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Estudos Feministas, Florianópolis, 16(2): 440, maio-agosto/2008 333 Teorias de gênero ou teorias e eorias de gênero ou teorias e eorias de gênero ou teorias e eorias de gênero ou teorias e eorias de gênero ou teorias e gênero? Se e como os estudos de gênero? Se e como os estudos de gênero? Se e como os estudos de gênero? Se e como os estudos de gênero? Se e como os estudos de gênero e feministas se gênero e feministas se gênero e feministas se gênero e feministas se gênero e feministas se transformaram em um transformaram em um transformaram em um transformaram em um transformaram em um campo campo campo campo campo novo novo novo novo novo para as ciências para as ciências para as ciências para as ciências para as ciências Copyright 2008 by Revista Estudos Feministas. Marlise Matos Universidade Federal de Minas Gerais Já há algum tempo de minha trajetória acadêmica venho me digladiando com aquilo que algumas autoras designam como “temática” de gênero e feminista. Tenho sido solicitada a definir, apresentar, resumir ou mesmo explicar o “conceito” gênero para alunas/os, colegas, representantes de movimentos sociais, amigas/os, pessoal da mídia e para o público em geral. E reconheço que não tem sido assim tão simples a empreitada. Como se articulam os estudos de gênero, o feminismo e as ciências? Todas as pesquisas e reflexões teóricas que têm gênero no seu escopo são necessariamente feministas? Sobretudo agora em que me encontro coordenadora de duas instituições profundamente vinculadas às discus- Resumo esumo esumo esumo esumo: O esforço deste artigo é delimitar, através de três conjuntos distintos de reflexões, qual seria o estatuto da “temática” e do “conceito” de gênero hoje no contexto acadêmico- universitário brasileiro. Os três conjuntos de reflexões referem-se: 1) a uma colocação em perspectiva do atual estado da arte dos estudos de gênero e feministas na reflexão acadêmica no Brasil; 2) à conseqüente tentativa de explicitação e delimitação teórico-conceitual desses estudos, incluindo nesse âmbito a sua visada, não mais como conceito, ferramenta ou construto analítico, mas como campo novo nas ciências humanas e sociais e mesmo um novo campo epistêmico das ciências; e 3) a discutir implicações e conseqüências que tal iniciativa teria para as ciências, repercutindo algumas contribuições em uma epistemologia propriamente feminista, bem como postular uma ciência com caráter multicultural e emancipatório. Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave: estudos de gênero; estudos feministas; epistemologia feminista.

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Copyright 2008 by RevistaEstudos Feministas.

Marlise MatosUniversidade Federal de Minas Gerais

Já há algum tempo de minha trajetória acadêmicavenho me digladiando com aquilo que algumas autorasdesignam como “temática” de gênero e feminista. Tenhosido solicitada a definir, apresentar, resumir ou mesmoexplicar o “conceito” gênero para alunas/os, colegas,representantes de movimentos sociais, amigas/os, pessoalda mídia e para o público em geral. E reconheço que nãotem sido assim tão simples a empreitada. Como se articulamos estudos de gênero, o feminismo e as ciências? Todas aspesquisas e reflexões teóricas que têm gênero no seu escoposão necessariamente feministas?

Sobretudo agora em que me encontro coordenadorade duas instituições profundamente vinculadas às discus-

RRRRResumoesumoesumoesumoesumo: O esforço deste artigo é delimitar, através de três conjuntos distintos de reflexões,qual seria o estatuto da “temática” e do “conceito” de gênero hoje no contexto acadêmico-universitário brasileiro. Os três conjuntos de reflexões referem-se: 1) a uma colocação emperspectiva do atual estado da arte dos estudos de gênero e feministas na reflexão acadêmicano Brasil; 2) à conseqüente tentativa de explicitação e delimitação teórico-conceitual dessesestudos, incluindo nesse âmbito a sua visada, não mais como conceito, ferramenta ou construtoanalítico, mas como campo novo nas ciências humanas e sociais e mesmo um novo campoepistêmico das ciências; e 3) a discutir implicações e conseqüências que tal iniciativa teriapara as ciências, repercutindo algumas contribuições em uma epistemologia propriamentefeminista, bem como postular uma ciência com caráter multicultural e emancipatório.Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chave: estudos de gênero; estudos feministas; epistemologia feminista.

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sões de gênero – a RedeFem (Rede Brasileira de Estudos ePesquisas Feministas) e o NEPEM (Núcleo de Estudos ePesquisas sobre a Mulher) da UFMG – as perguntas einquietações têm me sido cada vez mais demandadas. Oesforço deste artigo é delimitar, através de três conjuntosdistintos de reflexões, qual seria o estatuto dessa “temática”e do “conceito” hoje no contexto acadêmico-universitáriobrasileiro. Os três conjuntos de reflexões referem-se: 1) a umacolocação em perspectiva do atual estado da arte dosestudos de gênero e feministas na reflexão acadêmica noBrasil; 2) à conseqüente tentativa de explicitação edelimitação teórico-conceitual desses estudos, incluindonesse âmbito a sua visada, não mais como conceito,ferramenta ou construto analítico, mas como campo novonas ciências humanas e sociais e mesmo um novo campoepistêmico das ciências; e 3) a discutir implicações econseqüências que tal iniciativa teria paras as ciências,repercutindo algumas contribuições em uma epistemologiapropriamente feminista, bem como postular uma ciênciacom caráter multicultural e emancipatório.

A partir desses três grupos de reflexões, de âmbitoeminentemente teórico, pretendo estar contribuindo para aconsolidação e, fundamentalmente, para o empodera-mento desse novo campo de saber que tem se descortinadopara as ciências humanas e sociais, mas que tem sidoprofundamente influente em inúmeras outras áreasdisciplinares.

Trata-se, portanto, de revelar minha inquietação como processo de difusão pelo qual passa o conceito (levandopesquisadores ao uso sistemático de abordagens teóricasas mais distintas, e às vezes incompatíveis, acrescidas purae simplesmente do gênero – teorias e gênero); mas, alémdisso, de visar o resgate, dentre uma miríade de opções, deum caráter crítico-reflexivo radical à condição desubordinação, opressão e subalternização das mulheres(evidenciado pela adesão ao que aqui defenderei comocampo de gênero e feminista, onde se articulariam, por suavez, as teorias de gênero), perspectivando, pois, esse campopor um viés emancipatório.

O artigo se organiza, então, com as seguintes partes:no primeiro tópico tematizo a passagem para a adoção do“conceito” de gênero no âmbito do desenvolvimento dosestudos de mulheres e feministas; no segundo proponho quese passe a pensar gênero como campo científico – o campode gênero e feminista – que opera a partir de uma outraversão/re-significação de universal que seria, por sua vez,reposto numa chave histórica e contingente; no ponto três oleitor encontra breve discussão sobre o conhecimentofundamentado historicamente no racionalismo cartesiano-

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TEORIAS DE GÊNERO OU TEORIAS E GÊNERO?

iluminista, foco de intensas, profundas e sistemáticas revisõespelas cientistas feministas; na conclusão, retomo a discussãosobre sujeito e agenciamento/empoderamento das mulheresdecorrente da ampliação desse escopo epistêmico parasua afirmação, partindo-se, então, de um paradigmacientífico a uma só vez complexo, multicultural eemancipatório que resgata dimensões abertas, plurais emultidimensionais do conhecimento e da cognição.

