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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ TATIANE DE ARAÚJO ALMEIDA STUDART GUIMARÃES TU É DOIDO, MACHO! A variação das formas de tratamento no falar de Fortaleza FORTALEZA – CEARÁ 2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

TATIANE DE ARAÚJO ALMEIDA STUDART GUIMARÃES

TU É DOIDO, MACHO! A variação das formas de tratamento no falar de Fortaleza

FORTALEZA – CEARÁ

2014

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TATIANE DE ARAÚJO ALMEIDA STUDART GUIMARÃES

TU É DOIDO, MACHO! A variação das formas de tratamento no falar de Fortaleza

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Linguística Aplicada do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PosLA) da Universidade Estadual do Ceará, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Linguística Aplicada Área de Concentração: Linguagem e Interação.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Aluiza Alves de Araújo.

FORTALEZA – CEARÁ

2014

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Universidade Estadual do Ceará

Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho

Bibliotecário Responsável – Doris Day Eliano França – CRB-3 / 726

G963t Guimarães, Tatiane de Araújo Almeida Studart

TU É DOIDO, MACHO! A variação das formas de tratamento no falar de Fortaleza/ Tatiane de Araújo Almeida Studart Guimarães- 2014.

CD-ROM. 237 f. : il. (algumas color.) ; 4 ¾ pol. “CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho

acadêmico, acondicionado em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm)”.

Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades, Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada, Fortaleza, 2014.

Área de Concentração: Linguagem e Interação. Orientação: Prof.ª Dra. Aluiza Alves de Araújo. 1. Formas de tratamento. 2. Teoria Variacionista. 3. Teoria da

Polidez. 4. Teoria do Poder e da Solidariedade. 5. Falar de Fortaleza I. Título.

CDD: 418

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Ao Raul

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer, à minha família, em especial, à minha mãe, que, além do incentivo que

sempre me deu, me apoiou quando mais precisei, cuidando do meu pequeno Raul para que eu

pudesse voltar a estudar.

Ao meu marido, pela paciência durante as ausências, pelo financiamento dos congressos e

pela companhia durante esse tempo.

Ao meu filhote, Raul, maior incentivador e a pessoa que mais desejava que eu terminasse esse

trabalho, acordando à noite para me colocar para dormir.

À minha orientadora, Aluiza, coautora do meu trabalho, quem teve muita paciência, me deu

todo suporte e segurança para desenvolver essa pesquisa. Obrigada por seus textos, seus

comentários nessa pesquisa, por me auxiliar com o GoldVarb X e por sua dedicação em

trabalhar com tanto afinco.

Aos professores Luciano Pontes e Hebe Macedo pelas contribuições na minha banca de

qualificação.

Ao professor Kilpatrick Campelo, pela gentileza em enviar seu livro e artigo.

Às professoras Marta Scherre, Vera Lucia Paredes Silva, Maria Auxiliadora Bezerra e Maria

Socorro Coelho que me forneceram valiosos artigos e dissertações.

Aos meus amigos do PosLA, em especial, Germana, Grayce, Ticiane, Eduarda, Marcos

Alberto, Gabriela, Maria Eduarda, Miguel, Marcos Bonfim, Fernando Henrique, Robson e

Wagner pelos dois anos compartilhando conhecimento, alegrias e aprendizado.

Aos amigos do Ciplom, Marcos, Eduarda, Marquim, Miguel, Gabi e FH, por nossas conversas

elucidativas sobre atos de fala e por terem participado de um dos melhores congressos que fiz.

Aos meus amigos Rebeca e Felipe, por terem, gentilmente, feito o abstract desta pesquisa.

À minha amiga Rebeca, por nossas conversas diárias durante o café, por fazer parte de minha

vida.

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Aos coordenadores e funcionários do PosLA, em especial, a Keiliane, por sua atenção,

carinho e dedicação com os alunos.

A todos os meus amigos e familiares que torceram e ficaram felizes com mais uma batalha

vencida.

À Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP),

pela bolsa concedida durante os dois anos de pesquisa.

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Se eu quero e você quer

Tomar banho de chapéu

Ou esperar Papai Noel

Ou discutir Carlos Gardel

Então vá!

Faz o que tu queres

Pois é tudo

Da Lei! Da Lei!

Viva! Viva!

Viva A Sociedade Alternativa!

(Raul Seixas)

Oh mulher espilicute, macho, essa mulher! Espilicute demais, macho! Muito espilicute. Ave

Maria! (Cine Holliúdy)

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RESUMO

Este estudo, que tem seus alicerces teóricos fundados na Teoria da Variação e da Mudança Linguística (LABOV, 1994; 2008 [1972]; WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006 [1968]), na Teoria da Polidez (BROWN; LEVINSON, 1987) e na Teoria do Poder e da Solidariedade (BROWN; GILMAN, 1960), aborda as formas de tratamento pronominais tu, você, cê e o(a) senhor(a) e as formas de tratamento nominais macho, rapaz, mulher, minha filha, cara e meu amigo no falar popular de Fortaleza-CE. Com o objetivo de estudarmos os fatores linguísticos e extralinguísticos que influenciam essas formas de tratamento, bem como avaliarmos se temos algumas destas formas em processo de mudança, selecionamos 53 informantes do banco de dados NORPOFOR (Norma Oral do Português Popular de Fortaleza) e analisamos apenas os inquéritos do tipo D2 (Diálogo entre Dois Informantes). Nossos informantes foram estratificados em função do gênero, da faixa etária (15 a 25 anos; 26 a 49 anos; a partir dos 50 anos) e da escolaridade (0 a 4 anos; 5 a 8 anos; 9 a 11 anos). Com o auxílio do GoldVarb X, obtivemos os seguintes resultados: para as formas pronominais- tu com 47,2%, você com 46,5%, o senhor(a) com 4,3%, o cê com 2% e ocê com 0,1%; e para as formas nominais: macho com 39%, seguido de mulher com 26,9% e rapaz com 17%, cara com 5,2%, minha filha com 4,3%, amiga com 3,3%, meu amigo com 1,5%, menina com 1,3%, meu filho com 1,1%, meu irmão com 0,2% e menino somente com 0,1%. O fator de maior relevância, para cada análise, foi o seguinte: a) em tu x você, a entonação (interrogativa) para o tu, com indícios de uma mudança em curso; b) em tu x você +cê, as variáveis se comportaram como na rodada tu x você; c) em cê x você, a escolaridade (a mais baixa) para o cê; d) em o(a) senhor(a) x você, o tipo de relato (reportado) para o(a) senhor(a); e) em macho x rapaz, a faixa etária (os jovens) para o macho, sinalizando uma mudança linguística; f) em cara x macho, a escolaridade (os menos escolarizados) para cara; g) em mulher x minha filha, a faixa etária (os jovens) para mulher; h) em rapaz x cara, a escolaridade (a menor) se mostrou relevante para rapaz. As formas de tratamento nominais, assim como o tu e você, são mais produzidas nas relações de solidariedade, mas o mesmo não acontece com o(a) senhor(a). As formas rapaz e você seriam consideradas neutras. O uso do cê ainda é muito escasso, já o ocê praticamente não ocorre. Observou-se também que o uso de cara, macho e rapaz não se refere apenas a homens e que todas as formas em estudo não são estigmatizadas pela comunidade em estudo. PALAVRAS-CHAVE: Formas de tratamento. Teoria Variacionista. Teoria da Polidez. Teoria do Poder e da Solidariedade. Falar de Fortaleza.

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ABSTRACT

This study, which has its theoretical foundation grounded in the Theory of Language Variation and Change (LABOV, 1994; 2008 [1972]; WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006 [1968]), in Politeness Theory (BROWN; LEVINSON, 1987) and the Theory of Power and Solidarity (BROWN; GILMAN, 1960), discusses the forms of treatment pronoun tu, você, cê, o senhor and a senhora and nominal forms of treatment macho, rapaz, mulher, minha filha, cara e meu amigo, popular talking of Fortaleza-CE. Aiming to study the linguistic and extralinguistic factors that influence these forms of treatment, and assess if we have some of these forms in the change process , we selected 53 informants bank NORPOFOR ( Oral Norm Portuguese Popular of Fortaleza ) data and analyzed only investigations of type D2 ( Dialogue between two informants ). Our informants were stratified by gender, age group (15-25 years, 26-49 years, from 50 years) and education (0-4 years, 5-8 years, 9-11 years). With the aid of GoldVarb X, we obtained the following results: pronominal forms – tu with 47.2 % , você with 46.5 %, o senhor and a senhora with 4.3 %, cê with 2 % and ocê with 0.1%; and nominal forms: macho with 39% , followed by mulher with 26.9 % and rapaz with 17%, cara with 5.2%, minha filha with 4.3%, amiga with 3.3%, meu amigo with 1.5%, menina with 1.3%, meu filho with 1.1%, meu irmão with 0.2% and menino with only 0.1%. The most relevant factor for each analysis was as follows: a) tu x você, intonation (interrogative) for tu, with evidence of a change in progress; b) tu x você +cê, variables behaved as tu x você ; c) cê x você , schooling (lowest ) to cê ; d) o senhor and a senhora x você, the type of report ( reported) for o senhor and a senhora; e) macho x rapaz, age (youth) to the macho, signaling a language change; f ) cara x macho, education (less educated) to cara; g) mulher x minha filha, age group (youth) for mulher; h ) rapaz x cara, schooling (lowest) proved to be relevant for rapaz. Nominal forms of treatment , like tu e você, are more produced in relations of solidarity , but the same does not happen with o senhor and a senhora. Forms rapaz e você, would be considered neutral . The use of cê is still very limited , and ocê practically does not occur . It was also observed that the use of cara, macho e rapaz does not only refer to men and that all forms studied are not stigmatized by the community under study. KEYWORDS : Forms of treatment. Variationist theory. Politeness Theory. Theory of Power and Solidarity. Talking of Fortaleza.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 01 Frequência de uso das variantes tu e você em outras localidades do

Brasil..................................................................................................................

133

Tabela 02 Atuação da entonação sobre o pronome tu (tu x você)..................................... 136

Tabela 03 Atuação do tipo de fala sobre o pronome tu (tu x você)................................... 138

Tabela 04 Atuação do tipo de referente sobre o pronome tu (tu x você)............................ 139

Tabela 05 Atuação da faixa etária sobre o pronome tu (tu x você).................................... 140

Tabela 06 Atuação do gênero/sexo sobre o pronome tu (tu x você) .................................. 142

Tabela 07 Atuação do grau de intimidade entre os informantes sobre o pronome tu (tu x

você) ..................................................................................................................

144

Tabela 08 Atuação do tipo de relato sobre o pronome tu (tu x você)................................. 145

Tabela 09 Atuação do tipo de verbo sobre o pronome tu (tu x você)................................ 146

Tabela 10 Atuação da função sintática sobre o pronome tu (tu x você)............................. 147

Tabela 11 Atuação do paralelismo formal sobre o pronome tu (tu x você) ....................... 148

Tabela 12 Atuação da escolaridade sobre o pronome tu (tu x você).................................. 149

Tabela 13 Atuação do tempo verbal sobre o pronome tu (tu x você) ................................ 150

Tabela 14 Atuação do tipo de fala sobre o pronome tu na fala das mulheres (tu x

você)...................................................................................................................

153

Tabela 15 Atuação do tempo verbal sobre o pronome tu na fala das mulheres (tu x

você)...................................................................................................................

154

Tabela 16 Atuação da entonação sobre o pronome tu na fala das mulheres (tu x você)

........................................................................................................................

154

Tabela 17 Atuação da faixa etária sobre o pronome tu na fala das mulheres (tu x

você)...................................................................................................................

155

Tabela 18 Atuação do grau de simetria entre os interlocutores sobre o pronome tu na

fala das mulheres (tu x você) ............................................................................

156

Tabela 19 Atuação da escolaridade sobre o pronome tu na fala das mulheres (tu x você)

........................................................................................................................

156

Tabela 20 Atuação da função sintática sobre o pronome tu na fala das mulheres (tu x

você) ................................................................................................................

157

Tabela 21 Atuação do grau de intimidade entre os informantes sobre o pronome tu na

fala das mulheres (tu x você).............................................................................

157

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Tabela 22 Atuação do tipo de relato sobre o pronome tu na fala das mulheres (tu x

você) .................................................................................................................

158

Tabela 23 Atuação do tipo de verbo sobre o pronome tu na fala das mulheres (tu x

você) .................................................................................................................

159

Tabela 24 Atuação do paralelismo formal sobre o pronome tu na fala das mulheres (tu x

você) ................................................................................................................

159

Tabela 25 Atuação do grau de intimidade entre os informantes sobre o pronome tu na

fala dos mais jovens (tu x você).......................................................................

161

Tabela 26 Atuação do tipo de relato sobre o pronome tu na fala dos mais jovens (tu x

você) .................................................................................................................

162

Tabela 27 Atuação da escolaridade sobre o pronome tu na fala dos mais jovens (tu x

você) ................................................................................................................

162

Tabela 28 Atuação do tipo de fala sobre o pronome tu na fala dos mais jovens (tu x

você)...................................................................................................................

163

Tabela 29 Atuação da entonação sobre o pronome tu na fala dos mais jovens (tu x você)

........................................................................................................................

163

Tabela 30 Atuação do tipo de verbo sobre o pronome tu na fala dos mais jovens (tu x

você) .................................................................................................................

164

Tabela 31 Atuação da faixa etária sobre o pronome tu na fala dos mais escolarizados (tu

x você) ..............................................................................................................

166

Tabela 32 Atuação da entonação sobre o pronome tu na fala dos mais escolarizados (tu

x você) ..............................................................................................................

166

Tabela 33 Atuação do gênero/sexo sobre o pronome tu na fala dos mais escolarizados

(tu x você) ..........................................................................................................

167

Tabela 34 Atuação do tipo de referente sobre o pronome tu na fala dos mais

escolarizados (tu x você)...................................................................................

167

Tabela 35 Atuação do tipo de relação entre os interlocutores sobre o pronome tu na fala

dos mais escolarizados (tu x você)....................................................................

168

Tabela 36 Atuação do tipo de verbo sobre o pronome tu na fala dos mais escolarizados

(tu x você) ..........................................................................................................

168

Tabela 37 Atuação do paralelismo formal sobre o pronome tu na fala dos mais

escolarizados (tu x você) ..................................................................................

169

Tabela 38 Atuação da entonação sobre o pronome tu na fala dos interlocutores com

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maior grau de intimidade (tu x você) .............................................................. 170

Tabela 39 Atuação da faixa etária sobre o pronome tu na fala dos interlocutores com

maior grau de intimidade (tu x você) ...............................................................

171

Tabela 40 Atuação do tipo de referente sobre o pronome tu na fala dos interlocutores

com maior grau de intimidade (tu x você) ........................................................

171

Tabela 41 Atuação do gênero/sexo sobre o pronome tu na fala dos interlocutores com

maior grau de intimidade (tu x você) ...............................................................

172

Tabela 42 Atuação do tempo verbal sobre o pronome tu na fala dos interlocutores com

maior grau de intimidade (tu x você) ..............................................................

172

Tabela 43 Atuação do tipo de fala sobre o pronome tu na fala dos interlocutores com

maior grau de intimidade (tu x você) ..............................................................

173

Tabela 44 Atuação do tipo de verbo sobre o pronome tu na fala dos interlocutores com

maior grau de intimidade (tu x você) ...............................................................

174

Tabela 45 Atuação do tipo de relato sobre o pronome tu na fala dos interlocutores com

maior grau de intimidade (tu x você)................................................................

175

Tabela 46 Atuação da função sintática sobre o pronome tu na fala dos interlocutores

com maior grau de intimidade (tu x você) .......................................................

175

Tabela 47 Atuação da entonação sobre o pronome tu (tu x você e cê) .............................. 177

Tabela 48 Atuação do tipo de fala sobre o pronome tu (tu x você e cê) ............................ 178

Tabela 49 Atuação da referência sobre o pronome tu (tu x você e cê) .............................. 178

Tabela 50 Atuação da faixa etária sobre o pronome tu (tu x você e cê) ............................ 179

Tabela 51 Atuação do grau de intimidade entre os informantes sobre o pronome tu (tu x

você e cê) ..........................................................................................................

179

Tabela 52 Atuação do gênero/sexo sobre o pronome tu (tu x você e cê) .......................... 180

Tabela 53 Atuação do tipo de relato sobre o pronome tu (tu x você e cê) ......................... 180

Tabela 54 Atuação do tipo de verbo sobre o pronome tu (tu x você e cê) ......................... 181

Tabela 55 Atuação da função sintática sobre o pronome tu (tu x você e cê) ..................... 181

Tabela 56 Atuação do paralelismo formal sobre o pronome tu (tu x você e cê) ............... 182

Tabela 57 Atuação do tempo verbal sobre o pronome tu (tu x você e cê) ....................... 182

Tabela 58 Frequência de uso das variantes você e cê em diversas localidades do Brasil

........................................................................................................................

184

Tabela 59 Atuação da escolaridade entre os informantes sobre o pronome cê (cê x você)

........................................................................................................................

186

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Tabela 60 Atuação do grau de intimidade entre os informantes sobre o pronome cê (cê

x você) ..............................................................................................................

186

Tabela 61 Atuação do gênero/sexo entre os informantes sobre o pronome cê (cê x você)

........................................................................................................................

187

Tabela 62 Frequência de uso das variantes você e senhor em diversas localidades do

Brasil................................................................................................................

188

Tabela 63 Atuação do tipo de relato sobre o pronome senhor(a) (senhor(a) x você)....... 189

Tabela 64 Atuação do gênero/sexo sobre o pronome senhor(a) (senhor(a) x você).......... 191

Tabela 65 Atuação da escolaridade sobre o pronome senhor(a) (senhor(a) x você) ......... 192

Tabela 66 Atuação da função sintática no pronome senhor(a) (senhor(a) x você)........... 193

Tabela 67 Atuação do tempo verbal sobre o pronome senhor(a) (senhor(a) x você)....... 193

Tabela 68 Atuação do tipo de fala sobre o pronome senhor(a) (senhor(a) x você) .......... 194

Tabela 69 Atuação do tipo de relação entre os interlocutores sobre o pronome senhor(a)

(senhor(a) x você) ............................................................................................

196

Tabela 70 Atuação da faixa etária sobre o pronome senhor(a) (senhor(a) x você) ........... 197

Tabela 71 Atuação do tipo de verbo sobre o pronome senhor(a) (senhor(a) x você)........ 198

Tabela 72 Atuação da faixa etária sobre a forma macho (macho x rapaz) ...................... 202

Tabela 73 Atuação do tipo de fala sobre a forma macho (macho x rapaz) .................. 203

Tabela 74 Atuação do paralelismo formal sobre a forma macho (macho x rapaz)............ 203

Tabela 75 Atuação do tipo de relato sobre a forma macho (macho x rapaz) .................. 204

Tabela 76 Atuação da escolaridade sobre a forma macho (macho x rapaz) ..................... 205

Tabela 77 Atuação do grau de simetria entre os informantes sobre a forma macho

(macho x rapaz) ...............................................................................................

206

Tabela 78 Atuação da escolaridade sobre a forma cara (cara x macho) .......................... 208

Tabela 79 Atuação do sexo/gênero sobre a forma cara (cara x macho) ........................... 208

Tabela 80 Atuação do tipo de fala sobre a forma cara (cara x macho) ............................ 209

Tabela 81 Atuação da faixa etária sobre a forma mulher (mulher x minha filha) ............. 210

Tabela 82 Atuação da escolaridade sobre a forma mulher (mulher x minha filha) ........... 211

Tabela 83 Atuação da escolaridade sobre a forma rapaz (rapaz x cara) .......................... 213

Tabela 84 Atuação do sexo/gênero sobre a forma rapaz (rapaz x cara) ........................... 214

Tabela 85 Atuação da faixa etária sobre a forma rapaz (rapaz x cara) ............................ 215

Tabela 86 Atuação da posição em relação verbo sobre a forma rapaz (rapaz x cara)....... 215

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 As formas de tratamento no Brasil no século XIX (BIDERMAN, 1972,

p.363)..........................................................................................................

31

Quadro 2 As formas de tratamento no século XX no Brasil (BIDERMAN, 1972,

p.366) ........................................................................................................

31

Quadro 3 Distribuição dos informantes por sexo, idade, tipo de registro e

escolaridade (NORPOFOR).....................................................................

100

Quadro 4 Distribuição dos informantes por variáveis sociais controladas na nossa

amostra......................................................................................................

101

Quadro 5 Distribuição dos informantes da nossa amostra por número do inquérito /gênero, bairro/Secretaria Executiva Regional (SER), profissão / idade e escolaridade............................................................................................

104

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LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 01 Distribuição das formas tu e você nos estudos do Norte ........................... 53

Gráfico 02 Distribuição das formas tu e você nos estudos do Nordeste ......................... 54

Gráfico 03 Distribuição das formas tu, você, cê, ocê e nulo nos estudos do Centro-

Oeste ...........................................................................................................

55

Gráfico 04 Distribuição das formas tu, você e nulo nos estudos do Sudeste ................ 56

Gráfico 05 Distribuição das formas pronominais tu, você, senhor e nulo nos estudos

do Sul .......................................................................................................

58

Gráfico 06 Distribuição das formas você e suas variantes ocê e cê nos estudos

brasileiros.....................................................................................................

67

Gráfico 07 Percentuais obtidos para as variantes que ocorrem em mais de uma

função sintática............................................................................................

132

Gráfico 08 Percentuais obtidos para as variantes tu e você após a retirada dos

nocautes.......................................................................................................

135

Gráfico 09 Percentuais obtidos para as variantes tu e você na rodada só com as

mulheres após a retirada dos nocautes.........................................................

152

Gráfico 10 Percentuais obtidos para as variantes tu e você na rodada só com os mais

jovens após a retirada dos nocautes............................................................

161

Gráfico 11 Percentuais obtidos para as variantes tu e você na rodada só com os mais

escolarizados após a retirada dos nocautes..................................................

165

Gráfico 12 Percentuais obtidos para as variantes tu e você na rodada só com os mais

escolarizados após a retirada dos nocautes .................................................

1170

Gráfico 13 Percentuais obtidos para as variantes tu e você(cê) após a retirada dos

nocautes.......................................................................................................

176

Gráfico 14 Percentuais obtidos para as variantes cê e você após a retirada dos

nocautes.......................................................................................................

185

Gráfico 15 Percentuais obtidos para as variantes senhor(a) e você após a retirada dos

nocautes.......................................................................................................

189

Gráfico 16 Percentuais obtidos para cada variante apenas na função de

vocativo........................................................................................................

200

Gráfico 17 Percentuais obtidos para as variantes macho e rapaz após a retirada dos

nocautes.......................................................................................................

201

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Gráfico 18 Percentuais obtidos para as variantes cara e macho após a retirada dos

nocautes.......................................................................................................

207

Gráfico 19 Percentuais obtidos para as variantes mulher e minha filha após a retirada

dos nocautes................................................................................................

210

Gráfico 20 Percentuais obtidos para as variantes rapaz e cara após a retirada dos

nocautes.......................................................................................................

213

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................ 20

2 FORMAS DE TRATAMENTO.................................................................... 24

2.1 UM PERCURSO DOS PRONOMES TU, VOCÊ SENHOR NO

PORTUGUÊS BRASILEIRO..........................................................................

30

2.2 OS PRONOMES DE SEGUNDA PESSOA NO PORTUGUÊS

BRASILEIRO....................................................................................................

35

2.2.1 Estudos variacionistas..................................................................................... 35

2.2.1.1 Tu, você e o senhor............................................................................................ 36

2.2.1.2 Você e suas variantes ocê e cê........................................................................... 59

2.2.2 ESTUDOS DE NATUREZAS DIVERSAS................................................... 68

3 TEORIA DA POLIDEZ.................................................................................. 73

4 TEORIA DA VARIAÇÃO E DA MUDANÇA LINGUÍSTICA................ 79

5 NORMA CULTA E NORMA POPULAR................................................... 91

6 METODOLOGIA............................................................................................ 99

6.1 TIPO DE PESQUISA........................................................................................ 99

6.2 O CORPUS E A AMOSTRA............................................................................ 99

6.3 VARIÁVEIS CONTROLADAS...................................................................... 110

6.3.1 Variáveis dependentes..................................................................................... 110

6.3.2 Variáveis independentes.................................................................................. 111

6.3.2.1 Variáveis linguísticas......................................................................................... 111

6.3.2.2 Variáveis extralinguísticas................................................................................. 121

6.4 LEVANTAMENTO DE DADOS..................................................................... 127

6.5 CODIFICAÇÃO DOS FATORES.................................................................... 127

6.6 ANÁLISE ESTATÍSTICA................................................................................ 128

7 ANÁLISE DOS DADOS................................................................................. 132

7.1 FORMAS DE TRATAMENTO PRONOMINAIS........................................... 132

7.1.1 Tu X você.......................................................................................................... 135

7.1.1.1 Refinamento de resultados selecionados na rodada tu x você .......................... 151

7.1.1.1.1 Só com as mulheres........................................................................................... 151

7.1.1.1.2 Só com os mais jovens....................................................................................... 160

7.1.1.1.3 Só com os mais escolarizados............................................................................ 165

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7.1.1.1.4 Só os que possuem maior grau de intimidade................................................... 170

7.1.2 Tu X você e cê.................................................................................................. 176

7.1.3 Cê X você........................................................................................................... 183

7.1.4 O(a) senhor(a) X você....................................................................................... 188

7.2 FORMAS DE TRATAMENTO NOMINAIS................................................... 199

7.2.1 Macho X rapaz.................................................................................................. 201

7.2.2 Cara X macho................................................................................................... 206

7.2.3 Mulher X minha filha...................................................................................... 209

7.2.4 Rapaz X cara.................................................................................................... 212

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................... 217

REFERÊNCIAS............................................................................................... 220

APÊNDICE .................................................................................................... 231

APÊNDICE A Mapa dos estudos variacionistas tu, você, ocê, cê e o(a)

senhor(a) ...........................................................................................................

231

ANEXO............................................................................................................. 232

ANEXO A- Parecer do Comitê de Ética........................................................... 232

ANEXO B- MAPA DE FORTALEZA: distribuição espacial dos bairros nas

seis regionais ....................................................................................................

236

APÊNDICE C- MAPA DO CEARÁ................................................................. 237

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20

1 INTRODUÇÃO

Nas aulas de língua portuguesa, a maioria dos professores adota basicamente a

gramática normativa ainda como único modelo a ser seguido. Dessa maneira, a língua

portuguesa é apresentada como homogênea e imutável. Assim, a gramática tradicional,

estudada em sala de aula, não retrata a nossa realidade linguística em diversos pontos, como

as formas de tratamento, e, principalmente, no que diz respeito ao uso dos pronomes de 2ª

pessoa. Na língua falada informal, pode-se dizer que o uso do vós não existe mais, apesar de a

escola exigir do aluno domínio ao conjugar esta forma. Este pronome não é mais empregado

em situações informais e são raríssimas as situações formais em que é utilizado.

Além dele, outro pronome também chama-nos a atenção: o tu, visto que há uma

alternância com o pronome você. Dependendo da localidade, um tem mais prestígio que o

outro, no entanto, isso não é abordado em sala de aula de língua materna. Vale dizer também

que as demais formas de tratamento são ignoradas, não fazendo parte do conteúdo a ser

ministrado pelo professor. No entanto, se o docente tivesse esse conhecimento, ele poderia

discutir o emprego das formas de tratamento com os seus alunos de maneira mais segura e

fundamentada.

Um dos materiais de apoio mais usados pelos professores de língua portuguesa são as

gramáticas. Adotadas como material imprescindível, o seu uso, como único material de apoio

ao professor, torna o ensino arcaico, valorizando apenas a norma padrão, principalmente

porque essas gramáticas tratam como erro as mudanças linguísticas ou porque, em virtude do

distanciamento com as universidades, trazem informações vazias ou ultrapassadas. As formas

de tratamento ficam restritas às formas de cortesia como Vossa Excelência.

Bechara (2009) não apresenta a variação dos pronomes, enquanto Azeredo (2008)

considera os pronomes tu e você como pronomes pessoais do caso reto. Já Luft (2009)

informa que esses pronomes denotam o ouvinte, ou seja, a pessoa com quem se fala.

Poucas gramáticas discutem o uso das formas de tratamento. Cunha e Cintra (2008)

fazem um paralelo entre o português falado no Brasil e o falado em Portugal e observam que

as mudanças no nosso português fizeram com que o você fosse usado como uma forma mais

polida, indicando respeito ou um tratamento de igual para igual, mas também como forma de

intimidade.

É bom deixar claro que, com exceção de Cunha e Cintra (2008), nenhuma outra

gramática fala das outras formas de tratamento, como as nominais. A maioria se limita aos

pronomes, distinguindo os pessoais dos de tratamento.

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Compreender o uso das formas de tratamento torna-se necessário para o falante se

adequar ao seu interlocutor e à situação de comunicação. Considerar que os fatores sociais e

discursivos fazem parte da comunicação e não devem ser menosprezados é de suma

importância, ratificando o que dizem os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), isto é,

que toda linguagem carrega dentro de si uma visão do mundo, que não se limita aos aspectos

formais. Desprezar os demais significados desvincula o aluno do caráter intrassubjetivo,

intersubjetivo e social da linguagem. Ao estudar a linguagem verbal, o professor deve ter em

vista a representatividade da norma padrão. O aluno deve aprender a valorizar determinada

manifestação, considerando o seu valor, representado pelo poder econômico e simbólico de

certos grupos sociais que autorizam sua legitimidade.

Torna-se, assim, imprescindível que o aluno conheça não apenas a norma padrão, mas

também que ele possa observar no seu cotidiano o que foi estudado em sala. Assim, não só

memorizar formas, os alunos, principalmente os que não têm o português como língua

materna, devem aprender que a variação não ocorre de maneira aleatória, está sempre

dependendo de um contexto, em que são levados em conta fatores linguísticos, sociais e

discursivos.

Compreender como se dá a atuação das formas de tratamento é relevante não somente

para o ensino de língua materna, mas também para o ensino do português como língua

estrangeira. Para o estrangeiro que deseja aprender a língua portuguesa, é necessário conhecer

não apenas o que prescreve a gramática normativa, mas, sobretudo, o que ele vai vivenciar no

seu cotidiano.

Aos professores, informar aos alunos sobre as variações regionais, como o caso das

formas de tratamento pronominais e nominais, é de suma importância para o combate ao

preconceito linguístico, o que é uma prática frequente não somente pelas instituições

educacionais como também pela mídia, conforme veremos no capítulo 3. No Brasil, o estudo

sobre variação linguística nas escolas ainda é muito limitado, alguns professores têm

dificuldades em trabalhar com esse assunto, seja por conta do método adotado na instituição

onde ensina, seja por não saber como trabalhar com a variação e, apoiados na gramática

normativa, preferem adotar o modelo tradicional, proliferando a ideia de que o aluno “não

sabe português”.

Esse trabalho poderá contribuir futuramente para a realização de estudos diacrônicos

sobre o português popular falado em Fortaleza, possibilitando ao pesquisador realizar estudos

em tempo real. Além disso, este trabalho poderá fornecer subsídios para os profissionais do

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teatro, da televisão e do cinema, pois, para criar personagens com os quais o público se

identifique, é necessário conhecer a realidade linguística que se quer representar.

A alternância dos pronomes tu, você e o(a) senhor(a) na fala sob a perspectiva

variacionista já foi objeto de estudo de vários trabalhos no território brasileiro, como veremos

no capítulo 1. Um ponto que nos chama atenção é o fato de só haver, sobre o falar cearense,

um estudo de natureza sociolinguística, o de Soares (1980), que trata dos pronomes tu, você e

senhor, e um de natureza dialetológica, o de Sales (2004), que descreve como se dá a

distribuição dos pronomes tu e você no falar dos fortalezenses.

Soares (1980), em seu trabalho pioneiro sobre o estudo das formas de tratamento no

Ceará, que também se constitui em um dos primeiros estudos sobre a variação pronominal de

2ª pessoa no português oral brasileiro, aborda as formas de tratamento em Fortaleza,

utilizando uma amostra constituída por falantes fortalezenses natos ou vindos do interior do

Ceará, desde que fossem residentes na capital cearense. A amostra, apesar de extensa, pois é

constituída por 72 informantes, não é balanceada quanto à sua distribuição por célula.

Sales (2004), sob a perspectiva dialetológica, faz uma análise comparativa entre dados

da norma culta e da norma popular. Apesar de o trabalho contribuir para a descrição do falar

de Fortaleza, nota-se que o estudo é realizado com base em uma reduzida quantidade de

informantes, 24, ao todo, distribuídos, por célula, de forma desbalanceada. Ademais, utiliza,

exclusivamente, o Diálogo entre Informante e Documentador (DID), que acreditamos não ser

o melhor tipo de inquérito para analisar a alternância do tu e você, pois, nesta modalidade de

entrevista, quem utiliza mais as formas de tratamento é o documentador, que, assim, pode

induzir a escolha pronominal do informante.

Apesar de serem dois trabalhos de suma importância para a descrição do português

falado em Fortaleza, o estudo de Soares (1980) e o de Sales (2004), como vimos, apresentam

algumas lacunas. Neste trabalho, tentamos saná-las.

Dessa forma, o objetivo principal dessa pesquisa é analisar o comportamento variável

das formas de tratamento, tanto as pronominais: tu, você, cê e o(a) senhor(a) quanto as formas

nominais: macho, mulher, rapaz, minha filha e cara no português oral popular de Fortaleza,

além de verificar se alguma variante possui indícios de que haja uma mudança linguística.

Este estudo está embasado em três pilares teóricos, a Teoria da Variação e da Mudança

Linguística (LABOV, 2008 [1972]; WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006 [1968]), a

Teoria da Polidez (BROWN; LEVINSON, 1987) e a Teoria da Semântica do Poder e da

Solidariedade (BROWN; GILMAN, 1960).

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Controlamos, em nossa investigação, variáveis sociais (faixa etária, sexo,

escolaridade), interacionais (grau de simetria entre os interlocutores e grau de intimidade) e

variáveis linguísticas (tipo de referente, paralelismo formal, tipo de verbo, tipo de fala, tempo

verbal, função sintática do pronome, tipo de frase e tipo de relato).

Como hipóteses, defendemos as seguintes:

a) O pronome tu é favorecido em ambientes informais, em relações simétricas, com

alto grau de intimidade e por conversas que necessitem dessa intimidade.

b) Os menos escolarizados e os mais jovens favorecem o tu.

c) O tu na função de objeto em falas originais, bem como o paralelismo, beneficiam

seu uso.

d) O pronome o(a) senhor(a) é favorecido em ambientes mais formais, em conversas

que não exigem intimidade e em relações assimétricas.

e) O cê é privilegiado em situações de informalidade e entre jovens de baixa

escolaridade.

f) Quanto às formas nominais, elas são favorecidas em relações solidárias de alto grau

de intimidade, principalmente entre os jovens.

h) As conversas sobre relacionamento amoroso, brincadeiras/observações irônicas e

fofocas constituem o fator mais relevante das formas nominais.

i) As formas macho, rapaz, cara, meu amigo, menino, meu irmão são mais produzidas

por homens para homens, enquanto mulher, minha filha, amiga menina são frequentes entre

mulheres.

O presente estudo encontra-se dividido basicamente em 7 partes: esta introdução, onde

apresentamos o objeto de estudo, nossos objetivos e as hipóteses da pesquisa, bem como

explicitamos a nossa justificativa para a realização deste trabalho. Logo depois, no capítulo 2,

abordamos as formas de tratamento e depois, mais especificamente, os pronomes de segunda

pessoa. Em seguida, no capítulo 3 e 4, respectivamente, discutimos os pontos mais relevantes

da Teoria da Polidez, Semântica do Poder e da Solidariedade e da Teoria Variacionista que

nos deram suporte para a análise de nossos dados. No capítulo 5, abordamos as diferenças

entre norma culta e norma popular. Já no capítulo 6, detalhamos nossos procedimentos

metodológicos e, no capítulo 7, apresentamos a análise dos resultados, comparando-os com os

de outros estudos realizados em outras partes do Brasil. Por fim, no capítulo 8, tecemos

algumas considerações sobre os resultados apresentados nesta pesquisa.

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2 AS FORMAS DE TRATAMENTO

As formas de tratamento (doravante FT’s) estão ligadas a muitos fatores decorrentes

de nossa situação de interação. Preti (2004) aponta que intimidade, solidariedade, polidez,

afetividade, reverência, hierarquia e poder são fatores que fazem com que usemos uma forma

em detrimento de outra. Preti (2004, p.184) também informa que elas podem “ocorrer nos

diálogos ou nos vocativos e, nestes, apresentam uma grande variedade, aberta às mais

inesperadas situações de comunicação” (grifos do autor).

Segundo Preti (2004), Duarte (2011; 2010), Rodrigues (2003) e Cintra (1972), o

sistema de tratamento do português não se limita apenas aos pronomes e pode ser

representado de três formas: formas pronominais, formas pronominalizadas e formas

nominais.

1) por formas pronominais, ou seja, pelos pronomes pessoais (tu, vós); 2) por formas pronominalizadas, isto é, com valor de pronomes pessoais (você, o senhor, Vossa Excelência, Vossa Senhoria e suas variações); 3) por formas nominais, constituídas por nomes próprios, prenomes, nomes de parentesco ou equivalentes, antecedidos de artigo, uso praticamente restrito ao português de Portugal ou, ainda, por uma grande variedade de nomes empregados como vocativos ou formas de chamamento. (PRETI, 2004, p. 184-185, grifos do autor).

O uso de cada variante de tratamento não será aleatório, dependerá de vários fatores,

dentre eles o status e o papel social que exercemos. Preti ainda informa que o status pode ser

tanto adquirido como atribuído, mas que isso vai exigir do indivíduo determinados

comportamentos considerados convenientes para o que ele ocupa. O autor enfatiza que a

leitura feita sobre o outro não se limita à postura ética, mas a todo o conjunto: seu modo de

falar e sua aparência também são importantes, como vemos mais abaixo:

Quando dizemos que a pessoa que ocupa um status deve subordinar-se a certos comportamentos, queremos referir-nos, de maneira ampla, não apenas a posturas éticas, mas também a aspectos ligados à sua representação física, à sua aparência, ao seu vestuário. E, também, à sua linguagem, componente importante na criação de sua imagem. Esse conjunto de normas relativas a cada status tem o nome de papel social. (PRETI, 2004, p. 181, grifos do autor)

O que se observa é que as normas são o que rege toda a sociedade. Para cada função

social que exercemos, nossa forma de vestir e falar deve estar de acordo com o

comportamento que exige nossa função. Não é à toa que usamos formas de tratamento mais

respeitosas com as pessoas mais velhas, com pessoas que temos pouca ou nenhuma

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intimidade. Mesmo nas relações de solidariedade, segundo Brown e Gilman (1960), há

necessidade de determinadas adequações. Não se chama um amigo íntimo de idade próxima

de senhor, em uma situação de informalidade, nem mesmo que seja uma forma de

brincadeira. O uso dessa FT durante uma conversa com pouca formalidade poderia gerar

desconforto, devido ao uso impróprio do tratamento.

Preti (2004) faz um estudo sobre as FT’s do final do século XIX, nos textos de Eça de

Queiroz, e constata que as formas pronominalizadas são as que expressam as relações de

poder, com exceção de você: “vossemecê, o senhor, a senhora, a senhora Dona, o senhor Dr.,

o cavalheiro, V. Exa., V.Sa., o Deputado” (PRETI, 2004, p. 187). Essas formas podem indicar

tanto respeito como hierarquia, e o seu uso depende do status do interlocutor.

Ao abordar as formas de tratamento de solidariedade, encontramos uma gama de

expressões que são representadas pelas formas nominais, como mostra Preti (2004).

A expressão da solidariedade e dos vários graus de intimidade entre os falantes, com todos os seus elementos afetivos, está bem documentada nos vocativos e representada pelas formas nominais. Nelas se incluem o primeiro ou último nome dos falantes; os diminutivos e apelidos com que é tratado; as formas que o designam, como homem, mulher, amigo, primo, menino, rapaz, meu rico senhor e tantas outras (PRETI, 2004, p.187-188, grifos do autor).

Campelo (2011) mostra a contribuição da metáfora antropofórica para a compreensão

da formação dos nomes próprios (antropônimos) e das formas de tratamento lexicais

(axiônimos) e gramaticais (proformas nominais pessoais). Nosso foco aqui recairá, entretanto,

nos axiônimos.

A antropoforicidade diz respeito a toda e qualquer designação identificadora de seres humanos. Em assim sendo, a antropoforicidade abarca a antroponímia, entendida como a designação de seres humanos por meio de nomes próprios; a axionímia, entendida como a designação de seres humanos por meio de formas de tratamento lexicais; a proformalização pessoal, compreendida como a designação de seres humanos por meio de formas de tratamento gramaticais (formadas em português ou herdadas do latim) (CAMPELO, 2011, p.136).

Tendo definido axionímia como a designação de seres humanos por meio de formas de

tratamentos lexicais, o autor faz distinção entre axionímia lexical aristocrática e democrática,

enfatizando que, nas gramáticas que são dirigidas aos alunos, a gramática normativa só

apresenta a aristocrática, como mostra o trecho transcrito.

A nosso ver, a axionímia lexical (as formas de tratamento) da gramática tradicional (doravante GT) é flagrantemente heteronômica, isto é, ela restringe as formas de

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tratamento lexical a um grupo muito restrito de referentes humanos. Tais formas de tratamento nos ensinam que as sociedades humanas em geral são heteronômicas, ou seja, constituem-se por meio de hierarquias. Por outras palavras, tais formas de tratamento estão radicadas em uma hierarquização de ordem societal, a qual pode ser definida por diversos valores como, por exemplo, o poder econômico, o poder religioso, o poder familiar, ou, simplesmente o trato interpessoal simétrico ou assimétrico. Esse tipo de axionímia lexical, à qual a GT confere tratamento privilegiado, será designado por nós de axionímia lexical aristocrática. Ela difere inteiramente de uma axionímia lexical democrática, cujas ocorrências [...] têm sido solenemente ignoradas pela GT e quaisquer compêndios gramaticais e linguísticos. (CAMPELO, 2011, p 143)

Trataremos da axionímia lexical democrática, que, de acordo com Campelo (2011,

p.145), “representa toda e qualquer forma nominal a que se empreste um caráter

antropofórico, mas que não têm sido abonadas como formas de tratamento”. Contudo, são

formas que são excluídas pela gramática normativa, que dá preferência à axionímia

aristocrática.

Campelo (2011) apresenta 25 exemplos de ocorrências retiradas tanto de obras de

ficção quanto de um corpus oral e analisa esses dados, que são formas de tratamento

conhecidas. Observa que algumas marcam simetria e distensão, como cara, meu amigo, meu

irmão. Outras são restritas a algumas regiões, como meu para São Paulo, e macho véi

(variantes macho, mah) para o Ceará. Campelo (2011, p.150) conclui que a axionímia lexical

“representa um estágio de metaforização em que há uma recuperação da motivação referencial

original de forma mais direta, tais como nos axiônimos estratofóricos, etnofóricos, cronofóricos,

androfóricos, calofóricos, genofóricos, topofóricos, trofofóricos, zoofóricos e escatofóricos”, que

são exemplificados em sua pesquisa.

Machado (2010) estuda o que ela denomina de pronomes de tratamento da 2ª pessoa

no falar de Aracaju-SE. A autora diz que “os pronomes foram relacionados às intenções dos

falantes e ao tipo de impacto causado no interlocutor. Dividem-se de acordo com o grau de

subserviência; formalidade/respeito; ou, ainda, de acordo com a intenção de criar uma

situação de intimidade com o interlocutor” ( p.9).

O uso doutor(a), segundo a autora, ocorre de forma indiscriminada, em que se

considera o interlocutor como detentor de maior poder intelectual e com maior prestígio

social; porém, esse mesmo pronome pode indicar formalidade ou respeito em seu uso mais

contido. As vestimentas e a aparência são importantes: são formas usadas para pessoas mais

elegantes e que aparentam ter idade superior a 30 anos. Os pronomes senhor(a), dona e seu

indicam formalidade e respeito e são de uso comum em diferentes esferas da sociedade e são

pronunciados tanto de maneira recíproca, quanto em relações de poder assimétricas.

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Já os pronomes de tratamento moço(a), tio(a), mulher/[mulhé], homem [ómi], meu

irmão [mermão], brother, [fia], compadre [cumpadi], comadre [cumadi], meu filho [mofio],

madame e senhorita indicam intimidade entre os interlocutores. O uso de tio(a) restringe-se às

crianças e jovens quando se dirigem a pessoas mais velhas que eles e tentam criar uma noção

de proteção do adulto com relação ao mais jovem. A autora mostra um fato curioso

relacionado ao uso de meu filho, que ocorre entre amigos jovens da mesma idade. “É que esse

tratamento é usado para demonstrar ou confirmar que o falante tem mais razão ou mais

entendimento em algum aspecto com relação ao ouvinte” (MACHADO, 2010, p.9).

A autora pode constatar na pesquisa que “o falar aracajuano ligado aos pronomes de

tratamento analisados revela as relações sociais existentes, assim como explicita as

significações de algumas práticas sociais cotidianas dessa comunidade linguística”.

(MACHADO, 2010, p.11).

Santos (2013) estuda as formas de tratamento para se dirigir às mães por falantes de

Jequié-BA. Dentre as formas usadas, encontrou mainha (32%), mãe (29%), minha mãe

(26%), mamãe (7%) e outra forma: mãenhê, maminha, brodinha, coroa, filha, rapaz e bebê

(7%). A autora observou que não só os fatores sociais influenciaram o favorecimento de uma

das variantes, como também isso foi constatado com o registro. Nas falas mais espontâneas, o

uso da forma mãe é mais acentuado, enquanto nas falas menos espontâneas há a

predominância da forma mainha.

De modo geral, há poucos estudos que se referem à forma de tratamento que não

esteja ligada às formas pronominais no Brasil. O mesmo não ocorre na Europa, visto que há

muitas pesquisas lá que abordam o uso das formas de tratamento nominais. Autores como

Rodrigues (2003), que estuda as FT’s associadas à questão da cortesia, e Duarte (2010; 2011),

que aborda essa questão no ensino de língua materna, são alguns dos quais podemos citar.

Rodrigues (2003) mostra que, além das funções que mostramos anteriormente, as FT’s

funcionam como sujeito, objeto e vocativo. Quanto ao nível de referência enunciativa, podem

ser: alocutivos (o locutor refere-se e situa-se a si próprio), delocutivos (terceiros presentes),

elocutivos (terceiros ausentes). Além disso, há o nível de semântica lexical (classes nominais) que

ele define em: a) nome próprio e/ou sobrenome; b) nome de parentesco (pai, mãe); c) nome de

afeto (querido/a); d) nome de profissão (professor/a); e) título acadêmico (doutor, arquiteto),

político (deputado), civil (chefe), militar (coronel) ou religioso (padre); f) titulo nobiliárquico

(príncipe); g) títulos honoríficos (Vossa Santidade); h) Senhor/a, dona; i) nomes de relação

especial (camarada, amigo/a); j) insultos (burro/a, canalha).

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Esses tratamentos podem vir acompanhados ou não de um determinante (definido e/ou

possessivo) e de adjetivos, que, segundo Rodrigues (2003, p.284), “poderá aumentar ou reduzir a

expressão de cortesia ou de descortesia da FT usada e, consequentemente, a relação de

proximidade (proxémica) ou de afastamento (taxémica)”.

Outro nível importante que Rodrigues (2003) destaca é o nível semântico-pragmático,

classificado como “intimidade, familiaridade, solidariedade, proximidade, afectividade,

informalidade, por um lado, e de distanciamento, hierarquia, formalidade, respeito, poder,” por

outro lado. Algumas formas de tratamento podem ser classificadas, ao mesmo tempo, como sendo

de cortesia ou de deferência (consideração), como por exemplo, os títulos honoríficos.

Rodrigues (2003) reforça que os valores pragmáticos das FT’s portuguesas, corteses e

descorteses, e suas condições de uso dependem, fundamentalmente, além dos valores

semântico-lexicais que cada uma denota, das propriedades reais ou presumidas dos

interlocutores. Dessa forma, o uso das FT’s dependerá de vários fatores sociolinguísticos,

assim como o tipo de relação (de poder ou de solidariedade). Tudo vai depender da situação

de interação. Duarte (2010) ratifica essa ideia, mostrando que é necessário um conjunto de

papéis sociocomunicativos para haver essa interação.

A questão ganha, a nossa ver, em ser tratada tendo em conta os princípios reguladores da interacção discursiva, tal como os entende a Pragmática Linguística. Nas formas de tratamento cruzam-se questões linguísticas e não linguísticas, o princípio de cortesia, a adequação ao destinatário, a necessidade de não ameaçar a sua face (cf. Goffmann). O locutor tem de ter em conta, ao dirigir-se ao alocutário, as diferenças sociais, de idade, a proximidade ou a distância da relação, a formalidade ou informalidade da situação discursiva, isto é, o conjunto dos papéis sociocomunicativos de um dado acontecimento interaccional. Por regularem as relações intersubjectivas, as formas de tratamento permitem perceber a subjectividade enunciativa, e através delas se valoriza positiva ou negativamente o alocutário. São atravessadas pela atitude subjectiva do locutor, o respeito pelas convenções sociais, os sentimentos em relação àquele com quem se fala e o lugar que se lhe atribui. (DUARTE, 2010, p.134-135)

Observamos que os estudos sobre as FT’s não se limitam a uma área de estudo. A

Sociolinguística interage de forma intensa com a Pragmática. Vai além das convenções

sociais, das questões linguísticas e sociais, do princípio de cortesia, de adequar-se ao seu

interlocutor sem ameaçar a sua face. Estudá-las mostra-se cada vez mais relevante, visto que

são essas relações que regem a sociedade.

Baseado em Kerbrat-Orecchioni, Rodrigues (2003, p.288) ressalta que as FT’s

desempenham três funções pragmáticas essenciais em relação “(I) ao acto de linguagem que

acompanham (e, em certas situações, também realizam, a nosso ver, como se verá); (II) à

mecânica da conversação; (III) ao nível das relações interpessoais”. Assim, os atos de

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chamamento exigem que haja tratamento, que é usual também nos atos de cumprimento e de

agradecimento e facultativo nos atos de pedido. As FT’s desempenham papéis importantes

principalmente no que diz respeito à troca de turnos de fala, ou seja, na distribuição, na

tomada de palavra, nas interrupções e intrusões, além de negociação das identidades e das

relações que se têm ou se desejam estabelecer. “As FT’s têm papel vital, a todos os níveis de

comunicação humana e nas suas diferentes práticas discursivo-textuais, em todas as

sociedades mais ou menos organizadas, de que constituem um dos reflexos e marcas mais

evidentes” (RODRIGUES, 2003, p.289).

Segundo Duarte (2011), a complexidade de se estudar as FT’s se resume apenas em

descrevê-las. O uso dessas formas varia tanto de localidade para localidade, principalmente

quando consideramos dois países: Portugal e Brasil. Mesmo tendo como língua materna o

português, indivíduos que visitam o outro país podem ter dificuldade quanto às FT’s, visto

que elas não se comportam da mesma maneira. Questões de intimidade, cortesia e respeito

podem variar.

Ainda esse problema pode ser agravado em questões de tradução. Duarte (2011, p.86-

87) informa que “para marcar a deferência em relação ao alocutário, o locutor dirige-se-lhe,

quer utilize uma forma nominal ou não, enquanto sujeito de um verbo na 3ª pessoa do singular

(como em espanhol ou italiano) e não na 2ª pessoa do plural (5ª), como em francês”. As

diferenças quanto ao uso de qual pessoa torna-se mais adequado dificulta ainda o processo de

tradução.

Não devemos esquecer que o voce é a forma de tratamento mais frequente em

português (que oscila entre, no português brasileiro, o íntimo e o não-íntimo), mas em outras

línguas, como o espanhol e o italiano, é frequente o uso do tu.

Duarte (2011) conclui sua pesquisa mostrando a importância de um trabalho lexical

explícito, para que os estudantes estejam munidos de instrumentos indispensáveis para que

possam efetuar as suas escolhas discursivas adequadas.

Por fim, observamos a complexidade de se estudar as FT’s. As formas pronominais

são amplamente discutidas no Brasil, como veremos ainda neste capítulo. No entanto, ainda

há uma carência no que concerne a formas nominais, visto que há poucos estudos que

procuram descrevê-las, assim como há poucos trabalhos brasileiros que teorizam sobre esse

tema.

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30

2.1 UM PERCURSO DOS PRONOMES TU, VOCÊ E O SENHOR NO PORTUGUÊS

BRASILEIRO

Alguns estudos, como o de Biderman (1972), mostram, que, no português medieval, o

vós poderia ser usado tanto para mais de um interlocutor como também para um único

interlocutor “de posição social ou hierárquica mais elevada ou por razões de idade, as

convenções sociais vigentes exigiam do falante a utilização de uma forma de tratamento

respeitoso” (MENON, 1995, p. 93).

Dessa forma, o vós era a forma polida de se dirigir ao interlocutor e o tu era usado para

relações solidárias (entre dois de igual poder) ou de superior para inferior, sendo bem

marcado. Menon (1995) explica que, para entender a noção de marca, deve-se levar em conta

que o uso do tu se restringia a pessoas conhecidas. Seria inadmissível usá-lo para se reportar a

alguém desconhecido. “Isso seria violar as regras de conduta da sociedade da época, por ter a

forma tu um uso bem específico, em casos bem determinados” (MENON, 1995, p.93). Já o

vós, por não ter restrições, poderia ser empregado em várias situações comunicativas, sendo

menos marcado: “não se transgride nenhuma regra social, não se ofende ninguém com um

tratamento respeitoso” (MENON, 1995, p.93).

Coutinho (1976 [1938]) diz que o pronome da segunda pessoa você era antigamente o

tratamento de respeito vossa mercê. O autor informa que o processo de mutação fonética deve

ter sido: vossa mercê> vossemecê> vosmecê> você. Acredita-se que essas formas chegaram

ao Brasil sem a força cortês dos primeiros tempos- século XIII-XIV. A partir de meados do

século XVIII, os usos tornaram-se divergentes. Os estudos em torno desse fenômeno

verificaram que Vossa Mercê, usado no período dos séculos XVII e XIX, mantinha um caráter

de respeito, utilizado principalmente entre relações assimétricas, inferior para superior.

É importante destacar que a forma você, oriunda de uma forma honorífica, também

teve mudanças de valor além das mudanças fonéticas. O você sempre foi uma forma de se

referir ao interlocutor: “primeiro numa relação de inferior para superior; em seguida numa

relação de igual para igual e de superior para inferior, ou, em outras palavras, de um

tratamento não-íntimo para um tratamento íntimo” (MENON, 1995, p.95).

No século XIX, em Portugal e Brasil, as formas de tratamento se classificavam de

acordo com sua função social e o grau de intimidade com quem se falava, conforme podemos

ver no quadro 1.

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Quadro 1: As formas de tratamento no Brasil e em Portugal no século XIX

Rei, Imperador Nobre, classe alta Povo, classe baixa Rei, Imperador S, I

senhor, meu pai

S, I tu

Vossa Alteza, Vossa Majestade, Senhor

Vossa Alteza, Vossa Majestade,

Senhor Nobre, classe alta

I senhor (3. p)

I meu amigo, o marquês, você (3.p)

S, D Senhor (I) V. Excia

Ig, D você

Ig, I tu

(você)

Senhor, V. Senhoria, sinhô,

sinhá, etc.

Povo, classe baixa

Tu Tu, você Tu, você

Relações íntimas; S- relação mais moço- mais velho; D- dirigindo-se a um estranho, relação assimétrica (idade, posição social, iguais não íntimos); Ig- relação simétrica, de igual. Fonte: Biderman (1972, p.363).

Algumas formas de tratamento eram exclusivas da linguagem escrita: Exmo Sr. Dr.

Biderman (1972) informa que não há registro dessas formas na linguagem oral. Quanto ao uso

do você, essa forma se referia ao trato superior ao inferior: tanto por idade, posição social,

como relações assimétricas e iguais não íntimos. No Brasil ocorreu a substituição do tu por

você, como forma de tratamento familiar e íntima, entre o século XIX e século XX. Biderman

informa que até os anos 70, Machado usava tu com os íntimos, de modo geral. No final do

século XIX e começo do XX utiliza, de forma geral, o você. Nas correspondências com seu

amigo Salvador de Mendonça, usava o tu até 1901, depois passa a usar você, mas os

possessivos continuam de segunda pessoa.

Quadro 2: As formas de tratamento no século XX no Brasil

Íntimo Não-íntimo

Superior O senhor O senhor

A senhora A senhora

Igual Você O senhor você

A senhora

Inferior Você Você

O(a) senhor (a)

Fonte: Biderman (1972, p.366).

O quadro 2 mostra as formas de tratamento no século XX. O tratamento de o(a)

senhor(a) dado a um íntimo (superior), como aos pais, já não é generalizado. Em algumas

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grandes cidades, os jovens tratam os pais de você. Biderman (1972) pode constatar que, no

Brasil, as formas de tratamento são como uma extensão da semântica da solidariedade em

detrimento da semântica do poder, assim como em algumas culturas europeias (França, Itália

e Alemanha), quando observado por Brown e Gilman. Quanto à interação entre pessoas da

mesma classe social e mesma faixa etária, o tratamento pode alternar entre o(a) senhor(a) e

você. No entanto, observava que o uso de uma das formas não era aleatório, enquanto o(a)

senhor(a) era usado mais por pessoas de educação mais conservadora em ambientes mais

refinados que necessitem de um tratamento mais formal e menos familiar, o uso do você

ocorria entre os considerados inferiores. Biderman informa que, apesar de haver o predomínio

do você entre os inferiores, o uso de o(a) senhor(a) também ocorria.

Em uma pesquisa com cartas nas primeiras décadas do século XX, Lopes (2009)

observa um comportamento híbrido e instável quanto ao uso do você, podendo ser usado

como uma estratégia de prestígio usada pela elite brasileira da época, como também um

tratamento generalizado ao lado de tu menos frequente. A exemplo disso, vemos que “nas

cartas do Imperador D. Pedro II, o emprego de ‘você’ (grafado V.) pode ainda estar

correlacionado à semântica do poder (relações assimétricas).” (LOPES, 2009, p.50).

Lopes nota que as cartas de Barbara Ottoni a seu neto possuem um estilo

predominantemente oral, quase uma reprodução da fala, “não há nenhum sinal de pontuação

para recuperar a estrutura do discurso direto, emprega-se o pronome ‘ela’ como sujeito numa

estrutura com verbo causativo ‘mandasse ela fazer’. Nota-se [também] o uso de ‘você’ e ‘tu’

numa mesma carta” (LOPES, 2009, p.50).

Menon (1995) explica que a introdução desse novo par -você/vocês- para o tratamento

da segunda pessoa fez com que a língua passasse a ter uma assimetria no paradigma dos

pronomes-sujeitos: “as novas formas passaram a coocorrer com a antiga oposição tu/vós,

suplantando primeiro a forma vós que [...] se tornou arcaica. Assim, vocês foi integrada

completamente no paradigma, caracterizando, basicamente, o plural real da segunda pessoa”

(MENON, 1995, p.96). A autora ressalta ainda que “o antigo uso respeitoso do plural

continua a existir nessa nova forma, não com a mesma intensidade ou vitalidade, mas é ainda

perceptível, e válido, em algumas situações.” (MENON, 1995, p.96).

Segundo Lopes e Cavalcante (2011, p.36), “A forma vulgar você passou a ser

produtiva nas relações assimétricas de superior para inferior, podendo assumir, em algumas

situações sócio-pragmáticas, ‘conteúdo negativo intrínseco’, em oposição à sua contraparte

desenvolvida Vossa Mercê”. No Brasil, a partir do século XIX você passa a concorrer com o

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tu nas relações solidárias mais íntimas. O uso do pronome você não era considerado

estigmatizado, o que pode ter auxiliado a expansão de seu uso.

Apesar de o pronome você ainda permanecer nas gramáticas adotadas nas escolas

como pronome de tratamento, percebemos essa mudança, principalmente na fala da população

brasileira. Diante disso, encontramos inúmeros trabalhos que abordam esse assunto tanto na

língua falada como também na língua escrita. Monteiro (1994) informa que, da mesma forma

que há mudança do vós para o vocês, o tu também tende a mudar para o você. Prova disso é

sua tese, defendida em 1991, que teve de desconsiderar o tu por conta da sua baixa

ocorrência. No entanto, apesar de em regiões, como no Nordeste e no Sudeste, haver o

predomínio do você, na região sul, o tu é predominante. Na região Nordeste, por exemplo,

estudos como o de Nogueira (2013), Alves (2010), Santana (2008), Divino (2008), Assunção

e Almeida (2008), Oliveira (2007; 2005) indicam que, nessas regiões, mesmo sendo maior a

ocorrência do você, ainda há o uso do tu. É interessante dizer que os estudos no Brasil sobre o

pronome tu (tanto a alternância com você como a concordância verbal), na maioria dos casos,

revelam que esse pronome vem seguido do verbo sem a marca de segunda pessoa.

Sobre o uso do pronome você ainda ser colocado como concordando com a terceira

pessoa, Menon afirma que deve haver uma mudança quanto à explicação. Se o pronome é de

segunda, não é cabível que se diga que a concordância está na terceira pessoa, como ocorre.

