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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATOGROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM ROSENIL GONÇALINA DOS REIS E SILVA A LEITURA EM LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO FUNDAMENTAL E A FORMAÇÃO PARA O LEITOR CRÍTICO LITERÁRIO Cuiabá-MT 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATOGROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

ROSENIL GONÇALINA DOS REIS E SILVA

A LEITURA EM LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO FUNDAMENTAL E A FORMAÇÃO

PARA O LEITOR CRÍTICO LITERÁRIO

Cuiabá-MT 2015

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ROSENIL GONÇALINA DOS REIS E SILVA

A LEITURA EM LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO FUNDAMENTAL E A FORMAÇÃO

PARA O LEITOR CRÍTICO LITERÁRIO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem, sob a orientação da professora Dra. Simone de Jesus Padilha

Cuiabá-MT 2015

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

PRÓ-REITORIA DE ENSINO E PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

Avenida Fernando Corrêa da Costa, 2367 - Boa Esperança - CEP: 780600-000 - Cuiabá-MT

Tel: (65) 3615-8408 - E-mail: [email protected]

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Todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.

(Romanos 8:28)

Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre.

Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.

A leitura do mundo precede a leitura da palavra. (Paulo Freire)

“Uma palavra que não representa uma ideia é uma coisa morta, da mesma forma que uma ideia não incorporada em palavras não passa de uma sombra”.

(Vygotsky)

"A língua materna, seu vocabulário e sua estrutura gramatical, não conhecemos por meio de dicionários ou manuais de gramática, mas graças aos enunciados concretos

que ouvimos e reproduzimos na comunicação efetiva com as pessoas que nos rodeiam" (Mikhail Bakhtin)

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DEDICAÇÃO

A JESUS, Rei dos Reis, Senhor dos Senhores,

Toda Honra,Toda Glória e Todo Louvor sejam dados a Ti, Por que bem sei que em tudo há um propósito debaixo dos céus e da terra.

A minha mãe Neide, pela presença constante, pelas palavras de incentivo nos momentos mais

difíceis, também pela ajuda financeira, obrigada. Com certeza, esta vitória também é sua.

Ao meu esposo Astrogildo, pela compreensão e apoio, pelo cuidado com meu bem-estar durante

todo o processo, principalmente o da escrita.

Aos meus filhos Helder e Thaisa, pelo carinho, por acreditarem em mim. Obrigada por

compreenderem minha ausência. Amo vocês, que são bênçãos em minha vida.

Aos meus irmãos Ronaldo, Rogério, Luis e Sidney

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AGRADECIMENTOS

A Deus, Todo Poderoso, Soberano, eterno, imortal e real, toda minha Adoração.

Reconheço que todas as coisas foram criadas por Ti, e sem Ti nada do que foi feito se

fez.

A Jesus, o filho de Deus, por ter sido minha bandeira nesta caminhada, o Senhor

foi o meu escudo, minha fortaleza, meu socorro bem presente. Em alguns momentos

pareceu-me ser o fim, mas a todo instante o Senhor me fazia lembrar o quanto sou

amada por Ti e que as promessas do Senhor iriam se cumprir em minha vida, pois

agindo Deus quem impedirá? Quero adorar-Te pelo que Tu és, Rei por excelência,

quero declarar-Te todo o meu amor, e dizer-Te que por onde eu for todos saberão que

sou tua.

À minha orientadora, Professora Dra. Simone de Jesus Padilha, pela doce

presença, paciência, carinho e pela brilhante disposição nos trabalhos de orientação.

Obrigada pelo seu olhar sempre terno, o qual ultrapassou a relação de orientação, cada

gesto demonstrado fez-me sentir segura. Obrigada pela confiança, por me aceitar como

orientanda e pela amizade. A cada atitude, eu sentia um cuidado todo especial em

proporcionar-me o melhor ensino. Tudo isso me fez enxergar o ensino-aprendizagem de

forma mais afetiva, mais construtiva e a linguagem de forma mais crítica, mais

desvelada e mais consciente. Serei eternamente grata por tudo. Te desejo o melhor

desta terra.

Ao Professor Dr. Clécio Bunzen, pela prontidão e contribuições teórico-

metodológicas neste trabalho, pois bem sei que prima pela excelência, e que cada

sugestão foi extremamente necessária e importante para uma análise mais consciente e

crítica acerca dos materiais didáticos.

Ao Professor Dr. Vinicius Carvalho Pereira, pelas maravilhosas contribuições a

respeito dos fenômenos linguísticos e literários, tenho a convicção de que cada detalhe

foi carinhosamente analisado para sugestionar o melhor.

Ao Prof. Dr. Elias Alves de Andrade, pela leitura atenta que possibilitou ampliar o

meu olhar a respeito de alguns fenômenos linguísticos.

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Ao Grupo de Pesquisa “Estudos Linguísticos e de Letramento”, coordenado pela

professora Dra. Claudia Graziano Paes de Barros, pelas discussões e conversas

teórico-metodológicas ancoradas nas concepções de Freire, Bakhtin e Vygotsky, que

são a base desta pesquisa e que foram fundamentais para uma leitura na perspectiva

do letramento crítico.

Ao Grupo de Pesquisa Rebak - Relendo Bakhtin - coordenado pela Professora

Dra. Simone de Jesus Padilha, obrigada pelas contribuições teóricas. Elas foram

importantes para a minha compreensão ativa, através dos estudos dos enunciados

concretos e dos sentidos construídos nas muitas interações com os colegas do grupo.

À CAPES pela ajuda financeira durante o período de estudos.

Aos professores do Programa de mestrado pelas contribuições e discussões

durante as aulas. Com certeza, cada um, com o seu olhar exotópico, me fez enxergar a

linguagem num outro viés, até então ocultos pelo modelo tradicional.

Aos colegas de mestrado, Ernandes, Renata, e Sergio, pelos momentos

dialógicos, de reflexão, descontração, risadas e buscas teóricas para um entendimento

mais amplo deste grande cenário que é a linguagem humana.

Às minhas irmãs em Cristo, Wilma, Paula, Eva e Olinda, pelas orações, pelas

mensagens virtuais, sempre com palavras de fé e edificação. Cada mensagem me fazia

lembrar de que eu não estava sozinha, mas o Senhor estava comigo como um general à

frente de um grande exército a me guardar. Obrigada, bênçãos maiores desejo a vocês.

À minha amiga, irmã em Cristo, Shirley Neves, obrigada pelas dicas, que foram

importantes e me ajudaram muito. Deus a abençoe sempre;

À Laumir por assumir o meu lugar no discipulado. Obrigada, minha querida, Jesus

com certeza te recompensará poderosamente;

À Conceição Dias, representante da editora FTD, em Cuiabá, pela disposição em

fornecer-me informações acerca dos materiais didáticos, objeto desta pesquisa;

Aos professores da rede pública de ensino, Lozilene Curvo, Soraya Silva e

Sandra Lima, pela ajuda na obtenção da coleção do material didático para as análises

desta pesquisa. Certamente, assim como eu, vocês ainda acreditam que somente a

educação pode mudar esta nação.

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À doce Juliany, pela presteza e delicadeza em me atender junto à coordenação.

Sempre gentil e disposta em ajudar, o meu eterno agradecimento.

Aos amigos, Paulo Rogério, Ediléia, Izabel Campos, Francis, pelas palavras

afetuosas nos momentos difíceis.

À Waldinéia, Rosária, Beth, Joana, Élidi, Ardalla, Helany, Elieth, Neuzamar, Lucy

e Ana Cristina pessoas especiais que conheci. Sentirei saudades de cada uma de

vocês, meninas.

A todos, a minha eterna gratidão, pois tenho plena convicção que sozinha

jamais conseguiria. Obrigada!!!

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RESUMO

A presente pesquisa busca discutir a formação de leitores, tendo como foco as

atividades de leitura de textos nos gêneros da esfera literária. A escolha se deve por

considerarmos a leitura como fundamental na formação social do indivíduo, condição

indispensável para o exercício da cidadania. A literatura também contribui na formação

do homem, por constituir-se como um fenômeno simbólico e ideológico, passível de

múltiplas interpretações, que colabora na promoção de sua autonomia e para uma

leitura crítica das diversas problemáticas que se apresentam no dia a dia da sociedade.

Desse modo, selecionamos, para nossa análise, apenas os gêneros literários, presentes

nas atividades de leitura de uma coleção de livros didáticos de Língua Portuguesa,

intitulada “Vontade de Saber Português”, das autoras Rosemeire Alves e Tatiane

Brugnerotto, aprovada pelo PNLD de 2014 - Programa Nacional do Livro Didático -

selecionada a partir de sua escolha e utilização em uma das maiores escolas públicas

de Cuiabá, Mato Grosso, em número de alunos matriculados, num total de 2.300. Nosso

objetivo foi o de identificar primeiramente quais gêneros da esfera literária estão

presentes em cada volume da coleção, em seguida, verificar quais são as atividades

que tratam especificamente da leitura e, por fim, verificar que capacidades de leitura

essas atividades mobilizam, e se de fato contribuem ou não para o desenvolvimento de

capacidades leitoras do aluno. Para tanto, recorremos a alguns pressupostos da teoria

enunciativo-discursiva de Bakhtin e seu Círculo que, neste recorte, aliaram-se a outras

contribuições, como do letramento crítico, e os fundamentos da concepção de Vygotsky

para a compreensão de aspectos da linguagem, ideologia e interação, que influenciam

na aprendizagem e constituição dos sujeitos sociais, assim como as de Freire, que têm

inspirado os estudos do letramento crítico. Trata-se de uma pesquisa de análise

documental, de abordagem qualitativa e dialógica. Para fins metodológicos, realizamos

um levantamento quantitativo que ofereceu informações para a análise qualitativa. A

análise dos dados revelou que a incidência dos textos em gêneros da esfera literária é

pouco representativa, sob dois aspectos. Primeiro, em relação à quantidade total de

textos em gêneros de outras esferas, e segundo, em relação à quantidade dos que são

utilizados para atividades de leitura. Além disso, o tratamento didático dispensado às

atividades de leitura não favorece a mobilização de capacidades leitoras capazes de

favorecer a autonomia do aluno, além de não promover uma educação transformadora.

Assim, de um modo geral, a coleção pouco contribui para a formação do letramento

literário e crítico de alunos do Ensino Fundamental das escolas públicas que o utilizam.

Esperamos que este trabalho possa contribuir para reflexões acerca da necessidade de

uma formação leitora no contexto escolar, com especial destaque para o letramento

crítico nos mais diversos níveis de ensino, favorecendo o desenvolvimento de

capacidades específicas para a leitura não somente de gêneros da esfera literária, mas

de outras esferas de atividade humana.

Palavras-chave: Leitura literária e Letramento crítico; Formação de leitores, Livro

didático de Língua Portuguesa.

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ABSTRACT

This research aims to discuss the formation of readers, focusing on the activities of text reading in the genres of literary sphere. We chose do so because we consider reading as fundamental in the social formation of the individual, a prerequisite for citizenship. Literature also helps in the formation of man, because it establishes itself as a symbolic and ideological phenomenon, susceptible to multiple interpretations, which collaborates in promoting its autonomy and to a critical reading of the various problems that arise in society's everyday life. Thus, we selected, for our analysis, only the literary genres present in the reading activities of a collection of textbooks in Portuguese Language, titled "Vontade de Saber Português", by the authors Rosemeire Alves and Tatiane Brugnerotto, approved by the 2014 PNLD - Programa Nacional do Livro Didático (National Textbook Program) - selected from of its choice and usage in one of the largest public schools in Cuiabá, Mato Grosso, in number of students enrolled, a total of 2,300. Our goal was to first identify which genres of the literary sphere are present in each volume of the collection, then, to check what are the activities that specifically address reading and, finally, to verify which reading skills these activities mobilize, and, if, for a fact, they contribute or not to the development of the reader skills of the student. For that, we turn to some assumptions of the enunciative-discoursive theory of Bakhtin and the Circle, that, in this context, allied to other contributions, such as critical literacy and fundamentals of Vygotsky's conception for the understanding of aspects of language, ideology and interaction, which influence in the learning and constitution of social subjects, as well as Freire's, which have inspired the studies of critical literacy. This is a research of documental analysis, of qualitative and dialogical approach. For methodological purposes, we conducted a quantitative survey that provided information for qualitative analysis. Data analysis revealed that the incidence of texts in genres of thr literary sphere is unrepresentative, under two aspects. First, in relation to the total amount of texts in genres of other spheres, and secondly, in relation to the quantity of those used for reading activities. In addition, the educational treatment given to reading activities does not favor the mobilization of reading capabilities capable of fostering the student's autonomy, and it does not promote a transforming education. Thus, in general, the collection contributes little to the formation of literary and critical literacy of elementary school students in the public schools that use it. We hope that this work can contribute to reflections on the need for a reader formation in the school context, with particular emphasis on critical literacy in various school levels, supporting the development of specific skills for reading not only genres of the literary sphere, but in other spheres of human activity.

Keywords: Literary Reading and Critical Literacy; Formation of readers, Textbook of Portuguese Language

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Capacidades de leitura do volume do 7º ano ..................................... 63

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01 - Total de ocorrências dos textos literários no volume do 6º Ano ......... 58

Gráfico 02 - Distribuição dos textos literários na seção de leitura do 6º Ano ......... 58

Gráfico 03 - Total de ocorrências dos textos literários no volume do 7º Ano ......... 59

Gráfico 04 - Distribuição dos textos literários na seção de leitura do 7º Ano ......... 59

Gráfico 05 - Total de ocorrências dos textos literários no volume do 8º Ano ......... 60

Gráfico 06 - Distribuição dos textos literários na seção de leitura do 8º Ano ......... 60

Gráfico 07 - Total de ocorrências dos textos literários no volume do 9º Ano ......... 61

Gráfico 08 - Distribuição dos textos literários na seção de leitura do 9º Ano ......... 61

Gráfico 09 - Análise geral das atividades de nos gêneros da esfera literária .......... 62

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 1

CAPITULO1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE LETRAMENTO ............. 13

1.1 Teorias de letramento: abordagem histórica .................................................. 15

1.2 Letramento(s) ................................................................................................. 15

1.3 Letramento crítico .......................................................................................... 17

1.4 Capacidades de leitura e a promoção do letramento ..................................... 20

1.4.1 Capacidades de decodificação ................................................................... 21

1.4.2 Capacidades de compreensão ................................................................... 21

1.4.3 Capacidades de apreciação e réplica do leitor em relação ao texto .......... 22

1.5 Ensino de literatura e o letramento crítico-literário ........................................ 23

1.6 O livro didático na construção do letramento ................................................ 29

1.7 O Programa Nacional do Livro Didático ........................................................ 31

1.8 O livro didático de Português: questão autoral ............................................. 33

CAPÍTULO 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS ................. 38

2.1 Visão Bakhtiniana .......................................................................................... 38

2.1.1 Interação verbal e o dialogismo ................................................................. 39

2.2 Linguagem, aprendizagem e desenvolvimento na perspectiva de Vygotsky 41

2.2.2 Mediação simbólica na construção do aprendizado .................................... 42

2.2.3 Zona de Desenvolvimento Proximal .......................................................... 43

2.3 A Pedagogia de Paulo Freire ..................................................................... 44

2 .4 Os gêneros do discurso como objetos de ensino e de aprendizagem ..... 46

2.4.1 Os gêneros do discurso e os PCN ............................................................ 49

2.4.2 O gênero do discurso e seus elementos constitutivos .............................. 50

2.5 Breves considerações metodológicas .......................................................... 52

2.5.1 Breve descrição da obra selecionada ......................................................... 53

2.5.2 Critérios de escolha para a seleção dos gêneros para compor a análise

qualitativa ............................................................................................................

55

2.6 A teoria enunciativo-discursiva na pesquisa em Ciências Humanas ........... 55

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2.7 Metodologia de geração e análise de dados: algumas constatações

quantitativas ........................................................................................................

56

CAPÍTULO 3 - A SELEÇÃO DAS AMOSTRAS PARA A ANÁLISE

QUALITATIVA .....................................................................................................

63

3.1 Abordagem qualitativa: descrição das capacidades de leitura das atividades

com gêneros da esfera literária na obra didática .................................................

63

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 99

REFERÊNCIAS .................................................................................................... 111

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INTRODUÇÃO

O desenvolvimento teórico e metodológico das últimas décadas trouxe

avanços significativos não só no campo das ciências da linguagem como também no

campo da leitura. Esses avanços foram influenciados, por exemplo, pela inserção do

conceito dos gêneros dos estudos bakhtiniano, a partir dos Parâmetros Curriculares

Nacionais, que nortearam aspectos teórico-metodológicos da disciplina Língua

Portuguesa, tendo como objeto de ensino o texto. Além desta mudança, houve

também contribuições importantes oriundas de outras áreas, como a psicolinguística,

sociolinguística e análise do discurso, que se incorporaram nesse processo para

compreender o fenômeno da linguagem. Nesse sentido, as mudanças não

envolveram apenas o estudo da língua e aspectos da produção escrita, mas o da

leitura e do texto literário. A questão da leitura desprendeu-se, por um lado, dos

vínculos com a alfabetização e, de outro, teve ampliados o campo e abrangência de

pesquisas na área.

Entretanto, esse não foi o único fator a influenciar uma nova abordagem sobre

a leitura, mas também a constatação, no universo intelectual, através de pesquisas

mais recentes, da chamada “crise de leitura”, resultante de dois fatores: a carência

na área da educação, incluindo-se, nesse contexto, as deficiências do processo de

alfabetização nas escolas, como também a pequena quantidade de leitura de textos

em sala de aula. Por outro lado, destaca-se a concorrência dos meios de

comunicação de massa que, na opinião dos educadores, afasta o público da matéria

escrita e cria outros hábitos de consumo, além de prejudicar a relação do leitor com

o universo social e cultural.

Assim, a leitura passou a ser estudada sob diferentes bases teóricas por

estudiosos como Freire, Kleiman, Rojo, Pereira, e tantos outros pesquisadores na

tentativa de compreender seus processos e suas interferências nos diferentes

contextos sociais em que ela acontece. Sabemos que as novas formas de produção,

configuração e circulação dos textos, tendo em vista as modernas tecnologias da

informação, implicam também mudanças na concepção de leitura, suscitando vários

questionamentos de pesquisa, no sentido de descortinar as ideologias e de

compreender como se dão as relações de poder mediadas pela linguagem nestes

ambientes.

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Segundo Rojo (2012), a contemporaneidade e, sobretudo, os

textos/enunciados contemporâneos colocam novos desafios para ação pedagógica,

a qual não pode ficar alheia às práticas de letramentos e das teorias. Em nossa

opinião, esses desafios se caracterizam pelo modo como a linguagem é usada nos

mais diferentes contextos de atividade humana, exigindo novas estratégias de

ensino, além das tradicionais práticas de sala de aula. Esses desafios tornam-se

cada vez mais evidentes, de maneira mais expressiva, em razão dos resultados1 dos

sistemas de avaliação de ensino a respeito do baixo rendimento de alunos das

escolas brasileiras, em relação à leitura e a escrita.

O ensino-aprendizagem de língua portuguesa tem sido ponto de avaliação

nos últimos anos, haja vista que os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (1998),

bem como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, orientam que o aluno

precisa desenvolver pleno domínio da leitura e da escrita. Entretanto, os sistemas de

avaliação de ensino têm revelado que os alunos brasileiros desenvolvem

capacidades mínimas de leitura e de escrita. Podemos inferir então que as

capacidades consideradas necessárias não estão sendo desenvolvidas pela escola,

em especial as que evocam um trabalho de base contextual, discursiva, inferencial,

dialógica e ideológica que, a nosso ver, são fundamentais para o letramento crítico.

Segundo os PCN, o objetivo principal do ensino de Língua Portuguesa é o

domínio da linguagem. E dentro dessa vertente está o ensino da leitura, para o

domínio de uma competência leitora. Mas sabemos que formar leitores é algo que

requer condições favoráveis, não só em relação aos recursos materiais disponíveis,

mas, principalmente, em relação ao uso que se faz deles nas práticas de leitura.

Ainda de acordo com esse documento, é nos primeiros ciclos que se formam

os leitores. Mas sabemos que esta não é uma tarefa fácil, partindo do pressuposto

de que a leitura não começa exatamente nessas séries, levando em consideração

as concepções de Freire (1967), ao considerar que a leitura de mundo precede a

leitura da palavra. Portanto, ela começa muito antes da criança ir para a escola,

entendendo a leitura como provocadora e atribuidora de sentidos sobre diferentes

1 A avaliação de leitura foi o foco das edições de 2000 e 2009 do PISA, e a edição de 2012 não

apresentou grandes alterações na matriz de avaliação. Basicamente, foi incluída a avaliação de

leitura eletrônica e a elaboração de constructos relacionados ao envolvimento com leitura e

metacognição. [...] O Brasil registra um percentual significativamente mais baixo de estudantes com

proficiência em leitura abaixo do Nível 2. Fonte: Relatório Nacional PISA 2012: Resultados brasileiros

p. 41

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fatos da vida em sociedade. Nesse sentido, podemos dizer que a leitura está

intimamente ligada a um conjunto de elementos extralinguísticos que são

convocados para constituir o sentido e a compreensão da situação imediata e,

consequentemente, da interpretação da realidade.

Ancoramo-nos ainda nos PCN para compreendermos a forma como este

documento define, em linhas gerais, o movimento metodológico para o ensino da

língua portuguesa, incluindo também o ensino de leitura, que é o nosso objetivo.

Assim, as diretrizes norteadoras para o professor são aquelas que devem

caracterizar uma ação metodológica de reflexão da ação, ou seja, práticas que

levem o aluno a pensar sobre suas atividades linguísticas, o modo como usa a

linguagem e suas ações enquanto sujeitos que ocupam um lugar na sociedade, de

tal modo que venham ampliar sua competência discursiva para as práticas de

escuta, leitura e produção de textos.

Em relação ao texto literário, os PCN (1998, p.26) descrevem-no como um

fenômeno de representação e estilo em que predominam a imaginação e a fruição

estética. Entretanto, salientam que tal texto, embora esteja atrelado a um modo

muito particular de dar formas às experiências humanas, não está limitado a critérios

de observação e descrição da realidade; ao contrário, este ultrapassa e transgride

todas as fronteiras da realidade humana para constituir outra mediação de sentidos

entre o sujeito e o mundo, entre um objeto e outro, de forma a autorizar uma

mediação ficcional e reinterpretativa do mundo atual e dos mundos possíveis.

Alicerçado nesta concepção, o documento apresenta algumas sugestões didáticas

especificamente para a formação de leitores.

Dessa forma, levando em conta o grau de independência do aluno para a

tarefa, o professor poderá selecionar situações didáticas adequadas que permitam

ao aluno ora exercitar-se na leitura de tipos de texto para os quais já tenha

construído uma competência, ora empenhar-se no desenvolvimento de novas

estratégias para poder ler textos menos familiares, o que demandará maior

intervenção do professor. Tais atividades podem ocorrer com maior ou menor

frequência, em função dos objetivos de ensino-aprendizagem. Para tal

procedimento, ainda propõem-se algumas estratégias para o ensino de leitura, tais

como: leitura autônoma, leitura colaborativa, leitura em voz alta pelo professor,

leitura programada e leitura de escolha pessoal. PCN (1998).

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Com base no que esse documento propõe, pode-se, temporariamente, eleger

um gênero específico, de um determinado autor ou um tema de interesse. E, a partir

daí, desenvolver todo o processo de ensino de leitura. Os dados abaixo revelam os

índices do Pisa 2- Programa Internacional de Avaliação de Estudantes - uma

avaliação aplicada a estudantes na faixa dos 15 anos, que acontece a cada três

anos e abrange três áreas do conhecimento – Leitura, Matemática e Ciências –

havendo, a cada edição do programa, maior ênfase em cada uma dessas áreas. Em

2000, o foco foi em Leitura; em 2003, Matemática; e em 2006, Ciências. O Pisa 2009

iniciou um novo ciclo do programa, com o foco novamente recaindo sobre o domínio

de Leitura; em 2012, novamente Matemática; e em 2015, Ciências.

Pisa 2000 Pisa 2003 Pisa 2006 Pisa 2009 Pisa 2012

Número de alunos

participantes 4.893 4.452 9.295 20.127 18.589

Leitura 396 403 393 412 410

Matemática 334 356 370 386 391

Ciências 375 390 390 405 405

Os dados acima revelam que os resultados em 2012, em relação ao ano de

2009, apresentaram uma queda no quesito leitura. Por outro lado, a OCDE -

Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - apontou que o

Brasil teve um crescimento em todas as notas, alcançando o 10º lugar no ranking

internacional de crescimento, em relação à nota do teste de leitura, entre os 59

países avaliados (PISA/2009). De acordo com a OCDE, o aumento no índice foi de

16 pontos de 368, em 2000; para 412, em 2009. Entretanto, o mesmo sistema

adverte que as notas médias do Brasil continuam baixas, em relação à média

estipulada em 6,0 pela OCDE. Esta nota é uma meta nacional para o IDEB – Índice

de Desenvolvimento da Educação Básica, criado pelo INEP, em 2007. Essa é uma

meta que o Brasil deve atingir em 2021. O Ideb é calculado a partir de dois

componentes: taxa de rendimento escolar (aprovação) e médias de desempenho

nos exames padronizados aplicados pelo Inep. Os índices de aprovação são

obtidos a partir do Censo Escolar, realizado anualmente pelo Inep. As médias de

desempenho utilizadas são as da Prova Brasil (para Idebs de escolas e

municípios) e do Saeb (no caso dos Idebs dos estados e nacional). Os dados

2 http://portal.inep.gov.br/pisa-programa-internacional-de-avaliacao-de-alunos. Acesso em 12/07/2014.

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também revelaram que 49, 2 % dos alunos brasileiros não alcançam o nível 2 de

desempenho. Dos 65 países participantes, o Brasil ficou em 58º lugar no âmbito

educacional (incluindo os testes de matemática e ciências) e em 55º no teste de

leitura.

Em nosso ponto de vista, uma das alternativas para minimizar os problemas

relacionados à leitura, de diversas ordens, seria um trabalho voltado para o

desenvolvimento de capacidades leitoras, na perspectiva do letramento crítico, uma

vez que tal abordagem busca desenvolver a consciência do aluno para que ele

possa se posicionar de forma crítica na sociedade. Partindo desse pressuposto, o

desenvolvimento dessas capacidades pode ser desde as séries iniciais,

acompanhando toda a formação escolar do aluno, estendendo-se também para os

textos literários. Nesta perspectiva, concordamos com as sugestões metodológicas

de Pinheiro (2013, p. 45): “é fundamental pensar procedimentos que fujam da

tradicional aula expositiva de literatura, das abordagens que têm como ponto de

partida não o texto, mas informações históricas formais, temáticas sobre autores e

obras”. Em nossa compreensão, estes procedimentos estão contemplados à luz do

letramento crítico que almejamos.

Rojo (2009), ao abordar estes mesmos temas, reflete sobre os termos

alfabetização e letramento(s) e discute a relação dos processos de fracasso escolar

com a exclusão social. Aponta como prioridade a necessidade de dimensionar a

ação didática de alfabetizar e letrar num país de tanta desigualdade social. Segundo

a pesquisadora, os resultados obtidos nas últimas avaliações, como SAEB,

SARESP, Prova Brasil e Enem não são satisfatórios, pois estes refletem as

propostas de ensino oferecidas pelas práticas escolares e que configuram uma

ineficácia das práticas didáticas.

Assim, podemos deduzir com base no que priorizam os documentos oficiais

ora descritos, a respeito do ensino de leitura, que os resultados revelados pela

pesquisa desta pesquisadora demonstram uma realidade oposta, portanto diferente

dos objetivos que propunham alcançar com o trabalho de leitura. Ainda segundo

esta estudiosa, as provas do Enem revelam a cada ano essa disparidade entre o

que é proposto e ensinado nas escolas, pois os alunos do Ensino Médio apresentam

muitas dificuldades de leitura e escrita, principalmente porque nesses processos são

exigidas certas capacidades, até então não desenvolvidas, e muito menos

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trabalhadas no contexto escolar, como a ampliação de repertório, leitura intertextual

e interdiscursiva de diversos textos.

Assim, diante dessa realidade que aflora no contexto educacional,

pesquisadores e educadores tentam buscar metodologias que possam minimizar

esse quadro acerca do ensino-aprendizagem e contribuir para o letramento dos

alunos. Pesquisas mais recentes têm apontado o letramento crítico como uma das

alternativas no desenvolvimento de capacidades leitoras, de maneira que o aluno

possa não somente compreender o uso da linguagem nas diferentes práticas de

interação humana, mas saber colocar-se como sujeito ativo no processo de

transformação social.

