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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES CURSO DE LETRAS A DISTÂNCIA ZILMA LIMA DOS SANTOS VARIANTES DA LINGUAGEM ORAL POR PATATIVA DO ASSARÉ EM A TRISTE PARTIDA CAMAÇARI NOVEMBRO DE 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

CURSO DE LETRAS A DISTÂNCIA

ZILMA LIMA DOS SANTOS

VARIANTES DA LINGUAGEM ORAL POR PATATIVA DO ASSARÉ EM A

TRISTE PARTIDA

CAMAÇARI

NOVEMBRO DE 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES.

CURSO DE LETRAS A DISTÂNCIA

ZILMA LIMA DOS SANTOS

VARIANTES DA LINGUAGEM ORAL POR PATATIVA DO ASSARÉ EM A

TRISTE PARTIDA

Artigo apresentado ao Curso de Letras a Distância da Universidade

Federal da Paraíba. Como requisito para obtenção do grau de

Licenciado em Letras.

Orientadora: Suéllen Rodrigues Ramos da Silva

CAMAÇARI

NOVEMBRO DE 2013

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ZILMA LIMA DOS SANTOS

VARIANTES DA LINGUAGEM ORAL POR PATATIVA DO ASSARÉ EM A

TRISTE PARTIDA

Artigo apresentado ao Curso de Letras a Distância da Universidade

Federal da Paraíba. Como requisito para obtenção do grau de

Licenciado em Letras.

Data de aprovação: _____/_____/______

Banca examinadora

______________________________________________________________________

Prof.ªSuéllen Rodrigues Ramos da Silva (Orientadora)

Prof. Rosevan Marcolino de Andrade (Examinador)

Prof.ª Tássia Tavares de Oliveira (Examinadora)

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Resumo

Este trabalho tem como objetivo defender o uso da literatura de cordel como “mediadora” do

estudo das variantes da linguagem oral a partir da análise do poema A triste partida, de

Patativa do Assaré. Investigamos elementos da cultura popular, compreendendo a

representação social no cordel e como a introdução deste gênero pode repercutir no

desenvolvimento linguístico, social e cultural dos discentes. Neste artigo, é enfatizado o

contexto oral que Patativa do Assaré aborda em sua poesia, feita para ser ouvida. Patativa

traduz sua oralidade através da memória, dos gestos e de sua voz, que entoa e apaixona seus

ouvintes. Esse poeta, pouco alfabetizado, domina tanto a linguagem informal, utilizada em

seu cotidiano, quanto à linguagem formal, também presente em sua narrativa. Analisamos a

representação da oralidade no poema, que tem como temática principal a tristeza causada pela

seca. A pequena família citada no poema representa todo o povo que, apesar de possuir forte

devoção aos santos queridos, fica com a fé estremecida e decide abandonar sua terra em busca

de melhores dias, mas com um sonho de um dia retornar.

Palavras-chave: oralidade; cordel; Patativa do Assaré; variantes linguísticas.

Introdução

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O presente artigo tem origem nas percepções elaboradas na prática acadêmica

avaliativa no período dos estágios supervisionados e aborda a literatura popular, sendo focada

nas variantes da linguagem oral retratadas por Antonio Gonçalves da Silva, Patativa do

Assaré, no poema A triste partida.

Entendemos que através dessa literatura seja possível introduzir conteúdos de

qualidade, apontamentos expositivos para melhor desenvoltura nas atividades propostas em

sala de aula; ampliar conhecimento devido ao vasto conteúdo que o cordel traz. A linguagem

oral é representada no gênero cordel por este gênero utilizar formas simples do uso das

palavras, tornando a leitura e escrita uma prática satisfatória, com conteúdos que ampliem o

conhecimento e que possibilitem analisar obras dos variados gêneros literários, devido ser um

gênero de fácil aceitação, onde os leitores se permitem criar seus enunciados exercitando a

criatividade produzindo seus próprios poemas.

Para que esta literatura possa continuar a fazer parte da realidade do país, não a

deixando cair em esquecimento no momento da elaboração dos conteúdos dos livros

didáticos, é necessário concretizar a importância da linguagem oral nas práticas escolares,

através de pesquisas e estudos que promovam esta competência.

Este artigo relata a importância de explorar o acervo literário popular de cada região

para desenvolver projetos linguísticos e interdisciplinares, alcançando um maior

aproveitamento escolar. Acredita-se que quanto mais conhecermos a própria literatura maior

as possibilidades de entendimento das literaturas de outras regiões.

Ampliando o vocabulário popular regional, tornará os discentes pesquisadores de sua

história, possibilitando a eles maior compreensão do contexto que está inserido o cordel,

determinando como analisar diversas obras, pouco exposta nos livros didáticos, mas ao viver

toda a magia que o cordel transmite, os discentes apaixona-se e essa literatura não fica mais

no esquecimento e se torna conteúdo presente no ambiente escolar.

Organizamos o presente artigo em quatro subtópicos: o primeiro aborda a literatura

popular e a necessidade de que seja valorizada, e tem como autores de base Felipe Pena

(2009) e Manoel Diégues Júnior (1973), que conceituam e trazem a importância da

valorização desta rica literatura, e Joseph M. Luyten (1938), que vê na literatura popular um

vasto legado linguístico, porém que ocupa pouco espaço em relação às diversas manifestações

literárias.

