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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ- UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ CURSO DE DIREITO NÚCLEO DA PRÁTICA JURÍDICA SETOR DE MONOGRAFIA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA QUANTO À LEI N. 9.605 DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998 MURILO DE OLIVEIRA MASCARENHAS SÃO JOSÉ (SC), 2004

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ- UNIVALI CENTRO DE …siaibib01.univali.br/pdf/Murilo Mascarenhas.pdf · Ao professor de português Ivo Zimmermann, obrigado pela assessoria sobre

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ- UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ CURSO DE DIREITO NÚCLEO DA PRÁTICA JURÍDICA SETOR DE MONOGRAFIA

RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA QUANTO À LEI N. 9.605 DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998

MURILO DE OLIVEIRA MASCARENHAS SÃO JOSÉ (SC), 2004

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ- UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ CURSO DE DIREITO NÚCLEO DA PRÁTICA JURÍDICA SETOR DE MONOGRAFIA

RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA QUANTO À LEI N. 9.605 DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de bacharel em Direito da Universidade do Vale do Itajaí, sob orientação do Professor Especialista Juliano Keller do Vale.

MURILO DE OLIVEIRA MASCARENHAS

SÃO JOSÉ (SC), 2004

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ- UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ CURSO DE DIREITO NÚCLEO DA PRÁTICA JURÍDICA SETOR DE MONOGRAFIA

RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA COM ENFOQUE

ESPECIAL À LEI N. 9.605 DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998

MURILO DE OLIVEIRA MASCARENHAS A presente monografia foi aprovada como requisito para obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí- UNIVALI. São José, de 2004.

Banca examinadora: _____________________________________ Prof. Esp. Juliano Keller do Vale - Orientador ___________________________________ Prof(a). ___________________________________ Prof(a). ___________________________________ Prof(a).

Dedico este texto: A Deus pelo dom da vida e aos meus pais por me fazerem parte dela.

AGRADECIMENTOS

A Deus pelo maravilhoso dom da vida;

Aos meus pais, fonte inesgotáveis de amor, dedicação e compreensão, responsáveis, pela minha graduação;

A minha avó Nézia, pela sua força, sabedoria, e carinho com seus netos, sempre com as portas abertas para

aconchego de seu lar;

Meus irmãos obrigado pela união e amizade, Alexandre, Andréia e Cristiano em especial a caçula Débora, pela

assessoria nos momento difíceis da realização deste trabalho;

Ao orientador Juliano Keller do Vale, professor e profissional competente, obrigado pela dedicação em doar

parte de seu tempo e conhecimento;

A todos professores, formadores de profissionais, obrigado pela aprendizagem repassados durante esta árdua

jornada de cinco anos;

Meus amigos e chefes, Dr. José Manoel Soar, Dr. Marco Soar, Dr. Luís Antônio Fornerolli, obrigado pela

aprendizagem ao estagiar junto a vocês;

Ao professor de português Ivo Zimmermann, obrigado pela assessoria sobre o uso correto da língua portuguesa;

E, por fim, agradeço a todos companheiros de trabalho e de sala de aula, eternamente sou grato, espero nesta

nova jornada que estes laço de amizade perdurem para sempre.

“Os progressos técnicos fornecem os meios de aniquilar a vida humana e tudo o que foi duramente criado pelo homem [...]. Não é pavoroso ser constrangido pela comunidade a realizar atos que cada um, diante de sua consciência, considere criminosos?” (EINSTEIN, Albert).

RESUMO

Na experiência de pesquisador como estudante de direito e estagiário, chamou-me atenção o tema que trata sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, pois o direito penal tem como principal característica a proteção e tutela dos interesses individuais, entretanto com o crescimento e força das pessoas coletiva viu-se a necessidade de responsabilizalar penalmente as pessoas jurídicas. A partir deste questionamento, e estudo realizados, surgiu a elaboração do tema, com intuito de indagar a possibilidade, de punição, das pessoas jurídicas na prática de infrações, com enfoque especial a Lei dos Crimes Ambientais no ordenamento jurídico penal brasileiro. Além do mais, como a matéria ao longo dos tempos vem sendo motivo de algumas divergências decorrentes de doutrinadores importantes que opõe-se está idéia, é objetivo deste estudo, possibilitar a contribuição para o esclarecimento dos acadêmicos e operadores de direito em geral. PALAVRAS-CHAVES: responsabilidade penal, pessoa jurídica e aplicação da pena.

LISTA DE ABREVIATURAS

a.C - Antes de Cristo

Art. - Artigo

Cf. - Conforme

CC - Código Civil

CEE - Comunidade Econômica Européia

CF - Constituição Federal

CP - Código Penal

CPP - Código de Processo Penal

ex. - Exemplo

inc. - Inciso

n. - Número

OEA - Organização dos Estados da América

ONU - Organização das nações unidas

p. - Página

s.s - Seguintes

UNESCO - Organização das Nações Unidas para Educação a Ciência e a Cultura

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................11

1 RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA............................................13

1.1 Evolução histórica...............................................................................................................13 1.1.1 Babilônia ..........................................................................................................................14 1.1.2 Direito grego ....................................................................................................................14 1.1.3 Direito romano.................................................................................................................15 1.1.4 Glosadores .......................................................................................................................16 1.1.5 Direito canônico...............................................................................................................16 1.1.6 Os pós-glosadores ............................................................................................................17 1.2 Teorias ................................................................................................................................18 1.2.1 Teoria da ficção ...............................................................................................................18 1.2.2 Teoria da realidade...........................................................................................................19 1.3 Argumentos contrários e favoráveis à responsabilidade penal da pessoa jurídica .............21 1.3.1 Argumentos contrários.....................................................................................................21 1.3.2 Argumentos favoráveis ....................................................................................................22 1.4 Proposta de uma “terceira via de solução” .........................................................................24 1.5 Panorama internacional - breves considerações .................................................................26 1.5.1 Países que reconhecem a criminalidade da pessoa jurídica .............................................28 1.5.2 Países contrários à criminalidade da pessoa jurídica .......................................................30

2 ASPECTOS GERAIS ACERCA DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA...............................................................................................................................33

2.1 Aspectos da pessoa jurídica ................................................................................................33 2.1.1 Conceito de pessoa jurídica .............................................................................................33 2.1.1.1 Pessoas jurídicas de direito público ..............................................................................34 2.1.1.2 Pessoas jurídicas de direito privado..............................................................................37 2.1.2 Criação e término da pessoa jurídica ...............................................................................39 2.1.2.1 Criação ..........................................................................................................................39 2.1.2.2 Término.........................................................................................................................41 2.2 Aspectos penais...................................................................................................................42 2.2.1 Conceito de crime. ...........................................................................................................42 2.2.1.1 Sujeito ativo do crime ...................................................................................................44 2.2.1.2 Sujeito passivo do crime ...............................................................................................44 2.2.2 Concurso de pessoas ........................................................................................................45 2.2.2.1 Autoria ..........................................................................................................................46 2.2.2.2 Co-autoria .....................................................................................................................47 2.2.2.3 Partícipe ........................................................................................................................48 2.2.3 Conceito de tipo e tipicidade penal ..................................................................................49 2.2.4 Imputabilidade penal........................................................................................................50 2.2.5 Finalidade da pena ...........................................................................................................51 2.2.6 Princípios .........................................................................................................................52 2.2.6.1 Princípio da legalidade..................................................................................................52 2.2.6.2 Princípio da proporcionalidade .....................................................................................53 2.2.6.3 Princípio do “bis in idem” ............................................................................................53

3 RESPONDABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA BRASILEIRA E A LEI N. 9.605/98 ....................................................................................................................................55

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3.1 Constituição Federal ...........................................................................................................55 3.2 Conceito de meio ambiente.................................................................................................57 3.2.1 Finalidade de proteção .....................................................................................................58 3.3 Responsabilidade dos dirigentes .........................................................................................58 3.3.1 Concurso necessário ........................................................................................................60 3.3.2 Sistema da dupla imputação ............................................................................................61 3.3.3 Sistema da dupla imputação X principio do “bis in idem” ..............................................61 3.4 Responsabilidade penal da pessoa jurídica e a Lei n. 9.605/98 ..........................................62 3.5 Das penas ............................................................................................................................65 3.5.1 Pena de multa...................................................................................................................66 3.5.2 Restritiva de direito..........................................................................................................67 3.5.3 Prestação de serviço à comunidade..................................................................................68 3.6 Principais críticas à Lei n. 9605/98.....................................................................................69 CONCLUSÃO ..........................................................................................................................72 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .....................................................................................74 ANEXO I - Lei n.º 9.605/1998.................................................................................................79 ANEXO II - Jurisprudência Catarinense ..................................................................................98

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INTRODUÇÃO

A idéia de realizar este estudo, bastante intrigante e desafiador, mas muito especial, originou-se do

grande questionamento que se faz ao utilizar o direito penal, cuja característica principal é a proteção e tutela das

garantias individuais para os seres coletivos, ou seja, questiona-se a possibilidade das pessoas jurídicas serem

responsabilizadas penalmente.

Para alcançar os objetivos do tema proposto, o foco central da presente pesquisa

pautou-se principalmente na pesquisa bibliográfica, buscando-se por meio dos ensinamento

dos doutrinadores, o esclarecimento da possibilidade ou não da responsabilidade penal dos

entes morais; também, como fonte secundária, utilizou-se os entendimentos jurisprudenciais,

principalmente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

Embora o tema seja atual, denota-se, no transcurso do presente trabalho, que a

punição das pessoas coletivas, em determinados momentos de nossa história, era característica

primordial, o que ocorria antes do século XVIII, entre a Idade Antiga e a Idade Média, após

esta data, com a Revolução Francesa e os novos ideais iluministas a pena, até então

essencialmente coletiva, passou a ser dirigida somente a pessoas individuais.

Entretanto, atualmente, em face desta nova realidade, com o poderio das pessoas jurídicas, viu-se a

necessidade de atribuir as pessoas coletivas sanções com um maior caráter repressivo, sendo que tal caráter

sancionador encontra respaldo no direito penal.

O tema é desafiante, eis que ainda, encontra importantes e renomados doutrinadores

que se opõe a esta idéia, seus fundamentos, de um modo geral, são decorrentes do princípio

“societas non potest”, ou seja, a sociedade não pode delinqüir por serem seres destituídos de

vontade. Tal posicionamento vigorou em nosso ordenamento jurídico, mas com a previsão

constitucional e a publicação da Lei dos Crimes Ambientais, Lei n. 9.605/98, que prevêem a

possibilidade de punição das pessoas jurídicas, o tema vem despertando, em nosso país,

inúmeros debates.

Portanto, a finalidade deste trabalho não é apenas demonstrar a possibilidade da

responsabilização penal das pessoas jurídicas, enfocando os pontos favoráveis, mas também,

os pontos contrários, propiciando, desta forma, aos acadêmicos de direito uma importante

fonte de pesquisa.

Com isso, no primeiro capítulo, o objetivo é examinar a evolução histórica da

responsabilidade penal até a revolução Francesa, quando predominava-se as sanções

coletivas, bem como as teorias aplicadas da ficção e da realidade, os pontos favoráveis e

contrários a esse tipo de responsabilidade, e, por fim, entender a situação atual no âmbito

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internacional por meio das legislações dos diversos países que adotam, ou não, a

responsabilidade penal do ente moral, como também é conhecido à pessoa jurídica.

No segundo capítulo, avaliam-se as características individuais do direito penal com a

apreciação das teorias e conceitos norteadores do dispositivo criminal; também, analisam-se

as características das pessoas jurídicas, seja de direito público ou privado, sendo que, em

ambos os casos, o objetivo é facilitar a compreensão desses aspectos individuais para melhor

entendimento da responsabilidade penal no direito brasileiro, que é objeto de estudo do

capítulo subseqüente.

No terceiro e último capítulo do trabalho, será tratado a responsabilidade penal da

pessoa jurídica no ordenamento penal brasileiro, com a previsão da responsabilidade penal

coletiva na Carta Política de 1988 e a criação da Lei n. 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, que

trata dos crimes cometidos contra nosso meio ambiente.

O presente trabalho será abordado, utilizando-se do método dedutivo, tendo em vista

que se fundamenta em premissas gerais, através de dados e observação no que tange às

legislações dos diverso países que adotam ou não a responsabilidade da pessoa jurídica,

partindo para aspectos particulares, concernentes à previsão da responsabilidade penal das

pessoas jurídicas no ordenamento jurídico brasileiro, sua previsão constitucional e na lei infra-

constitucional.

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1 RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

O estudo sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica1 inicia-se, neste

capitulo, ao realizar um apanhado sobre o surgimento e evolução histórica da

responsabilidade penal da pessoa jurídica, as teorias aplicadas, bem como os pontos

favoráveis e contrários a este tipo de responsabilidade e entender a situação atual no âmbito

internacional por meio das legislações dos diversos países que adotam, ou não, a

responsabilidade penal do ente jurídico.

1.1 Evolução histórica

Ao longo de nossa história, as civilizações têm oscilado entre tendências

individualizadas e coletivistas. Diante deste movimento, duas fases importantes de nossa

história mostram a punibilidade, formas distintas, primeiramente, antes do século XVIII,

entre a idade antiga e média, nesta fase, predominavam as sanções coletivas contra as

tribos, famílias, cidades, vilas etc. E outra, posterior ao século XVIII, devido à Revolução

Francesa e surgimento de uma nova ideologia, decorrente do pensamento iluminista, essa

nova idéia ocasionou a extinção das sanções as corporações e todas formas que pudessem

pôr em risco a liberdade individual (Cf. SHECAIRA, 2003, p.25).

A extinção da responsabilidade penal coletiva, nessa época, era defendida em

torno da liberdade individual. “Os princípios individualistas e anti -corporativistas do

movimento revolucionário fizeram com que a responsabilidade criminal das pessoas

coletivas não mais se sustentassem” (Cf. SHECAIRA, 2003, p.25).

Entretanto, o fim das sanções impostas às corporações com argumentos defendidos

em torno da liberdade individual não se mostram único e verdadeiros a uma outra questão

como bem nos ensina Shecaira (2003, p.26):

[...] pode-se dizer que nenhuma dessas razões foi a verdadeira causa de tal mudança. Nas exatas palavras de João Castro e Souza, a razão fundamental “encontrou -se, antes no fato de ter desaparecido a necessidade de punir as pessoas coletivas, pelos simples motivo de elas terem perdido o poderio que tinham obtido durante a idade média. Com efeito, na época do absolutismo, o estado sentiu a necessidade de aplicar sanções adequadas a essas coletividades, que cresciam dentro de si, ameaçando sua soberania.

1 Ao iniciar este trabalho, é de salutar importância destacar outras terminologias utilizadas para referir-se à pessoa jurídica, quais sejam: ente moral, ente jurídico, ente coletivo, empresa, corporação entre outros.

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Após um longo período, tem-se no século XIX a retomada das discussões sobre a

responsabilidade penal da pessoa jurídica, mas essas discussões foram tratadas de forma

simples e dogmática no campo das teorias, limitando-se apenas a questões superficiais e

não se aprofundando em questões como aplicação de sanções e formas de repressão aos

entes coletivos. Já, em nossos dias atuais, pode ser constatada em diversos países, não só na

Europa, a necessidade de coibir este tipo de criminalidade, podendo se constatada através

de diversas legislações pelos países que defendem a punibilidade coletiva dentre ele nosso

país (Cf. SHECAIRA, 2003, p.25).

Enfim, a responsabilidade penal da pessoa jurídica vem sido debatida e discutida,

podendo ser constatada sua aplicação em diversas legislações mesmo naqueles que não

possuíam um conceito formado de pessoa jurídica, como veremos a seguir.

1.1.1 Babilônia

O direito babilônico era caracterizado pelo localismo, ou seja, o rei babilônico,

com o advento do código de Hammurabi no século XVIII a.C, passa impor uma

responsabilidade local ou da própria cidade, quando do cometimento de determinados

crimes (Cf. SHECAIRA, 2003, p.27).

Como aborda o artigo 23 do referido estatuto, “se o salteador não é preso, o

roubado deverá diante de deus reclamar tudo que lhe foi roubado, então, a aldeia e o

governador, em cuja terra e circunscrição o roubo teve lugar, devem indenizar-lhe os bens

roubados por quanto foi perdido”.

O dispositivo estabelece duas alternativas. A primeira resultante na prisão do

assaltante, e a segunda hipótese em caso de morte do mesmo, em ambos os casos cabiam o

governante ou a cidade local indenizar a vítima no equivalente em ouro (Cf. SHECAIRA,

2003, p.27).

“Quase todo o direito legislado da antigüidade tem essas formas de

responsabilidade coletiva. A pena passava da pessoa do condenado atingindo os vizinhos, a

cidade ou toda a comunidade” (Cf. SHECAIRA, 2003, p.27).

1.1.2 Direito grego

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A história do direito penal grego é caracterizada por dois momentos, um

essencialmente coletivista ligada à terra, antes do século VII a.C. “[...] não se conhecia a

terra como propriedade individual. Essa terra pertencia a um grupo, a uma idéia abstrata,

que era o espírito da família encarnada sucessivamente nos seus antepassados e nos seus

descendentes” (SHECAIRA, 2003, p.30).

A respeito dessa circunstância, explana Cabette (2003, p.20):

A propriedade da terra era avaliada de um ponto de vista grupal pelo campesino, assim como a vida das cidades estava também baseada nesse coletivismo, pois que os indivíduos que praticavam alguma arte ou ofício reuniam-se em corporações (“tiasos”). Tais corporações, comparáveis a pessoa jurídica de direito privado, eram passíveis de punição pelos seu delitos. Também no primitivo regime social de Atenas havia juntamente com a solidariedade econômica do clãs, uma espécie “solidariedade penal familiar”, sendo que toda ofensa dava toda causa a conseqüência na família inteira.

Com a revolução econômica da Antigüidade, após o século VII a.C. e o advento da

moeda, houve grandes mudanças com relação ao direito penal, passando este, de

essencialmente coletivo, para um individualismo econômico, muito embora está tendência

tenha sido enfraquecida. Algumas punições coletivas ainda permaneciam no tocante aos

crimes religiosos e políticos. Os traidores e tiranos eram mortos e com ele toda família (Cf.

SHECAIRA, 2003, p.31).

1.1.3 Direito romano

O direito romano inicialmente não tinha a idéia formada sobre a figura da pessoa

jurídica, existiam certas associações de interesse público conhecidas como “universitates”,

“sodalitates”, “corpora” e “collegia”, entretanto mesmo sem este conhecimento pode-se

constatar de forma subjetiva, uma espécie de punibilidade contra estas associações, como

complementa Cabette (2003, p.20):

“[...] a chamada “actio de dolus malus” contra o município, então tido como

corporação mais importante. Ela tinha lugar quanto um coletor de imposto fazia cobrança

indevida, gerando enriquecimento ilícito da cidade”.

Quando isso acontecia, os cidadões reuniam-se, de forma coletiva, para serem

indenizados pela cobrança abusiva de impostos, todavia, “os romanos sempre se mostraram

muito sóbrios, muito porcimoniosos sobre este tema (...)” (MONTEIRO, 1995, p.96).

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Sobre o direito romano, discorre Araújo (mar. 2004):

O direto Romano não conheceu, tal como modernamente se concebe, a figura da pessoa jurídica, embora já existissem certos conjuntos de pessoas aos quais se reconheciam alguns direitos subjetivos. Já nessa época, todavia se fazia a distinção entre os direitos e obrigações daquele conjunto de pessoas, as denominadas corporações – universitas – e os dos seus menbros – singuli, De todo modo, as fontes do direito romano reconheciam, mesmo que não nos moldes de hoje, uma certa responsabilidade delitiva de uma corporação, além do fatos de separam, nitidamente, a responsabilidade coletiva da responsabilidade individual.

1.1.4 Glosadores

Os glosadores, como os romanos, apresentavam um conceito vago sobre a

conceituação de pessoa jurídica, porém, diferentemente dos romanos, passam a considerar

as corporações como entidades capazes de delinqüir, devido a isto foram os primeiros a

promoverem um debate consistente sobre o que viria a se constituir a responsabilidade

jurídica (Cf. ARAÚJO, mar. 2004).

Sobre os glosadores assevera, Araújo (mar.2004):

A exemplo dos romanos, porém os Glosadores ainda não conheciam um conceito sedimentado de pessoa jurídica, o que não impediu que conhecessem a figura da corporação, assim entendida como a soma e a unidade de membros titulares de direitos. Daí que essas corporações podiam delinqüir, quando a totalidade de seus membros iniciava uma ação penalmente relevante através de uma decisão conjunta, elemento essencial para configuração do delito. Sustentavam os Glosadores portanto, que as corporações eram responsáveis por suas ações civil e penal. Para eles, os direitos das corporações eram ao mesmo tempo direitos de seus membros, o que os diferenciava dos romanos. Em verdade, a contribuição dos Glosadores limitava-se ao reconhecimento de certos direitos à corporações e a admissão de sua capacidade delitiva.

Explanando acerca do assunto, ensina Shecaira (2003, p.34):

Para eles a universitas não era uma entidade distinta das pessoas que a compunham, razão pela qual acabaram por identificá-la com a totalidade de seus membros. Dessa forma, considerava a vontade e os atos de seus membros daquelas associações como atos e vontades destas, e as infrações de seus membros, quando agiam em seu nome, como infrações da coletividades. Assim, inescondivelmente, passaram a admitir a possibilidade das pessoas coletivas serem sujeitos ativos de infrações criminais..

1.1.5 Direito canônico

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O direito canônico foi o primeiro a estabelecer um conceito sobre pessoa jurídica,

entretanto, influenciados pela teoria idealizada Savigy (teoria da ficção), entendiam ser as

pessoas jurídicas incapazes de delinqüir, por terem uma existência fictícia irreal ou de pura

abstração (Cf. CUNHA apud SANCTIS, 2003, p.33).

Com relação aos canonistas, bem nos ensina Cabette (2003, p.21):

Com os Canonistas surge pela primeira vez a distinção entre um conceito jurídico de pessoa e um conceito real de pessoa. Essa concepção dá origem ao conceito de pessoa jurídica como ficção. Passa-se a sustentar a ausência de vontade autêntica equiparável à humana, nas pessoas jurídicas, vedando-se sua excomunhão e sua capacidade delitiva. Tal orientação seria o cerne do dogma universitas delinquere nom potest, sendo que a teoria dos canonistas teria grande semelhança com a chamada teria da ficção elaborada no século XIX, por Savigny.

Na verdade, a partir desta concepção criada pelos canonistas, a pessoa jurídica

passa a ser considerada uma pessoa fictícia, sem capacidade delitiva, cujo entendimento

chega até nossos dias com a contribuição de Savigny (Cf. ARAÚJO, mar. 2004).

1.1.6 Os pós-glosadores

Os pós-glosadores continuaram os trabalhos iniciados pelos glosadores no século

XIII, significamente influenciado pelo direito Canônico com relação a idéia desenvolvida

em torno do conceito de pessoa jurídica e o principio da ficção, por estas premissas, um

grande estudioso conhecido por Bartolo, o mais importante autor para esse estudo, passou a

dar uma significação diferentemente dos canônicos sobre os entes coletivos que

consideravam ser fictícios. Para ele, se a coletividade, filosoficamente é uma ficção, logo,

ela é uma realidade jurídica, ou seja, ela é juridicamente capaz de cometer crimes e atuar,

assim, também, pode juridicamente ser-lhe imputada uma infração criminal (Cf.

SHECAIRA, 2003, p.34).

Como salienta Araújo (mar. 2004):

[...] os Pós-glosadores admitiam a possibilidade da pessoa jurídica praticar delitos, a despeitos de aceitarem eles as premissas dos canonistas, dogma que perdurou até fins do século XVIII. Fundavam seu entendimento, principalmente porque na Idade Média, a responsabilidade penal das corporações (pessoas jurídicas) surge como uma necessidade exclusivamente prática da vida estatal e eclesiástica.

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Portanto, os pós-glosadores, embora aceitassem a definição pelos canonistas a

respeito da pessoa jurídica como ficção, esses admitiam e complementaram ser as pessoas

jurídicas capazes de cometerem crimes e de atuarem (Cf. CABETTE, 2003, p.21).

Posteriormente, com a revolução ocorrida no século XVIII, a discussão da

responsabilidade coletiva cessou, tornando-se incompatível com a nova realidade de

liberdade e autodeterminação do indivíduo, diante das conquistas democráticas que a

Revolução Francesa trouxe consigo. Essa mudança do paradigma voltada agora para o

indivíduo, Estado e da sociedade, conduzia necessariamente à aceitação apenas da

responsabilidade individual, em detrimento do ente coletivo (Cf. ARAÚJO, mar. 2004).

1.2 Teorias

1.2.1 Teoria da ficção

A teoria da ficção, criada e defendida por Savigny, durante o direito canônico,

afirmava que as “pessoas jurídicas têm existência fictícia, irreal ou de pura abstração –

devido a um privilégio da autoridade soberana – sendo, portanto, incapaz de delinqüir

(carecem de vontade e de ação). Desse modo, para a teoria da ficção, só o homem é capaz

de ser sujeito de direitos”(ARAÚJO, mar. 2004).

A respeito da teoria idealizada por Savigny, Shecaira (2003, p. 101) explica que

“[...] a pessoa jurídica poder ia ser equiparada a um menor impúbere que exerce seu direito

através de um tutor. A pessoa jurídica é assim, uma criação artificial da lei para exercer

direitos patrimoniais. É pessoa fictícia. Somente obtém sua personalidade por abstração”.

E, ainda, complementa Shecaira (apud SAVIGNY, 2003, p. 101):

Quando, pois, se atribuem direitos a pessoas de natureza outra, estas pessoas são mera criação da mente humana a qual supõem que elas sejam capazes de vontade e de ação e, dessarte, constrói uma ficção jurídica. De conceitos tais logicamente se infere que o legislador pode, livremente conceder-lhe, apenas a capacidade indispensável para o alcance dos fins em razão dos quais forem formados.

