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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PÚBLICO MESTRADO JULIANE DIAS FACÓ RECURSOS DE REVISTA REPETITIVOS Salvador 2015

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE …§ão... · AgIn Agravo Interno AgRg Agravo ... 2.6.3 A regulamentação do precedente no Código de Processo Civil de 2015 78 ... 3.1.2.2

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PÚBLICO

MESTRADO

JULIANE DIAS FACÓ

RECURSOS DE REVISTA REPETITIVOS

Salvador

2015

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JULIANE DIAS FACÓ

RECURSOS DE REVISTA REPETITIVOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito, da Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito Público. Orientador: Prof. Livre Docente Fredie Didier Jr.

Salvador 2015

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F137

Facó, Juliane Dias.

Recursos de revista repetitivos [manuscrito] / Juliane Dias Facó. – 2015.

240 f. ; 30 cm.

Orientador: Prof. Dr. Fredie Souza Didier Jr. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da

Bahia, Faculdade de Direito, 2015.

1. Direito processual. 2. Precedentes (Direito). 3. Recursos (Direito). I. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Direito. II. Didier Jr., Fredie Souza. III. Título.

CDD 347.077

Ficha catalográfica elaborada por Ivanildes Sousa CRB5/ 1477

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TERMO DE APROVAÇÃO

JULIANE DIAS FACÓ

RECURSOS DE REVISTA REPETITIVOS

Dissertação aprovada como requisito para obtenção do grau de Mestre em Direito, pela

seguinte banca examinadora:

Nome:___________________________________________________________________

Titulação e instituição: ______________________________________________________

Nome:___________________________________________________________________

Titulação e instituição: ______________________________________________________

Nome:___________________________________________________________________

Titulação e instituição: ______________________________________________________

Salvador, ____/_____/ 2015

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À Renato Pinto Vilela, meu marido, amor, companheiro e incentivador.

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AGRADECIMENTOS

A empreitada para a construção deste trabalho não foi fácil, considerando todos os

compromissos profissionais e pessoais que tive que honrar no período de elaboração e dos

percalços inerentes à pesquisa. Desta forma, posso afiançar que a sua conclusão só foi

possível pelo apoio de algumas pessoas que me incentivaram para que a jornada chegasse ao

fim.

Agradeço, primeiramente, a Deus, por me dar forças e capacidade para enfrentar os

desafios e prosseguir até a sua conclusão, mantendo-me firme na longa trajetória a ser

perseguida.

Ao meu orientador, Fredie Didier Jr., pelas valiosas considerações, sugestões, críticas

e reflexões, que foram essenciais para o amadurecimento da pesquisa e o desenvolvimento da

dissertação.

Aos demais Professores do Programa de Pós-graduação da UFBA, pelas suas

importantes lições e que, também colaboraram, ainda que indiretamente, para a elaboração do

trabalho.

Ao meu amor e porto seguro, Renato (Nato), pela compreensão nas minhas longas

ausências, por dividir as angústias e alegrias proporcionadas por este trabalho, por todo o seu

apoio incondicional e fundamental incentivo, sem os quais, eu não teria conseguido seguir

adiante.

A Marina Santos Souza Freitas e Priscilla Silva de Jesus, pelo suporte na pesquisa,

pelo auxílio procedimental e pelas importantes orientações para o desenvolvimento deste

trabalho.

Aos meus pais (Djanira e Mário), minha sogra (Rita), avós (Ana e Marcos), irmã

querida (Mariana), pelo carinho e amor dedicados e por serem os meus maiores

incentivadores, sempre confiando na minha capacidade de vencer os desafios pessoais e

profissionais.

.

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RESUMO A presente dissertação pretende analisar a técnica de julgamento dos recursos de revista repetitivos, introduzida pela Lei nº 13.015/2014 nos artigos 896-B e 896-C, acrescentados à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Este novo instrumento, criado para conter a litigiosidade de massa, permite que o TST construa teses jurídicas paradigmáticas, possibilitando que a mais alta Corte Trabalhista cumpra o seu papel de uniformizar, em todo o território nacional, a interpretação das leis que incidem sobre os conflitos submetidos à sua jurisdição. Para tanto, o estudo não poderia prescindir do exame acurado da teoria dos precedentes judiciais no ordenamento brasileiro, já que a ratio decidendi extraída do precedente do TST, em sede de recursos repetitivos, deve ser aplicada aos casos que se enquadrem no seu âmbito normativo. Descortina-se, assim, os conceitos contemplados na teoria dos precedentes (ratio decidendi e obiter dictum) e como se opera a sua aplicação (distinguishing) e superação (overruling), além da necessidade de desenvolvimento de uma cultura de respeito aos precedentes no Brasil. Firma-se, ainda, na doutrina processualista civil para aportar os elementos e soluções já sedimentados acerca do processamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos, de acordo com o regime jurídico do CPC/1973 e do CPC/2015, já que eles constituem o aparato técnico que orientou o procedimento trabalhista enunciado na Lei nº 13.015/2014. Fixadas estas premissas, volta-se à estrutura normativa-jurisprudencial edificada pelo TST na Justiça do Trabalho, através das súmulas, das orientações jurisprudenciais e dos precedentes normativos, incrementada pelo julgamento em bloco dos recursos de revista. O instituto destina-se, portanto, a consolidar os precedentes no ordenamento trabalhista, regulamentando a força obrigatória das teses jurídicas consagradas pelo Tribunal Superior do Trabalho, em consonância com os princípios constitucionais e com os que informam o Novo Código de Processo Civil. Palavras-chave: Recursos de revista repetitivos; Lei nº 13.015/2014; Precedente judicial; Ordenamento trabalhista.

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ABSTRACT

This thesis aims to analyze the appeal on a point of law judgment technique, introduced by Law No. 13.015/2014, in 896-B and 896-C articles, added to the Consolidation of Labor Laws. This new tool, designed to contain the mass litigation, allows that Superior Labor Court builds paradigmatic legal arguments, enabling the highest Labor Court to fulfill its role of making uniform, throughout the national territory, the interpretation of laws that focus on conflicts under its jurisdiction. Therefore, the study could not do without careful examination of the theory of judicial precedents in the Brazilian legal system, since the ratio decidendi extracted from the Superior Labor Court precedent, whenever repetitive appeals are resolved, should be applied to cases falling within its regulatory framework. It reveals the concepts covered in the theory of precedents (ratio decidendi and obiter dictum) and how their application works (distinguishing) and how the overcoming technique works (overruling), and the need to develop a culture of respect for precedent in Brazil. It is also anchored in civil procedural doctrine, which contributes the elements and solution already sedimented about the processing of repetitive extraordinary and special appeals, according to the legal regime of Brazilian Civil Procedure Code of 1973 and Brazilian Civil Procedure Code of 2015, since these legal codes constitute the technical apparatus that guided the labor procedure established by Law No. 13.015/2014. Premises set, it turns to the normative-judicial structure built by Labor Superior Court in labor courts, through the dockets, the jurisprudential guidelines and regulatory precedents, developed by appeals on a point of law trial block. The institute is intended, therefore, to consolidate the precedent in labor system, regulating the binding force of consecrated legal arguments by Superior Labor Court, in line with constitutional principles and with the New Code of Civil Procedure principles. Keywords: Appeal on a point of law; Law No. 13.015/2014; Judicial precedent; Labor system.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADCT Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

AgIn Agravo Interno

AgRg Agravo Regimental

art. Artigo

CF Constituição Federal

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

Coords. Coordenadores

CPC Código de Processo Civil

DEC. Decreto

DF Distrito Federal

DJE Diário Judicial Eletrônico

EC Emenda Constitucional

ed. Edição

FPPC Fórum Permanente de Processualistas Civis

IRDR Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas

MP Medida Provisória

NCPC Novo Código de Processo Civil

nº Número

OJ Orientação Jurisprudencial

Org. Organizador

p. Página

PLS Projeto de Lei do Senado

RCL Reclamação

REsp Recurso Especial

RISTF Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal

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RITST Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho

RR Recurso de Revista

SDC Seção de Dissídio Coletivo

SDI-I Seção de Dissídio Individual I

SDI-I T Seção de Dissídio Individual I Transitória

SEDI-I Seção Especializada em Dissídios Individuais I

segs. Seguintes

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

STM Superior Tribunal Militar

TRT Tribunal Regional do Trabalho

TSE Tribunal Superior Eleitoral

TST Tribunal Superior do Trabalho

vol. Volume

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 12

2 TEORIA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS 15

2.1 CONCEITO DE PRECEDENTE 17

2.1.1 Definição: acepção ampla e restrita 17

2.1.2 Definição x eficácia do precedente 21

2.2 PRECEDENTE E CONSTRUÇÃO DA NORMA JURÍDICA 22

2.3 DISTINÇÕES 25

2.3.1 Precedente x decisão 25

2.3.2 Precedente x jurisprudência 27

2.3.3 Precedente x súmula 31

2.4 CONCEITOS IMPORTANTES PARA COMPREENSÃO DO PRECEDENTE 34

2.4.1 Ratio decidendi 34

2.4.1.1 Precedentes com várias rationes 39

2.4.1.2 Precedentes sem ratio 40

2.4.2 Obiter dictum 41

2.5 PRINCIPAIS TÉCNICAS DE APLICAÇÃO E SUPERAÇÃO DOS PRECEDENTES 44

2.5.1 Distinguishing 45

2.5.1.1 Distinguish-método x distinguish-resultado 45

2.5.1.2 Distinção entre os casos 48

2.5.2 Overruling 51

2.5.2.1 Conceito e fundamentos necessários para a superação dos precedentes 51

2.5.2.2 Overriding, signaling e anticipatory overruling 57

2.5.2.3 Modulação de efeitos: eficácia prospectiva e retrospectiva 61

2.6 O DEVER DE RESPEITO AOS PRECEDENTES NO ORDENAMENTO 67

JURIDICO BRASILEIRO

2.6.1 A necessidade de respeito aos precedentes 68

2.6.2 Eficácia dos precedentes no Brasil 72

2.6.3 A regulamentação do precedente no Código de Processo Civil de 2015 78

3 RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS REPETITIVOS E LITIGIOSIDADE 83

DE MASSA

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3.1 DEMANDAS REPETITIVAS E A NECESSIDADE DE RESOLUÇÃO 85

DOS CONFLITOS DE FORMA HOMOGÊNEA

3.1.1 Jurisdição de massa e demandas-tipo: fixação de novo paradigma e 87

procedimento para a adequada tutela jurisdicional das causas repetitivas

3.1.2 Mecanismo de padronização coletiva: incidente de resolução de demandas 92

repetitivas no CPC de 2015

3.1.2.1 Microssistema processual das demandas repetitivas: recurso repetitivos e IRDR 92

3.1.2.2 Procedimento-modelo alemão 95

3.1.2.3 Objetivos do IRDR 100

3.1.2.4 Instauração do IRDR e pressupostos de cabimento 101

3.1.2.5 Suspensão dos processos e distinguishing 105

3.1.2.6 Participação dos interessados na construção da tese jurídica 107

3.1.2.7 Formação da tese jurídica, efeitos e overruling 109

3.1.2.8 Aplicação do IRDR no Processo do Trabalho 111

3.2 RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS REPETITIVOS 113

3.2.1 Recursos de estrito direito e fundamentação vinculada 113

3.2.2 A finalidade dos recursos extraordinários e o papel dos tribunais superiores 115

na uniformização da jurisprudência

3.2.3 Recurso Extraordinário e Recurso Especial repetitivo: regime jurídico 118

do CPC/1973

3.2.3.1 Procedimento 119

3.2.3.2 Desistência do recurso representativo da controvérsia 123

3.2.4 Recursos repetitivos no CPC/2015 125

3.3 FORMAÇÃO DO PRECEDENTE NA TÉCNICA DE JULGAMENTO DOS 128

RECURSOS REPETITIVOS

3.3.1 Formação da tese paradigmática: escolha do recurso representativo da 128

controvérsia

3.3.2 Intervenção do amicus curiae 132

3.3.3 Efeito do precedente firmado nos recursos repetitivos 135

3.3.4 Possibilidade de realização do distinguishing na hipótese de sobrestamento 138

indevido ou não processamento do recurso como repetitivo

3.3.5 Superação do precedente formado no recurso repetitivo: overruling e a 143

modulação dos efeitos

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4 RECURSOS DE REVISTA REPETITIVOS: SISTEMATIZAÇÃO DO 145

PRECEDENTE NA JUSTIÇA DO TRABALHO E DOGMÁTICA DA LEI Nº

13.015/2014

4.1 PRECEDENTES JUDICIAIS NA JUSTIÇA DO TRABALHO 148

4.1.1 O papel do Tribunal Superior do Trabalho no ordenamento trabalhista 148

4.1.2 Eficácia da súmula do TST, da orientação jurisprudencial e do precedente 151

normativo

4.1.2.1 Prejulgado trabalhista 151

4.1.2.2 Súmula do Tribunal Superior do Trabalho 157

4.1.2.3 Orientação jurisprudencial 161

4.1.2.4 Precedente normativo 163

4.1.2.5 Eficácia da súmula, orientação jurisprudencial e precedente normativo 165

4.1.3 A necessidade de respeito aos precedentes formados pelo TST 169

4.2 RECURSO DE REVISTA REPETITIVO 173

4.2.1 Recurso de Revista 173

4.2.1.1 Breve evolução histórica 173

4.2.1.2 Finalidade 177

4.2.2 Recursos de revista repetitivos: regime jurídico instituído pela Lei nº 13.015/2014 179

4.2.2.1 Itinerário legislativo da Lei nº 13.015/2014 179

4.2.2.2 Finalidade dos recursos de revista repetitivos 182

4.2.2.3 Incidente de recursos repetitivos: regime jurídico 185

4.2.2.3.1 Pressupostos de cabimento 185

4.2.2.3.2 Iniciativa para instauração do incidente e competência 189

4.2.2.3.3 Decisão de afetação e a escolha do recurso paradigma 191

4.2.2.3.4 Desistência do recurso paradigma 196

4.2.2.3.5 Sobrestamento dos processos vinculados ao incidente 197

4.2.2.3.6 Instrução do incidente e intervenção do amicus curiae 200

4.2.3 Recurso de revista repetitivo: consolidação do precedente judicial obrigatório 203

4.2.3.1 Formação da tese paradigmática: decisão modelo, efeitos e distinguishing 203

4.2.3.2 Overruling, segurança jurídica e proteção da confiança 210

4.2.3.3 Modulação dos efeitos 212

5 CONCLUSÃO 217

REFERÊNCIAS 222

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1 INTRODUÇÃO

Em 22 de julho de 2014 foi publicada a Lei nº 13.015, responsável por alterar o regime

recursal trabalhista e consolidar o sistema de precedentes judiciais no âmbito da Justiça do

Trabalho.

E isto se deu através da instituição do procedimento dos recursos de revista repetitivos,

disciplinado nos arts. 896-B e 896-C da CLT, e do incremento, de forma racional e eficiente,

do incidente de uniformização de jurisprudência na esfera dos Tribunais Regionais do

Trabalho.

A nova lei demonstra que está alicerçada aos princípios que regem o Código de

Processo Civil de 2015, travando com o Novo CPC um diálogo coerente e harmônico, que

proporciona a integridade do ordenamento jurídico e a sua coesão com os preceitos

constitucionais.

Nesta medida, a Lei nº 13.015/2014 visa, por meio do julgamento dos recursos de

revista repetitivos, concretizar o princípio da igualdade, conferindo tratamento isonômico para

os jurisdicionados que se enquadram no mesmo contexto fático-jurídico, o que se evidencia

com mais facilidade nos litígios de massa, agrupados em torno das demandas-tipo, conectadas

por uma questão comum. Tais causas isomórficas reclamam a mesma solução do Poder

Judiciário.

Objetiva-se, ainda, a uniformização das teses jurídicas firmadas pelo Tribunal Superior

do Trabalho, a estabilidade da sua jurisprudência e da produzida interna corporis pelos

tribunais regionais, proporcionando, assim, a previsibilidade das decisões emanadas do

Judiciário. Tudo isso com vistas a efetivar a segurança jurídica do ordenamento, além da

qualidade e da tempestividade da tutela jurisdicional, a fim de obter a confiança dos

jurisdicionados.

A teoria dos precedentes judiciais fornece os subsídios necessários para atingir os

objetivos acima delineados, e reflete os novos paradigmas que orientam o pensamento

jurídico.

Assim, o presente trabalho pretende examinar o novo instituto dos recursos de revista

repetitivos, introduzido pela Lei nº 13.015/2014, à luz do sistema de precedentes judiciais e

do Novo CPC, sem descurar da análise dos recursos extraordinário e especial repetitivos,

previstos nos arts. 543-B e 543-C do CPC/1973, que serviram de base para a sistemática da lei

trabalhista.

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13

O problema desta pesquisa reside em investigar o instrumento criado para conter a

litigiosidade de massa, depurando não só o seu procedimento, mas os objetivos, finalidades,

novidades na seara trabalhista e, sobretudo, o que ele representa para a Justiça do Trabalho, na

medida em que deriva da teoria dos precedentes judiciais, incorporando conceitos importantes

para estruturar a argumentação jurídica e orientar a sociedade e o tráfego jurídico quanto ao

seu uso.

O tema se reveste de especial importância pela sua atualidade, considerando o recente

ingresso da Lei nº 13.015/2014 no ordenamento, além de ser um instituto novo na esfera

laboral. Logo, ainda não foi construído o arcabouço teórico-doutrinário para aplicá-lo com

precisão, o que fomenta muitas discussões ao seu respeito. Sem contar que o julgamento dos

recursos de revista repetitivos consolida o sistema de precedentes judiciais na Justiça do

Trabalho, em consonância com o CPC/2015, demandando uma cultura de respeito aos

precedentes.

Como não há muito suporte na doutrina trabalhista sobre o sistema de precedentes,

tampouco sobre os recursos repetitivos, busca-se contribuir para o desenvolvimento destes

assuntos.

Para atingir o fim colimado, o presente trabalho se divide em três capítulos.

O primeiro é incumbido de decantar a teoria dos precedentes judiciais, definindo o seu

conceito (acepção ampla e restrita), os elementos importantes para a sua compreensão (ratio

decidendi e obiter dictum), as principais técnicas de aplicação (distinguishing) e superação

dos precedentes (overruling), além de tecer considerações sobre o dever de respeito aos

precedentes no ordenamento jurídico brasileiro, estudando a sua eficácia e regulamentação no

CPC/2015.

Tais diretrizes constituem as premissas necessárias para entender o processamento dos

recursos de revista repetitivos na órbita trabalhista, na medida que eles formam precedentes

judiciais.

O segundo capítulo dedica-se a depurar a litigiosidade de massa e a mudança do perfil

da sociedade, com a inserção de novos paradigmas e a criação de mecanismos adequados para

tutelar as demandas repetitivas. Analisa-se, especificamente, o incidente de resolução de

demandas repetitivas regido pelo CPC/2015 e os recursos extraordinário e especial

repetitivos, conforme regime jurídico do CPC/1973 e do Novo CPC, já que os dois

regramentos formaram o aparato para construir o modelo trabalhista tipificado no art. 896-B e

C da CLT.

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Por fim, o terceiro capítulo enfrenta o tema central da pesquisa, analisando os aspectos

dogmáticos da Lei nº 13.015/2014, no que diz respeito aos recursos de revista repetitivos, o

seu itinerário legislativo, bem como a sedimentação da teoria dos precedentes na Justiça do

Trabalho. Examina-se o papel do TST no ordenamento trabalhista e a construção de uma

estrutura normativo-jurisprudencial que serve de baliza para os julgamentos e para a conduta

em sociedade.

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15

2 TEORIA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS

O estudo da Teoria dos Precedentes Judiciais reveste-se de maior importância na

atualidade em face das transformações operadas no direito brasileiro, destacando-se: a) a nova

compreensão da Teoria das Fontes do Direito, reconfigurada à luz da Teoria dos Princípios

para lhes atribuir eficácia normativa1; b) a introdução das cláusulas gerais como uma espécie

de texto normativo; c) o reconhecimento da jurisprudência como fonte de direito2, derivado

do intercâmbio das tradições jurídicas do common law e do civil law, antes vistas como

dicotômicas.

As transformações sociais e a nova compreensão do fenômeno jurídico conduziram à

valorização do juiz e das suas decisões, ou melhor, do direito produzido no âmbito dos

tribunais.

Neste contexto, o magistrado da tradição do civil law não é mais concebido3 como um

ser inanimado, que deveria agir de acordo com a lei, a partir de uma atividade puramente

mecânica4. Em tempos de neoconstitucionalismo, precedentes e cláusulas gerais, não se pode

duvidar que o juiz, enquanto componente da engrenagem jurídica e não mero reprodutor do

texto legal, atua como criador do Direito, participando ativamente do processo de construção

da norma jurídica.

O precedente desponta, neste cenário, como um referencial normativo utilizado para

solucionar os conflitos, seja através de seu efeito vinculante ou eficácia obrigatória (binding

precedent), seja por meio da força persuasiva, fixando um parâmetro de conduta a ser

seguido.

1 Sobre o tema, conferir ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. 2 DIDIER JR., Fredie. Sobre a Teoria Geral do Processo, essa desconhecida. Salvador: Jus Podivm, 2012. Vide capítulo 3 “A Teoria Geral do Processo e as transformações havidas na Teoria das Fontes do Direito”, p. 155-165. 3 Fala-se aqui apenas na "concepção" (aspecto teórico) que se tinha do juiz como um ser inanimado, representando "la bouche de la loi". Mas, sabe-se que esta espécie de juiz nunca existiu na prática, pois a aplicação da lei nunca se deu de forma automática e isenta de interpretação e de adequação ao caso concreto. Como ensina Luiz Guilherme Marinoni, o juiz da Revolução Francesa, que era proibido de interpretar a lei por força do princípio da estrita separação de poderes, "nasceu natimorto". MARINONI, Luiz Guilherme, Precedentes obrigatórios. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 100. 4 WAMBIER, Teresa Arruda. Estabilidade e adaptabilidade como objetivo do direito:civil law e common law. In: Revista de Processo, ano 34, nº 72, jun/2009, p.123 e 128 e Luiz Guilherme Marinoni. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. In: Revista de Processo, ano 34, nº 72. São Paulo: Revista dos Tribunais, jun/2009, p.196-201.

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16

Sob esta ótica, o precedente, assim como a lei, deve ser compreendido como fonte do

direito, traduzindo-se no texto do qual se (re) constrói a norma jurídica extraída da decisão

judicial5.

Percebe-se, portanto, que apesar de o Brasil ter conferido, por muito tempo, a primazia

da lei em detrimento da jurisprudência, o precedente vem conquistando um relevante papel no

ordenamento jurídico6, promovendo a valorização do direito judicial, além de romper alguns

dogmas7 dos países filiados ao direito codificado, se tornando definitivamente fonte do

direito.

O CPC de 2015 encampou essa filosofia, regulamentando o sistema de precedentes

nos arts. 925/9278, ancorado nos princípios da legalidade, da segurança jurídica, da duração

razoável do processo, da proteção da confiança e da isonomia, bases do ordenamento

brasileiro.

E em 21 de julho de 2014 foi sancionada a Lei nº 13.015, que alterou a Consolidação

das Leis do Trabalho no que toca ao processamento dos recursos previstos nos arts. 894, 896,

897-A e 899 da CLT. As inovações produzidas no ordenamento trabalhista foram provocadas

pela necessidade de respeito aos precedentes através da uniformização da jurisprudência e da

formação da tese paradigmática no recurso de revista repetitivo, o que será estudado

detidamente.

Desta forma, a análise do tema central deste trabalho não pode prescindir de um

exame da Teoria dos Precedentes Judiciais, seus principais conceitos e elementos, além de

investigar o papel do instituto no Brasil, notadamente à luz do Novo Código de Processo

5 BARROS, Lucas Buril de Macêdo. Os precedentes judiciais no ordenamento jurídico brasileiro. Dissertação de Mestrado. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2014, p.207. 6 No direito processual brasileiro é possível verificar os avanços em direção à incorporação da teoria dos precedentes no ordenamento, quando se observa os seguintes institutos: a) súmulas vinculantes previstas no artigo 103-A da Constituição Federal; b) súmulas dos próprios tribunais (eficácia horizontal ou interna); c) decisão utilizada como paradigma nos recursos extraordinários ou especiais repetitivos, nos termos dos artigos 543-B e 543-C do CPC/1973, dentre outras figuras jurídicas. 7 Luiz Guilherme Marinoni desconstrói cada um desses dogmas (separação dos poderes, juiz como mero reprodutor da lei, lei como único meio de proporcionar segurança jurídica, códigos aptos a regular todos os casos e etc.) no capítulo 1, intitulado “Aproximação crítica entre as jurisdições de Civil Law e de Common Law e a necessidade de respeito aos precedentes no Brasil”. MARINONI, Luiz Guilherme, Precedentes obrigatórios. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. Exemplificativamente, cita-se o seguinte trecho do referido capítulo: “Há que se dizer, sem qualquer pudor, que a doutrina do civil law cometeu pecado grave ao encobrir a necessidade de um instrumento capaz de garantir a igualdade diante das decisões, fingindo crer que a lei seria bastante e preferindo preservar o dogma em vez de denunciar a realidade e a funesta consequência dela derivada”. MARINONI, Luiz Guilherme, Precedentes obrigatórios. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 64. 8 Utiliza-se, ao longo de toda a dissertação, a última versão do Senado Federal, aprovada em 17 de dezembro de 2014.

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Civil, sem pretender exaurir a investigação devido ao recorte eleito (recurso de revista

repetitivo).

2.1 CONCEITO DE PRECEDENTE

Os precedentes judiciais devem guardar coerência com os ditames do ordenamento

jurídico que integram, pois servem para lhe conferir uniformidade, previsibilidade e

estabilidade, com vistas a efetivar a segurança jurídica. Estabelecem as diretrizes a serem

seguidas pelos magistrados em suas decisões e o parâmetro de conduta a ser adotado pela

sociedade.

De um modo geral, é um evento passado (caso decidido) que serve como guia para

uma ação presente9, orientando (eficácia persuasiva) ou determinando (força vinculante) a

solução de casos semelhantes10 através da aplicação da tese jurídica nele fixada (ratio

decidendi).

Para se entender o instituto e seus elementos fundamentais será preciso definir o seu

conceito na acepção ampla e restrita, além de distingui-lo de outras figuras correlatas, a

exemplo da decisão judicial, da jurisprudência e da súmula, delimitando, na sequência, a sua

eficácia.

É o que se faz a seguir.

2.1.1 Definição: acepção ampla e restrita

O precedente judicial não possui um único sentido, podendo ser conceituado em uma

acepção ampla ou restrita, conforme sedimentado na doutrina nacional e estrangeira ora

examinadas.

Partindo de uma acepção ampla, o precedente é sinônimo de qualquer decisão judicial

e abrange todos os elementos do ato decisório (relatório, fundamentação e dispositivo)11,

sendo irrelevante a sua eficácia. Será, portanto, o pronunciamento judicial proferido por

9 DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Cambridge: Cambridge University Press, 2008, p. 1. 10 Casos semelhantes seriam os que estão assentados sob as mesmas premissas, isto é, as circunstâncias fáticas do caso sob julgamento, que não necessitam ser exatamente as mesmas, já que pode haver adaptação da ratio decidendi, ampliando-a ou reduzindo-a, para se aplicar o precedente. 11 BARROS, Lucas Buril de Macêdo. Os precedentes judiciais no ordenamento jurídico brasileiro. Dissertação de Mestrado. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2014, p.59-60.

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qualquer Corte, que pode ser utilizado como modelo para solucionar casos análogos, julgados

posteriormente12.

Jeffrey C. Dobbins também relaciona o precedente a qualquer decisão que pode ser

utilizada no futuro, sendo irrelevantes os efeitos jurídicos que são por ela produzidos. O autor

assinala o seguinte: “Eu uso a palavra precedente, sozinha, para se referir a qualquer prévia

decisão que pode ser considerada como tendo positiva utilidade no julgamento de casos

futuros”13.

Também partidário da acepção ampla, Evaristo Aragão Santos define precedente como

uma decisão – distinguindo-se no aspecto quantitativo do termo jurisprudência14 - “que,

independentemente de força vinculativa formal, tem potencial para influenciar na solução de

casos futuros”15.

No mesmo sentido, Francisco Rosito destaca a natureza normativa do precedente e o

seu caráter transcendental, pois os efeitos atingem a coletividade e não apenas as partes

litigantes, de modo que qualquer decisão anterior pode condicionar comportamentos futuros,

independentemente da sua força vinculante. Adota, portanto, a acepção ampla do precedente

judicial.

Por outro lado, quando se confere ao precedente uma conotação estrita considera-se a

qualidade da decisão produzida pelo órgão judicial, não se rotulando como precedente toda e

qualquer decisão independentemente dos efeitos projetados, como ocorre na visão ampla, mas

12 A concepção ampla do precedente é defendida por Zenon Bankowski, D. Neil Maccormick e Geoffrey Marshall: “A precedent is simply any prior decision of any court that bears a legally significant analogy to the case now before a court”. BANKOWSKI, Zenon; MACCORMICK, D. Neil; MARSHALL, Geoffrey. Precedent in the United Kingdom. In MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S. (coord.). Interpreting precedents: a comparative study. Estados Unidos: Dartmouth, 1997, p.323; Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira também são adeptos da concepção ampla de precedente, definindo-o como: “a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos”. DIDIER JR. Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Ações Probatórias, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Antecipação da tutela. 8ª ed. vol 2. Salvador: Jus Podivm, 2013 p. 427. 13 No original: “I use the word ‘precedent’, standing alone, to refer to any prior decisions that might be deemed to have some positive utility in deciding later cases”. DOBBINS, Jeffrey C. Structure and precedent. Michigan Law Review. vol. 108, 2010, p.1460. 14 A distinção entre precedente e jurisprudência será realizada no item 2.3.2. 15 SANTOS, Evaristo Aragão. Em torno do conceito e da formação do precedente judicial. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.143. Semelhante é a observação de Leonor Moral Soriano: “toda decision judicial anterior relevante para la solucion de casos futuros es un precedente. Ésta es una definición elemental que destaca por la ausencia de cualquier referencia a la fuerza vinculante, es decir, al aspecto autoridad o autoritativo de los precedentes”. SORIANO, Moral Leonor. El precedente judicial. Madrid: Marcial Pons, 2002.

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apenas as decisões vinculantes proferidas por Cortes superiores ou determinadas Cortes de

apelação16.

O pronunciamento judicial deverá ser qualificado e, em virtude da sua autoridade e

consistência, vincula os outros juízes no julgamento de casos posteriores, servindo de

paradigma17.

Também se fala em precedente em sentido estrito quando pretende se referir a uma

parte do ato decisório, mais especificamente a fundamentação da decisão judicial, de onde se

extrai “a resposta dada pelo tribunal, no quadro da fundamentação da sentença, a uma questão

jurídica que se põe da mesma maneira no caso a resolver agora”, como pontua Karl Larenz18.

O precedente não seria, assim, a resolução do caso concreto assentada no dispositivo, que

adquire força para ser acobertada pela coisa julgada, mas a tese jurídica consignada na

fundamentação19.

Esta acepção parece confundir o sentido de precedente judicial com o de ratio

decidendi ou holding, que é, na verdade, o núcleo do precedente, a norma jurídica que dele se

extrai. São estas razões de decidir que ostentam a eficácia vinculante ou persuasiva do

precedente20.

No entanto, o precedente não se restringe a norma por ele produzida, sendo formado

da decisão judicial e composto não só da tese jurídica (ratio decidendi), mas pelas

circunstâncias fáticas que sustentam o caso concreto, como ensina José Rogério Cruz e

Tucci21.

16 “In New York, the word ‘precedent’ is used in a variety of ways, but when used most strictly, precedent means binding decisions of higher courts of the same jurisdiction as well as decisions of the same appeal late court”. SUMMERS, Robert S. Precedent in the United States (New York States). In MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S. (coord.). Interpreting precedents: a comparative study. Estados Unidos: Dartmouth, 1997, p.364). Apesar de Robert S. Summers defender que os precedentes judiciais são as decisões vinculantes, aponta a existência de precedentes que produzem outros tipos de eficácia: a) formalmente vinculantes (formal bindingness); b) não formalmente vinculantes, mas que têm força (not formally binding but having force); c) não formalmente vinculantes, sem força (not formally binding and not having force) e; d) meramente ilustrativos ou dotados de outros valores (mere illustrativeness or other values). SUMMERS, Robert S. Precedent in the United States (New York States). In MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S. (coord.). Interpreting precedents: a comparative study. Estados Unidos: Dartmouth, 1997, p.368. Aleksander Peczenik também sustenta que o precedente judicial é uma decisão vinculante que serve de parâmetro para futuras decisões. PECZENIK, Aleksander. On Law and Reason. Springer, 2009, p.272. 17 SANTOS, Evaristo Aragão. Em torno do conceito e da formação do precedente judicial. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.145. 18 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6 ed. José Lamego (tradutor). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p. 611. 19 Conferir Michele Taruffo. Precedente e giurisprudenza. Paginas sobre justicia civil. Madrid: Marcial Pons, 2009, n. 3, p. 561-562. 20 A ratio decidendi será examinada no item 2.4.1 deste capítulo. 21 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 12.

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A definição restritiva, ao equiparar a noção de precedente à ratio se revela

inadequada22, limitando demasiadamente o seu conceito e o significado que pode assumir no

caso concreto.

Da mesma forma, quando o precedente é visto em razão da qualidade dos efeitos que

produz ou da autoridade da decisão proferida por determinadas Cortes (decisão vinculante), a

definição do precedente passa a ser posta em virtude da sua eficácia, de modo que somente os

pronunciamentos judiciais vinculantes poderiam ser qualificados como precedentes, o que

parece constituir um equívoco, pois definição e eficácia se situam em dois níveis diferentes e

inconfundíveis.

Disso cuida o próximo item. No entanto, antes de tratar sobre o assunto, convém

noticiar a existência de um terceiro conceito, cunhado por Luiz Guilherme Marinoni23, que

poderia se enquadrar na acepção estrita. O autor se refere ao precedente como “a primeira

decisão que elabora a tese jurídica ou é a decisão que definitivamente a delineia, deixando-a

cristalina24”.

Por restringir o precedente a uma específica decisão, apesar de não condicioná-la a

qualquer eficácia ou órgão judicial, resta caracterizada a opção por um espectro estrito do

instituto, já que não será qualquer decisão que formará o precedente e sim a primeira decisão

que fixou a tese paradigmática25 ou a que efetivamente a delimitou, tornando-a precisa e

induvidosa.

Verifica-se, pois, que para a concepção estrita, seja qual for a sua vertente, o

precedente corresponderá a uma específica decisão ou a parte do ato decisório (ratio

22 No mesmo sentido, Lucas Buril de Macêdo Barros ao se debruçar sobre a concepção restritiva do precedente assinala que: “Esta segunda significação, importa notar, é imprópria. O termo mais adequado para definir a norma oriunda do precedente é ratio decidendi ou, simplesmente, razões de decidir ou norma do precedente”. BARROS, Lucas Buril de Macêdo. Os precedentes judiciais no ordenamento jurídico brasileiro. Dissertação de Mestrado. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2014, p.61. 23 “[...] só havendo sentido falar de precedente quando se tem uma decisão dotada de determinadas características, basicamente a potencialidade de se firmar como paradigma para a orientação dos jurisdicionados e dos magistrados”. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.215. 24 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.216. 25 A definição de Pedro Miranda Oliveira também poderia se enquadrar nesta terceira modalidade do sentido estrito: “O chamado precedente, utilizado no modelo judicialista, é o caso já examinado e julgado, cuja decisão primeira sobre o tema atua como fonte para o estabelecimento (indutivo) de diretrizes para os demais casos a serem julgados”. OLIVEIRA, Pedro Miranda. O binômio repercussão geral e súmula vinculante: necessidade de aplicação conjunta dos dois institutos. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.699.

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decidendi)26, dependendo de certos atributos, efeitos, órgão prolator ou fixação/ efetivação da

tese.

2.1.2 Definição x eficácia do precedente

Ao se apontar os defeitos da doutrina restritiva, deixa-se clara a posição adotada neste

trabalho acerca da definição do precedente, em sentido amplo, como qualquer decisão

judicial, seja qual for a sua eficácia, que possua aptidão para ser reproduzida em casos futuros

semelhantes.

Em síntese, toda decisão judicial formará um precedente, sendo irrelevante o órgão

produtor ou os seus efeitos, sempre projetados para além do caso concreto e das partes

envolvidas.

Daí se afirmar que os precedentes estão presentes em qualquer sistema jurídico,

considerando que em todo ordenamento “a decisão de um caso tomada anteriormente pelo

Judiciário constitui, para os casos a ele semelhantes, um precedente judicial”27. Em outras

palavras, toda decisão pode ser utilizada como paradigma para resolução de situações

análogas.

Concebe-se o precedente, portanto, como um conceito da Teoria Geral do Direito28,

presente em todo ordenamento jurídico. Trata-se de um conceito universal, definido em

sentido amplo29.

26 Esse é o entendimento de Daniel Mitidiero ao identificar o precedente com a sua ratio: “O precedente pode ser identificado com a ratio decidendi de um caso ou de uma questão jurídica – também conhecido como holding do caso. A ratio decidendi constitui uma generalização das razões adotadas como passos necessários e suficientes para decidir um caso ou as questões de um caso pelo juiz. Em uma linguagem própria à tradição romano-canônica, poderíamos dizer que a ratio decidendi deve ser formulada por abstrações realizadas a partir da fundamentação da decisão judicial. É preciso conceber, contudo, que ratio decidendi não é sinônimo de fundamentação – nem, tampouco de raciocínio judiciário. A fundamentação e o raciocínio – e o raciocínio judiciário que nela tem lugar – diz com o caso particular. A ratio decidendi refere-se à unidade do direito. Nada obstante, a ratio é formada com material recolhido na fundamentação”. (destaques do original). MITIDIERO, Daniel. Fundamentação e Precedente: dois discursos a partir da decisão judicial. In: Processo Civil. Estudos em homenagem ao professor doutor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Daniel Mitidiero e Guilherme Rizzo Amaral (coord.) e Maria Angélica Echer Ferreira Feijó (org.). São Paulo: Atlas, 2012, p.93. Como já exposto, a posição não parece totalmente correta, considerando que a ratio decidendi é apenas um elemento do precedente. 27 SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do Precedente Judicial à Súmula Vinculante. Curitiba: Juruá, 2011, p. 1. 28 “A categoria precedente é pertencente à Teoria Geral do Direito, tratando-se de noção fundamental relativa ao próprio funcionamento dos sistemas jurídicos, relacionada também à teoria das fontes normativas. Então, havendo Direito os precedentes existirão. Todo sistema jurídico possui precedentes, na medida em que a tomada de decisões para resolução de casos concretos é o momento fundamental da experiência jurídica” BARROS, Lucas Buril de Macêdo. Os precedentes judiciais no ordenamento jurídico brasileiro. Dissertação de Mestrado. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2014, p. 58. Neste sentido, Fredie Didier Jr. destaca que os conceitos jurídicos relacionados aos precedentes devem ser incorporados pela Teoria Geral do Processo, não se restringindo a uma Teoria Particular do Processo. São conceitos lógicos jurídicos processuais, na medida em que “há precedente onde houver decisão jurisdicional. O tratamento jurídico que se der a esse fato é que pode ser

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O que pode variar de um sistema para outro são os efeitos atribuídos aos precedentes,

os atributos e fundamentos que o sustentam, a cultura de respeito aos precedentes como forma

de alcançar a segurança jurídica e o próprio papel que o juiz desempenha na engrenagem

judiciária30.

O precedente é construído a partir de uma decisão judicial e dos elementos do caso

concreto. Se ele é vinculante ou persuasivo, dotado de eficácia horizontal (vinculação do

próprio órgão responsável pelo pronunciamento judicial) ou vertical (vinculação de órgãos

inferiores), não se reputa relevante para fins de formação do precedente, ou seja, para se

verificar o plano da existência, que depende apenas da presença da ratio e das circunstâncias

fáticas.

A autoridade do precedente, ou da decisão da qual é extraído, portanto, não deve

integrar a definição do instituto, que é uniforme para todos os sistemas jurídicos quando

vislumbrada sob uma perspectiva ampla. Já os efeitos e seus atributos serão fixados conforme

a cultura sedimentada pelo país e regras vigentes no ordenamento, sendo adequados a cada

realidade.

2.2 PRECEDENTE E CONSTRUÇÃO DA NORMA JURÍDICA

Antes de partir para as distinções entre os precedentes e outras figuras importantes, a

exemplo da decisão judicial, é imperioso fixar o papel do precedente na construção da norma

jurídica.

Seguindo esta diretriz, é possível dizer que o magistrado, ao decidir, é incumbido de

criar duas normas jurídicas: uma de caráter geral e outra individual31. A primeira é derivada

da sua análise a respeito da matéria fática suscitada na causa sob julgamento em cotejo com o

direito aplicável, expondo, na fundamentação, os motivos que sustentam a adoção de

determinada tese jurídica (ratio decidendi). A ratio, por sua vez, se bem delimitada e precisa,

diferente: a eficácia jurídica que se der ao precedente variará conforme o respectivo direito positivo”. DIDIER JR., Fredie. Sobre a Teoria Geral do Processo, essa desconhecida. Salvador: Jus Podivm, 2012, p.162-163. 29 Conceitos jurídicos que possuem pretensão de validez universal são qualificados como conceitos jurídicos fundamentais ou lógico-jurídicos, na medida em que auxiliam “a compreensão do fenômeno jurídico onde e quando ele ocorra [...]. A partir da observação do fenômeno jurídico, criam esses conceitos, que funcionam como instrumentos indispensáveis à investigação empírica”. DIDIER JR., Fredie. Sobre a Teoria Geral do Processo, essa desconhecida. Salvador: Jus Podivm, 2012, p.42-43; KAUFMANN, Arthur. Filosofia do Direito. Antônio Ulisses Cortês (trad.). 2ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, p. 146. 30 Estes pontos serão discutidos no tópico 2.6, mais precisamente no item 2.6.1. 31 Essa constatação foi explanada por Fredie Didier Jr. Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Ações Probatórias, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Antecipação da tutela. 8ª ed. vol. 2. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 428.

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poderá ser utilizada como referencial para julgamentos de casos análogos pelos órgãos

judiciais.

Aliás, é importante assentar a premissa de que o pronunciamento judicial não se volta

apenas para os litigantes (partes) e os interesses postos à apreciação do judiciário, nem pode

ser analisado como a manifestação pessoal do magistrado, mas sim do próprio sistema

jurídico, ultrapassando as fronteiras da lide individualizada para alcançar a sociedade e,

porque não, servir de paradigma para outros julgados, como observou Evaristo Aragão

Santos32.

É por isso que o juiz, no momento de julgar, deve ter em conta que a sua decisão não

vale apenas para o caso concreto, podendo ser utilizada em casos semelhantes, ou seja, deve

aspirar validade que transcenda o caso para evitar contradição de valoração, como aduz Karl

Larenz33:

Mas, embora o juiz seja levado, pelo caso a resolver, a interpretar de novo um determinado termo ou uma determinada proposição jurídica, deve interpretá-los, decerto, não apenas precisamente para este caso concreto, mas de maneira a que a sua interpretação possa ser efectiva para todos os outros casos similares. Se os tribunais interpretassem a mesma disposição em casos similares ora de uma maneira, ora de outra, tal estaria em contradição com o postulado de justiça de que os casos iguais devem ser tratados de igual modo, assim como a segurança jurídica que a lei aspira [...]

Isto quer dizer que o juiz, ao criar a norma geral, constrói uma norma paradigmática

para resolver outros casos. A norma geral ou enunciado universal nada mais é do que o

produto do raciocínio jurídico utilizado para resolver o(s) problema(s) derivado(s) do caso

concreto, mas com pretensão de ser aplicada a conflitos semelhantes. A solução cristalizada

na norma geral deve guardar coerência com o ordenamento, permitindo a integridade do

Direito.

A segunda norma criada pelo juiz é a individual, que será a solução propriamente dita

a ser atribuída a um determinado caso, situada no dispositivo da decisão, com o fito de se

entregar a prestação jurisdicional para os litigantes. A norma fixada no dispositivo regulará o

32 O autor tratou sobre a diversidade jurisprudencial como produto da criatividade judicial, referindo-se a necessidade de amadurecimento deste processo como exercício de maturação para a formação da jurisprudência e os riscos que uma pluralidade de entendimentos judiciais podem trazer para o sistema jurídico. SANTOS, Evaristo Aragão. Sobre a importância e os riscos que hoje corre a criatividade jurisprudencial. In: Revista de Processo, ano 35, nº 181. São Paulo: Revista dos Tribunais, mar./2010, p. 38-58. 33 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6 ed. José Lamego (tradutor). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p. 442.

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caso concreto, destinando-se, normalmente34, às partes35, e ficará acobertada pela coisa

julgada36.

A partir das ideias aqui desenvolvidas, pertinente é a constatação de Daniel Mitidiero

de que a decisão judicial realiza um duplo discurso: “um discurso voltado para o caso

concreto e um discurso para a ordem jurídica”37. O primeiro, que representa a norma

individual, é centrado no dever de motivação das decisões judiciais38 e na observância do

aspecto substancial do contraditório (direito de influir na convicção do juiz), destinando-se as

partes, na qualidade de direito fundamental assentado na Constituição (art. 5º, LIV e 93, IX).

O segundo (norma geral) possui status de “ordem institucional” e é voltado “para promover a

unidade do direito e visa à realização da segurança jurídica, da igualdade e da coerência

normativa”39.

Percebe-se, pois, que a decisão goza de uma pretensão de universalidade que reside na

sua norma geral. É ela que tem aptidão para projetar efeitos de caráter transcendental para

34 Em caso de legitimação extraordinária/substituição processual a norma fixada no dispositivo se estende também aos sujeitos envolvidos na relação jurídica material e que não fazem parte, necessariamente, da relação processual. 35Para Maurício Ramires a decisão judicial “é um texto com destinatários específicos (as partes e os diretamente interessados nos fatos da contenda) que, quando é invocada como precedente, ganha um número indefinido de destinatários”. RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes judiciais no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.126. 36 Jaldemiro Rodrigues de Ataíde Júnior faz uma interessante observação acerca do aspecto temporal da norma individual e da geral: “[...] a sentença tem os olhos voltados para o passado e, por isso, a norma individual do caso concreto, ao regular as consequências jurídicas de atos e fatos já ocorridos, naturalmente retroage, ou melhor, aplica-se a atos e fatos passados. Já a norma jurídica, em decorrência do seu caráter geral e abstrato, da sua forte carga normativa e da tendência de repercutir sobre inúmeros outros casos, nasce para se aplicar a atos e fatos futuros”. ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues. Precedentes Vinculantes e Irretroatividade do Direito no Ssistema Processual Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2012, p.175. 37 MITIDIERO, Daniel. Fundamentação e Precedente: dois discursos a partir da decisão judicial. In: Processo Civil. Estudos em homenagem ao professor doutor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Daniel Mitidiero e Guilherme Rizzo Amaral (coord.) e Maria Angélica Echer Ferreira Feijó (org.). São Paulo: Atlas, 2012, p.85 (destaques do original). 38 Sobre o dever de motivação das decisões judiciais conferir: TARUFFO, Michele, La motivazione della sentenza civile. Padova: Cedam, 1975; TUCCI, José Rogério Cruz e. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987; NOJIRI, Sergio. O dever de fundamentar as decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999; PERO, Maria Thereza Gonçalves. A motivação da sentença civil. São Paulo: Saraiva, 2001; SOUZA, Wilson Alves. Sentença civil imotivada. Salvador: Jus Podivm, 2008. 39 MITIDIERO, Daniel. Fundamentação e Precedente: dois discursos a partir da decisão judicial. In: Processo Civil. Estudos em homenagem ao professor doutor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Daniel Mitidiero e Guilherme Rizzo Amaral (coord.) e Maria Angélica Echer Ferreira Feijó (org.). São Paulo: Atlas, 2012, p.85 (destaques do original). O autor conclui que “fundamentação e precedente são dois discursos jurídicos, com endereços e funções distintas, a que dá azo a decisão judicial no Estado Constitucional”. Ibidem. É importante destacar que, para Daniel Mitidiero, precedente e decisão judicial não se confundem. Os precedentes não equivalem as decisões, podendo apenas ser identificados a partir delas. Ele se filia a acepção estrita que identifica o precedente com a ratio decidendi. MITIDIERO, Daniel. Fundamentação e Precedente: dois discursos a partir da decisão judicial. Op. cit. p. 92-93.

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além do processo40, e, ao lado das circunstâncias fáticas e da ratio decidendi, irá compor o

precedente.

Estes pontos são importantes para diferenciar, no próximo item, o precedente da

decisão judicial.

2.3 DISTINÇÕES

O precedente não se confunde com decisão, jurisprudência e súmula. Existem pontos

de convergência entre os institutos, mas não há identidade total entre eles, sendo necessário,

para que se delineiem com precisão os contornos do precedente, diferenciá-lo de outras

figuras.

2.3.1 Precedente x decisão

Embora seja correto afirmar que todo precedente, em sentido amplo, é uma decisão

judicial, nem toda decisão tem aptidão ou relevância para formar um precedente e servir de

modelo de resolução dos conflitos submetidos ao Judiciário. É preciso que o pronunciamento

judicial tenha pretensão de universalizar a solução jurídica por ele cristalizada, tornando-a

reproduzível.

O princípio da universalidade ou justiça formal41 é o que justifica a utilização dos

precedentes nos julgamentos futuros, uma vez que os casos iguais devem ser tratados na

mesma medida em atenção ao princípio da isonomia, consoante lição de José Rogério Cruz e

Tucci42:

40 “Quando decidem casos particulares no direito costumeiro, os juízes estabelecem regras gerais que de algum modo se propõem a beneficiar a comunidade. Ao decidirem casos posteriores, outros juízes devem, portanto, aplicar essas regras de modo que o benefício possa ser obtido”. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p.172. 41 Sobre o princípio da universalidade conferir MACCORMICK, Neil. Why cases have Rationes and what these are? In: Pecedent in law. GOLDSTEIN, L. (org.) Oxford: Clarendon Press, 1987; MACCORMICK, Neil. Rhetoric and the Rule of Law: A Theory of Legal Reasoning. Oxford: Oxford University Press, 2005. 42 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 25. “O fundamento do uso dos precedentes é constituído pelo princípio da universalidade, a exigência que é própria a toda concepção de justiça, enquanto concepção formal, de tratar de igual maneira ao igual”. ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: A teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. Zilda Hutchinson Schild Silva (trad.). 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 268. Thomas da Rosa de Bustamante também evidenciou a necessidade da decisão produzir uma regra universal para que o precedente possa constituir “um padrão para resolver casos futuros”, podendo e devendo “ser subsumidos sempre que se repetirem as condições presentes na hipótese de incidência (fattispecie) de tal regra jurídica”. BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: A justificação e a aplicação das regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p. 113.

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Ora, o elemento crucial que realmente justifica a recepção analógica da decisão anterior para a solução da hipótese posterior é o ‘princípio da universalidade’, entendido como uma exigência natural de que casos substancialmente iguais sejam tratados de modo semelhante. É ele, com efeito, o componente axiológico que sempre revestiu a ideia de Justiça ‘como qualidade formal’.

A isonomia, a generalidade e a universalidade constituem fundamentos naturais e

dogmáticos dos precedentes43. Não é, pois, qualquer decisão judicial que se converterá em

precedente44.

A universalidade e a abstração da decisão relacionam-se a possibilidade de produzir

efeitos transcendentais45, desbordando dos limites da demanda para atingir uma coletividade

ou um indivíduo que enfrente a mesma situação46. Em outras palavras, a decisão deve servir

de guia para casos futuros, sendo dotada de relevância que ultrapassa as fronteiras do caso

paradigma.

Assim, se a decisão se restringe a aplicar a lei de forma automática, sem delinear os

motivos pelos quais realizou determinado enquadramento jurídico, reproduziu os

fundamentos utilizados por decisões anteriormente proferidas ou simplesmente reafirmou um

precedente47, não há razão para que seja utilizada como padrão normativo em outras decisões,

sendo impossível se extrair uma máxima jurídica com potencialidade para resolver casos

semelhantes48.

43 ROSITO, Francisco. Teoria dos Precedentes Judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional, Curitiba: Juruá, 2012, p.131. 44 “Todo precedente judicial é uma decisão, mas, por óbvio, nem toda decisão judicial se constitui num precedente. Um precedente judicial tem como característica adicional, em relação a uma decisão judicial comum, a aptidão de servir como modelo para julgamento de casos semelhantes”. SAMPAIO, Lênio Mercês. A valorização dos precedentes judiciais. In: Revista da Procuradoria do Instituto Federal Baiano. Salvador: Ano 4, nº 4, 2013, p.20. 45 Karl Larenz trata sobre a pretensão de generalidade que a resolução judicial deve conter, produzindo efeitos que transcendem o processo, indo para além do caso. Desta forma, “na medida em que responda à pretensão nela suscitada, representa um paradigma, um modelo para futuras resoluções que se refiram a casos semelhantes, nos quais tenha relevância a mesma questão jurídica”, isso contribui para a uniformidade, a continuidade da jurisprudência e a segurança jurídica. LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6 ed. José Lamego (tradutor). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p. 610/611. 46 ROSITO, Francisco. Teoria dos Precedentes Judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional, Curitiba: Juruá, 2012, p.93. 47 “Para construir precedente, não basta que a decisão seja a primeira a interpretar a norma. É preciso que a decisão enfrente todos os principais argumentos relacionados à questão de direito posta na moldura do caso concreto. Até porque os contornos de um precedente podem surgir a partir da análise de vários casos, ou melhor, mediante a construção da solução judicial da questão de direito que passa por diversos casos”. MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. O Projeto do CPC. Críticas e propostas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.165. 48 É neste sentido que Luiz Guilherme Marinoni aponta a necessidade da decisão judicial ser dotada de “qualidades externas que escapam ao seu conteúdo” para servir de paradigma para outros casos. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.216. Hermes Zaneti Jr. também sustenta que nem toda decisão judicial corresponde a um precedente. A decisão deve comportar efeito jurídico normativo para o caso futuro: “In altre parole, costituirà precedente soltanto la decisione che comporti effetti giuridici normativi per i casi futuri. Non costituirà precedente la decisione che applichi

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Por fim, nem toda decisão judicial forma ou equivale a um precedente, considerando a

necessidade de se enunciar, no pronunciamento judicial, uma tese jurídica, isto é, a solução de

uma questão de direito49, embora permeada de circunstâncias fáticas do caso concreto. Se a

decisão se restringir a resolver questões de fato, sem contornos jurídicos que confluam para

uma tese universal, não há como formar o precedente, não sendo paradigma para julgamentos

futuros.

Em síntese, embora o precedente possa ser constituído por qualquer pronunciamento

judicial, com força normativa, independentemente dos efeitos que lhes sejam atribuídos

(persuasivo ou vinculante) ou ainda do órgão prolator, nem toda decisão judicial equivalerá a

um precedente. Mas apenas as que tiverem potencialidade de firmar uma tese jurídica

universal.

Por outro lado, o precedente não pode ser utilizado como sinônimo de jurisprudência

ou súmula, possuindo contornos próprios que o distinguem, como será abordado nos tópicos

seguintes.

2.3.2 Precedente x jurisprudência

Inicialmente, é possível traçar alguns pontos de similitude entre precedente e

jurisprudência. Pode-se dizer, a propósito, que um e outro revelam a interpretação do direito

pelo judiciário, possuem grau de relevância na ordem jurídica e se fundam no postulado de

justiça de que os casos iguais merecem o mesmo tratamento do Estado em prol da segurança

jurídica50.

Além destes aspectos, o precedente pode ser superado quando se revela obsoleto,

equivocado, dissonante com os valores vigentes ou se afasta dos ditames de um dado

ordenamento jurídico. Nestas hipóteses, a ratio decidendi se revela inadequada para

semplicemente un caso-precedente già esistente, o la decisione che non abbia contenuto di enunciazione di una regola giuridica o di un principio universalizzante. Così come, non costituirà precedente la decisione che si limiti appena ad indicare la sussunzione di fatti al testo legale, senza presentare contenuto interpretativo rilevante per il caso-attuale e per i casi- futuri” ZANETI JR., Hermes. Il valore vincolante dei precedenti. Tesi di dottorato. Roma: Universitá degli studi Roma Ter, 2013-2014, p.342. 49 “Note-se que o precedente constitui decisão acerca de matéria de direito – ou, nos termos do common law, de um point of law –, e não de matéria de fato, enquanto a maioria das decisões diz respeito a questão de fato.” MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.215 (destaques do original) 50 Neste sentido, Francisco Rosito. Teoria dos Precedentes Judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional, Curitiba: Juruá, 2012, p.96..

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solucionar os casos semelhantes e o precedente pode ser extirpado através do fenômeno do

overruling51.

O mesmo ocorre com a jurisprudência que se enquadrar nestas situações, reclamando

que o entendimento dos tribunais seja substituído por outro adequado à realidade da

comunidade jurídica. Assim, pode verificar-se, na prática, a superação da jurisprudência e a

mudança da interpretação sobre uma determinada matéria pelos tribunais em face de certas

circunstâncias.

Mas a identidade entre os institutos não é total. A jurisprudência, assim como o

precedente, possui vários significados, podendo designar a Ciência do Direito52; escolas que

se dedicaram ao pensamento jurídico53; a interpretação uniforme dos tribunais sobre

determinada matéria (concepção estrita) ou, simplesmente, o conjunto de decisões dos

tribunais, sejam uniformes ou divergentes, recebendo, desta forma, uma conotação em sentido

amplo54.

Lênio Luiz Streck define a jurisprudência, sob a ótica jurídica, em três acepções: a)

sentido estrito, designando a Ciência do Direito, que pode ser denominada de Dogmática

Jurídica ou Jurisprudência; b) sentido amplo, “pode referir-se ao conjunto de sentenças dos

tribunais, e abranger tanto a jurisprudência uniforme quanto a contraditória; c) pode significar

apenas o conjunto de sentenças uniformes, falando-se, nesse sentido, em ‘firmar

jurisprudência’ ou contrariar a jurisprudência’”55. Esta definição assentada na letra “c” é a que

mais se aproxima do precedente judicial, na medida em que reflete o entendimento uniforme

51 O fenômeno do overruling será tratado no item 2.5.2. 52 Interpretação cunhada pela doutrina em decorrência da definição de Ulpiano: “Jurisprudência é o conhecimento das coisas divinas e humanas, a ciência do justo e do injusto”, como referido por José Rogério Cruz e Tucci. Precedente Judicial como Fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.9 (nota de rodapé nº 1) e BUZAID, Alfredo. Uniformização de jurisprudência. In: Revista da Ajuris: Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, v. 34, p. 189-217, jul. 1985, p. 189. Karl Larenz também emprega o termo jurisprudência como Ciência do Direito na parte II da sua obra “Metodologia da Ciência do Direito”. 6 ed. José Lamego (tradutor). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012. 53 Sobre as diversas acepções do termo jurisprudência destacam-se as seguintes obras: BUZAID, Alfredo. Uniformização de jurisprudência. In: Revista da Ajuris: Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, v. 34, p. 189-217, jul. 1985, p. 189. ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p.13;31. FRANÇA, Rubens Limongi. Jurisprudência. In: SANTOS, J. M. de Carvalho; DIAS, José de Aguiar. Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Editor Borsói, 1947, vol XXX, p.273; TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente Judicial como Fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 9 (nota de rodapé nº 1); MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 41. 54 Francisco Rosito. Teoria dos Precedentes Judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional, Curitiba: Juruá, 2012, p. 98. Fábio Victor da Fonte Monnerat, adotando o sentido amplo do termo jurisprudência, propõe uma classificação das espécies de jurisprudência, quanto ao grau de uniformização e de verificação, em jurisprudência divergente, dominante, pacificada e sumulada. Conferir MONNERAT, Fábio Victor da Fonte. A jurisprudência uniformizada como estratégia de aceleração do procedimento. In. Direito jurisprudencial. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.352. 55 STRECK, Lênio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: Eficácia poder e função. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p.83.

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dos tribunais sobre uma matéria, demonstrando a unidade e harmonia do Direito e a sua

estabilização.

Rodolfo de Camargo Mancuso considera esta última acepção como técnico-jurídica,

reportando a uma realidade “axiologicamente neutra de per si”56, na medida em que a coleção

ordenada e sistematizada de decisões consonantes e reiteradas de um tribunal57, não

“comporta valoração como boa ou má, certa ou errada”58, apenas traduz o entendimento

daquele órgão judicial sobre um determinado tema a partir de reiteradas decisões no mesmo

sentido.

Considerando a perspectiva técnico-jurídica acima exposta, pode-se distinguir

jurisprudência de precedente pelo aspecto quantitativo. Evaristo Aragão Santos cuidou de

realizar esta tarefa, consignando que a jurisprudência é um conjunto (ou pluralidade) de

decisões que, geralmente, espelham um mesmo posicionamento (jurisprudência dominante);

já o precedente é extraído de uma decisão “com potencial para influenciar em casos

futuros”59.

O precedente não precisa, assim, ser reiterado em diversos julgados para se qualificar

como paradigma e ditar a solução de casos semelhantes. Pode consistir em uma única decisão

ou mesmo ser formado após a maturação da tese jurídica em decisões posteriores,

consolidando a sua ratio decidendi naquela decisão que teve o mérito de delimitar a regra

universal.

Com base na distinção aqui traçada, pode-se sustentar que a divergência

jurisprudencial elencada como hipótese de cabimento do Recurso Especial para o STJ (art.

105, III, “c” da CF) e do Recurso de Revista para o TST (art. 896, “a” da CLT), não consiste

em dissenso entre jurisprudência de tribunais distintos e sim entre precedentes judiciais, já

56 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 38. 57 Vide definição de FRANÇA, Rubens Limongi. Jurisprudência. In Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro. SANTOS, J. M. de Carvalho; DIAS, José de Aguiar.. Rio de Janeiro: Editor Borsói, 1947, vol XXX, p.274. 58 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. Op. cit. p38. 59 SANTOS, Evaristo Aragão. Em torno do conceito e da formação do precedente judicial. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 143. Já Marco Antonio Botto Muscari prefere diferenciar jurisprudência e precedente pelo aspecto qualitativo, presumindo a identidade do aspecto quantitativo: “ao grupo de arestos que não exprimem a posição dominante nos tribunais, é melhor que se atribua o conceito de precedentes, reservando-se o termo jurisprudência para o conjunto de decisões uniformes e constantes”. MUSCARI, Marco Antonio Botto. Súmulas Vinculantes. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p.19. Lênio Mercês Sampaio, por sua vez, abstraindo os aspectos quantitativos e qualitativos, difere os institutos pela ausência de sistematização dogmática que discipline a jurisprudência: “O precedente difere da jurisprudência quanto às técnicas de utilização, enquanto no sistema de precedentes judiciais existe uma dogmática voltada à sua utilização, tal não ocorre em relação à jurisprudência”. SAMPAIO, Lênio Mercês. A valorização dos precedentes judiciais. In: Revista da Procuradoria do Instituto Federal Baiano. Salvador: Ano 4, nº 4, 2013, p.21.

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que demonstram o conflito analítico entre teses jurídicas destes órgãos do Judiciário,

assentadas em decisões individualmente consideradas e não no conjunto de pronunciamentos

uniformes60.

Da mesma forma, a tese paradigmática fixada em sede de Recursos Extraordinários

Repetitivos (arts. 543-B e 543-C do CPC/73 c/c CPC/15 e arts. 896-B e 896-C da CLT - Lei

nº 13.015/2014), constitui um precedente, que deverá ser aplicado a todas as demandas

semelhantes, cujos recursos tenham sido sobrestados pelos tribunais, não se tratando de

jurisprudência.

Constata-se, assim, que os termos jurisprudência e precedente não podem ser

empregados como sinônimos61, apesar de se assemelharem em muitos pontos, sendo

utilizados, por vezes, de forma equivocada pelo ordenamento, como se fossem expressões

equivalentes.

A sistemática é simples e foi assim delineada por Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga

e Rafael Oliveira62: o precedente, construído à luz de uma decisão judicial, se for reiterado,

converte-se em jurisprudência63 que, por conseguinte, ao retratar um entendimento constante e

uniforme de um tribunal (posicionamento dominante) pode ser cristalizado em um enunciado

de súmula.

Resta, ainda, divisar o precedente da súmula editada por um tribunal.

60 “Embora essa divergência de entendimentos seja tradicionalmente conhecida como dissídio entre a jurisprudência de dois ou mais tribunais, a demonstração dessa dicotomia acontece mediante a operação com precedentes (em sentido amplo). Isto é, com decisões individualmente consideradas e não com a mera demonstração de que nos tribunais estaduais há correntes de entendimento antagônicas para interpretação de um mesmo dispositivo de lei”. SANTOS, Evaristo Aragão. Em torno do conceito e da formação do precedente judicial. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 143-144 (destaques do original). 61 Francisco Rosito aponta, ainda, uma diferença qualitativa de cunho metodológico entre precedente e jurisprudência: “Enquanto os precedentes fornecem o substrato necessário para a sua aplicação aos casos futuros, a jurisprudência apenas aponta sentidos. É por isso que se estuda na teoria dos precedentes, e não da Jurisprudência, aquilo que transcende do caso individual e os seus critérios de aplicação, tanto positiva como negativa [...]”. ROSITO, Francisco. Teoria dos Precedentes Judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p. 100. 62 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. vol. 2 Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 450. 63 Neste sentido, Carlos Maximiliano assinala: “Uma decisão isolada não constitui jurisprudência, é mister que se repita, e sem variações de fundo. O precedente, para constituir jurisprudência, deve ser uniforme e constante. Quando esta satisfaz os dois requisitos granjeia sólido prestígio, impõe-se como revelação presuntiva do sentir geral, da consciência jurídica de um povo em determinada época; deve ser obsevada enquanto não surgem razões muito fortes em contrário [...]”. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 5. ed. São Paulo:Freitas Bastos, 1951, p.226. Maurício Requião pontua que a jurisprudência seria a consolidação do precedente a partir de reiteradas decisões no mesmo sentido. REQUIÃO, Maurício. O caráter normativo do precedente judicial. In: Revista de Processo, ano 38, vol. 223. São Paulo: Revista dos Tribunais, set./2013, p.342.

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2.3.3 Precedente x súmula

A súmula constitui o resumo do entendimento predominante de um tribunal, fruto da

análise de sucessivas decisões, unânimes ou não, sobre determinada matéria, cuja controvérsia

é eliminada quando a interpretação majoritária é cristalizada em um enunciado geral e

abstrato.

Consagra-se a tese jurídica vencedora, abolindo as divergências, sem considerar a

participação em contraditório das partes64. Isto porque não se trata de uma decisão proferida

em um caso concreto, mas no “resumo de uma tendência jurisprudencial adotada,

predominantemente por determinado tribunal sobre matéria específica, sendo enunciada em

forma legalmente definida e publicada em número de ordem”65. Depende de procedimento

específico, previsto no regimento interno dos tribunais, incluindo votação da maioria absoluta

dos julgadores.

O enunciado sumular expressa (ou ao menos deveria expressar) a ratio decidendi que

se extrai das decisões reiteradas do tribunal sobre um tema, veiculando uma regra geral e

abstrata desvinculada das circunstâncias fáticas presentes nas decisões que deram origem a

sumula. Em outras palavras, a súmula evidencia um entendimento jurídico, revelando a

interpretação do direito (material ou processual) pelo órgão judicial em uma dada situação-

tipo66.

Feitas estas considerações, percebe-se que o precedente não se confunde com a

súmula. Primeiro porque, enquanto o precedente (em sentido amplo) equivale a uma decisão

judicial com potencialidade para se aplicar em casos futuros, a súmula é o resultado de várias

decisões judiciais, culminando na cristalização da ratio decidendi a partir da análise de todas

elas.

Sem contar que as súmulas consagram apenas um dos elementos do precedente, a ratio

decidendi, neutralizando as circunstâncias fáticas dos casos concretos que levaram à sua

edição67. Nada impede, todavia, que os operadores do direito, juízes e julgadores consultem

64 ROSITO, Francisco. Teoria dos Precedentes Judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p. 95. 65 ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Sobre a súmula vinculante. In: Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v. 210, p. 129-146, out./dez.,1999, p. 130. 66 ROSITO, Francisco. Teoria dos Precedentes Judiciais. Op. cit. p.96; BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.87. 67 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 218.

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as decisões que embasaram a súmula e analise os fatos nelas presentes, mas no Brasil “não há

método nem cultura para tanto”68, de modo que o enunciado é compreendido de forma geral e

abstrata.

Em verdade, não haveria necessidade de súmulas se os juízes brasileiros devotassem o

respeito aos seus próprios precedentes e aos construídos pelos órgãos judiciais que lhes são

superiores69. Assim, a ratio decidendi seria extraída apenas da decisão, observando os fatos

do caso concreto, o raciocínio jurídico engendrado pelo julgador e a adequada solução ao

conflito.

Contudo, a cultura brasileira, arraigada ao civil law, não permitiu tal evolução, sendo

necessário a formulação de enunciados gerais e abstratos, com conotação de lei, mas

destituídos de força normativa - com exceção da súmula vinculante prevista no art. 103-A da

CF - para clarificar a interpretação dominante conferida pelos tribunais sobre a aplicação do

direito.

Registre-se que esta realidade irá mudar com o Novo Código de Processo Civil, que

consagra o efeito vinculante das súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal

de Justiça (art. 926, IV), o que, por conseguinte, se estende às súmulas dos demais tribunais

superiores, a exemplo do TST, em face da equivalência da posição que ocupam no

ordenamento jurídico, se é que já não se pode extrair esta força normativa do próprio

sistema70.

Na edição da súmula, os tribunais deverão atentar, também, a partir do novo desenho

estruturado pelo CPC/2015, às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram a sua

criação71, pretendendo conferir uma nova moldura aos referidos verbetes jurisprudenciais no

Brasil.

68 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. Op. cit. 218. Maurício Ramires também criticou a cultura brasileira em abstrair os fatos na análise de súmulas, verbetes jurisprudenciais, ementas, dentre outros institutos, apontando como causas o próprio ensino jurídico e a prática do direito voltada ao “distanciamento dos fatos aos quais as normas se destinam” e para completa ausência de “análise pedagógica dos fatos”, o que dá origem a “jurisprudência dos conceitos à brasileira”, onde ementas e verbetes jurisprudenciais descontextualizados tornam-se standards objetificados de compreensão. RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes judiciais no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.46-54 69 Basta ver que a súmula foi criada em 1963, no ordenamento brasileiro, com o propósito “de atenuar o crônico problema de sobrecarga de trabalho da Corte Suprema – e, indiretamente, do Judiciário como um todo”, como pontuou José Carlos Barbosa Moreira. Súmula, jurisprudência, precedente: uma escalada e seus riscos. In: Temas de direito processual. Nona série. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 300. Ora, se o objetivo foi de política judiciária, em face do grande número de demandas, em grau de recurso, que eram submetidas ao STF, resta claro que os magistrados não observavam, o que ainda hoje persiste, os precedentes da Corte Suprema, sendo necessário que o processo fosse apreciado pelo órgão superior, mesmo já existindo o entendimento da Corte sobre a matéria. 70 A eficácia da súmula do Tribunal Superior do Trabalho será examinada no item 4.1.2. 71 Art. 925, §2º do CPC/2015.

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Cumpre destacar, que a súmula, assim como o precedente, não se configura ainda em

norma jurídica, mas em texto normativo que depende de interpretação do julgador para ser

aplicado. É, portanto, "o texto que cristaliza a norma geral extraída, à luz de casos concretos,

de outro texto (o texto legal, em sentido amplo)"72, necessitando ser reinterpretada pelo

magistrado.

Feitos estes parênteses, ressalta-se que além da súmula se diferenciar do precedente

pelo aspecto quantitativo, pela enunciação restrita à ratio decidendi e, por enquanto, pela

abstração dos fatos, Juraci Mourão Lopes Filho acrescenta que tanto o precedente quanto a

jurisprudência derivam da atividade jurisdicional, sendo fruto do ato de julgar, já a súmula

decorre de um ato administrativo, que consiste na elaboração dos enunciados pelos

julgadores73.

Como explicitado, a súmula depende de procedimento específico, quórum de

julgadores, formação em um determinado órgão e demais regras disciplinadas no regimento

interno dos tribunais. O precedente, por sua vez, só depende do julgador posterior,

responsável por examinar a decisão paradigma e obter a sua ratio decidendi para dirimir o

conflito.

A súmula prescinde, ainda, do debate entre os litigantes e da possibilidade de

influírem no julgamento, isto é, o seu enunciado é elaborado sem a observância do

contraditório. Até porque, não se trata de uma decisão judicial, mas do entendimento

dominante de um tribunal sobre um ponto, a partir de reiterados julgados. Carece, pois, da

mesma legitimidade de um precedente, que derivou de uma decisão proferida em um caso

concreto, onde as partes tiveram a oportunidade de exercitar o contraditório74, impugnar os

72 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. vol. 2. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 450. Os autores ainda acrescentam que a súmula deve ser escrita em termos precisos, exigindo o retorno ao caso que lhe originou. Não se pode perder de vista que "do ponto de partida (texto legal) ao ponto de chegada (texto sumulado) estão precedentes que compuseram a jurisprudência que veio a ser dominante, precedentes esses que também são textos a serem interpretados, considerando as circunstâncias fáticas subjacentes, que serviram de base para sua construção". DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Op. cit., p. 450. 73 LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro contemporâneo. Salvador: Jus Podivm, 2014, p. 125. O autor diferencia os três institutos aqui trabalhados da seguinte forma: “Precedente é um julgamento que ocasiona um ganho hermenêutico e que é tomado como referência individual em casos posteriores. Já a jurisprudência é um conjunto de julgamentos em um mesmo sentido, representando a reiteração de uma mesma resposta hermenêutica em várias situações distintas. Já a súmula é ato administrativo de um tribunal que sintetiza, mediante abstrativização, uma linha jurisprudencial”. LOPES FILHO, Juraci Mourão. Op. cit. p. 127. 74 “Para que exista precedente não basta apenas um enunciado acerca da questão jurídica, mas é imprescindível que este enunciado tenha sido elaborado em respeito a adequada participação em contraditório dos litigantes e, assim, tenha surgido como um resultado do processo judicial, ou melhor, como um verdadeiro resultado do debate entre as partes. É certo que se poderia dizer que o enunciado da súmula provém das decisões judiciais, fruto da participação em contraditório. Acontece que a súmula, só por isso, é diferente, carecendo de igual legitimidade, ao menos quando se pensa na sua observância obrigatória ou na sua incidência sobre a esfera

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pontos desfavoráveis, além de verem observado o dever de motivação estatuído no art. 93, IX

da CF.

Não se pode olvidar, todavia, que há espaço para o diálogo social no procedimento de

elaboração, revisão ou cancelamento de súmulas com efeito vinculante. Isto porque a proposta

pode ser apresentada pelos legitimados para ajuizar a Ação Direta de Inconstitucionalidade75,

o que inclui as confederações sindicais ou as entidades de classe de âmbito nacional,

admitindo-se, por decisão irrecorrível, a manifestação de terceiros (amicus curiae), nos

termos do art. 3º, §2º da Lei nº 11.417/2006 e o Regimento Interno do STF. Atribui-se, pois,

maior legitimidade a ratio decidendi formada na esfera do Supremo e possibilita o exercício

do contraditório76.

De toda forma, constata-se que a súmula, de um modo geral, não exprime um

precedente, apenas um dos seus elementos, mediante método próprio, se afastando das

circunstâncias fáticas do caso concreto, além de se basear em reiteradas decisões sobre uma

questão. Labora, portanto, em equívoco, quem concebe a súmula como espécie de precedente

judicial.

2.4 CONCEITOS IMPORTANTES PARA COMPREENSÃO DO PRECEDENTE

Uma vez definidos os contornos do precedente judicial, delimitando o conceito (em

sentido amplo e estrito) e as divisas com figuras jurídicas semelhantes – decisão,

jurisprudência e súmula -, mas com pontos de distinção bem evidentes, passa-se a identificar

os elementos que compõem o precedente, ratio decidendi e obiter dictum, para sua adequada

compreensão.

2.4.1 Ratio decidendi ou holding

Conforme fixado, o precedente (em sentido amplo) é a própria decisão judicial,

responsável por dirimir o conflito oriundo do caso concreto, que tem aptidão ou relevância

jurídica de outros jurisdicionados”. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 217. 75 Conferir art. 103-A, §2º da CF e art. 3º da Lei nº 11.417/2006. 76 "As súmulas vinculantes têm grande repercussão social por serem de obediência obrigatória por parte de todo o Poder Judiciário e da administração pública direta e indireta. A participação de setores da sociedade interessados na questão constitucional debatida e que pela solução dada pela Corte serão afetados democratiza as decisões sumuladas, reforça a legitimidade do processo de edição desses enunciados sumulares e reduz o peso do argumento contramajoritário". SILVA, Celso de Albuquerque. Súmula Vinculante: teoria e prática da decisão judicial com base em precedentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 120

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para que a tese jurídica nela consagrada seja aplicada em julgamentos futuros semelhantes/

análogos.

Esta tese jurídica ou regra universal que pode ser extraída da decisão, servindo como

diretriz (eficácia persuasiva) ou obrigatoriedade (eficácia vinculante) para solucionar os casos

posteriores, assentados sob as mesmas premissas, é denominada de ratio decidendi ou

holding77.

A ratio decidendi é o núcleo do precedente, a sua norma geral78 veiculada na

fundamentação79 do pronunciamento judicial. Consiste nas suas razoes de decidir, revelando

uma regra jurídica que pode ser utilizada como paradigma em situações análogas pelo

Judiciário80.

O precedente é composto, assim, do raciocínio jurídico, da regra de direito (ratio

decidendi) e das circunstâncias fáticas que sustentam o caso concreto, como ensina José

Rogério Cruz e Tucci81.

