REGRAS E PRINCÍPIOS - POR UMA DISTINÇÃO NORMOTEORÉTICA - Álvaro Ricardo de Souza Cruz.pdf

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    O debate atual sobre a teoria dos princpios

    e a distino das espcies normativas entre

    princpios e as regras devem ser atribudos a

    Ronald Dworkin. Desde a edio do texto O

    modelo de regras I o arcabouo hermenutico

    positivista sofreu um enorme abalo. O edifcio

    de uma hermenutica tributria do aguilho

    semntico, ou seja, aferrada ao exame do texto

    em termos convencionalistas, pragmatistas,

    realistas ou meramente positivistas apresentou

    rachaduras insanveis.

    Desse modo, se vamos abordar a questo

    de uma distino entre regras e princpios,

    desde j deixamos claro que estamos

    examinando o problema sob o ponto de

    vista de diferentes espcies de normas

    jurdicas, o que, de plano, afasta um conjunto

    REGRAS E PRINCPIOS: POR UMA DISTINO NORMOTEORTICA

    lvaro Ricardo de Souza Cruz*

    RESUMO: O autor aborda a distino entre regras e princpios a partir de uma distino

    normoteortica, expondo as diversas teorias em um esforo de no cair na armadilha do

    sincretismo imprprio do emprego de teorias incompatveis entre si.

    amplo que a doutrina usualmente designa

    como princpios e que, na verdade, so

    postulados jurdicos, ou seja, tanto condies

    de possibilidade para o conhecimento

    quanto condies destrancendentalizadas

    para o reconhecimento da validade desse

    conhecimento sistema jurdico. Assim,

    postulados devem ser entendidos como

    elementos sem os quais soobram a coerncia,

    a integridade e a consistncia do Direito,

    sob o ponto de vista propedutico de um

    paradigma cientfico especfico. Desse modo,

    a supremacia da Constituio, a unidade,

    a concordncia prtica, a subsidiariedade

    dentre outros, devem ser compreendidos

    como postulados jurdicos e, por conseguinte,

    exorbitam o interesse desse captulo que vai

    Desde que essa supremacia no seja entendida em termos positivistas, ou seja, que a mesma pressupunha a abertura da identidade do sujeito constitucional. Nesse sentido, sugerimos a leitura de nosso artigo Poder Constituinte e Patriotismo Constitucional.

    * Procurador da Repblica em Minas Gerais Mestre em Direito Econmico e Doutor em Direito Constitucional pela UFMG, Professor da Graduao e da Ps-Graduao da Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais.

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    se ater exclusivamente ao exame do campo

    de normas jurdicas.

    Feitas tais consideraes, haveria de

    se perguntar qual a utilidade de examinar

    a teoria dos princpios quase cinqenta

    anos depois da contribuio de Dworkin.

    A resposta vem de imediato: pelo fato de o

    modo de operar o Direito no Brasil ser ainda

    claramente ligado ao que ele denominava

    aguilho semntico, isso , a uma forma

    convencionalista de operao do Direito. Tal

    constatao vem, no somente do cotidiano

    de nossos juzes, procuradores, promotores

    e advogados, mas tambm na multiplicao

    de textos normativos que se aferrram idia

    iluminista de que uma boa lei possa resolver

    nossos problemas. Desse modo, temas como

    os do requisito da repercusso geral para o

    conhecimento de recursos extraordinrios

    e da smula vinculante, a distino

    entre atos administrativos vinculados e

    discricionrios, a profuso de mudanas

    legislativas na tramitao dos recursos no

    Cdigo de Processo Civil, nada mais so do

    que reminiscncias de uma cincia do Direito

    ligada filosofia da conscincia.

    Portanto, a teoria dos princpios de

    Dworkin descortina no Direito a perspectiva

    de uma hermenutica crtica e ps-positivista.

    Logo, precisamos levar a srio a questo da

    superao dos parmetros hermenuticos dos

    paradigmas jurdico e filosfico anteriores.

    Soma-se a essa constatao o fato de que

    h, na doutrina, uma profuso de conceitos

    e classificaes sobre regras e princpios.

    A distino entre princpios e regras virou moda. Os trabalhos de direito pblico tratam da distino, com raras excees, como se ela de to bvia, dispensasse maiores aprofundamentos. A separao entre as espcies normativas como que ganha foros de unanimidade. E a unanimidade termina por semear no

    Assim, vamos expor algumas dessas teorias

    de maneira a deixar clara nossa viso sobre o

    tema, tendo em vista um esforo de no cair na

    armadilha cada vez mais comum na doutrina

    brasileira: o sincretismo imprprio do emprego

    de teorias incompatveis entre si.

    Desse modo, percebemos, mesmo com

    o risco inerente de reducionismo a qualquer

    classificao, que o estudo da principiologia

    jurdica assume trs paradigmas distintos:

    o clssico, o moderno e o contemporneo.

    O paradigma clssico ignora ou no mximo

    vislumbra um papel secundrio aos princpios

    jurdicos. O paradigma moderno assume

    a juridicidade dos mesmos e os coloca em

    posio de destaque no ordenamento jurdico

    em funo de sua abstrao, generalidade,

    abertura textual. Em sntese, os princpios

    mais o conhecimento crtico das espcies normativas, mas a crena de que elas so dessa maneira, e pronto. (vILA, Humberto. Teoria dos princpios. Da definio aplicao dos princpios jurdicos. . ed. So Paulo: Malheiros, 00, p. 8).

    Canotilho resume os critrios de distino entre regras e princpios nesse paradigma: a) Grau de abstraco: os princpios so normas com um grau de abstraco relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstraco relativamente reduzida. B) Grau de determinabilidade na aplicao do caso concreto: os princpios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mdediaes concretizadoras, enquanto as regras so susceptveis de aplicao directa. C) Grau de fundamentalidade no sistema das fontes de direito: os princpios so normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurdico devido sua posio hierrquica no sistema das fontes (ex. princpios constitucionais) ou sua importncia estruturante dentro do sistema jurdico (ex. princpio do Estado de Direito). D) Proximidade da idia de direito: os princpios so standards juridicamente vinculantes radicados nas exigncias de justia (Dworkin) ou na idia de direito (Larenz); as regras podem ser normas vinculativas com um contedo meramente funcional. E) Natureza normogentica; os princpios so fundamento de regras, isto , so normas que esto na base ou constituem a ratio de regaras jurdicas, desempenhando, por isso, uma funo normogentica fundamentante. (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e Teoria da Constituio. Coimbra; Almedina, 997, p. 04/05).

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    se tornam fundamento axiolgico do Direito.

    Por fim, as correntes contemporneas se

    esforam por reafirmar sua distino para

    com as regras a partir dos ganhos do giro

    lingstico, no sentido de construo de bases

    ps-positivistas para o Direito. Cumpre, pois,

    o exame sinttico de cada uma delas de modo

    a demonstrar que nossa doutrina, de modo

    geral, os emprega de forma assistemtica e

    no cientfica. Cumpre tambm verificar se as

    teorias contemporneas so suficientemente

    racionais como suporte terico para tal

    distino, de modo a evitarmos que a Cincia

    caia em uma fundamentao dogmtica.

    Nesse sentido, o interesse remanescente

    sobre o paradigma clssico s ganha alguma

    relevncia se considerarmos que a maior

    parte do ensino jurdico e o modo de

    produo do Direito no Brasil ainda so

    preponderantemente positivistas. Desse

    modo, a hermenutica jurdica evolui de uma

    completa indiferena em relao a eles at

    a admisso de sua cogncia normativa em

    carter subsidirio.

    O paradigma do Estado Liberal de Direito

    conformou a atividade jurisdicional mediante

    uma diviso qualitativa dos poderes, de

    forma que o ato legislativo fosse entendido

    como um provimento estatal fruto da vontade

    geral ou da maioria, em um contexto de

    uma democracia representativa com suporte

    no pensamento de Locke e de Montesquieu,

    e o ato jurisdicional, um ato de cognio da

    legalidade posta.

    O Direito, enquanto ordenamento, ao estabelecer limites universais preponderantemente negativos (no furtar, no matar, etc., como traduzido, por exemplo, por Fichte) , ento, visto como o conjunto de regras que delimitam os espaos de liberdade de um indivduo as linhas demarcatrias da fronteira em que

    termina a liberdade de um indivduo e em que se inicia a liberdade de outro. Assim, o paradigma do Estado de Direito ao limitar o Estado legalidade, ou seja, ao requerer que a lei discutida e aprovada pelos representantes da melhor sociedade autorize a atuao de um Estado mnimo, restrito ao policiamento para assegurar a manuteno do respeito quelas fronteiras anteriormente referidas e, assim, garantir o livre jogo da vontade dos atores sociais individualizados, vedada a organizao corporativo-coletiva, configura, aos olhos dos homens de ento, um ordenamento jurdico de regras gerais e abstratas, essencialmente negativas, que consagram os direitos individuais ou de gerao, uma ordem jurdica liberal clssica. claro que sob este primeiro paradigma constitucional, o do Estado de Direito, a questo da atividade hermenutica do juiz s poderia ser vista como uma atividade mecnica, resultado de uma leitura direta dos textos que deveriam ser claros e distintos, e a interpretao algo a ser evitado at mesmo pela consulta ao legislador na hiptese de dvidas do juiz diante de textos obscuros e intrincados. Ao juiz reservado o papel de mera bouche de la loi.4

    A hermenutica limitava-se ao esforo

    sinttico e semntico dos textos jurdicos a

    partir de mtodos de deduo e subsuno,

    tpicos da conhecida proposta de Savigny5.

    4 CARvALHO NETO, Menelick. Hermenutica Constitucional sob o paradigma do Estado Democrtico de Direito, p. 5/44, p. /4, sem destaque no original.

    5 Em contraposio com o primado do costume que defender ulteriormente, Savigny equipara ainda no seu curso o Direito positivo ao Direito Legislado. Todavia, a legislao acontece no tempo e isto conduz concepo de uma histria do Direito que estreitamente se conjuga com a histria do Estado e a histria dos povos, visto que a legislao uma actividade do Estado (p. 17). Alm disso, SAVIGNY distingue uma elaborao interpretativa (sistemtica) do Direito. Como objecto da interpretao aponta ele a reconstruo do pensamento que expresso na lei, na medida dese colocar na posio do legislador e deixar que se formem, por esse artifcio, os respectivos ditames. Para esse fim a interpretao

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    A concepo iluminista de um Direito racional

    trazia consigo a viso da generalidade e

    da harmonia das regras jurdicas, como

    contraponto pluralidade de fontes normativas

    e de jurisdies tpicas do Antigo Regime.

    Logo, o intrprete navegava em um lago de

    guas mansas de regras. O Direito era um

    todo compacto da qual nenhuma relao

    humana poderia ter escapado do gnio

    do legislador.

