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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA RAISA B.W.SAGREDO ENTRE A EGIPTOMANIA E A EGIPTOLOGIA: UM ESTUDO DAS REPRESENTAÇÕES DO FARAÓ AKHENATON NO BRASIL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Licenciatura e Bacharelado em História da Universidade Federal de Santa Catarina.Orientadora: Dra. Renata Palandri S. Sell FLORIANÓPOLIS, 2013.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

RAISA B.W.SAGREDO

ENTRE A EGIPTOMANIA E A EGIPTOLOGIA:

UM ESTUDO DAS REPRESENTAÇÕES DO FARAÓ

AKHENATON NO BRASIL

Trabalho de Conclusão de

Curso apresentado ao curso de

Licenciatura e Bacharelado em

História da Universidade

Federal de Santa

Catarina.Orientadora: Dra.

Renata Palandri S. Sell

FLORIANÓPOLIS, 2013.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço imensamente às minhas amigas da graduação e do

coração, e em especial a meus pais Guadalupe Barbosa e Alberto

Sagredo, por desde minha infância respeitarem e estimularem minha

paixão pelo Egito antigo.

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Meus cabelos são os cabelos de Nut.

Minha face é a face do Disco Solar. Meus olhos são os olhos de Háthor. Meus ouvidos

são os ouvidos de Apuat (...). Meus pés são os pés de Ptah. Não há membro em meu

corpo que não seja o membro de algum deus

(...).

Livro do Vir à Luz, Papiro de Ani,

Museu Britânico

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RESUMO

Esta pesquisa se propõem a identificar e analisar algumas

representações do faraó Amenothep IV, mais conhecido na História

como Akhenaton, mostrando como é possível encontrar o mesmo

homem cuja trajetória é rodeada de mistérios e polêmica, servindo a

diferentes discursos. Tendo em vista que o material acerca das

representações de Akhenaton é muito abundante e diversificado, optou-

se por um recorte que abrangesse um tempo atual, cujos discursos das

fontes fossem de naturezas distintas, pelo menos em teoria. Partindo do

conceito de Egiptomania proposto pela egiptóloga brasileira Margaret

Bakos, como re-interpretação e re-uso de aspectos da cultura do antigo

Egito, dialogando com o conceito de Egiptologia, a ciência encarregada

de estudar o Egito dos faraós. Logo, busca-se nas representações de

Akhenaton, entender como se constrói essa relação, respondendo à

questão: estariam distantes, na prática, os discursos da egiptomania e da

egiptologia?

Palavras-chave: Akhenaton, Egito, representação, egiptomania,

egiptologia, discurso.

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ABSTRACT

This research set out to identify and analyze some depictions of

the pharaoh Amenothep IV , better known in history as Akhenaten ,

showing how it is possible to find the same man whose trajectory is

surrounded by mystery and controversy, serving different discourses .

Considering that the material about the representations of Akhenaten is

very abundant and diverse , we chose a cut covering a current time,

whose speeches were the sources of different natures , at least in theory.

Based on the concept proposed by the Brazilian Egyptomania

Egyptologist Margaret Bakos , as re - interpretation and re - use of

aspects of the culture of ancient Egypt , dialoguing with the concept of

Egyptology , science charged with studying the Egypt of the pharaohs .

Soon , we seek representations of Akhenaten , understand how to build

this relationship , answering the question : would be far in practice ,

speeches from Egyptomania and Egyptology ?

Keywords : Akhenaten, Egypt, representation, Egyptomania,

Egyptology, speech .

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...............................................................................p. 15.

AKHENATON, O FARAÓ DO SOL, E SEU CONTEXTO: REINO

NOVO, XVIII DINASTIA..............................................................p. 20.

EGIPTOMANIA, ESPIRITUALISMO E UM FARAÓ “ILUMINADO”...............................................................................p. 25.

1.1. COMPREENDENDO A EGIPTOMANIA........................p. 25.

1.2. SOBRE A OBRA................................................................p. 27.

1.3. RELIGIÃO, DISCURSO E REPRESENTAÇÃO..............p. 34.

JK E AKHENATON LADO A LADO: UMA INTRIGANTE TESE DE DOUTORADO........................................................................p. 40.

3.1. IARA KERN: RESPIRANDO A NOVA ERA........................p. 40.

3.2. RELAÇÃO ENTRE EGITO E BRASÍLIA: DESVENDANDO A

REPRESENTAÇÃO DE AKHENATON EM JK............................p. 47.

CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................p. 54.

BIBLIOGRAFIA.............................................................................p. 56.

ANEXOS..........................................................................................p. 60.

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INTRODUÇÃO

O faraó Amenothep IV1, ou Akhenaton, marcou os papiros da

História, trazendo mudanças significativas no Egito Antigo, dentro do

contexto denominado Reino Novo (1560-1070 A.E.C), em diversos

âmbitos: cultural, artístico, político e religioso. Estes dois últimos,

marcados por opiniões controversas e fortemente contrárias. Afinal,

quem foi esse homem? Essa pergunta não pretende nem pode ser

respondida, pois o que temos são representações que revelam mais, na

sua construção e concepção, sobre o contexto atual do que sobre o

Akhenaton que viveu no Egito antigo. Sendo assim, o foco da pesquisa é

compreender como se constroem, na atualidade brasileira, nos meios

acadêmicos e não acadêmicos, as representações acerca da imagem do

faraó Akhenaton e até que ponto os discursos da egiptomania e da

egiptologia estão distantes e se diferenciam na prática.

As representações deste faraó são muito abrangentes e

pertencentes a diferentes âmbitos e discursos- Ordem Rosa Cruz2,

Teosofia3, entre outros. Eis uma questão que não cabe diretamente nesta

pesquisa, mas que merecia ser analisada, afinal, por que a temática do

faraó Akhenaton é tão apropriada? Talvez por envolver fragmentos da

história egípcia repletas de fama e mistério, inaugurando o inovador em

um pensamento tradicional. Como se não bastasse ter feito mudanças

tão irreverentes durante sua reforma religiosa, Akhenaton era esposo de

Nefertiti- “a bela chegou”, considerada uma das mulheres mais belas da

antiguidade hoje em função de seu busto, no museu de Berlim; também

foi pai de Tutankamon, “o faraó menino”, dono da mais famosa tumba,

descoberta por Howard Carter em 1922 e considerada um das maiores

1 O novo nome de Amenófis IV, Akhenaten, significa: “Viva Rá-Horakhti (uma

das formas do princípio solar) que se regozija no horizonte brilhante em seu

nome de Luz que pertence a Aton”. Acrescenta-se dois nomes, que completam a

personalidade simbólica do faraó: “Viva Rá aquele que pertence ao horizonte

brilhante, que se regozija no horizonte brilhante em seu nome, ou seja, Rá que

veio no disco (ou: na qualidade de Aton)” e “Belo de formas como Rá, o filho

único de Rá”. JACQ, Christian. Akhenaton e Nefertiti: o casal solar. São Paulo:

Editora Hemus,1978, pg. 28. 2 Ver mais no site brasileiro da Ordem Rosacruz www.amorc.org.br.

