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Estudos Feministas, Florianópolis, 21(1): 424, janeiro-abril/2013 11 Construções do pensamento Construções do pensamento Construções do pensamento Construções do pensamento Construções do pensamento feminista latino feminista latino feminista latino feminista latino feminista latino-americano -americano -americano -americano -americano Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo: Discutir sobre um projeto teórico feminista a partir da América Latina requer que se exponha uma série de discussões que envolvem tanto considerações pós-colonialistas como pós-estruturalistas. Destarte, este artigo procura mirar-se sobre a teorização produzida a partir do “Terceiro Mundo”, de um país (ou um conjunto de países) do Sul global, o que abriria potencial espaço para a interlocução com a produção no campo mainstream do conhecimento político, como também com as várias perspectivas inclusas no que se pode designar como uma “teoria política feminista” ocidental. Palavras-chave alavras-chave alavras-chave alavras-chave alavras-chave: teoria política feminista; América Latina; perspectiva; Terceiro Mundo. Copyright © 2013 by Revista Estudos Feministas. 1 MMM, 2009. 2 As primeiras experiências de transnacionalização do feminismo ocorreram junto à realização das conferências internacionais sobre as mulheres, sediadas na Cidade do México (1975), Copenhagen (1980), Nairóbi (1985) e Pequim (1995), e outras conferências importantes como a do Rio de Janeiro (1992), Viena (1993) e Cairo (1994), onde foram contem- pladas discussões e debates, como também a formação de alianças, entre diversos atores – organizações internacionais, atores governamentais e não governamentais e entidades da sociedade civil –, para a definição e implementação de uma plata- forma de ações indispensáveis para o avanço, empoderamento e efetivação de direitos para as mulheres no mundo. Sonia ALVAREZ, 2003, também chama a atenção para a importância de Breno Cypriano Universidade Federal de Minas Gerais Artigos Artigos Artigos Artigos Artigos “Contra a política neoliberal, são as mulheres da Marcha Mundial” – esse foi um dos lemas do bloco das feministas, que com o seu batuque animou a caminhada pelas ruas do centro de Porto Alegre na passeata de abertura do Fórum Social Mundial, em 2005. Mulheres de diferentes classes, cores, raças, etnias, orientações sexuais, faixas etárias e nacionalidades compuseram esse bloco, demonstrando a ampla variedade de articulações, sejam elas locais, nacionais e/ou internacionais, como ainda a prática e execução das reais possibilidades para a formatação de redes feministas. O exemplo aqui evocado, da Marcha Mundial de Mulheres, esclarece como se pleiteia a legitimidade organizacional de mulheres que se alinham a uma agenda radical anticapitalista e antipatriarcal, fazendo com que uma rede de seis mil grupos de 159 países e territórios faça parte de um movimento global. 1 A partir de tal evento é possível estabelecer certos padrões do que hoje é conhecido como feminismo transnacional: 2 um movimento atento às interseções entre nacionalidade, raça, gênero, sexualidade e exploração econômica numa escala mundial, em decorrência principalmente da emergência do capitalismo global; um movimento autointitulado “altermundialista”, 3 por sua luta de cunho internacional

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Estudos Feministas, Florianópolis, 21(1): 424, janeiro-abril/2013 11

Construções do pensamentoConstruções do pensamentoConstruções do pensamentoConstruções do pensamentoConstruções do pensamentofeminista latinofeminista latinofeminista latinofeminista latinofeminista latino-americano-americano-americano-americano-americano

ResumoResumoResumoResumoResumo: Discutir sobre um projeto teórico feminista a partir da América Latina requer que seexponha uma série de discussões que envolvem tanto considerações pós-colonialistas comopós-estruturalistas. Destarte, este artigo procura mirar-se sobre a teorização produzida a partirdo “Terceiro Mundo”, de um país (ou um conjunto de países) do Sul global, o que abriria potencialespaço para a interlocução com a produção no campo mainstream do conhecimento político,como também com as várias perspectivas inclusas no que se pode designar como uma “teoriapolítica feminista” ocidental.PPPPPalavras-chavealavras-chavealavras-chavealavras-chavealavras-chave: teoria política feminista; América Latina; perspectiva; Terceiro Mundo.

Copyright © 2013 by RevistaEstudos Feministas.1 MMM, 2009.2 As primeiras experiências detransnacionalização do feminismoocorreram junto à realização dasconferências internacionais sobreas mulheres, sediadas na Cidadedo México (1975), Copenhagen(1980), Nairóbi (1985) e Pequim(1995), e outras conferênciasimportantes como a do Rio deJaneiro (1992), Viena (1993) eCairo (1994), onde foram contem-pladas discussões e debates,como também a formação dealianças, entre diversos atores –organizações internacionais,atores governamentais e nãogovernamentais e entidades dasociedade civil –, para a definiçãoe implementação de uma plata-forma de ações indispensáveispara o avanço, empoderamentoe efetivação de direitos para asmulheres no mundo. SoniaALVAREZ, 2003, também chamaa atenção para a importância de

Breno CyprianoUniversidade Federal de Minas Gerais

ArtigosArtigosArtigosArtigosArtigos

“Contra a política neoliberal, são as mulheres daMarcha Mundial” – esse foi um dos lemas do bloco dasfeministas, que com o seu batuque animou a caminhadapelas ruas do centro de Porto Alegre na passeata de aberturado Fórum Social Mundial, em 2005. Mulheres de diferentesclasses, cores, raças, etnias, orientações sexuais, faixasetárias e nacionalidades compuseram esse bloco,demonstrando a ampla variedade de articulações, sejamelas locais, nacionais e/ou internacionais, como ainda aprática e execução das reais possibilidades para aformatação de redes feministas. O exemplo aqui evocado,da Marcha Mundial de Mulheres, esclarece como se pleiteiaa legitimidade organizacional de mulheres que se alinhama uma agenda radical anticapitalista e antipatriarcal,fazendo com que uma rede de seis mil grupos de 159 paísese territórios faça parte de um movimento global.1 A partir detal evento é possível estabelecer certos padrões do quehoje é conhecido como feminismo transnacional:2 ummovimento atento às interseções entre nacionalidade, raça,gênero, sexualidade e exploração econômica numa escalamundial, em decorrência principalmente da emergênciado capitalismo global; um movimento autointitulado“altermundialista”,3 por sua luta de cunho internacional

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contra o neoliberalismo e pela busca por justiça social.Porém, alguns desacordos relativos ao possível reducionismoeconômico da luta contra a globalização – pensada quaseexclusivamente por sua estrutura opressiva econômicacapitalista – permearam essas articulações políticas,criando novas demandas por questões relativas aoreconhecimento de diferenças nesses espaços.4

A partir dessas novas experiências do ativismo políticoe social do feminismo discutir-se-á como o redimensio-namento da política nos planos nacional e internacional serefletiu na academia latino-americana, gerando preocu-pações sobre as novas (ou as fragmentadas) fronteirasgeográficas que foram refletidas nas atividades deteorização. Deverá ser enfatizado, na discussão que sesegue, como os propósitos políticos se sobressaíram numcenário político global permeado por desigualdades,implicando uma busca por teorias da justiça social quedeem conta de responder às questões que incitam adiscussão sobre estas mesmas desigualdades, sejam elaslocais, regionais ou globais. Na América Latina, foi em meioa condições de profunda subordinação patriarcal que ofeminismo latino-americano, mesmo que restrito no seucomeço, eclodiu através de movimentos de reivindicaçãoe conscientização feminina, seja na forma dos partidos, nasorganizações políticas, em periódicos, nos centros de estudoe nas organizações não-governamentais, tentando superare questionar a condição política, cultural, religiosa eeconômica vigente, já que a América Latina seria, segundoSonia Alvarez, “[...] uma região onde o machismo ésancionado pelo Estado e santificado pela Igreja Católica”.5

Desse modo, a movimentação política em torno dos ideaisfeministas e de gênero possibilitaram a luta por justiça social,como é apresentado por Ana Sampaolesi:

Reivindicar a hierarquia da luta por justiça de gêneroimplica para o feminismo um desafio, por sua vez,político e teórico. Levaria a nos colocar deliberada-mente no campo do político como sujeitos portadoresde sentido e criadores de novos significados àconcepção geral da justiça social. Ele constitui em simesmo uma possibilidade a mais de gravitar naquelesaspectos relacionados com os valores, as imagens ecrenças que são geradas e consolidadas dentro deuma comunidade.6

Assim, este artigo7 procura emaranhar essas diretivasnum projeto crítico que vislumbraria a efetiva consolidaçãoacadêmica e a centralidade teórica que se considera serdevida à perspectiva latino-americana e feminista. Paratanto, caberia elencar, desde já, uma série de perguntas: oque poderia significar um projeto latino-americano de teoria

encontros regionais na formaçãode redes de militância ocorridosnas décadas de 80 e 90. NeumaAGUIAR,2009, aponta que as prá-ticas e discursos antes desseseventos eram exclusivamentelocais e que, a partir daí, possibili-tou-se o acesso e troca de expe-riências entre diferentes culturas,através especialmente da confor-mação de redes e de ONGs.3 “Altermundialista” refere-se aoprincipal lema dos Fóruns SociaisMundiais: “Um outro mundo épossível”.4 Virginia VARGAS, 2003.

5 ALVAREZ, 1990, p. 5, traduçãonossa.

6 SAMPAOLESI, 1992, p. 14,tradução nossa.7 Agradeço a valorosa orientaçãoda professora Marlise Matos, ascontribuições e sugestões dosprofessores Cicero Araújo eFernando Filgueiras. Parte destasconsiderações está presente emum dos capítulos da dissertaçãode mestrado em Ciência Políticasobre algumas das contribuiçõesfeministas ao conhecimentopolítico.