IIIII

Durante anos, séculos, as mulheres estiveramexcluídas da possibilidade de fazer ciência e de contribuirpara a produção de conhecimento científico e/ou filosófico.As religiões, e depois as próprias organizações científicas,se incumbiram dessa opressão. Robin Schott, ao discutir asorigens ascético-religiosas da universidade e realizandoaposta numa linha possível (e pensável) de continuidadeentre o conhecimento religioso e científico, afirma:

Na Alemanha, por exemplo, erudição e pesquisaocorreram inteiramente no seio do sistema universitário,que se achava profundamente enraizado na vidaeclesiástica. Como as universidades surgiramliteralmente da Igreja, as mulheres foram tambémexcluídas dessas novas instituições, assim comohaviam sido excluídas da pregação evangélica. Aconcepção leiga de razão pura e conhecimentodesinteressado que surgiu nesse contexto reflete ocompromisso ascético cristão em purificar a alma dapoluição do corpo e excluir as mulheres do caminhoda razão pura.1

Tal conexão não casual ou banal entre religiãoascética e conhecimento universitário fez com que, tanto afilosofia quanto a ciência modernas, se empenhassem emexcluir mulheres da busca pela verdade, já que asimpediam sistematicamente de estudar, assim como asimpediam de receber instrução profissional, revelandotendenciosidade androcêntrica que nos tomou séculos paradesconstruir e sobre a qual seria difícil afirmar estar jásuperada. Os movimentos organizados de mulheres, edepois os movimentos feministas de todos os matizes,inauguraram no alvorecer do século XX grandes viradas,inclusive no escopo do próprio modo de se perceber oconhecimento.

Após arrombarem as portas do saber acadêmico euniversitário ao longo dos séculos XVIII e XIX, foi no alvorecerdo século XX, especialmente entre os anos 30 e 70, quesurgiram grupos de acadêmicas que problematizaram aprodução do conhecimento a partir de um viés crítico,

1 SCHOTT, 1996, p. 109.

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gerando os estudos feministas (feminist studies) ou os estudosde mulheres (women studies). Após consolidarem arenasconsistentes de debate científico, tendo realizado toda sortede inflexões em vários campos disciplinares, partindo dascríticas aos vieses androcêntricos encontrados nessescampos, os questionando fortemente, assim como também,algumas delas, voltando-se para a crítica consistente ao“fetichismo da objetividade”,2 as mulheres feministas nocampo acadêmico visaram ampliar, nas ciências humanase sociais, o escopo das reflexões para adotar uma novaproposta teórico-conceitual: os estudos de gênero.

É certo e já estabelecido que gênero, como umconceito, surgiu em meados dos anos 703 e disseminou-seinstantaneamente nas ciências a partir dos anos 80. Talreformulação surgiu com o intuito de distinguir e separar osexo – categoria analítica marcada pela biologia e poruma abordagem essencializante da natureza ancorada nobiológico – do gênero, dimensão esta que enfatiza traçosde construção histórica, social e sobretudo política queimplicaria análise relacional. Enquanto proposta de umsistema de classificação, a “categoria” gênero, em sua formamais difusa e difundida, tem sido acionada quase semprede forma binária (raramente em formato também tripartite)para se referir à lógica das diferenças entre: feminino emasculino, homens e mulheres e, também, entre a homo e aheterossexualidade, penetrando já aí neste segundo eixofundamental deste novo campo que é a fronteira dasexualidade. Adiante tematizo criticamente e de formaespecífica as dicotomias e binarismos na colocação emperspectiva de um “campo de gênero”.

Sabemos que esses sentidos vêem sendo contestadose discutidos pela tradição de pensamento feminista namodernidade tardia que, inclusive, como nos salientaAdriana Piscitelli, teria pretendido, com a adoção doconceito, tornar “possível desestabilizar as tradições depensamento”.4 Entre essas desestabilizações está aquelaque me parece a mais relevante: a desconstrução debinarismos estéreis que facultam lugares fixos e naturalizadospara os gêneros.5 Através de significados e re-significaçõesproduzidos e compartilhados na nova perspectiva analíticae que transversalizam dimensões de classe, etárias, raciaise sexuais, gênero tem tido o papel fundamental nas ciênciashumanas de denunciar e desmascarar ainda as estruturasmodernas de muita opressão colonial, econômica,geracional, racista e sexista, que operam há séculos emespacialidades (espaço) e temporalidades (tempo) distintasde realidade e condição humanas.

Pretensioso, o “conceito” de gênero foi aos poucossendo incorporado por afiliações teóricas nas ciências

2 SCHOTT, 1996; e Célia AMORÓS,1997.

3 Gayle RUBIN, 1975; e JoanSCOTT, 1986.

4 PISCITELLI, 2002, p. 7.

5 Teresa DE LAURETIS, 1986; eGuacira Lopes LOURO, 1997.

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TEORIAS DE GÊNERO OU TEORIAS E GÊNERO?

humanas e sociais (e mesmo fora delas). Algumas dessasteorias o abordam como um conceito útil e até iluminadorde questões, mas não o tendo como um elemento centralde suas considerações – tais afiliações teóricas estariamoperando com “teorias e gênero” –, e outras, bem maiscoerentes a meu ver, o absorvem substantivamente, fazendo-o ocupar sempre uma posição de pivô e de destaque –estas seriam o que definimos aqui por “teorias de gênero”com um viés feminista.

Sabemos que o pensamento feminista não se constituiem um corpus unificado de conhecimento, e sabemosigualmente que o construto gênero foi apropriado das formasas mais distintas pelas inúmeras áreas disciplinares e suasteorias, mas é fundamental salientar que, sendo essaaproximação mais superficial ou mais substantiva, todosdeveriam partir de um ponto comum que seria o dasubordinação da mulher ao homem, para entender eexplicitar, relacionalmente, as muitas vicissitudes de comotais relações de dominação e opressão são elaboradassocialmente. O conceito também abriu espaço analíticopara se questionar as próprias categorias de homem e demasculino, bem como de mulher e de feminino, quepassaram a ser fruto de intenso processo de desconstrução.

No mesmo compasso dos avanços empreendidospelo movimento feminista, numa primeira visada e tentandosubstituir a categoria analítica dos “estudos de mulher” ouos “estudos feministas”, gênero pretendia tornar explícita talsubordinação feminina e acompanhar o movimento nosentido da busca da igualdade no exercício dos direitos edas oportunidades, mas destacando a importância docontrapeso relacional de tais interações dinâmicas:incluindo na visada o ponto de vista do(s) masculino(s), bemcomo outros pontos de vista que não fossem definíveis pelobinarismo estrito entre masculinidades e feminilidades oumesmo entre homem e mulher.

Questionando toda sorte de fundamentações dasdesigualdades (econômicas, políticas, sociais, culturais,biológicas, históricas, demográficas, psicológicas etc.), sepor um lado gênero tornava mais inclusiva a discussão, poroutro, já e desde o momento inicial, parte importante dofeminismo, inclusive aqui no Brasil,6 veio a criticar o potencialpoliticamente desmobilizador do conceito, alertando-nospara a possibilidade da fragmentação e desempodera-mento feminino que poderia provocar. O risco antevisto seriao de se perder de vista a situação política de opressãovivida pelas mulheres, em prol de uma multiplicação dasdiferenças de gênero, o que poderia comprometer umaagenda tida como propriamente feminista.

6 Heleieth SAFFIOTI, 1993.

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O grande esforço da primeira onda do feminismo foio de questionar, refletir, procurando desconstruir inúmerasformas de instituições e relações patriarcais no seio das quaisse mantinham e se reproduziam estratégias de dominaçãomasculina; isso se dando na arena da luta pelo sufrágiouniversal. Ou seja, tratou-se de uma batalha pela afirmaçãoda condição fundamental e democrática da igualdadepolítica entre os sexos (articulada evidentemente à dimensãouniversal). Em que pese a importância desse debate (vamosinclusive retomá-lo aqui), infelizmente o que acaba por‘restar’ para o senso comum e mais rasteiro desse primeiro ecorajoso movimento foi a sua própria descaracterização,em que o feminismo passou a ser equiparado pelas ‘forçashegemônicas’ que o pretendiam deslegitimar com váriascategorias degradantes ao ser mulher: “mal amadas”,“infelizes”, “mal-cheirosas”, “feias” and so on...

