibid, p. 233)

Pouco tempo depois o ciclo de reformas continuou com a lei 5692/71, que trazia

mudanças ao ensino de 1° e 2° graus. Nas palavras de Noronha, essa lei “acabou por

expressar as estratégias em prol de uma ideologia desenvolvimentista com acento

privatizante na educação e compulsoriamente profissionalizante” (1994, p. 249). Com

33

relação aos cursos profissionalizantes, as escolas particulares tiveram maior êxito, enquanto

as públicas tiveram mais dificuldade devido ao repasse de recursos por parte do Estado.

Romanelli (1997) chama a atenção para o fato de que essa reforma já havia sido

indicada, anteriormente, nos acordos MEC/USAID, no Relatório Meira Matos e no

Relatório do Grupo de Trabalho da Reforma Universitária. Entretanto, havia divergências

entre a proposta do grupo internacional e dos grupos brasileiros, quanto ao teor da reforma.

A reforma proposta nos acordos MEC/USAID privilegia o ensino de 1° grau. A

industrialização exigia uma base de educação fundamental, mas não era necessária uma

escolarização muito alta, pois dispenderia custos desnecessários. Além disso, a mão-de-

obra deveria ser qualificada, mas não cara.

Já os grupos nacionais estavam mais preocupados com o 2° grau e com a

Universidade. Viam no ensino profissional uma maneira de diminuir também a

marginalização dos que terminariam a sua escolarização sem chegar a Universidade.

A reforma trouxe a ampliação da obrigatoriedade escolar, para oito anos, da faixa

etária dos 07 aos 14 anos, com carga horária anual de 720 horas. Houve a junção do curso

primário e do ginasial, com a eliminação do exame admissional. Este era um dos entraves

para que os estudantes continuassem em frente. O 2° grau deveria ter três ou quatro anos,

com as respectivas cargas horárias de 2200 horas e 2900 horas. Seu objetivo primordial era

a habilitação profissional.

Os currículos deveriam ter uma base nacional comum, no entanto, havia espaço

para os conhecimentos locais. Estes deveriam ser definidos a nível estadual, pelos

Conselhos Estaduais de Educação. Houve, ainda, a inclusão de matérias obrigatórias,

Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde.

Paralela a reforma levada pela lei 5692/71 outras medidas foram tomadas para

compensar as defasagens de aprendizagem. Dentre estas medidas é possível destacar os

cursos supletivos, cursos rápidos de aprendizagem de um ofício, junto ao Senai, Sesi,

Senac, os Telecursos e as tvs educativas.

A partir do governo Geisel, em 1975, se iniciou a municipalização do ensino, que

estava prevista na lei 5692/71. Assim, deveria ser transferido ao município a

responsabilidade do ensino de 1° grau. Tinha como justificativa a democratização do

34

ensino. Na verdade, tal medida acabou por levar a desobrigação do Estado com relação à

Educação Básica.

Mesmo com tantas medidas e reformas no Ensino Nacional, o índice de

analfabetismo continuou a crescer. Aumentavam também os índices de evasão e repetência

no 1° grau. O ensino profissionalizante não conseguiu atingir seus objetivos. Os egressos

de cursos profissionalizantes continuaram a procurar as Universidades. A falta de recursos

levou as escolas públicas a manterem equipamentos precários e obsoletos. A manutenção

de seus estudantes era 60% mais cara que nos cursos do antigo secundário. Levados por

tais problemas, a educação profissionalizante foi gradativamente deixando de ser

obrigatória (Pareceres CEF 45/72 e 76/75). Até sua obrigatoriedade ser totalmente

revogada com a lei 7044/82.

A década de 1980 foi um período de crise econômica, política, social. Neste período

a pressão pela abertura política do regime aumentava a cada dia. Os setores educacionais

também estavam nesta luta e buscavam, ainda, mais verbas para o ensino público. Houve

uma intensa reorganização no campo da educação, principalmente nas reflexões

educacionais. Algumas entidades foram criadas, a saber, o Cedes (Centro de Estudos de

Educação e sociedade), a Anped (Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em

Educação); a Ande (Associação Nacional de Docentes em Educação).

Foi formado o Fórum Nacional de Educação na Constituinte, bem como o Fórum

em Defesa da Escola Pública, a Federação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino e a

Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas. Todas buscavam defender os

direitos das instituições que representavam na nova Constituição que estava sendo

formulada.

A partir da constituição de 1988, há o início do projeto da nova Lei de Diretrizes e

Bases da Educação, e essa passa a ser discutida no Congresso. O governo José Sarney traz

em seu discurso a idéia de “tudo pelo social” e lança o IPND/NR (Plano Nacional de

Desenvolvimento da Nova República – 1986-1989) que se autodefine como um plano de

reformas, de crescimento econômico e de combate à pobreza. É preciso revertê-la para que

todos os brasileiros possam usufruir seus direitos básicos.

No âmbito da questão educacional tal plano “apropria-se das principais bandeiras e

símbolos críticos existentes na produção teórica e nas expressões de luta do professorado.

35

Desta maneira, professores e governo parecem estar empenhados nas mesmas metas, em

prol da melhoria do sistema escolar brasileiro” ( NORONHA, 1994, p. 283).

Destacam-se aspectos ligados ao acesso ao sistema escolar, à qualidade do ensino, a

valorização dos profissionais de educação, e ao grande contingente de analfabetos. Propõe

ainda, a redefinição da escola de acordo com a realidade brasileira, buscando a

credibilidade da escola pública.

Esse plano trazia a resposta a todas as reivindicações básicas da sociedade com

relação à educação. Em seu projeto Brasil Novo, inexistia um programa de governo que

visasse a melhoria da educação. Alguns planos e programas foram criados e bastante

divulgados para causar impacto positivo na sociedade. No entanto, alguns deles sequer

saíram do papel.

Diante da omissão oficial com relação à educação algumas entidades da sociedade

civil iniciaram projetos de alfabetização de adultos. No ano de 1992, em meio a uma crise

econômico social, Collor recebe acusações de corrupção e sofre um processo de

impeachment. Em seu lugar, assume Itamar Franco. Devido ao sucesso do Plano Real, que

consegue estabilizar a economia, seu ministro Fernando Henrique Cardoso consegue se

eleger.

No governo de Fernando Henrique, a discussão sobre educação se deu em torno da

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Tal governo implementou um perfil

neoliberal e profundamente alinhado com os pressupostos internacionais, como o Banco

Mundial. Para este, o sistema educativo deveria estar correlacionado ao sistema econômico

capitalista.

O Banco Mundial recomenda, numa situação de enfrentamento à pobreza, que a

prioridade na educação esteja voltada para a Educação Básica. A descentralização e

autonomia das instituições escolares por seus resultados positivos foi apoiada. Houve o

impulso do setor privado e das organizações não-governamentais.

São criados programas de avaliação da educação. Sendo que, estas avaliações estão

mais preocupadas com o resultado final do que com o processo educativo. A LDB, lei

9495/96, é aprovada pelo Congresso Nacional e “resultou da iniciativa personalista do

senador Darcy Ribeiro que fez uma síntese deturpada do longo processo de negociação do

36

projeto com a sociedade organizada, dando ao governo, que não tinha projeto de LDB,

exatamente aquilo de que necessitava” (LANEUVILLE, 2009, p117)

A política educacional brasileira estava sendo concebida sob a ótica neoliberal.

Como conseqüência desse modelo econômico, muitas privatizações de empresas

ocorreram, alguns direitos trabalhistas foram reduzidos, o desemprego aumentou, levando

ao conseqüente aumento da exclusão social.

De acordo com Laneuville (2009), apesar das reformas ocorridas, a educação não

melhorou. Com o fim do mandato de Fernando Henrique Cardoso, o ex-operário Lula

chegou ao poder, em 2002. Nos anos que se seguiram, três ministros estiveram no comando

da educação - Cristóvam Buarque, Tarso Genro e Fernando Haddad. Tais alterações podem

indicar a importância desta temática no governo, mas também foram responsáveis por

descontinuidades administrativas e alterações de programas e projetos educacionais.

Esse governo se encontrava em meio a um conflito sobre educação. Se por um lado,

sob a influencia do FMI o capital tradicional visava à implementação de políticas de

conformidade com seus interesses, de outro, os movimentos de esquerda exigiam do

governo a elaboração de programas e políticas que garantissem e ampliassem direitos e

conquistas da classe trabalhadora.

O governo Lula, segundo Laneuville (2009), acreditava estar promovendo uma

descentralização executiva. Faz uma crítica ao sistema nacional de avaliação e ao

descumprimento da lei do Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e

de Valorização do Magistério (Fundeb), sobre o custo/aluno. Prevê a instituição de um

programa que propiciaria à família a manutenção financeira da criança na escola, para

garantir sua permanência.

1.3. O Município de Niterói

Um breve histórico se faz necessário sobre Niterói. No entanto, não é necessário

recuar muito no tempo, o período que mais interessa nesse trabalho é o que se aproxima da

fundação da escola até a atualidade, o que de qualquer forma já é um período bem extenso.

37

A cidade de Niterói surgiu no século XVI, depois da doação das terras à Araribóia,

posteriormente, chamado Martin Afonso. Isso Ocorreu como “premiação” por ter ajudado

aos portugueses, na expulsão dos franceses do Rio de Janeiro.

Desde que o Rio de Janeiro era sede da Corte Imperial e na, República, Distrito

Federal, acidade de Niterói era a capital fluminense. Com a transferência da capital

nacional para Brasília a cidade do Rio de Janeiro se tornou o estado da Guanabara. Isso

ocorreu até 1974, quando houve a fusão dos dois estados, Guanabara e Rio de Janeiro.

Dessa forma, Niterói perdeu seu status de capital para a cidade do Rio de Janeiro. Depois

desses acontecimentos, se deu um esvaziamento econômico e político da antiga capital.

A auto-estima dos habitantes de Niterói sofreu com o impacto da fusão. Mas Niterói

cresce. Suas qualidades e belezas passaram a ser conhecidas por habitantes de cidades

vizinhas. A população da cidade aumentou, principalmente depois da construção da ponte

Presidente Costa e Silva, mais conhecida como ponte Rio-Niterói. Em busca de qualidade

de vida, membros da classe média e alta vindos da região metropolitana do Rio de Janeiro,

do interior do estado e do Nordeste brasileiro procuravam Niterói para morar. Membros de

classes menos favorecidas também vinham para a cidade em busca de melhor qualidade de

vida.

Nesse contexto, a primeira escola criada no município de Niterói foi instalada no

Morro do Atalaia, entre os anos de 1914 e 1918. Segundo Laneuville (2009), até o final da

década de 1950 o preceito constitucional de obrigatoriedade e gratuidade no ensino de 1°

grau era garantido através de concessões de bolsas de estudos em escolas particulares.

A rede física da educação municipal começou a se formar depois de 1959, no

governo de Wilson Pereira de Oliveira. Tendo continuidade nos governos seguintes, que

até 1971 haviam criado treze unidades escolares, por meio de cessão, aluguel de prédios. E,

segundo Laneuville (Ibid) não puderam ser identificados precisamente o ano de fundação,

pois os documentos oficiais não eram precisos.

Na década de 1960, foram criados os primeiros órgãos de acompanhamento da

educação pública municipal. Em 1960 foi criado o Grupo Coordenador de Educação e

Cultura, em 1964, a Divisão de Educação e Cultura e, em 1969, o departamento de

Educação e Cultura. No ano de 1972 foram construídos os primeiros prédios públicos

38

destinados a abrigar unidades municipais de educação. Terrenos também foram adquiridos

para a substituição de unidades instaladas em prédios alugados ou cedidos.

A primeira Secretaria Municipal de Educação foi criada em 1975 e teve como o seu

primeiro secretário o professor Hélter Barcellos. Após a fusão dos estados da Guanabara e

do Rio de Janeiro foram criadas mais sete unidades.

A prioridade, segundo Laneuville (Ibid), estava na criação de escolas de Ensino de

1° grau. O que está de acordo com a obrigatoriedade constitucional de atendimento

municipal a esta clientela, de sete a catorze anos. No entanto, havia a demanda pelo Ensino

Pré-Escolar, que começava a se delinear. Além do atendimento à alunos do

Ensino Supletivo, que buscavam dar continuidade aos estudos do MOBRAL.

No primeiro governo Jorge Roberto da Silveira (1989-1992) houve a continuidade

do atendimento pré-escolar. Este recebeu um novo direcionamento, passando da

competência da Secretária de Bem-Estar Social para a Secretaria Municipal de Educação

(SME). Esse atendimento recebeu, assim, um caráter mais pedagógico e menos

assistencialista. Nos anos seguintes o crescimento desta continuou. Em 1991, foi criada a

Fundação Municipal de Educação, que, em conjunto com a SME, administra a educação

municipal da qual a Escola Municipal Ernani Moreira Franco é parte.

Este é parte do quadro pelo qual a escola passou durante os anos de seu

funcionamento, desde a sua fundação aos dias atuais. Sua compreensão nos ajudará a

entender um pouco melhor a história desta instituição. Como ela reage e se movimenta

neste cenário mais amplo sem perder características que a identificam.

39

CAPÍTULO 2

REFLEXÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS: TESITURA

ENTRE HISTÓRIAS E MEMÓRIAS

As discussões entre os conceitos de memória e história remontam longa data. Se

pensarmos na Antiguidade Clássica essa discussão já ocorria. Em meio às lendas

mitológicas, havia o envolvimento entre essas dimensões. Nos mitos antigos, Mnemosine

era uma titã, que teve com Zeus nove filhas, dentre elas estava Clio, a musa da História.

Assim, pode-se perceber como essa discussão vem longa data e até hoje nos mobiliza.

Não se pode negar que, em alguns momentos, certa rivalidade ocorria entre os que

defendiam a primazia da memória ou da história. No entanto, acredito não ser essa a

discussão mais importante. O que teria valor seria ter como questão os modos de abordá-las

em conjunto, em sua indissociabilidade para desvendar o passado, com a finalidade de

permitir que o passado tome novos contornos. A história deve levar em consideração as

variadas versões sobre um fato, e procurar novos documentos, além dos oficiais. É preciso

tomar conhecimento do que aquele fato significou para todos os envolvidos, e a memória

tem grande importância nesse momento.

2.1. A Memória: discutindo o conceito

Neste trabalho o conceito de memória é muito importante, ou como nos escreve Le

Goff (2006, p. 419) - “crucial”, este autor a descreve como a “propriedade de conservar

certas informações, que nos remete em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas,

graças as quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou o que ele

representa como passadas”.

Nesse sentido podemos perceber a memória como essencial para a interpretação de

fatos passados. Além disso, permite também que vestígios do passado sejam revistos.

40

Através desses fatos podemos recordar acontecimentos e sentimentos que graças à memória

podem ser retomados e reinterpretados. E daí pode-se depreender que o passado não é

estático, seus significados estão em constante movimento.

Nas sociedades sem escrita havia os especialistas da memória, que eram os

responsáveis por sua guarda, fazendo com que esta memória não se perdesse. O que é

muito difícil na sociedade atual. Os fatos passados não são rememorados, não existem

pessoas com esta incumbência. E cada vez menos as pessoas falam sobre o passado mais

distante, e quando o fazem este não suscita discussão. Nas sociedades que não possuem

escrita, existem vários mitos, e é importante ressaltar que estes adquirem várias versões,

que estão ligadas a quem está narrando esse mito. Le Goff, escreve que Platão, no Fedro,

coloca que Sócrates conta a lenda de Thot, deus egípcio, patrono dos escribas e dos

funcionários letrados, inventor do cálculo, da astronomia, da geometria, do jogo de dados e

do alfabeto. Com isso, tal deus transforma a memória, contribuindo para enfraquecê-la.

O alfabeto engendrará o esquecimento nas almas de quem o aprender ; estas cessarão em

executar a memória porque, confiando no que está escrito, chamarão as coisas a mente

não já no seu próprio interior, mas no exterior, através de sinais estranhos. Tudo aquilo

que encontraste não é uma receita para a memória, mas para trazer as coisas à

mente.(Apud. Le Goff, 2006, p. 433).

No caso deste trabalho, busco, ao contrário, fazer com que a memória não vá para o

esquecimento. Na atualidade, a memória é pouco praticada, esse hábito de rememorar vai

se perdendo cada vez mais, dessa forma, aqui a escrita se torna um meio de guardar a

memória, que poderia desaparecer com o passar do tempo. É um registro escrito, pois como

Platão bem assinala não está mais no interior do indivíduo, mas em seu exterior.

Já na Idade Média, a idéia da escrita de fatos passados começa a ser mais bem

aceita, embora no domínio literário, oralidade e escrita continuem lado a lado. Segundo Le

Goff , Gyu, Conde de Neves declara em 1174:

O uso das letras foi descoberto e inventado para conservar a memória das coisas. Aquilo

que queremos reter e aprender de cor fazemos redigir por escrito, a fim do que se possa

reter perpetuamente na sua memória frágil e falível seja conservado por escrito e por

meio de letras que durem para sempre. ( ibid, p. 445)

41

Percebe-se que a escrita da memória passa a ter maior valor. Dão a esta o poder de

conservar a memória, sendo ela passível de erros, depois de escrita isso não poderia mais

acontecer. No entanto, esta visão trabalha com a idéia de que a memória escrita seria algo

estático e, assim, não seria possível sua reinvenção, ou mesmo que fosse revista de forma

mais crítica.

Na Idade Média são apresentadas por diversos autores uma série de cuidados com a

memória. Tomás de Aquino chega a formular regras mnemônicas, baseada em imagens e

lugares. No entanto, daí surgiram discussões sobre como tratar as memórias. Deveriam ser

tomadas ou não como algo único, por meio de regras.

Outro fator de revolução da memória foi a introdução da imprensa. Foram

mudanças lentas, porém, significativas. Le Goff coloca que, segundo alguns autores, seria

esse o período em que se inicia a agonia da memória. No século XVI, escreve Yates

“parece que a arte da memória se afasta dos grandes centros nevrálgicos da tradição

européia para se tornar marginal” (Ibid, p. 452).

Após a Revolução Francesa a memória retoma seu prestígio a partir das

comemorações. Nesse período, dá-se também a instalação dos arquivos nacionais, pois

devem estar disponíveis publicamente os documentos da memória nacional. Surge ainda a

era dos museus públicos e nacionais, como mais um meio de perpetuação e democratização

da memória.

Le Goff coloca ainda duas manifestações significativas para a memória coletiva. A

construção de monumentos aos mortos da 1ª guerra mundial, “em numerosos países é

erigido um Túmulo ao Soldado Desconhecido, procurando ultrapassar os limites da

memória, associado ao anonimato, proclamado sobre um cadáver sem nome a coesão da

nação em torno da memória comum” e a fotografia que multiplica e democratiza, dando

“uma precisão e uma verdade virtuais nunca antes atingida, permitindo assim guardar a

memória do tempo e da evolução cronológica” (Ibid, p.460).

Mas ainda estava por vir o que pode ser considerada a maior revolução da memória.

Esta se dá no século XX, depois de 1950, com o computador.

Le Goff (Ibid) destaca a memória como um elemento essencial da identidade

individual ou coletiva. Nesse sentido, também são grandes as contribuições de Michael

Pollak (1992). Este escreve que a memória embora pareça um fenômeno individual, deve,

42

porém, ser entendida como um fenômeno coletivo e social, construída coletivamente e

submetida a flutuações, transformações, mudanças constantes. Destaca elementos

constitutivos da memória, como os acontecimentos vividos pessoalmente e os

acontecimentos vividos por tabela. A pessoa ao relatar suas experiências, descreve

acontecimentos que vivenciou e acontecimentos que a marcaram, mas que dos quais não

participou. No entanto alguns acontecimentos são tão marcantes socialmente que até

mesmo as pessoas que não se envolveram o descrevem como se dele tivessem participado.

A memória também se constitui de pessoas e personagens, e os lugares. Todos esses podem

sofrer do mesmo fenômeno descrito acima para os acontecimentos, em que relatam o que

viveram e o que por tão forte se passou com a comunidade, que passou a fazer parte de sua

própria memória individual.

Uma outra característica da memória é a sua seletividade. Como descrita por Pollak

(Ibid), nem tudo fica gravado na memória do indivíduo, esta pode sofrer flutuações em

função do momento em que vive. As preocupações do momento têm grande importância na

estruturação da memória. Mas outro fator também está relacionado a esta seletividade da

memória, o esquecimento. Alguns fatos são marcantes na vida de uma sociedade, mas de

uma forma contrária aos que já foram citados anteriormente, os fatos que os indivíduos não

participaram que o contam como se o tivessem presenciado. Alguns destes acontecimentos

causam traumas no indivíduo ou em toda a sociedade, e estes acabam colocando-os no

esquecimento. Alguns quando perguntados preferem não comentar, outros passam pelo

assunto como se deles não tivesse nenhuma experiência. Quanto a isto, Pollak nos fala em

“Memória, esquecimento e silêncio” (1989). O autor usa o exemplo de pessoas que

sobreviveram a Segunda Guerra mundial e que preferem não falar de determinados

assuntos. “Em face dessa lembrança traumatizante, o silêncio parece se impor a todos

aqueles que preferem evitar culpar as vítimas” (Ibid, p.4). Le Goff (2006) também coloca a

questão do que não foi dito, a chamando de amnésia. Esta não é apenas uma perturbação

individual. Pode ocorrer de forma voluntária ou involuntária, a perda da memória coletiva

de povos e nações, e assim determinam grandes problemas na identidade coletiva.