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No segundo subtópico, buscamos esclarecer os aspectos históricos e a origem da

literatura oral no cordel, retratando sua gênese, a sua chegada ao Brasil, a sua apropriação na

região Nordeste e os países em que também é encontrado este gênero, além de quando foi

adotado o termo “literatura de cordel”, suas temáticas e ciclos, o que é a xilogravura e qual a

sua importância para o cordel, características gráficas e temáticas dos cordéis e dados da

biografia de Patativa do Assaré, além da junção da literatura de cordel e a oralidade, um ponto

que os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) vêm incorporar em seu texto em relação à

inclusão desta literatura.

Em seguida, o terceiro subtópico dirige-se à variação linguística e ao grande estudioso

desta categoria, Marcos Bagno. Será que o Nordeste, por possuir marcas próprias de variantes

e dialetos, deve ser excluído ou discriminado? Por algum momento existe preferência à

linguagem informal? Esse estudioso responde a essas questões como clareza, permitindo ao

leitor erudito ou matuto ser quem ele é sem precisar esconder as suas origens.

O quarto subtópico contempla a reflexão sobre Patativa do Assaré e a oralidade em A

triste partida, o conceito e as características da linguagem oral, a presença desta linguagem na

obra do poeta, o entendimento que se teve por variação linguística, o que ele diz sobre suas

poesias e as suas preferências em relação à linguagem informal e formal.

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METODOLOGIA

Este artigo científico analisa a obra A triste partida, identificando os elementos da

oralidade inseridos na mesma, compreendendo a representação social que a cultura popular

transmite sobre seus valores sociais e linguísticos do Nordeste através do cordel.

A análise é feita através da representação das variantes da linguagem oral, permitindo

ao leitor conhecer a literatura popular e o gênero cordel como “mediadores” da aproximação

da forma espontânea do uso linguístico da fala no cotidiano das variantes utilizadas pelo autor

na presente obra. Com esse objetivo, enfatiza-se a forma oral, que é uma forte representação

do Nordeste.

Nesta obra, a voz do poeta ressoa com uma musicalidade cheia de harmonia e nos

convida a imaginar toda a cena a partir do discurso narrado pelo autor através da voz, gestos e

formas de linguagem. Apesar de ser um poema em terceira pessoa, torna-se também

subjetivo, onde o narrador conhece, vive e até conhece o pensamento dos personagens.

Pode-se perceber que para concluir determinada análise de um poema é necessário que

ele seja lido diversas vezes, para alcançarmos entendimento e compreensão, e, em seguida

destacar a categoria que se busca. A análise desenvolveu-se com o estudo de cada estrofe,

percebendo as modalidades, rimas e sílabas poéticas, identificando o tema principal, as

variantes linguísticas encontradas no poema, como expressões regionais, a forma da escrita de

acordo com a oralidade, os recursos poéticos e as figuras de linguagem.

A metodologia utilizada foi basicamente o método qualitativo, elaborada por pesquisas

bibliográficas, de fontes secundárias, já publicadas, como livros, artigos e pesquisa na Web.

Este artigo foi elaborado a partir dos autores: Felipe Pena (2009), Manuel Diegues Junior

(1973), Joseph Luyten (1984), Erick Lima (2012), Câmara Júnior, Marcos Bagno (1999), Luís

Câmara Cascudo (1984) e Silvye Debs (2000). Esses teóricos expõem seus conceitos

relacionados à linguagem, sendo enfatizadas a oralidade, a linguagem formal e informal e as

variações linguísticas utilizadas pelo poeta. Essas fontes servem como base material de

desenvolvimento do artigo que, pretendemos, auxilie na ampliação de conhecimento de

futuros pesquisadores.

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1. Literatura popular: o cordel e seus encantos

Percebemos o descaso no que diz respeito à literatura popular no decorrer da vida

discente e atividades acadêmicas, por, geralmente, não sermos apresentados a esta literatura,

que é também pouco exposta nos livros didáticos, deixando os alunos sem conhecer a sua

importância e sem saber valorizá-la, expressão presente e muito rica no país.

Como diz Felipe Pena (2009) 1, “[...] É necessário valorizar uma literatura popular

para que ela seja também – e não apenas isso – uma estrada para a literatura erudita, para que

forme leitores e até mesmo proponha misturas, dilua essa fronteira”. Valorizar a literatura

popular é também trazer à vida de seus leitores a consciência que se apropriar da literatura,

em especial a popular, pode trazer não só prazer em ler, mas fazer apropriar-se de

significações, podendo estimular seus sentidos para dar lugar a novos conhecimentos

específicos e aprimorar os já existentes podendo ampliar seu vocabulário linguístico e literário

sendo capaz de produzir textos coesos e coerentes e conhecimentos específicos de um povo.

Conceituando a literatura popular, segundo o dicionário online2 Priberam (DPLP), a

literatura é o “conjunto das obras literárias de um país ou de uma época”, e popular é “relativo

ou pertencente ao povo; que é usado ou comum entre um povo; que é do agrado do povo;

vulgar, democrático”. Unindo esses conceitos, pode-se perceber que literatura popular vem a

ser as manifestações populares das artes literárias de um país.