3 Ciro Flamarion nos fala um pouco sobre o Akhenaton de Madame Blavatsky

em CARDOSO, Ciro Flamarion. O faraó Akhenaton e nossos contemporâneos.

Disponível em

http://www.pucrs.br/ffch/historia/egiptomania/publicacoes/jornada.pdf.

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descobertas arqueológicas da História, passando a influenciar o

imaginário mundial sobre o Egito, de modo febril.4

Logo, houve uma seleta escolha de fontes. Os critérios de seleção

foram dois, buscando-se englobar universos que, algumas vezes,

parecem não dialogar com relação à produção de saberes. A escolha por

uma fonte produzida fora do ambiente acadêmico se deu justamente

neste sentido, pois em qualquer contexto se produzem representações e

discursos que merecem a mesma atenção e seriedade que os discursos

acadêmicos. O segundo critério foi a nacionalidade dessas

representações; ambas são produções nacionais, ou seja, é o Brasil, tão

longe no tempo e no espaço físico do Egito, se apropriando e re-

significando a figura do faraó Akhenaton. Mais especificamente sobre as

fontes, uma é um romance espiritualista de Roger Bottini Paranhos, que

pertence ao gênero do romance mediúnico, intitulado Akhenaton: a Revolução Espiritual do Antigo Egito

5, produzido fora do ambiente

acadêmico e, em contrapartida, a segunda fonte é um livro publicado

pela egiptóloga Iara Kern, falecida professora da UnB-Universidade de

Brasília- fruto de sua pesquisa de doutorado, publicada na obra De

Aknaton a JK: das Pirâmides a Brasília6.

A 18° dinastia, a qual pertenceu Akhenaton, é sem dúvida a

dinastia egípcia mais visada para produzir materiais em geral e

Akhenaton um dos faraós mais famosos e controversos nos meios fora

da academia. Como afirma Ciro Flamarion Cardoso, “uma

documentação muito lacunar, coisa comum em História Antiga, costuma

favorecer grande diversidade de interpretações, sobretudo em se

tratando de uma figura como Akhenaton”7. Sobre esse faraó, caem

inúmeros estereótipos, rótulos que parecem mais refletir uma visão

pessoal, imparcial e atual daqueles que escrevem sobre ele. Para

embasar teoricamente a pesquisa, é necessário ter claro alguns

conceitos-chave, essenciais na própria construção e uso dos conceitos de

Egiptologia e Egiptomania nesta análise, que serão detalhados no

capítulo III. Porém, alguns conceitos devem ser abordados na

Introdução deste trabalho.

4 BAKOS, Margaret M (Org.). Egiptomania: O Egito no Brasil. São Paulo:

Paris Editorial, 2004, pg.11. 5 PARANHOS, Roger B. Akhenaton e a Revolução espiritual do antigo Egito.

4° ed. Limeira, SP: Editora do conhecimento, 2006. 6 KERN, Iara. De Aknaton a JK: das Pirâmides a Brasília.2ª Ed. (tese de

doutorado). Brasília, 1984. 7CARDOSO, op. cit, pg 2.

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Eis o caso do conceito de representação, fundamental nesta

discussão. Polissêmico para a teoria da História e palavra-chave da

pesquisa, representação é o termo diferencial da Nova História Cultural,

pressuposto teórico utilizado no trabalho. Para além de uma reflexão

conceitual, o termo representação “se trata de uma palavra de origem

latina, oriunda do vocábulo repraesentare que significa „tornar presente‟

ou „apresentar de novo‟"8. Conceituando, as representações podem ser

entendidas: como classificações e divisões que organizam a

apreensão do mundo social como categorias de

percepção do real. As representações são variáveis

segundo as disposições dos grupos ou classes

sociais; aspiram à universalidade, mas são sempre

determinadas pelos interesses dos grupos que as

forjam.O poder e a dominação estão sempre

presentes. As representações não são discursos

neutros: produzem estratégias e práticas tendentes

a impor uma autoridade, uma deferência, e mesmo

a legitimar escolhas.9

A questão da leigtimidade se faz muito evidente quando tratamos

destas representações de Akhenaton, tanto da tese de Iara Kern como de

Roger Bottini Paranhos. São legitimações diferentes que ambos parecem

trazer; na primeira, uma legitimação política, e na segunda uma

legitimação religiosa, como veremos mais adiante na análise das

fontes.E a legitimação nos faz lembrar o quanto a história, mesmo sendo

antiga como a faraônica, e parecendo tão distante do nosso país, dialoga

com o presente e faz sentido para determinado grupo neste tempo, como

afirma o próprio Roger Chartier ao conceituar representações como

“esquemas intelectuais, que criam as figuras graças às quais o presente

pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser

decifrado”.10

Logo, as representações de Akhenaton são ferramentas que

8 VIEIRA, Dominique. Acerca do conceito de representação. Revista de Teoria

da História Ano 3, Número 6, dez/2011 Universidade Federal de Goiás ISSN:

2175-5892. 9 CARVALHO, Francismar de. O conceito de representações coletivas segundo

Roger Chartier. Diálogos, DHI/PPH/UEM, v. 9, n. 1, 2005. Disponível

emhttp://www.sc.senac.br/biblioteca/arquivosSGC/CHARTIER%20E%20BOR

DIEU.pdf. 10

CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações.

Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990, p. 17.

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nos ajudam a compreender mais sobre o contexto e os sujeitos que

produzem essa representação do que sobre o próprio Akhenaton.

É importante ressaltar alguns pressupostos que Henri Lefebvre

(2006) nos traz, sobre o conceito de representação, que podem ajudar na

resposta à problemática e que serão retomados nas considerações finais:

“1) emerge e se formula em condições históricas; 2) possui limites que

devem ser circunscritos; 3)suscita novos conceitos; 4) condensa uma

gênese que implicitamente o acompanha requerendo assim, um trabalho

de genealogia; 5) pretende ser verdadeira e atuante e 6) tem caráter

dinâmico.”11

Por esta razão, o objetivo principal da pesquisa será perceber, ao

longo do trabalho, se o discurso da Egiptomania acaba interferindo ou

não no discurso da Egiptologia, se essa construção se dá de maneira

isolada ou numa forma de diálogo, numa via de mão-dupla, lembrando

que estes conceitos serão trabalhados nos capítulos II e III. Neste

contexto, os casos das representações brasileiras de Akhenaton se

tornam cruciais para se compreender a construção da relação entre

Egiptomania-o estudo de representações- e Egiptologia-o estudo do

Egito no passado- respondendo à questão: quão distante estariam, na

prática, os discursos da egiptomania e da egiptologia?