Se a memória já é um termo tão controverso, cheio de detalhes que precisam ser

percebidos, e que já sofreu tanta discriminação social, com relação a escola a situação

parece ser ainda pior. Segundo Souza (1996) a pedagogia moderna surge como uma critica

43

a memória, como uma oposição entre memória e inteligência. Com isso a memória perdeu

toda a sua importância para o fazer pedagógico e por muito tempo foi desprezada. Nhary

(2008) nos coloca que o retorno da memória, das abordagens (auto)biográficas, das

histórias de vida são fruto da insatisfação das ciências sociais com o paradigma científico e

da necessidade de novos modos de conhecimento científico. Havia uma separação do “eu”

profissional do “eu” pessoal. No entanto, a crise do modelo escolar brasileiro vem trazendo

de volta a importância da memória, na busca pela identidade. Souza (1996), descreve que

há uma crise de identidade entre os professores e que a questão da memória é de grande

valia para a superação dessa crise.

A memória se mostra bastante importante para construção e manutenção de

identidades sociais. Sua retomada pelas ciências sociais mostra um momento marcado pela

importância dessa identidade para os grupos sociais.

A memória, essa operação coletiva dos acontecimentos e das interpretações do passado

que se quer salvaguardar, se integra, em tentativas mais ou menos conscientes de definir

ou reforçar sentimentos de pertencimento e fronteiras sociais entre coletividades... A

referência ao passado serve para manter a coesão dos grupos e das instituições que

compõem uma sociedade, para definir seu lugar respectivo, sua complementaridade, mas

também as oposições irredutíveis. (POLLAK, 1989, p. 9)

Sendo assim, podemos considerar a grande importância da memória para a

construção histórica do passado. A história pode ser mais completa, nos aspectos que

analisa, se considerar a memória.

2.2. A História

Atualmente, a História vem se interessando cada vez mais por temas que envolvem

o cotidiano das sociedades. Busca compreender como se dão os fenômenos sociais, por

mais peculiares que sejam, levando em consideração todos os que participaram dos

acontecimentos. A totalidade dos indivíduos é considerada atores histórico-sociais, e

44

histórias singulares de pessoas comuns são de grande valia para o entendimento do

complexo social. No entanto, nem sempre foi assim.

No século XIX, a História era feita de uma forma em que tentavam impor um modo

de pesquisa científica, “afastando qualquer especulação filosófica e visando objetividade

absoluta do domínio da história” (BOURDÉ; MARTIN, 2000, p. 97). Um de seus maiores

expoentes é a Revista Histórica, fundada por autores como G. Monod e G. Fagniez, em

1876, que tenta proceder segundo um método científico. Com a grande preocupação de

entrar para o hall das ciências, buscam assuntos que acreditam ser de interesse geral, como

economia e política, principalmente. Preocupados com os grandes feitos e grandes homens,

heróis. Essa história historicizante não levava em consideração o homem comum, ou as

situações cotidianas. A memória não fazia parte de suas possíveis fontes para investigação,

esta podia estar impregnada de juízos de valor, de sentimentos do indivíduo, e por isso, não

seria uma boa maneira de descobrir a verdade dos fatos. Somente os documentos oficiais

eram passíveis de estudo, neles encontrariam a verdade e, assim , poderiam descortinar o

passado (Ibid).

Charles Langlois e Charles Seignobos definem as regras da disciplina. Segundo

estes autores os documentos a serem utilizados só podem ser os escritos, refutam todos os

demais vestígios da história.Sendo assim, em sua visão os documentos históricos são

limitados o que leva também limitação da história. Uma de suas funções como

historiadores seria coletar esses materiais, registrá-los, classificá-los e depois submetê-los a

análise.

Embora seja intitulada por seus historiadores como uma ciência positiva, segundo

Bourdé e Martin (Ibid), a história era baseada não nos ensinamentos de Auguste Comte,

mas em Leopold Von Ranke, pois vários destes historiadores franceses foram completar

seus estudos na Alemanha. Dentre os postulados de Von Ranke é importante destacar

alguns que foram a base do da historiografia metódica.

1ª regra; incumbe ao historiador não julgar o passado nem instruir os seus

contemporâneos mas simplesmente dar conta do que realmente se passou,; 2ª regra: não

há nenhuma interdependência entre o sujeito conhecedor – o historiador – e o objeto do

conhecimento – o fato histórico. Por hipótese, o historiador escapa a qualquer

condicionamento social, o que lhe permite ser imparcial na percepção dos

acontecimentos; 3ª regra: a história existe em si, objetivamente, tem mesmo uma dada

forma, uma estrutura definida, que é diretamente acessível ao conhecimento; 4ª regra: a

relação cognitiva é conforme a um modelo mecanicista. O historiador registra o fato

45

histórico de maneira passiva, como o espelho reflete a imagem de um objeto, como o

aparelho fotográfico fixa o aspecto de uma cena ou de uma paisagem; 5ª regra: a tarefa do

historiador consiste em reunir um número suficiente de dados, assente em documentos

seguros, a partir destes fatos, por si só, o registro histórico organiza-se e deixa-se

interpretar. Qualquer reflexão teórica é inútil, mesmo prejudicial, porque introduz um

elemento de especulação” (Ibid, p. 114).

Assim, podemos perceber que esta maneira de fazer história estava baseada no

paradigma moderno da ciência, e que para ser identificada com esse paradigma precisava

criar suas regras científicas. Com isso, a história perdia de vista o homem comum e os

documentos que se fazem no dia-a-dia. Acreditava em uma ciência que conseguiria

descobrir o passado de verdade, porém, um passado limitado.

A história, como a conhecemos hoje, vem se formar a partir das críticas a este

modelo positivo. Uma nova tendência da historiografia francesa surge a partir da década

de 1920, onde este grupo “combate a uma história narrativa e do acontecimento, a

exaltação de uma historiografia problema, a importância de uma produção voltada para

todas as atividades humanas e não só à dimensão política e, por fim, a necessária

colaboração interdisciplinar” (BLOCH, 2001, p.10).

Esse novo movimento ficou conhecido como os Analles, que se expõe na A Revista

da Síntese, nos anos de 1920 e depois de maneira mais aberta na revista Les Analles,

durante os anos de 1930, liderados por Lucien Febvre e Marc Bloch, surge como um

combate ao modo de fazer história na França e ao qual chamavam historicizante.

No contexto do século XX, a Escola dos Analles tem uma maneira diferente de

fazer história, é a Nova História. E esta foi chamada pelo historiador inglês Peter Burk de a

“Revolução Francesa da Historiografia”. Esta dita revolução foi desencadeada em 1920,

por Febvre e Bloch, continuada por Braudel, mas é a partir dos historiadores de La

Nouvelle Histoire, de 1978, que encontrou seu grupo mais amplo.

A história nova é preocupada com o social, com as massas populares, sua vida,

pensamentos e sentimentos, sem se preocupar com fatos e pessoas singulares. Ao contrário

também do que pregava a história marxista que preconizava as estruturas econômicas. E

Cardoso e Vainfas assim nos descrevem a história nova:

uma história preocupada, enfim, não com a apologia de príncipes ou generais em feitos

singulares, senão com a sociedade global, e com a reconstrução dos fatos em série

passível de compreensão e explicação.(CARDOSO; VAINFAS, 1997, p. 130)

46

Após a fase de influência de Febvre e Bloch, surge no cenário historiográfico

Fernand Braudel. Este também tem forte influência sobre os estudos históricos, fazendo

parte da segunda geração dos Analles. Com ele surgem novas problemáticas, o espaço e o

tempo. Aborda três tipos de tempo, o tempo longo, o tempo médio e o tempo curto. A idéia

de longo tempo é de enorme importância para as mentalidades que mudam de forma muito

lenta.

Com o surgimento da terceira geração dos Analles, há um impulso sobre a história

das mentalidades. Somando-se a isso a influência da antropologia de Levi-Strauss na obra

de Michel Foucault. Sempre como alvo de muitas críticas, a história das mentalidades é

algo que muitos estudiosos tentaram definir. Esta tenta investigar o irracional das atitudes

humanas, resgatando a vida cotidiana, aceita qualquer tipo de documento e interage com

outros campos de conhecimento.

A enorme quantidade de críticas, internas e externas, juntamente com o desgaste do

termo, fez com que muitos autores deixassem de utilizá-lo. Em 1980, Le Goff publica um

artigo em que troca o termo por cotidiano.

A história cultural surge na tentativa de dar nova vida ao conceito de mentalidade.

Tem em comum com esta a aproximação com a antropologia e a longa duração, além de

abordar os mesmos temas e valorizar os atos cotidianos. Com o distanciamento dos

historiadores das mentalidades, mais precisamente com os historiadores desse campo

preocupados em descrever o cotidiano, é observada a preocupação com as classes e os

conflitos sociais.

Assim como a história das mentalidades, a história cultural foi vítima de

ambigüidades e discordâncias. Disciplina que apresenta muitas formas de se manifestar, é

difícil que os autores que tentam explicá-la cheguem a um consenso nestes modelos.

Apesar disso existem características muito importantes e que estão sempre presentes, como

a recusa ao modelo deturpado de mentalidade, influência do setor popular, e a valorização

das classes e dos conflitos sócio-culturais.

No presente momento, a história tem seus temas voltados para questões que

envolvem toda a sociedade. Não privilegia acontecimentos ou pessoas. Todas as classes

sociais são focadas nesta nova história. As fontes para pesquisa se ampliaram bastante, pois

47

qualquer pequeno vestígio pode ser muito importante. E houve uma retomada dos relatos

biográficos e da história oral.

2.3. A História Oral

A história oral é uma metodologia muito utilizada atualmente para se compreender

a história do tempo presente, de períodos não muito afastados no tempo. Sua utilização é

muito importante para a reconstituição de fatos passados, dos quais não temos muitos ou

nenhum vestígio escrito. Através dessa metodologia, é possível entender os acontecimentos

e também os sentimentos dos atores sociais envolvidos.

Segundo Abreu (200, p.01), “a história oral é uma metodologia de pesquisa e de

constituição de fontes para o estudo da história contemporânea surgida em meados do

século XX, após a invenção do gravador à fita”. Esta é o relato de pessoas que participaram

de um determinado acontecimento e que podem contribuir para sua interpretação.

A partir da década de 1970-1980 surgiu um novo quadro na história em que temas

contemporâneos foram incorporados a história, e com o impulso da história cultural,

revalorizando a biografia e as histórias de vida.

Queiroz (1988, p. 19) considera a história oral um “termo amplo que recobre uma

quantidade de relatos a respeito de fatos não registrados por outro tipo de documentação,

ou cuja documentação se quer completar”. Assim, com o auxílio da história oral é possível

pesquisar o tempo presente, onde muitos relatos podem ser conseguidos a respeito,

considerando sua pouca quantidade de fontes escritas. Dentre os meios de coleta dessas

informações, elas podem ocorrer como histórias de vida, entrevistas, depoimentos pessoais,

autobiografias, biografias, entre outros.

A história oral traz a possibilidade de dar chance a uma história vista por um outro

ângulo. Daqueles que participavam da situação, mas que não davam opinião ou não se

colocavam diretamente no conflito. “A história oral, torna possível um julgamento mais

imparcial: as testemunhas podem, agora, ser convocadas também de entre as classes

subalternas, os desprivilegiados e os derrotados. Isso propicia uma reconstrução mais

48

realista e mais imparcial do passado, uma contestação ao relato tido como verdadeiro”

(THOMPSON, 1998, p.26). Alguns autores citam que, a partir de seu uso, a história torna-se

mais democrática, pois assim todas as classes sociais podem ser ouvidas.

Neste trabalho a história oral será utilizada na forma de histórias de vida. Este é um

relato mais completo do narrador, sobre todos os aspectos de sua vida, principalmente nos

relacionados ao tema deste trabalho.

A história de vida, por sua vez, se define como o relato de um narrador sobre sua

existência através do tempo, tentando reconstituir os acontecimentos que vivenciou e

transmitir a experiência que adquiriu. Narrativa linear e individual dos acontecimentos

que nele considera significativos, através dela se delineiam as relações com os membros

de seu grupo, sua profissão, de sua camada social, de sua sociedade global, que cabe ao

pesquisador desvendar. Desta forma, o interesse deste último está em captar algo que

ultrapassa o caráter individual do que é transmitido e que se insere nas coletividades que

o narrador se insere ... embora o pesquisador subrepticiamente dirija o colóquio, quem

decide o que vai relatar é o narrador, ....Nada do que relata pode ser considerado

supérfluo, pois tudo se encadeia para compor e explicar a sua existência (Ibid, p. 21)

As histórias de vida são um instrumento muito valioso para compreender a

sociedade e seus acontecimentos de forma mais completa. Através das histórias de vida

chega-se a valores inerentes aos sistemas sociais em que estes indivíduos vivem. Além

disso, capta-se com maior facilidade a multiplicidade da realidade social do que ocorreria

com a análise de um documento escrito.

Embora com todos esses aspectos a favor, a história oral foi por muito tempo

desacreditada em sua relevância ao se fazer uma pesquisa histórica. Desde que a história

buscou seu caráter científico, a partir do século XVII, grandes foram as críticas à tradição

oral e ao testemunho.

Philippe Joutard (1996) descreve o retorno da história oral à cena historiográfica a

partir da década de 1950, nos Estados Unidos da América. Este autor mostra algumas

gerações de historiadores que retomam a história oral a partir do século passado.

A primeira geração surgiu nos estados Unidos da América, em 1950, com intenção

de reunir materiais para historiadores futuros. A segunda geração aparece em fins dos anos

1960, em meio ao clima dos movimentos sociais ocorridos nesta década, procura dar voz

aos povos que consideram sem história, usando como objeto de pesquisa as minorias. No

entanto, esses historiadores são marginalizados pelo meio acadêmico. Em meados de 1970,

49

dois encontros internacionais podem ser considerados como ponto de partida para a terceira

geração da história oral. A partir de então seu uso irá se difundir pela historiografia, no

Brasil, em 1975, foi fundada na Fundação Getúlio Vargas o primeiro programa de história

oral, destinado a colher depoimentos de líderes políticos desde a década de 1920. A década

de 1980 foi um período em que se multiplicaram os colóquios internacionais sobre o

assunto e onde reflexões epistemológicas e metodológicas se desenvolveram.

A história oral vem se desenvolvendo cada vez mais amplamente desde então. É

utilizada para desvendar o passado, mesmo quando este apresenta dificuldades em outros

tipos de fontes. Através da fonte oral todas as classes podem estar em análise, a história

pode ser vista de vários ângulos. Através de uma história de vida é possível perceber

inúmeros aspectos que envolvem uma sociedade.

Os relatos orais foram amplamente utilizados nesta pesquisa, para complementar e

dar vida, ao que era descrito nos documentos.

2.4. O Desenvolvimento da Pesquisa

No presente trabalho os conceitos citados anteriormente são de enorme relevância.

Há a busca pela historia da instituição apoiada nas memórias de quem ajudou a construí-la.

Nesse sentido, a história oral tem grande importância. Através dela as memórias estão

sendo guardadas, através das histórias de vida.

A história de cada indivíduo e de sua relação com o objeto estudado é bastante

singular. E, é através delas que é possível recuperar parte do passado. Um passado que

algumas vezes se mostra, pelos entrevistados, tão próximo, outras vezes, distante. Cada um

apresenta sua visão sobre os fatos e como a relação com a escola influi em suas vidas.

Em algumas entrevistas, talvez na maioria delas, os entrevistados falam mais de

seus momentos vividos com a/na escola, do que de suas vidas pessoais. Aparentemente,

isto ocorre porque os entrevistados sabem que o objeto da pesquisa é conhecer melhor a

instituição e, talvez, achem que sua vida pessoal é menos importante para esta pesquisa. O

que não é verdade. E, embora antes do início da entrevista eu tenha buscado explicar que

50

suas histórias de vida eram importantes para o trabalho, a maioria deu maior foco ao seu

envolvimento com a escola Municipal Ernani Moreira Franco, ou à sua história

profissional.

Algumas entrevistas foram realizadas na sala de leitura da escola, por ser um local

mais tranqüilo. Foram momentos muito interessantes e que chamou também a atenção da

responsável pelo local, que a cada entrevista também parava para escutar. Este é um

assunto para o qual as pessoas não atentam em seu dia a dia. No entanto, quando é tocado

as pessoas se interessam, afinal é um pouco de sua história também. Outras entrevistas, no

entanto foram cedidas na secretaria da escola. Que apesar de ser um local mais calmo,

algumas vezes fomos encontradas e tivemos que parar por alguns instantes. O que não

considerei ruim, pois assim, é possível perceber a dinâmica da escola, seus afazeres,

problemas, correrias, barulho.

Os momentos de entrevistas pareceram também muito proveitosos para os

narradores. Foi um momento de revisão de suas vidas, sua história. Se compararmos a

escola dos dias de hoje, com a escola em seus momentos inicias, parece que se fala de uma

outra instituição, embora tenham se passado pouco mais de quarenta anos.

Cada episódio relatado pelos entrevistados está repleto de suas experiências.

Larossa (2002) descreve a experiência como “o que nos passa, o que nos acontece, o que

nos toca”. Assim, o que o autor coloca é que a experiência não é o que simplesmente

acontece, mas o que nos acontece e nos deixa suas marcas, seus efeitos. No entanto, mesmo

que um acontecimento seja comum a um grupo de indivíduos, a experiência que este

acontecimento traz é singular, cada um irá vivê-lo de forma distinta.

É assim o que acontece com as entrevistas realizadas. Pessoas distintas passaram

pelas mesmas situações na escola, e cada um descreve da sua forma, com sentimentos

diferentes. Alguns desses entrevistados conviveram num mesmo período, e elegeram

momentos diferentes para narrar, e mesmo quando narram um mesmo momento o fazem

com ênfases diferentes.

Os entrevistados foram todos muito solícitos ao pedido da entrevista. No entanto,

alguns demonstraram certo receio. Benjamim (1994, p. 197), já em 1936, coloca que a

narração é uma ação em vias de extinção. “Quando se pede num grupo, que alguém narre

51

alguma coisa, o embaraço se generaliza. É como se estivéssemos privados de uma

faculdade que nos parecia segura e inalienável: a faculdade de intercambiar experiências”.

No entanto, ao decorrer das entrevistas a situação foi sempre ficando mais calma. E

as lembranças iam fazendo os entrevistados relaxarem e se sentirem a vontade. As

memórias são retomadas, e cada um dá a elas o significado que bem entende. Como o que

Benjamim (Ibid, p. 222) coloca “articular historicamente não significa conhecê-lo como

ele de fato foi. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no

momento de um perigo”. Estudar o passado, narrar memórias, não mostra o que passou de

forma essencialmente verdadeira, mas levam em consideração o momento e quem

desvenda esse passado.

Posso considerar que os depoimentos coletados foram muito bons, todas as

entrevistadas estavam muito dispostas a colaborar. Foi um pouco difícil conseguir parar

para conversar, pois a correria do dia-a-dia dentro da escola é muito grande. E todas

preferiram dar seus depoimentos na escola, pois para elas seria mais cômodo. Para a

pesquisa poderia ter sido prejudicial, pois poderiam haver interrupções, mas não foi, estas

quando ocorreram foram bem contornadas. E para as entrevistadas parecia ser algo

agradável deixar suas impressões sobre a escola.

Só um momento foi ruim. Contava com a contribuição da primeira diretora na

pesquisa. Esta parecia estar de acordo, mas ao final não consegui coletar o seu depoimento.

Fiquei um pouco decepcionada, mas dei prosseguimento ao trabalho. E acabei tendo uma

grata surpresa. Não havia encontrado documentos antigos, já havia revirado o armário

algumas vezes e nada. Até que um dia achei alguns documentos que me ajudaram muito.

Nem posso imaginar como foram parar ali. Até mesmo as fotos que pensei que tivessem

sumido reapareceram.

Depois de tanta procura, achados, perdidos, decepções e surpresas, a solução foi

escrever e organizar tudo isso, os fragmentos. E será o que vou tentar fazer no capítulo

seguinte.

