Upload
lylien
View
214
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ- UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ CURSO DE DIREITO NÚCLEO DA PRÁTICA JURÍDICA SETOR DE MONOGRAFIA
RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA QUANTO À LEI N. 9.605 DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998
MURILO DE OLIVEIRA MASCARENHAS SÃO JOSÉ (SC), 2004
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ- UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ CURSO DE DIREITO NÚCLEO DA PRÁTICA JURÍDICA SETOR DE MONOGRAFIA
RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA QUANTO À LEI N. 9.605 DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998
Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de bacharel em Direito da Universidade do Vale do Itajaí, sob orientação do Professor Especialista Juliano Keller do Vale.
MURILO DE OLIVEIRA MASCARENHAS
SÃO JOSÉ (SC), 2004
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ- UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ CURSO DE DIREITO NÚCLEO DA PRÁTICA JURÍDICA SETOR DE MONOGRAFIA
RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA COM ENFOQUE
ESPECIAL À LEI N. 9.605 DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998
MURILO DE OLIVEIRA MASCARENHAS A presente monografia foi aprovada como requisito para obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí- UNIVALI. São José, de 2004.
Banca examinadora: _____________________________________ Prof. Esp. Juliano Keller do Vale - Orientador ___________________________________ Prof(a). ___________________________________ Prof(a). ___________________________________ Prof(a).
AGRADECIMENTOS
A Deus pelo maravilhoso dom da vida;
Aos meus pais, fonte inesgotáveis de amor, dedicação e compreensão, responsáveis, pela minha graduação;
A minha avó Nézia, pela sua força, sabedoria, e carinho com seus netos, sempre com as portas abertas para
aconchego de seu lar;
Meus irmãos obrigado pela união e amizade, Alexandre, Andréia e Cristiano em especial a caçula Débora, pela
assessoria nos momento difíceis da realização deste trabalho;
Ao orientador Juliano Keller do Vale, professor e profissional competente, obrigado pela dedicação em doar
parte de seu tempo e conhecimento;
A todos professores, formadores de profissionais, obrigado pela aprendizagem repassados durante esta árdua
jornada de cinco anos;
Meus amigos e chefes, Dr. José Manoel Soar, Dr. Marco Soar, Dr. Luís Antônio Fornerolli, obrigado pela
aprendizagem ao estagiar junto a vocês;
Ao professor de português Ivo Zimmermann, obrigado pela assessoria sobre o uso correto da língua portuguesa;
E, por fim, agradeço a todos companheiros de trabalho e de sala de aula, eternamente sou grato, espero nesta
nova jornada que estes laço de amizade perdurem para sempre.
“Os progressos técnicos fornecem os meios de aniquilar a vida humana e tudo o que foi duramente criado pelo homem [...]. Não é pavoroso ser constrangido pela comunidade a realizar atos que cada um, diante de sua consciência, considere criminosos?” (EINSTEIN, Albert).
RESUMO
Na experiência de pesquisador como estudante de direito e estagiário, chamou-me atenção o tema que trata sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, pois o direito penal tem como principal característica a proteção e tutela dos interesses individuais, entretanto com o crescimento e força das pessoas coletiva viu-se a necessidade de responsabilizalar penalmente as pessoas jurídicas. A partir deste questionamento, e estudo realizados, surgiu a elaboração do tema, com intuito de indagar a possibilidade, de punição, das pessoas jurídicas na prática de infrações, com enfoque especial a Lei dos Crimes Ambientais no ordenamento jurídico penal brasileiro. Além do mais, como a matéria ao longo dos tempos vem sendo motivo de algumas divergências decorrentes de doutrinadores importantes que opõe-se está idéia, é objetivo deste estudo, possibilitar a contribuição para o esclarecimento dos acadêmicos e operadores de direito em geral. PALAVRAS-CHAVES: responsabilidade penal, pessoa jurídica e aplicação da pena.
LISTA DE ABREVIATURAS
a.C - Antes de Cristo
Art. - Artigo
Cf. - Conforme
CC - Código Civil
CEE - Comunidade Econômica Européia
CF - Constituição Federal
CP - Código Penal
CPP - Código de Processo Penal
ex. - Exemplo
inc. - Inciso
n. - Número
OEA - Organização dos Estados da América
ONU - Organização das nações unidas
p. - Página
s.s - Seguintes
UNESCO - Organização das Nações Unidas para Educação a Ciência e a Cultura
9
SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................11
1 RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA............................................13
1.1 Evolução histórica...............................................................................................................13 1.1.1 Babilônia ..........................................................................................................................14 1.1.2 Direito grego ....................................................................................................................14 1.1.3 Direito romano.................................................................................................................15 1.1.4 Glosadores .......................................................................................................................16 1.1.5 Direito canônico...............................................................................................................16 1.1.6 Os pós-glosadores ............................................................................................................17 1.2 Teorias ................................................................................................................................18 1.2.1 Teoria da ficção ...............................................................................................................18 1.2.2 Teoria da realidade...........................................................................................................19 1.3 Argumentos contrários e favoráveis à responsabilidade penal da pessoa jurídica .............21 1.3.1 Argumentos contrários.....................................................................................................21 1.3.2 Argumentos favoráveis ....................................................................................................22 1.4 Proposta de uma “terceira via de solução” .........................................................................24 1.5 Panorama internacional - breves considerações .................................................................26 1.5.1 Países que reconhecem a criminalidade da pessoa jurídica .............................................28 1.5.2 Países contrários à criminalidade da pessoa jurídica .......................................................30
2 ASPECTOS GERAIS ACERCA DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA...............................................................................................................................33
2.1 Aspectos da pessoa jurídica ................................................................................................33 2.1.1 Conceito de pessoa jurídica .............................................................................................33 2.1.1.1 Pessoas jurídicas de direito público ..............................................................................34 2.1.1.2 Pessoas jurídicas de direito privado..............................................................................37 2.1.2 Criação e término da pessoa jurídica ...............................................................................39 2.1.2.1 Criação ..........................................................................................................................39 2.1.2.2 Término.........................................................................................................................41 2.2 Aspectos penais...................................................................................................................42 2.2.1 Conceito de crime. ...........................................................................................................42 2.2.1.1 Sujeito ativo do crime ...................................................................................................44 2.2.1.2 Sujeito passivo do crime ...............................................................................................44 2.2.2 Concurso de pessoas ........................................................................................................45 2.2.2.1 Autoria ..........................................................................................................................46 2.2.2.2 Co-autoria .....................................................................................................................47 2.2.2.3 Partícipe ........................................................................................................................48 2.2.3 Conceito de tipo e tipicidade penal ..................................................................................49 2.2.4 Imputabilidade penal........................................................................................................50 2.2.5 Finalidade da pena ...........................................................................................................51 2.2.6 Princípios .........................................................................................................................52 2.2.6.1 Princípio da legalidade..................................................................................................52 2.2.6.2 Princípio da proporcionalidade .....................................................................................53 2.2.6.3 Princípio do “bis in idem” ............................................................................................53
3 RESPONDABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA BRASILEIRA E A LEI N. 9.605/98 ....................................................................................................................................55
10
3.1 Constituição Federal ...........................................................................................................55 3.2 Conceito de meio ambiente.................................................................................................57 3.2.1 Finalidade de proteção .....................................................................................................58 3.3 Responsabilidade dos dirigentes .........................................................................................58 3.3.1 Concurso necessário ........................................................................................................60 3.3.2 Sistema da dupla imputação ............................................................................................61 3.3.3 Sistema da dupla imputação X principio do “bis in idem” ..............................................61 3.4 Responsabilidade penal da pessoa jurídica e a Lei n. 9.605/98 ..........................................62 3.5 Das penas ............................................................................................................................65 3.5.1 Pena de multa...................................................................................................................66 3.5.2 Restritiva de direito..........................................................................................................67 3.5.3 Prestação de serviço à comunidade..................................................................................68 3.6 Principais críticas à Lei n. 9605/98.....................................................................................69 CONCLUSÃO ..........................................................................................................................72 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .....................................................................................74 ANEXO I - Lei n.º 9.605/1998.................................................................................................79 ANEXO II - Jurisprudência Catarinense ..................................................................................98
11
INTRODUÇÃO
A idéia de realizar este estudo, bastante intrigante e desafiador, mas muito especial, originou-se do
grande questionamento que se faz ao utilizar o direito penal, cuja característica principal é a proteção e tutela das
garantias individuais para os seres coletivos, ou seja, questiona-se a possibilidade das pessoas jurídicas serem
responsabilizadas penalmente.
Para alcançar os objetivos do tema proposto, o foco central da presente pesquisa
pautou-se principalmente na pesquisa bibliográfica, buscando-se por meio dos ensinamento
dos doutrinadores, o esclarecimento da possibilidade ou não da responsabilidade penal dos
entes morais; também, como fonte secundária, utilizou-se os entendimentos jurisprudenciais,
principalmente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
Embora o tema seja atual, denota-se, no transcurso do presente trabalho, que a
punição das pessoas coletivas, em determinados momentos de nossa história, era característica
primordial, o que ocorria antes do século XVIII, entre a Idade Antiga e a Idade Média, após
esta data, com a Revolução Francesa e os novos ideais iluministas a pena, até então
essencialmente coletiva, passou a ser dirigida somente a pessoas individuais.
Entretanto, atualmente, em face desta nova realidade, com o poderio das pessoas jurídicas, viu-se a
necessidade de atribuir as pessoas coletivas sanções com um maior caráter repressivo, sendo que tal caráter
sancionador encontra respaldo no direito penal.
O tema é desafiante, eis que ainda, encontra importantes e renomados doutrinadores
que se opõe a esta idéia, seus fundamentos, de um modo geral, são decorrentes do princípio
“societas non potest”, ou seja, a sociedade não pode delinqüir por serem seres destituídos de
vontade. Tal posicionamento vigorou em nosso ordenamento jurídico, mas com a previsão
constitucional e a publicação da Lei dos Crimes Ambientais, Lei n. 9.605/98, que prevêem a
possibilidade de punição das pessoas jurídicas, o tema vem despertando, em nosso país,
inúmeros debates.
Portanto, a finalidade deste trabalho não é apenas demonstrar a possibilidade da
responsabilização penal das pessoas jurídicas, enfocando os pontos favoráveis, mas também,
os pontos contrários, propiciando, desta forma, aos acadêmicos de direito uma importante
fonte de pesquisa.
Com isso, no primeiro capítulo, o objetivo é examinar a evolução histórica da
responsabilidade penal até a revolução Francesa, quando predominava-se as sanções
coletivas, bem como as teorias aplicadas da ficção e da realidade, os pontos favoráveis e
contrários a esse tipo de responsabilidade, e, por fim, entender a situação atual no âmbito
12
internacional por meio das legislações dos diversos países que adotam, ou não, a
responsabilidade penal do ente moral, como também é conhecido à pessoa jurídica.
No segundo capítulo, avaliam-se as características individuais do direito penal com a
apreciação das teorias e conceitos norteadores do dispositivo criminal; também, analisam-se
as características das pessoas jurídicas, seja de direito público ou privado, sendo que, em
ambos os casos, o objetivo é facilitar a compreensão desses aspectos individuais para melhor
entendimento da responsabilidade penal no direito brasileiro, que é objeto de estudo do
capítulo subseqüente.
No terceiro e último capítulo do trabalho, será tratado a responsabilidade penal da
pessoa jurídica no ordenamento penal brasileiro, com a previsão da responsabilidade penal
coletiva na Carta Política de 1988 e a criação da Lei n. 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, que
trata dos crimes cometidos contra nosso meio ambiente.
O presente trabalho será abordado, utilizando-se do método dedutivo, tendo em vista
que se fundamenta em premissas gerais, através de dados e observação no que tange às
legislações dos diverso países que adotam ou não a responsabilidade da pessoa jurídica,
partindo para aspectos particulares, concernentes à previsão da responsabilidade penal das
pessoas jurídicas no ordenamento jurídico brasileiro, sua previsão constitucional e na lei infra-
constitucional.
13
1 RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA
O estudo sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica1 inicia-se, neste
capitulo, ao realizar um apanhado sobre o surgimento e evolução histórica da
responsabilidade penal da pessoa jurídica, as teorias aplicadas, bem como os pontos
favoráveis e contrários a este tipo de responsabilidade e entender a situação atual no âmbito
internacional por meio das legislações dos diversos países que adotam, ou não, a
responsabilidade penal do ente jurídico.
1.1 Evolução histórica
Ao longo de nossa história, as civilizações têm oscilado entre tendências
individualizadas e coletivistas. Diante deste movimento, duas fases importantes de nossa
história mostram a punibilidade, formas distintas, primeiramente, antes do século XVIII,
entre a idade antiga e média, nesta fase, predominavam as sanções coletivas contra as
tribos, famílias, cidades, vilas etc. E outra, posterior ao século XVIII, devido à Revolução
Francesa e surgimento de uma nova ideologia, decorrente do pensamento iluminista, essa
nova idéia ocasionou a extinção das sanções as corporações e todas formas que pudessem
pôr em risco a liberdade individual (Cf. SHECAIRA, 2003, p.25).
A extinção da responsabilidade penal coletiva, nessa época, era defendida em
torno da liberdade individual. “Os princípios individualistas e anti -corporativistas do
movimento revolucionário fizeram com que a responsabilidade criminal das pessoas
coletivas não mais se sustentassem” (Cf. SHECAIRA, 2003, p.25).
Entretanto, o fim das sanções impostas às corporações com argumentos defendidos
em torno da liberdade individual não se mostram único e verdadeiros a uma outra questão
como bem nos ensina Shecaira (2003, p.26):
[...] pode-se dizer que nenhuma dessas razões foi a verdadeira causa de tal mudança. Nas exatas palavras de João Castro e Souza, a razão fundamental “encontrou -se, antes no fato de ter desaparecido a necessidade de punir as pessoas coletivas, pelos simples motivo de elas terem perdido o poderio que tinham obtido durante a idade média. Com efeito, na época do absolutismo, o estado sentiu a necessidade de aplicar sanções adequadas a essas coletividades, que cresciam dentro de si, ameaçando sua soberania.
1 Ao iniciar este trabalho, é de salutar importância destacar outras terminologias utilizadas para referir-se à pessoa jurídica, quais sejam: ente moral, ente jurídico, ente coletivo, empresa, corporação entre outros.
14
Após um longo período, tem-se no século XIX a retomada das discussões sobre a
responsabilidade penal da pessoa jurídica, mas essas discussões foram tratadas de forma
simples e dogmática no campo das teorias, limitando-se apenas a questões superficiais e
não se aprofundando em questões como aplicação de sanções e formas de repressão aos
entes coletivos. Já, em nossos dias atuais, pode ser constatada em diversos países, não só na
Europa, a necessidade de coibir este tipo de criminalidade, podendo se constatada através
de diversas legislações pelos países que defendem a punibilidade coletiva dentre ele nosso
país (Cf. SHECAIRA, 2003, p.25).
Enfim, a responsabilidade penal da pessoa jurídica vem sido debatida e discutida,
podendo ser constatada sua aplicação em diversas legislações mesmo naqueles que não
possuíam um conceito formado de pessoa jurídica, como veremos a seguir.
1.1.1 Babilônia
O direito babilônico era caracterizado pelo localismo, ou seja, o rei babilônico,
com o advento do código de Hammurabi no século XVIII a.C, passa impor uma
responsabilidade local ou da própria cidade, quando do cometimento de determinados
crimes (Cf. SHECAIRA, 2003, p.27).
Como aborda o artigo 23 do referido estatuto, “se o salteador não é preso, o
roubado deverá diante de deus reclamar tudo que lhe foi roubado, então, a aldeia e o
governador, em cuja terra e circunscrição o roubo teve lugar, devem indenizar-lhe os bens
roubados por quanto foi perdido”.
O dispositivo estabelece duas alternativas. A primeira resultante na prisão do
assaltante, e a segunda hipótese em caso de morte do mesmo, em ambos os casos cabiam o
governante ou a cidade local indenizar a vítima no equivalente em ouro (Cf. SHECAIRA,
2003, p.27).
“Quase todo o direito legislado da antigüidade tem essas formas de
responsabilidade coletiva. A pena passava da pessoa do condenado atingindo os vizinhos, a
cidade ou toda a comunidade” (Cf. SHECAIRA, 2003, p.27).
1.1.2 Direito grego
15
A história do direito penal grego é caracterizada por dois momentos, um
essencialmente coletivista ligada à terra, antes do século VII a.C. “[...] não se conhecia a
terra como propriedade individual. Essa terra pertencia a um grupo, a uma idéia abstrata,
que era o espírito da família encarnada sucessivamente nos seus antepassados e nos seus
descendentes” (SHECAIRA, 2003, p.30).
A respeito dessa circunstância, explana Cabette (2003, p.20):
A propriedade da terra era avaliada de um ponto de vista grupal pelo campesino, assim como a vida das cidades estava também baseada nesse coletivismo, pois que os indivíduos que praticavam alguma arte ou ofício reuniam-se em corporações (“tiasos”). Tais corporações, comparáveis a pessoa jurídica de direito privado, eram passíveis de punição pelos seu delitos. Também no primitivo regime social de Atenas havia juntamente com a solidariedade econômica do clãs, uma espécie “solidariedade penal familiar”, sendo que toda ofensa dava toda causa a conseqüência na família inteira.
Com a revolução econômica da Antigüidade, após o século VII a.C. e o advento da
moeda, houve grandes mudanças com relação ao direito penal, passando este, de
essencialmente coletivo, para um individualismo econômico, muito embora está tendência
tenha sido enfraquecida. Algumas punições coletivas ainda permaneciam no tocante aos
crimes religiosos e políticos. Os traidores e tiranos eram mortos e com ele toda família (Cf.
SHECAIRA, 2003, p.31).
1.1.3 Direito romano
O direito romano inicialmente não tinha a idéia formada sobre a figura da pessoa
jurídica, existiam certas associações de interesse público conhecidas como “universitates”,
“sodalitates”, “corpora” e “collegia”, entretanto mesmo sem este conhecimento pode-se
constatar de forma subjetiva, uma espécie de punibilidade contra estas associações, como
complementa Cabette (2003, p.20):
“[...] a chamada “actio de dolus malus” contra o município, então tido como
corporação mais importante. Ela tinha lugar quanto um coletor de imposto fazia cobrança
indevida, gerando enriquecimento ilícito da cidade”.
Quando isso acontecia, os cidadões reuniam-se, de forma coletiva, para serem
indenizados pela cobrança abusiva de impostos, todavia, “os romanos sempre se mostraram
muito sóbrios, muito porcimoniosos sobre este tema (...)” (MONTEIRO, 1995, p.96).
16
Sobre o direito romano, discorre Araújo (mar. 2004):
O direto Romano não conheceu, tal como modernamente se concebe, a figura da pessoa jurídica, embora já existissem certos conjuntos de pessoas aos quais se reconheciam alguns direitos subjetivos. Já nessa época, todavia se fazia a distinção entre os direitos e obrigações daquele conjunto de pessoas, as denominadas corporações – universitas – e os dos seus menbros – singuli, De todo modo, as fontes do direito romano reconheciam, mesmo que não nos moldes de hoje, uma certa responsabilidade delitiva de uma corporação, além do fatos de separam, nitidamente, a responsabilidade coletiva da responsabilidade individual.
1.1.4 Glosadores
Os glosadores, como os romanos, apresentavam um conceito vago sobre a
conceituação de pessoa jurídica, porém, diferentemente dos romanos, passam a considerar
as corporações como entidades capazes de delinqüir, devido a isto foram os primeiros a
promoverem um debate consistente sobre o que viria a se constituir a responsabilidade
jurídica (Cf. ARAÚJO, mar. 2004).
Sobre os glosadores assevera, Araújo (mar.2004):
A exemplo dos romanos, porém os Glosadores ainda não conheciam um conceito sedimentado de pessoa jurídica, o que não impediu que conhecessem a figura da corporação, assim entendida como a soma e a unidade de membros titulares de direitos. Daí que essas corporações podiam delinqüir, quando a totalidade de seus membros iniciava uma ação penalmente relevante através de uma decisão conjunta, elemento essencial para configuração do delito. Sustentavam os Glosadores portanto, que as corporações eram responsáveis por suas ações civil e penal. Para eles, os direitos das corporações eram ao mesmo tempo direitos de seus membros, o que os diferenciava dos romanos. Em verdade, a contribuição dos Glosadores limitava-se ao reconhecimento de certos direitos à corporações e a admissão de sua capacidade delitiva.
Explanando acerca do assunto, ensina Shecaira (2003, p.34):
Para eles a universitas não era uma entidade distinta das pessoas que a compunham, razão pela qual acabaram por identificá-la com a totalidade de seus membros. Dessa forma, considerava a vontade e os atos de seus membros daquelas associações como atos e vontades destas, e as infrações de seus membros, quando agiam em seu nome, como infrações da coletividades. Assim, inescondivelmente, passaram a admitir a possibilidade das pessoas coletivas serem sujeitos ativos de infrações criminais..
1.1.5 Direito canônico
17
O direito canônico foi o primeiro a estabelecer um conceito sobre pessoa jurídica,
entretanto, influenciados pela teoria idealizada Savigy (teoria da ficção), entendiam ser as
pessoas jurídicas incapazes de delinqüir, por terem uma existência fictícia irreal ou de pura
abstração (Cf. CUNHA apud SANCTIS, 2003, p.33).
Com relação aos canonistas, bem nos ensina Cabette (2003, p.21):
Com os Canonistas surge pela primeira vez a distinção entre um conceito jurídico de pessoa e um conceito real de pessoa. Essa concepção dá origem ao conceito de pessoa jurídica como ficção. Passa-se a sustentar a ausência de vontade autêntica equiparável à humana, nas pessoas jurídicas, vedando-se sua excomunhão e sua capacidade delitiva. Tal orientação seria o cerne do dogma universitas delinquere nom potest, sendo que a teoria dos canonistas teria grande semelhança com a chamada teria da ficção elaborada no século XIX, por Savigny.
Na verdade, a partir desta concepção criada pelos canonistas, a pessoa jurídica
passa a ser considerada uma pessoa fictícia, sem capacidade delitiva, cujo entendimento
chega até nossos dias com a contribuição de Savigny (Cf. ARAÚJO, mar. 2004).
1.1.6 Os pós-glosadores
Os pós-glosadores continuaram os trabalhos iniciados pelos glosadores no século
XIII, significamente influenciado pelo direito Canônico com relação a idéia desenvolvida
em torno do conceito de pessoa jurídica e o principio da ficção, por estas premissas, um
grande estudioso conhecido por Bartolo, o mais importante autor para esse estudo, passou a
dar uma significação diferentemente dos canônicos sobre os entes coletivos que
consideravam ser fictícios. Para ele, se a coletividade, filosoficamente é uma ficção, logo,
ela é uma realidade jurídica, ou seja, ela é juridicamente capaz de cometer crimes e atuar,
assim, também, pode juridicamente ser-lhe imputada uma infração criminal (Cf.
SHECAIRA, 2003, p.34).
Como salienta Araújo (mar. 2004):
[...] os Pós-glosadores admitiam a possibilidade da pessoa jurídica praticar delitos, a despeitos de aceitarem eles as premissas dos canonistas, dogma que perdurou até fins do século XVIII. Fundavam seu entendimento, principalmente porque na Idade Média, a responsabilidade penal das corporações (pessoas jurídicas) surge como uma necessidade exclusivamente prática da vida estatal e eclesiástica.
18
Portanto, os pós-glosadores, embora aceitassem a definição pelos canonistas a
respeito da pessoa jurídica como ficção, esses admitiam e complementaram ser as pessoas
jurídicas capazes de cometerem crimes e de atuarem (Cf. CABETTE, 2003, p.21).
Posteriormente, com a revolução ocorrida no século XVIII, a discussão da
responsabilidade coletiva cessou, tornando-se incompatível com a nova realidade de
liberdade e autodeterminação do indivíduo, diante das conquistas democráticas que a
Revolução Francesa trouxe consigo. Essa mudança do paradigma voltada agora para o
indivíduo, Estado e da sociedade, conduzia necessariamente à aceitação apenas da
responsabilidade individual, em detrimento do ente coletivo (Cf. ARAÚJO, mar. 2004).
1.2 Teorias
1.2.1 Teoria da ficção
A teoria da ficção, criada e defendida por Savigny, durante o direito canônico,
afirmava que as “pessoas jurídicas têm existência fictícia, irreal ou de pura abstração –
devido a um privilégio da autoridade soberana – sendo, portanto, incapaz de delinqüir
(carecem de vontade e de ação). Desse modo, para a teoria da ficção, só o homem é capaz
de ser sujeito de direitos”(ARAÚJO, mar. 2004).
A respeito da teoria idealizada por Savigny, Shecaira (2003, p. 101) explica que
“[...] a pessoa jurídica poder ia ser equiparada a um menor impúbere que exerce seu direito
através de um tutor. A pessoa jurídica é assim, uma criação artificial da lei para exercer
direitos patrimoniais. É pessoa fictícia. Somente obtém sua personalidade por abstração”.
E, ainda, complementa Shecaira (apud SAVIGNY, 2003, p. 101):
Quando, pois, se atribuem direitos a pessoas de natureza outra, estas pessoas são mera criação da mente humana a qual supõem que elas sejam capazes de vontade e de ação e, dessarte, constrói uma ficção jurídica. De conceitos tais logicamente se infere que o legislador pode, livremente conceder-lhe, apenas a capacidade indispensável para o alcance dos fins em razão dos quais forem formados.
Os doutrinadores, que apoiam a teoria elaborada por Savigny, são contrários a
responsabilidade penal da pessoa jurídica, mas, com o passar dos tempos, esta teoria vem
sendo superada, prevalecendo, hodiernamente, o entendimento segundo o qual a natureza
jurídica é uma realidade objetiva, considerando a responsabilidade criminalmente (Cf.
ARAÚJO, mar.2004).
19
Sobre a não aceitabilidade desta teoria, explana Monteiro (apud DEL VECHIO
1995, p. 99) que:
Ela não cuidou de explicar de maneira alguma a existência do Estado como pessoa jurídica. Quem foi o criador do Estado. Uma vez que ele não se identifica com as pessoas físicas, deverá ser igualmente havido como ficção. Nesse caso, o próprio Direito será também outra ficção porque emanado do Estado. Ficção será, portanto, tudo quanto se encontre na esfera jurídica. Inclusive a própria teoria da pessoa jurídica.
Existe, também, outra teoria que segue a mesma característica da ficção, como a
teoria da equiparação defendida por Widscheid e Beiz.
