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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ELEN LUCI PRATES O ENSINO DE ARTE NA ESCOLA INDÍGENA BORORO KOROGEDO PARU DA ALDEIA CÓRREGO GRANDE - MT CUIABÁ/MT 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ELEN LUCI PRATES

O ENSINO DE ARTE NA ESCOLA INDÍGENA BORORO KOROGEDO

PARU DA ALDEIA CÓRREGO GRANDE - MT

CUIABÁ/MT

2016

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ELEN LUCI PRATES

O ENSINO DE ARTE NA ESCOLA INDÍGENA BORORO KOROGEDO

PARU DA ALDEIA CÓRREGO GRANDE - MT

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso como requisito para a obtenção do título de Mestre em Educação na Área de Concentração Educação, na Linha de Pesquisa: Movimentos Sociais, Política e Educação Popular.

Orientador: Prof. Dr. Darci Secchi

CUIABÁ/MT

2016

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DEDICATÓRIA

Dedico esta dissertação à minha mãe, Maria Aparecida Prates. Sem ela nada disso seria possível.

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AGRADECIMENTOS

A Deus por me amparar nos momentos difíceis, dar força interior para superar

as dificuldades, mostrar o caminho nas horas incertas e me suprir em todas as

minhas necessidades.

Ao meu Orientador Prof. Dr. Darci Secchi, pela confiança e infinita

disponibilidade, por todos os ensinamentos e pela impecável condução do meu

trabalho. E principalmente pela colaboração inestimável que somente alguém com

tamanha sapiência e humildade poderia partilhar suas ricas experiências.

Aos meus filhos, Lucas Prates do Prado e Mateus Prates do Prado, pelo

carinho, paciência e incentivo.

Às minhas amigas Áurea Gardeni Sousa da Silva e Silmara Andrade

Florentino, cuja amizade se fortaleceu nesse processo formativo e, tenho certeza,

perdurará por dias sem fim. Sem vocês não haveria a conquista.

À Equipe Gestora e demais colegas do Centro de Formação e Atualização

dos Profissionais de Educação – CEFAPRO, na pessoa do Diretor Prof. Me. Kleber

Gonçalves Bignarde, pelo empenho e colaboração, e principalmente por acreditarem

na importância da pesquisa em todos os espaços da educação.

A todos os professores que acompanharam minha jornada acadêmica desde

os anos iniciais, em especial a primeira, Prof.ª Rose e todos os meus professores e

professoras do Mestrado, aqui representados pela Prof.ª Drª Beleni Saléte Grando.

E por fim, mas não menos importante, aos Bororo sendo aqui representados

pela pessoa do Cacique Bruno Tavie, que me recebeu e mostrou aos demais a

importância da pesquisa para seu povo. A cada professor e professora, equipe

gestora e estudante da Escola Estadual Indígena Korogedo Paru e aos membros da

comunidade que me acolheram com um sorriso franco e se despediram com um

carinhoso convite para retornar. Obrigada por me permitirem entrar em vossas vidas

em nome da ciência.

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RESUMO

O presente trabalho apresenta uma reflexão sobre as práticas docentes no ensino

de Arte na educação escolar indígena, tendo como parâmetros as noções de

colonialidade e a interculturalidade. Para tanto, a disciplina de Arte é tomada como

referência para a compreensão do currículo da educação escolar indígena e a da

normatização oficial que orienta as relações entre povos indígenas e estado

nacional. Nesse contexto, discute-se o ensino de Arte em sua dimensão universal

bem como os saberes culturais e locais, já que a escola pesquisada encontra-se

localizada na aldeia Córrego Grande, do povo Bororo, Terra Indígena Teresa

Cristina, no munícipio de Santo Antônio de Leverger, no estado de Mato Grosso. A

pesquisa procurou compreender as implicações advindas da realização curricular na

práxis pedagógica naquele contexto educacional e institucional, considerando que a

escola está vinculada à rede estadual de educação pública de Mato Grosso. Para

desenvolver o estudo foram utilizados documentos oficiais nacionais e estaduais que

tratam do currículo da educação básica, em especial do currículo de Arte, além de

fontes bibliográficas e trabalhos acadêmicos relacionados à Arte Indígena. A breve

vivência no cotidiano da aldeia foi essencial para compreender um pouco dessa

vasta rede de relações que enseja o ensino de Arte na escola. Os dados obtidos

apontam para a necessidade de amainar a distância entre o currículo formal da

escola e a práxis docente efetiva de modo a viabilizar um currículo específico em

Arte Universal. Para além das inquietações e proposituras apresentadas na presente

pesquisa, o estudo possibilitou uma aproximação frutuosa entre a pesquisadora -

atualmente orientadora pedagógica da escola - e a comunidade educativa

que aceitou a desafio de discutir o seu cotidiano escolar.

PALAVRAS-CHAVE: Colonialidade. Ensino de Arte. Educação escolar indígena.

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ABSTRACT

This work presents a reflection about teachers practices in the teaching of Arts in

indigenous schooling education anchored in the parameters of scientific notions

coloniality and interculturality. As such, Arts´subject is taken as a reference for

understanding about indigenous educational system curriculum and oficial normed

standardization that guides the interelationships between indigenous people and

national state education. In this context, it discusses about the learning of Arts in its

universal dimension as well as the cultural and local Knowledges and savoirs since

the researched school is located at Córrego Grande´s village, from Bororo‘s

indigenous people, in Teresa Cristina´s indigenous grounds, in the municipality of

Santo Antônio de Leverger in MatoGross‘s state. This research searched to

understand the implications that come from pedagogical praxis on the curriculum

fulfillment in that educational and institutional context, since the indigenous school is

integrated at MatoGross‘s state public education. To develop the present study, it

collected data in national and state official documents which address curriculum of

basic education, especially in curriculum from Arts, as well asit collected data in

bibliographic sources and academic works related to indigenous arts. The brief

period of living in everyday life at the village, was essential to understand about the

broad network of interrelationships that inspires the teaching of Arts at school. The

analysed data points out to the necessity to decrease the distance between formal

schooling curriculum and effective teacher praxis in order to build a viable and a

specific curriculum of universal Arts. In addition the concerns and the propositions

presented in this research, this academic work enabled a fruitful approach between

the researcher – currently pedagogical guidance counselor at the researched school

- and the educational community who accepted the challenge to discuss their school

everyday practices.

KEYWORDS: Coloniality. Teaching of Arts. Indigenous Schooling Education.

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LISTA DE IMAGENS

Figura 1: Arquivo pessoal. Estrada dentro da terra indígena Teresa Cristina que liga

São Lourenço de Fátima à Aldeia Córrego Grande. 15

Figura 2: Print da página do ISA 16

Figura 3: Baito da Aldeia Córrego Grande. 17

Figura 4: Arquivo pessoal - Aldeia Córrego Grande 17

Figura 5: Arquivo pessoal - Aldeia Córrego Grande 17

Figura 6: Esquema da aldeia original Bororo 19

Figura 7: Imagem de internet 20

Figura 8: Imagem de internet 20

Figura 9: Arquivo pessoal - EEI KorogedoParu 22

Figura 10: "Nossa Senhora Coca-cola" Acrílica sobre tela de Evandro Prado - 2005

28

Figura 11: ―A Fonte‖ de Duchamp (1917) 35

Figura 12: Marcel Duchamp (1887-1968) 35

Figura 13: Post da Pinacoteca de São Paulo 37

Figuras 14 e 15 Print do Instagram Pinacoteca do Estado de São Paulo 38

Figura 15: Print da página da Google - Imagem obtida sob a seguinte pesquisa: ―logo

farmácias‖ na página para pesquisa da Google. 39

Figura 16: Print da página da Google. Imagem obtida sob a seguinte pesquisa: ―logo

farmácias‖ na página para pesquisa da Google. 39

Figura 17: Rosto simétrico . 41

Figura 18: Decoração 42

Figura 19: Afresco ―Escola de Atenas‖ de Rafael Sanzio 42

Figura 20: Foto de Rita Barreto 43

Figura 21: ―Índio Bororo‖ de Clóvis Irigaray 52

Figura 22: Arquivo pessoal 54

Figura 23: CINTA DE PENAS - Povo Munduruku; Amazonas 55

Figuras 24: Imagens do Google. 57

Figura 25: Registro no I Fórum Nacional de Políticas Públicas para o setor de

Esportes e Lazer para os Povos Indígenas. Apresentação cultural realizada pelos

Bororo. Arquivo pessoal. 58

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Figura 26: Registro no I Fórum Nacional de Políticas Públicas para o setor de

Esportes e Lazer para os Povos Indígenas. Apresentação cultural realizada pelos

Bororo. Arquivo pessoal. 59

Figura 27: Circulando 77

Figura 28: Arquivo pessoal: fachada da EEI Korogedo Paru antes da construção da

cerca ao redor da escola 78

Figura 29: Arquivo pessoal. Atividade de Arte executada pelo Prof. Indígena 1 82

Figura 30: Exposição do resultado da aula de Arte. Arquivo pessoal. 83

Figura 31: Ornamentos bororo específicos para batizado. Arquivo pessoal 88

Figura 32: Pintura facial bororo 97

Figura 33: Pintura facial bororo 97

Figura 34: Pintura facial bororo 98

Figura 35: Pintura facial bororo 98

Figura 36: Pintura facial bororo 98

Figura 37: Pintura facial bororo 98

Figura 38: Selfie de Benilton Pereira Kogebou 102

Figura 39: Selfie de NinawaHuniKui 102

Figura 40: Frida Kahlo, "Autorretrato com Macaco", 1945 102

Figura 41 O desesperado, autorretrato de Gustave Courbet 102

Figura 42 Apreciação de crianças bororo no Museu Comunitário de Meruri 105

LISTA DE QUADROS

1 Quadro síntese dos pesquisados por segmento, quantidade da amostragem e

formas de abordagem.

26

2 Quadro dos entrevistados 84

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas

CEFAPRO Centro de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação Básica

APP Aplicativo

CEE Conselho Estadual de Educação

CIMI Conselho Indigenista Missionário

CLEA Conselho Latino-americano de Educação através daArte

DRP Diagnóstico rápido participativo

DNEEEI Diretrizes Nacionais e Estaduais para a Educação Escolar Indígena

EEI Escola Estadual Indígena

FUNAI Fundação Nacional do Índio

ISA Instituto Socioambiental

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação

MEC Ministério da Educação

MT Mato Grosso

NBR Norma Brasileira

OCD Orientações Curriculares de Mato Grosso – Caderno das Diversidades

Educacionais

OCL Orientações Curriculares de Mato Grosso – Caderno de Linguagens

OCs Orientações Curriculares de Mato Grosso

PCNEM Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio

PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais

PDE Plano de Desenvolvimento Educacional

PPP Projeto Político Pedagógico

RCNEI Referencial Curricular Nacional para Educação Escolar Indígena

SEDUC Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso

SPI Serviço de Proteção ao Índio

SPILTN Serviço de Proteção ao Índio e Localização dos Trabalhadores Nacionais

SUFP Superintendência de Formação dos Profissionais da Educação Básica

TI Terra Indígena

UFMT Universidade Federal de Mato Grosso

UNEMAT Universidade do Estado de Mato Grosso

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 13

CAPÍTULO PRIMEIRO ............................................................................................ 28

ARTE E EDUCAÇÃO: UMA RELAÇÃO CULTURAL, POLÍTICA E SOCIAL........... 28

1.1 A Arte como Expressão da Sociedade ....................................... 29

1.2 -Contextualização histórica do ensino da arte no Brasil ............. 45

CAPÍTULO SEGUNDO ........................................................................................... 52

A ARTE NA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA .................................................... 52

2.1 Arte, cultura e povos indígenas .................................................. 53

2.2 -A educação escolar indígena no Brasil e em Mato Grosso ...... 62

2.3 Diretrizes para o ensino de Arte nas escolas indígenas ............ 69

2.4 O limiar entre a colonialidade e a interculturalidade ................... 71

CAPÍTULO TERCEIRO ........................................................................................... 77

A ARTE NA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA .................................................... 77

3.1O ensino de Arte na escola bororo .............................................. 78

3.2 Cultura Bororo e a identidade que se reafirma na escola .......... 90

3.3 Caminhos possíveis: identidade e o ensino de Arte ................. 100

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 105

REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 112

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa, desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em

Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, é parte integrante do projeto

Educação escolar e colonialidade: o exercício do controle cultural em sociedades

indígenas no Centro-Oeste e Amazônia, desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa em

Educação Escolar Indígena.

O objetivo geral do Grupo de Pesquisa é discutir os principais contornos da

colonialidade, isto é, os avanços e desafios encontrados pelas sociedades indígenas

para a construção e reconstrução do seu modo de vida e da cultura nos tempos

atuais.

É com o intuito de dar continuidade aos estudos desenvolvidos no âmbito do

projeto e de contribuir para o aprofundamento de uma temática específica, que

desenvolvemos o presente trabalho cujo tema é o ensino de Arte1 em escolas

indígenas.

Nosso estudo teve como cenário a Escola Estadual Indígena Korogedo

Paru2 da Aldeia Córrego Grande, na Terra Indígena Teresa Cristina, município de

Santo Antônio de Leverger, no estado de Mato Grosso/Brasil. Procuramos analisar o

currículo da escola e a práxis dos seus docentes em um contexto de pós-

colonialidade3 e de interculturalidade.

Pensar nesse processo colonial adotado na América Latina pelas coroas

hispânica e portuguesa, segundo Neves (2008), supõe uma discussão sobre a

importância em superar a perspectiva colonialista dessaconstituição de

conhecimento, e, deste modo, percebê-lo em todas as suas dimensões, de modo a

promover a desconstrução dos discursos e práticas hegemônicos.

É importante ressaltar que esse esforço demanda uma análise detalhada

dos alicerces sobre os quais se ergue a tessitura tradicional da pesquisa, uma vez

1 A grafia de ―arte‖ com a letra inicial minúscula refere-se à área de conhecimento e com a

letra inicial maiúscula, ao componente curricular, ou seja, a disciplina de ―Arte‖. 2 Boe, ―povo verdadeiro‖,corresponde à autodenominação do povo Bororo. De forma

semelhante ao que aconteceu com dezenas de outros povos indígenas no Brasil e nas Américas, os colonizadores atribuíram novas denominações aos povos contatados. A palavra ‗Bororo‘ na língua Boe, significa ―pátio da aldeia‖ e o nome da escola indígenaKorogedo Paru, é o nome do córrego que passa próximo à aldeia e deságua no rio São Lourenço.

3 O termo ―pós-colonial‖ não se restringe a descrever uma determinada cidade ou época.

Ele relê a colonização como parte de um processo global, inteiramente transnacional e transcultural. (HALL, 2003, p. 109).

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que sua matriz teórico-conceitual e suas orientações práticas, ainda hoje, conservam

diversos elementos próprios dos ideários eurocêntricos.

Para situar melhor o estudo, faremos, inicialmente, uma breve

caracterização do povo Bororo, apresentando alguns elementos culturais relevantes

dessa sociedade e, em particular, da comunidade que acolheu essa pesquisa. Com

relação ao termo ―Bororo‖ o Instituto Socioambiental - ISA destaca que, embora seja

essa sua atual denominação oficial eles se autodenominam Boe, o que significa

gente. Na sua língua materna o termo "Bororo" significa "pátio da aldeia", um

espaço importante em todas as suas manifestações culturais.

Para o professor Felix Rondon Adugoenau, Mestre em Educação pela

UFMT, a interpretação sobre a denominação de seu povo pode ser assim

sintetizada:

Boenureimi. Boe = gente; Nure = que é; Imi = eu. Eu sou gente. Eu sou pessoa. Eu sou humano. Eu sou gente da água. ―Boe‖ não significa Bororo, como dizem alguns anciões, ―boe‖ é ―boe‖. Solene frase bororo que deixa explícito a que grupo social está inserido que ao olhar cuidadoso da antropologia soa em autodenominação, mas que ao ser enunciado soa na condição de autoafirmação, de pertencimento étnico dito por indivíduos do Povo Bororo que deixa explicitamente uma carga de ―autoetnonimicidade‖ própria Boe e que ao mesmo tempo em que deixa transparecer a sua identidade, não deixa de delimitar uma fronteira, segundo o BoeAkaru = Bakaru (forma expressa em português) e a aceitação da própria língua deste povo, entre ser bororo com observância e cuidado no ser bororo e ser bororo que transita no mundo não bororo, precisando observar o que a sociedade envolvente faz para com ele conviver (ADUGOENAU, p. 23, 2015).

Como relembra o Instituto Socioambiental, historicamente, foram muitos os

nomes utilizados para denominar os Boe:

[...] os Coxiponé, Araripoconé, Araés, Cuiabá, Coroados, Porrudos, Bororos da Campanha (referente aos que habitavam a região próxima a Cáceres), BororosCabaçais (aqueles da região da Bacia do Rio Guaporé), Bororos Orientais e Bororos Ocidentais (divisão arbitrária feita pelo governo do Mato Grosso, no período minerador, que tem o rio Cuiabá como ponto de referência) (ISA)

4

Quanto à caracterização dos habitantes das diferentes aldeias, segundo o

ISA, está relacionada a indicadores locais, como, por exemplo:

Boku Mogorege - habitantes do cerrado, Bororo das aldeias de Meruri, Sangradouro e Garças.

Itura Mogorege - habitantes das matas, Bororo das aldeias de Jarudori, Pobori e Tadarimana.

4Encontrado em http://pib.socioambiental.org/pt/povo/bororo dia 10/11/2015 às 15h.

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Orari Mogodoge - habitantes das plagas do peixe pintado, Bororo das aldeias de Córrego Grande e Piebaga.

Tori okua Mogorege - habitantes dos sopés da Serra de São Jerônimo, grupo atualmente sem aldeia remanescente.

Utugo Kuridoge - os que usam longas flechas ou Kado Mogorége - habitantes dos taquarais, Bororo da aldeia de Perigara, situada no Pantanal.

Dados apresentados pelo ISA indicam que ―os Bororo ocupam seis Terras

Indígenas demarcadas no Estado do Mato Grosso‖, sendo áreas sem continuidade e

descaracterizadas, correspondendo ―a uma área 300 vezes menor do que o território

tradicional‖.

As terras indígenas bororo de Meruri, Perigara, Sangradouro/VoltaGrande e

Tadarimana estão em situação legal, ou seja, registradas e homologadas; mas

Jarudori ainda que tenha sido reservada aos índios pelo Serviço de Proteção ao

Índio, o SPI, vem sendo continuamente invadida, chegando ao ponto de hoje estar

totalmente ocupada por uma cidade; já com relação à Teresa Cristina, que abriga a

Aldeia Córrego Grande e a EEI5KorogedoParu, ainda, segundo o ISA, ―está sob

júdice, uma vez que sua delimitação foi derrubada por decreto presidencial‖.

Figura 1: Arquivo pessoal. Estrada dentro da terra indígena Teresa Cristina que liga

São Lourenço de Fátima à Aldeia Córrego Grande.

5 Escola Estadual Indígena.

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Figura 2: Print da página do ISA

6

Sua língua materna é denominada BoeWadaru. Atualmente, quase toda a

população domina a língua materna, uma vez que essa prática vem sendo

incentivada desde a década de 1970, quando a missão salesiana deixou de interferir

no seu uso nas escolas das aldeias de Meruri7 e Sangradouro8.

Para superar esse período de imposição colonial os próprios Salesianos9,

estimularam o processo de retomada linguística fazendo uma autocrítica em relação

ao passado, o que ―culminou no resgate da língua original e do ensino bilíngue‖

(ISA)10. Com isso, quase a totalidade da população Bororo é bilíngue, ou seja, fala

português e bororo.

Ainda que na EEI KorogedoParu o ensino seja bilíngue, na vida em

comunidade a língua falada é a materna, com alguns neologismos advindos do

contato do português regional. Devemos ressaltar que a língua Bororo deu origem à

vários termos utilizados pela população do estado de Mato Grosso, em especial em

Cuiabá e nos municípios de Várzea Grande, Nossa Senhora do Livramento, Santo

6 Encontrado em http://ti.socioambiental.org/pt-br/#!/pt-br/terras-indigenas/3870 dia 29/03/2016 às

22h34min. 7 Localizada em Leste do Mato Grosso, no município de Barra do Garças.Encontrado em

http://pib.socioambiental.org/pt/povo/bororo dia 10/11/2015 às 15h40. 8 "Morada Bororo" (ocupada pelos Xavante, essa área não é mais reconhecida como Bororo).

Encontrado em http://pib.socioambiental.org/pt/povo/bororo dia 10/11/2015 às 15h50. 9 Posteriormente trataremos dessa relação entre os Salesianos e os Bororo de Córrego Grande, sob

a ótica de Mário Bordignon, mais conhecido como Mestre Mário. 10

Encontrado em http://pib.socioambiental.org/pt/povo/bororo dia 10/11/2015 às 15h.

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Antônio do Leverger entre outros, cuja parte dessa população tem vínculos

históricos ou é descendente do povo Bororo.

A organização social dos Bororo tem como referência a aldeia (BoeEwa), que

é formada por casas distribuídas, originalmente em círculo e cujo centro está

localizada a casa dos homens. Esse espaço é chamado de Baitoeao seu lado a

praça cerimonial, chamada de Bororo. Segue imagem do Baito:

Figura 3: Baito da Aldeia Córrego Grande.

11

As casas da Aldeia Córrego Grande, como veremos a baixo não possuem

uma disposição circular, contudo, segundo o ISA, ainda que nas aldeias as casas

estejam organizadas ―de modo linear por influência dos missionários ou agentes do

governo, a circularidade da aldeia é considerada a representação ideal do espaço

social e do universo cosmológico‖.

Figura 4: Arquivo pessoal - Aldeia Córrego Grande

Figura 5: Arquivo pessoal - Aldeia Córrego Grande

A organização da sociedade Bororo é bastante complexa, a primeira grande

divisão é feita entre duas metades, o Tugaregee oEčerae que depois se subdividem

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Encontrada em www.panoramio.com dia 29/03/2016 às 23h33min.

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em vários clãs. O Prof. Indígena 412 explica essa divisão em subclãs e sua relação

com a pintura corporal e a representação identitária da seguinte forma:

A pintura facial em si, serve para nós os indígenas, termos uma organização política muito forte. A qual cada grupo e representado por um subclã. Na aldeia esse é um lado que contem subclã, esse é um lado que contem outro subclã. Ao todo acho que são doze, seis de cada lado. Então na pintura facial no rosto e também no corpo serve como identidade. Pessoas conhecedoras da cultura bororo vão observar aquela pessoa que está pintado. Ele não precisa nem cumprimentar ele, só através do desenho da face ele vai falar aquele lá é meu parente. Também trabalha com a arte bastante com os nomes. Porque os nomes também tem esse fundamento de [...] quem é o meu parente. Através do nome indígena já sei que ele é ou não é meu parente. Arte corporal. Arte corporal é isso, arte corporal também esta ligada junto com os ritos. Por exemplo, se tinha uma pintura diferente, ali não tem nosso não. Se uma pessoa vestir uma pintura corporal diferente com plumagem, ai que ele vai executar certo rito. Se ela estiver com outra pintura diferente ele vai apresentar outro tipo de ritual. Então, a pintura facial. Ela é a identidade do seu clã. Subclã. E a pintura corporal significa o rito que vai ser praticado. Olha eu não sou mestre da cultura estou apena fazendo observação. Como eu te falei através da observação trago isso para sala de aula. (PROF. INDÍGENA 4).

Do mesmo modo para Grando (2004):

A beleza ou feiúra é muito mais que um atributo corporal que ultrapassa as características visíveis, como as insígnias tribais tão caracteristicamente marcadas pelos adornos, pinturas, etc., ou pela própria estrutura física (esguia ou robusto), mas consideram também o comportamento e as qualidades morais dos seus portadores (GRANDO, p. 61, 2004).

A organização dos indivíduos se dá, além de seu clã, também pela linhagem

e pelo grupo de sua casa, como notamos na imagem a seguir:

12

Posteriormente traremos mais especificações sobre o referido professor Bororo.

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Figura 6: Esquema da aldeia original Bororo13

De acordo comAdugoenau (2015), precisamos considerar alguns aspectos

para compreendermos essa divisão clânica:

Para compreendermos a estrutura social pela qual se organiza tradicionalmente uma aldeia bororo, precisamos considerar que, para o Bororo, a pessoa faz parte de um universo físico composto por seres animados, corpos celestes e fenômenos meteorológicos e de todo um universo sociológico que compõe a própria aldeia. A estrutura da aldeia, segundo a tradição, é mantida pelos casamentos que são decididos pelas mulheres e seguem uma orientação que mantém a estrutura clânica e reforça as relações entre as duas metades e os clãs correspondentes. A mãe, responsável pela realização do ritual do matrimônio e a orientação de suas filhas, receberá seus genros com as filhas em sua casa, embora sejam os homens os responsáveis tradicionalmente pelas mediações entre os clãs e que criam as novas formas de parentesco dentro do principal ritual bororo, o funeral. As filhas ampliarão com seus filhos e marido a família e o clã, numa mesma casa. Conforme se ampliam as famílias, as casas podem crescer ou as famílias mudarem de aldeia, mas a posição será mantida na estrutura da aldeia, atendendo a localização reservada ao clã materno em todas as aldeias bororo (ADUGOENAU, p. 35, 2015).

O trabalho de Fernandes (2009) destaca que os Bororo possuem valores

éticos e estéticos definidos e praticado por seus membros. A partir deles concebem

o mundo, as características próprias do ser humano, e normas, crenças e práticas

religiosas são formas de se organizarem com ointuito de manter essa ordem.

Em se tratando da religiosidade, seus ritos possuem um rico arcabouço

cultural que gira em torno de objetos, adornos e práticas simbólicas. Segundo

Fernandes (2009) esses momentos ritualísticos obedecem a um grupo de regras e

prescrições vividas no cotidiano da aldeia.

13

Ilustração de Ailton MeriEkureu.

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20

Para os Bororo a vida cultural e religiosa se fundem numa cosmologia14, que

busca conservar o equilíbrio, a igualdade e o respeito com as pessoas, com a

natureza e com o mundo dos antepassados.

Lévi-Strauss (1996, p. 80) afirmou não ser comum tamanha religiosidade

dentre os povos indígenas, pois não são muitos os que apresentam um sistema

metafísico tão bem elaborado. Para ele essas crenças espirituais, assim como os

hábitos cotidianos misturam-se estreitamente, os Bororo não ficam com a sensação

de transitar entre um e outro.

São vários os rituais Bororo, com destaque para o funeral; o batizado ou

nominação; a perfuração do lóbulo de orelhas e lábio inferior; a festa do milho novo;

a preparação para a caça ou pescaria; festa do couro da onça; do gavião real; do

matador de onça, sendo que o funeral é o que mais se destaca. Segue imagem do

rito funeral bororo:

Figura 7: Imagem de internet15

Figura 8: Imagem de internet16

A arte Bororo está presente em todos eles. Segundo Ribeiro (1989):

A arte impregna todas as esferas da vida do indígena brasileiro. A casa, a disposição espacial, os meios de transporte, os objetos de uso cotidiano e, principalmente, os de cunho ritual estão embebidos de uma vontade de beleza e de expressão simbólica. Estas características transparecem quando se observa que o índio emprega mais esforço e mais tempo na produção de seus artefatos que o necessário aos fins utilitários a que se destinam; e quando passa horas a fio ocupado na ornamentação e simbolização do próprio corpo. Neste sentido, a arte indígena reflete um

14

(Do gr. kosmos: mundo, e logos, ciência, teoria). Conjunto das teorias científicas que tratam das leis ou das propriedades da matéria em geral ou do universo. Toda cosmologia supõe a possibilidade de um conhecimento do mundo como sistema e de sua expressão num discurso. Por isso, a imagem do sistema do mundo é determinante para toda filosofia que se pretende sistemática. O postulado de uma totalização do mundo, pelo saber, revela-se indispensável a uma eventual totalização do próprio saber. (JAPIASSÚ e MARCONDES, 2001). 15

Encontrada pib.socioambiental.org dia 30/032016 às 8h. 16

Encontrada em povosindigenas.com dia 30/032016 às 8h05min.

