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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA MESTRADO EM HISTÓRIA RABIB FLORIANO ANTONIO A DINÂMICA DO CAPITAL AGRÁRIO: CRÉDITO E INVESTIMENTOS NA REALIDADE DOS FAZENDEIROS DE VASSOURAS (1850-1888) Juiz de Fora 2012

UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA PROGRAMA DE … · meus irmãos acadêmicos Bruno Vittoretto, Felipe Dua rte e Fernando Lamas. Bons congressos ... testamentos e outras fontes

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

MESTRADO EM HISTÓRIA

RABIB FLORIANO ANTONIO

A DINÂMICA DO CAPITAL AGRÁRIO: CRÉDITO E INVESTIMENTOS NA REALIDADE DOS FAZENDEIROS DE VASSOURAS (1850-1888)

Juiz de Fora

2012

UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

MESTRADO EM HISTÓRIA

A DINÂMICA DO CAPITAL AGRÁRIO: CRÉDITO E INVESTIMENTOS NA REALIDADE DOS FAZENDEIROS DE VASSOURAS (1850-1888)

Dissertação apresentada à banca de pós-graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em História por Rabib Floriano Antonio

Orientador: Anderson Pires

Juiz de Fora

2012

Rabib Floriano Antonio

A DINÂMICA DO CAPITAL AGRÁRIO: CRÉDITO E INVESTIMENTOS NA REALIDADE DOS FAZENDEIROS DE VASSOURAS (1850-1888)

Dissertação apresentada à banca de pós-graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em História por Rabib Floriano Antonio

Juiz de Fora, 08 de janeiro de 2013

Banca Examinadora

____________________________________

Dr. Anderson Pires – Orientador

____________________________________

Profa. Dra. Mônica Ribeiro de Oliveira

_____________________________________

Prof. Dr. Ricardo Salles

Antonio, Rabib Floriano. A dinâmica do capital agrário : crédito e investimentos na realidade dos fazendeiros de vassouras (1850-1888) / Rabib Floriano Antonio. – 2012. 131 f. : il. Dissertação (Mestrado em História)–Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2012. 1. Café - Aspectos econômicos - Vassouras (RJ). 2. Crédito. 3. Brasil - História - Império. I. Título. CDU 338:633.73(815.32VASSOURAS)

AGRADECIMENTO

Agradeço a realização deste trabalho ao Prof. Dr. Anderson Pires, orientador dedicado

e exímio intelectual. Não só foi um orientador, mas acima de tudo um incentivador e um

amigo, um farol cuja luz permanecerá guiando meu caminho intelectual para sempre.

Agradeço à Prof. Dra Mônica Ribeiro de Oliveira (UFJF) e ao Prof. Dr. Ricardo

Salles (UNIRIO) pela gentileza de aceitarem participar da banca de qualificação e defesa

deste trabalho. A leitura, a crítica e a discussão proporcionada por esses professores só vieram

de encontro ao enriquecimento da pesquisa e acrescentaram novas ideias para o futuro.

Agradeço ao Prof. Ms. Magno Fonseca Borges, à Dna. Isabel, ao Sr. Cássio e aos

alunos do projeto Jovens Talentos por me receberem no Centro de Documentação Histórica

da USS com carinho e profissionalismo. Lá eu não só reconheci excelência profissional como

também uma profunda amizade.

Agradeço a minha companheira Beatriz Aparecida Magalhães de Souza, meu amor,

que sob meus ombros lia as páginas que escrevi. Deu-me não só suporte para terminar essa

pós-graduação, mas acima de tudo o incentivo e o equilíbrio que o processo da pesquisa e do

trabalho e das situações do dia-a-dia muitas vezes enfraquecia. Agradeço ao Kalil, meu filho,

que nasceu junto com a pós... e sentava no meu colo muitas vezes para me ver digitar até

pegar no sono. Agradeço aos meus tios, avó e principalmente pais, Nádia e João, que foram

meus grandes incentivadores em tudo na vida e que serei eternamente grato.

Agradeço aos amigos que me enviaram textos, os que me substituíram no trabalho

quando precisava viajar à UFJF e os torceram para que tudo desse certo. Em especial aos

meus irmãos acadêmicos Bruno Vittoretto, Felipe Duarte e Fernando Lamas. Bons congressos

aqueles!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Assim percebi que um trabalho é feito de muitas vidas.

Agradeço à amiga Cíbila Farani, que ajudou a deixar mais suave a dureza dos meus

parágrafos com suas preciosas dicas e a Prof. Dra. Junia Nogueira, uma grande amiga, que

com zelo e uma dedicação profissional inigualável fez a correção gramatical da obra.

Os agradecimentos finais vão para a secretária da Pós Graduação em História da

UFJF, Ana Mendes, por todo o suporte dado com cuidado e profissionalismo em tempo hábil.

Ao Prof. Alexandre Fonseca, colega e amigo, que muitas vezes dialogava sobre as questões

gerais tanto da historiografia como da História Econômica, me dando importantes

informações para a construção das minhas idéias. Ao Prof. Adriano Novaes, importante

pesquisado do Vale do Paraíba Fluminense, pelos textos e informações que muito

contribuíram para o desenrolar de nebulosos pontos que a pesquisa se encontrava.

A todos, muito obrigado!

RESUMO

O objetivo desta dissertação é ampliar a discussão sobre a questão do crédito e da

institucionalização dos mercados enquanto elementos constituintes no desenvolvimento

econômico da economia cafeeira no Vale do Paraíba Fluminense no século XIX, através da

análise de inventários, testamentos e outras fontes primárias disponíveis no acervo da

Universidade Severino Sombras, de Vassouras (RJ), que conserva grande parte da

documentação da elite cafeicultora que viveu e atuou na cidade ou se relacionou a ela durante

o século XIX.

A grande problemática que aqui se faz presente é tentar entender como uma economia

de commodities, oriunda de um sistema colonial de base escravista, que se mantém no

processo de inserção da economia-mundo de bases capitalistas, em transformação conseguiu

encadear elementos financeiros, em especial particulares, para manter a inserção de capital em

uma economia onde as bases monetárias e instituições creditícias se viam aparentemente

insuficientes para manter a economia exportadora, em especial o café, visto que o produto

dependia de investimentos constantes de capital para se manter nos períodos de entressafra e

nas quedas de preço.

Palavras-chaves: Cafeicultura; Crédito; Império; Rede de Commoditie; Vassouras (RJ).

SUMMARY

The goal of this dissertation is to expand the discussion on the issue of credit and the

institutionalization of markets while constituents in economic development of the coffee

economy in Vale do Paraíba Fluminense in the nineteenth century, through the analysis of

inventories, wills and other primary sources available in the library University Severino

Shadows, Brooms (RJ), which retains much of the documentation of the coffee-growing elite

who lived and worked in the city or was related to her during the nineteenth century.

The big problem that is present here is trying to understand how an economy of

commodities originating from a basic colonial slave system, which remains in the integration

process of the world economy to a capitalist basis, succeeded in transforming financial chain

elements, especially particular, to maintain the insertion of capital in an economy where the

monetary base and lending institutions were seen apparently insufficient to maintain the

export economy, in particular coffee, since the product depended on constant capital

investments to keep us off-season periods and the price drops.

Key-words: Coffee production; Credit; Commodity Chains; Empire (Brasil); Vassouras (RJ).

LISTA DE GRÁFICOS

Exportação do café brasileiro (1787-1833) em toneladas.........................................................40

Valor das fazendas de café da Província do Rio de Janeiro em 1883.......................................46

Preço Médio 1821-1880 (Valor de importação do EUA em Dolar).........................................50

Preço Médio 1821-1880 (Valor de importação do EUA em Dolar).........................................51

Variação do preço dos alimentos (Valor em mil-reis)..............................................................54

Preço no varejo de Vassouras (1850-1861).............................................................................55

Evolução do crédito da Casa Souto junto ao Banco do Brasil. (mil-réis)................................81

Composição da Riqueza do Barão de Itambé, 1866................................................................94

Volume de crédito fornecido pelo Barão de Itambé e o resgate ............................................96

Montante emprestado pelo Barão de Itambé entre 1850 e 1866 ............................................97

Brasil: Produtos de Exportação (1821-1830) – Receita das exportações em (%).................101

Registros de Hipotecas de Vassouras (1840-1880)...............................................................103

Composição dos investimentos financeiro do Barão de Vassouras, 1884/1887...................105

Composição dos investimentos financeiro do Barão de Vassouras, 1884/1887...................108

Distribuição de Títulos de Barão e outro no Brasil 1840-79............................................... 112

LISTA DE TABELAS

Renda Per Capita das Regiões Brasileiras – 1872................................................................... 44

Características econômicas das fazendas da Província do Rio de Janeiro em

1883...........................................................................................................................................45

Evolução da Produção Fluminense de Café - 1839-1857.........................................................48

Empréstimos de Anna Bernardina Carvalho Leite...................................................................93

Empréstimos de Barão do Itambé............................................................................................95

Distribuição das opções de aplicação do Barão de Itambé.......................................................95

Relação de Empréstimos e Quitações do Barão de Itambé (1859-1866)..................................96

Evolução da prática de juros entre o Barão de Itambé e o Barão de Vassouras.....................105

Empréstimos de Barão Guaribu..............................................................................................107

LISTA DE MAPAS

Mapa 01 - Carta Geográfica da Província do Rio de Janeiro, 1858............................33

Mapa 02 - Carta Geográfica da Província do Rio de Janeiro, 1858............................37

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12

CAP I – A FORMAÇÃO DO COMPLEXO: O CAFÉ COMO PRODUTO DE

EXPORTAÇÃO, TEORIA DA “LINKAGE” E A FORMAÇÃO DO VALE DO

PARAÍBA FLUMINESE COMO COMPLEXO

EXPORTADOR......................................................................................................................18

1. O café e sua história, o mundo e as interrelações.................................................................19

1.1. O café como produto de exportação................................................................................. 19

1.2. O Brasil no mercado internacional do café.......................................................................29

1.3. A construção do Vale do Paraíba Fluminense como complexo cafeeiro ligado ao Rio de

Janeiro. ....................................................................................................................................32

CAPÍTULO II – A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO SISTEMA BANCÁRIO E DE

FINANCIAMENTO BRASILEIRO E SUA ATUAÇÃO NO SÉCULO

XIX...........................................................................................................................................57

2.1. Antecedentes das transformações......................................................................................58

2.2 As relações pessoais de crédito..........................................................................................61

2.3. A segunda metade do século XIX e suas transformações..................................................68

2.4. A questão dos bancos e as casas comerciais......................................................................71

CAPÍTULO III: FIANCISTAS, CREDORES E FAZENDEIROS EM VASSOURAS:

CRÉDITO E INVESTIMENTO DAS ELITES...................................................................83

CONCLUSÃO.......................................................................................................................121

REFERÊNCIAS....................................................................................................................124

Fontes .................................................................................................................................... 125

Bibliografia ........................................................................................................................... 126

12

INTRODUÇÃO

13

Esta dissertação tem como objetivo analisar o processo de transformação das relações

de crédito e investimentos em Vassouras (RJ) durante os anos de 1830 a 1888. Ela se

debruçará especialmente sobre a formação do complexo cafeeiro dessa cidade e sobre as

mudanças econômicas e financeiras que ocorreram ao longo do século XIX no Brasil e no

Vale do Paraíba Fluminense para sustentar tal economia.

Um dos grandes problemas enfrentados no desenvolvimento desta pesquisa reside no

fato de que são poucos os trabalhos que estudam diretamente a questão do crédito em

Vassouras. Sua principal obra de referência foi o livro clássico de Stanley Stein, do qual

foram extraídos os nomes das principais famílias envolvidas com as questões de

financiamento; o contexto geral da produção e os fatores das crises do século XIX que se

referem à região. Somando-se ao trabalho citado, ainda temos a dissertação de mestrado de

Célia Maria Loureiro Muniz, intitulada A Riqueza Fugaz: trajetórias e estratégias de famílias

de proprietários de terras de Vassouras, 1820-1890, importante para analisar as famílias

hegemônicas da cidade e suas relações com a produção. Este trabalho é um avanço sobre

alguns pontos nebulosos ou superficiais de Stein como, por exemplo, o aprofundamento da

diversidade ocupacional do território, o enquadramento de proprietários em relação à

propriedade de terras e escravos e a discussão mais detalhada dos inventários destas famílias.

As obras de J. C. Vargens Tambasco ajudaram no entendimento da formação do complexo

cafeeiro, de suas relações com o ambiente de Vassouras e das características do produto.

Também cito o trabalho de Tamira Moura, um artigo de graduação disponível no Centro de

Pesquisa e Documentação Histórica do Centro de Ensino Superior de Valença, intitulado

Família Teixeira Leite e suas relações familiares e econômicas no século XIX, que nos ajudou

a compreender alguns pontos em relação a este grupo financeiro específico de Vassouras. O

Vale era o Escravo, de Ricardo Salles, foi uma leitura constante ao abordar a posição dos

senhores fazendeiros e suas relações com a escravaria que, sem sombra de dúvida, era um

bem importante até mesmo no processo de financiamento.

Para suprir a carência de textos específicos, foram utilizados inventários do acervo do

centro de documentação da Universidade Severino Sombra, em Vassouras, importantes para a

compreensão das estratégias dos homens de negócios ao obter e oferecer crédito nas

sociedades agrárias de exportação. E, do ponto de vista teórico, utilizamos trabalhos das

regiões da Zona da Mata mineira e de São Paulo; em especial, os autores Anderson Pires,

Rafael Marquese et al, Ricardo Marcondes, Mônica de Oliveira, Hernan Saéz, Pelaez e

Suzigan e Rita Almico, descritos nas referências, foram fundamentais para criar o corpo de

referências deste trabalho.

14

Para entender as mudanças nas relações de financiamento de Vassouras juntamente

com as mudanças na legislação, são importantes algumas reflexões gerais sobre a posição do

homem em relação à economia. Segundo Schumpeter, todo homem, ao viver em sociedade,

comporta-se economicamente ou fazendo parte diretamente das organizações produtivas de

bens e serviços ou dependendo daqueles os que produzem.

Todos devem, ao menos em parte, agir economicamente; cada um deve ser um “sujeito econômico” (Wirtschaftssubjekt) ou depender de um deles. Mas, tão logo os membros dos grupos sociais se tornam especializados ocupacionalmente, podemos distinguir classes de pessoas cuja atividade principal é o comportamento econômico ou os negócios, de outras classes em que o aspecto econômico do comportamento é eclipsado por outros aspectos. Nesse caso, a vida econômica é representada por um grupo especial de pessoas, embora todos os outros membros da sociedade também devam agir economicamente.1

Em sociedades especializadas “a vida econômica é representada por um grupo especial

de pessoas, embora todos os outros membros da sociedade também devam agir

economicamente”.2 Esse grupamento definido por Schumpeter aparece, na realidade imperial

de Vassouras, através dos homens de negócios, sejam comerciantes de café, investidores,

financistas ou credores e partimos da ideia de que, nessa sociedade, há indivíduos que se

aproximam mais ou menos do conceito schumpeteriano. Para ele, é possível pensar o

desenvolvimento econômico através de determinados agentes da economia. De forma

simplificada, são pessoas que se colocam na posição de empreendedores ou de vanguarda no

processo produtivo e garantem o progresso de um dado sistema através de suas ideias, de sua

capacidade de mobilizar financiamentos, de introduzir tecnologia, ou seja, de mobilizar

alguma situação não tentada.

Para Schumpeter, o crédito, foco principal de nosso trabalho, se caracteriza da

seguinte forma:

(...) em princípio, não é possível o empréstimo dos serviços do trabalho e da terra pelos trabalhadores e proprietários da terra. Nem pode o próprio empresário tomar emprestados meios de produção produzidos. Pois no fluxo circular não haveria estoques ociosos para as necessidades do empresário. Se em um lugar ou outro porventura existirem exatamente os meios de produção produzidos de que o empresário necessita, então é claro que este pode comprá-los; para isso, contudo, precisa outrossim de poder de compra. Mas não pode simplesmente tomá-los emprestados, pois são necessários para os propósitos para os quais foram produzidos e o possuidor não pode e não quer esperar pelo seu retorno — que o empresário pode realmente devolver-lhe, mas apenas mais tarde — e também não pode e não quer arcar com nenhum risco. Se, não obstante, alguém o faz, então ocorrem duas transações, uma compra e uma extensão do crédito. (...)3

O produtor, depois de concluir a sua produção e vender o seu produto, saca contra seus fregueses, para transformar imediatamente seus direitos em “dinheiro”. Então esses produtos servem de “base” — in concreto, digamos, conhecimentos de embarque — e mesmo que o título não esteja respaldado por

1SCHUMPETER, Joseph A. Teoria do Desenvolvimento Econômico. São Paulo, Nova Cultural, 1997. p. 23-4. 2Ibidem, p. 24-5. 3Ibidem, p. 102.

15

dinheiro existente, está, ao invés, baseado em bens existentes e assim ainda, num certo sentido, em “poder de compra” existente.4

Os investimentos, créditos e formas de financiamento formaram um mercado.

Mercado, para Polanyi5 é todo sistema controlado por mercados e seus agentes, garantindo

uma ordem específica de produção e distribuição de bens. Já o conceito de

“Institucionalização dos Mercados”, do historiador holandês C.J. Zuijderduijn, demonstra,

através da formação dos mercados de capitais na Holanda, a importância do capital particular

e o processo de institucionalização dos mercados para o desenvolvimento do capitalismo

holandês.6

Com o processo de especialização nas sociedades de forma geral, alguns homens se

concentraram em determinados ramos das atividades econômicas: alguns faziam o papel de

produtores, outros de distribuidores, outros eram consumidores, outros faziam serviços e

alguns se dedicavam a empréstimos e créditos de acordo com sua acumulação de capital.

Durante muitos anos, os historiadores relegaram o crédito e o mercado de capitais a um plano

inferior em relação ao desenvolvimento histórico das economias. É comum encontrarmos

textos na historiografia tradicional que deslocaram a relação do crédito a partir da ascensão

das instituições bancárias mundiais no final dos setecentos ou, no Brasil, a partir dos

oitocentos. De forma geral, os pesquisadores preferiram entender a formação das economias

baseando-se na esfera do trabalho ou das tecnologias, mas pouco na esfera dos investimentos

de capital, dos mercados financeiros e das linhas de crédito. O crédito, nas suas mais variadas

formas, era muitas vezes confundido ou reduzido ao conceito de usura.

No entanto, trabalhos recentes passaram a ver as relações creditícias e de

endividamento como importantes elementos para a compreensão das relações econômicas e

do próprio crescimento e desenvolvimento econômicos. Muitos desses trabalhos, como é o

caso do Medieval Capital Markets, de J. Zuijderduijn, observam o crédito como elemento

importante no processo de transformação econômica nas sociedades. Para este autor, o

mercado de capitais, pouco estudado, contribuiu para o desenvolvimento do Oeste europeu

desde ano 1000 d.C. Muitas “escolas” desconsideram a importância das relações de crédito e

de investimento para o desenvolvimento das economias de mercado. “Many writers continue

to regard the idea of medieval capital markets as scarcely credible”7. O tradicionalismo dos

pesquisadores acarretou a observação do fenômeno do crédito sem levar em consideração sua

4Ibidem, p. 105. 5POLANYI, Karl. A Grande Transformação. Rio de Janeiro, Campus, 2000. p. 89. 6ZUIJDERDUIJN. C. J. Medieval Capital Markets. Boston, Brill, 2009. p. 184. 7Ibidem, p. 05.

16

dinâmica intrínseca ao processo econômico ou tendeu a olhá-lo como subjetivo ao processo

de desenvolvimento.8

Pode-se analisar que a sociedade européia, que se estabelece na formação de uma

economia mercantil, em relação às tomadas de empréstimos financeiros ainda sofre certos

tabus recorrentes das usuras medievais. Mas, por outro lado, com o aumento do metal

circulante graças às descobertas das minas americanas, o desenvolvimento de novas áreas

agrícolas e dos negócios típicos das colônias garantiu um mercado de crédito crescente e cada

vez mais necessário no mundo econômico em transformação.9

Como foi mencionado em momento anterior, no Brasil, até fins do século XVIII, esse

mercado “define-se por cortes étnicos, sexuais, raciais e jurídicos”.10 O não pagamento dos

compromissos financeiros a partir dos créditos era acompanhado de um processo duplo: a

desintegração moral do indivíduo perante a sociedade e as cobranças judiciais de acordo com

legislação do Reino que, em geral, causavam transtornos, se não as sanções legais. Segundo

Santos11, “quando condenados, os devedores poderiam ter seus bens penhorados ou, ainda, se

viam ameaçados de prisão”.

O crédito no século XVIII era muito mais uma ideia de confiança que um valor

econômico per si – situação que gradativamente mudaria em meados do século XIX, quando

começaram a institucionalizar os mercados de crédito no Brasil. Nesse caso, a relação de

crédito passaria a estar ligada à tradição do registro. Quando se diz que havia uma dívida sem

crédito, quer dizer que ela não fora registrada em qualquer lugar, nem em papel, nem em

qualquer documento escrito, baseando-se somente na palavra.12 São essas relações que

tendiam a se superar na economia do Vale do Paraíba Fluminense em meados do século XIX,

principalmente pelas características peculiares da produção cafeeira.

A região média do Vale do Paraíba Fluminense recebeu parte considerável de sua

formação demográfica das áreas mineiras, já que se caracterizava anteriormente como uma

passagem obrigatória das tropas de Minas Gerais à praça mercantil do Rio de Janeiro.13

Podemos notar, nos inventários de Vassouras do século XIX, a ligação de muitas famílias

influentes às áreas mineiras, como a própria família Teixeira Leite. A construção

8 Ibidem, p. 07-9. 9Cf. LEVY, Maria Bárbara. História financeira do Brasil Colonial. Rio de Janeiro, IBMEC, 1979. p. 89-120. 10MENZ, Maximiliano M. O Crédito e a Economia Colonial: século XVIII. In: CARRARA, Angelo Alves. (Org.). A Vista ou a Prazo: comércio e crédito nas Minas Setecentistas. Juiz de Fora, Ed. UFJF, 2010. 11SANTOS, Raphael Freitas. O Ouro e a Palavra: endividamento e práticas creditícias na economia mineira setecentistas. In: CARRARA. Angelo. Op. cit. p. 71. 12Ibidem, p.72-3 13Cf. FRAGOSO, João. Homens de Grossa Aventura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

17

demográfica, social e econômica da região está ligada ao esgotamento das minas e ao

deslocamento, para regiões do hemisfério sul, das áreas produtoras do Império.

Visto esta pequena introdução, optamos, então, por desenvolver este trabalho em 3

capítulos. O capítulo I abordará a ascensão do café como produto de consumo desde suas

origens remotas na África até se tornar uma commodity importante no mercado internacional.

Também descreveremos como o Brasil se tornou um dos principais produtores dessa

mercadoria e como a região do Vale do Paraíba Fluminense se estabeleceu como uma das

mais importantes produtoras de café deste período.

O capítulo II abordará as transformações econômicas e financeiras que irão ocorrer ao

longo do século XIX, em especial durante e a partir da década de 1850. Parece-nos

interessante discutir estas mudanças, pois elas vão influenciar as oportunidades de

investimentos dos atores pesquisados neste trabalho.

O capitulo III tratará também da institucionalização dos mercados a partir de 1850 e de

algumas leis que serão fundamentais para o processo de ampliação de investimentos dos

cafeicultores e financistas de Vassouras. Neste capítulo, também trataremos especificamente

dos dados encontrados nos inventários.

18

CAP I – A FORMAÇÃO DO COMPLEXO: O CAFÉ COMO PRODUTO DE

EXPORTAÇÃO, TEORIA DA “LINKAGE” E A FORMAÇÃO DO VALE DO PARAÍBA

FLUMINESE COMO COMPLEXO EXPORTADOR.

19

Para se entender o processo de financiamento e de investimentos de agentes –

financiadores e produtores – de tão peculiar commodity, o café no século XIX, e suas

transformações advindas de redes que vão encadear vários ramos interligados nesse processo

produtivo, tanto no mercado interno quanto no externo, é necessário compreender o processo

de formação do complexo cafeeiro do Brasil e sua importância no mercado internacional. Para

tanto, este capítulo seguirá alternando seu foco analítico entre a macro e a microrregião, em

“jogos de escalas” que favorecerão um sentido na dinâmica dos investimentos ocorridos em

Vassouras e suas transformações ao longo do século XIX. Deste modo, a análise estará

baseada em três esferas que vão se inter-relacionar durante o desenvolvimento deste trabalho:

a formação de um mercado de commodities, o café como produto de exportação e a

importância do desenvolvimento cafeeiro no Vale do Paraíba Fluminense (ligado ao

complexo do Rio de Janeiro) como área integrante da rede internacional dos negócios de café.

1. O café e sua história, o mundo e as interrelações.

1.1. O café como produto de exportação

Muito se estuda sobre o café e seus efeitos nos mercados internacionais durante o

século XIX. Este produto se caracteriza como uma commodity, ou seja, um produto primário

que se volta a um mercado externo, geralmente produzido em larga escala para atender a uma

demanda de massa do mercado internacional.14 Ou, para Hopkins e Wallestein, “uma rede de

trabalho e de processos de produção, cujo resultado final é um produto acabado”.15

Desde o processo de expansão marítimo-comercial europeu, as relações de mercado no

plano internacional foram se configurando como uma rede global de relações dinâmicas.

Essas transformações levaram a economia da esfera regional para a mundial porque os

produtos primários de exportação, como o café, saíram de suas esferas de comércio local e

atingiram locais mais distantes através do comércio terrestre e marítimo. Braudel nos aponta

essa importância das ligações e das cadeias que ligam o local ao universo mais amplo,

há uma certa economia que liga entre si (...) os diferentes mercados do mundo, uma economia que arrasta consigo apenas raras mercadorias e, também, os metais preciosos, viajantes privilegiados que

14SANDRONI, Paulo. Novíssimo Dicionário de Economia. 6ª ed. São Paulo, Editora Best Seller, 2001. p. 112. 15HOPKINS, Terence. K; WALLERSTEIN, Immanuel. Commodity chains: construct and research. In: GERREFI, Gary; KORZENIEWICS, Miguel. Commodity chains and global capitalism. Londres, Praeger, 1994. p. 19. “a network of labor and production processes whose end result is a finished commodity”.

20

já nesta época dão a volta ao mundo... Estas ligações, estas cadeias, estas correntes de tráfico e esses transportes essenciais como deixariam de atrair a atenção dos historiadores?16

Originário da Abissínia – atual Etiópia – ou do Oriente Médio, o café já era conhecido

como bebida antes de chegar à América. Segundo Taunay17, as qualidades da rubiácea como

fonte de vigor e ânimo foram descobertas por um pastor etíope chamado Caldi, que observou

que suas cabras ficavam agitadas ao comer certas folhagens das planícies. Levadas aos

mosteiros, os monges da Abissínia fizeram infusão dessas folhas e descobriram que o poder

revitalizante os ajudava a fazer as vigílias e rezas durante o período noturno. Com o passar do

tempo e o aumento das relações entre os povos, o café acabou por chegar à Arábia,

supostamente no século V. O escritor e poeta Schahab-Edin relatou, em seus manuscritos, os

poderes afrodisíacos do café. Tamanha foi a fama que o café obteve com o “povo do deserto”

que recebeu o título de “vinho do Islã”, o que provocou sua perseguição pelos muçulmanos

ortodoxos em Meca, ainda no ano de 1511, colocando-o como uma bebida demoníaca. Pouco

tempo depois, o café acabou sendo rotulado como um dom ao mundo árabe.18 Segundo uma

velha lenda muçulmana, o grão teria sido criado pelo Arcanjo Gabriel, a fim de restaurar as

forças de Maomé que, após ingeri-la, foi capaz de derrotar quarenta mil cavaleiros e

conquistar igual número de damas.

Da Arábia, no século XV, o café se espalhou para outras regiões. Na Europa, foi se

tornando comum o hábito de consumi-lo, tanto pelas propriedades já citadas como por se

afirmar que era estimulante cerebral. Cabe aos holandeses a fama de serem os primeiros

propagadores de café no mundo em moldes comerciais por causa de uma muda da rubiácea

trazida de Java para o Jardim Botânico de Amsterdã. Na Itália, o café entrou em 1615 pelos

portos de Gênova e Veneza. Os cristãos ortodoxos, assim como os muçulmanos, conferiam

propriedades satânicas ao café. Encaminhado ao Papa Clemente VIII, adepto convicto da

bebida, ele afirmou a toda cristandade suas benesses, dando-lhe bênção. Assim, a cotação do

café elevou-se na Europa.

Na década de 1650, Jacobs, um judeu libanês, instalou uma casa de café em Oxford,

sendo o primeiro estabelecimento de café da Europa. O grego Pasquá Rossé abriu em Londres

outro estabelecimento e mandou divulgar no Publish Adviser o mais antigo anúncio de café

do mundo, que dizia: “Na travessa Bartolomeu, por detrás da Bolsa Velha, pode se tomar uma

16

BRAUDEL, Fernand. A Dinâmica do Capitalismo. Lisboa, Editorial Teorema, 1985. p. 49. Utilizamos aqui o conceito de Braudel sobre economia-mundo e da “mundialização” dos mercados, mas deixando claro que o autor não participou da teoria das commodities chains. 17

Cf. TAUNAY, Afonso. História do café no Brasil. Rio de Janeiro: Depto Nacional do Café, 1939. 18

Ibidem.

21

bebida chamada café, muito saudável e portadora de excelentes virtudes: fecha o diafragma,

aumenta o calor interno, ajuda a digestão, aguça o espírito, (...) é vendida tanto de manhã

como às três horas da tarde”.19 O hábito de tomar café agradava o pragmatismo inglês, pois,

ao contrário do álcool, não prejudicava o trabalho. As mulheres inglesas protestaram, dizendo

que gastava a força viril dos homens tornando-os áridos como as areias da Arábia, de onde

viera o “grão maldito”.

O café ficou conhecido em Paris pelas festas do embaixador de Maomé IV, Soliman

Agá Mustafá. Nelas, era servido o mais puro café árabe.20 Em 1713, foi assinado o tratado de

Utrecht, que definiria as fronteiras do Brasil. Luiz XIV, rei da França, ao assiná-lo, exigiu dos

holandeses mudas de café que foram plantadas não só na França como também nas

possessões francesas da América.

Os alemães misturavam o café com leite, mas uma medida de Frederico, o Grande,

proibiu a bebida na Prússia por medo de desvio de divisas do país e de a tradição do consumo

de cerveja acabar. Nem mesmo na música o café deixou de ser retratado, pois Bach compôs a

“Cantata do Café” em 1781.

Os holandeses levaram o consumo do café para os Estados Unidos no século XVII, em

especial para a nova Amsterdã.21 Enfim, o café chegou à América como alternativa de

incremento aos produtos coloniais.

Mas o estudo do café vai além de sua história linear e se torna complexo quando é

entendido a partir da perspectiva de Frank, Marichal e Topik22, que descrevem a formação de

uma rede internacional geradora de uma cadeia de relações produtivas de comércio e consumo

do café.

Nas semanas que antecederam 14 de julho de 1789, Camille Desmoulin e outros revolucionários parisienses se reuniram no Café Foy, o Precope e outras casas de café politizadas para traçar o enredo da tomada da Bastilha e elaborar os Direitos do Homem. Eles defendiam a liberdade e a igualdade neste espaço público burguês, definindo o plano para a derrubada da monarquia. Mas nunca pensaram sobre as contradições incorporadas no café que beberam enquanto discutiam idéias grandiosas. Não pensaram na libertação dos negros da África que cultivaram o café nas colônias francesas de São Domingos ou em libertar as colônias. Um século mais tarde, os trabalhadores da fábrica e escritório nos Estados Unidos e Europa Ocidental em suas paradas para o café deram pouca importância para os escravos brasileiros ou índios maias da Guatemala que trabalhavam nos campos de café para fornecer

19UKERS, Willian H. All About Coffee. New York, The Tea and Coffee Trade Journal Company, 1922. p. 77. 20Cf. TAUNAY, Op. cit. p. 194-203. 21Cf. TAUNAY, Op. cit. e PENDERGRAST, Mark. Uncommon Grounds. New York, Basic Books. 2010. p. 10-20. 22TOPIK, Steve & SAMPER, Mario. The Latin American Coffee Commodity Chain: Brazil and Costa Rica. IN: TOPIK, Steve. MARICHAL, Carlos. ZEPHYR, Frank. (Org.). From Silver to Cocaine: Latin American Commodity Chains and the Building of the World Economy, 1500–2000. Durham, NC and London, Duke University Press, 2006. p. 118-146

22

aos trabalhadores as suas bebidas. A bebida de lazer no Norte exigiu um trabalho árduo no sul. Isso ainda era uma realidade no século XX.23

Esse trecho ilustra de forma simples, porém não menos importante, o que seriam as

commodities chains – redes de mercadorias – que se estendem do produtor ao consumidor, da

planta à xícara, sem esquecer as características próprias, singulares, do cultivo do café. De

certa forma, as pessoas na América, durante os séculos XVIII e XIX, estão intimamente

ligadas ao café e à sua produção camponesa, como também aos estudos históricos referentes a

essa economia, à sua elaboração, distribuição e consumo, que não apenas ocupam diferentes

continentes, mas, também, diferentes modos de produzi-lo. Fora dessa teoria, porém, a

história ignora, por vezes, os agentes de transações comerciais, financistas, exportadores,

transportadores navais e importadores. Por fim, entende-se muito superficialmente o papel do

café e sua relação com o mundo.24

O café é uma commodity singular, pois garantiu, pelo menos por dois séculos, bons

negócios internacionais. Ele permite o estudo de relações entre as produções em determinadas

áreas e o consumo em outras juntamente com seus efeitos de cadeia – linkage25. Durante

décadas, presenciaram-se vários tipos de linkage com as mais diversas formas de rede da

commodity do café de acordo com a peculiaridade de cada país ou região como, por exemplo,

o Brasil e a Costa Rica, que se inseriram nos mercados internacionais por caminhos e

organizações produtivas diferentes.26

É importante lembrar que não se pode entender uma commodity dissociada da

organização mundial da qual ela faz parte. Há uns quatrocentos anos, essas redes

internacionais de comércio foram se configurando historicamente. Ozveren27 afirma que

houve uma mudança gradual do modelo de comércio marítimo adotado, na época de

predomínio do Mediterrâneo, para uma rede de comércio (ou uma commodity chain) a partir

23Ibidem, p. 118 . “For the weeks that preceded July 14 1789 Camille Desmoulin and other Parisian revolutionaries gathered at the Café Foy, the Precope and other political coffeehouses to plot the storming of the Bastille and draft the Rights of Man. They championed liberty and equality in this bourgeois public space as they set in motion the overthrow of the monarchy. But they gave no thought to the contradictions embodied in the coffee they sipped as they discussed grand ideas. Few contemplated freeing the African slaves who grew the coffee in France’s colony of St. Domingue or freeing the colony. A century later the factory and office workers in the United States and Western Europe taking their coffee breaks gave scant thought to the Brazilian slaves or the Guatemalan Mayan Indians who labored in the coffee fields to provide the workers their drinks. The leisure drink in the North demanded strenuous work in the South. This was still largely true in the twentieth century.” Tradução livre. 24Ibidem, p. 119. 25Cf. PIRES, Anderson. Minas Gerais e a cadeia global da “commodity” cafeeira – 1850/1930. Revista

Eletrônica de História do Brasil. V. 9, n. 1, v.9 n.1, jan-jul., 2007. 26TOPIK, Steve & SAMPER, Mario. Op.cit. p. 118-46. 27ÖZVEREN, Eÿup. The Shipbuilding Commodity Chain, 1590-1790. In: HOPKINS, Terence K; WALLERSTEIN, Immanuel. Op. cit. p 26-7.