No tocante a essa teoria, assevera Monteiro (1995, p.99):
A segunda teoria da equiparação de modo idêntico ela admite tão somente, que há certas massa de bens, determinados patrimônios equiparados no seu tratamento jurídico, às pessoas naturais. As pessoas jurídicas não passam de meros patrimônios destinados a um fim específico, ou patrimônios personificados pelo direito, tendo em vista o objetivo a conseguir-se.
E, por fim, há a teoria sustentada por Iheng e Bolze, que considera a pessoa
jurídica apenas por aparência2, ou seja, é apenas dotada de direitos os sujeitos que a
compõem, os quais se utilizam do manto da empresa para encobrir os titulares dos atos
jurídicos praticados pelo grupo (Cf. CUNHA, p. 17).
1.2.2 Teoria da realidade
A teoria da realidade ou da personalidade real, diferentemente da ficção, considera
a pessoa jurídica dotado de existência real (Cf. SHECAIRA, 2003, p.102).
Os doutrinadores defensores desta teoria sustentam a idéia de que as pessoas
jurídicas são pessoas reais, devendo ser comparadas como seres sociais, ou seja, pessoas
físicas, excetuando-se, é claro, determinadas relações que, por sua natureza são
incompatíveis, entretanto, sua capacidade é um tudo equivalente ao do ser humano (Cf.
SHECAIRA, 2003, p.102)3.
2 Este teoria é conhecida como “teoria da aparência”. 3 Utilizando-se dos fundamentos preconizados na teoria da realidade, o acórdão anexado apresenta as seguintes observações: “ Na doutrina moderna prevalece o entendimento de que a pessoa jurídica não é uma mera ficção, mas é a que tem personalidade e realidade próprias e diversas da pessoa física ou natural. Aliás, o próprio Código Civil, no artigo 20, admite esta distinção, quando preconiza que as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros, estabelecendo no parágrafo segundo que mesmo não
20
Nesse sentido, ensina Monteiro (1995, p.99):
A teoria da realidade objetiva também chamada orgânica parte de base diametralmente oposta ao da ficção. Pessoa não é só o homem. Junto desta há entes dotados de existência real, tão real quanto a das pessoas físicas. São as pessoas jurídicas, que constituem realidades vivas. Por outras palavras, junto à pessoa natural, como o organismo físico, há organismos sociais, ou pessoas jurídicas, que têm vida autônoma e vontade própria, cuja finalidade é a realização do fim social. Por conseguinte, pessoas jurídicas são corpos, que o direito não cria, mas se limita a declarar existentes.
Muito embora tal teoria tenha sofrido desgaste devido a crítica que é submetida, é
realidade de que a pessoa “jurídica não é uma ficção, mas um verdadeiro ente social que
surge da realidade concreta e que não pode ser desconhecida pela realidade jurídica”
(ARAÚJO, mar. 2004).
A pessoa jurídica nada mais é do que um ente moldado à semelhança das pessoas
naturais, e que ao longos dos tempos, vem sendo considerada uma realidade técnica, dotada
de uma certa vida jurídica própria, no intuito de contribuir às relações jurídicas, para o livre
trânsito de bens, coisas e interesses (Cf. ARAÚJO, mar. 2004).
Temos, ainda, outras teorias que consideram a pessoa jurídica uma realidade, qual
seja, a teoria da instituição desenvolvida por Harriou, uma das mais aceitas por nossos
juristas (Cf. SOUZA, mar. 2004).
Assim, leciona Diniz (1994, p.118):
A personalidade jurídica é um atributo que a ordem jurídica estatal outorga a entes que o merecem. Logo, essa teoria é a que melhor atende à essência da pessoa jurídica, por estabelecer, com propriedade, que a pessoa jurídica é uma realidade jurídica.
Outrossim, temos a teoria da realidade técnica ou jurídica, também defendida por
vários doutrinadores no Brasil. Esta teoria “sublinha que a idéia da vontade comum não se
coloca no plano filosófico, mas, simplesmente, no plano jurídica” (SOUZA, m ar. 2004).
Desta forma, conclui Souza (apud SANCTIS, mar. 2004):
[...] que os atos que emprestamos aos grupamentos são, em realidade, os atos de vontade dos indivíduos e juridicamente os atos de vontade da coletividade. Uma pessoa jurídica pode adquirir a sua personalidade quando seus interesses distintos são assumidos pela organização, de modo a possibilitar a formação de uma vontade coletiva.
autorizadas ou registradas, as pessoas jurídicas de direito privado serão responsabilizadas por todos os seus atos”.
21
1.3 Argumentos contrários e favoráveis à responsabilidade penal da pessoa jurídica
1.3.1 Argumentos contrários
Nosso ordenamento jurídico criminal possui uma vasta gama de teorias, isto é
compreensível, pois no direito penal as sanções têm um maior potencial repressivo, por
isto, os doutrinadores divergem quanto à aplicabilidade penal da pessoa jurídica, uma vez
muita destas teorias vão de encontro a esta responsabilidade, e de acordo com o mestre
Shecaira (2003, p.103), quatro são os principais argumentos contrários:
O primeiro argumento - é na realidade o mais importante é que não há responsabilidade sem culpa. A pessoa jurídica, por ser desprovida de inteligência e vontade é incapaz, por si própria de cometer um crime, necessitando sempre recorrer a seus órgãos integrados por pessoa físicas, estas sim com consciência e vontade de infringir a lei.
Com relação à responsabilidade sem culpa, comenta Prado (apud DOTTI 2001,
p.165):
Nos costumes jurídicos brasileiros, a “culpabilidade da pessoa jurídica” é uma hipótese manifestamente incompatível não somente com a realidade ontológica das pessoas morais como também com o refinado conceito de culpa, vista como “reprovabilidade da conduta ilícita (típica e antijurídica) de quem tem capacidade genérica de entender e de querer (imputabilidade) e podia, nas circunstâncias em que o fato ocorreu, conhecer a sua ilicitude, sendo-lhe exigível comportamento que se ajuste ao Direito”.
Continuando, acerca das demais críticas contrárias a responsabilidade penal da pessoa jurídica,
apresenta Shecaira (2003, p.104):
A segunda objeção que se faz à responsabilidade da pessoa jurídica diz respeito à transposição a esses entes do princípio da personalidade da penas, consagradas pelo direito penal democráticos. A condenação de uma pessoa jurídica poderia atingir pessoas inocentes como os sócios minoritários (que votaram contra a decisão). Os acionistas que não tiveram participação delituosa enfim, pessoas físicas que indiretamente seriam atingidas pela sentença condenatória. A terceira crítica diz respeito a serem inaplicáveis às pessoas jurídicas as penas privativas de liberdade, reprovação essa que, ainda hoje, constitui-se na principal medida institucional utilizada contra as pessoas físicas. Por derradeiro, a última crítica levanta observações quanto a impossibilidade de fazer uma pessoa jurídica arrepender-se, posto que ela é desprovida de vontade. Pela mesma razão não poderia ela ser intimidade ou mesmo reeducada. Isto é, aqueles fins que normalmente se atribuem às penas não poderiam ser imputadas à pessoas jurídicas, posto que ela não tem capacidade de compreender a distinção entre os fatos ilícitos e os lícitos, que é o que determina a punição das pessoas físicas.
22
A respeito da terceira crítica apresentada acima por Shecaria, Prado dispõe ( apud
DOTTI 2001, p.167):
A individualização judicial da pena, como um corolário lógico do princípio constitucional da personalidade da sanção constitui uma das mais importantes etapas da realização do Direito Penal. Pressupõem um conjunto de elementos do fatos e de direito sobre os quais o juiz vai refletir para a escolha e a quantidade da reação necessária e suficiente a fim de reprovar e prevenir o crime bem como sobre o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade e a substituição desta espécie por outra.(pena restritiva de direito e multa) (CP, art. 59).
Os doutrinadores contrários à responsabilidade penal da pessoa jurídica, por
considerar esta desprovida de vontade, conseqüentemente, não podem delinqüir e, neste
sentido, argumenta Bitencourt (1997, p.53):
“Os dois principais fundamentos para não se reconhecer a capacidade pe nal desses
entes abstratos são a falta de capacidade ‘natural’ de ação e a carência de capacidade de
culpabilidade”.
Embora Bittencourt argumente sobre a não punibilidade penal da pessoa jurídica,
ele relata (1997, p.55):
[...] isto não quer dizer que o ordenamento jurídico, no seu conjunto, deva permanecer impassível diante dos abusos que se cometam, mesmo através de pessoa jurídica. Assim além de sanção efetiva aos autores físicos das condutas tipificadas (que podem ser facilmente se substituídos), deve-se punir severamente também e, particularmente, as pessoas jurídicas, com sanções próprias a esse gênero de entes morais.
Os opositores da responsabilidade penal da pessoa jurídica entendem que as penas
aplicadas à pessoa jurídica devam ser de acordo com o seu gênero, ou seja, através de
sanções não penais, e discorrem algumas penas que podem ser atribuídas, como o
“corporation’s probation” , que seria a imposição de condições e intervenção no
funcionamento da empresa, a imposição de um administrador ou medida de segurança
através do confisco ou até mesmo o fechamento da empresa (Cf. BITENCOURT, 1997,
p.55).
1.3.2 Argumentos favoráveis
Os defensores da responsabilidade penal da pessoa jurídica criticam o
posicionamento dos opositores, pois estes, apesar de serem contra tal responsabilidade
23
reconhecem outros tipos de sanções tão firmes quanto às de ordem penal, como às
administrativas e civis para coibirem tais crimes (Cf. SHECAIRA, 2003, p.105).
Nesse sentido, conclui Shecaira (2003, p.105):
[...] os principais opositores da responsabilidade penal da pessoa jurídica afirmam que as penas às empresas ferem o princípio da personalidade. No entanto, dependendo da multa civil ou administrativa, no plano puramente do valor pecuniário ela atingiria os sócios minoritários ou mesmo aqueles que não participaram da decisão, tanto quanto a pena resultante do processo criminal aplicada à empresa. Assim em suposta defesa de sócios inocentes – ao proporem respostas não penais – esses autores ignoram que, da mesma forma, atingir-se-à o patrimônio daqueles que não contribuem para a tomada da decisão ilícita.
Outro argumenta criticado diz respeito à desconsideração da responsabilidade
penal da pessoa jurídica, devido a impossibilidade de aplicação da pena privativa de
liberdade, já que não teria possibilidade de encarceramento da mesma (Cf. CABETTE,
2003, p.67).
Em relação a essa crítica, debate Cabette (2003, p. 67):
As penas privativas de liberdade não são as únicas existentes no âmbito penal e, principalmente, em face do atual estágio das políticas criminais e da criminologia, não são as medidas mais desejáveis. A pena de prisão surge no cenário atual como medida extrema de ultima ratio a ser utilizada somente naqueles casos em que não restem alternativas menos gravosas para a solução dos problemas.
Sobre isso, pondera Shecaira (2003, p.106):
Uma das principais tarefas atribuídas ao direito penal, dentro do estado Democrático de Direito, é a de efetivar uma constante revisão da função punitiva, vale dizer, criar critérios restritivos da necessidade ou não de punir. Para que o sistema penal não sofra distorções autoritárias, que possam ferir a dignidade humana, deve-se ter um conta a desnecessidade da pena privativa de liberdade. A prisão é a forma mais extremada de controle social, é a expressão mais absoluta de seu caráter repressivo e deve, pois, ser reservada apenas para aqueles casos de crimes mais graves.
Outro fator argumentado para desconsideração da criminalização do ente coletivo
diz respeito à impossibilidade deste arrepende-se, já que um dos principais atributos da
pena criminal é a ressocializaçào do criminoso (Cf. CABETTE, 2003, p.70).
Contra esta posição manifesta-se Shecaira (apud Camargo, 2003, p.107):
Já verificou-se que um dos principais objetivos atribuídos modernamente a pena é exatamente o de reprovar a conduta em conflito, a fim de validar o conceito de bem jurídico para a maioria do grupo social. [...] Disso decorre que a imposição da pena deve ter como objetivo precípuo sua relevância pública e não objetivos morais. Dessa forma, pensar em impor
24
objetivos morais a uma empresa, mais do que um contra-senso, é tentar reavivar algo que mesmo relativamente às pessoas físicas já não deve ser aplicado.
O principal argumento debatido é a desconsideração da criminalidade da pessoa jurídica com
relação à responsabilidade sem culpa, ou seja, a pessoa jurídica não pode ser punida, pois ela é desprovida de
vontade e consciência (Cf. SHECAIRA, 2004, p.106).
Neste contexto, assevera Schecaira (2003, 109):
[...] como justificar, no que concerne à própria essência da reprovação, que se possa punir administrativamente, ou mesmo civicamente, uma pessoa jurídica por um ilícito civil ou administrativo? Não estaríamos reprovando alguém que, também aqui, não tem consciência nem vontade? Não seria uma burla de etiquetas permitir-se a reprovação administrativamente e civil por um crime ecológico (por exemplo), mas não uma reprovação penal? E mais, essa reprovação no plano civil – por algo que no fundo é a mesma culpa – não limitaria a possibilidade de defesa da própria empresa, que não teria os instrumentos normalmente assegurados pelas normas processuais para o exercício de seus direitos (devido processo legal, ampla defesa, contraditório, etc.).
No mesmo sentido, reitera Shecaira.(2003, p.109):
O comportamento criminoso, enquanto violador de regras sociais de conduta, é uma ameaça para a convivência social e, por isso deve enfrentar reações de defesa (através das penas). O mesmo pode ser feito com as pessoas jurídicas. Quando próprio fundamento da culpabilidade individual encontra certa representação das coisas do mundo e da vida, como afirmar, a partir dele, que só o homem e suscetível de culpa.
1.4 Proposta de uma “terceira via de solução”
Constatou-se que existem divergências doutrinárias quanto à aplicação da
responsabilidade penal da pessoa jurídica. Decorrente desta discussão, surge uma terceira
via de solução, sendo um meio termo entre o direito administrativo e o penal, “que não
aplique as pesadas sanções de Direito Penal especialmente a pena Privativa de liberdade,
mas que seja eficaz e possa ter, ao mesmo tempo, garantias menores que as do direito penal
tradicional (BITENCURT, 1997, p.56).
Com relação a este novo direito, defende Silva (mar. 2004):
Esse novo direito conteria as descrições típicas das condutas que lesam ou expõem a perigo bens jurídicos coletivos e difusos e a permissão para responsabilização da pessoa jurídica, sem que houvesse os impedimentos decorrentes dos princípios garantistas, sendo, contudo, destes preservados aqueles que pudessem ser adequados à sistemática da criminalizacão societária.
Partindo deste pressuposto que o atual direito penal é incapaz de solucionar todos
os problemas para combater a moderna criminalidade, Hassemer propôs um novo direito ao
25
qual se denomina “direito de intervenção” que merece consideração e uma profunda
reflexão (Cf. BITENCOURT, 1997, p.56).
“Esse direito de intervenção seria o acima mencionado novo ramo do direito, a vir
a preservar o direito penal da responsabilidade individual de perder suas garantias, sem
retroceder aos marcos autoritários, que outrora o pontuara” (SILVA, mar. 2004).
Assim, no dizer de Silva (mar.2004):
Dentro da geografia do direito, o festejado autor germânico insere o direito de intervenção entre o direito penal e o direito administrativo sancionador, mencionado ainda que seus níveis de garantias e formalidades processuais seriam inferiores aos do direito penal, porém de menor intensidade quanto às sanções que possam ser impostas aos indivíduos.
Complementa Cabette (apud HASSEMER, 2003, p.129):
Esse direito de intervenção seria um meio termo entre direito penal e direito administrativo, que não aplique as pesadas sanções de direito penal, especialmente a pena privativa de liberdade, mas que seja eficaz e possa ter, ao mesmo tempo, garantias menores que as do direito Penal.
Segundo Hassemer, este novo direito mesclaria certos elementos que seriam: “(a)
o Direito Penal, b) fatos ilícitos civis, c) contravenções, d) direito de polícia, e) direito
fiscal, f) planejamento de território, g) proteção da natureza, h) direito municipal” (SILVA,
mar. 2004).
Muitos questionamentos ainda se fazem com relação a está “terceira via” p ara a
responsabilização da pessoa jurídica. Há algumas dúvidas que ainda não foram dissipadas,
nesse sentido. Com muita propriedade, dispõe Silva (mar. 2004):
Ocorre a necessidade de um aprofundamento quanto a saber se esse ramo do direito serviria somente à responsabilização da pessoa jurídica, pois, do contrário exemplificativamente, e havendo a desconsideração da personalidade jurídica e a punição devesse recair sobre o indivíduo, estaria esse desguarnecido das garantias individuais. Assim perguntamos, já que tal Direito da Intervenção deixa escoar algumas dessas garantias de forma, a poder tornar viável a punição da empresa, seria capaz de, com justiça, apenar a pessoa natural. Logo, em se tratando de responsabilidade individual, deve-se remeter ao Direito Penal.
Em face da realidade, este modelo apresentado por Hassemer merece em muito ser
considerado, muito embora ainda precise de uma reflexão e análise, pois o estudo de regras
especiais torna-se necessáro para o enfrentamento da grande criminalidade, que parece
imperioso, atualmente, sob pena da mais absoluta degradação do Direito Penal nesse
campo. (Cf. CABETTE, 2003, p.131).
26
1.5 Panorama internacional - breves considerações
A discussão da responsabilidade penal da pessoa jurídica no âmbito internacional
tem levantado muitas questões, especialmente, em torno de infrações que envolvem direitos
difusos ou coletivos (criminalidade econômica, ambiental, do consumidor etc.) (Cf.
CABETTE, 2004, p.25).
Como bem explana Cabette (2003, p.25):
Esses temas exigem um novo modelo de responsabilidade que supere a tradicional individual, pois se pretende trazer ao campo penal problemas até algum tempo pouco debatidos e que, agora, em face de uma nova realidade, tornam-se pautas indispensáveis.
Em diversos congressos realizados, a tendência mundial vem sendo favorável para
que seja reconhecida a responsabilidade penal da pessoa jurídica (Cf. CABETTE, p.25).
Dentre estes inúmeros congressos, pode-se citar alguns importantes, que se
fizeram essenciais para a aplicação da responsabilidade coletiva, como o acordo de 05 de
agosto de 1945, sendo criado um tribunal militar internacional para julgar crimes cometidos
durante a Segunda Guerra Mundial, reconhecendo a personalidade jurídica de determinados
grupos no campo repressivo internacional (Cf. SHECAIRA, 2003, p.47).
Posterior a este, tem-se o congresso em 1953, o VI Congresso Internacional de
Direito Penal realizado em Roma. Dentre as inúmeras discussões, chegou-se a conclusão de
quanto a criminalidade econômica e de que a repressão a estas infrações requer uma certa
extensão da noção de autor e das formas de participação, bem como, a faculdade de aplicar
sanções penais às pessoas jurídicas (Cf. SHECAIRA, 2003, p.47).
Quatro anos mais tarde, o VII Congresso realizado em Atenas, firmou-se que
ficaria a cargo de cada país a fixação da responsabilidade da pessoa jurídica, estabelecendo
nesta hipótese a pena de multa (Cf. SHECAIRA, 2004, p.47).
Em Hamburgo, foi realizado o XII Congresso Internacional de Direito Penal,
reconhecendo que sendo os atentados graves contra o meio ambiente praticados em geral
pelas pessoas morais ou jurídicas (empresas Públicas ou Privadas). É necessário admitir sua
responsabilidade penal ou lhe impor o respeito ao meio ambiente, por meio de ameaça das
sanções de ordem civil ou administrativa (Cf. SHECAIRA, 2003, p.48).
27
Muito importante, principalmente para o estudo deste tema foi o congresso sobre
Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas em Direito Comunitários realizado em
Messina, em 30 de abril e 05 de maio de 1979 (Cf. SHECAIRA, 2003, p.48).
Ao final, desse encontro ficou estabelecido taxativamente a responsabilidade penal
da pessoa jurídica que violar dispositivo de um Estado-Membro da CEE (Comunidade
Econômica Européia) (Cf SHECAIRA, 2003, p.48).
Também, foi de salutar importância o congresso realizado em Nova York,
organizado pelas Nações Unidas sobre prevenção do delito, nas datas de 09 a 13 de julho de
1979. Ao analisar o tema que tratava sobre o delito e o abuso de poder, recomendou-se a
aplicação dos princípios da responsabilidade penal da sociedade, ou seja, qualquer entidade
seja ela publica ou privada, será punida por ações delitivas ou danosas, isentando-se a
figura dos diretores de tal responsabilidade (Cf. SHECAIRA, 2003, p.48).
Finaliza-se o estudo sobre esse tema, com enfoque especial ao congresso realizado
recentemente no Rio de Janeiro, denominado de o XV Congresso Internacional de Direito
Penal, em 1994, no mês de setembro. Nesse congresso, a comunidade internacional
aprovou, no Rio de Janeiro, por ampla maioria de votos, algumas recomendações
concernentes aos delitos cometidos contra o meio ambiente (Cf. SHECAIRA, 2003, p.49).
Assim, devido à crescente importância e operatividade dos entes coletivos na sociedade atual, tem-
se retomadas as discussões da responsabilidade penal da pessoa jurídica, com sua adoção em diversas
legislações, inclusive a brasileira, especialmente no campo do direito econômico e ambiental, podendo-se
constatar, nos diversos congressos realizados, que os debates têm sido favoráveis à aplicação da
responsabilidade criminal no que tange a entes coletivos (Cf. CABETTE, p.25).
28
1.5.1 Países que reconhecem a criminalidade da pessoa jurídica
Atualmente, muitos países defendem a responsabilidade penal da pessoa jurídica,
dentre os principais está a Inglaterra, seja por infrações leves conhecidas como
“misdemeanours” , seja por infrações mais graves como as chamadas “felonies” , sendo que
as infrações, decorrentes do direito inglês, giram em torno das atividades econômicas, de
segurança no trabalho, de contaminação atmosférica e de proteção ao consumidor (Cf.
CABETTE, 2003, p.27).
Sobre o reconhecimento da responsabilidade penal inglesa, um fato muito importante deu ensejo a
sua aplicabilidade, como bem nos relata Cabette (2003, p.27):
O grande marco jurisprudencial quanto ao reconhecimento da responsabilidade penal dos entes coletivos na Common Law foi a sentença prolatada pela Quee’s bench no julgamento que ficou conhecido como Peg versus the Birminnghan and Glouscester Railways. Neste caso, uma sentença de natureza penal condenou uma ferrovia a demolição de uma ponte construída indevidamente. A fundamentação do decisum revolucionou o sistema, pois que admitiu uma responsabilidade penal por omissão, deixando em segundo plano o elemento subjetivo (vontade). A partir daí, as pessoas jurídicas passaram a responder de maneira bastante ampla pela prática de ilícitos penais.
Nos Estados Unidos, a prática da responsabilidade penal jurídica também é aceita,
mas em função do sistema federativo norte-americano, algumas exceções existem, o caso
do estado de Lusiana que não reconhece tal punibilidade. Entretanto, a regra dominante é a
aplicação da responsabilidade penal das corporações (Cf. SHECAIRA, 2003, p.55).
As principais penas aplicadas em caso de delitos são de multas e de inabilitações
(Cf. SHECAIRA, 2003, p.56).
Comentando a responsabilidade penal coletiva americana, explana Shecaira (2003,
p.54):
O direito norte-americano admite que as infrações culposas sejam imputadas às empresas quando cometidas por um empregado no exercício de suas funções, mesmo que a empresa não tenha obtido proveito com o fato delituoso. Além disso, a corporação também será responsável quando o fato criminoso for cometido a título de dolo se praticado por um executivo de nível médio.
Outro país que aceita a responsabilidade penal da pessoa jurídica é a Holanda. Seu
reconhecimento vem desde 1950, devido à lei contra a delinqüência econômica, sendo que
com a reforma do código penal holandês, a responsabilidade penal ganhou novos ares, ou
seja, sendo reconhecida em outras áreas (Cf. CABETTE, 2003, p.30).
29
“O art. 51 do Código Penal da Holanda, modificado no ano de 1976, prevê a
responsabilidade penal da pessoa jurídica. Estabelece o dispositivo sob comento que tanto
as pessoas físicas, como as jurídicas, podem cometer fatos puníveis” (CABETTE, 2003,
p.30).
As penas aplicadas no direito holandês são de multa, confisco, publicação de
sentença e retirada de certos bens de circulação, também há as penas específicas contra os
crimes à legislação econômica que são: interdição temporária, liquidação da empresa,
seqüestro de bens, privação das vantagens obtidas com o ilícito, perda de incentivos e
pagamento de caução.
Em Portugal, a responsabilidade penal não está inserida no dispositivo penal,
entretanto, consideram sua punibilidade, decorrente das muitas mudanças em suas
legislações (Cf. CABETTE, 2003, p.33).
Discorrendo sobre a responsabilidade das pessoas morais no direito português,
aborda Cabette (apud SALES,2003, p.33):
No sistema penal português a responsabilidade penal dos entes coletivos, apesar de não ter siso expressamente acolhida pelo legislador daquele país, não se pode afirmar, de plano, descartada naquela legislação. Mesmo superficial leitura do art. 11 do Código Penal português o demostra “salvo disposição em contrário, só as pessoas físicas ou singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal. Ao tratar a disposição legal, diz Maia Gonçalves que o texto “Consagra o pri ncípio do caráter pessoal da responsabilidade penal. A regra geral é a de que só as pessoas físicas ou singulares são passíveis de responsabilidade criminal, porém, excepcionalmente, pode haver fortes razões pragmáticas que aconselham outra solução. Por isso se considerou necessário ressalvar eventuais disposições em contrário em que a lei pode mandar punir pessoas coletivas, cabendo-lhe, então, penas pecuniárias ou medida de segurança.
No direito português, são constatados dois tipos de penas. Em primeiro lugar,
estão as principais, que são as de multa, admoestação e dissolução. Já, o segundo tipo de
pena são as chamadas acessórias, podendo ser de caução, de boa conduta, perda de bens,
injunção judiciária, interdição temporária de certas atividades ou profissão, privação do
direito de participar em feiras ou mercados, encerramento definitivo do estabelecimento e
publicidade da decisão condenatória, privação do direito a subsídios ou a subvenções
outorgadas por entidades ou serviços públicos, privação do direito de abastecimento através
de órgão da administração pública ou de entidades do setor público (Cf. CABETTE, 2003,
p.35).