Os doutrinadores, que apoiam a teoria elaborada por Savigny, são contrários a

responsabilidade penal da pessoa jurídica, mas, com o passar dos tempos, esta teoria vem

sendo superada, prevalecendo, hodiernamente, o entendimento segundo o qual a natureza

jurídica é uma realidade objetiva, considerando a responsabilidade criminalmente (Cf.

ARAÚJO, mar.2004).

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Sobre a não aceitabilidade desta teoria, explana Monteiro (apud DEL VECHIO

1995, p. 99) que:

Ela não cuidou de explicar de maneira alguma a existência do Estado como pessoa jurídica. Quem foi o criador do Estado. Uma vez que ele não se identifica com as pessoas físicas, deverá ser igualmente havido como ficção. Nesse caso, o próprio Direito será também outra ficção porque emanado do Estado. Ficção será, portanto, tudo quanto se encontre na esfera jurídica. Inclusive a própria teoria da pessoa jurídica.

Existe, também, outra teoria que segue a mesma característica da ficção, como a

teoria da equiparação defendida por Widscheid e Beiz.

No tocante a essa teoria, assevera Monteiro (1995, p.99):

A segunda teoria da equiparação de modo idêntico ela admite tão somente, que há certas massa de bens, determinados patrimônios equiparados no seu tratamento jurídico, às pessoas naturais. As pessoas jurídicas não passam de meros patrimônios destinados a um fim específico, ou patrimônios personificados pelo direito, tendo em vista o objetivo a conseguir-se.

E, por fim, há a teoria sustentada por Iheng e Bolze, que considera a pessoa

jurídica apenas por aparência2, ou seja, é apenas dotada de direitos os sujeitos que a

compõem, os quais se utilizam do manto da empresa para encobrir os titulares dos atos

jurídicos praticados pelo grupo (Cf. CUNHA, p. 17).

1.2.2 Teoria da realidade

A teoria da realidade ou da personalidade real, diferentemente da ficção, considera

a pessoa jurídica dotado de existência real (Cf. SHECAIRA, 2003, p.102).

Os doutrinadores defensores desta teoria sustentam a idéia de que as pessoas

jurídicas são pessoas reais, devendo ser comparadas como seres sociais, ou seja, pessoas

físicas, excetuando-se, é claro, determinadas relações que, por sua natureza são

incompatíveis, entretanto, sua capacidade é um tudo equivalente ao do ser humano (Cf.

SHECAIRA, 2003, p.102)3.

2 Este teoria é conhecida como “teoria da aparência”. 3 Utilizando-se dos fundamentos preconizados na teoria da realidade, o acórdão anexado apresenta as seguintes observações: “ Na doutrina moderna prevalece o entendimento de que a pessoa jurídica não é uma mera ficção, mas é a que tem personalidade e realidade próprias e diversas da pessoa física ou natural. Aliás, o próprio Código Civil, no artigo 20, admite esta distinção, quando preconiza que as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros, estabelecendo no parágrafo segundo que mesmo não

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Nesse sentido, ensina Monteiro (1995, p.99):

A teoria da realidade objetiva também chamada orgânica parte de base diametralmente oposta ao da ficção. Pessoa não é só o homem. Junto desta há entes dotados de existência real, tão real quanto a das pessoas físicas. São as pessoas jurídicas, que constituem realidades vivas. Por outras palavras, junto à pessoa natural, como o organismo físico, há organismos sociais, ou pessoas jurídicas, que têm vida autônoma e vontade própria, cuja finalidade é a realização do fim social. Por conseguinte, pessoas jurídicas são corpos, que o direito não cria, mas se limita a declarar existentes.

Muito embora tal teoria tenha sofrido desgaste devido a crítica que é submetida, é

realidade de que a pessoa “jurídica não é uma ficção, mas um verdadeiro ente social que

surge da realidade concreta e que não pode ser desconhecida pela realidade jurídica”

(ARAÚJO, mar. 2004).

A pessoa jurídica nada mais é do que um ente moldado à semelhança das pessoas

naturais, e que ao longos dos tempos, vem sendo considerada uma realidade técnica, dotada

de uma certa vida jurídica própria, no intuito de contribuir às relações jurídicas, para o livre

trânsito de bens, coisas e interesses (Cf. ARAÚJO, mar. 2004).

Temos, ainda, outras teorias que consideram a pessoa jurídica uma realidade, qual

seja, a teoria da instituição desenvolvida por Harriou, uma das mais aceitas por nossos

juristas (Cf. SOUZA, mar. 2004).

Assim, leciona Diniz (1994, p.118):

A personalidade jurídica é um atributo que a ordem jurídica estatal outorga a entes que o merecem. Logo, essa teoria é a que melhor atende à essência da pessoa jurídica, por estabelecer, com propriedade, que a pessoa jurídica é uma realidade jurídica.

Outrossim, temos a teoria da realidade técnica ou jurídica, também defendida por

vários doutrinadores no Brasil. Esta teoria “sublinha que a idéia da vontade comum não se

coloca no plano filosófico, mas, simplesmente, no plano jurídica” (SOUZA, m ar. 2004).

Desta forma, conclui Souza (apud SANCTIS, mar. 2004):

[...] que os atos que emprestamos aos grupamentos são, em realidade, os atos de vontade dos indivíduos e juridicamente os atos de vontade da coletividade. Uma pessoa jurídica pode adquirir a sua personalidade quando seus interesses distintos são assumidos pela organização, de modo a possibilitar a formação de uma vontade coletiva.

autorizadas ou registradas, as pessoas jurídicas de direito privado serão responsabilizadas por todos os seus atos”.

21

1.3 Argumentos contrários e favoráveis à responsabilidade penal da pessoa jurídica

1.3.1 Argumentos contrários

Nosso ordenamento jurídico criminal possui uma vasta gama de teorias, isto é

compreensível, pois no direito penal as sanções têm um maior potencial repressivo, por

isto, os doutrinadores divergem quanto à aplicabilidade penal da pessoa jurídica, uma vez

muita destas teorias vão de encontro a esta responsabilidade, e de acordo com o mestre

Shecaira (2003, p.103), quatro são os principais argumentos contrários:

O primeiro argumento - é na realidade o mais importante é que não há responsabilidade sem culpa. A pessoa jurídica, por ser desprovida de inteligência e vontade é incapaz, por si própria de cometer um crime, necessitando sempre recorrer a seus órgãos integrados por pessoa físicas, estas sim com consciência e vontade de infringir a lei.

Com relação à responsabilidade sem culpa, comenta Prado (apud DOTTI 2001,

p.165):

Nos costumes jurídicos brasileiros, a “culpabilidade da pessoa jurídica” é uma hipótese manifestamente incompatível não somente com a realidade ontológica das pessoas morais como também com o refinado conceito de culpa, vista como “reprovabilidade da conduta ilícita (típica e antijurídica) de quem tem capacidade genérica de entender e de querer (imputabilidade) e podia, nas circunstâncias em que o fato ocorreu, conhecer a sua ilicitude, sendo-lhe exigível comportamento que se ajuste ao Direito”.

Continuando, acerca das demais críticas contrárias a responsabilidade penal da pessoa jurídica,

apresenta Shecaira (2003, p.104):

A segunda objeção que se faz à responsabilidade da pessoa jurídica diz respeito à transposição a esses entes do princípio da personalidade da penas, consagradas pelo direito penal democráticos. A condenação de uma pessoa jurídica poderia atingir pessoas inocentes como os sócios minoritários (que votaram contra a decisão). Os acionistas que não tiveram participação delituosa enfim, pessoas físicas que indiretamente seriam atingidas pela sentença condenatória. A terceira crítica diz respeito a serem inaplicáveis às pessoas jurídicas as penas privativas de liberdade, reprovação essa que, ainda hoje, constitui-se na principal medida institucional utilizada contra as pessoas físicas. Por derradeiro, a última crítica levanta observações quanto a impossibilidade de fazer uma pessoa jurídica arrepender-se, posto que ela é desprovida de vontade. Pela mesma razão não poderia ela ser intimidade ou mesmo reeducada. Isto é, aqueles fins que normalmente se atribuem às penas não poderiam ser imputadas à pessoas jurídicas, posto que ela não tem capacidade de compreender a distinção entre os fatos ilícitos e os lícitos, que é o que determina a punição das pessoas físicas.

22

A respeito da terceira crítica apresentada acima por Shecaria, Prado dispõe ( apud

DOTTI 2001, p.167):

A individualização judicial da pena, como um corolário lógico do princípio constitucional da personalidade da sanção constitui uma das mais importantes etapas da realização do Direito Penal. Pressupõem um conjunto de elementos do fatos e de direito sobre os quais o juiz vai refletir para a escolha e a quantidade da reação necessária e suficiente a fim de reprovar e prevenir o crime bem como sobre o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade e a substituição desta espécie por outra.(pena restritiva de direito e multa) (CP, art. 59).

Os doutrinadores contrários à responsabilidade penal da pessoa jurídica, por

considerar esta desprovida de vontade, conseqüentemente, não podem delinqüir e, neste

sentido, argumenta Bitencourt (1997, p.53):

“Os dois principais fundamentos para não se reconhecer a capacidade pe nal desses

entes abstratos são a falta de capacidade ‘natural’ de ação e a carência de capacidade de

culpabilidade”.

Embora Bittencourt argumente sobre a não punibilidade penal da pessoa jurídica,

ele relata (1997, p.55):

[...] isto não quer dizer que o ordenamento jurídico, no seu conjunto, deva permanecer impassível diante dos abusos que se cometam, mesmo através de pessoa jurídica. Assim além de sanção efetiva aos autores físicos das condutas tipificadas (que podem ser facilmente se substituídos), deve-se punir severamente também e, particularmente, as pessoas jurídicas, com sanções próprias a esse gênero de entes morais.

Os opositores da responsabilidade penal da pessoa jurídica entendem que as penas

aplicadas à pessoa jurídica devam ser de acordo com o seu gênero, ou seja, através de

sanções não penais, e discorrem algumas penas que podem ser atribuídas, como o

“corporation’s probation” , que seria a imposição de condições e intervenção no

funcionamento da empresa, a imposição de um administrador ou medida de segurança

através do confisco ou até mesmo o fechamento da empresa (Cf. BITENCOURT, 1997,

p.55).

1.3.2 Argumentos favoráveis

Os defensores da responsabilidade penal da pessoa jurídica criticam o

posicionamento dos opositores, pois estes, apesar de serem contra tal responsabilidade

23

reconhecem outros tipos de sanções tão firmes quanto às de ordem penal, como às

administrativas e civis para coibirem tais crimes (Cf. SHECAIRA, 2003, p.105).

Nesse sentido, conclui Shecaira (2003, p.105):

[...] os principais opositores da responsabilidade penal da pessoa jurídica afirmam que as penas às empresas ferem o princípio da personalidade. No entanto, dependendo da multa civil ou administrativa, no plano puramente do valor pecuniário ela atingiria os sócios minoritários ou mesmo aqueles que não participaram da decisão, tanto quanto a pena resultante do processo criminal aplicada à empresa. Assim em suposta defesa de sócios inocentes – ao proporem respostas não penais – esses autores ignoram que, da mesma forma, atingir-se-à o patrimônio daqueles que não contribuem para a tomada da decisão ilícita.

Outro argumenta criticado diz respeito à desconsideração da responsabilidade

penal da pessoa jurídica, devido a impossibilidade de aplicação da pena privativa de

liberdade, já que não teria possibilidade de encarceramento da mesma (Cf. CABETTE,

2003, p.67).

Em relação a essa crítica, debate Cabette (2003, p. 67):

As penas privativas de liberdade não são as únicas existentes no âmbito penal e, principalmente, em face do atual estágio das políticas criminais e da criminologia, não são as medidas mais desejáveis. A pena de prisão surge no cenário atual como medida extrema de ultima ratio a ser utilizada somente naqueles casos em que não restem alternativas menos gravosas para a solução dos problemas.

Sobre isso, pondera Shecaira (2003, p.106):

Uma das principais tarefas atribuídas ao direito penal, dentro do estado Democrático de Direito, é a de efetivar uma constante revisão da função punitiva, vale dizer, criar critérios restritivos da necessidade ou não de punir. Para que o sistema penal não sofra distorções autoritárias, que possam ferir a dignidade humana, deve-se ter um conta a desnecessidade da pena privativa de liberdade. A prisão é a forma mais extremada de controle social, é a expressão mais absoluta de seu caráter repressivo e deve, pois, ser reservada apenas para aqueles casos de crimes mais graves.

Outro fator argumentado para desconsideração da criminalização do ente coletivo

diz respeito à impossibilidade deste arrepende-se, já que um dos principais atributos da

pena criminal é a ressocializaçào do criminoso (Cf. CABETTE, 2003, p.70).

Contra esta posição manifesta-se Shecaira (apud Camargo, 2003, p.107):

Já verificou-se que um dos principais objetivos atribuídos modernamente a pena é exatamente o de reprovar a conduta em conflito, a fim de validar o conceito de bem jurídico para a maioria do grupo social. [...] Disso decorre que a imposição da pena deve ter como objetivo precípuo sua relevância pública e não objetivos morais. Dessa forma, pensar em impor

24

objetivos morais a uma empresa, mais do que um contra-senso, é tentar reavivar algo que mesmo relativamente às pessoas físicas já não deve ser aplicado.

O principal argumento debatido é a desconsideração da criminalidade da pessoa jurídica com

relação à responsabilidade sem culpa, ou seja, a pessoa jurídica não pode ser punida, pois ela é desprovida de

vontade e consciência (Cf. SHECAIRA, 2004, p.106).

Neste contexto, assevera Schecaira (2003, 109):

[...] como justificar, no que concerne à própria essência da reprovação, que se possa punir administrativamente, ou mesmo civicamente, uma pessoa jurídica por um ilícito civil ou administrativo? Não estaríamos reprovando alguém que, também aqui, não tem consciência nem vontade? Não seria uma burla de etiquetas permitir-se a reprovação administrativamente e civil por um crime ecológico (por exemplo), mas não uma reprovação penal? E mais, essa reprovação no plano civil – por algo que no fundo é a mesma culpa – não limitaria a possibilidade de defesa da própria empresa, que não teria os instrumentos normalmente assegurados pelas normas processuais para o exercício de seus direitos (devido processo legal, ampla defesa, contraditório, etc.).

No mesmo sentido, reitera Shecaira.(2003, p.109):

O comportamento criminoso, enquanto violador de regras sociais de conduta, é uma ameaça para a convivência social e, por isso deve enfrentar reações de defesa (através das penas). O mesmo pode ser feito com as pessoas jurídicas. Quando próprio fundamento da culpabilidade individual encontra certa representação das coisas do mundo e da vida, como afirmar, a partir dele, que só o homem e suscetível de culpa.

1.4 Proposta de uma “terceira via de solução”

Constatou-se que existem divergências doutrinárias quanto à aplicação da

responsabilidade penal da pessoa jurídica. Decorrente desta discussão, surge uma terceira

via de solução, sendo um meio termo entre o direito administrativo e o penal, “que não

aplique as pesadas sanções de Direito Penal especialmente a pena Privativa de liberdade,

mas que seja eficaz e possa ter, ao mesmo tempo, garantias menores que as do direito penal

tradicional (BITENCURT, 1997, p.56).

Com relação a este novo direito, defende Silva (mar. 2004):

Esse novo direito conteria as descrições típicas das condutas que lesam ou expõem a perigo bens jurídicos coletivos e difusos e a permissão para responsabilização da pessoa jurídica, sem que houvesse os impedimentos decorrentes dos princípios garantistas, sendo, contudo, destes preservados aqueles que pudessem ser adequados à sistemática da criminalizacão societária.

Partindo deste pressuposto que o atual direito penal é incapaz de solucionar todos

os problemas para combater a moderna criminalidade, Hassemer propôs um novo direito ao

25

qual se denomina “direito de intervenção” que merece consideração e uma profunda

reflexão (Cf. BITENCOURT, 1997, p.56).

“Esse direito de intervenção seria o acima mencionado novo ramo do direito, a vir

a preservar o direito penal da responsabilidade individual de perder suas garantias, sem

retroceder aos marcos autoritários, que outrora o pontuara” (SILVA, mar. 2004).

Assim, no dizer de Silva (mar.2004):

Dentro da geografia do direito, o festejado autor germânico insere o direito de intervenção entre o direito penal e o direito administrativo sancionador, mencionado ainda que seus níveis de garantias e formalidades processuais seriam inferiores aos do direito penal, porém de menor intensidade quanto às sanções que possam ser impostas aos indivíduos.

Complementa Cabette (apud HASSEMER, 2003, p.129):

Esse direito de intervenção seria um meio termo entre direito penal e direito administrativo, que não aplique as pesadas sanções de direito penal, especialmente a pena privativa de liberdade, mas que seja eficaz e possa ter, ao mesmo tempo, garantias menores que as do direito Penal.

Segundo Hassemer, este novo direito mesclaria certos elementos que seriam: “(a)

o Direito Penal, b) fatos ilícitos civis, c) contravenções, d) direito de polícia, e) direito

fiscal, f) planejamento de território, g) proteção da natureza, h) direito municipal” (SILVA,

mar. 2004).

Muitos questionamentos ainda se fazem com relação a está “terceira via” p ara a

responsabilização da pessoa jurídica. Há algumas dúvidas que ainda não foram dissipadas,

nesse sentido. Com muita propriedade, dispõe Silva (mar. 2004):

Ocorre a necessidade de um aprofundamento quanto a saber se esse ramo do direito serviria somente à responsabilização da pessoa jurídica, pois, do contrário exemplificativamente, e havendo a desconsideração da personalidade jurídica e a punição devesse recair sobre o indivíduo, estaria esse desguarnecido das garantias individuais. Assim perguntamos, já que tal Direito da Intervenção deixa escoar algumas dessas garantias de forma, a poder tornar viável a punição da empresa, seria capaz de, com justiça, apenar a pessoa natural. Logo, em se tratando de responsabilidade individual, deve-se remeter ao Direito Penal.

Em face da realidade, este modelo apresentado por Hassemer merece em muito ser

considerado, muito embora ainda precise de uma reflexão e análise, pois o estudo de regras

especiais torna-se necessáro para o enfrentamento da grande criminalidade, que parece

imperioso, atualmente, sob pena da mais absoluta degradação do Direito Penal nesse

campo. (Cf. CABETTE, 2003, p.131).

26

1.5 Panorama internacional - breves considerações

A discussão da responsabilidade penal da pessoa jurídica no âmbito internacional

tem levantado muitas questões, especialmente, em torno de infrações que envolvem direitos

difusos ou coletivos (criminalidade econômica, ambiental, do consumidor etc.) (Cf.

CABETTE, 2004, p.25).

Como bem explana Cabette (2003, p.25):

Esses temas exigem um novo modelo de responsabilidade que supere a tradicional individual, pois se pretende trazer ao campo penal problemas até algum tempo pouco debatidos e que, agora, em face de uma nova realidade, tornam-se pautas indispensáveis.

Em diversos congressos realizados, a tendência mundial vem sendo favorável para

que seja reconhecida a responsabilidade penal da pessoa jurídica (Cf. CABETTE, p.25).

Dentre estes inúmeros congressos, pode-se citar alguns importantes, que se

fizeram essenciais para a aplicação da responsabilidade coletiva, como o acordo de 05 de

agosto de 1945, sendo criado um tribunal militar internacional para julgar crimes cometidos

durante a Segunda Guerra Mundial, reconhecendo a personalidade jurídica de determinados

grupos no campo repressivo internacional (Cf. SHECAIRA, 2003, p.47).

Posterior a este, tem-se o congresso em 1953, o VI Congresso Internacional de

Direito Penal realizado em Roma. Dentre as inúmeras discussões, chegou-se a conclusão de

quanto a criminalidade econômica e de que a repressão a estas infrações requer uma certa

extensão da noção de autor e das formas de participação, bem como, a faculdade de aplicar

sanções penais às pessoas jurídicas (Cf. SHECAIRA, 2003, p.47).

Quatro anos mais tarde, o VII Congresso realizado em Atenas, firmou-se que

ficaria a cargo de cada país a fixação da responsabilidade da pessoa jurídica, estabelecendo

nesta hipótese a pena de multa (Cf. SHECAIRA, 2004, p.47).

Em Hamburgo, foi realizado o XII Congresso Internacional de Direito Penal,

reconhecendo que sendo os atentados graves contra o meio ambiente praticados em geral

pelas pessoas morais ou jurídicas (empresas Públicas ou Privadas). É necessário admitir sua

responsabilidade penal ou lhe impor o respeito ao meio ambiente, por meio de ameaça das

sanções de ordem civil ou administrativa (Cf. SHECAIRA, 2003, p.48).

27

Muito importante, principalmente para o estudo deste tema foi o congresso sobre

Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas em Direito Comunitários realizado em

Messina, em 30 de abril e 05 de maio de 1979 (Cf. SHECAIRA, 2003, p.48).

Ao final, desse encontro ficou estabelecido taxativamente a responsabilidade penal

da pessoa jurídica que violar dispositivo de um Estado-Membro da CEE (Comunidade

Econômica Européia) (Cf SHECAIRA, 2003, p.48).

Também, foi de salutar importância o congresso realizado em Nova York,

organizado pelas Nações Unidas sobre prevenção do delito, nas datas de 09 a 13 de julho de

1979. Ao analisar o tema que tratava sobre o delito e o abuso de poder, recomendou-se a

aplicação dos princípios da responsabilidade penal da sociedade, ou seja, qualquer entidade

seja ela publica ou privada, será punida por ações delitivas ou danosas, isentando-se a

figura dos diretores de tal responsabilidade (Cf. SHECAIRA, 2003, p.48).

Finaliza-se o estudo sobre esse tema, com enfoque especial ao congresso realizado

recentemente no Rio de Janeiro, denominado de o XV Congresso Internacional de Direito

Penal, em 1994, no mês de setembro. Nesse congresso, a comunidade internacional

aprovou, no Rio de Janeiro, por ampla maioria de votos, algumas recomendações

concernentes aos delitos cometidos contra o meio ambiente (Cf. SHECAIRA, 2003, p.49).

Assim, devido à crescente importância e operatividade dos entes coletivos na sociedade atual, tem-

se retomadas as discussões da responsabilidade penal da pessoa jurídica, com sua adoção em diversas

legislações, inclusive a brasileira, especialmente no campo do direito econômico e ambiental, podendo-se

constatar, nos diversos congressos realizados, que os debates têm sido favoráveis à aplicação da

responsabilidade criminal no que tange a entes coletivos (Cf. CABETTE, p.25).

28

1.5.1 Países que reconhecem a criminalidade da pessoa jurídica

Atualmente, muitos países defendem a responsabilidade penal da pessoa jurídica,

dentre os principais está a Inglaterra, seja por infrações leves conhecidas como

“misdemeanours” , seja por infrações mais graves como as chamadas “felonies” , sendo que

as infrações, decorrentes do direito inglês, giram em torno das atividades econômicas, de

segurança no trabalho, de contaminação atmosférica e de proteção ao consumidor (Cf.

CABETTE, 2003, p.27).

Sobre o reconhecimento da responsabilidade penal inglesa, um fato muito importante deu ensejo a

sua aplicabilidade, como bem nos relata Cabette (2003, p.27):

O grande marco jurisprudencial quanto ao reconhecimento da responsabilidade penal dos entes coletivos na Common Law foi a sentença prolatada pela Quee’s bench no julgamento que ficou conhecido como Peg versus the Birminnghan and Glouscester Railways. Neste caso, uma sentença de natureza penal condenou uma ferrovia a demolição de uma ponte construída indevidamente. A fundamentação do decisum revolucionou o sistema, pois que admitiu uma responsabilidade penal por omissão, deixando em segundo plano o elemento subjetivo (vontade). A partir daí, as pessoas jurídicas passaram a responder de maneira bastante ampla pela prática de ilícitos penais.

Nos Estados Unidos, a prática da responsabilidade penal jurídica também é aceita,

mas em função do sistema federativo norte-americano, algumas exceções existem, o caso

do estado de Lusiana que não reconhece tal punibilidade. Entretanto, a regra dominante é a

aplicação da responsabilidade penal das corporações (Cf. SHECAIRA, 2003, p.55).

As principais penas aplicadas em caso de delitos são de multas e de inabilitações

(Cf. SHECAIRA, 2003, p.56).

Comentando a responsabilidade penal coletiva americana, explana Shecaira (2003,

p.54):

O direito norte-americano admite que as infrações culposas sejam imputadas às empresas quando cometidas por um empregado no exercício de suas funções, mesmo que a empresa não tenha obtido proveito com o fato delituoso. Além disso, a corporação também será responsável quando o fato criminoso for cometido a título de dolo se praticado por um executivo de nível médio.

Outro país que aceita a responsabilidade penal da pessoa jurídica é a Holanda. Seu

reconhecimento vem desde 1950, devido à lei contra a delinqüência econômica, sendo que

com a reforma do código penal holandês, a responsabilidade penal ganhou novos ares, ou

seja, sendo reconhecida em outras áreas (Cf. CABETTE, 2003, p.30).

29

“O art. 51 do Código Penal da Holanda, modificado no ano de 1976, prevê a

responsabilidade penal da pessoa jurídica. Estabelece o dispositivo sob comento que tanto

as pessoas físicas, como as jurídicas, podem cometer fatos puníveis” (CABETTE, 2003,

p.30).

As penas aplicadas no direito holandês são de multa, confisco, publicação de

sentença e retirada de certos bens de circulação, também há as penas específicas contra os

crimes à legislação econômica que são: interdição temporária, liquidação da empresa,

seqüestro de bens, privação das vantagens obtidas com o ilícito, perda de incentivos e

pagamento de caução.