Segundo Manuel Diegues Júnior (1973, p.14), literatura popular é: “[...] Aquela que

nasce fora dos meios literários consagrados e que, pela sua expressão espontânea, criativa,

original, acaba por ser cultivada entre aqueles que se interessa por literatura oral; e em geral, é

anônima e pode conter elementos folclóricos”.

Uma literatura rica de grande diversidade literária, negligenciada e com poucas

chances de se tornar universal, é como podemos perceber a desvalorização que a literatura

popular possui, para ser inclusa na lista dos cânones brasileiros necessita passar critérios

rígidos como pelo menos estar regularmente sendo apreciada pelos leitores, até chegar ao

conhecimento dos examinadores que torna uma obra canonizada. As obras pertencentes à

1 Felipe Pena. Literatura popular. Rio de Janeiro. Saraiva conteúdo, 15 jun.2009. Entrevista Disponível em: <

http://www.saraivaconteudo.com.br/Entrevistas/Post/10045>. Acesso em: 9 out. 2013. 2 LITERATURANovo Dicionário Lello da Língua Portuguesa. Porto, Lello Editores, 1996 e 1999. Dicionário

Priberan da Língua Portuguesa (DPLP). Web. http://www.priberam.pt/dlpo/literatura. Acesso em: 10 out. 2013.

POPULAR. Novo Dicionário Lello da Língua Portuguesa. Porto, Lello Editores, 1996 e 1999. Dicionário

Priberan da Língua Portuguesa (DPLP). Web. http://www.priberam.pt/dlpo/popular. Acesso em: 10 out. 2013.

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literatura popular são inesquecíveis e deveriam ser vistas com bons olhos pelos examinadores.

Certamente a poesia de Patativa do Assaré estaria nesta lista, seus poemas trazem

encantamento, ele utiliza em sua obra linguagem coloquial e também linguagem padrão

emparelhando-se com a norma culta, transmitindo qualidade na estética de seus versos,

podendo torna-se relíquias da poesia popular, portanto, Patativa consagrar-se-ia cânone

literário do Brasil.

Na luta para consolidar-se, a literatura popular afastou-se da cultura erudita, oficial,

mas, com o passar de alguns anos, o erudito e o popular aproximaram-se, porque circulam

entre o povo e as elites, compartilham de diversos elementos como a língua, a religião, e

como é uma literatura democrática, está presente em todos os ambientes sociais. Assim

Luyten diz: “A cultura popular abrange todos os setores da vida de um livro de povo”

(LUYTEN, 1987, p. 98).

Como diz o autor, a cultura popular de um povo não está presente unicamente em seu

conhecimento popular, mas também no conhecimento erudito e a partir deste conhecimento

que são desenvolvidas diversas formas de linguagens e manifestações tanto religiosas

culturais étnicas, literárias etc.

A literatura popular diferencia-se da literatura clássica a partir da linguagem. A

primeira utiliza-se de expressões populares e linguagem informal e a clássica faz uso de

linguagem formal em suas expressões. A literatura popular engloba diversos gêneros e,

dentre eles, destacamos o cordel, que tem base, no país, na cultura nordestina, muito rica

(LUYTEN, 1987), e decorre de temáticas da própria terra, a exemplo de como Patativa do

Assaré trata a seca em seu poema A triste partida.

2. Aspectos históricos e origem da literatura oral no cordel

De acordo com Luyten (1984), a origem da literatura popular dá-se a partir do século

XII, como manifestações de oposição às formas eclesiásticas dominantes da época, tendo

como características a linguagem regional e não oficial, fortalecendo-se a partir do século

XVIII a XIX, firmando sua força neste período, mostrando sua própria identidade.

Segundo Moreno (2007), o cordel origina-se dos poetas da Idade Média, chegando ao

Brasil por mãos dos colonizadores portugueses em meio ao século XVI, mas só a partir do

século XIX que foram encontrados registros dessa cultura em terras nordestinas. Portanto,

essa literatura já existia, mas não era do conhecimento das grandes massas, pois chegaram

ainda como poesia oral. Possui versos rimados e metrificados distribuídos em estrofes

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regulares, com linguagem e discurso claro, tornando-se a expressão literária com maior valor

cultural do Brasil (MORENO, 2007).

A partir do século XVIII, os folhetos de feira, chamados em Portugal de “folhas volantes” ou

“folhas soltas”, passaram a ser conhecidos também como literatura de cego, devido a uma lei

promulgada por Dom João V, autorizando o comércio dos folhetos pela Irmandade dos

Homens Cegos de Lisboa. (MORENO, 2007, p. 73). Essa literatura é encontrada, além do

Brasil, em mais três lugares do mundo: Portugal, Espanha e França. Na Bahia, precisamente

em Salvador, que essa manifestação deslanchou, espalhando-se por todos os estados do

Nordeste brasileiro e fazendo desta região sua morada permanente. O termo “literatura de

cordel” foi adotado pela primeira vez pelo pesquisador francês Raymond Cantel para nomear

os folhetos vendidos nas feiras populares, presos em cordões ou barbantes. Surge aí o nome

“cordel”. De início, as histórias eram contadas pelos poetas através da linguagem oral até se

tornarem folhetos (DEBS, 2000).