Historicamente, como foi demonstrado, a forma você(s) origina-se de uma locução nominal (constituída de um pronome possessivo mais um substantivo) e, nessa categoria, passa a requerer o verbo na terceira pessoa. No entanto, durante o processo de modificação fonética e de valor social, a forma se pronominalizou, isto é, passou por um processo de gramaticalização, mudando de categoria: de nome (visto que uma locução nominal, segundo a gramática tradicional, equivale a um nome -substantivo ou adjetivo - , exercendo as mesmas funções gramaticais) para pronome. Este novo pronome é de segunda pessoa; logo, a forma verbal que o acompanha também passa a ser uma forma de segunda pessoa. Então, não faz sentido algum continuar a dizer que o verbo está na terceira pessoa com um pronome de segunda pessoa. Essa afirmação contrariaria, inclusive, uma das regras do sistema de concordância verbal do português: o verbo deve concordar com o sujeito em número e pessoa. (MENON, 1995, p.96- 97, grifos da autora)

Além disso, a autora fala de uma reestruturação, em função da modificação do

pronome sujeito, no seu paradigma verbal, em que a segunda pessoa passa a ter duas formas:

“uma continua a ter o morfema tradicional, por exemplo: -s, para o presente do indicativo, e a

outra apresenta um morfema ø de pessoa, segundo o pronome pessoal que o falante utiliza”

(MENON, 1995, p.97). Desse modo, o uso da forma tu ocorreria com o uso do verbo com o

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morfema tradicionalmente relacionado à 2ª pessoa do singular, e no caso do uso do pronome

você, utilizará a forma verbal portadora do morfema ø. Apesar de essas duas formas

coexistirem hoje, para a expressão da segunda pessoa, não se pode tomar como uma

afirmação totalmente verdadeira, tendo em vista os últimos trabalhos, como veremos na

subseção 1.2.1, em que observam esse uso até mesmo onde é mais produzido o tu, a sua

concordância canônica pouco ocorre.

Menon (1995, p.97) acredita que “os falantes ‘interiorizaram’ a forma verbal com

morfema ø como a marca de segunda pessoa e a variação recai simplesmente no uso do

pronome”. O que reforça a sua hipótese é a utilização, “mesmo por falantes onde tu é a forma

preferida no singular, da forma plural vocês. Como vocês é o plural de tu, basta subtrair da

forma verbal o morfema de plural -m e se disporá da forma singular, à qual se adiciona o

pronome tu”. (MENON, 1995, p.97)

Com as mudanças que encontramos nos estudos dos pronomes, além do você, há

outras formas variantes desse pronome que são ocê e cê. Vitral (1996) diz que essas duas

novas variantes são bastante usuais no falar mineiro e que a distribuição dessas formas não

ocorre de maneira idêntica, pois o comportamento sintático de cê é distinto, propondo que

haja um processo de clitização. Ficando dessa forma: item com significado lexical: Vossa

Mercê> item gramatical: você > clítico: cê > afixo flexional. No entanto, sua teoria será

rediscutida por Petersen (2008), que propõe uma nova classificação, em função da teoria de

tripartição pronominal.

Othero (2013) nos oferece a posição mais recente sobre o cê. O autor acredita que você

e cê possuem características sintáticas e prosódicas distintas e peculiares. “Mais do que isso,

acreditamos que a forma cê seja um tipo de pronome de um tipo diferente em PB, que não

pode ser confundido nem com um pronome tônico (como é o caso de você), nem com um

pronome clítico” (OTHERO, 2013, p.135). As mudanças quanto à redução do você se

apresentam de forma inquestionável. Em algumas localidades, já se estuda a variação dessas

formas, considerando que atuam de forma distinta do você.

Além do uso dos pronomes tu, você, ocê e cê, podemos ver que há também a

existência do pronome senhor. Os estudos indicam uma pequena ocorrência dessa forma nos

estados brasileiros. Esse pronome é mais utilizado no sentido de respeito, levando em

consideração a formalidade da situação comunicativa. Devido a pouca ocorrência, Monteiro

(1994, p.153) diz:

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A nosso ver, os jovens quebraram preconceitos e tentaram modificar seu espaço na sociedade brasileira, definindo um padrão de comportamento pautado pela ideia de liberdade ou autonomia face aos que se consideravam superiores em relação a eles. Em decorrência dessa nova postura, o tratamento respeitoso que se esperava do filho para o pai, do aluno para o professor e até mesmo do empregado para o patrão deixou de ter a rigidez que caracterizava as relações assimétricas. Já hoje é comum o emprego de você nas mais diversas díades.

Assim, hoje a expressão senhor denota polidez. Informa Niculescu (1967 apud

Monteiro, 1994, p. 154) que a forma de polidez mais antiga se realiza na marca da

pluralidade, no caso o vós que, com o tempo, houve uma mudança para Vossa Mercê. Já,

sendo usado como você, passou a ser empregado em toda situação, e o senhor se tornou o

pronome para tratamento respeitoso, enquanto o você passou a ser utilizado em outras

situações.

Observa-se que o uso dos pronomes está intimamente ligado não apenas à localidade

onde vive o falante, mas também serve como uma estratégia do falante de aproximação ou

distanciamento com o interlocutor. Dessa forma, o interlocutor utiliza a forma que achar mais

adequada para o momento.

2.2 OS PRONOMES PESSOAIS DE 2ª PESSOA NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Os trabalhos que se seguem estão divididos em duas seções: os estudos variacionistas

e estudos de natureza diversa. Encontramos, até o momento, vinte e dois trabalhos de cunho

variacionista, divididos nas cinco regiões brasileiras e sete de natureza diversa, sendo que seis

deles são estudos interacionistas. Nosso intuito é descrevê-los para depois comparar seus

resultados com os nossos.

2.2.1 ESTUDOS VARIACIONISTAS

Em cada um dos trabalhos que serão apresentados a seguir, destacamos a localidade

onde foi realizado o estudo, o perfil dos informantes, a distribuição dos pronomes tu x você (e

senhor, quando houver) e as variáveis selecionadas como as mais relevantes para o fenômeno

abordado. Em um segundo momento, apresentaremos os estudos que abordam o você, ocê e

cê. (Para visualizar a distribuição espacial dos trabalhos variacionistas já realizados no Brasil,

ver APÊNDICE A).

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A amostra de todos esses trabalhos foi constituída em obediência aos preceitos teórico-

metodológicos da pesquisa variacionista. Por isso, os informantes são nascidos ou vieram

morar na cidade com, no máximo cinco anos de idade; possuem pais que nasceram e moraram

na cidade; nunca se ausentaram da localidade por um período superior a dois anos

consecutivos; são residentes na localidade. Estes critérios foram adotados com o objetivo de

tentar neutralizar a interferência dos falares de outras regiões.

Vale salientar que alguns trabalhos não deixam claro em seu estudo como ficou a

distribuição dos informantes por célula. As pesquisas que mostram balanceamento são as de:

Franceschini (2011), Nascimento (2011), Rocha (2010), Martins (2010), Alves (2010),

Gonçalves (2008), Assunção e Almeida (2008), Dias (2007), Mota (2008), Peres (2006),

Herênio (2006), Andrade (2004), Orlandi (2004) e Coelho (1999).

Apresentamos agora, de forma sucinta, primeiramente, os estudos encontrados para a

variação tu/você/senhor e, depois, os trabalhos que tratam da variação você/ocê/cê,

obedecendo à distribuição geográfica e também à ordem cronológica dessas pesquisas.

Depois, teceremos algumas considerações sobre as investigações abordadas.

2.2.1.1 Tu, você e o senhor

Ao todo, foram encontrados 22 trabalhos que estudam a alternância dos pronomes tu/

você/o senhor na língua falada: 02 da região Norte, o de Babilônia e Martins (2011) e Martins

(2010), para o Amazonas; 07 do Nordeste: Alves (2010) e Herênio (2006), para o Maranhão;

Nogueira (2013), Santana (2008), Assunção e Almeida (2008) e Oliveira (2007, 2005), para a

Bahia; 03 da região Centro-Oeste: Andrade (2010), Dias (2007) e Lucca (2005), para o

Distrito Federal; 06 da região Sudeste: Santos (2012), Lopes et al (2009) e Paredes Silva

(20081

), para o Rio de Janeiro, Modesto (2006), para São Paulo, Mota (2008) e Herênio

(2006), para Minas Gerais; e 06 da região Sul: Franceschini (2011), Rocha (2010), Zilli

(2009), Orlandi (2004) e Packer (1990), em Santa Catarina e Loregian-Penkal (2004), no Rio

Grande do Sul e Santa Catarina. Até o momento, não temos notícia de outras investigações

concluídas no território brasileiro que tenha estudadoa alternância pronominal em foco.

1 Paredes Silva apresenta vários trabalhos sobre o uso dos pronomes de tratamento na cidade do Rio de Janeiro. Neste último artigo, faz um apanhado das pesquisas já realizadas. Sendo assim, nos deteremos apenas neste estudo.

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a) Região Norte

Babilônia e Martins (2011) estudam a influência dos fatores sociais na alternância dos

pronomes tu/você na fala manauara. Para isso, utilizaram 40 informantes do Projeto Fala

Manauara Culta (FAMAC). Participaram desse estudo 24 mulheres e 16 homens, distribuídos

em três modalidades de gravação: 20 participaram do D2; 14, do DID; e 6, do EF. Todos

tinham nível superior completo e foram estratificados de acordo com a faixa etária (20-35; 36-

55; 56 anos em diante).

Os autores observaram que o pronome senhor aparece em contextos formais, como

reunião entre chefe e assessor, e o sujeito nulo aparece, principalmente, como marcador

conversacional, “sabe, tá entendendo”.

Não foi utilizado o Varbrul pelos pesquisadores, mas eles observaram que, quanto ao

tu e você, foram registrados 492 dados, 35% para tu e 65% para você. Quanto à situação

discursiva, o tu é mais usado no D2 - Diálogo entre dois Informantes (70,5%), enquanto o

você ocorre mais no DID - Diálogo informante e documentador (96%), como também nos EF

– Elocuções Formais ocorrem mais você (90,7%). Nas díades, verificaram que, em conversas

com marido e esposa, o uso do tu é categórico, mas seu uso é sem a concordância canônica.

Você também é usado para repreender, visto que marca distanciamento. Quanto ao gênero, as

mulheres tendem ao uso do tu (60%), mais que os homens (40%). No tocante à faixa etária,

essa variável não foi tão relevante, pois os dados indicaram em todas as idades que o tu é mais

utilizado nos diálogos entre informantes, enquanto você é mais aplicado nas entrevistas e nas

elocuções formais. Com relação à concordância canônica, observou-se que: a) na faixa etária

3 (56 anos em diante), a concordância ocorreu em 89% das ocorrências, valor que vai sendo

reduzido de acordo com a idade; b) na faixa etária 2 (36-55), o valor é 31,3%; c) e na faixa

etária 1 (20-35), 1,6%. Segundo os autores, tais dados indicam uma possível mudança

linguística em andamento.

Martins (2010) estuda a alternância tu/você/senhor na cidade de Tefé-AM. O corpus

analisado foi constituído entre 2008 e 2009 e é composto por 19 entrevistas (algumas com

mais de 1 informante), sendo que destas 4 foram feitas sem o conhecimento prévio do

informante. No entanto, vale ressaltar que eles foram notificados posteriormente, sendo-lhes

reservado o direito de recusar o uso da gravação na pesquisa. Ao todo, 30 informantes

participaram da pesquisa, 15 mulheres e 15 homens, divididos em três faixas etárias (de 7 a

10, de 20 a 35 e de mais de 50 anos), com dois níveis de escolaridade (fundamental e

superior).

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Os dados, submetidos ao Varbrul 2 , revelaram que o pronome tu (com 42,9%

ocorrências) é o mais utilizado pelos informantes e que a concordância com a forma verbal

canônica é muito baixa (apenas 3,7%). Além disso, é informada a frequência de uso do

senhor, 4,9%, e do você, 22,9%. Dos 1213 dados, foram desconsiderados os dos pronomes

zero, cuja frequência foi de 28,6%. Sobre o pronome senhor, o autor afirma que o seu peso

relativo não foi calculado, porque essa forma, nas situações em que é utilizada, é categórica.

Dentre todas as variáveis selecionadas para tu, observamos que: o paralelismo (precedido por

outro tu, com 64,5% e 0,753) é o grupo mais relevante dentre todos; o grau de intimidade

aparece como a variável social de maior relevância e mostra que o emprego do tu cresce com

o aumento da intimidade, com 80,9% e 0,59; no tipo de gravação, as gravações ocultas se

destacam com 90,7% e 0,78; a faixa etária (as crianças, com 83% e 0,58) foi selecionada

como relevante; o gênero (as mulheres, com 70,6% e 0,58) foi selecionado como o quinto

grupo de fator mais importante; e o tipo de referência, com destaque para a específica, 74,7%

e 0,55). O pronome senhor faz parte da comunidade de fala tefeense, mas, segundo o autor, os

resultados indicam que pode estar em curso uma possível mudança no sentido de substituir o

senhor pelo tu nas relações assimétricas4

íntimas.

b) Região Nordeste

Nogueira (2013) estuda a alternância dos pronomes tu e você em Feira de Santana e

Salvador, partindo de 48 entrevistas do tipo DID (Diálogo entre Informante e Documentador),

sendo que 12 pertenciam ao Projeto Norma Linguística Urbana Culta de Salvador

(NURC/SSA); 12 eram oriundas do Programa de Estudos sobre o Português Popular em

Salvador (PEPP); 24 vinham do projeto A Língua Portuguesa no Seminário Baiano; e 7 eram

conversações espontâneas entre informantes de Feira de Santana. Os informantes foram

estratificados de acordo com sexo, faixa etária (25-35; 36-55; mais de 56 anos) e escolaridade

(ensino fundamental e médio), em uma amostra balanceada. Nas conversações espontâneas,

foram gravadas duas conversas, com 5 homens (3 de 25 a 35 anos; 2 entre 45 a 55) e 7

mulheres (4 entre 25 a 35; 3 entre 45 a 55 anos.

A autora não submete os dados à análise estatística, mas analisa todos os grupos de

fatores. Decidiu-se fazer aqui apenas a apresentação dos resultados que a autora obteve nas

2 O Varbrul é constituído por um conjunto de programas para análise estatística de fenômenos variáveis. 3 O segundo número, a partir de agora, vai se referir ao peso relativo do fator. 4 As relações assimétricas são aquelas relações humanas em que há uma diferença social nos cargos ocupados pelos falantes no discurso e, que, de certa forma, um falante ficará subordinado a outro. Exemplo disso são relações entre pais e filhos e chefe e funcionário.

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conversas espontâneas, visto que esse tipo de registro é similar ao que utilizamos em nossa

pesquisa. Os dados da conversação espontânea mostram-se diferentes dos colhidos no DID.

Dos 147 dados, 57,8% pertencem ao você e 42,2% ao tu. Quanto ao sexo, os homens usam

mais o você (66,7%), já as mulheres preferem o tu (50,5%). Na função sintática, você aparece

mais como sujeito (60,8%), enquanto o tu aparece mais como não sujeito (76,9%). Nos casos

sem verbo, há o predomínio do você (75%). No tipo de frase, as declarativas favorecem o uso

do você (72,4%), e as não declarativas favorecem o tu (78,6%). Quanto ao tempo verbal, o

você favorece o tempo passado (17,6%), e o tu, não passado (36,9%). No discurso direto, há

predomínio do você (63,1%) e, no discurso relatado, do tu (25%). Já no tipo de referência, a

específica favorece tu 64,6%, enquanto a genérica beneficia o você (100%). Não houve

concordância canônica com o pronome tu. A autora conclui que o gênero do discurso é uma

das variáveis mais relevantes para a análise da alternância entre as formas de tratamento

tu/você.

Alves (2010), numa abordagem geo-sociolinguística, trata da variação de uso das

formas tu/você nos municípios maranhenses de São Luís, Pinheiro, Bacabal, Tuntum, Alto

Parnaíba e Balsas. O corpus da pesquisa, constituído a partir do banco de dados do Atlas

Linguístico do Maranhão, é o resultado da aplicação de 28 questionários realizados com

informantes de ambos os sexos, agrupados em duas faixas etárias (18 a 30 e 50 a 65 anos). A

maioria dos informantes tinha apenas o ensino fundamental e somente 4 possuíam o ensino

superior.

Foram considerados apenas os pronomes em posição de sujeito, totalizando 328

ocorrências: 126 ocorrências para o tu, 168 para o você, 27 para o cê e 7 para o ocê. Com a

utilização do GoldVarb X, constatou-se que o você (61,6% das ocorrências) é a forma mais

frequente no falar maranhense. Dos grupos de fatores considerados pela autora, apenas três

foram selecionados pelo programa como favorecedores do tu: faixa etária, tipo de relato e

localidade. Nesta análise, os mais jovens, com idade entre 18 a 30 anos (52% e 0,63), utilizam

mais o tu, ao contrário dos mais velhos, com idade entre 50 a 65 anos (30,2% e 0,41). Os

dados revelam ainda que os jovens tendem a alternar mais os pronomes do que os mais

velhos. Quanto à localidade, observou-se que: a) em São Luís e Tuntum, os mais jovens usam

mais o tu; b) no Alto Parnaíba, não se verificou o emprego do pronome tu pelos mais velhos;

c) as regiões de Balsas, Bacabal e Pinheiro são as que apresentam a maior ocorrência do tu,

com 56,7% e 0,72; 56,5% e 0,67; 36,9% e 0,54, respectivamente; d) nas demais localidades,

há um padrão, que é o equilíbrio no uso do pronome tu quanto à idade. O grupo de fator tipo

de relato, segundo na ordem de seleção, indica que o tu é favorecido pelo discurso relatado

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por terceiros (61,1% e 0,76), pois, ao narrar um acontecimento, o falante se afasta do fato

narrado e, portanto, do seu envolvimento direto com o discurso. Ao fazer uma rodada

considerando o tu com a concordância, a autora verificou que a fala própria (24,5% e 0,66)

apresenta um favorecimento maior deste pronome com a concordância do que em falas

retomadas (4,3% e 0,17). A concordância canônica (11,1%) mostra-se baixa.

Santana (2008) estuda a variação dos pronomes tu e você entre os interlocutores de

Feira de Santana-BA, partindo de um corpus constituído de 12 amostras de fala, resultante de

entrevistas realizadas com informantes de nível superior (universitários e graduados).

Segundo o autor, nas conversas, foram provocadas narrativas sobre experiências pessoais no

trabalho, na família, entre amigos e na universidade com o objetivo de deixar o informante à

vontade. Foram analisados o modo verbal (indicativo, subjuntivo e imperativo), a relação

documentador/informante (íntima e não-íntima), o gênero (masculino e feminino) e a faixa

etária (I: de 22 a 29, II: de 30 a 45 e III: 46 a 60 anos).

Utilizando-se o programa GoldVarb 2001, evidenciou-se que, na variação tu/você, de

um total de 243 ocorrências, o pronome você corresponde a 65% das realizações e o tu

equivale a 34%. Os grupos de fatores relevantes para tu, seguindo a ordem de relevância,

foram: o gênero (mulheres, com 54% e 0,85), a relação documentador/informante (relação

íntima, com 42% e 0,72) e a faixa etária, de 22 a 29 anos (44% e 0,50). Quanto a esta última

variável, os dados da faixa III revelam 100% de realização do pronome você.

Assunção e Almeida (2008) estudam o uso dos pronomes pessoais tu e você, em Feira

de Santana-BA, com base nas entrevistas de 12 informantes, feirenses natos, todos analfabetos

funcionais e distribuídos da seguinte forma: seis para cada gênero e quatro para cada uma das

três faixas etárias (I- 15 a 29; II- 30 a 45 e III- 46 a 60 anos). Os grupos de fatores controlados

foram: modo verbal, tipo de sentença, intimidade ou não entre o informante e o

documentador, gênero e faixa etária.

Com o auxílio do Varbrul, verificou-se que, de um total de 114 ocorrências, o

pronome você corresponde a 90% e o pronome tu a 10% das realizações. As autoras não

mencionam o peso relativo e nem a seleção dos grupos de fatores relevantes, mas concluem

que o você é a variante predominante. Quanto aos fatores linguísticos, o modo verbal

indicativo (12%) favorece o tu, bem como o tipo de sentença interrogativa (29%). Com

relação aos fatores sociais, o grau de intimidade indica que quanto maior a intimidade, maior

a possibilidade de uso do pronome tu (17%); no que se refere ao grupo de fator sexo, os

homens (13%) utilizam mais o tu; e, quanto à faixa etária, os mais velhos (16%) favorecem o

pronome tu.

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Oliveira (2007) investiga a alternância entre tu e você em comunidades rurais do

Estado da Bahia, Santo Antônio de Jesus e Poções, partindo de um corpus constituído por 48

entrevistas sociolinguísticas, sendo 12 para cada comunidade, subdivididas em duas áreas do

município: sede e rural. Foram controlados os seguintes grupos de fatores sociais: sexo,

escolaridade (analfabeto ou semianalfabeto), estada fora da comunidade (ausência ou não da

comunidade por pelo menos seis meses) e a faixa etária (faixa 1 – 20 a 40, faixa 2 – 40 a 60 e

faixa 3 – acima de 60 anos).

Com 1128 dados, após a utilização do Varbrul, verificou-se que o uso do você

corresponde a 88% das realizações e o pronome tu equivale a 12%. A autora não informa a

ordem de seleção das variáveis pelo programa, mas apresenta os grupos de fatores

selecionados. A referencialidade mostra o favorecimento do você na presença do fator traço

semântico da indeterminação (99% e 0,84), ao passo que a utilização do tu aumenta com o

referente determinado. O paralelismo formal revela que o você é privilegiado quando o

antecedente é realizado com a mesma forma (99% e 0,73). No tocante à faixa etária, nota-se

que há uma maior realização do uso do você por falantes da faixa I (0,54) e da faixa II (0,55).

Quanto ao gênero, constata-se que os homens (89% e 0,57) favorecem mais o você do que as

mulheres (86% e 0,40). O tipo de interlocutor indica que o informante tende a usar o você

com interlocutores mais formais, isto é, aqueles com os quais o entrevistado não tem contato,

ou seja, um indivíduo de fora da comunidade. O falante distingue os interlocutores que são

membros da comunidade (72% e 0,45) daqueles que não o são (89% e 0,71), respectivamente.

A variável efeito gatilho permite verificar se há interferência da fala do documentador na

escolha de uma das variantes pelo informante. Esta variável indica que, quando o você (89% e

0.53) é mencionado pelo documentador, há uma extensão do uso da mesma forma pelo

informante, ao contrário do que ocorre com o tu (42% e 0,05).

Herênio (2006) estuda a variação entre as formas tu e você em duas cidades de regiões

distintas do Brasil: Uberlândia-MG e Imperatriz-MA. Para compor o corpus, seleciona 45

informantes em cada cidade, estratificados de acordo com a idade (20 a 30; 31 a 45; acima de

45 anos) e a classe social (A, B e C, de acordo com os critérios adotados pelo IBGE5

Embora a pesquisa seja realizada na perspectiva da sociolinguística laboviana, a autora

não utiliza nenhum programa de análise estatística, por isso não são apresentados os pesos

relativos e nem informações sobre quais grupos de fatores são considerados relevantes à

variação pronominal. No total, são obtidos 1059 dados para as duas cidades. Constatou-se

).

5 Os critérios estão de acordo com o Critério Brasil, cujo objetivo é atualizar a distribuição da população brasileira por classes, de acordo com o seu consumo. Ele está disponível no site www.ibope.com.br.

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que, na cidade de Uberlândia, não se utiliza o tu e o você aparece com 100% das realizações, e

em Imperatriz, há uma baixa ocorrência do tu (27%), predominando o você (73%). Vale

salientar também que, nesta última cidade, a autora informa a baixa ocorrência canônica da

conjugação do tu, com 7,7%.

Oliveira (2005) analisa a variação dos pronomes pessoais tu e você em comunidades

rurais afro-brasileiras isoladas. A amostra é constituída por 24 entrevistas e representa o

vernáculo das comunidades de Helvécia, Cinzento, Rio de Contas e Sapé, denominado

Corpus Base do Português Afro-Brasileiro do Estado da Bahia. De cada comunidade, foram

selecionadas 06 entrevistas. O corpus encontra-se estratificado de acordo com o sexo, a

escolaridade (analfabeto ou semi-analfabeto), estada fora da comunidade (ausência ou não da

comunidade por pelo menos seis meses) e a faixa etária (faixa 1 – 20 a 40, faixa 2 – 40 a 60 e

faixa 3 – acima de 60 anos).

Com a ajuda do Varbrul, verificou-se que, de um total de 710 ocorrências, o você

corresponde a 88% das realizações, contra apenas 12% da forma tu. Apesar de não apresentar

os pesos relativos, a autora menciona que, dos 11 grupos de fatores analisados, 7 influenciam

o uso dos pronomes: referencialidade, paralelismo formal e discursivo, faixa etária, sexo,

comunidade, interlocutor e efeito gatilho.

A referencialidade revelou que o uso do você é mais frequente na presença do traço

semântico da indeterminação (97%), já o emprego do tu aumenta com o referente definido

(18%). Quanto ao paralelismo, os resultados apontam que, quando ocorrem no mesmo

período ou na oração anterior, o uso dos pronomes tu e você é praticamente categórico; e no

discurso, quando fazem referência anterior ao mesmo indivíduo, ou seja, em suas falas, o

sujeito utiliza sempre o mesmo pronome, ou retoma o último de sua fala (87%), confirmando

o favorecimento da repetição: 99% para você com você, 97% para categoria vazia com você,

3% para categoria vazia com tu, 92% para tu com tu, 8% para tu com você e 1% para você

com tu. No tocante à faixa etária, há uma tendência à aplicação do pronome tu pelos falantes

mais jovens (17%), ao contrário dos mais velhos (9%), enquanto o uso do você é mais

frequente entre os mais velhos (91%) do que entre os jovens (83%). Com relação à variável

sexo, as mulheres (19%) usam mais o tu e o você predomina entre os homens (93%), mas vale

ressaltar que as mulheres (81%) também usam bastante esse último pronome. Quanto às

comunidades, todas usam mais o você (88%). No entanto, quando o tu é empregado, ele

ocorre mais em Cinzento (19%) e Sapé (22%) que em Helvécia (97%) e Rio de Contas (1%).

Segundo a autora, isso seria explicado pelo fato de as duas primeiras comunidades serem mais

isoladas e não apresentarem contato constante com outros dialetos, enquanto Helvécia e Rio

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de Contas estabelecem um maior contato com outros dialetos, porque os homens saem para

trabalhar fora. Quanto ao interlocutor, o você é empregado com frequência de 81% no total,

sendo: 90% para o entrevistador, 74% para o membro da comunidade e 81% para o indivíduo

de fora. Com relação ao efeito gatilho, os pronomes você (92%) e tu (60%), quando

mencionados pelo documentador, influenciam a escolha do informante.

Além destes, não podemos deixar de mencionar o estudo de Monteiro (1994) sobre os

pronomes pessoais, realizado com dados de 5 capitais brasileiras: Rio de Janeiro, São Paulo,

Porto Alegre, Salvador e Recife. O seu corpus, formado por 60 informantes de cada cidade,

foi extraído do projeto NURC (Norma Urbana Culta do Brasil). Todos os informantes

possuíam nível superior completo e foram estratificados de acordo com o sexo (masculino e

feminino) e a faixa etária (25-35 anos; 36-55 anos e 56-70 anos). No entanto, não nos

deteremos neste trabalho pelo fato de ele ter dispensado de sua análise o tu, devido à sua

inexpressiva ocorrência.

c) Região Centro-Oeste

Andrade (2010) investiga as formas você, cê e tu no falar de crianças e adolescentes de

Brasília, com o propósito de verificar se, já nos primeiros anos, as crianças usariam o tu que,

em Brasília, figura como variante inovadora. Para isso, ela seleciona alunos, com idade entre

7 e 15 anos, de uma escola pública em Vila Planalto. A amostra é constituída por 43

informantes, 25 do sexo feminino e 18 do sexo masculino. Deste universo, 9 não pertencem à

comunidade de Vila Planalto (3 meninas e 1 menino do Lago Sul; 2 meninos da Asa Norte; 2

meninas e 1 menino do Sudoeste).

Submetidos os dados ao GoldVarbX 2001, realizou-se uma rodada eneária, o que

impossibilitou o programa de efetuar a seleção dos grupos de fatores. Das 835 ocorrências, o

pronome mais utilizado é o tu (48%).

O você se destacou nas falas femininas (34% e 0,44), em referências genéricas (64,2%

e 0,45), em construções que não possuem verbos (58,9% e 0,46), em relações assimétricas

(0,406

6 Ao produzir uma rodada eneária, a autora não informa a frequência das relações assimétricas e das relações simétricas.

) e em enunciados não interrogativos (45,8% e 0,46). A variante cê demonstrou não

possuir exatamente as mesmas características do você, mesmo sendo, a rigor, uma redução

deste, mostrando-se privilegiada em: falas reportadas (36,7% e 0,42), posição de sujeito

(28,8% e 0,57), orações interrogativas (35,4% e 0,39) e em relações assimétricas (0,40). O tu,

por sua vez, foi favorecido em: falas masculinas (52% e 0,41), falas originais (48,7% e 0,47),

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frases interrogativas (46,7% e 0,38), referência específica (37,5% e 0,49), relações simétricas

(0,47) e, relativamente, também na função de sujeito (32,1% e 0,35).

A faixa etária mostrou-se relevante em todas as variantes. Para o tu, os resultados para

as faixas etárias são de 7 a 11 anos, 27% e 0,3 e de 12 a 15 anos, 58% e 0,37. Os resultados se

invertem quanto ao cê: de 7 a 11 anos, 40% e 0,37 e de 12 a 15 anos, 20% e 0,3. Quanto ao

você, de 7 a 11 anos, 32% e 0,33 e de 12 a 15 anos, 87% e 0,33.

Dias (2007) analisa o uso do tu dos brasilienses em três regiões: RAI- Brasília,

RAXVI- Lago Sul e RAXVIII- Lago Norte. Ao todo, utilizaram-se 18 informantes,

estratificados de acordo com o sexo (feminino e masculino) e a faixa etária (entre 13 e 19

anos, entre 20 e 29; e 30 em diante).

Os dados foram submetidos ao GoldVarb X e constatou-se que, dos 1080 dados

coletados, a autora se concentrou em 900 ocorrências, eliminando-se 124 dos pronomes nulos

e 56 que estavam na posição de objeto. Assim, os resultados revelaram o predomínio do uso

de cê (51,4%) frente às variantes você (26,5%) e tu (10,6%). Verificou-se que 7 informantes

não utilizaram o tu. A única variável linguística selecionada para o favorecimento do pronome

tu foi o tipo de fala, destacando-se a ironia/brincadeira (31,7% e 0,80) e a conversa casual

(12,9% e 0, 56). O grupo de fator social selecionado como o mais relevante foi a faixa etária,

sendo que os mais jovens, de 13 a 19 anos (28,8% e 0,76), são os maiores favorecedores do

tu, seguidos dos de 20 a 29 anos (12,5% e 0,56). Logo em seguida, a variável sexo, terceira na

ordem de seleção, mostra os homens (14,9% e 0,60) como aliados do tu, ao contrário das

mulheres (10,8% e 0,41).

Lucca (2005) trata da alternância entre os pronomes tu e você na fala brasiliense e,

para isso, elege as três regiões mais populosas do Distrito Federal: Ceilândia, Taguatinga e

Brasília. Para compor o corpus, coletado entre abril de 2004 a fevereiro de 2005, selecionou-

se um informante em cada região, exceção feita a Brasília que teve três informantes. Os

responsáveis pelas gravações eram estudantes do ensino médio de escola pública. Foram

entrevistados, ao todo, 32 informantes. Destes, 29 são jovens (entre 15 e 19 anos) do sexo

masculino e somente três pertencem ao sexo feminino. Lucca pretende analisar somente a fala

masculina, mas há algumas mulheres no inquérito que foram consideradas. Segundo a autora,

os informantes fizeram gravações ocultas de situações conversacionais entre si e seus amigos,

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o que permitiu coletar dados de interações entre rapazes, entre rapazes e garotas e entre

rapazes e adultos, por meio de falas reproduzidas7

Após o uso do GoldVarb 2001, com 453 dados, constatou-se que a maior parte das

falas são características de relações entre pares solidários, nas quais o uso do tu emerge. Os

resultados revelaram alto índice da variante tu, 72% (0,77), contra apenas 28% do você.

Foram selecionados, por ordem de relevância, em relação ao tu, as variáveis: a) o gênero

aponta os homens (78% e 0,55) na fala real como seus aliados; b) o paralelismo linguístico

indica que o primeiro item da série sendo tu (85% e 0,58) e os ‘não primeiros’ precedidos por

tu (80% e 0,56) são relevantes no seu emprego; c) o tipo de relação entre os interlocutores

revelacom que o fator pares em relações solidárias (79% e 0,57) são seus aliados; d) a

familiaridade com o tema discursivo mostra os mais familiares (74% e 0,52) como os mais

propensos ao uso desta variante; e) a região administrativa do falante revela Ceilândia (RAIX)

(86% e 0,68) como a que mais utiliza o tu; f) o tipo de estrutura apresenta as exclamativas

(94% e 0,87) como aliadas deste pronome.

.

d) Região Sudeste

Santos (2012) analisa o retorno de produtividade do tu correlacionado com a forma

verbal neutra na cidade do Rio de Janeiro. Seu corpus é composto por 52 informantes,

estratificados de acordo com sexo/gênero (masculino e feminino), a faixa etária

(aproximadamente 18 a 30 e 31 a 55 e mais de 56 anos) e o grau de escolaridade (ensino

fundamental, ensino médio e ensino superior). Os informantes foram extraídos das seguintes

amostras: 18 do perfil profissional (2006); 5 da amostra Almirante Barroso (2006); 9 da

amostra advogados (2008); 13 da amostra zona oeste (2009); e 7 da amostra norte (2009). As

questões, em geral, se baseavam na pergunta "como faço para chegar à rua x?". Foram

selecionados apenas os pronomes-sujeitos.

Inicialmente, a autora apresenta os dados gerais, mostrando que, no total de 648

ocorrências, foram registrados 49% (318 ocorrências) dos casos para você, seguido de sujeito

nulo, 39% (251 ocorrências), e, por fim, 12% (79 ocorrências) do tu. Em sua abordagem

panorâmica, a autora observa que o você é mais produzido na zona norte (56%), enquanto o tu

ocorre mais na zona oeste (21%). As mulheres (53,9%) falam mais você do que os homens

7 O propósito desse trabalho era o de estudar a fala apenas dos homens. A autora estudou não só o diálogo entre eles, mas também a forma como reproduziam uma conversa que já havia acontecido. Cada adolescente ficou com o gravador e seus amigos foram gravados, mas só foram informados disso após a gravação.

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(44,40%). O você é mais usado por pessoas que têm o ensino superior (56,30%), enquanto o

tu é mais aplicado por pessoas que possuem ensino fundamental (12%) e médio (12%).

Logo após essa apresentação, é feita uma rodada e Santos expõe o seguinte resultado:

dos 11 grupos de fatores escolhidos pela autora, cinco foram selecionados pelo GoldVarb

2001, na rodada tu x você8

Estudando o uso dos pronomes, Lopes et alii (2009) realizam 20 gravações no centro

da cidade do Rio de Janeiro, com ambulantes, vendedores e gerentes, "profissões que atendem

a um público variado de pessoas de diferentes estratos sociais, o que favorecia, pela própria

natureza do contato interativo, o emprego de uma forma interlocutiva menos marcada e neutra

(você)" (LOPES et al, 2009, p. 18). Os autores fazem as entrevistas e evitam utilizar qualquer

forma de tratamento. Em geral, fazem perguntas da seguinte forma: “como faço para chegar

no lugar x?"

: paralelismo formal (tu precedido de tu, 66,7% e 0,87), modalidade

verbal (ordem, 31,1% e 0,66, certeza 23,7% e 0,60), escolaridade (ensino superior, 13,1% e

0,55), bairro (zona oeste 33,8% e 0,80), e gênero/ sexo (masculino 25,4%, e 0,62). A autora

constata que o tu ainda é estigmatizado.

Ao final do estudo, nota que o você (65%) é mais utilizado do que o tu (35%), de uma

amostra de 129 ocorrências. Os autores apresentam apenas os percentuais, não permitindo que

saibamos o peso relativo de sua análise. Quanto ao tipo de sujeito, quando pleno, usa-se mais

o você (61%) do que o tu (57%); já o nulo, empregaa-se mais o tu (43%) do que o você

(39%). Os homens (80%) usam mais o tu e as mulheres (58%) utilizam mais o você. Quanto

ao emprego do tu, as mulheres jovens (46%) aplicam mais o pronome do que as adultas

(13%), já as idosas não utilizam esta forma. Os homens jovens empregam o tu de forma

categórica, ao contrário dos homens idosos (51%) e adultos (24%).

Mota (2008) investiga os pronomes tu e você no português oral de São João da Ponte-

MG, com base em entrevistas sociolinguísticas com 24 informantes, que só possuem o ensino

fundamental, estratificados de acordo com o sexo (feminino e masculino) e com a faixa etária

(7 a 14 anos, 15 a 25, 26 a 49 e mais de 50). Vale salientar que a autora faz as rodadas com as

entrevistas e com o teste de produção9

8 A autora faz várias rodadas, mas só nos deteremos na rodada tu x você.

, mas aqui só mencionaremos os resultados do trabalho

com as entrevistas.

9 O entrevistador sugeria a palavra e um informante fazia a pergunta, Foram 36 palavras sugeridas, variando entre o mais formal e o menos formal. Segue um exemplo retirado de Mota (2008, p. 55). E- Bicicleta, faça uma pergunta pra ele. I1- Cê gosta muito de bicicleta? I2- Gosto. Meu isporte favorito é ciclismo. E- Faça uma pergunta pra ele.

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Dos grupos de fatores selecionados pelo GoldVarb 2011, foram considerados

relevantes: função sintática, grau de intimidade, faixa etária e estatuto do interlocutor na

interação. Segundo a autora, um fato revelador diz respeito à distribuição das ocorrências das

formas pronominais: 89% para o pronome você e 10% para o tu, de uma amostra de 509

ocorrências. O trabalho de Mota (2008) mostra o aparecimento do pronome tu que já era

informado por Mendes (1998) sobre a inexistência desse pronome no dialeto mineiro.

Quanto aos grupos de fatores linguísticos, a função sintática é a única selecionada. A

presença do tu ocorre mais na função de objeto (48% e 0,91) do que na função de sujeito (4%

e peso de 0,41). Quanto aos grupos de fatores extralinguísticos, temos, por ordem de

relevância, o grau de intimidade, a faixa etária e o estatuto do locutor. Na primeira variável, o

tu aparece mais em situações íntimas (26% e 0,81) que em situações não íntimas (1% e 0,32).

Na segunda, os apenas a faixa etária de 15 a 25 anos (3% e 0,72) favorece o uso do tu, ao

contrário das demais: 7- 14 anos (12% e de 0,30), 26-49 anos (24% e 0,19) e 50 anos ou mais

(3% e 0,14). Na última, comparando-se ao locutor I (0,7% e 0,18) e ao locutor II (20% e

0,85), o locutor III (37% e 0,95) é o que mais favorece o emprego do tu.

Paredes Silva (2008) faz um apanhado de todos os seus trabalhos, com diferentes

corpora (1988, 1996 e 2000). A autora busca mostrar a mudança que parece estar em curso no

português brasileiro, mais precisamente no falar carioca- o retorno do tu, disputando espaço

com você. O estudo da autora teve início em cartas pessoais com escrita informal. Nesse

corpus, ela observou o uso do você (com 70%) e do sujeito nulo (com 30%). A faixa etária

não se mostrou relevante para a escolha dos pronomes neste trabalho. Na década de 90,

observa-se a mudança: o aparecimento do tu. Utiliza-se o Banco de Dados Interacionais (BID)

do PEUL/UFRJ, cujo material é mais espontâneo. No entanto, a autora acredita que, pelo fato

de os informantes já saberem da existência da gravação, o uso do tu é inibido, menos de 10

ocorrências em 6 interações de 25 minutos. É relevante dizer que o tu era conjugado sem

flexão. Essa investigação mostrou-se importante, pois apresentou à autora outro fenômeno

que estava ocorrendo: a clitização, ou seja, o aparecimento do cê, como aponta os resultados:

30% para zero, 32% para você e 38% para cê.

Em outro momento, a pesquisadora faz um novo estudo, dessa vez, sem dizer aos

informantes que seriam gravados. Isso só era informado ao final, para que pudessem decidir

se o material coletado poderia ser utilizado no trabalho. A pesquisa de 2000, porém, não

mostrou um aumento na frequência do uso do tu, comparada a de 80, mas é importante dizer

I2- Que qui tu acha [daque] dessas bicicleta qui tu vê ? (Entrevistador sugere palavras a dois colegas de sala – T 1 p. 96)

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que somente dois grupos de fatores são selecionados pelo Varbrul nas duas décadas: o sexo e

a idade.

Em Amostra 80, como é chamada a primeira pesquisa de corpus oral, foram

encontrados os seguintes resultados: um total de 686 ocorrências, 11%/0,72 para uso do tu

entre os homens e 1%/0,29 para o uso do tu entre as mulheres. Na Amostra 00, como é

chamada a segunda pesquisa citada, foram computadas 579 ocorrências dos pronomes e

destas 13%/0,72 são realizações do tu por mulheres e entre os homens é de 2%/0,31. Quanto à

faixa etária, na amostra 80, os mais jovens favorecem o uso do tu (de 7-14 anos: 22%, 0,61;

de 15-25 anos, 10%, 0,61) e, na amostra 00, a faixa favorecedora é a de 15 a 25 anos (13%,

0,64). As duas pesquisas mostram um uso de 9% do pronome.

Em estudo de tempo aparente, que a autora nomeia por Amostra 96, nota-se a

supremacia do uso do tu, pois o seu emprego foi apontado em 68% dos casos. Nesta análise, o

Varbrul selecionou a faixa etária (de 20 a 29 anos, com 70%, 0,60) e o sexo (os homens com

69%, 0,57) como fatores relevantes para o uso do tu. A autora conclui que o uso do tu e você

sugere uma mudança em curso, embora ainda restrita a alguns grupos sociais e contextos

discursivos; no caso do tu, há contextos em que ocorre um menor monitoramento e maior

grau de intimidade.

Modesto (2006) estuda o uso das formas de tratamento tu e você em Santos, no litoral

do Estado de São Paulo. O corpus constitui-se de 20 inquéritos, correspondentes a textos

conversacionais realizados entre falantes santistas. Os informantes foram estratificados de

acordo com três grupos de fatores sociais: gênero (masculino e feminino), faixa etária (15 a

20 anos e 21 anos ou mais) e escolaridade (ensino médio e ensino superior). Considerando

todo léxico10

Ao utilizar o GoldVarb 2001, foram selecionados 5 grupos de fatores, seguindo a

ordem de importância: monitoramento, expressividade, função sintática, referenciação e

escolaridade. Em contexto de menor monitoramento, a frequência de uso e o peso relativo da

forma tu são, respectivamente, 46% e 0,61 e, para a forma você, tem-se 53% e 0,38. Com

maior monitoramento, temos os seguintes resultados: você, com 82% e 0,62 e tu, com 17% e

0,37. A variável expressividade indica que quanto mais expressivo, maior o uso do tu (50% e

encontrado, o pronome você (0,93%), com 476 ocorrências, apesar da baixa

frequência, admitida pelo autor, aparece mais que o tu (0,45%), com 232 ocorrências. As

formas de tratamento apresentam a seguinte frequência de uso: você, com 67% e tu, com

32%. Observou-se que não se usa a forma canônica de 2ª pessoa com a forma tu.

10 Para contar as palavras, utilizou-se o MS-WORD XP, da Microsoft.

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0,65) e quanto menos expressivo, maior o uso do você (79% e 0,39). A função sintática do

pronome, se subjetiva ou objetiva, revela que o uso do tu é favorecido com a função objetiva

(60% e 0,77), enquanto a função subjetiva favorece você (71% e 0,53). A escolaridade

mostrou que o uso do tu está mais presente na fala das pessoas de ensino médio (40% e 0,6)

do que na fala de indivíduos com ensino superior (29% e 0,4).

e) Região Sul

Franceschini (2011) procura descrever e analisar, em sua tese, a variação pronominal

nós/a gente e tu/você em Concórdia-SC. A amostra, coletada entre os anos de 2007 e 2010

pela própria pesquisadora, foi constituída por 24 entrevistas, uma por informante, distribuídas

por: duas faixas etárias (26 a 45 anos e 50 anos ou mais), sexo (masculino e feminino) e três

níveis de escolaridade (fundamental I, fundamental II e ensino médio).

Aqui vamos apresentar apenas os resultados para tu/você, por ser o foco de nosso

interesse. De um total de 926 ocorrências, foram encontradas 55% das ocorrências do

pronome tu, mostrando que é mais utilizado na localidade que o você (45%). A análise

estatística do Varbrul apresentou seis grupos de fatores relevantes: a determinação do

referente mostrou-se o mais significativo, ou seja, em contexto de sujeito indeterminado, o

pronome você é mais usado (52% e 0,57) e, em contexto determinado, o pronome tu

predomina (79% e 0,72). O segundo grupo selecionado foi o grau de escolaridade, indicando

que, no ensino fundamental II (76% e 0,68), o tu é favorecido e o você é privilegiado no

ensino médio (53% e 0,58). O terceiro grupo foi o sexo/gênero, revelando que as mulheres

(61% e 0,56) favorecem mais o tu, enquanto os homens (50% e 0,56) beneficiam mais o você.

O tipo de ocorrência foi o quarto grupo, com as formas isoladas (67% e 0,57) favorecendo o

tu, já o você é beneficiado por formas iguais (53% 0,55). O quinto grupo foi o tipo verbal,

favorecedor do tu com verbos epistêmicos (70% e 0,58) e do você com verbos dicendi (54% e

0,68). A faixa etária foi a última variável selecionada e os dados indicam uma provável

mudança em curso, pois o pronome você apresenta uma maior probabilidade de uso na faixa

etária mais jovem (50% e 0,53); já o pronome tu está mais presente na fala dos mais velhos

(64% e 0,55).

Rocha (2010) descreve o sistema pronominal de 2ª pessoa nas comunidades

florianopolitanas de Ratones e de Santo Antônio de Lisboa. Para isso, usa um corpus de oito

informantes, estratificados de acordo com a faixa etária (- 35 anos e +50 anos) e a

escolaridade (+ 14 anos de escola e - 12 anos de escola).

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50

Após utilizar o GoldVarb 2001, os resultados indicam que os falantes da região usam

mais o tu (97%), com 134 ocorrências, do que o você (3%), com 4 ocorrências. Além disso,

89% do uso do tu é sem concordância. Segundo a autora, por terem poucos dados, alguns

grupos de fatores apresentaram nocaute e a pesquisadora não pôde apresentar os pesos

relativos dos resultados. Apesar da idade não ter sido uma variável selecionada, a autora acha

importante dizer que nenhum jovem usa você.

Zilli (2009) descreve a fala dos falantes de Criciúma, com base em seis entrevistas

retiradas das Entrevistas Sociolinguísticas da Universidade do Extremo Sul Catarinense

(UNESC). Os informantes foram estratificados, segundo o sexo (feminino e masculino) e a

escolaridade (primário, ginásio ou segundo grau), todos com mais de 50 anos.

Com 302 dados, ficaram 281 dados para tu (93%) e 21 para você (7%). Após a

submissão dos dados ao Varbrul, a referência aparece como a variável de maior relevância,

com interlocutor, para tu (95%) e para você (0,5%), com 0,68 para o grupo de fatores. Ao

fazer o cruzamento entre grupo de referência e sexo, de um total de 302 ocorrências,

verificou-se que as mulheres (99%) utilizam mais o tu que os homens (83%). Com 281

ocorrências, outra variável relevante foi a escolaridade, cujos números revelam que apenas no

segundo grau (85%) há um uso mais intenso do você, ao contrário do primário (96%) e do

ginásio (98%). Observamos que a autora só informa o peso relativo das referências.

Loregian-Penkal (2004) estuda a alternância do tu x você na região sul, utilizando dois

bancos de dados: o Varsul (RS e SC) e o corpus Brescancini (Ribeirão da Ilha). É importante

dizer que a autora não lida com dados de fala de Curitiba, porque, em sua primeira análise,

Loregian (1996) observou que curitibanos usam apenas você. Assim, os municípios

selecionados neste trabalho são: Florianópolis, Porto Alegre e Ribeirão da ilha; 3 cidades do

interior de Santa Catarina: Chapecó, Blumenau e Lages; 3 cidades do interior do Rio Grande

do Sul: Flores da Cunha, Panambi e São Borja. São 24 informantes de cada localidade,

excetuando-se Ribeirão da Ilha, com 11 informantes. Ao todo, são 203 informantes,

estratificados de acordo com o sexo (feminino e masculino), a faixa etária (25 a 49 anos; mais

de 50) e o grau de escolaridade (primário, ginásio e colegial).

Foram selecionados apenas os pronomes na função de sujeito. Dos 203 informantes, 8

fizeram uso do tratamento zero; 91 usaram o pronome de forma categórica; 78, só com tu; e

15, só com você. Foi utilizado o Varbrul 2S. A autora selecionou 7 variáveis linguísticas e 5

sociais e foram feitas 3 rodadas binárias para o uso do tu. A primeira rodada foi realizada com

as cidades Florianópolis, Porto Alegre e Ribeirão da Ilha. A segunda foi feita com a região de

Santa Catarina e a terceira foi realizada com o Rio Grande do Sul. Depois a autora fez rodadas

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para todas as cidades, mas, como a nossa pretensão é ter um panorama geral, para que

possamos comparar nossa pesquisa com essa e considerando a extensão desse trabalho, não

serão descritas aqui.

Foram selecionados, na primeira rodada, 7 grupos de fatores, sendo a variável sexo a

mais relevante, mostrando as mulheres (96% e 0,74) como favorecedoras do tu,

diferentemente dos homens (75% e 0,20); o segundo grupo foi a localidade que revelou o fato

de Porto Alegre (93% e 0,61) e Ribeirão da Ilha (96% e 0,78) serem aliadas da regra, ao

contrário de Florianópolis (76% e 0,34). Quanto aos fatores linguísticos, foi selecionado, em

terceiro lugar, a explicitação do pronome, que indicou que o tu é favorecido sem pronome

explícito (97% e 0,80).

Na Região de Santa Catarina, foram selecionados 5 grupos de fatores, sendo a

localidade a variável de maior relevância para o tu, destacando-se apenas a cidade de São

Borja (94% e 0,76); o segundo grupo mais relevante foi o gênero do discurso 11

Já na Região do Rio Grande do Sul, 7 variáveis foram selecionadas como

favorecedores do tu: o sexo foi a primeira, sendo apenas as mulheres (38% e 0,61) aliadas da

regra; a segunda foi a escolaridade que apontou o primário (94% e 0,72) como o único nível

favorecedor do tu; e a terceira é a alternância pronominal: o tu, usado antes (51% e 0,36),

mostrou-se inibidor da regra. Nota-se a manutenção do pronome tu como uma marca da

identidade e de valores regionais. No entanto, os informantes de Lages e, em menor escala, os

de Blumenau, mostram que são os mais avançados em direção ao uso apenas de você.

, cujos

resultados indicam que as explicações (40% e 0,72) e as receitas (69% e 0,89) e também o

gênero argumentativo (23% e 0,51) favorecem o tu.

Orlandi (2004) estuda o uso da flexão verbal de 2ª pessoa do singular, tu, você e o

senhor, em textos orais de informantes de Tubarão, em SC. O corpus é formado por um grupo

de 6 informantes, de ambos os sexos (feminino e masculino), de escolaridade variada

(primário completo, ginasial completo e colegial completo),e pertencentes a duas faixas

etárias (25 a 49 anos e mais de 50 anos).

Com base em 142 dados, foi observado que o pronome mais recorrente é o tu (73%).

No entanto, não foi utilizado nenhum programa computacional para observar quais fatores

mais influenciam a sua ocorrência. O grupo de fatores escolaridade mostrou que os

11 A autora informa que a escolha desta variável teve o propósito de avaliar se o gênero discursivo exerce ou não influência nas regras variáveis que analisaram. Dessa forma, estipularam quatro fatores para compor a variável: segmentos predominantemente narrativos, segmentos predominantemente argumentativos, explicações, receitas e não se aplica às ocorrências que não se encaixaram nestes quatro gêneros. (LOREGIAN-PENKAL, 2004, p.96-97)

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informantes com o primário completo concordavam com o pronome (7%), enquanto as outras

escolaridades não foram observadas pela autora. Foram selecionados 9 grupos de fatores

linguísticos para o tu: natureza da forma pronominal (presença de tu, 73%); paralelismo

formal (verbo de uma sequência sem marcas de concordância, 100%); interação

emissor/receptor (função fática, 14%); explicitação do pronome (pronome explícito com

material interveniente, 8%); tempo verbal (presente do indicativo, 8%); saliência fônica

(acréscimo de –s, 62%); tonicidade do verbo (paroxítono, 4%); número de sílabas do verbo

(monossílabo, 15%); contexto fonológico seguinte (consoante, 12%).

Packer (1990) estuda o sistema de tratamento pronominal no dialeto oral de Jaraguá do

Sul, em Santa Catarina, enfatizando a questão da variação tu/você. Para isso, constitui um

corpus formado por entrevistas de 108 informantes, de 25 famílias. Os informantes foram

estratificados em três classes socioeconômicas (trabalhador superior, média média, e média

baixa), seis faixas etárias(-14 anos, 15-25 anos, 26-35 anos, 36-45, 46-55 anos, mais de 56

anos) e três graus de escolaridade (ensino fundamental I, ensino fundamental II e ensino

médio). As classes socioeconômicas seguiam critérios de ABA/ABIPEME12

A autora, após fazer o teste do Qui-quadrado, observou que os grupos de fatores

relevantes são classe social e escolaridade. Em seu trabalho, não há o uso de peso relativo,

apenas de percentagem. A autora divide seu trabalho em duas partes: uma abordando falantes

com intimidade e outra com falantes desconhecidos. Observa-se que, em relações íntimas,

com 1374 ocorrências, usa-se mais o tu (28,60%), sendo que este pronome é mais usado para

tratamento de familiares por pessoas de classe média baixa (77,38%) e trabalhadores

superiores (68,65%). No tocante à escolaridade, quanto menor a escolaridade, maior o uso do

tu: ensino fundamental (70,45%); ensino fundamental II (57,25%), e ensino médio (55,61%).

Dos 1951 dados obtidos, 684 (35,06%) se referem ao uso do você, a forma com maior número

de ocorrências; a segunda forma mais usada é tu (22,09%); a terceira, as formas nominais

(20,40%); e a última, senhor (9,52%). A forma nominal, que é percebida como mais informal

que senhor, é igualmente respeitosa.

.

12 Introduzido no Brasil em 1979, é uma forma convencionada para classificar socioeconomicamente os consumidores segundo sua "aptidão para consumo". Esse critério organiza os consumidores em cinco (5) classes socioeconômicas, a saber: A, B, C, D e E. Sua aplicação é bastante simples, pois são necessárias apenas duas (2) perguntas: uma com referência à instrução do chefe da família (a cada grau de escolaridade corresponde um determinado número de pontos) e outra a respeito da posse e número de certos eletrodomésticos, automóvel e empregada doméstica (para cada resposta afirmativa há um número de pontos, que varia com a quantidade de itens que a família possui). A apuração é feita pela soma dos pontos das duas (2) perguntas. (PACKER, 1990, p. 34-35)

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É bom reforçar que algumas das pesquisas apresentadas aqui, como foi mostrado, não

informavam o peso relativo dos grupos de fatores selecionados e nem a ordem de seleção das

variáveis, apesar de submeterem os dados a tratamento estatístico.

Os trabalhos, de modo geral, mostram que, na maioria dos estados, os falantes optam

por utilizar o você no lugar do tu. O pronome senhor é pouquíssimo usado, normalmente em

situações de maior formalidade, provavelmente, por isso, há poucas ocorrências em virtude

das pesquisas procurarem falas mais espontâneas. Destacamos o fato de que o tu é mais

utilizado na região Sul, com exceção de Curitiba, conforme dito no trabalho de Loregian-

Penkal (2004), e na cidade de Tefé-AM.

A seguir, apresentamos, sucintamente, os principais achados dos estudos realizados

sobre a variação tu x você x senhor nas diferentes regiões do Brasil e nossas conclusões a este

respeito.

Gráfico 1- Distribuição das formas tu e você nos estudos do Norte

Com base no gráfico 1, que permite a visualização da distribuição dos pronomes

analisados nos trabalhos encontrados para a região Norte do país, notamos que, em Manaus,

usa-se mais você e, em Tefé-AM, emprega-se mais o tu. Considerando que os trabalhos

apresentam resultados bem distintos, não podemos afirmar qual pronome é o mais usado na

região Norte.

Babilônia e Martins (2011), apesar de não terem submetidos os resultados ao Varbrul,

observaram que o pronome senhor aparece em contextos formais, enquanto o sujeito nulo

aparece, principalmente, como marcador conversacional. Quanto menor o monitoramento,

mais é usado o tu, e quanto maior o monitoramento usa-se mais o você. Esse pronome

também é usado para repreender, visto que marca distanciamento.

0,00% 20,00% 40,00% 60,00% 80,00%

Martins (2010)

Babilônia e Martins (2011)

4,90% 22,90%

65,00%

42,90%

35,00%

tu

você

senhor

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Destacou-se, em Martins (2010), o grau de intimidade, indicando que, na região,

quanto maior a intimidade, maior o uso do tu, bem como o paralelismo linguístico, revelando

que os tefeenses optam por este pronome principalmente quando é o último a ser utilizado.

Como só foram encontrados apenas dois trabalhos nesta região, é desejável que se realizem

mais estudos, para que o Norte possa ser completamente mapeado e, assim, possamos com

segurança afirmar como se dá a distribuição destes pronomes nesta região.

Gráfico 2- Distribuição das formas tu e você nos estudos do Nordeste

Conforme mostra o gráfico 2, ao todo, foram realizadas 7 pesquisas de cunho

variacionista no nordeste, o que mostra que esse número ainda precisa ser muito ampliado,

pois é insuficiente para caracterizarmos essa região, uma vez que, dos seus 9 estados, só dois

deles, Maranhão e Bahia, apresentam estudos, com predominância deste último. Nos trabalhos

analisados, viu-se que, no nordeste, o você predomina maciçamente, mas o tu também é muito

produtivo, ocorrendo em todos os estudos. Algumas pesquisas mostraram que há uma baixa

ocorrência para o pronome senhor. A forma você aparece com maior intensidade nos

trabalhos de Assunção e Almeida (2008) e também nos de Oliveira (2005, 2007), cujos

valores percentuais se aproximam, enquanto o tu aparece mais nos estudos de Santana (2008)

e Alves (2010). Nas pesquisas de Oliveira (2005, 2007) e Assunção e Almeida (2008),

encontram-se as menores frequências de uso do tu, com taxas muito próximas.

0,00% 20,00% 40,00% 60,00% 80,00% 100,00%

Oliveira (2005)

Oliveira (2007)

Herênio (2006)

Assunção e Almeida (2008)

Santana(2008)

Alves (2010)

Nogueira (2013)

12,00%

12,00%

27,00%

10,00%

34,00%

38,80%

42,20%

88,00%

88,00%

73,00%

90,00%

65,00%

61,00%

57,80%

você

tu

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Dos grupos de fatores selecionados, nos trabalhos da região Nordeste, os dois mais

recorrentes são a faixa etária e o sexo. A faixa etária que mais favorece o uso do tu é a mais

jovem e, quanto à variável sexo, são as mulheres as maiores aliadas desta variante.

Gráfico 3- Distribuição das formas tu, você, cê, ocê e nulo nos estudos do Centro-Oeste

No centro-oeste, só foram encontrados 3 trabalhos no que tange à alternância dos

pronomes de 2ª pessoa, tu x você. É importante salientar que as pesquisas se restringem

praticamente à mesma localidade, Brasília e seu entorno, revelando a necessidade de se

realizarem estudos nos demais estados da região. Os trabalhos de Lucca (2005) e Andrade

(2010) apontam o predomínio do tu sobre o você (e suas variantes, ocê e cê) e sobre o

pronome nulo, como mostra o gráfico 3. A maior frequência de uso do tu ocorre em Lucca

(2005) e o seu menor emprego é documentado em Dias (2007). Não se pode deixar de

mencionar que o você é registrado em todos os estudos com valores percentuais aproximados.

O ocê foi registrado por Dias (2007) e Andrade (2010), sendo que o primeiro mostra a menor

frequência de uso desta forma e o segundo aponta os mesmos valores percentuais entre esta

variante e o você. Já o cê, encontrado apenas em Dias (2007), apresenta-se, neste trabalho,

como a forma mais frequente de todas. No gráfico 3, não ocorre a forma senhor, porque, nesta

região, a variante também apareceu pouco. O pronome nulo só foi registrado por Dias (2007).