O primeiro capítulo, Akhenaton, o faraó do sol e seu contexto:

Reino Novo, XVIII dinastia, propõem-se a contextualizar o Egito no

período do Reino Novo, trazendo informações sobre o reinado de

Amenothep III, pai de Akhenaton, mostrando que já existiam tensões

político-religiosas antes mesmo de Akhenaton assumir como faraó.

Explica os fatores que levaram a essa ruptura com os deuses do panteão

egípcio, e como se deu o desfecho da chamada Revolução Amarniana.

O capítulo II é dedicado à fonte mediúnica, intitulado

Egiptomania, Espiritualismo e um faraó "iluminado", dividido nos

subcapítulos "compreendendo a egiptomania", "sobre a obra", e

"discurso e representação". Este capítulo pretende explorar o conceito de

egiptomania versus egiptologia, além de perceber o discurso religioso

cristão como opressor do politeísmo e a representação do faraó

Akhenaton como um homem virtuoso, de espírito evoluído, que tentara

com sua revolução fazer com que o povo egípcio percebesse que o

monoteísmo seria melhor do que o politeísmo para o próprio

11

LEFEBVRE, Henri. La presencia y la ausencia: contribuición a la teoria de

las representaciones. (Trad. Espanhola de óscar Barahona e Uxoa

Doyhamboure). México: Fondo de Cultura Económica, 2006.

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crescimento espiritual de todos os povos da terra- idéia esta que reflete a

hierarquia entre politeísmo e monoteísmo.

O terceiro capítulo, intitulado JK e Akhenaton lado a lado:

uma intrigante tese de doutorado, é o capítulo mais surpreendente

pois, além de trazer mais informações sobre a egiptologia e sobre o

contexto da autora- subcapítulo Iara Kern: respirando a Nova Era-

mostra os principais paralelos descobertos por ela e o contexto histórico

do próprio Juscelino Kubitschek, no subcapítulo Relação entre Egito e

Brasília: desvendando a representação de Akhenaton em JK. Logo após

as considerações finais, foram adicionados em anexo as ilustrações

presentes na tese de Kern, muito curiosas.

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CAPITULO I- AKHENATON, O FARAÓ DO SOL, E SEU

CONTEXTO: REINO NOVO, XVIII DINASTIA

A história da sociedade egípcia antiga é dividida em diversos

períodos e Reinos. O contexto em que viveu nosso faraó em questão,

Akhenaton, é o Reino Novo, que vai de 1550 a 1070 a.C12

, compreendo

as dinastias XVIII a XX. De acordo com a hipótese mais provável,

Amenófis IV era filho de o faraó Amenothep III e da rainha Tii.

Baseando-se em datas não tão seguras, as evidências indicam que

Akhenaton reinou de 1370 a 1352 A.E.C. e que sua “revolução” durou

aproximadamente treze anos.13

O pai de Akhenaton iniciou seu reinado por volta de 1408 A.E.C.,

onde o Egito, chamado pelos nativos como “Duas Terras”, vivia então

um momento de explendor e tranquilidade, militarmente e

economicamente. “O império egípcio se estendia das costas da Síria até

o Oriente e da Núbia até a terceira catarata; reina um bom entendimento

com a Mitanni e a Babilônia.”14

Na época, as artes como poesia e

arquitetura tem um florescimento fantástico- o Templo de Luxor, o

famoso Terceiro Pilar de Karnak, entre outros.

Com a mudança de reinado dos hititas, a paz foi interrompida,

dividindo os aliados dos egípcios; ao mesmo tempo em que Amenothep

III não reagiu de forma energética. Junto a este fator, a cidade egípcia de

Tebas- que tanto vai interferir na trajetória de Akhenaton, mais adiante-

cresce em riqueza, administrando os tributos de guerra trazidos pelos

antecessores de Amenothep III. “Tebas não se contenta com orientar a

vida espiritual do Egito, pois ela rege também sua vida econômica”15

. Aí

nasce um problema, que já existia e vai tomando proporções maiores,

que se costuma atribuir ao reinado de Akhenaton, mas que já começou a

se manifestar no reinado de seu pai: a capital do Egito fica à mercê de

dois poderes ao mesmo tempo, o do faraó e o do sumo sacerdote de

Amon16

, deus de Tebas.

12

Cronologia mais usual, revisada por Ian Shaw, egiptólogo da Universidade de

Liverpool. HOBSON, C. The world of the Pharaohs.Londres. Thames and

Hudson, 1987. 13

JACQ, op. cit, p. 24. 14

Ibdem, p. 37. 15

Ibdem, p. 39. 16

Deus obscuro da cidade de Tebas durante todo o Reino Antigo, chamado de

“o Oculto”. “Amon era a criação de circustâncias políticas, adquirindo

gradualmente novos aspectos conforme assimilava os papéis mitológicos após o

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Neste contexto, o Primeiro Profeta de Amon acaba se tornando a

figura do império mais importante depois do próprio faraó.17

Por conseguinte, em certos períodos os

faraós da XVIII dinastia lograram manter os

sumos sacerdotes no âmbito de suas funções

religiosas. Mas o equilíbrio conseguido pela

energia de certos monarcas não podia ser

durável. Graças a uma organização notável,

os sacerdotes de Tebas conseguiram manter,

com maior ou menor discrição, um Estado

dentro do Estado.

Esta expressão de um “Estado dentro do Estado” se refere às

divergências religiosas deste período, pois Amenothep III era partidário

de uma religião mais universalista, enquanto esta idéia era inconcebível

para o clero de Tebas, onde uma religião sem Amon no panteão dos

deuses principais reduziria a influência política deste grupo em

ascenção. E quando esta discussão já se fazia presente- não da forma

intensa como aconteceu no reinado de Akhenaton- é que Amenófis IV

assume o trono das Duas Terras.