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desejo de fruição estética e de comunicação de uma linguagem visual (RIBEIRO, 1989, p. 13).

Partindo desse contexto sociocultural e considerando todas as características

apresentadas acima, temos como foco prioritário a análise do ensino de Arte que

compõe o currículo daquela escola, relacionando-a com as Diretrizes Nacionais e

Estaduais para a Educação Escolar Indígena (DNEEEI); com os Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNs); Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio

(PCNEM); Orientações Curriculares das Diversidades Educacionais (OCD) e

Orientações Curriculares de Linguagens (OCL). A legislação atual destaca a Arte

como o centro da formação na Área de Linguagens, conferindo-lhe maior

importância e significado. Não obstante o destaque conferido pela legislação, há de

se verificar como este currículo é desenvolvido efetivamente ‗no chão da escola‘.

Seriam muitas as linguagens artísticas que poderiam enriquecer a presente

pesquisa, todavia, nos limites deste estudo daremos destaque às artes plásticas,

mais precisamente à pintura facial. O principal aspecto a ser observado diz respeito

aos saberes locais, isso é, às expressões autóctones presentes nos trabalhos

artísticos desenvolvidos na escola. Para além disso, o estudo procura discutir, a

partir das vozes locais, as implicações decorrentes da presença de uma instituição

escolar oficial no âmbito daquela comunidade indígena. Ou, dito de outra forma:

como as manifestações artístico-culturais do povo Bororo são expressas no contexto

da educação escolar.

Para compreender como se dá o ensino de Arte na EEI KorogedoParu, ou

seja, a práxis docente dos professores indígenas, traremos questões que tratam da

relação entre a arte indígena vivenciada no cotidiano da aldeia com o componente

curricular - Arte, ministrado na escola. Pretendemos verificar também a convergência

entre os conteúdos e estratégias didáticas anunciadas no currículo da disciplina e a

práxis docente concreta.

A escola, segundo o senso de 201417, tem sua organização curricular no

Ensino Fundamental por Ciclos de Formação Humana, possui um total de 20

funcionários (administrativo e pedagógico), com estudantes matriculados da

seguinte forma: anos iniciais (1º ao 5º ano) 62 estudantes, anos finais (6º ao 9º ano)

61estudantes e Ensino Médio 30 estudantes, sendo que não oferta a modalidade de

17

Dados encontrado em http://www.qedu.org.br/escola/253163-ee-indigena-korogedo-paru/sobre dia 30/03/2016 às 22h15min.

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Educação de Jovens e Adultos e Educação Especial. Segue imagem da referida

escola:

Figura 9: Arquivo pessoal - EEI KorogedoParu

Para analisarmos estes pontos nos propomos a compreender como se deu e

se dá a formação (inicial e continuada) dos docentes que ministram tal componente

curricular; além de discutir os princípios e bases sobre as quais se institui o currículo

de Arte, considerando a significância de um currículo pós crítico que para Hall (2003)

pode e deve ser um caminho para repensar ―como se dá as relações de classes, a

organização popular, as constituições de consciência no decorrer da história, assim

como as culturas de classe em seu contexto histórico.

Seguindo essa linha, Moreira e Tadeu (2013) afirmam colocam a escola como

um território de luta e desta forma a pedagogia se apresenta como uma forma de

política cultural, os autores defendem uma pedagogia crítica, onde se leve em conta

as transformações simbólicas que resultam em materiais do cotidiano fornecendo o

fundamento para ressignificar o modo como se dá base ética às suas experiências e

vozes. Ainda segundo os autores, uma pedagogia crítica que se desenvolve a partir

e para as vozes daqueles que quase sempre não são ouvidos.

As vozes, ou melhor, os silêncios destas acabam representados por diversas

―verdades‖. Para Grando estas são pronunciadas através da colonialidade ao

afirmar:

Diversas verdades, da história oficial sobre os povos indígenas, são formadoras da cultura dominante - brasileira-nacional - e têm construído valores e preconceitos que contribuem para a manutenção das relações de sujeição dos diversos segmentos marginalizados da sociedade. Entre essas verdades, está a de que o índio não foi escravizado, de que aceitou passivamente ser miscigenado e integrado à sociedade, e de que é

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preguiçoso. Valores esses comumente identificados entre as classes populares (GRANDO, 2004, p. 76).

Ao final deste texto, ancorados nessas questões, nos propusemos a

apresentar possibilidades didáticas para professores indígenas no campo da Arte,

tendo como escopo os conhecimentos culturais Bororo, as contribuições advindas

da sociedade moderna e a legislação específica sobre Arte e educação escolar,

compreendo cultura sob a ótica de Hall (2003):

A cultura é esse padrão de organização, essas formas características de energia humana que podem ser descobertas como reveladoras de si mesmas – ―dentro de identidades e correspondências inesperadas‖, assim como descontinuidades de tipos inesperados‖ – dentro ou subjacente a todas as demais práticas sociais. A análise da cultura é, portanto, "a tentativa de descobrir a natureza da organização que forma o complexo desses relacionamentos" (HALL, 2003, p. 136).

Partindo desse pressuposto, as vozes advindas da escola, da comunidade e

das instituições educacionais que ofertam a educação escolar indígena para o

público a cima citado, subsidia a base desta dissertação.

Para situar o cenário institucional e o lugar de onde estamos analisando a

temática em pauta, gostaríamos de fazer duas ponderações preliminares. A primeira

diz respeito ao vínculo que mantemos com a Secretaria de Estado de Educação de

Mato Grosso - Seduc, na condição de professora formadora de Arte do Centro de

Formação e de Atualização dos Profissionais da Educação Básica - CEFAPRO. É

como membro dessa instituição de estado (cujos vínculos históricos com a

colonialidade ainda persistem), que procuramos formar os professores de Arte. Um

segundo aspecto a ser considerado trata da nossa origem e descendência

miscigenada e um fenótipo que sintetiza a presença indígena, africana e europeia.

As ―três raças do Brasil‖ nem sempre conviveram harmonicamente na constituição

de nossa identidade e pertencimento. Não raro, expressam ainda as contradições

típicas de matriz colonial cujo cenário nascemos, fomos criados, nos formamos,

casamos, enfim, nos constituímos e realizamos as diversas leituras bibliográficas e

de mundo.

Foi assim que em toda a nossa vida pessoal e, em especial, no decorrer do

presente estudo, procuramos nos desvencilhar da percepção colonial, produzindo

uma pesquisa e um texto escrito que viesse a contribuir com a interculturalidade no

ensino de Arte não só na EEI KorogedoParu, mas, quiçá, em outras escolas

indígenas, apontando um possível caminho para o fortalecimento identitário do povo

Bororo.

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O presente estudo encontra-se assim organizado: No primeiro capítulo

denominado ―Arte e educação: uma relação cultural, política e social‖ teceremos

breves considerações acerca da noção de arte (John Dewey, 2012 e Herbert Read,

2001) e do atual debate sobre o ensino de Arte no Brasil (Ana Mae Barbosa, 2008;

2010; 2011; Maria Felismina de Rezende e Maria Heloísa Ferraz, 1992).

Utilizaremos também as Orientações Curriculares de Mato Grosso – Caderno de

Linguagens (2010) e Parâmetros Curriculares Nacionais – Arte (2001) para o debate

acerca do currículo de Arte.

O segundo capítulo ―A arte na educação escolar indígena” abordará a

temática da colonialidade e da perspectiva intercultural e será pautado em autores

como Aníbal Quijano, Fernando Coronil, Enrique Dussel, Arturo Escobar, Edgardo

Lander, Francisco López Segrera, Alejandro Moreno, dentre outros. Na Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) e no Referencial Curricular

Nacional para as Escolas Indígenas (1998) buscaremos as bases legais sobre o

ensino de Arte, e em Elias Januário e Fernando Silva (2011) as iniciativas de

formação de professores indígenas. Também nos serviremos das contribuições de

Graça Proença (2007) para apontar as concepções de arte indígena. Cury, Dorta e

Carneiro (2009) irão contribuir na introdução à temática da arte plumária.

No terceiro capítulo “Currículo de Arte na EEI KorogedoParu” discutiremos o

currículo de Arte em uma escola indígena. Para tanto recorreremos novamente aos

documentos oficiais e a outros textos que tratam da questão, em diálogo com os

dados colhidos em campo. Neste capítulo serão incluídos também os dados

disponibilizados pela Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso,

representada pelo CEFAPRO. Assim será feito um contraponto entre os diversos

olhares que discutem e vivenciam o ensino de Arte na escola bororo.

Para concluir a dissertação será feito um apanhado geral dos capítulos

anteriores com o propósito de pontuar os aspectos mais relevantes discutidos no

estudo, bem como apresentar algumas proposições para contribuir com o

desenvolvimento da disciplina de Arte nas escolas indígenas. Nesse desafio,

teremos como referência básica os trabalhos de Ana Mae Barbosa, que trouxe ao

Brasil, a partir da década de 1980, a Proposta Triangular, como uma possibilidade

pedagógica centrada na tríade ler, produzir e contextualizar, processo esse que

deve ser contínuo e integrado, aleatoriamente organizado, sendo o docente

responsável em definir de que forma o planejamento deverá ser sequenciado.

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Em todos os capítulos utilizamos diferentes técnicas para a obtenção e

tratamento dos dados, como, a observação direta, entrevistas semiestruturadas,

discussões em grupos, formação/seminário, diagnóstico e revisão de dados

secundários e relatórios de retorno dos dias de campo.

O caminho preferencial para a obtenção e tratamento dos dados foi através

do DRP (Diagnóstico Rápido Participativo), uma atividade semiestruturada,

desenvolvida em campo, tendo como objetivo obter, de maneira rápida, informações

e dados sobre determinado tema com propósito acadêmico, sociocultural e político.

Tem a característica de diagnóstico por ser proposto pelo pesquisador e

substantivado pelos sujeitos; é rápido porque seu desenvolvimento não requer um

período muito extenso na obtenção informações; é participativo porque envolve

diretamente os sujeitos da pesquisa. Segundo Whiteside (1994), esse método é

utilizado em:

Contextos que requeiram agilidade na obtenção ou registro de dados; com dificuldades acesso, comunicação ou permanência; com grupos mais homogêneos; com temas específicos; com aceitação ou consentimento prévios. (WHITESIDE, p.21, 1994).

Sobre as premissas próprias do DRP, o pesquisador destacou que:

a) Os informantes são os ―experts‖ sobre o assunto; b) Os pesquisadores detêm alguns conhecimentos (informações básicas), porém necessitam de aportes; c) A ‗verdade‘ é alcançada por várias fontes e por meio de várias técnicas ; d) Os dados ‗falam por si‘ mas devem ser ‗interpretados‘e seus sentidos maximizados. (WHITESIDE, p.25, 1994).

O DRP foi utilizado para complementar os dados secundários (históricos,

demográficos, estatísticos, culturais etc.), bem como em observações dirigidas,

entrevistas, debates, diagramas e ―chuva de ideias‖.

Seguindo as proposições de Whiteside (1994) procuramos nos envolver com

os sujeitos da pesquisa e aprendemos muito com eles. Devido ao pouco tempo

disponível, limitamos a quantidade de informações e aprofundamos no tema

desejado, adaptando o enfoque conforme as necessidades e respeitando o ritmo

dos sujeitos. Procuramos também identificar as pessoas com maior potencial de

contribuição na pesquisa e produzir o máximo possível no próprio campo.

De uma forma geral, utilizados as estratégias propostas no Diagnóstico

Rápido Participativo – DRP nas seguintes atividades:

a) Checagem e revisão dos dados secundários; b) Observação direta (contato direto com o campo de pesquisa);

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c) Entrevistas semiestruturadas com ‗experts‘ no tema de estudo e com os demais sujeitos); d) Discussões em grupos; e) Diagramações, produção de croquis; f) Adjetivações, comparações e proporções; g) Relatos e história de vida; h) Relatórios de retorno (síntese de um dia de trabalho).(WHITESIDE, p.36, 1994).

Importante destacar que um DRP não se caracteriza como uma

―minietnografia‖. Para Whiteside (1994) trata-se de mais uma ferramenta a ser

utilizada em casos específicos e situações em que permanência em campo seja

rápida. Diferentemente das etnografias que demanda maior tempo e outras

estratégias de estudo, o DRP não tem a pretensão de explicar ou descrever com

minúcias o cotidiano das culturas. Não procura respostas conclusivas, mas ―boas

apostas‖ para aprofundar o estudo, o que será alcançado por meio da análise e do

diálogo com os dados obtidos.

Na estruturação do estudo procuramos conhecer o modo de vida e as formas

específicas de perceber a arte naquele contexto cultural. Assim, foi possível verificar

como o conhecimento cultural, as normas, valores e outros saberes influenciam no

ensino de Arte e, inversamente, se este componente curricular pode influenciar nos

costumes da comunidade. Compreendemos que o foco central do estudo são as

pessoas e suas relações no contexto escolar, por isso, priorizamos as fontes

diretamente relacionadas àquela realidade (alunos, docentes, gestores, lideranças,

anciãos).

O registro de depoimentos e cenários por meio de recursos fotográficos e

fonográficos também facilitou o trabalho, vez que, a partir dele, foi possível

reproduzir mais amplamente as informações obtidas. Foi gratificante verificar que,

especialmente os registros fotográficos, se constituíram numa riquíssima fonte de

informações ilustrativas das relações de colonialidade e de interculturalidade.

Na análise de dados de campo, levamos em consideração a pluralidade das

informações (consensos e dissensos) na percepção do fazer pedagógico dos

professores que atuam na disciplina de Arte, bem como na percepção dos demais

membros da comunidade educativa.

Os depoimentos mais significativos foram transcritos e ajustados em alguns

aspectos formais, como ruídos de comunicação, repetições excessivas, pausas não

significativas etc. Os dados não transcritos (mas, nem por isso, menos importantes),

serviram de escopo para a argumentação e a consolidação do texto escrito.

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No quadro abaixo apresentamos uma síntese dos grupos ou segmentos

pesquisados, da amostragem de cada grupo e das principais estratégias de

abordagem.

1 Quadro síntese dos pesquisados por segmento, quantidade da amostragem e formas de abordagem:

A gravação das entrevistas foi transcrita e parte dela foi utilizada, ora de

maneira direta, ora como citação indireta no texto.

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CAPÍTULO PRIMEIRO

ARTE E EDUCAÇÃO: UMA RELAÇÃO CULTURAL, POLÍTICA E SOCIAL

Figura 10: "Nossa Senhora Coca-cola" Acrílica sobre tela de Evandro Prado - 200518

18

Evandro Prado, artista sul-mato-grossense, produziu essa pintura como parte da série Habemus Cocam, sua criação surgiua partir do texto de Frei Betto, ―Religião do consumo‖, cujo objetivo é trazer a discussão sobre a valorização das marcas dos produtos, de troca de valores, de como, nos dias de hoje, uma pessoa tem status de acordo com as marcas que usa. As imagens católicas foram usadas apenas como metáfora desse assunto.(Informações oferecidas pelo artista via email).

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1.1 A Arte como Expressão da Sociedade

Como destacamos inicialmente, a arte é uma expressão característica da

humanidade: os seres humanos nascem com a arte e é por meio dela se revelam.

No decorrer dos séculos,se consolidou a ideia de que a arte é algo intrínseco

à sociedade, que existe somente dentro de um contexto sociocultural. Por isso, a

arte também é situada geográfica e historicamente. Ainda assim existem muitas

dúvidas a respeito da sua amplitude e delimitações. Afinal, o que é arte? Teóricos

concordam que a resposta a essa pergunta ainda está em construção, pois a noção

de arte é ambígua, ampla e em constante movimento.

Para Pereira (2012, p. 08) as artes plásticas são ―parte material da cultura.

Está submetida ao conjunto de valores sociais criados em torno de fazeres

cotidianos‖. Assim os artistas expõem suas impressões de si e do outro. Ao ler o

cotidiano a arte produz sentido sobre as relações sociais.

Sobre seu o caráter histórico, Proença aponta que a arte possui inúmeros

significados, pois ao longo da história a humanidade produziu ferramentas para

facilitar a vida cotidiana, superando assim suas limitações físicas. A autora afirma

ainda que:

A produção artística não deve ser considerada um fato extraordinário dentro da cultura humana. Ao contrário, deve ser vista como profundamente integrada à cultura e aos sentimentos de um povo: ora retrata elementos do meio cultural, [...], ora representa divindades de uma antiga civilização ou expressa sentimentos religiosos (PROENÇA. 2007, p. 05).

Com base nas palavras de Proença (2007) compreende-se que a produção

cultural indígena ou, melhor dizendo, as artes indígenas a partir da ótica ocidental,

também são artes. Ao pintar o corpo para um ritual o indígena está se expressando

por meio de formas, ícones e símbolos. Esses atos se inserem em suas tradições,

reafirmam seus padrões estéticos e simbolizam a essência do ser indígena - sua

cultura, seus ritos e seu cotidiano.

As artes, segundo Mauss (1993) estão intrinsecamente ligadas, porque onde

há ritmo, geralmente há estética; onde há tons, variações de estilos e intensidades,

há geralmente, estética. O autor afirma ainda que estudar os fenômenos estéticos,

ou seja, a arte, é estudar o seu aspecto etnográfico, o que significa, a história da

civilização artística. Mauss destaca a importância de estudar como essa arte é a

representação de quem a produz, dos seus ritmos, estilos, formas e tons.

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Uma abordagem que também envolve a interculturalidade pode ser

encontrada na literatura Latino-Americana que trata das relações interculturais

expressas em contextos de colonialidade (Edgardo Lander e outros). Tal abordagem

discute os impactos do modelo colonial sobre as instâncias de poder e de saber das

sociedades em geral e dos povos indígenas em particular. A arte faz parte dessa

conjuntura, tendo em vista que que onde existe sociedade ela também existirá e

seguirá produzindo conhecimento.

Deste modo, paraLander:

A Colonialidade do Saber, ao recuperar a simultaneidade dos diferentes lugares na conformação de nosso mundo: abre espaço para que múltiplas epistemes dialoguem.[...] pensamentos que aprenderam a viver entre lógicas distintas, a se mover entre diferentes códigos e, por isso, mais que multiculturalismo sinaliza para interculturalidade (LANDER, 2005, p. 4).

Uma abordagem igualmente relevante é encontrada em Read (2001, p. 15)

que considera a arte como uma categoria, como uma área do conhecimento cujo

conceito está em constante movimento, ou seja, em construção e, portanto, é

passível de superação. Sua ―indefinibilidade‖ se explica pelo fato de que essa

categoria sempre foi tratada como algo que transcende ao físico, vez que,

historicamente, a arte foi vista como um ―conceito metafísico‖, ainda que possua

uma natureza orgânica e mensurável.

Como se percebe, nesse aspecto, Read (2001) comunga com a percepção,

Dewey (2012, p. 59) que tem a arte como uma criatura viva, cuja produção é ―dotada

de existência externa e física‖, ou seja, a arte vem da natureza humana, cuja

inspiração surge da própria existência do produtor, do que seus olhos viram, do que

ouviu, sentiu e experienciou em seu cotidiano, independentemente se esse se dá

nos grandes centros ou em meio à natureza.

Contudo o autor frisa que a arte é essencialmente essa experiência

constituída no decorrer do processo de produção. Em seu reconhecido

pragmatismo19, Dewey (2012) atribui à arte a importância desse experimento para a

19

Pragmatismo (ingl. pragmatism) Concepção filosófica, mantida em diferentes versões por, dentre outros, Charles SandersPeirce, William James e John Dewey, defendendo o empirismo no campo da teoria do conhecimento e o utilitarismo no campo da moral. O pragmatismo valoriza a prática mais do que a teoria e considera que devemos dar mais importância às consequências e efeitos da ação do que a seus princípios e pressupostos. A teoria pragmática da verdade mantém que o critério de verdade deve ser encontrado nos efeitos e consequências de uma ideia, em sua eficácia, em seu sucesso. A validade de uma ideia está na concretização dos resultados que se propõe obter. (Japiassú e Marcondes, 2001 – Dicionário Básico de Filosofia, p. 154).

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superação do status de arte clássica. Quando Dewey (2012) faz referência à arte

clássica, está se referindo às obras eruditas, aquelas consagradas pela crítica e pelo

tempo. Mas trata também da superação desse status, pois seu olhar sobre as artes

vai além do caráter elitizado das produções artísticas. As artes podem ser

encontradas em incontáveis espaços públicos ou não, externos ou não, como, por

exemplo, nos monumentos e murais espalhados pelas cidades, assim como em

situações cotidianas. Para o autor, caso essa superação não ocorra, o produto

artístico poderá se isolar das condições humanas, se distanciando de sua função

inicial, que é de humanizar, representar sua essência, expor o cerne da sociedade.

Atualmente, são muitas as iniciativas em que as produções artísticas da

comunidade são expostas em museus e galerias, em Mato Grosso por exemplo,

podemos citar o Museu Cultural Bororo de Meruri, Galeria de Arte Sesc Arsenal e

Palácio da Instrução. No caso das duas últimas, existem exposições também de

artistas consagrados. A existência dessas e de outras iniciativas, não significa a total

inclusão de diferentes públicos, há que se discutir, talvez, a democratização desse

acesso.

Para Dewey (2012) a arte faz parte da vida das pessoas, da sua identidade

individual e/ou coletiva, de suas vivências, ainda que por muito tempo tenha sido

vista apenas com o caráter metafísico20, abstrato e intelectual.

O propósito de Dewey (2012) é transformar essas noções e situações, pois a

arte está intrinsecamente ligada ao cotidiano que é o resultado de experiências.

Questiona com seus debates acerca da natureza da produção artística, seu

surgimento e evolução partindo de atos normativos e inerentes à vida, ao meio, e à

realização de necessidades e ―traz em si os germes de uma consumação

semelhante ao estético‖ (Dewey, 2012, p.77). O artista vê as potencialidades em

objetos que são impregnados de significados, passa então, a cultivá-los.

Dewey (2012) dedica à arte um lugar especial na construção de seu

pensamento e de suas obras. Esse lugar é o da experiência, conceito chave para a

compreensão de suas ideias.

20

Metafísica 1. O termo "metafísica" origina-se do título dado por *Andronico de Rodes, principal organizador da obra de Aristóteles, por volta do ano 50 a.C., a um conjunto de textos aristotélicos — ta meta taphysikd — que se seguiam ao tratado da física, significando literalmente "após a física", e passando a significar depois, devido a sua temática, "aquilo que está além da física, que a transcende"(...). (Japiassú e Marcondes, 2001 – Dicionário Básico de Filosofia, p. 129).

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A concepção da experiência formulada por Dewey (2012), segundo Barbosa

(2008/b, p.19) ―se transformou em nossos dias num adequado conceito de arte‖,

para entendermos um pouco o que de fato é a arte, podemos afirmar que a arte é a

expressão da experiência, afinal Arslan e Lavelberg (2013, p.1) afirmam que nas

transformações ocorridas na sociedade e consequentemente na própria arte, essa

arte é ―compreendida como objeto sociocultural e histórico‖, ou seja se constitui

através das vivências de um povo.

Também para HampâtéBâ (1976, p. 55) a "arte não se separa da vida.

Antes, abrange todas as suas formas de atividade, conferindo-lhes sentido‖. Desse

modo, compreendendo a história da arte é possível aprender um pouco mais sobre a

humanidade através das mudanças ocorridas nas diversas expressões e

manifestações artísticas. E elas se apresentam através de diversas linguagens:

plástica, música, escultura, cinema, teatro, dança, arquitetura, digital entre outras.

Diante dessas manifestações artísticas e culturais e a cada momento, a

cada movimento artístico, novas teorias são criadas e amplificam, cada vez mais, o

que se esperava ser a arte.

Com o intuito de chegar a uma formulação mais aceita, Read (2001, p. 16)

propõe iniciar a discussão com a ciência, e não com a arte. Para ele, a arte é ―parte

do processo orgânico da evolução humana‖ e se diferencia da atividade

relativamente arbitrária e ornamental, que ―é a única função que biólogos, psicólogos

e historiadores normalmente atribuem a ela‖.

Esse equívoco é comumente encontrado nos planejamentos

interdisciplinares em que as atividades dos demais componentes curriculares são

ilustradas pelas produções nas aulas de Arte. Talvez essa prática seja uma herança

da maioria dos reformadores do Movimento da Escola Nova, momento histórico que

será abordado dentro do contexto histórico do Ensino de Arte no Brasil, ainda neste

texto.

Segundo Barbosa (2008/a, p. 148) possivelmente essa seja a mais

reveladora transgressão das ideias de Dewey, em que a arte se torna um mero

aporte dos demais conhecimentos. A ―instrumentalidade da experiência estética‖

para ele ―reside em possibilitar a continuidade da experiência consumatória, e não

em ajudar a configuração de conhecimento em outras áreas‖.

Se a arte é parte da constituição da humanidade, não só em caráter

intelectual, mas também orgânico, podemos afirmar que a estética vai além da

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subjetividade, afinal, todo o conjunto precisa ser considerado. Para Herbert Read

(1966, p.17) ―Toda criança é um artista de qualquer tipo cujas capacidades

especiais, mesmo que insignificantes, devem ser encorajadas como contributo para

a riqueza infinita da vida em comum‖.

No Caderno de Linguagens que compõe as Orientações Curriculares para

as escolas de Mato Grosso (SEDUC, 2010), a concepção de arte segue a mesma

linha, quando afirma que:

A arte não está escondida, revela-se na cultura popular, nos meios de comunicação e está também na cultura denominada Erudita. Pode-se dizer que a arte encontra-se presente em diversas situações e lugares da vida; estamos cercados por obras artísticas. Obras de arte abordam questões políticas, sociais, afetivas, sonhos/desejos, medos, inquietações e dúvidas, ou seja, se tornam documentos históricos e culturais, guardando em si as manifestações artísticas da humanidade (Mato Grosso, 2010, p.39).

Desta feita, sua produção ganha significado ao tornar-se conhecimento

constituído a partir do empírico21, em que o fazer, a experiência, o toque, o olhar, o

olfato se interrelacionam numa trama de elementos que transformam essas energias

em arte. Mas essa transformação de energias não se dá apenas através da

experiência momentânea, fugaz, mas de toda uma vida de vivências, boas ou não.

Em se tratando do ensino de Arte, essas manifestações constituídas na

experiência é específica para cada época e lugar, para Arslan e Iavelberg (2013, p.

1) ―um conjunto complexo de intenções, teorias, práticas e valores orienta as

tendências pedagógicas‖, isso provoca mudanças significativas no papel da arte,

doravante vista como ―objeto sociocultural e histórico‖.