É possível definir, ainda, a ratio decidendi em termos descritivos ou prescritivos82. Na

primeira perspectiva, as razões de decidir representam a justificação, isto é, a exposição de

77 Holding é a expressão utilizada pelos norte-americanos para se referir a ratio decidendi (de origem inglesa). BANKOWSKI, Zenon; MACCORMICK, D. Neil; MARSHALL, Geoffrey. Precedent in the United Kingdom. In: Interpreting precedents: a comparative study. MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S. (coord.). Estados Unidos: Dartmouth, 1997, p.322; MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes: o desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.118; SILVA, Celso de Albuquerque. Súmula Vinculante: teoria e prática da decisão judicial com base em precedentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.72; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evolução do direito. In Direito jurisprudencial. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.43. 78 Pierluigi Chiassoni apresenta inúmeras definições para o termo ratio decidendi, destacando que o conceito de ratio não é unívoco e pode variar de acordo com o tipo de objeto designado ou o grau de especificação deste objeto, apresentando classificações que consideram o conteúdo da decisão ou a opinião do juiz do precedente, do juiz sucessivo e da doutrina. No entanto, o autor critica estas inúmeras acepções pela ausência de uniformidade e determinação, além de serem marcadas pelo subjetivismo. E formula a sua própria noção de ratio decidendi como norma jurídica geral que, considerando à estrutura lógica da fundamentação (aspecto objetivo) e de acordo com a opinião do juiz que prolatou a decisão (aspecto subjetivo), não pode ser retirada da fundamentação, CHIASSONI, Pierluigi. La giurisprudenza civile: metodi d’interpretazioni e tecniche argomentative. Milano: Giuffrè Edittore, 1999, p.148-149; CHIASSONI, Pierluigi. Il precedente giudiziale: tre esercizi di disincanto. Disponível em <http://www.giuri.unige.it/intro/dipist/digita/filo/testi/analisi_2004/07chiassoni.pdf> Acesso em 09 setembro 2014, p.81-87. 79 CORDOPATRI, Francesco. La ratio decidendi: profilo storico e comparativo. In: Rivista di Dirito Processuale, vol. 44, p. 704-709. Padova: Cedam, 1989. 80 Rupert Cross e J. W. Harris definem ratio decidendi como uma regra de direito expressa ou implícita que se revela necessária para alcançar determinada conclusão. No original: “The ratio decidendi of a case is any rule of Law expressly or impliedly treated by the judge as a necessary step in reaching his conclusion”. CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. Precedent in English Law. 4. ed. Oxford: Clarendon Press, 2004, p.75. No mesmo sentido, LANDES, William M; POSNER, Richard A. Legal precedent: a theoretical and empirical anlysis. In: The Journal of Law and Economics. 1976, p.250; PECZENIK, Aleksander. On Law and Reason. Springer, 2009, p.273. . 81 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 12. 82 Conferir STONES, Julius. The Ratio of The Ratio Decidendi. In: The Modern Law Review, vol 22, 1959, p.600; MACCORMICK, Neil. Why cases have Rationes and what these are? In: Pecedent in law. Oxford:

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motivos do(s) magistrado(s) acerca da solução encontrada para a demanda sob julgamento,

partindo de uma análise sociológica, histórica e, se necessário, psicológica. Já em termos

prescritivos, o holding irá se referir a uma questão de direito83, mais precisamente ao

julgamento normativo, à regra jurídica “que o Tribunal estabeleceu para decidir aquele

específico caso”84.

Em síntese, o sentido descritivo se preocupa com o caminho ou modus empregado

pelo juiz para decidir, justificando os motivos pelos quais adotou a conclusão exarada no

pronunciamento judicial. Consiste, pois, na descrição do processo de justificação da resposta

dada ao caso concreto85. E o sentido prescritivo “identifica a proposição jurídica, derivada do

precedente, que vincula ou obriga a decisão do caso posterior”86, é a tarefa de identificar ou

delimitar o princípio jurídico que orienta ou vincula o órgão judicial nos julgamentos

posteriores.

Deve-se atentar que é o juiz do caso posterior que se incumbe de analisar o precedente

e identificar a sua ratio decidendi e não aquele que proferiu a decisão paradigmática. Cabe ao

órgão julgador do caso seguinte, examinar o precedente e dele extrair a norma geral que

poderá ou não ser aplicada à demanda sub judice, cotejando as circunstâncias do caso

presente.

O precedente carece, portanto, de interpretação a ser realizada pelo julgador87, pois,

enquanto decisão judicial, não é norma e sim texto88, dependendo do método indutivo para

obter a ratio. Parte-se, assim, do particular - análise da solução do caso concreto - para o

Clarendon Press, 1987, p.170. SILVA, Celso de Albuquerque. Súmula Vinculante: teoria e prática da decisão judicial com base em precedentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.72. 83 MACCORMICK, Neil. Rhetoric and the rule of law: a theory of legal reasoning. Oxford: Oxford Uniersity Press, 2005. 84 SILVA, Celso de Albuquerque. Súmula Vinculante: teoria e prática da decisão judicial com base em precedentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 72. 85 STONES, Julius. The Ratio of The Ratio Decidendi. In: The Modern Law Review, vol 22, 1959, p.600; 86 SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do Precedente Judicial à Súmula Vinculante. Curitiba: Juruá, 2011, p.134 87 “Precedentes judiciais são, como enunciados legislativos, textos dotados de autoridade que carece de interpretação. É trabalho do aplicador extrair a ratio decidendi – o elemento vinculante – do caso a ser utilizado como paradigma”. BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação das regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p.259 (destaques do original). Na mesma diretriz, assinalam Aline Hadad Ladeira e Alexandre Melo Franco Bahia: “é de se ver pois, que em se tratando de precedente, inexiste uma regra jurídica pronta e acabada apta a solucionar casos futuros. Ao contrário, o próprio precedente (regra jurídica) é fruto de intenso debate e atividade interpretativa (elemento hermenêutico), impossível, pois, sua aplicação de maneira lógico/subsuntiva”. LADEIRA, Aline Hadad; BAHIA, Alexandre Melo Franco. O precedente judicial em paralelo a súmula vinculante: pela (re) introdução da faticidade ao mundo jurídico. In: Revista de Processo, ano 39, vol. 234. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 275-302, ago./2014, p.287. 88 Sobre a confusão entre texto e norma, Humberto Ávila faz a seguinte observação: “normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos”. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 8 ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 30.

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geral, extraindo-se a regra de direito com pretensão universal para se aplicar em julgamentos

futuros89.

Desta forma, a ratio decidendi é o elemento essencial do precedente, extraído da

fundamentação das decisões90, podendo ser traduzida “nos fundamentos jurídicos que

sustentam a decisão; a opção hermenêutica adotada na sentença, sem a qual a decisão não

teria sido proferida como foi; trata-se da tese jurídica acolhida pelo órgão julgador no caso

concreto”91.

José Rogério Cruz e Tucci decompõe os elementos da ratio decidendi, sob o aspecto

analítico, em: “a) a indicação dos fatos relevantes (statement of material facts); b) o raciocínio

lógico-jurídico da decisão (legal reasoning); e c) o juízo decisório (judgement)”92, o que deve

ser identificado e delimitado, como dito, pelo julgador do caso posterior em cotejo com o

precedente.

Considerando os elementos que integram o holding, constata-se que, embora o

significado de um precedente possa ser extraído, essencialmente, da fundamentação, não se

pode desprezar a importância do relatório, onde é posto o resumo dos fatos do caso e do

dispositivo da decisão, que contém o juízo decisório. A ratio decidendi é formada, portanto,

por todos os elementos da sentença, mas não se confunde com nenhum deles93, sendo fruto da

interpretação do precedente pelo juízo do caso posterior, ao revelar a proposição jurídica

universal.

Isto quer dizer que a ratio decidendi se forma do substrato mais importante da decisão,

reunindo os seus aspectos mais relevantes e essenciais, sem os quais a conclusão seria

89 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. vol. 2. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 432. Lênio Luiz Streck e Georges Abboud também apontam a característica de “texto” de que se reveste o precedente, ao qual deve ser atribuído um sentido a partir da análise do caso concreto. STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – O precedente judicial e as súmulas vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p.54. 90 Luiz Guilherme Marinoni explica que: “[...] o melhor lugar para se buscar um significado de um precedente está na sua fundamentação, ou melhor, nas razões pelas quais se decidiu de certa maneira ou nas razões que levaram à fixação do dispositivo”. MARINONI, Luiz Guilherme, Precedentes obrigatórios. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 221. 91 DIDIER JR. Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Ações Probatórias, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Antecipação da tutela. 8ª ed. vol 2. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 427. 92 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 175. 93 “Em que pese a ratio decidendi se encontre na fundamentação de decisão, a ela não corresponde integralmente – nem a nenhum dos outros elementos da decisão judicial. Na verdade, pode ser elaborada e extraída de uma leitura conjugada de tais elementos decisórios (relatório, fundamentação e dispositivo), importando as circunstâncias fáticas relevantes relatadas, a interpretação dada à norma naquele contexto e a conclusão a que se chega [...]”. DIDIER JR. Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Ações Probatórias, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Antecipação da tutela. 8ª ed. vol 2. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 433.

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diferente94. Assim, o que realmente vincula em um precedente é apenas a sua ratio decidendi

que é dotada de eficácia vinculante nos precedentes obrigatórios fixados na doutrina do stare

decisis95. Não é, pois, o precedente que deve ser respeitado pelos juízes, mas tão somente um

dos seus elementos: a tese jurídica que dele emana96 ou a teoria formulada pelo juiz para o

caso.

Neste sentido, Karl Larenz sustenta que a parte vinculante do precedente se restringe a

norma nele corretamente interpretada ou concretizada, isto é, a máxima de decisão nele

expressa, desde que represente uma interpretação acertada, uma integração das normas ou

uma concretização de um princípio jurídico paradigmático. Desta forma, o juiz não “é

obrigado a seguir irrefletidamente um precedente, seja o seu próprio, seja o de um outro

tribunal”, devendo sempre verificar se a ratio decidendi se amolda devidamente ao caso sob

julgamento97.

Daí a necessidade de haver coerência na motivação a fim de que a decisão esteja apta a

fornecer para os sujeitos processuais e extraprocessuais os elementos necessários para sua

compreensão e interpretação, sendo perfeitamente possível determinar o seu sentido e

alcance98 e, assim, compor adequadamente a ratio decidendi que será utilizada em casos

similares.

Diante deste cenário e da importância da motivação das decisões judiciais, será que é

possível falar em precedente desprovido de ratio? Ou ainda um precedente com várias

94 Há diversos métodos cunhados na doutrina do common law para se identificar a ratio decidendi, a exemplo do método de Wambaugh, que se baseia na técnica de inversão, ou seja, se o enunciado for retirado e a conclusão, por este motivo, for alterada, é porque ele constitui razão de decidir. WAMBAUGH, Eugene. The study of cases: a course of instruction in reading and stating reported cases, composing head-notes and briefs, criticizing and comparing authorities, and compiling digests. 2 ed. Boston: Litle, Brown and Co., 1894, p. 17 e ss. Há, ainda o método de Goodhart, que leva em conta a separação dos fatos materiais ou essenciais, que sustentam a decisão, dos que não possuem relevância (obiter dictum). GOODHART, Arthur. Determining the Ratio Decidendi of a Case. The Yale Law Journal, vol. 40, nº 2. Dec. 1930, p. 161-183. Conferir também MARSHALL, Geoffrey. What is binding in precedent. In MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S. (coord.). Interpreting precedents: a comparative study. Estados Unidos: Dartmouth, 1997, p.506. 95 A doutrina do stare decisis significa “o poder e obrigação dos órgãos judiciais em basear seus julgamentos em decisões anteriores [...]”. MERRYMAN, John Henry. PÉREZ-PERDOMO. Rogelio. A tradição do civil law. Cássio Casagrande (tradutor). Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2009, p. 49. 96 “Embora comumente se diga que a doutrina do stare decisis (ou do precedente obrigatório) significa que as cortes devem seguir o precedente existente quando em julgamento, na verdade, o que as cortes estão obrigadas a seguir, é a ratio decidendi deste precedente. (destaques no original). SOUZA, Marcelo Alves Dias. Do Precedente Judicial à Súmula Vinculante. Curitiba: Juruá, 2007, p. 125. Vide também CROSS, Rupert e HARRIS, J.W. Precedent in English Law. Oxford: Clarendon Press, 2004, p.222. 97 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6 ed. José Lamego (tradutor). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p. 615. 98“[...] é na fundamentação das decisões que os juízes utilizam os recursos argumentativos que dão supedâneo à compreensão de cada um em face do caso concreto, visando tornar a decisão aceitável para a comunidade jurídica e pela sociedade”. CORDEIRO, Paulo Machado. A responsabilidade social dos juízes e a aplicação dos direitos fundamentais. 6. ed. Salvador: Jus Podivm, 2007, p. 48-49.

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rationes? A resposta a estes questionamentos será oferecida nos tópicos seguintes (2.4.1.1 e

2.4.1.2).

2.4.1.1 Precedente com várias rationes

Pode ocorrer de um precedente judicial ser composto por múltiplas rationes decidendi.

Esta hipótese se vislumbra quando o órgão judicial decide com base em mais de uma razão,

todas suficientes para o julgamento da causa. Entende-se, nesta situação, que todas as rationes

obrigam, de modo que o juiz do caso posterior deve levar todas elas em consideração no

julgamento99.

Isto geralmente se verifica nos julgamentos colegiados, onde se depara com uma

multiplicidade de fundamentos jurídicos veiculados pelos julgadores, todos consonantes com

a conclusão.

Outra hipótese de um precedente (no sentido de decisão judicial) ser permeado por

mais de uma ratio100 é quando ocorre a cumulação de pedidos (simples, sucessiva, subsidiária

ou alternativa101), o que é comum no Brasil, de modo que o julgamento de cada um deles terá

aptidão para formar uma ratio decidendi102. A decisão será formada, assim, por capítulos

contendo a apreciação de cada pedido, cujas rationes podem ser autônomas e independentes

considerando o tipo de cumulação. Difere da primeira hipótese apresentada porque, neste

caso, as rationes são extraídas de diferentes capítulos da decisão, enquanto na primeira

decorrem do mesmo capítulo, contendo diferentes fundamentações para decidir a mesma

questão.

Luiz Guilherme Marinoni destaca também a possibilidade da apreciação de questões

preliminares, que precedem o julgamento do próprio mérito, constituírem decisões de onde se

99 SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do Precedente Judicial à Súmula Vinculante. Curitiba: Juruá, 2011, p.138. O referido autor aponta, a título de exemplo, os casos Behrens v. Betranm Mills Circus Ltd (1957) e Ashton v. Turner (1980), nos quais se identificaram várias rationes decidendi. Conferir também INGMAN, Terence; The English Legal Process. 2 ed. London: Blackstone Press, 1987. 100 Neil Maccormick defende que a ideia presente no common law de que o precedente só deve ter uma ratio decidendi constitui um dogma nocivo ao sistema: “minha resposta é que um dogma desses é mera ficção e, na realidade, uma ficção nociva. Ele pode suscitar uma falsa conversão, quando os que antes acreditavam no dogma, ao descobrir que alguns casos não possuem sequer uma única ratio que se possa expressar, incorrem na conclusão apressada de que nenhum caso possa ter uma, O equívoco é evidente”. MACCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e teoria do direito. Tradução de Waldéa Barcellos. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 106. 101 O regramento da cumulação de pedidos no CPC/73 está disciplinado nos arts.288 e segs. 102 LIMA, Tiago Astor Rocha. Precedentes Judiciais Civis no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 177.

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pode defluir os holdings do precedente103. Considera-se, ainda, a existência de várias causas

de pedir referentes a um único pedido, a exemplo do que ocorre na ação rescisória fundada em

motivos diversos (ex. violação à lei e erro de fato - art. 485 do CPC), em que haverá múltiplas

rationes.

Observa-se, por fim, a existência de várias rationes quando o órgão colegiado

converge para um mesmo resultado, mas por fundamentos diversos apontados pelos juízes

que compõem o quórum de julgamento, evidenciando diferentes linhas de raciocínio. Quando

isso ocorre, é difícil identificar e delimitar os holdings que compõem o precedente,

autorizando que os juízes do caso posterior não os apliquem, desvinculando-se das rationes

formadas104.

Orientação semelhante ocorre quando não é possível identificar a ratio por ausência de

fundamentação ou deficiência das razões de decidir, formando uma decisão existente, mas

nula.

Disso cuida o próximo item.

2.4.1.2 Precedentes sem ratio

Quando a fundamentação é insuficiente, controversa, obscura, deficiente105, a

identificação da ratio decidendi será extremamente difícil. Nestes casos, não há como extrair

103 MARINONI, Luiz Guilherme. Elaboração dos conceitos de ratio decidendi (fundamentos determinantes da decisão) e obiter dictum no direito brasileiro. In: MARINONI, Luiz Guilherme (coord.). A Força dos Precedentes. Salvador: Jus Podivm, p. 249-280, 2010, p. 255-257; LIMA, Tiago Astor Rocha. Precedentes Judiciais Civis no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 175-178. Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira pontuam que os capítulos da decisão são autônomos e podem versar sobre a admissibilidade ou sobre o mérito da causa. Cada um desses capítulos deve ter fundamentação capaz de extrair a ratio. Daí se conclui que é possível obter uma pluralidade de rationes, sendo que cada uma delas se refere a uma questão decidida. Os precedentes podem se referir, portanto, a questões processuais, que se relacionam, por exemplo, a admissibilidade do processo. Caso contrário, “seria difícil explicar a existência de enunciados de súmula sobre matéria processual, abundantes tanto no STF quanto no STJ, além da possibilidade de incidente de uniformização de jurisprudência sobre questão processual”. DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. vol. 2. Salvador: Jus Podivm, 2013, p.436-437. 104 SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do Precedente Judicial à Súmula Vinculante. Curitiba: Juruá, 2011, p.138. O caso clássico em que isso ocorreu foi em Boys v. Chaplin (1971), decisão da House of Lords. CRACKNELL, D. G. English Legal System Textbook. 15 ed. London: HTL publications, 1995, p. 98. 105 Conforme ensina José Rogério Cruz e Tucci, a fundamentação insuficiente, contraditória ou perplexa equipara-se a ausência de fundamentação, “bem como aquela em que não se examinam exaustivamente as questões suscitadas pelas partes”. TUCCI, José Rogério Cruz e. Ainda sobre a nulidade da sentença imotivada. Revista de Processo, ano 14, n. 56. São Paulo: Revista dos Tribunais, out/dez 1989, p.223. Clóvis Juarez Kemmerich entende que a sentença incompreensível é sentença juridicamente inexistente: "a acessibilidade a um sentido faz parte do núcleo essencial da sentença. Sem isso, não existe a mínima possibilidade de que um texto se qualifique como uma sentença judicial. Admitir que um texto incompreensível, pelo simples fato de ter sido assinado por um juiz, seja uma sentença é praticamente o mesmo que considerar um suspiro do juiz como sendo uma sentença. Não se trata de um problema de validade ou de eficácia do documento, portanto, mas de ser ou

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a norma geral e aplicá-la posteriormente, desprezando-se o precedente por inviabilidade na

sua aplicação106.

O problema é recorrente no Brasil, filiado ao civil law, pois os magistrados não se

preocupam em proferir uma decisão que transcenda o caso concreto e, por vezes, sequer

observam o seu dever de motivar previsto no art. 93, IX da CF, sacrificando os próprios

litigantes.

Nesta hipótese, a decisão será nula por ausência de fundamentação, em face do error

in procedendo cometido pelo magistrado e, “justamente por não conter a exposição da ratio

decidendi, não é capaz de ser invocada como precedente”107. Assim, na falta da norma geral e

abstrata extraída, essencialmente, da fundamentação, a decisão não será dotada de autoridade

ou mesmo de eficácia persuasiva, desobrigando os juízes de aplicarem a tese jurídica no caso

concreto.

2.4.2 Obiter dictum

.

Visto que a ratio decidendi ou holding constitui o núcleo do precedente, a tese jurídica

necessária para se alcançar determinado resultado, passa-se a investigar os argumentos

jurídicos que são veiculados na decisão de forma tangencial, de passagem, “consubstanciando

juízos normativos acessórios, provisórios, secundários, impressões ou qualquer outro

elemento jurídico-hermenêutico que não tenha influência relevante e substancial para a

decisão”108.

É o que se denomina no common law de obiter dictum ou obiter dicta109 (no plural).

São opiniões dos julgadores que compõem a fundamentação110 e, portanto, o precedente em

não ser sentença". KEMMERICH, Clóvis Juarez. Sentença obscura e trânsito em julgado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 79. 106 “Há casos, todavia, em que é extremamente difícil identificar a ratio decidendi. São decisões com fundamentação insuficiente, sem um princípio claro, mesmo que implícito. Devem, segundo a opinião dominante, ser consideradas como desprovidas de ratio e, por conseguinte, de autoridade obrigatória”. SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do Precedente Judicial à Súmula Vinculante. Curitiba: Juruá, 2011, p.138 (destaques no original) 107 DIDIER JR. Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Ações Probatórias, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Antecipação da tutela. 8ª ed. vol 2. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 429. 108 DIDIER JR. Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Ações Probatórias, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Antecipação da tutela. 8ª ed. vol 2. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 430. 109 “Há, na decisão, também os obiter dicta ou os gratis dicta, termos que significam, literalmente, o que foi dito para morrer (= para perder a importância). Obiter dicta têm função meramente persuasiva” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evolução do direito. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.44.

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seu conjunto, mas, por outro lado, não são relevantes para dirimir o conflito, sendo excluídos

da ratio decidendi (norma jurídica geral) e, pelo mesmo motivo, também não servem como

fundamento da norma individualizada que contém a resposta para solucionar aquele caso

concreto.

Para que se identifique o dictum é preciso valer-se do método negativo111, isto é, o que

não integra a ratio, reputando-se “prescindível para o deslinde da controvérsia”112, se

enquadra como dictum113. Figuram nesta espécie: a) as questões discutidas pelo órgão

judicial, mas que não foram suscitadas pelas partes, desbordando dos limites da causa; b)

declarações sobre fatos fictícios/hipotéticos114, que se tivessem ocorrido seriam julgados desta

ou daquela forma; c) aspectos citados como reforço argumentativo, mas sem pertinência para

a decisão.

Nada obsta, contudo, que sejam citados, a título de obiter dictum, normas e princípios

jurídicos relevantes, travados importantes debates ou discussões teóricas e refutadas eventuais

objeções115. Não integram a ratio simplesmente por não se relacionarem ao caso sob

julgamento ou, mesmo que se relacionem, reputam-se desnecessários para se alcançar a

conclusão.

Em síntese, os obiter dicta representam “aquelas considerações jurídicas elaboradas

pelo Tribunal não relacionadas diretamente com o caso e desnecessárias para justificar a

110 Neil Duxbury elenca como hipótese de obiter dictum opiniões judiciais lançadas na decisão de passagem e que se reputam desnecessárias ou desconectadas com os fatos do caso. DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Estados Unidos: Cambrigde, 2008, p.68; Conferir também MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes: O desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.125; MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.235-261; SILVA, Celso de Albuquerque. Súmula Vinculante: teoria e prática da decisão judicial com base em precedentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.74;. CHIASSONI, Pierluigi. La giurisprudenza civile: metodi d’interpretazioni e tecniche argomentative. Milano: Giuffrè Edittore, 1999, p.149-150; CHIASSONI, Pierluigi. Il precedente giudiziale: tre esercizi di disincanto. Disponível em <http://www.giuri.unige.it/intro/dipist/digita/filo/testi/analisi_2004/07chiassoni.pdf> Acesso em 09 de setembro de 2014, p.85-88. 111 SCHAUER, Frederick. Thinking like a lawyer: a new introduction to legal reasoning. London: Harvard University Press, 1946, p.55; SOLA, Juan Vicente. Control Judicial de Constitucionalidad. Buenos Aires: Abeledo Perrol, 2001, p. 218. 112 LEAL, Roger Stiefelmann. O efeito vinculante na jurisdição constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 168-169. 113 Eugene Wambaugh pontua que obiter dictum são as observações introdutórias, os resumos dos mais recentes julgados, os debates sobre casos semelhantes e todo tipo de matéria que visa descortinar a visão da Corte sobre o caso em julgamento, sem compor o seu núcleo decisório. WAMBAUGH, Eugene. The study of cases. 2. ed. Boston: Little, Brown and Company, 1894, p.18. 114 ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual brasileiro: os precedentes dos tribunais superiores e sua eficácia temporal. Curitiba: Juruá, 2012, p.86; GOODHART, Arthur L. Determining the Ratio Decidendi of a Case. In: The Yale Law Journal, vol. 40, nº. 2 (Dec., 1930), p.179. 115 ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p.112.

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decisão proferida. São pronunciamentos que se afastam do princípio justificador daquela

decisão” 116.

Não se pode desprezar, todavia, a importância do dictum para a formação de outros

precedentes ou, até mesmo, como reforço argumentativo, considerando que é dotado de força

persuasiva117. Neste passo, o obiter dictum pode sinalizar uma eventual mudança de

entendimento do tribunal, alertando a comunidade jurídica acerca da fragilidade do

precedente118. No futuro, o dictum pode se transformar em ratio decidendi, elucidando a nova

tese jurídica do tribunal e o parâmetro a ser seguido pela sociedade com base no novo

holding.

Daí ser possível afirmar que a ratio decidendi e o obiter dictum possuem a mesma

estrutura ôntica, mas diferem em relação a função que ocupam na fundamentação de

determinada decisão judicial, pois a depender dos argumentos utilizados e da questão

discutida, o fundamento será qualificado como dictum ou ratio em face da conclusão

alcançada.

Isto pode acontecer, inclusive, dentro de um mesmo processo, pois enquanto a decisão

não transitar em julgado, o que era obiter dictum pode converter-se em ratio e vice-versa. O

voto vencido, por exemplo, tem força no ordenamento brasileiro para modificar a decisão,

uma vez acolhidos os embargos infringentes, opostos com objetivo de transformar o voto

vencido em vencedor e, portanto, formar nova ratio decidendi. Além disso, o voto vencido

pode vir a tornar-se vencedor em outros processos, dependendo das circunstâncias do caso e

da força argumentativa.

Geoffrey Marshall evidencia a possibilidade de um dictum ser dotado de autoridade

em casos subsequentes: “dependendo da autoridade do tribunal, um dictum pode muitas vezes

ser tratado como impositivo em casos posteriores tanto por tribunais inferiores como por

116 SILVA, Celso de Albuquerque. Súmula Vinculante: teoria e prática da decisão judicial com base em precedentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.74; . 117 “O obiter dictum, assim considerado, não se presta para ser invocado como precedente vinculante em caso análogo, mas pode perfeitamente ser referido como argumento de persuasão”. TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente Judicial como Fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.177; MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes: o desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.126; TARANTO, Caio Márcio Gutterres. Precedente Judicial: autoridade e aplicação na jurisdição constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.71; 118 DIDIER JR. Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Ações Probatórias, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Antecipação da tutela. 8ª ed. vol 2. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 431.

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comentaristas, especialmente se um tribunal superior tem dedicado tempo ou atenção a ele

[...]”119.

Conclui-se que, o dictum, embora represente, a princípio, enunciações secundárias,

“fora da estrutura justificativa do discurso”120, não pode ser desconsiderado pelo julgador,

tampouco pelos demais operadores do direito e pelas próprias partes, pois além de ser dotado

de eficácia persuasiva, pode sinalizar a mudança futura de orientação do tribunal, culminando

com a superação do precedente ou mesmo se tornar ratio decidendi no processo ainda em

curso.

O dictum desempenha, assim, três papéis na teoria do precedente: a) contribui, ainda

que de forma lateral e prescindível, para construção do raciocínio jurídico assentado na

fundamentação; b) evidencia possível mudança de orientação do tribunal sobre dada matéria;

c) pode conduzir à superação do precedente, na medida em que expõe os seus defeitos ou

fragilidades121.

Tudo irá depender, como exposto, da autoridade e prestígio do órgão judicial que o

emitiu, da força e consistência dos argumentos e da relação de afinidade travada com a

questão principal122.

2.5 PRINCIPAIS TÉCNICAS DE APLICAÇÃO E SUPERAÇÃO DOS PRECEDENTES

As considerações firmadas nos tópicos anteriores permitiram configurar o precedente

judicial no ordenamento jurídico, reportando-se à sua definição e aos elementos (ratio

decidendi e obiter dictum) que o compõem. O estudo se volta neste momento para a aplicação

do precedente pelo julgador, após a identificação da ratio decidendi e a análise a respeito da

sua utilização como paradigma nos casos semelhantes ou a sua necessária adequação/

afastamento.

119 No original: “Depending upon the authority of the court, a dictum may often be treated as authoritative in subsequent cases both by lower courts and by commentators, particularly if a higher court has devoted time or attention to it […]”MARSHALL, Geoffrey. What is binding in a precedent. In MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S. (coord.). Interpreting precedents: a comparative study. Estados Unidos: Dartmouth, 1997, p.515. 120 ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p.112. 121 JESUS, Priscilla Silva de. Precedente judicial e a nova compreensão do interesse recursal. Dissertação de Mestrado. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2014, p. 41. 122 ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual brasileiro: os precedentes dos tribunais superiores e sua eficácia temporal. Curitiba: Juruá, 2012, p.88.

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Examinada a técnica de aplicação e confronto do precedente (distinguishing), será

investigado o fenômeno do overruling, por meio do qual os precedentes são superados, desde

que haja fundadas razões para retirá-los do ordenamento sem afetar a confiança dos

jurisdicionados.

2.5.1 Distinguishing

2.5.1.1 Distinguish-método x distinguish-resultado

O termo “distinguishing” pode ser utilizado em duas acepções. A primeira, em sentido

amplo, designa o método ou a técnica de comparação a ser empregada pelo juiz para

aplicação ou não do precedente, a partir do confronto entre o paradigma e o caso concreto123.

A segunda (sentido estrito) se refere ao resultado negativo desta comparação, isto é, quando

se verifica que o caso presente não pode se subordinar ao precedente, em face de diferenças

relevantes124. Desta forma, tem-se o distinguish-método (primeira hipótese) e o distinguish-

resultado.

A técnica de distinção ampara-se no raciocínio analógico a ser empreendido pelo

julgador, visto que as diferenças e similitudes entre o precedente e o caso a ser julgado devem

ser delimitadas analogicamente, moldando e remoldando as normas a partir de cada

decisão125.

Não há como se exigir a identidade absoluta entre o paradigma e o caso presente126,

daí porque se utiliza um procedimento analógico, pautado em um juízo de aproximação entre

um e outro. O processo também ocorre pelo método indutivo e empírico do qual deve se valer

o magistrado para realizar a distinção entre os casos, partindo-se, pois, do particular para o

geral.

Ao julgar um conflito, o magistrado deve verificar se existe algum precedente, do

órgão ao qual está vinculado ou de instâncias superiores, que tratou sobre a mesma questão de

123 “A complexa atividade lógica de interpretação do precedente judicial vale-se, outrossim, do método de confronto, denominado distinguishing, pelo qual o juiz verifica se o caso em julgamento pode ou não ser considerado análogo ao paradigma”. TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente Judicial como Fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.174. 124 DIDIER JR. Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Ações Probatórias, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Antecipação da tutela. 8ª ed. vol 2. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 454. 125 BARROS, Lucas Buril de Macêdo. Os precedentes judiciais no ordenamento jurídico brasileiro. Dissertação de Mestrado. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2014, p.282; DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Estados Unidos: Cambrigde, 2008, p. 59. 126 SCHAUER, Frederick. “Precedents”. Stanford Law Review. Stanford, 1987, v. 39, p. 577.

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direito. Existindo, deve haver a comparação entre os elementos objetivos (pedido e causa de

pedir) da demanda sob julgamento e os presentes no caso paradigma, cotejando-os

precisamente.

Se o juízo de aproximação for positivo, parte-se para análise da ratio decidendi dos

precedentes anteriores, devendo ser considerada a moldura fática e jurídica dos casos

confrontados para proceder à aplicação, ou não, da regra universal cristalizada no precedente.

Analisa-se, para tanto, os fatos fundamentais (material facts)127. Sendo semelhantes, ou seja,

uma vez presente similar contorno fático entre o precedente e o caso a ser julgado, não há

motivos para distingui-los, devendo o juiz aplicar a mesma solução jurídica adotada no

paradigma.

Nesta medida, tem-se que “o distinguishing expressa a distinção entre casos para

efeito de se subordinar, ou não, o caso sob julgamento a um precedente. A necessidade de

distinguishing exige, como antecedente lógico, a identificação da ratio decidendi do

precedente"128.

O distinguishing pode, contudo, conduzir à não aplicação do precedente ao caso em

virtude de alguma circunstância fática ou peculiaridade, inexistindo coincidência entre os

fatos essenciais do caso concreto e aqueles que serviram de base à ratio decidendi ou ainda

pela presença de algum traço distintivo que afasta a aplicação do precedente para solucionar a

controvérsia.

Utiliza-se, nesta hipótese, do termo distinguishing para expressar o resultado negativo

da comparação realizada pelo juiz, isto é, quando a ratio decidendi não se afigura adequada

para resolver o conflito, inexistindo coincidência suficiente entre os fatos materiais dos casos

cotejados. Deste modo, a operação dá ensejo ao distinguish-resultado, realizando-se a

distinção “quando a regra fixada no precedente coloca sob seu âmbito normativo o caso atual

e, ainda assim, o juiz decide contrariamente àquela regra”129, por não ser por ela devidamente

alcançado.

127 GOODHART, Arthur. Determining the Ratio Decidendi of a Case. The Yale Law Journal, vol. 40, nº 2. Dec. 1930, p. 161-183 128 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.327. (destaques no original). 129 SILVA, Celso de Albuquerque. Súmula Vinculante: teoria e prática da decisão judicial com base em precedentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.156. Em sentido semelhante, Caio Márcio Guterres Taranto assinala que: “em dadas hipóteses, ao atribuir racionalidade a uma decisão pautada em um dado precedente que atua na qualidade de paradigma, o julgador observa e expõe que, apesar de aparente semelhança ou analogia, a demanda apreciada possui peculiaridades próprias aptas a afastar a incidência do precedente paradigma, mesmo que vinculante”. TARANTO, Caio Márcio Guterres. Precedente Judicial: autoridade e aplicação na jurisdição constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 280.

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Permite-se, assim, que o magistrado, naquele caso específico, não adote o paradigma,

embora isto não implique sua revogação ou retirada do ordenamento jurídico. O procedimento

garante a evolução do direito e a flexibilidade do sistema130, já que os precedentes isolados,

assim como as leis, não são suficientes para regular todas as situações131 submetidas ao

judiciário.

Em suma, a distinção entre casos, nesta concepção, é uma forma de demonstrar as

diferenças entre os fatos do precedente e do caso sob julgamento, revelando que a ratio

decidendi do paradigma não se aplica, por não guardar pertinência substancial com o conflito

posto a apreciação jurisdicional132, embora, aparentemente, apresente semelhanças ou

analogia.

Ressalte-se que a peculiaridade ou circunstância fática apta a autorizar o afastamento

do precedente para aquele caso concreto, deve ser substancial e se realizar no plano dos fatos

materiais, ou seja, aqueles que servem de suporte para a ratio decidendi e não para o obiter

dictum.

130 Pertinente, contudo, a advertência de Marcelo Alves Dias Souza: “O poder de distinguir é importante – não se nega – como meio de dar flexibilidade ao sistema e de fazer justiça no caso concreto. Entretanto, não pode ser levado ao extremo, sobretudo por assim ferir, com uma injustiça gritante, o princípio da isonomia. Sem falar que o uso indiscriminado do poder de distinguir pode levar a se duvidar, de modo geral, da real vinculação aos precedentes obrigatórios e, consequentemente, levar a falência do sistema, o que, com certeza, não é o desejado” (destaques no original) SOUZA, Marcelo Alves Dias. Do Precedente Judicial à Súmula Vinculante. Curitiba: Juruá, 2007, p. 145. 131 “A verdade é que o pleno conhecimento do direito legislado não apenas é impossível, mas igualmente dispensável para a previsibilidade e para a tutela da segurança. Sublinhe-se que o common law que, certamente confere maior segurança jurídica do que o civil law, não relaciona a previsibilidade com o conhecimento das leis, mas sim com a previsibilidade das decisões do Poder Judiciário”. (destaques no original) MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na dimensão da segurança jurídica. In: MARINONI, Luiz Guilherme (coord.). A força dos precedentes. Salvador: Editora Jus Podivm, p. 211-226, 2010. p. 214. 132DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Estados Unidos: Cambrigde, 2008, p.113-114. Nesse sentido, O distinguishing “corresponde à não aplicação de um precedente, a despeito de o caso concreto aparentemente incluir-se no âmbito normativo de seu holding, ao argumento de que a nova hipótese possui especificidades que demandam um tratamento diferenciado”. MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes: o desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.202. Francisco Rosito pontua que o “distinguishing (diferenciação) é a técnica utilizada no sistema do Common law para demonstrar que os fatos do caso concreto sob julgamento são diferentes dos fatos que geraram o precedente, razão pela qual este não deve ser aplicado àquele” ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p.300; “Dá-se o nome de distinguishing a essa técnica de confronto e diferenciação entre os fatos relevantes de dois casos, que revela a inadequação da aplicação da ratio decidendi do precedente ao caso em julgamento, em virtude da diversidade fática entre os mesmos”. ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual brasileiro: os precedentes dos tribunais superiores e sua eficácia temporal. Curitiba: Juruá, 2012, p.89-90); “Este ato de comparar, constatar disparidade e afastar a aplicação obrigatória do precedente é denominado de distinguishing”. CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. A força dos precedentes no moderno processo civil brasileiro. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.553-673.

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Deste modo, não é qualquer diferença que permite a não aplicação da ratio, o juiz

deve argumentar juridicamente e demonstrar porque não vai utilizar o precedente133; “o

critério determinante é a relevância das semelhanças e diferenças a ponto de justificar a

distinção”134.

Registre-se, por outro lado, que se não houver qualquer ponto de similitude entre o

precedente e o caso a ser julgado, nem de forma aparente, sequer pode se falar em

distinguishing-resultado, uma vez que o holding não exprime a resposta jurídica que

soluciona o dissídio, podendo ser aplicado outro precedente ou criado um novo, adequado a

resolvê-lo.

Feito este panorama geral, cumpre, pela importância do tema, descortinar a operação a

ser adotada pelo magistrado para distinguir os casos aparentemente postos sob o mesmo

âmbito.

2.5.1.2 Distinção entre os casos

Para realizar a distinção entre os casos é elementar examinar: a) os fatos materiais

(relevantes); b) os valores e normas em que eles se amparam; c) a questão de direito apontada

como adequada para resolver o conflito; d) os fundamentos veiculados na decisão

paradigma135.

Estes aspectos devem ser valorados pelo julgador do caso a ser apreciado para fins de

comparação com o precedente que supostamente a ele se aplica, realizando o devido

confronto.

Após esta operação, se o magistrado diagnosticar que os casos são diferentes, embora

aparentemente se enquadrem no mesmo âmbito normativo, concluirá pelo distinguishing,

diferenciando-os. Nesta hipótese, poderá seguir quaisquer destes caminhos: a)“dar à ratio

decidendi uma interpretação restritiva, por entender que peculiaridades do caso concreto

impedem a aplicação da mesma tese jurídica outrora firmada (restrictive distinguishing), caso

133 “[...] a adoção de solução diversa em caso aparentemente similar justifica-se somente se o juiz for capaz de mostrar que as características do caso concreto o distinguem relevantemente dos casos que formam a jurisprudência em questão, tendo por base argumentos extraídos do próprio conjunto normativo a ser aplicado. Em outras palavras, não é qualquer distinção que justifica o distinguishing. Fatos não fundamentais ou irrelevantes não tornam casos desiguais”. ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p.302 134 ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: Op. cit., p.302; DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Estados Unidos: Cambrigde, 2008, p.175. 135 Estes critérios foram baseados nos apontados por Patrícia Perrone Campos Mello. MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes: o desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.202

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em que julgará o processo livremente, sem vinculação ao precedente”136; ou b) poderá

“estender ao caso a mesma solução conferida aos casos anteriores, por entender, que, a

despeito das peculiaridades concretas, aquela tese jurídica lhe é aplicável (ampliative

distinguishing)” 137.

Constata-se, portanto, que durante o distinguishing, o juiz pode entender pela não

aplicação do precedente, restringindo a sua ratio decidendi em face de alguma peculiaridade

do caso concreto ou pode ampliá-la e torná-la aplicável, a despeito das diferenças entre o

novo caso e o julgado anterior, desde que não seja substancial e não afete a regra contida no

precedente.

Fala-se, nesta situação, em ampliação da ratio (ampliative distinguishing). Embora

existam pequenas diferenças entre os fatos materiais, o resultado ainda permanece o mesmo,

não sendo incompatível com as peculiaridades existentes no caso a ser julgado. Pode haver,

também, a necessidade de acomodação ou correção da ratio, quando o caso presente possui

outros fatos materiais, exigências ou circunstâncias que não foram consideradas no

precedente, mas que não alteram o seu resultado, revelando-se a viabilidade da aplicação do

holding138.

A ratio pode ser igualmente restringida, limitando-se o âmbito de incidência do

precedente (restrictive distinguishing), quando a diferença entre os casos é substancial a ponto

de gerar resultados incompatíveis devido à peculiaridade do novo caso, tornando o precedente

inaplicável na espécie. Aqui se tem, efetivamente, o distinguish como resultado da

operação139.

Cumpre esclarecer que a autoridade ou validade do precedente não é afetada pela sua

inaplicabilidade no caso concreto por força do distinguishing140. Nem quer dizer que ele está

136 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. vol. 2. Salvador: Jus Podivm, 2013, p.454. 137 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. vol. 2., Op. cit. p.454; TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente Judicial como Fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.171; NOGUEIRA, Gustavo Santana. Stare Decisis et Non Quieta Movere: a vinculação aos precedentes no direito comparado e brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.201. 138 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.330-331. 139 Thomas da Rosa de Bustamante vislumbra duas hipóteses em que pode se aplicar o distinguish-resultado. Na primeira, há o reconhecimento de uma exceção à regra geral contida no precedente, operando-se “a exclusão de determinado universo de casos antes compreendidos no âmbito de incidência da norma apontada como paradigma”. É o que se denomina de redução teleológica. Trata-se da não aplicação do precedente em determinada hipótese por força de uma exceção à norma adscrita na decisão judicial. Na segunda, vale-se do argumento a contrario para atribuir uma interpretação restritiva da ratio decidendi, “excluindo suas consequências para quaisquer outros fatos não expressamente compreendidos na sua hipótese de incidência”. BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do Precedente Judicial. São Paulo: Noeses, 2012, p.470-473. 140 “Importa pontuar, contudo, que, o fato de os juízes terem a possibilidade de não seguir os precedentes, não coloca em xeque sua vinculação ou obrigatoriedade. Apenas demonstra que a vinculação por precedentes do

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equivocado ou que deve ser superado por uma nova tese jurídica. Apenas não foi contemplada

a situação apresentada no caso sub judice e, devido a falta de coincidência substancial entre os

fatos materiais, a ratio não se acopla a moldura que contorna o caso presente, permitindo o

afastamento.

Isso pode ser feito por qualquer órgão judicial, não necessitando que seja observada

qualquer hierarquia. Será sempre tarefa a ser desempenhada pelo julgador ao analisar o

precedente.

Conclui-se que a aplicação do precedente, ou melhor, de sua ratio decidendi, não

consiste em um processo irrefletido, cego ou automático141, que pode ser realizado com o uso

de silogismos lógicos ou simples subsunção. O magistrado deve confrontar o caso concreto e

o paradigma, interpretar o precedente, extraindo a sua ratio decidendi e valorar todos os

aspectos.

É isto que permite a flexibilidade do sistema e a evolução do direito142, além de

constituir um mecanismo para manter a coerência das decisões judiciais, sem corromper a

autoridade do precedente143. O distinguishing está, ainda, em consonância com o princípio da

igualdade, visto que casos iguais devem ser tratados da mesma forma e os diferentes de modo

distinto.

Portanto, observar o princípio da igualdade significa também saber diferenciar as

situações, não dispensando tratamento isonômico para casos diferentes, devendo ser realizado

o devido cotejo entre as circunstâncias fáticas presentes no conflito sob julgamento e o

precedente.

stare decicis não é absoluta ou inexorável. Mas, é bom que se diga, em ambos os casos é fundamental a motivação da não aplicação do precedente. O eventual afastamento deve ser justificado/motivado pelo julgador porque representa a conexão do juízo com o que foi decidido no passado”. (destaques do original) LADEIRA, Aline Hadad; BAHIA, Alexandre Melo Franco. O precedente judicial em paralelo a súmula vinculante: pela (re) introdução da faticidade ao mundo jurídico. In: Revista de Processo. ano 39, vol. 234. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 275-302, ago./2014, p.287. 141 “Isso significa que não se exige submissão ‘cega’ a anteriores decisões. [...] Por esta razão, deve ser assinalado que stare decisis não é apenas uma teoria que historicamente resguardou a estabilidade e a uniformidade, visto que suas restrições e ampliações inerentes, bem como os fatores que determinaram a inaplicabilidade de precedentes judiciais, permitem a inafastável flexibilidade do ordenamento da common law, indispensável a evolução e ao progresso do direito”. (destaques do original) TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente Judicial como Fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.172. ABBOUD, Georges. Precedente judicial versus jurisprudência dotada de efeito vinculante. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.518. 142 “[...] entre todas as técnicas de flexibilização na aplicação dos precedentes, a que mais deve ser promovida na doutrina e na jurisprudência, com vista a impedir aquele engessamento e, mais do que isso, a obstar injustiças, como as decorrentes da aplicação de um precedente em situações cujas peculiaridades demandem solução diferente”. WOLKART, Erik Navarro. Súmula Vinculante: Necessidade e implicações práticas de sua adoção (o processo civil em movimento. In. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.289. 143 ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p.301.

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Também não se admite que o juiz equipare situações de forma acrítica, sem observar

os aspectos de cada uma. Assim, o tratamento igual de casos que deviam ser tratados de forma

distinta vulnera o princípio da igualdade, exigindo a efetiva e cuidadosa análise pelo

magistrado do caso concreto e da situação que pretende equiparar, justificando a realização do

distinguishing.

Em face deste aspecto do princípio da igualdade, entende-se que as partes possuem um

direito subjetivo à distinção, isto é, a não ter o seu caso julgado da mesma forma que outro

que a ele não se assemelhe substancialmente. Em outras palavras, o litigante tem o direito de

demonstrar a existência de peculiaridades ou de circunstâncias fáticas aptas a autorizar o

afastamento do precedente, desde que a diferença seja suficiente para impedir incidência da

ratio.

Pode ocorrer, contudo, a necessidade de superação do precedente, com a definitiva

retirada do ordenamento jurídico, e não apenas a sua inaplicabilidade para um universo de

casos. Este fenômeno denomina-se de overruling, tema que será enfrentado nos itens

seguintes.

2.5.2 Overruling

2.5.2.1 Conceito e fundamentos necessários para a superação dos precedentes

O overruling consiste na técnica de superação dos precedentes, “através da qual um

precedente perde a sua força vinculante e é substituído por outro precedente144”. Trata-se de

um juízo negativo sobre a sua ratio decidendi fundado em substanciais razões para abandoná-

lo145.

Nesta hipótese, não se vislumbra, necessariamente, a diferença entre os fatos materiais

do paradigma e do caso presente146, tampouco a ampliação ou restrição do holding, o que

seria suficiente para realizar o distinguishing. Mas o reconhecimento de que a tese jurídica

144 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. vol. 2. Salvador: Jus Podivm, 2013, p.456; EISENBERG, Melvin Aron. The nature of the Common Law. London: Harvard University Press, 1991, p.104. 145 ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p.304-305. 146 DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Estados Unidos: Cambrigde, 2008, p.117.

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expressada no precedente não deve ser aplicada, devendo ser adotada outra norma jurídica

geral147.

O overruling não pode ser realizado por qualquer órgão jurisdicional, pois não se trata

de mera aplicação ou interpretação da ratio decidendi em cotejo com outras demandas, de

modo que se restringe ao próprio órgão que construiu o precedente através da decisão judicial.

Somente quem o formou tem condições de superá-lo e introduzir nova regra universal no

ordenamento148.

Existe, entretanto, a possibilidade de antecipação do overruling (anticipatory

overruling) pelos tribunais inferiores, que incide apenas para o caso sob julgamento,

desvinculando-se do precedente fixado pelo tribunal superior, o que será tratado no item

2.5.2.2.

É preciso destacar que o overruling deve ser feito de modo excepcional, é dizer,

fundado em substanciais razões, sob pena de prejudicar a estabilidade e a confiabilidade do

sistema.

Louva-se na concepção de que determinadas circunstâncias, quando presentes, podem

demonstrar a incorreção ou a defasagem do precedente, autorizando, após cuidadoso exame

judicial149 e justificação adequada, o abandono do precedente. Em outras palavras, “ocorrendo

mudança na valoração das circunstâncias relevantes de casos similares, o julgador está

autorizado a adotar entendimento diverso, desde que assumida a devida carga de

fundamentação150”.

147 “Dá-se o ‘afastamento’ (departure) de um precedente judicial quando o tribunal posterior adota uma nova norma concreta que decide um caso compreendido na hipótese de incidência de uma regra anterior de origem jurisprudencial”. (destaque do original) BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação das regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p.387.. 148 Caio Márcio Gutterres Taranto classificou a revogação dos precedentes judiciais (overruling) em autônoma e heterônoma, considerando a hierarquia do órgão revogador. A primeira, se opera no âmbito do mesmo órgão jurisdicional que editou o precedente e a segunda na instância dotada de hierarquia recursal, isto é, exerce-se por órgão hierarquicamente superior ao que editou o precedente judicial. TARANTO, Caio Márcio Gutterres. Precedente Judicial: autoridade e aplicação na jurisdição constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.293-297. Todavia, é preciso fazer uma ressalva ao entendimento do autor. Quando o precedente é revogado em grau de recurso, o fenômeno que conduz ao abandono do precedente por autoridade diversa da que o editou não é o overruling e sim o reversal, que consiste na reforma de decisão judicial dentro de um mesmo processo. A decisão só se torna definitiva quando é dada a última palavra sobre a matéria sub judice. O reversal (nome cunhado no common law), no ordenamento jurídico brasileiro, é “a reforma de uma decisão de uma Corte a quo, feita por uma Corte ad quem, através de um recurso, dentro de um mesmo processo” Reversal, portanto, não se confunde com revogação (overruling). (destaques do original) SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do Precedente Judicial à Súmula Vinculante. Curitiba: Juruá, 2011, p.153. 149 ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p.280-297. 150 “A decisão que implicar overruling exige como pressuposto uma carga de motivação maior, que traga argumentos até então não suscitados e a justificação complementar da necessidade de superação do precedente”. DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. vol. 2. Salvador: Jus Podivm, 2013, p.457. “Aquele que pretende afastar o precedente tem o ônus

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Quando o precedente se encontra obsoleto, desgastado, incorreto, injusto ou

inadequado para resolver os problemas do caso concreto, ele se distancia da sua finalidade e a

sua aplicação pode conduzir a um resultado inconsistente com os alcançados em situações

semelhantes.

Basicamente, os fundamentos para superar o precedente giram em torno de duas

questões: a sua incongruência social, que se relaciona ao descompasso entre o que restou

assentado no precedente como parâmetro de conduta e os valores sociais vigentes, e a sua

inconsistência sistêmica, revelando a incoerência dos julgados produzidos pelo Judiciário, na

medida em que se observa a existência de julgamentos antagônicos para situações

semelhantes151.

Caracterizada a incongruência social, constata-se que o precedente foi firmado sob

standards sociais, políticos e/ou econômicos que não mais se sustentam por estarem

defasados, equivocados ou injustos, revelando a necessidade da sua substituição por outro que

atenda aos anseios atuais e seja adequado a realidade então vigente. Por outro lado, as

inconsistências sistêmicas corrompem a harmonia do sistema de decisões judiciais, afetando a

segurança jurídica, o princípio da igualdade e a proteção da confiança que os cidadãos

depositam no Poder Judiciário, desfigurando de forma nociva o precedente (e, por suposto, a

sua ratio decidiendi).

Em síntese, a superação pode ser o mecanismo adequado quando a) o precedente é

inexequível devido a obscuridade da regra nele cristalizada ou no seu posterior

desfiguramento em face de distinções arbitrárias152; b) o precedente se tornou obsoleto153

considerando os novos princípios/paradigmas jurídicos ou inovação legislativa154, que

argumentativo para tanto”. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.556. Hermes Zaneti Jr assinala que o órgão que pretende se distanciar do precedente assume o ônus argumentativo de demonstrar a necessidade de superação, o erro do precedente ou a sua não aplicação. ZANETI JR., Hermes. Il valore vincolante dei precedenti. Tesi di dottorato. Roma: Universitá degli studi Roma Ter, 2013-2014, p.371-372. 151 MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes:o desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.237; MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.392; EISENBERG, Melvin Aron. The nature of the Common Law. London: Harvard University Press, 1991, p.104 e segs. 152 MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes: o desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.239; SILVA, Celso de Albuquerque. Súmula Vinculante: teoria e prática da decisão judicial com base em precedentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.194. 153 SUMMERS, Robert S. Precedent in the United States (New York States). In Interpreting precedents: a comparative study; MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S. (coord.). Estados Unidos: Dartmouth, 1997, p.396; ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p.309. 154 Mortimer N. S. Sellers evidencia que a mudança legislativa pode tornar o precedente judicial incompatível com a doutrina jurídica existente. SELLERS, Mortimer N. S. The Doctrine of Precedent in the United States of America. The American Journal of Comparative Law. Vol. 54, 2006, p.85. Neil Duxbury entende que legislação posterior, que modifica a concepção de direito, pode minar um precedente ou o próprio precedente pode deturpar

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conduzem a uma nova concepção de direito155; c) há mudança de compreensão de uma

doutrina, que passa a ser reputada incorreta ou injusta em virtude de mudanças culturais,

tecnológicas, econômicas ou políticas. O precedente se mostra, assim, incompatível com os

padrões de congruência social156 e consistência sistêmica157; d) constata-se que o precedente

foi equivocado ou mal concebido desde a sua formação158. Qualquer destes motivos,

isoladamente, pode fundamentar a revogação, autorizando a retirada do precedente do

ordenamento.

Nestas situações, o precedente não pode subsistir incólume, devendo ser superado

(revogado)159. Quando tais circunstâncias estão presentes, utiliza-se o overruling160, desde que

o órgão competente exponha os motivos para realizá-lo, mensurando a base de confiança dos

jurisdicionados.

a interpretação de uma lei. DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Estados Unidos: Cambrigde, 2008, p.119-120; NOGUEIRA, Gustavo Santana. Stare Decisis et Non Quieta Movere: a vinculação aos precedentes no direito comparado e brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.179-180. 155 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.401. 156 EISENBERG, Melvin Aron. The nature of the Common Law. London: Harvard University Press, 1991, p.104-105; SUMMERS, Robert S. Precedent in the United States (New York States). In MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S. (coord.). Interpreting precedents: a comparative study. Estados Unidos: Dartmouth, 1997, p.396; MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes: o desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.237. Celso de Albuquerque Silva fala em regra obsoleta e desfigurada. SILVA, Celso de Albuquerque. Súmula Vinculante: teoria e prática da decisão judicial com base em precedentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.186; PULIDO, Carlos Bernal. Precedents and balancing. In BUSTAMANTE, Thomas; PULIDO, Carlos Bernal (coord.). On the philosophy of precedent: proceedings of the 24th World Congress of International Association for Philosophy of Law and Social Philosofy. Stuttgart: Franz Steiner Verlag, 2012, p.53. 157 EISENBERG, Melvin Aron. The nature of the Common Law. London: Harvard University Press, 1991, p.104-105; MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes: o desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.237; MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.391. 158 SUMMERS, Robert S. Precedent in the United States (New York States). In MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S. (coord.). Interpreting precedents: a comparative study. Estados Unidos: Dartmouth, 1997, p.397; TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente Judicial como Fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.179; PULIDO, Carlos Bernal. Precedents and balancing. In BUSTAMANTE, Thomas; PULIDO, Carlos Bernal (coord.). On the philosophy of precedent: proceedings of the 24th World Congress of International Association for Philosophy of Law and Social Philosofy. Stuttgart: Franz Steiner Verlag, 2012, p.53. Sobre o precedente equivocado, Benjamim Cardozo pontua que “o trabalho do juiz é duradouro, em certo sentido, e efêmero, em outro. O que nele há de bom permanece. O que é errôneo com certeza perece. O bom continua sendo o alicerce sobre o qual novas estruturas serão erigidas. O mau está rejeitado e esquecido no laboratório dos anos. Pouco a pouco, a velha doutrina será eliminada. As transgressões são amiúde tão graduais que, de início, sua importância é obscurecida. Por fim, descobrimos que o contorno da paisagem foi alterado, que os velhos mapas devem ser deixados de lado e que precisamos mapear novamente o terreno”. CARDOZO, Benjamin N. A natureza do processo judicial. Trad. Silvana Vieira e Álvaro De Vita. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.132 159 Marcelo Alves Dias de Souza faz um paralelo do overruling com a lei em sentido estrito, traduzindo a técnica de superação como técnica de revogação do precedente. SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do Precedente Judicial à Súmula Vinculante. Curitiba: Juruá, 2011, p.149. 160 “O overruling é a revogação total de um precedente, no sentido de que o juiz do caso atual apresenta suas razões para não segui-lo, abrindo a oportunidade para a construção de nova proposição jurídica para contexto idêntico”. PORTES, Maíra. Instrumentos para revogação de precedentes no sistema de common law. In: MARINONI, Luiz Guilherme (coord.). A força dos precedentes. Salvador: Jus Podivm, 2010. p. 117.

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O overruling deve representar o ponto de equilíbrio entre estabilidade, previsibilidade

e calculabilidade, que devem ser extraídas do sistema jurídico, e a necessidade de evolução,

flexibilidade e adaptabilidade do Direito, que evitam sua petrificação161. Daí porque, a

alteração de um precedente deve ser motivada e necessária “para que a manutenção da

estabilidade possa conviver com a capacidade de mudança inerente ao desenvolvimento da

jurisprudência”162.

A tensão entre estabilidade e adequação da atividade judicial só pode ser solucionada à

luz do princípio da proteção da confiança, que, de acordo com Humberto Ávila, tem como

pressupostos sequenciais: i) uma base de confiança; ii) a legítima confiança depositada na

base; iii) exercício da confiança no caso concreto; e iv) frustração da confiança por ato

posterior e contraditório do Poder Público163, que .atinja as legítimas expectativas do(s)

indivíduo(s).

Assim, quando estamos diante de um precedente que não tem força perante o

ordenamento, não servindo de base para a prática de atos concretos dos jurisdicionados,

possuindo mais razões que justifiquem a sua revogação do que a sua manutenção, o

overruling deve ser invocado para promover a adequação, a coerência e a própria segurança

jurídica164.

No entanto, quando estes elementos não estão presentes, a confiança do cidadão não

pode ser frustrada, optando-se pela manutenção do precedente165. Ou então é possível valer-se

161 “Alterações jurisprudenciais fazem parte da dinâmica do direito. Se o processo de mudança legislativa é mais ou menos rígido, se a produção normativa da administração tem uma flexibilidade limitada pela legalidade estrita, é, sem dúvida, na atividade jurisdicional, que o direito conhece seu mais alto grau de adaptabilidade à mudança social, econômica, cultural, no espaço e no tempo”. FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Irretroatividade e jurisprudência judicial. In FERRAZ JR., Tercio Sampaio (coord.). Efeito “ex nunc” e as decisões do STJ. Barueri: Manole Ltda., 2008, p.4. 162 ROSITO, Francisco. Teoria dos Precedentes Judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional., Curitiba: Juruá, 2012, p. 290. “De modo geral, as exigências de uniformidade, coerência, consistência, imparcialidade, universalizabilidade e, mais genericamente, racionalidade na aplicação do Direito exigem que na revogação de precedentes judiciais sejam ponderadas cuidadosamente as necessidades de estabilidade e de mudança do sistema jurídico”. BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação das regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p.395. 163 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no direito tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 360. 164 “A incorreção, injustiça e inconveniência do precedente devem ser claramente constatadas, como também avaliado o ‘prejuízo’ para a estabilidade e predicabilidade do sistema, que, sem dúvida, provoca, em maior ou menor grau, qualquer alteração do direito”. SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do Precedente Judicial à Súmula Vinculante. Curitiba: Juruá, 2011, p.150. 165 “De todos os obstáculos ao overruling, o que talvez seja mais decisivo é o princípio da proteção à confiança do jurisdicionado isto é, proteção às expectativas legítimas que nascem da uniformização do Direito pelo tribunal dotado de competência para resolver as possíveis controvérsias sobre o conteúdo do Direito Positivo”. BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p. 413.

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dos efeitos prospectivos166 do overruling, modulando a eficácia de acordo com a confiança

depositada no precedente judicial, tema que será mais detalhado no item 2.5.2.3 deste

capítulo.

O overruling representa, pois, um importante instrumento para promover a harmonia

do sistema, a sua flexibilidade e a sua evolução167, além de efetivar a segurança jurídica, pois

garante a possibilidade de correção pelos tribunais do entendimento equivocado e o seu

aperfeiçoamento, conferindo-lhe estabilidade168, uniformidade, coerência e certeza, valores

essenciais para o desenvolvimento do direito169 em qualquer sistema, inclusive no brasileiro

(civil law).

Por fim, cumpre esclarecer que o overruling pode ser realizado de forma expressa

(express overruling), quando a superação do precedente é acompanhada pela substituição de

uma nova orientação pelo órgão judicial competente, abandonando expressamente a

anterior170 ou tácita/implícita (implied overruling)171, que ocorre “quando uma orientação é

166 Sobre o tema conferir: FEDERMAN, Howard. Judicial overruling. Time for a new general rule. Michigan Bar Journal, set. 2004, p. 21 e segs.; SHANNON, Bradley Scott. The retroactive and prospective application of judicial decisions. Harvard Journal of Law e Public Policy, Cambridge, vol. 26, Summer 2003; 167 A propósito da necessidade de evolução do direito pontua Roque Antonio Carrazza: “evidentemente, o Direito, está longe de ser estático. Como a realidade social sobre a qual ele incide é cambiante, segue-se que, a todo momento, ele se ajusta às mudanças que se operam no mundo fenomênico, fruto do avanço tecnológico, das novas concepções de vida, das alterações comportamentais dos homens e assim por diante”. CARRAZA, Roque Antonio. Segurança Jurídica e eficácia temporal das alterações jurisprudenciais. In: NERY JR., Nelson. CARRAZA, Roque Antonio. FERRAZ JR. Tércio Sampaio. Efeito ex nunc e as decisões do STJ. São Paulo: Manole, 2007. 168 “Ninguém discorda que a jurisprudência deva ser estável, embora não se deseje que ela seja estática [...]. A estabilidade do entendimento dos tribunais acerca das normas jurídicas é o grande ponto de apoio do ordenamento jurídico, que presume a segurança das relações, necessária à paz social”. SIFUENTES, Mônica. Súmula Vinculante: um estudo sobre o poder normativo dos tribunais. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 293. 169 “Modernamente, a modificação da doutrina vinculante é vista como um aprimoramento do pensamento jurídico passado para adequá-lo ao desenvolvimento social. Dentro dessa ótica, a invalidação parcial ou total de uma doutrina vinculante é considerada como um instrumental intrassistêmico para assegurar a necessária flexibilidade ao ordenamento jurídico. Overruling e overriding entendidos como soluções sistêmicas para evitar a petrificação do direito, fazem parte e complementam a idéia de uma doutrina vinculante”. (destaques no original) SILVA, Celso de Albuquerque. Do efeito vinculante: sua legitimação e aplicação. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005, p. 303. 170 SESMA, Victoria Iturralde. El precedente en el common law. Madrid: Editorial Civitas S.A., 1995, p.73; Gustavo Santana Nogueira diz que o overruling explícito ocorre quando o tribunal reconhece expressamente que o precedente contém uma regra de direito insustentável para o caso. NOGUEIRA, Gustavo Santana. Stare Decisis et Non Quieta Movere: a vinculação aos precedentes no direito comparado e brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.184. 171 Patrícia Perrone Campos Mello e Francisco Rosito denominam a revogação tácita ou implícita de transformation. MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes: o desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.235; ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p.307. Em sentido semelhante, Melvin Aron Eisenberg sustenta que o transformation ocorre quando uma Corte altera entendimento, sem anunciá-lo expressamente. EISENBERG, Melvin Aron. The nature of the Common Law. London: Harvard University Press, 1991, p.132. Luiz Guilherme Marinoni define o transformation como a reconstrução do precedente, sem implicar revogação, reputando-se “como fatos relevantes e materiais aqueles, que, no precedente, foram considerados de passagem, atribuindo-se-lhe, diante disso, nova configuração” MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.344-348.

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adotada em confronto com a posição anterior, embora sem expressa substituição desta

última172”.

2.5.2.2 Overriding, signaling e anticipatory overruling

Existe ainda uma técnica de revogação parcial do precedente, denominada de

overriding, que se opera “quando o tribunal apenas limita o âmbito de incidência de um

precedente, em função da superveniência de uma regra ou princípio legal”173, a superação é,

portanto, parcial, daí porque não se pode falar em overruling (revogação definitiva e total do

precedente).

Luiz Guilherme Marinoni esclarece que, em verdade, não há tecnicamente uma

revogação parcial, “embora o resultado da decisão com ele tomada não seja compatível com a

totalidade do precedente”174. É hipótese especial de desvinculação do precedente175, por força

de um novo entendimento que faz com que o caso, visto sob a nova perspectiva, seja tratado

de forma diferente da prevista no precedente, limitando o seu âmbito de incidência através de

distinção consistente com os fundamentos que o ampararam. Por isso, não há propriamente a

revogação176.

O overriding se aproxima muito do distinguishing quando se está diante da limitação

do âmbito de incidência do precedente por meio de uma regra posterior, que produz resultados

incompatíveis com a sua ratio decidendi, o que ocorre tanto pelo uso de uma técnica quanto

da outra. Contudo, o overriding acaba por minar a autoridade do precedente até que ele

desapareça, isto é, seja superado (overruling). Já o distinguishing pretende apenas isolar uma

172 SESMA, Victoria Iturralde. El precedente en el common law. Madrid: Editorial Civitas S.A., 1995, p.74; Thomas da Rosa de Bustamante repudia “os afastamentos dissimulados ou implícitos (non-overt departures) de um precedente judicial”. BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação das regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p.389. 173 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. vol. 2. Salvador: Jus Podivm, 2013, p.458; LIMA, Tiago Astor Rocha. Precedentes Judiciais Civis no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 209. 174 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.348. 175 EISENBERG, Melvin Aron. The nature of the Common Law. London: Harvard University Press, 1991, p. 135. 176 “É importante sublinhar que, mediante o overriding, realiza-se uma distinção consistente com as razões que inspiraram o precedente. Consistente porque, dadas as razões do precedente, a consideração da nova situação e do novo entendimento justifica o tratamento diferenciado. De modo que a distinção é consistente com as velhas razões. É essa consistência que justifica a não revogação do precedente. As mesmas razões estão a dar fundamento ao precedente e ao tratamento diferenciado em virtude da nova situação e do novo entendimento”. (destaques do original) MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.349.

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situação excepcional em que o precedente não deveria incidir, preservando a sua existência no

ordenamento177.

Se o precedente ainda não estiver maduro para ser "revogado" ou ter limitado o seu

âmbito de incidência, seja através do overruling ou do overriding, em face da confiança que

os jurisdicionados nele depositam, os tribunais podem sinalizar a perda da sua consistência

anunciando uma futura revogação com o objetivo de enfraquecê-lo e, assim, preparar a

sociedade.

Nesta situação, o tribunal se vale da técnica de sinalização (signaling), desenvolvida

pela doutrina norte-americana178. Visa-se atacar a credibilidade do precedente, apontando a

sua equivocidade, injustiça, ou o descompasso com a nova concepção do direito ou da

sociedade.

A revogação é sinalizada para o futuro em nome da segurança jurídica e da confiança

dos jurisdicionados no precedente, evitando-se a surpresa injusta e a frustração das legítimas

expectativas. Assim, utiliza-se a decisão judicial como instrumento de informação, alertando

os cidadãos que não mais devem pautar a sua conduta com base no precedente na iminência

de ser superado179.

A doutrina e a jurisprudência desempenham uma relevante função ao propagar a perda

de consistência do precedente, reduzindo a sua força e credibilidade perante a comunidade.

Logo, “quando a doutrina já fez críticas à tese cristalizada em um precedente ou apresentou

razões para se acolher uma teoria que a contradiz, há motivos para ver a força do precedente

com cautela”180. O mesmo ocorre com relação às decisões do tribunal, que podem demonstrar

sua inconsistência e fragilidade ou ainda quando o órgão judicial realizou interpretação

incompatível com a sua subsistência no ordenamento jurídico, acarretando em distinções

inconsistentes181.

Um precedente que sofre tais ataques não pode servir de parâmetro para os

jurisdicionados, e, após o aviso do tribunal, não se reputa apto a fundamentar nenhuma

177 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.384. Some-se a isso o fato de que no overriding, geralmente, as situações analisadas já foram tratadas pelo precedente, mas sofreram modificação em face da nova regra, enquanto que no distinguishing as situações são excepcionais, não foram discutidas quando o precedente foi construído. 178 EISENBERG, Melvin Aron. The nature of the Common Law. London: Harvard University Press, 1991, p.122. 179 ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual brasileiro: os precedentes dos tribunais superiores e sua eficácia temporal. Curitiba: Juruá, 2012, p.92 180 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.338. 181 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.338.

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confiança, sendo possível utilizar a decisão judicial que realizou o signaling como marco para

a revogação futura do precedente, inclusive, em caráter retroativo (retrospective

overruling)182.

Antonio do Passo Cabral propõe a utilização de uma técnica similar ao signaling, que

também atua em momento anterior à modificação definitiva da jurisprudência. Consiste no

anúncio público de revisão de entendimento, também denominado de decisão ou julgamento-

alerta183.

Possui a mesma finalidade da sinalização, isto é, evitar surpresas injustas e preservar a

confiança dos cidadãos, advertindo-os de uma possível mudança no entendimento do tribunal.

No entanto, difere do signaling tão somente porque, neste caso, a Corte tem dúvida acerca da

correção da diretriz veiculada no precedente, anunciando que pode rever, reavaliar ou

reapreciar a orientação por ele formulada e que servia até o momento como guia pata

sociedade184

Objetiva-se evitar a modificação abrupta da norma jurisprudencial, embora não

constitua uma fase obrigatória para a sua revogação (overruling). Se o precedente foi alvo de

um julgamento alerta, deve ser visto com cautela, minando a base da confiança. Impende,

portanto, ser afastado enquanto parâmetro de conduta a ser seguido, até que o tribunal decida

pela sua manutenção ou superação, descaracterizando a legitimidade da confiança no

precedente185.

Os tribunais inferiores podem valer-se ainda de uma técnica preventiva de não

aplicação do precedente, o anticipatory overruling. Autoriza-se o tribunal a quo a se

desvincular do precedente, quando a Corte ad quem, responsável por superá-lo, adota

orientação distinta da contida na ratio decidendi, o que denota a “alteração do rumo atinente

ao respectivo precedente”186 pelo órgão superior, sem, contudo, retirá-lo expressamente do

ordenamento.

182 “Após o aviso, porém, nenhuma confiança, ao menos justificada, pode ser utilizada como argumento para manutenção da doutrina, tanto que, muitas vezes, quando a antiga regra é invalidada, não é incomum que as cortes façam retroagir sua decisão até a data em que houve a sinalização, pois a partir daí, não se justificaria mais a confiança na regra”. SILVA, Celso de Albuquerque. Súmula Vinculante: teoria e prática da decisão judicial com base em precedentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.213. 183 CABRAL, Antonio do Passo. A técnica do julgamento – alerta na mudança da jurisprudência consolidada. In: Revista de Processo, ano 38, vol. 221. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul./2013, p.33. 184 CABRAL, Antonio do Passo. A técnica do julgamento – alerta na mudança da jurisprudência consolidada. In: Revista de Processo, ano 38, vol. 221. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul./2013, p.34. 185 CABRAL, Antonio do Passo. A técnica do julgamento – alerta na mudança da jurisprudência consolidada. In: Revista de Processo, ano 38, vol. 221. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul./2013, p.36-37. 186 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente Judicial como Fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.180;

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Isto pode ocorrer devido ao desgaste do precedente187, nova concepção da questão

jurídica ou mesmo a percepção de que os órgãos superiores estão aguardando um caso

apropriado para a revogação188 ou ainda não o fizeram em nome da confiança dos

jurisdicionados189.

Nestas hipóteses, os tribunais inferiores deixam de aplicar o precedente nos casos por

eles julgados, com fulcro num juízo de probabilidade190 que direciona para uma possível

revogação do precedente pela Corte superior que o editou, única competente para realizar o

overruling. A revogação, assim, só será confirmada se o órgão superior a reconhecer

posteriormente191.

Cumpre registrar, que a legitimidade para realização do anticipatory overruling

decorre, exatamente, do dever de os órgãos inferiores observarem as diretrizes fixadas pelos

superiores192, seguindo as suas decisões judiciais e espelhando de forma fiel as suas

orientações.

Todas estas técnicas evidenciam que o sistema de precedentes não promove a

petrificação do direito ou envolve a aplicação de simples silogismos, ainda que se atribua a

força vinculante aos pronunciamentos judiciais. A tese jurídica fixada na ratio decidendi

sempre será objeto de análise precisa pelo magistrado, devendo ser confrontada com o caso

presente, além da possibilidade de ser superada quando apresentar incongruência social e

sistêmica.

187Segundo Jaldemiro Rodrigues de Ataíde Júnior: “o desgaste do precedente pelas próprias decisões da Suprema Corte configura-se quando esta nega seus fundamentos em casos não similares, ou quando passa a realizar distinções inconsistentes, em casos similares”. ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual brasileiro: os precedentes dos tribunais superiores e sua eficácia temporal. Curitiba: Juruá, 2012, p.97. 188 “Isso porque é possível que o próprio órgão que produziu o julgado divirja de seu entendimento anterior, mas não seja capaz, em dado momento, de mensurar o impacto que sua revogação produziria, ou não tenha chegado a uma conclusão sobre o tratamento mais adequado a ser conferido à matéria, ou, ainda, entenda que tal revogação surpreenderia a comunidade jurídica e teria reflexos muito graves sobre a segurança jurídica e a confiança dos jurisdicionados. Nestas hipóteses, de hesitação do tribunal, a superação do precedente pode começar por sua erosão, através de distinções inconsistentes, casuísticas, que vão rompendo as resistências na corte superior, experimentando os efeitos de um novo entendimento sobre o tema e, ao mesmo tempo, sinalizando para a comunidade como um todo que a antiga abordagem já não é mais pacífica ou segura”. MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes: o desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.202. 189 Margaret N. KNIFFIN aponta diversas hipóteses que autorizam o anticipatory overruling pelos tribunais inferiores, com base na experiência norte-americana. Vide Margaret N. Overruling Supreme Court precedents: anticipatory action by United States Courts of Appeal. Fordham Law Review. Vol. 51, Issue 1, Article 2, 1982, p.53-70. 190 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. vol. 2. Salvador: Jus Podivm, 2013, p.458. 191 ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p.307. 192 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.410.

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Resta investigar, por fim, os efeitos da revogação do precedente, considerando o

princípio da proteção da confiança, a necessidade de evolução do direito e a segurança

jurídica.

2.5.2.3 Modulação de efeitos: eficácia prospectiva e retrospectiva

Para concluir o estudo do overruling, deve-se examinar a eficácia temporal da decisão

que substitui o precedente por uma nova tese jurídica, promovendo a alteração do

entendimento de um tribunal. Estes efeitos seriam retroativos (ex tunc) ou prospectivos (ex

nunc)?

Em regra, as decisões judiciais são dotadas de efeitos retroativos, por possuírem o

caráter de comando concreto dirigido a fatos ocorridos no passado, mediante a aplicação do

Direito previamente existente de acordo com a configuração/reconstrução fático-normativa da

demanda193. No entanto, esta perspectiva se restringe a parte da decisão que resolve o caso

concreto, pois a que projeta os seus efeitos para fora do processo (norma geral),

transcendendo o caso, atinge, logicamente, casos futuros/sucessivos que estejam em situações

semelhantes.

No common law, tanto no direito inglês como no norte-americano194, adota-se o

retrospective overruling em caso de alteração do direito jurisprudencial, por força da teoria

clássica de que o precedente deriva da atividade declaratória do julgador. Deste modo, “ao

revogar a orientação, o juiz declara meramente o que já preexistia no ordenamento

jurídico”195, possibilitando que a nova tese seja invocada para os casos que aguardam

julgamento.

No direito norte-americano, contudo, também prosperou a ideia de criação judicial do

Direito, tendo os tribunais desenvolvidos outras técnicas de aplicação do precedente

193ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p.330; Franceso Carnelutti relaciona inversamente a regra de irretroatividade das leis com a retroatividade da sentença. CARNELUTTI, Francesco. Lezioni di diritto processuale civile. Padova: Cedam, 1933, v.1, p. 132-137. 194 Nos Estados Unidos, porém, existe uma certa maleabilidade para fixar a eficácia da decisão revogadora, embora os efeitos retroativos sejam a regra. EISENBERG, Melvin Aron. The nature of the Common Law. London: Harvard University Press, 1991, p.127-128; SESMA, Victoria Iturralde. El precedente en el common law. Madrid: Editorial Civitas S.A., 1995, p.171-181; BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação das regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p.419-421. 195 ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p.331,

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revogador196, além da modulação dos efeitos pela Corte para preservar a confiança dos

jurisdicionados.

