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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CENTRO DE EDUCAÇÃO DA UNIVALI – BIGUAÇU CURSO DE PSICOLOGIA DIEGO LUIZ F. F. CRUZ A RELAÇÃO ENTRE O CONCEITO DE SINCRONICIDADE E O CONCEITO DE INCONSCIENTE NA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG BIGUAÇU, 2005/1

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

CENTRO DE EDUCAÇÃO DA UNIVALI – BIGUAÇU

CURSO DE PSICOLOGIA

DIEGO LUIZ F. F. CRUZ

A RELAÇÃO ENTRE O CONCEITO DE SINCRONICIDADE E O CONCEITO DE INCONSCIENTE NA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG

BIGUAÇU,

2005/1

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

CENTRO DE EDUCAÇÃO DA UNIVALI – BIGUAÇU

CURSO DE PSICOLOGIA

DIEGO LUIZ F. F. CRUZ

A RELAÇÃO ENTRE O CONCEITO DE SINCRONICIDADE E O CONCEITO DE INCONSCIENTE NA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Psicologia, sob orientação do Prof. Paulo César Nascimento

BIGUAÇU, 2005/1

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RESUMO Palavras-chave: sincronicidade, incosnciente, arquétipo.

O objetivo desta pesquisa procura investigar a relação entre o inconsciente

e a sincronicidade na Psicologia Analítica de Jung. Desse modo, essa pesquisa

consiste numa revisão bibliográfica acerca do conceito de sincronicidade na

abordagem junguiana em sua relação com o inconsciente. Esse estudo teórico

desenvolve-se a partir da articulação entre esses dois conceitos, que é

apresentada e discutida após uma etapa preliminar da produção teórica a qual

situa o problema da causalidade na tradição filosófica. O ponto de partida nessa

etapa preliminar situa a metafísica aristotélica, seguindo também as escolas que

se referem ao racionalismo e empirismo, citando: Descartes, Locke e Hume.

Dessa maneira, foi possível uma apresentação do fenômeno da sincronicidade, no

que este expressamente se opõe ao entendimento sobre causalidade apresentado

dentro das matrizes filosóficas mencionadas.

O que permite este contraponto, refere-se justamente a uma noção de

dinamismo psíquico observada a partir dos conceitos junguianos fundamentais

sobre a estrutura da personalidade. Desse modo, referem-se à estrutura da

personalidade: o sistema consciente e o sistema inconsciente, desmembrados em

inconsciente pessoal e inconsciente coletivo. Sendo que, a partir da noção energia

psíquica que se supõe o funcionamento de um aparelho psíquico. Daí então está

introduzida uma noção de arquétipo, o que supõe um entendimento dos eventos

psíquicos participantes de uma atemporalidade no aparelho psíquico subordinada

ao sistema inconsciente. O que propriamente estabelece a matriz do eixo

temático, a relação entre o inconsciente e a sincronicidade, justamente se pauta

na noção de arquétipo enquanto forma herdada, organizadora da experiência

psíquica. A resposta ao problema da pesquisa então estabelece que somente a

partir de uma forma organizadora da experiência psíquica que se é possível

estabelecer uma relação entre o inconsciente e a sincronicidade, pois esta

organização se daria em parâmetros atemporais.

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SUMÁRIO

1. Introdução..................................................................................................5

2. Desenvolvimento.......................................................................................6

2.1 Esboço sobre causalidade.......................................................................6

2.2 Sincronicidade........................................................................................10

2.3 A ESTRUTURA DA PERSONALIDADE.................................................11

2.3.1 Concepção Junguiana de Aparelho psíquico......................................11

2.3.2 Consciência.........................................................................................11

2.3.3 Inconsciente pessoal...........................................................................12

2.4 Inconsciente Coletivo..............................................................................13

2.4.1 Energia Psíquica..................................................................................13

3. O ARQUÉTIPO ENQUANTO FORMA ORGANIZADORA DA EXPERIÊNCIA

PSÍQUICA.....................................................................................................14

3.1 A RELATIVIDADE TEMPORAL DOS PROCESSOS PSÍQUICOS.........16

3.2 CAUSALIDADE E SIGNIFICADO............................................................17

3.3 RELAÇÃO ENTRE O INCONSCIENTE E A SINCRONICIDADE............18

3.4 CONSIDERAÇOES FINAIS.....................................................................19

4. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................22

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1. Introdução

A presente pesquisa que abordará o tema sincronicidade na Psicologia

Analítica de Jung e suas relações com o conceito de inconsciente, tem uma

relevância científica no que se refere ao entendimento da filogênese da

personalidade, compreendida a partir dos arquétipos. Dessa forma, a relevância

científica extrapola o âmbito estritamente biológico uma vez que a consideração

arquetípica, que se refere ao inconsciente coletivo, releva os paralelos mitológicos

no entendimento da dinâmica da personalidade.

Neste aspecto o conceito de sincronicidade situado na divisão entre

inconsciente pessoal e inconsciente coletivo, implica relevância científica no que se

refere à formalização de um conceito condizente com um modelo em que o

paralelismo psicofísico requer um entendimento que extrapola as concepções

tradicionais de causalidade. Desse modo, uma outra relevância social pode ser

atribuída, quando se relaciona tal modelo a sua aplicação prática; no caso, a

psicoterapia de abordagem junguiana, pois é indispensável que utilização das

técnicas psicoterápicas estejam coerentes com a teoria que as sustente.