Vamos refletir um pouco acerca da diferença entre pragmatismo e

empirismo, haja visto que ambas correntes filosóficas surgem no bojo da noção de

experiência, termo tão discutido por Dewey (2012). A diferenciação se verifica no

modo como essas teorias percebem essa noção de experiência. Enquanto o

21

Empirismo(fr. empirisme) I. Doutrina ou teoria do conhecimento segundo a qual todo conhecimento humano deriva, direta ou indiretamente, da experiência sensível externa ou interna. Frequentemente fala-se do "empírico" como daquilo que se refere à experiência, às sensações e às percepções, relativamente aos encadeamentos da razão. O empirismo, sobretudo de Locke (...), demonstra que não há outra fonte do conhecimento senão a experiência e a sensação. As ideias só nascem de um enfraquecimento da sensação, e não podem ser inatas. Daí o empirismo rejeitar todas as especulações como vãs e impossíveis de circunscrever. Seu grande argumento: "Nada se encontra no espírito que não tenha, antes, estado nos sentidos." "A não ser o próprio espírito", responde Leibniz. Kant tenta resolver o debate: todos os nossos conhecimentos, diz ele, provêm da experiência, mas segundo quadros e formas a priori que são próprios de nosso espírito. Com isso, tenta evitar o perigo do dogmatismo e do empirismo. (Japiassú e Marcondes, 2001 – Dicionário Básico de Filosofia, p. 61).

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empirismo toma a experiência enquanto experiência passada, ou seja, como um

patrimônio limitado que pode ser inventariado e sistematizado de forma absoluta, o

pragmatismo apontava a necessidade ―de extrair de cada palavra o seu valor de

compra prático, pô-lo a trabalhar dentro da corrente de nossa experiência"

(JAMES,1979, p.20). Percebe a experiência como abertura para o futuro, ou seja,

como possibilidade de fundamentar a previsão, não em confronto com a experiência

passada, mas em relação com o possível uso futuro dessa experiência passada.

Ao encontro desse pensamento a teoria empirista de Locke (1986) vê a

experiência como meio para investigar a natureza do entendimento humano para

descobrir as possibilidades do sujeito e também as suas limitações. Para Kant o

empírico é a própria filosofia, ao afirmar que ―pode-se denominar empírica toda

filosofia que se apoia em princípios da experiência; (...) mas, se for circunscrita a

determinados objetos do entendimento, recebe o nome de Metafísica.‖ (KANT, 2007,

p. 1).

A compreensão de que a arte se materializa como conhecimento e que este

se dá através da experiência, nos possibilita ir além e oferecer ao ensino de Arte um

espaço merecido na educação, para que ele possa estimular a aprendizagem e

imprimir um ritmo mais criativo, livre e lúdico ao ensino/aprendizagem, e

consequentemente à educação de modo geral.

Para Read a inserção da educação estética em todo este processo de

desenvolvimento é fundamental, pois supera o conceito restrito da Educação

Artística (visual ou plástica) e pode abarcar todas as manifestações artísticas,

incluindo a verbal (literária e poética), musical ou auditiva.

A proposta de Read com a Educação Estética é, na verdade, uma educação

para os sentidos, pois a constituição do sujeito, bem como sua consciência, baseia-

se nos sentidos.

Esses sentidos referem-se à significância preciosa de sensibilidade estética

de cada um, pondera ainda que uma identidade só será constituída em sua

plenitude se esses mesmos sentidos se inter-relacionarem de maneira harmoniosa e

natural.

A harmonia citada por Herbert Read (2001, pag.17) se manifesta na forma,

que se revela a partir da percepção, pois ―a forma de uma obra é o aspecto que ela

assume‖. O princípio de forma resulta na nossa atitude em relação ao que nos

envolve, do aspecto objetivo universal e de todas as obras de arte.

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A forma atribuída pelo artista, - o ator que representa todos aqueles que

produzem as mais diversas linguagens artísticas - pode se expressar de variadas

maneiras. Contudo cada uma dessas expressões foi produzida por um sujeito que

se propôs a trazê-la para a existência.

O mesmo argumento foi utilizado por Dewey (2012) ao afirmar que as

linguagens, independentemente do veículo utilizado em sua materialização,

envolvem o que é dito e a maneira como essa informação é expressa, ou ainda, sua

substância e sua forma. E acrescenta:

O material de que se compõe uma obra de arte pertence ao mundo comum, não ao eu, mas há expressão pessoal na arte porque o eu assimila esse material de um modo singular, repondo-o no mundo público em uma forma que constrói um novo objeto (DEWEY, 2012, pag. 217).

Podemos lembrar que o autor destaca um trabalho individual, contudo

existem os trabalhos coletivos, como instalações, performances, e várias outras

técnicas utilizadas para produzir e expressar a arte.

Outro fato é que o objeto de arte nem sempre é novo, ele pode ser

simplesmente reinventado, como vemos em uma obra consagrada pela crítica e

conhecida pelo público, como ―A Fonte‖ de Duchamp, imagem 02.

Marcel Duchamp, criou um novo conceito de arte, o ready-made. Como

destacamos anteriormente é um objeto reinventado, ―industrializado, produzido em

série, selecionado ao acaso e exposto como obra de arte‖ (PROENÇA, 2007,

22

http://pt.wikipedia.org/wiki/Marcel_Duchamp#/media/File:Fontaine_Duchamp.jpg. 23

http://pt.wikipedia.org/wiki/Marcel_Duchamp#/media/File:Marcel_Duchamp_01.jpg.

Figura 11: “A Fonte” de Duchamp (1917)

22

Figura 12: Marcel Duchamp (1887-1968)

23

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pag.352). Teve como propósito questionar a arte do século XX, provocou

questionamentos sobre essa arte como, por exemplo, ―o que é obra de arte, o que

dá um caráter tão especial a uma obra de arte que ela precisa ser preservada em

um museu? ‖, acrescentou Proença.

Nesse sentido Dewey (2012, p.217) afirma que ―a arte é sui-generes porque

a maneira como o material comum é apresentado transforma-o em uma substância

nova e vital‖. A reinvenção da matéria é modificada a cada experiência em que esta

é vivenciada.

Quando Dewey (2012) considera a arte como experiência, compreendemos

que não se trata apenas da experiência em sua produção, mas também na relação

da forma, do objeto, de sua essência produzida pelo artista com o público.

Essa experiência, essa ressignificação é o que transforma um produto em

arte, de maneira contínua, a cada apreciador. Na obra ―Nossa Senhora Coca-Cola‖,

de Evandro Prado, o refrigerante é colocado em xeque quando o expectador o

observa sob o manto de Nossa Senhora Aparecida.

Usando um poema como exemplo, Dewey (2010, pag. 218) afirma que

existem inúmeras qualidades ou tipos de leitores, acrescenta ainda que, mesmo que

duas pessoas leiam o mesmo texto, nunca terão a mesma experiência. Cada

significado se dará ―de acordo com as ―formas‖ ou modelos de reação despertados

em relação a ele‖.

Isso ocorre porque todo indivíduo traz consigo suas especificidades, um

modo de ver e sentir que, em sua interação com esse texto, cria algo novo, algo que

não existia na experiência do poeta.

Com uma obra de arte não é diferente, a cada olhar ela se ressignifica. Para

que receba essa classificação - a de obra - independentemente do período em que

foi criada precisa ser exposta ao público. Aqui, exposição não se refere apenas às

produções acadêmicas, tampouco às obras encontradas somente em galerias e

museus.

A ideia de contato com o público vai além dessas perspectivas elitistas,

incluímos espaços como monumentos e grandes esculturas encontradas em praças

públicas, murais pintados em viadutos e tapumes entre tantos outros lugares em que

as artes se manifestam.

Quanto a essa interação obra/público podemos citar ―Saudades‖ de Almeida

Junior (1889), um trabalho em óleo sobre tela em que o artista imprimiu um

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riquíssimo efeito de luz. A pintura é inundada pela iluminação proveniente de uma

janela do aposento em que se encontra o personagem do trabalho, uma moça cuja

atenção está voltada para um pedaço de papel em suas mãos. A atualidade da obra

é tamanha que recentemente a Pinacoteca de São Paulo postou em sua página de

uma rede social, o Facebook, um convite para que leitores e apreciadores de arte

postassem em outra rede, o Instagram, uma foto que poderia ser o que a moça do

quadro observava.

Abaixo segue a ilustração dessa interação atual de uma obra criada há 126

anos, a pintura ―Saudade‖:

Figura 13: Post da Pinacoteca de São Paulo24

O tema instigou o pintor Almeida Junior na ocasião e desde então segue

instigando o público que a aprecia, como podemos notar ao verificarmos o número

de postagens da imagem 06, que chegou à marca dos 1.602 posts.

24

As imagens 04, 05 e 06 foram encontradas em: https://www.facebook.com/PinacotecaSP e no App (aplicativo) para celular com sistema IOS (aplicativo) Instagram dia 23/03/2015 às 08h.

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O resultado mais duradouro da produção artística pode ter sido instigado por

algo ocasional, fugaz, algo que foi superado. Todavia, em decorrência dessas

ações, o que foi suscitado é capaz de se inserir na experiência das pessoas que

serão capazes de desenvolver suas próprias experiências, mais intensas e

acabadas.

No que diz respeito à forma, destaca-se que ela vai além do formato. Está

intrinsecamente relacionada ao olhar do outro, daquele que a observa. Ela interage

com seus sentidos, com suas experiências vividas. Por meio da apreciação o

espectador ressignifica aquela imagem, dando-lhe a forma imaginada, trazendo-a à

vida.

Read (2001, pag. 26) ressalva que a forma não é o todo da obra de arte. A

constituição da forma se dá na junção de vários elementos, a cor é a propriedade

superficial de todas as formas concretas. Contudo, não exclui outras propriedades

secundárias como equilíbrio, simetria e ritmo, sendo suas funções podem sugerir a

condição estática ou dinâmica, passiva ou ativa, das formas relacionadas.

Além delas, podemos acrescentar mais dois itens aos aspectos acima

relacionados: a composição e a textura. Embora ambos estejam contidos na forma

(pois seu conjunto constitui o resultado final que surge na experiência da execução

do trabalho), são considerados ―aspectos superficiais da forma‖.

Figuras 14 e 15 Print do Instagram Pinacoteca do Estado de São Paulo

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A cor se destaca como espectro e não pode ser separada da forma. Ela

reage aos raios de luz e se manifesta somente através da luz. Read (2001) atribui

ainda à cor uma gama de sensações, como por exemplo: vermelho-raiva, amarelo-

alegria e o azul-expectativa.

Essas sensações, ainda segundo o autor, são explicações no campo do

conhecimento humano, em que ―o prazer ou o desconforto são determinados pela

frequência com que as ondas ou raios de luz atingem a retina do olho‖ (READ, 2001,

pag. 27). Essa ideia é vista claramente quando falamos de arte e marketing em que

a maioria das empresas utiliza das cores para divulgar seus produtos, marcas e

logotipos. Podemos notar nas figuras a baixo que algumas cores se repetem de

acordo com o ramo comercial:

Figura 16: Print da página da Google. Imagem obtida sob a seguinte pesquisa: “logo farmácias” na página para pesquisa da Google.

Figura 15: Print da página da Google - Imagem obtida sob a seguinte pesquisa: “logo farmácias” na página para pesquisa da Google.

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Para Read além do aspecto filosófico também existe o psicológico, pois

associamos cores às nossas preferências, como por exemplo: gostamos de azul por

nos lembrarmos do céu num dia ensolarado, desgostamos do verde porque remete

à cor de uma comida que não apreciamos, e assim por diante.

Essas ligações de sentido regem nosso inconsciente, e através do

pensamento estabelecem relações, associações de ideias e representam o

indivíduo, suas características psicológicas pessoais, e a disposição temperamental.

Para Read (2001) esses valores associativos não estão diretamente ligados ao valor

estético da cor, ainda que estejam muito ligados às reações de qualquer apreciador

em particular ao se deparar com uma obra de arte.

A experiência visual estética oportuniza um mergulho intuitivo na natureza

da cor, em sua profundidade, calor ou tonalidade, para só então passarmos a

relacionarmos essas informações com nossas emoções. Elas não surgem de

apenas uma única cor, mas do conjunto escolhido pelo artista. Esse conjunto pode

ser apresentado de maneira harmônica ou com total discrepância e, para isso, existe

uma explicação física ou intencional.

Além das considerações acerca da cor Mauss (1993, p.95) sugere que as

artes estão intrinsecamente ligadas, porque ―onde há ritmo, geralmente há estética;

onde há tons, variações de estilos e intensidades, há geralmente, estética‖. O autor

afirma ainda que estudar os fenômenos estéticos, ou seja, a arte, é estudar o seu

aspecto etnográfico, que quer dizer, a história da civilização artística. Mauss destaca

a importância de estudar como essa arte é a representação de quem a produz, dos

seus ritmos, estilos, formas e tons.

Destacamos, acima, os elementos fundamentais em toda obra de arte

plástica, sendo que equilíbrio, simetria e ritmo, para Read (2001) estão

correlacionados e sem possibilidade de entendê-los separadamente.

Para Bertello (2004, p.85) ―é muito fácil estudar esses elementos, pois, como

todos os elementos visuais, nós os usamos no dia-a-dia, fazendo uma relação

espacial dentro de um todo, fazendo parte da nossa visão‖. Afirma ainda que essas

observações pautais são imprescindíveis da experiência sensoriais.

Quando notamos um quadro torto, um mastro que não está reto ou uma

projeção em PowerPoint em trapézio, estamos, justamente, vivenciando essa

experiência sensorial. Nossos sentidos não percebem somente ―um arranjo de

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objetos, cores e formas, movimentos e tamanhos‖ Bertello (2004, p. 93). É,

possivelmente, antes de mais nada, uma interação de tensões dirigidas.

Para a maioria das pessoas um objeto ou pintura simétrica no espaço é

adequado à visão. Ou seja, quando notamos o quadro posicionado de maneira

inclinada, por exemplo, sente que falta algo? Possivelmente o que falta é o equilíbrio

simétrico.

Para entendermos melhor o equilíbrio podemos dizer que este é a igualdade

de oposição. Compreendendo que para isso temos um ―eixo ou ponto central no

campo, ao redor do qual as forças opostas estão em equilíbrio‖ BERTELLO (2004, p.

93). Assim temos algumas possibilidades distintas de equilíbrio e simetria. Se

apresentados em lados opostos (localização) e iguais (volume) a configuração mais

simples desse tipo de organização do equilíbrio, os elementos se repetem de

maneira quase que espelhada.

Quando se trata da simetria podemos dizer que a vemos por toda parte,

inclusiva na natureza como, por exemplo, em nosso corpo, nas duas partes do

cérebro, em alguns tipos de folhas ou até mesmo em uma concha do mar. Como

notamos na imagem a seguir:

Figura 17: Rosto simétrico

25.

O eixo central na imagem une todos os demais pontos correspondentes,

como vemos no segundo rosto. Ambos os lados do rosto são praticamente idênticos,

portanto simétricos.

Ainda segundo Bertello (2004) a cor assimétrica pode acompanhar um

esquema de forma simétrica, ou seja, ainda que a forma se apresente espelhada a

cor pode ser variada, causando assim a assimetria. Outra distinção da simetria é a

25

Imagem retirada de: http://lh6.ggpht.com/-_NTaRSsfEB0/UxiVd8teVeI/AAAAAAAADNw/B-pLf-weigg/s1600-h/image%25255B9%25255D.png 18/05/2016 às 09h24min.

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aproximada, nesse caso ainda que os elementos sejam diferentes em seu formato,

são muito semelhantes.

Veja os exemplos ilustrativos, sendo o primeiro uma foto atual da decoração

de uma sala de estar e o segundo uma obra de arte consagrada do Renascimento, a

―Escola de Atenas‖ de Rafael Sanzio:

Figura 18: Decoração

26

Figura 19: Afresco “Escola de Atenas”

de Rafael Sanzio27

Tanto na figura 20 como na figura 21, o equilíbrio, simetria e ritmo se

apresentam na disposição em que foram posicionados os objetos de cena, na sala

de estar nota-se que para obter o equilíbrio o designer que executou o projeto

adiciona duas cadeiras idênticas em lados opostos do espaço decorado.

Já na pintura de Rafael Sanzio, para conseguir o mesmo efeito, o artista

optou por incluir duas colunas que sustentam o arco do primeiro plano, além de

tantos outros elementos que dialogam entre si para causar equilíbrio, ainda que não

sejam idênticos.

Para Proença (2007), os elementos que compõem os quadros de Rafael são

dispostos em espaços amplos, claros e segundo uma simetria equilibrada. Esse

equilíbrio faz com que as obras comuniquem ao expectador um sentimento de

ordem e segurança, o artista expressou seus temas sempre através de composições

claras e simples.

A ideia básica da composição parte de regras e padrões que criam equilíbrio

e harmonia. Refere-se à organização ou distribuição dos elementos que se

apresentam na superfície da obra de uma forma perfeita e equilibrada.

26

Retirada de: casadaidea.com.br em 10/05/2015 às 09h23min. 27

Retirada de: culturabrasil.org em 19/05/2015 às 16h34min.

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Independentemente do estilo artístico da obra, a técnica utilizada na

execução da mesma, ou o percurso formativo do autor, têm em comum certos

elementos como: linhas, tons, cor, luz, etc.

O que denominamos composição, nada mais é que a correta e equilibrada

organização desses elementos, sejam eles objetos ou espaços vazios, seguindo

certos ritmos, padrões e princípios.

Para a composição pode ser dividida em dois tipos básicos, clássica e livre,

que assim se diferenciam:

Sendo que a clássica consiste em elementos estáticos procurando o seu equilíbrio através da simetria. Já a composição livre supõe uma ruptura do equilíbrio estático das obras. Como o caso de uma anomalia, algum detalhe inusitado que atraí o olhar do expectador para si, refutando o princípio da simetria (BERTELLO, 2004, p. 93).

O principal ponto a considerar ao compor uma obra, segundo Bertello

(2004), é definir se os componentes que a conformam serão realistas ou não e a

seguir, procurar fazer um conjunto harmonioso de tons, texturas e cores, colocando

os objetos em diferentes planos, no intuito de obter o efeito de profundidade, jogar

com todos esses elementos seguindo certas regras e padrões, a fim de obter um

peso visual harmonioso e equilibrado.

Uma composição deve ter todos os seus elementos colocados de maneira

que se relacionem entre si, e dentro do conjunto formando ritmos, tensões, direções.

O equilíbrio numa composição se dá a partir de vários atributos utilizados para que

se obtenha sucesso na produção artística. Como podemos observar na foto de Rita

Barreto:

Figura 20: Foto de Rita Barreto

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A pintura corporal Kuikuro apresenta vários elementos citados acima, as

linhas vermelhas que contornam o branco mostram um ritmo cadenciado em curvas

e retas que também apontam movimento, a simetria é vista através da maneira

espelhada com que o desenho se formou nas costas do kuikuro.

A organização das manchas vermelhas demonstra a tensão entre si,

harmoniosas com o fundo branco imprimem um rico colorido contrastando com o

preto criado pelas sementes de jenipapo.

Todavia, a foto não é a forma em si, é apenas um caminho para que a forma

se constitua ao integrar o campo visual do observador, que mesmo não tendo uma

formação específica em leitura de imagem, consegue, diante de suas experiências

anteriores, fazer essa leitura e assim dar vida à forma da imagem.

Ainda que os detalhes sejam secundários são fundamentais em uma

produção pictórica, pois são eles que vão levar o olhar do espectador por um

passeio entre os elementos do trabalho, instigando-o à leitura de si e do mundo.

Para Pereira (2012, p. 08) as artes plásticas são ―[...] parte material da

cultura. Está submetida ao conjunto de valores sociais criados em torno de fazeres

cotidiano‖. Assim os artistas expõem suas impressões de si e do outro. Ao ler o

cotidiano a arte produz sentido sobre as relações sociais.

Sobre seu o caráter histórico, Proença (2007) aponta que a arte possui

inúmeros significados, pois ao longo da história a humanidade produziu ferramentas

para facilitar a vida cotidiana, superando assim suas limitações físicas. A autora

afirma ainda que:

A produção artística não deve ser considerada um fato extraordinário dentro da cultura humana. Ao contrário, deve ser vista como profundamente integrada à cultura e aos sentimentos de um povo: ora retrata elementos do meio cultural, [...], ora representa divindades de uma antiga civilização ou expressa sentimentos religiosos (PROENÇA, 2007, p. 05).

Deste modo compreende-se que as produções culturais indígenas, ou seja

as artes indígenas, também são artes. Ao pintar o corpo para um ritual, o indígena

está se expressando através de formas, ícones e símbolos, nesse momento se

insere dentro das tradições de seu povo, reafirmando que os padrões estéticos

simbolizam a essência do ser indígena, de suas tradições, de seus ritos, de seu

cotidiano. Para o ISA – Povos Indígenas do Brasil as cosmologias, que são teorias

do mundo, definem:

[...] o lugar que os humanos ocupam no cenário total e expressam concepções que revelam a interdependência permanente e a reciprocidade

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constante nas trocas de energias e forças vitais, de conhecimentos, habilidades e capacidades que dão aos personagens a fonte de sua renovação, perpetuação e criatividade.

28

As cosmologias estão intrinsecamente ligadas à arte, pois é através da

linguagem simbólica da dramaturgia dos rituais que se manifestam. As tantas outras

linguagens artísticas como a música, adornos, a dança propiciam as relações com

as extensões cósmicas, com vivências outras e de constituição de vida e de morte.

1.2 -Contextualização histórica do ensino da arte no Brasil

A mudança ou a consolidação das práticas educativas de um povo, via de

regra, se constitui a partir de mobilizações políticas, sociais, pedagógicas e

filosóficas. No campo da arte isso também se dá, especialmente no afloramento de

novas teorias, proposições artísticas e transformações estéticas.

Ao analisarmos mais de perto essas articulações que são parte de cada

momento histórico, compreenderemos melhor o processo educacional e sua relação

com nossa vida. No âmbito da educação escolar, poderemos compreender como o

currículo de Arte expressa essas relações com as instituições e com as

comunidades indígenas.

Para tratar dessa temática, procuraremos estabelecer um diálogo com

Barbosa (2008/a), Ferraz e Fusari (2009) e Arslan e Iavelberg (2013), grandes

referências nacionais quando se trata de arte e educação.

Compreendemos que a história artística de uma nação nem sempre coincide

com o que é ensinado durante séculos nos livros e outras produções especializadas

e fazemos, desde já, um contraponto, para considerar os atores primeiros na

construção da nossa história. Não podemos deixar de lembrar da arte rupestre, que

surgiu no período Paleolítico, conhecido também como período da pedra lascada

(Proença, 2007).

Essa arte consistia em pinturas e gravações realizadas nas paredes das

cavernas e são consideradas as primeiras manifestações artísticas de que se tem

registro. Ainda, segundo Proença, as primeiras expressões eram bem simples:

28

Citação retirada do site do ISA – Povos Indígenas do Brasil cujo endereço é: http://pib.socioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/modos-de-vida/mitos-e-cosmologia - dia 22/02/2016 às 9h45min.

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Consistiam em traços feitos nas paredes das cavernas, ou nas mãos em negativo (imagem 1.2). Somente muito tempo depois de dominar a técnica das mãos em negativo é que o ser humano da Pré-história começou a desenhar e pintar animais (PROENÇA, 2007).

Esse processo de maturação pictórica não ocorreu sem

ensino/aprendizagem. Considerando a ancestralidade na América Latina, estimamos

que os indígenas compuseram e sucederam ao período histórico. As pinturas

encontradas no Piauí, Santa Catarina, Minas Gerais, Mato Grosso, na Amazônia,

enfim em toda América, são indicativas da presença humana e das suas respectivas

produções artísticas. Como se percebe, o ensino de Arte começou no Brasil muito

antes da chegada dos colonizadores portugueses.

Porém, a primeira iniciativa de institucionalização do ensino de Arte no Brasil

se deu com a Missão Artística Francesa29, em 1816. Contudo é preciso

compreender aquele momento pois, segundo Barbosa (2008/a), antes da chegada

da família real ao Brasil, em1808, aqui já ocorriam oficinas de artesões inspiradas no

modelo artístico nacional português, conhecido como Barroco Jesuítico30. Naquele

período, também ocorreram as primeiras produções da Reforma Pombalina,

influenciadas pelos ares do Iluminismo.

Para Ferraz e Fusari (2009) ocorreram relevantes interferências sociais e

culturais que marcaram esse ensino de Arte. Dentre elas a industrialização que

visava formar desenhistas operários, esse movimento se originou no século 19,

durante o Brasil Imperial, permanecendo até as primeiras décadas do século 20.

Entre 1808 e 1870 o país foi influenciado pelo ensino francês e o Barroco foi

substituído pelo Neoclassicismo, período em que as concepções de arte popular

foram substituídas pelas concepções burguesas, pautadas por árduos exercícios

formais. As cópias de estampas e os retratos dominavam nas escolas secundárias e

29

Quando em 1808 a família real se viu obrigada a vir para o Brasil, trouxe com ela, mesmo que inconscientemente, a semente da criação desta, que seria a precursora do ensino de Arte no Brasil, a missão artística francesa de 1816. Composta por importantes nomes das artes francesas veio para ser o marco inicial do ensino de Arte no Brasil. Por ser uma empreitada grandiosa formada por um número grande de profissionais, 18 no total e contando com artistas de reconhecido talento e merecida estima, sempre suscitou desconfianças sobre como realmente surgiu a ideia de sua criação e de que forma ocorreram as negociações entre os artistas e os representantes da Coroa portuguesa que culminaram com a partida para o Brasil deste grande número de imigrantes franceses. (Informações retiradas de http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=963 em 23/04/2015 à 01h02min.) 30

Quando se fala sobre arquitetura, arte ou estilo jesuítico, tem-se em mente o estilo barroco, o estilo artístico predominante no período colonial brasileiro.

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escolas elementares particulares, mas eram pouco praticadas nas escolas

elementares públicas.

Durante a Missão Artística Francesa, segundo Ferraz e Fusari (2009), foi

criada a Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios no Rio de janeiro. Dez anos

depois, foi transformada em Imperial Academia e Escola de Belas-Artes,

oficializando assim o ensino de Arte no Brasil.

De acordo com as autoras, a corte portuguesa (grande apreciadora de

música, sua manifestação artística preferida), estabeleceu oficialmente seu ensino

nas escolas brasileiras somente a partir de 1854. O ensino privilegiava os ritmos e

temas europeus e a diferença de gêneros predominante na época, recomendava

que as meninas das famílias mais abastadas recebessem aulas de música em suas

casas.

De 1870 a 1901, para Barbosa (2008/a, p.41), ocorreu uma intensa

divulgação acerca da importância do ensino do desenho na educação popular.

Agregada a essa divulgação cultiva-se o desejo de copiar modelos americanos,

ingleses ou belgas, menosprezando as manifestações da cultura nativa. Ferraz e

Fusari (2009, p. 42) atribuem esse fato a intenção de atender a demanda de

preparação de habilidades técnicas e mão de obra especializada, consideradas

fundamentais à urbanização e expressão da indústria nacional. É o período em que

ocorre na Escola de Belas-Artes o aguçamento do debate entre as correntes

positivistas e liberais no tangente ao ensino de Arte. Na reforma republicana de 1890

(Reforma Montenegro), os liberais conseguem se destacar em várias áreas,

inclusive no campo da arte.

Nessa mesma década, segundo Arslan e Iavelberg (2013) o ensino da arte é

ressignificado, a partir de então a produção artística da sociedade, assim como as

diversas culturas, se tornam parte do currículo das escolas.

Esse novo olhar voltado para a arte-educação, não se restringia à escola,

mas também aos ateliês e espaços de ensino de Arte, onde a proposta pedagógica

partia da vivência e do conhecimento dessa arte, ―concebida como conhecimento

que envolve tanto sensibilidade como cognição, um saber diversificado em função

dos contextos de origem e modificado ao longo da história‖ (IAVELBERG, 2013, p.