É nesta perspectiva teórica que a nossa pesquisa se insere, com o objetivo de

discutir a formação do leitor crítico, mais especificamente o leitor da esfera literária, a

partir da observação de atividades de leitura de uma coleção de livros de Língua

Portuguesa do Ensino Fundamental, intitulada “Vontade de aprender português”,

adotada em 2014, pela escola Presidente Médici, na cidade de Cuiabá, Mato

Grosso. Com relação às atividades de leitura perguntamo-nos de que forma elas

contribuem para o letramento dos alunos, de maneira que possam atuar com

capacidade autônoma sobre essas práticas?

Na década de 70, aconteceram grandes avanços na literatura do Brasil. Sua

introdução na escola, após a ditadura, trouxe produções de textos sem vigilância e

toda herança de uma escrita controlada transformou-se e renovou-se, dando

oportunidades aos alunos de pensar, criar e recriar, construindo sua própria leitura,

transformando e reconstruindo o texto conforme sua imaginação.

Hoje, escola e professores encontram-se confrontados com novas tarefas:

fazer da escola um lugar mais atraente para os alunos e fornecer-lhes as chaves

para uma compreensão das mudanças que vêm se desenvolvendo e para o tipo de

sociedade que apontam: a da informação e do conhecimento, onde a rapidez das

mudanças se alia ao fenômeno da globalização, o qual exige um alto grau de

competitividade que, por conseguinte, exigirá a disposição para aprender e

reaprender continuamente. Por acreditarmos que a literatura contempla toda forma

de leitura possível, nos propusemos a investigar, através deste recorte, as atividades

de leitura, verificando que capacidades leitoras são mobilizadas nessas atividades,

para tanto; optamos pelos gêneros da esfera literária.

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De acordo com Cândido (2004), por mais que existam teóricos que discutam

a prática e as estratégias que aprimorem o ensino da literatura e proponham obras

que despertem o interesse dos alunos pela leitura, estes ainda não atingiram um

estado ideal, já que até mesmo pessoas de nível superior leem pouco ou quase

nada.

Podemos inferir que uma das causas do pouco interesse dos alunos pela

leitura esteja relacionada ao modo como esta é concebida e ensinada nas escolas,

às vezes distante da realidade do aluno. Os fatos ocorrem muito rapidamente em

nossa sociedade, a forma de comunicação também, logo as estratégias devem

acompanhar essas mudanças.

Além disso, esbarramos aqui em outro ponto muito importante deste

processo, a questão dos interesses editoriais, tornando o livro um material caro e

isso acarreta o pouco acesso pela maioria da população pertencente a uma classe

social menos favorecida. Coadunamos com o pensamento de Cândido (2004), ao

afirmar que a literatura é um direito de todos, tanto quanto as necessidades básicas

para a sobrevivência, uma vez que ela faz parte da vida, da natureza humana, no

sentido de contribuir para construção da identidade, do mesmo modo que as

necessidades básicas conferem dignidade ao ser humano. Assim, todos têm direito

à voz, de dizer a palavra, de contar suas histórias, sua cultura, suas crenças, suas

ideologias.

A escolha por esse objeto de análise sustenta-se no fato de ser o livro

didático uma das ferramentas mais utilizadas na sala de aula para mediar conteúdos

e conhecimentos característicos do ensino-aprendizagem. Optamos pela esfera

literária porque concordamos mais uma vez com Cândido (2004), que vê na

literatura não somente uma função social, mas também humanizadora, no sentido de

poder atuar na formação do individuo, pois, segundo o autor, ela não corrompe nem

edifica, mas humaniza no sentido profundo, porque faz viver.

Para tanto, adotamos como critério de seleção para escolha da coleção a ser

analisada o fato de ser a mais utilizada entre as maiores escolas públicas da cidade

de Cuiabá, em número de alunos matriculados: “Vontade de Saber Português”, das

autoras Rosemeire Alves e Tatiane Brugnerotto, Editora FTD. Para proceder à

investigação, elegemos três perguntas que nortearam nossas pesquisas, de modo

que pudéssemos respondê-las ao final deste trabalho. Assim, num primeiro

momento, buscamos identificar os gêneros do discurso presentes nessa coletânea.

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No segundo momento, verificar quais desses gêneros são pertencentes a esfera

literária, e quais os textos são explorados em atividades de leitura e, por último,

verificar que capacidades leitoras são mobilizadas nessas atividades, e de que forma

tal mobilização contribui para a formação do leitor crítico literário. Capacidade leitora,

segundo Rojo (2004), é a capacidade que o aluno adquire ao se posicionar como

leitor crítico de textos, percebendo suas relações interdiscursivas, ideológicas e

políticas. Tal capacidade pode ser desenvolvida mediante estratégias de ensino,

levando em conta os múltiplos letramentos existentes em nossa sociedade.

Assim, pretendemos apresentar algumas reflexões sobre as práticas sociais

da leitura e ampliar os conhecimentos quanto ao(s) letramento(s) e letramento crítico

e sua importância para a formação crítica do aluno. A leitura é um fenômeno

necessário para promover certas capacidades do leitor não somente cognitivas, mas

sociais, culturais, políticas, afetivas entre outras, principalmente porque essa prática

está também atrelada à outra prática, a do letramento. Porém, sobre este tema,

discorreremos mais adiante.

Rojo (2004), ao refletir sobre o percurso histórico da leitura, a partir do início

do século passado, define-a como uma forma simplista e de valor associativo de

processo de decodificação. Dentro desse panorama processual, a leitura se

restringia somente à ação de mera alfabetização. Estava condicionada apenas ao

conhecimento do código linguístico, com característica linear e sucessiva,

mobilizando capacidades mínimas durante o ato de ler.

Somente após 50 anos de intensas pesquisas e estudos, é que a leitura

recebe novos olhares, de forma significativa, agora não mais como mera

transposição de um código, mas como meio de compreensão, que envolve

conhecimento de mundo, abordagem significativa de procedimentos, em que o leitor,

num processo de interação com o autor, mobiliza capacidades leitoras.

Rojo (2004) ainda destaca que a leitura tem sido considerada um fenômeno

quase elitista, partindo do pressuposto de que apenas uma parcela da sociedade

chega efetivamente a ler, mesmo que grande parte possa estudar. Pois a simples

escolarização não leva à formação de leitores e produtores proficientes, essas

práticas são insuficientes para desenvolver as capacidades necessárias exigidas

pela sociedade contemporânea. É preciso ir muito além da simples leitura

decodificada, é necessário um trabalho voltado para as práticas de letramento, o que

possibilita ao professor empregar estratégias de ensino que dê ao aluno condições

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para o desenvolvimento de capacidades leitoras para uma formação crítica da

realidade. Mais recentemente, a autora, com base nos pressupostos do dialogismo

bakhtiniano, defende que “a leitura é vista como um ato de se colocar em relação a

um discurso (texto) com outros discursos anteriores a ele, emaranhados nele e

posteriores a ele, com possibilidades infinitas de réplica, gerando novos

discursos/textos” (ROJO, 2004, p.3). Aqui há, em nossa opinião, uma possibilidade

do leitor tomar a palavra, assumir uma voz discursiva a partir do momento em que se

coloca dentro do processo de enunciação discursiva através da leitura.

Vale ressaltar que o discurso/texto nesta abordagem é visto como conjunto de

sentidos e apreciações valoradas pelas pessoas sobre as pessoas, objetos e coisas

do mundo, além de outros elementos que são importantes na construção dos

sentidos no ato de ler, que são o lugar social do autor e do leitor, mediado pela

situação de interação entre eles, as finalidades da leitura e da produção do texto, a

esfera social de comunicação em que o ato da leitura se dá. De acordo com Rojo

(2004), nesta vertente teórica, as capacidades discursivas e linguísticas estão

crucialmente envolvidas.

Assim, não há dúvida de que essas capacidades só podem ser desenvolvidas

através da leitura, de forma planejada, orientada e estimulada por mediadores de

aprendizagem – neste caso, pessoas, autores de determinada obra, - pois a

criticidade só atingirá o seu ápice quando houver de fato falantes de uma

determinada língua com capacidade, nas palavras de Gnerre (1991), de mobilizar a

palavra para exercer influência no ambiente em que realizam os atos linguísticos.

Pois a linguagem não é usada somente para veicular informação, mas comunicar ao

ouvinte a posição que o falante ocupa ou pensa ocupar na sociedade em que vive.

Para que haja a leitura crítica, a compreensão do discurso, é necessário que o leitor

perceba a relação tênue que existe entre linguagem e poder. Somente quando

houver uma percepção da construção politico-histórica da língua é que será possível

compreender as relações de dominação e consequente exclusão social.

Ainda sob este mesmo aparato teórico, essas relações foram constituídas ao

longo da história, em que a língua sempre acompanhou o processo de dominação.

Privilegiou-se, num dado momento histórico, as gramáticas das línguas românicas,

que foram instituídas como um dos instrumentos de legitimação do poder de uma

variedade linguística sobre as outras, desenvolvendo, desse modo, toda uma

perspectiva ideológica. Logo, o poder das palavras é enorme, especialmente porque

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carrega todo um conjunto de tradição, de valores culturais, ideológicos, sobretudo de

poder. Assim, algumas palavras exercem poder, principalmente aquelas que

encerram, em cada cultura, o conjunto de crenças e valores aceitos e codificados

pelas classes dominantes.

Podemos depreender que todo esse processo de construção ideológica é

desconhecido pela maioria dos estudantes brasileiros. Embora participantes de

diversas práticas de letramento, ainda não adquiriram capacidade tal de

compreensão, o que nos leva a concordar com este mesmo autor, quando afirma

que “é necessário um aparato de conhecimentos sociopolíticos relativamente amplos

para poder ter acesso à compreensão e principalmente à produção das mensagens

de nível sociopolítico”. (GNERRE, 1991, p. 21)

Desse modo, podemos inferir que a leitura, para ser compreendida em seu

sentido mais amplo e profícuo, deve estar alinhada a um estudo sobre a linguagem,

de forma reflexiva, questionadora, num debate aberto sobre questões de diversas

ordens em que o sujeito participa e compartilha suas experiências, atitudes, crenças,

criando hipóteses sobre essa mesma língua, sua natureza, suas funções sociais e

os valores, assumindo, assim, interpretações recíprocas sobre si mesmo e o mundo.

Sabemos também que, em alguns casos, a linguagem pode impedir a comunicação

de informações para grandes setores da população, uma vez que nem todos têm a

capacidade de leitura desenvolvida, como, por exemplo, no caso de um noticiário, a

compreensão pode não acontecer pelo fato de não ocorrer a construção do sentido.

Geraldi (2014) questiona o conceito de letramento, da modernidade, e

defende que o problema fundamental no ensino não está na mudança do nome de

uma prática de ensino, mas na mistura de duas realidades distintas: tanto quando se

fala em diferentes níveis de letramento ou diferentes letramentos, quanto na

destruição desigual dos bens culturais na sociedade. Nas palavras deste

pesquisador, somos letrados e iletrados ao mesmo tempo, considerando-se a

diversidade própria das sociedades, pois não circulamos em todas as esferas de

comunicação social com a mesma habilidade.

Destaca, ainda, que “o letramento é difícil de ser especificado, porque remete

tanto a um estado do sujeito quanto às habilidades que ele tem de movimentar-se

num mundo povoado por textos” (GERALDI, 2014, p. 26). Em seu ponto de vista,

afirma que não cabe à escola introduzir para o estudante todos os gêneros do

discurso em circulação na sociedade, pois, se assim o fosse, este não terminaria

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seus estudos porque sempre estaria “iletrado”. Ao contrário disto, cabe à escola

reconhecer a multiplicidade de gêneros existentes em nossa sociedade, a partir

disso, suscitar uma seleção prévia para o trabalho pedagógico. Neste sentido, estão

seguramente textos pertencentes aos campos da literatura e das artes, considerados

como bens culturais, patrimônio da humanidade, os quais devem ser privilegiados

pela escola.

A pesquisa é documental com base metodológica de natureza quanti-

qualitativa. Temos como base teórica as contribuições da concepção dialógica da

linguagem alicerçada no pensamento de Bakhtin e seu Círculo, numa perspectiva

enunciativo-discursiva. A concepção enunciativo-discursiva, sob o viés bakhtiniano,

considera a linguagem como uma atividade humana, produzida no espaço social,

constituída por signos ideológicos e dialógicos. Nesse sentido, a palavra é a

primazia de todo o processo de interação social. É o elo de comunicação entre o eu

e um tu, mergulhados numa cadeia ininterrupta de discursos.

A linguagem nessa concepção ultrapassa toda a materialidade linguística,

uma vez que não se restringe meramente aspectos verbais, mas incorpora

fenômenos do extraverbal, sendo, portanto, alvo de diversas manifestações

linguístico-discursivas. Além disso, outros pressupostos corroboram para a

compreensão dos fenômenos linguísticos, como os de Freire e sua concepção

pedagógica sobre o ensino-aprendizagem, os de Vygotsky e seus aportes referentes

à constituição dos sujeitos no processo de interação social, entre vários que, no

decorrer desta pesquisa, se fizeram necessários e que estão dispostos nas

referências bibliográficas. Assim, procuramos ordenar nossos estudos da seguinte

forma:

No capítulo 1, apresentamos alguns aspectos históricos e conceituais sobre

letramento(s), letramento crítico e também alguns aspectos teóricos e históricos da

literatura;

No capítulo 2, apresentamos algumas contribuições do pensamento de

Bakhtin e o Círculo, no que se refere à concepção de linguagem e de gêneros

discursivos, além de outros aparatos teóricos, como os de Vygotsky, Freire e os da

chamada Pedagogia Crítica, a visão de Kleiman, Pereira, entre outros

pesquisadores, a respeito do letramento crítico. Neste mesmo capítulo, descrevemos

a metodologia de pesquisa, os passos que percorremos durante os processos de

levantamento e coleta dos dados, a abordagem quantitativa da obra didática e os

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gráficos contendo os percentuais dos gêneros encontrados mediante catalogação e

classificação referente às atividades de leitura e do letramento crítico.

No capitulo 3, apresentamos a análise qualitativa de uma unidade do volume

do 7º ano, conforme critérios descritos no capítulo de metodologia, buscando

identificar e compreender as capacidades leitoras mobilizadas nas atividades de

leitura à luz das teorias que sustentam esta pesquisa.

Nas considerações finais, finalizamos nossos trabalhos com algumas

reflexões acerca dos resultados da análise qualitativa seguida das referências

bibliográficas.

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CAPITULO 1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE LETRAMENTO

Neste tópico, pretendemos apresentar algumas concepções sobre o

letramento e suas variedades como, por exemplo, os letramento(s) e letramento

crítico. Para tanto, abordaremos um panorama geral sobre o termo, desde o seu

surgimento até as novas concepções nos dias atuais. Tal estudo se faz necessário

pelo fato de ser uma das principais abordagens que nortearão nossas reflexões

acerca não somente da leitura, mas no desenvolvimento de capacidades leitoras

que podem ser mobilizadas em atividades de leitura sob o viés desta teoria. De tal

modo que possa contribuir para a formação integrada do ser humano, como leitor

critico literário, com possibilidades para atuar de forma autônoma e emancipatória

em diversas práticas sociais do uso da leitura e da escrita.

1.1 Teorias de letramento: abordagem histórica

O conceito de letramento surge primeiramente na Europa, a partir de

algumas reflexões feitas por pesquisadores e estudiosos da área de educação ao

perceberem que, mesmo a escola tendo trabalhado com atividades de leitura e

escrita, seus alunos, após concluírem seus estudos, não atingiam certos níveis de

proficiência para atuarem em uma sociedade que exige o domínio do uso da leitura

e da escrita. Diante desse contexto, começa-se a questionar o ensino para tentar

explicar o porquê da falta de proficiência, já que o analfabetismo era mínimo.

Vale ressaltar que, nesse período, o letramento estava vinculado a uma

concepção apenas de alfabetização. Começa-se a perceber uma visão mais ampla

da linguagem e que havia uma necessidade de trabalhar com metodologias,

estratégias e recursos diferentes, que proporcionassem ao aluno o desenvolvimento

de certas capacidades para atuar fora dos limites da escola.

Nesse sentido, o termo letramento diz respeito às práticas sociais do uso da

leitura e da escrita, ainda que possam existir pessoas analfabetas que não leem e

nem escrevem, mas que conseguem participar dessas práticas a partir de suas

experiências de vida e na interação com outras pessoas.

No Brasil, o termo aparece nos primeiros escritos da estudiosa Kato (1987),

ao discutir este mesmo assunto, porém para designar uma concepção diferente às

práticas do uso linguagem, distintamente do que fora atribuído na realidade

europeia. Em outras palavras, na Europa, o analfabetismo era pouco expressivo em

relação ao Brasil. Ainda assim, os estudantes saíam do Ensino Médio com

capacidades mínimas de leitura e escrita. Ao contrário do Brasil, que apresentava

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índices mais elevados de analfabetos, no entanto, participavam de modo efetivo de

diversas práticas letradas. É por isso que Kato (1987) enfatiza que, no começo do

século XX, o Brasil apresentava um índice bastante expressivo de analfabetismo (ao

contrário da Europa), e o nível de escolaridade daqueles que concluíam o ensino

básico também era pouco evidente. Entretanto, esse público era participante de

práticas sociais diversificadas, o que contribuía para promover várias capacidades

do uso da linguagem.

Deste modo, percebeu-se a necessidade de investigar os fenômenos que

envolviam essas práticas discursivas, mediante o processo de ensino e

aprendizagem, para além da simples ação de alfabetizar. O letramento, aqui, é

concebido como uma apropriação, uma nova maneira de usar a linguagem, em

contextos sociais em que a leitura e a escrita circulam. Essas práticas até então

eram “invisíveis” sob o ponto de vista dos estudiosos da linguagem.

Para isso, foi necessário lançar mão de vários tipos de conhecimentos na

tentativa de explicar e compreender como a leitura atuava na formação do

desempenho discursivo, contribuindo para o aumento do nível de letramento e

possibilitando o desvelar dos discursos, das ideologias e a percepção do poder da

linguagem, de modo a engajar o aluno num processo de emancipação.

É neste contexto, em meio a inúmeros acontecimentos históricos,

tecnológicos e científicos, que o letramento surge para responder as indagações do

novo modelo social linguístico e interativo em que os sujeitos se encontram e se

constituem. Para compreendermos um pouco mais esta temática, ancoramo-nos

também em Soares (2010), que faz algumas considerações ao revisitar

pesquisadores que investigam esta nova maneira de enxergar o ensino de leitura e

da escrita na perspectiva do letramento. O termo letramento assume um impacto

muito maior dentro da linguística somente a partir da década de 80, movida pelas

mudanças sociais ocorridas nas últimas décadas, que contribuíram para o

surgimento de novas formas de usar a linguagem.

A autora enfatiza que a palavra letramento é uma tradução para o português

da palavra inglesa literacy, que significa a condição de ser letrado. Entende-se por

letrado, nesse contexto, aquele que não só sabe ler e escrever, mas faz uso

competente da leitura e da escrita nas diferentes práticas sociais. Faz-se

necessário diferenciar o termo letramento de outro, a alfabetização.

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Para Soares (2010:38), “o nível de letramento de grupos sociais relaciona-se

fundamentalmente com suas condições sociais, culturais e econômicas. É preciso

que haja, pois, condições para o letramento”. Infere-se que essas condições estão

atreladas a uma escolarização real e efetiva, um ensino de qualidade, em que as

estratégias de ensino e o ambiente corroboram para a aprendizagem do aluno.

Podemos entender também que, dentro dessas condições, sejam contempladas

aquelas atividades que a escola ainda não reconhece como práticas de letramento.

Para Kleiman (1995, p.6), “o letramento surge como uma forma de explicar o

impacto da escrita em todas as esferas de atividades e não somente nas atividades

escolares”. Vale ressaltar que são inúmeros os eventos sociais em que a leitura e a

escrita se fazem presentes, muito além do que é proposto pela escola. Assim, em

nossa compreensão, é necessário adotar uma ação pedagógica em que as mais

diversificadas práticas de letramento sejam contempladas possibilitando aos alunos

modos de se relacionar e usar a linguagem. Por isso, é interessante que a escola

redefina o modelo de ensino-aprendizagem, pois a linguagem escrita na escola

necessita articular-se a todas as atividades humanas nas quais as pessoas estão

envolvidas. Precisa estar em movimento, a serviço da aprendizagem da reflexão

sobre o mundo e sobre o lugar dos estudantes neste mundo.

Deve servir para que os alunos possam se movimentar com mais autonomia

diante dos desafios e ampliar seus horizontes, suas perspectivas e visões sobre si

mesmos e sobre o que os cerca. Em nosso ponto de vista, é a partir do que os

estudantes são, do que conhecem e do que desejam para si próprios e para suas

comunidades que eles podem atribuir sentidos aos conteúdos ensinados na escola.

E cada um tem caminhos singulares para atribuir significados ao conhecimento.

1.2 Letramento(s)

O termo letramento busca recobrir os usos e práticas socais de linguagem que envolvem a escrita de uma ou de outra maneira, sejam eles valorizados ou não valorizados, locais ou globais, recobrindo contextos sociais diversos (família, igreja, trabalho, mídias, escola etc), numa perspectiva sociológica, antropológica e sociocultural. (ROJO, 2009, p. 98) .

Segundo Rojo, esse conceito tornou-se mais claro para os estudiosos do

letramento a partir das contribuições de Street (1984), que inaugura os novos

estudos do letramento e que foi divulgada no Brasil, sobretudo por Kleiman (1995).

Na visão da pesquisadora, as abordagens mais recentes dos letramentos têm

apontado para a heterogeneidade das práticas sociais de leitura, escrita e uso de

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língua(gem). Rojo destaca as contribuições de Soares (1998), que embasou suas

análises em Street (1984). Para este autor, existem duas versões para o conceito de

letramento: a fraca e a forte. A fraca está relacionada ao enfoque autônomo, estaria

ligada a mecanismos de adaptação da população às necessidades e exigências

sociais do uso da leitura e escrita. Já a versão forte se aproxima do enfoque

ideológico, também da visão de Freire em relação à alfabetização, de cunho

revolucionário, crítica, na medida em que não colaboraria para a adaptação do

cidadão às exigências sociais, mas para o resgate da autoestima, para a construção

de identidades fortes, para a potencialização de poderes (empoderamento,

empowerment), dos agentes sociais. (ROJO, 2009, p. 100).

Podemos perceber que muitas são as teorias que buscam compreender as

práticas de letramento, como uma das alternativas para trabalhar a leitura e a escrita

dos alunos. Sobre este tema, ancoramo-nos uma vez mais em Rojo (2004), ao

defender que a escola tem um papel fundamental no desenvolvimento de ações que

promovam o letramento escolar, no sentido de destacar que um dos principais

objetivos da escola é possibilitar diversas estratégias de ensino que deem acesso à

participação nas várias práticas sociais que se utilizam da leitura e da escrita, que

nada mais é do que os letramentos, na vida, na cidade, de maneira ética, critica e

democrática. Isso implica o acesso a outros espaços valorizados de cultura e outras

mídias lógicas e digitais.

Assim, o termo letramento(s), no plural, indica complexidade e multiplicidade

de práticas, que a autora nomeia de letramentos múltiplos, alguns deles dominantes,

como o letramento escolar, jurídico, acadêmico, literário, burocrático; outros

considerados marginais e desvalorizados, como os que fazem parte do cotidiano das

culturas locais e populares. Semelhantemente, Corti etal (2012) apresenta sua

concepção acerca deste tema e as várias práticas de letramento:

São várias as práticas de letramento nas quais os jovens se engajam todos os dias: leitura de textos religiosos, emails, salas de bate-papo, portais de busca, sites de relacionamento, grupos de teatro, cursos extracurriculares, entre outras. (CORTI, 2012: 15)

A autora destaca que esses letramentos não são reconhecidos pela escola, o

que acaba por tornar “invisíveis” essas práticas em torno das atividades sociais de

ler, escrever e falar. Podemos perceber que as duas estudiosas concordam num

mesmo aspecto: o letramento existe fora da escola, porém não é considerado pelos

professores. É lamentável não reconhecê-lo, pois várias atividades de leitura e

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escrita poderiam ocorrer a partir dele. E, com isso, proporcionar aos alunos novas

informações e conhecimentos para poderem compreender o mundo, as relações de

poder e, assim, ganharem competência leitora.

Assim, essa maneira de pensar o uso da linguagem, de forma critica e

questionadora, tem levado outros pesquisadores da linguística a investigar

estratégias de ensino numa relação entre teoria e prática, de modo que os alunos

ultrapassem a capacidade de ler e escrever, dando-lhes condições linguísticas

argumentativas para se posicionarem frente aos diferentes discursos circulantes na

sociedade.

1.3 Letramento crítico

O letramento crítico ainda apresenta um caráter de novidade no Brasil, visto

que são poucas as obras traduzidas em português. Num panorama geral, surgiu

aproximadamente em 1996, com uma equipe de pesquisadores denominada New

London Group, cujo objeto de estudo era investigar e discutir sobre os rumos da

pedagogia de alfabetização frente à rápida mudança do processo de globalização,

tecnologia e aumento da diversidade cultural e social. O principal objetivo era

garantir o aprendizado para todos os alunos para que pudessem participar

ativamente das diversas práticas letradas da sociedade.

Nesses estudos, identificaram alguns elementos importantes que descreviam

as atividades de um indivíduo, como eles se identificavam, ao ler e ao criar um novo

texto usando diferentes códigos. A identificação desses códigos concebeu-se como

novo letramento, denominado “metalinguagem”, pois compreendiam a importância

deste fenômeno para o trabalho com a linguagem.

Assim, todo esse material linguístico tornou-se um componente essencial

para uma proposta educacional comprometida com um ensino voltado para os novos

letramentos, que apresenta estratégias e formas condicionadoras capazes de

promover a transformação do sujeito quando envolvido numa pedagogia de viés

emancipatório.

No Brasil, há também pesquisadores preocupados com uma pedagogia

crítica, fundada na ética, no respeito à dignidade e autonomia do educando. Para

compreendermos o contexto brasileiro, revisitaremos Freire (1967), por ser a base

para uma proposta de educação como prática libertadora, que pode ser promovida

através do letramento crítico.

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Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão. Mas, se dizer a palavra verdadeira, que é trabalho, que é práxis, é transformar o mundo, dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens. (FREIRE, 1967, p. 108)

Para que haja, de fato, uma conscientização e uma reflexão crítica em relação

à cidadania, é necessário, em nossa concepção, o confronto de várias

subjetividades mediadas pelo diálogo, pois é no encontro que se dão os sentidos. É

na interação com o outro que os sujeitos se constroem histórica e ideologicamente

enquanto participantes de outros contextos sociais.

Desse modo, o diálogo assume um papel fundamental na constituição da

consciência, que é essencialmente dialógica, por conta das relações que estabelece

com os outros e com o mundo. Nas palavras Freire, “a conscientização crítica

envolve ir além do saber ingênuo e do senso comum que consiste em confrontar

interpretações e valores diferentes e perceber-se nesse processo por meio do

contínuo questionamento”. Entendemos que o questionamento pode ser

compreendido como um estímulo ao processo de interpretação e,

consequentemente, à produção do conhecimento.

Assim, através da expansão do processo de conhecimento, aprimora-se a

prática, que se configura não apenas como ação de criticar o conhecimento prévio,

uma situação ou um fato observado, mas criticar todo o processo de interpretação e

o conhecimento extraído deles. O letramento crítico parte do pressuposto de que a

linguagem é por natureza ideológica. Ela não é apenas um veículo de comunicação,

um instrumento; é muito mais que isso, é vista como arma social por excelência.

Pereira (2004) defende que a linguagem verbal é o veículo mais poderoso de

configuração e transmissão das ideologias sociais. Sendo assim, podemos

compreender que é pela linguagem que os valores são perpassados, as crenças, os

pensamentos cristalizados em nossa sociedade. Nesse sentido, podemos

depreender que, na abordagem crítica do letramento, significa perceber pela e na

linguagem as suas várias fronteiras ideológicas.

Para isto, não basta apenas a percepção, mas assumir-se enquanto cidadão,

reconhecer-se como sujeito social, que sabe o seu lugar no mundo, posicionar-se

em relação às problemáticas sociais, portanto não ser omisso ou conivente com as

misérias e corrupções da sociedade, mas colocar-se na posição de sujeito ativo,

condutor de sua própria leitura e percepção de mundo, interagindo com os

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problemas político-sociais e, o mais importante de tudo, assumindo uma voz,

através do diálogo, numa atitude de ação-reflexão-ação para uma possível mudança

social e transformação de determinadas situações, até então “imutáveis”, sendo,

portanto, um cidadão livre para fazer suas escolhas. Portanto, o letramento crítico

contribui no processo de formação do leitor.

Nesse processo, a escola é o lugar social de ensino-aprendizagem de

conhecimento responsável pela formação do sujeito social, de construção da ética e

de circulação de valores ideologicos, portanto deve possibilitar ao aluno o acesso a

diferentes práticas de letramento para que possa se ver em condições de ler,

interpretar, ressignificar e escolher. Implica dizer que a leitura possibilita essas

percepções, quando trabalhadas as capacidades consideradas basilares no

desenvolvimento enunciativo-discursivo, através do diálogo.