    Nesse contexto, os princpios jurdicos

    eram absorvidos como expresso de

    cunho poltico do legislador, tpico do

    constitucionalismo do sculo XIX, no qual,

    seja pelas tradies revolucionrias francesas

    de oposio aos desmandos do judicirio, seja

    pela ausncia de uma formao democrtica

    como na Prssia e na recm-criada Alemanha,

    as Constituies eram vistas muito mais por

    seu carter de documento poltico, tal como

    na Declarao Universal dos Direitos

    do homem e do cidado, do que por sua

    juridicidade, tal como se via na Amrica

    desde Madison v. Marbury (80).

    Por conseguinte, no possvel falar que

    a tese de normas programticas nascidas no

    princpio do sculo passado tenha surgido

    to-somente como forma de se negar

    eficcia aos direitos sociais e coletivos.

    Essa reao contrria ao surgimento de um

    novo constitucionalismo, dito social, tem

    supedneo em prticas constitucionais muito

    mais antigas.

    Todavia, as dificuldades de encontrar-se

    sempre a priori a norma que se adequaria

    precisa de trs elementos: um elemento lgico, um elemento gramatical e um elemento histrico (p. 9). (LARENz, Karl. Metodologia da Cincia do Direito. Traduo de Jos Lamego. . ed. Lisboa: Fundao Calouste Gulbekian, 997, p. 0-).

    perfeitamente ao caso concreto, tpico

    ainda de uma maneira de pensar ligada

    filosofia da conscincia, no tardaram a

    mostrar suas mazelas e dificuldades. De

    certo, uma interpretao literal, declarativa,

    gramatical, mesmo auxiliada pelos elementos

    sistemtico, lgico e finalstico puderam

    fazer face aos desafios do Direito.

    Desse modo, constataram-se duas formas

    de reao na teoria do Direito. De um lado,

    as antinomias e anomias, que eram desde h

    muito conhecidas, pelo menos desde o tempo

    da jurisdio cannica e, mesmo antes, com

    os glosadores, passaram a admitir o emprego

    subsidirio da analogia, dos costumes e

    dos princpios gerais do Direito. A simples

    constatao da nossa Lei de Introduo ao

    Cdigo Civil exemplifica o raciocnio acima.

    E, de outro, a tese da discricionariedade

    judicial, decorrente da crena que a jurisdio

    no poderia conduzir a uma nica resposta,

    passa a difundir-se, em especial pelo trabalho

    de Kelsen.

    A concepo de um Direito voltado para

    um modo de operar legalista, destitudo

    de qualquer reflexo sobre os detalhes do

    caso e que se apresentava galvanizado pelo

    A teoria usual da interpretao quer fazer crer que a lei, aplicada ao caso concreto, poderia fornecer, em todas as hipteses, apenas uma nica soluo correcta (ajustada) e que a justeza (correo) jurdico-positiva desta deciso fundada na prpria lei. Configura o processo desta interpretao como se se tratasse to-somente de um acto intelectual de classificao e de compreenso, como se o rgo aplicador do Direito apenas tivesse que pr em aco o seu entendimento (razo), mas no a sua vontade, e como se, atravs de uma pura actividade de inteleco, pudesse realizar-se, entre as possibilidades que se apresentam, uma escolha que correspondesse ao Direito positivo, uma escolha correcta (justa) no sentido do direito positivo.(KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Traduo de Joo Baptista Machado. 4. ed. Coimbra: Armnio Amado, 979, p. 47).

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    apego legalidade estrita, mostrou toda

    sua insuficincia pela inrcia/colaborao

    do Judicirio alemo durante os horrores

    de Auschwitz. Toda a tradio do direito

    romano-germnico de observncia dos

    ditames da lei e de procura pela vontade do

    legislador se chocava diante da cumplicidade

    do Reichsgericht diante dos arbtrios e

    atrocidades nazistas.

    Ser sob esse contexto que perceberemos

    o surgimento de novos ventos no

    constitucionalismo, em especial o surgimento

    da tpica de viehweg e, no tocante teoria

    dos princpios, o nascimento de uma nova

    forma de abordagem. Agora, tanto positivistas

    quanto os adeptos de um jusnaturalismo

    renascido se posicionavam favoravelmente

    juridicidade dos princpios. E, mais ainda,

    concediam-lhes uma posio de primazia

    dentro do ordenamento jurdico.

    A primeira teoria aquela que identifica os princpios com normas gerais ou generalssimas de um sistema. Desde o incio do sculo, autores como Del vechio e Bobbio tentaram compreender os princpios jurdicos como fruto de processos de generalizao operados pela Cincia do Direito. Del vechio afirmou, por exemplo, que os princpios gerais so descobertos por intermdio da generalizao crescente de outras normas do ordenamento jurdico (Del vechio, 948:5), ou seja, pela induo podemos partir de regras que regulam situaes especficas e inferir da princpios superiores a essas regras, que passam a poder ser aplicados dedutivamente. J Bobbio afirmou que os princpios gerais do direito so, to-somente, normas fundamentais ou generalssimas do sistema, as normas mais gerais.7

    A concepo pela qual os princpios

    pudessem ser deduzidos por meio da

    7 GALUPPO, Igualdade e Diferena, p. 70.

    generalizao de regras, a despeito de

    lugar comum entre os operadores do Direito

    no Brasil, vem, desde a dcada de 950,

    sendo questionada. Josef Esser, nessa

    oportunidade, j constatara que a maior ou

    menor generalidade dos princpios em relao

    s regras no poderia ser um critrio racional

    de distino, uma vez que nem todo princpio

    se origina de um processo de generalizao.

    Contudo, no so poucos os autores

    tributrios dessa viso, tanto na doutrina

    ptria quanta na aliengena. Em suas

    variantes, os princpios assumem a condio

    metanormativa por meio da percepo de

    algumas caractersticas que os definiriam:

    desse modo, uns optam pelo fato que os

    princpios exprimiriam os valores retores do

    ordenamento jurdico; outros vem seu trao

    distintivo no seu maior grau de abstrao;

    outros derivam seu raciocnio em torno do

    que entendem ser uma maior indeterminao

    da sua tipicidade (fatie specie). No entanto,

    seja qual for a tese, todos passam a sustentar

    um papel de proeminncia dos princpios no

    ordenamento jurdico, chegando alguns a

    entender haver uma hierarquia entre eles e

    as regras no qual os princpios estariam em

    posio privilegiada.

    Quando se refere ligao dos princpios

    com os valores, no se pode esquecer

    da contribuio de Canaris. A seu ver, os

    princpios conteriam um contedo axiolgico

    puro e se distinguiriam das regras porque

    dependeriam destas para sua concretizao.

    Desse modo, eles passam a ser entendidos

    como normas que dariam fundamento a todo

    o ordenamento jurdico.

    Com a caracterizao do sistema como ordem teleolgica ainda no foi, contudo, dada resposta segunda pergunta essencial: a dos

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    elementos constitutivos nos quais se tornem perceptveis a unidade interna e a adequao da ordem jurdica. No entanto, ficou j esclarecido que se deve tratar de valores, ainda que isso no possa constituir a resposta final, pois se mantm a questo mais vasta de que valores se trata: todos ou apenas alguns? (...) Mas isso significa que, na descoberta do sistema teleolgico, no se pode ficar pelas decises de conflitos e dos valores singulares, antes se devendo avanar at aos valores fundamentais mais profundos, portanto at aos princpios gerais duma ordem jurdica; trata-se, assim, de apurar, por detrs da lei e da ratio legis, a ratio iuris determinante. Pois s assim podem os valores singulares libertar-se do seu isolamento aparente e reconduzir-se procurada conexo orgnica e s assim se obtm aquele grau de generalizao sobre o qual a unidade da ordem jurdica, no sentido acima caracterizado, se torna perceptvel. O sistema deixa-se, assim, definir como uma ordem axiolgica ou teleolgica de princpios gerais de Direito, na qual o elemento de adequao valorativa se dirige mais caracterizao de ordem teleolgica e o da unidade interna caracterstica dos princpios gerais.8

    J destacamos anteriormente o problema

    de traduzir-se um comando normativo de

    carter deontolgico em um plexo de ordens

    meramente teleolgicas. Logo, consideramos

    repetitivo reproduzirmos essa crtica, eis

    que ningum nega que o Direito como

    subsistema social reproduz valores todo o

    tempo. A questo que sua forma de operar

    no pode se dar em torno do emprego de

    valores, sob pena de perdermos com isso

    qualquer possibilidade de legitimidade do

    mesmo. Preferimos anotar que o trao de

    diferenciao entre as espcies normativas em

    8 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemtico e conceito de sistema na cincia do Direito. . ed. Introduo e traduo de A. Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundao Calouste Gulbekian, 00, p. 7/78.

    torno de seu carter axiolgico insuficiente

    por uma outra razo e, para tanto, um

    exemplo ilustrativo: a preservao da vida

    humana, de certo, um valor que nosso

    ordenamento jurdico leva em conta como

    algo que Canaris, de certo, julgaria como um

    valor fundamental. Logo, deveria vir sempre

    estruturado sob a forma de um princpio.

    Contudo, parece-nos tambm ser lugar

    comum a idia de que o artigo do Cdigo

    Penal se estruture como uma regra. Da a

    pergunta: ora, esse mandamento (regra) no

    traria subjacente a si um valor fundamental

    de todo o ordenamento jurdico?

    Contudo, essa concepo que v princpios

    como valores que informariam todo o Direito

    encontra ressonncia na lngua portuguesa.

    Celso Antnio Bandeira de Mello sustenta que

    os princpios so os mandamentos nucleares,

    o alicerce do sistema jurdico, eis que seriam a

    base e diretriz para a correta compreenso dos

    mesmos. Somente pelo auxlio dos princpios

    seria possvel ao intrprete alcanar uma

    viso unitria do ordenamento jurdico. Desse

    modo, a violao de um princpio seria muito

    mais grave do que a transgresso de uma

    regra, eis que implicaria uma ofensa no a

    um mandamento especfico, mas ao sistema

    como um todo9.

    Canotilho enxerga a Constituio formada

    por intermdio de normas de distintos

    graus de densidade semntica, de modo

    a diferenciar regras de princpios e, indo

    alm, para classificar os princpios dentro

    de uma hierarquia normativa em princpios

    estruturantes, princpios constitucionais

    9 Cf. MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. So Paulo: Revista dos tribunais, 980, p. 0.

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    gerais, princpios constitucionais especiais

    ao lado das demais normas (regras)

    constitucionais.0 Desse modo, no s percebe

    haver uma hierarquia entre regras e princpios

    como tambm uma valorao possvel entre

    as normas constitucionais principiolgicas.