Atualmente, após análises e estudos de diversos pormenores, os

egiptólogos, como Christiane Desroches-Noblecourt, têm certeza de que

houve uma co-regência e que pai e filho reinaram juntos.18

Através de

fragmentos de textos, especula-se que “Amenófis III deve ter morrido

por volta do décimo segundo ano do reiando de seu filho.19

A coroação,

que dava início ao reinado de Amenófis IV, foi um ato excepcional, pois

ele escolhera a cidade de Hermontis para a cerimônia, e não a

aniquilamento dos seus adoradores”. Durante o Reino Médio, Amon foi

relacionado com o carneiro, animal fértil, quando passou a ser considerado um

deus criador. ÍONS, Veronica. Egipto. Editora Verbo: Lisboa/ São Paulo, 1982,

p. 92-94. 17

Como exemplo, Christian Jacq traz o caso do reinado do faraó Thutmósis I

(1530-1520), onde parece que os sacerdotes de Amon “se ocupam

exclusivamente dos assuntos religiosos”. Logo, na conjuntura social e

econômica, esta função foi se modificando. JACQ, op. cit, p. 40. 18

Jacq nos traz algumas destas evidências, como nas pesquisas de Christiane

Desroches-Noblecourt. Ibdem, p. 46. 19

Ibdem, p. 46.

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tradicional Tebas. Além disto, adotou na mesma o título inusitado de

“Primeiro Profeta de Rê- Harakhti”.20

O fato de Akhenaton mudar seu nome, mais tarde,de Amenothep

IV21

- pertencente à dinastia dos Amenothep- para Akhenaton, é muito

significativo neste contexto, pois dentro da sociedade egípcia, o

simbolismo do qual cada nome era imbuído se fazia crucial para a

prórpia manutenção da ordem. Outro fato relevante foi que no ano 5 ou

6 do seu reinado, Akhenaton- que ainda era Amenófis IV- decide

proclamar sua festa-sed22

, simbolizando sua intensão mágica de

regeneração neste ritual. Deste modo, tudo indica que sua revolução

Amarniana já estava sendo preparada, simbolicamente.

Inica-se assim a fase de adoração ao disco solar Aton,

considerado um “rei-deus e identificado ao próprio faraó”23

, e esta

representação divina é diferente das que eram usadas até então: Aton é

representado como um disco solar com raios, cujas extremidades

terminam em mãos. A essa peculiaridade, agraga-se o fato das estátuas

do faraó terem um caráter assexuado e rosto caricaturesco, enigma que

ainda é controverso no ramo da egiptologia, afinal, seria apenas uma

particularidade do novo estilo de arte amarniana24

, uma representação do

20

O nome completo adotado por ele- que ainda não fez a substituição do nome

Amenothep por Akhenaton- é: “Primeiro Profeta de Rê-Herakhti que se rejubila

no horizonte em seu nome de Shou que é Aton”. Este nome complicado

constitui o início duma teologia que levará à religião atoniana; Rê- Horakhti

contribui para a criação permanente da vida e Shou pode ser interpretado aqui,

como a luz solar vivificante e Aton aparece pela primeira vez como um poder

sintético que engloba todas estas noções. Ibdem, p. 50. 21

Amenothep significa “Amon está satisfeito”. Ibdem, p. 28. 22

Ritual mágico, espécie de regeneração ritual. A peculiaridade está no fato de

Amenófis IV ter pouca idade e estar ainda no início do reinado, e

tradicionalmente esta cerimônia era celebrada depois de muitos anos no trono.

Ibdem, p.51. 23

Ibdem, p. 53. 24

Arte Amarniana é o novo estilo de arte egípcia, inaugurada por Akhenaton,

que “empregava curvas exageradas, volumes estranhos, figuras alongadas e, às

vezes, deformadas”, mudando os padrões estéticos da época, que eram baseado

em uma série de leis bastante rigorosas. Como exemplo, as estátuas sentadas

deviam ter as mãos sobre os joelhos; os homens eram sempre pintados com a

pele mais escura do que as mulheres, como afirma Gombrich. Com o advento

do estilo de arte Amarniana, cenas antes nunca reveladas, mostrando a

intimidade da família real, e as próprias imagens do faraó Akhenaton de forma

caricaturada, abalaram a concepção de arte egípcia e a forma de representar o

homem e a natureza na época. Ver Silva, Tatiana Rita da. Do Cânone à

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divino que contém a essência faminina e a masculina25

ou uma doença

genética26

?

Mais controversa ainda é a história que envolve a rainha

Nefertiti, sua esposa, que tanto fascina os olhares contemporâneos pela

sua beleza. Não se sabe sua procedência27

, nem o porquê de ter sido a

escolhida para, ainda criança, casar-se com Amenófis, que na época

contava com 12 anos- pois protocolarmente, seu casamento devia ter

sido consumado com sua irmã Sit-Amon.28

Além do mais, acredita-se

que ela teve papel crucial na revolução amarniana, não sendo apenas

Grã-sacerdotisa do culto de Aton. Como prova disso, temos uma

representação dela, em uma cena rara, guardada aos personagens

masculinos, como descreve Jacq:

Um bloco que veio da localidade de Heliópolis e

conservado no Museu de Belas Artes de Boston

revela um detalhe extraordinário. Neste bloco

figura um barco de Estado de Nefertiti, isto é, uma

dessas grandes barcas utilizadas nos ritos reais. A

rainha é apresentada com uma coroa e vemo-la

batendo com uma clava ritual um adversário

que ela empunha pelos cabelos antes de abatê-

Criação: A Simbologia usada na representação do Faraó Akhenaton.

Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 2006, p.

57. Mais sobre arte em GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Trad. Álvaro

Cabral. São Paulo: Editora LTC, 1999, p. 65. 25

O próprio egiptólogo Christian Jacq é dessa opinião, alegando que as estátuas

andrógenas não representariam a realidade física do faraó, e sim seu aspecto

divino, que por conter tanto a masculinidade como a feminilidade, função desta

representação. JACQ, op.cit, capítulo I. 26

A doença genética seria, segundo Cyril Aldred, a Síndrome de Frohlich, pois

“ Os homens acometidos desta doença apresentam frequentemente uma

corpulência análoga àquela de Akhenaton. As partes genitais permanecem

disfarçadas e podem ser tão envoltas de gordura a ponto de tornarem-se

invisíveis. A adiposidade pode distribuir-se diferentemente de caso para caso,

mas existe uma distribuição de gorduras que é tipicamente feminina,

principalmente nas regiões do peito, , do abdômen, do púbis, dsa coxas e das

nádegas”. Ibdem, p. 20. 27

Ao interpretar seu nome, que significa “a bela chegou”,alguns egiptólogos

acreditam que Nefertiti poderia ser a princesa Taduhepa, filha do rei Dushratta,

do Mitanni, que aparece nas documentações como entrando no Egito e depois

desaparece dos registros. Ibdem, p. 66-67. 28

Ibdem, p. 67.

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24

lo. Esta cena é muito clássica na arte egípcia; mas,

via de regra é reservada estritamente ao rei e

nunca se ve a rainha nessa postura

especificamente guerreira.