Em síntese, a eficácia temporal da decisão revogadora pode ser restrospectiva

(retrospective overruling), cujos efeitos se operam ex tunc para alcançar casos sob

julgamento, ou prospectiva (prospective overruling) com efeitos ex nunc conforme modulação

do tribunal.

Diante do retrospective overruling, o novo precedente poderá ser invocado como

paradigma em casos pretéritos, que ocorreram antes da substituição, e ainda estejam

pendentes de julgamento197. Em outras palavras, a nova regra jurídica aplica-se a fatos e

situações ocorridos no passado e ainda não decididos, aos fatos e situações ocorridos no

passado, mas ainda não deduzidos em juízo, além de alcançar, evidentemente, os casos

futuros.

A revogação retrospectiva pode ainda ser pura ou clássica. A diferença entre estas

duas espécies de overruling retrospectivo é que a pura (eficácia retroativa plena ou full

retroactive application198) alcança, inclusive, os fatos objeto de decisão transitada em julgado.

Já a retroativa clássica (eficácia retroativa parcial ou partial retroactive application199), que é

a mais utilizada pelos tribunais, exclui do seu âmbito os que já foram acobertados pela coisa

julgada200.

A revogação do precedente, com efeitos retroativos, implica reconhecer que a tese nele

enunciada estava equivocada, era injusta ou se tornou incompatível com o Direito. Desta

forma, para assegurar tratamento isonômico aos jurisdicionados201, a nova decisão alcança

196 SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do Precedente Judicial à Súmula Vinculante. Curitiba: Juruá, 2011, p.157. 197SESMA, Victoria Iturralde. El precedente en el common law. Madrid: Editorial Civitas S.A., 1995, p.76; TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente Judicial como Fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.179; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. A força dos precedentes no moderno processo civil brasileiro. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.569; DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. vol. 2. Salvador: Jus Podivm, 2013, p.457. 198 MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes: o desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.261; ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual brasileiro: os precedentes dos tribunais superiores e sua eficácia temporal. Curitiba: Juruá, 2012, p.167. 199 MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes: o desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.261; ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual brasileiro: os precedentes dos tribunais superiores e sua eficácia temporal. Curitiba: Juruá, 2012, p.167. 200 SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do Precedente Judicial à Súmula Vinculante. Curitiba: Juruá, 2011, p.160. TARANTO, Caio Márcio Gutterres. Precedente Judicial: autoridade e aplicação na jurisdição constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.301. 201 MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes: o desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.264.

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todas as situações que ocorreram antes de sua publicação202, produzindo, assim, efeitos ex

tunc.

A eficácia temporal retroativa, porém, tende a frustrar a legítima confiança dos

cidadãos no precedente que, durante certo lapso de tempo, orientou as suas condutas e

serviram de base para calcular as consequências de seus atos. Cabe ao tribunal mensurar a

confiança depositada no precedente e, se entender necessário, modular os efeitos da

revogação, determinando a eficácia prospectiva da decisão, que deve operar efeitos ex

nunc203.

No prospective overruling, o precedente substituído só atinge os casos sucessivos,

“significando que a ratio decidendi substituída continua a ser emblemática, como precedente

vinculante, aos fatos anteriormente ocorridos”204. Trata-se de mecanismo desenvolvido nos

Estados Unidos205.

A aplicação da decisão com eficácia prospectiva pode ser classificada em pura,

clássica ou a termo. Na primeira, o novo precedente só se aplica a fatos que ocorreram depois

da sua edição, excluindo, inclusive, os fatos que deram origem ao novo entendimento do

tribunal206. Ao passo que, na clássica, autoriza-se a aplicação para os fatos que compuseram o

substrato fático do precedente. Por fim, na eficácia prospectiva a termo, o precedente

substituído tem uma data futura para ser aplicado207, podendo ter seus efeitos restringidos,

202 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.421. 203 SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do Precedente Judicial à Súmula Vinculante. Curitiba: Juruá, 2011, p.161; MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes: o desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.235. 204 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente Judicial como Fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.180; SESMA, Victoria Iturralde. El precedente en el common law. Madrid: Editorial Civitas S.A., 1995, p.76; DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. vol. 2. Salvador: Jus Podivm, 2013, p.457; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. A força dos precedentes no moderno processo civil brasileiro. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.569. 205 O prospective overruling encontrou resistência na Inglaterra, mas começou a ser visto com mais sensibilidade pela House of Lords no julgamento do caso National Westminster Bank plc vs Spectrum Plus Ltd. and Others. BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação das regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p.419-421. 206 SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do Precedente Judicial à Súmula Vinculante. Curitiba: Juruá, 2011, p.162; MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes: o desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.261; ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual brasileiro: os precedentes dos tribunais superiores e sua eficácia temporal. Curitiba: Juruá, 2012, p.169. 207 SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do Precedente Judicial à Súmula Vinculante. Curitiba: Juruá, 2011, p.162; ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual brasileiro: os precedentes dos tribunais superiores e sua eficácia temporal. Curitiba: Juruá, 2012, p.169.

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com a exclusão de uma categoria de pessoas208, que poderia ser prejudicada com sua

incidência.

A técnica da revogação prospectiva objetiva atender “aos ideais de estabilidade,

confiabilidade, previsibilidade e mensurabilidade na atuação do Poder Público”209. Se o

precedente orientou diversas condutas, não pode o cidadão ser prejudicado por pautar seu

comportamento com base na solução jurídica adotada pelo próprio Estado em casos

semelhantes. Assim, o novo precedente não será aplicado ao caso presente ou a situações

passadas para que a confiança seja devidamente tutelada, daí porque se opera a eficácia ex

nunc.

Com base nestas considerações, defende-se neste trabalho que a regra, no

ordenamento brasileiro, acerca da eficácia temporal da decisão que altera a jurisprudência,

deve ser prospectiva, isto é, só deve alcançar fatos futuros, que se consolidaram sob a sua

égide.

Admitir que o tribunal possa modificar abruptamente o entendimento que encampou

durante certo tempo e guiou as pessoas nesta direção, levando-as a confiar no precedente

firmado e calcular as consequências dos seus atos de acordo com a orientação do Estado, é

destruir os pilares do princípio da confiança, vedação da surpresa injusta e a credibilidade no

Judiciário210.

Porque o indivíduo vai confiar no novo posicionamento do Estado se ele poderá ser

novamente alterado atingindo situações centradas na orientação vigente à época e que não

208 ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p.350. 209 ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p.341. Francisco Rosito sustenta ainda que “na hipótese de não ser adotada a eficácia prospectiva, uma alternativa seria reconhecer ao Estado uma obrigação de compensar economicamente o particular que confiou na adequação do Poder Público. A indenização seria equivalente ao dano ocasionado pela ruptura da confiança criada”, ressalvando-se que há interesses materiais que não podem ser ressarcidos pecuniariamente. ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p.339. 210 “É que a retroatividade faz com que o indivíduo atue com base na norma vigente no tempo da sua ação, no entanto tenha a sua conduta valorada com base noutra norma, inexistente e incapaz de consideração no momento em que foi adotada. A retroatividade contradiz, portanto, as exigências de cognoscibilidade e de calculabilidade do Direito: o indivíduo age com base em uma regra, por aceitar as consequências jurídicas atribuídas pelo ordenamento jurídico à sua ação, mas, depois, tem o seu comportamento regulado por outra norma, que desconhecia, e cujas consequências jurídicas não tinha como considerar”. ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no direito tributário, São Paulo: Malheiros, 2011, p. 485-486; Neste sentido, Antonio do Passo Cabral: “Em qualquer caso, a segurança jurídica deve proteger as expectativas daqueles que legitimamente confiaram na subsistência daquela conclusão no tempo, e praticaram atos tomando o conteúdo estabilizado em consideração”. CABRAL, Antonio do Passo. A técnica do julgamento – alerta na mudança da jurisprudência consolidada. In: Revista de Processo, ano 38, vol. 221. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul./2013, p.28.

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mais tem validade?211 Um sistema calcado nestas bases, que estabelece como regra efeitos

retroativos para a decisão revogadora, tende a entrar em colapso e minar a confiança dos

jurisdicionados.

Para não desestimular, todavia, àqueles que envidaram esforços argumentativos para

superar o precedente, o tribunal deve analisar a situação casuisticamente, podendo modular os

seus efeitos para atingir o caso que motivou o overruling a fim de beneficiar a parte que

propôs a revogação do precedente, incidindo na modalidade de eficácia prospectiva clássica.

O objetivo é evitar que os litigantes se abstenham de suscitar a superação da tese jurídica por

receio de que, se superada, a nova tese não se aplique ao seu caso, tornando o seu esforço em

vão.

Na verdade, a eficácia da nova tese vai depender de uma série de fatores como a base

de confiança do precedente, o caso concreto, os fundamentos para revogação, dentre outros,

mas o que se pretende firmar é que o tribunal utilize, em regra, a eficácia prospectiva quando

modificar o seu entendimento, seja pura, clássica ou a termo, definindo precisamente o seu

alcance.

Por isso sustenta-se, na esteira do pensamento de Roque Antonio Carraza, que o

princípio da irretroatividade, como regra, não se aplica apenas às leis, mas ao Direito como

um todo212. O que significa que “o princípio da irretroatividade alcança todos os Poderes do

Estado e, com isso, contribui decisivamente para o aperfeiçoamento do próprio Direito”213,

211 “Em outras palavras, a mudança jurisprudencial provoca um déficit de confiabilidade e de calculabilidade do ordenamento jurídico: se a orientação jurisprudencial anterior não for mantida, haverá surpresa e frustração, abaladoras dos ideais de estabilidade e de credibilidade do ordenamento jurídico; se a orientação jurisprudencial anterior for abandonada, a orientação jurisprudencial futura, pela desconfiança na sua conformação, não será mais calculável. A falta de proteção da confiabilidade (passada) compromete a calculabilidade (futura) do Direito. ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no direito tributário, São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 471-472. 212 CARRAZA, Roque Antonio. Segurança Jurídica e eficácia temporal das alterações jurisprudenciais. In: NERY JR., Nelson. CARRAZA, Roque Antonio. FERRAZ JR. Tércio Sampaio. Efeito ex nunc e as decisões do STJ. São Paulo: Manole, 2007, p. 46. 213 CARRAZA, Roque Antonio. Segurança Jurídica e eficácia temporal das alterações jurisprudenciais. In: NERY JR., Nelson. CARRAZA, Roque Antonio. FERRAZ JR. Tércio Sampaio. Efeito ex nunc e as decisões do STJ. São Paulo: Manole, 2007, p. 48. Nelson Nery Jr. também é partidário da eficácia prospectiva da decisão que altera jurisprudência, considerando que as decisões emitidas pelos tribunais superiores são tachadas pelo autor como decisões-quadro, que servirão de parâmetro e paradigma para os demais órgãos jurisdicionais: “a mudança de entendimento dos tribunais, com alteração de sua interpretação sobre a Constituição e as leis, não pode ter eficácia retroativa, sob pena de ferir-se, entre outros cânones constitucionais, a boa-fé objetiva do jurisdicionado que confiou na, até então, jurisprudência predominante”. NERY JR., Nelson. Boa-fé objetiva e segurança jurídica: eficácia da decisão judicial que altera jurisprudência anterior do mesmo tribunal superior. In FERRAZ JR., Tercio Sampaio (coord.). Efeito “ex nunc” e as decisões do STJ. Barueri: Manole, 2008, p.89.

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aplicando-se à legislação, além de a atos administrativos e à jurisprudência nova fixada pelo

tribunal214.

Cumpre transcrever a lição de Roque Antonio Carraza215:

Ousamos dizer que é mais importante a irretroatividade da jurisprudência, que das próprias leis. Com efeito, é a jurisprudência que ao dizer reiteradamente o direito (de ‘ius dicere’), faz chegar, às pessoas, o verdadeiro significado, conteúdo e alcance das normas jurídicas constitucionais, legais ou infralegais. A observação cresce de ponto quando se está diante de jurisprudência firmada pelos Tribunais Superiores, já que eles demarcam, em definitivo e com força institucional, o caminho que o Direito espera seja palmilhado pelas pessoas.

Assim, a decisão que institui um novo precedente, revogando o posicionamento

anterior do Judiciário sobre uma dada questão, deve projetar seus efeitos para o futuro

(prospectivos), alcançando situações consumadas sob a égide do novo entendimento e não do

antigo216. Cabe ao tribunal modular a eficácia da decisão para estabelecer se atingirá ou não o

caso a ser julgado (eficácia prospectiva pura ou clássica) ou se apenas valerá a partir de certo

marco (eficácia prospectiva a termo), mensurando o grau de confiança no precedente

revogado.

Por outro lado, se o precedente anterior não inspirava confiança, sofria críticas da

doutrina e jurisprudência, acarretava distinções inconsistentes ou mesmo se já foi alvo da

técnica de sinalização que apontava para a sua futura revogação, pode-se fixar que a decisão

que o superou produzirá efeitos a partir do momento que se constata a erosão do precedente.

Permite-se, nesta hipótese, atingir excepcionalmente situações passadas (ex tunc), mas esta

análise será de responsabilidade do órgão revogador, incumbido de examinar o cenário social

vivenciado.

214 No âmbito penal, contudo, a lógica é inversa e a regra deve ser a retroatividade da nova tese firmada pelo tribunal quando ela for benéfica ao réu. Neste sentido, assinala Hermes Zanetti Jr.: [...] caso o precedente seja favorável ao réu, deve ser aplicado imediatamente, inclusive possibilitando a revisão criminal com base no art. 621, I ('quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos'). Isso porque, uma vez definida norma mais benéfica no direito penal, esta retroage para beneficiar o réu. Assim, no direito brasileiro, mesmo após o trânsito em julgado, caberá revisão criminal, nestes casos". ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 300. Por outro lado, se o precedente novo gerar efeitos negativos em face dos acusados, a eficácia deve ser prospectiva, isto é, limitada aos fatos futuros, como sustenta o mesmo autor. ZANETI JR., Hermes. Op. cit., p. 300 215 CARRAZA, Roque Antonio. Segurança Jurídica e eficácia temporal das alterações jurisprudenciais. In: NERY JR., Nelson. CARRAZA, Roque Antonio. FERRAZ JR. Tércio Sampaio. Efeito ex nunc e as decisões do STJ. São Paulo: Manole, 2007, p. 62. 216 “Assim, considerando essa premissa e a máxima de que ‘o tempo rege o ato’, não há como não fixar, como regra geral, a atribuição de efeitos prospectivos à superação do precedente judicial. Ora, se é certo que a lei, mesmo após a revogação, deve ser aplicada às condutas praticadas ao tempo de sua vigência, qual a razão de ser aplicado raciocínio diverso ao precedente judicial, notadamente quando dotado de eficácia vinculante? E, aqui, salienta-se que o posicionamento deve ser aplicado não só a norma jurisprudencial decorrente do precedente, mas, também, da jurisprudência e do enunciado da súmula”. COSTA, Marília Siqueira da. As consequências da incidência do princípio da proteção da confiança na decisão de overruling: uma análise à luz do art. 521 do novo CPC. In: Novas tendências de processo civil, v.3, Salvador: Jus Podivm, 2014, p.412.

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A regra, portanto, deve ser a eficácia prospectiva, autorizando-se a modulação dos

efeitos e até mesmo a atribuição de efeitos retroativos considerando o grau de confiança no

precedente.

2.6 O DEVER DE RESPEITO AOS PRECEDENTES NO ORDENAMENTO JURIDICO

BRASILEIRO

A ordem jurídica deve ser coerente, estável e refletir os padrões de congruência

vigentes na sociedade. A harmonia do sistema não é formada apenas pelo conjunto legislativo,

mas também pelas decisões judiciais, componente da engrenagem jurídica e fator de

legitimidade do Judiciário. Desta forma, assim como as leis devem manter a estabilidade do

Direito e proporcionar a segurança jurídica, as decisões judiciais devem garantir a

uniformidade do padrão decisório com vistas a efetivar o princípio da igualdade. (CF, art. 5º

caput).

Não se podem admitir desfechos opostos para casos semelhantes nem a mesma

solução jurídica para situações distintas, devendo haver um mínimo de previsibilidade das

decisões judiciais para que se proteja as legítimas expectativas do cidadão no comportamento

do Estado.

Só assim permite-se que o indivíduo calcule as consequências de seus atos e deposite

confiança no Judiciário, conferindo-lhe legitimidade para decidir os conflitos a ele

submetidos. A segurança jurídica, portanto, não se perfaz apenas através das leis ou da tutela

da coisa julgada, ato jurídico perfeito e direito adquirido, exigindo a igualdade perante as

decisões judiciais para se concretizar no Estado Democrático de Direito, dando-se efetividade

à justiça217.

Logo, os precedentes devem ser observados pelos magistrados, seja com relação as

suas próprias decisões, seja em face dos precedentes formados pelos Tribunais Superiores, o

que contribui para integridade e coerência do ordenamento, além de efetivar substancialmente

o princípio da igualdade e, por consequência, a segurança jurídica, a estabilidade e a coerência

do sistema. 217 "O desenvolvimento da vida em sociedade pressupõe que cada sujeito tenha conhecimento dos resultados de seus atos, bem como dos resultados das ações dos demais componentes da coletividade. Os jurisdicionados precisam e têm o direito de saber o que podem e o que não podem fazer na vida social, assim como o que podem esperar dos demais indivíduos. É o Poder Judiciário, ao interpretar as normas jurídicas, que, efetivamente, diz quais são as condutas permitidas e proibidas: é ele que clarifica e revela o conteúdo das leis". MATTOS, Luiz Norton Baptista de. O projeto do Novo CPC e o incidente de resolução de demandas repetitivas. In: MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; MARINONI, Luiz Guilherme; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Direito Jurisprudencial, vol. II, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 779-780.

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2.6.1 A necessidade de respeito aos precedentes

Vive-se, atualmente, uma crise de segurança jurídica. Em verdade, estamos

mergulhados em uma crise do civil law, promovida pela revelação de que os dogmas que

alicerçavam o direito codificado não se enquadram na realidade, carecendo de soluções

adequadas para resolver os diversos problemas218. O único responsável, porém, não é o

Judiciário.

Não se pretende debruçar sobre a crise pela qual enfrenta o Direito em toda a sua

extensão, tampouco analisar os dogmas do civil law ou detalhar as vantagens e desvantagens

da adoção de uma teoria de precedentes, cuja investigação excede substancialmente o escopo

deste trabalho.

Restringe-se ao breve exame da crise de segurança jurídica e do déficit de confiança

do jurisdicionado em face do desrespeito da igualdade no momento da aplicação do Direito,

ou seja, da prolação de decisões judiciais, o que contribui para a imprevisibilidade destes

pronunciamentos. Pretende-se, com isso, demonstrar a necessidade de respeito aos

precedentes.

Não se pode olvidar que o Legislativo e o Executivo contribuem de modo significativo

para o agravamento da crise ao gerar a instabilidade do Direito e, via de consequência, a

imprevisibilidade das decisões judiciais, cenário retratado por Francisco Rosito219 da seguinte

forma:

O Legislativo é responsável pelo expressivo número de leis e de alterações legislativas e constitucionais que são implementadas, motivadas muitas vezes não pela transformação social ou pela necessidade de constante adequação do Direito a novas realidades, o que seria plenamente legítimo. Muitas dessas alterações legislativas, cumpre ressaltar, são implementadas em nítida violação a direitos e garantias fundamentais, gerando imensa massa de lides. Além disso, as incertezas são potencializadas pelo número de normas jurídicas existentes, que em grande parte são expressas em linguagem prolixa, complexa e equívoca, criando sérias dificuldades para conhecer e aplicar o direito. [...]. Ora, é natural que quanto mais normas existam, maiores são as possibilidades de antinomias e de contradições internas no ordenamento jurídico. Por seu turno, o Executivo atua em desacordo

218 Interessante é a observação de Judith Martins Costa: “Hoje vive-se, diversamente, no ‘mundo da insegurança’. Esta não reside apenas na circunstância da multiplicidade de textos legais que abalaram a estrutura codificada, mas, fundamentalmente, da impossibilidade de manter-se, no universo em que vivemos, a integridade lógica do sistema. Profundas fissuras fizeram ruir a tríplice ideologia que sustentava a relação sistema-código, vale dizer, a ideologia da sociedade, a ideologia da unidade legislativa e a ideologia da interpretação”. MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p.276. 219 ROSITO, Francisco. Teoria dos Precedentes Judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional, Curitiba: Juruá, 2012, p.54-55.

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com os seus deveres constitucionais, abusa da sua prerrogativa de legislar provisoriamente [...] e resiste injustificadamente às orientações e decisões judiciais.

E o autor conclui que o maior alimentador dos acervos judiciários é o próprio Estado,

que se qualifica como Estado-inimigo, em face da multiplicidade de normas existentes,

elaboradas pelo Legislativo e Executivo, muitas vezes expressas em linguagem obscura e

complexa220.

Em meio à inflação legislativa e aos equívocos e arbitrariedades cometidos pelo

próprio Estado, o Judiciário é instado a solucionar os inúmeros conflitos existentes, devendo

fornecer as respostas adequadas às situações a ele submetidas. Esta equação não pode ter

outro resultado a não ser processos morosos, tutelas inadequadas à proteção do direito

material e a imprevisibilidade das decisões judiciais, sem falar na incômoda divergência

jurisprudencial que carimba de forma deletéria o sistema e provoca uma crise de confiança na

Justiça.

Em busca de alternativas para solucionar os problemas que assombram o Judiciário, o

respeito aos precedentes desponta como técnica que pode atenuar ou eliminar a crise da

segurança, pois proporciona a estabilidade da ordem jurídica, além da previsibilidade das

consequências jurídicas de determinadas condutas221. Os precedentes permitem garantir a

uniformidade da interpretação judicial, reduzem o abismo entre o indivíduo e a multiplicidade

de leis, muitas vezes dotadas de textos obscuros, complexos, ambíguos, confusos, vagos ou

contraditórios.

No entanto, um dos graves problemas do ordenamento brasileiro é que a segurança

jurídica, normalmente, é associada à estabilidade e à previsibilidade da lei. Como se bastasse

assegurar a observância destes fatores apenas no âmbito legislativo, descurando da existência

de estabilidade e da previsibilidade das decisões judiciais, que poderiam variar conforme o

caso, sendo prescindível a fixação de um sistema de precedentes judiciais para uniformizar a

jurisprudência.

Não se pode, contudo, exigir que o comportamento do indivíduo seja pautado

exclusivamente na lei, visto que ela depende de interpretação que só pode ser conferida pelo

Judiciário. Por outro lado, não se tem segurança jurídica se o magistrado ignora o princípio da

igualdade e decide em desacordo com os seus próprios precedentes e com os dos tribunais

superiores.

220 ROSITO, Francisco. Teoria dos Precedentes Judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional, Curitiba: Juruá, 2012, p. 55 e DINAMARCO, Cândido Rangel. Decisões Vinculantes. In: Revista de Processo, ano 25, nº 100, São Paulo: Revista dos Tribunais, out./dez. 2000, p. 168. 221 MARINONI, Luiz Guilherme, Precedentes obrigatórios. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 120-121.

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Como o jurisdicionado vai creditar confiança em um sistema que permite decisões

contraditórias sobre um mesmo objeto apenas por mudança de composição do órgão

fracionário ou distribuição para juízes diferentes? Como o cidadão pode calcular os efeitos da

sua conduta diante da enxurrada de decisões nos mais variados sentidos acerca de uma mesma

situação?

É por isso que o juiz, no momento de julgar, deve ter em conta que a sua decisão não

vale apenas para o caso concreto, podendo ser utilizada em casos semelhantes, ou seja, deve

aspirar eficácia que transcenda o caso. A ratio decidendi deve ter pretensão de generalidade e

aspirar validade para outros casos em nome do postulado de justiça (igualdade de aplicação da

norma).

O Direito é um só e a interpretação da norma precisa ter um mínimo de harmonia para

permitir ao jurisdicionado pautar sua conduta de acordo com a licitude. É necessário que se

busque a “univocidade na qualificação das situações jurídicas”222, garantindo a previsibilidade

e calculabilidade dos efeitos gerados pelo comportamento de quem o adotou. Deve-se garantir

ao cidadão que se ele agir desta ou daquela maneira vai obter do Estado determinada

consequência “x” ou “y”, lhe permitindo fazer escolhas lícitas para alcançar o resultado

almejado.

É nesse sentido que Luiz Guilherme Marinoni223 alude à necessidade de igualdade

diante das decisões judiciais e não somente igualdade perante a lei ou ao processo (tratamento

das partes, procedimentos especiais, contraditório, acesso à justiça)224. Assim, a interpretação

judicial deve ser uniformizada por quem detém constitucionalmente esse poder (STJ, STF,

TST e etc), possibilitando que o cidadão encontre a segurança jurídica que tutelará as suas

222 A expressão foi utilizada por Luiz Guilherme Marinoni. Precedentes obrigatórios. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 122. 223 MARINONI, Luiz Guilherme. Ibidem, vide tópico 2.2 “Precedente e igualdade”, p. 140-166. 224 Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira sustentam que o termo “lei” deve ser interpretado como “norma jurídica”, de modo que todos devem ser tratados como iguais diante da norma jurídica, independentemente da sua natureza e do seu produtor. DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. vol. 2. Salvador: Jus Podivm, 2013, p.445. Neste sentido, Luiz Norton Baptista de Mattos assinala que: "o princípio da isonomia não se direciona apenas ao legislador. O seu resguardo não demanda apenas que a lei outorgue iguais vantagens, ônus e obrigações àqueles que estão em situação idêntica segundo o critério de discriminação eleito pela norma jurídica. A lei, enquanto preceito genérico, impessoal e abstrato, não atinge imediatamente a esfera jurídica de quem quer que seja. São os atos concretos de sua aplicação que efetivamente condicionam as vidas das pessoas. Logo, a limitação do princípio à função legislativa implica torná-lo garantia formal, vazia, inconsequente e inútil. Não adianta assegurar que os indivíduos estão sujeitos à mesma lei, se cada um deles receber uma interpretação distinta daquele texto, a implicar, na prática, consequências, efeitos jurídicos diversos para fatos semelhantes". MATTOS, Luiz Norton Baptista de. O projeto do Novo CPC e o incidente de resolução de demandas repetitivas. In: MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; MARINONI, Luiz Guilherme; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Direito Jurisprudencial, vol. II, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 776.

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ações, prevendo as consequências e a reação de terceiros ou do Estado se adotar dado

comportamento.

A segurança jurídica não se obtém, portanto, apenas com o pleno conhecimento da lei,

situação utópica, tampouco se esgota na capacidade de o cidadão conhecer a legislação de

modo relativo (principais normas, mais conhecidas, populares ou específicas). Centra-se na

previsibilidade das decisões, no conhecimento da jurisprudência acerca daquela matéria ou

questão225.

Daí porque a jurisprudência não pode ser lotérica226, variando de acordo com a sorte

do litigante de ter o seu processo distribuído para este ou aquele juiz ou para a turma “a”, “b”

ou “c”, que ainda despreza o entendimento dos órgãos que lhes são superiores. Esse

procedimento atenta contra a lógica e a funcionalidade do sistema criado hierarquicamente, a

quem se outorgou a guarda da Constituição e a uniformização da interpretação da lei para

órgãos específicos, constantemente desrespeitados em nome da independência do órgão

jurisdicional227.

Os que desconhecem o sistema de precedentes advogam que a sua adoção retiraria a

importância do magistrado na ordem jurídica, engessaria o direito e o tornaria injusto,

ultrapassado ou inseguro228, quando o efeito é justamente o oposto. O juiz assume sua

225 Cumpre registrar os ensinamentos de Antônio Adonias A. Bastos sobre a necessidade de previsibilidade das decisões judiciais e calculabilidade das consequências geradas pelo comportamento do cidadão: “A inexistência de uma prognose sobre o conteúdo das respostas jurisdicionais impede que os membros da comunidade tenham uma percepção clara sobre a conduta que devem adotar, chegando mesmo a fazer com que deixem de praticar determinados atos ou de celebrar certos negócios, ante o risco a que podem se submeter em decorrência da instabilidade. A previsibilidade das respostas jurisdicionais contribui para o acesso à ordem jurídica justa. De um lado, ela propicia uma calculabilidade das consequências dos atos praticados pelos integrantes do grupo social, evitando o ajuizamento de demandas, pois as partes já conhecem o provável teor da decisão que viria a ser proferida. De outro lado, se, ainda assim, surgir conflito e se ele vier a ser apresentado ao Judiciário, haverá uma confiança no que diz respeito à solução que deverá ser adotada”. BASTOS, Antônio Adonias A. A estabilidade das decisões judiciais como elemento contributivo para o acesso à justiça e para o desenvolvimento econômico. In: Revista de Processo, vol. 227, p. 295, Jan / 2014, versão eletrônica, p.6. 226 CAMBI, Eduardo. Jurisprudência Lotérica. In: Revista dos Tribunais, ano 90, vol. 786. São Paulo: Revista dos Tribunais, abr.2001, p. 108-130 227 O voto do Ministro Humberto Gomes de Barros traduz bem este aspecto: “[...] Em verdade, o Poder Judiciário mantém sagrado compromisso com a justiça e a segurança. Se deixarmos que nossa jurisprudência varie ao sabor das convicções pessoais, estaremos prestando um desserviço a nossas instituições. Se nós – os integrantes da Corte – não observarmos as decisões que ajudamos a formar, estaremos dando sinal, para que os demais órgão judiciários façam o mesmo. Estou certo de que, em acontecendo isso, perde sentido a existência de nossa Corte. Melhor seria extingui-la”. STJ, Corte Especial. Julgamento em 01.02.2002. Ag Rg nos EREsp 228.432/RS, rel. Min. Humberto Gomes de Barros. DJ 18.03.2002. 228 Conferir SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do Precedente Judicial à Súmula Vinculante. Curitiba: Juruá, 2011, p.281-320, Marcelo Alves Dias de Souza, inclusive intitula o primeiro tópico do seu último capítulo como “13.1 Uma primeira palavra aos puritanos: a ignorância e o preconceito". Op. cit. p.281. NOGUEIRA, Gustavo Santana. Stare Decisis et Non Quieta Movere: a vinculação aos precedentes no direito comparado e brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.31-101; MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.120-212; ROSITO, Francisco. Teoria dos Precedentes Judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional, Curitiba: Juruá, 2012, p. 130-173

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verdadeira função na engrenagem jurídica, o direito se aprimora, torna-se estável e previsível,

autorizando o cidadão a depositar sua confiança no Judiciário. Um sistema que preza pela

segurança jurídica das decisões judiciais, norteadas pelo princípio da igualdade, possibilita a

harmonia e a coerência do ordenamento e a efetiva realização das normas fundamentais

decorrentes da Constituição, reconhecendo o papel que o juiz assume na criação da norma

jurídica.

O magistrado deve ter consciência da sua função jurisdicional e do seu papel no

sistema de distribuição de justiça. Ele fala em nome do Estado, emitindo pronunciamentos

que não podem ser personalizados neste ou naquele juiz, mas devem ser atribuídos ao Poder

Judiciário.

Seguindo esta diretriz, o Estado-juiz tem a obrigação de tratar a todos com igualdade,

conforme determina a Constituição Federal. Logo, se o órgão competente constitucionalmente

para dar a palavra final fixou a interpretação do Estado-juiz sobre dada questão jurídica,

construindo a norma do Judiciário, não há justificativa para o desrespeito ao precedente

firmado.

Frise-se, a norma não é de determinado órgão judicial e não reflete a opinião do

homem-juiz, mas do Estado-juiz, que deve respeito aos princípios constitucionais e ao

ordenamento. O sistema brasileiro é estruturado, como dito, hierarquicamente, e a

Constituição optou pela definição do órgão competente para uniformizar a interpretação da lei

e, assim, criar a norma jurídica geral que irá conduzir a solução do caso concreto pelos

magistrados.

Em face deste panorama, não há como se negar a necessidade de respeito aos

precedentes no Brasil e nem justificar a rebeldia dos juízes que não o aplicam, pois o dever de

respeito decorre do próprio sistema, não sendo uma simples importação dos institutos do

common law.

2.6.2 Eficácia dos precedentes no Brasil

À luz dos conceitos, técnicas e contornos próprios da teoria dos precedentes já

examinados neste trabalho, é necessário analisar os efeitos dos precedentes judiciais no

ordenamento brasileiro, delimitando como se opera a eficácia temporal da norma construída

pelo magistrado em suas decisões e como identificar os institutos que ostentam determinada

eficácia.

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De um modo geral e simplificado, os precedentes presentes em qualquer sistema

jurídico podem ser dotados de eficácia persuasiva ou vinculante. A eficácia persuasiva é a

regra na tradição romano-germânica (civil law), podendo ser traduzida na força natural

atribuída às decisões judiciais no sistema de distribuição de justiça. Funciona como um

reforço argumentativo para justificar a conclusão adotada pelo juiz na decisão judicial, e, seu

grau de influência e relevância, dependerá do prestígio dos órgãos judiciais responsáveis pela

sua formação229.

O precedente persuasivo possui uma autoridade moral, política, econômica, social ou

de fato230, sendo desprovido de vinculação normativa formal231, isto é, não existe sanção no

ordenamento ou medida processual que obrigue o magistrado a respeitá-lo, embora ele não

possa simplesmente ignorá-lo, pois são representativos da orientação jurisprudencial de um

órgão.

Por este motivo, deve haver um mínimo de constrangimento sobre o Judiciário, não

podendo o órgão decisório simplesmente se restringir a ignorar o precedente persuasivo. A

decisão que o afasta deve ser fundamentada, expondo as razões que justificam a sua não

aplicação232.

Ressalte-se que este constrangimento que permeia o precedente persuasivo só atinge

os órgãos judiciais se a regra veiculada na decisão paradigma “constituir indício de uma

solução racional e socialmente adequada”233, ou seja, quando o juiz se convence da sua

correção234.

229 ROSITO, Francisco. Teoria dos Precedentes Judiciais:racionalidade da tutela jurisdicional, Curitiba: Juruá, 2012, p. 116. 230 TARUFFO, Micheli, Precedente ed esemplo nella decisione giudiziaria. In:Rivista trimestrale di Diritto e Procedura Civile.Milano, v.48, nº 1, p.19-36, 1994, p. 24; PECZENIK, Alexsander. Sui precedenti vincolanti de facto. Ragion Pratica, Bologna, v.6, p.35-43, 1996; KNIJNIK, Danilo. O recurso especial e a revisão da questão de fato pelo Superior Tribunal de Justiça. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.60 231 Francisco Rosito destaca que o precedente persuasivo possui força normativa material, pois são representativos da orientação jurisprudencial. ROSITO, Francisco. Teoria dos Precedentes Judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p. 117. 232 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.118. O autor conclui que, no Brasil, os precedentes não são sequer persuasivos, pois não há qualquer constrangimento do juiz em não seguir os precedentes dos Tribunais Superiores: “Isso quer dizer que, no Brasil, os precedentes não vêm sequer sendo tidos como persuasivos. Embora constitua uma patologia, os tribunais e juízes muitas vezes não se julgam obrigados a respeitar os precedentes dos Tribunais Superiores”. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios, Op. cit, p. 118. 233 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 13. 234 Neste sentido, Karl Larenz ensina que não se pode aplicar o precedente irrefletidamente, a partir do uso de silogismos lógicos ou simples subsunção. O magistrado deve confrontar o caso concreto e o paradigma e interrogar o precedente, isto é, verificar se a interpretação/integração da norma nele contida é correta e adequada para solucionar o conflito submetido ao Judiciário: “Portanto, o juiz não deve aceitar de certo modo ‘cegamente’ o precedente. Não só está habilitado, mas mesmo obrigado, a afastar-se dele se chega à conclusão de que contém uma interpretação incorreta ou um desenvolvimento do Direito insuficientemente fundamentado [...]”.LARENZ,

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No ordenamento brasileiro reputam-se persuasivas as decisões proferidas pelos

tribunais com relação aos órgãos que lhes são inferiores, bem como os enunciados das

súmulas, que apesar de não se confundirem com os precedentes, cristalizam a sua ratio

decidendi.

A força persuasiva decorre da “própria estrutura e lógica do sistema de produção de

decisões judiciais”235, que exige o respeito aos entendimentos fixados pelos órgãos superiores,

pois de nada adianta ter um sistema hierarquizado, com atribuições funcionais fixadas pela

Constituição, pela lei e pelo regimento interno, se os juízes podem decidir com base na sua

convicção pessoal, desprezando as teses jurídicas assentadas nas decisões superiores, sem se

desincumbir, no mínimo, da carga de fundamentação adequada para justificar a não aplicação

do precedente.

Com o objetivo de uniformizar a jurisprudência, considerando a eficácia persuasiva

dos precedentes e o dever de observância do princípio da igualdade das decisões judiciais,

admite-se a instauração do incidente de uniformização da jurisprudência nas hipóteses de

divergência interna entre os precedentes do próprio tribunal, além da interposição de recursos

fundados em dissenso pretoriano que visam uniformizar a jurisprudência, a exemplo dos

embargos de divergência, do recurso especial e do recurso de revista fundados em divergência

jurisprudencial236.

O precedente vinculante ou obrigatório, por sua vez, ostenta eficácia vinculativa com

relação aos julgados posteriores que demandam a aplicação da mesma ratio decidendi. É

dotado de um cunho fortemente coercitivo237, que limita os juízos de valor e a

discricionariedade dos juízes inferiores238, considerando que não podem afastar-se da

interpretação adotada pelo órgão judicial competente para editar o precedente vinculante/

obrigatório. Excepcionam-se, como já visto, os casos que comportam o distinguishing ou

outras técnicas de desvinculação do precedente que proporcionam a flexibilização do sistema

jurídico.

Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6 ed. José Lamego (tradutor). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p. 612. 235 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.118. 236 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. vol. 2. Salvador: Jus Podivm, 2013, v. 2.. p. 445. 237 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 12. 238 SILVA, Celso de Albuquerque. Súmula Vinculante: teoria e prática da decisão judicial com base em Precedentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.149.

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É preciso fazer uma reflexão sobre o precedente vinculante. Como já dito, o que

obriga os órgãos judiciais é a ratio decidendi, ou seja, a norma jurídica nele construída. O

precedente é o texto normativo do qual se pode extrair a interpretação posta pelo Judiciário

sobre determinada questão jurídica. Uma vez fixado o sentido e o alcance da lei pelo

precedente, a norma editada pelo Estado-juiz passa a ser coercitiva e deve ser respeitada pelo

magistrado.

A lei, enquanto texto criado pelo Legislativo, não é dotada de eficácia vinculante, pois

necessita ser interpretada e aplicada ao caso concreto. Enquanto não houver uma interpretação

uniforme por parte do Judiciário, firmada pelo órgão competente, a norma derivada da lei será

fruto do consenso entre os interessados em sua aplicação, muitas vezes produto da decisão

judicial.

Quando fixada no precedente vinculante passa a obrigar os órgãos judiciais, que

devem respeitá-lo no julgamento dos litígios, considerando a sua qualidade de norma posta

pelo Judiciário como resultado da interpretação da lei ou da resolução de uma dada questão

jurídica. Não há motivo para afastá-la com base no "livre" convencimento ou na

independência do magistrado, pois não se está diante da norma criada por este ou aquele

juiz/tribunal, mas da norma universal (fruto da exegese da lei) consagrada pelo Poder

Judiciário.

No Brasil se destacam como precedentes vinculantes239: a) as decisões definitivas do

STF em sede de controle concentrado de constitucionalidade; b) as decisões definitivas do

STF no julgamento dos recursos extraordinários, proferidas em sede de controle difuso de

constitucionalidade, em face da objetivação dos precedentes oriundos do Pleno da Corte

Suprema; c) decisões que fixam o posicionamento do STF em sede de repercussão geral; d)

precedentes reiterados que culminam na edição de súmula vinculante; e) os precedentes cuja

ratio decidendi é cristalizada nas súmulas dos tribunais, possuindo força vinculante em

relação ao próprio tribunal que as editaram; f) decisão que fixa a tese paradigmática para os

recursos extraordinários, especiais ou de revista, devidamente examinados nos capítulos

seguintes.

Entende-se que a última decisão, proferida pelo órgão judicial competente para dar a

resposta final sobre dada questão jurídica (constitucional – STF –, relativa à lei federal – STJ,

239 Conferir hipóteses elencadas por ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues. Precedentes Vinculantes e Irretroatividade do Direito no Ssistema Processual Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2012, p.100-101; DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. vol. 2. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 443; ROSITO, Francisco. Teoria dos Precedentes Judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional, Curitiba: Juruá, 2012, p. 127; TARANTO, Caio Márcio Gutterres. Precedente Judicial: autoridade e aplicação na jurisdição constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.139 e segs.

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ou a matéria trabalhista infraconstitucional – TST –) também possui eficácia vinculante. Só

que de natureza implícita, na medida em que a organização judiciária brasileira foi

configurada de forma constitucionalmente hierarquizada, elegendo-se órgãos de cúpula para

decidir questões jurídicas de forma definitiva, paradigmática e vinculante para os órgãos

inferiores.

A eficácia vinculante se opera tanto de modo vertical, atingindo órgãos inferiores,

quanto de modo horizontal240, vinculando os órgãos fracionários de um mesmo tribunal aos

seus próprios precedentes, incluindo as súmulas sedimentadas na sua jurisprudência interna

corporis.

Fredie Didier Jr, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira apontam, ainda, como tipo de

efeito jurídico que pode ser produzido pelos precedentes judiciais no direito brasileiro, o

efeito obstativo da revisão de decisões. É o que ocorre no caso de precedentes (oriundo da

jurisprudência ou consolidado em súmula) “que têm o condão de obstar a apreciação de

recursos ou de obstar a remessa necessária”241. Trata-se de desdobramento do efeito

vinculante conferido a determinados precedentes, por meio do qual o ordenamento autoriza o

relator a negar seguimento a recursos ou a dispensar a remessa necessária se a decisão

recorrida estiver em consonância com estes precedentes ou quando os recursos os

confrontam242.

240 GRAY, John Chipman. Judicial Precedents. A Short Study in Comparative Jurisprudence. Harvard Law Review. Vol. 9, n° 1, apr. 25, 1895, p.36; DOBBINS, Jeffrey C. Structure and precedent. Michigan Law Review. Vol. 108, 2010, p.1461; MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.118-119; ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p.121-122; ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual brasileiro: os precedentes dos tribunais superiores e sua eficácia temporal. Curitiba: Juruá, 2012, p.89; Pedro Miranda de Oliveira denomina a eficácia vertical de eficácia externa e a eficácia horizontal de eficácia interna. OLIVEIRA, Pedro Miranda. O binômio repercussão geral e súmula vinculante: necessidade de aplicação conjunta dos dois institutos. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.700-701. 241 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. vol. 2. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 444. Os referidos autores acrescentaram na edição de 2014 os seguintes efeitos que podem ser produzidos pelos precedentes no ordenamento brasileiro: a) Autorizante: "quando é determinante para a admissibilidade do recurso", a exemplo da admissibilidade do recurso especial que exige a demonstração da interpretação divergente conferida por outro tribunal (art. 105, III, "c" da CF); b) Rescindente: quando o precedente possui "aptidão para rescindir ou retirar a eficácia de uma decisão judicial transitada em julgado". É o caso do §1º do art. 475-L do CPC/73. O precedente do STF, nesta hipótese, posterior a decisão transitada em julgado, retira a eficácia da decisão judicial; c) Precedente que autoriza ação de revisão de coisa julgada que se refira a uma relação jurídica sucessiva (ex. relação jurídica tributária). Assim, seria admitido que um precedente do STF autorizasse "a revisão, ex nunc, da sentença que regulasse uma relação jurídica tributária, que é exemplo de relação sucessiva". DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação de tutela. 9. ed. vol. 2. Salvador: Jus Podivm, 2014, p. 397. 242 Vide arts. 475, §3º, 518. §1º, 544, §4º, 557 do CPC/73 e art. 894, §3º, I da CLT (Lei 13.015/2014).

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Já Patrícia Perrone Campos de Mello classifica os precedentes brasileiros com relação

ao tipo de eficácia em: a) normativa; b) impositiva intermediária e c) meramente

persuasiva243.

Os precedentes com eficácia normativa equivalem aos precedentes obrigatórios ou

vinculantes, já examinados, que devem ser seguidos em casos análogos/semelhantes. Por sua

vez, aqueles dotados de eficácia impositiva intermediária, embora não tenham que ser

respeitados obrigatoriamente, “são dotados de efeitos impositivos mais brandos, para além do

caso julgado, não se podendo afirmar que possuem eficácia meramente persuasiva”244.

E os meramente persuasivos são aqueles que apenas fornecem subsídios para as partes

em sua argumentação. Na verdade, o que se entende é que a autora não compreende os

precedentes persuasivos como decorrentes do sistema de distribuição de justiça do qual os

magistrados estão vinculados e, portanto, constrangidos a observar as decisões dos órgãos que

lhes são superiores.

Por este motivo divide os precedentes, que seriam persuasivos, em eficácia impositiva

intermediária e meramente persuasiva, o que não se acolhe neste trabalho, considerando que

se filia a concepção de Luiz Guilherme Marinoni de que os precedentes persuasivos produzem

certo constrangimento para os juízes que apenas podem dele desvincular-se quando a

interpretação consagrada está incorreta e é inadequada para resolver o caso, devendo se valer

da devida carga argumentativa para tanto e não simplesmente ignorá-lo na sua decisão

judicial.

De todo modo, seja com eficácia persuasiva, vinculante ou impositiva intermediária/

vertical ou horizontal, o precedente é uma realidade no ordenamento brasileiro e deve ser

respeitado para assegurar o princípio da igualdade e a segurança jurídica presentes em todo

sistema.

Para efetivar a observância dos precedentes e tentar incutir uma cultura de valorização

deste instituto jurídico tão importante para a efetividade da justiça, o Código de Processo

Civil de 2015 deu um tratamento dogmático aos precedentes nos arts. 925 a 927, o que será

analisado.

243 MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes: o desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.118; SILVA, Celso de Albuquerque. Súmula Vinculante: teoria e prática da decisão judicial com base em precedentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.104-105. 244 MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes: o desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.118; SILVA, Celso de Albuquerque. Súmula Vinculante: teoria e prática da decisão judicial com base em precedentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.105.

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2.6.3 A regulamentação do precedente no Código de Processo Civil de 2015

Apesar de já existirem no ordenamento brasileiro mecanismos e institutos inerentes a

um sistema de precedentes, a resistência da comunidade jurídica, especialmente dos

magistrados, é muito forte, motivada pela ausência de uma cultura de respeito às decisões

judiciais proferidas pelos próprios juízes, tribunais e órgãos fracionários, e pelas Cortes

superiores245.

Cultua-se, ainda, a supremacia da lei, como se a devoção aos precedentes pudesse

fulminar a independência do magistrado246, o seu juízo de valoração, desvirtuar o Direito

ancorado na legislação e transformar o sistema em um caos, onde o juiz seria um mero

aplicador autômato dos precedentes fixados pelos tribunais247, sem possibilidade de distinguir

os casos.

Interessante observar que os mesmos argumentos que foram utilizados na época da

Revolução Francesa, em que se propôs a separação dos poderes e se atribuiu ao juiz a pecha

de “la bouche de la loi”, são repristinados na atualidade para embasar as críticas à

regulamentação do sistema de precedentes no Brasil, só que em vez de reproduzir a lei, a

atividade judicial iria se restringir a reprodução da regra universal contida nos precedentes

judiciais.

No entanto, assim como os dogmas da Revolução Francesa se revelaram utópicos,

falsos e distorcidos da realidade, o mesmo já vem acontecendo com os frágeis argumentos

245 “A cultura de resistência ao sistema de precedentes permite que o Judiciário brasileiro decida questões iguais de forma diferente, impondo desigualdade processual e material que arrasa os Tribunais Superiores com acúmulos de processos. É característica evidente do judiciário pátrio a imprevisibilidade, morosidade, desigualdade e insegurança jurídica, o que gera descrédito ao Estado e ao sistema constitucional vigente. Então, a resistência cultural aos precedentes defende a manutenção da imprevisibilidade e surpresa com decisões contrárias em processos idênticos”. SAMPAIO, Tadeu Cincurá de A.S. O novo CPC e a obrigatoriedade dos precedentes judiciais: uma transformação da cultura jurídica brasileira por lei. In: Novas tendências do processo civil, v.3. Salvador: Jus Podivm, p.707-734, 2014, p.725 246 “A independência e a imparcialidade dos magistrados, além de não serem absolutas, não podem ser confundidas com irresponsabilidade. Com efeito, a partir do instante em que o magistrado, no exercício da atividade judicante, ignora propositadamente entendimento solidificado e por demais debatido nas mais altas Cortes de Justiça, está a se afastar de suas legítimas atribuições, desvirtuando-se do seu papel e aproximando-se dos limites da arbitrariedade e da irresponsabilidade”. LIMA, Tiago Asfor Rocha. Breves considerações sobre os precedentes judiciais no projeto de novo código de processo civil. In: Novas tendências do processo civil, v.3 Salvador: Jus Podivm, 2014, p. 739. 247 Mizabel de Abreu Machado Derzi e Thomas da Rosa de Bustamante derrubam o mito de que o sistema de precedentes “faz do juiz ordinário um formalista, levando-o a uma vinculação absoluta, ‘congelando a interpretação do direito e dificultando a sua evolução”. DERZI, Mizabel de Abreu Machado; BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Súmula e precedentes vinculantes no anteprojeto de novo CPC: considerações a partir do relatório Paulo Teixeira. In: Novas tendências do processo civil, v.3. Salvador: Jus Podivm, 2014, p.433.

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suscitados pelos contrários à doutrina dos precedentes e sua aceitação definitiva no direito

brasileiro248.

Neste cenário, o Código de Processo Civil de 2015 vem para quebrar a resistência aos

precedentes e tentar promover uma cultura de respeito às decisões judiciais249, objetivando

uma valorização do Poder Judiciário e do sistema de justiça do Brasil, que sofre um déficit de

confiança por parte dos jurisdicionados, na medida em que impera uma jurisprudência

lotérica, onde casos iguais são tratados de forma desigual sem nenhuma justificativa para ferir

a isonomia250.

Esta patologia do sistema brasileiro restou evidenciada na exposição de motivos do

anteprojeto do CPC/2015251:

Por outro lado, haver, indefinidamente, posicionamentos diferentes e incompatíveis, nos Tribunais, a respeito da mesma norma jurídica, leva a que jurisdicionados que estejam em situações idênticas, tenham de submeter-se a regras de conduta diferentes, ditadas por decisões judiciais emanadas de tribunais diversos. Esse fenômeno fragmenta o sistema, gera intranquilidade e, por vezes, verdadeira perplexidade na sociedade.

Destacou-se ainda, na exposição de motivos, que a função e a razão de ser dos

tribunais superiores é a de “proferir decisões que moldem o ordenamento jurídico,

objetivamente considerado. A função paradigmática que devem desempenhar é inerente ao

sistema”252.

Consagra-se, assim, o precedente persuasivo (ou de impositividade intermediária)

gerador de constrangimento para os órgãos judiciais, que devem observá-lo como norte para

248 Conferir Marcelo Alves Dias de Souza, capítulo 13, p. 281 e segs. Do Precedente Judicial à Súmula Vinculante. Curitiba: Juruá, 2011. 249 “A previsão expressa do sistema de precedentes no novo CPC é um catalisador para a transformação cultural, rompendo com a resistência histórica fundada em argumentos vazios e demonstrativo de ignorância sobre o sistema de precedentes”. SAMPAIO, Tadeu Cincurá de A.S. O novo CPC e a obrigatoriedade dos precedentes judiciais: uma transformação da cultura jurídica brasileira por lei. In: Novas tendências do processo civil, v.3 Salvador: Jus Podivm, 2014, p.732 250 “Com efeito, o emaranhado de decisões judiciais nos mais diversos sentidos, apesar de se fundar no princípio processual do livre convencimento do julgador, conduz à quebra da respeitabilidade e credibilidade do Poder Judiciário. A decisão judicial proferida em sentido contrário à orientação dominante nos Tribunais, apesar de fazer valer a opinião pessoal do juiz, consiste em desprezo pelo próprio Poder do qual faz parte, além de desrespeito ao jurisdicionado, que se vê obrigado a se utilizar da sabidamente demorada via recursal”. GONÇALVES, Gláucio Maciel; VALADARES, André Garcia, Leão Reis. A força vinculante dos precedentes no relatório final do novo CPC. In: Novas tendências do processo civil, v.2. Salvador: Jus Podivm, 2014, p.632. 251 Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. Brasil. Exposição de motivos do anteprojeto do CPC. Brasil, Congresso Nacional. Senado Federal.Versão Senado de 8 de junho de 2010. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf. Acesso em 19/09/2014, p. 17 (destaque do original). 252 Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. Brasil. Exposição de motivos do anteprojeto do CPC. Brasil, Congresso Nacional. Senado Federal.Versão Senado de 8 de junho de 2010. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf. Acesso em 19/09/2014, p. 17 (destaque do original).

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as suas decisões. Desta forma, efetivam-se os princípios da legalidade e da isonomia através

de uma interpretação unívoca da lei pelo Judiciário ao dispensar tratamento isonômico para os

litigantes253.

O CPC/2015 busca a estabilidade e a uniformização da jurisprudência como meio de

alcançar a segurança jurídica, resgatando a confiança dos jurisdicionados no Estado-juiz. Para

tanto, veda-se a alteração da jurisprudência (overruling) se não houver fundadas razões,

permitindo a modulação dos efeitos pelo órgão revogador a fim de resguardar a confiança do

cidadão254.

Por outro lado, não se admite uma submissão cega, automática ou irrefletida ao

precedente, já que é possível a realização do distinguishing255, como método (técnica de

aplicação/confronto) e como resultado. Permite-se, assim, que o precedente vinculante não

seja seguido "quando o órgão jurisdicional distinguir o caso sob julgamento, demonstrando,

mediante argumentação racional e justificativa convincente, tratar-se de caso particularizado

por situação fática distinta ou questão jurídica não examinada, a impor outra solução

jurídica”256.

Isto quer dizer que o precedente não será aplicado quando, em cotejo com o caso

concreto, se constatar que a ratio decidendi dele extraída não é adequada para resolver a

demanda. O distinguishing é fruto, assim, do exercício de uma operação que compara a

moldura fática da causa sob julgamento e a do caso paradigma a fim de verificar se a norma

253 “Se todos têm que agir em conformidade com a lei, ter-se-ia, ipso facto, respeitada a isonomia. Essa relação de causalidade, fica comprometida em decorrência do desvirtuamento da liberdade que tem o juiz de decidir com base em seu entendimento sobre o sentido real da norma”. Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. Brasil. Exposição de motivos do anteprojeto do CPC. Brasil, Congresso Nacional. Senado Federal.Versão Senado de 8 de junho de 2010. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf. Acesso em 19/09/2014, p. 17 (destaque do original), p. 19. 254 Art. 926, §§ 3º e 4º do CPC/2015: "§3º. Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. § 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou da tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia". 255 Oportuna é a advertência sobre o distinguishing feita por Tiago Asfor Rocha Lima: “Tão grave quanto decidir contrariamente ao entendimento consolidado em tribunal superior é tentar convencer as partes e os demais julgadores de que a situação levada a julgamento apresenta diferenças com relação ao precedente estabelecido no órgão ad quem. ‘Sugerir’ uma distinção que não existe entre o caso em julgamento e o leading case que se firmou como precedente é uma desonestidade intelectual sem tamanho para com os pares e com o jurisdicionado e uma tentativa inescrupulosa de furtar-se a aplicar a norma judicada, por simples capricho pessoal do julgador”. LIMA, Tiago Asfor Rocha. Breves considerações sobre os precedentes judiciais no projeto de novo código de processo civil. In: Novas tendências do processo civil, v.3 Salvador: Jus Podivm, 2014, p. 743. (destaques do original) 256 Este era o texto do art. 520, §5º da versão da Câmara dos Deputados (aprovada em 26.03.2014). Contudo, a disposição foi retirada da última versão do Senado de 17 de dezembro de 2014. Isso não impede, todavia, a sua aplicação, pois é inerente a teoria dos precedentes e pode se defluir implicitamente do próprio sistema, prescindindo de regulamentação expressa.

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derivada do precedente pode ser aplicada, ou seja, se incide na fattispecie do litígio a ser

apreciado.

Não se enquadrando no suporte fático sob exame, tal como o preceito de lei "x" não se

enquadra em determinado caso concreto em face de alguma particularidade, o precedente não

se aplica.

Mesmo esta regra tendo sido suprimida do texto definitivo do CPC/2015, não há como

dizer que ela não se aplica ao precedente obrigatório brasileiro, considerando que o

distinguishing é inerente a qualquer sistema de precedentes, vez que se configura em técnica

de julgamento (aplicação) ou no resultado do confronto, sendo prescindível vir expresso na

lei.

Sem contar que a parte possui um direito subjetivo à distinção, como mencionado no

tópico 2.5.1.2, não sendo possível ao judiciário vedar o seu exercício, impedindo o

jurisdicionado de demonstrar que o seu caso possui peculiaridades que reclamam outra

solução.

Fulminam-se, portanto, os argumentos de que o juiz seria um mero aplicador dos

precedentes, em detrimento da sua independência. O que se exige é uma análise minuciosa do

caso, em cotejo com eventual decisão paradigma e, se entender que não é a hipótese da

aplicação do precedente estritamente ao caso a ser julgado, deve-se demonstrar a distinção

“mediante argumentação racional e convincente”, prestando de forma devida a tutela

jurisdicional.

Para facilitar a compreensão dos precedentes dos tribunais, o CPC/2015 determina a

edição de enunciados de súmulas correspondentes a sua jurisprudência dominante (vide art.

925, §1º), onde será sedimentada a ratio decidendi do precedente, devendo se ater as

circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram a sua criação, na forma do §2º do art.

925.

Ratifica-se o efeito vinculante dos precedentes brasileiros produzidos em sede de

controle concentrado de constitucionalidade pelo STF, súmula vinculante, “os acórdãos em

incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em

julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos”257, além das súmulas do STF em

matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional e da

orientação do plenário ou do órgão especial aos quais os juízes e os tribunais estejam

vinculados.

257 Art. 926, III do CPC/2015.

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O Novo Código de Processo Civil positiva, portanto, um legítimo sistema de

precedentes que pretende dar maior celeridade ao processo e efetivar os princípios da

isonomia, legalidade, segurança jurídica e proteção da confiança, firmando um modelo

processo civil, mais justo, tempestivo, efetivo e consentâneo com a garantia substancial do

acesso à justiça258.

258 “O próprio conceito de acesso à justiça envolve a ideia de efetividade das decisões judiciais e previsibilidade, vale dizer, não basta garantir o acesso ao judiciário como uma porta de entrada, impondo-se também o acesso à justiça como uma porta de saída, que é a decisão final justa, adequada, estável e eficaz. O que os brasileiros tem hoje é uma instabilidade total e sentimento de frustração com a desigualdade imposta pelos Tribunais. Contudo, essa insatisfação acarretou a inclusão do sistema de precedentes no novo CPC”. SAMPAIO, Tadeu Cincurá de A.S. O novo CPC e a obrigatoriedade dos precedentes judiciais: uma transformação da cultura jurídica brasileira por lei. In: Novas tendências de processo civil, v.3, Salvador: Jus Podivm, 2014, p.726; SOUZA, Wilson Alves. Acesso à Justiça. Salvador: Dois de julho, 2011, p. 337.

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3. RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS REPETITIVOS E LITIGIOSIDADE DE

MASSA

Em face da multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia de

direito que abarrotavam o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, foi

instituído o procedimento de julgamento por amostragem259 dos recursos repetitivos. Assim,

o CPC de 1973 passou a contar com o art. 543-B (recurso extraordinário), introduzido pela

Lei nº 11.418/2006, e, posteriormente, com o art. 543-C (recurso especial), obra da Lei nº

11.272/2008.

Embora o propósito se tenha fundado em razões de política judiciária e racionalização

da justiça, não se pode olvidar que a efetividade das decisões judiciais e o princípio da

igualdade contribuíram para a criação desse mecanismo de julgamento de casos repetitivos.

Afinal, respostas divergentes para situações semelhantes sempre macularam o Judiciário,

notadamente quando as soluções discrepantes são oriundas dos tribunais superiores (STF,

STJ, TST e etc.).

Além disso, o fenômeno individualista que permeava o processo civil e a sociedade foi

cedendo espaço para o paradigma de coletividade e da padronização decisória, reclamando

efeitos que transcendam ao caso concreto para se aplicar a outros fundados na mesma

controvérsia.

Essa mudança de perspectiva inaugurou um novo modelo jurídico, caracterizado pelos

conflitos de massa e pela necessidade de procedimentos adequados para tutelar o direito

material veiculado nas demandas repetitivas. Abandonou-se, desta forma, a feição

marcadamente privada que imperava no direito e se incorporou os anseios de uma sociedade

massificada.

Considerando esse novo cenário, a resolução dos conflitos de forma homogênea, com

a utilização das técnicas da causa-piloto260, processo-teste ou processo-modelo261, desponta

como uma realidade exigida pelo próprio sistema. Os recursos repetitivos, ancorados na teoria

259 Expressão utilizada por José Carlos Barbosa Moreira e reproduzida por diversos autores de processo civil. Conferir MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 14 ed. vol. V, nº 332. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 619. 260 NUNES, Dierle. Precedentes, padronização decisória preventiva e coletivização. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 246; CUNHA, Leonardo Carneiro da. O regime processual das causas repetitivas. In: Revista de Processo, ano 35. nº 179. São Paulo: Revista dos Tribunais, jan./2010, p. 150-151. . 261 CABRAL. Antônio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos. In: Revista de Processo, ano 39, vol. 231. São Paulo: Revista dos Tribunais. mai./2014, p. 203.

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dos precedentes, desempenham essa função ao lado de outros institutos262, possibilitando o

julgamento em bloco e a efetivação da igualdade. Busca-se, através de mecanismos eficientes

e adequados, equacionar os problemas das macrolides263 agrupadas em torno de processos

individuais.

Para concretizar este propósito se vale, como dito, das técnicas da causa-piloto

(processo-teste) ou do processo-modelo. A primeira ocorre quando uma ou mais causas são

selecionadas como representativas da controvérsia e, após o julgamento, a decisão é replicada

aos demais casos assentados sobre o mesmo objeto litigioso. Há, nesta hipótese, unidade

cognitiva, pois o mesmo órgão judicial que aprecia a questão comum é incumbido de julgar o

processo originário, havendo reprodução da tese (ratio) formada no incidente de

coletivização264.

O julgamento se dá, nestes moldes, por amostragem, consoante se verifica no

processamento do recurso extraordinário e especial repetitivos. O STF e o STJ fixam a tese

com base nos recursos selecionados como paradigmas e, uma vez proferida a decisão, ela se

aplica aos casos-pilotos (tipificados como representativos da questão) e aos que a eles se

assemelham.

Já nos processos-modelo há cisão cognitiva e decisória, pois o órgão que profere a

decisão-modelo, exarando a solução sobre o objeto do incidente, não decide o processo

originário265. O incidente tem a finalidade apenas de padronizar, de forma objetiva, a solução

da controvérsia.

A aplicação da ratio decidendi, contudo, é realizada por juízo diverso, que deverá

tomá-la como questão prévia, decidindo a questão comum de acordo com o entendimento

firmado no incidente, além de a adotar como premissa para resolver os outros pontos

pertinentes a cada processo, considerando suas peculiaridades, isto é, o aspecto subjetivo. Há,

portanto, uma divisão de competência, já que um órgão fixa a tese e o outro a aplica no caso

concreto266.

262 É o caso, por exemplo, do incidente de resolução de demandas repetitivas instituído pelo CPC/2015 e que será estudado no tópico 3.1.2. 263 BENETI, Sidnei Agostinho. Assunção de competência e fast-track recursal. In: Revista de Processo, ano 34, nº 171. São Paulo: Revista dos Tribunais, mai./2009, p.10. 264 CABRAL. Antônio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos. In: Revista de Processo, ano 39, vol. 231. São Paulo: Revista dos Tribunais. mai./2014, p. 203. 265

CABRAL. Antônio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos. In: Revista de Processo, ano 39, vol. 231. São Paulo: Revista dos Tribunais. mai./2014, p. 203. 266

CABRAL. Antônio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos. In: Revista de Processo, ano 39, vol. 231. São Paulo: Revista dos Tribunais. mai./2014, p. 203.

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Neste formato, enquadra-se o incidente de resolução de demandas repetitivas

instituído pelo Código de Processo Civil de 2015, complementando o microssistema dos

processos repetitivos267.

Objetiva-se, com isso, viabilizar técnicas de julgamento macromolecular, seja por

meio da causa-piloto ou do processo-modelo, padronizando-se a tese que deverá incidir nas

múltiplas demandas a fim de superar a insuficiência do modelo atomizado de resolução dos

conflitos268.

Dedica-se o presente capítulo ao estudo deste microssistema (recursos repetitivos +

IRDR), edificado para tutelar a litigiosidade de massa, traçando-se, inicialmente, um breve

panorama sobre a jurisdição de massa e a necessidade de resolução dos conflitos de forma

homogênea.

3.1 DEMANDAS REPETITIVAS E A NECESSIDADE DE RESOLUÇÃO DOS

CONFLITOS DE FORMA HOMOGÊNEA

A conformação da sociedade de massa foi cunhada em torno das seguintes

transformações sociais que pavimentaram o Século XX: a) a Primeira Guerra Mundial; b) a

Revolução Russa; c) os levantes operários na Europa; d) a formação de grandes partidos

políticos; e) a consolidação dos regimes totalitários; f) a depressão econômica de 1929; g) a

Segunda Guerra Mundial; h) a bipolarização do mundo em dois grandes blocos político-

econômicos, divididos entre o capitalismo e o socialismo; i) a queda do muro de Berlim. E,

267 Jaldemiro Rodrigues de Ataíde Jr. sustenta que já existe um microssistema processual das demandas repetitivas, norteado por princípios e regras específicos, desde as alterações legislativas operadas a partir de 2001. E aponta, para tanto, alguns institutos que fazem parte deste regime processual próprio, a exemplo: a) da súmula impeditiva de recurso (art. 518, §1º do CPC/1973); b) do julgamento liminar de mérito (art. 285-A do CPC/1973; c) da súmula vinculante (art. 103-A da CF); d) dos recursos extraordinários e especial repetitivos (arts. 543-B e 543-C do CPC/1973). ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. As demandas de massa e o projeto de Novo Código de Processo Civil. In: Novas tendências do processo civil, v. 3. Salvador: Jus podivm, 2014, p. 50-51. 268 Busca-se, como pontuou Luis Filipe Marques Porto Sá Pinto, “criar técnicas processuais de julgamento macromolecular, ou seja, técnicas que proporcionem julgamentos que possam gerar efeitos a múltiplas demandas individuais que tratem da mesma controvérsia fática ou jurídica. Trata-se de uma decorrência lógica da insuficiência do modelo atomizado de solução de conflitos frente à expansão das relações de massa e do alcance dos problemas correlatos, fruto do crescimento da produção, dos meios de comunicação e do consumo. Multiplicam-se, portanto, as lesões sofridas pelas pessoas, na qualidade de consumidores, contribuintes, aposentados, trabalhadores, moradores, etc., decorrentes de circunstâncias de fato ou relações jurídicas comuns”. PINTO, Luis Filipe Marques Porto Sá. Técnicas de tratamento macromolecular dos litígios – tendência de coletivização da tutela processual civil. In: Revista de Processo, ano 35. nº 185. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul./2010, p.130.

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por fim, j) a consagração dos Estados Unidos como potência hegemônica mundial, na década

de 1990269.

Desta forma, por força de revoluções políticas, econômicas, culturais, científicas e

tecnológicas que afetaram o mundo270, pode-se dizer que o perfil da sociedade mudou271. Nem

individualista, nem massificada, mas fruto da coexistência do indivíduo com a coletividade272.

Depara-se, assim, com litígios individuais, coletivos e repetitivos, que compõem a jurisdição

de massa.

Como dito, as relações modernas deixaram de ser calcadas no aspecto puramente

individual e passaram a conviver com relações homogeneizadas, cunhadas pelas dimensões

globais, economias de mercado, redes sociais e tecnologia capaz de conectar diversos grupos

simultaneamente273.

Diante deste contexto social, surgem as demandas repetitivas e a necessidade de

mecanismos adequados para tutelá-las, padronizando a resolução dos conflitos pelo

Judiciário. A partir das premissas já fixadas no capítulo anterior, é evidente que a tensão entre

os litígios existentes no cenário atual só pode ser solucionada à luz de institutos derivados dos

precedentes, que se materializam na uniformização da jurisprudência e na previsibilidade das

decisões.

A exigência de dispensar tratamento igualitário para as situações semelhantes, como

forma de concretizar a segurança jurídica, uniformidade e estabilidade das decisões judiciais,

despertou no sistema brasileiro o olhar para o respeito ao precedente, apontado como resposta

269

BASTOS, Antonio Adonias Aguiar. Situações jurídicas homogêneas: um conceito necessário para o processamento das demandas de massa. In: Revista de Processo, ano 35, nº 186. São Paulo: Revista dos Tribunais, ago./ 2010, p.88. 270 "O conflitos de interesses que atingem toda a coletividade ou grupo de indivíduos não passaram a existir somente na contemporaneidade, contudo, a constatação de que as transformações sociais implicaram na sistemática agressão a direitos e bens jurídicos, que em razão de sua indivisibilidade e da ampla dimensão de sua titularidade, não dispunham de uma adequada tutela, e a exata compreensão sobre a possibilidade de existência de proteção de tais interesses de forma coletiva, só vieram a ocorrer com o desenvolvimento e a massificação da sociedade". CARVALHO, William Ricardo do Amaral. A sociedade de massas e a evolução da legislação sobre ações coletivas. In: OLIVEIRA NETO, Olavo de. (coord.). Tutelas coletivas e efetividade do processo. Bauru: Edite, 2005, p. 203 271 HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1993; JUDT, Tony. Pós guerra: uma história da Europa desde 1943. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. 272 BASTOS, Antonio Adonias Aguiar. Situações jurídicas homogêneas: um conceito necessário para o processamento das demandas de massa. In: Revista de Processo, ano 35, nº 186. São Paulo: Revista dos Tribunais, ago./ 2010, p.88. 273 "O Direito, como um produto cultural, acompanha o desenvolvimento da sociedade. E, foi o surgimento do fenômeno da sociedade de massas que fez com que os ordenamentos jurídicos, em regra calcados em uma concepção individualista-liberal, cedessem ante a pressão fomentada pelas transformações sociais, que exigiram o reconhecimento de novos direitos e novas formas de tutela destes". (destaque do original). CARVALHO, William Ricardo do Amaral. A sociedade de massas e a evolução da legislação sobre ações coletivas. In: OLIVEIRA NETO, Olavo de. (coord.). Tutelas coletivas e efetividade do processo. Bauru: Edite, 2005, p. 202

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para os problemas do caso concreto, sobretudo os que reclamam idêntica solução (demandas-

tipo).

O respeito ao precedente judicial representa uma mudança de paradigma no

pensamento jurídico brasileiro e na forma de se enxergar o Direito, permitindo realizar o

julgamento em bloco de conflitos individuais com partes distintas, mas que podem ser

reunidos em um mesmo grupo de casos, em razão das situações jurídicas homogêneas que os

conectam.

Além disso, pode-se dizer que, após um processo lento de amadurecimento, o viés

autoritário que imperava no Judiciário, onde o magistrado decide apenas como homem-juiz e

não como representante do Estado-juiz, personalizando as demandas ao atribuir o resultado

delas ao seu entendimento pessoal, não mais se compatibiliza com o modelo atual, que clama

pelo respeito à democracia e aos princípios e garantias fundamentais assentados na

Constituição.

Os novos paradigmas e a concepção que se tem do Judiciário e do papel dos juízes

para construção do Direito não permite que o magistrado julgue divorciado dos preceitos que

regem o ordenamento, devendo dispensar tratamento isonômico aos litigantes, pois fornece

uma resposta do Estado-juiz. E ao Estado não é dado discriminar, sem justificativa, os

jurisdicionados, sob pena de afrontar o princípio da igualdade e a segurança jurídica previstos

na CF.

Esta quadro, potencializado com a jurisdição de massa, será melhor evidenciado no

próximo item.

3.1.1 Jurisdição de massa e demandas-tipo: fixação de novo paradigma e procedimento

para a adequada tutela jurisdicional das causas repetitivas

O Código de Processo Civil brasileiro de 1973 foi cunhado sob uma ótica

eminentemente individualista274, refletindo a realidade e os paradigmas próprios da época.

Com efeito, o CPC sofreu forte influência da doutrina italiana do século XIX, que estava

274 “O processo civil brasileiro tem a ação individual como centro e base de todo o sistema; somente ao titular do direito é permitido ‘pleitear’ seu cumprimento por via da ação (art. 6º do CPC). Tal situação denuncia o viés privatista do sistema processual”. DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil: Processo Coletivo. 8 ed. vol. 4. Salvador: Jus Podivm, 2013. p.32.

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mergulhada na concepção liberal275, na garantia de igualdade formal, gerando litígios

individuais276.

Desta forma, toda a sistemática processual foi desenhada para resolver conflitos

isolados entre os litigantes, dotados de inúmeras particularidades, de cunho fortemente

privatista e predominantemente individual, sem pensar na possibilidade de padronização

coletiva.

No entanto, como já pontuado, a interação de diversos fenômenos, a exemplo da

industrialização, urbanidade, globalização e das revoluções em vários campos, fez mudar o

perfil da sociedade, não mais adepta do liberalismo, direitos meramente formais e anseios

individuais.

Nesta seara, a superação do Estado liberal trouxe novos paradigmas estampados na

Constituição Federal Brasileira de 1988, fundados no aspecto material dos direitos

fundamentais e no efetivo e substancial acesso à justiça (art. 5º, XXXV da CF), através de

uma prestação jurisdicional justa, qualificada, mais tempestiva e concreta. Nas palavras de

Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr: “trata-se da passagem dinâmica, com marchas e

contramarchas, do momento anterior (paradigma liberal – ciência jurídica normal), para o

momento atual (paradigma do Estado Democrático Constitucional – ciência jurídica

‘revolucionária’)”277.

Dentro do panorama aqui delineado, pode-se falar, atualmente, em três tipos de

litigiosidade, quais sejam: a) individual ou “de varejo”, cuja dogmática está presente no

275 Boaventura de Souza Santos, Maria Manuel Leitão Marques e João Pedroso traçam a evolução dos tribunais diante da transformação política-histórica do Estado a partir do século XIX, abordando o papel do Judiciário no Estado liberal e a mudança de paradigma no Estado Social (Welfare State) e na sociedade contemporânea. SANTOS, Boaventura de Souza; MARQUES, Maria Manuel Leitão; PEDROSO, João Pedroso. Os tribunais nas sociedades contemporâneas. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, ano 11, nº 30. fev./2006, p. 29-62. Conferir também PINTO, Luis Filipe Marques Porto Sá. Técnicas de tratamento macromolecular dos litígios – tendência de coletivização da tutela processual civil. In: Revista de Processo, ano 35. nº 185. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul./2010, p.118-121. 276 PEIXOTO, Ravi de Medeiros. A posição dos Tribunais Superiores e a Eficácia dos precedentes nas Causas Repetitivas. In: Revista Dialética de Direito Processual, nº 119. fev./2013, p.99; CUNHA, Leonardo Carneiro da. As causas repetitivas e a necessidade de um regime que lhes seja próprio. In: Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas. v. 25, nº 2. Pouso Alegre: FDSM, 2009, p. 236. Neste mesmo sentido, Leonardo Carneiro da Cunha assinala: “As normas que disciplinam o processo civil brasileiro foram inspiradas no paradigma liberal da litigiosidade, estruturadas de forma a considerar única cada ação, retratando um litígio específico entre duas pessoas. Em outras palavras, o processo civil é, tradicionalmente, individual, caracterizando-se pela rigidez formalista”. CUNHA, Leonardo Carneiro da. O regime processual das causas repetitivas. In: Revista de Processo, ano 35. nº 179. São Paulo: Revista dos Tribunais, jan./2010, p. 140 (destaques do original). 277 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil: Processo Coletivo. 8 ed. vol. 4. Salvador: Jus Podivm, 2013. p.33. A mudança do paradigma no direito processual civil brasileiro também foi tratada por ZANETI JR., Hermes. A constitucionalização do processo: a virada do paradigma racional e político do direito processual civil brasileiro no estado democrático constitucional. Tese de Doutorado: Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005.

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sistema tradicional do CPC/73, de caráter individualista; b) coletiva, englobando direitos

coletivos, difusos e individuais homogêneos, onde os sujeitos são grupo de pessoas

indeterminadas ou determináveis, sendo normalmente representados pelo Ministério Público

ou associações (legitimação extraordinária); c) em massa ou de alta intensidade, amparada,

em regra, em direitos individuais homogêneos que conduzem “à propositura de ações

individuais repetitivas ou seriais, que possuem como base pretensões isomórficas, com

especificidades, mas que apresentam questões (jurídicas e/ou fáticas) comuns para a resolução

da causa”278.

À luz desta nova realidade, os mecanismos típicos fixados no CPC/1973 se revelaram

inadequados para tutelar as litigiosidades coletiva e de massa279, sendo necessárias alterações

legislativas tanto em âmbito constitucional, a exemplo da criação da súmula vinculante e da

repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, obras da EC nº

45/2004, quanto infraconstitucional: Lei da Ação Civil Pública (1985) e o Código de Defesa

do Consumidor (1990), instrumentos próprios para a litigiosidade coletiva; julgamento

liminar de mérito, súmula impeditiva de recurso, uniformização da jurisprudência e os

recursos repetitivos, que se relacionam às demandas de massa, com regramento previsto no

CPC/1973280.