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CONSTRUÇÕES DO PENSAMENTO FEMINISTA LATINO-AMERICANO

política? A partir do lugar do subalterno – do latino, da mulher,do indígena, do negro, dos cidadãos e cidadãs doconsiderado “Terceiro Mundo”8 etc. –, o que significaria aconstrução de um modelo teórico universal? Quais são ascontribuições da “teoria política feminista” ocidental paraa reflexão sobre a América Latina? O que é o feminismo e ajustiça social a partir desse projeto? Ainda não é possívelsaber se todas essas perguntas poderão ser respondidas,porém, sabe-se que os acadêmicos e teóricos latino-americanos confrontam-se com uma posição aparentementeparadoxal e rica, já que lhes cabe produzir um saber queesteja localizado entre o local e o global, entre o particulare o universal, e a forma como estes se entrelaçam seria umagrande contribuição para o campo do conhecimentopolítico.9

Segundo Cicero Araujo e Javier Amadeo,10 houve umconsiderável aumento do diálogo entre os latino-americanose a produção acadêmica “ocidental”, provocado peloincremento nas “interações além-fronteira”. Porém, como osautores chamam a atenção, “[...] a manutenção de umdiálogo rico e frutífero depende da interlocução de locutoresdispostos a debater, sem contudo abrir mão de suasexperiências”. Por isso, o papel dos teóricos e teóricas latino-americanos seria relativamente instigante: pela necessidadede se teorizar, isto é, descrever, criticar e prescrever sobre asituação e a conjuntura política, eles aprenderam com asteorias universais, mas também passaram a criticá-las edesde então começaram a produzir respostas às suaspróprias inquietações.11 Somando-se a essas considerações,o ideal feminista no campo do conhecimento pode seralcançado a partir da atividade de “[...] falar de nós [que]permite apelar a uma idealização mínima para mobilizaras subjetividades individuais em prol de um projeto políticoantipatriarcal, anticapitalista, um projeto feminista olhandopara o sul a partir do sul”.12

Ainda, pretende-se apresentar um breve mapeamentodas discussões centrais e disputadas na teoria políticafeminista contemporânea, para deter-se numa abordagemaprofundada sobre o período atual, referente à consolidaçãode um momento em que há a confluência da terceira e quartaondas, como também da constituição de um terceiro e novomodelo teórico-analítico. De antemão, é crucial apontar acentralidade da noção de gênero, como um conceito maisamplo, que reporia toda a discussão feminista atual eexpandiria as fronteiras da categoria “sexo”. Por isso, caberessaltar a importância da proposta que pretende lançar mãodo conceito de campo de gênero e de um modelo teóricoque seja desta vez crítico-emancipatório.13 Partindo domodelo tridimensional de Nancy Fraser, as discussões que se

11 ARAUJO e AMADEO, 2009, p.12.

8 Chandra MOHANTY, 1984.

9 Cicero ARAUJO e JavierAMADEO, 2009, p. 11.10 ARAUJO e AMADEO, 2009.

12 Alejandra CIRIZA, 2009, p. 244.

13 Marlise MATOS, 2008, 2009a,2009b, 2010.

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dão em torno da justiça social problematizarão os dimensio-namentos das justiças mas, para além de Fraser, problema-tizar-se-á a contextualização da autora sobre o feminismodiante do processo de globalização, pois, ao enfatizar oaspecto recente transnacional do movimento feminista, elarecorre simplesmente ao exemplo da Europa ocidental comosendo um caso bem-sucedido.14 A autora cairia no mesmoerro de Habermas e Derrida15 ao situar esse movimento quaseexclusivamente na Europa, já que, segundo Iris Young, “[...]pode ser argumentado que movimentos no sul global teriamliderado a criação de uma esfera pública global”.16 E, comoserá demonstrado, os movimentos feministas latino-americanostêm tido um papel protagonista na tessitura e no emaranha-mento dessas redes internacionais.

Ainda, para além de Fraser, retomando as críticas deJanet Conway e Jakeet Singh17 ao modelo teórico da autora,“[a] ‘história’ em que Fraser situa sua teoria crítica [é] umahistória singular e universal do capitalismo, da modernizaçãoe do gradual cumprimento do Liberalismo. [E por causa disto]sua teoria crítica se torna uma teoria universal da democra-cia e da justiça social”.18 De fato, ao problematizar o feminis-mo contemporâneo, Fraser19 acaba delimitando-o ao femi-nismo “universal”, “ocidental”, que é o feminismo norte-americano e europeu, o que não contribui tanto para umareflexão latino-americana, nem para uma teoria realmentecom alcances universais.

Antes, deve-se resgatar a inspiração de GloriaAnzaldúa20 para o feminismo do Sul, o feminismo latino-americano, na sua condição de dubiedade, de suasinconsequências, buscas, desconstruções e questionamentosao mainstream do Norte global, ao malestream da teoriavigente, americanismo, branqueamento, ocidentalismo eimperialismo dos feminismos norte-americano e europeu, querevolucionou na década de 80 os estudos feministas e degênero, tanto na literatura, como na concepção estruturalista/fronteiriça (na geografia territorial e a dos corpos):

Deslenguadas. Somos los del español deficiente. Weare your linguistic nightmare, your linguistic aberration,your linguistic mestisaje, the subject of your burla.Because we speak with tongues of fire we are culturallycrucified. Racially, culturally and linguinguistically somoshuérfanos – we speak an orphan tongue [...] I will havemy serpent’s tongue – my woman’s voice, my sexualvoice, my poet’s voice. I will overcome the tradition ofsilence.21

20 ANZALDÚA, 1987.

17 CONWAY e SINGH, 2009.

14 FRASER, 2009a[2009].15 HABERMAS e DERRIDA, 2003.

16 YOUNG, 2007, p. 2, traduçãonossa.

18 CONWAY e SINGH, 2009, p. 79,tradução nossa.19 FRASER, 2009a[2009].

21 ANZALDÚA, 1987, p. 58-59.

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CONSTRUÇÕES DO PENSAMENTO FEMINISTA LATINO-AMERICANO

Um projeto crítico feminista a partir doUm projeto crítico feminista a partir doUm projeto crítico feminista a partir doUm projeto crítico feminista a partir doUm projeto crítico feminista a partir doSulSulSulSulSul

Discutir sobre um projeto teórico feminista a partir daAmérica Latina requer que se exponha uma série dediscussões que envolvem tanto considerações pós-colonialistas como pós-estruturalistas. Destarte, mirar-se sobrea teorização produzida a partir do “Terceiro Mundo”, de umpaís (ou um conjunto de países) do Sul global, abririapotencial espaço para a interlocução com a produção nocampo mainstream do conhecimento político, comotambém com as várias perspectivas inclusas no que se podedesignar como uma “teoria política feminista” ocidental.Porém, como nos diz Jane Jaquette, a visão do Sul, emespecial da América Latina, é marginalizada:

As feministas norte-americanas estão cada vez maisconscientes do trabalho das feministas canadenses eeuropeias, especialmente escritoras francesas ebritânicas, mas elas ainda tendem a ver as mulheresdo Terceiro Mundo como vítimas da opressão e nãocomo criadoras da teoria feminista ou como agentesde mudança.22

Com isso, Cláudia Lima Costa,23 ao expor questiona-mentos acerca das rotas pelas quais conceitos e teorias dofeminismo viajam nas Américas, bem como das formas comoestes são traduzidos nesses contextos geográficos e históricos,explora o conceito de “tradução cultural”, oriundo dos estudospós-coloniais e da antropologia para se referir a um processopelo qual estaria fortemente imbricada uma profundaassimetria de poder entre povos, culturas e linguagens. Dessemodo, denunciam-se, por exemplo, as trocas desiguais entreas periferias e centros metropolitanos, já que aos centroscaberia a produção teórica e à periferia a atividade restritade estudos de caso.24 Além disso, percebe-se que, cada vezmais, o “tráfego internacional de conceitos” tem enfraquecidosubstancialmente as relações entre as teorias e os lugares,bem como subvertido a autenticidade e a ordem, já que emconsequência dos processos de transnacionalização etransmigração, segundo Cláudia Costa, haveria risco elevadode despolitização dessas teorias e conceitos:

Devido à intensa transmigração dos conceitos e valoresnas viagens dos textos e das teorias, frequentementeum conceito com um potencial de ruptura politica eepistemológica e num determinado contexto,quando transladado a outro, despolitiza-se.25

O que se quer aqui é emitir um primeiro sinal de alerta:este trabalho de análise e de “tradução” no campo relativoao conhecimento político é quasi-antropológico, pois retrata

22 JAQUETTE, 1989, p. 1, traduçãonossa.23 COSTA, 2000.

24 Segundo Gildo MarçalBRANDÃO, 2004[1998], GabrielCohn, em intervenção noEncontro da ANPOCS, teriaapontando para uma situaçãosemelhante no caso das ciênciassociais brasileiras: o teorizarcaberia aos norte-americanos eeuropeus e o trabalho empíricoao resto do mundo, como o Brasil,neste acaso.