As contribuições de Gee (1990) também nos ajudam a compreender um

pouco mais sobre o caráter ideológico da linguagem. Em seu ponto de vista, a

ideologia é um conjunto de práticas “naturalizadas”, “normalizadas” e “comumente

aceitas” sobre uma determinada realidade sociocultural. Nesse sentido, esses

modelos culturais são muito difíceis de “ver e ouvir”, entretanto têm uma influência

considerável sobre os signifcados veiculados pela linguagem.

Assim, todo discurso é ideologicamente “enviesado”, porque é sempre

manifestação de modelos culturais que representam um determinado ponto de vista

a que se visa conformar os indivíduos (leitores ou ouvintes), ao mesmo tempo em

que silencia outros modelos culturais, outros pontos de vista. Essas contribuições

nos levam a perceber que, de fato, nesse processo de circulação de significados, há

ideologicamente confrontos de valores, uma vez que cada participante traz consigo

novas práticas discursivas e diferentes valores culturais.

Para Monte Mór (2013), a habilidade crítica se revela um elemento

fundamental nas propostas educacionais que levam em conta as teorias e práticas

de letramentos. O desenvolvimento dessa habilidade se dá num processo expansivo

e de mão-dupla, voltado para a sociedade de agora.

Temos, ainda, as contribuições de Paes de Barros (prelo) sobre a

compreensão ativa, na visão bakhtiniana, fundamental, em sua opinião, para a

formação para o letramento crítico. A pesquisadora, ao tratar deste aspecto,

reafirma o pensamento bakhtiniano: para compreender o processo de construção do

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sentido, é necessário reconhecer a palavra como um signo ideológico, entendido

como produto sócio-histórico cultural de uma dada sociedade.

Nesse grande cenário da linguagem, a palavra é por natureza ideológica,

assumindo uma significação nas mais diferentes esferas sociais. Desse modo, o

processo de compreensão ativa coaduna-se às concepções da pedagogia crítica,

em que o sujeito assume o papel de protagonista, de forma consciente, perceptível

aos discursos velados, assumindo uma atitude contra a opressão e as manipulações

de poder, capaz de posicionar-se criticamente numa postura libertadora.

Tais considerações sobre o letramento crítico são importantes para nossa

pesquisa porque acreditamos que através de suas propostas teórico-metodológicas

o aluno seja capaz de se tornar um indivíduo autônomo na interpretação das

ideologias e discursos que circulam na sociedade.

1.4. Capacidades de leitura e a promoção do letramento

O estudo e o ensino de leitura têm sido cada vez mais discutidos no âmbito

da educação brasileira. Podemos entender que este fenômeno é causado pelo

insucesso escolar diante da falta de proficiência leitora dos alunos. Assim, o Ceale3,

composto por um grupo de professores da Universidade de Minas Gerais, na

tentativa de compreender o fenômeno de apropriação da língua, além de

desenvolver projetos de pesquisas voltados para a alfabetização e letramento, assim

como a prática de leitura, buscam estratégias que possam minimizar este problema

social em nosso país.

A partir desses estudos, alguns pesquisadores começam então a pensar no

desenvolvimento de capacidades leitoras que pudessem intervir de maneira mais

eficiente no processo de leitura e escrita, diminuindo assim não somente o

analfabetismo, mas aumentando o letramento da grande maioria dos alunos da rede

pública de ensino. Dentre estes pesquisadores, destacamos novamente as

contribuições de Rojo (2004).

Nesta proposta, optou-se pelo uso do termo “capacidades” – amplo o

suficiente para abranger todos os níveis de progressão, desde os primeiros atos

motores indispensáveis à aquisição da escrita até as elaborações conceituais

3 Centro de alfabetização, leitura e escrita. FaE/UFMG. O Ceale integra a Rede Nacional de Centros

de Formação Continuada do Ministério da Educação.

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(ampliações na compreensão da leitura, na produção textual e na seleção de

instrumentos diversificados para tais aprendizagens).

Assim, criou-se um modelo de práticas que permitissem à criança desde os

anos iniciais despertarem para o sentido da linguagem, seu uso e estilo nos

diferentes contextos e, desse modo, apropriar-se da leitura de forma prazerosa e

natural no cotidiano da sala de aula. Para tanto, desenvolveram-se alguns

procedimentos e estratégias de ensino de leitura para desenvolver as capacidades

consideradas necessárias para uma consciência cidadã.

Rojo (2004) esclarece que algumas capacidades são ensinadas e aprendidas

durante o processo de alfabetização, consideradas capacidades básicas, que são as

de decodificação, que envolve compreender diferenças entre escrita e outras formas

gráficas, entre outras; porém, estas capacidades não se dão por si sós, sem a

contribuição de outras capacidades de compreensão, apreciação e réplica.

Assim, foram pensadas outras capacidades que pudessem ativar o

desenvolvimento do intelecto para uma leitura mais significativa, que ultrapassasse

o simples ato de decodificação. Desse modo, pensou-se em procedimentos e

estratégias configurando todo o processo ensino-aprendizagem para mobilizar as

capacidades cognitivas, linguísticas, afetivas, discursivas, entre outras, numa

abordagem crítica e responsiva, capacidades fundamentais, a nosso ver, para o

desenvolvimento do letramento crítico.

Para tanto, descrevemos as capacidades leitoras, tomando como base as

contribuições de Rojo (2004), que as classifica em três grupos distintos:

1.4.1 Capacidades de decodificação – Referem-se àquelas capacidades em que o

aluno conhece o sistema alfabético, sabe como funciona, compreende a diferença

entre a escrita e outros sistemas de representação gráfica, decodifica e reconhece

palavras e textos escritos etc. A autora considera esta capacidade mínima, pois, ao

decodificar, não significa de fato que o aluno esteja lendo, partindo do pressuposto

de que a leitura é um processo em envolve alguns aspectos fundamentais na

compreensão do texto como, por exemplo, a interação e o sentido. Sendo assim, a

pesquisadora elenca mais duas capacidades necessárias para que a leitura seja

significativa e considerada adequada.

1.4.2 Capacidades de compreensão - esta capacidade envolve alguns

procedimentos estratégicos, mobilizando assim a cognição do aluno, como, por

exemplo: ativação de conhecimentos de mundo – está relacionada ao

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conhecimento prévio que o aluno tem sobre o texto. Ou seja, o conhecimento de

outras leituras, de outros contextos, os quais são convocados no ato da leitura,

ativado na memória do leitor; antecipação de conteúdos e checagem de hipóteses -

o leitor cria algumas expectativas antes da leitura do texto a partir de seu título ou

alguma outra pista, levanta hipóteses, as quais poderão ser conferidas no final da

leitura; localização e comparação de informações – as duas capacidades direcionam

o aluno a identificar, buscar e comparar informações através do recurso de

localização, do copiar e colar.

É uma ação simples, pois é responder o que está explicitado no texto, o

óbvio; generalização é a capacidade que o leitor tem de guardar na memória uma

síntese do texto-fonte. É uma forma condensada, resumida, porém mantendo a sua

originalidade. E, por último, produção de inferências locais e globais – refere-se

respectivamente à compreensão dos vazios do texto, pois nem tudo é dito,

necessitando a atribuição de sentido em relação ao que foi discutido. A referência

local refere-se ao contexto imediato, aos parágrafos, frases e/ou períodos. Já na

global, conforme Rojo (2004, p. 6), “o leitor lança mão, ao mesmo tempo, de certas

pistas que o autor deixa no texto, do conjunto da significação já construída e de seus

conhecimentos de mundo, inclusive lógicos”.

1.4.3 Capacidades de apreciação e réplica do leitor em relação ao texto

(interpretação, interação)

Estão incluídas, neste grupo, as capacidades de recuperação do contexto de

produção. Para que a leitura faça sentido para o leitor, é necessário resgatar alguns

elementos fundamentais na construção do texto, como por exemplo: quem é o

autor? Que posição ele ocupa no contexto social? Quais são os fatos histórico-

sociais ocorridos no período de sua produção? Quais ideologias estavam em

vigência na época? Que tipo de público dialoga com o texto? Qual esfera social? Em

qual instituição ou veículo circula o texto? Esses são alguns dados relevantes na

construção do sentido e na compreensão geral do texto.

Definição de finalidades – todo texto tem uma finalidade para a qual foi

escrito. No entanto, é o leitor que vai determinar qual a razão de sua escolha, com

que objetivo lerá determinado texto, se para uma prova, para o trabalho, para buscar

informações ou para o divertimento. Destaca-se também dentro deste grupo, a

percepção de intertextualidade – esta capacidade está no nível temático. O leitor

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estabelece com o texto que está lendo relações intertextuais com outros textos já

lidos, uma vez que todo texto pode fazer alusão a outro, responder ou replicar.

Capacidade de interdiscursividade – está no nível do discursivo. É perceber

que um determinando discurso pode ser colocado em relação com outros discursos

já conhecidos, que estão entrelaçados a este discurso.

Percepção de outras linguagens – é a capacidade de perceber não somente a

linguagem verbal escrita, mas outras compostas por imagens, ilustrações, som,

gráficos entre outros que contribuem para a construção do sentido.

Elaboração de apreciações estéticas e/ou afetivas – é a apreciação que o leitor faz

da leitura, se está sentindo prazer ao ler ou não. Se concorda ou não com o rumo

que o autor está dando à narrativa.

Elaboração de apreciações relativas a valores éticos e/ou políticos - esta

capacidade dá ao leitor a possibilidade debater, concordar ou refutar o que está

sendo tratado no texto. Leva o leitor a posicionar-se frente ao que esta sendo

discutido. O nosso objetivo aqui foi apresentar um panorama do que trata cada uma

dessas capacidades, uma vez que o conhecimento delas é fundamental e

determinante para as nossas análises.

1.5 Ensino de literatura e o letramento crítico-literário

O ensino de literatura, na maioria das escolas, tem sido enfocado

cronologicamente e traduzido numa abordagem canônica. Não se permite, na

maioria das vezes, a seleção de temas que contemplem o universo literário do aluno.

Em sua maioria, são abordados os textos já consagrados, até por uma questão

metodológica tradicional. Para Cereja (2004, p.320)

Qualquer que seja a opção metodológica de ensino, ela deve estar comprometida com a formação de leitores competentes para as necessidades do mundo contemporâneo. E, para isso, apostamos numa perspectiva dialógica como meio de orientar nossas ações pedagógicas.

Se o texto literário deve ser o principal objeto de estudo das aulas de

literatura, e não um discurso sobre a história da literatura, é preciso então levar em

conta que conhecimentos de diferentes áreas afins ─ História, Sociologia,

Psicologia, História da Arte ─ e, entre elas, a História da Literatura, podem ser

ferramentas úteis para lidar com o texto literário em todas as suas dimensões.

Assim, a interdisciplinaridade é fundamental para agregar não somente

informações, mas pode ser vista como uma abordagem integrada às questões

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contemporâneas sobre o conhecimento. Desse modo, a integração e articulação dos

conteúdos entre disciplinas de forma contextual contribui para a formação de

múltiplas aprendizagens no âmbito da convivência, socialização e da participação

cidadã na vida pública. Podemos dizer então que a interdisciplinaridade é um

processo, é um produto da aprendizagem ativa dos alunos.

As obras literárias podem ser analisadas mediante uma abordagem

interdisciplinar, como exemplo podemos citar a obra “O Diário de Anne Frank”,

escrito por uma adolescente, Anne Frank que viveu os horrores da II Guerra

Mundial, num período que se estende entre 1942 a 1º de agosto 1944. Neste caso,

a história sustenta todo o contexto da produção literária, contribuindo muito para a

compreensão da narrativa. Em uma abordagem tradicional de ensino, o aluno

estuda as escolas numa sequência cronológica, tem-se a ideia de ruptura, de

recusa, o que prejudica o caráter reflexivo dos textos literários.

A nosso ver, o aluno precisa perceber e compreender que há um diálogo

permanente ou não entre as obras e textos literários, e que estes não podem ser

analisados isoladamente, pois em grande parte um texto serve como fonte para a

produção de outro. E que a abordagem interdisciplinar e contextual promove o

desenvolvimento de capacidade crítica.

Compagnon (1999), numa abordagem panorâmica da literatura, apresenta

alguns conceitos à luz de algumas teorias. Para este autor, num sentido amplo,

literatura é tudo o que é impresso ou manuscrito, equivale ao acervo da biblioteca.

Essa é a noção clássica, o que “compreende tudo o que a retórica e poética podiam

produzir não somente a ficção, mas também a história, a filosofia e a ciência, e ainda

toda a eloquência” (COMPAGNON, 1999, p, 31).

Já no sentido restrito, varia segundo as épocas e as culturas. No sentido

moderno, o critério de valor não está no literário nem no teórico, mas no ético, social

e ideológico. Podemos compreender, a partir dessas contribuições, que cada

período da história tentou definir o termo literatura. No nosso ponto de vista, essa

busca corresponde a uma tentativa de caracterizar a sociedade vigente, seus

valores, seus costumes, sua cultura, suas ideologias e seu povo. Pois, de acordo

com Aristóteles, citado por Compagnon, “a definição humanista da literatura,

enquanto conhecimento especial, é diferente do conhecimento filosófico e cientifico,

pois permite compreender e regular o comportamento humano e a vida social”

(COMPAGNON, 1999, p.35).

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Pensando em nosso objeto de pesquisa, acreditamos que as atividades de

leitura com gêneros da esfera literária contribuem não somente para dar lugar ao

texto literário, objeto da literatura, na sala de aula, mas na sua dimensão social,

4fazer com que o aluno, enquanto ser consiga refletir sobre as infinitas relações

existentes no universo que o cerca, instigando-o a reconhecer-se como sujeito desse

meio, capaz de transformar situações aparentemente “imutáveis”.

Eagleton (2006) faz semelhante percurso histórico na tentativa de

compreender o fenômeno literário. Para o autor, a literatura está relacionada a juízo

de valor, com raízes em estruturas mais profundas que são as crenças e os valores

culturais. Os juízos de valor são constituídos historicamente, portanto tem estreita

relação com as ideologias sociais. Concordamos com este autor ao defender que a

literatura tem relação com as crenças e a cultura, pois em nosso ponto de vista, são

das tradições e dos costumes entre outros que o fenômeno literário surge e

sobrevive, tendo a história como sustentação. Neste sentido, vale reafirmar nosso

ponto de vista em relação ao letramento crítico, como uma das possibilidades no

desenvolvimento de capacidades, que se assemelha ao letramento literário, uma vez

que este último promove o desenvolvimento de capacidades críticas e

questionadoras.

No entanto, ressaltamos que optamos pelo letramento crítico pelo fato de

nosso objeto principal de estudo ser a leitura, a qual está presente em todas as

esferas sociais de atividade humana, que sob este olhar recebe maiores

possibilidades de análise, diferente do letramento literário, que contempla apenas o

campo da literatura. Mesmo assim, abordarmos sinteticamente este último porque

reconhecemos que também é importante no desenvolvimento de capacidades

leitoras.

O conceito de letramento apresentado por Soares (2006), como “estado ou

condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas

sociais que usam a escrita e a leitura” (SOARES, 2006, p. 18), já é consenso no

nosso país. Assim, o letramento literário seria, então, definido como estado ou

condição de quem não apenas é capaz de ler texto em verso e prosa, mas dele se

apodera, deixando a condição de simples expectador para a condição de leitor

4 Nosso conceito de literatura

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literário ou mais precisamente “[...] o processo de apropriação da literatura enquanto

construção literária de sentidos” (PAULINO & COSSON, 2009, p. 67).

Com base nesta definição, podemos entender que o letramento literário não é

apenas uma habilidade pronta e acabada de ler textos literários, mas uma ação

permanente e atualizada do leitor centrada no seu universo literário. No cotidiano da

escola, mais especificamente no âmbito da sala de aula, os gêneros literários têm

exercido, muitas vezes, o papel de pretexto para ensinar aspectos gramaticais da

língua e como objetos de interpretações prontas e acabadas, e, quando não, são

vistos como mero passatempo.

Cosson aponta outro equívoco, o de associar a leitura literária ao mero

prazer, como se prazer ou desprazer pela leitura não fosse uma produção social e

cultural, pois ninguém nasce gostando ou não de ler; tendo prazer ou não pela

leitura. “Os defensores do mero prazer, por vezes, são contraditórios, pois o único

valor que atribuem à literatura é o reforço das habilidades linguísticas” (COSSON,

2006, p. 29). A pesquisadora Mello (2009) coaduna nesta mesma opinião.

a boa literatura perdeu espaço na vida social. E isto é grave. À medida que se perde um dos principais instrumentos para despertar o senso crítico e estético, torna-se mais fácil a dominação e a desumanização geral. Sim, a literatura e as artes são o que nos torna mais humanos; sua extinção é tão grave quanto à das espécies

animais e vegetais que lutamos por preservar. (MELLO, 2009, p.3).

Como podemos perceber, a história registra que, desde o seu surgimento, a

literatura tem cumprido um papel social muito importante, que é o de tentar explicar

como se dá a vida em sociedade. Assim, ao longo do tempo, serviu ora como

entretenimento para nobreza, ora para estabelecer normas de comportamento

sociais, também para contar a historia de um determinado povo e, mais tarde, como

edificação de símbolos nacionais, contribuindo, assim, para a construção da

identidade.

Mas alguns pesquisadores salientam que a literatura tem perdido o seu lugar,

até então privilegiado na vida social, devido aos interesses econômicos de seus

produtores. Não há dúvida de que a literatura é um poderoso instrumento de

combate, de denúncia, de negação, de confirmação, de pertencimento, portanto não

há como negar a relação que existe entre ela e a vida em sociedade.

De algum modo, todos se servem dela para dizer ao mundo as suas crenças,

seus costumes, suas ideologias, suas tragédias e suas normas, a fim de fortalecer

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em cada momento histórico a sua presença e atuação. Decorre daí nossa escolha

por optar por atividades de leitura com gêneros da esfera literária porque atribuímos

à literatura o caráter ideológico e simbólico encarregado da transmissão de diversas

manifestações morais, éticas, ficcionais, além de formador da personalidade, como

também uma força poderosa da transmutação da própria realidade.

A leitura literária torna-se cada vez mais necessária nas atividades em sala de

aula, no sentido de dar ao aluno o direito de múltiplas significações, pois não se

transmite apenas um conhecimento, que resulta em aprendizado, mas, segundo

Cândido (2004), a atuação simultânea de três aspectos que constituem o cerne da

literatura, sendo o primeiro a construção de objetos autônomos com estrutura e

significado; o segundo como forma de expressão, manifestação das emoções e a

visão do mundo dos indivíduos e dos grupos; e o terceiro como forma de

conhecimento, inclusive como incorporação difusa do inconsciente. Nisto incide a

complexidade de sua natureza, que explica o papel contraditório, mas humanizador -

talvez contraditório porque é humanizador. Assim Cândido (2004) entende o

processo de humanização

o processo que confirma ao homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. (CÂNDIDO, 2004, p.04)

Nessa concepção, a literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na

medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a

sociedade, o semelhante. Em outras palavras, desenvolve a nossa sensibilidade

para as situações do mundo, além de nosso senso crítico. Isso nos faz lembrar

Bakhtin e o seu dialogismo, que compreende a linguagem a partir de uma noção de

recepção e compreensão de uma enunciação, envolvendo num território comum

locutor e locutário, que ao se colocarem frente um ao outro produzem um movimento

dialógico. Nesse sentido, o sujeito não se constitui isoladamente, mas com outros

sujeitos em um dado momento histórico-social. Para Bakhtin, o sujeito é um ser de

resposta.

A compreensão de uma fala viva, de um enunciado vivo é sempre acompanhada de uma atitude responsiva ativa (conquanto o grau dessa atividade seja muito variável); toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente a produz: o ouvinte torna-se o locutor. [...] a compreensão responsiva nada mais é senão a fase inicial e preparatória para uma resposta (seja qual for

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a forma de sua realização). [...] o enunciado não é uma unidade convencional, mas uma unidade real, estritamente delimitada pela alternância dos sujeitos falantes, e que termina por uma transferência da palavra ao outro, por algo como um mudo “dixi” percebido pelo ouvinte, como sinal de que o locutor terminou. [...] Cada réplica, por mais breve e fragmentária que seja, possui um acabamento específico que expressa a posição do locutor, sendo possível responder, sendo possível tomar, com relação a essa réplica, uma posição responsiva. (BAKHTIN, 1997, p. 295).

A partir dessas contribuições, podemos dizer que a linguagem literária dialoga

com outras áreas do conhecimento, suscitando respostas por meio dos enunciados,

dos temas e dos discursos evocados nas enunciações das obras. Nesse sentido, a

linguagem contribui na constituição do sujeito, pois a linguagem literária faz da

linguagem um objeto estético, e não meramente linguístico, do qual podemos inferir

significados de acordo com nossas singularidades e perspectivas. Em nossa opinião,

o letramento literário está estritamente relacionado ao letramento crítico, pois ambos

possibilitam o desenvolvimento de capacidades para uma leitura crítica e autônoma.

Para Gee (apud Lankshear, 1997), letramento crítico é a habilidade de justapor

discursos, e verificar como discursos competitivos formulam e reformulam elementos

variados, que dão origem a perguntas e questões sobre os interesses, objetivos e

relações de poder entre e dentro de discursos.

Assim, devido à nova ordem global na qual vigora a diferença, o letramento

crítico requer a criação de um novo discurso, com uma nova comunidade de

elementos humanos, que tenha como seu objetivo a reformulação de elementos, em

nome da justiça social proporcionando um tratamento mais humano para todos.

Neste sentido, o letramento crítico seria concretizado por duas abordagens

principais: engajamento crítico com e através dos textos, e prática social crítica.

Desse modo, está estritamente relacionado a engajar o sujeito em uma

atividade crítica ou problematizadora que se concretiza através da linguagem como

prática social. Em nosso ponto de vista, a leitura literária possibilita esse

engajamento, uma vez que a literatura é um fenômeno ideológico, de

representações sociais, possibilitando múltiplas interpretações e, tem uma relação

direta com os fatos que ocorrem na sociedade. O grau de envolvimento com a leitura

literária vai depender do que o leitor valora e sua visão de mundo, além de

conhecimentos prévios que são importantes na compreensão global do texto.

Podemos afirmar, então, que existem diferentes níveis de leitura de um texto

literário, como, por exemplo: a leitura superficial, horizontal, que se limita à

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compreensão dos elementos mais imediatos e concretos do texto. Outro fenômeno

que pode dificultar a compreensão do texto e que pode limitar ou ampliar é o

conhecimento limitado da língua. Além disso, todo texto de algum modo carrega um

discurso, valores éticos e políticos o que pode provocar ou não algum tipo de

preconceito em sua escolha e adoção. Sobre esta atitude discriminatória com textos

literários, em especial em relação aos gêneros poéticos, Padilha (2005) salienta,

Criar algum gosto pela leitura e escrita de gêneros poéticos e formar leitores literários destes não depende somente de técnicas ou métodos didáticos, mas também exige um trabalho de reconhecimento e superação de preconceitos sociais, em direção ao acolhimento da diferença e da diversidade.Convivemos com estas crenças pré-concebidas, que destinam as práticas de leitura disto ou daquilo a certos atores e papéis sociais. Esta adjetivação não se dá somente em relação ao sexo, mas também em relação às classes sociais e outras tantas variáveis: o que se lê, o que se escuta, o que é “chique”, o que é “brega”, o que é moda, o que é cafona, ético. (PADILHA, 2005, p. 10).

Com base nas afirmações desta pesquisadora, podemos dizer que há certo

preconceito não só por parte de professores, mas da própria sociedade na seleção

de textos literários. Vale lembrar também que algumas escolhas vêm acompanhadas

de certos modismos. Isso, infelizmente, sobrepõe-se ao caráter simbólico e

ideológico da formação literária. Com isso, perdem-se algumas das possibilidades

para se trabalhar e explorar a obra literária, como por exemplo, o de contribuir para a

visão de mundo do aluno ou de um grupo, levando-os a posicionar-se para

transformar as relações de dominação existente em nossa sociedade. Nesta

perspectiva a leitura é, sem dúvida, uma ferramenta capaz de provocar no leitor o

espírito de criticidade.

1.6 O livro didático na construção do letramento

Macedo (2009) discute alguns aspectos que considera importantes para

abordar o assunto do letramento escolar. Suas investigações se voltam para o

cotidiano de uma turma do Ensino Fundamental em que o livro didático é o elemento

central de sua análise. As observações se centraram nos processos de interação

constituídos pelos alunos e a professora em torno do livro de português.

A autora buscou verificar de que forma se configuravam as interações

mediadas pelo livro didático. Como o discurso de ambos os sujeitos são construídos

nesse espaço? Que vozes o livro didático faz circular nesse ambiente? E como a

professora apropria-se desse instrumento em sua prática pedagógica?

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O objetivo de nossa pesquisa não é muito diferente ao da pesquisadora

Macedo (2009), pois semelhantemente buscamos compreender de que forma o livro

didático contribui para o letramento dos alunos, e qual o seu papel na sala de aula,

embora estas perguntas não estejam contempladas inicialmente em nossas

propostas, pois hipoteticamente elencamos outras para verificar de que maneira as

atividades propostas pelo livro didático colaboram na formação leitora dos alunos.

Os apontamentos feitos por Macedo (2009) indicaram que a professora

dialoga com o livro didático, apropriando-se dessa ferramenta cultural de acordo com

os dispositivos que constituem o seu fazer pedagógico. No entanto, vale-se de

outros recursos para alternar os métodos de ensino, pois compreende que há a

necessidade de não se reproduzir linearmente o que o material propõe.

Desse modo, busca outros referenciais para modificá-lo, aqueles que julga

serem adequados para o desenvolvimento de certas capacidades linguísticas dos

alunos, como, por exemplo, as contribuições de Bakhtin (1981; 1995) e alguns

aspectos conceituais das contribuições sobre letramento descritas por Street (1984).

Com base nessas contribuições, podemos inferir que não há dúvida de que o

livro didático é um objeto de mediação de conhecimento na sala de aula, e que cabe

ao professor, como agente de letramento, priorizar o que é relevante em termos de

conteúdos e de métodos adequados para estabelecer a interação e a intervenção

pedagógica.

Em nossa concepção, quanto mais o aluno tiver contato com diferentes tipos

de atividades, maiores serão suas possibilidades de construir o seu aprendizado

para uma leitura crítica, consequentemente um nível de letramento maior, levando-o

a refletir em outros campos do saber, poder comparar e relacionar fatos que ocorrem

na sociedade, compreender as relações ideológicas, inferir e construir significados.

O acesso às diversas práticas letradas e o conhecimento das coisas, de

alguma forma, contribui para a participação e a inserção social, pelo fato de o sujeito

não mais assumir uma postura passiva, mas se tornar autônomo, protagonista de

seu tempo.

Acreditamos que isso só é possível através da leitura que, em nossa opinião,

é vista como um processo “ativo”, que implica não apenas a capacidade para

compreender um texto, um objeto, o mundo, mas a capacidade de refletir sobre o

que está sendo dito, de envolver-se, a partir de ideias e experiências próprias.

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1.7 O Programa Nacional do Livro Didático

Segundo Batista (2003), o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) é

uma iniciativa do Ministério de Educação (MEC) que tem como principal objetivo

auxiliar o trabalho pedagógico dos professores por meio da distribuição de coleções

de livros didáticos aos alunos da educação básica. Esse trabalho tem sido realizado

por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia

federal vinculada ao MEC e responsável pela captação de recursos para o

financiamento de programas voltados para o ensino fundamental.

A partir de 1996, o MEC passou a desenvolver e executar um conjunto de

medidas para avaliar sistemática e continuamente o livro didático brasileiro, a fim de

debater com os diferentes setores envolvidos em sua produção e consumo. Nas

considerações de Batista, o envolvimento do MEC com o material didático até então

se limitava à Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), executor do Programa

Nacional do Livro Didático até a extinção do órgão em 1997.

Na opinião deste mesmo autor, em nenhum momento o ministério se

propunha a discutir a qualidade dos livros que adquiria. No entanto, a partir da

década de 60, algumas investigações apontaram para o caráter ideológico e

discriminatório do livro didático, além de revelar a baixa qualidade, sua

desatualização, incorreções conceituais e suas insuficiências metodológicas, apesar

de ser a principal ferramenta utilizada por professores e alunos, seja em razão de

uma inadequada formação de professores, seja em razão de precárias condições de

trabalho.

E com o decorrer dos anos, o livro didático se tornou um dos principais fatores

que influenciam o fazer pedagógico, determinando sua finalidade, definindo o

currículo, cristalizando abordagens metodológicas; enfim, organizando o cotidiano

da sala de aula. Mediante estas afirmações, podemos inferir que, a principio, não

houve uma preocupação com a qualidade do que era produzido, entretanto

pesquisadores já reconheciam a importância de assumir uma postura mais crítica

em relação a esse objeto de ensino e melhorar a sua qualidade por intermédio de

uma política que pudesse exigir critérios para melhoria, como também para capacitar

adequadamente o professor para avaliar e selecionar o manual a ser utilizado em

sala de aula.