O escopo deste trabalho se restringe ao exame da litigiosidade de massa, assentada em

direitos transindividuais que permitem homogeneizar a solução jurídica dos processos. Esta

espécie de conflito não pode ser satisfatoriamente resolvida nem pelas vias ordinárias da

278 THEODORO JR., Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Litigiosidade em massa e repercussão geral no recurso extraordinário. In: Revista de Processo, ano 34, nº 177. São Paulo: Revista dos Tribunais, nov./ 2009, p. 20. Os tipos de litigiosidade descritos acima também foram extraídos das ideias dos autores na mesma obra, p. 20-21; Vide também MENCHINI, Sergio. Azioni Seriale e tutela giurisdizionale: aspetti critici e prospetitve ricostruttive. In: Atti qel Incontro di Studi: le azioni Seriale do Centro Interuniversitario di Studi e Ricerche sulla Gisutiza Civile Giovani Fabbrini, junto da Universitá de Pisa, 04 e 05 de maio de 2007. 279 “[...] observe-se que a massificação das relações e dos conflitos sociais, bem assim a (re) descoberta de posições jurídicas carentes de tutela conduziram o direito brasileiro, nas últimas décadas, à criação de instrumentos processuais coletivos. De fato, um novo horizonte surgiu no código jurídico nacional, anunciando a quebra do paradigma individualista do Código Buzaid. Como referido alhures, o princípio da inafastabilidade da jurisdição consagra, em termos doutrinários, a garantia de acesso a uma ordem jurídica justa. Destarte, a exigência de um procedimento adequado às peculiaridades do direito material torna-se imprescindível à efetividade da prestação jurisdicional e à garantia do devido processo legal”. GUIMARÃES, Laís Fontes; VIANA, Vanessa Teixeira. Julgamento de recursos repetitivos por amostragem: a coletivização de conflitos individuais e o processo coletivo. In: SILVA, Joseane Suzart da; SANTOS, Claiz Maria Pereira Gunça dos. (orgs,) Tutela processual coletiva do consumidor. Salvador: Paginae, 2012, p.329. 280 Neste sentido, pode-se citar ainda: a) a atribuição de poderes ao relator para negar seguimento a recurso ou admiti-lo com base no cotejo entre a súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior e a decisão recorrida, nos termos do art. 557 do CPC, introduzido pela Lei nº 9756/1998; b) súmula impeditiva de remessa necessária (art. 475, §3º - Lei nº 10.352/2001); c) recurso extraordinário (art. 543-B do CPC – Lei nº 11418/2006) e recurso especial (art. 543-C do CPC – Lei nº11272/2008).

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jurisdição convencional (individual ou “de varejo”) nem pela jurisdição coletiva281, pois não

se trata de uma demanda representando uma categoria ou grupo de substituídos, como as

ações coletivas.

A jurisdição de massa é baseada na existência de processos repetitivos que, em regra,

se ligam por uma questão fática ou jurídica comum, se identificando, em verdade, no plano

abstrato e não em cada situação concreta. Nesta medida, é que Antonio Adonias Aguiar

Bastos aduz que as demandas repetitivas não se resumem aos direitos individuais

homogêneos. Tratam-se de “demandas-tipo, decorrentes de uma relação-modelo, que ensejam

soluções-padrão. Os processos que versam sobre os conflitos massificados lidam com

conflitos cujos elementos objetivos (causa de pedir e pedido) se assemelham, mas não chegam

a se identificar”282.

É dizer, as situações jurídicas homogêneas se identificam pela afinidade das questões

discutidas, constituem, por isso, uma relação jurídica modelo que as qualifica como

demandas-tipo, impondo-se a padronização da solução conferida pelo Judiciário às referidas

causas.

É pressuposto, ainda, para enquadrar o caso como de litigiosidade de massa, que

ocorra a sua massificação, ou seja, que as demandas com similitude dos seus elementos

objetivos sejam propostas em larga escala, justificando o tratamento macromolecular por

parte do Estado283.

A medida se impõe, como já dito, em face da imperiosa observância do princípio da

igualdade no ordenamento jurídico, não se admitindo desfechos opostos para casos

semelhantes. A coerência e a harmonia do sistema também são afetadas ao se permitirem

decisões antagônicas sobre processos que se encontram sobre a mesma moldura, corrompendo

a previsibilidade das decisões judiciais, a própria segurança jurídica e a confiança dos

jurisdicionados.

Não há mais espaço para o autoritarismo dos juízes, para chancelar as suas decisões

arbitrárias e personalíssimas, julgando de forma diferenciada casos que mereciam o mesmo

tratamento. Deve-se abandonar o paradigma do juiz-que-decide, pois no sistema que respeita

281 PEIXOTO, Ravi de Medeiros. A posição dos Tribunais Superiores e a Eficácia dos precedentes nas Causas Repetitivas. In: Revista Dialética de Direito Processual, nº 119, p.99-107, fev. 2013, p.99-100. 282 BASTOS, Antonio Adonias Aguiar. Situações jurídicas homogêneas: um conceito necessário para o processamento das demandas de massa. In: Revista de Processo, ano 35, nº 186. São Paulo: Revista dos Tribunais, ago./2010, p.97. 283 BASTOS, Antonio Adonias Aguiar. Situações jurídicas homogêneas: um conceito necessário para o processamento das demandas de massa. In: Revista de Processo, ano 35, nº 186. São Paulo: Revista dos Tribunais, ago./2010, p.98.

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a igualdade quem decide é o Estado-juiz através da uniformização da interpretação do testo

legal.

Mais uma vez, o problema deve ser resolvido à luz dos precedentes judiciais e da

universalização da sua ratio decidendi, com a fixação da tese jurídica paradigmática aos casos

concretos. Este é um dos propósitos dos recursos extraordinários repetitivos, com vistas a

racionalizar a tutela jurisdicional, bem como o trabalho dos tribunais superiores e a

efetividade da solução, alcançando não apenas o aspecto quantitativo, mas também

qualitativo.

É o que se infere da lição de José Carlos Barbosa Moreira284 ao comentar os arts. 543-

B e C do CPC/73:

Em mais de um país tem-se feito sentir o problema do acúmulo de trabalho nas Cortes Supremas, O grande número de litígios que lhes chegam, sobretudo por via recursal, é fator importante de retardamento do desfecho dos pleitos. Ademais, a considerável variedade dos temas suscitados pode desviar a atenção dos juízes para assuntos menores, com prejuízo da respectiva concentração nas questões de mais relevância.

A despeito das críticas285 à padronização coletiva realizada pelos recursos repetitivos e

outros mecanismos direcionados à tutela das demandas-tipo, defende-se a adoção do sistema

de precedentes para estabelecer uma dogmática adequada para este novo modelo de

litigiosidade, em consonância com algumas ferramentas já existentes no ordenamento

brasileiro.

Deste modo, os recursos repetitivos, dimensionados pela ótica dos precedentes, não

serão enxergados apenas como forma de reduzir o número de processos nas instâncias

superiores. Eles poderão se voltar a maior qualidade do discurso jurídico e da tutela

jurisdicional, garantindo aos jurisdicionados a efetividade dos princípios e garantias

constitucionais.

284 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 15. ed. vol 5. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 616. 285 Neste sentido, Humberto Theodoro Jr. Dierle Nunes e Alexandre Bahia: “A defesa da limitação desses meios de impugnação das decisões se torna uma constante, lastreada na preocupação e busca de um ‘acesso à justiça’ quantitativo, que longe de se adequar às diretrizes típicas do movimento de ‘socialização processual’, típico do século XX, do qual se alega derivar, mais se aproximam de uma justiça de alta produtividade que pouco se preocupa com o impacto decisório (jurídico, social e econômico) nos discursos de aplicação normativa. Existe toda uma veste socializadora nos discursos processuais, de busca de compensação dos déficits de igualdade material entre as partes e de inclusão social de todos os cidadãos ao sistema de ‘prestação jurisdicional’, mas que na prática se desnatura numa busca desenfreada de rapidez procedimental e produtividade industrial de decisões desgarradas de nosso modelo constitucional de processo, que garante estruturas processuais que apliquem a normatividade com toda a sua amplitude e de modo legítimo”. THEODORO JR., Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Litigiosidade em massa e repercussão geral no recurso extraordinário. In: Revista de Processo, ano 34, nº 177. São Paulo: Revista dos Tribunais, nov./ 2009, p. 12.

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É preciso compreender que a decisão que soluciona o conflito é proferida pelo Estado-

juiz e não pelo órgão judicial "x" ou "y". E é do precedente que se pode extrair a norma posta

pelo Judiciário, fruto da interpretação da lei, permitindo-se criar uma tese jurídica universal

que conduzirá o julgamento dos litígios que nela se enquadrem e orientará a conduta da

sociedade.

Antes de adentrar, porém, o exame dos recursos repetitivos à luz dos precedentes,

cumpre tecer algumas considerações sobre outro mecanismo de padronização coletiva: o

incidente de resolução de demandas repetitivas, que integra o microssistema de tutela dos

casos homogêneos.

3.1.2 Mecanismo de padronização coletiva: incidente de resolução de demandas

repetitivas no CPC de 2015

3.1.2.1 Microssistema processual das demandas repetitivas: recurso repetitivos e IRDR

Objetivando construir uma arquitetura adequada a tutelar a litigiosidade de massa, o

Código de Processo Civil de 2015 instituiu o incidente de resolução de demandas repetitivas

(IRDR), que compõe, ao lado dos recursos repetitivos, o microssistema de julgamento dos

casos repetitivos (demandas-tipo), conclusão que aflora do art. 927 do CPC/2015 (versão final

do Congresso286):

Art. 927. Para os fins deste Código, considera-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em:

I – incidente de resolução de demandas repetitivas;

II – recursos especial e extraordinário repetitivos.

Parágrafo único. O julgamento de casos repetitivos tem por objeto questão de direito material ou processual.

Seguindo esta diretriz, foi aprovado no IV Fórum Permanente de Processualistas Civis

(IV FPPC), ocorrido nos dias 05 a 07 de dezembro de 2014 em Belo Horizonte, o seguinte

enunciado:

Nº 345. O incidente de resolução de demandas repetitivas e o julgamento dos recursos extraordinários e especiais repetitivos formam um microssistema de solução de casos repetitivos, cujas normas de regência se complementam reciprocamente e devem ser interpretadas conjuntamente.

286 Utiliza-se da versão final do Congresso Nacional aprovada em 17.12.2014.

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Com efeito, os institutos de resolução da litigiosidade de massa se complementam287,

exigindo um "regime processual próprio, com dogmática específica, que se destine a dar-lhes

solução prioritária, racional e uniforme"288, visando a obtenção de resultados efetivos e

isonômicos.

A técnica dos recursos extraordinário e especial repetitivos não é suficiente para

atender os anseios da sociedade de massa. Observe-se que a medida não permite, por

exemplo, a coletivização ou a generalização do tema comum em primeiro grau ou no âmbito

dos tribunais locais. O tratamento molecular das causas isomórficas nos recursos repetitivos

depende da afetação do recurso paradigma, de modo que até que isto ocorra milhares de

demanda terão sido ajuizadas pelo país, "assoberbando os órgãos jurisdicionais das instâncias

ordinárias e recebendo respostas judiciárias antagônicas, consoante o entendimento pessoal

dos magistrados"289.

Sem contar que muitas decisões transitarão em julgado antes de conseguir acessar as

instâncias extraordinárias, seja pela preclusão temporal dos recursos cabíveis ou a falta de

algum pressuposto de admissibilidade dos recursos interpostos290, tendo que enfrentar a difícil

tarefa de ultrapassar os inúmeros óbices dispostos no ordenamento e que recrudescem o filtro

recursal.

Não se pode olvidar, ainda, que há questões que escapam ao exame dos Tribunais

Superiores (STF/STJ), pois dizem respeito à interpretação do direito local, "isto é, das normas

emanadas dos estados e municípios, sem qualquer implicação ou conexão com o texto

constitucional ou a legislação federal e que, por este motivo, é fixada definitivamente pelos

tribunais locais"291.

E ainda que a controvérsia não seja sobre o direito local (como é o caso da jurisdição

trabalhista em que a competência para fixar as normas é privativa da União), por vezes, os 287 "É praticamente consenso doutrinário o entendimento de que o incidente de resolução de demandas repetitivas, previsto no CPC projetado, é uma espécie de ampliação do instituto do recurso especial repetitivo, permitindo o julgamento conjunto de demandas desde sua proliferação em primeira instância". OLIVEIRA, Guilherme Peres de. Incidente de resolução de demandas repetitivas - uma proposta de interpretação de seu procedimento. In: Novas tendências do processo civil, v. 2. Salvador: Jus podivm, 2014, p. 663. 288 CUNHA, Leonardo Carneiro da. Anotações sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas previsto no projeto do novo Código de Processo Civil. In: Revista de Processo, ano. 36, vol. 193. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 258. 289 MATTOS, Luiz Norton Baptista de. O projeto do Novo CPC e o incidente de resolução de demandas repetitivas. In: MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; MARINONI, Luiz Guilherme; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Direito Jurisprudencial, vol. II, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 817. 290 MATTOS, Luiz Norton Baptista de. O projeto do Novo CPC e o incidente de resolução de demandas repetitivas. In: MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; MARINONI, Luiz Guilherme; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Direito Jurisprudencial, vol. II, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 817-818. 291 MATTOS, Luiz Norton Baptista de. O projeto do Novo CPC e o incidente de resolução de demandas repetitivas. In: MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; MARINONI, Luiz Guilherme; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Direito Jurisprudencial, vol. II, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 818.

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tribunais de segunda instância têm maior aptidão para fixar a tese jurídica, já que a solução da

questão em julgamento pode exigir o exame de peculiaridades de uma dada região, grupo de

pessoas/categoria ou costumes locais, estando mais próximos da realidade do que as Cortes

Superiores.

Observe-se que o microssistema processual das demandas repetitivas objetiva: a) a

rápida fixação da tese jurídica a ser replicada nas causas semelhantes; b) maior previsibilidade

na aplicação do direito por meio da estabilização da jurisprudência e a consolidação de

entendimentos uniformes; c) julgamento isonômico para casos similares e diferentes para

casos que não podem ser padronizados; d) maior credibilidade ao Judiciário; e) legitimidade

das suas decisões produzidas com a observância do contraditório efetivo (das partes e

interessados) e institucional, considerando a participação do amicus curiae, contribuindo para

a pluralidade do debate; f) uma cultura de respeito aos precedentes judiciais no ordenamento

brasileiro292.

Permite-se, assim, padronizar a solução sobre a questão jurídica decidida pelo juízo,

preservando o precedente firmado, em consonância com o princípio da igualdade e a

celeridade (duração razoável do processo) que devem orientar os julgamentos das demandas

massificadas.

Para alcançar os objetivos acima delineados, o modelo vigente de processo coletivo,

como visto, não se revela adequado293, tornando-se imprescindível o redimensionamento do

devido processo legal294 para conferir racionalidade e eficiência ao sistema de causas

292 ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. As demandas de massa e o projeto de Novo Código de Processo Civil. In: Novas tendências do processo civil, v. 3. Salvador: Jus podivm, 2014, p. 50-51. 293 "Da mesma forma, o processo coletivo, é insuficiente para o trato das demandas de massa. Primeiro, porque inúmeras demandas envolvem certos direitos individuais homogêneos, que, por força de lei, são excluídos da tutela coletiva. Segundo, porque há pontos sensíveis relativamente à legitimidade extraordinária, principalmente, em países como o Brasil, onde não há cultura associativa. Terceiro, porque há os problemas atinentes à (des) vinculação de terceiros ao resultado da demanda coletiva, o que muitas vezes não impede o ajuizamento de milhares de ações individuais, mesmo diante da pendência da ação coletiva. E, quarto, mas não menos importante, porque as ações coletivas 'promovem o rompimento político-ideológico com o dissenso, o pluralismo e as iniciativas individuais". ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. As demandas de massa e o projeto de Novo Código de Processo Civil. In: Novas tendências do processo civil, v. 3. Salvador: Jus podivm, 2014, p. 47. 294 Sobre o tema conferir BASTOS, Antonio Adonias Aguiar. Devido processo legal nas demandas repetitivas: Tese de doutorado. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2012. Cumpre transcrever a seguinte lição do autor: "Se for bem aplicada a técnica de julgamento de causas isomórficas também representa um ganho qualitativo em relação à repetição, pura e simples, de decisões proferidas em outros processos individuais, evitando o exercício da jurisdição de maneira inconveniente 'pasteurizada'. A leitura dos institutos referentes às demandas repetitivas à luz do devido processo legal permite, por exemplo, o estabelecimento de parâmetros para a interpretação e para a adequada aplicação dos precedentes judiciais aos casos concretos, bem como a fixação de critérios para a participação e a intervenção em julgamentos em bloco". BASTOS, Antonio Adonias Aguiar. Op. Cit. p. 96.

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repetitivas, obtendo decisões mais qualificadas e adequadas às peculiaridades das demandas

de massa.

E esta missão não pode ser realizada apenas pelos recursos repetitivos, considerando a

sua natureza extraordinária, o cabimento restrito e a fundamentação vinculada, como será

explanado em tópico próprio, além do longo itinerário que a parte tem que percorrer para

manejá-los.

Assim, o incidente de demandas repetitivas afigura-se também necessário para definir

os contornos da jurisdição massificada e os mecanismos essenciais para solucionar os

dissídios próprios, justificando o estudo aprofundado neste trabalho sobre seus aspectos

dogmáticos.

Antes de discorrer sobre estes aspectos dogmáticos do IRDR, faz-se necessário

examinar o procedimento-modelo previsto no direito alemão (Musterverfahren), que serviu de

inspiração para o Brasil sistematizar o regime jurídico do incidente de resolução de demandas

repetitivas295.

3.1.2.2 Procedimento-modelo alemão

O ordenamento processual alemão instituiu, em 16 de agosto de 2005, na Lei de

Introdução do Procedimento-Modelo para os investidores em mercados de capitais, o

Procedimento-modelo ou Procedimento-padrão (Musterverfahren), com o fulcro de resolver

alguns problemas práticos relacionados ao seu restrito âmbito de atuação296. A restrição se

295 A Exposição de Motivos do Anteprojeto do Código de Processo Civil deixa clara a sua inspiração no direito alemão: "Com os mesmos objetivos, criou-se, com inspiração no direito alemão, referido incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que consiste na identificação de processos que contenham a mesma questão de direito, que estejam ainda no primeiro grau de jurisdição, para decisão conjunta". BRASIL, Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. Exposição de motivos do anteprojeto do CPC. Congresso Nacional. Senado Federal. Versão Senado de 8 de junho de 2010. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf. Acesso em 25 de janeiro de 2015, p. 21. 296 Igor Bimkowski Rossoni explica como se deu a origem dos instituto no direito alemão: "Em 1999 e 2000, ao lançar suas ações na Bolsa de Frankfurt, o prospecto da Deutsch Telekon omitiu uma série de informações relevantes, o que ocasionou um acentuado declínio de seu valor nominal nos meses subsequentes. Em virtude disso, de agosto de 2001 à primavera de 2003, foram propostas treze mil ações perante o Tribunal de Frankfurt (sede da bolsa) para a busca da reparação de prejuízos, o que ocasionou uma total paralisação da seção de direito comercial. Diante disso, em 2004, foram propostos dois recursos constitucionais diretamente ao Tribunal Constitucional alemão (BVerfG) alegando-se violação ao direito de duração razoável do processo. Esse, respondeu ao recurso afirmando que, no caso concreto, a demora era tolerável, ma já aludiu a possibilidade de utilização do processo-modelo. Para responder a esse caso e também devolver a confiança ao investidor individual depois dos escândalos acionários, em 2005 veio a lume a Kapitalaleger-Musterverfahrengesetz (KapMug). Com ela, objetivou o legislador resolver de modo idêntico e vinculante, seja sobre o perfil fático ou jurídico, um questão controversa surgida em causas paralelas através de uma decisão modelo remetida ao Tribunal de Apelação". .ROSSONI, Igor Bimkowski. O “Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas” e Introdução do Group Litigation no Direito Brasileiro: Avanço ou Retrocesso? Disponível em

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deve ao fato de não ter sido criado por norma geral, limitando a sua aplicação aos dissídios

travados com os investidores no mercado de capitais, a fim de solucioná-los de modo mais

eficiente e isonômico.

Como ensina Antônio do Passo Cabral, o escopo do Procedimento-modelo consiste em

construir "uma esfera de decisão coletiva de questões comuns a litígios individuais, sem

esbarrar nos ataques teóricos e entraves práticos da disciplina das ações coletivas do tipo

representativo"297.

Pretende-se que o Judiciário esclareça, de modo unitário e "com espectro de

abrangência subjetivo para além das partes"298, questões típicas, de fato ou de direito,

veiculadas em uma multiplicidade de demandas, com a finalidade de fixar o posicionamento

do tribunal. A decisão que firma a tese judicial servirá de modelo para a resolução de outras

causas repetitivas pendentes, que revelem o mesmo contorno fático e jurídico e comporte a

mesma solução299.

O procedimento não pode ser iniciado de ofício pelo juiz, devendo ser deflagrado a

pedido do autor ou do réu (de uma demanda em curso) e dirigido ao juízo de origem. O

requerente irá delimitar o objeto do incidente-padrão, indicando os pontos litigiosos onde

residem a controvérsia de fato ou de direito, os meios de prova que pretende produzir, além de

demonstrar a repercussão em processos diversos, que se aglutinam em torno dos mesmos

aspectos300.

Verifica-se, pois, que o mérito da cognição no incidente pode compreender tanto

elementos fáticos quanto jurídicos, o que evidencia, de acordo com Antônio do Passo Cabral,

"a possibilidade de resolução parcial dos fundamentos da pretensão, com a cisão da atividade

<http://www.tex.pro.br/tex/listagem-de-artigos/50-artigos-dez-2010/7360-o-incidente-deresolucao-de-demandas-repetitivas-e-a-introducao-do-group-litigationno-direito-brasileiro-avanco-ou retrocesso> Acesso em 25 de janeiro de 2015. 297 CABRAL, Antonio do Passo. O novo procedimento-modelo (Musterverfahren) alemão: uma alternativa às ações coletivas. In: Revista de Processo, ano 32, nº 147. São Paulo: Revista dos Tribunais, maio/2007, p. 132. Os ataques teóricos e entraves práticos referidos pelo autor estão relacionados a: a) legitimidade extraordinária ou substituição processual típica das ações coletivas representativas, em que entes postulam em favor de uma coletividade dispersa geograficamente, sem muitas vezes possuir notícia de todos os integrantes. Sem contar que determinados órgãos do Estado, a exemplo do Ministério Público, não estão próximos dos fatos e em contato direto com a comunidade envolvida; b) vinculação de terceiros ao resultado da demanda coletiva, que decorre do modelo imposto pelos "sistemas normativos automaticamente inclusivos"; atingindo todos os integrantes da coletividade, em maior ou menor grau, pelos efeitos e vinculatividade do julgado; c) repartição equitativa do ônus financeiro do processo. CABRAL, Antonio do Passo. Op. cit., p. 125-128. 298 CABRAL, Antonio do Passo. O novo procedimento-modelo (Musterverfahren) alemão: uma alternativa às ações coletivas. In: Revista de Processo, ano 32, nº 147. São Paulo: Revista dos Tribunais, maio/2007, p. 132. 299 WITTMANN, Ralf-Thomas. Il “contenzioso di massa” in Germania. In: GIORGETTI, Alessandro; VALLEFUOCO, Valerio. Il contenzioso di massa in Italia, in Europa e nel mondo. Milano: Giuffrè, n. 6.4, 2008, p. 176 300 TRIGUEIRO, Víctor Guedes. Eficácia vinculante dos precedentes e técnicas de julgamento de demandas repetitivas no processo civil brasileiro. São Paulo: Ixtian, 2014, p. 72.

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cognitiva em dois momentos: um coletivo e outro individual"301. Isso permite que a atividade

de cognição judicial, no âmbito do incidente coletivo, seja realizada sem abstrair

excessivamente as questões jurídicas referentes às pretensões individuais, neutralizando os

fatos e as particularidades do caso, o que poderia provocar um indesejável artificialismo da

decisão302.

O parágrafo primeiro da Lei de Introdução alemã (KapMuG) aponta algumas

hipóteses em que o Procedimento-modelo não poderá ser instaurado, destacando-se as

situações: a) em que possa acarretar dilações indevidas para o processo; b) em que a questão

jurídica submetida ao incidente prescinda de tratamento coletivo; c) em que a causa esteja

pronta para julgamento; d) em que as alegações não se justifiquem considerando os objetivos

do procedimento.

Presente qualquer destas situações, o juízo de origem, responsável pela análise da

admissibilidade do incidente, rejeitará o requerimento. Se admissível, o juízo deve anunciar

publicamente, por meio de um cadastro eletrônico público e gratuito, o pedido de instauração

do procedimento-modelo, fazendo constar a síntese do pedido, as partes envolvidas, o

objetivo do procedimento, nos termos do § 2º da KapMuG, a fim de conferir publicidade à

medida.

No período de quatro meses após a publicação no registro eletrônico, devem ser

requeridos, neste ou em outros juízos, no mínimo outros nove procedimentos-padrão

paralelos, versando sobre o mesmo objeto do requerimento inicial, possuindo causas de pedir

semelhantes. Caso não seja observado o número mínimo, o requerimento será rejeitado e as

causas serão julgadas individualmente pelos respectivos juízos de origem, não assumindo a

feição coletiva.

Por outro lado, atingido o requisito numérico previsto na lei, o juiz prevento (àquele

em foi endereçado o pedido inicial) proferirá decisão pela instauração do procedimento-

modelo. Antes, deve verificar se foram preenchidos os requisitos legais, atentando se foi

observado o escopo do procedimento, devidamente definidos os pontos litigiosos a serem

301

CABRAL, Antonio do Passo. O novo procedimento-modelo (Musterverfahren) alemão: uma alternativa às ações coletivas. In: Revista de Processo, ano 32, nº 147. São Paulo: Revista dos Tribunais, maio/2007, p. 132. 302 CABRAL, Antonio do Passo. O novo procedimento-modelo (Musterverfahren) alemão: uma alternativa às ações coletivas. In: Revista de Processo, ano 32, nº 147. São Paulo: Revista dos Tribunais, maio/2007, p. 133. Neste sentido, também anota Victor Guedes Trigueiro: "[...] a despeito de o caso concreto poder ter peculiaridades que podem não ser típicas a outros casos, o 'Musterverfahren' evita a dissociação entre fato e direito na decisão coletiva, sem, contudo, desprezar as particularidades de cada caso. Sendo assim, é possível que as peculiaridades dos casos concretos sejam observadas, a fim de aplicar a tese jurídica consolidada no procedimento-modelo de modo uniforme a todos os casos submetidos a sua tutela. TRIGUEIRO, Víctor Guedes. Eficácia vinculante dos precedentes e técnicas de julgamento de demandas repetitivas no processo civil brasileiro. São Paulo: Ixtian, 2014, p. 73.

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resolvidos coletivamente, indicados as provas a serem produzidas em juízo e se há uma breve

descrição das pretensões e dos meios de defesa que serão utilizados pelas partes ao longo do

incidente303.

Decidindo sobre a instauração do procedimento-modelo, quando positivo o juízo de

admissibilidade realizado pelo juízo de origem, a decisão é irrecorrível e vincula, inclusive, o

tribunal de hierarquia superior, que será instado a decidir as questões coletivas veiculadas no

incidente.

Neste caso, haverá deslocamento de competência para o tribunal superior (de segunda

instância), responsável por julgar o mérito do Musterverfahren, que foi fixado pelo juízo de

origem304. Uma vez instaurado um procedimento-modelo, não se admite outro com o mesmo

objeto.

Note-se que os juízos são bem delimitados no procedimento, competindo ao juízo de

origem a sua admissibilidade, por meio de decisão irrecorrível e vinculante, e ao Tribunal

Regional ou ao Tribunal Superior, quando o incidente envolver causas vinculadas a tribunais

estaduais diversos, compete decidir o mérito da Procedimento-modelo, resolvendo o

incidente.

O Tribunal incumbido do julgamento do mérito deve determinar a suspensão de todos

os processos pendentes que veiculem as mesmas questões contempladas no Musterverfahren,

mesmo quando não tenha havido requerimento de Procedimento-modelo, na esteira do §7º da

KapMuG.

Permite-se uma participação efetiva dos interessados, sendo facultado ao Tribunal

escolher um líder (Musterparteien) para representar os autores e outro para os réus, que

figurarão como interlocutores diretos com a Corte. Funcionam como um "porta-voz", uma

espécie de parte principal, "são eles, juntamente com seus advogados, que traçarão a

estratégia processual do grupo. Os demais, se não poderão contradizer ou contrariar seus

argumentos, poderão integrá-los, acrescentando elementos para a formação da convicção

judicial"305.

303 CABRAL, Antonio do Passo. O novo procedimento-modelo (Musterverfahren) alemão: uma alternativa às ações coletivas. In: Revista de Processo, ano 32, nº 147. São Paulo: Revista dos Tribunais, maio/2007, p. 134 304 TRIGUEIRO, Víctor Guedes. Eficácia vinculante dos precedentes e técnicas de julgamento de demandas repetitivas no processo civil brasileiro. São Paulo: Ixtian, 2014, p. 74. 305

CABRAL, Antonio do Passo. O novo procedimento-modelo (Musterverfahren) alemão: uma alternativa às ações coletivas. In: Revista de Processo, ano 32, nº 147. São Paulo: Revista dos Tribunais, maio/2007, p. 135.

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Tanto as partes eleitas como representantes quanto os demais interessados306, inclusive

os que não formularam o requerimento para instauração do incidente, podem pleitear a

ampliação do objeto do Procedimento-modelo no curso do processo até o seu final, desde que

tenha relação com o objeto principal, atenda ao escopo da lei e que a questão adicional seja

relevante307. Não se vislumbra, pois, a estabilização da demanda como ocorre no âmbito

individual308.

Após analisar o mérito, o Tribunal proferirá a sua decisão fixando a tese jurídica sobre

as questões comuns objeto do incidente, produzindo efeitos vinculantes com relação aos

juízos de origem e às Cortes cujos processos dependam da solução dada pelo Tribunal e que

foram suspensos. A decisão atinge, portanto, todos os processos pendentes no momento da

sua publicação, mas não incide sobre os casos futuros, ainda que fundados no mesmo

objeto309.

Os efeitos são derivados da coisa julgada formal ou da técnica de extensão da coisa

julgada, restringindo-se, assim, ao momento temporal em que foi proferida a sentença, já que

apenas transcende aos casos-modelo com relação aos processos pendentes, excluindo do seu

âmbito as demandas futuras. Cumpre trazer, a propósito, a lição de Antônio Cabral310, sobre o

ponto:

Para as partes, o modelo seria semelhante à coisa julgada formal: a decisão da questão no incidente coletivo torna-se imutável no processo, devendo ser tomada como vinculante para a solução subsequente das pretensões individuais em cada processo. [...] Para os intervenientes, tenham ou não participado efetivamente, a lei teria trazido extensão da coisa julgada. [...] No entanto, como visto, trata-se de uma extensão da coisa julgada limitada pela litispendência individual (tramitação de processos individuais no momento da decisão coletiva) e abrangente também

306 "Os interessados que espontaneamente desejarem participar recebem o processo no estado em que se encontra, mas a eles é facultado o uso de meios de ataque e de defesa. Os intervenientes podem inclusive alargar o objeto do Procedimento-Modelo, requerendo a inclusão de outras questões comuns, de fato ou de direito, para serem decididas no incidente-coletivo". CABRAL, Antonio do Passo. O novo procedimento-modelo (Musterverfahren) alemão: uma alternativa às ações coletivas. In: Revista de Processo, ano 32, nº 147. São Paulo: Revista dos Tribunais, maio/2007, p. 135. 307 TRIGUEIRO, Víctor Guedes. Eficácia vinculante dos precedentes e técnicas de julgamento de demandas repetitivas no processo civil brasileiro. São Paulo: Ixtian, 2014, p. 75. 308 CABRAL, Antonio do Passo. O novo procedimento-modelo (Musterverfahren) alemão: uma alternativa às ações coletivas. In: Revista de Processo, ano 32, nº 147. São Paulo: Revista dos Tribunais, maio/2007, p. 133. 309 "A decisão modelo proferida tem eficácia vinculante a todos os litigantes cujas demandas foram suspensas durante o procedimento, bem como vincula o juiz quando da definição da demanda individual, qualquer que seja seu resultado. No entanto, a vinculação é somente para os processos pendentes e não aos autores futuros, pois se exige a existência de litispendência dos processos individuais no momento da decisão do Tribunal". VIAFORE, Daniele. As semelhanças e as diferenças entre o Procedimento-modelo alemão Musterverfahren e a proposta de um 'incidente de resolução de demandas repetitivas no PL 8.046/2010. In: Revista de Processo, ano 38, vol. 217. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 273-274. 310 CABRAL, Antonio do Passo. O novo procedimento-modelo (Musterverfahren) alemão: uma alternativa às ações coletivas. In: Revista de Processo, ano 32, nº 147. São Paulo: Revista dos Tribunais, maio/2007, p. 140-141.

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daqueles que não requereram a tratativa coletiva ou participaram ativamente do incidente-modelo.

Após fixação da tese, com a extensão dos seus efeitos nos moldes acima descritos, os

processos retornam para os respectivos juízos de origem, para aplicação do entendimento

firmado no incidente e resolução das demais questões relativas ao âmbito individual dos

processos.

Atente-se que o tribunal não julga os casos repetitivos, apenas profere decisão-modelo,

sedimentando a tese jurídica a ser aplicada pelos juízes nos processos pendentes com o

mesmo objeto.

Tecidas estas considerações sobre o Procedimento-modelo alemão, que inspirou o

direito brasileiro a criar, nos arts. 975 a 986 do CPC de 2015, o incidente de resolução de

demandas repetitivas (IRDR), resta analisá-lo, já que ele possui regramento próprio, a seguir

examinado.

3.1.2.3 Objetivos do IRDR

O incidente de resolução de demandas repetitivas do CPC/2015 tem seus alicerces

teóricos ou premissas metodológicas311 fincados na segurança jurídica, isonomia e celeridade

processual.

Com efeito, dele se podem extrair os seguintes objetivos312: a) redução da divergência

de interpretação da questão jurídica (de direito processual ou material) entre os juízes

vinculados a um mesmo tribunal, promovendo a uniformização das decisões interna corporis;

b) estabilização do entendimento local sobre um mesmo tema, permitindo fixar um parâmetro

de interpretação e, assim, pautar a conduta dos cidadãos; c) vinculação da tese jurídica

assentada pelo tribunal como precedente obrigatório aos órgãos vinculados e a sua

incorporação a todos os processos pendentes que veiculem a mesma questão jurídica

repetitiva.

Visa atingir, sob a égide do Novo Código de Processo Civil, a uniformidade, a

estabilidade e a previsibilidade do direito jurisprudencial, como forma de efetivar o

311 GONÇALVES, Marcelo Barbi. O incidente de resolução de demandas repetitivas e a magistratura deitada. In: Revista de Processo, ano 38, vol 222. São Paulo: Revista dos Tribunais, ago./2013, p.224; DURÇO, Karol Araújo; CHEHUEN, Eric. O incidente de resolução de demandas repetitivas: uma das propostas centrais do Projeto de Novo Código de Processo Civil. In: Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. vol VIII, ano 5, jul.-dez./2011, p. 552. 312 ARAÚJO, José Henrique Mouta. Incidente de causas repetitivas no Projeto do NCPC – Aspectos importantes. In: Revista Síntese Direito Civil e Processual Civil, nº 85, vol. 12, set./out. 2013, p. 69-70.

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substancial acesso à justiça, proporcionando a coerência, a harmonia313 e a segurança jurídica

do ordenamento314.

Não se quer simplesmente reduzir as pilhas de autos que se acumulam nos tribunais,

estabelecendo estatísticas de julgamentos céleres, mas dissociados da qualidade necessária

para formar uma decisão adequada e moldada ao caso concreto. A concentração do

julgamento de causas isomórficas, pelo procedimento do IRDR, permite que o órgão judicial

se debruce sobres as questões relevantes e essenciais, fundando-se em uma pluralidade de

argumentos expendidos pela diversidade de partes, interessados, Ministério Público e pelo

amicus curiae.

3.1.2.4 Instauração do IRDR e pressupostos de cabimento

O incidente pode ser suscitado, perante o tribunal de justiça ou tribunal regional

federal315, nas causas de sua competência, quando houver “efetiva repetição de processos que

contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito” e, simultaneamente,

acarretar risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, na esteira do art. 975, incisos I e

II.

Eis os pressupostos de cabimento do IRDR elencados na lei, que deverão ser

devidamente demonstrados para que o incidente seja admitido pelo tribunal competente para

apreciá-lo. Verifica-se que, ao contrário da versão anterior do Senado (PLS nº 166/2010), o

incidente não pode mais ser proposto de forma preventiva, ou seja, diante de "controvérsia

313 “A exposição de motivos do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, elaborado pela comissão de juristas nomeada pelo ato do Presidente do Senado Federal, é incisiva ao destacar a necessidade de se restabelecer a coesão das normas e a celeridade processual no ordenamento jurídico brasileiro. Isso se deve em razão das constantes alterações realizadas no atual Código de Processo Civil (lei nº 5.869/1973), que acabaram por comprometer a sua forma sistemática, gerando a desorganização e o enfraquecimento de seu poder normativo”. PIMENTEL, Guilherme Gomes; VELOSO, Cynara Silde Mesquita. O incidente de resolução de demandas repetitivas, previsto no projeto de Novo Código de Processo Civil, à luz do acesso efetivo à justiça e do Estado Democrático de Direito. In: Revista Síntese Direito Civil e Processual Civil, nº 86, v. 12. nov./dez. 2013, p. 67; 314 “Mas talvez as alterações mais expressivas do sistema processual ligadas ao objetivo de harmonizá-lo com o espírito da Constituição Federal sejam as que dizem respeito a regras que induzem à uniformidade e à estabilidade da jurisprudência. O novo Código prestigia o princípio da segurança jurídica, obviamente de índole constitucional, pois que se hospeda nas dobras do Estado Democrático de Direito e visa a proteger e a preservar as justas expectativas das pessoas. Todas as normas jurídicas devem tender a dar efetividade às garantias constitucionais, tornando ‘segura’ a vida dos jurisdicionados, de modo a que estes sejam poupados de ‘surpresas’, podendo sempre prever, em alto grau, as consequências jurídicas de sua conduta”. Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. Brasil. Exposição de motivos do anteprojeto do CPC. Brasil, Congresso Nacional. Senado Federal. Versão Senado de 8 de junho de 2010. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf. Acesso em 19/09/2014, p. 19. 315 Defende-se que o IRDR é aplicável ao processo do trabalho, de modo que ele também pode ser suscitado perante o Tribunal Regional do Trabalho (TRT), como será explicitado no item 3.1.2.8.

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com potencial para gerar relevante multiplicação de processos"316, mas só quando já houver

efetiva repetição de processos, o que pressupõe demandas já em trâmite perante o Poder

Judiciário317.

Pertinente é a observação de Leonardo Carneiro da Cunha318 ao defender que o

incidente só poderá ser admitido após maturação da controvérsia da questão de direito, isto é,

quando houver sentenças antagônicas no âmbito de competência do tribunal a fim de se

erguer o arcabouço necessário para o julgamento do incidente de forma adequada, permitindo

ao julgador enfrentar a pluralidade de fundamentos que gravitam em torno da questão a ser

decidida.

A observância deste procedimento garante a qualidade da tese jurídica fixada como

paradigma e o maior acerto da decisão replicada nas demandas repetitivas, de modo que os

dispositivos, apesar de não exigirem que a questão tenha sido previamente deliberada por

juízos distintos, ou amplamente discutida, devem ser interpretados de forma teleológica em

nome da efetividade do precedente formado319. Visa-se evitar "o risco de haver novos

dissensos, com a possibilidade de surgirem, posteriormente, novos argumentos que não foram

debatidos ou imaginados naquele momento inicial [...] em que se fixou a tese jurídica"320 com

efeitos vinculantes.

316 Art. 930 da versão anterior do Senado (PLS nº 166/2010) 317 Luiz Henrique Volpe Camargo discorda da mudança, entendendo que o IRDR se afina com a sua instauração preventiva, isto é, antes da concreta reprodução massificada de causas, sendo dispensável esperar que a avalanche de processos iguais chegue ao Judiciário para suscitar o incidente. Até porque, um dos objetivos do incidente é desafogar o Judiciário, o que será dificultado pela espera da repetição das causas. O autor reconhece que o argumento que motivou a modificação foi a necessidade de maturação da discussão jurídica, mas defende "que o procedimento diferenciado do julgamento do incidente supre qualquer necessidade de prévia multiplicação de processos". CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. O incidente de resolução de demandas repetitivas no projeto do Novo CPC: a comparação entre a versão do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. In: Novas tendências do processo civil, v. 3. Salvador: Jus podivm, 2014, p. 283-284. 318 CUNHA, Leonardo Carneiro da. Anotações sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas previsto no projeto do novo Código de Processo Civil. In: Revista de Processo, ano. 36, vol. 193. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 262-263. Conferir também NUNES, Dierle. Precedentes, padronização decisória preventiva e coletivização. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 267-268. 319 "Defende-se no presente ensaio que a chave para mitigar esse risco de uniformização prematura da jurisprudência, está em dois pontos, quais sejam: primeiro, os tribunais devem dar uma interpretação sistemática e teleológica aos arts. 988 a 990 do Projeto do novo CPC, que tratam da admissibilidade do incidente de resolução de demandas repetitivas, de forma a não admiti-lo quando a questão ainda não estiver madura para julgamento, até porque a coexistência de decisões conflitantes, na primeira instância, não causa grave insegurança jurídica; segundo, os tribunais devem ter especial atenção com a observância das normas que impõem o extenso debate da questão versada no incidente , tais como: a ampla e específica divulgação e publicidade acerca da instauração do incidente [...]; a possibilidade de todos os interessados participarem da discussão, inclusive, pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia [....] e, a possibilidade de sustentação oral, na sessão de julgamento, de todos os interessados na controvérsia". ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. As demandas de massa e o projeto de Novo Código de Processo Civil. In: Novas tendências do processo civil, v. 3. Salvador: Jus podivm, 2014, p. 61. 320 CUNHA, Leonardo Carneiro da. Anotações sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas previsto no projeto do novo Código de Processo Civil. In: Revista de Processo, ano. 36, vol. 193. São Paulo: Revista dos

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Neste ponto, cumpre observar que o CPC/2015 não estabelece um número mínimos de

causas para o incidente ser instaurado, o que seria importante, por exemplo, para evidenciar a

efetiva repetição de processos, a maturação da discussão e o risco à isonomia e à segurança

jurídica. Diante do texto aberto, caberá aos desembargadores definirem como concretizar os

conceitos indeterminados constantes da lei, adaptando-os aos valores da sociedade vigentes à

época321.

Vale frisar que o incidente só se aplica em face de causas assentadas em controvérsia

de matéria jurídica, presumindo-se, assim, a similaridade dos fatos veiculados nas demandas

repetitivas322, isto é, não se pode constatar variações fáticas nos elementos essenciais dos

casos. Deve haver homogeneidade da moldura fática geral a fim de que a decisão

paradigmática se enquadre, sem variações ou desvios, em todas as situações envolvidas no

incidente323.

Em outras palavras, o julgamento da questão objeto do incidente não pode comportar

dilação probatória, discussões quanto aos aspectos fáticos das demandas, devendo ser

predominantemente324 de direito, sendo vedado a instauração do IRDR para resolver questão

de fato.

Tribunais, 2011, p. 262. O autor acrescenta que o risco de haver distinguishing, overriding ou overruling, quando a questão ainda não está madura por não ter sido objeto de acurada reflexão, é manifestamente alto. Op. cit. p. 263. 321 CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. O incidente de resolução de demandas repetitivas no projeto do Novo CPC: a comparação entre a versão do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. In: Novas tendências do processo civil, v. 3. Salvador: Jus podivm, 2014, p. 285. Registre-se que, no procedimento alemão, a lei fixa o número mínimo de dez requerimentos de instauração do incidente, no período de quatro meses, para viabilizá-lo, como já explicado. 322 BARROS, Lucas Buril de Macêdo. Os precedentes judiciais no ordenamento jurídico brasileiro. Dissertação de Mestrado. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2014, p. 426. 323 MATTOS, Luiz Norton Baptista de. O projeto do Novo CPC e o incidente de resolução de demandas repetitivas. In: MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; MARINONI, Luiz Guilherme; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Direito Jurisprudencial, vol. II, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 823-824. 324 Esta última versão do Senado (17 de dezembro de 2014) resgatou a sua versão anterior com relação a exigência da questão repetitiva ser "unicamente de direito". Sobre esta expressão, Luiz Henrique Volpe Camargo já asseverava:"o que o dispositivo pretende é que o julgamento da questão independa da produção de provas, vale dizer, que ela seja eminentemente ou predominantemente de direito". CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. O incidente de resolução de demandas repetitivas no projeto do Novo CPC: a comparação entre a versão do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. In: Novas tendências do processo civil, v. 3. Salvador: Jus podivm, 2014, p. 282. O autor se vale, ainda, da lição de Cassio Scarpinella Bueno sobre o art. 285-A do CPC/73 para justificar o termo "predominantemente" de direito: "Não é desnecessário acentuar que não há, propriamente, uma questão unicamente de direito no sentido que consta da regra aqui comentada. Ela, a questão, é, no máximo, predominantemente de direito porque a mera existência de um autor, de um réu e de um substrato fático que reclama a incidência de uma norma jurídica já é suficiente para que haja questão de fato no caso concreto. Mas, e aqui reside o que releva para a compreensão do art. 285-A, esta questão de fato é alheia a qualquer questionamento, a qualquer dúvida, ela é padronizada ou, quando menos, padronizável; ela, a situação de fato, não traz, em si, maiores questionamentos quanto à sua existência, seus contornos e seus limites". BUENO, Cassio Sacrpinella. Curso sistematizado de direito processual civil, vol. 2, tomo I. São Paulo, Saraiva, 2007, p. 127.

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Destina-se, portanto, "a definição do alcance, do significado, ou dos efeitos de

aplicação de norma jurídica a fatos com similaridade em seus pontos essenciais"325, é dizer,

casos que tenham um núcleo fático essencial uniforme, com enquadramento alicerçado em

simples análise de documentação, sem implicar em discussões mais aprofundadas ou

demoradas.

O pedido de instauração do incidente deve ser dirigido ao presidente do tribunal, e

pode ser formulado, por ofício, pelo juiz ou relator326, e, por petição, pelas partes327,

Ministério Público, que se não for requerente deve intervir obrigatoriamente, e Defensoria

Pública (art. 976).

Os legitimados devem demonstrar objetivamente a necessidade de instauração do

IRDR, destacando a existência de risco à isonomia e à segurança jurídica em face da

multiplicidade de processos versando sobre a mesma questão de direito, e que reclamam, por

este motivo, a mesma resposta do Judiciário. O ofício ou a petição serão instruídos com os

documentos necessários a comprovar os argumentos que justificam a deflagração do

incidente, fundando-se exclusivamente em prova documental, pois é vedada a dilação

probatória.

A desistência ou o abandono da causa não impede o exame do mérito do incidente, na

medida em que o Ministério Público, nestas hipóteses, deve assumir a sua titularidade (975,

§§ 1º e 2º). A exegese da norma que consagra a obrigatoriedade da intervenção ministerial se

relaciona à “natureza coletivizada do direito discutido e a consequência da tese jurídica

firmada”328.

Isto quer dizer que, as demandas repetitivas submetidas ao incidente, apesar de serem

formadas por processos individuais com partes distintas, não veiculam, como já consignado,

um direito individual puro, mas que transcende ao caso concreto, transformando o incidente 325

MATTOS, Luiz Norton Baptista de. O projeto do Novo CPC e o incidente de resolução de demandas repetitivas. In: MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; MARINONI, Luiz Guilherme; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Direito Jurisprudencial, vol. II, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 823. 326 "Nos tribunais de 2º grau, são os desembargadores que receberam, por distribuição, um recurso ou o processo em remessa necessária para julgamento, que tem legitimidade para provocar a instauração do incidente [...]. Por conta disso, não é possível, por exemplo, que um desembargador que não tem, sob sua relatoria, recurso envolvendo a questão controvertida suscite o incidente". CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. O incidente de resolução de demandas repetitivas no projeto do Novo CPC: a comparação entre a versão do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. In: Novas tendências do processo civil, v. 3. Salvador: Jus podivm, 2014, p. 289. 327 Sobre a legitimidade das partes para suscitar o incidente, Leonardo Carneiro da Cunha adverte: "para poder suscitá-lo, é preciso ser parte numa demanda que verse sobre tema que repercuta para diversas outras causas repetitivas. Deve, enfim, haver pertinência subjetiva da parte com a tese jurídica a ser fixada pelo tribunal". CUNHA, Leonardo Carneiro da. Anotações sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas previsto no projeto do novo Código de Processo Civil. In: Revista de Processo, ano. 36, vol. 193. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 264. 328 ARAÚJO, José Henrique Mouta. Incidente de causas repetitivas no Projeto do NCPC – Aspectos importantes. In: Revista Síntese Direito Civil e Processual Civil. v. 12, nº 85, set./out. 2013, p. 74.

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em um instrumento de coletivização do conflito, produzindo efeitos para além do litígio

individual.

Daí a importância do Ministério Público para a formação do precedente em face do

interesse social que se deflui da tese jurídica firmada, vinculando os casos pendentes e os

futuros.

3.1.2.5 Suspensão dos processos e distinguishing

Admitido o incidente329, após o exame do preenchimento dos pressupostos para a sua

instauração com a devida análise dos documentos que instruíram o ofício, no caso do juiz ou

relator, ou a petição, para os demais legitimados ativos, o órgão julgador suspenderá os

processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no seu âmbito jurisdicional (art.

981, I).

A suspensão pode, ainda, ter abrangência nacional se for requerida ao tribunal

superior, por qualquer dos legitimados, visando garantir a segurança jurídica, consoante art.

981, §3º330.

Pode ser requerida a suspensão de processo não abrangido originariamente no

incidente, desde que se demonstre a identidade da questão jurídica a ser julgada (§4º do art.

981). Deste modo, afasta-se a possibilidade de equiparar casos que apresentam uma pseudo

identidade, incumbindo ao interessado demonstrar a similitude entre eles e a necessidade de

suspensão.

A última versão do NCPC331, contudo, suprimiu o parágrafo que conferia

expressamente ao interessado a prerrogativa de demonstrar a distinção entre o seu caso

individual e as demandas paradigmas vinculadas ao incidente (distinguishing), requerendo o

prosseguimento normal do seu processo por não se amoldar ao figurino jurídico que compõe

329 A hipótese do incidente ser inadmitido está regulada no §3º do art. 975: “§ 3º. A inadmissão do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez presente o pressuposto antes considerado inexistente, seja o incidente novamente suscitado.”. 330 Luiz Henrique Volpe Camargo pontua que a suspensão nacional deve ser requerida quando se constata que a questão jurídica objeto do incidente também se repete em outro Estado, não devendo ocorrer a instauração de incidentes concorrentes, pois implicaria em decisões divergentes para uma mesma questão, desvirtuando a finalidade do IRDR. CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. O incidente de resolução de demandas repetitivas no projeto do Novo CPC: a comparação entre a versão do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. In: Novas tendências do processo civil, v. 3. Salvador: Jus podivm, 2014, p. 295-296. Para evitar a reprodução de incidentes sobre a mesma questão em tribunais diferentes, a lei determina a publicidade da medida com o registro no cadastro unificado. 331 Versão do Senado de 17 de dezembro de 2014.

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as causas repetitivas do IRDR, apresentando peculiaridades que as diferenciam

substancialmente332.

Poderia se dizer que a alteração prejudicou o incidente, gerando o risco do

subjetivismo judicial, pois sem a menção expressa ao distinguishing, o juiz poderia agrupar

causas distintas a pretexto de que possuem idêntica/análoga questão, proferindo decisões

equivocadas333.

No entanto, a ausência de positivação do distinguishing de forma expressa não retira

da parte o direito de demonstrar a distinção e requerer a desvinculação da sua causa do

incidente. Tolher esse direito significa legitimar decisões equivocadas que só poderão ser

reformadas após a análise definitiva da questão, o que não pode ser chancelado pelo

ordenamento. Permite-se, assim, que o litigante utilize os meios de impugnação334 necessários

para diferenciar o seu caso das demandas repetitivas e requerer o prosseguimento do seu

processo. Não há como se admitir um sistema de precedentes sem a possibilidade de

distinção.

Mais uma vez se vale do direito à distinção titularizado pelas partes, amparado na

isonomia material, que exige soluções diferentes para casos distintos, mesmo que

aparentemente semelhantes. O litigante deve demonstrar que o seu processo não se qualifica

como repetitivo, e deve ser excluído do seu âmbito de incidência seguindo o procedimento

normal.

Por questão de efetividade da tutela, celeridade e economia processual, o distinguish-

resultado deve ser utilizado, quando possível, logo no início do IRDR e não postergado para o

final, resguardando o direito da parte a um julgamento condizente com a peculiaridade do seu

caso.

332 A possibilidade de distinção era prevista no art. 990, § 4º (versão da Câmara dos Deputados aprovada em 26.03.2014): “§ 4º O interessado pode requerer o prosseguimento do seu processo, demonstrando a distinção do seu caso, nos termos do art. 521, § 5º; ou, se for a hipótese, a suspensão de seu processo, demonstrando que a questão jurídica a ser decidida está abrangida pelo incidente a ser julgado. Em qualquer dos casos, o requerimento deve ser dirigido ao juízo onde tramita o processo. A decisão que negar o requerimento é impugnável por agravo de instrumento”. 333 A crítica formulada por Karol Araújo Durço e Flávia Lovosi Procópio de Souza, apesar de se referir a uma das versões anteriores do projeto, poderia ser replicada a esta nova versão em face da ausência de previsão do distinguishing: “Por outras palavras, usando o subterfúgio da identidade, poderá o Poder Judiciário suspender ou impedir a tramitação de outras causas que mereceriam apreciação individualizada, diferente do que acontece no common law a partir das cláusulas distinguished e overruling, que permitem uma clara individualização de uma demanda atual do precedente anterior”. (destaques do original).DURÇO, Karol Araújo; SOUZA, Flávia Lovosi Procópio de. O incidente de demandas repetitivas no projeto de novo Còdigo de Processo Civil. In: SILVA, José Anchieta da. (org.) O novo processo civil. Colégio de Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil. São Paulo: Lex, 2012, p. 236. 334 Sobre os meios de impugnação cabíveis para demonstrar a distinção do caso em referência com o caso selecionado para o julgamento dos recursos repetitivos, que também se aplicam ao incidente de demandas repetitivas conferir o item 3.3.4.

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A ausência de menção expressa pelo CPC/2015, em sua versão final, portanto, não

prejudica o distinguishing, já que ele emerge implicitamente do ordenamento e do sistema de

precedentes.

3.1.2.6 Participação dos interessados na construção da tese jurídica

Visando conferir legitimidade à decisão que julga o incidente e forma o precedente

vinculante, autoriza-se o relator a ouvir as partes e os demais interessados, inclusive pessoas,

órgãos e entidades com interesse na controvérsia, que, no prazo comum de quinze dias,

poderão requerer a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a

elucidação da questão de direito controvertida, podendo ainda designar audiência pública com

o propósito de colher depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria

discutida.

Desta forma, percebe-se que o CPC/2015 assegurou o exercício do contraditório

institucional pelo amicus curiae e o contraditório das partes dos processos suspensos ou,

ainda, dos titulares do direito objeto da controvérsia que ainda não tenham acionado o

Judiciário335. Eles podem fornecer subsídios para influir no resultado do julgamento, devendo

demonstrar a sua condição e o interesse jurídico em intervir no incidente naquela

oportunidade.

Confere-se, assim, a possibilidade dos interessados participarem da construção do

precedente, contribuindo para uma decisão democrática, proferida considerando os aspectos

suscitados pelos envolvidos, sob o manto da legítima produção jurídica e do efetivo acesso à

justiça.

Neste ponto, discorda-se de Guilherme Gomes Pimentel e Cynara Silde Mesquita

Veloso336 que combatem o prazo comum de quinze dias para os interessados se manifestarem,

ao argumento de que a celeridade processual, nesta hipótese, sacrifica garantias fundamentais,

especialmente a ampla defesa, a participação em iguais condições e os princípios

institutivos337 do processo.

335

CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. O incidente de resolução de demandas repetitivas no projeto do Novo CPC: a comparação entre a versão do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. In: Novas tendências do processo civil, v. 3. Salvador: Jus podivm, 2014, p. 301. 336 PIMENTEL, Guilherme Gomes; VELOSO, Cynara Silde Mesquita. O incidente de resolução de demandas repetitivas, previsto no projeto de Novo Código de Processo Civil, à luz do acesso efetivo à justiça e do Estado Democrático de Direito. In: Revista Síntese Direito Civil e Processual Civil. v. 12, nº 86, nov./dez. 2013, p. 72-75. 337 Rosemiro Pereira Leal define os princípios institutivos da seguinte forma: “conjunto de princípios e institutos jurídicos reunidos ou aproximados pelo Texto Constitucional com a denominação jurídica de processo, cuja

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Ora, tratando-se de processo cuja controvérsia recai unicamente sobre a questão de

direito, o prazo de quinze dias é suficiente para discutir teses jurídicas e expor os fundamentos

das partes ou interessados para elucidar a questão controvertida. Os autos ficarão disponíveis

na secretaria da vara para cópia integral dos interessados, que conhecerão de todos os atos

processuais e do que foi discutido, podendo se manifestar conforme o seu interesse e

conveniência.

Não se vislumbra, neste sentido, violação a ampla defesa pelo prazo ser de quinze dias

e comum, ao invés de sucessivo. Aliás, se o prazo fosse sucessivo, haveria um completo

desvirtuamento do instituto, concebido para ser célere a fim de tutelar o direito veiculado em

diversas causas repetitivas, tendo previsão de duração de um ano338, com preferência de

julgamento sobre os demais, ressalvados os que envolvam réu preso ou pedido de habeas

corpus.

Na Justiça do Trabalho, por exemplo, construída sob a égide da celeridade processual

em face da natureza do crédito trabalhista (alimentar), os prazos são, em regra, comuns e

exíguos (5 a 8 dias) e ninguém reclama da frustração das garantias do contraditório e da

ampla defesa. E isso não quer dizer que não sejam observadas, o processo flui em tempo

razoável, sendo outorgado às partes o direito de defender as suas alegações e produzir as

provas.

A título de exemplo, não se aplica o art. 191 do CPC/73 que confere prazo em dobro

para os litisconsortes com procuradores distintos, pois o TST entende que prejudica a

celeridade processual, conforme cristalizado na OJ 310 da SDI-I339 e todos se adaptam a este

procedimento.

Não se pode olvidar ainda que os interessados terão prazo para realizar sustentação

oral, onde poderão reforçar as razões já expostas e combater as contrárias a sua tese, além da

possibilidade do relator designar audiência pública, sem desprezar a manifestação do

característica é assegurar, pelos princípios do contraditório, ampla defesa, isonomia, direito ao advogado e livre acesso à jurisdição, o exercício dos direitos criados e expressos no ordenamento constitucional e infraconstitucional por via de procedimentos estabelecidos em modelos legais (devido processo legal) com instrumentalidade manejável pelos juridicamente legitimados”. LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 4 ed. Porto Alegre. Síntese, 2000, p.95. 338 Superado, contudo, o prazo de um ano previsto no caput do art. 979, cessa a suspensão dos processos prevista no art. 975, salvo decisão fundamentada do relator em sentido contrário, consoante reza o parágrafo único do art. 979.Cumpre transcrever, ainda, o art. 981, §3º: “Visando à garantia da segurança jurídica, qualquer legitimado mencionado no art. 974, inciso II, poderá requerer ao tribunal competente para conhecer de recurso extraordinário ou recurso especial a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado”. 339 OJ 310, SDI-I. “LITISCONSORTES. PROCURADORES DISTINTOS. PRAZO EM DOBRO. ART. 191 DO CPC. INAPLICÁVEL AO PROCESSO DO TRABALHO (DJ 11.08.2003). A regra contida no art. 191 do CPC é inaplicável ao processo do trabalho, em face da sua incompatibilidade com o princípio da celeridade inerente ao processo trabalhista”.

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109

Ministério Público na qualidade de fiscal da lei e do interesse social que aflora das causas

repetitivas.

Todo este trâmite contribui para a formação de uma decisão plural, legítima e

democrática.

3.1.2.7 Formação da tese jurídica, efeitos e overruling

De acordo com o § 2º do art. 983, o conteúdo do acórdão deve consignar a análise de

todos os fundamentos suscitados, de modo que a decisão não pode desprezar, para a fixação

da tese jurídica, pontos relevantes para o julgamento, devendo se desincumbir da devida carga

argumentativa.

Para que a decisão-modelo espelhe a adequada solução para a questão discutida, deve-

se ter selecionado as causas com maior robustez de argumentos e fundamentos jurídicos que

embasem a sua pretensão, com o fito de se obter a melhor representação da controvérsia, com

a inclusão de todos os pontos relevantes e essenciais a corroborar e infirmar a solução

adotada.

Nesta medida, a participação do amicus curiae, partes e demais interessados, como

dito, é fundamental para promover o amplo debate sobre o tema, contornando a questão em

todas as suas vicissitudes, garantindo, assim, a qualidade e efetividade da tese jurídica firmada

pelo tribunal.

Saliente-se que o CPC/2015 deixou a cargo do regimento interno dos tribunais a

definição do órgão colegiado que julgará o incidente, realizando o juízo de admissibilidade e

mérito340.

Uma vez julgado o incidente, a tese jurídica constitui precedente obrigatório e deve ser

aplicado a “todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de

direito”341, podendo ter abrangência local/regional, conforme a área de jurisdição do órgão

julgador, ou nacional, por meio dos recursos especial e extraordinário, ou ainda o recurso de

revista.

A vinculação se estende aos casos futuros que veicularem idêntica questão de direito,

desde que tramitem no território de competência do respectivo tribunal, até a revisão da tese

340 E nem mesmo poderia ter estabelecido qual o órgão interno dos tribunais é competente para julgar o IRDR, pois somente o regimento interno dos tribunais pode atribuir competência aos seus órgãos jurisdicionais na forma do art. 96 da CF. Conferir, a propósito, CUNHA, Leonardo Carneiro da. Anotações sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas previsto no projeto do novo Código de Processo Civil. In: Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano. 36, vol. 193, 2011, p. 271-272. 341 Art. 984, I do CPC/2015.

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jurídica. Em caso de não ser observada a tese adotada no incidente caberá reclamação (art.

984, §1º).

O incidente de resolução de demandas repetitivas provoca um julgamento em abstrato,

a partir das causas-modelo, ostentando natureza objetiva ao fixar a ratio decidendi a ser

seguida no caso concreto paradigmático, espraiando-se para todos os outros que a ele se

assemelhem342.

Contra a decisão que julgar o incidente cabe recurso extraordinário, especial e de

revista, respectivamente para o STF, STJ e TST. Havendo julgamento de mérito, a tese

vincula todos os processos pendentes e futuros, individuais ou coletivos, que versarem sobre a

mesma questão.

O exame do incidente permite inferir que “há um caráter hierárquico no processo de

vinculação, funcionando o incidente apenas como o primeiro degrau, a ser instaurado em

causas locais inéditas ou quando a matéria não tiver sido ainda afetada pelo Órgão

Superior”343.

Se a matéria já tiver sido afetada pelos tribunais superiores, em grau de recurso, para

definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva, o incidente é

incabível, conforme prescreve o §4º do art. 975, por uma questão de hierarquia e respeito aos

precedentes destas Cortes. Ora, a coerência e a coesão do sistema de produção das decisões

judiciais seriam afetadas, se fosse permitido a instauração do incidente no âmbito

local/regional para discutir questão jurídica de forma diversa da tese firmada pelos tribunais

superiores, responsáveis pela uniformização da jurisprudência nacional em matérias da sua

competência.

Logo, o incidente só é cabível para questões de direito controvertidas ainda não

afetadas pelos tribunais superiores, em obediência ao caráter hierárquico e lógico do instituto

examinado.

A possibilidade de revisão da tese jurídica (overruling) não poderia ser ignorada, já

que o incidente de resolução de demandas repetitivas foi engendrado sob a égide da teoria dos

342 "A decisão proferida no incidente de resolução de demandas repetitivas, consistirá num paradigma para todos os demais feitos, caracterizando-se como um leading case a fundamentar as decisões dos casos repetitivos que tenham por fundamento a mesma tese jurídica". CUNHA, Leonardo Carneiro da. Anotações sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas previsto no projeto do novo Código de Processo Civil. In: Revista de Processo, ano. 36, vol. 193. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 268. 343 ARAÚJO, José Henrique Mouta. Incidente de causas repetitivas no Projeto do NCPC – Aspectos importantes. In: Revista Síntese Direito Civil e Processual Civil, nº 85, vol. 12, set./out. 2013, p. 75. O autor conclui dizendo que: “o incidente funciona de forma complementar, por questão lógica e hierárquica, eis que sua vinculação é no âmbito local, ao passo que a decisão do Tribunal Superior poderá provocar a vinculação hermenêutica nacional”. ARAÚJO, José Henrique Mouta. Incidente de causas repetitivas no Projeto do NCPC – Aspectos importantes. In: Revista Síntese Direito Civil e Processual Civil, nº 85, v. 12, set./out. 2013, p.75.

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precedentes judiciais. Neste sentido, o art. 985 autoriza o tribunal, de ofício, e os legitimados

ativos, a pleitearem a revisão da tese jurídica, o que deve ser feito à luz da teoria dos

precedentes.

Não se pretende, portanto, perpetrar eternamente a tese jurídica construída no

incidente. Havendo razões para superá-la e substituí-la por outra mais adequada à realidade, à

concepção de direito vigente, às alterações econômicas, políticas, científicas e tecnológicas,

revelando um precedente obsoleto, desgastado, incorreto ou injusto, o tribunal poderá realizar

o overruling, de ofício ou por provocação dos legitimados, permitindo a evolução

jurisprudencial.

Ressalte-se, ainda, que todo o procedimento aqui ventilado contempla a mais ampla e

específica divulgação e publicidade através de registro eletrônico no Conselho Nacional de

Justiça, manutenção pelos tribunais de banco eletrônico de dados atualizados, cadastro das

teses jurídicas, dentre outras medidas, consoante disposição do art. 978 e respectivos

parágrafos.

Sedimentada a base inferior da pirâmide que compõe o microssistema de julgamento

dos casos repetitivos, a análise se volta a sua parte superior, isto é, aos recursos excepcionais

repetitivos.

3.1.2.8 Aplicação do IRDR no Processo do Trabalho

Não se vislumbra qualquer incompatibilidade à aplicação do incidente de resolução de

demandas repetitivas ao processo do trabalho. Assim, existindo efetiva repetição de processos

que contenham controvérsia sobre questão de direito, que possa implicar risco de ofensa à

isonomia e à segurança jurídica, incide o mecanismo de padronização coletiva previsto no

CPC/2015.

Outra não pode ser a conclusão extraída do ordenamento trabalhista, considerando a

instituição do recurso de revista repetitivo pela Lei nº 13.015/2014. Logo, uma vez admitido,

no âmbito do TST, o julgamento por amostragem de uma multiplicidade de recursos fundados

em idêntica questão de direito, inexiste fundamento para negar o incidente que visa conter a

litigiosidade de massa em primeiro e segundo graus, pois são elementos de um mesmo

microssistema.

Corroborando este entendimento, cumpre transcrever os enunciados editados em

Belho Horizonte, no IV Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), sobre o tema em

análise:

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346. A Lei nº 13.015, de 21 de julho de 2014, compõe o microssistema de solução de casos repetitivos. 347. Aplica-se ao processo do trabalho o incidente de resolução de demandas repetitivas, devendo ser instaurado quando houver efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão de direito. 348. Os interessados serão intimados da suspensão de seus processos individuais, podendo requerer o prosseguimento ao juiz ou tribunal onde tramitarem, demonstrando a distinção entre a questão a ser decidida e aquela a ser julgada no incidente de resolução de demandas repetitivas, ou nos recursos repetitivos. 349. Cabe reclamação para o tribunal que julgou o incidente de resolução de demandas repetitivas caso afrontada a autoridade dessa decisão.

Parece que não há como entender de modo diverso. Se cabe os recursos repetitivos,

admitindo-se a necessidade de um regime processual diferenciado para os dissídios de massa,

não há como afastar a incidência do instituto de resolução de demandas repetitivas na esfera

trabalhista.

Aplicam-se as mesmas regras acima delineadas, ajustando-se apenas aos órgãos e

especificidades da Justiça laboral. A competência para julgamento será dos Tribunais

Regionais do Trabalho, exercida pelo órgão determinado no seu regimento interno, e o

recurso cabível para impugnar a decisão será o recurso de revista interposto perante o TST,

que poderá conferir abrangência nacional à tese jurídica firmada no incidente, repercutindo

para todos os processos individuais ou coletivos, pendentes ou futuros, submetidos à sua

jurisdição.

As demais disposições relativas a suspensão dos processos, ao prazo para julgamento

do incidente, intervenção do amicus curiae, Ministério Público (do Trabalho) e interessados,

publicidade e registro no cadastro nacional, superação da tese e distinguishing se amoldam

perfeitamente à seara trabalhista. Havendo, portanto, compatibilidade com os princípios e

regras que informam o processo do trabalho, sobretudo a celeridade que edifica os seus

alicerces.

Trata-se de importante mecanismo de padronização coletiva que prestigia a garantia da

celeridade, economia processual, previsibilidade e, notadamente, o princípio da isonomia,

compondo um cenário mais adequado para a tutela da litigiosidade de massa e dos

precedentes.

O ponto será retomado no último capítulo, quando for analisado o recurso de revista

repetitivo. Antes, porém, deve ser estudado o regime jurídico dos recursos especial e

extraordinários repetitivos, no processo civil, já que sedimenta as regras para a modalidade

trabalhista.

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3.2 RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS REPETITIVOS

Neste item, pretende-se analisar os recursos extraordinários, dos quais se inserem o

recurso extraordinário para o STF (art. 102, III da CF) e o recurso especial para o STJ (art.

105, III da CF), restringindo-se ao exame das respectivas finalidades no ordenamento jurídico

e do papel dos tribunais superiores na estrutura hierárquica brasileira com vistas a uniformizar

a jurisprudência.

Em seguida, debruça-se sobre os recursos repetitivos e a aplicação, distinção e

superação do precedente fixado pela Corte de sobreposição na técnica de julgamento por

amostragem.

3.2.1 Recursos de estrito direito e fundamentação vinculada

Os recursos extraordinários em sentido amplo são considerados recursos de

fundamentação vinculada344, isto é, assentam-se sob uma base procedimental rígida345, cujas

hipóteses de cabimento são restritas e taxativamente previstas na Constituição (arts. 102, III e

105, III).

Não se prestam ao simples reexame de fatos e provas, consoante súmulas 7 do STJ346 e

279 do STF347, só podendo veicular matérias de estrito direito, que comportem a análise da

questão jurídica348, ou seja, controvérsias envolvendo a validade, vigência e interpretação das

normas.

344 “Nesse caso, a lei limita o tipo de crítica que se possa fazer contra a decisão impugnada. O recurso se caracteriza por ter fundamentação típica. É preciso ‘encaixar’ a fundamentação do recurso em um dos tipos legais.”. DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 11 ed. vol. 3. Salvador: Jus Podivm, 2013. p.29. 345 KOZIKOSKI, Sandro Marcelo. Manual dos Recursos Cíveis: teoria geral e recursos em espécie. 4 ed. Curitiba: Juruá Editora, 2007, p. 352. 346 Súmula 7 do STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. 347 Súmula 279 do STF: “Simples Reexame de Prova - Cabimento - Recurso Extraordinário. Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”. 348 Cumpre transcrever a observação de Luiz Guilherme Marinoni sobre o reexame de prova, vedado no âmbito dos recursos extraordinários, e a valoração dos critérios jurídicos relacionados à utilização da prova ou a correta qualificação jurídica do fato: “O conceito de reexame de prova deve ser atrelado ao de convicção, pois o que não se deseja permitir, quando se fala em impossibilidade de reexame de prova, é a formação de nova convicção sobre os fatos. Não se quer, em outras palavras, que os recursos extraordinário e especial viabilizem um juízo que resulte da análise dos fatos a partir das provas. Acontece que este juízo não se confunde com aquele que diz respeito à valoração dos critérios jurídicos respeitantes à utilização da prova e a formação da convicção. É preciso distinguir reexame de prova de aferição: i) da licitude da prova; ii) da qualidade da prova necessária para a validade do ato jurídico ou iii) para o uso de certo procedimento; iv) do objeto da convicção; v) da convicção suficiente diante da lei processual; vi) do direito material; vii) do ônus da prova; viii) da idoneidade das regras de experiência e das presunções; ix) além de outras questões que antecedem a imediata relação entre o conjunto das

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Daí se dizer que a finalidade dos recursos extraordinários reside na correta aplicação

do direito objetivo, conferindo interpretação unívoca à lei e à Constituição em todo território

nacional349.

Tanto o recurso especial quanto o extraordinário são exercidos pelo STJ e STF em sua

competência recursal especial, funcionando como única ou última instância. Por este motivo,

exigem o esgotamento das instâncias ordinárias350, de modo que o recorrente deve exaurir os

meios impugnativos ordinários (apelação, agravo, embargos infringentes351) para manejar os

excepcionais. Não podem, assim, serem exercitados pelos litigantes de per saltum, ou seja,

suprimindo instância obrigatória, deixando de lado (in albis) alguma possibilidade de

impugnação352.

Destaca-se que o recurso especial só desafia decisão proferida por um tribunal

(regional federal, tribunais dos Estados, Distrito Federal ou Territórios), não sendo cabível, ao

contrário do recurso extraordinário para o STF353, de decisões produzidas no âmbito dos

Juizados Especiais Cíveis, seja as exaradas pelo juízo monocrático ou proferidas pelas turmas

recursais354.

provas e dos critérios que guiaram os raciocínios presuntivo, probatório e decisório”. MARINONI, Luiz Guilherme. Reexame de prova diante dos recursos especial e extraordinário. In: Revista de processo, ano 30, nº 130. São Paulo: Revista dos Tribunais, dez./ 2005, p. 20. Gleydson Kleber Lopes de Oliveira também ressalva que a questão atinente à qualificação jurídica dos fatos não se enquadra no simples reexame de fatos e provas, que é defeso realizar na instância superior: “o exame acerca da incidência e da correta aplicação de lei federal aos fatos avaliados pelo órgão julgador consubstancia questão preponderantemente de direito, dando azo à interposição de recurso especial. Isso porque a cognição centra-se, primordialmente, na averiguação sobre a violação da lei federal aplicada aos fatos avaliados pela instância ordinária. Não há que se cogitar, pois, de reexame ou rediscussão dos fatos retratados na decisão recorrida, mas de confronto daqueles com a legislação federal, o que dá ensejo à discussão sobre a qualificação jurídica dos fatos”. OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso especial. vol. 9. In: NERY JR., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Orient.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 290. 349 KOZIKOSKI, Sandro Marcelo. Manual dos Recursos Cíveis: teoria geral e recursos em espécie. 4 ed. Curitiba: Juruá Editora, 2007, p. 352. 350 “Tanto para efeito de recurso extraordinário como do recurso especial, o que se quer é que a decisão atacada seja [...] final, isto é, que tenham sido exercitados os recursos ordinários cabíveis. Atendido esse item, a causa em questão não sofre limitação quando à natureza do processo (de conhecimento, execução ou cautelar), nem quanto à qualidade da decisão (definitiva, normativa ou interlocutória), nem quanto ao tipo de jurisdição em que foi prolatada (contenciosa ou voluntária)”. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 6 ed. vol 3.In: NERY JR., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Orient.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 77. 351 A súmula 207 do STJ evidencia a necessidade de exaurimento das instâncias ordinárias ao dispor que “É inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra o acórdão proferido pelo tribunal de origem”. Por outro lado, quando se tratar de decisão monocrática de relator deve-se se valer dos agravos previstos no art. 557 do CPC/73, antes de eleger o recurso especial ou extraordinário para atacar a decisão. 352 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 11 ed. vol. 3. Salvador: Jus Podivm, 2013. p.284. 353 A súmula 640 do STF admite o cabimento do recurso extraordinário para causas de alçada, a exemplo do rito sumário da Justiça do Trabalho (Lei nº 5584/70) , ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal. 354 A súmula 203 do STJ veda o cabimento de recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais.

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O recurso especial também não pode ser manejado nas Justiças Especializadas (Justiça

do Trabalho, Justiça Eleitoral, Justiça Militar), pois nestas esferas existem recursos próprios e

tribunais superiores (TST, TSE, STM) dotados de competência análoga ao do STJ, com a

função de uniformizar a interpretação da lei federal com incidência nas matérias afetas a sua

jurisdição.

O STF, por sua vez, por velar pela incolumidade da Constituição, tem atuação sobre

todo o âmbito nacional, admitindo o recurso extraordinário, inclusive, nas Justiças

Especializadas.

Tecidas estas breves considerações sobre os aspectos gerais dos recursos

extraordinários, passa-se ao papel dos tribunais superiores em face da finalidade dos recursos

excepcionais, examinando, sobretudo, a sua função paradigmática e uniformizadora da

jurisprudência.

3.2.2 A finalidade dos recursos extraordinários e o papel dos tribunais superiores na

uniformização da jurisprudência

Como pontuado acima, os recursos de natureza extraordinária visam resguardar a

coerência, integridade e validade do direito objetivo através da uniformidade e autoridade da

interpretação conferida, pelo STF e pelo STJ, às questões relativas à Constituição e às leis,

respectivamente.