Em Portugal, a responsabilidade penal não está inserida no dispositivo penal,

entretanto, consideram sua punibilidade, decorrente das muitas mudanças em suas

legislações (Cf. CABETTE, 2003, p.33).

Discorrendo sobre a responsabilidade das pessoas morais no direito português,

aborda Cabette (apud SALES,2003, p.33):

No sistema penal português a responsabilidade penal dos entes coletivos, apesar de não ter siso expressamente acolhida pelo legislador daquele país, não se pode afirmar, de plano, descartada naquela legislação. Mesmo superficial leitura do art. 11 do Código Penal português o demostra “salvo disposição em contrário, só as pessoas físicas ou singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal. Ao tratar a disposição legal, diz Maia Gonçalves que o texto “Consagra o pri ncípio do caráter pessoal da responsabilidade penal. A regra geral é a de que só as pessoas físicas ou singulares são passíveis de responsabilidade criminal, porém, excepcionalmente, pode haver fortes razões pragmáticas que aconselham outra solução. Por isso se considerou necessário ressalvar eventuais disposições em contrário em que a lei pode mandar punir pessoas coletivas, cabendo-lhe, então, penas pecuniárias ou medida de segurança.

No direito português, são constatados dois tipos de penas. Em primeiro lugar,

estão as principais, que são as de multa, admoestação e dissolução. Já, o segundo tipo de

pena são as chamadas acessórias, podendo ser de caução, de boa conduta, perda de bens,

injunção judiciária, interdição temporária de certas atividades ou profissão, privação do

direito de participar em feiras ou mercados, encerramento definitivo do estabelecimento e

publicidade da decisão condenatória, privação do direito a subsídios ou a subvenções

outorgadas por entidades ou serviços públicos, privação do direito de abastecimento através

de órgão da administração pública ou de entidades do setor público (Cf. CABETTE, 2003,

p.35).

30

O direito austríaco, ao publicar a lei federal de cartéis, de 22/11/1972, previu sobre

a responsabilidade penal da pessoa jurídica sanções para os membros ou órgãos que se

utilizam das associações com objetivos econômicos com o objetivo de aumentarem ou

reduzirem valores (Cf. CABETTE, 2003, p.42).

“A sentença condenatória poderá aplicar a pena de multa, além do fechamento

temporário ou definitivo dos armazéns, oficinas ou fabricas do condenado” (SHECAIRA,

2003, p.66).

O direito japonês, inicialmente, não reconhecia a responsabilidade penal da pessoa

jurídica, devido à influência do tradicionalismo europeu, porém, no ano de 1972, devido à

influência americana, o Japão passa reconhecer a criminalidade da pessoa jurídica. (Cf.

CABETTE, 2003, p.42).

Seguindo os países orientais, também a China reconhece a responsabilidade do

ente coletivo, através da aplicação de penas de ordem pecuniária (Cf. CABETTE, 2003,

p.43).

Entretanto, conclui Shecaira (2003, p.67):

A doutrina dominante nos países socialistas sustenta que, numa sociedade assim organizada, as pessoas jurídicas (fabricas, comércio, entes públicos, sociedades comerciais) têm uma natureza socialista e, portanto, seus interesses são idênticos aos do Estado, o que torna inimaginável um cometimento de crime contra o interesse comum.

Na América latina, constata-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em

alguns países quais sejam: Venezuela, o México, e no Brasil com a lei dos crimes

ambientais (Lei n. 9.605/98), que será tratada num capítulo especial (Cf. CABETTE, 2003,

p.44).

1.5.2 Países contrários à criminalidade da pessoa jurídica

Muitos países são favoráveis à responsabilidade da pessoa jurídica, contudo

existem países contrários, é o caso do direito penal Alemão, pois “[...] as pessoas jurídicas

não podem ser objetos de sanções penais. Suas eventuais infrações são punidas somente no

campo administrativo, com destaque as multas” (CABETTE, 2003, p.46).

Sobre o direito alemão, comenta Shecaira (2003, p.73):

31

A justificativa para adoção de tal sistema se firma na idéia segundo a qual não se pode aplicar uma sanção de natureza penal às empresas, em face da insistência de reprovação ético-social de uma coletividade. As multas, em tais casos, são desprovidas da significação social de reprovação e, portanto, valorativamente neutras; daí a razão de se adotar uma infração sem caráter penal.

Entretanto, o direito alemão já foi adepto de tal responsabilidade, isto ocorreu

antes do século XVIII, após este século, ocorreu uma grande mudança que perdura até os

tempos atuais (Cf. SHECAIRA, 2003, p.73).

Outro país que desconsidera a responsabilização penal do ente coletivo é a Suíça,

todavia as empresas podem ser punidas, mas apenas no campo administrativo (Cf.

CABETTE, 2003, p.49).

Com relação às decisões jurisprudenciais. “o tribunal Federal orienta -se quanto à

responsabilidade por uma visão meramente preventiva e não repressiva, motivo pelo qual

somente admite sanções no campo administrativo punitivo” (CABETTE, 2003, p.49).

O direito penal italiano é rigidamente contrário à responsabilidade penal dos entes

coletivos, uma vez que a Constituição Federal italiana veda expressamente este tipo de

responsabilidade, somente admitindo punições no campo individual (Cf. SHECAIRA,

p.75).

“A maioria esmagadora da doutrina acompanha esse entendimento, ressaltando

que a imposição de penas a uma empresa violaria o princípio da personalidade da penas,

vindo a ser atingidos os inocentes da coletividade” (SHECAIRA, 2003, p.76).

A Bélgica também é contrária, não prevendo no seu Código Penal e sua

Constituição este tipo de responsabilização da pessoa jurídica criminosa, apenas se punindo

as pessoas físicas delituosas (Cf. SHECAIRA, 2003, p.77).

“A única relação das pessoas jurídicas com as sanções penais se refere à

responsabilidade civil solidária para o pagamento de eventual pena de multa imposta a um

diretor ou representante” (CABETTE, 20 03, p.50).

Entretanto, está em tramite, no direito Belga, a reforma de seu Código Penal,

prevendo o reconhecimento da responsabilidade penal das pessoas jurídicas a exemplo da

legislação francesa (Cf. CABETTE, 2003, p.50).

Com muita firmeza na sua doutrina e jurisprudência, o direito penal espanhol é

contrário a responsabilidade penal da pessoa jurídica (Cf. CABETTE, 2003, p.50).

32

Ao máximo que se chega no direito espanhol são as aplicações de medidas de

segurança e conseqüências acessórias. Mesmo, assim, estas aplicações são excepcionais,

valendo a regra que somente contra as pessoas físicas poderá incidir a punição criminal (Cf.

CABETTE, 2003, p.51).

Com isso, o estudo do primeiro capítulo é finalizado ao tratar sobre os diversos aspectos

concernentes à responsabilidade penal no âmbito global, sendo levantadas às teorias aplicadas, bem como,

argumentos favoráveis e contrários à criminalizacão do ente coletivo.

33

2 ASPECTOS GERAIS ACERCA DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

Neste segundo capítulo, o objetivo é realizar um estudo sobre os aspectos penais e

os aspectos da pessoa jurídica, bem como, as teorias aplicadas e os conceitos para melhor

compreensão da responsabilização da pessoa jurídica.

2.1 Aspectos da pessoa jurídica

2.1.1 Conceito de pessoa jurídica

Os seres humanos, por serem dotados de vontade própria e individualizada e,

ainda, por serem sujeitos eminentemente sociais, agrupam-se a outros seres humanos para

alcançarem determinados objetivos que individualmente não conseguiriam (Cf. DINIZ,

1994 p.116). Desta maneira, “para que participem da vida jurídica, com certa

individualidade e em nome próprio, a própria norma de direito lhes confere personalidade e

capacidade jurídica, tornando-os sujeitos de direito e obrigações” (DINIZ, 1994, p.116).

Neste mesmo entendimento, explana Monteiro (1995, p.95):

Para bem compreender a existência de semelhantes entidades as pessoas jurídicas, é preciso partir da idéia de que o indivíduo, muitas vezes, por si só, será incapaz de realizar certos fins que ultrapassam suas forças e os limites da vida individual.. Para consecução desses fins, ele tem de unir-se a outros homens, formando associações, dotadas de estrutura própria e de personalidade privativa, com as quais supera a debilidade de suas forças e a brevidade de sua vida.

Decorrente desta união de pessoas, surge o conceito de pessoa jurídica, em nosso

ordenamento jurídico e, como bem colocado pelos autores acima descritos, são as pessoas

jurídicas entidades criadas pela própria lei, considerados sujeitos capazes de adquirir

direitos e obrigações.

Desta forma, conceitua Monteiro (1995, p.95):

Surgem assim as pessoas jurídicas, também chamadas pessoas morais (no direito francês) e pessoas coletivas (no direito português) e que podem ser definidas com associações ou instituições formadas para a realização de um fim e reconhecidas pela ordem jurídicas como sujeitos de direitos.

Conceitua Fiuza (2002, p.50):

34

“A pessoa jurídica é a unidade de pessoas naturais ou de patrimônios que visa m à

obtenção de certas finalidades. Reconhecida pela ordem jurídica como sujeitos de direitos e

obrigações”.

Três são os requisitos importantes para a configuração da pessoa jurídica são eles:

organização de pessoas ou de bens; liceidade de propósitos ou fins; e capacidade jurídica

reconhecida por norma (Cf. DINIZ, 1994, p. 117).

O Código Civil, ao classificar as pessoas jurídicas quanto suas funções e

capacidade, divide-se em: pessoas jurídicas de direito público (interno e externo) e de

direito privado, definidas nos artigos 40 ao 44 do Código Civil (Cf. FIUZA, 2002, p.51).

2.1.1.1 Pessoas jurídicas de direito público

“As pessoas jurídicas de direito público caracterizam -se pelo fato de que apenas a

iniciativa pública resulta em sua criação” (CUN HA apud SANCTIS, 2003, p.21),

diferentemente das pessoas de direito privado com iniciativa particular (Cf. CUNHA, 2003,

p.21).

As pessoas de direito público dividem-se em: direito público externo e interno,

este, interno, ainda, subdivide-se em pessoa de direito publico interno de administração

direta e indireta (Cf. DINIZ, 2002, p.209).

Diante do exposto, o artigo 41 do Código Civil define as pessoas de direito público

interno:

Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno: I - a União; II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios; III - os Municípios; IV - as autarquias; V - as demais entidades de caráter público criadas por lei.

Com relação à diferenciação entre administração direta e indireta, leciona Meirelles (2002, p.703):

[...] a administração direta é o conjunto dos órgãos integrados na estrutura administrativa da União, e a administração indireta é o conjunto dos entes (personalizados), que vinculados a um Ministério, prestam serviço públicos ou de interesse público. Sob o aspecto funcional ou operacional, Administração Pública direta é a efetivada imediatamente pela União, através de seus órgãos próprios, e indireta é a realizada mediatemente, por meio dos entes a ela vinculados.

35

As pessoas de direito público interno, com administração direta, são as definidas

no artigo 41, incisos I ao III, do Código Civil, ou seja, a “União, Estados, Distrito Federal,

Territórios e Municípios legalmente constituídos”.

“A União, que designa a nação brasileira, nas suas relações com os es tados

federados que a compõem e com os cidadões que se encontram em seu território; logo,

indica a organização política de poderes nacionais considerados em seu conjunto” (FIUZA,

2002, p.52).

“Os Estados federados, que se regem pela Constituição e pelas le is que adotarem.

Cada estado federado possui autonomia administrativa, competência e autoridade na seara

legislativa, executiva e judiciária, decidindo sobre negócios locais” (FIUZA, 2002, p.52).

“O Distrito Federal, que é a capital da União É um município equiparado as

Estado federado por ser a sede da União, tendo administração, autoridades próprias e leis

atinentes aos serviços locais[...]” (FIUZA, 2002, p.53).

Já, os territórios na lição de Meirelles (2002, p.740):

“[...]são porções do território nacion al destacadas por lei complementar, de um ou

mais Estados-menbros ou de território e erigidas em pessoas jurídicas de Direito Público

Interno para fins de desenvolvimento ou de segurança nacional [...]”.

Os territórios, de acordo com Meirelles (2002, p.740), por serem considerados

autarquias da União, e não entidades estatais “não possuem autonomia política,

administrativa e judiciária”.

E, por fim, os Municípios, são aqueles “[...] legalmente constituídos, por terem

interesses peculiares e economia própria. A constituição Federal assegura sua autonomia

política, ou seja, a capacidade para legislar relativamente a seus negócios e por meio de

suas próprias autoridades” (FIUZA, 2002, p.53).

Oriundas do direito público interno, têm-se as de administração indireta, definidas

no artigo 41, incisos IV e V do Código Civil, quais são, na lição de Diniz (2002, p.209):

[...] órgãos descentralizados, criados por lei, com personalidade jurídica própria para o exercício de atividades de interesse público, como as autarquias, [...], dentre elas: INSS, OAB, USP, Embratur, CADE (Conselho administrativo de defesa Econômica – lei 8.884/94) e as fundações Públicas [...], que surgem quando a lei individualiza um patrimônio a partir de bens pertencentes a uma pessoa jurídica de direito público, afetando-o à realização de um fim administrativo, e dotando-o de organização adequada [...].

36

Diniz, acima, citou, as autarquias e fundações como entidades de direito público

de administração indireta. Sobre a importância destes órgãos, comenta Venosa (2003,

p.262): “[...]em virtude da crescente multiplicidade e complexidade das funções do Estado,

a Administração viu-se obrigada a criar organismos paraestatais, para facilitar a ação

administrativa, como ocorre com a criação das Autarquias”.

Meirelles (2002, p.329) conceitua autarquias “como entes administrativos

autônomos, criados por lei específica, com personalidade jurídica de direito Público

interno, patrimônio próprio e atribuições estatais específicas”.

O artigo 5º, inciso I, do Decreto Lei n. 200/67, define autarquia, sendo esta de

“serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita

próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para

seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada”.

As autarquias podem ser criadas nas três esferas de administração, ou seja, criadas

pela União, Estados e Municípios (Cf. VENOSA, 2003, p.263).

As fundações são pessoas jurídicas de direito público de administração indireta,

que visam à realização de atividades voltadas ao interesse coletivo, bem como a educação,

a cultura e pesquisa, tais atividades, amparadas pela entidade estatal (Cf. MEIRELLES,

2002, p.342-343).

Finalmente, existem as pessoas jurídicas de direito público externo, definidas no

artigo 42, do Código Civil, que “são regulamentadas pelo direito internacional, abrangendo:

nações estrangeiras, Santa-Sé, e organizações internacionais (ONU, OEA, UNESCO, etc.)”.

(Cf. DINIZ, 2002, p.209).

Sobre os entes jurídicos de direito público externo, ou internacional, apropriado é

o entendimento de Venosa (2003, p.263):

As nações politicamente organizadas, os Estados, dotam-se reciprocidade de personalidade jurídica, trocando representantes diplomáticos e organizando entidades internacionais, como a Organização das Nações Unidas. Desse modo, todos os Estados, politicamente organizados, são tidos como pessoas jurídicas na esfera internacional.

37

2.1.1.2 Pessoas jurídicas de direito privado

As pessoas jurídicas de direito privado são criadas pela iniciativa particular, ou

seja, pelas pessoas naturais, “propondo -se à realização de interesses e fins privados, em

benefício dos próprios instituidores ou de determinadas parcela da coletividade”

(VENOSA, 2003, p. 263).

O Código Civil, no artigo 44, enuncia sobre as pessoas jurídicas de direito privado,

dispondo:

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado. I- as associações; II- as sociedades; III- as fundações.

“As fundações constituem -se de um patrimônio destinado a um fim sempre

altruísta. Não existe uma finalidade direta de lucro nas fundações. Há nelas a figura de um

instituidor que separa um patrimônio, para atingir certa finalidade, podendo ser pessoa

natural ou jurídica” (VENOSA, 2003, p. 264).

Acerca desse entendimento, comenta Diniz (2003, p.211):

Fundações particulares, que são universalidades de bens, personalizados pela ordem jurídica, em consideração a um fim estipulado pelo fundador, sendo este objetivo imutável e seus órgãos servientes, pois todas as resoluções estão delimitadas pelo instituidor. É, portanto, um acervo de bens livres, que recebe da lei capacidade jurídica para realizar as finalidades pretendidas pelo ser instituidor, em atenção aos seus estatutos, desde que religiosas, morais ou assistenciais [...] A fundação deve almejar a consecução de fins nobres, para proporcionar a adaptação a vida social, a obtenção de cultura, do desenvolvimento intelectual e o respeito de valores espirituais, artísticos, materiais ou científicos. Não pode haver abuso, desvirtuando-se os fins fundacionais para atender a interesses particulares do instituidor, por exemplo.

O artigo 62, parágrafo único, do Código Civil, discorre sobre as finalidades da

fundação, que “apenas poderá ser constituída para a consecução de objetivos religiosos,

morais, culturais ou assistências” (FIUZA, 2002, p.75).

“Se os bens forem insuficientes para constituir a fundação, os bens doados serão,

se outra coisa não dispuser o instituidor, incorporados em outra fundação que se proponha a

fim igual ou semelhante (CC, art. 63)” (DINIZ, 2002, p.211).

38

A associação, como as fundações, não visam lucro, “essa é a posição assumida

pelo nosso Código” (VENOSA, 2003, p.264). Nesse sentido, dispõe o artigo 53 do Código

Civil:

“Art. 53 - Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizam

para fins não econômicos”.

Desse modo, “as associações são constituídas de agrupamentos de indivíduos que

se associam em torno de objetivo comum e, de conformidade com a lei integram um ente

autônomo e capaz [...]” (VENOSA, 2003, p.264).

Também, comentando sobre as associações, explana Diniz (2002, p.212):

Tem-se a associação quando não há fim lucrativo ou intenção de dividir o resultado, embora tenha patrimônio. Formados por contribuição de seu membros para obtenção de fins culturais, educacionais, esportivos, religiosos, recreativos, morais etc. Não perde a categoria de associação mesmo que realize negócios para manter ou aumentar o seu patrimônio sem, contudo, proporcionar ganhos aos associados[...]

Muito embora as fundações e as associações tenham objetivos em comum,

necessário esclarecer sua diferenciação, com os ensinamentos de Monteiro (2003, p.140):

Associações e fundações correspondem, respectivamente, às universitas personarum e universitas bonarum do antigo direito. Extremam-se por caracteres distintos bem nítidos. Nas primeiras, há interesses, fins e meios próprios, exclusivos dos sócios; nas segundas, os fins e interesses não são próprios, mas alheios, isto é, ao fundador. Além disso, naquelas, os fins podem ser alterados pelos associados; nestas, os fins são perenes e imutáveis, limitando-se os administradores a executá-los simplesmente. Nas associações, o patrimônio é constituído pelos sócios, já que o interesse é exclusivo deles; nas fundações, o patrimônio é formado pelo instituidor, que tanto pode ser um particular como o Estado. Por fim, naquelas, os associados deliberam livremente, dizendo-se por isso que seus órgãos são dirigentes ou dominadores; nestas, as resoluções são delimitadas pelo instituidor, afirmando-se por isso que seus órgãos são servientes.

As sociedades também conhecidas como “universitas personarum” ,

diferentemente das associações, visam o lucro (Cf. VENOSA, 2003, p.264), sendo que

estas estão definidas no artigo 981 do Código Civil, e, no que couber, aplica-se

subsidiariamente as disposições das associações (art. 44, parágrafo único do CC).

“As sociedades, assim, são um contrato bilateral ou plurilateral em que as partes,

ou seja, os sócios combinam a aplicação de seus recursos com a finalidade de desempenhar

39

certas atividades econômicas, com a divisão dos frutos ou lucros por ela gerado” (FIUZA,

2002, p.887).

O doutrinador Fiuza (2002, p.887) elenca três características das sociedades:

1) a reunião de recursos, sob a forma de capital ou de trabalho, com cada sócio colaborando na sua formação; 2) o exercício em comum de atividade produtiva; e 3) a partilha ou divisão dos resultados econômicos da exploração da empresa. De acordo com o parágrafo único do art. 981, a sociedade por constituir-se tanto para executar um objeto delimitado como para desempenhar uma atividade econômica, continua. Esse preceito procura alcançar, simultaneamente, a idéia de unidade e pluralidade no ato de constituição da sociedade. O elemento subjetivo da norma indica que pode integrar uma sociedade qualquer pessoa, seja ela física ou jurídica.

2.1.2 Criação e término da pessoa jurídica

2.1.2.1 Criação

A pessoa jurídica, igualmente a natural, tem seu início de vida, entretanto,

diferentemente desta, que tem início biológico, a pessoa jurídica inicia-se de acordo com

atos jurídicos ou decorrentes de normas (Cf. DINIZ, 2002, p.229).

Venosa (2003, p.281) ensina que “a pessoa jurídica tem sua origem em uma

manifestação humana, em um ato volitivo; quem tiver interesse deve provar que essa

pessoa existe e preenche as condições legais”.

Em relação ao nascimento das pessoas jurídicas, destaca-se que “há uma diferença

essencial entre a verificação existencial das pessoas jurídicas de direito público e direito

privado” (DINIZ, 2002, p.229).

Neste sentido, Venosa (2003, p.282) comenta sobre o início da pessoa jurídica de

direito público:

O Estado, pessoa jurídica fundamental, tem sua origem na Constituição, é pessoa jurídica que surge, espontaneamente, de uma elaboração social, como necessidade para ordenar a vida de determinada comunidade. Os estados federados têm sua origem na própria Constituição ou na lei que os cria, assim como os Municípios, que gozam de autonomia.

A doutrinadora Diniz (2002, p.229) vai mais além:

As pessoas jurídicas de direito público iniciam-se de fatos históricos de criação constitucional, de lei especial e de tratados internacionais[...].Os Estados-Membros da federação brasileira têm seu reconhecimento de sua existência na Constituição Federal, art. 1º, organizando-se e regendo-se pelas constituições e leis que adotarem, respeitando os princípios constitucionais (CF, art. 25); Os

40

Municípios têm sua autonomia assegurada pela Constituição Federal, art. 29, tendo seu início no provimento que os criou, sendo regidos por normas das Constituições estaduais e pelas suas Leis Orgânicas. As autarquias são criadas por leis federais, estaduais ou municipais, que as regulamentam[...].

Portanto, em síntese, o início da vida das pessoas jurídicas de direito público dá-se por lei (Cf.

VENOSA, 2003, p.230).

Com relação à criação das pessoas jurídicas de direito privado, três sistemas

podem ser utilizados para sua formação: o sistema da livre associação, o sistema do

reconhecimento e, por fim, o sistema das disposições normativas, sendo este último o

adotado em nosso sistema (Cf. VENOSA, 2003, p.282).

O início da pessoa jurídica de direito privado, de acordo com o sistema da livre

associação, surge a partir da vontade dos instituidores, sem a necessidade de uma obrigação

legal para a empresa atingir sua personificação, este sistema por apresentar certa

insegurança legal não se aplica no ordenamento jurídico brasileiro (Cf.VENOSA, 2003

p.282).

“Pelo sistema do reconhecimento, seguido pelo ord enamento Italiano, há

necessidade de um decreto de reconhecimento” (VENOSA, 2003 p.282).

E, o adotado no sistema brasileiro, na lição de Venosa (2003, p.282):

“Pelo critério das disposições normativas, chegamos à posição intermediária. Dá -

se liberdade de criação à vontade humana, sem necessidade de ato estatal que a reconheça,

mas exige-se que a criação dessa pessoa obedeça a condições predeterminadas”.

A doutrinadora Diniz (2002, p.230) demonstra que a criação da pessoa jurídica de

direito privado, em nosso sistema, deve obedecer dois critérios; o primeiro é relacionado

aos atos constitutivos que devem ser escritos, no caso das fundações pode ser este ato

unilateral “inter vivos” ou “causa mortis”, e será ato jurídico bilateral e plurilateral no

caso das sociedades e associações e, por fim, o segundo critério é o registro.

Sobre o primeiro ato, para criação da pessoa jurídica (atos constitutivos), dois

importantes elementos fazem-se necessários, o material e o formal (Cf. VENOSA, 2003,

p.282).

Conceituando esses elementos necessários, ensina Diniz (2002, p.231):

O material, que abrange atos de associação, fins a que se propõem e conjunto de bens. Pois a sociedade compõe-se de dois ou mais sócios, considerados como um

41

único sujeito, podendo ser admitidos de acordo com as condições especificadas nos estatutos;[...] Os fins colimados deverão ser lícitos, possíveis, morais, sob pena de dissolução. Quanto aos bens não há necessidade de sua existência concreta no ato de formação, salvo para as fundações, bastando que a sociedade tenham meios para adquiri-los. O formal, pois sua constituição deve ser por escrito. A declaração de vontade pode revesti-se de forma pública ou particular (CC, art. 997), com exceção das fundações que estão sujeitos ao requisito formal específico: escritura pública ou testamento (CC, art. 62) [...].

Com todos os atos devidamente pré-estabelecidos, atendidos os requisitos formais e materiais dos

atos constitutivos, acima citados, passamos a segunda fase para criação da pessoa jurídica de direito privado,

qual seja, o registro definido no artigo 45, do Código Civil (Cf. DINIZ, 2002, p.232).

Afirma Diniz (2002, p.232) que, “para que a pessoa jurídica de direito privado

exista, é necessário inscrever atos constitutivos, ou seja, contratos e estatutos no seu

registro peculiar [...].

Com o registro, a pessoa jurídica de direito privado passa ser, legalmente,

reconhecida, tendo seu ingresso formalmente regularizado na órbita jurídica (Cf. CUNHA,

2002, p.28).

Uma peculiaridade no ato de registro das fundações, na lição de Cunha (2003,

p.28):

[...] que o instituidor deve especificar o fim a que se destina e, querendo, o modo de como será administrada, elaborando seu estatuto, ou designando que o faça. Entretanto, para o seu registro, é necessário a intervenção do Ministério Público, que poderá elaborar o estatuto, caso o instituidor não o faça.