25 COSTA, 2000, p. 46.

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a necessidade de se problematizar teoricamente primeiro odevir do produtor do conhecimento para depois o dever sere o vir a ser das reflexões normativas no campo doconhecimento. Para se evitar as reposições das própriasestruturas de desigualdade, desta feita no âmbito daacademia, como uma analogia à distinção freyriana entrea Casa Grande e a Senzala a partir de um renovado fluxotransnacional, é necessário rediscutir as novas cartografias,bem como os redimensionamentos econômicos, políticos,culturais, libidinais, geográficos etc. Para se evitar que ateoria seja somente um signo do Ocidente26 e, dessa forma,reestabelecendo aqui o vínculo do Ocidente como oopressor colonial, torna-se necessário e urgente que seproblematize o posicionamento imperialista nas teoriasfeministas e no campo do conhecimento político e, paraisso, faz-se necessário explorar formas e mecanismos quepossibilitem o “conhecimento situado”,27 a “possibilidadede um subalterno falar”,28 as “políticas de interpretação”29 ea própria ênfase na “experiência”,30 ainda que nem todasas teóricas feministas aqui apresentadas e que tratem dessadiscussão tenham origem nos países do Sul.

Em primeiro lugar destaca-se que, invariavelmente,colonização é um conceito que tem sido utilizado parareferir-se a uma dominação estrutural que, reconhece-se,suprimiria a heterogeneidade dos sujeitos em questão.Segundo Mohanty,31 haveria três variações relevantes desteconceito: i) a marxista, que denuncia a exploraçãoeconômica; ii) a discussão realizada pelas feministasnegras, que denunciam a forma pela qual suas experiênciase lutas foram apropriadas pelos movimentos de mulheresbrancas; e iii) as reivindicações do “Terceiro Mundo”, quebuscam caracterizar e questionar o que é evidenciado naprodução de um discurso cultural ocidental e colonialistasobre o que é chamado “Terceiro Mundo”: principalmente,as hierarquias políticas e econômicas.

Diante disso, o foco da análise de Chandra Mohantyé o que ficou conhecido e delimitado “sob os olhos doOcidente” como uma específica interpretação do que seja a“mulher do Terceiro Mundo”, especialmente na produçãoocidental – norte-americana e europeia – feminista. Assim,procurou-se evidenciar quais seriam os tipos de apropriaçãoe de codificação do conhecimento sobre a “mulher do TerceiroMundo” produzidas e articuladas pelos Estados Unidos e pelaEuropa Ocidental. Em sua análise, então, Mohanty expõe adiferenciação entre os conceitos “mulher” e “mulheres”: oprimeiro relativo ao “outro” ideológico e cultural, que seriaconstruído discursivamente, enquanto o segundo conceitoreferir-se-ia aos sujeitos reais. A partir disso, argumenta aautora, uma análise pós-colonial feminista deveria denunciar

31 MOHANTY, 1984.

26 MOHANTY, 1984, 2003; HomiBHABHA, 1994.

27 Donna HARAWAY, 2008[1988].28 Gayatri SPIVAK, 1985, 1994[1989],2006[1987].29 Adrienne RICH, 1986; MOHANTY,1998[1992].30 Joan SCOTT, 1992[1991].

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CONSTRUÇÕES DO PENSAMENTO FEMINISTA LATINO-AMERICANO

e desconstruir o que foi constituído a partir da noção de“mulher do Terceiro Mundo”, já que as feministas ocidentais –denuncia e critica a autora –, arbitrariamente, as“colonizaram”, negando-lhes a efetiva heterogeneidade ematerialidade, bem como, erroneamente, assumiram atravésdas agendas do movimento um discurso universalista quesupostamente incluiria “todas as mulheres”. Esse tipo deprocedimento, recorrente no feminismo acadêmico ocidental,homogeneíza e sistematiza/banaliza também a opressão dasmulheres.

É certo que em todos os conhecimentos e em suasexpressões científicas nenhuma perspectiva de dentro éprivilegiada, já que, de acordo com Haraway,32 haveria nadinâmica “dentro e fora de fronteiras” do conhecimentoteorizações feitas de acordo com os respectivos fluxos depoder. Isso quer dizer que, no “jogo do conhecimento”, apoderosa arte da retórica é imprescindível para umadisputa, já que “[...] todo conhecimento é uma conexãocondensada em um campo de poder agonístico [...]”.33 Logo,a partir dessas perspectivas, os conhecimentos “situados” e“corporificados” deveriam ser retratados diante das diversasformas de conhecimento não situados e, consequentemente,irresponsáveis.

Contra essas formas claras de colonização e deprodução de um tipo de conhecimento irresponsável, GayatriSpivak nos apresenta outra estratégia:

[...] falar “de dentro” das narrativas emancipatóriasdominantes, mesmo quando se distanciar destas. Eladeve se negar resolutamente a oferecer fantasmáticascontranarrativas nativistas hegemônicas, queimplicitamente respeitam o regulamento histórico dequem tem “permissão para narrar”.34

Como, para a autora, a relação entre teoria e represen-tação é sempre conturbada, constata-se que nenhuma teoriarealmente representa, já que ela não poderia falar pelosgrupos subalternos.35 A saída para os grupos oprimidos esubalternos seria, então, conquistar o poder cultural ou étnicopor meio da reivindicação do conhecimento, incidindo emcríticas à cultura política dominante e buscando refazercompletamente as relações de poder – e não repô-las aoconquistar poder. A “possibilidade de um subalterno falar”se referiria à possibilidade dada a uma complexa situaçãopolítica e estratégica numa dada sociedade.

Se falar a partir de uma posição ou perspectiva éuma situação política e estratégica, então, deve-se somarainda a ideia de “política da localização” proposta porAdrienne Rich,36 que ressalta o aspecto da localização daautora/autor, da sua participação em algum mainstream,

32 HARAWAY, 2008[1988].

33 HARAWAY, 2008[1988], p. 346,tradução nossa.

34 SPIVAK, 1994[1989], p. 198.

35 SPIVAK, 2006[1987].

36 RICH, 1986.

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localizando-se no ato de teorizar, identificando quais seriamos seus próprios pontos de partida no “aqui” e no “agora”.De forma muito similar, Mohanty37 se propõe a problematizara “política da experiência”, já que, segundo ela, os textosfeministas devem ter e valorizar a autoconsciência da suaprópria produção em relação às noções de “experiência” e“diferença”. A experiência, entendida como uma noção quepode rearticular a prática política e de conhecimentofeminista na produção de diferentes referências esignificados, define-se como um método “[...] que deve serhistoricamente interpretado e teorizado se é para se tornar abase para a solidariedade e luta feminista e seria, nestemomento, que uma compreensão da política dalocalização prova ser crucial”.38

A partir da “multiplicação dos sujeitos do conheci-mento”, a ortodoxia do saber passou a ser confrontada pelalegitimação e autorização da experiência – principalmentea experiência direta dos “Outros”. De tal forma, Joan Scott39

informa como a evidência da experiência torna-se centralpara a construção de uma noção de múltiplos sujeitos, pois,desestabilizando as premissas ideológicas e as categoriasde representação, perceber-se-ia a existência do “outro”,possibilitando a discussão acerca de sua construção. Seriaimportante notar que os indivíduos não têm experiência;quem a têm são os sujeitos que são construídos por e atravésdelas. Logo, a evidência da experiência possibilitariaexplicar a própria produção do conhecimento através daprática de interpretação. No caso da América Latina, seriacrucial lançar mão da evidência e interpretação daexperiência para incluir numa análise uma série de eventose situações vivenciados pelos seus cidadãos e cidadãs,:

Na América Latina deveríamos agregar ditaduras,desaparecidos, paramilitares, guerrilhas, genocídios,fome, desemprego, desesperança. E as mulheresdeveriam agregar ainda a feminização da pobreza,violência, abortos clandestinos, violações, prostituiçãoe assassinatos impunes.40

As perspectivas e as condições da subalternidadelatino-americana, através da busca por teorizar a“experiência”, o “conhecimento situado” e a “localização”,como também ao questionarem estruturas e conceitospreviamente e “racionalmente” definidos por um projetomoderno ocidental, no entendimento e interpretação aquidefendidos, buscariam se articular hoje como projetosepistemológicos alternativos, repensando (e negandoalgumas vezes) o diálogo com o Norte global e recuperandoou criando novos e outros diálogos a partir do Sul global. Aproposta de uma “epistemologia do Sul” feita por Boaventura

40 Diana MAFFIA, 2004, p. 173,tradução nossa.

37 MOHANTY, 1998[1992].

38 MOHANTY, 1998[1992], p. 269,tradução nossa.

39 SCOTT, 1992[1991].

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CONSTRUÇÕES DO PENSAMENTO FEMINISTA LATINO-AMERICANO

de Souza Santos41 procura repensar o conhecimento produzi-do pelo Norte e traduzido pelo Sul através da “experiênciado contato” – que é uma experiência de limites e fronteiras.Então, rever a tradução e a “representação” do Norte signifi-caria produzir conhecimentos próprios e diferentes daquelesque foram fornecidos pelo mainstream ocidental, moderno,cartesiano etc.