Objetivam concretizar, em outras palavras, a segurança jurídica por meio de suas

decisões paradigmáticas, cumprindo o papel que lhe foi outorgado pela Carta Magna. Com

efeito, a Constituição Federal de 1988 destinou ao Superior Tribunal de Justiça parte da

competência antes acumulada no STF e que o levou a uma crise355 motivada pela sobrecarga

355 “Sensível à crise pela qual passava a Corte Suprema, em razão do excesso de recursos dirigidos ao Tribunal, e aos reclamos dos advogados, os quais raramente viam o mérito dos recursos extraordinários endereçados ao Pretório Excelso ser julgado em razões de inúmeros óbices regimentais e jurisprudenciais, o constituinte de 1988 instituiu o Superior Tribunal de Justiça. Instalado no dia 7 de abril de 1989, a novel corte passou a ocupar posição de destaque na pirâmide do Poder Judiciário brasileiro, abaixo apenas do Supremo Tribunal Federal. [...] o constituinte de 1988 transferiu para o Superior Tribunal de Justiça a missão de zelar pela integridade e pela uniformização da interpretação do direito federal infraconstitucional comum. E para a novel corte poder cumprir o importante encargo, foi instituído o recurso especial, que passou a ser a via processual adequada para submeter, à apreciação do Superior Tribunal, as ofensas à legislação federal perpetradas pelos tribunais de segundo grau, assim como os dissídios jurisprudenciais acerca da interpretação do direito federal infraconstitucional”. SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 626-627. Conferir também VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal: jurisprudência política. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 129; TOFFOLI, Vitor. Recursos especiais repetitivos: critérios de seleção dos recursos paradigmas. In: Revista de Processo, ano 35, vol. 197. São Paulo: Revista dos Tribunais, julho/2011, p. 272-275 e ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos Cíveis. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 727-734 e 818-820.

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de trabalho e pela impossibilidade de se dedicar a sua função precípua de guardião da

Constituição.

Nesta medida, por razões de política judiciária e racionalização da justiça foi instituído

o STJ, repartindo-se a competência de fixar a inteireza do direito positivo entre estes órgãos,

estruturados hierarquicamente para promover a clarificação e orientação da interpretação

jurídica a ser determinada de forma unívoca em todo o território nacional, seja por meio dos

seus recursos ou pelas decisões proferidas em sede de controle concentrado e difuso de

constitucionalidade.

Assim, pode-se dizer que a finalidade principal do recurso extraordinário e especial é

“assegurar o regime federativo, por meio do controle da aplicação da lei federal e da

Constituição Federal ao caso concreto”356, devendo ter o mesmo teor e aplicabilidade em todo

o território nacional357, sendo corretamente aplicadas e interpretadas pelos órgãos judiciais do

país358.

Sem estes remédios processuais seria impossível manter a coesão, congruência e

uniformidade do sistema jurídico, dadas as dimensões do Estado brasileiro, diferenças

culturais, composição dos tribunais, dentre outros fatores, o que gera uma crise de confiança

no judiciário.

Considerando este panorama, não se pode admitir o desrespeito às decisões proferidas

pelos tribunais superiores, como se enraizou na cultura brasileira. Não apenas as decisões

exaradas no controle concentrado de constitucionalidade, mas qualquer decisão dos

responsáveis por uniformizar a interpretação da lei e da Constituição devem ser observadas

internamente, no âmbito do próprio tribunal que a proferiu, e externamente, perante os demais

órgãos.

O Ministro do STJ Humberto Gomes de Barros discorreu sobre a necessidade de

seguir as decisões do Superior Tribunal de Justiça tanto pelo prisma horizontal como vertical,

356 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.554. 357 “Matéria já assente na doutrina é aquela que diz respeito à função política dos recursos extraordinários na conformação do Estado brasileiro. Nesse (sic) trilha, os recursos excepcionais são responsáveis pela uniformização da interpretação e aplicação da legislação constitucional federal e infraconstitucional federal em todo território nacional. Nesse diapasão, muitos doutrinadores já reconhecem como ínsita a esses apelos uma dimensão coletiva. De fato, os Tribunais Superiores procedem a uma análise abstrata da matéria de direito controvertida e, ao julgarem os recursos excepcionais, estão voltados para a fixação de teses jurídicas gerais, a fim de orientar a aplicação do direito em todo o país”. GUIMARÃES, Laís Fontes; VIANA, Vanessa Teixeira. Julgamento de recursos repetitivos por amostragem: a coletivização de conflitos individuais e o processo coletivo. In: SILVA, Joseane Suzart da; SANTOS, Claiz Maria Pereira Gunça dos. (orgs,) Tutela processual coletiva do consumidor. Salvador: Paginae, 2012, p.332. 358 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.554.

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sob pena de desfigurar o escopo do tribunal superior, perdendo a sua essência e razão de

existir:

O Superior Tribunal de Justiça foi concebido para um escopo especial: orientar a aplicação da lei federal e unificar-lhe a interpretação em todo o Brasil. Se assim ocorre, é necessário que sua jurisprudência seja observada, para se manter firme e coerente. Assim sempre ocorreu em relação ao Supremo Tribunal Federal, de que o STJ é sucessor, nesse mister. Em verdade, o Poder Judiciário mantém sagrado compromisso com a Justiça e a segurança. Se deixarmos que nossa jurisprudência varie ao sabor das convicções pessoais, estaremos prestando um desserviço a nossas instituições. Se nós – integrantes da Corte – não observarmos as decisões que ajudamos a formar, estaremos dando sinal para que os demais órgãos judiciários façam o mesmo. Estou certo de que, em acontecendo isso, perde sentido a existência de nossa Corte. Melhor seria extingui-la359.

Percebe-se que o dever de respeito às decisões dos tribunais superiores, que gozam de

eficácia horizontal e vertical, advém do próprio modelo em que foi estruturado o Poder

Judiciário, incumbindo aos órgãos de cúpula a missão de velar pela integridade do

ordenamento.

Desta forma, não se pode olvidar que as suas decisões “geram forte carga de

repercussão no cenário nacional” e o sistema de precedentes, já presente no ordenamento e

sistematizado com mais consistência no CPC/2015, reforça esse papel, imprimindo, de modo

inequívoco, eficácia vinculante as decisões dos tribunais superiores, nos termos dos arts.

925/927.

Os recursos repetitivos, por sua vez, já disciplinados no CPC/1973 contribuem para o

cumprimento da função dos tribunais superiores, fixando teses paradigmáticas e obrigatórias

para os juízes e tribunais de todo o território nacional em casos assentados sob idêntica

controvérsia360.

Cumpre depurar o procedimento dos recursos repetitivos, consoante modelo vigente,

relacionando-os com a teoria dos precedentes a fim de solidificar as bases para o exame do

recurso de revista repetitivo, próprio da jurisdição trabalhista, recentemente instituído pela Lei

nº 13.015/2014.

359 STJ, Corte Especial, Julgamento em 01.02.2002. Ag Rg nos EREsp 228.432/RS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros. DJ 18.03.2002. 360 “[...] a própria disciplina da estratificação do Judiciário, prevista na Constituição, que subordinou funcionalmente uns tribunais a outros, estando o Superior Tribunal de Justiça no primeiro degrau da pirâmide, depois do Supremo Tribunal Federal, leva à necessidade de observância dos precedentes fixados no recurso especial repetitivo. A decisão contrária ao entendimento da mais alta corte do país que cuida do direito federal inegavelmente seria fadada a reforma, sobretudo com recurso especial já interposto, estabelecendo as normas regulamentares um procedimento célere em caso de não retratação por parte dos tribunais de apelação”. GONÇALVES, Gláucio Maciel; SILVA, Maria Isabel Amato Felipe da. Recurso especial repetitivo: a obrigatoriedade da observância da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pelos tribunais de origem. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). nº 60. jan./jun. 2012, p.140.

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3.2.3 Recurso Extraordinário e Recurso Especial repetitivo: regime jurídico do

CPC/1973

Em face dos inúmeros recursos fundados em idêntica controvérsia que inundam o STF

e o STJ, gerando uma multiplicidade de litígios judiciais, o legislador resolveu criar

“mecanismos voltados à concentração, à homogeneização, à aceleração e à simplificação”361

do julgamento.

O cenário nocivo vivenciado pelos tribunais superiores pela avalanche de processos

submetidos a sua apreciação, muitas vezes refletindo a mesma questão jurídica, foi bem

retratado pela Ministra do STJ Fátima Nancy Andrighi362 em uma palestra ministrada no 7º

Congresso Febraban de Direito Bancário, em 20.05.2010, cumprindo reproduzir o seguinte

trecho:

A situação criada pelo excesso de ações em torno do mesmo tema era, e ainda é, perniciosa, pois consegue inverter a ordem natural do trabalho dos juízes. A repetição de julgamentos idênticos amplia a produtividade individual de cada juiz, transmitindo a falsa ideia de que são decididas variadas questões de direito. No entanto, os recursos com elevado grau de complexidade acabam sendo relegados a segundo plano, e, em detrimento da produção intelectual dos julgadores, o trabalho jurisdicional passa a ser direcionado para atender a demanda em massa de poucos e determinados escritórios de advocacia ou de partes que sobrecarregam o sistema judicial com uma avalanche de recursos. Como resultado desta distorção, vê-se, inevitavelmente um tratamento desigual ao jurisdicionados.

Nesta medida, para conter e tutelar adequadamente a litigiosidade de massa, além de

otimizar o trabalho dos tribunais superiores e efetivar a isonomia, a previsibilidade das

decisões judiciais e a racionalidade da justiça, foi engendrado um regime jurídico especial

para processamento dos recursos repetitivos implementados pela Lei nº 11.418/2006,

responsável por instituir o regramento do recurso extraordinário repetitivo no art. 543-B, e a

Lei nº 11.672/2008, que acrescentou o art. 543-C ao CPC/73 para disciplinar o recurso

especial repetitivo363.

361 BONDIOLI, Luiz Guilherme Aidar. A nova técnica de julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos. In: THEODORO JR., Humberto; LAUAR, Maíra Terra (coord.). Tutelas diferenciadas como meio de incrementar a efetividade da prestação jurisdicional. Rio de Janeiro: GZ, 2010, p. 752. 362 ANDRIGHI, Fátima Nancy. Recursos Repetitivos. In: Revista de Processo, ano 35. nº 185. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul./2010, p. 268. 363 “Nessa linha de raciocínio, os recursos repetitivos figuram como uma solução legislativa pátria direcionada justamente ao combate do incalculável volume de recursos de sobreposição que abarrotam nossas cortes superiores hodiernamente. Ademais, visam a conferir decisões similares às teses jurídicas replicadas nos diversos recursos pinçados segundo um procedimento de seleção e afetação realizado pelos tribunais superiores e os tribunais de segunda instância. Em outras palavras, o objetivo é dotar as decisões dos tribunais superiores de uma maior estabilidade e, de certa forma, vinculatividade, reduzindo a quantidade de apelos dirigidos àqueles

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O julgamento dos recursos excepcionais em lides repetitivas configura uma hipótese

de conexão por afinidade, não se podendo falar, todavia, em reunião dos recursos para

processamento simultâneo. Os efeitos jurídicos são diversos e consistem na “escolha de

alguns ‘recursos-modelo’ e sobrestamento dos demais processos para o julgamento por

amostragem”364.

Pela importância do instituto para se entender o regime jurídico adotado pela Lei nº

13.015/2014 no processo do trabalho, faz-se necessário depurar as regras que sistematizam a

técnica de julgamento dos recursos repetitivos no CPC/1973, com suas falhas, acertos e

discussões e, após, o aperfeiçoamento da medida como mecanismo de padronização coletiva

no CPC/2015.

3.2.3.1 Procedimento

De acordo com o §1º do art. 543-B e 543-C do CPC/73, o julgamento por amostragem

dos recursos repetitivos pode ser deflagrado, uma vez identificada a existência de causas

seriadas que merecem igual tratamento, pelo tribunal local, que deverá selecionar através do

seu presidente um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao STF

ou STJ.

Os tribunais locais dispõem, assim, de poderes para, sem necessidade de prévia

autorização ou manifestação do STJ e do STF, selecionar, encaminhar e sobrestar recursos

repetitivos, nos termos da lei, instaurando, assim, o procedimento previsto para o julgamento

em bloco.

Contudo, o procedimento somente seguirá o seu curso após a realização de controle a

posteriori pelo STF (543-B) ou pelo STJ (543-C), ao analisarem se estão presentes os

requisitos que justificam o processamento do regime jurídico especial destinado aos recursos

repetitivos365.

Se o tribunal de origem não adotar a providência para instauração do incidente, o

relator do recurso da Corte Superior, ao identificar que sobre a controvérsia de direito já

tribunais e garantindo maior uniformidade na solução das diversas questões de direito submetidas à apreciação. AREOSA, João Carlos; MENDONÇA, Ricardo Magalhães de. Recursos especiais repetitivos e os efeitos da desistência do recorrente. In: Revista de Processo, ano 38, vol. 215. São Paulo: Revista dos Tribunais, jan./2013, p.367. 364 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 11 ed. vol. 3. Salvador: Jus Podivm, 2013. p. 364. 365 BONDIOLI, Luiz Guilherme Aidar. A nova técnica de julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos. In: THEODORO JR., Humberto; LAUAR, Maíra Terra (coord.). Tutelas diferenciadas como meio de incrementar a efetividade da prestação jurisdicional.Rio de Janeiro: GZ, 2010, p. 753.

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existe jurisprudência dominante (sumulada ou não) ou que a matéria está afeta ao colegiado,

poderá determinar a suspensão, em segunda instância, dos recursos que se fundem na mesma

questão.

Sendo os recursos representativos da controvérsia selecionados pelo tribunal de

origem (presidente ou vice-presidente), serão encaminhados para as respectivas Cortes e

sobrestados os demais recursos assentados na mesma questão até o pronunciamento definitivo

do STF/STJ366. Os agravos interpostos contra decisões que inadmitiram os recursos serão

igualmente sobrestados, assim como recursos, fundados na mesma questão, interpostos

posteriormente367.

Esta providência também poderá ser adotada pelo relator do recurso no STJ/STF, ao

identificar outros recursos, ainda não julgados, que versem sobre matérias repetitivas,

afetando um ou mais para julgamento em bloco nos moldes dos arts. 543-B e C e do

RISTF368.

Para dar publicidade e efetividade à medida, o relator do STJ/STF, deve oficiar todos

os presidentes dos tribunais de 2º grau para suspender os recursos “cuja matéria nele tratada

366 “A suspensão do processamento dos demais recursos especiais, enquanto pende de julgamento aquele que foi selecionado como leading case, tem em vista, além de obstar a subida dos recursos repetitivos ao STJ (e com isso desafogar esse tribunal de tantas impugnações), evitar que, no tribunal local, sejam praticados atos desnecessários e proferidas decisões que se revelem contrárias ao posicionamento que vier a prevalecer no STJ. Evita-se, assim, atividade inútil. Trata-se de medida, ainda, que assegura que o resultado do recurso selecionado seja útil aos processos sobrestados”. (destaque do original) WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDEIROS, Maria Lúcia Lins Conceição de. Recursos Repetitivos – Realização integral da finalidade do novo sistema impõe mais do que a paralisação dos recursos especiais que estão no 2º grau. In: WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (orgs,) Recursos e ações rescisórias. Coleção Doutrinas Especiais: Processo Civil, v.7, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 990-991. 367 “A despeito do silêncio da lei, acredita-se que também devem ser suspensos todos os recursos especiais, agravos do art. 544 e embargos de divergência que já tramitem no STJ, afinal, não faz qualquer sentido impor a suspensão apenas aos recursos que ainda estão na origem, afinal, os que estão no estágio mais avançado também tratam do mesmo assunto e, portanto, também merecem a mesma resposta judiciária”. (destaque do original) CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. A força dos precedentes no moderno processo civil brasileiro. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.605. Em sentido contrário, Rogério Licastro Torres de Mello assinala que: “De plano, percebe-se que o âmbito de incidência da Lei 11.072/2008 é clara, expressa, e unicamente o dos recursos especiais, e a letra do art. 543-C do CPC não permite outra conclusão que não esta, parecendo nos absolutamente indevida sua ampliação a outros recursos, ou mesmo a recursos especiais que se encontrem em outro estágio de tramitação que não o da admissibilidade nos tribunais locais”. MELLO, Rogério Licastro Torres de. Recursos especiais repetitivos: problemas de constitucionalidade da Resolução 8/2008 do STJ. In: Revista de Processo, ano 33, nº 163. São Paulo: Revista dos Tribunais, set./2008, p.193. Discorda-se, data venia, do referido autor, pois visando assegurar o resultado útil da decisão paradigmática, a coerência e a integridade do sistema jurídico e a igualdade no tratamento, ainda mais importantes quando se trata de demandas repetitivas, se impõe, pelos princípios que informam o ordenamento, a suspensão de todos os recursos fundados em idêntica controvérsia. 368 O art. 328 do Regimento Interno do STF prescreve a possibilidade do Presidente do Supremo ou o Relator, de ofício ou a requerimento da parte interessada, comunicar a afetação de recursos para o julgamento em bloco.

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coincida com a que é objeto do afetamento”369, evitando decisões contraditórias sobre uma

mesma questão.

Teresa Arruda Alvim Wambier e Maria Lúcia Lins Conceição de Medeiros destacam a

necessidade de suspender não só todos os recursos especiais (ou extraordinários) que estejam

no tribunal de origem ou já encaminhados ao STJ (ou ao STF), mas a “suspensão de todos os

processos (ou de determinados atos, nesses processos) que tenham por objeto controvérsia

idêntica àquela que será resolvida pelo STJ, no recurso selecionado”, evitando atos e decisões

incompatíveis, tanto no plano jurídico quanto no empírico, com a tese cristalizada no leading

case370.

Visa-se assegurar o resultado útil da decisão paradigmática e garantir a simetria de

tratamento aos litigantes que se enquadrem na mesma situação em nome do princípio da

isonomia.

No caso do recurso extraordinário repetitivo, a eleição dos recursos paradigmas se

baseará no exame da existência de repercussão geral entre os múltiplos feitos com idêntica

controvérsia. Se o STF negar a existência da repercussão geral, os recursos suspensos serão

automaticamente inadmitidos, considerando a identidade de fundamentos entre as demandas

de massa.

Decorrido esse trâmite, os tribunais superiores devem proferir a sua decisão. Se o STF

declarar inexistente a repercussão geral, os recursos sobrestados serão automaticamente

inadmitidos (art. 543-B, §2º). Reputando-a existente, o mérito dos recursos será apreciado,

incumbindo aos tribunais à apreciação dos que foram sobrestados, realizando juízo de

retratação371 ou declarando-os prejudicados em face da decisão do Supremo Tribunal Federal

(543-B, §3º).

369 CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. A força dos precedentes no moderno processo civil brasileiro. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.605. 370 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDEIROS, Maria Lúcia Lins Conceição de. Recursos Repetitivos – Realização integral da finalidade do novo sistema impõe mais do que a paralisação dos recursos especiais que estão no 2º grau. In: WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (orgs,) Recursos e ações rescisórias. Coleção Doutrinas Especiais: Processo Civil, v.7, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 992. 371 Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha pontuam que, em face da possibilidade dos tribunais de origem realizarem um juízo de retratação quando a decisão recorrida do recurso sobrestado estiver em desacordo com a orientação do STF, foi conferido ao recurso extraordinário um efeito regressivo, “mas com perfil dogmático um pouco diferente daquele usualmente utilizado na apelação (art. 296 do CPC, por exemplo) ou no agravo de instrumento, que permitem o juízo de retratação logo após a interposição do recurso”. DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 11 ed. vol. 3. Salvador: Jus Podivm, 2013. p. 367.

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Não havendo juízo de retratação e, sendo o recurso admitido, o STF pode cassar ou

reformar liminarmente a decisão do tribunal de origem contrária ao precedente firmado pela

Corte.

No STJ, o processamento do recurso especial repetitivo segue procedimento

semelhante. Após decisão deste órgão, os recursos suspensos podem ter seu seguimento

denegado quando o acórdão recorrido estiver em consonância com a orientação do STJ372 ou

serão examinados pelo tribunal de origem se a decisão recorrida for divergente (art.543-C,

§7º).

Nesta última hipótese espera-se que o tribunal se retrate, proferindo decisão que

espelhe o entendimento firmado pela Corte de sobreposição, competente por fixar a

interpretação da lei federal, estabelecendo uma pauta de conduta para todos os

jurisdicionados. Todavia, se não houver retratação, o tribunal local deve se desincumbir do

seu ônus argumentativo para justificar a adoção de tese contrária a posta pelo STJ no recurso

julgado.

Sendo mantida a decisão que contraria o precedente firmado pelo STJ, o recurso, uma

vez admitido, será processado pelo rito tradicional de julgamento do recurso especial (art.

543-C, §8º).

Cumpre assinalar que o recurso especial paradigma terá preferência de julgamento

sobre os demais, ressalvados os processos que envolvam réu preso e os habeas corpus,

conforme prescreve o § 6º do art. 543-C do CPC/73, prestigiando a duração razoável do

processo que deve informar o regime jurídico especial das demandas repetitivas, a fim de

evitar o prejuízo ao jurisdicionado que terá seu processo sobrestado até a decisão definitiva da

Corte Superior.

Delineado, em breves linhas, o regime jurídico especial para processamento dos

recursos repetitivos, resta saber se o recorrente pode, neste modelo traçado pelo CPC/73,

desistir do recurso representativo da controvérsia, afetado ao julgamento das Cortes de

sobreposição.

372 Samir José Caetano Martins observa que, nesta hipótese, quando o tribunal nega seguimento ao recurso especial pelo fato da decisão recorrida coincidir com a orientação do STJ (art. 543-C, §7º, I do CPC/73), ele realiza um juízo híbrido, “que incluirá tanto o juízo de admissibilidade quanto o juízo de mérito do recurso especial”. MARTINS, Samir José Caetano. O julgamento de recursos especiais repetitivos (Lei nº 11.672/2008). In: Revista Dialética de Direito Processual (RDDP). nº 64. São Paulo: Dialética, julho-2008, p. 118.

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3.2.3.2 Desistência do recurso representativo da controvérsia

Como visto alhures, os recursos objeto de julgamento por amostragem serão

selecionados pelos tribunais de origem ou pelo relator do STF e do STJ, elegendo-se um ou

mais como representativo da controvérsia, considerando a diversidade de fundamentos dos

acórdãos recorridos e os argumentos veiculados nas razões recursais pelos respectivos

recorrentes.

Contudo, o recorrente pode querer desistir do recurso selecionado no incidente, se

valendo da prerrogativa conferida pelo art. 501 do CPC/73, já que a desistência é um ato

unilateral, que prescinde de homologação judicial ou concordância da parte adversa,

produzindo efeitos de imediato. Em outras palavras, trata-se de direito subjetivo do

recorrente373.

Diante deste aspecto, como equacionar o julgamento do recurso repetitivo, do qual

aflora o interesse de uma coletividade, com o direito individual do recorrente de desistir do

seu recurso? É possível o tribunal indeferir a desistência em face da feição coletiva do

incidente?

A questão era alvo de controvérsia considerando o regramento dos arts. 543-B e 543-C

do CPC/73, mas hoje pode ser facilmente solucionada à luz da teoria dos precedentes e do

CPC/2015.

Ora, como ensinam Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, quando se está

diante do incidente de recursos repetitivos, instaura-se, por provocação oficial, um novo

procedimento, distinto do procedimento principal recursal, que é deflagrado pelo próprio

recorrente374.

Passa-se, assim, a conviver com dois procedimentos: a) o procedimento principal

recursal, regido pelo princípio dispositivo, direcionado a resolução da questão individual

suscitada pelo recorrente; b) o procedimento incidental, informado pelo princípio inquisitivo,

destinado a firmar um precedente ou a tese jurídica a ser “adotada pelo tribunal superior, que

haverá de ser seguida pelos demais tribunais e que repercutirá na análise dos demais recursos

373 Assim, a desistência não pode ser cerceada ao recorrente, afinal “não podemos nos afastar da ideia de que a parte pode, realmente, precisar da desistência para que se realize um acordo, celebre um negócio jurídico ou por qualquer outro motivo legítimo. De igual modo, como cediço, os recursos são regidos pelo princípio dispositivo”. LOURENÇO, Haroldo. Desistência da pretensão recursal no julgamento por amostragem em recursos repetitivos e o novo CPC. In: Revista Forense, ano 108, vol. 416. Rio de Janeiro: Forense, jul;/dez. 2012, p. 121. 374 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 11 ed. vol. 3. alvador: Jus Podivm, 2013. p. 349.

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que estão sobrestados para julgamento”375. Objetiva-se, neste caso, fixar uma tese jurídica

geral376.

O procedimento incidental ostenta um objeto litigioso coletivo, insuscetível de

desistência. Isto não quer dizer, por outro lado, que o recorrente ficará algemado ao processo,

sendo obstado de exercer seu direito subjetivo de desistir do recurso por ele interposto (art.

501 CPC/73). No entanto, a desistência só vai atingir o procedimento principal recursal e não

o incidental377.

Desta forma, não se impede o julgamento por amostragem e a formação do precedente

pela Corte Superior, assegurando o resultado útil do incidente para a coletividade por ele

atingida.

A medida é salutar em virtude do contexto constitucional duplamente privilegiado em

que se inserem os arts. 543-B e 543-C do CPC/73, pois visa garantir a duração razoável do

processo e o direito fundamental à isonomia. Além disso, “a sistemática da coletivização

retira o recurso tomado como representativo do plano exclusivamente individual, para que sua

solução repercuta tanto no plano individual, resolvendo a controvérsia inter partes, quanto na

esfera coletiva, norteando o julgamento dos múltiplos recursos”378, como pontuou a Ministra

Fátima Andrighi.

Apesar de esposar este raciocínio, a Ministra do STJ, na qualidade de relatora dos

REsps 1.058.114/RS e 1.063.343/RS indeferiu o pedido de desistência do recurso por

considerar que a prática impede o julgamento de idêntica questão de direito, “não se podendo

375 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 11 ed. vol. 3. Salvador: Jus Podivm, 2013. p. 349. 376 Este entendimento é compartilhado por Christian Barros Pinto. A desistência de recurso especial ou extraordinário afetado ao julgamento por amostragem. In: Revista Dialética de Direito Processual. v. 75. São Paulo: Dialética, jun./2009, p. 9-18. 377 José Henrique Mouta Araújo também é partidário da tese de que os efeitos da desistência não atingem o incidente de recursos repetitivos, permitindo a fixação da tese jurídica geral: “caso o recorrente prioritário apresente pedido de desistência do recurso afetado, mister separar a tese jurídica repetitiva discutida naquele apelo, com tramitação distinta e autônoma. In casu, seria permitida a desistência sem qualquer prejuízo ao julgamento da tese jurídica repetitiva, que passaria a tramitar como incidente de coletivização totalmente alheio à causa originária, inclusive em atos judiciais próprios”. (destaque do original). ARAUJO, José Henrique Mouta. É cabível a desistência em caso de recurso especial repetitivo já afetado pelo STJ? In: Revista Brasileira de Direito Processual. n. 66. Belo Horizonte: Fórum. abr./jun. 2009, p. 180-181. Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina não dividem o procedimento em recursal e incidental, entendendo apenas que o momento da desistência deve ser postergado para a segunda fase do julgamento, após firmada a tese paradigmática: “Nada impede, a nosso ver, que aquele que interpôs recurso especial desista do recurso, nos termos do art. 501 do CPC. Tal desistência, no entanto, segundo nosso entendimento, somente deverá ser levada em consideração em relação à segunda fase do julgamento selecionado, a que nos referimos acima, Assim, fixada a tese que diz respeito à ‘questão de direito’, cuja solução poderá ser levada em consideração em relação ao julgamento de diversos outros recursos especiais, poderá o STJ não conhecer o recurso especial, em razão da desistência”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Recursos e ações autônomas de impugnações. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 252. 378 ANDRIGHI, Fátima Nancy. Recursos Repetitivos. In: Revista de Processo, ano 35. nº 185. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul./2010, p. 273.

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entregar ao recorrente o poder de determinar ou manipular, arbitrariamente, a atividade

jurisdicional”379.

À luz das considerações aqui expostas, não seria o caso de indeferir o pedido de

desistência recursal, já que este é um direito que pode ser exercido unilateralmente pelo

recorrente e que gera efeitos imediatos. Neste caso, porém, a desistência não alcança o

procedimento incidental, permitindo a definição e a reprodução da tese a ser adotada pelo

tribunal superior. Apenas com relação ao recorrente que desistiu é que os efeitos não serão

aplicados.

A solução, extraída da teoria dos precedentes, compatibiliza o caráter híbrido dos

interesses veiculados nos recursos repetitivos (individual x coletivo), possibilitando que o

exercício do direito individual não prejudique a coletividade e a resposta do Judiciário às lides

de massa.

O CPC/2015 dirimiu qualquer dúvida acerca da possibilidade de desistência do

recurso representativo da controvérsia, permitindo que ocorra a qualquer tempo, nos termos

do art. 997. A desistência, todavia, não impede a análise da questão objeto dos recursos

repetitivos, preservando-se o interesse público na resolução dos múltiplos litígios, além de

assegurar o livre exercício do direito subjetivo individual do recorrente que não será atingido,

no seu processo, pelos efeitos do precedente firmado pelos tribunais superiores no julgamento

em bloco.

Examinado o regime jurídico do CPC/73 (arts. 543-B e 543-C), necessário para se

entender a dogmática e consolidação do instituto, passa-se ao novo regramento disciplinado

no CPC/2015.

3.2.4 Recursos repetitivos no CPC/2015

O Novo Código de Processo Civil trouxe algumas inovações para o regime jurídico

especial dos recursos repetitivos, situado na Subseção II - “Do julgamento dos recursos

extraordinário e especial repetitivos”, como se observa das disposições dos arts. 1035 a 1040

do CPC/2015.

De início, verifica-se a unificação do procedimento dos recursos excepcionais

submetidos ao julgamento por amostragem, reunindo a sistemática do recurso extraordinário e

especial. Assim, o incidente se instaura “sempre que houver multiplicidade de recursos com

379 ANDRIGHI, Fátima Nancy. Recursos Repetitivos. In: Revista de Processo. Ano 35. nº 185. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul./2010, p. 273.

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fundamento em idêntica questão de direito”, na forma do art. 1035, caput, incumbindo ao

presidente ou vice-presidente do tribunal de origem selecionar dois ou mais recursos

representativos da controvérsia, encaminhando-os ao STF ou STJ para fins de afetação (1035,

§ 1º).

O critério quantitativo de seleção dos recursos-modelo (dois ou mais) foi aliado ao

qualitativo, na medida em que apenas se autoriza a escolha de recursos admissíveis, isto é,

após satisfeito o juízo de admissibilidade, e desde que contenham abrangente fundamentação

e discussão a respeito da questão a ser decidida, consoante reza o § 6º do mesmo artigo. O

legislador poderia ser mais preciso e fixar de forma objetiva os critérios de seleção ou, ao

menos, o alcance do termo “abrangente”, mas preferiu flexibilizar a atividade dos tribunais e

deixar a regulamentação por conta das Resoluções ou normas internas editadas pelas Cortes

superiores.

Também se admite que o relator em tribunal superior selecione dois ou mais recursos

paradigmas, independentemente da iniciativa do presidente ou vice-presidente do tribunal

local, não se vinculando ou restringindo aos recursos eleitos e encaminhados pelo órgão a

quo.

Uma das grandes inovações da nova sistemática ficou por conta da extensão da

suspensão do processamento de todas as demandas pendentes, individuais ou coletivas, que

tramitem no Estado ou na região, seja em primeiro, segundo grau ou que já tenham alcançado

a Corte superior380, sepultando a discussão do alcance do sobrestamento apenas para os

recursos especiais e extraordinários, fundados em idêntica questão, que estavam pendentes de

julgamento.

Uma vez selecionados, o relator, no tribunal superior, examinará os recursos eleitos

para verificar se estão presentes os pressupostos que autorizam o prosseguimento do

incidente381, e proferirá decisão de afetação, identificando precisamente a questão a ser

submetida a julgamento a fim de vincular o sobrestamento dos processos que versem sobre

380 Tal medida já era defendida por Teresa Arruda Alvim Wambier e Maria Lúcia Lins Conceição de Medeiros, como explanado no tópico 3.2.3.1. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDEIROS, Maria Lúcia Lins Conceição de. Recursos Repetitivos – Realização integral da finalidade do novo sistema impõe mais do que a paralisação dos recursos especiais que estão no 2º grau. In: WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (orgs,) Recursos e ações rescisórias. Coleção Doutrinas Especiais: Processo Civil, vol.7, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 992. 381 Os pressupostos se referem à existência de multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, ou seja, à análise da homogeneidade da questão aventada nos recursos e se elas correspondem a uma multiplicidade de litígios aptos a justificar o processamento pela técnica do julgamento por amostragem. Se o relator concluir que não é este o caso, não proferindo decisão de afetação, deve comunicar ao presidente ou vice-presidente dos tribunais que enviaram os recursos para que seja revogada a decisão de suspensão, convertendo-se no rito normal de processamento dos recursos especiais e extraordinários, consoante art. 1.050, §1º.

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questão idêntica. Em seguida, requisitará aos tribunais de origem a remessa de recursos

representativos da controvérsia. Os recursos afetados deverão ser julgados no prazo de um

ano e terão preferência sobre os demais, salvo os que envolvam réu preso e pedido de habeas

corpus.

Se o julgamento não ocorrer no prazo assinalado, a afetação e a suspensão dos

processos cessarão automaticamente em todo o território nacional, retomando o seu curso

normal.

É vedado decidir questão diversa da afetada ou estender o julgamento a outros temas

não relacionados na decisão de afetação, limitando “a extensão objetiva do julgamento pelos

Tribunais Superiores, os quais somente poderão decidir e aplicar aos demais processos aquela

matéria específica destacada na decisão de afetação”382, reduzindo o risco de serem afetadas

causas que não estejam amparadas na mesma matéria de direito repetitiva a ser julgada pelo

STF/STJ.

Manteve-se a possibilidade de intervenção do amicus curiae, já prevista no CPC/73, o

que se revela de extrema relevância para formação do precedente, conforme será tratado no

tópico 3.3.2, bem como a intimação para o Ministério Público se manifestar (art. 1037 do

CPC/2015).

O conteúdo do acórdão paradigma deve abranger a análise de todos os fundamentos

suscitados, favoráveis ou contrários, à tese jurídica discutida, na esteira do art. 1037, §5º do

CPC/2015.

Publicado o acórdão, a tese firmada será aplicada aos processos suspensos, negando-se

seguimento aos recursos especiais e extraordinários denegados na origem, quando o acórdão

recorrido coincidir com a orientação firmada pelo tribunal superior. Os processos suspensos

em primeiro e segundo grau retomarão o seu curso para aplicação da tese jurídica do tribunal

superior.

Veja-se que, nesta técnica de julgamento, há clara cisão cognitiva e decisória com

relação aos processos pendentes em primeira e segunda instância, pois o órgão que firmou a

tese (STF/STJ), não é o competente para decidir o processo originário e as demais questões

que porventura estejam nele veiculadas. Compete aos juízes e tribunais adotar a tese jurídica

firmada pela Corte superior para decidir a controvérsia objeto do incidente e como premissa

para as demais.

382 FARIA, Marcela Kohlbach de Faria. Recursos repetitivos no novo código de processo civil: uma análise comparativa. In: Revista de Processo, ano 37, vol. 209. São Paulo: Revista dos Tribunais, julho/2012, p. 343.

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Por outro lado, quando a decisão recorrida, que ensejou a interposição dos recursos

excepcionais, divergir do entendimento fixado no julgamento dos recursos repetitivos, deverá

o órgão que a proferiu reexaminar a causa, podendo realizar o juízo de retratação e acolher a

tese.

Contudo, não sendo realizado o juízo de retratação por conta da existência de alguma

peculiaridade, devidamente identificada e demonstrada, que autorize o distinguishing383, o

recurso especial ou extraordinário será remetido para julgamento na Corte de sobreposição. O

mesmo ocorrerá com relação às demais questões não decididas no incidente, devendo o

recurso ser encaminhado para apreciação do tribunal superior, independentemente da

ratificação do recurso ou do exame do juízo de admissibilidade, nos termos do art. 1039, §§ 1º

a 3º.

Em linhas gerais, esta é a nova sistemática dos recursos repetitivos no Novo Código de

Processo Civil. A seguir, se estudará a formação do precedente na técnica de julgamento por

amostragem com base no procedimento do CPC/73 (arts. 543-B e 543-C) e considerações

sobre o regramento trazido pelo CPC/2015, sobretudo com relação ao distinguishing e ao

overruling.

3.3 FORMAÇÃO DO PRECEDENTE NA TÉCNICA DE JULGAMENTO DOS

RECURSOS REPETITIVOS

3.3.1 Formação da tese paradigmática: escolha do recurso representativo da

controvérsia

A escolha do recurso representativo da controvérsia é de extrema relevância para a

construção da tese jurídica geral, ou seja, do precedente que será fixado pelo tribunal superior

(STF ou STJ) e aplicado às demandas atraídas pelo âmbito de incidência da sua ratio

decidendi.

Em outras palavras, o processo de formação do precedente, que passa pela seleção dos

recursos-piloto, revela-se fundamental para a adequada delimitação da ratio decidendi,

devendo abranger todos os fundamentos relevantes e essenciais para dirimir a controvérsia, a

fim de obter a melhor solução jurídica a ser delineada nos litígios de massa contidos no

incidente.

383 O distinguishing em sede de recursos repetitivos será tratado no tópico 3.3.4.

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Para atingir o fim colimado, a decisão paradigmática deve se legitimar não só pela

autoridade do órgão prolator, mas pela qualidade do processo de formação do precedente,

envolvendo a participação democrática dos interessados, a devida análise dos argumentos das

partes e dos fundamentos do acórdão recorrido, resultando no melhor entendimento sobre a

controvérsia384.

Assim, é imperioso que os recursos selecionados pelo tribunal de origem ou pelo

tribunal superior reflitam as questões relevantes discutidas no processo, de modo a submeter à

cognição do órgão julgador todos os fundamentos necessários para elucidar adequadamente a

lide.

Os critérios de seleção dos recursos representativos da controvérsia, contudo, não

foram fixados no CPC/73, deixando certa margem de discricionariedade para o tribunal

responsável pela escolha dos recursos-modelo, adaptando a sua realidade385 e regimento

interno. Todavia, não se pode admitir que o critério de seleção das causas se baseie no próprio

juízo de conveniência e oportunidade do órgão judicial, de modo que o critério a ser fixado

deve levar em conta a robustez e completude dos argumentos386, tanto para demonstrar a

repercussão geral (STF) quanto para abarcar a totalidade da questão de direito federal em

análise (STJ).

O CPC/2015 também foi econômico neste aspecto, estabelecendo de forma superficial

critérios quantitativo (seleção de dois ou mais recursos) e qualitativo (abrangente

argumentação e discussão a respeito da questão a ser decidida), deixando a cargo de

complementação pelo regimento interno do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de

Justiça.

Para auxiliar nesta difícil tarefa, buscam-se alguns subsídios extraídos da Resolução nº

8/2008 do STJ a serem observados pelos tribunais na eleição dos recursos especiais

384 SANTOS, Evaristo Aragão. Em torno do conceito e da formação do precedente judicial. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.155-157. 385 Sobre a ausência de regulação legal dos critérios de seleção dos recursos repetitivos no CPC/73, Vitor Toffoli adverte que: “Ao que se indica, ante a importância do tema, frisa-se que melhor seria se a própria Lei 11.672/2008 tivesse estabelecido os critérios para seleção desse recurso representativo da controvérsia. Se, por um lado, a inexistência dessa previsão pela lei stricto sensu permite uma maior adaptação e flexibilização dos critérios às realidades dos tribunais, por outro, gera insegurança jurídica, uma vez que a figura regulamentar tem aspecto frágil, que a qualquer instante e sem grandes dificuldades pode ser revogada, além do que, como não existe direito subjetivo da parte, para que um recurso seja admitido como repetitivo, tampouco como paradigma, deve existir um mínimo supedâneo firme, para que se garanta sejam acolhidos os recursos que melhor representem as controvérsias debatidas e para que possam ser estabelecidos mecanismos de controle dessa seleção”. TOFFOLI, Vitor. Recursos especiais repetitivos: critérios de seleção dos recursos paradigmas. In: Revista de Processo, ano 35. vol. 197. São Paulo: Revista dos Tribunais, julho/2011, p. 285. 386 DANTAS, Bruno. Repercussão geral – Perspectivas histórica, dogmática e de direito comparado; questões processuais. 3 ed. In: NERY JR., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.) São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 346.

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repetitivos. E estes subsídios, por enquanto, podem ser utilizadas no novo regramento do

CPC/2015 até ser editada uma nova Resolução, ao menos para fornecerem diretrizes aos

tribunais, não se vislumbrando incompatibilidade com o procedimento previsto nos arts.

1035/1040.

. As duas primeiras regras para escolha dos recursos estão consignadas no §1º do art.

1º da Resolução nº 8/2008 do STJ, que determinam a seleção de pelo menos um processo de

cada relator, elegendo os que contiverem maior diversidade de fundamentos no acórdão

recorrido e de argumentos veiculados pelo recorrente no recurso especial, em consonância

com o que foi disciplinado no art. 1035, §§ 1º e 6º do CPC/15, do ponto de vista quantitativo e

qualitativo.

Estes aspectos podem ser obtidos por um único recurso de cada relator, desde que

contemple uma pluralidade de fundamentos do acórdão impugnado e de argumentos nas

razões recursais, ou por diversos recursos387, sendo mais “provável que os múltiplos aspectos

suscitados por uma questão de direito complexa surjam mais claramente num conjunto de

recursos”388 .

Veja-se que há uma preocupação com a correta escolha do(s) recurso(s) destacado(s),

visando espelhar a real extensão e profundidade da questão jurídica discutida, a fim de que a

Corte de sobreposição possa vislumbrar o fiel retrato da controvérsia objeto dos litígios de

massa389.

Daí a necessidade de selecionar recursos lastreados em decisões em sentidos opostos,

se houver, “pois a simples existência de decisões antagônicas no âmbito dos tribunais locais já

traduz a diversidade de fundamentos a justificar a análise e julgamento pelo Tribunal

387 “Estes dois critérios podem eventualmente coincidir e, em um único processo, constar tanto o acórdão que contém maior diversidade de fundamentos como também o recurso especial que contém maior diversidade de argumentos. Todavia, parece intuitivo que esta não será a regra geral. Ao contrário, geralmente serão selecionados dois ou mais recursos especiais representativos da controvérsia para envio ao STJ por cada presidente dos tribunais recorridos. Dependerá apenas da questão jurídica ter chegado de maneira repetitiva ao tribunal de origem”. ANDRADE, Fábio Martins de. Procedimentos relativos ao processamento e julgamento de recursos repetitivos – anotações à resolução do STJ n. 8, de 7 de agosto de 2008 (Regulamenta a Lei n. 11.672/2008). In: Revista Dialética de Direito Processual (RDDP). nº 67. São Paulo: Dialética, out./2008, p. 57. 388 MARTINS, Samir José Caetano. O julgamento de recursos especiais repetitivos (Lei nº 11.672/2008). In: Revista Dialética de Direito Processual (RDDP). nº 64. São Paulo: Dialética, jul./2008, p. 116. 389 Cumpre destacar a importância da qualidade dos fundamentos contidos no recurso repetitivo: “Para ser eleito como o mais representativo, o recurso especial deveria ser aquele que incluísse todo e qualquer fundamento que, se acolhido, pudesse importar a reforma do acórdão recorrido. O que mais interessa, na verdade, não é a diversidade dos fundamentos, mas a sua qualidade, entendida como aptidão para justificar a reforma do acórdão recorrido”. MESQUITA, José Ignácio Botelho de; AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real; DELLORE, Luiz Guilherme Pennacchi; MORETO, Mariana Capela Lombardi; TEIXEIRA, Guilherme Silveira; ZVEIBIL, Daniel Guimarães. A repercussão geral e os recursos repetitivos. Economia Direito e Política. In: Revista de Processo, ano 33, nº 163. São Paulo: Revista dos Tribunais., set./2008, p.27.

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Superior”390. O mesmo se diga com relação a recursos em sentido contrário e favorável a uma

mesma orientação, que exponham diferentes pontos de vista, embora afetos a um mesmo

problema jurídico391. Afinal, como o objetivo é a fixação da melhor interpretação sobre a

questão, deve-se ter o conhecimento completo da controvérsia estabelecida nas instâncias

ordinárias.

Não atende ao critério de seleção adequada do recurso, o tribunal que envia para a

Corte Superior, recursos tecnicamente mais frágeis, apenas para que se confirme o

entendimento do acórdão recorrido392. Nesta hipótese, desvirtua-se o instituto e os interesses

em jogo, nutrindo o desejo pessoal do tribunal de origem de ver prevalecer a sua decisão,

ainda que inadequada a resolver a questão jurídica discutida nas causas seriadas, implicando

em incalculável prejuízo aos litigantes e à própria efetividade da justiça por convicções

pessoais.

Por outro lado, inexiste direito subjetivo da parte à seleção do seu recurso como

modelo, com o fito de aferir, no STF, a existência ou inexistência de repercussão geral393 ou

como representativo da questão jurídica a ser apreciada pelo STJ, em sede de recurso especial

repetitivo.

Observa-se, ainda, que para delimitar a representatividade do recurso, ele deve ser

compreendido em seu contexto, isto é, não se pode analisar o recurso isoladamente, devendo

ser apreciadas as suas contrarrazões, além de outras peças que possibilitem a adequada

compreensão da questão de direito nele suscitada e do que é relevante para solucioná-la

devidamente394.

390 WAMBIER, Luiz Rodrigues; VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa. Recursos especiais repetitivos: reflexos das novas regras (Lei 11.672/2008 e Resolução 8 do STJ) nos processos coletivos. In: Revista de Processo, ano 33, nº 163. São Paulo: Revista dos Tribunais. set./2008, p.33. 391 “Os recursos devem ser relacionados a um determinado problema jurídico, não se exigindo que tenham sido todos interpostos para que se acolha uma mesma tese. É importante, no entanto, que, havendo recursos em sentido favorável e contrário a uma dada orientação, sejam selecionados recursos que exponham, por inteiro, ambos os pontos de vista”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Recursos e ações autônomas de impugnações. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 217. 392 “Na seleção dos recursos, as amostras enviadas ao STF devem revelar, de forma plena, a controvérsia que se busca dirimir. Recomenda-se que a seleção seja realizada de modo prudente, não de forma a persuadir o Supremo a chancelar a tese albergada na instância a quo, quiçá com o envio de uma peça tecnicamente frágil, mas sim de espelhar, do modo mais amplo possível, o cerne do problema constitucional. Igualmente, devem ser enviados tantos recursos quantos sejam necessários para compreensão da questão”. AZEM, Guilherme Beux Nassif. Repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 116. 393 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2007, p. 60. 394 MARTINS, Samir José Caetano. O julgamento de recursos especiais repetitivos (Lei nº 11.672/2008). In: Revista Dialética de Direito Processual (RDDP). nº 64. São Paulo: Dialética, jul./2008, p. 116.

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O terceiro critério é extraído do §2º da Resolução nª 8/2008 do STJ: “o agrupamento

de recursos repetitivos levará em consideração apenas a questão central discutida, sempre que

o exame desta possa tornar prejudicada a análise de outras questões arguidas no mesmo

recurso”.

Isto quer dizer que os recursos repetitivos serão reunidos em torno da questão central

discutida, “exceto se a ela subsistir de maneira independente a necessidade de análise de

outras questões periféricas arguidas no mesmo recurso”395. Pretende-se concentrar o

julgamento em torno da questão central e mais relevante do recurso, desde que o seu exame

não seja prejudicado ou não dependa da análise de outras questões tangenciais, a ela

interligadas.

Em síntese, verifica-se que a seleção dos recursos-piloto deve ser democrática e

realmente representativa, abrangendo a completude da questão jurídica veiculada no caso

paradigma. Quanto maior e mais plural o debate, maior será a legitimidade e a qualidade do

precedente formado pelo tribunal superior, o que repercute na sua força e autoridade perante

os jurisdicionados. Assim, a intervenção do amicus curiae contribui para a legitimação do

precedente.

É o que se verá adiante.

3.3.2 A intervenção do amicus curiae

Considerando o alcance da decisão proferida em sede de recursos que representam

uma multiplicidade de demandas, fundadas em idêntica questão de direito, deve ser garantido

um amplo diálogo entre os interessados, a fim de que seja oportunizada a pluralização do

debate. Afinal, a fixação de uma tese jurídica geral que emanará efeitos que transcendem o

recurso paradigma, deve ser pautada na qualidade da decisão produzida e na participação da

sociedade.

Por este motivo, deve-se admitir a intervenção do amicus curiae, autêntico portador de

interesse institucional, ou seja, daquele que “ultrapassa a esfera jurídica de um indivíduo e

que, por isso mesmo, é um interesse metaindividual, típico de uma sociedade pluralista e

395 ANDRADE, Fábio Martins de. Procedimentos relativos ao processamento e julgamento de recursos repetitivos – anotações à resolução do STJ n. 8, de 7 de agosto de 2008 (Regulamenta a Lei n. 11.672/2008). In: Revista Dialética de Direito Processual (RDDP). nº 67. São Paulo: Dialética, out./2008, p. 57.

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democrática, que é titularizado por grupos ou por segmentos sociais mais ou menos bem

definidos”396.

O amicus curiae visa auxiliar o juízo e aprimorar as decisões judiciais397, fornecendo

informações relevantes sobre as questões discutidas judicialmente, com o intuito de

enriquecer o debate e viabilizar o pronunciamento judicial amparado pelo contraditório

efetivo.

O legislador previu a participação do amicus curiae no julgamento dos recursos

repetitivos, autorizando o relator a admitir, de ofício ou mediante provocação, a manifestação

de terceiro na análise da repercussão geral (art. 543-A, §6º do CPC/73/art. 323, §2º do

RISTF), através de decisão irrecorrível, devendo fixar prazo para a manifestação. No que

tange aos recursos especiais, o art. 543-C, §§3º e 4º, estabelece que o relator pode solicitar

informações aos tribunais federais ou estaduais, além de admitir a manifestação de pessoas,

órgãos ou entidades, que tenham interesse na controvérsia, e que possam contribuir para

dirimi-la398.

O CPC/2015, como já apontado, manteve a importante participação do amigo da Corte

para auxiliar na formação do precedente em sede de recurso repetitivo (conferir art. 1037, §§

2º e 4º).

O amplo debate da controvérsia de direito antes do seu julgamento permite que a

comunidade jurídica alcance um grau adequado de maturação sobre o ponto veiculado nos

396 BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae: uma homenagem a Athos Gusmão Carneiro. In: DIDIER JR., Fredie e et al (Coord.). O terceiro no processo civil brasileiro e assuntos correlatos: estudos em homenagem ao professor Athos Gusmão Carneiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 160-161. 397 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento. 15 ed. vol.1. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 442. 398 Nelson Rodrigues Netto aponta uma diferença da intervenção do amicus curiae, em sede de recursos repetitivos, entre o procedimento que tramita no STF e o do STJ, sustentando que na Suprema Corte a participação de terceiros ocorre apenas na esfera do juízo de admissibilidade, ou seja, no exame da repercussão geral, não se estendendo ao mérito do recurso extraordinário, ao contrário do que ocorre na apreciação do recurso especial repetitivo pelo STJ. NETTO, Nelson Rodrigues. Análise crítica do julgamento “por atacado” no STJ (Lei 11.672/2008 sobre recursos repetitivos especiais. In: Revista de Processo, ano 33, nº 163. São Paulo: Revista dos Tribunais, set./2008, p. 239. Todavia, defende-se que o amicus curiae também pode contribuir para formação do precedente na análise do mérito do recurso extraordinário paradigma, assim como ocorre no caso do recurso especial representativo da controvérsia. Neste sentido, BASTOS, Antonio Adonias Aguiar. Devido processo legal nas demandas repetitivas: Tese de doutorado. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2012, p 184-185; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. A força dos precedentes no moderno processo civil brasileiro. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.647; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Sobre o novo art. 543-C do CPC: sobrestamento de recursos especiais “com fundamento em idêntica questão de direito”. In: Revista de Processo, ano 33. nº 159. São Paulo: Revista dos Tribunais, mai./2008, p. 219.

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recursos399 e contribui para a legitimidade da prestação jurisdicional e para a construção do

precedente.

A medida se impõe no julgamento dos litígios de massa e se compatibiliza com a

técnica de julgamento dos recursos repetitivos, enquanto técnica de formação do precedente

aplicado aos recursos sobrestados. Ora, se o objetivo deste regime jurídico especial reside na

representação adequada e plena da questão de direito veiculada nos recursos400, a participação

democrática afigura-se necessária, buscando que o precedente construído espelhe o melhor

entendimento possível para resolver as causas seriadas, valorizando a decisão do tribunal

superior401.

A participação do amicus curiae contribui para o “aporte de elementos que tragam

importantes considerações sobre a questão [...] objeto de aferição, alargando o espectro

cognitivo e permitindo, assim, a tomada de uma visão de conjunto”402. Desta forma,

proporciona-se a democratização processual, permite-se um maior diálogo entre o juiz e os

interessados, prestigiando o princípio da cooperação403 e o próprio contraditório404 (mais

efetivo), revestindo a decisão de maior aceitação social405 e qualidade da tutela jurisdicional

prestada.

399 MARTINS, Samir José Caetano. O julgamento de recursos especiais repetitivos (Lei nº 11.672/2008). In: Revista Dialética de Direito Processual (RDDP). nº 64. São Paulo: Dialética, julho-2008, p. 116 400 “A participação de amicus curiae em recursos submetidos aos Tribunais Superiores através do rito dos recursos repetitivos está plenamente atrelada com a ideia de solução imediata e devidamente fundamentada a respeito de determinada controvérsia de massa, já vislumbrando seus múltiplos efeitos perante terceiros com demandas judiciais assemelhadas, o que implica em que todos aqueles que possam contribuir para o deslinde da causa tenham a possibilidade de apresentar sua visão a respeito do direito em discussão”. VALCANOVER, Fabiano Haselof. A efetividade da prestação jurisdicional e o rito dos recursos repetitivos como filtro recursal. In: Revista de Processo, ano 38, vol. 216. São Paulo: Revista dos Tribunais, fev./2013, p. 453-454. 401 TUCCI, José Rogério Cruz e. Anotações sobre a repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário (Lei 11.418/2006). In: Revista de Processo, ano 32, nº 145. São Paulo: Revista dos Tribunais, mar./2007, p. 159. 402 AZEM, Guilherme Beux Nassif. Repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 123. 403 “A cooperação no sentido do diálogo, no sentido de troca de informações possíveis e necessárias para melhor decidir, é a própria face do amicus curiae, desde suas origens mais remotas. Assim, em função dessa cooperação, desenvolvimento e atualização do princípio do contraditório, realiza-se, também, a necessidade de as informações úteis para o julgamento da causa serem devidamente levadas ao conhecimento do magistrado, viabilizando, com isso, que ele melhor absorva e, portanto, realize em concreto os valores dispersos pelo próprio Estado e pela sociedade”. BUENO. Cassio Scarpinella. Amicus curiae no direito brasileiro: um estranho enigmático. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 56. 404 Cassio Scarpinella Bueno destaca que o amicus curiae desempenha um contraditório presumido ou institucionalizado: “a participação ampla do amicus curiae no processo decisório é condição de legitimação das decisões cuja função última é valerem como paradigmas para os casos futuros. É neste sentido que o amicus curiae tem tudo para desempenhar o inafastável papel de ‘contraditório presumido’ ou ‘contraditório institucionalizado’ [...]. BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae: uma homenagem a Athos Gusmão Carneiro. In: DIDIER JR., Fredie e et al (Coord.). O terceiro no processo civil brasileiro e assuntos correlatos: estudos em homenagem ao professor Athos Gusmão Carneiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 166. 405 AZEM, Guilherme Beux Nassif. Repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 124.

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Contudo, a figura deve ser vista com ressalvas para evitar o tumulto processual406 e

não prejudicar indevidamente a celeridade do rito, somente admitindo os terceiros que

trouxerem novos argumentos a serem considerados na decisão ou reforçarem/esclarecerem os

aspectos suscitados pelas partes/tribunais, devendo ser aplicado o princípio da adequada

representação, como pontua Antônio Adonias Aguiar Bastos407. Assim, o amicus curiae, deve

ter condições de representar de forma devida os interesses de determinado setor da sociedade,

considerando fatores como a pertinência temática, a boa técnica e, se for o caso, recursos

financeiros408.

3.3.3 Efeito do precedente firmado nos recursos repetitivos

Todo o arcabouço dogmático estruturado no regime dos recursos repetitivos seria

inefetivo se fosse dado aos tribunais inferiores o direito de desrespeitar as decisões que fixam

a tese paradigmática dos múltiplos recursos extraordinário e especial fundados na mesma

questão de direito. Assim, conforme já exposto no capítulo 2409, defende-se que os

precedentes formados em sede de recursos repetitivos são vinculantes, possuindo força

normativa obrigatória desde o regramento disciplinado nos arts. 543-B e 543-C do CPC de

1973.

406 “Mas é de se esperar que, via de regra, não seja admitida a manifestação de indivíduos, para evitar o tumulto processual que o aporte de centenas ou milhares de arrazoados poderia trazer. Consagra-se, assim, a intervenção de ‘legitimado extraordinário coletivo’ em julgamento de recurso individual, dada a natureza transindividual que o precedente assumirá”. MARTINS, Samir José Caetano. O julgamento de recursos especiais repetitivos (Lei nº 11.672/2008). In: Revista Dialética de Direito Processual (RDDP). nº 64. São Paulo: Dialética, jul./2008, p. 117. 407 BASTOS, Antonio Adonias Aguiar. Devido processo legal nas demandas repetitivas: Tese de doutorado. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2012, p 187. 408 BASTOS, Antonio Adonias Aguiar. Devido processo legal nas demandas repetitivas: Tese de doutorado. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2012, p 187. 409 O ponto foi tratado no tópico 2.6.2 – Eficácia dos precedentes no Brasil. Partilham do entendimento de que a decisão que fixa tese jurídica geral em sede de recursos repetitivos no CPC/73 tem eficácia obrigatória (vinculante): ARAÚJO, José Henrique Mouta. A eficácia da decisão envolvendo a repercussão geral e os novos poderes dos relatores e dos tribunais locais. In: Revista de Processo, ano 32, nº 152. São Paulo: Revista dos Tribunais. out./2007, p. 194. TARANTO, Caio Márcio Gutterres. Precedente Judicial: autoridade e aplicação na jurisdição constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.139 e ss; ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues. Precedentes Vinculantes e Irretroatividade do Direito no Sistema Processual Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2012, p.100-101; ROSITO, Francisco. Teoria dos Precedentes Judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p. 127; DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. vol. 2. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 443; Em sentido contrário, Nelson Rodrigues Netto: “considerando que a decisão do recurso paradigmático não se reveste de eficácia vinculante, conquanto fortemente persuasiva, nenhum impedimento sistemático há para que uma decisão diversa àquela do recurso paradigmático venha a ser proferida, em virtude de argumentos diferentes (ou até pelo julgamento por turma diferente no STF)". NETTO, Nelson Rodrigues. A intervenção de terceiros nos julgamentos da repercussão geral do recurso extraordinário e do recurso especial paradigmático. In: DIDIER JR., Fredie e et al (coord.). O terceiro no processo civil brasileiro e assuntos correlatos: estudos em homenagem ao professor Athos Gusmão Carneiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 393.

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E a eficácia vinculante é extraída tanto da própria Constituição Federal, ao outorgar

aos tribunais superiores a função de guardião do direito objetivo, unificando a interpretação

acerca das questões jurídicas, quanto da exegese das normas inseridas nos arts. 543-B e 543-C

do CPC/73.

O art. 543-B, nos §§ 2º, 3º e 4º, prescreve as seguintes consequências para os recursos

que foram sobrestados na origem, aguardando o pronunciamento definitivo do STF: a) negada

a existência de repercussão geral, os recursos paralisados serão automaticamente inadmitidos;

b) reconhecida a repercussão geral e julgado o mérito, os tribunais de origem poderão retratar-

se, quando a decisão recorrida estiver em divergência com a decisão do STF, ou declarar os

recursos prejudicados, quando o acórdão atacado for consonante com a tese fixada pelo

Supremo.

A hipótese prevista na letra “a” não enseja qualquer dúvida, de modo que a decisão do

STF tem caráter absolutamente vinculante, devendo o juízo a quo obedecer à deliberação da

Corte410.

A letra “b” também segue a mesma diretriz. Uma vez reconhecida à existência de

repercussão geral e avançado no mérito do recurso paradigma, o tribunal, ao declarar

prejudicados os recursos cujas decisões recorridas refletem a ratio decidendi da decisão do

STF, está evitando que recursos fadados ao desprovimento sejam submetidos à cognição

superior, faltando-lhes interesse-utilidade em ascender ao Supremo, vez que o precedente lhe

é desfavorável411. Neste caso, preserva-se a autoridade da ratio decidendi aplicada ao caso

concreto.

Permite-se, ainda, que os tribunais se retratem quando o acórdão proferido pelo juizo a

quo destoar da orientação fixada pelo STF. Se a decisão for mantida, o acórdão será cassado

ou reformado liminarmente pela Suprema Corte, nos termos do art. 543-B, §4º do CPC/73.

Ressalte-se que o dispositivo não pode ser interpretado como uma autorização para os

tribunais contrariarem a tese firmada no julgamento do recurso paradigma412, isto só poderá

410 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Sobre o novo art. 543-C do CPC: sobrestamento de recursos especiais “com fundamento em idêntica questão de direito”. In: Revista de Processo, ano 33. nº 159. São Paulo: Revista dos Tribunais, mai./2008, p. 216. 411 AZEM, Guilherme Beux Nassif. Repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 118. 412 “De modo que o §4.º do art. 543-B, no sentido de que. ‘mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada’, apenas pode ser compreendido como norma que prescreve reação contra algo que o tribunal de origem está proibido de fazer. Ou seja, embora o tribunal de origem deva se retratar ou declarar o recurso prejudicado, a sua insubordinação dá ao Supremo Tribunal Federal o poder de, liminarmente, cassar ou reformar o acórdão recorrido”. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 480.

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ocorrer nas situações em que se verifica o distinguishing, onde se constata a inaplicabilidade

do precedente.

O mesmo ocorre com relação aos recursos especiais, que possuem sistemática

semelhante. Com efeito, os §§7º e 8º do art. 543-C estabelecem para os recursos paralisados o

seguinte: a) serão denegados se a decisão recorrida estiver em consonância com a do STJ,

hipótese em que as rationes coincidem; b) serão novamente examinados pelos tribunais de

origem na hipótese de divergência entre o acórdão recorrido e a orientação fixada pelo STJ.

Se a decisão divergente for mantida pelo juízo a quo, passa-se ao exame de admissibilidade

do recurso especial, que será encaminhado para o Superior Tribunal de Justiça, pelo rito

tradicional.

Também aqui não se admite a interpretação no sentido de que os tribunais devem se

basear no livre convencimento motivado e manter a decisão à revelia do posicionamento do

STJ. Somente no caso de distinguishing, autoriza-se o afastamento do precedente para aquela

causa413.

Não se pode chancelar a rebeldia dos tribunais inferiores, respaldada em uma

resistência vazia e deletéria, que afronta os princípios da segurança jurídica, da eficiência

jurisdicional, da isonomia, da economia processual e da duração razoável do processo414. Para se

conferir o devido tratamento às demandas repetitivas, deve se tratar o precedente, fixado no

julgamento dos recursos excepcionais múltiplos, como obrigatórios, sendo inválida a

desobediência.

Desta forma, a eficácia vinculante dos recursos repetitivos, mesmo antes do

CPC/2015, já era extraída do próprio ordenamento. Para suplantar qualquer dúvida, porém, o

413 “O tribunal de origem apenas pode deixar de se retratar quando pode demonstrar que o precedente firmado não se aplica ao caso que deu origem ao acórdão recorrido, Portanto, o tribunal de origem não pode manter a sua posição após o Superior Tribunal de Justiça ter fixado entendimento diverso, pois os seus precedentes são obrigatórios em relação aos tribunais de justiça e regionais federais, cabendo apenas à Corte incumbida da uniformização da interpretação da lei federal o poder de revogá-los. Ou seja, a única possibilidade de o tribunal de origem não se retratar é mediante o distinguishing do caso”. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 501. Contrariamente, Guilherme Beux Nassif Azem entende que se a decisão impugnada divergir do entendimento do STF e o tribunal se recusar a realizar o juízo de retratação, não existe vinculação obrigatória, de modo que o recurso extraordinário deve ser encaminhado ao STF , que poderá cassar ou reformar liminarmente o acórdão contrário ao seu precedente. AZEM, Guilherme Beux Nassif. Repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 119. Conforme salientado no corpo do texto, esta posição é incompatível com o ordenamento e com o próprio regime dos recursos repetitivos, tanto é que o Ministro Aldir Passarinho, em julgamento de Questão de Ordem nos REsps. 1.148.726/RS, 1.146.969/RS, 1.154.288/RS, 1.155.480/RS e 1.158.872/RS, determinou o retorno dos autos para que o tribunal de origem se retratasse ou, na hipótese de manter a decisão divergente, esclarecesse o distinguishing, ou seja, a diferença entre o caso em análise e a situação apreciada pelo STJ. 414 BARROS, Lucas Buril de Macêdo. Os precedentes judiciais no ordenamento jurídico brasileiro. Dissertação de Mestrado. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2014, p. 399.

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art. 926, III do NCPC415 estabeleceu a obrigatoriedade dos precedentes consolidados em

julgamento de recursos repetitivos para os juízes e tribunais, que devem segui-los, observando

a sua força vinculante.

3.3.4 Possibilidade de realização do distinguishing na hipótese de sobrestamento

indevido ou não processamento do recurso como repetitivo

Como visto, ao se deflagrar o incidente de julgamento dos recursos repetitivos, o

tribunal de origem deve suspender todos os múltiplos recursos que suscitem idêntica questão

de direito ou veiculem os mesmos fundamentos para justificar a repercussão geral, até que o

tribunal superior se pronuncie definitivamente, constituindo a tese jurídica aplicável às

demandas.

Para realizar o sobrestamento de forma adequada, deve-se verificar se os recursos

efetivamente se lastreiam em torno de uma mesma questão jurídica, fundada em moldura

fática semelhante, inexistindo peculiaridade relevante que o distinga do recurso paradigma

(caso-piloto).

Isto quer dizer que os casos devem ser cautelosamente comparados antes da

paralisação dos recursos, para se evitar o indevido sobrestamento de lides que não podem ser

incluídas no incidente, em virtude de algumas especificidades que as distanciam da questão

discutida416.

Nestas hipóteses, há a necessidade de realizar o distinguishing para demonstrar que o

caso objeto do recurso não pode ser equiparado ao do recurso piloto, ou, ainda, que as

questões de direito retratadas são diferentes, não comportando a aplicação da mesma ratio

decidendi417.

Também pode suceder de o caso se ajustar perfeitamente ao figurino traçado pelo

recurso selecionado como representativo da controvérsia, mas, equivocadamente, não ser

415 Art. 926, III do CPC/2015: “os juízes e tribunais observarão: III. os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos” (destaques acrescidos ao original). 416 “O cuidado que se deve ter, no entanto, é aplicar a nova disciplina legal dos recursos repetitivos somente quando não houver dúvida de que se está tratando de questões de direito verdadeiramente ‘idênticas’, sob pena de comprometer o princípio do acesso à justiça”. ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p.446. 417 Neste sentido, Fábio Victor da Fonte Monnerat sustenta que o sobrestamento não pode ser realizado diante da “ausência de identidade entre o recurso sobrestado e a questão levada pelos ‘recursos representativos da controvérsia’, haja vista alguma singularidade ou peculiaridade do caso, ou qualquer espécie de erro judiciário na ‘categorização’ do recurso extraordinário como integrante daquele conjunto”. MONNERAT, Fábio Victor da Fonte. A jurisprudência uniformizadora como estratégia de aceleração do procedimento. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Direito Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 472.

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submetido pelo tribunal à técnica de julgamento por amostragem, realizando indevidamente o

distinguishing.

Nestas situações, quando o recurso for equivocadamente sobrestado ou não incluído

no incidente, qual a medida a ser adotada para a parte demonstrar que o seu caso não se

amolda a situação prevista no recurso paradigma ou, ao contrário, que deve ser submetido ao

julgamento?

Em face do CPC/73 não prever expressamente a medida cabível para estas situações,

instaurou-se uma controvérsia doutrinária e jurisprudencial. Fredie Didier Jr. e Leonardo

Carneiro da Cunha, por exemplo, entendem que, em se tratando de recurso extraordinário, a

parte deveria propor uma reclamação constitucional, pois o tribunal de origem usurpa a

competência do STF quando deixa de determinar o seguimento de recurso que não se

enquadra como repetitivo (caso em que deveria se realizar o distinguishing), omitindo-se de

remetê-lo ao tribunal superior418. A mesma medida poderia ser intentada no caso do recurso

especial.

Todavia, pontuam os autores que em nome do princípio da instrumentalidade das

formas, é “razoável admitir o agravo (CPC, art. 544) ou, até mesmo, a medida cautelar, da

mesma forma que sucede com a retenção ordenada indevidamente (CPC, art. 542, §3)”419. O

entendimento também se aplica quando não incluído recurso que deveria ser processado no

incidente.

Luiz Rodrigues Wambier, José Miguel Garcia Medina e Teresa Arruda Alvim

Wambier sustentam o cabimento do agravo previsto no art. 544 do CPC/73420, incumbindo ao

agravante demonstrar a distinção entre os casos a justificar que o recurso não poderia ser

paralisado ou que ele deveria integrar o julgamento dos recursos repetitivos por se ajustar ao

paradigma.

418 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 11 ed. vol. 3. Salvador: Jus Podivm, 2013. p. 364. 419 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 11 ed. vol. 3. Salvador: Jus Podivm, 2013. p. 364. 420 WAMBIER, Luiz Rodrigues; MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER,Teresa Arruda Alvim. Breves comentários à nova sistemática processual civil. vol. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 251. Neste sentido, conferir ainda DANTAS, Bruno. Repercussão geral – Perspectivas histórica, dogmática e de direito comparado; questões processuais. 3 ed. In: NERY JR., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.) São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 320; AZEM, Guilherme Beux Nassif. Repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 116-117.

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Defende-se, na esteira do já esposado pensamento de Fredie Didier Jr. e Leonardo

Carneiro da Cunha, além do de Luís Guilherme Aidar Bondioli421, todos os meios de

impugnação citados (reclamação, agravo, medida cautelar) para atacar a decisão que, de modo

injustificado, determina a paralisação do recurso sem que se possa identificar a conexão por

afinidade entre o paradigma e o que foi indevidamente sobrestado, além do que não foi

incluído no incidente apesar de veicular a mesma questão de direito sustentada pelo recurso

modelo.

Em atenção ao princípio da instrumentalidade, da fungibilidade e a garantia efetiva do

acesso à justiça, a parte não pode ser tolhida de corrigir uma equivocada decisão do tribunal

de origem, em face do significativo prejuízo que o sobrestamento incorreto ou a não

submissão à técnica de julgamento por amostragem pode lhe causar, obstaculizando o seu

direito de ação, além de criar dilações indevidas que prejudicam a duração razoável do

processo422.

O STJ, porém, não admite impugnação contra o ato que determina o sobrestamento, ao

fundamento de que não se reveste de caráter decisório e, por conseguinte, não desafiaria

recurso423.

Para o STF não cabe agravo do art. 544 do CPC/73 e nem reclamação constitucional

da decisão que determina a suspensão do recurso enquanto não for julgado o recurso

selecionado, pois ainda não houve juízo de admissibilidade, admitindo-se apenas o agravo

interno para o tribunal local, que pode corrigir o equívoco pelo juízo de retratação ou decisão

colegiada424.

Com as devidas vênias aos posicionamentos do STF e do STJ, a parte não pode ser

prejudicada pelo equívoco protagonizado pelo presidente ou vice-presidente do tribunal local,

421 BONDIOLI, Luiz Guilherme Aidar. A nova técnica de julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos. In: THEODORO JR., Humberto; LAUAR, Maíra Terra (coord.). Tutelas diferenciadas como meio de incrementar a efetividade da prestação jurisdicional.Rio de Janeiro: GZ, 2010, p. 760-761. 422 “Portanto, não é útil e muito menos se mostra razoável que toda tentativa de demonstração de diferenças (quer por conta de um contexto normativo diverso, quer por superação do precedente até então vigente), entre o recurso sobrestado indevidamente na origem a espera de solução a ser dada ao tema pelo Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça (paradigma a todos os demais recursos idênticos), restrinja-se tão somente à órbita do Tribunal local. Se essa prática continuar orientando a jurisprudência de nossos Tribunais Superiores, o modelo de jurisdição e de resolução dos processos perderá efetividade e continuará havendo ofensa flagrante aos postulados da celeridade, duração razoável do processo, inafastabilidade do acesso à jurisdição e segurança jurídica”. ROSSI, Júlio César. Recursos repetitivos: meios processuais hábeis a impugnar o indevido sobrestamento dos recursos excepcionais pelo tribunal de origem. In: Revista Dialética de Direito Processual, nº 95, fev. 2011, p.47. 423 Com este entendimento, o STJ inadmitiu o agravo interposto no AgRg no Ag In 1.277.178/RJ. STJ, Primeira Turma. Julgamento em 19.10.2010. AgRg no Ag In 1.277.178/RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves. DJ 27.10.2010. 424 Vide fundamentos do STF exarados na Reclamação Constitucional nº 7569. STF, Pleno, Julgamento em 19.11.2009, Rcl n. 7569, REl. Min. Ellen Gracie, DJ 16.02.2011.

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tendo o direito de demonstrar o distinguishing e até o mesmo a necessidade de superação do

precedente (overruling). Não é razoável aguardar até o pronunciamento definitivo do órgão

superior para apontar que o precedente não se aplica ao seu caso ou que se aplica, embora não

tenha sido considerado pelo tribunal de origem425. O ordenamento deve permitir a insurgência

da parte426.

O CPC/2015 tentou solucionar a controvérsia ao autorizar que a parte requeira o

prosseguimento do seu processo, ao demonstrar “distinção entre a questão a ser decidida no

processo e aquela a ser julgada no recurso especial ou extraordinário afetado”, nos termos do

art. 1.036, §9º .

Da decisão que resolver o requerimento cabe: a) agravo de instrumento, se o processo

estiver em primeiro grau; b) agravo interno, se a decisão for de relator (CPC/2015, art. 1036,

§ 13).

Contudo, o problema ainda persiste, já que se o juizo a quo negar provimento ao

agravo de instrumento ou ao agravo interno, não há previsão de recurso a ser julgado no

425 Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha criticam as decisões do STF e do STJ ao impedir a interposição de agravo ou outro meio de impugnação, admitindo somente o agravo interno para o próprio tribunal local: “A demonstração de que há um distinguishing ou um overruling deve ser feita perante o tribunal superior, e não perante o tribunal local. Parece mais adequado que se admita uma reclamação constitucional ao tribunal superior para que determine ao tribunal local que não mantenha o recurso sobrestado, por não versar sobre o mesmo assunto do recurso escolhido para julgamento por amostragem ou por não se lhe aplicar mais o precedente, em razão de um novo contexto fático ou normativo. Manter um recurso indevidamente sobrestado equivale, em última análise, a usurpar competência do tribunal superior, a quem cabe verificar se realmente o caso escolhido para julgamento por amostragem há ou não de se aplicar aquele que foi sobrestado pelo tribunal de origem”. DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 11 ed. vol. 3. Salvador: Jus Podivm, 2013. p. 366. 426 João Luiz Lessa de Azevedo Neto e Paulynne Rocha Valença Figueiredo defendem um modelo de processo colaborativo em que as partes apresentem as razões e previamente se manifestem sobre a identidade ou heterogeneidade da sua causa em relação as outras que estão agrupadas, de modo que “a participação das partes é, na verdade, uma premissa para a legitimidade das decisões, por isso, não se pode determinar o sobrestamento do recurso individual, sem a prévia participação e audiência delas, nem vedar completamente a possibilidade de impugnação à decisão que determina o sobrestamento”. AZEVEDO NETO, João Luiz Lessa de; FIGUEIREDO, Paulynne Rocha Valença. Impugnação contra a decisão que determina o sobrestamento do recurso repetitivo: fugindo da cama de Procusto. In: Revista Dialética de Direito Processual, nº 126, set./ 2013, p.75. Os autores sustentam que as partes devem dispor de um espaço processual para que, em atuação cooperativa, identifique se o seu caso é ou não similar aos demais, contribuindo para a formação da decisão, podendo apontar diferenças fáticas e jurídicas que justifiquem o tratamento do recurso de forma individual. AZEVEDO NETO, João Luiz Lessa de; FIGUEIREDO, Paulynne Rocha Valença. Op. cit, p.74. Embora se concorde com a ideia de que as partes podem contribuir para formação do precedente e apontar a existência de situações díspares que exigem a realização do distinguishing, discorda-se, com a devida vênia, com a posição de que as partes devem ser previamente ouvidas, pois isso acarretaria uma dilação considerável do trâmite do incidente de recursos repetitivos e desvirtuaria o seu propósito de celeridade, além de trazer um ônus excessivo ao tribunal de origem. Ora, se a parte não tem qualquer objeção ao sobrestamento do seu recurso, porque deve ser intimada para ratificar que o seu caso se ajusta ao paradigma? Imagine o tumulto processual causado se todos os litigantes dos múltiplos processos integrantes do incidente tiverem que se manifestar, apenas para dizer que a decisão foi correta e que seu recurso veicula a mesma questão do caso-piloto? O procedimento se tornaria inviável e destoaria da sua finalidade. O que se defende aqui é a possibilidade da parte impugnar a decisão equivocada, devendo dispor do meio adequado para tanto. Se a decisão, porém, está correta, falta interesse-utilidade na manifestação do recorrente.