3).

Com os princípios liberais fortalecidos, seus ideais são assegurados também

nas escolas secundárias (Código Fernando Lobo - Reforma educacional de 1901). O

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ensino de Arte passou a valorizar o traço do desenho. Seu contorno e forma voltava-

se principalmente para a técnica e estética neoclássica. Para Ferraz e Fusari nesse

momento surge a cópia e o desenho voltados para o trabalho:

Daí ser muito reconhecida a habilidade de saber copiar figuras, objetos ou outros desenhos eram apresentados pelo professor. Este, apoiado em referências de ordem imitativa, levava aos alunos os modelos que eram selecionados da tradição clássica ou de livros, para serem repetidos pelos aprendizes. O perfeito conhecimento das formas como a reprodução de desenhos ornatos (estilização de elementos naturais), a cópia e o desenho geométrico visava à preparação do estudante para a visa profissional e para as atividades que se desenvolviam tanto em fábricas quanto em serviços artesanais (FERRAZ E FUSARI, 2009, p. 45).

Naquela concepção pedagógica, o ensino de Arte tinha foco apenas no

resultado final e não no processo de elaboração e produção dos alunos. Os

trabalhos desenvolvidos pelos estudantes, independente da linguagem artística

utilizada, eram expostos a cada final de período escolar, na forma de apresentações

teatrais, musicais, pinturas etc., preparadas para esse fim.

Ainda segundo as autoras, até meados do século 20 predominou a influência

da pedagogia experimental. Ocorreram as primeiras avaliações sobre os desenhos

produzidos pelas crianças. Eram realizados também testes mentais utilizando os

desenhos. Deste modo começaram a valorizar a livre expressão infantil como fonte

de ensino e aprendizado. Agora os estudantes podiam, e eram estimulados a

buscar seus próprios modelos, formas e texturas para se expressarem utilizando sua

própria imaginação.

De acordo com Barbosa (2008/a) a partir de 1922, com a repercussão da

Semana de Arte Moderna31 a modernidade se projeta também na educação artística.

Autores e artistas passam a cooperar com o meio escolar. Mario de Andrade

produziu vários artigos e desenvolveu atividades educativas; Anita Malfatti dirigiu

cursos sobre os métodos de Homer Boss, que tinha uma orientação baseada na

livre expressão e no espontaneísmo.

31

Foi um evento de música, dança, poesia e artes plásticas que inaugurou um novo movimento cultural no Brasil: o Modernismo. Há exatos 92 anos, a elite cafeicultora paulista alugou o Teatro Municipal de São Paulo, pelo equivalente a R$ 20 mil, para receber um novo tipo de arte, fortemente influenciada pelas vanguardas europeias e que refletia o progresso e a industrialização que a cidade vivia naquele momento. Até então, o Rio era considerado a capital cultural do país. A elite acabou não entendendo completamente a proposta do evento, mas ele influenciou definitivamente os rumos culturais brasileiros. (Retirado de: http://mundoestranho.abril.com.br/materia/o-que-foi-a-semana-de-arte-moderna-de-1922 em 24/04/15).

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Na gestão de Mário de Andrade na direção do Departamento de Cultura de

São Paulo (1936-1938) foi organizado um curso para crianças na Biblioteca

Municipal Infantil. Com essas iniciativas, a modernidade na produção artística

começa a se consolidar. As escolas foram influenciadas também pelas propostas

educacionais de John Dewey e sua concepção da arte pela experiência.

Anísio Teixeira também foi influenciado e a partir dessas ideias propôs uma

escola em tempo integral, cuja existência, que valorizava as artes em um dos

períodos, se consolidou através do Movimento Escola Nova, esse movimento se

fortaleceu nos anos 1930, seguindo a divulgação do Manifesto da Escola Nova em

1932. Sua proposta consistia na universalização da escola pública, laica e gratuita.

Segundo o site Educar para crescer, junto com Teixeira tiveram outros nomes de

vanguarda, como Fernando de Azevedo (1894-1974), o professor Lourenço Filho

(1897-1970) e a poetisa Cecília Meireles (1901-1964).

No método de ensino das escolas progressivas os componentes curriculares

– Matemática, Ciências, Arte etc. – são desenvolvidos a partir de atividades

propostas pelos estudantes. O objetivo era de que nessa escola, o estudo na

resolução de problemas ou na execução de um projeto, se tornasse um momento de

orientação significativa. Deste modo, a educação em arte conseguiu um equilíbrio

entre a abordagem nacionalista e a universalidade da expressão e comunicação

infantil através da arte.

O escritor Mário de Andrade teve a primeira iniciativa de estudar a arte da

criança em uma universidade. A Universidade do Distrito Federal aceitou sua

proposta e desenvolveu o projeto. Nesse período também ocorreu um grande

desinteresse pela arte-educação, fato comprovado pela redução do número de

artigos publicados sobre o tema ―nos jornais diários e nos jornais sobre educação e

pela valorização dos estereótipos nas salas de aula (BARBOSA, 2008/a, p. 43).

Na próxima década, entre 1948 e 1958, nas escolas, houve uma

supervalorização da arte como livre-expressão e deste modo ela é aceita como

atividade extracurricular. Além dessa aceitação, também formam criadas escolinhas

de arte. Nesse período tiveram muito destaque as ideias de Herbert Read

(1930 e 1950), que discutia a educação através da arte, e de Viktor Lowenfeld e

Lambert Brittain (1947) que pesquisaram e publicaram sobre a capacidade criadora

das crianças.

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Lúcio Costa, (autor do plano urbanístico de Brasília, juntamente com Oscar

Niemayer), foi chamado para pensar um programa de desenho da escola secundária

(1948). Segundo Barbosa (2008/a, p. 50) este programa revelou uma certa influência

da Escola Bauhaus, principalmente na preocupação de articular o desenvolvimento

da criação e da técnica e desarticular a identificação de arte e natureza,

direcionando a experiência para o artefato. Este programa nunca foi oficializado pelo

Ministério de Educação e só começou a influenciar o ensino da Arte a partir de 1958.

Em 1961 a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 4024/61)

―transformou a disciplina de Arte em uma ―prática educativa‖ (ensino ginasial), bem

como em ―atividade complementar de iniciação artística‖ (ensino colegial) e a

substituição do Canto Orfeônico pela educação musical‖ (FERRAZ E FUSARI, 2009,

p.39). A Educação Artística (que inclui artes plásticas, educação musical e artes

cênicas), com a mudança na LDB 5.692/71, passa a fazer parte do currículo escolar

do Ensino Fundamental e Médio, independentemente de modalidade e

especificidade de ensino.

Para que houvesse profissionais habilitados para o ensino de Arte, em

1973, foram criados os primeiros cursos de licenciatura em Arte, com duração de

dois anos e voltados à formação de professores capazes de lecionar música, teatro,

artes visuais, desenho, dança e desenho geométrico. Algo que até nos dias atuais,

com cursos com duração média de 4 anos, é impossível de ser executado por uma

única pessoa com a qualidade desejada.

Após a reforma educacional que veio com a promulgação da LDB de 1971,

Ana Mae Barbosa desenvolveu e apresentou uma nova proposta para o ensino de

Arte. Trata-se da Proposta Triangular, apresentada no ano de 1982 e que inovou ao

estimular alunos e professores a desenvolver produções artísticas a partir de três

ideias (fazer, ler imagens e estudar a história da arte). Muito difundida nos

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), essa proposta não avançou nos

planejamentos dos arte-educadores, talvez, porque o ensino de Arte era visto como

tema extracurricular.

Na última década do século 20 os PCNs de Arte seguem orientando os

currículos oficiais não só na educação pública, mas também na educação privada.

Essa lei é a base dos documentos orientadores de estados como São Paulo (2011)

e Mato Grosso (2010).

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Como vimos, os avanços ocorridos no campo da Arte na educação

resultaram de conquistas dos movimentos políticos ao longo de décadas, e foram

inúmeros, todavia, ainda precisamos continuar buscando novas conquistas para

além da legislação vigente, já que as leis atuais apontam para um ensino de Arte

com qualidade, porém as escolas estaduais de Mato Grosso não ofertam, em sua

totalidade, um ensino de Arte com excelência, segundo os índices gerais32 de

aprendizado 4,04, fluxo 0,68 que resultaram em 2,7, sendo que a meta para o

estado no ano de 2013 foi estipulada em 3,1. Ainda que não tenhamos dados

específicos da disciplina de Arte, estes números apontam que precisamos avançar

no que diz respeito a qualidade da educação como um todo.

32

QEdu.org.br. Dados do Ideb/Inep (2013). Organizado por Meritt (2014) retirado de http://www.qedu.org.br/estado/111-mato-grosso/ideb?dependence=2&grade=3&edition=2013 em 24/02/2016 às 10h27min.

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CAPÍTULO SEGUNDO

A ARTE NA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

Figura 21: “Índio Bororo” de Clóvis Irigaray33

33

Trabalho de Clóvis Irigaray, artista de Mato Grosso que utiliza a temática indígena como plano de fundo para a crítica social. Imagem retirada de http://billyeomagro.blogspot.com.br/2014/01/clovis-irigaray-grandioso-icone-da.html em 03/06/2015 às 11h19min.

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2.1 Arte, cultura e povos indígenas

Para iniciarmos a reflexão sobre arte, cultura e povos indígenas sentimo-nos

impelidos a adotar uma formulação, ainda que provisória sobre arte. Tomamo-la,

aqui, como toda produção humana relacionada a manifestações socioculturais

desenvolvidas por artistas/produtores a partir de ideias, emoções, percepções e

experiências, com o objetivo de aguçar a consciência em um ou mais interlocutores.

Para Dewey a arte é:

Uma atitude do espírito, um estado da mente – aquele que exige para sua própria satisfação e realização na formulação de questionamentos uma forma nova e mais significativa, Perceber o significado do que se está fazendo e regozijar com ele, unificar, simultaneamente em um mesmo fato, o desdobramento da vida emocional interna e o desenvolvimento ordenado

das condições externas materiais – isso é arte.(DEWEY, in BARBOSA,

2008/a, p. 30)

Toda produção artística é única e se desvela e se ressignifica a cada olhar,

por meio da experiência e da percepção de cada ser. Em se tratando da educação

escolar indígena, seus contornos foram historicamente identificados com o saber

colonial, reproduziram ideários artísticos e culturais estranhos ou adversos aos

saberes culturais autóctones.

Para compreender essas interrelações, nessa oportunidade utilizaremos

para análise os documentos oficiais que discutem os currículos escolares, em

especial o currículo de Arte.

Nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM) a arte é

tida como um conhecimento humano sensível-cognitivo, voltados para um fazer e

apreciar artísticos e estéticos e para uma reflexão sobre sua história e contextos na

sociedade humana (MEC, 2000, p. 54). Concebe as Linguagens, seus Códigos e

suas Tecnologias uma das capacidades a serem desenvolvidas nos estudantes

através da disciplina de Arte é a contextualização sociocultural, que consiste em:

Analisar, refletir, respeitar e preservar as diversas manifestações de arte –

em suas múltiplas funções – utilizadas por diferentes grupos sociais e

étnicos, interagindo com o patrimônio nacional e internacional, que se deve

conhecer e compreender em sua dimensão sócio-histórica. (MEC, PCNEM,

1999, p.57).

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Nessas orientações, fica explícito que as especificidades regionais e étnicas

devem ser consideradas, e que, faz-se necessário relacionar esse contexto

sociocultural com outras realidades de caráter nacional e internacional.

Ao tratarmos de arte indígena temos presente que é necessário considerá-la

numa perspectiva mais aberta, afinal suas qualidades artísticas referem-se a

critérios constituídos no seu processo histórico específico e vão para além dos

parâmetros estabelecidos por estudiosos, produtores e críticos de arte. (PROENÇA,

2007).

Podemos notar concordâncias e divergências entre a arte indígena e arte

popular, ocidental, europeia, oriental e tantas outras produzidas pela humanidade,

pois ainda que sejam produtos resultantes de diversas culturas distintas, estes são

resultados da humanidade. Ou, nas palavras de BartomeuMeliá (in SECCHI, 1998,

p. 22) ―teríamos que ver qual é a alteridade que cada povo projeta e deseja para si

mesmo”.

Como se percebe, a própria nomenclatura ‗arte indígena’ é imprópria, uma

vez que sugere uma tipologia única de concepções e produções. Todavia, tal

‗categoria‘ foi produzida e expressa uma percepção colonial, um ideário imposto às

sociedades autóctones e ao mundo moderno ao longo de séculos de imposição

econômica, política e cultural.

Essa concepção de mundo, de poder e de saber – a colonialidade - leva a

singularizar também as amplas e variadas produções artísticas, reduzindo-as a

‗artesanato indígena‘ ou reduzindo-as a enfeites para uso cotidiano ou nos rituais.

As imagens abaixo, parece-nos suficientes para considerar tal percepção

como superficial ou ideologizada. Seus traços, cores, formas, texturas etc.

denunciam tal simplificação.

Figura 22: Arquivo pessoal34

34

Registro no I Fórum Nacional de Políticas Públicas para o setor de Esportes e Lazer para os Povos Indígenas. Artesanato do povo Bororo.

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55

Figura 23: CINTA DE PENAS - Povo Munduruku; Amazonas35

As técnicas ancestrais utilizadas para manipular pigmentos, plumas, fibras

vegetais, argila, madeira, pedra e outros materiais conferem singularidade às

produções artísticas das sociedades indígenas. Porquanto, não podemos nos referir

apenas a uma única arte indígena, e sim em ―artes indígenas‖ (PROENÇA, 2007), já

que cada povo possui particularidades na maneira de se expressar e de conferir

sentido as suas produções.

Ainda sob a ótica de Proença (2007), as ―artes indígenas‖, são assim

denominadas pelas sociedades não indígenas, já que nas culturas indígenas a

produção cultural vai além da arte. Elas são a identidade do povo; sua religiosidade,

sua cosmologia e seu pertencimento. Vale ressaltar que os povos indígenas

produzem inúmeras linguagens artísticas que não se limitam aos objetos expostos

em museus e galerias, como mantos, lanças, cestarias cocares e máscaras.

A expressividade dos povos indígenas se dá também através da dança, da

música e da pintura, ora corporal, ora nas construções rochosas, ou árvores. Como

informado anteriormente essa produção, para cada grupo possuem uma finalidade,

seu objetivo não é apenas desenvolver uma produção estética, mas produzir

ferramentas e formas de comunicação e expressão – entre homens e mulheres,

entre povos e entre mundos.

Entre as funções para estes objetos existe também a troca entre os povos,

inclusive com os ocidentais (ou não índios). Atualmente, o comércio é considerado

35

Arquivo do Museu Nacional.

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por muitos uma alternativa de geração de renda, ao mesmo tempo em que divulga e

valoriza a produção cultural indígena.

Como parte integrante e fundamental nas culturas indígenas, historicamente

a arte é a expressão dessas próprias culturas. Ela externa suas visões de mundo e

de bem viver, ou seja, o modo como vivem e convivem entre si, com outros povos e

com o espaço em que estão inseridos.

Para Canclini (1989) essas redes de relações culturais são vistas como

Culturas híbridas, que se constituem através de uma forma de reorganização social,

um movimento social transitório, esse movimento miscigena as culturas, não apenas

do tocante às questões físicas, mas de toda ordem social, como as novas

tecnologias e novas formas de organização social, o que reflete diretamente na

modernidade e na contemporaneidade.

Nas artes indígenas as identidades de seus produtores estão impressas nas

produções diferenciando suas culturas e em alguns casos suas próprias

individualidades. Contudo quando esse fazer se destina à produção para venda, as

características desses produtos se modificam, pois não possuem o caráter sagrado

como dos que são feitos para as atividades cotidianas das aldeias.

Esse caráter sagrado se constituiu nos primórdios da civilização, segundo

Ballivián (2011, p. 15) os primeiros objetos produzidos pela humanidade surgiram no

período neolítico (6.000 a.C) no momento em que o ser humano começou a polir a

pedra, a fabricar a cerâmica com o objetivo de armazenar e cozinhar alimentos,

também nesse período conheceu a tecelagem de fibras de animais e de vegetais.

Afirma ainda que pesquisas apontam a identificação de artefatos de pedra e

cerâmicas produzidos por ―etnias de tradição Agreste que viveram no sudeste do

Piauí em 6.000 a.C.‖

Ballivián diferencia arte e artesanato indígena. Define o artesanato como o

resultado do trabalho manual, em que é expresso ―o saber acumulado através da

arte, da criatividade e da habilidade‖. Segundo o autor, para os povos Kaingang e

Guarani:

O artesanato é, tradicionalmente, uma atividade de caráter familiar, na qual o artesão possui meios de produção e trabalha junto com a família em todas as etapas da elaboração, desde o preparo da matéria prima, até o acabamento final; ou seja, não há divisão do trabalho (BALLIVIÁN, 2011, p. 16).

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O objetivo dessa participação é envolver o artesão indígena em todo

processo, deste modo torna-se responsável pelo trabalho desde a escolha dos

materiais, concepção e elaboração do produto final.

O resultado desse trabalho artesanal vai além da produção em si, mas

oportuniza uma interação do indivíduo com seus pares e principalmente com a

natureza. Essa interação ensina a trançar, modelar, tecer e utilizar uma infinidade de

materiais. Nas imagens abaixo destacamos algumas das situações em que a

natureza pode ter inspirado as produções humanas.

Assim como qualquer artista que utiliza de suas experiências passadas e do

meio em que vive, como formas da natureza, os sons, os aromas, com os produtores

de arte indígenas não é diferente. A observação dos elementos da natureza, sua

disposição, cores, formas encontradas em teias de aranhas, casulos de lagartas,

dos cipós das florestas, ninhos de pássaros ensina a adaptação e a transformação

da matéria prima retirada da natureza em objetos impregnados de significados e

utilizados no cotidiano da aldeia, tanto no dia a dia como também nos rituais

sagrados.

Como dito aqui anteriormente, são muitas as manifestações artísticas

indígenas, e tendo em vista o vasto universo dessa produção, neste trabalho

teremos como recorte a arte plumária e a pintura corporal e facial, sendo a primeira

ramificada pelos adornos, enfeites, trajes, máscaras e cocares.

36

Retiradas no Google imagens a partir das seguintes pesquisas: casa de cupim, teia de aranha, casa do João de barro e ninho de guache.

Figuras 24: Imagens do Google.36

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Os cocares são utilizados por muitos povos e o objetivo de sua utilização,

segundo Ballivián (2011, p. 27) varia, dependendo de cada etnia, ―podendo servir

desde adorno até símbolo de status, posição ou autoridade‖. Podem ser utilizados

em ritos, festas, cerimônias e muitos outros momentos do cotidiano dos povos

indígenas.

Em se tratando do grafismo, simboliza a representação visual, formas,

ícones e símbolos apresentados em ―objetos rituais ou de adorno, padrões

decorativos, tipos e motivos de trançados ou plumária, etc.‖, assim:

O grafismo é um sistema de representação visual utilizando como linguagem simbólica da cultura material. Os motivos típicos podem ser representação de figuras geométricas e simétricas que simbolizam elementos da natureza (animais, plantas, estrelas, rastros etc.) da organização social e da mitologia, entre outros (BALLIVIÁN, 2011, p. 29).

Desse modo, para o povo Kaingang, cada desenho é identificado por um

nome e sua nominação está relacionada com a fauna e a flora, exceto a

padronagem geométrica que expressa o cosmo.

As pinturas corporais, utilizadas nos rituais, aparecem em vários grupos

indígenas e representam uma indumentária que oportuniza o contato com os seres

de sua cosmologia. A natureza serve de fonte de inspiração e de compreensão e a

partir dela produzem sua mitologia. Para Ballivián (2011), outra grande temática da

arte gráfica indígena é o sobrenatural, como é o caso das pinturas corporais do povo

bororo, em que os indígenas participam da demonstração de uma cerimônia funeral.

Figura 25: Registro no I Fórum Nacional de Políticas Públicas para o setor de Esportes e Lazer para os Povos Indígenas. Apresentação cultural realizada pelos Bororo. Arquivo pessoal.

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Figura 26: Registro no I Fórum Nacional de Políticas Públicas para o setor de Esportes e Lazer para os Povos Indígenas. Apresentação cultural realizada pelos Bororo. Arquivo pessoal.

O currículo de Arte para o Estado de Mato Grosso, nas OCL (2010) se

apresnta como uma dimensão cultural da humanidade, porque resulta da criação

humana e justifica assim o ensino de Arte nas escolas de rede, escolas estas que

por sua vez são as instituições desveladoras e reveladoras dos conhecimentos

universais e constituídos pela própria humanidade, deste modo, subsidiando a

presença da Arte/educação.

Arslã eIavelberg (2013) destaca a importância da formação inicial e

contínua, onde grande parte dos professores apesar de possuírem conhecimento

das novas propostas do ensino de Arte, sente dificuldade ao desenvolverem em

suas aulas, o currículo de Arte de maneira geral é complexo para qualquer escola,

independentemente de sua modalidade de ensino, ou especificidade educacional e

em escolas indígenas não tem sido também uma tarefa fácil.

Tanto nas escolas urbanas, quanto nas escolas quilombolas e/ou do campo,

ensinar Arte se caracteriza como um desafio, quer pela falta de docentes

qualificados, quer pelo número reduzido de aulas e de materiais didáticos

apropriados. Nas escolas indígenas não é diferente.

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Como vimos anteriormente na contextualização histórica do ensino de Arte

no Brasil poderemos compreender como se deu esse processo de constituição.

Esta pesquisa foi desenvolvida e apresentada num contexto histórico em

que o ensino da arte no Brasil foi se constituindo a partir de modelos estrangeiros,

incorporados e antropofagizados (norte-americano e europeu) de acordo com as

necessidades. Cada um desses modelos, se sustentam em concepções de arte e de

educação, explícitas ou implícitas. Cabe a nós, educadores de hoje, analisar e

avaliar a pertinência dessas concepções, procurando entender os contextos que as

constituem.

São muitas as contribuições de Dewey (2010), Read (2001), Proença (2007)

e tantos outros, que também deixaram um legado importante de seus estudos para a

arte. Seus trabalhos trazem significativas contribuições para os que vieram a

seguiram.

O pragmatismo de Dewey (2001) frente ao ensino de Arte foi fundamental na

elaboração do pensamento da arte como experiência, sua relação com o espectador

nesse processo de constituição e construção do conhecimento no bojo do

componente curricular chamado Arte.

Para Read (2010) a arte na escola pode ser o ponto de partida para a

construção do conhecimento, ―a educação pela arte‖, título de um de seus trabalhos,

pode ser o caminho para a educação estética, uma educação para os sentidos e a

constituição do sujeito.

As teses dos dois autores, dentre outros, formaram a base para os estudos

de Ana Mae Barbosa (2008/a, 2010 e 2011) que, em seus escritos, conclama os

leitores para repensarem o nosso tempo através de uma experimentação mais

consistente da ação e uma construção de valores mais flexíveis culturalmente.

A flexibilidade cultural proposta por Barbosa (2008/a, 2010 e 2011) é

nitidamente vista quando estudamos a história da arte, por seu movimento constante

e transformador. Proença (2007) retrata com maestria a história que a cada período

se renova apontando a caminho percorrido pela sociedade, independentemente de

que povo, etnia, localização geográfica ou temporal.

Ainda que a colonialidade tenha usurpado, desrespeitado os conhecimentos

e a cosmologia dos povos indígenas, suas culturas foram constituídas há milênios e

fazem parte deste contexto histórico da humanidade, especialmente no tocante à

arte. Nosso propósito neste estudo é compreender a expressão indígena, mais

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especificamente do povo Bororo, e o movimento de sua cultura para o espaço

escolar através do ensino de Arte.

Com o propósito de contribuir também com o debate nessa

temática,seguindo o princípio de descolonialidade, dedicarei o próximo capítulo a

uma análise da disciplina de Arte, tendo como cenário uma escola indígena e como

escopo a atual legislação específica, sintetizada nos PCNs, nos PCNEM, nas

OCD37, nas OCL38 e nas DNEEEI.

Tendo em vista que são muitas as linguagens artísticas, nos limites deste

estudo darei destaque às artes plásticas, mais precisamente à pintura corporal e

facial e à arte plumária. O principal aspecto a ser observado diz respeito aos

saberes locais, isso é, às expressões autóctones presentes nos trabalhos artísticos

da Aldeia Córrego Grande que está localizada no interior da terra indígena Tereza

Cristina. De outra parte, o estudo terá presente também as implicações decorrentes

da presença de uma instituição escolar da rede pública sobre aquela comunidade.

Nossas principais questões tratarão da oferta e demanda de formação

(inicial e continuada) dos docentes para o ensino de Arte, dos princípios e bases

sobre as quais se institui, dos avanços verificados e das lacunas a serem superadas.

O projeto se propõe a relacionar a arte indígena vivenciada no cotidiano da

aldeia com o componente curricular – Arte, ministrado na escola em foco. Pretende

verificar também se há diferenças entre o currículo proposto e a práxis docente. A

LDB e os PCNS, a tratarem da Área de Linguagens, propõem uma base comum

para os diferentes graus de ensino, sem deixar de considerar as especificidades de

cada realidade concreta.

As Orientações Curriculares vão além, destacam a arte como o centro da

formação na Área de Linguagens, conferindo-lhe maior importância e significado.

Não obstante o destaque conferido pela legislação, há de se verificar como o

currículo de Arte se desenvolve de fato naquela escola indígena, e se é possível

implementar um currículo que trata da arte Bororo e da arte em geral.

Antes de adentrar nessa temática, porém, é importante destacar que o texto

que trata das orientações curriculares das Diversidades Educacionais em Mato

37

MATO GROSSO. Secretaria de Estado de Educação. Orientações Curriculares das Diversidades Educacionais. Mato Grosso: SEDUC, 2010. 38

MATO GROSSO. Secretaria de Estado de Educação. Orientações Curriculares: Área de Linguagens. Mato Grosso: SEDUC, 2010.

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Grosso, dedica à área de linguagens apenas oito parágrafos. Os únicos temas de

estudo abordados são arte e cultura (SEDUC, 2010, p. 254).

Segundo a proposta de currículo em Arte para a SEDUC de Mato Grosso a

Arte/educação é essencial na construção do conhecimento, no desenvolvimento da

criatividade e, mais precisamente, na constituição do ser cidadão, como um sujeito

crítico e partícipe de seu contexto social (SEDUC, 2010, p. 74).

Do enunciado acima, com algum esforço é possível depreender que o

ensino em escolas indígenas também precisa considerar sua realidade cultural, suas

expressões linguísticas e artísticas e os demais referenciais que orientam a conduta

e a vida das respectivas sociedades. Considerar a realidade da comunidade escolar,

implica também em compreender qual a sua concepção de produção cultural, de

arte e, principalmente, do ensino de Arte em uma instituição escolar.

2.2 -A educação escolar indígena no Brasil e em Mato Grosso

Desde os primórdios da civilização ocidental, a educação vem sendo

construída por vozes que em determinados momentos foram caladas frente à

imposição de um sistema econômico, ideológico e cultural.

Ao visitarmos a história, constataremos que as escolas indígenas sempre

estiveram ligadas ao poder eclesial ou ao poder do estado e que tal vínculo resultou

na imposição cultural e linguística e procurou atribuir-lhes uma nova forma de

perceber o mundo.