Além de Batista (2003), outros pesquisadores como Rojo (2003), Bunzen

(2004/2009), Pinheiro (2006) também têm tomado o livro didático de português como

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objeto de estudo, e cada um seleciona e o recorta conforme seus critérios teórico-

metodológicos. Percebemos, com isso, que o índice de pesquisas nessa área tem

crescido consideravelmente, talvez pelo fato, como dissemos acima, de ser o

principal recurso utilizado na sala de aula da escola brasileira.

As análises de Rojo (2004), em alguns materiais didáticos do Ensino

Fundamental, evidenciaram uma abordagem estrutural e cristalizadora de currículos,

além de certa homogeneização das propostas e práticas didáticas. Muito embora

algumas obras apresentassem referências mais recentes, mantinham-se as

propostas pautadas na tradição. Podemos depreender que essa homogeneização

apaga as singularidades dos sujeitos, a sua subjetividade, o modo de perceber-se

no mundo, pois a homogeneização padroniza a aprendizagem dos alunos sob um

único aspecto, de que todos aprendem, e aprendem de uma só forma. Assim, os

pesquisadores Rojo e Batista (2003), numa análise de livros didáticos destinados ao

Ensino Fundamental, constataram que

em todos os domínios de ensino de língua materna nos quais os livros são avaliados, há o privilégio da norma culta, língua padrão, língua escrita, gêneros e contextos de circulação pertencentes à cultura da escrita (jornalísticos, literários e de divulgação científica, sobretudo; portanto, urbanos e, no caso brasileiro, sulistas). Na abordagem de leitura dos textos, são priorizados o trabalho temático e estrutural ou formal sobre estes, ficando as abordagens discursivas ou a réplica ativa em segundo plano. [...] (ROJO e BATISTA 2003, p. 19-20)

Não há dúvida de que a norma e a forma da língua são prioridades nesses

materiais; segundo os autores, esses trabalhos estão baseados na gramática

normativa, e nas “formas cultas da língua padrão, nunca explorando diferentes

variedades sociais ou geográficas da língua efetivamente em uso”. (ROJO e

BATISTA, 2003). Esse dado nos revela que a prioridade maior não é dialogar com

os documentos oficiais, os PCN de língua portuguesa, ao privilegiar o padrão culto

da língua em detrimento da oralidade, desconsiderando a variedade e a

heterogeneidade linguística.

Desse modo, podemos inferir que ainda prevalece uma proposta de ensino de

caráter tradicional, pautado em regras da língua, distante do uso efetivo e dinâmico

da linguagem. Em nossa opinião, ao privilegiar o ensino com bases nas gramáticas

normativas, exclui-se o que é de mais essencial e fundamental da linguagem

humana, as mudanças linguísticas que advêm da interação entre sujeitos falantes,

que são, por natureza, situados sócio-historicamente.

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Na tradição, a língua não é vista como modeladora de discursos, de

ideologias, e não carrega em si uma historicidade, como também não é detentora de

representações do mundo e de outras práticas sociais de comunicação e interação.

1.8 O livro didático de Português: questão autoral

Neste campo de investigação, diversos são os pesquisadores que têm

buscado compreender como se dá o diálogo entre o discurso autoral e o discurso

oficial, discutindo e analisando propostas didáticas, cujo objetivo é verificar que

teoria, método e atividades são contemplados nos manuais, objetos de tais análises,

já que todos esses fatores são fundamentais para um ensino-aprendizagem

significativo.

Dentre esses pesquisadores, recorremos novamente às contribuições de

Padilha (2005) que, ao analisar 07 coleções do Ensino Fundamental, percorreu duas

vias de análise: a primeira se constituiu na compreensão do discurso poético,

ancorada nas formulações do Círculo de Bakhtin; e a segunda, na investigação das

formas de escolarização dos gêneros poéticos nas obras didáticas examinadas,

selecionadas de acordo com sua proposta metodológica de pesquisa.

Assim, buscou obter, na confluência destes dois caminhos, respostas para a

questão da formação do leitor literário, tanto na dimensão teórica, concebendo os

gêneros poéticos como gêneros discursivos e objetos estéticos, como também na

dimensão didática, entendendo-os em sua condição de gêneros escolarizados. Os

resultados revelaram, nas palavras da autora

que a inserção de bons textos, de autores renomados, que escrevem obras direcionadas para o público infantil, tudo isso não vai garantir a apropriação dos aspectos literários pelos alunos leitores, caso não seja proporcionado ao aluno um ensino que favoreça de fato sua formação progressiva como leitor literário, para além do tempo e espaço escolares. (PADILHA, 2005, p.164)

Sob este viés, podemos refletir um pouco sobre a autoria dos sujeitos que

direta ou indiretamente utilizam o livro didático como ferramenta para mediar o

conhecimento, embora este não seja o nosso foco. Primeiro, temos a escolha do

autor do livro didático que seleciona determinados autores para compor o repertório

de conteúdos. Inferimos que essa escolha reflete suas concepções ideológicas, a

sua visão de mundo, e consequentemente o modo como concebe o ensino de

língua(gem). Segundo, temos o discurso autoral, o dos documentos oficiais e, por

último, a autoria do aluno que suscita ser trabalhada. Portanto, são autorias que

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precisam ser consideradas no processo de ensino-aprendizagem. Assim,

perguntamo-nos: de que forma essas autorias se correspondem?

Podemos deduzir que, pelas pesquisas acadêmicas, na maioria das vezes, a

elaboração do material dialoga com os documentos oficiais, como os PCN, por

exemplo, buscando atender ao que é proposto, em termos de ensino, e também ao

chamado mercado editorial. Porém, a nossa preocupação é quanto à autoria do

aluno, cercada pelas vozes do discurso autoral, ou seja, dos autores e

organizadores de material didático e o oficial, que mencionamos acima. A pesquisa

de Padilha (2005) nos leva a perceber os limites dessas vozes e suas contradições.

Sua pesquisa com gêneros da esfera literária revelou uma preferência maior por

autores consagrados e que os mesmos não garantem a formação do leitor literário.

A pesquisa de Padilha (2005) revela

O livro didático de Língua Portuguesa dialoga também com os documentos oficiais, com as teorias da Linguística, da Psicologia, da Educação. Portanto, a sua concepção está impregnada de avaliações acerca dos atores envolvidos (documentos oficiais, escolas, políticas públicas, práticas pedagógicas, estudantes, professores e as coerções da esfera editorial), em uma relação entre vozes (autorais e oficiais), numa complexa rede de relações dialógicas que se tensionam entre forças centrípetas e centrífugas e acabam por determinar um todo arquitetônico para o livro didático: “A obra pedagógica será constituída e acabada pela força motriz que é a posição valorativa do autor e todos os elementos que a compõem estarão alinhavados e intermediados pelo discurso autoral” (PADILHA, 2005, p.81).

Podemos presumir, portanto, que as atividades propostas por esses manuais,

principalmente para os textos em gêneros da esfera literária, não estão formando

alunos com capacidade crítica por estarem alicerçadas às propostas de cunho mais

gramatical/formal que discursivo, o que revela a preocupação de seus autores

didáticos em atender às exigências das orientações didáticas tradicionais, portanto

aquém da realidade linguística de nossos alunos que não falam por normas rígidas

da língua, mas utilizam uma oralidade cercada por discursos de diversas ordens e

que não é considerada pela escola nas atividades de leitura.

Ainda sob as contribuições de Padilha (2005), com relação às propostas

didáticas:

A obra didática apega-se, na maioria das vezes, como pudemos verificar em nossa análise de atividades, aos estudos tradicionais oriundos da teoria literária, atravessados por concepções formalistas que privilegiam os aspectos da forma composicional sem se preocupar com a construção dos sentidos do texto ou com uma

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leitura que promova uma ampliação da visão do aluno sobre os processos estéticos de criação dos objetos poéticos, e desprezando, por outro lado, os contextos sócio-históricos em que se inscrevem as produções literárias que compõem as coletâneas. (PADILHA, 2005, p. 238)

De acordo com a pesquisadora, o livro didático vai seguir uma abordagem

estilística restrita aos territórios textuais das obras, ou seja, priorizando muito mais

aspectos gramaticais que discursivos, num tratamento centrado na exploração das

estratégias cognitivas básicas de leitura, aquelas voltadas para a compreensão do

texto, além disso, essa abordagem se estende também aos gêneros poéticos.

É fundamental, em nossa opinião, a compreensão desses fenômenos, já que

tomamos para nossas análises um objeto de mediação para o ensino-aprendizagem

de língua, como também de leitura: o livro didático de português. Nesse sentido, vale

ressaltar que, na maioria das vezes, a abordagem dada ao livro didático é de cunho

mais sistêmico que discursivo. Isso se justifica, em nosso ponto de vista, por uma

forte tendência para atender ao mercado editorial, este impulsionado pelo sistema

capitalista e subjugado a interesses políticos, os quais se revelam nos documentos

oficiais, em outras palavras, o material didático para ser aprovado deve dialogar com

esses documentos institucionais legalmente aceito para parametrizar todas as áreas

do currículo.

Em nossa opinião, esses documentos foram também pensados previamente

para atender determinados interesses políticos e econômicos, uma vez que é

estabelecido aquilo que se deve ensinar com base em determinadas teorias e não

em outras, o que nos leva a pensar que há um interesse em formar um pensamento

culturamente massificado, pois ambos precisam dialogar, o livro com os documentos

oficiais. O primeiro é obrigado a seguir tais regras, caso contrário não sobrevive a

esse mercado.

O segundo representa a governabilidade, que precisa atender aos anseios de

uma sociedade, mas ao mesmo tempo necessita controlá-la para que não haja

nenhum tipo de revolução social, portanto o caminho é a massificação do

conhecimento, de forma oculta, ou seja, a formação direcionada e alienante do aluno

para atender possíveis dominações futuras. O que nos chamou a atenção para a

análise acima foi a observação das perguntas das atividades de leitura, pelo fato de

que exploram muito pouco as capacidades leitoras dos alunos, uma vez que

tradicionalmente as perguntas giram em torno do desenvolvimento de capacidades

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cognitivas apenas, dando pouca ênfase às discursivas. Rojo (2004), a respeito

deste mesmo assunto, nos esclarece.

[...] é permitir a nossos alunos a confiança na possibilidade e as capacidades necessárias ao exercício pleno da compreensão. Portanto, trata-se de nos acercarmos da palavra não de maneira autoritária, colada ao discurso do autor, para repeti-lo “de cór”; mas de maneira internamente persuasiva, isto é, podendo penetrar plasticamente, flexivelmente as palavras do autor, mesclar-nos a elas, fazendo de suas palavras nossas palavras, para adotá-las,

contrariá-las, criticá-las, em permanente revisão e réplica. (ROJO,

2004, p. 7)

Podemos depreender que o lugar social para o desenvolvimento dessas

capacidades é a escola, por se tratar de um ambiente que contribui para a promoção

do letramento, no qual se intercruzam várias disciplinas com objetivos afins, com o

objetivo de elevar o nível de proficiência dos alunos nas práticas de leitura e escrita.

Bakhtin (1934-35) nos ajuda a compreender um pouco mais:

o ensino das disciplinas verbais conhece duas modalidades básicas escolares de transmissão que assimila o [discurso de] outrem (do texto, das regras, dos exemplos): “de cór” e “com suas próprias palavras”. […] O objetivo da assimilação da palavra de outrem adquire um sentido ainda mais profundo e mais importante no processo de formação ideológica do homem, no sentido exato do

termo (BAKHTIN. (1934-35/1975, p 142)

Assim, nesta concepção, as palavras do outro se tornam as bases de nossa

atitude ideológica em relação a nós mesmos e em relação ao mundo, pois num

contínuo processo dialógico-discursivo nos constituímos com o outro por meio da

linguagem. Para Buzen (2009), ampliar as análises do livro didático significa

percorrer um caminho metodológico pautado numa perspectiva enunciativo-

discursiva de base bakhtiniana, que suscita uma investigação completa e

multifacetada, o que implica assumir um posicionamento e perceber o livro didático

como um gênero do discurso, historicamente datado, que vem a atender a

interesses de uma esfera de produção e circulação e que dessa situação sócio-

histórica retira seus temas, formas composicionais e seu estilo didático próprio.

Nas palavras deste autor, os temas estão carregados de valor ideológico, em

nossa visão, isto, de certo modo, direciona para uma constituição de sujeito que

queremos formar, já que os textos são previamente escolhidos, com seus

respectivos temas, logo, há certo direcionamento. Já a forma composicional e o

estilo têm um endereçamento especifico próprio dessa esfera que, naturalmente, faz

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parte da produção, recepção e circulação desse material, entre agentes, como

alunos, professores, autores do material didático, avaliadores, editores entre outros.

No próximo capitulo, apresentamos os dados de nossa pesquisa,

quantificados de acordo com alguns critérios metodológicos à luz das teorias que

sustentam nosso estudo.

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CAPÍTULO 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS

Na primeira parte deste capítulo, são apresentadas algumas reflexões sobre a

concepção de linguagem e suas implicações no ensino-aprendizagem. Para isso,

aliamos-nos às contribuições dos pensadores Mikhail Bakhtin, Vygotsky e Freire pela

razão dos três teóricos coadunarem com o pensamento de linguagem como

processo de interação e constituição das relações sociais e, portanto, dos indivíduos

e de sua consciência. Já na segunda parte, trazemos as considerações

metodológicas que parametrizaram nossa pesquisa, explicitando as informações

sobre o nosso objeto, os objetivos e as questões de pesquisa, bem como a

metodologia de análise dos dados gerados no processo investigativo.

2.1 Visão Bakhtiniana

Mikhail Bakktin é considerado um dos principais pensadores do século XX.

Dada a sua contribuição aos estudos de linguagem, despertou os olhares de outros

estudiosos acerca desse fenômeno. Desenvolveu conceitos e teorias que podem ser

estudados e aplicados em outras áreas do conhecimento, partindo do pressuposto

de que o ser humano, de algum modo, está ligado ao processo constante de

interação com o outro mediado pela linguagem. Desse modo, pensamos refletir, com

este autor, algumas noções disseminadas hoje como, por exemplo, gênero,

interação verbal e dialogismo, para posteriormente pensar as atividades de leitura

sob o viés do letramentro crítico.

Vale lembrar que Bakhtin desenvolveu seus conceitos de forma

compartilhada com um grupo de intelectuais russos próximos, configuração autoral

que tem se denominado como “Círculo de Bakhtin” ou, numa denominação mais

recente, “Bakhtin e o Círculo”. Na visão bakhtiniana, os sentidos são construídos

durante a relação de alteridade, e estes são de alguma forma negociados, o que

pressupõe o envolvimento de categorias verbais internas e externas:

A fala só existe, na realidade, na forma concreta dos enunciados de um indivíduo: do sujeito de um discurso-fala. O discurso se molda sempre à forma do enunciado que pertence a um sujeito falante e não pode existir fora dessa forma. Quaisquer que sejam o volume, o conteúdo, a composição, os enunciados sempre possuem, como unidades da comunicação verbal, características estruturais que lhes são comuns, e, acima de tudo, fronteiras claramente delimitadas. (BAKHTIN, 1997 , p. 294).

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Assim, todas as atividades humanas são mediadas pela linguagem. Nesse

sentido, é impossível pensar a linguagem sem relacioná-la a processos discursivos,

imbricados em fatores sociais, políticos, culturais e ideológicos. Em nossa

compreensão, o discurso, na perspectiva bakhtiniana, não é apenas um dizer

linguístico, mas um dizer dentro de um contexto social ideologicamente construído e

constituído por apreciação valorativa dos sujeitos envolvidos no processo.

Diferentemente de outros estudiosos de sua época, Bakhtin se preocupou em

descrever o fenômeno “vivo” acerca da interação humana e dedicou-se a estudar os

sentidos produzidos pelos enunciados em determinadas situações do uso da

linguagem. Conforme Bakhtin/VolochÍnov (1929/2006)

A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas, nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua. (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929/2006, p. 127).

Desse modo, Bakhtin e o Círculo inovam ao pensar a linguagem como

processo de interação verbal, constituída entre sujeitos históricos e sociais. Nessa

perspectiva, a língua não se apresenta pronta, acabada, sistematizada; ao contrário,

é dinâmica, produz sentidos determinados por inúmeros fatores que contribuem para

isso: condições de produção, história, crenças e valores dos sujeitos, além dos

papéis sociais que esses ocupam dentro das esferas de atividade humana.

Concordamos também com o pensamento de Brait5, ao compreender que os

sentidos são, de certo modo, negociados, dada a tensão que é inerente à atividade

discursiva, pois há uma necessidade de ambos os sujeitos marcarem sua posição no

processo do qual fazem parte.

2.1.1 Interação verbal e o dialogismo

Com Bakhtin, podemos perceber que os sujeitos são inconclusos e que, por

natureza, buscam constituir-se com e no outro linguístico-discursivamente. E é

nesse processo de constituição que, segundo o pensador russo, ocorre o

dialogismo, mediante a interação verbal que só é possível entre sujeitos, porque são

5 Conferência de Encerramento do I Seminário de Estudos Linguísticos e Literários (I SEMELL) - UFMT, março de

2013.

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estes constituídos pela história, pela cultura e pela ideologia, o que os faz seres

ativos e responsivos no tempo e no espaço.

Entendemos que, no processo interação, os enunciados são únicos,

irrepetíveis, entretanto estes recuperam enunciados já produzidos e constituídos

pela ideologia e perpetuados pela história, e que no contexto imediato, ao serem

verbalizados, recuperam sentidos já cristalizados, com uma produção nova

proveniente desse novo evento discursivo.

A interação aqui é concebida como uma ação entre sujeitos, em que o

indivíduo, ao fazer uso da língua, não somente traduz e exterioriza um pensamento,

ou transmite informações, mas sim realiza ações, age, atua sobre o outro. Como

bem disse Travaglia (2006, p. 23), ao recuperar Bakhtin: “A linguagem é, pois, um

lugar de interação humana, de interação discursiva pela produção de sentidos entre

os participantes, em uma dada situação de comunicação e em um contexto sócio-

histórico e ideológico”. Os indivíduos interagem como sujeitos que ocupam lugares

sociais e “falam” e “ouvem” desses lugares, de acordo com formações imaginárias

estabelecidas pela sociedade. Dessa forma, o diálogo em sentido amplo é o que

caracteriza a linguagem. Nas palavras do autor:

A relação dialógica é uma relação (de sentido) que se estabelece entre enunciados na comunicação verbal. Dois enunciados quaisquer, se justapostos no plano do sentido (não como objeto ou exemplo linguístico), entabularão uma relação dialógica. (BAKHTIN, 2003, p. 346).

Desse modo, ocorre uma construção imagética de ambos os sujeitos, visto

que cada um assume uma posição social dentro de um espaço temporal, o que

contribui para a construção dos sentidos, uma vez que os enunciados são vivos,

dinâmicos e concretos, como o autor russo preceitua.

É, pois, no encontro em que a linguagem está efetivamente em uso que os

sujeitos falantes cruzam, interpelam e constroem sentidos e, ao fazerem uso da

linguagem em seus diferentes momentos históricos sociais, mobilizam enunciados já

ditos em outros espaços temporais, e que são rapidamente retomados no contexto

imediato em que se dá a enunciação.

É desta forma que, segundo Bakhtin, o dialogismo aparece, concretizado e

visível nos enunciados dos participantes de um determinado discurso. Como nos

esclarece o teórico, há condições para o estabelecimento do dialogismo, ou das

relações dialógicas:

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Quando não há palavras, não há língua, não pode haver relação dialógica. Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra defino-me em relação ao outro. [..] A relação dialógica pressupõe uma língua, mas não existe no sistema da língua. Não pode estabelecer-se entre os elementos da língua. [...] Toda palavra é ideológica e toda utilização da língua está ligada à evolução ideológica. (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 1929/2006 p. 117)

Sendo assim, podemos compreender que a palavra é a ponte que une as

duas extremidades entre sujeitos falantes/ouvintes. E que cada um segura uma de

suas partes, construindo significados. Logo, não podemos deixar de associá-la à

história e à ideologia, pois é composta por signos, que são atribuídos pela própria

cultura do homem.

A ideologia está presente no signo, logo tudo que é ideológico é um signo.

São os signos que permitem ao homem lembrar e perpetuar a cultura socialmente

construída, e a linguagem é a responsável por fazer essa intermediação do homem

com o mundo.

2.2 Linguagem, aprendizagem e desenvolvimento na perspectiva de Vygotsky

Vygotsky também se preocupou em estudar a relação do sujeito na

sociedade. Para tanto, dentre outras temáticas, buscou desenvolver uma nova

psicologia que pudesse explicar o desenvolvimento humano. Para o autor, o mundo

psíquico não é inato ao ser humano, como também não está pronto para que possa

ser recebido pelo indivíduo. Em sua concepção, o desenvolvimento humano ocorre

em um processo denominado plano genético do desenvolvimento.

Assim, o estudioso postula quatro estágios de desenvolvimento que, juntos,

caracterizam o funcionamento psicológico do ser humano. Para Vygotsky, é a

aprendizagem que promove o desenvolvimento humano. O sujeito, de algum modo,

está imerso na cultura, o que faz com que aprenda e, assim, se desenvolva. Nesse

sentido, o caminho do desenvolvimento está em aberto, possibilitando sempre novas

experiências, para outros níveis de desenvolvimento.

Em nossa compreensão, é aqui que ocorrem os estágios de emancipação

do sujeito, pelas experiências vividas, já que compartilham do mesmo horizonte

social, mediado pela palavra. Isso nos faz resgatar Bakhtin, quando diz que

a palavra é o signo ideológico por excelência; ela registra as menores variações das relações sociais, mas isso não vale somente

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para os sistemas ideológicos constituídos, já que a “ideologia do cotidiano”, que se exprime na vida corrente, é o cadinho onde se formam e se renovam as ideologias constituídas. (BAKHTIN, 2006, p.17).

Conforme assinalamos, para Bakhtin (2006) a língua é determinada e

modelada pela ideologia. Na mesma direção, podemos compreender o que Vygotsky

destacou em relação aos estágios de desenvolvimento do sujeito, já que a

construção individual está interligada ao coletivo, ao outro, numa relação dialógica

constante. E essa relação, de certo modo, modula aspectos individuais do sujeito,

definindo regras e assimilando o conhecimento dessas regras e suas relações com

o mundo.

2.2.2 Mediação simbólica na construção do aprendizado

Acerca deste tema, destacamos o que Vygotsky chama de mediação

simbólica, pois, segundo ele, toda relação do homem com o mundo é feita através

de instrumentos mediadores e signos. Nesse sentido, essa relação não é direta,

mas, sim mediada. Os signos estão no nível do simbólico, por serem externos ao

sujeito e visíveis a todos, portanto, compartilhados por todos.

Vygotsky aponta para outra forma de mediação na construção do

aprendizado, é a relação de mediação pela experiência dos outros. Vale lembrar que

esse pensamento dialoga com o de Bakhtin acerca da interação verbal, a

constituição do sujeito social midiatizado com as experiências e informações trazidas

pelo e do outro. Nesse cenário interlocutivo, a língua é colocada em evidência como

promotora de representação simbólica porque não só carrega a fala, mas o discurso

proveniente das múltiplas relações sociais de ambos os sujeitos. Para Vygotsky, a

linguagem e o pensamento são elementos distintos.

Assim como no reino animal, para o ser humano pensamento e linguagem têm origens diferentes. Inicialmente o pensamento não é verbal e a linguagem não é intelectual. Suas trajetórias de desenvolvimento, entretanto, não são paralelas - elas cruzam-se. Em dado momento, acerca de dois anos de idade, as curvas de desenvolvimento do pensamento e da linguagem, até então separadas, encontram-se para, a partir daí, dar início a uma nova forma de comportamento. (VYGOTSKY, 2002, p.03)

Como podemos perceber, a relação entre pensamento e linguagem não

nasce com o sujeito, mas é construída ao longo de sua história. Portanto, tem sua

raiz na sociedade e na cultura. No que se refere às atividades de leitura, objeto

desta pesquisa, podemos adotar algumas de suas contribuições para o aprendizado

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de nossos alunos, uma vez que tanto a língua quanto a linguagem são responsáveis

pela mediação entre os sujeitos, formação do homem e sua consciência. Logo, as

atividades de leitura são um instrumento de mediação para a aprendizagem do

aluno, portanto podem contribuir na formação do sujeito, de sua consciência e de

sua individualidade.

Essas atividades podem ser estudadas também no plano simbólico, na visão

de Vygotsky, pois os enunciados apresentados nessas atividades, nos diferentes

gêneros, podem levar os alunos a diferentes momentos de intermediação com o

mundo. Entendemos que a leitura tem esse poder de mediar informações, as ideias,

os conceitos e as representações internalizadas do sujeito com o mundo. Já o livro

didático, com seu estilo e forma composicional, pode ser considerado como um

instrumento de mediação entre os sujeitos, alunos e o mundo que os representa.

2.2.3 Zona de Desenvolvimento Proximal

Como dissemos anteriormente, na visão vygoskiana o pensamento verbal não

é uma forma natural de comportamento, inata, mas é determinado pelo processo

histórico-cultural, ou seja, produzido nas relações sociais. Assim, todo discurso

produzido pelos sujeitos é o resultado das diversas interações no uso da linguagem.

Deste modo, as teorias deste autor nos ajudam a pensar as relações na sala de

aula. Logo, para discutir as questões referentes ao ensino-aprendizagem, é

necessário compreendermos um dos princípios fundamentais de sua teoria,

denominado "zona

de desenvolvimento proximal", que, grosso modo, representa a diferença entre a

capacidade que a criança tem de resolver problemas por si própria e a capacidade

de resolvê-los com ajuda de alguém.

Vale ressaltar que os estudos de Vygotsky acerca do desenvolvimento e

aprendizagem estão relacionados aos estágios de desenvolvimento da criança na

assimilação da linguagem e constituição das potencialidades e capacidades

cognitivas. Estes são importantes para compreendermos como ocorre o processo de

ensino-aprendizagem.

De tal modo que o autor defende a ideia de que o desenvolvimento deve ser

olhado de maneira prospectiva, ou seja, em relação àquilo que a criança ainda não

sabe fazer, e não em relação àquilo que já está consolidado. Dessa maneira, a

intervenção e a ação do professor estão justamente naquilo que ainda não

aconteceu, no que está por acontecer, ou seja, aquilo que está em processo de

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desenvolvimento. Para tanto, é necessário compreender os dois níveis

comprovadamente defendidos pelo autor: o nível de desenvolvimento real - a

capacidade já desenvolvida pela criança, aquilo que ela domina, sem a ajuda de

alguém - e o nível de desenvolvimento potencial – a capacidade que a criança ainda

não desenvolveu, mas está próxima de realizar.

Portanto, a distância entre o que a criança já sabe e aquilo que

potencialmente ela pode consolidar é o que o autor denomina de Zona de

Desenvolvimento Proximal, que é o que define a intervenção, uma ajuda para uma

possível transformação. Essa ajuda pode ser de alguém da família, de um adulto

que conviva com a criança, e no caso do aluno, o professor, como agente dessa

mediação.

Para Vygotsky, a intervenção ativa de outros sujeitos interfere positivamente

no desenvolvimento da aprendizagem. Assim, a intervenção pedagógica é essencial

para a definição do desenvolvimento do sujeito.

2.3 A Pedagogia de Paulo Freire

Assim como Vygotsky e Bakhtin, Paulo Freire salienta que o homem se

constitui nas relações sociais ao mesmo tempo em que constrói sua história. A

linguagem é, sem dúvida, um elemento central na teoria de Paulo Freire. No

entanto, percebemos que esses três autores, além do fenômeno da linguagem,

compartilham um ponto de partida: a dialogia como espaço de construção do ser

humano. Não há diálogo sem a construção de recursos expressivos, através dos

quais os pensamentos são organizados e expostos, compreendidos e modificados.

A constituição dos sujeitos é realizada socialmente. Essas interações,

segundo o autor, permitem aos homens se apropriarem de sua cultura

historicamente construída. Para Freire, a linguagem é constituidora do pensamento e

da consciência. Podemos compreender esta afirmativa do autor como uma

linguagem que molda todo o pensamento do indivíduo.

Freire destaca a importância da autonomia como prática libertadora. Nesse

sentido, compreendemos que a leitura promove a emancipação do sujeito, não

somente a leitura de mundo, mas também a leitura promovida nos ambientes de

letramento. Na visão do autor,

a leitura verdadeira me compromete de imediato com o texto que a mim se dá e a que me dou e cuja compreensão fundamental me vou tornando também sujeito. [...] O sujeito que se abre ao mundo e aos

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outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na História. (FREIRE, 2013, p. 29)

Freire entende que a leitura do mundo precede a leitura da palavra. Isso

significa que o mundo é lido a partir de nossas compreensões e estas não se dão no

vazio, mas na experiência social, no convívio com outros participantes. Aprender a

leitura da palavra requer, antes de tudo, que se aprenda a leitura do mundo, a leitura

do contexto, de modo que o indivíduo se veja como sujeito de sua relação com o

mundo. Desta forma, encontrará respostas para a sua presença no mundo.