A revisão do material bibliográfico sobre o tema anunciado com suas

implicações, será a fonte teórica desta pesquisa.

Segundo Gil (1999): “O método monográfico parte do princípio de que o

estudo de um caso em profundidade pode ser considerado representativo de muitos

outros ou mesmo de todos os casos semelhantes”.(Gil, 1999, p.35)

Desta forma, a pesquisa bibliográfica, desenvolvida a partir de material já

elaborado (livros, publicações, artigos científicos), se sustentará como modalidade

de exercício de produção da mesma, o que a conceitua como um estudo teórico.

A fonte bibliográfica utilizada nesta pesquisa relaciona na obra de Jung, os

textos, artigos e conferencias publicados no período entre 1950-1961. As fontes

serão exclusivamente bibliográficas publicadas em português.

O conceito de sincronicidade, que é discernível a partir de um paralelo entre

uma imagem arquetípica e um acontecimento objetivo, constitui um modelo de

entendimento entre os paralelos mitológicos e o inconsciente. Neste sentido, o

problema da pesquisa é situado da seguinte maneira: qual a relação entre o conceito

de sincronicidade e o conceito de inconsciente na Psicologia Analítica de Jung?

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Para se investigar teoricamente a relação entre o conceito de sincronicidade e o

conceito de inconsciente na Psicologia Analítica de Jung, o trabalho está dividido em

algumas etapas cujos objetivos se propõe: a) Esboçar o tema da causalidade na

filosofia da ciência; b) Apresentar os conceitos fundamentais da Psicologia Analítica

de Jung referentes à estrutura da personalidade; c) A partir da consideração dos

conceitos fundamentais da Psicologia Analítica de Jung, que se referem à estrutura

da personalidade, discorrer sobre o conceito de sincronicidade na relação com o

inconsciente.

2. Desenvolvimento

Para situar a discussão sobre o conceito de sincronicidade na relação com o

inconsciente na abordagem junguiana, propõe-se previamente a apresentação de

algumas concepções sobre o tema causalidade na tradição filosófica. A discussão a

respeito da causalidade na tradição filosófica será apresentada, de forma a

estabelecer possíveis oposições, que a partir da perspectiva junguiana, podem ser

verificadas na constatação dos fenômenos descritos como sincronísticos. Após uma

breve apresentação do conceito de sincronicidade, serão apresentados os conceitos

junguianos fundamentais que se referem à estrutura da personalidade. Daí então, a

discussão estará no plano da relação entre o inconsciente e a sincronicidade.

2.1 Esboço sobre causalidade.

Aristóteles (1999) propõe uma distinção entre potência e ato. Dessa forma o

movimento seria uma atualização que se daria numa passagem da potência ao ato.

Isso implica então um conceito de causalidade no qual o ato é estabelecido numa

condição em que o movimento tende ao repouso. O que supõe tanto uma noção de

causa potencial como de causa eficiente, entendidas no que na doutrina aristotélica

é denominado por physis.1 Dessa forma, a causalidade é concebida a partir de uma

finalidade, em que o movimento é concretizado em ato, que seria justamente o

instante em que a potência se realiza. Isso requereria um espaço e tempo, nos quais

uma finalidade possa ser realizada enquanto ato, através do movimento. Neste

1 Na doutrina aristotélica, physys é traduzida como natureza que engendra, constituída de três elementos: causa formal, causa eficiente e causa de repouso. (PENSADORES, 1999)

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sentido os corpos com suas propriedades inerentes determinariam o movimento,

sendo que a privação do movimento é entendida como fator inicial que em si já

existiria enquanto potencialidade suficiente para mudança de estado. O que daí

decorre a causa de repouso, enquanto physis, que seria precisamente o último

estado em que um corpo, ao cessar o movimento, realizaria sua finalidade,

passando então do estado de privação à forma.2 Porém, ao se considerar a privação

enquanto potencialidade capaz de atualizar-se através do movimento, physis

também é entendida como causa propulsora que impulsiona o movimento. O

princípio metafísico que sustentaria esta noção da causa relacionada ao movimento,

seria a noção de ato puro igualado ao repouso, pois os movimentos tenderiam a

assemelhar-se ao ato puro, destituído de potência.3

A partir de Descartes (1999), já se observa uma ênfase na priorização do

sujeito na mediação com o objeto, no que se refere ao problema do conhecimento.

O autor estabelece uma distinção entre as idéias claras e distintas, cujos objetos

apresentar-se-iam com grande nitidez e estabilidade, das idéias em que os objetos

seriam facilmente atingidos pela incerteza. As primeiras, as idéias verdadeiras,

caracterizadas por seu caráter infalível, uma vez que assegurado pela razão; dessa

forma, referindo-se às verdades matemáticas. As segundas, dependeriam dos

objetos exteriores, formadas pela ação dos sentidos, tenderiam à incerteza. Disso

decorre uma outra distinção, referindo-se às idéias verdadeiras: as de substância

infinita de Deus (res infinita), e a idéia de substancia finita, com seus dois grandes

grupos – a res cogintans e a res extensa. Portanto, em Descartes (1999) a ordem no

mundo estaria estabelecida pela noção de Deus (causa), admitindo daí a existência

de um ser imperfeito – o eu pensante -, dotado da idéia de infinito e perfeição.