30
O direito austríaco, ao publicar a lei federal de cartéis, de 22/11/1972, previu sobre
a responsabilidade penal da pessoa jurídica sanções para os membros ou órgãos que se
utilizam das associações com objetivos econômicos com o objetivo de aumentarem ou
reduzirem valores (Cf. CABETTE, 2003, p.42).
“A sentença condenatória poderá aplicar a pena de multa, além do fechamento
temporário ou definitivo dos armazéns, oficinas ou fabricas do condenado” (SHECAIRA,
2003, p.66).
O direito japonês, inicialmente, não reconhecia a responsabilidade penal da pessoa
jurídica, devido à influência do tradicionalismo europeu, porém, no ano de 1972, devido à
influência americana, o Japão passa reconhecer a criminalidade da pessoa jurídica. (Cf.
CABETTE, 2003, p.42).
Seguindo os países orientais, também a China reconhece a responsabilidade do
ente coletivo, através da aplicação de penas de ordem pecuniária (Cf. CABETTE, 2003,
p.43).
Entretanto, conclui Shecaira (2003, p.67):
A doutrina dominante nos países socialistas sustenta que, numa sociedade assim organizada, as pessoas jurídicas (fabricas, comércio, entes públicos, sociedades comerciais) têm uma natureza socialista e, portanto, seus interesses são idênticos aos do Estado, o que torna inimaginável um cometimento de crime contra o interesse comum.
Na América latina, constata-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em
alguns países quais sejam: Venezuela, o México, e no Brasil com a lei dos crimes
ambientais (Lei n. 9.605/98), que será tratada num capítulo especial (Cf. CABETTE, 2003,
p.44).
1.5.2 Países contrários à criminalidade da pessoa jurídica
Muitos países são favoráveis à responsabilidade da pessoa jurídica, contudo
existem países contrários, é o caso do direito penal Alemão, pois “[...] as pessoas jurídicas
não podem ser objetos de sanções penais. Suas eventuais infrações são punidas somente no
campo administrativo, com destaque as multas” (CABETTE, 2003, p.46).
Sobre o direito alemão, comenta Shecaira (2003, p.73):
31
A justificativa para adoção de tal sistema se firma na idéia segundo a qual não se pode aplicar uma sanção de natureza penal às empresas, em face da insistência de reprovação ético-social de uma coletividade. As multas, em tais casos, são desprovidas da significação social de reprovação e, portanto, valorativamente neutras; daí a razão de se adotar uma infração sem caráter penal.
Entretanto, o direito alemão já foi adepto de tal responsabilidade, isto ocorreu
antes do século XVIII, após este século, ocorreu uma grande mudança que perdura até os
tempos atuais (Cf. SHECAIRA, 2003, p.73).
Outro país que desconsidera a responsabilização penal do ente coletivo é a Suíça,
todavia as empresas podem ser punidas, mas apenas no campo administrativo (Cf.
CABETTE, 2003, p.49).
Com relação às decisões jurisprudenciais. “o tribunal Federal orienta -se quanto à
responsabilidade por uma visão meramente preventiva e não repressiva, motivo pelo qual
somente admite sanções no campo administrativo punitivo” (CABETTE, 2003, p.49).
O direito penal italiano é rigidamente contrário à responsabilidade penal dos entes
coletivos, uma vez que a Constituição Federal italiana veda expressamente este tipo de
responsabilidade, somente admitindo punições no campo individual (Cf. SHECAIRA,
p.75).
“A maioria esmagadora da doutrina acompanha esse entendimento, ressaltando
que a imposição de penas a uma empresa violaria o princípio da personalidade da penas,
vindo a ser atingidos os inocentes da coletividade” (SHECAIRA, 2003, p.76).
A Bélgica também é contrária, não prevendo no seu Código Penal e sua
Constituição este tipo de responsabilização da pessoa jurídica criminosa, apenas se punindo
as pessoas físicas delituosas (Cf. SHECAIRA, 2003, p.77).
“A única relação das pessoas jurídicas com as sanções penais se refere à
responsabilidade civil solidária para o pagamento de eventual pena de multa imposta a um
diretor ou representante” (CABETTE, 20 03, p.50).
Entretanto, está em tramite, no direito Belga, a reforma de seu Código Penal,
prevendo o reconhecimento da responsabilidade penal das pessoas jurídicas a exemplo da
legislação francesa (Cf. CABETTE, 2003, p.50).
Com muita firmeza na sua doutrina e jurisprudência, o direito penal espanhol é
contrário a responsabilidade penal da pessoa jurídica (Cf. CABETTE, 2003, p.50).
32
Ao máximo que se chega no direito espanhol são as aplicações de medidas de
segurança e conseqüências acessórias. Mesmo, assim, estas aplicações são excepcionais,
valendo a regra que somente contra as pessoas físicas poderá incidir a punição criminal (Cf.
CABETTE, 2003, p.51).
Com isso, o estudo do primeiro capítulo é finalizado ao tratar sobre os diversos aspectos
concernentes à responsabilidade penal no âmbito global, sendo levantadas às teorias aplicadas, bem como,
argumentos favoráveis e contrários à criminalizacão do ente coletivo.
33
2 ASPECTOS GERAIS ACERCA DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA
Neste segundo capítulo, o objetivo é realizar um estudo sobre os aspectos penais e
os aspectos da pessoa jurídica, bem como, as teorias aplicadas e os conceitos para melhor
compreensão da responsabilização da pessoa jurídica.
2.1 Aspectos da pessoa jurídica
2.1.1 Conceito de pessoa jurídica
Os seres humanos, por serem dotados de vontade própria e individualizada e,
ainda, por serem sujeitos eminentemente sociais, agrupam-se a outros seres humanos para
alcançarem determinados objetivos que individualmente não conseguiriam (Cf. DINIZ,
1994 p.116). Desta maneira, “para que participem da vida jurídica, com certa
individualidade e em nome próprio, a própria norma de direito lhes confere personalidade e
capacidade jurídica, tornando-os sujeitos de direito e obrigações” (DINIZ, 1994, p.116).
Neste mesmo entendimento, explana Monteiro (1995, p.95):
Para bem compreender a existência de semelhantes entidades as pessoas jurídicas, é preciso partir da idéia de que o indivíduo, muitas vezes, por si só, será incapaz de realizar certos fins que ultrapassam suas forças e os limites da vida individual.. Para consecução desses fins, ele tem de unir-se a outros homens, formando associações, dotadas de estrutura própria e de personalidade privativa, com as quais supera a debilidade de suas forças e a brevidade de sua vida.
Decorrente desta união de pessoas, surge o conceito de pessoa jurídica, em nosso
ordenamento jurídico e, como bem colocado pelos autores acima descritos, são as pessoas
jurídicas entidades criadas pela própria lei, considerados sujeitos capazes de adquirir
direitos e obrigações.
Desta forma, conceitua Monteiro (1995, p.95):
Surgem assim as pessoas jurídicas, também chamadas pessoas morais (no direito francês) e pessoas coletivas (no direito português) e que podem ser definidas com associações ou instituições formadas para a realização de um fim e reconhecidas pela ordem jurídicas como sujeitos de direitos.
Conceitua Fiuza (2002, p.50):
34
“A pessoa jurídica é a unidade de pessoas naturais ou de patrimônios que visa m à
obtenção de certas finalidades. Reconhecida pela ordem jurídica como sujeitos de direitos e
obrigações”.
Três são os requisitos importantes para a configuração da pessoa jurídica são eles:
organização de pessoas ou de bens; liceidade de propósitos ou fins; e capacidade jurídica
reconhecida por norma (Cf. DINIZ, 1994, p. 117).
O Código Civil, ao classificar as pessoas jurídicas quanto suas funções e
capacidade, divide-se em: pessoas jurídicas de direito público (interno e externo) e de
direito privado, definidas nos artigos 40 ao 44 do Código Civil (Cf. FIUZA, 2002, p.51).
2.1.1.1 Pessoas jurídicas de direito público
“As pessoas jurídicas de direito público caracterizam -se pelo fato de que apenas a
iniciativa pública resulta em sua criação” (CUN HA apud SANCTIS, 2003, p.21),
diferentemente das pessoas de direito privado com iniciativa particular (Cf. CUNHA, 2003,
p.21).
As pessoas de direito público dividem-se em: direito público externo e interno,
este, interno, ainda, subdivide-se em pessoa de direito publico interno de administração
direta e indireta (Cf. DINIZ, 2002, p.209).
Diante do exposto, o artigo 41 do Código Civil define as pessoas de direito público
interno:
Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno: I - a União; II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios; III - os Municípios; IV - as autarquias; V - as demais entidades de caráter público criadas por lei.
Com relação à diferenciação entre administração direta e indireta, leciona Meirelles (2002, p.703):
[...] a administração direta é o conjunto dos órgãos integrados na estrutura administrativa da União, e a administração indireta é o conjunto dos entes (personalizados), que vinculados a um Ministério, prestam serviço públicos ou de interesse público. Sob o aspecto funcional ou operacional, Administração Pública direta é a efetivada imediatamente pela União, através de seus órgãos próprios, e indireta é a realizada mediatemente, por meio dos entes a ela vinculados.
35
As pessoas de direito público interno, com administração direta, são as definidas
no artigo 41, incisos I ao III, do Código Civil, ou seja, a “União, Estados, Distrito Federal,
Territórios e Municípios legalmente constituídos”.
“A União, que designa a nação brasileira, nas suas relações com os es tados
federados que a compõem e com os cidadões que se encontram em seu território; logo,
indica a organização política de poderes nacionais considerados em seu conjunto” (FIUZA,
2002, p.52).
“Os Estados federados, que se regem pela Constituição e pelas le is que adotarem.
Cada estado federado possui autonomia administrativa, competência e autoridade na seara
legislativa, executiva e judiciária, decidindo sobre negócios locais” (FIUZA, 2002, p.52).
“O Distrito Federal, que é a capital da União É um município equiparado as
Estado federado por ser a sede da União, tendo administração, autoridades próprias e leis
atinentes aos serviços locais[...]” (FIUZA, 2002, p.53).
Já, os territórios na lição de Meirelles (2002, p.740):
“[...]são porções do território nacion al destacadas por lei complementar, de um ou
mais Estados-menbros ou de território e erigidas em pessoas jurídicas de Direito Público
Interno para fins de desenvolvimento ou de segurança nacional [...]”.
Os territórios, de acordo com Meirelles (2002, p.740), por serem considerados
autarquias da União, e não entidades estatais “não possuem autonomia política,
administrativa e judiciária”.
E, por fim, os Municípios, são aqueles “[...] legalmente constituídos, por terem
interesses peculiares e economia própria. A constituição Federal assegura sua autonomia
política, ou seja, a capacidade para legislar relativamente a seus negócios e por meio de
suas próprias autoridades” (FIUZA, 2002, p.53).
Oriundas do direito público interno, têm-se as de administração indireta, definidas
no artigo 41, incisos IV e V do Código Civil, quais são, na lição de Diniz (2002, p.209):
[...] órgãos descentralizados, criados por lei, com personalidade jurídica própria para o exercício de atividades de interesse público, como as autarquias, [...], dentre elas: INSS, OAB, USP, Embratur, CADE (Conselho administrativo de defesa Econômica – lei 8.884/94) e as fundações Públicas [...], que surgem quando a lei individualiza um patrimônio a partir de bens pertencentes a uma pessoa jurídica de direito público, afetando-o à realização de um fim administrativo, e dotando-o de organização adequada [...].
36
Diniz, acima, citou, as autarquias e fundações como entidades de direito público
de administração indireta. Sobre a importância destes órgãos, comenta Venosa (2003,
p.262): “[...]em virtude da crescente multiplicidade e complexidade das funções do Estado,
a Administração viu-se obrigada a criar organismos paraestatais, para facilitar a ação
administrativa, como ocorre com a criação das Autarquias”.
Meirelles (2002, p.329) conceitua autarquias “como entes administrativos
autônomos, criados por lei específica, com personalidade jurídica de direito Público
interno, patrimônio próprio e atribuições estatais específicas”.
O artigo 5º, inciso I, do Decreto Lei n. 200/67, define autarquia, sendo esta de
“serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita
próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para
seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada”.
As autarquias podem ser criadas nas três esferas de administração, ou seja, criadas
pela União, Estados e Municípios (Cf. VENOSA, 2003, p.263).
As fundações são pessoas jurídicas de direito público de administração indireta,
que visam à realização de atividades voltadas ao interesse coletivo, bem como a educação,
a cultura e pesquisa, tais atividades, amparadas pela entidade estatal (Cf. MEIRELLES,
2002, p.342-343).
Finalmente, existem as pessoas jurídicas de direito público externo, definidas no
artigo 42, do Código Civil, que “são regulamentadas pelo direito internacional, abrangendo:
nações estrangeiras, Santa-Sé, e organizações internacionais (ONU, OEA, UNESCO, etc.)”.
(Cf. DINIZ, 2002, p.209).
Sobre os entes jurídicos de direito público externo, ou internacional, apropriado é
o entendimento de Venosa (2003, p.263):
As nações politicamente organizadas, os Estados, dotam-se reciprocidade de personalidade jurídica, trocando representantes diplomáticos e organizando entidades internacionais, como a Organização das Nações Unidas. Desse modo, todos os Estados, politicamente organizados, são tidos como pessoas jurídicas na esfera internacional.
37
2.1.1.2 Pessoas jurídicas de direito privado
As pessoas jurídicas de direito privado são criadas pela iniciativa particular, ou
seja, pelas pessoas naturais, “propondo -se à realização de interesses e fins privados, em
benefício dos próprios instituidores ou de determinadas parcela da coletividade”
(VENOSA, 2003, p. 263).
O Código Civil, no artigo 44, enuncia sobre as pessoas jurídicas de direito privado,
dispondo:
Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado. I- as associações; II- as sociedades; III- as fundações.
“As fundações constituem -se de um patrimônio destinado a um fim sempre
altruísta. Não existe uma finalidade direta de lucro nas fundações. Há nelas a figura de um
instituidor que separa um patrimônio, para atingir certa finalidade, podendo ser pessoa
natural ou jurídica” (VENOSA, 2003, p. 264).
Acerca desse entendimento, comenta Diniz (2003, p.211):
Fundações particulares, que são universalidades de bens, personalizados pela ordem jurídica, em consideração a um fim estipulado pelo fundador, sendo este objetivo imutável e seus órgãos servientes, pois todas as resoluções estão delimitadas pelo instituidor. É, portanto, um acervo de bens livres, que recebe da lei capacidade jurídica para realizar as finalidades pretendidas pelo ser instituidor, em atenção aos seus estatutos, desde que religiosas, morais ou assistenciais [...] A fundação deve almejar a consecução de fins nobres, para proporcionar a adaptação a vida social, a obtenção de cultura, do desenvolvimento intelectual e o respeito de valores espirituais, artísticos, materiais ou científicos. Não pode haver abuso, desvirtuando-se os fins fundacionais para atender a interesses particulares do instituidor, por exemplo.
O artigo 62, parágrafo único, do Código Civil, discorre sobre as finalidades da
fundação, que “apenas poderá ser constituída para a consecução de objetivos religiosos,
morais, culturais ou assistências” (FIUZA, 2002, p.75).
“Se os bens forem insuficientes para constituir a fundação, os bens doados serão,
se outra coisa não dispuser o instituidor, incorporados em outra fundação que se proponha a
fim igual ou semelhante (CC, art. 63)” (DINIZ, 2002, p.211).
38
A associação, como as fundações, não visam lucro, “essa é a posição assumida
pelo nosso Código” (VENOSA, 2003, p.264). Nesse sentido, dispõe o artigo 53 do Código
Civil:
“Art. 53 - Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizam
para fins não econômicos”.
Desse modo, “as associações são constituídas de agrupamentos de indivíduos que
se associam em torno de objetivo comum e, de conformidade com a lei integram um ente
autônomo e capaz [...]” (VENOSA, 2003, p.264).
Também, comentando sobre as associações, explana Diniz (2002, p.212):
Tem-se a associação quando não há fim lucrativo ou intenção de dividir o resultado, embora tenha patrimônio. Formados por contribuição de seu membros para obtenção de fins culturais, educacionais, esportivos, religiosos, recreativos, morais etc. Não perde a categoria de associação mesmo que realize negócios para manter ou aumentar o seu patrimônio sem, contudo, proporcionar ganhos aos associados[...]
Muito embora as fundações e as associações tenham objetivos em comum,
necessário esclarecer sua diferenciação, com os ensinamentos de Monteiro (2003, p.140):
Associações e fundações correspondem, respectivamente, às universitas personarum e universitas bonarum do antigo direito. Extremam-se por caracteres distintos bem nítidos. Nas primeiras, há interesses, fins e meios próprios, exclusivos dos sócios; nas segundas, os fins e interesses não são próprios, mas alheios, isto é, ao fundador. Além disso, naquelas, os fins podem ser alterados pelos associados; nestas, os fins são perenes e imutáveis, limitando-se os administradores a executá-los simplesmente. Nas associações, o patrimônio é constituído pelos sócios, já que o interesse é exclusivo deles; nas fundações, o patrimônio é formado pelo instituidor, que tanto pode ser um particular como o Estado. Por fim, naquelas, os associados deliberam livremente, dizendo-se por isso que seus órgãos são dirigentes ou dominadores; nestas, as resoluções são delimitadas pelo instituidor, afirmando-se por isso que seus órgãos são servientes.
As sociedades também conhecidas como “universitas personarum” ,
diferentemente das associações, visam o lucro (Cf. VENOSA, 2003, p.264), sendo que
estas estão definidas no artigo 981 do Código Civil, e, no que couber, aplica-se
subsidiariamente as disposições das associações (art. 44, parágrafo único do CC).
“As sociedades, assim, são um contrato bilateral ou plurilateral em que as partes,
ou seja, os sócios combinam a aplicação de seus recursos com a finalidade de desempenhar
39
certas atividades econômicas, com a divisão dos frutos ou lucros por ela gerado” (FIUZA,
2002, p.887).
O doutrinador Fiuza (2002, p.887) elenca três características das sociedades:
1) a reunião de recursos, sob a forma de capital ou de trabalho, com cada sócio colaborando na sua formação; 2) o exercício em comum de atividade produtiva; e 3) a partilha ou divisão dos resultados econômicos da exploração da empresa. De acordo com o parágrafo único do art. 981, a sociedade por constituir-se tanto para executar um objeto delimitado como para desempenhar uma atividade econômica, continua. Esse preceito procura alcançar, simultaneamente, a idéia de unidade e pluralidade no ato de constituição da sociedade. O elemento subjetivo da norma indica que pode integrar uma sociedade qualquer pessoa, seja ela física ou jurídica.
2.1.2 Criação e término da pessoa jurídica
2.1.2.1 Criação
A pessoa jurídica, igualmente a natural, tem seu início de vida, entretanto,
diferentemente desta, que tem início biológico, a pessoa jurídica inicia-se de acordo com
atos jurídicos ou decorrentes de normas (Cf. DINIZ, 2002, p.229).
Venosa (2003, p.281) ensina que “a pessoa jurídica tem sua origem em uma
manifestação humana, em um ato volitivo; quem tiver interesse deve provar que essa
pessoa existe e preenche as condições legais”.
Em relação ao nascimento das pessoas jurídicas, destaca-se que “há uma diferença
essencial entre a verificação existencial das pessoas jurídicas de direito público e direito
privado” (DINIZ, 2002, p.229).
Neste sentido, Venosa (2003, p.282) comenta sobre o início da pessoa jurídica de
direito público:
O Estado, pessoa jurídica fundamental, tem sua origem na Constituição, é pessoa jurídica que surge, espontaneamente, de uma elaboração social, como necessidade para ordenar a vida de determinada comunidade. Os estados federados têm sua origem na própria Constituição ou na lei que os cria, assim como os Municípios, que gozam de autonomia.
A doutrinadora Diniz (2002, p.229) vai mais além:
As pessoas jurídicas de direito público iniciam-se de fatos históricos de criação constitucional, de lei especial e de tratados internacionais[...].Os Estados-Membros da federação brasileira têm seu reconhecimento de sua existência na Constituição Federal, art. 1º, organizando-se e regendo-se pelas constituições e leis que adotarem, respeitando os princípios constitucionais (CF, art. 25); Os
40
Municípios têm sua autonomia assegurada pela Constituição Federal, art. 29, tendo seu início no provimento que os criou, sendo regidos por normas das Constituições estaduais e pelas suas Leis Orgânicas. As autarquias são criadas por leis federais, estaduais ou municipais, que as regulamentam[...].
Portanto, em síntese, o início da vida das pessoas jurídicas de direito público dá-se por lei (Cf.
VENOSA, 2003, p.230).
Com relação à criação das pessoas jurídicas de direito privado, três sistemas
podem ser utilizados para sua formação: o sistema da livre associação, o sistema do
reconhecimento e, por fim, o sistema das disposições normativas, sendo este último o
adotado em nosso sistema (Cf. VENOSA, 2003, p.282).
O início da pessoa jurídica de direito privado, de acordo com o sistema da livre
associação, surge a partir da vontade dos instituidores, sem a necessidade de uma obrigação
legal para a empresa atingir sua personificação, este sistema por apresentar certa
insegurança legal não se aplica no ordenamento jurídico brasileiro (Cf.VENOSA, 2003
p.282).
“Pelo sistema do reconhecimento, seguido pelo ord enamento Italiano, há
necessidade de um decreto de reconhecimento” (VENOSA, 2003 p.282).
E, o adotado no sistema brasileiro, na lição de Venosa (2003, p.282):
“Pelo critério das disposições normativas, chegamos à posição intermediária. Dá -
se liberdade de criação à vontade humana, sem necessidade de ato estatal que a reconheça,
mas exige-se que a criação dessa pessoa obedeça a condições predeterminadas”.
A doutrinadora Diniz (2002, p.230) demonstra que a criação da pessoa jurídica de
direito privado, em nosso sistema, deve obedecer dois critérios; o primeiro é relacionado
aos atos constitutivos que devem ser escritos, no caso das fundações pode ser este ato
unilateral “inter vivos” ou “causa mortis”, e será ato jurídico bilateral e plurilateral no
caso das sociedades e associações e, por fim, o segundo critério é o registro.
Sobre o primeiro ato, para criação da pessoa jurídica (atos constitutivos), dois
importantes elementos fazem-se necessários, o material e o formal (Cf. VENOSA, 2003,
p.282).
Conceituando esses elementos necessários, ensina Diniz (2002, p.231):
O material, que abrange atos de associação, fins a que se propõem e conjunto de bens. Pois a sociedade compõe-se de dois ou mais sócios, considerados como um
41
único sujeito, podendo ser admitidos de acordo com as condições especificadas nos estatutos;[...] Os fins colimados deverão ser lícitos, possíveis, morais, sob pena de dissolução. Quanto aos bens não há necessidade de sua existência concreta no ato de formação, salvo para as fundações, bastando que a sociedade tenham meios para adquiri-los. O formal, pois sua constituição deve ser por escrito. A declaração de vontade pode revesti-se de forma pública ou particular (CC, art. 997), com exceção das fundações que estão sujeitos ao requisito formal específico: escritura pública ou testamento (CC, art. 62) [...].
Com todos os atos devidamente pré-estabelecidos, atendidos os requisitos formais e materiais dos
atos constitutivos, acima citados, passamos a segunda fase para criação da pessoa jurídica de direito privado,
qual seja, o registro definido no artigo 45, do Código Civil (Cf. DINIZ, 2002, p.232).
Afirma Diniz (2002, p.232) que, “para que a pessoa jurídica de direito privado
exista, é necessário inscrever atos constitutivos, ou seja, contratos e estatutos no seu
registro peculiar [...].
Com o registro, a pessoa jurídica de direito privado passa ser, legalmente,
reconhecida, tendo seu ingresso formalmente regularizado na órbita jurídica (Cf. CUNHA,
2002, p.28).
Uma peculiaridade no ato de registro das fundações, na lição de Cunha (2003,
p.28):
[...] que o instituidor deve especificar o fim a que se destina e, querendo, o modo de como será administrada, elaborando seu estatuto, ou designando que o faça. Entretanto, para o seu registro, é necessário a intervenção do Ministério Público, que poderá elaborar o estatuto, caso o instituidor não o faça.
2.1.2.2 Término
“Os mesmos fatores que dão origem a uma pessoa jurídica de direito público
acarretam seu término. Logo, extinguem-se pela ocorrência de fatos históricos, por norma
constitucional, lei especial ou tratados internacionais” (DINIZ, 2002, p.247).
Com relação às pessoas jurídicas de direito privado, os fatores que determinam sua
extinção estão disciplinados nos artigos 54, inciso VI, art. 61, art. 69 e art. 1033, todos do
Código Civil, ou seja, pelo decurso do prazo (CC, art. 69, 1º parte e art. 1.033, inciso I);
pela dissolução deliberadas unanimemente entre os membros mediante distrato (CC, art.
1.033, inciso II); por deliberação dos sócios (CC, art. 1.033, inciso III); pela falta de
pluralidade de sócios (CC, art. 1.033, inciso IV); por determinação legal (CC, art.1.033);
42
por ato governamental (CC, art. 1.125 e art. 1033, inciso V); pela dissolução judicial (CC,
art. CC 1.034, incisos I e II) e pela morte de sócio (CC, art. 1.028, inciso II). (Cf. DINIZ,
2002, p.247).
Entretanto, configurado qualquer dos elementos, acima mencionados, não será
extinto de plano a pessoa jurídica de direito privado.
Como argumenta Monteiro (2003, p.148):
“A existência da pessoa jurídica terminará somente depois de estar concluída a
liquidação, devendo ser averbada a dissolução da entidade no registro onde estiver
registrada, para então ser cancelada”.
Desta forma, bem dispõe o artigo 51 do Código Civil, “nos casos de dissolução da
pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins
de liquidação, até que esta se conclua”.
Com isso, conclui-se o estudo do segundo capítulo, com referência aos aspectos
gerais penais e aspectos das pessoas jurídicas, para melhor compreensão do terceiro
capítulo uma vez que será tratada sobre a responsabilidade da pessoa jurídica em face da
Lei n. 9.605/98.
2.2 Aspectos penais
2.2.1 Conceito de crime.
O nosso Código Penal é omisso com relação à conceituação de crime, como
explana Bittencourt (1997, p.33): “[...] o atual Código penal (1940, com a reforma de 1984)
não define crime, deixando a elaboração de seu conceito à doutrina nacional”.
Nesse sentido, Jesus (1998, p.148), remete-nos há quatro sistemas de conceituação
de crime: o formal, o material, o formal e material e, por fim, o formal, material e
sintomático.