23

da conquista, por parte dos povos europeus, de novos mercados fornecedores. Por volta de

1590, o comércio marítimo se desloca da orla do Mediterrâneo e alcança o Mar do Norte e,

conseqüentemente, dá aos países que lá se situavam as condições de expandir suas atuações

nesses comércios internacionais. Novas tecnologias vão ser criadas e outras aperfeiçoadas

para a ampliação dos mercados. Pode-se citar, por exemplo, o desenvolvimento do Fluyt,

pelos holandeses, o mais econômico navio de carga da época. Há um avanço no processo que,

a partir do século XVII, gerou uma posição de superioridade aos holandeses. Enquanto os

ingleses mal tinham organizado seus construtores de navios em associações – gildas – os

holandeses, há tempos, já vivenciavam uma infraestrutura básica para seus construtores em

particular. As construções navais continuaram a se expandir sobre as colônias da América do

Norte, que garantiam territórios livres para as praças de comércio marítimo. O novo alicerce

naval-mercantil que se configurava incentivou a expansão e intensificou o comércio. Essa

vantagem competitiva dos holandeses em relação à manufatura dos navios os libertou das

pesadas rendas pagas aos comerciantes do estuário do Tâmisa, responsáveis pela organização

das construções navais.

Segundo os dados de Vogel28 em 1670, o volume de transporte nos navios eram de

568.000 toneladas para as Províncias Unidas, 94.000 toneladas para a Inglaterra e 80.000

toneladas para a França. Depois de 1750 o total das operações portuárias de praças navais

holandesas foram reduzidas às atividades de moinhos movidos a vento e à operação das

grandes gruas. Özveren29 atribui este fenômeno ao efeito da força que os Atos de Navegação

da Inglaterra imprimiram aos países participantes do comércio marítimo, em especial à

Holanda e à sua atuação no Báltico.

Com a redução das atividades marítimas, os influxos de ferro sueco preocuparam os

ferreiros das companhias de Londres. Em 1700, a Inglaterra passaria à marca de transporte de

500.000 toneladas, embora os holandeses subissem para 900.000 toneladas transportadas. Em

1730, a navegação comercial Russa disputava o Báltico. Com a participação da América

como mercado e praça de construção de navios, o Atlântico ganhou importância durante o

século XVIII. Já no fim do século, há um significativo aumento nos índices atlânticos em

relação ao Báltico com superioridade da Grã-Bretanha.

A Costa Atlântica monopolizou 51 por cento de novas construções e 60 por cento dos novos navios. A necessidade de compra de embarcações estrangeiras foi superada. Quanto à Espanha, os custos de produção de Havana foram de menos de metade dos custos de produção no continente. Devido não só

28Ibidem. p. 27. 29Loc. cit.

24

ao preço mais baixo de madeira, mas também para reduzir os custos de trabalho devido à utilização de escravos.

Por volta de 1790, a Grã-Bretanha (não incluindo o que foi agora os Estados Unidos) apresentou 26 por cento da tonelagem de transporte mundo, a França 21 por cento e apenas 12 por cento holandesa.30

Dessa forma, é possível notar as intensas transformações que as commodities estavam

proporcionando à estrutura das economias em várias partes do Atlântico e do Índigo desde as

primeiras integrações de mercados no início da Idade Moderna. Assim, as Companhias das

Índias, tanto inglesa como holandesa, contribuíram sobremaneira para a entrada de produtos

na Europa. Como mostra José da Silva Lisboa, Visconde de Cairú31, “Os produtos d´América

importados à Europa forneceram aos habitantes deste grande Continente muita variedade de

mercadorias, que não possuíam, e que contribuíram para a sua utilidade e delícia, e portanto

aumentaram os seus cômodos gozos.”32 Essa venda de commodities, alerta Cairú, movimenta

a economia geral do sistema, criando uma rede direta e indireta de mercados globais. Ele

exemplifica com o caso da Hungria e da Polônia, que não exportam seus “supérfluos”

diretamente à América, mas, ao demandarem produtos como açúcar, chocolate e tabaco,

decerto os compram dela. A renda dessa importação, em geral, é estabelecida pela venda da

indústria húngara e polonesa para outros países, o que acarreta a porção de valor para a

compra desses produtos. Logo, Cairú leva em consideração que “sendo aquelas mercadorias

do Novo Mundo trazidas de tais lugares, vêm a criar neles um novo e mais extenso mercado

ao seu produto supérfluo, com que se pagam os gêneros referidos. Que, aliás, sem isto não

existiriam.”33. Como há uma circulação de produtos que incluem os novos produtos

americanos, Cairú termina sua análise demonstrando que o novo continente pôs em

movimento uma economia global pela exportação dessas novas mercadorias. Ele defendia

uma livre circulação de mercadorias que, rompidos os monopólios europeus sobre a América,

poderia, então, fazer cairem os preços gerais no comércio.

Durante todo o século XIX, foi garantido o afluxo de mercadorias em todo o globo.

Este foi um século de paz e representou a consolidação de uma economia de mercado, visto

que o comércio pode expandir-se e concretizar um intenso índice de transações mercantis e de

30Ibidem. p. 30. The Atlantic coast monopolized 51 percent of new construction and 60 percent of new tonnage. The need for the purchase of foreign vessels was eliminated. As for the Spanish, the costs of production of Havana amounted to less than one-half of the costs of production in the mainland. This was due not only to the lower timber price, but also to lower labor costs because of the use of slaves. Around 1790, Great Britain (no longer including what was now the United States) had 26 percent of world shipping tonnage, France 21 percent, and the Dutch only 12 percent. (Tradução livre) 31LISBOA, José da Silva. Estudo do Bem Comum e Economia Política. Rio de Janeiro, IPEA, INPES, 1975. 32Ibidem. p. 375. 33Ibidem, p. 376.

25

investimentos financeiros.34 Foi se consolidando o padrão ouro para garantir o dinamismo nas

cotações de câmbio e os preços iam se tornando auto-reguláveis.35 Para Hopkins e

Wallerstein36, a direção desse movimento estaria associada à relação periferia-centro em que

esses efeitos interzonais formariam uma rede de commodity que abasteceria os mercados e as

necessidades dos países do centro.

A configuração deste mercado internacional de commodities coincide com o

nascimento do credo liberal. Para Polanyi, “O liberalismo econômico foi o princípio

organizador de uma sociedade engajada na criação de um sistema de mercado.”37 A crença,

até então muito difundida, era estabelecer livre negociação na mão de obra, liberação do

acesso aos bens (entre eles, a terra) e automatismo da criação e negociação do dinheiro.

Para tal, de certa forma, o credo liberal incidia na proposta de uma mudança social

intensa nos países que formavam suas economias capitalistas, em especial nas suas relações

entre agentes. Uma delas era a dissolução das suas relações orgânicas no meio econômico

substituindo-as por uma organização mais individualista e contratual. Em outras palavras, as

relações que incidiam sobre parentescos, amizades, vizinhança, credo deveriam ser

substituídas, pois restringiam a liberdade econômica. Polanyi38 mostra que essas

transformações nas economias européias foram lentas e graduais, iniciadas no século XV e

perpassando o XVIII.

Se estas transformações afetavam os países de economias centrais neste período de

tempo, no meio dos processos produtivos, ou seja, nos elos, nas redes que ligam o macro ao

micro, essas transformações também eram sentidas. Visto essa dinâmica, a questão está em

compreender os processos de organização das commodities como um processo social – de

acordo com os interesses e estruturas de cada sociedade -, que pode ser entendido como

“caixas”39, ou seja, as cadeias que interligam os processos podem ser reorganizadas,

reagrupadas ou separadas. Há locais em que pode haver fusões de etapas de processo

produtivo e em outros, não. Nas palavras de Hopkins e Wallerstein, “É bem possível que o

que está organizado em um lugar como duas ou mais caixas separadas é organizado em outro

como uma única caixa.”40 Essa característica mutável das organizações das commodities pode

34POLANYI, Karl. Op. cit., p. 17-35 35Idem, p. 30-1. 36HOPKINS, T; WALLESTEIN. Op.cit. p. 17-9. 37POLANYI, Op. cit., p. 166. 38Ibidem, p. 198-213. 39Acepção do termo de Hopkins e Wallerstein, que aborda como “caixa” um dado processo de produção muito específico. 40Hopkins, Terence; Wallerstein, Immanuel. Op. cit. p. 18. “It is quite possible that what is organized in one place as two or more separate boxes is organized in another as a single box.”

26

explicar sua importância local e sua singularidade nos processos produtivos, explicar como

cada região, de acordo com sua organização, pode provocar efeitos diferentes nas redes a

partir de uma mesma commodity.

De acordo com Pires41, Harold Innis, historiador da economia canadense, teria

desenvolvido a Teoria do Produto Principal (Staple Thesis). Para Innis, existe uma relação

direta entre as relações do produto principal e as relações sociais que perpassam uma dada

sociedade.

(...) são as determinações desta com a evolução dos fenômenos sociais, geográficos e culturais, além das modificações que viriam a sofrer como parte da integração das sociedades ao mercado mundial, que se colocavam como centro de análise.42

Innis aponta para a importância de que o processo parte de relações entre os vários

fatores produtivos, os elos, na acepção de Pires43, que conectam todo o processo produtivo e

suas relações recíprocas que se estabelecem desde as produções locais às relações de consumo

final do produto. A rede, nessa teoria, é entendida na sua totalidade. Assim, universo

internacional e da produção local se inter-relacionam. A busca pelo estudo das unidades

produtivas e de suas interligações não se dissociam da macroeconomia, em que os mercados

internacionais atuam e provocam mudanças ou são influenciados pelas atuações das

microeconomias.44 A particularidade da teoria é entender que esses elos e essas relações

dinâmicas entre micro e macro podem ser analisados além das concepções dos Estados

Nacionais, mesmo que estes façam parte do processo produtivo, contemplando redes ditas

secundárias ou que aparentemente não influenciam no contexto econômico geral de um dado

país. O que queremos dizer é que o estudo do produto em si nos desloca para a análise dos

elos que interligam os processos produtivos e para seus efeitos dentro deste processo.

O segundo ponto da teoria de Innis diz que o ambiente é um elemento constituinte de

um dado produto de exportação.45 Em outras palavras, os fatores naturais influenciam nas

formas de organização da produção, nas relações sociais e na organização espacial dos

mercados. Alguns autores corroboram com Innis direta ou indiretamente, como é o caso de

Dean46, que associa o processo de devastação da Mata Atlântica ao processo de expansão da

fronteira agrícola, em especial, a do café. No sentido oposto, a commodity de café também

41Cf. PIRES, Anderson. Minas Gerais e a Cadeia Global da “commodity” cafeeira – 1850/1930. Revista Eletrônica de História do Brasil. UFJF, Juiz de Fora, jan- jul 2007, vol. 09, num. 01. 42Ibidem, p. 07. 43Loc. cit. 44Idem, p. 08. 45Cf. PIRES, Op. cit, 2007. 46Cf. DEAN, Warren. A Ferro e Fogo: a história e a devastação da mata atlântica brasileira. São Paulo, Cia das Letras, 1996.

27

necessitava de expansão sobre a mata nativa para se manter competitivo nos mercados

internacionais. Quando os cafezais ficavam velhos e perdiam produtividade e valor, novas

plantações iam surgindo e ampliando a fronteira de produção das fazendas.

Para Samuelson, o intercâmbio entre países poderia vir a ser um fator importante não

só para a troca de produtos, mas, acima de tudo, seria um elemento de equalização dos

rendimentos que atinge diferentemente uma série de países. Até a década de 1950, discutia-se

muito a questão da inserção do capital como elemento propulsor das economias periféricas.

Hirschman47 descreve em seu artigo que, segundo Paul Baran, o capital estrangeiro poderia

até impulsionar a economia, mas reforçaria as estruturas de poder existente, tornando-se

socialmente nocivo. Em outra análise, confronta os trabalhos de Baldwin e de Galenson e

Leibenstein afirmando que, em determinado momento, a renda distribuída incentivaria o

desenvolvimento das indústrias enquanto a aplicação de recursos de capitais e o

reinviestimento rápido e recorrente dos lucros aumentariam o desenvolvimento econômico.

Ainda para este autor, a partir da esfera da produção, elabora-se o efeito de

encadeamento em que o desenvolvimento econômico se dá a partir de uma dada produção

específica que se propaga em efeitos posteriores e anteriores e si mesma. Os efeitos de

encadeamentos retrospectivos levam aos fatores que serão utilizados pela produção e os

prospectivos, ao aparecimento de um mercado fornecedor de insumos, por exemplo. Além

desses, os efeitos de encadeamento fiscal geram novas arrecadações a partir dos vários setores

produtivos que surgem consequentes à dada commodity.48 Apesar de ter sido desenvolvida

inicialmente para a indústria, o efeito de encadeamento pode ser aplicado de forma ampla,

como por exemplo, no setor primário (commodities). Vista desta forma, a teoria se torna

complementar à tese do produto primário de exportação, abordado por Innis, que defende que

as economias de países novos, como também o desenvolvimento destes, são amplamente

caracterizados por produções – e conseqüentemente exportações – do setor primário.49 Assim

sendo, cabe ressaltar aqui o café como commodity principal de muitos países pós-

independentes, como é o caso do Brasil e de outros países da América Latina, ganhando

posições privilegiadas em relação ao mercado internacional. Segundo Pires, “Por outro lado,

se lembrarmos que estamos lidando com uma das mais importantes e valiosas ‘commodities’

47HIRSCHMAN, Albert (1985). “Desenvolvimento por Efeitos em Cadeia: uma abordagem generalizada.” In SORJ et alii. Economia e Movimentos Sociais na América Latina. Brasiliense, São Paulo. p. 34-5. 48Cf. PIRES, Anderson. Café, Bancos e Finanças em Minas Gerais: Uma Análise do Sistema Financeiro da Zona da Mata Mineira – 1889-1930. Tese de doutorado, São Paulo, USP, 2004. 49Idem, p. 38-9.

28

presentes no comércio internacional – tanto do século XIX quanto do XX –, podemos

imaginar a quantidade de recursos que esta economia conseguiu mobilizar.”50

Essa matéria valiosa, abundante no Vale do Paraíba Fluminense por características

próprias durante todo o século XIX, forma por si mesma uma rede de elos que garantem a

série de efeitos prospectivos, retrospectivos e fiscais, mantida pelo fato de não ser somente o

mais importante produto de exportação como também por formar uma elite de domínio local

conhecida como “Barões do Café”. O produto proporcionou um vasto estímulo à formação

desses efeitos de encadeamento entre produtores de commodities, pequenos produtores locais,

comerciantes, tropeiros, capitalistas, criadores de animais dentre outros. Para Hirschman,

O que nos vem à mente como exemplo é a situação dos países plantadores de café, como o Brasil e a Colômbia. Em ambos os países o café tem sido crucial na criação nos padrões de ocupação da terra (Settlement patterns), redes de transporte e repercussões do consumo, porém, somente bastante tarde na sua carreira de produto primário de exportação é que rendeu alguma contribuição fiscal (...)51

Mas os elos dos produtos nas teorias das commodities chains não dependem tanto da

vontade do produtor, mas de múltiplos fatores que compõem as características próprias de

cada produto. Em muitos casos, as questões técnicas nessas economias são mais

preponderantes que as razões do desenvolvimento econômico.52

Para Hischman,53 o expansionismo foi mais uma rigidez no processo de produção na

cafeicultura que uma opção. Sua análise aborda a importância de buscar novas terras para a

sustentabilidade da lavoura cafeeira, o que explica a singularidade do plantio do Vale e sua

necessidade do investimento constante na expansão da fronteira agrícola. Terminando a

análise,

(...) um novo modo de produção está intimamente ligado à existência, no tempo apropriado, de uma atividade econômica específica, que apresente uma afinidade mais forte com este modo de produção do que a que é constatada mais tarde, quando o modo de produção já se tornou ubíquo e dominante, e, portanto, parece ser, e na realidade já se tornou, independente dessa atividade.54

Esse modo de produção, baseado nas análises de Marx, pode não operar de forma

semelhante se comparada em períodos e regiões diferentes. O que a cultura cafeeira pode

provocar em uma determinada região – como o acirramento da escravidão e encadeamentos

financeiros – pode não gerar em outra região. Essa análise garante a especificidade da

50PIRES, Anderson. Op. cit. 2007. p. 21. 51HIRSCHMAN, Albert. Op. cit, p. 42. 52Idem, p. 49; conferir também o trabalho de VITTORETTO, Bruno Novelino. Do Parahybuna à Zona da Mata: terra e trabalho no processo de incorporação produtiva do café mineiro (1830-1870). Dissertação de Mestrado, UFJF, 2012. 53HIRSCHMAN, Albert. Op. cit., p. 76. 54Loc. cit.

29

commodity e o processo de superação do modo de produção a ela ligado.55 Mas, ao mesmo

tempo, o produto primário está imerso em situações que são inerentes à sua produção em

qualquer parte. A teoria de Hirschman56 ora se aproxima e ora de afasta do postulado de

Marx, pois, ao mesmo tempo em que garante uma concepção geral da análise, também abre

perspectiva para o localismo, a especificidade e a singularidade do produto.

O interessante na teoria geral que o autor aborda está no deslocamento da relação entre

produto primário de exportação e Estado, ou, pelo menos, abre uma importante discussão. O

desenvolvimento através dos produtos primários de exportação requer intrínsecos parâmetros

que vão além da esfera do Estado, como terras, ferramentas, adequação técnica, crédito, etc.

Podem agir com ele ou além dele. Isso ajuda a compreender a forma de organização pessoal

do crédito em Vassouras alavancado por particulares, mesmo antes do aparecimento de

instituições de mercado controladas pelo Estado.

1.2. O Brasil no mercado internacional do café.

Há uma vasta literatura sobre o café no Brasil. Essa literatura aborda a totalidade da

história da produção, visto que se estende desde as análises das origens até os movimentos da

economia cafeeira nos fins do século XX. Citamos aqui, por exemplo, o trabalho de Martins

& Johnston, cujas relações com a cafeicultura iam muito além do mundo acadêmico57.

Taunay, um clássico do tema, dá crédito à W. Ukers, que publicou All About Coffee, porém

ressalva: “apesar do título imodestíssimo, repitamol-o [sic!], apresenta a obra de Ukers – tão

importante e tão cheia de capítulos primorosos – a parte brasileira por assim dizer

insignificante”58. O próprio E. Taunay publica, na década de 1930, a História do Café no

Brasil, obra fundante no tema distribuída em 15 volumes, publicada pelo Departamento

Nacional do Café. Ainda podemos citar Roteiro do Café e outros Ensaios, de Sérgio Milliet e

O Problema do Café no Brasil, de Delfim Netto.

Curiosa é a obra de Learne sobre a comparação entre Brasil e Java no que se refere à

cultura do café. Em 1883, C. F. van Delden Learne foi nomeado agente do “Departament of

the Interior of Bavária” e encarregado pelo Governo Holandês de missões especiais no Brasil

55Tal fenômeno explicaria como duas regiões produtoras de café como o Vale do Paraíba Fluminense e a Zona da Mata Mineira tomaram rumos diferenciados quanto ao seu desenvolvimento histórico. Cf. PIRES, Anderson. Op. cit., 2009. 56Cf. HIRSCHMAN, Op.cit., p. 78-9. 57BACHA, Edmar; GREENHIL, Robert. 150 Anos de Café. Rio de Janeiro, Marcelino Martins & E. Johnston, 1993. 58TAUNAY, Afonso. Op. cit, 1939. Tomo I. p. 15.

30

e de assuntos da cultura e do comércio do café em possessões das Índias Holandesas. Na

segunda metade do século XIX, a pedido do governo holandês, Learne escreveu um tratado

sobre a cafeicultura do Brasil e de Java que cobria prioritariamente o ano de 1885. Sua obra é

divida em doze capítulos principais, dos quais a maioria fala do Brasil. Os onze capítulos que

abordam a realidade brasileira dão um panorama profundo da cafeicultura no tocante à região

(São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais), clima, grãos, forma de plantio, imigração, mão de

obra escrava, comércio, financiamento, bancos, exportação (incluindo as taxas por país

comprador), entre outras informações valiosas. Além dos dados da cafeicultura, um dos

capítulos foi dedicado à História política brasileira desde o período colonial até o Império.

Atualmente, Learne é uma referência para estudos de commodities, em especial da economia

cafeeira na segunda metade do século XIX. No Brasil, seus principais leitores foram Sérgio

Buarque de Holanda, citando-o em Raízes do Brasil; Hildete Pereira de Melo, em A O Café e

a Economia do Rio de Janeiro: 1888/1920; Warren Dean, no seu A Ferro e a Fogo, entre

outros.

Na literatura mais contemporânea podemos citar os trabalhos de Topik, Marichal e

Frank, na obra From Silver to Cocaine59, que contribuíram, em um de seus capítulos, com o

debate sobre a inserção do café como commodity na economia global formando uma cadeia de

ligações que vão desde a produção, distribuição e consumo até todos os encadeamentos que

podem dele surgir. Há também o Uncommon Grounds, de Mark Pendergrast, que segue a

tendência da historiografia recente e insere o Brasil como elemento integrado, no século XIX,

aos mercados internacionais.

O café, como anteriormente descrevemos, não é próprio da América. Taunay aponta

como marco a chegada do café no Brasil em 1727.

Para a edição especial do “o Jornal”, de outubro de 1927, escreveu Basílio de Magalhães, eruditíssimo artigo: Quem era Francisco de Mello Palheta, introductor do cafeeiro no Brasil, reconstrução penosa e profunda, de uma biographia até então cheia de lacunas e incertezas.60

O café é uma commodity que, antes da produção em larga escala, característica do

século XIX, era produzida timidamente nas colônias americanas e consumida pelas elites.

Para Pires,

A Cadeia Global do café sofreu importantes mudanças no decorrer do século XIX. Seu espaço social de demanda vinha se transformando substancialmente desde o final do século anterior. De uma bebida exótica de luxo, restrita ao consumo das elites, o café gradualmente foi se incorporando ao crescente mercado de consumo de massa inerente à expansão industrial que vinha sofrendo o centro do sistema

59TOPIK, Steve; MARICHAL Carlos. ZEPHYR, Frank. (ORG.). Op. cit. 60PIRES, Anderson. Op. cit, 2010 p. 283

31

mundial. Esse processo de “comoditização” do café só ocorreu, contudo, devido às suas características físicas como um forte estimulante e o papel que a generalização de seu consumo desempenhou na disciplina e rigidez típicas das linhas de montagem do novo processo de produção.61

Taunay62 descreve detalhadamente a chegada das primeiras mudas ao Brasil ligando-

as a Francisco de Mello Palheta que, em visita à Guiana Francesa, as teria trazido ao Brasil,

episódio que ficou, quase de forma pitoresca, registrado na História. Relata o autor:

“...foi feita a Palheta, em um passeio, durante o qual, sem dúvida chegaram a algum cafezal, onde Ella (Mme. Claude d´Orvillers), para acudir ao desejo que viu luzir nos olhos do militar paraense, apanhou bons punhados de rubras cerejas da rubiácea e lhas metteu num bolso da casaca, ante o sorriso condescendente do marido.”63

É evidente que Taunay aborda, em sua obra, outras discussões sobre a entrada do café

em fronteiras nacionais, mas, por ele, esta seria a mais significativa explicação.

Tanto Taunay (1939)64 quanto Lapa (1993)65 descrevem um Brasil, na primeira

metade do século XVIII, com problemas fronteiriços com a Guiana Francesa. O então

governador do Maranhão, João Maria da Gama, enviou o Sargento-mor Francisco de Mello

Palheta como representante a fim de tratar das negociações. Ao retornar ao Brasil, Palheta

trouxe mudas que foram plantadas no Maranhão e desceram até atingir outras áreas. A planta

se estabeleceu em várias propriedades da colônia.

Em torno de 1800, o café brasileiro começa a ganhar projeções, mas é com a vinda da

Família Real ao Brasil, em 1808, que surgem novas rotas ligando o Rio de Janeiro ao interior

da província a fim de dinamizar o fluxo de abastecimento, já que ocorreu repentinamente um

aumento demográfico com a transferência da Corte portuguesa. Esta situação fez com que se

exigissem não só produtos de primeira necessidade, como também um abastecimento de

produtos de melhor qualidade. Rapidamente, a Coroa providenciou a abertura de rotas de

abastecimento, como a Estrada da Polícia e a Estrada do Comércio. Com a abertura dos

portos, os produtores brasileiros tiveram acesso a um mercado global devido à quebra do

monopólio estabelecido por Portugal. Esses portos não foram só exportadores de

commodities, mas um elemento de entrada de escravos, o que contribuiria para as quedas dos

preços do café ao produzi-lo em larga escala e com mão de obra cativa.66

61PIRES, Anderson. Op. cit., 2007. 62TAUNAY, Afonse. Op. cit . 63Ibidem. 64LAPA, José Roberto do Amaral,. A Economia Cafeeira. 5ª Ed. São Paulo, Brasiliense, 1993. 65Loc. cit. 66Cf. MARQUESE, Rafael de Bivar & TOMICH, Dale. O Vale do Paraíba escravista e a formação do mercado mundial do café no século XIX. IN: GRINBERG, Keila & SALLES, Ricardo (ORG.). O Brasil Império (1808-1889). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, Cap.8, Vol.2 (1831-1870).

32

1.3. A construção do Vale do Paraíba Fluminense como complexo cafeeiro ligado

ao Rio de Janeiro.67

Neste contexto, os caminhos do Vale do Paraíba começaram a se desenvolver no

século XVII, na fase final do processo de mineração nas Minas Gerais, mas vão ganhar força

quando o Vale desenvolve as lavouras de café. Para Novaes68, baseando-se nos trabalhos de

André João Antonil,69a média de viagem do interior das Minas Gerais até o porto do Rio de

Janeiro chegava a trinta dias. Os caminhos tortuosos do Vale do Paraíba Fluminense

superavam, em dificuldades, os caminhos paulistas.

Já nos anos de 1698 até 1704, ainda no período colonial, a Coroa Portuguesa inicia o

processo de abertura do Caminho Novo, que, segundo Novaes70, teria sido usado como

alternativa para proteger as mercadorias dos ataques de piratas e corsários. Foi encarregado

Garcia Rodrigues Paes de abrir o caminho a partir da Fazenda Garcia em direção ao Rio de

Janeiro. Essa rota passou por Vassouras, como demonstra Novaes, indo dos portos de Irajá,

Pilar e Iguaçu; logo depois, rumava serra acima até chegar à Serra do Tinguá (área de

Vassouras). Daí para frente, seguia em direção a Roça dos Alferes (Paty do Alferes), fazenda

Pau Grande, Paraíba do Sul, Paraibuna (Monte Serrat), Rocinha Negra (Simão Pereira),

Matias, a Fazenda Juiz de Fora, Chapéu D´Uvas, Borda do Campo (Barbacena), Registro

Velho e Encruzilhada do Campo, de onde bifurca para Vila Rica e São João d´El Rey.71

67Refere-se aqui à Bacia do Médio Paraíba Fluminense. 68NOVAES, Adriano. Os Caminhos Antigos do Território Fluminense. <http://www.institutocidadeviva.org.br/inventarios/sistema/wp-content/uploads/2008/06/oscaminhosantigos.pdf> acessado em 06 de mar. 2012. 69ANTONIL. Cultura e Opulência do Brasil, publicado em 1711. 70NOVAES. Adriano. Op. cit. p. 61. 71Loc. cit.

33

Mapa 01

Carta Geográfica da Província do Rio de Janeiro, 1858.

Fonte: Fonte: Arquivo Nacional. In: NOVAES, Adriano. Op. cit. p. 60.

Além destes, outros caminhos foram importantes para o desenvolvimento da região e

ficaram conhecidos como as vias alternativas. Em 1723, Bernardo Soares de Proença,

fazendeiro próspero de Suruí, em troca de sesmarias, coordenou a abertura do Atalho do

Caminho Novo ou Caminho de Inhomirim, Caminho de Estrela ou Variante do Proença, que

ia do Cais dos Mineiros (Praça XV de Novembro) até o Porto de Estrela, passando pelas

fazendas da Mandioca, Córrego Seco, Secretário e Vila de Sebolas. Essa estrada deu

34

dinamismo ao fluxo de cargas no Vale do Paraíba Fluminense, vindo, mais tarde, a se

incorporar em outros projetos rodoviários.72

Em 1725, a Estrada Real de Santa Cruz, ligando o Rio de Janeiro a São Paulo, foi

aberta garantindo o transporte de ouro pela região. Em 1750, a Estrada do Rodeio passou a

ligar o Atalho do Caminho Novo ao Rio de Janeiro.

“Construída entre 1813 e 1817 pela Real Junta de Comércio, Agricultura, Fábrica e

Navegação do Estado do Brasil e Domínios Ultramarinos, daí o nome Comércio.”73 Assim

Novaes justifica o nome do novo trecho que passava não só por Vassouras, mas também por

Valença, e cujo objetivo inicial era ligar, por essa rota, os territórios mineiros ao porto do Rio.

Já a Estrada da Polícia tinha um objetivo bem definido: ligar Rio e Minas pelo coração central

do Vale. Passava por Sacra Família do Tinguá, Serra do Mata Cães, Fazenda de José

Rodrigues Alves (Barão de Santa Fé), seguia as margens do Paraíba encontrando a Fazenda

Santa Mônica até Valença e continuava até o Presídio de Rio Preto.74

Quanto ao acesso à terra, havia duas formas de adquiri-las na colônia: na forma de

recebimento de sesmarias (i) por abrir os caminhos para tropas ou por referência à atuação dos

serviços públicos ou (ii) na forma que se definia por homens que por ali passavam e

construíam paragens para os tropeiros, já no momento de flexibilidade da legislação que

impedia a colonização no Vale Médio do Rio Paraíba, uma vez que essas possessões

privilegiavam o abastecimento do mercado interno, visto que era rota de passagem de muitas

mulas para abastecimento e transporte de ouro e mercadorias.75

Mas não podemos deixar de observar que o ritmo da colonização inicial do Vale se

deu a partir da abertura do Caminho Novo. O “certão [sic!] ocupado por índios brabos”76 foi

cortado pela estrada que subia toda a Serra do Mar até o Engenho Pau Grande. O Caminho

Novo era a espinha dorsal de onde surgiram, no Vale do Paraíba, outras ramificações que

compunham a rede que daria suporte à abertura mais intensa de várias propriedades

produtoras.

Fator preponderante no processo de ocupação de Vassouras foi a crise da economia do

ouro em Minas Gerais, já sentida pelos primeiros proprietários que se haviam estabelecido ao

longo do Caminho Novo e na Serra do Tinguá:

72Conferir os trabalhos Novaes, op.cit. e TAMBASCO, J. C. V .A Vila de Vassouras e a Economia do Café: a ascensão e o declínio da cafeicultura no Vale do Paraíba (1833-1888). Vassouras, Edição do Autor, 2010. 73Idem. p. 65. 74Loc. cit. 75STEIN, Stanley. Op. cit, p. 35-6. 76MUNIZ, Célia Maria Loureiro. A Riqueza Fugaz: trajetórias e estratégias de famílias de proprietários de terras de Vassouras, 1820-1890. Tese de Doutorado, UFRJ, 2005. p. 28.

35

(...) os agricultores dependentes do trânsito pelo Caminho Novo, na Capitania do Rio de Janeiro, e em particular aqueles de há muitos anos estabelecidos na região do Tinguá [Serra do Tinguá], também se sentiam atingidos pelos efeitos da decadência das minas, em decorrência da queda do trânsito pela variante da Roça do Alferes. (TAMBASCO & VARGENS, 2007:28.)

Ao longo do século XVIII mais de quatrocentos mil indivíduos, entre paulistas na grande maioria, cariocas, baianos, portugueses, índios e escravos negros, percorreram as perigosas e traiçoeiras trilhas, que uniam o planalto, onde havia a fortuna e também a desgraça para muitos aventureiros.77

Como não havia uma grande tradição de produtividade da terra, aliada ao esgotamento

do mercado internacional do açúcar, que entrara em crise pela produção do açúcar de

beterraba, entre outros motivos, aconteceu que certos fatores produtivos foram liberados para

que uma nova cultura pudesse florescer naquela região: o café. Podemos notar o efeito

prospectivo oriundo da transformação da economia açucareira fomentando a produção de

outros gêneros para o mercado interno e subsídios para o café.

(...) contrato registrado em cartório, em 07 de janeiro de 1794, nos informa de um arrendamento de uma “fábrica de descascar arroz”, que é como se referia, naquela época aos estabelecimentos de beneficiamento desse grão. No presente caso, arrendava-se o estabelecimento e a escravaria ali empregada. Não há informações sobre o porte da atividade, mas os cuidados contratuais, em particular sobre os zelo e manutenção que deveriam ser dados aos escravos, além do valor do arrendamento, 1.600$000 por safra, indicavam a importância do negócio.78

As estradas viriam acrescentar suporte ao processo de desenvolvimento da lavoura79.

Desde o final século XVIII, o Rio de Janeiro viria a ser recortado por uma série de estradas,

consequência de uma elevação da demanda externa via porto da cidade do Rio de Janeiro e do

mercado interno. As estradas eram rústicas, a princípio, mas não impediam o escoamento das

mercadorias diversas com certa eficiência. O sistema era peculiar à colônia, o transporte no

lombo de mulas.

Para escoar a produção crescente do Vale do Paraíba na década de 1820, havia que se ultrapassar os obstáculos da topografia acidentada e da distância dos portos do litoral. Nesse ponto residiu a maior contribuição da economia da mineração para a cafeicultura oitocentista. Em resposta à demanda mineira, elaborou-se, na segunda metade do século XVIII, um complexo sistema de criação e comercialização de mulas que articulava o sul da América portuguesa às capitanias de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, fornecendo o meio básico de transporte para todo o centro-sul da colônia.80

Não era só a questão da mineração, mas todo o comércio livre de mercadorias se fazia

sobre essas bestas, incluindo o café. Os animais eram aproveitados da estrutura de criação já

vigente na região do Vale e no sul do país. As mulas não só resistiam à topografia acidentada

do Vale, com morros arredondados e constantes aclives e declives, mas também à distância 77LAMEGO, Paulo. Op. cit.. p. 31 78TAMBASCO, J. V. C. A vila de Vassouras e as Freguesias do Tinguá. Vassouras: Edição do Autor,. 2004, p.106 79LIMA, Célio de Aquiar. Onde há fumaça há fogo: a influência da economia cafeeira na construção da estrada de ferro Pedro II: 1855-1889. Dissertação de Mestrado, USS, Vassouras, 2007. 80MARQUESE e TOMICH. Op. cit, 2008. p. 17

36

percorrida até os portos no Rio de Janeiro, em especial nas fases mais tardias da produção de

café. Essas áreas se encontravam mais a oeste devido ao desgaste do solo. Em resumo, as

trilhas tornavam-se impraticáveis se não fossem a toque das mulas.