Quanto aos fatores, os trabalhos realizados nessa região indicam que, diferentemente

da região nordeste, o tu é mais favorecido pelos homens, bem como os mais jovens. Quanto

ao tipo de relação, as solidárias são aquelas que mais favorecem o uso dessa variante.

0 0,2 0,4 0,6 0,8

Andrade (2010)

Dias (2007)

Lucca (2005)

11,50% 51,40%

26,00%

2,00%

26,00%

26,50%

28,00%

48,00%

10,60%

72,00%

tu

você

ocê

nulo

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A respeito da variação tu e você no Sudeste, os trabalhos que abordam o tu nessa

região são escassos e um dos motivos é a baixa ou nenhuma ocorrência desse pronome. Sobre

isso, Nascimento (2011) menciona que o pronome você está presente nas comunidades de fala

em todas as regiões do Brasil. Dessa forma, a autora verifica que a comunidade de fala

paulistana também se insere no subsistema pronominal V [você], já que o tu não é uma forma

empregada entre os paulistanos.

É importante informar que há, nesta região, vários estudos (NASCIMENTO, 2011;

GONÇALVES, 2008; PERES, 2006; COELHO, 1999; ALVES,1998; RAMOS 1997 e 2000)

acerca das formas de tratamento, mas que tratam apenas a variação você x ocê x cê, abordada

por nós na próxima subseção.

Gráfico 4- Distribuição das formas tu, você e nulo nos estudos do Sudeste

Assim, é fácil entender por que, na região Sudeste, ocorre o predomínio do você, como

é vemos no gráfico 4. No entanto, novas pesquisas (MODESTO, 2006; MOTA, 2008;

LOPES, 2009; SANTOS, 2012) mostram que, apesar do predomínio do você, o pronome tu

aparece nessa região. A pesquisa de Santos (2012) mostra também o pronome nulo, que só

aparece neste trabalho, com frequência maior do que o tu. No estudo de Modesto (2006) e

Lopes (2009) encontramos frequências aproximadas para o tu, ocorrendo o mesmo nos

trabalhos de Mota (2008) e Santos (2012). Já, em Paredes Silva (2008), observamos

mudanças no decorrer do tempo, visto que é um apanhado de vários trabalhos. Na década de

0,00% 20,00% 40,00% 60,00% 80,00% 100,00%

Santos (2012)

Lopes et alii (2009)

Mota (2008)

Paredes Silva (Amostra 80)

Paredes Silva (Amostra 00)

Paredes Silva (Amostra 96)

Modesto (2006)

39,00% 12,00%

35,00%

10,00%

9,00%

9,00%

68,00%

32,00%

49,00%

65,00%

89,00%

91,00%

91,00%

32,00%

67,00%

você

tu

Nulo

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80, encontramos pouco o uso do tu, mas, nos dois últimos corpora (96 e 2000), o uso desse

pronome já é mais frequente.

No Sudeste, com relação às variáveis analisadas, observa-se que a função sintática (o

pronome tu como objeto) é o que favorece o aparecimento do tu, além do paralelismo formal

(o tu precedido de tu). Dos grupos de fatores sociais, a escolaridade, o gênero e o grau de

intimidade foram considerados relevantes para o aparecimento do pronome tu. É bom destacar

que o grau de escolaridade não apresenta um comportamento bem homogêneo nas amostras

examinadas. No Rio de Janeiro, a escolaridade favorecedora do tu foi a de nível superior, ao

passo que, em Santos-SP, foi a de nível médio. Ainda nessa região, o gênero aliado do tu foi o

masculino e viu-se também que quanto maior o grau de intimidade entre os interlocutores,

maiores as chances do uso do tu. A faixa etária não apresenta uma direção bem definida, mas,

no trabalho de Paredes Silva (2008), vimos que os jovens entre 20 a 29 anos usam mais o tu.

Há uma grande quantidade de estudos no Sul sobre a alternância dos pronomes de 2ª

pessoa. Vale salientar que o estado de Santa Catarina é onde se concentra a maior parte dos

estudos realizados na região, mas, no estado do Paraná, não foi encontrado nenhum estudo

sobre a alternância do tu e você. Loregian-Penkal (2004, p.15) informa abaixo o porquê de

não ter escolhido, em seu estudo, nenhuma cidade do Paraná:

Quanto às cidades do interior do Paraná - Irati. Londrina e Pato Branco – tínhamos uma suposição de que iríamos encontrar poucas ocorrências de tu. Só não tínhamos certeza disso com relação a Pato Branco, devido a sua colonização gaúcho-catarinense. No entanto, o trabalho de GODOY (1999) nos fez constatar que o interior do Paraná, assim como Curitiba, também não poderia fazer parte de nossa análise, uma vez que foram encontradas pouquíssimas ocorrências do pronome tu.

A autora também informa que já havia feito um estudo em 1999, em que observava a

concordância verbal do tu, mas que, em Curitiba, não foi possível, já que não foi encontrada

ocorrência desse pronome na região.

Também nos chamou a atenção o fato de que a maioria dos trabalhos realizados no Sul

é recente, com exceção do trabalho de Packer, realizado em 1990.

Na região Sul, apesar da proximidade com a região Sudeste, vimos que o uso do você é

mais frequente no Sudeste, já, na região Sul, é o tu. O você só é predominante nas localidades

do interior de Santa Catarina (Loregian-Penkal (2006) II), como está descrito no gráfico 5.

Nos trabalhos de Zilli (2010) e Rocha (2010), encontramos as maiores frequência de uso do

tu, que se mostra praticamente categórico, enquanto o você exibe as menores frequências de

aplicação. Loregian-Penkal (2006) III, Loregian-Penkal (2006) I e Orlandi (2004) também

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apresentam uma elevada taxa de emprego da forma tu, acima de 70%. O estudo de

Franceshini (2011) aponta para um equilíbrio entre as duas formas de tratamento. O pronome

nulo só aparece na pesquisa de Orlandi (2004) e o senhor(a) só é encontrado no trabalho de

Paker (1990), indicando que é um pronome pouco usado nos últimos anos pelos sulistas.

Gráfico 5- Distribuição das formas tu, você, senhor e nulo nos estudos do Sul

No Sul, as variáveis linguísticas selecionadas são bem diversificadas, como o

paralelismo linguístico (tu precedido de tu), explicitação do pronome (com o pronome

explícito é mais recorrente o uso do tu, enquanto o implícito favorece o você) e gênero do

discurso (as receitas são as que mais favorecem o uso do pronome tu). Dos grupos de fatores

extralinguísticos, a variável sexo é a mais recorrente nos estudos analisados, sendo as

mulheres as que mais utilizam o tu. A classe social, a escolaridade e a localidade também

foram selecionadas pelo programa GoldVarb, mas não tiveram o mesmo destaque que a

variável sexo.

Os estudos apresentados mostram que, de modo geral, o Brasil aderiu ao pronome

você, como a forma mais frequente. O uso do tu é pouco recorrente em alguns locais,

concentrando-se basicamente na região Sul (LOREGIAN-PENKAL, 2004). Apesar de haver

poucos estudos, a região Norte revela que o uso do tu é acentuado (BABILÔNIA; MARTINS,

0 0,2 0,4 0,6 0,8 1

Franceschini (2011)

Rocha (2010)

Zilli (2009)

Loregian-Penkal (2006) I

Loregian-Penkal (2006) II

Loregian-Penkal (2006) III

Orlandi (2004)

Paker (1990)

18,00%

10,48%

45,00%

3,00%

7,00%

13,00%

74,00%

11,00%

8,00%

16,88%

55,00%

97,00%

93,00%

87,00%

26,00%

89,00%

73,00%

28,60%

tu

você

senhor

nulo

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2011; MARTINS, 2010) e em Brasília (ANDRADE, 2010; LUCCA, 2005). Nos demais

estudos, há o predomínio do pronome você.

As mulheres, em sua maioria, são as maiores favorecedoras do uso do tu. Podemos

dizer que, na região Sul, seu emprego é mais acentuado, porque é a variante de prestígio

(FRANCESCHINI, 2011; ROCHA, 2010, ZILLI, 2009; LOREGIAN-PENKAL, 2004). Já em

outras localidades em que o você é o mais utilizado, os jovens também são os que mais

empregam o pronome tu, ou seja, este é a variante inovadora. Nesses locais, as mulheres

também utilizam mais o tu, mesmo não sendo a forma de prestígio (NOGUERIA, 2013;

MARTINS, 2010; SANTANA, 2008; PAREDES SILVA, 2008; OLIVEIRA, 2005).

A concordância canônica do pronome tu também foi mencionada na maioria dos

trabalhos e se apresenta cada vez mais reduzida. O único trabalho que apresenta de forma

significativa essa concordância (BABILONIA; MARTINS, 2011) indica uma possível

mudança linguística, visto que ela ocorre de maneira representativa apenas com os mais

velhos.

Quanto ao pronome senhor, observa-se que ele é pouco usado. No entanto, sua baixa

recorrência pode se dar pela escolha do corpus nas pesquisas desenvolvidas sobre os

pronomes de segunda pessoa. De modo geral, a constituição dos corpora se dá pelo menor

monitoramento e maior grau de interação, o que dificulta o aparecimento dessa variante.

Apesar de haver uma quantidade significativa de trabalhos sobre a variação

pronominal entre tu x você x senhor, ainda notamos uma carência de pesquisas sobre esse

tema, visto que a maioria dos trabalhos apresentados aqui se concentra em determinadas

regiões, como Brasília (ANDRADE, 2010; DIAS, 2007; LUCCA, 2005). Esses estudos são

importantes, pois sabemos que estas pesquisas não se esgotam e que há necessidade de outras

localidades também serem contempladas.

2.2.1.2 Você e suas variantes ocê e cê

Alguns trabalham contemplam apenas o pronome você e suas variantes. Nosso intuito

era o de observar como ocorre essa alternância e depois comparar os resultados com os da

nossa pesquisa. Foram encontrados sete trabalhos dessa natureza. Outros estudos também

foram encontrados quanto ao uso do pronome você, mas não serão descritos aqui, seja por

trabalhar com corpus escrito (TEIXEIRA, 2002), seja por trabalhar só a indeterminação dos

pronomes (CARVALHO, 2010) ou por só trabalhar com um pronome (SOUSA, 2008).

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Os sete trabalhos encontrados concentram-se na região Sudeste, com exceção do de

Loregian-Penkal e Menon (2012), em Curitiba-PR, e do de Andrade (2004), em Brasília. As

demais pesquisas são de Nascimento (2011), em São Paulo-SP, Calmon (2010), em Vitória-

ES, Gonçalves (2008), em Arcos-MG, Peres (2006), Belo Horizonte-MG e Coelho (1999),

São Francisco-MG. Em alguns estudos, os autores enfatizam que não foi encontrado o uso do

tu. Nessa região, de modo geral, ocorre o uso quase categórico do você, mas alternando com

as variantes ocê e cê.

a) Região Centro-Oeste

Andrade (2004) estudou o você, ocê e cê na fala de crianças das áreas urbanas e rural

do Distrito Federal. Foram entrevistadas 15 crianças e a entrevistadora, com 25 anos de idade,

que, apesar de não ser da região, mora em Brasília há 19 anos. Os dados foram coletados em

1991 em entrevistas feitas por Malvar, em 1992. Os informantes, de faixa etária entre 10 e 14

anos e estudantes do fundamental (0-4 anos), foram estratificados de acordo com o

sexo/gênero (8 homens e 7 mulheres) e a procedência geográfica (9 da zona urbana e 6 da

zona rural, de Boa Vista). Desses informantes, 5 eram naturais de Brasília, 3 de Goiás e 1 de

Minas Gerais.

A autora não informa qual programa estatístico é utilizado. Foram obtidos 1258 dados:

189 das crianças e 1069 da entrevistadora. Quantos aos resultados, vimos que: a) para os

dados dos adolescentes (10-14 anos), temos: você, 57%; cê, 25%; ocê, 5%; zero, 13%; para os

dados da entrevistadora, encontramos: você, 63%; cê, 21%; ocê, 1%; zero, 15%. Dos dados da

entrevistadora, para a variante cê, foram selecionadas as variáveis: tipo de estrutura frasal (as

frases interrogativas (que-que), 39%, 0,62), paralelismo discursivo (cê precedido de cê com

72%, 0,88), tipo de elemento interveniente entre o verbo e o pronome (o contíguo cê, 32%,

0,53). Dos dados dos adolescentes, foram selecionados como favorecedores do cê os seguintes

grupos de fatores: a procedência geográfica (a zona rural, 53%, 0,70) e o sexo/gênero (os

homens, 44%, 0,61).Os dados de ocê foram excluídos devido à baixa frequência.

b) Região Sudeste

Nascimento (2011) analisa os pronomes você(s) e cê(s) na cidade de São Paulo-SP,

com base em dois corpora: NURC-SP-70 e GESOL-SP-2000. Do NURC foram extraídas 18

entrevistas (DID) com paulistanos e do GESOL foram analisadas 36 entrevistas realizadas

entre 2003-2009. Os informantes dos dois corpora foram estratificados de acordo com o

sexo/gênero (masculino e feminino) e faixa etária (20- 32 anos, 35-45 anos e 50 anos em

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diante). No GESOL, os informantes também foram estratificados pela escolaridade (superior e

médio/fundamental), enquanto no NURC todos possuem o nível superior completo.

Para ambos os corpora, foram registrados 4639 dados (dentre eles, 54 casos de vcê e

63 casos de cê duvidosos que foram retirados da análise). Foram, no total, 54,3% para você e

43% para cê. Os dados revelam um aumento do uso do cê.

No NURC, foram 64,1% para você e 34,1% para cê e, no GESOL, foram 1616/3065

ocorrências, 52,7% para você e 44,6% para cê. No GESOL-documentadores, foram 54,9%

para você e 41,9% para cê. A autora faz duas análises por meio do GoldVarb X, uma com a

amostra do GESOL e outra com a do NURC, comparando-as entre si.

Quanto às variáveis sociais, nos dados do NURC, a faixa etária entre 20-32 (47,6%,

0,64) favorece o cê, se opondo aos dados do GESOL 2000, somente universitários (45,7%,

0,55). O sexo/gênero não foi selecionado por nenhum dos corpora.

No GESOL, a escolaridade do nível fundamental e médio (57,3%, 0,59) favorece o

uso de cê. A pesquisadora faz ainda um cruzamento entre gênero/sexo x faixa etária e observa

que as mulheres mais jovens (57,3%, 0,58) e mais velhas (60,4%, 0,61), assim como os

homens mais jovens (56,1% 0,54), favorecem o uso do cê. Quanto às variáveis interacionais, a

autora observou que as conversas com desconhecidos era a maior favorecedora para o cê

(62,1%, 0,63). Também verificou que, dentre os informantes, eram duas mulheres, uma da

primeira faixa etária e outra da terceira faixa etária que, conforme a autora, estão entre os

perfis sociais que mais tendem a empregar a variante reduzida do pronome. Dessa forma,

eliminou os dados das conversas com desconhecidos, para que permitisse melhor avaliação do

impacto da variável relação entre informante e documentador no caso de variação você/cê e,

como resultado, as conversas com parentes (56,9% 0,57) favorecem o uso do cê, assim como

o grau de intimidade (56,8% 0,56). A autora observa ainda que os documentadores (59,8%,

0,63), em situação de intimidade, são mais propensos ao uso dessa variante do que os

informantes.

Quanto às variáveis linguísticas, a autora apresenta apenas os resultados dos

entrevistados. Foram selecionadas para cê: referência específica (64,3%, 0,70), o paralelismo

anterior precedido por cê (78%, 0,78), tonicidade antecedente tônica (228/431, 67%, 0,61),

tonicidade seguinte tônica (54%, 0,53), frequência do verbo13 mais de seis (57%, 0,58) e

coalescente14

13 A autora investiga se a frequência dos verbos que acompanham o pronome você/cê favoreceria a redução do pronome. Considerou-se o item lexical, independentemente de suas flexões verbais. As únicas exceções foram os verbos: ser (é/ser; foi; era); ter: (“tem + X”; “tem/tinha + que”; outros tempos verbais que não o presente); ir (“ir

(50%, 0,51).

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Ao analisar somente os dados dos universitários, comparando os corpora, NURC 1970

e GESOL 2000, para cê, encontramos as seguintes variáveis relevantes: referência,

paralelismo antecedente, paralelismo com reduções, frequência do verbo, tonicidade seguinte,

tonicidade antecedente, dissimilação e coalescência. No NURC, tivemos os seguintes

resultados para o cê: referência (específica 41,8%, 0,63); paralelismo antecedente (cê 59,1%,

0,70); paralelismo com reduções (num/tá/tava 59,5,%, 0,72); frequência do verbo (+ freq.

(acima de 3%) 47,5%, 0,60); tonicidade seguinte (mediana 58,3%, 0,72); tonicidade

antecedente (pausas 15

A autora assevera que, em 2000, a forma reduzida cê tende a ser favorecida pelos

informantes mais jovens e pelas mulheres acima de 50 anos de idade; é desfavorecida entre os

indivíduos de uma faixa etária intermediária (entre 35 e 45 anos); tende a ser evitada entre os

mais escolarizados; e é favorecida em interações cujos informantes são familiares ou amigos.

Na década de 70, Nascimento verificou uma típica mudança em progresso, mas em 2000

revela um caso de variação estável na comunidade.

44,2%, 0,57); presença de se (Sem /SE/ 36,9%, 0,50); e, por fim,

coalescência (interpolação 45,6 0,60). No GESOL, encontramos o seguinte: referência

(específica 57,4% 0,69); paralelismo antecedente (cê 73,2%, 0,82); paralelismo com reduções

(num/tá/tava 53,2%, 0,65); frequência do verbo (+ freq. (acima de 3%) 45,8%, 0,56);

tonicidade seguinte (mediana 53,1%, 0,65); tonicidade antecedente (pausas 47,3%, 0,61);

presença de se (Sem /SE/ 40,1%, 0,52); coalescência (adjacente 40,3 0,51).

Calmon (2010) estuda as variantes você e cê na fala de Vitória-ES, utilizando dois

corpora: PORTVIX (Português falado na cidade de Vitória) e Fala Casual. Do primeiro,

foram extraídas entrevistas com 24 informantes, estratificados de acordo com gênero/sexo

(masculino e feminino), escolaridade (ensino fundamental, ensino médio e ensino superior) e

faixa etária (7-14 anos, 15-25 anos, 26-49 anos e 50 em diante); do segundo, foram analisadas

duas gravações de conversa sem o consentimento prévio dos entrevistados. A primeira

gravação traz 5 pessoas, estratificadas de acordo com o gênero/sexo (homens e mulheres),

+ infinitivo” e outros casos); e (es)tar (seguido ou não de gerúndio). Foram estabelecidas seis frequências : até 1%; 1 a 2ª %; 2 a 3%; 3 a 4%; 4 a 6%; e acima de 6%. (NASCIMENTO, 2011, p. 124)

14 A variável coalescência refere-se à posição entre o pronome e o verbo. Coalescente, no caso, seria vir antes do verbo.

15 A autora considerou além da tonicidade alta, mediana e baixa, um quarto fator, pausas ou hesitações. Ela informa que, em todas as transcrições apresentadas nos exemplos, pausas são representadas por reticências. Quando se tratar de hesitações por parte do falante, utiliza-se a notação. A pausa ou hesitações ocorre quando não se aplica tonicidade.

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escolaridade (ensino fundamental, ensino médio e ensino superior) e faixa etária (26-49 anos

e mais de 49 anos). A segunda gravação foi realizada com quatro pessoas, da mesma família,

de quatro gerações: um menino de sete, com ensino fundamental e três mulheres de 33, 50 e

78 anos, com ensino superior.

Foram coletados 2363 dados dos entrevistados e 2613 dos entrevistadores. Calmon

expondo as ocorrências de todos os pronomes, mostra que o uso de ocê é muito baixo,

praticamente não existe, por isso decide analisar apenas você e cê.

O uso de você no PORTVIX é de 74,2% entre os entrevistados e 76,0% entre os

entrevistadores, enquanto o cê se realiza 25,8% entre os entrevistados e 24% entre os

entrevistadores. Já na Fala Casual, na primeira gravação, o uso de você é 31,4% e o uso de cê

é de 68,6%. Na segunda gravação, o emprego de você é de 63,2% e 36,8% (46/125) para cê.

Após rodar os dados no programa GoldVarb X, foram relevantes, no PORTVIX, a

faixa etária, sendo os mais velhos (95,1%, 0,823) favorecedores do você, e o gênero/sexo,

revelando as mulheres (511/643, 79,5%, 0,558) como favorecedoras. O gênero/sexo feminino

(63,4%, 0,628) também é apontado no corpus Fala Casual, considerada a única variável

relevante neste corpus. Quanto à escolaridade, no PORTVIX, os menos escolarizados (78%,

0,523) tendem ao uso do você. A respeito da função sintática, ainda no PORTVIX, a autora

retira os fatores com nocautes, como o complemento do verbo e o sujeito precedido da

preposição, e verifica que o sujeito precedido da preposição para favorece o uso do você

(95,7%, 0,879). Calmon salienta que não foi encontrado o pronome tu em seu estudo.

Gonçalves (2008) estuda a variação você, ocê e cê na região de Arcos, em Minas

Gerais, com base em um corpus formado por 40 narrativas orais espontâneas de informantes,

estratificados de acordo com a procedência geográfica (rural ou urbano), sexo/gênero

(feminino ou masculino), faixa etária (15-30, 31-59 e 60 anos em diante), classe social (mais

privilegiada e menos privilegiada) e escolaridade (0 a 4, 5 a 11 e mais de 11 anos).

Dos 510 dados, o você apareceu em 22% das ocorrências; em 24% ocorreu ocê; e em

54% se realizou o cê. O autor amalgamou ocê e cê, separando a forma padrão das formas não

padrão (ocê e cê). Ao rodar o programa GoldVarb 2001, foram selecionadas quatro variáveis

para o uso não padrão: ambiente fonológico (a consoante foi a mais relevante, com 100%,

0,97), procedência geográfica (os falantes da área rural, com 91%, 0,72), função sintática

(complemento de verbo sem preposição, com 88%, 0,58) e classe social (menos privilegiada,

com 52%, 0,54). Constatou-se que, na região analisada, você se comporta como um pronome

de poder e as formas ocê e cê como pronomes de solidariedade.

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Peres (2006) faz um estudo em tempo aparente e em tempo real da fala de Belo

Horizonte-MG, utilizando um corpus de 1982, com 16 informantes e outro de 2002, com 23

informantes, com entrevistas sociolinguísticas feitas na casa do informante e outras 24

entrevistas gravadas em uma escola, com estudantes de 8 a 15 anos. Os informantes do corpus

de 1982 foram estratificados de acordo com sexo/gênero (feminino e masculino), faixa etária

(8-11 anos e 12-15; os do corpus de 2002 apresentam a seguinte estratificação: faixa etária

(16-30 anos e 31-47; mais de 47 anos para os dois) e classe social (média e baixa).

Com o corpus de 2002, a autora faz três análises binárias com o GoldVarb 2001:

você-cê; ocê-você; ocê-cê. Neste banco de dados, foram encontrados 1453 dados, sendo para

cê, 72,6%; para você, 23,5%; e para ocê, 3,9%. O pronome você é favorecido pelos seguintes

grupos de fatores, nesta ordem de importância: função sintática (objeto de preposição, 57,8%,

0,97), contiguidade (não-contíguo, 28,3%, 0,58), referência (indefinida, 31,6%, 0,63), foco

(foco, 72,7%, 0,93), faixa etária (mais de 47, 37,2%, 0,64) e gênero/sexo (masculino, 29,7%

0,57); já o cê é, na ordem apresentada, beneficiado pelas variáveis: função sintática (sujeito,

75,1%, 0,52), contiguidade (contíguo, 76,2%, 0,52), referência (definida, 79,8%, 0,64), foco

(não-foco, 73,1%, 0,50), faixa etária (16 a 30, 78,7%, 0,66) e gênero/sexo (feminino, 78,2%,

0,57); e, para ocê, temos apenas a função sintática (objeto de verbo, 41,7%, 0,98) como

variável favorecedora.

Ainda no corpus de 2002, a autora faz o que chama de teste, em que dois alunos, um

menino e uma menina da mesma turma, faziam entrevistas, orientados pela pesquisadora, com

os outros alunos. Nesses testes com as crianças, você é favorecido pelos seguintes grupos de

fatores: função sintática (objeto com preposição, 84,6%, 0,96), gênero/sexo (masculino,

50,3%, 0,56) e classe social (classe média, 59,9%, 0,66); cê é privilegiado pelas variáveis:

função sintática (sujeito, 54,4%, 0,53), gênero/sexo (feminino, 59,7%, 0,57) e classe social

(classe baixa, 65,3%, 0,63); para ocê, apenas como função sintática (objeto com preposição,

11,5%, 0,98) foi selecionado, mas, nas entrevistas, ocê não é favorecido. O você é

beneficiado, nas entrevistas com crianças, na função sintática (objeto do verbo, 66,7%, 0,97 e

objeto com preposição, 83,3%, 0,97) e classe social (classe média, 33,3%, 0,66); e o cê é

favorecido na função sintática (sujeito, 77,6%, 0,52) e pela classe social (classe baixa, 85,0%,

0,66).

No corpus de 1982, foram encontrados 587 dados, distribuídos em 93 ocorrências para

você (15,9%), 39 para ocê (6,6%) e 455 para cê (77,5%). Os grupos de fatores selecionados

foram: para o você: função sintática (objeto com preposição, 64%, 0,99), faixa etária (acima

de 47 anos, 21,6%, 0,62) e classe social (classe baixa, 20,5%, 0,62); para ocê: função sintática

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(objeto com preposição, 32%, 0,99); para cê: função sintática (sujeito, 81,2%, 0,54), faixa

etária (16 a 30 anos, 80,0%, 0,57) e classe social (classe média, 80%, 0,58). Os dados indicam

que o pronome você é usado em referência indefinida, enquanto o cê é usado em referência

definida. Em contextos marcados, como objeto de verbo e de preposição, e o foco, o uso do cê

ainda é restrito.

No confronto entre os corpora, de 2002 e de 1982, as formas continuam sendo usadas

como sujeito e cê continua sendo a forma preferida. No uso de cê como objeto com

preposição, os percentuais dobraram, indicando uma possível mudança. O uso do cê mostra-se

condicionado à idade, quanto mais novo, maior a sua frequência de uso, indicando, dessa

forma, uma possível mudança em progresso.

Coelho (1999) estuda o uso dos pronomes você, ocê e cê na cidade de São Francisco,

norte de Minas Gerais, a partir de entrevistas orais de 24 informantes, distribuídos de acordo

com a procedência geográfica (zona rural e zona urbana), faixa etária (15-25 anos, 26-49 e 50

em diante), sexo/gênero (homem e mulher) e classe social (mais privilegiada e menos

privilegiada).

Utilizando o programa Varbrul (versão 92), obteve os seguintes resultados: 20% para

você, 23% para ocê, 56% para cê e 1% para ancê. Foi eliminado o ancê devido a sua baixa

ocorrência. A autora informa que, com três variantes a segunda rodada não permitiu verificar

a significância, ou não, dos grupos de fatores considerados como possíveis condicionadores,

por limitação do programa utilizado.

Para você, os grupos de fatores que favorecem o seu uso são: tipo de contexto de

interpretação da forma16 (indefinido, com 22%, 0,4017

Para ocê, favorecem o seu uso: tipo de contexto de interpretação da forma (definido

com 26%, 0,41), ambiente fonológico anterior à forma (consoante, com 30%, 0,41), função

sintática (complemento do nome, com 38%, 0,48), tipo de frase (negativa, com 20%, 0,37), a

), ambiente fonológico precedente à

forma (vogal, com 28%, 0,51), função sintática (objeto do verbo, com 57%, 0,54), tipo de

frase (afirmativa, com 23%, 0,42), procedência geográfica (urbana, com 28%, 0,55), classe

social (menos privilegiada, com 19%, 0,38), o sexo (feminino, com 26%, 0,49) e a idade

(mediana, com 26%, 0,45).

16 Segundo a autora, essa variável refere-se às formas como o pronome você pode ser interpretado como fazendo referência ao locutor ou de forma indeterminada. Em outros estudos, encontramos o mesmo termo como referência genérica e referência específica, que será mais explanado no nosso capítulo de metodologia.

17 Como esta é uma análise ternária, o ponto neutro é 0,33.

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procedência geográfica (rural, com 35%, 0,49), a classe social (privilegiada, com 26%, 0,38),

o sexo (masculino, com 21%, 0,37) e a faixa etária (os jovens, com 30%, 0,40).

Para cê, os grupos de fatores favorecedores do seu uso são: tipo de contexto de

interpretação da forma (indefinido, com 63%, 0,34), ambiente fonológico anterior à forma

(pausa, com 75%, 0,44), função sintática (pronome sujeito, com 61%, 0,61), tipo de frase

(negativa, com 73%, 0,42) a procedência geográfica (rural, com 58%, 0,34), a classe social

(privilegiada, com 52%, 0,34), o sexo (masculino, com 65%, 0,43) e a faixa etária (os jovens,

com 59%, 0,39) favorecem o uso do cê. Por fim, a autora afirma que não se pode falar em

mudança em progresso, mas pode-se dizer que a variante cê já está implementada nessa

comunidade.

c) Região Sul

Loregian-Penkal e Menon (2012) estudam o você, ocê e cê em Curitiba, tomando para

estudo 44 informantes do banco de dados Varsul, estratificados de acordo com o sexo/gênero

(feminino e masculino), faixa etária (14-24 anos, 25 a 49, 50 em diante) e escolaridade (1-4

anos, 5-8 anos, 9-11 anos, universitário). As autoras se utilizaram de entrevistas formais, mas

também fizeram observações em situações espontâneas. Essas anotações serviram como

amostra de controle para se checar a vitalidade das variantes de vocês em uso e a sua

distribuição.

Não houve ocorrência de ocê na fala dos curitibanos. O você é o mais recorrente, com

1533 dados e cê, com 667. Das 11 variáveis testadas, seis foram selecionados para você, pelo

programa GoldVarb 2001, nesta ordem: função sintática, gênero do discurso, paralelismo

pronominal, contiguidade das formas, sexo/gênero e escolaridade. Quanto à função sintática,

o você na posição de complemento sem preposição é categórico e na posição de complemento

com preposição é de 93%, 0,86. Com relação ao gênero do discurso, os segmentos

predominantemente argumentativos favorecem o você em 79%, 0,63. O paralelismo

pronominal, apesar de ter sido a terceira variável selecionada, dos 23 fatores, 8 apresentaram

nocautes. As autoras não mostram os pesos relativos nem os percentuais dessa variável, mas

informam que os resultados demonstram que a tendência é a de os pronomes manterem o

princípio geral do paralelismo. No tocante à contiguidade das formas, o não contíguo favorece

o você 76%, 0,58. Já, quanto ao sexo/gênero, o masculino beneficia o uso do você 71%, 0,53.

E, por fim, a escolaridade mostra que os universitários privilegiam o você, com 77%, 0,58. As

autoras asseveram que o cê está em expansão.

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67

Gráfico 6- Distribuição das formas você e suas variantes ocê e cê nos estudos

brasileiros

Diferentemente da outra subseção, abordaremos todos os trabalhos juntos, já que são

poucos os realizados e também porque se concentram na região sudeste, especificamente no

estado de Minas Gerais. Tanto na região sul como na região centro-oeste só foi realizado um

trabalho, Lorengian-Penkal e Menon (2012) e Andrade (2004), respectivamente. Sendo assim,

preferimos juntá-las.

Os trabalhos desenvolvidos sobre você, ocê e cê apontam em todas as regiões que a

forma padrão, que é o você, ainda é mais usada. No entanto, não podemos negar que a forma

cê já entrou na fala da população brasileira. Na verdade, em algumas localidades, o seu uso é

mais frequente que as outras formas, como ocorre em Belo Horizonte-MG (PERES, 2006).

Já o ocê é pouco recorrente e, consequentemente, estudado em poucas pesquisas

(GONÇALVES, 2008; COELHO, 1999), devido a sua baixa quantidade de dados que

interfere no momento da análise estatística com o Varbrul. A maioria dos trabalhos revela que

essa variante é pouco usada, ou nem é usada, como o caso de Curitiba (LOREGIAN-

PENKAL; MENON, 2012).

No que diz respeito ao gênero/sexo, os homens favorecem o você (LOREGIAN-

PENKAL; MENON, 2012; PERES, 2006) e também contribuem com a forma reduzida cê

Coelho (1999)

Andrade (2004)

Peres (2006) -1982

Peres (2006)

Gonçalves (2008)

Calmon (2010) Fala Casual II

Calmon (2010) Fala Casual I

Calmon (2010)- PORTVIX …

Calmon (2010)- PORTVIX …

Nascimento (2011)

Lorengian-Penkal e Menon (2012)

20,00%

57,00%

15,90%

23,50%

22,00%

63,20%

31,40%

76,00%

74,20%

54,30%

69,69%

23,00%

5,00%

6,60%

3,90%

24,00%

zero

ancê

ocê

você

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68

(ANDRADE, 2004; COELHO, 1999). Um ponto importante quanto a esta variável é o fato de

as mulheres, de modo geral, preferirem o uso do você. Somente Peres (2006) e Loregian-

Penkal e Menon (2012) revelaram que as mulheres favorecem o cê. Contudo, estes estudos

em que as mulheres são as que mais usam o cê mostram que essa forma não é estigmatizada

socialmente, isto é, a comunidade não a avalia como negativa.

Nos demais trabalhos, a forma padrão você ainda é a variante de prestígio. Essa

informação é confirmada com a procedência geográfica que indica que os falantes de zona

urbana preferem o você, enquanto os de zona rural usam mais ocê e cê. (GONÇALVES,

2008; COELHO, 1999). No entanto, a forma inovadora é preferida pelos mais jovens

(COELHO, 1999; PERES, 2006), enquanto os mais velhos preferem o você (CALMON,

2010; PERES, 2006). Apesar disso, as pesquisas ainda não indicam que há indícios de

mudança linguística, mas reforçam que a forma reduzida cê está em ascensão.

Dessa forma, não podemos considerar as três variantes como uma, já que, como

pudemos notar, elas atuam de maneira diferente, pois não apenas se diferem quanto aos

fatores sociais, mas também com relação aos fatores linguísticos. As pesquisas realizadas

mostram a atuação dessas formas, de modo que constatamos a diferença entre elas e não

podemos ignorá-la. Assim, mais estudos devem abordar a variação você/ocê/cê, visto que é

pouco estudada nos trabalhos de segunda pessoa, mas que mostra relevância nos estudos

sociolinguísticos.

2.2.2 ESTUDOS DE NATUREZA DIVERSA

A seguir, apresentaremos, de acordo com a ordem cronológica, estudos de natureza

diversa que também se preocuparam em estudar os pronomes de 2ª pessoa. Após isso,

faremos alguns comentários sobre o que observamos nestes trabalhos.

Divino (2008), em um trabalho tanto de natureza sociolinguística quanto

dialetológica, investiga a variação de uso das formas tu/você e senhor(a) em Santo Antônio de

Jesus, cidade do Recôncavo Baiano, com o objetivo de verificar em que proporção ocorre a

alternância do uso de tu e você e quais são os fatores linguísticos e sociais condicionadores

desta variação. O corpus desta pesquisa é constituído por: a) um questionário de 22 questões,

aplicado a 18 informantes, estratificados em função das seguintes variáveis: gênero (feminino

e masculino), faixa etária (de 15 a 35, de 36 a 55, mais de 55 anos) e nível de escolaridade

(superior, fundamental, semianalfabeto); e b) 10 conversas informais, obtidas de forma

secreta, envolvendo 3 a 6 participantes, sem controle dos fatores sociais já mencionados.

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A autora, na sua primeira análise, obteve o seguinte resultado: você 58%, tu 16%,

senhor(a) 26%, vossa excelência (1%). Analisando somente o tu e você, constatou-se que o

pronome você é o mais usado, com 79%. A faixa etária de 15 a 35 anos é a que mais utiliza o

pronome você, com 64%. Quanto ao sexo, as mulheres utilizam mais tu (56%) que os homens

(44%). No que diz respeito ao grau de escolaridade, os informantes com apenas o ensino

fundamental (22%) utilizam mais o tu (semi-escolarizado, 12% e ensino superior, 14%),

enquanto os que possuem ensino superior (64%) utilizam mais o você (semi-escolarizado,

57%, e ensino fundamental, 50%). Como variáveis linguísticas relevantes, a autora apresenta

as seguintes variáveis: indeterminação do sujeito, relação de poder, tipo de relação entre

interlocutores, referenciação e monitoramento. Infelizmente, por não utilizar um programa de

estatística, não informa o fator de maior influência para a ocorrência dos pronomes tu, você e

senhor, mas enfatiza o grau de formalidade, comparando os fatores sociais. Analisando os

dois corpora, a autora averiguou que, nas falas secretas, há o maior uso do tu (56%), enquanto

nas gravações não secretas, ocorre o emprego maior do você (91%). O grau de intimidade

também foi relevante, visto que a intimidade favorece o tu (77%), mas, nas relações de

intimidade com mais respeito, usa-se o senhor (34%); já nas relações de não intimidade,

emprega-se o você (31%) e o senhor (29%).

O estudo de Sales (2004), de base dialetológica, faz uma análise comparativa entre

dados da norma culta e da norma popular. A amostra do falar culto, proveniente do banco de

dados Português Oral Culto de Fortaleza (PORCUFORT), é constituída por 14 informantes

(todos possuem ensino superior completo e faixa etária entre 25 e 67 anos); e a amostra da

falar popular, representada pelo corpus Dialetos Sociais Cearenses 18

Os resultados apontam para um uso predominante de você (93%) frente a 7% de uso

do tu. Além de trabalhar com as formas de tratamento tu e você, a autora trata da variação

entre os pronomes nós e a gente, e do uso de alguns verbos. Sobre este trabalho, a autora

conclui que há o predomínio do pronome você, mas que o tu é muito utilizado sem

, é composta por 10

informantes que possuem primeiro ou segundo grau incompleto, com faixa etária entre 14 e

39 anos. O fenômeno é analisado em entrevistas do tipo Diálogo entre Informante e

Documentador (DID). Apesar de o trabalho contar com um total de 24 informantes, nota-se

que a sua distribuição, por célula, foi feita de forma desbalanceada.

18 Nos dois corpora, no PORCUFORT e no Dialetos Sociais Cearenses, os informantes são fortalezenses natos, filhos de pais cearenses, sendo que a maioria possui pais fortalezenses; e mantêm residência fixa em Fortaleza. (SALES, 2003, p.26)

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70

concordância verbal. Sales ainda informa que o uso dos pronomes é mais influenciado pelos

fatores sociais do que pelos fatores linguísticos.

Nesta pesquisa, as mulheres (72%- PORCUFORT e 52%- Dialetos Sociais Cearenses)

utilizam mais o pronome você que os homens (28% e 48%, respectivamente). Além disso, a

autora acrescenta que o documentador utilizou o pronome senhor para se referir aos

informantes mais velhos e você para os informantes mais jovens.

Mendes (1998) desenvolve um trabalho a partir de gravações em 10 mesas redondas e

os debates subsequentes, no Congresso Universitário da UFMG, em 1995. A situação é

formal, pela formalidade do ambiente, pelo assunto tratado e pela plateia. Além disso,

conforme a autora, a norma em estudo é a culta, já que praticamente todos os informantes têm

nível superior. São aproximadamente 25 horas de gravação, com 283 ocorrências.

Não houve uma única ocorrência do pronome tu no corpus. Nenhum programa de

estatística é utilizado no estudo. No total, 78,1% dos pronomes de tratamento utilizados são

para você/vocês, 16,5% para o(s) Senhor(es)/a(s) Senhora(s), 3,9% para Vossa Excelência e

3,9 % para formas pronominalizadas, como o (a) professor(a), o senador e o Reitor. A

predominância do pronome você aponta para uma tendência à informalidade, principalmente

por se tratar de uma situação formal. O pronome você/vocês foi utilizado por falantes de todos

os níveis de hierarquia tanto em relação a falantes de mesmo nível, quanto a falantes de nível

inferior ou superior. Segundo a autora, quanto à relação entre poder/assimetria e entre

intimidade/simetria, houve 19 ocorrências em que um falante se dirige a seu interlocutor e

esse mesmo interlocutor se dirige ao primeiro. Em 10 dessas ocorrências, houve simetria e

somente em 2 casos ficou constatada assimetria. A autora enfatiza que, embora a amostra seja

pequena, houve predominância da simetria do fator intimidade. Entretanto, os casos de

simetria detectados nem sempre podem ser atribuídos à intimidade. Quanto à variável sexo,

foram registrados 17 falantes de sexo feminino, que usaram você (57,6%) e 1 vez a forma a

Senhora Secretária (3,8%). O comportamento dos 58 homens mostra uma aplicação de 71,5%

para você/vocês e de 71,5% e 14,8% para as formas cerimoniosas. Os homens, quando se

dirigiram às mulheres, usaram somente 3 vezes a Senhora e as mulheres, dirigindo-se aos

homens, só usaram 1 vez tratamento cerimonioso. Quanto a esta variável, nota-se que homens

e mulheres são igualmente informais, os homens um pouco mais que as mulheres.

Para tratar da questão da polidez e preservação de faces, Bezerra (1994, 1997), analisa

sob o viés da sociolinguística interacional, a fala espontânea, gravada em 1992, de 19 crianças

da Paraíba com idades entre 6 e 12 anos, de classe média, a fim de estudar a variação tu/você,

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considerando o pronome você, explícito, e o pronome tu, explícito e implícito, na flexão

verbal.

Foi observada a predominância de tu (194 ocorrências, 69%) sobre a forma você (96

ocorrências, 31%). Segundo a autora, o uso de uma ou outra variante parece estar relacionado

ao tipo de ato comunicativo envolvido na interação. Os resultados confirmaram que o

pronome tu prevalece em situações de intimidade e que o falante demonstra o desejo de

preservar a face positiva do ouvinte, sua autoestima, enquanto o pronome você tende a ocorrer

em situações de não solidariedade, quando o falante ameaça a face do ouvinte.

Com base na Sociolinguística Interacional, Soares e Leal (1993) analisam as formas de

tratamento nas interações entre pais e filhos em Belém do Pará, sendo alguns professores da

Universidade Federal do Pará (UFPA) e outros funcionários dessa universidade na interação

com seus filhos e vice-versa. Os 38 informantes, que compõem o corpus, foram estratificados

segundo a classe socioeconômica e a faixa etária.

Os resultados indicam que o pronome mais usado pelos filhos para se dirigirem aos

pais é o tu, seguido pelo tratamento senhor. Entretanto, filhos de professores têm o tu por

preferência, enquanto os filhos de funcionários preferem senhor; adolescentes usam as formas

tu e senhor com a mesma frequência, e crianças mostram preferência pelo tu. Os pais

belenenses, na maior parte das ocorrências, tratam seus filhos por tu, considerando-se que

usam mais tu para os filhos adolescentes que para as crianças.

Sette (1980) estudou as formas de tratamento na fala coloquial do recifense sob a

perspectiva interacionista. Para a constituição da amostra, a pesquisa foi divida em duas fases:

na primeira, os informantes responderam a um questionário direcionado e, na segunda fase,

foram gravadas algumas conversas espontâneas. Os informantes foram distribuídos em dois

grupos: os fixos e os não-fixos. Os primeiros são os que trabalham no local de realização da

pesquisa e os últimos fornecem os dados para a segunda parte da coleta de dados.

Testaram-se as seguintes variáveis: sexo, idade, profissão, nível social e grau de

instrução. Analisando as respostas dadas ao questionário, Sette percebeu que, em relação às

formas tu e você, a maioria dos informantes diz usar mais a forma você (65%); e, em segundo

lugar, vêm as pessoas que dizem usar somente você (20%). De acordo com a análise

assistemática, o você realmente aparece com uma certa frequência, porém a forma tu parece

ser considerada mais íntima e familiar do que a forma você. No ambiente familiar, no

tratamento usado com os pais, encontrou-se tanto o pronome senhor (87,5%) e a senhora

(82,5%), como você (pai: 12,5% e mãe 17,5%). Os informantes se dividiram em três grupos:

alguns afirmaram usar, exclusivamente, tu (2,5%); outros, somente, você (52,5%); e outros, tu

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e você (45%) com os irmãos. No ambiente de trabalho, os informantes afirmaram empregar

apenas você e senhor. Neste ambiente, a idade só é significativa na escolha de tratamento de

superior para inferior, mas, quando é de inferior para superior, a preferência foi quase sempre

senhor.

Soares (1980), em uma pesquisa de natureza interacionista, examinou as formas de

tratamento no falar de Fortaleza, utilizando-se de dados provenientes de 46 entrevistas,

elaboradas pela autora que solicitava, ao informante, a criação de uma história com base em

27 figuras; e de 26 conversas ocasionais, com ou sem aviso prévio de que a conversa seria

gravada. Ao todo, foram ouvidos 72 informantes. O questionário foi aplicado com um número

significativo de díades para motivar os informantes a usarem tanto o tratamento simétrico

como o assimétrico. Os informantes foram divididos por faixa etária (até 16 anos, entre 16 e

30 e mais de 30) e grau de escolaridade (1° grau, 2° grau e 3° grau).

A autora constatou que existe em Fortaleza um sistema ternário das formas

pronominais de tratamento com um uso muito variado, com tu, você e senhor, tanto nas

relações simétricas como nas assimétricas, ocorrendo variação entre tu e você e entre você e o

senhor (ou senhora), de acordo com o grau de intimidade. A regra de concordância do

pronome tu com o verbo tende a não ser aplicada. Outro ponto importante foi a tendência à

exclusão do pronome sujeito quando há apelativos na frase. A alternância das formas é

determinada por fatores como situação discursiva, papel social dos interlocutores, faixa etária

e grau de intimidade entre os interlocutores. Sobre a variação tu/você, destacou-se que o uso

do tu é mais generalizado, o pronome você é preferido em situações formais e a flexão

canônica com o pronome tu é variável, sendo motivada por fatores como escolaridade,

monitoramento da fala e formalidade.

Nota-se, através dos trabalhos apresentados, que o grau de intimidade e a situação de

comunicação favorecem os pronomes de segunda pessoa. Constata-se que, quanto maior o

grau de intimidade, maiores são as chances do pronome tu aparecer. No entanto, se a

diferença de idade for grande, por uma questão de respeito, aparece, com mais frequência, o

uso do senhor, como no trabalho de Sette (1980), reforçado por Divino (2008). Outro grupo

de fator importante é o monitoramento, pois constatamos que quanto maior o monitoramento,

maior é a possibilidade de aparecer a forma você. Podemos dizer que a forma de menor

prestígio é o tu, que ocorre quando há pouco ou nenhum monitoramento e quando os falantes

estão em uma situação de comunicação mais íntima ou familiar.

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3 TEORIA DA POLIDEZ

Na sociedade em que vivemos, temos cuidado com nossas escolhas linguísticas ao

falar, porque o nosso interlocutor é muito importante e as palavras, assim como o tom de voz,

são relevantes, para que possamos nos fazer entendidos. Dependendo de nossas escolhas,

poderemos ser mais ou menos polidos.

Leech (2007) resgantando alguns conceitos e críticas, propõe dois tipos de polidez, a

relativa e a absoluta. A primeira, também chamada de polidez adequada à situação, refere-se a

um contexto ou situação e indica certos atos linguísticos como intrinsecamente polidos. Dessa

forma, segue normas de uma determinada sociedade, para um determinado grupo ou para

determinada situação, Já a polidez absoluta seriam os atos linguísticos que, em qualquer

escala, seriam polidos, independente do contexto. O autor ilustra isso mostrando que “muito

obrigado” é mais educado que somente “obrigado”, porque intensifica uma expressão de

gratidão, ao invés de expressar gratidão de uma maneira mínima. Esta escala é unidirecional e

registra graus de polidez em termos de forma lexigramatical e de interpretação semântica de

enunciado.

Para Leech, a polidez está associada ao que é favorável ou desfavorável ao ouvinte,

com escalas entre extremos positivo e negativo. “A polidez é essencialmente assimétrica, de

modo que ser mais-polido para o falante é ser menos polido para o ouvinte [...] Havendo

maior custo para o ouvinte, a proposição é menos polida; havendo maior benefício, é mais

polida” (BEZERRA, 1994, 99). Leech (1983 apud Bezerra, 1994) ainda explica que o grau de

polidez é definido pela força ilocucionária e sugere quatro funções principais dos atos

ilocucionários a saber:

a) Os atos competitivos- cujo objetivo ilocucionário compete com o objeto social, ex: ordem; b) Os atos de convivência- se objetivo ilocucionário coincide com o social, ex: cumprimento; c) Os atos colaborativos – que em objetivo ilocucionário indiferente ao social, ex: afirmação; d) Os atos conflitivos – seu objetivo ilocucionário se opõe ao social, ex: ameaça. (BEZERRA, 1994, p.100)

No que concerne à polidez, dentre as teorias que tentam conceituá-la, a mais

conhecida e de maior prestígio é a Teoria da Polidez, de Brown e Levinson (1987). Nela, é

proposto um modelo de interação baseado na noção de face, desenvolvida a partir da proposta

de Goffmann (1980 [1967]). O termo “face” seria o “valor positivo que uma pessoa reclama

para si através daquilo que os outros presumem ser o alinhamento por ela adotado durante um

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contato específico [...] uma imagem do self delineada em termos de atributos sociais

aprovados”. (GOFFMANN, 1980 [1967], p.77, grifo do autor)

De acordo com Goffmann, todo indivíduo vive em um mundo de encontros sociais,

que promovem contatos com outros participantes. Ao se expressar, o indivíduo será avaliado

pelo participante como e por ele mesmo. Levando em conta isso, Brown e Levinson entendem

a polidez como um conjunto de estratégias discursivas destinadas a evitar ou amenizar o

conflito.

Dessa forma, a Teoria da Polidez, de Brown e Levinson (1987), leva em consideração

duas propriedades básicas que podem explicar o comportamento dos participantes na

interação verbal: racionalidade e a imagem pública. O primeiro considera que cada indivíduo

tem um modo de raciocinar que pode ser definido de modo preciso e que o conduz aos meios

necessários para chegar aos fins que deseja alcançar. No caso da segunda propriedade,

defende-se que cada indivíduo constrói uma imagem para si próprio, buscando manter o

prestígio no meio social em que vive.

A imagem pública possui duas vertentes: a face positiva e a face negativa. A primeira

consiste na personalidade (imagem) desejada pelos interactantes, ou seja, a maneira como os

indivíduos desejam ser vistos pela sociedade, isto é, a necessidade de sermos aceitos,

aprovados e pertencermos a um grupo. A face negativa, por outro lado, está relacionada ao

território, ao direito de sofrer perturbação, à preservação pessoal, ou seja, o desejo de todo

indivíduo em ser livre, de agir sem impedimentos. Assim, enquanto a face negativa enfatiza a

distância e o poder, a face positiva enfatiza a aproximação e a solidariedade.

Considerando que a imagem pública é constantemente ameaçada pelos atos

linguísticos, três fatores sociais podem estabelecer o nível de polidez, e, dessa forma, a

situação pode ser mais ou menos polida. Seriam eles: o poder relativo do ouvinte sob o falante

e vice-versa, o status; a distância social entre os dois, que diz respeito ao conhecimento

mútuo; e o grau de imposição do próprio ato comunicativo, que envolve tudo sobre esse ato,

considerando não só os interactantes e sua posição, mas também o meio onde ocorre o ato

comunicativo.

A dicotomia, poder e solidariedade, de Brown e Gilman (1960), é de suma

importância para entendermos ainda mais as interações sociais, principalmente no que

concerne ao uso das formas de tratamento. Em seu trabalho intitulado The Pronouns of Power

e Solidarity, os autores abordam a presença dessa dicotomia nos pronomes de segunda pessoa

em várias línguas. Denominam como símbolos, que também adotaremos a seguir, T e V (do

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75

Latim tu e vos) para designar, respectivamente, algo mais familiar, próximo; e o outro, um

pronome mais polido.

Em sua pesquisa, Brown e Gilman (1960) informam que no Latim antigo usava-se

somente o tu. A forma vos foi usada pela primeira vez, sendo dirigida a um imperador, mas há

várias teorias sobre como realmente ocorreu. Foi somente no século IV que o uso no plural

ocorreu efetivamente. No Latim, o plural ainda era usado somente para o imperador ou

figuras importantes. No entanto, línguas derivadas do Latim, como Português, Francês,

Espanhol e Italiano possuem a variação T/V.

A flutuação do T/V pode-se dar, segundo Brown e Gilman (1960), devido à dicotomia

poder e solidariedade. Os autores chamam de poder a relação entre pessoas de forma não-

recíproca, ou seja, um exerce poder sobre o outro. Assim, o superior fala T, mas recebe V.

Vale salientar que as formas de poder podem variar: a forma física, a idade, o sexo, a função

institucionalizada na igreja, no estado, no exército ou na família.

Outro ponto importante é que as formas para a relação de poder não são homogêneas

nas várias línguas. Elas podem variar não só com a língua, mas também com o tempo em que

era usada. Brown e Gilman (1960) ilustram isso, mencionando que, na Europa Medieval, era

comumente usado T, mas as pessoas recebiam V. Na Itália, no século V, os penitentes falavam

V com os padres, mas recebiam T.

Assim, observa-se que o uso T/V dependia do uso de cada língua, mas que essa

distinção foi T para intimidade e V formalidade foi dada com o tempo.

Por muitos séculos, no francês, inglês, italiano, espanhol e alemão, o uso do pronome T-V era usado em relação não-recíproca entre pessoas de poder desigual e do Estado de mútuo (de acordo com a associação de classe social), entre pessoas de poder mais ou menos equivalente. Não foi a primeira regra de diferenciação entre iguais, mas, gradualmente, uma distinção desenvolvida que às vezes é chamado de T de intimidade e de V de formalidade. (BROWN, GILMAN, 1960, p.257)19

A segunda dimensão trata-se da semântica da solidariedade, que se refere a uma

relação interpessoal solidária, ou seja, os dois indivíduos possuem certo grau de intimidade.

Segundo Brown e Gilman, em geral, o uso do V está relacionado a pessoas com pouca

intimidade, distantes. No entanto, vale salientar que isso não significa que haja diferença de

poder. “A regra para fazer o uso distintivo T/V pode ser feita generalizando a permanência de 19 For many centuries French, English, Italian, Spanish, and German pronoun usage followed the rule of nonreciprocal T-V between persons of unequal power and the rule of mutual V or T (according to social-class membership) between persons of roughly equivalent power. There was at first no rule differentiating address among equals but, very gradually, a distinction developed which is sometimes called the T of intimacy and the V of formality. (BROWN; GILMAN, 1960, p.257) (tradução minha)

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76

poder. Diferentes tipos de poder causam V para uma direção; diferentes pessoas não

envolvidas causam V e podem surgir de ambas as direções.20

Assim, se há diferença de poder, o superior empregaria T, mas receberia V, entretanto,

independentemente de poder, mas se não há intimidade suficiente, ambos usam e recebem V.

Isso porque o V se torna mais provável, mesmo em relações simétricas, mas que a

solidariedade diminui.

” (BROWN; GILMAN, 1960,

p.257)

A pergunta que fica é: Como é determinada a solidariedade para o uso T? Bem, o que

se observa é que não são atributos físicos, mas sim os valores. De acordo com Brown e

Gilman, o uso do T pode ser produzido devido à frequência de contato, bem como por

semelhanças objetivas. “No entanto, o contato frequente não conduz necessariamente à

solidariedade. Na verdade, o resultado do contato, caso os participantes pensem de forma

similar, é que pode ocorrer a semântica da solidariedade.” 21

(BROWN; GILMAN, 1960,

p.257) Dessa forma, não é somente a frequência do uso dos pronomes que trará a

solidariedade, mas sim as semelhanças entre os dois indivíduos.

T deriva a sua definição comum como o pronome de qualquer condescendência ou intimidade e V sua definição como o pronome de reverência ou formalidade. Essas definições ainda estão em curso, mas o seu uso tem ido além disso.22

(BROWN; GILMAN, 1960, p.258, grifos dos autores)

Brown e Gilman (1960) definem o poder e a solidariedade como duas dimensões

importantes para os estudos dos pronomes de segunda pessoa. Enquanto o poder refere-se à

relação assimétrica, em que um exerce poder sobre o outro; a solidariedade está relacionada à

questão de intimidade, de aproximação entre os falantes. Segundo os autores, a segunda

dimensão vem aumentando, aparecendo cada vez mais nas relações solidárias.

Em sua pesquisa sobre T/V nos falares de diversos estudantes estrangeiros que

residiam em Boston, Brown e Gilman (1960) realizam vários estudos. Em um destes, eles

elaboram um questionário em inglês com perguntas sobre como é o tratamento dentro de casa,

20A rule for making distinctive use of T and V among equals can be formulated by generalizing the power semantic. Differences of power cause V to emerge in one direction of address; differences not concerned with power cause V to emerge in both directions. (BROWN; GILMAN, 1960, p.257) (tradução nossa) 21However, frequent contact does not necessarily lead to the mutual. It depend on whether contact results in the discovery or creation of the like-mindedness that seems to be the core of the solidarity semantic. (BROWN; GILMAN, 1960, p.257) (tradução nossa) 22 T derives its common definition as the pronoun of either condescension or intimacy and v its definition as the pronoun of reverence or formality. These definitions are still current but usage has, in these definitions are still current but usage has, in fact, gone somewhat beyond them. (BROWN; GILMAN, 1960, p.258) (tradução nossa)

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com os familiares, entre colegas, funcionários de locais que eles frequentam no seu país de

origem. As perguntas poderiam ser respondidas das seguintes formas: T definitivamente; T

provavelmente; Possivelmente T e V, provavelmente V, definitivamente V. Essas perguntas

foram respondidas por alunos estrangeiros (França, Itália e Alemanha) das universidades de

Havard, Boston University, MIT, e Office of the French Consul em New England, que

residiam em Boston em 1957. Foram, ao todo, 81 informantes do gênero masculino, 50

franceses, 20 alemães e 11 italianos.

Nessa pesquisa, os resultados não foram homogêneos, já que, para cada país, houve

uma conclusão diferente. Houve um contraste entre alemães e franceses, pois, enquanto os

alemães optam pelo T mais nas situações familiares, ou seja, no relacionamento entre os

parentes, os franceses preferem usar T em relações entre amigos, em situações de

camaradagem. Ponto importante é no que concerne aos italianos, visto que são os que mais

usam T. Vale salientar que o uso de T pelos homens italianos estende-se às mulheres italianas,

diferentemente dos alemães e franceses que restringem o T aos homens.

Em alguns trabalhos recentes, a alternância dos pronomes você e tu é estudada não só

à luz da Teoria Variacionista, mas também se embasa na Teoria da Polidez. Dentre eles,

encontramos as pesquisas de Santos (2012), Lopes el al (2009), Modesto (2006), Lucca

(2005). Em trabalhos que observam a variação você, ocê e cê, também foi encontrado a Teoria

da Variação com a Teoria da Polidez na tentativa de explicar o fenômeno, como o de

Gonçalves (2008).

Já Bezerra (1994, 1997), em pesquisa não muito recente, como vimos na subseção

anterior, também analisa, à luz da teoria da polideza, o uso dos pronomes tu e você na fala de

crianças da Paraíba. Neste estudo, foram feitas gravações em 1992 no condomínio onde as

crianças moravam. Os informantes, no total de 19, tinham entre 6 a 12 anos, pertenciam à

classe média e eram filhas de profissionais de nível universitário. Baseado nos pressupostos

teóricos de Brown e Levinson (1987), constatou-se que os pronomes tu/você estão presentes

nas conversas entre familiares, mas que essas formas parecem indicar regras para seu uso.

Em situações de intimidade, em que há interesse mútuo entre falante e ouvinte, há o

predomínio do tu; já nas situações de não-solidariedade, em que o falante ameaça a face do

ouvinte, predomina o uso do você. A alternância dos pronomes surge em atos competitivos

(ordem, pergunta...) e os conflitivos (insulto, ameaça, entre outros). Em sua pesquisa, Bezerra

constatou que as crianças em sua aquisição de regras de polidez estão aprendendo a substituir

atos conflitivos, sem atenuação, por outros em que o grau de polidez varia.

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Consideramos, portanto, que a Teoria da Polidez é um importante recurso para

explicar a alternância dos pronomes em estudo. Dessa forma, utilizamo-nos em nosso trabalho

desta teoria.

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4 A TEORIA DA VARIAÇÃO E DA MUDANÇA LINGUÍSTICA

Os estudos sobre a língua iniciam-se com a Tradição Gramatical, que tem como objeto

a norma prescritiva e que a língua correta era a escrita por grandes escritores e estudiosos.

Isso ainda vigorou por muito tempo, mas, em meados do século XX, a chamada Linguística

Moderna rompe com a Tradição Gramatical, ao propor que qualquer variedade da língua

possa ser objeto de estudo, sem que uma seja mais importante que outra para a Linguística.

Em sua orientação inicial, chamada de estruturalista, os estudiosos da Linguística

Moderna não se preocuparam com a variação, mudança e norma, tendo seu foco no sistema,

na estrutura abstrata que permitiria que as línguas funcionassem. Dentre esses linguistas,

encontramos Ferdinand de Saussure que hoje é considerado o pai da Linguística Moderna.