Detive-me trazendo um pouco sobre a rainha Nefertiti porque, na

minha concepção, Akhenaton não fez uma revolução religiosa sozinho.

E,como foi demonstrado anteriormente, ela teve um papel importante

nas mudanças que aconteceram mais adiante.

Uma transformação significativa para o Egito foi a mudança da

capital, com a construção, em um curto espaço de tempo, de Akhetaton,

fundada no sexto ano de seu reinado29

, localizada geograficamente entre

a cidade de Tebas e Mênfis.

Para o rei, criar Amarna significava afirmar o

esplendor dum deus que ainda não tinha “sede”,

não dispunha dum lugar privilegiado sobre a terra

do Egito. Amarna tornava-se, assim, a cidade de

Aton, da mesma forma que Mênfis, por exemplo,

era a cidade do deus Ptá. Para o Egito, um deus se,

cidade de eleição constituía um poder irreal.30

Este fator simbólico é inerente para não conceber a transferência

da capital do Egito e a construção deste novo centro urbano apenas

como fator de capricho do faraó, pois é preciso compreender a mudança

da capital como uma necessidade simbólica dentro do contexto e da

sociedade egípcia ao se dar ênfase a uma outra divindade.

Por fim, o período mais conturbado do reinado de Akhenaton foi

o chamado período iconoclasta da Revolução Amarniana, onde templos

dos demais deuses foram fechados e imagens destruídas nesse contexto

de proibição de cultos a outras divindades em detrimento do deus Aton.

Esse período da história é muito lacunar, não havendo um consenso de

como Akhenaton saiu do trono, nem de quem assumiu o poder após ele.

O casal solar desaparece dos registros egípcios, e o nome de Akhenaton

passa a ser sistematicamente apagado de murais, pilares e demais obras,

com a intensão de ser apagado da vida e da História egípcia.

29

Ibdem, p.83. 30

Ibdem, p. 91.

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CAPÍTULO II- EGIPTOMANIA, ESPIRITUALISMO E

UM FARAÓ “ILUMINADO”

2.1. COMPREENDENDO A EGIPTOMANIA

Nos estudos sobre o Egito antigo, dois conceitos são essenciais

para a construção do conhecimento neste campo: egiptomania e

egiptologia. Mais do que diferenciá-los no sentido morfológico, estes

dois saberes se construíram- ou pelo menos pareceram se construir- por

muito tempo, curiosamente, como áreas isoladas, sem diálogo.

Agregado a essa diferenciação, entra a hierarquia entre eles, onde a

Egiptologia estaria, supostamente, num patamar de superioridade.

O ramo da egiptomania se debruça sobre objetos de pesquisa que

foram produzidos não naquele Egito da Antiguidade, mas depois dele ou

por povos de fora do Egito, como os gregos por exemplo, produzindo

representações de outro contexto, que se apropriam de atributos

egípcios. Como bem explica Bakos, egiptomania é “a reinterpretação e o

re-uso de traços da cultura do antigo Egito, de uma forma que lhe

atribua novos significados”31

, sendo este,

(...) um fenômeno que tem a característica básica

de conjugar ciência e imaginação. Afinal, a

egiptomania se desenvolveu da conjunção entre as

de scobertas acadêmicas, o saber popular e os

relatos de viajantes e escritores, tendo se

alimentado continuamente do repertório ilimitado

de crenças e mitos universais.32

É interessante notar como a percepção dicotômica e hierarquizada

da egiptomania versus egiptologia refletem o eterno dilema entre a

objetividade científica e a subjetividade.Tendo isto em vista, esta

pesquisa acaba por colaborar para desconstruir este tipo de abordagem

hierarquizada, pelos motivos citados a seguir:

Assim, a egiptologia, ciência que estuda as coisas

egípcias, de forma científica, cartesiana, tornou-

se, pelos seus princípios metodológicos

racionais e lógicos, mais valorizada que a

31

BAKOS, op.cit, p. 10. 32

Ibdem, p. 10.

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egiptomania, que analisa práticas muito mais

antigas, valorizando os aspectos emocionais das

criações. É que essa última não condiciona a

apropriação de elementos do antigo Egito, ao

conhecimento específico e erudito de seu

significado original, à época de sua criação, mas à

sensibilidade daqueles que a utilizam, seja para

expressão artística, seja para a venda de algum um

produto.33

Em suma, o estudo de representações do Antigo Egito se faz

importante para compreendermos os sujeitos que fazem a apropriação,

sua biografia e seu contexto, o porquê de terem escolhido elementos

egípcios, que tipo de discurso se pretende legitimar, como essas

representações são recebidas/percebidas pelo público-alvo e qual o

Egito que se busca “resgatar”, o Egito propriamente africano ou o Egito

europeizado.

Vale ressaltar que os estudos na área de representações tanto do

Egito como de outras sociedades antigas, cresce cada vez mais dentro

dos espaços acadêmicos.As pesquisas tem foco na análise da utilização

ou apropriaçoes de elementos do mundo antigo como uma forma de

legitimidade social/cultural na conteporaneidade. O próprio projeto

“Egiptomania no Brasil. Séc. XIX e XX” aprovado pelo CNPq em 2001,

que deu origem a diversas pesquisas, como a da egiptóloga Dra.

Margaret Bakos34

, assim como a criação da linha de pesquisa na UFF-

Universidade Federal Fluminense- dentro do NEHMAAT35

, chamada

“Usos do Passado no Mundo Moderno e Contemporâneo”, são

exemplos dessa crescente demanda.

33

BAKOS, M. M. O Egito antigo: na fronteira entre ciência e imaginação.

Disponível em www.pucrs.br/ffch/historia/egiptomania/publicacoes/egito2.pdf,

p. 5. 34

Atualmente é professora adjunto da Pontifícia Universidade Católica do Rio

Grande do Sul-PUC/RS. 35

NEHMAAT- Núcleo de Estudos em História Medieval, Antiga e Arqueologia

Transdisciplinar.