52

CAPÍTULO 3

ENTRE FRAGMENTOS DA HISTÓRIA: CONVITE AO DIÁLOGO

“Mais tarde, surge a idéia de fazer funcionar uma escola neste prédio por causa da

dificuldade que os moradores tinham em levar seus filhos para a escola. Esta ficava muito

distante e as crianças tinham que atravessar a Estrada Amaral Peixoto que é muito

perigosa, sendo causadora de muitos acidentes mortais. Assim, foi criada a Escola Duque

de Caxias no dia 24/08/1964.”

A citação acima foi retirada de um documento manuscrito, sem registro de data,

encontrado nos armários da secretaria da Escola Municipal Ernani Moreira Franco. Tal

documento parece um relatório sobre a escola, com um pequeno histórico e dados sobre a

construção, alunos, professores quantidade de vagas.

Encontrar este documento deu ânimo novo à pesquisa. A secretaria e a direção da

escola já haviam sido pesquisadas, já havia procurado por documentos que remetessem a

períodos anteriores, mas, nada havia sido encontrado. Até mesmo algumas fotos, da década

de 1970, que sabia que existia desde 2007, haviam sumido. Quando o referido documento

foi encontrado foi possível entender melhor o que havia sido dito pelos entrevistados.

Escrever sobre os primeiros anos da Escola Municipal Duque de Caxias, somente com os

depoimentos orais seria muito mais difícil, pois é um período mais antigo e não havia

muitas pessoas que participaram deste momento.

Havia ainda as fotos para serem encontradas. Sua existência era um fato, mas não

sabia onde estavam guardadas, pois tivemos uma obra muito grande na escola em 2007, e

muitas coisas foram guardadas as pressas e depois não sabíamos onde encontrá-las.

Novamente, buscando em um dos arquivos, elas apareceram. Haviam sido guardadas pela

diretora adjunta, em virtude da obra de 2007, mas nem mesmo ela se recordava de ter feito

isso.

A partir desses achados a escrita ficou mais fácil. Não existiam outros documentos

daquele período. Hoje os documentos são mais bem guardados, embora, depois de cinco

anos, a maioria deles ainda seja incinerada. Não há local para serem guardados, são muitos

os documentos produzidos durante um ano letivo. Anualmente, diários, atas, ofícios são

perdidos. Apenas a documentação individual referente a alunos e professores e também

alguns livros de atas, de processos são mantidos; o que ocorre não para preservar o

passado, mas para o bom funcionamento administrativo.

53

Na Fundação Municipal de Educação, também não havia nada que pudesse ajudar

na pesquisa, fui algumas vezes à sua biblioteca, como também a algumas bibliotecas

municipais, mas havia pouca coisa que se referisse a Educação; mesmo em relação à

Educação Municipal, poucos escritos foram encontrados e o que foi possível encontrar não

auxiliava muito a esta pesquisa.

Quase tudo já havia se perdido, menos a memória. A memória daqueles que

participaram dessa história foi muito importante para a reconstrução do passado, os

depoimentos deram vida ao movimento de pesquisa, trouxeram clareza aos documentos

escritos e vice-versa. Além disso, os depoimentos fizeram aflorar mais sentimento. Assim

alguns aspectos e acontecimentos muito importantes para a comunidade escolar foram

retomados; fatos que, talvez, os documentos tidos como oficias não tenham registrado com

toda a sua riqueza.

A memória traz consigo os sentimentos e emoções de quem a narra. Existem

também os esquecimentos e os silêncios (POLLACK, 1989) que ainda assim trazem seu

significado. É importante ressaltar a importância das experiências para a memória. Com

toda a sua seletividade, a memória guarda o sentido da sua experiência. Se a considerarmos

como o que nos passa e o que nos toca (LAROSSA, 2002) a memória é impregnada dela.

Embora pessoas diferentes passem pelas mesmas situações, a sua visão pode divergir

muito. E foi o que aconteceu com os depoimentos recolhidos. Alguns dos entrevistados

conviveram no passado, e hoje todos estão ainda na escola. No entanto, sua visão sobre o

passado nem sempre coincide. Cada um vê o acontecimento de acordo com o sentido que a

experiência lhe dá. Cada um deles influi na escola e a escola em suas vidas, mas sempre de

uma forma diferente. Elegeram momentos e acontecimentos diferentes sobre a mesma

escola, além disso, quando foram perguntados sobre as diferenças ou continuidades, viram

coisas sob ângulos diversos.

Todas as entrevistadas se mostraram com muita vontade de ajudar. Cada uma

relatou suas lembranças, a sua maneira. Alguns sentiram mais a vontade para falar, outras

um pouco menos, mas todos os depoimentos contribuíram muito para o trabalho. Foram

tomados quatro depoimentos de pessoas que participaram e ainda participam da história da

escola.

54

A primeira entrevistada foi Maria Angélica Gomes, atual diretora. Chegou na escola

em 1986, e depois de dez anos como professora, em 1996 assume a direção da escola por

meio de eleição. Desde então é a dirigente, concorrendo com sua adjunta Mariza Marques,

em chapa única. Somente na primeira vez tiveram um chapa de oposição, depois disso

concorreram sempre sozinhas.

Também foi entrevistada Maria Célia Aguiar. Atual secretária da escola,

coordenadora da Educação Infantil e responsável pela Escola Aberta do município de

Niterói, chegou na escola em 1987, para assumir o cargo de secretária escolar.

Neli Pereira também deu seu depoimento. Está na escola desde os tempos do Duque

de Caxias, quando começou como merendeira. Hoje é professora e coordenadora de turno.

E, apesar de tantos anos, não pensa em se aposentar.

Por último, Dalva Cardoso foi entrevistada. Moradora da comunidade desde que

nasceu é agente da Administração Educacional da escola desde 1986. Mas anteriormente já

participava da vida da escola e da comunidade. Trabalhava na associação de pais e na

associação de moradores, e só em 1986 entrou para o funcionalismo municipal.

No entanto havia na lista mais uma entrevista a ser feita. Sempre muito citada

quando falam dos bons momentos da escola, a ex-diretora Maria José Alves, não aceitou

dar o seu depoimento. Acredito que com ele o trabalho ficaria mais rico, pois poderia

elucidar melhor fatos que foram citados em outros depoimentos. Porém, não foi possível,

são os movimentos vivos da pesquisa e que escapam aos planejamentos e cronogramas.

Da mesma forma não foi possível também localizar um aluno de um período mais

antigo. As fichas nem sempre são completas e, além disso, a maioria é datada de períodos

posteriores a 1976 e também muitas fichas individuais de alunos foram perdidas. E nem

mesmo os entrevistados conseguiram me ajudar nesse sentido. No entanto, o olhar do aluno

está presente no trabalho, é o meu mesmo, que desde a alfabetização à 4ª série estudei nesta

escola e me coloco como ex-aluna, pesquisadora e sujeito da pesquisa.

Mesmo com tantos percalços, a pesquisa foi adiante. E espero que tenha conseguido

encontrar/refletir sobre algumas pistas e lampejos da história/memória da Escola Municipal

Ernani Moreira Franco e que se abra no desejo de novas e futuras descobertas.

55

3. 1. Escola Municipal Duque de Caxias: lampejos de memórias e

histórias

A Escola Municipal Ernani Moreira Franco é bastante conhecida pelos moradores

dos bairros do Fonseca, Caramujo e Baldeador, porém, poucos sabem alguma coisa sobre

sua história. A maioria nem imagina que, anteriormente, funcionava em outro prédio e que

tinha outro nome.

No ano de 1960, um grupo de moradores da região, que antes se chamava Vila

Tijuca Fluminense, se reuniram para formar uma Associação de Moradores. No entanto,

como não possuíam um prédio próprio, foi necessário construí-lo, o que só se concretizou

no ano de 1963, com ajuda financeira de alguns políticos.

A região tinha certa dificuldade com a educação, não haviam escolas próximas ao

local e havia, ainda, o perigo trazido pela necessidade de terem que atravessar a Rodovia

Amaral Peixoto para chegar ao colégio mais próximo, a Escola Estadual Alberto Brandão8.

Levados por tais dificuldades, os moradores conseguem uma escola, que passou a

funcionar no prédio da Associação de Moradores.

Em 24 de agosto de 1964, o prefeito municipal de Niterói, Sylvio Picanço, através

do Decreto 1529/1964, criou a Escola Municipal Duque de Caxias. Recebeu tal nome em

homenagem ao Patrono do Exército Nacional. O que está bastante de acordo com o

contexto histórico e político nacional. Como de costume, as denominações dadas às

escolas, geralmente, são feitas em forma de homenagem. Nesse caso, a escola

homenageava o patrono de Exército e, indiretamente, podemos considerar que

homenageava, também, o sistema político implantado no dia 1º de abril do mesmo ano,

com a tomada do poder pelos militares por meio de um golpe apoiado pela sociedade civil.

Era um período bastante conturbado pelo qual a sociedade passava. A educação

também se transformava no município, some-se a isso a importância da decretação da Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1961. Segundo Laneuville (2009), no final

da década de 1950, o governo municipal cumpria o preceito constitucional de

obrigatoriedade e gratuidade do ensino, cedendo bolsas de estudo em instituições

8 A Escola Estadual Alberto Brandão é localizada na Rua Castro Alves, s/n°, Fonseca.

56

particulares. A partir de 1959, a rede municipal de educação começou a se expandir.

Houve, ainda, em 1964, a criação da Divisão de Educação e Cultura, Com isso, entre 1959

e 1971, doze escolas públicas municipais foram criadas na cidade.

É bem em meio a esse movimento de mudança que se insere a criação da Escola

Municipal Duque de Caxias. A prefeitura aproveitou o prédio cedido pela Associação de

Moradores e instalou a escola que teve como sua primeira diretora a professora Braulia

Albuquerque. No entanto, talvez o prédio cedido não fosse o mais adequado para o

funcionamento de uma escola.

Segundo depoimento de Neli Pereira9, a sala de aula era, na verdade, um salão onde

anteriormente ocorriam as reuniões da Associação de Moradores. As turmas dividiam o

mesmo espaço: duas turmas pela manhã, duas turmas à tarde. Também dividiam o mesmo

espaço a secretaria e o refeitório. A escola não suportava um grande número de alunos, mas

estava sempre acima de sua capacidade total.

Em um relatório encontrado na secretária da escola, no arquivo morto, trouxe

algumas informações que ajudam a compreender melhor como era essa instituição. No ano

de 1970, as dependências escolares passaram por um período de reformas de ampliação,

proporcionadas pela prefeitura municipal. Foram construídos dois banheiros, refeitório,

cozinha, muros, varanda coberta e calçadas cimentadas.

A festa de inauguração das novas instalações deu-se no dia 25 de agosto de 1970, com a

presença de autoridades civis e militares, moradores alunos e funcionários da escola. 10

Mas, mesmo após a reforma de ampliação do espaço escolar, levando em

consideração as anotações do relatório já citado, a situação física da escola ainda era

bastante precária. No ano de 1978, a escola contava com 14 funcionários e 117 alunos. A

área total do terreno era de 163m2, sendo 60 m2 de área livre e 103 m2 de área construída,

em um pavimento.

A escola não possuía abastecimento de água encanada, usavam uma cisterna.

Também não possuía rede de esgotos, era utilizado um sistema de fossa séptica. Não havia,

9 Depoimento cedido no dia 16/06/2010. 10 Trecho extraído do documento manuscrito sem autoria.

57

ainda, algum tipo de comunicação como telefone, auto-falante, interfone ou aparelho de

som. E a prática de Educação Física não era feita em um local próprio.

Segundo o relatório, havia um local destinado ao registro sobre a conservação do

prédio. Neste espaço havia a opção “ótimo”, que não foi preenchida em nenhum momento.

Em bom estado foram considerados o muro e as paredes. Regular estavam a maioria dos

itens, sendo eles, pintura, cobertura, paredes, pisos e instalações elétricas. Foi considerado

em péssimo estado de conservação as instalações sanitárias. O preenchimento do relatório

foi finalizado com a afirmação de que estavam “aguardando com ansiedade a nova Escola

Municipal Duque de Caxias, que está com projeto pronto dependendo de iniciar a

construção”.

Segundo Neli Pereira, foi por volta desse período que os moradores começaram a

reivindicar uma escola mais ampla. A comunidade estava iniciando um processo de

expansão e o prédio não comportava mais as demandas e as expectativas que o cercava. Os

pais de alunos fizeram abaixo-assinados, pedindo esta ampliação. E é já na direção de

Maria José Alves, que se inicia a construção de um prédio novo para receber melhor os

alunos.

Foi nessa época que a entrevistada Neli Pereira chegou ao colégio, a princípio como

merendeira e depois como auxiliar de secretaria. Sendo que estava já a trabalho pela

prefeitura desde 1976. Sobre esse período é a entrevistada que mais conhece. Havia tentado

falar com a ex-diretora Maria José Alves, já que Braulia Albuquerque é falecida, mas ela

preferiu não se pronunciar. Fui informada que a sua saída do setor de educação foi

tumultuada, foi exonerada sem mesmo ser informada.

Maria José Alves chegou à escola, em 1967, como professora e à direção, no ano de

1975, quando Braulia Albuquerque, diretora desde então, saiu da unidade para trabalhar

como dirigente de outra escola da rede municipal de Niterói, a Escola Municipal Levi

Carneiro. Do período em que Braulia Albuquerque dirigiu a escola não há muitos

registros, nem mesmo nos depoimentos orais e como já é falecida não foi possível

descobrir um pouco mais sobre o período. Já a administração de Maria José Alves foi

bastante citada nos depoimentos, e existem alguns documentos, sobre sua administração.

Mesmo o documento manuscrito parece ter sido preenchido por esta diretora, embora não

seja assinado. Tal documento era um relatório que ao que parece deve ter sido entregue a

58

prefeitura e o que restou pode ser um rascunho, já que era a diretora do período e deve ter

tomado a responsabilidade de preenchê-lo. Além disso, quando fui buscar sua ficha

funcional, as letras eram muito parecidas.

Assim, este documento foi muito importante para a pesquisa. No entanto, acredito

que muitas coisas ainda ficaram perdidas no passado. Mas este já é um começo. Apesar

disso, sobre a nova escola, a Escola Municipal Ernani Moreira Franco, existem muito mais

documentos e memórias para ajudar a contar essa história.

3.2. Escola Municipal Ernani Moreira Franco: outras memórias e

histórias

Com o crescimento da comunidade e as más condições de conservação das

instalações da Escola Municipal Duque de Caxias, começam a ocorrer reivindicações para

a construção de um novo prédio. Foram alguns anos de luta, mas enfim, a construção se

iniciou.

O Parecer nº 189-1981, de 30 de março de 1981, do Conselho Estadual de Educação

do Rio de Janeiro propõe “que seja negado o reconhecimento à Escola Duque de Caxias,

cujo funcionamento fora autorizado pelo Conselho de Educação do antigo Estado do Rio de

Janeiro através do parece 850/74”. O relator aceita o relatório e define que “quanto à

Escola Duque de Caxias e a do Morro da Penha, devemos acatar, em vista das informações

prestadas, a opinião da Comissão Verificadora, negando-lhes o reconhecimento”.

No entanto, a escola não chegou a deixar de funcionar. No mesmo ano, de 1981,

iniciou o funcionamento do novo prédio, mas agora com novo nome.

De acordo com a Resolução nº 1088/1981, de 19 de junho de 1981, a nova escola

recebeu o nome de Ernani Moreira Franco. Nesse momento, o Brasil passava por um

período de redemocratização e, assim, era importante desvincular, das instituições mantidas

pelo Estado, a ligação com o passado autoritário. Neste momento, o prefeito de Niterói era

59

Wellington Moreira Franco11

político ligado ao MDB, partido de oposição ao regime.

Some-se a isso tudo, a precoce morte de sue filho, ainda bebê.

Segundo o depoimento de Neli Pereira, o prefeito exigiu a mudança do nome da

escola. Os moradores e a comunidade escolar protestaram, mas acabaram concordando.

Assim, a Escola Municipal Duque de Caxias foi substituída pela Escola Municipal Ernani

Moreira Franco e transferida para o novo prédio na Rua Bonfim, s/nº.

Anteriormente à construção do prédio, naquele local havia um casarão, onde residia

a família de um morador bastante antigo da região. Seu Rocha, como era conhecido, era

dono de uma fábrica de cachaça no município. E não se sabe por que o terreno foi

desapropriado para a construção do colégio. Um pouco mais acima, onde hoje está situada

a quadra havia um pequeno clube, Clube de Futebol Tijuca, o Tijuquinha. Era onde

ocorriam os eventos da comunidade.

Foi nesse local que a escola continuou sua história, depois de quase vinte anos, no

endereço da Rua Coelho. Um prédio muito mais amplo, com três pavimentos, bom espaço

externo, com pátio coberto e uma quadra poliesportiva, naquela época ainda descoberta.

A mudança, como nos conta Neli Pereira, foi feita pelas próprias professoras.

Carregavam documentos, mobiliário, não tiveram auxílio de carros para fazer o transporte.

A direção da escola continuou sob a responsabilidade da diretora Maria José Alves,

que ficou no cargo até 1986, quando a direção passou às mãos de Tereza Cristina. Esta

ficou no cargo até 1991, quando se inicia o processo eletivo para direção da escola. Tereza

Cristina se candidatou, mas perdeu a direção para Maud Marli. Como no ano de 1993 sua

chapa concorreu sozinha esta diretora ficou na direção até 1995. Neste ano não se

candidatou e, com isso, a chapa formada por Maria Angélica e Mariza Marque se elegeu e

estas estão na direção da escola até hoje. E ao que tudo indica continuarão pelo menos até

2013, pois nenhuma chapa se manifestou até este momento para concorrer ao pleito que

11 Wellingtom Moreira Franco, formado em Ciências Econômicas pela UFRJ, nasceu em Teresina, no ano de 1944,

chegando ao Rio de Janeiro em 1955. Seu envolvimento com a política se deu desde a mocidade. Em 1969, casou-se com

Celina Vargas, neta de Getúlio Vargas, filha de Alzira Vargas e Amaral Peixoto. Em 1974 foi eleito Deputado Federal pelo estado do Rio de Janeiro, na legenda do MDB (Movimento Democrático Nacional) partido de oposição ao regime

militar. Em 1976 foi eleito prefeito de Niterói pela mesma legenda, após renunciar ao cargo na câmara. Em 1980 foi

aprovada uma emenda constitucional que prorrogou o mandato de prefeitos e vereadores até 1983. Mas, em 1982 deixa a

prefeitura para concorrer ao cargo de governador do estado do Rio de Janeiro, desta vez pelo PDS, partido para o qual

migrou após o fim do bipartidarismo em 1979.Não conseguiu vencer o pleito. Como presidente regional do PDS

declarou-se favorável ao restabelecimento das eleições diretas para presidente da República. Em março de 1985 ingressou

no PMDB de Niterói. Foi eleito ao governo do estado em 1986. No ano de 1994 foi o candidato a Deputado Federal mais

votado do PMDB. Já em 1998, concorre ao Senado, mas não consegue a vaga. De 1995 à 2004 foi presidente estadual do

PMDB e, desde 2003 é deputado federal por este partido.

60

deverá ocorrer no fim deste ano. Como o que acontece desde 1998, quando começaram a

concorrer em chapa única, só a sua primeira eleição foi disputada com outra chapa, onde

ganhou de 179 a 48 votos. E, posteriormente, sempre ganhando por quase unanimidade.

Cada uma dessas dirigentes teve grande importância para a constituição dessa

escola como instituição. Cada uma, a sua maneira, tentou melhorar o funcionamento da

escola, cada uma deixando suas marcas, acompanhando as transformações da sociedade

como um todo e da comunidade em seu entorno.

A comunidade foi crescendo continuamente. Situada à beira da Rodovia Amaral

Peixoto, era um pólo de atração de pessoas, com acesso rápido ao Centro de Niterói, São

Gonçalo e também do Rio de Janeiro, principalmente, após a construção da Ponte

Presidente Costa e Silva, mais conhecida como Ponte Rio-Niterói. A cidade atraía um

grande número de pessoas que não nasceram nela. E isso pode ser percebido nas fichas

individuais dos alunos. Nestas percebemos moradores dos arredores, nascidos aqui e os que

nasceram em outras cidades.

No entorno da comunidade existem morros, que foram se favelizando muito

rapidamente. Até hoje pode-se perceber essa expansão da favelização, a cada olhar mais

atento, percebe-se uma nova casa, um novo espaço habitado. São moradias humildes, com

pessoas humildes. E, como ocorre em muitas favelas deste estado, têm pouco acesso a seus

direitos, que deveriam ser garantidos pelo poder público. Também tem em comum com

outras comunidades, a expansão do crime organizado e do tráfico de drogas. Influenciados

pelo este ambiente, muitos ex-alunos da escola foram levados por este caminho, que, na

maior parte das vezes, foi sem volta. Muitos ex-alunos, a maioria, por outro lado, não se

envolveram com o crime, mas os mais lembrados pela comunidade são sempre os

primeiros.

É uma comunidade que muda a cada dia, seja para melhor ou para pior. São

mudanças no cotidiano social, na qual a escola está inserida, como um organismo vivo, a

escola apresente intensa mediação com a comunidade.