Saussure estabelece a dicotomia língua (langue) e fala (parole), mas prefere estudar a

língua por considerá-la um objeto homogêneo, oferecendo, assim, vantagens para o seu

estudo. Ele separa a língua da fala e, dessa forma, para ele, é como se separasse o social do

individual; o essencial do que é acessório. Então, a língua, o objeto de estudo de Saussure,

“não constitui, pois, uma função do falante: é o produto que o indivíduo registra

passivamente; não supõe jamais premeditação, e a reflexão nela intervém somente para a

atividade de classificação” (SAUSSURE, 2006 [1916], p.22). Já a fala (parole) é a parte

psíquica e não entra nos estudos, “o lado executivo fica de fora, pois a sua execução jamais é

feita pela massa; é sempre individual e dela o indivíduo é sempre senhor” (SAUSSURE, 2006

[1916], p. 21).

Segundo Saussure (2006 [1916]), a língua é um contrato coletivo, pois

Ela é a parte social da linguagem, exterior ao indivíduo, que, por si só, não pode nem criá-la nem modificá-la; ela não existe senão em virtude duma espécie de contrato estabelecido entre os membros da comunidade. Por outro lado, o indivíduo tem necessidade de uma aprendizagem para conhecer-lhe o funcionamento; somente pouco a pouco a criança a assimila. A língua é uma coisa de tal modo distinta que um homem privado do uso da fala conserva a língua, contanto que compreenda os signos vocais que ouve. (SAUSSURE, 2006 [1916], p.22).

Para Labov (2008 [1972]), Saussure, apesar de reconhecer que a língua tem um lado

social, não se propõe estudar a parole, por acreditar que não se pode descrever, nem explicar a

sua heterogeneidade. Esse fato pode ser o motivo pelo qual muitos linguistas que trabalham

dentro da tradição saussureana não levam em consideração os fatores sociais, de modo a

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acreditarem que eles não possam interferir em fatos linguísticos. Para eles, as explicações dos

fatos linguísticos devem estar associadas a fatores internos da língua.

Meillet opõe-se à escolha feita pelo mestre genebrino, focalizando o estudo do sistema

desvinculado da sociedade, e também se opõe à dicotomia “sincronia e diacronia”, pois, na

sua ótica, a estrutura só pode ser explicada a partir da história e da diacronia. “Ao separar a

variação linguística das condições externas de que ela depende, Ferdinand Saussure a priva da

realidade” (CALVET, 2002, p.14).

De acordo com Calvet (2002, p.16), a insistência de Meillet em defender que a língua

é, ao mesmo tempo, um “fato social” e um “sistema que tudo contém” faz dele um precursor,

de alguma forma, do que hoje é conhecido como Sociolinguística. Como, para Meillet, a

língua é um fato social e, dessa forma, a linguística seria uma ciência social, é que somente a

mudança social é que pode dar conta da variação linguística.

Em 1964, vários pesquisadores se juntam para uma conferência em Los Angeles, por

iniciativa de Bright. Ao promover esse evento, este estudioso dá início ao nascimento da

Sociolinguística. O autor considera que uma das maiores dificuldades da Sociolinguística é

mostrar que a variação ou a diversidade não ocorre de forma aleatória, mas que é intrínseca às

diferenças sociais sistemáticas. No entanto, “Bright só pode conceber a sociolinguística como

uma abordagem anexa dos fatos de língua, que vem complementar a linguística ou a

sociologia e a antropologia”. (CALVET, 2002, p.31). O autor propõe uma lista de

dimensões 23

No início da década de 60, Labov analisa um fenômeno de mudança linguística, os

ditongos /ay/ e /aw/ em Martha’s Vineyard. Este trabalho é considerado um marco na

sociolinguística, visto que os estudos nessa área puderam contar com uma série de

procedimentos que Labov desenvolveu para pesquisar esse fenômeno, o que deu origem à

Teoria Variacionista.

da sociolinguística que permitiriam informar quais são os fatores que

condicionam a diversidade linguística.

Em 1966, Labov (2008 [1972]) decide estudar as variedades do inglês não-padrão,

particularmente de porto-riquenhos e negros da cidade de Nova Iorque. De forma

contundente, desmistifica a lógica que atribuía à “privação e pobreza linguística” às

dificuldades de aprendizagem das classes trabalhadoras e minorias étnicas socialmente 23 Calvet apresenta quatro dimensões propostas por Bright, que seriam: a oposição sincronia/diacronia; os usos linguísticos e as crenças a respeito dos usos; a extensão da diversidade, com tríplice classificação: diferenças multidialetal, multilingual ou multissocial as aplicações da sociolinguística, com mais uma classificação em três partes: a sociolinguística como diagnóstico de estruturas sociais, como estudo do fator sócio-histórico e como auxílio ao planejamento. (CALVET, 2002, p.30).

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desfavorecidas. O autor rejeita completamente o conceito de deficiência linguística, que

considera um mito sem nenhuma base na realidade social.

Em seu trabalho sobre a estratificação social do (r) nas lojas de departamentos em

Nova Iorque, Labov (2008 [1972]) observou a fala dos vendedores de três lojas (Saks, Macy's

e S. Kein), que possuem público alvo bem distinto: a Saks apresenta um público de classe

alta; a Macy's, da classe média; e a S. Kein, da classe trabalhadora. Sua hipótese é a de que a

fala dos vendedores iriam variar de acordo com o status da loja. O autor diz que o principal

efeito estratificador sobre os empregados é o prestígio da loja, junto com as condições de

trabalho.

Assim, nessa pesquisa, Labov pôde perceber que aqueles que trabalham na loja de

maior prestígio possuem maior segurança linguística que os das outras lojas. Outro ponto é

que, segundo Labov, os pesquisadores fazem observações objetivas de aspectos da estrutura

sociolinguística de uma comunidade de fala. Essas observações poderão trazer dados mais

seguros e precisos sobre os padrões linguísticos. No caso dessas lojas, na Macy`s, que tem o

público de classe média, seus funcionários são os melhores remunerados e possuem melhores

condições trabalhistas. No entanto, os vendedores preferem trabalhar na Saks, pois é a de

maior prestígio e seus funcionários sentem-se compartilhando esse prestígio. Desconsiderar o

contexto no qual o fenômeno está inserido, muitas vezes, pode causar resultados enviesados.

É o que constatamos, ao lermos “que testes rápidos e anônimos deste tipo não podem ser

interpretados plenamente sem o conhecimento detalhado da história dialetal da área e sem um

estudo mais sistemático da distribuição das variáveis linguísticas e normas subjetivas”.

(LABOV, 2008[1972], p. 89)

Em um trabalho com crianças negras do gueto de Harlem, Labov (1967) mostrou que

elas dispunham de um vocabulário básico exatamente igual ao de qualquer outra criança e

dominavam dialetos ou variedades linguísticas que são sistemas linguísticos perfeitamente

estruturados, possuindo a mesma capacidade para a aprendizagem conceitual e para o

pensamento lógico que qualquer outra criança. Porém, o déficit de aprendizagem de leitura

dessas crianças estava relacionado “à depreciação simbólica do inglês vernáculo afro-

americano, que era parte de um racismo institucionalizado em nossa sociedade e determinava

o fiasco educacional àqueles que a usavam (LABOV, s/d)24

24 “[…] was the symbolic devaluation of African American Vernacular English that was a part of the institutionalized racism of our society, and predicted educational failure for those who used it”. (tradução nossa)

”.

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Labov (1967) afirma que, para avaliar a verdadeira capacidade verbal da criança, é

necessário estudá-la no contexto cultural em que tal capacidade se desenvolve e em situações

naturais e distensas. Assim, ele usa várias técnicas que deixam os falantes à vontade,

transformando entrevista em conversa informal, onde o falante esquece até que está sendo

gravado. Com isso, fica claro que, para este autor, o fracasso escolar não tem a causa na

criança e na sua capacidade linguística, e sim na inadequação e na incapacidade da escola de

incorporar o dialeto não-padrão em sua realidade pedagógica. A partir de suas pesquisas é que

nasce a sociolinguística variacionista, com objetivo de lutar por uma concepção social da

língua.

Para Labov (2008 [1972]), o estudo da língua se baseia no entendimento de que ela é

um conjunto estruturado de normas sociais e que “é usada por seres humanos num contexto

social, comunicando suas necessidades, ideias e emoções uns aos outros” (LABOV, 2008

[1972], p.215).

As pesquisas desenvolvidas nessa área se tornam inovadoras não apenas por

reconhecer a variação, como bem colocam Paiva e Duarte (2006, p.133), mas por sistematizá-

la. As autoras enfatizam que os estudos sobre a heterogeneidade da língua antecedem

Weinreich, Labov e Herzog, mas que eles inovaram ao tentar sistematizar, “ordenar” a fala.

Agora, cabe ao linguista não apenas informar a variação, mas descrever e explicá-la.

Segundo Lucchesi e Araújo (s/d), o objetivo da sociolinguística é “estudar os padrões

de comportamento linguístico dentro de uma comunidade de fala e os formaliza

analiticamente através de um sistema heterogêneo, constituído por unidades e regras

variáveis”. Dessa forma, mesmo havendo uma heterogeneidade, a variação não é o resultado

do uso arbitrário ou aleatório dos falantes.

Segundo Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]), apesar de a maioria dos

linguistas concordarem com o fato de que “a mudança linguística é um processo contínuo e o

subproduto inevitável da interação linguística” (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006

[1968], p.87), ainda continuam com a concepção simplista do idioleto homogêneo.

“Não ofereceram nenhum meio efetivo para constituir uma comunidade de fala a partir de vários desses idioletos, nem sequer para representar o comportamento de um único falante com diversos idioletos à sua disposição. Tampouco ofereceram um método efetivo para constituir uma única língua a partir de estágios homogêneos cronologicamente discrepantes” (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006 [1968], p.87).

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Labov (2008 [1972]) informa também que não podemos desconsiderar apenas as

pressões estruturais, pois, com esta restrição, pode ser muito difícil explicar qualquer

mudança. “Nem todas as mudanças são altamente estruturadas, e nenhuma mudança acontece

num vácuo vazio. Até mesmo a mudança em cadeia mais sistemática ocorre num tempo e

num lugar específicos, o que exige uma explicação” (LABOV, 2008 [1972], p. 20). Assim,

para qualquer mudança existe um porquê e por isso deve ser investigada.

Conforme Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]), existem alguns problemas para

os quais uma teoria da mudança deve fornecer respostas. Seriam eles: fatores condicionantes

(mudanças e condicionamentos possíveis); transição, que são os estágios intervenientes entre

dois estados da língua, que segue em um continuum; encaixamento, que é o entrelaçamento

das mudanças com outras que ocorrem na estrutura linguística e na estrutura social;

avaliação que são os efeitos da mudança sobre a estrutura e o uso da língua; e

implementação que são as razões para mudanças ocorrerem em certa língua numa dada

época.

O problema dos fatores condicionantes está relacionado à determinação do conjunto

de mudanças possíveis e condições possíveis para a mudança. Os autores Weinreich, Labov e

Herzog observam que nem toda combinação de fatores linguísticos e sociais estão

contemplados nos estudos, visto que a seleção das variáveis quem faz é o pesquisador.

Na questão da transição, é importante destacar que exigirá a determinação do valor de

uma variável linguística. A mudança ocorrerá de forma lenta, mas gradual, e pode ser

perceptível através da faixa etária. Pode ocorrer “à medida que o falante aprende uma forma

alternativa, durante o tempo em que as duas formas existem em contato dentro de sua

competência, e quando uma das formas se torna obsoleta” (WEINREICH; LABOV;

HERZOG, 2006[1968], p.122).

Sobre o encaixamento, Weinreich, Labov e Herzog atestam que haverá pouca

discordância entre os linguistas de que as mudanças linguísticas devem ser vistas como

encaixadas no sistema linguístico como um todo. Na estrutura linguística, raramente ocorre

uma mudança de um sistema inteiro por outro. Entretanto, “um conjunto limitado de

variáveis num sistema altera seus valores modais gradualmente de um polo para outro”

(WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006[1968], p.123). Na estrutura social, assim como o

próprio sistema não é homogêneo, os fatores sociais não influenciam de forma igual a

existência de um fenômeno, e pode haver pouca correlação nos estágios iniciais e finais de

uma mudança.

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A avaliação é a dimensão em que percebemos melhor a mudança, visto que está no

nível consciente do falante. Pode adquirir status de prestígio ou ser estigmatizada. Para

Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968], p.120), o nível de consciência social é importante

para a mudança linguística e que nela, quando uma variável linguística adquire importância

social, os falantes substituem a norma de prestígio pelo vernáculo básico como “controle no

audiomonitoramento”, ou seja, monitoramento da fala pelo próprio falante.

No entanto, de acordo com Labov (2008 [1972]), nem sempre a mudança linguística

ocorre através daquele grupo de maior status. Quando isso ocorre, o grupo de prestígio

estigmatiza a forma resultante de mudança, por meio do domínio que eles possuem das várias

instituições da rede de comunicação. E, em outros casos, sob extrema estigmatização, uma

forma se torna assunto de comentário social explícito, podendo desaparecer. Trata-se então

de um estereótipo, que pode se distanciar cada vez mais das formas que são realmente usadas

na fala. Sobre estereótipos, Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968], p.119), assim, se

posicionaram:

[Os] ‘estereótipos’ linguísticos não estão relacionados ao comportamento linguístico de modo um-a-um; eles estão agudamente concentrados em itens lexicais individuais mais do que em categorias abstratas. A correção nos estilos formais associada a tais estereótipos é extrema mas bizarra em sua distribuição, e é acompanhada por uma considerável tensão psicológica na maioria dos falantes: os resultados são o conjunto assistemático e instável de contrastes característicos da linguagem formal.

A implementação ocorre quando a mudança linguística já está encaixada e

generalizada em outros elementos do sistema. Segundo Weinreich, Labov e Herzog (2006

[1968], p. 125), a “completação (sic) da mudança e a passagem da variável para o status de

uma constante se fazem acompanhar pela perda de qualquer significação social que o traço

possuía”.

Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968], p. 125-126) apresentam sete assertivas

gerais sobre a natureza da mudança linguística que podem ser consideradas como centrais,

sumariadas a seguir:

1. A mudança linguística não pode ser considerada como aleatória, ela “começa quando

a generalização de uma alternância particular num dado subgrupo da comunidade de

fala toma uma direção e assume o caráter de uma diferenciação ordenada”.

(WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006 [1968], p.125)

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2. Não se deve associar estrutura com homogeneidade. “A estrutura linguística inclui a

diferenciação ordenada dos falantes e dos estilos através de regras que governam a

variação na comunidade de fala; o domínio do falante ativo sobre a língua inclui o

controle destas estruturas heterogêneas”. (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006

[1968], p.125)

3. Nem toda variação e heterogeneidade implica mudança, mas toda mudança implica

variação e heterogeneidade.

4. A mudança linguística não ocorre de forma súbita nem homogenea; "ela envolve a

covariação de mudanças associadas durante substanciais períodos de tempo, e está

refletida na difusão de isoglossas por áreas do espaço geográfico". (WEINREICH;

LABOV; HERZOG, 2006 [1968], p.126)

5. A mudança linguística ocorre nas gramáticas da comunidade de fala. “Como as

estruturas variáveis contidas na língua são determinadas por funções sociais, os

idioletos não oferecem a base para gramáticas autônomas ou internamente

consistentes”. (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006 [1968], p.126)

6. A mudança linguística ocorre dentro da comunidade como um todo e não apenas em

determinados participantes.

7. Tanto os fatores linguísticos como os sociais são importantes para o desenvolvimento

da mudança linguística.

Considerando essas assertivas, podemos dizer que a mudança linguística é ordenada,

mas não homogênea. Apesar de heterogênea, não ocorre apenas com alguns membros da

comunidade, na verdade, ocorre como um todo. Também não ocorre de repente, e sim de

forma gradual. De acordo com Paiva e Duarte (2006), as variantes velhas e novas rivalizam

num momento de tempo e essa alternância pode ser significante, visto que pode representar

uma transição para outro estado de língua. Enquanto há a transição, ela pode ser percebida,

geralmente, no controle social da variação, na sua distribuição pelos diferentes estratos

sociais da população analisada.

A mudança linguística está ligada à comunidade de fala, por isso é importante defini-

la. Vale salientar que a comunidade de fala não é entendida como um conjunto de pessoas

que falam exatamente igual, mas que compartilham traços linguísticos que os diferencia de

outros grupos. Sobre comunidade linguística, Alkmim se posiciona assim:

[...] um conjunto de pessoas que interagem verbalmente e que compartilham um conjunto de normas com respeito aos usos linguísticos. Em outras palavras, uma comunidade de fala se caracteriza não pelo fato de se constituir por pessoas que

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falam do mesmo modo, mas por indivíduos que se relacionam, por meio de redes comunicativas diversas, e que orientam seu comportamento verbal por um mesmo conjunto de regras. (ALKMIM, 2008, p. 31, grifo do autor).

Segundo Guy (2000), a comunidade de fala é a unidade social, que tem duas funções

na teoria sociolinguística. Uma delas é fornecer dados, “explicar a distribuição social de

semelhanças e diferenças linguísticas, a razão por que certos grupos de falantes

compartilham traços linguísticos que os distinguem de outros grupos de falantes” (GUY,

2000, p.18). A outra função seria fornecer “uma justificativa teórica para unir os idioletos de

falantes individuais (que são os únicos objetos linguísticos cuja existência se pode realmente

observar), em objetos maiores, as línguas (que são, na verdade, construções abstratas)”

(GUY, 2000, p.18).

Guy (2000) afirma que, apesar das diferenças encontradas na literatura

sociolinguística, podemos apresentar algumas características à comunidade de fala que são

comuns a todas as definições. São elas, nas palavras do autor:

-características linguísticas compartilhadas; isto é, palavras, sons ou construções gramaticais que são usados na comunidade, mas não o são fora dela. -densidade de comunicação interna relativamente alta; isto é, as pessoas normalmente falam com mais frequência com outras que estão dentro do grupo do que com aquelas que estão fora dele. -normas compartilhadas; isto é, atitudes em comum sobre o uso da língua, normas em comum sobre a direção da variação estilística, avaliações sociais em comum sobre variáveis linguísticas. (GUY, 2000, p.18)

Wardhaugh (2002) trabalha com a noção de que um falante pode pertencer a diversas

comunidades de fala, visto que é um processo identificatório, explicando assim o porquê dela

ser considerada fluida e dinâmica.

Já, segundo Labov (2008 [1972]), para conceituar língua deve-se levar em conta o

contexto social, uma vez que ela tem função comunicativa. Assim, a língua não pode ser

analisada desvinculada do contexto social de uma comunidade de fala. Para Labov (2008

[1972, p.150]):

A comunidade de fala não é definida por nenhuma concordância marcada pelo uso de elementos linguísticos, mas sim pela participação num conjunto de normas compartilhadas; estas normas podem ser observadas em tipos de comportamento avaliativo explícito e pela uniformidade de padrões abstratos de variação que são invariantes no tocante a níveis particulares de uso.

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Relacionando língua e comunidade de fala, Labov (2008 [1972]) postula que há

fronteiras que delimitam o indivíduo a participar de uma comunidade e não de outra. Essas

fronteiras podem ocorrer de forma consciente ou inconsciente. Para Severo (2008, p.7), “o

nível de consciência que o falante tem sobre determinada variável está associado à

classificação dos elementos variantes da língua face à avaliação social a que estão sujeitos”.

No nível consciente, os falantes compartilham atitudes e valores semelhantes em relação à

língua.

Tal classificação engloba os seguintes tipos, conforme Labov (2008 [1972])

apresenta: indicadores, marcadores e estereótipos. Os indicadores são traços linguísticos

encaixados numa matriz social, exibindo diferenciação segundo a idade e o grupo social, mas

sem apresentar nenhum padrão de alternância estilística e parecem ter pouca força avaliativa,

como no caso da variação da pretônica de R[e]cife ou R[i]cife. Quanto aos marcadores, eles

possuem tanto estratificação estilística quanto estratificação social. Apesar de estarem abaixo

do nível da consciência, produzirão respostas regulares em testes de reação subjetiva, como,

por exemplo, o uso das formas de tratamento, tanto pronominal como nominal. Já os

estereótipos são formas socialmente marcadas, rotuladas enfaticamente pela sociedade, como

a síncope das proparoxítonas (ônibus ~ [‘õjbus]).

O uso das formas de tratamento de segunda pessoa, tu, você, cê e o(a) senhor(a),

macho, mulher, rapaz, meu amigo, cara e minha filha, nessa pesquisa, como já foi dito

acima, representa um exemplo de marcador linguístico, já que eles permanecem abaixo do

nível de consciência, correlacionando-se às estratificações sociais e estilísticas e podendo ser

diagnosticados em testes subjetivos. No entanto, o uso dos pronomes, apesar de ser

correlacionado a estratificações sociais e estilísticas, não é marcado pelos falantes.

Um ponto importante de salientar, é que, para os sociolinguistas, a coocorrência

(quando duas formas são usadas ao mesmo tempo) e a concorrência (quando duas formas

concorrem, ou seja, só pode ser usada uma forma) existem nas comunidades de fala. Um

exemplo disso seria se, em caso de maior intimidade e interação, os falantes usassem mais

tu/você e, em casos mais formais, com pouca intimidade, usassem senhor. O primeiro caso

seria de coocorrência e o segundo seria de concorrência. Dessa forma, a Sociolinguística

Variacionista também é chamada de Teoria da Variação.

A Teoria da Variação considera a língua em seu contexto sociocultural. Não só os

fatores linguísticos, mas os fatores sociais são importantes. Também não basta apenas

mostrar a existência ou a importância da variação, é “necessário lidar com os fatos de

variabilidade com precisão suficiente para nos permitir incorporá-los em nossas análises da

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estrutura linguística”. (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006[1968], p.107) Os autores

também enfatizam a necessidade de haver um controle dos fatores, para que haja uma melhor

precisão do fenômeno. Caso contrário, poderá apresentar um resultado duvidoso, impreciso.

Em toda comunidade de fala, haverá fatores linguísticos e sociais que condicionam o

uso da língua. Labov (2008[1968]), em seu estudo realizado na cidade de Nova Iorque,

observa o uso do (r) e investiga quais condicionadores são significativos para a ocorrência do

(r) casual e do (r) enfático.

De acordo com Tarallo (2007, p.8), as variantes linguísticas seriam “as formas

alternativas de dizer ‘a mesma’ coisa em um mesmo contexto, e com o mesmo valor de

verdade”. No caso, cada forma de se usar o r seria uma variante. Já as variáveis seriam o

conjunto dessas variantes.

As variáveis podem ser categorizadas também como: dependentes e independentes. A

variável dependente é o fenômeno que desejamos estudar, no caso a variação das formas de

tratamento tu, você, cê, o(a) senhor(a), macho, mulher, rapaz, meu amigo, minha filha e

cara. Já as variáveis independentes são aquelas que condicionam a variável dependente e se

classificam em variáveis linguísticas ou sociais. O paralelismo formal seria um exemplo de

variável linguística, enquanto o sexo/gênero seria um fator social.

Labov (2008[1968]) aponta que essas variáveis ou grupos de fatores são definidas por

métodos quantitativos que permitem um estudo mais detalhado da mudança linguística, e,

principalmente, que as formas selecionadas não terão o mesmo peso, existirá o favorecimento

de uma perante outra.

Labov propõe duas formas de estudar os fenônomes linguísticos: pela mudança em

tempo aparente e em tempo real. No estudo em tempo aparente, observa-se a fala do grupo

mais jovem, a fim de perceber se esse usa a variante inovadora, o que pode indicar uma

mudança em progresso. O estudo em tempo real é feito através da observação do

comportamento de uma variável em duas épocas distintas.

A proposta de Labov [...] parte do pressuposto de que é possível captar mudanças através da análise distribucional-quantitativa de variáveis em diferentes faixas etárias, análise essa que se convencionou chamar de mudança em tempo aparente. As formas das curvas de distribuição dariam a indicação de uma variação estável ou de uma mudança em curso e, nesse caso, implementação ou perda de um processo. Essa distribuição, no entanto, por faixas etárias, pode ser apenas aparente e não representar mudanças na comunidade, vindo a constituir um padrão característico de gradação etária que se repete a cada geração. (LEITE; CALLOU; MORAES, 2003, p.88)

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Turell (2003) enfatiza que, quando há indícios de mudança linguística, isso não

significa que necessariamente ela ocorrerá. Isso pode, simplesmente, representar uma

característica padrão de uma faixa etária.

A maneira mais simples de estudar a mudança linguística é estudá-la em tempo aparente, baseado na análise da distribuição das variáveislinguísticas em diferentes faixas etárias. Esta distribuição entre os grupos etários não deve ser confundida com o comportamento linguístico regular de idade, que é repetido em cada geração, que tem a ver com diferenças decorrentes de o desenvolvimento da linguagem encontrada em todos os indivíduos. (TURELL, 2003, p.7)25

Tendo em vista o cuidado que se deve ter sobre mudança linguística, Labov (1968)

aponta como solução que o estudo em tempo aparente forneça subsídios para uma observação

mais apurada do fenômeno para um estudo em tempo real, ou seja, observar a comunidade de

fala em duas épocas distintas.

Tendo como base essa distinção entre tempo aparente e tempo real, nosso trabalho se

configura um estudo de tempo aparente, porque observamos se os jovens utilizavam uma

variante diferente da dos mais velhos. Quando isso ocorre, podemos dizer que há indícios de

uma mudança em progresso.

Tendo visto o que já foi dito, estudar a língua falada não é uma tarefa fácil. Ela varia

com uma frequência muito maior que a língua escrita, causando a impressão de que estamos

tentando estudar e sistematizar o caos. Essa impressão não confunde o sociolinguista que

analisa, descreve e sistematiza a língua falada, usada por uma comunidade de fala, que é

heterogênea, mas organizada, e por isso pode ser estudada.

No Brasil, por exemplo, onde existe uma grande extensão territorial, a variação

diatópica é muito presente, pois, com facilidade, notamos que cada localidade possui um

modo de falar e de se expressar diferente de outras localidades. Sobre a alternância do tu e

você, por exemplo, na região Sul, os falantes optam pelo uso do tu, com exceção de Curitiba.

Já no restante do país, encontramos algumas localidades em que há uma alternância entre os

pronomes de segunda pessoa e em outros onde o uso do você é quase categórico, como São

Paulo e Minas Gerais. E, dentro de cada lugar, há falares diferentes, seja por conta da idade,

25 The simplest way to study linguistic change is to study it in apparent time, based on the analysis of the distribution of linguistic variables across different age groups. This distribution across age groups should not be confused with the regular linguistic behaviour of age grading, repeated in every generation, which has to do rather with differences resulting from the language development found in all individuals (TURELL, 2003, p.7). (Tradução nossa)

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do sexo/gênero, da escolaridade entre outros. Assim, a variação faz parte da língua e,

consequentemente, não existe o certo e o errado, apenas uma forma é diferente da outra. O

que, na verdade, existe são falares estigmatizados, que sofrem preconceito.

E essa questão sobre preconceito, torna-se interessante, porque, ao se estudar

variação, não se pode esquecer de que isso envolve a avaliação das variedades linguísticas no

que diz respeito a status e correção. Segundo Paiva e Duarte (2006, p. 134), “em sociedades

com uma sólida tradição literária como a nossa, a língua escrita impera como modelo a partir

do qual se impõe uma jurisdição coercitiva. As diferentes variedades faladas se relacionam

de forma mais ou menos remota com esse modelo”. A avaliação será negativa em casos em

que a relação a esse modelo se distancia, enquanto as mais próximas recebem o status de

norma culta.

Os falares populares são geralmente estigmatizados, porque há pessoas que condenam

a norma popular, acreditando que a língua falada no Brasil é homogênea. Assim, como não

falamos o português padrão e há uma distância entre a norma culta e a norma padrão da

variedade brasileira, desde o início, “enraizou-se, na nossa cultura, uma atitude purista e

normativista que vê erros em toda parte e condena o uso de qualquer fenômeno que não esteja

em concordância com o que dizem os compêndios gramaticais mais conservadores”

(FARACO, 2002, p.43).

No entanto, vale salientar, para concluir, que “as avaliações atribuídas a uma variante

linguística podem se alterar ao longo do tempo” (PAIVA; DUARTE, 2006, p.146) e as

variantes que antes eram estigmatizadas, podem se tornar de prestígio com o processo de

mudança.

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5 NORMA CULTA E NORMA POPULAR

Para discutirmos a distinção entre norma culta e norma popular, é preciso antes disso

explicarmos o que é norma. A discussão sobre norma já é antiga, principalmente por ter sido,

por muito tempo, caracterizada como o uso correto da língua.

Segundo Mattos e Silva (1996), a tradição gramatical normativo-prescritivo nasceu na

Grécia clássica no século XIX com intuito de preservar o “estado de pureza” da língua. É

interessante notar que, apesar de anos, e de surgirem novos estudos sobre o assunto, esse ideal

homogeneizador e segregador ainda permanece como modelo principalmente nas instituições

de ensino brasileiras.

Nas primeiras décadas do século XX, a chamada Linguística Moderna rompe com a

Tradição Gramatical, ao propor “como um dos seus axiomas a prevalência do falado sobre o

escrito, ou seja, qualquer variedade de uma língua passa a ser objeto de estudo, sem que seja

mais importante que outra para a Linguística” (MATTOS E SILVA, 1996, p. 24). Assim há o

rompimento da postura tradicional de que somente a variedade padrão escrita deve ser objeto

da gramática, que, antes era normativa, e, no momento, passa a ser descritiva.

No estruturalismo, o teórico que mais desenvolveu esse conceito foi Eugenio Coseriu.

O autor vai além da langue e parole, de Saussure, e propõe uma tríade formada por sistema,

norma e fala. Vejamos como Coseriu (1986) define sistema (língua):

A língua é, pois, um sistema comprovado de isoglossas em uma comunidade de fala; sistema que pode ser mais amplo ou mais restrito, dependendo do número de pessoas que compõem a comunidade e de acordo com espaço ou tempo. Tal sistema não existe apenas concretamente, ou seja, como sistema de atos linguísticos comuns efetivamente registrados, mas também virtualmente, na consciência de falantes pertencentes a uma comunidade, como memória de atos linguísticos precedentes a uma comunidade, e possibilidade de produzir, segundo seu modelo, novos atos linguísticos mais ou menos "idênticos", ou seja, compreensíveis dentro de uma mesma comunidade. 26

(COSERIU, 1986, p. 12).

Assim, Coseriu (1986) define sistema como modelo abstrato, servindo de código para

toda a comunidade. Ao tratar de linguagem, o autor conceitua os atos linguísticos de um

indivíduo da comunidade de fala, como sendo “qualquer sistema de signos simbólicos 26 La lengua es, pues, un sistema de isoglosas comprobado en una comunidad de hablantes; sistema que puede ser más amplio o más limitado, según el número de individuos de que se compone la comunidad y según el mayor o menor espacio o tiempo considerados. Tal sistema no existe sólo concretamente, es decir, como sistema de actos lingüísticos comunes efectivamente registrados, sino también virtualmente, en la conciencia de los hablantes pertenecientes a una comunidad, como memoria de actos lingüísticos precedentes y posibilidad de producir según su modelo nuevos actos lingüísticos más o menos «idénticos», o sea, comprensibles dentro de la misma comunidad. (Tradução da autora)

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utilizados para intercomunicação social, isto é, qualquer sistema de signos que sirva para

expressar e comunicar ideias e sentimentos, ou seja, conteúdos da consciência” 27

Coseriu, apesar de importante estudioso que pôde conceber a língua enquanto

fenômeno histórico, não indica caminhos metodológicos para a depreensão da norma

(MATTOS E SILVA, 1996, p. 27). Somente com a Sociolinguística é que será desenvolvida

uma teoria e uma metodologia precisa e detalhada para a explicitação da inter-relação entre os

fenômenos de variação e mudança.

(COSERIU,

1986, p. 11). A fala seria o ato concreto e individual, mas condicionado e determinado por

normas que a sociedade impõe. A norma seria, então, uma abstração intermediária entre a fala

(concreto) e o sistema (mais abstrato que a norma).

Nessa área, há a necessidade de conceituar norma, por considerar as diversas situações

sociais no uso da língua. O conceito de certo e errado já não tem mais validade, visto que a

sociolinguística não tem intenção de agregar juízo de valor, e sim mostrar que fatores sociais

são de grande valia para o delineamento da norma da comunidade de fala.

Entendida na teoria laboviana a norma comum a uma comunidade de fala como as avaliações positivas feitas pelos membros dessa comunidade em relação a determináveis variantes de uma variável, esses usos prestigiados e que servirão de modelo são assim fatores fundamentais na configuração da variação e da mudança diacrônica que a Sociolinguística busca descrever e interpretar. (MATTOS E SILVA, 1996, p. 29)

Segundo Mattos e Silva (1996), a norma está no centro de um dos problemas para a

compreensão da variação e mudança, além de conceituar a comunidade de fala laboviana. As

normas comuns estariam num cruzamento entre as variáveis classe social e estilo, visto que as

variantes prestigiadas serão realizadas pela classe alta no estilo mais consciente nos usos dos

falantes.

Com base no que foi dito acima, o conceito de norma, para a Sociolinguística, estará

pautada exatamente nas realizações da fala que são avaliadas positivamente por uma

comunidade. Mattos e Silva (1996) mostra a definição de norma na perspectiva da

Sociolinguística, comparando-a com o conceito de Coseriu:

27 cualquier sistema de signos simbólicos empleados para la intercomunicación social, es decir, cualquier sistema de signos que sirva para expresar y comunicar ideas y sentimientos, o sea, contenidos de la conciencia. (Tradução da autora)

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Deste modo, em vez de definir norma como a definiu Coseriu: sistema de realizações obrigatórias sociais e culturais de uma comunidade, poder-se-á defini-la como: sistema de realizações sociais e culturais avaliadas positivamente por uma comunidade (MATTOS E SILVA, 1996, p. 30).

Apoiando-se nos conceitos adotados pela Sociolinguística, Luccchesi (2002, p. 66)

define norma como “[o] conjunto de valores subjetivos profundamente determinado por

fatores sociais, culturais e ideológicos, que [...] está intimamente relacionado às tendências e

aos padrões de comportamento linguístico que se observa numa comunidade[...]”.

Essa ideia de que norma é um fator de identificação de um grupo, também é adotada

por vários sociolinguistas, como Faraco (2002, p.39), quando afirma que “[a norma] não pode

ser compreendida apenas como um conjunto de formas linguísticas; ela é também (e

principalmente) um agregado de valores socioculturais articulados com aquelas formas”.

Nota-se que a norma não é entendida apenas como um conjunto de formas linguísticas que

são compartilhadas; ela vai além disso, visto que questões sociais, culturais e ideológicas

também são importantes, pois não apenas marcam o falante como também o identificam em

determinada comunidade.

Sobre definição de norma, nem todos os autores distinguem norma culta de norma-

padrão. Faraco (2002), Luchesi (2002), Bagno (2001), dentre outros, adotam essa distinção

que acreditamos ser importante, uma vez que, apesar de próximas, são muito diferentes.

Faraco (2002) distingue norma culta de norma-padrão, de modo geral, a norma padrão

é aquela prescrita pela gramática normativa, enquanto a norma culta é aquela utilizada “por

uma parcela da população que mais direta e intensamente lida com a cultura escrita”

(FARACO, 2002, p.39). O que as diferencia é que a primeira dita como se deve falar e a

segunda é como os falantes realmente falam.

Ao definir norma culta em função dos pressupostos que essa terminologia traz, Faraco

(2002) faz ressalvas:

“O qualitativo “culta”, por exemplo, tomado em sentido absoluto pode sugerir que esta norma se opõe a normas “incultas”, que seriam faladas por grupos desprovidos de cultura. Tal perspectiva está, muitas vezes, presente no universo conceitual e axiológico dos falantes da norma culta, como fica evidenciado pelos julgamentos que costumam fazer dos falantes de outras normas, dizendo que estes “não sabem falar”, “falam mal”, “falam errado”, “são incultos”, “são ignorantes”etc”. (FARACO, 2002, p. 39)

E, assim, por norma culta, o autor entende que é “a norma linguística praticada, em

determinadas situações (aquelas que envolvem certo grau de formalidade), por aqueles grupos

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sociais mais diretamente relacionados com a cultura escrita” (FARACO, 2002, p. 40). Ele

enfatiza que isso ocorre principalmente com aquele grupo que historicamente controla o poder

social, mas deixa claro que a norma culta não é falada apenas por eles.

Aleóg (s/d apud Barros, 1999) tenta diferenciar a norma padrão que chama de norma

explícita 28

Apesar de não tratarmos do falar culto nesta pesquisa, Barros (1999) levanta questões

de extrema importância para o nosso trabalho. Para a autora, o discurso da norma tem como

meta prescrever certas regras que deverão ser seguidas e que ditarão o que é certo ou errado, o

que é bonito e o que é feio. Essa norma está, como diz a autora, em um aparelho de referência.

Segundo Barros (1999, p. 38), “a norma explícita não se diferencia das demais por ‘qualidade’

linguística, mas por elementos sócio-históricos: necessidades de organização política, de

unificação nacional, de domínio de grupos ou de classes.” Intrínseca a isso está a difusão e

imposição dessa norma a todos os falantes, principalmente na escola. O que não é de estranhar

se o aluno diz “Não sei português!”.

da norma culta, considerando três pontos: a existência de um “discurso da

norma”, que procura prescrever regras, ditando o que é certo e errado; a remissão a um

“aparelho de referência”, isto é, “a usuários de autoridade e prestígio em matéria de

linguagem e a academias, gramáticas e dicionários; a difusão e imposição na escola, na

imprensa e na administração pública” (ALEÓG, s/d apud BARROS, 1999, p.37, grifos da

autora).

Ao tratar de norma culta e norma popular, Lucchesi (2002) faz a seguinte

diferenciação:

A NORMA CULTA seria, então, constituída pelos padrões de comportamento linguístico dos cidadãos brasileiros que têm formação escolar, atendimento médico-hospitalar e acesso a todos os espaços da cidadania, e é tributária, enquanto norma linguística, dos modelos transmitidos ao longo dos séculos nos meios da elite colonial e do Império e inspirados na língua da Metrópole portuguesa. A NORMA POPULAR, por sua vez, se define pelos padrões de comportamento linguístico da grande maioria da população alijada de seus direitos elementares e mantida na exclusão e na bastardia social. (LUCCHESI, 2002, p.87, grifos do autor).

Lucchesi mostra que a norma culta é aquela usada pelos que tiveram acesso à

educação, e é a de maior prestígio, enquanto a norma popular, foco de nosso trabalho, é

aquela, usada pela maior parte da população, entretanto, ainda continua sendo estigmatizada.

28 Aleóg (apud BARROS, 1999) adota o termo norma explícita para se referir à norma padrão.

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Bagno (2001) questiona se a norma culta é antônimo de norma popular e, para

responder a isso, ele prefere distingui-la com outros termos. Segundo o autor, essa

terminologia é arraigada de preconceito, visto que a norma culta leva a crer que a norma

popular seria a norma inculta, rude. Para ele, esses termos deveriam ser substituídos por

variedade prestigiada e variedade estigmatizada. Já que a primeira refere-se aqueles que

tiveram acesso à educação e viveram em centros urbanos, enquanto a segunda faz referência

àqueles que participam de grupos sociais desfavorecidos.

Sobre a definição de norma popular, foco do nosso trabalho, encontramos o trabalho

de Bentes (2010), que, em seu artigo sobre o problema do popular na linguagem, mostra que

este termo, muitas vezes, é usado para tratar de algo considerado inferior. Para a autora (2010,

p.209), o termo popular deve ser tratado como uma “forma de apreensão e/ou de

conhecimento por parte de quem se aproxima desse objeto”, ou seja, deve-se ter atenção aos

múltiplos e complexos recursos semióticos que o configuram.

Bentes (2010) informa que há três critérios para a constituição do popular: o das

relações entre grupos e/ou classes sociais, o das relações entre oralidade-escrita e o das

relações entre local e global. Em sua pesquisa, ela resolveu trabalhar apenas com as classes

sociais, enfocando que “uma variedade popular de língua necessariamente deriva de um

processo de elaboração de uma identidade e/ou consciência de classe” (BENTES, 2010,

p.210). Nesse caso, a variedade popular é desenvolvida a partir da consciência dos falantes

e/ou como uma forma de identificação com a comunidade na qual estão inseridos.

Sobre norma culta, Preti (1999) questiona o próprio termo culto, ao estudar a norma

culta urbana na cidade de São Paulo. Vejamos o que o autor diz a este respeito:

Em que poderíamos diferenciar os falantes urbanos cultos dos falantes chamados comuns? Dependendo da situação de interação, pode-se identificar aqueles por apresentarem certas marcas provenientes de sua cultura linguística, em decorrência de seu grau de escolaridade. Não são certamente índices absolutos, específicos, pois, dependendo das circunstâncias (convívio com falantes cultos, por exemplo), podem estar presentes também nos falantes comuns e, com isso, estamos propondo a relatividade da classificação de dialetos sociais e registros. (PRETI, 1999, p. 25, grifos do autor).

Essa indagação de Preti é crucial, pois mostra como é difícil discernir o falante culto

do falante comum, não sendo, muitas vezes, possível fazer esta distinção. Já que vivemos em

comunidade e, assim sendo, nossa interação com os outros é de fundamental importância para

a forma como nos expressamos, não se pode considerar apenas os fatores intrínsecos à pessoa,

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como o sexo/gênero, idade e escolaridade, mas o seu convívio. Desse modo, uma criança que

só tenha contato com adultos não falará do mesmo modo que uma criança que tem muito

contato com outras. Apesar da mesma idade e do mesmo sexo/gênero, dependendo de com

quem a criança conviverá fará com que se comunique de maneiras diferentes. Assim mesmo o

falante comum pode ter características da fala do indivíduo culto, simplesmente porque no seu

trabalho tem contato direto com falantes cultos.

As normas se diferenciam por questões sociais, pois quem teve acesso à educação, ao

ensino superior, também terá acesso à norma de prestígio, enquanto os demais, de modo geral,

ficarão fadados a uma única norma. A gramática, que deveria ser uma descrição da língua

culta brasileira e servir como referência, é uma forma de discriminar e excluir os

socioculturalmente desprestigiados.

Sobre o uso da norma culta na sala de aula, Cyranka e Pernambuco (2008) constataram

a necessidade de trabalhar a oralidade. Do mesmo modo que a comunidade linguística pode

ensinar, de forma inconsciente, padrões linguísticos, a escola também pode fazê-lo. Os

dialetos sociais estigmatizados apresentam um sistema linguístico diferente, mas

estruturalmente apto a oferecer os mesmos recursos expressivos utilizados na norma culta.

Dominando as variedades da língua, o aluno não iria usar apenas uma forma, mas ele poderia

se adequar melhor ao registro e ao estilo da situação comunicativa. “Não estaria, nesse caso,

substituindo competências, isto é, não estaria reprimindo o uso da variedade trazida pelo

aluno de seu ambiente familiar, legitimamente utilizado, por ele respeitado, do qual

frequentemente se orgulha” (CYRANKA; PERNAMBUCO, 2008, p.24).

Um dos problemas de não se tratar de forma clara a variação linguística dentro das

escolas é a falta de conhecimento dos próprios professores sobre como proceder nesta tarefa.

Um fato que corrobora isso é a pesquisa de Pinto e Cyranka (2010), em que as autoras fazem

entrevistas em uma escola pública, em Juiz de Fora (MG), com professores e alunos sobre o

ensino de português e o seu uso. Observaram, por parte dos professores, que a maioria tem

consciência da variação, mas tem insegurança na hora de tratá-la na sala de aula.

Dessa forma, os professores optam por tratar apenas a norma padrão em sala,

distanciando o aluno da língua que ele fala, pois este acredita que o português visto na escola

é como uma língua estrangeira, difícil de aprender. Vale salientar que, além da falta de

preparação do professor em trabalhar com variação linguística, encontramos também o

problema do material didático que apresenta esse assunto de forma superficial. Sem uma

formação adequada, como bem reforçam Cyranka e Pernambuco (2008), o professor fica

preso a uma só norma por não saber como lidar com a variação.

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E esse trabalho é ainda mais dificultado devido à influência da mídia que faz com que

os pais e a própria escola queiram que o aluno “não aprenda o português errado”. Assim, as

instituições de ensino favorecem a inserção deste tipo de preconceito entre os alunos, sem que

o próprio professor, muitas vezes, tenha consciência disso.

Fato que comprovou isso foi o caso do livro didático de português, Uma Vida Melhor,

da Coleção Viver, Aprender, adotado pelo Ministério da Educação (MEC), e a repercussão

negativa que teve ao apresentar informações sobre a variação linguística. Uma das intenções

deste livro seria o combate ao preconceito linguístico, mas o que aconteceu foi justamente o

contrário, como mostram as manchetes encontradas29

Esse preconceito também é reforçado por alguns gramáticos, considerados

especialistas em língua portuguesa, que se apresentam, principalmente, em colunas de jornais,

programas de televisão, em manuais de questões vernáculas. Com o uso da gramática

normativa, ditam o que é certo e o que é errado, desprezando as variações linguísticas e

disseminando a ideia de que não fala corretamente quem não fala obedecendo aos preceitos da

gramática normativa.

: “Livro didático do MEC tem erro de

português”, “Livro usado pelo MEC ensina o aluno a falar errado”. Sua repercussão negativa,

na mídia oral e escrita, faz com que os pais e a própria escola tenham receio desse tipo de

estudo.

Tendo como base o material didático e uma formação adequada do professor sobre

variação, a escola deve ensinar a norma culta, mas não exigindo do aluno que ele substitua a

norma que traz de casa pela adotada na instituição onde estuda. Essa língua não deve ser

substituída, nem julgada como errada. Ratificado por Faraco (2002), Luchesi (2002), Bagno

(2001), Mattos e Silva (1985), dentre outros, Camacho (2011, p.36) afirma que “todas as

línguas e dialetos (variedades de uma língua) são igualmente complexas e eficientes para o

exercício de todas as funções a que se destinam e nenhuma língua ou variedade dialetal é

inerentemente inferior a outra similar sua”. Uma vez que o aluno consiga se comunicar com

sua língua, não há motivos para condená-la. É uma variedade, mesmo que estigmatizada, mas

que funciona.

É dever da escola não condenar a forma como o seu aluno fala, e sim proporcionar

possibilidades de se dizer a mesma “coisa” com linguagens diferentes, para que este possa se

adequar a sua língua a qualquer ambiente. 29 Informações retiradas dos sites: http://blogs.estadao.com.br/jt-cidades/livro-didatico-do-mec-defende-erros-de-portugues/ e http://colunistas.ig.com.br/poderonline/2011/05/12/livro-usado-pelo-mec-ensina-aluno-a-falar-errado/

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“Usar apenas o dialeto padrão nas situações comunicativas que requerem diferentes estilos é tão inadequado [...] quanto usar apenas o vernáculo [...]. Em suma, o papel da escola é oferecer condições para que o aluno desenvolva sua competência comunicativa” (GORSKI; COELHO, 2009, p.83-84, grifo das autoras).

O aluno desenvolvendo sua competência comunicativa estaria ampliando seu

conhecimento sobre a sua língua, adequando-se ao registro nas mais diversas situações

comunicativas. “Desse modo, a escola estaria realizando sua importante tarefa, do ponto de

vista político-social, de promover as camadas marginalizadas, abrindo-lhes o acesso aos bens

simbólicos que a língua veicula” (CYRANKA; PERNAMBUCO, 2008, p. 26).

Assim, para concluir, como numa relação de poder, os mais escolarizados têm acesso

à norma de prestígio, enquanto os demais são estigmatizados por usarem a norma popular.

Dessa forma, nossa “gramática normativa é uma descrição de um estado de língua que não

mais existe, mas que goza do prestígio da correção pela força da instituição escolar”

(FIORIN, 2000, p. 30). O estudo que se baseia na norma popular, como o nosso, vem no

intuito de desmistificar esse mito e mostrar que a norma falada por mais da metade de uma

população tem o seu valor e deve ser respeitada.

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6 METODOLOGIA

6.1 TIPO DE PESQUISA

Esta pesquisa, que recebeu parecer do Comitê de Ética para sua realização, conforme

podemos visualizar no ANEXO A, trata-se de uma descrição sob a perspectiva da

sociolinguística variacionista, que, conforme Calvet (2002, p. 103), “consiste precisamente

em pesquisar correlações entre variantes linguísticas e categorias sociais”, cruzando fatores

linguísticos e sociais e interpretando os dados fornecidos por essas combinações.

Para que tenhamos uma descrição linguística que se aproxime do real, o foco desse

trabalho volta-se para a análise quantitativa. Ela nos fornecerá subsídios, para que possamos

ter uma compreensão melhor do fenômeno analisado na localidade de Fortaleza. Para isso, é

importante contar com uma amostra significativa, como salienta Guy e Zilles (2007).

Para desvelar tanto a estrutura linguística quanto a estrutura social, devemos, necessariamente, coletar grande quantidade de dados de muitos indivíduos; consequentemente, devemos enfrentar problemas ligados a controle de qualidade e confiabilidade, a manuseio e apresentação de dados, e a interpretação e inferência. Logo, parece justo dizer que toda pesquisa dialetal, seja ela geográfica ou social, é inerentemente quantitativa. (GUY; ZILLES, 2007, p.19).

No entanto, é importante enfatizar que o objetivo final de qualquer estudo quantitativo

em pesquisa sociolinguística não é produzir números (por exemplo, medidas estatísticas para

resumir os dados), mas identificar e explicar fenômenos linguísticos, segundo GUY e ZILLES

(2007, p. 31). Esses números servirão para que a pesquisa não tenha resultados enviesados

devido à escassez de dados.

6.2 O CORPUS E A AMOSTRA

Utilizamos os inquéritos do projeto Norma Oral do Português Popular de Fortaleza

(doravante, NORPOFOR) que, conforme Araújo (2011), foi desenvolvido com o objetivo de

documentar e fornecer dados de língua falada em distintas situações de fala para estudo da

variedade popular do português falado em Fortaleza.

De acordo com Araújo (2011), o perfil de cada informante do NORPOFOR apresenta

as seguintes características: i) são indivíduos nascidos em Fortaleza ou cearenses que vieram

para esta capital com até 5 anos de idade; ii) pouco se afastaram desta capital, mas sempre que

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100

Faixa etária

o fizeram foi por um período nunca superior a dois anos seguidos; iii) possuem residência fixa

em Fortaleza; iv) possuem pais cearenses.

Segundo Araújo (2011), a distribuição dos informantes no corpus foi feita em função

das variáveis sociais controladas no projeto, a saber: sexo (homens e mulheres), faixa etária

(I: 15 a 25 anos, II: 26 a 49 anos e III: a partir dos 50 anos), escolaridade (A: 0 a 4 anos, B: 5

a 8 anos, e C: 9 a 11 anos) e tipo de registro (Diálogo entre Informante e Documentador: DID,

Diálogo entre dois Documentadores: D2 e Elocução Formal: EF), como se vê no quadro 3.

Quadro 3 - Distribuição dos informantes por sexo, idade, tipo de registro e escolaridade

(NORPOFOR)

Gênero

Masculino Feminino

Registro DID D2 EF DID D2 EF Escolaridade

A B C A B C A B C A B C A B C A B C

I 5 4 5 4 4 5 2 2 4 4 5 4 2 5 5 0 0 2

II 4 5 5 4 4 4 4 3 4 5 5 5 4 5 5 0 5 4

III 5 6 5 3 3 4 3 2 1 4 5 4 4 5 4 1 1 1

Fonte: Araújo (2011, p. 839)

A utilização dos dados do NORPOFOR justifica-se, nesta pesquisa, pelo fato de: i)

nosso objeto de estudo pertencer à norma popular; ii) apresentar uma distribuição,

relativamente, equilibrada de informantes por célula; iii) constituir-se no banco de dados mais

atual no que diz respeito ao falar popular de Fortaleza; iv) possuir um número de informantes,

ao todo são 157, bastante representativo do falar fortalezense.

Nesta pesquisa, fizemos um recorte no corpus disponível e selecionamos 53

informantes, alojando, em cada célula, três informantes. A única exceção ocorre na célula que

apresenta as seguintes características: gênero feminino (F), de menor faixa etária (I), e de

menor escolaridade (A), por só termos disponíveis 2 informantes nesta célula. Assim, temos

27 informantes do gênero masculino (M) e 26 do gênero feminino (F); 18 informantes nas

duas últimas faixas etárias (II e III) e nos dois últimos níveis de escolaridade (B e C) e 17 na

primeira faixa etária (I), assim como no primeiro nível de escolaridade (A), como podemos

visualizar no quadro 4.

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101

Escolaridade

Faixa etária

Quadro 4 - Distribuição dos informantes por variáveis sociais controladas na nossa amostra

Gênero/sexo

Masculino (M) Feminino (F)

0 a 4 anos

(A)

5 a 8

anos (B)

9 a 11

anos (C)

0 a 4

anos (A)

5 a 8

anos (B)

9 a 11

anos (C)

15 a 25 anos (I) 3 3 3 2 3 3

26 a 49 anos (II) 3 3 3 3 3 3

a partir dos 50 anos (III) 3 3 3 3 3 3

Fonte: Elaboração própria

A exemplo do projeto NURC 30

30 O Projeto da Norma Linguística Urbana Culta (NURC) foi criado, pelo professor Nélson Rossi, em âmbito nacional, em 1969, selecionando as cinco cidades do Brasil com mais de 1 milhão de habitantes. O NURC tinha inicialmente o objetivo de documentar e descrever a norma objetiva do português culto falado em cinco capitais brasileiras: Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife. Seriam 600 informantes (300 do sexo masculino e 300 do sexo feminino) com nível superior de escolaridade, nascidos na cidade sob estudo ou residentes aí desde os cinco anos de idade, filhos de falantes nativos de língua portuguesa, de preferência nascidos na cidade sob pesquisa. (SILVA, 1996, p.85)

(Norma Urbana Culta do Brasil), o NORPOFOR

apresenta três tipos de gravações: o DID (Diálogo entre Informante e Documentador), o D2

(Diálogo entre Dois Informantes) e a EF (Elocução Formal). O DID trata-se de um tipo de

entrevista sociolinguística em que há um nível intermediário de formalidade, pois, em sua

maioria, o documentador e o informante não se conheciam. A EF apresenta o mais alto nível

de formalidade, devido ao grau de planejamento deste tipo de registro e também da

formalidade dos locais onde eram realizados. Já o D2, tipo de entrevista utilizada nessa

pesquisa, pode ser considerada a gravação mais espontânea do NORPOFOR, já que esse é um

tipo de inquérito constituído por dois informantes que necessariamente são amigos ou

parentes. (ARAÚJO, 2011) No D2, os documentadores pouco interferiam na conversa. Em

nossas gravações, há raríssimos casos em que ocorre a interferência do documentador, pois

isso só acontecia quando os informantes ficavam sem assunto para conversar ou quando os

documentadores queriam incentivar os informantes a conversarem. Dos inquéritos que fazem

parte de nossa amostra, a fala do documentador aparece nas gravações: 04, 74 e 94, no início

da conversa, para incentivar os informantes a conversarem e, também, nos inquéritos 15, 37,

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102

49 e 72, quando os informantes ficam sem assunto ou têm dificuldade para iniciar um novo

tema.

Analisando alguns inquéritos do tipo DID (Diálogo entre informante e documentador),

notamos que, de certa forma, os entrevistadores influenciam o uso dos pronomes. Como eles

fazem as perguntas, em geral, quando a idade do entrevistador e entrevistado se aproxima,

eles alternam entre o uso do tu e você (o que poderia ser até objeto de estudo), e quando a

idade do entrevistado é bem superior a dele, utilizam senhor ou senhora, mostrando respeito.

Dessa forma, não cremos ser viável a utilização dos DIDs para os nossos objetivos, posto que

o nosso interesse não é estudar a variação pronominal na fala dos entrevistadores, e sim na

dos informantes. Acreditamos que utilizar material com menor monitoramento, como no caso

do D2, é imprescindível, para que seja possível saber qual pronome e qual forma nominal é

mais utilizada no dia a dia do fortalezense e quais os agentes motivadores deste uso. A

escolha pelo estilo menos controlado do banco de dados Norma Oral do Português Popular de

Fortaleza (NORPOFOR) difere da dos trabalhos já produzidos, como o de Soares (1980)31 e o

de Sales (2004)32

Ainda sobre o D2, Araújo (2011) esclarece que os interlocutores podiam escolher

sobre o quê falar, e, em geral, suas conversas tratavam de assuntos do cotidiano, como

trabalho, família, lazer. A autora também atesta que, ao falar sobre assuntos dessa natureza, “o

informante se envolvia, emocionalmente, com o conteúdo narrado, despreocupando-se com a

forma como falava” (ARAÚJO, 2011, p. 842). Assim, utilizando a estratégia de narrativa de

experiência pessoal, o documentador reduzia a tensão da situação e facilitava o surgimento do

vernáculo, isto é, “o estilo em que se presta o mínimo de atenção ao monitoramento da fala”

(LABOV, 2008 [1972], p.244). Além do(s) assunto(s), o informante escolhia o local, o dia e o

horário da gravação, o que tornava a situação mais natural. Sobre o local de realização do

inquérito, vejamos o que diz Araújo (2011, p.842) a este respeito:

O local da entrevista sempre era determinado pelo entrevistado. No caso dos DIDs e D2s, alguns informantes preferiam realizar a entrevista em seu local de trabalho, já outros escolhiam a escola onde estudavam ou a casa de um amigo ou parente. A grande maioria, no entanto, optou por fazer a gravação na sua própria residência.

31 Soares utiliza entrevistas em que os informantes apresentaram um diálogo de acordo com as gravuras apresentadas. Seu material com conversas ocasionais é muito reduzido, contando apenas com 26 informantes.

32 Sales, como já informado, trabalha com DIDs.

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103

Como a nossa intenção, neste trabalho, é estudarmos a fala dos informantes em

situação de menor monitoramento, para analisarmos o uso das formas de tratamento

pronominais tu/você/cê/senhor e nominais macho, rapaz, mulher, meu amigo, minha filha em

um ambiente o mais próximo do natural e termos uma resposta a mais próxima da realidade

dos falantes fortalezenses, decidimos, por isso, utilizar apenas as entrevistas do tipo D2.

Durante as entrevistas, os documentadores do NORPOFOR utilizaram um gravador

analógico Sony TCM - DV e três gravadores analógicos CSR (Slimline Cassete Recorder with

ATRS WG223 - TR). As gravações foram digitalizadas pela coordenadora do Projeto, a profa.

Aluiza Alves de Araújo, com o auxílio do programa Sound Forge 9.0. No processo de

digitalização, a taxa de amostragem foi de 44 100 Hz.

Consultando as fichas dos informantes do NORPOFOR, que se encontram sob os

cuidados da coordenadora do Projeto, observamos que, para os inquéritos selecionados na

nossa amostra, havia, ao todo, 28 documentadores. Desse cômputo, 02 eram professores

universitários, Aluiza Alves de Araújo (inquéritos: 04, 71 e 72) e Kilpatrick Müller Campelo

(inquéritos: 52, 60 e 74), e 26 cursavam Letras na Universidade Estadual do Ceará. Destes

últimos, 19 eram mulheres (inquéritos: 14, 15, 37, 49, 50, 99, 101, 107, 108, 111, 118, 122,

125, 129, 132, 139, 141, 153, 155, 156, 157 e 160) e 07 eram homens (inquéritos: 35, 37, 93,

94, 106, 114, 152, 154). Todos os inquéritos foram realizados por um documentador,

excetuando-se o de número 37 que teve dois documentadores (um universitário e uma

universitária). Dentre os universitários, poucas gravações foram feitas pelo mesmo

documentador: 93 e 94 (universitário), 108 e 160 (universitária) e 125 e 129 (universitária),

118 e 132 (universitária).

De acordo com Araújo (2011), os documentadores recebiam as mesmas orientações de

como proceder nas gravações dos inquéritos, para garantir que as entrevistas fossem

realizadas com o mesmo padrão de qualidade. A autora assevera que o papel do

documentador era “[...] estimular o(s) informante(s) a falar e controlar os fatores que

pudessem prejudicar a qualidade da gravação (intervenção de terceiros, ruídos externos,

manuseio do gravador e fitas cassete, entre outros)” (ARAÚJO, 2011, p. 841). Além disso,

nos DIDs e D2s, “as perguntas do pesquisador eram formuladas com a intenção de se obter

um largo número de dados da fala do informante, evitando respostas monossilábicas, porque o

objetivo era colher uma amostra bastante próxima de uma conversa natural” (ARAÚJO, 2011,

p. 843).

A consulta às fichas dos informantes também nos permitiu elaborar o quadro 5 com as

seguintes informações: o número do inquérito analisado, o gênero, o bairro/ Secretaria

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Executiva Regional (doravante SER), a atividade exercida, a idade e a escolaridade de cada

informante.