(Descartes, 1999)

Cabe ressaltar que a noção de interior e exterior em Descartes, evidencia-se a

partir da consideração de seu método no que se refere ao problema do

conhecimento; no caso, o ser pensante na mediação com o objeto: o próprio

pensamento. Dessa forma, uma certeza inquestionável poderia ser assegurada a 2 “ “forma ou causa formal”, aquilo para o que tende toda mudança; é, a um tempo, o ato, a essência, a perfeição e o princípio de unidade de cada ser. A forma é um ser distinto da matéria.” (CUVILLIER, 1962) 3 “As leis de movimento segundo Newton, contradizem , em parte, esta concepção de movimento que tende ao repouso. A primeira, a lei da inércia, estabelece que qualquer corpo permanece indefinidamente em repouso ou em movimento retilíneo, ao menos que sofra uma ação externa. A segunda lei prescreve que a aceleração de um corpo é proporcional à força externa que a provoca, com direção e sentidos iguais aos dessa força. A terceira é a lei da ação e reação, segundo a qual a toda ação corresponde uma reação igual em sentido contrário.” (PENSADORES, 1999)

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partir do “exercício” de duvidar (dúvida metódica) sobre o mesmo pensamento que

exerce a dúvida; concluir-se-ia então que invariavelmente a dúvida é por excelência

obra do pensamento. Isto seria um critério de verdade fundamentado no preceito da

evidência, no qual a afirmação: “penso, logo existo”, já seria suficiente para

considerar como a única certeza dotada de substância momentânea, que, por sua

vez não corresponderia a uma realidade exterior. (Descartes, 1999)

Deste modo, uma relação causal só poderia ser originada a partir das idéias

inatas. Contudo, res infinita , poderia, senão, apenas ser sustentável a partir de

mediação lógica de duas finitudes: a do pensamento humano e a do mundo físico.

Sendo que, enquanto a certeza a respeito da existência deste último poderia ser

apoiada na existência de Deus; no entanto, enquanto espaço apenas poderia ser

representado.

Contrapondo a uma matriz estritamente racionalista, já numa tradição das

escolas empiristas, observa-se uma inversão da priorização do sujeito na mediação

do objeto, pois ao considerar-se o conhecimento como procedente da experiência, o

objeto ocuparia o lugar de excelência nesta relação. Locke (1999) distingue duas

fontes possíveis para todo e qualquer conteúdo do processo cognitivo: sensação

(ideais que proviriam do exterior) e reflexão (teriam origem no próprio interior do

indivíduo). Por conteúdo do processo cognitivo, Locke (1999) o define como sendo

as próprias idéias, que seriam o objeto do entendimento. Deste modo, a qualidade

deste objeto que irá produzir idéias simples ou complexas. As segundas seriam

formadas pela junção ou disjunção das idéias simples, que se daria através da

própria análise das mesmas. A simplicidade das idéias seria um fator definido pelo o

que das experiências em que elas emergem há de mais imediato da realidade

externa. Neste sentido, tanto as idéias de sensação, reflexão, ou ambas

concomitantemente, poderiam entrar na categoria das idéias simples. Uma questão

que se postula de imediato, com relação às idéias simples é se realmente são

representativas das coisas exteriores do sujeito que as percebe. A hipótese de que

haja idéias que poderiam estar modificadas em conseqüência de fatores capazes de

afetar os sentidos humanos conduz Locke (1999) a uma outra distinção, entre

qualidades primárias e secundárias do objeto. As primárias, como a solidez e a

extensão, que seriam inerentes aos corpos, que mesmo no caso de estarem

divididos ainda permaneceriam enquanto tais. Já as secundárias não estariam no

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objeto se não enquanto potências capazes de produzir sensações derivadas, como

sons, cores, e gostos; tendendo a graus de distorção. (Locke, 1999)

As combinações de idéias simples constituem elementos com os quais as

idéias compostas são reconhecíveis, resultando em diversas classes de idéias

compostas. Disto é possível de se apreender, através da observação em que os

sentidos conduzem, uma contingência de causa das idéias (simples ou complexas),

que produz uma modificação de estado, sobre alguma substancia ou qualidade;

designando disso uma segunda idéia da qual o efeito opera. (Locke, 1999)

Contudo, ao examinar uma relação causal estabelecida entre os fatos como

uma conexão necessária, Hume (1999) ressalta quanto ao que se restringe às

impressões sensíveis, estas não manteriam correspondência com tal conexão.

Deste modo, tal conexão seria estabelecida pelo que em tais fenômenos apresenta-

se enquanto uma associação entre posterior e anterior; atribuir-se-indo então como

princípio desta conexão o próprio intervalo temporal no qual o fenômeno acontece.

Hume (1999) aponta que tal sucessão temporal não garante que dois fatos sejam

relacionados numa conexão causal entre eles. Pois, a temporalidade, neste caso,

participaria do que Hume (1999) chama de hábito, uma crença de que os fenômenos

físicos em sua relação antecedente-conseqüente - que derivam de impressões

sensíveis -, não seria senão um fator necessário à sobrevivência humana. No

entanto, tal conexão causal, não seria em conseqüência de uma estruturação lógica,

mas sim, de uma necessidade humana de se colocar ordem nas coisas; e, portanto

de fundamento irracional, uma vez que a estruturação lógica estaria no domínio da

matemática, cujas verdades são apodíticas, necessárias e invariáveis. Dessa forma,

postula as relações de causa e efeito, como exteriores ao objeto, e que o

mecanismo inerente ao real não seria passível de experiência. O que seria

observável então, não seria o nexo entre causa e efeito dessas passagens externas,

senão as próprias associações dos termos estabelecidas por contigüidade e

semelhança, que estariam encadeadas em seqüências, inferidas pela analogia

possível em que a semelhança e a contigüidade as possam dispor ao hábito

imaginativo. (Hume, 1999)

Postuladas tais concepções a respeito da causalidade, seria então possível

situar o conceito de sincronicidade da Psicologia de Jung, em relação a possíveis

oposições implicadas na apresentação deste conceito, nas quais o tema causalidade

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também é mencionado. A partir de agora, a discussão será estabelecida a partir da

perspecitiva da possibilidade da análise sobre a hipótese da sincronicidade.