O percurso legado à cafeicultura, pela cana e pelo comércio interno de produtos, se

dividia em três opções: o Caminho Novo, a Estrada do Leste e a Estrada do Oeste. A mais

importante era a primeira, com um fluxo de mais de duzentas mulas diárias, na metade do

século XIX.81 Esta ligava o litoral a Minas. A Estrada do Leste partia da Praia Grande até a

Guanabara e percorria Inhomirim até Iguaçu. Já a Estrada do Oeste estendia-se de São

Cristóvão em direção à Guaratinguetá, passando por Bananal e Areias. Em 1720, abriu-se

uma nova trilha em direção a São Paulo, a partir do Caminho Velho.

A partir de 1740-1750, a serra do Mar era vencida, na sua porção fronteira à Itaguaí, em direção a São João do Príncipe e, daí, em direção à Bananal, formando uma nova variante para a viagem por terra, para a Capitania de São Paulo”82

Essa estrada tinha dupla função. Inicialmente, garantia a entrada de mulas para o

interior do Rio, via São Paulo, além de servir posteriormente à penetração do café em terras

paulistas. No complexo de estradas abertas pela ocupação das fazendas canavieiras e de

produção para o mercado interno, a variante do Proença, uma estrada secundária no complexo

do Caminho Novo, passava pela Serra do Couto até a região da Sacra Família do Caminho

Novo do Tinguá e de Paty de Alferes. Essas estradas estariam dando suporte a todo futuro

complexo de redes de escoamento do café de Vassouras.83 Logo no início do século XIX, o

conselho da Real Junta de Comércio, criada em 1788, mandou construir novas vias de

comunicação pela região do Médio Paraíba. É neste contexto que surgem a Estrada Real, a

Estrada do Comércio e a Estrada da Polícia, cortando o que antes eram as Áreas Proibidas.

81TAMBASCO, J. V. C. Op. cit, 2004, p. 134 82TAMBASCO, J. V. C. A Vila de Vassouras e o Vale Médio do Paraíba. Vassouras: Edição do Autor, 2007. p. 136-7 83Vassouras teve origem através da doação da Sesmaria no “sertão da Serra de Santana, Mato Dentro por detrás do Morro Azul" (posterior Sesmaria de Vassouras e Rio Bonito), doada para Francisco Rodrigues Alves e Luis Homem de Azevedo em 5 de outubro de 1782. (Cf. TAMBASCO, J. V. C. Op. cit. 2004)

37

Mapa 02

Carta Geográfica da Província do Rio de Janeiro, 1858.

Fonte: FERREIRA, Luiz Damasceno. História de Valença. Valença, Gráfica Valença, 1978. p.8.

Pelo mapa traçado em 1808 por Ignácio de Souza Werneck, nota-se a inexistência de

estradas de suporte ao escoamento da produção de larga escala (estrada carroçável). As redes

que compõem o sistema viário aos portos de Pilar e Iguaçu trafegavam pelo Caminho do

Azevedo, Caminho do Tinguá, Caminho da Aldeia ou Caminho do Werneck e ligavam-se ao

Caminho Novo. Era exatamente através dessas rotas que a Zona da Mata Mineira escova sua

produção e por elas também vinham capital e colonos para o povoamento da região.

Dessa forma, a produção mineira e seu escoamento no porto do Rio de Janeiro vão

tornando viável o processo de ocupação e de desenvolvimento no Vale Médio do Rio Paraíba

e as transformações nos níveis de exploração econômica da região. As estradas, muitas vezes,

se abriam pelo capital agrário acumulado nas etapas produtivas anteriores. Em 1811, com o

desenvolvimento, no Vale, da lavoura de cana-de-açúcar, da tímida lavoura de café e dos

demais produtos, iniciou-se a construção de um novo complexo de escoamento, a Estrada do

Comércio, sob a responsabilidade de Custódio Ferreira Leite e Francisco Leite Ribeiro.84

Devido à sua construção com boa largura carroçável e áreas protegidas com paredões de

84A construção da Estrada do Comércio foi incentivada pela Real Junta de Comércio, Agricultura, Fábrica e Navegação. Para Tambasco (2004, p. 147) seu nome deriva da própria Junta. Já para Stein (1990, p.34) ela deriva de uma região de Vassouras denominada Commercio.

38

pedras para evitar desmoronamento, origina-se o marco que encerraria a era das trilhas,

picadas e rotas de mulas.

A outra estrada de relevância na região era a Estrada da Polícia, aberta para proteger o

país nas suas fronteiras ao Sul e proporcionar um meio de transporte para o comércio de gado

e de mula provenientes desta região, como também para propiciar as ligações com o Rio de

Janeiro para escoamento de mercadorias de exportação. Essa estrada garantiu um aumento de

fluxo na região do Vale Médio do Paraíba, o que incentivou, vistas as condições de estrutura,

o assentamento de pequenos agricultores e meeiros que contribuíram para o alargamento da

produção destinada ao mercado interno e externo. As relações que se estabeleciam na grande

propriedade açucareira no Vale agora dividiam o espaço com uma série de pequenos

produtores.85 A nova estrutura de estradas carroçáveis gerou uma nova realidade. Estes

pequenos agricultores, surgidos das condições que se abriram no início do século XIX,

juntamente com os tradicionais latifundiários fomentariam a rede de abastecimento, transporte

e financiamento do complexo econômico da região.

As lavouras de café foram subsidiadas por uma infraestrutura preexistente no Vale,

gerando os efeitos de encadeamento. As estradas estreitas e as carroçáveis abertas pelo

escoamento de ouro e de produtos agrícolas para a cidade e os portos do Rio de Janeiro

favoreceram a entrada de colonos, alguns com capital da própria lavoura canavieira e da

mineração, que investiram no início da lavoura cafeeira da região. Em relação à Vassouras:

Famílias mineiras aí se estabeleceram e investiram capital acumulado na mineração. Assim a lavoura de café do Vale coincide com a decadência das minas de ouro em Minas Gerais. Os futuros fazendeiros, recebendo grandes doações de terra da Coroa em forma de sesmarias, construíram uma ou mais fazendas.86

Essas características próprias deram à região uma vantagem como commodities, pois o

solo, a mão de obra, a característica peculiar do café, as montanhas em “meia laranja” e as

disponibilidades creditícias, características no Vale, em pouco tempo combinar-se-iam para

ganhar os mercados internacionais, influenciar os preços globais e complementar

significativamente uma ampla rede de produção, negociação e distribuição do café no

mundo.87

85TAMBASCO, J. C. V. Op. cit, 2004. p. 154. 86ALMEIDA, Ana Maria Leal. Famílias de Elite: Parentela, Riqueza e Poder no Século XIX. Artigo Científico, Vassouras: Universidade Severino Sombra. 2010. p. 04-5 87O termo aqui utilizado refere-se à rede de commodities desenvolvidas à partir da inserção de produtos de baixo valor agregado, mas que foram importantes pois desenvolveram redes mundiais de comércio. TOPIK, Steve; MARICHAL. Carlo, FRANK, Zephyr. Op. cit. p. 02

39

Já no final do século XVIII, ocorreram importantes mudanças na estrutura da

Província do Rio de Janeiro. Tambasco afirma que essas mudanças ocorreram na própria

transferência da sede do Vice-Reino do Brasil, que teria sido palco para o desenvolvimento de

um “rápido crescimento das transações comerciais de exportação pelo porto do Rio de

Janeiro...”88. Ainda para o autor, o período que cobre de 1775 a 1805 é muito favorável para a

expansão da agricultura. Nesta data, o açúcar aumenta 300% no volume de exportação e

500% no valor da exportação. A mesma realidade é observada nos grãos e a província passa a

ser exportadora de arroz89. Esse favorecimento teria condicionado o aumento demográfico na

província; além disso, os índices de exportação e valorização dos produtos agrícolas no

período estimularam a colonização no interior da Capitania. Outro fator seria apontado por

Stein90 como a decadência da exploração aurífera das Minas Gerais, o que levaria à

liberalização do processo de colonização pela coroa portuguesa no século XVIII. Assim, o

autor demonstra que:

Os novos rumos dos acontecimentos atuaram no sentido de completar o povoamento de Vassouras... o esgotamento das minas do norte, a expansão do cultivo do café em direção aos terrenos elevados do Vale do Paraíba e a eliminação de um pequeno grupo de índios coroados onde agora está situada Valença, na margem norte do Paraíba.91

Isso soma essa conjuntura a alguns pontos do trabalho de Fragoso92. A mudança da

sede administrativa do Vice-Reinado do Brasil, em 1763, para o Rio de Janeiro, deslocou o

processo de ocupação aumentando consideravelmente as atividades sócio-econômicas na

capital da província e, em especial, no porto do Rio de Janeiro gerando o fortalecimento da

burguesia comercial e financeira daquela área.93 Os “homens de grosso trato”, como eram

chamados, introduziam escravos, ajudavam na oferta de créditos na colônia e redistribuíam ou

exportavam produtos do interior. Essa dinâmica da praça comercial do Rio de Janeiro com o

interior – em especial com a província de Minas Gerais - favoreceu o desenvolvimento das

áreas do Vale, em especial, de Vassouras.

As estradas abertas na primeira metade do século XIX dariam suporte ao escoamento

do café do Vale (ou, por que não, do Brasil, já que a maioria estaria concentrada nas áreas do

Rio de Janeiro, da Zona da Mata e do Vale do Paraíba), durante o século XIX. Através delas,

88TAMBASCO, J.C.V. Op cit, 2007. p. 26. 89Idem, p. 27. 90STEIN, Stanley. Op. cit, 1990. p. 31-2. 91Ibidem, p. 33. 92Cf. FRAGOSO, João. Op. cit. 2001. 93FLORENTINO, Manolo e FRAGOSO, João. Homens de Grossa Aventura. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1998.

40

mercadorias iam e vinham do interior ao porto, assim como se fazia, por elas, um fluxo de

capital e créditos.

O café só começa a ter uma projeção nos mercados internacionais a partir do século

XIX, quando alcança a província do Rio de Janeiro. Graças às condições típicas das serras

fluminenses, a cultura tímida que chega ao Vale disputando espaço com as plantações de

cana-de-açúcar, rapidamente foi assumindo a infraestrutura de muitas propriedades

canavieiras e incorporando sua tradição agrária, como a mão de obra escrava e técnicas

agrárias94.

Com as mudanças internacionais do século XVIII, a posição das exportações

brasileiras começaram a sofrer alterações. Entre 1791 e 1807, houve quedas graduais na

produção cubana (abaixo de 1000 toneladas), mas esta se recuperou até 1821, chegando à

marca de 10.000 toneladas anuais95. Entre 1820 e 30, os preços internacionais do café caíram

e Cuba, Jamaica e Java dominavam o cenário mundial de países exportadores. Para

Marquese,96 o café brasileiro se equiparou ao das grandes regiões cafeicultoras do Globo.

Segundo o mesmo autor, esse quadro se ampliava gradualmente.

Gráfico 01

Exportação do café brasileiro (1787-1833) em toneladas.

Fonte: MARQUESE, R; TOMICH, D. Op. cit. p. 355-356

94Idem, p. 18. 95MARQUESE. Rafael Bivar; TOMICH, Dale. Op. cit. p. 360 96Idem. p. 341.

400 15006100

13500

67000

0

10000

20000

30000

40000

50000

60000

70000

80000

1797-1811 1812-1816 1817-1821 1822-1823 1833

41

Marquese ainda aborda que as quedas de preços internacionais acabaram por provocar

um ganho aos cafeicultores entre 1827 e 1830 graças à desvalorização do câmbio.97 Não se

pode esquecer, como já foi abordado, outros fatores que foram importantes para a composição

deste quadro de crescimento, como a geografia do Vale, as matas preservadas garantindo a

fronteira aberta, as estradas e picadas abertas no eixo Minas - Rio e os ancoradouros naturais

dos rios. Essas condições garantiram a “montagem de fazendas com escala inédita de

operação”98.

Entre 1831 e 1833, o Brasil passa a ter um crescimento acelerado na exportação de

café, o que o coloca como o seu principal exportador.99 Entre 1843 e 1846, há uma brusca

queda na exportação cubana e jamaicana; em contrapartida, o café brasileiro eleva sua

exportação distanciando-se dos demais países100. Entre variações de crescimento e quedas

conjunturais, há uma tendência de crescimento de exportações do café brasileiro enquanto os

demais países exportadores ou declinaram ou apenas se estabilizaram, sem qualquer alteração

significativa em relação ao panorama internacional.

Para Topik,101 o Brasil não se limitou a responder a demanda mundial, mas ajudou a

criá-la através da produção de café bastante barato para torná-lo acessível para os membros da

América do Norte e da classe trabalhadora da Europa.

As mudanças sofridas pela economia mundial como, por exemplo, as revoluções

industriais ou as independências americanas - que geraram uma nova dinâmica comercial com

o fim dos exclusivismos de determinados países monopolistas -, as novas formas de transporte

terrestre ou naval, os conglomerados financeiros do século XIX, entre outros fatores, levaram

às sociedades escravistas americanas a uma necessidade de aumentar a produtividade de suas

atividades exportadoras sob o risco de serem completamente retiradas dos mercados

internacionais.

Nesse movimento, os destinos do sul dos Estados Unidos, de Cuba e do Brasil – cada qual se especializando na produção escravista, em larga escala, de algodão, açúcar e café – entrelaçaram-se de modo estreito. Em cada uma dessas novas fronteiras da mercadoria surgiram unidades produtivas

97MARQUESE, Rafael Bivar; TOMICH, Dale. Op. cit. p. 360. 98Idem, p 358. 99LEARNE, C. F. Van. Delden. Brasil and Java: Report on Coffee - culture in America, Asia and Africa (1185). London, W.H. Allne, 1885. p. 253-315. 100Idem. Análise do gráfico do autor . p. 360. 101TOPIK, Steve apud PENDERGRAST, Mark. Op. cit. p. 21. “Brazil did not simply respond to world demand (...) but helped create it by producing enough coffee cheaply enough to make it affodable for members of North America´s and Europe´s working class”.

42

escravistas com plantas inéditas, cujas combinações de terra, trabalho e capital romperam com os padrões anteriormente vigentes no mundo atlântico.102

Para manter-se no mercado, o Brasil, e em especial o Vale Médio do Paraíba

Fluminense, organizou suas produções extremamente especializadas nesse mercado. As

plantations escravistas assumiram proporções maiores, mas, acima de tudo, a escravaria

aumentou em tamanho e se tornou mais concentrada nas mãos dos cafeicultores mais ricos. O

tipo de café mais barato constituía outra estratégia para um mercado recente: atingir a classe

mais baixa da população mundial.

Quanto ao problema da escravidão, alguns trabalhos têm mudado a forma de se

entender o século XIX, como é o caso das reflexões de Dale Tomich103, que, ao demonstrar o

acirramento do processo escravocrata no Brasil, Cuba e Estados Unidos durante aquele

século, evidenciou a própria contradição ao que, até então, se pensava no “fim do processo

escravista” em detrimento à nova ordem mundial. Dentro desta perspectiva, Tomich cria o

conceito de “Segunda Escravidão”, uma estrutura escravocrata do século XIX, na América,

diferente em relação aos séculos anteriores. Diferente porque, enquanto países livres, Estados

Unidos, Brasil e Cuba – enquanto colônia em processo de libertação – tinham, como

objetivos, a inserção no mercado internacional como nações independentes. O processo dessa

inserção se teria dado pelo acirramento da escravidão, segundo o autor.

As transformações internas ocorridas na política norte-americana, em especial a

expansão americana sobre a Louisiana e as invenções como o “Clermont”, de Robert Fulton,

que dinamizaram o transporte sobre as áreas de produção norte-americanas, ampliaram a

capacidade de exportação em momentos de crescimento das economias mundiais.104

Além disso, com a atuação do Império Napoleônico sobre os países ibéricos, houve,

segundo Marquese105, um fortalecimento das elites estabelecidas na América, em especial

Cuba, como também, no caso do Brasil, a transferência do sistema de poder para a colônia

elevando-as como centro de decisões políticas.

Em 1830, a Inglaterra aumenta suas pretensões antiescravistas através de uma série de

medidas dentre as quais evidencia o autor,

102

MARQUESE, Rafael Bivar. O Vale do Paraíba cafeeiro e o regime visual da segunda escravidão: o caso

da fazenda Resgate. Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. v.18. n.1. p. 83-128. jan.- jul. 2010. p. 84. 103MARQUESE, Rafael Bivar. PARRON, Tamis Peixoto. Internacional escravista: a política da Segunda Escravidão. Topoi, v. 12, n. 23, jul.-dez. 2011, p. 97-117. 104ROBERTSON, W. S. Os Estados Unidos da América do Norte de 1789 aos dias atuais. In: LEVENE, Roger. (org.) P. História das Américas. São Paulo, Editora Brasileira, 1965, vol XII. p. 03-339. 105MARQUESE, Op. cit. 2011. p. 100.

43

(...) a Grã-Bretanha intensificou seu papel de protagonista mundial do antiescravismo na década de 1830. A radicalização do movimento antiescravista britânico (com a passagem da plataforma de libertação gradual para a da emancipação imediata), a abolição da escravidão nas West Indies (com o início do processo de aprendizagem aprovado em agosto de 1833) e a fundação da Sociedade Americana Antiescravista em dezembro de 1833 geraram duras reações dentro dos Estados Unidos.106

Já em Cuba, a superação dos conflitos entre escravistas e antiescravistas se deu por

conta de questões políticas em relação ao absolutismo do rei espanhol, culminando com o

resultado de unificação de forças contra a Inglaterra. No Brasil, essa superação se deu

lentamente a partir de acordos com o poderio britânico desde o processo de independência

que visavam conter o tráfico e abolir a escravidão. Algumas leis no Brasil começaram a tentar

minimizar o processo, como foi o caso da lei de 07 de novembro de 1831, que resultou na

proibição do tráfico e na libertação de africanos que desembarcassem no país. Quatro anos

depois, os Saquaremas iniciaram um combate ao antiescravismo nos seus discursos políticos

apoiados pelos cafeicultores do Vale do Paraíba. A ascensão dos Saquaremas garantiu a

continuidade e o aprofundamento do tráfico transatlântico de escravos. Em 1840, mais de

300.000 cativos desembarcaram ilegalmente no país, 60.000 a mais que na década anterior.107

Em 1842, findavam os pactos comerciais entre Brasil e Inglaterra. Esta última exigiu a

inserção de leis abolicionistas em troca da manutenção dos privilégios do açúcar caribenho.

As reações foram imediatas e vários parlamentares chegaram a afirmar que a Inglaterra não

nos poderia retaliar como fez com a China por supor que o Brasil teria apoio tanto dos

Estados Unidos quanto da França.108 De certa forma, havia, no Brasil, um vínculo no discurso

político que pode ser refletido nas ideias do Marquês de Paraná, em 1845, que relacionava a

destruição da instituição escravista com a própria destruição da sociedade brasileira.109 A

partir de 1850, com a decretação do fim do tráfico de escravos no país, houve um aumento

substancial no tráfico interno de escravos, o que acarretou a sua manutenção.

A tensão internacional teria sido superada por essas três regiões distintas, mas que

tinha em comum a manutenção do regime escravista:

Até os anos 1830, portanto, esses espaços criaram marcos legais e amplos acordos domésticos para enfrentar os desafios associados a impasses locais e ao sistema interestatal regulado pela Grã-Bretanha. Cada país mirou, sem dúvida, os eventos ocorridos nos outros lugares e incorporou as experiências anteriores num processo de aprendizagem cumulativa, mas não há evidências explícitas de apoio entre eles no plano internacional.110

106Idem, p. 101. 107MARQUESE, Rafael Bivar. Op. cit. 2011. p. 104. 108Idem, p. 107. 109Idem, Op. cit, 2011. 110Idem.

44

A expansão do café gerou riqueza no Vale do Paraíba Fluminense definindo a

autoridade dos fazendeiros junto à burocracia governamental que daria estabilidade e

sustentabilidade ao Império Brasileiro111. Para Salles112 esses cafeicultores ainda se dividem

em dois grandes segmentos, os que vão se aproximar do Estado pelos meios políticos e por

influências indiretas e os que vão se dedicar exclusivamente à lavoura. Melo113 alerta que o

café foi uma resposta positiva ao Ato Adicional de 1834 que separou a cidade do Rio de

Janeiro da região fluminense. Essa criação teria concentrado o sistema administrativo, os

portos e o centro mercantil, político e cultural e a produção do café no Vale da Província

equilibraria esse efeito sobre o território.

Melo ainda apresenta o resultado dessa concentração em renda per capta pelas

províncias:

Tabela 01

Renda Per Capita das Regiões Brasileiras – 1872.

Em libras Índice Rio de Janeiro=

100% Norte 3,3 19%

Nordeste 4,3 25% Pernambuco 12,1 71%

Leste 12,3 72% Bahia 4 24%

Rio de Janeiro e Minas 17 100% Sul 3,1 18%

São Paulo 3 18% Centro-oeste 0,5 3%

Fonte: MELO, Hildete Pereira. Op. cit. p. 45

A renda per capita do Rio de Janeiro e de Minas Gerais (segundo a autora, Minas se

ligava ao complexo exportador do Rio de Janeiro), supera as dos demais estados pela

dinâmica da exportação cafeeira.

A produção do Vale voltava-se ao porto do Rio de Janeiro, por isso Melo chama esse

fenômeno de Zona Rio114, que é a zona de influência mercantil que o Rio de Janeiro faz sobre

outras áreas de produção ao seu entorno, a saber, o Vale do Rio Paraíba Fluminense e também

111MELO, Hildete Pereira. O Café e a Economia do Rio de Janeiro: 1888/1920. Tese de doutorado, UFRJ, 1993. 112SALLES, Ricardo. E o Vale era o Escravo. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2008 113MELO, Hildete Pereira. Op. cit. p. 43-5 114O termo teria sido inspirado nos trabalhos de C. F. van Delden Laerne, op. cit. 1885.

45

a Zona da Mata Mineira. Essa zona de influência, segundo Melo, correspondia a uma área de

155.000km quadrados tendo, como referência, a estrutura portuária da capital da província.

Esse espaço definia-se no Vale do Paraíba Fluminense115. Os dados extraídos de Delden

Learne mostram que, em 1880, estavam plantados nessa região 700.000 hectares de café que

eram exportados pelo porto do Rio de Janeiro. Só nas fazendas da Província do Rio estavam

produzidos mais de 254.000 hectares e, especificamente no Vale, esse índice é pouco maior

que 149.500 hectares. De acordo com Learne, o Vale supera, em 1883, a produção das demais

regiões da província.

Tabela 02

Quadro de características econômicas das fazendas da Província do Rio de Janeiro em

1883

DISTRITO Número

de Fazendas

Tamanho da fazenda em hectare

Número de arbusto

Número de

escravos

Valor dos escravos em

mil-réis

Valor das fazendas em

mil-réis

TOTAL 360 254.221 50.432.020 18.885 22.855.995 26.668.693

Vale do Paraíba

216 149.833 37.810.543 11.975 13.763.400 186.84.706

% em relação às demais regiões da

Província do RJ.

60 59 75 63 60 70

Fonte: Tabela adaptada de LEARNE, C. F. V. D. Op cit. p. 218-219.

Ao observarmos o Gráfico 02, percebemos que, pela importância econômica, as

fazendas de café do Vale acabaram se tornando mais valorizadas na segunda metade do

século XIX que as demais fazendas de açúcar ou mistas, como também em relação às

fazendas de fora dessa região. Logo, o Vale se tornava uma das principais regiões produtoras

do país por, pelo menos, por 90 anos.

115MELO, Hildete Pereira. Op. cit. p. 74.

46

Gráfico 02

Valor das fazendas de café da Província do Rio de Janeiro em 1883. (valor em mil-réis)

Fonte: Gráfico confeccionado à partir dos dados de LEARNE, C. F. V. D. Op. cit. p. 218-219.

O desenvolvimento da cultura do café e seu ápice foram possíveis por características

peculiares do Vale. Para Gileno de Carli116, o Rio Paraíba do Sul tem um “sentido mais

civilizador de todos os rios. O grande rio foi o motivo de duas culturas, que no tempo

porfiaram numa posição de destaque na economia brasileira... cortando as ondas dos cafezais

e depois a baixada dos canaviais”. Para Saint-Hilaire117, o Rio Paraíba era uma forma de

transporte explorada como alternativa na relação entre capital e interior, facilitando o

abastecimento e exportando mercadorias.

Depois de se estabelecer nas áreas litorâneas, plantadas em lugar que antes a mata fora

derrubada para produção de carvão, o café toma os morros que o Paraíba do Sul corta. Para

Learne118, a “Serra Acima” representa um platô além das terras costeiras distribuídas em vales

que garantem a peculiaridade da produção de café desta região. Esse platô é o berço e a

estrada do Paraíba. No serpentear do rio e no plantio do café no Vale Médio, várias cidades

iam surgindo como Vassouras, Barra Mansa, Valença, Paraíba do Sul e Resende, que

mantiveram, em todo período imperial, o café como principal fonte de renda.119

O auge do período da produção no Vale Médio do Paraíba foi entre 1830 a 1880

quando, segundo Melo, “O cultivo era o negócio mais lucrativo do Império e o Vale do

116Gilenodi Cari apud MELO, Hildete Melo. Op. cit. p. 74. 117Saint-Hilaire apud MELO, Hildete Melo. Op. cit, p. 74. 118LEARNE, C. F. V. D. Op. cit. 263-4. 119MELO, Hildete Pereira. Op. cit. p. 97.

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2000000

4000000

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10000000

12000000

14000000

Açúcar Café Café / Açúcar Café Café / Açúcar

outras regiões do RJ Vale do Paraíba

47

Paraíba do Sul foi, por excelência, a terra do café...”120 A família Werneck foi a principal

cafeicultora no início da colonização desta região em especial. Os inventários e cartas da

família Werneck apontam para uma safra de café de 3$000 contos em 1813 e em 1818

apontam para três mil pés de café de sete anos por 6.000$000121.

Segundo Machado122, havia uma intensa luta por terras nos primeiros anos da

colonização, o que resultou em uma série de pendências jurídicas que só começaram a se

resolver por uma ordem de D. Pedro I, que determinou a medição das propriedades e a

demarcação de cada limite. Ainda assim, essa atitude do Imperador foi muito pouco efetiva na

resolução das pendências jurídicas em relação à terra, mesmo quando ele decidiu extinguir, na

região do Vale do Paraíba, a concessão de sesmarias, em 1823. Muitas vezes, a situação se

resolvia fora dos tribunais, com jagunços geralmente contratados por latifundiários. Esse

conflito vai se arrastando até a Lei de Terras, de 1850, que legitimou as sesmarias e garantiu o

preço da terra. Esse embate remeteria ao conceito de Wakefiled, que dizia que a região que

facilitava o acesso à terra não conseguiria captar trabalhadores livres, por isso deveria recorrer

à escravidão. Essa característica fundamentou a organização fundiária no Vale: os grandes

latifundiários se estabeleceram na produção em escala ampla, voltada ao complexo cafeeiro

exportador, e os posseiros menos influentes se estabeleceram em pequenas propriedades

dedicadas ao abastecimento local. A terra concentrou-se e os conflitos diminuíram depois da

aprovação da Lei. O café se alastrava e ganhava mercados internacionais.123

Vale ressaltar que a geografia de Vassouras resulta de movimentos geológicos que

geraram a depressão característica do Vale do Paraíba. Tal fenômeno estendeu-se por uma

larga faixa de território compondo uma região protegida por serras e, ao mesmo tempo, com

terrenos acidentados que, pela a ação dos ventos, se desgastou formando morros redondos.

A região fluminense, entre Resende e Pati do Alferes, provavelmente no mesmo momento do tectonismo referido, intrusões de magma granítico preparariam um futuro leito fluvial, com bruscas mudanças de direção, meandros caprichosos e alguns encaichoeiramentos de corredeiras.124

A riqueza mineral do solo, o clima de temperaturas elevadas, o solo, de maior

profundidade, rico em salitre e argila, formaram a área adequada para a produção de açúcar e,

posteriormente, o café. Para Tambasco,

120Ibidem. p. 84 121MACHADO, Humberto. F. Escravos, Senhores & Café. Niterói, Cromos, 1993. P. 32-3. Associado às informações dos documentos dos Werneck no Centro de Documentação Histórica de Vassouras. 122 Ibidem, p. 78. 123 Ibidem, p. 33-6. 124 TAMBASCO, J. C. V. Op. cit. 2010. p. 22-3.

48

No Brasil, as culturas homogêneas, arbustivas e permanentes, como a do café, não se desenvolveram fundadas em experiência agrícola herdada do século XVIII, nem se beneficiaram das práticas portuguesas do cultivo das vinhas e olivais.125

Essas plantations foram sendo desenvolvidas através de um aprendizado próprio do

cultivo que ganhou força nas “encostas do recôncavo da Guanabara”126 e por ali subiu a serra

até alcançar as terras do Vale Médio do Rio Paraíba.

Já no início da década de 1870, o Brasil produzia aproximadamente quatro milhões de

sacas de café,127 sendo que 75% dessa produção se concentraram na região fluminense. A

evolução era nítida em relação ao Vale durante o século XIX, garantida pelo crescimento do

mercado externo e pela alta de preços da saca de café. Para Sebastião Ferreira Soares,

responsável pelas Notas Estatísticas sobre a Produção Agrícola e Carestia dos Gêneros

Alimentícios no Império do Brasil, 1860:

Desde que o café produzido no Brazil começou a encontrar maior número de consumidores nos mercados europeos, e por essa causa a ser mais procurado nos do paiz, o seu preço, seguindo a lei da demanda, se elevou por fórma tal, que induzio os produtores a fazer a sua cultura em maior escala; e como o lucro proveniente das colheitas era animador, os grandes lavradores de café só de cultiva-lo se occuparão, abandonando em grande parte até a cultura dos gêneros necessários para a alimentação dos seus trabalhadores, e, sem calcularem com as provisões do futuro, ávidos fixarão suas vistas nos vantajosos lucros que obtinhao no presente; e nem ao menos refletirão que, deixando de produzir aquelas espécie se tornavão somente consumidores e concorrentes do mesmo mercado, para onde até então mandavão o excedente do seu consumo, do que infalivelmente teria de resultar a subida dos preços dos gêneros que deixavão de produzir, os quaes se iriao se elevando n´uma tal razão que afinal tenderiao a absorver os lucros provenientes da única lavoura preferida.128

Os índices obtidos neste documento mostram uma evolução tanto na produção quanto

no preço da arroba de café na primeira metade do século XIX, de acordo com a tabela a

seguir. Tivemos um aumento de cerca de 75% na produção em arrobas e de 139% no valor

total da produção.

Tabela 03

Evolução da Produção Fluminense de Café - 1839-1857

Ano Produção em arroba Valor total da produção

em réis

1839-1844 5.693.037 18.371:430$399

1852-1857 9.997.868 43.990:619$200 Fonte: SOARES, S.F. Notas Estatísticas sobre a Produção Agrícola e Carestia dos Gêneros

Alimentícios no Império do Brasil. Rio de Janeiro, J. Vileneuve e Companhia, 1860. p. 20.

125 Ibidem, p. 26. 126 Ibidem. 127 Ibidem, p. 29. 128 SOARES, Sebastião Ferreira. Notas Estatísticas sobre a Produção Agrícola e Carestia dos Gêneros Alimentícios no Império do Brasil. Rio de Janeiro, J. Vileneuve e Companhia, 1860.p. 19.

49

Para Melo, “O café seguiu os passos da lavoura canavieira nas terras do Rio de

Janeiro, começando nos arredores da capital, aproveitando a estrutura de plantação

existente”.129 São fundadas várias fazendas de exploração do açúcar na região, estabelecendo-

se como núcleos de povoamento. Em Vassouras, os latifúndios canavieiros foram as fazendas

Pau Grande, Secretário e Ubá. Como não havia uma grande tradição de produtividade da

terra, aliada ao esgotamento do mercado internacional do açúcar que entrara em crise, entre

outros motivos, pela produção do açúcar de beterraba, não havia mais sentido o investimento

nesta commodity nas áreas do Médio Vale do Paraíba Fluminense. Logo, certos fatores

produtivos foram liberados para que uma nova cultura pudesse florescer naquela região.

Um fator relevante dentro da teoria do efeito de encadeamento está no fato de que a

escravidão se ampliou – e intensificou – com a produção do Vale. A escravidão não nasce,

como já foi abordado anteriormente, por causa da cafeicultura, ou seja, não foi a lavoura

cafeeira que criou a escravidão, muito menos o seu tráfico atlântico, mas, sem sombra de

dúvida, o crescimento do mercado consumidor do café no século XIX não só aumentou como

intensificou os mecanismos de reprodução deste modo de produção.

Escravizar era colocar sob um determinado regime de trabalho compulsório estranho

um indivíduo que, dele, não iria usufruir de nada ou de quase nada. Essa forma de

organização produtiva é comumente chamada de “modo de produção” e teve, em Karl Marx,

seu maior expoente.130 Esse modo de produção envolve os movimentos transatlânticos de

comércio e a distribuição interna dessas mercadorias especiais.

O Modo de Produção Escravista, entre todos os que encontramos ao longo da História da Humanidade, tem como peculiaridade o fato de não se ter consolidado pela interação continuada e consentida dos sujeitos históricos da produção, mas a eles imposto por uma classe dominante e em contextos históricos específicos.131

Por ter estas características, o escravismo torna-se, por natureza, um modo de

produção de alta concentração de riquezas. Longe de ser “novidade”, seu tráfico funcionou

através da atuação de comerciantes portugueses e, depois, de colonos do Brasil e entrou no

Império em momento de pressões internacionais contra sua permanência instituída.

Ao mesmo tempo, havia um novo sentido para o escravismo do Império e, nesse

contexto, estava inserido o Vale do Paraíba e, consequentemente, Vassouras. Logo, uma nova

análise pode ser desenvolvida a partir da ideia que nos apresenta Tomich e Marquese. As

129MELO, Hildete Pereira. de. A Zona Rio cafeeira: uma expansão pioneira. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, v. 4, n. 3 (número especial), ago/2008, Taubaté, SP, Brasil. p. 51 130TAMBASCO, J. C. V. Op. cit., p.105. 131Ibidem, p.106.