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2.2. SOBRE A OBRA

Primeiramente, cabe ressaltar aqui a justificativa do uso dessa

fonte. Akhenaton e a revolução espiritual do Egito Antigo (2002) é um

romance muito difundido nos meios esotéricos/espiritualistas, pois está

na 3° edição, e pelo seu conteúdo e proposta, pode ser entendido como

um desdobramento das vertentes desencadeadas pelo MNA- Movimento

New Age- ou Nova Era, como é chamado no Brasil- que será explicado

no capítulo III, pois a tese do respectivo capítulo foi publicada na

mesma época em que o movimento chegou ao país. Essas vertentes

brasileiras possuem algumas características marcantes, a saber:

A identificação das vertentes no Brasil

sintonizadas com a New Age global deve levar em

conta sua ênfase individualista e espiritualista, em

referência a movimentos contraculturais. Esses

fatores constituidores da New Age apontam, no

caso brasileiro, para uma interação com a “cultura

psicológica” e com a tradição espírito-mediúnica. 36

Tradição espírito-mediúnica refere-se aqui à especificidade

religiosa brasileira que, pela sua configuração social e contexto histórico

em que o Kardecismo37

entra no Brasil, acaba por gerar uma mudança

neste Kardecismo francês. Como muitos estudiosos apontam, o que é

chamado de Espiritismo no Brasil atualmente é uma religiosidade que se

diferencia muito do Kardecismo, pois mesmo baseando-se nas obras de

Allan Kardec- codificador da doutrina- agregou aspectos de religiões

36

D‟ANDREA, Anthony. O self perfeito e a Nova Era: individualismo e

reflexividade em religiosidades pós-tradicionais. Edições Loyola, p. 116. 37

Kardecismo é a doutrina sistematizada por Allan Kardec, sob os aspectos

científico, filosófico e religioso, apresentando-se “ sob três aspectos diferentes:

o fato das manifestações, os princípios de filosofia e de moral que delas

decorrem e a aplicação desses princípios”. Livro dos Espíritos. “A partir de

1854 até seu falecimento, em 1869, o trabalho de Kardec foi constituído de

cinco obras básicas: O Livro dos Espíritos (1857), O Livro dos Médiuns (1861),

O Evangelho segundo o Espiritismo (1864), O Céu e o Inferno (1865) e A

Gênese (1868) ”. KARDEC, Allan. O Livro dod Médiuns- ou Guia dos médiuns

e dos evocadores. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2009, p.635, p.

647, p. 648.

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afro-brasileiras e outras características, como o foco na questão da

caridade, que não se manifestam nesta religião na França.

Sobre a obra, insere-se no gênero da literatura mediúnica, que

consiste em uma produção escrita através do médium38

. Cabe

igualmente ressaltar o que se entende por religiões mediúnicas:

Religiões mediúnicas representam um conjunto de

elementos relevantes para a compreensão de

aspectos da realidade brasileira e designam um

traço marcante, e talvez basilar, de nossa cultura:

a crança generalizada em „espíritos‟ e na

possibilidade de manifestação e contato direto

com eles (entidades,orixás, Espírito Santo,

demônios anjos, etc). 39

Este conceito é importante pois, segundo nos é informado, a obra

de Paranhos teria sido orientada pelos espíritos Hermes e Radamés- este

último, o personagem principal que narra a história em primeira pessoa,

sendo o centro do romance sua trajetória de vida, quando acaba por

fazer amizade com o faraó Akhenaton na época em que a Revolução

Amarniana começava a ser planejada.

Diferente da psicografia onde, segundo as crenças uma entidade

escreve pelo médium- a pessoa que recebe o espírito e psicografa a

mensagem- esta modalidade em voga no momento, chamada orientação

ou inspiração acontece quando o médium- neste caso, o escritor Roger

Paranhos- recebe inspirações que o incitam a escrever. Como afirma o

próprio Livro dos Médiuns, é quando se “recebe, pelo pensamento, tanto

no seu estado normal como no de êxtase, comunicações estranhas às

suas idéias preconcebidas”40

. Vale ressaltar que este tipo de narração é

utilizada na História como fonte, sendo o foco da análise a perspectiva

do discurso e do contexto, sem emitir julgamento, por parte do

historiador, se há ou não verdade no discurso.

O autor do livro, Roger Bottini Paranhos, é formado em

Administração e pós-graduado em Sistemas de Informação, dedicando-

38

“Pessoa que pode servir de intermediária entre os Espíritos e os homens.

KARDEC, op. cit, p. 623. 39

D‟ANDREA, op. cit, p. 131. 40

KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. Rio de Janeiro: Federação Espírita

Brasileira, 2009, p. 282-283.

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29

se ao “Universalismo Crístico”41

, como ele mesmo afirma, como

segunda atividade. A Editora do Conhecimento, publicadora da obra,

cujo slogan é “ajudando a humanidade a encontrar a verdade”, é

especializada na edição de livros de conteúdo espiritualista, sendo esta

vertente espiritualista renegada da esfera do espiritismo brasileiro, pelo

motivo de não se enquadrar dentro das regras do Espiritismo da

Federação Espírita Brasileira. Sobre esta vertente, generalizada aqui

como espiritualista, cabe explicar porque não a enquadramos dentro do

termo religião:

Não se trata de nova religião, segundo Magnani,

mas do advento de uma espiritualidade vinculada

a estilos de vida emergentes (padrões de consumo,

discurso e comportamento) resultantes de escolhas

de ordem estética, terapêutica, especulativa e

espiritual. O espiritual é, assim, componente de

um processo de autoquestionamento que se

diferencia da obrigação religiosa.42

A editora da obra em questão engloba diferentes segmentos

espiritualistas, propondo-se a divulgar “diversos caminhos do

conhecimento”43

espiritual, publicando livros da vertente ramatisiana44

,

41

O Universalismo Crístico se propõe a “promover uma visão espiritual

elástica que atenda aos anseios de todos os grupos sociais e religiosos, com o

objetivo de despertar um verdadeiro sentimento de Espiritualidade na

humanidade, incluindo, inclusive, aqueles que se intitulam ateus e agnósticos

por não aceitarem os modelos obsoletos do passado”. Nega-se que seja um

movimento, preferindo ser reconhecida como “uma ação individual consciente,

tolerante e paciente, que se sustenta no diálogo aberto entre todas as religiões”,

para ser o “primeiro passo de unificação verdadeira dos princípios espirituais

trazidos à Terra pelos grandes avatares de nossa história”. Disponível em

www.universalismocristico.com.br/apresentacao/preceitos-do-uc. Acessado em

11 de Novembro de 2013. 42

D‟ANDREA, op. cit, p. 117. 43

www.edconhecimento.com.br. 44

Ramo espiritualista que “segue os ensinos do espírito-guia do médium

Hercílio Mães, chamado Ramatís”, seus seguidores “afirmam que Jesus era na

verdade um anjo que servia de médium a um espírito chamado Cristo

Planetário. São também vegetarianos e têm ligações com o gnosticismo e o

esoterismo. Também procura a doutrina passar um universalismo ocidental e

oriental”, propondo-se a ser um espiritualismo “destituído de rugas sectárias”.