2.2 Sincronicidade Jung (2002) ao abordar o tema sincronicidade em seu texto, primeiramente

considera alguns aspectos do método científico experimental. Ao discorrer, de forma

geral, sobre as pesquisas estatísticas de relevância científica, aponta para uma

utilização destas no que se restringe a uma generalização de eventos descritos

como causais. Tal generalização seria possibilitada por uma estrutura metodológica,

na qual, segundo o autor, já antevê uma variedade de resultados. Dessa forma, o

modelo estatístico seria somente adequado para predizer leis naturais já conhecidas,

uma vez que as possibilidades de ocorrências já estão previamente formuladas.

Disso aponta que qualquer ligação causal entre eventos, discriminada pelos

resultados de ocorrências estatísticas que apontam para um limite considerado

dentro do parâmetro probabilidade, invariavelmente, possibilitaria outras ligações

causais de natureza distinta da descrita anteriormente; pois, os limites de

probabilidade apenas forneceriam respostas para as questões previamente

formuladas. (Jung, 2002).

Ainda neste modelo de formulação de hipóteses, a ciência empírica mostrar-

se-á cética quanto aos acontecimentos cuja particularidade denota um aspecto de

acaso; ainda que, curiosamente, correspondam ao que estatisticamente poderia até

ser descrito como um fenômeno observado numa quantidade de vezes que

coincidem com os limites da probabilidade. No entanto, sem fornecer alguma

explicação, atribui-lhes a categoria de exceção. A biologia aqui se depara com tais

ocorrências, uma vez que explicações causais muitas vezes parecem insuficientes

para sustentar estas ocorrências. Disso decorre que, desses critérios de formulação,

restaria uma certa consistência para a “possibilidade de um domínio geral onde os

acontecimentos acausais sejam não somente possíveis como reais.” (Jung, 2002,

p.3)

Entretanto, o que se observa é que isso fomenta uma separação de eventos

acausais que ainda podem fornecer alguma explicação causal, daqueles que seriam

de fato acausais, pois, têm-se como premissa, dentro da lei da causalidade, que os

fenômenos acausais, na verdade, seriam aqueles acontecimentos cuja explicação

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de um nexo entre causa e efeito, ainda não foi descoberta. Daí, o que se torna uma

variável estabelecida, dentro desses parâmetros de análise, seria a de uma

avaliação quantitativa dos fenômenos. (Jung, 2002)

Dessa forma, o material empírico forneceria um critério de diferenciação que

distinguiria das combinações acausais dos eventos, aquelas em que uma relação de

causalidade já foi possível de se estabelecer. No entanto, Jung (2002) considera a

seguinte questão: “Como podemos reconhecer as combinações acausais dos

eventos, visto que é, evidentemente, impossível examinar todos os acontecimentos

com relação à sua causalidade?” (Jung, 2002, p. 3) . Disso conclui que a idéia de

uma conexão causal sempre estabelecida como possibilidade lógica para explicar

um acontecimento acausal, em algum ponto desmantelaria, justamente o que

restaria desta possibilidade, enquanto inexorável.

Aqui, o conceito de sincronicidade, definido como um princípio de conexões

acausais, propõe um modelo que extrapola o entendimento estritamente causal

entre os eventos. Jung (2002), apresenta dois fatores que constituem um fenômeno

de sincronicidade:“1) uma imagen inconsciente alcança a consciência de maneira

direta ou indireta (simbolizada ou sugerida), sob a forma de sonho, associação ou

“premonição” 2) Uma situação objetiva coincide com este conteúdo ” (Jung, 2002,

p.25)

Para o entendimento desse paralelismo entre eventos psíquicos e

acontecimentos objetivos, tornar-se-ia necessária uma explanação a respeito dos

conceitos junguianos fundamentais.

2.3 A ESTRUTURA DA PERSONALIDADE 2.3.1 Concepção Junguiana do Aparelho Psíquico

A noção de aparelho psíquico justifica-se a partir da observação das relações

compensatórias entre os sistemas psíquicos: consciente e inconsciente. Conceitos

como de diferenciação de funções ectopsíquicas a partir de fatores endopsíquicos

relacionados aos arquétipos, contribuirão para o entendimento dessas relações

compensatórias.

2.3.2 Consciência

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A consciência, definida como uma função de um sistema perceptivo, seria

uma qualidade momentânea em que apreenderia os fatos externos e as percepções

internas da psique. Considerando o aparelho psíquico, é um sistema periférico.