61

3.3. Lembranças do Passado

Sempre quando falamos do passado sentimos um certo saudosismo. Como se o

passado fosse um lugar mais bonito que o presente. Mas em outras situações falamos do

passado como um meio, caminho para o futuro. Repensando o passado para criar um

significado para o presente. Afinal, ambos são partes de um todo muito complexo.

Esses dois tipos de visões foram encontrados nos depoimentos recolhidos. Em

alguns casos o passado apresenta uma beleza incomum. Revela-se como um lugar onde as

coisas eram melhores, a educação mais valorizada e exercida com mais amor. Mas há

também quem questione esse passado, no sentido de entender o que e o porquê mudou. É

possível também perceber os insucessos, que são tão incomuns no cotidiano das

instituições. Aspectos positivos e negativos sobre a escola foram levantados nos

depoimentos orais.

Nos depoimentos de Neli Pereira e Dalva Cardoso um aspecto importante levantado

foi a questão das festas, não apenas no sentido do divertimento. A importância da festa no

seu sentido simbólico, do envolvimento com a comunidade. Quando falam das festas estão

se referindo ao período que Maria José Alves dirigia a escola. Sempre havia alguma festa,

ao contrário do que relatam sobre o presente, da festa como uma atividade pouco

desenvolvida na escola.

Não eram festas que ocorriam apenas para entreter, mas muitas para comemorar

alguma conquista da comunidade ou da escola, deixavam registrado algum acontecimento

que consideram importante. Eram festas com uma enorme participação da comunidade

escolar - todos ajudavam, pais, professores, funcionários, moradores, alunos, autoridades.

Conforme contam o envolvimento, naquele período, era maior, da parte de todos. São

citadas festas de inauguração da escola, de algumas dependências, como a quadra e o

parquinho, do asfalto da comunidade.

Dalva Cardoso conta que, para ela, a festa que mais marcou foi a inauguração do

“Orelhinha”, isto é o telefone público. Foi o primeiro a funcionar na comunidade, e ficava

dentro da escola. Para comemorar a inauguração houve uma grande festa, organizada pela

dirigente com apresentação de dança, concurso, onde muitos se envolveram. A comunidade

62

participou da festa e pode se beneficiar do aparelho, que não havia no local. Além disso, a

festa ainda tentava incentivar os alunos a participarem através de concursos e prêmios.

“Eu fiz o bolo. O bolo era com duas crianças, uma de cada lado com o telefone.

Tinha aquela música da Maria Alcina, “Alô, alô, responde”. Foi o que eu escrevi no fio do

telefone. E teve também a apresentação de dança dessa música. Isso ficou muito marcado.

Foi uma coisa que ajudou a comunidade também, e incentivou as crianças.”

Dalva Cardoso também comenta que seus irmãos, moradores da comunidade tinham

um grupo de música. E que na “Festa do Livro” eles sempre vinham cantar. Era um

envolvimento muito grande entre a escola e a comunidade, as pessoas participavam,

estavam dispostas a ajudar quando a escola precisava. Mas hoje isso ainda ocorre, sempre

que a comunidade precisa a escola está aberta a ajudar, o que será melhor discutido mais

adiante no texto.

Outro momento que foi marcante para a escola, foi a implantação do horário

integral, logo após a inauguração do novo prédio. É claro, seria excelente se a escola e o

corpo escolar tivesse se organizado para esta situação; as crianças ficavam em sala

praticamente o dia inteiro. Como explica Neli Pereira, não havia estrutura para mantê-los o

dia inteiro na escola, as atividades se tornavam cansativas, pois não havia nenhum tipo de

recreação ou aulas diferenciadas – deviam, simplesmente, estudar o dia inteiro. Além disso,

não havia almoço na escola. As crianças saiam para almoçar em casa e não retornavam à

tarde. Algumas vezes as professoras recolhiam dinheiro entre elas para fazer o almoço, mas

não tinham condição para manter diariamente. Em um ano, a tentativa do horário integral

fracassou e os alunos retornaram ao turno parcial.

Até então, a escola só atendia ao Ensino Fundamental, entretanto, a comunidade

crescia, havia cada vez mais crianças ao redor. E, se antes, a comunidade reivindicava por

uma escola de Ensino Fundamental, passaram a reivindicar que atendesse também as

crianças menores, através da Educação Infantil. As mães precisavam trabalhar e deixar os

filhos na escola. Só no ano de 1986, com a Portaria SME 029/1986, foi liberado o

funcionamento da Educação Infantil na Escola Municipal Ernani Moreira Franco.

Segundo Neli Pereira, além dos pedidos da comunidade, a diretora precisou também

reivindicar muito com a Secretaria Municipal de Educação. O que ocorreu na direção de

Maria José Alves, e nesse período, após a autorização do funcionamento da Educação

63

Infantil na unidade, houve a construção do parquinho para melhor atender a essa nova

faixa-etária de alunos.

Tomando a dinâmica da gestão escolar como um eixo importante da história da

escola registro abaixo um quadro:

Diretores da Escola

Indicação Eleição

1964-1975 1975-

1986

1986-

1991

1991-

1995

1996-

2010

Braulia

Albuquerque

Maria

José

Alves

Tereza

Cristina

Maud

Marli e

Otília

Leite

Maria

Angélica

e Mariza

Marques

Como podemos observar acima, Maria José Alves foi a segunda diretora, depois

dela mais três direções estiveram presentes. A direção de Braulia Albuquerque, Maria José

Alves e Tereza Cristina se deram por meio de indicação de cargo. Somente a partir de 1991

esse quadro foi modificado. Segundo Maria Célia Aguiar esse foi um momento marcante

para a escola, quando a direção passou a ser escolhida pela comunidade escolar.

Professores, pais e responsáveis, e alunos escolhiam quem eles preferiam que os

representasse, sem ter que apenas aceitar o que lhes era imposto.

As coisas vão acontecendo no dia-a-dia. Acho que quando a gente olha para atrás muita

coisa mudou. E acho que a questão da eleição para direção da escola fez com que os

diretores se empenhassem mais, porque antes não era eleição.(Depoimento oral de Maria

Célia Aguiar, 11/05/2010)

A primeira eleição ocorreu no ano de 1991. Duas chapas disputaram a direção. A

Chapa 1 era formada ela diretora em exercício Tereza Cristina, que já dirigia a escola desde

1986, e a professora Vera Lúcia. Mas venceu a Chapa 2, formada pela professora Maud

Marli, que já atuava na escola desde 1983 e a professora Otília Leite. O processo eleitoral

foi bastante disputado. Consta no livro de atas denúncia de mães de que as professoras da

3ª série estavam manipulando os alunos. No dia do pleito o livro registra um “clima

tumultuado” com incidências de boca-de-urna. E a votação só foi encerrada às 20h, quando

64

se iniciou a apuração dos 297 votos, sendo 191 para a chapa 2 e 98 para a chapa 1, com

mais 06 nulos e 02 brancos.

Já no ano de 1996, na segunda eleição só houve uma chapa concorrendo. Esta era

formada por Maud Marli e Otília Leite. A eleição, de acordo com o livro de atas,

transcorreu na “paz e tranqüilidade”. Não havia disputas. Dos 277 votantes a chapa recebeu

273 votos para que continuassem na direção da escola, onde ficaram até 1995, quando

preferem deixar a direção e apoiar uma outra chapa.

No pleito de 1995, duas chapas concorreram. A Chapa 1 era formada por Maria

Angélica Gomes e Mariza Marques. E a Chapa 2 por Cassia Regina e Simone Andrade.

Segundo Maria Angélica Gomes sua chapa teve o apoio da direção que estava no comando

e das mães de alunos de sua turma, que estavam com ela há três anos.

Foi esta turma, essas mães que me ajudaram na campanha para a direção da escola.

Porque eu fiquei com esta turma três anos. No Jardim de Infância, alfabetização e 1ª

série. Comecei aí a ganhar o respeito da comunidade. E aí, tempos depois, quatro anos

depois eu acabei assumindo a direção da escola. Que foi em 96. (Depoimento oral de

Maria Angélica Gomes, 11/03/2010)

A partir desta data a escola vem sendo dirigida pelas professoras Maria Angélica

Gomes e Mariza Marques. Os pleitos eleitorais têm ocorrido normalmente, mas sempre em

chapa única, sem concorrência. E elas ganham sempre por quase unanimidade.

Um dos momentos de dificuldade da escola foi vivido sob esta administração.

Segundo Maria Célia Aguiar, entre os anos de 2004 e 2005, quando um grande número de

alunos saiu da escola. No ano de 2004 a saída se deu pela inauguração da Escola Municipal

Paulo Freire12

, no mesmo bairro. É um prédio muito grande com boas instalações e que foi

comprado pela prefeitura, anteriormente era uma escola particular. Assim, muitos dos

alunos do Ernani Moreira Franco pediram transferência para essa nova, o Paulo Freire. A

saída de alunos continuou no ano seguinte com uma greve bastante demorada na rede

municipal, da qual a escola participou. Neste caso, a escola perdeu muitos de seus alunos

para escolas estaduais, em particular para a Escola Estadual Alberto Brandão.

12

A Escola Municipal Paulo Freira é localizada na Rua soares de Miranda, 77 – Fonseca.

65

Atualmente, a cada ano a escola vem tentando se recuperar. A cada ano o número

de alunos cresce um pouco. Nada muito rápido, mas é possível observar gradativo e

contínuo crescimento.

Dentre toda essa temática, o assunto que sempre permeia os depoimentos é o aluno.

Suas vitórias e suas conquistas, mas também são citados seus problemas e dificuldades. As

professoras têm muito orgulho em citar os alunos que conseguiram uma boa inserção

social, que hoje trabalham, cursam universidades. Quando perguntada sobre os bons

momentos da escola, Maria Angélica coloca a questão dos alunos. A importância para a

escola em saber que o aluno está bem, que deu prosseguimento aos estudos, ou que está

empregado. Como também ressalta a tristeza que sente ao saber que algum ex-aluno

morreu por estar envolvido com o tráfico de drogas.

“Assim, eu já tive muitas tristezas, porque chorei muitas vezes por perdas de

alunos que a gente perde por conta do tráfico. Mas já tive muitas alegrias de mães que

voltam para contar. Essa semana mesmo você viu o bilhete que a mãe de Magno mandou,

dizendo que tinha muito a agradecer, e hoje ele está fazendo escola técnica. Então, assim,

tem muitas alegrias”. (Depoimento oral de Maria Angélica, 11/03/2010)

São momentos muito felizes quando a família dá um retorno sobre o aluno. Mas,

quando ao contrário, o retorno é negativo a escola também se mobiliza. Em meio a esta

pesquisa, mais um aluno veio a falecer devido ao envolvimento com o tráfico de drogas. O

fato ocorreu depois da troca de tiros com policiais, no dia 12 de maio de 2010. Havia

marcado de gravar o depoimento de Dalva Cardoso, mas não houve possibilidade, a família

do rapaz, que também é pai de um aluno nosso, esteve na escola para pedir auxílio e avisar

do enterro.

Mais uma vez a história se repetiu, e parece que acontecimentos como estes

repercutem com muito mais força. E é o que a diretora busca modificar. Tenta aumentar a

auto-estima dos alunos, e para isso tenta mostrar a eles os alunos que, sob sua ótica, deram

certo. Todos os anos pensa em fazer na escola uma festa e trazer esses ex-alunos para que

os atuais possam conhecê-los. Mas todos os anos aparecem prioridades e este projeto vai

sendo adiado.

Um dos questionamentos que se coloca no depoimento é sobre a dificuldade de

aprendizagem dos alunos. Depois de tantos anos na direção, esse é um desafio que ainda a

deixa sem respostas. Segundo seu depoimento, nestes anos a vida vem ficando mais

66

complexa, as mulheres também precisam trabalhar e sobra pouco tempo para a educação

dos filhos. Soma a isso alguma falha na formação pedagógica dos professores que faz com

que não consigam ligar o cognitivo aos alunos e a escola.

Mas para resolver estes problemas é preciso a união da família com a escola. É

preciso trazer a escola para dentro da comunidade. Preciso que vejam que a escola quer e

pode ajudar a esses alunos em um caminho rumo ao futuro.

3.4. “Uma escola no meio do caminho”: relato autobiográfico

A Escola Municipal Ernani Moreira Franco é uma escola que está no meio do

caminho de muitas pessoas, e também em meio a sua caminhada. É uma escola jovem que

ainda tem muito a contar, muito ainda tem para acontecer. Em sua história estão pessoas,

que como eu, tiveram suas vidas marcadas por momentos vividos e proporcionados por ela.

Sempre morei na rua em frente à escola, a família de meu pai é muito antiga na

região. Como aluna, cheguei no ano de 1989, na alfabetização, e só saí em 1993, depois de

completar a 4ª série. A escola sempre foi importante em minha vida, pelos estudos, amigos

e professores, em meu imaginário com suas lendas e histórias. Toda vez que via as luzes

piscarem ficava apavorada, pois as crianças falavam de um tal “Seu Rocha”, que vivia a

assombrar a escola. Mas quem seria esse homem? Um dia meu pai me esclareceu que o Sr

Rocha era o ex-morador do casarão onde depois foi construída a escola, e que ele o

conheceu. Ele não era nenhum fantasma, pois talvez ainda nem tivesse morrido. Quanta

imaginação nós tínhamos. E eu sempre tive vontade de saber um pouco mais sobre a escola

e a região, e estava sempre perguntando a pessoas mais velhas.

A idéia de saber mais sobre a escola foi retomada em 2007 quando comecei a

trabalhar nela. Estava terminando a graduação em história e esse seria um ótimo momento,

se já estivesse fazendo uma outra pesquisa monográfica. Mas iniciei a procura por fontes e

percebi que não eram muitas as que poderiam ajudar na finalidade da pesquisa que

pretendia desenvolver, apesar da quantidade de documentos.

67

Quando iniciei a pós-graduação estive muito ansiosa em busca de um tema. E só

depois de muito pensar e tentar inventar um tema percebi que já tinha um, a ser pesquisado.

E passei a ver cada acontecimento sob um novo olhar, mais atento e mais minucioso.

Em 2007, ano em que entrei na escola, ela passou por uma grande reforma. Foram

mais de doze meses convivendo com poeira, barulho e uma dezena de trabalhadores de

fora. Estes que, ao final acabaram fazendo parte de nosso convívio.

Toda a escola foi reformada. Tanto no interior como no exterior. Ficou muito bom o

trabalho. Mas também sofreu com um razoável número de transferências e de alunos com

pouca freqüência, devido aos transtornos causados pela obra. Em virtude dela, também

alguns documentos se perderam, nada de importante para a administração ou o

funcionamento da escola, mas alguns registros da prática pedagógica cotidiana.

Documentos de pouco uso, mas que ficavam guardados para consulta. Com o grande

movimento, era muito difícil controlar onde estavam sendo guardados, já que muitas vezes

mudavam mais de uma vez de lugar.

É claro, a obra trouxe muitos transtornos, pois ocorreu em meio ao ano letivo.

Algumas vezes, certas turmas ficavam em casa para que pudessem trabalhar nas salas. Mas

a obra trouxe mudanças e melhorias para a escola. Não foram mudanças estruturais, o

objetivo era mesmo reformar, o que ocorreu em toda a escola, salas, secretaria, direção,

banheiros, refeitório, cozinha, pátio, parquinho e quadra. Nunca se havia feito na escola

uma reforma tão completa como esta.

Neste mesmo ano, a comunidade passou também por transformações. A escola fica

na Rua Bonfim, que é bem próxima a Rodovia Amaral Peixoto. O entorno da rodovia era

repleto de eucaliptos, que ajudavam a sustentar a escola. Essas árvores foram todas

retiradas pela prefeitura. Eram bastante antigas, e faziam parte da paisagem da região. Não

havia pedidos da comunidade para que fossem retirados, apenas que fossem podadas

periodicamente já que cresciam demais. E, mesmo sem o apoio da comunidade, as árvores

foram retiradas.

Com a retirada dos eucaliptos, foram plantadas mudas de outros tipos de árvore que

não crescessem tanto. No dia do plantio das mudas, houve uma solenidade, com a presença

do prefeito, e a escola esteve presente. As crianças ajudaram no plantio e as aulas que se

seguiram neste dia foram sobre o meio-ambiente. Não foram plantadas todas as mudas

68

neste dia, isso deveria ocorrer posteriormente, mas houve certa demora. Preocupada, a

direção mandou ofício para saber do atraso.

As mudas restantes foram plantadas, mas não resistiram muito. E, durante as chuvas

do mês de abril de 2010, parte da rodovia desmoronou, chegando a fechar uma das ruas de

acesso á escola. Não chegou a atingir nenhuma casa. Um dos motivos apontados pela

comunidade para este desabamento foi a retirada das árvores.

Era tudo muito fértil, o eucalipto da estrada, que infelizmente agora foi cortado. Para

mim, eu não sou geóloga, mas acho que o que aconteceu na estrada, o desmoronamento

da estrada foi por ter retirado o eucalipto, tenho quase certeza disso. Na época fiquei

muito triste, agora mais triste ainda porque a estrada está desabando.(Depoimento oral de

Dalva Cardoso, 24/05/2010)

A estrada está desmoronando, mas uma obra já está sendo feita para conter o

deslizamento. Entretanto as chuvas do mês de abril fizeram um grande estrago na

comunidade.

Na madrugada do dia 05 para o dia 06 de abril de 2010, uma forte chuva assolou a

cidade de Niterói. Houve enchentes e muitos desabamentos na cidade. Muitas casas dos

morros ao redor da escola foram atingidas e desabaram. Na manhã do dia 06 de abril a

escola foi aberta para que pudessem se abrigar.

Ficaram abrigados, na escola, mais de 270 pessoas entre adultos e crianças. Esse

número foi decrescendo à medida que a chuva diminuía. Algumas pessoas que não

perderam suas casas voltaram para elas, mesmo estando em área de risco. Muitas doações

chegaram todos os dias e os desabrigados permaneceram na escola até o dia 06 de maio.

Em seu depoimento Maria Célia fala um pouco dessa experiência:

Eu garanto o que eu faço. Agora para fazer esse trabalho, eu acho que o coração falou

mais alto. Foi muito difícil para a gente aqui da escola lidar com a comunidade dentro da

escola. Não eram crianças, os nossos alunos, o que estamos acostumados no dia-a-dia.

Eram famílias aqui dentro, cada um com seus hábitos, seus costumes. Foi realmente

muito complicado. Foi uma queda muito grande no nosso trabalho pedagógico. Porque

hoje já tem quase uma semana que eles voltaram e a gente ainda não conseguiu que todos

voltassem para a escola.(Depoimento oral de Maria Célia, 11/05/2010)

As aulas recomeçaram no dia 03 de maio, ainda com os desabrigados na escola.

Como já haviam perdido muitos dias, a direção achou melhor recomeçar as aulas. Mas a

freqüência foi muito baixa. Alguns responsáveis ligaram para a escola para avisar que não

69

mandariam as crianças pois não se sentiam seguros com pessoas estranhas circulando pelo

colégio. Mas essa convivência durou pouco. No dia 06 de maio os desabrigados foram

transferidos para um batalhão desativado do Exército, o 3º Batalhão de Infantaria (BI).

Alguns já começaram a receber o aluguel social e alugaram uma nova moradia, mas a

maioria foi para o 3º BI. E os que retornaram para contar disseram estar muito felizes.

Estão sendo bem atendidos e alguns conseguiram emprego.

Foi um momento muito delicado, mas trouxe muita experiência. Inclusive numa das

reuniões que nós fizemos com eles eu disse para eles que aprendi a ser mais solidária,

mais humana, mais gente. A gente vê as pessoas sem casa, meu Deus. Que horror!

Mesmo assim, acho que eles são bastante otimistas.[ ... ]Eles estão felizes, com seu

apartamento, com numeração, com chave da porta. Teve festa no dia das mães. Ontem

teve uma criança fazendo 15 anos. Aniversário, com bolo.(Depoimento oral de Maria

Célia, 11/05/2010)

Depois do reinício das aulas, muitos alunos não retornaram. Alguns pediram

transferência porque foram para outras cidades, mas outros, apenas não retornaram. A

escola perdeu duas alunas por óbito, e uma ex-aluna também.

Não foi apenas a escola que teve que interromper as suas atividades, a presente

pesquisa também teve um período de estagnação por conta das chuvas. Foi um momento

em que escola funcionava apenas para ajudar aos desabrigados. Os funcionários que lá

estavam, iam somente para tentar ajudar. O espaço onde ficam os arquivos ficou totalmente

tomado por doações, roupas, material de limpeza, colchonetes. Por alguns dias a secretária

e a direção da escola ficaram tão cheias de doações que era bastante difícil andar dentro

delas. Além disso, emocionalmente ninguém conseguia pensar no que estava acontecendo,

nos problemas que aquelas pessoas passavam. Foram momentos muito difíceis,

principalmente, quando soubemos das mortes das alunas já citadas. Foram momentos

muito difíceis, mas que serão superado com bastante trabalho.