Por mais de cinco séculos as disciplinas da base comum nas escolas, além

de trazerem informações de outras culturas, trouxeram a exclusão das culturas dos

próprios estudantes, não consideraram os conhecimentos prévios dos indígenas e

sua cosmologia foi desrespeitada. Para Bergamaschi e Medeiros (2010):

A educação escolar indígena no Brasil tem uma longa trajetória, tecida desde os primórdios da colonização e cujo modelo predominante, alheio às cosmologias indígenas, foi imposto com o explícito intuito colonizador, integracionista e civilizador (BERGAMASCHI e MEDEIROS, 2010, p.56).

Com a chegada das ordens religiosas, começam a catequização dos

indígenas. Desse modo, a educação começa com o intuito de torna-los cristãos e

não de fato oferecer-lhes formação acadêmica. As autoras afirmam que, até o

século XX, o modelo de educação escolar indígena foi desenvolvido principalmente

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pela Companhia de Jesus, que também teve como objetivo a ―cristianização do

gentio‖.

No período colonial ocorreram esforços religiosos ―para cristianizar, civilizar

e europeizar os povos autóctones, considerados por eles sem Fé, sem Rei e sem

Lei‖ (BERGAMASCHI e MEDEIROS, 2010, p.57). Para as autoras, essas ações,

chamadas por Manoel da Nóbrega de ―Plano civilizador‖, escritos destinados aos

indígenas em maio de 1558, tinha por finalidade ―defender-lhe comer carne humana

e guerrear sem licença do governador‖; ―fazer-lhes ter uma só mulher‖; ―vestirem-

se‖; ―tirar-lhes os feiticeiros‖; deste modo fazer com que deixassem a vida nômade

por pequenos pedaços de terras. Iniciando assim o processo de desocupação para a

ocupação colonial como propriedade privada.

O objetivo seria manter os indígenas de diferentes grupos étnicos reunidos e

tutelados sob a administração espiritual e temporal jesuítica de forma distinta e

separada da população colona e europeia.

As concepções jesuíticas, ainda que se apresentassem com algumas

diferenças com relação ao tempo e ao espaço no Brasil colônia, se mantiveram no

decorrer dos séculos de colonização, seguidas por outras ordens religiosas como os

―beneditinos, franciscanos, carmelitas, lassalistas e salesianos, e retomados pelo

Estado brasileiro no início do século XX‖ (BERGAMASCHI e MEDEIROS, 2010,

p.58).

Com a proclamação da República as ações passam a ser mais incisivas; o

processo de colonização passou a ter como objetivo ―territorializar, civilizar e integrar

os povos indígenas na chamada sociedade nacional‖ (BERGAMASCHI e

MEDEIROS, 2010, p.58).

Além do período Pombalino39, que praticamente destruiu as ações

missionárias e de escolarização indígena, somente em 1910, os indígenas ficaram

sob a tutela do Estado, com a criação do Serviço de Proteção ao Índio e Localização

dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN).

O SPILTN tinha o propósito de ensinar a língua portuguesa, desestimulando

assim as línguas maternas. Outra característica, inclusive usada ainda nos dias

atuais nas escolas indígenas, foi a inserção de uma organização escolar hierárquica

39

―O Período Pombalino corresponde aos anos em que o Marques de Pombal exerceu o cargo de primeiro-ministro em Portugal (1750 a 1777), durante o reinado de Dom José I.‖ Encontrado em http://www.historiadobrasil.net/brasil_colonial/periodo_pombalino.htm dia 30/01/2016 às 16h20min.

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64

e punitiva, o que, mais uma vez não respeitava as características das culturas

indígenas.

Para Gomes (2012) a educação formal, de cunho ―civilizacional‖, seguia os

princípios da ideologia positivista indigenista. Seu propósito era oferecer autonomia

aos que estudassem e atingissem assim um nível superior de entendimento.

Com o passar dos anos esse discurso toma outro caminho e segue rumo à

educação atual, que tem como objetivo ―fortalecê-los em suas culturas e dar-lhes

instrumentos para sua defesa diante das forças dominantes que os cercam‖

(GOMES, 2012, P. 117). Isso significa ensinar a base comum às demais escolas

sem desconsiderar as demais culturas, deste modo o ensino deve partir da língua

materna e dos conhecimentos prévios dos estudantes.

Com esse preceito a educação escolar indígena, segundo Gomes (2012),

torna-se um instrumento de proteção cultural e de conhecimento do mundo externo,

reforça afirmando que foi desta maneira que outros povos nativos de outros

continentes conseguiram reafirmar suas identidades.

Essa conquista, segundo Grando (2004), ocorreu com a oficialização desta

modalidade40 escolar, esse fato se deve pela luta dos movimentos sociais dos

indígenas de toda a América Latina, comprometidos com a construção de políticas

públicas voltadas para a realidade de cada povo em todo continente. Para esses

povos, o processo de constituição da identidade foi fundamental na tomada de

consciência de mundo e do seu lugar como parte intrínseca dele.

A história da escolarizaçãodos Bororo começa no século XVIII, segundo

Secchi (2001, p. 12):

Embora o contato de alguns povos indígenas com as frentes escravagistas e mineradoras tenha ocorrido no início do séc. XVIII, a instalação das primeiras escolas destinadas exclusivamente para índios deu-se apenas no início deste século, com as missões salesianas junto aos índios Bororo.

Já em território do povo Paresi, os militares de Rondon iniciaram a linha

telegráfica e a construção de escolas a partir da primeira década do século XX, mas,

de fato, começaram a se consolidar somente na década seguinte. Para os Bakairi,

40

Denominação de acordo com o CEE-MT em Resolução Normativa Nº 002/2015. Diário Oficial: 24/09/2015 e com as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica / Ministério da Educação.

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65

em 1922 o SPI instalou no posto indígena também uma "escola profissionalizante‖

(Idem, p. 13).

Ainda para Secchi (2002):

Entre 1920 e 1966 a ênfase das atividades escolares centrou-se na profissionalização indígena, especialmente na formação de soldados, vaqueiros, agricultores e rádio-telegrafistas. A Convenção 107 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, (de 1957, mas acatada pelo Brasil apenas em 1966) propôs medidas para as populações indígenas adquirirem educação em pé de igualdade com a comunidade nacional. Então foi Criada a Funai, em 1967, com o propósito de ―incorporar o silvícola à comunhão nacional‖. A partir de 1972, a Funai assumiu como oficial o modelo de educação bilíngüe proposto pelo SummerInstituteofLinguistics – SIL e em 1973 a Lei 6001(Estatuto do Índio) garantiu a alfabetização dos índios ―na língua do grupo a que pertença‖. A Constituição Federal de 1988 reconheceu os direitos indígenas à organização, costumes, línguas, crenças e tradições e ―sobre as terras que ocupam‖; modificou-se a matriz integracionista e se propôs a valorização cultural e a educação na língua materna (SECCHI, 2002, p. 71).

Inspirada na Constituição Federal, a nova Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional retomou algumas discussões apresentadas na Constituição

Federal, incluindo a ―educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas‖

(LDB, 1996, art. 78º). Era o início de um currículo específico com projeto político

pedagógico e formação para professores indígenas.

O objetivo dessa educação bilíngue, segundo a LDB (1996, art. 78º) foi:

I - proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências; II - garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não-índias.

Todavia, após quase duas décadas, muitas sociedades se perderam no

desafio de resgatarem sua história. São muitos os povos em que a maioria da

população não fala a língua dos ancestrais. Em alguns casos, até mesmo o

professor indígena da rede estadual de ensino de Mato Grosso que ministra a

disciplina específica Práticas Culturais e Sustentabilidade, não possui o domínio

necessário para atender aos objetivos disciplinares.

Atualmente, acontecem em Mato Grosso, simultaneamente, duas formações

específicas para professores indígenas: o Magistério Intercultural41 e o Terceiro Grau

41

Magistério Intercultural: A Secretaria Estadual de Educação (Seduc/MT) - juntamente com entidades parcerias como Funai, Secretarias Municipais de Educação, Conselho de Educação Indígena, e os Institutos Mawu e Oprint, trabalhou na formação de profissionais das escolas

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66

Indígena42. Eles foram instituídos para suprir a demanda suscitada pela LDB (Art.79)

que trata dos sistemas de ensino e dos incentivos aos programas integrados de

ensino e pesquisa.

Também a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Artigo 79, § 2º) deixa

claro que a participação e a audiência da comunidade são fundamentais para:

I - fortalecer as práticas sócio-culturais e a língua materna de cada comunidade indígena; II - manter programas de formação de pessoal especializado, destinado à educação escolar nas comunidades indígenas; III - desenvolver currículos e programas específicos, neles incluindo os conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades; IV - elaborar e publicar sistematicamente material didático específico e diferenciado. (LDB, Artigo 79, § 2º, 1998).

indígenas por meio do projeto Haiyô. Hoje, Mato Grosso conta com 66 unidades estaduais destinadas ao atendimento de 31 comunidades indígenas.

42Histórico do Terceiro Grau indígena: ―No ano de 1995 foi criado o Conselho de

Educação Escolar Indígena - CEI/MT, que se constituiu num espaço de discussão, reflexão e luta pela Educação Escolar Indígena. A criação do CEI/MT fortaleceu em Mato Grosso o movimento dos professores indígenas que passaram a reivindicar a formação continuada por meio de cursos específicos e diferenciados. Em 1997, após a conferência Ameríndia, foi criado pelo Governo do Estado a Comissão Interinstitucional e Paritária que iniciou as discussões sobre a formação de professores indígenas em nível superior. A Comissão era constituída por representantes da SEDUC/MT, FUNAI, CEE/MT, CEI/MT, UFMT, UNEMAT, CAIEMT e representantes indígenas. No ano de 1998, a Comissão elaborou o anteprojeto para formação em nível superior, estabelecendo as diretrizes gerais da proposta. O projeto foi concluído pela Comissão no final de 1999, com a entrega oficial do documento ao Governo do Estado de Mato Grosso. O ano de 2000 foi dedicado às negociações políticas e financeiras, com a assinatura dos convênios entre as instituições parceiras e a sua aprovação nos colegiados da Universidade do Estado de Mato Grosso. Em 2001 teve início oficialmente o Projeto de Formação de Professores Indígenas - 3º Grau Indígena, com a realização do Vestibular e o início das aulas no mês de julho, para a 1ª Turma dos Cursos de Licenciatura Específica para a Formação de Professores Indígenas. Em janeiro de 2005 tiveram início as aulas para a 2ª Turma dos cursos. No período compreendido entre 2002 e 2004 foi ofertada uma especialização Lato Sensu em Educação Escolar Indígena, que contou com a participação de interessados de diferentes instituições que atuam na questão indígena, além de professores indígenas já graduados. Atualmente prevê-se a abertura de uma nova turma do referido curso. Esta nova turma ofertará 50 vagas específicas para professores indígenas egressos da UNEMAT e de outras IES. Em junho de 2006, a 1ª Turma concluiu as atividades do curso, sendo realizada a Colação de Grau e a entrega dos diplomas de licenciados a 186 acadêmicos indígenas. Em agosto de 2007, considerando a necessidade de fortalecer as ações desenvolvidas pela UNEMAT em prol da Educação Superior indígena em Mato Grosso, o Projeto 3º Grau Indígena foi transformado no Programa de Educação Superior Indígena Intercultural - PROESI. Em janeiro de 2008 iniciaram as aulas para a 3ª Turma dos Cursos de Licenciatura. Durante o II Congresso Universitário da UNEMAT, realizado em dezembro de 2008, foi aprovada a criação da Faculdade Indígena Intercultural, incorporando as ações relacionadas a Educação Superior Indígena. A Faculdade tem por objetivo a execução dos Cursos de Licenciaturas Plenas e de Bacharelado, com vistas à formação em serviço e continuada de professores e profissionais indígenas; abertura de vagas nos cursos regulares de Pós-Graduação Lato Sensu e Stricto Sensu; cursos de formação continuada, acompanhamento de acadêmicos indígenas nos cursos de 1 / 2 Histórico graduação e administração do Museu Indígena a ser implantado. Em julho de 2009, a 2ª Turma concluiu as atividades do curso, realizando então a Colação de Grau e a entrega dos diplomas a mais 90 Professores Indígenas.‖http://indigena.unemat.br/ em 01/02/2016 às 15h23min.

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67

Dois anos depois de publicação da LDB, em 1998, outro importante

documento foi publicado, no bojo da constituição de uma educação escolar

diferenciada. Tratava-se do Referencial Curricular Nacional para Escolas Indígenas

(RCNEI).

O referencial foi elaborado de forma coletiva e contou com a participação de

lideranças indígenas de todo o país, estudiosos da educação, antropólogos e

professores das diversas áreas do conhecimento.

Sua intenção foi subsidiar os atores educacionais (professores indígenas,

técnicos das Secretarias de Educação e responsáveis pela implementação do

projeto pedagógico) na implementação da ‗educação específica, diferenciada,

bilíngue e intercultural‘ nas escolas indígenas.

A reinvenção do currículo escolar indígena colocava em cheque as

propostas educacionais anteriores, ainda que as concepções utilizadas outrora

serviram como aportes significativos para redesenhar novos caminhos, novos

espaços e novas possibilidades para a educação escolar indígena. Para

Bergamaschi e Medeiros (2010) esse passado requisitado foi ―agregado ao

presente, apontou para outras possibilidades de futuro para a educação escolar, na

perspectiva de ‗indianização‘ da escola‖. Deste modo, a escola passou a ser vista

como um espaço de fronteira, cujo objetivo é fortalecer o trânsito entre os dois

mundos e fomentar a interação e comunicação entre ambos.

A relação entre essas duas concepções não é uma tarefa fácil de

desempenhar. Até mesmo os professores que já concluíram a graduação específica

para trabalhar nas escolas indígenas consideram essa articulação um desafio

permanente. Ou como sugerem Bergamaschi e Medeiros (2010, p. 64), construir

caminhos entre duas sociedades e propiciar o convívio entre duas culturas, supõe

―um espaço de interface entre duas concepções de mundo‖.

O grande diferencial entre os dois modelos de educação é que na educação

escolar tradicional predominava a fragmentação das disciplinas que se apresentam

em horários distintos e pré-definidos por outrem. A constituição do conhecimento é

pautada em práticas pedagógicas que se mostrem de um arquétipo escolar que

dificulta o trânsito entre as culturas.

Nas escolas específicas estimula-se um movimento ininterrupto do fazer

pedagógico em construção. Para Baniwa (2010) a criação da escola para os povos

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indígenas foi pensada ―de forma desterritorializada, ou seja, sem referência sócio-

espacial local‖.

A escola indígena assim como a escola dos não indígenas desde sua origem sempre negou as territorialidades nativas, impondo como referência a Europa colonizadora, ou seja, o território e a sociedade colonial europeia. Um exemplo disso é o fato dos estudantes e intelectuais indígenas e não indígenas formados nas universidades brasileiras, terem até hoje como referência as Universidades Europeias e Norte-americanas, ao ponto em que quem não consegue passar pelo menos por algum tempo por essas universidades dificilmente terá ―sucesso‖ ou ―reconhecimento‖ de sua importância e ―status‖ intelectual ou profissional no Brasil. (BANIWA, p. 2, 2010)

No ensino de Arte não é diferente, historicamente os conteúdos versam

sobre os grandes artistas do ocidente, especialmente os europeus. Ou seja, a

realidade nativa foi relegada às manifestações culturais das comunidades, sem que

fossem consideradas como parte fundamental de um currículo intercultural, em que

as várias linguagens artísticas fazem parte de uma formação com qualidade social.

Para Arslan e Iavelberg (2013, p. 3) as vozes de quem constrói a história da

arte muitas vezes não são ouvidas. Isso se dá pelas omissões das ―manifestações

marginais ou que operam de forma distinta da oficial‖. A autora afirma ainda que

deste modo a escrita dessa história pode expressar poucas concepções de mundo,

somente o olhar de grupos dominantes, pois―um senso de elitismo, às vezes, se

relaciona como o ato de ensinar arte e, quando nos voltamos para a história da arte

ocidental, podemos compreender a gênese desse comportamento‖.

O papel da arte na educação é grandemente afetado pelo modo como o

professor e o aluno veem a função da arte fora da escola, ou seja, essa prática

docente está impregnada de um contexto histórico/cultural em que as produções

artísticas foram deixadas em segundo plano ou, por vezes, vistas como um meio e

não o fim. Ter em vista esse processo elitizado na constituição da história da arte é

necessário para se falar de arte, principalmente no contexto escolar.

É importante destacar que o bojo em que se constituiu o ensino das artes no

Brasil, assim como na educação brasileira de maneira geral, herdou problemas

referente à qualidade do ensino e consequentemente à aprendizagem. Dentre esses

problemas podemos citar a ausência de professores com formação específica para

atuar na disciplina em questão, necessidade formativa continuada, pouca estrutura

física e material, ou seja, salas inadequadas e aulas sem materiais didáticos.

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69

Essa realidade ocorre também nas escolas indígenas, quer pela fragilidade

da formação inicial e continuada dos professores e professoras indígenas, quer pela

ausência da formação específica, ou ainda, pela forma de abordar a disciplina Arte

sem a devida adequação àquela realidade escolar.

2.3 Diretrizes para o ensino de Arte nas escolas indígenas

As diretrizes para o ensino em escolas indígenas se constituem, de acordo

com o MEC (1998), em princípios para ―a elaboração de projetos de escola em

áreas indígenas a efetiva participação das comunidades indígenas, a partir do

desenvolvimento de currículos específicos‖, isso significa que os calendários

escolares devem respeitar as atividades tradicionais, independente da etnia do povo

em questão. Para tanto as metodologias de ensino devem ser ―diferenciadas, com a

incorporação dos processos próprios de aprendizagem de cada povo e com a

implementação de programas escolares e processos de avaliação de aprendizagem

flexíveis‖.

Em se tratando especificamente da disciplina de Arte desenvolvida na

educação escolar indígena, Leite e Ostetto (2004) ao se referir à disciplina de Arte

Educação, nos cursos de formação inicial para professores indígenas, destacam

que:

Essa disciplina a que nos referimos, presente nos cursos de pedagogia, deve ser marcada não pelo ensino de técnicas – como era comum nos antigos cursos de formação de nível médio-, mas por experiências estéticas significativas para aquele em formação (LEITE E OSTETTO, 2004, p.13).

Assim, precisamos avançar em direção a uma formação para além da

reprodução de técnicas. Ana Mae Barbosa (1978), ainda no século passado,

afirmava que o ensino de Arte pode se dar através de Proposta Triangular43, uma

tríade que envolve aspectos da construção e ressignificação do conhecimento em

Arte: a leitura, a análise e a contextualização.

Buscar uma solução para um fazer pedagógico criativo a partir das

diferenças, e também dos conflitos, é um dinâmico processo em que as diferenças

43

Esse percurso pedagógico sugerido por Barbosa será a base para a reflexão de possíveis caminhos para desenvolver ações afirmativas no ensino de Arte na EEI Korogedu Paru, na Aldeia Córrego Grande. Por este motivo, num momento oportuno, mais precisamente no último capítulo, retomaremos a esse tema.

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se tornam elementos positivos na construção do conhecimento e na constituição de

identidade.

Em 1996 a LDB passou a considerar a Arte como disciplina obrigatória da

Educação Básica. Os Parâmetros Curriculares Nacionais estabeleceram sua

composição em quatro linguagens: artes visuais, dança, música e teatro. A partir de

2008, a Música passou a ser considerada conteúdo obrigatório em toda a Educação

Básica, conforme determinou a Lei nº 11.769. Em maio de 2016, é promulgada outra

lei que novamente altera a LDB.

Essa legislação apenas reafirmou as proposições da LDB de 1996 e os

PCNs, que já estabeleciam que dentro da disciplina de arte (doravante tido como um

componente curricular), seriam incluídas as demais linguagens artísticas, como o

teatro, a dança e a música.

Como podemos perceber por esse breve histórico, o espaço destinado à arte

nos currículos escolares, embora diminuto, tende a se consolidar e a se expandir.

Ainda assim, restam latentes várias questões relevantes para o seu adequado

andamento.

A primeira diz respeito a que os currículos, na sua efetiva execução,

garantam uma relativa simetria de tempos e de ênfases entre as diferentes

linguagens. Tal medida evitaria a subalternização excessiva desta ou daquela

linguagem, em razão da falta de interesse, capacidade ou condições de atendimento

adequado no espaço escolar.

A segunda trata de estimular o florescer da arte com respeito e com

incentivo à diversidade física, cultural, étnica, sexual, etária etc. A escola precisa

acolher toda a diversidade populacional brasileira e fazê-la florescer, respeitando

suas especificidades e garantindo as mais diversas formas de expressões artísticas

e culturais. Se enfrentar esse desafio, o ensino de Arte encontrará dias mais

promissores e de grande alento para todas as linguagens.

Conhecer a história e os contextos socioculturais da arte em suas várias

linguagens, parece mais eficaz na formação de professores do que, simplesmente,

aprender técnicas para a produção e reprodução artística. A educação em Artes com

caráter intercultural oportuniza a interação dos conteúdos da base comum com as

manifestações culturais locais.

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2.4 O limiar entre a colonialidade e a interculturalidade

Ao abordar o tema da colonialidade temos a intenção de refletir sobre a

dualidade no ensino de Arte na E.E.I. Korogedo Paru na Aldeia Córrego Grande do

povo Bororo, que carrega elementos da educação indígena e da educação escolar

indígena44. Os saberes tradicionais e aos saberes oriundos da escola oficial, são

compreendidos como as duas vertentes que coexistem e configuram a identidade

dos estudantes das escolas indígenas.

Ambos os termos, colonialidade e interculturalidade, têm sido pauta de

acaloradas discussões na academia e nos movimentos sociais. Enquanto o primeiro

se caracteriza como uma relação assimétrica, injusta e impositiva, o outro propõe

uma relação mais humana, dialógica e com respeito às diferenças. Para Januário

(2002, p. 8) a interculturalidade é ―partilhar os nossos saberes‖, e por isso é também

sinônimo de simetria entre as relações entre povos indígenas ou não indígenas.

A sociedade moderna foi erigida num processo político, econômico e

ideológico, que, segundo Araújo (2014), ―apesar do arrefecimento de sua força e da

crise na qual se encontra, representou e ainda representa a busca desenfreada pela

hegemonia do poder mundial‖. Estes conhecimentos têm o propósito de reforçar, de

afiançar e de validar a história segundo a ótica do colonizador branco europeu. Mas

é preciso ter presente que existem outras percepções e saberes que discordem da

uniformização, da delimitação, ―das amarras do pensamento moderno‖. A ―fofoca‖

(discutida por Norbert Elias), por exemplo,45e porAraújo (2014) pode representar

uma estratégia de defesa contrária às ―forças políticas, ideológicas, econômicas, que

produziram o colonizado, subalternizado, invisibilizado e relegado ao esquecimento‖.

O pensamento colonial percebeu e tratou o ―outro‖de forma exótica e

estereotipada, dotando-o de ―não existência‖, portanto, sendo passível de uma

―reeducação‖, que somente aconteceria se fosse imerso na civilização (FANON,

1968).

44

A Educação Indígena diz respeito à processos educativos a partir da vida cotidiana de cada povo, onde se evidencia seus costumes e tradições indígenas, independentemente de serem atividades complexas ou corriqueiras (MAHER, 2006). Segundo Melià (1999, p. 13) ―a ação pedagógica tradicional integra sobretudo três círculos relacionados entre si: a língua, a economia e o parentesco. São os círculos de toda cultura integrada.‖ (Cadernos Cedes, ano XIX, nº 49, Dezembro/99). Assim, a educação escolar indígena diz respeito à educação oferecida nas escolas indígenas pelo Estado, por isso considerada oficial. 45

Na página seguinte trataremos de ―Os estabelecidos e os outsiders‖ de Norbert Elias (2000).

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Acreditamos que foi com muita sabedoria e estratégia que ospovos

indígenas do Brasil resistiram e lutaram pela superação da escravidão, pelo fim dos

massacres e das formas atuais de ―civilização‖ e de colonização.

Fazendo uma analogia ao cenário que Norbert Elias (2000) descreveu no

livro ―Os estabelecidos e os outsiders‖46 pensamos que a configuração da

composição tríplice: fontes de poder, carisma coletivo e normas grupais, se adequa

à situação de colonialidade e de interculturalidade discutidos no presente estudo.

Ou, dito de outra forma, a tensão entre a educação artística tradicional e o ensino de

Arte na escola configura uma relação simbólica de produção e reprodução do saber

e do poder.

Para Araújo (2014), com a Constituição Federal de 1988 e ―com atraso de

mais de cinco séculos‖, as conquistas indígenas avançam no sentido da ―garantia de

terem seus conhecimentos, costumes e hábitos reconhecidos como parte da riqueza

cultural do país e da formação de seu povo‖. Esse reconhecimento se constituiu uma

forma de ruptura com a histórica opressão colonial.

A interculturalidade na educação pode trazer uma mudança de mentalidade,

para os professores, para a sociedade e até mesmo nas estruturas de poder. Isso se

houver uma reformulação do atual sistema educacional, com formação continuada

para os professores indígenas.

Para Barbosa (2008/c) a dualidade entre as forças culturais é imprescindível

para um resultado positivo contra a colonialidade pois, acredita que:

Vivemos a era inter. Estamos vivendo um tempo em que a atenção está voltada para a internet, interculturalidade, a interatividade, a interação, interrelação, a interdisciplinaridade e a integração das artes e dos meios, como modos de produção e significação desafiadores de limites, fronteiras e territórios. Entretanto os Arte Educadores têm dificuldades de entender a Arte ―inter‖ produzida hoje. Para os que foram educados nos princípios do alto modernismo, dentre eles a defesa da especificidade das linguagens artísticas, torna-se difícil a decodificação e a valoração das interconexões de códigos culturais e da imbricação de meios de produção e de territórios artísticos que caracterizam a Arte Contemporânea (BARBOSA, 2008/b, p.01)

Trazendo esse debate para o campo das artes, não será difícil verificar que

as escolas indígenas, historicamente identificadas com o saber colonial,

reproduziram ideários artísticos e culturais estranhos ou adversos aos saberes

culturais autóctones. Identificar esses contornos e buscar caminhos para superá-los,

46

Trata das relações entre moradores tradicionais emoradores recém-chegados ao bairro fictício

denominado Winston Parva‖, no sul da Inglaterra.

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73

é essencial para a construção de currículos escolares que se pretendem

interculturais.

Essa coexistência só é possível se partirmos de um ensino intercultural de

arte. Para tanto, é preciso utilizar um conceito de arte amplo e aberto, de modo a

abarcar as produções artísticas de diversas culturas e sociedades.

Partindo de uma visão intercultural para o ensino da arte, Barbosa (2007,

2011, 2014) tem publicado artigos em que traz o tema para discussão com o intuito

de apresentar, não somente os problemas, mas também a solução para se

desenvolver essa interculturalidade.

Em 1991, Babosa divulgou o que viria a ser um marco fundamental da nova

abordagem metodológica que vem sendo proposta em nosso país. Destaca ―a ideia

de reforçar a herança artística e estética dos alunos com base em seu meio

ambiente‖. Todavia, em seguida, deixa claro que ―se não for bem conduzida, pode

criar guetos culturais e manter grupos amarrados aos códigos de sua própria cultura

sem possibilitar a decodificação de outras culturas‖.

É inegável a existência de diferença entre a diversidade cultural, que surge a

partir da diferenciação entre as culturas e da especificidade social de cada grupo, e

a desigualdade social, fruto da relação de dominação existente em nossa sociedade

que vive num contexto de colonialidade.