Dessa forma, se orientaria a partir de fatores ectopsíquicos definidos como funções

de sensação, pensamento, sentimento e intuição, que estariam dispostos a um

dado grau de diferenciação, relacionados às disposições peculiares em que o

indivíduo está adaptado ao meio externo. A sensação discrimina a existência de

objetos; o pensamento atribui-lhes conceitos; o sentimento qualifica o objeto quanto

ao seu valor emocional; a intuição antevê, a partir de dados sensíveis,

probabilidades de ocorrências futuras. A consciência então estaria estritamente

relacionada ao ego que dispõe de tais funções que possibilitam a mediação com a

realidade exterior.

Os fatores endopsíquicos estão categorizados como: memória; componentes

subjetivos das funções; os afetos e as invasões, todos correspondem ao

inconsciente pessoal. A memória, atuando de forma pré-consciente, relaciona os

fatos reprimidos ou expulsos da consciência, os componentes subjetivos

discriminam um julgamento pré-concebido dos fatos, os afetos discriminam a carga

emocional desses fatos; a invasão é o que permite irromper na consciência os

conteúdos inconscientes. (Jung, 1997)

Destes conteúdos, aqueles que são acessíveis à consciência são os que

fazem parte do inconsciente pessoal. Os que estão radicalmente impossibilitados de

se tornarem consciente, e que poderiam ser distinguíveis quando comparados com

paralelos históricos, são da esfera do arquétipo. (Jung, 1997)

2.3.3 Inconsciente Pessoal

O inconsciente pessoal, relacionado ao conjunto de vivências pessoais da

história de cada indivíduo, caracteriza-se por uma relatividade de seus conteúdos no

que se refere à consciência, uma vez que podem se tornar conscientes. Neste

sentido, é definido como o conjunto de recordações e vivências que por falta de

intensidade ainda não amadureceram na consciência. Sendo assim, complexos são

agrupamentos de elementos psíquicos em torno de conteúdos afetivamente

acentuados. As disposições internas de um complexo se relacionam aos fatores

endopsíquicos, que são ativados por experiências externas que mantém uma

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relação causal com esses conteúdos afetivamente acentuados. Dessa forma, o

inconsciente pessoal é observável através dos efeitos dos complexos, que

constituem núcleos que podem ser sempre acessível à consciência, pois relaciona

as experiências que já fizeram parte da consciência na história individual do sujeito.

No entanto, foram esquecidas ou reprimidas. (Jung, 1978).

2.4 Inconsciente Coletivo

Também designado por inconsciente impessoal ou suprapessoal, é separado

do inconsciente pessoal, por apresentar a parte objetiva do psiquismo, pois seria

comum a todos. Portanto, depende da hereditariedade; e, não sendo acessível à

consciência, poderia ser compreendido a partir do conceito de arquétipo. O

arquétipo indica a existência de determinadas formas na psique, herdadas a partir

da filogênese. Desse modo, seria de caráter coletivo e poderia ser detectado a partir

de paralelos mitológicos que estariam relacionados a estas formas. Neste sentido,

as imagens não seriam propriamente dos arquétipos, uma vez que são

exclusivamente formas preexistentes; no entanto, algumas imagens mitológicas,

quando emergem na consciência, podem indicar a ativação de um arquétipo. (Jung,

1978)

2.4.1 A Energia Psíquica

O conceito de energia psíquica, denominado por Jung (1971) como libido,

contrapõe, em parte, o conceito mecanicista, que compreende um fenômeno dentro

de um espaço no qual a causa é discernível a partir da noção de substancia móvel.

Dessa forma, a libido teria um caráter essencialmente finalista: uma inversão lógica

do entendimento causa-efeito da concepção mecanicista, uma vez que a

consideração energética parte do efeito para a causa. No entanto, a noção de

substancia móvel ainda coincide com o ponto de vista energético, pois de alguma

forma as relações de movimento também contribuem para o entendimento dos

processos psíquicos. Entretanto, Jung (1971) ressalta: “O princípio da causalidade

suporta, sem contradição, o seu oposto lógico, mas os fatos não. Por esta razão, a

finalidade e a causalidade se excluem forçosamente no objeto.” (Jung, 1971, p. 5)

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Dessa forma, tanto o modelo mecanicista-causal como energético-final devem

ser considerados ao se examinar os processos psíquicos. As relações

compensatórias entre os processos inconscientes e conscientes que determinarão o

aspecto quantitativo ou qualitativo das mesmas. Aqui, escolha do modelo energético

visa uma objetividade dos processos que aparecem no inconsciente, privilegiando

então uma análise quantitativa; sendo que o fator qualitativo mais se aproxima de

uma verificação daquilo que se apresenta enquanto fenômeno da consciência;

sujeito a uma análise subjetiva, mais próxima do modelo mecanicista-causal. (Jung,

1971)

Dessas relações compensatórias entre processos conscientes e

inconscientes, o conceito de complexo citado anteriormente, contribui para o

entendimento dos níveis de diferenciação de uma função psíquica em detrimento de

outra. (Jung, 1971)

No exame dessas relações compensatórias, tornar-se-ia possível estabelecer

parâmetros condizentes com o objeto de estudo, o conceito de sincronicidade, nas

suas relações com o inconsciente, a partir do parelelismo em que tais relações são

observáveis, uma vez que a sincronicidade estabelece tais paralelos. Para tanto, faz-

se necessário apresentar alguns aspectos que dizem respeito à função do arquétipo

na organização da experiência psíquica: na relação de significado com o

inconsciente e a realidade externa. A partir daqui, a discussão seguirá no eixo da

relação entre o inconsciente e a sincronicidade.