2.1.2.2 Término

“Os mesmos fatores que dão origem a uma pessoa jurídica de direito público

acarretam seu término. Logo, extinguem-se pela ocorrência de fatos históricos, por norma

constitucional, lei especial ou tratados internacionais” (DINIZ, 2002, p.247).

Com relação às pessoas jurídicas de direito privado, os fatores que determinam sua

extinção estão disciplinados nos artigos 54, inciso VI, art. 61, art. 69 e art. 1033, todos do

Código Civil, ou seja, pelo decurso do prazo (CC, art. 69, 1º parte e art. 1.033, inciso I);

pela dissolução deliberadas unanimemente entre os membros mediante distrato (CC, art.

1.033, inciso II); por deliberação dos sócios (CC, art. 1.033, inciso III); pela falta de

pluralidade de sócios (CC, art. 1.033, inciso IV); por determinação legal (CC, art.1.033);

42

por ato governamental (CC, art. 1.125 e art. 1033, inciso V); pela dissolução judicial (CC,

art. CC 1.034, incisos I e II) e pela morte de sócio (CC, art. 1.028, inciso II). (Cf. DINIZ,

2002, p.247).

Entretanto, configurado qualquer dos elementos, acima mencionados, não será

extinto de plano a pessoa jurídica de direito privado.

Como argumenta Monteiro (2003, p.148):

“A existência da pessoa jurídica terminará somente depois de estar concluída a

liquidação, devendo ser averbada a dissolução da entidade no registro onde estiver

registrada, para então ser cancelada”.

Desta forma, bem dispõe o artigo 51 do Código Civil, “nos casos de dissolução da

pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins

de liquidação, até que esta se conclua”.

Com isso, conclui-se o estudo do segundo capítulo, com referência aos aspectos

gerais penais e aspectos das pessoas jurídicas, para melhor compreensão do terceiro

capítulo uma vez que será tratada sobre a responsabilidade da pessoa jurídica em face da

Lei n. 9.605/98.

2.2 Aspectos penais

2.2.1 Conceito de crime.

O nosso Código Penal é omisso com relação à conceituação de crime, como

explana Bittencourt (1997, p.33): “[...] o atual Código penal (1940, com a reforma de 1984)

não define crime, deixando a elaboração de seu conceito à doutrina nacional”.

Nesse sentido, Jesus (1998, p.148), remete-nos há quatro sistemas de conceituação

de crime: o formal, o material, o formal e material e, por fim, o formal, material e

sintomático.

Formalmente, conceitua-se o crime sob os aspectos da técnica jurídica, do ponto de vista da lei. Materialmente, tem-se o crime sob o ângulo ontológico, visando à razão que levou o legislador a determinar como criminosa uma conduta humana, a sua natureza danosa e conseqüências. O terceiro sistema conceitua o crime sob o aspecto formal e material conjuntamente. Assim, Carrara, que adotava o critério substancial e dogmático, definia o delito como “a infração da lei do Estado, promulgada para proteger a

43

segurança dos cidadãos, resultante de um ato externo do homem, positivo ou negativo, moralmente imputável e politicamente danoso”. O quarto critério visa ao aspecto formal e material do delito, incluindo na conceituação da personalidade do agente. Ranieri, sob esse aspecto, define o delito como “fato humano tipicamente previsto por norma jurídica sancionada mediante pena em sentido estrito (pena criminal), lesivo ou perigoso para bens ou interesse considerados merecedores da mais energética tutela”, constituindo “expressão reprovável da personalidade do agente, tal se revela no momento de sua realização”. Dos quatro sistemas, dois predominam: o formal e o material. O primeiro apreende o elemento dogmático da conduta qualificada como crime por uma norma penal. O segundo vai além, lançando olhar às profundezas das quais o legislador extrai os elementos que dão conteúdo e razão de ser ao esquema legal.

Já, Bittencourt (1997, p.31) leciona que os dois conceitos aplicados, formal e

material, sobre o crime são insuficientes, fazendo-se necessário à consideração de mais um

conceito, qual seja, o analítico. E destaca:

Além dos conhecidos conceitos formal (crime é toda a ação ou omissão proibida por lei, sob a ameaça de pena) e material (crime é a ação ou omissão que contraria os valores ou interesses do corpo social, exigindo sua proibição com ameaça de pena), faz-se necessário a adoção de um conceito analítico de crime. Os conceitos formal e material são insuficientes para permitirem à dogmática penal a realização de uma análise dos elementos estruturais de crime.

Com o passar do tempo, esse conceito analítico, demostrado por Bittencourt,

“passou a definir o crime como ação típica, antijurídica e culpável” (BITENCOURT, 1997,

p.32).

Contribuindo com o esclarecimento da conceituação de crime e o posicionamento

adotado por Bittencourt, acrescenta Cunha (apud MIRABETE, 2003, p.41):

Fato típico é o comportamento humano (positivo ou negativo) que provoca um resultado (em regra) e é previsto na lei penal como infração. [...] Antijuricidade é a relação de contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico. A conduta descrita em norma penal incriminadora será ilícita ou antijurídica quando não for expressamente declarada lícita. [...] Culpabilidade é a reprovação de ordem jurídica em face de estar ligado o homem a um fato típico e antijurídico (Jesus, 1999, p.154-155).

Ainda, o crime na lição de Toledo (1994, p.79):

O crime, além de fenômeno social, é um episódio da vida de uma pessoa humana/ Não pode ser dela destacado e isolado. Não pode ser reproduzido em laboratório, para estudo. Não pode ser decomposto em partes distintas. Nem se apresenta, no mundo da realidade, como puro conceito, de modo sempre idêntico, estereotipado. Cada crime tem a sua história, a sua individualidade; não há dois que posam ser reputados perfeitamente iguais. Mas não se faz ciência do particular. E, conforme vimos inicialmente, o direito penal não pode prescindir de

44

teorizar a respeito do agir humano, ora submetendo-o a métodos a amputações, por abstrações, para a elaboração dos conceitos, esquemas lógicos, institutos e sistemas mais ou menos cerrados

Enfim, constata-se atualmente, no direito penal brasileiro e na prática forense, que

uma pessoa será responsabilizada por determinado crime, desde que a conduta delituosa

perpetrada por este seja típica, antijurídica e culpável.

2.2.1.1 Sujeito ativo do crime

O sujeito ativo “é quem pratica o fato descrito como crime, na norma penal

incriminadora. Para ser considerado sujeito ativo de um crime, é preciso executar total ou

parcialmente a figura descritiva de um crime” (BITENCOURT, 1997, p.52 ).

Jesus, da mesma forma, considera sujeito ativo do crime “[...] quem pratica o fato

descrito na norma penal incriminadora” (1998, p.163).

Ao discorrer sobre as variantes terminológicas utilizadas para a identificação dos

sujeitos ativos do crime, esboçadas em nosso ordenamento penal, por meio do Código

Penal e do Código de Processo Penal, elucida Bittencourt (1997, p.52):

O direito positivo tem utilizado uma variada terminologia para definir o sujeito ativo do crime, alterando segundo o diploma legal e, particularmente, segundo a fase procedimental. O código penal utiliza agente (art. 14, II), condenado (art. 34) e réu (art. 188); para definir o sujeito ativo do crime; o Código de Processo Penal, por sua vez, utiliza indiciado (art. 51, b), acusado (art. 185), réu (art. 188) e querelado (art.51).

E finalizando, “a literatura jurídico penal apresenta ainda outras terminologias,

como denunciado, sentenciado, preso, recluso, detento e, finalmente, criminoso ou

delinqüente” (BITENCOURT, 1997, p.52), enfim, t odas essas terminologias são usadas

para identificar os sujeitos ativos do crime.

2.2.1.2 Sujeito passivo do crime

O sujeito passivo do crime por sua vez “[...] é o titular do bem jurídico atingido

pela conduta criminosa” (Bittencourt, 1997, p.52 ).

45

Podem ser sujeitos passivos do crime: “o ser humano (ex. crimes contra a pessoa);

o estado (ex. crimes contra a administração); a coletividade (ex. crimes contra a saúde

pública) e a pessoa jurídica (ex. crimes contra o patrimônio)” (Bittencourt, 1997, p.53).

Para o doutrinador Jesus (1998, p.169), há dois tipos de sujeitos passivos do crime,

quais sejam: o sujeito passivo constante ou formal e o sujeito passivo eventual ou material,

e, assim, aborda:

Se o crime é, sob o aspecto formal, a violação da norma penal, substancialmente é a lesão de um bem por ela tutelado. Assim, sempre há um sujeito passivo juridicamente formal em todo crime, pelo simples fato de ter sido praticado, independentemente de seus efeitos. Este sujeito passivo formal é o Estado, titular do mandamento proibitivo não observado pelo sujeito ativo. Por outro lado, considerando o crime sob o prisma material, há sempre aquele que sofre a lesão do bem jurídico de que é titular (vida, integridade física honra, patrimônio etc.) .

Desta forma, existem duas espécies de sujeito passivo:

a) sujeito passivo constante, geral, genérico ou formal, que é o estado;

b) sujeito passivo eventual, particular, acidental ou material, que é o titular do

interesse penalmente protegido.

Portanto, considerando a união dos elementos, anteriormente descritos, conclui-se

que o sujeito passivo do crime formal e/ou material pode ser o homem, a pessoa jurídica, o

Estado e a coletividade (Cf. JESUS, 1998, p.170).

2.2.2 Concurso de pessoas

Costumeiramente, “a f orma mais simples da prática delituosa consiste na

intervenção de uma só pessoa e mediante uma conduta positiva ou negativa” (JESUS, 1998,

p.401).

Entretanto, a conduta criminosa nem sempre é realizada por apenas um sujeito,

neste aspecto, argumenta Jesus (1998, p.401):

Com alguma freqüência, é produto da concorrência de várias condutas referentes a distintos sujeitos. Por vários motivos, quer para garantir a sua execução ou impunidade, quer para assegurar o interesse de várias pessoas em seu consentimento, reúne-se repartindo tarefas, as quais, realizadas, integram a figura delitiva. Assim, o crime de furto pode ser planejado por várias pessoas: uma rompe a porta da residência, outra nela penetra e subtrai bens, enquanto uma terceira fica de atalaia. Neste caso, quando várias pessoas concorrem para a realização da infração penal, fala-se em co-delinqüência, concurso de pessoas, co-autoria, participação, co-participação ou concurso de delinqüentes (concursus delinquentium). O CP emprega a expressão “concurso de pessoas” (art. 29).

46

Existem dois tipos de concursos de pessoas: o concurso eventual ou unissubjetivo

e o concurso necessário ou plurissubjetivo (Cf. BASTOS, 2003, p.133).

Expondo a diferença dos concursos de pessoas supra citados, enfatiza Bastos

(2003, p.133):

São unissubjetivos, ou de concurso eventual, os crimes que podem ser praticados por uma só pessoa, como o homicídio, o furto, o roubo, o peculato, etc. Plurisubjetivo, coletivos, ou de concurso necessário são os crimes cuja própria definição legal exige a pluralidade de autores, como quadrilha ou bando e rixa. ”incluímos neste tipo de concurso a pessoa jurídica” (grifos do autor).

Nesse raciocínio, complementa Jesus (1998, p.402):

Como se nota, existem hipóteses em que a pluralidade de agentes é da própria essência do tipo penal. Daí falar-se em crimes de concurso necessário ou plurissubjetivos. Os crimes monossubjetivos, ao contrário, podem ser cometidos por um só sujeito. Todavia, eventualmente podem ser praticados por mais de um sujeito. daí falar-se em concurso eventual. [...] Cuida-se do concurso necessário no tocante aos crimes plurissubjetivos. Fala-se em concurso eventual quando, podendo o delito ser praticado por uma só pessoa, é cometido por várias. No primeiro (concurso eventual), o concurso de pessoas é descrito pelo preceito primário da norma penal incriminadora, enquanto no segundo (concurso necessário) não existe esta previsão. Quando a pluralidade de agentes é elemento do tipo, cada concorrente responde pelo crime, mas este só se integra quando os outros contribuem para a formação da figura típica (grifos do autor).

Quanto aos elementos do concurso de pessoas, tem-se, ainda, a autoria, a co-

autoria e a participação ou partícipe, tratadas a seguir.

2.2.2.1 Autoria

Conforme ensina Jesus (1998, p.403), o “autor é o sujeito que executa a conduta

expressa pelo verbo típico da figura delitiva. É o que mata, provoca o aborto, induz alguém

suicidar-se, constrange, subtrai, seqüestra, destrói, seduz ou corrompe praticando o núcleo

do tipo”.

Por conseqüente, demonstra duas teorias aplicadas sobre a autoria, que são: a

teoria restritiva e a teoria extensiva:

De acordo com a primeira, autor é quem realiza a conduta típica. O conceito extensivo de autor fundamenta-se na causação do resultado: autor é quem dá causa ao evento. Assim, em princípio, é autor quem, realizando determinado comportamento, causa a modificação do mundo externo. Não é

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somente quem realiza as características do tipo penal, mas também aquele que, de qualquer maneira, contribui para a produção do resultado (JESUS, 1998, p.403).

O Código Penal utilizava a teoria extensiva, mas, com a reforma de 1984, passou a

adotar a teoria restritiva ao considerar autor aquele que realiza a conduta típica. No que

concerne ao disposto no artigo 29 do Código Penal, tal mudança é decorrente da

diferenciação de autor e partícipe (Cf. BASTOS, 2003, p.134).

Da mesma forma, reitera Jesus (1998, p.403) que “o CP adotou a teoria restritiva,

uma vez que o caput e os §§ 1.º e 2.º do art. 29 nitidamente distinguem autor e partícipe”.

2.2.2.2 Co-autoria

A co-autoria é configurada quando dois o mais agentes praticam o fato típico

definido em lei, ou seja, “dá -se a co-autoria quando várias pessoas realizam as

características do tipo” (JESUS, 1998, p. 405).

Para facilitar a compreensão, torna-se apropriado apresentar o exemplo prático,

abordado por Jesus (1998, p.405):

A e B ofendem a integridade física de C. Ambos praticam o núcleo do tipo do crime de lesão corporal (art. 129, caput), que é verbo “ofender”. As condutas cometidas em co-autoria caracterizam-se pela circunstância de que os cooperadores, conscientemente, conjugam seus esforços no sentido da produção do mesmo efeito, de modo que o evento ( salvo nos crimes formais e de mera conduta) se apresenta como o produto de várias atividades. Co-autoria é divisão de trabalho como nexo subjetivo que unifica o comportamento de todos. Não existe um fato principal a que acedem condutas acessórias; cada um contribui com sua atividade na integração da figura típica, executando a conduta nela descrita objetivamente. Há diversos executores do tipo penal [...].

Pode ocorrer a co-autoria, sem que um dois agentes pratiquem atos executórios, é

o caso na divisão de trabalho, por exemplo, o que pode ocorrer no crime de roubo definido

no artigo 157, caput, do Código Penal, pois uma das pessoas pode ameaçar a vítima,

apontando-lhe a arma de fogo, enquanto, a outra, retirar-lhe seus pertences (Cf. JESUS,

1998, p.405).

Nesta linha, segue Bittencourt (1997, p.266):

A co-autoria fundamenta-se no principio da “divisão de trabalho”, em que todos tomam parte, atuando em conjunto na execução da ação típica, de tal modo que cada um possa ser chamado verdadeiramente de autor. É o que pode ocorrer especialmente naqueles crimes que Beling chamou de crimes da “ação dupla”,

48

como, por exemplo, no crime de estupro: enquanto um dos agentes segura a vítima, o outro a possui sexualmente.

2.2.2.3 Partícipe

Com relação ao concurso de pessoas por participação, esta ocorre “quando o

sujeito, não praticando atos executórios do crime, concorre de qualquer modo para a sua

realização (CP, art. 29). Ele não realiza conduta descrita pelo preceito primário da norma,

mas realiza uma atividade que contribui para a formação do delito. Chama-se partícipe”

(JESUS, 1998, p. 405).

Deste modo, “partícipe é o agente que acede sua conduta à realização do crime,

praticando atos diversos dos do autor. Assim, se A instiga B a matar C, o primeiro é

partícipe, e o segundo, autor” (JESUS, 1998, p.406).

Shecaira (2003, p.175), ao comentar sobre o partícipe, remete a duas definições

importantes, a moral e a material:

Por participação entende-se a cooperação em um delito, não alcançado pela co-autoria. Na participação o sujeito não pratica a ação típica, isto é, os atos executórios do crime, mas concorre de qualquer modo para a sua realização; conduz-se para a formação do delito; acede sua conduta para o preenchimento da figura típica. Daí, se não se vislumbra uma conduta típica e ilícita alheia, não se pode falar em participação penalmente relevante. A doutrina concebe basicamente duas formas de participação: moral e material. Participação moral é o fato de incutir na mente do autor principal o ânimo delituoso ou de reforçar o preexistente. É a instigação e induzimento. Na participação material, por sua vez, há cooperação na execução de um ato, há colaboração sem haver, no entanto, domínio funcional do fato. Nesta modalidade, verifica-se um auxilio – não tipificado – que fortalece o desígnio do agente ou propicia a lesão a um bem jurídico atingido pelo autor. É a cumplicidade.

49

2.2.3 Conceito de tipo e tipicidade penal

A teoria do tipo penal descreve no diploma penal as condutas consideradas graves

de forma individualizada, visando à proteção e à tutela de certos bens jurídicos (Cf.

BITENCOURT, 1997, p.82).

Em relação à conceituação de tipo penal, esclarece Bitencourt (1997, p.82):

Tipo é o conjunto dos elementos do fato punível descrito na lei penal, O tipo exerce uma função limitadora e individualizadora das condutas humanas penalmente relevantes. É uma construção que surge da imaginação do legislador que descreve legalmente as ações que consideradas, em tese delitivas.

Na definição de Zafforini (2002, p.443), “o tipo penal é um instrumento legal,

logicamente necessário e de natureza predominantemente descritiva, que tem por função a

individualização de condutas humanas penalmente relevantes (por estarem penalmente

proibidas)”.

Os elementos que descrevem cada tipo penal são individuais possuindo

características próprias que os diferem, entretanto, todos são especiais, no sentido de não

poderem ser confundidos, “inadmitindo -se a adesão de uma conduta que não lhe

corresponda perfeitamente. Cada tipo desempenha uma função particular, e a ausência de

um tipo não pode se suprida por analogia ou interpretação extensiva” (BITTENCOURT,

1997, p.82).

Com muita propriedade leciona Jesus (1998, p.271):

O tipo é o ponto de toda construção jurídica-penal objetiva ou subjetiva. Quer se analise o crime sob o aspecto objetivo ou subjetivo, parte-se sempre do conceito da figura típica: a antijuricidade e a culpabilidade precisam se apreciados sob o aspecto do tipo. Pode dizer que o tipo: a) cria o mandamento proibitivo (norma implícita da lei penal incriminadora); b) concretiza a antijuricidade; c) assinala o injusto; d) limita o injusto; e) limita o iter criminis, marcando o início e o término da conduta e assinalando os seus momentos penalmente relevantes; f) ajusta a culpabilidade ao crime considerado; g) constitui uma garantia liberal, pois não há crime sem tipicidade.

Há, também, a figura da tipicidade no direito penal, que diferentemente, do tipo, tratará diretamente

a relação do fato praticado com a moldura descrita em lei, sendo que a relação de ambos determina a

tipicidade (Cf. Bittencourt, 1997, p.83).

50

Assim, “tipicidade é a correspondência entre o fato praticada pelo agente e a descrição de cada

espécie de infração contida na lei incriminadora” (BITTENCOURT apud JESUS, 1997, p.83).

Zafforini, ao diferenciar tipo e tipicidade, acrescenta:

Não se deve confundir o tipo com a tipicidade. O tipo é a fórmula que pertence a lei, enquanto a tipicidade pertence a conduta. A tipicidade é a característica que tem uma conduta em razão de estar adequada a um tipo penal, ou seja, individualizada como proibida por um tipo penal (2002, p.444).

2.2.4 Imputabilidade penal

“Imputar é atribuir a alguém a responsabilidade de alguma c oisa. Imputabilidade

penal é o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser

juridicamente imputado a prática de um fato punível” (JESUS, 2003, p.469).

Ao par desse entendimento, afirma Kist (out. 2004):

A imputabilidade diz respeito à possibilidade do agente de sofrer as sanções penais tipificadas à conduta praticada. Com a imputabilidade se pretende designar a capacidade psíquica de culpabilidade: "... para que se possa reprovar uma conduta a seu autor, é necessário que ele tenha agido com um certo grau de capacidade, que lhe haja permitido dispor de um âmbito de autodeterminação. A capacidade psíquica requerida para se imputar a um sujeito a reprovação do injusto é a necessária para que lhe tenha sido possível entender a natureza de injusto de sua ação e que lhe tenha podido permitir adequar sua conduta de acordo com esta compreensão da antijuridicidade." Toledo menciona que a "imputabilidade é sinônimo de atribuibilidade.". Cezar Roberto Bitencourt menciona que: "... sem a imputabilidade entende-se que o sujeito carece de liberdade e de faculdade para comportar-se de outro modo. Com o que não é capaz de culpabilidade, sendo, portanto, inculpável."

Decorrente da imputabilidade, não menos importante, temos a figura da

inimputabilidade, que, ao contrário da outra, consiste na ausência total ou parcial da

capacidade criminal. Assim, a imputabilidade penal dividi-se em: parcial e total. (Cf. KIST,

out. 2004).

A imputabilidade penal parcial, prevista no artigo 26, parágrafo único, do Código

Penal, ocorre, por exemplo, no caso de o agente sofrer de um desenvolvimento mental

retardado, entretanto, ao tempo da ação, por ter a mínima noção do caráter ilícito do fato,

será imputado-lhe uma sanção, mesmo que diminuída em seu “ quantum” (Cf. KIST, out.

2004).

51

Já a imputabilidade penal total, disposta no artigo 26, caput, do Código Penal, é

quando o agente, ao realizar um crime, é totalmente incapaz de entender o caráter ilícito do

fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

2.2.5 Finalidade da pena

O instituto da pena é o meio pelo qual o estado pune aqueles que descumprem as

normas, prejudicando interesses de terceiros, tal caráter sancionador visa garantir uma

convivência harmônica entre os membros na sociedade (Cf. MASCARENHAS, 2003,

p.50).

Sobre a finalidade da pena dispõe Jesus (1998, p.517):

“Pena é a sanção aflitiva imposta pelo estado, mediante ação penal, ao autor de

uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um

bem jurídico, cujo fim é evitar novos delitos”.

Com eloquência, comenta Beccaria (1998, p.62):

Da simples consideração das verdades até aqui expostas, resulta evidente que o fim das penas não é atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer um delito já cometido. É concebível que um corpo político, que, bem longe de agir por paixão, é o moderador tranqüilo das paixões particulares, possa abrigar essa inútil crueldade, instrumento do furor e do fanatismo, ou dos fracos tiranos? Poderiam os gritos de um infeliz trazer de volta do tempo sem retorno as ações já consumadas? O fim, pois, é apenas impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo. É, pois, necessário escolher penas e modos de infligi-las, que, guardadas as proporções, causem a impressão mais eficaz e duradouras nos espíritos dos homens, e a menos penosa no corpo do réu.

Corroborando desse entendimento, que a pena tem como principal finalidade à prevenção, o

doutrinador Jesus (1998, p.517) conduz a dois conceitos importantes de prevenção, ao dispor que “as penas

têm finalidade preventiva, no sentido de evitar a prática de novas infrações, A prevenção é: ‘geral e

especial’”.

Com relação à prevenção geral “[...], o fim intimidativo da pena dirige -se a todos

os destinatários da norma penal, visando a impedir que os membros da sociedade pratiquem

crimes” (JESUS, 1998, p.517).

Já, na prevenção especial, a pena é dirigida ao autor do delito, retirando-o do

convívio social, com a intenção de impedir que novamente passe a delinqüir e, também,

com o caráter de ressocialização ou correção (Cf. JESUS, 1998, p.517).

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Muito importante salientar as espécies de penas definidas no artigo 32, do Código

Penal, que são: as privativas de liberdade (art. 32, inciso I), as restritivas de direito(art. 32,

inciso II) e, por fim, a pena de multa (art. 32,inciso III) (Cf. BASTOS, 2003, p.155).

Neste sentido, conceitua Bastos (2003, p. 156):

As penas privativas de liberdade retiram o criminoso de seu ambiente social, confinando-o por certo tempo, ou mesmo para sempre. É a predominante nas legislações modernas, diferentemente do Brasil, que não se aplica a pena privativa de liberdade definitiva ou para sempre”, as penas privativas de liberdade estão definidas no art. 32 ao 42 do CP. Restritivas da liberdade são penas que limitam o direito de locomoção do condenado[...] definidas no art. 43 ao 48 do CP. A pena pecuniária atinge o patrimônio do delinqüente, forçando a pagar importância fixada na sentença.[...], definidas no art. 49 ao 52 do CP (grifos do autor).

2.2.6 Princípios

2.2.6.1 Princípio da legalidade

O princípio da legalidade, fundamento de aplicação da pena no Direito Penal, é um

importante instrumento, previsto na Constituição federal, no artigo 5º, inciso XXXIX,

dispondo que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação

legal”, o Código Penal da mesma forma reitera esse entendimento no artigo 1º.

Este princípio, também conhecido como reserva legal, na opinião de Bastos (2003,

p.156) está, “[...] sintetizada no princípio nulla poena sine lege, ou seja, nenhuma pena

pode ser imposta se não estiver cominada, em lei anterior[...]”.