Formalmente, conceitua-se o crime sob os aspectos da técnica jurídica, do ponto de vista da lei. Materialmente, tem-se o crime sob o ângulo ontológico, visando à razão que levou o legislador a determinar como criminosa uma conduta humana, a sua natureza danosa e conseqüências. O terceiro sistema conceitua o crime sob o aspecto formal e material conjuntamente. Assim, Carrara, que adotava o critério substancial e dogmático, definia o delito como “a infração da lei do Estado, promulgada para proteger a
43
segurança dos cidadãos, resultante de um ato externo do homem, positivo ou negativo, moralmente imputável e politicamente danoso”. O quarto critério visa ao aspecto formal e material do delito, incluindo na conceituação da personalidade do agente. Ranieri, sob esse aspecto, define o delito como “fato humano tipicamente previsto por norma jurídica sancionada mediante pena em sentido estrito (pena criminal), lesivo ou perigoso para bens ou interesse considerados merecedores da mais energética tutela”, constituindo “expressão reprovável da personalidade do agente, tal se revela no momento de sua realização”. Dos quatro sistemas, dois predominam: o formal e o material. O primeiro apreende o elemento dogmático da conduta qualificada como crime por uma norma penal. O segundo vai além, lançando olhar às profundezas das quais o legislador extrai os elementos que dão conteúdo e razão de ser ao esquema legal.
Já, Bittencourt (1997, p.31) leciona que os dois conceitos aplicados, formal e
material, sobre o crime são insuficientes, fazendo-se necessário à consideração de mais um
conceito, qual seja, o analítico. E destaca:
Além dos conhecidos conceitos formal (crime é toda a ação ou omissão proibida por lei, sob a ameaça de pena) e material (crime é a ação ou omissão que contraria os valores ou interesses do corpo social, exigindo sua proibição com ameaça de pena), faz-se necessário a adoção de um conceito analítico de crime. Os conceitos formal e material são insuficientes para permitirem à dogmática penal a realização de uma análise dos elementos estruturais de crime.
Com o passar do tempo, esse conceito analítico, demostrado por Bittencourt,
“passou a definir o crime como ação típica, antijurídica e culpável” (BITENCOURT, 1997,
p.32).
Contribuindo com o esclarecimento da conceituação de crime e o posicionamento
adotado por Bittencourt, acrescenta Cunha (apud MIRABETE, 2003, p.41):
Fato típico é o comportamento humano (positivo ou negativo) que provoca um resultado (em regra) e é previsto na lei penal como infração. [...] Antijuricidade é a relação de contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico. A conduta descrita em norma penal incriminadora será ilícita ou antijurídica quando não for expressamente declarada lícita. [...] Culpabilidade é a reprovação de ordem jurídica em face de estar ligado o homem a um fato típico e antijurídico (Jesus, 1999, p.154-155).
Ainda, o crime na lição de Toledo (1994, p.79):
O crime, além de fenômeno social, é um episódio da vida de uma pessoa humana/ Não pode ser dela destacado e isolado. Não pode ser reproduzido em laboratório, para estudo. Não pode ser decomposto em partes distintas. Nem se apresenta, no mundo da realidade, como puro conceito, de modo sempre idêntico, estereotipado. Cada crime tem a sua história, a sua individualidade; não há dois que posam ser reputados perfeitamente iguais. Mas não se faz ciência do particular. E, conforme vimos inicialmente, o direito penal não pode prescindir de
44
teorizar a respeito do agir humano, ora submetendo-o a métodos a amputações, por abstrações, para a elaboração dos conceitos, esquemas lógicos, institutos e sistemas mais ou menos cerrados
Enfim, constata-se atualmente, no direito penal brasileiro e na prática forense, que
uma pessoa será responsabilizada por determinado crime, desde que a conduta delituosa
perpetrada por este seja típica, antijurídica e culpável.
2.2.1.1 Sujeito ativo do crime
O sujeito ativo “é quem pratica o fato descrito como crime, na norma penal
incriminadora. Para ser considerado sujeito ativo de um crime, é preciso executar total ou
parcialmente a figura descritiva de um crime” (BITENCOURT, 1997, p.52 ).
Jesus, da mesma forma, considera sujeito ativo do crime “[...] quem pratica o fato
descrito na norma penal incriminadora” (1998, p.163).
Ao discorrer sobre as variantes terminológicas utilizadas para a identificação dos
sujeitos ativos do crime, esboçadas em nosso ordenamento penal, por meio do Código
Penal e do Código de Processo Penal, elucida Bittencourt (1997, p.52):
O direito positivo tem utilizado uma variada terminologia para definir o sujeito ativo do crime, alterando segundo o diploma legal e, particularmente, segundo a fase procedimental. O código penal utiliza agente (art. 14, II), condenado (art. 34) e réu (art. 188); para definir o sujeito ativo do crime; o Código de Processo Penal, por sua vez, utiliza indiciado (art. 51, b), acusado (art. 185), réu (art. 188) e querelado (art.51).
E finalizando, “a literatura jurídico penal apresenta ainda outras terminologias,
como denunciado, sentenciado, preso, recluso, detento e, finalmente, criminoso ou
delinqüente” (BITENCOURT, 1997, p.52), enfim, t odas essas terminologias são usadas
para identificar os sujeitos ativos do crime.
2.2.1.2 Sujeito passivo do crime
O sujeito passivo do crime por sua vez “[...] é o titular do bem jurídico atingido
pela conduta criminosa” (Bittencourt, 1997, p.52 ).
45
Podem ser sujeitos passivos do crime: “o ser humano (ex. crimes contra a pessoa);
o estado (ex. crimes contra a administração); a coletividade (ex. crimes contra a saúde
pública) e a pessoa jurídica (ex. crimes contra o patrimônio)” (Bittencourt, 1997, p.53).
Para o doutrinador Jesus (1998, p.169), há dois tipos de sujeitos passivos do crime,
quais sejam: o sujeito passivo constante ou formal e o sujeito passivo eventual ou material,
e, assim, aborda:
Se o crime é, sob o aspecto formal, a violação da norma penal, substancialmente é a lesão de um bem por ela tutelado. Assim, sempre há um sujeito passivo juridicamente formal em todo crime, pelo simples fato de ter sido praticado, independentemente de seus efeitos. Este sujeito passivo formal é o Estado, titular do mandamento proibitivo não observado pelo sujeito ativo. Por outro lado, considerando o crime sob o prisma material, há sempre aquele que sofre a lesão do bem jurídico de que é titular (vida, integridade física honra, patrimônio etc.) .
Desta forma, existem duas espécies de sujeito passivo:
a) sujeito passivo constante, geral, genérico ou formal, que é o estado;
b) sujeito passivo eventual, particular, acidental ou material, que é o titular do
interesse penalmente protegido.
Portanto, considerando a união dos elementos, anteriormente descritos, conclui-se
que o sujeito passivo do crime formal e/ou material pode ser o homem, a pessoa jurídica, o
Estado e a coletividade (Cf. JESUS, 1998, p.170).
2.2.2 Concurso de pessoas
Costumeiramente, “a f orma mais simples da prática delituosa consiste na
intervenção de uma só pessoa e mediante uma conduta positiva ou negativa” (JESUS, 1998,
p.401).
Entretanto, a conduta criminosa nem sempre é realizada por apenas um sujeito,
neste aspecto, argumenta Jesus (1998, p.401):
Com alguma freqüência, é produto da concorrência de várias condutas referentes a distintos sujeitos. Por vários motivos, quer para garantir a sua execução ou impunidade, quer para assegurar o interesse de várias pessoas em seu consentimento, reúne-se repartindo tarefas, as quais, realizadas, integram a figura delitiva. Assim, o crime de furto pode ser planejado por várias pessoas: uma rompe a porta da residência, outra nela penetra e subtrai bens, enquanto uma terceira fica de atalaia. Neste caso, quando várias pessoas concorrem para a realização da infração penal, fala-se em co-delinqüência, concurso de pessoas, co-autoria, participação, co-participação ou concurso de delinqüentes (concursus delinquentium). O CP emprega a expressão “concurso de pessoas” (art. 29).
46
Existem dois tipos de concursos de pessoas: o concurso eventual ou unissubjetivo
e o concurso necessário ou plurissubjetivo (Cf. BASTOS, 2003, p.133).
Expondo a diferença dos concursos de pessoas supra citados, enfatiza Bastos
(2003, p.133):
São unissubjetivos, ou de concurso eventual, os crimes que podem ser praticados por uma só pessoa, como o homicídio, o furto, o roubo, o peculato, etc. Plurisubjetivo, coletivos, ou de concurso necessário são os crimes cuja própria definição legal exige a pluralidade de autores, como quadrilha ou bando e rixa. ”incluímos neste tipo de concurso a pessoa jurídica” (grifos do autor).
Nesse raciocínio, complementa Jesus (1998, p.402):
Como se nota, existem hipóteses em que a pluralidade de agentes é da própria essência do tipo penal. Daí falar-se em crimes de concurso necessário ou plurissubjetivos. Os crimes monossubjetivos, ao contrário, podem ser cometidos por um só sujeito. Todavia, eventualmente podem ser praticados por mais de um sujeito. daí falar-se em concurso eventual. [...] Cuida-se do concurso necessário no tocante aos crimes plurissubjetivos. Fala-se em concurso eventual quando, podendo o delito ser praticado por uma só pessoa, é cometido por várias. No primeiro (concurso eventual), o concurso de pessoas é descrito pelo preceito primário da norma penal incriminadora, enquanto no segundo (concurso necessário) não existe esta previsão. Quando a pluralidade de agentes é elemento do tipo, cada concorrente responde pelo crime, mas este só se integra quando os outros contribuem para a formação da figura típica (grifos do autor).
Quanto aos elementos do concurso de pessoas, tem-se, ainda, a autoria, a co-
autoria e a participação ou partícipe, tratadas a seguir.
2.2.2.1 Autoria
Conforme ensina Jesus (1998, p.403), o “autor é o sujeito que executa a conduta
expressa pelo verbo típico da figura delitiva. É o que mata, provoca o aborto, induz alguém
suicidar-se, constrange, subtrai, seqüestra, destrói, seduz ou corrompe praticando o núcleo
do tipo”.
Por conseqüente, demonstra duas teorias aplicadas sobre a autoria, que são: a
teoria restritiva e a teoria extensiva:
De acordo com a primeira, autor é quem realiza a conduta típica. O conceito extensivo de autor fundamenta-se na causação do resultado: autor é quem dá causa ao evento. Assim, em princípio, é autor quem, realizando determinado comportamento, causa a modificação do mundo externo. Não é
47
somente quem realiza as características do tipo penal, mas também aquele que, de qualquer maneira, contribui para a produção do resultado (JESUS, 1998, p.403).
O Código Penal utilizava a teoria extensiva, mas, com a reforma de 1984, passou a
adotar a teoria restritiva ao considerar autor aquele que realiza a conduta típica. No que
concerne ao disposto no artigo 29 do Código Penal, tal mudança é decorrente da
diferenciação de autor e partícipe (Cf. BASTOS, 2003, p.134).
Da mesma forma, reitera Jesus (1998, p.403) que “o CP adotou a teoria restritiva,
uma vez que o caput e os §§ 1.º e 2.º do art. 29 nitidamente distinguem autor e partícipe”.
2.2.2.2 Co-autoria
A co-autoria é configurada quando dois o mais agentes praticam o fato típico
definido em lei, ou seja, “dá -se a co-autoria quando várias pessoas realizam as
características do tipo” (JESUS, 1998, p. 405).
Para facilitar a compreensão, torna-se apropriado apresentar o exemplo prático,
abordado por Jesus (1998, p.405):
A e B ofendem a integridade física de C. Ambos praticam o núcleo do tipo do crime de lesão corporal (art. 129, caput), que é verbo “ofender”. As condutas cometidas em co-autoria caracterizam-se pela circunstância de que os cooperadores, conscientemente, conjugam seus esforços no sentido da produção do mesmo efeito, de modo que o evento ( salvo nos crimes formais e de mera conduta) se apresenta como o produto de várias atividades. Co-autoria é divisão de trabalho como nexo subjetivo que unifica o comportamento de todos. Não existe um fato principal a que acedem condutas acessórias; cada um contribui com sua atividade na integração da figura típica, executando a conduta nela descrita objetivamente. Há diversos executores do tipo penal [...].
Pode ocorrer a co-autoria, sem que um dois agentes pratiquem atos executórios, é
o caso na divisão de trabalho, por exemplo, o que pode ocorrer no crime de roubo definido
no artigo 157, caput, do Código Penal, pois uma das pessoas pode ameaçar a vítima,
apontando-lhe a arma de fogo, enquanto, a outra, retirar-lhe seus pertences (Cf. JESUS,
1998, p.405).
Nesta linha, segue Bittencourt (1997, p.266):
A co-autoria fundamenta-se no principio da “divisão de trabalho”, em que todos tomam parte, atuando em conjunto na execução da ação típica, de tal modo que cada um possa ser chamado verdadeiramente de autor. É o que pode ocorrer especialmente naqueles crimes que Beling chamou de crimes da “ação dupla”,
48
como, por exemplo, no crime de estupro: enquanto um dos agentes segura a vítima, o outro a possui sexualmente.
2.2.2.3 Partícipe
Com relação ao concurso de pessoas por participação, esta ocorre “quando o
sujeito, não praticando atos executórios do crime, concorre de qualquer modo para a sua
realização (CP, art. 29). Ele não realiza conduta descrita pelo preceito primário da norma,
mas realiza uma atividade que contribui para a formação do delito. Chama-se partícipe”
(JESUS, 1998, p. 405).
Deste modo, “partícipe é o agente que acede sua conduta à realização do crime,
praticando atos diversos dos do autor. Assim, se A instiga B a matar C, o primeiro é
partícipe, e o segundo, autor” (JESUS, 1998, p.406).
Shecaira (2003, p.175), ao comentar sobre o partícipe, remete a duas definições
importantes, a moral e a material:
Por participação entende-se a cooperação em um delito, não alcançado pela co-autoria. Na participação o sujeito não pratica a ação típica, isto é, os atos executórios do crime, mas concorre de qualquer modo para a sua realização; conduz-se para a formação do delito; acede sua conduta para o preenchimento da figura típica. Daí, se não se vislumbra uma conduta típica e ilícita alheia, não se pode falar em participação penalmente relevante. A doutrina concebe basicamente duas formas de participação: moral e material. Participação moral é o fato de incutir na mente do autor principal o ânimo delituoso ou de reforçar o preexistente. É a instigação e induzimento. Na participação material, por sua vez, há cooperação na execução de um ato, há colaboração sem haver, no entanto, domínio funcional do fato. Nesta modalidade, verifica-se um auxilio – não tipificado – que fortalece o desígnio do agente ou propicia a lesão a um bem jurídico atingido pelo autor. É a cumplicidade.
49
2.2.3 Conceito de tipo e tipicidade penal
A teoria do tipo penal descreve no diploma penal as condutas consideradas graves
de forma individualizada, visando à proteção e à tutela de certos bens jurídicos (Cf.
BITENCOURT, 1997, p.82).
Em relação à conceituação de tipo penal, esclarece Bitencourt (1997, p.82):
Tipo é o conjunto dos elementos do fato punível descrito na lei penal, O tipo exerce uma função limitadora e individualizadora das condutas humanas penalmente relevantes. É uma construção que surge da imaginação do legislador que descreve legalmente as ações que consideradas, em tese delitivas.
Na definição de Zafforini (2002, p.443), “o tipo penal é um instrumento legal,
logicamente necessário e de natureza predominantemente descritiva, que tem por função a
individualização de condutas humanas penalmente relevantes (por estarem penalmente
proibidas)”.
Os elementos que descrevem cada tipo penal são individuais possuindo
características próprias que os diferem, entretanto, todos são especiais, no sentido de não
poderem ser confundidos, “inadmitindo -se a adesão de uma conduta que não lhe
corresponda perfeitamente. Cada tipo desempenha uma função particular, e a ausência de
um tipo não pode se suprida por analogia ou interpretação extensiva” (BITTENCOURT,
1997, p.82).
Com muita propriedade leciona Jesus (1998, p.271):
O tipo é o ponto de toda construção jurídica-penal objetiva ou subjetiva. Quer se analise o crime sob o aspecto objetivo ou subjetivo, parte-se sempre do conceito da figura típica: a antijuricidade e a culpabilidade precisam se apreciados sob o aspecto do tipo. Pode dizer que o tipo: a) cria o mandamento proibitivo (norma implícita da lei penal incriminadora); b) concretiza a antijuricidade; c) assinala o injusto; d) limita o injusto; e) limita o iter criminis, marcando o início e o término da conduta e assinalando os seus momentos penalmente relevantes; f) ajusta a culpabilidade ao crime considerado; g) constitui uma garantia liberal, pois não há crime sem tipicidade.
Há, também, a figura da tipicidade no direito penal, que diferentemente, do tipo, tratará diretamente
a relação do fato praticado com a moldura descrita em lei, sendo que a relação de ambos determina a
tipicidade (Cf. Bittencourt, 1997, p.83).
50
Assim, “tipicidade é a correspondência entre o fato praticada pelo agente e a descrição de cada
espécie de infração contida na lei incriminadora” (BITTENCOURT apud JESUS, 1997, p.83).
Zafforini, ao diferenciar tipo e tipicidade, acrescenta:
Não se deve confundir o tipo com a tipicidade. O tipo é a fórmula que pertence a lei, enquanto a tipicidade pertence a conduta. A tipicidade é a característica que tem uma conduta em razão de estar adequada a um tipo penal, ou seja, individualizada como proibida por um tipo penal (2002, p.444).
2.2.4 Imputabilidade penal
“Imputar é atribuir a alguém a responsabilidade de alguma c oisa. Imputabilidade
penal é o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser
juridicamente imputado a prática de um fato punível” (JESUS, 2003, p.469).
Ao par desse entendimento, afirma Kist (out. 2004):
A imputabilidade diz respeito à possibilidade do agente de sofrer as sanções penais tipificadas à conduta praticada. Com a imputabilidade se pretende designar a capacidade psíquica de culpabilidade: "... para que se possa reprovar uma conduta a seu autor, é necessário que ele tenha agido com um certo grau de capacidade, que lhe haja permitido dispor de um âmbito de autodeterminação. A capacidade psíquica requerida para se imputar a um sujeito a reprovação do injusto é a necessária para que lhe tenha sido possível entender a natureza de injusto de sua ação e que lhe tenha podido permitir adequar sua conduta de acordo com esta compreensão da antijuridicidade." Toledo menciona que a "imputabilidade é sinônimo de atribuibilidade.". Cezar Roberto Bitencourt menciona que: "... sem a imputabilidade entende-se que o sujeito carece de liberdade e de faculdade para comportar-se de outro modo. Com o que não é capaz de culpabilidade, sendo, portanto, inculpável."
Decorrente da imputabilidade, não menos importante, temos a figura da
inimputabilidade, que, ao contrário da outra, consiste na ausência total ou parcial da
capacidade criminal. Assim, a imputabilidade penal dividi-se em: parcial e total. (Cf. KIST,
out. 2004).
A imputabilidade penal parcial, prevista no artigo 26, parágrafo único, do Código
Penal, ocorre, por exemplo, no caso de o agente sofrer de um desenvolvimento mental
retardado, entretanto, ao tempo da ação, por ter a mínima noção do caráter ilícito do fato,
será imputado-lhe uma sanção, mesmo que diminuída em seu “ quantum” (Cf. KIST, out.
2004).
51
Já a imputabilidade penal total, disposta no artigo 26, caput, do Código Penal, é
quando o agente, ao realizar um crime, é totalmente incapaz de entender o caráter ilícito do
fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
2.2.5 Finalidade da pena
O instituto da pena é o meio pelo qual o estado pune aqueles que descumprem as
normas, prejudicando interesses de terceiros, tal caráter sancionador visa garantir uma
convivência harmônica entre os membros na sociedade (Cf. MASCARENHAS, 2003,
p.50).
Sobre a finalidade da pena dispõe Jesus (1998, p.517):
“Pena é a sanção aflitiva imposta pelo estado, mediante ação penal, ao autor de
uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um
bem jurídico, cujo fim é evitar novos delitos”.
Com eloquência, comenta Beccaria (1998, p.62):
Da simples consideração das verdades até aqui expostas, resulta evidente que o fim das penas não é atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer um delito já cometido. É concebível que um corpo político, que, bem longe de agir por paixão, é o moderador tranqüilo das paixões particulares, possa abrigar essa inútil crueldade, instrumento do furor e do fanatismo, ou dos fracos tiranos? Poderiam os gritos de um infeliz trazer de volta do tempo sem retorno as ações já consumadas? O fim, pois, é apenas impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo. É, pois, necessário escolher penas e modos de infligi-las, que, guardadas as proporções, causem a impressão mais eficaz e duradouras nos espíritos dos homens, e a menos penosa no corpo do réu.
Corroborando desse entendimento, que a pena tem como principal finalidade à prevenção, o
doutrinador Jesus (1998, p.517) conduz a dois conceitos importantes de prevenção, ao dispor que “as penas
têm finalidade preventiva, no sentido de evitar a prática de novas infrações, A prevenção é: ‘geral e
especial’”.
Com relação à prevenção geral “[...], o fim intimidativo da pena dirige -se a todos
os destinatários da norma penal, visando a impedir que os membros da sociedade pratiquem
crimes” (JESUS, 1998, p.517).
Já, na prevenção especial, a pena é dirigida ao autor do delito, retirando-o do
convívio social, com a intenção de impedir que novamente passe a delinqüir e, também,
com o caráter de ressocialização ou correção (Cf. JESUS, 1998, p.517).
52
Muito importante salientar as espécies de penas definidas no artigo 32, do Código
Penal, que são: as privativas de liberdade (art. 32, inciso I), as restritivas de direito(art. 32,
inciso II) e, por fim, a pena de multa (art. 32,inciso III) (Cf. BASTOS, 2003, p.155).
Neste sentido, conceitua Bastos (2003, p. 156):
As penas privativas de liberdade retiram o criminoso de seu ambiente social, confinando-o por certo tempo, ou mesmo para sempre. É a predominante nas legislações modernas, diferentemente do Brasil, que não se aplica a pena privativa de liberdade definitiva ou para sempre”, as penas privativas de liberdade estão definidas no art. 32 ao 42 do CP. Restritivas da liberdade são penas que limitam o direito de locomoção do condenado[...] definidas no art. 43 ao 48 do CP. A pena pecuniária atinge o patrimônio do delinqüente, forçando a pagar importância fixada na sentença.[...], definidas no art. 49 ao 52 do CP (grifos do autor).
2.2.6 Princípios
2.2.6.1 Princípio da legalidade
O princípio da legalidade, fundamento de aplicação da pena no Direito Penal, é um
importante instrumento, previsto na Constituição federal, no artigo 5º, inciso XXXIX,
dispondo que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação
legal”, o Código Penal da mesma forma reitera esse entendimento no artigo 1º.
Este princípio, também conhecido como reserva legal, na opinião de Bastos (2003,
p.156) está, “[...] sintetizada no princípio nulla poena sine lege, ou seja, nenhuma pena
pode ser imposta se não estiver cominada, em lei anterior[...]”.
Shecaira (2003, p.157) disciplina sobre este princípio:
A lei que institui o crime e a pena deve ser anterior ao fato que se quer punir. É necessária a existência de uma tipologia de condutas humanas que ofendam bens jurídicos tutelados pelo estado. A eficácia do princípio da legalidade está condicionada à técnica legislativa para a descrição de condutas proibidas. Deve o legislador procurar tipos observando que ao mesmo tempo não sejam vagos – o que destruiria o próprio princípio, sem perder de vista a generalização de condutas existentes [...].
Ao relatar sobre a importância deste princípio no ordenamento penal, continua,
Shecaira (2003, p.156):
É o princípio da legalidade a regra essencial, substancial de todo o ordenamento penal. É uma proposição constitutiva de ponto de partida de um sistema. No plano penal, o corolário do Estado Democrático de direito é exatamente o princípio da legalidade : um valor do direito penal constitucional.
53
Decorrente deste princípio, surge a figura da inadmissibilidade da analogia para a
fundamentação de uma decisão, pois, caso contrário, constataria uma afronta ao princípio
da legalidade, embora o uso de analogia não seja permitido no ordenamento penal, devido
ao principio da legalidade, entretanto, existe exceção no caso de ser utilizada para beneficio
do acusado (Cf. BASTOS, 2003, p.21).
No dizer afirmativo de Bastos (2003, p.21):
A analogia não é a forma de interpretação mas de integração da lei. Consiste em aplicar-se a um fato não previsto pelo legislador uma norma destinada a regular casos semelhantes. Como vimos, a analogia em Direito Penal não pode ser aplicada em razão do princípio da legalidade. A proibição, todavia, não é absoluta, referindo-se somente à definição de fatos puníveis e à aplicação de penas, ou seja, às denominada analogia in malam partem. Quando se trata de suprir lacunas da lei para favorecer o acusado, admite-se o recuso à analogia, nesse caso denominada in bonam partem.
2.2.6.2 Princípio da proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade determina que “a pena deve ser proporcional ao
delito praticado, tanto na cominação legal como na sua individualização pelo juiz”
(BASTOS, 2003, p.156).
Este princípio e também conhecido como “princípio da proibição de excesso”,
conforme lição de Jesus (2002, p.11), determina “que a pena não pode ser superior ao grau
de responsabilidade pela prática do fato. Significa que a pena deve ser medida pela
culpabilidade do autor. Daí dizer-se que a culpabilidade é a medida da pena”.
Seguindo este posícionamento, ensina Dotti (2001, p. 441):
“A pena deve retribuir juridicamente à culpabilidade do autor da conduta típica e ilícita. Em última
instância, ela é o efeito de uma causa e deve guardar uma possível relação de proporcionalidade entre o mal
do ilícito e o mal da ação (ou omissão)”.
2.2.6.3 Princípio do “bis in idem”
É muito importante salientar este princípio, pois ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo
fato.
54
O doutrinador Jesus (2002, p.11) indica duas características deste princípio. A
primeira refere-se ao aspecto penal material, ou seja, ninguém pode sofrer duas penas em
face do mesmo crime. Já em relação ao segundo aspecto, cuidou de tratar sobre a questão
processual, ou seja, ninguém pode ser processado e julgado duas vezes pelo mesmo fato.
Conclui-se, com base na opinião do doutrinador acima descrito, que este princípio,
visa proteger os interesses das pessoas e de evitar que alguém seja duplamente acusada pelo
mesmo fato. É inadmissível o “bis in idem” em nosso ordenamento jurídico criminal.