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tribunal superior427, deixando a parte ao talante dos órgãos inferiores para decidir sobre uma

questão que deveria ser submetida à Corte responsável pelo julgamento dos recursos

repetitivos.

Alem disso, não há previsão de qualquer remédio processual para a hipótese de não

inclusão de recursos que versam sobre a mesma questão veiculada no recurso afetado, e que,

portanto, reclamam solução idêntica, com a aplicação da mesma ratio decidiendi do caso

paradigma.

Parece ser, assim, cabível a reclamação constitucional, agravo de instrumento a ser

apreciado pelo STF/STJ, ou mesmo a medida cautelar para viabilizar o direito da parte atacar

a decisão e lhe propiciar substancial acesso à justiça e à qualificada e tempestiva tutela

jurisdicional.

O CPC/2015 admite, entretanto, a interposição de recurso quando o distinguishing é

verificado a posteriori, ou seja, após a publicação do acórdão paradigma. Nesta hipótese, se o

presidente ou vice do tribunal de origem negar seguimento ao recurso sobrestado por entender

que o acórdão recorrido está em consonância com a orientação firmada pelo tribunal superior,

a parte pode demonstrar a existência de distinção entre o seu caso e o precedente invocado,

interpondo o agravo em recurso especial ou extraordinário428, que será julgado pela Corte

superior.

Ao menos nesta oportunidade, a nova sistemática prevista na lei para os recursos

repetitivos permite que a parte exercite o seu direito de apontar o distimguishing, evitando a

aplicação de uma ratio decidendi inadequada para solucionar a controvérsia do caso em

análise.

Não há razão, contudo, para impedir que a decisão do tribunal de origem seja

impugnada antes do julgamento do recurso selecionado, sujeitando o recorrente a aguardar

todo o trâmite recursal para, ao final, dizer que não há similitude entre o seu caso e o

paradigma. A afronta à economia processual, eficiência jurisdicional, duração razoável do

processo, isonomia (devido a desigualdade entre as situações) e a efetividade da decisão é

flagrante.

427 Apenas será submetido ao tribunal superior o requerimento da parte que apontar a necessidade de distinguishing se o recurso especial ou extraordinário já tiver tramitando no tribunal superior, caso em que o requerimento será dirigido ao relator do recurso na Corte de sobreposição, consoante prescreve o art. 1036, §10, IV do CPC/2015: “§ 10. O requerimento a que se refere o § 9º será dirigido ao: [...] IV – relator do recurso especial ou extraordinário, no tribunal superior, cujo processamento houver sido sobrestado”. Desta decisão cabe agravo interno, processado no tribunal superior, conforme art. 1036, §13, II. 428 Conferir o art. 1041, II c/c §1º, II, “a” do CPC/2015.

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Da mesma forma, pode haver a necessidade da parte demonstrar a superação

(overruling) do precedente fixado no julgamento por amostragem, o que será examinado a

seguir.

3.3.5 Superação do precedente formado no recurso repetitivo: overruling e a modulação

dos efeitos

Partindo do pressuposto de que a decisão que fixa a tese paradigmática para resolver a

questão ventilada no recurso repetitivo é um precedente, firmado pelo tribunal superior para

solução de litígios múltiplos, não pode haver dúvida sobre o cabimento do distinguishing e do

overruling.

A técnica de distinção/confronto entre o caso emoldurado no recurso e aquele objeto

do recurso piloto já foi retratada no tópico anterior, razão pela qual se volta à superação do

precedente.

De acordo com as ideias expostas no capítulo 2429, sabe-se que a tese sedimentada

pelo órgão judicial não é imutável, até porque o direito não se traduz em uma realidade

estática, mas dinâmica, que acompanha a evolução dos valores da sociedade, de concepções

jurídicas, tecnológicas, econômicas, políticas, enfim, do cenário vivenciado à época, uma vez

que trata de conflitos travados entre os jurisdicionados, ainda que ostente uma base

eminentemente jurídica.

Assim, seja por conta de uma nova situação fática ou normativa, pelo simples desgaste

do precedente ou mesmo quando se verifica, posteriormente, a sua incorreção ou incapacidade

de resolver a questão em todas as suas vicissitudes, a tese que dele aflora pode ser superada e

substituída por outra adequada aos novos padrões de congruência social e consistência

sistêmica.

Com o propósito de evitar a petrificação do direito e permitir ajustes, correções ou

adequação na aplicação do precedente, devem-se aplicar as regras estabelecidas no art. 926,

§§ 2º a 4º do CPC/2015, que versam sobre a modificação de entendimento sedimentado,

autorizando a modulação dos efeitos da decisão revogadora, visando o interesse social e o a

segurança jurídica, podendo limitar a sua retroatividade ou atribuir-lhe efeitos prospectivos430

429 Conferir item 2.5.2. 430 A modulação dos efeitos, com a possibilidade de limitar a retroatividade da decisão ou atribuir-lhes efeitos prospectivos foi examinado no tópico 2.5.2 que tratou sobre o overruling, mais especificamente no item 2.5.2.3.

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com vistas a tutelar a legítima confiança do jurisdicionado na orientação firmada pelo tribunal

superior.

A decisão que supera o precedente admite a intervenção do amicus curiae, podendo

ser “precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que

possam contribuir para rediscussão da tese” (art. 926, §2º), proporcionando, também na

revogação, a pluralização do debate, participação democrática e a legitimidade do novo

entendimento.

Desta forma, a sociedade tem a oportunidade de participar no processo de formação do

novo precedente e revogação da tese anterior, reforçando ou trazendo novos motivos que

justifiquem a sua superação, garantindo a efetividade, integridade e coesão do sistema

jurídico.

A decisão revogadora deve, contudo, ser pautada nos princípios da segurança jurídica,

da proteção da confiança e da isonomia, se desincumbindo do ônus da fundamentação

adequada e específica que respalde a superação do precedente, sopesando o seu alcance e

extensão.

Quando se trabalha com a teoria dos precedentes, o sistema permanece integro,

coerente e fornece as respostas adequadas para resolver, em conjunto com a lei, os conflitos

derivados do caso concreto, valorizando o direito jurisprudencial e a própria participação da

sociedade.

E todo este aparato, construído e positivado na seara do processo civil e da

Constituição Federal, se amolda perfeitamente a estrutura normativa do processo do trabalho,

que não só comporta como já segue em muitos aspectos a teoria dos precedentes, o que só

veio a ser reforçado com a instituição do recurso de revista repetitivo pela Lei Federal nº

13.015/2014.

No próximo capítulo o tema central deste trabalho será enfrentado ao descortinar o

sistema de precedentes no processo do trabalho e o papel desempenhado pelo TST, além do

devido exame da dogmática da Lei nº 13.015/2014, no que toca ao recurso de revista

repetitivo.

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4. RECURSOS DE REVISTA REPETITIVOS: SISTEMATIZAÇÃO DO

PRECEDENTE NA JUSTIÇA DO TRABALHO E DOGMÁTICA DA LEI Nº

13.015/2014

A análise do ordenamento trabalhista, sob a ótica da sua legislação e do direito

construído pelos juízes e tribunais do trabalho, permite vislumbrar, no decorrer da sua

história, a convergência em torno da edificação de um sistema de precedentes, cujo início

remonta a instituição dos prejulgados vinculantes431 e atualmente foi impulsionada pelas

importantes contribuições trazidas pela Lei nº 13.015/2014 e pelo Novo Código de Processo

Civil.

Doutrinariamente, porém, é difícil encontrar no âmbito trabalhista subsídios

necessários para a aplicação de um verdadeiro sistema de precedentes, definindo conceitos

como ratio decidendi, obiter dictum, distinguishing e overruling ou tratando sobre qualquer

outro ponto relacionado ao tema. A doutrina incumbida de estudar o Direito laboral tem

resistência em aceitar o poder criativo do juiz, a construção de norma jurídica pelo Judiciário

no exercício da sua função típica de julgar e a autoridade da consistente estrutura normativa

jurisprudencial edificada pelo TST através das suas súmulas, das Oj´s e dos precedentes

normativos.

A legislação e os tribunais, todavia, são mais evoluídos e permitiram instituir uma

cultura de respeito às decisões judiciais do TST, reconhecendo a importância da fixação de

teses jurídicas em verbetes jurisprudenciais ou extraídas da jurisprudência dominante do

Tribunal Superior do Trabalho, dotados da devida autoridade no ordenamento trabalhista.

Deve se registrar, que a positivação dos precedentes no CPC/2015 associado ao trabalho

doutrinário e jurisprudencial cada vez mais crescente e significativo sobre o tema, ao menos

na esfera do processo civil, contribuem para o aperfeiçoamento do sistema de precedentes no

judiciário trabalhista, pavimentando o arcabouço necessário para a estruturação normativa

jurisprudencial.

A Lei nº 13.015/2014, ao instituir na Justiça do Trabalho o procedimento para

julgamento de recursos de revista repetitivos, além de aprimorar a uniformização de

jurisprudência, expressa a consolidação dos precedentes na seara trabalhista e a evolução do

Direito em direção à concretização dos princípios da igualdade, segurança jurídica e proteção

da confiança.

431 O prejulgado trabalhista será examinado no tópico 4.1.2.1..

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146

As regras estatuídas pela nova lei incrementam o processo trabalhista em

racionalidade e eficiência e pavimentam sólidos alicerces para a construção de um sistema de

precedentes obrigatórios, travando "um coerente diálogo normativo com o Novo Código de

Processo Civil, que traz novidades relevantíssimas merecedoras de incorporação pela justiça

trabalhista"432.

Não se pode ignorar, contudo, que mesmo antes da Lei nº 13.015/2014 e do Novo

CPC, já imperava na Justiça do Trabalho uma cultura de respeito às decisões judiciais

(precedentes) emanadas pelo TST433, que formam, quando reiteradas e bem delimitadas, a sua

jurisprudência dominante. Nesta medida, a tese jurídica que soluciona determinada

controvérsia, sobretudo quando a ratio decidendi é expressa em súmula, orientação

jurisprudencial ou precedente normativo do TST, é devidamente seguida pelos juízes

trabalhistas.

As decisões judiciais proferidas pelo TST possuem alto grau de autoridade e são, na

maioria dos casos, observadas pelos Tribunais Regionais do Trabalho, que respeitam a Corte

Superior. Desta forma, a estrutura normativa jurisprudencial, calcada na súmula, nas

orientações jurisprudenciais e nos precedentes normativos editados pelo Tribunal Superior do

Trabalho, contribuem para a uniformização da jurisprudência trabalhista no território

nacional, auxiliando o TST a cumprir a importante missão que lhe foi outorgada pela

Constituição.

Os órgãos do TST podem exercitar, assim, o seu poder criativo (ou normativo),

cristalizando a ratio decidendi das teses jurídicas nos verbetes ou enunciados de sua

jurisprudência, o que confere maior segurança jurídica aos cidadãos e a possibilidade de

prever e calcular a sua conduta e respectivas consequências, atribuindo maior credibilidade ao

sistema.

Isso não quer dizer, todavia, que não haja divergência jurisprudencial no âmbito

interno e externo dos tribunais trabalhistas, defeito nocivo que macula todo o ordenamento

brasileiro. No entanto, a existência da jurisprudência consolidada e da cultura de respeito

judicial no âmbito trabalhista permitem a evolução do Direito e a maior segurança na

432 DIDIER JR., Fredie; MACEDO, Lucas Buril. Reforma no processo trabalhista brasileiro em direção aos precedentes obrigatórios: a Lei nº 13.015/2014. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo: Lex Magister, out./dez. 2014, p.143. 433 A cultura brasileira é conveniente e confusa, pois não há lei prevendo obrigatoriedade e vinculação dos precedentes trabalhistas e eleitorais, porém há uma cultura de respeito aos precedentes de forma sistematizada na Justiça do Trabalho e Eleitoral” SAMPAIO, Tadeu Cincurá de A.S. Novas Tendências do Processo Civil, Vol III. In. DIDIER JR, Fredie et al (org.). O novo CPC e a obrigatoriedade dos precedentes judiciais: Uma transformação da cultura jurídica brasileira por lei. Salvador: JusPodium, 2014, p. 719

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aplicação do preceito normativo nas situações em que o TST já sedimentou dada solução

jurídica.

Cumpre advertir, mais uma vez, que a doutrina trabalhista não acompanhou na mesma

intensidade a evolução da lei e dos tribunais, resistindo até hoje em aceitar os paradigmas de

criatividade judicial, construção de precedentes vinculantes pelo TST, exercício do poder

normativo pelos juízes trabalhistas de forma típica (e não apenas excepcional, restrito ao

dissídio coletivo, consubstanciado no art. 114, §2º da CF)434. Permanece adepta do dogma da

estrita separação dos poderes, que impediria o Judiciário de "usurpar" a competência do

Legislativo.

Acredita-se que os novos paradigmas não poderão mais ser negados pela doutrina

trabalhista à luz do sistema de precedentes obrigatórios em construção no ordenamento

brasileiro.

E o recurso de revista repetitivo, recentemente instituído pela Lei nº 13.015/2014 que

acrescentou os arts. 896-B e 896-C à CLT, ratifica e fortalece o sistema de precedentes

trabalhistas, na medida em que determina a aplicação da tese jurídica fixada pelo TST no

julgamento em bloco de uma controvérsia jurídica repetitiva, que se reproduza em múltiplos

processos.

O precedente construído no julgamento por amostragem é vinculante: deve ser

obrigatoriamente seguido pelos órgãos inferiores, observando o procedimento previsto na

CLT.

Pretende-se, assim, conferir tratamento isonômico a casos assentados sob a mesma

controvérsia de direito, evitando-se julgamentos contraditórios com desfechos opostos para

situações semelhantes, além de otimizar o trabalho do TST e promover a celeridade da tutela

jurisdicional.

434 A doutrina trabalhista, em regra, define o poder normativo como uma peculiaridade da Justiça do Trabalho que confere ao Judiciário, de forma anômala, extravagante, excepcional, a prerrogativa de criar normas jurídicas, cujo exercício está limitado aos dissídios coletivos, observadas as condições fixadas no art. 114, §2º da Constituição. Neste sentido, conferir: SCHIAVI. Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 125-126; LEITE, Carlos Henrique. Curso de Direito Processual do Trabalho. 11 ed. São Paulo: Ltr, 2013 p. 1286. O entendimento encontra amparo na concepção de que a função normativa, isto é, a construção da norma jurídica, compete precipuamente ao Poder Legislativo e, em determinadas hipóteses, ao Executivo, de modo que o Judiciário, ao exercê-la, o faz de forma atípica, sendo executada excepcionalmente, como se infere da lição de RODRIGUES PINTO, José Augusto. Reflexões em torno da extinção do poder normativo. In: Revista Ciência Jurídica do Trabalho, ano 1, nº 10, out./1998, p. 109-115. A construção da norma jurídica não é, contudo, exclusividade do Poder Legislativo ou do Executivo (em menor escala). Os juízes também produzem normas jurídicas concretas (assentadas na parte dispositiva da sentença) e gerais (precedentes judiciais, extraídos da fundamentação e utilizados em casos semelhantes), como já explicitado no tópico 2.2 deste trabalho. E essa não é uma função atípica, mas inerente ao papel do julgador e da missão outorgada ao Judiciário.

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Com base nestas premissas, pretende-se examinar a edificação dos precedentes

trabalhistas, analisando o papel do TST, a eficácia das súmulas e Oj´s e o dever de respeito

aos precedentes, além da dogmática do recurso de revista repetitivo, incidente que reflete o

objetivo do Código de Processo Civil de 2015 em direção à uniformização da jurisprudência

nacional.

4.1 PRECEDENTES JUDICIAIS NA JUSTIÇA DO TRABALHO

Para entender como se opera o incipiente sistema de precedentes na justiça do

trabalho, é preciso descortinar o papel do Tribunal Superior do Trabalho no ordenamento

trabalhista, a eficácia da jurisprudência consolidada e a sua importância como vetor de

orientação jurídica, bem como a necessidade de respeito aos precedentes formados pelo TST,

a fim de que se edifique um sistema sólido que permita a realização das normas

constitucionais.

4.1.1 O papel do Tribunal Superior do Trabalho no ordenamento trabalhista

O Tribunal Superior do Trabalho é o órgão de cúpula do ordenamento trabalhista,

dotado da incumbência de fixar a interpretação das leis que regulam os conflitos resolvidos na

Justiça Especializada e de uniformizar a jurisprudência trabalhista em todo o território

nacional.

Sua origem remota é o Conselho Nacional do Trabalho435, elevado ao alto posto de

última instância trabalhista-administrativa com a sanção do Decreto-lei nº 1237, de 2 de maio

de 1939436, responsável por organizar a Justiça do Trabalho437, embora vinculada ao Poder

Executivo.

435 O Conselho Nacional do Trabalho foi instituído em 12 de maio de 1923 pelo Decreto nº 21.396 com o objetivo inicial de dirimir os conflitos coletivos entre empregados e empregadores. Era um órgão administrativo, formado por representantes de ambas as classes em consonância com o princípio paritário. Conferir, a propósito, TST. Poder Judiciário. Justiça do Trabalho. Do CNT ao TST. 1975, p. 15. Disponível em http://www.tst.jus.br/documents/10157/3373092/Do+CNT+ao+TST.pdf. Acesso em 23/12/2014. 436 TST Poder Judiciário. Justiça do Trabalho. Do CNT ao TST. 1975, p. 6. Disponível em http://www.tst.jus.br/documents/10157/3373092/Do+CNT+ao+TST.pdf. Acesso em 23/12/2014. 437 A Justiça do Trabalho foi instituída pela Constituição de 1934 (art. 122) e posteriormente ratificada pela CF de 1937, em seu art. 139: "Para dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, reguladas na legislação social, é instituída a Justiça do Trabalho, que será regulada em lei e a qual não se aplicam as disposições desta Constituição relativas à competência, ao recrutamento e às prerrogativas da Justiça comum". Não possuía, assim, o caráter jurisdicional. A partir da sua instituição pela CF/1937 foi formada uma comissão para elaborar a lei que regulamentaria o artigo constitucional, o que ocorreu por meio do Decreto-lei nº 1.237/1939, responsável por organizar a Justiça do Trabalho.

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Somente em 1946 a Justiça do Trabalho passou a integrar o Poder Judiciário438 por

força do Decreto-lei nº 9.797, de 9 de setembro de 1946 e do art. 94, V da Constituição

Federal de 1946439. Uma vez divorciada do Poder Executivo, a Justiça do Trabalho modificou

a sua estrutura, transformando o Conselho Nacional do Trabalho em Tribunal Superior do

Trabalho, e os Conselhos Regionais em Tribunais Regionais do Trabalho, permanecendo,

contudo, as Juntas de Conciliação e Julgamento em primeira instância, hoje denominadas de

Varas do Trabalho após a extinção da representação classista440 pela Emenda Constitucional

nº 24 de 1999.

Ao Tribunal Superior do Trabalho foi atribuída, inicialmente, a missão de rever e

invalidar, quando necessário, as decisões das Juntas de Conciliação de Julgamento e dos

Tribunais Regionais, instituindo o legislador, na jurisdição específica, um tríplice grau de

jurisdição441.

Edgard de Oliveira Lima442 destaca a importância da criação deste órgão de

superposição dentro da própria jurisdição especializada, não obstante a competência

constitucional do STF para intervir nos feitos trabalhistas pela via do recurso

extraordinário443. Pode-se dizer, assim, que o TST foi idealizado para cumprir a função de

“garantir a integridade do direito social, fixar a interpretação das leis e uniformizar a

jurisprudência”444 trabalhista.

438 “A integração da Justiça do Trabalho no Poder Judiciário é consequência natural da evolução histórica dos acontecimentos. Na sociedade empresarial, as controvérsias entre trabalhadores e empresários assumem especial significado. O Estado, intervindo na ordem econômica e social, não pode limitar-se a dispor entre a matéria trabalhista. Necessita, também, de aparelhamento adequado para a solução dos conflitos de interesses, tanto no plano individual como no coletivo, Assim, a existência de um órgão jurisdicional do Estado para questões trabalhistas é o resultado da própria transformação da ideia de autodefesa privada em processo judicial estatal, meio característico de decisão dos litígios na civilização contemporânea”. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual do Trabalho. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 85. 439 Art. 94, V da CF/1946: “O Poder Judiciário é exercido pelos seguintes órgãos: [...]. V. Tribunais e Juízes do Trabalho”. 440 “Historicamente, a organização da Justiça do Trabalho no Brasil foi inspirada no sistema dito ‘paritário’ da Itália fascista, que mantinha um ramo especializado do Judiciário na solução de conflitos trabalhistas, em cuja composição figuravam representantes do Estado (juízes togados), da classe empresarial e da classe trabalhadora (juízes classistas). Embora a Itália tivesse abandonado esse sistema paritário no período ‘pós-guerra’, o Brasil manteve a mesma estrutura da Justiça do Trabalho desde a Constituição de 1934 (art. 122) até a Emenda Constitucional n. 24, de 9.12.1999, que extinguiu a chamada representação classista”. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 11 ed. São Paulo: Ltr, 2013, p. 138. 441 LIMA, Edgard de Oliveira. Tribunal Superior do Trabalho. In: Revista dos Tribunais, ano 42, vol. 213. jul./1953, p. 11. 442 LIMA, Edgard de Oliveira. Tribunal Superior do Trabalho. In: Revista dos Tribunais, ano 42, vol. 213. jul./1953, p. 11. 443 Consoante art. 122, § 1º da CF/1946, as decisões do TST eram irrecorríveis, salvo se contrariassem a Constituição Federal, hipótese em que seria cabível o recurso extraordinário para o STF. Atualmente, embora a estrutura recursal e as hipóteses de cabimento tenham se ampliado, as decisões proferidas pelos órgãos do TST também só podem ser desafiadas, antes do trânsito em julgado, pelo recurso extraordinário para o STF. 444

LIMA, Edgard de Oliveira. Tribunal Superior do Trabalho. In: Revista dos Tribunais, ano 42, vol. 213. Jul./1953, p. 11.

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Desta forma, o papel do TST, desde a sua criação, foi o de uniformizar a

jurisprudência trabalhista em todo o território nacional, objetivando manter a unicidade do

direito federal do trabalho e das normas aplicáveis às relações travadas entre trabalhadores e

empregadores/tomadores de serviço445. Visa-se assegurar a supremacia e a autoridade do

direito nacional em face das diversas decisões divergentes proferidas pelos tribunais regionais

do trabalho446.

Conforme já destacado nos capítulos anteriores, o sentido da lei, a sua eficácia e a sua

autoridade dependem de uma interpretação uniforme e da sua aplicação sem discrepâncias

pelos tribunais. A lei não pode ser compreendida pelos tribunais de “maneira vacilante, dúbia,

incerta, gerando uma espécie de desconfiança no espírito dos litigantes, que se sentem

desamparados, desde que os juízes e cortes não assegurem um modo preciso de realização de

um preceito legal”447. O ordenamento requer o respeito aos princípios da igualdade, da

segurança jurídica e da proteção da confiança dos jurisdicionados na orientação do Poder

Judiciário.

Daí porque a organização judiciária brasileira é estruturada hierarquicamente,

outorgando-se aos tribunais superiores, dentre eles o TST, o encargo de fixar a interpretação

sobre as normas de sua competência com vistas a qualificar de modo unívoco as situações

jurídicas.

Em face da vastidão do território nacional e da diversificada jurisprudência das

numerosas regiões em que se situam os tribunais trabalhistas, o TST deve conferir tratamento

jurisprudencial “que, de variado, deve tornar-se único, semelhante, idêntico, para não gerar

perplexidade entre os jurisdicionados, quando discutem a respeito de uma mesma controvérsia

jurídica”448

A uniformização da jurisprudência pode ser exercida pelo julgamento do recurso de

revista. Cabe ao TST, em sede de recurso de revista, decidir apenas matéria de direito, ou seja,

a qualificação jurídica a ser atribuída ao caso concreto e, assim, “firmar os precedentes que

445 SANTOS, Aloysio. Recurso de revista: o recurso extraordinário trabalhista. Doutrina e práxis do recurso de revista. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 89. Neste sentido: “O Tribunal Superior do Trabalho tem por principal função institucional a uniformização da interpretação dada pelos diversos Tribunais Regionais do Trabalho às normas de direito material e processual, nos casos concretos submetidos ao seu julgamento”. TST. Notícias do TST, 10.11.2006. Disponível em http: //ext02.tst.jus.br/pls/no01/NO_NOTICIAS.Exibe_Noticia?p_cod_noticia=1099&p_cod_area_noticia=ASCS. Acesso em 29/12/2014. 446 MALLET, Estêvão. Do recurso de revista no processo do trabalho. São Paulo: Ltr, 1995, p. 19. 447 LIMA, Alcides de Mendonça apud SILVA, Carlos Alberto Barata. Recurso de revista na justiça do trabalho: cabimento. São Paulo: Ltr, 1972, p. 11. 448 COSTA, Orlando Teixeira da. Da admissão dos recursos de revista e de embargos. In: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, Bahia, n. 7, 1988, p. 87.

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vão nortear a atuação dos órgãos jurisdicionais [...] vinculados, e, ainda, sinalizar para os

jurisdicionados as balizas jurídicas a serem observadas nos seus atos e negócios em

sociedade”449.

E esta tarefa é exercida não só através do julgamento do recurso de revista, mas das

decisões firmadas pelos diversos órgãos do TST e, sobretudo, pela cristalização da ratio

decidendi em enunciados de súmulas e orientações jurisprudenciais aplicáveis à jurisdição

trabalhista.

É o que será examinado a seguir.

4.1.2 Eficácia da súmula do TST, da orientação jurisprudencial e do precedente

normativo

4.1.2.1 Prejulgado trabalhista

Antes do Tribunal Superior do Trabalho ser autorizado a editar súmula de sua

jurisprudência dominante450, lhe foi atribuída a competência para elaborar prejulgados

trabalhistas451, consoante previsto no art. 902 da CLT, cuja redação original passou por

449

ARRUDA, Kátia Magalhães; MILHOMEM, Rubem. A jurisdição extraordinária do TST na admissibilidade do recurso de revista. 2 ed. São Paulo: Ltr, 2014, p. 17. 450 Somente em agosto de 1969 o TST instituiu a Súmula de sua Jurisprudência Uniforme, cujo procedimento para edição, revisão e cancelamento foi disciplinado no seu Regimento Interno (arts. 175/185). 451 Cumpre fazer uma breve digressão histórica acerca da origem dos prejulgados. O embrião dos prejulgados foram os assentos editados pela Casa de Suplicação, já que as Ordenações Manuelinas incluíam, entre as atribuições da Casa de Suplicação, a eliminação de incertezas, extinguindo as dúvidas no exame das Ordenações e da lei. Como ensina Roberto Rosas: "As soluções eram convertidas em lei 'lato sensu'. Essas soluções denominavam-se assentos da Casa de Suplicação e foram mantidas na Ordenações Filipinas. Dispunha-se que caso surgisse dúvida na decisão do juiz da Casa de Suplicação no exame da Ordenações ou leis, propusessem-na ao Regedor, que, em plenário ou Mesa Grande dos Agravos, expô-la-ia aos demais juízes. Dirimida a dúvida, a solução seria convertida em deliberação, consignada no Livro Verde da Suplicação. Se a incerteza fôsse generalizada entre todos os membros da Suplicação, ou de pauta, ela seria submetida ao Rei, que a expungia através de carta de lei, alvará ou decreto. A Casa do Cível, após a Casa do Pôrto ou Relação, prolatava decisões em forma de assentos [...]. O Assento tomou feição brasileira, sômente extinguindo-se com a Constituição de 1891". ROSAS, Roberto. Do assento e do prejulgado à súmula do S.T.F. In: Revista dos Tribunais, ano 58, vol. 404, jun./1969, p. 19. Sobre os assentos da Casa de Suplicação conferir SOUZA, Marcus Seixas. Os precedentes na história do direito processual civil brasileiro: Colônia e Império. Dissertação de Mestrado. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2014, p. 75-82. Registre-se que o assento foi previsto na jurisdição brasileira no Decreto nº 2.684, de 26 de outubro de 1875, que outorgou força de lei aos assentos, tornando-os obrigatórios por todo o Império. O mesmo Decreto atribuiu competência ao Supremo Tribunal de Justiça para se valer dos assentos quando surgissem dúvidas no momento da aplicação das leis cíveis, comerciais e criminais materializadas pelo julgamento divergente de um mesmo Tribunal, da Relação e dos juízos de primeira instância. Conferir BATALHA, Wilson de Souza Campos. Instituições de direito processual do trabalho. São Paulo: Max Limonad, 1951, p. 477. Do assento passou-se, no Brasil, ao prejulgado previsto, inicialmente, no art. 22 da Lei nº 17, de 20 de novembro de 1891, do Estado de Minas Gerais. Em 1923 adotou-se o prejulgado na legislação processual do Distrito Federal (Decreto-lei nº 16.273- art. 103). No CPC/1939, o prejulgado adquiriu feição federal, como evidenciava o art. 861: "A requerimento de qualquer dos seus juízes, a Câmara ou Turma julgadora poderá promover o pronunciamento prévio das Câmaras reunidas sôbre a interpretação de qualquer

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algumas alterações promovidas pelos Decretos-lei nº 8.737/1946 e nº 9.797/1946 e a Lei nº

2.244/1954452.

O TST poderia instituir, na forma do seu Regimento Interno, prejulgados com eficácia

vinculante em relação aos demais órgãos da Justiça do Trabalho, podendo ser revisados ou

revogados (overruling) pelo Pleno do TST453. Tratava-se de um precedente obrigatório por

força de lei.

O Regimento Interno do TST permitia a criação do prejulgado tanto em decorrência

do julgamento do caso concreto ou quando observado que havia ou pudesse haver divergência

de interpretação de uma norma jurídica entre as turmas do próprio Tribunal Superior do

Trabalho ou entre os Tribunais Regionais, autorizando ao TST a se pronunciar em tese, de

forma prévia454.

A necessidade de fixar prejulgados na seara trabalhista derivou da crescente

preocupação com a multiplicidade de demandas, incentivada pela diversidade de

entendimentos acerca da interpretação da norma jurídica pelos tribunais regionais455, o que

norma jurídica, que reconhecer que sôbre ela ocorre, ou poderá ocorrer, divergência de interpretação entre Câmaras ou Turmas". Em 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho admitiu o prejulgado, lhe outorgando de forma expressa eficácia vinculante no art. 902, §4º, ao contrário da atribuída ao prejulgado do processo civil. Saliente-se que a admissão do prejulgado na seara trabalhista foi cogitada no projeto de Lei Orgânica da Justiça do Trabalho, quando vigente a Constituição de 1937, mas não foi acolhido pela Comissão, só vindo a existir com a CLT em 1943. Eis, em síntese, a incursão histórica pela qual passou o prejulgado. 452 Eis a redação final do art. 902 da CLT, após as modificações legislativas: "É facultado ao Tribunal Superior do Trabalho estabelecer prejulgados, na forma que prescrever o seu regimento interno. §1º Uma vez estabelecido o prejulgado, os Tribunais Regionais do Trabalho, as Juntas de Conciliação e Julgamento e os Juízes de Direito investidos na jurisdição da Justiça do Trabalho ficarão obrigados a respeitá-lo [...]". (destaques acrescidos aos original). Cumpre anotar que o efeito vinculante foi estabelecido desde a redação original do art. 902 em 1943, apenas era situado no §4º e não no §1º. 453 A possibilidade de revisão e revogação do prejulgado, ou seja, o seu overruling, estava estampada no §2º do art. 902 da CLT: "Considera-se revogado ou reformado o prejulgado sempre que o Tribunal Superior do Trabalho, funcionando completo, pronunciar-se em tese ou em concreto, sôbre a hipótese do prejulgado, firmando nova interpretação. Em tais casos, o acórdão fará remissão expressa à alteração ou revogação do prejulgado". Igual quórum para a formação do prejulgado era exigido para a sua superação ou reforma, ou seja, 2/3 dos Ministros que compõem o Tribunal, consoante se extraía do art. 185 do Regimento Interno do TST. 454 SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do Precedente Judicial à Súmula Vinculante. Curitiba: Juruá, 2011, p. 234 O Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho previa a possibilidade de pronunciamento prévio da seguinte forma: Art. 175: "Por iniciativa de qualquer dos seus Ministros, é facultado ao Tribunal Pleno, por ocasião do julgamento dos recursos de sua competência, pronunciar-se, previamente, para efeito de Prejulgado, sôbre a interpretação de norma jurídica, ao reconhecer que sôbre ela ocorre, ou possa ocorrer, divergência entre os Tribunais Regionais do Trabalho" . Os assentos, da época imperial, também se relacionavam ao direito "em tese". Assim, de acordo com o art. 2º, parágrafo único, 1º e 2º do Decreto nº 6.142/1876, "eram requisitos indispensáveis à regularidade da análise das minutas de assentos que as dúvidas que suscitassem a tomada do assento fossem oriundas em processos 'findos, depois de esgotados os recursos ordinários facultados por lei', e quando 'a divergência dos julgamentos tenha por objecto o direito o direito em these ou a disposição da lei, e não a variedade da applicação proveniente da variedade dos factos'". DIDIER JR., Fredie; SOUZA, Marcus Seixas. Formação do precedente e amicus curiae no direito imperial brasileiro: o interessante Dec. 6.142/1876. In: Revista de Processo, ano 38, vol. 220. São Paulo: Revista dos Tribunais, jun./2013, p.411. 455 “O prejulgado nada mais é do que o pronunciamento interpretativo, a priori, do Tribunal Superior do Trabalho sôbre norma jurídica de aplicação controvertida. Através dele, o mais alto colégio judiciário trabalhista do País uniformiza sua jurisprudência, fixando-lhe a orientação derradeira. As divergências de entendimento a

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"levou o legislador a estabelecer a possibilidade de outorga, pelo mais alto tribunal

especializado, de uma interpretação normativa absoluta, genérica e vinculativa, sob a forma

de prejulgado"456.

O objetivo era uniformizar a jurisprudência trabalhista, conferindo uma interpretação

unívoca que possibilitasse fixar a solução da controvérsia oriunda do conflito entre os

litigantes.

O prejulgado, na seara laboral, possuiu contornos distintos do produzido na esfera do

processo civil, o que se deveu, na concepção de Roberto Rosas, ao fato de o ramo trabalhista,

ser recente como integrante do Judiciário, ressentindo-se "da fixidez de normas já existentes

nos tradicionais ramos jurídicos"457. Ao lado disso, as constantes mutações sociais e

econômicas projetam seus efeitos com muito mais intensidade no direito do trabalho,

exigindo que ele acompanhe esta evolução e que o Poder Judiciário forneça as respostas

adequadas.

Pode-se dizer que a diferença entre o prejulgado do CPC/39 e o da CLT envolvia

questões de natureza formal e substancial458. A primeira se refere ao rito prescrito e é assim

sintetizada: a) no diploma processual civil o pronunciamento prévio que ensejaria na

construção do prejulgado poderia ser requerido por qualquer membro da Câmara ou Turma

julgadora, enquanto na órbita trabalhista, a provocação do pronunciamento prévio restringia-

se aos Ministros do TST, em reunião plenária; b) o prejulgado civil só poderia ser emitido

quando da apreciação de um recurso, ou seja, diante de um caso concreto. Já o trabalhista

permitia também que o prejulgado fosse gerado sem a existência do caso concreto (in

abstrato).

Do ponto de vista substancial, o prejulgado do processo civil era destituído, ao menos

formalmente459, de obrigatoriedade para as demandas futuras, sendo imperativo apenas para

respeito de leis de alcance social, multiplicadora dos pleitos judiciais, são estancadas por meio dos prejulgados, que, assim, contribuem para o descongestionamento dos órgãos trabalhistas”. BOMFIM, B. Calheiros. Prejulgados na íntegra e súmulas do TST e STF. 3 ed. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1970, p. 5. 456 FERRAZ, Sérgio. O prejulgado no direito processual trabalhista brasileiro. In: Revista de Direito da Procuradoria Geral, nº 23, 1970, p. 212. 457 ROSAS, Roberto. Do assento e do prejulgado à súmula do S.T.F. In: Revista dos Tribunais, ano 58, vol. 404, jun./1969, p. 20. 458

FERRAZ, Sérgio. O prejulgado no direito processual trabalhista brasileiro. In: Revista de Direito da Procuradoria Geral, nº 23, 1970, p. 213-214. 459 Hamilton de Moraes e Barros sustentava que o prejulgado do processo civil também era dotado de força obrigatória, mas a posição era minoritária na doutrina civilista. Cumpre transcrever alguns trechos de sua importante lição: "Perplexidade, hesitações, vacilações, sempre existiram e existirão, surgindo em inúmeras oportunidades. Mas, uma vez surgidas, cumpre sejam eliminadas, pois que o estado de incerteza é inconciliável com o Direito. E o prejulgado é, para isso, remédio eficientíssimo, eis que aclara a norma e a fixa, ou a estabelece; e acaba com a diversidade de entendimentos dentro de um mesmo Tribunal, pois que a segunda instância tem o destino de fracionar-se em Câmaras, ou Turmas; elimina, de vez, as dúvidas que surjam dentro

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dirimir a controvérsia apresentada em concreto, em sede recursal460. Não se pode ignorar,

contudo, que ele poderia servir de baliza para julgamento de casos análogos. O prejulgado

trabalhista, a seu turno, projetava seus efeitos para além do caso, fazendo incidir o

pronunciamento prévio em todos que veiculassem a matéria nele contemplada (§1º do art. 902

da CLT).

Justamente pelo seu caráter vinculante, o instituto sofreu acirradas críticas em face da

sua função de criar, de forma prévia e abstrata, normas gerais e cogentes, o que, no entender

da doutrina461, só poderia ser atribuído à lei e ao legislador, considerando o princípio da

separação dos poderes462. Não seria da competência do Judiciário legislar por meio de

disposição prevista por lei ordinária (CLT), de modo que o artigo 902 da CLT, sobretudo o

dos limites de uma jurisdição, possibilitando até a tarefa unificadora do recurso extraordinário da letra d do permissivo constitucional, se a dúvida ocorrer em condições de provocar o pronunciamento do Pretório Excelso". BARROS, Hamilton de Moraes e. O prejulgado no processo civil brasileiro. In: Revista Forense, ano 56, vol. 182. Rio de Janeiro, mar./abr. 1959, p. 56. E mais adiante o mesmo autor assinala: "É universal o problema da busca da unidade da jurisprudência. Liga-se êle ao problema da unidade da lei. A lei deixará de ser norma geral, uniforme, como se seu conceito, para degradar-se em arbítrio, em surprêsa, em insegurança, se não fôr uniformemente aplicada. A igualdade de disposição impõe a igualdade da interpretação e de aplicação. Liga-se até ao problema da igualdade de todos perante a lei". BARROS, Hamilton de Moraes e. O prejulgado no processo civil brasileiro. In: Revista Forense, ano 56, vol. 182. Rio de Janeiro, mar./abr. 1959, p. 60. Infelizmente, as suas ideias não foram acolhidas pela doutrina da época, preocupada em proteger a incolumidade do princípio da separação dos poderes e uma visão distorcida do "livre" convencimento do juiz. Sérgio Ferraz, por exemplo, menciona de forma reiterada o pensamento de Hamilton de Moraes e Barros ao longo do seu texto, rotulando-o como uma posição isolada na doutrina; preocupa-se em refutar os seus argumentos para sustentar a ausência de eficácia normativa dos prejulgados do processo civil e a inconstitucionalidade da atribuída aos prejulgados trabalhistas. FERRAZ, Sérgio. O prejulgado no direito processual trabalhista brasileiro. In: Revista de Direito da Procuradoria Geral, nº 23, 1970, p. 211-248. 460 A Exposição de Motivos do Anteprojeto do Código de Processo Civil de 1939 demonstrou que não havia intenção de conferir efeito vinculante ao prejulgado em matéria civil, como consignou Alfredo Buzaid: "[...] o prejulgado, por seu turno, é desprovido de fôrça obrigatória; vale como um excelente roteiro de jurisprudência, mas a sua eficácia é antes teórica que prática, antes potencial que real. É que os juízes estão submetidos só ao império do direito e por isso decidem non exemplis, sed legibus". p. 30. BRASIL, Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. Exposição de motivos do anteprojeto do CPC de 1939. Congresso Nacional. Decreto-lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939. A posição refratária ao exercício do poder normativo pelo juiz no momento de julgar (criando normas jurídicas cujos efeitos transcendem ao caso concreto) reflete a concepção que imperava na comunidade jurídica da época, ainda adepta ao dogma da separação dos poderes e da independência do magistrado, que seria aviltada se fosse obrigado a seguir o entendimento consubstanciado no prejulgado. Estes também foram os argumentos que motivaram a revogação do prejulgado trabalhista, o que constituiu um lamentável equívoco. 461 Podem-se citar como partidários da tese da inconstitucionalidade dos prejulgados trabalhistas: BOMFIM, Benedito Calheiros. Prejulgados e súmulas na justiça do Trabalho. In: Revista Ltr, v. 39. São Paulo: Ltr, p. 1250-1275; ROCHA, Osiris. Da inconstitucionalidade do prejulgado trabalhista. In: Revista Ltr, v. 37. São Paulo: Ltr, abr./1973, p. 314-318. Em sentido contrário, ASCENÇÃO, José de Oliveira. A constitucionalidade do prejulgado trabalhista. In: Revista Ltr, v. 42. São Paulo: Ltr, out./1978, p. 1215-1222; BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado elementar de direito do trabalho. vol. 2. Rio de Janeiro: José Konfino, 1960, p.676-678. 462 “Com efeito, não poderia a lei ordinária ter outorgado competência a um tribunal para baixar normas que tivessem força vinculativa e que obrigassem as instâncias inferiores e, por via de consequência, os interlocutores sociais a seu cumprimento. Estava a lei ordinária dando competência ao Judiciário para legislar, o que, como é consabido, é função privativa do Legislativo. Na hipótese, a lei ofendia claramente ao princípio da tripartição dos Poderes da República, os quais, conforme o disposto no art. 2º da Constituição Federal, são independentes e harmônicos”. MARTINS, Nei Frederico Cano. A súmula vinculante no âmbito trabalhista. In: Repertório IOB de Jurisprudência: trabalhista e previdenciário, n. 22, Nov./ 1996, p. 383.

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seu §1º, seria inconstitucional por usurpar competência que não lhe era atribuída pela Carta

Magna463.

Partidário da tese da inconstitucionalidade do prejulgado trabalhista com efeito

vinculante, Sérgio Ferraz sustenta que o caráter legislativo do prejulgado ofendia: a) o

princípio da separação dos poderes (art. 36 da CF/1946); b) o da legalidade, já que só a lei

poderia criar norma com caráter geral e abstrato; c) a própria igualdade perante a lei, que a

política de uniformidade jurisprudencial visa resguardar, permitindo que a interpretação do

judiciário imperasse sobre o texto da lei, enquanto isso não ocorria com os prejulgados

civis464; d) o da independência intelectual, pois o magistrado ao ter que se curvar ao

prejulgado agiria "como autômato sem perquirir, investigar, analisar ou interpretar à regra

aplicável à espécie"465.

Mas o autor reconhece a importância da uniformidade jurisprudencial, "de um lado

como instrumento assecuratório de efetivação da garantia constitucional de igualdade perante

a lei, do outro lado como meio assecuratório da unidade do direito positivo, meta suprema da

codificação"466. Contudo, entende que a legitimidade do prejulgado trabalhista pressupunha,

necessariamente, a indicação da matriz constitucional que o amparasse, o que, para ele, não

existia.

Sustenta-se, todavia, ao contrário do exposto por Sérgio Ferraz, que a produção de

efeitos vinculantes pela norma jurídica construída pelo juiz, a exemplo dos extintos

prejulgados, pode sim ser extraída da Constituição. Como já dito, a estruturação do

ordenamento brasileiro de forma hierárquica, incumbindo a função uniformizadora aos

tribunais superiores, corrobora essa assertiva. Uma leitura da Carta Magna, mesmo a de 1946,

à luz do paradigma da criatividade judicial e da sua ativa participação na construção da norma

jurídica, permite situar o poder normativo jurisprudencial como função típica do Poder

Judiciário.

A estabilidade da jurisprudência, proporcionada com a sua uniformidade no que toca a

interpretação da lei, possibilita concretizar a igualdade assentada na Constituição e a própria

463 O art. 36 da CF/1946 elencava como Poderes da União o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, estabelecendo que eram independentes e harmônicos entre si. O §1º vedava que um Poder exercesse a função do outro, salvo as exceções previstas na Constituição, proibindo, ainda, a delegação de atribuições entre os Poderes, consoante rezava o §2º do mesmo artigo. Com fundamento neste dispositivo constitucional entendia-se que o Judiciário não poderia editar prejulgados com força cogente, pois usurparia competência do Legislativo. 464

FERRAZ, Sérgio. O prejulgado no direito processual trabalhista brasileiro. In: Revista de Direito da Procuradoria Geral, nº 23, 1970, p. 243. 465

FERRAZ, Sérgio. O prejulgado no direito processual trabalhista brasileiro. In: Revista de Direito da Procuradoria Geral, nº 23, 1970, p. 243. 466 FERRAZ, Sérgio. O prejulgado no direito processual trabalhista brasileiro. In: Revista de Direito da Procuradoria Geral, nº 23, 1970, p. 240.

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segurança jurídica do ordenamento, que também ostenta assento constitucional. Logo, o

caráter normativo aflora, ao revés do quanto consignado pelo autor, da própria Constituição

Federal.

Por derradeiro, o juiz ao aplicar o prejulgado não se converte em um autômato,

perdendo a sua função interpretativa. Como já exposto, o magistrado sempre deverá fazer uma

análise comparativa do paradigma com o caso a ser julgado, podendo haver diferença

substancial entre eles, apta a autorizar a realização da distinção (distinguishing), deixando de

incidir a ratio decidendi do precedente vinculante. A aplicação não é, pois, automática e

irrefletida.

Os argumentos utilizados pela doutrina da época são os mesmos utilizados pela

doutrina atual refratária a adoção do sistema de precedentes no Brasil e, como já visto, não se

justificam.

Apesar das críticas, o prejulgado trabalhista sobreviveu por trinta e quatro anos467 e

sedimentou a estrutura do sistema de precedentes no âmbito trabalhista e a cultura de respeito

às teses jurídicas fixadas pelo TST, o que se revestiu de fundamental importância para

assegurar a eficácia das súmulas e o alto grau de autoridade que elas comportam no

ordenamento.

Em 12.05.1977, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art.

902 da CLT468, o que culminou na edição da Lei nº 7.033, de 05 de outubro de 1982,

fulminando o instituto pela sua inconstitucionalidade e o extirpando expressamente da

CLT469. Os prejulgados foram convertidos em súmulas através da Resolução Administrativa

nº 102/82470.

467 “Nada mais importante na Justiça do Trabalho do que os prejulgados. Ninguém mais pode ignorá-los ou subestimá-los, uma vez que sua autoridade e alcance impõem-se, hoje, de forma irrecusável. Embora acoimado de inconstitucional, porque encerraria verdadeira delegação de podêres e por se constituir em favor de estagnação de direito, o certo é que o prejulgado se tornou uma prática de todos os dias, está inscrito na lei e incorporado ao Regimento do Tribunal Superior do Trabalho, e, como tal, tem sido acatado”. BOMFIM, B. Calheiros. Prejulgados na íntegra e súmulas do TST e STF. 3 ed. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1970, p. 5. Destaque-se que apesar de instituído desde 1943, o primeiro prejulgado só foi editado pelo TST em outubro de 1963. 468 Isto foi feito através da Representação nº 946/DF, que apesar de não conhecida deixou consignado a inconstitucionalidade do art. 902 da CLT em face da Constituição de 1946. 469 Art. 1º da Lei nº 7.033/1982: "Ficam revogadas as disposições contidas no §3º do art. 899 e no artigo 902 e seus parágrafos da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. (destaques aditados ao original) 470 Resolução Administrativa nº 102/82. "Art. 1.º — Considerar extintos todos os Prejulgados do TST, à exceção do de n.º 56, que decorre de autorização dada ao Tribunal pelo art. 1.º, §3.º, do Decreto-lei n.º 15, de 29 de julho de 1966, o qual será considerado, nos termos do referido Decreto-lei, como Instrução Normativa n.º 1 do TST; Art. 2.º — Aproveitar os enunciados dos antigos Prejulgados como Súmulas e numerá-las a partir da última, que tem o número 129; Art. 3.º — Autorizar o Presidente do Tribunal a tomar as providências necessárias para o imediato cumprimento da presente Resolução, mandando publicar, posteriormente, todas as Súmulas no órgão oficial". TST. Resolução Administrativa nº 102/82, Disponível em

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A revogação deste instituto, contudo, não foi capaz de destruir os alicerces de uma

consistente estrutura normativa jurisprudencial edificada pelo TST na órbita trabalhista. Os

prejulgados saíram de cena, mas as súmulas, as orientações jurisprudenciais e os precedentes

normativos, editados pelo Tribunal Superior do Trabalho, intensificaram a sua eficácia e

continuaram a desenvolver um importante papel na construção das soluções jurídicas

adequadas para dirimir os conflitos individuais e coletivos decorrentes das relações

trabalhistas.

Sem estes instrumentos seria difícil resolver as causas trabalhistas, pois a legislação

não consegue fornecer as respostas necessárias para solucioná-las, considerando as

peculiaridades dos conflitos trabalhistas, a imperatividade e, ao mesmo tempo, a flexibilidade

das suas normas, a dicotomia entre o interesse público e o da coletividade com o interesse

individual e a autonomia da vontade, além das significativas lacunas da CLT, sobretudo no

âmbito processual.

Antes de examinar, porém, a eficácia da súmula, da orientação jurisprudencial e do

precedente normativo editados pelo Tribunal Superior do Trabalho, convém delimitar os

institutos.

4.1.2.2 Súmula do Tribunal Superior do Trabalho

A necessidade de edição de súmula, para refletir a jurisprudência dominante do

Tribunal Superior do Trabalho, surgiu com o Decreto-lei nº 229, de 28 de fevereiro de 1967,

que autorizou o indeferimento dos embargos, endereçados ao Tribunal Pleno do TST, quando

a decisão recorrida estivesse "em consonância com prejulgado ou jurisprudência uniforme do

mesmo Tribunal", conforme estabelecia o art. 894, §3º, b da CLT471, com a redação dada pelo

Decreto.

O mesmo regramento se aplicava na hipótese de recurso de revista, que poderia ser

rejeitado liminarmente quando a decisão recorrida estivesse em consonância com prejulgado

http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/4690/1982_ra0102.pdf?sequence=1, Acesso em 30/12/2014. 471 Art. 894, §3º, "b" da CLT, de acordo com a redação do Decreto-lei nº 229/1967: §3º "No Tribunal Superior do Trabalho, cabem embargos para o Tribunal Pleno, opostos nos 5 (cinco) dias seguintes ao da publicação das conclusões do acórdão: [...] b) das decisões das Turmas, que forem contrárias à letra de lei federal ou que divergirem entre si ou de decisão proferida pelo Tribunal Pleno, cumprindo ao presidente da Turma indeferir os embargos quando não se caracterizar a contrariedade à letra da lei federal ou a decisão recorrida estiver em consonância com prejulgado ou jurisprudência uniforme do mesmo Tribunal." (destaques aditados ao original).

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ou jurisprudência uniforme do TST, consoante o art. 896, a da CLT, também alterado por

força do Decreto.

Logo depois, a Lei nº 5.442, de 24 de maio de 1968, seguindo a mesma diretriz,

simplificou a redação do art. 894 da CLT, suprimindo seu antigo caput, respectivos incisos e

os parágrafos primeiro e segundo. O § 3º, acima referido, converteu-se em caput, mantendo-

se a alínea "a" incólume e imprimindo um texto mais preciso à alínea "b", nestes exatos

termos:

Art. 894. Cabem embargos, no Tribunal Superior do Trabalho, para o Pleno, no prazo de 5 (cinco) dias a contar da publicação da conclusão do acórdão:

[...]

b) das decisões das Turmas contrárias à letra de lei federal, ou que divergirem entre si, ou da decisão proferida pelo Tribunal Pleno, salvo se a decisão recorrida estiver em consonância com prejulgado, ou com jurisprudência uniforme do Tribunal Superior do Trabalho. (destaques aditados ao original)

O art. 896 da CLT também sofreu uma pequena alteração, mas foi preservada a

possibilidade de negar seguimento a recurso de revista que atacasse decisão recorrida que

refletisse a tese enunciada no prejulgado ou extraída da jurisprudência uniforme da Corte

Trabalhista.

Diante destes preceitos legais, o TST precisava de um instrumento que veiculasse, de

forma clara e precisa, o seu entendimento dominante sobre determinada matéria, fixando o

sentido da norma jurídica por ele interpretada em reiteradas decisões, a fim de dar

cumprimento aos dispositivos da CLT. Para isso, é bom frisar, existiam os prejulgados, mas o

instituto, tão criticado no tocante a sua constitucionalidade, não era usado com habitualidade

pelo Tribunal Superior do Trabalho, que parecia dele se valer como medida extrema472,

editando o primeiro prejulgado somente em 1963, vinte anos depois da sua criação pela CLT

(art. 902).

A premente necessidade de uniformizar a sua jurisprudência e cristalizá-la

adequadamente, sobretudo após erigida ao status de pressuposto de admissibilidade recursal

pelo Decreto-lei nº 229 e pela Lei nº 5.442473, seguindo o caminho já trilhado pelo STF desde

472 "A força do prejulgado trabalhista - coactando a liberdade de decidir de todos os órgãos da Justiça do Trabalho - deve ser considerada medida extrema, usada nos temas candentes, depurados em longas decantações doutrinárias, para garantir a uniformidade da jurisprudência trabalhista nacional". RUSSOMANO, Mozart Victor. A ressurreição da tese da inconstitucionalidade do prejulgado trabalhista na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: Revista Ltr, vol. 41. São Paulo: Ltr, ago./1997, p.1015. 473

“A criação das súmulas foi incentivada pela Lei n. 5.442/1968, que introduziu como pressuposto de admissibilidade recursal a exigência que a decisão estivesse em desconformidade com a jurisprudência uniforme daquela corte. A dificuldade em indicar a jurisprudência uniforme foi um estímulo suplementar para a criação

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1963474, o TST, em agosto de 1969, instituiu a Súmula de sua Jurisprudência Uniforme, cujo

procedimento para edição, revisão e cancelamento foi disciplinado no seu Regimento Interno

(arts. 175/185)475.

Com a revogação dos prejulgados pela Lei nº 7.033/1982, a súmula assumiu um papel

ainda mais importante no ordenamento trabalhista, se consolidando como autêntico meio para

disseminar, delimitar e enunciar a tese jurídica adotada pelo TST na solução de uma

controvérsia.

A súmula possui um grau de definitividade e de autoridade mais alto do que as Oj’s e

os precedentes normativos em face do quórum qualificado que exige e do órgão (Tribunal

Pleno) a quem compete a apreciação do projeto, já aprovado, que culminará em sua edição,

revisão ou cancelamento476, consoante art. 702, f da CLT477 e arts. 159/166 do Regimento

Interno do TST.

A proposta de edição de súmula firmada por, pelo menos, dez Ministros do TST

deverá ser encaminhada ao Presidente do Tribunal, que a enviará à Comissão de

Jurisprudência e Precedente Normativo para emissão de parecer no prazo de trinta dias. Findo

o prazo, o Presidente o encaminha para ser submetido ao Tribunal Pleno, como reza o art. 163

do RITST.

A proposta ainda pode ser de iniciativa de qualquer Ministro do TST, no exercício da

atividade jurisdicional, ou formulada pela própria Comissão de Jurisprudência e Precedente

Normativo por meio de um projeto, sendo sempre submetido à apreciação do Tribunal

Pleno478.

O art. 165 exige, ainda, que o projeto atenda a um dos seguintes pressupostos:

I – três acórdãos da Subseção Especializada em Dissídios Individuais, reveladores de unanimidade sobre a tese, desde que presentes aos julgamentos pelo menos 2/3 (dois terços) dos membros efetivos do órgão;

das súmulas”. HOPPE, Ricardo. O ativismo judicial do TST na edição de súmulas. In: Revista Ltr, vol. 78, nº 3. São Paulo: Ltr, mar./2014, p. 325. O autor esqueceu, contudo, de fazer referência ao Decreto-lei nº 229/1967, que já se reportava à jurisprudência uniforme do TST como pressuposto de admissibilidade recursal antes da Lei nº 5.442/1968. 474 O STF instituiu suas súmulas em 1963, através da Emenda regimental aprovada em 28 de agosto de 1963. 475 Atualmente, o procedimento para edição, revisão e cancelamento da súmula está albergado nos arts. 159 a 166 do Regimento Interno do TST. Veja-se que há uma preocupação de dar efetividade aos já citados arts. 894 e 896 da CLT, como evidencia o art. 160 do RI: "Para efeito do disposto nos arts. 894, II, e 896, “a” e “b”, e §§ 3.º, 4.º, 5.º e 6.º, da Consolidação das Leis do Trabalho, será consubstanciada em Súmula a jurisprudência predominante do Tribunal Superior do Trabalho". 476 Art. 166 do RITST. "A edição, revisão ou cancelamento de Súmula serão objeto de apreciação pelo Tribunal Pleno, considerando-se aprovado o projeto quando a ele anuir a maioria absoluta de seus membros". 477 Art. 702, f da CLT: “Ao Tribunal Pleno compete: [...] f) estabelecer Súmulas de jurisprudência uniforme, na forma prescrita no regimento interno” (redação determinada pela Lei nº 7.033, de 05 de outubro de 1982). 478 Conferir arts. 162 e 163, §2º do RITST.

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II – cinco acórdãos da Subseção Especializada em Dissídios Individuais, prolatados por maioria simples, desde que presentes aos julgamentos pelo menos 2/3 (dois terços) dos membros efetivos do órgão;

III – quinze acórdãos de cinco Turmas do Tribunal, sendo três de cada, prolatados por unanimidade; ou

IV – dois acórdãos de cada uma das Turmas do Tribunal, prolatados por maioria simples.

§ 1.º Os acórdãos catalogados para fim de edição de Súmula deverão ser de relatores diversos, proferidos em sessões distintas.

§ 2.º Na hipótese de matéria revestida de relevante interesse público e já decidida por Colegiado do Tribunal, poderá qualquer dos órgãos judicantes, a Comissão de Jurisprudência e Precedentes Normativos, a Procuradoria-Geral do Trabalho, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ou Confederação Sindical, de âmbito nacional, suscitar ou requerer ao Presidente do Tribunal apreciação, pelo Tribunal Pleno, de proposta de edição de Súmula. Nesse caso, serão dispensados os pressupostos dos incisos I a IV deste artigo, e deliberada, preliminarmente, por dois terços dos votos, a existência de relevante interesse público.

Porque esse procedimento é mais rigoroso do que para edição de orientações

jurisprudenciais e precedentes normativos, exigindo a maturação da tese enunciada na súmula,

há o uso mais recorrente e substancial nas decisões e peças processuais, além de serem citadas

reiteradas vezes na legislação, sobretudo no tocante ao cabimento do recurso de revista (art.

896 da CLT).

Com efeito, o atual art. 896, “a” da CLT, após sucessivas alterações, admite recurso de

revista, para as turmas do Tribunal Superior do Trabalho, das decisões proferidas pelos

Tribunais Regionais do Trabalho, em grau de recurso ordinário em dissídio individual,

quando contrariarem súmula de jurisprudência uniforme do TST479 e súmula vinculante do

STF480.

Observe-se que a própria lei determina a incidência da súmula do TST em sede de

recurso de revista, com especial força decisória481, cuja violação constitui, ao lado da violação

à lei ou à CF, hipótese de cabimento deste recurso, com vistas a assegurar a higidez do direito

trabalhista.

479 Apesar de não constar expressamente na lei, o TST também admite recurso de revista quando a decisão recorrida contrariar Orientação Jurisprudencial do TST, já que representa a sua jurisprudência uniforme, consoante se extrai da OJ 219 da SDI-I do TST: “É válida, para efeito de conhecimento do recurso de revista ou de embargos, a invocação de Orientação Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho, desde que, das razões recursais, conste o seu número ou conteúdo”. 480 A súmula vinculante do STF foi acrescida pela Lei nº 13.015/2014 como hipótese de cabimento do recurso de revista. 481 ARRUDA, Kátia Magalhães; MILHOMEM, Rubem. A jurisdição extraordinária do TST na admissibilidade do recurso de revista. 2 ed. São Paulo: Ltr, 2014, p. 16.

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Nas causas sujeitas ao procedimento sumaríssimo, atribui-se um status especial à

súmula do TST, pois só se admite recurso de revista das decisões que violem de modo direto a

Constituição Federal e que contrariem a súmula do TST e a súmula vinculante do STF (Lei

13.015/2014).

Verifica-se, com isso, que a própria lei foi excluída como hipótese de cabimento da

revista no rito sumaríssimo, restringindo-se à súmula do TST e à violação frontal à CF (art.

896, §9º). A força da súmula, neste caso, suplanta a da norma legal ao viabilizar o cabimento

de recurso.

O relator pode ainda, liminarmente, negar seguimento a recurso de revista, embargos

ou agravo de instrumento quando a decisão recorrida estiver em consonância com súmula do

TST, à semelhança do que prescreviam o Decreto-lei nº 229 e pela Lei nº 5.442. A Lei nº

13.015/2014 autoriza, inclusive, a dispensa do preparo em agravo de instrumento se a

finalidade for destrancar recurso de revista que desafia decisão contrária à jurisprudência

uniforme do TST, consubstanciada nas suas súmulas ou em orientação jurisprudencial (art.

899, §8º).

Os dispositivos legais ora examinados demonstram que as súmulas da Corte Superior

exercem “função paradigmática na interposição dos recursos trabalhistas, servindo de veículo

tranquilo para o conhecimento e o provimento - se a decisão recorrida o contrariou - ou de

imediato corte em sua pressuposição, se a decisão é convergente com a tese nele

enunciada”482.

4.1.2.3 Orientação jurisprudencial

A orientação jurisprudencial serve para direcionar o julgamento dos órgãos inferiores

sobre a questão nela retratada, já que enuncia de forma clara e unívoca o entendimento

dominante do TST sobre dada matéria, indicando a interpretação vigente da Corte Superior

Trabalhista483.

Ela não é dotada, entretanto, do caráter de definitividade e maturação que apresenta a

súmula, representando uma via intermediária484, ou, nas palavras de Valentin Carrion, "um

482 MELLO FILHO, Álvaro. Direito Sumular Brasileiro. In: Revista dos Tribunais on line, p. 8. Disponível em <www.revistadostribunaisonline.com.br>, Acesso em 30/12/.2014. 483 CALICHMAN, Flávio. Enunciados de Súmula do Tribunal Superior do Trabalho: considerações gerais, formação e aplicação. São Paulo: Faculdade de Direito - USP. Dissertação de mestrado. 2002, p. 63. 484 "Logo, as orientações jurisprudenciais muitas vezes funcionam como simples antecedentes sobre interpretação de tese sobre tema ainda não abordado em súmula e outras vezes como aspectos ou nuances relativos a temas já interpretados pelo TST, contidos nas súmulas". BELMONTE, Alexandre Agra. O novo

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estágio intermediário no processo de uniformização de jurisprudência"485, que pode conduzir,

após a consolidação da matéria nela evidenciada, na conversão em súmula486 ou precedente

normativo, obedecendo o procedimento previsto no Regimento Interno do TST e examinado

anteriormente.

Diz-se que as matérias compendiadas nas orientações jurisprudenciais ainda precisam

de amadurecimento e esperam o momento propício para a sua sumulação, porque exigem um

quórum menos qualificado e um procedimento mais simples para a sua aprovação, além de

não serem deliberadas no Tribunal Pleno. Não espelha, assim, o entendimento mais abalizado

do TST.

A edição, a revisão e o cancelamento das orientações jurisprudenciais são propostas

pela Comissão de Jurisprudência e de Precedentes Normativos, constituída por três Ministros

titulares e um suplente, designados pelo Órgão Especial, conforme art. 53, caput e III do

RITST.

As propostas são encaminhadas e se, aprovadas, são editadas como orientações

jurisprudenciais do Tribunal Pleno/Órgão Especial, da Seção de Dissídios Individuais I, que

edita também as Orientações Jurisprudenciais Transitórias487, Seção de Dissídios Individuais

II, responsável por fixar o entendimento do TST sobre questões relacionadas ao mandado de

segurança, ação rescisórias e habeas corpus, e, por fim, para a Seção de Dissídios Coletivos

(SDC). sistema recursal trabalhista (Lei nº 13.015/2014): influência do projeto do novo CPC. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo:Lex Magister, out./dez. 2014, p. 18. 485 CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 762 486 Cumpre diferenciar súmula de orientação jurisprudencial utilizando a distinção feita pelo próprio TST: “As Orientações Jurisprudenciais correspondem a um posicionamento convergente entre os órgãos julgadores do TST em suas respectivas atribuições, mas especificamente suas [...] Turmas e a SDI-1, SDI-2, além do Pleno principal (órgão julgador) e da Seção de Dissídios Coletivos (SDC). Cada OJ possui como fundamento de sua criação os precedentes estabelecidos pelos órgãos de julgamento do TST e sinalizam a direção que está sendo adotada pelo Tribunal em determinados temas. A Oj, contudo, não possui o caráter de maior definitividade comum às Súmulas, que espelham uma consolidação mais ampla da posição do TST sobre um determinado tema. A diferença entre Súmula e OJ torna-se mais clara quando se verifica que a primeira é deliberada pelo Pleno (reúne todos os Ministros do Tribunal), e a segunda é criada pela Comissão de Jurisprudência”. TST. NOTÍCIA DO TST, 15/05/2007. Disponível em http: //ext02.tst.jus.br/pls/no01/NO_NOTICIAS.Exibe_Noticia?p_cod_noticia=7657&p_cod_area_noticia=ASCS&p_txt_pesquisa=s%FAmulas.. Acesso em 30/12/2014. 487 As orientações jurisprudenciais transitórias se aplicam a casos específicos de determinada categoria profissional ou empresa numa situação concreta, como se observa da OJ transitória nº 70 relacionada à Caixa Econômica Federal: "OJ-SDI1T-70 CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. BANCÁRIO. PLANO DE CARGOS EM COMISSÃO. OPÇÃO PELA JORNADA DE OITO HORAS. INEFICÁCIA. EXERCÍCIO DE FUNÇÕES MERAMENTE TÉCNICAS. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE EXERCÍCIO DE FUNÇÃO DE CONFIANÇA (DEJT divulgado em 26, 27 e 28.05.2010) Ausente a fidúcia especial a que alude o art. 224, § 2º, da CLT, é ineficaz a adesão do empregado à jornada de oito horas constante do Plano de Cargos em Comissão da Caixa Econômica Federal, o que importa no retorno à jornada de seis horas, sendo devidas como extras a sétima e a oitava horas laboradas. A diferença de gratificação de função recebida em face da adesão ineficaz poderá ser compensada com as horas extraordinárias prestadas".

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163

Da proposta de edição das orientações jurisprudenciais formulada pela Comissão de

Jurisprudência e Precedentes Normativos resultará, nos termos do art. 167 do RITST, "um

projeto, que será devidamente instruído com a sugestão do texto, a exposição dos motivos que

justificaram a sua edição, a relação dos acórdãos que originaram os precedentes e a indicação

da legislação pertinente à hipótese". Tal projeto deverá ser encaminhado para os Ministros

que, no prazo de quinze dias, poderão apresentar sugestões ou objeções pertinentes (art. 167,

§1º).

Findo o prazo, a Comissão, após examinar as sugestões/objeções dos Ministros

deliberará conclusivamente sobre o projeto, conforme §2º do art. 167; sendo aprovado, será

editada a orientação jurisprudencial vinculada a um dos órgãos do TST acima enumerados

(Tribunal Pleno/Órgão Especial, SDI-I, SDI-II), considerando os pressupostos dos arts.

170488/171489.

O procedimento previsto no art. 167 do RITST também se aplica ao precedente

normativo; a respectiva proposta, porém, deve revelar a tese jurídica extraída, de forma

unânime, de três acórdãos da Seção Especializada em Dissídios Coletivos, desde que

presentes 2/3 dos membros efetivos do órgão. Ou, cinco acórdãos prolatados por maioria

simples com o mesmo quórum, conforme regra estabelecida no art. 168 do Regimento Interno

do TST.

O tópico seguinte cuidará de delimitar o precedente normativo na arquitetura

jurisprudencial.

4.1.2.4 Precedente normativo

O precedente normativo também funciona como instrumento para uniformizar a

jurisprudência trabalhista, mas se restringe ao âmbito do Direito Coletivo do Trabalho,

dinamizando o seu julgamento. O substrato destes precedentes é obtido a partir das sentenças

normativas, proferidas em sede de dissídio coletivo490, e que acabam por constituir a

488 Art. 170 do RITST. "A proposta de orientação jurisprudencial do Órgão Especial deverá atender a um dos seguintes pressupostos: I - três acórdãos do Tribunal Pleno ou do Órgão Especial, reveladores da unanimidade sobre a tese, desde que presentes aos julgamentos pelo menos 2/3 (dois terços) de seus membros; ou II - cinco acórdãos do Tribunal Pleno ou do Órgão Especial, prolatados por maioria simples, desde que presentes aos julgamentos pelo menos 2/3 (dois terços) de seus membros". 489 Art. 171 do RITST. "A proposta de instituição de nova orientação jurisprudencial da Seção Especializada em Dissídios Individuais deverá atender a um dos seguintes pressupostos: I – dez acórdãos da Subseção respectiva reveladores da unanimidade sobre a tese; ou II – vinte acórdãos da Subseção respectiva prolatados por maioria de dois terços de seus integrantes". 490 TEIXEIRA FILHO, João de Lima. Instituições de Direito do Trabalho.17 ed. São Paulo: Ltr, 1997, p. 171.

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jurisprudência iterativa da Secção de Dissídios Coletivos sobre determinadas condições de

trabalho491.

Por meio deles, o Tribunal Superior do Trabalho cristaliza as condições de trabalho

que foram fixadas pela jurisdição trabalhista, no exercício do poder normativo estampado no

art. 114, §2º da Constituição Federal de 1988, para uma determinada categoria em sede de

julgamento de dissídio coletivo, podendo ser aplicados ou não a outras categorias, a depender

da matéria discutida, das condições similares de trabalho, das condições econômicas e de

outros fatores.

A competência para o TST aprovar precedentes normativos foi outorgada pela Lei nº

7.701/1988, no art. 4º, alínea "d"492, possibilitando a sedimentação da sua jurisprudência

dominante também em matéria de Direito Coletivo, que pode assumir a forma positiva ou

negativa.

O precedente normativo é classificado como positivo quando a maioria dos Ministros

do TST, ao julgarem o dissídio coletivo, na sua forma originária ou recursal, adota posição

convergente à aplicação da cláusula contida no precedente, aplicando-o à categoria

profissional e econômica envolvidas no dissídio. Por sua vez, a feição negativa é revelada

quando a maioria dos Ministros do TST nega o seu conteúdo, não concedendo a cláusula

enunciada no precedente normativo, isto é, excluindo-a como condição de trabalho a ser

observada.

Orlando Teixeira Costa493 explica o formato negativo do precedente normativo do

seguinte modo:

O Precedente Normativo n. 2, por exemplo, registrava: Abono pecuniário ao empregado estudante com 01 mês de trabalho", Quem lesse esta enunciação era capaz de concluir, pela sua redação em forma positiva, que a norma costumava ser deferida pelo TST. Entretanto, era exatamente o contrário que acontecia, pois na composição do TST de dezessete Ministros e com um quorum de apenas quatorze, doze não concediam a cláusula e apenas dois a concediam. Esse precedente era, pois, como ainda continua a ser, negativo. A natureza negativa da condição, no

491 "Os precedentes normativos consubstanciam-se em registros das decisões tomadas nas sentenças normativas, isto é, decisões oriundas dos dissídios coletivos, com intenção de uniformizá-las mais tarde. Quando as condições reivindicadas na peça inicial da ação coletiva são concedidas por diversas decisões coletivas os precedentes são positivos, quando denegadas, são negativos". CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 5 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011, p. 76. 492 Orlando Teixeira da Costa alerta que a Lei nº 7.701, de 21 de dezembro de 1988, embora tenha legalizado os precedentes normativos "não os criou, pois eles já haviam sido precariamente colecionados pela Secretaria do Tribunal, por determinação do Colegiado, com a finalidade de contribuir, como de fato contribuíram, para a celeridade do julgamento dos dissídios coletivos". COSTA, Orlando Teixeira da. Breve introdução aos precedentes normativos do TST. São Paulo: Ltr, 1992, p. 11. 493 COSTA, Orlando Teixeira da. Breve introdução aos precedentes normativos do TST. São Paulo: Ltr, 1992, p. 24. Registre-se que o precedente normativo nº 2 acima referido foi cancelado pela Seção de Dissídios Coletivos (SDC) do TST em 14/09/1998, homologado pela Resolução nº86/1998, DJ 15/10/1998.

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entanto, é, hoje, identificável pela simples redação que foi assim publicada: 'Não se concede abono pecuniário ao empregado estudante com 1 (mês) de trabalho'.

Em síntese, os precedentes negativos normalmente são identificados pela negativa da

condição que eles expressam, ou seja, possuem o termo "não" antes da cláusula normativa

descrita, evidenciando que a condição deve ser indeferida, excluída, portanto, da sentença

normativa494.

Assim, servem de baliza para os tribunais inferiores no julgamento dos dissídios

coletivos, devendo se espelhar na orientação do TST para deferir ou indeferir as condições de

trabalho que irão compor as cláusulas das suas sentenças normativas, regulando o conflito

coletivo.

Se o TST já se posicionou sobre o tema, fixando a sua orientação, não há justificativa

para a rebeldia dos tribunais em ignorá-la, até porque, se isso ocorrer sem a motivação

adequada e convincente, a decisão será reformada em sede de recurso pelo próprio TST, o que

só prejudica a celeridade do processo, a harmonia, a coerência, a integridade do sistema de

distribuição de justiça e o princípio da igualdade, além de afetar a credibilidade do

jurisdicionado.

Nada impede, porém, que o julgador não aplique o precedente normativo em face de

alguma(s) peculiaridade(s) das categorias integrantes do dissídio, que as inserem em outra

realidade não aventada pelo TST quando editou o precedente, ou, ainda, pela modificação das

condições econômicas que afastam a incidência da ratio decidendi naquele caso concreto.

Nesta situação, os tribunais podem realizar o distinguishing, se desincumbindo da carga de

fundamentação necessária para explicar as razões pelas quais não seguirá a orientação da

Corte Superior.

O precedente normativo, a súmula e a orientação jurisprudencial compõem, assim, a

estrutura normativa jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho. Resta definir qual a

eficácia que ostentam no ordenamento trabalhista, é dizer, se vinculam ou são apenas

persuasivos.

4.1.2.5 Eficácia da súmula, da orientação jurisprudencial e do precedente normativo

Amparado nos fundamentos dos tópicos anteriores, pode-se afirmar que o direito e o

processo do trabalho não podem caminhar sem a fixação interpretativa das normas jurídicas

494 Atualmente só existe um precedente negativo vigente, o de nº 78: "PROFESSOR. REDUÇÃO SALARIAL NÃO CONFIGURADA (negativo). Não configura redução salarial ilegal a diminuição de carga horária motivada por inevitável supressão de aulas eventuais ou de turmas".

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pelo TST, sem as balizas que orientam o comportamento dos jurisdicionados e a celebração

dos negócios jurídicos.

Cientes desta premissa, os juízes e tribunais da Justiça laboral pautam seus

julgamentos nas súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos, aplicando-os

para resolver o caso concreto, ainda que não concordem com o entendimento da Corte

Superior. Poucos são os que deixam de aplicar determinado enunciado do TST com base em

mera convicção pessoal, mas geralmente, quando o fazem, expõem os seus motivos na

decisão.

Verifica-se, portanto, na prática trabalhista, uma preocupação da comunidade jurídica

(juízes, advogados, partes) de enquadrar, quando possível, a sua pretensão/decisão em

conformidade com a jurisprudência consolidada do TST ou sustentar, fundamentadamente, a

sua não incidência no caso concreto (distinguishing) e até a necessidade de superação em face

das novas decisões do TST, modificação da legislação ou da realidade social/específica

vigente.

Constituem, assim, peças fundamentais da engrenagem trabalhista, sem as quais ela

seria difícil ou mesmo impossível funcionar, mormente se se considerar o aumento da

complexidade das causas submetidas à jurisdição trabalhista com a ampliação objetiva

(material) e subjetiva (pessoal) da sua competência promovida pela EC nº 45/2004 no art.

114.

Não se pode negar que a súmula, a orientação jurisprudencial e o precedente

normativo ostentam um alto grau de autoridade na órbita trabalhista495, imprimindo um

constrangimento aos órgãos judiciais de segui-los e somente afastá-los de modo justificado e

convincente.

Eles espelham o entendimento do TST sobre determinada questão trabalhista (material

ou processual; individual ou coletiva) e contribuem para realizar a missão do Tribunal

495 “As Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho não têm força vinculante, ou seja, não têm a predominância de uma norma legal. Isto não quer dizer, porém, que não atuem no processo como verdadeiras normas legais, pois o Tribunal as respeita nos julgamentos, as instâncias inferiores que contra elas julgarem terão as suas decisões reformadas, não cabem recursos no TST contra decisões baseadas em Súmulas e, mesmo se o verbete for inconstitucional, entende o Supremo Tribunal Federal que contra texto de Súmula, por não ter força normativa, não é cabível a apreciação de sua constitucionalidade mediante ADI. Assim, de uma forma ou de outra, na prática está no entendimento dos Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, a definição normativa mediante Súmulas, do Direito do Trabalho que rege e regerá a legislação trabalhista no País”. MACIEL, José Alberto Couto. A insegurança jurídica e as súmulas do Tribunal Superior do Trabalho. In: Revista Ltr, vol. 77, nº 5. São Paulo: Ltr, mai./2013, p. 545.