Enfim, resgatando todos os possíveis instrumentaisepistêmicos supracitados, poder-se-ia dizer que o papel ativodo feminismo na construção de espaços de interlocuçãoacadêmica acabou por instituir um novo campo doconhecimento, enraizado na experiência latino-americana,no Brasil principalmente, que tem como carro-chefe o própriopensamento feminista: o campo de gênero.42 Ao discutir esseconceito e a dinâmica desse campo, Marlise Matos colocaque,

Numa proposta de conhecimento, de ciência emque o que se valoriza é o modo de pensar e as suasconsequências e não a descrição do mundo, quenão vê o conhecimento como uma representaçãoneutra do mundo ontológico externo, é que poderiaestar inserida a proposta de ação de um novo campode gênero e feminista. Ou seja: sabendo ereconhecendo que o conhecimento (científico) écapaz de intervir e agir sobre o mundo, que ele possuiconsequências sobre o mundo, que ele é ação sobreo mundo, é que proponho a sustentação teórica,epistemológica e política do campo de gênero efeminista como sendo da ordem de um universalhistórico e contingente que opera dinâmica eparadoxalmente na busca constante e responsávelde um devir gênero que por sua vez se desdobra naafirmação radicalizada de um devir ciência.43

Procura-se, portanto, chamar a atenção para aatividade de teorização que se atrelaria à produção de umconhecimento propriamente latino-americano. O papel dofeminismo aqui é protagonista na medida em que sevislumbra a necessidade de reposição de cânones etradições ocidentais. Segundo a mesma autora,44 esse papeldar-se-ia através de uma “epistemologia da transgressãoemancipatória”, pois, “[...] ainda que sem um ponto dechegada definitivo, ressalto a necessidade do mesmo pontode partida: a clarificação normativa e crítico-reflexiva emrelação aos próprios pressupostos históricos, aqueles dacultura da qual se fala, da qual se enuncia e se interpela”.45

Por sua vez, as metas e objetivos desse projeto seriamcumpridos através da seguinte dinâmica exposta pelaautora:

41 SANTOS, 2008.

42 MATOS, 2008.

43 MATOS, 2008, p. 352, itálicosda autora.

44 MATOS, 2010.

45 MATOS, 2010, p. 10.

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Assim todas as regras passam a estar constantementeem estado de suspeição e questionamento com vistasà produção da justiça e da emancipação sociais, jáque neste mundo interconectado globalmente,visceralmente habitado por multiculturas que jáperderam em definitivo a condição de inocênciaantevista na possibilidade de isolamento, tudo aquiloque concernir ao conhecimento e ao direito, porexemplo, das mulheres e dos gêneros, estarápermanentemente aberto ao debate público einternacional (e, desta forma, contra todos ospressupostos e justificações fundamentalistas, sejamestes de quais estatutos forem).46

A partir disso, pensar do ponto de vista e da perspec-tiva da América Latina em um projeto teórico político feministae de gênero conforma-se com a necessidade de se formataruma outra “teoria política feminista” (que ainda permaneceentre aspas), visto que a experiência vivida pelo movimentofeminista latino-americano reflete-se em um processocomplexo de interseções que se deu a partir de um conjuntodiferenciado de opressões, pois combina o colonialismofrancês, espanhol e português, com os governos ditatoriaise populistas, com dinâmicas específicas da globalizaçãoeconômica, cultural e política. A América Latina seria umdos lugares de nosso planeta, bem como a Ásia e a África,onde as desigualdades se manifestam de modo muitoacirrado e específico, por isso a indiscutível necessidadede novas teorias e enquadramentos que falem, a partir deuma dimensão totalmente localizada, da justiça social –uma importante demanda coletiva.47 Dessa forma,problematizar “o” político e “a” política a partir destecontinente pode ser retraçado a partir da própria experiênciados movimentos feministas e de mulheres, quando estestravam seus frequentes embates contra o Estado e tambémquando começam a lutar e disputar pela presença na esferapolítica, pois este foi um lugar onde as mulheres estavamforjadas na militância

[...] de movimentos clandestinos, torturadassexualmente nas prisões da ditadura; na luta pelaanistia; nos movimentos contra a violência do estadocontra o corpo da mulher, principalmente da mulherpobre esterilizada pela democracia; contra a pobreza;a favor da mulher sem terra.48

De acordo com Jane Jaquette,

Essas experiências ofereceram à teoria feminista latino-americana um ponto de vantagem único para seanalisar os limites entre público e privado, para debatercomo os grupos de mulheres podem “fazer política”no intuito de provocar uma mudança social no

46 MATOS, 2010, p. 10.

47 Donna Maureen CHOVANEC,2000

48 Céli Regina PINTO, 1994, p. 196.

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contexto democrático e para reestruturar as imagenspolíticas e mesmo a própria linguagem da política.49

Repensar a dinâmica que envolve as lutas por justiçasocial requer que se rediscuta a agenda feminista nosprocessos de (re)democratização. Diante disso, confluindoa práxis com uma “epistemologia feminista do Sul”, visa-se,pois, estimular a aposta na possibilidade de se construiruma “nova cultura política” baseada, conforme defineSantos, numa “racionalidade mais ampla e maiscosmopolita que a racionalidade moderna ocidental”;50 oumesmo uma nova cultura política que “[...] permita voltar apensar e a querer a transformação social e emancipatória,ou seja, o conjunto dos processos econômicos, sociais,políticos e culturais que tenham por objetivo transformar asrelações de poder desigual em relações de autoridadepartilhada”.51 Estaria na base dessa reconstrução política aretomada radicalizada da própria democracia, ondegênero e feminismo assumem, através das contribuições dofeminismo acadêmico contemporâneo, uma perspectivasingular; pois sua reconstrução e ressignificação poderiamfomentar o reconstruir mais original dessas novas bases parauma outra forma de interação democrática – um outro devirdemocracia, na constante busca por concepções ônticase ontológicas do que é “a” política e “o” político.

A A A A A práxispráxispráxispráxispráxis e a noção do que é “a” política e a noção do que é “a” política e a noção do que é “a” política e a noção do que é “a” política e a noção do que é “a” políticae “o” político a partir do Sule “o” político a partir do Sule “o” político a partir do Sule “o” político a partir do Sule “o” político a partir do Sul

Para discutir a questão relativa à experiência domovimento feminista latino-americano e como os conceitosforam sendo (re)pensados, caberia apresentar aqui algumasdos passos históricos que confluíram para essa construção,resgatando as principais ondas do movimento feminista naAmérica Latina. O intuito é o de apontar a disputa entrefeministas “políticas” e “autônomas” e, por último, apresentaros novos desafios colocados diante da globalização e datransnacionalização do feminismo, a partir das contribuiçõesdeste continente. Toma-se aqui, principalmente, o feminismobrasileiro como base e referência para algumas dasdiscussões sobre “a” política e “o” político, como também asua própria história, pois, segundo entende parte significativada literatura que trata desse percurso, este seria o movimentomais bem-sucedido da América Latina.52

O feminismo deve ser entendido “[...] como um campode ação expansivo, policêntrico e heterogêneo que abarcauma vasta variedade de arenas culturais, sociais epolíticas”.53

Ademais, é importante lembrar que o ativismo feministaconflui com a “redescoberta do político” pelos movimentos

53 ALVAREZ, 2000[1998], p. 386.

49 JAQUETTE, 1989, p. 6, traduçãonossa.

50 SANTOS, 2008, p. 16.

51 SANTOS, 2008, p. 14.

52 JAQUETTE, 1989; ALVAREZ,2000[1998]; Sueli CARNEIRO,2006.

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sociais através de uma esfera própria potencialmentepluralista que, por sua vez, reavalia e procura repor ademocracia liberal. As diferentes formas de Estados,compreendidos como um conjunto de instituições políticas epráticas com consequências poderosas, induzem diferentessignificados na vida dos cidadãos e cidadãs, isto é, a AméricaLatina, especialmente a partir de seus Estados autoritários ede seus Estados dependentes, o que produziu reações noâmbito da sociedade civil distintas de outros países quepossuíam/em Estados previdenciários, democráticos ou debem-estar.

Ao se analisarem as “ondas” do feminismo na AméricaLatina procurou-se demonstrar as distintas formas de ação eas diferenciadas dinâmicas desse movimento e de suasagendas (e não seria somente uma questão de agenda –já que se entende ela própria como sendo bastante fluida).54

No decorrer dessas ondas, pôde-se constatar que,definitivamente, o feminismo se pluralizou, abrindo espaçopara a atuação em diversos âmbitos: militantes partidárias,mulheres negras, intelectuais, militares clandestinas, “mães”,líderes de movimentos populares, diretoras e servidoras deórgãos governamentais, até teólogas. De acordo comNeuma Aguiar, a experiência que tem sido vivenciada pelofeminismo, pelo menos nas últimas duas décadas, o nutrecom o “[...] contato internacional e intercâmbio [pois oferece]a oportunidade de acesso a diferentes formas decomportamento que são distintos daqueles determinadosno âmbito da própria cultura”, além do que também “[...]objetivam alcançar uma série de objetivos feministas, emlugar de buscar atingir um único propósito”.55 As redesfeministas aqui então configuradas envolvem o trabalho deorganizações não-governamentais e de base, bem comoestão engajadas na produção do conhecimento.56 SegundoAlvarez,57 os processos de Beijing (1995) fizeram com que sedeflagrasse no continente: i) a circulação dos discursosfeministas e a multiplicação dos espaços e lugares deatuação; ii) a absorção de elementos das agendas ediscursos feministas por algumas instituições culturaisdominantes, organizações paralelas da sociedade civil,política e Estado, além do establishment internacional dodesenvolvimento; iii) a ONGuização, especialização eprofissionalização de alguns setores do movimento; iv) aarticulação e formação de redes; e v) a transnacionalizaçãodos discursos e práticas do movimento feminista.