A leitura de mundo revela, evidentemente, a inteligência do mundo que vem cultural e socialmente se constituindo. Revela também o trabalho individual de cada sujeito no próprio processo de assimilação da inteligência do mundo. (FREIRE, 2013. p. 121)

Desse modo, pensamos que é possível trabalhar de forma sistemática a

reflexão crítica de nossos alunos através da leitura. A escola, segundo Freire (2013),

tem essa tarefa, a de trabalhar criticamente a inteligibilidade das coisas e dos fatos e

a sua comunicabilidade. Nesse sentido, é imprescindível que instigue

constantemente a curiosidade dos educandos, nas palavras do autor, ao invés de

“amaciá-la” ou “domesticá-la”. O autor vai mais além destas colocações:

é preciso mostrar ao educando que o uso ingênuo da curiosidade altera a sua capacidade de achar e obstaculiza a exatidão do achado. É preciso por outro lado e, sobretudo, que o educando vá assumindo o papel de sujeito da produção de sua inteligência do mundo e não apenas o de recebedor da que lhe seja transferida pelo

professor” (FREIRE, 2013,p.121).

E para o ensino de língua, o autor defende que

Um dos sérios problemas que temos é como trabalhar a linguagem oral ou escrita associada ou não à força da imagem, no sentido de efetivar a comunicação que se acha na própria compreensão ou inteligência do mundo. A comunicabilidade do inteligido é a possibilidade que ele tem de ser comunicado, mas não é ainda a sua comunicação. (FREIRE, 2013 p. 115).

Podemos compreender que essa dificuldade implica, em alguns casos, a

própria compreensão que o educador tem do ensino, ou seja, a forma como trabalha

a linguagem e na compreensão desta, como conteúdo que tem de ser repassado ou

como maneira de levar o aluno a perceber seus sentidos para que possa se

apropriar do uso de maneira ativa e autônoma. Assim, o professor precisa perceber

como ocorre a aprendizagem de seus alunos. A nosso ver, isso é importante

porque, desta maneira, poderá intervir no processo, colocando-se no lugar do aluno

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e podendo perceber suas dificuldades. Na opinião do autor, existem os mediadores

socioculturais que influenciam na aprendizagem de língua, como a família, a escola,

o professor e a leitura, importantes na apropriação dos fenômenos da linguagem. A

família seria o principal meio cultural, pois promove a exposição aos sons da língua;

desse modo, a criança vai aprendendo a falar. A escola contribui para transmitir os

saberes científicos e sistematizados. Já o professor é o responsável por mediar o

conhecimento do cotidiano e o conhecimento científico.

Assim, a linguagem não pode ser sonhada, pensada, estudada, refletida fora

da ideologia. É preciso compreender o seu processo de produção. Em nosso ponto

de vista, a compreensão de como se produz a linguagem socialmente tem relação

com a compreensão de como se ensina a linguagem. Freire destaca elementos

importantes para a aprendizagem dos alunos. São eles: o diálogo, a linguagem, a

relação de afetividade aluno-professor, a harmonia entre a teoria e a prática.

Entretanto, ressaltamos, neste recorte, o diálogo que, assim como em Bakhtin, é

essencial para a constituição do sujeito.

O diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu. [..] o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tão pouco tornar-se simples trocas de ideias a serem consumidas pelos permutantes. (FREIRE, 2013 p. 109)

É, pois, através do diálogo, que os sujeitos aprendem a dizer a palavra para

(re)construir o mundo. E isso só é possível quando há abertura para que o diálogo

aconteça. É preciso dar voz aos silenciados, diz o autor. Precisamos aprender a

ouvir os oprimidos, levá-los a perceber tal condição. Tudo isso se faz na palavra-

ação.

2 .4 Os gêneros do discurso como objetos de ensino e de aprendizagem

A linguagem tem sido, nas últimas décadas, um fenômeno desafiador para a

maioria dos pesquisadores que têm buscado refletir seus elementos constitutivos e a

relação que ela estabelece entre os sujeitos sociais. Tais questionamentos surgiram

a partir da década de setenta, com a constatação da ineficácia de certos métodos

para o ensino de língua. Até então, o que predominava nesse contexto linguístico

era a teoria saussuriana. Porém, com as novas formas de comunicação, houve a

necessidade de estudar a linguagem num outro viés, de caráter dialógico, ideológico

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e sócio- histórico-cultural, de modo que esta correspondesse a essa nova realidade

do uso da língua.

Mediante este contexto, há um esforço em congregar todas as dimensões da

linguagem, não a limitando apenas ao contexto comunicativo, mas extrapolando

seus enunciados, suas significações e seus contextos de produção. Assim, podemos

dizer que essa foi uma razão importante para que houvesse uma mudança de

paradigma, ou seja, refletir a linguagem de forma mais abrangente, num outro viés,

uma vez que a sociedade é formada por uma pluralidade linguística. Logo, as

singularidades dos sujeitos, os espaços situacionais, as intencionalidades, os papéis

sociais, o discurso, o querer dizer e o não dito são elementos importantes a serem

observados na produção e circulação da linguagem.

Havia nesse contexto algumas inquietações até então não respondidas com

relação à linguagem. Para auxiliar a reflexão, foram consideradas as contribuições

de Bakhtin e seu Círculo como alternativa para compreender a produção dos

sentidos, o discurso, a ação do sujeito e outros elementos que constituem as

relações humanas.

Pensando em nosso objeto de pesquisa, optamos por adotar tais

contribuições, principalmente as que se referem às concepções de gêneros do

discurso, dialogismo e interação verbal, pois as consideramos norteadoras e

importantes para nossas análises. Esses conceitos são fundamentais para o

trabalho que nos propusemos a fazer nas atividades de leitura com gêneros da

esfera literária. Principalmente a noção de gênero, reconhecido como um dos

objetos de ensino-aprendizagem. Essa proposta não circula somente no Brasil, mas

em países como Suíça, Inglaterra e França. Assim, o autor compreende o gênero.

O querer-dizer do locutor se realiza acima de tudo na escolha de um gênero do discurso. Essa escolha é determinada em função da especificidade de uma dada esfera da comunicação verbal, das necessidades de uma temática (do objeto do sentido), do conjunto constituído dos parceiros, etc. Depois disso, o intuito discursivo do locutor, sem que este renuncie à sua individualidade e à sua subjetividade, adapta-se e ajusta-se ao gênero escolhido, compõe-se e desenvolve-se na forma do gênero determinado. Esse tipo de gênero existe sobretudo nas esferas muito diversificadas da comunicação verbal oral da vida cotidiana (inclusive em suas áreas familiares e íntimas) (BAKHTIN, 1979/1997 p. 301)

Para compreendermos este fenômeno, é necessário incorporarmos um

princípio maior na obra de Bakhtin, que é a maneira como esse pesquisador pensa

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as relações humanas. Segundo o autor, o dialogismo é o principio das relações

sociais que está comungado intrinsecamente pelo diálogo. Sendo assim, o sujeito

constitui a linguagem, ao mesmo tempo em que é constituído por ela. Isso acontece

nas diferentes interações humanas.

Para Bakhtin, toda atividade humana acontece dentro de uma esfera social,

com sujeitos históricos. E, em cada uma dessas atividades, a língua está presente,

faz parte desse grande elo de comunicação, o que exige de certa maneira um novo

enunciado, uma nova enunciação, com outra finalidade. Trata-se de uma nova

realização da linguagem. Pois há, nesse contexto, uma organização e distribuição

de papéis e lugares sociais, em que os discursos são produzidos, caracterizando-os

como únicos e irrepetíveis.

Para este autor, os gêneros do discurso materializam a língua. A língua, por

sua vez, está vinculada à vida. Podemos compreender então que os gêneros estão

presentes em todos os atos de comunicação feitos por meio da fala ou da escrita.

Desse modo, podemos refletir, com Bakhtin, quando o autor aponta que a utilização

da língua se dá através de enunciados pertencentes a uma determinada esfera da

atividade humana e que estes refletem os objetivos comunicativos dessas esferas.

Os gêneros são os tipos, as formas como os enunciados são utilizados. De acordo

com Bakhtin,

Os gêneros do discurso organizam nossa fala da mesma maneira que a organizam as formas gramaticais (sintáticas). Aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvir a fala do outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir-lhe o gênero, adivinhar-lhe o volume (a extensão aproximada do todo discursivo), a dada estrutura composicional, prever-lhe o fim, ou seja, desde o inicio, somos sensíveis ao todo discursivo que, em seguida, no processo da fala, evidenciará suas diferenciações. ) (BAKHTIN, 1979/1997 p. 302)

Podemos perceber que a alteração dos gêneros é inevitável, pois estes estão

relacionados às práticas sociais, de modo que as mudanças na vida social implicam

mudanças nos gêneros. Sendo assim, é fundamental perceber o gênero como um

produto social e como tal, heterogêneo, variado e suscetível a mudanças. A

heterogeneidade dos gêneros é imensa, afinal cada esfera da atividade humana

produz gêneros que lhe são próprios. Levam-se em consideração, portanto, as

inúmeras relações sociais presentes em cada cultura e como consequência a

admirável variedade de gêneros.

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Podemos, então, perceber, com este estudioso, que o gênero é infinito. A

cada encontro discursivo, há um diálogo, que provoca réplica, tréplica que, por sua

vez, carrega um discurso. Cada discurso se constitui em oposição a outros

discursos. Todo discurso é sempre perpassado, atravessado por outro discurso.

Assim, o dialogismo é o núcleo na obra de Bakhtin que se manifesta pela presença

de enunciados concretos, vivos, suscitantes, que estão, de algum modo, sempre em

evidência.

Alguns pesquisadores têm rendido crédito à obra de Bakhtin, no sentido de

reconhecer quão grande foi o avanço nos estudos de linguagem, principalmente no

ensino de língua materna. Muitos defendem a teoria dos gêneros para explicar o

funcionamento real da linguagem. Na década de 90, a obra de Bakhtin incorpora os

estudos acadêmicos. Os PCN são exemplos claros dessa adoção.

2.4.1 Os gêneros do discurso e os PCN

De acordo com esses documentos, a linguagem é considerada uma

capacidade humana de articular significados coletivos e compartilhá-los em sistemas

de representação, que variam de acordo com as necessidades e experiências da

vida em sociedade. Os PCN (2000) defendem que a compreensão da arbitrariedade

da linguagem pode permitir aos alunos a problematização dos modos de “ver a si

mesmos e ao mundo”. Compreendemos que ela possibilita a percepção. Podemos

dizer que a linguagem é inventada pelo homem: ao mesmo tempo em que ele a

movimenta, é movimentado por ela. Logo, a linguagem não existe num vazio. Seu

grande objetivo é estabelecer a interação entre as pessoas.

Desse modo, segundo a visão bakhtiniana, as linguagens se confrontam nas

práticas sociais e na história. Nesses espaços, mediante essas práticas, as

linguagens são negociadas. É a arena de luta daqueles que procuram conservar ou

transgredir os sentidos acumulados. Segundo os PCN, as condições e as formas

discursivas refletem o caráter ideológico da linguagem, o que significa ultrapassar o

simples ato de comunicação. Nesse sentido, os sujeitos, em suas particularidades,

não apenas comunicam, mas realizam ações. O documento enfatiza ainda que, no

mundo contemporâneo, marcado pelo apelo informativo imediato, é necessário

refletir sobre o modo como a linguagem e seus sistemas se articulam, é mais que

uma necessidade, é uma garantia de participação ativa na vida social. Sendo assim,

destaca que o ensino de língua materna deve proporcionar ao aluno a compreensão

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de seu uso como gerador de significação e integrador do mundo e da própria

identidade.

Os PCN apontam para uma abordagem de ensino de caráter sócio-

interacionista; assim, o processo de ensino-aprendizagem deve basear-se em

propostas interativas consideradas em um processo discursivo de construção do

pensamento simbólico, constitutivo de cada aluno e da sociedade geral. Essa

concepção, portanto, destaca a natureza social e interativa da linguagem, em

contraposição às concepções tradicionais, deslocadas do uso social. No entanto,

passada mais de uma década da implementação dos PCN, pouco se vê dessas

mudanças em sala de aula. O que se observa, infelizmente, é um ensino tradicional,

em que se ensina gramática pela gramática, há os exercícios repetitivos, não se

escreve nada para ninguém, repetição de exercícios até a exaustão, enfim. Fatos

esses que podem ser em virtude da formação dos docentes não ter se dado sob a

concepção enunciativo-discursiva de linguagem. Por isso, se faz necessário um

trabalho de orientação teórica e prática.

2.4.2 O gênero do discurso e seus elementos constitutivos

Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse uso sejam multiformes quanto os campos da atividade humana, o que é claro, não contradiz a unidade nacional de uma língua. Entre linguagem e sociedade existem relações dinâmicas e complexas que se materializam nos discursos, ou melhor, nos gêneros do discurso. (Bakhtin, 2003 [1979] p. 261)

Essas contribuições, leva-nos a pensar nas atividades como um gênero,

presente na esfera escolar, pois entendemos que elas apresentam os três elementos

indissociáveis do gênero: conteúdo temático, estilo e forma composicional. Logo a

seguir trataremos cada um deles. Antes é necessário refletirmos sobre o enunciado.

O estudo da natureza do enunciado e dos gêneros do discurso tem uma importância fundamental para superar as noções simplificadas acerca da vida verbal, a que chamam o “fluxo verbal”, a comunicação, etc., noções estas que ainda persistem em nossa ciência da linguagem. (BAKHTIN, 1979/1997 p. 288)

Para compreendermos esse pequeno excerto da obra bakhtiniana, é

necessário entendermos o enunciado concreto, pois é ele nele que se materializa o

gênero como um todo. Durante o processo dialógico, há vários enunciados sendo

verbalizados, num espaço de enunciação. São, segundo Bakhtin, esses enunciados

que concretizam a existência do gênero, que é constituído pelos três elementos

indissociáveis citados acima, dentro de uma esfera especifica. Para Barbosa (2001),

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a adoção dos gêneros do discurso como um dos objetos de ensino-aprendizagem de

língua Portuguesa justifica-se em três razões distintas: pelo fato de permitir a

inclusão, para além dos aspectos estruturais do texto, que estão na ordem da

enunciação e do discurso; por levar em consideração aspectos sociais e históricos,

bem como os elementos do contexto de produção: o lugar social, quem fala, para

quem, os interlocutores do discurso, o veículo, com que finalidade, entre outros;

além dos conteúdos verbais, formas composicionais e estilos verbais.

Na visão desta pesquisadora, tais considerações permitem maior clareza e

identificação quanto à forma de dizer de um determinado gênero em circulação.

Além disso, a autora enfatiza que a aprendizagem numa perspectiva de letramento

há de considerar os gêneros do discurso como objeto de ensino, dada a sua

diversidade presente em nossa sociedade, com possibilidades significativas não

somente do conhecimento dessa pluralidade, mas para dar condições ao aluno para

engajar-se em novas práticas letradas.

A pesquisadora ainda salienta que a adoção de gêneros do discurso permite

a integração contextualizada de atividades de compreensão, produção de textos e

análise linguística. Uma definição mais ampla sobre o gênero do discurso

encontramos em Bakhtin (2006[1929])

Em cada campo existem e são empregados gêneros, que correspondem às condições específicas de dado campo; é a esses gêneros que correspondem determinados estilos. Uma determinada função (científica, técnica, publicística, oficial, cotidiana) e determinadas condições de comunicação discursiva,, específicas de cada campo, geram determinados gêneros, isto é, determinados tipos de enunciados estilísticos, temáticos e composicionais relativamente estáveis. O estilo é indissociável de determinadas unidades temáticas. [...] e – o que é de especial importância – de determinadas unidades composicionais: tipo de estruturação e de conclusão de um todo, tipo de relação entre o locutor e os outros parceiros da comunicação verbal (relação com o ouvinte, ou com o leitor, com o interlocutor, com o discurso do outro, etc.) O estilo entra como elemento na unidade de gênero de um enunciado. (BAKHTIN,

(2006[1929]), p. 266).

Essas contribuições levam-nos a compreender como a sociedade se organiza

linguística e discursivamente. Ou seja, em esferas. Cada esfera produz

determinados enunciados/discursos, que se manifestam via textos, compreendidos

por Bakhtin como gêneros do discurso. Para Paes de Barros (2005), o tema é de

―caráter único [... e] se constitui em uma plasticidade e mobilidade capaz de

traduzir, numa mudança de entoação, uma diversidade de enunciações (PAES DE

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BARROS, 2005, p. 47). Nas palavras desta pesquisadora, encontra-se a unicidade

do tema, este não se pode prever, pois está no devir e, só será conhecido mediante

uma análise de sentido constituído em uma dada situação específica, em outras

palavras, o tema é algo do enunciado, este pode ser o mesmo, porém a forma e o

momento em que foi pronunciado é outro; e sua compreensão e seu sentido podem

variar de acordo com os participantes do processo de interação.

Desse modo, o sentido de um enunciado vai depender muito da apreciação

valorativa que os sujeitos, participantes dessas interações têm sobre o assunto

abordado. Vale lembrar ainda que o conteúdo temático, diferente do tema, é algo

que posso prever, são as possibilidades de “assuntos” que podem aparecer num

determinado gênero.

O estilo está relacionado à linguagem, esta condicionada pela especificidade

do gênero, pois como cada esfera produz seus gêneros relativamente estáveis,

estes apresentam um léxico também específico, adequado àquela esfera, moldado

pelo interlocutor. Já a forma composicional tem a ver com a estrutura do gênero,

pois cada esfera possibilita ao leitor reconhecer seus formatos enunciativo-

discursivos, graficamente elaborados em sua organização tipológica.

2.5 Breves considerações metodológicas

Esta seção tem como finalidade descrever, de forma resumida, todas as

etapas do processo de levantamento de dados percorridos pela nossa pesquisa,

desde sua fase inicial até a análise final, para que possamos compreender e

relacionar aos objetivos desta pesquisa: primeiro, buscamos identificar os gêneros

da esfera literária presentes em uma coleção de livros didáticos de Língua

Portuguesa do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental, aprovado pelo PNLD de 2014,

adotado pela Escola Presidente Médici, em Cuiabá-MT.

Segundo, a partir desse levantamento, identificar quais desses gêneros estão

presentes nas atividades de leitura. Terceiro, dos gêneros encontrados nas

atividades de leitura, verificar quais capacidades leitoras são mobilizadas nessas

atividades que favorecem a formação do leitor crítico literário.

A escolha do material se deve por algumas razões: foi aprovado pelo PNLD

de 2014, adotado por uma das maiores escolas públicas de Cuiabá – MT, com 2.300

alunos matriculados no mesmo ano. Além disso, mais de dez escolas 6públicas na

6 Fonte Seduc – Gestão escolar – acesso em 14 de abril de 2015.

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cidade de Cuiabá adotaram esse mesmo material didático. A preferência em

analisar o livro didático, justifica-se pelo fato de ser uma ferramenta utilizada pela

maioria dos professores das escolas públicas, inserido no espaço escolar, sendo,

portanto, um dos principais meios de mediar o conhecimento.

Quanto à escolha das atividades de leitura é porque compreendemos que a

leitura é uma das principais formas de levar o leitor a um nível de apreensão maior

sobre mundo e sobre si mesmo. Nesta perspectiva, este estudo teve os seguintes

objetivos:

1. Identificar os gêneros pertencentes à esfera literária presentes em uma coleção

de livro didático de Língua Portuguesa do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental.

2. A partir desse levantamento, identificar quais desses gêneros estão presentes nas

atividades de leitura.

3. Dos gêneros encontrados nas atividades de leitura, verificar quais capacidades

de leitura são mobilizadas nessas atividades que favorecem a formação do leitor

crítico literário.

Assim, pretendemos responder as seguintes questões de pesquisa:

1. Quais gêneros da esfera literária estão presentes em uma coleção de livros

didáticos de Língua Portuguesa do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental?

2. Dos gêneros literários encontrados, quais são trabalhados em atividades de

leitura?

3. Que capacidades leitoras são mobilizadas por meio das atividades nas seções de

leitura da coleção que colaboram para a formação do leitor crítico literário?

Para a realização da pesquisa, escolhemos uma das maiores escolas (em

número de alunos matriculados) públicas de Cuiabá-MT, a fim de analisar os livros

didáticos utilizados por ela, para compor as análises deste trabalho.

2.5.1 Breve descrição da obra selecionada

O livro “Vontade de saber Português”, da editora FTD, aparece pela primeira

vez no ano de sua aprovação, em 2014. A coleção está organizada em seis

unidades. Cada unidade apresenta dois capítulos, sendo que cada capitulo é

composto por “Leitura 1 e Leitura 2”. A respeito das unidades, estas estão

organizadas em seções da seguinte forma: Estudo do texto, Estudo da língua,

Produção escrita, Produção oral. Contudo, nosso objeto de análise é a seção

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“Estudo do texto”. Vale ressaltar que segundo o FNDE7 – Fundo Nacional de

Desenvolvimento da Educação – a editora FTD teve 13 obras aprovadas e o

destaque foi para a coleção “Vontade de Saber” em todas as disciplinas.

Assim, em 2014, ela aparece ao lado de dez obras, dentre elas as de

Cereja, Faraco, Travaglia entre outras. Mas o que nos chamou a atenção foram as

resenhas dessas obras, em particular, a seção de leitura. Todas, de um modo geral,

contemplam diferentes estratégias cognitivas e exploram propriedades textuais e

discursivas; enfocam o desenvolvimento das capacidades de compreensão e

apreciação, necessárias à formação de leitores proficientes de textos, tanto literários

como não literários. Temos abaixo, um exemplo de nossa coleção.

No âmbito da leitura, além da diversidade de gêneros, tipos e autores da coletânea, as atividades contemplam diferentes estratégias cognitivas para a reconstrução de sentidos e a consequente compreensão global do texto. Propriedades textuais e discursivas, argumentatividade, planos enunciativos, relações e recursos de coesão e coerência, além da própria materialidade do texto, são questões também exploradas nas atividades. No caso dos textos literários, são recorrentes as propostas de apreciação estética e de exploração dos efeitos de sentido, o que propicia a formação do leitor para textos dessa natureza. (PNLD, 2014, p.115)

Essa foi também uma das razões que nos levaram a escolher a leitura como

objeto de estudo, na tentativa de verificar como ela é tratada nos manuais didáticos

e como se apresenta no Guia do PNLD, possibilitando-nos uma possível

comparação com nossos achados. Deparamo-nos também diante de outra situação,

se analisaríamos uma coleção do Ensino Fundamental ou do Médio.

Optamos pelo Fundamental pela possibilidade de verificar a evolução desse

período de formação escolar, pois sabemos que essa é uma das fases de

congregação de informações e conhecimento, embora seja a fase final do

Fundamental, são determinantes para o sucesso escolar ou não no Ensino Médio.

Sabemos que as intervenções em qualquer uma das etapas do ensino são

necessárias e que o professor pode intervir a qualquer momento, mas em nosso

ponto de vista, no Ensino Fundamental, parece-nos que as possibilidades de

intervenções precisam ser mais incisivas por se tratar de uma construção de base

mais sólida e concreta dos conhecimentos que são a base para as fases futuras

como, por exemplo, o Ensino Médio. Em outras palavras, no Ensino Médio, o aluno

7 Fonte: http://www.fnde.gov.br/ acesso em 06 de a14bril de 2015.

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precisa chegar com um conhecimento bem alicerçado, uma consciência mais crítica

e certa autonomia. Assim, a escola Presidente Médici preencheu os critérios

estabelecidos, com maior número de alunos matriculados.

Entretanto, queremos destacar que, neste mesmo ano, mais nove8 escolas

adotaram este mesmo material, o que aumenta a nossa responsabilidade como

pesquisadora na tentativa de compreender as razões dessa escolha, para poder

chegar a resultados que possam de alguma forma contribuir para a formação leitora

dos alunos, interlocutores dos textos dessas atividades, pois sabemos que essas

atividades apresentam diferentes temas que emergem na sociedade, e é justamente

este o ponto de nossa investigação: saber que tipo de capacidades são mobilizadas

nessas atividades, e, finalmente, refletir sobre tais resultados.

2.5.2 Critérios de escolha para a seleção dos gêneros para compor a análise

qualitativa

Pelo fato de a coleção apresentar a mesma organização sumária em todos os

volumes, optamos por selecionar a partir dos gráficos ilustrados na análise

quantitativa uma unidade prototípica que representasse a coleção como um todo.

Para tanto, escolhemos o volume do 7º ano por apresentar maior número de

ocorrência em leitura em relação aos demais volumes.

2.6 A teoria enunciativo-discursiva na pesquisa em Ciências Humanas

A base teórica de nossa pesquisa é de natureza enunciativo-discursiva, o que

significa, conforme já comentamos na introdução deste estudo, que ela está pautada

nas contribuições de Bakhtin (1929/2003), o qual acredita que a complexa dialética

interior e exterior é puramente social. Sendo assim, “o indivíduo não tem apenas

meio e ambiente, tem também horizonte próprio”. Nesse sentido, podemos entender

que toda a constituição da consciência do sujeito é retirada da coletividade, num

contínuo processo dialógico por meio de linguagem.

Seguindo o pensamento bakhtiniano, nas interações práticas discursivas, a

consciência individual é sempre afetada pelas vozes que circulam na sociedade. Ao

estudar o cerne das ciências humanas, Bakhtin preceitua que “o objeto dessas é

sempre o ser expressivo e falante e, por esse motivo, inesgotável em suas

incontáveis formas de sentidos e significados”. Podemos depreender, nas palavras

do autor, que em todas as situações em que a linguagem se faz presente, os

8 Fonte: Seduc – Gestão escolar. Dados obtidos em 14 de abril de 2015.

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sujeitos envolvidos no processo discursivo assumem, de alguma maneira, uma

atitude responsiva. Essas contribuições são fundamentais para compreendermos o

que o autor ressalta no texto Metodologia das Ciências Humanas (1929/2003). A

finalidade é discutir sobre o papel do pesquisador durante as etapas de pesquisa,

além de destacar a responsabilidade ética que o pesquisador deve ter ao lidar com

seu objeto de pesquisa.

Em princípio, há certo distanciamento entre o pesquisador e seu objeto de

estudo para que este possa enunciar sob um olhar científico. No entanto, essa

observação é parte integrante do objeto observado, já que ele, enquanto

pesquisador, também é um sujeito cognoscente. O que nos chama a atenção nas

palavras de Bakhtin é o destaque que ele dá ao distanciamento, pois, segundo o

autor, é necessário para que haja uma compreensão maior do objeto a ser

analisado. Em nossa opinião, a importância dada ao distanciamento durante o

processo de análise tem um objetivo de obter uma compreensão maior do objeto de

análise, podendo criar, elaborar, produzir um conhecimento mais aprofundado.

Além disso, podemos inferir que a necessidade do distanciamento seja pelo

fato de o pesquisador ser um sujeito social, constituído por várias vozes, o que

poderia influenciar em sua análise, a qual deve resultar sempre de valor cientifico,

portanto distante do senso comum.

2.7 Metodologia de geração e análise de dados: algumas constatações

quantitativas

A nossa pesquisa está, como dissemos acima, subsidiada na teoria

enunciativo-discursiva de Bakhtin e seu Círculo, além de outras contribuições da

Pedagogia Crítica, como Freire, Vygotsky, Rojo, Kleiman, Pereira, entre outros, as

quais nortearão a análise de dados. A pesquisa é de cunho documental e de

natureza qualitativa. Na visão de Oliveira (2005),

A pesquisa qualitativa pode ser caracterizada como sendo uma tentativa de explicar-se em profundidade o significado e as características do resultado das informações obtidas através de entrevistas ou questões abertas, sem mensuração quantitativa de características ou comportamento. (OLIVEIRA, 2005, p. 39).

Em nossa compreensão, na análise qualitativa há uma preocupação em

identificar, classificar e analisar dados com o objetivo de buscar compreender os

fenômenos apresentados, de não apenas apresentar o problema, mas discuti-lo à

luz de algumas teorias, buscando encontrar possíveis alternativas que poderão

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contribuir para a intervenção e aumento da qualidade acerca dos resultados

encontrados. Nas palavras de Lakatos (2010)

a pesquisa qualitativa preocupa-se em analisar e interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do comportamento humano. Fornece análise mais detalhada sobre as investigações, hábitos, atitudes, tendências de comportamento etc. (LAKATOS, 2010, p. 269).

É nessa abordagem que nossa pesquisa se insere, entretanto destacamos

que, para analisar os dados qualitativos, foi necessário um levantamento quantitativo

para que pudéssemos encontrar a quantidade de textos presentes em cada volume

da coleção, bem como obter outras informações que auxiliaram na análise

qualitativa. Assim, adotamos alguns critérios metodológicos à luz das teorias que

sustentam esta pesquisa. Procuramos primeiramente identificar os gêneros

presentes em cada volume do livro “Vontade de Saber Português”, selecionado para

nossa análise. Optamos pelos gêneros da esfera literária, conforme razões já

mencionadas anteriormente. A partir desses dados, verificar quais são as

capacidades leitoras mobilizadas nessas atividades.