No mês de março haviam 465 alunos matriculados. Já em maio contamos apenas

443 alunos. Sendo que este número pode subir um pouco, pois a Escola Municipal Djalma

Coutinho e a Creche comunitária Renata Magaldi, ambas da rede municipal, foram

interditadas pela Defesa Civil. Como ainda não tem um prédio novo e ficam nas

proximidades, alguns alunos tem vindo procurar por vaga, mas nem sempre estas estão

disponíveis.

70

A escola está recomeçando o ano letivo. Muitos dias foram somados ao calendário

escolar para completar os 200 dias letivos exigidos por lei. E, nesse momento, a escola esta

tentando se reorganizar.

No início de maio, a escola começou um novo projeto intitulado “No meio do

caminho tem uma escola”, o projeto busca trazer o máximo de organização para dentro da

escola. Será uma proposta que envolverá todos os funcionários da instituição. Com

encontros semanais no final do planejamento pedagógico, que já era realizado pelos

professores, todos discutem sobre os problemas e as possíveis soluções, se comprometendo

a ajudar.

É um novo momento para a escola. Será um caminho árduo, pois é preciso apontar

caminhos e soluções. Na primeira reunião as pessoas tinham certo receio de estar se

intrometendo no trabalho do outro, e que isso pudesse causar embates. Mas já tivemos

quatro encontros e as coisas parecem estar prosseguindo bem, todos aceitam os

questionamentos e soluções. Mas com o envolvimento de todos poderá dar certo. A escola

com todos os seus problemas tenta a cada dia novos caminhos, novas formas de melhorar,

crescer. Ainda há muito a acontecer e a descobrir.

71

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vivemos em uma sociedade que muda um pouco a cada dia. As transformações são

constantes e as instituições sociais também as acompanham. A escolas é uma das

instituições mais afetadas com estas mudanças. Toda a sua estrutura vem se transformando,

sua estrutura física, as práticas pedagógicas, a administração e as pessoas envolvidas,

alunos professores, funcionários, pais e responsáveis.

A escola tem uma grande importância na formação do indivíduo, assim como os

indivíduos tem grande importância em sua (trans)formação. A quase totalidade da

população passa, e por longos anos, pela escola. Isso faz com que as transformações e

conflitos sociais, suas idéias, reivindicações, problemas, anseios, sejam internalizados pela

escola. Sendo assim, de acordo com Bragança (2007), podemos perceber na complexidade

escolar o encontro de problemas históricos e sociais.

O olhar dirigido à trajetória histórica da Escola Municipal Ernani Moreira Franco

nos leva ao encontro desse movimento. No âmbito local é possível perceber tensas e

intensas mediações com a dinâmica social. As relações estão em cada gesto, cada atitude

analisada no cotidiano.

A escola foi construída em 1964, poucos meses depois da implantação de uma

ditadura comandada por militares. Nesse contexto recebe o nome de um dos ícones

militares do Brasil, Duque de Caxias. A pesquisa mostra um grande envolvimento da

comunidade com a escola e que reivindicavam mais por seus direitos. A iniciativa de luta

pela fundação escola foi tomada pela própria comunidade, bem como a sua ampliação e

posteriormente, a inclusão da Educação Infantil. A comunidade estava mais envolvida com

as atividades realizadas na e pela escola, bem como a escola se envolvia com os problemas

e conquistas da comunidade. Os pais e responsáveis estavam mais presentes na vida escolar

de seus filhos. Não que hoje a escola esteja isolada ou que não haja participação alguma,

mas é mais difícil esta união. Não só a comunidade em si, mas outras instituições também

estavam mais envolvidas na vida da comunidade escolar, como por exemplo, o quartel de

polícia militar, que se localiza próximo à comunidade, sempre estava presente e algumas

vezes cedia seu espaço para as atividades escolares.

72

Era um período em que o Brasil sofria inúmeras transformações. O país inicia, com

vigor, sua urbanização e industrialização; as pessoas saiam do campo e vinham para a

cidade, em busca de emprego e melhores condições de vida. Houve um aumento no

número de favelas e da pobreza, com a falta de investimentos públicos nestas localidades e,

assim, tais favelas acabam sendo dominadas pelo crime organizado.

Em meio a tudo isso, um novo prédio foi inaugurado. O Brasil se democratizou e a

escola mudou de nome. Recebeu o nome em homenagem ao filho falecido do prefeito da

cidade e, que era opositor ao regime. É um prédio novo, mais amplo, e que foi construído

exclusivamente para ser uma escola. Mas a comunidade do entorno começava a sofrer com

a favelização. O governo municipal tentou implantar o horário integral, que auxiliaria a

tentativa de conter a expansão da marginalidade, tirando as crianças da rua. Mas os

investimentos foram insuficientes para a manutenção do projeto.

A escola iniciou seu processo democrático para eleição de diretores em 1991,

refletindo o que ocorrera no cenário nacional. Foram eleições bastante disputadas e, com

ampla participação da comunidade escolar.

Outras unidades escolares foram sendo construídas na localidade. O que diminuiu o

número de alunos na escola e a lotação ficou abaixo do limite mínimo de alunos. Foram

tomadas providências por parte da administração municipal, sobre os alunos fora da faixa

etária. Mas se por um lado a redução trouxe um número de alunos mais adequado ao

trabalho pedagógico, em 2004, a perda de mais estudantes quase trouxe problemas à

instituição. Foi preciso reduzir o número de turmas e até a data de hoje, a escola vem

tentando crescer cada dia mais um pouco.

Observamos nos depoimentos que, hoje, há mais apoio da administração municipal,

mais recursos, entretanto, a comunidade se afastou. Registram que está presente em festas,

mas sentem falta da cooperação. Uma das entrevistadas acredita que essa desatenção com a

escola se dá por conta das novas condições de vida, em que precisam trabalhar demais,

inclusive as mulheres, e não podem estar mais presentes na vida escolar de seus filhos.

Um olhar dirigido à trajetória da escola permite perceber que quando as famílias se

encontram em dificuldades, se possível, a escola os auxilia, o que foi possível perceber de

forma muito significativa no presente ano. As chuvas desabrigaram muitas pessoas da

região. Estas ficaram abrigadas na unidade por mais de um mês. Neste momento, a escola

73

está tentando se recuperar dos traumas causados pelas chuvas. O retorno inicial às aulas foi

com poucos alunos, agora, quase todos já retornaram. Muitos alunos perderam tudo com as

chuvas, inclusive suas casas, então o que dizer sobre uniforme, cadernos. Os professores

tentam retomar o processo de ensino-aprendizagem, este se tornou ainda mais complicado.

Estes são alguns lampejos sobre a Escola Municipal Ernani Moreira Franco. Que

tem em sua estrutura aspectos do que é vivido por uma sociedade muito complexa. Porém,

mais do que isso - apresenta características únicas, pessoas, histórias, sentimentos que são

só seus. É fascinante perceber como essas características gerais e únicas se unem e formam

uma instituição tão dinâmica.

No entanto, é instigante saber que muito ainda ficou escondido, muito ainda ficou

por saber. Ao final deste trabalho me restam ainda mais questões a serem respondidas. São

outras e novas perguntas que, agora, elaboro. Gostaria de ter conseguido mais detalhes

sobre determinados assuntos, tê-los discutidos mais a fundo. Como o período da década de

1960, logo após a fundação da escola, pois me pareceu um período quase esquecido pelas

pessoas. Até a primeira diretora é pouco citada, embora saibam dela e com ela tenham

convivido. Se a documentação é escassa, sobre este período ela simplesmente inexiste.

Nem mesmo as pastas individuais dos alunos, que são os documentos mais bem guardados,

foram encontrados - no arquivo só constam alunos a partir de 197413

. Além disso, não

consegui encontrar alguém que pudesse relatar alguma coisa sobre o período. A primeira

diretora já é falecida, mas contava com o depoimento da segunda diretora, que

anteriormente era professora da escola, mas, conforme registrei, ela se recusou e não tive

tempo hábil para encontrar outra pessoa que pudesse contribuir com este trabalho.

Confesso, fiquei decepcionada, seu depoimento constava em meus planos desde o

princípio.

Outro ponto que me chamou a atenção foi a respeito das práticas pedagógicas pelas

quais a escola passou. O assunto não estava inserido no projeto e por isso não foi citado,

mas acabou por me interessar. Sendo que terá que ficar para um outro momento a

compreensão de como se deram as mudanças nesse aspecto. Como a escola passa de uma

prática tradicional para a busca por uma pedagogia que tenta alcançar o construtivismo,

13

As pastas individuais de alunos são guardadas no arquivo de acordo com o ano que saíram da escola.

Entretanto, não haviam alunos que tivessem ingressado na escola nos primeiros anos.

74

baseada em um sistema de ciclos? E digo tenta porque até hoje é possível perceber

professores que defendem os dois lados e questionando porque essa ou aquela é melhor.

Como se deu esse embate e a implantação dos ciclos, levando em consideração de que

essas mudanças são impostas verticalmente pela Fundação Municipal de Educação.

Depois de tudo isso, consigo perceber um pouco melhor a escola, mas novas

questões se colocam apontando para a dinâmica viva da pesquisa e da construção do

conhecimento. Uma pesquisa não se fecha, mas, pelo contrário, instiga novas questões.

Quanto mais descobrimos, mais nos envolvemos ed procuramos outras respostas. A escola

segue seu caminho e, quem sabe, no futuro, essas e novas inquietações poderão ser

retomadas.

75

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THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

78

APÊNDICE A - CONTRATO DE TRABALHO

Eu, _________________________________________________________ ,

declaro para os devidos fins que cedo as entrevistas biográficas realizadas no contexto da

investigação intitulada “E. M. Ernani Moreira Franco: Diálogos entre História e Memória”,

com o objetivo de sua utilização, integralmente ou em partes, sem restrições de prazos,

trabalhos acadêmicos.

Eu, ___________________________________________________________ me

comprometo em transcrever e retornar a entrevista em sua íntegra ao entrevistado (a),

reservando-o seu direito de posteriormente alterá-la e ou revisá-la, desde que não haja

mudança do contexto e ou sentido da frase mencionada.

Niterói, _____ de _____ de 2010.

______________________________________________________________________

Assinatura do Entrevistado (a)

Assinatura do Entrevistador (a)

79

APÊNDICE B - ROTEIRO PARA ENTREVISTA

1ª Etapa: Apresentação do contrato de trabalho;

2ª Etapa: Perguntas semi-estruturadas ao entrevistado (a):

Identificação do entrevistado(a).

Fale um pouco Fale um pouco de sua Trajetória de vida, até sua chegada à escola.

O que conhece sobre a história da Escola municipal do Duque de Caxias?

O que sabe sobre a construção da E. M. Ernani Moreira Franco e sobre seus anos

iniciais?

Como considera a relação da escola com a comunidade?

Fale sobre as mudanças que percebeu na comunidade que cerca a escola.

Fale sobre as mudanças que percebeu na escola, durante os anos que nela esteve.

Descreva alguns momentos na escola que, sob sua visão, considera importantes e/ou

marcantes. Bons ou Ruins.

Se desejar, deixe alguma contribuição final.

80

APÊNDICE C - TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS

1ª Entrevista

Data: 11/03/2010

Local: Escola Municipal Ernani Moreira Franco

Entrevistada: Maria Angélica Borges Gomes

Transcrição na íntegra da 1ª entrevista:

Maria Angélica Gomes: Hoje são 11/3/2010. Bom Dia. Meu nome é Maria Angélica, eu

estou na direção da Escola Municipal Ernani Moreira Franco e vou falar uma pouco da

minha trajetória de vida até os dias de hoje, como eu cheguei aqui. Olha é tempo, heim.

Desde pequena eu tinha a certeza de que queria ser professora. Eu era filha única e já

brincava com as bonecas, botava elas sentadas e dizia que eu estava dando aula. E aí me

formei no instituto de educação14

. Formei-me aos 17 anos e fui trabalhar numa escola,

naquela época, 1ª série, uma escola em São Gonçalo. Tinha 38 alunos e eu acho que foi ali

que começou o meu desafio. Porque tinham dois alunos na sala que não sabiam ler nem

escrever, numa escola particular. E aquilo começou a me incomodar. Eu comecei a

procurar formas de ensinar o menino a ler e escrever. Porque ele não conseguia

acompanhar e, por conta disso, ele era muito indisciplinado. Hoje a gente tem um perfil

diferente. Encontramos crianças indisciplinadas, mas, de repente, não só por questões

cognitivas. A indisciplina já tem hoje um outro enfoque, mesmo a questão do limite, da

família, que hoje ela não está mais presente.

E eu estou na sala de aula há vinte e oito anos. Muito tempo, né. (risos) Eu costumo brincar

hoje com meus alunos que daqui a pouco eu vou estar mordendo, batendo com a bengala.

Talvez eu me afaste da rede estadual esse ano, no final do ano vou me aposentar, mas no

município eu ainda vou continuar. E aí você quer que eu ...?

Entrevistadora: Como você chegou até a escola?

14

Instituto de Educação Professor Ismael Coutinho (IEPIC), na cidade de Niterói.

81

Maria Angélica Gomes: Ah, tá. Em 86 eu fui chamada para o município de Niterói e aí me

ofereceram algumas escolas para eu escolher. Dentre essas escolas, a única que tinha

Educação Infantil era o Ernani. E eu vim para cá certa de que era uma turma de Educação

Infantil. Só que houve um engano da Fundação com a escola porque, na verdade, eram

duas irmãs. Uma era da Educação Infantil e a outra do Ensino Fundamental. A que queria

sair da escola era do Ensino Fundamental, professora de alfabetização. Quando eu cheguei

na escola eu me desesperei. Só que eu fui recebida pela diretora adjunta, na época era

Ivaneide, ela ainda está na rede, até aqui pertinho da escola. E ela me disse: “Olha as

meninas da alfabetização daqui são ótimas, vão te dar uma força” E aí ela chamou as

professoras, a Vera, a Neli e a Otília. E aí elas vieram e me abraçaram. Falaram: “Você

pode ficar, a gente vai te ajudar, porque a gente trabalha muito junta e tal.” Eu tinha vindo

com o meu marido para ouvir dele o aval se seria legal ficar na escola ou não. Como aqui

era muito próximo da estrada, da Rodovia15

, eu vinha de São Gonçalo porque eu trabalhava

na rede privada em São Gonçalo. Aí, assim, facilitou o acesso e eu fiquei.

Peguei uma turma de alfabetização com trinta e cinco alunos, em setembro. Em que a

professora, no dia seguinte, era Cosme e Damião. Dia 27 de setembro, eu cheguei na porta

da sala e a professora olhou para mim e me mostrou todos os alunos. Porque era Cosme e

Damião tinham poucos alunos na escola e falou o seguinte: “Olha, essa é a sua turma, eles

sabem sete palavras”. E aí eu fiquei pensando assim, será que eles são doentes mentais, tem

algum tipo de deficiência. Como é que eu vou trabalhar com estas crianças? Eu comecei a

ver a cartilha, “No reino da alegria”. Ela trabalhou sete palavras. A cartilha, naquela época,

funcionava assim, fonemas simples e aí começava. Baú era a primeira palavra da cartilha.

Depois cacau. Ela seguia até uma ordem alfabética.Eu peguei essas crianças em setembro.

E comecei a dizer para a diretora que adorava o Pré-escolar. Pré-escolar naquela época não

havia a denominação Educação Infantil. Precedia a escola. “Eu quero o Pré-Escolar. Eu

quero o Pré-Escolar”. Ela tinha um filho que ficava aqui na escola. Ubiratan, Birinha que a

gente chamava. E Birinha começou a ir para a minha sala, mesmo sendo turma de

alfabetização, e eu trabalhava com ele. Com cola colorida, massinha, tinta. Quando ele viu

que eu tinha esse material e que eu trabalhava com os meus alunos, ele estava sempre na

minha sala. E eu comecei a fazer chantagem com ele, e dizia assim: “Pede para a sua mãe

15 Rodovia Amaral Peixoto.

82

me dar a turma de jardim e você vai comigo. Aí, ano que vem você fica como aluno

matriculado”. No ano seguinte ela me chamou e disse que era ordem da secretaria de

educação que todo professor novo de matrícula teria que ficar pelo menos três anos com a

alfabetização. Eu continuei na alfabetização. Só que culminou no último ano que eu estava

na alfabetização, eu fui fazer especialização na UFF. E aí eu comecei a ver a alfabetização

sob outro enfoque. A questão do letramento. Já tinha feito a primeira faculdade de

pedagogia, retornei de reingresso para a UFF e comecei a fazer alguns cursos de

alfabetização. E me encantei com a história da alfabetização. Só que eu ganhei de presente

a turma de pré-escolar, na época, hoje Educação infantil. Eu comecei a fazer um trabalho

de alfabetização no ultimo ano do jardim, né, pré-escolar. Fui para o pré-escolar, peguei

uma turma e fiquei com eles dois anos. Peguei o 3° período e depois continuei com eles na

alfabetização. Foi esta turma, essas mães, que ajudaram na minha campanha para a direção

da escola. Porque eu fiquei com esta turma três anos. Fiquei no Jardim de Infância, na

alfabetização, na 1ª série. Comecei aí a ganhar o respeito da comunidade. E tempos depois,

quatro anos depois eu acabei assumindo a direção da escola. Que foi em 96.

Entrevistadora: Você entrou quando aqui na escola?

Maria Angélica Gomes: Cheguei aqui na escola em 86. Dez anos depois eu peguei a

direção. Eleita pela comunidade. Lógico que tive indicação da direção. Ela não ia continuar

e aí me apresentou para a comunidade. E esse grupo de mães, que tinham sido minhas, me

ajudou muito na campanha. Teve uma outra chapa e aí a gente conseguiu uma boa votação.

Eu acredito que pelo fruto do trabalho que eu construí.

Entrevistadora: E como foi o processo? Os pais vieram, votaram?

Maria Angélica Gomes: Nossa e..., não vou nem falar antigamente porque fica parecendo

que é uma coisa assim... A gente percebe, assim, antes uma participação dos pais muito

mais efetiva que hoje. Mesmo no processo eleitoral. Mesmo nas reuniões de pais . Eu

lembro que nós tínhamos o auditório, um espaço grande na escola. De a gente ter aquilo

lotado em reuniões quando a gente convocava os pais. Eu não sei se a vida, o dia-a-dia

83

ficou muito mais complexo ao longo desses dez anos, porque já tem uma década. A gente

percebe isso até por nós mesmos, a gente tá tendo que matar um leão por dia para dar conta

dos nossos afazeres. A mulher, hoje, a maioria já tem esse comprometimento. A maioria

sustenta os lares sozinha. Elas têm que trabalhar. Ainda tem a nossa cultura que acho que é

do brasileiro que achamos que a escola pública .... Coloquei, fiz a matrícula e a escola se

vira com o meu filho. Um conjunto de coisas que não favorece muito o trabalho no dia-a-

dia.

Entrevistadora: O que nesse período de direção você encontrou que considera importante?

Desafios, problemas.

Maria Angélica Gomes: Desafios você, que hoje é funcionária da escola, percebe que a

gente tem muitos. Mas eu acho que ainda hoje o desafio é que em uma década a gente

ainda não conseguiu dar conta da dificuldade de aprendizagem que o aluno apresenta. Falta

alguma coisa na formação pedagógica que, por mais que a gente tente, dialogue, a gente

não conseguiu ainda encontrar o elo de ligação da escola com o cognitivo dos alunos. A

gente já mudou a prática pedagógica. Hoje a gente tem uma escola muito mais prazerosa do

que a dez anos atrás. A gente oferece um espaço físico que é de qualidade, a gente tem as

salas arejadas, tem mobiliário adequado, sala de leitura, sala de informática de última

geração e a gente não consegue dar conta da aprendizagem com esses alunos. Então o

grande desafio continua sendo este. E aí entra aquele conjunto de coisas que eu já citei

anteriormente. Por exemplo, falha a saúde. Por que se a gente encaminha alguma criança

que a gente já passou por uma avaliação pela Fundação, que já foi detectado que essa

criança precisa de uma fono, precisa de um acompanhamento, a saúde marca para daqui a

seis meses. Aí, o ano letivo passou e a criança foi ficando. Então a questão da socialização

mesmo. O professor perde muito tempo para trabalhar a questão de hábitos e atitudes. A

construção do conhecimento, a ampliação do conhecimento, a gente não tem,

minimamente, o ano letivo não tem 200 dias e 800 horas. Acho que isso ainda é um grande

desafio, que a escola consiga organizar melhor o seu tempo. A gente não consegue ainda

organizar o tempo. A gente perde tempo na hora da entrada, perde tempo na saída. A gente

conta com a questão de que porque somos mulheres, mulheres educadoras. E quando o

84

filho fica doente, não é o pai que falta ao trabalho e sim a mulher. Hoje a gente não tem

efetivamente muitos problemas de falta na escola, mas a gente tem a questão do atraso. Por

conta dessa obra da rodovia16

. Muita gente percebe assim que a gente não tem 4 horas e

meia de efetivo trabalho com os nossos alunos, porque aí entra o desjejum, entra a rotina do

dia-a-dia e a gente, eu acho, acho não, tenho certeza, que isso também contribui para não

aprendizagem desses alunos.