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títulos que tratam de ufologia, umbanda, sincretismo religioso e

romances históricos psicografados por médiuns independentes, tão

criticados pela FEB- Federação Espírita Brasileira por abordar temas

excluídos na esfera do espiritismo “oficial” da FEB . Vale lembrar que o

espiritismo

apresenta um desenvolvimento singular ao ser

transferido para solo brasileiro, ainda na década

de 1870, onde etabeleceu rápido contato com

outras tradições culturais (africanas, indígenas e

luso-brasileiras), numa realidade sócio-econômica

bem distinta daquela que a engedrou. 45

Essa nova realidade deu abertura a sincretismos religiosos e

percepções diferentes e inéditas do sagrado, mesclando o Kardecismo

francês a novas apropriações. O livro Akhenaton- a Revolução

Espiritual do Antigo Egito, exemplo do crescimento e expansão dessas

vertentes, é o 1° volume de uma triologia, cujos outros volumes são

respectivamente Moisés- o libertador de Israel (2004) e Moisés- em

busca da terra prometida (2005).

Faz-se importante, para situar o leitor na próxima etapa de análise

da fonte, situar brevemente a história narrada.

O livro começa com uma breve explicação do espírito Hermes

sobre a Atlântida, que entra na história por ser um lugar onde o faraó

Akhenaton, em um passado remoto, teria passado e vivido na pele de

um dos grandes sacerdotes do Templo do Sol, afirmando que Akhenaton

preparou “a chegada do Divino messias, que viria transformar

definitivamente o cenário espiritual da Terra”46

. O capítulo 1 se dedica a

traçar um histórico do Egito antigo nas palavras de Hermes, que segue

narrando os demais capítulos igualmente em primeira pessoa, na sua

outra vida como um jovem egípcio, odiado pelos irmãos- de mãe

“Para seus discípulos e admiradores, Ramatís coordena a “Fraternidade da Cruz

e do Triângulo”, equipe extrafísica de espíritos oriundos do cristianismo e de

tradições religiosas do Oriente, comprometida em difundir síntese do

conhecimento contido nas doutrinas religiosas e espiritualistas ocidentais e

orientais, a fim de promover a integração da humanidade em torno de valores

éticos e cosmoéticos em comum e a expansão dos horizontes conscienciais

planetários”. Disponível em www.espiritualismo.info. Acessado em 10 de

Novembro de 2013. 45

D‟ANDREA, op. cit, p. 127-128. 46

PARANHOS, op.cit, p.11.

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diferente- e pelo pai, que trabalhava como lavrador com a família. Este

jovem, chamado Radamés,estudava os hieróglifos toda noite com um

sábio senhor, pois almejava ser um dia um sacerdote de Tebas, sua

cidade. Sua vida muda de rumo quando recebe em casa a visita de um

homem chamado Ramósis, sumo sacerdote do Templo de Osíris, que o

convida a servir no Templo, onde passa um bom tempo estudando na

Casa da Vida, época em que acaba conhecendo Isetnefret, filha do sumo

sacerdote Ramósis e ficam noivos.

Por influência do Templo de Osíris e de seu destaque como

médico na Casa da Vida, Radamés recebe um convite para participar de

um jantar na casa real, com o faraó Amenothep III e sua esposa Tii- pais

de Akhenaton- e se intera do assunto discutido: o problema do

crescimento do grupo sacerdotal de Amon, os cabeças raspadas, vindo a

conhecer os filhos do faraó, Tutmósis- o preferido- e Amenothep IV-

desajeitado, magro e com feições estranhas, tratado como fraco e

doente, mas percebido por Radamés como uma criança iluminada,

espirituosa e muito inteligente.

Com a morte do filho Tutmósis, o faraó Amenothep III piorara

seu estado de saúde, e convencido pela esposa Tii, nomeia Amenothep

IV, agora com 15 anos, como co-regente, em nome de Aton. Na

cerimônia, a situação política já estava tensa, na presença do povo e dos

sacerdotes de Amon, em meio a vaias e proclamações. É quando é

revelado atraves de mensagens espirituais a Radamés que ele, assim

como o sogro e a esposa, teriam papel fundamental na revolução

espiritual que ocorreria no Egito. Continuam a viver a rotina, e nos

trabalhos assistenciais de medicina, atendendo o povo, sogro e genro

proclamavam sua fé no deus Aton, conseguindo desta forma alguns

adeptos.

Enquanto isso, na corte, a jovem Nefertiti, filha do vizir Aye,

casa-se com Amenothep IV, não só para ligar o querido vizir ainda mais

à família, mas segundo os planos informados pela espiritualidade a

Ramósis, ela também teria papel importante na revolução, que começa

com o fechamento dos templos dos deuses, causando indignação e

divisão do povo entre Aton e Amon, e estes últimos seguidores odiavam

o faraó por terem perdido prestígio e terras- que o faraó havia retirado

das mãos dos sacerdotes de Amon e dado aos pobres.

Foi no casamento entre Amenothep IV e Nefertiti que houve a

mudança de nome para Akhenaton, juntamente com a apresentação do

templo em Karnak e obras artísticas que impactaram o povo: seus

retratos caricaturados e também uma estátua do sacerdote de cabeça

raspada Ptahmósis caricaturada, enraivecendo os sacerdotes de Amon na

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cerimônia, explodindo então um tumulto que terminou em sangue e

mortes, mesmo com a segurança do general Horemheb.

Logo após o tumulto, é comunicado à população que todos que

quiserem poderiam ir para uma nova capital junto com o faraó,

alojando-se em barracas no meio do deserto enquanto as habitações não

ficassem prontas. Aye pediu para ficar na antiga capital resolvendo

assuntos burocráticos, assim como Horemheb, que pretendia ter carta-

branca nos assuntos militares. Na mesma época, Nefertiti e a esposa de

Radamés, Isetnefret, estão grávidas e têm uma forte amizade, ambas

participando da vida política do Egito. Akhenaton adoece, e suspeita-se

que seja uma doença mágica, e mais tarde Radamés e seu amigo de

infância Sen-Nefer descobrem que era de fato uma doença mágica

procovada pelos sacerdotes de Amon, que faziam magia dentro do

templo, em uma estátua de Akhenaton, para prejudicá-lo e matá-lo.

Com a visita de um sábio amigo, Radamés é informado da

situação política em Tebas, das conspirações e da traição do vizir Aye. E

enquanto tramam para derrubar Akhenaton do trono, o faraó se ocupa

em viagens de peregrinação, período este em que Nefertiti tornou-se

Semenkhkare, reinando por três anos e cuidando das questões

administrativas, ao mesmo tempo em que epidemias assolavam o Egito

e o próprio filho do casal real, Tutankhaton, adoece e quase morre.