Vale lembrar ainda que essas capacidades são analisadas no capitulo de

análise qualitativa. Elas foram selecionadas a partir da ficha de avaliação9 presente

no guia oficial do caderno do PNLD de 2014, do Ministério da Educação. Vale

ressaltar que, na avaliação do material didático, em relação à seção “Estudo do

texto”, descrita na resenha do PNLD (2014), consideram-se tais atividades profícuas

para a formação do leitor.

De nossa parte, enfatizamos que nossas análises foram com base no

levantamento de dados, de abordagem quantitativa, ilustrados nos gráficos abaixo

para posterior análise qualitativa acerca da leitura na respectiva seção, objeto de

nossas reflexões, com o propósito de verificar se de fato contribui ou não para

formação do leitor critico literário. Os gráficos abaixo demonstram a quantidade e os

percentuais dos textos e dos gêneros da esfera literária em cada um dos volumes.

Ressaltamos que para a análise quantitativa foi necessária a apresentação de cada

volume de forma individualizada para que pudéssemos compreender o porquê de

selecionamos apenas uma unidade representativa de todo o material para compor o

corpus da análise qualitativa. Vejamos o volume do 6º ano.

9 Esta ficha tem vários itens baseados no trabalho de Rojo (2004) sobre as capacidades.

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Gráfico 1 Total de ocorrências dos textos literários

Elaboração própria Total de ocorrências dos textos: 56 Total de gêneros: 12

Conforme o gráfico acima, encontramos 56 ocorrências de textos literários

que estão distribuídos em 12 gêneros. Observemos no gráfico abaixo a quantidade

desses textos que trabalham a leitura.

Gráfico 2 Distribuição dos textos literários na seção de leitura

1 1

3 3

2

1

2

1 1

1,79% 1,79%

5,36% 5,36%

3,57%

1,79%

3,57%

1,79% 1,79%

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

QUANTIDADE EM LEITURA GÊNERO EM LEITURA

Elaboração própria Textos em leitura: 15 Quantidade de gêneros em leitura: 9

Comparando com gráfico 1 o volume do 6º ano apresenta 56 textos

literários. No entanto, apenas 15 trabalham a leitura. O que nos chama mais a

atenção é o fato de existirem 22 textos com o gênero “Poema” somente 01 trabalha

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efetivamente com a leitura. O restante está distribuído em atividades de gramática,

estudo da língua e produção escrita. Temos abaixo o volume do 7º ano.

Gráfico 3 Total de ocorrências dos textos literários

1 1 2 13

1 15

1 13 4

9 10

1 13

27

36

21,16% 1,16%

2,33%1,16%

3,49%1,16% 1,16%

5,81%

1,16% 1,16%3,49%

4,65%

10,47%11,63%

1,16%1,16%

3,49%

31,40%

3,49%

6,98%

2,33%

0

5

10

15

20

25

30

QUANTIDADE PERCENTUAL

Elaboração própria Total de ocorrências dos textos: 86 Total de gêneros: 21

Neste outro volume, a presença de textos literários foi um superior a do 6º

ano, com 86 textos distribuídos em 21 gêneros. O gráfico abaixo demonstra o

número exato daqueles que abordam a leitura.

Gráfico 4 Distribuição dos textos literários na seção de leitura

1 1 1 1 1 1 1

4

1 1

4

3

1

1,69% 1,69% 1,69% 1,69% 1,69% 1,69% 1,69%

6,78%

1,69% 1,69%

6,78%

5,08%

1,69%

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

QUANTIDADE EM LEITURA GÊNERO EM LEITURA

Elaboração própria Textos em leitura: 21 Quantidade de gêneros em leitura: 13

Desse volume, apenas 21 textos abordam a leitura, equivalente a 24,42% do

total de 86 textos. Vejamos abaixo os gráficos 5 e 6 do volume do 8º ano.

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Gráfico 5 Total de ocorrências dos textos literários

2 1 1 1

12

5

12

1

22

9

3,03%1,52% 1,52% 1,52%

18,18%

7,58%

18,18%

1,52%

33,33%

13,64%

0

5

10

15

20

25

Apólogo Auto Biografia Causo Conto Crônica Letra de canção

Novela Poema Romance

QUANTIDADE PERCENTUAL

Elaboração própria Total de ocorrências dos textos: 66 Total de gêneros: 09

Com o gráfico acima, podemos notar que houve diminuição em 23,26% dos

textos literários do volume anterior para este. O total deste volume está distribuído

em 09 gêneros.

Gráfico 6 Distribuição dos textos literários na seção de leitura

1 1

2

3

2

1

4

1

1,56% 1,56%

3,13%

4,69%

3,13%

1,56%

6,25%

1,56%

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

Apólogo Biografia Conto Crônica Letra de canção

Novela Poema Romance

QUANTIDADE EM LEITURA GÊNERO EM LEITURA

Elaboração própria Textos em leitura: 15 Quantidade de gêneros em leitura: 08

Comparando o total de textos deste volume que é 66, podemos verificar que

deste total apenas 15 tem a leitura como foco. O que significa que em relação ao 7º

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com 21 textos em leitura, este volume diminuiu em 11,9%. Passemos agora para o

último livro de nossa coleção. Os gráficos 7 e 8 são do volume do 9º ano.

Gráfico7

Total de ocorrências dos textos literários

2

6

31 2

18

85,00%

15,00%

7,50%

2,50%5,00%

45,00%

20,00%

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

20

Biografia Conto Crônica Diário Letra de canção

Poema Romance

QUANTIDADE PERCENTUAL

Elaboração própria Total de ocorrências dos textos: 40 Total de gêneros: 09

Os dados acima revelam o quase desaparecimento dos textos literários. Em

todo o livro, aparecem apenas 40 ocorrências distribuídas em 09 diferentes gêneros.

Entretanto, apenas 04 trabalham com a leitura, conforme o gráfico abaixo. Temos

abaixo a quantidade de textos e a quantidade de gêneros trabalhados em leitura.

Gráfico 8 Distribuição dos textos literários na seção de leitura

5

1 1 1

62,50%

12,50% 12,50% 12,50%

0

1

2

3

4

5

6

Romance Conto Crônica Poema

QUANTIDADE EM LEITURA GÊNERO EM LEITURA

Elaboração própria Textos em leitura: 08 Quantidade de gêneros em leitura: 04

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Vale ressaltar que dos 04 gêneros acima propostos para o tratamento da leitura

01 está na forma de excerto. Traduzindo esses dados em percentuais, temos

somente 20% das atividades mobilizando certas capacidades de leitura e 80%

trabalham outros aspectos da linguagem. Para visualizarmos mais precisamente o

total de textos em cada coleção e desse total os que tratam da leitura fizemos um

gráfico geral.

Gráfico 9

Análise geral das atividades de leitura nos gêneros da esfera literária

Elaboração própria Quantidade de ocorrências dos gêneros analisados respectivamente: 56-86-66-40 Ocorrências em leitura 15-21-15-08

Podemos evidenciar um aumento na quantidade de ocorrências do 6º para 7º

ano, de 56 para 86, revelando um percentual de 34,88%. O percentual de leitura do

6º ano em relação à quantidade apresentada em suas ocorrências é de 26,79% e do

7º ano de 24,42%. Em relação à leitura, de um ano para o outro, estes

correspondem, respectivamente a um aumento de 28,57%. No próximo capítulo,

discorremos os critérios para a análise qualitativa.

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CAPÍTULO 3 — A SELEÇÃO DAS AMOSTRAS PARA A ANÁLISE QUALITATIVA

Neste capitulo, temos como objetivo expor algumas atividades de leitura, pré-

selecionadas, conforme critérios descritos anteriormente em nossa metodologia, e

analisá-las à luz das teorias que sustentam esta pesquisa. Apresentamos, a seguir,

um quadro das capacidades empregadas nas atividades de leitura, da unidade 1, do

volume do 7º ano. Lembramos que a unidade contempla o capítulo 1 e o 2, nos

quais há sempre dois tópicos de leitura: “Leitura 1 e Leitura 2”. Destacamos ainda

que, além desta unidade, selecionamos apenas uma atividade do gênero “Lenda”,

da unidade 5, com o objetivo de verificar qual o tratamento dado ao texto narrativo,

já que a maioria dos textos analisados são poéticos.

3.1 Abordagem qualitativa: descrição das capacidades de leitura das

atividades com gêneros da esfera literária na obra didática

Neste tópico, apresentamos primeiramente o quadro das capacidades, pois

elas são fundamentais para a verificação de sua incidência ou não nas atividades de

leitura. Ressaltamos que tais capacidades, apenas aquelas relacionadas à formação

do leitor literário, foram retiradas do guia oficial do caderno do PNLD de 2014, do

Ministério da Educação.

Entretanto, fizemos também alguns ajustes, com algumas capacidades

destacadas por Rojo (2004), reorganizando apenas aquelas específicas para a

formação do leitor literário. Em seguida, enumeramos cada uma dessas capacidades

para que pudéssemos identificá-las nas atividades propostas.

Assim, os textos presentes na unidade selecionada foram elencados no

quadro, que denominamos “Quadro das capacidades leitoras”, adaptado do PNLD/

2014 e Rojo (2004).

Quadro das capacidades leitoras – volume do 7º ano

Unidade 1 capítulos 1 e 2

Unidade 5 – capitulo 2 -

leitura 1

1 Abordagem teórico-metodológica

1.1 Diversidade e clareza das propostas de leitura

1.2 Progressão e sistematização das estratégias e dos procedimentos implicados na

atividade de leitura

2 As atividades de leitura colaboram efetivamente para a (re) construção dos

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sentidos pelo leitor, especialmente no que diz respeito à compreensão global?

2.1 Considerar a utilização de diferentes estratégias cognitivas envolvidas no

processo de leitura

2.1.1 Antecipação ou predição de conteúdos ou propriedades dos textos/ Ativação de conhecimentos de mundo.

08 01

2.1. 2 Levantamento de hipóteses 02 01

2.1.3 Checagem de hipóteses 02

2.1.4 Compreensão global (generalização)

11 01

2.1.5 Comparação de informações 13 03

2.1.6 Localização de informações 35 11

2.1.7 Retomada de informações 06 04

2.1.8 Produções de inferências locais

06 10

2.1.9 Produções de inferências globais

21 03

2.2 A exploração de propriedades textuais e discursivas

2.2.1 Unidade e progressão temática

--- ---

2.2.2 Articulação entre partes: relações e recursos de coesão e coerência

--- ---

2.2.3 Modos de composição tipológica

05 01

2.2.4 Percepção de relações de intertextualidade

01

2.2.5 Percepção de relações de interdiscursividade

--- ---

2.2.6 Exploração das imagens como elemento constitutivo dos sentidos

--- ---

2.2.7 Relações e dimensões sociolinguísticas presentes no texto

02

2.2.8 Planos enunciativos - vozes 02 ---

3 Atividades de leitura e a formação do leitor

3.1 A abordagem da leitura como uma situação efetiva de interlocução entre leitor e autor, situando a prática de leitura em seu universo de uso social.

01 01

3.2 A definição de objetivos plausíveis para a leitura proposta

03 01

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3.3 O resgate do contexto de produção (contexto histórico, função social, esfera discursiva, suporte, gênero, autor e obra)

10 01

3.4 O estímulo à leitura da obra de que o texto faz parte ou de outras obras a ele relacionadas

--- ---

3.5 A exploração da materialidade do texto (seleção lexical, recursos morfossintáticos, sinais gráficos, etc.) na apreensão de efeitos de sentido, sinonímia, antonímia.

06

3.6 A proposição de apreciações estéticas, éticas, políticas e ideológicas.

20 05

3.7 A discussão de questões relativas à diversidade sociocultural brasileira

02 ---

4 As atividades propostas colaboram efetivamente para a formação do leitor literário?

4.1 O estímulo à fruição estética e à apreciação crítica da produção literária

--- ---

4.2 Adequação da linguagem de acordo com a situação de comunicação, ou seja, aproximação do aluno ao padrão linguístico do texto.

03 ---

4.3 Exploração dos recursos linguísticos para a compreensão do texto quanto a processos estéticos e literários do texto (conotação, recriação da realidade, envolvimento dos leitores na leitura dos vazios do texto, jogos de palavra, rimas e figuras de linguagem.

23

05

Baseado no quadro das capacidades do Guia do PNLD/2014

Conforme podemos observar, as atividades de leitura presentes na unidade 1

mobilizam 91,23 % de capacidades cognitivas de leitura, um percentual considerável

em relação às capacidades discursivas que conta com apenas 8,78%.

Em nossa compreensão, o enfoque dessas capacidades reflete o modelo

tradicional de ensino da leitura no contexto da sala de aula, propagado pelos

manuais didáticos que exploram pouco as questões discursivas. Podemos dizer

ainda que esse dado confirma, em nosso ponto de vista, o que Rojo (2009)

constatou em suas análises sobre a leitura, com base nos resultados dos sistemas

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66

de avaliação, de que grande parte dos alunos da rede pública apresenta baixa

proficiência em leitura. Assim, as propriedades textuais e discursivas são pouco

exploradas, aquelas que poderiam contribuir para uma interação participativa e

crítica da realidade social, permitindo uma autonomia em relação à inserção do

sujeito leitor em diferentes contextos da sociedade.

Não podemos esquecer o papel que a linguagem ocupa nesse contexto, já

que extrapola toda e qualquer prática social de comunicação, do imaginário ou do

processo de aquisição de informações e de conhecimento, pois pela linguagem o

aluno constrói visões de mundo e valores sobre tudo que o cerca.

A partir de agora, apresentaremos as atividades de leitura, selecionadas

conforme critérios metodológicos. Elas estão localizadas na unidade 1 do volume do

7º ano. Salientamos que em todas as unidades do livro aparece um texto de

abertura intitulado “Conversando sobre o texto”. Essa seção tem como objetivo

preparar a discussão sobre os assuntos tratados na unidade, além de motivar a

discussão sobre o tema. No caso desta unidade, não trabalha com gêneros da

esfera literária para leitura, e sim com as imagens. No entanto, prepara o aluno

sobre o conhecimento do assunto do gênero.

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67

Como podemos observar, a leitura 1 apresenta quatro gêneros diferentes, os

quais estão organizados alfabeticamente. Cada um apresenta um estilo e uma forma

composicional que os singulariza em relação ao outro. Temos, inicialmente, no

enunciado acima, duas capacidades sendo mobilizadas: a ativação e conhecimento

de mundo; e a definição de objetivos plausíveis para a leitura proposta.

Consideramos essa abordagem importante para despertar no aluno

conhecimentos prévios acerca do assunto, como também favorecer desde o início

da leitura o envolvimento com texto, estabelecendo uma interação com ele mediante

o resgate de sua infância, preparando-o para as atividades seguintes

.

O objetivo deste capítulo é reconhecer a poesia popular como forma de

expressão criada pelo povo e transmitida, oralmente, de geração em geração. Como

podemos observar os gêneros propostos para o trabalho de leitura não se

apresentam, em sua maioria, nomeados no decorrer das atividades como Cantiga de

roda, Parlenda, Trava-língua e Adivinha; estes se apresentam nomeados por letra do

alfabeto A, B, C e D; o que compromete na clareza e organização das atividades,

pois o aluno precisará retomar o texto para verificar de qual texto determinada

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questão está se referindo. Em nossa opinião, isso pode interferir na demora da

compreensão do texto pela demora da identificação. Além disso, as questões não

estão organizadas na mesma ordem da apresentação inicial. Como exemplo,

destacamos os gêneros trava-língua e adivinha (textos C e D). Os gêneros

aparecem misturados, ora um, ora outro. Não há um cuidado em explorar a

singularidade de cada um desses textos.

Algumas capacidades de leitura são exploradas como a retomada de

informações, na questão 1, ativação de conhecimentos prévios, inferências,

compreensão global e comparação de informações. Na subseção Escrevendo sobre

o texto, na questão 1, encontramos a capacidade de resgate do contexto de

produção do gênero, além da capacidade de comparação, na tentativa de situar o

aluno dentro do universo de produção.

Já na questão 2, a autora mobiliza a capacidade de localização de

informações. Em relação a essa capacidade, consideramos coerente, já que a

atividade contempla os quatro gêneros, exigindo do aluno o recurso de comparação

para levá-lo ao reconhecimento das características individuais de cada um. Contudo,

outras capacidades aparecem, como, por exemplo, a capacidade de exploração dos

recursos linguísticos para a compreensão do texto quanto a processos estéticos e

literários, mobilizada na questão 3, em que o aluno é levado a perceber a

musicalidade do poema pelo uso de rimas, repetição e inversão de palavras.

Já na questão 5, aparece a capacidade de composição tipológica como

forma de promover a identificação e distinção do modo como os textos se

apresentam. Na questão 7, constatamos a capacidade de inferência global e

ativação de conhecimento de mundo, com possibilidade de levar o aluno a construir

o sentido a partir de seu universo linguístico durante a leitura dessas atividades.

Como podemos observar, a capacidade mais explorada é a de localização de

informações. Tal capacidade é considerada por Rojo (2004) como básica, pois serve

apenas para estudar, trabalhar, usar internet. Nesse sentido, em nosso ponto de

vista, não contribui para o letramento crítico, para uma efetiva prática libertadora e

autônoma, como afirma Freire

nas relações que o homem estabelece com o mundo há, por isso mesmo, uma pluralidade na própria singularidade. E há também uma nota presente de criticidade. [...] A partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela e de estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão, vai ele dinamizando o seu mundo. (FREIRE, 1997, p.40)

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A nosso ver, a leitura é uma das alternativas que possibilita o

desenvolvimento de capacidades de autoria e de criticidade. Entretanto, a ênfase na

exploração das capacidades básicas, como a de localização e cópia de informações,

como se verifica nessa unidade e em toda a coleção, acaba por empobrecer o

trabalho com a leitura, pouco ou nada contribuindo para a formação do aluno leitor.

Percebemos que há, nesta unidade, uma insistência das autoras em

apresentar os gêneros da tradição oral com o objetivo de levar o aluno a perceber a

musicalidade, o ritmo e a rima, além de fazê-lo entender o caráter educativo e lúdico

de tais gêneros. Os textos estão, em sua maioria, acompanhados de ilustração que,

em nosso ponto de vista, é uma tentativa de relacionar o assunto do texto às

imagens para produzir o sentido.

A seção “Estudo do texto” apresenta um quadro inicial com informações

adicionais que ampliam o conhecimento a respeito do gênero apresentado na seção

de leitura. Consideramos essa estratégia importante por abordar aspectos históricos

e sociais do gênero, uma vez que busca desenvolver no aluno novos

conhecimentos, nesse caso, sobre a cultura popular, uma manifestação que nasce e

se perpetua com o povo. Não podemos esquecer do aspecto literário, pois são

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poesias que representam a cultura, as crenças e os costumes de uma época ou

região, possibilitando ao leitor entender o fatos do passado, do presente e

possibilidades em moldar o futuro. Pelo fato de a linguagem envolver as relações

humanas, os sentidos são construídos em meio às especificidades de uma

determinada cultura, que podem em alguns casos haver resistência, tensão,

relações de poder o que caracteriza a natureza multicultural das práticas de

linguagem.

Além disso, a linguagem apresenta o seu caráter ideológico, na visão de Gee

(1990), a ideologia é, para este autor, um conjunto de práticas socioculturalmente

construídas, e que influência de forma considerável sobre os significados veiculados

pela linguagem. Em nosso ponto de vista, é desta forma que a linguagem deve ser

tratada na sala de aula, levando os alunos a refletirem sobre os elementos que a

constitui, e a observarem o modo como os diferentes textos se apresentam no livro

didático, os quais podem ser o resultado de uma escolha ideológica na construção

do discurso didático.

Nesta seção, por exemplo, encontramos algumas capacidades sendo

mobilizadas, sendo um momento profícuo para problematizar o fenômeno da

linguagem, pois o aluno tem a oportunidade de discutir e expor sua opinião acerca

do que foi perguntado. Nesse sentido, a capacidade de apreciação ética, na

alternativa 1, da subseção Conversando sobre o texto oferece essa possibilidade.

Além disso, oportuniza momentos de interação verbal, conforme Bakhtin/Volochinov,

(2006[1929]), ao promover o debate entre os participantes do processo discursivo,

podem haver concordância ou refutação.

Lembramos ainda que a capacidade de apreciação ética é recorrente em

todas as atividades de leitura. Em nosso entendimento, tal capacidade é

fundamental na formação integrada do ser humano, pois sabemos que a vida em

sociedade necessita ser conduzida pela ética e o respeito para que se diminua os

possíveis conflitos que cercam as relações humanas.

Nesse sentido, a leitura promove o desenvolvimento da capacidade de

percepção, conscientização e criticidade. Inclui-se neste processo o texto literário

pelas possibilidades de levar o leitor a conhecer entre outras coisas, outras culturas,

outras crenças e outros valores. Destacam-se também as capacidades de

localização de informações, e de inferência local, nas alternativas 2 e 4

respectivamente, da subseção Escrevendo sobre o texto. Como já observamos

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anteriormente, Rojo (2004) considera essas capacidades como estratégias mínimas

de leitura, pois contribuem muito pouco para uma leitura crítica e autônoma do

aluno.

Ressaltamos que algumas das capacidades identificadas e descritas neste

estudo, se repetem em grande parte, na maioria das atividades de leitura, por isso

optamos por destacar aquelas que consideramos as mais representativas da

unidade. A seguir, apresentaremos mais uma atividade com o gênero quadrinha,

tal atividade foca alguns aspectos linguísticos como a rima, por exemplo.

Nesta seção, a rima e o ritmo aparecem para ampliar o sentido do texto

literário. Vale dizer, segundo as autoras, que este assunto é extenso e abrangente,

e que não há consenso entre os teóricos sobre os aspectos conceituais tanto da

rima quanto do ritmo. No entanto, o material apresenta nas sugestões metodológicas

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contribuições de Moises Massaud, autor do Dicionário de termos literários, sobre as

definições de rima e ritmo na visão deste autor.

Como podemos notar nesta seção, o recurso de comparação aparece bem

evidente, levando o aluno a identificar as palavras que rimam e a perceber o ritmo

que o poema tem. Assim, a capacidade de comparação presente na questão “a”,

possibilita ao aluno comparar o texto poético com um passáro, permeado pela

linguagem da poesia, numa tentativa de levar o aluno a perceber a relação que se

estabelece entre esses dois elementos.

Para tanto, esse recurso é reforçado na questão “b”, pela semelhança que o

autor impõe através desses mesmos elementos, ou seja, pássaro e literatura são

livres. O pássaro é livre para voar e a literatura, por não ser fixa, permite que o leitor

seja livre para criar e imaginar. Consideramos tal capacidade importante no sentido

de promover o desenvolvimento do conhecimento sobre linguagens, para além das

práticas cotidianas, de refletir sobre o uso em diferentes espaços sociais e com

intencionalidades especificas.

Embora, com base em Rojo (2004), ainda se trate de uma estratégia de

leitura que explora o ato apenas de compreensão e não de interpretação. Apesar de

haver impasses conceituais, como dissemos acima, a rima ainda sobrevive como

forte recurso sonoro no poema. O seu emprego contribui para a percepção da

linguagem literária, conferindo musicalidade ao poema o que provoca

estranhamento do texto literário, contribuindo no desenvolvimento de capacidade

critica do leitor literário.

Continuamos logo abaixo esta mesma seção. As atividades referem-se aos

quatro excertos de poemas. Destacam-se entre eles, Ismália, escrita por Alphosus

de Guimaraenns, poeta simbolista do século XIX, sendo considerada uma das

poesias mais famosas da literatura brasileira, cujo tema central é a loucura da

personagem central.

Faz parte, também, desta seleção, a letra de música, de Chico Buarque, “O

meu guri”, que tem como eu-lírico uma mulher que não tem condições de criar seu

filho, conta sua história para alguém, um interlocutor que ela chama de “seu moço”.

Outro poema que se destaca é do Baiano Luis Gama, “Quem sou eu?” A sua poesia

não buscava apenas destaques poéticos, mas, sobretudo, atitudes face à luta que

enfrentava em um contexto histórico que marginalizava o negro e sua cultura.

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Por último, o livro traz a escritora Martha Medeiros, que poetiza temas do

cotidiano como: solidão, a liberdade, a dependência, a linguagem, entre outros.

Alguns aspectos nos chamaram a atenção sobre estes quatro poemas: o período

literário de cada poema, o estilo e a visão de seus autores.

Consideramos essa estratégia valiosa para compor o quadro das atividades,

entretanto não vimos nenhuma alusão a respeito dessas questões nas atividades de

leitura. Tais recursos poderiam ser explorados dada a importância que o poema

ocupa, no cenário literário, bem como respectivos autores com suas contribuições

acerca da realidade brasileira. Contatamos que as atividades dão muito mais ênfase

aos aspectos formais da língua, para uma normatização, como sendo a única

autorizada a dizer ou a que convém dizer, do que aquela voltada efetivamente para

o uso permitindo assim, a reflexão e a crítica.

As contribuiçoes de Bakhtin/Volochínov (2006[1895-1975), nos ajudam a

compreender essa dinâmica da língua, porque nessa concepção, o individuo não se

apropria da língua por um sistemas de normas, como defendiam os estruturalistas;

ao contrário, todo o processo discursivo é considerado, por este autor, como

movimento dialógico, que se configura no espaço das interações prático-sociais.

De nossa parte compreendemos que, não é o aspecto da forma como a

língua se apresenta, mas o modo como é usada num determinado contexto

permitindo assim a produção de sentidos.

o essencial na tarefa de descodificação não consiste em reconhecer a forma utilizada, mas compreendê-la num contexto concreto preciso, compreender sua signficação numa enunciação particular. Em suma, trata-se de perceber seu caráter de novidade e não somente sua conformidade à norma. (Bakhtin/Volochínov (2006[1895-1975),p. 96).

Para este renomado pensador russo, o processo de descodificação está no

nivel da compreensão. Em nosso entendimento, a compreensão está no nivel da

interpretação, refere-se àquela leitura que extrapola a estrutura da língua, ou seja, a

forma, possbilitando múltiplas signifcações e sentidos.

Vale dizer que, nessa concepção, não se descarta a estrutura, pois ela é

talvez uma das mais importantes por carregar os enunciados, pressupondo

possíveis análises linguisticas.

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As questões acima buscam, a nosso ver, provocar uma reflexão sobre o

emprego ou não da rima, de modo que o aluno possa perceber que a rima pode ou

não ocorrer em um poema, isto é, não é obrigatória a sua ocorrência. Buscam

também demonstrar que a sua ausência não compromete a beleza poética do

poema.

Os recursos linguísticos empregados nesses poemas expressam indecisão do

“eu lírico” evidenciadas pelo uso da forma verbal queria e o emprego de palavras de

sentido contrário como subir/descer e céu/mar. Aparece também o gênero verbete

com destaque para a palavra torvelinho.

Quanto às capacidades é visível a mobilização da capacidade de localização

de informações, a mais simples de todas, muito comum nas atividades, não

somente de leitura, como em outras atividades presentes em manuais didáticos de

língua portuguesa. Nesse processo de identificação há, em nosso ponto de vista,

elementos óbvios, pois estes se encontram textualmente descritos, sem que haja

maior complexidade no trabalho de identificação. De modo que contribui pouco para

o desenvolvimento da capacidade crítica.

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Nas alternativas “d”, “g” e “i”, explora-se a capacidade de inferência global.

Esta se caracteriza por levar o aluno a preencher alguma lacuna do texto não

explicitado pela linguagem escrita. Há uma tentativa de envolver o aluno nos vazios

do texto, para que ele possa compreender os processos estéticos da produção

literária. No entanto, esses vazios só podem ser compreendidos se o leitor tiver

desenvolvido outras capacidades como, por exemplo, leitura de mundo,

compreensão global a respeito do assunto tratado para que possa estabelecer

relações intertextuais e discursivas.

A literatura promove de certa forma essas intertextualidades pelas

possibilidades de compreender a realidade, como afirma Candido (2009), as

diferentes leituras feitas no decorrer da vida nos ensinam a ver a vida de uma outra

maneira, mais plena e mais significativa, pois o homem sempre teve necessidade de

fabulação, quanto mais entra na literatura, sai muito melhor, mais rico para

compreender melhor a si mesmo e ao mundo.