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Superior de uniformizar a jurisprudência, evitando decisões discrepantes sobre tema já

consolidado496.

Mas a eficácia destes verbetes jurisprudenciais, que servem de veículo para a tese

jurídica extraídas dos precedentes do TST que lhe serviram de base, parece ultrapassar as

fronteiras da eficácia meramente persuasiva ou fática, se revestindo de força obrigatória ou

vinculante.

Se esta conclusão já poderia ser extraída do próprio ordenamento trabalhista,

considerando a sua evolução histórica, a sua legislação, a forma de aplicação das súmulas

pelos operadores do direito, a Lei nº 13.015/2014 e o Novo CPC não deixam mais dúvida a

este respeito: as súmulas enunciam precedentes obrigatórios e devem ser seguidas pelos juízes

e tribunais.

O Código de Processo Civil de 2015 consagra esta regra no art. 926, com relação às

súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, como Cortes

Superiores.

O mesmo raciocínio e a equivalência das funções e missões desempenhadas por estes

tribunais e o Tribunal Superior do Trabalho permitem atribuir igual efeito, ao menos, às suas

súmulas. Esta foi a conclusão dos processualistas reunidos no III Fórum Permanente de

Processualistas, ocorrido no Rio de Janeiro em abril de 2014, levando a criação do enunciado

171:

171. Os juízes e tribunais regionais do trabalho estão vinculados aos precedentes do TST em incidente de assunção de competência em matéria infraconstitucional relativa ao direito e ao processo do trabalho, bem como às suas súmulas497.

Ora, as súmulas representam o conjunto das teses jurídicas dos tribunais reveladas na

sua jurisprudência dominante. Após a jurisprudência se firmar em determinada direção, o que

ocorre após o amadurecimento da questão discutida em reiteradas decisões, ela estabiliza-se e

cristaliza-se na súmula. Pode-se dizer, então, “que a seiva vitalizante dos tribunais se

transforma em elemento normativo para constituir diretrizes, assim como a seiva dos fatos

sociais se materializa em leis, para reger a sociedade”, como observa Antônio Álvares da

Silva498.

496 "A manutenção da diversidade de entendimentos pretorianos, em qualquer grau de jurisdição, ofende o dever ou regra de coerência que deve impregnar qualquer ordenamento jurídico". ". MATTOS, Luiz Norton Baptista de. O projeto do Novo CPC e o incidente de resolução de demandas repetitivas. In: MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; MARINONI, Luiz Guilherme; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Direito Jurisprudencial, vol. II, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 779. 497 Destaques acrescidos ao original. Conferir III Encontro do Fórum Permanente de Processualistas Civis. Rio de Janeiro, 25, 26 e 27 de abril de 2014: Carta ao Rio. In: Revista de Processo, ano 39, vol. 233. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul./2014, p. 312. 498 SILVA, Antônio Álvares da. O novo recurso de revista na justiça do trabalho. São Paulo: Ltr, 1999, p. 160.

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168

O quadro da Justiça Brasileira reclama a adoção de instrumentos poderosos, capazes

de uniformizar a jurisprudência e evitar repetições desnecessárias, em detrimento da duração

razoável do processo e do custo financeiro e psicológico para os jurisdicionados499. Logo, se

as decisões das Cortes Superiores, mormente quando delineadas em súmulas, não forem

seguidas de modo obrigatório, de nada adianta a tentativa de conferir um sentido unívoco às

normas.

A rebeldia infundada dos órgãos inferiores, que insistem em desafiar a orientação

firmada pelos tribunais superiores, não se justifica em um ordenamento que consagrou, como

princípios fundamentais, a igualdade e a segurança jurídica. E estes ideais não podem ser

alcançados quando se depara com uma jurisprudência que oscila a depender do órgão e da

composição.

O Poder Judiciário, através das mais altas Cortes do país, tem por função produzir

decisões vinculantes, não só para o caso concreto, mas para todos os outros que a ele se

assemelhem, imprimindo a sua autoridade na solução das controvérsias refletidas em uma

mesma moldura fática e jurídica. Isto faz parte da sua função típica e não anômala ou

excepcional.

Com efeito, a função precípua do Judiciário é interpretar a lei, definindo o seu sentido

e alcance para depois aplicá-la ao caso concreto. Essa atividade é, por natureza, recriativa.

Consiste em um “trabalho de remodelagem do comando legal, para fazê-lo chegar com

sucesso aos fatos da vida. Funciona como autêntica ponte entre a abstração e o concreto, ou

seja, entre o fato descrito na norma e o fato existente na vida!” 500. Sendo assim, não se pode

ignorar o trabalho dos tribunais superiores na cristalização da ratio decidendi em forma de

verbetes jurisprudenciais, fixando a interpretação que deve ser respeitada pelos demais órgãos

do Judiciário.

As súmulas, Oj’s e precedentes normativos retratam, de forma geral e abstrata, o

entendimento sedimentado pelo TST sobre questões concretas e que atingem todo o território

499 "De acordo com as queixas dos eminentes magistrados que compõem o STF, o STJ e o TST, o principal fator de obstrução do andamento dos seus trabalhos é o grande recebimento de processos repetitivos. Foi justamente essa abundância de causas iguais que inspirou a elaboração das súmulas. Na verdade, a súmula resolve com rapidez os casos que sejam idênticos e outros já julgados, por simples despacho do relator. A ausência de súmulas retira do julgador o instrumento para solucionar de imediato o recurso interposto ou a ação proposta. [...]. Por isso, na prática, a instituição do sistema da súmula vinculante não causará alterações drásticas no sistema jurídico do estado democrático de direito. A atual liberdade do magistrado só tumultua mais o processo, inclusive retardando a prestação da tutela jurisdicional definitiva (trânsito em julgado), procrastinando o feito por anos, através de recursos contra a matéria já sumulada". MORAES, Suzana Maria Paletta Guedes. Efeito vinculante das súmulas. In: Arquivos do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior, nº 27, 1999, p. 151. 500

SILVA, Antônio Álvares da. O novo recurso de revista na justiça do trabalho. São Paulo: Ltr, 1999, p. 156.

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169

nacional, fruto de reiteradas decisões proferidas pelos seus diversos órgãos501. Refletem,

assim, os valores sociais, econômicos, políticos, culturais vigentes em dada época e

sociedade. São instrumentos normativos que permitem a evolução e a flexibilização do

direito, na medida em que acompanham a transformação social, legislativa, jurídica e os

padrões de congruência social502.

Ao enunciar a ratio decidendi de forma delimitada, clara e precisa estabelecem

parâmetros de conduta que guiam o comportamento dos jurisdicionados e proporcionam

segurança jurídica ao ordenamento. A comunidade jurídica se direciona de acordo com as

teses jurídicas fixadas pelo TST, buscando a igualdade e a previsibilidade das decisões

judiciais.

Desta forma, é importante o respeito aos precedentes formados pelo TST e pelos

próprios tribunais regionais para se obter um sistema mais congruente, coeso, harmônico e

confiável.

4.1.3 A necessidade de respeito aos precedentes formados pelo TST

As decisões judiciais proferidas pelo Tribunal Superior do Trabalho constituem a

última palavra sobre a matéria trabalhista em face da competência constitucionalmente

atribuída ao TST. Representa, portanto, a mais alta Corte da jurisdição especializada, a qual

incumbe fixar a interpretação das normas aplicáveis à esfera trabalhista e uniformizar a

jurisprudência.

501 "Assim, não é democrático um sistema jurídico em que se permite discutir por anos uma questão já sumulada, retardando a prestação jurisdicional e gerando uma grande insegurança nas partes envolvidas". MORAES, Suzana Maria Paletta Guedes. Efeito vinculante das súmulas. In: Arquivos do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior, nº 27, 1999, p. 152. 502 Não constitui objeto deste trabalho discutir a extrapolação dos limites pelo TST ao editar súmulas contrárias à lei ou inconstitucionais, exorbitando da sua competência de fixar verbetes jurisprudenciais. Nem se pretende discutir os acertos ou equívocos nos enunciados que são elaborados pelo TST. O que se pretende é destacar a importância desta forma de uniformização da jurisprudência para reger as relações trabalhistas e dirimir os conflitos jurídicos, possibilitando o cumprimento da função do TST e a construção de um ordenamento mais congruente e harmônico, ancorado em um efetivo sistema de distribuição de justiça com a adequada prestação da tutela jurisdicional. Sobre o tema ativismo judicial do TST e as críticas a elaboração de enunciados ilegais ou inconstitucionais, excedendo os limites que foram impostos ao Tribunal Superior do Trabalho conferir: CASTELO, Francisco Ary M. A elaboração legislativa pelo TST via enunciados. In: Arquivos do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior, nº 27, 1999, p. 122-127; BRANCO, Ana Paula Tauceda. O ativismo judiciário negativo investigado em súmulas editadas pelo Tribunal Superior do Trabalho. In: Revista Ltr, vol. 74, nº 3. São Paulo: Ltr, mar./2010, p. 360-370; MACIEL, José Alberto Couto. A insegurança jurídica e as súmulas do Tribunal Superior do Trabalho. In: Revista Ltr, vol. 77, nº 5. São Paulo: Ltr, mai./2013, p. 545; HOPPE, Ricardo. O ativismo judicial do TST na edição de súmulas. In: Revista Ltr, vol. 78, nº 3. São Paulo: Ltr, mar./2014, p. 320-329; BOTTAMEDI, Ana Lúcia F. dos Santos. Sunstein e o TST – minimalismo, capacidades institucionais e o poder normativo do Tribunal Superior do Trabalho. In: Revista Ltr, vol. 78, nº 3. São Paulo: Ltr, mar./2014, p. 580-584.

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170

Desta forma, considerando a posição que o TST ocupa na organização judiciária e a

arquitetura jurisprudencial construída a partir dos prejulgados vinculantes, permeou-se na

comunidade jurídica uma cultura de respeito aos precedentes formados por este Tribunal

Superior.

Sedimentou-se a base com os prejulgados e, após a sua revogação, as súmulas, as

OJ’s e os precedentes normativos integraram a estrutura normativa jurisprudencial trabalhista,

composta de mecanismos de disseminação da ratio decidendi dos precedentes editados pelo

TST.

Os precedentes do Tribunal Superior do Trabalho funcionam, pois, como vetores de

orientação jurídica, já que veiculam o entendimento da Corte Trabalhista sobre determinado

tema. Auxiliam, deste modo. o julgamento do magistrado e direcionam o trabalho do

advogado, além de servir de baliza para reger as relações jurídicas contraídas pelos

jurisdicionados.

É o que acontece no caso da empregada gestante, detentora de estabilidade desde a

confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, como estatuído pelo art. 10, II, b do

ADCT/CF.

Verifica-se que a regra constitucional cingiu-se a atribuir a estabilidade à gestante,

definindo o marco temporal de duração do direito a não ter seu contrato rompido

imotivadamente por iniciativa do empregador. Cuida-se, em verdade, de proteção ao

nascituro.

Contudo, o texto da norma não resolve todas as implicações que podem decorrer da

estabilidade gestacional, sendo insuficiente para solucionar as questões derivadas do caso

concreto.

Por exemplo, se a empregada omite deliberadamente a gravidez e é despedida de

acordo com o procedimento previsto em lei (art. 477 da CLT), recebendo tempestivamente as

verbas rescisórias, tendo a rescisão homologada no sindicato com a entrega da documentação

necessária, persiste, ainda assim, o direito à reintegração ou à indenização substitutiva mesmo

com o contrato extinto? O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador afasta a

estabilidade?

A resposta a estes questionamentos está materializada na súmula 244 do TST, mas

precisamente no inciso I: “O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não

afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade”. Ora, se o TST não

tivesse pacificado a questão, cada juiz estaria decidindo de maneira diferente dentro do

próprio tribunal ao qual está vinculado. Teríamos, ainda, variadas soluções nas diversas

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regiões do país, o que gera incerteza, desconfiança, instabilidade e inevitável insegurança

jurídica.

Infere-se da súmula 244 do TST e das decisões judiciais que lhe deram origem que o

conhecimento da empregada ou do empregador acerca da gravidez é irrelevante, pois o

critério para concessão da estabilidade e dos benefícios dela decorrentes é objetivo e se

condiciona apenas à concepção, que deve se dar no curso do vínculo, ainda que durante o

aviso prévio (trabalhado ou indenizado). Justifica-se que a proteção não é para mãe, mas para

o nascituro. Logo, pouco importa se ela omitiu de má-fé a sua gestação ou não sabia do seu

estado, a estabilidade, com o direito a percepção de salários durante certo período, vai se

efetivar.

Por sua vez, o inciso III da súmula 244, com a nova redação dada pela Resolução nº

185/2012, assegura o direito à estabilidade mesmo quando a empregada é admitida mediante

contrato por tempo determinado, a exemplo de contrato de experiência, por obra certa,

aprendizagem, dentre outros. Mais uma vez se ampara na proteção ao nascituro e aos seus

direitos.

Observe-se que este inciso III permite que o empregador tenha ciência, previamente,

que a contratação de mulheres, ainda que no período de experiência ou outra espécie de

contrato por tempo determinado, pode gerar a estabilidade na hipótese de gravidez no curso

do vínculo. Por outro lado, a própria empregada já tem ciência do seu direito de engravidar,

podendo reivindicá-lo pela via administrativa, através do sindicato ou o Ministério do

Trabalho caso a empresa se negue a reintegrá-la ou mantê-la no emprego, ou ao ingressar no

judiciário.

Qualquer das partes, ao consultar um advogado, será orientada de acordo com o que

prescreve a súmula 244 e, todas as decisões judiciais, salvo eventuais atos de rebeldia de

alguns magistrados, serão pautadas no entendimento assentado no referido verbete

jurisprudencial. Com isso, evitam-se julgamentos divergentes para uma mesma situação,

possibilitando calcular as condutas e suas consequências pelas balizas sedimentadas pelo

TST.

O mesmo raciocínio se aplica à súmula 277 do TST, também modificada pela

Resolução nº 185/2012, que pacificou a questão em torno da ultra-atividade das normas

coletivas que outorgam direitos aos trabalhadores de uma determinada categoria. Tais direitos,

segundo o TST, só podem ser suprimidos ou modificados por novo instrumento coletivo de

forma expressa.

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172

O empregador fica impedido, assim, de retirar ou reduzir benefícios normativos

mesmo após encerrada a vigência do acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho que

os instituiu.

A ratio decidendi consolidada pelo TST na súmula 277 é, portanto, o vetor

interpretativo que guiará a solução de todas as questões relativas à tese jurídica nela

enunciada.

Cumpre registrar, que ao TST incumbe editar precedentes vinculantes sobre a matéria

infraconstitucional trabalhista, alcançando a questão constitucional apenas quando o STF não

tiver se posicionado definitivamente sobre o tema, considerando a competência atribuída pela

Constituição.

No caso da situação evidenciada na súmula 244 do TST, embora se refira a

interpretação de norma constitucional (art. 10, II, b do ADCT), entende-se que a sua ratio

decidendi é obrigatória, uma vez que o STF, apesar de ter algumas decisões neste sentido,

ainda não firmou a sua jurisprudência dominante, nem consolidou o seu entendimento em

súmula.

Sobre a estabilidade provisória da gestante nos contratos por tempo determinado, o

STF reconheceu a existência de repercussão geral no recurso extraordinário interposto por

trabalhadora contratada por tempo determinado pela administração pública503. A questão

ainda não foi julgada, mas, após ser firmada a orientação uniforme da Corte Suprema, o

precedente será obrigatório para os órgãos judiciais, inclusive no âmbito das empresas

privadas, e a súmula 244 do TST pode ser mantida, se consoante com a tese do STF ou

cancelada, se a contrariar.

Verifica-se, pois, que os precedentes obrigatórios servem para orientar a conduta em

sociedade de forma preventiva, isto é, antes da concretização do ato, ou repressiva, incidindo

as medidas judiciais cabíveis em virtude da lesão do direito e da sua necessidade de

reparação.

Nesta trilha, a atividade jurisdicional deve ter aptidão não só para resolver os conflitos

pendentes, mas também para obstar o surgimento de novas contendas, não estimulando a

persistência e o desenvolvimento de novos litígios. Vale dizer, o Estado-juiz não pode ser

503 STF, Repercussão Geral no Recurso Extraordinário com Agravo nº 674.103/SC, Rel. Min. Luiz Fux, DJE 18.06.2013.

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173

fonte de lides, devendo atuar em uma perspectiva futura para prevenir tensões e disputas

judiciais504.

Daí porque os precedentes devem se revestir de força obrigatória, divulgando

antecipadamente a resposta do Judiciário e evitando que novas demandas se acumulem

fundados na crença de que a sorte na distribuição do processo pode conduzir a um resultado

favorável.

Representam, ainda, um instrumento de adaptação às mudanças sociais, tornando o

direito mais próximo da realidade e direcionado a resolver os problemas que atormentam a

sociedade.

A fixação de tese jurídica pelo Tribunal Superior do Trabalho em sede de recurso de

revista repetitivo contribuirá para consolidação do sistema de precedentes na Justiça do

Trabalho, proporcionado mais um poderoso mecanismo de disseminação do entendimento do

TST.

4.2 RECURSO DE REVISTA REPETITIVO.

Antes de adentrar o tema central deste trabalho – recurso de revista repetitivo – e

examinar a dogmática da Lei nº 13.015/2014 em consonância com o sistema de precedentes

da Justiça do Trabalho e do NCPC, convém tecer breves considerações sobre o recurso de

revista, sobretudo com relação a sua origem, natureza jurídica e finalidade no ordenamento

trabalhista.

4.2.1 Recurso de Revista

4.2.1.1 Breve evolução histórica

A origem dos recursos de natureza extraordinária no Brasil remonta a época imperial.

O instituto foi importado do direito português505 e recebia o nome de "revista"506, competindo

ao Supremo Tribunal de Justiça, criado pelo art. 163, "conceder ou denegar revistas nas 504 MATTOS, Luiz Norton Baptista de. O projeto do Novo CPC e o incidente de resolução de demandas repetitivas. In: MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; MARINONI, Luiz Guilherme; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Direito Jurisprudencial, vol. II, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 782-783. 505 Sobre o recurso de revista do direito português das Ordenações conferir TUCCI, José Rogério Cruz e. Jurisdição e poder: contribuição para a história dos recursos cíveis. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 167-184. 506 O recurso de revista da época imperial foi retratado com mais detalhes por SOUZA, Marcus Seixas. Os precedentes na história do direito processual civil brasileiro: Colônia e Império. Dissertação de Mestrado. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2014, p. 106-110.

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causas e pela maneira que a lei determinar", conforme art. 164, 1º da Constituição do Império

de 1824.

Coube a Lei de 18 de setembro de 1828 a tarefa de regular o recurso de revista,

restringindo o seu cabimento à violação de lei em causas cíveis, e crimes, julgados pelos

juízos de última instância. Reportava-se o art. 6º507 a expressões como "manifesta nulidade",

se referindo a ofensa a lei processual e "injustiça notória", quando a ofensa era a lei material,

tratando os dois casos de "violação da lei e consequente nulidade do ato", nas palavras de

Pimenta Bueno508.

Posteriormente, a Constituição de 1891 passou a admitir recurso, para o Supremo

Tribunal Federal, das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, nas seguintes

hipóteses, "a) quando se questionar sobre a vigência, ou a validade das leis federais em face

da Constituição, e a decisão do Tribunal lhes negar aplicação" ou, ainda, "b) quando se

contestar a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados em face da Constituição, ou

das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas lei

impugnadas" e, por fim, "c) quando dois ou mais Tribunais locais interpretarem de modo

diferente a mesma lei federal, podendo o recurso ser também interposto por qualquer dos

Tribunais referidos ou pelo Procurador Geral da República", consoante art. 60, §1º da

Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, com a redação dada pela Emenda de

1926).

O referido recurso, porém, não tinha denominação específica, o que só veio com a

Constituição de 1934 que lhe atribuiu o nome de "recurso extraordinário", mantido pelas

Constituições subsequentes. Verifica-se que desde as épocas mais remotas já havia uma

preocupação em preservar a autoridade da Carta Magna e a unidade na interpretação da lei

federal através de um recurso excepcional, com cabimento restrito e julgado em última

instância.

Voltando-se para a Justiça do Trabalho, após análise do surgimento do recurso

extraordinário no ordenamento brasileiro, destaca-se que o Decreto-lei nº 1.237/1939

introduziu, no âmbito trabalhista, o recurso de revista, embora sem ostentar ainda esta

denominação509. O art. 76 do referido Decreto estabelecia que: "quando a decisão do

507 Art. 6º: "As revistas sómente serão concedidas nas causas civeis, e crimes, quando se verificar um dos dous casos: manifesta nullidade, ou injustiça notoria nas sentenças proferidas em todos os Juizos em ultima instancia". 508 BUENO, José Antônio Pimenta. Direito público brasileiro e análise da Constituição do Impérío. Brasília: Senado Federal, 1978, p. 353. 509 "Organizada a Justiça do Trabalho, com o Decreto-lei n. 1.237, de 2 de maio de 1939, previu-se a existência de Conselhos Regionais do Trabalho e do Conselho Nacional do Trabalho, cabendo recurso das decisões dos primeiros para o último sempre que configurado o dissídio interpretativo, nos termos do art. 76 do texto legal

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Conselho Regional der à mesma lei inteligência diversa da que tiver sido dada por outro

Conselho ou pelo Conselho Nacional do Trabalho, caberá recurso para este", admitindo,

portanto, recurso inominado para o Conselho Nacional do Trabalho em face de interpretação

divergente dada à lei federal510.

O Decreto nº 6.596, de 12 de dezembro de 1940, por sua vez, a ele se referiu como

recurso extraordinário511, mesmo já existindo tal nomenclatura para o recurso interposto para

o STF. O antigo recurso extraordinário trabalhista, contudo, se identificava, pelo seu

conteúdo, com o recurso de revista, pois visava “promover a uniformidade jurisprudencial nas

instâncias trabalhistas, eis que cabível quando configurada divergência entre os então

Conselhos Regionais ou entre um destes órgãos e a ex-Câmara da Justiça do Trabalho ou o

Conselho Nacional do Trabalho”512.

Apesar da previsão indesejável do mesmo nome para dois recursos distintos,

apreciados por órgãos diferentes, o Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, responsável

por aprovar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), manteve a identidade de nomes513,

admitindo, no art. 896, o recurso extraordinário trabalhista "das decisões de última instância,

quando: a) derem à mesma norma jurídica interpretação diversa da que tiver sido dada por um

Conselho Regional ou pela Câmara da Justiça do Trabalho; b) proferidas com violação

expressa de direito"514.

referido. Introduzia-se no processo do trabalho, assim, o recurso de revista, sem, contudo, atribuir-se-lhe desde logo tal denominação, que somente mais tarde viria". MALLET, Estêvão. Do recurso de revista no processo do trabalho. São Paulo: Ltr, 1995, p. 28. 510 "Foi assim, inicialmente, previsto como recurso inominado e visava a unificar a jurisprudência dos Conselhos Regionais (órgãos que antecederam aos TRT'S) e deste com o Conselho Nacional do Trabalho, antecessor do TST. Note-se o emprego da expressão 'inteligência diversa' em lugar de interpretação e só no caso de 'divergência manifesta' poderia ser dado efeito suspensivo. Só fora previsto um caso de interposição". SILVA, Antônio Álvares da. O novo recurso de revista na justiça do trabalho. São Paulo: Ltr, 1999, p. 35. 511 Eis o que prescrevia o art. 203, caput, do Decreto nº 6.596/1940: "Cabe recurso extraordinário das decisões proferidas em única instância pelos Conselhos Regionais, que derem à mesma lei interpretação diversa da que tiver sido dada por outro Conselho Regional ou pela Câmara de Justiça do Trabalho ou ainda pelo Conselho Nacional do Trabalho, na plenitude de sua composição". 512 NASSAR, Rosita de Nazaré Sidrim. Recurso de revista. In: Revista Ltr, v. 63, nº 4. São Paulo: Ltr, abr./1999, p. 441. 513 Sobre a duplicidade de nomes para designar recursos distintos, Estêvão Mallet anota que: "A despeito de indesejável a utilização de um só termo para designar dois recursos distintos, manteve a Consolidação das Leis do Trabalho a denominação do direito anterior, ampliando, porém, as hipóteses de cabimento do dito recurso extraordinário, para admiti-lo também quando proferida a decisão do Conselho Regional 'com violação expressa de direito', conforme art.896, letra 'b'. Já pelo decreto-lei 8.737, de 19 de janeiro de 1946, passou-se a exigir contrariedade a 'letra expressa de lei'". MALLET, Estêvão. Do recurso de revista no processo do trabalho. São Paulo: Ltr, 1995, p. 28. 514 O Decreto-lei nº 8,736/1946 conferiu ao art. 896 nova redação, nestes termos: "cabe recurso extraordinário das decisões de última instância quando: a) derem à mesma norma jurídica interpretação diversa da que tiver sido dada por um Conselho Regional ou pelo Conselho Nacional do Trabalho; b) proferidas contra letra expressa de lei".

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Somente em 1949, através da Lei nº 861, é que a nomenclatura foi modificada de

recurso extraordinário trabalhista para recurso de revista, a fim de distingui-lo do recurso

extraordinário para o Supremo Tribunal Federal. No entanto, passou a ostentar a mesma

denominação do recurso de revista previsto pelo Código de Processo Civil de 1939, embora

com conteúdos diferentes. Essa identidade de nomes só foi eliminada pelo CPC de 1973, que

subtraiu do seu texto o recurso de revista do processo civil, mantendo o termo na seara

trabalhista515.

Registre-se que a Lei nº 861/1949 ampliou o cabimento do já denominado recurso de

revista para incluir a hipótese de violação à norma jurídica ou aos princípios gerais do direito,

ao lado da interpretação divergente mantida na alínea "a" do art. 896 da CLT. Nesta época, a

Justiça do Trabalho já havia sido reconhecida como integrante do Judiciário pela CF/1946 e

os Conselhos Regionais e o Conselho Nacional do Trabalho tinham se convertido em

Tribunais Regionais do Trabalho e Tribunal Superior do Trabalho, como mencionado no item

4.1.1.

Após sucessivas alterações no art. 896 da CLT, conferidas pela Lei nº 2.244/1954516,

pelo Decreto-lei nº 229/1967 e pela Lei nº 5.442/1968, chegou-se a uma sistematização mais

precisa das hipóteses de cabimento do recurso de revista, nos seguintes termos: a) manteve-se

o recurso por divergência jurisprudencial, limitado, porém, ao dissenso entre os tribunais

regionais acerca da interpretação à lei federal (art. 896, "a" da CLT); b) foi inserido, na alínea

"b" do art. 896, o cabimento da revista para abranger interpretação divergente de lei estadual,

convenção coletiva, acordo coletivo, sentença normativa ou regulamento de empresa, desde

que exceda a jurisdição do tribunal regional que proferiu a decisão recorrida; c) violação à

dispositivo de lei federal ou da Constituição (art. 896, "c"); d) admitiu-se, no §4º o recurso de

515 “Originalmente denominado ‘recurso extraordinário’, o recurso de revista tem, na verdade, funções semelhantes às daquele, restritas, contudo, ao campo do Direito do Trabalho. Sustentam alguns autores que esta antiga denominação teria maior propriedade terminológica, tendo em vista o caráter extraordinário da revista trabalhista. Ocorre, porém, que o legislador não poderia manter dois recursos com o mesmo nome, ainda que com finalidades distintas. Tornou-se urgente a criação de outra denominação para o reconhecimento da diferença existente. Coube ao recurso trabalhista o nome de ‘revista’. Esqueceu, entretanto, o legislador, que o Código de Processo Civil de 1939 já previa um recurso com esse mesmo nome, embora nada tivesse a ver com a revista trabalhista. Esse problema foi sanado, em tempo, pelo novo CPC (1973), que eliminou tal recurso, restando, pois, exclusivo do processo trabalhista”. SILVA, Carlos Alberto Barata. Recurso de revista. In: BERNARDES, Hugo Gueiros (coord.). Processo do Trabalho: estudos em memória de Carlos Coqueijo Torreão da Costa. São Paulo: Ltr, 1989, p. 282-283. Conferir também MARTINS FILHO, Ives Gandra. O critério de transcendência no recurso de revista - Projeto de Lei n. 3.267/00. In: Revista do Tribunal Superior do Trabalho, v. 66, nº 4. Brasília: Síntese, out./dez. 2000, p. 54-55. 516 "f) Lei n. 2.244/54. Falou, nos casos de violação, em preceito literal de lei, com a clara intenção de limitar a recorribilidade, aberta ilimitadamente pela lei anterior. Introduziu também a possibilidade de recurso de revista quando a decisão recorrida contrariasse preceito taxativo de sentença normativa[...]". SILVA, Antônio Álvares da. O novo recurso de revista na justiça do trabalho. São Paulo: Ltr, 1999, p. 37-38.

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revista das decisões prolatadas em sede de execução em caso de ofensa direta à Constituição

Federal.

Em 2000, o artigo passou por mais uma modificação, fruto da Lei nº 9.957, de 12 de

janeiro, e em 2001 pela MP nº 2.226, resultando no texto da CLT que vigorou até ser

novamente alterado pela Lei nº 13.015/2014, que instituiu importantes mudanças, dentre as

quais se destacam: a) inclusão da súmula vinculante do STF como hipótese de cabimento da

revista, ao lado da divergência jurisprudencial e da contrariedade à súmula do TST (art. 896,

"a"); b) a inclusão de novos pressupostos intrínsecos de admissibilidade, conforme §1º-A do

art. 896517; c) a regulamentação mais precisa da uniformização de jurisprudência, de cunho

obrigatório para os Tribunais Regionais do Trabalho d) os recursos de revista repetitivos (art.

896-b e 896-C), o que constitui o tema central deste trabalho e será estudado detidamente no

item 4.2.2.

Mas antes de examinar a sistematização dos recursos repetitivos no processo do

trabalho, será analisada a finalidade do recurso de revista enquanto recurso de natureza

extraordinária.

4.2.1.2 Finalidade

O recurso de revista, atualmente previsto na CLT no art. 896, acrescido das

modificações promovidas pela Lei nº 13.015/2014, é um recurso de natureza extraordinária, e,

como tal, apresenta cabimento restrito às hipóteses elencadas na lei e fundamentação

vinculada, o que restringe o seu efeito devolutivo assim como ocorre no recurso especial e

extraordinário.

Por meio dele, o TST é incumbido de eliminar a incerteza oriunda da interpretação da

norma jurídica, fixando o sentido da lei com o objetivo de preservar a sua autoridade e abolir

o dissenso entre os tribunais regionais518. Visa-se, deste modo, à segurança das relações

517 § 1o-A. "Sob pena de não conhecimento, é ônus da parte: I - indicar o trecho da decisão recorrida que consubstancia o prequestionamento da controvérsia objeto do recurso de revista; II - indicar, de forma explícita e fundamentada, contrariedade a dispositivo de lei, súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho que conflite com a decisão regional; III - expor as razões do pedido de reforma, impugnando todos os fundamentos jurídicos da decisão recorrida, inclusive mediante demonstração analítica de cada dispositivo de lei, da Constituição Federal, de súmula ou orientação jurisprudencial cuja contrariedade aponte". 518 “Isso porque, havendo diversos órgãos judiciais competentes para aplicar um mesmo conjunto de normas jurídicas, é natural que se manifestem divergências interpretativas, com a atribuição, por tribunais diferentes, de significado ou alcance distinto para o mesmo preceito. Se não existisse como eliminar tal divergência, cedo se transformaria em quimera o ideal de uniforme interpretação do direito, e, com isso, sucumbiria o próprio direito nacional, substituído por variadas versões locais. De fato, é inegável o papel inovador da jurisprudência, decorrência de não ser o direito apenas o que está na lei, mas também resultado da atividade criadora, e não

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sociais, conferindo tratamento igualitário para os que se enquadrem em uma mesma situação

jurídica519.

Através da revista, o TST pode realizar a sua missão constitucional de uniformizar a

jurisprudência, extirpando as interpretações divergentes e resguardando as normas jurídicas

violadas pelos regionais520. Assim, nas palavras de Augusto César Leite de Carvalho, é “um

mecanismo de proteção ao sistema federativo. Aos tribunais regionais se concede a autonomia

de dizer o Direito em cada unidade da federação, desde que se alinhem à orientação do

Tribunal Superior do Trabalho na hipótese do direito ser daqueles que se realizam em várias

regiões”521.

O objetivo do recurso de revista centra-se, portanto, em corrigir as distorções ou

divergências resultantes da aplicação de determinados dispositivos legais, seja de direito

material ou de direito processual do trabalho, é dizer, o enquadramento jurídico atribuído pelo

regional. Não se presta, ao simples reexame de fatos e provas, vedado pela súmula 126 do

TST522, mas a preservar a higidez e a unidade do direito objetivo, fixando a correta

interpretação.

Do exposto, com vistas a preservar a autoridade e a unidade da ordem jurídica e

viabilizar o cumprimento da missão constitucional do TST, o recurso de revista se reveste de

natureza extraordinária e qualifica a mais alta Corte trabalhista não como uma terceira

instância ou terceiro grau de jurisdição, mas uma instância especial523, que se restringe a

examinar questões tipificadas nas hipóteses de cabimento do recurso previsto no art. 896 da

CLT.

apenas repetidora do juiz”. MALLET, Estêvão. Do recurso de revista no processo do trabalho. São Paulo: Ltr, 1995, p. 19. 519 VEIGA, Aloysio Corrêa. Admissibilidade do recurso de revista. In: Revista do Tribunal Superior do Trabalho, v. 69, nº 2. Brasília: Síntese, jul. /dez. 2003, p. 55-56. Neste sentido, José Alberto Couto Maciel assinala “É o recurso de revista, portanto, modalidade de recurso extraordinário com o objetivo de preservar a unidade e a autoridade do direito federal e unificar a jurisprudência dos diversos Tribunais dos Estados. MACIEL, José Alberto Couto. Recurso de Revista. São Paulo. Ltr, 1991, p. 24. 520 Estêvão Mallet justifica a importância do recurso de revista e a impossibilidade de ser abolido: “A revista não pode ser abolida porque isso levaria, em última análise, à desintegração do direito do trabalho federal. Diante da força criadora da jurisprudência [...], se não houvesse como unificar interpretações divergentes em torno do mesmo dispositivo legal, em pouco tempo seria o Direito do Trabalho nacional substituído, na prática, por diferentes versões locais, o que não parece desejável nem é pretendido por quem busca tornar mais célere a tramitação das demandas trabalhistas. Por aí se vê que o recurso de revista desempenha função realmente relevante, não convindo sua eliminação”. MALLET, Estêvão. Do recurso de revista no processo do trabalho. São Paulo: Ltr, 1995, p. 201. 521 CARVALHO, Augusto César Leite de. Prefácio à obra de ARRUDA, Kátia Magalhães; MILHOMEM, Rubem. A jurisdição extraordinária do TST na admissibilidade do recurso de revista. 2 ed. São Paulo: Ltr, 2014, p. 11. 522 Súmula 126 do TST: “Incabível o recurso de revista ou de embargos (art. 896 e 994, b, da CLT) para reexame de fatos e provas”. 523

ARRUDA, Kátia Magalhães; MILHOMEM, Rubem. A jurisdição extraordinária do TST na admissibilidade do recurso de revista. 2 ed. São Paulo: Ltr, 2014, p. 25.

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Resta saber como essa espécie recursal pode veicular causas repetitivas na esfera

trabalhista e permitir o julgamento em bloco ou por amostragem dos recursos assentados

sobre a mesma controvérsia jurídica e que reclamam, justamente pela identidade, a mesma

solução.

4.2.2 Recursos de revista repetitivos: regime jurídico instituído pela Lei nº 13.015/2014

Cumpre, inicialmente, traçar o itinerário legislativo da Lei nº 13.015/2014 para depois

se debruçar sobre os aspectos dogmáticos por ela delineados no tocante ao recurso de revista

repetitivo.

4.2.2.1 Itinerário legislativo da Lei nº 13.015/2014

A ampla modificação do sistema recursal trabalhista realizada pela Lei nº 13.015/2014

teve como marco inicial a constituição, no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, de uma

Comissão Temporária, destinada a estudar a viabilidade da regulamentação interna do art.

896-A da CLT, que instituiu o critério de transcendência para o exame prévio do Recurso de

Revista524.

O resultado do trabalho desta Comissão, presidida pelo Ministro João Oreste Dalazen,

for descrito no ofício encaminhado em junho de 2010 para o então Presidente do TST,

constando a seguinte deliberação dos Ministros: a) "rechaçar a viabilidade técnica de

regulamentação da transcendência sobretudo em face da multiplicidade de temas objeto do

recurso de revista; e b) aprovar um anteprojeto de lei alternativo para submeter ao Congresso

Nacional"525.

Observe-se que o objetivo inicial da Comissão era examinar a viabilidade de

regulamentação da transcendência, já que apesar de estabelecida no art. 896-A da CLT526

524 A Comissão Temporária foi instituída pela Resolução administrativa nº 1.360/2009, de 13 de outubro de 2009, em seu art. 1°: "Fica constituída Comissão Temporária, integrada pelos Exmos. Srs. Ministros João Oreste Dalazen (Presidente), Ives Gandra Martins Filho, Brito Pereira, Maria Cristina Irigoyen Peduzzi e Lelio Bentes Corrêa, destinada a estudar a viabilidade da regulamentação interna do disposto no art. 896-A da CLT, que instituiu o critério de transcendência para o exame prévio no Recurso de Revista". TST. Disponível em: http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/20036/2009_ra1360.pdf?sequence=1. Acesso em 03 de fevereiro de 2015. 525 DALAZEN, João Oreste. Apontamentos sobre a Lei nº 13.015/2014 e impactos no sistema recursal trabalhista. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo: Lex Magister, out./dez. 2014, .p.204. 526 Art.896-A: "O Tribunal Superior do Trabalho, no recurso de revista, examinará previamente se a causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica". (Incluído pela Medida Provisória nº 2.226, de 4.9.2001). Por meio deste artigo, tentou-se estabelecer,

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desde a Medida Provisória nº 2.226, de 04 de setembro de 2001, o seu processamento ainda

não foi disciplinado pelo regimento interno do TST, condição necessária para a aplicabilidade

da norma527.

Todavia, os Ministros concluíram que, em face da multiplicidade de temas que são

veiculados no recurso de revista, seria difícil cumprir esta tarefa, sendo preferível aprovar um

anteprojeto de lei alternativo que pudesse sanar alguns problemas do sistema recursal

trabalhista528.

As discussões foram retomadas na Semana do TST, realizada entre os dias 16 e 20 de

maio de 2011, de acordo com as diretrizes fixadas pela Resolução Administrativa nº

1.448/2011. O resultado foi a aprovação e a autorização de encaminhamento, ao Ministério da

Justiça, de anteprojeto de lei sobre o processamento de recursos no âmbito da Justiça do

Trabalho529.

O anteprojeto, remetido ao Congresso Nacional, foi encampado pelo Deputado

Valtenir Ferreira, que o subscreveu integralmente e o submeteu à apreciação da Câmara dos

Deputados, sob a rubrica Projeto de Lei nº 2.214/2011. Em sua justificativa, o projeto

desponta como "instrumento efetivo para o aperfeiçoamento e aprimoramento da legislação

obreira atualmente vigente no país"530, na medida em que permite assegurar a razoável

duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, ao lado dos

postulados de certeza e segurança jurídica, propiciando a entrega tempestiva da prestação

jurisdicional531.

para os recursos de revista, um requisito semelhante à repercussão geral prevista para o recurso extraordinário interposto perante o STF. 527 Art. 2o da MP nº 2.226/2001. "O Tribunal Superior do Trabalho regulamentará, em seu regimento interno, o processamento da transcendência do recurso de revista, assegurada a apreciação da transcendência em sessão pública, com direito a sustentação oral e fundamentação da decisão". 528 O Ministro Ives Gandra Martins Filho, contudo, também integrante da Comissão Temporária do TST, parece não partilhar desta opinião, defendendo que a transcendência deveria ser regulamentada. Confira o seu entendimento: "medida mais radical e que teria, de há muito, resolvido a questão do volume desmesurado de processos que chegam ao TST é aquela veiculada pela Medida Provisória nº 2.226/01, que acresceu o art. 896-A da CLT, introduzindo o critério de transcendência para a admissão do recurso de revista ao TST, medida que foi julgada constitucional pelo STF, mas, quer por preconceito, quer por temor de sua radicalidade, foi preterida em favor da sistemática que ora se adota com a Lei nº 13.015/2014, a qual, ao menos, não incorreu na imprudência de revogar o referido art. 896-A da CLT, que continua pendente de regulamentação pelo TST, em que pese as recusas anteriores em fazê-lo". MARTINS FILHO, Ives Gandra. O recurso de revista e a Lei nº 13.015/2014. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo: Lex Magister, out./dez. 2014, .p. 198. 529 Vide Resolução Administrativa nº 1.451/2011. 530 BRASIL, Projeto de lei nº 2.214/2011 Deputado Valtenir Ferreira. Câmara dos Deputados, p. 7. Disponível em: www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=F68074231D2A61A3CE9ACA7806 848ADB.proposicoesWeb1?codteor=917221&filename=PL+2214/2011. Acesso em 04 de fevereiro de 2015. 531 BRASIL, Projeto de lei nº 2.214/2011 Deputado Valtenir Ferreira. Câmara dos Deputados, p. 7. Disponível em: www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=F68074231D2A61A3CE9ACA7806 848ADB.proposicoesWeb1?codteor=917221&filename=PL+2214/2011. Acesso em 04 de fevereiro de 2015.

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181

Durante o processo legislativo, como é esperado, o projeto original passou por

algumas alterações, sofrendo acréscimos e supressões via emenda532. Com relação aos

recursos repetitivos, por exemplo, tema central deste trabalho, o projeto original era modesto,

admitindo o recurso de revista repetitivo no âmbito trabalhista sem descrever o seu

procedimento. O art. 896-C533 cingia-se a remeter, no que coubesse, a aplicação das normas

do CPC.

Coube a Deputada Sandra Rosado apresentar os contornos atuais da referida norma e

propor a definição da sistemática do recurso repetitivo534, utilizando-se, para tanto, do

regramento previsto nos arts. 543-B e 543-C do CPC/1973, sem ignorar as inovações trazidas

pelo CPC/2015535, incluindo institutos próprios da teoria dos precedentes (distinguishing e

overruling)536.

Assim, o art. 896-C passou a contar com dezessete parágrafos e, após a tramitação

legislativa, foi aprovado nos termos da Emenda Aditiva nº 6 de autoria da Deputada Sandra

Rosado.

532 João Oreste Dalazen criticou algumas destas alterações, tachando-as de infelizes e de não ocultar "a evidente atecnia e falta de zelo com que são aprovadas determinadas leis neste país", DALAZEN, João Oreste. Apontamentos sobre a Lei nº 13.015/2014 e impactos no sistema recursal trabalhista. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo: Lex Magister, out./dez. 2014, .p.205. 533 Eis o art. 896-C do projeto original: " Aplicam-se ao Recurso de Revista, no que couber, as normas do Código de Processo Civil relativas ao julgamento dos Recursos Extraordinários e Especial repetitivos". 534 A sistemática dos recursos de revista repetitivos foi delineada na Emenda aditiva nº 6. BRASIL, Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 2.214/2011, p. 11-12. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1095756&filename=EMR+6+CCJC+%3D%3E+PL+2214/2011. Acesso em 04 de fevereiro de 2015. 535 Fredie Didier Jr. elogiou a "antecipação legislativa" promovida pela Lei nº 13.015/2014 com relação ao novo Código de Processo Civil: "Lei n. 13.015/2014. Grandes novidades no processo trabalhista. Mais um passo na estruturação de um sistema racional de formação, aplicação e superação de precedentes judiciais. Amostra do que virá com o novo CPC. Acaba de ser publicada a Lei n. 13.015/2014, que promove importantes alterações no processo do trabalho. Há mudanças sensíveis, destacando-se a criação do procedimento de julgamento de recursos de revista repetitivos, a partir do modelo já existente para os recursos extraordinário e especial. A Lei avança muito em relação ao que temos hoje. A elaboração da lei levou em conta muitas novidades que virão no novo Código de Processo Civil. Essa 'antecipação legislativa' é muito bem vinda. É uma espécie de amostra do que vem por aí". DIDIER JR., Fredie. Editorial nº 182. Disponível em http://www.frediedidier.com.br/editorial/editorial-182/. Acesso em 04 de fevereiro de 2015 (destaques do original). 536 "Assim, fica claro que a origem do referido sistema de recursos repetitivos tem como forte inspiração dois textos legais: um vigente (Lei nº 11.672) e outro na forma de projeto (novo Código de Processo Civil - Projeto de Lei nº 8.046/2010). A sistemática de precedentes judiciais prevista pelo Projeto de Código de Processo Civil foi parcialmente acolhida, ainda que a Lei nº 13.015 não reconheça a força vinculante enunciada na norma projetada. Claramente, a intenção dos referidos parlamentares foi alinhar a sistemática recursal extraordinária trabalhista à sistemática recursal do novo Código de Processo Civil". LIMA, Firmino Alves. A Lei nº 13.015/2014 como introdutora do julgamento de recursos repetitivos e da teoria dos precedentes no processo trabalhista. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo:Lex Magister, out./dez. 2014, p. 115-116. Por ora, não se tecerá nenhum comentário sobre a afirmação do autor de que a sistemática dos precedentes judiciais do NCPC foi encampada pela Lei nº 13.015/2014 sem reconhecer a eficácia vinculante inerente aos precedentes obrigatórios. O ponto será tratado no item 4.2.3.1.

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Eis, em síntese, a trajetória percorrida pela Lei nº 13.015/2014, fruto de anteprojeto

alternativo "gestado no Tribunal Superior do Trabalho e emanado do Tribunal Superior do

Trabalho"537. Cumpre agora destrinchar a finalidade e o procedimento desenhado pela nova

lei para a técnica de julgamento em bloco dos recursos de revista repetitivos, o que se faz a

seguir.

4.2.2.2 Finalidade dos recursos de revista repetitivos

A Lei nº 13.015/2014 foi construída sob a égide dos princípios (ou objetivos) que

informaram o Novo Código de Processo Civil, quais sejam: a) uniformidade das decisões

judiciais; b) estabilidade da jurisprudência; c) unidade do Judiciário; d) segurança jurídica; e)

proteção da confiança; f) igualdade na aplicação da norma jurídica; h) coerência e integridade

do ordenamento538.

Ela se encontra afinada, portanto, com os paradigmas que orientam a nova legislação

processual brasileira, sedimentando os alicerces para uma cultura de respeito aos precedentes

judiciais.

A reforma promovida pela Lei nº 13.015, sobretudo no tocante ao sistema recursal

trabalhista, revela uma preocupação em conferir unidade à interpretação fixada pelos

tribunais, especialmente pelo TST, a fim de manter uma jurisprudência estável, coerente e

uniforme.

Afinal, não se pode obter segurança jurídica em um ordenamento permeado de

decisões conflitantes sobre uma mesma questão de direito, o que só estimula a litigiosidade,

incluindo a de massa, e retira a credibilidade do jurisdicionado na resolução do seu caso pelo

Judiciário539.

537 DALAZEN, João Oreste. Apontamentos sobre a Lei nº 13.015/2014 e impactos no sistema recursal trabalhista. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo:Lex Magister, out./dez. 2014, p.205. 538 "Verifica-se, portanto, que as alterações trazidas pela Lei nº 13.015/2014, já compatibilizada com os princípios recursais que norteiam o novo Código de Processo Civil, dotaram o processo do trabalho de instrumentos necessários a um disciplinamento judiciário voltado precipuamente para os efeitos uniformizadores da jurisprudência, no intuito de evitar decisões divergentes sobre um mesmo tema a dar unidade ao poder Judiciário Trabalhista no seu todo, e maior segurança e celeridade aos processos, na busca do aprimoramento da prestação jurisdicional". BELMONTE, Alexandre Agra. O novo sistema recursal trabalhista (Lei nº 13.015/2014): influência do projeto do novo CPC. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo:Lex Magister, out./dez. 2014, p. 40. 539 "Surge no jurisdicionado, no cidadão comum, leigo, um sentimento de injustiça, de arbitrariedade, de perseguição ou favorecimento, porquanto é inconcebível e ilógico que situações assemelhadas recebam resposta jurisdicional diferenciada devido diferenças de entendimento pessoal do julgador". MATTOS, Luiz Norton Baptista de. O projeto do Novo CPC e o incidente de resolução de demandas repetitivas. In: MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; MARINONI, Luiz Guilherme; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Direito Jurisprudencial, vol. II, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 777.

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183

Visando combater este deletério defeito do sistema e efetivar o princípio da igualdade,

a nova lei incrementou o incidente de uniformização de jurisprudência, utilizando-o como

instrumento eficaz e racional para uniformizar a jurisprudência interna dos tribunais e

compatibilizá-la com a do Tribunal Superior do Trabalho540, além de instituir os recursos de

revista repetitivos, buscando solucionar a litigiosidade de massa541 e consolidar o sistema de

precedentes.

Com a sua eficácia vinculante por força de lei (CLT/Lei 13.015/2014) e a positivação

dos precedentes no NCPC, o incidente de recursos repetitivos permitirá a construção de

modelos de comportamento, a estabilização da jurisprudência, a igualdade das decisões

judiciais, a redução da litigiosidade, o exercício do poder criativo pelo juiz e, por conseguinte,

a maior segurança jurídica do ordenamento trabalhista e a efetividade/qualidade da tutela

jurisdicional542.

Não se pode admitir que o Tribunal Superior do trabalho, cuja maior missão é fixar a

interpretação de questões relativas ao direito laboral com abrangência em todo o país,

permaneça continuamente reapreciando matérias idênticas, muitas vezes já pacificadas pela

sua jurisprudência (sumulada ou não)543. Este cenário acaba por transformar o TST em mais

540 "Contudo, seria inócuo transferir unicamente para o TST esse papel uniformizador nacional das decisões dos Regionais, sem que eles próprios concretizassem a uniformização no âmbito regional. Daí a Lei nº 13.015/2014 ter se dedicado à concretização da uniformização jurisprudencial regional, para lhes dar unidade decisória e propiciar o conhecimento dos recursos que contrariarem a jurisprudência nacionalmente pacificada, para o necessário ajuste ou a inadmissibilidade daqueles que estiverem em consonância com essa jurisprudência". BELMONTE, Alexandre Agra. O novo sistema recursal trabalhista (Lei nº 13.015/2014): influência do projeto do novo CPC. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo: Lex Magister, out./dez. 2014, p.19. Alexandre Agra Belmonte ainda destaca que a uniformização da jurisprudência interna dos Tribunais Regionais do Trabalho "servirá para orientação dos juízes de primeiro grau e criará a cultura dos precedentes e da disciplina judiciária no âmbito de todo o Judiciário Trabalhista". BELMONTE, Alexandre Agra. Op. cit, p. 37. 541 "A adoção do instrumento dos recursos repetitivos no processo do trabalho demonstra uma opção pela coletivização das demandas, de modo que a resolução dos problemas que afetam a muitos se dê em perspectiva coletiva e não individual. Isso sem dúvida é positivo. [...] Sendo assim, é de ser louvada a iniciativa da reforma, que, por meio da celeridade na tramitação dos recursos e da uniformidade da interpretação do Direito do Trabalho poderá proporcionar maior racionalidade à tramitação recursal e acesso mais efetivo aos direitos pelos sujeitos das relações de trabalho". PEREIRA, Ricardo José Macêdo de Britto. Primeiras impressões sobre a reforma recursal trabalhista - Lei n. 13.015, de 2014. In: Revista Ltr, vol. 78, nº 9. São Paulo: Ltr, set./2014, p. 1061. 542 "Outrossim, em nome da segurança das relações jurídicas na aplicação e interpretação do direito objetivo, para evitar-se o risco de decisões conflitantes sobre um mesmo tema ou o exame isolado e multiplicado de temas iguais, a Lei nº 13.015/2014 buscou regular os recursos repetitivos, igualmente visando a uniformização jurisprudencial na hipótese de multiplicidade de recursos fundados em idêntica questão de direito, uma vez verificada a existência de entendimentos divergentes entre os Ministros da Subseção de Dissídios Individuais ou das Turmas do Tribunal Superior do Trabalho a respeito da matéria". BELMONTE, Alexandre Agra. O novo sistema recursal trabalhista (Lei nº 13.015/2014): influência do projeto do novo CPC. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo: Lex Magister, out./dez. 2014, p.19. 543

LIMA, Firmino Alves. A Lei nº 13.015/2014 como introdutora do julgamento de recursos repetitivos e da teoria dos precedentes no processo trabalhista. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo:Lex Magister, out./dez. 2014, p. 131.

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uma instância ordinária, abarrotado de demandas que se multiplicam, gerando ineficiência e

descrédito.

O TST deixa de cumprir a sua função uniformizadora para apreciar recursos que

versam sobre querelas internas dos tribunais regionais, dotados de uma jurisprudência

vacilante, que varia ao sabor da sorte do litigante na distribuição do seu processo e no quórum

de julgamento544.

O incidente de uniformização de jurisprudência disciplinado na Lei nº 13.015/2014

(art. 896, §§ 3º/6º e § 13º) e a técnica de julgamento dos recursos de revista repetitivos (art.

896-B e 896-C da CLT) revelam-se importantes mecanismos para que o TST cumpra a sua

função constitucional e se dedique aos temas de fato relevantes, que comportem a sua análise

acurada545.

O regime especial de recursos de revista repetitivos pretende otimizar e racionalizar o

trabalho do TST, permitindo que ele examine, a partir da seleção de algumas causas, matérias

que retratam relevantes controvérsias ou divergências de entendimentos entre os órgãos

internos da Corte Superior Trabalhista, e que se proliferam em uma pluralidade de demandas

homogêneas.

Resolve-se, assim, vários processos em bloco e por um procedimento legítimo e

democrático, que visa a rápida entrega da tutela jurisdicional sem se descuidar da qualidade

da decisão.

Os precedentes firmados no âmbito interno dos tribunais e na esfera da Corte Superior

servirão para balizar o comportamento do jurisdicionado e conferir credibilidade ao

Judiciário546. A estabilização das teses com a fixação de entendimento uniforme garante o

544 "O cenário que se revela ao simples exame do conteúdo dos mais de 300.000 recursos recebidos no último ano, o que significou crescimento de 27% em relação a 2012, evidencia que, há muito, o TST deixou de cumprir o seu papel de Corte unificadora de interpretação da legislação e, em boa parte dos casos, se limita a resolver querelas jurisprudenciais internas dos TRT´s, diante dos incontáveis casos que revelam divergências entre as turmas que os compõem. Significa, portanto, que o debate que deveria ocorrer entre Tribunais, na essência, pauta-se no âmbito interno de cada um deles - é, portanto, intra tribunal - e é transportado para o âmbito nacional, diante da clara possibilidade de identificar-se acórdão paradigma de outro TRT e, com isso, viabilizar o conhecimento do recurso de revista, ou, quando negado o trâmite, permitir a interposição de intermináveis agravos de instrumento". BRANDÃO, Cláudio. O defeito formal nos recursos de revista e de embargos: possibilidade de correção. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo: Lex Magister, out./dez. 2014, p. 41. 545 "Decididamente, tenho a nítida convicção de que há processos - a esmagadora maioria, friso - que não poderiam estar no TST, e esses processos estão tomando o lugar de muitos que deveriam obter o exame do TST, em virtude da relevância da controvérsia". BRANDÃO, Cláudio. O defeito formal nos recursos de revista e de embargos: possibilidade de correção. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo: Lex Magister, out./dez. 2014, p. 43 (destaques do original). 546 "[...] a função do Poder Judiciário não pode se limitar à mera resolução de conflitos de interesses individuais. Ao contrário, enquanto instituição estatal imprescindível para a solidez da democracia. Deve atuar como guia da sociedade, indicando pautas ou padrões de conduta. A proliferação de julgamentos contraditórios sobre a mesma questão jurídica encoraja a propositura de ações judiciais, a resistência a pleitos amparados pela jurisprudência dominante dos tribunais de superposição e a interposição de recursos, condutas sustentadas na crença de que a

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respeito ao princípio da igualdade e da segurança jurídica, cânones tão desejados pelo

ordenamento.

4.2.2.3 Incidente de recursos repetitivos: regime jurídico

4.2.2.3.1 Pressupostos de cabimento

Para se configurar o incidente que autoriza o processamento do recurso de revista

repetitivo exige-se a multiplicidade de recursos fundados em idêntica questão de direito,

devendo ser considerada a relevância da matéria ou a existência de entendimentos divergentes

entre os Ministros da Seção de Dissídios Individuais ou das Turmas do Tribunal Superior do

Trabalho.

Percebe-se, assim, que o primeiro pressuposto legal (multiplicidade de recursos

fundados em idêntica questão de direito) deve ser cumulado com um dos outros dois previstos

no caput do art. 896-C da CLT, isto é, matéria relevante ou controvertida entre os órgãos do

TST547

Quanto ao primeiro requisito, não foi estabelecido pela Lei nº 13.015/2014, tampouco

pelo Ato do TST nº 491/2014548 que o regulamentou, qualquer parâmetro objetivo para se

aferir a multiplicidade de recursos necessária para desencadear o julgamento por amostragem.

Em outras palavras, não se indica um número mínimo, nem se os recursos afetados devem ser

de mais de uma região no âmbito do território nacional, a fim de se obter uma dispersão

geográfica549.

sorte na distribuição do processo - ou do recurso - ou a inércia da parte contrária em recorrer podem levar a um desfecho favorável do litígio. [...] Dessarte, a falta de uniformização jurisprudencial, decorrente da ausência de eficácia vinculante, induz novas controvérsias - em verdade, a reiteração de antigas controvérsias -, o que faz, segundo Natacha Nascimento Gomes Tostes, o Judiciário caminhar exatamente no sentindo contrário a sua função primordial". MATTOS, Luiz Norton Baptista de. O projeto do Novo CPC e o incidente de resolução de demandas repetitivas. In: MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; MARINONI, Luiz Guilherme; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Direito Jurisprudencial, vol. II, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 783. 547 "A tanto se pode concluir pela conjunção disjuntiva 'ou' inserida no dispositivo. Os requisitos são cumulativos. Significa dizer que se deve identificar a existência de vários recursos em que o tema seja discutido, até para que se possa justificar o epíteto de 'recursos repetitivos', e, aliado a esse requisito, um dos dois fundamentos mencionados na norma: relevância da questão jurídica ou divergência interna na Corte (na própria SBDI-I ou entre Turmas) como se pode constatar". BRANDÃO, Cláudio. Reforma do sistema processual trabalhista: comentários à Lei n. 13.015/2014. São Paulo: Ltr, 2015, p. 158 (destaques do original). 548 O Ato foi referendado pela Resolução Administrativa nº 1699, de 06 de outubro de 2014. 549 "O que importe é, pois, o número significativo dos recursos. Não se exige dispersão espacial da proveniência dos recursos, de modo que a multiplicidade pode ocorrer no âmbito de uma única Região da Justiça do Trabalho, conquanto seja pouco provável que isso se verifique na prática". p. 92. MALLET, Estêvão. Reflexões sobre a Lei nº 13.015/2014. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo: Lex Magister, out./dez. 2014, p. 92.

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186

Manoel Antonio Teixeira Filho, a propósito, após definir que o substantivo

multiplicidade "significa aquilo que apresenta um grande número, uma considerada variedade

de algo"550, sugere a utilização de um critério objetivo que forneça subsídios para o caso

concreto, se valendo do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa que define o adjetivo

multíplice como "a quantidade maior do que três". Logo, a repetitividade apta a deflagrar o

incidente pressupõe a reunião de, pelo menos, quatro recursos veiculando a mesma questão

jurídica.

Na falta de outro critério quantitativo a ser fixado pelo TST, parece razoável o

proposto por Manoel Antonio Teixeira Filho, ainda que se trate de conceito jurídico

indeterminado, pois "afasta certa margem de discricionariedade"551 para suscitar o incidente.

Ademais, menos de quatro recursos revela-se insuficiente para caracterizar a existência de

uma macrolide e autorizar a instauração de um regime especial, dotado de diversas etapas,

com a interação de vários órgãos judiciais, manifestação de interessados e do Ministério

Público552.

Além do critério quantitativo que pressupõe uma multiplicidade de recursos, deve-se

atentar que a questão repetitiva, em face da natureza extraordinária do recurso de revista, por

óbvio, restringe-se a matéria jurídica, pois não é dado ao tribunal superior reexaminar fatos e

provas. A moldura fático-probatória é assentada no acórdão regional recorrido, incumbindo ao

TST apenas realizar o enquadramento jurídico de acordo com as premissas fático-probatórias

já delimitadas, bem ou mal, pelo tribunal inferior, fixando a interpretação jurídica que deve

prevalecer553.

550 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Comentários à Lei nº 13.015/2014. São Paulo: Ltr, 2014, p. 47. 551 BRANDÃO, Cláudio. Reforma do sistema processual trabalhista: comentários à Lei n. 13.015/2014. São Paulo: Ltr, 2015, p. 158. 552 Alexandre Simões Lindoso defende a instauração preventiva do incidente dos recursos repetitivos, bastando um recurso pioneiro que represente a controvérsia em expansão: "Por outro lado, embora a lei faça referência expressa à 'multiplicidade de recursos de revista', quer nos parecer que o rito especial poderá ser acionado em caráter preventivo, sem a necessidade de se acumular dezenas ou centenas de recurso de revista sobre o mesmo tema. Basta que se tenha um recurso pioneiro à disposição e que seja representativo de uma controvérsia de massa em franca expansão nos graus de jurisdição inferiores". LINDOSO, Alexandre Simões. O recurso de revista e os embargos de divergência à luz da Lei 13.015/2015 - Primeiras reflexões. In: Revista Ltr, vol. 78, nº 9. São Paulo: Ltr, set./2014, p. 1082. 553 ARRUDA, Kátia Magalhães; MILHOMEM, Rubem. A jurisdição extraordinária do TST na admissibilidade do recurso de revista. 2 ed. São Paulo: Ltr, 2014, p. 29. Cláudio Brandão ilustra o quadro delineado no recurso de revista da seguinte forma: "Tal como um mantra diariamente repetido na redação dos acórdãos, seria algo como um quadro pintado pelo Tribunal Regional (descrição fática), e cabe ao ministro apenas contemplá-lo (análise jurídica), sem nele tocar (impossibilidade de revisão das premissas fáticas) para extrair a interpretação que lhe pareça possível (enquadramento jurídico)". BRANDÃO, Cláudio. O defeito formal nos recursos de revista e de embargos: possibilidade de correção. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo: Lex Magister, out./dez. 2014, p. 43.

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187

Não se pode olvidar, contudo, que a decisão sobre a questão jurídica deve encampar "o

suporte de realidade fática da qual emana a controvérsia"554. Até porque, o enquadramento da

norma adequada para resolver o caso concreto pressupõe a existência de um contexto fático-

probatório.

É este contexto que permitirá reunir as causas como repetitivas e, portanto, lhe

conferir igual solução do Judiciário. Havendo, por outro lado, variação nos fatos essenciais, a

qualificação normativa será outra, devendo se ajustar às peculiaridades da demanda. Nesta

hipótese, autoriza-se a realização do distinguishing (art. 896-C, §16), afastando o precedente

firmado pela Corte Superior quando o caso não se inserir no âmbito de incidência da sua ratio

decidendi.

Em sede de julgamento dos recursos repetitivos preocupa-se em "colher amostras de

questões jurídicas semelhantes, promovendo uma decisão que venha a dirimir as principais

controvérsias envolvidas [...]"555. Esta constitui, aliás, a essência da sistemática adotada, cujo

procedimento é extrair uma amostra da controvérsia nuclear de direito556, obtendo uma visão

global do que está sendo discutido, para fixar a tese paradigmática replicada às demandas de

massa.

A questão de direito que será objeto do incidente pode se relacionar tanto ao direito

material ou processual, e, ainda, estar adstrita ao contencioso ordinário ou constitucional,

envolvendo a aplicação de norma trabalhista ou de outra natureza (civil, processual,

comercial, previdenciária, tributária, administrativa)557, já que o direito laboral se vale de

fontes supletivas para preencher suas lacunas e dirimir os litígios decorrentes da relação de

trabalho.

No que pertine à matéria constitucional trabalhista, reitera-se que o precedente

formado pelo TST só será vinculante, mesmo em sede de recurso de revista repetitivo, se o 554 BRANDÃO, Cláudio. Reforma do sistema processual trabalhista: comentários à Lei n. 13.015/2014. São Paulo: Ltr, 2015, p. 160. 555 LIMA, Firmino Alves. A Lei nº 13.015/2014 como introdutora do julgamento de recursos repetitivos e da teoria dos precedentes no processo trabalhista. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo:Lex Magister, out./dez. 2014, p. 133. 556 LIMA, Firmino Alves. A Lei nº 13.015/2014 como introdutora do julgamento de recursos repetitivos e da teoria dos precedentes no processo trabalhista. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo:Lex Magister, out./dez. 2014, p. 134. 557

MALLET, Estêvão. Reflexões sobre a Lei nº 13.015/2014. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo:Lex Magister, out./dez. 2014, p. 93. Como exemplos de questões de outros ramos do direito, que também são discutidas na jurisdição trabalhista pode-se citar: a aplicação do art. 475-J do CPC/1973 ao processo do trabalho, a prescrição civil para os acidentes de trabalho e etc. Além disso, são objetos da jurisdição trabalhista por força do art. 114 da CF (pós EC nº 45/2004): as execuções fiscais decorrentes de multas administrativas aplicadas pela União através dos seus órgãos de fiscalização do trabalho, incidência de benefícios previdenciários e sua repercussão no contrato de trabalho (aposentadoria por invalidez, acidente de trabalho, licença-maternidade, auxílio-doença acidentário, salário-família e etc.) pressupostos para caracterização da responsabilidade civil (objetiva e subjetiva) e do dever de indenizar, dentre muitas outros.

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STF ainda não tiver firmado entendimento uniforme sobre o tema discutido. Não se admite

que o Tribunal Superior do Trabalho contrarie a orientação do Supremo Tribunal, pois é o

órgão constitucionalmente competente para dar a última palavra sobre a questão

constitucional.

A tese jurídica firmada pelo TST deve convergir com a do STF, ou na sua ausência,

regular os conflitos trabalhistas até que o precedente obrigatório da Corte Suprema seja

construído.

Cabe destacar, por fim, que em se tratando de questão de direito relevante, pode-se

mitigar o requisito da multiplicidade de recursos para instauração do procedimento especial,

desde que haja fundadas razões que autorizem a manifestação prévia da Corte Superior, o que

pode ser constatado: a) pela divergência da matéria entre os Tribunais regionais, mesmo que

ainda não tenha sido veiculada em múltiplos recursos de revista, ainda restrita a instância

ordinária; b) quando o tema é objeto de ações distribuídas pelo território nacional, pulverizada

nas diversas regiões; c) quando a matéria envolve violação a direitos fundamentais tutelados

pela CF558.

Registre-se que a dispensa do requisito não é discricionária e automática. Deve ser

objeto de um juízo preciso, com a devida aferição da relevância da matéria e a delimitação do

seu alcance.

Tanto é que o parágrafo único do art. 7º do Ato nº 491/2014 não confere uma

autorização irrestrita, apenas diz que "a afetação a que se refere o caput deste artigo não

pressupõe, necessariamente, a existência de diversos processos em que a questão relevante

seja debatida".

Vale dizer, considerando a relevância da matéria, como na hipótese de grave violação

a direito fundamental do jurisdicionado, é possível que se dispense a exigibilidade de

múltiplos recursos para acionar o rito especial do art. 896-C da CLT. Todavia, a existência de

um único recurso, como advoga Manoel Antonio Teixeira Filho, parece desvirtuar o termo

"repetitivos"559. Defende-se, neste caso, a reunião de pelo menos dois recursos fundados na

558 Conferir BRANDÃO, Cláudio. Reforma do sistema processual trabalhista: comentários à Lei n. 13.015/2014. São Paulo: Ltr, 2015, p. 162. 559 "Salvo melhor juízo, parece-nos que a menção feita pelo art. 896-A (sic), caput, da CLT, à relevância da matéria consistiu na inserção de um elemento heterodoxo incompatível com o incidente de recursos repetitivos, exceto se inferirmos que, neste caso, não haveria necessidade de atendimento ao requisito da multiplicidade, bastando a existência de um só recurso contendo matéria relevante, para autorizar a instauração do incidente - que não seria de recursos repetitivos, senão que de recurso solitário! A despeito disso, entendemos ser esta última a interpretação menos desaconselhável". TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Comentários à Lei nº 13.015/2014. São Paulo: Ltr, 2014, p. 48.

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relevância da matéria, até para se obter a visão global da questão, com todas as suas

vicissitudes.

Como se sabe, a finalidade do julgamento por amostragem dos recursos repetitivos é

promover o amplo debate da matéria, definindo precisamente o seu sentido e alcance para que

a decisão paradigma tenha condições de resolver adequadamente e de modo efetivo a

controvérsia. Logo, deve haver elementos suficientes que lhe forneçam os subsídios

necessários para o julgamento, o que é difícil (embora não impossível) obter com um recurso

pioneiro.

Se o tema relevante é alvo de divergência entre os tribunais, mas ainda não alcançou a

via extraordinária, convém aguardar a maturação da questão, a fim de se extrair dos recursos

selecionados a pluralidade de argumentos e a diversidade de fundamentos necessários para a

Corte Trabalhista fixar a interpretação jurídica mais qualificada e adequada a resolver a

contenda.

Delimitados os pressupostos de cabimento do incidente, examina-se, no tópico

seguinte, a legitimidade para sua instauração ou iniciativa para propô-lo e a competência para

julgá-lo.

4.2.2.3.2 Iniciativa para instauração do incidente e competência

A iniciativa (legitimidade) para propor a instauração do incidente de recursos

repetitivos é atribuída à Turma do TST ou à Seção Especializada em Dissídios Individuais

(SEDI-I)560.

A proposta da Turma é formulada, a requerimento do relator, após a aprovação por

maioria simples dos seus membros, sendo encaminhada ao Presidente da SEDI-I para

apreciação.

560 Estêvão Mallet, contudo, sustenta que a proposta de afetação e de instauração da técnica de julgamento dos recursos repetitivos "pode ser feita a qualquer integrante do Tribunal, ainda que não faça parte da Seção Especializada em Dissídios Individuais, Não se proíbe nem mesmo pedido feito pelas partes ou até por integrante do Ministério Público do Trabalho. A declaração é que compete exclusivamente à Seção Especializada em Dissídios Individuais ou ao Tribunal Pleno". MALLET, Estêvão. Reflexões sobre a Lei nº 13.015/2014. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo: Lex Magister, out./dez. 2014, p. 93. O autor reconhece que o art. 9ª do Ato nº 491/2014 dá a entender que somente às Turmas poderiam submeter à matéria a SEDI-I ou ao Tribunal Pleno, mas defende que "não há como restringir, todavia, a prerrogativa dos integrantes do Tribunal. Nada consta na Lei nº 13.015 que permita à Turma examinar a pertinência do requerimento de um dos seus componentes. Em rigor, a deliberação de qualquer componente da Turma nem precisa ser submetida à apreciação nesse colegiado. Deve ser encaminhada diretamente à Seção Especializada em Dissídios Individuais ou ao Tribunal Pleno, a quem compete resolver a questão". MALLET, Estêvão. Op. cit, p. 93.

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Se a iniciativa partir da SEDI-I, o requerimento pode ser feito por qualquer um dos

Ministros que a compõem e também depende da aprovação por maioria simples dos seus

integrantes.

Em suma, observados os pressupostos da lei, a proposta do afetação de recurso de

revista pode ser realizada pelo Presidente da Turma ou pelo Presidente da SEDI-I, após

indicação do relator e aprovação da maioria simples dos seus membros, consoante §1º do art.

896-C561.

Após deliberação da SEDI-I, incumbida de realizar o juízo de admissibilidade, a

proposta é submetida pelo seu Presidente a análise do colegiado, que deverá decidir se a

acolhe no prazo máximo de trinta dias e por maioria simples. Definirá, ainda, se o órgão

julgador será a própria SEDI ou o Tribunal Pleno562, nos termos do art. 9º do Ato nº 491/2014.

Acolhida a proposta, o processo será distribuído a um Relator e a um Revisor do órgão

competente.

Sendo rejeitada, os autos são devolvidos a respectiva Turma para processamento

normal do recurso de revista, não se desencadeando o rito especial previsto no art. 896-C da

CLT.

Em se tratando de matéria relevante, recomenda-se que o julgamento seja submetido

ao Tribunal Pleno, em face da substancialidade de sua composição. Por outro lado, se a

matéria for objeto de divergência interna no âmbito do TST (entre os Ministros da SDI ou das

suas Turmas), a apreciação do incidente compete à Seção Especializada em Dissídios

Individuais563.

A análise, porém, da pertinência temática da questão suscitada e a sua vinculação a

determinado órgão, incumbe à SEDI ao examinar a proposta de deflagração do incidente, até

porque, pode ser que a matéria divergente também seja relevante, o que deve ser aferido pelos

seus membros.

561 Conferir também art. 9º do Ato nº 491/2014 do TST. 562 Pertinente a observação de Cláudio Brandão a respeito da definição de competência para julgar o incidente ficar a cargo da SEDI, com fulcro no art. 9º do Ato nº491/2014 do TST. "Não se pode deixar de destacar o dispositivo, pelo fato de submeter a atuação do Tribunal Pleno (órgão maior) à decisão da SBDI (órgão fracionário), a partir de requerimento formulado por um dos seus membros componentes, quando deveria ser exatamente o contrário: aquele, delegaria para esta última as questões de menor envergadura". BRANDÃO, Cláudio. Reforma do sistema processual trabalhista: comentários à Lei n. 13.015/2014. São Paulo: Ltr, 2015, p. 161. 563 "De qualquer sorte, independentemente da existência de vários processos com temas idênticos, o Pleno também terá competência quando a matéria for relevante (art. 896, § 13, da CLT c/c art. 7º, caput e parágrafo único do Ato nº 491) ou quando o debate tiver por pressuposto a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público". BELMONTE, Alexandre Agra. O novo sistema recursal trabalhista (Lei nº 13.015/2014): influência do projeto do novo CPC. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo:Lex Magister, out./dez. 2014, p. 32.

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4.2.2.3.3 Decisão de afetação e a escolha do recurso paradigma

Uma vez deflagrado o incidente, o Presidente da Turma ou da Seção Especializada

deve afetar, por indicação dos relatores, um ou mais recursos representativos da controvérsia

para ser apreciado pelo órgão jurisdicional competente: Tribunal Pleno ou Seção de Dissídios

Individuais.

Esta seleção é essencial para que se construa a tese paradigmática mais adequada à

resolver as demandas de massa, de modo que se a escolha for mal realizada, a decisão modelo

pode não traduzir a melhor solução da controvérsia, implicando em "evidente impacto

sistêmico deletério pela multiplicação da conclusão a todos os outros processos"564

semelhantes.

Em função disso, deve ser fixado alguns critérios para direcionar a seleção dos

recursos-piloto, a fim de orientar o órgão judicial nesta difícil e tão importante tarefa, já que a

Lei nº 13.015/2014 não cuidou de estabelecer objetivamente os parâmetros a serem seguidos

pelo tribunal.

As lições já ministradas quando se tratou da seleção dos recursos extraordinário e

especial repetitivos podem ser aqui aplicadas, considerando a idêntica finalidade dos

institutos565.Entretanto, serão traçados novos balizamentos para auxiliar nesta relevante

operação.

Vale-se, para tanto, das ideias de Antônio do Passo Cabral ancoradas em dois vetores

básicos: amplitude do contraditório e pluralidade/representatividade dos sujeitos no processo

originário566.

O primeiro vetor corresponde a um aspecto objetivo, relacionado aos elementos do

debate, ou seja, não deve ser eleita como paradigma a causa que tiver restrições ao

contraditório. Por esta trilha, os parâmetros para a escolha da(s) demanda(s) paradigma(s)

devem se pautar na: "a) completude da discussão; b) qualidade da argumentação; c)

diversidade da argumentação; d) contraditório efetivo; e) inexistência de restrições à cognição

e à prova"567.

564 CABRAL, Antonio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos. In: Revista de Processo, ano 39, vol. 231. São Paulo: Revista dos Tribunais, mai./2014, p. 208. 565 Para se evitar repetições desnecessárias, remete-se o leitor ao tópico 3.3.1.

566 CABRAL, Antonio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos. In: Revista de Processo, ano 39, vol. 231. São Paulo: Revista dos Tribunais, mai./2014, p. 210. 567 CABRAL, Antonio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos. In: Revista de Processo, ano 39, vol. 231. São Paulo: Revista dos Tribunais, mai./2014, p. 210.

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Estes critérios norteadores permitem que sejam selecionadas as causas mais

representativas da controvérsia, que devem ser aquelas onde se pode extrair, da melhor forma,

a completude das alegações, seja no tocante a extensão dos argumentos ou a sua

profundidade.

Neste sentido, o art. 8º do Ato nº 491 do TST prescreve que "somente poderão ser

afetados recursos representativos da controvérsia que sejam admissíveis e que contenham

abrangente argumentação e discussão a respeito da questão a ser decidida"568 (destaques

aditados).

Busca-se esquadrinhar a questão de direito por todos os ângulos possíveis, a fim de

que a ratio decidendi do precedente formado pelo Tribunal Superior do Trabalho não esteja

sujeita a constantes renovações pela existência de argumentos não examinados no julgamento,

o que gera alto risco de ocorrerem sucessivos distinguishing, enfraquecendo a autoridade e a

efetividade do precedente ou, até mesmo, promovendo a sua futura e rápida superação

(overruling)569.