50

commodities chains dinamizaram o comércio internacional e parecia que este teria sido criado

unicamente para elas, para o gozo de sua circulação e alcance entre produtores e

consumidores. Porém, parece inconcebível entender o volume de produção alcançado no

século XIX sem entender o desenvolvimento das forças que produziram esse fenômeno

econômico. Entre 1820 e 1835, ocorreram abruptas quedas no preço do café no mercado

internacional que repercutiram positivamente nos ânimos dos cafeicultores do Brasil. (ver

gráficos 03 e 04, seguintes)

a desvalorização cambial favoreceu claramente os exportadores. A série de Luna e Klein se encerra em 1830; a de Nova Iorque, por outro lado, indica alta de quase 30 % nos preços pagos em dólares entre 1830 e 1835. Os índices das exportações brasileiras encontram notável correspondência com esses preços: a produção cresceu sensivelmente nos anos de 1826 a 1828, fruto de cafezais que foram plantados antes de 1823, quando os preços estavam em alta; de 1828 a 1830 (cafezais plantados entre 1824 e 1826, preços externos e internos em baixa), a produção estacionou em torno de 27.000 t; de 1831 a 1834 (cafezais plantados entre 1827 e 1830, preços externos estacionados, mas os internos em alta), saltou de 32.940 t para 67.770 t.132

Gráfico 03

Preço Médio 1821-1880 (Valor de importação do EUA em Dolar)

Fonte: BACHA, Edmar; GREENHIL, Robert. Op. cit. p. 333-4

132MARQUESE, Rafael Bivar; TOMICH, Dale. Op.cit. 355-356.

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Preço Médio Import. …

Preço Médio 1821

Fonte: BACHA, Edmar; GREENHIL, Robert.

A partir de 1840, Vassouras já exporta em larga escala atingindo o apogeu e, por volta

de 1861 a 1865, consolidou definitivamente o

As sedes das fazendas passaram a refletir a ascensão da produção em larga escala e a

comunidade, agora privada do mercado externo e obrigada a se desprender do tráfico

internacional de escravos, voltava

coloniais. Nas palavras de Salles,

O patriarcalismo e o paternalismo, nas novas condições demográficas e sociais resultantes da extinção do tráfico internacional de cativos, pareciam então, estar perto de moldar uma comunidade escrava mais estável, centrada nacrioulização dos plantéis, no maior equilíbrio em sua composição sexual e etária, no aumento do número de famílias estáveis, na disseminação do cultivo de roças familiares.

Logo, Vassouras despontava rumo ao crescimento e, para Stein,

estrutura geral movimentaram a segunda metade do século XIX na cidade. A retração do

tráfico atlântico se reverteu para o mercado escravista doméstico e os comerciantes

escravocratas ligados ao mercado internacional revertiam seus montantes para o m

financeiro gerando casas bancárias no Rio de Janeiro.

133SALLES, Ricardo. Op.cit. p. 151134Idem, p. 151 135Cf. STEIN, Stanley. Op. cit, 1990.

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Gráfico 04

Preço Médio 1821-1880 (Valor de importação do EUA em Dolar)

Fonte: BACHA, Edmar; GREENHIL, Robert. Op. cit. p. 324-5.

A partir de 1840, Vassouras já exporta em larga escala atingindo o apogeu e, por volta

de 1861 a 1865, consolidou definitivamente o éthos social “senhorial-escravis

As sedes das fazendas passaram a refletir a ascensão da produção em larga escala e a

comunidade, agora privada do mercado externo e obrigada a se desprender do tráfico

internacional de escravos, voltava-se para a mão de obra já reproduzida no país desde te

coloniais. Nas palavras de Salles,

O patriarcalismo e o paternalismo, nas novas condições demográficas e sociais resultantes da extinção do tráfico internacional de cativos, pareciam então, estar perto de moldar uma comunidade escrava

centrada nacrioulização dos plantéis, no maior equilíbrio em sua composição sexual e etária, no aumento do número de famílias estáveis, na disseminação do cultivo de roças familiares.

Logo, Vassouras despontava rumo ao crescimento e, para Stein,

estrutura geral movimentaram a segunda metade do século XIX na cidade. A retração do

tráfico atlântico se reverteu para o mercado escravista doméstico e os comerciantes

escravocratas ligados ao mercado internacional revertiam seus montantes para o m

financeiro gerando casas bancárias no Rio de Janeiro.

. p. 151

, 1990.

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Exportação bras. 1000£ …

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importação do EUA em Dolar)

A partir de 1840, Vassouras já exporta em larga escala atingindo o apogeu e, por volta

escravista”.133

As sedes das fazendas passaram a refletir a ascensão da produção em larga escala e a

comunidade, agora privada do mercado externo e obrigada a se desprender do tráfico

se para a mão de obra já reproduzida no país desde tempos

O patriarcalismo e o paternalismo, nas novas condições demográficas e sociais resultantes da extinção do tráfico internacional de cativos, pareciam então, estar perto de moldar uma comunidade escrava

centrada nacrioulização dos plantéis, no maior equilíbrio em sua composição sexual e etária, no aumento do número de famílias estáveis, na disseminação do cultivo de roças familiares.134

Logo, Vassouras despontava rumo ao crescimento e, para Stein,135 as mudanças da

estrutura geral movimentaram a segunda metade do século XIX na cidade. A retração do

tráfico atlântico se reverteu para o mercado escravista doméstico e os comerciantes

escravocratas ligados ao mercado internacional revertiam seus montantes para o mercado

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Vassouras, cuja prosperidade se encontrava irrevogavelmente comprometida com a monocultura, estava pronta para ampliar ainda mais sua extensão em acres. Com bom crédito no Rio, o fazendeiro de Vassouras incumbiu-se de melhorar e embelezar seu estabelecimento e apurá-lo, um desejo fomentado pelo seu contato mais próximo com a capital litorânea. Consciente da sua nova posição econômica e importância como fazendeiro de café, ele nunca duvidou de suas habilidades em liquidar, com as novas safras de café, as dívidas contraídas.136

O movimento financeiro e produtivo fortalecia-se a ponto de gerar confiança à

movimentação de formas alternativas de crédito, seja por empréstimo de dinheiro, seja por

crédito em conta corrente.

Ampliou-se a exportação e importação de vários gêneros trazendo recursos para

emergência de novos meios de transporte mais modernos, como no caso das ferrovias.

Já a segunda metade do século para a cidade foi curta, seria a era do breve século XIX

de Vassouras, cuja crise assola por volta de 1870 e 1880, mas que também representou seu

apogeu e grandeza. Salles137 divide em quatro períodos identificados o desenvolvimento da

economia exportadora de Vassouras, a saber:

1821-1835: implantação;

1836-1859: expansão do café e da plantation escravista;

1851-1865: apogeu da economia vassourense no século XIX;

1866-1880: grandeza.

Esse crescimento é acompanhado pelo aumento da produtividade média dos escravos.

Salles aponta o aumento de produtividade por pé de café de 118,49 pés para 3800,13 por

escravo entre 1821 e 1876. Essa crescente proporção devia-se ao produto principal ter-se

voltado ao mercado internacional e ser, naquele ambiente externo, uma commodity de

sucesso. Enquanto os mercados internacionais se aqueciam com produtos cada vez mais

baratos e úteis em um dado contexto histórico, mais as plantations de Vassouras

movimentavam-se em direção a esse mercado. Para isso, a aquisição de escravos e a

manutenção dos investimentos pareciam uma constante necessária.

Para Gorender,138 analisando a questão sob o ponto de vista do marxismo, no

escravismo há uma separação entre o os bens de produção e a força de trabalho – justificável

pela própria natureza exploratória do processo escravista –, o que daria uma vantagem ao

proprietário sobre o estabelecimento da mão de obra livre, uma vez que o escravo poderia ser

explorado como capital (porque em pouco tempo se paga como investimento, gerando lucro

posteriormente, além de “ganhar o status” de poder ser hipotecado em caso de necessidade),

136Idem. p. 56. 137SALLES, Ricardo. Op. cit. p. 150 138GORENDER, Jacob. O conceito de modo de produção e a pesquisa histórica. In: LAPA, J. R. do A. Modos de Produção e Realidade Brasileira. Petrópolis, Vozes, 1980. p. 43-65.

53

renda capitalizada (porque gera acumulação de riquezas não só pelo que produz, mas pelo

próprio ser como “mercadoria especial” que pode ser vendida) e reprodução de capital (a

partir do momento em que se estimula a família escrava e, naturalmente, o nascimento de

crianças já na estrutura escravocrata)139.

Na cidade, o acúmulo de escravos gerava uma estratificação social em relação às

riquezas, dividindo os senhores em microproprietários, ou seja, os que detinham de 1 a 4

cativos; os pequenos proprietários, que detinham 05 a 19 cativos; os médios de 20 a 49;

grandes proprietários, de 50 a 99 cativos; e os megaproprietários, com mais de 100 escravos

em seus plantéis. Em geral, os megaproprietários eram uma parcela reduzida da população

produtiva, ocupando cerca de 9% dos produtores locais, enquanto os pequenos somavam

39%.140

Salles141 aponta uma acentuação da concentração de escravos na mão das elites.

Enquanto havia quedas entre os pequenos proprietários, os grandes adquiriam novas peças e

estabilizaram-se depois de 1850. Os megas detinham 50% dos cativos, enquanto os grandes

ocupavam pouco acima dos 20%. Esse capital humano concentrado se transformaria em uma

base econômica de investimento para superar crises no mercado através da hipoteca. O ato de

hipotecá-los garantia não só os meios financeiros para obter crédito como também haveria

possibilidade de resgate do escravo, que poderia ser inserido na fazenda como mão de obra ou

vendido no mercado interno. Stein142 já aponta que a crise das fazendas do café, a partir de

1850, não estaria desvinculada da concentração de produção de café. Muitos fazendeiros

teriam abandonado suas roças de subsistência no objetivo de aumentar as terras cultiváveis

com novos cafezais

Os fazendeiros de Vassouras acreditavam que as crises dos altos preços de gêneros de

subsistência eram passageiras e continuavam apostando na regularização dos preços e na

estabilidade dos mercados de produtos locais. Seus investimentos concentravam-se cada vez

mais nas plantations e conforme a curva de produtividade do escravo aumentava, juntamente

aumentavam os ganhos em escala.

A absorção da mão de obra escrava pelas grandes fazendas na década de 50 e,

posteriormente, pelo empreendimento da ferrovia gerou uma demanda que foi suprida pela

venda dos escravos das fazendas de produção local.143 Isso acarretou a alta dos preços gerada

139Neste último item, apontamos como referência os trabalhos de SALLES, Ricardo. Op. cit. 140Idem, págs 155-6. 141 Ibidem, p. 161. 142STEIN, Stanley. Op.cit p. 74. 143STEIN, Stanley. Op. cit. p. 75.

54

pelos escravos puxados pela economia “mais forte”, o que tornava a produção da pequena

propriedade de gêneros alimentícios impraticável sob o sistema escravocrata. Para Lacerda

Werneck, “Eles ficaram reduzidos a dependentes dos grandes fazendeiros (...)”144. O ano de

1850 foi o ano da grande elevação dos preços agrícolas que se seguiu até 1859. (Ver gráfico

5)

Gráfico 05

Variação do preço dos alimentos (Valor em mil-reis)

Fonte: STEIN, Stanley. Op. cit. p. 76.

144WERNECK, L. Ideias sobre a colonização precedidas de uma sucinta exposição dos princípios gerais, p. 36 e 39 In: STEIN, Stanley. Op cit. p. 75.

1850-1 1854-5 1858-9

Milho (alqueira)

Feijão (alqueire)

Toucinho de fumeiro

(arroba)

Arroz (arroba)

Açucar (arroba)

Carne-seca (arroba)

55

Gráfico 06

Preço no varejo de Vassouras (1850-1861)

Fonte: STEIN, Stanley. Op cit. p. 77.

Segundo Stein145, os pequenos produtores passaram a assumir a função do

abastecimento local para os grandes proprietários e, às vezes, comprava-se da própria capital

da província os gêneros de que precisavam.146

Entre 1850 e 1870, o panorama da região vai mudando gradativamente com as novas

transformações que passam a ocorrer no Brasil. A extensão das áreas agricultáveis – em

especial do café – começar a diminuir em tamanho, obrigando o agricultor a transferir a

fronteira agrícola para outras áreas ou a dinamizar seu capital em outros investimentos como

ações de companhias, mercados financeiros, hipotecários ou títulos da dívida pública.

O capítulo que aqui se encerra dará suporte aos demais, pois não desvincula a região

do médio Paraíba de dois processos que o formaram: a dinâmica do mercado de commodities

no plano internacional – e sua consequência, a ocupação de terras e orientação da produção

para o mercado externo – e a relação do financiamento e dos investimentos do Vale com o

complexo exportador e financeiro do Rio de Janeiro.

No capítulo seguinte, será descrito o contexto que levou à diversificação das estruturas

financeiras e bancárias do país, demonstrando como a sociedade brasileira buscou novas

alternativas para se adequar à crescente demanda de crédito para os investimentos nacionais,

145STEIN, Stanley. Op. cit. p. 74. 146Cf. Inventário do Barão de Itambé. Nota de compra anexo.

0%

100%

200%

300%

400%

500%

600%

1850-1 1855-6 1860-1

Arroz (kg)

Açúcar (@)

carne Fresca (kg)

Milho (alq)

Toucinho de fumeiro

(kg)

Bacalhau (kg)

56

em especial para a produção de café, que ganhava cada vez mais os mercados externos. Mais

à frente, abordaremos o papel do crédito particular e dos investimentos pessoais da elite, que

se vinha configurando como resultado encadeado da necessidade de suprir a demanda dos

vassourenses ligados ao complexo cafeeiro no Rio de Janeiro.

57

CAPÍTULO II – A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO SISTEMA BANCÁRIO E DE

FINANCIAMENTO BRASILEIRO E SUA ATUAÇÃO NO SÉCULO XIX.

58

O que foi exposto no Capítulo I deste trabalho mostra como havia, em Vassouras, um

movimento de ascensão econômica que se perpetuou por quase um século através de braços

escravos, aquecimento das demandas internacionais por parte do produto principal, opção

livre de acesso à terra - e sua valorização posterior - e geografia propícia.

O presente capítulo visa fornecer uma análise dos problemas financeiros do Império

para se entender a dinâmica de investimento dos cafeicultores de Vassouras através das

mudanças que se vão operar no Brasil, em especial na segunda metade do século XIX. Parte-

se do pressuposto de que a cidade está integrada ao complexo cafeeiro e financeiro do Rio de

Janeiro por um lado e pelo aquecimento das exportações em relação ao mercado

internacional, por outro, o que faz acreditar que as mudanças na praça mercantil do Rio de

Janeiro e a história das instituições ao longo do XIX se relacionam com as mudanças de

opções dos cafeicultores e financistas.

2.1. Antecedentes das transformações

A particularidade do café como um produto inelástico gerava sempre um descompasso

entre as alterações de demanda e de produção, no sentido de que a alteração de produção

demorava a responder ao mercado. Além disso, o produto ora estava em ascensão ora sofria

crises inerentes à sua própria natureza ou por fatores imprevisíveis, como pragas e pressões

econômicas externas. Para suprir suas necessidades, os agentes econômicos buscavam formas

de adquirir crédito e financiamento para suas lavouras e para aquisição de bens de uso

agrícola ou pessoal, visto a carência de moeda circulante no período estudado.147

O século XIX foi um tempo de avanços na estrutura financeira do país, os problemas

de financiamentos presentes na colônia teriam que ser superados. O Novo Mundo

gradativamente surgia sobre o Atlântico; negociações, acordos e novas formas de

relacionamentos mercantis estavam se formando. Era um período de transição quando novas

influências e pensamentos econômicos estavam, gradativamente, alterando as formas de

relacionamento.

Os textos de Smith pregavam a livre-iniciativa e tomadas de decisões mais

descentralizadas em relação ao Estado. Ele via, no homem, duas tendências fundamentais, a

saber: a necessidade de poupança e a necessidade de troca. A poupança serviria aos homens

147Cf. PIRES, Anderson. Op. cit. (1993), SAEZ, Hernam Enrique Lara. Nas Asas de Dédalo: um estudo sobre o meio circulante no Brasil entre os anos de 1840 e 1853. São Paulo, Humanitas, 2010. e SALLES, Ricardo. Op. cit. 2008.

59

como um elemento de segurança. O medo da carência de provisões e a incerteza do futuro

deram ao indivíduo a capacidade de criar formas e instrumentos capazes de tornar essa

situação algo sobre o que se possa ter controle ou seguridade. A proposta de troca é bem mais

antiga e vem ao encontro da crescente necessidade do homem como ser social. Cabe ao

comércio148 uma relação de troca de mercadorias umas pelas outras que se acredita serem

mais convenientes para cada parte envolvida.149

Mas como se operariam as relações de troca num mundo em constante

desenvolvimento econômico? E como se operaria o desenvolvimento das áreas de produção

do século XIX que, segundo Marquese150, estariam se inserindo neste mundo que se

estabelecia em mercados internacionais?

Em relação à macroeconomia do Império, para Levy151, a estrutura financeira no

Brasil pode ser dividida em duas grandes partes: as chamadas bolsas de valores e os bancos

comerciais. Segundo a pesquisadora, o aumento institucionalizado de empresas destinadas a

oferecer crédito só se inicia a partir da segunda metade do século XIX. Antes, o mercado de

crédito estava nas mãos de indivíduos que o ofereciam como corretores ou banqueiros. Com a

integração do Brasil aos mercados internacionais, ao longo do Império, a economia deixou de

ser mercantil e o capital comercial passou a se subordinar a uma acumulação capitalista

mundial. Levy defende a formação de um sistema financeiro como “pedra angular” no

processo econômico da esfera política.

Há um fluxo constante do capital produtivo reconvertido em capital financeiro, num contínuo processo de financiamento da reprodução do sistema. O capital financeiro passa a constituir uma parcela do capital total, funcionando de maneira autônoma e assegurando o financiamento das operações econômicas. As disponibilidades monetárias não são mais vendidas ou alugadas como mercadorias e escapam às determinações de equivalência para vincularem-se à produção social, do qual participam através da determinação das taxas de juros. 152

Assim sendo, essas negociações entre os que ofertam o crédito e seus tomadores se

dão de forma direta ou indireta como, por exemplo, através de empréstimos de dinheiro, de

abertura de contas ou de hipotecas, dando suporte aos tomadores desses empréstimos ou

crédito no intuito de se manterem dentro da esfera da vida econômica. Assim, ao mesmo

tempo, se constituem um mercado formal e um informal. 148Usamos aqui o termo de Polanyi que vincula o mercado a alguma atividade cujo objetivo é o ganho, em particular, o ganho monetário. O mercado é uma relação de trocas e, nesse sentido, uma economia de mercado “se origina da expectativa de que os seres humanos se comportem de tal maneira a atingir o máximo de ganhos monetários.” (Cf. Polanyi. Op. cit. p. 88) 149Cf. SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. São Paulo, nova Cultural, 1985. 150Cf. MARQUESE, Rafael Bivar.; TOMICH, Dale. In: GRIMBERG, Keila; SALLES, Ricardo. Op. cit. p.341-83. 151Cf. LEVY, Maria Bárbara. História da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ABMEC, 1977. 152 Ibidem, p. 04

60

Durante todo o século XIX, o café se torna importante não só no processo de formação

de um mercado fornecedor – e tomador – de créditos como também, segundo Levy,153 na

formação e expansão das bolsas de valores. Mas, antes deste contexto se formar, o panorama

financeiro e bancário do Brasil Império se apresentava de forma bem diferente. Com a vinda

da Família Real para o Brasil, os primeiros bancos são fundados. Para Guimarães154 e Levy,155

foi o café que trouxe a possibilidade de aparecimento dos bancos comerciais particulares, já

que se necessitava de financiamento para sua inserção no mercado internacional. Podemos

notar que, desde o período colonial, havia formas diferenciadas de crédito que se adaptaram

às diferentes realidades históricas e às diferentes particularidades de cada produto ou região.

Para tornar-se possível uma periodização mais detalhada, é da maior importância ultrapassar os limites meramente circulacionistas do capital usurário e considerar o processo produtivo, que cria as mercadorias transacionadas no mercado e, assim, inicia e dá continuidade ao circuito. Essa tarefa só pode ser realizada se, a cada periodização proposta, corresponder um tipo de inter-relação entre as transações financeiras e o processo produtivo propriamente dito. Esse método tem a vantagem adicional de escapar à falsa noção dicotômica que se opõe ao “lado real” ao “lado financeiro” da economia. O segundo elemento a ser considerado na periodização é o Estado, que exerce, a nível jurídico-político, o papel de gestor da oferta de moeda, cuja validade torna socialmente reconhecida. Essa administração resulta das contradições que se manifestam no decorrer da reprodução do sistema e que, por sua vez, garantem e consolidam o poder do próprio Estado. As várias percepções da sociedade sobre a moeda e o crédito, no decorrer do tempo, proporcionaram outro elemento para a categorização dos distintos momentos históricos.156

Durante o período colonial, o que nos mostra Levy157em relação ao crédito é a

especificidade no processo de financiamento como elemento intrínseco às economias de

exportação, como foi o caso do açúcar. O período colonial era muito marcado pela presença

do “agente usurário” como elemento de acumulação prévia para o sistema pré-capitalista. Em

algumas regiões, como em São Vicente e nas demais áreas de produção de açúcar, ainda havia

alguma moeda em prata que facilitava a transação, mas, nos imensos espaços de pouca

presença da moeda, as relações mercantis se faziam a crédito. O açúcar tornou-se um meio de

troca durante o período colonial, porém o estímulo dado às exportações no século XVII,

graças à conjuntura do mercado externo, teria impulsionado a circulação das moedas. Mesmo

assim, tal circulação não atingiu a dinâmica esperada e as contas correntes se tornaram opções

para vendas a crédito não necessariamente monitorizado que, muitas vezes, estavam ligadas

às confrarias religiosas e mercadores. Com a queda nos preços do açúcar nacional devido às

pressões antilhanas, o lucro dos produtores baixou para manter-se em operação produtiva,

153Idem 154GUIMARÃES, Carlos Gabriel. Bancos, Economia e Poder no Segundo Reinado: o caso da sociedade bancária Mauá, MacGregor & Companhia (1854-66). Tese de Doutorado, USP, 1997. p. 51. 155Cf. LEVY, Maria Bárbara. Op. cit. 1979. 156Ibidem, p. 26. 157Ibidem.

61

porém, as taxas de juros mantiveram-se constantes ou aumentaram a lucratividade dos

usurários.

Ao iniciar-se o século XIX, percebemos modificações inerentes à própria mudança do

eixo econômico para as áreas do Rio de Janeiro, da Zona da Mata Mineira e do Oeste Paulista.

Tanto Marcondes como Pires158 abordam a figura dos comerciantes como elementos

dinâmicos no início do processo de acumulação e financiamento da primeira grande produção

do Brasil independente, a saber, o café.

2.2 As relações pessoais de crédito

Os elementos do crédito e outras formas de investimento sofreram mudanças a partir

do século XIX, quando a independência do Brasil forçou o Estado brasileiro a modificar suas

estruturas econômicas do ponto de vista de regulação da nova economia de mercado a qual o

país recém-formado estava prestes a ingressar.

Marcondes159, ao analisar Junia Ferreira Furtado e Katia Maria Abud, afirma que as

novas categorias de agentes, apesar de difíceis de analisar, se dividiam grosso modo em

homens de negócio e comerciantes. Os homens de negócios poderiam ser comerciantes de

escravos, de terras e outros elementos importantes na economia colonial/imperial; já os

comerciantes menores, como vendeiros e quitandeiros, tinham uma esfera menor de atuação

nas regiões. Era comum existir um agente que ligava a fazenda ao mercado internacional, ou

seja, ao efetivo processo exportador. Era o comissário. Ele se enquadrava no primeiro caso e,

em geral, fazia o papel de financista e “catalisador”160 da produção que estava dispersa em

diversas unidades em maior ou menor grau. A figura do comissário, então, foi fundamental

para criar uma padronização no comércio.161

Kuniochi162 acredita que há um desvalimento material, em certos períodos, das

famílias produtoras e a figura do comissário garantiria a transição ou, pelo menos, a

intermediação entre o mundo mercantil com suas cobranças e o mundo familiar com suas

158Cf. MARCONDES, Renato Leite. A Arte de Acumular na Gestão da Economia Cafeeira: formas de enriquecimento no Vale do Paraíba Paulista durante o século XIX. Tese de Doutorado, USP, 1998. e PIRES, Anderson. Capital Agrário, Investimentos e Crise na Cafeicultura de Juiz de Fora (1870-1930). Dissertação de Mestrado, UFRJ, 1993. 159MARCONDES, Renato Leite. Op. cit. 1998. p. 163-5. 160PIRES, Anderson. Op. cit. 1993. p. 48-9. 161Idem, p. 49. 162KUNIOCHI, Márcia Naomi. Os Negócios no Rio de Janeiro, Crédito, Endividamento e Acumulação (1844-1857). < http://www.abphe.org.br/congresso2003/Textos/Abphe_2003_88.pdf> acessado em 13 de junho de 2009.

62

necessidades. Eles eram os homens que se ligavam ao comércio internacional através da

exportação e da importação. Em geral, faziam o transporte de mercadorias do interior da

província para o porto e introduziam produtos variados naqueles locais. Por outro lado,

também traziam algum crédito para os lavradores mais interioranos.

No tocante ao comissário, aborda Guimarães,

No tocante à forma de financiamento para o setor agrícola, essa não se modificou substancialmente com os primeiros bancos brasileiros. Mesmo com o surgimento de novos ativos, analisando os estatutos e os balanços do Banco Comercial do Rio de Janeiro, o mais importante do período 1830/1840, e que serviu de referência para os demais bancos, chegamos à conclusão de que o banco privilegiou principalmente o curto prazo e as atividades comerciais. Mesmo utilizando recursos de terceiros, através dos depósitos à vista, o banco emprestava sob a forma de desconto de letras, e através de um intermediário, que podia ser um comissário ou um outro comerciante ligado ao setor importador e exportador. Se os comissários eram os únicos que estavam avalizados pelo banco para pegar os empréstimos, e eles eram acionistas dos bancos, concluiremos que ao repassar ao agricultor o empréstimo, o lucro da operação ficava com o banco e o comerciante, seu acionista.163

O comissário fazia, no início, uma espécie de representação dos fazendeiros que o

contratavam para realizar a negociação do café com o ensacador. Ele unia as várias produções

existentes que, em geral, se apresentavam sem padronização. Sua ação, como agente do

complexo cafeeiro, ia além das negociações e penetrava nas esferas da própria fazenda ao

financiar a produção – ou parte dela – principalmente nos períodos de entressafra para

garantir sua manutenção.

Nas primeiras décadas de produção do século XIX, era comum a informalidade nessas

relações. Segundo Franco, as “transações se desenvolviam quase inteiramente dentro de

pequenos grupos, entre pessoas interligadas por relações mais inclusivas e mais duradouras

que os contactos formais e impessoais de negócios.”164 A conseqüência de um compromisso

não cumprido era a queda da reputação, no caso do comissário, da reputação profissional, ou a

“desclassificação social”165. Essas relações que, aparentemente, configuram um regime antigo

não são mais do que adequações de propósitos sociais ao propósito de lucro. Na visão de

Franco,

os propalados liames de confiança, solidariedade e auxilio que uniam o fazendeiro e comissário aparecem como uma técnica em que esses componentes da ordem “tradicional” foram reelaborados e transferidos para o plano dos negócios( ...) 166

Estas relações que perpassaram os primeiros contatos entre os homens de negócios não

são próprias do Brasil e, sim, resquícios do passado histórico europeu, como demonstra

163GUIMARÃES, Carlos Gabriel. Op. cit. 1997. p. 55-6. 164FRANCO. Maria Silva de Carvalho. Homens livres na Ordem Escravocrata. 4ª Ed. São Paulo, Unesp, 1997. p. 174. 165Idem 166Ibidem

63

Muldrew167. Para ele, a confiança, como vínculo social, é um fator necessário para as inter-

relações comerciais que são formadas pela boa reputação, a honestidade e a confiabilidade.

Com a complexidade das relações de crédito e o não cumprimento de obrigações, tornaram-se

também comuns os tratados que garantissem as “honestidades”. Isso fazia da reputação uma

garantia, uma forma, uma diretriz de acesso aos empréstimos e créditos. O autor remete às

relações culturais ligadas à formação da questão moral168, mas, ao mesmo tempo, alerta para

uma transformação sócioeconômica quando as relações pessoais passaram a ser vistas como

elementos dentro de uma sociedade que se apresentava cada vez mais inserida na competição

de mercados e nas disputas econômicas. Essas mudanças aumentaram as relações

interpessoais que garantiriam a manutenção das trocas e as renegociações. Os estudos de

Muldrew sobre a Inglaterra nos séculos XVI e XVII o levaram a concluir que havia uma

construção própria dessas relações baseada na cultura florescente nesses séculos.

Havia um comprometimento de fatores morais e religiosos entre o credor e o devedor

na sociedade estudada por Muldrew. A tônica entre o credor e o devedor, muitas vezes, era

perpassada por conceitos do mundo cristão fortemente difundidos em toda a Idade Média. A

existência terrena era encarada como uma relação de crédito, uma cessão de Deus, e o

pagamento se concretizaria na morte de uma vida reta segundo preceitos religiosos

relacionados a padrões de honestidade, ao comprometimento, à responsabilidade, ao zelo ao

próximo. Esse dogma espiritual, naquela sociedade do XVI e XVII, influenciava as relações

de trocas porque eram os aparatos mentais de que a sociedade disponibilizava para garantir

que os empréstimos seriam quitados. Uma vida não condizente com os preceitos de

honestidade poderia ser uma dívida que influenciava a entrada no céu. E o tempo de ajuste da

dívida, de pagamento, na mentalidade cristã, corresponderia ao Juízo Final. Essa crença,

muito divulgada na Europa, servia como “punição” ao mal pagador e ao avarento.

Cabe lembrar que não era só o Juízo Final que representava o “ajustamento de contas”

do homem, mas também o seu momento de morte.

Porque o pecado original foi equacionado com a dívida, o perdão de Deus tinha de ser buscado no cômputo do Fim do Mundo. A vida também foi vista como um empréstimo do Senhor e a morte como um pagamento dessa dívida.

Assim, a ligação, e obviamente relacionada entre dívida e crença constitui um parte essencial da teologia básica cristã. (...) Tanto na teoria jurídica quanto na concepção metafórica sobre a dívida, em verdade na promessa de repetição que foi feita quando os débitos foram realizados.

167MULDREW, Craig. The Economy of Obligation: the culture of credit and social and relations in Early Modern England. Hempshire, Palgrave. p.123-74. 168Em especial, a influência do cristianismo.

64

Como o conceito dívida, a obrigação moral de tal dever era incomum, em que o devedor era subordinado ao credor, desde que ele lhe devia esta dívida, e esse foi certamente verdades para as relações entre o homem e Deus169

Le Goff170, em sua Bolsa e a Vida, descreve essas relações e o drama que os

comerciantes sofriam em seus momentos de morte no que se relaciona, na transição da Idade

Média à Moderna, ao conflito entre pobreza, humildade e avareza com as novas relações de

trocas que se estariam formando como a acumulação de bens e capital.

Com a ascensão das ideias protestantes e do humanismo, começaram a se produzir

escritos que garantissem alguma reflexão sobre a sociabilidade do comércio. Richard

Baxter171, em seus textos editados em 1578, começa uma aproximação das ideias de relações

comerciais com as novas propostas de seu tempo. Para ele, o estado da humanidade não

poderia ser uma realidade sem contratos, portanto, não poderia ser um pecado negociar ou ter

riquezas. Caso contrário, o Evangelho teria destruído as ligações de pleno direito da sociedade

humana. Nesse ponto, o humanismo de Baxter quase remete à livre negociação como direito

natural do homem.

Ainda referindo-se ao ideal cristão, a caridade passa a ser quase um elemento

intrínseco ao fiel e o empréstimo ou crédito, quase uma imposição, uma obrigação de ceder à

quem pede – market of obligation, para usar o termo de Muldrew. Era inaceitável que, tendo-

se condições para tal, fossem negados uma ajuda, um empréstimo ao próximo.

Não se pode deixar de observar que, ao remeter esse pensamento ao estudo de

Vassouras, durante a primeira metade do XIX, a questão da reputação não se restringia

somente ao indivíduo, mas se estendia à família e aos membros do clã, conforme será

apresentado em momento oportuno neste trabalho. Dessa forma, o crédito tornou-se sinônimo

de reputação. Nesses tipos de sociedades desvalidas e estabelecidas em bases de uma

economia moral, as considerações ganham um patamar mais elevado dentro do debate aqui

traçado, já que a segurança material, ou seja, os bens são uma preocupação constante. Eles

nunca poderiam ser tomados como garantias, pois eram difíceis de acumular e, sendo assim,

169MULDREW, Craig. Op. cit. p. 133. “Because original sin was equated with debt, God´s forgiveness had to be sought at the doomsday reckoning. Life was also seen as a loan by the Lord, and death as a payment of this debt. (…) Thus, the twin, and obviously related, notions of debt and belief formed an essential part of basic Christian theology. In the both legal theory an in metaphorical conceptions about debt, the ethical root of the obligation was focused on the duty to replay the debt, rather than the promise to replay which was made when the debt was undertaken (…) With the concept of debt, the moral obligation of such duty was unequal, in that the debtor was subordinate to the creditor as long as he owed him such duty, and this was certainly true of the relationship between man and God.” (Tradução livre do autor) 170 Para maior entendimento do assunto recomendamos a leitura de LE GOFF, Maurice. A Bolsa e a Vida. Rio de Janeiro: Brasiliense. 171BAXTER apud MULDREW, Craig. Op. cit. p. 143.

65

supria-se essa situação com outras formas de garantia social, como a exposição pública dos

acordos.172

Cabe ressaltar que há uma ligação entre as famílias emprestadoras. Era comum uma

família tomar crédito ou empréstimo de outra mais bem estabelecida e emprestar para os

menos estabelecidos na esfera social, gerando uma cadeia de financiamentos e de geração de

créditos crescente. Às vezes, os empréstimos eram especulativos através da variação de juros.

Fontanari encontra exemplos desse fato para o interior paulista.

Como garantia o devedor hipotecou um sítio de cultura na Fazenda Bebedouro, contendo 10.000 pés de café e uma casa coberta de palha. Nota-se que o credor se valeu de uma divisão dos riscos, pois teve acesso a um crédito com taxa de juros de 12% a.a, junto aos comissários Penteado & Dumont, e repassou esse capital a um pequeno cafeicultor local, com juros de 24% a.a..173

Essas características foram mudando conforme o aparecimento e a estabilização de

uma economia de mercado. A substituição da economia moral por uma economia de mercado

– ou a diminuição da atuação das relações morais e éticas por relações mais institucionais ou

ligadas ao pensamento liberal – pode ser entendida através do contexto de desenvolvimento

da Europa durante os séculos XVIII e XIX, como nos mostra Polanyi. Na sua visão174, no

período das grandes civilizações na Antiguidade, e até anteriormente a elas, a economia

comportava-se de uma forma evidentemente diferente daquela encontrada a partir do século

XVII. Discordando de Adam Smith, de que o homem primitivo era propenso à barganha, à

troca e à permuta, ou seja, um homem voltado naturalmente à economia, mas afirmando que

essa era, sem dúvida, uma relação do nascimento do capitalismo, o autor afirma que, na

verdade, toda economia primitiva se baseava não em laços econômicos, mas em fortes laços

sociais, quer fossem eles fomentados pela religião, pelas tradições, pela política local. Cada

comunidade mantinha os laços econômicos de subsistência pelas festas rituais ou tradicionais

de acordo com sua cultura. Enfim, o homem primitivo não era subordinado à economia de

mercado, mas, sim, a economia era inserida e subordinada ao contexto social em que ele

vivia.