    A tese de Canotilho esbarra, na atualidade,

    na moderna concepo de unidade que permeia

    a Constituio, desde a contribuio de Otto

    Bachof e, posteriormente, com o trabalho

    de Mller sobre o postulado denominado

    de concordncia prtica entre possveis

    antinomias constitucionais. Contudo, curioso

    anotar que o prprio Bachof se posicionava

    tambm por meio da proeminncia do princpio

    da isonomia, de modo que, conjuntamente

    com a noo da dignidade da pessoa humana,

    pudesse ser a matriz substantiva do texto

    constitucional, sem se dar conta de que tal

    posio afetaria sua maior contribuio para

    o constitucionalismo mundial.

    Nessa esteira, Geraldo Ataliba, dando

    seqncia a uma longa tradio no direito

    brasileiro, sustenta a viso de que as regras

    jurdicas teriam sua aplicao condicionada

    pelos princpios, de modo a reconhecer uma

    hierarquia entre essas espcies normativas.

    Mas por que os princpios teriam tal

    posio? Na opinio de Miguel Reale, os

    princpios se aproximariam da noo de

    valor, tornando-se verdades fundantes de

    um sistema de conhecimento, como tais

    admitidas por serem evidentes ou por

    0 Cf. CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 4. ed.

    Cf. BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais. Traduo de Jos Manuel M. Cardoso da Costa.Coimbra: Almedina, 994.

    ATALIBA, Geraldo. Repblica e Constituio. So Paulo: Revista dos tribunais, 985.

    terem sido comprovadas, mas tambm pela

    necessidade da prxis. A postura de Reale

    se aproxima da posio de Karl Larenz que,

    por sua vez, concebe os princpios como uma

    etapa entre as normas jurdicas e os valores.

    Desse modo, os valores seriam concepes

    de justia dominantes na sociedade ethos

    jurdico dominante e que guiam a atividade

    hermenutica4.

    So vrios os problemas de tais concepes.

    Canotilho, Ataliba, Bachof acabam por no

    distinguir as normas jurdicas dos valores

    a elas subjacentes. Est claro que qualquer

    ordenamento jurdico traz consigo a expresso

    de valores que tem a pretenso de contribuir

    para a estabilizao das expectativas racionais

    de comportamento. Contudo, tal como visto,

    o Direito opera sob um cdigo binrio que o

    faz distinto da noo de gradualidade inerente

    aos valores.

    Ademais, quando Larenz expe seu ponto

    de vista, com suporte em zippelius, deixa

    claro transparecer sua viso comunitarista

    da sociedade: ele entende haver um ethos

    REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. So Paulo: Saraiva, 988, p.99.

    4 Na verdade, o princpio maioritrio no , enquanto tal, critrio de justeza, mas, no entanto, ZIPPELIUS refere com o ethos jurdico apenas as idias que podem compreender-se como a concretizao da idia de Direito, dos princpios bsicos de uma tica da vida social, facto que no deixar de importar para que aspirem a um reconhecimento. Uma vez que o juiz aplica o Direito em nome dessa comunidade jurdica, s pode ter em conta a tica nela vigente, que pervive (em maior ou menor grau) nos membros dessa comunidade, conformando-lhes o comportamento e o critrio de julgamento. Nesta medida, damos razo a ZIPPELIUS. O conceito de ethos jurdico encerra um elemento emprico e um elemento normativo, no indicia apenas os resultados de um inqurito de opinio. (LARENz, Karl. Metodologia da Cincia do Direito. Traduo de Jos Lamego. . ed. Lisboa: Fundao Calouste Gulbekian, 997, p.74).

  • 44

    jurdico dominante capaz de fornecer

    quais seriam os valores dominantes para

    fins da aplicao do Direito. Contudo, em

    sociedades profanizadas como as atuais fica

    difcil estabelecer de modo a priori quais os

    contedos desse ethos, eis que os projetos

    pessoais e as concepes do que seja vida

    boa so os mais distintos em termos de

    religio, moral, tica, economia, opo sexual,

    etc. Nesse sentido, quando Habermas toma

    a concepo de direitos humanos universais,

    essencialmente liberdade e igualdade, o faz

    como condies para o discurso que se abrir.

    Logo, no cai em um possvel retorno a

    polis grega.

    Por fim, as percepes de generalidade

    incorrem em um erro srio. Primeiro, porque

    no so todos os princpios que podem

    ser generalizados a partir de regras. De

    outro lado, alguns seriam to amplos que

    acabariam sendo generalizao de todo o

    ordenamento jurdico, tal como o princpio

    do Estado de Direito e o princpio do

    Estado Democrtico, se observada a prpria

    classificao de Canotilho.

    Por exemplo: o princpio federativo, adotado pela Constituio Brasileira, seria uma generalizao de qu? O princpio da legalidade generaliza quais normas? (...) Esse no pode ser, portanto, o critrio adotado. No se nega com isso que, na maioria das vezes, os princpios possuam maior grau de generalizao. O que se quer dizer que a generalidade no uma causa, mas, quando muito, uma conseqncia do conceito de princpio, e no diferencia essencialmente, mas s geralmente as duas categorias.5

    Boulanger procura responder a objeo

    colocada por Galuppo em outras bases. Para

    5 GALUPPO, Igualdade e Diferena, p. 7, sem destaque no original.

    ele, est claro que a generalidade no um

    trao que per se possa distinguir regras de

    princpios, eis que presente em ambas as

    espcies normativas. Contudo, sustenta que

    a forma de incidncia da generalidade

    diferente quando se est diante de regras e de

    princpios. No primeiro caso, a generalidade

    se manifesta de forma especial, visto que

    a regra incidiria em uma situao jurdica

    determinada, a despeito da pluralidade de atos

    ou fatos por ela regulados. J no tocante aos

    princpios, no h uma situao determinada

    de modo a priori para sua incidncia.

    Destaque-se que a posio de Boulanger

    no isolada na doutrina. Eros Grau anota

    tambm o apoio de Crisafulli7 a esse critrio

    estrutural relativo generalidade das espcies

    normativas. Em sua viso,

    (...) os primeiros se caracterizam pela sua maior generalidade, em relao s ltimas; o preceito contido no princpio geral compreende no uma s hiptese determinada, mas uma srie indeterminada de hipteses, qualquer das quais suscetveis de ensejar inmeros e diversos facti species; por outro lado, desde o critrio funcional, os princpios so normas escritas e no escritas das quais logicamente derivam as normas particulares tambm estas escritas ou no escritas e s quais, inversamente, se chega a partir destas ltimas (p. 9). Assim, o critrio estrutural da generalidade no seno conseqncia necessria da considerao do critrio funcional: os princpios gerais, porque dotados de generalidade mais ampla, compreendem

    Cf. BOULANGER, Jean. Principes gneraux du droit positif et droit positif. In Le Droit Priv Franais au milieu du XXe sicle (tudes offertes a Georges Ripert). Paris: LGDJ, 950.

    7 CRISAFULLI, vechio. Per la determinazione Del conetto dei principi generali Del Diritto. In:In: Revista Internazionale de Filosofia Del Diritto, v. XIX.Ano XXI, srie II, jan. abr. de 94.

  • 45

    uma srie indeterminada de facti species (dados ou possveis) distintos (p. 40).8

    De modo simplista, as teorias de Boulanger

    e de Crisafulli podem ser metaforizadas por

    meio de jogos de salo, tal como o buraco

    e o xadrez. Desse modo, enquanto as regras

    podem ser vistas como qualquer carta de

    baralho que tem um lugar certo para ser

    encaixada, os princpios podem ser vistos

    como o coringa que pode entrar em qualquer

    posio. Da mesma forma, no jogo do xadrez,

    todas as peas tm uma forma espcie de

    movimentao, enquanto apenas a Rainha

    pode valer-se de mais de uma maneira para se

    mover. Assim, os princpios se aproximariam

    do modelo da Rainha, enquanto as regras

    ficariam com a figura das outras peas.

    A despeito de ser uma tese de palatabilidade

    fcil, refutar sua sustentao no difcil

    porque, mesmo se voltssemos a uma

    gramtica hermenutica tradicional, a tese

    da indeterminao da tipicidade no se

    sustentaria. Primeiro pelo fato de que essa

    tese no explicaria a questo da analogia.

    Desse modo, uma regra utilizada para uma

    situao absolutamente diversa daquela para

    o qual teria sido concebida originariamente

    pelo legislador. Poderia, ento, seus adeptos

    dizer; ora, mas o emprego da analogia

    excepcional e na atualidade em razo da

    inflao legislativa os casos de analogia

    sero cada vez menores. No entanto, essa

    rplica no convence simplesmente porque

    procura contornar o problema, algo que no

    ocorre como os bices seguintes. E o segundo

    pode vir ainda dentro dos limites da filosofia

    8 GRAU, Eros. A ordem econmica na constituio de 1988 (interpretao e crtica). . ed. So Paulo: Revista dos tribunais, 99, p. .

    da conscincia. O prprio positivismo

    legalista j percebera, por meio da tcnica

    da voluntas legis, que uma regra pode ser

    aplicada para um sem-nmero de casos no

    concebidos originariamente pelo legislador.

    Logo, aqui no se trata de uma exceo, mas

    de algo que ocorre permanentemente.

    Contudo, o problema principal dessa

    forma de se distinguir as espcies normativas

    no foi alcanado simplesmente porque no

    superou os limites do positivismo jurdico e

    da relao sujeito/objeto na cincia jurdica.

    A questo est justamente no fato de que tais

    suposies mantm ainda como possvel a

    dicotomia entre fato e norma, seja ento regra

    ou princpio. A questo da indeterminao

    da facti specie ou da abstrao tipolgica

    da norma parte de uma anlise sinttico/

    semntico dos textos legais, algo j de

    h muito superado pelo giro lingstico.

    Assim, analisar textos legais fora de seu

    contexto de aplicao pode, no mximo,

    gerar preconceitos de fundo metafsico no

    intrprete, eis que no h norma desconectada

    de sua faticidade.

    Assim, acreditamos superada tambm a

    suposio de que a baixa densidade pudesse

    ser assestada to-somente contra certas

    expresses caracteristicamente polissmicas,

    vagas, porosas. Algum poderia insistir: tudo

    bem, a classificao reconhece tal limitao

    e preferimos aderir a ela, mesmo sabendo

    que estaremos retornando ao positivismo.

    Nesses termos, a taxionomia seria cientfica?

    A resposta negativa. Primeiro, porque tal

    retorno j no se faz possvel, simplesmente

    porque o nvel de racionalidade a que

    chegamos no admite esse passo para trs.