3. O ARQUÉTIPO ENQUANTO FORMA ORGANIZADORA DA EXPERIENCIA PSÍQUICA

A manifestação das relações compensatórias entre os processos psíquicos,

conscientes e inconscientes, verifica-se, pois, na dinâmica das estruturas

constituintes da personalidade através do aspecto auto-regulador do inconsciente. A

consideração dos complexos, em seu caráter afetivamente acentuado, predispõe ao

que Jung (2002) denomina por uma função autônoma, encontra suas raízes naquilo

que há de indiferenciado nas funções psíquicas. Assim, a partir de uma análise

sobre as constatações da oposição entre a individualidade contrastando com aquilo

que em seu âmago é de natureza impessoal, e, portanto, coletiva; o autor favorece

um entendimento da dinâmica compensatória observável nos exemplos clínicos.

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Aqui cabe enfatizar o arquétipo enquanto uma forma organizadora, e auto-

reguladora da experiência psíquica: “As equivalências arquetípicas são

contingentes (grifo do autor) à determinação causal, isto é, entre elas e os

processos causais não há relações conformes a leis” (Jung, 2002, p.80). Daí, o que

se torna como elemento discernível enquanto possibilidade de relação entre uma

imagem psíquica e um evento externo, no caso dos fenômenos sincronísticos, seria

a própria equivalência de significado. Neste caso, a relação causal está subtraída no

espaço e no tempo, uma vez que a possibilidade de uma relação entre anterior e

posterior, aqui, está suspensa de alguma relação entre antecedente e conseqüente,

de causa-efeito. O que ocorre é que, a consciência, neste caso particular, apenas

está atenta para alguma semelhança entre a imagem psíquica e o evento externo,

sem encontrar algum elemento associativo, que não seja a própria equivalência de

significado. Pois, neste particular, o elemento associativo permite somente a

constatação da semelhança significativa, sem a possibilidade de estabelecer uma

descrição de anterioridade determinando a posterioridade.

Para se entender tais relações, que se apresentam enquanto relações de

significado, torna-se necessário situar o inconsciente coletivo como um produto das

manifestações arquetípicas; que, por sua vez, possibilitam à consciência discernir a

imagem psíquica que se assemelha ao evento externo. Neste aspecto, a noção de

arquétipo enquanto uma forma herdada poderia ser definida nos seguintes termos:

“... eles são os ordenadores oculto das idéias, o “modelo originário” (aspas do autor)

em que se baseia a ordem invisível (grifo do autor) da psique consciente e cuja

força indomável mantém os conteúdos que caem no inconsciente, durante a roda

eterna dos milênios...” (Jacobi, 1990, p.54). Dessa forma, também cabe situar seu

caráter apriorístico: “... imutável em seu esboço fundamental, mas está em constante

transformação no seu modo de aparecer” (Jacobi, 1990, p.55). Dessa forma, só

seria passível de explicação, no que se refere ao aspecto interpretativo sob a análise

a partir dos paralelos mitológicos, nos quais o significado arquetípico aparece como

elemento norteador de interpretação.

Entretanto, cabe ressaltar, que o significado (aqui, a semelhança

significativa), no caso dos fenômenos sincronísticos, está antes emerso naquilo em

que a relação de proximidade de conteúdo imagético com a realidade física, aponta

para a semelhança entre o evento psíquico e a o evento externo.

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3.1 A RELATIVIDADE TEMPORAL DOS PROCESSOS PSÍQUICOS

Primeiramente, a pertinência de se separar epistemologicamente, assim como

empiricamente, os eventos que correspondem à categoria dos casuais, dos que

podem ser entendidos, na teoria junguiana, como acasos relacionados a

coincidências significativas; torna-se necessária no entendimento dos fenômenos

sincronísticos. Uma sucessão de coincidências, em princípio, poderia ser entendida

como um fenômeno casual, desde que não extrapole os limites de probabilidade. No

entanto, ao se examinar os fatores psicológicos e subjetivos de algumas

coincidências, e, ainda que não excedam os limites de probabilidade, a hipótese de

uma coincidência significativa poderia se sustentar no exame do conteúdo desses

eventos. Em princípio, um acaso tanto pode referir-se a uma coincidência

significativa, assim como a um evento puramente de caráter casual. Por este motivo,

o emprego do termo acaso, de agora em diante, poderá utilizado quando se referir a

algum evento em que o fenômeno da sincronicidade possa ser aventado a partir do

exame das possibilidades em que este evento possa ser presenciado. Embora em

Jung (2002), o termo acaso muitas vezes aparece como algo distinto do que se

entende por “coincidência significativa”, tal distinção justifica-se principalmente

quanto ao emprego estatístico (que se refere aos limites de probabilidades), de

estabelecer o que é da ordem casual como equivalência de um acaso. Entretanto, a

opção por estabelecer o significado do termo acaso, já relacionado ao próprio

fenômeno da sincronicidade, pode ser justificada quando há inexistência de uma

causalidade implicada nas possibilidades de um fenômeno ser presenciado dentro

de limites espaciais e temporais. Neste sentido, o que é da ordem casual poderia ser

entendido como um fenômeno não explicado, pois os parâmetros de probabilidade

somente apontaram para a possibilidade do próprio evento apresentar-se

casualmente. Deste modo, a casualidade do fenômeno apontaria para algum limite

espacial e temporal que poderia somente ser estabelecido dentro de parâmetros

muito restritos, nos quais a exceção (aqui, estatisticamente entendida como acaso)

possa ocorrer. No entanto, o acaso referido à coincidência significativa, difere-se de

uma ocorrência casual, precisamente no que se opõe à possibilidade de um evento

ser discernível dentro dos parâmetros modais de espaço e tempo.