O “conceito” de gênero será, teoricamente, o divisorde águas para uma outra fase distinta desta primeira, eanunciador, de certa forma (ainda que do ponto de vistatemporal tenha sido tardiamente acionado), de umasegunda onda do próprio feminismo, em que se passou avalorizar significativamente mais o diferencialismo e aafirmação política das diferenças (identitárias substan-tivamente, mas não apenas elas) do que propriamente aigualdade e o igualitarismo. Nessa segunda onda o queestava em jogo era a diversidade ou as “diferenças dentroda diferença”.7

Nessa afirmação diferencialista emergiram correntesinclusive antifeministas, prenunciando os ‘perigos’ jáexplicitados. Importa salientar que boa parte dos anos 80 e90 foi marcada por inúmeras manifestações que poderíamosdesignar como sendo pós-feministas ou até não-feministas(ou de recuo do feminismo), apresentando-nos um novoquadro institucional e político que se caracterizou por: 1)forte dissociação entre pensamento feminista e movimento;2) ‘profissionalização’ do(s) movimento(s), com o surgimentoe proliferação das ONGs voltadas para mulheres e tambéma formação de ‘redes’ feministas ou não. Segundo Celi Pinto,“enquanto o pensamento feminista se generaliza, omovimento, por meio das ONGs, se especializa”.8

O que eu gostaria muito de destacar aqui é que tal‘generalização’, atribuível ao avançar de consideraçõesque passaram a se dar a despeito mesmo do pensamentofeminista, é que possuiria um débito inconteste com a“categoria” de gênero. Cabe-nos, e este será o intuito desteartigo, tomar uma posição de enfrentamento crítico aformulações que se dêem na chave do descarte do viéscrítico feminista. Ainda que passível de re-interpretações nãofeministas, o “conceito” de gênero deve e será retomado

7 Antônio Flávio PIERUCCI, 1999.

8 PINTO, 2003, p. 91.

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TEORIAS DE GÊNERO OU TEORIAS E GÊNERO?

aqui numa perspectiva emancipatória (e, portanto,feminista) para as mulheres e até mesmo para as ciências.

Dessa forma, se por um lado o completo desempode-ramento institucional do movimento, anunciado pela amea-ça da expansão dos “estudos de gênero”, não se confirmoucompletamente (já que a ‘onguização’ do movimento foium caminho adotado por inúmeras outras experiênciasdentre os mais diferenciados e “novos movimentos sociais”),9

a expansão e divulgação maciça desses novos “estudos”(podendo ser agora acionados sem, necessariamente, aadesão valorativa ao viés de sua articulação feminista oumesmo feminina)10 atravessou fronteiras disciplinares deforma verdadeiramente surpreendente, conformando-se àexperiência (para muitos incômoda e inconveniente) de umtipo de “feminismo difuso”11 que foi capaz de fazer com quedemandas fossem incorporadas, desta vez, por largasparcelas dos discursos e propostas sociais, políticas e atéeconômicas na atualidade (inclusive no âmbito do próprioEstado e também na sociedade civil).

Críticas e avanços posteriores só vieram a sinalizar aprofunda polifonia e a enorme riqueza embutida nessaarena de debates. Muito mais do que um terreno definitivo econsolidado de construção epistemológica, as reflexões arespeito dos “estudos de gênero” têm funcionado como umeixo aglutinador de intensa movimentação teórico-empí-rica, tendo suscitado, inclusive de outras tradições discipli-nares (tais como a demografia, a estatística, a químicaetc.) menos ‘light’ do que o campo já estabelecido dasciências sociais (de onde o conceito emergiu inicialmente),como já sinalizamos, muito espaço crítico e reflexivo.

Mais recentemente o que evidenciamos é o novocampo de gênero na medida em que bem acionado earticulado, colocar em xeque a univocidade de sentido dosbinarismos de toda ordem – e não apenas aquele entremasculino e feminino – e dessa forma expandir imensamenteseu potencial analítico, tornando possível sua incorporaçãoem áreas que durante séculos foram impermeáveis a críticasnesse sentido. Obviamente que não pretendo descrever ummundo róseo do bem-sucedido avanço feminista. Muitoainda se encontra por fazer, mas é inegável que também osresultados da adoção de gênero como instrumento analíticoe empírico se encontram consolidados e em áreasimprevisíveis tais como a física, a teologia, a economia, aeducação física, o direito, a política etc.

I II II II II I

Sabemos que o gênero, enquanto um conceito,atravessou bem os percalços do caminho indicado acima.

9 Evelina DAGNINO, 1994; e IlseSCHEREN-WARREN, 2004.

10 Inclusive é digno de nota que,no Brasil, houve um aumento rele-vante de pesquisadores masculi-nos sobre a temática quandogênero passa a ser difundido.11 Segundo Céli Pinto, “esse femi-nismo difuso não tem militantesnem organizações e muitas vezesé defendido por homens e mulhe-res que não se identificam comofeministas. Também não se apre-senta como um rol articulado dedemandas e posturas em relaçãoà vida privada e pública. Por serfragmentado e não supor uma‘doutrina’, é um discurso que tran-sita nas mais diferentes arenas eaparece tanto quanto silencia ocontador de anedota sexistacomo quando o programa de umcandidato à Presidência daRepública se preocupa compolíticas públicas de proteção aosdireitos das mulheres” (PINTO,2003, p. 93).

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Cabe-me agora refletir a partir, especificamente, de suaimportância para as discussões teóricas no campo dasciências humanas, sobre a que ponto chegamos neste jálongo percurso.

Parece-me bastante razoável supor que, enquantoinstrumento de construção teórico-analítica, gênero já seencontra, nos dias atuais, em situação bastante privilegia-da. Acredito ser esse o caso também para nós aqui no Brasil,em que a temática, nas discussões acadêmicas (mas nãoapenas nelas), se encontra suficientemente reconhecida edestacada. Ainda que sejam perceptíveis usos diferencia-dos do conceito e entradas teórico-metodológicas múltiplas,teorias que se intitulam efetivamente “de” gênero e teoriasque flertam ou apenas se aproximam dessas discussões(teorias “e” gênero), como já apresentado, conformam volu-me substantivo de estudos numa condição crítico-reflexivamadura.

Pensar na possibilidade de postular gênero comoalgo da ordem de um campo legítimo e legitimado deconhecimento nas ciências humanas e sociais é o propósitoda discussão a seguir, embora essa posição não sejainteiramente nova. Lia Machado já salientava esse aspectoao comentar que

Quer se identifiquem ou não como feministas:historiadoras, sociólogas e antropólogas, assim comoliteratas, psicanalistas, psicólogas, e filósofas que, aoprivilegiarem essa temática, se reconhecem emalguma medida presentes neste “campo”, entendemque os movimentos sociais de liberação das mulheresintroduziram novas perspectivas e novas interrogaçõesaos diferentes saberes disciplinares e à ciência, àepistemologia e à filosofia enquanto tais. Reivindicam,portanto, um caráter inovador face à tradição dossaberes disciplinares.12

Vamos lançar mão de uma parte importante dadiscussão de Pierre Bourdieu para aqui definirmos os estudosde gênero como um campo legitimado de saber científico.Esse autor compreende que os atores sociais estão inseridosespacialmente em determinados campos sociais, e a possede grandezas de certos capitais (cultural, social, econômico,político, artístico, esportivo etc.) e o habitus13 de cada atorseriam o que condicionaria seu posicionamento, sua marcaespecífica nessa espacialidade e, em última instância, naluta social. Bourdieu afirma que para o ator/atriz social tentarocupar espaço é necessário que ele/a conheça as regrasdo jogo dentro do campo social e que esteja disposto alutar (a jogar).