    Segundo, porque tal classificao no teria

    encontrado um critrio lgico para diferenciar

  • 46

    as espcies normativas, eis que todo texto

    aberto a inmeras interpretaes. Em outras

    palavras, tambm as regras teriam uma

    tipicidade/conceitualidade aberta. O problema

    de tal classificao est exatamente no fato de

    se dizer que alguns textos (regras) admitem

    uma univocidade de sentidos e que outros

    (princpios) no. Contudo, desde Heidegger

    sabemos que essa premissa, mais do que

    metafsica, irracional e no cientfica.

    No olvidamos que, a despeito de termos

    por claro que toda comunicao humana

    pressupe contrafaticamente um mdium

    lingstico, assiste razo hermenutica

    contempornea no sentido de que no

    possvel apriorsticamente sustentar que um

    termo seja poroso/aberto e outro no, ou

    mensurar essa vagueza de modo a permitir

    um retorno subreptcio s concepes de

    aplicao silogstica para os dispositivos

    que forem tidos por mais precisos. Gnther,

    atento questo, posiciona-se sobre o tema:

    Contra a tese da hermenutica alegou-se que uma indeterminao da norma somente ocorreria em casos de termos polissmicos, vagos, porosos e que ainda precisam ser preenchidos com valores, bem como em casos de aplicao de termos disposicionais. Neste caso, um significado deveria ser fixado e fundamentado por meio de cnones de interpretao, juzos antecipados e preceitos da dogmtica. Como demonstraram as reflexes acima a respeito da lgica de argumentaes da adequao, exigem-se regras de uso lexical para garantir a justificao externa de uma deciso jurdica. No entanto, a sua justificao externa no consegue justificar a seleo vinculada a uma determinao de significado de sinais caractersticos situacionais, a partir de uma descrio situacional integral.9

    No entanto, os esforos do paradigma

    moderno de estabelecer uma distino entre

    9 GNTHER, Teoria da argumentao, p. 99.

    as regras e os princpios no se esgotaram nas

    teorias acima descritas. Desse modo, cabe

    aqui ainda anotar duas outras tentativas: a

    primeira ligada noo da positividade e a

    segunda em torno de uma anlise morfolgica

    empreendida por Joseph Esser.

    O critrio da positividade para as regras

    e da transcendncia para os princpios

    bem simples: os princpios poderiam ser

    ou no positivados e as regras precisariam

    necessariamente ser positivados. Assim,

    mesmo que revogadas, as regras teriam

    tido vigncia algum tempo atrs como

    normas jurdicas e os princpios poderiam

    ser incorporados no direito sem um texto

    legislativo especfico, tal como se processa

    atualmente com os chamados princpios

    abertos e anteriormente com os princpios

    gerais de Direito.

    A objeo tambm no relevante.

    Primeiro, porque o Direito no criao

    exclusiva do Estado, tal como se percebe

    claramente com os costumes. Segundo,

    porque os princpios no so criados pelo

    julgador ou pela doutrina, e sim reconstrudos

    a partir do Direito em sua totalidade,

    envolvendo aqui algo que vai seguramente

    muito alm de textos positivados. Acrescente-

    se a isso que, em geral, aqueles que sustentam

    esta tese ligam-na tambm questo da

    generalidade. Contudo, ficaria o problema:

    ora, se os princpios so generalizaes de

    regras, como ento eles poderiam abdicar

    da positividade?0

    0 O ponto central a ponderar, ao deles cuidarmos, o referido a no transcendncia dos princpios gerais do Direito. Com efeito, eles no constituem criao jurisprudencial, por outro, externamente ao ordenamento ou Constituio. Assim, a autoridade judicial, ao tom-los d modo decisivo para a definio de

  • 47

    Os ltimos esforos do presente paradigma

    se devem aos trabalhos de Josef Esser e Robert

    Summers. vejamos, pois, cada um deles.

    Esser, por sua vez, v a distino sob

    um enfoque original: ele sustenta que os princpios

    no configurariam mandamentos e sim diretrizes,

    critrios e justificao para a aplicao do

    Direito. Em outras palavras, o critrio de

    distino das espcies normativas seria o

    fundamento que cada uma, regra e princpio,

    exigiria para a tomada de uma deciso.

    Nesse sentido, Esser entendia que os

    princpios forneceriam motivos para que o

    intrprete pudesse empregar esse ou aquele

    mandamento, enquanto as regras exigiam

    uma argumentao que se ligaria diretamente

    prpria deciso. Logo, os princpios no

    seriam em si mesmos mandamentos, mas

    apenas instrues para o emprego das

    regras. Os princpios constituiriam parte do

    Direito positivo, no como mandamentos

    autnomos, mas como uma (pr)condio

    para o funcionamento das regras. Desse modo,

    o princpio da funo social da propriedade

    pode ser concebido como integrante do Direito

    positivo, eis que inerente compreenso do

    prprio instituto do direito de propriedade,

    conferindo-lhe causa e justificao para

    seu emprego.

    O modelo de Esser parte do pressuposto

    de um modelo de Direito problemtico, ou

    seja, ligado pratica judicial (jurisprudncia)

    e pela prudncia aristoteliana (phrnesis),

    muito provavelmente por influncia da tpica

    terminada soluo normativa, simplesmente comprova a sua existncia no bojo do ordenamento jurdico, do Direito que aplica, declarando-os. (Grau, A ordem econmica na Constituio de 1988, p. 9).

    ESSER, Josef. Princpio y norma en la elaboracin jurisprudencial Del Derecho Privado. Traduo deTraduo de Eduardo valenti Fiol. Barcelona: Bosch, 9.

    de viehweg. Seu ponto de partida era, pois,

    uma contraposio ao sistema fechado de

    Direito em torno de uma concepo piramidal

    do ordenamento jurdico. Assim, o papel do

    magistrado na revelao de princpios confere

    uma abertura ao Direito que ia bem alm dos

    limites positivistas da sua poca.

    Galuppo anota com razo que a

    contribuio de Esser antecipa conceitos

    centrais do paradigma contemporneo

    da teoria dos princpios por duas razes.

    Primeiro, por reconhecer a dualidade dos

    planos de aplicao e de justificao das

    normas jurdicas. Depois, porque admite

    que a argumentao discursiva essencial

    Segundo Esser, o ato de aplicar a lei est inserido em um juzo antecipado valorativo, que integra cada norma em um sistema teleolgico aberto, orientado por princpios. semelhana de Kriele, tambm Esser, ao fazer essa observao, orienta-se pelo exemplo de um modo de pensar em termos do Direito de caso, que considera cada situao nova luz da ratio decidendi de casos previamente decididos e de sua correlao por meio de princpios. O princpio (...) domina a interpretao de norma de rule [regra],ou seja, domina a direo da seleo prvia e do reconhecimento de fatos que podem ser juridicamente levantados na realidade objetiva, e do reconhecimento de observaes que podem ser juridicamente levantados na realidade objetiva, e do reconhecimento de observaes que podem ser juridicamente levantadas no precedent (precedente). (Gnther, Teoria da argumentao, p. 40).

    No caso do modelo axiomtico, ou seja, aquele cujo centro de gravidade a construo de um sistema hierarquizado, o ponto de partida por excelncia o Cdigo. Segundo Esser, o pensamento axiomtico desvaloriza e/ou ignora os princpios valorativos abertos, as doutrinas, mximas, parmias, etc. (...). Em lugar deles pe em primeiro plano as rationes legis, os princpios formais e a estrutura da lgica jurdica. (Galuppo, Marcelo. A contribuio de Esser para a reconstruo do conceito de princpios jurdicos. Belo Horizonte: Editora da Faculdade de Direito da UFMG: Revista de Direito Comparado, n. 0, maio/999, p. 7/44, p. 4).

  • 48

    conformao do Direito4. Acrescentaramos

    um terceiro aspecto: a busca pela distino

    das espcies normativas passa a ser seguida

    na aplicao do Direito5.

    Nesse sentido, o trabalho de Esser, datado

    da dcada de 950, parece esforar-se para

    dar um passo alm das concepes kelsenianas

    para a conformao do Direito, ao entender

    que o ordenamento jurdico conteria mais do

    que regras. Contudo, o passo ainda tmido,

    se visto com olhos atuais. Isso porque sua

    teoria s concebe os mandamentos jurdicos

    sob uma estrutura morfolgica hipottica

    condicional, ou seja, que somente as regras

    poderiam ser mandamentos/normas jurdicas

    e, como tais, apenas elas poderiam se encaixar

    no modelo (ainda kelseniano) do se A,

    deve ser B. Em outras palavras, as regras

    se estruturariam sob a dualidade hiptese/

    conseqncia enquanto os princpios seriam

    to-somente fundamento para as decises

    para a aplicao dessa ou daquela regra.

    Todavia, seu esforo em vo, como bem

    demonstra Humberto vila:

    (...) a existncia de uma hiptese de incidncia questo de formulao lingstica e, por isso, no pode ser elemento distintivo de uma espcie normativa. De fato, algumas normas que so

    4 Cf. GALUPPO, A contribuio de Esser para a reconstruo do conceito de princpios jurdicos, p. 40.

    5 Apenas como alerta ao leitor, deve ficar claro que tais antecipaes no aproximam Esser das teorias contemporneas.

    Um princpio jurdico no um preceito jurdico, nem uma norma jurdica em sentido tcnico, eis que no contm nenhuma instruo vinculante de tipo imediato para um determinado campo de questes, mas requer ou pressupe a cunhagem judicial ou legislativa de tais instrues. ((ESSER, Josef. Princpio y norma en la elaboracin jurisprudencial Del derecho privado. Barcelona; Bosch, 9, p. 5, traduo livre e sem destaque no original).

    qualificveis, segundo esse critrio, como princpios podem ser reformuladas de modo hipottico, como demonstram os seguintes exemplos: Se o poder estatal for exercido, ento deve ser garantida a participao democrtica (princpio democrtico); Se for desobedecida a exigncia de determinao da hiptese de incidncia de normas que instituem obrigaes, ento o ato estatal ser considerado invlido (princpio da tipicidade).7

    Os exemplos de vila no param por

    a. Nesse sentido, o princpio da legalidade

    tributria pode ser expresso tanto nos moldes

    do artigo 50, inciso I, da nossa Carta

    vigente8, quanto da seguinte maneira: se

    houver instituio ou aumento de tributo,

    ento a instituio ou aumento deve ser

    veiculado por lei. Da mesma maneira o dito

    princpio da anterioridade tributria9: se

    houver instituio ou aumento de tributos,

    ento s podem ser abrangidos fatos geradores

    ocorridos aps o incio da vigncia da lei que

    os houver institudo ou aumentado0.