55
3 RESPONDABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA BRASILEIRA E A LEI N. 9.605/98
Encerra-se o estudo com ressalva à Lei n. 9.605/98, uma vez que essa lei foi
bastante inovadora ao prever a responsabilidade penal da pessoa jurídica no ordenamento
jurídico pátrio, muito embora criticado, como constataremos no transcurso deste capitulo..
Sem dúvida, a Lei dos Crimes Ambientais promoveu não só o reconhecimento da
criminanalização dos entes coletivos, mas foi um marco legal na busca da tutela e proteção
do meio ambiente, direito este inerente a qualquer cidadão.
3.1 Constituição Federal
Levando-se em conta as disposições das constituições anteriores nada dispuseram
sobre a possibilidade da responsabilização da pessoa jurídica, ao contrário da promulgada
em 1988, que nos seus artigos 173, parágrafo 5º e artigo 225 parágrafo 3º, prevêem a
possibilidade de tal punibilidade (Cf, SHECAIRA, 2003, p.131).
Assim enunciam, os artigos 173, parágrafo 5º e artigo 225 parágrafo 3º, todos da
Constituição Federal:
Art. 173 [...] § 5º – A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-se às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
O artigo, acima descrito, não menciona especificamente a responsabilidade penal
do ente coletivo, ao contrário, o artigo 225, § 3º, que aborda sobre a possibilidade da
responsabilização penal destas pessoas, com relação aos crimes praticados contra o meio
ambiente, afirma:
Art. 225 [...] § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente de obrigação de reparar os danos causados.
Com relação aos dispositivos, acima citados, Shecaira argumenta (2003, p.132):
A responsabilidade penal da pessoa jurídica continua sendo tema polêmico e candente em direito penal, particularmente na doutrina brasileira. O legislador constituinte reavivou a discussão do assunto ao editar os dois dispositivos acima citados. Não obstante existirem opiniões contrárias – de juristas de nomeada -, a
56
nosso juízo não há duvida que a Constituição estabeleceu a responsabilidade penal da pessoa jurídica.
Existem algumas críticas doutrinárias inerentes aos artigos da Constituição, que
prevêem a responsabilidade penal da pessoa jurídica, como é o caso do renomado
doutrinador Bittencourt (1997, p.54):
No Brasil, a obscura previsão do art. 225, § 3º, da Constituição Federal, relativamente ao meio ambiente, tem levado alguns penalista a sustentarem, equivocadamente, que a Carta Magna consagrou a responsabilidade penal da pessoa jurídica. No entanto, a responsabilidade penal ainda se encontra limitada e individual.
Mas Prado reitera (apud DOTTI, 2001, p.149): A pretensão de atribuir a imputabilidade penal às pessoas jurídicas não está em harmonia com a letra e o espírito da Constituição. Com efeito, no Capítulo relativo ao meio ambiente a Carta Política de 1998 declara que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar dano (225, § 3º). Tal disposição, em sua interpretação literal, poderia ensejar o entendimento de que é admissível a responsabilidade penal dos entes coletivos. Porém a melhor compreensão da norma nos leva à conclusão de que tanto a pessoa física como a pessoa jurídica podem responder na ordem civil, administrativa e tributária pelos seus atos; mas a responsabilidade penal continua sendo de natureza e caráter estritamente humano.
Percebe-se que existem doutrinadores contrários a estas disposições constitucionais acerca da
responsabilidade penal jurídica, entretanto, “os constitucionalistas, na sua maioria, reconhecem a consagração
da responsabilidade da empresa na Carta Política de 1988” (SCHECAIRA, 2003, p.132).
No declarar de Costa e Neto (2001, p.60), sobre a punibilidade penal da pessoa,
retira o seguinte posicionamento:
Como se vê, portanto, a criminalização da pessoa jurídica e a sua conseqüente responsabilização não ofendem ao princípio constitucional da necessária culpabilidade como pressuposto da punibilidade, pois a própria culpabilidade deve ser vista como culpabilidade social, partindo-se do pressuposto de que a pessoa jurídica possui vontade reconhecível e absolutamente própria. A culpabilidade social da empresa surge e a partir do momento em que ela deixa de cumprir com a sua função esperada pelo ordenamento jurídico e exigível de todas as empresas em igualdade de condições. Essa culpabilidade social, como pressuposto da punibilidade, compatibiliza a norma do art. 225, § 3º, com a norma principiológica que define o princípio da culpabilidade como dogma constitucional penal.
Com muita propriedade, relatando sobre esta nova ordem penal brasileira, a luz de
nossa Constituição, contribui para nosso entendimento Jesus (2004, p.129):
[...]com o aparecimento de novos interesses jurídicos ligados à economia de mercado, o progresso social etc., o direito penal ficou perplexo. A dogmática
57
penal tradicional estava acostumada a tratar de interesses tangíveis, como a vida, a incolumidade física, a liberdade pessoal, o patrimônio etc., normalmente relacionados a um indivíduo e cujas lesões são facilmente perceptíveis. Com o progresso da sociedade, entretanto, principalmente na economia surgiram novos interesses jurídicos de difícil apreciação e determinação [...], [...] eventuais condutas ilícitas de produtores podem violar, além de bens jurídicos individuais, interesses gerais da sociedade que se consubstancia em normas reguladoras da produção, circulação e distribuição de bens O mesmo ocorre com as lesões ambientais. São interesses que não estão vinculados diretamente à pessoa humana e sim a ordem econômica e ambiental. Em face disso, devem ser considerados coletivos e difusos. Na hipótese de lesão às águas de um rio, por exemplo, é impossível determinar-se com precisão o número de pessoas eventualmente prejudicados. Trata-se de hipótese de interesses difusos.
3.2 Conceito de meio ambiente
É muito importante salientar, antes de adentrar no estudo da responsabilidade
penal da pessoa jurídica, à luz da lei dos crimes ambientais, conhecer o conceito de meio
ambiente e, nesse sentido, comenta Afonso da Silva (1998, p.02), que “o meio ambiente é,
assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”.
Ainda, conceituando o meio ambiente, Faria (apud TOURINHO NETO, set.2004)
aduz que o meio ambiente é "um conjunto em que o homem está inserido, dele dependendo
para sobreviver biológica, espiritual e socialmente".
“Por isso é que a preservação, a recuperação e a revita lização do meio ambiente há
de constituir uma preocupação do poder Público e, consequentemente, do direito, porque
ele forma a ambiência na qual se move, desenvolve, atua e se expande a vida humana”
(SILVA, 1998, p.02).
Decorrentes da conceituação de meio ambiente, três elementos são formulados,
quais sejam: os meios ambientes artificiais, culturais e naturais (Cf. SILVA, 1998, p.03).
No mais, acerca do tema, complementa Silva (1998, p. 03):
O meio ambiente artificial, constituído pelo espaço urbano construído, consubstanciado no conjunto de edificações (espaço urbano fechado) e dos equipamentos públicos (ruas, praças, áreas verdes, espaços livres em geral: espaço urbano aberto. Meio ambiente cultural, integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que, embora artificial, em regra, como obra do homem, difere da anterior (que também é cultural) pelo sentido de valor especial que adquiriu ou de que se impregnou. Meio ambiente natural, ou físico, constituído pelo solo, água, o ar atmosférico, a flora, enfim, pela interação dos seres vivos e seu meio, onde se dá a correlação
58
recíproca entre as espécies e as relações destas com o ambiente físico que ocupam.
3.2.1 Finalidade de proteção
A grande maioria dos crimes praticados contra o meio ambiente são
protagonizadas pelas pessoas jurídicas que, na sua busca constante de riqueza, lucro,
crescimento, não respeitam as condições da natureza, gerando poluição em mares e rios,
causando desmatamentos e mortes de animais e, como conseqüência natural, há um
desequilíbrio ambiental imenso (Cf. CASTRO, 2001, p.37).
Devido a isto, a proteção do meio ambiente se faz necessária. Nesse sentido, com
muita eloqüência comenta Faria (set. 2004):
Busca-se resguardar o ambiente para o próprio benefício do homem, para se alcançar uma boa qualidade de vida, ou seja, proteger-se o ecossistema para a garantia da própria sobrevivência humana na terra. Não se defende o bem jurídico porque está na moda, porque é politicamente correto, mas para a sobrevivência e bem-estar do homem, pois, sem ele, o homem não pode viver.
A Constituição, em seu artigo 225, garante a todos proteção e bom uso do meio
ambiente:
Art. 225 - todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações.
“Assim, no caput do art. 225, o texto constitucional afirma que o meio ambiente é
bem de uso comum do povo, suscitando diversas questões quanto à efetividade de sua
proteção” (MORAES, 2002, p.1998).
A proteção de nosso meio ambiente é de fundamental importância, para nossas
próprias vidas. Acerca desse sentido Silva expõe sua opinião (1998, p.54):
O objeto de tutela jurídica não é tanto o meio ambiente considerando seus elementos constitutivos. O que o direito visa proteger é a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida. Pode-se dizer que há dos objetos de tutela, no caso: um imediato, que é a qualidade do meio ambiente, e outro mediato, que é a saúde, o bem-estar e a segurança da população, que se vêm sintetizando na expressão qualidade de vida.
3.3 Responsabilidade dos dirigentes
Os sócios, os gerentes, os prepostos e os diretores, ou seja, os administradores têm
papel fundamental para a responsabilização penal da pessoa moral, entretanto, necessário se
59
faz a diferenciação dos diretores pessoas físicas que agem em nome próprio, para com a
pessoa jurídica (Cf. SHECAIRA, 2003, p.147).
Neste diapasão, assevera Shecaira. (2003, p.146):
Note-se, outrossim, que a responsabilidade penal será sempre subjetiva (só pode ter por fundamento a vontade humana, baseada na culpa e no dolo e individual, sendo inadmissível qualquer hipótese da responsabilidade objetiva ou solidária. É comum termos, especialmente em empresa menores – uma limitada, por exemplo – dois sócios. Um que efetivamente está à testa da administração. Outra não raro, esposa, daquele, é uma simples “dona de casa”, não sabendo de quaisquer atos praticados pela empresa, e que afinal contribui com seu nome para a formação da sociedade limitada. Denunciá-la como responsável pelo atos delituosos eventualmente praticados constitui evidente responsabilidade objetiva, veementemente coibida pelo ordenamento e por interativa jurisprudências de nossos tribunais o que não seria aceito em matéria penal.
“ Portanto, nem toda atividade praticada por um administrador ou preposto da
empresa, que incorra em um fato típico ambiental, pode ser catalogado como crime
praticado pela pessoa jurídica” (COSTA e NETO, 2001, p.65).
Neste sentido, reitera Costa e Neto(2001, p.65):
Há crimes ambientais que podem ser praticados por um funcionário sem que haja uma vinculação específica com a atividade da empresa, revestindo-se em flagrante crime cometido por indivíduo que apenas circunstancialmente esteja a serviço da empresa, sem que isso tem sido relevante para a prática delituosa, ou caracterize o fato como o delito da pessoa jurídica.
Para caracterização da responsabilidade penal da pessoa jurídica, de acordo com o
artigo 3º, da Lei dos Crimes Ambientais que será estudado, a seguir, a pessoa jurídica é
responsabilizada “nos casos em que a infração venha a ser cometida por decisão de seu
representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou beneficio da
sua entidade” (SHECAIRA, 2003, p.146).
Argumenta Shecaira (2003, p.146):
Dispositivo veio a confirmar a potencial gravidade do dano cometido pelas pessoas jurídicas, que atuam muitas vezes com o espírito de acobertar os agentes que se escondem sob a estrutura complexa das empresas modernas. Sob esse manto são praticados pelas grandes corporações as mais graves violações ao consumidor e as mais perigosas ao meio ambiente. Por serem relações complexas, dada a enormidade das estruturas empresariais, é que se entendeu que, em não havendo punição das pessoas jurídicas, seriam alcançadas com a sanção penal somente os subalternos, os de menor responsabilidade.
Portanto, não se deve punir livre e espontaneamente a pessoa jurídica pelos
simples atos de seus representantes. Há limites que devem ser considerados para
60
caracterização do delito e tais limites serão analisados no item próprio sobre a
responsabilidade da pessoa jurídica e a Lei n. 9.605/98.
3.3.1 Concurso necessário
O delito praticado pela pessoa jurídica sempre será um crime praticado pelos seus
membros, pessoas físicas no uso de seus atribuições e que representam os interesses do ente
coletivo. Devido a isto, o crime praticado pela pessoa jurídica sempre será por meio de co-
autoria necessária ou participação, na medida que for comprovada a culpabilidade dos co-
autores ou partícipes, todos responderão em concurso com a pessoa jurídica (Cf. COSTA e
NETO, 2001, p.73).
Nestes termos, assevera Costa e Neto (2001, p.73):
Para que uma pessoa jurídica pratique um crime, obrigatoriamente pessoas físicas ocuparam-se de deliberar de acordo com a estrutura da empresa e pessoas executaram esta deliberações. Na medida de culpabilidade, todas elas respondem em concurso com a pessoa jurídica, pois se trata de co-autoria necessária.
Shecaira (2003, p.176):, também, dispõe sobre esta característica:
A empresa - por si mesma - não comete atos delituosos. Ela o faz por meio de alguém, objetivamente uma pessoa natural. Sempre por meio do homem é que o ato delituoso é praticado. Se considerar que só haverá a persecução penal contra pessoa jurídica se o ato for praticado em benefício da empresa por pessoa estreitamente ligada a pessoa jurídica, e com a ajuda do poderio desta última, não se deixará de verificar a existência de um concurso de pessoas. Sem desconsiderações de situações mais complexas, o que em alguns casos é possível ocorrer, teremos sempre, no mínimo, a existência de dois autores: haverá, portanto, co-autoria necessária. Para haver punição de uma empresa, obrigatoriamente devemos considerá-la como autora mediata. Ela sempre agirá por meio de alguém co-autor imediato.
Destarte, constata-se que as pessoas jurídicas, ao cometerem delitos, podem ser
responsáveis por estes como autores, co-autores e partícipes, ou seja, em concurso
necessário de pessoas4.
4 Corroborando com esse entendimento, retira-se do corpo do acórdão da jurisprudência anexa, o seguinte entendimento: “ Mais consentâneo com a vontade do legislador é a posição de Aquiles Mestre para quem as pessoas jurídicas podem cometer delitos e ser responsáveis por estes delitos como autores e como partícipes [...]”.
61
3.3.2 Sistema da dupla imputação
O sistema da dupla imputação está previsto no parágrafo único, do artigo 3º, da
Lei n. 9.605/98. Este sistema não isenta a responsabilidade da pessoa física, em decorrência
da punibilidade penal da pessoa jurídica, uma não exclui a outra (Cf. SCHECAIRA, 2003,
p.146)5.
O parágrafo único, do artigo 3º, da Lei dos Crimes Ambientais, dispõe que “a
responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras
ou partícipes”.
Schecaira (2003, p.148):comenta este sistema:
Note-se, a propósito que, a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato, o que demostra a adoção de chamado sistema da Dupla imputação. [...] é o nome dado ao mecanismo de imputação de responsabilidade penal as pessoas jurídicas, sem prejuízo da responsabilidade pessoal das pessoas físicas que contribuíram para a consecução do ato.[...] por meio desse dispositivo, a punição de um agente (individual ou coletivo) não permite deixar de lado a persecução daquele que concorreu para a realização do crime seja ele co-autor ou partícipe. Nosso legislador deixou clara a intenção da persecução penal no delito ecológico. A doutrina específica que discute a Lei 9.605/98 e a responsabilidade penal da pessoa jurídica, mencionada no art. 225, § 3º da Constituição Federal, comenta muitas vezes o tema da dupla imputação.
Continua Shecaira (apud SANCTIS, 2003, p.149):
Observa-se, finalmente, que a cumulação de responsabilidade significa a não-exclusão da responsabilidade penal das pessoas jurídicas, pelos atos praticados por seus dirigentes, como forma de evitar apenas imputação destes últimos, quando se verifica, inclusive, o benefício dos grupamentos.
Abordando sobre o assunto, Machado (1998, p. 598) aduz que a “lei não quis
deixar impune a pessoa física autora, co-autora ou partícipe, ainda, que sejam apuradas,
num mesmo processo penal, as responsabilidades são diferentes e poderão acontecer a
absolvição ou a condenação separadamente ou em conjunto”.
3.3.3 Sistema da dupla imputação X principio do “bis in idem”
5 Acerca da possibilidade da dupla imputação, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmou a sentença prolatada pelo Juiz Federal da 1ª Comarca de Criciúma/SC, em Apelação Criminal n. 2001.72.04.002225-0, ao condenar uma pessoa jurídica e seu diretor pela prática dos crimes descritos no arts. 48 e 55 da Lei n. 9.605/98.
62
Alguns doutrinadores alegam que o sistema da dupla imputação estaria
responsabilizando duas vezes o mesmo sujeito pela prática criminosa, confrontando-se com
o princípio constitucional aplicado no direito penal do “bis i n idem”, expressamente
proibido (Cf. SHECAIRA, 2003, p.150).
Contra essá tese, expõe Shecaira (2003, p.150):
Diante de todo o exposto, podemos afirmar que não há que se falar em inconstitucionalidade do art. 3º dessa lei (como alguns autores chegaram a dizer) por fazer com que a pena passe da pessoa do condenado. Também não se pode dizer que há bis in idem, pois não se pune duas vezes o sócio culpado. O artigo apenas permite que além dos sócios o ente coletivo também seja passível de punição. São duas distintas pessoas. Cada uma será punida conforme a contribuição dada para o deslinde do fato delituoso.
Destarte, não há que se falar em “bis in idem”, eis que não se pune duas vezes a
mesma pessoa e, sim, pessoa distinta6.
3.4 Responsabilidade penal da pessoa jurídica e a Lei n. 9.605/98
No dia 12 de fevereiro de 1998, o legislador ordinário, por meio da Lei n.
9.605/98, deu continuidade ao estabelecido no artigo 225, § 3º, da Constituição Federal, ao
reconhecer a responsabilidade penal da pessoa jurídica (Cf. SMANIO, set. 2004).
“A principal novidade trazida pela lei 9.605/98 ao nosso ordenamento jurídico é a responsabilidade
penal da pessoa jurídica, prevendo para ela tipos e sanções bem definidos, diferentes daquelas que só se
aplicam à pessoa humana” (FARIA, set. 2004).
6 Concordando com esse entendimento, aborda Roque de Brito Alves: "não se justifica mais tal negativa
da responsabilidade penal da pessoa jurídica, o que permite uma evidente distinção entre a responsabilidade
penal pessoal, individual e a responsabilidade penal da pessoa jurídica que não se confunde com a
responsabilidade criminal dos seus membros ou componentes. Distinção também, por outra parte, entre as
sanções administrativas ou civis das sanções penais dos crimes pela pessoa jurídica (in Lei dos Crimes
Ambientais, São Paulo, ADCOAS, 1999, págs.91/93)” (Entendimento esboçado no acórdão anexo).
63
Nos termos do artigo 3º, caput, da Lei 9.605/98:
Art. 3º - As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativamente, civil e penalmente, conforme o disposto nesta lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade.
As pessoas jurídicas de acordo com artigo supra citado podem ser objetos de
sanções na área: civil, administrativa e penal, em que pese referir-se a uma lei penal (Cf.
COSTA e NETO, 2001, p.32).
Nesse sentido, é o posicionamento de Costa e Neto (2001, p.37):
As infrações contra o meio ambiente são atos penalmente relevantes que possuem uma especificidade que os distingue, juntamente com outra agressões a bem jurídicos plurindividuais, dos atos ilícitos normatizados pelo direito penal clássico. O crime ambiental é praticado contra coletividade, pois o bem jurídico tutelado pela norma penal ambiental é bem jurídico específico, que não possui um titular mediato corporificado. Ainda que se possa identificar o titular do patrimônio ofendido, há uma parcela desta propriedade que é de todos e de ninguém, razão pela qual a normas que regulamentam a prática dos atos típicos são, em grande medida, normas que insculpem uma intenção política de proteção da coletividade
Entretanto, para que seja configurada a conduta criminosa da empresa, é
necessário que consideremos alguns elementos, “os quais, quando presentes, denotam que o
crime ambiental foi cometido pela empresa, enquanto pessoa jurídica, e não-somente pelo
funcionário, na condição de pessoa física” (COSTA e NETO, 2001, p.65).
Esses elementos são fundamentais para a diferenciação da responsabilidade penal
da pessoa jurídica para com pessoa física e, nesse sentido, com muita propriedade leciona
Costa e Neto (2001, p.66):
Primeiramente, é necessário que haja um benefício por parte da empresa, oriundo do fato praticado. Acaso o objetivo, o motocondutor do ato tenha sido trazer lucro ou qualquer benefício de qualquer ordem à empresa, caracteriza-se o crime societário que desdobra do mero individualismo. [...] Quando, entretanto, o crime ambiental é praticado no interesse exclusivo do agente, o que se percebe é a utilização circunstancial da empresa para a prática de um crime de natureza individual, deixando-se de caracterizar crime da pessoa jurídica. Como segundo requisito, observe-se que atitude do preposto não pode estar situada fora da atividade da empresa. Um funcionário de uma indústria de calçados que se utiliza de uma moto serra, durante uma atividade de natureza estritamente pessoal, jamais pode ver a sua prática imputada à pessoa jurídica. Da mesma forma, ainda que em serviço, se um funcionário comete crime do art. 29, quando a sua empresa trabalha com saponáceos e outros derivados e apenas aquele animal se fazia presente no pátio da empresa, não se há de imputar à pessoa jurídica a prática do crime, ainda que haja algum lucro mediato para a
64
fábrica com a prática do delito de matar animal, silvestre. A condição sim é que haja uma vinculação entre a atividade da empresa e o ato praticado. O terceiro elemento de caracterização diz respeito ao vinculo que deve existir entre a empresa e o autor material do delito. Deverá haver um relacionamento de cunho empregatício entre o autor material do fato típico e a empresa responsável, sob pena de, aí sim, caminhar-se para a responsabilidade penal objetiva.[...] A quarta característica diz respeito à utilização da empresa para a prática do crime ambiental [...] [...] O que verdadeiramente caracteriza o fato como crime das empresas, é o envolvimento da “máquina” da pessoa jurídica para a prática do delito. Se puder entender que sem existência da pessoa jurídica, com seus objetivos e seus meios, o crime ambiental não teria ocorrido, estar-se-á diante de uma verdadeiro crime ambiental cometido pelo ente moral.
Da mesma forma, sobre os elementos necessários para configuração da prática
delitiva atribuída à pessoa jurídica, explana Schecaira (2003, p.174):
Em primeiro lugar, a infração individual há de ser praticada no interesse da pessoa coletiva e não pode situar-se fora da esfera da atividade da empresa. Além disto, a infração executada pela pessoa física deve ser praticada por alguém que se encontre estreitamente ligado a empresa, mas sempre com o auxílio do seu poderio, o qual é resultante da reunião das forças econômicas agrupadas em torno da empresa.
Configurados os elementos que justifiquem a responsabilidade penal da pessoa
jurídica. Frisam-se algumas considerações acerca dos crimes contra o meio ambiente,
definidos nos artigos 29 ao 69 da Lei n. 9.605/98, dividindo-se em: crimes praticados
contra a Fauna (art. 29 ao art. 37); crimes contra a flora (art. 38 ao art. 53); crimes de
poluição e outros crimes ambientais (art.54 ao art.61); crimes contra o ordenamento urbano
e o patrimônio cultural (art. 62 ao art. 65); e, por fim, crimes contra a Administração
Ambiental (Cf. CASTRO, 2001, p.425).
Configurado o envolvimento da pessoa jurídica na pratica delitiva e a definição do
tipo penal, que estão disciplinados entre os artigos 29 e artigo 69 da Lei n. 9.605/98, passa-
se agora ao estudo da aplicação da pena (Cf. CASTRO, 2001, p.425).
Ressalva-se, antes de realizar o estudo das penas, é saber a capacidade das pessoas
jurídicas de direitos públicos serem responsabilizadas criminalmente ou seja “o Estado
pode condenar a sí próprio e responsabilizar pessoa jurídica que se constitui de uma parte
de si mesmo? Ou será que a natureza jurídica pública funciona como uma espécie de
impedimento para responsabilização deste grupo de entes coletivos?(COSTA E NETO,
2001, p.69)
65
Diante destes argumentos duas correntes são formadas a primeira contrária a
responsabilização penal da pessoa jurídica de direito público, nesse sentido argumenta
Shecaira (2003, p.192)
Não é possível responsabilizar penalmente as pessoas jurídicas de direito público sem risco de desmoronamento de todos os princípios basilares do Estado Democrático de ‘Direito. Ou a pena é inócua, ou então, se executada prejudicaria a própria comunidade beneficiária do serviço público.
De acordo com está corrente somente as pessoas jurídicas de direito privado
podem ser responsabilizadas criminalmente (CF, SHECAIRA, 2003, p.190).
A Segunda tese considera a responsabilidade penal da pessoa jurídica de direito
público, entretanto, com exceção, ou seja, aplicaria-se somente as penas de prestação de
serviço a comunidade e multa, pois estás não infringiriam o princípio da continuidade
referente aos serviços prestados pela administração pública, que ocorreria se aplicadas as
penas restritivas de direito (suspensão e interdição), já que estás significariam a paralisação
dos trabalhos da administração pública..
Sobre isso esclarece Costa e Neto (2001, p.71 e 72)
“[...] a inadequação das penas às pessoas jurídicas de direito público também não parece uma razão especifica para negar tal responsabilização. Se de fato a maioria da penas previstas são incompatíveis com o Estado, tais como interdição ou suspensão de atividades em razão do princípio da continuidade dos serviços públicos, a multa e a própria prestação de serviço a comunidade são plenamente configurados. No mais, a dificuldade na apenação não retira a possibilidade de responsabilização [...] As pessoa jurídicas de direito público, portanto, são responsáveis criminalmente pelos delitos tipificados esta Lei que vierem a cometer, aplicando-se a tais entes as penas de multa e de prestação de serviço à comunidade.
Diante desta ressalva, seguimos nosso estudo com relação a aplicação das penas
disciplinado pela lei 9.605/98 que, de acordo com os ensinamento de Costa e Neto (2001,
p.112). “Sobre as sanções restritivas de direito impostas às pessoas jurídicas mantêm o seu
caráter de penas substitutivas das privativas de liberdade, conforme a regra geral
estabelecida no art. 44 do Código Penal, assim como no art. 7.º desta Lei”.