Shecaira (2003, p.157) disciplina sobre este princípio:

A lei que institui o crime e a pena deve ser anterior ao fato que se quer punir. É necessária a existência de uma tipologia de condutas humanas que ofendam bens jurídicos tutelados pelo estado. A eficácia do princípio da legalidade está condicionada à técnica legislativa para a descrição de condutas proibidas. Deve o legislador procurar tipos observando que ao mesmo tempo não sejam vagos – o que destruiria o próprio princípio, sem perder de vista a generalização de condutas existentes [...].

Ao relatar sobre a importância deste princípio no ordenamento penal, continua,

Shecaira (2003, p.156):

É o princípio da legalidade a regra essencial, substancial de todo o ordenamento penal. É uma proposição constitutiva de ponto de partida de um sistema. No plano penal, o corolário do Estado Democrático de direito é exatamente o princípio da legalidade : um valor do direito penal constitucional.

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Decorrente deste princípio, surge a figura da inadmissibilidade da analogia para a

fundamentação de uma decisão, pois, caso contrário, constataria uma afronta ao princípio

da legalidade, embora o uso de analogia não seja permitido no ordenamento penal, devido

ao principio da legalidade, entretanto, existe exceção no caso de ser utilizada para beneficio

do acusado (Cf. BASTOS, 2003, p.21).

No dizer afirmativo de Bastos (2003, p.21):

A analogia não é a forma de interpretação mas de integração da lei. Consiste em aplicar-se a um fato não previsto pelo legislador uma norma destinada a regular casos semelhantes. Como vimos, a analogia em Direito Penal não pode ser aplicada em razão do princípio da legalidade. A proibição, todavia, não é absoluta, referindo-se somente à definição de fatos puníveis e à aplicação de penas, ou seja, às denominada analogia in malam partem. Quando se trata de suprir lacunas da lei para favorecer o acusado, admite-se o recuso à analogia, nesse caso denominada in bonam partem.

2.2.6.2 Princípio da proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade determina que “a pena deve ser proporcional ao

delito praticado, tanto na cominação legal como na sua individualização pelo juiz”

(BASTOS, 2003, p.156).

Este princípio e também conhecido como “princípio da proibição de excesso”,

conforme lição de Jesus (2002, p.11), determina “que a pena não pode ser superior ao grau

de responsabilidade pela prática do fato. Significa que a pena deve ser medida pela

culpabilidade do autor. Daí dizer-se que a culpabilidade é a medida da pena”.

Seguindo este posícionamento, ensina Dotti (2001, p. 441):

“A pena deve retribuir juridicamente à culpabilidade do autor da conduta típica e ilícita. Em última

instância, ela é o efeito de uma causa e deve guardar uma possível relação de proporcionalidade entre o mal

do ilícito e o mal da ação (ou omissão)”.

2.2.6.3 Princípio do “bis in idem”

É muito importante salientar este princípio, pois ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo

fato.

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O doutrinador Jesus (2002, p.11) indica duas características deste princípio. A

primeira refere-se ao aspecto penal material, ou seja, ninguém pode sofrer duas penas em

face do mesmo crime. Já em relação ao segundo aspecto, cuidou de tratar sobre a questão

processual, ou seja, ninguém pode ser processado e julgado duas vezes pelo mesmo fato.

Conclui-se, com base na opinião do doutrinador acima descrito, que este princípio,

visa proteger os interesses das pessoas e de evitar que alguém seja duplamente acusada pelo

mesmo fato. É inadmissível o “bis in idem” em nosso ordenamento jurídico criminal.

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3 RESPONDABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA BRASILEIRA E A LEI N. 9.605/98

Encerra-se o estudo com ressalva à Lei n. 9.605/98, uma vez que essa lei foi

bastante inovadora ao prever a responsabilidade penal da pessoa jurídica no ordenamento

jurídico pátrio, muito embora criticado, como constataremos no transcurso deste capitulo..

Sem dúvida, a Lei dos Crimes Ambientais promoveu não só o reconhecimento da

criminanalização dos entes coletivos, mas foi um marco legal na busca da tutela e proteção

do meio ambiente, direito este inerente a qualquer cidadão.

3.1 Constituição Federal

Levando-se em conta as disposições das constituições anteriores nada dispuseram

sobre a possibilidade da responsabilização da pessoa jurídica, ao contrário da promulgada

em 1988, que nos seus artigos 173, parágrafo 5º e artigo 225 parágrafo 3º, prevêem a

possibilidade de tal punibilidade (Cf, SHECAIRA, 2003, p.131).

Assim enunciam, os artigos 173, parágrafo 5º e artigo 225 parágrafo 3º, todos da

Constituição Federal:

Art. 173 [...] § 5º – A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-se às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

O artigo, acima descrito, não menciona especificamente a responsabilidade penal

do ente coletivo, ao contrário, o artigo 225, § 3º, que aborda sobre a possibilidade da

responsabilização penal destas pessoas, com relação aos crimes praticados contra o meio

ambiente, afirma:

Art. 225 [...] § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente de obrigação de reparar os danos causados.

Com relação aos dispositivos, acima citados, Shecaira argumenta (2003, p.132):

A responsabilidade penal da pessoa jurídica continua sendo tema polêmico e candente em direito penal, particularmente na doutrina brasileira. O legislador constituinte reavivou a discussão do assunto ao editar os dois dispositivos acima citados. Não obstante existirem opiniões contrárias – de juristas de nomeada -, a

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nosso juízo não há duvida que a Constituição estabeleceu a responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Existem algumas críticas doutrinárias inerentes aos artigos da Constituição, que

prevêem a responsabilidade penal da pessoa jurídica, como é o caso do renomado

doutrinador Bittencourt (1997, p.54):

No Brasil, a obscura previsão do art. 225, § 3º, da Constituição Federal, relativamente ao meio ambiente, tem levado alguns penalista a sustentarem, equivocadamente, que a Carta Magna consagrou a responsabilidade penal da pessoa jurídica. No entanto, a responsabilidade penal ainda se encontra limitada e individual.

Mas Prado reitera (apud DOTTI, 2001, p.149): A pretensão de atribuir a imputabilidade penal às pessoas jurídicas não está em harmonia com a letra e o espírito da Constituição. Com efeito, no Capítulo relativo ao meio ambiente a Carta Política de 1998 declara que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar dano (225, § 3º). Tal disposição, em sua interpretação literal, poderia ensejar o entendimento de que é admissível a responsabilidade penal dos entes coletivos. Porém a melhor compreensão da norma nos leva à conclusão de que tanto a pessoa física como a pessoa jurídica podem responder na ordem civil, administrativa e tributária pelos seus atos; mas a responsabilidade penal continua sendo de natureza e caráter estritamente humano.

Percebe-se que existem doutrinadores contrários a estas disposições constitucionais acerca da

responsabilidade penal jurídica, entretanto, “os constitucionalistas, na sua maioria, reconhecem a consagração

da responsabilidade da empresa na Carta Política de 1988” (SCHECAIRA, 2003, p.132).

No declarar de Costa e Neto (2001, p.60), sobre a punibilidade penal da pessoa,

retira o seguinte posicionamento:

Como se vê, portanto, a criminalização da pessoa jurídica e a sua conseqüente responsabilização não ofendem ao princípio constitucional da necessária culpabilidade como pressuposto da punibilidade, pois a própria culpabilidade deve ser vista como culpabilidade social, partindo-se do pressuposto de que a pessoa jurídica possui vontade reconhecível e absolutamente própria. A culpabilidade social da empresa surge e a partir do momento em que ela deixa de cumprir com a sua função esperada pelo ordenamento jurídico e exigível de todas as empresas em igualdade de condições. Essa culpabilidade social, como pressuposto da punibilidade, compatibiliza a norma do art. 225, § 3º, com a norma principiológica que define o princípio da culpabilidade como dogma constitucional penal.

Com muita propriedade, relatando sobre esta nova ordem penal brasileira, a luz de

nossa Constituição, contribui para nosso entendimento Jesus (2004, p.129):

[...]com o aparecimento de novos interesses jurídicos ligados à economia de mercado, o progresso social etc., o direito penal ficou perplexo. A dogmática

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penal tradicional estava acostumada a tratar de interesses tangíveis, como a vida, a incolumidade física, a liberdade pessoal, o patrimônio etc., normalmente relacionados a um indivíduo e cujas lesões são facilmente perceptíveis. Com o progresso da sociedade, entretanto, principalmente na economia surgiram novos interesses jurídicos de difícil apreciação e determinação [...], [...] eventuais condutas ilícitas de produtores podem violar, além de bens jurídicos individuais, interesses gerais da sociedade que se consubstancia em normas reguladoras da produção, circulação e distribuição de bens O mesmo ocorre com as lesões ambientais. São interesses que não estão vinculados diretamente à pessoa humana e sim a ordem econômica e ambiental. Em face disso, devem ser considerados coletivos e difusos. Na hipótese de lesão às águas de um rio, por exemplo, é impossível determinar-se com precisão o número de pessoas eventualmente prejudicados. Trata-se de hipótese de interesses difusos.

3.2 Conceito de meio ambiente

É muito importante salientar, antes de adentrar no estudo da responsabilidade

penal da pessoa jurídica, à luz da lei dos crimes ambientais, conhecer o conceito de meio

ambiente e, nesse sentido, comenta Afonso da Silva (1998, p.02), que “o meio ambiente é,

assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o

desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”.

Ainda, conceituando o meio ambiente, Faria (apud TOURINHO NETO, set.2004)

aduz que o meio ambiente é "um conjunto em que o homem está inserido, dele dependendo

para sobreviver biológica, espiritual e socialmente".

“Por isso é que a preservação, a recuperação e a revita lização do meio ambiente há

de constituir uma preocupação do poder Público e, consequentemente, do direito, porque

ele forma a ambiência na qual se move, desenvolve, atua e se expande a vida humana”

(SILVA, 1998, p.02).

Decorrentes da conceituação de meio ambiente, três elementos são formulados,

quais sejam: os meios ambientes artificiais, culturais e naturais (Cf. SILVA, 1998, p.03).

No mais, acerca do tema, complementa Silva (1998, p. 03):

O meio ambiente artificial, constituído pelo espaço urbano construído, consubstanciado no conjunto de edificações (espaço urbano fechado) e dos equipamentos públicos (ruas, praças, áreas verdes, espaços livres em geral: espaço urbano aberto. Meio ambiente cultural, integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que, embora artificial, em regra, como obra do homem, difere da anterior (que também é cultural) pelo sentido de valor especial que adquiriu ou de que se impregnou. Meio ambiente natural, ou físico, constituído pelo solo, água, o ar atmosférico, a flora, enfim, pela interação dos seres vivos e seu meio, onde se dá a correlação

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recíproca entre as espécies e as relações destas com o ambiente físico que ocupam.

3.2.1 Finalidade de proteção

A grande maioria dos crimes praticados contra o meio ambiente são

protagonizadas pelas pessoas jurídicas que, na sua busca constante de riqueza, lucro,

crescimento, não respeitam as condições da natureza, gerando poluição em mares e rios,

causando desmatamentos e mortes de animais e, como conseqüência natural, há um

desequilíbrio ambiental imenso (Cf. CASTRO, 2001, p.37).

Devido a isto, a proteção do meio ambiente se faz necessária. Nesse sentido, com

muita eloqüência comenta Faria (set. 2004):

Busca-se resguardar o ambiente para o próprio benefício do homem, para se alcançar uma boa qualidade de vida, ou seja, proteger-se o ecossistema para a garantia da própria sobrevivência humana na terra. Não se defende o bem jurídico porque está na moda, porque é politicamente correto, mas para a sobrevivência e bem-estar do homem, pois, sem ele, o homem não pode viver.

A Constituição, em seu artigo 225, garante a todos proteção e bom uso do meio

ambiente:

Art. 225 - todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações.

“Assim, no caput do art. 225, o texto constitucional afirma que o meio ambiente é

bem de uso comum do povo, suscitando diversas questões quanto à efetividade de sua

proteção” (MORAES, 2002, p.1998).

A proteção de nosso meio ambiente é de fundamental importância, para nossas

próprias vidas. Acerca desse sentido Silva expõe sua opinião (1998, p.54):

O objeto de tutela jurídica não é tanto o meio ambiente considerando seus elementos constitutivos. O que o direito visa proteger é a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida. Pode-se dizer que há dos objetos de tutela, no caso: um imediato, que é a qualidade do meio ambiente, e outro mediato, que é a saúde, o bem-estar e a segurança da população, que se vêm sintetizando na expressão qualidade de vida.

3.3 Responsabilidade dos dirigentes

Os sócios, os gerentes, os prepostos e os diretores, ou seja, os administradores têm

papel fundamental para a responsabilização penal da pessoa moral, entretanto, necessário se

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faz a diferenciação dos diretores pessoas físicas que agem em nome próprio, para com a

pessoa jurídica (Cf. SHECAIRA, 2003, p.147).

Neste diapasão, assevera Shecaira. (2003, p.146):

Note-se, outrossim, que a responsabilidade penal será sempre subjetiva (só pode ter por fundamento a vontade humana, baseada na culpa e no dolo e individual, sendo inadmissível qualquer hipótese da responsabilidade objetiva ou solidária. É comum termos, especialmente em empresa menores – uma limitada, por exemplo – dois sócios. Um que efetivamente está à testa da administração. Outra não raro, esposa, daquele, é uma simples “dona de casa”, não sabendo de quaisquer atos praticados pela empresa, e que afinal contribui com seu nome para a formação da sociedade limitada. Denunciá-la como responsável pelo atos delituosos eventualmente praticados constitui evidente responsabilidade objetiva, veementemente coibida pelo ordenamento e por interativa jurisprudências de nossos tribunais o que não seria aceito em matéria penal.

“ Portanto, nem toda atividade praticada por um administrador ou preposto da

empresa, que incorra em um fato típico ambiental, pode ser catalogado como crime

praticado pela pessoa jurídica” (COSTA e NETO, 2001, p.65).

Neste sentido, reitera Costa e Neto(2001, p.65):

Há crimes ambientais que podem ser praticados por um funcionário sem que haja uma vinculação específica com a atividade da empresa, revestindo-se em flagrante crime cometido por indivíduo que apenas circunstancialmente esteja a serviço da empresa, sem que isso tem sido relevante para a prática delituosa, ou caracterize o fato como o delito da pessoa jurídica.

Para caracterização da responsabilidade penal da pessoa jurídica, de acordo com o

artigo 3º, da Lei dos Crimes Ambientais que será estudado, a seguir, a pessoa jurídica é

responsabilizada “nos casos em que a infração venha a ser cometida por decisão de seu

representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou beneficio da

sua entidade” (SHECAIRA, 2003, p.146).

Argumenta Shecaira (2003, p.146):

Dispositivo veio a confirmar a potencial gravidade do dano cometido pelas pessoas jurídicas, que atuam muitas vezes com o espírito de acobertar os agentes que se escondem sob a estrutura complexa das empresas modernas. Sob esse manto são praticados pelas grandes corporações as mais graves violações ao consumidor e as mais perigosas ao meio ambiente. Por serem relações complexas, dada a enormidade das estruturas empresariais, é que se entendeu que, em não havendo punição das pessoas jurídicas, seriam alcançadas com a sanção penal somente os subalternos, os de menor responsabilidade.

Portanto, não se deve punir livre e espontaneamente a pessoa jurídica pelos

simples atos de seus representantes. Há limites que devem ser considerados para

60

caracterização do delito e tais limites serão analisados no item próprio sobre a

responsabilidade da pessoa jurídica e a Lei n. 9.605/98.

3.3.1 Concurso necessário

O delito praticado pela pessoa jurídica sempre será um crime praticado pelos seus

membros, pessoas físicas no uso de seus atribuições e que representam os interesses do ente

coletivo. Devido a isto, o crime praticado pela pessoa jurídica sempre será por meio de co-

autoria necessária ou participação, na medida que for comprovada a culpabilidade dos co-

autores ou partícipes, todos responderão em concurso com a pessoa jurídica (Cf. COSTA e

NETO, 2001, p.73).

Nestes termos, assevera Costa e Neto (2001, p.73):

Para que uma pessoa jurídica pratique um crime, obrigatoriamente pessoas físicas ocuparam-se de deliberar de acordo com a estrutura da empresa e pessoas executaram esta deliberações. Na medida de culpabilidade, todas elas respondem em concurso com a pessoa jurídica, pois se trata de co-autoria necessária.

Shecaira (2003, p.176):, também, dispõe sobre esta característica:

A empresa - por si mesma - não comete atos delituosos. Ela o faz por meio de alguém, objetivamente uma pessoa natural. Sempre por meio do homem é que o ato delituoso é praticado. Se considerar que só haverá a persecução penal contra pessoa jurídica se o ato for praticado em benefício da empresa por pessoa estreitamente ligada a pessoa jurídica, e com a ajuda do poderio desta última, não se deixará de verificar a existência de um concurso de pessoas. Sem desconsiderações de situações mais complexas, o que em alguns casos é possível ocorrer, teremos sempre, no mínimo, a existência de dois autores: haverá, portanto, co-autoria necessária. Para haver punição de uma empresa, obrigatoriamente devemos considerá-la como autora mediata. Ela sempre agirá por meio de alguém co-autor imediato.

Destarte, constata-se que as pessoas jurídicas, ao cometerem delitos, podem ser

responsáveis por estes como autores, co-autores e partícipes, ou seja, em concurso

necessário de pessoas4.

4 Corroborando com esse entendimento, retira-se do corpo do acórdão da jurisprudência anexa, o seguinte entendimento: “ Mais consentâneo com a vontade do legislador é a posição de Aquiles Mestre para quem as pessoas jurídicas podem cometer delitos e ser responsáveis por estes delitos como autores e como partícipes [...]”.

61

3.3.2 Sistema da dupla imputação

O sistema da dupla imputação está previsto no parágrafo único, do artigo 3º, da

Lei n. 9.605/98. Este sistema não isenta a responsabilidade da pessoa física, em decorrência

da punibilidade penal da pessoa jurídica, uma não exclui a outra (Cf. SCHECAIRA, 2003,

p.146)5.

O parágrafo único, do artigo 3º, da Lei dos Crimes Ambientais, dispõe que “a

responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras

ou partícipes”.

Schecaira (2003, p.148):comenta este sistema:

Note-se, a propósito que, a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato, o que demostra a adoção de chamado sistema da Dupla imputação. [...] é o nome dado ao mecanismo de imputação de responsabilidade penal as pessoas jurídicas, sem prejuízo da responsabilidade pessoal das pessoas físicas que contribuíram para a consecução do ato.[...] por meio desse dispositivo, a punição de um agente (individual ou coletivo) não permite deixar de lado a persecução daquele que concorreu para a realização do crime seja ele co-autor ou partícipe. Nosso legislador deixou clara a intenção da persecução penal no delito ecológico. A doutrina específica que discute a Lei 9.605/98 e a responsabilidade penal da pessoa jurídica, mencionada no art. 225, § 3º da Constituição Federal, comenta muitas vezes o tema da dupla imputação.

Continua Shecaira (apud SANCTIS, 2003, p.149):

Observa-se, finalmente, que a cumulação de responsabilidade significa a não-exclusão da responsabilidade penal das pessoas jurídicas, pelos atos praticados por seus dirigentes, como forma de evitar apenas imputação destes últimos, quando se verifica, inclusive, o benefício dos grupamentos.

Abordando sobre o assunto, Machado (1998, p. 598) aduz que a “lei não quis

deixar impune a pessoa física autora, co-autora ou partícipe, ainda, que sejam apuradas,

num mesmo processo penal, as responsabilidades são diferentes e poderão acontecer a

absolvição ou a condenação separadamente ou em conjunto”.

3.3.3 Sistema da dupla imputação X principio do “bis in idem”

5 Acerca da possibilidade da dupla imputação, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmou a sentença prolatada pelo Juiz Federal da 1ª Comarca de Criciúma/SC, em Apelação Criminal n. 2001.72.04.002225-0, ao condenar uma pessoa jurídica e seu diretor pela prática dos crimes descritos no arts. 48 e 55 da Lei n. 9.605/98.

62

Alguns doutrinadores alegam que o sistema da dupla imputação estaria

responsabilizando duas vezes o mesmo sujeito pela prática criminosa, confrontando-se com

o princípio constitucional aplicado no direito penal do “bis i n idem”, expressamente

proibido (Cf. SHECAIRA, 2003, p.150).

Contra essá tese, expõe Shecaira (2003, p.150):

Diante de todo o exposto, podemos afirmar que não há que se falar em inconstitucionalidade do art. 3º dessa lei (como alguns autores chegaram a dizer) por fazer com que a pena passe da pessoa do condenado. Também não se pode dizer que há bis in idem, pois não se pune duas vezes o sócio culpado. O artigo apenas permite que além dos sócios o ente coletivo também seja passível de punição. São duas distintas pessoas. Cada uma será punida conforme a contribuição dada para o deslinde do fato delituoso.

Destarte, não há que se falar em “bis in idem”, eis que não se pune duas vezes a

mesma pessoa e, sim, pessoa distinta6.

3.4 Responsabilidade penal da pessoa jurídica e a Lei n. 9.605/98

No dia 12 de fevereiro de 1998, o legislador ordinário, por meio da Lei n.

9.605/98, deu continuidade ao estabelecido no artigo 225, § 3º, da Constituição Federal, ao

reconhecer a responsabilidade penal da pessoa jurídica (Cf. SMANIO, set. 2004).

“A principal novidade trazida pela lei 9.605/98 ao nosso ordenamento jurídico é a responsabilidade

penal da pessoa jurídica, prevendo para ela tipos e sanções bem definidos, diferentes daquelas que só se

aplicam à pessoa humana” (FARIA, set. 2004).

6 Concordando com esse entendimento, aborda Roque de Brito Alves: "não se justifica mais tal negativa

da responsabilidade penal da pessoa jurídica, o que permite uma evidente distinção entre a responsabilidade

penal pessoal, individual e a responsabilidade penal da pessoa jurídica que não se confunde com a

responsabilidade criminal dos seus membros ou componentes. Distinção também, por outra parte, entre as

sanções administrativas ou civis das sanções penais dos crimes pela pessoa jurídica (in Lei dos Crimes

Ambientais, São Paulo, ADCOAS, 1999, págs.91/93)” (Entendimento esboçado no acórdão anexo).

63

Nos termos do artigo 3º, caput, da Lei 9.605/98:

Art. 3º - As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativamente, civil e penalmente, conforme o disposto nesta lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade.

As pessoas jurídicas de acordo com artigo supra citado podem ser objetos de

sanções na área: civil, administrativa e penal, em que pese referir-se a uma lei penal (Cf.

COSTA e NETO, 2001, p.32).

Nesse sentido, é o posicionamento de Costa e Neto (2001, p.37):

As infrações contra o meio ambiente são atos penalmente relevantes que possuem uma especificidade que os distingue, juntamente com outra agressões a bem jurídicos plurindividuais, dos atos ilícitos normatizados pelo direito penal clássico. O crime ambiental é praticado contra coletividade, pois o bem jurídico tutelado pela norma penal ambiental é bem jurídico específico, que não possui um titular mediato corporificado. Ainda que se possa identificar o titular do patrimônio ofendido, há uma parcela desta propriedade que é de todos e de ninguém, razão pela qual a normas que regulamentam a prática dos atos típicos são, em grande medida, normas que insculpem uma intenção política de proteção da coletividade

Entretanto, para que seja configurada a conduta criminosa da empresa, é

necessário que consideremos alguns elementos, “os quais, quando presentes, denotam que o

crime ambiental foi cometido pela empresa, enquanto pessoa jurídica, e não-somente pelo

funcionário, na condição de pessoa física” (COSTA e NETO, 2001, p.65).

Esses elementos são fundamentais para a diferenciação da responsabilidade penal

da pessoa jurídica para com pessoa física e, nesse sentido, com muita propriedade leciona

Costa e Neto (2001, p.66):

Primeiramente, é necessário que haja um benefício por parte da empresa, oriundo do fato praticado. Acaso o objetivo, o motocondutor do ato tenha sido trazer lucro ou qualquer benefício de qualquer ordem à empresa, caracteriza-se o crime societário que desdobra do mero individualismo. [...] Quando, entretanto, o crime ambiental é praticado no interesse exclusivo do agente, o que se percebe é a utilização circunstancial da empresa para a prática de um crime de natureza individual, deixando-se de caracterizar crime da pessoa jurídica. Como segundo requisito, observe-se que atitude do preposto não pode estar situada fora da atividade da empresa. Um funcionário de uma indústria de calçados que se utiliza de uma moto serra, durante uma atividade de natureza estritamente pessoal, jamais pode ver a sua prática imputada à pessoa jurídica. Da mesma forma, ainda que em serviço, se um funcionário comete crime do art. 29, quando a sua empresa trabalha com saponáceos e outros derivados e apenas aquele animal se fazia presente no pátio da empresa, não se há de imputar à pessoa jurídica a prática do crime, ainda que haja algum lucro mediato para a

64

fábrica com a prática do delito de matar animal, silvestre. A condição sim é que haja uma vinculação entre a atividade da empresa e o ato praticado. O terceiro elemento de caracterização diz respeito ao vinculo que deve existir entre a empresa e o autor material do delito. Deverá haver um relacionamento de cunho empregatício entre o autor material do fato típico e a empresa responsável, sob pena de, aí sim, caminhar-se para a responsabilidade penal objetiva.[...] A quarta característica diz respeito à utilização da empresa para a prática do crime ambiental [...] [...] O que verdadeiramente caracteriza o fato como crime das empresas, é o envolvimento da “máquina” da pessoa jurídica para a prática do delito. Se puder entender que sem existência da pessoa jurídica, com seus objetivos e seus meios, o crime ambiental não teria ocorrido, estar-se-á diante de uma verdadeiro crime ambiental cometido pelo ente moral.