O campo científico é entendido como o espaço dejogo de uma luta concorrencial pela busca do monopólio

12 MACHADO, 1994, p. 2.13 Conceito de habitus paraBourdieu: “sistemas de posiçõesduráveis, estruturas estruturadaspredispostas a funcionar comoestruturas estruturantes, quer dizer,enquanto princípio de geração ede estruturação de práticas e derepresentações que podem serobjetivamente ‘reguladas’ e‘regulares’, sem que, por isso,sejam o produto da obediência aregras, objetivamente adaptadasa seu objetivo sem supor a visadaconsciente dos fins e o domínioexpresso das operações neces-sárias para atingi-las e, por seremtudo isso, coletivamente orquestra-das sem serem o produto da açãocombinada de um maestro”(BOURDIEU citado por SergioMICELI, 1987, p. XL); “[...] sistemade disposições duráveis etransferíveis que, integrandotodas as experiências passadas,funciona a cada momento comouma matriz de percepções,apreciações e ações, e tornapossível a realização de tarefasinfinitamente diferenciadas,graças às transferênciasanalógicas de esquemas quepermitem resolver os problemasda mesma forma e graças àscorreções incessantes dosresultados obtidos, dialeticamenteproduzidas por estes resultados”(BOURDIEU citado por SergioMICELI, 1987, p. XLI).

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TEORIAS DE GÊNERO OU TEORIAS E GÊNERO?

da autoridade científica, sendo esta o resultado da somada capacidade técnica e do poder social. Pode tambémser definido como o espaço onde se busca o monopólio dacompetência científica, entendida como a capacidade defalar e agir legitimamente, de maneira autorizada e comautoridade, socialmente outorgada a um agentedeterminado.14

Para meus propósitos, justamente a tensão entregênero e feminismo é o aspecto que recorta a especificidadeque estou considerando como um novo campo das ciências.Pesquisadoras e também pesquisadores, sejam ‘militantes’ou ‘ortodoxos’, foram os atores responsáveis por construir a‘autonomia relativa’ desse novo campo intelectual em tornode algum consenso mínimo que irei explorar a seguir.

A noção de “campo” de Pierre Bourdieu é um instru-mental importante de análise dos mais diversos sistemassociais que têm a peculiaridade de fazer interagir aschamadas estruturas da sociedade (objetividade) e a suadimensão pessoal/psicológica (subjetividade) dos agentessociais. Ele acaba por se prestar à análise de muitas arenas,desde que dispostas dinamicamente em função deobjetivos próprios (conseqüentemente com estratégiaspróprias) e dotadas de certo grau de autonomia. Quandome refiro aqui ao gênero como um campo já legitimado dediscussão científica, estou pressupondo a existência deregras e padrões gerais que informariam consensualmentetal campo.

Assim como parece ser importante para PierreBourdieu15 não trabalhar com algo que possamos identificarcomo sendo “normas universais”, quando estou tentandorecolocar os estudos de gênero no lugar específico de umcampo das ciências humanas e sociais, o faço pensandoque tais normas seriam para sempre historicizáveis. Ou seja,acredito na existência desse campo dos estudos de gênero,mas o mesmo sendo marcado por um conjunto nem sempreunificado de agentes que têm buscado satisfazer seusinteresses particulares de investigação (sejam teóricos, sejamempíricos), e seria justamente na processualidade dessabusca que estaríamos contribuindo (ainda que não opretendamos fazer de forma totalmente consciente) paraproduzir esta que eu designaria por uma espécierelativamente distinta de universal histórico ou contingente.Recorro aqui às próprias palavras de Bourdieu:

[...] em determinados campos, num determinadomomento e por um tempo (ou seja de maneira nãoirreversível), há agentes que têm interesses no universal.Creio que é preciso levar o historicismo ao limitemáximo, por uma espécie de dúvida radical, paraver o que realmente pode ser salvo. Pode-se, é claro,

14 Ver Renato ORTIZ e FlorestanFERNANDES, 1983.

15 BOURDIEU, 1986.

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adotar logo de início a razão universal. Mas creio quevale mais colocá-la em jogo também, aceitar decidi-damente que a razão seja um produto histórico cujaexistência e persistência são produtos de um tipodeterminado de condições históricas, e determinarhistoricamente o que são essas condições. Há umahistória da razão; isso não quer dizer que a razão sereduza à sua história, mas que existem condiçõeshistóricas para o surgimento das formas sociais decomunicação que tornam possível a produção daverdade. A verdade é um jogo de lutas em todo ocampo.16

É exatamente nesse sentido historicizável econtingente que venho postular os estudos de gênero comoum campo científico novo, nas e para as ciências. Contudo,trata-se também de afirmar uma forma de entendimento daciência, em si mesma, como sendo, a um só tempo, discursosobre a verdade e autorização científica, vistos a partir deperspectiva radicalmente crítica e reflexiva, na direçãomulticultural em um escopo emancipatório. Acredito quetenhamos acumulado quantidade suficientemente vasta desaber nesse novo campo multicultural científico e, além domais, a metodologia hegemônica adotada por esses novosestudos (sobretudo através das técnicas da desconstruçãopós-estruturalista e da reconstrução do sujeito para tornarpossível vir à tona a atuação e o papel fundamental demulheres e outras ‘minorias’ de gênero na construção danossa própria história) justifica a tentativa nesse sentido.

Se a “verdade é um jogo de lutas em todo o campo”,os estudos de gênero com viés feminista, ao desmontaremparte substantiva da epistemologia ocidental, descentrandoa razão universal que historicamente teria sido um produtoda dominação do gênero masculino, já conquistaramterreno legítimo no conhecimento. Uma perspectiva multicul-tural realmente emancipatória de ciência é aquilo que seestá tentando re-construir por agora. Nesse sentido, queroafirmar que é a consciência crítica feminista, uma formapeculiar de existência reflexiva do ser (não apenas, mas,também, da mulher), que veio a produzir um entre outros re-arranjos, re-interpretações, re-significações do campo degênero de forma a alocá-lo na dimensão paradoxal derepor igualdade e diferença na simultaneidade e nacomplexidade. Explico-me.

Creio que agora, no alvorecer do século XXI, nãohaja mais dúvida sobre a necessidade de resgate de certaunidade temática subjacente à diversidade disciplinar,metodológica e ideológica dos estudos que são realizadossobre a rubrica de gênero. Essa unidade, contudo, precisasempre ser resgatada em seu caráter subversivo de

16 BOURDIEU, 1986, p. 45-46.

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contestação (radical ou parcial) de concepções deconhecimento e realidade/experiência que dominaram atradição intelectual do Ocidente, pelo menos desde o séculoXVII. Essa tradição sempre se fez acompanhar por ontologiascaracteristicamente dualistas e binarizantes (comjulgamentos hierárquicos de valor para os pólos de opostos)que visavam separar nitidamente o universal do particular,a cultura da natureza, a mente do corpo e a razão daemoção, o masculino do feminino, a igualdade dadiferença, para citarmos apenas aquelas mais centrais.17

Além do mais, tal epistemologia se baseou em posiçõesagonísticas resumidas nas escolhas infelizes entre o “ou isso”e o “ou aquilo”, sendo impossível postular uma experiênciacomplexa de simultaneidade e concomitância. Certamente,tudo o que estou definindo como o campo de gênero efeminista é que pode nos facilitar a apreensão da realidade(seja coletiva ou individual) em termos de nova lógica e denova epistemologia que se acena fertilmente complexaainda que paradoxal. Esta outra epistemo-lógica deve sercompreendida agora na chave do multiculturalismo críticoe emancipatório que visa resgatar raízes que permitamdesmontar o conhecimento produzido na exclusividade daschaves ocidentais, anglo-européias, patriarcais, brancas,heteronormativas e masculinas em prol de uma afirmaçãopluralista de ciências.