    Esser no percebe que a morfologia de

    uma norma jurdica no predetermina sua

    interpretao. Ele no percebe ainda que a

    dialtica hermenutica promove uma fuso

    de horizontes entre o texto interpretado e o

    intrprete de modo que nem um nem o outro

    7 vILA, Teoria dos princpios, p. .8 Sem prejuzo de outras garantias asseguradas ao

    contribuinte, vedada Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios:

    I exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabelea;

    9 Sem prejuzo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, vedada Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios:

    III cobrar tributos:a) em relao a fatos geradores ocorridos antes

    do incio da vigncia da lei que os houver institudo ou aumentado;

    0 Cf. vILA, Teoria dos princpios, p. /4.

  • 49

    possam de modo a priori fixar sentidos

    prvios. Dito de outro modo, a forma de

    exteriorizao de um texto no tem o condo

    de fixar a maneira pelo qual ser compreendido

    pelo seu intrprete. Desse modo, Esser se

    mostra ainda ligado a uma concepo de

    interpretao anterior ao giro lingstico-

    pragmtico, eis que ela ainda se mantm

    ligada a padres da relao sujeito-objeto.

    Essa ltima tese de Esser pode ser

    associada tese de Summers, que sustenta

    que os princpios produziriam razes

    substantivas ou finalsticas enquanto as regras

    trariam consigo apenas razes de correo ou

    autoritativas. A despeito de tambm orientar

    sua contribuio em torno da aplicao do

    Direito, a obra de Summers traz mais uma

    vez associao direta noo de princpios

    como valores que consistiriam em um pano

    de fundo para a aplicao do Direito, que, no

    fundo, ficaria restrito s regras. vila resume

    de forma interessante esse ponto de vista:

    Por exemplo, a interpretao do princpio da moralidade ir indicar que a seriedade, a motivao e a lealdade compem o estado de coisas, e que comportamentos srios, esclarecedores e leais so necessrios. O princpio, porm, no indicar quais so, precisamente, esses comportamentos. J no caso das regras (...) o aplicador tambm pode considerar elementos especficos de cada situao, embora sua utilizao dependa de um nus de argumentao capaz de superar as razes para cumprimento da regra. A ponderao , por conseqncia, necessria. Isso significa que o trao distintivo no o

    SUMMERS, Robert. Two types of substantive reasons: the core of a theory of common law justification. In: The Jurisprudence of Laws Form and Substance (Collected Essays in Law). Alderhot, Ashgate, 000,Alderhot, Ashgate, 000, p. 55-.

    tipo de obrigao institudo pela estrutura condicional da norma, se absoluta ou relativa, que ir enquadr-la numa ou noutra categoria de espcie normativa. o modo como o intrprete justifica a aplicao dos significados preliminares dos dispositivos, se frontalmente finalstico ou comportamental, que permite o enquadramento numa ou noutra espcie normativa.

    Seria por demais simplista rejeitar a tese

    de Summers to-somente por ele sustentar

    que apenas na aplicao das regras seria

    necessria a considerao dos elementos

    especficos da situao concreta. No que esse

    seja um problema pequeno. Mas acreditamos

    haver outro bice to srio quanto o primeiro,

    mas que no bvio para o leitor comum.

    Summers procura a distino das espcies

    normativas na argumentao especfica para

    o emprego de princpios e regras. Mas, qual

    seria esse problema?

    Para compreend-lo melhor importante

    deixar claro que seu trabalho se esfora

    muito para implementar a superao do

    positivismo legalista entendido aqui no

    sentido de haver um imperativo obedincia

    cega aos textos legais. Logo, a noo de

    rightness reasons (fundamentos de correo)

    poderia justificar no caso concreto porque o

    intrprete teria deixado de aplicar uma regra

    que aparentemente lhe fosse adequada. Ou

    seja, as regras exigiriam uma argumentao

    especfica para serem ou deixarem de serem

    aplicadas no intuito de obteno de uma

    deciso correta para cada caso.

    Contudo, Summers no percebe que, no

    apenas as regras, mas todo Direito exige do

    intrprete o emprego de razes de correo

    vILA, Teoria dos Princpios, p. 40/4, sem destaque no original).

  • 50

    com o fito de alcanar a resposta correta na

    sua aplicao. No , pois, possvel dizer que

    o operador do Direito empregue apenas as

    razes de correo quando for trabalhar to-

    somente com parte do ordenamento jurdico,

    ou seja, as regras. De fato, subjacente ao

    esforo de Summers est o preconceito,

    em sentido gadameriano, de que os princpios

    seriam por demais abstratos e que, por

    conseguinte, s poderiam colaborar mediante

    a consecuo de fins para a aplicao

    do Direito.

    Por conseguinte, consideramos ser intil

    continuar desfiando os mesmos argumentos

    de outros doutrinadores ligados ao paradigma

    moderno, eis que as mais diferentes tentativas

    operadas para estabelecer a distino entre

    as espcies normativas nesse paradigma

    acabaram esbarrando nas limitaes da

    filosofia da conscincia e nas insuficincias

    de uma hermenutica alienada da histria

    efetual e do mundo da vida. Assim, percebe-se

    que todo esforo empreendido no sentido

    de buscar sinttica ou semanticamente

    caractersticas morfolgicas tpicas de

    regras e de princpios deu em nada. Curioso,

    no entanto, observar que, a despeito de

    tal constatao, no so poucos os que na

    doutrina nacional continuam divulgando tais

    teses, agora ligadas tambm s contribuies

    do paradigma contemporneo, como se

    fossem compatveis.

    Assim, pode-se dizer que Ronald Dworkin

    inaugurou o paradigma contemporneo

    da teoria dos princpios, buscando agora

    proceder distino por meio do modo

    de operao/aplicao das regras e dos

    princpios. Nesse sentido, Dworkin foi o

    primeiro a empreender tal esforo e o fez

    ainda na dcada de 90.

    Para melhor situar o contexto em que o

    texto The Model of Rules I foi escrito, preciso

    entender que nosso autor estava empenhado

    na superao das diferentes formas de

    hermenutica judiciria que, poca, eram

    inteiramente tributrias do positivismo,

    do utilitarismo ou de algumas variaes

    originais da common law norte-americana, o

    convencionalismo4 e o pragmatismo.

    De modo sinttico, Dworkin sustenta que

    a forma de aplicao das regras se submete

    ao modelo do tudo ou nada (all or nothing),

    no sentido de que em caso de antinomia entre

    regras, uma delas ser considerada invlida.

    O positivismo possui como esqueleto algumas poucas proposies centrais e organizadoras. (...) (a) O direito de uma comunidade um conjunto de regras especiais utilizado direta ou indiretamente pela comunidade com o propsito de determinar qual comportamento ser punido ou coagido pelo poder pblico. Essas regras especiais podem ser identificadas e distinguidas com auxlio de critrios especficos, de testes que no tem a ver com seu contedo, mas com o seu pedigree ou maneira pela qual foram adotadas ou formuladas (...) (b) O conjunto dessas regras jurdicas coextensivo com o Direito, de modo que se o caso de alguma pessoa no estiver claramente coberto por uma regra dessas (...) ento esse caso no pode ser decidido mediante q aplicao do direito.Ele deve ser decidido por alguma autoridade pblica, como um juiz, exercendo seu discernimento pessoal, o que significa ir alm do direito na busca por algum outro tipo de padro que o oriente na confeco de nova regra jurdica ou na complementao de uma regra j existente. (DWORKIN, Levando os direitos a srio, p. 8)

    4 Existem diferenas bvias entre o convencionalismo e as teorias semntico-positivistas que discuti no primeiro captulo. Mas h uma importante diferena. As teorias semnticas afirmam que a descrio que acabamos de apresentar se concretiza e se aplica por meio do prprio vocabulrio jurdico, de modo que seria uma espcie de auto-contradio dizer que o Direito confere direitos para alm daqueles estabelecidos por mecanismos sancionados por conveno. A concepo convencionalista do direito, ao contrrio, interpretativa: no faz nenhuma afirmao lingstica ou lgica dessa natureza. (DWORKIN, O Imprio do Direito, p. ).

  • 51

    Logo, se a hiptese de incidncia da regra

    viesse a ser atendida, sua conseqncia

    deveria ser aplicvel, exceto se a norma

    fosse tida por invlida5. A seu ver est claro

    que regras podem ter excees; contudo, se

    a lista for longa demais, ela poder acabar

    se transformando em outra regra, ou seria

    desajeitado demais recitar toda a lista de

    casos excepcionais descritos na norma. Por

    conseguinte, ele sustenta que se uma lei civil

    determina que a validade de um testamento

    seja a presena de trs testemunhas, de certo

    que se o documento for assinado apenas por

    duas pessoas ele no ser tido por vlido.

    Mas no assim que funcionam os princpios apresentados como exemplos nas citaes. Mesmo aqueles que mais se assemelham a regras no apresentam conseqncias jurdicas que se seguem automaticamente. Quando as condies so dadas. Dizemos que o nosso direito respeita o princpio segundo o qual nenhum homem pode beneficiar-se dos erros que comete (a ningum dado valer-se de sua prpria torpeza). Na verdade, comum que as pessoas obtenham vantagens, de modo perfeitamente legal, dos atos jurdicos ilcitos que praticam. O caso mais notrio o usucapio se eu atravesso suas terras sem autorizao durante muito tempo, algum dia adquirirei o direito de cruz-las quando o desejar. H muitos exemplos menos dramticos. Se um homem abandona seu trabalho, rompendo um contrato, para assumir outro emprego mais bem pago, ele pode ter que pagar indenizao a seu primeiro empregador,

    5 A diferena entre princpios jurdicos e regras jurdicas de natureza lgica. Os dois conjuntos de padres apontam para decises particulares acerca da obrigao jurdica em circunstncias especficas, mas distinguem-se quanto natureza da orientao que oferecem. As regras so aplicveis maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, ento ou a regra vlida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou no vlida, e neste caso em nada contribui para a deciso. (DWORKIN, Levando os direitos a srio, p. 9).

    mas em geral ele ter direito de manter seu novo salrio. Se um homem foge quando est sob fiana e cruza a fronteira estadual para fazer um investimento brilhante em outro estado, ele poder ser remetido de volta priso, mas ele manter os lucros.

    Desse modo, percebe-se que os princpios

    no fixam absolutamente sua aplicao, eis

    que exigem uma atitude reflexiva do intrprete

    de modo a respeitar-lhe sua dimenso de peso.

    Assim, no existem princpios contraditrios

    e sim princpios que concorrem entre si. E a

    soluo de tal concorrncia no deve seguir

    a proposta de discricionariedade inerente ao

    positivismo, mas uma reflexo que traduza

    os aspectos mais relevantes e profundos da

    moralidade poltica.

    Ao contrrio de Alexy, esse procedimento

    no pressupe uma gradao, mas uma cesso

    de um princpio diante do outro no caso

    concreto, por meio de excees de aplicao.

    Um dos dois princpios deve ceder nestas

    circunstncias (Dworkin, 88:70), e no

    necessariamente em outras circunstncias.