Da mesma forma, sobre os elementos necessários para configuração da prática

delitiva atribuída à pessoa jurídica, explana Schecaira (2003, p.174):

Em primeiro lugar, a infração individual há de ser praticada no interesse da pessoa coletiva e não pode situar-se fora da esfera da atividade da empresa. Além disto, a infração executada pela pessoa física deve ser praticada por alguém que se encontre estreitamente ligado a empresa, mas sempre com o auxílio do seu poderio, o qual é resultante da reunião das forças econômicas agrupadas em torno da empresa.

Configurados os elementos que justifiquem a responsabilidade penal da pessoa

jurídica. Frisam-se algumas considerações acerca dos crimes contra o meio ambiente,

definidos nos artigos 29 ao 69 da Lei n. 9.605/98, dividindo-se em: crimes praticados

contra a Fauna (art. 29 ao art. 37); crimes contra a flora (art. 38 ao art. 53); crimes de

poluição e outros crimes ambientais (art.54 ao art.61); crimes contra o ordenamento urbano

e o patrimônio cultural (art. 62 ao art. 65); e, por fim, crimes contra a Administração

Ambiental (Cf. CASTRO, 2001, p.425).

Configurado o envolvimento da pessoa jurídica na pratica delitiva e a definição do

tipo penal, que estão disciplinados entre os artigos 29 e artigo 69 da Lei n. 9.605/98, passa-

se agora ao estudo da aplicação da pena (Cf. CASTRO, 2001, p.425).

Ressalva-se, antes de realizar o estudo das penas, é saber a capacidade das pessoas

jurídicas de direitos públicos serem responsabilizadas criminalmente ou seja “o Estado

pode condenar a sí próprio e responsabilizar pessoa jurídica que se constitui de uma parte

de si mesmo? Ou será que a natureza jurídica pública funciona como uma espécie de

impedimento para responsabilização deste grupo de entes coletivos?(COSTA E NETO,

2001, p.69)

65

Diante destes argumentos duas correntes são formadas a primeira contrária a

responsabilização penal da pessoa jurídica de direito público, nesse sentido argumenta

Shecaira (2003, p.192)

Não é possível responsabilizar penalmente as pessoas jurídicas de direito público sem risco de desmoronamento de todos os princípios basilares do Estado Democrático de ‘Direito. Ou a pena é inócua, ou então, se executada prejudicaria a própria comunidade beneficiária do serviço público.

De acordo com está corrente somente as pessoas jurídicas de direito privado

podem ser responsabilizadas criminalmente (CF, SHECAIRA, 2003, p.190).

A Segunda tese considera a responsabilidade penal da pessoa jurídica de direito

público, entretanto, com exceção, ou seja, aplicaria-se somente as penas de prestação de

serviço a comunidade e multa, pois estás não infringiriam o princípio da continuidade

referente aos serviços prestados pela administração pública, que ocorreria se aplicadas as

penas restritivas de direito (suspensão e interdição), já que estás significariam a paralisação

dos trabalhos da administração pública..

Sobre isso esclarece Costa e Neto (2001, p.71 e 72)

“[...] a inadequação das penas às pessoas jurídicas de direito público também não parece uma razão especifica para negar tal responsabilização. Se de fato a maioria da penas previstas são incompatíveis com o Estado, tais como interdição ou suspensão de atividades em razão do princípio da continuidade dos serviços públicos, a multa e a própria prestação de serviço a comunidade são plenamente configurados. No mais, a dificuldade na apenação não retira a possibilidade de responsabilização [...] As pessoa jurídicas de direito público, portanto, são responsáveis criminalmente pelos delitos tipificados esta Lei que vierem a cometer, aplicando-se a tais entes as penas de multa e de prestação de serviço à comunidade.

Diante desta ressalva, seguimos nosso estudo com relação a aplicação das penas

disciplinado pela lei 9.605/98 que, de acordo com os ensinamento de Costa e Neto (2001,

p.112). “Sobre as sanções restritivas de direito impostas às pessoas jurídicas mantêm o seu

caráter de penas substitutivas das privativas de liberdade, conforme a regra geral

estabelecida no art. 44 do Código Penal, assim como no art. 7.º desta Lei”.

3.5 Das penas

A Lei dos Crimes Ambientes prevê a aplicação de penas para a pessoa jurídica,

sua previsão é constatada nos artigos 21 ao artigo 24, todos da lei, sendo que o artigo 21 e

66

seus incisos estabelecem os tipos de penas aplicadas (multa restritiva de direito e prestação

de serviço a comunidade); o artigo 22 discorre sobre as penas restritivas de direito; já o

artigo 23 trata da aplicação da prestação de serviço à comunidade e, finalizando, o artigo

24,dispõe sobre a liquidação forçada da pessoa coletiva, quando estas forem construídas ou

utilizadas de forma a omitir, permitir, facilitar ou ocultar a prática de determinado crime

previsto em lei (Cf. SHECAIRA, 2003, p.161).

Cabe salientar que, muito embora tenha sido individualizada a pena restritiva de

direito em relação com as de prestação de serviço à comunidade, diferentemente do Código

Penal tradicional, esta não deixou de ser uma espécie das restritivas de direito (Cf. COSTA

E NETO, 2001, p.112).

Como argumenta Costa e Neto, a seguir (2001,p.112)

O dispositivo enumera as sanções aplicáveis às pessoas jurídicas pelo juiz criminal: multas e penas restritivas de direito. A prestação de serviço à comunidade é espécie deste último gênero, embora tenha merecido um inciso específico; tal é a conclusão que emerge do art. 8º desta Lei, bem como do art. 43 do Código Penal.

3.5.1 Pena de multa

A pena de multa consiste na obrigação de uma prestação pecuniária, quando

revelada ineficaz para o ressarcimento do dano ainda que aplicada no máximo deve ser

acrescida três vezes, tendo em vista o valor da vantagem econômica auferida (Cf.

MACHADO, 1998, p.595).

Os critérios adotados para fixação da pena de multa, são oriundos do Código

Penal, em seu artigo 49. Segundo este dispositivo, a pena de multa será calculada através

dos chamados dias-multa, sendo seu mínimo equivalente a 10 (dez) dias multa e o máximo

360 (trezentos e sessenta) (CF. MACHADO, 1998, p.595).

O valor de cada dia-multa será arbitrado pelo magistrado com referência ao salário

mínimo vigente na época do fato, variando seu mínimo e máximo entre um trigésimo(1/30)

a cinco (05) salários mínimos, como já abordado, na época dos fatos (CF. MACHADO,

1998, p.595).

Este valor, quando arbitrado, ao revelar-se ineficaz, poderá ser aumentado três

vezes (Cf. MACHADO, 1998, p.597).

67

Como percebido, o valor da multa segue os critérios adotados pelo Código Penal,

fixados em torno da pena individual, sendo este valor ineficaz, como muitos autores

afirmam, quando aplicados à pessoa jurídica, desta forma, o doutrinador Shecaira (2003,

p.125) nos sugere uma nova forma de aplicabilidade da pena de multa, considerando

elementos decorrentes da natureza do ente coletivo. Segue seu comentário:

Deve-se considerar nossa história recente, com uma cultura inflacionária, para descartar-se a determinação das penas de multa em valores fixos. Por outro lado, a imposição de uma pena a uma pessoa jurídica não pode ter como referência penas semelhantes aplicáveis às pessoas naturais. A sistemática de dias-multa adotada pelo direito brasileiro, com o procedimento bifásico estatuído com a reforma de 1984, deve ser implementado também para as pessoas jurídicas. Quando o réu no processo criminal for pessoa jurídica, o dia-multa eqüivalerá a 1/365 do seu faturamento no exercício anterior, para empresas recém-constituídas, tais limites podem ser dobrados em caso de reincidência ou mesmo triplicados. As penas podem variar de 10 a 360 dias multa, à semelhança do que ocorre no direito em vigor. Ressalta-se que à pena mínima a ser eventualmente aplicada (10 dias-multa) é valor, por si só, extremamente alto, especialmente se consideramos que dos 2/3 restantes do faturamento, obtidos naquele mês, sairia todos os encargos da empresa.

3.5.2 Restritiva de direito

Existem três tipos de penas restritivas de direito, como bem define o artigo 22 da

Lei n. 9.605/98, sendo: “suspensão parcial ou total das atividades; interdição temporária de

estabelecimento, obra ou atividade; proibição de contratar com o poder Público, bem como

dele obter subsídios, subvenções ou doações” (MACHADO, 1998, p.596).

A suspensão total ou parcial das atividades está disciplinada no artigo 22, § 1º,

determinando que “será aplicada, quando estas não estiverem obedecendo às disposições

legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente”.

Desta forma, sobre este instituto leciona Machado(1998, p.596):

A suspensão das atividades de uma entidade revela-se necessária quando a mesma age intensamente contra a saúde humana e contra a incolumidade da vida vegetal e animal. É pena que tem inegável reflexo na vida econômica de uma empresa. Mesmo em época de dificuldades econômicas, e até de desemprego, não se pode descartar sua aplicação. Caso contrário, seria permitir aos empresários ignorar totalmente o direito de todos a uma vida sadia e autoriza-lo a poluir sem limites. Conforme a potencialidade do dano ou sua origem, uma empresa poderá ter sua atividades suspensas somente nem setor, ou seja, de forma parcial [...].

68

A lei não fixou o prazo para a duração mínima ou máxima para suspensão,

destarte, diante desta ausência fica a critério do juiz, conforme o caso, fixar em horas, em

um dia ou em uma semana a suspensão das atividades (Cf. MACHADO, 1998, p. 596).

A interdição está disciplinada no artigo 22, § 2º, da Lei dos Crimes Ambientais, e

“será aplicada, quando o estabelecimento , obra ou atividade estiver funcionando sem a

devida autorização, ou em desacordo com a concedida ou com violação de disposição legal

ou regulamentar”.

A interdição é temporária, sua aplicação visa assegurar que a empresa possa

adaptar-se à legislação ambiental, devendo iniciar a obra apenas quando da devida

autorização (Cf. MACHADO, 1998, p.597).

A pena de interdição temporária de direitos aplicada à pessoa física tem outra redação (art. 10 da lei 9.605/98). Parece-nos que, diante do silêncio da lei quanto ao prazo da vigência da interdição temporária de direitos para a pessoa jurídica, é razoável aplicar-se os prazos do referido art. 10 (MACHADO, 1998, p.597).

“Sob o aspecto prático, a imposição desta pena produzirá efeitos idênticos aos da

tratada no parágrafo anterior. Afinal, qual a diferença entre suspender uma atividade e

interdita-la temporariamente” (COSTA E NETO, 2001, p.117).

Com relação à proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter

subsídios, subvenções ou doações, definidos no artigo 22, § 3º, da Lei n. 9.605/98, visa a

esta lei impedir que as empresas participem dos processos licitatórios, mesmo que a

licitação tenha sido anterior ao contrato com o poder Público[...] (Cf. MACHADO, 1998,

p.597).

“A conseqüência desse dispositi vo reside no fato de que a empresa é impedida de

fazer uso das licitações públicas, pois o dinheiro público, isto é, o dinheiro dos

contribuintes, só pode ser repassado a quem não age criminosamente[...]”(Ramos, 2003,

p.45).

3.5.3 Prestação de serviço à comunidade

A pena de prestação de serviço à comunidade, definida no artigo 23 da Lei n.

9.605/98, consistirá no “custeio de programas e de projetos ambientais; execução de obras

69

de recuperação de áreas degradadas; manutenção de espaços públicos e contribuição a

entidades ambientais ou culturais públicas”.

O magistrado pode, na determinação das penas, de prestação de serviço a

comunidade, seguir algumas características importantes, como, a seguir, relata Machado

(1998, p.598):

O Ministério Público ou a própria entidade ré poderão apresentar proposição ao juiz, solicitando a cominação de qualquer desses tipos de pena de prestação de serviço. Será oportuno que se levantem os custos dos serviços previstos no art. 23 para que haja proporcionalidade entre o crime cometido, as vantagens auferidas do mesmo e os recursos econômicos e financeiros da entidade condenada. O justo equilíbrio haverá de conduzir o juiz na fixação da duração da prestação de serviços e do quantum a ser despedido.

“Nesta espécie de sanção penal, andou bem o legislador, pois, respeitando o

escopo para o qual surgiu a Lei do Meio Ambiente, fez prevalecer a conveniência de se

buscar, na aplicação de penas a pessoas jurídicas, aquelas que efetivamente recuperam o

ambiente lesado” (ROBERTI, out. 2004).

3.6 Principais críticas à Lei n. 9605/98

A Lei n. 9.605/98, decorrente do dispositivo Constitucional, artigo 225, § 3º,

trouxe uma grande novidade, qual seja, a responsabilidade penal da pessoa coletiva em

nosso ordenamento jurídico, entretanto, por constituir uma lei inovadora e única, muitos

doutrinadores, até mesmos os que defendem a responsabilidade penal da pessoa jurídica,

demostram uma série de críticas com relação às técnicas legislativas utilizadas,

consequentemente, dificultam a interpretação dos operadores do direito.

Uma das principais críticas feitas, com relação aos dispositivos de que tratam

sobre os crimes ambientais, é que o legislador prevê mais não definiu a forma das penas

aplicadas à pessoa jurídica. Nesse sentido argumenta Shecaira (2003, p.160):

Na Lei n. 9.605/98, diploma normativo que institui entre nós, no plano ordinário, a responsabilidade penal da pessoa jurídica todos os tipos proibitivos são absolutamente silentes no que concerne à responsabilidade criminal da empresas. O capítulo V da referida Lei, ao dispor sobre os crimes contra o meio ambiente, em suas cincos seções, sempre estabeleceu penas privativas de liberdade ou multa. Em nenhum momento mencionou que esta ou aquela norma proibitiva deveria ser aplicada à pessoa jurídica. Depreende-se, pois, que a aplicação das penas às empresas far-se-á conforme os critérios especificados nas disposições Gerais do referido estatuto. O sistema de integração e aplicação da norma

70

depende, pois, exclusivamente daquilo que foi estatuído nas normas permissivas. No entanto, os critérios ensejadores da integração normativa não estão fixados na parte geral ambiental. Vale dizer: o legislador não estatuiu a cominação especifica e esqueceu-se da genérica.

Outra crítica é com relação a aplicabilidade da pena de multa muito questionada,

pois segue os critérios fixados, pelo Código Penal em relação à pena individual, revelando-

se ineficaz e inoperante, quando aplicados a pessoas jurídicas. Nesse sentido, demostra

Roberti (apud SHECAIRA out.2004):

Contundentes são as críticas feitas em face da disciplina da pena de multa à pessoa jurídica, vez que “não chegou a estabelecer critérios claros para sua fixação contra as pessoas jurídicas. Embora deva-se ter em conta a situação econômica do infrator (art. 6º, III), não foi adotado um critério específico para as empresas, não se equacionando uma regra própria para a pessoa jurídica pagar seu ‘próprio dia multa’. Assim, punir-se-á, da mesma maneira, a pessoa jurídica e a pessoa física, com critérios – e valores – que foram equalizados, o que é inconcebível. Melhor seria se houvesse transplantado o sistema de dias-multa do Código Penal para a legislação protetiva do meio ambiente, fixando uma unidade específica que correspondesse a um dia de faturamento da empresa, e não no padrão de dias-multa contido na parte geral do Código Penal. Da maneira como fez o legislador, uma grande empresa poderá ter uma pena pecuniária não condizente com sua possibilidade de ressarcimento do dano, ou mesmo com a vantagem obtida pelo crime”.

A principal crítica é com relação à falta de um devido processo legal, que consiste

o devido processo legal em que todas as formalidades legais são observadas (Cf.

SHECAIRA, 2003, p.170).

“No Brasil, as únicas normas concernentes à ação e ao processo penal, trazidas

com a Lei 9.605/98, foram normas genéricas, e que não dizem respeito aos procedimentos

específicos a serem adotados para as pessoas jurídicas (conforme arts. 26 a 28)”

(SHECAIRA, 2003, p.167).

Shecaira (apud BRANCO, 2003, p.168) afirma:

[...]a norma infraconsitucional ambiental, promulgada dez anos após o advento da Carta Magna, preocupou-se, exclusivamente, com os aspectos penais da responsabilidade da pessoa jurídica, esquecendo-se da necessidade do due process of law, e, portanto, de que o direito penal não é meio de coação direta, dependendo-se da instrumentalidade processual para realização da pretensão punitiva.[...]

Em que pesem às inúmeras críticas a Lei n. 9.605/98, ao abordar a possibilidade da

pessoa jurídica de ser responsabilizado criminalmente, o legislador ao utilizar –se “[...] da

expressão administrativa, civil e penal, inseriu a conjunção "e", isto é, uma conjunção

71

aditiva, admitindo o somatório das circunstâncias jurídicas aplicáveis” (Cf. acórdão

anexado). Deste modo, não há mais dúvidas, de acordo com a interpretação gramatical da

lei supra citada, da possibilidade do ente jurídico responder pelos seus atos criminosos.

72

CONCLUSÃO

O enfoque deste trabalho foi demonstrar a possibilidade de responsabilizar penalmente as pessoas

jurídicas, para tanto, necessário foi abordar questões de ordem internacional, por meio dos muitos congressos

realizados em torno do tema, bem como, estudar alguns países que adotam, ou não, este tipo de

responsabilidade criminal em suas respectivas legislações, inclusive no Brasil.

Em face de tudo aquilo que se discutiu no corpo deste trabalho, desde logo, podem

ser formuladas algumas conclusões necessárias à compreensão do tema, que espero

servirem de fonte de pesquisa e conhecimento para futuros acadêmicos que se interessarem

pelo tema.

No primeiro capítulo, enfatizou-se a evolução histórica da responsabilidade penal

que perdurou da Idade Antiga à Idade Média, culminando em seu fim com os novos ideais

oriundos do século XVIII, decorrentes da Revolução Francesa e o pensamento Iluminista.

Em seguida, abordaram-se teorias da ficção e da realidade, que são divergentes entre si com

relação ao fato de pessoas jurídicas serem capazes de adquirirem direitos e obrigações.

Após, elencaram-se os argumentos dos defensores da responsabilidade penal da

pessoa jurídica, em contrariedade, também, foram apresentado às teses dos opositores.

No fim do primeiro capítulo, destacaram-se Congressos Internacionais que vêm

sistematicamente recomendando a adoção da responsabilidade penal da pessoa jurídica no

que tange à violação dos direitos difusos e coletivos, com ênfase, aos crimes contra: o

consumidor, a economia e os direitos ambientais, assim, sintetizara-se algumas das muitas

legislações que adotam a responsabilidade da pessoa jurídica, bem como, os países que não

a reconhecem.

No segundo, e não menos importante, capítulo, estudaram-se as características

individuais do direito penal, bem como, o conceito de: crime, sujeitos ativo e passivo,

concurso de pessoas; finalidade das penas; os princípios, entre outros.

Além do mais, nesse capítulo, obteve-se a compreensão acerca da pessoa jurídica

de direito público, criada pela iniciativa pública e a pessoa jurídica de direito privado,

oriunda da iniciativa de particulares.

73

Destarte, este capítulo, teve como principal finalidade, possibilitar o melhor

conhecimento a partir dos aspectos individuais e o que venha a ser a responsabilidade penal

coletiva.

Já, no terceiro capítulo, abordou-se sobre a responsabilidade da pessoa jurídica no

ordenamento jurídico penal brasileiro, destacando-se sua previsão constitucional definida

no artigo 225, parágrafo 3º. Em que pese esta previsão constitucional, constatou-se que

alguns doutrinadores não admitem o reconhecimento da responsabilidade das pessoas

coletivas.

Também, neste capítulo, estudou-se o conceito de meio ambiente e a finalidade de

proteção do mesmo para garantir as presentes e futuras gerações, com um meio ambiente

saudável e equilibrado, ainda, enfocou-se acerca da responsabilidade dos sócios que atuam

em concurso com a pessoa jurídica, sendo que ambos serão punidos, desde, é claro, que se

reconheça o desvio de finalidade das empresas com a utilização de sua estrutura para a

prática de crimes.

Por fim, ainda no terceiro capítulo, salientou-se que com a publicação da Lei dos

Crimes Ambientais, de 12 de fevereiro de 1998, ocorreu uma inovação no ordenamento

pátrio, pois regulamentou a responsabilidade da pessoa jurídica no âmbito penal, até então

não prevista em nenhuma lei infraconstitucional.

Deste modo, com o advento da lei supra citada, as pessoas jurídicas passaram a ter

a possibilidade de serem punidas por seus atos criminosos, cujas penas previstas foram de:

multa, restritiva de direito e prestação de serviço à comunidade. Assim, a partir deste

marco, surgem no ordenamento jurídico brasileiro, vários posicionamentos sobre a

admissibilidade, ou não, da responsabilização do ente coletivo no âmbito penal.

74

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79

ANEXO I

LEI Nº 9.605, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998.

Dispõe sobre as sanções penais e

administrativas derivadas de condutas e

atividades lesivas ao meio ambiente, e dá

outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a

seguinte Lei:

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1º (VETADO)

Art. 2º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas

a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de

conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que,

sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.

Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o

disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou

contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-

autoras ou partícipes do mesmo fato.

Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao

ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

Art. 5º (VETADO)

CAPÍTULO II

DA APLICAÇÃO DA PENA

Art. 6º Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará:

80

I - a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas conseqüências para a saúde pública e

para o meio ambiente;

II - os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental;

III - a situação econômica do infrator, no caso de multa.

Art. 7º As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade quando:

I - tratar-se de crime culposo ou for aplicada a pena privativa de liberdade inferior a quatro anos;

II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os

motivos e as circunstâncias do crime indicarem que a substituição seja suficiente para efeitos de

reprovação e prevenção do crime.

Parágrafo único. As penas restritivas de direitos a que se refere este artigo terão a mesma duração da pena

privativa de liberdade substituída.

Art. 8º As penas restritivas de direito são:

I - prestação de serviços à comunidade;

II - interdição temporária de direitos;

III - suspensão parcial ou total de atividades;

IV - prestação pecuniária;

V - recolhimento domiciliar.

Art. 9º A prestação de serviços à comunidade consiste na atribuição ao condenado de tarefas gratuitas

junto a parques e jardins públicos e unidades de conservação, e, no caso de dano da coisa particular,

pública ou tombada, na restauração desta, se possível.

Art. 10. As penas de interdição temporária de direito são a proibição de o condenado contratar com o

Poder Público, de receber incentivos fiscais ou quaisquer outros benefícios, bem como de participar de

licitações, pelo prazo de cinco anos, no caso de crimes dolosos, e de três anos, no de crimes culposos.

Art. 11. A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às prescrições

legais.

Art. 12. A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima ou à entidade pública ou

privada com fim social, de importância, fixada pelo juiz, não inferior a um salário mínimo nem superior a

81

trezentos e sessenta salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual reparação

civil a que for condenado o infrator.

Art. 13. O recolhimento domiciliar baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado,

que deverá, sem vigilância, trabalhar, freqüentar curso ou exercer atividade autorizada, permanecendo

recolhido nos dias e horários de folga em residência ou em qualquer local destinado a sua moradia

habitual, conforme estabelecido na sentença condenatória.

Art. 14. São circunstâncias que atenuam a pena:

I - baixo grau de instrução ou escolaridade do agente;

II - arrependimento do infrator, manifestado pela espontânea reparação do dano, ou limitação

significativa da degradação ambiental causada;

III - comunicação prévia pelo agente do perigo iminente de degradação ambiental;

IV - colaboração com os agentes encarregados da vigilância e do controle ambiental.

Art. 15. São circunstâncias que agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:

I - reincidência nos crimes de natureza ambiental;

II - ter o agente cometido a infração:

a) para obter vantagem pecuniária;

b) coagindo outrem para a execução material da infração;

c) afetando ou expondo a perigo, de maneira grave, a saúde pública ou o meio ambiente;

d) concorrendo para danos à propriedade alheia;

e) atingindo áreas de unidades de conservação ou áreas sujeitas, por ato do Poder Público, a regime

especial de uso;

f) atingindo áreas urbanas ou quaisquer assentamentos humanos;

g) em período de defeso à fauna;

h) em domingos ou feriados;

i) à noite;

j) em épocas de seca ou inundações;

82

l) no interior do espaço territorial especialmente protegido;

m) com o emprego de métodos cruéis para abate ou captura de animais;

n) mediante fraude ou abuso de confiança;

o) mediante abuso do direito de licença, permissão ou autorização ambiental;

p) no interesse de pessoa jurídica mantida, total ou parcialmente, por verbas públicas ou beneficiada por

incentivos fiscais;

q) atingindo espécies ameaçadas, listadas em relatórios oficiais das autoridades competentes;

r) facilitada por funcionário público no exercício de suas funções.

Art. 16. Nos crimes previstos nesta Lei, a suspensão condicional da pena pode ser aplicada nos casos de

condenação a pena privativa de liberdade não superior a três anos.

Art. 17. A verificação da reparação a que se refere o § 2º do art. 78 do Código Penal será feita mediante

laudo de reparação do dano ambiental, e as condições a serem impostas pelo juiz deverão relacionar-se

com a proteção ao meio ambiente.

Art. 18. A multa será calculada segundo os critérios do Código Penal; se revelar-se ineficaz, ainda que

aplicada no valor máximo, poderá ser aumentada até três vezes, tendo em vista o valor da vantagem

econômica auferida.

Art. 19. A perícia de constatação do dano ambiental, sempre que possível, fixará o montante do prejuízo

causado para efeitos de prestação de fiança e cálculo de multa.

Parágrafo único. A perícia produzida no inquérito civil ou no juízo cível poderá ser aproveitada no

processo penal, instaurando-se o contraditório.

Art. 20. A sentença penal condenatória, sempre que possível, fixará o valor mínimo para reparação dos

danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido ou pelo meio ambiente.