Vinculando-se um conjunto de questões conceituaisé possível perceber que, a cada onda, emergiria um conflitoao se abordar “a” política: negando-a por ser “essencial-mente” masculina ou, ao contrário, aceitando-a como umespaço para ser efetivamente explorado e transformado. Há

54 A atuação de movimento e aformatação de agendas dos movi-mentos feministas são compreen-didas por algumas autoras a partirde duas fases (ou ondas) distintas,como nos diz Susan Besse,1999[1996]: a primeira “onda” érelativa ao feminismo sufragista e“bem comportado”, na qual os es-forços feministas questionavam alegislação até então vigente ebuscavam a inserção da mulherna política e, com isso, a efetivaçãoda cidadania feminina; e a segun-da “onda”, conhecida pelo femi-nismo radical, compreende os mo-vimentos nas décadas de 70 e 80,quando se retomam as críticasainda não realizadas pela primeiraonda, incorporando ao discurso domovimento demandas vinculadasao quadro geral da opressão sofri-da pelas mulheres e o reconheci-mento das diferenças sexuais nacena pública. A segunda ondacentrou sua luta em assuntos departicular interesse das mulheres,como a violência doméstica, ascreches, os direitos sexuais e osdireitos reprodutivos (ALVAREZ,2000[1998]). Em confluência coma segunda onda, a inserção dasmulheres no âmbito da masculinaacademia, assim como a emer-gência da teoria feminista nesseespaço, retomou os pontos cen-trais da agenda do ativismo femi-nista que denunciava a opressãodas mulheres. Acrescentam-seainda às duas ondas uma fase detentativas de reforma nas institui-ções democráticas, no próprioEstado, como também a buscapela reformatação dos espaçospúblicos, pela qual se sobressaemas divergências intragêneros – oque é nomeado de “feminismodifuso” por Céli PINTO, 2003 –,além da proposta de uma fasemais recente, “quarta onda”(MATOS, 2010; Solange SIMÕES eMarlise MATOS, 2008), na qual omovimento consegue se institucio-nalizar, adentrando os espaços es-tatais e garantindo a formulaçãode políticas públicas com o enfo-que de gênero.55 AGUIAR, 2009, s/n.56 Verônica SCHILD, 2000[1998].57 ALVAREZ, 2000[1998].

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também a necessidade de menção às diferenças existentesentre as feministas que acreditam que a luta das mulheresdeve ser travada dentro do Estado e dos partidos – aquelasconsideradas políticas ou “independentes” – e aquelas queacreditam na autonomia e que a luta deva se deterexclusivamente no âmbito do movimento – as “autônomas”.De forma geral, a “[...] maioria deu as costas para o Estado eevitou a arena política convencional – considerada então(com razão) excludente, opressiva, inimiga de todas asreivindicações de justiça social, sem falar da justiça degênero”.58 Por outro lado, importa destacar que o discursorelativo à necessidade de se adentrar os espaços formais dapolítica (os “espaços de poder”) poderia possibilitar umaprática feminista mais integrada, já que as feministasimpactariam e transformariam, de dentro, os discursos e aspráticas político-culturais dominantes. Esse embate remete-nos a duas concepções possíveis sobre “o” político discutidasnos capítulos anteriores: aquele relativo à política culturalretratada em íntima relação com os movimentos sociais; e opolítico com feições schmittianas, representado por umantagonismo entre inimigos, como parece estar colocado odebate que envolve a relação entre as feministas autônomase o Estado.

O projeto de um “feminismo horizontal” – que se carac-teriza para Maria Luiza Heilborn e Ângela Arruda59 nadescentralização e autonomia da cultura feminista diantede outras agências, implodindo as hierarquias existentesdentro do próprio movimento, valorizando a participaçãodireta, o “não-monopólio da palavra, ou informação”, enfim,se horizontalizando de forma complacente aos princípiosde organização própria da democracia radical – foi, aospoucos, sendo substituído pela especialização e profissio-nalização, o que Alvarez60 chama de “ONGuização”, já quehaveria uma dificuldade do feminismo horizontal em realizaras tarefas de produção de conhecimento especializado.Por isso, pode-se notar, ao passo de uma nova onda,61 que

A ONGuização e transnacionalização do campofeminista latino-americano levou um númerocrescente de feministas a privilegiar alguns espaçosda política feminista, tais como o Estado e as arenaspolíticas internacionais, em relação aos esforços detransformar as representações predominantes degênero, enfatizar as mudanças de consciência epromover a transformação cultural por meio deatividades de organização e mobilização das baseslocais.62

A dinâmica atual do movimento feminista, então,poderia ser traduzida em três formas de presença com êxitoem distintas áreas, como Marta Lamas63 apresenta: i) a

60 ALVAREZ, 2000[1998].

58 ALVAREZ, 2000[1998], p. 387.

59 HEILBORN e ARRUDA, 1995, p.20.

61 MATOS, 2010.

63 LAMAS, 2000.

62 ALVAREZ, 2000[1998], p. 416.

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profissionalização do movimento, especializando-se emáreas temáticas, oferecendo suporte para as demandaspolíticas (principalmente políticas públicas); ii) a legitima-ção, tanto acadêmica como política, da perspectiva degênero, adentrando em espaços acadêmicos; e iii) aconsolidação do discurso sobre a mulher no âmbito público.De tal forma, a quarta “onda”, que estaria sendo vivenciadaatualmente pelos movimentos feministas na América Latina(principalmente os brasileiros), orientar-se-ia, segundoMatos,64 para a conformação de “circuitos de difusãofeminista” que têm sido operados a partir de distintascorrentes horizontais do feminismo, as quais se orientariamem direção às diversas arenas paralelas de atuação dosmovimentos no âmbito da sociedade civil, como também apartir das fronteiras existentes entre a sociedade civil e oEstado. Esse momento é, sem dúvida, aquele para o qualMarta Lamas chama a atenção: “[...] muitas feministas jáfuncionam mais a partir de realidades políticas do que deposturas ideologizadas: assumem a dimensão pragmáticada intervenção política e começam a manifestar paixãopor negociar conflitos”.65

Ainda que as conquistas proporcionadas por essastransformações internas sejam louváveis, algumas conten-das tendem ainda a permanecer, visto que, segundoVerônica Schild, “[...] a integração política de algumasmulheres está se fazendo às custas da marginalização deoutras. As lutas pela articulação dos direitos das mulheresdentro do Estado envolvem as mulheres de modo diferente[...]”.66 Dessa forma, quais seriam as saídas possíveis paratais problemas – “Quem tem o direito de definir os termos daslutas das mulheres?”.67 Uma saída possível seria democratizaras relações de dentro do movimento, visto que,

Embora as muitas mulheres diferentes que transitamdentro do campo latino-americano ainda ‘sereconheçam’ mutuamente como tal – mesmoquando põem em questão a ‘legitimidade ontológica’da ‘outra’ –, estão se forjando novas hierarquias erelações de poder dentro desse campo vasto ecomplexo e os parâmetros de legitimidade,interlocução, responsabilidade e representação sãocontinuamente renegociados e contestados.68

Em geral, poder-se-ia dizer, de acordo com MartaLamas69 – que estabelece como parâmetro de suasconsiderações as experiências no âmbito do feminismomexicano –, que a dimensão conceitual sobre o político, ouestaria ligada à concepção de que tudo é político –estando, assim, vinculada ao exercício do poder –, ouvinculada estreitamente à ideia de negociação e gestão.Ao associar-se o poder político com uma ideia da política

64 MATOS, 2010.

65 LAMAS, 2000, p. 5, traduçãonossa.

66 SCHILD, 2000[1998], p. 168.

67 SCHILD, 2000[1998], p. 170.

68 ALVAREZ, 2000[1998], p. 416.

69 LAMAS, 2000.

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entendida em seu modo tradicional, ligada ao privilégiomasculino, algumas ativistas rejeitaram ou desprezaram asatividades desenvolvidas nos espaços de gestão ou denegociação política. E, mesmo ao assumir uma concepçãototalizante em que o “pessoal é político”, a corrente“autônoma” do feminismo resistiu em se inserir na dinâmicapolítica nacional. Na medida em que foi sendo aceita adiferença sexual no trabalho político das organizações, omovimento percebeu que o seu avanço também passariapor uma participação maior nas instâncias governamentaise partidárias.70 Além do mais, nos palcos supranacionais(encontros, conferências, fóruns), a política foi sendo desca-racterizada como “dominação masculina”, e passou-se acompreendê-la “como liberdade”,71 ou, a partir da chaveem uma grande aposta: a de se pensar a política comotradução. O que se quer enfatizar é que é perceptível apassagem da afirmação de um modo antagonístico parareferir-se ao político para o seu entendimento e interpretaçãoa partir de novas formas de se pensar, agora agonisticamente,as lutas entre amigos. Segundo Lamas,

[...] este passo, de uma visão da política como práticamasculina, a uma reivindicação da política como algopróprio e necessário, marca o processo de algunsgrupos feministas que expressam uma crescenteprofissionalização da intervenção feminista na vidapública e corresponde a uma transformação noimaginário político.72

Permanece, então, a aposta: é a “[...] primeira vezque se faz possível e até palpável vislumbrar e reconhecera ideia do fluxo, do trânsito movimentalista. Quem sabe comesse outro inovador dinamismo não seja concretizável osonho da superação das injustiças que ainda corroem nossomundo”.73 Nesse sentido, a percepção da realidade dasdiversas interseções do movimento feminista latino-ameri-cano com a política direcionaria a procura por modelosmais complexos e que realmente contemplem essasnecessidades e práticas.