Joan Scott, em texto recente,18 nos afirma que há umarelação lógica paradoxal entre “igualdade” e “diferença”,“identidade individual” e “identidade coletiva”. Nessesentido, estou propondo o seu conjunto de paradoxos comoum “núcleo duro”, por assim dizer, deste campo novo degênero e feminista. Nas palavras da autora:

1. A igualdade é um princípio absoluto eeeee umaprática historicamente contingente.

2. Identidades de grupo definem indivíduos eeeeerenegam a expressão ou percepção plena desua individualidade.

3. Reivindicações de igualdade envolvem aaceitação eeeee a rejeição da identidade de grupoatribuída pela discriminação. Ou, em outraspalavras: os termos de exclusão sobre os quaisessa discriminação está amparada são aomesmo tempo negados e reproduzidos nasdemandas pela inclusão.19

Ou seja, pensar simultaneamente, através dessesparadoxos, significa repor constantemente o lugar da novaforma de apreensão do universal/universalismo: histórica,multicultural, emancipatória e contingentemente é que sepretende que qualquer afirmação dos eixos temáticos desses

17 Alisson JAGGAR e Susan BORDO,1997.

18 SCOTT, 2005.

19 SCOTT, 2005, p. 4, negritos daautora.

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paradoxos nunca seja ou possa vir a ser definitivamente‘resolvida’. Trata-se de uma forma de pensar o universal emconstante e inacabado movimento, onde seria, justamente,a tensão entre os eixos o que os movimentaria.

Nesse sentido, seja pela tentativa da criação deteorias especificamente de gênero ou mesmo pelaaproximação da temática de gênero de outras ancoragensteóricas, o efeito foi fundamentalmente o mesmo: oempoderamento recente e crescente de que o sistemaclássico cartesiano e instrumental de racionalidade éinadequado, obsoleto e até auto-ilusório, devendo, portanto,ser revisto. O campo de gênero tem se dedicado fertilmentea essa árdua tarefa. Mesmo a ciência moderna, em algumaperspectiva, visou recuperar elementos das tradições deconhecimento não-ocidentais. Algo da ordem de um“empréstimo científico” (scientific borrowing, nos termos deSandra Harding),20 ou de um intenso processo de trocas,sempre fez parte do discurso científico moderno.

Temos já consolidadas nas discussões de gênero efeministas algumas das alternativas mais substantivas àsabordagens tradicionais sobre o conhecimento, que nostornaram capaz de dar o salto qualitativo adiante. Seja peloviés do historicismo marxista, seja pelas teorias psicanalíticas,pelas teorias desconstrucionistas, por novas interpretaçõesdo pragmatismo e das discussões sobre o tema daperformance, ou mesmo através de um novo canône literário,através das incursões recentes da antropologia e dasociologia do conhecimento, já emerge nova concepçãode conhecimento e de sujeito conhecedor que, ainda sendoindivíduo historicamente particular, é também agente social,coletivo e político corporificado, “interessado, emocional eracional e cujo corpo, interesses, emoções e razões sãofundamentalmente constituídos por seu contexto históricoparticular”.21

As formas antigas e modernas de dualismos ebinarismos serviram bem ao propósito de justificar, e até dereproduzir, relações de dominação, opressão e exploração(de gênero e muitas outras): marcas sensíveis e facilmenteidentificáveis no sentido da subordinação das mulheres,mas não apenas delas. O que se coloca de novo pela pautadesse campo recentemente forjado pelos estudos de gêneroe feministas é a questão da diversidade e do pluralismonuma visada complexa e paradoxal, por imediata oposiçãoaos binarismos de todas as ordens. Ser o que se é e aomesmo tempo não sê-lo – enquanto um construto ou umprojeto, assim como as identidades de gênero, o campo degênero nunca adere definitivamente às caracterizaçõessocialmente construídas, mas também não escapadefinitivamente delas; relaciona-se com elas. No nível

20 HARDING, 1998, p. 348.

21 JAGGAR e BORDO, 1997, p. 13.

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individual assim como no coletivo, as identidades são, aum só tempo e complexamente, emancipatórias e passíveisde ontologização e reificação; são constitutivas dos sujeitosao mesmo tempo em que elas se constituem através e porintermédio deles, ou seja, são projetos inconstantes e emaberto.

Seja no plano da afirmação de um movimento delibertação para as mulheres, seja no plano da discussãoepistemológica ou científica, o campo de gênero e feministaadicionou a gota que faltava para derramar do copo:identidades sob alguma rubrica unificadora, como pontosde partida, são projetos colonizadores da radicalidadeinexaurível do ser, do sujeito (que não pode ter morrido, poisainda nem sequer nasceu para a radicalidade da suaemancipação); são re-significações e re-inscrições que estãopermanentemente abertas, porosas, complexas, paradoxais.

Se o campo científico “é um jogo em que é precisomunir-se de razão para ganhar”22 e se hoje podemos afirmara existência de uma ‘política da verdade’, isso só foi possívelgraças aos esforços de milhares de mulheres (e de algunspoucos, mas honrosos homens) e de outros/as cientistas deorigens não ocidentais e não hegemônicas que vêmcontribuindo teórica e/ou empiricamente para instaurarrealmente ‘essa dúvida’ e a permanente ‘tensão’ no cernedessa epistemologia ocidental. Pretende-se estabelecer apossibilidade de antever a epistemologia, desta vez,multicultural. O novo campo de gênero é um dos exemplospossíveis que vêm destacar a existência crítico-reflexiva denovos atores/agentes que podem (e estão) re-significando ocampo científico mais geral.

Sabemos que o campo de gênero e feminista temcontribuído sistematicamente para isso, sua ação sendo, atodo instante, uma tentativa de defesa, afirmação,legitimação e aprimoramento dos muitos outros universossociais onde são exercidos os princípios de outraracionalidade com pretensões a tipos históricos de universale de onde se gera a verdade sob as condições de tensão ede crítica contumaz ao universalismo pregresso, aquele queestá/esteve a serviço do colonialismo, do imperialismo, dadominação, da exclusão e da opressão.

O campo dos estudos de gênero tem nos reveladoque o que se tem tomado como sendo característica douniversal, nas ciências de uma forma geral, é “umapropriedade paroquial da cultura dominante, e que a‘universalidade’ é indissociável da expansão colonialista”.23

O pensamento e a ciência como corolário deste sãoatividades/ações sobre o mundo e enquanto tais podempostular emancipatoriamente outros universais que, por suavez, não tenham a postura colonialista. Ou seja, cabe-nos o

22 BOURDIEU, 1986, p. 46.

23 Judith BUTLER, 2003, p. 21.

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desafio da proposição concreta de repensar a universali-dade em termos de um ato constitutivo, construtivo e sempretenso de tradução multicultural muito mais do que detradição, dominação ou colonização. A isso tem sededicado parte substantiva – direta ou indiretamente – dosestudos sob a rubrica de gênero.

Uma comunidade científica, no sentido kuhniano(numa crítica nossa a este autor), enquanto uma organiza-ção social distinta, não necessita ser exclusivamenteformada pelos atores hegemônicos da ciência ocidental, asaber: homens, brancos, heterossexuais e anglo-europeus.Produções de conhecimento não-ocidentais não precisamser, automaticamente, caracterizadas como “não-científicas” ou mesmo “primitivas” e podem ser reconhecidascomo fontes ricas de informações e saberes.

Trata-se, pois, de um profundo reordenamento decunho não apenas teórico-político, mas, e inclusive,epistemológico, filosófico e científico na direção da propostade uma ciência que possa estar embasada na perspectivade um universal poroso, aberto, multicultural e contingente.Pretendo discutir tal virada no tópico a seguir.

I I II I II I II I II I I

Do primeiro e do segundo conjunto de debatessugeridos emergem a constatação e a crítica feministas deque as concepções mentalistas, representacionistas,racionalistas e cartesianas ocidentais que orienta(ra)m oconhecimento (sobretudo o científico) e que dominaram atradição do Ocidente, desde pelo menos o século XVII,seriam inadequadas, tendenciosas e profundamente androe etnocêntricas. A emergência de algo da ordem de uma“epistemologia feminista” concentra seu poder de fogo sobreas tradições racionais binarizantes e hierarquizantes,contrapondo-as ao reconhecimento dos processosrelacionais emergentes da simultaneidade, complexidade,multiplicidade, pluralismo e diversidade. Ou seja, aepistemologia feminista parece ter sido uma das primeirasformas de produção de conhecimento científico quecolocaram em xeque a posição hegemônica doconhecimento produzido na chave burguesa e ocidental.