Nas alternativas “g” e “j”, enfoca-se a capacidade de exploração para

processo de compreensão do estético e literário. Nas demais alternativas, solicita-se

apenas e novamente a localização de informações.Não constatamos nenhum

tratamento quanto às questões estéticas do texto literário, mais uma vez Bakhtin

(1979[1997]) nos ajuda a detectar as problemáticas existentes neste aspecto, pois

foi exatamente este o ponto de sua crítica aos formalistas de sua época:

[...] não critica a própria oposição entre arte e não arte, entre poesia e discurso cotidiano, mas o ponto onde os formalistas procuram situá-la. “Os traços característicos do poético não pertencem à linguagem e aos seus elementos, mas somente às construções poéticas”,escreve Medvedev (p. 119; todas as referências remetem às edições originais), e acrescenta: “O objeto da poética deve ser a construção da obra literária” (p. 141). Mas o poético e o literário não são definidos de outro modo pelos formalistas: “Na criação poética, o enunciado rompeu seus laços com o objeto, tal como este existe fora do enunciado, do mesmo modo que com a ação [...]. A realidade do próprio enunciado não serve aqui a nenhuma outra realidade” (BAKHTIN 1979[1997] p. 6)

Podemos depreender que, na concepção do autor russo, a estética do texto

literário não está na materialidade do texto, mas na recriação desta, ou seja, na

arquitetônica, em nosso ponto de vista, é o acabamento que o leitor dará ao texto,

durante o processo de leitura, na interação entre leitor e autor da obra literária,

colocando em debate seus conhecimentos linguístico-discursivos (re)construídos

durante toda a sua vida nas diferentes práticas sociais de interação humana.

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Nesse sentido, podemos concluir que a leitura, segundo este autor, para ser

uma experiência, precisa ser vivida como um acontecimento na vida do aluno. Para

isso o sujeito-leitor precisa reconhecer que a leitura faz parte da sua história de ser

no mundo.

Em nosso entendimento, o livro didático é uma ferramenta que pode

estabelecer esse intercâmbio com a vida em sociedade a partir dos textos que são

colocados para estudo em sala de aula. Compreendemos ainda que o material faz

circular todo além de conteúdos básicos para a construção do conhecimento faz

também circular discursos que podem ser debatidos e questionados.

Temos a seguir, um quadro que faz parte da a atividade seguinte. Ele contém

algumas informações a respeito dos tipos de rima que um poema pode apresentar.

O conhecimento dessas regras é importante para que o aluno saiba que o

texto literário apresenta algumas especificidades. Em se tratando de poemas, estes

podem ou não apresentar rimas. Saber que as terminologias foram criadas com um

fim também especifico, pois dependendo da posição que as rimas ocupam no verso,

estas podem produzir sons diferentes.

O aluno tem a oportunidade de observar que o texto literário é construído

com a linguagem do cotidiano, mediante o recurso de articulação da própria

linguagem que possibilita o uso e o jogo das palavras.

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A nosso ver, todas as informações relacionadas à linguagem são de extrema

importância, visto que é pela linguagem que as convenções sociais se organizam,

assim, as regras existem em qualquer circunstância da vida, não muito diferente ao

que acontece na linguagem. As alternativas “a” e “b” da atividade acima, propõe o

que já dissemos anteriormente, a obviabilidade do texto, identificar elementos

textualmente explicitados, no caso do poema, o som produzido nos versos é

provocado pelo emprego da consoante “v”. A repetição dessa letra confere

musicalidade ao poema que combinada com outras palavras assemelham-se ao

barulho do vento.

A respeito dessas mesmas alternativas, a formulação de ambas é muito

simples, contudo, para responder a alternativa “b”, é necessário que o leitor tenha

sido capaz de identificar em “a” tal fonema para construir o sentido. Em nosso

entendimento, está presente a capacidade de localização de informações em “a” e

inferência local em “b”. Percebemos que há uma tentativa em explorar efetivamente

os elementos estéticos do poema através do recurso da figura de som, a aliteração

representado pelo fonema “v”.

A atividade abaixo faz parte da subseção “Praticando”, esta aparece em todas

as unidades de todos os volumes. Observamos nessa parte que a língua é estudada

em seus aspectos estruturais, como sistema, logo, a preocupação é ensinar a

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gramática, o que acaba conferindo ao texto poético essa responsabilidade de ser

objeto de ensino gramatical. Ressaltamos que por tratar-se de uma das atividades

pertencentes à unidade prototípica, vimos por bem apresentá-la aqui, já que faz

parte da esfera a qual estamos analisando.

Como podemos notar, na questão “a’ por mais que se tenta trabalhar o

sentido literário, fica claro o tratamento dispensado pela obra didática que é a

identificação de um determinado tempo verbal justificando a intencionalidade de seu

uso. Portanto, o texto serve como objeto para estudar aspectos gramaticais.

As capacidades presentes na atividade acima são as mesmas descritas na

atividade acima, ou seja, de localização e de inferência local.

De um modo geral, as atividades mobilizam pouco as capacidades leitoras

que contribuem para a formação crítica do leitor literário, não coadunam com a

função social da literatura, que, a nosso ver, promovem uma inquietação no homem,

a ponto de tirá-lo de uma atitude de alienação imposta pela sociedade e que, ao

mesmo tempo, ocupa seu espaço enquanto sujeito de práticas culturais, capaz de

se ver como fonte e objeto do conhecimento.

Temos também nesta mesma subseção, o haicai, poema de origem japonesa,

que chegou ao Brasil no início do século 20 e hoje conta com muitos praticantes e

estudiosos brasileiros.

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Vale ressaltar que esse tipo de poema só aparece no volume do 7º ano. Em

nenhum momento, a atividade faz referência sobre a forma, o conteúdo ou

quaisquer outras informações sobre esse gênero poético. A alternativa “a” mobiliza

as capacidades de inferência global e apreciação ética, levando o aluno a se

posicionar face à visão de mundo do eu lírico em relação à vida. Já a questão “b” é

de estudo gramatical. A nossa próxima atividade de leitura contempla o gênero

“cantiga de roda” conhecida universalmente, e que na atividade abaixo tem como

principal destaque o trabalho com a rima.

Nesta outra atividade, a cantiga de roda, gênero conhecido universalmente,

aparece com o objetivo de trabalhar as rimas como destacadas na questão “a”.

Neste caso aparece a mobilização de recursos linguísticos para a compreensão do

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texto quanto a processos estéticos e literários. Consideramos uma atividade

simples, entretanto, a questão “a” evidencia bem o aspecto intencional do texto, bem

como sua estrutura, os quais ajudam na compreensão global do texto.

A questão “b” segue essa mesma abordagem, há uma preocupação em

identificar apenas o conteúdo temático. Em nenhum momento, a atividade apresenta

questões voltadas para o trabalho com gênero, na perspectiva bakhtiniana: conteúdo

temático, estilo e forma composicional. Semelhantemente ocorre em relação ao

material didático, este não faz no manual do professor nenhuma alusão a essas

contribuições. Analisaremos mais uma atividade desta unidade. O texto é um cordel,

construído a partir de elementos que se aproximam da arte de contar, como pode

ser visto no início da primeira. Como podemos observar, um dos recursos presentes

no texto são a rima e o ritmo, que ajudam o aluno na memorização e assimilação

do verso.

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Temos inicialmente, neste segundo capítulo, uma proposta para um diálogo,

evidenciada no enunciado, o que pode auxiliar na compreensão do que será lido.

Identificamos assim três capacidades: Predição de conteúdos, a Definição de

objetivo e Levantamento de hipóteses. Todas favorecem a compreensão da leitura,

principalmente se apoiadas em outros conhecimentos como, por exemplo, a época

em que o texto foi escrito, informações sobre o autor, sobre outros textos lidos etc.

Nas palavras de Rojo (2004), o leitor não aborda o texto como uma folha em

branco, mas a partir da situação de leitura, de suas finalidades, da esfera de

comunicação em que ela se dá, de seu título, do levantamento de hipóteses que faz

a partir dos elementos pré-textuais. E, certamente, isso faz diferença no modo como

se lê, além das expectativas que são criadas a partir desses elementos. Percebemos

que a estratégia de leitura apresentada é a de indução, uma vez que o objetivo é

fazer com que os alunos mediante esse procedimento antecipem uma propriedade

do texto e, após a leitura, confirmem ou não a direção tomada antes da leitura. O

excerto abaixo comprova essa interpretação.

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A seção começa com uma rápida biografia do autor do texto. No entanto, as

informações descritas sobre o autor não são trabalhadas em nenhuma das questões

das atividades de leitura. Na questão “1”, da subseção “Conversando sobre o texto”,

aparece a capacidade Checagem de hipóteses. Em nosso ponto de vista, é a

oportunidade que o aluno tem de verificar se suas expectativas ou formulações

foram correspondidas ou não, podendo confirmar, desconfiar, criar novos

questionamentos durante o processo de leitura, checando quais hipóteses se

adequariam às situações de leitura, construindo assim significados e sentidos acerca

do tema e do texto.

Na questão 2, constatamos a apreciação estética, pois o aluno é estimulado a

expressar seus sentimentos, suas emoções diante do texto lido. Consideramos esta

estratégia positiva, pois, ao tocar nesses elementos, esbarramos na sensibilidade,

contribuindo para que o leitor busque o melhor de si como ser humano. A literatura,

a nosso ver, não pode ser vista apenas como canal de informações, estratégias

pedagógicas na sala de aula; ao contrário, deve ser concebida como fenômeno

estético. Pensar a literatura, nesse viés, é reconhecê-la como arte literária. Arte

numa relação e dimensão dialógica entre o autor, o que cria, e o leitor, o

contemplador da obra lida, tendo em vista a sua inserção no meio social. Sobre este

aspecto Padilha (2005) nos esclarece

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a formação do leitor literário e do apreciador da arte, que se inicia desde as primeiras séries, precisa levar em conta o universo cultural dos interessados, mesmo que não seja o mesmo (e fatalmente não será) do professor ou da academia, que influencia, direta ou indiretamente, a produção dos manuais didáticos. (PADILHA, 2005, p. 115).

Podemos depreender, a partir dessas contribuições, que a literatura pode ser

ensinada desde as séries iniciais, de maneira responsável e consciente. A respeito

da fruição, Cândido (2009) enfatiza

Negar a fruição da literatura é mutilar a nossa humanidade. Em segundo lugar a literatura pode ser um instrumento consciente de desmascaramento, pelo fato de focalizar as situações de restrição dos direitos, ou de negação deÌes, como a miséria, a servidão, a mutilação espiritual. Tanto num nível quanto no outro ela tem muito a ver com a luta pelos direitos humanos. (CÂNDIDO, 2009, p. 186)

Na visão deste autor, a fruição estética está intimamente imbricada na relação

entre literatura e direitos humanos. Ainda nas palavras deste estudioso, “a

organização da sociedade pode restringir ou ampliar a fruição deste bem

humanizador”. De nossa parte, acreditamos que a leitura de textos literários dá ao

leitor possibilidades de perceber-se no mundo, a compreender e a (re)conhecer as

diversas culturas existentes e o seu valor.

.

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As questões de 4 a 8 são continuidade da subseção “Escrevendo sobre o

texto”. É importante ressaltar que na alternativa 4, há a mobilização da capacidade

de recuperação do contexto de produção, por meio de elementos da narrativa, além

disso, explora a função social que esse gênero ocupou num determinado tempo

histórico e o contextualiza com autores contemporâneos. Consideramos relevante,

tendo em vista que o aluno precisa situar-se no tempo e no espaço para, através

das informações, extrair elementos para o aprendizado.

Na questão 4, é tematizado o modo de composição tipológica, de maneira

que o aluno possa conhecer a característica do poema cordel, além da diversidade

de conteúdo temático que esse gênero discute . Nas questões de 5 a 8, aparecem

as capacidades de localização e de comparação de informações, além da

capacidade de inferência global. Na subseção Discutindo ideias, construindo valores

é mobilizada a capacidade de apreciação ética, levando o aluno a refletir sobre as

ações praticadas no dia a dia por pessoas na sociedade. Ou seja, o assunto

discutido no poema é colocado como situações da realidade.

A nosso ver, esse procedimento permite desenvolver capacidade de reflexão,

instigando no aluno a tomada de atitudes que considerem as ações éticas e morais

para um convívio social harmônico. Para Bakhtin e o Círculo, poderíamos vislumbrar

aqui uma relação entre o ético – “o mundo e suas mazelas” – e a expressão artística,

o estético, através, no caso, do gênero cordel. Em Explorando a linguagem, os

recursos linguísticos empregados nas alternativas, contribuem pouco para

compreensão quanto aos processos estéticos e literários.

A nosso ver, o tratamento dispensado ao estudo das rimas possibilita a

percepção quanto à articulação da linguagem literária, que é, por excelência, a porta

que se abre de um novo mundo para o leitor. No entanto, não é suficiente para

desenvolver a visão crítica. Entendemos que a linguagem quando bem articulada

tem o poder de criar outras realidades através da imaginação de seu produtor.Não

se pode enfocar simplesmente a forma pela forma. Há necessidade de se

estabelecer a relação da literatura com a vida em sociedade.

O estudo do gênero cordel pode ser muito interessante sob o ponto de vista

cultural, partindo do pressuposto de que as produções desse tipo de gênero são,

em sua maioria, da região Nordeste, consideramos que ele permite às pessoas de

outras regiões do país conhecer as características e os costumes de outras, já que

a linguagem representa a identidade cultural e histórica de um povo.

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A seguir, temos o gênero Auto, texto originário da era medieval, estabelece na

atividade abaixo um diálogo intertextual.

Como dissemos acima, esta subseção não aparece em todas as unidades do

material. Notamos que o recurso intertextual foi empregado com o objetivo de

trabalhar a capacidade de comparação entre os dois gêneros, levar o aluno a

perceber alguma semelhança e/ou alguma diferença do tema. Constatamos que, a

partir do gênero cordel, há atividades com outros gêneros da mesma esfera literária

como o Auto, por exemplo. Assim, o poema de cordel inspirou o texto Auto da

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compadecida. O autor Leandro Gomes de Barros é de uma época anterior à do

escritor Ariano Suassuna, que escreveu sua obra em 1955.

De nossa parte, entendemos que o aluno poderá encontrar dificuldades para

estabelecer tais relações no nível temático sem que haja a intervenção do professor,

pois se trata de capacidade de ativação de conhecimento de mundo. Segundo Rojo

(2004), são necessários alguns procedimentos para que a leitura atinja seu ápice de

compreensão, os quais estão ligados às capacidades de leitura: ativação e predição,

compreensão e inferência global etc. As questões acima não apresentam grau de

complexidade de modo a provocar no aluno uma reflexão crítica.

Como se pode perceber, a relação que se estabelece entre os dois textos é

de nível temático, expressas pelas motivações das atitudes dos dois personagens. É

enfatizada a capacidade de comparação nas questões 1 e 2. Já nas questões 3 e 6,

a de inferência global. Todas, em nosso ponto de vista, mobilizam capacidades

mínimas para uma ação mais questionadora por parte do aluno, que contribua,

portanto, para uma melhor apreciação sobre o funcionamento de ambos os gêneros,

suas aproximações e distanciamentos.

A forma como essa subseção foi organizada lembra-nos de que as práticas

de letramento precisam ser ampliadas e isso cabe à escola como agência de

letramento. Ambos os gêneros circularam em contextos sociais diferentes, o que

possibilita ao aluno poder conhecer não somente o contexto social histórico, como

também o conteúdo temático, o estilo e a forma composicional de cada um,

elementos constitutivos, segundo Bakhtin (1952-1953 [2003]).

Aparece apenas o recurso de intertextualidade em torno do personagem João

Grilo. Para Rojo (2009, p.107), um dos objetivos da escola é justamente possibilitar

que seus alunos possam participar das várias práticas sociais que se utilizam da

leitura e da escrita, pois quanto mais acesso tiverem mais possibilidades terão para

o desenvolvimento de capacidades linguísticas e discursivas.

Percebemos que de certo modo, o livro reproduz práticas escolares

tradicionais pela forma como as perguntas são organizadas e direcionadas. Logo

abaixo, temos mais um exemplo, agora, com um excerto de romance, Iracema, de

José de Alencar, o qual está localizado na subseção Ampliando a linguagem.

Notamos que há uma preocupação em trabalhar a tipologia do texto e não ampliar a

discussão numa perspectiva crítica na construção do sentido.

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Conforme podemos observar, as atividades propostas buscam relacionar os

dois textos pelo recurso de comparação, pois ambos apresentam a forma como

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Iracema e Martim se conheceram. Portanto, são visíveis as capacidades de

localização e comparação de informações. Há certa progressão na abordagem das

atividades em que tais capacidades se fazem presentes, como podemos constatar

pela proposta de comparação entre duas modalidades de texto: poema e prosa.

Contudo, essa progressão está a serviço da tematização da tipologia do texto e não

da temática discutida no texto-fonte.

Como dissemos acima, não há problematização ou promoção de diálogo com

outras esferas sociais, nem tampouco, o incentivo do leitor a buscar outras fontes de

informações. Quando se desvia o foco para a tipologia, esquece-se da questão

genérica, e as atividades propostas passam a repetir as práticas tradicionais de

leitura e escrita.

Contudo, vale dizer que nesta subseção a capacidade de comparação é

intensificada, a nosso ver, com o objetivo de levar o aluno a perceber como cada um

dos textos se apresenta em suas especificidades. O texto A, por exemplo, está em

prosa. Já o texto B, em versos. Portanto, o aluno precisa, no ato da leitura, colocar

em ação a capacidade de percepção, observar a diferença que existe entre os dois

textos no modo de organização tipológica, por conseguinte, a linguagem literária.

De acordo com Cândido (2009), a literatura está no mesmo grau de

necessidades básicas do ser humano. Assim, o autor reafirma aquilo que se constitui

como direito universal do ser humano, as necessidades básicas. Em seu ponto de

vista, é impossível pensar nessas necessidades sem levar em consideração a

literatura, pois ela está imblicada em todas as ações do ser humano.

No entanto, adverte que, infelizmente, a literatura está restrita a um público

específico, pelo fato de a maioria não reconhecê-la como uma necessidade básica,

enxergando-a como um direito, no mesmo patamar dos direitos fundamentais. Nesse

sentido, a literatura é concebida não somente como parte integrante dos direitos do

homem, mas também como um fator de inclusão, um mecanismo de combate e

autorreconhecimento. Temos, a seguir, a reprodução gráfica apenas dos gêneros

que trabalham com a leitura.

Em nosso ponto de vista, o modo como o material didático trabalha o texto

literário ficou evidente que a literatura em relação a outros textos ocupa um lugar

menor e o tratamento deste é inadequado, deturpado, fragmentado, ou seja,

didatizado.

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Neste outro exemplo, temos o poema narrativo que conta uma história

estruturada em versos. Aparece a capacidade de resgate da produção do gênero.

Por mais que estejamos analisando atividades de leitura, vale destacar a alternativa

“b”, envolvida numa proposta de produção escrita, o que equivale a possibilidades

de inserir o aluno em diferentes práticas letradas, seja elaborando registros de uma

atividade, escrevendo letras de música, seja transformando um gênero em outro.

São algumas estratégias que poderiam ser consideradas na promoção do

letramento. A respeito destas práticas, a pesquisadora Corti etal (2012), nos

apresenta uma reflexão.

Para refletir sobre a educação de jovens, é necessário, em primeiro, lugar, compreender quem são esses eles, o que fazem, o que

pensam, o que esperam e o que sentem diante do conhecimento. (CORTI, 2012, p. 17).

Coaduna neste mesmo pensamento Monte Mór (2013), o desenvolvimento de

capacidades críticas deve ser uma prioridade nas propostas educacionais, para

tanto, é necessário considerar as práticas de letramentos. Assim, em nosso ponto

de vista, com a leitura, não é diferente: indagar-se sobre o jovem leitor ou não leitor

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implica, antes de qualquer coisa, saber quem é este jovem, o que lê, onde, quando e

por quê, bem como descobrir o que ele não lê, e os motivos desse distanciamento.

Nesse sentido, vale dizer que a escola, em grande parte, não considera o

conhecimento que o aluno já tem construído para, a partir deste, elaborar suas

práticas.

Antes de iniciar a interpretação do texto, de acordo com as sugestões no final

do livro, o professor poderá propor aos alunos uma encenação desse desafio. Além

de lhes propor que a atividade seja feita em duplas, orienta também a prestar

atenção à entonação dos enunciadores do texto. Notamos, logo no início desse

texto, na parte pré-textual, as capacidades de levantamento de hipóteses,

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compreensão global e definição de objetivos. A forma como as autoras articularam

a apresentação do texto mobilizando tais capacidades contribui para criar

expectativas do que será tratado, e instiga principalmente a curiosidade, logo mexe

com o imaginário.

Após a apresentação do texto são apresentadas algumas informações acerca

do gênero proposto para leitura, a peleja, o qual será estudado não somente nas

atividades de leitura, mas nas demais seções deste capitulo. Vale lembrar, que a

unidade organiza-se em dois capítulos, cada um com leitura 1 e leitura 2. Além

disso, essas informações acompanham ilustrações dos instrumentos usados na

forma como esse gênero chega até o leitor, o que possibilita também o

conhecimento deles. Não podemos deixar de reconhecer que as informações

complementares favorecem a compreensão do gênero, já que resgata de forma

objetiva a sua origem e sua exposição e manifestação no decorrer do tempo.

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Na subseção Conversando sobre o texto, nas questões 1 e 2, aparecem as

capacidades estéticas e éticas, as quais promovem não somente a interação entre

os alunos, mas os leva a refletir sobre a importância de ouvir a opinião do outro,

pois, muitas vezes, as pessoas têm conhecimentos e experiências para

compartilhar.

Ressaltamos que, na questão 1, está presente a capacidade de Checagem de

hipóteses completando, em nosso ponto de vista, o processo harmônico em relação

à capacidade de levantamento de hipóteses, presente na parte pré-textual.

Notamos, ainda, que este gênero é o único que se destaca com atividades que

exploram mais intensamente os recursos linguísticos, através dos jogos de palavras,

trocadilhos, rimas e figuras de linguagem que recriam a realidade de uma maneira

divertida e engraçada.

Na seção Escrevendo sobre o texto, notamos primeiramente as

características estruturais do gênero, presentes nas questões 1 e 2, mobilizando a

capacidade do contexto de produção do gênero e sua função social. Encontramos

na questão 2, alternativa D, a capacidade de exploração de recursos estéticos com o

objetivo de demonstrar a musicalidade presente nesse tipo de gênero. Também a

capacidade de adequação da linguagem de acordo com a situação de comunicação,

ou seja, a aproximação do aluno ao padrão linguístico do texto, na alternativa “F” .

Essa atividade possibilita ao aluno conhecer não somente o gênero e sua

organização tipológica, mas também o uso e a forma da linguagem empregada,

como, por exemplo, os sujeitos envolvidos nessa produção e recepção, que são os

cantadores e a plateia, além do contexto social em que esse tipo de gênero é

produzido, como as festas, as praças públicas, entre outros.

A exploração dessas capacidades favorece a formação do aluno como leitor

literário porque, a partir de práticas efetivas de aproximação do literário, o aluno

percebe a questão da sonoridade nos poemas, nas trovas, distinguindo entre

fonemas e repetições. Em nosso ponto de vista, a literatura tem seus elementos

próprios, meios singulares, que estimulam a imaginação por meio da transfiguração

da realidade, como também provoca a curiosidade e a motivação sobre

determinados fatos, assuntos que o leitor ainda desconhece, o que pode favorecer a

possibilidade de abertura para espaços para formação do leitor literário. Assim,

concordamos com Rezende (2013)

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uma literatura seja real, próxima, democratizadora, efetivamente lida e discutida, aberta, sujeita à crítica, à invenção, ao diálogo, ao pastiche, à leitura irônica e humorada, inserida no mundo da vida e em conjunto com as práticas culturais e comunitárias, sem medo de julgamentos”( REZENDE, 2013, p.77).

Nesse sentido, é fundamental para promover a compreensão estabelecida

entre a literatura e a realidade social. Por outro lado, vale lembrar que esse tipo de

gênero circula mais na região Nordeste do país, refletindo variedades linguísticas

características de algumas partes dessa região. Além disso, explorar os recursos

linguísticos das rimas e estrofes presentes no texto contribui para a percepção da

linguagem literária.

Se observarmos bem, nessa mesma questão, aparece visivelmente uma

abordagem interacionista, propondo ao aluno o diálogo com os colegas, na criação

de possíveis descobertas a respeito do texto. Esta estratégia também é bastante

positiva, pois nessa inter(ação), há uma constituição entre sujeitos mediados pela e

na linguagem, produzindo e refratando os sentidos.

Para Freire (1998), na compreensão de leitura como leitura de mundo, o

significado de textos se expande para os vários contextos ou realidades com os

quais os indivíduos interagem, sendo essa interação reveladora a que o autor

denominou de “consciência crítica” desses participantes.

Nesse sentido é preciso ver o processo de leitura na sua abrangência social e

não apenas na sua dimensão textual. Assim, fica evidente a necessidade de dar

espaço ao trabalho com a linguagem, que se constitui um dos problemas apontados

em relação à proposta de pedagogia crítica desse autor. A respeito da educação

bancária e problematizadora, o autor assim as define

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a prática bancária (...) implica uma espécie de anestesia, inibindo o poder criador dos educandos; a educação problematizadora, de caráter autenticamente reflexivo, implica um constante ato de desvelamento10 da realidade. A primeira pretende manter a imersão; a segunda, pelo contrário, busca a emersão das consciências, de que resulte sua inserção crítica na realidade. Quanto mais se problematizam os educandos, como seres no mundo e com o mundo, tanto mais se sentirão desafiados. Tão mais desafiados, quanto mais obrigados a responder ao desafio. Desafiados, compreendem o desafio na própria ação de captá-lo. Mas, precisamente porque captam o desafio como um problema em suas conexões com outros, num plano de totalidade e não como algo petrificado, a compreensão resultante tende a tornar-se crescentemente crítica, por isto, cada vez mais desalienada. (p.40).

Em nosso ponto de vista, a reflexão sócio-ideológica sobre a linguagem e o

discurso é fundamental para um trabalho voltado para o letramento crítico dos

alunos. A atividade abaixo retoma partes do texto selecionado para a leitura.

Como podemos observar, a atividade retoma partes dos versos do texto

Peleja, a nosso ver, com o propósito de fixar aspectos conteudísticos em relação as

figuras de linguagem, que são importantes na construção do texto. Ao retomar

parte do poema, o aluno entra novamente em processo de leitura , com

possibilidades para aprofundar em aspectos mais formais da linguagem, como

também o de buscar outros sentidos para a leitura até então não percebidos.

Nas três ocorrências, constatamos a capacidade de exploração de recursos

linguísticos e literários para a compreensão de processos estéticos. Além da

capacidade de comparação exigida entre os trechos A e B. Nessa construção,

10

Grifo nosso.

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podemos pensar na relação entre linguagem, sentido e letramento critico. Pois é

pela linguagem que o leitor se manifesta, evocando determinados discursos,

posicionando-se e, consequentemente atribuindo sentido, numa atividade crítica,

problematizadora que se concretiza através da linguagem como prática social.

A atividade acima tematiza as variedades linguísticas, forma como a língua

varia de acordo com algumas condições. Tem como objetivo levar o aluno a

perceber que a língua não é fixa, homogênea, mas dinâmica e flexível, que muda

para atender certas necessidades de comunicação em determinados contextos.

Logo no início do enunciado é descrito que “a linguagem não está de acordo com as

normas urbanas de prestígio”.

Fica subtendido, em nosso ponto de vista, certo preconceito principalmente

pelo uso das palavras “acordo” e de “prestígio”. No entanto, é importante que os

alunos compreendam como as variações acontecem, a fim de conseguirem observar

que em cada contexto há uma maneira de falar mais adequada. Assim, é explorada

a capacidade relações e dimensões sociolinguísticas, no poema como um todo, já

que, no assunto tratado, configura-se o trabalho com as variedades linguísticas.

Nesta atividade, o aluno é conduzido a comparar essa variedade à variedade formal,

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considerada a de maior prestígio social. No caso da peleja, o uso da variedade

linguística é bastante coerente dado o contexto de sua produção e recepção.

Além disso, há a presença do literário, para o qual existe certa permissão, no

sentido de não haver exigências quanto à gramática normativa. Como também a

presença dos recursos de rimas e musicalidade garantem certa permissibilidade e

liberdade de brincar com as palavras. Não sendo, portanto, alvo de preconceito. O

mesmo não aconteceria em outras situações do cotidiano em determinadas esferas

em que os sujeitos se veem obrigados a participar. Para finalizarmos nossas

análises, apresentamos o texto abaixo, que explicita um pouco mais este assunto, e

que faz parte da subseção acima “Ampliando a linguagem”.

Como podemos observar, as alternativas de “a” a “d” focalizam o uso e o

registro da linguagem nas diferentes variações da língua, explicitadas acima,

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destacando as mudanças linguísticas. Com relação às capacidades, destacam-se as

de localização e comparação de informações evidenciadas na alternativa “a” e “d”.

Na alternativa “b” e “c” temos simultaneamente as capacidades de exploração das

relações sociolinguísticas e inferência local, já que respectivamente tentam

demonstrar a expansão do uso da linguagem, não somente pelo emprego do léxico,

neste caso, o emprego de gírias, mas o fato de mostrar ao aluno, que esse emprego

também pode estar relacionado à cultura, a idade do falante, a certas preferências

estilísticas e conhecimento que este tem sobre a língua(gem).