Observe-se que é exigido o exame prévio da admissibilidade dos recursos eleitos para

evitar que a apreciação da questão repetitiva seja obstada pela ausência de pressupostos

extrínsecos ou intrínsecos da revista, o que prejudicaria todo o incidente e a resolução da

controvérsia.

É importante atentar também para a qualidade da argumentação, ou seja, o seu

conteúdo, utilizando-se da linha argumentativa dos litigantes originários, traçada no processo

de maneira robusta e consistente, para cotejo dialético entre as teses antagônicas (diferentes

pontos de vista)570. Saliente-se que a qualidade e a pluralidade de argumentos deve ser

extraída não só das peças processuais das partes, mas dos fundamentos veiculados nas

decisões.

Tais diretrizes foram contempladas para a escolha do recurso especial repetitivo,

conforme §1º do art. 1º da Resolução nº 8/2008 do STJ, que determina a seleção de pelo

menos um processo de cada relator, elegendo os que contiverem maior diversidade de

568 "Somente poderão ser indicados como aptos à afetação recursos que tenham superado o juízo de admissibilidade ou, pelo menos, preencham os pressupostos extrínsecos e intrínsecos, e cujas questões e fundamentos neles contidos sejam abrangentes, ou seja, contemplem o maior número de argumentos dedutíveis em torno da questão posta". BRANDÃO, Cláudio. Reforma do sistema processual trabalhista: comentários à Lei n. 13.015/2014. São Paulo: Ltr, 2015, p. 166. 569 CABRAL, Antonio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos. In: Revista de Processo, ano 39, vol. 231. São Paulo: Revista dos Tribunais, mai./2014, p. 212. 570

CABRAL, Antonio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos. In: Revista de Processo, ano 39, vol. 231. São Paulo: Revista dos Tribunais, mai./2014, p. 212.

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fundamentos no acórdão recorrido e de argumentos suscitados pelo recorrente no recurso

especial571.

Registre-se que além do aspecto quantitativo (maior número de argumentos) e

qualitativo (qualidade da linha de argumentação)572, deve ser utilizado, como destaca a

Resolução, o critério da diversidade, que leva em conta os diferentes modos de empregar uma

determinada alegação. Examina-se, portanto, um mesmo argumento, empregado de diferentes

formas, o que pode ocorrer, por exemplo, quando selecionados recursos de regiões

diversas573.

Não se pode olvidar, ademais, que da causa selecionada deve ser possível constatar o

efetivo exercício do contraditório, "compreendido como influência reflexiva (isto é, os

direitos de informação, expressão e consideração, abrangendo todos os sujeitos do processo,

inclusive o juiz, em ambiente dialogal cooperativo)"574. Isto significa rejeitar a seleção de

processos em que tenha ocorrido a revelia ou que possuam "baixa densidade de contra-

argumentação"575.

Outro parâmetro relevante para a escolha do caso paradigma é a existência de

restrições à cognição no processo originário, que ocorre quando: a) a cognição é limitada no

plano horizontal, reduzindo o campo de alegação do autor ou da defesa, além de retirar certos

argumentos ou questões do objeto cognoscível; b) quando a limitação se opera no plano

vertical, no tocante à profundidade da atividade cognitiva (cognição sumária), onde o juiz não 571 Manoel Antonio Teixeira Filho faz uma importante ressalva no tocante a escolha das causas representativas: "receamos, porém, que o produto final dessa seleção aponte para um número excessivamente elevado de recursos, por modo a entravar a verificação sobre se todos eles cuidam da mesma questão de direito e se há controvérsia sobre o tema. Ipso facto, haverá inevitável retardamento no julgamento desses recursos e de todos os outros que foram suspensos em razão de conterem a mesma quaestio iuris". TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Comentários à Lei nº 13.015/2014. São Paulo: Ltr, 2014, p. 51. 572 "Os recursos selecionados devem destacar o maior número de argumentos possível, de modo que abranjam todas as razões para prover ou desprover o recurso. Além disso, os recursos também devem ser selecionados pelo critério qualitativo, ou seja, o que apresentar determinada razão de forma mais consistente deve ser considerado representativo. É possível que o procedimento funcione a partir de apenas um recurso, sendo ele suficientemente paradigmático". DIDIER JR., Fredie; MACEDO, Lucas Buril. Reforma no processo trabalhista brasileiro em direção aos precedentes obrigatórios: a Lei nº 13.015/2014. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo: Lex Magister, out./dez. 2014, p.155. 573 "Importa, no fundo, conhecer as diferentes facetas pelas quais a questão se apresenta, é discutida e tem sido resolvida [...]. Devem ser escolhidos processos que permitam conhecer esses diferentes enfoques, evitando-se, portanto, reunião de processos com debate idêntico ou muito semelhante". MALLET, Estêvão. Reflexões sobre a Lei nº 13.015/2014. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo: Lex Magister, out./dez. 2014, p. 94 574 CABRAL, Antonio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos. In: Revista de Processo, ano 39, vol. 231. São Paulo: Revista dos Tribunais, mai./2014, p. 214. 575 CABRAL, Antonio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos. In: Revista de Processo, ano 39, vol. 231. São Paulo: Revista dos Tribunais, mai./2014, p. 214. E o autor acrescenta: "Assim, a conclusão que se pode chegar é que a completude da argumentação não pode remeter apenas às alegações das partes, do Ministério Público e intervenientes, mas deve também levar-nos a verificar a fundamentação da decisão judicial. De fato, a dialética do contraditório-influência, no trinômio informação-expressão-consideração, impõe que, para a escolha da causa-piloto, a efetividade do contraditório compreenda também a análise sobre os atos do Estado-juiz". CABRAL, Antonio do Passo. Op. cit. p. 215.

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analisa profundamente o conjunto fático-probatório dos autos576, prejudicando a formação do

precedente, já que ele depende do suporte fático do caso concreto. Causas com estas

características não podem, portanto, ser escolhidas como representativa da controvérsia

repetitiva.

Por fim, o segundo vetor interpretativo que norteia a seleção da causa-piloto está

ligado ao aspecto subjetivo, é dizer, a pluralidade e a representatividade dos sujeitos no

processo.

Quanto maior a pluralidade de sujeitos parciais (litisconsórcio), mais amplo é o debate,

maior a diversidade, a qualidade e a quantidade de argumentos, promovendo uma discussão

mais profunda, madura e detalhada577. Se tiver havido intervenção de terceiros, manifestação

do Ministério Público e participação do amicus curiae, a questão, geralmente, é melhor

discutida e a decisão que a resolve se reveste de maior qualidade e legitimidade. Deve-se

preferir estas causas a outras em que não há pluralidade dos sujeitos e/ou a sua

representatividade.

Em resumo, estas são as balizas para aferir a representatividade da causa-piloto e

selecionar as mais adequadas para espelhar, com fidelidade, a questão objeto do incidente. O

órgão julgador deve reunir elementos que lhe confira a visão global da questão (§2º do art.

896-C da CLT), definindo o seu sentido, conteúdo e alcance de forma mais ampla e completa

possível.

Selecionados os recursos, o relator, da SDI ou do Pleno, proferirá decisão de afetação,

identificando com precisão a questão a ser submetida a julgamento, na forma do art. 11, I do

Ato nº 491. Deverá, ainda, determinar a suspensão dos recursos de revista e de embargos que

versem sobre a mesma questão e requisitar aos Presidentes e Vice-presidentes dos regionais a

remessa de até dois recursos representativos da controvérsia578, consoante estatui os incisos II

e III.

Essa medida é importante para que se possa colher amostras efetivas da questão de

direito a ser apreciada no incidente da forma mais ampla possível, retratando a divergência

576 CABRAL, Antonio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos. In: Revista de Processo, ano 39, vol. 231. São Paulo: Revista dos Tribunais, mai./2014, p. 215-216. 577 CABRAL, Antonio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos. In: Revista de Processo, ano 39, vol. 231. São Paulo: Revista dos Tribunais, mai./2014, p. 218-219. 578 "É importante que o Presidente do TRT escolha os recursos que consigam expressar a controvérsia nos termos mais amplos, diante dos efeitos da decisão que resultará do incidente. Quanto mais aparelhado o recurso em termos de fundamentação e questões controvertidas em torno do tema principal, melhor será para a solução a cargo do TST". BRANDÃO, Cláudio. Reforma do sistema processual trabalhista: comentários à Lei n. 13.015/2014. São Paulo: Ltr, 2015, p. 167.

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das variadas regiões do território nacional, com maior diversidade e pluralidade de

argumentos.

A remessa de outros processos ao órgão julgador do incidente possui dois objetivos: a)

obter uma visão global e completa da questão jurídica a ser apreciada; b) promover o

julgamento em bloco da controvérsia repetitiva, fixando uma interpretação uniforme para todo

o território nacional579. Prestigia-se, assim, a igualdade, a segurança jurídica e a uniformidade

da decisão.

A decisão de afetação deve ser comunicada aos demais Presidentes das Turmas do

TST, possibilitando que eles contribuam com o debate através de afetação de outros recursos

que ampliem a compreensão da questão jurídica, identificando-os e vinculando-os ao

incidente.

Ao relator faculta-se, ainda, "solicitar, aos Tribunais Regionais do Trabalho,

informações a respeito da controvérsia", nos termos do art. 896-C, §4º. Estas informações

podem ser remetidas por meio de relatório, sendo possível, inclusive, o envio dos autos dos

processos considerados representativos para uma melhor análise da questão e suas

particularidades580.

Recebidos os recursos paradigmas e determinada a suspensão dos que não foram

afetados, mas retratam a mesma controvérsia de direito (§3º, art. 896-C), cabe ao relator do

incidente realizar o "'juízo de admissibilidade de afetação', que consiste na verificação de

pertinência temática entre os recursos enviados pelos Presidentes dos TRT's (ou Vice-

Presidentes, conforme norma regimental), da matéria e das questões suscitadas no

incidente"581.

Se positivo, serão reunidos todos os recursos necessários para a compreensão do

objeto litigioso e será admitida a afetação. Em caso negativo, o Presidente do TRT será

comunicado para que revogue a decisão de sobrestamento, consoante vaticina do art. 12 do

Ato nº 491/2014.

579 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Comentários à Lei nº 13.015/2014. São Paulo: Ltr, 2014, p. 52. 580 "Não raro, o exame do conteúdo dos recursos de revista representativos da controvérsia sobre a questão de direito não é suficiente para fornecer ao relator, no TST, elementos para formar a sua convicção acerca de qual seja a melhor das teses contrastantes a ser adotada. Por isso, a norma legal faculta-lhe solicitar aos Tribunais Regionais informação sobre a controvérsia, suas origens, suas particularidades, etc. O fornecimento dessa informação servirá para orientar não apenas o relator, mas o revisor e os demais Ministros do Colegiado ao qual competirá fixar a tese a ser observada". TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Comentários à Lei nº 13.015/2014. São Paulo: Ltr, 2014, p. 57. 581 BRANDÃO, Cláudio. Reforma do sistema processual trabalhista: comentários à Lei n. 13.015/2014. São Paulo: Ltr, 2015, p. 168.

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196

Será que após decorrido todo este trâmite e procedida a análise minuciosa pelo órgão

julgador da questão jurídica objeto do incidente, pode o recorrente desistir do recurso eleito

como representativo, impedindo o relator de prosseguir no julgamento da controvérsia

repetitiva?

É o que se pretende responder no tópico seguinte.

4.2.2.3.4 Desistência do recurso paradigma

À semelhança do regime previsto pelo CPC/1973 para os recursos extraordinários e

especial repetitivos (art. 543-B e 543-C), a Lei nº 13.015/2014 e o Ato nº 491 se mantiveram

silentes quanto à possibilidade do recorrente desistir do recurso afetado para julgamento por

amostragem.

A dúvida, contudo, é facilmente sanada à luz do sistema de precedentes, como já

explicitado no capítulo 3, tópico 3.2.3.2 "Desistência do recurso representativo da

controvérsia".

Com efeito, há como compatibilizar o direito subjetivo que possui o recorrente de

desistir do seu recurso, nos termos do art. 501 do CPC/73, e o interesse da coletividade que

aflora do julgamento dos recursos repetitivos em face das inúmeras demandas por ele

atingidas.

Desta forma, acionado o rito especial do art. 896-C da CLT, dá-se ensejo a dois

procedimentos paralelos: a) principal, que se relaciona à resolução individual do caso

concreto e ao direito do litigante de ter o seu recurso apreciado, sem embargo do exercício das

faculdades processuais (renúncia, desistência, transação); b) incidental, que visa à formação

do precedente a ser aplicado a todas as causas fundadas na mesma questão jurídica decidida

pelo TST.

O objeto litigioso do incidente repetitivo é intangível, isto é, não se sujeita a

desistência do recorrente, pois tutela interesses que transcendem ao caso concreto,

individualmente considerado. Por outro lado, não se pode impedir à parte de desistir do seu

recurso, mas o ato só surtirá efeitos na seara individual, não atingindo reflexamente as outras

demandas582.

582 "Questão relevante é a desistência do recurso que foi selecionado para servir ao julgamento por amostragem. Como se disse, o procedimento para julgamento de recursos repetitivos cria uma duplicação de decisões: há a decisão do recurso ou recursos paradigmáticos, solucionando o próprio caso, isto é, tendo por objeto a pretensão à reforma ou cassação do acórdão impugnado; e há a fixação da tese jurídica, ou ratio decidendi, para que seja aplicada a todos os processos sobrestados na origem e suspensos no tribunal, bem como aos futuros casos que versarem sobre a mesma questão jurídica. Diferenciados os procedimentos, que tratam de objetos distintos, cabe

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Assim, o recorrente pode desistir do recurso representativo da controvérsia sem

prejudicar a construção da tese jurídica geral pelo Tribunal Superior do Trabalho, já que a

desistência não se opera na esfera coletiva, afetando apenas o âmbito individual do

procedimento. A ratio decidendi fixada só será aplicada às causas que permanecerem em

trâmite.

O Código de Processo Civil de 2015 eliminou qualquer questionamento sobre o ponto,

como evidencia o art. 997, parágrafo único: "A desistência do recurso não impede a análise de

questão cuja repercussão geral já tenha sido reconhecida e daquela objeto de julgamento de

recursos extraordinários ou especiais repetitivos". Em outras palavras, a desistência só produz

efeitos internamente, no processo do recorrente que resolveu desistir, em nada alcançando o

incidente.

A solução preserva o interesse da sociedade na resolução das controvérsias de massa e

se coaduna com o princípio da igualdade, efetividade da tutela jurisdicional e segurança

jurídica, sem afrontar o direito subjetivo do litigante e o devido exercício das faculdades

processuais.

4.2.2.3.5 Sobrestamento dos processos vinculados ao incidente

Como tratado no item 4.2.2.3.3, após proferida a decisão de afetação pelo TST,

compete ao Presidente do Tribunal Regional do Trabalho determinar a paralisação dos

recursos interpostos em casos idênticos aos afetados como repetitivos até o pronunciamento

da Corte (art. 896-C, §3º da CLT). No mesmo sentido, prescreve o art. 10 do Ato nº 491/2014,

esclarecendo, de forma adicional, que o sobrestamento alcança os recursos interpostos contra

as "sentenças".

Com base neste dispositivo, Cláudio Brandão defende que a suspensão atinge não

apenas os recursos de revista, mas os recursos ordinários, agravos de petição e agravos de

instrumento583.

destacar que a desistência do recorrente de seu recurso gera efeitos para o primeiro procedimento, relativo a sua situação jurídica trabalhista e fazendo, imediatamente, prevalecer o acórdão recorrido, mas não obsta a decisão pelo TST in abstracto, utilizando o recurso que é, por sua representatividade, relevante para a geração do precedente. Como fica evidente, o TST poderá utilizar do recurso objeto da desistência apenas para fins de fixação do precedente, sem substituir ou anular o acórdão recorrido". DIDIER JR., Fredie; MACEDO, Lucas Buril. Reforma no processo trabalhista brasileiro em direção aos precedentes obrigatórios: a Lei nº 13.015/2014. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo: Lex Magister, out./dez. 2014, .p.155-156. 583 BRANDÃO, Cláudio. Reforma do sistema processual trabalhista: comentários à Lei n. 13.015/2014. São Paulo: Ltr, 2015, p. 167.

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Partilha-se da opinião do autor neste ponto584, por se amparar no efeito vinculante do

precedente firmado no incidente repetitivo, assegurando que seja preservada a efetividade e a

utilidade da medida. Se a tese jurídica enunciada pelo TST será dotada de força obrigatória

perante os órgãos judiciais inferiores, não há motivo para acionar todas as instâncias do

Judiciário até se alcançar o TST para lhe ser aplicada a ratio decidendi que decidirá o seu

litígio.

A interpretação fixada pela Corte Superior Trabalhista já pode ser adotada pelo

tribunal regional desde o recurso ordinário, após o pronunciamento definitivo do TST,

dispensando-se o recurso de revista sobre a matéria. Deste modo, evita-se a análise

desnecessária pelo TST da mesma questão já pacificada; insistindo a parte em provocar a

instância extraordinária, sua revista será denegada na origem, otimizando o trabalho dos

tribunais.

Entretanto, discorda-se do mencionado autor no tocante à paralisação dos processos,

assentados na mesma controvérsia discutida no incidente, em trâmite no primeiro grau585. Isto

porque, nesta hipótese, a suspensão das demandas comprometeria substancialmente a duração

razoável do processo e a satisfação do crédito de natureza alimentar, já que a parte teria que

aguardar o prazo de um ano para que a tese fosse formada e, somente após, proferida a

sentença.

Sem decisão de primeiro grau, inclusive, sequer poderia se iniciar a execução

provisória (art. 899, caput da CLT), retardando a prestação jurisdicional. Não se pode

desprezar, ainda, a pluralidade de temas que são veiculados nas ações trabalhistas, muitos

deles que não guardam pertinência com a questão comum afetada no incidente. Assim,

paralisar o processo integralmente e antes da sentença afetará significativamente a sua

tempestividade.

A causa deve, portanto, ser concluída no primeiro grau, com a devida prolação de

sentença e, em sede de recurso ordinário, havendo incidente pendente sobre a questão

584 Em sentido contrário, Estêvão Mallet defende que o sobrestamento só atinge "os processos que tenham chegado à fase do recurso de revista. Logo, causas que estejam com recurso ordinário pendente de exame nos Tribunais Regionais não são atingidas. Não importa que nelas se discuta exatamente a questão de direito que leva à proliferação de recursos. O julgamento deve prosseguir normalmente. Decidido o recurso ordinário, interpostos embargos de declaração por uma das partes e recurso de revista pela outra, o exame dos primeiros não fica sobrestado. Ao contrário, deve prosseguir normalmente. Somente quando se chegar ao momento de exame de admissibilidade do recurso de revista é que se aplica o sobrestamento previsto no art. 896-C, §3º". MALLET, Estêvão. Reflexões sobre a Lei nº 13.015/2014. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo:Lex Magister, out./dez. 2014, p. 95. 585 BRANDÃO, Cláudio. Reforma do sistema processual trabalhista: comentários à Lei n. 13.015/2014. São Paulo: Ltr, 2015, p. 169.

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repetitiva, sobresta-se o feito, incumbindo ao TRT aguardar para seguir a orientação da Corte

Superior.

Tal medida é salutar e abrevia o itinerário do processo, vez que, como dito, o resultado

do incidente pode tornar desnecessária a interposição de recurso de revista ou obstar o seu

seguimento, sendo a questão decidida mais rapidamente. Mesmo existindo outros pontos a

serem discutidos, não vinculados ao julgamento especial, já se poderá falar em trânsito em

julgado da matéria repetitiva com o início de execução definitiva pelo litigante e a satisfação

do crédito.

Saliente-se que o sobrestamento dos recursos deve ocorrer também no TST (recurso de

revista ou de embargos), devendo ser determinado pelo relator, conforme §§ 4º e 5º do art.

896-C.

Seja no âmbito do TRT ou do TST, uma vez sobrestados os processos, as partes

deverão ser intimadas para tomarem ciência da decisão de suspensão (art. 18 do Ato nº

491/2014).

Nesta oportunidade, poderá demonstrar que o seu caso não se amolda ao figurino

fático-jurídico traçado no incidente, não havendo similitude entre a questão a ser decidida no

seu processo e a que será julgada no recurso afetado, realizando o cotejo analítico entre as

causas586.

A outra parte será ouvida, para exercitar o contraditório e a ampla defesa, rebatendo ou

concordando com as razões apontadas pelo seu adversário. Se for comprovado o

distinguishing, o processo será desvinculado do incidente e prosseguirá seu curso normal;

sendo rejeitado, continuará processado pelo rito especial dos recursos repetitivos. Da decisão,

seja qual for o resultado, caberá agravo (regimental), nos termos do regimento interno dos

tribunais587.

Entende-se, com base na mesma sistemática, que a parte também pode requerer a

vinculação do seu processo ao incidente, demonstrando que o seu objeto litigioso coincide

com o do recurso paradigma, e, deve ser suspenso a fim de que lhe seja aplicada a mesma

solução.

Tal direito encontra amparo no princípio da igualdade e deve ser respeitado pelo órgão

julgador. Da decisão, caberá, igualmente, agravo regimental de acordo com as norma internas

dos tribunais.

586 Vide art. 19 do Ato nº 491/2014 587 Art. 19, §2º do Ato nº 491/2014.

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4.2.2.3.6 Instrução do incidente e intervenção do amicus curiae

O relator pode admitir, na instrução do feito, "a manifestação de pessoa, órgão ou

entidade com interesse na controvérsia, inclusive como assistente simples", com fulcro no § 8º

do art. 896-C588. Trata-se, como se sabe, de autorização para ingresso do amicus curiae589,

possibilitando o exercício do interesse institucional a fim de ampliar o espectro de

conhecimento do órgão julgador acerca da controvérsia, municiando-o de elementos

importantes590.

O amicus curiae contribui para elucidação da questão, "favorecendo a pluralização do

debate e a adequada e racional discussão entre os membros da Corte, com a consequente

legitimação social de suas decisões"591. Com isso, permite-se que a controvérsia seja

devidamente decantada em todas as suas dimensões com a ampla participação da sociedade

através de pessoas, órgãos ou entidades que representem interesses que transcendem o caso

concreto592.

Desta forma, a questão pode ser conhecida em diferentes perspectivas, buscando-se

ampliar o contraditório, tornando-o mais efetivo, e colocando à disposição do juízo elementos

588 "A lei prevê, portanto, duas modalidades de intervenção de terceiros. A primeira será consubstanciada na figura do assistente simples. Seu ingresso dependerá da demonstração de interesse jurídico, tal como dispõe o art. 50 do CPC. A segunda reside na figura do amicus curiae. A forma, prazo e condições para que ocorram essas duas modalidades de intervenção deverá ser objeto de regulamentação específica no Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho, na forma do art. 543-C, § 9º do CPC, aplicável no caso por força do art. 896-B da CLT". LINDOSO, Alexandre Simões. O recurso de revista e os embargos de divergência à luz da Lei 13.015/2015 - Primeiras reflexões. In: Revista Ltr, vol. 78, nº 9. São Paulo: Ltr, set./2014, p. 1083. 589 "Assim, prevê-se a figura do amicus curiae, com sua já conhecida funcionalidade de contribuir para a legitimidade democrática da jurisdição. A sua intervenção é especialmente relevante nos casos de processos objetivos de prolação de precedente, já que enriquecem o debate, diminuindo as chances de uma decisão em erro a ser superada subsequentemente, simplesmente porque omitiu a análise de algum aspecto relevante. Novidade interessante é a possibilidade de intervenção dos sujeitos também como assistente simples, o que não é previsto no CPC. Com isso, tem-se uma regulação mais técnica, visto que, em vários casos, é possível notar que a posição de alguns amici curiae não se compatibiliza com o modelo dessa forma de intervenção, sendo mais adequado receber tais pessoas, órgãos ou entes como assistente simples". DIDIER JR., Fredie; MACEDO, Lucas Buril. Reforma no processo trabalhista brasileiro em direção aos precedentes obrigatórios: a Lei nº 13.015/2014. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo: Lex Magister, out./dez. 2014, p.157. 590 A intervenção do amicus curiae em sede de recursos extraordinário e especial repetitivos foi tratada no tópico 3.3.2, cujas lições se aplicam aos recursos de revista repetitivos. 591 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito constitucional. 2 ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2013, p. 1034. 592 "Para que a decisão atinja um número não definido de jurisdicionados, é salutar que a decisão a ser tomada se funde na melhor ilustração possível da questão. Assim, não somente a convocação das partes e a escolha das melhores amostras de recursos envolvendo a questão são suficientes a montar o cenário do julgamento, mas a participação ativa dos jurisdicionados interessados é fundamental. Estes podem aduzir argumentos ou fornecer dados que não estejam ao alcance das partes interessadas, bem como auxiliam firmar uma decisão-quadro que melhor atendam aos anseios sociais". LIMA, Firmino Alves. A Lei nº 13.015/2014 como introdutora do julgamento de recursos repetitivos e da teoria dos precedentes no processo trabalhista. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo: Lex Magister, out./dez. 2014, p. 135.

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substanciais para dirimir o dissídio e solucionar o problema e todos os seus eventuais

desdobramentos593.

Para atingir este objetivo, as entidades sindicais, tanto as que representam os

trabalhadores quanto as que tutelam os interesses dos empregadores, ou as associações de

classe, podem intervir no feito, demonstrando a repercussão da controvérsia em sua categoria

e todas as suas implicações, muitas vezes não vislumbradas pelo órgão julgador e pelos

litigantes das causas paradigmas. Estas entidades poderão aportar ao incidente elementos

inéditos, que contemplam as diferentes facetas da questão discutida, e argumentos ainda não

considerados.

De igual forma, pode ser útil a manifestação de pessoas com experiência e

conhecimento na matéria (art. 16 do Ato nº 491/2014), ou seja, especialistas (engenheiros,

economistas, juristas, sociólogos, auditores fiscais do trabalho, administradores) que

ingressam na lide para embasá-la de conhecimentos técnicos, especializados, fornecendo

subsídios para formar a convicção do juízo sobre a controvérsia594. O procedimento de

colheita destes depoimentos é feito por meio de audiência pública e os experts são ouvidos

episodicamente, não ostentando a qualidade de partes, de assistente simples ou de amicus

curiae.

Questiona-se se as partes que tiveram o recurso de revista suspenso, por veicular a

mesma questão de direito objeto do recurso paradigma selecionado, podem intervir no

incidente com o propósito de contribuir para a formação do convencimento judicial. Em caso

positivo, qual o status que elas assumem no processo: amicus curiae, assistente simples ou

litisconsorcial?

Ora, a parte que teve a sua demanda sobrestada em face da instauração do regime

especial de recursos repetitivos possui interesse jurídico no resultado do julgamento, já que os

efeitos da decisão-modelo atingirão o seu processo, lhe sendo aplicada a tese jurídica dela

extraída.

Assim, se é admitido o ingresso de outras pessoas com experiência ou conhecimento

da matéria ou órgãos/entidades dotadas de interesse institucional (amicus curiae), não parece

ser possível vedar a manifestação da parte que pretende auxiliar na solução da controvérsia,

desde que ela introduza novos argumentos ou elementos capazes de influenciar a cognição

judicial.

593 MALLET, Estêvão. Reflexões sobre a Lei nº 13.015/2014. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo: Lex Magister, out./dez. 2014, p. 97. 594 BRANDÃO, Cláudio. Reforma do sistema processual trabalhista: comentários à Lei n. 13.015/2014. São Paulo: Ltr, 2015, p. 171.

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E deve fazê-lo na qualidade de assistente litisconsorcial, pois a questão discutida

também lhe diz respeito, sendo afetada diretamente pela decisão595. A parte tem, portanto, o

direito de contribuir para a construção do precedente que lhe será aplicado, podendo ser

ouvida, exercitar o contraditório em sua tríplice dimensão (informação-expressão-

consideração), "a fim de poder influenciar o julgador e ajudá-lo na elaboração do conteúdo da

decisão"596.

Não se trata de um mero interesse institucional como o do amicus curiae,

representante de uma categoria, órgão ou entidade de classe e que pode ser eventualmente

autorizado a ingressar, na maioria das vezes, apenas quando a matéria discutida em juízo é

relevante.

Também não se pode outorgar a parte de uma causa repetitiva a condição de assistente

simples, pois ela ostenta a mesma qualidade do litigante que teve o seu recurso eleito,

possuindo igual interesse, isto é, interesse jurídico imediato no desfecho da causa e não

reflexo ou oblíquo, como na assistência simples597. O litigante principal, cujo recurso foi

selecionado, funciona como uma espécie de "substituto processual" dos demais que apenas

tiveram seus recursos suspensos, de modo que os substituídos possuem os mesmos direitos e

ônus processuais.

Apenas por uma questão de utilidade e efetividade da medida pode-se realizar um

juízo prévio acerca da real necessidade de manifestação da parte no incidente. Se ela nada tem

a acrescentar, a sua participação pode tumultuar o feito e prejudicar a sua celeridade e

595 Manoel Antônio Teixeira Filho sustenta que a parte pode intervir na qualidade de amicus curiae ou assistente simples. TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Comentários à Lei nº 13.015/2014. São Paulo: Ltr, 2014, p. 58. 596 CUNHA, Leonardo Carneiro da. Anotações sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas previsto no projeto do novo Código de Processo Civil. In: Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano. 36, vol. 193, 2011, p. 269. Partilha-se da opinião do autor em atribuir a parte que ingressa no incidente de demandas repetitivas, seja o IRDR do Novo CPC ou o dos recursos repetitivos, a condição de assistente litisconsorcial, devido ao seu interesse jurídico direto no resultado do julgamento. 597 Cumpre distinguir o assistente simples do litisconsorcial com base na lição de Fredie Didier Jr: na assistência simples ou adesiva, "o terceiro ingressa no feito afirmando-se titular de relação jurídica conexa àquela que está sendo discutida. O interesse jurídico do terceiro reflete-se na circunstância de manter este, com o assistido, relação jurídica que poderá ser afetada a depender do julgamento da causa[...]. Fundamental perceber que, no processo, não se discute relação jurídica da qual faça parte este terceiro, bem como não tem ele qualquer vínculo jurídico com o adversário do assistido. O terceiro intervém para ser parte auxiliar - sujeito parcial, mas que, em razão de o objeto litigioso não lhe dizer respeito diretamente, fica submetido à vontade do assistido. [...] "; já a assistência litisconsorcial "cabe quando o terceiro alegar a existência de um interesse jurídico imediato na causa. Diz-se que há esse tipo de interesse jurídico quando a decisão puder afetar relação jurídica de que seja o terceiro, também ou só ele, titular". DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento. 15 ed. vol. 1. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 389; 393, respectivamente. Dos ensinamentos ora transcritos, percebe-se que a parte que teve o seu recurso suspenso deve, se desejar, figurar no incidente como assistente litisconsorcial, já que o objeto litigioso lhe diz respeito e a decisão que o resolve atingirá diretamente o seu processo.

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objetividade, promovendo dilações indevidas que não contribuem para o deslinde da

controvérsia.

Logo, deve ser admitida a manifestação da parte, como assistente litisconsorcial,

quando for agregar novos elementos para o processo, ou reforçar a linha de argumentação que

permita conhecer a questão jurídica em sua amplitude e profundidade, devendo demonstrar ao

órgão julgador a necessidade-utilidade da sua intervenção durante o julgamento do recurso

repetitivo.

Realizada a instrução do incidente, com a oitiva das partes e eventual participação de

terceiros e a coleta das informações necessárias para propiciar uma visão global da questão, o

relator deve dar vista ao Ministério Público do Trabalho pelo prazo de quinze dias (art. 896-C,

§9º da CLT). Expirado o prazo, o processo é incluído em pauta para julgamento na Seção

Especializada ou no Tribunal Pleno, tendo preferência sobre os demais recursos (art. 896-C,

§10º da CLT).

Nos tópicos seguintes serão examinadas a formação do precedente judicial através da

decisão paradigma, seus efeitos e a possibilidade de realização do distinguishing e do

overruling.

4.2.3 Recurso de revista repetitivo: consolidação do precedente judicial obrigatório

4.2.3.1 Formação da tese paradigmática: decisão modelo, efeitos e distinguishing

Todo o trâmite descrito nos tópicos anteriores deve ser realizado no prazo de um ano,

sob pena de cessar automaticamente a afetação e a suspensão dos processos, conforme art. 14,

§1º do Ato nº 491/2014. Os recursos afetados no incidente tem preferência de julgamento

sobre os demais feitos, dada a multiplicidade de causas que estão aguardando a deliberação do

TST.

Se o julgamento não ocorrer no prazo de um ano, cessam, como dito, os efeitos da

decisão de afetação, o que não impede, contudo, a instauração de novo incidente, com a

seleção de dois ou mais recursos representativos da controvérsia por nova decisão de afetação

(Art. 14, §2º).

Estando dentro do prazo previsto, o relator deve aparelhar o recurso para julgamento,

enviando para os demais Ministros da SEDI ou do Tribunal Pleno relatório circunstanciado

das providências adotadas e das informações coletadas durante a instrução para que os

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julgadores tenham a visão global da questão de direito a ser julgada598. O processo deve ser

incluído em pauta para julgamento, com preferência sobre os demais feitos (art. 896-C, §10 da

CLT).

O acórdão paradigma deve ser devidamente fundamentado, abrangendo "a análise de

todos os fundamentos suscitados à tese jurídica discutida, favoráveis ou contrários",

consoante determina o art. 17 do Ato nº 491/2014. A decisão que não se desincumbir da carga

argumentativa necessária para justificar a tese jurídica adotada, dimensionando o seu sentido e

alcance, será considerada não fundamentada, e por conseguinte, nula na forma do art. 93, IX

da CF.

Afinal, a tese jurídica enunciada no precedente firmado pelo Tribunal Superior do

Trabalho vinculará uma multiplicidade de processos, presentes e futuros, até ser superada

(overruling). Logo, a solução atribuída à questão objeto do incidente deve ser posta com

precisão, visando evitar incompreensões e distorções na sua aplicação pelos órgãos judiciais

inferiores.

É importante atentar que o órgão julgador não pode apreciar matérias que transbordem

os limites do procedimento dos recursos repetitivos, devendo se restringir a solucionar o

ponto objeto de afetação599. Só depois de concluído o julgamento e fixada a tese, o tribunal

pode avançar no julgamento das demais questões, proferindo acórdão específico para cada

capítulo600.

Destaca-se que o procedimento dos recursos de revista repetitivos insere-se na

modalidade de julgamento das chamadas "causas-piloto", em que se faz o julgamento por

amostragem (em bloco) a partir de demandas selecionadas como representativas da

controvérsia601. O órgão julgador (SEDI ou Tribunal Pleno) fixa a tese jurídica paradigmática,

julgando os recursos que lhes foram afetados, ocorrendo unidade cognitiva na deliberação da

questão comum.

Em seguida, a orientação do Tribunal Superior do Trabalho é reproduzida para os

demais processos em que a mesma questão esteja sendo discutida, replicando a sua ratio

decidendi. Neste caso, haverá cisão cognitiva por conta do efeito vinculante, pois o órgão que

598 BRANDÃO, Cláudio. Reforma do sistema processual trabalhista: comentários à Lei n. 13.015/2014. São Paulo: Ltr, 2015, p. 172. 599 DIDIER JR., Fredie; MACEDO, Lucas Buril. Reforma no processo trabalhista brasileiro em direção aos precedentes obrigatórios: a Lei nº 13.015/2014. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo: Lex Magister, out./dez. 2014, .p.158. 600 Conferir arts. 13 e 15 do Ato nº 491/2014. 601 O procedimento da "causa-piloto" difere do "processo-modelo", conforme explicado no Capítulo 3, parte introdutória, a cuja leitura se remete.

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aplicará a tese (Turma do TST, Turma do TRT ou o juiz de primeiro grau) não será o mesmo

que a formou.

Esta é uma característica importante dos recursos de revista repetitivos, já que

possuem uma pluralidade de temas, que nem sempre são alvos do incidente, por não se

multiplicarem em casos similares. Assim, a SEDI ou o Tribunal Pleno não são competentes

para resolver as demais questões não afetadas para julgamento, que transbordem os limites do

incidente602.

Em sede de recurso de revista, caberá a Turma do TST, cuja competência foi definida

pelo seu Regimento Interno603, decidir as outras matérias suscitadas pelo recorrente e ainda

não apreciadas.

As teses jurídicas firmadas no incidente se tornarão públicas por meio do registro no

"banco de teses", assim como as questões que ainda se encontram pendentes de julgamento e

as que forem consideradas sem relevância, consoante preconiza o art. 22 do Ato nº 491/2014

do TST.

Permite-se, com isso, identificar com precisão a ratio decidendi da decisão paradigma

e dar conhecimento aos jurisdicionados sobre as questões que ainda serão julgadas, até para se

requerer a eventual vinculação ao incidente repetitivo quando a matéria discutida for a

mesma.

A tese jurídica, construída pelo TST no julgamento, possui força vinculante e gera

"um verdadeiro 'efeito cascata'"604, na medida em que se aplica imediatamente aos recursos

selecionados como representativos da controvérsia no âmbito do TST, espraiando seus efeitos

aos recursos que veiculem a mesma questão, mas estejam sobrestados nos Tribunais

Regionais.

Os recursos de revista e os embargos suspensos por decisão do relator, mas não

afetados como paradigmas, serão considerados prejudicados pela SEDI ou Turma, se a

602 "A decisão tomada produz efeitos intraprocessuais, para o caso ou os casos que hajam sido objeto de afetação, e extraprocessuais, para os demais casos, em que se haja dado o sobrestamento dos recursos de revista. Nos processos em que a afetação tem lugar, o julgamento se dá, para a questão controvertida, per saltum. Quer dizer, a decisão é tomada, na questão de direito e no litígio em particular, diretamente pela seção Especializada ou pelo Tribunal Pleno, Não há exame em abstrato da questão, com posterior devolução da causa às Turmas, para aplicação da solução vencedora. Há imediato julgamento da controvérsia, Afeta-se a própria causa, não apenas a definição, em tese, da controvérsia jurídica. Para as outras questões suscitadas no recurso, não compreendidas no âmbito da matéria repetitiva, a competência de julgamento continua a ser do órgão fracionário. A ele se devolve, portanto, o exame da causa, depois de concluído o julgamento sobre a matéria repetitiva. MALLET, Estêvão. Reflexões sobre a Lei nº 13.015/2014. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo:Lex Magister, out./dez. 2014, p. 97. 603 Art. 72, I do RITST: "Compete a cada uma das Turmas julgar: I - os recursos de revista interpostos contra decisão dos Tribunais Regionais do Trabalho, nos casos previstos em lei". 604 BRANDÃO, Cláudio. Reforma do sistema processual trabalhista: comentários à Lei n. 13.015/2014. São Paulo: Ltr, 2015, p. 173.

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decisão recorrida estiver em consonância com a tese jurídica (ratio) firmada pelo TST no

incidente. Se for divergente, o órgão competente aplica o precedente fixado e julga o caso

concreto.

No âmbito dos TRT´s, pode ocorrer uma de duas hipóteses:a) refletindo o acórdão

recorrido a mesma orientação adotada pelo TST, os recursos de revista pendentes serão

denegados na origem pelo Presidente do Tribunal Regional; b) quando a tese estampada na

decisão recorrida contrariar a firmada pelo TST, o Presidente do TRT determinará o retorno à

Turma, lhe sendo oportunizada o juízo de retratação, seguido do novo julgamento apenas do

ponto dissonante. Se o posicionamento divergente for mantido, os autos serão encaminhados

ao Presidente para examinar a admissibilidade do recurso de revista e remetê-lo ao TST, pelo

rito normal605.

Os recursos ordinários, agravos de petição e agravos de instrumento que ainda não

foram apreciados e ficaram sobrestados por ventilarem a mesma controvérsia, também

sofrerão os efeitos da decisão paradigma, retomando o seu curso após o julgamento do

incidente para a aplicação da tese jurídica enunciada pelo TST (art. 20 e 21, I/III do Ato

491606).

Como dito reiteradas vezes, a tese jurídica fixada pelo TST no julgamento dos

recursos repetitivos é vinculante e isto se deflui da própria Lei nº 13.015/2014, do Ato nº

491/2014, do CPC/2015, da estruturação do sistema recursal trabalhista e da duração razoável

do processo.

Não haveria o menor sentido estabelecer um procedimento especial, julgado por órgão

específico do TST, envolvendo a participação da sociedade por meio do amicus curiae,

realização de audiência pública para ouvir pessoas com conhecimento da matéria,

sobrestamento dos recursos pelo período máximo de um ano, se fosse conferido aos tribunais

regionais, ou aos juízes, o direito de simplesmente afastar o precedente da Corte Superior

Trabalhista.

605 Este regramento está previsto nos §§ 11 e 12 do art. 896-C da CLT. 606 Art. 20 do Ato nº 491. "Decidido o recurso representativo da controvérsia, os órgãos jurisdicionais respectivos declararão prejudicados os demais recursos versando sobre idêntica controvérsia ou os decidirão aplicando a tese"; Art. 21. "Publicado o acórdão paradigma: I - o Presidente ou Vice-Presidente do Tribunal de origem negará seguimento aos recursos de revista sobrestados na origem, se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Tribunal Superior do Trabalho; II - o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará a causa de competência originária ou o recurso anteriormente julgado, na hipótese de o acórdão recorrido contrariar a orientação do Tribunal Superior; III - os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo Tribunal Superior". (destaques aditados)

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Todos os princípios que nortearam a Lei nº 13.015/2014 e o seu próprio escopo

estariam desvirtuados apenas para preservar a independência do juiz e o seu "livre"

convencimento. É preciso esclarecer que estes dois últimos não são absolutos e devem se

coadunar com outros princípios e garantias, pois o seu destinatário é o jurisdicionado e não o

juiz.

Daí porque a liberdade e a independência do magistrado não podem servir de mero

instrumento "para satisfação de vaidades, idiossincrasias, subjetivismos e opiniões pessoais do

magistrado. Também não significa a chancela da anarquia individual, que transforma todo

membro do Poder Judiciário em um corpo isolado, livre de qualquer controle externo ou

interno"607.

Não há como prevalecer, ainda, sobre o princípio da isonomia e o direito do

jurisdicionado de receber a mesma resposta já adotada pelo Judiciário em caso semelhante.

Entender que o precedente edificado pelo TST no incidente de recursos repetitivos não é

obrigatório importa em corromper o objetivo da lei de uniformizar a jurisprudência, obter

coerência e integridade do ordenamento e concretizar a segurança jurídica e a proteção da

confiança.

O discurso de que o juiz não pode editar normas jurídicas com efeitos que

transcendem ao caso concreto não se coaduna mais com os novos paradigmas do direito,

inexistindo fundamento para negar a força normativa do precedente, ou melhor, da sua ratio

decidendi.

Assim, não se tem espaço para a infundada rebeldia dos órgãos inferiores que

decidirem não aplicar o enunciado normativo assentado pelo TST, de modo que a tese é

obrigatória para todos os casos pautados na controvérsia de direito objeto do incidente

repetitivo.

A manutenção da tese contrária só se respalda se o órgão julgador demonstrar, de

modo fundamentado, a existência de distinção capaz de afastar a incidência da ratio decidendi

em determinada causa. O distinguishing pode ocorrer em virtude de hipótese fática

(particularidades) distinta ou questão jurídica não examinada pelo TST na formação do

precedente, que imponha solução diversa, conforme estabelece o § 1º do art. 22 do Ato nº

491/2014.

607 MATTOS, Luiz Norton Baptista de. O projeto do Novo CPC e o incidente de resolução de demandas repetitivas. In: MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; MARINONI, Luiz Guilherme; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Direito Jurisprudencial, vol. II, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 793.

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Neste sentido, cumpre transcrever a lição de Fredie Didier Jr. e Lucas Buril

Macedo608:

Muito embora haja a previsão de manutenção da decisão do TRT em sentido contrário, nada obstante a prolação do julgamento pelo procedimento de recursos repetitivos, é evidente que não é possível que tribunal intermediário mantenha sua decisão em contrário ao posicionamento do tribunal superior sic et simpliciter. Não, A desobediência acrítica pura e simples é vedada e não faz qualquer sentido à luz do devido processo legal, da estruturação do sistema recursal e da duração razoável do processo. É indispensável que exista alguma circunstância autorizadora da resistência em alterar o decisum.

Desta forma, entende-se que a posição da doutrina em negar o efeito vinculante do

precedente construído no julgamento dos recursos repetitivos não deve subsistir, revelando-se

contrária a própria finalidade do instituto e dos princípios que lhes informam609. O incidente

foi concebido para solucionar de modo eficiente, tempestivo e uniforme os litígios de massa e

este papel não pode ser cumprido se for dado ao tribunal o direito de ignorar a tese da Corte

Superior610.

Em face destas razões, discorda-se do pensamento de Estêvão Mallet ao dizer que a

natureza da decisão firmada no incidente não é vinculativa e que o juízo de retratação

constitui mera "faculdade do órgão julgador, e não obrigação", com base no § 12 do art. 896-

C da CLT (Lei nº 13.015). Diz o jurista que "o legislador teve o cuidado de ressalvar bem a

608 DIDIER JR., Fredie; MACEDO, Lucas Buril. Reforma no processo trabalhista brasileiro em direção aos precedentes obrigatórios: a Lei nº 13.015/2014. In: Revista do TST, ano 80, nº4. São Paulo:Lex Magister, out./dez. 2014, .p.158. Os autores explicam as hipóteses de resistência autorizadora do seguinte modo: "Primeiro, pode o Tribunal Regional do Trabalho manter a decisão proferida caso identifique alguma distinção relevante entre os fatos presentes no caso analisado e os dos casos que ensejaram a decisão paradigmática. Segundo, é possível que a decisão se tenha assentado em mais de um fundamento normativo, e o procedimento para julgamento de recursos de revista repetitivos trate apenas de um deles; por isso, não haveria justificativa para a alteração da decisão, que ainda se encontraria firmada no fundamento restante. Enfim, somente quando houver uma justificativa relevante é possível que o Tribunal Regional mantenha a sua decisão, não lhe sendo permitido simplesmente desobedecer a orientação jurisprudencial do órgão superior". DIDIER JR., Fredie; MACEDO, Lucas Buril. Op. cit., p. 158-159. 609 Cláudio Brandão destaca a natureza vinculante dos precedentes introduzidos pela Lei nº 13.015/2014 e os princípios que ela encampa: "Trata-se de novidade sem igual, na medida em que introduz a força obrigatória do precedente judicial e modifica, substancialmente o procedimento de julgamento dos recursos nos quais vier a ser suscitado o incidente, que passarão a fixar a tese jurídica ou o precedente judicial que, doravante, servirá de paradigma obrigatório no âmbito da respectiva jurisdição. Ademais, a inovação busca contemplar solução de massa para as demandas igualmente de massa, característica marcante da sociedade contemporânea. Some-se a busca pela segurança jurídica e a preservação do princípio da igualdade, valorizados pela sistematização de identidade de teses jurídicas aplicáveis a casos semelhantes". BRANDÃO, Cláudio. Reforma do sistema processual trabalhista: comentários à Lei n. 13.015/2014. São Paulo: Ltr, 2015, p. 148. 610 "E isso porque não se pode conceber tenha o legislador instituído todo um sistema voltado à uniformização de teses em processos de massa sem dotá-los de um mínimo de eficácia. Não é razoável admitir que os graus de jurisdição inferiores estejam autorizados a simplesmente desconsiderar todo o aparato legal voltado a racionalizar o trabalho do Poder Judiciário, esquivando-se de aplicar o precedente sem externar, no mínimo, uma justificação para tanto". LINDOSO, Alexandre Simões. O recurso de revista e os embargos de divergência à luz da Lei 13.015/2015 - Primeiras reflexões. In: Revista Ltr, vol. 78, nº 9. São Paulo: Ltr, set./2014, p. 1085.

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independência decisória do julgador, inclusive para evitar incorrer em

inconstitucionalidade"611.

Inexiste, porém, inconstitucionalidade ao se reconhecer a força obrigatória dos

precedentes sedimentados pelo TST, que possuem, em verdade, assento constitucional nos

princípios da igualdade, segurança jurídica, duração razoável do processo, devido processo

legal próprio da jurisdição de massa, não havendo violação a separação dos poderes, ou a

independência e ao "livre" convencimento do magistrado, como já abordado nos capítulos

anteriores.

A doutrina trabalhista precisa acompanhar a evolução da lei, do direito e dos seus

novos paradigmas. Ela deve ser fonte de conceitos, teorias, argumentos que forneçam

subsídios para auxiliar a tarefa dos operadores do direito, contribuindo para formação do

arcabouço teórico necessário para a correta e efetiva aplicação do sistema de precedentes

obrigatórios.

Sabe-se que a incorporação e a solidificação de novos conceitos, que representam uma

significativa mudança na sistemática de solução dos litígios trabalhistas, não é uma missão

fácil612. A Lei nº 13.015/2014 e o Novo Código de Processo Civil propõem a modificação na

forma de argumentação jurídica, valorizando o papel da jurisprudência na construção do

direito.

E esta nova roupagem demanda, de todos os profissionais da área jurídica, a sede por

conhecimento, pelo estudo acurado dos novos paradigmas, das bases que alicerçam a teoria

dos precedentes judiciais, da forma de resolver eficazmente os problemas do ordenamento,

611 MALLET, Estêvão. Reflexões sobre a Lei nº 13.015/2014. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo:Lex Magister, out./dez. 2014, p. 97. Firmino Alves Lima também partilha da opinião de que o precedente firmado no julgamento de recursos repetitivos é destituído de força obrigatória: "A sistemática prevista pelo projeto de Código de Processo Civil foi parcialmente acolhida, ainda que a Lei nº 13,015/2014 não reconheça a força vinculante enunciada na norma projetada. LIMA, Firmino Alves. A Lei nº 13.015/2014 como introdutora do julgamento de recursos repetitivos e da teoria dos precedentes no processo trabalhista. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo: Lex Magister, out./dez. 2014, p. 115-116. O autor defende que a eficácia seria altamente persuasiva, já que é possível obstar o seguimento de recursos em dissonância com o precedente do TST. LIMA, Firmino Alves, Op. cit. p. 133. 612 "Mas, não será uma tarefa fácil a implantação e solidificação desses novos conceitos e todas as mudanças que representarão na estrutura consolidada há mais de setenta anos, muito embora não se possa dizer que é algo inteiramente novo, pois muito já existe dessa teoria, sobretudo se for considerada a força persuasiva das decisões do TST, consolidadas, mais tarde, em súmulas e orientações jurisprudenciais que barram recursos de decisões proferidas em conformidade com as teses nelas fixadas ou autorizam julgamento do mérito, muito embora - e esse é o grande diferencial - não fossem capazes de 'barrar' novas decisões em sentido contrário às teses por ele fixadas. Isso sem se falar na força vinculante atribuída às súmulas do STF, editadas com tal atributo". BRANDÃO, Cláudio. Reforma do sistema processual trabalhista: comentários à Lei n. 13.015/2014. São Paulo: Ltr, 2015, p. 152.

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alterando a ótica pelo qual enxergavam o direito e empreendendo uma cultura de respeito aos

precedentes613.

Não se ignora que toda a evolução, provocada por substancial mudança na estrutura do

sistema, requer um período de acomodação, erros, acertos, pesquisas, para que se obtenha o

resultado esperado. Contudo, o exame do ordenamento trabalhista, como dito no início do

capítulo, já permite extrair a adoção de um sistema de precedentes vinculantes, oriundos dos

prejulgados trabalhistas, das súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos

do TST.

Resta quebrar a resistência a este modelo e envidar esforços para retirar o que ele

apresenta de melhor, tendo como propósito a concretização de princípios fundamentais do

jurisdicionado (igualdade, segurança jurídica, proteção da confiança), obtidos a partir de

decisões estáveis, uniformes, previsíveis, que permitam guiá-los nas suas relações em

sociedade.

E para que isto aconteça o precedente (e a jurisprudência) não pode ser imutável,

perenizando equívocos, injustiças, má compreensão da norma jurídica, ou dissociados da

realidade cambiante e dos valores sociais. Daí porque se autoriza a superação da tese

consagrada no precedente formado no julgamento dos recursos repetitivos, como se abordará

a seguir.

4.2.3.2 Overruling, segurança jurídica e proteção da confiança

A nova sistemática dos recursos repetitivos introduzida pela Lei nº 13.015/2014

outorga, como visto, força obrigatória aos precedentes judiciais edificados pelo TST no

incidente.

Esta tese jurídica passará a servir de baliza interpretativa para solucionar os litígios

trabalhistas presentes e futuros, constituindo parâmetro de comportamento que guiará a vida

em sociedade. Assim, não se presta apenas a resolver a controvérsia já instaurada e submetida

ao Judiciário, mas a orientar os negócios celebrados entre os cidadãos, a permitir o

613 "Por tal motivo, todos os profissionais da área jurídica, especialmente os mais experientes, terão que correr contra o tempo para refundar e reestruturar toda a estrutura de argumentação jurídica que aprenderam, e com a qual trabalharam durante muitos anos. Eles deverão conhecer melhor as sutilezas e os detalhes de um complexo sistema já em vigor por séculos em outros países, e utilizá-lo de forma que não venha a infringir a ordem constitucional vigente, principalmente mantendo a eficácia dos princípios fundamentais do sistema jurídico pátrio". LIMA, Firmino Alves. A Lei nº 13.015/2014 como introdutora do julgamento de recursos repetitivos e da teoria dos precedentes no processo trabalhista. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo:Lex Magister, out./dez. 2014, p. 142,

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planejamento das suas condutas e prever a consequência dos seus atos e a direcionar o tráfego

jurídico.

O precedente vinculante funciona, pois, como um instrumento suscetível de

calculabilidade do resultado normativo de uma conduta humana, fornecendo segurança de

orientação614. Quando a mesma conclusão é enunciada em casos similares, durante um

período contínuo e duradouro, a jurisprudência e o precedente passam a ser estáveis e dignos

de confiança.

Um ordenamento pautado, portanto, na uniformidade e estabilidade das suas decisões

concretiza a segurança jurídica. Mas, por outro lado, não se revela seguro se essa estabilidade

e uniformidade não permitirem a modificação do entendimento consolidado, engessando a

interpretação judicial sobre uma dada norma, em detrimento de novos valores vigentes na

sociedade.

Nesta senda, embora se almeje que o precedente espelhe uma orientação

jurisprudencial contínua e duradoura (estável), a fim de possibilitar que os jurisdicionados

nele depositem a sua confiança e suas legítimas expectativas, não se pode impedir a sua

superação (overruling)615 por outra tese (ratio decidendi) mais adequada a dirimir a

controvérsia616.

Por este motivo, a Lei nº 13.015/2014 não poderia edificar um sistema de precedentes

obrigatórios sem prever a possibilidade de revisão da teste jurídica firmada pelo TST no

procedimento dos recursos repetitivos617, sempre que se verificar a alteração de "situação

econômica, social ou jurídica", conforme § 17 do art. 896-C da CLT. Autoriza-se, em outras

614 CABRAL, Antonio do Passo. Estabilidade e alteração de jurisprudência consolidada: proteção da confiança e técnica do julgamento-alerta. In: GALOTTI, Isabel et. al. (coords.). O papel da jurisprudência no STJ. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 33. 615 A técnica de superação dos precedentes denominada de overruling foi detidamente tratada no tópico 2.5.2. 616 "O estudo da continuidade abraça também o reconhecimento de uma margem permitida de alterabilidade. Trata-se de enxergar uma 'mínima medida' de consistência, a proteção de um minimum de continuidade ao lado de uma esfera marginal de mudança sistematicamente autorizada. Portanto, a força da continuidade atribui ao sistema apenas uma duração tendencial, sem precluir ou impedir a alteração de conteúdos estáveis". CABRAL, Antonio do Passo. Estabilidade e alteração de jurisprudência consolidada: proteção da confiança e técnica do julgamento-alerta. In: GALOTTI, Isabel et. al. (coords.). O papel da jurisprudência no STJ. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 37-38. 617 "A novel legislação representa um alento para que se possa dotar o TST de instrumento eficaz para assegurar a estabilização das teses jurídicas, especialmente pela introdução da compulsoriedade - mais do que persuasão - dos precedentes judiciais, sem embargo de reconhecer a necessidade de que sejam assegurados mecanismos de revisão ou de fixação de elementos de distinção a fim de que a jurisprudência também acompanhe a evolução dos fatos, a compasso das transformações, e não 'engesse' a imprescindível criatividade da atuação da magistratura de primeira instância". BRANDÃO, Cláudio. O defeito formal nos recursos de revista e de embargos: possibilidade de correção. In: Revista do TST, ano 80, nº 4. São Paulo: Lex Magister, out./dez. 2014, p. 44.

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palavras, a utilização do overruling como forma de garantir a flexibilidade e evolução do

Direito.

A alteração do precedente, porém, não pode ser feita de forma acrítica, desmedida,

desarrazoada, abrupta e constante. É preciso que haja fundadas razões que justifiquem a sua

retirada do ordenamento jurídico, afinal, ele orientou a conduta dos jurisdicionados, que

planejaram e executaram as suas ações (ou omissões) com base no enunciado fixado pelo

Estado-juiz.

Exige-se, portanto, que o TST, ao avaliar a possibilidade de overruling, mensure a

legítima confiança do cidadão no precedente, a fim de preservar as situações consolidadas sob

a sua égide. E analise a viabilidade de modificação da tese jurídica de modo detido, ancorado

em substanciais fundamentos que respaldem o novo entendimento, se desincumbido da carga

de argumentação necessária, que deve ser maior do que a utilizada para formação do

precedente.

Deve-se demonstrar que o precedente está obsoleto, desgastado, traduz má aplicação

da norma jurídica ou a sua equivocada compreensão, ou necessita se ajustar à nova realidade

(jurídica, social, política, econômica). Novos argumentos devem ser suscitados para justificar

a superação da ratio decidendi, o que não deve ocorrer com frequência para não se perder a

credibilidade do Judiciário e se preserve a segurança jurídica e a estabilidade da

jurisprudência.

Considerando este cenário, não pode haver surpresas para os litigantes que pautaram o

seu comportamento no precedente do TST até então vigente, esperando serem tutelados por

agirem em conformidade com a tese jurídica fixada pela Corte Superior. Com vistas a

preservar a confiança do jurisdicionado, o § 17 do art. 896-C permite que o Tribunal Superior

do Trabalho module os efeitos da decisão que revogou o precedente, em nome da segurança

jurídica.

4.2.3.3 Modulação dos efeitos

A segurança jurídica, na sua dimensão subjetiva (princípio da proteção da confiança),

deve proteger as expectativas dos que legitimamente confiaram na subsistência do precedente

vinculante ou, ainda, do entendimento dominante sedimentado na jurisprudência (sumulada

ou não).

Se não for assim, porque o cidadão vai seguir a nova orientação do tribunal se pode ser

afetado abruptamente por nova alteração do entendimento, desconsiderando a que era então

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vigente? Ingressa-se em um ciclo vicioso e deletério quando o tribunal ignora as ações

pautadas na tese jurídica superada, gerando um déficit de confiabilidade no Judiciário618 e a

desconfiguração do propósito de se manter uma jurisprudência estável, uniforme, coerente e

previsível.

Exemplo concreto e recente de brusca e radical alteração da jurisprudência trabalhista

ocorreu com a modificação dos enunciados das súmulas 244 e 277 do TST, em setembro de

2012.

A súmula 244, já examinada no tópico 4.1.3, consignava no item III que a empregada

gestante não adquiria o direito à estabilidade provisória quando fosse admitida por meio de

contrato de experiência, em face da pré-fixação da extinção do vínculo nesta modalidade de

contrato.

Esta diretriz instruiu o comportamento dos jurisdicionados por muitos anos,

conduzindo o tráfego jurídico e fomentando as expectativas dos cidadãos de que, se

enquadrando na moldura fático-jurídica prevista no enunciado, não poderia se cogitar o direito

à estabilidade.

O efeito prático disso é que, quando a empregada gestante era despedida após

conclusão do seu contrato de experiência e consultava os advogados para saberem seus

direitos, poucos a encorajavam a ingressar com uma ação trabalhista pleiteando a estabilidade,

em face da aplicação da súmula por quase todos os juízes de primeiro grau e tribunais

regionais. Tal circunstância, portanto, servia de desestímulo para a litigiosidade repetitiva e

desnecessária.

Registre-se que não se pretende discutir o erro ou o acerto do entendimento

cristalizado pelo TST na referida súmula, mas destacar a importância da jurisprudência (ou do

precedente) como norteador da conduta em sociedade e da aplicação da norma pelos órgãos

judiciais.

Feita esta ressalva, em setembro de 2012, a redação do item III da súmula 244 foi

radicalmente alterada para consagrar diretriz oposta: "a empregada gestante tem direito à

estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições

618 Cumpre, mais uma vez, transcrever a lição de Humberto Ávila: “Em outras palavras, a mudança jurisprudencial provoca um déficit de confiabilidade e de calculabilidade do ordenamento jurídico: se a orientação jurisprudencial anterior não for mantida, haverá surpresa e frustração, abaladoras dos ideais de estabilidade e de credibilidade do ordenamento jurídico; se a orientação jurisprudencial anterior for abandonada, a orientação jurisprudencial futura, pela desconfiança na sua conformação, não será mais calculável. A falta de proteção da confiabilidade (passada) compromete a calculabilidade (futura) do Direito. ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: Entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário, São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 471-472.

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Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo

determinado".

O novo entendimento do TST foi louvável, pois se preocupou em tutelar os interesses

do nascituro, conferindo-lhe proteção à despedida arbitrária da empregada gestante. Não é o

mérito do enunciado que se está em discussão. O problema é que os efeitos da alteração da

jurisprudência não foram modulados pela Corte Superior, como deveriam ter sido em respeito

à segurança jurídica, o que levou a prolação de arbitrárias decisões dos órgãos inferiores que

se pautavam na nova orientação para situações consumadas sob o antigo item III da súmula

244.

Como punir o jurisdicionado por agir em consonância com o entendimento do Estado

sobre a matéria? Se, a época, a posição do TST era outra e a confiança do litigante não foi

preservada, o que irá motivá-lo a seguir novos entendimentos da Corte trabalhista que podem

ser substancialmente modificados?619 Mais uma vez ressalva-se que não se enfrenta a

proteção do hipossuficiente, a necessidade de tutelar a mãe e o nascituro, apenas traz-se este

exemplo para demonstrar a necessidade de modulação dos efeitos, visando preservar as

expectativas do jurisdicionado e conduzi-los a seguir com confiança os parâmetros delineados

pelo Judiciário.

O mesmo raciocínio pode ser utilizado para a súmula 277 do TST, também já

examinada no tópico 4.1.3, mas, neste caso, o Tribunal Superior do Trabalho cuidou de

modular os efeitos, louvando-se na indispensável observância à segurança jurídica das

relações:

A evolução do entendimento jurisprudencial consolidado na Súmula nº 277 do TST, quanto à aderência das normas coletivas aos contratos de trabalho, deve ser sopesada com o princípio da segurança jurídica, motivo pelo qual a alteração do entendimento deve ter seus efeitos aplicados às situações ocorridas a partir de sua publicação, e não retroativamente às situações já consolidadas sob o entendimento anterior. Dessa forma, uma vez que a pretensão tem origem em norma estabelecida no regulamento da empresa, Plano de Cargos e Salários, posteriormente suprimida, por meio de acordo coletivo, cuja cláusula foi posteriormente submetida à apreciação em dissídio coletivo, não se há de falar em alteração deste, restando intacto o art. 468 da CLT620. (destaques aditados)

619 "Não é possível desprezar impunemente a expectativa legitimamente criada na sociedade, desconsiderar a confiança produzida, ignorar os comportamentos adotados segundo o que na altura se dizia e apregoava ser correto. Fazê-lo compromete a própria autoridade dos tribunais e a credibilidade das respectivas decisões, que deixam de servir ou de ser vistas com o guia seguro para o comportamento das pessoas". MALLET, Estêvão. A jurisprudência sempre deve ser aplicada retroativamente. In: Revista do TST, ano 71, nº 3. São Paulo: Lex Magister, set./dez. 2005, p. 141. 620 Ementa do acórdão proferido pelo Tribunal Superior do Trabalhou que modulou os efeitos da alteração da súmula 277 do TST. TST, 4ª Turma, RR - 37500-76.2005.5.15.0004, Min. Relator Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DJE 06.12.2012.

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Assim, considerando a segurança jurídica, a proteção da confiança e a vedação à

surpresa injusta, a utilização da técnica de superação do entendimento consolidado

(overruling), com a consequente revisão da tese jurídica, não pode prescindir da análise da

base de confiança do precedente e do alcance dos seus efeitos, sobretudo se forem

vinculantes.

Os precedentes consagrados em sede de julgamento dos recursos repetitivos, bem

como as demais orientações sedimentadas na jurisprudência, enquanto vetores de conduta

para guiar a sociedade e a comunidade jurídica, devem ser modificados para permitir a sua

correção ou o seu ajuste, sem desconsiderar os atos firmados sob a égide da ratio decidendi

anterior621.

A modulação dos efeitos da decisão revogadora é, portanto, necessária, e deve ser

observada pelos tribunais, sobretudo pelo Tribunal Superior do Trabalho, admitindo-se a

eficácia retroativa apenas em hipóteses excepcionais e casuísticas622, como salientado no

tópico 2.5.2.3.

Do todo o exposto, constata-se que o ordenamento trabalhista está se estruturando em

torno de um autêntico sistema de precedentes judiciais, incrementado pela introdução de

novos conceitos e institutos trazidos pela Lei nº 13.015/2014. As alterações legislativas

tornam o processo do trabalho mais afinado com os princípios constitucionais, especialmente

o da igualdade e o da segurança jurídica, instituindo como meta a uniformização da sua

jurisprudência.

Ganha-se em eficiência e racionalidade, produzindo uma nova forma de se enxergar o

direito, sob as bases de uma nova estrutura da argumentação jurídica, que não almeja a tutela

621 "Em síntese, tal como não pode a lei nova comprometer o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, a mudança da jurisprudência não deve ser aplicada, indiscriminadamente e sem ressalvas, de forma retroativa, de modo a frustrar expectativas legitimamente criadas ou a infirmar comportamentos induzidos pelas decisões anteriores dos tribunais". MALLET, Estêvão. A jurisprudência sempre deve ser aplicada retroativamente? In: Revista do TST, ano 71, nº 3. São Paulo:Lex Magister, set./dez. 2005, p. 149. 622 É o caso da decisão do STF que reconheceu a competência da Justiça do Trabalho, pós EC nº 45/2004, para julgar ações de indenização propostas por empregado contra o empregador, fundadas em acidente de trabalho. A jurisprudência anterior do STF se orientava no sentido de reconhecer a competência da Justiça Estadual, mesmo após a modificação do art. 114 da CF, promovida pela EC nº 45/2004. Tanto é que em março de 2005, o STF ratificou este posicionamento e apenas três meses depois, em 29.06.2005, o Supremo consagrou novo precedente definindo a competência da Justiça do Trabalho, a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004, superando a tese anterior (overruling). Em face do pequeno lapso temporal para modificação da jurisprudência (três meses), que não chegou a se sedimentar após a modificação do art. 114 da CF, ainda recente, optou-se pela eficácia retroativa (restrospective overruling), tendo com marco temporal a entrada em vigor da EC nº 45/2004 para as demandas que ainda não tinham sido proferidas sentenças de mérito. Em outras palavras, retroagiu-se para alcançar as demandas em curso que, até a entrada em vigor da EC nº 45/2004, não possuíam sentença de mérito. Conferir Informativo do STF. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo394.htm#Indenização por Danos Decorrentes de Acidente do Trabalho. Acesso em 17.02.2015.

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das convicções pessoais do magistrado, mascarada pelo "livre" convencimento motivado e a

independência.

Visa-se o interesse público, presente em um Estado Democrático de Direito, o

interesse de uma coletividade (ou sociedade de massa) e do jurisdicionado individualmente

considerado. Neste panorama, o Judiciário deve fornecer respostas iguais para casos

semelhantes, respaldando-se em uma decisão judicial legítima, democrática, qualificada e

tempestiva.

Propósitos estes que podem ser atingidos com a observância racional e adequada do

sistema de precedentes obrigatórios previsto no Novo Código de Processo Civil e na Lei nº

13.015/2014, e que está em perfeita harmonia com o ordenamento trabalhista e com a

Constituição.

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5 CONCLUSÃO

O Direito não pode mais ser contemplado pela ótica dos velhos dogmas que

sustentavam a tradição do civil law, notadamente o ordenamento brasileiro: a) estrita

separação dos poderes; b) juiz como mero aplicador da norma jurídica; c) "livre"

convencimento motivado e independência do juiz, que era autorizado a julgar segundo as suas

convicções pessoais, conferindo tratamento desigual para situações semelhantes; d) criação de

norma, de caráter abstrato e geral, pelo Judiciário de modo excepcional e anômalo, sob pena

de usurpar a competência do Legislativo; e) decisões (arbitrárias) proferidas pelo homem-juiz

e não pelo Estado-juiz; f) dicotomia entre a tradição do common law e a do civil law; g)

negação da jurisprudência como fonte de direito; h) resistência à cultura de respeito aos

precedentes.

Este modelo que estruturou o Direito no plano teórico e doutrinário, já que na prática a

maioria deles se revelou utópico e distorcido da realidade, não se coaduna com o pensamento

jurídico atual, com a legislação e com os novos institutos por ela inseridos. A Constituição

Federal Brasileira de 1988 trouxe novos paradigmas e pilares que reestruturaram o

ordenamento, fazendo aflorar o aspecto substancial dos direitos e garantias fundamentais nela

alicerçados.

O perfil da sociedade e o paradigma individualista que regia o processo, especialmente

o civil, também mudou, cedendo espaço para proliferação dos litígios repetitivos e para uma

jurisdição de massa, que convive com a litigiosidade individual ou de "varejo" e com a

coletiva.

Em face da corrosão provocada no modelo assentado sobre os velhos dogmas,

insuficientes para resolver os conflitos submetidos ao Judiciário, as transformações sociais e a

nova compreensão do fenômeno jurídico revelaram a necessidade de se aderir a uma cultura

de respeito aos precedentes judiciais, fundados no princípio da igualdade e da segurança

jurídica.

Não se pode obter segurança jurídica quando o ordenamento está permeado de

decisões conflitantes, imperando a divergência jurisprudencial e o desrespeito à interpretação

fixada pelos tribunais superiores. Não se pode creditar confiança a um Judiciário que mantém

uma jurisprudência oscilante, instável e sem uniformidade, apresentando-se inadequado para

balizar a conduta dos jurisdicionados e orientar o julgamento dos órgãos e juízes que os

integram.

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É preciso entender que o magistrado não decide apenas o caso concreto, devendo

aspirar validade para transbordar os limites da lide e atingir outras demandas que se revestem

de premissas fáticas similares e comportam a mesma solução jurídica, isto é, a mesma ratio

decidendi.

O juiz participa, portanto, ativamente da construção da norma jurídica no exercício da

sua função típica de julgar, produzindo uma tese geral e abstrata com pretensão para incidir

em outros casos. E isso não significa usurpar a competência do Legislativo, pois a tarefa do

Judiciário é interpretar a lei, clarificá-la, definindo, com precisão, o seu sentido e alcance,

concretizando conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais, além de suprir as suas

lacunas.

E esta missão é cumprida através do julgamento do caso concreto, em uma operação

criativa e recriativa, moldando e remoldando o significado da lei para que se aflore a norma

jurídica adequada para solucionar o litígio, replicando-a em outros com identidade fático-

jurídica.

É claro que neste ciclo criativo, não é dado ao juiz contrariar a lei, a Constituição, ou

os limites impostos pelo ordenamento. O direito construído no âmbito dos tribunais deve

obediência a norma legislada, mas permite de modo mais célere e adequado acompanhar a

evolução do Direito e as transformações sociais, econômicas e políticas vivenciadas pela

comunidade.

A teoria dos precedentes fornece, de modo sistematizado, o aparato técnico necessário

para proporcionar um equilíbrio entre a continuidade e a estabilidade da ordem jurídica com a

essencial adaptação do Direito à novas realidades e que exige, observados certos requisitos e a

devida carga argumentativa, a modificação de concepções e entendimentos firmados pelos

órgãos judiciais.

Nesta medida, é fundamental que a doutrina acompanhe a evolução da legislação e se

afine com os princípios que regem a cultura de respeito aos precedentes judiciais, dominando

conceitos como ratio decidendi, obiter dictum, distinguishing, overruling, dentre outros que

compõem esta teoria, para que ela seja aplicada da forma mais racional e eficiente no

ordenamento.

O dever de observância aos precedentes sedimentados pelos tribunais superiores

deriva do próprio sistema brasileiro, constitucionalmente hierarquizado em órgãos de cúpula,

dotados de competência para conferir sentido unívoco à lei (material/processual, federal/

constitucional).

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Tais Cortes Superiores edificam a norma do Estado-juiz, e como norma do Poder

Judiciário, deve conferir tratamento isonômico aos jurisdicionados e estabelecer um padrão de

comportamento para a sociedade, tutelando as legítimas expectativas dos cidadãos nos atos do

Estado.

Daí porque os precedentes assentados nestes moldes possuem força obrigatória e

devem ser respeitados pelos litigantes e demais órgãos judiciais, não autorizando o

afastamento injustificado, fundado em mera rebeldia, sem existir a distinção que particulariza

o caso concreto.

Firmes nestes pressupostos, a Lei nº 13.015/2014 instituiu o recurso de revista

repetitivo, destinado a tutelar a crescente litigiosidade de massa, e a impor, no seu julgamento,

a força normativa das teses jurídicas paradigmáticas fixadas pelo Tribunal Superior do

Trabalho.

Este novo modelo de julgamento compõe, ao lado do incidente de resolução de

demandas repetitivas do CPC/2015, o microssistema processual desenhado para tutelar os

conflitos da jurisdição de massa. Por meio da seleção de causas-piloto ou de processos-

modelo, o Judiciário padroniza a via decisória, pautando-se em um procedimento que

comporta amplo debate da questão jurídica, participação da sociedade, interação de diversos

órgãos, além de interessados (juridicamente e institucionalmente), e da oitiva de pessoas com

conhecimento na matéria, produzindo uma decisão mais democrática, qualificada e

tempestiva.

O regramento previsto nos arts. 896-B e 896-C da CLT, fruto da composição do

regime jurídico do CPC/1973 e do CPC/2015, incrementa o processo do trabalho em

racionalidade e eficiência, na medida em que consolida os precedentes no ordenamento

trabalhista.

Aprimora e sistematiza a estrutura normativo-jurisprudencial já edificada pelo

Tribunal Superior do Trabalho, inicialmente com os prejulgados e, depois, por meio das

súmulas, OJ´s e precedentes normativos, reforçando o dever de respeito à jurisprudência do

TST.

A força vinculante da ratio decidendi cristalizada no julgamento de recursos de revista

repetitivos, bem como em verbetes jurisprudenciais do TST, aflora inequívoca da Lei nº

13.015/2014, do Novo Código de Processo Civil, e do próprio ordenamento trabalhista.

Rechaça-se, assim, qualquer entendimento doutrinário que tente negar a eficácia obrigatória

da tese fixada pelo TST, pois contraria os objetivos da nova lei, do CPC/2015 e da

Constituição.

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Não se pode pensar que o escopo da Lei nº 13.015/2014 reside, tão somente, em

facilitar o trabalho do Tribunal Superior, recrudescendo o filtro recursal e reduzindo a

quantidade de recursos por meio da padronização decisória. Tampouco visa engessar a

atuação dos juízes e tribunais regionais e transformá-los em aplicadores autômatos dos

precedentes.

Isto porque, o procedimento dos arts. 896-B e 896-C da CLT, se volta também ao

aspecto qualitativo da decisão, como já dito, admitindo-se a intervenção do amicus curiae ou

de um interessado na qualidade de assistente simples, audiências públicas, além de um

julgamento proferido por um órgão especial: Tribunal Pleno ou Seção de Dissídios

Individuais.

Pretende-se, com isso, obter a maturação da questão jurídica, compreendendo-a em

todas as suas dimensões e ângulos, para que se defina o seu sentido e alcance. Proporciona-se

a participação ativa do litigante para a construção da ratio decidendi, exercendo o

contraditório de modo efetivo e substancial. O resultado é uma decisão legítima, democrática

e mais adequada para solucionar as causas isomórficas, do que a mera repetição do

julgamento dos regionais, ou de modelos dos juízes que sequer observam as particularidades

do caso.

Desta forma, os tribunais podem se dedicar de forma mais profunda a questões

peculiares, que não se reproduzem em uma infinidade de demandas, otimizando o seu

trabalho e tornando a prestação jurisdicional mais efetiva e célere. Observa-se o postulado da

justiça de que casos iguais merecem o mesmo tratamento e casos diferentes tratamento

individualizado.

O juiz não se transforma, assim, em mero reprodutor do precedente, pois a sua

aplicação envolve a análise minuciosa da causa paradigma e da submetida a julgamento,

comparando os elementos objetivos da demanda e cotejando-os com a ratio decidendi.

Havendo diferenças substanciais, o precedente não se aplica, realizando o devido

distinguishing.

Por outro lado, se a tese firmada pelo TST necessitar de revisão, utiliza-se do

overruling, superando o precedente por outro mais adequado ao padrão de congruência social

e consistência sistêmica, sempre mensurando a base de confiança dos jurisdicionados no

entendimento vigente.

Para isso, autoriza-se a modulação dos efeitos com o fito de preservar as legítimas

expectativas dos cidadãos e garantir a segurança jurídica, devendo ser adotado como regra a

eficácia prospectiva da decisão revogadora. O objetivo é evitar o déficit de confiabilidade nas

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novas orientações do Judiciário, quando ocorrem alterações bruscas e significativas da sua

jurisprudência.

O sistema de precedentes judiciais, do qual deriva a técnica de julgamento de recursos

de revista repetitivos, contribui, pois, para a valorização do Judiciário e da norma posta pelo

Estado-juiz, concretizando o princípio da igualdade, da proteção da confiança e da segurança

jurídica.

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