Há uma grande variedade de temáticas nos folhetos de cordel. Entre elas podem ser

citadas as histórias do cangaço, folhetos jornalísticos, que falam de notícias regionais ou

nacionais de grande repercussão e de interesse geral, sátiras de cunho social ou sobre política

e políticos, desafios e pelejas entre grandes violeiros. Muitos autores aproveitam para tratar da

realidade e criticar as condições em que vive o nordestino, como retrata Patativa do Assaré

em A triste partida.

Na literatura de cordel, os ciclos temáticos são modalidades que os cordelistas seguem

para dar corpo ao poema. Em Vaqueiros e cantadores, Câmara Cascudo (1984) defende que a

função primitiva dessa modalidade deve ser o auxilio da memorização. A exemplo de ABC do

Nordeste flagelado, de Patativa do Assaré 3, a temática que o cordelista utiliza em A triste

partida é a “intempéries”, que trata sobre os fenômenos da natureza que causam destruição e

sofrimento, como a seca, temática principal do poema citado.

As características gráficas e temáticas dos folhetos podem variar de acordo com o

deslocamento da área de atuação do poeta, que muitas vezes se depara com um público de

concepção e comportamento diferente do matuto nordestino. Sobre as características gráficas,

Erick Lima (2012) 4 diz que “[...] a xilogravura é a técnica da gravura em que se utiliza uma

matriz em madeira para a obtenção de reproduções da imagem gravada. O suporte, em geral, é

o papel”.

3 Ciclos temáticos do cordel.< http://gelpufc.blogspot.com.br/2011/09/ciclos-tematicos-do-cordel.html>.

4 Erick Lima: Xilogravuras. <http://casadocordel.blogspot.com.br/p/xilogravura-erick-lima.html l>.

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O primeiro vestígio da xilografia data do século VIII, na China, com a reprodução de

imagens budistas e livros xilográficos. A gravura europeia data do século XIV. A mais antiga

xilografia europeia que se conhece é a Bois protat, de 1370. No Brasil, a xilografia chega

sistematicamente com a vinda da família real, em 1808, que trouxe consigo a imprensa régia,

que dispunha de muitas matrizes xilográficas. A xilogravura popular, ligada ao folheto de

cordel, adquiriu, com o passar do tempo, uma identidade própria (CASA DO CORDEL,

2007).

A literatura de cordel contém uma mistura de oralidade e poesia, uma linguagem

própria, e as obras, passadas de geração a geração, têm também função de instrumento

alfabetizador. Devido à sua origem, por serem declamados em feiras, os ouvintes escreviam

as letras para não esquecerem e quem não era alfabetizado memorizava para passar a diante os

cordéis que encantavam seus ouvidos, tornando um eficiente instrumento alfabetizador das

classes sociais com baixo poder aquisitivo que não tinham acesso à escola.

Inclinando-nos para a disciplina de língua portuguesa, podemos afirmar que os PCNs

dão ênfase à importância desses textos para o processo de ensino aprendizagem da leitura e da

escrita. Como defendem os PCNs, os textos dos folhetos são instrumentos: “[...] que

favorecem a reflexão crítica e imaginativa, o exercício de formas de pensamento mais

elaboradas e abstratas, os mais vitais para a plena participação numa sociedade letrada”

(BRASIL, 1997a, p. 26).

2. Variação linguística, conceito e características da linguagem oral.

A linguagem oral deriva-se da informalidade. A língua é espontânea e dinâmica, está

sempre em movimento, é viva, e o falante apropria-se e adquire conhecimento de mundo e

específicos para identificar e utilizar formas de linguagem que mais se adeque ao ambiente

em que está inserido formal ou informalmente.

As características presentes nos versos de A triste partida, de Patativa do Assaré, são

marcas de oralidade, linguagem coloquial, linguagem formal e informal, figura de linguagem,

subjetividade, conotação, variação linguística, tempo e deslocamento geográfico. O poema

encanta seus ouvintes, como aconteceu com o rei do baião, Luiz Gonzaga, devido aos traços

de oralidade e por ser entoado de forma simples, transmitindo certo canto das labutas de um

povo sofredor, tendo como características potenciais a musicalidade, traduzindo oralmente e

as mazelas do povo nordestino.

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A variação linguística pode ser entendida como diferentes falares entre falantes de uma

mesma região ou de uma mesma língua.

A variação é constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos os níveis. Ela

sempre existiu e sempre existirá independente de qualquer ação normativa. Assim,

quando se fala em “Língua Portuguesa” está se falando de uma unidade que os

constitui de muitas variedades. Embora no Brasil haja relativa linguística e apenas

uma língua nacional, notam-se diferenças de pronúncia, de emprego de palavras, de

morfologia e de construções sintáticas, as quais não somente identificam os falantes

de comunidades linguísticas em diferentes regiões, como ainda se multiplicam em

uma mesma comunidade de fala. (BRASIL, 1998, p. 29).