    Ao contrrio de Alexy, Dworkin parte do

    pressuposto de que o que move essa deciso

    a exigncia contingente de prosseguimento

    da jurisdio e do processo, ligadas

    Integridade do Direito:

    exigido de mim que encontre um lugar em toda interpretao geral de nossa prtica legal para todos os princpios (...). Nenhuma interpretao geral que negasse qualquer uma delas seria plausvel; a Integridade no poderia ser satisfeita se qualquer um deles fosse completamente rejeitado. Mas a Integridade exige que alguma soluo de sua coliso competitiva (...) seja tomada (...). A Integridade exige isto porque exige que eu termine a questo.7

    DWORKIN, Levando os direitos a srio, p. 40.7 GALUPPO, Igualdade e diferena, p. 88.

  • 52

    Galuppo j antecipa algumas diferenas

    entre a proposta de Dworkin e aquela

    procedida por Alexy. No entanto, entendemos

    que a teoria dos princpios do segundo foi

    fruto do esforo do autor de refinar a viso

    do primeiro. Assim, Alexy vai procurar

    construir uma distino no mbito da

    aplicao normativa, tal qual fez Dworkin.

    Mas, quais so suas particularidades?

    Para Alexy, a distino entre regras e

    princpios deve ser compreendida como

    um elemento essencial para a passagem

    da hermemutica positivista para uma

    hermenutica ps-positivista. Nesse sentido,

    os princpios so normas jurdicas prima

    facie38, eis que plasmariam mandados

    de otimizao aplicveis sob distintas

    possibilidades fticas. Desse modo, os

    princpios se distanciariam das regras por

    assumir uma dimenso de peso pela qual seria

    impossvel para o intrprete fixar de antemo

    suas conseqncias normativas.Desse

    modo, o eventual choque principiolgico se

    resolveria pela lei de coliso, por meio da

    qual, partindo-se da idia da ponderao de

    valores9, busca a formulao de regras de

    8 Para Alexy, tanto las reglas como los princpios son normas porque ambos dicen lo que debe ser. Ambos pueden ser formulados con ayuda de las expresiones denticas bsicas del mandato, la permison y la prohibicin. Los principios, al igual que las reglas para juicios concretos de deber ser, aun cuando sean razones de un tipo muy diferente. La distincin entre regals y principios es pues uno distinticin entre dos tipos de normas. (ALEXy, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estdios Constitucionales, 997, p.8).

    9 Alexy percebe o problema de trabalhar axiologicamente o Direito. Contudo, a despeitoContudo, a despeito de pretender escapar de tal engodo, acaba por justificar a forma de aplicao do Direito por meio de uma argumentao utilitarista de um mtodo que possibilitaria racionalizar as escolhas entre os meios e fins das medidas impugnadas.

    prevalncia que permitiriam que os princpios

    viessem a ser tratados deontologicamente, ou

    seja, sob a lgica do tudo ou nada.

    Seu raciocnio privilegia uma anlise

    hermenutica que levaria em conta tanto

    possibilidades normativas quanto fticas,

    eis que as regras de prevalncia40 somente

    poderiam ser justificadas com base em uma

    considerao das circunstncias especficas

    de cada caso concreto.

    De outra banda, as regras seriam normas

    jurdicas que expressariam mandados

    definitivos, eis que mero exame subsuntivo

    permitiria verificar o enquadramento (ou no)

    de suas premissas hipotticas ao caso.

    A distino entre princpios e regras segundo Alexy no pode ser baseada no modo tudo ou nada de aplicao proposto por Dworkin, mas deve resumir-se, sobretudo, a dois fatores: diferena quanto coliso, na medida em que os princpios colidentes apenas tm sua realizao normativa limitada reciprocamente, ao contrrio das regras, cuja coliso solucionada com a declarao de

    40 Ou seja, a determinao de uma relao de preferncia , de acordo com a lei da coliso, o estabelecimento de uma regra (ALEXY, 1993b:103) que vale naquelas (e somente naquelas) condies fticas e jurdicas. Isso significa que quando um tribunal diz que em um determinado caso (ou seja, sob dadas condies fticas e jurdicas) um princpio precede a outro, ele diz, em essncia, haver uma regra (que deve ser aplicada de modo incondicional e absoluto) que manda aplicar, naquele caso, aquele princpio, ou melhor, que determinados princpios apiam a aplicao de regras conflitantes (ALEXY, 1993b:100). A ponderao dos princpios implica a existncia de uma regra segundo a qual em toda situao em que o condicionamento ftico forem exatamente os mesmos, prevalecer sempre um nico e mesmo princpio. Como ele afirma, como resultado de toda ponderao jusfundamental correta, pode-se formular uma norma de direito fundamental adstrita, com carter de regra, sob a qual pode ser subsumido o caso (ALEXY, 1993b:98 e 134). (GALUPPO, Igualdade e diferena, p. 77).

  • 53

    invalidade de uma delas ou com a abertura de uma exceo que exclua a antinomia; diferena quanto obrigao que instituem, j que as regras instituem obrigaes absolutas, no superadas por normas contrapostas, enquanto os princpios instituem obrigaes prima facie, na medida em que podem ser superadas ou derrogadas em funo dos outros princpios colidentes.4

    Em relao diferena quanto coliso,

    Alexy percebe a construo de standards

    discursivos especficos para cada caso

    concreto (regras de prevalncia)4, enquanto

    para as hipteses de antinomias entre regras,

    ele procurava refinar perspectiva de

    Dworkin4 outras clusulas de exceo alm da

    questo da validade. Por clusulas de exceo

    podemos entender tanto a possibilidade de

    enumerao de hipteses excepcionais para

    a incidncia das regras quanto s clssicas

    modalidades de afastamento da incidncia

    de uma das regras. No primeiro caso, estaria

    o exemplo da proibio dos discentes de

    deixar a sala de aula durante o perodo de

    magistrio e a exceo em relao a eventual

    aviso de incndio. De outro lado, alm do

    critrio hierrquico (pelo qual a regra

    4 vILA, Teoria dos princpios, p. 0).4 (...) las condiciones, bajo las que un principio

    prevalece sobre outro, forman el supuesto de hecho de una regla que determina las consecuencias jurdicas del principio prevalecente. (ALEXy, Robert. Derecho y razn prtica. Mxico: Distribuiciones Fontamara,Mxico: Distribuiciones Fontamara, 99, p. 7)

    4 Se duas regras entram em conflito, uma delas no pode ser vlida. A deciso de saber qual delas vlida e qual deve ser abandonada ou reformulada, deve ser tomada recorrendo-se a consideraes que esto alm das prprias regras. Um sistema jurdico pode regular esses conflitos atravs de outras regras, que do precedncia regra promulgada pela autoridade de grau superior, regra promulgada mais recentemente, regra mais especfica ou outra coisa desse gnero. (DWORKIN, Levando os direitos a srio, p. 4).

    hierarquicamente superior afasta a regra de

    condio inferior), que tecnicamente seria o

    nico ligado questo da validade, caso a

    entendamos por conformidade com os ditames

    formais e matrias de norma superior, no

    seria irracional acrescentar outras solues

    operadas no caso de antinomia de regras,

    quais sejam, pelo emprego ao recurso das

    chamadas clusulas de exceo, os critrios

    cronolgico (pelo qual a lei mais recente

    revoga/afasta a lei anterior), da especialidade

    (pelo qual a regra mais especfica para o caso

    afasta a regra de carter mais geral) e o da

    territorialidade (para a soluo de coliso de

    normas jurdicas oriundas de ordenamentos

    jurdicos distintos).

    Quanto obrigao, os princpios vo

    requerer um exame das possibilidades

    fticas para sua aplicao, ligando a lei da

    coliso aos subprincpios da adequao e da

    necessidade. J o problema das possibilidades

    normativas, Alexy formula sua conhecida lei

    da ponderao, pela qual quanto maior seja o

    grau de prejuzo no tocante ao cumprimento e

    observncia de um princpio, maior dever ser

    o grau de importncia para o adimplemento

    do outro.

    Debaixo de cerradas crticas quanto

    i r r a c iona l i dade 44 de sua l e i da

    44 Diferentemente do que preconiza a doutrina da ponderao, no so necessrias compresses ou renncias por parte de qualquer dos interesses conflitantes. A idia de que algo deve ser perdido no processo de soluo de um tal conflito , concessa venia, to incorreta como afirmar que um valor mais importante ou mais pesado do que o outro dentro do sistema, ainda que em determinado caso. Os critrios dessa medida jamais so exteriorizados pelos tericos da ponderao, mas antes deixados confortavelmente, sob o manto da tpica, ao subjetivismo do intrprete.

    Pior ainda se afigura defender que as compresses sejam recprocas, a fim de que um princpio no seja

  • 54

    ponderao45, Alexy procura defender-se em

    textos posteriores nos quais procura explicitar

    critrios mais claros para o emprego da

    engolido pelo outro. Parte-se da idia, de duvidosa

    correo, segundo a qual melhor ver dois princpios

    sendo aplicados numa intensidade menor que ver um

    aplicado em detrimento do outro. Em suma, chega-se

    a defender que melhor aplicar 30% (supondo que

    a aplicao de um princpio possa ser objetivamente

    pesada, o que duvidoso) de dois princpios colidentes

    que 100% de um e 0% de outro. Com isso tamanhas podem

    ser as compresses que srio o risco de alcanar-se

    uma soluo que no tutele suficientemente qualquer dos

    interesses em jogo,nem proteja suficientemente qualquer

    das partes. (SILvA, Antnio Henrique Corra. Coliso

    de princpios e ponderao de interesses: soluo ruim

    para problema inexistente. Rio de Janeiro: manuscrito,

    00, p, 0-, p. 7).45 Habermas entende que a maneira pela qual Alexy

    concebe as leis de coliso e de ponderao implica uma

    concepo axiologizante do direito, pois a ponderao,

    nos moldes pensados pela teoria dos princpios jurdicos

    como mandados de otimizao, s possvel porque

    podemos preferir um princpio a outro, o que s faz

    sentido se os concebermos como valores, pois apenas

    porque so concebidos como valores que os seres

    podem ser objeto de mensurao pela preferebilidade,

    constitutiva do prprio conceito de valor, uma vez que o

    valor, como aponta Lalande, pode ser entendido como o

    carter das coisas consistindo em que elas so mais ou

    menos estimadas ou desejadas por um sujeito ou, mais

    ordinariamente, por um grupo de sujeitos determinados

    (LALANDE, 1960: 1183. Grifos meus). Ao assumir

    tal posio Alexy confunde as normas jurdicas (e em

    especial os princpios) com valores, o que torna sua

    teoria inconsistente, pois, de um lado, Alexy afirma:

    A diferena entre princpios e valores se reduz a

    um ponto. O que no modelo dos valores prima facie o

    melhor , no modelo dos princpios, prima facie devido; e

    o que no modelo dos valores definitivamente melhor ,

    no modelo dos princpios, definitivamente devido. Assim,

    os princpios e os valores se diferenciam em virtude de

    seu carater deontolgico e axiolgico respectivamente.