O feminismo latino-americano e asO feminismo latino-americano e asO feminismo latino-americano e asO feminismo latino-americano e asO feminismo latino-americano e asteorias da justiça: a partir e para alémteorias da justiça: a partir e para alémteorias da justiça: a partir e para alémteorias da justiça: a partir e para alémteorias da justiça: a partir e para alémde Nancy Fde Nancy Fde Nancy Fde Nancy Fde Nancy Fraserraserraserraserraser

A aproximação dos feminismos latino-americanos,principalmente o acadêmico, refletidos na prática datradução, implicou concepções equivocadas de traduçãosobre as lutas políticas por justiça a partir das própriasexperiências feminista latino-americanas. Segundo PedroJosé Di Pietro,74 deve-se chamar a atenção para os limites

71 Hannah ARENDT, 2007b [195-?].

70 LAMAS, 2000, p. 5-7.

72 LAMAS, 2000, p. 7, traduçãonossa.

73 MATOS, 2010, p. 19.

74 DI PIETRO, 2006.

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da “incorporação” de uma teoria política que busquerespostas para questões específicas de certos países (emgeral, os Estados Unidos e países da Europa Ocidental).Nesse sentido, haveria necessidade de se superar asdificuldades de trânsito comumente experimentadas noslimites e fronteiras geopolíticas e históricas. As contribuiçõesteóricas de Nancy Fraser para uma discussão teóricaespecificamente latino-americana são claras,75 porémmuitos pontos não se encaixam à prática política vivenciadapelos distintos feminismos da região.

Preocupada com a relação entre a democraciabrasileira e as desigualdades sociais, Céli Pinto,76 por sua vez,se debruça sobre a discussão da teoria política feminista paraapontar possíveis elementos teóricos que colaborem para ummelhor entendimento dessa problemática. De acordo com aautora, a contribuição teórica de Nancy Fraser reuniriaelementos que seriam efetivamente fundamentais para sepensar a realidade brasileira, quais sejam: i) a noção depúblicos e contra-públicos alternativos; e ii) a afirmaçãonormativa do paradigma da justiça social operando a partirda chave redistribuição-reconhecimento. Ainda que Pintoreconheça que “[o] argumento de Fraser é bastanteeconomicista, pouco admitindo a possibilidade de umatransformação nas bases econômicas da injustiça a partir deuma intervenção política”,77 as conclusões de Pinto sãofavoráveis ao modelo de Fraser para a compreensão dedimensões específicas envolvidas no “pensar” e no “agir”sobre a questão brasileira.

Desse modo, Pinto78 aponta que as relações entre ascontribuições teóricas de Fraser e a realidade brasileiraseriam as seguintes: i) ainda que Fraser79 tenha certasdúvidas quanto à efetividade das políticas de redistribuiçãoafirmativa, no Brasil são elas que têm tido, ao menos porenquanto, os resultados mais positivos; ii) mesmo com apluralização dos contra-públicos alternativos, no Brasil elesnão conseguiram alcançar aqueles resultados efetivamentepositivos no sentido da modificação estrutural das condiçõesde pobreza; iii) os contra-públicos alternativos, por outrolado, desafiam a noção estática de uma sociedadeorganizada e, no caso da complexa sociedade brasileira,permite, a partir de seu interior, evidenciar a pulverizaçãode potencialidades organizativas; e iv) para avançar naquestão sobre as desigualdades sociais, a existência deum público forte representacional que é o parlamento, commúltiplos outros públicos fortes participativos, também compoder de decisão, permitiria reflexões sobre os possíveisinstrumentos democráticos capazes de colaborar naconstrução de uma saída para os problema graves dasdesigualdades sociais do país.

75 Segundo DI PIETRO, 2006, p. 200,tradução nossa, “[…] as teoriza-ções de Nancy Fraser em tornoda justiça de gênero e a justiçasocial tornaram-se a moedacorrente nos centros acadêmicos/políticos da América Latina que seocupam principalmente de proble-máticas ligadas ao Gênero e aanálises de suas relações. Pelomenos na Argentina, país em queFraser visitou mais de um par devezes, seus artigos e posiçõesalcançaram não somente notorie-dade mas também um valorsimbólico que coloca como per-curso necessário nos Estudos deGênero”.76 PINTO, 2002.

77 PINTO, 2002, p. 88.

78 PINTO, 2002, p. 94-96.

79 FRASER, 2001[1997].

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Já para Di Pietro,80 mesmo que Fraser procure noconceito de paridade participativa”, por um lado, satisfazera necessidade de se lidar com conflitos e diferenças intra einter-públicos, por outro, a sua abrangência conceitualreduziria a existência das perspectivas sociais, das intenções,como também das práticas públicas por adotar uma noçãorestrita de “público”. Outra crítica do autor endereçada aFraser se baseia nos pressupostos da realidade comunicacio-nal como propostos pela autora, já que estes não seriamexplicativos o suficiente para se compreender a fundo todasas vertentes do poder que o atravessam. Dessa forma, ainterpretação do horizonte de protestos pelo Movimento LGTTBIna Argentina demonstraria que o modelo teórico de NancyFraser desvaloriza uma importante dimensão da prática e daefervescência dos discursos e sugestões que se apresentamcomo públicos e que redefiniriam, por sua vez, os limites e osignificado de público. O modelo da autora também serialimitado por não perceber que as diferenças identitárias eentre os grupos sociais nem sempre são inevitáveis nemirreconciliáveis, o que debilita a possibilidade da afirmaçãode uma possível veia emancipatória que estaria contida naideia de “contra-públicos” – “[...] se é que esta se entende nomarco da necessidade de fazer espaço para múltiplas vozese intervenções e inclusão de múltiplos projetos dentro de umaou diferenciadas esferas de ação e comunicação”.81

Virgínia Vargas82 procurou retraduzir o paradigmabidimensional da justiça de Nancy Fraser83 numa discussãoque contemple a experiência feminista nos atuais processosde transnacionalização. A autora também utiliza a categoria“redistribuição” para referir-se às demandas contra oneoliberalismo, o foco de intensa disputa nas articulaçõesfeministas, como é o caso das organizações deste teor noâmbito do Fórum Social Mundial (que para algumas feministasseriam um “terreno disputado”). Ela também insiste que,algumas vezes, a categoria do reconhecimento ficaobscurecida. Então, acompanhando Fraser, a autora reforçaque, dentro desse cenário transnacional, dois tipos de lutacontra a injustiça seriam relevantes: i) aquelas lutas contrainjustiças relativas ao impacto socioeconômico que estariamenraizadas nas estruturas políticas e econômicas; e ii) aquelasvinculadas aos valores culturais e econômicos que estariamenraizadas nos padrões sociais de representação ecomunicação. Para a autora, poderiam ser percebidos reflexosextensivos sobre a macroeconomia, sobre os macroprocessospolíticos e sobre o processo de globalização em si, sendoesses reflexos acompanhados por intervenções feministas quese pautam em formas peculiares e criativas de interação doglobal com o local, como por exemplo seria o caso da MarchaMundial das Mulheres.

80 DI PIETRO, 2006.

81 DI PIETRO, 2006, p. 183,tradução nossa.82 VARGAS, 2003, 2008.83 FRASER, 2001[1997].

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A emergência de um espaço transnacional onde apossibilidade de suscitar novas questões, de elaborar novasestratégias de como se aproximar de novas realidades,possibilitando, assim, a construção de uma nova e outracultura política, mais democrática e inclusiva, poderia serconferida nos encontros promovidos nos Fóruns SociaisMundiais. Sustentando os lemas “um outro mundo é possível”e “não aos pensamentos únicos”, para Vargas,84 nessesespaços e através da luta contra o neoliberalismo e ocapitalismo global é que teria se tornado possível e permitidoàs feministas a construção de novas abordagens e alianças,como também o repensar das conceituações de autonomiapara o movimento. Porém, Vargas também reconhece quehaveria uma concepção ainda limitada de Fraser ao seutilizar do paradigma bidimensional, quando esta mesmapercebe e ressalta a articulação dos movimentos feministascomo fortemente atuantes nessas redes, especialmente nosentido de demandar mais lugar e mais espaços de poder.A discussão sobre “os pensamentos únicos” chegou a serproblematizada por Vargas, mas, no entanto, não chegou aser contraposta à ideia do monismo normativo, com a“paridade de participação” proposta por Fraser.

Em Conway e Singh85 há a problematização domonismo normativo, a proposta contida na “paridade daparticipação”, sugerido por Fraser,86 como também há adenúncia de que a própria compreensão da autora sobre oFórum Social Mundial (pensado através de um enqua-dramento da teoria democrática liberal) não notaria e/oulevaria a sério muitos dos seus aspectos mais interessantes einovadores.87 A própria experiência dos Fóruns, tendo comoevidentes os compromissos com a diversidade e o pluralis-mo, opondo-se sem nenhuma dúvida a qualquer propostade pensamento único, contradiz a ideia de um monismonormativo, já que numa teoria assim estruturada não haveriaespaço, então, para a afirmação, por sua vez, de um plura-lismo normativo. Pelos Fóruns e pelo movimento transnacio-nal feminista concluiu-se que nenhum monismo normativo,ou qualquer forma de pensamento único, seria possível (oudesejável) para uma política global que se sustente comoradical.88

Em artigo mais recente surgem novos problemas nabase teórica formulada por essa autora.89 Desta vez, osproblemas seriam relativos à dinâmica e etapas domovimento feminista, já que se evidencia que Fraser, atravésde um reducionismo na sua discussão, restringindo-se ateorizar sobre o movimento a partir de um olhar estritamentedo movimento feminista norte-americano, mais uma vez,opera suas considerações através de um enquadramentoliberal e capitalista como eixos estruturadores da dinâmica

87FRASER, 2008.

84 VARGAS, 2003.

85 CONWAY e SINGH, 2009.

86 FRASER, 2003.

88 Para outras críticas ao monismonormativo ver Axel HONNETH,2009, e Marlise MATOS, 2009a.89 FRASER, 2009a[2009].

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CONSTRUÇÕES DO PENSAMENTO FEMINISTA LATINO-AMERICANO

do feminismo na contemporaneidade.90 Segundo Fraser,91

a agenda do movimento feminista deslizaria sobre o eixohistórico do capitalismo estatal (state-organized capitalism)para um capitalismo transnacional, pós-fordista e neoliberal(ver Quadro 1).