“Ele [o homem primitivo] não age desta forma para salvaguardar seu interesse individual na posse de bens materiais, ele age assim para salvaguardar sua situação social, suas exigências sociais, seu patrimônio social. Ele valoriza os bens materiais na medida em que eles servem aos seus propósitos.

172Cf. MULDREW, Craig Op. cit. 173FONTANARI, Rodrigo. O crédito de vizinhança: capitais e reciprocidade na economia cafeeira paulista, 1889-1914. Trabalho apresentado na IV Conferência Internacional de História de Empresas & VI Encontro de Pós-graduandos em História Econômica. USP, 2012. p. 14. 174POLANYI, Karl., Op. cit 2000. p. 65

66

Nem o processo de produção nem o de distribuição está ligado a interesses econômicos específicos relativos à posse de bens.”175

Polanyi176 e Dobb177 defendem a mesma tese de que somente com o advento de um

comércio externo (global trade) houve a mudança qualitativa que favoreceria a formação da

economia de mercado em que as relações de troca, de permuta e de barganha seriam

essenciais para a estruturação social. Esse momento seria a construção do limiar de uma nova

era, uma era que determinaria as condições para o que se chamou de Revolução Industrial e

que tanto marcou a sociedade do século XVIII em diante. A presença ou ausência do dinheiro

não afetavam necessariamente o sistema econômico das sociedades, constituindo apenas base

de troca que favoreceria os mercados locais, de pouca importância e pouco competitivos.

Essa realidade também pode ser percebida no Brasil durante a colônia e no início do

Império, pois era comum as relações pessoais influenciarem fortemente as decisões

econômicas, como nos mostra Oliveira178.

Estamos diante de uma certa coletividade que, mesmo com a presença de uma diversificada hierarquia social, com diferentes níveis de riqueza, e acesso à terra, (...) foi marcada pela constituição de uma forte elite agrária, com fortunas consolidadas na propriedade de vastas terras, grande número de escravos, além da presença de uma cadeia interna de crédito, responsável pelo financiamento da própria dinâmica agrícola local.179

A pesquisadora identificou, em seus estudos para a Zona da Mata Mineira, um

conglomerado de relações familiares perpassadas por casamentos, compadrios ou alianças que

poderia ser a estratégia das famílias para pagamento de dívidas ou acumulação de riquezas.

Esses casamentos se classificariam como “endogâmicos", e seus arranjos poderiam ser feitos

para, em geral, adquirir propriedades territoriais ou alastrar para outro estado, no caso o Vale

do Paraíba Fluminense, a posse da terra. As alianças, muitas vezes, eram realizadas em áreas

geográficas diferenciadas180 e as uniões favoreciam novas relações que poderiam atingir os

fatores econômicos como o perdão de dívidas, os privilégios comerciais entre outras

situações. Por fim, o compadrio era também uma estratégia, as ligações de apadrinhamento

assentavam-se no poder aquisitivo do indivíduo que detinha riqueza.

Kuniochi afirma que essas relações de honradez eram comuns na primeira metade do

século XIX no que se refere ao crédito. Ela as atribuiu às tradições portuguesas que aqui se

175Idem, p. 65 176Ibidem. 177DOBB, Maurice. A Evolução do Capitalismo. Rio de Janeiro, Guanabara, 1987. 178OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. Negócios de Família: mercado, terra e poder na cafeicultura mineira (1780-1870). Juiz de Fora, Funalfa, 2006. 179Idem, 2006. p. 164. 180Como é o caso relatado da emigração dos produtores e comerciantes da Comarca do Rio das Mortes procurando oportunidades de fronteira aberta na Zona da Mata Mineira.

67

perpetuaram através das medidas de Dom João VI, que formalizou as atividades mercantis

portuguesas através da criação do Tribunal Real de Junta e Comércio, Agricultura, Fábricas e

Navegação.

Nessa época, prevaleciam as regras de conduta pessoal, em que princípios como honra, honestidade e boa fé influíam para consolidar o nome do mercador na praça e perante seus pares. Esses atributos valiam a todos que participavam dos negócios no Brasil, matriculados ou não.181

Logo, a forma de organização desta sociedade era tornar pública qualquer situação

adversa aos interesses das classes dos comerciantes ou mudanças nas relações ou natureza dos

negócios.

Mesmo após a publicação do Código Comercial, que viria a estabelecer as normas

para o desenvolvimento das atuações mercantis, ainda se utilizava o anúncio público, por

meios de jornais, sobre as transações creditícias. Kuniochi relata importante passagem sobre

um desentendimento de cobrança entre José Maria Porciúncula e Manoel Pedro Ferreira

envolvendo, na nota, João Gomes Ribeiro de Avelar, fonte extraída do Jornal do Commercio.

Esse desentendimento iniciou-se por cobrança de dívidas de crédito e terminou em duas

publicações no referido jornal, as duas no mesmo dia 20 de fevereiro de 1845. É interessante

notar que João Gomes Ribeiro Avelar, apresentado no artigo da pesquisadora, era o Visconde

de Paraíba, irmão do Barão de Guaribu, importante nobre cafeicultor de Vassouras, do Barão

de São Luís e da Baronesa de Paty do Alferes. A exposição do crédito era comum e envolvia

mesmo os que ocupavam alta hierarquia na sociedade. Assim sendo, não havia, nesse

momento, uma proteção ao nome e, sim, uma garantia pública dos negócios e de seus

cumprimentos. Apesar de aparentemente se mostrar como uma rede de relacionamento

pautada pela honradez, não se pode deixar de perceber uma intrínseca estratégia de pressionar

os indivíduos a pagarem suas dívidas contraídas.

Mais à frente, em análise de uma execução de dívida, a autora transcreve um

importante relato sobre a exposição que as instituições davam aos devedores: “Serão

arrematadas as casas do falecido José Marcellino Pinto (...). Todas as vendas são para o

pagamento da execução que Antonio Dias de Souza Castro move contra a viúva e filhos. (JC,

11/02/1851)”182. Ao contrário da análise de uma rede social que abrangeria as relações

mercantis, agora, as leis passaram a fragmentar certas relações sociais de segurança e de

proteção expondo a família a uma situação de desvalimento. Isso fazia com que o mercado

181KUNIOCHI, Op. cit, p. 201. 182Idem. p. 203.

68

fosse garantido, balizado em uma Lei Comercial, e as instituições credoras pudessem lançar

mão mais efetivamente de um retorno do seu “capital” investido.

Já Fontanari183, ao estudar Casa Branca, no interior paulista, demonstrou uma forte

atividade creditícia. Segundo sua pesquisa, havia uma concentração de empréstimos na região

ligada não aos bancos de empréstimos, mas, sobretudo, aos financistas locais. Seu estudo, que

abrange a década de 1870 até 1904, fixa a defesa de um autofinanciamento da cafeicultura

que acompanha a conjuntura econômica de cada período.

Uma das colocações é a questão dos vários níveis de empréstimos. A primeira consideração a ser feita é que o crédito no complexo cafeeiro era “multifacetado”, ou seja, subsistiram diferentes modalidades de financiamentos na cadeia creditícia; e que as mesmas guardavam íntimas relações com os movimentos conjunturais. É fato, entretanto, que se houve diversidade quanto à origem dos capitais, as formas de financiamentos mais praticadas foram as hipotecas e os penhores agrícolas, pois em com uma conjuntura marcada pela baixa circulação monetária, somente seria possível a concessão de empréstimos com garantias reais.184

Mesmo em período avançado em relação ao recorte temporal deste estudo, Fontanari

defende a tese de que houve dificuldades na interiorização dos créditos bancários na região

abrindo espaços para a atuação de agentes locais fornecedores. O crédito poderia ser feito em

dinheiro ou em abertura de conta corrente no que ele chama de “crédito de vizinhança”185 que,

por sua vez, apesar de se estabelecer nas relações de confiança, vai além dos vínculos

parentais.

2.3. A segunda metade do século XIX e suas transformações

Ainda que influenciados por certa cultura oriunda da primeira metade do XIX, os

homens de negócios sentiram o processo de mudança nas regras de mercado adequando a

tendência econômica do Império cada vez mais às exigências que impunham os mercados

internacionais.

Algumas mudanças econômicas começaram a ocorrer em meados do século XIX e

movimentaram indivíduos em direção à política do Império justamente no processo de

formação da economia cafeeira. Um desses movimentos foi a forte presença dos ingleses no

Brasil,como ressalta Guimarães186 ao analisar o caso de Samuel Phillips & Co e demonstrar as

operações desta companhia pelo estudo de uma família inglesa de origem judaica que se 183Cf. FONTANARI, Rodrigo. Op. cit. 184Idem. p. 09. 185Ibidem. p. 08. 186GUIMARÃES. Carlos Gabriel. Finanças e Comércio no Brasil da primeira metade do século XIX: a atuação da firma inglesa Samuel Phillips & Co, 1808-1831. XIV Encontro Regional da ANPUH- RJ, 2010. <http://www.encontro2010.rj.anpuh.org/site/anaiscomplementares>, acessado em dezembro de 2011.

69

estabeleceu no Império. O estudo aponta também para o levantamento das tendências da

historiografia, uma em direção à participação mais efetiva dos ingleses nessa primeira metade

do século, em especial no Rio de Janeiro, e outra tendência que era garantida pela forma com

que a operação inglesa evitava o desenvolvimento nacional.

A auto-afirmação em ser judeu fortaleceu a firma comercial e seus negócios, mesmo atuando num mercado hegemonicamente católico e socialmente escravista, como era o Império Luso-brasileiro, depois, o Império do Brasil. Com toda crítica à usura, aos juros cobrados, a firma comercial Samuel Phillips &Co era reconhecida na praça mercantil do Rio de Janeiro, e de Londres, como uma firma financeira. Foi no setor financeiro, mais do que na venda de commodities, que ela se destacou.187

A partir de 1850, a balança comercial brasileira começa a ficar positiva e há um

estímulo ao estabelecimento de novos créditos e operações mercantis. O crescimento

favorável encorajou o investimento em vários setores, em especial o exportador. Novas

modalidades de crédito e de empréstimos surgiram e passaram a concorrer com as notas

promissórias e a letra de câmbio. O vale bancário passou a ser um ativo muito especial porque

foi utilizado no período do Império como alternativa de moeda de crédito.188 Influenciados, na

década de 1850, pelo discurso do Barão de Mauá e pela nova legislação, começaram a

aparecer bancos emissionistas que poderiam colocar na praça tais vales bancários, além de

ações, a ponto de suprir as demandas de crédito.

O começo do longo surto cafeeiro no Brasil, a prosperidade geral do mundo nos anos de 1850/60, a adaptação no Brasil dos princípios do estabelecimento de bancos por meio da emissão de ações, e outros fatores, contribuíram para o desenvolvimento contínuo dos bancos de emissão.189

Uma das propostas levantadas por Mauá juntamente com negociantes favoráveis ao

desenvolvimento financeiro era defender a tese da livre associação ou a garantia de

associações de capitais através das sociedades anônimas como elemento para manutenção do

crescimento econômico. Para eles, a associação anônima garantiria o fortalecimento do

investimento e o “progresso”. Muitas casas bancárias surgiram por essas associações. Outra

medida importante para o saneamento financeiro se dá em 1851, quando o governo autoriza o

Banco do Brasil e, posteriormente, o Banco de Pernambuco a emitir vales que garantiriam

uma canalização dos investimentos aos bancos.190

Essa ampliação do poder bancário fez com que, entre 1841 e 1854, o número de

estabelecimentos no Brasil crescesse de 1 para 5, conforme evidencia Pelaez e Suzigan191.

187Idem 188GUIMARAES, Carlos Gabriel. Op. cit. 1997. p. 57. 189PELAEZ, Carlos Manuel e SUZIGAN, Wilson. Op. cit. p. 76 190Idem, p. 77. 191Idem, p. 79.

70

Vale lembrar que não havia, até 1850, qualquer legislação específica que garantisse o

funcionamento das operações de comércio ou das associações, as chamada sociedades

anônimas.

Era comum, antes do estabelecimento dos bancos, que os comerciantes e comissários

assumissem os empréstimos e créditos necessários ao desenvolvimento da economia, assim

como transações em conta corrente, em especial ao setor agrícola. Muitos bancos se formaram

a partir da ligação ou da associação destes indivíduos.

Note-se que era comum o financiamento do setor comercial, ligado ao comércio

exterior, em detrimento do setor agrícola que, muitas vezes, carecia de crédito.192 Esse crédito

era suprido ou pelos empréstimos locais ou pelos comissários do café. Os prazos poderiam

variar de acordo com cada situação, região ou momento histórico. Para Pires,193 o crédito

exercido pelos comissários poderia ser a curto prazo e passava a ser “identificado como

movimento de giro ou a reprodução simples da unidade.” Essa forma de crédito era muito

comum no Vale do Paraíba Fluminense e Paulista. Sua desvantagem era ser feito na base da

remessa de café que, por vezes, se tornava irregular.

Marcondes identifica o “vácuo” do sistema bancário como condição para a

manutenção do crédito pessoal que, por sua vez, promoveria um processo de acumulação.

Entretanto, a inexistência de um sistema bancário desenvolvido abriu oportunidades para as pessoas com disponibilidades de recursos para realizar esse financiamento. Destarte, a experiência da continuidade das condições propícias à cafeicultura e a reduzida oferta de crédito resultaram em empréstimos efetuados a taxas de juros elevadas e a prazos curtos.194

Outra forma de crédito levantada pelo pesquisador teria sido a de longo prazo,

geralmente utilizada não para suprir as fazendas com produtos necessários à sua reprodução,

mas para investimentos de maior vulto como, por exemplo, o início de uma nova plantação de

café ou a compra de propriedades produtoras.195

Para manter o financiamento tanto em dinheiro quanto por crédito em conta corrente,

os comissários precisavam de vultosas quantias de dinheiro, muitas arroladas no comércio de

café. Havia um duplo ganho na figura do comissário: o primeiro, como comerciante do café

que, através da comissão, dava-lhe lucros sobre a venda; o segundo estaria na reinserção do

capital no complexo cafeeiro sob a forma de crédito ou em empréstimo a juros, o que lhe dava

um retorno sobre o montante emprestado.

192GUIMARAES, Carlos Gabriel, Op. cit, 1997. p. 58. 193Cf. Cf. PIRES, Anderson. Op. cit,, 1993. p. 49. 194MARCONDES, Renato Leite. cit. 1998. p. 175. 195Cf. PIRES, Anderson. Op. cit, 1993. p. 50.

71

Para Pires196, as possibilidades de crédito iam além da figura do comissário. Existiam

outros agentes, como os chamados “capitalistas”, que eram pessoas que emprestavam seu

capital por um juro estabelecido em um intervalo de tempo. Às vezes, suas atividades pessoais

no século XIX se restringiam a emprestar seu dinheiro e a esperar o retorno financeiro,

vivendo quase exclusivamente dessa atividade. Em outros casos, suas atividades dividiam

espaço como outros negócios, como a própria cafeicultura, comércios ou outras atividades

agrárias.197

Havia também aqueles que usavam recursos oriundos de heranças e dotes enxergando,

na atividade credora, um importante elemento para inversão de capital além dos cafezais.

Mas a situação nem sempre lhes era favorável, em especial aos tomadores de

empréstimos. Os prazos dados pelos comissários e comerciantes em geral eram curtos. Por

isso, qualquer atraso nas colheitas ou problema das safras geravam estagnação nos

pagamentos comprometendo o credor e o devedor. Já os empréstimos a longo prazo, praticado

em geral pelos “capitalistas”, eram caros. Para Saes, a taxa de juros girava de 12 a 18% ao ano

para São Paulo.198

Pires demonstra que, na região da Zona da Mata Mineira, a situação era semelhante à

de São Paulo. Para o pesquisador mineiro, a atividade creditícia nas áreas de cafeicultura da

Zona da Mata atendeu a uma dinâmica própria gerando possibilidades de crédito a partir da

origem local. E, muitas vezes, “as demandas e ofertas de liquidez” coexistiam e se efetivavam

em um mesmo espaço.199

2.4. A questão dos bancos e das casas comerciais

Tanto o Barão de Cairu quanto o Conde de Linhares já apontavam em direção da

necessidade de uma organização monetária no Brasil. O conde acreditava que o sistema

bancário e as instituições creditícias eram um fator importante no processo de modernização

econômica. Linhares era leitor de Smith e o economista escocês acreditava que

Embora o papel-moeda devesse ficar muito mais circunscrito à circulação entre os próprios comerciantes, os bancos e banqueiros poderiam ainda estar em condições de dispensar mais ou menos a mesma assistência à indústria e ao comércio do país, como tinham feito quando o papel-moeda era quase a única moeda em circulação. (...) Embora, portanto, não se permitisse emitir qualquer papel-moeda, a não ser em quantias tais que se circunscrevesse em certa medida à circulação entre os comerciantes, ainda assim, seja em parte para o desconto de letras de câmbio reais, seja também para

196Idem, p. 51 197Idem, p. 51 198SAES, Flávio Azevedo Marques apud MARCONDES. Renato Leite. Op. cit, 1998. p. 178. 199PIRES, Anderson. Op cit, 1993. p. 52

72

emprestar através de contas de caixa, os bancos e banqueiros poderiam ainda estar em condições de liberar a maior parte desses comerciantes da necessidade de conservar uma parte considerável de seu capital sob a forma de dinheiro não aplicado e disponível para atender a pedidos ocasionais. Poderiam ainda estar em condições de dispensar a máxima ajuda que os bancos e banqueiros podem, com justeza, dar a todos os comerciantes.200

Neste contexto, o Banco do Brasil nasce como um grande financiador das altas

despesas do governo – os volumes de dinheiro necessários para financiar o comércio exterior,

a exportação de manufaturas nacionais devido à necessidade de capital de giro – e a promoção

de poupança e capital. A estrutura financeira do banco no momento da criação correspondia a

1200 ações a 1000 contos de réis cada, porém novas ações poderiam ser criadas.201 Antes das

legislações que regulassem as transações bancárias e de investimentos, o Banco do Brasil já

tinha permissão de realizar o redesconto de letras de câmbio, juros hipotecários, depósitos de

metais preciosos, diamantes e dinheiro, além de emissões de moeda e operações de câmbio.202

Conclui-se que a estrutura financeira do país teria surgido como um suporte necessário

à própria realidade de desenvolvimento da corrente economia do século XIX e sua amplitude.

A organização de uma estrutura financeira que ampliasse o acesso ao crédito garantiria opções

para investidores e tomadores de créditos. Mas, para Levy, houve um descompasso entre

essas estruturas nascentes, originadas de intervenções desordenadas do Estado, as políticas

monetaristas ortodoxas e a introdução do capital internacional.203

O primeiro Banco do Brasil é um exemplo deste processo. Seu objetivo era subsidiar

as contas públicas, em especial as que se organizavam em torno do eixo mais importante do

país naquele momento, a província do Rio de Janeiro. A então sede do governo imperial

concentrava não só a elite aristocrática, oriunda dos últimos dias da colônia, como também se

constituía como principal eixo econômico, já que sua formação como área politicamente

estratégica teria, como objetivo, a fiscalização da região mineradora.

Em relação à natureza da economia, o Banco do Brasil representa uma alternativa à

mentalidade da época ao introduzir “novas formas” de operação do crédito em detrimento ao

monetarismo até então vigente.

A estreita organização financeira colonial era substituída por uma instituição de crédito organizada para aumentar o meio circulante. Como instituição, o Banco do Brasil representou uma vitória contra a mentalidade metalista ainda dominante nos homens de Estado em Portugal, pois dava ênfase ao crédito e à circulação de mercadorias, reservando o ouro ao pagamento das importações.204

200SMITH, Adam. Op. cit, 1983. p. 328. 201Cf. SUZIGAN, Wilson. & PELAEZ, Carlos Manuel. Op. cit, p. 49. 202Idem, p. 49. 203LEVY, Maria Bárbara. Op cit, 1977 , p.47. 204Idem p. 50.

73

O descompasso existente entre as reservas do Banco do Brasil e as contas do Real

Erário gerava pressões que, muitas vezes, superavam a capacidade creditícia do banco. Além

disso, como ainda era instável sua atuação e baixa a liquidez na praça, não havia grande

procura em relação às ações do banco. A saída foi, então, as emissões de notas do banco.

A realidade é que a instituição passou a financiar a emissão de divisas para os

mercados internacionais – em especial, na manutenção da escravidão e na compra de produtos

ingleses –, além da defasagem oriunda das crises no processo de independência, gerou-se uma

substituição monetária por situações creditícias. Porém, as pressões do próprio Estado na sua

busca pelo crédito somada à dívida alta asfixiaram o crédito a particulares. O Banco do Brasil

logo seria liquidado, no ano de 1833, arrastado a uma crise pelas agitações políticas e guerras

no sul do país, entre elas, o financiamento da Guerra da Cisplatina (1825-1828).205

Antes de 1850, o sistema financeiro brasileiro funcionou sem nenhuma legislação

específica. A carência de papel-moeda circulante fazia com que os bancos operassem por uma

série de ativos e créditos gerais, como as notas promissórias e as letras de câmbio. A expansão

da agricultura e o crescimento geral das exportações careciam de constante giro de capital

realizado graças aos vales bancários que, segundo Guimarães, circulavam em toda

província.206

O capital passa, então, neste período, a existir em duas realidades: nas mãos de

particulares e como capital bancário ao se institucionalizar através de uma série de legislações

muito específicas, como o Código Comercial, a Lei de Terras e as leis abolicionistas. Essa

legislação aparece como forma de legitimar as práticas financeiras que estão surgindo mais

intensamente no século XIX. Ela garantiu o fortalecimento de práticas de crédito e as atuações

financeiras então defendidas pela classe dos proprietários.

O problema da emissão de moeda e da difusão do crédito se tornou mais crônico a

partir de 1853. A escassez, unida ao crescimento econômico movimentado pelas demandas

externas, gerou a necessidade de ampliação da oferta de moeda. Em torno disso, o governo do

Rio de Janeiro se viu obrigado a repassar para os bancos o dinheiro necessário, mas somente

Mauá o recebeu e em parte.207 Então, houve a necessidade de se monopolizar o banco

emissor. Para o Marques de Itaboraí, a concorrência dos bancos particulares em emitir o

crédito era a causa do descontrole e das crises comerciais.208 Surgiu, então, um projeto:

205Idem, p. 51-2 206GUIMARÃES, Carlos Gabriel. Op. cit, p. 53. 207SUZIGAN, Wilson. & PELAEZ, Carlos Manuel. Op. cit. p. 78-83 208Idem, p. 80.

74

As operações básicas do Banco [do Brasil], seriam as de depósito, redesconto e emissão de notas. O capital fixado em 30.000 contos para dar início às operações, mas poderia se aumentado posteriormente. O presidente do Banco seria nomeado pelo Imperador dentre os acionistas que tivessem 50 ações ou mais. O Banco emitiria notas, conversíveis à vista em ouro ou papel constituindo-se em moeda legal. A emissão total de notas deveria ser inferior ao dobro do fundo de capital, a não ser que houvesse autorização especial do governo. O Banco substituiria as notas em circulação pelas de sua emissão no montante de 2.000 contos por ano.209

Ainda em 1853, o Banco do Brasil, pertencente a Mauá, e o Banco Commercial do Rio

de Janeiro se fundiram para formar um só Banco do Brasil monopolizado pelo governo. Entre

1853 a 54, o Banco cumpriu a função de diminuir a escassez de crédito. Executou, naquela

data, o redesconto de 99 mil contos de réis210, considerado uma boa soma para o período.

Acrescente-se a isso, entre outras operações, a geração de créditos para as casas comerciais do

Rio de Janeiro, cumprindo, uma de suas principais funções: aumentar as formas de acesso a

esse recurso financeiro que, neste caso, teria sido para pequenas e médias transações.

O então segundo Banco do Brasil conseguiu suprir aquilo em que o primeiro não teve

êxito. Durante as atividades do primeiro banco, as casas bancárias atuaram como credoras, em

especial, às práticas mercantis. O próprio Banco Comercial do Rio de Janeiro emitiu vales

com rendimentos de 2% ao ano que, apesar de renderem muito pouco, atraíam investidores.

Para Levy, a “criação deste ativo financeiro distribuído e controlado pelo banco fornece um

quadro da tentativa de adaptação desta instituição financeira às reais necessidades de

endividamento da economia.”211

Guimarães e Suzigan & Pelaez apontam para situações diferenciadas em relação ao

lastro monetário do Brasil durante o século XIX. Para Guimarães,

A carência do meio circulante, ou seja do papel-moeda em circulação, e o crescente giro dos negócios, ligados à expansão do comércio e da agricultura, fizeram com que os vales bancários circulassem pelas províncias. Embora não pudessem ser utilizados na compra de títulos da dívida pública interna emitidos pelo governo, os vales bancários tornaram-se tão importantes quanto esses títulos...212

Já para Suzigan e Pelaez,

A taxa de crescimento do estoque da moeda acelerou-se significativamente no período de 1814/21, quando o estoque de moeda aumentou à taxa média anual de 21,1%. Taxas tão elevadas somente se experimentaram durante as duas guerras mundiais e no atual pós-guerra – períodos caracterizados por inflação acelerada. Contudo, boa parte de tal expansão pode ser explicada pelo baixo nível inicial do estoque de moeda. Conquanto não se disponham de estimativas razoáveis do nível de preços, os registros históricos conhecidos seguem de maneira indiscutível uma rápida inflação. Esse comportamento foi consequência de descuidada política inflacionária do Governo.

209Ibidem, p. 80-1. 210Ibidem. p. 82. 211LEVY, Maria Bárbara. Op. cit, 1977, p.54. 212GUIMARÃES, Carlos Gabriel. Op. cit, 1997. Pág.

75

Com a declaração de independência de 1822, o primeiro imperador prosseguiu com a política inflacionária. De 1822 a 1829, o estoque de moeda cresceu à taxa média anual de 10,0%, o custo de vida no Rio de Janeiro a 12,9% e a taxa de câmbio ajustada pelos preços por atacado na Inglaterra a 7,9% ao ano. Paralelamente, a taxa de câmbio do mil-réis depreciava-se à taxa média de 8,5% ao ano.213

Em suma, entre 1828 e 34, os estoques de moeda cresciam de forma livre, pois não

havia bancos no Brasil (1830-8) que controlassem tal processo; mas, de 1839 a 1851

aparecem vários bancos emissores.214 Até 1853, o Banco do Brasil mantinha o monopólio da

emissão de créditos. Porém, nesse ano, Souza Franco, proeminente economista liberal e então

Ministro, começou uma oposição à Lei Bancária de 1853 que estabelecia direitos de

exclusividade do Banco do Brasil nos negócios bancários, quebrando as intenções do

conservador Visconde de Itaboraí. Ocorreu, então, um conflito em relação ao fluxo de

moedas, pois, ao mesmo tempo em que o Banco do Brasil era a unidade emissora, os bancos

particulares também emitiam seus estoques, fazendo com que o governo perdesse o controle

da situação.215

Como a autorização de bancos de emissão conflitava com a lei bancária de 1853, acabava privando o Governo do controle no estoque de moeda e impossibilitava-o de administrar as variáveis da economia. (...) somente um estoque de moeda predominantemente metálica poderia fornecer condições para que se efetuassem transações com estabilidade e pudesse haver continuidade no crescimento. Essa política impediu, na prática, novas emissões enquanto os bancos não tivessem a capacidade de efetuar a troca de suas notas por moeda metálica, para alguns significou um entrave ao desenvolvimento do sistema bancário e da própria economia brasileira.216

No contexto, a década de 50 foi marcada por um debate entre os defensores da

pluralidade de emissões e os centralizadores. O principal argumento dos adeptos do

pensamento da pluralidade bancária era a facilidade que o crédito alcançaria. Haveria maior

liberdade das casas bancárias em emitir os créditos sem as barreiras burocráticas e, com essa

atuação, se poderiam vencer as distâncias inerentes à própria dinâmica da demografia e da

produção do Império. Por outro lado, os metalistas defendiam que o crédito deveria ser

amplamente retraído sob a alegação de que, caso fosse liberado, haveria descontrole

econômico. Os títulos, então, deveriam convertidos em ouro para facilitar o processo. Houve

um grande debate a respeito de qual política adotar, mas era inegável para todos os deputados

envolvidos que qualquer decisão atingiria um grupo de agentes econômicos em especial.

Aborda Saez que:

213SUZIGAN, Wilson & PELAEZ, Carlos Manuel. Op.cit, p. 33. 214Idem, p. 34. 215Ibidem,. p. 87. 216SÁEZ, Hernan Enrique Lara. Op cit, p. 29.

76

É desta forma que “os capitalistas” aparecem nos discursos associados a valores positivos. Eram eles que investiriam os capitais permitindo “desenvolver a riqueza pública, e na execução prática da obrigação de que se encarregam de fornecer aos mercados o meio circulante necessário” através dos bancos criados por eles. Admitindo que existiam algumas figuras-chave, agentes inseridos na sociedade que pela relevância “naturalmente” obtida seriam promotores do bem comum.217

Os deputados acreditavam que a política de desenvolvimento creditício seria viável

apoiando os capitalistas que, por sua vez, dinamizariam os créditos de variadas formas. Na

transcrição do discurso do deputado Joaquim Villela de Castro Tavares, feita por Saez, pode-

se notar que o governo acreditava nas habilidades dos negociantes locais para fazer valer a

política econômica de melhoria das condições de liquidez,

Porque elas giram só entre pessoas de certa ordem, são empregadas em grande (sic) pagamentos ou em troco, e as pessoas que as recebem conhecem perfeitamente essas notas, se têm meios de verificar se são verdadeiras ou falsas; se o nobre deputado levar uma nota de 200$ ou 500$ a um negociante, verá que ele conhece todas as minuciosidades da estampa. Ora, isto não acontece com as notas de pequeno valor, porque essas giram por todas as mãos. E isto é tanto verdade, que a falsificação dá-se principalmente nas cédulas de 1$ e 2$ sem que tenham sido impressas por estampa, cédulas até feitas com lápis; levam-nas de a uma quitandeira, a uma pessoa que não tem conhecimento de notas, e elas aceitam com a maior facilidade possível; o que não acontece com as notas de grande valor.218

A liquidez da moeda pesava em vários aspectos da economia, não só no financiamento

direto dos produtos de exportação do país, mas também na própria dinâmica cotidiana das

regiões. Para Granziera o cultivo dos gêneros destinados ao consumo da fazenda ia sendo

substituído pelos plantios específicos de exportação219. Uma nova realidade ia surgindo

através da separação entre as unidades produtoras de gêneros de exportação e as unidades

produtoras para o consumo interno. Nessa análise, continua Granziera, o distanciamento entre

as unidades exportadoras e de abastecimento interno exigiu uma nova dinâmica de

especialização e um aumento da quantidade de cativos e provocando o encarecimento dos

produtos dos gêneros alimentícios. Esse contexto descrito implicava a necessidade de moeda

para o financiamento do tráfico interno bem como para a compra de insumos alimentares para

os próprios cativos, que agora estavam em maior número. Os alimentos tendiam a encarecer

pela demanda crescente e pela escassez de oferta gerada pela especialização da

cafeicultura.220. Essa realidade foi demonstrada anteriormente por Stein, neste trabalho, para

Vassouras.

Já do ponto de vista da esfera do Estado em relação ao contexto geral da estrutura,

pela análise de Saez221, os deputados acreditavam que havia um corpo separado na esfera

217Idem. p. 116. 218Idem, p. 118 219GRANZIEIRA, Rui. Op cit, 1976. p. 19. 220Idem, p. 19. 221Cf. SÁEZ, Hernan Enrique Lara. Op. cit. e SALLES, Ricardo. Op. cit.

77

social que primava pelo desenvolvimento econômico e financeiro. Seriam esses os capitalistas

e comerciantes que, em busca das riquezas e das operações com o capital, estariam em

patamar superior às massas, porém não “desvinculado” delas222. Essa noção, sob uma ótica

diferente, encontra-se em Salles, que defendia a divisão da elite de Vassouras assentada em

dois grupos: produtores, que se envolviam com as questões políticas; e os que se afastavam

desse corpo e se especializavam nas questões produtivas, mercantis e financeiras, incluindo a

geração dos créditos.

Assim, o Código Comercial Brasileiro que, segundo Guimarães223, teria sido

elaborado por uma comissão composta por notáveis representantes do partido conservador e

por comerciantes ligados à praça mercantil do Rio de Janeiro, começou a estipular a

regulamentação da profissão de banqueiro e das operações feitas pelos bancos. Houve

também a diversificação dos ativos financeiros. O Código estabeleceu as formas dos contratos

mercantis, as regras de hipoteca, o penhor e a formação das companhias comerciais. Os

bancos tiveram garantida a mobilização dos créditos seja por forma de depósitos de capitais

de terceiros, seja por empréstimos dos valores requeridos.

As hipotecas serviam como garantia de obrigações de dívidas ou estabeleciam-se

como contratos utilizados para assegurar as obrigações de dívidas feitas. Havia, na sociedade

brasileira, antes da promulgação do Código Comercial, um apreço pelos bens de raiz. Terras,

escravos e moradia eram, sem sombra de dúvida, fundamentais para a sociedade agrária

exportadora. Logo, antes de 1850, era comum a prática da hipoteca dos bens de raiz, já que

não havia maior diversificação dos ativos nesse período. 224

Outro fator recorrente para a diversificação dos ativos e como recurso de crédito foi o

penhor mercantil. Esse se fazia pelos chamados bens móveis em garantia a uma obrigação

comercial. Esses bens móveis poderiam ser mercadorias, títulos, ações de companhias e

empresas, porém escravos e animais não poderiam objetos do penhor mercantil.

Art. 271 - O contrato de penhor, pelo qual o devedor ou um terceiro por ele entrega ao credor uma coisa móvel em segurança e garantia de obrigação comercial, só pode provar-se por escrito assinado por quem recebe o penhor.

Art. 272 - O escrito deve enunciar com toda a clareza a quantia certa da dívida, a causa de que procede, e o tempo do pagamento, a qualidade do penhor, e o seu valor real ou aquele em que for estimado; não se declarando o valor, se estará, no caso do credor deixar de restituir ou de apresentar o penhor quando for requerido, pela declaração jurada do devedor.

222Para Saez essa elite estava dentro de um mesmo corpo social, mas destacava-se por sua especialização em um determinado setor que não era o interesse de todos. 223GUIMARÃES, Carlos Gabriel. Op cit, 1997. p. 86. 224Idem. p. 89

78

Art. 273 - Podem dar-se em penhor bens móveis, mercadorias e quaisquer outros efeitos, títulos da Dívida Pública, ações de companhias ou empresas e em geral quaisquer papéis de crédito negociáveis em comércio.225

Já a organização das sociedades em Companhias de Comércio ou em sociedades

anônimas dá outra tônica ao capital. Essas se definem como sociedades compostas por um

grupo de homens, juntamente com seus investimentos e de forma organizacional, para

empreender alguma atividade útil. A vantagem das sociedades anônimas era que poderiam

delegar à população (que tinha capital) suas ações e a quantidade delas limitaria aos sócios a

esfera de atuação nessas companhias. A importância desta lei recai na mobilização de capital

associado que iria movimentar, pelo menos em parte, os negócios do café, mesmo que

indiretamente, através da atuação dos comissários. Com as dificuldades do Banco do Brasil

em promover uma efetiva política monetária, os bancos comerciais começaram a atuar na

Praça do Rio de Janeiro captando depósitos de capitais e revertendo-os aos que buscavam

financiamento. De acordo com Guimarães226, tais atividades foram regulamentadas pelo

artigo 19, do Decreto n° 737, de 25 de novembro de 1850.