Quadro 5 - Distribuição dos informantes da nossa amostra por número do inquérito /gênero, bairro / Secretaria Executiva Regional (SER), atividade exercida/ idade e escolaridade

Inquérito/Gênero Bairro/SER Atividade exercida/Idade Escolaridade

04/Homem Informante 1-Messejana/VI Bancário/44 anos 9 - 11

04/Mulher Informante 2-

Messejana/VI

Prenda do lar/42 anos 9 - 11

14/Homem Informante 1-

Mondubim/V

Militar/38 anos 9 – 11

14/Homem Informante 2-

Maraponga/V

Oficial de Justiça/35 anos 9 - 11

15/Homem Informante 1- Vila

União/IV

Comerciante/25 anos 9 - 11

35/Homem Informante 1-

Messejana/VI

Mecânico/21 anos 5 - 8

35/Homem Informante 2-

Messejana/VI

Estofador/21 anos 5 - 8

37/Homem Informante 2- Parque São

Miguel/VI

Funcionário terceirizado

da Prefeitura de

Fortaleza/24 anos

0 - 4

49/Mulher Informante 1- Henrique

Jorge/III

Costureira/41 anos 9 - 11

49/Mulher Informante 2- Henrique

Jorge/III

Desempregada/40 anos 9 - 11

50/Mulher Informante 1-

Parangaba/IV

Estudante/17 anos 9 - 11

52/Homem Informante 1- Parque São

José/V

Vigilante/34 anos 5 - 8

52/Homem Informante 2- Planalto do

Pici/III

Vigilante/35 anos 0 - 4

60/Mulher Informante 2- Demócrito Prendas do lar/51 anos 5 - 8

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Rocha/IV

71/Homem Informante 1- Antonio

Bezerra/III

Funcionário Público/51

anos

9 - 11

71/Homem Informante 2- Antonio

Bezerra/III

Funcionário Público/53

anos

9 - 11

72/Homem Informante 1- Jockey

Clube/III

Serviços gerais/22 anos 9 - 11

72/Homem Informante 2- Jockey

Clube/III

Tatuador/23 anos 9 - 11

74/Mulher Informante 1-Jockey

Clube/III

Voluntária em uma creche

escola/23 anos

5 - 8

74/Mulher Informante 2- João

XXIII/III

Estudante/18 anos 5 - 8

93/Mulher Informante 1- Álvaro

Weyne/I

Aposentada/59 anos 0 - 4

93/Mulher Informante 2- Álvaro

Weyne/I

Lavadeira/63 anos 0 - 4

94/Homem Informante 1- Barra do

Ceará/I

Pedreiro/34 anos 0 - 4

94/Homem Informante 2- Barra do

Ceará/I

Pedreiro/31 anos 0 - 4

99/Mulher Informante 1- Tancredo

Neves/VI

Dona de casa/42 anos 5 - 8

99/Mulher Informante 2- Varjota/II Doméstica/28 anos 5 - 8

101/Mulher Informante 1-

Bonsucesso/III

Prendas do lar/29 anos 5 – 8

106/Homem Informante 2-

Messejana/VI

Aposentado/76 anos 0 - 4

107/Mulher Informante 1- Henrique

Jorge/III

Dona de casa/78 anos 5 - 8

108/Homem Informante 1- Quintino

Cunha/III

Serviços gerais/46 anos 5 - 8

111/Homem Informante 1- Carlito Comerciante/58 anos 9 - 11

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Pamplona/I

114/Mulher Informante 1- Serrinha/IV Estudante/20 anos 5 - 8

114/Mulher Informante 2- Serrinha/IV Prenda do lar/38 anos 0 - 4

118/Mulher Informante 1- Monte

Castelo/I

Estudante/17 anos 0 - 4

122/Mulher Informante 1- Henrique

Jorge/III

Estudante/16 anos 9 - 11

122/Mulher Informante 2- Fátima/IV Estudante/16 anos 9 - 11

125/Mulher Informante 2- Bela

Vista/III

Doméstica/42 anos 0 - 4

129/Mulher Informante 1-

Parquelândia/III

Aposentada/60 anos 9 – 11

129/Mulher Informante 2-

Parquelândia/III

Merendeira escolar/49

anos

0 - 4

132/Homem Informante 1- Otávio

Bonfim (Farias Brito)/I

Operário/52 anos 0 - 4

132/Homem Informante 2- Farias Brito/I Pintor Aposentado/ 60

anos

5 - 8

139/Mulher Informante 2- Alto

Alegre/V

Doméstica/19 anos 0 - 4

141/Homem Informante 1- Parque Santa

Rosa/V

Estudante/15 anos 5 - 8

152/Mulher Informante 1- Antônio

Bezerra/III

Prendas do lar/55 anos 5 - 8

152/Homem Informante 2- Antônio

Bezerra/III

Comerciante/51 anos 0 - 4

153/Homem Informante 1- Parque São

José/V

Balconista/24 anos 0 - 4

153/Homem Informante 2- Bom

Jardim/V

Balconista/18 anos 0 - 4

154/Homem Informante 2- José

Walter/V

Aposentado/53 anos 5 - 8

155/Homem Informante 1- Álvaro Motorista/55 anos 5 - 8

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Weyne/I

156/Mulher Informante 2 - Praia do

Futuro/II

Bordadeira/62 anos 0 - 4

157/Mulher Informante 1- Álvaro

Weyne/I

Cozinheira/51 anos 9 - 11

157/Mulher Informante 2- Praia de

Iracema/II

Gerente administrativa/52

anos

9 - 11

160/Homem Informante 1- Quintino

Cunha/III

Auxiliar de serviços

gerais/ 46 anos

5 - 8

Fonte: Elaboração própria

O quadro 3 mostra que as profissões/atividades de nossos informantes variam muito,

pois encontramos estudantes (7), donas de casa (7), aposentados (4), comerciantes (3),

domésticas (3), balconistas (2), funcionários públicos (2), pedreiros (2) serviços gerais (2),

vigilantes (2), auxiliar de serviços gerais (1), bancário (1), bordadeira (1), costureira (1),

cozinheira (1), desempregada (1), estofador (1), funcionário terceirizado da Prefeitura de

Fortaleza (1), gerente administrativo (1), lavadeira (1), mecânico (1), merendeira escolar (1),

militar (1), motorista (1), oficial de justiça (1), operário (1), pintor aposentado (1), tatuador

(1), voluntária em uma creche escola (1).

Quanto à situação socioeconômica dos informantes do NORPOFOR, vejamos o que

diz Araújo (2011, p. 839): “Considera-se que os informantes apresentam baixo nível

socioeconômico, tomando-se a sua profissão, a do cônjuge e a dos seus pais, o local de

moradia e a quantidade de filhos, como indicadores da classe social”.

Sobre o local de residência dos informantes, Araújo (2011, p. 839) afirma que, no

NORPOFOR, “os informantes são provenientes de 69 bairros, distribuídos entre as seis

regionais que compõem o município de Fortaleza, possibilitando, assim, uma representação

geográfica de toda a área da cidade” (Para visualizar onde se localiza Fortaleza no Ceará, ver

ANEXO C).

Fortaleza, atualmente, possui 114 bairros e seis "Secretarias Executivas Regionais33

33 Quanto à divisão administrativa de Fortaleza, no ano de 1933, o município aparece constituído de 7 distritos: Fortaleza, Alto da Balança, Barro Vermelho, Messejana, Mondubim, Porangaba e Pajuçara. Em 1936, Pajuçara passou a denominar-se Rodolfo Teófilo e, em 1937, Barro Vermelho passou a Antônio Bezerra. Em 1938, foram extintos os distritos de Rodolfo Teófílo, sendo seu território anexado ao distrito de Maracanaú, e o distrito Alto

"

(SER’s), isto é, unidades administrativas diretas da prefeitura, responsáveis pela execução dos

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serviços públicos em cada área (ANEXO B). As SER’s não têm área sobreposta a dos

distritos históricos, que não têm função administrativa, mas as sedes das SER são próximas

aos núcleos dos cinco distritos.

(http://belezadefortaleza.blogspot.com.br/2009/08/subdivisao.html)

Na nossa amostra, com relação à localidade, temos 10 informantes da SER I; 3 da SER

II; 19 da SER III; 6 da SER IV; 8 da SER V; e, por fim, 7 da SER VI. Os dez da SER I são

provenientes dos seguintes bairros: Álvaro Weyne (4), Barra do Ceará (2), Carlito Pamplona

(1), Farias Brito (2) e Monte Castelo (1); já os três da SER II são oriundos da Praia de

Iracema (1), Praia do Futuro (1) e Varjota (1). Os dezenove da SER III são provenientes dos

bairros Antonio Bezerra (4), Bela Vista (1), Bonsucesso (1), Henrique Jorge (4), João XXVIII

(1), Jóckey Clube (3), Parquelândia (2), Planalto do Pici (1) e Quintino Cunha (2). Os seis da

SER IV procedem do Demócrito Rocha (1), Fátima (1), Parangaba (1), Serrinha (2) e Vila

União (1). Os oito da SER V provêm dos bairros Alto Alegre (1), Bom Jardim (1), José

Walter (1), Maraponga (1), Mondubim (1), Parque Santa Rosa (1) e no Parque São José (2).

E, por fim, os sete da SER VI são oriundos dos bairros Messejana (5), Parque São Miguel (1)

e Tancredo Neves (1). Assim, temos informantes de todas as regionais de Fortaleza,

contemplando toda a área geográfica desta capital.

Com base nos dados do Censo Demográfico, realizado em 2000 34

, pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Fortaleza possui 114 bairros, nos quais estão

presentes as evidências das disparidades de renda e suas repercussões no nível educacional,

reflexo do sistema político-econômico dominante. As famílias com renda mais elevadas

concentram-se, nessa época, em sua maioria, na zona leste e sudeste, incluindo o Centro (R$

1.306,06).

São eles: Meireles (R$ 4.288,36), Aldeota (R$ 3.336,30), Praia de Iracema (R$ 1.859,73), Mucuripe (R$ 2.796, 98), Varjota (R$ 2.167,98), Papicu (R$ 2.220,41), Cocó (R$ 3.437,34), Praia do Futuro I (R$ 1.616,46), Joaquim Távora (R$ 1.572,94), Estância (Dionísio Torres) (R$ 3.264,66), Salinas (R$ 2.125,66), Guararapes (R$ 3.537,79), Engenheiro Luciano Cavalcante (R$ 1.469,07), Cidade dos Funcionários (R$ 1.685,57), Parque Manibura (R$ 2.125,68), Cambeba (R$ 1.675,89) e Alagadiço Novo (R$ 1.566,29). Apenas três bairros da zona oeste aparecem com renda alta, Fátima (bairro próximo ao centro) com renda média de R$

da Balança foi anexado ao distrito sede de Fortaleza. Em 1960, o município passa a ser constituído de 5 distritos: Fortaleza, Antônio Bezerra, Messejana, Mondubim e Parangaba, ex-Porangaba. Essa divisão territorial ainda permanece. (IBGE, disponível em: http://cod.ibge.gov.br/1H8)

34 Como as gravações do projeto NORPOFOR foram iniciadas em 2003 e concluídas em 2006, o Censo Demográfico apresentado aqui é o de 2000.

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2.017,22; Benfica (bairro antigo) com 1.417,93; e, Parquelândia (R$ 1.530,53) (MATOS; NETO, 2003, p.7).

Contrapondo-se à zona leste, a zona oeste é onde se concentram as famílias com

rendas mais baixas, que variam entre R$ 269,63 a R$ 373, 87.

São bairros antigos e novos que se misturam, nesse traçado, acompanhando o litoral (Arraial Moura Brasil, Pirambu, Cristo Redentor, Barra do Ceará e Floresta), além de prosseguir no sentido norte-sul (Autran Nunes, Genibau, Granja Portugal, Granja Lisboa, Bom Jardim, Parque São José, Parque Santa Rosa (Apolo XI), Parque Presidente Vargas, Canindezinho e Siqueira); finalmente, mais para o sul, encontram-se: Barroso e Jangurussu, e Curió. (MATOS; NETO, 2003, p.7)

Matos e Neto (2003) afirmam que os indicadores socioespaciais estaduais destacam

Fortaleza como um município privilegiado comparado aos demais, devido à quantidade de

indústrias na capital e grande concentração de comércio atacadista e varejista.

Um ponto importante disso é a divisão da cidade: o lado Oeste seria a zona pobre,

enquanto a zona Leste seria a zona rica. Para Matos e Neto (2003, p.3), “Esta cartografia da

Capital cearense apresenta oposições entre bairros onde moram pessoas de rendas diferentes,

que podem ou não, ter acesso aos serviços e aos equipamentos sociais de boa qualidade”. Há

também bairros pobres na zona leste, como no litoral, Cais do Porto e Vicente Pinzón, e

outros que se localizam em áreas mais abastardas, a sudeste, que são Edson Queiroz e

Sabiaguaba.

Apesar de haver famílias abastardas na zona oeste e famílias de classe baixa na zona

leste, Fortaleza parece se dividir em duas: a zona pobre (oeste) e a zona rica (leste). Matos e

Neto (2003) apontam indícios de que essa divisão tenha ocorrido na década de 70. A zona

leste teve um crescimento devido a investimentos na criação do Shopping Center Um, do

Centro de Convenções e da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Já na década de 80, a

implantação do Parque do Cocó, do Shopping Center Iguatemi e a construção do Centro

Administrativo Virgílio Távora, sede do governo estadual, consolidou ainda mais a ascensão

da área. Ao mesmo tempo em que ocorre isso, a outra área, torna-se desvalorizada. O

comércio se instala na área nobre, ficando apenas pequenos comércios nessa região. A partir

dos anos 90, essa diferença social se acentua.

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Não se trata de diversas cidades, dentro da Cidade de Fortaleza, mas de uma única cidade cheia de contrastes. Os dados revelam uma urbe com uma regularidade em seus bairros: uma unidade na diversidade, um espaço que existe com essa relação de oposições, ou seja, uma espacialidade capitalista que discrimina uns, ao mesmo tempo em que, (sic) privilegia outros. (MATOS; NETO, 2003, p.7)

De acordo com nossos dados, a regional II é aquela com o menor número de

informantes e também é a área onde se concentram as famílias com maior renda. Na zona

oeste, onde estão as regionais I, III, IV e V, encontramos a maior quantidade de informantes e,

de acordo com os dados do IBGE, são as regionais em que se encontram as famílias com

menor renda.

Observa-se uma relação entre escolaridade e renda. Nos bairros onde os chefes de

família possuem maiores níveis de renda também são aqueles em que os chefes de família

possuem o maior nível de escolaridade. O mesmo ocorre com o inverso: em bairros onde o

chefe de família possui as menores rendas, possuem também o menor nível de escolaridade.

No entanto, as autoras chamam atenção para casos como os bairros Edson Queiroz e Vicente

Pinzón, que mostram a heterogeneidade da região, onde moram tanto os menos escolarizados

e com renda baixa, como os mais escolarizados e com renda alta.

Essa heterogeneidade apresentada acima não fica restrita apenas a esses bairros.

Mesmo nos bairros nobres, há pessoas de baixa renda, assim como nos bairros periféricos há

pessoas de renda alta. “Os indicadores mostram a coexistência espacial de ricos e pobres, em

um mesmo bairro. Bairros considerados ricos, que aparentavam uma paisagem mais visível da

riqueza, guardam uma miséria que os dados censitários fizeram emergir” (MATOS; NETO,

2003, p.10). Em outras palavras, mesmo nos bairros considerados nobres, há também uma

população pobre, assim como nos bairros considerados pobres encontramos famílias com

renda alta.

6.3 VARIÁVEIS CONTROLADAS

6.3.1 Variável dependente

A nossa variável dependente é uma variável eneária, a variação pronominal de 2ª

pessoa, e as suas variantes são as formas de tratamento pronominais tu/você/cê/senhor e

nominais macho, rapaz, mulher, cara, meu amigo, minha filho.

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6.3.2 Variáveis independentes

A maioria das variáveis testadas foi escolhida devido à sua presença em vários

trabalhos relacionados ao uso pronominal de tu/você/cê/senhor e que, nestes estudos, foram

selecionadas na análise estatística. Após o contato com os inquéritos, também acrescentamos

as variáveis estrutura do verbo e a posição do pronome em relação ao verbo, por suspeitarmos

que poderiam ter relevância para esta investigação. No entanto, nenhum outro estudo havia

contorlado antes estes dois grupos..

Como nas formas nominais macho, mulher, rapaz, minha filha, cara, meu amigo não

encontramos trabalhos desenvolvidos com essas variantes, não tínhamos parâmetros para a

seleção das variáveis independentes e, por isso, adotamos os mesmos grupos de fatores

controlados para as variantes pronominais, com exceção da função sintática, pois todas

formas nominais estavam na função de vocativo, e do tipo de referente, já que todas as formas

nominais apareceram como referente específico.

6.3.2.1 Variáveis linguísticas

Ao todo, foram elencadas 13 variáveis linguísticas: tipo de referente, estrutura do

verbo, posição em relação ao verbo, paralelismo, efeito gatilho, tipo de verbo, tipo de fala,

tempo verbal, função sintática do pronome, tipo de entonação, tipo de relato, concordância

com o verbo e polaridade da sentença. Abaixo, abordamos estas variáveis mais

detalhadamente, ilustrando cada uma com dados da nossa amostra.

a) Tipo de referente

Alguns trabalhos apontam que esse grupo de fatores tem relevância para o estudo da

alternância entre tu x você, mas não para o pronome senhor, como o de Franceschini (2010) e

Oliveira (2007; 2005). As autoras, no entanto, trabalham apenas com a determinação do

sujeito. No nosso estudo, analisaremos tanto o pronome com referente determinado quanto o

indeterminado. O referente é indeterminado quando ele se refere ao “grupo”, ou seja, é usado

de forma genérica. A seguir, apresentamos os fatores deste grupo:

- Genérico

Inf.1: se você aprende a tratar um peixe... você... aprende a tratar um/ atender um freguês

(Inq. 153)

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- Específico

Inf.2: pra mim né que sou solteiro agora você que já é dono de casa (Inq. 153)

b) Estrutura do verbo

Decidimos observar se a estrutura do verbo também interfere na realização dos

pronomes. Acreditamos que os verbos simples influenciam mais na escolha do pronome tu.

Por isso, analisamos os seguintes fatores:

- Verbo simples

Inf.2: se você sente assim né (Inq. 153)

- Verbo composto

Inf.2: e tu tem viajado pro interior (Inq. 71)

- Locuções verbais

Inf.1: cê tava FORMAdo a ser sargento (Inq. 14)

c) Posição em relação ao verbo

Os pronomes, de modo geral, tendem a ficar antes do verbo. No entanto, observamos

que algumas vezes eles aparecem depois do verbo, ou apenas os verbos são recuperados pelo

contexto. Dessa forma, esperamos que a posição do pronome em relação ao verbo possa nos

indicar se algum pronome é mais recorrente, dependendo de sua posição em relação ao verbo.

Por isso, decidimos controlar essa variável, dividindo-a nos fatores abaixo:

- Verbo recuperado pelo contexto

Inf.1: porque por exemplo eu sou o capitão cê é capitão também eu descubro que você véi da

máfia ai eu fico até revoltado com você porque eu me matéI de estudar pra chegar na função

que eu tou aí você de repente com DINheiro você chegou lá... (Inq. 14)

- Antes do verbo

Inf.2: se você sente assim né (Inq. 153)

Inf. 1 ele disse rapaz olha eu era pequeno eu... eu naquela época inventaram o Kichute

kichute era o mó sucesso do mundo (Inq.04)

- Depois do verbo

Inf.2: tem que ficar de olho em tu (Inq. 153)

Inf. 1 é o que tu quer não mar (Inq. 72)

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d) Paralelismo formal

O paralelismo formal foi apontado por alguns estudos como grupo de fator linguístico

de maior relevância nos estudos variacionistas de alternância pronominal. Dentre eles, temos:

Santos (2012), Martins (2010), Zilli (2009), Oliveira (2007; 2005), Lucca (2005) e Orlandi

(2004). Essa variável consiste em apontar se os pronomes de segunda pessoa tendem a se

repetir durante a fala no mesmo turno. Como esta variável se apresenta muito relevante em

diversos estudos, fizemos o seu controle por meio dos seguintes fatores:

- Com paralelismo- primeiro da série

Inf.2: quando tu tá sozinho... tu::... tu joga?... (Inq. 153)

Inf. 1: aí tem que ser golaço logo dele aí diz que o cara comentarista disse assim... diz que o

o torcedor do Fortaleza passou embriagado aí chegou pra ele o cara diz “rapaz tu assistiu o

jogo?” aí o o torcedor “rapaz assisti quanto é que foi?” “rapaz foi de dois a um pro

Fortaleza” aí o cara que conversa que foi de dois a um pro Forta/ “tá ficando doido macho

dois a um pro Fortaleza de quem foi o gol me diga aí diga aí de quem foi o gol?” (Inq.14)

- Com paralelismo- não primeiro da série

Inf.2: quando tu tá sozinho... tu::... tu joga?... (Inq. 153)

Inf. 1: aí tem que ser golaço logo dele aí diz que o cara comentarista disse assim... diz que o

o torcedor do Fortaleza passou embriagado aí chegou pra ele o cara diz “rapaz tu assistiu o

jogo?” aí o o torcedor “rapaz assisti quanto é que foi?” “rapaz foi de dois a um pro

Fortaleza” aí o cara que conversa que foi de dois a um pro Forta/ “tá ficando doido macho

dois a um pro Fortaleza de quem foi o gol me diga aí diga aí de quem foi o gol?” (Inq.14)

- Forma de tratamento isolada

Inf.1: você que já é dono de casa... (Inq. 153)

e) Efeito gatilho

O efeito gatilho foi considerado relevante nos estudos de Oliveira (2007; 2005) e

também decidimos estudá-lo na nossa amostra. Denominamos de efeito gatilho o fato de o

falante parecer influenciar seu interlocutor. Dessa forma, um informante pronuncia uma forma

de tratamento e, logo em seguida, o outro a usa. Assim, controlamos os fatores abaixo:

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- Tu precedido de tu/Você precedido de você

Inf.1: tu não convida nem a mulher pra ir:: jogar é::...

Inf.2: na::m.. tu é doido é má... boto ela lá pra casa da mãe dela má...

Inf.1: se você aprende a tratar um peixe... você... aprende a tratar um/ atender um freguês...

você aprende a tratar um frango... você aprende a cortar um boi... (Inq. 153)

- Sem efeito gatilho

Inf.1: a senhora começou a falar sobre a dificuldade da da criação do que ela ti::nha no

passado (em termos de) confo::rto ne? de aprendiza::gem como era mais/ ho::je tá muito

mais difícil criar os filhos né o que é que tem a dizer sobre isso? tem de você TER alguma

coisa? deles ter hoje o que tu não tinha ontem?

Inf.2: ah eu vivo sempre dizendo que... os menino daqui são mais presos eu fui criada so::lta

no meio da rua brincando é como tu/ toda liberdade eu hoje eu não dou essa liberdade a ele

pelo motivo de de ... (Inq. 04)

f) Tipo de verbo

Inicialmente, selecionamos todos os verbos em nossos inquéritos, mas o número

encontrado foi muito elevado, quase 200 verbos diferentes, o que impossibilitou que cada um

fosse codificado individualmente, pois não havia códigos suficientes para isso. Em razão

disso, decidimos trabalhar, assim como Loregian-Penkal (2004), com quatro tipos de verbo,

discriminados a seguir:

- Dicendi: relacionados ao dizer. São definidos como verbos que normalmente introduzem o

discurso.

Inf.1: vai fazer coisa... coisa ruim né?.... a gente::... vai fazer coisa boa né?... que vocês diz

né?... (Inq. 153)

- Epistêmico: verbos de atividade mental, como: pensar, saber, compreender, conhecer,

imaginar, entre outros.

Inf.2: aparece coisa ruim que você nem imagina que você tá fazendo... (Inq. 153)

- Estado: verbos que indicam o estado de um ser, como: ser, estar, permanecer, ficar,

continuar, tornar-se.

Inf.2: na::m.. tu é doido é má... boto ela lá pra casa da mãe dela má... (Inq. 153)

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- Ação: verbos que indicam uma ação, como: sair, brincar, beber, dançar...

Inf.1: [então se você faz assim.... (Inq. 153)

-Verbo Ter: por não conseguirmos inserir o verbo Ter em nenhuma dessas categorias,

optamos por analisá-lo isoladamente.

Inf. 1 tu não tinha ontem? (Inq. 04)

g) Tipo de fala

O trabalho de Dias (2007) mostra que esse grupo de fatores foi considerado relevante,

por isso decidimos incorporá-lo ao elenco de variáveis analisadas. Do mesmo modo,

separamos os tipos de fala, mas acrescentamos outros tipos que consideramos relevantes,

conversas sobre relacionamento amoroso; fofoca; recordações e religião. Assim, foram

testados os seguintes fatores:

- Conversas casuais, que englobam todo tipo de conversa, contendo narração, descrição ou

argumentação sobre assuntos de modo geral.

Inf.1: [você tem que fazer um pouquinho de cada...

Inf.2: é:: eu... quando eu tô cansado de jogar sinuca... eu faço o baralho... jogo um

pouquinho de baralho... brincar...

Inf.1: tu gosta mesmo muito é de jogar né?... (Inq. 153)

Inf. 2 meu irmão tu já pensou se um dia eles pedem pra ir praquilo ali? (Inq. 04)

- Conversas relacionadas ao trabalho:

Inf.1: ( ) as coisa que::.. que a pessoa faz na... na vida... tudo vale... tudo vale... o que a

pessoa... tudo que a pessoa aprende na profissão... tudo é bom...

Inf.2: é...

Inf.1: tudo que a pessoa aprende na vai... atrapalhar nada na sua vida... é...

só faz coisa bem a você... coisa boa né?...

Inf.2: é...

Inf.1: se você aprende a tratar um peixe... você... aprende a tratar um/ atender um freguês...

você aprende a tratar um frango... você aprende a corta um boi...

Inf.2: é... (Inq. 153)

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Inf. 1 [...]trabalhava lá de/com máquina... entrava lá dez da noite saia seis da manhã... LÁ O

BArulho era grande VIU? E:: tinha a gente que ficava moco... viu? por causa dos barulho

das MÁquina e é porque num usava abafador... a gente usava... e:: usava máscara também...

e a poeira era grande... AI quando eu sai eu fazia exame de ouvido... ai a doutora disse rapaz

você faz quantos ano que trabalha no barulho? ai eu falaei... rapaz... já to quase onze ano

aqui dentro da ( )... teus ouvido tão só o (mí )... doutora e eu agradeço a Deus por não ter

saído daqui moco... porque muita gente de lá moco... porque o BARULHO é GRAnde... os

motor das máquina [deste tamanho... ( Inq.132)

- Conversas sobre relacionamento amoroso:

Inf.2: você sente pela sua mulher né?... (Inq. 153)

Inf.1 aí depois menino... rapaz quando de re-pen-ti-men-te chegou um loirinha liNda... aí a

loirinha pegou...[ei bichinha... (Inq. 35)

- Fofoca: denominamos de fofoca toda conversa casual que trata desde relacionamento

amoroso a trabalho, mas que os falantes não estão envolvidos, eles estão falando de terceiros

que não participam do discurso.

Inf.1: tu viu...o ... o menino mandou sequestrar o filho da A.... (Inq. 49)

Inf2 Ficou com um menino la.. mulher...e...babado quentissimo:: pelo amor de Deus

((risos))ela ficou com um menino lá diz que ele era lin::do (Inq. 122)

- Recordações: lembranças do lugar onde viveu, da infância e adolescência.

Inf.2: aonde naquele tempo você num tinha... pronto (Inq. 74)

Inf.1: ela é muito boa pra você (Inq. 60)

Inf.2: É:: senhor W. é o seguinte e::u... saí de casa muito novo... (Inq. 132)

Inf1 Ainda mulher Deus me livre desde daquele tempo (Inq. 122)

- Religião: em alguns casos, os interlocutores conversam sobre o tema religião e, como era

frequente, optamos por tratá-lo como um tipo de conversa.

Inf.1: como é que você concilia né tá dando pra conciliar a comuniDA de família né? (Inq.

152)

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Inf. 2 minha filha... a palavra de Deus tem que tá sempre aberta (Inq. 49)

- Observações irônicas/brincadeira

Inf.2: é::...

Inf.1: se eu tou dizendo que a mulher não presta... é porque não presta...

Inf.2: se você sente assim né... tem que:: fazer o que...((ri levemente))... você bem... é (trazer

em sua mente o que)...

Inf.1: presta não má... apoia muita coisa ruim ela...

Inf.2: é...

Inf.1: apoia muita coisa ruim... os meninos véi lá faz... putaria é vem passar a mão na

cabeça... (Inq. 153)

Inf2 Foi não vamos fazer uma vaquinha para que o colégio que estava falindo ((risos)) mas é

história mulher tu é doida é ? ((risos)) mais o engraçado é que todo ano inventa essas

histórias né é incrível (Inq. 122)

- Repreensão

Inf.1: não... não quando eu tô sozinho em casa...sozinho em casa mesmo [(eu gosto de ouvir é

o som)...

Inf.2: [tu não convida nem a mulher pra i:: joga é::...

Inf.1: na::m.. tu é doido é má... boto ela lá pra casa da mãe dela má...

Inf.2: não má... faz isso não má... é tua esposa má... vai fazer pra que [isso?

Inf.1: [se ela que/ se ela que ir... e eu não quero ir... e aí? (Inq. 153)

Inf.1 que conversa é essa rapaz ?eu quando era pequeno eu apanhava de cinto...tu nunca

apanhou não? (Inq.04)

h) Tempo verbal

No trabalho de Almeida e Assunção (2008), o tempo verbal foi considerado relevante,

sendo o modo indicativo o favorecedor do uso do tu. Já no estudo de Orlandi (2004) não só o

modo, mas o tempo verbal favoreceu o pronome tu, no caso o presente do indicativo. Assim

como Orlandi (2004), analisamos esta variável que, em nosso trabalho, apresentou os

seguintes fatores:

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- Presente do indicativo

Inf.1: você aprende a corta um boi (Inq. 153)

- Pretérito perfeito do indicativo

Inf.2: mas é porque tu não parou ainda assim pra... pra ouvir NE (Inq. 153)

- Pretérito imperfeito do indicativo

Inf.2: mas quando tu era solteiro... tu:: tinha assi::m...muita... liberdade?... (Inq. 153)

- Presente do subjuntivo

Inf.2: ... vem dizer que tu não olha pros mu/ pros homem que passa não?... (Inq. 153)

- Pretérito imperfeito do subjuntivo

Inf.1: mas se você tiver o controle dela... não deixa não... (Inq. 153)

- Futuro do subjuntivo

Inf.1: quando tu quiser uma coisa (Inq. 153)

- Infinitivo pessoal

Inf.1: vou te dar tanto pra tu ir lá pra mãe... pra aguentar ela... (Inq. 153)

i) Função sintática do pronome

Esta variável foi considerada relevante nos estudos de Andrade (2010), Mota (2008) e

Modesto (2006). Em nossos dados, encontramos seis funções para este grupo e inserimos

mais dois fatores: a frase sem verbo e quando é impossível de informar qual sua função

sintática. A seguir, apresentamos cada um dos fatores testados.

- Função sujeito

Inf.1: você aprende a cortar um boi

Inf.2: tu não convida nem a mulher pra i:: joga é::... (Inq. 153)

- Função objeto indireto

Inf.2: ela te dá assim...vou te da tanto pra tu ir lá pra mãe... pra aguentar ela...

Inf.2: eu não sei nada... de você aí não mas... sei quase nada não ma::s...

Inf.1: aí tem que ficar de olho em tu né?... (Inq. 153)

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- Função objeto direto

Inf.1: que eu boto você lá dentro... (Inq. 14)

- Vocativo

Inf.2: ::E a senhora inda fala nesse negócio? (Inq. 04)

- Predicativo do sujeito

Inf.2: quem é que a senhora (Inq. 125)

-Complemento nominal

Inf.1: a perseverança de você querer que esse copo esteja bem aqui assim... (Inq. 72)

- Frase sem verbo

Inf.1: e tu... M.? (Inq. 93)

- Impossível identificar

Inf.2: é como tu/ toda liberdade eu hoje eu não dou essa liberdade (Inq. 04)

j) Tipo de entonação

No estudo de Dias (2007), assim como no trabalho de Assunção e Almeida (2008), foi

apontado como grupo de fator de relevância o tipo de estrutura da frase, se afirmativa,

exclamativa ou interrogativa. Já Andrade (2010) optou por estudar o tipo de entonação, se

interrogativa ou não interrogativa. Segundo a autora, o motivo se deu por, muitas vezes, não

conseguir distinguir a exclamativa da declarativa. O mesmo ocorreu em nossa amostra, sendo

difícil detectar essa diferença. Dessa forma, decidimos, assim como Andrade (2010), analisar

os fatores abaixo:

- Não interrogativa (declarativa/exclamativa)

Inf.1: estou terminado de pagar ainda... falta vinte prestação ainda... pra tu ver...[ (Inq. 153)

- Interrogativa

Inf.2: então pode dizer que tu não é santinho não né?... (Inq. 153)

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k) Tipo de relato

Em alguns estudos, o tipo de relato aparece como relevante, como mostra Lucca (2005).

Por isso, decidiu-se analisar os fatores a seguir:

- Relatos da própria pessoa (relato original)

Inf.2: é:: as vezes... jogo de bola... jogo de bola...

Inf.1: o que pode fazer é deixar você liso...

Inf.2: é::...

Inf.1: mas se você tiver o controle dela... não deixa não...

Inf.2: o jogo mais perigoso é:: é é jogar bola né? porque a gente... pode... qualquer hora...

(Inq. 153)

Inf. 1 é o que o álcool fez contigo máh (Inq. 72)

- Relatos retomados pelo interlocutor (relato reportado)

Inf.1: um já passeio com ela má... vou pra casa da mãe dela... só pra aguentar aquela mãe

dela [ela...

Inf.2: [então se você faz assim....

Inf.1: ela quer é me pagar macho... ela te dá assim...vou te da tanto pra tu ir lá pra mãe... pra

aguentar ela...

Inf.2: assim é demais má.... (Inq. 153)

Inf. 1 é como o Lula/ o Lula pegou e disse rapaz eu vou acabar com esses bingão e eu com

certeza dou razão a ele... (Inq. 94)

l) Polaridade da sentença

Assim como Lima-Hernandes e Barroso (2007), adotamos o termo polaridade que

designa um campo de tensão gradual que se move entre dois pontos de configuração da

informação sentencial: polaridade negativa e positiva. Esse termo já foi adotado por vários

pesquisadores como Seixa e Alkmim (2012), Souza et al (2008), Lima-Hernandes e Casseb-

Galvão (2006) que procuraram estudar a polaridade negativa. Nos trabalhos dos pronomes de

segunda pessoa, encontramos o de Andrade (2010) que controlou a polaridade da sentença por

meio dos fatores: afirmativa versus negativa. Com base nisso, consideramos necessário

testarmos os seguintes fatores:

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- Sentença afirmativa

Inf. 1 a senhora começou a falar sobre a dificuldade da da criação do que ela ti::nha (Inq.

04)

- Sentença negativa

Inf. 1 tu não tinha ontem? (Inq. 04)

6.3.2.2 Variáveis extralinguísticas

Dentre os grupos de fatores extralinguísticos, estudaremos 5 variáveis, a saber: a faixa

etária, a escolaridade, o gênero/sexo, o grau de intimidade entre os informantes e o tipo de

relação entre os interlocutores. Para cada uma, teceremos a seguir algumas considerações

pertinentes.

a) Faixa etária

A faixa etária é apontada pelos estudos variacionistas como um grupo de fator

importante, uma vez que pode dar indícios de uma mudança linguística em progresso. No

estudo realizado em três lojas de departamento de Nova Iorque, Labov (2008 [1972]) observa

que os jovens preferem as marcas de prestígio. “Enquanto os de menos de 40 anos mostram

um padrão bastante confuso em sua reação subjetiva a (r), os que têm entre 18 e 39 anos

mostram uma completa unanimidade em sua avaliação positiva deste traço de prestígio”

(LABOV, 2008 [1972], p. 164 -165).

Araújo (2007), em seu artigo sobre a variável faixa etária nos trabalhos

sociolinguísticos, chegou à conclusão de que, quando a variável é um fenômeno em uma

possível mudança em curso, ela é mais recorrente na fala dos jovens do que na fala dos

idosos; já quando se trata de uma variável estável, os mais jovens e os mais velhos apresentam

frequências mais altas da variante inovadora e os medianos (devido às pressões de mercado,

etc.) apresentam uma frequência significativamente mais baixa.

Quanto aos estudos sobre as formas de tratamento, como foi apontado na pesquisa de

Franceschini (2011), o pronome tu está mais presente na fala dos mais velhos, enquanto o

pronome você apresenta uma maior probabilidade de uso na faixa etária mais jovem. Dos

trabalhos já realizados, foi revelado que, nos estudos de Alves (2010), Oliveira (2007; 2005),

Assunção e Almeida (2008) e Dias (2007), a faixa etária foi a variável extralinguística de

maior relevância.

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No Centro-Oeste, como vemos em Dias (2007), os jovens usam mais o tu, enquanto os

mais velhos usam mais o você. No Sul, o trabalho de Loregian-Penkal (2004) revela que os

jovens são os que mais utilizam o pronome tu. No Nordeste, os estudos de Alves (2010) e

Oliveira (2007; 2005) mostram que os jovens favorecem o uso do tu. Daí a necessidade de

controlarmos na nossa amostra os seguintes fatores:

- Faixa etária I (15 a 25 anos)

- Faixa etária II (26 a 49 anos)

- Faixa etária III (a partir de 50)

b) Escolaridade

Um grupo de fator de grande relevância para os estudos variacionistas é a

escolaridade, uma vez que estudos apontam que esta variável influencia nas escolhas

linguísticas dos falantes. Os que têm mais tempo na escola, normalmente, estão em contato

mais fortemente com as formas de prestígio, enquanto os que não vão à escola, às vezes nem

tiveram esse contato. De modo geral, está associada à questão da forma estigmatizada, ou

seja, os falantes com menos escolaridade tendem a utilizar a forma que possui menos

prestígio.

Segundo Votre (2010), há uma oposição entre as formas de expressão das pessoas

consideradas na escala socioeconômica com os falares de pessoas que não possuem prestígio

social nem econômico. As pessoas que são prestigiadas, com escolaridade mais elevada e que

estão inseridas em uma classe social mais alta, tornam-se modelo e referência do bem falar e

escrever. Em oposição a esses falantes, os de classe baixa, com pouca escolaridade, sofrem

preconceitos, com falares que são estigmatizados.

Quanto às pesquisas sobre a alternância dos pronomes de 2ª pessoa, a escolaridade é

um grupo de fator considerado importante, aparecendo selecionado pelo Varbrul em muitos

trabalhos, além de ser considerado o mais relevante de todos, como ocorre nos estudos de

Santos (2012), Franceschini (2011), Zilli (2009), Modesto (2006), Loregian-Penkal (2004),

Orlandi (2004) e Packer (1990).

Em nosso estudo, trabalhamos apenas com a norma popular, uma vez que o projeto

NORPOFOR não teve intenção de estudar a norma culta de Fortaleza. Assim, analisamos os

três níveis de escolaridade controlados neste projeto, que são os seguintes:

- nenhum a 4 anos

- 5 a 8 anos

- 9 a 11 anos

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c) Gênero/sexo

É importante destacar a discussão que paira sobre os termos gênero e sexo. Isso se

deve ao fato de, por muito tempo, terem sidos tratados como sinônimos. Enquanto o sexo é

atribuído por uma questão biológica, o gênero é atribuído pelo seu papel social, o que o torna

mais viável para o estudo. Dessa forma, trataremos esta variável como gênero/sexo em virtude

do nosso banco de dados ter dado preferência ao sexo biológico, quando se fazia o contato

com o informante.

Sobre as diferenças na fala de homens e mulheres, Paiva (2010, p. 35) afirma que as

diferenças linguísticas entre homens e mulheres “refletem mais do que diferenças biológicas,

diferenças no processo de socialização e nos papéis que cada comunidade atribui a homens e

mulheres”. Por sua vez, Labov (2008[1972]) assevera que as mulheres optam pela variante de

prestígio. O autor atesta que, em fala monitorada, elas usam as formas consideradas

estigmatizadas menos que os homens e optam também pela forma de prestígio. Além de usar

a variante prestigiada, segundo o autor, na fala casual, as mulheres tendem a usar a variante

inovadora e tendem a se corrigir mais que os homens nos contextos formais.

Assim, pode-se dizer que homens e mulheres, mesmo vivendo na mesma comunidade

de fala, procuram meios diferentes para se comunicar. A escolha pela norma padrão, pelas

mulheres, deve-se a vários fatores, dentre eles, estudiosos acreditam que sejam devido às

pressões sociais. Consideradas como “sexo frágil”, é necessário quebrar preconceitos para

serem aceitas e isso reflete nas escolhas linguísticas.

Ainda sobre as diferenças na fala entre homens e mulheres, Peña e Castillo (1998)

mostram que isso acontece há muito tempo, devido à desvalorização da mulher no decorrer

dos anos. Os autores entendem que as mulheres constituiriam um grupo minoritário, de menor

status. Por isso, o uso da língua poderia ser uma arma, para que elas não se sentissem

inferiores ao homem.

Na oposição masculino-feminino, os dois elementos não se encontram no mesmo nível. Enquanto o termo homem não possuía nenhuma marca negativa, na palavra mulher se encontram muitas conotações desse tipo. O resultado disso foi que, ao longo do tempo, as mulheres adquiriram consciência de si mesmas como um grupo, mais especificamente como um grupo minoritário. Estudos recentes em psicologia social indicam que as pessoas podem adquirir identidade social, como resultado de sua participação em vários grupos, mas somente adquirem sentido como tal, quando se comparam com outros grupos.Esta comparação mostra que há grupos com status mais elevado do que os outros, geralmente os grupos no poder e tem uma grande autoestima, e os grupos de menor status, subordinados e com baixa autoestima. Neste último grupo poderia pôr a mulher, visto que é amplamente reconhecido que ela tem um status inferior em relação aos homens em sociedade. E precisamente este reconhecimento das mulheres como uma minoria e sua busca para mudar isso, não só no local de trabalho, de educação e nível social, como também no aspecto

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linguístico, melhor identificam a mulher como um grupo 35

. (PEÑA; CASTILLHO, 1998, p.38)

Baseados nisso, podemos dizer que a luta por igualdade faz com que as mulheres,

inconscientemente, optem por uma língua mais conservadora. Ao se tratar do uso de

pronomes de segunda pessoa, deveríamos, então, esperar, neste caso, que a mulher preferisse

o pronome neutro, você.

É válido dizer que a preocupação linguística não ocorre apenas na fala mais

monitorada, mas também no estilo menos monitorado a mulher tende a se preocupar com o

uso da variável de maior prestígio. Tanto que, nos trabalhos sociolinguísticos, o grupo de

fatores sexo/ gênero quase sempre é apontado como relevante para a ocorrência da variação.

Ao tratarem dos pronomes tu e você, Santos (2012), Franceschini (2011), Andrade (2010),

Paredes (2008), Dias (2007), Lucca (2005) e Lorengian-Penkal (2004) apresentaram esta

variável como importante em suas pesquisas.

As pesquisas sociolinguísticas revelam que, em casos de variação estável, os homens

utilizam mais frequentemente as formas não padrão do que as mulheres. No entanto, nos

casos em que há indícios de mudança linguística, as mulheres usam as formas inovadoras com

mais frequência do que os homens (LABOV, 1990).

Para Labov (2008[1972], p.348), “a generalização correta não é a de que as mulheres

lideram a mudança linguística, mas sim que a diferenciação sexual da fala frequentemente

desempenha um papel importante no mecanismo da evolução linguística”. Esse papel de cada

gênero faria parte dos padrões de interação social, que operam sobre um conjunto sutil de

valores sociais convencionais. Não seria “somente um produto de fatores físicos, ou de

diferentes quantidades de informação referencial fornecida por eles, mas, sim, uma postura

expressiva que é socialmente mais apropriada para um sexo do que para outro.”

35 En la oposición hombre-mujer, los dos elementos no se encontraban en el mismo nivel. Mientras el término hombre no poseía ninguna marca negativa, en la palabra mujer se encontraban muchas connotaciones de este tipo. Esto provocó que, con el paso del tiempo, las mujeres adquirieran conciencia de ellas mismas como grupo, más específicamente como grupo minoritario. Estudios recientes en psicología social indican que las personas pueden adquirir identidad social como resultado de su pertenencia a varios grupos, pero solamente adquieren sentido como tal cuando se comparan con otros grupos. De esta comparación se desprende que existen grupos con mayor estatus que otros, generalmente los grupos que ostentan el poder y poseen una alta autoestima, y grupos con un menor estatus, subordinados y con baja autoestima. En este último grupo podría ubicarse la mujer, pues es ampliamente reconocido que ella posee un estatus inferior respecto al hombre en la sociedad. Y justamente este reconocimiento de la mujer como minoría y su búsqueda por cambiar este hecho, no sólo en el ámbito laboral, educativo y social, sino también en el aspecto lingüístico, identifican mejor a La mujer como grupo. (tradução minha)

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Quando se trata dos trabalhos já realizados sobre a alternância dos pronomes de

segunda pessoa no Brasil, Scherre e Yacovenco (2011) realizaram uma síntese desses estudos,

mostrando a distribuição destes pronomes, por região brasileira, em função do comportamento

de cada gênero e do que isso representa do ponto de vista sociolinguístico. Vejamos as

palavras das autoras a este respeito:

Associamos o uso mais frequente de TU por parte das mulheres (caso das localidades das regiões Sul, Nordeste e Norte), quando esse pronome for um traço mais geral ou de fácil registro e marcar a identidade geográfi ca dos falantes. Por outro lado, associamos o uso menos frequente de TU por parte das mulheres (caso das regiões Sudeste e Centro-Oeste), quando esse pronome for um traço menos geral ou de difícil registro e não marcar a identidade geográfica dos falantes, mas, sim, essencialmente, interação solidária ou de maior proximidade entre os falantes (logo, os homens estão à frente, quando esse pronome for um traço mais específico, marcando relações solidárias entre grupos mais coesos). (SCHERRE; YACOVENCO, 2011, p. 135)

A realização dos pronomes na fala das mulheres não ocorre de forma homogênea no

Brasil. Enquanto em algumas localidades, há o predomínio do tu, em outras há o predomínio

do você. Como Scherre e Yaconvenco (2011) bem enfatizam, o uso do tu pode ocorrer pelo

traço mais genérico ou marcar a identidade geográfica. Observa-se que as duas formas são

aceitas, mas, dependendo da localidade, a própria população adotará uma como a de prestígio

ou marca identitária. E isso se dará, preferencialmente, através da fala da mulher.

Assim, considerando as informações apresentadas aqui, decidimos analisar o

comportamento desta variável em nossa amostra, controlando os fatores:

- Masculino

- Feminino

d) Grau de intimidade entre os informantes

Nos trabalhos realizados sobre a alternância dos pronomes, um grupo de fatores

recorrente nesses estudos é o grau de intimidade entre os informantes. Alguns estudos, como

o de Martins (2010), Soares (1980) e Sette (1980), apontam que, quando há a alternância, o

grau de intimidade indica qual pronome será usado. Os resultados apontam que, quanto maior

a informalidade, maior o emprego do pronome tu e quanto menor a formalidade, maior o uso

do pronome você.

Para determinarmos o grau de intimidade entre os interlocutores da nossa amostra,

examinamos a ficha pessoal dos informantes. Após isso, fizemos a audição do inquérito e

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observamos a conversação entre os participantes e a quantidade de troca de turnos entre eles

para sabermos se o grau de intimidade entre os falantes era alto ou baixo. Daí estipulamos os

seguintes fatores:

- Alto grau de intimidade: caracteriza as conversas em que havia um alto índice de troca de

turno entre os informantes e eles falavam quase na mesma proporção.

- Baixo grau de intimidade: conversas impessoais que tratavam do passado ou apenas do

trabalho dos informantes, com textos longos e com pouca troca de turno 36

entre os

interlocutores.

e) Grau de simetria entre os interlocutores: simetria e assimetria

Outra variável presente nos estudos das formas de tratamento é o tipo de relação entre

os interlocutores. Brown e Gilman (1960) explicam que as relações simétricas ocorrem

quando existe uma relação hierárquica de poder nas relações - superior/inferior, seja pela

idade, seja por função no ramo profissional ou simétrica, quando os falantes se encontram

numa relação de igualdade de papéis sociais.

Trabalhos como o de Dias (2007) apontam que, quando a relação é de simetria, utiliza-

se o pronome de maior intimidade e, quando a relação é de assimetria, emprega-se a forma de

menor intimidade. Trabalhos como o de Lopes e Duarte (2003) e o de Silva e Barcia (2002,

2002a), que estudaram peças teatrais brasileiras e portuguesas e cartas particulares

respectivamente, corroboram com essa afirmativa e mostram que, nas relações de assimetria,

o uso do pronome de menor intimidade será utilizado pelo interlocutor que estiver na posição

desfavorável, enquanto o pronome de maior intimidade será empregado pelo falante que

estiver na posição favorável. Em nosso trabalho, dividimos esta variável em quatro fatores,

que são:

- Muito simétrico: os informantes apresentam a mesma idade e o mesmo sexo; não é possível

perceber quem domina a situação, porque ambos interagem muito; há muita disputa pelo

turno de fala e o documentador não participa nenhuma vez do diálogo.

- Totalmente assimétrico: os interlocutores têm idades diferentes e sexos distintos; um dos

falantes tem maior poder sobre a situação e pode haver a interferência do documentador. 36 Marchuschi (2003 [1986], p.89) define turno como “produção de um falante enquanto ele está com a palavra, incluindo a possibilidade do silêncio, que é significativo e notado”. O autor lembra a diferença entre ato de fala e turno. No exemplo, “você me emprestaria o telefone/ que o meu está quebrado?”, são dois atos, mas um turno. (MARCHUSCHI, 2003 [1986], p.89, grifo nosso)

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- Parcialmente simétrico: os participantes possuem mesma idade e sexos diferentes; não é

possível perceber quem domina a situação, porque ambos interagem muito e há muita disputa

pelo turno de fala e o documentador não participa nenhuma vez do diálogo.

- Parcialmente assimétrico: os interlocutores apresentam idades diferentes e mesmo sexo, um

deles tem maior poder sobre a situação e pode haver a interferência do documentador.

6.4 LEVANTAMENTO DE DADOS

Inicialmente, lemos as transcrições para sabermos quais inquéritos apresentavam mais

registros do fenômeno em estudo e, em seguida, fizemos a audição apenas daqueles que

apresentavam mais ocorrências dos pronomes analisados, porque, apesar de já haver material

transcrito, precisávamos não só termos absoluta certeza da realização de formas como cê e

você que, facilmente, poderiam ter sido transcritas de forma equivocada pelo transcritor,

considerando o volume de dados de uma transcrição sociolinguística, mas também

necessitávamos conferir a entonação dos enunciados, pois o transcritor também poderia se

esquecer de usar o sinal indicativo de interrogação ou alterar a ordem dos elementos da frase,

o que ocorreu com pouca frequência, mas encontramos alguns casos deste tipo.

Ao todo, fizemos a audição de 25 horas, 21 minutos e 25 segundos. Feito isso, o

próximo passo foi codificar o material.

6.5 CODIFICAÇÃO DOS FATORES

Concluído o levantamento de dados, a etapa seguinte foi a codificação dos fatores.

Atribuímos códigos tanto para a variável dependente como para as variáveis independentes.

Para ilustrar nossas palavras, tomemos uma ocorrência “tu não tinha ontem?”, retirada do inq.

04, que era codificada da seguinte forma: (tm2CasSoz0e?ndTs+p0. Nesta cadeia de

codificação, t representa a variável dependente tu e as demais, as variáveis independentes,

como o gênero/sexo (m-masculino), a faixa etária (2- 25 a 49 anos), a escolaridade (C- 9 a 11

anos), posição do pronome em relação ao verbo (a- antes do verbo), estrutura do verbo (s-

verbo simples), função sintática do pronome (S- sujeito), tipo de relato (o- original),

paralelismo (z- isolado), efeito gatilho (0- sem efeito gatilho), tipo de referente (e- específico),

tipo de entonação (?- frase interrogativa), polaridade da sentença (n- negativa), tempo verbal

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(d- pretérito imperfeito do indicativo) , tipo de verbo (T- verbo ter), grau de intimidade entre

os informantes (s- parcialmente assimétricos), tipo de relação entre os interlocutores (+- muita

interação), tipo de fala (p- lembranças da adolescência) e, por fim, concordância com o verbo

(0- tu com morfologia verbal zero). Seguindo esta mesma sequência, fizemos a codificação de

todas as ocorrências de nossa amostra.

Tivemos o cuidado em utilizar códigos que fossem motivados, para facilitar a

codificação e não utilizamos códigos como l e 1 ou O e 0 no mesmo grupo, o que poderia

dificultar futuramente o processo de correção e a leitura dos dados. Após salvarmos os dois

arquivos no formato .tkn, um para as formas pronominais e outro para as formas nominais, os

dados puderam ser submetidos à análise estatística do programa GoldVarb X.

6.6 ANÁLISE ESTATÍSTICA

Para a análise estatística dos dados, utilizamos em nosso trabalho o pacote

computacional Varbrul, que é constituído por um conjunto de programas para análise

estatística de dados linguísticos em variação. Sobre o Varbrul, Guy e Zilles (2007, p. 105)

afirmam que:

é um conjunto de programas computacionais de análise multivariada, especificamente estruturado para acomodar dados de variação sociolinguística. A análise se chama ‘multivariada’ porque permite investigar situações em que a variável linguística em estudo é influenciada por vários elementos do contexto, ou seja, múltiplas variáveis independentes.

Usaremos este programa na sua versão mais atual, o GoldVarb X, largamente

utilizado pelos pesquisadores variacionistas, para se obter o resultado mais preciso nos

estudos descritivos da língua. O uso dessa ferramenta permite que possamos fazer uma análise

mais adequada da alternância das formas de tratamento pronominais (tu/você/cê/senhor) e

nominais (macho, rapaz, mulher, cara, meu amigo, minha filho), definindo “a natureza e a

extensão de cada um dos efeitos condicionadores, permitindo ‘predizer’ probabilisticamente a

taxa aproximada [do uso dos pronomes] por certo indivíduo” (GUY; ZILLES, 2007, p.49).

Esses resultados poderão ser fornecidos através das informações sobre as características

sociais do informante, da situação social e do contexto linguístico.

De forma muito sucinta, Guy e Zilles (2007) explicam como se faz a análise:

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Na análise quantitativa, cada fator recebe um ‘peso’ (‘valor do fator’ ou ‘probabilidade de input’ (‘Po’), que é, de fato, uma medida global do índice de aplicação da regra. Uma função matemática é usada para combinar os valores dos fatores e a probabilidade de input, a fim de produzir os índices esperados de aplicação da regra em cada célula. Diversas funções foram usadas na literatura; a que é favorecida atualmente é a ‘função logística’. (GUY; ZILLES, 2007, p.51).

O primeiro passo para iniciar a análise estatística é submeter o arquivo de dados ao

checktok, que verifica os erros cometidos na fase de digitação, que devem ser corrigidos pelo

pesquisador. Com base ness arquivo corrigido, ele pode criar o arquivo de células,

responsável por apresentar as percentagens obtidas para todas as variáveis. Neste arquivo,

pode ocorrer nocaute que, segundo Guy e Zilles (2007, p.158), “é um fator que, num dado

momento da análise, corresponde a uma frequência de 0% ou 100% para um dos valores da

variável dependente”.

Ao aparecer um nocaute, a primeira ação do pesquisador é decidir se eles resultam da

pequena quantidade de ocorrências ou se são nocautes verdadeiros. Se esta última

possibilidade for a escolhida, os nocautes são excluídos das rodadas seguintes, visto que “o

instrumento quantitativo que produz pesos relativos é apropriado exclusivamente para

fenômenos linguísticos variáveis”. (SCHERRE; NARO, 2010, p.152) No entanto, apesar de

serem retirados, devem ser analisados pelo pesquisador, pois são de extrema importância para

compreendermos o fenômeno variável, uma vez que podem dar indícios de “um início ou fim

de uma mudança linguística, ou a especialização de significância referencial, de funções

discursivas ou de funções pragmáticas.” (SCHERRE; NARO, 2010, p.153).

Caso o nocaute seja aparente, Guy e Zilles (2008, p.160) apresentam algumas formas

de eliminá-lo, mas ainda reter os dados: amalgamar o nocaute a outros fatores ou não usá-lo.

Para os autores, quando os dados dos nocautes estão isolados num fator com poucos dados, a

melhor opção é combinar tal fator com outro que não seja nocaute. O importante aqui é

decidir com que fator o nocaute será amalgamado. Deve-se ter cuidado para haver uma lógica

em sua combinação e não criar outro grupo que haja nocaute. Os autores também enfatizam

que, caso haja muitos dados, o ideal é que o pesquisador pense na possibilidade de não retirar

os dados sob pena de alterar os pesos relativos. A segunda forma de eliminar os nocautes é

recodificá-lo com “não aplicável”, usando o sinal da barra /. Segundo Guy e Zilles (2008,

p.161) não é a forma preferível de tratar o nocaute e aponta casos em que isso pode ocorrer:

“quando não existe nenhuma amalgamação com outro fator do mesmo grupo que seja

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plausível em termos teóricos; há muito pouco dados; a exclusão de fatores com nocautes

permite ainda assim que se obtenha um grupo apropriado, talvez com outro título”.

Ainda lidando com o arquivo de células, outra possibilidade, numa análise estatística

do GoldVarb X, é ocorrer singleton group, termo dado para os casos em que só são

registradas ocorrências para um único fator dentro de um grupo. Nesses casos, eliminamos

esse grupo, visto que o programa não avança na análise, quando há nocautes ou singleton

group.

Após decidir se os nocautes devem ser excluídos ou amalgamados, prossegue-se a

análise com a obtenção da seleção das variáveis relevantes para a regra de aplicação e dos

pesos relativos referentes a cada um dos fatores. Quanto aos valores dos pesos relativos de

uma regra binária, Scherre e Naro (2010), assim como Guy e Zilles (2008), informam que:

abaixo de 0,50, o fator pode ser considerado desfavorecedor da regra variável e, acima de

0,50, é tido como favorecedor; já 0,50 é considerado o ponto neutro, ou seja, não favorece

nem desfavorece a regra analisada.

Os valores percentuais são importantes, mas deve-se ter o cuidado de fazer a sua

leitura junto com a do peso relativo, que estabelece uma significância estatística para a

ocorrência de uma determinada variante. Nesse caso, o valor do peso relativo oferece ao

pesquisador uma informação estatisticamente mais precisa sobre o fenômeno, já que trabalhar

apenas com os percentuais pode acarretar em atribuir uma informação duvidosa ao objeto de

estudo (GUY; ZILLES, 2008). Sobre isso, os autores ressaltam que:

Quando há vários fatores contextuais diferentes afetando uma variável linguística, uma série de tabelas que apresente esses efeitos separadamente [...] pode facilmente dar resultados distorcidos ou até enganadores, se os dados não estiverem uniformemente distribuídos por todas as variáveis independentes. Uma vez que a distribuição dos dados linguísticos geralmente é, de fato, desigual, uma análise multivariada dará resultados mais preciosos, porque ao mesmo tempo em que computa o efeito de uma variável independente, ela controla explicitamente o efeito de todas as outras variáveis independentes conhecidas. (GUY; ZILLES, 2008, p. 34)

O pesquisador deve observar também qual foi o input, que é a média global corrigida,

obtido na melhor rodada. Vejamos o que dizem Scherre e Naro (2010, p.165) sobre isso:

O papel do input no modelo misto ou logístico é o de fazer com que exista ‘somente um conjunto de efeitos de fatores que prediz qualquer conjunto particular de percentagens contextuais’ e permitir que diferentes análises do mesmo conjunto de dados possam ser adequadamente comparadas (Sankoff, 1988b). O input funciona como um ponto de referência para o fenômeno variável, e o efeito de cada

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fator pode ser interpretado como uma medida do desvio deste ponto de referência associado ao fator.

Além do input, observa-se também o nível de significância que quanto mais baixo

(0,05 ou 0,01), maior a confiança de que esse dado é verdadeiro, ou seja, não foi um dado

camuflado pelos percentuais. (SCHERRE; NARO, 2010)

Feita a primeira análise, pode-se fazer o seu refinamento por meio de outras mais

específicas, aprofundando o resultado através de testes com as variáveis estudadas. “Muito

mais comum são situações em que é preciso realizar sucessivas análises, para testar várias

hipóteses e sub-hipóteses, e, ao final, aperfeiçoar o ajuste do modelo quantitativo” (GUY;

ZILLES, 2007, p.174). Para isso, o primeiro passo é eliminar grupos de fatores que não são

significativos para o trabalho. Ao se ter os primeiros dados informados pelo step-up/step-

down, deve-se “testar (com rodadas adicionais) as distinções feitas dentro dos grupos de

fatores, e eliminar os que não são significativos” (GUY; ZILLES, 2007, p.174-175).

Guy e Zilles (2007) também informam que há outras opções para se fazer testes com

as variáveis. “Consideramos [...] outras recodificações e rodadas adicionais: testar análises

alternativas, eliminar redundância e superposição de fatores e investigar interação” (GUY;

ZILLES, 2007, p.175).

Ao final da análise estatística, os dados são interpretados do ponto de vista

sociolinguístico. Convém lembrar, conforme Scherre e Naro (2010, p. 162), que “Os

resultados numéricos obtidos pelos programas só têm valor estatístico. O seu valor linguístico

é atribuído e interpretado pelo linguista”. Assim, de nada valem os dados, se o linguista não

souber interpretá-lo.