90 Caberia ressaltar que esse artigoevidenciaria uma possível crise dofeminismo norte-americano.91 FRASER, 2009a[2009].

Feminismo e o capitalismoFeminismo e o capitalismoFeminismo e o capitalismoFeminismo e o capitalismoFeminismo e o capitalismoestatales tatales tatales tatales tatal

Feminismo e o “novoFeminismo e o “novoFeminismo e o “novoFeminismo e o “novoFeminismo e o “novoespírito do capitalismo”espírito do capitalismo”espírito do capitalismo”espírito do capitalismo”espírito do capitalismo”

Feminismo e o pós-Feminismo e o pós-Feminismo e o pós-Feminismo e o pós-Feminismo e o pós-neol iberal ismoneol iberal ismoneol iberal ismoneol iberal ismoneol iberal ismo

QUADRO 1QUADRO 1QUADRO 1QUADRO 1QUADRO 1 – Dinâmica da segunda onda do feminismo nos Estados Unidos segundoFRASER, 2009a[2009]

Feminismo contra o econo- Feminismo contra o econo- Feminismo contra o econo- Feminismo contra o econo- Feminismo contra o econo-mic i smomic i smomic i smomic i smomic i smo

O feminismo buscou repor umavisão monista e economicista dajustiça por uma visão ampliada,

tridimensional, que compreendiaeconomia, cultura e política.

Femin i smoFemin i smoFemin i smoFemin i smoFemin i smoant ieconomicismoant ieconomicismoant ieconomicismoant ieconomicismoant ieconomicismo

ress igni f icadoress igni f icadoress igni f icadoress igni f icadoress igni f icadoAs reivindicações feministas por

justi-ça foram cada vez maiselaboradas como reivindicações

de reconheci-mento daidentidade e da diferença.

Feminismo pós-neoliberalFeminismo pós-neoliberalFeminismo pós-neoliberalFeminismo pós-neoliberalFeminismo pós-neoliberalant ieconomicismoant ieconomicismoant ieconomicismoant ieconomicismoant ieconomicismo

Adotar uma visão completa datridimensionalidade da justiça, que

possivelmente contrabalancemelhor as dimensões do

reconhecimento, da redistribuiçãoe da representação.

Feminismo contra o andro-Feminismo contra o andro-Feminismo contra o andro-Feminismo contra o andro-Feminismo contra o andro-cent r i smocent r i smocent r i smocent r i smocent r i smo

Luta para incorporar a justiça degênero no capitalismo estatal,

como também incluir as questõessobre as mulheres na própria

esquerda radical.

Feminismo antiandrocen-Feminismo antiandrocen-Feminismo antiandrocen-Feminismo antiandrocen-Feminismo antiandrocen-trismo ressignif icadotrismo ressignif icadotrismo ressignif icadotrismo ressignif icadotrismo ressignif icado

O capitalismo desorganizadoincorpora o discurso do avanço das

mulheres e da justiça de gênero,ao mesmo tempo incorporando

um discurso sobre a valorização dotrabalho assalariado.

Feminismo pós-neoliberalFeminismo pós-neoliberalFeminismo pós-neoliberalFeminismo pós-neoliberalFeminismo pós-neoliberalant iandrocentr i smoant iandrocentr i smoant iandrocentr i smoant iandrocentr i smoant iandrocentr i smo

O feminismo deve militar paraformas de vida que descentre otrabalho assalariado e valorize

atividades não-assalariados, comoo cuidado da casa.

Feminismo contra oFeminismo contra oFeminismo contra oFeminismo contra oFeminismo contra oes tat i smoes tat i smoes tat i smoes tat i smoes tat i smo

Rejeição ao ethos burocrático-administrativo do capitalismo

estatal.

Feminisnmo antiestatismo Feminisnmo antiestatismo Feminisnmo antiestatismo Feminisnmo antiestatismo Feminisnmo antiestatismoA perspetiva feminista que

procurava transformar o poderestatal em meio para empodera-mento e justiça social passa a ser

utilizada como discurso paralegitimar a mercantilização e para

a limitação do Estado.

Pós-neoliberal antiestatismoPós-neoliberal antiestatismoPós-neoliberal antiestatismoPós-neoliberal antiestatismoPós-neoliberal antiestatismoBusca por uma democracia

partici-pativa, militando por umanova forma de organização dopoder político, que subordine aburocracia ao empoderamento

dos cidadãos e cidadãs. Fortalecero poder público.

Feminismo contra e a favorFeminismo contra e a favorFeminismo contra e a favorFeminismo contra e a favorFeminismo contra e a favordo westfalianismodo westfalianismodo westfalianismodo westfalianismodo westfalianismo

Por um lado, o movimento estavasensível às injustiças

transfronteiriças, principalmente asfeministas envolvidas com o

“mundo em desenvolvimento”. Poroutro lado, a maioria das

feministas via no seu respectivoEstado o lugar de demandas para

seus interesses próprios.

Feminismo contra e a favorFeminismo contra e a favorFeminismo contra e a favorFeminismo contra e a favorFeminismo contra e a favordo westfalianismodo westfalianismodo westfalianismodo westfalianismodo westfalianismo

ressignif icadoressignif icadoressignif icadoressignif icadoressignif icadoA globalização permitiu novasformas de ativismo feminista(transnacional, multiescalar),

porém com algumas dificuldades,já que o que era uma tentativa

para ampliar o alcance da justiçaalém do Estado-nação acabou

por se integrar em algunsaspectos com as necessidadesadministrativas de uma nova

forma de capitalismo.

Pós-neoliberal anti-Pós-neoliberal anti-Pós-neoliberal anti-Pós-neoliberal anti-Pós-neoliberal anti-west fa l ianismowest fa l ianismowest fa l ianismowest fa l ianismowest fa l ianismo

ância por uma nova ordempolítica pós-vestifaliana que sejamulties-calar e democrática a

cada nível.

Fonte: elaborações próprias a partir de FRASER, 2009a[2009].

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A partir dessas considerações recentes da autora, pode-se dizer que o enquadramento que ela propõe não seriatraduzível ou sequer transportável para o contexto da AméricaLatina, ou mesmo para toda a experiência feminista do Sulglobal, ainda que ela reconheça o papel dos Fóruns SociaisMundiais. Fraser reduz todo o período da década de 70 até osdias atuais em uma única onda (segunda onda), onde haveriauma agenda e um discurso que confluiriam com as demandaspor redistribuição, reconhecimento e representação numprimeiro momento, e num segundo momento haveria a confor-mação de um backlash, onde toda a agenda atual, a partirda fragmentação do discurso feminista, seria utilizada eressignificada por estratégias vinculadas ao discurso neoliberal.

Conforme apresentado, está claro que as vicissitudesdo feminismo latino-americano não podem ser reduzidasao enquadramento norte-americano proposto por Fraser. Issoporque ele não foi ou estaria sendo utilizado por inteiro peloneoliberalismo, pois a força do Sul global no contexto recentedo planeta surge justamente a partir daí, na negação e nareação ao neoliberalismo. Parte do feminismo latino-americano pode até ter sido “vítima” desse efeito perverso,porém outra parte, igualmente significativa, tem contribuídopara o desmascaramento do discurso generificado doneoliberalismo, mostrando também aos feminismos do Norteo rumo equivocado em que estes se encontravam.

Assim, pensando agora a partir da experiência latino-americana e brasileira e de uma outra forma as etapas dinâ-micas do movimento feminista, pensando-as numa propostadiferenciada à de Fraser, poder-se-ia dizer que a dinâmicacapitalista conformar-se-ia com as “ondas” já anteriormentedescritas. Dessa forma, sinalizaria que a segunda ondaestaria localizada no âmbito daquilo que Fraser define comocapitalismo estatal; a onda subsequente e relativa ao períodoneoliberal referir-se-ia ao momento de ONGuização e daconstituição de um “feminismo difuso”,92 sendo a quarta onda,conforme proposto por Matos,93 aquela vinculada ao queFraser designa por período pós-neoliberal – um “futuro aberto”para Fraser. Acredita-se e está se procurando dar destaqueneste artigo, então, que o futuro, o destino, da dinâmicafeminista norte-americana seria, curiosamente, o vivido e opresente atuais da América Latina e do Brasil, já que, a partirdo governo Lula, o Brasil (bem) aos poucos vem reestruturandoe construindo a desafiante proposta de um Estado pós-neoliberal,94 que contém na dimensão da inclusãodemocrática de parte significativa dos movimentos sociais(ainda que alguns movimentos ainda se mantenham“autônomos”) um eixo norteador e emblemático.

Mesmo com o avanço propiciado por Fraser, quedesenvolveu a proposta de um modelo tridimensional para a

94 Segundo Emir SADER, 2009, aAmérica Latina emergiu-se comoo lugar onde é possível secontestar a “reinante“ políticaneoliberal. No Brasil, a eleição deLula seria um indício para umavirada pós-neoliberal.