Assim, um dos recursos mais importantes desse gênero é, sem dúvida, a

linguagem utilizada, no caso, a coloquial, o que pode ser considerada inadequada

em alguns contextos em que a exigência seja outra, e não esta, ou seja, alguns

termos empregados podem não estar de acordo com a norma urbana de prestígio.

No entanto, é importante salientar, como dissemos acima, que o contexto em

que as pelejas são produzidas permite o emprego desse tipo de linguagem. Além

disso, favorece a comparação com outros gêneros de esferas diferentes e, por

conseguinte, a linguagem empregada neles.

Para nós, este recurso é válido para apresentar ao aluno a diversidade de

textos que circulam em nossa sociedade, como também mostrar o nível e o estilo da

linguagem correspondente a cada texto enunciado. Entretanto, reforçamos que esse

procedimento distancia do objetivo principal da seção que é a leitura. No mais,

queremos frisar que encontramos uma variedade de atividades em atividades de

leitura, no entanto, elas focalizam mais capacidades de compreensão do que de

interpretação. Portanto, exploram capacidades mínimas que contribuem para a

formação do leitor literário.

Ressaltamos ainda, que a maioria dos textos são excertos, vem

fragmentados, o que pode enfraquecer as atividades de leitura. Em nossa opinião,

tal fato prejudica a compreensão do aluno, pois não se tem acesso ao todo do texto,

deixando aspectos que podem interferir na compreensão geral, uma vez que, ao

privilegiar determinado aspecto, deixa-se um, em detrimento de outro, que poderia

ser mais significativo daquele que foi selecionado. De qualquer forma, a

fragmentação, a nosso ver, não é adequada para o ensino de leitura, pois existem

capacidades que podem ser desenvolvidas durante o ato de ler, pois se trata de um

processo que caminha para se solidificar. Além disso, como ficaria o trabalho com o

gênero, sem o estudo do “todo”, na perspectiva proposta pelos Parâmetros

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Curriculares Nacionais, que se baseia na teoria bakhtiniana? Ainda que acreditamos

que a aprendizagem não se concretiza de modo completo, pois sempre haverá algo

de inacabado, partindo do pressuposto de que a aprendizagem é apreendida

concomitantemente à constituição do sujeito, e esta vai depender de práticas de

interação. Ainda que consideremos elementos dessa incompletude, eles são

necessários e importantes, pelo fato de a fragmentação poder omitir conhecimentos

e informações que venham a contribuir para a formação do leitor critico literário.

Assim, a nosso ver, considerar muito mais estas capacidades que outras de

cunho discursivo é não reconhecer que o individual é afetado pelo coletivo, ou seja,

pelo social. Justificam-se, com isso, os resultados já mencionados nesta pesquisa,

dos sistemas de avaliação a respeito da leitura, pois são as capacidades que mais

aparecem nos manuais didáticos, logo, os índices de leitura serão um reflexo dessa

produção, desse revozeamento, sem que haja, por parte do aluno questionamentos,

ou qualquer tipo de percepção em relação ao texto, pois segundo pesquisadores,

como Rojo (2004), Pereira (2004), existem níveis de letramento, quando maior for o

ambiente e as estratégias para a leitura e outros mediadores de aprendizagem,

maior será o nível de letramento do aluno.

Dessa forma, as capacidades textuais e discursivas são pouco exploradas,

aquelas que contribuem para uma interação participativa e critica da realidade social,

permitindo uma autonomia em relação à inserção do sujeito leitor em diferentes

contextos da sociedade. Nesse sentido, a linguagem, concebida como discurso,

permeia todo esse universo de relações, do imaginário, o processo de aquisição de

informações e de conhecimento, de modo que o aluno é levado a perceber que o

texto é um objeto inacabado, que só se completa no momento da interação com o

leitor.

De acordo com Vygotsky (1998), todas as atividades cognitivas básicas do

indivíduo ocorrem de acordo com sua história social e acabam se constituindo no

produto do desenvolvimento histórico-social de sua comunidade. Coaduna com este

mesmo pensamento Freire (2013), ao compreender que nenhuma atividade de

leitura deve ser iniciada sem que os alunos se encontrem suficientemente motivados

para isso. Nas palavras deste autor, devemos considerar o conhecimento prévio do

aluno, revelando, assim, uma capacidade cognitiva, no entanto, como já dissemos,

tais capacidades são insuficientes para uma leitura problematizadora, aquela que

(re) produz o sentido e a consciência do sujeito leitor.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho buscou, desde o seu início, discutir a formação do leitor literário

no Ensino Fundamental, sob o viés do letramento crítico. Para tal desafio,

propusemo-nos a analisar uma coleção de livros didáticos de língua portuguesa,

adotado por uma das escolas públicas da cidade de Cuiabá – MT, considerando

que, na maioria das escolas públicas brasileiras, o livro é uma das principais

ferramentas de apoio utilizada pelo professor para mediar os conteúdos de uma

dada área de conhecimento.

A respeito do livro didático, Barbosa (2001), nos ajuda a pensar o seu uso em

sala de aula

o livro didático acaba por definir o currículo – os objetivos que devem ser atingidos, os conteúdos que devem ser ensinados, a progressão curricular (ou a sua ausência), a metodologia de trabalho e, em alguns casos, até a forma de avaliação – esvaziando o papel do professor.(BARBOSA, 2001, p. 209)

Nas palavras desta pesquisadora, o livro didático, por razões históricas das

mais variadas ordens, acabou por assumir um lugar central nas práticas escolares,

sobretudo das escolas públicas. Uma das razões foi o aumento da demanda de

professores, que passaram a atuar a partir da década de 60, com a democratização

de acesso à escola, de tal modo que a contratação desses profissionais docentes

tornou-se mais ampla e menos seletiva. Barbosa (2001), aponta para certa

deteriorização da formação docente, e o livro didático teria tido, então, o papel de

suprir as lacunas.

De nossa parte, entendemos que o livro didático, sobretudo o de língua

portuguesa, preserva uma abordagem estruturalista da linguagem, numa tentativa

de uniformizar a língua, talvez pelo fato de a escola trabalhar com o ensino formal,

priorizando assim a variedade padrão, ou pelo fato do livro buscar atender às

exigências e interesses políticos e econômicos, tendo em vista o mercado editorial.

No mais, coadunamos com esta pesquisadora, no que se refere às práticas

pedagógicas, ritualizadas em sala de aula através do uso do livro didático,

assumindo algumas vezes uma abordagem canônica, que privilegia certos autores,

prioriza certas editoras, principalmente do sudeste do país.

Notoriamente, a escola é a instituição responsável pela preparação do aluno,

mediante uma ação pedagógica que deve estar vinculada ao mundo do trabalho e

às práticas sociais. No entanto, essa prática nem sempre está associada a correntes

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teóricas que dão os subsídios para a ação pedagógica, além disso, nem sempre o

professor dispõe de estratégias para o desenvolvimento do letramento dos alunos.

Muitos ainda estão ancorados numa concepção de linguagem como código, como

estrutura, sem considerar os aspectos discursivos, logo, o ensino da leitura também

segue essa mesma trajetória. Levando em conta tal contexto, nosso estudo teve

como objetivo responder as seguintes questões de pesquisa:

1. Quais gêneros da esfera literária estão presentes em uma coleção de livros

didáticos de Língua Portuguesa do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental?

2. Dos gêneros literários encontrados, quais são trabalhados em atividades de

leitura?

3. Que capacidades leitoras são mobilizadas por meio das atividades nas seções de

leitura da coleção que colaboram para a formação do leitor crítico literário?

Para responder a primeira pergunta de pesquisa, fizemos um levantamento

quantitativo através da contagem manual, nas páginas de cada volume, catalogando

a ocorrência conforme a aparição de cada gênero, em planilha de Excel, como

podemos comprovar no gráfico 5, apresentado no capítulo 2 dessa dissertação,

retomado abaixo, em que os resultados estão descritos em quantidade total de

ocorrência e, dessa ocorrência, o total em leitura.

Gráfico 5

Fonte: elaboração própria

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Ressaltamos ainda que os gráficos ilustrados no capítulo 2, no item 2.7, de

metodologia, demonstram os gêneros presentes em cada um dos volumes da

coleção analisada, respondendo assim, nossa primeira pergunta de pesquisa.

Conforme dados analisados anteriormente, encontramos no volume do 6º

ano, o total de 56 textos distribuídos em 12 gêneros. Desse total, 19,64% são

excertos que correspondem a 11 episódios. Como o nosso objetivo foi verificar a

leitura, esta aparece apenas em 15 ocorrências, o que corresponde a 26,78% em

leitura.

O 7º ano contemplou 86 ocorrências com textos distribuídas entre 21 gêneros

diferentes: peleja, quadrinha, trava-língua, auto, cantiga de roda, crônica, lenda entre

outros. O total de excertos foi em torno de 34,88%. Já o 8º ano com 66 textos que

foram distribuídos em 09 gêneros distintos, a saber: apólogo, biografia, conto, novela

etc. Desse total, 41 são excertos que totalizam um percentual de 62,12%. E, por

último, o 9º ano, com 40 sinalizações textuais em 09 gêneros entre eles: romance,

poema, conto etc. O total de excertos desse volume é de 85%, ou seja,

correspondente a 34 ocorrências.

O que nos chamou a atenção foi o fato de a maioria dos textos apresentar

resumidamente a obra original. Por um lado, pensamos que isto é devido às

condições de extensão do material impresso, que necessita também trabalhar outros

aspectos da área de linguagem, o que é coerente. Mas, por outro, preocupa-nos o

fato de a fragmentação limitar o trabalho com o texto numa visão teórico-didática,

através dos gêneros do discurso, abordagem defendida por Barbosa (2001), com

base nos pressupostos de Bakhtin/Volochínov (2006 [1929]). A orientação dada pela

fundamentação teórica de viés bakhtiniana, que também embasa os PCN, é de se

considerar sempre o “todo” ou a “totalidade do enunciado”, o que não acontece

nessa coleção, até mesmo por falta de indicações ao professor ou ao aluno de que

leiam, em momentos extraclasses, a obra toda.

Constatamos que a maioria dos textos é de autores brasileiros e que a

incidência maior é dos canônicos, como por exemplo Pedro Bandeira, Luis Fernando

Veríssimo, Ulisses Tavares, Marina Colasanti, Machado de Assis, William

Shakespeare, Tatiana Belinky, Fernando Veríssimo, Chico Buarque de Holanda,

Patativa do Assaré, Ariano Suassuna entre outros. O que acaba por atribuir certo

valor literário legal, permitido, legitimo, em detrimento de outras que implicitamente

não contêm.

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Para responder a segunda pergunta de pesquisa, ancoramo-nos novamente

no gráfico 5. Dos gêneros encontrados, nos quatro volumes de 6º ao 9º ano,

constatamos, respectivamente, 15, 21, 15 e 08 ocorrências em leitura,

representadas pela cor verde no respectivo gráfico. Esses resultados nos levam a

refletir sobre o papel que a leitura e, principalmente a literatura ocupa na sala de

aula, conforme vários estudos apontados por pesquisadores, dentre eles Mello

(2009), citada anteriormente. Para esta pesquisadora, a literatura é um instrumento

que possibilita despertar sentimentos mais profundos no ser humano, além de

despertar o senso crítico e estético, além do fato perder espaço na vida social.

Nesse sentido, considera que nos tempos atuais está em extinção, assim como os

animais e vegetais que alguns lutam para preservar.

A literatura cada vez mais tem ocupado um espaço menor na sala de aula.

Assim, o texto literário tem sido enfocado numa visão puramente gramatical e

esquemática, numa didatização equivocada, sem que haja a exploração do trabalho

com a linguagem, através do estudo dos recursos estéticos e literários que o

constituem. Além disso, esquece-se um de seus aspectos fundamentais para a

formação integrada do homem: o seu caráter humanizador, aspecto importante do

ponto de vista de Cândido (2009).

Todo esse levantamento possibilitou encontrar dados para responder nossa

última pergunta de pesquisa. Quais capacidades leitoras as atividades mobilizam?

Os resultados apontaram que a incidência mais relevante é das capacidades de

compreensão, em detrimento das capacidades de interpretação, conforme

classificação de Rojo (2004), autora em que nos embasamos. Tampouco a coleção

explora aquelas que trabalham a estética e fruição do texto literário. Ou seja, o

tratamento dado à leitura literária é o mesmo que é dado à leitura dos textos em

gêneros das demais esferas, enfatizando capacidades básicas, como a localização e

cópia de informações, comparação e inferências simples.

Esta constatação já havia sido feita por Padilha (2005), na análise de livros do

início dos anos 2000. Agora, passados dez anos, pouco se tem avançado quanto ao

tratamento dispensado à leitura literária pelos manuais didáticos.

Antes de finalizarmos nossas considerações, apresentaremos, a seguir, um

texto narrativo, para verificar o tratamento dado aos gêneros do narrar, tendo em

vista que o corpus selecionado, conforme critério descrito em nosso capitulo de

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metodologia, trouxe, em sua maioria, atividades de leitura relativas a textos em

gêneros poéticos.

A atividade abaixo está localizada neste mesmo volume do 7º ano, na

unidade 5, capítulo 2, leitura 1, e explora o gênero lenda.

O texto traz como ideia central o surgimento do rio Amazonas. A lenda é um

gênero que existe há muitos anos, passado de geração em geração, faz parte da

cultura popular. Portanto, carrega certa simbologia, já que a cultura e a crença

fazem parte desse tipo de história. Para verificarmos quais são as capacidades

mobilizadas, tomamos apenas a subseção “Escrevendo sobre o texto”, que faz parte

da seção “Estudo do texto”, como parâmetro para nossas observações e análise.

Assim, se observarmos bem, a maioria das alternativas focam mais capacidades de

compreensão que de interpretação.

Esta tendência nas atividades de leitura nos leva a recuperar as contribuições de

Bakhtin a respeito da compreensão ativa e passiva

A compreensão de uma fala viva, de um enunciado vivo é sempre acompanhada de uma atitude responsiva ativa (conquanto o grau dessa atividade seja muito variável); toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente a produz: o

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ouvinte torna-se o locutor. A compreensão passiva das significações do discurso ouvido é apenas o elemento abstrato de um fato real que é o todo constituído pela compreensão responsiva ativa e que se materializa no ato real da resposta fônica subsequente. (BAKHTIN, (2003 [1952-1953])

Em nosso entendimento, a compreensão ativa corresponde à leitura critica,

autônoma e emancipada, aquela que seja capaz de posicionar-se frente às

situações que exijam poder de decisão, (auto)crítica), análise, além de estabelecer

relações lógicas e semânticas, o que equivale dizer que está no nível da abordagem

enunciativo-discursiva. O espaço em que o sujeito assume a voz, de forma

consciente, sensata, com autonomia. Já a compreensão passiva coaduna com a

leitura decodificativa, ainda presa ao sistema da língua, ou seja, com enfoque

mecânico na materialidade linguística, sem romper a barreira do verbal, para atingir

o extraverbal, espaço em que ocorrem as interações mediadas pelo fenômeno vivo

que é a linguagem.

É justamente aqui que consideramos o nosso trabalho como uma das

possibilidades de (re)discutirmos como fenômeno principal a leitura, numa

perspectiva enunciativo-discursiva, já que ela permeia todas as práticas de atividade

humana. Advogamos justamente por um trabalho com a leitura que se direcione para

uma compreensão mais ativa, por parte de nossos estudantes, dos fenômenos

discursivos e ideológicos da linguagem, a partir das possibilidades apresentadas

pelo texto literário. Conforme já assinalamos anteriormente, constatamos, nos

manuais analisados, que as atividades de leitura mobilizam muito mais capacidades

de compreensão que capacidades discursivas.

Com especial destaque para as capacidades de localização e comparação de

informações, consideradas por Rojo (2004) como básicas, insuficientes para uma

leitura crítica. Além dessas, evidenciamos outras como, por exemplo, as de

inferência local e global, percepção de intertextualidade, exploração da

materialidade do texto entre outras. Em nossa opinião, essas capacidades, da forma

que são trabalhadas em atividades simplificadas, têm pouca ou quase nenhuma

participação na formação do leitor critico literário. Vale ressaltar que, na avaliação

deste material didático, referentemente à seção “Estudo do texto”, descrita na

resenha do PNLD (2014),

consideram-se tais atividades profícuas para a formação do leitor. No âmbito da leitura, além da diversidade de gêneros, tipos e autores da coletânea, as atividades contemplam diferentes estratégias

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cognitivas para a reconstrução de sentidos e a consequente compreensão global do texto. Propriedades textuais e discursivas, argumentatividade, planos enunciativos, relações e recursos de coesão e coerência, além da própria materialidade do texto, são questões também exploradas nas atividades. No caso dos textos literários, são recorrentes as propostas de apreciação estética e de exploração dos efeitos de sentido, o que propicia a formação do leitor para textos dessa natureza. (PNLD 2014, p. 115)

Entretanto, nossas análises evidenciaram o oposto, com base no

levantamento de dados, nos gráficos da análise quantitativa e nos quadros de

capacidades leitoras, da análise qualitativa, as atividades priorizadas para leitura

não contribuem para a formação leitora dos alunos numa perspectiva de letramento

crítico. Tampouco para o letramento literário, dada a insuficiência da quantidade de

ocorrências de textos em gêneros dessa esfera, como também daqueles destinados

à leitura, embora este não seja a nossa abordagem.

Além disso, as atividades não mobilizam capacidades que explorem

recursos linguísticos para a compreensão do texto quanto a processos estéticos e

literários, o envolvimento do leitor na leitura dos vazios do texto, a percepção da

interdiscursividade, as relações e dimensões sociolinguísticas, os planos

enunciativos, como também do não estímulo à fruição estética e à apreciação crítica

da produção literária. Aliás, vale enfatizar que, sobre esta última capacidade, não

encontramos, nos volumes analisados, nenhuma atividade a que contemplasse.

Não evidenciamos, também, nenhum estímulo à leitura da obra de que o texto

faz parte com outras obras relacionadas, e a discussão de questões relativas à

diversidade sociocultural quase não aparece.

Notamos, ainda, uma diminuição dos textos literários na passagem dos

volumes, ao invés de aumentar, eles diminuíram, a comprovar pela ocorrência do 6º

ano com 86 textos para o 9º ano com apenas 40. Isso traduz uma falta de aumento

da complexidade em relação à leitura literária, e falta de progressão no decorrer dos

volumes.

Concordamos com Rojo (2012), nesse contexto, de leitura e letramento, ao se

pensar no ensino de leitura na escola significa pensar nas relações sociais das

diferentes práticas envolvidas em que o uso da linguagem se faz necessária, com

possibilidades a diferentes acessos, incluindo-se, nesse cenário, os múltiplos

letramentos. Isso significa considerar as maneiras multimodais para a construção do

sentido. Relacionar o ensino de leitura e escrita à diversidade cultural, de forma

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global e contextualizada. Acrescenta-se, da mesma forma, o que Corti etal (2012)

defende, os letramentos “invisíveis”, aqueles que a escola não incorpora nas práticas

didáticas porque privilegia gêneros oficiais, canonizados na esfera escolar, sem

considerar as várias práticas de letramento nas quais o aluno está imerso todos os

dias, tanto de textos orais como escritos.

Assim, na visão desta pesquisadora, todo esse conjunto de usos sociais da

leitura e da produção escrita, de usos orais baseados em discursos constitui formas

de letramento variadas e significativas na constituição dos sujeitos.

De nossa parte, acreditamos que inclui-se nesse conjunto, a leitura literária

dada a importância na formação integrada do homem e sua relação com a

sociedade. Outro dado que nos chamou a atenção foi o resultado da análise

quantitativa, o qual nos possibilitou identificar o total de ocorrências dos gêneros

presentes nos manuais analisados, e desse total verificar quais efetivamente tratam

da leitura.

Nossa pesquisa revelou que a quantidade é mínima em dois aspectos:

primeiro, a quantidade de gêneros literários em relação a outros de esferas sociais

diferentes; segundo, das ocorrências encontradas, são pouquíssimos aqueles

destinados à leitura, como por exemplo, o gênero “Poema” com 21 textos, presentes

no volume do 6º ano, mas somente 01 texto é usado para atividade de leitura. Os

demais estão contemplados nas seções “A língua em estudo”, “Refletindo e

conceituando”, “Praticando” entre outras, numa perspectiva mais estruturalista que

discursiva, esquecendo-se de privilegiar a leitura do texto literário e, principalmente,

sua função na dinâmica social.

Vale ressaltar ainda que, embora alguns gêneros abordasse a leitura, não

significa que esta tenha sido tratada numa perspectiva discursiva, problematizadora,

crítica, ou, que tenha contemplado capacidades suficientes para o letramento crítico

dos alunos. É necessário, pois, ampliar as práticas e capacidades de leitura dos

alunos, mas antes disso, implica, em nossa opinião, reconhecer que eles já

participam do mundo letrado e, de outro, identificar as diferentes maneiras como isso

acontece. Coadunamos com Kleiman (2007), ao salientar que o professor é o

principal agente de letramento, logo, cabe a ele o papel de criar estratégias que

possibilitem a aprendizagem dos alunos, a começar pela identificação do que eles

são e fazem. Creio que este seja um trabalho que leve em conta a ZPD do aluno, na

visão de Vygotsky, conforme descrevemos no segundo capítulo desse trabalho.

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Assim, a partir do momento em que as experiências de leitura do aluno forem

reconhecidas pela escola, o letramento do aluno então passa a ser definido como o

objetivo da ação pedagógica, logo o movimento será da prática social para o

conteúdo, nunca o contrário. Acreditamos que, dessa forma, a aprendizagem fará

muito mais sentido para o aluno, pois as interações construídas no âmbito escolar

possibilitarão ao aluno saber como agir discursivamente numa dada situação.

Pesquisadores como Vygotsky e Freire também apontam vantagens na

aprendizagem do aluno quando submetidos às diferentes práticas sociais de

interação humana. Em nosso entendimento, essa aprendizagem começa pela

linguagem, já que ela é um modo de inserção social. Logo, os sujeitos se constituem

na alteridade. Não podemos ignorar o papel que a literatura ocupa na formação do

indivíduo, pelo fato de estar articulada com o mundo da vida, com a história e o

contexto social-econômico-cultural. Retomamos Cândido (2004), “o poder formador

dos textos que trazem “livremente em si o que chamamos de bem e o que

chamamos de mal” e, por isso, humanizam”

Entendo aqui por humanização [...] o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante. (CÂNDIDO, 2004, p. 180)

Em nosso ponto de vista, num mundo e numa escola cada vez mais

pragmáticos, reconhecer o direito à literatura implica primeiramente quebrar alguns

paradigmas na concepção daqueles que se dedicarão à formação desse tipo de

leitor, pois é necessário antes ter compreendido que a literatura é indispensável,

porque transgride o senso comum, porque nos desloca, permitindo um olhar

diferente para o mundo, porque nos faz descobrir o que não pensávamos existir,

inclusive em nós. Como também, reconhecer o poder político-pedagógico que ela

pode exercer, além do potencial formador para a garantia de autonomia e liberdade.

Mas as mudanças só começarão a acontecer, de fato, quando houver uma

ação conjunta entre os participantes dessa esfera, tendo em foco que tipo de leitor

queremos formar, que tipo de cidadãos, para quê? E, por quê? Em nossa

compreensão, os materiais didáticos fazem parte integrante do processo de ensino-

aprendizagem, logo deveriam proporcionar conteúdos e atividades de leitura que

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reunisse temáticas e que apontassem sugestões, estratégias e recursos mais

significativos que pudessem desenvolver as capacidades leitoras dos alunos.

Tais fatos ficaram comprovados não somente pelas nossas análises, mas

também por pesquisadores renomados como Bunzen (2009), ao demonstrar, através

de suas pesquisas, o interesse em se corresponder às exigências do mercado

editorial, o que acaba, de certo modo, cristalizando os conteúdos, reduzindo as

obras, como demonstramos anteriormente sobre as ocorrências de excertos.

Essa fragmentação ficou muito evidente nos últimos volumes analisados, com

especial destaque para o volume do 9º ano, demonstrado graficamente em nosso

capítulo de análise quantitativa. As atividades de leitura ao focar os recursos

literários dão muito mais ênfase às questões formais do texto que aos aspectos

literários propriamente.

Sabemos que, nas últimas décadas, o Ensino de Língua Portuguesa tem

avançado consideravelmente, no Brasil, com práticas centradas no uso da

linguagem e na formação de leitores dos mais variados gêneros de texto, assim, a

nosso ver, torna-se necessário (re)pensar o lugar da literatura, no âmbito escolar,

de modo a proporcionar ao aluno o desenvolvimento de capacidades não somente

leitoras, mas para a formação humana, crítica e autônoma,

Nesse sentido, concordamos com o que postulam os PCN (1998, p. 23) “Toda

educação comprometida com o exercício da cidadania precisa criar condições para

que o aluno possa desenvolver sua competência discursiva”.

Em nosso ponto de vista, essa competência vai além das práticas

cristalizadoras de ensino de língua e de linguagem. Ao contrário, está vinculada às

novas concepções de linguagem, numa perspectiva e enunciativo-discursiva em que

o sujeito é capaz de realizar ações de forma consciente e critica, corroborando

também nesse contexto, o que vínhamos afirmando desde o início, as estratégias de

ensino numa visão de letramento crítico que, a nosso ver, promove o

desenvolvimento de capacidades autonímicas para atuar em diversas práticas de

interação humana.

Assim, uma vez mais, sustentamo-nos na proposta metodológica dos PCN

Os textos organizam-se sempre dentro de certas restrições de natureza temática, composicional e estilística, que os caracterizam como pertencentes a este ou aquele gênero. Desse modo, a noção de gênero, constitutiva do texto, precisa ser tomada como objeto de ensino. Nessa perspectiva, necessário contemplar, nas atividades de ensino, a diversidade de textos e gêneros, e não apenas em função

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de sua relevância social, mas também pelo fato de que textos pertencentes a diferentes gêneros são organizados de diferentes formas. (PCN 1998, p.23)

Nesse sentido, a linguagem é, antes de tudo, uma relação de poder, sendo o

texto objeto de ensino para propiciar ao aluno momento de interação e reflexão. Por

fim, ao que se refere à leitura, objeto de nossas reflexões, concordamos com Cafiero

(2005)

a leitura como processo de construção de sentidos significa dizer que quando alguém lê um texto não está apenas realizando uma tradução literal daquilo que o autor do texto quer significar, mas que está produzindo sentidos, em um contexto concreto de comunicação

a partir do material escrito que o autor fornece. (CAFIERO/CEALE, 2005, p. 17)

Com base em tudo que foi pesquisado, lido, discutido chegamos a uma

conclusão a respeito do leitor crítico literário, é o sujeito que adquiriu, através da

leitura, habilidades para lidar com textos orais e escritos, o que significa saber fazer,

e capacidade discursiva, que significa saber utilizar a linguagem de modo diferente

de acordo com o contexto em que está inserido. E o principal de todos, é enxergar-

se como sujeito protagonista, que ocupa uma posição, no tempo, na história, na

sociedade, na comunidade, cercado pela linguagem humana, suscetível às relações

de dominação e de poder. Cabe a ele ser participante ou não, assumir atitudes e

comportamentos questionadores que promovam o bem-estar social, um sujeito com

autonomia e liberdade para fazer suas escolhas e assumir as responsabilidades por

essas escolhas.

Cientes das limitações desta pesquisa, por conta das coerções de tempo e

espaço para aprofundar mais nossos estudos, gostaríamos de adiantar que analisar

um material didático, obervando suas falhas, não tem produzido, na esfera da

produção didático–editorial, muitas transformações. Contudo, desejo que nossos

achados se unam a várias vozes que têm denunciado o desserviço que os manuais

didáticos têm oferecido aos professores e alunos brasileiros no tocante à formação

de leitores, e mais especificamente, de leitores literários, como bem tem sido

colocado por vários pesquisadores, dentre eles Padilha (2005), dissertações também

provenientes do Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem, de Erdei

(2014) e Oliveira (2010) e estudiosos especialistas na questão da leitura literária,

pesquisadores como Paiva(2004-2007), com experiência na área da Educação, na

formação de professores e da Literatura, com ênfase em História e Sociologia da

leitura e práticas culturais de letramento e pesquisas sobre leitura, e Pinheiro (1992),

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com experiência em literatura e ensino, poesia, literatura infantil, contos e literatura

de cordel entre outros trabalhos.

Faz-se mister continuar essa investigação na direção de formulação de

novas propostas de didatização da leitura literária no Ensino Fundamental, para que

se possibilitem novos caminhos metodológicos ao professor, reinvestindo na

consideração da literatura como meio humanizador, como bem coloca Candido. Só

assim uma luz poderá surgir em meio à escuridão das possibilidades leitoras do

estudante brasileiro, iluminando a sua formação, de forma integral, participativa,

crítica e cidadã.

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