Em se tratando da língua portuguesa, como afirmam os PCNs (1998), esta é

constituída de diversas variações, a exemplo de Brasil e Portugal, que se pode notar

claramente que possuem a mesma língua, mas a forma de pronunciar é diferenciada. Essa

variação também é perceptível não somente pelo fator histórico, que leva a profundas

transformações de quaisquer línguas, mas são enumeradas também diferenças regionais,

sociais, de nível de escolaridade, sexo e pelas categorias profissionais.

Apropriando-se de tendências, repetições de hábitos e características próprias de cada

grupo, numa mesma região, falantes da mesma língua formam grupos e identificam-se entre

si, e tal língua não é, necessariamente, compreendida pelos demais grupos, sendo importante

ressaltar que estas variações não devem ser vistas como “erro” (BAGNO, 1999).

[...] não existe erro de português. Todo falante nativo de uma língua é um falante

plenamente competente dessa língua, capaz de discernir intuitivamente a

gramaticalidade ou agramaticalidade de um enunciado, isto é, se um enunciado

obedece ou não às regras de funcionamento da língua. (BAGNO, 1999, p. 52).

A fala de Patativa do Assaré, na citação a seguir, mostra que a linguagem é natural,

viva, e, para ser vivida, é preciso ser utilizada com sabedoria e domínio no que se quer

transmitir. O responde em entrevista:

Carvalho pergunta:

– E o senhor tem alguma preferência? Gosta mais de uma linguagem que de outra?

Patativa do Assaré responde:

– Não. Eu... Eu gosto é porque quando eu apresento... Ninguém sabe o que é o

pensamento.

Quase todo o meu poema matuto é apresentado por um analfabeto, num é? Aquilo

ali eu quero mostrar ao povo, quero mostrar ao leitor que não é a filosofia não é uma

coisa que ele vai aprender lá no colégio, na escola ou coisa não! É uma coisa natural

que o camarada recebe como uma herança da natureza. Saber filosofar, saber dar

certeza e isso e aquilo outro, viu? E é por isso que eu apresento sempre o caboclo.

(CARVALHO, 2002, p.46).

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Então vale tudo? Marcos Bagno (1999, p. 129) responde: “[...] Não é bem assim. Na

verdade, em termos de língua, tudo vale alguma coisa, mas esse valor vai depender de uma

série de fatores. Falar gíria vale? Claro que vale: no lugar certo, no contexto adequado, com as

pessoas certas. E usar palavrão? A mesma coisa”.

Portanto, todo tipo de linguagem é válida, sendo utilizada em seu contexto adequado,

sendo ela popular ou clássica, e Patativa, mais uma vez, surpreende quando responde à

pergunta:

Tadeu Feitosa pergunta:

– É engano meu, ou em todo poema que o senhor faz para alguém que tem estudo é

feito na versificação erudita, clássica?

Patativa do Assaré responde:

– Faço do jeito que eu quero. Quando eu quero fazer clássico, eu faço [...] Olhe!

Aquele, como eu fiz aquele, bem-feito, todo em decassílabos, porque foi um pedido

de um latinista: O purgatório, o inferno e o paraíso. Aquele é em linguagem erudita.

(FEITOSA, 2003, p. 211).

Patativa do Assaré não se prende a dicotomias e produz seus versos tanto de forma

matuta (linguagem informal) quanto erudita (linguagem formal). O cordelista utiliza de

variação diatópica, que são variações regionais dentro do Brasil, e diastráticas, variações

utilizadas em determinadas grupos sociais, conceitos trazidos por Marcos Bagno (1999), que

nos ajudam a entender a obra de Assaré.

A triste partida, poema cantado por Luiz Gonzaga, rei do baião, trata de uma família

de retirantes que, sofrendo com a seca, parte para São Paulo em busca de dias melhores. A

obra é tão bem interpretada, que Patativa elogia excessivamente o talento do artista. Esta obra

retrata a realidade do sertão nordestino.

3. Patativa do Assaré e a oralidade em A triste partida

Ao falar de literatura de cordel no Nordeste, não podemos esquecer-nos de Antônio

Gonçalves da Silva, Patativa do Assaré, poeta popular e cantador repentista de viola, nascido

em cinco de março de 1990, em Serra de Santana, numa pequena propriedade rural, a três

léguas da cidade de Assaré, no sul do Ceará, filho de pequenos agricultores. Tornou-se um

dos mais importantes representantes da cultura popular nordestina e suas obras, registradas em

folhetos de cordel, discos e livros, têm como característica retratar o sofrimento do povo

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nordestino. Apesar de ter como marca a utilização da linguagem coloquial, não fica submisso

a esta linguagem, pois sabe apropriar-se da linguagem formal e informal.

Analfabeto, não tendo “estudo nem arte”, como diz em um de seus poemas, sua

projeção em todo Brasil iniciou-se na década de 1950, e a sua ascensão em todo o Brasil

iniciou-se a partir da gravação de Triste partida (1964), toada de retirante de sua autoria

gravada por Luiz Gonzaga. Inclusive, o cordelista declara a perfeição da musicalidade que sua

obra possui através da voz do rei do baião quando este inclui algumas falas, o que dá mais

sonoridade à poesia:

A letra e a melodia de “A triste partida” são minhas, mas nada se compara à

gravação do rei do baião. A toada ficou muito mais penosa quando ele colocou

aqueles refrães: “ai, ai, ai”, acompanhada daqueles: “meu Deus, meu Deus”. Aquilo

é muito belo, é muito mais penoso. (FEITOSA, 2003, p.206).