3.5 Das penas
A Lei dos Crimes Ambientes prevê a aplicação de penas para a pessoa jurídica,
sua previsão é constatada nos artigos 21 ao artigo 24, todos da lei, sendo que o artigo 21 e
66
seus incisos estabelecem os tipos de penas aplicadas (multa restritiva de direito e prestação
de serviço a comunidade); o artigo 22 discorre sobre as penas restritivas de direito; já o
artigo 23 trata da aplicação da prestação de serviço à comunidade e, finalizando, o artigo
24,dispõe sobre a liquidação forçada da pessoa coletiva, quando estas forem construídas ou
utilizadas de forma a omitir, permitir, facilitar ou ocultar a prática de determinado crime
previsto em lei (Cf. SHECAIRA, 2003, p.161).
Cabe salientar que, muito embora tenha sido individualizada a pena restritiva de
direito em relação com as de prestação de serviço à comunidade, diferentemente do Código
Penal tradicional, esta não deixou de ser uma espécie das restritivas de direito (Cf. COSTA
E NETO, 2001, p.112).
Como argumenta Costa e Neto, a seguir (2001,p.112)
O dispositivo enumera as sanções aplicáveis às pessoas jurídicas pelo juiz criminal: multas e penas restritivas de direito. A prestação de serviço à comunidade é espécie deste último gênero, embora tenha merecido um inciso específico; tal é a conclusão que emerge do art. 8º desta Lei, bem como do art. 43 do Código Penal.
3.5.1 Pena de multa
A pena de multa consiste na obrigação de uma prestação pecuniária, quando
revelada ineficaz para o ressarcimento do dano ainda que aplicada no máximo deve ser
acrescida três vezes, tendo em vista o valor da vantagem econômica auferida (Cf.
MACHADO, 1998, p.595).
Os critérios adotados para fixação da pena de multa, são oriundos do Código
Penal, em seu artigo 49. Segundo este dispositivo, a pena de multa será calculada através
dos chamados dias-multa, sendo seu mínimo equivalente a 10 (dez) dias multa e o máximo
360 (trezentos e sessenta) (CF. MACHADO, 1998, p.595).
O valor de cada dia-multa será arbitrado pelo magistrado com referência ao salário
mínimo vigente na época do fato, variando seu mínimo e máximo entre um trigésimo(1/30)
a cinco (05) salários mínimos, como já abordado, na época dos fatos (CF. MACHADO,
1998, p.595).
Este valor, quando arbitrado, ao revelar-se ineficaz, poderá ser aumentado três
vezes (Cf. MACHADO, 1998, p.597).
67
Como percebido, o valor da multa segue os critérios adotados pelo Código Penal,
fixados em torno da pena individual, sendo este valor ineficaz, como muitos autores
afirmam, quando aplicados à pessoa jurídica, desta forma, o doutrinador Shecaira (2003,
p.125) nos sugere uma nova forma de aplicabilidade da pena de multa, considerando
elementos decorrentes da natureza do ente coletivo. Segue seu comentário:
Deve-se considerar nossa história recente, com uma cultura inflacionária, para descartar-se a determinação das penas de multa em valores fixos. Por outro lado, a imposição de uma pena a uma pessoa jurídica não pode ter como referência penas semelhantes aplicáveis às pessoas naturais. A sistemática de dias-multa adotada pelo direito brasileiro, com o procedimento bifásico estatuído com a reforma de 1984, deve ser implementado também para as pessoas jurídicas. Quando o réu no processo criminal for pessoa jurídica, o dia-multa eqüivalerá a 1/365 do seu faturamento no exercício anterior, para empresas recém-constituídas, tais limites podem ser dobrados em caso de reincidência ou mesmo triplicados. As penas podem variar de 10 a 360 dias multa, à semelhança do que ocorre no direito em vigor. Ressalta-se que à pena mínima a ser eventualmente aplicada (10 dias-multa) é valor, por si só, extremamente alto, especialmente se consideramos que dos 2/3 restantes do faturamento, obtidos naquele mês, sairia todos os encargos da empresa.
3.5.2 Restritiva de direito
Existem três tipos de penas restritivas de direito, como bem define o artigo 22 da
Lei n. 9.605/98, sendo: “suspensão parcial ou total das atividades; interdição temporária de
estabelecimento, obra ou atividade; proibição de contratar com o poder Público, bem como
dele obter subsídios, subvenções ou doações” (MACHADO, 1998, p.596).
A suspensão total ou parcial das atividades está disciplinada no artigo 22, § 1º,
determinando que “será aplicada, quando estas não estiverem obedecendo às disposições
legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente”.
Desta forma, sobre este instituto leciona Machado(1998, p.596):
A suspensão das atividades de uma entidade revela-se necessária quando a mesma age intensamente contra a saúde humana e contra a incolumidade da vida vegetal e animal. É pena que tem inegável reflexo na vida econômica de uma empresa. Mesmo em época de dificuldades econômicas, e até de desemprego, não se pode descartar sua aplicação. Caso contrário, seria permitir aos empresários ignorar totalmente o direito de todos a uma vida sadia e autoriza-lo a poluir sem limites. Conforme a potencialidade do dano ou sua origem, uma empresa poderá ter sua atividades suspensas somente nem setor, ou seja, de forma parcial [...].
68
A lei não fixou o prazo para a duração mínima ou máxima para suspensão,
destarte, diante desta ausência fica a critério do juiz, conforme o caso, fixar em horas, em
um dia ou em uma semana a suspensão das atividades (Cf. MACHADO, 1998, p. 596).
A interdição está disciplinada no artigo 22, § 2º, da Lei dos Crimes Ambientais, e
“será aplicada, quando o estabelecimento , obra ou atividade estiver funcionando sem a
devida autorização, ou em desacordo com a concedida ou com violação de disposição legal
ou regulamentar”.
A interdição é temporária, sua aplicação visa assegurar que a empresa possa
adaptar-se à legislação ambiental, devendo iniciar a obra apenas quando da devida
autorização (Cf. MACHADO, 1998, p.597).
A pena de interdição temporária de direitos aplicada à pessoa física tem outra redação (art. 10 da lei 9.605/98). Parece-nos que, diante do silêncio da lei quanto ao prazo da vigência da interdição temporária de direitos para a pessoa jurídica, é razoável aplicar-se os prazos do referido art. 10 (MACHADO, 1998, p.597).
“Sob o aspecto prático, a imposição desta pena produzirá efeitos idênticos aos da
tratada no parágrafo anterior. Afinal, qual a diferença entre suspender uma atividade e
interdita-la temporariamente” (COSTA E NETO, 2001, p.117).
Com relação à proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter
subsídios, subvenções ou doações, definidos no artigo 22, § 3º, da Lei n. 9.605/98, visa a
esta lei impedir que as empresas participem dos processos licitatórios, mesmo que a
licitação tenha sido anterior ao contrato com o poder Público[...] (Cf. MACHADO, 1998,
p.597).
“A conseqüência desse dispositi vo reside no fato de que a empresa é impedida de
fazer uso das licitações públicas, pois o dinheiro público, isto é, o dinheiro dos
contribuintes, só pode ser repassado a quem não age criminosamente[...]”(Ramos, 2003,
p.45).
3.5.3 Prestação de serviço à comunidade
A pena de prestação de serviço à comunidade, definida no artigo 23 da Lei n.
9.605/98, consistirá no “custeio de programas e de projetos ambientais; execução de obras
69
de recuperação de áreas degradadas; manutenção de espaços públicos e contribuição a
entidades ambientais ou culturais públicas”.
O magistrado pode, na determinação das penas, de prestação de serviço a
comunidade, seguir algumas características importantes, como, a seguir, relata Machado
(1998, p.598):
O Ministério Público ou a própria entidade ré poderão apresentar proposição ao juiz, solicitando a cominação de qualquer desses tipos de pena de prestação de serviço. Será oportuno que se levantem os custos dos serviços previstos no art. 23 para que haja proporcionalidade entre o crime cometido, as vantagens auferidas do mesmo e os recursos econômicos e financeiros da entidade condenada. O justo equilíbrio haverá de conduzir o juiz na fixação da duração da prestação de serviços e do quantum a ser despedido.
“Nesta espécie de sanção penal, andou bem o legislador, pois, respeitando o
escopo para o qual surgiu a Lei do Meio Ambiente, fez prevalecer a conveniência de se
buscar, na aplicação de penas a pessoas jurídicas, aquelas que efetivamente recuperam o
ambiente lesado” (ROBERTI, out. 2004).
3.6 Principais críticas à Lei n. 9605/98
A Lei n. 9.605/98, decorrente do dispositivo Constitucional, artigo 225, § 3º,
trouxe uma grande novidade, qual seja, a responsabilidade penal da pessoa coletiva em
nosso ordenamento jurídico, entretanto, por constituir uma lei inovadora e única, muitos
doutrinadores, até mesmos os que defendem a responsabilidade penal da pessoa jurídica,
demostram uma série de críticas com relação às técnicas legislativas utilizadas,
consequentemente, dificultam a interpretação dos operadores do direito.
Uma das principais críticas feitas, com relação aos dispositivos de que tratam
sobre os crimes ambientais, é que o legislador prevê mais não definiu a forma das penas
aplicadas à pessoa jurídica. Nesse sentido argumenta Shecaira (2003, p.160):
Na Lei n. 9.605/98, diploma normativo que institui entre nós, no plano ordinário, a responsabilidade penal da pessoa jurídica todos os tipos proibitivos são absolutamente silentes no que concerne à responsabilidade criminal da empresas. O capítulo V da referida Lei, ao dispor sobre os crimes contra o meio ambiente, em suas cincos seções, sempre estabeleceu penas privativas de liberdade ou multa. Em nenhum momento mencionou que esta ou aquela norma proibitiva deveria ser aplicada à pessoa jurídica. Depreende-se, pois, que a aplicação das penas às empresas far-se-á conforme os critérios especificados nas disposições Gerais do referido estatuto. O sistema de integração e aplicação da norma
70
depende, pois, exclusivamente daquilo que foi estatuído nas normas permissivas. No entanto, os critérios ensejadores da integração normativa não estão fixados na parte geral ambiental. Vale dizer: o legislador não estatuiu a cominação especifica e esqueceu-se da genérica.
Outra crítica é com relação a aplicabilidade da pena de multa muito questionada,
pois segue os critérios fixados, pelo Código Penal em relação à pena individual, revelando-
se ineficaz e inoperante, quando aplicados a pessoas jurídicas. Nesse sentido, demostra
Roberti (apud SHECAIRA out.2004):
Contundentes são as críticas feitas em face da disciplina da pena de multa à pessoa jurídica, vez que “não chegou a estabelecer critérios claros para sua fixação contra as pessoas jurídicas. Embora deva-se ter em conta a situação econômica do infrator (art. 6º, III), não foi adotado um critério específico para as empresas, não se equacionando uma regra própria para a pessoa jurídica pagar seu ‘próprio dia multa’. Assim, punir-se-á, da mesma maneira, a pessoa jurídica e a pessoa física, com critérios – e valores – que foram equalizados, o que é inconcebível. Melhor seria se houvesse transplantado o sistema de dias-multa do Código Penal para a legislação protetiva do meio ambiente, fixando uma unidade específica que correspondesse a um dia de faturamento da empresa, e não no padrão de dias-multa contido na parte geral do Código Penal. Da maneira como fez o legislador, uma grande empresa poderá ter uma pena pecuniária não condizente com sua possibilidade de ressarcimento do dano, ou mesmo com a vantagem obtida pelo crime”.
A principal crítica é com relação à falta de um devido processo legal, que consiste
o devido processo legal em que todas as formalidades legais são observadas (Cf.
SHECAIRA, 2003, p.170).
“No Brasil, as únicas normas concernentes à ação e ao processo penal, trazidas
com a Lei 9.605/98, foram normas genéricas, e que não dizem respeito aos procedimentos
específicos a serem adotados para as pessoas jurídicas (conforme arts. 26 a 28)”
(SHECAIRA, 2003, p.167).
Shecaira (apud BRANCO, 2003, p.168) afirma:
[...]a norma infraconsitucional ambiental, promulgada dez anos após o advento da Carta Magna, preocupou-se, exclusivamente, com os aspectos penais da responsabilidade da pessoa jurídica, esquecendo-se da necessidade do due process of law, e, portanto, de que o direito penal não é meio de coação direta, dependendo-se da instrumentalidade processual para realização da pretensão punitiva.[...]
Em que pesem às inúmeras críticas a Lei n. 9.605/98, ao abordar a possibilidade da
pessoa jurídica de ser responsabilizado criminalmente, o legislador ao utilizar –se “[...] da
expressão administrativa, civil e penal, inseriu a conjunção "e", isto é, uma conjunção
71
aditiva, admitindo o somatório das circunstâncias jurídicas aplicáveis” (Cf. acórdão
anexado). Deste modo, não há mais dúvidas, de acordo com a interpretação gramatical da
lei supra citada, da possibilidade do ente jurídico responder pelos seus atos criminosos.
72
CONCLUSÃO
O enfoque deste trabalho foi demonstrar a possibilidade de responsabilizar penalmente as pessoas
jurídicas, para tanto, necessário foi abordar questões de ordem internacional, por meio dos muitos congressos
realizados em torno do tema, bem como, estudar alguns países que adotam, ou não, este tipo de
responsabilidade criminal em suas respectivas legislações, inclusive no Brasil.
Em face de tudo aquilo que se discutiu no corpo deste trabalho, desde logo, podem
ser formuladas algumas conclusões necessárias à compreensão do tema, que espero
servirem de fonte de pesquisa e conhecimento para futuros acadêmicos que se interessarem
pelo tema.
No primeiro capítulo, enfatizou-se a evolução histórica da responsabilidade penal
que perdurou da Idade Antiga à Idade Média, culminando em seu fim com os novos ideais
oriundos do século XVIII, decorrentes da Revolução Francesa e o pensamento Iluminista.
Em seguida, abordaram-se teorias da ficção e da realidade, que são divergentes entre si com
relação ao fato de pessoas jurídicas serem capazes de adquirirem direitos e obrigações.
Após, elencaram-se os argumentos dos defensores da responsabilidade penal da
pessoa jurídica, em contrariedade, também, foram apresentado às teses dos opositores.
No fim do primeiro capítulo, destacaram-se Congressos Internacionais que vêm
sistematicamente recomendando a adoção da responsabilidade penal da pessoa jurídica no
que tange à violação dos direitos difusos e coletivos, com ênfase, aos crimes contra: o
consumidor, a economia e os direitos ambientais, assim, sintetizara-se algumas das muitas
legislações que adotam a responsabilidade da pessoa jurídica, bem como, os países que não
a reconhecem.
No segundo, e não menos importante, capítulo, estudaram-se as características
individuais do direito penal, bem como, o conceito de: crime, sujeitos ativo e passivo,
concurso de pessoas; finalidade das penas; os princípios, entre outros.
Além do mais, nesse capítulo, obteve-se a compreensão acerca da pessoa jurídica
de direito público, criada pela iniciativa pública e a pessoa jurídica de direito privado,
oriunda da iniciativa de particulares.
73
Destarte, este capítulo, teve como principal finalidade, possibilitar o melhor
conhecimento a partir dos aspectos individuais e o que venha a ser a responsabilidade penal
coletiva.
Já, no terceiro capítulo, abordou-se sobre a responsabilidade da pessoa jurídica no
ordenamento jurídico penal brasileiro, destacando-se sua previsão constitucional definida
no artigo 225, parágrafo 3º. Em que pese esta previsão constitucional, constatou-se que
alguns doutrinadores não admitem o reconhecimento da responsabilidade das pessoas
coletivas.
Também, neste capítulo, estudou-se o conceito de meio ambiente e a finalidade de
proteção do mesmo para garantir as presentes e futuras gerações, com um meio ambiente
saudável e equilibrado, ainda, enfocou-se acerca da responsabilidade dos sócios que atuam
em concurso com a pessoa jurídica, sendo que ambos serão punidos, desde, é claro, que se
reconheça o desvio de finalidade das empresas com a utilização de sua estrutura para a
prática de crimes.
Por fim, ainda no terceiro capítulo, salientou-se que com a publicação da Lei dos
Crimes Ambientais, de 12 de fevereiro de 1998, ocorreu uma inovação no ordenamento
pátrio, pois regulamentou a responsabilidade da pessoa jurídica no âmbito penal, até então
não prevista em nenhuma lei infraconstitucional.
Deste modo, com o advento da lei supra citada, as pessoas jurídicas passaram a ter
a possibilidade de serem punidas por seus atos criminosos, cujas penas previstas foram de:
multa, restritiva de direito e prestação de serviço à comunidade. Assim, a partir deste
marco, surgem no ordenamento jurídico brasileiro, vários posicionamentos sobre a
admissibilidade, ou não, da responsabilização do ente coletivo no âmbito penal.
74
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, Antônio Carlos Oliveira. A responsabilidade penal da pessoa jurídica.
Artigos Jurídicos. Disponível em < www.advogados.adv.br>. Acesso em: 15 mar. 2004.
BASTOS, Edmundo José de Jr. Código penal em exemplos práticos: parte geral. 4 ed.
Florianópolis: OAB/SC, 2003.
BECARIA, Cezare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria geral do delito. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1997.
BRASIL. Constituição federal, código civil (2002/1916), código de processo civil,
código penal, código processo penal e legislação complementar (5 em 1). São Paulo:
Manole, 2004.
BRASIL. Decreto Lei n. 200, de 25 fevereiro de 1967. Dispõem sobre a organização da
Administração Federal, estabelece diretrizes para a reforma Administrativa e dá outras
providências. Disponível em <www.planalto.gov.br> Acesso em: 10 de out. de 2004.
BRASIL. Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e
administrativas derivadas de condutas e atividade lesivas ao meio ambiente e dá outras
providências. Disponível em <www.planalto.gov.br> Acesso em: 10 de out. de 2004.
BRASIL. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO (PR, SC, RS). Apelação
Criminal n. 2001.72.04.0002225-0/SC, da 1ª Vara Federal da Comarca de Criciúma/SC.
Relator: Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, decisão em 06 de agosto de 2003.
Disponível em <www.trf4.gov.br>. Acesso em: 16 de out. de 2004.
75
BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Recurso Criminal n.
2002.022917-8, da Comarca de Curitibanos/SC. Relator: Des. Solon d'Eça Neves. Data da
decisão: 26/11/2002. Disponível em <www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 15 de out. de 2004.
CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: breve
estudo crítico. Curitiba: Juruá Editora, 2003.
CARLIN, Volnei Ivo. Direito administrativo: doutrina, jurisprudência e direito
comparado. 2 ed. Florianópolis: OAB/SC, 2002.
CRISPIN, Mirian Cristina Generoso Ribeiro. A responsabilidade penal da pessoa
jurídica. Disponível em < www1.jus.com.br>. Acesso em: 23 jun. 2003.
Código de Hamurabi. Disponível em: <www.culturabrasil.pro.br/códigodehamurabi.html>.
Acesso em: 23 de mar. 2004.
COSTA e NETO, Nicolau Dino de Castro e outros. Crimes e infrações administrativas
ambientais: comentários a Lei n. 9.605/98. 2 ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2001.
CUNHA, Paulo Henrique Delfino. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. 2003. 111
f. Monografia em Direito- Centro de Ciências Jurídicas- Universidade do Vale do Itajaí,
São José, 2003.
CUSTÓDIO, Antonio Joaquim Ferreira. Constituição Federal Interpretada pelo STF. 7
ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 10 ed.
São Paulo: Saraiva, 1994.
_____. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 19 ed. São Paulo:
Saraiva, 2002.
76
DOTTI, Rená Ariel, Curso de Direito Penal: parte geral. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2001.
FARIA, Leonardo Rocha. Direito penal e a proteção ao meio ambiente. Disponível em
<www.advogado.adv.br>. Acesso em: 25 de set. de 2004
FIUZA. Ricardo e outros. Novo código civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2002.
JESUS, Damásio E. de. Temas de direito criminal. 3 série. São Paulo: Saraiva, 2004.
_____. Direito penal: parte geral. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
_____. Direito penal: parte geral. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
_____. Código penal anotado. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 1999
_____. Direito penal: parte geral. 21 ed. São Paulo, Saraiva,1998.
KIST, Dario José. Responsabilidade penal da pessoa jurídica na Lei nº 9.605/98.
Disponível em <www1.jus.com.br>. Acesso em: 01 de out. de 2004.
LOBO, Helena Regina e outra. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: um caso de
aplicação de pena com fundamento no “princípio do ‘porque sim’”. Informativo
IBCCRIM, ano 11, n. 133, dezembro de 2003, p. 7-9.
MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 7 ed. São Paulo:
Malheiros, 1998.
MASCARENHAS, Débora. Prisão sem pena em face do princípio da
proporcionalidade. 2003. 70f. Monografia em Direito- Centro de Ciëncia Jurídicas-
Universidade do Vale do Itajaí, São José, 2003.
77
MEIRELLES Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 27 ed. São Paulo:
Malheiros, 2002.
MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. 6 ed. São Paulo. Atlas, 1996.
_____. Manual de direito penal. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2003
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: parte geral. 33 ed. São Paulo:
Saraiva, 1995.
_____. Curso de direito civil: parte geral. 39 ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
MORAES, Alexandre de. Constituição do brasil interpretada. São Paulo: Atlas, 2002.
_____. Direito constitucional. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2002
PRADO, Luiz Regis. Crimes contra o meio ambiente. 2 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001.
PRADO, Luiz Regis (coordenador) e colaboradores. Responsabilidade penal da pessoa
jurídica em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001.
RAMOS, Gilson Manoel. A responsabilidade penal da pessoa jurídica frente aos crimes
cometidos contra a flora brasileira. 2003. Monografia em Direito- Universidade do Vale
do Itajaí, São José, 2003.
REALE, Miguel Jr. Institiuições de direto penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense,
2002.
78
ROBERTI, Maura. Observações críticas às penas previstas na lei dos crimes ambientais
a serem aplicadas à pessoa jurídica. Disponível em <www.mundojurídico.adv.br>.
Acesso em: 13 out. 2004.
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. 2. ed.
São Paulo: Método, 2003.
SILVA, Ivan Firmino Santiago. Responsabilidade penal da pessoa jurídica e um esboço
de sistematização do direito punitivo. Disponível em <www.advogados.adv.br>. Acesso
em: 19 mar. 2004.
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 2 ed. São Paulo: Malheiros,
1998.
SMANIO, Gianpaolo Poggio e outro. A responsabilidade penal da pessoa jurídica.
Disponível em <www.jusonline.visaonet.com.br>. Acesso em: 26 de set. de 2004
SOUZA, Keity Mara Ferreira de. A (ir) responsabilidade penal da pessoa jurídica.
Disponível em <www1.jus.com.br>. Acesso em: 23 jun. 2003.
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5 ed. Saraiva: São
Paulo, 1994.
VENOSA, Sílvio da Salvo. Direito civil: parte geral. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003.
ZAFFORONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro. 4 ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002.
ZANON, Artemio. Introdução à ciência do direito penal. Florianópolis: Obra Jurídica,
1997.
79
ANEXO I
LEI Nº 9.605, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998.
Dispõe sobre as sanções penais e
administrativas derivadas de condutas e
atividades lesivas ao meio ambiente, e dá
outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a
seguinte Lei:
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º (VETADO)
Art. 2º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas
a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de
conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que,
sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.
Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o
disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou
contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-
autoras ou partícipes do mesmo fato.
Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.
Art. 5º (VETADO)
CAPÍTULO II
DA APLICAÇÃO DA PENA
Art. 6º Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará:
80
I - a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas conseqüências para a saúde pública e
para o meio ambiente;
II - os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental;
III - a situação econômica do infrator, no caso de multa.
Art. 7º As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade quando:
I - tratar-se de crime culposo ou for aplicada a pena privativa de liberdade inferior a quatro anos;
II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os
motivos e as circunstâncias do crime indicarem que a substituição seja suficiente para efeitos de
reprovação e prevenção do crime.
Parágrafo único. As penas restritivas de direitos a que se refere este artigo terão a mesma duração da pena
privativa de liberdade substituída.
Art. 8º As penas restritivas de direito são:
I - prestação de serviços à comunidade;
II - interdição temporária de direitos;
III - suspensão parcial ou total de atividades;
IV - prestação pecuniária;
V - recolhimento domiciliar.
Art. 9º A prestação de serviços à comunidade consiste na atribuição ao condenado de tarefas gratuitas
junto a parques e jardins públicos e unidades de conservação, e, no caso de dano da coisa particular,
pública ou tombada, na restauração desta, se possível.
Art. 10. As penas de interdição temporária de direito são a proibição de o condenado contratar com o
Poder Público, de receber incentivos fiscais ou quaisquer outros benefícios, bem como de participar de
licitações, pelo prazo de cinco anos, no caso de crimes dolosos, e de três anos, no de crimes culposos.
Art. 11. A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às prescrições
legais.
Art. 12. A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima ou à entidade pública ou
privada com fim social, de importância, fixada pelo juiz, não inferior a um salário mínimo nem superior a
81
trezentos e sessenta salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual reparação
civil a que for condenado o infrator.
Art. 13. O recolhimento domiciliar baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado,
que deverá, sem vigilância, trabalhar, freqüentar curso ou exercer atividade autorizada, permanecendo
recolhido nos dias e horários de folga em residência ou em qualquer local destinado a sua moradia
habitual, conforme estabelecido na sentença condenatória.
Art. 14. São circunstâncias que atenuam a pena:
I - baixo grau de instrução ou escolaridade do agente;
II - arrependimento do infrator, manifestado pela espontânea reparação do dano, ou limitação
significativa da degradação ambiental causada;
III - comunicação prévia pelo agente do perigo iminente de degradação ambiental;
IV - colaboração com os agentes encarregados da vigilância e do controle ambiental.
Art. 15. São circunstâncias que agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:
I - reincidência nos crimes de natureza ambiental;
II - ter o agente cometido a infração:
a) para obter vantagem pecuniária;
b) coagindo outrem para a execução material da infração;
c) afetando ou expondo a perigo, de maneira grave, a saúde pública ou o meio ambiente;
d) concorrendo para danos à propriedade alheia;
e) atingindo áreas de unidades de conservação ou áreas sujeitas, por ato do Poder Público, a regime
especial de uso;
f) atingindo áreas urbanas ou quaisquer assentamentos humanos;
g) em período de defeso à fauna;
h) em domingos ou feriados;
i) à noite;
j) em épocas de seca ou inundações;
82
l) no interior do espaço territorial especialmente protegido;
m) com o emprego de métodos cruéis para abate ou captura de animais;
n) mediante fraude ou abuso de confiança;
o) mediante abuso do direito de licença, permissão ou autorização ambiental;
p) no interesse de pessoa jurídica mantida, total ou parcialmente, por verbas públicas ou beneficiada por
incentivos fiscais;
q) atingindo espécies ameaçadas, listadas em relatórios oficiais das autoridades competentes;
r) facilitada por funcionário público no exercício de suas funções.