Sob essa perspectiva, Gersem Baniwa (2010, p. 8), ao analisar a relação

entre os povos indígenas e as instituições de matriz colonial constata que:

O sucesso do projeto colonial de dominação foi resultado da fragmentação étnica e territorial dos povos nativos, que gerou profunda desestruturação territorial, sociocultural e político entre esses povos. Assim sendo, para o Estado, governar é realizar a gestão do território dividido segundo seus interesses e, soberania é garantir a integridade desse território dividido e dominado. Funciona, portanto, a máxima: dividir para dominar (BANIWA, 2010, p. 8),

Reafirmando a importância do território para os povos indígenas e como o

processo de dominação se deu com a sua usurpação, Baniwa (2010) se aproximam

à composição tríplice de Elias (2000), em que o colonizador se torna um

‗estabelecido‘ e desestruturando o carisma coletivo e as normas grupais tradicionais

dos povos indígenas.

Dividindo os grupos étnicos em pequenos territórios o Estado se coloca

como estabelecido e impõem a posição de outsiders aos povos indígenas. Ao impor

a Constituição Federal de 1988 como a carta magna única de abrangência nacional,

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desconsidera-se as normas e leis de cada povo, desrespeitando suas

individualidades e especificidades.

Ainda que atualmente, na maioria das vezes, as relações entre colonizador e

colonizado sejam aparentemente pacíficas, o colonialismo perdura impondo

estigmas aos colonizados, comumente chamados de incapazes, violentos,

preguiçosos e primitivos. A discriminação e a depreciação se alastram entre os

colonizadores/estabelecidos para justificar o preconceito em favor da permanência

das relações simbólicas na produção do poder.

[...] o grupo estabelecido atribuía a seus membros características humanas superiores; excluía todos os membros do outro grupo do contato social não profissional com seus próprios membros; e o tabu em torno desses contatos era mantido através de meios de controle social como a fofoca elogiosa [praise gossip], no caso dos que o observavam, e a ameaça de fofocas depreciativas [blame gossip] contra os suspeitos de transgressão (ELIAS e SCOTSON, 2000, pág. 20).

Ao pensar na ‗fofoca depreciativa‘ como meio de controle social Elias (2000)

reafirma o quanto a organização grupal, que fortalece o carisma coletivo dos

colonizadores, tem papel fundamental na manutenção das relações assimétricas.

Para Gersem Baniwa (2010) elas também se constituem e se consolidam por meio

das políticas públicas:

As políticas públicas como ação de Estado ou de Governo sempre estão acompanhadas por regras administrativas que permitem o controle dessas ações e seus resultados por parte do estado. Essas regras de execução de ações e aplicação de recursos humanos, materiais e financeiros mais conhecidos como burocracia, fazem parte da chamada Administração Pública (BANIWA, 2010, pag.1).

Desde o início do século XXI está mudando o cenário das políticas de

educação superior do Brasil. Muitos são os debates sobre as ações afirmativas para

grupos sociais e étnicos que, historicamente, não tiveram acesso às universidades.

Mais recentemente, somam-se ao acesso as questões relacionadas à permanência

e ao sucesso profissional.

Em face da primeira lei47 que trata de reserva de vagas em instituições

públicas de ensino superior no Brasil, a partir do ano 2000, inúmeras iniciativas

similares surgiram por todo país. Parte destas iniciativas era definida segundo

critérios étnico-raciais.

47

Lei Nº 3.524, de 28 de dezembro de 2000, que dispõe sobre os critérios de seleção e admissão de estudantes da rede pública estadual de ensino em universidade públicas estaduais.

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Assim, no estado do Paraná, em 2001, foi instituída a primeira iniciativa de

―ação afirmativa‖ diferenciando o acesso à universidade, que tomou como público-

alvo os povos indígenas. No mesmo ano a Universidade do Estado do Mato Grosso

– UNEMAT, foi a primeira universidade ao abrir vagas para a formação de

professores indígenas, implementando o curso de Licenciatura Intercultural.

Essas ações confirmam a grande demanda dos povos indígenas, contudo

evidenciou-se também a diversidade que demandam de ordens sociais, culturais e

econômicas. A diversidade, muito comumente é vista como algo negativo, se alguém

é diferente, não faz parte do mesmo grupo social, portanto não é aceitável a

convivência. Esse modo equivocado e preconceituoso de pensar é uma das formas

de estigmatização, que Elias (2000) aponta como universal:

A semelhança do padrão de estigmatização usado pelos grupos de poder elevado em relação a seus grupos outsiders no mundo inteiro — a semelhança desse padrão a despeito de todas as diferenças culturais — pode afigurar-se meio inesperada a princípio. Mas os sintomas de inferioridade humana que os grupos estabelecidos muito poderosos mais tendem a identificar nos grupos outsiders de baixo poder e que servem a seus membros como justificação de seu status elevado e prova de seu valor superior costumam ser gerados nos membros do grupo inferior — inferior em termos de sua relação de forças — pelas próprias condições de sua posição de outsiders e pela humilhação e opressão que lhe são concomitantes. Sob alguns aspectos, eles são iguais no mundo inteiro (ELIAS e SCOTSON, 2000, p. 30).

Por muitos séculos os colonizadores no Brasil trataram os povos indígenas

como inferiores, e impingiram a condição de outsiders com violência física e moral,

em ações repletas de humilhações. Todavia, segundo Baniwa (2010) a história dos

indígenas brasileiros tem mudado radicalmente em relação ao Estado. Há trinta

anos a maioria se mantinha à distância do governo, fugindo em resistência;

atualmente buscam parcerias, reivindicam e cobram seus direitos, além de serem

partícipes desse mesmo governo em diversos níveis. Contudo as políticas públicas

voltadas para esse público ainda são bastante precárias.

No campo da educação escolar, atualmente, quase a totalidade das funções

nas escolas indígenas de Mato Grosso são ocupadas por membros das respectivas

comunidades, no entanto, as relações de dominação são mantidas entre o Estado

(que determina) e as escolas (que cumprem).

Kleber Gonçalves Bignarde, Diretor do CEFAPRO de Cuiabá, durante uma

entrevista realizada em 22/05/2015, deixa claro que ainda que, a Rede Estadual de

Ensino, através da secretaria adjunta de Políticas Educacionais e Superintendência

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da Diversidade, tenha realizado um mapeamento dos grupos étnicos indígenas no

estado de Mato Grosso, ainda não prestam atendimento a partir de territórios

etnoeducacionais, já que não ouve uma reunião ou formação no sentido de tornar

essa forma de atendimento uma política educacional. Deste modo, a escola

indígena e seus membros (corpo discente, docente e administrativo) se tornam os

outsiders ante a um Estado que impõe a forma e o conteúdo educacional.

Ao considerarmos o ensino de Arte na escola da aldeia Córrego Grande, do

povo Bororo, verificamos algumas implicações nas relações entre os saberes locais

e os saberes trazidos pela comunidade escolar.

Um dos aspectos observados refere-se à formação (inicial e continuada) dos

docentes indígenas. Há de se ter atenção às bases dessas formações. Qual o

alcance de sua formação inicial; ocorreu formação continuada; ela preencheu as

lacunas deixadas pela graduação ou por sua inexistência? Sabe-se que além das

dificuldades de acesso ao ensino superior indígena, existem ainda as dificuldades

para a permanência e a qualidade desse ensino.

Nesse sentido fica claro que as especificidades regionais e étnicas devem

ser consideradas na escola, em especial na disciplina de Arte. É preciso também

relacionar esse contexto sociocultural com outras realidades de caráter nacional e

internacional. Afinal, a constituição de sujeitos críticos, autônomos e conhecedores

do contexto global também cabe à escola e, muito particularmente, à disciplina de

Arte.

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77

CAPÍTULO TERCEIRO

A ARTE NA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

Figura 27: Circulando48

48

Fotos para Morar Mais Por Menos/2013 Performance Live - Luis Segadas homenageando o artista de Mato Grosso Clóvis Irigaray. Retirado de http://coresdomato.blogspot.com.br/ em 25/10/2015 às 16h.

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3.1O ensino de Arte na escola bororo

Antes de avançar para o debate acerca do ensino de Arte na EEI Korogedo

Paru, foco central do nosso estudo, pretendemos ressaltar dois aspectos que

julgamos oportunos quando tratamos da arte em comunidades indígenas.

O primeiro trata do nosso imaginário e das representações que fazemos

sobre uma ‗escola indígena‘. Alertamos, desde já, que as nossas idealizações

podem não coincidir com a realidade efetiva, uma vez que as escolas indígenas são

centenas e o seu perfil tipológico igualmente variadíssimo.

Com o intuito de situar o leitor ao contexto aqui descrito, apresento

novamente, abaixo, uma imagem da EEI Korogedo Paru, na Aldeia Córrego Grande,

localizada na TI Tereza Cristina, local da presente pesquisa.

Figura 28: Arquivo pessoal: fachada da EEI Korogedo Paru antes da construção da cerca ao redor da escola

Como pode ser visto, são muitas e variadas as marcas da colonialidade

visíveis no cenário, a contar pela rodovia que liga a aldeia à outras comunidades e

municípios, veículo do governo estadual, instalações elétricas, arquitetura dentro do

padrão das demais escolas estaduais, materiais de construção, cores

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predominantes, símbolos etc. É nessa tensão entre o colonial e o autóctone que se

procura construir a interculturalidade em Artes.

Um segundo aspecto a ser destacado diz respeito à multiplicidade das

frentes de contato e das agências educacionais que conviveram (e ainda convivem)

com o povo Bororo. Além dos missionários salesianos (os primeiros a implantar um

projeto de escolarização, em 1898), essa sociedade conviveu e recebeu formação

escolar de diversas outras agências, como o Serviço de Proteção ao Índio – SPI,

FUNAI, missionários evangélicos de diversas confissões, irmãs missionárias

católicas, prefeituras municipais e do governo estadual.

Tamanha variedade de ênfases e de propósitos, raramente convergentes,

resultou num ‗caldeirão de contradições‘ quando não num gélido marasmo acerca

dos objetivos e alcances da educação escolar. Porquanto, tratar de Artes num

cenário como o descrito, requer uma abordagem cuidadosa e aberta às múltiplas

percepções.

Pelas razões acima e, com a expectativa de compreender as práticas

pedagógicas lá desenvolvidas, optamos por utilizar um dos trabalhos de Marcel

Mauss (1993), denominado Manual de Etnografia.

Temos consciência de que os poucos meses da pesquisa foram insuficientes

para adentrarmos com a desejada profundidade no universo cultural Bororo. Por

isso, nos propomos a desenvolver apenas uma pesquisa do ―tipo etnográfico‖.

Para compreender a realidade do ensino de Arte na escola pesquisada,

tivemos a oportunidade de dialogar com os professores que ministram a disciplina

de arte, com o diretor, coordenador pedagógico e secretária escolar e com o cacique

que também é professor da escola. Fora do contexto escolar, mas dentro da aldeia,

entrevistamos uma indígena anciã, que só fala bororo, e um ancião, aliás, o único

ancião da aldeia que fala a língua bororo e a portuguesa.

Para além dos muros da escola entrevistamos pessoas cujo trabalho está

diretamente relacionado com a escola em questão, como três professoras

formadoras, o coordenador de formação, Felipe Bispo do Nascimento e o diretor,

Kleber Gonçalves Bignarde, profissionais do CEFAPRO.

Neste texto, optamos por não utilizar os nomes reais de parte dos

entrevistados, na expectativa de que, com o anonimato, eles se sentissem mais à

vontade para discorrer sobre sua prática docente em Arte. Segue a baixo quadro

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com os nomes utilizados para identificação e respectivas funções e espaços de

vivência e/ou de trabalho:

2 Quadro dos entrevistados

Esta organização de nominação se deu pelo fato de que seguimos a

orientação do Comitê de Ética em Pesquisa, cuja orientação foi pela não nominação

própria dos professores indígenas. Os sujeitos aqui indiciados por codinomes

assinaram um termo de livre esclarecimento em que se ressaltava a garantia da não

utilização de seus nomes. Optamos por identificá-los dessa forma para não infringir

a legislação vigente ou causar eventuais constrangimentos posteriores.

No percurso de pesquisa nos deparamos com algumas dificuldades para a

produção de dados. Uma delas, se relacionava à pouca disposição das pessoas a

participarem, a contribuírem. Essa aparente ‗falta de estímulo‘, segundo informaram,

devia-se ao fato de que diversos pesquisadores haviam passado por lá, realizado

suas análises e os resultados obtidos foram pouco conhecidos e pouco

compartilhados entre os professores e a comunidade pesquisada.

Esse aspecto remete a questão da troca, que na percepção dos Bororo,

deveria existir em situações como essa. Por anos, os pesquisadores adentraram em

sua aldeia e consequentemente em sua cultura, sem que tenham oferecido algo em

troca das preciosas informações.

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Essa particularidade dos Bororo não é um entendimento exclusivo daquele

povo, até porque ―cada objeto é impregnado das marcas deixadas pela cultura

daqueles que o fabricaram e como o contato, a comunicação e as trocas culturais

entre os povos são, na história da humanidade, uma constante e uma regra‖

(MEC,1995, p. 371). A troca realizada/proposta pelos Bororo faz parte de sua cultura

e das relações entre os membros do seu povo e desses com outros povos indígenas

ou não indígenas.

Aos poucos, com muito diálogo, deixamos claro nossos propósitos, uma vez

que também atuamos como professora formadora no Cefapro, que é justamente um

centro de formação que atende todas as escolas indígenas bororo. De maneira

dialógica, esclarecemos que os resultados da pesquisa poderão retornar àquela

comunidade nas atividades de formação oferecidas aos profissionais da educação.

Quanto ao recorte da pesquisa, tendo em vista a rica diversidade de todas

as suas expressões artísticas e a impossibilidade de abarcar todos seus aspectos,

optamos por abordar apenas as artes plásticas e visuais. No decorrer do capítulo

explanaremos mais sobre a arte plástica e visual na concepção bororo.

Fundamentado na interculturalidade, o caminho proposto pelo projeto

respeita a cultura dos Bororo, seu modo de pensar e de se organizar

pedagogicamente, pois, mais que pensar num currículo oficial, a presente pesquisa

vai analisar as perspectivas dos professores Bororo para o ensino de Arte. Deste

modo, consideramos esse componente curricular como parte de um percurso

formativo em que cada professor possa ―relacionar a proposta pedagógica da escola

à proposta política mais ampla de sua comunidade‖(BRASIL, 2002, p. 23). E, para

além do seu trabalho na disciplina, pensar coletivamente num projeto de formação

específico para cada comunidade, onde os professores e demais profissionais da

educação sejam os protagonistas.

Para realizar esse propósito, de acordo com os professores que

entrevistamos, existe uma lacuna formativa e uma relacionada à sua prática

docente. A esse respeito, o Prof. Indígena 1, que atende ao 2º ciclo (nível

equivalente ao 5º ano das escolas que não trabalham a partir do Ciclo de Formação

Humana), afirmou: ―me sinto sem jeito de mostrar minhas aulas‖, deixando nítido que

não se sente seguro em socializar seus métodos pedagógicos nas aulas de Arte,

justamente porque sabe que precisa avançar no que diz respeito à sua práxis

docente.

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Ainda assim, nos convidou para assistir parte de sua aula. Naquela

oportunidade estava desenvolvendo uma atividade denominada ―desenho livre‖, uma

ação muito comum desenvolvida por professores de diversas escolas com as quais

trabalhamos como formadora.

Via de regra, trata-se de uma iniciativa recorrente quando o professor é

inexperiente ou possuí pouca ou nenhuma formação como professor de Arte.

Influenciados pela praticidade de não fazer um planejamento com intencionalidade,

aliado ao fato de desconhecer o próprio currículo da disciplina, os professores

acabam por penalizar os estudantes com a falta de propósitos e com iniciativas

esponteneístas que, infelizmente, não resultam na constituição de conhecimentos.

Após o Prof. Indígena 1 informar sobre a atividade de desenho livre também

explicou sobre uma atividade que desenvolvera dias antes, cujo resultado estava

exposto em vários móbiles pendurados no teto, como pode ser visto na imagem

abaixo:

Figura 29: Arquivo pessoal. Atividade de Arte executada pelo Prof. Indígena 1

A execução do trabalho consistia em recortar círculos e semicírculos que ao

serem colados formariam uma borboleta. Cada uma representaria uma faixa etária,

e conforme o inseto ficasse mais velho as estudantes colocavam mais acessórios e

maquiagem para que ficassem ‗mais bonita‘.

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Ainda que a intencionalidade do professor fosse discutir a autoestima,

principalmente das estudantes, e que os recursos materiais utilizados são utilizados

em atividades de Arte, percebemos uma lacuna entre a proposição, a

intencionalidade, a fundamentação teórica, o planejamento e a execução da ação.

Compreendemos que não existe uma aula de Arte sem falar em arte. A

proposição foi apenas de uma atividade manual, cuja intencionalidade era apenas

trazer o tema autoestima. Não que este tema não seja um tema relevante para uma

aula, mas essa aula não pode ser resumida a discutir autoestima. Sentimos a

ausência de análise, leitura, contextualização da própria arte.

Nas paredes da sala também visualizamos vários outros trabalhos expostos.

Alguns desenhos com teor artístico criativo; outros com fortes influências

estereotipadas.

Figura 30: Exposição do resultado da aula de Arte. Arquivo pessoal.

O Prof. Indígena 1, nasceu na Aldeia Córrego Grande, no momento da

pesquisa estava com 22 anos, domina a língua materna, possui apenas o Ensino

Médio, cursado na mesma escola em que hoje atua como professor, e atualmente

cursa o Magistério Intercultural. Além de jovem, tem pouca vivência docente e, como

ele próprio externou, necessita de mais formação para avançar em sua prática

pedagógica.

Perguntado sobre qual a sua concepção de arte, sua resposta foi: ―Ai meu

Deus, tem tantas coisas com arte, assim... Arte é, até onde eu estudava, meu

professor falava, vamos desenhar agora, vamos fazer dobradura, alguma coisa

assim, arte são atividades artísticas‖.

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Depois, afirmou que: ―Ah, e tem outra também, ah esse menino aí é artista.

Aquele bagunceiro ou aquele que se destaca mais também. Como a arte de

cozinhar bem, a arte de que.... De cozinhar bem, a arte de jogar bem...‖,

relacionando a arte às estripulias, travessuras, desordens de crianças, ou ainda a

cozinhar bem e fazer outras atividades com primor.

Na sequência perguntamos se havia uma relação da arte com as

manifestações culturais de seu povo e sua resposta foi afirmativa, declarou que:

Tem tudo haver. Por que na hora que nós fazemos a nossa pintura é uma arte. Começa a pintar tudinho.... É devagarzinho, não pode ser tudo corrido, igual quando um artista mesmo, desenhista desenha num quadro.... Faz um painel, alguma coisa assim... Então acho a arte tem tudo a ver com nossa cultura. Nós temos várias pinturas, várias peças assim que eu posso estar usando a pintura e esse pintura passada no rosto, essas coisas assim... Pinturas faciais (PROF. INDÍGENA 1).

Todavia, não houve uma manifestação espontânea com relação a sua

cultura ser parte do currículo nas aulas de Arte. Com relação aos motivos de se

ensinar arte na escola o Prof. Indígena 1 falou que:

Já vem no currículo, na matéria para ensinar arte e também porque eu gosto de dar aula de arte também, e os meus alunos gostam muito, na hora que chega a aula de Arte eles ficam falando que gostam de desenhar, fazer as dobraduras igual te falei...‖ (PROF. INDÍGENA 1).

E acrescentou: ―Eu trabalho com as pinturas. Até porque eu não conheço

muitas coisas também da nossa cultura‖. Para o Prof. Indígena 1 as aulas de Arte

podem ser uma das formas de trabalhar a constituição de identidade dos

estudantes, ao ministrar suas aulas em que apresenta as manifestações de seu

povo solicita às crianças que retornem para casa com o resultado das atividades em

sala, seu objetivo é expandir seu conhecimento com as demais famílias de sua

comunidade.

Ao ser questionado sobre sua formação para ministrar Arte o Prof. Indígena

1 afirmou que: ―Não! Eu tenho o ensino médio completo. Daí surgiu o magistério. O

magistério intercultural. Eu estou nessa luta de novo, então agora para Arte, não‖.

Nas entrevistas com os outros professores, a definição de arte pouco se

alterou ainda que tenha variado um pouco de professor a professor, como por

exemplo, da Profa. Indígena 5 que falou:

Tudo entra em arte: dança, pintura... Nós aqui trabalhamos mais com pintura do povo bororo, nossa cultura mesmo. Eu faço pinturas faciais, corporais, pinturas de alguns animais, isso a gente trabalha muito aqui na aldeia. Depois eu explico por que é arte, o que é arte. (PROFA.INDÍGENA 5).

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A Profa. Indígena 5 é graduada em Língua, arte e literatura pela UNEMAT49

e atende o Ensino Médio da EEI Korogedo Paru, para ela se ensina arte na escola

porque é importante, para as crianças poder conhecer o quê que é arte, em especial

na escola Bororo. Porque além de entender o quê que é arte a criança também vai

conhecer a cultura. Afirmou também que:

Não tem como a gente ensinar a arte sem ensinar a cultura. Olha, tudo tem que trabalhar em cima da cultura e também da não cultura do povo Bororo também. A não indígena também tem que acompanhar. Porque se a gente pensa só ensinar só a arte não indígena todo tempo, vai querer esquecer da nossa arte... (PROFA. INDÍGENA 5).

Com relação à formação continuada, a Profa. Indígena 5 disse que apenas

estudou sobre arte durante o período que cursou Língua, arte e literatura, após seu

retorno para Córrego Grande não houve mais nenhuma formação.

Ao ser perguntado sobre a interculturalidade durante as aulas de Arte, esta

respondeu que ainda que se embase tanto em sua cultura como na cultura

universal, ela trata dos conteúdos separadamente.

Nessa mesma linha, ainda que tenha mostrado certa preocupação com o

ensino de arte universal, o Prof. Indígena 2 que além de ministrar Arte também

trabalha Matemática e Educação Física, e atualmente cursa Pedagogia pela

UNEMAT, afirmou que:

O objetivo de ensinar arte na nossa escola é trazer a valorização pra o nosso povo, fazer com que os nossos alunos se fortaleçam, manter aquilo que é próprio, da identidade do nosso povo, no qual, atualmente, estamos assim, numa parte, mais vivenciado, é numa parte tradicional, com conhecimento ocidental, né? E isto leva a nos preocupar, assim... variando esses tipos de artes que vem influenciando. Então, vamos supor que vamos fazer uma pulseira tradicional nossa, trabalhando com ela dentro duma escola, os alunos vão se motivar que aquilo dali é da nossa própria identidade. Vamos supor que, tiver uma condição, uma verba pra mim e pra cidade comprar uma pulseira que é da sociedade não indígena eles vão querer dar o valor, valores dentro da, dentro daquela arte que não é da própria identidade. Então a gente vem se preocupando com a substituição duma arte que não é da própria identidade, pra ser valorizado o que não é nosso próprio. Trabalhamos com dois, duas formas de maneira intercultural, mas separadamente. (PROF. INDÍGENA 2).

Notamos que no primeiro momento alguns falavam da arte conhecida

através de livros didáticos e paradidáticos de Artes, já outros primeiramente à

relacionavam com seu próprio povo.

No decorrer de nossa pesquisa, notamos que dos sete professores

indígenas que ministram a disciplina Arte, apenas um havia cursado o 3º Grau

49

Universidade Estadual de Mato Grosso.

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Indígena na Área de Línguas, Artes e Literaturas. Dentre os demais, um está

cursando Pedagogia e os demais possuem apenas o Ensino Médio e, no momento,

estão cursando o Magistério Intercultural, um curso técnico profissionalizante

ofertado pela SEDUC/MT.

Como se percebe, esses docentes estão em processo de formação e, no

momento, o seu fazer pedagógico é pouco consistente, como vemos no depoimento

do Prof. Indígena 2 apresentado acima.

Ainda que um dos colegas tenha estudado Arte, não há um sistema de

colaboração com os demais, nem no planejamento coletivo dos conteúdos, nem,

tampouco, no acompanhamento das atividades em sala de aula.

Na entrevista realizada com a Profa. Indígena 5 ficou claro que, para ela,

não existe uma relação direta entre seus costumes e a arte europeia/ocidental ao

afirmar que:

Porque tem que trabalhar a cultura e também não só a cultura do povo Bororo. Mas não podemos ensinar só a arte não Bororo, porque se a gente fizer assim as crianças vão esquecer a nossa cultura, por isso tem que trabalhar todos os dois juntos. Mas não na mesma aula e nem no mesmo dia. Trabalho um depois o outro, separado. (PROF. INDÍGENA 2).

Se partirmos do pressuposto que a aulas de Artes devem propor atividades

que tragam as manifestações culturais (ocidentais, orientais ou europeias ou não)

para o contexto do estudante, talvez seja necessário um ensino mais integrador e

menos compartimentado.

Reconhece também que seus conhecimentos estão aquém do esperado,

pois, a formação de professores indígenas precisa ser mais ampliada no tocante à

disciplina de Arte. E esses significados devem ir além da reprodução das aulas, que

se desenvolvem ora sobre história da arte, ora sobre cultura local.

A arte universal precisa ser significativa para todos os estudantes da escola,

dentro de seu contexto sociocultural. Para Ferraz e Fusari (2009) a reorganização do

currículo é fundamental para que o ensino da arte tenha significado na vida dos

estudantes, crianças, jovens ou adultos.

Ao perguntarmos sobre o planejamento todos foram unânimes em afirmar

que não existe planejamento coletivo, nem por área de conhecimento, que

normalmente o fazem um dia antes das aulas, deixando clara a não existência de

planejamentos bimestrais, semestrais ou ainda anuais.

O Coordenador Indígena, disse que:

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Eles não entregam um planejamento pra mim de Arte. Alguns me dão pra olhar, mas não entregam. Eu mesmo, até hoje não recebi nenhum, nenhuma disciplina, nem planejamento de arte. Para ver o quê é arte, o que eles estão fazendo dentro das artes. O que elas tão fazendo com a disciplina. Enquanto cultural, por exemplo, nossa cultura contra a cultura da sociedade, faz parte mesmo. Eu pergunto: o que eles estão fazendo com arte, mas ninguém consegue falar pra gente. Não sei se porque está com vergonha. Enquanto isso, agora enquanto nossa cultura, eu vejo que para nós, eu falei pra eles:vocês tem que usar a nossa cultura também. Para usar a cultura assim porque, para nós, nossos indinhos que tem, para não perder a nossa cultura, se não vão acabar perdendo. Agora só na cultura dos outros vai deixando a nossa cultura e onde nós vamos buscar atrás, vai ficar no prejuízo, correndo atrás de novo. Enquanto isso, esse programação, planejamentos, eles não passam pra gente. O diretor sempre falou pra eles, pra os professores: vocês têm que mostrar o seu planejamento para o coordenador para ver se ele ver se está certo. Se está em cima do que tem que trabalhar, para seguir em frente. Mas não passam, eles não mostram (COORDENADOR INDÍGENA).

Com essa fala fica claro que a inexperiência do Coordenador Indígena,

ainda que este esteja exercendo esta função em seu segundo mandato. Afinal a

responsabilidade pelo planejamento é transferida para o Diretor, cujo papel deveria

ser administrativo e não pedagógico, ainda que compreendamos que ambos devam

caminhar juntos, todavia cada ator com sua função, que no caso, planejamento,

sendo ele individual ou coletivo, o chamamento para sua elaboração, bem como o

acompanhamento de seu desenvolvimento, é de responsabilidade da coordenação

pedagógica.