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Para ilustrar as possibilidades de ocorrências entendidas, na abordagem

junguiana como sincronísticas, propõe-se um quadro esquemático que segue no

próximo tópico.

3.2 CAUSALIDADE E SIGNIFICADO

No que concerne ao conteúdo imagético emergido na consciência, nas

possíveis relações de significado com um evento externo, pode-se estabelecer

diferenças entre a percepção de uma casualidade e a coincidência significativa

(sincronicidade). Pode-se também desdobrar, a partir da análise de eventos seriais

e/ou paralelos, as possíveis relações de semelhanças significativas entre dois (ou

mais) acontecimentos, a partir das disposições contingentes entre a proximidade

espacial (contigüidade), e a analogia de conteúdo imagético (semelhança). Aqui,

também se pretende separar os eventos paralelos, dos eventos em série,

especificando dois casos em que a sincronicidade possa ser constatada: a partir de

uma contingência paralela, ou a partir de uma contingência seqüencial (serial).

Para melhor ilustrar, propõe-se um quadro esquemático exemplificando

modalidades de acontecimentos, a partir das possíveis relações entre um evento “A”

e um evento “B”. Na sobreposição de A1 com B2’ observa-se, pois, a possibilidade

de uma semelhança significativa entre dois acontecimentos; podendo estar próximos

no espaço, porém distantes no tempo: entre os quais, a consciência apreenda tal

semelhança. Na sobreposição de A2 com B2’, a possibilidade de dois eventos

paralelos entre os quais há a possibilidade de analogia através de algum conteúdo

que se assemelhe imageticamente, também percebido pela consciência.

Quadro 1

(B1’) CONTIGUIDADE (B2’) SEMELHANÇA

(A1) SÉRIE causalidade

(serial-contíguo)

reincidência

(serial-análogo)

(A2) PARALELO Casualidade

(paralelo-contíguo)

Coincidência

(paralelo-análogo)

Cabe observar, que a sobreposição de A1 com B1’, trata-se de eventos em

série, nos quais a consciência apenas apreende as relações de causalidade, de

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antecedente determinando conseqüente, uma vez que, a relação de significado

encontra-se suspensa na consciência, dando lugar a uma relação de causalidade.

De semelhante maneira, a sobreposição de A2 com B1’, a consciência também se

encontra suspensa de uma relação de significado, no entanto, dando lugar a uma

relação de casualidade. Trata-se, pois, de uma co-ocorrência.

Os dois primeiros casos mencionados (A1 - B2’; A2 - B2’) são casos em que a

sincronicidade pode ser aventada, pois o que aparece em primeira instância nesses

dois casos, é a própria equivalência de significado. Sendo que, a participação da

consciência se dá através da imagem que nela emerge, a partir dos paralelos de

conteúdos emergidos entre o inconsciente e a realidade física. Neste tocante, a

sincronicidade se manifesta como um fenômeno ressoante à própria estrutura

arquetípica do inconsciente.

A distinção entre fenômeno reincidir (A1 – B2’) e coincidir (A2 – B2’) justificar-

se-ia meramente pelo aspecto temporal da sucessão dos eventos; pois, nos dois

casos a semelhança aponta para coincidência de significado. No primeiro, podendo

ser através da semelhança entre uma imagem psíquica e um fenômeno físico, em

que a consciência apreende a semelhança a posteriori. No segundo, a coincidência

significativa se dá no momento em que a consciência apreende o fenômeno.

3.3 RELAÇÃO ENTRE O INCONSCIENTE E A SINCRONICIDADE

Pode-se entender os fenômenos em que a consciência participa de forma

direta nas contingências exteriores, imediatas na realidade, segundo parâmetros

descritivos de causalidade operando em espaço-tempo seqüencial. Neste aspecto,

os sistemas consciente e inconsciente apreendem os fenômenos exteriores numa

continuidade espacial, sendo que, o fator tempo aparece enquanto uma variante de

observação das leis de movimento no espaço.

No entanto, a partir da hipótese da sincronicidade, torna-se possível mapear

algumas particularidades implicadas na relação entre os processos inconscientes e

os eventos externos apreendidos pela consciência, que apontam para um aspecto

auto-regulador do inconsciente.

A sincronicidade, neste tocante, propõe um modelo de entendimento que

aponta para um paralelismo psicofísico; sendo que, o arquétipo aparece como uma

forma de organização não-causal. Neste aspecto, a realidade inconsciente responde

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ao princípio organizador dos arquétipos, em termos de associação não-causal.

Desse modo Jung (apud Jacob, 1990), aponta: “A sincornicidade tem características

que provavelmente interessam à explicação do problema psicofísico. Antes de tudo,

está o fato da disposição ordenada sem causa, ou melhor, do arranjo, pleno de

sentido, que poderia lançar luz sobre o paralelismo psicofísico.” Nesse sentido,

observamos então uma ordenação a priori, que se refere à própria estrutura

arquetípica do inconsciente coletivo; que, no caso de ser percebida pela

consciência, se dá na forma reconhecível pela introspecção, dessa disposição

arquetípica ordenada a priori. Cabe aqui enfatizar que esta forma, reconhecível pela

introspecção, apresenta-se à consciência como um conteúdo imagético passível de

paralelos mitológicos. Aqui, o princípio organizador dos arquétipos, não se restringe

à ordenação pura e simples, uma vez que, nisso também implica um princípio

regulador; pois, neste tocante é que o psíquico e o físico poderiam ser considerados

como dois aspectos de uma só coisa (Jacobi, 1990).