Patativa do Assaré, em A triste partida, retrata um pouco da sua história de vida e o

povo do sertão nordestino se reconhece em cada estrofe declamada. A composição possui 19

estrofes, cada uma com seis versos, com o total de 114 versos.

Fiel à tradição dos poetas do cordel, Patativa do Assaré retrata em sua poesia o

contexto sertanejo, considerando a influência das tradições dos trovadores (origem do cordel),

dos repentistas, violeiros e da literatura de cordel, reconhecendo a voz e a oralidade do poeta

popular no eco dos sofrimentos, alegrias e desgraças do povo do sertão nordestino declamada

nas estrofes do poema A triste partida (DEBS, 2000).

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Esmiuçando A triste partida, de Patativa do Assaré.

O poema é uma sextilha de dezenove estrofes, versos em redondilha menor e rimas em

AABCCB, portanto, são rimas misturadas, que dão ao poema a musicalidade que encanta e

emociona os ouvintes. Uma história de sofrimento e luta escrita com linguagem coloquial,

predomina variações linguísticas da própria região Nordeste, representando o pobre sertanejo,

expressões utilizadas localmente, grafias diferenciadas que são perceptíveis em toda a obra. O

poema divide-se em cinco partes, que narram a espera pela chuva, a decisão em sair da terra

natal, a preparação da viagem, a triste partida, a chegada e a vida a zona urbana (ZIZI, 2011).

A triste partida retrata a vida de um povo sofredor e mostra o sujeito da poética, “o

pobre sertanejo do seco Nordeste”, ressaltado na imagética da cultura popular. Destacando os

problemas sociais, sua temática é representada pela seca e a pobreza como principal contexto

do poema. As marcas da oralidade acerca da poética de Patativa do Assaré estão na temática,

na linguagem, nos gestos, no espaço e o público a quem é dirigida a sua poesia. A poesia de

Patativa do Assaré é produzida também na linguagem culta e matuta, sendo a segunda a que

se faz mais presente em seus poemas e representa a forma oral em A triste partida.

O poeta não assimila uma unidade linguística de região quando inclui a cidade de São

Paulo como “Sul” no poema, não utilizado como referência à região oficial do país, mas é a

forma como alguns nordestinos utilizam em sua fala comum, nomeando toda a região que não

seja o Nordeste, algo que ficou marcado no senso comum. Entende-se que para o nordestino

sertanejo o Brasil está dividido em duas regiões, simplificando-as em Norte e Sul. No poema,

a família nortista (na verdade, nordestina) decide ir para o Sul, mas São Paulo pertence ao

Sudeste. Chegando ao Sudeste, o sofrimento e a tristeza permanecem presentes no cotidiano

da pequena família, pois na grande metrópole as dificuldades são maiores, castigando-os

ainda mais, devido à distância da terra natal.

A triste partida é um poema de letras tristes, mas ao ser declamado possui uma

musicalidade doce e suave traduzida pela voz do poeta, utiliza-se da imagética dos leitores,

que se reconhecem nesses versos por sentirem, ou até terem presenciado, a devassa

promovida pela seca no sertão nordestino. Os personagens são representados por dois filhos

chorosos, o pai sofredor, a mãe, a filha linda e pequena, o fazendeiro feliz e o patrão, com

quem o pai não consegue sanar as dívidas e acaba vivendo como escravo, sem esperança de

um dia retornar à sua terra natal. O título e o enredo estão vinculados; o título é o resumo do

enredo, onde é recitada a triste história de uma família que sofre tanto em sua terra natal

quanto nas terras alheias.

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Com mais de cinquenta grafias populares que se diferenciam do erudito, o poema de

Patativa do Assaré realça com clareza as marcas da oralidade presentes, que são variantes da

fala popular do povo nordestino. Algumas palavras sofrem alterações, como a perda das

letras “l” e “x”, recebe acento agudo ou circunflexo na vogal ou têm letras substituídas por

outras com o mesmo som: só (sol), vermeio (vermelho), Natá (Natal), Senhõ (Senhor), ôtra

(outra), dizê (dizer), vivê (viver), morrê (morrer), pôco (pouco), dinhêro (dinheiro), viajá

(viajar), terrive (terrível), escrama (exclama), comê (comer) e etc.

Na palavra oitubro (outubro), altera-se a letra “u” por “i”. Essas alterações

introduzidas refletem a origem rural do poeta, a fala local, demarcando os espaços de

representações que expressam manifestações populares e são atribuídos ao contexto do

território existencial. No poema, é introduzida uma redução (tamo) que não se deve

caracterizar como marca restrita do falar nordestino, por ser utilizada em diversas

comunidades do país na fala comum.