    No direito, do que se trata do que devido. Isto fala em

    favor do modelo dos princpios (ALEXY, 1993b:147).

    Mas, de outro, ao tentar resolver o problema

    dos conflitos entre os princpios, o autor adota um

    procedimento tpico da axiologia. (GALUPPO, Igualdade

    e diferena, p. 79/80).

    lei da ponderao4. Contudo, ao invs de

    melhorar, sua posio acaba por destruir

    definitivamente sua construo original, eis

    que passa a admitir regras de prevalncia

    em abstrato, como bem observa Meyer:

    Para possibilitar uma metodologia ainda mais detalhada, Alexy apresenta uma escala de interferncia num princpio jurdico e no interferncia em outro: esta pode ser leve (light), moderada (moderate), sria (serious). Essas interferncias so concretas, como ele reconhece; mas pode haver certas medidas ou pesos definidos em abstrato, segundo a relao de um princpio com outro independentemente das circunstncias de um caso concreto. O direito vida, por exemplo, teria um peso em abstrato maior do que o direito de liberdade de ao.47

    Alexy parece no perceber que, ao admitir

    possibilidades de que a lei da ponderao

    possa estabelecer-se de forma desconectada

    da realidade, sua teoria acaba definitivamente

    retornando ao paradigma positivista. Primeiro

    porque pretende cindir a interpretao

    em duas, eis que seu ps-positivismo se

    limita aplicao dos princpios enquanto

    o emprego de regras ainda ficaria sob a

    gide do positivismo48 e de seus mtodos de

    4 Cf. ALEXy, Balancing and subsumption, p. 440.47 MEyER, As sentenas intermedirias no marco

    de uma compreenso constitucionalmente adequada do controle jurisdicional de constitucionalidade ao paradigma procedimentalista do Estado Democrtico de Direito, p. .

    48 Alexy divide as normas jurdicas em duas categorias, as regras e os princpios. Essa diviso no se baseia em critrios como generalidade e especialidade da norma, mas em sua estrutura e forma de aplicao. Regras expressam deveres definitivos e so aplicadas por meio de subsuno. Princpios expressam deveres prima facie, cujo contedo definitivo somente fixado aps sopesamento com princpios colidentes. (AFONSO DA SILvA. O proporcional e o razovel, p. 5).

  • 55

    interpretao49. Segundo, porque, ao dizer

    que as regras de prevalncia da ponderao

    podem ser fixadas abstratamente em

    carter definitivo, abandona qualquer

    perspectiva lingstico-pragmtica legada

    pela hermenutica como analtica existencial,

    desde Heidegger e Gadamer50. Logo,

    49 Portanto, ao se falar em nova interpretao constitucional, normatividade dos princpios, ponderao de valores, teoria da argumentao, no se est renegando o conhecimento convencional, a importncia das regras ou a valia das solues subsuntivas. Embora a histria das cincias se faa, por vezes, em movimentos revolucionrios de ruptura, no disso que se trata, aqui. A nova interpretao constitucional fruto de evoluo seletiva, que conserva muitos dos conceitos tradicionais, aos quais, todavia, agrega idias que anunciam novos tempos e acodem a novas demandas.(BARCELLOS, Ana Paula de; BARROSO, Lus Roberto. O comeo da histria: a nova interpretao constitucional e o papel dos princpios no Direito Brasileiro. AFONSO DA SILvA, Lus virglio (Org.). Interpretao constittucional. So Paulo: Malheiros, 005, p. 75).

    50 curioso observar que a doutrina nacional tributria do pensamento de Alexy parece ter se antecipado na possibilidade de uma ponderao em abstrato, como se percebe da passagem seguinte: Quando se fala em ponderao, a imagem que em geral se formar na mente do leitor a do magistrado colocado diante de um complexo caso concreto para o qual no h soluo pronta no ordenamento ou, pior que isso, para o qual o ordenamento sinaliza com solues contraditrias diante das quais caber a ele decidir o que fazer: ningum pode ajud-lo e no h a quem recorrer. O quadro que se acaba de descrever corresponde, sem dvida, a um momento da tcnica da ponderao, mas apenas a um, ou a uma das formas possveis da sua manifestao. Tanto assim que possvel imaginar uma outra cena. Um grupo de professores se encontra para debater o conflito potencial que existe entre, e.g., a liberdade de imprensa e de informao e a intimidade, honra e vida privada. No encontro, diversos questionamentos so formulados na tentativa de demarcar as fronteiras de convivncia desses bens protegidos constitucionalmente: (...) Ora, o que os professores reunidos esto fazendo tambm uma forma de ponderao, s que se trata de uma ponderao em abstrato. (BARCELLOS, Ana Paula de. Alguns parmetros normativos para a ponderao constitucional. BARROSO, Lus Roberto (Org.). A nova interpretao constitucional. Ponderao, Direitos fundamentais e relaes privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 00, p. 0, sem destaque no original).

    perdem-se at mesmo as condies de

    possibilidade para o conhecimento, que dir

    ento das condies de validade do mesmo.

    Alexy e seus seguidores no percebem

    o problema e diante das crticas propugnam

    cada vez mais uma racionalidade em torno

    de frmulas matemticas do peso na lei da

    ponderao, como se com isso fosse possvel

    tornar racionalizvel sua teoria. Tal como as

    avestruzes que escondem suas cabeas na

    terra para no ver o perigo, Alexy no percebe

    que sua dicotomia de espcies normativas

    no tem como subsistir no estgio atual de

    racionalidade filosfica e cientfica.

    Ademais, seus seguidores parecem no

    perceber que a posio de Dworkin jamais

    esteve ao lado das idealizaes discursivas

    de Alexy. Com supedneo em Aleinikoff,

    podemos dizer que Dworkin jamais

    abandonou uma concepo deontolgica

    do Direito, eis que no instante em que

    fala de dimenso de peso para a aplicao

    dos princpios no se submete lgica do

    prefervel, pois se no os chamados por

    ele argumentos de princpio no seriam

    trunfos necessrios na operacionalizao do

    Direito. Para Dworkin, ponderar significa

    refletir, avaliar, pensar, ou seja, procurar

    ser honesto para consigo, para com sua

    histria de vida e de uma comunidade de

    princpios diante de um caso, enquanto para

    esses seguidores, ponderar implica a adoo

    de uma teoria particular de interpretao

    axiolgica do Direito baseada na justificao

    e na racionalidade do tipo matemtica.5

    5 In sum, balancing is not inevitable. To balance the interests is not simply to be candid about how our minds and legal analysis must work. It is to adopt a particular theory is interpretation that reuires justification. (ALEINIKOFF, Alexander. Constitutional law in the age of balancing. The yale Law Journal, vol. 9, n 05, abr. 987, p. 00).

  • 56

    Um dos erros centrais da tcnica de

    ponderao de valores o de no perceber

    que a dvida inicial diante de um caso

    concreto que conduz percepo de que

    haja dois princpios em coliso no passa

    de um uma antecipao, ou seja, de um

    preconceito do operador do Direito. Contudo,

    nem sempre isso ocorre. Nesse processo

    comum tanto a soluo nos incorrer de

    forma imediata quanto o operador do Direito

    constatar que no lhe ocorre nenhuma feliz

    idia sobre o problema. Mas, como mera

    antecipao, desde Gadamer aprendemos

    que devemos lidar com ela de modo a evitar

    que essas felizes idias possam conduzir

    o processo hermenutico pelo caminho

    do decisionismo.

    Depois, preciso ficar claro que nenhum

    caso concreto pode ser limitado comparao

    de dois princpios. Dito desse modo, quando

    lembramos do caso do habeas corpus

    n. 77-4, apreciado pelo Supremo da

    dcada de 990, aparentemente tnhamos

    dois princpios em coliso: o princpio da

    intimidade do filho ansioso por confirmar a

    paternidade daquele que ele julgava ser seu

    pai e, de outro lado, o princpio da integridade

    fsica e moral. Contudo, a questo de certo

    envolvia outros princpios? Desse modo,

    os princpios da liberdade de locomoo e

    da dignidade da pessoa humana, de certo

    estavam envolvidos. Assim, diriam os

    adeptos da ponderao, o trabalho deveria ser

    armar a equao, colocando em cada lado

    da balana todos os princpios em questo.

    A resposta dada pelo Supremo baseou-se na

    noo do devido processo legal, de forma a

    impedir que algum fosse obrigado a fazer

    prova contra si mesmo. Ora, o problema

    que a tcnica da ponderao no percebe

    que a deciso jamais partir da controvrsia

    entre dois princpios, pois a argumentao

    envolve sempre todo o Direito. A resposta

    encontrada pelo senso de adequabilidade

    dos envolvidos na questo e aqui se trata

    de um processo e jamais de uma deciso

    solipsista do juiz de modo a examinar

    todo o ordenamento do Direito em face das

    circunstncias relevantes do caso concreto.

    Contudo, deixemos de lado um pouco a

    perspectiva de Dworkin para nos aprofundarmos

    um pouco mais na teoria dos princpios que d

    suporte aos adeptos da ponderao de valores.

    Assim, que, a despeito de todos os problemas

    acima elencados, a perspectiva de Alexy vem

    ganhando cada vez mais adeptos na doutrina

    nacional. Alguns de seus discpulos buscam

    garantir a pureza de suas lies contra aquilo

    que denominam de ecletismo, tentando realar

    as incongruncias do emprego da tcnica da

    ponderao por nossos tribunais, tal como em

    Afonso da Silva; outros procuram demonstrar

    novas perspectivas para o uso da ponderao,

    tal como em Humberto Bergmann vila e

    Ana Paula Barcellos. Desse modo, cumpre

    que adentremos no debate entre puristas

    e alternativos defensores da ponderao

    de valores.

    Barcellos sustenta que, alm dos critrios

    apontados por Alexy, seria necessrio

    acrescentar dois elementos suplementares,

    quais sejam, o da indeterminao de seus efeitos

    e o da multiplicidade de meios para atingi-los5.

    Para tanto aduz, por exemplo, que o princpio

    do pleno emprego possa ser concretizado pelas

    mais variadas polticas pblicas.

    5 Cf. BARCELLOS, Ana Paula. A eficcia jurdica dos princpios constitucionais: o princpio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 00, p. 54).