Neste sentido, Jacobi (1990), ao discorrer sobre uma característica bipolar do

arquétipo, e, considerando-o em seu aspecto oscilante de orientação entre o

inconsciente coletivo e a realidade física, aponta-o como se direcionando às

contingências de “todas as possibilidades daquilo que já era e do que ainda será, no

sentido de uma integridade plena de sentido” (Jacobi, 1990, p. 65). Desse modo, se

dispõe à função e a um fator formativo dentro da psique individual, sendo que nisso

implica também a ordenação das apresentações que atuam desde o inconsciente.

Considerando esta função do arquétipo, pode-se observar que neste aspecto o

sistema consciente e o inconsciente se entrecruzam, num determinado limiar de uma

baixa do nível consciente, onde se é possível uma impressão, a partir do sistema

consciente, da predominância da não-causalidade e da relatividade de espaço e

tempo no inconsciente. Aqui, utiliza-se o termo impressão, pois o que a consciência

irá verdadeiramente apreender é uma relação de significado (conteúdo imagético)

entre o processo inconsciente desencadeador da imagem psíquica e o evento

externo; que, por sua vez também possibilita a esta um esboço da atemporalidade e

não-causalidade da realidade psíquica inconsciente.

3.4 CONSIDERAÇOES FINAIS

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Uma das principais dificuldades apresentadas a este trabalho se deve ao

desafio de discorrer a respeito de um tema (sincronicidade) o qual merece

explanações que implicam uma oposição ao modelo tradicional das ciências

naturais.

Assim, ao mesmo tempo em que se foi necessário utilizar termos que

condizem à descrição de fenômenos em parâmetros empíricos de apresentação, e,

desse modo, até a necessidade de se estabelecer postulados científicos dentro do

paradigma das ciências modernas, também não se furtou de apresentar

especulações concernentes a hipóteses de acontecimentos que mereceriam uma

alternativa retificada para o método empírico aplicado às investigações dentro da

psicologia.

Com relação aos objetivos propostos para o trabalho, procurou-se

previamente apresentar algumas concepções a respeito de causalidade dentro da

filosofia da ciência, que pudessem facilitar possíveis articulações entre postulados

filosóficos e psicológicos, a fim de poder nortear as possibilidades epistemológicas

para as hipóteses de investigação, a partir do tema sincronicidade. Desse modo,

previamente situou-se a concepção clássica de movimento a partir de Aristóteles.

Depois, a perspectiva do sujeito na mediação com o objeto em Descartes, para daí

então, opor duas formas de se conceber a noção de causalidade: em Locke a partir

das qualidades dos objetos, que se situam tanto no plano das idéias (conteúdos do

processo cognitivo) provindas a partir da sensação (exterioridade) e também da

reflexão (interioridade); em Hume, a partir da possibilidade crítica sobre a

causalidade, entendida naquilo que os termos de associação e de contigüidade

possam conduzir à função de necessidade.

Daí em diante, o que se procurou apresentar foram os postulados gerais

(conceitos fundamentais) propriamente dentro da Psicologia Analítica, que também

pudessem facilitar a articulação entre o Inconsciente e a Sincronicidade.

Com relação ainda a este último objetivo (relação entre o inconsciente e a

sincronicidade), observa-se que o tema da sincronicidade, também entraria de

acordo com um outro conceito da Psicologia Analítica, não mencionado neste

trabalho, que desdobra mais especificamente o aspecto auto-regulador do

Inconsciente: a individuação.

A individuação pode ser entendida como “a consecução de uma mescla

pessoal entre o coletivo e o universal, por um lado, e por outro, o único e individual”

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(Samuels, 1985, p.127). Neste tocante, difere-se dos conceitos de individualidade e

é enfatizada como um processo e não como um estado, pois se refere ao

desenvolvimento da personalidade.Neste sentido, observa-se que a implicação do

aspecto auto-regulador dos processos inconscientes, apresentou-se, neste trabalho,

de maneira a contemplar mais especificamente a relação entre o Inconsciente e a

Sincronicidade. De forma que, a relação entre a Sincronicidade e a Individuação,

poderia enfocada como possibilidade de se entender o papel da sincronicidade no

desenvolvimento da personalidade, o que poderia ser tema para uma outra

pesquisa.

Nesses termos o objetivo geral foi contemplado de maneira a estabelecer as

possíveis contingências em que o inconsciente possa estabelecer um paralelo

psicofísico com a realidade externa, mediada através da consciência, na

constatação dos fenômenos sincronísticos.

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São Paulo: Nova Cultural Ltda, 1999

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Companhia Editora Nacional, 1961.

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HUME. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural Ltda, 1999.

GIL, A.C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 5 ed. São Paulo: ATLAS

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JACOBI, J Complexo, Arquétipo, Símbolo. 9 ed. São Paulo: Cultrix, 1990

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JUNG, C.G. A Vida Simbólica. 2 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1997.

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LOCKE. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural Ltda, 1999.

SAMUELS, A. Jung e os Pós-Junguianos. Rio de janeiro: Imago, 1989.

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