Foi também com a ajuda das críticas feministas quese passou à tentativa (ainda bem recente) de repor afundamentação da racionalidade (e também – é importanteque se mencione – a afirmação da existência de uma outraesfera pública, diferente da liberal, reinventada e alternativa,justamente na pluralidade e na multidimensionalidade) emoutros patamares diferentes ao do modelo cartesiano, liberal,ocidental e representacional clássico – hegemônico – que

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resumidamente enfocaria os seguintes pontos:24 a) ênfasesobre um “realismo metafísico”, definindo que a realidadepossui uma estrutura objetiva, independente e não afetadapela compreensão humana ou suas tentativas de significa-ção que podem ser captadas; b) sobre o “objetivismo”, ondea estrutura da realidade é, em princípio, acessível àcompreensão e ao entendimento humanos; c) sobre umaperspectiva de “individualismo epistemológico e metodo-lógico”, através do quais os seres humanos empreendem atarefa de obter conhecimento sobre o mundo comoindivíduos solitários e não eminentemente como membrossocialmente constituídos de grupos historicamente mutantes;d) ênfase num “viés racionalista”, que enfatiza que aprincipal faculdade humana para adquirir conhecimentosobre a realidade é a razão (racionalismo), algumas vezestrabalhando conjuntamente com certos sentidos (empirismo);e) prioridade da “neutralidade axiomática” das ciências, arazão e a sensação tidas como funcionando de formauniversal e independe da cultura, da classe, da raça, dogênero etc., em que as diferentes situações e contingênciasnão seriam formas alternativas de visão sobre a realidade,mas impedimentos a uma visão hegemônica que superva-loriza a perspectiva “neutra” e “objetiva” das coisas; f) aabordagem no “fundamentalismo”, referindo-se à formasistemática como deveria ser constituído o conhecimento,através dos componentes mais simples, considerados certos,fixos e indubitáveis, até os mais complexos.

Em estratégia diametralmente oposta, maspreservando a capacidade (e mesmo a necessidade) doconhecimento e da ciência, desta vez numa visada multicul-tural emancipatória, parte do feminismo contemporâneo sededicou à árdua (e ainda pouco reconhecida) tarefa derevisar tal perspectiva epistêmica, na expectativa defundamentar e difundir outra. Baseada, como visto, sobreuma ótica da centralização, de regularidade/previsi-bilidade e de certezas, a epistemologia moderna ocidentalvem sendo criticada (até mesmo por correntes distantes dofeminismo, tais como os teóricos da complexidade, as teoriasdo caos na física quântica etc.) a favor de uma versãocientífica que prioriza a ótica da diferença, de alternativas,de flutuações, de descentralizações e incertezas que, porsua vez, se configuram através de aspectos construtivos eprocessos de abertura e mudanças.

A epistemologia feminista vem procurando repor nocerne da discussão epistemológica contemporânea que aciência construída nos moldes ocidentais seria mais um dosmuitos discursos possíveis sobre a verdade/realidade, queseria (assim como todos os outros) um processo construtor dee construído por processos sociais, eminentemente. É assim

24 JAGGAR e BORDO, 1997, p. 9.

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que “o grau que uma forma de compreensão prevalece ouse sustenta no tempo não depende exclusivamente davalidade empírica da perspectiva em questão, mas tambémde um conjunto de processos sociais que incorporam acomunicação, a negociação, o conflito, a retórica25 e asmarcas de gênero”.26 Se temos dificuldades ainda emadmitir que a ciência hegemônica, liberal e ocidental é‘enviesada’ em vários aspectos e dimensões, parece-memais fácil pelo menos reconhecer que “não apenas osbenefícios e custos das ciências modernas são distribuídosdesproporcionalmente de forma a beneficiar as elites noOcidente e de outros lugares, as próprias práticas científicassendo efetivamente distorcidas para fazer esta distribuiçãodesigual invisível por aqueles que se beneficiam dela”.27

Dessa forma, o feminismo acrescenta criticamente aosaber e à racionalidade científicas, diretamente de encontroà afirmação ocidental de um contexto homogêneo, estávelou plano unidimensional baseado na univocidade desentidos (uma palavra, um significado) e de relações duaisde racionalidade, a concentração e a valorização crítica,multicultural, emancipatória e reflexiva de configuraçõestransversais e multidimensionais dos saberes que, ainda quenão desconsiderem por completo as polarizações dicotômi-cas, dialéticas ou antinômicas, as recoloca num plano dedensidades diversas (inclusive contraditórias) e complexas.É assim que muitas das distinções tradicionais (sujeito-objeto,ciência-filosofia, masculino-feminino, razão-emoção,cultura-natureza, público-privado, homem-mulher, entreoutras) passam a ser construções sociais levadas a cabopor um tipo específico de sociedade científico-culturalhistoricamente datada que precisa urgentemente serinterrogada e, eventualmente, questionada.

É assim que passa a se tornar possível que diferentessistemas de conhecimento que correspondam a origenshistóricas diferenciadas venham a se afirmar (inclusiveaqueles não ocidentais e não masculinos) como camposcientíficos complexos. Em oposição crítica à ordem, aoprocesso de organização/socialização da cultura e dalinearidade novas revisões científicas,28 inclusive de cientistasfeministas,29 propuseram renovar a ênfase sobre umaconsciência crescente do papel construtivo da desordem,da auto-organização, da incerteza e da não-lineraridade.Está em construção um conjunto sistematizado de teoriasque visam explorar, por exemplo, o tema de que o caospode conduzir à ordem; revisões de novos estados da matériaque emergem em estados bem distanciados do equilíbrio;e até mesmo a ordem passa a ser conceitualizada não comouma condição totalizadora, mas como “duplicação desimetrias que permitem assimetrias e imprevisibilidades”.30

25 Mary GERGEN, 1988, citada porDora SCHNITMAN, 1996, p. 11,itálicos meus.26 Mary GERGEN, 1988; SandraHARDING, 1986; e Evelyn KELLER,1985, citadas por SCHNITMAN,1996, p. 11, itálicos meus.

27 HARDING, 1986, p. 356,tradução minha.

28 Tomas KUHN, 1970; RichardBERNSTEIN, 1988; Ilya PRIGOGINEe Isabelle STENGERS, 1979; BrunoLATOUR, 1987; Gilles DELEUZE eFélix GUATTARI, 1991; e EdgardMORIN, 1977, 1985, 1987 e1991.29 GERGEN, 1988; HARDING,1986; e KELLER, 1985.

30 Benoit MANDELBROT, 1983.

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Dessa forma, a ‘nova’ epistemologia emergente emtal paradigma das ciências (doravante necessariamenteno plural) – o da complexidade –, para o qual as feministasvêm trazendo contribuições substantivas, passa areconhecer a inevitável imprevisibilidade dos atuais (epregressos) sistemas complexos, questionando acentralidade da idéia de uma única origem e depermanência/estabilidade, bem como a mística da jásurrada “neutralidade” nas ciências. No lugar do “realismometafísico”, tem-se a afirmação da incerteza, do fluxo e damultiplicação dos pontos de vista contingentes ehistoricamente situados; no lugar do “objetivismo”, temos aafirmação da reflexividade crítica, de uma forma depensamento que se constitui em ato, relacionante erelacional, construído e construtor; em acréscimo ao“individualismo metodológico”, a afirmação da perspectivamultidimensional e, em alguns pontos, multiculturalemancipatória, focada sobre processos e processualidadesdependentes de redes interdisciplinares e de múltiplosagentes, da conversação, da heterogeneidade e dadialogia; no lugar do “viés racionalista”, a afirmação daciência como mais um dos muitos discursos de verdadesobre o mundo, ciências, no plural, que necessitam se reverconstantemente para re-incorporar outras dimensões éticase estéticas de conhecimentos múltiplos, complexos com anecessária inclusão da maior participação e pluralismosocial, multicultural possível; no lugar da “neutralidadeaxiomática”, a afirmação da contingência, da objetividadeque só se torna possível através da (con)centração napercepção crítica da pluralidade dos sentidos esignificados que compõem complexamente todos osindivíduos (inclusive e sobretudo os/as cientistas) que emitemenunciados com pretensões à verdade; e, finalmente, emcontraposição ao “fundamentalismo”, a ênfase sobre opluralismo, o multiculturalismo emancipatório das ciências,a prudência do conhecimento conseqüente, a diversidade,a complexidade e a multiplicidade dos estilos ético-estéticoscomo alternativas, permanentemente em aberto, de suaprópria re-significação e, fundamentalmente, preocupadacom as conseqüências dos seus atos.