A legislação facilitou o processo de diversificação dos investimentos e deu um novo

aspecto ao mercado financeiro no Brasil. Havia uma instabilidade financeira em relação aos

órgãos oficiais de crédito. A carência de financiamentos abriu margem para que agentes

particulares, em especial antes de 1850, pudessem ocupar essas lacunas e suprir a demanda de

crédito em uma economia crescente no Vale do Paraíba. Essa era uma economia que, ao

mesmo tempo, recebia influência dos mercados internacionais de commodites e neles

influenciava uma vez que, graças à escravidão, terras livres, financiamento e crédito,

conseguia concorrer e baixar os preços de seu produto, contribuindo para a popularização do

café enquanto gênero de exportação.

O crédito no século XIX, em especial na sua segunda metade, assumiu uma função

primordial no desenvolvimento da economia cafeeira. Essa mudança foi alcançada devido ao

aumento do capital no país que, como conseqüência, gerou uma substancial condição de

crédito, começando gradativamente em meados do século XIX, pois antes havia escassez de

bancos em toda região do Vale do Paraíba tanto o Fluminense quanto o Paulista. O acesso ao

crédito, nesta fase, não era muito fácil, pois era assegurado por hipotecas das propriedades

225Código Comercial Brasileiro. < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L0556-1850.htm> 226GUIMARÃES, Carlos Gabriel. Op. cit. p. 89

79

rurais. Em alguns casos, percebemos que se hipotecavam escravos, o que começou a se tornar

uma prática mais intensa entre os fazendeiros. 227

O sistema de crédito hipotecário, oferecido pelos bancos e garantido por esse

movimento de diversificação da atividade financeira, teve seu inicio na cidade do Rio de

Janeiro e foi-se proliferando por todo o Vale, atingindo grandes extensões, cortando o Rio

Paraíba, atravessando estados. O crédito hipotecário era uma saída ao financiamento pelo seu

prazo estendido e pelas garantias que exigia, em geral, propriedades. O tempo médio para os

fazendeiros quitarem suas dívidas com os bancos variava de 2 a 4 anos, oscilando as taxas de

juros de banco para banco mas, grosso modo, podemos classificá-las com uma variação de

6% a 15% ao ano dependendo da região ou da cidade. Geralmente, o Vale do Paraíba

Fluminense seguia uma tendência e o Vale do Paraíba Paulista seguia outra228 de variações de

juros, mas seguiam o mesmo padrão de crédito hipotecário. Percebe-se que, quanto maior era

a garantia emprestada, maior era o prazo para ser pago o empréstimo229.

Mas existe uma mudança de comportamento de empréstimos apontada por Granzieira.

Segundo o autor,

Empurrado cada vez mais para longe dos centros exportadores, o fazendeiro via multiplicar-se, entre ele e o embarque, uma série de agentes não afeitos às estritas relações pessoais, tão ao seu gosto, como bem caracterizou Maria Sylvia de Carvalho Franco. E o foco desse processo multipolar era a relativa autonomia que a vida econômica do Município da Corte ia adquirindo, para o que sem dúvida, concorria a retração da unidade produtora como mercado para o comércio, agora renovado.230

Para ele, estaria começando a ocorrer no Vale uma nítida separação entre o capital

mercantil e o capital financeiro, o que o autor definiu como “solidariedade funcional”, fruto

de um processo de urbanização. As relações que antes sustentavam os processos de “salvação

pública” à falência, ou, na visão de Polanyi231, a malha social de relações que evitava o

desvalimento dos indivíduos, a ajuda mútua, perdiam-se para os novos arranjos que estavam

se formando a partir de 1850. “Era muito raro o aparecimento de uma falência até 1850 apesar

de não haver formalização do Código Comercial”, dizia o escriturário da Fazenda e

posteriormente do Tesouro Nacional, Dr. Sebastião Ferreira Soares.232

227MÜLLER, Elisa Moedas e Bancos no Rio De Janeiro no Século XIX. <http://www.ie.ufrj.br/eventos/seminarios/pesquisa/moedas_e_bancos_no_rio_de_janeiro_no_seculo_xix.pdf>, acesso em 21/12/2010 e FONTANARI, Rodrigo. Op.cit. 228Guardadas as devidas diferenças regionais e temporais. 229Cf. MARCONDES, Renato Leite. O financiamento hipotecário da cafeicultura no Vale do Paraíba Paulista (1865-67). Revista Brasileira de Economia, vol. 56, n° 1, rio de Janeiro, mar de 2002. 230GRANZIEIRA, Rui. Op. cit, 1976. p 20-1. 231Cf. POLANYI, Karl. Op. cit. 232SOARES, Sebastião Ferreira apud GRANZIEIRA, Rui. Op. cit, p. 22.

80

Essa política econômica, que se formou com o aumento das casas bancárias no Rio de

Janeiro e com sua diversidade em relação aos fatores de crédito, financiamentos e papéis

negociáveis, provocou o aumento de liquidez gerando soluções para os produtores do Vale,

que puderam adquirir escravos, produtos alimentícios que estavam com preço elevado e

gêneros necessários à manutenção e à expansão da cafeicultura. Muitas vezes, presos aos

papéis dos bancos comerciais, os produtores do Vale os trocavam ou negociavam abrindo o

leque de investimentos que ia sustentar seus negócios agrícolas.

Em 1857, as economias européias e a norte-americana entraram em uma crise de

repercussão internacional. O Brasil, como país próximo e inserido no contexto internacional

da economia do século XIX, em especial por causa do café, sofreu o impacto e o soldo

metálico da Caixa Matriz do Banco do Brasil registrou uma queda de 33,3%.233 A economia

se desestabilizou e foram cobrados os empréstimos para fazer frente à crise.

Ao lado das casas bancárias, os empréstimos pessoais de agentes econômicos – em

geral, a classe produtora, detentora de algum capital – aproveitando o mercado, crescia

através de empréstimos locais a juros que corriam em torno de 1% a.m. Depois de certa

calmaria, em 1864 ocorreu uma das mais importantes crises do século XIX, a Crise do Souto.

Ela se deu principalmente pela Casa Souto, uma das maiores casas bancárias do Rio de

Janeiro, ter investido mais de 8.000:000$000 e ter, como dívida junto ao Banco do Brasil,

mais de 20.000:000$000.

Com um volume de negócios com o Banco do Brasil superior a 60 mil contos de réis por ano, ao fechar as portas em 10/09/1864, levou pânico à Praça do Rio de Janeiro. Esse fato desencadeou uma crise de liquidez sem precedentes, promovendo a quebradeira de outras casas bancárias, numa espécie de efeito dominó, quando a Casa Souto suspendeu seus pagamentos. (...) As causas para esse abalo na economia brasileira são variadas, indo desde o boato sobre a recessão econômica vivida pela Europa, as conseqüências da política restritiva do governo no ano de 1860, a ameaça do declínio das exportações brasileiras – o que ameaçaria a economia como um todo – e impactos no comércio exterior, até as expectativas negativas da fragilidade da economia brasileira para resistir a uma crise internacional com a estrutura monetária que nós tínhamos.234

233Some-se, a essa situação, o desgaste do Ministério do Visconde de Souza Franco. Alguns autores, como Saez, defendem que a crise internacional apenas acelerou o já desgastado plano econômico da gestão Souza Franco, visto a dureza das críticas econômicas do relatório feito por Visconde de Inhomirim ao período em questão. 234ALMICO, Rita de Cassia. Dívida e Obrigação: As relações de crédito em Minas Gerais, séculos XIX e XX. Tese de Doutorado, UFF, Niterói, 2009. p. 99.

81

Gráfico 07

Evolução do crédito da Casa Souto junto ao Banco do Brasil. (mil-réis)

Fonte: Relatório sobre as causas da Crise do mês de Setembro de 1864.. In: SAEZ, Hernan Enrique Lara. op. cit. p. 59.

Assim, da mesma forma que o aumento de transações comerciais havia lhe proporcionado a expansão da rede apoio e o aumento de contatos nas atividades que desempenhara durante sua ascensão, os registros indicam que, em seu momento de revés, o Visconde do Souto também perdeu parte dos seus espaços de atuação e, provavelmente, também foi alijado de parte do suporte de que antes gozava. Sua quebra ocorreu de forma abrupta na manhã do dia 10 de setembro de 1864. 235

A crise do Souto abalou a economia brasileira na década de 1860 inclusive na variação

dos preços do café. Ao se espalhar a notícia, dez dias depois o banco sofreu a pressão dos

saques, tanto das grandes casas bancárias que com ela negociavam como a dos correntistas

menores. Pelo menos, noventa e cinco casas bancárias faliram. A atuação do Banco do Brasil

na tentativa de salvaguardar a crise gerou certa estabilidade.236

O Banco do Brasil foi autorizado a emitir moeda sem lastro metálico num volume superior ao dobro do fundo disponível, tendo suas notas transformadas em moeda legal. A emissão do Banco do Brasil chegou à casa dos 25.167 contos de réis em agosto de 1864 e, em setembro, superou os 43 mil contos, mantendo esse patamar nos meses seguintes.237

No período, também funcionavam os bancos hipotecários que garantiam os negócios

territoriais, porém as práticas de cunho efetivo sobre a terra se tornavam inexequíveis.

Nenhum empréstimo com caução em terras podia ultrapassar a metade do valor da garantia

235SAEZ, Hernan Enrique Lara. O 11 de setembro de 1864 da praça carioca: a crise do Souto e a

transformação da política econômica brasileira. Acessado em http://www.iseg.utl.pt/aphes30/docs/progdocs/HERNAN%20SAEZ.pdf no dia 18/12/2011 236 Idem 237 ALMICO, Rita de Cássia. Op. cit, 2009. p. 99.

82

estabelecida no contrato hipotecário; caso o devedor não pagasse, ele deveria entregar sua

propriedade e podia exigir metade do valor ao credor.238 Logo, as casas bancárias pouco se

utilizavam deste recurso.

A última crise que abalaria o período até 1880 foi a Crise de 1875, que se expandiu

pelo período e foi sentida evidentemente em 1876. Almico239 aponta para uma crise cujas

causas estão na queda dos estoques da moeda. Para sanar a situação, o governo autorizou a

emissão de 25 mil contos de reis em bilhetes com garantias de juros a 5% a.a. e 25 mil contos

em dinheiro.

Conclui-se que, de 1815 – período de elevação do Brasil à Reino Unido – até o início

da década de 1880, houve uma intensa movimentação financeira acerca do problema da

liquidez, de financiamento, de crédito e de opções de investimento por parte da elite

brasileira. As políticas emissionistas ora eram incentivadas e ora eram combatidas, mas, de

forma geral, nota-se uma ligação entre importação, exportação, crédito e emissão que garantia

o impulso da economia. Porém, as crises internas de emissão conjuntamente com as crises

internacionais que retraíram o consumo das commodities, em especial o café, geraram

pressões que alteraram o plano seguido para o desenvolvimento e a saúde financeira e

econômica do Império.

No centro do jogo estavam os cafeicultores de Vassouras que, entre escolhas e crises,

optavam por formas diversas de buscar financiamentos para superar as características ímpares

da produção de café para exportação. Voltavam-se para empréstimos pessoais, bancários e das

casas comerciais, sejam por vias próprias ou de agentes comissários. Isso demonstra que

estavam inseridos em um sistema do complexo cafeeiro ligado ao Rio de Janeiro, que será

apresentado no capítulo seguinte.

238 GRANZIEIRA, Rui. Op cit, p. 133 239 ALMICO, Rita de Cássia. Op cit, 2009. p. 99-100

83

CAPÍTULO III: FINANCISTAS, CREDORES E FAZENDEIROS EM

VASSOURAS: CRÉDITO E INVESTIMENTO DAS ELITES.

84

O objetivo deste capítulo é apresentar dados empíricos sobre as mudanças de

investimento que ocorreram em Vassouras, considerando-se que estava relacionada tanto com

as mudanças financeiras e econômicas estabelecidas no século XIX como as variações no

panorama internacional.

O Código Comercial, a Lei de Terras e a Lei de Hipotecas foram, basicamente,

aprovadas em períodos próximos criando regras gerais para o desenvolvimento da economia

do Império. Note-se que a formação de um mercado de capitais – que é um recurso dos

investimentos financeiros e um efeito de encadeamento na economia – só pode ser bem

estabelecida com a formação das bases institucionais que acompanham a formação do próprio

Estado. “This territorial institutional framework – consisting of government agents

responsible for legislation, jurisdiction, and policing – was a prerequisite for the functioning

of the capital market”.240

Então, o nascimento do Estado brasileiro surgiu na conformação de uma sociedade

agrária. As cidades eram apenas apêndices da sociedade rural. Eram os fazendeiros ou seus

filhos que compunham o corpo político elegendo-se ou fazendo eleger quem os apetecesse. A

elite agrária se multiplicava em câmaras, parlamentos, ministérios e outras posições de

mando. O mundo político era o mundo rural e a política econômica e administrativa era

voltada aos senhores da terra.241 O Brasil transitou de colônia ao Império sem grandes abalos

em suas estruturas, mas com uma missão: modernizar-se como empresa agrícola. Sérgio

Buarque de Holanda faz um providencial relato das transformações ocorridas em meados do

século XIX.

Mesmo depois de inaugurado o regime republicano, nunca, talvez fomos envolvidos, em tão breve período, por uma febre tão intensa de reformas como a que se registrou precisamente nos meados do século passado [XIX] e especialmente nos anos de 51 a 55. Assim é que em 1851 tinha início o movimento regular de constituição das sociedades anônimas; na mesma data funda-se o Banco do Brasil, que se reorganiza três anos depois em novos moldes, com unidade e monopólio das emissões; em 1852, inaugura-se a primeira linha teleférica do Rio de Janeiro. Em 1853 funda-se o Banco Rural e Hipotecário, que, sem desfrutar dos privilégios do Banco do Brasil, pagará dividendos muito mais avultados. Em 1854 abre-se ao tráfego a primeira linha de estrada de ferro do país – os 14,5 quilômetros entre o porto de Mauá e a estação do Fragoso. A segunda, que irá ligar a Corte a capital da província de São Paulo, começa a construir-se em 1855.

A organização e expansão do crédito bancário, literalmente inexistente desde a liquidação do Banco do Brasil , em 1829, e o conseqüente estímulo à iniciativa particular; a abreviação e o incremento dos negócios, favorecido pela rapidez maior na circulação das notícias; o estabelecimento, enfim, de meios de transportes modernos entre os centros de produção agrária e as grandes praças comerciais do Império são algumas das conseqüências mais decisivas de tais sucessos.242

240ZUIJDERDUIJN. C. Op. cit. pág. 27 241Cf. MATTOS, Ilmar Rohloff de. Tempo Saquarema. São Paulo, Hucitec, 1987. 242HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo, Cia das Letras, 1995. p. 74

85

A lei de 1844, ou Tarifa Alves Branco, com o objetivo de salvar o déficit da receita

pública do Império taxou as importações de certos produtos em 30%, mas manteve inalteradas

as taxas de exportação. Diversos autores têm diferentes interpretações sobre os efeitos da

tarifa no desenvolvimento da manufatura, mas, de forma geral, ela parece ter favorecido a

manutenção do capital na economia doméstica ao evitar que houvesse grandes remessas ao

exterior devido à importação.

A política do governo tinha como objetivo deflacionar a moeda nacional. Segundo a

crença da política econômica do período, a crise se daria através da taxa de câmbio que

determinava o valor do mil-réis. As alterações cambiais, então, determinariam a política

monetária nacional cuja adoção de um novo padrão monetário (com cotação de 1$000 por 43

2/10 pences) foi implementada por Araújo Viana e favoreceu, em geral, as províncias

exportadoras, em especial Minas e Rio de Janeiro. Já em 1846, em decreto único de 28 de

novembro, de n° 487, o Império garantiu o lastreamento da moeda em relação ao seu peso e

valor nominal, garantindo a conversibilidade da moeda em libra através do Padrão-Ouro,

dando ênfase ao processo de exportação e garantindo a centralização das operações

financeiras e o controle do sistema bancário.243

A Lei de Terras (Lei 601, de 18 de setembro de 1850) foi a base do sistema

hipotecário, mas, antes, A Lei de Registros Públicos de 1846 já garantia o registro fundiário.

A legitimação de posses – um dos aspectos essenciais da Lei de Terras de 1850 – ainda persistirá, ao lado de uma complexa teia legal (muitas delas estaduais) regulamentando processos de discriminação de terras públicas, matriculação de terras discriminadas ou possuídas pela União, legitimação de posses.

Esse conjunto normativo teve como objetivo regularizar a propriedade, proporcionando um título legítimo que deveria ser apresentado ao registro imobiliário. O que sustento é que, desde 1846 até a vigente lei de registros públicos (Lei 6.015/73), houve uma nítida trajetória e desenvolvimento do sistema registral que não experimentou qualquer desvio com o advento da Lei de Terras de 1850 e seu decreto regulamentador.244

A Lei de Terras objetivava garantir, entre outros fatores, a regularização da

propriedade no Brasil, separando terras públicas das terras privadas; restringir o acesso à terra

após seu início de vigência e dar fé aos títulos de propriedade para que se tornassem créditos

territoriais. Indiretamente, essa lei garantiu que o crédito, de forma geral, pudesse ser tomado

para várias finalidades que não a colonização e como garantia dos empréstimos para a

cafeicultura no Vale.

243GUIMARAES, Carlos Gabriel. Op. cit. p. 72. 244JACOMINO, Sérgio. Cadastro, registro e algumas confusões históricas. < http://www.educartorio.com.br/docs_IIseminario/Jacomino.pdf > acessado em 2011. p. 06-7

86

Em 1854, o Registro do Vigário (ou Registro Paroquial) garantia o regulamento da Lei

de 1850, um passo importante visto que a seguridade, publicidade e especialidade passariam a

ser mais definidas na Lei. Desde 1774, admitia-se a hipoteca como direito, que passou do

Direito Romano ao Português, mas este era falho. De acordo com Rodrigues,

(...) é sabido que muitos sujeitos, que, aliás, desejariam fazer girar, e reproduzir seus fundos, recusam dá-los sobre hipotecas de bens de raiz por ignorarem se tais bens estão sujeitos, em todo ou em parte, a outros contratos e por temerem os prejuízos que de tais fraudes se têm seguido; donde também resulta que muitos proprietários são privados de fazer duplicadamente produtivas suas propriedades, obtendo sobre elas fundos, com que as possam melhorar, aumentar, ou entrar em outras especulações.245

Em 14 de novembro de 1846, o registro de hipotecas passou a ser transladado em

cartório com objetivo de dar publicidade e especificidade à propriedade e às relações de

negócios que viriam junto a ela.

Em 1864, ocorreu um avanço sobre o debate da lei tomando a forma jurídica da Lei

Hipotecária de 1864. Por tal lei, deveriam ser transcritos “todos os títulos de transmissão entre

vivos da propriedade imóvel e todos os ônus recaídos sobre a mesma”.246 A Lei de Hipotecas

tentava corrigir um problema do Registro Paroquial, que era a declaração pessoal do

fazendeiro ao pároco local, que anotava a posse no livro de registro. Muitos fazendeiros

utilizaram brechas na lei e na fiscalização para dar falsos testemunhos sobre a terra. Osório,

citado por Rodrigues, diz que: “desde a existência da lei (...) o Registro do Vigário tem sido

apresentado como uma prova de domínio de particulares sobre terras, em geral, devolutas”247

As lutas locais entre famílias e posseiros não garantiram a funcionalidade da

Regulamentação de 1854, abrindo margem para que o processo de distinção entre terras

públicas e privadas permanecesse. O que estava em jogo no debate do registro da terra era sua

forma como elemento de crédito. Alguns dos legisladores e jurisconsultos envolvidos na

reforma da legislação hipotecária defendiam a obrigatoriedade do registro da alienação entre

vivos e da oneração dos imóveis, para facilitar o crédito sobre eles.248

Essas mudanças garantiram a continuidade do processo escravista de produção voltado

ao mercado externo, mas, ao mesmo tempo, viabilizava as relações do capital como o crédito

e a inversão de excedentes para o mercado interno e para as atividades urbanas, que eram ou

não escravistas.249

245RODRIGUES Apud JACOMINO, Sérgio. Op. cit. p. 08. 246RODRIGUES, Pedro Parga. A Lei Hipotecária de 1864 e a propriedade do século XIX. < http://www.encontro2008.rj.anpuh.org/resources/content/anais/1205339972_ARQUIVO_artigoregistroanpuh.pdf > acessado em 2010- texto referente a ANPUH – Rio – XIII Encontro: Identidades. p. 01 247OSÓRIO apud RODRIGUES, Pedro Parga. Op cit. p. 04. 248 Ibidem. Op. cit. p. 05. 249Idem, pág. 27.

87

A função econômica é apenas uma das múltiplas funções da terra. Ela serve também

de locus de moradia, de elemento da paisagem e de local de culto aos homens, como, por

exemplo, os cemitérios. A terra contém, em si, elementos econômicos e sociais à vida do

homem. Ela não era tratada como mercadoria em comunidades primitivas, era um recurso que

se poderia explorar com certa exclusividade, mas não comprar ou vender livremente. Como a

terra se tornou um bem comercializável através da conscientização da população a seu

respeito como um bem econômico. Para ele, também, em sociedades arcaicas, as culturas

poderiam ser comercializadas, mas a terra era livre, talvez por sua abundância.250

Deste modo, as tribos primitivas vêem uma árvore e seu produto (p. ex. azeitona ou cacau) como pertencente àquele que planta e cultiva, sem levar em conta quem administra a terra onde ela está. Para o povo de Sierra Popoluca, no Mexico, por exemplo, as árvores eram tradicionalmente possuídas, mas não a terra onde cresciam. A posse da terra começou apenas com a introdução da cultura do café, que requeria um cultivo intensivo.251

Segundo Pipes, o esgotamento da terra, ou seja, a escassez de terras férteis seria a

explicação para sua condição de propriedade. A produtividade era substancial para o

desenvolvimento das sociedades agrárias e a empresa privada (no sentido de oposto ao

comunal e não em relação ao Estado) seria a opção que garantiria o uso racional da terra. Tal

situação de propriedade já era, de certo modo, exercida no Brasil desde tempos coloniais.

Para Polanyi252, o desmembramento da terra e sua separação como elemento

subordinado ao mercado eram vitais para o nascimento de uma economia baseada nas

tradições de mercado. “Separar a terra do homem e organizar a sociedade de forma tal a

satisfazer as exigências de um mercado imobiliário foi parte vital do conceito utópico de uma

economia de mercado”253

O que Polanyi254 chama, para a época dos Tudors, de capitalismo agrícola foi a

institucionalização da terra como elemento para o mercado, juntamente com seu cercamento e

conversões, assim como, no Brasil, o preço da terra se estabelecia pela legalização da compra

e venda: a Lei de Terras.

Se, para a Europa, a criação do mercado de terras estava acompanhada pelo desfecho

da Revolução Industrial e, supostamente, pela expansão dos mercados de produtos

industrializados255, no Vale, esta situação envolvia os interesses políticos e econômicos das

elites locais e o aumento dos mercados internacionais do café. O processo de modernização

250Cf. PIPES, Anderson. Op. cit. 251PIPES, Richard. Propriedade & Liberdade. Rio de Janeiro, Record, 2001. p. 113-4 252POLANYI, Karl. Op. cit, 2000 253Idem, p. 214. 254Ibidem, p. 215. 255Idem.

88

das relações de mercado no Brasil passava, antes de tudo, por uma cuidadosa reforma agrária,

não no sentido tomado hoje em dia, da distribuição, mas de uma organização jurídica da terra

que evitasse a expropriação fundiária e garantisse a continuidade da terra como elemento

fundamental para a economia de exportação. Era natural, no Vale do Paraíba, na Zona da

Mata Mineira e, mais tarde, no Oeste Paulista, que a terra se concentrasse graças à

peculiaridade da produção de café.

O café é uma cultura agregadora de terras que, na sua produtividade, esgotava o solo e

expandia-se sobre terras virgens, antes como fronteira aberta e posteriormente pelo ato de

compra e registro. No Brasil, herdeiro das tradições feudais portuguesas, a terra, local

privilegiado da sua economia, era também um elemento de esteio político e, juntamente com a

posse de escravos, um definidor da hierarquia social. Para Brito, “A propriedade da terra

revela-se, portanto, como uma das dimensões mais significativas de uma ordem social

historicamente fundamentada na desigualdade institucionalizada e formalmente reconhecida,

cuja persistência, no Brasil, ultrapassou os limites da sociedade escravista.”256

Por várias questões, a terra era, então, um bem que até 1860 gerava uma resistência em

ser hipotecada e que, como mercadoria pura, viria a sofrer ainda uma modificação nos anos

seguintes, quando a presença dos bancos hipotecários foi gerando oportunidades para que elas

fossem dadas como garantia.

Na análise de Brito257, a propriedade imobiliária surgiu como uma transferência da

renda capitalizada na mão de obra para a renda territorial no processo de substituição do

trabalho escravo. Baseado nos trabalhos de José de Souza Martins258, a autora defende que o

capital do fazendeiro estava cristalizado no escravo e que aquele pagava um tributo ao

traficante com base em ganhos futuros. Com a crise do trabalho escravo, que se inicia em

1850 com a Lei Eusébio de Queirós, houve necessidade de transferência da “renda

capitalizada” para a terra.

A renda territorial surge da metamorfose da renda capitalizada na pessoa do escravo; surge, portanto, como forma de capital tributária do comércio, como aquisição do direito de exploração da força de trabalho. A propriedade do escravo se transfigura em propriedade da terra como meio para extorquir trabalho e não para extorquir renda. A renda capitalizada não se constitui como instrumento de ócio

256BRITO, Mônica Silveira. Modernização e tradição: urbanização, propriedade da terra e crédito hipotecário em São Paulo, na segunda metade do século XIX. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, 2006. p. 31. 257Idem. p. 32-33 258José de Souza Martins foi um expoente do estudo em relação à terra no Brasil. Sociólogo, professor da USP, escreveu, entre outras obras O Cativeiro da Terra, estudo amplo sobre a formação da propriedade da terra no Brasil.

89

mas como instrumento de negócio. Engendra, portanto, um capitalista que personifica o capital produtivo subjugado pelo comércio, a produção cativa da circulação.259

A lógica da Lei de Terras de 1850 era garantir esse processo de transição. A elite

agrária percebia que seus investimentos em homens sofriam uma rápida transformação tanto

por pressões nacionais como internacionais. Desde 1822, os ingleses pressionavam o governo

brasileiro a promover a extinção do tráfico de escravos; o movimento se intensificou até a

citada Lei Eusébio de Queirós, que proibia o tráfico para o Brasil. Era necessário viabilizar o

processo de transição através da rede de empréstimos que ia se formando nas regiões agro-

exportadoras. O crédito de hipotecas entrou em vigor em determinadas províncias do Império

em 1873, porém, alguns casos de hipotecas de fazendas e propriedades em Vassouras são

encontrados em datas anteriores.260

Ainda mantendo-se na análise da autora, nem sempre os credores estavam interessados

nas propriedades e, sim, no retorno do capital creditado. Muitas vezes, mais na forma do

produto comercializado – já que alguns credores eram negociantes de café – do que nas

propriedades completas, com suas plantações, instalações e toda a especificidade e

manutenção da sua produção. Para solucionar a questão, em 1885 passou a ser comum outra

forma de obter crédito: a penhora dos cafezais, das cerejas ainda no pé ou do fruto colhidos261.

Assumida esta nova estratégia, a ênfase no empreendimento econômico do café, que até então recaía sobre o trato do cafezal e a colheita (uma vez que era no trabalho que se configurava a renda capitalizada) passou a incidir sobre a formação da fazenda, pois o seu valor de mercado estava nos frutos que podia produzir, no trabalho materializado nas plantações. O que interessa, sob essas novas circunstâncias, é o número de cafeeiros e sua produtividade, de forma que a preferência dos produtores acabou por incidir sobre a abertura de fazendas em terras novas, onde a produção podia ser muito maior que a das antigas.262

Antes de 1850, os pequenos e médios valores creditados não eram caucionados por

qualquer hipoteca; somente alguns casos de valores maiores possuem uma forma de hipoteca,

como exemplificamos:

Devo que pagarei ao senhor João Barbosa 205 oitavas de ouro em pó precedidas de um negro que comprei do gentio moçambique por nome Francisco a qual quantia pagarei a ele dito ou a quem este me mostrar da feitura deste a um ano e para sua clareza lhe dei este de minha letra e sinal hoje 28 de fevereiro de 1720.263

Nota-se que, neste momento, não há nenhum sinal de bens hipotecados. As relações de

crédito eram baseadas na palavra do devedor como principal garantia, além de constar que a

259MARTINS apud BRITO, Mônica Silveira. Op. cit. p. 33. 260Idem, p. 34-5. 261Idem, p. 34. 262Loc cit. 263SANTOS. Op. cit. p. 78

90

relação entre crédito e dívida perpassava todas as camadas sociais gerando um

“endividamento generalizado”264

Retomando o conceito de Schumpeter265, o oferecimento de formas de crédito em

sociedades ainda não institucionalizadas e nas capitalistas é uma forma de impulsionar uma

atividade produtiva e, ao mesmo tempo, uma especialização dela. De uma forma ampla, o

crédito insere o conceito de serviços e mercadorias antecipadas com prazo determinado para

pagamento.

Admitir que o dinheiro, em sociedades econômicas, é um mero facilitador das trocas é

um erro. O dinheiro se desmembra em formas diferenciadas em relação à sua natureza: meio

de troca, reserva de valor e unidade de valor. O meio de troca é o facilitador nas relações de

comércio garantindo uma padronização nas unidades que estabelecem as trocas, ou seja, um

instrumento de pagamento; a reserva de valor é a capacidade que a moeda tem de ser

poupada, ou seja, guardada para utilização futura; e a unidade de valor é a capacidade que a

unidade padrão da moeda tem de expressar o valor das coisas e serviços mediante a indicação

da quantidade de uma unidade monetária.266

Já o crédito tem sua função econômica garantida pela circulação de bens e

mercadorias, pois antecipa a renda ou garante continuidade no processo produtivo em

momentos de escassez monetária. Como sobre ele também incidem os juros, tornando-o um

capital financeiro, ele é a dinâmica da troca e a reprodução de si mesmo.

Segundo Schumpeter267, os homens de negócios, muitas vezes, necessitam das

relações de endividamento. Muitos, antes de se tornarem “creditores” e “depositores”268 de

riqueza, eram devedores dos agentes credores. Essas relações são comuns nos inventários da

elite cafeicultora e capitalista de Vassoura, no interior do Vale do Paraíba Fluminense. Alguns

nomes de indivíduos ligados à lista de devedores em um momento se tornaram credores em

outro. O próprio Barão de Itambé, capitalista por excelência em Vassouras, está na lista de

dívidas do inventário de José Teixeira Leite269. Enquanto Anna Bernardina aparece como

devedora do Barão de Itambé, é credora de muitos indivíduos.

264Idem, pág. 86 265Cf. ALMICO, Rita de Cassia. Pedir e emprestar: o mercado do crédito em uma comunidade cafeeira. <http://www.cedeplar.ufmg.br/seminarios/seminario_diamantina/2010/D10A067.pdf> acesso em 10/03/2011 266Cf. GALVES, Carlo. Manual de Economia Política Atual. Rio de Janeiro, Forense-Universitária, 1981. P. 261-2. 267SCHUMPETER, Joseph A. Op. cit. p.. 97. 268Termo utilizado pelo Schumpeter na obra Teoria do Desenvolvimento Econômico. 269Centro de Documentação Histórica da Universidade Severino Sombra.

91

Mas o crédito em si acarreta um risco que se subentende nos processos de confiança e

garantias. Nos Princípios de Economia, de Fetter270, este afirma que o crédito é um negócio

cuja renda deriva das promessas que os agentes devedores se empenham para pagar.

Os depósitos mencionados acima obviamente também surgem, em grande parte, do desconto de papel comercial dessa espécie. Esse bem poderia ser considerado o caso normal de concessão de crédito ou de colocação de instrumentos de crédito nos canais do comércio, e todos os outros casos seriam chamados anormais. Mas, mesmo nos casos em que não se trata de liquidar uma transação normal de mercadorias, geralmente exige-se uma caução, e, portanto, o que chamamos “criação” seria apenas uma questão de mobilização dos ativos existentes.271

Schumpeter entende que a discussão da moeda não é puramente uma questão no

âmbito da troca de mercadorias, mas algo além, que é a credibilidade que a moeda toma no

meio econômico e que faz dela uma mercadoria. Essa confiança era necessária na produção de

café pelo alto grau de endividamento, já discutido neste trabalho, devido à inelasticidade do

produto. Além do mais, em momentos de safra, precisa-se de capital antecipado para contrato

de trabalhadores – em geral, escravos – para a colheita do café. No inventário do Barão de

Guaribu, presenciamos essa atividade. Ele se endividou com D. Margarida, esposa do Capitão

Luiz José Barbosa dos Santos em 15 contos de réis para obtenção de escravos (alugados) para

a colheita de café de 1841 a 1845.

Pendergrast272 considera o processo de duração das plantas, que podem produzir por

20 ou 30 anos. Elas se tornam bens de capital e, por isso, precisam de manutenção constante

para que não desapareçam. Visto assim, o processo de endividamento torna-se uma realidade

necessária no processo produtivo do café no Vale, pois era necessário investir capital

constantemente nos momentos de produção desta commodity.

Para Pires273, ao estudar a estrutura agroexportadora do complexo cafeeiro da Zona da

Mata Mineira, existe uma dinâmica que as economias naturalmente encadeiam até atingir a

esfera dos recursos financeiros de dada economia, a partir de um complexo central, no caso, o

cafeicultor.

A produção cafeeira, meramente por ser uma produção agrícola, mas também por suas especificidades físicas ou agronômicas, já impõe uma estrutura de demanda de recursos financeiros cuja não satisfação pode comprometer, naquelas economias em que predominou todo o seu processo de reprodução e acumulação de capital, envolvendo o conjunto do sistema que nele se fundamenta. Por outro lado, à medida que também se constitui no elemento determinante da formação e distribuição de renda destas economias, condiciona não só a própria possibilidade da existência de recursos disponíveis para empréstimos, como também o seu volume e propensão de sua transferência para outros setores do sistema, o que delimitaria, em suas linhas gerais, também a estrutura de oferta de recursos financeiros.

270FETTER Apud SCHUMPTER, Joseph A.. Op. cit. pág. 104. 271Idem, pág. 105. 272PENDERGRAST, Mark. Op. cit, pág. 87. 273PIRES, Anderson. Op. cit.