Parágrafo único. Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá efetuar-se pelo valor

fixado nos termos do caput, sem prejuízo da liquidação para apuração do dano efetivamente sofrido.

Art. 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com

o disposto no art. 3º, são:

I - multa;

II - restritivas de direitos;

83

III - prestação de serviços à comunidade.

Art. 22. As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são:

I - suspensão parcial ou total de atividades;

II - interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;

III - proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.

§ 1º A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições

legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente.

§ 2º A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a

devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou

regulamentar.

§ 3º A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não

poderá exceder o prazo de dez anos.

Art. 23. A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em:

I - custeio de programas e de projetos ambientais;

II - execução de obras de recuperação de áreas degradadas;

III - manutenção de espaços públicos;

IV - contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.

Art. 24. A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar

ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua liquidação forçada, seu patrimônio será

considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.

CAPÍTULO III

DA APREENSÃO DO PRODUTO E DO INSTRUMENTO DE INFRAÇÃO

ADMINISTRATIVA OU DE CRIME

Art. 25. Verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos

autos.

§ 1º Os animais serão libertados em seu habitat ou entregues a jardins zoológicos, fundações ou entidades

assemelhadas, desde que fiquem sob a responsabilidade de técnicos habilitados.

84

§ 2º Tratando-se de produtos perecíveis ou madeiras, serão estes avaliados e doados a instituições

científicas, hospitalares, penais e outras com fins beneficentes.(Vide Medida Provisória nº 62, de

23.8.2002)

§ 3° Os produtos e subprodutos da fauna não perecíveis serão destruídos ou doados a instituições

científicas, culturais ou educacionais.

§ 4º Os instrumentos utilizados na prática da infração serão vendidos, garantida a sua descaracterização

por meio da reciclagem.

§ 5º (Vide Medida Provisória nº 62, de 23.8.2002)

CAPÍTULO IV

DA AÇÃO E DO PROCESSO PENAL

Art. 26. Nas infrações penais previstas nesta Lei, a ação penal é pública incondicionada.

Parágrafo único. (VETADO)

Art. 27. Nos crimes ambientais de menor potencial ofensivo, a proposta de aplicação imediata de pena

restritiva de direitos ou multa, prevista no art. 76 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, somente

poderá ser formulada desde que tenha havido a prévia composição do dano ambiental, de que trata o art.

74 da mesma lei, salvo em caso de comprovada impossibilidade.

Art. 28. As disposições do art. 89 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, aplicam-se aos crimes de

menor potencial ofensivo definidos nesta Lei, com as seguintes modificações:

I - a declaração de extinção de punibilidade, de que trata o § 5° do artigo referido no caput, dependerá de

laudo de constatação de reparação do dano ambiental, ressalvada a impossibilidade prevista no inciso I do

§ 1° do mesmo artigo;

II - na hipótese de o laudo de constatação comprovar não ter sido completa a reparação, o prazo de

suspensão do processo será prorrogado, até o período máximo previsto no artigo referido no caput,

acrescido de mais um ano, com suspensão do prazo da prescrição;

III - no período de prorrogação, não se aplicarão as condições dos incisos II, III e IV do § 1° do artigo

mencionado no caput;

IV - findo o prazo de prorrogação, proceder-se-á à lavratura de novo laudo de constatação de reparação

do dano ambiental, podendo, conforme seu resultado, ser novamente prorrogado o período de suspensão,

até o máximo previsto no inciso II deste artigo, observado o disposto no inciso III;

85

V - esgotado o prazo máximo de prorrogação, a declaração de extinção de punibilidade dependerá de

laudo de constatação que comprove ter o acusado tomado as providências necessárias à reparação integral

do dano.

CAPÍTULO V

DOS CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE

Seção I

Dos Crimes contra a Fauna

Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota

migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo

com a obtida:

Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas:

I - quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida;

II - quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural;

III - quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou

transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos

e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença

ou autorização da autoridade competente.

§ 2º No caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o

juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena.

§ 3° São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e

quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro

dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras.

§ 4º A pena é aumentada de metade, se o crime é praticado:

I - contra espécie rara ou considerada ameaçada de extinção, ainda que somente no local da infração;

II - em período proibido à caça;

III - durante a noite;

IV - com abuso de licença;

86

V - em unidade de conservação;

VI - com emprego de métodos ou instrumentos capazes de provocar destruição em massa.

§ 5º A pena é aumentada até o triplo, se o crime decorre do exercício de caça profissional.

§ 6º As disposições deste artigo não se aplicam aos atos de pesca.

Art. 30. Exportar para o exterior peles e couros de anfíbios e répteis em bruto, sem a autorização da

autoridade ambiental competente:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Art. 31. Introduzir espécime animal no País, sem parecer técnico oficial favorável e licença expedida por

autoridade competente:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou

domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que

para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

Art. 33. Provocar, pela emissão de efluentes ou carreamento de materiais, o perecimento de espécimes da

fauna aquática existentes em rios, lagos, açudes, lagoas, baías ou águas jurisdicionais brasileiras:

Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas cumulativamente.

Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas:

I - quem causa degradação em viveiros, açudes ou estações de aqüicultura de domínio público;

II - quem explora campos naturais de invertebrados aquáticos e algas, sem licença, permissão ou

autorização da autoridade competente;

III - quem fundeia embarcações ou lança detritos de qualquer natureza sobre bancos de moluscos ou

corais, devidamente demarcados em carta náutica.

Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão

competente:

87

Pena - detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem:

I - pesca espécies que devam ser preservadas ou espécimes com tamanhos inferiores aos permitidos;

II - pesca quantidades superiores às permitidas, ou mediante a utilização de aparelhos, petrechos, técnicas

e métodos não permitidos;

III - transporta, comercializa, beneficia ou industrializa espécimes provenientes da coleta, apanha e pesca

proibidas.

Art. 35. Pescar mediante a utilização de:

I - explosivos ou substâncias que, em contato com a água, produzam efeito semelhante;

II - substâncias tóxicas, ou outro meio proibido pela autoridade competente:

Pena - reclusão de um ano a cinco anos.

Art. 36. Para os efeitos desta Lei, considera-se pesca todo ato tendente a retirar, extrair, coletar, apanhar,

apreender ou capturar espécimes dos grupos dos peixes, crustáceos, moluscos e vegetais hidróbios,

suscetíveis ou não de aproveitamento econômico, ressalvadas as espécies ameaçadas de extinção,

constantes nas listas oficiais da fauna e da flora.

Art. 37. Não é crime o abate de animal, quando realizado:

I - em estado de necessidade, para saciar a fome do agente ou de sua família;

II - para proteger lavouras, pomares e rebanhos da ação predatória ou destruidora de animais, desde que

legal e expressamente autorizado pela autoridade competente;

III – (VETADO)

IV - por ser nocivo o animal, desde que assim caracterizado pelo órgão competente.

Seção II

Dos Crimes contra a Flora

Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação,

ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:

Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.

88

Art. 39. Cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade

competente:

Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Art. 40. Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do

Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localização:

Pena - reclusão, de um a cinco anos.

§ 1º Entende-se por Unidades de Conservação as Reservas Biológicas, Reservas Ecológicas, Estações

Ecológicas, Parques Nacionais, Estaduais e Municipais, Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais,

Áreas de Proteção Ambiental, Áreas de Relevante Interesse Ecológico e Reservas Extrativistas ou outras

a serem criadas pelo Poder Público.

§ 1o Entende-se por Unidades de Conservação de Proteção Integral as Estações Ecológicas, as Reservas

Biológicas, os Parques Nacionais, os Monumentos Naturais e os Refúgios de Vida Silvestre. (Redação

dada pela Lei nº 9.985, de 18.7.2000)

§ 2º A ocorrência de dano afetando espécies ameaçadas de extinção no interior das Unidades de

Conservação será considerada circunstância agravante para a fixação da pena.

§ 2o A ocorrência de dano afetando espécies ameaçadas de extinção no interior das Unidades de

Conservação de Proteção Integral será considerada circunstância agravante para a fixação da pena.

(Redação dada pela Lei nº 9.985, de 18.7.2000)

§ 3º Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.

Art. 40-A. (VETADO) (Artigo inluído pela Lei nº 9.985, de 18.7.2000)

§ 1o Entende-se por Unidades de Conservação de Uso Sustentável as Áreas de Proteção Ambiental, as

Áreas de Relevante Interesse Ecológico, as Florestas Nacionais, as Reservas Extrativistas, as Reservas de

Fauna, as Reservas de Desenvolvimento Sustentável e as Reservas Particulares do Patrimônio Natural.

(Parágrafo inluído pela Lei nº 9.985, de 18.7.2000)

§ 2o A ocorrência de dano afetando espécies ameaçadas de extinção no interior das Unidades de

Conservação de Uso Sustentável será considerada circunstância agravante para a fixação da pena.

(Parágrafo inluído pela Lei nº 9.985, de 18.7.2000)

§ 3o Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade. (Parágrafo inluído pela Lei nº 9.985, de

18.7.2000)

Art. 41. Provocar incêndio em mata ou floresta:

89

Pena - reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de detenção de seis meses a um ano, e multa.

Art. 42. Fabricar, vender, transportar ou soltar balões que possam provocar incêndios nas florestas e

demais formas de vegetação, em áreas urbanas ou qualquer tipo de assentamento humano:

Pena - detenção de um a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Art. 43. (VETADO)

Art. 44. Extrair de florestas de domínio público ou consideradas de preservação permanente, sem prévia

autorização, pedra, areia, cal ou qualquer espécie de minerais:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.

Art. 45. Cortar ou transformar em carvão madeira de lei, assim classificada por ato do Poder Público,

para fins industriais, energéticos ou para qualquer outra exploração, econômica ou não, em desacordo

com as determinações legais:

Pena - reclusão, de um a dois anos, e multa.

Art. 46. Receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira, lenha, carvão e outros produtos

de origem vegetal, sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgada pela autoridade competente, e

sem munir-se da via que deverá acompanhar o produto até final beneficiamento:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.

Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda, tem em depósito, transporta ou

guarda madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem licença válida para todo o tempo

da viagem ou do armazenamento, outorgada pela autoridade competente.

Art. 47. (VETADO)

Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.

Art. 49. Destruir, danificar, lesar ou maltratar, por qualquer modo ou meio, plantas de ornamentação de

logradouros públicos ou em propriedade privada alheia:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Parágrafo único. No crime culposo, a pena é de um a seis meses, ou multa.

90

Art. 50. Destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de

mangues, objeto de especial preservação:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Art. 51. Comercializar motosserra ou utilizá-la em florestas e nas demais formas de vegetação, sem

licença ou registro da autoridade competente:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Art. 52. Penetrar em Unidades de Conservação conduzindo substâncias ou instrumentos próprios para

caça ou para exploração de produtos ou subprodutos florestais, sem licença da autoridade competente:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.

Art. 53. Nos crimes previstos nesta Seção, a pena é aumentada de um sexto a um terço se:

I - do fato resulta a diminuição de águas naturais, a erosão do solo ou a modificação do regime climático;

II - o crime é cometido:

a) no período de queda das sementes;

b) no período de formação de vegetações;

c) contra espécies raras ou ameaçadas de extinção, ainda que a ameaça ocorra somente no local da

infração;

d) em época de seca ou inundação;

e) durante a noite, em domingo ou feriado.

Seção III

Da Poluição e outros Crimes Ambientais

Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à

saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1º Se o crime é culposo:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.

§ 2º Se o crime:

91

I - tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana;

II - causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas

afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população;

III - causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma

comunidade;

IV - dificultar ou impedir o uso público das praias;

V - ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias

oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos:

Pena - reclusão, de um a cinco anos.

§ 3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar, quando assim o

exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou

irreversível.

Art. 55. Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização,

permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem deixa de recuperar a área pesquisada ou explorada, nos

termos da autorização, permissão, licença, concessão ou determinação do órgão competente.

Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar,

guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao

meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem abandona os produtos ou substâncias referidos no caput, ou os

utiliza em desacordo com as normas de segurança.

§ 2º Se o produto ou a substância for nuclear ou radioativa, a pena é aumentada de um sexto a um terço.

§ 3º Se o crime é culposo:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.

Art. 57. (VETADO)

Art. 58. Nos crimes dolosos previstos nesta Seção, as penas serão aumentadas:

92

I - de um sexto a um terço, se resulta dano irreversível à flora ou ao meio ambiente em geral;

II - de um terço até a metade, se resulta lesão corporal de natureza grave em outrem;

III - até o dobro, se resultar a morte de outrem.

Parágrafo único. As penalidades previstas neste artigo somente serão aplicadas se do fato não resultar

crime mais grave.

Art. 59. (VETADO)

Art. 60. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional,

estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos

ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Art. 61. Disseminar doença ou praga ou espécies que possam causar dano à agricultura, à pecuária, à

fauna, à flora ou aos ecossistemas:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Seção IV

Dos Crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural

Art. 62. Destruir, inutilizar ou deteriorar:

I - bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial;

II - arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato

administrativo ou decisão judicial:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena é de seis meses a um ano de detenção, sem prejuízo da

multa.

Art. 63. Alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente protegido por lei, ato

administrativo ou decisão judicial, em razão de seu valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico,

histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade

competente ou em desacordo com a concedida:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

93

Art. 64. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de

seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico,

etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a

concedida:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.

Art. 65. Pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Parágrafo único. Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor

artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de seis meses a um ano de detenção, e multa.

Seção V

Dos Crimes contra a Administração Ambiental

Art. 66. Fazer o funcionário público afirmação falsa ou enganosa, omitir a verdade, sonegar informações

ou dados técnico-científicos em procedimentos de autorização ou de licenciamento ambiental:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Art. 67. Conceder o funcionário público licença, autorização ou permissão em desacordo com as normas

ambientais, para as atividades, obras ou serviços cuja realização depende de ato autorizativo do Poder

Público:

Pena - detenção, de um a três anos, e multa.

Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano de detenção, sem prejuízo da

multa.

Art. 68. Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante

interesse ambiental:

Pena - detenção, de um a três anos, e multa.

Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano, sem prejuízo da multa.

Art. 69. Obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais:

Pena - detenção, de um a três anos, e multa.

CAPÍTULO VI

94

DA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA

Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras

jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.

§ 1º São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo

administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente -

SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos

Portos, do Ministério da Marinha.

§ 2º Qualquer pessoa, constatando infração ambiental, poderá dirigir representação às autoridades

relacionadas no parágrafo anterior, para efeito do exercício do seu poder de polícia.

§ 3º A autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua

apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de co-responsabilidade.

§ 4º As infrações ambientais são apuradas em processo administrativo próprio, assegurado o direito de

ampla defesa e o contraditório, observadas as disposições desta Lei.

Art. 71. O processo administrativo para apuração de infração ambiental deve observar os seguintes prazos

máximos:

I - vinte dias para o infrator oferecer defesa ou impugnação contra o auto de infração, contados da data da

ciência da autuação;

II - trinta dias para a autoridade competente julgar o auto de infração, contados da data da sua lavratura,

apresentada ou não a defesa ou impugnação;

III - vinte dias para o infrator recorrer da decisão condenatória à instância superior do Sistema Nacional

do Meio Ambiente - SISNAMA, ou à Diretoria de Portos e Costas, do Ministério da Marinha, de acordo

com o tipo de autuação;

IV – cinco dias para o pagamento de multa, contados da data do recebimento da notificação.

Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art.

6º:

I - advertência;

II - multa simples;

III - multa diária;

95

IV - apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos,

equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;

V - destruição ou inutilização do produto;

VI - suspensão de venda e fabricação do produto;

VII - embargo de obra ou atividade;

VIII - demolição de obra;

IX - suspensão parcial ou total de atividades;

X – (VETADO)

XI - restritiva de direitos.

§ 1º Se o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais infrações, ser-lhe-ão aplicadas,

cumulativamente, as sanções a elas cominadas.

§ 2º A advertência será aplicada pela inobservância das disposições desta Lei e da legislação em vigor, ou

de preceitos regulamentares, sem prejuízo das demais sanções previstas neste artigo.

§ 3º A multa simples será aplicada sempre que o agente, por negligência ou dolo:

I - advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná-las, no prazo assinalado por

órgão competente do SISNAMA ou pela Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha;

II - opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do SISNAMA ou da Capitania dos Portos, do Ministério

da Marinha.

§ 4° A multa simples pode ser convertida em serviços de preservação, melhoria e recuperação da

qualidade do meio ambiente.

§ 5º A multa diária será aplicada sempre que o cometimento da infração se prolongar no tempo.

§ 6º A apreensão e destruição referidas nos incisos IV e V do caput obedecerão ao disposto no art. 25

desta Lei.

§ 7º As sanções indicadas nos incisos VI a IX do caput serão aplicadas quando o produto, a obra, a

atividade ou o estabelecimento não estiverem obedecendo às prescrições legais ou regulamentares.

§ 8º As sanções restritivas de direito são:

I - suspensão de registro, licença ou autorização;

96

II - cancelamento de registro, licença ou autorização;

III - perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais;

IV - perda ou suspensão da participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de

crédito;

V - proibição de contratar com a Administração Pública, pelo período de até três anos.

Art. 73. Os valores arrecadados em pagamento de multas por infração ambiental serão revertidos ao

Fundo Nacional do Meio Ambiente, criado pela Lei nº 7.797, de 10 de julho de 1989, Fundo Naval,

criado pelo Decreto nº 20.923, de 8 de janeiro de 1932, fundos estaduais ou municipais de meio

ambiente, ou correlatos, conforme dispuser o órgão arrecadador.

Art. 74. A multa terá por base a unidade, hectare, metro cúbico, quilograma ou outra medida pertinente,

de acordo com o objeto jurídico lesado.

Art. 75. O valor da multa de que trata este Capítulo será fixado no regulamento desta Lei e corrigido

periodicamente, com base nos índices estabelecidos na legislação pertinente, sendo o mínimo de R$

50,00 (cinqüenta reais) e o máximo de R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais).

Art. 76. O pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios

substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência.

CAPÍTULO VII

DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA A PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE

Art. 77. Resguardados a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes, o Governo brasileiro

prestará, no que concerne ao meio ambiente, a necessária cooperação a outro país, sem qualquer ônus,

quando solicitado para:

I - produção de prova;

II - exame de objetos e lugares;

III - informações sobre pessoas e coisas;

IV - presença temporária da pessoa presa, cujas declarações tenham relevância para a decisão de uma

causa;

V - outras formas de assistência permitidas pela legislação em vigor ou pelos tratados de que o Brasil seja

parte.

97

§ 1° A solicitação de que trata este artigo será dirigida ao Ministério da Justiça, que a remeterá, quando

necessário, ao órgão judiciário competente para decidir a seu respeito, ou a encaminhará à autoridade

capaz de atendê-la.

§ 2º A solicitação deverá conter:

I - o nome e a qualificação da autoridade solicitante;

II - o objeto e o motivo de sua formulação;

III - a descrição sumária do procedimento em curso no país solicitante;

IV - a especificação da assistência solicitada;

V - a documentação indispensável ao seu esclarecimento, quando for o caso.

Art. 78. Para a consecução dos fins visados nesta Lei e especialmente para a reciprocidade da cooperação

internacional, deve ser mantido sistema de comunicações apto a facilitar o intercâmbio rápido e seguro de

informações com órgãos de outros países.

CAPÍTULO VIII

DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 79. Aplicam-se subsidiariamente a esta Lei as disposições do Código Penal e do Código de Processo

Penal.

Art. 79-A.(Vide Medida Provisória nº 2.163-41, de 23.8.2001)

Art. 80. O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de noventa dias a contar de sua publicação.

Art. 81. (VETADO)

Art. 82. Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 12 de fevereiro de 1998; 177º da Independência e 110º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 13.2.1998

98

ANEXO II

TIPO DO PROCESSO .......................................................: Recurso Criminal

NÚMERO............................................................................: 2002.022917-8

DES. RELATOR.................................................................: Des. Solon d'Eça Neves.

DATA DA DECISÃO........................................................: 26/11/2002

Recurso Criminal n. 2002.022917-8, de Curitibanos.

Relator: Des. Solon d'Eça Neves.

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - CRIME AMBIENTAL - REJEIÇÃO DA

DENÚNCIA EM QUE FIGURAVA PESSOA JURÍDICA COMO PARTE PASSIVA EM

DELITO PENAL - LEI DOS CRIMES AMBIENTAIS (LEI N. 9.605/98) QUE ADMITE

EXPRESSAMENTE A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA -

RECURSO PROVIDO (grifo do autor).

A Lei dos Crimes Ambientais inovou o Direito Brasileiro quando admitiu, expressamente,

a responsabilidade penal da pessoa jurídica para coibir e penalizar os chamados crimes de

dano ao meio ambiente cometido por empresas.

Necessário atender ao rigorismo pretendido pela legislação em relação ao infrator que

provoca danos ao meio ambiente, seja pessoa física ou jurídica, resguardando, com

isso, o direito constitucional que garante qualidade de vida ambiental a todos (grifo).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Criminal n. 2002.022917-8, da

comarca de Curitibanos (Vara Criminal, Infância e Juventude), em que é recorrente a

Justiça, por seu Promotor, sendo recorrida S.A. Fósforos Gaboardi:

ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por votação unânime, dar provimento ao

recurso.

Custas legais.

O representante do Ministério Público da comarca de Curitibanos ofereceu denúncia contra

S.A. Fósforos Gaboardi, José Righes e Jani Tubias de Lima, dando-os como incursos, o

99

primeiro nas sanções do art. 46, caput, da Lei n. 9.605/98, e os dois últimos nas sanções do

art. 46, parágrafo único, da referida lei, pelos fatos assim narrados na exordial acusatória:

"No dia 10 de abril de 2002, policiais militares da Companhia de Proteção Ambiental de

Lages/SC, durante a realização de fiscalização florestal, surpreenderam o denunciado

JANI TUBIAS DE LIMA preposto da empresa denunciada S/A FÓSFOROS GABOARDI,

juntamente com os autores dos fatos Pedro Rodrigues de Souza, Edmilson Muller e José

Carlos de Jesus, transportando para o pátio desta última, em São Cristóvão do Sul, nesta

Comarca, sem licença válida da autoridade competente, 30.424m3 (trinta mil,

quatrocentos e vinte e quatro metros cúbicos) de toras de pinheiro do Paraná (araucaria

angustifolia).

"Consta que o denunciado JOSÉ RIGHES, na função de gerente da denunciada, era quem

adquiria as toras apreendidas no momento da apreensão, as quais eram depositadas no

citado pátio, conforme levantamento fotográfico à fl. 34 do termo em tela.

"Mister se faz ressaltar que, no local retromencionado, ainda foram apreendidos 16.251m3

(dezesseis mil, duzentos e cinqüenta e um metros cúbicos), de toras da espécie araucaria

angustifolia".

Às fls. 41/58, o MM. Juiz entendeu por rejeitar a denúncia em relação a empresa S. A.

Fósforos Gaboardi e receber a referida denúncia em relação aos acusados Jani e José.

Inconformado com o despacho que rejeitou, em parte, a denúncia, o representante do

Ministério Público interpôs recurso em sentido estrito, visando ao recebimento da peça

acusatória da empresa S. A. Fósforos Gaboardi. Discorreu que com o advento da Lei n.

9.605/98 as pessoas jurídicas passaram a ser responsabilizadas criminalmente, previsão esta

já enunciada na Constituição Federal de 1988.

Contra-arrazoado o recurso e mantida a decisão vergastada, os autos ascenderam a esta

instância, tendo a douta Procuradoria Geral de Justiça, opinado pelo provimento do recurso.

É o relatório.

Restou constatado nos autos, conforme depoimentos dos policiais que em flagrante delito

apreenderam carregamento de toras de madeira, sem a devida autorização, no pátio da

empresa de fósforos Gaboardi, a prática de crime ambiental perpetrado por José Righes,

Jani Tubias de Lima e a empresa S.A. Fósforos Gaboardi.

100

Ocorre que o Magistrado, no despacho guerreado, entendeu por rejeitar a denúncia em

relação a pessoa jurídica, tecendo considerações sobre a impossibilidade de a empresa

figurar como parte passiva em processo criminal, violando, assim, preceito expresso da lei

(art. 3º da Lei n. 9.605/98).

O cerne da quaestio resume-se na possibilidade de responsabilizar-se a pessoa jurídica por

crimes causados ao meio ambiente.

A questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica ainda é tormentosa no Brasil,

embora em outros países, a matéria já esteja mais assente.

No Brasil a questão já vem sendo enfrentada desde seus primórdios, quando já manifestava

preocupação com o meio ambiente. Na época do descobrimento vigoravam as Ordenações

Afonsinas nas quais havia previsão de injúria ao rei o corte de árvores frutíferas. Mais tarde

as Ordenações Manuelinas continham proibição de abate de animais silvestres e o corte de

árvores de fruto significava pena de desterro no Brasil.

No Brasil Império, o Código Criminal do Império (1830) punia o corte de árvores e os

danos ao patrimônio cultural. Em 1934, quando promulgado o chamado Código Florestal

(Decreto n. 23.793), fazia-se a dicotomia das infrações penais e contravencionais. Esta

legislação foi substituída posteriormente pela Lei n. 4.771, de 15/9/1965, que instituiu o

novo Código Florestal. Mais tarde complementou o legislador com a promulgação do

Decreto-Lei n. 221, de 28/2/1967, conhecido como Código de Caça e Pesca, e na Lei

Federal n. 7.653, de 12/2/1988, foram elevados à crime as antigas contravenções penais do

Código de Caça e Pesca, tornando-se crimes inafiançáveis.

A promulgação da Constituição Federal de 1988, admitindo expressamente a

responsabilização da pessoa jurídica em crimes contra a ordem econômica e em crimes de

dano ambiental, reservando um capítulo especial para tratar da matéria ambiental, foi uma

grande inovação legislativa neste País.