Art. 16. Nos crimes previstos nesta Lei, a suspensão condicional da pena pode ser aplicada nos casos de
condenação a pena privativa de liberdade não superior a três anos.
Art. 17. A verificação da reparação a que se refere o § 2º do art. 78 do Código Penal será feita mediante
laudo de reparação do dano ambiental, e as condições a serem impostas pelo juiz deverão relacionar-se
com a proteção ao meio ambiente.
Art. 18. A multa será calculada segundo os critérios do Código Penal; se revelar-se ineficaz, ainda que
aplicada no valor máximo, poderá ser aumentada até três vezes, tendo em vista o valor da vantagem
econômica auferida.
Art. 19. A perícia de constatação do dano ambiental, sempre que possível, fixará o montante do prejuízo
causado para efeitos de prestação de fiança e cálculo de multa.
Parágrafo único. A perícia produzida no inquérito civil ou no juízo cível poderá ser aproveitada no
processo penal, instaurando-se o contraditório.
Art. 20. A sentença penal condenatória, sempre que possível, fixará o valor mínimo para reparação dos
danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido ou pelo meio ambiente.
Parágrafo único. Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá efetuar-se pelo valor
fixado nos termos do caput, sem prejuízo da liquidação para apuração do dano efetivamente sofrido.
Art. 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com
o disposto no art. 3º, são:
I - multa;
II - restritivas de direitos;
83
III - prestação de serviços à comunidade.
Art. 22. As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são:
I - suspensão parcial ou total de atividades;
II - interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;
III - proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.
§ 1º A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições
legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente.
§ 2º A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a
devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou
regulamentar.
§ 3º A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não
poderá exceder o prazo de dez anos.
Art. 23. A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em:
I - custeio de programas e de projetos ambientais;
II - execução de obras de recuperação de áreas degradadas;
III - manutenção de espaços públicos;
IV - contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.
Art. 24. A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar
ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua liquidação forçada, seu patrimônio será
considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.
CAPÍTULO III
DA APREENSÃO DO PRODUTO E DO INSTRUMENTO DE INFRAÇÃO
ADMINISTRATIVA OU DE CRIME
Art. 25. Verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos
autos.
§ 1º Os animais serão libertados em seu habitat ou entregues a jardins zoológicos, fundações ou entidades
assemelhadas, desde que fiquem sob a responsabilidade de técnicos habilitados.
84
§ 2º Tratando-se de produtos perecíveis ou madeiras, serão estes avaliados e doados a instituições
científicas, hospitalares, penais e outras com fins beneficentes.(Vide Medida Provisória nº 62, de
23.8.2002)
§ 3° Os produtos e subprodutos da fauna não perecíveis serão destruídos ou doados a instituições
científicas, culturais ou educacionais.
§ 4º Os instrumentos utilizados na prática da infração serão vendidos, garantida a sua descaracterização
por meio da reciclagem.
§ 5º (Vide Medida Provisória nº 62, de 23.8.2002)
CAPÍTULO IV
DA AÇÃO E DO PROCESSO PENAL
Art. 26. Nas infrações penais previstas nesta Lei, a ação penal é pública incondicionada.
Parágrafo único. (VETADO)
Art. 27. Nos crimes ambientais de menor potencial ofensivo, a proposta de aplicação imediata de pena
restritiva de direitos ou multa, prevista no art. 76 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, somente
poderá ser formulada desde que tenha havido a prévia composição do dano ambiental, de que trata o art.
74 da mesma lei, salvo em caso de comprovada impossibilidade.
Art. 28. As disposições do art. 89 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, aplicam-se aos crimes de
menor potencial ofensivo definidos nesta Lei, com as seguintes modificações:
I - a declaração de extinção de punibilidade, de que trata o § 5° do artigo referido no caput, dependerá de
laudo de constatação de reparação do dano ambiental, ressalvada a impossibilidade prevista no inciso I do
§ 1° do mesmo artigo;
II - na hipótese de o laudo de constatação comprovar não ter sido completa a reparação, o prazo de
suspensão do processo será prorrogado, até o período máximo previsto no artigo referido no caput,
acrescido de mais um ano, com suspensão do prazo da prescrição;
III - no período de prorrogação, não se aplicarão as condições dos incisos II, III e IV do § 1° do artigo
mencionado no caput;
IV - findo o prazo de prorrogação, proceder-se-á à lavratura de novo laudo de constatação de reparação
do dano ambiental, podendo, conforme seu resultado, ser novamente prorrogado o período de suspensão,
até o máximo previsto no inciso II deste artigo, observado o disposto no inciso III;
85
V - esgotado o prazo máximo de prorrogação, a declaração de extinção de punibilidade dependerá de
laudo de constatação que comprove ter o acusado tomado as providências necessárias à reparação integral
do dano.
CAPÍTULO V
DOS CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE
Seção I
Dos Crimes contra a Fauna
Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota
migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo
com a obtida:
Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas:
I - quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida;
II - quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural;
III - quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou
transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos
e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença
ou autorização da autoridade competente.
§ 2º No caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o
juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena.
§ 3° São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e
quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro
dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras.
§ 4º A pena é aumentada de metade, se o crime é praticado:
I - contra espécie rara ou considerada ameaçada de extinção, ainda que somente no local da infração;
II - em período proibido à caça;
III - durante a noite;
IV - com abuso de licença;
86
V - em unidade de conservação;
VI - com emprego de métodos ou instrumentos capazes de provocar destruição em massa.
§ 5º A pena é aumentada até o triplo, se o crime decorre do exercício de caça profissional.
§ 6º As disposições deste artigo não se aplicam aos atos de pesca.
Art. 30. Exportar para o exterior peles e couros de anfíbios e répteis em bruto, sem a autorização da
autoridade ambiental competente:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
Art. 31. Introduzir espécime animal no País, sem parecer técnico oficial favorável e licença expedida por
autoridade competente:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou
domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que
para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.
Art. 33. Provocar, pela emissão de efluentes ou carreamento de materiais, o perecimento de espécimes da
fauna aquática existentes em rios, lagos, açudes, lagoas, baías ou águas jurisdicionais brasileiras:
Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas cumulativamente.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas:
I - quem causa degradação em viveiros, açudes ou estações de aqüicultura de domínio público;
II - quem explora campos naturais de invertebrados aquáticos e algas, sem licença, permissão ou
autorização da autoridade competente;
III - quem fundeia embarcações ou lança detritos de qualquer natureza sobre bancos de moluscos ou
corais, devidamente demarcados em carta náutica.
Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão
competente:
87
Pena - detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem:
I - pesca espécies que devam ser preservadas ou espécimes com tamanhos inferiores aos permitidos;
II - pesca quantidades superiores às permitidas, ou mediante a utilização de aparelhos, petrechos, técnicas
e métodos não permitidos;
III - transporta, comercializa, beneficia ou industrializa espécimes provenientes da coleta, apanha e pesca
proibidas.
Art. 35. Pescar mediante a utilização de:
I - explosivos ou substâncias que, em contato com a água, produzam efeito semelhante;
II - substâncias tóxicas, ou outro meio proibido pela autoridade competente:
Pena - reclusão de um ano a cinco anos.
Art. 36. Para os efeitos desta Lei, considera-se pesca todo ato tendente a retirar, extrair, coletar, apanhar,
apreender ou capturar espécimes dos grupos dos peixes, crustáceos, moluscos e vegetais hidróbios,
suscetíveis ou não de aproveitamento econômico, ressalvadas as espécies ameaçadas de extinção,
constantes nas listas oficiais da fauna e da flora.
Art. 37. Não é crime o abate de animal, quando realizado:
I - em estado de necessidade, para saciar a fome do agente ou de sua família;
II - para proteger lavouras, pomares e rebanhos da ação predatória ou destruidora de animais, desde que
legal e expressamente autorizado pela autoridade competente;
III – (VETADO)
IV - por ser nocivo o animal, desde que assim caracterizado pelo órgão competente.
Seção II
Dos Crimes contra a Flora
Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação,
ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:
Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.
88
Art. 39. Cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade
competente:
Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Art. 40. Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do
Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localização:
Pena - reclusão, de um a cinco anos.
§ 1º Entende-se por Unidades de Conservação as Reservas Biológicas, Reservas Ecológicas, Estações
Ecológicas, Parques Nacionais, Estaduais e Municipais, Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais,
Áreas de Proteção Ambiental, Áreas de Relevante Interesse Ecológico e Reservas Extrativistas ou outras
a serem criadas pelo Poder Público.
§ 1o Entende-se por Unidades de Conservação de Proteção Integral as Estações Ecológicas, as Reservas
Biológicas, os Parques Nacionais, os Monumentos Naturais e os Refúgios de Vida Silvestre. (Redação
dada pela Lei nº 9.985, de 18.7.2000)
§ 2º A ocorrência de dano afetando espécies ameaçadas de extinção no interior das Unidades de
Conservação será considerada circunstância agravante para a fixação da pena.
§ 2o A ocorrência de dano afetando espécies ameaçadas de extinção no interior das Unidades de
Conservação de Proteção Integral será considerada circunstância agravante para a fixação da pena.
(Redação dada pela Lei nº 9.985, de 18.7.2000)
§ 3º Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.
Art. 40-A. (VETADO) (Artigo inluído pela Lei nº 9.985, de 18.7.2000)
§ 1o Entende-se por Unidades de Conservação de Uso Sustentável as Áreas de Proteção Ambiental, as
Áreas de Relevante Interesse Ecológico, as Florestas Nacionais, as Reservas Extrativistas, as Reservas de
Fauna, as Reservas de Desenvolvimento Sustentável e as Reservas Particulares do Patrimônio Natural.
(Parágrafo inluído pela Lei nº 9.985, de 18.7.2000)
§ 2o A ocorrência de dano afetando espécies ameaçadas de extinção no interior das Unidades de
Conservação de Uso Sustentável será considerada circunstância agravante para a fixação da pena.
(Parágrafo inluído pela Lei nº 9.985, de 18.7.2000)
§ 3o Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade. (Parágrafo inluído pela Lei nº 9.985, de
18.7.2000)
Art. 41. Provocar incêndio em mata ou floresta:
89
Pena - reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de detenção de seis meses a um ano, e multa.
Art. 42. Fabricar, vender, transportar ou soltar balões que possam provocar incêndios nas florestas e
demais formas de vegetação, em áreas urbanas ou qualquer tipo de assentamento humano:
Pena - detenção de um a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Art. 43. (VETADO)
Art. 44. Extrair de florestas de domínio público ou consideradas de preservação permanente, sem prévia
autorização, pedra, areia, cal ou qualquer espécie de minerais:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Art. 45. Cortar ou transformar em carvão madeira de lei, assim classificada por ato do Poder Público,
para fins industriais, energéticos ou para qualquer outra exploração, econômica ou não, em desacordo
com as determinações legais:
Pena - reclusão, de um a dois anos, e multa.
Art. 46. Receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira, lenha, carvão e outros produtos
de origem vegetal, sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgada pela autoridade competente, e
sem munir-se da via que deverá acompanhar o produto até final beneficiamento:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda, tem em depósito, transporta ou
guarda madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem licença válida para todo o tempo
da viagem ou do armazenamento, outorgada pela autoridade competente.
Art. 47. (VETADO)
Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Art. 49. Destruir, danificar, lesar ou maltratar, por qualquer modo ou meio, plantas de ornamentação de
logradouros públicos ou em propriedade privada alheia:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Parágrafo único. No crime culposo, a pena é de um a seis meses, ou multa.
90
Art. 50. Destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de
mangues, objeto de especial preservação:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Art. 51. Comercializar motosserra ou utilizá-la em florestas e nas demais formas de vegetação, sem
licença ou registro da autoridade competente:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Art. 52. Penetrar em Unidades de Conservação conduzindo substâncias ou instrumentos próprios para
caça ou para exploração de produtos ou subprodutos florestais, sem licença da autoridade competente:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Art. 53. Nos crimes previstos nesta Seção, a pena é aumentada de um sexto a um terço se:
I - do fato resulta a diminuição de águas naturais, a erosão do solo ou a modificação do regime climático;
II - o crime é cometido:
a) no período de queda das sementes;
b) no período de formação de vegetações;
c) contra espécies raras ou ameaçadas de extinção, ainda que a ameaça ocorra somente no local da
infração;
d) em época de seca ou inundação;
e) durante a noite, em domingo ou feriado.
Seção III
Da Poluição e outros Crimes Ambientais
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à
saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.
§ 2º Se o crime:
91
I - tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana;
II - causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas
afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população;
III - causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma
comunidade;
IV - dificultar ou impedir o uso público das praias;
V - ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias
oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos:
Pena - reclusão, de um a cinco anos.
§ 3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar, quando assim o
exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou
irreversível.
Art. 55. Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização,
permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem deixa de recuperar a área pesquisada ou explorada, nos
termos da autorização, permissão, licença, concessão ou determinação do órgão competente.
Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar,
guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao
meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem abandona os produtos ou substâncias referidos no caput, ou os
utiliza em desacordo com as normas de segurança.
§ 2º Se o produto ou a substância for nuclear ou radioativa, a pena é aumentada de um sexto a um terço.
§ 3º Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Art. 57. (VETADO)
Art. 58. Nos crimes dolosos previstos nesta Seção, as penas serão aumentadas:
92
I - de um sexto a um terço, se resulta dano irreversível à flora ou ao meio ambiente em geral;
II - de um terço até a metade, se resulta lesão corporal de natureza grave em outrem;
III - até o dobro, se resultar a morte de outrem.
Parágrafo único. As penalidades previstas neste artigo somente serão aplicadas se do fato não resultar
crime mais grave.
Art. 59. (VETADO)
Art. 60. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional,
estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos
ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Art. 61. Disseminar doença ou praga ou espécies que possam causar dano à agricultura, à pecuária, à
fauna, à flora ou aos ecossistemas:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Seção IV
Dos Crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural
Art. 62. Destruir, inutilizar ou deteriorar:
I - bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial;
II - arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato
administrativo ou decisão judicial:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena é de seis meses a um ano de detenção, sem prejuízo da
multa.
Art. 63. Alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente protegido por lei, ato
administrativo ou decisão judicial, em razão de seu valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico,
histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade
competente ou em desacordo com a concedida:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
93
Art. 64. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de
seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico,
etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a
concedida:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Art. 65. Pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Parágrafo único. Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor
artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de seis meses a um ano de detenção, e multa.
Seção V
Dos Crimes contra a Administração Ambiental
Art. 66. Fazer o funcionário público afirmação falsa ou enganosa, omitir a verdade, sonegar informações
ou dados técnico-científicos em procedimentos de autorização ou de licenciamento ambiental:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
Art. 67. Conceder o funcionário público licença, autorização ou permissão em desacordo com as normas
ambientais, para as atividades, obras ou serviços cuja realização depende de ato autorizativo do Poder
Público:
Pena - detenção, de um a três anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano de detenção, sem prejuízo da
multa.
Art. 68. Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante
interesse ambiental:
Pena - detenção, de um a três anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano, sem prejuízo da multa.
Art. 69. Obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais:
Pena - detenção, de um a três anos, e multa.
CAPÍTULO VI
94
DA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA
Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras
jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
§ 1º São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo
administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente -
SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos
Portos, do Ministério da Marinha.
§ 2º Qualquer pessoa, constatando infração ambiental, poderá dirigir representação às autoridades
relacionadas no parágrafo anterior, para efeito do exercício do seu poder de polícia.
§ 3º A autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua
apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de co-responsabilidade.
§ 4º As infrações ambientais são apuradas em processo administrativo próprio, assegurado o direito de
ampla defesa e o contraditório, observadas as disposições desta Lei.
Art. 71. O processo administrativo para apuração de infração ambiental deve observar os seguintes prazos
máximos:
I - vinte dias para o infrator oferecer defesa ou impugnação contra o auto de infração, contados da data da
ciência da autuação;
II - trinta dias para a autoridade competente julgar o auto de infração, contados da data da sua lavratura,
apresentada ou não a defesa ou impugnação;
III - vinte dias para o infrator recorrer da decisão condenatória à instância superior do Sistema Nacional
do Meio Ambiente - SISNAMA, ou à Diretoria de Portos e Costas, do Ministério da Marinha, de acordo
com o tipo de autuação;
IV – cinco dias para o pagamento de multa, contados da data do recebimento da notificação.
Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art.
6º:
I - advertência;
II - multa simples;
III - multa diária;
95
IV - apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos,
equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;
V - destruição ou inutilização do produto;
VI - suspensão de venda e fabricação do produto;
VII - embargo de obra ou atividade;
VIII - demolição de obra;
IX - suspensão parcial ou total de atividades;
X – (VETADO)
XI - restritiva de direitos.
§ 1º Se o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais infrações, ser-lhe-ão aplicadas,
cumulativamente, as sanções a elas cominadas.
§ 2º A advertência será aplicada pela inobservância das disposições desta Lei e da legislação em vigor, ou
de preceitos regulamentares, sem prejuízo das demais sanções previstas neste artigo.
§ 3º A multa simples será aplicada sempre que o agente, por negligência ou dolo:
I - advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná-las, no prazo assinalado por
órgão competente do SISNAMA ou pela Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha;
II - opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do SISNAMA ou da Capitania dos Portos, do Ministério
da Marinha.
§ 4° A multa simples pode ser convertida em serviços de preservação, melhoria e recuperação da
qualidade do meio ambiente.
§ 5º A multa diária será aplicada sempre que o cometimento da infração se prolongar no tempo.
§ 6º A apreensão e destruição referidas nos incisos IV e V do caput obedecerão ao disposto no art. 25
desta Lei.
§ 7º As sanções indicadas nos incisos VI a IX do caput serão aplicadas quando o produto, a obra, a
atividade ou o estabelecimento não estiverem obedecendo às prescrições legais ou regulamentares.
§ 8º As sanções restritivas de direito são:
I - suspensão de registro, licença ou autorização;
96
II - cancelamento de registro, licença ou autorização;
III - perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais;
IV - perda ou suspensão da participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de
crédito;
V - proibição de contratar com a Administração Pública, pelo período de até três anos.
Art. 73. Os valores arrecadados em pagamento de multas por infração ambiental serão revertidos ao
Fundo Nacional do Meio Ambiente, criado pela Lei nº 7.797, de 10 de julho de 1989, Fundo Naval,
criado pelo Decreto nº 20.923, de 8 de janeiro de 1932, fundos estaduais ou municipais de meio
ambiente, ou correlatos, conforme dispuser o órgão arrecadador.
Art. 74. A multa terá por base a unidade, hectare, metro cúbico, quilograma ou outra medida pertinente,
de acordo com o objeto jurídico lesado.
Art. 75. O valor da multa de que trata este Capítulo será fixado no regulamento desta Lei e corrigido
periodicamente, com base nos índices estabelecidos na legislação pertinente, sendo o mínimo de R$
50,00 (cinqüenta reais) e o máximo de R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais).
Art. 76. O pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios
substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência.
CAPÍTULO VII
DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA A PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE
Art. 77. Resguardados a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes, o Governo brasileiro
prestará, no que concerne ao meio ambiente, a necessária cooperação a outro país, sem qualquer ônus,
quando solicitado para:
I - produção de prova;
II - exame de objetos e lugares;
III - informações sobre pessoas e coisas;
IV - presença temporária da pessoa presa, cujas declarações tenham relevância para a decisão de uma
causa;
V - outras formas de assistência permitidas pela legislação em vigor ou pelos tratados de que o Brasil seja
parte.
97
§ 1° A solicitação de que trata este artigo será dirigida ao Ministério da Justiça, que a remeterá, quando
necessário, ao órgão judiciário competente para decidir a seu respeito, ou a encaminhará à autoridade
capaz de atendê-la.
§ 2º A solicitação deverá conter:
I - o nome e a qualificação da autoridade solicitante;
II - o objeto e o motivo de sua formulação;
III - a descrição sumária do procedimento em curso no país solicitante;
IV - a especificação da assistência solicitada;
V - a documentação indispensável ao seu esclarecimento, quando for o caso.
Art. 78. Para a consecução dos fins visados nesta Lei e especialmente para a reciprocidade da cooperação
internacional, deve ser mantido sistema de comunicações apto a facilitar o intercâmbio rápido e seguro de
informações com órgãos de outros países.
CAPÍTULO VIII
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 79. Aplicam-se subsidiariamente a esta Lei as disposições do Código Penal e do Código de Processo
Penal.
Art. 79-A.(Vide Medida Provisória nº 2.163-41, de 23.8.2001)
Art. 80. O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de noventa dias a contar de sua publicação.
Art. 81. (VETADO)
Art. 82. Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília, 12 de fevereiro de 1998; 177º da Independência e 110º da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 13.2.1998
98
ANEXO II
TIPO DO PROCESSO .......................................................: Recurso Criminal
NÚMERO............................................................................: 2002.022917-8
DES. RELATOR.................................................................: Des. Solon d'Eça Neves.
DATA DA DECISÃO........................................................: 26/11/2002
Recurso Criminal n. 2002.022917-8, de Curitibanos.
Relator: Des. Solon d'Eça Neves.
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - CRIME AMBIENTAL - REJEIÇÃO DA
DENÚNCIA EM QUE FIGURAVA PESSOA JURÍDICA COMO PARTE PASSIVA EM
DELITO PENAL - LEI DOS CRIMES AMBIENTAIS (LEI N. 9.605/98) QUE ADMITE
EXPRESSAMENTE A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA -
RECURSO PROVIDO (grifo do autor).
A Lei dos Crimes Ambientais inovou o Direito Brasileiro quando admitiu, expressamente,
a responsabilidade penal da pessoa jurídica para coibir e penalizar os chamados crimes de
dano ao meio ambiente cometido por empresas.
Necessário atender ao rigorismo pretendido pela legislação em relação ao infrator que
provoca danos ao meio ambiente, seja pessoa física ou jurídica, resguardando, com
isso, o direito constitucional que garante qualidade de vida ambiental a todos (grifo).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Criminal n. 2002.022917-8, da
comarca de Curitibanos (Vara Criminal, Infância e Juventude), em que é recorrente a
Justiça, por seu Promotor, sendo recorrida S.A. Fósforos Gaboardi:
ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por votação unânime, dar provimento ao
recurso.
Custas legais.
O representante do Ministério Público da comarca de Curitibanos ofereceu denúncia contra
S.A. Fósforos Gaboardi, José Righes e Jani Tubias de Lima, dando-os como incursos, o
99
primeiro nas sanções do art. 46, caput, da Lei n. 9.605/98, e os dois últimos nas sanções do
art. 46, parágrafo único, da referida lei, pelos fatos assim narrados na exordial acusatória:
"No dia 10 de abril de 2002, policiais militares da Companhia de Proteção Ambiental de
Lages/SC, durante a realização de fiscalização florestal, surpreenderam o denunciado
JANI TUBIAS DE LIMA preposto da empresa denunciada S/A FÓSFOROS GABOARDI,
juntamente com os autores dos fatos Pedro Rodrigues de Souza, Edmilson Muller e José
Carlos de Jesus, transportando para o pátio desta última, em São Cristóvão do Sul, nesta
Comarca, sem licença válida da autoridade competente, 30.424m3 (trinta mil,
quatrocentos e vinte e quatro metros cúbicos) de toras de pinheiro do Paraná (araucaria
angustifolia).
"Consta que o denunciado JOSÉ RIGHES, na função de gerente da denunciada, era quem
adquiria as toras apreendidas no momento da apreensão, as quais eram depositadas no
citado pátio, conforme levantamento fotográfico à fl. 34 do termo em tela.
"Mister se faz ressaltar que, no local retromencionado, ainda foram apreendidos 16.251m3
(dezesseis mil, duzentos e cinqüenta e um metros cúbicos), de toras da espécie araucaria
angustifolia".
Às fls. 41/58, o MM. Juiz entendeu por rejeitar a denúncia em relação a empresa S. A.
Fósforos Gaboardi e receber a referida denúncia em relação aos acusados Jani e José.
Inconformado com o despacho que rejeitou, em parte, a denúncia, o representante do
Ministério Público interpôs recurso em sentido estrito, visando ao recebimento da peça
acusatória da empresa S. A. Fósforos Gaboardi. Discorreu que com o advento da Lei n.
9.605/98 as pessoas jurídicas passaram a ser responsabilizadas criminalmente, previsão esta
já enunciada na Constituição Federal de 1988.
Contra-arrazoado o recurso e mantida a decisão vergastada, os autos ascenderam a esta
instância, tendo a douta Procuradoria Geral de Justiça, opinado pelo provimento do recurso.
É o relatório.
Restou constatado nos autos, conforme depoimentos dos policiais que em flagrante delito
apreenderam carregamento de toras de madeira, sem a devida autorização, no pátio da
empresa de fósforos Gaboardi, a prática de crime ambiental perpetrado por José Righes,
Jani Tubias de Lima e a empresa S.A. Fósforos Gaboardi.
100
Ocorre que o Magistrado, no despacho guerreado, entendeu por rejeitar a denúncia em
relação a pessoa jurídica, tecendo considerações sobre a impossibilidade de a empresa
figurar como parte passiva em processo criminal, violando, assim, preceito expresso da lei
(art. 3º da Lei n. 9.605/98).
O cerne da quaestio resume-se na possibilidade de responsabilizar-se a pessoa jurídica por
crimes causados ao meio ambiente.
A questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica ainda é tormentosa no Brasil,
embora em outros países, a matéria já esteja mais assente.
No Brasil a questão já vem sendo enfrentada desde seus primórdios, quando já manifestava
preocupação com o meio ambiente. Na época do descobrimento vigoravam as Ordenações
Afonsinas nas quais havia previsão de injúria ao rei o corte de árvores frutíferas. Mais tarde
as Ordenações Manuelinas continham proibição de abate de animais silvestres e o corte de
árvores de fruto significava pena de desterro no Brasil.