A ação de planejar não é uma das características que mais se destacam no

grupo, todavia, vale destacar aqui a experiência do Prof. Indígena 3, que, tem seu

planejamento embasado em pesquisas de campo e busca de informações com

pessoas da comunidade, como podemos notar em sua afirmação:

Eu planejo assim, venho aqui na escola, e depois dou aula de sete até dez e quinze, depois dessa aula eu venho aqui na casa, depois aqui na escola, da escola na casa... mas para mim fazer essa arte aí, que toda sexta feira que eu trabalho com arte. Toda sexta. Aí eu vou lá em casa, eu pergunto para minha esposa e para a mãe dela... Eu não tenho mãe né, minha mãe já se foi. Então, o pai dela era um chefe nosso aqui né, então ele já sabia muitas coisas da nossa cultura, essas coisas. Aí eu perguntava para ele como que, é... como se faz, aí eu anoto tudinho num caderno meu, e venho com ele pra cá, eu peço ajuda aos professores também, eles são mais informados, eles... Nós não temos muito conhecimento né. Principalmente do meu tio, eu busco mais informação com ele (PROF. INDÍGENA 3).

Essa interação escola/comunidade nos parece fundamental para a

efetivação do ensino de arte para a constituição de identidade dos estudantes,

contudo aos questionarmos ao Prof. Indígena 4 sobre ele trabalhar o componente

curricular Cultura, além de Arte, e se ele acreditava que dá para trabalhar as

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manifestações culturais da aldeia, do povo ele disse que sim, todavia não de

maneira prática:

Dá, dá sim, no teórico, agora na pratica é um pouco complicado porque os nossos ritos, a maioria deles são considerados sagrados. Ou seja, tem um época própria para serem divulgados. Por isso que é difícil trabalhar a cultura e os ritos na escola. Para começar eu não sei cantar, para isso a pessoa que puxa é o ancião. A maioria da cultura que são divulgados, mas isso acontece durante os funerais, ai vem dança também. E que é um momento que boa parte das pessoas não gostam que gravam! (...). Sim, são restrito ne, são considerados sagrados. Ele não pode ser apresentado em local algum, de forma alguma sem ser o funeral! Porque ali tem uma coisa muito importante. E sobre a arte no caso de artesanato, no caso de material, ela é possível de trabalhar sim, na escola com a ajuda de um profissional, ou seja, pessoas competentes naquela arte, que conhece, no caso que a professora acabou de trazer

50. São trançados, são os

braceletes. Seja ela com fio ou pena (PROF. INDÍGENA 4).

Segue imagem com ornamentos semelhantes aos citados acima:

Em 2006 o Prof. Indígena 4 participou de uma formação denominada Museu

de Arte Jovem , ―ela visa tirar alunos do vicio de drogas, olhar para a educação,

levar para a escola‖ (PROF. INDÍGENA 4). Os cursistas pintavam telas e o referido

Professor que estudou seis meses, afirmou que o curso era bom. E sua dinâmica

era a seguinte:

50

Uma professora acabara de mostrar alguns ornamentos de braço e cabeça trançados com fios de algodão, cuja trama (desenho) representa cada clã. Esses materiais eram resultados do Programa Mais Educação.

Figura 31: Ornamentos bororo específicos para batizado. Arquivo pessoal

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A gente ia para cidade ficava lá um dia, no outro dia a gente voltava, gente trabalhava na aldeia. Só eu lembro que pintei sete telas. Tudo relacionado à biodiversidade. É o tema. Mas isso faz muito tempo. Mas par ao ensino de arte como professor nunca tive formação. (PROF. INDÍGENA 4).

Ainda falando sobre sua formação e sobre sua organização pedagógica este

falou que seu histórico escolar começou na EEI Korogedo Paru. Foi e voltou várias

vezes entre a Aldeia Perigara, também bororo e a Córrego Grande até concluir o

Ensino Médio. Já sobre seu planejamento afirmou que: ―são na cultua indígena, é de

acordo com o conhecimento que a gente tem, que a gente vivenciou aquela arte,

aqueles rituais, aqueles cantos, aquelas danças‖. Sobre seu papel como professor

disse ser professor pesquisador ao afirmar que:

Tiro minhas próprias conclusões, qual a importância de tudo e assim passo para os alunos, na cultura envolvente, eu procuro pesquisar, geralmente na internet, no caso de Barroco, no caso de Monalisa e no caso de outros mais. Assim que eu faço meu plano de aula. Eu também descobri que no Youtube tem professores que dão aula de arte, alguns momentos que eu fico em casa assistindo e faço as anotações principais [...] assim eu levo para sala de aula. (PROF. INDÍGENA 4).

Sobre suas aulas sobre a cultura universal afirmou que:

No momento meu trabalho é mais a parte teórica, mais o material teórico. Primeiro eu quis aprofundar a realidade dos povos. A realidade da minha cultura, então para esse terceiro e quarto bimestre. Vou aprofundar mais nessa área ai. Faço primeiro cultura e depois a cultura do povo e depois ensino geral (PROF. INDÍGENA 4).

Embora a prática do Prof. Indígena 4 se apresente de maneira bastante

coerente, ainda que não possua formação específica, este expressou a importância

de formação continuada para sua práxis docente. Nesta mesma linha o Prof.

Indígena 2 deixa claro que também não teve formação específica de arte ainda, nem

ofertada pela faculdade, nem pelo CEFAPRO/Cuiabá-SEDUC/MT, e aponta sua

necessidade de formação ao relatar:

Então... Queria só reforçar assim, parte desse trabalho de vocês [...] por uma visão que a gente veio observando, muitas das vezes acho que precisa muito entre nós, conversar mais sobre uma formação que a gente veio esperando e até hoje não aconteceu. Certamente trabalhamos assim, na sala de aula, sobre algumas instruções, mas só com algumas formas de aulas em teorias, só que eu não levo os alunos pra prática. E ultimamente quando a gente teve um programa mais educação

51, realmente que a gente

percebeu que acima daquilo que a gente estava trabalhando, dentro de sala de aula estava executado, juntamente com um oficineiro, que trabalhava passo a passo, de que forma que ele vai ter que produzir um trabalho de

51

O Programa Mais Educação, instituído pela Portaria Interministerial nº 17/2007 e regulamentado pelo Decreto 7.083/10, constitui-se como estratégia do Ministério da Educação para induzir a ampliação da jornada escolar e a organização curricular na perspectiva da Educação Integral. Retirado de http://portal.mec.gov.br/programa-mais-educacao em 12/01/2016 às 14h.

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arte. Então isso, eu acho, acho assim importante, eu não sei de que forma a gente quer recuperar isto, ou achar um jeito, uma forma que possa trazer, pessoas que, próprio o povo, pode ser um ancião ou mesmo um adulto que venha trabalhar no espaço da escola ou mesmo dentro de sala de aula. Levando isso a prática mesmo (PROF. INDÍGENA 2).

A proposta de trabalho do Prof. Indígena 2 destaca dois pontos, a

importância da interculturalidade representada pela inserção da comunidade no

espaço escolar e a necessidade de formação continuada. Esta propositura se funde

na perspectiva de uma formação em que o foco/temática seja para justamente a

interculturalidade.

3.2 Cultura Bororo e a identidade que se reafirma na escola

A identidade, constituição do sujeito e que ao mesmo tempo o constitui, é

para Passos (2010), o que nos une internamente, como humanos, nas relações

geracionais, do passado ou do presente, ―este elo chama-se cultura‖. Essa cultura

que está impregnada em nós transcende a carne, e por isso, segundo o autor

―somos capazes de cultivar uma identidade cambiante, que tecemos no confronto

com estímulos do mundo e dos outros‖.

Ao adentrarmos na temática identidade, mas nos direcionarmos

especificamente ao povo Bororo, podemos refletir sobre as pinturas corporais

clânicas e os ornamentos utilizados nos rituais e nas danças, que para Grando

(2004) apontam a força com que as práticas corporais deixam na pele uma

identidade específica e de pertencimento a cada clã; a identidade se apresenta nas

relações, clânicas, hierarquias e de poder.

Para, além disso, tratar das manifestações culturais dos Bororo nos

propomos a compreender como e porque é importante para o estudante indígena o

momento e o contexto em que essas manifestações relacionam a aldeia e a escola.

Acreditamos que as proposições de Ana Mae Barbosa poderão ser bastante

significativas para o estudo em pauta. Para a autora, uma proposta de tratamento

poderá ser instituída a partir de uma triangulação em que pontos principais para

ensino/aprendizagem são a leitura de mundo, a conscientização crítica partindo da

contextualização da realidade e, por fim, a tomada de consciência que transforma a

ação. (GUIMARÃES, in BARBOSA, 2010, p. 411).

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91

Ainda que essa possibilidade tenha alguns pontos que diferem dos

Parâmetros Curriculares Nacionais, como nos eixos de aprendizagem, por exemplo,

ainda assim, no estado de Mato Grosso esta é apontada como uma estratégia de

ensino para Arte.

No decorrer de três décadas Barbosa revisitou seus estudos e constatou a

necessidade de repensar essa ―Proposta Triangular‖. Sua primeira publicação sobre

o tema foi no livro A imagem do ensino da arte (1991), em seu texto mencionava

―Metodologia Triangular‖. Ao publicar o livro Tópicos utópicos (1998), incluiu um

capítulo em que desenvolveu uma revisão conceitual, prática e bastante incisivas.

Nessa revisão percebeu a necessidade de mudar de ―Metodologia Triangular‖ para

―Abordagem Triangular‖.

Somente na 7ª edição de A imagem do ensino da arte (2009) é que a autora

atualizou o termo ―Abordagem Triangular‖ no mesmo livro que foi inicialmente citado

e lançado para a apreciação de arte-educadores brasileiros.

Nesse último livro, em seu prefácio, Imanol Aguirre afirma que a luta da

autora pela arte-educação no Brasil não foi em vão. Ana Mae se sentiu

entusiasmada com a fala de Aguirre durante o Congresso do CLEA em Medellín,

Colômbia, 2007, quando afirmou ―que, se a Abordagem Triangular não tivesse sido

sistematizada por uma professora da América do Sul, já estaria ganhando o mundo‖

(BARBOSA, 2010, p.09).

Realmente essa abordagem pedagógica foi e ainda é de suma importância

para o ensino de arte no Brasil, especialmente pelo fato de que a realidade do

estudante precisa ser levada em consideração nas aulas de Arte.

Deste modo, para dar maior consistência à pesquisa precisávamos

compreender, além da organização social, dos costumes e dos métodos de

produção de cultura, também as informações sobre as práticas pedagógicas e o

currículo do ensino de Arte desenvolvido pelos sujeitos envolvidos na pesquisa.

Essa relação entre a vivência pedagógica e os propósitos pontuados foi

assim expressa nos Referenciais Curriculares das Escolas Indígenas:

Conhecer, valorizar, interpretar e vivenciar as práticas linguísticas e culturais consideradas significativas e relevantes para a transmissão e para a reprodução social da comunidade. Tornar-se progressivamente um pesquisador, estimulador e divulgador das produções culturais indígenas entre as novas gerações e na sociedade envolvente. [...]

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Desenvolver e aprimorar os processos educacionais e culturais dos quais é um dos responsáveis, agindo como mediador e articulador das informações entre seu povo, a escola e a sociedade envolvente. Relacionar a proposta pedagógica da escola à proposta política mais ampla de sua comunidade relativa ao seu presente e futuro (BRASIL, 2002, p. 23).

Para o MEC, o perfil dos professores indígenas deve reunir inúmeros

atributos, idealizados, não só pelos professores, mas também por suas

comunidades. Um professor adequado para a escola indígena e para a sua

respectiva comunidade deve ter formação específica e ser capaz de atuar de modo

intercultural e bilíngue.

Nesse sentido o presente estudo intenciona compreender as bases da

formação docente, inicial e continuada, dos professores da EEI Korogedo Paru para

verificar como se dá o ensino de Arte nesta unidade escolar e de que forma isso se

constitui nas relações sociais, no contexto educacional e institucional. Assim

conhecer caminhos possíveis para um ensino de arte com significado para a

comunidade escolar da aldeia Córrego Grande.

Segundo depoimento do Prof. Indígena 1 e 2 os professores da EEI

KorogedoParu apresentam certa dificuldade em ―conhecer, valorizar, interpretar e

vivenciar as práticas linguísticas e culturais‖ (BRASIL, 2002, p. 23), pois muitos já

não dominam aspectos relevantes da sua cultura.

A Indígena 1 relatou sua preocupação com relação ao ensino da língua

Bororo, pois, afirmou que: ―vejo muitas vezes que minha filha chega da escola e

pede para eu ajudar na tarefa, ela quer ajuda para passar algumas palavras para a

nossa língua‖, claro que existe ainda a possibilidade de que esta seja uma atividade

de pesquisa, e que não signifique exatamente que a professora ou professor não

possua esse conhecimento. Todavia é essa a visão que algumas pessoas da

comunidade possuem sobre a prática de ensino intercultural da escola.

Ao nos depararmos com tal questionamento de uma mãe, cujo filho é

estudante na escola em questão, juntamente com a base obtida nas entrevistas com

aqueles que ministram Arte, nos veio a ideia de que a questão da formação

continuada precisa ser analisada frente à essa e a à outras necessidades formativas

suscitadas durante nossa pesquisa.

Para discutirmos tal temática entrevistamos o Diretor do Cefapro, o

Coordenado de Formação e mais três professoras formadoras que até o momento

atenderam a EEI Korogedo Paru no que diz respeito à formação continuada.

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93

Tenhamos claro as dificuldades enfrentadas pela equipe citada a cima, como

períodos sazonais, o que dificulta o deslocamento da equipe entre a capital a TI em

questão, a inexistência de formação específica sobre a cultura bororo e a demora

para liberação das ordens de serviço pela SEDUC/MT, ainda que estes sejam

apenas alguns dos problemas enfrentados pelas professoras formadoras, vamos

aqui refletir sobre a realidade dessa formação.

No momento a professora formadora de Arte, segundo o Coordenador de

Formação Felipe Bispo do Nascimento, está licenciada para qualificação, sendo que

seu afastamento se deu poucos meses depois de assumir a função.

Os 15 Cefapros de MT desenvolveram na rede estadual de ensino, de 2006

à 2015, um projeto intitulado ―Sala de Educador‖, este tem por finalidade:

[...] criar espaço de formação, de reflexão, de inovação, de pesquisa, de colaboração, de afetividade, etc., para que os profissionais docentes e funcionários possam, de modo coletivo, tecer redes de informações, conhecimentos, valores e saberes apoiados por um diálogo permanente, tornando-se protagonistas do processo de mudança da sua prática educativa (MATO GROSSO, p. 23-24, 2010).

Todavia, este protagonismo não conseguiu alcançar todas as escolas,

especialmente às escolas bororo. Perguntado ao Diretor do Cefapro de Cuiabá, Prof.

Me. Kleber Gonçalves Bignarde, como se dá a formação para as pessoas que

atendem a EEI Korogedo Paru em sua formação continuada este afirmou que:

Não, não temos nenhum trabalho especifico de formação dos formadores para atender essa demanda. Mais a autoformação mesmo, o formador vai buscar algum conteúdo, alguns textos, busca alguma orientação na Superintendência de Diversidade. Nós temos a técnica gestora Leticia que trabalha na SUFP que também dá algumas contribuições nesse aspecto. Alguns já procuraram a professora Beleni Grando na UFMT. Então, mais é iniciativa própria mesmo do formador, a autoformação. Ano passado é que nós tivemos um seminário de diversidades para os formadores dos Cefapros. E aí, dentro desse seminário das diversidades educacionais, tivemos um momento sobre educação indígena, mas desde que estou à frente do Cefapro foi a primeira vez que teve uma formação nesse sentido. Não há algo continuo nesse processo. Ainda não tivemos esse tema abordado no nosso projeto ―Sala de Formador‖

52, que foi uma coisa especifica. Até porque há

outras demandas e elas estão se sobressaindo [...] nós temos outras demandas que sufoca o cronograma de atividades do formador e acaba essa questão ficando no segundo plano (DIRETOR DO CEFAPRO DE CUIABÁ, KLEBER G. BIGNARDE).

Ao questionar sobre como funciona esse projeto de formação continuada

nas escolas Bororo em especial na KoroguedoParu a Professora Formadora Sirlei

52

Projeto similar ao ―Sala de Educador‖, todavia, este é voltado para os professores formadores dos Cefapros de MT.

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Janner apontou os vários motivos da não efetivação de um projeto na referida

escola:

Os profissionais educadores da escola, das escolas indígenas Bororo, das que eu já atendi, muitos deles nem concluíram o ensino médio. Então, essa organização de proposta de formação continua ainda precisa ser muito bem estruturada, por que eles não tiveram nem a formação inicial, que seria da graduação. Então, nós partimos do princípio, fizemos o levantamento das necessidades formativas e percebemos que ainda há muito que se trabalhar, a partir dessa perspectiva de formação, mas principalmente levar formação inicial eles. Sabendo dessa, dessa deficiência, a gente tem trabalhado algumas formações pontuais, porque o nosso acesso também não é contínuo. Por várias questões a formação não se dá, não é contínua. Tentamos levar isso para eles da melhor forma possível. Que existe uma necessidade e que ela é urgente, mas ela ainda está em processo de construção, essa formação (PROFESSORA FORMADORA SIRLEI JANNER).

A Formadora esclareceu ainda sobre a dificuldade em prestar atendimento

às escolas, no ano de 2014 foram apenas uma vez na EEI Koroguedo Paru, lembrou

também que apesar da escola pertencer geograficamente ao município de Santo

Antônio de Leverger/MT, cuja distância seja de somente 34 km, o acesso a esta

escola se dá via Rondonópolis/MT que está situada a 217 km da capital, Cuiabá/MT,

cidade em se localiza o centro de formação. E isso, independentemente de você

transitar pelas áreas alagadas do Pantanal, lembrou da questão das chuvas, o

período das cheias.

No momento em que estiveram lá, além de ofertar a formação e fazer a

sondagem sobre as necessidades formativas, ainda contribuíram na elaboração do

Projeto Político Pedagógico - PPP, que naquele ano passava por um momento de

transição em que foi incluído no sistema online da SEDUC/MT e incorporado ao

Plano de Desenvolvimento Educacional, o PDE.

A Formadora declarou ainda que eles não aceitaram a ideia de elaboração

do PPP, como o de todas as escolas estava defasado e quando foi elaborada a

escola contratou uma pessoa para fazê-lo, sem a participação da comunidade

escolar, gestão e quadro de profissionais, por isso não condizia com a atual

conjuntura.

Perguntado sobre as manifestações bororo dentro do espaço da escola

complementando o ambiente escolar, a Formadora Sirlei afirmou que:

Eles têm muito forte a questão das pinturas faciais, corporais. Isso é bem nítido, bem claro, nos festejos, nas comemorações ele tem isso bem claro. Dentro da escola enquanto o momento de trabalho com os alunos, o processo de ensino, eles trazem muito essa questão com cartazes, mostrando sua origem, das pinturas faciais que eles incorporam. E, os ritos deles são muito voltados pra essa expressão artística. As cores, o trabalho

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artesanal, enquanto manifestação cultural mais voltado para o povo Bororo mesmo. Arte entre mulheres, das mulheres mesmo, mas assim, na escola o que eu vi, foram essas questões das pinturas faciais (PROFESSORA FORMADORA SIRLEI JANNER).

E com relação ao ensino e aprendizagem das crianças na escola, partindo

desse contexto citado a cima, ou seja, da ausência de formação específica dos

professores, das dificuldades de acesso para o Cefapro/Cuiabá em oferecer uma

formação continuada com mais qualidade o impacto direto no ensino e

aprendizagem das crianças a Formadora Sirlei esclareceu ―não ter desenvolvido

nenhuma avaliação diagnóstica com alunos‖, mas que na oralidade do discurso, ―na

oralidade da gente conversando com as crianças elas se... Elas têm bem claro né,

assim, na oratória delas‖.

Sobre a formação a Formadora Sirlei reafirmou que os professores da EEI

KoregedoParu tem solicitado do Cefapro de Cuiabá ações formativas, e que essa

discussão surgiu em momentos em que esteve na escola, embora aqueles não

fossem dias letivos, ―eram datas comemorativas, eles estavam comemorando algo

na aldeia, então nós não tivemos só um dia letivo, é naquela organização em que os

ritos seja incluídos no ano letivo‖, ainda assim pôde dialogar com os professores.

Informou também que a EEI Koroguero Paru conta mais com a presença do

centro de formação devido à localização, já as outras duas escolas, EEI Piebagas e

EEI Koje Eiari, ambas bororo, as dificuldades são mais abrangentes, o que também

se justifica pela localização das mesmas. Quanto ao acesso de outros organismos e

instituições não indígenas, a Formadora Sirlei declara que:

Os não indígenas têm acesso a aldeia e o quê que a gente percebe? Que a aldeia, por mais que ela está num espaço geográfico terra indígena percebemos muito que a invasão da cultura do não índio está tomando conta daquele espaço, notamos muito material industrializado. Esse material de consumo nosso, já chegou à aldeia, que tá sendo jogado sem o devido descarte do lixo, não há um tratamento do material. Aquele espaço que era um espaço que, deveria ser um espaço rico, mais rico na cultura deles, infelizmente já está visualmente poluído. É um povo que ainda mantém suas tradições, belíssimas, principalmente os ritos (PROFESSORA FORMADORA SIRLEI JANNER).

Ainda sobre formação continuada lembrou que as tecnologias estão

chegando à escola, todavia, timidamente. Disse que eles gostam muito de celular,

mas para ouvir música, porque lá somente alguns têm acesso à internet. Este

acesso ocorre via antena de internet, mas ainda não está à disposição de todos,

talvez pelo fato de que o sinal seja falho e a potência insuficiente para muitos

acessarem através de seus celulares.

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Na escola os equipamentos tecnológicos não estão em bom estado de

conservação, com pouca ou nenhuma manutenção. Para a Formadora Sirlei ―precisa

ser trabalhado essas questões, quem sabe fazer um trabalho coletivo‖. Sugeriu a

criação de:

[...] um grupo que vá mexer nos computadores, outro grupo que vá fazer uma formação pra fazer uso dessas tecnologias enquanto instrumento de trabalho, ferramenta né, de trabalho. Porque eles têm vontade de aprender, fazer uso dessas tecnologias, então, é... Conciliar, a vontade que eles têm pra propor trabalhos a partir disso (PROFESSORA FORMADORA SIRLEI JANNER).

Ao final da entrevista a Formadora finalizou, deixando claro suas angústias

frente a um trabalho para o qual, de certa forma, não se sentia preparada:

É nesse sentido que eu vejo que nós vamos conseguir chegar até eles e fazer as coisas sérias mais interessantes. Agora, isso pode atrapalhar a questão da cultura, porque uma vez que você chega até lá, traz algumas coisas que são próprias pro não índio, você está interferindo, mas interferindo com intenção de interferir. A aldeia já tá invadida. A cultura do não índio já invadiu a aldeia, é algo que a sociedade impõe, que eles sejam se apropriem da cultura do não índio, até para poder conviver, se socializar melhor nos espaços sociais não indígenas (PROFESSORA FORMADORA SIRLEI JANNER).

Nesse discurso colonial, sem que tenha tido intenção de ser, a professora

formadora expõe suas preocupações a respeito das necessidades formativas dos

professores indígenas e sua relação com o mundo externo à aldeia. Os limites entre

até onde se trabalhar a cultura global, ou melhor dizendo, como trabalhar a

interculturalidade sem que haja uma imersão do povo Bororo num aculturamento.

Em entrevista, a Formadora Sônia Gonçalina Pereira, membro do quadro de

formadores do Cefapro de Cuiabá, Formadora em Educação do Campo, trata da

formação da escola em questão como uma formação pontual, disse que diante das

necessidades formativas suscitadas pelos professores e gestão escolar bororo, uma

equipe do centro de formação permanece na aldeia em média cinco dias, período

em que oferece a formação.

Perguntada sobre como que ela vê esse projeto Sala de Educador dentro

das escolas Bororo, em especial do Korogedo Paru a Formadora Sônia esclareceu:

O projeto é importante, porém a escola Korogedo Paru não faz Sala do Educador. O que a gente faz é acompanhar as escolas e fazer um diagnóstico, compreender o que eles necessitam, o que eles pedem para formação, mas o Sala do Educador em si eles nunca fizeram. Não tem muito interesse também em questão de realização, e como também há a dificuldade da gente estar lá com eles, a gente vai uma vez no ano e aproveita para dar a formação (FORMADORA SÔNIA GONÇALINA PEREIRA).

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Nos disse ainda que ainda que tenham incentivado não obtiveram sucesso

na implementação desse projeto formativo. Eles sabem o quê que é o projeto

educador, como se desenvolve, mas segundo a entrevistada, não mostram

interesse.

Quanto à formação específica para ministrar Arte, esta declarou que os

professores da escola indígena normalmente não têm formação especifica de arte,

mas tem os anciãos que ajudam nessa questão, dentro do contexto da escola. Os

anciãos colaboram também para o ensino dentro da escola, em todos os sentidos,

tanto na língua quanto na parte cultural da arte.

Em se tratando da organização da escola com o calendário escolar a

Formadora Sônia afirmou que eles têm dificuldades no cumprimento da carga

horária, por exemplo, na escola eles não cumprem os dias letivos, principalmente

frente ao falecimento de alguém da aldeia, durantes três meses não tem aula, não

tem trabalho na comunidade escolar, pois estão envolvidos com o rito do funeral, o

mais importante para esta cultura. Além de que ―eles também não têm aquele

compromisso de chegar na escola ás sete horas e terminar onze horas, treze horas

e terminar as dezessete, não tem esse costume de regras, não tem regras na cultura

deles‖.

Mais especificamente sobre as manifestações artístico-culturais a

Formadora Sônia deixa claro sua admiração:

Mas a questão da arte, ela é interessante, a arte é interessante, porque eles passam de geração pra geração, mesmo não tendo professor de arte, mas tem as pessoas da comunidade que passam. Eu gosto muito da pintura corporal. Essas coisas da arte eu aprecio bastante (FORMADORA SÔNIA GONÇALINA PEREIRA).

Recentemente a comunidade Bororo de Córrego Grande iniciou uma

pesquisa sobre sua cultura, mais precisamente sobre a pintura facial. Convocaram

os especialistas bororo nessa arte além dos anciãos, com o objetivo de pintar as

faces de crianças e adultos segundo seu clã. Seguem alguns exemplos similares:

Figura 32: Pintura facial bororo

Figura 33: Pintura facial bororo

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Figura 34: Pintura facial bororo

Figura 35: Pintura facial bororo

Figura 36: Pintura facial bororo

Figura 37: Pintura facial bororo

Imagens retiradas da internet53

O Prof. Indígena 7, que atua no Programa Mais Educação como oficineiro,

além de participar do Conselho Deliberativo da EEI Korogedo Paru, explicou como

são elaborados as tintas para a produção das pituras:

Urucum pra nós usarmos. Ele é feito com caldo de mangaba, pra poder soltar todo aquele carmim dela, pra poder pregar, pra ela criar uma massa. Porque se você não fizer isso, colocar um litro de água nela, ela não incha, ela não cria uma massa. Porque aí cria uma massa pra poder fazer tudo isso aí. É facinho, é só passar assim, aí já sai a tinta rapidinho. É por isso que é um trabalho bem rígido, pra trabalhar. Já a tinta preta usa uma resina. Ela tem que ser com remédio do mato mais. Não é qualquer... você passa o remédio do mato assim, todo mundo, olha, aí invés de falar mal você acha bonito. Ô que coisa mais linda! Então começa tirar as inveja, mal olhado. É assim, a inveja, mal olhado, tira tudo! Tira tudo! E faz bem pra pele, protege

53

Imagens encontradas em www.rachelbispo.com dia 29/03/2016 às14h (34), muhpan.wordpress.com dia 29/03/2016 às14h10min (35), muhpan.wordpress.com dia 29/03/2016 às 14h14min (36), amazoniaeofuturo.xpg.uol.com.br dia 29/03/2016 às 14h20min (37), em www.sonoticiaboa.com.br dia 29/03/2016 às 14h30min (38) e www.ebc.com.br dia 29/03/2016 às 14h35min (39).