92

À medida que a estrutura da procura e também da oferta de recursos monetários estariam determinadas, direta ou indiretamente, pela organização de produção do produto principal, poderíamos caracterizá-las como linkages, ou efeitos de encadeamentos financeiros.274

O autor debruça-se sobre a economia de exportação de Minas Gerais e enxerga que,

nas economias agroexportadoras da Zona da Mata Mineira, os proprietários agrícolas, por

diversas situações, são suscetíveis ao endividamento de uma forma intensa, por sinal. Essa

situação corresponde a uma singularidade das produções agrícolas que é a “defasagem entre a

renda decorrente da comercialização da safra (...) e as necessidades correntes dos

produtores”.275 E continua a expor afirmando que a defasagem é provocada por uma

necessidade inerente à sazonalidade – períodos de crise, secas, geadas – ou às retrações do

mercado interno, sendo suscetíveis à mesma variação dos mercados internacionais. Isso

provocaria, por parte dos produtores, a busca por capital para manter os negócios nesses

períodos, ou seja, o crédito a curto prazo. Ele garantiria a operacionalidade da lavoura e a

manutenção do complexo como um todo nos momentos em que não houvesse renda através

da venda dos produtos ou quando esta se tornava insuficiente. Uma peculiaridade do século

XIX era a ampla utilização do crédito por agentes privados visto que, nesse tempo, as

instituições bancárias não eram tão disseminadas no país e as que existiam não agiam

diretamente com os produtores, em geral, do interior do país.

Assim como em várias regiões produtoras de café, ao analisar os inventários de

Vassouras, é comum notar agentes que disponibilizavam suas riquezas pessoais sob a forma

de crédito objetivando lucro a curto prazo, o que, em geral, a historiografia reconhece como

“capitalistas”. Nota-se em alguns inventários também que essa inserção do crédito alimentava

pequenos e médios produtores e demais indivíduos da cidade que, por um motivo ou outro,

recorriam ao crédito. Os pequenos e médios produtores seguiam a lógica da sazonalidade de

suas produções e da demanda interna, em geral. Mas, sem sombra de dúvida, as maiores cifras

creditadas iam para a elite agrária do município em questão, cuja capacidade de “resgate da

dívida” era maior devido ao montante negociado e à sua parcela de consumidores no mercado

internacional e também ao fato de o crédito ser oferecido em melhores condições.

Essa adoção generalizada do crédito de agentes locais tinha certa lógica pautada na

informação. Em uma sociedade sem institucionalização dos mercados e sem elementos

jurídicos que garantissem os vários tipos de investimentos, que buscava estratégias para se

criar uma forma de operar a economia, a credibilidade (que é atrelada ao ato creditício) e a

“certeza” de retorno do capital investido eram fundamentais. Assim, os homens que já viviam 274PIRES, Anderson. Op. cit. p. 194. 275Idem, p. 195.

93

na localidade conheciam melhor os seus credores no que se refere à situação financeira,

quantidade de bens, capacidade de pagamento, honradez etc. Como não havia outros

instrumentos de averiguação de informação, as relações de parentesco, amizade,

conhecimento e credibilidade eram o de que se poderia lançar mão no momento. O nome da

família fazia as vezes de caução material, já que havia instrumentos legais eficientes para

recuperar o bem creditado, como inventariar as dívidas ou publicá-las.

Este é o exemplo de João Evangelista Teixeira Leite, casado com Anna Bernardino

Carvalho Leite. No inventário dela, datado de 1851, encontramos um montante de 144

empréstimos somando Rs$328:660$276. Entre seus empréstimos, havia um de 2:920$000

para a Câmara Municipal de Vassouras, o que mostra que os empréstimos tinham tanto

natureza pessoal como institucional. O maior valor emprestado foi para José Manuel da Silva

Ferreira, no valor de 18:619$641.

É interessante notar que esses empréstimos foram cedidos por volta da década de

1840, ainda no processo de desenvolvimento da cafeicultura, e a maior parte deles se

concentravam em pequenos montantes de até cinco contos de réis [Tabela 03]. Já sua fortuna

é distribuída em 55% de Bens de Raiz, incluindo suas fazendas, 42% de ativos – empréstimos

-, 1% em escravos e 2% em bens móveis.

Tabela 04

Empréstimos de Anna Bernardina Carvalho Leite

Valor em Réis Distribuição dos empréstimos.

Acima de 15:000,000 3%

De 10:000,000 a 15:000,000 3%

De 5:000,000 a 10:000,000 11%

De 1:000,000 a 5:000,000 35%

Até 1:000,000 48%

Fonte: Inventário de Anna Bernardina Carvalho Leite, CDH – USS.

Anna Bernardino Carvalho Leite fazia parte de uma importante e influente família de

Vassouras que se dividia entre fazendeiros e capitalistas. Mesmo os fazendeiros não deixavam

de emprestar parte da sua fortuna em um movimento de inserção de crédito para os mais

variados fins e sob diferentes aspectos. Torna-se necessário, pela natureza deste trabalho, um

estudo mais detalhado sobre os 144 devedores de Anna Bernardino, mas, pelo que se conclui

através do que foi possível analisar, uma parte compunha-se de famílias tradicionais da

cidade, mas outros, nem tanto. Não foi possível perseguir todos os documentos da lista que

94

aparecem no inventário, mas dentre os que foram encontrados, pudemos verificar que a maior

parte dos créditos emitidos foi para pequenos e médios produtores, muitos em períodos de

entressafra.

A família Teixeira Leite chegou ao município de Vassouras através de Custódio

Teixeira Leite, que havia sido encarregado de construir uma ponte na região que ligaria a

Estrada da Polícia ao lado esquerdo do Paraibuna. Este, por sua vez, devia quase 8:000$000 a

Anna Bernardina.

Um dos mais importantes credores do clã Teixeira Leite foi, sem dúvida, Francisco

José Teixeira (Barão de Itambé). Talvez seu inventário (1866) seja o mais rico para se analisar

os efeitos da economia sobre a atuação da oferta de crédito. Descrito como capitalista pela sua

quase exclusiva atuação como credor e investidor em papeis, o Barão de Itambé acumulou

uma das mais importantes fortunas de sua época. Os empréstimos de foram de

Rs$740:838$162. Sua riqueza estava distribuída da seguinte forma:

Gráfico 08

Composição da Riqueza do Barão de Itambé, 1866.

Fonte: Inventário do Barão de Itambé, CDH – USS.

Seu empréstimo de maior volume foi para a casa comercial Teixeira Leite &

Sobrinhos, no montante de Rs$553:542$000. Assim como o caso de Anna, seus credores se

Bens móveis

1%

Bens de

Raiz

1%

escravos

1%

empréstimos

89%

Dívida

passiva

8%

Bens móveis

Bens de Raiz

escravos

empréstimos

Dívida passiva

95

distribuem por várias camadas sociais, mas há um montante maior de empréstimos, que se

concentram mais nos valores maiores, com maior risco [Tabela 05].

Tabela 05

Empréstimos de Barão do Itambé

Valor em Réis Distribuição dos empréstimos. acima de 50:000,000 2%

de 25:000,000 a 50:000,000 2%

de 20:000,000 a 25:000,000 8%

de 15:000,000 a 20:000,000 8%

de 10:000,000 a 15:000,000 4%

de 5:000,000 a 10:000,000 13%

de 1:000,000 a 5:000,000 36%

até 1:000,000 28%

Fonte: Inventário de Barão de Itambé, CDH – USS.

De acordo com a Tabela 06, a maior inversão do capital do Barão de Itambé se

encontrava no empréstimo e no crédito, seguido de Letra, seja vencida ou não. Na década de

50 e 60, as escrituras de hipoteca são garantidas por uma legislação que gera maior

credibilidade na transação hipotecária.

Tabela 06

Distribuição das opções de aplicação do Barão de Itambé

Valor em Réis Distribuição dos empréstimos.

Crédito 59%

Letra vencida 14%

Letra 12%

Escritura de Hipoteca 7%

Outros 5%

Papel de contrato 3%

Fonte: Inventário de Barão de Itambé, CDH – USS.

Podemos notar, no inventário do Barão, um interessante movimento de acesso ao

crédito e pagamento entre 1859 e 1866.

96

Gráfico 09

Volume de crédito fornecido pelo Barão de Itambé e o resgate (1859-1866)

Fonte: Inventário de Barão de Itambé, CDH – USS.

Foram feitos os seguintes empréstimos e quitações ao Barão:

Tabela 07

Relação de Empréstimos e Quitações do Barão de Itambé (1859-1866)

Ano Empréstimo Quitações

1859 1 4

1860 2 2

1861 5 5

1862 3 5

1863 7 5

1864 12 4

1865 6 14

1866 3 5

Total 38 44

Fonte: Inventário de Barão de Itambé, CDH – USS.

1 1

5

3

7

12

6

3 4

2

5 5 5 4

14

5

-

2

4

6

8

10

12

14

16

1859 1860 1861 1862 1863 1864 1865 1866

Empréstimos Pagamento

97

Segundo os movimentos do Gráfico 09 e da Tabela 07, o sistema creditício local

estava aquecido. Entre 1863 e 1866, ocorreram dois fenômenos que podem explicar as curvas

do gráfico e seus momentos de pico. Entre 63 e 64, ocorreram graves crises de cunho

ambiental nos cafezais de Vassouras: uma praga, conhecida como “praga da bruxa”, vinha

afetando e comprometendo a produção de café daqueles anos. Para manter-se operante no

mercado, a única saída viável era lançar mão de empréstimos para garantir a manutenção da

fazenda até a situação se equilibrar. Um segundo fenômeno estaria ligado à praça mercantil do

Rio de Janeiro. A Crise do Souto, já citada nesse trabalho, alterou a capacidade creditícia dos

bancos comerciais do período; a crise se avolumou e o crédito ficou escasso. Esses fenômenos

mostram um aumento significativo na curva do gráfico entre 1863 e 1864. É interessante notar

que a curva se inverte no ano seguinte.

A Tabela 06 também nos mostra que o total de dinheiro emprestado foi recuperado, o

que mostra a capacidade de pagamento das elites locais. As crises demandaram um número

muito maior de capital para supri-la do que em períodos anteriores, como mostrado no

Gráfico 10.

Gráfico 10

Montante emprestado pelo Barão de Itambé entre 1850 e 1866

Fonte: Inventário de Barão de Itambé, CDH – USS.

$0.000

100$000.000

200$000.000

300$000.000

400$000.000

500$000.000

600$000.000

700$000.000

800$000.000

18

50

18

51

18

52

18

53

18

54

18

55

18

56

18

57

18

58

18

59

18

60

18

61

18

62

18

63

18

64

18

65

18

66

Rs$

98

O Barão de Itambé contribuiu como agente particular credor com um movimento

financeiro num momento em que havia muitos obstáculos para que o produtor pudesse lançar

mão de seus créditos, visto que os bancos nem sempre emprestavam direto aos cafeicultores.

Em 1851, o inventário de Maria Ismênia Teixeira Leite totalizava um ativo de

407:722$492 baseado em empréstimos (créditos) para vários ramos da sociedade, como a

família Werneck, importante no processo de colonização do Vale. Os demais devedores são

famílias cujos sobrenomes não encontramos entre os considerados grandes proprietários.

Foram pagos o montante de 556:403$037, ou seja, cerca de 36% do capital inicial.

Com as leis que vão garantir uma nova forma de negociar terras, de hipotecar e de

associar capital, a partir de 1850, a situação começa a mudar para os indivíduos de Vassouras.

De acordo com Zuijderduijn,276 muitas sociedades não conseguem participar de um

efetivo mercado de “trocas” sem que lhe garantam as condições de direito de propriedade,

direito de hipoteca e bem e créditos baixos, elementos que, para o pesquisador, promovem o

desenvolvimento de uma dada economia. A formação de um mercado de capital ganha

amplitude a partir do estabelecimento de leis que regulam o processo de hipoteca, a garantia

das propriedades e as suas transferências. Nas sociedades em processo de institucionalização

de mercados, fornecer um registro imobiliário aos proprietários torna as negociações muito

mais seguras, gerando uma forma privilegiada de acúmulo de capital e incentivo para o

desenvolvimento econômico.277

Uma nova era em relação ao financiamento agrícola no Brasil chegou, com a conversão do Banco do Brasil e do Banco Predial em instituições de crédito hipotecário. A guerra com o Paraguai havia sido vencida, e havia uma alta de preços do café gerando um ambiente de atuação para os bancos hipotecários de acordo com a legislação de 1864 e 1865. (...) As companhias poderiam acumular grandes quantidades de capital para investir em plantações por longos períodos, com melhores condições de crédito criadas por uma lei clara que garantia terra e escravos. Com risco diminuído, plantadores pagariam taxas de juros iguais ou inferiores à taxa de desconto, eliminando assim o lucro do intermediário. [tradução livre]278

276ZUIJDERDUIJN, C. Op. cit. págs. 01-2. “Many societies do not provide participants in economic exchange with the means to obtain clear answers to these questions; without clear ownership rights over the capital goods they possess, they cannot mortgage their possessions, and they have a low creditworthiness” 277Cf. MARCONDES, Renato Leite. Op cit, 1998. 278SWEIGART, 1980 apud MARCONDES, Renato Leite. Op. cit. p. 179. “A new era in agricultural finance in Brazil arrived with the conversion of the Banco do Brasil and the Banco Predial into mortgage institutions. The war with Paraguay had been won, and high coffee prices were propitius for the mortgate banks envisioned in the legislation of 1864 and 1865. (...) Companies would amass large amounts of capital to invest in plantations for long terms, under the improved credit conditions created by the clear registration of collateral: land and slaves. With risk diminished, planters would pay interest rates at or below the discount rate, thus eliminating the profit of the middleman.”

99

Na análise de Zuijderduijn,279 países que não garantiam situações legais para o direito

de propriedade depararam-se com dificuldades para o desenvolvimento dos mercados de

capitais – estruturas criadas e mantidas por elementos de instituição pública ou privada que,

ao garantirem as economias que produzem em escala (pela própria introdução e negociação

do capital para investimento e manutenção das estruturas produtivas), tendem a baratear os

preços para o mercado amplo.

Os grupos de interesse que, a partir de 1850, passaram a legislar em prol da

institucionalização dos mercados de terra e crédito eram oriundos da elite agrária e comercial

ligada ao Rio de Janeiro.280 Para Stein,

A liderança desse grupo heterogêneo [de homens livres] era constituída por um pequeno, mas influente segmento de fazendeiros. Numericamente insignificantes, os fazendeiros e seus parentes dominavam cada paróquia efetivamente através das eleições, em atividades ligadas à justiça (eles eram eleitos juízes de paz), e como oficiais da Guarda Nacional. Entre os fazendeiros, algumas famílias ou clãs exerciam um papel dominante nos negócios do município.

As origens das famílias dos fazendeiros que exerciam a hegemonia social, econômica e política em Vassouras, no século XIX, reportam ao século XVIII, tanto em terras portuguesas como nas possessões insulares, das cidades de minas de ouro, em Minas Gerais, às áreas dentro de Vassouras e arredores.281

Uma das formas encontradas pelos diversos agentes econômicos dessas sociedades

para obter crédito e manter a produtividade foi a hipoteca de bens. No caso de Vassouras, ela

se estabeleceu, entre outros casos, pela terra e por escravos, que eram hipotecados para a

obtenção de dinheiro e de garantias para os mais variados fins. Não é incomum encontrarmos

esse tipo de hipoteca nas sociedades em formação de mercados de capitais na Europa também.

Zuijderduijn observa que os agentes buscam os créditos hipotecando seu “capital abstrato”

(abstract capital),282 que são os valores dos seus créditos seguros, ou, ajustando melhor para a

realidade do Brasil, seus bens de capital. Esses créditos, em geral nas economias agrárias do

Vale do Paraíba Fluminense e em especial em Vassouras, se estabeleceram pela hipoteca dos

bens de raiz, que são bem aceitos pelos credores em geral.

As garantias de contrato, estabelecidas de fato em 1850, davam segurança para um

tipo de mercado altamente sensível. Os contratos de obrigação definiam prazos e formas de

cobrança assegurando, a ambas as partes, os direitos que davam estabilidade ao processo.283

Os participantes [do mercado] precisam contrair obrigações que podem ser executadas por muitos anos, o que significa que eles exigem contratação de instituições, fornecendo-lhes os meios para obter

279ZUIJDERDUIJN. C. Op. cit, p. 16-7. 280GUIMARÃES. Carlos Gabriel. Op.cit, 1997. p. 62-92. 281STEIN, Stanley. Op. cit, 1990.p. 153-4 282 ZUIJDERDUIJN, C. Op. cit. p. 07. 283 Cf. JACOMINO, Sérgio. Op. cit..

100

provas, de preferência por escrito. Instituições contratantes são inúteis sem as organizações que pode arbitrar conflitos e executar decisões judiciais.284 [tradução livre]

Como já foi dito em outros momentos, são escassos os estudos específicos para o

entendimento das relações creditícias (nas suas variadas formas) e de investimentos no Vale

do Paraíba Fluminense, principalmente em relação a uma sociedade cuja dinâmica econômica

gravita entre relações pessoais, marcadas por redes de parentesco, e relações capitalistas que,

por vezes, eram recém-institucionalizadas, como as estabelecidas a partir de 1850.

Muitas das transformações que começaram a se operar em 1850 – por

responsabilidade das elites locais ou das elites do Rio de Janeiro – modificaram certas

estruturas do complexo. Dele faziam parte o transporte – inicialmente, em animais e,

posteriormente, pelo transporte ferroviário, cuja ampliação de deu pelos investimentos das

elites locais comprando ações das ferrovias, em especial da Estrada de Ferro D. Pedro II,285 –

a produção de alimentos, as importações e exportações, o beneficiamento, a expansão de

fronteiras agrícolas, a negociação de capital, o controle de mão de obra, o acesso e

estabilização da posse da terra, entre outros fatores. Todas essas atividades eram necessárias à

produção de café e, sobretudo, à acumulação do capital.

Manter este mercado, principalmente após a década de 1850, com as proibições de

importação de escravos que assolavam o Vale do Paraíba Fluminense, era preocupante e a

produção de café precisava de “algo a mais” para fomentar a lavoura. Ridings286 comenta a

questão institucional no Brasil em relação aos bancos, aos créditos governamentais e a um

mercado de crédito que garantisse juros baratos para manter o sistema produtivo.

Os problemas bancários de crédito e moeda ameaçaram o desenvolvimento econômico do Brasil na segunda metade do século XIX. O mais importante foi o crédito pouco expansivo para a agricultura. Sem ele plantadores não poderiam modernizar suas operações ou em alguns casos até mesmo sobreviver. O próprio comércio também sofreu com crédito caro e de raro (…), o que levantou as taxas de juros e dificultou as transações comerciais mais simples. 287 [tradução livre]

284ZUIJDERDUIJN. C. Op. cit. p.08. The capital market requires other institutions as well. Participants need to contract obligations that can run for many years; this means they demand contracting institutions, providing them with the means to obtain evidence, preferably in writing. Contracting institutions are useless without organizations that can arbitrate conflicts and execute court decisions. 285Cf. LIMA, Célio de Aquiar. Op.cit.. 286Cf. RIDINGS, E. Business Interest Group in Nineteenth Century Brasil. Cambridge, Cambridge University Press, 1994 287Idem, p. 132. Problems of banking, credit, and currency threatened Brazil´s economic development in the second half of the nineteenth century. The most crucial was inexpansive credit for agriculture. Without it planters could not modernize their operations, as business interest group urged, or in some cases even survive. Commerce itself also suffered from expansive credit and from periodic shortages of currency, which lifted interest rates and made ordinary business transactions difficult.

101

Para Guimarães,288 a produção em alta escala, voltada para o mercado internacional,

possibilitou a criação dos primeiros bancos comerciais privados nas praças mercantis.

Gráfico 11

Brasil: Produtos de Exportação (1821-1830) – Receita das exportações em (%)

Fonte: IBGE. Anuário Estatístico 1939-1940. In: GUIMARÃES, Carlos Gabriel (1997), p. 55289

Em Vassouras, famílias ligadas ao fornecimento de crédito e ao mercado de capitais

ofereciam a custos baixos – 1% ao mês – empréstimos que financiavam a lavoura em épocas

de crise ou para a sua modernização, como é o caso clássico do Barão de Itambé290. Essa

posição nos garante afirmar, com certo conforto, que não havia uma prática de usura já que,

muitas vezes, os juros eram mais baixos que os praticados pelo oeste paulista.

Vassouras também foi palco de uma dessas experiências financeiras bancárias, o que a

retira do conceito de ter vivido apenas de créditos pessoais ou dos da praça mercantil do Rio

de Janeiro. Aproveitando o clima liberal que a economia brasileira sentiu na década de 1850,

com o aumento da autonomia creditícia das províncias, em especial com a ascensão de Souza

Franco ao ministério e com as reformas que garantiram aos bancos se tornarem. João

Evangelista Teixeira Leite, o Barão de Vassouras, possuidor de fazendas e cafeicultor,

associou seu capital e se tornou, em 1858, o Presidente do Banco Commercial e Agrícola do

288Cf. GUIMARÃES, Carlos Gabriel. Op. cit. 289Gráfico adaptado da tabela apresentada pelo autor. 290 nventário do Barão de Itambé – CDH da Universidade Severino Sombra.

Brasil: Produtos de Exportação - 1821-1890.

0

10

20

30

40

50

60

70

1821

-30

1831

-40

1841

-50

1851

-60

1861

-70

1871

-80

1881

-90

(%)

Café

Açúcar

Algodão

Borracha

Couros e Peles

Fumo

Cacau

Outros

102

Rio de Janeiro, instituição que se tornou emissora pelo decreto n°1971 de 31/08/1857. Sendo

um dos acionistas majoritários, o Barão de Vassouras assumiu a presidência juntamente com

o Dr. José Antonio de Oliveira Silva, Francisco José Gonçalves, Conselheiro Antonio

Henrique de Miranda Rego, Dr. Ignácio da Cunha Galvão, Francisco José de Mello e Souza,

Pedro Alcântara Machado e Dr. Francisco Assis Vieira Bueno, que faziam parte da

Diretoria.291

O Banco Commercial e Agrícola foi organizado em forma de sociedade anônima, já

garantido desde o Código Comercial de 1850, e, segundo Guimarães, formado pela associação

de 20.000:000$000 divididos em cem mil ações. Pelos artigos 2 e 3 do decreto n° 1971, o

Banco deveria abrir duas filiais, uma em Vassouras e outra em Campos, e mais quatro

agências nas principais cidades cafeicultoras do Vale do Paraíba.292 Pelo artigos 15 e 16,

Artigo 15. a faculdade de emittir bilhetes ao portador e vista, não podendo a somma emitida pelo banco, compreendida a emissão das Caixas Filiaes e agencias, exceder a 50% do capital realizado do banco. Os bilhetes emittidos pelo banco central não serão menores de 20$000, nem menores de 10$000 os que o forem pelas caixas filiaes e agencias.

Artigo 16. O Banco terá um fundo disponivel representado por moeda corrente, barras de ouro de 22 quilates e prata de 11 dinheiros, na importancia de hum quarto da sua emissão; e a Directoria poderá, para maior regularidade da circulação dos titulos emittidos, estabelecer semanal ou mensalmente com os Bancos de emissão que existirem no paiz a troca reciproca de seus bilhetes, pagando-se o saldo em conta corrente; e bem assim offerecer caução em valores equivalentes à décima parte de sua emissão”. 293

A situação limítrofe estabelecida pelos artigos, entre 20:000$000 e 10:000$000, não

era, evidentemente, prerrogativa do banco, mas essa característica do empréstimo acabou por

garantir ao credor local de Vassouras a sua operação de crédito no mercado sem uma

concorrência direta.

As crises dos anos de 1857 e 1858 provocaram uma saída volumosa de cambiais do

Brasil pressionando os recém-formados bancos. A origem é apontada nas quedas de preços

das commodities, que retraíram a até então expansiva economia norte-americana. Os ingleses,

baseados na Peel Banking Act, de 1844 – que, resumidamente, seria o controle dos bancos

ingleses por um banco central, – e vendo que o Brasil era um país tipicamente exportador de

commodity, logo exigiram o pagamento das dívidas. Como a vigência, no Brasil, era o padrão

ouro, as reservas de cambiais lastreadas no ouro subiram, por exemplo, de 460.107 libras em

291GUIMARÃES. Carlos Gabriel. O império e o crédito hipotecário: o estudo de caso do Banco Commercial e Agrícola 1858-1861. Artigo não publicado apresentado no Seminário “O Vale do Paraíba e a Segunda Escravidão” e "O Vale do Paraíba no século XIX e nas primeiras décadas da República", ocorrido em Vassouras entre os dias 23 e 25 de novembro de 2012. 292Idem 293Ibidem.

103

1855 para 956.651 libras em 1859, somente na província do Rio de Janeiro, cuja praça

mercantil foi tomada pelo pânico. A crise cambial prejudicou a exportação de café e estagnou

a tendência ao crescimento.294

Passada a crise, em 1858, os bancos começaram a funcionar baseados em letras

caucionadas em penhor e hipotecas. Porém, em Vassouras, o Banco sentiu dificuldade de

operar a transação de letras em relação às hipotecas. Para Guimarães, a explicação estaria

evidente no Relatório de 1860, que apontava uma crítica aos intermediários – comissários –

que extorquiam com “usuras escandalosas” os lavradores. Esses optavam pelo penhor cujos

juros eram baixos apesar do curto prazo em relação aos empréstimos cauçados por

hipotecas.295

Essa realidade iria mudar a partir de meados de 1865 quando houve um aumento

considerável de movimentos caucionados em hipoteca nos inventários e registros

pesquisados, conforme gráfico abaixo:

Gráfico 12

Registros de Hipotecas de Vassouras (1840-1880)

fonte: Fundo do CDH - USS

Houve aumento de empréstimos entre 1859 e 1860 de cerca de 20%, o que mostra a

necessidade de liquidez da crise. Quanto aos depósitos, não houve grande sucesso conforme

apontado no Relatório apresentado à Assembléia Geral dos Accionistas em 30 de setembro de

1859, transcrita por Guimarães:

A verba dos depósitos é quase nulla; este mesmo facto é menos devido á falta de confiança que merece este nascente estabelecimento [Grifo nosso], do que ao concurso simultâneo de outras causas, como sejam _ novidade do estabelecimento, escassez de reservas accumuladas, emprego mais lucrativo do

294 Ibidem. 295Ibidem.

0

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80

104

capital em um paiz novo, onde elle não abunde. Algumas destas causas podem ser removidas com o tempo; e então poderá também este estabelecimento funccionar como verdadeira caixa econômica (...)

Em 1860, o Relatório apresentado à Assembléia Geral dos Accionistas na mesma data

já relatava a confiança que os duzentos correntistas tinham dado ao Banco.

Devido aos problemas já desenvolvidos no capítulo II desse trabalho, estava próximo

o fim do Banco Commercial e Agrícola. Com a crise de 1857, houve a fragilização da figura

de Souza Franco no ministério e, com ele, de sua política descentralizadora em relação à

emissão de créditos e financiamento. A ascensão de Salles Torres Homem, Visconde de

Inhomirim, ao Ministério começou a selar o destino do Banco Agrícola.

(...) o Visconde de Itaboraí, que retornou para a presidência do banco após a queda de Souza Franco, a diretoria alegava que o banco só poderia desempenhar bem as suas funções, caso o ministro encaminhasse à Assembleia, medidas que fizessem o banco retornar as condições impostas pela Lei n.º 683, de 5/07/1853. Em outras palavras, significava retornar o monopólio das emissões ao Banco do Brasil, acabando com a pluralidade bancária e, também, com os bancos emissores como o Banco Commercial e Agrícola..296

O início da derrocada se daria pela Lei dos Entraves que, entre outras determinações,

regulava restritivamente aos bancos emissores e associações anônimas a emissão de vales

bancários e aumentava o rigor em relação à criação de sociedades anônimas. O resultado foi a

retração do sistema bancário. O Banco Agrícola passou a operar de forma conservadora,

restringindo o crédito, em especial o penhor a curto prazo, comprando ações e apólices da

dívida pública. Evidentemente, os empréstimos emitidos anteriormente começaram a ser

pagos e houve aumento dos depósitos acarretando o aumento dos dividendos entre os

acionistas. Em 1862, o Banco Commercial e Agrícola do Rio de Janeiro foi incorporado pelo

Banco do Brasil com intuito de sustentar a economia monetária e creditícia centralizadora

estabelecida pela Lei dos Entraves.297

A Lei dos Entraves mudou as opções de crédito em Vassouras substituindo o padrão

de penhor pela hipoteca de terras, conforme demonstrado no Gráfico 12, e de escravos.

Guimarães conclui sua exposição afirmando que o Banco Commercial e Agrícola não

introduziu qualquer “modernização” no processo financeiro. O autor supõe haver uma relação

entre os comissários e os acionistas do Banco, o que o leva a crer que muitos acionistas do

Banco e de suas filiais eram comissários de Vassouras ou de Campos.

Ao analisar o inventário do Barão de Vassouras, percebemos uma série de situações

que apontam para uma mudança de comportamento em relação à sociedade de mercado que

296Ibidem 297Ibidem

105

se forma. Seus inventários datam de 1884 e 1887. Eles mostram o pensamento já “capitalista”

do Barão. Pode-se notar uma ordem interessante de sua visão à sua filha. Lê-se, na página 41v

do inventário de 1884, sobre a divisão das cinqüenta apólices da dívida pública em seu poder:

“As apólices formarão um capital permanente e inalienável, livre e isento de todo e qualquer ônus e responsabilidades, penhor, hipoteca, fiança, abono, penhora, execução, sugeiçao (sic!) dividas próprias antigas, ou modernas (...) só podendo usar os lucros nunca vendê-los.”

O Barão investiu muito em crédito e hipotecas, conforme o Gráfico 14. Em apólices da

dívida pública, soma-se apenas o montante de 400$000. É importante notar que os créditos a

juros mudam em relação aos praticados pelo Barão de Itambé.

Tabela 07

Evolução da prática de juros entre o Barão de Itambé e o Barão de Vassouras

Ano % a.m. % a.a.

Barão de Itambé 1866 1% 12%

Barão de Vassouras 1884/1887 1% 10% a 12%

Gráfico 13

Composição dos investimentos financeiro do Barão de Vassouras, 1884/1887

Fonte: Inventário de Barão de Vassouras, CDH – USS.

Crédito

42%

Hipotecas

7%

Apólice da

Dívida Pública

0%

Créditos

repassados aos

filhos na partilha

(descontados em

partilha)

51%

Crédito

Hipotecas

Apólice da Dívida Pública

Créditos repassados aos

filhos na partilha

(descontados em partilha)

106

O aumento do volume de exportações do café e as demandas inerentes ao processo em

relação ao crescimento internacional geraram um encadeamento financeiro dentro de

Vassouras que, aos poucos, foi se definindo entre os agentes. Os juros passaram a obedecer a

uma lógica própria da commodity e, muitas vezes, pressionados pela praça mercantil do Rio

de Janeiro ou pelos bancos do governo.

Quanto ao Barão de Vassouras, segundo Muniz298 ao analisar seu inventário, sua

fazenda – composta de 162 escravos, 25.000 pés de café e 225 alqueires de propriedade – só

representava 16% de seu patrimônio; os 84% restantes representavam dívidas ativas.

Já Francisco José Teixeira Leite, ao falecer, decidiu, em testamento, não dividir a

Fazenda Cachoeira em herança aos filhos e, sim, apenas lhes dar as dívidas ativas. Para

Muniz,299 essa atitude era uma percepção da crise da cafeicultura e a aposta que os lucros

advindos das dívidas seriam melhor riqueza. Em importante trecho de seu testamento,

Francisco José afirmou: “enfim, o suplicante foi sempre mais comerciante e capitalista, do

que fazendeiro, tendo estabelecimento agrícola mais por passatempo.”. Seu patrimônio

também se compunha de Ações do Banco do Brasil, Apólices de Empréstimos, Fundos em

Londres e Ações da Ferrovia D. Pedro II.

O inventário de Cláudio Gomes Ribeiro de Avellar, o Barão de Guaribu, é um

documento, no mínimo, curioso. O Barão é dono de quatro fazendas: Antas, União, Guaribu e

Encantos. Nos primeiros dois inventários, de 63 e 74, não foram encontrados quaisquer

volumes expressivos de investimentos fora escravos, terras e café. Mas eles aparecem no

inventário de 1886 e se compõem de nove letras a 1% a.m. que, em quatro anos, lhe

garantiram 29% do capital aplicado, ou seja, um lucro de 14:512$592. Apesar de ser um

importante cafeicultor, não deixou de lançar-se ao crédito. Seu inventário mostra o montante

de 152:195$620 em empréstimos (sem o cálculo do prêmio), que se distribuem na seguinte

forma:

298MUNIZ, Celia Maria Loureiro. Op. cit, 2005. 299Idem.

107

Tabela 08

Empréstimos de Barão Guaribu

Valor em Réis Distribuição dos empréstimos. acima de 50:000,000 0%

de 25:000,000 a 50:000,000 0%

de 20:000,000 a 25:000,000 16%

de 15:000,000 a 20:000,000 05%

de 10:000,000 a 15:000,000 4%

de 5:000,000 a 10:000,000 16%

de 1:000,000 a 5:000,000 19%

até 1:000,000 50%

Fonte: Inventário de Barão de Guaribu, 1886, CDH – USS.

Vassouras quase viveu uma sociedade exclusivamente cafeeira. A colonização do

território era área proibida pela Coroa portuguesa até os finais do século XVIII e a experiência

açucareira foi relativamente tímida na área estudada. A entrada do café por volta dos últimos

anos do século XVIII em uma sociedade colonial – já que o Brasil eleva-se a Reino só em

1815 - leva-nos a concluir que esta experiência de plantio para o comércio externo sofreu, em

todo século XIX, duas grandes realidades: a da primeira metade, consistindo em uma

organização e expansão da produção; e outra realidade no meio do século XIX e posterior,

baseada em relações institucionalizadas, logo, reguladas, de acesso ao capital, à terra, ao

trabalho (nas variadas formas em uma sociedade de transição) e de determinações próprias da

política econômica300.

O comendador Francisco José Teixeira Leite, também considerado “capitalista”, segue

a tendência do Barão de Itambé. Vivendo de negócios financeiros, seu montmor está

distribuído da seguinte forma:

300 Neste último caso, conferir o trabalho de Ricardo Salles, O Vale era o Escravo.

108

Gráfico 14

Composição dos investimentos financeiro do Barão de Vassouras, 1884/1887

Fonte: Inventário de Barão de Vassouras, CDH – USS.

Marx faz uma análise da questão do crédito e do seu papel inicial nas sociedades de

transição para economias amplas de mercado.

(...) o sistema de crédito, que, em seus primórdios, se insinua furtivamente como modesto auxiliar da acumulação, levando por fios invisíveis recursos monetários, dispersos em massas maiores ou menores pela superfície da sociedade, às mãos de capitalistas individuais ou associados, mas logo se torna uma nova e temível arma na luta da concorrência e finalmente se transforma em enorme mecanismo social para a centralização dos capitais.