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7 ANÁLISE DOS DADOS

Para desenvolver nossa análise, dividimo-la em duas grandes partes: uma que

apresenta as rodadas apenas para as formas pronominais tu, você, ocê, cê e o (a) senhor(a),

que podem ocorrer em mais de uma função sintática; e outra que traz as rodadas realizadas

para as formas de tratamento macho, mulher, rapaz, meu/minha filho(a), cara, meu amigo,

amiga, meu irmão, menino(a), que atuam apenas na posição de vocativo.

7.1 FORMAS DE TRATAMENTO PRONOMINAIS

Nessa primeira parte da análise, apresentamos as rodadas binárias realizadas para as

formas de tratamento pronominais tu, você, ocê, cê e o(a) senhor(a), formas que atuam em

mais de uma função sintática, como sujeito, objeto, predicativo, adjunto e vocativo. Na nossa

amostra, estes pronomes se distribuem pelas funções sintáticas da seguinte forma: sujeito: tu,

você, ocê, cê e o(a) senhor(a); vocativo: você e o(a) senhor(a); predicativo do sujeito: você e

o(a) senhor(a); objeto indireto: tu, você e o(a) senhor(a); objeto direto: você e o(a) senhor(a);

adjunto adnominal: você e o(a) senhor. Nota-se que o você e o(a) senhor(a) aparecem em

todas as funções sintáticas, mas o tu aparece apenas na função de sujeito e objeto indireto.

Gráfico 7: Percentuais obtidos para as variantes que ocorrem em mais de uma função

sintática

Submetidos os nossos dados ao GoldVarb X, obtivemos 1679 ocorrências, distribuídas

pelas cinco variantes analisadas, desta maneira: tu com 792 ocorrências (47,2%), você com

780 realizações (46,5%), o(a) senhor(a) com 73 dados (4,3%), o cê com 33 realizações (2%) e

ocê somente com 1 dado (0,1%). O gráfico 6 permite a visualização da distribuição dos

percentuais destas formas, com exceção do ocê, que, praticamente, não ocorreu na amostra.

Os pronomes mais frequentes são o tu e o você que, em termos de aplicação, aparecem

47,2%

46,5%

4,3% 2% tu

você

senhor

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praticamente empatados. O(a) senhor(a) é a terceira variante mais recorrente em nossos

dados, assemelhando-se, esse resultado, ao trabalho de Martins (2010), único estudo em que

aparece esse pronome (4,9%), diferentemente dos demais corpora analisados no restante do

país, em que o(a) senhor(a) aparece com uma frequência muito baixa, inviabilizando análises

estatísticas. O cê dá indícios de aparecer no falar fortalezense, mas ainda de forma muito

tímida, enquanto o ocê, que só apareceu uma vez, foi excluído, por esse motivo, de futuras

análises.

Como, na nossa amostra, os pronomes mais recorrentes são tu e você, decidimos

comparar seus resultados com os de outros trabalhos realizados em diversas partes do Brasil.

Com a ajuda da tabela 1, constatamos que nenhum outro estudo mostra um uso tão

aproximado desses pronomes, como o que corre no nosso.

Tabela 1: Frequência de uso das variantes tu e você em outras localidades do Brasil

Estudo Localidade Tu Você Nogueira (2013) Feira de Santana e Salvador –BA 4,85 95,15

Santos (2012) Rio de Janeiro-RJ 12 49 Babilonia e Martins (2011) Manaus-AM 35 65

Franceschini (2011) Concórdia_SC 55 45 Andrade (2010) Brasilia-DF 48 26

Rocha (2010) Ratones e Santo Antonio de Lisboa- PR

97 3

Martins (2010) Tefé-AM 42,9 22,9 Alves (2010) Maranhão 38,4 51,3

Lopes et al (2009) Rio de Janeiro-RJ 35 65 Zilli(2009) Criciúma –SC 93 7

Santana (2008) Santana-BA 34 65 Divino (2008) Recôncavo Baiano-BA 16 58

Assunção e Almeida (2008) Santana-BA

10 90

Mota (2008) São João da Ponte-MG 10 89 Dias (2007) Brasília 10,6 26,5

Oliveira (2007) Santo Antônio de Jesus e Poções-BA

12 88

Herênio (2006) Uberlândia-MG 100 Herênio (2006) Imperatriz-MA 27 73 Modesto (2006) Santos-SP 32 67 Oliveira (2005) Helvécia, Cinzento, Rio de Contas

e Sapé 12 88

Lucca (2005) Brasília 72 28 Loregian-Penkal (2004) Florianópolis, Porto Alegre e

Ribeirão da Ilha 87 13

Loregian-Penkal (2004) Região de Santa Catarina 26 74 Loregian-Penkal (2004) Região do Rio Grande do Sul 89 11

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134

Orlandi (2004) Tubarão-SC 73 27 Sales (2004) Fortaleza-CE 7 93

Paredes Silva (Amostra 80) Rio de Janeiro-RJ 9 91

Paredes Silva (Amostra 00) Rio de Janeiro-RJ 9 91

Paredes Silva (Amostra 96) Rio de Janeiro-RJ 68 32

Mendes (1998) Congresso Universitário da UFMG 100

Bezerra (1994, 1997) Paraíba 69 31

Packer (1990) Jaraguá do Sul- SC 22,9 35,06 Sette (1980) Recife-PE 2,5 52,5

Fonte: Elaboração própria

O trabalho que mais se assemelha ao nosso, de acordo com a tabela 1, é o de

Franceschini (2011), com 55% para tu e 45% para você. Os demais estudos possuem

percentagens bem diferentes das nossas. Além disso, ainda segundo a tabela 1, na maioria das

localidades, o uso do você é mais evidente, com exceção de Santa Catarina e Rio Grande do

Sul, em que o uso do tu é mais acentuado.

Controlamos também o fato de haver ou não a concordância verbal com o pronome tu

e somente 3/79237

Para desenvolver esta primeira parte da análise, realizamos as seguintes rodadas

binárias: tu x você, tu x você + cê, cê x você e senhor x você. Depois de analisar cada uma

destas, apresentamos rodadas com o refinamento de resultados para as variáveis sociais

(sexo/gênero, faixa etária e escolaridade) e para a única variável interacional (grau de

intimidade entre os informantes), selecionadas como relevantes na rodada tu x você. Isto foi

feito apenas nesta rodada, por ela ter sido a que apresentou o maior número de dados.

dados foram encontrados para a concordância canônica (0,37%). Dessa

forma, podemos dizer que, na fala dos informantes fortalezenses, a concordância canônica

praticamente inexiste. Por não ter produtividade nos nossos dados, o grupo de fatores

concordância verbal foi retirado do elenco de variáveis.

37 Do total de ocorrências para tu, apenas foram registrados 3 dados com a concordância canônica, produzidos por um homem (um dado) e uma mulher (duas ocorrências).

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7.1.1 TU X VOCÊ

Na primeira análise binária realizada para tu x você, obtivemos 1572 dados e

verificamos que, no grupo de fatores função sintática, tivemos alguns nocautes, a saber: o tu

não apareceu na função de objeto direto (com 08 ocorrências para você), na de adjunto

adnominal (com 04 ocorrências você), na de predicativo do sujeito (com 01 ocorrência você) e

na de vocativo (com 04 ocorrências você). Com a eliminação destes nocautes, o número de

ocorrências passou a ser de 1555 dados e, na segunda rodada, obtivemos os seguintes

resultados: 50,9% para tu, com 792/1555, e para você 49,10%, com 763/1555, como mostra o

gráfico 8. Mesmo com a eliminação de dados, nota-se ainda uma semelhança entre os

números da primeira e da segunda rodada:

Gráfico 8: Percentuais obtidos para as variantes tu e você após a retirada dos nocautes

Na segunda rodada, o GoldVarb X revelou que o melhor step up foi o 138 (Input

0.499, Log likelihood = -820.719, Significance = 0.042). Dos 17 grupos de fatores controlados

neste estudo, treze foram selecionados pelo programa. Foram eles, por ordem decrescente de

relevância: entonação, tipo de fala, tipo de referente, faixa etária, sexo/gênero, grau de

interação no discurso, tipo de relato, tipo de verbo, função sintática, paralelismo formal,

escolaridade e tempo verbal. Os grupos excluídos foram somente cinco: posição em relação

ao verbo, estrutura do verbo, polaridade, grau de simetria entre os informantes e efeito

gatilho. A seguir, veremos cada variável selecionada nesta rodada por ordem de importância.

50,90% 49,10% Tu Você

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a) Entonação

Tabela 2: Atuação da entonação sobre o pronome tu (tu x você)

Aplica/Total38 % P.R. Interrogativa 269/354 76 0,701

Declarativa/ exclamativa 523/1201 43,5 0,438

Selecionada em primeiro lugar, esta variável diz respeito tanto às frases interrogativas

quanto às declarativas e/ou exclamativas. Como mostra a tabela 2, as frases interrogativas

(76,% e 0,701) favorecem o uso do tu de forma bastante expressiva, ao passo que as frases

declarativas e/ou exclamativas (43,5% e 0,438) inibem o seu emprego.

A frase entonacional, para Hernandorena (2001, p. 239), seria “o conjunto de frases

fonológicas ou apenas uma frase fonológica que porte um contorno de entoação

identificável”. O contorno entoacional das frases declarativas, exclamativas ou interrogativas

é a primeira pista que o ouvinte utiliza para proceder à interpretação da frase, uma vez que

elas apresentam um comportamento específico (SILVA, 2011, p.24). A este respeito, Silva

(2011) procura desenvolver diferenças entre a entoação das interrogativas e das declarativas.

Para Fónagy (1993, p.44), essa‘busca de tensão que parece caracterizar a entoação das interrogativas as associa de forma evidente aos enunciados inacabados’. A esse respeito, pode-se afirmar que o comportamento fonológico descendente final das frases assertivas é semelhante ao comportamento das frases acabadas, visto que ambas veiculam uma informação completa. A questão total, por outro lado, mostra a intenção do falante em completar uma informação através da resposta sim/não de seu interlocutor, o que justifica, semanticamente, concretizar-se por meio de uma curva ascendente final, comportamento semelhante ao de frases inacabadas. (SILVA, 2011, p.37).

Considerando que as diferenças entre os enunciados possa se dar entre informação

completa e incompleta, nas frases interrogativas há necessidade de uma maior interação para

que o outro possa “acabar” o enunciado de seu interlocutor. Dessa forma, entende-se o uso do

pronome tu ter sido mais evidente nesse contexto de menor monitoramento e de maior grau de

intimidade entre os interlocutores.

38 Aplica refere-se à quantidade de ocorrências da variante analisada, enquanto o Total refere-se ao total de vezes que as duas variantes foram realizadas nessa rodada. O P.R. é a abreviatura para Peso Relativo.

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Quanto aos trabalhos já realizados no Brasil, na pesquisa de Andrade (2010) e Lucca

(2005), essa variável também é selecionada para o pronome tu, assim como no de Almeida e

Assunção (2008) e, nestes três estudos, as interrogativas favorecem essa variante. Esta última

investigação não apresenta pesos relativos, portanto a afirmação de que este grupo favorece o

tu se baseia apenas nos percentuais obtidos para as interrogativas (29%) e para as afirmativas

(6%).

O trabalho de Lucca (2005) mostra que o tipo de estrutura que mais favorece o uso do

tu é a exclamativa (94% e 0,87), mas a frase interrogativa também favorece esse pronome,

mesmo de forma menos expressiva (79% e 0,54). A autora afirma que o caráter emotivo das

frases interrogativas reflete no estilo menos monitorado, favorecendo o uso do tu.

Andrade (2010) observa que os enunciados interrogativos (46,7% e 0,73) favorecem o

tu, ao contrário dos não interrogativos (29,9% e 0,42). Nota-se, em seu estudo, que os pesos

relativos desta variável são tão expressivos quanto os nossos. A autora constata que, em

orações mais exaltadas, com tom mais emotivo ou cantado (tom alto ou ascendente), o tu é

favorecido.

Um ponto importante é que o tipo de registro que foi selecionado para a nossa

pesquisa, o D2 (Diálogo entre dois informantes), apresenta um baixo monitoramento e uma

situação de interação mais próxima, já que são amigos ou familiares conversando. Dessa

forma, é de se esperar que haja mais frases interrogativas do que, por exemplo, nas entrevistas

sociolinguísticas do tipo DID. Essas frases são mais frequentes nas conversas, como Silva

(2011) mostra, como forma de interagir ainda mais com o interlocutor.

Apesar de conhecermos sua importância, em nossa hipótese inicial, esperávamos que

esse fosse um grupo de fatores selecionado pelo programa, mas não esperávamos que se

revelasse o maior favorecedor do tu. No entanto, acreditávamos que as frases interrogativas,

pelo seu caráter mais íntimo, favoreceriam o uso do pronome tu.

b) Tipo de fala

A segunda variável selecionada foi o tipo de fala que se refere aos assuntos abordados

pelos interlocutores na nossa amostra. De acordo com os pesos relativos da tabela 3, as

observações irônicas/brincadeiras (0,910) surgem como o fator que mais influencia

positivamente o uso do tu. Embora com valores menos expressivos, a fofoca (0,655) também

favorece esse pronome, assim como as conversas sobre relacionamento amoroso (0,587) e as

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recordações (0,579). Entretanto, esses dois últimos fatores apresentam pesos bem menos

expressivos do que os dois primeiros. Os demais fatores desfavorecem o uso do tu, sendo a

repreensão seu maior inibidor (0,167), seguido pela religião (0,218), pela conversa sobre o

trabalho (0,457) e pela conversa casual (0,472).

Em nossa amostra, constata-se que os tipos de conversa onde encontramos mais

descontração ou em que questões emotivas estão em pauta são aliadas da aplicação do tu,

confirmando nossa hipótese a respeito disso. Assim enunciados, como “Inf. 1 tu é dOido meu

irmão... (Inq. 35)”, muito recorrentes nas brincadeiras e observações irônicas de nossos

interlocutores, favorecem, de forma muito acentuada, o uso do pronome tu, conforme

esperávamos.

Para ilustrar, alguns exemplos de brincadeiras e/ou observações irônicas presentes em

nosso corpus.

Inf.2:[aí tu ficou logo estribado hein... (Inq. 35)

Inf.2: [ isso tu estribado que só uma bezerra... (Inq. 35)

Inf1- NÃo você que falou alto... cê parece que é MÔca Inf2– môca é tu Inf1– é lesada tu... (Inq. 49)

Tabela 3: Atuação do tipo de fala sobre o pronome tu (tu x você)

Aplica/Total % P.R. Observações

irônicas/brincadeiras 48/53 90,6 0,910

Fofoca 25/40 62,5 0,655 Conversa sobre relacionamento

amoroso 59/93 63,4 0,587

Recordações 40/99 41,5 0,579 Conversa Casual 541/1057 51,2 0,472

Conversa sobre trabalho 68/161 42,2 0,457 Religião 10/48 20,8 0,218

Repreensão 1/4 25 0,167

Por fofoca39

39 Segundo Weiser, (2009, p.357), em uma “abordagem estratégica” à fofoca, “os representantes dessa corrente preferem ver o mexerico como um gênero comunicativo que serve para a realização de interesses pessoais – muitas vezes, aos custos de um terceiro ausente”. Ainda de acordo com Wieser (2009, p.338), “para fofocar as pessoas têm que compartilhar os mesmos valores e conhecer a terceira pessoa ausente cujo caráter ou

, entende-se aqui o ato de se falar de qualquer assunto, envolvendo um

terceiro. O papel deste fator sobre o pronome tu pode ser explicado da seguinte forma: quando

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os falantes conversam sobre outra pessoa, estão em uma situação informal, com um alto grau

de intimidade, sem se preocupar com o que o outro vai pensar, porque confia no seu

interlocutor.

Conversando sobre relacionamento amoroso e recordações do passado, o informante

mostra, em geral, menor preocupação com a fala, visto que a sua atenção está centrada no quê

ele fala e não no como.

No trabalho de Dias (2007), também destacam-se as observações irônicas como

favorecedoras do emprego do tu em Brasília (31,7% e 0,80), mas com valores menos

expressivos do que os achados em nossa análise. Apesar de sua baixa ocorrência, somente 04

dados, vale mencionar que a repreensão (4,9% e 0,34 para tu) no estudo de Dias (2007) foi

um dos fatores selecionados para o você, ratificando o estudo de Bezerra (1994; 1997), em

que este pronome tende a ocorrer em situações de não solidariedade, quando o falante ameaça

a face do ouvinte.

c) Tipo de referente

Tabela 4: Atuação do tipo de referente sobre o pronome tu (tu x você)

Aplica/Total % P.R. Específico 785/1472 53,3 0,529 Genérico 7/83 8,4 0,110

A referência diz respeito à forma como são usados os pronomes: se de forma

específica, referindo-se ao interlocutor, ou de forma genérica, quando se usa a segunda pessoa

para se reportar a qualquer um. Verificamos que o pronome tu é, discretamente, favorecido

quando é usado de forma específica (53,3% e 0,529), mas é amplamente desfavorecido se

empregado de modo genérico (8,4% e 0,110), conforme podemos ver na tabela 4.

Encontramos somente sete ocorrências para forma genérica, que é um número muito

reduzido, se comparado ao você, em uma amostra de 1555 dados, sendo que desses 792

pertencem ao tu. Desse modo, podemos dizer que o pronome tu como forma genérica não é

muito usual entre nossos informantes, mas sim o você. Como ilustração do que estamos

chamando de uso do tu genérico, abaixo segue um trecho da transcrição do inquérito 72, que

faz parte de nossa amostra: comportamento, supostamente, contradiz esses valores. O mexerico, então, marca o limite entre estes que fazem parte de um grupo e aqueles que não”.

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Inf1. Eu NÃO acho certo e nem errado não... eu acho que cada um tem sua consciência... cada um tem seu poder auto crítico... acho que cada um tem a força dentro de você... porque se eu for achar certo ou errado não vai interferir em nada na sua posição... o que tu acha pra ti mesmo... se tu pega... se tu/ seu tu tiver viciado não é o que tu quer não máh é o que o álcool fez contigo máh tu que se viciou pelo ÁLcool o álcool te viciou. (Inq. 72)

Em todos os trabalhos onde essa variável foi relevante, mesmo quando a

predominância do pronome não é a mesma, o você é mais usado como genérico do que o tu.

Franceschini (2011), Martins (2010), Andrade (2010), Oliveira (2007, 2005) obtiveram

resultados semelhantes aos do nosso estudo, revelando o favorecimento do tu pela forma

específica. Outras pesquisas dão notícia do uso categórico do você como referência genérica,

como o estudo de Nogueira (2013) e o de Divino (2008).

Dessa forma, podemos dizer que o uso do tu, de modo geral, é de referência

específica, como hipotetizávamos. Isso não ocorre somente entre os nossos informantes, pois

a maioria das pesquisas aponta para o uso genérico feito com o pronome você, como afirma

Dias (2007), que, mesmo não tendo feito nenhuma análise estatística, mostrou que, na

referência genérica, o uso é de 3,7% para tu, enquanto a aplicação do você é de 96,3%.

d) Faixa etária

Tabela 5: Atuação da faixa etária sobre o pronome tu (tu x você)

Aplica/Total % P.R. Faixa etária I (15 a 25 anos) 388/625 62,1 0,637 Faixa etária II (26 a 49 anos) 262/520 50,4 0,460

Faixa etária III (a partir de 50 anos)

142/410 34,6 0,341

A faixa etária foi considerada relevante para os nossos estudos, sendo a quarta variável

selecionada. Em nossa pesquisa, os informantes mais novos (faixa etária I) surgem como os

únicos favorecedores do uso do tu (62,1% e 0,637), já que as faixas etárias II (50,4% e 0,460)

e III (34,6% e 0,341) inibem o seu emprego, como mostra a tabela 5.

Labov (2008 [1972]) estabelece duas formas de estudar uma mudança linguística: em

tempo aparente, “ao longo das dimensões formadas por faixas etárias da população atual”, ou

em tempo real que “permite distinguir entre a gradação etária da população atual e os efeitos

da mudança linguística” (LABOV, 2008 [1972], p.194).

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Nosso trabalho analisa dados do tempo aparente, porque o banco de dados com o qual

trabalhamos considerou as faixas etárias da comunidade de fala fortalezense da época

(período de 2003 a 2006) como representante da “passagem de tempo”.

Leite, Callou e Moraes (2003, p. 88) entendem que o pesquisador, ao lidar com o

tempo aparente, pode não estar diante de uma mudança, porque a distribuição por faixas

etárias “pode ser apenas aparente e não representar mudanças na comunidade, vindo a

constituir um padrão característico de gradação etária que se repete a cada geração”. Assim, o

resultado em tempo aparente é de suma importância, para que se possa comparar esse estudo

com um outro, no futuro, e observar se, realmente, se se trata de uma gradação etária ou de

uma mudança linguística.

No entanto, segundo Araújo (2007, p.400), em “caso de possível mudança em curso os

jovens apresentaram uma frequência muito mais alta da variante inovadora do que os adultos

que, por sua vez, apresentaram uma frequência mais alta que os idosos”. Dessa forma,

podemos dizer que os nossos dados apresentam indícios de uma mudança em curso, uma vez

que o uso do tu se dá com os mais jovens, e, quanto mais velhos, de forma gradativa, mais se

utiliza o você.

Considerando a afirmação de Leite, Callou e Moraes (2003), poderíamos dizer que os

pesos da tabela 05 indicam uma gradação etária, mas, ao observarmos outros grupos de

fatores, como o sexo/gênero e a escolaridade, acreditamos que, na verdade, há indícios aqui

de uma mudança linguística, conforme esperávamos.

Sobre tempo aparente, Sankoff (2006, p.11) diz que este é “Um conceito

verdadeiramente poderoso em constatar a presença de mudança linguística”. Para a autora,

encontrar a distribuição da faixa etária em uma gradação, oferece indícios de que haja uma

mudança linguística40

As pesquisas de Martins (2010), Alves (2010), Andrade (2010), Rocha (2010), Lopes

et al (2009), Mota (2008), Paredes Silva (2008), Santana (2008), Dias (2007), Oliveira (2005),

assim como a nossa, selecionaram os mais jovens como favorecedores do tu, mostrando que

esta variante está em crescente ascensão, apresentando, dessa forma, indícios de uma

mudança linguística, enquanto os trabalhos de Franceschini (2011), Assunção e Almeida

(2008) e Oliveira (2007) privilegiam o uso do você. Vale salientar que, no trabalho de

Franceschini (2011), os falantes da região em estudo, Concórdia- SC, usam com mais

.

40 The most important implication of this conclusion is that apparent time is a truly powerful concept in locating the presence of change. (tradução minha)

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frequência o pronome tu, sinalizando uma mudança em tempo aparente, como expõe a autora.

Nesses trabalhos, podemos observar que todos sinalizam uma possível mudança linguística.

Em nossa pesquisa, não apenas a faixa etária, mas outras variáveis nos darão subsídios para

dizermos que há indícios de que o uso do tu no falar de Fortaleza trata-se de uma mudança

linguística.

e) Gênero/sexo

Tabela 6: Atuação do gênero/sexo sobre o pronome tu (tu x você)

Aplica/Total % P.R.

Feminino 470/802 58,6 0,576 Masculino 322/753 42,8 0,419

A quinta variável selecionada foi o gênero/sexo, cujos resultados, dispostos na tabela

5, indicam que as mulheres (58,6% e 0,576) são aliadas do tu, ao contrário dos homens

(42,8% e 0,419), refutando nossa hipótese inicial, segundo a qual seriam os homens os

maiores favorecedores do uso do tu e as mulheres seriam aliadas do você.

Os resultados obtidos aqui para esta variável se assemelham aos de trabalhos

realizados na região norte, nordeste e sul do Brasil, a saber: Babilônia e Martins (2011) e

Martins (2010) na região Norte; Franceschini (2011), Zilli (2009) e Loregian-Penkal (2004)

na região Sul; Santana (2008) e Oliveira (2007; 2005) na região Nordeste. Todos esses

trabalhos mostraram o grupo de fatores gênero/sexo como relevante, apresentando a mulher

como favorecedora do tu. Nesses estudos, observamos que os falantes não estigmatizam o uso

desse pronome, principalmente no Norte e Sul, onde, na verdade, é a variante mais usada.

Já as pesquisas realizados nas regiões Centro-Oeste, por Andrade (2010), Dias (2007)

e Lucca (2005), e, no Sudeste, por Santos (2012), Lopes et al (2009) e Paredes Silva (2008),

mostram que os homens beneficiam o uso do tu. Embora esses estudos indiquem um

crescimento do uso desse pronome, não o apresentam como variante de prestígio. Na região

Nordeste, encontramos apenas um trabalho, o de Assunção e Almeida (2008), que mostra os

homens privilegiando o tu..

A pesquisa de Sales (2004), realizada com dois corpora, na cidade de Fortaleza,

mostrou que as mulheres, diferentemente de nossa pesquisa, usam com mais frequência o

você. Como a autora trabalha apenas com os DID (Diálogos entre Informante e

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Documentador), isso pode ter contribuído para o uso do você, já que, neste tipo de gravação, o

ambiente é monitorado e, nessas circunstâncias, os interlocutores tendem a ter mais cuidado

com a fala, preferindo usar um pronome mais neutro.

Labov (1990) propôs dois princípios que nortearam suas pesquisas no que diz respeito

ao gênero/sexo. O primeiro princípio considera que, em uma variação estável, os homens

usam mais frequentemente a forma não padrão que as mulheres. Dessa forma, os homens são

menos influenciados pelo estigma social, enquanto as mulheres são mais conservadoras, usam

mais a forma padrão, devido ao prestígio da variante escolhida. O segundo princípio diz

respeito às mudanças linguísticas. Quando há as mudanças from above [com consciência

social e externas à variedade em uso], as mulheres favorecem o uso da variante de prestígio

mais que os homens. Por ocorrerem em um nível relativamente elevado de consciência social,

“mostram uma maior taxa de ocorrência em estilos formais, são frequentemente sujeitos a

hipercorreção, e às vezes mostram estereótipos evidentes como com variáveis

sociolinguísticas estáveis41

” (LABOV, 1990, p.213). O autor expõe que o papel da mulher

está relacionado tanto à aquisição de novos padrões de prestígio como também à eliminação

de formas estigmatizadas.

Importar um novo padrão de prestígio é, essencialmente, a adoção de uma norma externa à comunidade de fala, e os grupos com alta insegurança linguística são mais sensíveis a essas normas. Os mesmos grupos são mais suscetíveis à eliminação de formas estigmatizadas, que se realiza sob o comando vigilante dos grupos dominantes reconhecidos publicamente42

(LABOV, 1990, p.213).

Labov (1990) ainda informa que, na mudança from bellow [sem consciência social e

internas à variedade em uso], as mulheres usam a variante inovadora com mais frequência que

os homens. O autor ainda ressalta que as mulheres da classe média baixa são as que mais

evitam formas estigmatizadas e preferem formas de prestígio.

Em nossa pesquisa, podemos ver que o tu não é estigmatizado pelos nossos

informantes, mesmo que ocorra sem a concordância canônica. Apesar dos dados nos

fornecerem indícios de que o tu possa ser uma variante inovadora, por ser mais usada pelas

41 show a higher rate of occurrence in formal styles, are often subject to hypercorrection, and sometimes show overt stereotypes as with stable sociolinguistic variables (LABOV, 1990, p.213). (tradução minha)

42 The importation of a new prestige pattern is essentially the adoption of a norm external to the speech community, and groups with high linguistic insecurity are most sensitive to such norms. The same groups are most susceptible to the elimination of stigmatized forms, which takes place under the vigilant stewardship of the publicly recognized dominant groups. (LABOV, 1990, p.213). (tradução minha)

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mulheres e pelos mais escolarizados, não podemos fazer tal afirmação, visto que não temos

subsídios para comprová-la. Trabalhos anteriores, de outra natureza, mostram que o tu já era

produzido pelos falantes fortalezenses. No entanto, observamos que essa variante não é

estigmatizada pelos falantes estudados.

Outro ponto importante é que mesmo o tu não sendo uma variante estigmatizada, não

podemos afirmar que o você o seja. Scherre e Yacovenco (2011) afirmam que os estudos

sobre a alternância dos pronomes tu e você nas regiões Sul, Nordeste e Norte do Brasil, os

quais mostram que o tu é mais frequente na comunidade de fala estudada, não indicam que

haja uma forma estigmatizada.

Apesar de haver um comportamento diferenciado entre os falantes das cidades do Sul, Nordeste e Norte pesquisadas, observamos que, em caso de variação estável (Sul) e mudança abaixo do nível de consciência social (Norte e Nordeste), há uma nítida tendência de as mulheres usarem o pronome TU mais frequentemente do que os homens. Entretanto, contrariamente ao proposto por Labov no Paradoxo da Conformidade43

, não há uma associação clara de prestígio ou de desvio das normas pré-estabelecidas em relação às formas TU ou VOCÊ. Esta associação se dá, às vezes, à questão da não concordância com o pronome TU, mas não claramente com a forma TU ou VOCÊ. (SCHERRE; YACOVENCO, 2011, p.133-134)

Assim, em nossa pesquisa, podemos dizer que o uso do tu não é uma forma

estigmatizada, entretanto também não é a de prestígio. O uso do tu e você se alternam de

forma que não há predominância de um em detrimento do outro nas falas onde há o baixo

monitoramento. O que se observa apenas é que o uso do tu, mesmo sem a concordância

canônica, é bem aceito pela comunidade de fala em estudo.

f) Grau de intimidade entre os informantes

Tabela 7: Atuação do grau de intimidade entre os informantes sobre o pronome tu (tu x

você)

Aplica/Total % P.R. Alto grau de intimidade 767/1409 54,4 0,525

Baixo grau de intimidade 25/146 17,1 0,272

43 Labov (2001) opta por reformular sua teoria do Paradoxo do Gênero e a restabelece como Paradoxo da Conformidade: “as mulheres evidenciam um comportamento linguístico menos desviante que os homens em relação ao cumprimento da norma padrão, caso o desvio seja seriamente condenado. Entretanto, as mulheres mostram-se mais desviantes que os homens no que se refere ao exercício da norma padrão, quando a irregularidade não é gramaticalmente rechaçada (estigmatizada) pela comunidade linguística” (RUMEU, 2013, p.570).

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O grau de intimidade que se refere à forma como se desenvolve a conversa entre os

informantes foi o sexto grupo de fatores selecionado. Na tabela 7, observamos que o alto grau

de intimidade favorece, timidamente, o uso do tu (54,4% e 0,525), enquanto o baixo grau de

intimidade lhe (17,1% e 0,272) desfavorece o emprego nitidamente

Os resultados de nossa pesquisa corroboram com os dados de Martins (2010),

Assunção e Almeida (2008), Mota (2008), Paredes Silva (2008), Divino (2008), Bezerra

(1994; 1997), Packer (1990) e Soares (1980). Esses trabalhos apontam que o tu é favorecido

em relações de intimidade, enquanto o você é beneficiado em conversas com pouca

intimidade. Dessa forma, as pesquisas indicam que o tu é usado como pronome de

solidariedade praticamente por todo país.

Em nosso estudo, os resultados mostram que o informante fortalezense favorece o uso

do tu em relações de intimidade, ou seja, em relações de solidariedade, ratificando nossa

expectativa, pois acreditávamos que o tu ocorresse com mais frequência em ambientes onde o

grau de intimidade fosse alto, por ser considerado um pronome mais íntimo e foi, exatamente,

isso que os dados revelaram. Essa informação confirma o que diz Soares (1980) sobre o uso

do tu em relações de intimidade na cidade de Fortaleza:

a variedade do português falado em Fortaleza apresenta um sistema ternário das formas de tratamento: - tratamento deferencial ou não-íntimo: o senhor, a senhora como sujeito, e o título doutor(a), professor (a),etc, Sr.(a),Seu, Dona, Senhorita, precedendo ou não o primeiro nome como vocativo. –tratamento não-deferencial e não-íntimo: você. –tratamento não-deferencial e íntimo: tu e você. (SOARES, 1980, p.40-41, grifos da autora).

g) Tipo de relato

Tabela 8: Atuação do tipo de relato sobre o pronome tu (tu x você)

Aplica/Total % P.R. Original 755/1431 52,8 0,516

Reportada 37/124 29,8 0,318

O tipo de relato, sétima variável selecionada, comporta dois fatores: relato original e

relato reportado. O primeiro ocorre quando os interlocutores conversam usando a sua fala,

enquanto o segundo refere-se à fala que já ocorreu e eles pretendem retomá-la. Nossos

resultados indicam que a fala original (52,8% e 0,516) favorece o uso do tu, porém, de modo

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muito tímido, já a fala reportada (29,8% e 0,318) inibe, claramente, o seu emprego, como

podemos ver na tabela 8.

Abaixo, ilustramos o relato original e o relato reportado com trechos da nossa amostra,

retirados do inquérito 04:

Inf. 1 eu quando era pequeno eu apanhava de cinto... tu nunca apanhou não? (Inq. 04 - fala original). Inf. 1 aí o pai dele disse assim ó tá vendo aí? você tem dois sapatim em casa (que dá) pa você usar o ano todim você fez uma confusão tão grande pelo um kichute...ó aquele rapaz ali só tem uma perna ó ele disse que teve/rapaz o momento que o pai dele disse... (Inq. 04- fala reportada).

Essa variável, que não é muito testada nos estudos e quando o é, é pouco selecionada,

mostrou-se relevante no trabalho de Andrade (2010) e no de Alves (2010). O primeiro

trabalho, assim como o nosso, favoreceu o tu nas falas originais. Neste estudo, em uma rodada

eneária, o peso relativo para tu é de 0,47, mostrando que há um favorecimento nas falas

originais, ao passo que as falas reportadas favorecem o uso do cê (0,42). Já Alves (2010), em

sua pesquisa, observa que o tu é favorecido pelo discurso relatado por terceiros (61,1% e

0,76).

Nossa hipótese foi comprovada, pois defendíamos que as falas originais favorecessem

o uso do tu, enquanto o distanciamento em relatar fala de terceiros ou sua própria fala em

outras situações provocaria o favorecimento do você.

h) Tipo de verbo

Tabela 9: Atuação do tipo de verbo sobre o pronome tu (tu x você)

Aplica/Total % P.R. Dicendi 45/83 54,2 0,554

Ação 467/887 52,6 0,547 Epistêmico 145/240 60,4 0,541 Sem verbo 3/7 42,9 0,514

Estado 82/164 50 0,373 Verbo Ter 50/174 28,7 0,310

O tipo de verbo foi o oitavo grupo de fatores relevante para o tu. Os resultados para

esta variável, como indicam os pesos relativos da tabela 9, apresentam os verbos: dicendi

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(0,554), de ação (0,547) e epistêmico (0,541) como favorecedores da regra, apesar de seus

pesos relativos não se distanciarem muito do ponto neutro. As frases sem verbo (0,514) atuam

de forma praticamente neutra sobre o tu, enquanto os verbos que indicam estado (0,373) e o

verbo ter (0,310) são desfavorecedores desse pronome.

Hipotetizávamos que o verbo de estado favorecesse o uso do tu, já que essa forma

ocorre, na maioria das vezes, em uma situação de informalidade. Expressões como “Tu é

doido!” mostrou-se muito recorrente em nosso corpus, porém não foram suficientes, para que

os verbos indicadores de estado favorecessem esse pronome.

As frases sem verbos apresentam uma baixa quantidade de ocorrências, sete ao todo, e

só três destas ocorrem com o tu. Por isso, o seu comportamento, levemente, favorável ao tu

deve ser visto com reservas.

Os verbos epistêmicos, assim como no trabalho de Franceschini (2011), favorecem o

uso do tu. No entanto, em seu estudo, os verbos dicendi beneficiam o emprego do você, já, em

nossa pesquisa, os verbos dicendi favorecem a aplicação do tu. Mesmo sendo uma variável

importante, só encontramos os resultados desse estudo para comparar com os nossos, em

virtude de não ter sido analisada em outros trabalhos. Na nossa amostra, apenas os verbos que

indicam estado e o verbo ter favorecem o você.

i) Função sintática do pronome

Tabela 10: Atuação da função sintática sobre o pronome tu (tu x você)

Aplica/Total % P.R. Função Sujeito 771/1468 52,5 0,516

Frase Sem verbo 1/3 33,3 0,254 Função Objeto Indireto 18/75 24 0,251 Impossível Identificar 2/9 22,2 0,233

A função sintática foi a nona variável considerada relevante e seus dados, expressos na

tabela 10, revelam que a função de sujeito (52,5% e 0,516) age de forma quase neutra sobre o

emprego do tu, já a função de objeto indireto (24% e 0,251) não beneficia a sua aplicação,

assim como quando é impossível identificar a função (22,2% e 0,233) e quando a frase não

tem verbo (33,3% e 0,254).

Observamos que a maioria das pesquisas analisa o pronome só na função de sujeito, o

que impossibilita compararmos nossos resultados aos destes estudos. Os trabalhos de Mota

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(2008) e Modesto (2006), realizados no sudeste, mostraram que o tu é favorecido como

objeto. Já na pesquisa de Andrade (2010) o cê é favorecido como sujeito, enquanto a estrutura

sem verbo favorece o tu.

Inicialmente, nossa suposição era que o tu fosse mais favorecedor como objeto que

como sujeito, mas os dados revelaram o inverso: o tu é beneficiado como sujeito, enquanto o

você é favorecido como objeto.

Ao fazermos essa rodada, como já foi dito anteriormente, eliminamos alguns nocautes

que ocorreram, em sua maioria, na função sintática. Assim, predicativo do sujeito, vocativo,

adjunto adnominal e objeto direto se apresentaram como funções que tiveram um efeito

categórico na aplicação do você. Vale salientar, entretanto, que encontramos poucos dados

nessas funções. Observamos que, como objeto indireto, o você também é favorecido, assim

como as frases sem verbo e as que não conseguimos identificar a função sintática do

pronome.

O pronome tu selecionado apenas como sujeito pode ter sido influenciado pela

quantidade de dados. O que se observa é que a função de objeto é a que mais favorece o

pronome você. Isso pode ter ocorrido, porque, na língua portuguesa, não existe o pronome

oblíquo para fazer referência ao você, enquanto para o tu há o te, ti.

j) Paralelismo formal

Tabela 11: Atuação do paralelismo formal sobre o pronome tu (tu x você)

Aplica/Total % P.R. Isolado 479/782 61,3 0,541

Primeiro da série 126/282 44,7 0,495 Não primeiro da série 187/491 38,1 0,437

O paralelismo foi a décima variável selecionada nesta rodada e, de acordo com a

tabela 11, quando o pronome está isolado (61,3% e 0,541), o tu é favorecido, mas não de

forma expressiva. No entanto, quando ele é o primeiro da série (44,7% e 0,495) ou não

(38,1% e 0,437), seu uso é inibido.

Dos trabalhos analisados, Santos (2012), Martins (2010), Oliveira (2007; 2005) e

Lucca (2005) observaram que o pronome tu é favorecido quando há paralelismo tu precedido

de tu. Já, no estudo de Franceschini (2011), os resultados apontam, assim como no nosso, que,

quando não há paralelismo, há o favorecimento desse pronome.

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Esperávamos, tendo em vista os resultados de outros trabalhos, que essa variável

ocupasse, nesta análise, um lugar de maior destaque na seleção das variáveis, como o de

Martins (2010), e que os seus valores percentuais e probabilísticos fossem bem expressivos.

No entanto, esta hipótese não foi confirmada.

Uma explicação para que este grupo de fatores não tenha tido um desempenho tão

forte aqui quanto imaginávamos reside no fato de que os trabalhos que o apresentam como

uma variável de alta relevância tenham sido desenvolvidos com o DID (Diálogo entre

Informante e Documentador), já o nosso tomou para análise o D2 (Diálogo entre Dois

Informantes). No DID, o informante tende a falar mais em um turno, pois o entrevistador faz

perguntas para que ele possa desenvolver o tema, já, no D2, o próprio interlocutor interrompe

a fala do outro, assim os turnos são mais curtos que no DID, favorecendo o uso isolado das

formas pronominais.

k) Escolaridade

Tabela 12: Atuação da escolaridade sobre o pronome tu (tu x você)

Aplica/Total % P.R. 0-4 anos 168/358 46,9 0,451 5-8 anos 278/559 49,7 0,478 9-11 anos 346/638 54,2 0,546

A escolaridade foi selecionada como a décima primeira variável que mais influencia a

regra. Os resultados obtidos para este grupo revelam que o tu só é favorecido, embora

discretamente, pelos falantes de maior escolaridade (54,2% e 0,546), já que os de menor

escolaridade (0-4 anos: 46,9% e 0,451; 5-8 anos 49,7% e 0,478) não favorecem o seu uso,

como indica a tabela 12.

Defendíamos a hipótese de que a escolaridade mais baixa favoreceria o uso do tu,

como ocorre em algumas localidades. No entanto, observamos que quanto maior a

escolaridade, maior a segurança no emprego do tu. Vale ressaltar que nossa pesquisa só

trabalha com informantes que possuem, no máximo, o ensino médio. Os resultados com para

o ensino superior ainda precisam ser testados para confirmarem se essa gradação de segurança

do falante realmente ocorre.

As pesquisas de Santos (2012), Franceschini (2011), Zilli (2009), Modesto (2006),

Loregian-Penkal (2004) e Packer (1990) mostram o mesmo resultado: quanto menor a

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escolaridade, maior a frequência de uso do tu; quanto maior a escolaridade, maior o uso do

você. No entanto, os nossos dados apontam que, diferentemente dos estudos elencados, os

mais escolarizados usam mais o pronome tu, o que nos oferece indícios de que o pronome tu

não é estigmatizado na comunidade examinada, uma vez que é frequente na fala dos mais

escolarizados, ratificando os resultados da variável gênero/sexo e faixa etária.

l) Tempo verbal

Tabela 13: Atuação do tempo verbal sobre o pronome tu (tu x você)

Aplica/Total % P.R. Pretérito imperfeito do ind. 36/60 60 0,663

Futuro do ind. 56/93 60,2 0,600 Pretérito perfeito do ind. 158/232 68,1 0,579

Sem verbo 3/7 42,9 0,576 Gerúndio 15/34 44,1 0,572

Presente do indicativo 468/913 51,3 0,506 Pretérito imperfeito do subj. 11/31 35,5 0,401

Futuro do subjuntivo 7/24 29,2 0,324 Infinitivo pessoal 36/141 25,5 0,292

Imperativo 1/9 11,1 0,275 Presente do subjuntivo 1/11 9,1 0,120

A última variável selecionada foi o tempo verbal. Os pesos relativos da tabela 13

informam que o pretérito imperfeito do indicativo (0,663) é o maior favorecedor do emprego

do tu. Outros tempos verbais também contribuem com o uso desse pronome: o futuro do

indicativo (0,600), o pretérito perfeito do indicativo (0,579), as frases sem verbo (0,576) e o

gerúndio (0,572). O presente do indicativo (0,506) se comportou de forma neutra sobre a

regra, já o: presente do subjuntivo (0,120), imperativo (0,275), infinitivo pessoal (0,292),

futuro do subjuntivo (0,324) e pretérito imperfeito do subjuntivo (0,401) não favorecem o tu.

Vamos aqui relativizar o papel do fator sem verbo, assim como o do modo imperativo

que aparecem como um dos aliados do tu, porque o seu número de dados foi muito baixo.

Nossa hipótese inicial era a de que o tempo verbal que mais iria favorecer o uso desse

pronome era o presente do indicativo. Devido à alta frequência nos dados, acreditávamos que

esse tempo seria o maior aliado do tu. Entretanto, o pretérito imperfeito do indicativo

mostrou-se mais relevante mesmo não sendo tão recorrente.

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Os resultados desta variável nos revela também que o modo do tempo verbal é

importante, porque os verbos no indicativo favorecem o uso do tu, enquanto os verbos no

subjuntivo e imperativo favorecem o uso do você.

Os únicos trabalhos que tiveram essa variável selecionada foram os estudos de

Assunção e Almeida (2008) e Orlandi (2004). No primeiro trabalho, o modo indicativo era o

que favorecia o tu, enquanto, no segundo, apenas o presente do indicativo beneficiava esse

pronome. Os resultados dessas pesquisas se assemelham com os da nossa, pois o modo

indicativo foi o mais favorecedor do tu.

Essa primeira rodada trouxe-nos informações valiosas quanto à atuação dos pronomes

tu e você no falar de Fortaleza. O uso do pronome tu ocorre em situações de alta intimidade,

quando o assunto é de natureza mais íntima e é usado quase sempre como referência

específica, em fala original, em enunciados interrogativos e, principalmente, na função de

sujeito; os mais jovens, as mulheres e também os mais escolarizados favorecem o uso do tu, o

que nos possibilita observar que é um pronome não estigmatizado na comunidade.

7.1.1.1 Refinamento de resultados de variáveis selecionadas na rodada tu x você

Considerando que nosso estudo é de natureza sociolinguística, nesta seção,

refinaremos os resultados das variáveis extralinguísticas selecionadas na rodada tu x você, que

foram sexo/gênero, faixa etária, grau de escolaridade e grau de intimidade, com o propósito de

aprofundá-los. Assim, foram realizadas três rodadas entre o tu e o você: só com a mulheres, só

com os mais jovens, só com os de maior escolaridade e só para o maior grau de intimidade,

visto que estes grupos se mostraram aliados do tu na rodada 7.1.1. Decidimos fazer estes

refinamentos, apenas na rodada tu x você em virtude de ter sido a que apresentou o maior

número de dados.

A seguir, apresentamos cada uma das análises refinadas.

7.1.1.1.1 Só com as mulheres

Submetemos mais uma vez os nossos dados ao programa e obtivemos 807 dados.

Nesta rodada, algumas variáveis não apresentaram dados para o tu, ocasionando nocautes

no(a): a) posição do verbo, sem verbo (04 dados para você); b) estrutura do verbo, sem verbo

(04 dados para você); c) função sintática, objeto direto (03 dados para você) e vocativo (02

dados para você); d) tempo verbal, sem verbo (04 dados para você) e verbo no modo

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imperativo (04 dados para você); e) tipo de verbo, sem verbo (04 dados para você); f) tipo de

fala: conversas que indicam repreensão (04 dados para você). Ocorreu um singleton group, na

variável tipo de referente, por não haver dados para referência genérica para tu (23 dados para

você). Todos estes nocautes e o singleton group foram excluídos na rodada seguinte, restando,

assim, 793 dados.

Na terceira rodada, ainda ocorreu nocaute na variável função sintática, porque o fator

impossível de identificar não teve dados para você (01 ocorrência para tu). Com a eliminação

do último nocaute, ficamos com 792 dados, sendo 469 para tu (59,2%) e 323 para você

(40,8%), conforme podemos ver no gráfico 9.

Gráfico 9: Percentuais obtidos para as variantes tu e você na rodada só com as

mulheres após a retirada dos nocautes

O GoldVarb X apresentou o step up 109 (Input 0.617, Log likelihood = -380.172,

Significance = 0.008) como o melhor da análise. Dos 16 grupos de fatores controlados neste

estudo, onze foram selecionados pelo programa nesta rodada. Foram eles, por ordem

decrescente de relevância: tipo de fala, tempo verbal, entonação, faixa etária, grau de simetria

entre os informantes, escolaridade, função sintática, grau de interação no discurso, tipo de

relato, tipo de verbo e paralelismo formal. Os grupos excluídos foram somente cinco: posição

em relação ao verbo, estrutura do verbo, polaridade e efeito gatilho. O tipo de referente já

havia sido excluído antes dessa rodada. A seguir, veremos cada variável selecionada por

ordem de relevância.

59,20% 40,80%

Tu Você

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a) Tipo de fala

Tabela 14: Atuação do tipo de fala sobre o pronome tu na fala das mulheres (tu x você)

Aplica/Total % P.R. Observações

irônicas/brincadeiras 33/36 91,7 0,925

Fofoca 24/39 61,5 0,682 Conversa sobre relacionamento

amoroso 31/50 62 0,657

Recordações 22/42 52,4 0,613 Conversa Casual 335/536 62,5 0,465

Religião 8/39 20,5 0,362 Conversa sobre trabalho 16/34 32 0,184

A primeira variável selecionada foi o tipo de fala que se refere aos assuntos abordados

pelos interlocutores na nossa amostra. De acordo com os pesos relativos da tabela 14, as

observações irônicas/brincadeiras (0,925) surgem como o fator que mais influencia

positivamente o uso do tu. Embora com valores menos expressivos, a fofoca (0,682) também

favorece esse pronome, assim como as conversas sobre relacionamento amoroso (0,657) e as

recordações (0,613). Os demais fatores desfavorecem o emprego do tu, sendo conversa sobre

o trabalho a sua maior desfavorecedora (0,184), seguida pela religião (0,362) e pela conversa

casual (0,465).

Constatamos que, considerando apenas as mulheres, os fatores desta variável que

favorecem o tu são os mesmos da análise 7.1.1. Os pesos ainda indicam um favorecimento

mais expressivo nesta análise exclusiva para as mulheres do que na rodada feita com homens

e mulheres. Para recordações, temos, nesta rodada, o peso de 0,613, mas, na análise 7.1.1, era

de 0,579, assim como conversa sobre relacionamento amoroso, com 0,657 na atual rodada, e

na análise 7.1.1, com 0,587. Em fofoca, na rodada atual, com 0,682, e, na análise 7.1.1, com

0,655, bem como nas observações irônicas, com 0,925 na presente análise, e, na análise 7.1.1,

com 0,910.

Assim, para as mulheres, as conversas mais informais e de maior intimidade são

aquelas que favorecem o uso do pronome tu.

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b) Tempo verbal

Tabela 15: Atuação do tempo verbal sobre o pronome tu na fala das mulheres (tu x

você)

Aplica/Total % P.R. Gerúndio 8/13 61,5 0,764

Futuro do ind. 40/53 75,5 0,670 Pretérito imperfeito do ind. 21/31 67,7 0,610

Pretérito perfeito do ind. 102/141 72,3 0,566 Presente do indicativo 272/461 59 0,500

Pretérito imperfeito do subj. 5/18 27,8 0,289 Infinitivo pessoal 15/53 28,3 0,252

Futuro do subjuntivo 5/15 33,3 0,223 Presente do subjuntivo 1/7 14,3 0,170

A segunda variável selecionada foi o tempo verbal, cujos pesos relativos mostram, na

tabela 15, que o gerúndio (0,764) é o aliado mais forte da aplicação do tu. O futuro do

indicativo (0,670) e o pretérito imperfeito do indicativo (0,610) também aparecem como

aliados dessa variante, assim como o pretérito perfeito do indicativo (0,566), embora este

último apresente um comportamento mais discreto do que os já citados anteriormente. O

presente do indicativo (0,500) atua de forma neutra sobre essa forma de tratamento, ao passo

que o pretérito imperfeito do subjuntivo (0,289), o infinito pessoal (0,252), o futuro do

subjuntivo (0,223) e o presente do subjuntivo (0,170) desfavorecem o emprego do tu.

Os dados indicam que o modo subjuntivo, assim como o infinitivo pessoal, inibem o

uso do tu, enquanto o gerúndio e os tempos no modo indicativo (exceção do presente)

favorecem a sua ocorrência. No entanto, o número de ocorrências do gerúndio, do presente do

subjuntivo, do futuro do subjuntivo e do pretérito imperfeito do subjuntivo foi pequeno. Com

isso, temos de avaliar estes dados para estes fatores e, também para o modo subjuntivo, com

bastante cautela, porque eles podem ter sofrido influência da escassez de dados.

c) Entonação

Tabela 16: Atuação da entonação sobre o pronome tu na fala das mulheres (tu x

você)

Aplica/Total % P.R. Interrogativa 171/215 79,5 0,710

Declarativa/ exclamativa 298/577 51,6 0,417

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A terceira variável selecionada foi a entonação, diferentemente do que ocorreu na

primeira rodada, onde havia sido a maior favorecedora do tu. Conforme mostram os pesos da

tabela 16, as frases interrogativas (0,710) privilegiam a regra de forma bastante expressiva, ao

passo que as frases declarativas e/ou exclamativas (0,417) inibem o seu emprego.

Acreditamos que isso ocorra, conforme já dissemos na análise 7.1.1, devido ao menor

monitoramento e maior grau de intimidade da situação de fala típica do D2 (Diálogo entre

Dois Informantes), visto que os informantes, além de se conhecerem, estavam livres para

conversar sobre qualquer assunto em qualquer lugar que escolhessem.

d) Faixa etária

Tabela 17: Atuação da faixa etária sobre o pronome tu na fala das mulheres (tu x você)

Aplica/Total % P.R. Faixa etária I (15 a 25 anos) 154/225 68,4 0,582 Faixa etária II (26 a 49 anos) 199/295 67,5 0,701

Faixa etária III (a partir de 50 anos)

116/272 42,6 0,232

A faixa etária foi considerada relevante para os nossos estudos, sendo o quarto grupo

de fatores selecionado. Como mostram os pesos relativos da tabela 17, os informantes mais

jovens - faixa etária I – 15 a 25 anos, com 0,582 - , beneficiam o uso do tu, mas de forma bem

menos expressiva que a faixa etária II – 26 a 49 anos (0,701) - , que é a faixa que mais

colabora com o emprego do tu, diferentemente do que ocorre entre os mais idosos - faixa

etária III (a partir dos 50 anos) (0,232) - , que inibem o seu emprego.

As mulheres entre 26 a 49 anos também beneficiam o uso do tu, diferentemente da

análise 7.1.1, em que essa faixa etária não favorecia a aplicação do pronome. O que se

observa é que as mulheres jovens e adultas preferem usar um pronome de maior intimidade.

Considerando que o tu não é estigmatizado, as mulheres jovens e adultas não sentem a

pressão de usarem a variante padrão.

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e) Grau de simetria entre os interlocutores

Tabela 18: Atuação do grau de simetria entre os interlocutores sobre o pronome tu na

fala das mulheres (tu x você)

Aplica/Total % P.R. Totalmente assimétrico 19/31 61,3 0,966

Parcialmente assimétrico 178/254 70,1 0,734 Totalmente simétrico 265/254 55,8 0,358

Parcialmente simétrico 7/32 21,9 0,065

O quinto grupo de fatores relevante para o tu foi o grau de simetria, cujos pesos

relativos, como indica a tabela 18, mostram o seguinte: o fator totalmente assimétrico (0,966)

atua, entre as mulheres, como o mais forte aliado do uso do pronome tu, seguido dos

parcialmente assimétricos (0,734), quando os interlocutores possuem idade diferente e mesmo

sexo/gênero. Já nas interações totalmente simétricas, (0,358), assim como nas parcialmente

simétricas (0,065), isto é, quando os informantes apresentam a mesma idade e sexo/gênero

diferente, ocorre inibição do uso do pronome tu.

Os dados apontam que, para as mulheres, a diferença de idade torna-se um fator

crucial para o uso do tu. Quando possuem a mesma idade, as mulheres optam por usar o você,

já em casos de idades diferentes, independentemente do sexo/gênero, a mulher prefere usar o

tu. Pode-se dizer, então, dizer que as mulheres preferem manter as relações assimétricas,

usando formas mais íntimas.

f) Escolaridade

Tabela 19: Atuação da escolaridade sobre o pronome tu na fala das mulheres (tu x

você)

Aplica/Total % P.R. 0-4 anos 89/142 62,7 0,153 5-8 anos 169/322 52,5 0,458 9-11 anos 211/328 64,3 0,712

A escolaridade foi selecionada como a sexta variável que mais influencia a regra. Os

pesos relativos obtidos para este grupo revelam que o tu só é favorecido pelas mulheres de

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maior escolaridade (0,712), já as de menor escolaridade não favorecem o seu uso (0-4 anos:

0,153; 5-8 anos: 0,458), como indica a tabela 19.

Constata-se que somente a maior escolaridade dá ao informante segurança no emprego

do tu, o que ratifica a ideia de que, em Fortaleza, o uso do pronome tu não é considerado

estigmatizado.

g) Função sintática do pronome

Tabela 20: Atuação da função sintática sobre o pronome tu na fala das mulheres (tu x

você)

Aplica/Total % P.R. Função Sujeito 464/768 60,4 0,518

Impossível Identificar 1/4 25 0,342 Função Objeto Indireto 4/20 20 0,066

A função sintática foi a sétima variável considerada relevante e seus dados, expressos

na tabela 20, revelam que a função de sujeito (60,4% e 0,518) continua agindo de forma quase

neutra sobre o emprego do tu, já a função de objeto indireto (20% e 0,066) inibe a sua

aplicação, assim como quando é impossível identificar a função (25% e 0,342).

Destoando dos trabalhos dessa natureza, em nosso estudo, a função sujeito é a que,

timidamente, favorece o uso do pronome tu. De modo geral, nas outras localidades, como

mostram Mota (2008) e Modesto (2006), o tu é favorecido na função de objeto. Em Fortaleza,

esse pronome não foi encontrado na função de objeto direto e pouco encontrado como objeto

indireto.

h) Grau de intimidade entre os informantes

Tabela 21: Atuação do grau de intimidade entre os informantes sobre o pronome tu na

fala das mulheres (tu x você)

Aplica/Total % P.R. Alto grau de intimidade 456/752 60,6 0,468

Baixo grau de intimidade 13/40 32,5 0,918

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O grau de intimidade que se refere à forma como se desenvolve a conversa entre os

informantes foi o oitavo grupo de fatores selecionado. Na tabela 21, observando os pesos

relativos, constatamos que o alto grau de intimidade (0,468) desfavorece o uso do tu,

enquanto o baixo grau de intimidade (0,918) favorece, expressivamente, a sua aplicação.

Os nossos resultados apontam que a mulher prefere usar o tu em casos de baixo grau

de intimidade. Uma de nossas hipóteses para que isso ocorra seria o fato de que a mulher

usaria o tu como estratégia para dar um tom à conversa de maior intimidade, mesmo em

conversas em que se observa pouca intimidade.

Os dados mostram que tanto as mulheres favorecem o uso do tu com idades diferentes

como também com baixo grau de intimidade. Isso reforça a ideia de que a mulher tende a

quebrar os laços de formalidade, adotando o pronome que indica intimidade. Porém, a

escassez de ocorrências no fator baixo grau de intimidade pode ter influenciado nesse

resultado, se comparado com os dados do alto grau de intimidade.

Vale ressaltar que, como só trabalhamos com D2 (Diálogo entre Dois Informantes),

nem sempre havia um baixo grau de intimidade entre os informantes, visto que eles já se

conheciam e os próprios informantes escolhiam com quem e onde conversar, e sim que eles

poderiam estar incomodados com a presença do documentador ou com o gravador, dando à

conversa características de baixo grau de intimidade.

i) Tipo de relato

Tabela 22: Atuação do tipo de relato sobre o pronome tu na fala das mulheres (tu x

você)

Aplica/Total % P.R. Original 441/719 61,3 0,523

Reportada 28/73 38,4 0,290

O tipo de relato foi a nona variável selecionada. Nossos resultados indicam que a fala

original (61,3% e 0,523) beneficia o uso do tu, porém, de modo pouco expressivo, já a fala

reportada (38,4% e 0,290) inibe, sem dúvida, o seu emprego, como podemos ver na tabela 22.

Os dados permitem a constatação de que a fala original favorece o uso do tu. Isso

ocorreria, porque, durante a gravação, há maior intimidade entre os interlocutores durante a

própria conversa do que no momento de retomar a sua própria fala ou de terceiro. As

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mulheres, assim, preferem uma forma considerada mais polida para retomar a fala, como você

ou senhor.

j) Tipo de verbo

Tabela 23: Atuação do tipo de verbo sobre o pronome tu na fala das mulheres (tu x

você)

Aplica/Total % P.R. Dicendi 34/54 63 0,572

Epistêmico 86/132 65,2 0,546 Ação 276/443 62,3 0,529

Verbo Ter 22/79 27,8 0,253 Estado 51/84 60,7 0,065

A décima variável selecionada foi o tipo de verbo. Os pesos relativos dessa variável,

na tabela 23, mostram que os verbos dicendi (0,572), epistêmico (0,546) e de ação (0,529),

são favorecedores da regra, apesar de não serem muito expressivos, principalmente este

último que apresenta um comportamento quase neutro. O verbo ter (0,253) e os que indicam

estado (0,065) desfavorecem o pronome.

Os dados se assemelham aos da análise 7.1.1, com os verbos dicendi, epistêmico e de

ação favorecendo o tu de forma pouca expressiva, enquanto o verbo ter e os que indicam

estado inibem seu uso. O que se observa é que as mulheres, assim como o grupo misto de

homens e mulheres, usam os mesmos verbos com os pesos semelhantes no sentido de

favorecer tu.

k) Paralelismo formal

Tabela 24: Atuação do paralelismo formal sobre o pronome tu na fala das mulheres

(tu x você)

Aplica/Total % P.R. Isolado 319/464 68,8 0,549

Primeiro da série 66/124 53,2 0,524 Não primeiro da série 84/204 41,2 0,377

O paralelismo foi o último grupo de fatores selecionado nesta rodada e, de acordo com

a tabela 24, quando o pronome está isolado (68,8%, 0,549) ou quando é o primeiro da série

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(53,2%, 0,524), o tu é favorecido, embora timidamente, mas, quando ele não é o primeiro da

série (41,2%, 0,377), o uso desse pronome é inibido.