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a pele. Dá muita resistência na pele. Não é qualquer coisa assim de... ah, vamos colocar um carvão preto? Não! Não é qualquer coisa não. Tem que tem um remédio pra poder fazer e ficar bonito (PROF. INDÍGENA 7).

A Profª. Indígena 5 também relatou sobre como os Bororo produzem as

tintas para serem utilizadas como pintura, tanto corporal, como facial. Explicou que a

base são o urucum, a resina, e uma planta (não divulgada) que após torrada dá cor

à resina, disse que as pessoas mais velhas tiram aquela tinta do urucum e depois

vira uma massa, não usam aquela sementinha do urucum, mas a massa do urucum.

E sobre a tinta preta, a resina é misturada como o pó que resulta de uma

planta torrada para dar a cor preta, sobre a planta apenas disse ser:

[...] remédio do mato que eles queimam aí tira o pozinho, o pó preto, um carvãozinho. Aí soca, e mistura com a resina. Eu não sei se você viu naquelas pinturas faciais que tem uma pintura pretinha. Então é aquela lá. O urucum que vem do urucum, só não é aquela sementinha não, é a massa tirada do urucum. (PROFª. INDÍGENA 5)

Este processo de produção de tintas, passado de geração em geração,

como citou a Formadora Sônia, é um rico acervo cultural para o povo Bororo, mas o

maior significado em se tratando das pinturas faciais bororo, e talvez por isso tenha

sido a temática citada, unanimemente pelos professores é o caráter identitário dessa

arte.

A colonialidade frente à interculturalidade é uma batalha constante no

espaço escolar bororo. Este espaço em si já se apresenta como um espaço colonial,

salas em construção padrão da rede estadual de ensino, sinal para entrada e saída

dos estudantes, exigência dos 200 dias letivos (ainda que o calendário ―aceite‖ as

mudanças ocorridas por conta das manifestações culturais), diário online, assim

como o PDE e o PPP, que atualmente se fundiram num único documento, materiais

didáticos e livros idênticos aos enviados às outras mais de 700 escolas da rede

estadual de Mato Grosso.

Para além dessa discussão de espaço encontramos a colonialidade também

nos professores que recebem salários e desta feita são cobrados por resultados no

ensino e aprendizagem dos estudantes, bem como de sua carga horária, outro fator

é a existência de agente de pátio, cargo geralmente ocupado mais para enfrentar a

violência vivenciada nas escolas urbanas.

O que tem tudo isso com as pinturas faciais? Tudo! Estas são a

representatividade da resistência, a reafirmação de que sobrevivem e que sua

cultura é viva. A preocupação dos professores em trabalhar a temática em sala,

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especialmente no currículo de Arte aponta para um futuro com jovens conscientes

de onde vieram e certos de para onde querem ir.

Isso nos trouxe a recordação de uma frase de Vassily Kandinsky que dizia:

―A Arte é a força cuja finalidade deve desenvolver a alma humana‖. (Bertello, p. 36,

2004).

Trabalhar com Arte na escola é mais do que falar das cores primárias,

secundárias e terciárias. É trazer à tona um mundo novo, repleto de descobertas, é

observar a saída do educando do casulo, como a borboleta que sai ao mundo

mostrando seu colorido, sua fragilidade, sensibilidade, alegria e vida! É

responsabilizar-se, comprometer-se com a mudança interna de cada estudante, em

cada sala de aula por onde passarmos.

Tudo isso só será possível porque a criatividade estará lá, como em todo ser

humano, pronto para eclodir, só se faz necessário alguém que auxilie nessa eclosão,

este é o papel dos professores de Arte.

3.3 Caminhos possíveis: identidade e o ensino de Arte

Não temos aqui a pretensão de apresentar um único caminho, mas de

construir um diálogo franco e aberto para um currículo escolar que seja, de fato,

intercultural. Com esse propósito, tomamos a liberdade de traçar os contornos de

um planejamento na forma de sequência didática, tendo em mente que é a própria

escola a protagonista das suas ações, mas que o poder público e a academia não

podem se furtar de suas responsabilidades de parceiras e incentivadoras das ações

educativas.

A organização pedagógica, estabelecida de maneira coletiva pela

comunidade escolar, deve ter presente um bom planejamento, conteúdos

adequados e estratégias didáticas pautadas na interculturalidade. Assim sendo, o

planejamento adotado (existe uma miríade no Portal do Professor), deverá ser

ressignificado pelo professor ou professora (indígena ou não indígena) que

intenciona utilizá-lo como base de suas atividades.

Se pensarmos nas aulas de Arte e considerarmos, por exemplo, uma turma

do 1º ano do Ensino Fundamental, que se encontra em processo de alfabetização,

poderíamos utilizar o Autorretrato como estratégia para trabalhar conceitos e

princípios, valores, procedimentos e atitudes, com ênfase na constituição da sua

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identidade bororo. Tal dinâmica, enfatizando, inicialmente, os aspectos individuais e,

posteriormente, a identidade coletiva, formaria uma sequência didática que abarcaria

aspectos inerentes à leitura, à produção artística e à contextualização histórica,

geográfica, cultural etc. do estudante e do seu povo.

Com a intenção de desenvolver um pouco mais essa perspectiva,

apresentaremos a seguir alguns procedimentos que ilustram os principais passos

que poderão ser seguidos utilizando a estratégia didática do Autorretrato para

desenvolver a linguagem visual em um dos gêneros da expressão humana,

chamado Pintura.

Neste caso, ao trabalhar a identidade bororo na linguagem visual o

estudante tratará da sua própria representação, externando suas expressões faciais,

corporais, além de sua cosmologia bororo. Os objetivos das atividades poderão ser

os seguintes:

• Oferecer ao aluno a oportunidade de desenvolver a habilidade de ler imagens por intermédio do contato com diferentes técnicas e linguagens visuais; • Oferecer um espaço em que o aluno possa expressar sua visão pessoal da linguagem artística; • Desenvolver habilidades que auxiliem a criança em outras áreas do conhecimento, como a capacidade de observar e planejar; • Contribuir para o desenvolvimento do senso crítico e da capacidade de julgamento e argumentação. (POUGY, 2008, Manual do professor, p.3).

Outro objetivo complementar é o de fomentar a constituição de identidade do

estudante bororo, partindo de sua essência, seu conhecimento prévio sobre si, por

meio da sua própria imagem.

Essa proposta, segundo Pougy (2008), ―não foge muito do que já se faz na

sala de aula‖, se referindo às demais disciplinas. Para a autora, a diferença está em

reforçar de maneira lúdica a aprendizagem contextualizada em um ambiente menos

formal. Utilizando uma das propostas de Pougy (2008), subdividiremos as atividades

em três momentos: ―Experimente‖; ―Para ver‖ e ―Para fazer‖.

Diferente da atividade proposta por Pougy (2008), que sugere um

autorretrato a partir de sucatas, propomos aos estudantes indígenas bororo que se

dirijam até a margem do rio Córrego Grande para uma aula de campo, onde todos

serão orientados a observar sua própria imagem refletida na água.

A escolha desse elemento da natureza se deu pelo fato de que além ser

uma possível substituição ao espelho, objeto industrializado e nesse momento o

reflexo da colonialidade, o significado cultural das águas, ainda que varie segundo

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as culturas, as religiões e o habitat em que se desenvolveram, sua maior ou menor

disponibilidade e sazonalidade, possui uma forte representação da natureza.

Caso o período não seja propício para uma aproximação segura à margem

do rio, (período das cheias etc.), podemos substituir a ida ao rio por algo mais

simples, como uma bacia com água em um ambiente aberto.

Feito isso, com todos os estudantes sentados em círculo cada um poderá

socializar suas características, principalmente as que mais lhe agradam.

Voltando à sala de aula haverá uma breve explanação acerca de como os

autorretratos são produzidos, utilizando técnicas e mídias que destaquem aspectos

desejados pelos estudantes. Eles podem ser ―engraçados, alegres, tristes, coloridos,

em preto e branco‖ (POUGY, 2008, p.7).

Na sequência, a professora, ou professor, pode mostrar imagens de

autorretratos como, por exemplo, os que seguem:

Figura 38: Selfie de Benilton Pereira Kogebou

Figura 40: Frida Kahlo, "Autorretrato com Macaco", 1945

Figura 39: Selfie de NinawaHuniKui

Figura 41 O desesperado, autorretrato de Gustave Courbet

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103

Imagens de fontes diversas.54

O passo seguinte poderá ser o de convidar os estudantes bororo para a

leitura das imagens. Inicialmente, o professor ou professora deverá ouvir as

manifestações espontâneas dos alunos e, em seguida, dirigir a leitura das imagens

em aspectos como a iluminação, textura, contorno, profundidade, cores, espaço,

composição e expressão do retratado.

Pougy (2008) alerta para que evitemos expressões como feio, bonito ou

ainda gostei ou não gostei, sem que haja uma justificativa. Devemos chamar a

atenção dos estudantes sobre ―as expressões faciais, as roupas e os materiais

utilizados‖, as características dos rostos, se existe algum indígena entre os

retratados; sobre as diferenças entre eles e se algum deles se identifica com alguma

fotografia.

Tendo em vista que um dos objetivos de nossa sequência didática será

trabalhar a constituição de identidade dos estudantes, propomos que eles

desenvolvam uma pesquisa em casa, com seus familiares ou com algum ancião da

aldeia sobre o clã ao qual sua família pertence e qual a pintura facial ou corporal

característica daquele clã.

Pensando nos questionamentos de Mestre Mário a respeito dos materiais

artificiais utilizados, tanto na formação de professore indígenas, quanto nas

atividades desenvolvidas nas escolas, podemos utilizar pigmentos naturais na

pintura facial e corporal. Pode ser organizado um levantamento desses materiais

disponíveis na aldeia, como argilas, resinas, plumagens e corantes extraídos do

urucum, jenipapo etc.

Os estudantes terão o compromisso de retornar para as próximas aulas

pintados com as características do seu clã para novos debates acerca da arte e a

produção de autorretratos ou, ainda, para uma sessão de fotos organizada pelo

professor ou professora, mas realizada pelos estudantes. O resultado da sessão de

54

Figura 38 - Benilton Pereira Kogebou professor bororoda EEI Korogedo Paru, da Aldeia Córrego Grande, Terra Indígena Teresa Cristina, em Mato Grosso. Imagem retirada de sua página pessoal no Facebook em 03/03/2016 às 15h17min. Figura 39 - Ninawa Inu HuniKui é um homem da floresta. Ele nasceu na aldeia Belo Monte, na Terra Indígena Katukina/Kaxinawá, no município de Feijó, no Estado do Acre. Imagem retirada de sua página pessoal no Facebook em 03/03/2016 às 14h45min. Figura 40 - Imagem retirada de http://www.artecapital.net/exposicao-7-frida-kahlo-frida-kahlo-1907-1954-vida-e-obra em 03/03/2016 às 15h07min. Figura 41 - Imagem retirada de Pougy (2008).

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fotos poderá ser utilizado, por exemplo, na produção de um vídeo que será

apresentado a toda a comunidade.

Nessa perspectiva, poderá ser realizada também outra sequência didática,

desta feita se utilizando de pigmentos naturais terrosos, misturados com clara e

gema de ovos, para a produção de autorretratos em cartolinas.

Em todo esse processo, a avaliação é um instrumento de extrema

importância e deverá ser contínuo e processual. Deve-se ter presente o

desenvolvimento infantil e o percurso que cada estudante escolhe para atingir

determinado resultado.

Não podemos avaliar apenas a aquisição de conhecimentos, mas a reflexão,

os impasses e as formas de superação. Por isso, a avaliação é também um

momento de revisão de ação pedagógica para que a partir dela possamos identificar

e superar as dificuldades do trabalho docente e, igualmente contribuir para a

superação de eventuais dificuldades encontradas pelos estudantes bororo.

Com essa ação, o estudante poderá ter acesso à cultura globalizada bem

como ao reconhecimento da sua cultura e das suas especificidades pessoais,

clânicas e grupais.

Obviamente, não pretendemos apresentar essa sequência didática como um

produto acabado, mas apenas apontar e apostar que existem caminhos para tratar

de arte num contexto globalizado, sem desconsiderar a cultura de cada estudante,

que seja ele indígena, quilombola, morador do campo ou da cidade.

É nessa mesma perspectiva que podemos utilizar também a fundamentação

teórica e as práticas sugeridas por Pougy (2008), cuja contribuição é primorosa para

a elaboração de livros didáticos dirigidos aos anos iniciais do Ensino Fundamental,

uma vez que converge tanto com as proposições dos PCNs, quanto da Proposta

Triangular de Barbosa (2008/b).

Ressaltamos aqui que, o livro didático para o ensino de Arte, como para

qualquer outro componente curricular, não é o único recurso pedagógico a ser

considerado num planejamento. Além dele, é importante utilizar também outros

recursos, como as mídias, que enriquecem a ação pedagógica e dinamizam o

processo de ensino e aprendizagem. Para tanto, é importante ter presente as

características específicas do público para o qual estará dirigida cada sequência

didática, quer no que trata do ano/série dos alunos, quer no que diz respeito a sua

realidade cultural, como é o caso dos indígenas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Figura 42 Apreciação de crianças bororo no Museu Comunitário de Meruri

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106

O presente estudo teve como propósito investigar como se dá o ensino de

Arte na EEI Korogedo Paru, uma escola bororo da rede pública estadual. Para

compreendermos como ocorre a práxis docente dos professores indígenas da

referida unidade escolar buscamos analisar, além de suas propostas pedagógicas, a

legislação vigente, os PCNs, as OCs e como se deu a formação desses

profissionais. O estudo é parte integrante do projeto Educação escolar e

colonialidade: o exercício do controle cultural em sociedades indígenas no Centro-

Oeste e Amazônia, desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa em Educação Escolar

Indígena, do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso.

A relação entre pesquisados e pesquisadora também requer um destaque.

Num meio em que as relações típicas da colonialidade são constantes e que as

instituições públicas são reconhecidas por sua imposição e assimetria de poder, ser

identificada como professora formadora do CEFAPRO/SEDUC, sugere, por si só, um

esforço e um aval adicional. Afinal, essa identificação se funde, facilmente, com os

ideários dos gestores institucionais, com as legislações restringentes, com o

acompanhamento precário, com os currículos impositivos, com a inclusão digital

imposta por sistemas informatizados de gestão, enfim, se identifica com o

colonizador. E como fazemos parte desse contexto pertencimentos, nem sempre foi

possível, no campo e no texto, nos desvencilhar dessa constituição identitária

colonial.

A ênfase no primeiro capítulo recaiu sobre a discussão acerca da arte e a

educação, e da sua relação no contexto cultural, político e social atual. Iniciamos

com a definição de arte e cultura e, em seguida, discorremos sobre a arte como

expressão da sociedade, como sua representatividade, seu cotidiano, seus hábitos e

costumes, suas vivências, experiências e fruições. Para esse diálogo visitamos as

considerações de John Dewey (2012), Barbosa (2008), Herbert Read (2001), Graça

Proença (2007) e Arslan e Iavelberg (2013).

Partindo da experiência, Dewey (2012) afirmou que a arte é intrínseca à vida

das pessoas, pois é resultado da constituição de identidade, individual e/ou coletiva,

dos momentos pulsantes vividos por essas pessoas e não apenas de seu caráter

metafísico, abstrato e intelectual.

Nos apoiamos em Barbosa (2008), para destacar uma noção de arte como

experiência vivida, como expressão dos caminhos percorridos e na sequência,

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complementando, trouxemos Arslan e Iavelberg (2013) que percebem a arte como

objeto sociocultural e histórico.

Nesse mesmo sentido Read (2001) vê a arte como uma criatura viva, cuja

constituição se dá a partir da existência externa e física, representando a natureza

humana. Sendo que sua criação se dá a partir da essência daquele que a produz, da

aquisição cotidiana resultante de seus sentidos (visão, olfato, audição, tato),

independentemente se esse se este produtor está nos grandes centros ou em meio

à natureza.

Quanto às expressões artísticas indígenas, Proença (2007) afirma que de

modo geral a arte não deve ser vista como algo extraordinário dentro da cultura

humana, mas como algo totalmente integrado à cultura e as emoções de

determinado povo, retratando elementos significativos à sua cultura, o que não difere

da arte produzida pelos povos indígenas.

O ensino de arte foi constituído através dos tempos, desde a pré-história,

com as antigas civilizações, na modernidade e na contemporaneidade, com o

advento das mobilizações políticas surgidas da LDB de 1961 (Lei 4.024/61), que

instituiu a Educação Artística como prática educativa, e com a LDB de 1971 (Lei

5.692/71) que a inclui como parte do currículo escolar.

Os PCNs e PCNEM reafirmaram a importância de Arte, e dedicaram um livro

exclusivamente para esse componente curricular. Em Mato Grosso, no ano de 2010

a SEDUC/MT publicou as Orientações Curriculares em cadernos organizados por

áreas de conhecimento e destacou um específico para as diversidades

educacionais. A temática da Arte foi contemplada tanto no caderno de Linguagens,

quanto no da Diversidade. No caderno Diversidades Educacionais, no tocante à

educação escolar indígena as questões artístico-culturais se apresentam como um

fundamento para os demais componentes curriculares.

O percurso deArte analisado brevemente no primeiro capítulo destaca uma

das suas principais características: o movimento dinâmico e inovador que perpassa

todos os cenários, culturas e temporalidades. Daí a sua importância e significado

para a instituição escolar e para os respectivos currículos, neste caso, um currículo

intercultural.

No segundo capítulo, intitulado de ―A arte na educação escolar indígena‖

trouxemos a discussão sobre relevância da arte e a cultura para os povos indígenas.

Também apresentamos um breve histórico da educação escolar indígena no Brasil e

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em Mato Grosso, e discutimos as diretrizes para o ensino de artes nas escolas

indígenas no limiar da colonialidade e da interculturalidade.

Esse debate foi embasado nos estudos de Aníbal Quijano, Fernando

Coronil, Enrique Dussel, Arturo Escobar, Edgardo Lander, Francisco López Segrera,

Alejandro Moreno, dentre outros. Também nos pautamos na Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) e no Referencial Curricular Nacional

para as Escolas Indígenas (1998).

Para compreendermos sobre as iniciativas de formação de professores

indígenas visitamos as produções e debates propostos por Elias Januário e

Fernando Silva (2011), além de nos serviremos das contribuições advindas de

Graça Proença (2007) no que diz respeito às artes indígenas. Quando tratamos

temática da arte plumária, trouxemos Cury, Dorta e Carneiro (2009).

Um dos aspectos mais relevantes e destacados foi a formação (inicial e

continuada) dos docentes indígenas. Foi dada atenção às bases dessas formações,

aos limites de sua formação inicial; aos desejos não atendidos formação continuada

e às lacunas deixadas pela precariedade das condições objetivas de implementar

currículo intercultural em Artes. Além das dificuldades de acesso ao ensino superior

indígena de pessoas interessadas no ensino de Artes, evidenciou-se ainda a

pequena ênfase atribuída a esse campo de formação em decorrência de tantas

outras demandas relevantes (linguagens, matemática, etc.) priorizadas nos cursos

de formação.

Não obstante tais prioridades – reconhecidamente prementes - há de se

considerar o potencial educativo que poderá ser acrescido à formação intercultural

com a utilização adequado do ensino de Arte, especialmente quando consideradas

as especificidades regionais e culturais. Essas duas dimensões não podem ser

superficiais ou secundárias, porém a base para um currículo interdisciplinar,

intercultural e legitimado pela própria comunidade.

Obviamente, um currículo intercultural deverá também considerar o contexto

sociocultural de âmbito nacional e internacional, pois tais dimensões são relevantes

na construção da identidade de sujeitos críticos, autônomos e possam viver e

transitar na modernidade e num mundo globalizado.

No terceiro capítulo discutimos acerca do ―Currículo de Arte na Escola

Indígena Korogedo Paru‖, tendo presente que essa unidade escolar está inserida

numa realidade específica, isso é, na Aldeia Córrego Grande, do povo Bororo. Por

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isso, o estudo com foco no ensino da arte dedicou atenção à caracterização deste

povo, do movimento de sua cultura e das manifestações artísticas da comunidade

em sua relação com a escola e com o currículo de Arte.

Para tanto apresentamos os depoimentos dos professores que atuam no

ensino de Arte, na referida escola; entrevistamos membros da comunidade (como o

cacique Bruno Tavie) e tivemos a oportunidade de compartilhar experiências e

aprendizados com o missionário salesiano mestre Mário Bordignon55, cuja postura

crítica, porém ponderada, balizou muitas das nossas reflexões.

Os dados de campo foram obtidos por meio de diferentes técnicas, com os

seguintes destaques: a) observação direta na escola e em ambiente de aula,

observando e fotografando o fluxo das atividades realizadas pelos docentes e

estudantes; b) entrevistas semiestruturadas com pequenos roteiros destinados às

informações adicionais; c) discussões com professores e estudantes sobre as

possibilidades de um ensino de arte numa escola bororo; d) formação sobre

tecnologia e a utilização de softwares nas aulas de Arte oportunizamos dados sobre

a cultura e o ensino de arte e, e) análise e sistematização participativa dos dados de

campo e subsequente produção do relatório de retorno.

Os dados obtidos no campo revelaram um conjunto de aspectos – ora

convergentes; ora complementares – dos quais destacamos:

1. O quadro docente da EEI Korogedo Paru é composto por sete professores que

ministram Arte, dos quais apenas uma professora é graduada em Linguagens no

Curso de formação de professores indígenas desenvolvido pela UNEMAT. Um

professor é acadêmico em Pedagogia e os demais são alunos do Magistério

Intercultural (nível médio). Portanto, somente uma professora possui formação

específica em Arte;

2. Os depoimentos dos professores e da equipe gestora da escola reiteram que não

são realizados planejamentos, sejam eles, bimestrais, semestrais ou anuais,

individuais ou coletivos para o ensino de Arte. Os planos de aula são preparados no

dia anterior, ou mesmo no próprio dia em que serão aplicados, sem que haja um

encadeamento ou sequência didática planejada mais amplamente;

55

Mário Bondignon, religioso salesiano, graduado em Artes Plásticas pela Universidade de Florença/Itália e em História pela UCDB em Campo Grande-MS/Brasil. Há décadas, acompanha a educação e a economia bororo da Aldeia Meruri e Córrego Grande. Atualmente faz parte da Coordenação do CIMI – Conselho Indigenista Missionário em Cuiabá.

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110

3. O projeto do Governo Federal denominado ―Mais Educação‖, desenvolvido até o

ano de 2014, obteve resultados limitados, uma vez que não foi relacionado

diretamente ao ensino de Arte desenvolvido nos horários das aulas regulares;

4. Quanto à relação entre os elementos artístico/culturais próprios da educação

indígena e da educação escolar indígena, as iniciativas se mostraram bastante

promissoras e sua aplicação tanto no campo do ensino de Arte, quanto nos demais

componentes curriculares;

5. Foram apresentadas considerações de cunho crítico em relação aos materiais

utilizados, não apenas nas aulas, como também no processo de formação dos

professores indígenas. A predominância de papeis industrializados, tintas artificiais

(guache, acrílica entre outras), giz de cera etc., foi considerada adequada. Tais

materiais poderiam ser substituídos, facilmente, por materiais naturais existentes na

comunidade e no entorno, o que suscitaria uma dinâmica de valorização dos

recursos locais e um momento mais criativo, com significado étnico e de valorização

cultural;

6. Em se tratando do currículo de Arte concebido pela legislação vigente e pelas

orientações curriculares (federal e estadual), ainda existe uma lacuna entre os

conhecimentos específicos indígenas e o chamado ‗saber universal‘, cuja relação,

segundo a percepção do Mestre Mário, pode ser realizada, efetivamente, de maneira

intercultural;

7. Por fim, os professores entrevistados, ainda que, inicialmente, se mostraram

pouco confortáveis em se exporem como sujeitos da pesquisa, posteriormente se

disponibilizaram e participaram de muitos momentos de discussões sobre o ensino

de arte, sobre suas dúvidas, necessidades e expectativas para desenvolverem um

currículo intercultural no ensino de Arte.

Pelas considerações acima, em grande parte suscitada pelos professores da

EEI Korogedo Paru, é possível vislumbrar o ensino de Arte como uma ferramenta

para a constituição de identidade dos estudantes bororo com elementos culturais

autóctones, acrescidos dos conhecimentos produzidos pelas demais sociedades.

Isso será mais facilmente viabilizado se partirmos da realidade do estudante e, a

partir dela, utilizarmos uma dinâmica de espectro crescente e de abrangência global,

tendo como baliza as orientações institucionais, a literatura especializada, as

iniciativas inovadoras de cunho local e nacional, enfim, o conhecimento acumulado e

disponibilizado no meio social, acadêmico e cultural.

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Umas das possíveis iniciativas nesse sentido, poderá ser encontrada, por

exemplo, nos escritos e práticas da Prof.ª Drª Ana Mae Barbosa, em sua Proposta

Triangular, cuja estratégia pedagógica está centrada na tríade ler, produzir e

contextualizar.

Ao desenvolver essa iniciativa pedagógica o professor indígena poderá

oportunizar aos estudantes a leitura de determinada manifestação artístico/cultural

(fotografia, arte plástica, dança, filme etc.), para mergulhar em seu contexto histórico

e cultural e assim relacionar o tema estudado ao contexto próprio do aluno.

Para finalizar, destacamos o importante e prazeroso aprendizado que

obtivemos com esse estudo, especialmente no convívio com o povo Bororo e com a

comunidade educativa que nos recebeu e apoiou.

O debruçar sobre a literatura especializada e as contribuições de todos os

professores durante esse processo formativo, em especial aos membros da banca

de qualificação foram, igualmente, fundamentais para obter o resultado que ora

apresento.

Nesse processo, sempre inconcluso, tive também a oportunidade de rever

minha atuação como professora formadora no campo da Arte. No pós-mestrado as

pesquisas não cessarão, pois, ao atender as escolas Bororo do polo do Cefapro de

Cuiabá, através da formação continuada, além de termos a oportunidade de revisitar

estes estudos poderemos buscar novos escritos e um maior aprofundamento na

cultura em questão.

Deste modo trabalhar de maneira interativo-reflexiva, de forma planejada e

fecunda no processo ensino-aprendizagem, de acordo com Sacristán (apud

NÓVOA, 1992). Nóvoa (1992, p.30) afirma que: ―A formação continuada deve

alicerçar-se numa reflexão na prática e sobre a prática‖, com isso tratar a aquisição

de conhecimento como atividade lógica ou reflexiva, considerando cada momento

como fruto de um processo de autoaprendizagem e de constituição da práxis

docente.

Nessa revisão de concepção e de prática tencionamos contribuir, ainda que

infimamente, com escolas indígenas bororo para que toda a comunidade educativa

possa ser mais livre, autônoma e feliz.

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