Entrevistadora: Você falou da relação do pai. E da escola com a comunidade, tem alguma

mudança que você viu?

Maria Angélica Gomes: Nós tivemos agora a pouco tempo o plano de trabalho. Há pouco

tempo, há dois dias. A gente estava conversando sobre o plano de trabalho e no plano

colocamos que essa é uma escola afetiva e calorosa. É lógico que a gente tem problemas,

mas que a gente procura assim, trazer a comunidade para dentro da escola, mas ainda

sentimos que a comunidade é bastante arredia. Por exemplo, eles vem a escola quando são

convocados para festas, mas não vem para tratar de questões pertinentes a aprendizagem

dos filhos deles. Ora, porque não se sentem gabaritados para isso, ora porque não

conseguem entender a nossa fala. A gente ainda não conseguiu perceber bem o que é.

Embora já consigamos esmiuçar bastante a proposta pedagógica, damos aula na reunião de

pais, mas a gente ainda percebe assim, que faz parte da cultura popular que a escola é o

espaço onde quem está é que sabe fazer educação. Palpites elas gostam de dar mas, para

vir para discutir, para entender é bastante difícil.

Entrevistadora: Tem algum momento nesse período todo que foi importante para você?

Bom ou ruim?

Maria Angélica Gomes: Posso até ressaltar alguns pontos. Por exemplo, você, ex-aluna da

escola, que está aqui dentro hoje como funcionária pública. Quer dizer, foi a escola de base

da sua vida. Você passou por aqui. Eu encontrei agora com a mãe da Tuane e ela me disse

que Tainá passou para universidade. Quer dizer, já tem uma filha que foi aluna daqui,

16 Refere-se a obra que esta ocorrendo na rodovia desde março de 2010 para contenção do desmoronamento ocorrido, o que

piorou com as chuvas do mês de abril

85

educação de base, que está fazendo mestrado em São Paulo e, agora, a segunda filha passou

para universidade, está fazendo administração. Então, assim, são desafios, que a gente ...

“Ah, são poucos.” Não são muitos, mas quando vem alguém para escola para dar esse

retorno para gente, a gente percebe, que a gente tem alguma contribuição. É que nós

gostaríamos que fosse uma quantidade maior, mas aí a gente precisaria. Esse ano nós

vamos colocar em prática um projeto chamado “Estreitando Laços”, que seria um trabalho

diretamente voltado para as famílias, e essas famílias que tem mais dificuldades, seja por

falta com as crianças, seja por questões sociais mesmo, questão do desemprego. Estamos

formando uma parceria com um pai de aluno que nos ofereceu ajuda. Está fazendo visita

domiciliar para a gente ver o que pode fazer com estas famílias que tem mais problemas.

Ver se conseguimos minimizar esses problemas. Então, assim, eu já tive muitas tristezas,

porque chorei muitas vezes por perdas de alunos. E que a gente perde por conta do tráfico.

Mas já tive muitas alegrias de mães que voltam. Essa semana mesmo você viu o bilhete que

a mãe de Magno mandou dizendo que tinha muito a agradecer, porque também foi

educação de base do menino aqui e ele está fazendo escola técnica. Então assim, tem

muitas alegrias. Não que a gente queira que o resultado desse trabalho seja que todos

estejam ingressando na faculdade mas, que pelo menos, todos estejam exercendo o seu

direito nessa sociedade que já é tão maldosa, tão cruel com as nossas crianças.

Entrevistadora: Eu tenho uma pergunta que não estava no roteiro mas, que pensando nisso

tudo ... Eu acho que, na época que eu estudei aqui, a escola era mais cheia e tinham alunos

muito grandes.

Maria Angélica Gomes: É sim, distorção de idade. De dez anos para cá o próprio governo

criou regras para estar terminando com a distorção série/idade. Ou seja, com quatorze anos,

com quinze anos. O município de Niterói começou com um trabalho que foi o CEMOA, no

ano de 2000. E começou a dar conta destas crianças. Hoje nós não temos mais o CEMOA,

que era o Centro de Otimização da Aprendizagem, que funcionava fora das escolas.

Atendia a todas as comunidades. Não tem mais isso, agora eles tem o EJA. Então alunos de

quatorze anos já são encaminhados para o EJA que atende a jovens e adultos. Assim,

conseguiu dar conta um pouco disso, com essa nova legislação.

86

Entrevistadora: Só para terminar, para ver se você me ajuda um pouco. Gostaria de saber

sobre antes desse seu período aqui na escola, se você sabe alguma coisa, onde posso

procurar?

Maria Angélica Gomes: Deixar registrado alguma coisa? O que eu sei da escola, assim, o

terreno foi doado por uma pessoa da comunidade. A escola funcionava na rua Coelho, que

era uma rua acima daqui e era Escola Municipal Duque de Caxias. Era uma escola

pequenininha, que só atendia de 1ª a 4ª série. Através de políticos, o vereador Wolney

Trindade, junto com o prefeito Moreira Franco conseguiu a construção dessa escola na

comunidade que me parece já ser uma reivindicação antiga, por ser próximo da rodovia. Só

havia escolas da rede estadual que não eram tão perto. Não atendiam a comunidade e aí

surgiu a Escola Municipal Ernani Moreira Franco. Ernani foi o filho de Moreira Franco,

então prefeito que, na época, em 81, faleceu ainda bebê. Eles inauguraram ainda com perfil

de horário integral, mas não deu muito certo. Porque a prefeitura ainda não tinha condições

de bancar a merenda. A verba, me parece, eu não sei como vinha, ainda era merenda da

FAE, era alguma coisa assim. E me parece que as crianças eram liberadas meio dia para

irem almoçar em casa. Eles fugiam e não voltavam. Hoje a gente teria mais estrutura, até

para atender melhor esse horário integral, que naquela época não existia. A escola tinha

dentistas, ela foi toda projetada para atender inclusive com o sistema de saúde. Com

consultórios dentários, médico, mas o planejamento não deu certo, acabou. Logo depois,

um ano depois da construção da escola, começou a atender a Educação Infantil, o antigo

jardim de Infância, pré-escolar17

. Começou atender crianças de três a cinco anos, isso

também já era uma reivindicação da comunidade. E porque que eu atribuo o fato da escola

ser mais cheia? Hoje, infelizmente, temos o problema de brigas entre comunidades. Então

quem é de fora tem medo ou não quer vir estudar em uma escola inserida dentro de uma

comunidade. Por não conhecer, pela questão do acesso, né? E, em torno da gente, outras

escolas foram construídas. Então quer dizer, garantiu melhor esse acesso a rede de

educação básica.

17 Na verdade, de acordo com a Portaria SME: 029/86, o pré-Escolar só foi autorizado em abril de 1986.

87

Entrevistadora: Acho que estamos chegando ao fim. Se você quiser falar alguma coisa que

não tenha falado.

Maria Angélica Gomes: Nossa, eu falo tanto.Sobre a escola, sim. Eu acho, eu não acho, eu

tenho certeza. Por todas as reuniões que eu vou, onde estão os diretores reunidos, na FME,

que a gente está evoluindo para uma escola de qualidade. Ainda falta muito, como eu disse

antes, na nossa formação ainda falta muito, e eu estou me incluindo. Embora eu esteja na

direção, eu sou professora. A nossa formação ainda é deficitária. Ainda é muito ruim e

seria muito bom se começassem a rever o curso de formação de professores. De que forma

a gente poderia melhorar o nosso conhecimento. O município de Niterói oferece muita

formação continuada em serviço para os professores. Só que a gente chega, vai para a sala

de aula para só depois se apropriar desse conhecimento. Ganhamos um pouco de tempo, se

esse caminho fosse anterior. Se pelo menos essa formação de professores fosse revista. Que

tipo de trabalho é feito lá. Porque fica muito fácil depois dizer que professor não sabe

ensinar, não sabe colocar em prática tantas propostas. Porque, hoje, a gente se depara com

o universo de crianças vindos de lares totalmente diferentes. Algumas com famílias

estruturadas, outras desestruturadas. Quando a gente junta isso dentro da escola ficamos

meio que perdidos, por que tudo que você aprende no pedagógico parece nada frente a

todos esses desafios, que a gente tem, que esta na escola, no dia a dia. Acho que seria,

assim, um alerta, que alguma coisa fosse feita já no curso de formação de professores para

a gente poder vir melhor. Teoria e prática. Porque a gente faz estágio, mas o estágio não

garante, porque o tempo é muito pouco. Então que a gente tivesse tempo hábil para poder

estudar mais, poder dar conta dessa questão da qualidade. Mas a gente tem, assim, uma

escola que busca por isso. Você está aqui dentro você vê, mas somos humanos e temos

nossas batalhas diárias também. O resultado não é aquele que a gente gostaria que fosse.

Entrevistadora: Não vou nem perguntar se você gosta do que faz.

Maria Angélica Gomes: Não. Com certeza, eu ontem falei dentro do carro com meu filho,

que não teria outra coisa que eu... Nada, nada do que eu olho, nós ganhamos pouco e aí eu

nem coloquei a questão do salário. Eu acho que não teria nada do que eu fizesse que me

88

traria o que eu tenho hoje de ser professora e de estar na direção. É uma escola fora da

escola, sabe? Acho que todo professor deveria passar pela direção da escola, porque a gente

vê sob outro enfoque e não tem nada que eu me encaixaria que me daria tanta satisfação

para fazer.

Entrevistadora: Gostaria de deixar gravado que foi muito difícil chegar aqui, porque você

tem muita coisa para fazer, toda hora tem alguém chamando. E você dedicou esse tempinho

para a pesquisa.

Maria Angélica Gomes: Que bom. Desculpa pelo transtorno e pela demora porque seu

trabalho já estaria adiantado. E nem ocupou tanto tempo assim, mas é a questão de chegar e

pegar. Vamos fazer agora, porque é assim o dia a dia da escola. O MEC, há alguns anos ,

não sei bem quanto tempo, lançou uns livrinhos, são de capa azul, amarela. Eu tenho

certeza de a gente tem por aqui. Seria até legal dar uma lidinha. Ele dizia do dia-a-dia de

uma diretora de escola e comparava a um incêndio. Porque é assim, você não consegue

fazer nada. A minha segunda mente está o tempo todo funcionando. Porque, ao mesmo

tempo, que eu tô aqui com você, conversando, eu tô ouvindo se as crianças estão correndo.

Isso a gente desenvolve na direção da escola, porque a gente precisa de quatro olhos, não

deixa passar nada. É um pouco de loucura. Lógico que a gente não deveria ser assim. Você

começa com isso, aprendi para dar conta da demanda. Então, assim, no final do dia eu

estou muito cansada porque eu costumo prestar atenção em muitas coisas ao mesmo tempo.

Mas foi ótimo ter contribuído com alguma coisa. Obrigada.

Entrevistadora: Obrigada.

89

2ª Entrevista

Data: 11/05/2010

Local: Escola Municipal Ernani Moreira Franco

Entrevistada: Maria Célia da Cunha Aguiar

Transcrição na íntegra da 2ª entrevista:

Entrevistadora: Você pode começar se identificando, falando quem você é...

Maria Célia Aguiar: Meu nome é Maria Célia da Cunha Aguiar, sou secretária do Ernani

Moreira Franco há 24 anos. Mesmo antes de estar aqui como secretária eu já estive diretora

de escolas particulares. Comecei minha vida trabalhando em secretaria de escola. Antes

mesmo de ir para sala de aula, comecei a trabalhar em secretaria de escola. Esta parte

administrativa, de verdade, não é a minha praia, gosto mais da parte pedagógica, mas

consegui conciliar as duas, nesses anos todos de trabalho.

Entrevistadora: Conta um pouco de sua história, dessa trajetória...

Maria Célia Aguiar: Como secretária?

Entrevistadora: Não só, de sua vida também.

Maria Célia Aguiar: Minha história profissional?

Entrevistadora: Sua vida também é importante para a pesquisa.

Maria Célia Aguiar: Eu comecei, o primeiro curso de Ensino Médio que eu fiz foi o de

química industrial. Logo, logo, eu vi que não podia ser aquilo, mas por influência da

família: “Vamos, é uma profissão nova. Técnico em química industrial”. Eu levei três anos

e meio dentro da escola, mais meio de estágio e quando termine,i cheguei em casa e disse:

“Olha, eu quero ser professora”. Imagina, eu dentro de um laboratório. Eu terminei, mas,

90

não tinha identificação nenhuma. Aí, em 1972, foi quando teve uma nova Lei de Diretrizes

e Bases, e eu consegui entrar já no 2° ano, que não era mais normal, no curso pedagógico.

Fiz o 2° e o 3° ano, já casada. Eu casei nesse meio tempo. Tinha 19 anos, 18 quando

comecei. Terminei com 19 porque só fiz o 2º e o 3º ano. Já terminei casada, com um

barrigão enorme, já para ter neném. Logo, logo, eu já comecei a trabalhar. Mesmo antes de

formada no curso Plínio Leite18

tinha o Rota Mirim, era do estado. E o Plínio Leite dava as

dependências e aí eu comecei a trabalhar nesse curso de Rota Mirim. Como eles não

tinham as dependências, eram da escola, mas o curso não tinha nada haver, o curso era do

estado. Só que o pessoal dizia, eu estudo no Plínio Leite, então eles mantinham quando

faltava professor eles pagavam a parte para eles não ficarem sem professor. Então uma

doação maravilhosa da escola particular. E aí eu comecei trabalhar lá, na turma de 4ª série.

Eram alunos do morro do Estado. Eu quando saia para trabalhar eles já estavam me

esperando na porta da minha casa. De manhã eu trabalhava na secretaria da escola e a tarde

eu trabalhava com essa turma de 4ª série. Foi uma grande experiência. Eles eram quase da

minha idade, eu era muito nova e eles tinham quase a mesma idade. Eu morava no centro

da cidade, eles vinham do Morro do Estado, passavam na porta da minha casa e a gente ia

junto.

Eu fui trabalhar no curso de administração do ginásio. Para você entrar no ginásio tinha um

curso de férias e eu trabalhei nesse curso de admissão. E comecei a minha carreira como

professora em escola, fazendo quase tudo em escola, continuei tendo essa experiência de

secretaria no Plínio Leite e trabalhava com a turma. Em 1974 tive o meu segundo filho e no

final do no eu não fiquei mais com as turmas, fiquei só com a secretaria. Fiquei oito meses

em casa cuidando dos filhos, foi o suficiente para u ficar enlouquecida. No final do ano eu

fiz vestibular para pedagogia e tratei de arrumar um emprego, também em escola. Eu fui

trabalhar em uma escola da Campanha19

. Elas funcionavam à noite. Essas escolas tinham

um grupo que as mantinha. E eu fui trabalhar em São Gonçalo, à noite em uma escola de

campanha, na secretaria. De dia era uma escola estadual e a noite era uma escola da

Campanha, era curso noturno.

18 O Colégio Plínio Leite fica no Centro de Niterói, à Rua Visconde do Rio Branco. 19 A Campanha Nacional de Escolas da Comunidade-CNEC é uma rede brasileira de educação de direito privado,

constituída sob a forma de associação civil sem fins lucrativos, reconhecida de utilidade pública pelo Decreto 36905/54 e

registrada junto ao conselho Nacional de Assistência Social, desde 1951, que atende desde a Educação Infantil até à Pós-

Graduação.

91

Entrevistadora: Isso era o que?

Maria Célia Aguiar: Eu já não me lembro bem. Ainda existem escolas de campanha hoje.

Só olhando na minha carteira profissional, era Campanha Nacional de Escolas. Eles

mantinham, era particular, mas vários lugares tinham essas escolas de campanha, que

funcionava a noite. Bom, daí eu fui para uma escola particular como coordenadora. Eu já

estava fazendo a faculdade, foi em 1977. Eu fui trabalhar como coordenadora de uma

escola que eu já tinha estudado quando era pequena, Instituto São Rafael, também em São

Gonçalo. E aí eu realmente comecei como coordenadora, sem nenhuma experiência.

Apanhei muito na época do “Casinha Feliz”, era aquele método de alfabetização fonado.

Apanhei muito. Aprendi com o tempo. Aprendi vivendo aquelas experiências. O meu modo

de trabalho eu adquiri na vida, pela vivência. Fiquei ali uns seis anos, terminei a faculdade

e cheguei a ser diretora desta escola. Depois esta escola acabou porque ela tinha uma

entidade mantenedora e ela foi vendida. A pessoa que comprou não zelou pela escola e ela

acabou.

Fui trabalhar no Colégio Maria Thereza. Ele, a noite, tinha outro nome, Colégio Castilho

Lima, mas que era da mesma família. De manhã e de tarde ele funcionava com um nome e

a noite com outro. Eu trabalhava a tarde e a noite, mas pelo Castilho Lima, não pelo Maria

Thereza. Como eu já tinha aqueles anos todos de experiência, lá eu trabalhava na secretária.

Consegui com uma colega, que também trabalhava lá, uma escola que precisava de

coordenadora e que era também em São Gonçalo. Depois fiquei de manhã nessa escola e de

tarde e a noite no Castilho Lima. Depois acabei ficando só a noite. Fiquei de tarde lá na

outra porque os filhos pequenos começaram a exigir mais. Depois eu acabei ficando só a

tarde lá e saí do Castilho Lima, exatamente pela preferência pela parte pedagógica do que

pela parte administrativa.

Entrevistadora: Você lá era professora?

Maria Célia Aguiar: Não, era coordenadora. Nesse intervalo eu estive em outra escola,

como professora de Educação Infantil, na época de Jardim de Infância, no Cecília Meireles,

92

em São Gonçalo. Mas fiquei um ano só porque era muito longe. O que aconteceu? Eu

acostumei a ficar fora de sala de aula. Até, por sinal, minha experiência em sala de aula é

bem pequeno. Eu me identifiquei muito com a questão de coordenação, e aí em 1982, ainda

lá no São Rafael eu entrei para o município de Niterói. Não entrei como professora, entrei

como agente da administração escolar, que nem era esse o nome, era auxiliar

administrativo. E só que eu fui para uma escola, Tiradentes, e me deram uma turma para eu

trabalhar. Tinha saído uma professora de licença maternidade e eu fiquei um ano inteiro

trabalhando com aquela turma. Era uma turma de 1ª série. Só que eu sabia que não era esse

o meu cargo, e eu não ia ficar trabalhando, ganhando menos. Chegou o final do ano e eu

pedi para sair e fui para o Infante Dom Henrique. Vim para cá em 1986. É esse tempo todo

que eu estou aqui. Fiquei como coordenadora nessa outra escola, em São Gonçalo. Depois

cansei de trabalhar em São Gonçalo e fui para o Chantrinho. Trabalhava aqui e no

Chantrinho, até 1999, quando fui ser diretora em uma escola no Rio, mas, fiquei muito

cansada em sair daqui para o Rio. Eu ia duas vezes por semana, ficava lá o dia inteiro. Os

outros dias ficava no Ernani. Joguei para o alto o Rio e fiquei aqui. Quando foi em 2000, eu

recebi uma proposta de Angélica, para ficar como coordenadora da Educação Infantil, com

uma dupla, e ficar na secretaria da escola, até os dias de hoje. É mais ou menos isso.

Minha vida profissional prejudicou bastante essa coisa de faculdade. Já depois de casada,

dois empregos, na criação de meus filhos. Teve uma vez, eles colocaram nos exercícios de

casa: “Não sei. Não sei. Não sei”. E aí eu acordei, eu não posso trabalhar nos três turnos.

Foi quando eu deixei de trabalhar a noite, fiquei trabalhando só de tarde e de manhã.

Depois fiquei só a tarde e quando eu entrei para o município fiquei só de manhã e de tarde

novamente.

Entrevistadora: Aqui você entrou como agente administrativo. Como você se tornou

secretária?

Maria Célia Aguiar: Eu já vim para cá, para ser secretaria. Pela bagagem que eu já tinha

vim para ser secretaria da escola. Só que nessa época, a Fundação queria que fizesse um

curso da FESP. O curso que formava secretários escolares. Acho até que hoje é o único que

forma secretário escolar, tanto é que eu tenho registro. Eu acho até que na rede não tenha

93

ninguém com esse registro de secretária. Foram mudando, se aposentando. Então eu vim

para cá com a função de secretária escolar, mas meu cargo no município é Agente

Educacional. Os primeiros dias já fui convidada para isso, o que me exigiu fazer esse curso,

tirei o registro. Eles hoje não exigem mais. Esse cargo de secretária no município de

Niterói me dá o direito de ser, hoje, da equipe de articulação pedagógica e magistério. Pelo

mapa estatístico você observa quando a gente conta, na primeira página, o total de

magistério. Eu estou incluída, está entendendo.