O aporte e contribuição do campo de gênerofeminista é declarar a infinita capacidade humana (portantoigualmente feminina e masculina, é sempre prudenteanunciar) de interpelar, de re-colocar e re-significarpermanentemente os conteúdos e as formas daquilo que seapresenta como contingentemente universal, ciências empermanente devir, no deslizamento da norma hierárquica,na constante problematização das hierarquias e dassubordinações, na crítica contumaz às opressões de todas

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as ordens, enfim, na e pela transgressão multiculturalemancipatória como método. Refiro-me, pois, a umaepistemologia da transgressão emancipatória e permanen-te do cânone, da tradição. O campo de gênero e feministaé um dos campos da modernidade tardia e radicalizadaque cumpriram muito bem a meu ver o papel desse ir além,destradicionalizando sempre. Esse ir além, contudo, precisaser responsável, prudente e conseqüente: não pode se referirao campo do relativismo pós-moderno ou pós-estruturalista– campo do ‘vale-tudo’ (ainda que muitas autoras impor-tantes da crítica aqui apresentada se originem e autode-nominem nessa rubrica) –, mas ao campo de uma moder-nidade radicalizada na busca da emancipação socialresponsável que, inclusive, deve ser vista como um objetivocientífico fundamental.

Aqui cabe recuperar a posição de uma “críticasituada”,31 “radicalizada” e “interativa”32 pertinente aocampo de gênero e feminista, uma reposição e reinvençãodestradicionalizante do universal/universalismo, contingen-ciando-o, historicizando-o, na busca de um projetoemancipatório que precisa ser, a um só tempo, individual/particular, coletivo/geral, ocidental/oriental, masculino/feminino. Esse universalismo contingente reporta-nos a umaperspectiva multicultural emancipada, naquilo que forpossível emancipar criticamente agora, hoje, neste momento,deixando sempre em aberto o que poderá vir a ser talemancipação amanhã. Ainda que sem um ponto dechegada definitivo, ressalto a necessidade do mesmo pontode partida: a clarificação normativa e crítico-reflexiva emrelação aos próprios pressupostos históricos, aqueles dacultura da qual se fala, da qual se enuncia e se interpela.Assim todas as regras passam a estar constantemente emestado de suspeição e questionamento com vistas àprodução da justiça e da emancipação sociais, já queneste mundo interconectado globalmente, visceralmentehabitado por multiculturas que já perderam em definitivo acondição de inocência antevista na possibilidade deisolamento, tudo aquilo que concernir ao conhecimento eao direito, por exemplo, das mulheres e dos gêneros, estarápermanentemente aberto ao debate público e internacional(e, dessa forma, contra todos os pressupostos e justificaçõesfundamentalistas, sejam estes de quais estatutos forem).Passemos agora, com propósitos de ir concluindo o artigo,para as implicações de tal revisão epistemológica nocampo de gênero.

31 Nancy FRASER e LindaNICHOLSON, 1990.32 Seyla BENHABIB, 1988 e 1992.

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TEORIAS DE GÊNERO OU TEORIAS E GÊNERO?

I VI VI VI VI V

Os vários formatos de movimento feminista e demulheres em distintos países, inclusive no Brasil, têm deixadoum legado civilizatório inegável para as sociedades ondefloresceram e se multiplicaram. As reformulações que vêmsendo empreendidas naqueles aspectos mais centraisreferentes aos problemas da sociedade brasileira, tais comoa discussão sobre a feminização da pobreza, sobre auniversalização qualificada da educação básica efundamental, sobre o acesso em perspectiva crítica aosbancos universitários, sobre as ainda injustas e permanentesformas de discriminações vividas no âmbito da violênciadoméstica e no mercado de trabalho, sobre o acesso àsmais variadas formas de políticas públicas que hoje jápossuem um viés de gênero (incluindo aí, sobretudo, aquelasno campo da saúde e da segurança e defesa sociais), eisso para citar apenas alguns pontos mais relevantes, têmhoje um toque feminino e feminista incontestável.

A adoção de uma perspectiva que valoriza aproposta do campo de gênero pretende, de formasubstantiva e consistente, fazer avançar a discussão sobresujeito e agenciamento/empoderamento das mulheres esobre as ciências e seu enfrentamento numa versãomulticultural e emancipatória que em nosso entender passaa ser decorrente da ampliação de um escopo epistêmicodiscutida no tópico anterior. Também pretendeu propor asuperação do confronto paralisante entre “objetivistas”(modernos) e “relativistas” (pós-modernos) no debatecientífico pela afirmação de uma modernidade radicalizadana sua pretensão emancipatória. Como visto, pelo lado dosobjetivistas temos a afirmação do conhecimento pautadoexclusivamente por padrões universais, a-históricos deneutralidade e de condição fundamental de igualdade,em que a objetividade se confunde com neutralidade; poroutro lado, há os relativistas/diferencialistas que afirmam anão-possibilidade de conhecimento objetivo universal sobreo mundo, nenhuma meta-narrativa, nenhuma costurapossível (só fragmentos), tentando demonstrar, então, queuma posição relativista radical é a única possível,resgatando a incomensurabilidade e a não-permanênciado conhecimento que é produzido diferencialmente, em umdeterminado tempo e espaço. A presente proposta decolocar o campo de gênero e feminista, e a conseqüenteversão que ela importa de uma versão das ciênciasdesdobrada no seu projeto multicultural de emancipaçãosocial, no patamar de um universal histórico e contingentelevantam a possibilidade da comensurabilidade e da

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concepção de um formato alternativo de cognição que sejacrítico e ao mesmo tempo superador de ambos os lados.

Sabemos que entre as nossas discussões maisacirradas se encontram os temas paradoxais que constituemo já referido “núcleo duro” desse novo campo. Entre eles sedestaca, sem dúvida alguma, o tema da afirmação políticae identitária da igualdade e/ou da diferença que em termosde uma lógica de políticas públicas, por exemplo, pode serreposto no já igualmente famoso debate a respeito dauniversalização e focalização de políticas.

O que estamos tentando fazer aqui avançar é aconstatação de que este movimento – por exemplo: orafocalização, ora universalização – é a matéria-primaconstituinte e constitutiva do próprio processo de caminhadapolítica e científica rumo às conquistas das mulheres, àsconquistas empreendidas no campo de gênero e feminista.Em alguns momentos, histórica e contingentemente, énecessário fazer avançar demandas e reivindicações deigualdade (lógicas de ação e intervenção universalizantessobre a família, por exemplo); em outros momentos, o quepode ser estratégico e factível são demandas ereivindicações pela afirmação das diferenças (lógicas deintervenção mais focalizadas sobre as mulheres, dentro dasfamílias). Importa salientar que esse processo éinapelavelmente aberto ao debate.