Esse resultado mostra que, mesmo discretamente, o paralelismo favorece o tu. Para

Scherre (1998, p.46, grifo da autora), a “facilidade de processamento associada à lei do menor

esforço, tendência à repetição mecânica de formas semelhantes, funcionamento da memória

imediata, aspectos psicolinguísticos de processamento, automonitoração e fatores estilísticos

se relacionam à produção”. Assim, as repetições ocorrem devido a uma tendência de o

próprio ser humano repetir o pronome que acabou de ser dito.

A autora também explica a ausência do paralelismo, como ocorre na forma isolada, “A

lei do menor esforço, por exemplo, associada aqui à diminuição do esforço de produção pelo

mecanismo da repetição, muitas vezes tem sido também usada na linha do princípio da

quantidade: marcas redundantes são previsíveis; então, por que fazer esforço em repeti-las?”

(SCHERRE,1998, p.47). Ao mesmo tempo em que o interlocutor pode fazer uso da lei do

menor esforço e repete o mesmo pronome, ele também simplesmente omite, como ocorre com

mais frequência com o tu.

7.1.1.1.2 Só com os mais jovens

Na primeira rodada, com 635 dados, ocorreram nocautes e foi preciso retirá-los.

Foram eles: a) estrutura do verbo: no contexto não houve ocorrências para você (04 dados

para tu); b) função sintática: não houve casos de vocativo, objeto direto e adjunto adnominal

para tu (02, 04 e 04 dados para você, respectivamente); c) tipo de fala: não ocorreram

repreensão (02 dados para você) nem recordações (06 dados para você) para tu.

Na segunda rodada, agora com 613 dados, tivemos mais nocautes e fizemos mais

exclusões de dados nas variáveis: a) posição em relação ao verbo: não houve casos de sem

verbo para você (03 dados para tu); b) estrutura do verbo: não houve casos de sem verbo para

você (03 dados para tu); c) tempo verbal: não tivemos casos de sem verbo para você (03 dados

para tu); d) tipo de verbo: o você não apareceu com o fator sem verbo (03 dados para tu).

Na terceira rodada, sem nenhum nocaute, obtivemos 610 dados, distribuídos em 381

para tu (62,5%) e 229 para você (37,5%), como podemos ver no gráfico 10.

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Gráfico 10: Percentuais obtidos para as variantes tu e você na rodada só com os mais

jovens após a retirada dos nocautes

Submetemos os 610 dados à análise do GoldVarb X e verificamos que o step up 81

(Input 0.631, Log likelihood = -302.247 e Significance = 0.000) foi eleito o melhor desta

análise. Dos 16 grupos de fatores que foram submetidos ao programa, seis foram considerados

relevantes: grau de intimidade entre os informantes, tipo de referente, escolaridade, tipo de

fala, entonação e tipo de verbo. Não foram selecionadas as seguintes variáveis: sexo/gênero,

posição do pronome em relação ao verbo, estrutura do verbo, função sintática, paralelismo

formal, efeito gatilho, tipo de relato, polaridade, tempo verbal, grau de simetria. A seguir,

analisaremos cada variável selecionada de acordo com a ordem de relevância.

a) Grau de intimidade entre os informantes

Tabela 25: Atuação do grau de intimidade entre os informantes sobre o pronome tu na

fala dos mais jovens (tu x você)

Aplica/Total % P.R. Alto grau de intimidade 379/553 68,5 0,581

Baixo grau de intimidade 2/57 3,5 0,041

A primeira variável selecionada na fala dos mais jovens foi o grau de intimidade. De

acordo com os pesos relativos da tabela 25, o alto grau de intimidade favorece o uso do tu

pelos jovens (0,581), enquanto o baixo grau de intimidade inibe a sua aplicação (0,041).

Os dados indicam que os jovens em relações íntimas usam mais o pronome íntimo, o

tu. É bom informar que só houve casos para tu e você com grau de simetria, indicando a

mesma faixa etária. Dessa forma, podemos dizer que os jovens preferem, em relações íntimas

e solidárias, usar o pronome tu, ao se abordarem pessoas que possuem a mesma faixa etária.

62,50% 37,50%

Tu Você

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b) Tipo de relato

Tabela 26: Atuação do tipo de relato sobre o pronome tu na fala dos mais jovens (tu x

você)

Aplica/Total % P.R. Original 369/591 62,4 0,520

Reportada 12/19 63,2 0,150

A segunda variável selecionada foi o tipo de relato. Conforme os pesos relativos da

tabela 26, as falas originais beneficiam, de forma muito discreta, o uso do tu pelos jovens

(0,520), ao passo que a fala reportada inibe o seu emprego (0,150).

Como já foi dito na rodada 7.1.1, a fala original favorece o tu em razão da intimidade

entre os interlocutores durante a comunicação face a face, principalmente os mais jovens. Na

fala reportada, por envolver um terceiro na conversa, os interlocutores preferem usar um

pronome mais neutro, o você.

c) Escolaridade

Tabela 27: Atuação da escolaridade sobre o pronome tu na fala dos mais jovens (tu x

você)

Aplica/Total % P.R. 0-4 anos 71/169 42 0,335 5-8 anos 114/185 61,6 0,414 9-11 anos 196/256 76,6 0,669

A escolaridade foi a terceira variável selecionada. Na tabela 27, os pesos relativos

indicam que os jovens mais escolarizados são os que mais favorecem o uso do tu (0,669). Os

demais níveis de escolaridade (de 0 a 4 anos, com 0,335 e de 5 a 8 anos de estudo, 0,414)

inibem a aplicação do uso do pronome.

Constatamos uma gradação nos níveis de escolaridade, pois notamos que à medida que

aumenta o grau de escolaridade, aumenta também o emprego do tu entre os mais jovens.

Assim, os jovens com maior escolaridade não estigmatizam esse pronome.

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d) Tipo de fala

Tabela 28: Atuação do tipo de fala sobre o pronome tu na fala dos mais jovens (tu x

você)

Aplica/Total % P.R. Observações

irônicas/brincadeiras 26/28 92,9 0,930

Fofoca 13/14 92,9 0,824 Conversa sobre relacionamento

amoroso 41/55 74,5 0,664

Conversa Casual 265/436 60,8 0,441 Conversa sobre trabalho 31/67 46,3 0,472

Religião 5/10 50 0,111

O tipo de fala foi o quarto grupo de fatores selecionado pelo programa. Segundo a

tabela 28, os pesos relativos mostram que as observações irônicas/brincadeiras são as grandes

favorecedoras (0,930) do tu, seguida da fofoca (0,824) e da conversa sobre relacionamento

amoroso (0,664). Já as conversas casuais (0,441), conversa sobre trabalho (0,472) e religião

(0,111) desfavorecem o uso do pronome.

De posse desses dados, podemos dizer que as conversas que requerem mais

intimidade entre os interlocutores (observações irônicas/brincadeiras, fofoca e relacionamento

amoroso) são as que mais beneficiam o uso tu na fala dos mais jovens. Já as conversas que

não necessitam de muita intimidade (conversa causal, sobre o trabalho e relegião) são as que

inibem o uso desse pronome. Observa-se, entretanto, a escassez de ocorrências para tu, apenas

05, nas conversas sobre religião, o que mostra que esse tipo de assunto é pouco tratado entre

os jovens, principalmente em relações solidárias.

e) Entonação

Tabela 29: Atuação da entonação sobre o pronome tu na fala dos mais jovens (tu x

você)

Aplica/Total % P.R. Interrogativa 119/153 77,8 0,668

Declarativa/ exclamativa 262/457 57,3 0,442

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A quinta variável selecionada foi a entonação. Na tabela 29, os pesos relativos

mostram que, entre os mais jovens, a entoação interrogativa beneficia o uso do tu (0,668), já a

entoação declarativa/exclamativa coíbe o seu uso (0,442).

Assim como ocorreu na análise (7.1.1), os enunciados interrogativos são os maiores

favorecedores do pronome tu pelos falantes jovens. De acordo com o que já foi dito, essa

entoação requer proximidade entre os interlocutores, visto que esse tipo de enunciado está

inacabado, precisando do outro para completá-lo.

f) Tipo de verbo

Tabela 30: Atuação do tipo de verbo sobre o pronome tu na fala dos mais jovens (tu x

você)

Aplica/Total % P.R. Dicendi 21/27 77,8 0,808

Ação 226/359 63 0,551 Epistêmico 70/107 65,4 0,467

Estado 43/65 66,2 0,340 Verbo Ter 21/27 40,4 0,258

A última variável selecionada foi o tipo de verbo. Conforme a tabela 30, os verbos

dicendi (0,808) são, entre os mais jovens, grandes aliados do tu. Também os verbos de ação

(0,551), embora de forma menos expressiva, favorecem esse pronome. Os demais tipos de

verbos, epistêmico (65,4% e 0,467), que indicam estado (66,2% e 0,340) e o verbo ter (40,4%

e 0,258) desfavorecem o uso do tu.

O que se observa com esses dados é que os jovens preferem usar o tu em situações nas

quais provoca o outro a falar, como mostra o trecho da transcrição, retirado do inquérito 51:

Inf1. Tu conseguiu descobrir quem é aquele rapaz que tu disse que era meu amigo? Inf 2. Quem? C.? Inf1. Nao. Tu disse que falou com um menino da minha classe... um dia aí na internet... Inf2. Ah nao lembro o nome do menino nao... faz tanto tempo... eu falo com várias pessoas... nao dá pra saber... (Inq. 51) (grifos nossos)

Nessa conversa, encontramos dois jovens de 15 anos, o informante 1 é um homem e o

informante 2 é uma mulher. A intimidade dos interlocutores favoreceu o uso do tu, assim

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como o uso de alguns verbos que influenciam o outro a falar. O uso dos verbos dicendi, como

apontado no trecho transcrito, favorece ainda mais o uso do pronome tu pelos jovens.

7.1.1.1.3 Só com os mais escolarizados

Na primeira rodada, tínhamos 648 dados, mas, surgiram nocautes. Foram eles: a)

estrutura do verbo; no contexto não teve ocorrência para você (03 dados para tu); b) função

sintática: não houve casos de tu como predicativo do sujeito, objeto direto, vocativo, adjunto

adnominal e frase sem verbo (01, 03, 02, 04 e 02 dados para você, respectivamente); c) tempo

verbal: o tu não apareceu relacionado a nenhum verbo no presente do subjuntivo (04 dados

para você); d) tipo de fala: não tivemos dados para brincadeiras/observações irônicas para

você (19 dados para tu).

Excluídos os nocautes, na segunda rodada, obtivemos 610 ocorrências, distribuídas da

seguinte maneira: 324 para tu (53,1%) e 286 para você (46,9%), conforme mostra o gráfico

11.

Gráfico 11: Percentuais obtidos para as variantes tu e você na rodada só com os mais

escolarizados após a retirada dos nocautes

Os 610 dados foram submetidos à análise do Goldvarb X e tivemos, como melhor step

up, o 87 (Input 0.539, Log likelihood = -299.134 e Significance = 0.0450). Das 16 variáveis

testadas, nove foram excluídas: tipo de relato, função sintática, estrutura do verbo, posição do

pronome em relação ao verbo, efeito gatilho, polaridade, tempo verbal, grau de intimidade e

tipo de fala. Sete grupos de fatores foram selecionados pelo programa, por ordem de

relevância: faixa etária, entonação, sexo/gênero, tipo de referente, grau de simetria, tipo de

verbo e paralelismo formal, os quais serão analisados, na ordem apresentada, a seguir.

53,10% 46,90% Tu Você

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a) Faixa etária

Tabela 31: Atuação da faixa etária sobre o pronome tu na fala dos mais escolarizados

(tu x você)

Aplica/Total % P.R. Faixa etária I (15 a 25 anos) 186/246 75,6 0,794 Faixa etária II (26 a 49 anos) 69/178 38,8 0,393

Faixa etária III (a partir de 50 anos)

69/186 37,1 0,203

A primeira variável selecionada foi a faixa etária. Na tabela 31, os dados indicam que,

dentre os mais escolarizados, os mais jovens (0,794) são os únicos aliados do tu. A faixa

etária dos adultos, de 26 a 49 anos (0,393), desfavorece o pronome, assim como os mais

velhos (0,203).

Podemos constatar que os jovens mais escolarizados são aqueles que mais favorecem

o uso do tu. Isso nos fornece mais subsídios, para defendermos que esse pronome não é

estigmatizado.

b) Entonação

Tabela 32: Atuação da entonação sobre o pronome tu na fala dos mais

escolarizados (tu x você)

Aplica/Total % P.R. Interrogativa 112/140 80 0,737

Declarativa/ exclamativa 212/470 45,1 0,424

A entonação foi o segundo grupo de fatores selecionado. Mais uma vez, a entoação

interrogativa favorece o uso do tu (80% e 0,737), agora pelos mais escolarizados (45,1% e

0,424), conforme revela a tabela 32.

Na fala dos mais escolarizados, a entoação interrogativa favorece o uso do tu,

mostrando que esses informantes se utilizam desse enunciado para dar continuidade à

conversa e manter mais estreita a relação com seu interlocutor.

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c) Gênero/sexo

Tabela 33: Atuação do gênero/sexo sobre o pronome tu na fala dos mais escolarizados

(tu x você)

Aplica/Total % P.R.

Feminino 191/307 62,2 0,621 Masculino 133/303 43,9 0,377

O gênero/sexo foi a terceira variável selecionada pelo programa. A tabela 33 mostra

que as mulheres mais escolarizadas beneficiam o uso do tu (62,2% e 0,621), enquanto os

homens inibem o seu emprego (43,9% e 0,377).

Os pesos apontam que as mulheres mais escolarizadas são as que mais beneficiam o

uso do tu. Com esse resultado, constatamos, claramente, que o tu não é uma variante

estigmatizada em Fortaleza. Como já foi dito anteriormente, tanto as mulheres como os mais

escolarizados tendem a evitar a forma estigmatizada pela região, e em Fortaleza, a forma

preferida tanto pelas mulheres como pelos mais escolarizados é o pronome tu.

d) Tipo de referente

Tabela 34: Atuação do tipo de referente sobre o pronome tu na fala dos mais

escolarizados (tu x você)

Aplica/Total % P.R. Específico 317/558 56,8 0,536 Genérico 7/52 13,5 0,177

A quarta variável selecionada foi o tipo de referente. Na tabela 34, podemos ver que o

referente específico favorece o tu (56,8% e 0,536) pelos falantes mais escolarizados, mas, de

forma muito discreta, e o referente genérico inibe o seu uso (13,5% e 0,177).

Como já poderíamos prever, o referente específico é o que mais favorece o uso do tu.

O uso desse pronome como genérico foge um pouco dos padrões do falar de nossos

informantes, tanto que só foram encontradas sete ocorrências para o uso genérico, sendo que o

mesmo informante repetiu esse uso seis vezes.

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e) Tipo de relação entre os interlocutores

Tabela 35: Atuação do tipo de relação entre os interlocutores sobre o pronome tu na

fala dos mais escolarizados (tu x você)

Aplica/Total % P.R. Parcialmente assimétrico 38/77 49,4 0,707

Muito simétrico 274/472 58,1 0,490 Parcialmente simétrico 12/61 19,7 0,306

O tipo de relação entre os interlocutores foi a quinta variável selecionada. O único

favorecedor do tu entre os mais escolarizados, como mostra a tabela 35, é o parcialmente

assimétrico (sexo/gênero diferente, mas faixa etária igual), com 0,707. Já o muito simétrico

(sexo/gênero e faixa etária iguais) e parcialmente simétrico (sexo/gênero igual, mas faixa

etária diferente) desfavorecem esse pronome (0,490 e 0,306, respectivamente).

Os dados mostram que a diferença de sexo/gênero pode favorecer o uso do tu. Esse

dado indica que os falantes mais escolarizados, em situação de intimidade, procuram formas

que favoreçam mais a relação de solidariedade.

f) Tipo de verbo

Tabela 36: Atuação do tipo de verbo sobre o pronome tu na fala dos mais

escolarizados (tu x você)

Aplica/Total % P.R. Sem verbo 2/4 50 0,622 Epistêmico 68/106 64,2 0,593

Dicendi 19/32 59,4 0,556 Ação 198/340 58,2 0,537

Estado 15/47 31,9 0,336 Verbo Ter 22/81 27,2 0,302

A sexta variável selecionada foi o tipo de verbo. De acordo com os pesos da tabela 36,

o que mais favorece o uso do tu pelos mais escolarizados é quando não há verbo (0,622). Os

verbos epistêmicos (0,593) também colaboram com este uso, assim como os verbos dicendi

(0,556) e de ação, embora estes dois últimos atuem de forma discreta. Já os verbos de estado

(31,9% e 0,336) e o verbo ter (27,2% e 0,302) não favorecem o uso do tu.

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169

Os verbos que favorecem a aplicação do tu nesta rodada são os mesmos encontrados

na análise 7.1.1 A diferença está na ordem e também no valor dos pesos, mas só é

significativo o fator sem verbo (0,514 para 0,622). Contudo, justamente quando não há verbo

é o contexto que apresenta o menor número de ocorrências, apenas quatro dados no total e só

02 para o tu, o que nos faz olhar para este resultado com desconfiança. Os demais mantém

quase o mesmo valor. Já os verbos que indicam estado e o verbo ter coíbem o uso do pronome

tu. Os pesos das duas rodadas são semelhantes (0,373 e 0,310 estado e verbo ter, para a

análise 7.1.1), indicando que não houve mudanças significativas nessa análise para essa

variável.

f) Paralelismo formal

Tabela 37: Atuação do paralelismo formal sobre o pronome tu na fala dos mais

escolarizados (tu x você)

Aplica/Total % P.R. Isolado 190/293 64,8 0,569

Primeiro da série 50/119 42 0,429 Não primeiro da série 84/198 42,4 0,440

O último grupo de fatores selecionado para a rodada só com os informantes mais

escolarizados foi o paralelismo formal. O uso isolado favorece o emprego do tu (64,8% e

0,569), enquanto o primeiro da série (42% e 0,429) e não primeiro da série (42,4% e 0,440)

inibem o seu uso pelos falantes mais escolarizados, de acordo com a tabela 37.

Observamos mais uma vez que não houve alterações significativas dessa rodada para a

que realizamos em 7.1.1. As formas isoladas são favorecidas pelos mais escolarizados. Isso

ocorre porque aconversa é de alta interação, o que faz com que os interlocutores não demorem

muito no seu turno. Com turnos curtos, há uma maior chance de haver pronomes ocorrendo de

forma isolada.

7.1.1.1.4 Só com os que possuem maior grau de intimidade

Inicialmente, tínhamos 1421 dados, mas registramos nocautes na rodada e tivemos que

excluí-los. Foram eles: a) função sintática: não tivemos ocorrência de tu como predicativo do

sujeito, objeto direto, adjunto adnominal, vocativo e frase sem verbo (01, 05, 04, 02 e 02

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170

dados para você, respectivamente); b) tempo verbal: não tivemos tu para o modo imperativo

(8 dados para você).

Na segunda rodada, contávamos com 1399 ocorrências, distribuídas da seguinte

forma: 767 dados para tu (54,8%) e 632 para você (45,2%), como mostra o gráfico 12.

Gráfico 12: Percentuais obtidos para as variantes tu e você na rodada só com os mais

escolarizados após a retirada dos nocautes

Submetidos os 1399 dados ao programa, o melhor step up foi o 105 (Input 0.557, Log

likelihood = -764.249 e Significance = 0.018). Das 16 variáveis testadas, foram selecionadas,

por ordem de relevância, nove grupos de fatores: entonação, faixa etária, tipo de referente,

sexo/gênero, tempo verbal, tipo de fala, tipo de relato e função sintática. Já a escolaridade,

estrutura do verbo, posição do pronome em relação ao verbo, paralelismo formal, efeito

gatilho, polaridade, tipo de verbo e grau de simetria entre os interlocutores foram eliminados

pelo programa. A seguir, apresentaremos a análise de cada variável selecionada por ordem de

relevância.

a) Entonação

Tabela 38: Atuação da entonação sobre o pronome tu na fala dos interlocutores

com maior grau de intimidade (tu x você)

Aplica/Total % P.R. Interrogativa 260/337 77,2 0,703

Declarativa/ exclamativa 507/1062 47,7 0,432

A primeira variável selecionada foi a entonação. De acordo com a tabela 38, as

interrogativas foram as maiores aliadas do tu (77,2% e 0,703), já as declarativas/exclamativas

inibem o uso do pronome (47,7% e 0,432).

54,80% 45,20% Tu

Você

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171

Percebemos que os falantes que possuem maior grau de intimidade com seu

interlocutor usam mais o tu, nas frases interrogativas como forma de aumentar ainda mais a

interação.

O resultado dos pesos desta rodada é semelhante ao da análise 7.1.1 (interrogativas:

0,701 e declarativas/exclamativas: 0,432).

b) Faixa etária

Tabela 39: Atuação da faixa etária sobre o pronome tu na fala dos interlocutores com

maior grau de intimidade (tu x você)

Aplica/Total % P.R. Faixa etária I (15 a 25 anos) 386/567 68,1 0,647 Faixa etária II (26 a 49 anos) 262/518 50,6 0,454

Faixa etária III (a partir de 50 anos)

119/314 37,9 0,312

A faixa etária é a segunda variável que mais favorece o uso do tu. Os pesos mostram

que os mais jovens (68,1% e 0,647) são os que mais beneficiam o pronome, enquanto os de

idade mediana (50,6% e 0,454) e os mais velhos (37,9% e 0,312) desfavorecem-no, como

podemos ver na tabela 39.

Como vimos nas outras rodadas, os jovens preferem o uso do tu e há uma gradação

quanto a esse favorecimento: quanto mais velhos, menos recorrente é o uso desse pronome. A

situação de alta intimidade favorece ainda mais os jovens a usarem o tu.

c) Tipo de referente

Tabela 40: Atuação do tipo de referente sobre o pronome tu na fala dos interlocutores

com maior grau de intimidade (tu x você)

Aplica/Total % P.R. Específico 760/1334 57 0,525 Genérico 7/65 10,8 0,111

O terceiro grupo de fatores selecionado foi o tipo de referente. A tabela 40 indica que

o referente específico (57% e 0,525) favorece, de forma discretíssima, o uso do tu, já o

referente genérico (10,8% e 0,111) inibe sua aplicação.

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172

Reforçamos mais uma vez que o uso genérico fica quase restrito ao pronome você,

não só pelos falantes investigados, mas também pelos de outras localidades, conforme foi dito

na análise 7.1.1. Não foi encontrado o uso genérico em situação de baixa intimidade. Assim,

para o informante usar o tu como genérico, é necessário muita intimidade, visto que foge dos

padrões convencionais dos falantes.

d) Gênero/sexo

Tabela 41: Atuação do gênero/sexo sobre o pronome tu na fala dos interlocutores com

maior grau de intimidade (tu x você)

Aplica/Total % P.R.

Feminino 456/756 60,3 0,572 Masculino 311/643 48,4 0,416

O quarto grupo de fatores selecionado foi gênero/sexo. As mulheres (60,3% e 0,572)

favorecem o uso do tu e os homens (48,4% e 0,416) inibem a sua aplicação, como podemos

visualizar na tabela 41.

As mulheres, assim como os mais escolarizados, favorecem o uso do pronome tu nas

situações de maior intimidade, já os homens preferem o uso do pronome você, assim como os

menos escolarizados. Essa informação confirma o fato de que o tu não é uma forma

estigmatizada na localidade em estudo. Os pesos mais uma vez se assemelham com os da

análise 7.1.1, em que as mulheres favoreciam (0,576) o tu e os homens inibiam (0,419) essa

forma.

e) Tempo verbal

Tabela 42: Atuação do tempo verbal sobre o pronome tu na fala dos interlocutores

com maior grau de intimidade (tu x você)

Aplica/Total % P.R. Sem verbo 3/5 60 0,735

Pretérito imperfeito do ind. 35/52 67,3 0,688 Futuro do ind. 56/84 66,7 0,629

Gerúndio 15/26 57,7 0,608 Pretérito perfeito do ind. 154/209 73,7 0,593 Presente do indicativo 449/839 53,5 0,491

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Pretérito imperfeito do subj. 11/29 37,9 0,414 Infinitivo pessoal 36/121 29,8 0,310

Futuro do subjuntivo 7/23 30,4 0,304 Presente do subjuntivo 1/11 9,1 0,103

A quinta variável selecionada foi o tempo verbal. Como podemos ver nos pesos da

tabela 42, o fator sem verbo (0,735) é o que mais favorece o emprego do tu nas falas de maior

intimidade. Também se mostraram seus favorecedores: o pretérito imperfeito do indicativo

(0,688), o futuro do indicativo (0,629), o gerúndio (0,608) e o pretérito perfeito do indicativo

(0,593). O presente do indicativo (0,491) inibe o uso do tu, assim como o pretérito imperfeito

do subjuntivo (0,414), infinitivo pessoal (0,310), futuro do subjuntivo (0,304) e o presente do

subjuntivo (0,103).

Nesta rodada, observamos que o presente do indicativo se comportou diferentemente

das outras rodadas, em que ele apresentava um comportamento neutro e aqui aparece

desfavorecendo o uso do tu. Já os outros fatores, apesar de os valores dos pesos não serem os

mesmos e a ordem deles sofrer alteração, não apresentaram mudanças significativas,

comparando-se com a análise 7.1.1.

Também, nesta rodada, os sem verbo e o presente do subjuntivo tiveram um número

escasso de ocorrência, o que nos faz pensar que, talvez, o comportamento de ambos os fatores

estejam distorcidos.

f) Tipo de fala

Tabela 43: Atuação do tipo de fala sobre o pronome tu na fala dos interlocutores com

maior grau de intimidade (tu x você)

Aplica/Total % P.R. Observações

irônicas/brincadeiras 48/53 90,6 0,908

Fofoca 25/40 62,5 0,661 Conversa sobre relacionamento

amoroso 59/93 63,4 0,553

Conversa Casual 533/966 55,2 0,477 Conversa sobre trabalho 68/143 47,6 0,467

Recordações 23/73 31,5 0,401 Religião 10/27 37 0,297

Repreensão 1/4 25 0,189

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A sexta variável selecionada foi o tipo de fala. Os pesos da tabela 43 mostram que as

observações irônicas/brincadeiras (0,908) são os maiores aliados do tu nas falas de maior

intimidade. A fofoca (0,661) e as conversas sobre relacionamento amoroso (63,4% e 0,553)

também favorecem esse pronome, embora tenham valores menos expressivos que os obtidos

para as conversas irônicas e as brincadeiras. Já os demais fatores desfavorecem o uso do tu,

sendo que a repreensão (0,189) aparece como a maior inibidora desse pronome, seguida pela

religião (0,297), pelas recordações (0,401), pela conversa sobre o trabalho (0,467) e pela

conversa casual (0,477).

Mais uma vez, as observações irônicas/brincadeiras surgem como grandes aliadas do

tu, comprovando, inequivocamente, que esse tipo de fala é característico de uma conversa

informal e com alta intimidade. Fato interessante foi a recordação, que até então (nas rodadas

7.1.1 e 7.1.1.1) favorecia o uso do tu, não ter apresentado o mesmo comportamento nas

situações de alta intimidade. Dessa forma, nota-se que ela favorece esse pronome em situação

de baixa intimidade.

É bom destacar aqui a baixa ocorrência para as falas que indicam repreensão, com

apenas um dado. Bezerra (1994; 1997) mostra que, em situação onde o falante ameaça a face

do ouvinte, esse falante tende a usar o pronome você.

g) Tipo de verbo

Tabela 44: Atuação do tipo de verbo sobre o pronome tu na fala dos interlocutores

com maior grau de intimidade (tu x você)

Aplica/Total % P.R. Epistêmico 144/228 63,2 0,559 Sem verbo 3/5 60 0,545

Ação 448/783 57,2 0,539 Dicendi 42/72 58,3 0,530 Estado 80/152 52,6 0,385

Verbo Ter 50/159 21,4 0,329

A oitava variável selecionada foi o tipo de verbo e, conforme os pesos da tabela 44, os

verbos epistêmicos (0,559), o fator sem verbo (0,545), os verbos de ação (0,539) e os dicendi

(0,530) favorecem o uso do tu, enquanto os que indicam estado (0,385) e o verbo ter (0,329)

desfavorecem o emprego desse pronome.

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175

Mesmo a ordem dos pesos deste fator não sendo a mesma encontrada na análise 7.1.1

e nos demais refinamentos (7.1.1.1.1, 7.1.1.1.2, 7.1.1.1.3), os pesos das rodadas se

assemelham, mantendo o favorecimento do tu de forma discreta. Os verbos que indicam

estado e o verbo ter continuam desfavorecendo o uso dessa variante. Vale também observar a

escassez de dados dos casos de sem verbo, somente cinco, dificultando uma análise mais

precisa.

h) Tipo de relato

Tabela 45: Atuação do tipo de relato sobre o pronome tu na fala dos interlocutores

com maior grau de intimidade (tu x você)

Aplica/Total % P.R. Original 731/1285 56,9 0,517

Reportada 36/114 31,6 0,320

A oitava variável foi o tipo de relato. Na tabela 45, podemos ver que a fala original

favorece o uso do tu (031,6% e 517), enquanto a fala reportada desfavorece essa forma

(31,6% e 0,320).

Essa variável apresenta os resultados dos pesos semelhantes ao da análise 7.1.1., em

que a fala original é 0,516 e a fala reportada apresenta o peso de 0,318. Dessa forma, podemos

dizer que a fala original favorece o uso do tu, quando seus interlocutores estão em uma

situação de grande intimidade. A fala reportada, até por sua característica de contar algo que

já foi dito, perde um pouco a informalidade, favorecendo o uso do você.

i) Função sintática do pronome

Tabela 46: Atuação da função sintática sobre o pronome tu na fala dos interlocutores

com maior grau de intimidade (tu x você)

Aplica/Total % P.R. Função Sujeito 747/1340 55,7 0,509

Função Objeto Indireto 18/50 36 0,310 Impossível Identificar 2/9 22,2 0,236

A última variável selecionada foi a função sintática do pronome. A tabela 46 revela

que o tu se comporta de forma neutra na função de sujeito (55,7% e 0,509), já, como objeto

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indireto (36% e 0,310) e quando é impossível identificar a função (22,2% e 0,236), o pronome

é desfavorecido nas falas de maior intimidade.

Observamos, na fala de maior intimidade, que, o tu é levemente favorecido na função

de sujeito, pois está muito próximo do ponto neutro. Na análise 7.1.1, a função de sujeito era

de 0,516, indicando também um leve favorecimento do tu nesta posição, já que o peso é quase

neutro.

O que podemos observar nas rodadas refinadas é que elas mostram que o uso do tu é

uma forma não estigmatizada, apesar de não podermos afirmar que ela seja de prestígio. As

mulheres, os jovens e os mais escolarizados são os que mais favorecem o seu uso,

principalmente nas situações de maior intimidade e quando conversam sobre temas de caráter

íntimo. Com isso, podemos dizer que na função de sujeito, em fala original, de preferência

nos enunciados interrogativos, o uso do tu é bastante recorrente, principalmente como

referente específico.

7.1.2 TU X VOCÊ E CÊ

Em outra rodada, tu x você+cê, amalgamamos o você com cê, com o intuito de

averiguarmos se haveria mudanças significativas quanto à seleção das variáveis. Ao fazermos

a primeira análise binária, tínhamos 1605 dados, mas encontramos nocautes na função

sintática, em seus fatores: predicativo (01 dado para você), objeto direto (08 ocorrências para

você), vocativo (04 dados para você) e adjunto adnominal (04 dados para você). Eliminados

estes nocautes, realizamos a segunda rodada e ficamos com 1588 ocorrências, sendo 792 para

tu (49,1%) e 796 para você (50,1%), como mostra o gráfico 13.

Gráfico 13: Percentuais obtidos para as variantes tu e você(cê) após a retirada dos

nocautes

49,90% 50,10% Tu Você + cê

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177

Os 1588 dados foram submetidos ànalise do GoldVarb X e vimos que o melhor step

up foi o 132 (Input 0.486, Log likelihood = -846.711, Significance = 0.030). Estes dados se

assemelham com os da análise 7.1.1, mas, dos 17 grupos de fatores, tivemos, dessa vez, 11

variáveis selecionadas, por ordem de relevância, pelo programa: entonação do pronome, tipo

de fala, tipo de referente, faixa etária, grau de intimidade entre os interlocutores, sexo/gênero,

tipo de relato, tipo de verbo, função sintática, paralelismo formal e tempo verbal. Não foram

selecionadas: escolaridade, posição em relação ao verbo, estrutura do verbo, efeito gatilho,

polaridade e grau de simetria entre os informantes. A escolaridade não foi considerada

relevante nesta análise, como ocorreu na rodada tu x você.

Nas tabelas que se seguem, inserimos também os pesos relativos da rodada tu x você, a

fim de observarmos mais facilmente as semelhanças entre a atual rodada e a 7.1.1.

a) Entonação

Tabela 47: Atuação da entonação sobre o pronome tu (tu x você e cê)

Aplica/Total % P.R. Tu x você + cê

P.R. (tu x você)

Interrogativa 269/360 74,7 0,696 0,701 Declarativa/ exclamativa 523/1228 42,6 0,439 0,438

Os dados apontam, na tabela 47, que os enunciados interrogativos são fortes aliados do

pronome tu (74,7% e 0,696), diferentemente das frases declarativas/exclamativas (42,6% e

0,439). Os pesos obtidos na análise tu x você+cê são os mesmos observados na rodada tu x

você (interrogativa: 0,701 e declarativa/interrogativa: 0,438), mostrando que,

independentemente do uso você ou cê, o pronome tu é mais usado em frases interrogativas.

Além de os valores dos pesos relativos serem muito aproximados nas duas rodadas, essa

variável repete-se como a mais relevante para o uso do pronome.

b) Tipo de fala

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Tabela 48: Atuação do tipo de fala sobre o pronome tu (tu x você e cê)

Aplica/Total % P.R. Tu x

você + cê

P.R. (tu x você)

Observações irônicas/brincadeiras

48/53 90,6 0,914 0,910

Fofoca 25/40 62,5 0,673 0,655 Conversa sobre relacionamento

amoroso 59/93 63,4 0,572 0,587

Recordações 40/100 40,0 0,571 0,579 Conversa Casual 541/1088 49,7 0,473 0,472

Conversa sobre trabalho 68/162 42,0 0,459 0,457 Religião 10/48 20,8 0,232 0,218

Repreensão 1/4 25 0,186 0,167

Assim como na primeira análise, a segunda variável selecionada foi o tipo de fala.

Como informa a tabela 48, por ordem de relevância, tivemos, como favorecedores do tu, os

fatores: observações irônicas/brincadeiras (0,914), fofoca (0,673), conversa sobre

relacionamento amoroso (0,572) e recordações (0,571). Já a repreensão (0,186), as conversas

sobre religião (0,232), trabalho (0,459) e conversa casual (0,473) inibem o uso desse

pronome. Mais uma vez, os valores dos pesos relativos desta análise se assemelham aos da

rodada sem o amálgama entre você e cê e a ordem dos fatores nesta variável continua a

mesma da análise 7.1.1.

c) Referência

Tabela 49: Atuação da referência sobre o pronome tu (tu x você e cê)

Aplica/Total % P.R. Tu x

você + cê

P.R. (tu x você)

Específica 785/1505 52,2 0,527 0,529 Genérica 7/83 8,4 0,123 0,110

A terceira variável selecionada foi a referência, assim como na análise 7.1.1. Os dados

mostram, segundo a tabela 49, que a referência específica (52,2% e 0,527) favorece o uso do

tu, enquanto a referência genérica (8,4% e 0,123) desfavorece a sua aplicação. Vale salientar

que os pesos relativos continuam semelhantes (sem amalgamar: 0,529 para referência

específica e 0,110 para referência genérica). Assim, entendemos que os resultados desta

rodada são os mesmos encontrados em 7.1.1.

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d) Faixa etária

Tabela 50: Atuação da faixa etária sobre o pronome tu (tu x você e cê)

Aplica/Total % P.R. Tu x

você + cê

P.R. (tu x você)

Faixa etária I (15 a 25 anos) 388/634 61,2 0,640 0,637 Faixa etária II (26 a 49 anos) 262/539 48,6 0,448 0,460

Faixa etária III (a partir de 50 anos)

142/415 34,2 0,352 0,341

O quarto grupo de fatores selecionado foi a faixa etária. Os dados revelam indícios de

uma mudança linguística em progresso. Na tabela 50, a faixa etária I (61,2% e 0,640) é a

única que favorece o tu, enquanto a faixa II (48,6% e 0,448) e a faixa III (34,2% e 0,352)

desfavorecem a sua aplicação. Na análise para tu x você, esse grupo foi também o quarto

grupo de fatores selecionado e os pesos relativos apresentados nas duas análises são

semelhantes. Mais uma vez, os resultados das duas análises não são destoantes.

e) Grau de intimidade entre os informantes

Tabela 51: Atuação do grau de intimidade entre os informantes sobre o pronome tu (tu

x você e cê)

Aplica/Total % P.R. Tu x

você + cê

P.R. (tu x você)

Alto grau de intimidade 767/1441 53,2 0,528 0,525 Baixo grau de intimidade 25/147 17,0 0,253 0,272

Nesta rodada, o grau de intimidade foi a quinta variável selecionada, enquanto na

análise 7.1.1, foi a sexta, mas, observando os pesos relativos de ambas as rodadas, concluímos

que o resultado é o mesmo, isto é, o alto grau de intimidade (53,2% e 0,528) favorece o uso

do tu e o baixo grau de intimidade (17% e 0,253) inibe o seu emprego, como podemos ver na

tabela 51.

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f) Gênero/sexo

Tabela 52: Atuação do gênero/sexo sobre o pronome tu (tu x você e cê)

Aplica/Total % P.R. Tu x

você + cê

P.R. (tu x você)

Feminino 470/808 58,2 0,585 0,576 Masculino 322/780 41,3 0,412 0,419

A sexta variável selecionada nesta rodada foi gênero/sexo, já, na análise 7.1.1, foi a

quinta. Os dados da tabela 52 revelam, assim como na análise tu x você, que as mulheres

favorecem o uso do tu (58,2% e 0,585), ao passo que os homens desfavorecem o emprego

desse pronome (41,3% e 0,412). Notamos, mais uma vez, que os pesos relativos desta rodada

se assemelham bastante ao da análise 7.1.1. Por isso, consideramos que os resultados de

ambas as rodadas não são diferentes.

g) Tipo de relato

Tabela 53: Atuação do tipo de relato sobre o pronome tu (tu x você e cê)

Aplica/Total % P.R. Tu x

você + cê

P.R. (tu x você)

Original 755/1462 51,6 0,516 0,516 Reportada 37/126 29,4 0,320 0,318

O sétimo grupos de fatores selecionado foi o tipo de relato, assim como na análise

7.1.1. Notamos, observando a tabela 53, que os relatos originais (0,516) repetem o mesmo

peso relativo da análise anterior, já, na fala reportada (0,320 e 0,318), temos apenas uma leve

alteração no peso. Assim, concluímos que os resultados obtidos aqui não divergem dos da

rodada tu x você.

h) Tipo de verbo

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181

Tabela 54: Atuação do tipo de verbo sobre o pronome tu (tu x você e cê)

Aplica/Total % P.R. Tu x

você + cê

P.R. (tu x você)

Epistêmico 145/244 59,4 0,549 0,541 Dicendi 45/85 52,9 0,543 0,554

Ação 467/908 51,4 0,543 0,547 Sem verbo 3/7 42,9 0,520 0,514

Estado 82/168 48,8 0,369 0,373 Verbo Ter 50/176 28,4 0,324 0,310

O tipo de verbo foi a oitava variável selecionada, ocupando a mesma posição obtida na

análise para tu x você. Observando, na tabela 54, os pesos relativos desta rodada e os da

anterior, verificamos que eles são, levemente, diferentes, mas não a ponto de alterarem o

papel dos fatores sobre a variante em estudo. Assim, os verbos epistêmicos (0,549), dicendi

(0,543), de ação (0,543) e os sem verbo (0,520) continuam favorecendo o tu, mesmo de forma

tímida, enquanto os verbos que indicam estado (0,369) e o verbo Ter (0,324) agem de forma

inibidora sobre este pronome.

Notamos uma pequena mudança na ordem dos fatores: enquanto, nesta rodada, o

verbo epistêmico é o primeiro selecionado, seguido do dicendi e do de ação; na análise 7.1.1,

o primeiro selecionado foi o dicendi (0,554), seguido do verbo que indica ação (0,547) e do

verbo epistêmico (0,541). Como a diferença na ordem destes fatores é provocada por uma

diferença extremamente pequena entre os seus pesos, entendemos que os resultados desta

rodada são, praticamente, idênticos aos da análise 7.1.1.

i) Função sintática do pronome

Tabela 55: Atuação da função sintática sobre o pronome tu (tu x você e cê)

Aplica/Total % P.R. Tu x

você + cê

P.R. (tu x você)

Função Sujeito 771/1501 51,4 0,516 0,516 Frase Sem verbo 1/3 33,3 0,271 0,254

Impossível Identificar 2/9 22,2 0,254 0,233 Função Objeto Indireto 18/75 24 0,254 0,251

A função sintática do pronome foi o nono grupo de fatores selecionado, tal como

ocorreu na análise 7.1.1. Os pesos relativos desta análise se assemelham aos da rodada

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anterior. A função de sujeito (0,516), repetindo o mesmo peso da rodada tu x você, é a única

favorecedora do uso do tu. Já os fatores que desfavorecem o uso desse pronome, o objeto

indireto (0,254), a frase sem verbo (0,271) e quando é impossível identificar (0,254),

apresentam pesos relativos distintos dos da primeira análise, mas ainda assim semelhantes aos

da análise tu x você. Por isso, acreditamos que os resultados desta análise não diferem dos

observados na análise 7.1.1.

j) Paralelismo formal

Tabela 56: Atuação do paralelismo formal sobre o pronome tu (tu x você e cê)

Aplica/Total % P.R. Tu x

você + cê

P.R. (tu x você)

Isolado 479/801 59,8 0,536 0,541 Primeiro da série 126/288 43,8 0,497 0,495

Não primeiro da série 187/499 37,5 0,444 0,437

Assim como ocorreu na análise 7.1.1, a décima variável selecionada na análise atual

foi o paralelismo formal. Como mostra a tabela 56, os pesos relativos das duas rodadas se

assemelham, pois o pronome isolado continua favorecendo, discretamente, o uso do pronome

tu (0,536 e 0,541), enquanto o primeiro da série (0,497 e 0,495) e o não primeiro da série

(0,444 e 0,437) desfavorecem o seu uso. Mais uma vez, os resultados desta análise não

destoam do que vimos em 7.1.1.

k) Tempo verbal

Tabela 57: Atuação do tempo verbal sobre o pronome tu (tu x você e cê)

Aplica/Total % P.R. Tu x

você + cê

P.R. (tu x você)

Pretérito imperfeito do ind. 36/61 59,0 0,657 0,663 Sem verbo 3/7 42,9 0,607 0,576

Futuro do ind. 56/95 58,9 0,606 0,600 Pretérito perfeito do ind. 158/233 67,8 0,597 0,579

Gerúndio 15/35 42,9 0,563 0,572 Presente do indicativo 468/938 49,9 0,501 0,506

Pretérito imperfeito do subj. 11/31 35,5 0,411 0,401

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Futuro do subjuntivo 7/24 29,2 0,314 0,324 Infinitivo pessoal 36/144 25,0 0,293 0,292

Imperativo 1/9 11,1 0,256 0,275 Presente do subjuntivo 1/11 9,10 0,124 0,120

O tempo verbal foi o décimo primeiro grupo de fatores selecionado, diferentemente da

primeira rodada em que foi o décimo segundo. Apesar disso, assim como aconteceu com

todos os grupos de fatores das outras variáveis, os pesos relativos continuam semelhantes.

Assim, os verbos no modo indicativo: pretérito imperfeito (0,657), futuro (0,606), pretérito

perfeito (0,597) , no gerúndio (0,563) e sem verbo (0,607) favorecem o uso do tu. O presente

do indicativo (0,501) se comporta de forma neutra. Já os verbos no modo subjuntivo: presente

(0,124), pretérito imperfeito (0,411) e futuro (0,314), no infinitivo pessoal (0,293), bem como

os do imperativo (0,256) desfavorecem o seu uso.

Vale salientar que a ordem dos fatores foi quase mantida a mesma: nesta rodada,

temos na sequência, pretérito imperfeito do indicativo, sem verbo e futuro do indicativo como

os primeiros, enquanto na rodada anterior ficou: pretérito imperfeito do indicativo, futuro do

indicativo e sem verbo. Os demais permanecem na mesma ordem. Assim, podemos dizer que

os resultados desta rodada não divergem dos observados na análise anterior.

Comparando os resultados da atual rodada com o da análise tu x você, foi observado

que não houve grandes mudanças no que diz respeito ao comportamento das variáveis, já que

tanto a ordem dos fatores como os pesos relativos se assemelham muito entre si. Todos os

grupos de fatores selecionados na rodada tu x você + cê aparecem na que realizamos para tu x

você.

7.1.3 CÊ X VOCÊ

Observamos, nos demais trabalhos realizados pelo Brasil, que há diferenças entre os

pronomes você e cê. Scherre e Yacovenco (2011) enfatizam a importância de estudar as

variantes você, ocê e cê e, dessa forma, preferimos analisá-los separadamente, a fim de

observarmos se há diferenças entre eles no falar fortalezense e quais condicionamentos atuam

sobre o cê.

Apresentamos, na tabela 58, os resultados percentuais dos estudos encontrados sobre a

frequência de uso de você e cê no português brasileiro, para que possamos comparar nossos

resultados aos destas pesquisas.

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Tabela 58: Frequência de uso das variantes você e cê em diversas localidades do Brasil

Estudo Localidade Você Cê Nogueira (2013) Feira de Santana e

Salvador-BA 88,03 2,33

Loregian-Penkal e Menon (2012)

Curitiba-PR 69,7 30,3

Nascimento (2011) São Paulo-SP 54,3 43 Calmom (2010) –

PORTVIX entrevistados

Vitória-ES 74,2 25,8

Calmom (2010)- PORTVIX

entrevistadores

Vitória-ES 76 24

Calmom (2010)- Fala Casual 1

Vitória-ES 31,4 68,6

Calmom (2010)- Fala Casual 2

Vitória-ES 63,2 36,8

Gonçalves (2008) Arcos-MG 22 54

Dias (2007) Brasilia-DF 26,5 51,4

Peres (2006) Belo Horizonte-MG 59 34

Belo Horizonte-MG 15 77,5

Andrade (2004) Brasília-DF 53 25

63 21 Coelho (1999) São Francisco-MG 20 56

Os trabalhos que tiveram o você e cê investigados mostram dados percentuais bem

diferentes do nosso. O trabalho de Nogueira (2013), que apresenta o uso do cê na região em

estudo ainda de forma pouco intensa, é o que mais se aproxima dos nossos resultados. Nas

demais pesquisas, observamos um uso crescente, com dados bem superiores aos nossos.

Na primeira rodada para cê x você, encontramos 813 dados, mas alguns destes dados

precisaram ser excluídos, porque, como tínhamos poucas ocorrências para o cê, 33 ao todo,

ocorreram muitos nocautes. Devido a isso, tivemos que excluir alguns fatores, que só

apresentaram dados para o você. Foram eles: a) os verbos compostos (04 dados); b) o verbo

recuperado pelo contexto (06); c) o presente do subjuntivo (10); d) o pretérito do subjuntivo

(22); e) o futuro do subjuntivo (17); f) o modo imperativo (08); g) tempo verbal, sem verbo

(06); h) para tipo de verbo, sem verbo (06 dados); i) não houve casos de cê para totalmente

assimétrico (48 dados); j) conversas religiosas (38 dados); k) repreensões (03 dados); l)

fofocas (16 dados); m) brincadeiras/observações irônicas (05 dados); n) conversas sobre

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relacionamento amoroso (34 dados). Além disso, algumas variáveis apresentaram singleton

group, por não apresentarem o cê em pelo menos dois fatores. Foram elas: a) posição em

relação ao verbo, que só teve ocorrências de cê antes do verbo (680 dados); b) função

sintática, que só apresentou dados de cê como sujeito (697 dados); c) efeito gatilho, que não

teve dados para casos com efeito gatilho para cê (38 dados); d) tipo de referente, que não

apresentou casos de cê genérico (77 dados).

Excluindo os nocautes e os singleton groups, restaram 619 ocorrências, divididas da

seguinte forma: 33 dados para cê (5,3%) e 586 para você (94,7%), como podemos ver no

gráfico 14.

Gráfico 14: Percentuais obtidos para as variantes cê e você após a retirada dos

nocautes

Ao submetermos os dados à análise do GoldVarb X, verificamos que o melhor step up

foi o 27 (Input 0.034, Log likelihood = -115.851, Significance = 0.009). Dos 13 grupos de

fatores controlados, 03 foram considerados relevantes, nesta ordem: escolaridade, grau de

intimidade entre os informantes e sexo/gênero. Não foram selecionadas as variáveis:

entonação, tipo de fala, faixa etária, tipo de relato, tipo de verbo, paralelismo formal, grau de

simetria entre os interlocutores, tempo verbal, estrutura do verbo e polaridade. Lembramos

que os grupos de fatores: função sintática, efeito gatilho, posição em relação ao verbo e tipo

de referente não participaram desta rodada, porque já tinham sido excluídos antes.

A seguir, analisaremos todas as variáveis selecionadas, segundo a ordem de relevância

do programa estatístico.

a) Escolaridade

5,30%

94,70% cê

Você

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Tabela 59: Atuação da escolaridade sobre o pronome cê (cê x você)

Aplica/Total % P.R. 0-4 anos 7/152 4,6 0,562 5-8 anos 3/184 1,6 0,249 9-11 anos 23/283 8,1 0,642

Selecionada como a mais relevante de todas as variáveis, o grau de escolaridade,

conforme podemos ver na tabela 59, mostra que os mais escolarizados são os que mais

favorecem o uso do cê (8,1% e 0,642). No entanto, aqueles com menor escolaridade (4,6% e

0,562) também colaboram com a realização da forma reduzida, embora o peso relativo deste

nível de escolaridade não seja tão expressivo quanto o que vimos na escolaridade mais alta.

Aqueles com escolaridade intermediária (1,6%, 0,249), entre 5 a 8 anos, inibem o uso da

forma reduzida.

Dos trabalhos examinados, os de Loregian-Penkal e Menon (2012) e Nascimento

(2011) mostram que os informantes de ensino fundamental e médio são os maiores

favorecedores do cê, diferentemente dos nossos resultados. Vale salientar que essas duas

pesquisas trabalharam com o nível superior, e, na nossa amostra, há, no máximo, o nível

médio.

Hipotetizávamos que os menos escolarizados fossem os maiores favorecedores do cê,

porque acreditávamos que esta forma era estigmatizada no falar dos fortalezenses. No entanto,

para nossa surpresa, os mais escolarizados, assim como os menos escolarizados, favorecem o

cê, contraditando a suposição inicial.

b) Grau de intimidade entre os informantes

Tabela 60: Atuação do grau de intimidade sobre o pronome cê (cê x você)

Aplica/Total % P.R. Alto grau de intimidade 32/517 6,2 0,598 Baixo grau de intimidade 1/102 1,0 0,117

Os resultados para o grau de intimidade, a segunda variável selecionada pelo

programa, indicam que os informantes com um alto grau de intimidade (6,2% e 0, 598)

favorecem o cê, enquanto os que apresentam baixo grau de intimidade (1% e 0,117) atuam de

forma desfavorecedora sobre esta forma, segundo a tabela 60.

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Os dados, como já esperávamos, mostram que quanto maior o grau de intimidade,

maior o uso da forma reduzida. Isso ratifica, assim, a ideia de que quanto menor o

monitoramento e maior a interação entre os informantes, maior será o uso do pronome mais

informal, confirmando o que diz Nascimento (2011) a esse respeito.

Assim, quando há um alto grau de intimidade, os nossos falantes preferem a forma não

padrão, mas, se baixa o grau de intimidade, o uso do você, a forma considerada padrão,

aparece. No entanto, preferimos relativizar esta afirmação, em virtude da baixa quantidade de

dados que compõe nosso corpus no que se refere ao cê. Apenas um dado desta forma foi

registrado para o baixo grau de intimidade e 32 para o alto grau de intimidade. São números

tímidos, considerando os dados das rodadas realizadas em 7.1.

c) Gênero/sexo

Tabela 61: Atuação do gênero/sexo sobre o pronome cê (cê x você)

Aplica/Total % P.R. Feminino 6/229 6,9 0,330 Masculino 27/390 2,6 0,603

A última variável selecionada foi o gênero/sexo e seus pesos, expostos na tabela 61,

mostram que os homens (0,603) são os únicos aliados dessa forma, enquanto as mulheres

(0,330) a inibem. Assim, em nossos dados, os homens utilizam o cê com mais frequência que

as mulheres. Esse resultado se assemelha ao de Calmon (2010), Andrade (2004) e Coelho

(1999).

Considerando que cê é uma forma muito mais usada em situação de alto grau de

intimidade, não acreditamos que seja uma variante de prestígio. Apesar de o peso relativo das

mulheres apontar indícios de que o cê seja estigmatizado pelo falante fortalezense, não

podemos afirmar isso, visto que os informantes mais escolarizados são os favorecedores dessa

redução. Apesar de uma baixa recorrência, observamos que a maioria dos casos ocorre em

relações de solidariedade, vindas, principalmente do homem, assim como ocorreu no trabalho

de Lucca (2005), em que os homens são os maiores favorecedores do cê, em relações de

solidariedade.

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7.1.4 O(A) SENHOR(A) X VOCÊ

O(a) senhor(a) se revelou um pronome razoavelmente frequente em nossa amostra e,

por isso, decidimos efetuar uma rodada entre esta forma e você, para averiguarmos quais

condicionamentos atuam sobre o(a) senhor(a). Devemos esclarecer que juntamos as formas o

senhor e a senhora, pois o nosso intuito era observar quais fatores influenciam o uso desse

pronome, independentemente do sexo/gênero.

Tabela 62: Frequência de uso das variantes você e o(a) senhor(a) em diversas

localidades do Brasil

Estudo Localidade Você Senhor

Nogueira (2013) Feira de Santana e Salvador-BA 88,03% 5,04%

Martins (2010) Tefé-AM 22,9% 4,9%

Packer (1990) Jaguará do Sul-SC 35,06% 9,52%

Como podemos observar, há um uso majoritário do você. Esse resultado considera

todos os dados, visto que não encontramos pesquisas que tratem da análise binária o(a)

senhor(a) x você. Os trabalhos desenvolvidos mostram semelhança com nossos resultados

percentuais, visto que o uso do você é bem mais amplo que o(a) senhor(a).

Na rodada inicial, tivemos 853 ocorrências, mas apareceram singleton groups nas

variáveis: a) no efeito gatilho, no fator sem efeito gatilho não encontramos dados para o(a)

senhor(a), com 38 para você; b) no grau de intimidade, no baixo grau de intimidade, não foi

registrada ocorrência para o(a) senhor(a), com 126 para você; c) no tipo de referente, na

referência genérica, não houve dados para o(a) senhor(a), com 77 para você. Por isso, foi

preciso excluir as variáveis mencionadas. Eliminamos também os fatores em que só apareceu

o você: a) nos verbos encontrados pelo contexto (23 dados); b) na frase sem verbo (02 dados;

c) no futuro do subjuntivo (17 dados) e no gerúndio (19 dados); d) brincadeiras/observações

irônicas, 5 ocorrências).

Efetuamos uma nova rodada sem os nocautes e sem os singleton groups e obtivemos

787 ocorrências, distribuídas da seguinte forma: 73 dados para o(a) senhor(a) (9,3%) e 714

dados para você (90,7%), como mostra o gráfico 15.

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Gráfico 15: Percentuais obtidos para as variantes o(a) senhor(a) e você após a retirada

dos nocautes

Submetidos os 787 dados ao GoldVarb X, vimos que o step up 91 (Input 0.018, Log

likelihood = -148.121, Significance = 0.045) foi a melhor rodada. Das 14 variáveis

submetidas à análise, oito foram selecionadas nesta ordem de relevância: tipo de relato,

gênero/sexo, escolaridade, função sintática, tempo verbal, tipo de fala, grau de simetria e faixa

etária. Os grupos de fatores entonação, tipo de verbo, paralelismo formal, posição em relação

ao verbo, estrutura do verbo e polaridade não foram selecionados pelo programa. O efeito

gatilho, o grau de intimidade entre os informantes e o tipo de referente foram eliminados na

rodada anterior, por isso não participaram desta análise.

Em seguida, analisaremos cada uma das variáveis selecionadas, de acordo com a

ordem de relevância fornecida pelo GoldVarb X.

a) Tipo de relato

Tabela 63: Atuação do tipo de relato sobre o pronome o(a) senhor(a) (o(a) senhor(a)x

você)

Aplica/Total % P.R. Reportada 32/117 27,4 0,903 Original 41/666 6,2 0,406

A primeira variável selecionada foi o tipo de relato e os resultados obtidos para este

grupo indicam que só a fala reportada favorece, de forma expressiva, o uso do(a) senhor(a)

(27,4% e 0,903), enquanto a fala original desfavorece (6,2% e 0,406) essa forma, como

mostra a tabela 63.

9,30%

90,70%

senhor(a) Você

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Como podemos observar, as falas reportadas são as maiores favorecedoras da

recorrência do(a) senhor(a). Esse resultado mostrou que, quando os nossos informantes

relatam algo ou sugerem que alguém diga algo, optam muitas vezes pelo pronome de

tratamento mais formal.

Na nossa hipótese inicial, esperávamos que a fala reportada favorecesse o(a)

senhor(a), porque o falante requer mais cuidado ao reproduzir algo que foi dito pelo próprio

falante, como também por outro falante.

O tipo de registro que escolhemos, o D2 (Diálogo entre dois Informantes), desfavorece

o aparecimento do pronome senhor(a), visto que os nossos informantes eram pessoas que se

conheciam e que possuíam um grau de intimidade mais favorecedor do uso de pronomes mais

informais, como o tu ou o você. Dessa forma, observamos que, ao se referir a outra pessoa,

principalmente, quando essa exerce algum tipo de poder, seja por profissão, seja por ser um

parente mais velho, o uso do(a) senhor(a) torna-se mais frequente.

No inquérito 132, há uma passagem em que um senhor de 52 anos relata, para outro de

60 anos, um episódio de sua vida, envolvendo seu ex-chefe. No seu relato, observamos que o

uso do pronome senhor(a) para se referir ao seu chefe é muito recorrente, embora o

informante demonstre insatisfação com o patrão. A face do chefe é ameaçada, mas o poder

relativo do patrão (BROWN; LEVINSON,1987) faz com que o funcionário utilize recursos

mais polidos, como o pronome senhor(a) para mencioná-lo. Por isso, entendemos que o uso

do(a) senhor(a) é uma estratégia de polidez, usada pelo informante para atenuar o efeito de

suas palavras dirigidas ao patrão, já que ele tem pouca intimidade com o chefe e respeita a

hierarquia no seu trabalho.

Inf. 1 quando é cinco hora eu largava e fazia o mesmo (intinerário)... ia de pés e:: pegava o ônibus na praça... AI ele... vendo aquilo né... ai ele disse W... me chamava de W... W... tu mora lá perto da Bela Vista? eu dou uma carona a você até lá em casa... fica mais perto né? eu disse é:: se o senhor quiser dar... a::i... quando foi outro dia nós tomamo banho cinco hora aí viemo mais ele né... primeiro dia ele num disse nada não... no segundo dia... aí no terceiro dia ele já começou a dar piada sabe?... RAPAZ cês limpa os pés aí que eu comprei esse carro agora... VOCÊS tão SUjando meu carro de AREIA aí... aí eu já tava dentro do carro... me deu vontade de dizer... Seu E. amanhã nos num viemo mais seu C. não... não era desse jeito... o homem tá enricando e tá BESta agora... quando foi no outro dia cinco HOra... terminou o serviço eu tomei BAnho... vesti minha roupa e ( ) da casa né... uma viagem de pés e pega ônibus na praça né... ai quando foi no outro dia... ele me chamou... W. que é seu C.? É:: eu sei que você num foi mais eu ontem... NÃO seu C. num foi nã::o... seu CARRINHO tá NOVINHO... comprou agora... tou sujando seu carro de are::ia... eu num nasci dentro de carro... tenho perna pra ANdar... vou... vou mas não com o senhor... o senhor me desculpe mas eu num vou mais não... o seu carrinho é NOvo... ele RAPAZ o que é ISSO RAPAZ?... num sei o QUÊ... aí eu seu C. é o seguinte... SEnhor quando não tinha NAda... o senhor não era desse jeito

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não como é agora... agora que você tá enricando... tá com essa besTEIra RAPAZ... quer saber de uma coisa? eu num trabalho mais pro senhor NENHUM SEGUNDO... ME DÊ AÍ o que eu tenho diREIto... pague minha SEMAna... e me dê aí...ah... o que eu tenho de direito... ai ele rapaz o que é isso? ai eu disse... é isso mesmo... ai ele foi e me pagou ai eu ((barulho das mãos batendo uma na outra)) NUNca mais eu vi esse homem... cabra besta RApaz...(Inq. 132, grifos nossos)

Tanto no trecho do inquérito 60 quanto no excerto do inquérito 99, que vemos mais

abaixo, os informantes referem-se a pessoas mais velhas que são membros da família ou

consideram da família. O uso do(a) senhor(a) para se referir a essas pessoas é muito

recorrente em nosso corpus.