  • 57

    Quanto ao aspecto da generalidade,

    seria desnecessrio tocarmos novamente no

    assunto. Quanto ao segundo aspecto, Afonso

    da Silva sustenta e a nosso ver com

    razo que qualquer direito fundamental

    tem uma dupla dimenso, uma positiva, que

    demanda uma ao, e outra negativa, que

    exigiria uma omisso. Assim, quando se trata

    do direito de propriedade, tanto necessrio

    que haja poltica pblica de garantia de

    casa prpria para os mais carentes quanto

    preciso que todos respeitem e abdiquem

    de aes que ofendam tal direito. E, por

    conseguinte, a questo da multiplicidade de

    meios para atingi-lo seria uma caracterstica

    apenas parcial dos princpios, eis que incidiria

    somente na sua dimenso positiva, alm do

    que inafastvel tambm das regras que dariam

    suporte ao prprio princpio.

    Se examinarmos as normas de direitos fundamentais, veremos que quase todas elas impem tanto uma omisso quanto uma ao. A liberdade de imprensa, por exemplo, impe tanto omisses a no-existncia de censura, por exemplo quanto aes a garantia de uma imprensa plural, com o combate a monoplio, poderia ser uma delas. O mesmo vale para o direito vida, j que o Estado deve abster-se de matar vedao da pena de morte, por exemplo e, ao mesmo tempo, garantir que a vida dos cidados no seja ameaada, criando e mantendo, para isso, aparatos policial e judicial eficientes, ou na elaborando leis penais eficazes, dentre outras providncias. A multiplicidade de meios para atingir efeitos pretendidos, citada por Ana Paula de Barcellos, , portanto, uma caracterstica apenas parcial dos princpios, ou seja, ela somente aplicvel ao mbito positivo deles, no estando presente no seu aspecto meramente negativo, conhecido como direito de defesa.5

    5 AFONSO DA SILvA, Lus virglio. Princpios e regras: mitos e equvocos acerca de uma distino. Belo Horizonte: Del Rey, Revista Latino Americana de Estudos constitucionais, p. 07-8, p. 4/5).

    Em nosso sentir, tal caracterstica no

    logra distinguir as espcies normativas nem

    mesmo de forma parcial. Ora, quando se

    trata de direito vida, de certo, devemos

    incluir textos de cunho penal, tal como a que

    tipifica o homicdio, seja culposo ou doloso,

    por exemplo. Assim, todos, e pelas mais

    variadas formas de absteno (diligncia no

    trnsito, cuidado na dispensao de remdios,

    vigilncia para com as crianas, apenas a

    ttulo de exemplificao) devem garantir

    o direito vida, impedindo a prtica de

    homicdios. Todavia, para os cultores de tal

    distino, tal dispositivo no seria uma regra?

    Ora, mais uma vez o problema de no se

    compreender a hermenutica de modo crtico,

    dentro do refinamento lingstico-pragmtico

    acaba acarretando esse tipo de distino, a

    nosso ver desarrazoada.

    Quanto tese de Humberto vila, a

    importncia de sua colaborao para o

    desenvolvimento da teoria dos princpios

    significativa no contexto nacional. E, quanto

    s crticas que lhe so dirigidas por Afonso

    da Silva, cremos ser, em sua maioria,

    descabidas. Contudo, uma delas acerta em

    cheio: no h como negar que de todas as

    hipteses que vila elenca como casos de

    coliso de princpios apenas uma delas pode

    ser enquadrada a partir da perspectiva de

    Alexy. veja:

    Para demonstrar sua tese, Bergmann vila sugere que as colises entre princpios sejam classificadas em quatro categorias distintas; () a realizao do fim institudo por um princpio leva realizao do fim determinado pelo outro; nesse caso, no haveria que se falar em mxima medida, mas somente em realizao na medida necessria; () a realizao do fim institudo por um exclui a realizao do fim determinado pelo outro; nesse caso, o problema s poderia ser solucionado com a

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    rejeio de um dos princpios. Esse tipo de coliso seria, segundo ele, semelhante aos casos de conflito entre regras. Isso o leva a afirmar que a diferena no est no fato de que as regras devem ser aplicadas no todo e os princpios na mxima medida. Ambas as espcies de normas devem ser aplicadas de modo que o seu contedo de dever ser seja realizado totalmente; () a realizao do fim institudo por um s leva realizao de parte do fim determinado pelo outro; (4) a realizao do fim institudo por um no interfere na realizao do fim buscado pelo outro. Examinemos as quatro categorias propostas por Humberto vila com um pouco mais de ateno. Salta aos olhos, logo de incio, que apenas a segunda delas configura uma coliso de princpios. Nas outras trs hipteses, simplesmente no h coliso.54

    Contudo, a contribuio de vila para uma

    melhor compreenso da teoria dos princpios a

    ns parece essencial. E a razo simples: vila

    desconstri a tese de Alexy segundo a qual as

    regras somente poderiam ser aplicadas sob o

    modelo subsuntivo do tudo ou nada. Em sua

    opinio a ponderao de valores poderia ser

    perfeitamente aplicvel para as regras e no

    apenas para os princpios. Assim, tambm as

    regras teriam seu modo de operar definido por

    uma dimenso de peso, simplesmente porque

    a dimenso axiolgica do Direito no est

    circunscrita aos princpios: ela permeia todo

    o ordenamento jurdico55.

    54 AFONSO DA SILvA, Lus virglio. Princpios e regras: mitos e equvocos acerca de uma distino, p. 0).

    55 Tambm no coerente afirmar que somente os princpios possuem uma dimenso de peso. Em primeiro lugar, h incorreo quando se enfatiza que somente os princpios possuem uma dimenso de peso. Como demonstram os exemplos antes trazidos, a aplicao das regras exige o sopesamento de razes, cuja importncia ser atribuda (ou coerentemente intensificada) pelo aplicador. A dimenso axiolgica no privativa dos princpios, mas elemento integrante de qualquer norma jurdica, como comprovam os mtodos de aplicao que

    Desse modo, a dimenso de peso no

    seria um atributo especfico dos princpios,

    capaz de os tornar distintos das regras. Na

    verdade, a dimenso do peso seria uma

    caracterstica da deciso estabelecida em

    funo das circunstncias concretas de cada

    caso concreto. E d uma srie de exemplos

    capaz de confirmar sua tese.

    O primeiro deles particularmente

    interessante porque aborda matria de cunho

    penal, no qual prevalece a concepo de que

    sua tipologia seria fechada e, desse modo, mais

    afeta concepes positivistas de uma tcnica

    subsuntiva. vila demonstra justamente o

    contrrio: o caso se liga aplicao do artigo

    4 do Cdigo Penal, pelo qual a relao

    sexual praticada com menor de 4 (quatorze)

    anos deve-se ter por presumida a violncia.

    Contudo, a despeito do teor do texto legal, o

    Supremo vem considerando circunstncias

    particulares no previstas pelas normas, tais

    como a aquiescncia da vtima e sua aparncia

    fsica e (ou) mental de pessoa com idade

    superior ao limite do tipo5.

    relacionam, ampliam ou restringem o sentido das regras em funo dos valores e fins que elas visam a resguardar. As interpretaes, extensiva e restritiva, so exemplos disso. Em segundo lugar, h incorreo quando se enfatiza que os princpios possuem uma dimenso de peso. A dimenso de peso no algo que j esteja incorporado a um tipo de norma. As normas no regulam sua prpria aplicao. No so, pois, os princpios que possuem uma dimenso de peso: s razes e aos fins aos quais eles fazem referncia que deve ser atribuda uma dimenso de importncia. A maioria dos princpios nada diz sobre o peso das razes. a deciso que atribui aos princpios um peso em funo das circunstncias do caso concreto. (...) Vale dizer, a dimenso de peso no um atributo emprico dos princpios,justificador de uma diferena lgica relativamente s regras, mas resultado de juzo valorativo do aplicador. (vILA, Teoria dos princpios, p. 50/51, sem destaque no original).

    5 Cf. STF, turma, HC 7.-9, relator Min. Marco Aurelio, DJU 0.09.99.

  • 59

    Outro deles se liga construo do conceito

    de improbidade administrativa. Dessa vez o

    Supremo absolveu Prefeita Municipal que

    contratou um nico gari, pelo perodo e nove

    meses, sem a realizao prvia de concurso

    pblico, em desacato ao disposto no artigo 7,

    inciso II da Constituio Federal. Na ocasio,

    o Supremo entendeu que sua condenao

    feriria o princpio da razoabilidade, eis que

    no ficou constatado pelas provas documentais

    e testemunhais qualquer prejuzo aos cofres

    pblicos locais57.

    vila menciona ainda um terceiro caso,

    curioso tambm por entrar em uma seara na

    qual a maioria dos nossos operadores do Direito

    julga ser privativa ou, melhor dizendo, mais

    afeioada tcnica da subsuno de uma

    conceitualidade fechada. Observe:

    A legislao tributria federal estabelecia que o ingresso no programa de pagamento simplificado de tributos federais implicava a proibio de importao de produtos estrangeiros. Se fosse feita importao, ento a empresa seria excluda do programa de pagamento simplificado.Uma pequena fbrica de sofs, enquadrada como empresa de pequeno porte para efeito de pagar conjuntamente os tributos federais, foi excluda desse mecanismo por ter infringido a condio legal de no efetuar a importao de produtos estrangeiros. De fato, a empresa efetuou uma importao. A importao, porm, foi de quatro ps de sofs, para um s sof, uma nica vez. Recorrendo da deciso, a excluso foi anulada por violar a razoabilidade, na medida em que uma interpretao dentro do razovel indica que a interpretao deve ser feita em consonncia com aquilo que, para o senso comum, seria aceitvel perante a lei. Nesse caso, a regra segundo a qual proibida a importao para a permanncia no regime

    57 Cf. STF, Turma, HC 77.00-4, Relator Min. Marco Aurelio, DJU .09.998.

    tributrio especial incidiu, mas a conseqncia do seu descumprimento no foi aplicada (excluso do regime tributrio especial), porque a falta de adoo do comportamento por ela previsto no comprometia a promoo do fim que a justificava (estmulo da produo nacional por pequenas empresas).58

    Afonso da Silva, percebendo o perigo

    potencial de imploso da teoria dos princpios

    alexyana, procura responder tal assertiva.

    Porm, em nossa opinio, no bem-sucedido.

    vila sustenta ancorado na opinio de Hage59

    que a dimenso de peso no fixada pela

    estrutura da norma, mas do uso que se faz da

    mesma, ou seja, que o peso fixado em razo

    das circunstncias de cada caso concreto.

    Para contradit-lo, Afonso da Silva afirma

    que diante de uma coliso de princpios o

    que se aplica no o dever-ser prima facie

    de um princpio e sim o dever-ser constitudo

    pela regra prevalecente oriunda da prpria

    ponderao0. Assim o dever-ser prima

    facie do princpio, que lhe permite ser