No Brasil Império, o Código Criminal do Império (1830) punia o corte de árvores e os
danos ao patrimônio cultural. Em 1934, quando promulgado o chamado Código Florestal
(Decreto n. 23.793), fazia-se a dicotomia das infrações penais e contravencionais. Esta
legislação foi substituída posteriormente pela Lei n. 4.771, de 15/9/1965, que instituiu o
novo Código Florestal. Mais tarde complementou o legislador com a promulgação do
Decreto-Lei n. 221, de 28/2/1967, conhecido como Código de Caça e Pesca, e na Lei
Federal n. 7.653, de 12/2/1988, foram elevados à crime as antigas contravenções penais do
Código de Caça e Pesca, tornando-se crimes inafiançáveis.
A promulgação da Constituição Federal de 1988, admitindo expressamente a
responsabilização da pessoa jurídica em crimes contra a ordem econômica e em crimes de
dano ambiental, reservando um capítulo especial para tratar da matéria ambiental, foi uma
grande inovação legislativa neste País.
Estabelece no capítulo do Meio Ambiente:
"Art. 225 - 'Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defende-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
101
"§ 3º - As condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas
físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação
de reparar os danos causados".
Tais dispositivos objetivavam não só os crimes ambientais, mas a intenção do legislador
constitucional foi de coibir e responsabilizar os chamados crimes empresariais. Tanto que,
no capítulo referente a atividade econômica, fez idêntica previsão, com relação às pessoas
jurídicas.
"Art. 175 -
"§ 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica,
estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua
natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia
popular"
Lamentavelmente, o mandamento constitucional, embora de aplicação imediata, não tem
conduzido a um resultado positivo, no sentido de coibir a crescente criminalidade
ambiental, muitas das vezes cometido por instituições organizadas. Além disso, existe uma
certa relutância por parte dos juristas na questão da imposição de penalidades às pessoas
jurídicas.
No Brasil vigia o princípio da societas delinquere nom potest.
A norma constitucional seguiu a tendência mundial de responsabilização da pessoa jurídica,
como temos o exemplo dos USA que em fevereiro de 1909, quando do julgamento do caso
New York Central & Hudson River Railroad vs Governo dos USA ficou assentado que a
pessoa que delinqüe não deve ser distinguida, podendo ser jurídica ou física. Na França,
desde a reforma do Código Penal, em 1994, que a pessoa jurídica é responsabilizada
penalmente.
Sem adentrar na discussão das escolas jurídicas referentes à pessoa, como o fazem alguns
doutrinadores que não admitem a responsabilidade da pessoa jurídica com base na teoria da
ficção de Savigny, que sustenta que a pessoa jurídica tem uma existência fictícia, e que
foram sustentadas pela Escola Clássica no qual Carrara afirmava que o único sujeito ativo
do delito é a pessoa humana, pois é dotada de vontade própria; a Escola Positiva admite a
penalização da pessoa jurídica apenas no campo do direito penal administrativo, e a Escola
do Tecnicismo Jurídico, quando Manzini estabelece que o sujeito ativo do delito supõe uma
102
potencialidade volitiva própria. Por outro lado, a Escola Organicista de Gierke proclama
que a pessoa jurídica é um ser real , um verdadeiro organismo, cuja vontade não é a soma
de vontades de seus dirigentes. Conclui que a pessoa jurídica tem vontade própria, mas o
ato praticado por seus integrantes é distinto destes.
Mais consentâneo com a vontade do legislador é a posição de Aquiles Mestre para
quem as pessoas jurídicas podem cometer delitos e ser responsáveis por estes delitos
como autores e como partícipes (não quero adentrar na discussão de cabimento da co-
autoria nos crimes ambientais), envolvendo não só os sócios culpados, como os sócios
inocentes, estes que receberão uma penalidade proporcional à sua culpabilidade (grifo do
autor).
Nesse mundo globalizado, a meu sentir, a melhor e mais coerente com o espírito do
legislador é a posição de Eládio Lecey acolhida por Wladimir Passos de Freitas e Gilberto
Passos de Freitas, para quem existem, em síntese:
"três modelos legislativos: o primeiro é o dos países que aceitam a responsabilidade penal
da pessoa jurídica, sem maiores indagações (v.g. Estados Unidos); o segundo é o daqueles
que a repelem (v.g. Itália); e o terceiro, adotado pelo Brasil, admite a responsabilidade,
mas condicionada a determinadas situações definidas expressamente pelo legislador".
Na doutrina moderna prevalece o entendimento de que a pessoa jurídica não é uma
mera ficção, mas é a que tem personalidade e realidade próprias e diversas da pessoa
física ou natural. Aliás, o próprio Código Civil, no artigo 20, admite esta distinção,
quando preconiza que as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus
membros, estabelecendo no parágrafo segundo que mesmo não autorizadas ou
registradas, as pessoas jurídicas de direito privado serão responsabilizadas por todos
os seus atos (grifos do autor).
Diante disso, correta a conclusão do Prof. Ruy Junqueira de Freitas Camargo, de que "a
ficção de personalidade jurídica das sociedades comerciais não pode constituir obstáculo
à realidade que tem de ser apurada, para a justiça poder completar a sua alta missão de
apurar devidamente os fatos" (Justitia 84/398).
Não há mais como negar a possibilidade desta responsabilização do ente jurídico, e a
definição das condutas da pessoa jurídica passíveis de penalidade, expressamente
previstas na Lei n. 9.605/98, que afastam, a meu sentir, qualquer posição doutrinária
103
em contrário. Aliás, quando o legislador utilizou-se da expressão administrativa, civil
e penal, inseriu a conjunção "e", isto é, uma conjunção aditiva admitindo o somatório
das circunstâncias jurídicas aplicáveis. (grifei)
Tão logo promulgada a Lei dos Crimes Ambientais, como ficou conhecida, a grande
maioria dos doutrinadores pátrios acolheu a idéia de penalização da pessoa jurídica.
Evidente que a ciência do Direito permitiu posicionamentos contrários, como por exemplo,
o Prof. René Ariel Dotti, que sustenta, com base na escola da ficção, que o sujeito ativo do
delito só pode ser o ser humano, porque sujeito possuidor de vontade própria. No entanto, a
pessoa jurídica também tem vontade própria, que dirige sua conduta, fruto da vontade da
maioria de seus membros.
Apropriada a manifestação de Roque de Brito Alves que:
"Não se justifica mais tal negativa da responsabilidade penal da pessoa jurídica, o que
permite uma evidente distinção entre a responsabilidade penal pessoal, individual e a
responsabilidade penal da pessoa jurídica que não se confunde com a responsabilidade
criminal dos seus membros ou componentes. Distinção também, por outra parte, entre as
sanções administrativas ou civis das sanções penais dos crimes pela pessoa jurídica".
"Concordamos com a assertiva supra, entendendo perfeitamente admissível ao sistema
legal brasileiro a responsabilidade da pessoa jurídica de direito privado" (in Lei dos
Crimes Ambientais, São Paulo, ADCOAS, 1999, págs.91/93) (grifos do autor)
Por outro lado, bom registrar-se que: não podemos interpretar como sendo inconstitucional
tal dispositivo, uma vez que, segundo assinalam os doutrinadores Vladimir Passos de
Freitas e Gilberto Passos de Freitas, "se a própria Constituição admite expressamente a
sanção penal à pessoa jurídica, é inviável interpretar a lei como inconstitucional, porque
ofenderia outra norma que não é específica sobre o assunto. Tal tipo de interpretação,
em verdade, significaria estar o Judiciário a rebelar-se contra o que o Legislativo
deliberou, cumprindo a Constituição Federal. Portanto, cabe a todos, agora, dar
efetividade ao dispositivo legal" (in Crimes contra a natureza, 6ª edição, Editora
Revista dos Tribunais, 2000, pág. 63) (grifei).
Com isso, verificamos claramente que o legislador ordinário limitou-se a obedecer o
comando constitucional quando atribuiu esta responsabilidade penal às pessoas jurídicas.
Em caso similar, já tive a oportunidade de manifestar:
104
"RECURSO CRIMINAL - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - CRIME AMBIENTAL
- DENÚNCIA REJEITADA - RECONHECIMENTO DA RESPONSABILIDADE PENAL
DAS PESSOAS JURÍDICAS - POSSIBILIDADE ANTE O ADVENTO DA LEI N.
9.605/98 - AUSÊNCIA DE PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS - ORIENTAÇÃO
DOUTRINÁRIA - RECURSO PROVIDO
"Completamente cabível a pessoa jurídica figurar no pólo passivo da ação penal que tenta
apurar a responsabilidade criminal por ela praticada contra o meio ambiente" (Recurso
Criminal n. 2000.020968-6, de São Miguel do Oeste, j. em 13/3/2001).
Extrai-se do voto:
"Concernente à possibilidade da pessoa jurídica vir a ser responsabilizada, embora sejam
escassas as decisões sobre a matéria, encontro subsídio na doutrina; diga-se que há
infindáveis obras dando conta de que a pessoa jurídica pode ser responsabilizada
penalmente quando vem praticar agressões ao meio ambiente.
"A discussão sobre a temática tornou-se acirrada a partir da Constituição Federal de 1988
onde, nos artigos 173, § 5º e 223, § 3º, veio insculpida a responsabilidade penal da pessoa
jurídica. Contudo, esses dispositivos não eram auto-aplicáveis, cabendo a legislação
ordinária estabelecer e definir as condutas da pessoa jurídica puníveis. Ocorre que com o
advento da Lei n. 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), mais precisamente no artigo 3º da
referida lei, houve essa regulamentação:
'As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme
o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração cometida por decisão de seu
representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da
sua entidade'.
"Elida Séguin e Francisco Carrera assim discorreram sobre a temática:
'A LCA prevê, no art. 3º, a responsabilidade da pessoa jurídica, se a infração for cometida
por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de órgão colegiado no interesse
ou benefício da sua entidade. Esta expressão pressupõe que do ato advirá vantagem para a
pessoa jurídica, sendo válida a crítica de Luiz Regis Prado que condiciona a condenação
ao 'interesse (vantagem de qualquer natureza - política, moral etc.) ou benefício (favor,
ganho, proveito econômico)'.
105
'Realmente cabe reconhecer que a LCA não foi bastante clara sobre que crimes poderiam
ser cometidos pela pessoa jurídica, ficando patente que sempre que houver a condenação
da pessoa jurídica, esta acontecerá na forma de concurso de agentes, consoante o disposto
no parágrafo único do mencionado artigo, determinando que a responsabilidade da pessoa
jurídica não exclua a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do fato.
'A responsabilidade penal, dos dez anos que intermediaram a promulgação da CFR e a
vinda a lume da LCA, foi motivo de crítica dos doutrinadores, fundamentada nos princípios
da individualização da pena, da responsabilidade pessoal e da culpabilidade, todos
também com sede constitucional. No entanto, vale consignar que a responsabilidade penal
da pessoa jurídica é tendência internacional, posto que já vigente em outros ordenamentos
jurídicos, em diversas legislações penais européias, certamente em decorrência da
'Convenção da União Européia para os países membros, com determinação expressa sobre
as condenações das pessoas jurídicas pela pena de multa'.
'(..)
'Favorável a que o Brasil siga a tendência internacional de punir penalmente os seres
morais, Roque de Brito Alves sustenta que:
'Não se justifica mais tal negativa da responsabilidade penal da pessoa jurídica, o que
permite uma evidente distinção entre a responsabilidade penal pessoal, individual e a
responsabilidade penal da pessoa jurídica que não se confunde com a responsabilidade
criminal dos seus membros ou componentes. Distinção também, por outra parte, entre as
sanções administrativas ou civis das sanções penais dos crimes pela pessoa jurídica'.
'Concordamos com a assertiva supra, entendendo perfeitamente admissível ao sistema
legal brasileiro a responsabilidade da pessoa jurídica de direito privado' (in Lei dos
Crimes Ambientais, São Paulo, ADCOAS, 1999, págs.91/93).
"Na mesma esteira, de grande valia o trabalho do professor, parecerista e advogado em
São Paulo, Dr. José Henrique Pierangeli:
'1. Introdução
'A principal discussão, na atualidade, situa-se no fato de se a pessoa jurídica, fruto da
criação do ser humano, pode ou não delinqüir. Não obstante existam algumas
discrepâncias, essas discussões podem ser elencadas dentro de duas teorias, ou grupos, tal
como ocorria já no início deste século: teorias da ficção e da realidade.
106
'A primeira teoria, que tem suas raízes no direito romano, adotou o princípio
individualístico, consubstanciado na expressão largamente divulgada 'societas delinquere
non potest'. Este posicionamento, após estudos desenvolvidos no período medieval, dentre
eles os realizados pelo pós-glosador Bártolo, foi ganhar contornos praticamente definitivos
com a genialidade de Savigny em 1840, e, ainda hoje, como observa Fernando Mantovani,
é o sistema jurídico predominante na Europa continental, tido como apto para enfrentar a
criminalidade societária.
'Nos termos postos por esta teoria só o ser humano pode delinqüir, posto que somente ele é
dotado de vontade e de capacidade para dirigir essa vontade no mundo exterior, ou, como
salta do princípio jusnaturalístico, em todo direito subjetivo existe a causa da liberdade
moral, que se encontra ínsita em cada homem. Portanto, como pôs a calvo o próprio
Savigny, só o homem, individualmente considerado, é dotado pela natureza de capacidade
para ser sujeito de direitos e de personalidade.
'A outra teoria, a qual encontra suas raízes na mentalidade germânica, foi trazida até nós
principalmente por Gierke, e por seu divulgador maior, o francês Aquiles Mestre. O labor
de Mestre, cuja tradução para o espanhol foi feita em 1930 por Quintiliano Saldaña,
ingressou profundamente na doutrina latino-americana, e ao tempo em que prepondera
nos países anglo-saxãos, vai conquistando cada vez mais adeptos em todo o mundo. Em
tais países anglo-saxões a responsabilidade penal dessas entidades, e mui especialmente
das sociedades com fim lucrativo, ganhou ainda maior realce com o Model Penal Code de
1962 e com o Proposed Criminal Code Reform Act, de 1981 nos Estados Unidos da
América.
'Para esta teoria, denominada da realidade ou organicista, a pessoa jurídica é um ser real,
cuja vontade não é a somatória das vontades de seus associados ou de seus diretores e
administradores. Em verdade, possui uma vontade própria, que segundo Aquiles Mestre,
atua sobre as coisas e vai constituir o poder do grupo, poder que o Estado, às vezes, vem
limitar e sancionar em nome do direito, com o reconhecimento da personalidade do grupo.
'2. Visualização moderna da problemática
'Embora não seja nosso propósito estudar aqui, com maior amplitude, a situação pela qual
passa a doutrina acerca da responsabilidade penal das pessoas jurídicas, há de se passar,
ao menos, pelas linhas gerais do que se tem nas conclusões de tantos estudos.
107
'Se de um lado se tem por assente a responsabilidade pessoal na teoria da ficção, por
outro, fixa-se a responsabilidade social para a da pessoa jurídica. A questão da
possibilidade ou não de conduta por parte dos entes, continua a ser questão candente na
doutrina, mas não mais se a tem na qualidade de obstáculo intransponível como nas
décadas anteriores, pois, com uma certa ousadia, pode-se romper com os preconceitos da
ordem dogmática e optar-se por soluções que os novos tempos estão a reclamar. Também
já não se há de falar em dificuldades para se efetivar a punição da pessoa jurídica, posto
que além da multa, espécie de sanção penal que se tem como de uso prioritário, o direito
penal moderno possui uma gama de penas que podem ser utilizadas.
'Hodiernamente pode-se afirmar, com absoluta segurança, ser a responsabilidade ou
irresponsabilidade das pessoas jurídicas, mais do que um problema ontológico ou
dogmático, sendo mesmo uma questão de sistema político-econômico e de prática utilidade
e eficiência. O sistema da responsabilidade individual se amolda aos postulados da
dogmática tradicional, e, portanto, entre nós, no sistema do Código Penal, toda a
legislação em que se adote a responsabilidade penal da pessoa coletiva deve ser realizada
em legislações esparsas, ou seja, legislação penal especial, cuja elaboração reclama
extrema prudência. Deve-se ter por presente, que mesmo a responsabilidade social é uma
concepção bastante complexa, cujos componentes, atribuibilidade e a exigibilidade
registram tanto situações de fato, como ingredientes de valoração, como bem diz David
Baigún.
'A fundamentação em sentido contrário à adoção da tese da responsabilidade penal da
pessoa jurídica aponta quatro argumentos principais, os quais não estão a merecer a
mesma valoração, mas que reunidos formam uma respeitável argumentação em favor da
adoção do princípio da responsabilidade individual, a saber: a) não há responsabilidade
sem culpa; b) o princípio da personalidade das penas; c) algumas espécies de penas
jamais poderiam ser aplicadas às pessoas jurídicas, como as de prisão; d) a pessoa
jurídica é incapaz de arrependimento, não podendo, pois, ser intimidada, emendada ou
reeducada.
'De tais ponderações, temos as duas primeiras como de grande importância, porém, 'é
inútil fechar os olhos à tendência crescente para a revisão do velho princípio societas
delinquere non potest', no dizer do conhecido penalista lusitano Manuel Antônio Lopes
108
Rocha, quem assim conclui: 'E é um facto que, sobretudo nos últimos anos, a ortodoxia
clássica sofreu violentos assaltos e são cada vez mais numerosos os juristas que
consideram desejável a consagração da responsabilidade penal das pessoas colectivas,
pelo menos em matéria de infracções às normas de direito económico, do direito social e
da legislação protectora do ambiente'.
'Percorrendo esta mesma senda, nosso companheiro de trabalho de hoje, o
Desembargador Eládio Lecey escreveu: 'As infrações contra as relações de consumo,
assim como as demais de Direito Econômico (como os delitos ambientais), são infrações
de massa, contra a coletividade, atentando contra interesses coletivos e difusos, e não só
contra bens individuais como a saúde e a vida das pessoas.
'De nossa parte, em outras oportunidades, já ressaltamos a pluriofensividade de tais
condutas, que quanto ao meio ambiente atentam contra bens jurídicos ultra-geracionais, o
que 'obriga ao rompimento com princípios e regras assentes no direito penal liberal'.
Também deve ser relembrado que tais providências só devem ser feitas através de leis
penais extravagantes, pois, para nós, torna-se impossível tê-las dentro de um código penal
vinculado ao princípio da responsabilidade penal individual, como exsurge de quase todas
as constituições do mundo. Nossa Carta Magna, no mesmo rumo, afora as ressalvas ainda
por análise nestas linhas, fixa-se também na responsabilidade penal individual'.
'3. A responsabilidade penal da pessoa jurídica na Constituição de 1988.
'O principal questionamento se funda em saber se a Constituição de 1988 consagrou a
responsabilidade penal das pessoas jurídicas. A questão tem merecido a atenção dos
exegetas e apresenta um placar praticamente empatado.
'No tanto quanto nos interessa, temos os artigos 173, § 3º, e 225, § 3º, os quais dispõem
acerca dos atos praticados contra a ordem econômica e financeira, e contra a economia
popular, em relação às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Tais condutas e
atividades, quando lesivas ao meio ambiente, sujeitam os infratores, pessoas físicas ou
jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de
reparação dos danos causados. Neste aspecto surge dúvida no sentido de saber se as
sanções para pessoas físicas e jurídicas seriam diversificadas, porém, pretendesse o
constituinte assim dispor, teria empregado apenas e tão-somente a expressão
respectivamente. Não o fez, e, portanto, possibilitou a duplicidade de interpretações, as
109
quais, agora, com o advento da Lei n. 9.605/98 perdem a importância, tornando-se
questões bizantinas, pois, o legislador ordinário, optou pela responsabilidade penal da
pessoa jurídica nos crimes ambientais.
'Em verdade, ao fixar a responsabilidade penal da pessoa jurídica por crime praticado
contra o meio ambiente, o legislador ordinário atendeu às Recomendações do 15º
Congresso da Associação Internacional de Direito Penal no Rio de Janeiro, realizado de 4
a 10 de setembro de 1994. Acresce salientar, ter o legislador brasileiro optado pelo
sistema de RESPONSABILIDADE PENAL CUMULATIVA, isto é, a responsabilidade do
ser coletivo não exclui a de seus diretores e administradores, tal como previsto em lei ou
em estatuto. Dessa maneira, não descura a lei da conexão entre os fatos praticados pela
pessoa jurídica e as vantagens ou proveitos que deles podem decorrer para as pessoas
físicas supramencionadas.
'4. Das penas previstas para as pessoas jurídicas na lei ambiental.
'A doutrina tem preconizado ser a multa a pena por excelência para a punição das pessoas
jurídicas. Para estas, e para as pessoas físicas, na legislação brasileira recente, na
aplicação da pena de multa o juiz deve atentar para a situação econômica do infrator (art.
6º, III). Ainda neste sentido, diz o artigo 18, do mesmo diploma, que a multa será calculada
segundo os critérios do Código Penal, e, em se revelando ineficaz, ainda que aplicada no
valor máximo, poderá ser aumentada em até três vezes, tendo em vista o valor da vantagem
econômica auferida. Por outras palavras, permite-se, assim, em caso da previsão tornar-se
insuficiente diante da vantagem econômica auferida com a prática do crime, seja
aumentada até três vezes por essa razão. Dessarte, a pena máxima de multa, adotado o
critério do dia-multa do Código Penal, pode atingir R$ 734.400,00, no seu grau máximo (
5 x salário mínimo x 360 dias x 3 ), a qual não poderá ser majorada, ainda quando
concorrerem as circunstâncias agravantes do art. 15. Entendemos ter sido prudente o
legislador ao fixar tal sanção pecuniária máxima, pois que tais valores podem se
apresentar significativos até para as empresas de grande porte, tornando-se a pena apta
para cumprir as funções de reprovação e prevenção geral e especial. Dentro desse mesmo
critério, é verdade, também é prevista a prestação pecuniária como pena restritiva de
direito (art. 8º, IV), cujos limites foram fixados entre R$ 136,00 (salário mínimo) e R$
48.960,00 (1 salário mínimo x 360) - art. 12.
110
'A lei prevê também para as pessoas jurídicas outras espécies de sanções, tais como as
próprias penas restritivas de direito, previstas a suspensão parcial ou total de suas
atividades, a interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade, e, a proibição
de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações
(art. 22, incisos I, II e III, respectivamente). A suspensão será aplicada quando a pessoa
jurídica não estiver obedecendo as disposições legais ou regulamentares relativas ao meio
ambiente (§ 1º); a interdição quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver
funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com
violação de disposição legal ou regulamentar (§ 2º); a proibição de contratar como Poder
Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez
anos (§ 3º).
'O artigo 23 prevê como pena restritiva de direito a prestação de serviços à comunidade
pela pessoa jurídica, a qual será executada pelo custeio de programas e de projetos
ambientais (inciso I); execução de obras de recuperação de áreas degradadas (inciso II);
manutenção de espaços públicos (inciso III) e, contribuições a entidades ambientais ou
culturais públicas (inciso IV).
'A mais grave das sanções para a pessoa jurídica está contemplada pelo artigo 24: a
liquidação forçada, aplicada essa pena quando a pessoa jurídica é constituída ou
utilizada, com o fim, preponderantemente, de permitir, facilitar ou ocultar a prática de
crime definido na lei ambiental. Seu patrimônio, diz o artigo citado, será considerado
instrumento de crime, e como tal, perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.
'A liquidação forçada, em verdade, constitui sanção equivalente à pena de morte para a
pessoa física, tivesse esta sido contemplada pelo Código Penal ou por outras leis penais
civis. É senão 'a morte da pessoa jurídica'" (in Penas Atribuídas às Pessoas Jurídicas pela
Lei Ambiental, extraído do site www.jus.com.br/doutrina/pjambien.html).
"Por sua vez, o Dr. Lúcio Ronaldo P. Ribeiro, advogado, professor de Direito e pós-
graduando pela UFG, em sua obra intitulada 'DA RESPONSABILIDADE PENAL DA
PESSOA JURÍDICA', assim dispôs:
'A responsabilidade penal da pessoa jurídica é uma realidade no mundo, sendo adotada
por diversos países ao lado da tradicional responsabilidade individual, bem como das
penalidades de caráter civil, tributário e administrativo.
111
'A redação do projeto da Constituição de dezembro de 1987 não deixava dúvidas acerca da
introdução da responsabilidade penal da pessoa jurídica na legislação pátria.
'Entretanto, a aceitação da responsabilidade dos entes coletivos já não pode causar
estranheza, no estágio atual da ciência penal, e pelas experiências existentes em outras
nações que a adotam. É evidente, outrossim, que os parâmetros desta responsabilidade não
podem ser os da responsabilidade individual, da culpa propugnados pela Escola Clássica,
a qual sustentava que somente o Homem pode ser sujeito ativo de crime. A
responsabilidade penal das pessoas jurídicas só pode ser entendida no âmbito de uma
responsabilidade social. A pessoa jurídica atua com fins e objetivos distintos da dos seus
agentes e mesmo proprietários, contudo a responsabilidade daquela não deve excluir a
destes quando for o caso.
'Assim é que o Legislador introduziu a responsabilidade penal da pessoa jurídica no
Direito Brasileiro com relação aos delitos ambientais dispostos na Lei n. 9.605/98 . Esta
lei veio a por uma pá de cal nas discussões acerca da sua introdução ou não no Brasil.
Agora passaremos a discutir como será a interpretação da r. lei'
(www.jus.com.br/doutrina/respppj.html).
"Desta espreita, creio que a controvérsia gerada pela possibilidade de responsabilizar a
pessoa jurídica pelas violações cometidas ao meio ambiente já restou dirimida, pelo menos
na esfera doutrinária".
Somente para ilustrar a nova corrente que vem tomando força, é o fato de ter sido veiculado
pela imprensa (26/4/2002) a notícia da primeira condenação ocorrida no Brasil de uma
empresa por crime ambiental prolatada pelo juiz da Primeira Vara Federal de Criciúma
(SC), Dr. Luiz Antônio Bonat, tendo condenado a empresa J. Bez Batti Engenharia Ltda. à
pena de prestação de serviços à comunidade, devendo pagar o valor de R$ 10.000,00 (dez
mil reais) para custear programas ambientais.
Pelo exposto, dá-se provimento ao recurso para que seja recebida a denúncia quanto a
empresa S.A. Fósforos Gaboardi.
Participou do julgamento, com voto vencedor, o Exmo. Sr. Des. Jaime Ramos. Lavrou
parecer pela douta Procuradoria Geral de Justiça o Dr. Robison Westphal.
Florianópolis, 26 de novembro de 2002.
Des. Gaspar Rubik- Presidente com voto/ Des. Solon d'Eça Neves-Relator