Inf. 2 todo carinho pra senhora é desse jeito... tudo que ele arranja é pra mim... mas dê pra sua mÃe essa aí é sua mãe eu sou só sua avó... não mas foi a senhora que me criou ele diz desse jeito ( ) a senhora me criou eu dou pra senhora eu sei que ela é minha mãe mas a senhora foi que toda vida deu/ deu cari::nho e e/ e de deu atenção a mim:: (Inq. 60) Inf. 1 fechou o olho eu fui e disse madrinha a senhora olha aí a a I.... que eu vou voltar lá ne (inq. 99)

b) Gênero/sexo

Tabela 64: Atuação do gênero/sexo sobre o pronome o(a) senhor(a) (o(a) senhor(a)x

você)

Aplica/Total % P.R. Feminino 54/359 15 0,628 Masculino 19/424 4,5 0,391

O segundo grupo de fator selecionado foi o gênero/sexo que, conforme a tabela 64,

apresenta as mulheres (15%, 0,628) como aliadas do(a) senhor(a), ao passo que os homens

(4,5%, 0,391) se revelam desfavorecedores desta forma.

Os dados indicam que o(a) senhor(a) é mais recorrente na fala das mulheres que na

fala dos homens. Observa-se que os homens, em uma situação de maior formalidade ou de

não intimidade com seu interlocutor, preferem o uso do você, enquanto as mulheres usam com

mais frequência o pronome senhor(a).

É bom lembrar o fato de que o tipo de inquérito examinado nesta amostra, o D2

(Diálogo entre Dois Informantes), não favorece o uso desse pronome, visto que os

informantes escolhiam com quem conversavam, onde realizavam a gravação e sobre o quê

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falavam. O baixo monitoramento e o alto grau de intimidade não favorecem o uso do(a)

senhor(a), mas ainda assim ele foi produtivo em nossos dados. Isso nos faz pensar que, em

registros mais formais, seu uso deve ser muito mais exacerbado.

c) Escolaridade

Tabela 65: Atuação da escolaridade sobre o pronome o(a) senhor(a) (o(a) senhor(a)x

você)

Aplica/Total % P.R. 0-4 anos 27/198 13,6 0,650 5-8 anos 35/288 12,2 0,636 9-11 anos 11/297 3,7 0,277

A terceira variável selecionada, a escolaridade, revelou que. segundo os pesos da

tabela 65, os menos escolarizados (de 0 a 4 anos, com 0,650; de 5 a 8 anos, com e 0,636) são

favorecedores do pronome senhor(a), ao contrário dos mais escolarizados (de 9 a 11 anos,

com 0,277).

Esses dados mostram que, como esperávamos, quanto menor a escolaridade maior o

uso da forma senhor(a), revelando uma polidez dos nossos informantes. Assim, ao

conversarem com outra pessoa, seja por um cargo superior ao seu, seja pela idade, os

informantes com baixa escolaridade optam por um tratamento mais formal e mais respeitoso

para com o seu interlocutor.

Uma possível explicação para isso está na questão da relação de poder (BROWN;

LEVINSON, 1987). Em relações assimétricas, o falante de menor escolaridade sente-se

inferior ao outro e opta por uma forma para indicar assimetria entre os interlocutores, como

uma maneira de mostrar respeito. Essa preocupação já não ocorre tanto com os mais

escolarizados, como vimos nos resultados. Isso acontece, porque esses indivíduos, sendo os

mais escolarizados da amostra, não se preocupam em tratar o outro de forma diferenciada,

usando um pronome que demonstre simetria entre os interlocutores, mas que é considerado

mais neutro, o você.

d) Função sintática do pronome

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Tabela 66: Atuação da função sintática no pronome o(a) senhor(a) (o(a) senhor(a)x

você)

Aplica/Total % P.R. Vocativo 6/9 66,7 0,992

Predicativo do sujeito 1/2 50 0,979 Adjunto adnominal 2/6 33,3 0,973

Impossível Identificar 1/8 12,5 0,884 Objeto Direto 2/10 20 0,815

Objeto Indireto 6/55 10,9 0,485 Sujeito 55/693 7,9 0,464

A função sintática foi a quarta variável selecionada e, segundo os pesos relativos

apresentados na tabela 66, observamos que o uso do pronome senhor(a) é favorecido, por

ordem de importância, pelas seguintes funções sintáticas: o vocativo (0,992), o predicativo do

sujeito (0,979), o adjunto adnominal (0,973), o objeto direto (0,815) e quando é impossível

identificar o pronome (0,884). Quando o(a) senhor(a) ocupa a posição de sujeito (0,464) ou

de objeto indireto (0,485), ocorre o desfavorecimento do uso desse pronome.

Esperávamos que o(a) senhor(a) fosse favorecido tanto pelo vocativo como pelo

sujeito. No entanto, vimos que o sujeito não favorece o(a) senhor(a). Vale ressaltar aqui que,

na maioria das funções sintáticas, tivemos poucas ocorrências, o que nos faz olhar para os

resultados dos fatores vocativo, predicativo do sujeito, adjunto adnominal, objeto direto e

impossível de determinar a função com bastante cautela.

Infelizmente, não temos dados de outros trabalhos sobre esta variável para compará-

los com os nossos, posto que, em outras localidades estudadas, as pesquisas se limitam em

estudá-lo apenas na função subjetiva.

e) Tempo verbal

Tabela 67: Atuação do tempo verbal sobre o pronome o(a) senhor(a) (o(a) senhor(a)x

você)

Aplica/Total % P.R. Pretérito imperfeito do ind. 5/28 17,9 0,857

Pretérito perfeito do ind. 17/88 19,3 0,837 Pretérito imperfeito do subj. 4/24 16,7 0,782

Futuro do ind. 4/40 10 0,499 Presente do indicativo 32/467 6,9 0,443 Presente do subjuntivo 2/12 16,7 0,454

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Infinitivo pessoal 4/107 3,7 0,259 Imperativo 1/9 11,1 0,242 Sem verbo 4/8 50 0,177

O tempo verbal, quinta variável selecionada, revelou que, de acordo com os pesos da

tabela 67, os tempos verbais que mais favorecem o uso do(a) senhor(a) são: o pretérito

imperfeito do indicativo (0,857), o pretérito perfeito do indicativo (0,837) e o pretérito

imperfeito do subjuntivo (0,782). Já os tempos verbais: futuro do indicativo (0,499), presente

do indicativo (0,443), presente do subjuntivo (0,454), infinitivo pessoal (0,259), imperativo

(0,242) e o fator sem verbo (0,177), desfavorecem o(a) senhor(a).

Esperávamos que os tempos no modo indicativo, assim como ocorreu com o tu, fosse

favorecedor do pronome senhor(a), mas constatamos que o tempo passado foi o maior aliado

do pronome. Tal resultado mostra que os falantes, narrando fatos do passado, usam com mais

frequência o(a) senhor(a). Remeter-se ao passado pode ter favorecido a realização desse

pronome.

Contudo, não podemos deixar de notar mais uma vez a baixa quantidade de dados no

presente do subjuntivo, no imperativo e no fator sem verbo, o que pode ter influenciado o

desempenho destes fatores sobre a variante analisada.

f) Tipo de fala

Tabela 68: Atuação do tipo de fala sobre o pronome o(a) senhor(a) (o(a) senhor(a)x

você)

Aplica/Total % P.R. Religião 5/39 12,8 0,842

Repreensão 2/5 40 0,834 Recordações 8/60 13,3 0,746

Conversa Casual 55/543 10,1 0,599 Fofoca 1/16 6,2 0,207

Conversa sobre relacionamento amoroso

1/34 2,9 0,084

Conversa sobre trabalho 1/90 1,1 0,056

Os resultados para o tipo de fala, sexta variável selecionada, estão disponíveis na

tabela 68 e, com base nos seus pesos relativos, notamos que religião (0,842), repreensão

(0,834) e recordações (0,746) favorecem o(a) senhor(a) de forma bastante expressiva.

Também contribuem com o uso dessa forma as conversas casuais (0,599), enquanto a fofoca

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(0,207), a conversa sobre relacionamento amoroso (0,084) e a conversa sobre o trabalho

(0,056) inibem o seu uso.

Acreditávamos que os fatores religião, repreensão e conversa sobre o trabalho

favorecessem o pronome senhor(a). Assim, nossa hipótese só não se confirmou para conversa

sobre o trabalho, mas devemos observar que, neste fator, só foi encontrada uma ocorrência

para o(a) senhor(a).

O fator recordações também nos surpreendeu, pois não acreditávamos que

apresentasse um comportamento favorecedor da forma senhor(a). As lembranças do passado

distanciam o falante do seu presente, favorecendo esse pronome. É importante notar que, nas

repreensões, em que estão presentes as relações de poder, também favorecem a forma de

maior respeito, pois, segundo Brown e Levinson (1987), quando o falante ameaça a face

negativa do ouvinte, utilizam-se alguns recursos de polidez, para atenuar a ameaça. Tais

recursos seriam aqueles que servem para afastar os interlocutores, como o uso de pronomes,

no nosso caso, o(a) senhor(a).

Quanto à religião, o próprio tema já mostra um distanciamento entre os interlocutores,

o que pode favorecer o uso do pronome senhor(a). As conversas casuais, apesar de

favorecerem esse pronome, não o fazem de forma expressiva como as outras falas.

Devemos ressaltar a baixa frequência de dados no fator repreensão, com apenas cinco

ocorrências ao todo e somente 02 favorecendo o(a) senhor(a). Os fatores fofoca, conversa

sobre relacionamento amoroso e conversa sobre o trabalho apresentam, cada um, apenas uma

ocorrência para o(a) senhor(a). A forma de tratamento senhor(a) é pouco presente nessas

conversas em razão de o grau de intimidade ser muito alto, ou seja, as pessoas já se conhecem

e tem intimidade de conversar sobre diversos assuntos, até pelo fato de os informantes

escolherem com quem e onde vão conversar. O uso de senhor(a) não ficaria adequado nesse

tipo de interação. Enquanto o(a) senhor(a) é mais presente nas conversas mais formais e

menos íntimas, as fofocas e a conversa sobre relacionamento amoroso são, justamente,

conversas mais informais e mais íntimas, favorecendo o tu.

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g) Tipo de relação entre os interlocutores

Tabela 69: Atuação do tipo de relação entre os interlocutores sobre o pronome o(a)

senhor(a) (o(a) senhor(a)x você)

Aplica/Total % P.R. Parcialmente assimétrico 28/209 13,2 0,762

Muito simétrico 41/459 8,9 0,491 Parcialmente simétrico 3/72 4,2 0,152 Totalmente assimétrico 1/43 2,3 0,077

A sétima variável selecionada, cujos pesos relativos aparecem na tabela 69, revela que

somente na relação entre os interlocutores parcialmente assimétrica (0,762), ou seja, mesmo

gênero/sexo, mas idades diferentes, o uso do(a) senhor(a) é favorecido, enquanto os demais

tipos de relação: muito simétrico (0,491), parcialmente simétrico (0,152) e totalmente

assimétrico (0,077) desfavorecem o seu emprego.

No fator totalmente assimétrico (sexo/gênero e idade diferentes), só encontramos um

dado para o(a) senhor(a) entre 43 ocorrências. Também o fator parcialmente simétrico

(sexo/gênero diferente e idade igual) apresentou poucos dados para este pronome, apenas 03

de 72 ocorrências. A distribuição dos dados nestes dois fatores nos leva a constatar que os

informantes com a mesma idade são os maiores desfavorecedores desse pronome, mas,

quando a faixa etária é diferente, o uso do(a) senhor(a) parece ser mais produtivo.

Já esperávamos que a diferença de idade favorecesse o uso do(a) senhor(a), porque

esse pronome, para ser usado, requer formalidade ou pouca intimidade entre os falantes. No

entanto, a nossa hipótese foi apenas parcialmente confirmada, já que pressupúnhamos que

tanto o parcialmente assimétrico como o fator totalmente assimétrico beneficiassem essa

variante. Portanto, nossa expectativa era a de que somente a diferença de idade fosse

importante para o uso do(a) senhor(a). Ao que parece, além da diferença de idade, é

necessário também que os interlocutores sejam do mesmo sexo/gênero.

A idade diferente torna-se um dos fatores que contribuem, para que haja uma relação

de poder (BROWN; GILMAN, 1960). Ela ocorre em relações assimétricas em que um falante

exerce poder sobre o outro. Como, por exemplo, o caso de uma pessoa conversando com uma

mais velha ou um subordinado falando com o seu chefe.

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h) Faixa etária

Tabela 70: Atuação da faixa etária sobre o pronome o(a) senhor(a) (o(a) senhor(a)x

você)

Aplica/Total % P.R. Faixa etária I (15 a 25 anos) 14/241 5,8 0,309 Faixa etária II (26 a 49 anos) 31/265 11,7 0,616

Faixa etária III (a partir de 50 anos)

28/277 10,1 0,560

Os resultados para a oitava variável selecionada, a faixa etária, aparecem na tabela 70

que informa o seguinte: os adultos (faixa II, com 11,7% e 0,616) e os mais velhos (faixa III,

com 10,1% e 0,560) favorecem o uso do(a) senhor(a), diferentemente dos jovens (faixa I,

com 5,8% e 0,309). Assim, as duas faixas com maior idade preferem o tratamento mais

formal, com maior destaque para a faixa intermediária, a dos adultos.

Constata-se que os mais jovens pouco usaram o pronome senhor(a). Em sua maioria,

preferem o uso do você, mesmo para se referirem a pessoas mais velhas. Acreditávamos que

os mais jovens inibissem o uso do(a) senhor(a), já que esse pronome não é tão frequente na

amostra examinada e a polidez seria mais frequente em pessoas mais velhas.

Segue o relato de uma conversa, extraído do inquérito 35 do NORPOFOR, entre um

jovem de 21 anos e seu patrão, feita pelo próprio rapaz a outro informante. Apesar de não

mencionar a idade do ex-chefe, observa-se o respeito do rapaz em relação ao patrão devido à

hierarquia no trabalho.

Inf. 1: e vê que ele não é e sabe que tem alguém que tem capacidade de fazer... algo que:: ultrapasse ele né? ele quer derrubar... assim ele fez comigo quis me derrubar... mas não me derrubou eu saí porque:: eu queria provar pra eles que... não... não precisava dele para aquilo... aí foi na hora que eu peguei meu som... amarrei na minha bicicleta e... fui até a recepção e disse oh R... é... eu estou me demitindo... foi um prazer né? dançar com você... você entendeu aquele percurso todo lá que eu fiquei falando e tal e... detonei né o que eu queria falar falei o que era de errado lá o que era certo que eles não fazem coisas tão certas né?

Os dados mostram que a faixa etária que mais favorece o uso do(a) senhor(a) é a

adulta, aquela mais ativa profissionalmente. Acredita-se que, por usarem mais essa forma no

trabalho, é também a mais usada em outras situações.

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i) Tipo de verbo

Tabela 71: Atuação do tipo de verbo sobre o pronome o(a) senhor(a) (o(a)

senhor(a)x você)

Aplica/Total % P.R. Epistêmico 12/101 11,9 0,719

Estado 16/96 16,7 0,677 Ação 32/420 7,6 0,483

Dicendi 5/40 12,5 0,462 Sem verbo 4/8 50 0,460 Verbo Ter 4/122 3,3 0,257

A última variável selecionada é o tipo de verbo, cujos pesos relativos indicam,

conforme a tabela 71, que os verbos epistêmicos (0,719) e os que indicam estado (0,677)

favorecem o uso do(a) senhor(a). Já os demais verbos: os que indicam ação (0,483), os

dicendi (0,462), quando não há verbo (0,460) e o verbo ter (0,257) inibem o seu uso.

Nossa hipótese era a de que os verbos de ação e os dicendi favorecessem o seu uso, já

que esperávamos que, em falas reportadas, houvesse a maior produção do pronome senhor(a),

mas isso não foi confirmado nos nossos dados.

Os únicos verbos que favorecem o uso do(a) senhor(a) são o epistêmico e o que indica

estado. Conjecturamos que o verbo de ação também favorecesse esse pronome devido a sua

recorrência no corpus, mas observamos que, mesmo com a alta frequência, esse fator inibe a

presença do(a) senhor(a).

No grupo sem verbo, encontramos, ao todo, 08 ocorrências e destas apenas 04

pertencem ao(a) senhor(a), o que não nos permite fazer afirmações conclusivas sobre este

fator.

Acreditamos que as conversas que foram selecionadas como relevantes, recordações,

repreensão e religião, tenham favorecido o aparecimento desses verbos e, consequentemente,

o uso do(a) senhor(a).

Em falas não originais, em que o falante relata algo que já aconteceu, há o

favorecimento do(a) senhor(a). Por se reportar a algo que já se passou, os tempos verbais que

mais favorecem essa forma pronominal são aqueles que indicam o passado. Os assuntos que

mais privilegiaram o(a) senhor(a) foram a repreensão, as recordações e a religião. Esse

pronome ocorre, diferentemente do tu, na forma de vocativo, adjunto adnominal e predicativo

do sujeito. As mulheres, os informantes com escolaridade entre 0 a 8 anos e os indivíduos a

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partir de 26 anos são os que mais beneficiam o(a) senhor(a). Por fim, esse pronome é mais

usado por falantes do mesmo sexo/gênero, mas com idades diferentes.

Sobre a questão de uma possível mudança linguística, ainda não temos subsídios

suficientes para fazermos qualquer afirmação, mas constatamos que esse pronome é muito

produtivo em Fortaleza, visto que foi recorrente apesar do ambiente não ter sido propício ao

seu aparecimento.

7. 2 FORMAS DE TRATAMENTO NOMINAIS

Na segunda parte desta análise, estudaremos o comportamento daquelas formas

nominais que só ocorreram como vocativo, mas apresentaram uma frequência de uso

considerável nos nossos dados e, por isso, achamos relevante estudá-las, a fim de sabermos

quais grupos de fatores condicionam seu uso. Estamos nos referindo às formas: macho,

mulher, rapaz, minha/meu filho(a), cara, meu amigo, amiga, menino(a) e meu irmão.

Lembramos aqui que, na primeira parte desta análise, encontramos o(a) senhor(a)

muito recorrente como vocativo, mas esta variante não será contemplada aqui pelo fato de

esta forma puder atuar em outras posições. Por isso, decidimos analisá-la em 7.1.1.

Submetidos os nossos dados ao GoldVarb X, obtivemos 908 ocorrências, distribuídas

pelas onze variantes analisadas: macho com 354 ocorrências (39%), mulher com 244

realizações (26,9%), rapaz com 154 dados (17%), cara com 47 ocorrências (5,2%), minha

filha com 39 realizações (4,3%), amiga com 30 ocorrências (3,3%), meu amigo com 14

realizações (1,5%), menina com 13 realizações (1,3%), meu filho com 10 ocorrências (1,1%),

meu irmão com 2 dados (0,2%) e menino somente com 1 dado (0,1%). O gráfico 16 nos dá a

visualização da distribuição destas formas, com exceção das duas últimas em virtude da

escassez de dados.

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Gráfico 16: Percentuais obtidos para cada variante apenas na função de vocativo

Nesta amostra, observamos que a variante macho (39%) é a mais recorrente de todas e

a forma mulher (26,9%) aparece com a segunda maior frequência de uso. A forma rapaz

(17%) aparece como a terceira mais usada, seguida das variantes cara (5,2%) e minha filha

(4,3%). As formas meu amigo, menina, meu filho, meu irmão e menino apresentaram um

número inexpressivo de dados, 14, 13, 10, 02 e 01, respectivamente, e, por isso, não pudemos

efetuar análises binárias com estas formas, mas, para todas as outras, foram realizadas

rodadas.

Devemos esclarecer que, neste estudo, não fizemos distinção entre as variantes

fonéticas macho, má, mar, mancho e man, encontradas na nossa amostra, pois todas foram

consideradas, para que tivéssemos um número maior de dados para a forma macho. Do

mesmo modo e pelo mesmo motivo, não distinguimos entre as formas: rapaz, rapá e rapaiz;

mulher, muié e mulé; minha filha e mia fia, meu irmão e mermão.

Infelizmente, não podemos comparar os resultados obtidos aqui com os de outras

localidades, porque os trabalhos já realizados se limitam a observar apenas a alternância dos

pronomes tu, você, cê, ocê e o(a) senhor(a).

Para desenvolver esta segunda parte da análise, fizemos rodadas binárias com as

formas mais frequentes: macho x rapaz, mulher x minha filha, cara x macho e rapaz x cara.

Com a forma amiga, apesar de recorrente, não foi possível fazer uma análise tendo em

vista que somente uma informante a utilizou.

A seguir, mostraremos cada uma das análises binárias realizadas.

39%

26,9%

17%

5,2% 4,3% 3,3% 1,5% 1,3% 1,1% macho

mulher rapaz cara minha filha amiga meu amigo menina meu filho

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7.2.1 MACHO X RAPAZ

Para macho x rapaz, na primeira análise, foram registrados 508 dados. No entanto,

encontramos nocautes em vários fatores: a) na escolaridade mais alta (entre nove a onze

anos), não houve ocorrência para macho (51 dados para rapaz); b) em relação à posição do

verbo, quando o verbo é dado pelo contexto, não ocorreu dado para macho (01 dado para

rapaz); c) nas locuções verbais, não tivemos dado para macho (02 para rapaz); d) na

polaridade, em frases sem verbo, só houve registro para macho (02 dados); e) no futuro do

indicativo e no modo imperativo, não ocorreu dados para macho (01 e 02 dados,

respectivamente, para rapaz) e, no pretérito imperfeito do indicativo, não houve dado para

rapaz (01 para macho); f) nos verbos dicendi e naqueles que indicam estado, não encontramos

dados para macho (01 e 04 dados para rapaz, respectivamente); g) nos totalmente

assimétricos e parcialmente simétricos (mesma idade, sexo diferente), só tivemos dados para

rapaz (15 e 09 dados); h) na faixa etária de 50 anos em diante só teve ocorrência para rapaz

(51 dados para rapaz). Na variável grau de intimidade, apareceu um singleton group, pois não

houve dados para macho (14 dados para rapaz) no fator baixo grau de intimidade, o que nos

fez excluir essa variável.

Feitas as exclusões, mencionadas acima, restaram, na segunda rodada, 441 dados, com

os quais efetuamos a segunda rodada que ainda apresentou: a) nocautes em dois fatores:

formas que estão depois do verbo (05 ocorrências para macho) e tipo de fala que indica

repreensão (05 dados para macho); b) singleton group em duas variáveis: no tempo verbal,

devido à ausência de dados para rapaz no presente do indicativo e no pretérito perfeito do

indicativo; e no tipo de verbo, pois não tivemos dados de rapaz nos verbos que indicam ação

e nos verbos epistêmicos. Com a exclusão dos nocautes e dos singleton groups, obtivemos

438 ocorrências na terceira rodada, distribuídas assim: 341 dados para macho (77,9%) e

apenas 97 (22,1%) para rapaz.

Gráfico 17: Percentuais obtidos para as variantes macho e rapaz após a retirada dos

nocautes

77,90%

22,10% macho rapaz

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Submetidos os 341 dados ao GoldVarb X, vimos que o melhor step up foi o 58 (Input

0.847, Log likelihood = -167.081, Significance = 0.011). Das 12 variáveis submetidas à

análise, seis foram selecionadas pelo programa. São elas, por ordem de maior relevância:

faixa etária, tipo de fala, paralelismo, tipo de relato, escolaridade e grau de simetria. Vale

salientar que o grau de intimidade entre os informantes, o tipo de verbo e o tempo verbal

foram excluídos, já na segunda rodada. Os grupos de fatores: sexo/gênero, entonação,

referência do pronome, posição em relação ao verbo, estrutura do verbo, polaridade e efeito

gatilho não foram selecionados pelo programa.

A seguir, veremos cada variável selecionada por ordem de importância.

a) Faixa etária

Tabela 72: Atuação da faixa etária sobre a forma macho (macho x rapaz)

Aplica/Total % P.R. Faixa etária I (15 a 25 anos) 284/315 90,2 0,663 Faixa etária II (26 a 49 anos) 57/123 46,3 0,150

A faixa etária foi considerada a variável mais relevante de todas. Seus resultados,

expostos na tabela 72, apontam que a faixa etária que mais favorece o uso do macho é a mais

jovem (15 a 25 anos), com 90,2% e 0,663, ao passo que a faixa dos adultos (26 a 49 anos)

desfavorece seu emprego, com 46,3% e 0,150. Vale lembrar que a faixa etária mais velha

(mais de 50 anos) foi retirada devido à falta de dados para macho.

Assim como esperávamos, a faixa etária que mais favorece o uso do macho é a dos

mais jovens. Não houve ocorrência dessa forma na fala dos mais velhos, mas ocorreu um

número significativo do rapaz na faixa etária acima de 49 anos, Dessa forma, a variante

macho foi incorporada à fala de nossos informantes jovens, sinalizando uma mudança

linguística em curso.

O trabalho de Soares (1980) sobre o falar de Fortaleza apresenta algumas formas de

tratamento recorrentes em seu estudo, “doutor, menino, meu filho, chefe, conterrâneo,

bichinha, rapaz, homem, Dona M, minha velha ou o nome ou apelido do interlocutor”

(SOARES, 1980, p.80), mas a forma macho, muito frequente em nossa pesquisa, não é

mencionada neste estudo.

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b) Tipo de fala

Tabela 73: Atuação do tipo de fala sobre a forma macho (macho x rapaz)

Aplica/Total % P.R. Observações

irônicas/brincadeiras 20/21 95,2 0,728

Recordações 12/22 54,5 0,717 Conversa sobre relacionamento

amoroso 27/29 93,1 0,710

Fofoca 26/28 92,9 0,577 Conversa Casual 236/299 78,9 0,483

Conversa sobre trabalho 20/39 51,3 0,194

A segunda variável selecionada foi o tipo de fala que se refere aos assuntos abordados

pelos interlocutores na nossa amostra. De acordo com os pesos relativos da tabela 73, as

observações irônicas/brincadeiras (0,728), assim como as recordações (0,717) e as conversas

sobre relacionamento amoroso (0,710) favorecem de forma expressiva o uso do macho. A

fofoca (0,577), embora apresente um peso relativo menos expressivo que os demais, também

atua positivamente sobre a aplicação do macho. A conversa casual (0,483) e a conversa sobre

o trabalho (0,194) inibem o uso dessa forma de tratamento.

Hipotetizávamos que as conversas de maior intimidade, como as observações

irônicas/brincadeiras, as conversas sobre relacionamento amoroso e a fofoca, favorecessem o

uso do macho. Além de a nossa hipótese ter sido confirmada, notamos que as recordações

também se mostraram favorecedoras do emprego do macho. Nas conversas sobre o passado,

em que o informante tem domínio do assunto e confia no seu interlocutor, a presença do

macho torna-se mais evidente. Assim, fica claro que quanto mais à vontade fica o falante,

maior é o favorecimento dessa variante.

c) Paralelismo formal

Tabela 74: Atuação do paralelismo formal sobre a forma macho (macho x rapaz)

Aplica/Total % P.R. Não primeiro da série 59/66 89,4 0,747

Primeiro da série 48/56 85,7 0,689 Isolado 234/316 74,1 0,409

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204

O paralelismo formal foi a terceira variável selecionada nesta rodada. De acordo os

pesos relativos da tabela 74, o primeiro da série (0,689) e o não primeiro da série (0,747) são

favorecedores da variante macho, sendo que o segundo fator atua de forma mais acentuada

sobre a variante. A forma isolada (0,409) inibe essa forma de tratamento.

Conforme esperávamos, a repetição da forma pelo interlocutor no mesmo turno

favorece o emprego do macho, enquanto a forma isolada desfavorece a variante, beneficiando

o uso do rapaz. Neste caso, a presença do paralelismo favorece o aparecimento da forma

macho. Assim, quando ocorre a presença dessa variante na fala no informante, há mais chance

de ela reaparecer na mesma fala.

d) Tipo de relato

Tabela 75: Atuação do tipo de relato sobre a forma macho (macho x rapaz)

Aplica/Total % P.R. Original 336/423 79,4 0,513

Reportada 5/15 33,3 0,179

O tipo de relato, quarto grupo de fatores selecionado, encontra-se assim dividido:

relato original e relato reportado. O primeiro ocorre quando os interlocutores conversam

usando a sua fala, enquanto o segundo refere-se à fala que já ocorreu e eles a retomam. De

acordo com os pesos relativos da tabela 75, a fala original (0,513) favorece o uso do macho,

no entanto, de modo bastante discreto, ao passo que a fala reportada (0,179), nitidamente,

inibe o seu emprego.

Como conjecturávamos, a fala original favoreceu, mas, de forma muito branda, o uso

do macho, enquanto a fala reportada a desfavorece. Atribuímos tal resultado ao fato de que,

na conversa, entre nossos informantes, as formas de tratamento são bastante recorrentes, mas

o macho só é usado quando há um alto grau de intimidade.

Considerando todas as formas de tratamento presentes em nossa amostra, encontramos

um total de 853 falas originais, mas apenas 55 reportadas, sendo que 33 dessas eram

ocorrências da forma rapaz. Constatamos que o nosso informante prefere, no caso de fala

reportada, usar o rapaz, forma mais aplicada quando temos baixo grau de intimidade.

A forma macho não foi encontrada em situação de baixo grau de intimidade em nossos

dados. Vale reforçar que, apesar de a variante rapaz ocorrer em situações de baixa intimidade,

isso não significa que ela apareça em relações assimétricas. Soares (1980, p. 56) explica que

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“há assim forma neutras de igual para igual usadas para expressar informalidade como moço,

rapaz, chefe, amigo, colega, e, com frequência, o nome próprio” (grifo nosso). O rapaz

funciona como uma forma neutra de tratar o seu interlocutor, sem distanciá-lo, nem aproximá-

lo demais.

e) Escolaridade

Tabela 76: Atuação da escolaridade sobre a forma macho (macho x rapaz)

Aplica/Total % P.R. 0-4 anos 154/190 81,1 0,335 5-8 anos 160/214 74,8 0,629 9-11 anos 27/34 79,4 0,626

A escolaridade foi selecionada como a quinta variável que mais influencia a forma

macho. Seus pesos relativos, expostos na tabela 76, revelam que o macho é, de forma

inequívoca, favorecido pelos falantes de maior escolaridade (0,626) e média escolaridade

(0,629), ao passo que os de menor escolaridade desfavorecem o seu uso (81,1%, 0,335).

Acreditávamos que essa forma fosse favorecida pelo menos escolarizados, mas isso

não se confirmou nos nossos dados, pois os informantes com a menor escolaridade foram os

únicos que inibiram a realização do macho. Como os mais escolarizados são os que mais

utilizam essa forma de tratamento, podemos dizer que essa variante, mesmo sendo usada

quando há um alto grau de intimidade, não é estigmatizada pelos nossos informantes.

Atribuímos o uso frequente da forma macho em nossos dados ao fato de essa variante

ser uma marca identitária do falar cearense, tal como podemos observar no blog do suricate

seboso (http://blogdosuricate.com.br/44

). Em razão disso, acredita-se que essa forma não seja

estigmatizada pelo fortalezense.

44 Os dados do facebook (https://www.facebook.com/suricateseboso) mostram que até o dia 25 de março de 2014 1.517.824 internautas gostaram do facebook do suricate e há 426.210 falando sobre o suricate seboso. Essa página do facebook foi desenvolvida pelo Diego Jovino, como forma de representar suas lembranças da época de escola, os costumes locais, as brincadeiras de criança, o lazer dos jovens, as relações familiares e a fala de sua comunidade. Tal página adquiriu notoriedade, em virtude de os cearenses se identificarem com a forma de falar dos seus personagens. A forma macho é muito recorrente na fala dos personagens criados pelo autor da página.

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206

f) Grau de simetria entre os informantes

Tabela 77: Atuação do grau de simetria entre os informantes sobre a forma macho

(macho x rapaz)

Aplica/Total % P.R. Totalmente simétrico 166/230 72,2 0,398

Parcialmente assimétrico 175/208 84,1 0,612

O grau de simetria que se refere ao sexo/gênero e idade do falante foi o último grupo

de fatores selecionado. Os pesos relativos da tabela 77 indicam que o fator parcialmente

assimétrico (sexo/gênero igual e idade diferente) favorece o uso do macho (0,612), enquanto o

totalmente simétrico inibe o seu emprego (0,398).

Nossa hipótese inicial era que tanto o totalmente simétrico e o parcialmente

assimétrico favorecessem a aplicação do macho. No caso, essa forma estaria relacionada à

fala de homens para homens, independentemente de sua idade.

Os fatores totalmente assimétrico (sexo/gênero e idade diferentes) e parcialmente

simétrico (sexo/gênero diferente e idade igual) foram excluídos de nossa análise por não

encontrarmos ocorrências do macho para tais fatores. Acreditamos que isso tenha ocorrido

porque o macho não é usado frequentemente por mulheres, muito menos por mulheres

falando com mulheres. Aliás, isso foi encontrado apenas duas vezes para macho. No entanto,

ele é muito usado por homens. Dessa forma, independentemente da idade, contanto que os

falantes tenham o mesmo sexo/gênero masculino, haverá o favorecimento do uso do macho.

A forma macho é característica peculiar da fala do cearense, usada, principalmente,

por homens em relações solidárias, mas ocorre também na fala das mulheres, embora de

maneira menos intensa. Este não é um tratamento estigmatizado, visto que os mais jovens e os

mais escolarizados são os que mais utilizam a variante macho. Na verdade, sua recorrência é

crescente, uma vez que os mais velhos não a produzem, o que dá indícios de que se trata de

uma mudança em progresso. O seu uso marca a identidade de quem a realiza como cearense,

por isso, muito recorrente e valorizado pelo fortalezense.

7.2.2. CARA X MACHO

Na rodada feita para cara x macho, tínhamos, inicialmente, 401 ocorrências. No

entanto, tivemos alguns nocautes, o que nos fez eliminar alguns fatores: a) posição da forma

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em relação ao verbo, depois do verbo (06 dados para macho); b) polaridade, nos enunciados

com a forma isolada, não houve casos de cara (02 dados para macho); c) no tempo verbal45

Na segunda rodada, com a exclusão dos nocautes e dos singleton groups, obtivemos

343 dados, mas ainda tivemos que retirar uma variável, o tipo de verbo, visto que o presente

do indicativo não tinha dados para macho (03 ocorrências para cara). Com essa nova retirada,

na terceira rodada, contamos com 331 ocorrências das formas de tratamento, distribuídas da

seguinte forma: 17,9% para cara (46 ocorrências e 86,1% para macho (285 ocorrências),

como podemos ver no gráfico 18.

,

no pretérito perfeito e pretérito imperfeito do indicativo não ocorreu casos de cara (01 dado

para macho em cada fator); d) tipo de verbo, epistêmico (01 dado para macho) e verbo que

indica estado (01 dado para cara); e) tipo de fala, repreensão (05 dados para macho);

brincadeiras/observações irônicas (20 dados para macho); fofoca (26 dados para macho);

recordações (12 dados para macho); religião (01 dado para cara). Surgiram singleton groups

em algumas variáveis que, por isso, foram retiradas da rodada. Foram elas: a) o tipo de relato

por não ter havido casos de cara no discurso reportado; b) o efeito gatilho por não

encontrarmos dados quando há efeito para cara; c) o grau de intimidade que não teve casos

para macho em baixo grau de intimidade.

Gráfico 18: Percentuais obtidos para as variantes cara e macho após a retirada dos

nocautes

Submetemos os 331 dados ao programa e verificamos que o step up 25 (Input 0.034,

Log likelihood = -68.493, Significance = 0.022) foi o melhor da rodada. Das nove variáveis

submetidas à análise do GoldVarb X, sexo/gênero, faixa etária, escolaridade, posição da

forma em relação ao verbo, estrutura do verbo, paralelismo formal, entonação, grau de

45 Só tivemos aqui quarto tipos de tempo verbal: presente do indicativo, pretérito perfeito do indicativo, pretérito imperfeito do indicativo, e quando não há verbo.

17,90%

86,10% cara

macho

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simetria entre os interlocutores e tipo de fala, apenas três foram selecionadas pelo programa,

na ordem de relevância: escolaridade, sexo/gênero e tipo de fala, que serão analisados a

seguir, obedecendo a esta ordem. Os demais grupos de fatores: faixa etária, posição da forma

em relação ao verbo, estrutura do verbo, paralelismo formal, entonação e grau de simetria

entre os interlocutores não foram selecionados pelo GoldVarb X.

a) Escolaridade

Tabela 78: Atuação da escolaridade sobre a forma cara (cara x macho)

Aplica/Total % P.R. 0 a 4 anos 2/132 1,5 0,264

5 a 8 anos 8/136 5,9 0,299 9 a 11 anos 36/63 57,1 0,982

A primeira variável selecionada foi a escolaridade. Os pesos relativos da tabela 78

mostram que a única escolaridade aliada do uso da forma cara é a de 9 a 11 anos, com 0,982,

enquanto as demais desfavorecem o seu uso (de 0 a 4 anos: 0,264 e de 5 a 8 anos: 0,299).

Hipotetizávamos que os falantes de baixa escolaridade seriam os maiores aliados dessa

forma, mas isso não foi confirmado. Somente os mais escolarizados beneficiam a variante

cara e fazem isso de modo quase categórico. Acreditamos que tal fato ocorra porque os mais

escolarizados são os que possuem mais segurança ao falar, consequentemente, podem usar

mais as formas consideradas não padrão.

b) Sexo/gênero

Tabela 79: Atuação da escolaridade sobre a forma cara (cara x macho)

Aplica/Total % P.R. Masculino 40/322 12,4 0,465

Feminino 6/9 66,7 0,993

O sexo/gênero ocupou a segunda posição entre as variáveis selecionadas. Na tabela

79, os dados mostram que as mulheres favorecem o uso do cara (0,993), enquanto os homens

privilegiam o uso do macho (0,465), o que contraria a nossa hipótese inicial.

Tal resultado pode ter ocorrido, porque encontramos seis ocorrências de mulheres se

referindo a outra mulher com a forma cara. Contudo, ressaltamos a baixa quantidade de dados

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das duas formas usadas pelas mulheres, o que nos faz crer que não são muito produzidas por

elas.

c) Tipo de fala

Tabela 80: Atuação da escolaridade sobre a forma cara (cara x macho)

Aplica/Total % P.R. Conversa sobre trabalho 5/25 20 0,898

Conversa sobre relacionamento amoroso

1/28 13,9 0,763

Conversa casual 40/278 14,4 0,422

A terceira e última variável selecionada foi o tipo de fala. Os pesos mostram, na tabela

80, que conversa sobre o trabalho (0,898) e conversa sobre relacionamento amoroso (0,763)

beneficiam o uso do cara, enquanto as conversas casuais inibem o seu uso (0,422).

Esperávamos que a repreensão e as conversas sobre o trabalho fossem aliadas dessa

variante. No entanto, não tivemos nenhum dado para cara em repreensão, mas as conversas

sobre trabalho a favoreceram, confirmando, parcialmente, nossa hipótese.

A forma cara não é específica do falar de Fortaleza, mas ocorre com certa frequência.

Os dados mostraram que os mais escolarizados foram os que mais favoreceram o seu uso,

assim como, de forma surpreendente, as mulheres também. Das formas que são mais usadas

para se referir a homens, cara foi a mais usada pelas mulheres para se referir a outra mulher.

As duas formas, sendo solidárias, são usadas sempre em relações de alto grau de intimidade.

7.2.3. MULHER X MINHA FILHA

Na primeira rodada realizada para mulher x minha filha, obtivemos 283 dados. No

entanto, vimos que sugiram nocautes, porque não foram encontrados dados para minha filha

nos fatores: posição do pronome depois do verbo (com 04 dados para mulher); locuções

verbais (com 01 dado para mulher); imperativo (com 01 dado para mulher); futuro do

indicativo (com 01 ocorrência para mulher); tipo de verbo, os dicendi (01 dado para mulher) e

os que indicam estado (03 dados para mulher); tipo de fala, as conversas amorosas (com 05

dados para mulher), recordações (com 03 dados para mulher) e conversas sobre trabalho (04

dados para mulher). Não houve dados para mulher no grau de simetria, parcialmente simétrico

(com 01 dado para minha filha). Todos estes nocautes foram excluídos, bem como o singleton

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group que apareceu nas variáveis: paralelismo, retirada por não ocorrer casos para minha

filha, com primeiro da série nem não primeiro da série; e grau de intimidade, que só

apresentou dados no fator alto grau de intimidade para as duas formas.

Sem nocautes e sem singleton groups, na segunda rodada, restaram 261 dados, mas

tivemos de fazer uma terceira rodada, porque apareceu um singleton group na variável

entonação por não haver dados em frases interrogativas para minha filha (12 dados para

mulher). Eliminada a variável, ainda ficamos com 261 ocorrências, sendo 223 ocorrências

para mulher (85,4%) e 38 para minha filha (14,6%), como podemos ver no gráfico 19.

Gráfico 19: Percentuais obtidos para as variantes mulher e minha filha após a retirada

dos nocautes

Os 261 dados foram submetidos ao GoldVarb X que apresentou o step up 15 (Input

0.890, Log likelihood = -92.597, Significance = 0.004) como o melhor da rodada. Dos 12

grupos de fatores submetidos à análise, apenas dois foram selecionados pelo programa. São

eles, por ordem de maior relevância: faixa etária e escolaridade. Vale salientar que, antes de

efetuarmos esta rodada, três variáveis foram excluídas em função da ausência de dados: grau

de intimidade entre os informantes, paralelismo e entonação. Já os grupos de fatores:

sexo/gênero, posição da forma em relação ao verbo, estrutura de verbo, tipo de discurso,

tempo verbal, tipo de verbo, grau de simetria, tipo de fala, polaridade e efeito gatilho não

foram selecionados pelo programa.

A seguir, analisaremos cada variável selecionada por ordem de relevância.

a) Faixa etária

Tabela 81: Atuação da faixa etária sobre a forma mulher (mulher x minha filha)

Aplica/Total % P.R. Faixa etária I (15 a 25 anos) 110/117 94 0,749 Faixa etária II (26 a 49 anos) 105/129 81,4 0,314 Faixa etária III (mais de 50

anos) 8/15 53,3 0,138

83,30%

16,70%

mulher

minha filha

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A faixa etária foi selecionada como a mais relevante de todas. Como podemos ver na

tabela 81, os pesos relativos indicam que a faixa etária que mais favorece o uso da forma

mulher é a mais jovem (15 a 25 anos), com 0,749. Já a faixa etária dos adultos (26 a 49 anos)

desfavorece seu uso, com 0,314, bem como a faixa dos mais velhos (mais de 50 anos) que é a

que mais inibe o uso dessa forma de tratamento, com 0,138.

Nossa expectativa era a de que o uso da mulher fosse beneficiado na fala dos

informantes mais jovens, enquanto minha filha fosse privilegiado na fala dos mais velhos.

Considerando a teoria de poder e solidariedade, de Brown e Gilman (196), tal hipótese foi

confirmada e atribuímos isso ao fato de que o termo mulher indica uma relação de

solidariedade, de simetria, enquanto minha filha, associado à relação familiar, sugere uma

relação, apesar de próxima, assimétrica, de cima para baixo.

Soares (1980, p.56) diz que “a expressão meu filho ou minha filha é bastante comum

da parte de pessoas mais velhas para mais jovem, independentemente do sexo.” Nossos dados

mostram que essa forma continua sendo mais usada por pessoas mais velhas.

Já a forma mulher possui um uso acentuado pelas mulheres mais jovens, sendo ela

característica de relações de solidariedade entre informantes do sexo/gênero feminino.

b) Escolaridade

Tabela 82: Atuação da escolaridade sobre a forma mulher (mulher x minha filha)

Aplica/Total % P.R. 0 a 4 anos 14/19 73,7 0,402

5 a 8 anos 77/84 91,7 0,741 9 a 11 anos 132/158 73,7 0,375

A segunda e última variável que mais influencia a forma mulher foi a variável

escolaridade. Os pesos deste grupo revelam que a mulher é favorecida apenas pelos falantes

de escolaridade média (0,741), já que tanto os de menor escolaridade (0,402) como os de

maior escolaridade (0,375) inibem o seu uso, como indica a tabela 82.

Esperávamos que os dois primeiros níveis de escolaridade (0 a 4 e 5 a 8 anos)

favorecessem o uso da mulher. No entanto, para nossa surpresa, o único fator favorecedor foi

a escolaridade de 5 a 8 anos.

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O que se observa nestes dados é que a forma mulher não é estigmatizada, pois, apesar

de os falantes mais escolarizados não a favorecerem, os que possuem escolaridade mediana a

beneficiam de forma muito expressiva. O uso das duas formas só ocorreu em situação de alto

grau de intimidade entre as mulheres. Isso revela que, nas relações solidárias, as mulheres de

escolaridade mediana preferem o uso da forma mulher.

As formas mulher e minha filha são específicas para mulheres e ocorrem em relações

de solidariedade. Encontramos na nossa análise apenas seis ocorrências para mulher falada

por homens e duas para minha filha, comprovando que essas formas de tratamento são usadas

preferencialmente por mulheres.

O uso destas formas se apresenta de maneira diferenciada entre as faixas etárias:

enquanto os mais velhos usam minha filha, as mais jovens preferem usar o mulher. O uso

desta forma, mulher, também pode ser uma forma de marcar o grupo, como uma questão

identitária, posto que em Fortaleza é natural esse tipo de tratamento, não sendo considerado

pejorativo, já em outros lugares pode ser tachado como vulgar usar a forma mulher para se

referir a outra pessoa do sexo/gênero feminino.

7.2.4. RAPAZ X CARA

Na rodada inicial feita para rapaz x cara, tivemos 201 dados, mas, como ocorreram

nocautes, foi preciso excluirmos os seguintes fatores, por não apresentarem dados para cara:

a) escolaridade entre 9-11 anos (51 dados para rapaz), b) posição depois do verbo (02 dados

para rapaz), c) verbo recuperado pelo contexto (01 dado para rapaz), d) locuções verbais (02

dados para rapaz), e) futuro do indicativo (01 dado para rapaz), f) modo imperativo (02 dados

para rapaz), g) pretérito perfeito (01 dado para rapaz), h) verbo dicendi (01 dado para rapaz),

i) verbo epistêmico (01 dado para rapaz), j) totalmente assimétrico (15 dados para rapaz), k)

parcialmente simétrico (09 dados para rapaz), l) repreensão (05 dados para rapaz), m)

recordações (17 dados para rapaz), n) brincadeira/observações irônicas (04 dados para rapaz),

o) fofocas (02 dados para rapaz). Somente o fator religião (01 dado para cara) foi excluído

por não ter ocorrido dados para rapaz. Além disso, foi registrado dois singleton groups: um

na variável tipo de relato, por ter apresentado, no fator discurso reportado, 33 dados apenas

para rapaz e outro, no efeito gatilho, possuindo apenas dados para rapaz (21 ocorrências)

para com efeito gatilho.

Na segunda rodada, após as exclusões detalhadas acima, restaram 130 dados, mas,

ainda, ocorreram singleton groups, em duas variáveis: a) tempo verbal, por só ter dados (03)

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para cara no presente do indicativo; b) tipo de verbo, onde os verbos que indicam ação (02

dados para cara) e os que indicam estado (01 dado para cara) não apresentaram dados para

rapaz. Após a exclusão destes dois grupos de fatores, ainda contabilizando 130 dados,

distribuídos da seguinte forma: 84 para rapaz (64,6%) e 46 para cara (35,4%), como podemos

visualizar no gráfico 20.

Gráfico 20: Percentuais obtidos para as variantes rapaz e cara após a retirada dos

nocautes

Submetidos os 130 dados à análise do GoldVarb X, vimos que o step up 32 (Input

0.867, Log likelihood = -29.989, Significance = 0.017) foi o melhor da rodada. Dos 11 grupos

de fatores submetidos à análise, apenas 04 foram selecionados pelo programa. São eles, por

ordem de relevância: escolaridade, sexo/gênero, faixa etária e posição da forma em relação ao

verbo. Já as variáveis: estrutura de verbo, grau de simetria, grau de intimidade, tipo de fala,

paralelismo, polaridade e entonação não foram selecionados pelo programa. Não devemos

esquecer que, antes de concluirmos a atual rodada, quatro grupos de fatores: tipo de verbo,

tempo verbal, tipo de relato e efeito gatilho, foram excluídos por terem se revelado singleton

groups. A seguir, veremos cada variável selecionada por ordem de relevância.

a) Escolaridade

Tabela 83: Atuação da escolaridade sobre a forma rapaz (rapaz x cara)

Aplica/Total % P.R. 0 a 4 anos 32/34 94,1 0,847

5 a 8 anos 45/53 84,9 0,731 9 a 11 anos 7/43 16,3 0,070

64,60%

35,40%

rapaz

cara

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A escolaridade foi a primeira variável selecionada. Os resultados desta variável, de

acordo com a tabela 83, indicam que a menor escolaridade é a que mais favorece o uso de

rapaz (94,1% e 0,847), bem como a escolaridade média (84,9% e 0,731), enquanto os mais

escolarizados são os que inibem o uso do rapaz (16,3% e 0,070).

Os nossos dados apontam que os falantes de menos escolaridade são aqueles que mais

favorecem o uso do rapaz. Acreditamos que seja uma forma neutra, conforme Soares (1980,

p.56) expõe: “há assim formas neutras de igual para igual usadas para expressar informalidade

como moço (a), rapaz, chefe, amigo, colega, e, com frequência, o nome próprio” (grifos da

autora).

Dessa maneira, observa-se que rapaz, usado principalmente pelos menos

escolarizados, ocorre em situação de alta intimidade de forma neutra.

b) Sexo/gênero

Tabela 84: Atuação do sexo/gênero sobre a forma rapaz (rapaz x cara)

Aplica/Total % P.R. Masculino 82/122 67,2 0,562 Feminino 2/8 25 0,022

O sexo/gênero foi o segundo grupo de fatores selecionado. Na tabela 84, os pesos

relativos mostram que os homens são aqueles que mais favorecem o uso do rapaz (67,2% e

0,562), enquanto as mulheres (25% e 0,022) desfavorecem o seu emprego.

Quando estão em uma relação de solidariedade, os homens preferem a variante rapaz,

forma considerada neutra, como já dizia Soares (1980). No entanto, salientamos que nosso

estudo revela que, no grau de simetria, as duas formas não estão presentes em nenhuma

conversa envolvendo mulher e homem, pois os interlocutores estão sempre se relacionando

com pessoas do mesmo sexo/gênero, quando a usam.

Além disso, a quantidade de dados mostra que essas formas são pouco produzidas por

mulheres, visto que encontramos apenas oito no total.

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c) Faixa etária

Tabela 85: Atuação da faixa etária sobre a forma rapaz (rapaz x cara)

Aplica/Total % P.R. Faixa etária I (15 a 25 anos) 30/72 41,7 0,148 Faixa etária II (26 a 49 anos) 54/58 93,1 0,898

A faixa etária foi selecionada como a terceira variável. Os pesos da tabela 85 mostram

que a faixa etária dos adultos é a única que favorece (0,898) a variante rapaz e que os mais

jovens (0,148) são aqueles que inibem seu uso.

Considerando que os homens foram o que mais produziram a forma rapaz, os

resultados mostram que essa variante é muito mais usada em relações de solidariedade entre

falantes do gênero masculino e que os homens adultos preferem formas mais neutras a formas

mais características de determinada idade, como cara. Desse modo, podemos dizer que,

enquanto os mais jovens preferem formas que marquem a idade, os de idade mediana (os

adultos) preferem usar formas mais neutras.

d) Posição em relação ao verbo

Tabela 86: Atuação da posição em relação verbo sobre a forma rapaz (rapaz x cara)

Aplica/Total % P.R. Isolado 83/126 65,9 0,532

Antes do verbo 1/4 25 0,018

A última variável selecionada foi a posição da forma em relação ao verbo. Os dados

mostram, conforme podemos ver na tabela 86, que a forma rapaz é, levemente, favorecida

quando vem isolada (0,532), ao contrário do que acontece quando vem antes de verbo (0,018).

Importante também dizer que o fator isolado apresenta um peso relativo quase neutro.

Observamos que o uso antes do verbo é pouco produtivo para as duas variantes, rapaz e cara,

pois, de um total de 04 dados, só um pertencia à variante rapaz. Tal resultado pode ter

ocorrido porque só foi computado verbo quando este poderia concordar com o pronome tu ou

você. Observamos que estas duas formas ocorrem mais quando o verbo não se refer ao

vocativo, como podemos ver logo abaixo.

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Inf. 1: aí tem que ser golaço logo dele aí diz que o cara comentarista disse assim... diz que o o torcedor do Fortaleza passou embriagado aí chegou pra ele o cara diz “rapaz tu assistiu o jogo?” aí o o torcedor “rapaz assisti quanto é que foi?” “rapaz foi de dois a um pro Fortaleza” aí o cara que conversa que foi de dois a um pro Forta/ “tá ficando doido macho dois a um pro Fortaleza de quem foi o gol me diga aí diga aí de quem foi o gol?” aí o menino disse “né um do/ do/ do Fortaleza um do Cruzeiro e o outro do Fortaleza né (Inq. 14)

Nota-se que os homens em fase adulta e de menor escolaridade são os maiores

favorecedores dessa forma de tratamento. No entanto, não podemos dizer que essa forma é

estigmatizada pela população, pois ocorre de forma neutra, em geral, em relações de

solidariedade. Mulheres também a usam, conforme vimos nos nossos inquéritos, mas seu uso

é muito reduzido.

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8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, constatamos, quanto às variantes pronominais, que:

As frequências do tu e você se assemelham muito, diferentemente do que foi

observado em outras localidades do Brasil, onde se observa, claramente, o predomínio de uma

das variantes. Vale salientar que, apesar da frequência semelhante entre as duas formas nos

nossos dados, a atuação dos pronomes ocorre de forma diferente.

O tu é mais usado em situações mais espontâneas, quando o assunto é íntimo ou só

pode ser tratado apenas entre amigos. É sempre usado com referente específico (ocorreram

pouquíssimos casos em que ele foi genérico). O que mais nos chamou a atenção foi o fato de a

entonação interrogativa ter sido considerada relevante a ponto de ter sido a primeira variável

selecionada pelo programa.

Apesar de não ser considerada a forma de prestígio, o tu também não é estigmatizado

pelo fortalezense. Prova disso é que tanto as mulheres, os mais jovens e mais escolarizados

são os que mais beneficiam a sua realização. Na verdade, esses dados nos dão indícios de que

o tu seja uma variante não estigmatizada, usada principalmente em relações de solidariedade..

O uso de cê ainda é muito baixo pelos falantes fortalezenses. Somente quando há um

alto grau de intimidade é que a forma reduzida ocorre. Em geral, os homens jovens e as

pessoas menos escolarizadas são as que mais favorecem o seu uso.

O uso de ocê foi desconsiderado, porque essa variante não se realizou em quantidade

suficiente em nossos dados, indicando a forma não é muito produzida pelos falantes

fortalezenses.

O(a) senhor(a) foi o pronome que menos esperávamos encontrar devido ao baixo

monitoramento e à informalidade da situação de fala. De certa forma, esta forma foi bem

recorrente, o que prova que esse pronome é muito usado pelos fortalezenses, diferentemente

do que encontramos em outras localidades, como em Brasília. O seu uso se deu em falas

relatadas, principalmente na função de vocativo. Quanto ao tipo de assunto, o pronome

senhor(a) foi favorecido apenas em assuntos com pouca informalidade, como religião,

recordações (principalmente quando eles relatavam o passado em conversas com pouco

diálogo) e repreensões. Como era de se esperar, as relações assimétricas foram aquelas que

mais favoreceram o uso dessa forma. No tocante à diferença de idade, os mais novos usam a

forma o (a) senhor(a) para se referir a alguém mais velho. No entanto, o pronome não é

favorecido pelos jovens, sendo beneficiado pelos adultos e os mais velhos. Constatamos

também que os mais velhos optam mais que os mais jovens por esse tipo de pronome,

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podendo indicar cordialidade, já que são da mesma idade. Além disso, a relação de poder fica

explícita quando os menos escolarizados são os maiores favorecedores desse pronome. Em se

tratando de formas nominais, vimos o seguinte:

Há três variantes muito frequentes no falar de Fortaleza: macho, rapaz e mulher.

Outras também aparecem, mas de forma menos recorrente: cara, minha filha, amiga, meu

amigo, menina, meu filho e meu irmão.

O macho é uma forma que indica solidariedade, produzida, principalmente, entre

homens jovens. Ocorre em conversas com alto grau de intimidade. Os dados nos dão indícios

de que haja uma mudança linguística, visto que a variante aparece em nossos dados apenas

nas duas primeiras faixas etárias e os mais escolarizados são os que mais a produzem. Outro

ponto destacável é sua alta recorrência, o que nos faz acreditar que a forma ocorra como uma

marca identitária, já que um cearense reconhece o outro ao usar essa forma de tratamento.

A forma rapaz ocorre de forma mais neutra e, apesar de pouco frequente, ocorre para

se referir a mulheres também. O seu uso não necessita de grande intimidade como o macho e

os homens de idade adulta são os que mais favorecem a variante. As duas escolaridades mais

baixas são as maiores favorecedoras da forma.

Cara é uma forma produzida em conversas com alto grau de intimidade e os mais

escolarizados são grandes aliados desta forma, bem como as conversas sobre trabalho e as

conversas sobre relacionamento amoroso. Não é uma forma produzida pelos falantes mais

velhos, nem em conversas em que haja sexo/gênero diferentes, apesar de ocorrer quando os

falantes possuem faixa etária diferente. Das formas usadas pelos homens, essa foi a que mais

ocorreu de mulher para mulher.

A forma mulher foi bastante recorrente com as mulheres mais jovens, enquanto as

mais velhas preferem o uso de minha filha. Nossos dados indicaram que as duas formas só

ocorreram quando há um alto grau de intimidade. Em nossos dados, não tivemos casos dessas

duas formas quando o grau de intimidade é baixo. Apesar de não ser muito usual, essa forma

nominal mulher também foi escolhida pelos homens para se referir às mulheres. Os nossos

dados também revelam que a escolaridade de 5 a 8 anos é favorecedora de mulher, contudo,

não podemos dizer que se trata de uma forma estigmatizada já que é uma forma favorecida

pelas mulheres em relações de solidariedade, independentemente da idade.

Sabemos que essa pesquisa possui limitações, já que não observamos as formas de

tratamento estudadas aqui em outros registros, nem analisamos o comportamento destas

formas na boca dos falantes cultos de Fortaleza, o que pode ser explorado em futuros

trabalhos. No entanto, acreditamos que nossos achados fornecem dados para um melhor

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entendimento sobre o emprego dos pronomes tu, você, cê e o(a) senhor(a), bem como das

formas nominais no falar do fortalezense.

Esperamos que este estudo possa contribuir com o ensino de língua materna e com o

ensino de língua estrangeira, fornecendo subsídios aos professores para compreenderem a real

distribuição das nossas formas de tratamento e as motivações, linguísticas e extralinguísticas,

por trás de seu uso, não se limitando a apresentar aos alunos apenas as formas que expressam

poder e respeito, mas reconhecendo também as formas mais usuais, típicas de sua região, que

indicam solidariedade e que são favorecidas principalmente pelos menos escolarizados.

Acreditamos que os resultados aqui apresentados auxiliem também os profissionais do

teatro, da televisão e do cinema, pois, tendo em vista as formas de tratamento mais

produzidas, que possam utilizá-las na criação de personagens com os quais o público

representado possa se identificar. Por fim, esperamos que este trabalho possa colaborar

futuramente com a realização de estudos diacrônicos sobre o português popular falado em

Fortaleza, possibilitando ao pesquisador realizar estudos em tempo real.

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APÊNDICE A MAPA DOS ESTUDOS VARIACIONISTAS NO BRASIL tu, você, ocê, cê e o(a) senhor (a)

Nascimento (2011) Modesto (2006)

Loregian-Penkal (2012)

Loregian-Penkal (2004)

Franceschini (2011) Rocha (2010) Loregian-Penkal (2004) Orlandi (2004) Packer (1990)

Santos (2012) Lopes et al (2009) Paredes Silva (2003)

Calmon (2010)

Mota (2008) Gonçalves (2008) Peres (2006) Herênio (2006) Coelho (1999)

Andrade (2010) Dias (2007) Lucca (2005) Andrade (2004)

Nogueira (2013) Santana (2008) Assunção e Almeida (2008) Oliveira (2007; 2005)

Alves (2010) Herênio (2006)

Martins (2010)

Babilônia e Martins (2011)

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ANEXO A- PARECER DO COMITE DE ÉTICA

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ANEXO B

MAPA DAS REGIONAIS DE FORTALEZA

http://www2.ipece.ce.gov.br/atlas/capitulo1/11/140x.htm

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ANEXO C

http://www2.ipece.ce.gov.br/atlas/capitulo1/11/122x.htm