À medida que se desenvolve a produção e acumulação capitalista, na mesma medida desenvolvem-se concorrência e crédito, as duas mais poderosas alavancas da centralização. Paralelamente, o progresso da acumulação multiplica a matéria centralizável, isto é, os capitais individuais, enquanto a expansão da produção capitalista cria aqui a necessidade social, acolá os meios técnicos, (...)301

Apesar de Marx analisar o crédito em relação ao processo industrial, pode-se aplicar

parte deste pensamento à economia agroexportadora do Vale. Como foi anteriormente

abordado, a cafeicultura em Vassouras quase coincide com o processo de ocupação da região.

O capital provém do interior da província de Minas Gerais e do litoral do Rio de Janeiro

através da migração das famílias e vai constituir o capital inicial (ou primitivo) da

agroexportação do Vale302. A concentração da produção voltada ao mercado externo e, por

301MARX, Karl. O CAPITAL: Crítica da Economia Política. São Paulo, Nova Cultural, 1996. p. 258. 302Cf. STEIN, Stanley. Op.cit.

Bens móveis

0%

Mobilia

1%

Escravos

4%

Bens de Raiz

17%

Dívida ativa

78%

Bens móveis

Mobilia

Escravos

Bens de Raiz

Dívida ativa

109

processos anteriores – mercado de açúcar ou por capital oriundo dos negócios auríferos das

Minas Gerais –, nas mãos de um grupo privilegiado como a família Correa e Castro e,

posteriormente, os Teixeira Leite, gerou em Vassouras certa propensão à poupança. Essa

poupança, de acordo com a análise de Pires para a Zona da Mata, elevaria também a

disponibilidade de capital interno.303

Watkins304 afirma que “... apenas quando há muitas oportunidades nos mercados

internos à disposição dos investidores é que o montante da poupança local definirá, de

maneira significativa, a taxa de investimento”. Nesta perspectiva, o aparecimento do crédito

em Vassouras para vários fins decorreu de oportunidades que a economia cafeeira de

exportação legou através da busca pelos créditos para a lavoura. Alguns cidadãos de

Vassouras viam, nas suas poupanças pessoais, não formas de entesouramento, mas reservas

para empréstimos a juros que gerariam um retorno lucrativo do capital cedido.

Mesmo que para muitos casos a função de “capitalista” (que tem sido aleatoriamente confundida com a de “usurário”) não signifique mais que uma atividade secundária, não deixa de ser significativo a existência de recursos na forma de poupança disponível para empréstimos na riqueza de fazendeiros de café. Além de representar a existência dos elos de encadeamento financeiros que estamos caracterizando, sua presença vem colocar em evidência o quanto o crédito e o financiamento (e, portanto, o endividamento), entendidos como relações de natureza não só econômica mas também social, constituíam parte integrante do funcionamento e dinâmica das economias que vão se fundamentar na produção de café.305

De acordo com a leitura de súplicas de dívidas, cobranças judiciais de dívidas e de

inventários, podemos concluir que o pedido de empréstimo poderia ser para muitas

finalidades, desde a manutenção das fazendas e da produção até empréstimos pessoais para

honrar as dívidas cotidianas. O volume de capital emprestado variava de 100 reis a 12 contos.

Em Vassouras, até o presente momento, identificamos três grupos credores: o primeiro

composto por dois particulares, cujo crédito é oriundo dos próprios produtores de café que,

em momentos de poupança, utilizavam suas reservas para empréstimos diversos; o segundo

formado por indivíduos que não estavam necessariamente ligados à produção, apesar de

fazerem parte de certa “elite agrária”, que denominaremos “capitalistas de Vassouras” pelo

fato de seus negócios principais serem os empréstimos. E o terceiro, institucional, que são os

bancos de forma geral – quase todos localizados no Rio de Janeiro, com exceção do Banco

Agrícola de Vassouras, que teve curtíssima duração.

Tal diversidade já fora apontada por Pires,

303PIRES, Anderson. Op. cit. p. 196. 304Watkins apud Pires, Anderson. Op. cit. p. 197. 305Idem, p. 188.

110

Um leitor mais atento poderia acusar nossa análise de tautológica, advertindo que, afinal de contas, ... os mesmos atores sociais que estão a demandar financiamento seriam os mesmos a prover os recursos financeiros. Esta crítica seria válida se considerássemos a classe dos grandes proprietários de terra como uma massa invariável, inerte, de comportamento uniforme e, principalmente, destituída de níveis significativos de diferenciação em sua posição financeira, grau de endividamento, níveis variados de lucratividade.306

Tanto na Zona da Mata Mineira, analisada por Pires, quanto em Vassouras, apontada

por Stein e verificada em inventários e em outras fontes do Centro de Documentação

Histórica de Vassouras, encontra-se uma diversidade de “tipos” de elite agrária afinada com

várias formas de pensamento político e econômico. Essa diversidade dá a tônica ao

desenvolvimento das diferentes formas de investimento em Vassouras.

As variações do complexo cafeeiro amplo307 geram, pela característica fundamental da

ineslaticidade do produto em questão e pela dinâmica da produção, endividamentos

constantes, que são supridos por capital acumulado nas mãos de outros elementos daquela

sociedade. Essa relação entre demanda e oferta de capital faz germinar o mercado financeiro.

Não obstante, nos mercados em formação ainda tímidos das economias agrárias de

exportação antes de 1850, podemos notar amplamente as relações de conhecimento pessoal,

relações de amizade ou parentesco308, mas como não poderia de ser já que a necessidade de

garantir a posição social, o prestígio ainda manter forte na malha social, e o retorno com certo

grau de certeza de capital creditado! Enfim, o credor do Vale do século XIX transita numa

sociedade baseada em relações de mercado que ele próprio estava construindo, mas ainda

dependente das tradições de um antigo regime baseado nas relações de Corte. Neste ambiente,

ele procurou resguardar seus interesses individuais.

Para Polanyi.

A descoberta notável de pesquisa histórica e antropológica recente é a economia que o homem, como regra, está submerso em suas relações sociais. O homem não age de modo a salvaguardar o seu interesse individual na posse de bens materiais, agem de modo a salvaguardar a sua posição social, suas reivindicações sociais, suas vantagens sociais.309 [Tradução livre]

Mas não podemos deixar de analisar também que este homem que salvaguarda sua

posição social o faz pautado em uma sociedade de classes que estabelece a posse – de terras e

escravos – como elemento fundamental de distinção social. Suas classes políticas mais

306Ibidem, p. 198 307O termo aqui neste momento inclui tanto toda a cadeia de produção do complexo cafeeiro do Vale como também seus mercados consumidores no panorama internacional. 308Cf. PIRES, Anderson. Op. cit. p. 199. 309POLANYI, Karl .Economieprimitive, arcaiche e moderne. <http://www.graffinrete.it/cittanova/articolo.php?id_vol=18> acessado em maio de 2009.

111

influentes eram, sobretudo, detentores de posses que quase naturalmente mantinham relações

sociais e interesses comuns a fim de conservar os seus privilégios de classe.

Como a economia de exportação do Vale durante o século XIX garantia a produção e

a comercialização por parte de um grupo muito restrito, as relações de crédito tornavam-se

não só uma forma privilegiada de acumulação como também, graças à dinâmica já discutida

neste trabalho da relação oferta-demanda de crédito, permitiam a determinados indivíduos na

sociedade se especializarem como credores ou banqueiros. Assim sendo, o capital financeiro

(ou creditício) se articulava, no processo de acumulação, com o capital mercantil ou capital

comercial oriundo da produção agrária.

É certo, conforme analisado em inventários e súplicas de dívidas, que parte do capital

emprestado no século XIX em Vassouras também se destinava ao consumo de necessidades

ou para questões de subsistência cotidiana. Muitas vezes, um investimento era perdido pelo

não pagamento por parte do devedor (que morria ou entrava em falência ou não tinha

rendimentos para cumprir momentaneamente seu compromisso) ou pelo perdão parcial ou

total da dívida por parte do credor.

Público e privado, muitas vezes, se misturavam na mente dos homens que viveram não

só a Idade Média, mas, fundamentalmente, a Idade Moderna e o período colonial brasileiro,

incluindo parte do Império. As primeiras notas que regulavam essas questões são da Lei de

Dom Fernando, por volta de 1375, referente às sesmarias, prática que se transferiu à

colônia.310 Não se tinha muito padrão ao se estabelecerem, inclusive, medidas. Consta que, de

acordo com Ulisses Albuquerque, referindo-se ao ano de 1815 no Brasil: “O medidor enchia o

cachimbo, acendia-o, montava a cavalo, deixando que o animal marchasse a passo. Quando a

cachimbo se apagasse, acabando o fumo, marcava uma légua.”311

Honorato (2002), em um artigo sobre modernização portuária no Império do Brasil,

aponta certa dificuldade na questão público-privado-estatal específica sobre as terras

litorâneas, mas que incide uma luz – mesmo que indireta – sobre o problema já em 1831. Ele

diz:

Se o instituto da precariedade do domínio privado dos terrenos litorâneos confunde-se com a própria história do direito, deve-se ter em mente que tais terras eram entendidas como coisa comuma todos – res communesomnium – como nos ensina Clovis Bevilacqua, e não como uma propriedade do Estado.312

310PEREIRA apud JACOMINO, Jorge. Op. cit. p. 02. 311Idem, pág. 04-5

312HONORATO, Cezar. T. O Estado Imperial e a modernização portuária. In LAPA, R. do A; SZMRENCSÁNYI, Tamás (org). História Econômica da Independência e do Império. São Paulo, Hucitec/USP, 2002.p. 163.

112

As relações de propriedade e de regularização viriam a mudar com o próprio

fortalecimento da economia. Desde a década de 1840, os liberais do Rio de Janeiro

consolidavam o poder nas esferas do Estado e parte destes liberais, segundo Mattos,313 era

composta pela elite senhorial agroexportadora, muitos da classe de negociantes ligados à

exportação e à importação. Esse grupo privilegiado, aproveitando a oportunidade de

modernizar a economia nacional, abriu um amplo processo de reformas, leis e decretos que

garantiam a formação de um amplo mercado financeiro no Império. Relembramos que os

políticos criaram importantes medidas institucionais, como a Reforma Tarifária de 1844; a

Reforma Monetária de 1846; o Código Comercial, a Lei de Terras e o fim do tráfico

internacional em 1850. As leis foram formas mediadoras da legitimação dos interesses das

novas classes no poder e de seus objetivos na modernização da economia do Império.314

Gráfico 15

Distribuição de Títulos de Barão no Brasil (1840-79)

Fonte: Guimarães, 1997:67 (adaptado)

313Cf. MATTOS, Ilmar Rohloff. Op. cit. 314GUIMARÃES, Carlos Gabriel. Op. cit. p. 60.

Distribuição de títulos de Barões 1840-79

0

50

100

150

200

250

1840-49 1850-59 1860-69 1870-79

Outros Barões Barões de Café

113

O Gráfico 15 representa a quantidade de títulos de Barões do Café em relação aos

demais títulos entre 1840-79. Isso corresponde ao período que Ilmar Mattos aponta como o

“Tempo Saquarema”.315

A cafeicultura definia uma nova relação de mercado, muito mais ativa e dinâmica. O

produto era o principal elemento de interesse do capital. Contudo, a alta de preços no mercado

internacional do café e a natureza expansiva da produção geravam conflitos de posse no

âmbito interno do acesso à terra. Como o mercado crescia e a terra fértil e propícia se

esgotava, os fazendeiros buscavam disputar as terras férteis do Vale para agregá-las às suas

propriedades. Enquanto havia terra disponível, o preço era irrisório ou inexistente; mas o

valor da terra agregado ao valor do café gerou um disputado mercado na região acabando por

ser regrado na Lei de Terras.

David Harley, citado por Brito, atenta à forma capitalista das propriedades imobiliárias

existentes quando a propriedade se tornou uma forma especial de capital financeiro, entrando

no circuito de ampliação de capital, financiamento e juros; enfim, quando a terra, representada

por títulos, assumiria “um caráter de capital fictício”.316

O crescimento do mercado de hipotecas desempenha papel importante no processo pelo qual a renda da terra é absorvida pelo processo de circulação do capital em geral e, portanto, no movimento histórico pelo qual a propriedade territorial alcança seu papel plenamente capitalista.317

Não podemos esquecer que a estratégia dos mercados nascentes, como é o caso desta

pesquisa, sempre sobrepõe novas estratégias às formas primitivas de organização da produção

e do acesso à terra.

Um aspecto importante para a análise do processo de constituição do mercado imobiliário está, portanto, em compreender o movimento histórico no qual, no quadro de uma dada sociedade, a propriedade imobiliária é introduzida no processo de abstração que caracteriza a racionalidade capitalista, ganhando mobilidade e servindo como equivalente de capital. 318

A mobilidade da propriedade fundiária se deu nas relações de compra e venda de

terras, comuns nos inventários e nos registros de hipotecas. A publicidade da negociação

gerou credibilidade e garantias pelas quais se podia acionar juridicamente. A negociação,

garantida pelas leis que estabeleciam os direitos de propriedade no Brasil e as garantias das

hipotecas, caracterizou a mobilidade da propriedade fundiária e imobiliária.

Outro elemento fundamental para a formação dos mercados foi o Código Comercial.

O Código nasceu de um debate e, de acordo com as Disposições Gerais no Capítulo IV, a lei 315Cf. MATTOS, Ilmar Rohloff. Op. cit. 316Idem, p. 37-8. 317Ibidem, pág. 38. 318Ibidem, pág. 39.

114

garantiu as práticas tradicionais e abriu perspectivas às garantias de compra, venda,

financiamento, transporte, cobranças e representações mercantis.

O debate histórico da regulamentação comercial no Brasil se iniciou logo após a

independência, através de uma comissão para elaborar o Código presidida pelo Visconde de

Cairu. Em 1832, outra comissão foi presidida pelo Visconde de Sepetiba e, em 1843, uma

nova comissão foi nomeada pelo governo. Essa demora na aprovação de um Código

Comercial se dava por questões políticas e por falta de um projeto político maior em relação

ao Império. Só em 1850, uma comissão formada por José Clemente Pereira, Caetano Alberto

Soares, José Thomaz Nabuco de Araújo, Francisco Ignacio de Carvalho Moreira e Irineu

Evangelista de Souza concluiu o projeto de estabelecer um Código Comercial ao país.319

Para Muniz, “em 1850, com o aumento do preço dos escravos e para facilitar o crédito,

o Império estabeleceu um Código Comercial que legislou sobre falências, contratos e

hipotecas tornando as operações comerciais mais claras e seguras”.320 Já para Guimarães, ele

garantiu uma legislação mercantil própria incluindo a organização de bancos.321

O Código estabelecia duas formações em relação às organizações de associação de

capital: a sociedade anônima e a sociedade comercial. Segundo o Diccionário Universal de

Commercio, de Alberto Jaqueri Sales, citado por Guimarães,

(...) Sociedade: Esta palavra no commercio se diz genericamente a huma caza de negócios, em que há dois, ou mais interessados; entende-se também colletivamente do contrato, ou escriptura feita entre os socios.

No primeiro sentido a palavra sociedade he synonima a de companhia (...) acrescentarey somente neste, que nas condições, na administração e na liquidação da sociedade he que o negociante carece de toda a sua prudência adquirida pela experiência e pela lição pois que em primeiro lugar, há poucos contratos em que a boa fé e a probidade se fação mais necessarias; segundo o, que uma sociedade mercantil he susceptivel de todas a condiçoens, em que as partes querem concordar, e que nesse amplo arbitrio se devem precaver todas as circunstâncias que poderem alterar, ou prejudicar a boa fé do contrato (...).322

As companhias podiam ser fundadas, o capital delas poderia ser dividido em ações e o

sócio se responsabilizaria pela cota de ação que lhe era devida (valor da ação)323. Assim

sendo, abriu-se a possibilidade de associação de capital em atividades de risco e garantiram-se

novas formas de investimentos a partir da segunda metade do século XIX. Já nas associações

comerciais, a responsabilidade dos sócios é ilimitada. Na prática, em ambos os casos, a

responsabilidade era ilimitada, somente sendo regulamentada pelo decreto 3.708, em 1919.

319GUIMARÃES, Carlos Gabriel. Op. cit. p. 83-7 320MUNIZ, Celia Maria Loureiro. Op. cit 2005.p. 29. 321GUIMARÃES, Carlos Gabriel. Op. cit. p. 87. 322Idem, p. 93. 323Ibidem, p. 94.

115

Mas tais condições deram oportunidade aos donos de capital acumulado de se associarem e de

expandirem seus negócios, inclusive nas relações de crédito. 324

No Código Comercial, já se previa o uso da boa-fé como cláusula geral. De acordo

com o art. 131,

Art. 131. Sendo necessario interpretar as clausulas do contracto, a interpretação, além das regras sobreditas, será regulada sobre as seguintes bases:

1. A intelligencia simples e adequada, que for mais conforme á boa fé, e ao verdadeiro espirito e natureza do contracto, deverá sempre prevalecer á rigorosa e restricta significação das palavras;

2. As clausulas duvidosas serão entendidas pelas que o não forem, e que as partes tiverem admittido; e as antecedentes e subseqüentes, que estiverem em harmonia, explicarão as ambiguas;

3. O facto dos contrahentes posterior ao contracto, que tiver relação com o objecto principal, será a melhor explicação da vontade que as partes tiverão no acto da celebração do mesmo contracto;

4. O uso e pratica geralmente observada no commercio nos casos da mesma natureza, e especialmente o costume do lugar onde o contracto deva ter execução, prevalecerá a qualquer intelligencia em contrario que se pretenda dar ás palavras;

5. Nos casos duvidosos, que não possam resolver-se segundo as bases estabelecidas, decidir-se-ha em favor do devedor. (CÓDIGO COMERCIAL BRASILEIRO DE 1850)

A boa-fé era uma forma de interpretação dos contratos que, quando conflituosos,

podiam ser analisados, por regra estabelecida em lei, através da “inteligência” simples

significando que a lei procurava dar agilidade à execução dos contratos. Assim, as partes

poderiam explicar as questões ambíguas dos contratos em juízo. Já os costumes locais eram

levados em conta pela lei, o que dava certo ar de familiaridade aos contratantes ao adotá-la. A

flexibilidade da lei poderia garantir agilidade ao processo, bem como levar ao trâmite legal as

tradições estabelecidas nessa sociedade em transição.

No Capítulo VII do Código, que correspondia aos assuntos comissariados, havia a

garantia de uma série de procedimentos para os atos de crédito de variadas formas:

negociação de prazos, contratos mercantis, formas judiciais de cobrança, definição das marcas

nas mercadorias compradas, entre outras situações. O comissário era o responsável também

pela manutenção do sistema quando a situação, muitas vezes, fugia ao controle dos produtores

e estes se viam na necessidade de se abastecerem com recursos externos. Franco, citada por

Marquese,325 afirma que os comerciantes e traficantes do período, na transição de uma tímida

economia agrária para uma crescente e pesada economia agroexportadora, eram solicitados ao

324Ibidem, p. 96. 325MARQUESE, Rafael Bivar & TOMICH, Dale. Op. cit. p. 16.

116

máximo para suprir as demandas dos mais variados créditos e negócios. Havia uma

combinação de capital já acumulado dos processos coloniais com uma nova economia de

mercado nascente que viria a encontrar, nos efeitos de encadeamento, um sustentáculo nas

relações financeiras e creditícias. Nas palavras de Franco, “(...) as próprias práticas de

comércio amoldaram-se de forma a permitir que o dono de terras, parco de recursos

financeiros, adquirisse os meios de produção que necessitava, ficando garantidos, porém, ao

negociante ágios elevados das quantias que empatava”326. Guimarães completa, “(...) mesmo

utilizando recursos de terceiros, através dos depósitos à vista, o banco emprestava sob a forma

de desconto de letras, e através de um intermediário, que podia ser um comissário ou um

outro comerciante ligado ao setor importador e exportador”. 327

Já o debate sobre o crédito hipotecário foi polêmico desde a década de 1850 e não

pode, de forma alguma, ser dissociado dos debates de propriedade da terra. De acordo com

Brito “Em 1854, já corria na Câmara dos Deputados, projeto versando sobre o assunto, no

qual se apontava a necessidade de adequação da legislação então vigente à ambicionada

modernização”.328 A Câmara afirma que o crédito hipotecário está intimamente entrelaçado

com as “transacções que se aventão na pratica dos negócios; importa o desenvolvimento da

indústria, o progresso da agricultura e a prosperidade material de um paiz (...)”329. A câmara

continua comparando o Brasil com Alemanha, Suíça, Hungria, Holanda, Grécia e Bélgica,

afirmando que estes países estão na vanguarda do sistema hipotecário. A preocupação das

elites brasileiras era adequar o capitalismo nascente no Brasil aos instrumentos de mercado

das economias internacionais garantindo que o mercado de crédito pudesse operar. Como já

foi afirmado, a Lei de Hipotecas tinha, como norte, a ideia de especificidade e publicidade

para torná-las dignas de fé pública. A elite reconhecia que as relações de crédito estabelecidas

seriam de fundamental importância para o crescimento econômico.

“É hoje geralmente admitido que a especialidade e publicidade das hypothecas são os princípios fundamentais de um bom regimem hypothecario; sem elles não é possível garantir-se o crédito, que é a alavanca priomordial da agricultura e da industria; pela especialidade restringe-se a obrigação a limites certos e determinados, deixando fora, no gyro das transacções a parte livre dos bens do devedor; pela publicidade tornão-se a todos conhecidos os encargos e obrigações da propriedade, como elles devem ser, a fim de firmarem a base da confiança publica e a garantia dos interesses individuais. (Reforma Hipotecária de 1856)330

326 Ibidem. 327GUIMARÃES, Carlos Gabriel. Op. cit. p. 58. 328BRITO, Mônica Silveira. Op. cit. p. 136. 329Ibidem. p. 136. 330Ibidem.p. 137.

117

Para Levy331, ainda na primeira metade do século XIX, os ativos financeiros eram

pouco diversificados; existiam apenas, formalmente, as letras de câmbio332 e as notas

promissórias333. Para resolver o problema da falta de liquidez, e pelo surgimento de casas

bancárias a partir de 1830, as instituições financeiras começaram a emitir vales bancários. O

protecionismo gerado pela tarifa Alves Branco (1844), a ascensão dos preços do café na

primeira metade do século XIX e a criação do Código Comercial geraram uma demanda por

crédito em vários setores da sociedade brasileira. Em 1838, para resolver o problema

monetário e as solicitações de crédito, foi criado o Banco Comercial do Rio de Janeiro, que

passou a emitir papel comercial com o intuito de promover um ativo financeiro que

proporcionasse renda fixa e correspondesse às expectativas econômicas do período. Esta

prática foi seguida por várias outras praças fundadas.

Para que haja qualquer crédito territorial, a propriedade da terra deve ser reconhecida,

por isso a publicidade, a Lei de Terras e o registro das propriedades passariam a ser

fundamentais para que se pudessem hipotecar os bens na busca do crédito.

Em 1864, surgiu a Lei de Hipotecas. Poderiam, pela tal lei, serem hipotecados não

somente as propriedades em si, mas os acessórios das propriedades, como máquinas,

escravos, plantações entre outros. Em 1866, o Banco do Brasil passou a receber escravos

como garantias, ampliando o acesso ao crédito hipotecário334 e beneficiando profundamente

os cafeicultores do Vale do Paraíba. Tal prática só deixou de ser utilizada em 1884, alguns

anos antes da abolição.

Para Brito335, a implantação do crédito hipotecário foi um processo lento e com

algumas falhas. Dez anos após a lei, o governo, através do Decreto n° 2.387 de 06 de

novembro de 1875, garantia as amortizações e juros às letras hipotecárias na busca de

fomentar essa prática econômica. Os empréstimos hipotecários dos bancos eram relativamente

caros, em geral giravam em torno de 6% de juros e o prazo de pagamento era, em média, de

cinco anos. As letras de hipotecas serviram, mais tarde, como recursos de jogo financeiro no

sentido de serem utilizadas no Encilhamento. Os bancos davam aos fazendeiros as letras de

331Cf. LEVY, Maria Bárbara. Op. cit. 1977 332Letras de Câmbio são títulos negociáveis no mercado onde uma pessoa dá a ordem a uma segunda que pague uma determinada quantia a uma terceira, em geral nos negócios de cunho internacional. A letra de câmbio deve conter o valor do pagamento, a data e o local para efetuá-lo (Cf. SANDRONI, Paulo. Op. cit. e LEVY, Maria Bárbara. Op. cit.). 333As Notas Promissórias são ordem de comprometimento entre dois agentes onde um deles se compromete a pagar o valor estabelecido na nota em determinada data. (Cf. SANDRONI, Paulo. Op. cit.) 334Idem. 335BRITO, Mônica Silveira. Op. cit. p. 140.

118

hipotecas, negociadas a longo prazo, e resolviam o problema da liquidez monetária,

garantindo reservas para investir onde quisessem.336

Porém, no financiamento do Vale, o banco não funcionava sozinho; havia certa

relação entre as casas bancárias e o comissariado do café. Nenhum comissário tinha o poder

de um grande banco, como o Banco do Brasil, mas fazia uma ponte entre as casas bancárias

do Rio de Janeiro e os cafeicultores do interior do Vale do Paraíba Fluminense.

Constituindo de longe, o mais ativo e poderoso setor do comércio do Rio de Janeiro, os comissários sacavam abundantemente sôbre as vinte e uma casas bancárias fundadas na década de 50 e 60. A despeito dos serviços prestados pelos estabelecimentos bancários aos comissários, os capitais de que dispunham eram relativamente restritos; individualmente, nenhum dêles possuía o capital do Banco do Brasil, instituição oficial, com seus 30.000 contos.337

O artigo 264 do Código Comercial estabelecia as informações necessárias a qualquer

atuação jurídica quanto às relações de crédito.

Art. 264 - As cartas de credito devem necessariamente contrahir-se a pessoa ou pessoas determinadas, com limitação da quantia creditada; o commerciante que as escreve e abre o credito fica responsavel pela quantia que em virtude dellas for entregue ao creditado até a concorrencia da somma abonada.

As cartas que não abrirem credito pecuniario com determinação do maximo presumem-se meras cartas de recommendação, sem responsabilidade de quem as escreveo.

Logo em seguida, o artigo 265 garantia todas as questões relativas a hipotecas. A

publicidade dos acordos era a tônica do Código, ou seja, todas as ações deveriam ser

garantidas. No registro das escrituras de hipotecas, especificavam-se a natureza da dívida, a

importância, a causa que antecede à hipoteca, a situação dos bens hipotecados, entre outras

informações.

Em geral, o trâmite do processo era rápido e seguia os padrões gerais nos quais, a

partir de uma dívida não paga, o credor pedia à Justiça local a execução da dívida. O devedor,

muitas vezes, tinha a opção de defender-se tentando negociar a dívida ou aumentando prazos

de pagamento, como consta nos processos intitulados “súplicas de dívidas”. A partir da

petição do credor, o juiz determinava o trâmite do processo de acordo com a Lei. A situação

toda era transcrita nos autos do processo como a causa da hipoteca, a descrição do bem, a

situação da hipoteca, os termos do resgate do bem, os prazos. Em caso de não pagamento da

dívida, a hipoteca era executada, indo o bem a leilão por edital público – em geral, nos jornais

locais. A lei também previa o caso de um bem ser duas ou mais vezes hipotecado

simultaneamente. Nesse caso, o artigo 270 prevê que:

336Idem. 337STEIN, Stanley. Op. cit. págs. 280-1

119

Art. 270 - Se alguma cousa for hypothecada a dous ou mais credores, estes preferirão entre si pela ordem estabelecida nos (arts. 884 e 885): mas se o valor da cousa hypothecada cobrir todas as hypothecas, ou se paga a primeira ainda houver sobras, nestas, ou no excedente do valor ficarão radicadas a segunda ou mais hypothecas.

Havia sempre a preocupação de apresentar a documentação que comprovasse a dívida,

caso contrário, o depoimento do devedor era anotado nos autos do processo, garantindo a

credibilidade do ato da cobrança.

As constantes crises e a sensibilidade das alterações de preço e produção em relação à

demanda do mercado externo levaram à política econômica brasileira a adotar mecanismos de

adequação já na segunda metade do século XIX. Em 1888, o Visconde de Ouro Preto

determinou a emissão de títulos da dívida como forma de crédito para garantir a expansão da

economia e a continuidade da produção brasileira no mercado internacional. Entretanto, como

a aquisição de crédito desta forma precisava de garantias baseadas na produtividade das

fazendas, os fazendeiros de Vassouras viram-se alijados do processo.

O comissário também contribuía para o processo de especialização da lavoura

estimulado pela ampliação do consumo nos mercados internacionais. Em 1860, o Barão de

Paty teria comprado cerca de doze sacas de milho do comissário para suprir sua alimentação,

visto que em sua fazenda, em 60, haviam-se esgotado as terras para o plantio de roça de

subsistência. Todos os fatores de produção da fazenda teriam sido voltados para a extração

máxima dos benefícios do mercado internacional de café338.

Porém Franco, citado por Brito,339 analisa a imobilidade do capital como crédito

introduzido pelo comissário. Como era creditado aos donos de fazendas cafeeiras, o retorno

demorava por causa da produção de café, que ditava o dinamismo desses investimentos.

Mesmo os grandes volumes de capital disponibilizados pelos comissários eram diluídos entre

os fazendeiros. Brito ainda afirma que essa dispersão e engessamento do capital na produção

cafeeira impediam o surgimento de um sistema bancário que pudesse dispor recursos e

movimentar o sistema financeiro.

Mommsen, analisado por Dobb,340 debruça-se sobre a formação de uma economia

monetária e mercantil e aponta o aparecimento, no meio do processo da formação capitalista

européia, da figura do credor, que passa a existir quando a economia mercantil atinge espaços

nos mercados distantes.

“Enquanto o regime da antiga guilda artesanal, onde o artesão vendia seus produtos a varejo no mercado da cidade, presumivelmente não se incluia nessa definição, o capitalismo poderia ser

338Cf. MUNIZ, Célia Maria Loureiro. Op. cit. p. 23. 339BRITO, Mônica Silveira. Op. cit. p. 44. 340MOMMSEN apud DOBB, Maurice. A Evolução do Capitalismo. Rio de Janeiro, Guanabara, 1987. p. 16.

120

considerado já presente assim que os atos de produzir e vender a varejo se separam no espaço e no tempo pela intervenção de um comerciante atacadista que adiantava o dinheiro para a compra de artigos com o fito subseqüênte venda com lucro.” 341

Fragoso, já em seu Homens de Grossa Aventura, demonstrou que as formas de

enriquecimento nos fins do XVIII não estavam concentradas somente na fidalguia ou em uma

classe privilegiada do sistema, mas dissolvida entre elite, homens livres que voltavam-se ao

mercado interno, exportadores, financiadores, colonos e estrangeiros, enfim, miríades de

indivíduos que buscavam suas formas de ascensão social e econômica dentro da lógica do

sistema, que nada mais era que a acumulação e o enriquecimento.342

341Idem. p. 16. 342Cf. FRAGOSO, João. Op cit.

121

CONCLUSÃO

122

Concluímos que o século XIX foi um tempo de intensas transformações para Brasil

recentemente independente. A formação do complexo cafeeiro forçou o país a repensar suas

instituições, seu dinamismo econômico e suas finanças.

Através da teoria de encadeamento de Hirschman, conseguimos concluir que a

dinâmica da produção de café fez aparecer um mercado financeiro local para suprir uma

demanda por crédito, necessária visto a característica inelástica do produto. Até onde se pode

perceber, a elite financeira da região ou, pelo menos, muitos de seus indivíduos, cumpriu o

papel de financiadora invertendo seus capitais e suas poupanças particulares, gerando créditos

ao invés de investir diretamente em terras. Esses empréstimos são cômodos, pois eram

relativamente fáceis de serem alcançados – já que dependiam da confiança e honradez, com

juros relativamente baratos (1% a.m).

Como objetivos secundários, descrevemos o desenvolvimento das estradas que

garantiram o escoamento efetivo da produção de café por um tempo até a vinda da ferrovia.

Por fim, percebemos, a partir de 1870, um movimento crescente em relação às hipotecas,

mostrando que a crise no Vale se avolumava e que o endividamento provocado pelo

esgotamento da produção (seja por escassez de terras ou envelhecimento dos cafezais e crise

de mão de obra) tornou-se mais intenso.

Através do Barão de Itambé, percebemos o movimento de empréstimos e

demonstramos a capacidade de pagamento dos devedores naquele espaço temporal.

Trouxemos à tona novos atores ao debate do crédito, como Anna Bernardina, até

então, uma figura obscura em relação a este assunto.

Por fim, discutimos como o ouro das Minas Gerais, ainda no século XVIII, aumentou

a liquidez e garantiu uma considerável expansão da moeda, o que levou à instalação da Casa

da Moeda na Praça Mercantil do Rio de Janeiro. Porém, com a crise das Minas, houve

retração no meio circulante e a Casa da Moeda viu-se obrigada a restringir a cunhagem no

início do século XIX343. Juntamente com a situação apresentada e por questões do mercado de

ações, o Banco do Brasil teve sua atuação encerrada em 1829.

A situação seria ruim se não houvesse os agentes do crédito privado que garantiram o

investimento nas atividades da capital e do interior do Rio de Janeiro. Eram financistas – ou,

de acordo com alguns autores “capitalistas” –, em geral comissários e comerciantes.

As casas comerciais e as casas bancárias funcionavam como verdadeiros bancos.

Mesmo antes da instituição da Lei Comercial de 1850, as casas comerciais e as casas de

343Cf. MÜLLER, Elisa. Op. cit.

123

desconto viabilizavam transações financeiras importantes para suprir um estrangulamento

gerado pela falta de liquidez da moeda. Tais negociações do mercado de crédito (seja na

forma de títulos ou letras) se organizavam sem a tutela nem o controle do Estado. As atuações

desses novos bancos geraram novas formas de crédito e investimento, tais como: letras, vales,

bilhetes, warrants, notas, cupons etc344. Apesar das limitações ocorridas no período, os vales

passaram a ser transacionados como principal moeda de crédito privado e as letras de câmbio,

como elemento de transação de dívidas no comércio exterior, já que se tratava de um período

de forte exportação de commodities.345

Quando estávamos na conclusão desta dissertação, o Centro de Documentação de

Vassouras nos comunicou a ampliação do fundo de inventários. Isso nos leva a crer que o

assunto está longe de ser esgotado, pelo contrário, o estudo do movimento creditício pode

contribuir para um melhor entendimento de como o Brasil, país agroexportador e

escravocrata, durante o século XIX foi capaz de não só se inserir no mercado internacional

como também de se sustentar por um período de tempo.

Acreditamos, por fim, que os registros de hipotecas e a movimentação financeira geral

podem nos dar algumas respostas positivas sobre as questões nebulosas que ainda assolam os

estudos sobre a crise que assolou o Vale do Paraíba Fluminense.

344 Cf. ANDRADE apud GUIMARÃES, Carlos Gabriel. Op. cit. p. 56 345 Cf. MÜLLER, Elisa. Op. cit.

124

REFERÊNCIAS

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FONTES

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