Numa proposta de conhecimento, de ciência em queo que se valoriza é o modo de pensar e as suasconseqüências e não a descrição do mundo, que não vê oconhecimento como uma representação neutra do mundoontológico externo, é que poderia estar inserida a propostade ação de um novo campo de gênero e feminista. Ouseja: sabendo e reconhecendo que o conhecimento(científico) é capaz de intervir e agir sobre o mundo, que elepossui conseqüências sobre o mundo, que ele é ação sobreo mundo, é que proponho a sustentação teórica,epistemológica e política do campo de gênero e feministacomo sendo da ordem de um universal histórico econtingente que opera dinâmica e paradoxalmente nabusca constante e responsável de um devir gênero que porsua vez se desdobra na afirmação radicalizada de umdevir ciência.

Esta condição do devir gênero, instituinte do campode gênero e feminista, é a condição possível doagenciamento, da agência ou da passagem à posição desujeito (e não mais de assujeitado/a) às mulheres e às outrasidentidades igualmente oprimidas. Sendo a teoria feministaum empreendimento intelectual que surgiu basicamente deum impulso político – a visibilidade e o real empoderamentodas mulheres –, avança agora com a proposta do gênero

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TEORIAS DE GÊNERO OU TEORIAS E GÊNERO?

como um campo que se preocupa em re-fundar a própriaciência, possibilitando um enunciar/enunciado para asmulheres (e também para os outros gêneros) que as coloca,estável e ao mesmo tempo instavelmente, no lugar de sujeito(como qualquer outro), para logo, logo, as deslocar de lá.

Assim, pretende-se propor que o campo de gênero,fundado numa epistemologia multicultural emancipatóriada complexidade, do paradoxo e da simultaneidade, opereatravés de sujeitos e agenciamentos que são transitórios emúltiplos, às vezes transitivos e nunca meta-sujeitosconstruídos por meta-narrativas; desde sempre euscorpóreos/corporificados, gendrados/generificados,racializados/etnicizados, estamentais, politizados etc. nabusca de um projeto de emancipação social responsável.Durante muitos séculos, as ciências, em especial as ciênciasfísicas e naturais, construíram para si a ilusão de que oconhecimento científico não era produzido por pessoas/cientistas (construído), mas pelas próprias coisas/objetos(descoberto/revelado pela empiria). Agora que sabemos doseu processo evidente e flagrante de construção esignificação e mútua imbricação, resta-nos indagar sobreo que objetivamos continuar a construir e significar. É possíveluma ciência que seja reflexiva e que possa colaborar naárdua tarefa política e social de reconstrução de cenáriosde interação e sociabilidade humanas mais equânimes,mais simétricos, mais responsáveis e, quem sabe, maisdemocráticos em termos de gênero, raça, geração etc.?

Muito ainda se encontra por fazer nessa direção.Entendemos agora que todas as relações entre humanos eentre estes e as instituições (tal como o Estado) são parasempre relações atravessadas pelo poder, inclusive o poderde se re-construir. Eminentemente políticas, portanto, taisrelações estabelecidas destacam o papel crucial daatuação feminina, seja como mulheres, seja como feministas,na promoção e manutenção de uma nova ciênciaemancipatória e de novo desenvolvimento sustentávelbaseado nesse conhecimento e nessa ciência (e não apesardelas).

Desmistificar, portanto, a “neutralidade” da ciênciaseria tão importante quanto denunciar a atuaçãosupostamente “neutra” do Estado/governo brasileiro (etambém de qualquer Estado), e estas são conquistas quevêm sendo empreendidas pelo campo de gênero efeminista. Os governos têm sistematicamente adotadopolíticas que têm sim, efetivamente, o poder de interferir diretae imediatamente na vida das pessoas (e em especial dasmulheres), mas que, nem sempre, infelizmente, essas‘intenções’ estão claramente apresentadas.

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Sabemos que as relações entre instituições (tal comoo Estado) e pessoas que prestam serviços às mulheres, aosgrupos de cor etc. são relações atravessadas pelo poder.Eminentemente políticas, portanto, essas relaçõesestabelecidas entre as usuárias mulheres e os usuários negros(para não mencionar a complexidade da sobreposição dosdois) das políticas sociais e o Estado brasileiro destacam opapel crucial da atuação feminina e racializada, seja comomulheres, seja como mães, seja como feministas, seja comonegros e negras na promoção e manutenção dodesenvolvimento sustentável das próprias famílias.

Em todo esse processo ainda mereceria destaque aparticipação de grupos de conscientização e mobilizaçãode homens, que vêm sistematicamente e de formadestradicionalizada buscando discutir, problematizar eincluir estes grupos (inclusive os de classes mais pobres) nadiscussão sobre sua efetiva participação crítica, porexemplo, na vida sexual e reprodutiva de suas famílias,salientando e difundindo os temas da paternidaderesponsável, do planejamento familiar compartilhado, danão-violência contra as mulheres e as crianças etc. Essasintervenções de um feminismo masculino nos dão bem adimensão da complexidade e dos paradoxos queprecisamos valorizar e defender: precisamos, cada vez maise sempre, de homens feministas, homens que sejam capazesde se deslocar e de desconstruir posições tradicionaisatinentes ao gênero masculino e às ciências construídassobre bases “neutras” e “ocidentais” para nos ajudar areinventar vínculos mais simétricos, emancipatórios edemocráticos num campo de interação permanente degênero e no campo de uma ciência renovada namulticulturalidade emancipatória.

O campo de gênero e feminista, assim como tenteidemonstrar, tem se efetivado e consolidado através de váriasiniciativas. Está tudo realizado então? Claro que não, muitoainda se encontra por fazer. Boas intenções e propósitosnobres e simpáticos à causa de gênero e feministas e aodesejo de repor as ‘verdades’ científicas são condiçõesnecessárias, mas não suficientes para o avanço real dascondições de assimetria e desigualdades de gênero e dasdesigualdades sociais como um todo.

É sabido que o pensamento feminista e de gênerotem nos oferecido ferramentas teóricas e reflexõesmetodológicas substantivas que já são responsáveis pelaformação de algumas gerações de pensadoresacadêmicos e de intelectuais. Penso que esse forte avançono sentido da concretização da institucionalização dessenovo campo, além de produzir a sua visibilização e reforçara sua consolidação, vai contribuir concretamente nas muitas

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TEORIAS DE GÊNERO OU TEORIAS E GÊNERO?

revisões e re-elaborações de questões que são centrais naciência política, na sociologia, na antropologia, napsicologia, na comunicação social etc. e que ainda nãotivemos tempo suficiente para deflagrar. O espaço estáconquistado e necessita ser definitivamente consolidado,mantido e até ampliado. Mas, olhando para trás, parece-me inegável que aquelas e aqueles que, como eu, fizeramparte deste caminhar tenham muito mais a comemorar doque a lastimar.

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[Recebido em junho de 2007e aceito para publicação em novembro de 2007]

Gender Theories or Theories and Gender?Gender Theories or Theories and Gender?Gender Theories or Theories and Gender?Gender Theories or Theories and Gender?Gender Theories or Theories and Gender?If and how Feminist Gender Studies became a New Science FieldIf and how Feminist Gender Studies became a New Science FieldIf and how Feminist Gender Studies became a New Science FieldIf and how Feminist Gender Studies became a New Science FieldIf and how Feminist Gender Studies became a New Science FieldAbstractAbstractAbstractAbstractAbstract: This article seeks to define what would be the order of gender studies within theBrazilian academic setting today. Given three sets of distinct reflections, the article tries toexplore gender initially understood as a “theme” and a “concept” to subvert it and postulategender today as a new scientific field. These three sets of reflections refer to: 1) the place of thecurrent art of gender and feminist studies in Brazilian academic reflections; 2) the consequentattempt to explain and delimit the theoretical conceptions in these studies, which includes theobjective of going beyond a mere concept, tool or analytic construction, establishing a new fieldof study in social and human sciences and even a new epistemology in the sciences; and 3) thediscussions of the implications and consequences that such an initiative would have on thesciences, in addition to bringing contributions to a feminist epistemology as well as postulating ascience with a multicultural and emancipating character.Key WKey WKey WKey WKey Wordsordsordsordsords: Gender Studies; Feminist Studies; Feminist Epistemology..