Estabelece no capítulo do Meio Ambiente:

"Art. 225 - 'Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso

comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à

coletividade o dever de defende-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

101

"§ 3º - As condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas

físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação

de reparar os danos causados".

Tais dispositivos objetivavam não só os crimes ambientais, mas a intenção do legislador

constitucional foi de coibir e responsabilizar os chamados crimes empresariais. Tanto que,

no capítulo referente a atividade econômica, fez idêntica previsão, com relação às pessoas

jurídicas.

"Art. 175 -

"§ 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica,

estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua

natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia

popular"

Lamentavelmente, o mandamento constitucional, embora de aplicação imediata, não tem

conduzido a um resultado positivo, no sentido de coibir a crescente criminalidade

ambiental, muitas das vezes cometido por instituições organizadas. Além disso, existe uma

certa relutância por parte dos juristas na questão da imposição de penalidades às pessoas

jurídicas.

No Brasil vigia o princípio da societas delinquere nom potest.

A norma constitucional seguiu a tendência mundial de responsabilização da pessoa jurídica,

como temos o exemplo dos USA que em fevereiro de 1909, quando do julgamento do caso

New York Central & Hudson River Railroad vs Governo dos USA ficou assentado que a

pessoa que delinqüe não deve ser distinguida, podendo ser jurídica ou física. Na França,

desde a reforma do Código Penal, em 1994, que a pessoa jurídica é responsabilizada

penalmente.

Sem adentrar na discussão das escolas jurídicas referentes à pessoa, como o fazem alguns

doutrinadores que não admitem a responsabilidade da pessoa jurídica com base na teoria da

ficção de Savigny, que sustenta que a pessoa jurídica tem uma existência fictícia, e que

foram sustentadas pela Escola Clássica no qual Carrara afirmava que o único sujeito ativo

do delito é a pessoa humana, pois é dotada de vontade própria; a Escola Positiva admite a

penalização da pessoa jurídica apenas no campo do direito penal administrativo, e a Escola

do Tecnicismo Jurídico, quando Manzini estabelece que o sujeito ativo do delito supõe uma

102

potencialidade volitiva própria. Por outro lado, a Escola Organicista de Gierke proclama

que a pessoa jurídica é um ser real , um verdadeiro organismo, cuja vontade não é a soma

de vontades de seus dirigentes. Conclui que a pessoa jurídica tem vontade própria, mas o

ato praticado por seus integrantes é distinto destes.

Mais consentâneo com a vontade do legislador é a posição de Aquiles Mestre para

quem as pessoas jurídicas podem cometer delitos e ser responsáveis por estes delitos

como autores e como partícipes (não quero adentrar na discussão de cabimento da co-

autoria nos crimes ambientais), envolvendo não só os sócios culpados, como os sócios

inocentes, estes que receberão uma penalidade proporcional à sua culpabilidade (grifo do

autor).

Nesse mundo globalizado, a meu sentir, a melhor e mais coerente com o espírito do

legislador é a posição de Eládio Lecey acolhida por Wladimir Passos de Freitas e Gilberto

Passos de Freitas, para quem existem, em síntese:

"três modelos legislativos: o primeiro é o dos países que aceitam a responsabilidade penal

da pessoa jurídica, sem maiores indagações (v.g. Estados Unidos); o segundo é o daqueles

que a repelem (v.g. Itália); e o terceiro, adotado pelo Brasil, admite a responsabilidade,

mas condicionada a determinadas situações definidas expressamente pelo legislador".

Na doutrina moderna prevalece o entendimento de que a pessoa jurídica não é uma

mera ficção, mas é a que tem personalidade e realidade próprias e diversas da pessoa

física ou natural. Aliás, o próprio Código Civil, no artigo 20, admite esta distinção,

quando preconiza que as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus

membros, estabelecendo no parágrafo segundo que mesmo não autorizadas ou

registradas, as pessoas jurídicas de direito privado serão responsabilizadas por todos

os seus atos (grifos do autor).

Diante disso, correta a conclusão do Prof. Ruy Junqueira de Freitas Camargo, de que "a

ficção de personalidade jurídica das sociedades comerciais não pode constituir obstáculo

à realidade que tem de ser apurada, para a justiça poder completar a sua alta missão de

apurar devidamente os fatos" (Justitia 84/398).

Não há mais como negar a possibilidade desta responsabilização do ente jurídico, e a

definição das condutas da pessoa jurídica passíveis de penalidade, expressamente

previstas na Lei n. 9.605/98, que afastam, a meu sentir, qualquer posição doutrinária

103

em contrário. Aliás, quando o legislador utilizou-se da expressão administrativa, civil

e penal, inseriu a conjunção "e", isto é, uma conjunção aditiva admitindo o somatório

das circunstâncias jurídicas aplicáveis. (grifei)

Tão logo promulgada a Lei dos Crimes Ambientais, como ficou conhecida, a grande

maioria dos doutrinadores pátrios acolheu a idéia de penalização da pessoa jurídica.

Evidente que a ciência do Direito permitiu posicionamentos contrários, como por exemplo,

o Prof. René Ariel Dotti, que sustenta, com base na escola da ficção, que o sujeito ativo do

delito só pode ser o ser humano, porque sujeito possuidor de vontade própria. No entanto, a

pessoa jurídica também tem vontade própria, que dirige sua conduta, fruto da vontade da

maioria de seus membros.

Apropriada a manifestação de Roque de Brito Alves que:

"Não se justifica mais tal negativa da responsabilidade penal da pessoa jurídica, o que

permite uma evidente distinção entre a responsabilidade penal pessoal, individual e a

responsabilidade penal da pessoa jurídica que não se confunde com a responsabilidade

criminal dos seus membros ou componentes. Distinção também, por outra parte, entre as

sanções administrativas ou civis das sanções penais dos crimes pela pessoa jurídica".

"Concordamos com a assertiva supra, entendendo perfeitamente admissível ao sistema

legal brasileiro a responsabilidade da pessoa jurídica de direito privado" (in Lei dos

Crimes Ambientais, São Paulo, ADCOAS, 1999, págs.91/93) (grifos do autor)

Por outro lado, bom registrar-se que: não podemos interpretar como sendo inconstitucional

tal dispositivo, uma vez que, segundo assinalam os doutrinadores Vladimir Passos de

Freitas e Gilberto Passos de Freitas, "se a própria Constituição admite expressamente a

sanção penal à pessoa jurídica, é inviável interpretar a lei como inconstitucional, porque

ofenderia outra norma que não é específica sobre o assunto. Tal tipo de interpretação,

em verdade, significaria estar o Judiciário a rebelar-se contra o que o Legislativo

deliberou, cumprindo a Constituição Federal. Portanto, cabe a todos, agora, dar

efetividade ao dispositivo legal" (in Crimes contra a natureza, 6ª edição, Editora

Revista dos Tribunais, 2000, pág. 63) (grifei).

Com isso, verificamos claramente que o legislador ordinário limitou-se a obedecer o

comando constitucional quando atribuiu esta responsabilidade penal às pessoas jurídicas.

Em caso similar, já tive a oportunidade de manifestar:

104

"RECURSO CRIMINAL - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - CRIME AMBIENTAL

- DENÚNCIA REJEITADA - RECONHECIMENTO DA RESPONSABILIDADE PENAL

DAS PESSOAS JURÍDICAS - POSSIBILIDADE ANTE O ADVENTO DA LEI N.

9.605/98 - AUSÊNCIA DE PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS - ORIENTAÇÃO

DOUTRINÁRIA - RECURSO PROVIDO

"Completamente cabível a pessoa jurídica figurar no pólo passivo da ação penal que tenta

apurar a responsabilidade criminal por ela praticada contra o meio ambiente" (Recurso

Criminal n. 2000.020968-6, de São Miguel do Oeste, j. em 13/3/2001).

Extrai-se do voto:

"Concernente à possibilidade da pessoa jurídica vir a ser responsabilizada, embora sejam

escassas as decisões sobre a matéria, encontro subsídio na doutrina; diga-se que há

infindáveis obras dando conta de que a pessoa jurídica pode ser responsabilizada

penalmente quando vem praticar agressões ao meio ambiente.

"A discussão sobre a temática tornou-se acirrada a partir da Constituição Federal de 1988

onde, nos artigos 173, § 5º e 223, § 3º, veio insculpida a responsabilidade penal da pessoa

jurídica. Contudo, esses dispositivos não eram auto-aplicáveis, cabendo a legislação

ordinária estabelecer e definir as condutas da pessoa jurídica puníveis. Ocorre que com o

advento da Lei n. 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), mais precisamente no artigo 3º da

referida lei, houve essa regulamentação:

'As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme

o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração cometida por decisão de seu

representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da

sua entidade'.

"Elida Séguin e Francisco Carrera assim discorreram sobre a temática:

'A LCA prevê, no art. 3º, a responsabilidade da pessoa jurídica, se a infração for cometida

por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de órgão colegiado no interesse

ou benefício da sua entidade. Esta expressão pressupõe que do ato advirá vantagem para a

pessoa jurídica, sendo válida a crítica de Luiz Regis Prado que condiciona a condenação

ao 'interesse (vantagem de qualquer natureza - política, moral etc.) ou benefício (favor,

ganho, proveito econômico)'.

105

'Realmente cabe reconhecer que a LCA não foi bastante clara sobre que crimes poderiam

ser cometidos pela pessoa jurídica, ficando patente que sempre que houver a condenação

da pessoa jurídica, esta acontecerá na forma de concurso de agentes, consoante o disposto

no parágrafo único do mencionado artigo, determinando que a responsabilidade da pessoa

jurídica não exclua a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do fato.

'A responsabilidade penal, dos dez anos que intermediaram a promulgação da CFR e a

vinda a lume da LCA, foi motivo de crítica dos doutrinadores, fundamentada nos princípios

da individualização da pena, da responsabilidade pessoal e da culpabilidade, todos

também com sede constitucional. No entanto, vale consignar que a responsabilidade penal

da pessoa jurídica é tendência internacional, posto que já vigente em outros ordenamentos

jurídicos, em diversas legislações penais européias, certamente em decorrência da

'Convenção da União Européia para os países membros, com determinação expressa sobre

as condenações das pessoas jurídicas pela pena de multa'.

'(..)

'Favorável a que o Brasil siga a tendência internacional de punir penalmente os seres

morais, Roque de Brito Alves sustenta que:

'Não se justifica mais tal negativa da responsabilidade penal da pessoa jurídica, o que

permite uma evidente distinção entre a responsabilidade penal pessoal, individual e a

responsabilidade penal da pessoa jurídica que não se confunde com a responsabilidade

criminal dos seus membros ou componentes. Distinção também, por outra parte, entre as

sanções administrativas ou civis das sanções penais dos crimes pela pessoa jurídica'.

'Concordamos com a assertiva supra, entendendo perfeitamente admissível ao sistema

legal brasileiro a responsabilidade da pessoa jurídica de direito privado' (in Lei dos

Crimes Ambientais, São Paulo, ADCOAS, 1999, págs.91/93).

"Na mesma esteira, de grande valia o trabalho do professor, parecerista e advogado em

São Paulo, Dr. José Henrique Pierangeli:

'1. Introdução

'A principal discussão, na atualidade, situa-se no fato de se a pessoa jurídica, fruto da

criação do ser humano, pode ou não delinqüir. Não obstante existam algumas

discrepâncias, essas discussões podem ser elencadas dentro de duas teorias, ou grupos, tal

como ocorria já no início deste século: teorias da ficção e da realidade.

106

'A primeira teoria, que tem suas raízes no direito romano, adotou o princípio

individualístico, consubstanciado na expressão largamente divulgada 'societas delinquere

non potest'. Este posicionamento, após estudos desenvolvidos no período medieval, dentre

eles os realizados pelo pós-glosador Bártolo, foi ganhar contornos praticamente definitivos

com a genialidade de Savigny em 1840, e, ainda hoje, como observa Fernando Mantovani,

é o sistema jurídico predominante na Europa continental, tido como apto para enfrentar a

criminalidade societária.

'Nos termos postos por esta teoria só o ser humano pode delinqüir, posto que somente ele é

dotado de vontade e de capacidade para dirigir essa vontade no mundo exterior, ou, como

salta do princípio jusnaturalístico, em todo direito subjetivo existe a causa da liberdade

moral, que se encontra ínsita em cada homem. Portanto, como pôs a calvo o próprio

Savigny, só o homem, individualmente considerado, é dotado pela natureza de capacidade

para ser sujeito de direitos e de personalidade.

'A outra teoria, a qual encontra suas raízes na mentalidade germânica, foi trazida até nós

principalmente por Gierke, e por seu divulgador maior, o francês Aquiles Mestre. O labor

de Mestre, cuja tradução para o espanhol foi feita em 1930 por Quintiliano Saldaña,

ingressou profundamente na doutrina latino-americana, e ao tempo em que prepondera

nos países anglo-saxãos, vai conquistando cada vez mais adeptos em todo o mundo. Em

tais países anglo-saxões a responsabilidade penal dessas entidades, e mui especialmente

das sociedades com fim lucrativo, ganhou ainda maior realce com o Model Penal Code de

1962 e com o Proposed Criminal Code Reform Act, de 1981 nos Estados Unidos da

América.

'Para esta teoria, denominada da realidade ou organicista, a pessoa jurídica é um ser real,

cuja vontade não é a somatória das vontades de seus associados ou de seus diretores e

administradores. Em verdade, possui uma vontade própria, que segundo Aquiles Mestre,

atua sobre as coisas e vai constituir o poder do grupo, poder que o Estado, às vezes, vem

limitar e sancionar em nome do direito, com o reconhecimento da personalidade do grupo.

'2. Visualização moderna da problemática

'Embora não seja nosso propósito estudar aqui, com maior amplitude, a situação pela qual

passa a doutrina acerca da responsabilidade penal das pessoas jurídicas, há de se passar,

ao menos, pelas linhas gerais do que se tem nas conclusões de tantos estudos.

107

'Se de um lado se tem por assente a responsabilidade pessoal na teoria da ficção, por

outro, fixa-se a responsabilidade social para a da pessoa jurídica. A questão da

possibilidade ou não de conduta por parte dos entes, continua a ser questão candente na

doutrina, mas não mais se a tem na qualidade de obstáculo intransponível como nas

décadas anteriores, pois, com uma certa ousadia, pode-se romper com os preconceitos da

ordem dogmática e optar-se por soluções que os novos tempos estão a reclamar. Também

já não se há de falar em dificuldades para se efetivar a punição da pessoa jurídica, posto

que além da multa, espécie de sanção penal que se tem como de uso prioritário, o direito

penal moderno possui uma gama de penas que podem ser utilizadas.

'Hodiernamente pode-se afirmar, com absoluta segurança, ser a responsabilidade ou

irresponsabilidade das pessoas jurídicas, mais do que um problema ontológico ou

dogmático, sendo mesmo uma questão de sistema político-econômico e de prática utilidade

e eficiência. O sistema da responsabilidade individual se amolda aos postulados da

dogmática tradicional, e, portanto, entre nós, no sistema do Código Penal, toda a

legislação em que se adote a responsabilidade penal da pessoa coletiva deve ser realizada

em legislações esparsas, ou seja, legislação penal especial, cuja elaboração reclama

extrema prudência. Deve-se ter por presente, que mesmo a responsabilidade social é uma

concepção bastante complexa, cujos componentes, atribuibilidade e a exigibilidade

registram tanto situações de fato, como ingredientes de valoração, como bem diz David

Baigún.

'A fundamentação em sentido contrário à adoção da tese da responsabilidade penal da

pessoa jurídica aponta quatro argumentos principais, os quais não estão a merecer a

mesma valoração, mas que reunidos formam uma respeitável argumentação em favor da

adoção do princípio da responsabilidade individual, a saber: a) não há responsabilidade

sem culpa; b) o princípio da personalidade das penas; c) algumas espécies de penas

jamais poderiam ser aplicadas às pessoas jurídicas, como as de prisão; d) a pessoa

jurídica é incapaz de arrependimento, não podendo, pois, ser intimidada, emendada ou

reeducada.

'De tais ponderações, temos as duas primeiras como de grande importância, porém, 'é

inútil fechar os olhos à tendência crescente para a revisão do velho princípio societas

delinquere non potest', no dizer do conhecido penalista lusitano Manuel Antônio Lopes

108

Rocha, quem assim conclui: 'E é um facto que, sobretudo nos últimos anos, a ortodoxia

clássica sofreu violentos assaltos e são cada vez mais numerosos os juristas que

consideram desejável a consagração da responsabilidade penal das pessoas colectivas,

pelo menos em matéria de infracções às normas de direito económico, do direito social e

da legislação protectora do ambiente'.

'Percorrendo esta mesma senda, nosso companheiro de trabalho de hoje, o

Desembargador Eládio Lecey escreveu: 'As infrações contra as relações de consumo,

assim como as demais de Direito Econômico (como os delitos ambientais), são infrações

de massa, contra a coletividade, atentando contra interesses coletivos e difusos, e não só

contra bens individuais como a saúde e a vida das pessoas.

'De nossa parte, em outras oportunidades, já ressaltamos a pluriofensividade de tais

condutas, que quanto ao meio ambiente atentam contra bens jurídicos ultra-geracionais, o

que 'obriga ao rompimento com princípios e regras assentes no direito penal liberal'.

Também deve ser relembrado que tais providências só devem ser feitas através de leis

penais extravagantes, pois, para nós, torna-se impossível tê-las dentro de um código penal

vinculado ao princípio da responsabilidade penal individual, como exsurge de quase todas

as constituições do mundo. Nossa Carta Magna, no mesmo rumo, afora as ressalvas ainda

por análise nestas linhas, fixa-se também na responsabilidade penal individual'.

'3. A responsabilidade penal da pessoa jurídica na Constituição de 1988.

'O principal questionamento se funda em saber se a Constituição de 1988 consagrou a

responsabilidade penal das pessoas jurídicas. A questão tem merecido a atenção dos

exegetas e apresenta um placar praticamente empatado.

'No tanto quanto nos interessa, temos os artigos 173, § 3º, e 225, § 3º, os quais dispõem

acerca dos atos praticados contra a ordem econômica e financeira, e contra a economia

popular, em relação às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Tais condutas e

atividades, quando lesivas ao meio ambiente, sujeitam os infratores, pessoas físicas ou

jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de

reparação dos danos causados. Neste aspecto surge dúvida no sentido de saber se as

sanções para pessoas físicas e jurídicas seriam diversificadas, porém, pretendesse o

constituinte assim dispor, teria empregado apenas e tão-somente a expressão

respectivamente. Não o fez, e, portanto, possibilitou a duplicidade de interpretações, as

109

quais, agora, com o advento da Lei n. 9.605/98 perdem a importância, tornando-se

questões bizantinas, pois, o legislador ordinário, optou pela responsabilidade penal da

pessoa jurídica nos crimes ambientais.

'Em verdade, ao fixar a responsabilidade penal da pessoa jurídica por crime praticado

contra o meio ambiente, o legislador ordinário atendeu às Recomendações do 15º

Congresso da Associação Internacional de Direito Penal no Rio de Janeiro, realizado de 4

a 10 de setembro de 1994. Acresce salientar, ter o legislador brasileiro optado pelo

sistema de RESPONSABILIDADE PENAL CUMULATIVA, isto é, a responsabilidade do

ser coletivo não exclui a de seus diretores e administradores, tal como previsto em lei ou

em estatuto. Dessa maneira, não descura a lei da conexão entre os fatos praticados pela

pessoa jurídica e as vantagens ou proveitos que deles podem decorrer para as pessoas

físicas supramencionadas.

'4. Das penas previstas para as pessoas jurídicas na lei ambiental.

'A doutrina tem preconizado ser a multa a pena por excelência para a punição das pessoas

jurídicas. Para estas, e para as pessoas físicas, na legislação brasileira recente, na

aplicação da pena de multa o juiz deve atentar para a situação econômica do infrator (art.

6º, III). Ainda neste sentido, diz o artigo 18, do mesmo diploma, que a multa será calculada

segundo os critérios do Código Penal, e, em se revelando ineficaz, ainda que aplicada no

valor máximo, poderá ser aumentada em até três vezes, tendo em vista o valor da vantagem

econômica auferida. Por outras palavras, permite-se, assim, em caso da previsão tornar-se

insuficiente diante da vantagem econômica auferida com a prática do crime, seja

aumentada até três vezes por essa razão. Dessarte, a pena máxima de multa, adotado o

critério do dia-multa do Código Penal, pode atingir R$ 734.400,00, no seu grau máximo (

5 x salário mínimo x 360 dias x 3 ), a qual não poderá ser majorada, ainda quando

concorrerem as circunstâncias agravantes do art. 15. Entendemos ter sido prudente o

legislador ao fixar tal sanção pecuniária máxima, pois que tais valores podem se

apresentar significativos até para as empresas de grande porte, tornando-se a pena apta

para cumprir as funções de reprovação e prevenção geral e especial. Dentro desse mesmo

critério, é verdade, também é prevista a prestação pecuniária como pena restritiva de

direito (art. 8º, IV), cujos limites foram fixados entre R$ 136,00 (salário mínimo) e R$

48.960,00 (1 salário mínimo x 360) - art. 12.

110

'A lei prevê também para as pessoas jurídicas outras espécies de sanções, tais como as

próprias penas restritivas de direito, previstas a suspensão parcial ou total de suas

atividades, a interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade, e, a proibição

de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações

(art. 22, incisos I, II e III, respectivamente). A suspensão será aplicada quando a pessoa

jurídica não estiver obedecendo as disposições legais ou regulamentares relativas ao meio

ambiente (§ 1º); a interdição quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver

funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com

violação de disposição legal ou regulamentar (§ 2º); a proibição de contratar como Poder

Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez

anos (§ 3º).

'O artigo 23 prevê como pena restritiva de direito a prestação de serviços à comunidade

pela pessoa jurídica, a qual será executada pelo custeio de programas e de projetos

ambientais (inciso I); execução de obras de recuperação de áreas degradadas (inciso II);

manutenção de espaços públicos (inciso III) e, contribuições a entidades ambientais ou

culturais públicas (inciso IV).

'A mais grave das sanções para a pessoa jurídica está contemplada pelo artigo 24: a

liquidação forçada, aplicada essa pena quando a pessoa jurídica é constituída ou

utilizada, com o fim, preponderantemente, de permitir, facilitar ou ocultar a prática de

crime definido na lei ambiental. Seu patrimônio, diz o artigo citado, será considerado

instrumento de crime, e como tal, perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.

'A liquidação forçada, em verdade, constitui sanção equivalente à pena de morte para a

pessoa física, tivesse esta sido contemplada pelo Código Penal ou por outras leis penais

civis. É senão 'a morte da pessoa jurídica'" (in Penas Atribuídas às Pessoas Jurídicas pela

Lei Ambiental, extraído do site www.jus.com.br/doutrina/pjambien.html).

"Por sua vez, o Dr. Lúcio Ronaldo P. Ribeiro, advogado, professor de Direito e pós-

graduando pela UFG, em sua obra intitulada 'DA RESPONSABILIDADE PENAL DA

PESSOA JURÍDICA', assim dispôs:

'A responsabilidade penal da pessoa jurídica é uma realidade no mundo, sendo adotada

por diversos países ao lado da tradicional responsabilidade individual, bem como das

penalidades de caráter civil, tributário e administrativo.

111

'A redação do projeto da Constituição de dezembro de 1987 não deixava dúvidas acerca da

introdução da responsabilidade penal da pessoa jurídica na legislação pátria.

'Entretanto, a aceitação da responsabilidade dos entes coletivos já não pode causar

estranheza, no estágio atual da ciência penal, e pelas experiências existentes em outras

nações que a adotam. É evidente, outrossim, que os parâmetros desta responsabilidade não

podem ser os da responsabilidade individual, da culpa propugnados pela Escola Clássica,

a qual sustentava que somente o Homem pode ser sujeito ativo de crime. A

responsabilidade penal das pessoas jurídicas só pode ser entendida no âmbito de uma

responsabilidade social. A pessoa jurídica atua com fins e objetivos distintos da dos seus

agentes e mesmo proprietários, contudo a responsabilidade daquela não deve excluir a

destes quando for o caso.

'Assim é que o Legislador introduziu a responsabilidade penal da pessoa jurídica no

Direito Brasileiro com relação aos delitos ambientais dispostos na Lei n. 9.605/98 . Esta

lei veio a por uma pá de cal nas discussões acerca da sua introdução ou não no Brasil.

Agora passaremos a discutir como será a interpretação da r. lei'

(www.jus.com.br/doutrina/respppj.html).

"Desta espreita, creio que a controvérsia gerada pela possibilidade de responsabilizar a

pessoa jurídica pelas violações cometidas ao meio ambiente já restou dirimida, pelo menos

na esfera doutrinária".

Somente para ilustrar a nova corrente que vem tomando força, é o fato de ter sido veiculado

pela imprensa (26/4/2002) a notícia da primeira condenação ocorrida no Brasil de uma

empresa por crime ambiental prolatada pelo juiz da Primeira Vara Federal de Criciúma

(SC), Dr. Luiz Antônio Bonat, tendo condenado a empresa J. Bez Batti Engenharia Ltda. à

pena de prestação de serviços à comunidade, devendo pagar o valor de R$ 10.000,00 (dez

mil reais) para custear programas ambientais.

Pelo exposto, dá-se provimento ao recurso para que seja recebida a denúncia quanto a

empresa S.A. Fósforos Gaboardi.

Participou do julgamento, com voto vencedor, o Exmo. Sr. Des. Jaime Ramos. Lavrou

parecer pela douta Procuradoria Geral de Justiça o Dr. Robison Westphal.

Florianópolis, 26 de novembro de 2002.

Des. Gaspar Rubik- Presidente com voto/ Des. Solon d'Eça Neves-Relator

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