Entrevistadora: E nesse período, o que você encontrou de mudanças?

Maria Célia Aguiar: Olha, eu vim para cá em 1986. As escolas de ensino Fundamental, 1º

seguimento, na época, de 1º grau, antes de 1976, não tinha obrigatoriedade de

documentação de arquivos. Então quando eu cheguei tinha um monte de papel. Já dez anos

depois tinha um monte de papel, pastas vazias. Eu levei um ano trabalhando para organizar.

Porque eu não podia jogar nada fora. Tinha que olhar tudinho, eram pilhas. Não tinha

arquivo, não tinha nada. Então eu organizei essa secretaria toda. Eu comecei a organizar

dez anos depois da exigência da lei. E a Fundação fez alguns cursos depois de atualização

de secretário escolar, uns dois ou três. Redação oficial, arquivo, coisas que hoje a gente

nem utiliza mais. Tivemos alguns cursos desses. Mas eu acho que eu criei a minha maneira

de trabalhar. Hoje, de 1999 para cá, foi instalada a Gestão20

. Antes era tudo manual, depois

passamos para o computador. A Gestão você pegou agora, com a Internet, que é de 2007.

De 2007 para cá que a gente começou a trabalhar com Internet. É um trabalho rotineiro.

Todo ano a mesma coisa, na mesma época. Início do ano, cadastra aluno, faz diário,

relações que a gente tem para estar acompanhando, pasta de aluno, documentação, pedem

documentos, históricos, declarações, protocolos, as matrículas, os pedidos de transferência,

é esse o tipo de trabalho que faz. Esse monte de registro que agora é muito mais fácil

porque fazemos com o computador. Antigamente, a gente tinha nota, somatório de nota,

somatório de freqüência. Tudo isso era feito à mão e hoje a gente tem o computador que

auxilia muito. Por pior que seja o sistema de gestão, por mais complicado que seja ele pela

web, ele é muito mais prático. Eu só conseguia entrar de férias dia dez de janeiro. Eu nunca

20 A entrevistada se refere ao programa de computador chamado Gestão Escolar. Desde 2007 ele é utilizado on-line.

94

conseguia entrar junto com todo mundo, porque não dava tempo. Tinha que lançar

conceitos, notas, que também veio mudando. Antes era nota, depois passaram para

conceitos e aí, de acordo com a proposta de trabalho da Fundação, é que a gente tem que

seguir21

. E agora a gente vai voltar para conceito novamente.

Entrevistadora: Coloca o que você vê de diferente de quando você entrou na escola para

agora. O que você viu de mudanças nesse tempo todo?

Maria Célia Aguiar: Olha, radical a mudança para melhor. A característica dos nossos

alunos, dos nossos pais. Eram pessoas que você percebia de classe bem humilde. Eles eram

muito humildes. Eu, hoje, percebo que o pai já conhece alguma coisa. Eles vinham para a

escola e não faziam matrícula. No primeiro dia de aula, sobrava 80%. Só 20% estava

matriculado. “Ah, mas minha mãe mandou eu para a escola”. Eu tinha que mandar essa

criança para casa, voltar com o responsável, para fazer matrícula. Isso foi uma cultura

criada aqui, nessa comunidade, porque isso não existia. Todo mundo chegava e ia direto

para a sala de aula. A escola não era arrumada. Não existia essa organização da secretaria.

Então, todo mundo ficava. Eu nem sei como eram feitos os documentos de transferência,

não sei. Até porque a exigência tinha ata, tinha livro de matrícula e esses alunos não faziam

parte de nada disso. Aí, com o tempo eles foram aprendendo. Você vê que não vem

ninguém sem matrícula.

Desde a clientela, toda parte pedagógica da escola, era uma escola essencialmente

tradicional na parte pedagógica. Hoje já prima mais por uma escola mais progressista, mais

livre, entre aspas, até porque a proposta da Fundação, hoje, que está sendo alterada. Mas

hoje é uma escola mais progressista.

E os alunos vinham para a escola, não penteavam o cabelo. De manhã não tomava banho,

não cheiravam bem. Hoje você vê que a coisa é totalmente diferente. A escola em si, o

prédio escolar era muito ruim. Não existia essa consciência de limpeza. Alguns próprios

funcionários de limpeza iam ali, faziam uma limpeza, assim por cima. Hoje não. Passam

cera no chão, o banheiro é lavado mais de uma vez por dia. Evoluiu e evoluiu muito.

Outros tempos, de vinte e quatro anos para cá, nossa. Até o traje do professor. Eu observo

21 Refere-se a proposta pedagógica implantada pela Fundação Municipal de Educação de Niterói , “Escola de Cidadania”

através da Portaria 132/08. Mas esta vem sofrendo algumas alterações.

95

muito isso, o professor vinha mais..., era mais doméstico. Era uma coisa mais casa. E

tinham muitos professores que moravam aqui perto. Era lenço na cabeça. Hoje, você vê o

professor dando o exemplo de vir mais arrumadinho. Não precisa estar de escarpin, mas

vem mais arrumado, cabelo penteado, bota uma bijouteria. Até porque eu acho que isso é

um exemplo para o aluno dele. Né, poxa, a gente tem professor aqui que todo mundo quer

ser aluno. Porque está arrumadinha. Eu acho que isso também faz parte, está implícito no

currículo da escola.

Entrevistadora: A população da região mudou?

Maria Célia Aguiar: A população da comunidade modificou para melhor. Modificou para

muito melhor. A gente sabe, que é uma classe popular, que tem uma outra postura. A gente

vê pela questão da higiene. A gente vê como as crianças vinham para a escola, de manhã ou

de tarde. Porque o turno da manhã sempre foi pior, porque levanta né, e tal. Hoje não, você

não percebe isso. Eles vem arrumadinhos, vem limpos. À tarde sempre foi muito melhor.

Modificou muito a nossa comunidade. Nossa, eu acho que essa escola aqui, muitas vezes a

gente diz: “Poxa, a gente tem muitos problemas.” Mas ela fez um bem muito grande a essa

comunidade. Ela cresceu. A comunidade cresceu, a gente percebe isso. A gente percebe

com clareza.

Entrevistadora: O que você colocaria como momentos importantes para a escola?

Maria Célia Aguiar: As coisas vão acontecendo no dia-a-dia. Olha para trás, nossa, como

que mudou, não é? Eu acho que a questão da eleição para direção da escola fez com que os

diretores se empenhassem mais. Porque antes não era eleição. Começou, se eu não me

engano, em 1988. Não sei se foi 1988 ou 1990. Não sei.22

Era Tereza quando vim para cá.

Ela era indicação e, depois foi Maud. Era de dois em dois anos. Era Maud e Otília. A

Tereza ganhou os dois primeiros, ficou até 1992. De 1992 a 1996 ficou Maud e aí depois

entrou Angélica. E aí, eu acho que essa questão do diretor eleito pela comunidade escolar.

Porque quem é que quer ser diretor da escola? Aquele que quer trabalhar. Então eu acho

22 Segundo o livro de atas, a primeira eleição para a direção da escola ocorreu em 1991.

96

que é um momento histórico e eu nem sei se é só aqui. Fez com que a escola municipal

crescesse. Sabe, eu acho que é um momento histórico para toda escola municipal. Inclusive

preservou até os dias de hoje a eleição, às vezes dois anos, as vezes três anos, dependendo

da legislação. Mas eu acho que este foi um momento histórico e um marco na história da

escola municipal de Niterói.

Entrevistadora: A escola tinha bastante alunos e perdeu quando foi aberta outra escola nas

proximidades.

Maria Célia Aguiar: São momentos críticos. Em 2004, o Paulo Freire23

. Aquele prédio,

que era do antigo Colégio Brasil, foi comprado pelo município. E o Paulo Freire foi

inaugurado com promessas. Aí, é da cabeça do povo, que tinha piscina, elevador. Elevador

tem. Mas que tinha piscinas, quadras. E eu acho que a vontade de sair daqui da

comunidade. Acho que foi benéfico para eles. Todo mundo quis se matricular. O Paulo

Freire foi a escola que inaugurou bombando, já. E enquanto isso, aqui, o Ernani esvaziou.

No ano seguinte teve a greve que levou muitos dias. E aí, foi para a Escola Estadual

Alberto Brandão, saiu quase todo mundo. E nesses anos, Paulo Freire foi 2004, a greve

2005, a gente vem se recuperando. Agora, com esses desabamentos, a enchente, pode

complicar um pouquinho. Porque anos estamos sem um número razoável de transferências,

mas porque o Ernani é uma escola dentro de uma comunidade. Raramente, alguém de fora

vem estudar aqui. Tem até um ou outro aluno que vem de outro lugar, mas a maioria é

daqui desse complexo do Caramujo, Baldeador, finalzinho do Fonseca, todos aqui da

redondeza, a grande maioria. Mas mesmo assim, a gente mantém essas 12 turmas de

Educação Infantil, e hoje temos treze de Ensino Fundamental. São treze por causa da

Bilíngüe.

Entrevistadora: Você falou um pouco da tragédia do desabamento. Você que participou

tanto, deste momento, poderia falar um pouquinho?

23 A E. M. Paulo Freire fica na rua Soares de Miranda, 77 – Fonseca.

97

Maria Célia Aguiar: Ah, eu nunca pode imaginar que ia ter uma atuação dessas, nós todos

que estivemos todos os dias aqui, de assistente social. Eu garanto o que eu faço. Agora,

fazer esse trabalho, eu acho que o coração falou mais alto. Foi um momento muito difícil.

Para gente daqui escola, porque, meu Deus, lidar com a comunidade dentro da escola. Não

eram crianças, os nossos alunos, o que estamos acostumados, no dia-a-dia. Eram famílias

aqui dentro. Cada um com seus hábitos, com seus costumes. Foi realmente muito

complicado. Foi uma queda muito grande no nosso trabalho pedagógico. Porque, hoje, já

tem quase uma semana que eles voltaram e a gente ainda não conseguiu que todos os

alunos voltassem para escola. Na Educação Infantil não sabemos quem vem, quem não

vem, porque não tem transferência. Foi um momento muito delicado. Agora, uma boa

experiência. Inclusive numa das reuniões que nós fizemos com eles eu disse que eu aprendi

a ser mais solidária, mais humana, mais gente. A gente vê as pessoas sem casa, meu Deus,

que horror! Mesmo assim, acho que eles são bastante otimistas. Todas as pessoas que

foram para o 3º BI são as primeiras que vão ganhar as casas, pelo menos é a promessa. Diz

que eles estão felizes. Cada um com seu apartamento, com numeração, com chave da porta.

Teve festa no dias das mães. Ontem, teve uma criança fazendo quinze anos. Aniversário

com bolo. Firmas estão indo dentro do quartel perguntar quem quer trabalhar, fazer

cadastro. Andreia mesmo já arrumou emprego. Não é legal isso? E, eu acho que eles vão

melhorar como pessoas. Porque saíram do ambiente em que foram nascidos e criados, de

repente não é muito fácil. Ordem, organização. Eu acho que isso pode melhorar muito eles

como pessoas. No relacionamento da escola com a comunidade, Eu acho que a gente tem

um bom relacionamento. Sou testemunha de várias vezes precisarem, correrem para a gente

.E quando precisamos, corremos para eles. Eu acho que eles confiam muito na escola.

Porque tem essa questão de reunião de pais, a gente tem um impasse muito grande com as

reuniões de pais. Por mais atrativa que seja, fazer isso ou aquilo, dinâmicas e tudo mais,

aquilo que o pedagogo sabe fazer. Não sei se por causa do horário, horário de trabalho,

estão comprometidos. Mas a gente vê alguns pais, algumas mães que não trabalham, mas

que não vem as reuniões de pais. Eu acho isso um grande Empecilho para a escola. Só se

você chamar. As vezes chama uma vez, chama duas vezes aquela criança, que tem mais

necessidade que a escola converse, que seja acompanhada mais de perto pelo pai. Eu acho

98

que ainda não foi despertado. Eu acho que a gente precisa trabalhar mais para estar

despertando essa consciência na comunidade.

Entrevistadora: Eu queria saber se você sabe de alguma coisa de antes que possa ajudar

um pouco?

Maria Célia Aguiar: Eu sei o que ouvi as pessoas falando. Antes era escola Duque de

Caxias, na Coelho, na associação. Onde é a associação hoje. Ela funcionava com duas ou

três salas de aula. Era Escola Municipal Duque de Caxias. Em 1981, no governo Moreira

Franco, é que foi construída essa aqui. Esse local era uma horta, de propriedade de um

senhor, chamado Rocha. Que a gente até brinca, Seu Rocha pra lá, Seu Rocha pra cá. Lá

era Braulia, a diretora. Quando veio para cá já passou Maria José. Maria José foi destituída

em 1985 ou princípio de 1986, e, aí, entrou Tereza. Ela foi diretora no Duque de Caxias e

depois veio para cá. A escola tinha algumas necessidades. A Fundação Municipal de

Educação, antes era só secretaria, ela só foi constituída pelos idos de 1990. E, aí sim, foi

um marco na história da educação municipal de Niterói. Porque, antes, a secretaria, pelas

minhas observações, pelo pouco que eu fiquei, só três ou quatro anos. Eu entrei em 1980,

fiquei mais, mas a gente não tinha todo esse apoio que a gente tem hoje da FME. É

diferente. O marco foi a partir da FME. Eram poucas escolas, cinqüenta a sessenta escolas,

mas, ele não tinha a assistência e a organização que tem hoje. Tinha uma queda muito

grande, não primava pela qualidade de ensino. Hoje ainda estudamos propostas, mas eu

acho exatamente por isso. Porque a gente prima pela qualidade na educação.

Entrevistadora: Tem mais alguma coisa que você acha que seria importante, que você não

falou?

Maria Célia Aguiar: Para você que está iniciando a sua carreira profissional na educação tá

a pouco tempo. O que eu acho importantíssimo é a consciência profissional. O nosso

trabalho é um trabalho diferenciado. Trabalho com a cabeça, mas também tem que

trabalhar com o coração. A gente trabalha com gente e se a gente não tiver essa doação,

você não vê o seu trabalho render. É isso. Obrigado.

Entrevistadora: Obrigado.

99

3ª Entrevista

Data: 24/05/2010

Local: Escola Municipal Ernani Moreira Franco

Entrevistada: Dalva Ferreira Cardoso.

Transcrição na íntegra da 3ª entrevista :

Entrevistadora: Fala um pouco de você e da sua história na escola?

Dalva Cardoso: Eu, Dalva Ferreira Cardoso, sou agente da administração educacional. Vou

contar toda a minha história de vida nessa comunidade. O meu pai Luiz Gonzaga Ferreira,

veio morar nesta comunidade aos 17 anos. Aos 30 anos de idade casou-se com minha mãe,

Antônia Gomes Ferreira. Nasceu o primeiro filho e a segunda filha fui eu, na época Dalva

Gomes Ferreira. Nasci dia 10 de março de 1945. Comecei a estudar aos sete anos na escola

Alberto Brandão. Terminei o comercial que representava o ginasial, na época, no SENAC.

Parei de estudar por ignorância da família. Não satisfeita passei a fazer cursos de

artesanato, que incluía pintura, bordado e outros, e culinária, na qual trabalho até hoje.

Aos 14 anos abri uma escola que funcionava no meu quintal com nome de “Curso Estrela

Dalva”. Alfabetizei várias crianças, inclusive ajudei no início dos estudos do pai da

Priscila, Paulo César, filho de família antiga desta comunidade.

Em 1965 casei com Ingadi Rocha Cardoso, nascido nesta comunidade, em 1943. Continuei

como moradora, sou mãe de 3 filhas. Inclusive voltou a funcionar em minha residência

outra escola com o nome de “Recanto da Criança”, sob a direção e responsabilidade de

minha primeira filha Ingrid Mara Ferreira Cardoso, formada no pedagógico.

Não havia a Escola Moreira Franco. Com a inauguração da escola Ernani Moreira Franco

fui convidada a participar da APAM (Associação de Pais, Amigos e Mestres). Trabalhei

cinco anos ajudando no que era possível nesta escola. Na época estava contratada como

instrutora da LBA. Deixei esta entidade para trabalhar por minha comunidade. Entrei na

mesma escola, Ernani Moreira Franco, como agente da administração educacional.

100

Vinte e seis anos depois, quase vovô, voltei para terminar o pedagógico. Agora trabalho

como funcionária e também dou a minha colaboração como moradora da comunidade a

qual pertenço com muito orgulho. E, agradeço a Deus todo poderoso, por esta

comunidade, pela direção como pelos outros funcionários. Fui e sou amiga de todos.

Entrevistadora: Você falou do Alberto Brandão. Antes você havia falado comigo que era a

única escola e depois que eles construíram o Duque de Caxias, na Coelho.

Dalva Cardoso: Mas antes de construírem esta aqui, quando eu estava com 17 anos eles

estavam reconstruindo o Alberto Brandão.

Entrevistadora: Já era nesse endereço ou era em outro?

Dalva Cardoso Quando eu comecei a estudar era na Riodades. Era um prédio antigo,

estava em ruínas, aí, acabaram com aquela construção que era bem antiga. Ali se formou

uma vila de moradores. Depois ele foi para Palmeira, mas lá funcionou pouco tempo. Aí, a

direção da escola veio procurar um espaço por aqui, para fazer o Alberto Brandão. Antes

dele ir para a Palmeira, ele veio para um prédio antigo, ali, naquela primeira residência, na

Rua Primor. Eu ainda estudei ali. Dali ele foi para dentro da São Januário. Acho que

pediram o prédio, era particular. Na São Januário ele ficou pouco tempo. Aí, a direção da

escola que era Maria do Carmo, auxiliar de direção Aidê, veio procurar um espaço. Nós

tínhamos na comunidade o Centro Pró-Melhoramentos, no qual eu fazia parte da diretora.

Aí, a direção do Centro Pró-Melhoramentos, mais tarde veio funcionar como Grupo dos 20,

ela cedeu o espaço. Isso foi em 1965, quando eu estava para casar, quase casando. Aí o que

eu fiz? Precisava de alunos. Não tinha essas crianças. As famílias já tinham matriculado as

crianças no Machado de Assis, Hilário Ribeiro. Como eles queriam trazer o Alberto

Brandão para cá, eu como ex-aluna, moradora da comunidade, meus irmãos também foram

alunos antigos. Nesta época estava difícil conseguir alunos pois já estavam matriculados

em outra escola, de preferência dos pais. O que aconteceu? Pediram no que eu poderia

ajudar. Peguei um caderninho e saí pelo morro, tanto o morro daqui da Bonfim e uma parte

do Caramujo. Saí inscrevendo alunos para reabertura da escola, inclusive ele chegou a

101

funcionar em um galpão que foi feito pela prefeitura, aqui nesta comunidade, ao lado da

minha casa. Funcionou um certo tempo até terminar a construção e aí foi concluída. Só

depois que veio o Ernani Moreira Franco, que já tinha a escola funcionando, o Duque de

Caxias, lá dentro da Rua Coelho.

Entrevistadora: Lá você não participou, não chegou a trabalhar lá?

Dalva Cardoso: Não consegui. Não, porque não tinha liberdade para ir até ali, um espaço

maior. Sempre ouvia falar nessa escola, é perto, né? Porque mais pais eram muito

rigorosos, eu não tinha liberdade. Até para sair da minha casa para vir até aqui, onde

funcionava neste espaço o Clube de Futebol Tijuca, que tinha vários eventos, várias

atividades, era difícil, mas, era difícil eles deixarem participar.

Entrevistadora: Aqui era um clube?

Dalva Cardoso: Uma parte era o clube, a outra parte pertencia a um morador muito

conhecido, Seu Rocha. Eu conheci, conversava muito com ele, mas era de passagem. Bom

dia. Boa tarde. Ele ia muito na minha casa, mas ia por motivos comerciais. A gente não

tinha intimidade para estar conversando com pessoas que não eram da família ou pessoas

muito próximas. A criação de antigamente era essa.

Entrevistadora: Havia pedido da comunidade para construção da escola?

Dalva Cardoso: Não. Que eu saiba não. Nem ouvia dos moradores antigos que precisava

da construção. Sei que lá no Duque de Caxias é que não estava dando para suportar o

número de alunos. Por isso precisava de uma nova construção.

Entrevistadora: Gostaria que você contasse um pouco como era a comunidade do entorno.

Dalva Cardoso: A comunidade, as casas, eram quase as mesmas. O casarão onde morava

Seu Rocha, onde pegou todo o espaço da escola, e tinha muito mato, muita árvore. Era tudo

102

muito fértil, o eucalipto da estrada que, infelizmente, agora foi cortado. Arrancaram todos

os eucaliptos. Para mim, eu não sou geóloga, mas acho que o que está acontecendo na

estrada, o desmoronamento da estrada foi por ter retirado o eucalipto. Tenho certeza disso.