92 PINTO, 2003.93 MATOS, 2010.

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justiça social, ainda se faz necessário uma aposta emprogressos teóricos ainda mais significativos. Entende-se queseria necessário ir adiante, explicitando, principalmente, osaspectos subentendidos, aqueles que não foram aindaexplicitados e tratados justamente devido a formatos eorganizações epistemológicas reducionistas que não osincluem em suas teorizações – aqueles elementos de inclusãodemocrática que são tão característicos quando se trata daexperiência e da prática dos feminismos latino-americanos.Por isso, a proposta de uma teoria crítico-emancipatóriafeminista e de gênero, avançada por Matos95 à luz de umaprofunda crítica epistêmica, propõe um conjunto derearranjados elementos que seriam consideradosabsolutamente cruciais quando se pretende a construçãode uma forma de teorização que esteja além dos paradigmasdialéticos e binarizantes, bem como daqueles que podemser, de modo muito fácil, culturalmente reduzidos(principalmente aos contornos dos modelos do Ocidente,nesse caso). Essa proposta avança na direção de se pensaros eixos estruturadores da justiça social numa dimensãosignificativamente mais ampliada, inclusive numaperspectivação analítica que dê destaque e singularidadeà dimensão paradoxal e simultânea de repor as dimensõesda igualdade e da diferença na complexidade, propondorealocar uma das principais contendas no feminismo latino-americano (e também nos feminismos em outras regiões) queseria, segundo Ofelia Schutte,96 o debate entre as feministasigualitárias e os feminismos da diferença.

Pensar a partir das referências teóricas e epistemoló-gicas da contingência e dos paradoxos (premissas relevantes,como visto, a algumas vertentes da recente teoria políticafeminista) parece uma contribuição significativa para se fazeravançar as teorias da justiça social e também as teoriasdemocráticas contemporâneas. Sabe-se que as organiza-ções políticas se constituem mediante exclusões. Num sentidoaté mesmo psicanalítico, o inevitável retorno daquilo que foiexcluído é, justamente, o que está a forçar a expansão e arearticulação das premissas básicas da democracia. A históriada formação de uma organização política democrática,nesse sentido, precisa estar sempre aberta – um devirdemocracia – pois é/está inexoravelmente incompleta. Mesmoo projeto hegemônico democrático – entenda-se: as demo-cracias representativas liberais e ocidentais – são projetosinacabados e incompletos. Isso não significa dizer que sejamde todo equivocadas. Trata-se de uma incompletudeconstitutiva na qual todos os seus sujeitos estão igualmenteincompletos, exatamente porque estão se constituindo nesseprocesso, ou seja, através de exclusões que se tornam (pormeio de lutas contingentes) politicamente salientes e não

95 MATOS, 2009a.

96 SCHUTTE, 2000.

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porque sejam estaticamente estruturais ou fundacionais. É“[...] pensar simultaneamente [...] num movimento claramentepós-socialista e pós-dialético, a rede de multiplicidades deagenciamentos que condicionam e ao mesmo tempo quelibertam, a nossa realidade paradoxal”.97

Ao se pensar na necessidade de incluir a representaç-ão política como mais uma dimensão da justiça, algo queeste artigo perseguiu, simplesmente viu-se emergir mais umaversão pós-estruturalista de universalidade/universal: destavez intencionalmente incapaz de oferecer uma descriçãofirme, seja substantiva, seja processual, daquilo que seriacomum a todos os cidadãos – mulheres e homens, negros ebrancos, homo e heterossexuais etc. – enquanto tais no âmbitoda representação política. A proposta do universal contingen-te se articula às formas de estabelecimento prático, praxio-lógico, pragmático das recentes discussões a respeito dademocracia contemporânea: na deliberação negociadaentre distintos atores, por sua vez orientada primordialmentepara aquilo que consensualmente se constitui (contingente-mente) como interesse público. Não se trata da defesa de umuniversal transcultural pura e simplesmente (já que estetambém estará manchado pelas normas culturais que tentoutranscender); trata-se de uma universalidade que necessitaconstantemente de ser traduzida, retrabalhada, reposta demodo relacional e político.

O que se propôs como “devir democrático”, na mode-lagem aqui descrita, tem seu ponto de ancoragem nessapossibilidade aberta de novas articulações e formaçõespolíticas. Concorda-se e converge-se também para este tipode abordagem que resgata a indissociabilidade entrejustiça e democracia, entre “o” político e “a” política. Trata-se sim, em certa medida, da afirmação de uma politizaçãode vastas áreas da vida social (aquilo que teve como efeitoabrir caminho para a proliferação de identidades tidascomo “particularistas”). O universal contingente conformeesta proposta se articularia então com o devir democraciana medida em que se constata que tais “particularismos”impõem reclamos igualmente universais para os sujeitos eestes seriam, pois, pré-requisitos para a política num sentidopleno: aquela que se estabelece no formato exato comoafirmava Hannah Arendt,98 que pensava os corpos políticoscomo formas de participação ativa na pluralidade.Segundo a autora, “[...] a política organiza, de antemão, asdiversidades absolutas de acordo com uma igualdaderelativa e em contrapartida às diferenças relativas”.99

De maneira geral, poderia ser dito que o reflexo daprática do ativismo político feminista deveria ser e estarprojetado num modelo teórico político que, inclusive, sejacapaz de repor a luta por justiça social conjugada com as

97 MATOS e CYPRIANO, 2008, p. 7-8.

98 ARENDT, 2007b[195-?].

99 ARENDT, 2007b[195-?], p. 39.

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práticas e instituições democráticas. Essa necessidade partiriade um “querer-saber” que, segundo a socióloga chilenaJulieta Kirkwood, “[...] surge quando se constata a não corres-pondência entre os ‘valores’ postulados pelo sistema e asexperiências concretas reais humanas”.100 Sem o desejo peloconhecimento sobre “a” política e “o” político, ao feminismorestaria, ou aceitar que as mulheres não lutariam e deprecia-riam o poder, ou, então, lutar especificamente por direitos.101

Para Kirkwood, não haveria um “[...] modelo alternativo válidopara desafiar o paradigma patriarcal, o conhecimento quetemos vestido e adornado”,102 porém, a partir do papel políticodo ativismo feminista e entendendo que a teoria antecederiae procederia a ação, para Breny Mendoza,

Como toda construção teórica inserida dentro dalógica da colonialidade do poder, o eurocentrismo eo masculinismo, a construção de uma nova teoriafeminista latino-americana passa primeiro por umadesconstrução da teoria feminista ocidental, que atéagora tem assentado as pautas do pensamentofeminista latino-americano, e, logo se reconstruir comouma teoria feminista descolonial e pós-ocidentalpautada desta vez por seu próprio contextogeopolítico-cultural.103

Ao se tratar neste artigo de um “tráfego” e “tráfico” deteorias,104 pôde-se notar que um vínculo foi estabelecido entreas teorias e os subalternos, produzindo por consequência“lugares de apropriação”,105 que levam ao fraturamento dosdiscursos hegemônicos do conhecimento político e da própria“teoria política feminista” ocidental. A proposta de modelosteóricos políticos feministas, como Vargas106 e Matos,107 quedeem conta da multidimensionalidade dos problemasrelativos às questões de gênero e feministas na contempora-neidade transpõem o modelo de Nancy Fraser108 e tambémconfirmam a ideia de María Luisa Femenias de que “[o]feminismo latino-americano tem algo a dizer e o faz em vozprópria”.109 Isso ratificaria que a partir e para além do lugardas fronteiras, ou dos “territórios-limite”, há que se proble-matizar os modelos de conhecimento apresentados e apostarna elaboração de novas abordagens sobre o que aindanão é e também sobre o que ainda se irá descobrir eproblematizar, ou seja, os “territórios selvagens” – redesco-brindo e problematizando a partir de nossa América Latina.

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104 COSTA, 2000.

100 KIRKWOOD, 1985, p. 66,tradução nossa.101 KIRKWOOD, 1985. Segundo CéliPinto, o desafio colocado aofeminismo brasileiro seria abando-nar o excessivo “discurso pordireitos” para adentrar num dis-curso sobre o poder (informaçãoverbal coletada na palestra deabertura do III Seminário Interna-cional Política e Feminismo,realizado em Belo Horizonte, nodia 15 de outubro de 2009).102 KIRKWOOD, 1985, p. 67,tradução nossa.

103 MENDOZA, 2009, s/n.

105 María Luisa FEMENIAS, 2007.

106 VARGAS, 2003, 2008.107 MATOS, 2009a, 2010.

109 FEMENIAS, 2007, p. 24,tradução nossa, itálicos da autora.

108 FRASER, 2001[1997], 2005.

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CONSTRUÇÕES DO PENSAMENTO FEMINISTA LATINO-AMERICANO

[Recebido em setembro de 2011,reapresentado em março de 2012

e aceito para publicação em maio de 2012]

Constructing a Latin American Feminist Polit ical Thinking: Focusing on Polit ics,Constructing a Latin American Feminist Polit ical Thinking: Focusing on Polit ics,Constructing a Latin American Feminist Polit ical Thinking: Focusing on Polit ics,Constructing a Latin American Feminist Polit ical Thinking: Focusing on Polit ics,Constructing a Latin American Feminist Polit ical Thinking: Focusing on Polit ics,Social Justice and the “Social Justice and the “Social Justice and the “Social Justice and the “Social Justice and the “Third WThird WThird WThird WThird World World World World World Womanomanomanomanoman”””””AbstractAbstractAbstractAbstractAbstract: Discussing a feminist theoretical project from Latin America requires exposing aseries of debates which involves considerations from both post-colonial and post-structuralisttheories. Thus, this article aims at focusing on the theory generated from the “third world”, from acountry (or a set of countries) of the global South, which would open a potential space fordialogue within the production in the mainstream of political knowledge, as well as with theseveral perspectives ded in what we can call Western “feminist political theory”.Key WordsKey WordsKey WordsKey WordsKey Words: Feminist Political Theory; Latin America; Perspective; Third World.