O texto possui como marca da oralidade característica do universo rural nordestino a

não apropriação da concordância verbal, pois o verbo não concorda com o sujeito, sendo

introduzidas palavras no singular na mesma frase que utiliza plural como: Nas pedra de sá,

Nós vamo a São Palo, Trabaia dois ano, três ano e mais ano. Essas expressões são faladas na

maioria das vezes pelos nordestinos que carregam como características estilos de linguagem,

dialetos rurais e sotaques próprios, e trazem em sua fala a musicalidade nas pronúncias,

subentendendo-se como linguagem típica que representa o homem sertanejo.

Neste texto, faz-se uso de expressões regionais, recursos poéticos e figuras de

linguagem como: Rompeu-se o Natá; porém barra não veio (barra tem como significado a

formação das nuvens para cair à chuva); Na copa da mata, buzina a cigarra, (ao ouvir os sons

das cigarras se dão conta que o verão está chegando e a chuva tão esperada, não irá cair); e

Em riba do carro se junta a famia (em cima do carro reúne a família).

As estrofes do poema apresentam marcas da oralidade através da interação que o

narrador adquire com o leitor, como se estivessem numa conversa informal, pela

subjetividade presente no poema, figuras de linguagem, tom familiar, linguagem coloquial e

conotativa.

Fica perceptível a marca da oralidade através do uso de palavras com grafia informal,

figuras de linguagem e subjetividade do narrador na maioria dos versos das dezenove estrofes

do poema, identificadas uma a uma entre parênteses.

Setembro passou, com (oitubro) e novembro

Já (tamo) em dezembro.

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Meu Deus, que é de nós?

Assim fala o pobre do seco Nordeste,

Com medo da peste,

Da (fome feroz).

(ASSARÉ, 1978, p. 89, grifo nosso)

Na primeira estrofe, é apresentado ao leitor o sujeito da poética “o pobre sertanejo do

seco Nordeste”, como dito anteriormente, nomeando ao que de fato é causador de tanto

sofrimento: a “seca”, fenômeno natural negligenciado pelas autoridades, causando a miséria

desta região.

A treze do mês ele fez a experiença,

Perdeu sua crença

(Nas pedra de sá).

Mas (nôta experiença) com gosto se agarra,

Pensando na barra

Do( alegre Natá).

Rompeu-se o Natá, porém barra não veio,

O só, bem (vermeio),

Nasceu( munto) além.

(Na copa da mata, buzina a cigarra),

Ninguém vê a barra,

Pois barra não tem.

(ASSARÉ, 1978, p. 89. grifo nosso)

Na segunda e terceira estrofes, narra-se a fé e a religiosidade do povo nordestino, em

que se percebe o rogo a Deus pela chuva, apresentando também seus medos, anseios e a

esperança, quando o poeta cita as experiências e previsões, e os personagens buscam nas

forças místicas e sobrenaturais respostas para todo o sofrimento causado pela força da

natureza, depositando toda a fé na esperança de dias melhores.

Sem chuva na terra (descamba janêro),

Depois, (feverêro),

E o (mêrmo) verão

(Entonce o rocêro), pensando consigo,

Diz: isso é castigo!

Não chove mais não!

Apela pra (maço), que é o mês preferido

Do (Santo querido),

(Senhô) São José.

Mas nada de chuva! tá tudo sem jeito,

Lhe foge do peito

O resto da fé.

(ASSARÉ, 1978, p. 89. grifo nosso)

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Nessas estrofes, mostra-se a fé abalada. Depois de depositar toda a sua fé e rogar a

Deus, pela chuva, esse desejo fica a cada dia mais distante, desacreditado, o nordestino

entregam-se às fatalidades da vida. No quinto verso da quarta estrofe é dito: “isso é castigo”.

Fica perceptível que o nordestino vê a seca como um castigo enviado por Deus, por alguma

falta ou algum pecado que ele cometeu, mas que faltas foram essas? Nem mesmo eles

conseguem decifrar.

(Nós vamo a São Palo), que a coisa tá feia;

Por terras (aleia)

(Nós vamo vagá).

Se o nosso destino não (fô) tão mesquinho,

Pro mêrmo cantinho

(Nós torna a vortá).

E vende o seu burro, o jumento e o cavalo,

(Inté) mêrmo o galo

(Vendêro) também,

Pois logo aparece (feliz fazendêro),

Por (pôco dinhêro)

Lhe compra o que tem.

Em( riba) do carro se junta a (famia);

Chegou o (triste dia),

Já vai (viajá).

A seca (terrive), que tudo devora,

Lhe bota pra fora

Da terra (natá).

O carro já corre no (topo da serra).

(Oiando) pra terra,

Seu berço, seu lá,

Aquele (nortista), partido de pena,

De longe (inda) acena:

Adeus, Ceará!

No dia seguinte, já tudo enfadado,

E o carro embalado,

Veloz a (corrê),

Tão triste, o coitado, falando saudoso,

Um (fio choroso)

(Escrama), a (dizê):

- De pena e (sodade), papai, sei que morro!

Meu (pobre cachorro),

Quem dá de comê?

Já (ôto) pergunta: - Mãezinha, e meu gato?

Com fome, sem trato,

Mimi vai morrê!