Na época fiquei muito triste, agora, mais triste ainda por ver a estrada desabando e essa

construção que não termina nunca. Eu acho que já está há quase um ano isso aí.

Entrevistadora: Os morros como eram?

Dalva Cardoso: Tinha os morros, mas não tinha casa. Não tinha moradores assim. Era um

ou outro, mas longe, muito longe mesmo. Tinha a escadaria, tinha o caminho das pessoas

que moravam lá em cima. É como eu disse a você, eu não ia para lá. Eu tinha muitos

conhecidos, porque meu pai tinha comércio ali embaixo onde a gente morava. Eu conhecia

as pessoas e não tinha liberdade de vir até a casa das pessoas.

Entrevistadora: Na história da escola, que você tanto participou, o que você acha que se

modificou ao longo do tempo?

Dalva Cardoso: Mudou muita coisa. Melhorou muita coisa. Só que eu acho que havia mais

amor e mais aconchego dos professores e alunos. Isso havia. E hoje, infelizmente, com a

vida tão corrida para todos. Acho que não sobra muito tempo para esse tipo de carinho. Eu

como moradora, como ser humano, eu gostaria que existisse. Porque a gente vê que eles

entregam os filhos como se estivesse entregando qualquer objeto de uso. A maior parte,

infelizmente, é assim. Já carregam essa mala de casa, que é bem pesada para eles.

Dificuldade de acompanhamento dos pais. Tem crianças aqui que foram alunos, e hoje são

formados em faculdade. Não era faculdade particular, porque não tem condições de pagar.

Vários e vários daqui saíram para várias faculdades. Passaram e hoje trabalham. Que eu

vejo que tinham o acompanhamento dos pais. Tinham carinho maior das professoras. Isso

tudo acontecia naquela época porque é muito difícil as pessoas trabalharem por amor àquilo

que está fazendo. Direcionando, principalmente, para as crianças.

Entrevistadora: Tem algum momento que você acha importante na escola?

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Dalva Cardoso: Vários momentos. Um dos momentos que a escola passou e que me

marcou muito foi a inauguração do “orelhinha” na escola.

Entrevistadora: O que é isso?

Dalva Cardoso: Orelhinha é o filho do orelhão. Telefone público. Na comunidade quase

ninguém tinha telefone. Celular nem pensar. Aí, tinha o orelhinha. Quando inaugurou

vieram várias autoridades. Foi instalado aqui na escola. Um aluno me marcou muito. Na

época ele ganhou até um prêmio. A diretora da escola na época, Maria José, fazia uma

porção de promoção com as crianças. Ganhava qualquer coisa. Aplauso, acho que mais

carinho ainda. Incentivava os alunos. E nessa inauguração teve esse menino, hoje, ele é

casado, tem filhos. E os filhos dele estudaram aqui, o nome dele agora não me lembro. Ele,

na época, fez o desenho do orelhinha e ganhou o prêmio do orelhinha. Eu fiz o bolo. O bolo

tinha duas crianças, uma de cada lado, com o telefone. Tinha aquela música da Maria

Alcina, “Alô, alô, responde”. Foi o que eu escrevi no fio do telefone. E teve também

apresentação de dança dessa música, com as crianças dançando. Isso ficou muito marcado.

Foi uma coisa que ajudou a comunidade também. E incentivou as crianças. E esse mesmo

menino, até hoje sabe fazer desenho. Não foi para essa parte de desenhista, trabalha em

outros lugares. Eu não conheço ele muito, mas pra mim ele foi importante e acho que pra

muita gente. Depois, este mesmo menino, em um passeio que nós fizemos, eu ainda era da

APM, não era funcionária da escola. Na quinta da Boa Vista. Ainda se falava muito do

Garrincha.. Aí, lá, nós demos papel e lápis de cera, argila para eles trabalharem. Esse

mesmo menino fez um desenho com um caixão, a imagem do Garrincha dentro do caixão e

um balão carregando. O balão indo para o céu. Esse menino me marcou duas vezes.

Tinha muito evento na escola. Era muito mais do que agora, não tem nem comparação.

Uma coisa que eu achava muito importante era a festa da alfabetização. A festa do livro.

Inclusive nesta festa do livro, meus irmãos tinham um conjunto e, esse conjunto vinha tocar

aqui nesta festa para a escola.

Entrevistadora: Os pais vinham?

104

Dalva Cardoso : Vinham. Gratuitamente, eles vinham cantar aqui. E o que cantava, na

última vez que ele cantou, mesmo sabendo que já estava com problemas cardíacos, ele

cantou a música da professorinha. Também me deixou marcado isso. Ela já se foi e lá de

cima deve estar orando por todas as professoras. Os pais estavam todos presentes. Tanto

vinham funcionários da secretaria, como vinham diretores, autoridades. Inclusive a escola

participava, também, como participou da inauguração do asfalto da nossa comunidade, na

qual eu fiz parte para que ele chegasse até aqui.

Entrevistadora: N a época de qual direção?

Dalva Cardoso: Na época da Maria José. Eu não era funcionária da escola ainda. Teve a

inauguração do asfalto feito pelo Grupo Pró-melhoramentos, que já era Grupo dos 20.

Entrevistadora: A escola era mais envolvida com a comunidade?

Dalva Cardoso: Era bem mais envolvida. É, agora como tudo mudou, isso também. O

jovem de antigamente, eles cresciam, saiam da escola, mas, eles participavam do que

acontecia na escola. Hoje infelizmente pela vida que eles levam, fica difícil a presença

deles aqui na escola.

Entrevistadora: Então as mudanças, essa separação. Mais alguma coisa você percebe de

diferente?

Dalva Cardoso: As crianças caminhavam pela comunidade, participavam também de

alguns eventos no quartel rodoviário24

. Inclusive os comandantes do quartel participavam

também aqui. Vinham porque a escola mandava convite especial para eles. Mandava para o

Grupo Pró-Melhoramentos, mandava para a direção ---

Entrevistadora: Esse Grupo Pró-Melhoramentos era onde?

24

Refere-se ao quartel de Polícia Rodoviária Militar, que fica em um dos acessos à comunidade.

105

Dalva Cardoso: Era onde funciona a Capela do Senhor do Bonfim. Ali era como um centro

comunitário. Aconteciam muitos eventos, muitas festividades. Todas as festividades de

época tinha ali. Como tinha festa junina, aniversário do clube. Time de futebol que saia

para jogar fora. E fazia também esse trabalho pela comunidade. Inclusive, eu sempre fazia,

mas não era eu a responsável pela entidade. Eu, Dalva, fazia um evento para as crianças

todo ano no mês de outubro, sempre no sábado. Fazia o evento o dia inteiro. Inclusive o

evento cresceu tanto que eu pedia o quartel emprestado para fazer o evento. Eu trabalhava

o ano inteiro, comprando prendas e presentes para as crianças. Tinha a colaboração

primeiro da família, porque sou de uma família muito grande. E dos moradores da rua onde

eu morava. Que é, agora, Altineu Cortes Pires. Todos sabiam do meu trabalho e me

ajudavam. Vendia rifa dos bolos que eu fazia e eu fazia juntando, para as atividades para as

crianças, isso era todo ano.

Entrevistadora: Gostaria que você falasse um pouco dessa questão das chuvas, dos

desabamentos, queria que você contasse um pouco. Foi um acontecimento que acabou se

tornando importante para a escola e para a comunidade.

Dalva Cardoso: Já havia acontecido. Em 1966, houve uma chuva na qual desabaram várias

casas, principalmente lá embaixo onde eu moro, que é onde eu posso falar mais. Isso foi há

44 anos atrás. Caíram algumas casas. Aconteceu de repente. Inclusive a minha casa foi

afetada, como também agora foi afetada. E a escola acolheu os moradores, na medida do

possível. Como a Igreja25

acolheu também. Abrigou várias pessoas. Tem gente que ainda

dorme lá. Aqui na escola, graças a Deus já foi desocupado. Acho que foram muito bem

abrigados. Teve muita ajuda comunitária. Na igreja também não faltou nada, e ainda tem

alguma coisa lá que vamos distribuir. Eu fui uma das responsáveis e fui uma das abrigadas

também. Ajudei não só como abrigada, mas como moradora da comunidade, trabalhando

como sempre faço. Foi muito triste, graças a Deus aqui não morreu ninguém. Todos saíram

sãos e salvos. Alguns perderam tudo mesmo, mas graças a Deus não houve morte. Acho

que a nossa obrigação é agradecer a Deus. Eu por exemplo agradeço por mim e pelo

restante da comunidade. Todas as orações que nós fazemos na igreja da qual eu pertenço.

25

Capela de nosso Senhor do Bonfim, situada à rua Altineu Cortes Pires.

106

Trabalho no grupo. Ele é pequeno, mas a igreja é nova. O que aconteceu? A escola cedeu

para as missas de sábado. A igreja começou assim, com a Roseny, que a gente chama de

Rosa, que pediu à direção da escola se poderia ceder o espaço para as missas. Sem a gente

pensar em capela. Quando veio o Padre Marinho, nas primeiras missas, ele perguntou se

não teríamos um espaço para fazer a igreja, na comunidade. E aí tinha esse espaço que era

do Centro Pró-Melhoramentos, que depois veio a ser o Grupo dos 20. Nesse momento eu

não estava mais na diretoria. Saí porque fui avó e passei a cuidar dos meus netos, ajudar na

criação. Como moradora da comunidade acho que eu já havia feito o que era possível. Já

cresceram e ainda continuo fazendo ainda, não terminou ainda a minha missão aqui na

Terra. Aí, na época, tinha outra direção, na qual participava Délio, que estava também

querendo entrar como candidato a vereador e ele no mesmo instante que era o diretor mais

antigo aceitou prontamente porque o prédio já estava quase desabando. Padre Marinho,

junto com Folly, que na época também estava pela comunidade, foi à prefeitura e

conseguiu esse espaço para a construção da capela. Nessa construção nós começamos

fazendo missas, fazendo eventos, ao ar livre. Inclusive, até missa no meu quintal teve,

vários angus, para poder ajudar na construção da igreja. A igreja no dia 06. A gente

comemora o dia do santo dia 06 de agosto. Já é a quinta festa que nós vamos fazer em

agosto. Já tem várias visitas do Dom Alano, arcebispo da comunidade. Depois do padre

Marinho veio o Padre Afonso. Este se despediu sexta-feira e, agora, está entrando o padre

Antonio Sobrinho da Conceição. Deve rezar a primeira missa pra gente no próximo sábado.

Entrevistadora: Há mais alguma coisa que você tem a dizer, para finalizar?

Dalva Cardoso: O que eu tenho a falar da escola é que eu a defendo muito aqui na

comunidade. Se eu ver ou ouvir alguma coisa errada aqui dentro eu vou tomar as dores doa

a quem doer. Eu falo a minha comunidade porque meu pai veio para cá garoto. Eu nasci

aqui, meu marido nasceu aqui e, ele dizia que queria morrer aqui. Então eu tenho um amor

muito grande por essa comunidade. Vou defende-la aqui, como na igreja. As vezes, eu sei

que aconteceu algo com alguma criança, jovem, eu chamo eles para conversar. Se alguma

coisa de ruim acontecer com eles eu não tenho arrependimentos de não ter feito nada. E

também tenho que falar de você. Não posso deixar de falar de você. Você, filha de morador

antigo, ele casou, nasceram vocês dois. Você veio para cá como aluna da escola, continuou

107

como moradora. De repente, você vem como funcionária da escola. O que é que eu acho?

Vou ter que ser a mãe da Priscila, vou ter que proteger do que for possível. Eu guardo

muito as coisas boas. Eu sempre acho que tenho que cuidar das coisas boas. Tudo passa,

mas as coisas boas e as pessoas boas que eu vejo que posso fazer alguma coisa. Aí

perguntam, o que é que ela faz? É orando e pedindo para que você tenha sempre

prosperidade na sua vida, sempre benções. Aí eu me acho meio sua mãe.

Entrevistadora: Quero agradecer, você ajudou muito.

Dalva Cardoso: Deus te abençoe, que você tenha êxito nos seus estudos, cada vez mais. Eu

fico muito feliz.

108

4ª Entrevista

Data: 16/06/2010.

Local: Escola Municipal Ernani Moreira Franco

Entrevistada: Neli dos Santos Pereira

Transcrição na íntegra da 4ª entrevista:

Neli Pereira: Meu nome é Neli dos Santos Pereira, comecei na educação na escola

Municipal Duque de Caxias como merendeira. Só que eu achava que ser professora era

uma realização para mim porque eu gostava. Aí comecei a estudar, me formei e consegui

passar para professora aqui na Escola Ernani Moreira Franco, mas a princípio era Duque de

Caxias. Mas a comunidade fez abaixo assinado junto com o corpo docente da escola Duque

de Caxias. Queriam um prédio maior porque a comunidade estava crescendo. O prefeito na

época era o Moreira Franco. Ele atendeu ao pedido, conseguiu esse terreno, aqui na rua

Bonfim e foi construída a escola neste terreno.

Com muito orgulho nós trouxemos os móveis à pé da Rua coelho para cá porque

naquela época não tinha tantos recursos como tem hoje. Aí o prefeito queria homenagear o

seu filho que havia falecido. O pessoal concordou. Ele colocou o nome Ernani Moreira

Franco.

Entrevistadora: Foi o prefeito que pediu para trocar o nome?

Neli Pereira: Foi ele que pediu. Ele fez a escola com esse propósito de colocar o nome do

filho que tinha morrido aos nove meses.

Entrevistadora: E a comunidade aceitou?

Neli Pereira: Aceitou.Primeiro teve uma pequena polêmica, mas concordou. O ideal era

uma escola grande para atender a comunidade. Aqui eu passei para professora. Eu tinha

muito orgulho de exercer essa profissão. Não é muito bem remunerada, mas, a gente tem

109

que abraçar com amor porque está lidando com o ser humano. Cada momento que uma

criança cresce é um orgulho para mim que tenho 33 anos de profissão, de luta.

A primeira diretora trabalhou muito para que tivesse a Educação Infantil, porque é a base

dos outros segmentos.

Entrevistadora: Qual foi a diretora?

Neli Pereira: A diretora Maria José, primeira diretora da escola. Ela batalhou, com apoio

dos políticos e conseguiu.

Entrevistadora: Os pais também queriam, pediam a ela?

Neli Pereira: Com certeza, os pais também queriam. Vinham aqui e pediam a ela e ela

pediu ao prefeito. Ele, depois de muita luta, deixou. O que também deu um orgulho para

nós porque a Educação Infantil é a base.

Entrevistadora: Sobre o Duque de Caxias, sabe dizer se o prédio era da prefeitura? E como

era o prédio?

Neli Pereira: Não era da prefeitura. Era um prédio pequeno e velho, com duas salas

divididas. Um salão que dividia. Misturava as turmas. Eram duas turmas, heterogêneas. Por

isso pediram para inaugurar uma escola maior. O refeitório e a secretaria eram no salão.

Era dividido. As crianças almoçavam .

Entrevistadora: Você como professora só atuou aqui. E como era, naquela época, a relação

com a comunidade. Vocês participavam da vida da comunidade?

Neli Pereira: Sim, olha só, a nossa relação com a comunidade sempre foi boa, graças a

Deus. Eu sempre procurei fazer tudo a aquilo que Deus colocou no meu caminho. Isso foi

uma dádiva, eu trabalho com amor. Nunca tive problemas com a comunidade. Sempre me

tratou direitinho, e eu sempre os respeitei. Sempre com respeito às crianças, porque aqui a

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gente trabalha com o ser humano. A gente precisa de respeito. Tratar com amor e respeito

para que eles cresçam, porque a educação é a base. A gente forma o cidadão. Para que ele

possa questionar, procurar seus direitos. A gente aprende muito com eles. Cada

crescimento deles é uma vitória. Eu visto a camisa da educação até hoje, tanto é que estou

aqui até agora. Trinta e três anos e enquanto eu puder, sem dar nada em troca. Nunca fiz

nada por interesse. Porque gosto, por amor e porque quero ver essas crianças crescerem.

Entrevistadora: Eu estava conversando com a Dalva e ela falou das festas aqui na escola.

Que a diretora gostava. Como era isso?

Neli Pereira: Ela gostava muito de festa. Dia das mães ela fazia o bolo. A comunidade

participava. Gostava de festa. Quando a comunidade ganhou o orelhão, a inauguração foi

aqui na escola. A direção também batalhou para conseguir esse telefone para a

comunidade. Foi uma festa, as crianças se vestiram de orelhão, fizeram roupa. Foi

emocionante. A gente se emocionou. A diretora também. Os pais participavam mais. A

educação na época era muito séria, sacrificada. Porque não tinha material para trabalhar,

mas a gente conseguia muita coisa. Batalhava e conseguia que a criança soubesse ler e

escrever, pensar. Antes não tinha material como agora, mas, a gente tinha amor.

Entrevistadora: Você falou também de uma inauguração do Rotary. Como foi?

Neli Pereira: Todas as festas, eventos da comunidade a escola participava. A diretoria

tinha esse orgulho, de levar junto a comunidade.

Entrevistadora: Você lembra de mais alguma coisa?

Neli Pereira: O orelhão que foi inaugurado. A Educação Infantil também teve festa quando

inaugurou. Foi quase um mês preparando. Um mês arrumando. Fazendo matrícula. As

festas juninas também eram muito boas. O pessoal participava bem. A mudança que eu falo

é que hoje a gente tem muitos recursos e antigamente não. E nós conseguíamos dar conta

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do recado direitinho. Vou repetir, com amor e respeito, tem que abraçar, vestir a camisa,

pegar a bandeira e sair por aí. Tem que ser com garra., se não, a gente não consegue nada.

Entrevistadora: A região mudou muito. Agora os morros estão habitados. Quando você

veio trabalhar aqui como era?

Neli Pereira: Aqui tinha poucas pessoas nessa área. Por isso que teve a inauguração desse

maior. Asfaltaram a rua, antes não tinha esse asfalto. E a comunidade também. Eu fui

professora da mãe que hoje as crianças estudam aqui. É um processo, uma seqüência. Fui

professora da mãe, agora dos filhos.

Entrevistadora: Você falou da época que foi implantado o horário integral.

Neli Pereira: É isso aí, teve um período integral. Mas não deu muito certo não. A escola

não estava preparada para receber esta estrutura. A escola não, o prédio, sim. Mas eu digo,

professora, merenda. Não tinha merenda, era precária.

Entrevistadora: Como eles faziam? As crianças almoçavam aqui?

Neli Pereira: As professoras faziam um trabalho de cooperação. Cada uma dava um

pouquinho e fazia a merenda. Mas não era todo dia. Alguns iam em casa almoçar e, depois,

não retornavam. Era uma briga. Tinha aula o dia inteiro. Não tinha estrutura para atividades

extras para eles ficarem. Para que despertasse o interesse deles em ficar aqui o dia inteiro.

Só sala de aula, coitados oito horas diárias.

Entrevistadora: E como era para vocês, professores, passar o dia inteiro em sala de aula?

Neli Pereira: Muito cansativo. Mas foi bom. Todo desafio, toda experiência é boa. Você

vai melhorando. E a criança ficava o dia inteiro, mas a professora trocava, era uma de

manhã e a tarde outra.

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Entrevistadora: E nas pessoas você percebeu mudanças? Naqueles alunos para os alunos

de hoje?

Neli Pereira: Na época tinha menos recurso, mas na educação a gente trabalhava com mais

carinho. Tinha mais raça. Se a gente for esperar que tenha, que a criança traga. Hoje em

dia, o que atrapalhou muito foi que a mãe teve que trabalhar fora e largou um pouquinho a

família. Perdeu um pouquinho o interesse pelo estudo. Antigamente era bem melhor, tinha

mais carinho e respeito. Até o próprio professor com a criança.

Entrevistadora: E nesse período todo você poderia falar alguma coisa que você considera

que foi importante para a escola? Algum momento.

Neli Pereira: Foi importante a Educação Infantil. Também a mudança da escola. A quadra

que colocaram a cobertura. O parquinho. Eu fico emocionada quando vou ao parquinho.

Antes não tinha porque não tinha Educação Infantil. Lembro quando começou a construir.

Quando eu vou ao parquinho eu fico emocionada. E a agora a obra também melhorou,

modificou algumas coisas, dentro da estrutura da escola.

Entrevistadora: Você teria mais alguma coisa a dizer, para finalizar?

Neli Pereira: Na educação a gente tem que ter amor, tem que ter garra. Se não a gente não

consegue. Remuneração a gente não vai ter. Tem que abraçar o que tem e pensar no ser

humano, para que esse país melhore. Esse país depende da gente, depende de nós. E

depende da Educação. Se tiver uma boa Educação a gente vai mudar muita coisa.

Entrevistadora: Obrigada, Neli.