E a linda pequena, tremendo de medo:

- Mamãe, meus brinquedo!

Meu pé de (fulô)!

Meu pé de (rosêra), coitado, ele seca!

E a minha boneca

Também lá ficou.

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E assim vão dexando, com choro e gemido,

Do berço querido

O (céu lindo e azu).

Os pai, (pesaroso), nos fio pensando,

E o carro rodando

Na estrada do (Su).

(ASSARÉ, 1978, p. 89. grifo nosso)

Da sexta estrofe a décima quarta, narra-se a decisão da partida. A família

reúne-se e decide retirar-se do Nordeste e pousar no Sudeste. A tristeza da família fica

traduzida nas palavras do poeta, pois abandonar seu lar e tudo o que acumulou em toda sua

vida os entristece, mas a esperança existe e o desejo de retornar a seu lar os deixam fortes para

encarar o que virá.

(Chegaro) em São Paulo - sem cobre, quebrado.

O pobre, acanhado,

(Percura) um patrão.

Só vê cara estranha, da mais feia gente,

Tudo é diferente

Do caro torrão.

(Trabaia) dois ano, três ano e mais ano,

E sempre no (prano)

De um dia (inda) vim.

Mas nunca ele pode, só (veve) devendo,

E assim vai sofrendo

Tormento sem fim.

Se (arguma) notícia das banda do Norte

Tem ele por sorte

O gosto de (uvi),

Lhe bate no peito (sodade de móio),

E as (água dos óio)

Começa a caí.

Do mundo afastado, sofrendo desprezo,

Ali (veve preso),

Devendo ao patrão.

O tempo rolando, vai dia vem dia,

E aquela famia

Não (vorta) mais não!

(ASSARÉ, 1978, p. 89. grifo nosso).

Da décima quinta a décima sétima estrofes, são narrados a chegada da família

nordestina à zona urbana, com a esperança de dias melhores e uma vida mais digna, logo toda

essa euforia desaparece, ao deparar-se com o mesmo sofrimento, agora em terras alheias.

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Enfrentam rejeições, preconceitos, sentem-se inferiores pela forma que são tratados pelos

sulistas, sendo apelidados pelo simples fato de serem “nordestinos”.

O sofrimento aumenta a cada instante, pois a saudade de sua terra querida aperta no

peito, e, sem saída, o pai trabalha como se fosse escravo para o sustento da família, adiando a

volta para sua terra querida, pois só vive devendo ao patrão, submetendo-se a deixar de lado

toda sua cultura para apropriar-se do que é alheio, para não ter que condicionar-se a viver a

margem, humilhado, submisso e sem dignidade. Adquirindo uma fortaleza imagética, onde o

Nordeste permanece vivo e presente em sua vida, sem abandonar suas origens.

Distante da terra tão seca mas boa,

Exposto à garoa,

À lama e ao paú,

Faz pena o nortista, tão forte, tão bravo,

(Vivê como escravo)

Nas terra do (su).

(ASSARÉ, 1978, p. 89. grifo nosso)

Na última estrofe, é exposta uma unidade real e concreta da situação social, originada

pela imagética do Nordeste. Mesmo vivendo em seu país, no Sudeste o nordestino sente-se

estrangeiro, e a saudade de sua amada terra torna-se uma simples fuga ao imaginário

saudosista, sem dar espaço ao novo. Sua adaptação à nova realidade torna-se algo difícil,

devido ao fato de estar preso ao desejo de retornar à sua terra amada nordestina.

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CONCLUSÃO

Neste trabalho, abordamos o assunto Variante da linguagem oral retratadas por

Patativa do Assaré em A triste partida, que abrange a importância da literatura popular, o

gênero cordel, as variantes da linguagem, a oralidade, a linguagem informal e formal que o

poeta nordestino retrata em seus poemas.

Na citada análise foi listada as variantes linguísticas e a presença da oralidade

declamada em sua poesia, com o objetivo de trazer para o leitor deste artigo a compreensão da

do papel social de enunciador da literatura popular, do gênero cordel e “do uso da linguagem

escrita” com marcas de oralidade para a promoção dos valores culturais da região. Essa

literatura aproxima o povo e a poesia do Nordeste, que se identifica e torna-se conhecedor

deste tipo de literatura.

A literatura popular é uma das mais ricas existentes no país, mas pouco conhecida,

inclusive pelos discentes das escolas públicas, possivelmente devido a não estar inserida no

conteúdo dos livros didáticos, que priorizam muito mais os estudos da gramática normativa e

deixam de escanteio a literatura popular e o seu uso.

Os usuários da língua podem adquirir habilidades e desenvolver conhecimentos

específicos com a consciência de que não existe erro no uso da língua, e sim variações

linguísticas utilizadas em determinadas situações de comunicação. O conhecimento e o

aperfeiçoamento desta são de grande valor, tanto culturalmente quanto linguístico, para os

leitores de modo geral.

Concluímos que, a literatura popular e o gênero cordel são manifestações literárias

ricas literária e linguisticamente, portanto, valorizá-la e inseri-la nos enunciados do cotidiano,

tornará a literatura popular instrumento de apropriação das formas variadas de linguagem

existentes do país.

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