Neste clima tenso, de doenças e instabilidade com os hititas,

Nefertiti, que regia o reino como Semenkhkare, morre envenenada pelos

inimigos, deixando todos temerosos e Akhenaton louco, que passa a

permitir a Horemheb atacar os hititas, decidindo também destruir todas

as imagens de Amon, e apagar seu nome dos templos, iniciando-se um

período de guerra civil. Akhenaton é envenenado por Aye e Ptahmósis,

em uma reunião em que pedia paz enquanto estourava a guerra civil fora

do palácio. Morto o faraó odiado, cuja múmia foi violada e jogada no

Nilo, Radamés, sua esposa e o sogro Ramósis foram perseguidos pelos

seguidores de Amon, sendo Radamés incubido de fugir da cidade de

Akhetaton para Tebas com as crianças do casal real, Tutankhaton e sua

irmã Ankhesepaaton, que mais tarde, nesta mesma cidade são coroados

como o novo casal real sob a tutela de Aye, sendo jovens fantoches das

artimanhas do vizir.

A história tem um final trágico: o sogro e a esposa de Radamés

são condenados à morte por traição e são murados vivos. Tutankhaton e

sua esposa-irmã sofrem um tratamento de choque com os partidários de

Amon, o que leva o pequeno Tut a mudar seu nome para Tutankamon, e

Radamés, desolado com o rumo do Egito sem Akhenaton, com o

fracasso da Revolução que ele tanto acreditava, e com a morte trágica e

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injusta de seu sogro e da esposa amada, se suicida jogando-se de um

precipício. Por este suicídio- ato condenado tanto no Universalismo

Crístico como em outras doutrinas espiritualistas- acaba nascendo na sua

próxima vida (o segundo volume) com problemas de saúde relacionados

com o tipo de morte que teve.

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2.3. RELIGIÃO, DISCURSO E REPRESENTAÇÃO

Antes de analisar-mos o conteúdo da obra, vamos deter-mos na

sua capa e em seu tíutlo, por considerar, como afirma Peter Burke, que

“as imagens têm o seu lugar ao lado de textos literários e testemunhos

orais”47

. Logo, imagens podem ser uma fonte histórica e uma evidência

enriquecedora, trazendo respostas e questionamentos novos para o

historiador, além de trazerem os métodos de análise da iconografia48

e

iconologia49

, criticados por Burke, mas não descartados. Segundo ele,

Pode-se dizer que os historiadores precisam da

iconografia, porém, devem ir além dela. É

necessário que eles pratiquem a iconologia de

uma forma mais sistemática, o que pode incluir o

uso da psicanálise, do estruturalismo e,

especialmente, da teoria da recepção.50

Essas inclusões se fazem necessárias porque são muitas as

críticas a esses métodos de análise iconológica e iconográfica, como o

caso da última, criticada por ser intuitiva em demasia, muito

especulativa, bem como pela falta de dimensão social.51

A análise da

capa do livro será breve em função do recorte temático do trabalho,

porém a análise é considerada importante por se tratar da capa de um

livro, o primeiro contato que o leitor público-alvo tem com a obra se dá

através dessa capa.

Na imagem, apresenta-se um desenho do casal solar, onde

Nefertiti é representada como uma mulher branca e de traços

europeizados, e Akhenaton mesmo tendo uma cor mais morena,

igualmente é representado com traços europeus- o que não condiz nem

um pouco com as imagens e estátuas do casal, e indo de encontro à

questão da africanidade do Egito antigo52

. Além disto, outros elementos

47

BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru, SP: EDUSC,

2004, p.11. 48

Iconografia é a análise do ponto de vista de ler a obra imagética. Ibdem, p.44. 49

Iconologia caracteriza-se por voltar-se para o “significado intrínseco” e

indispensável para os historiadores culturais. Ibdem, p. 44-45. 50

Ibdem, p. 52. 51

Ibdem, p. 50. 52

Ver mais sobre a africanidade do Egito, em voga na historiografia atual em:

FAGE, D. História da África. Lisboa: edições 70, 1997; e no blog

www.afrologia.blogspot.com.br.

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como um sol ao estilo grego atrás do faraó, um rosto de traços também

europeus em uma das colunas da paisagem e símbolos como a cruz

Ankh53

como colar e uma pedra parecida com esmeralda na testa de

Akhenaton, formam no conjunto uma imagem muito surreal e

anacrônica.

Figura 1- Ilustração da capa do livro Akhenaton- a Revolução Espiritual

do Antigo Egito

Fonte: PARANHOS, Roger B. Akhenaton- a Revolução Espiritual do

Antigo Egito. 4° ed. Limeira, SP: Editora do conhecimento, 2006.

O título do livro por si transmite muito da concepção do autor, ao

nomear a Revolução Amarniana como “Revolução Espiritual”. Ele

passa a dar ênfase ao lado religioso e negligencia totalmente os aspectos

políticos e sociais que culminaram na revolução, que como vimos

anteriormente no capítulo I, já estavam aflorando no reinado anterior de

53

A crus Ankh, amuleto e símbolo da vida, só foi utilizado como colar no

período mais remoto da história do Egito, e não no Reino Novo. BUDGE,

Budge. A magia egípcia: pedras, amuletos, fórmulas, nomes e cerimônias

mágicas. Editora Madras.

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Amenothep III. Este romance mediúnico não é a primeira ficção que se

apropria da figura de Akhenaton como um espírito iluminado e sábio;

Ciro Flamarion nos traz exemplos ao analisar os romances A wife out of Egypt (Uma esposa oriunda do Egito), publicado em 1913, e There was

a king in Egypt (Houve um rei no Egito), publicado em 1918, ambos da

escritora Norma Lorimer54

, em que Akhenaton também é representado

dessa maneira, manifestando-se inclusive no contexto da Primeira

Guerra Mundial e influenciando os personagens que viviam nessa

época.

Temos esse mesmo tipo de atitude no personagem Akhenaton de

Paranhos, por exemplo, no trecho em que Radamés foge com as crianças

Tutankhaton e Ankhesepaaton, para escondê-las na necrópole de

Akhetaton enquanto a cidade é saqueada e seus habitantes mortos pelas

tropas do vizir Aye. Escondidos na necrópole, eles testemunharam às

escondidas a violação da sepultura de Akhenaton e Nefertiti, e logo após

ter trazido a múmia, desfigurada e molhada do faraó para a tumba

novamente- pois os saqueadores haviam jogado a múmia no Rio Nilo-

Radamés recoloca a múmia dentro do sarcófago,

(...) antes de recolocar a tampa, fiquei alguns

instantes olhando para o corpo mumificado.

Intuitivamente eu percebi aquela tênue luz

dourada que sempre envolvia Akhenaton durante

seus discursos comoventes, onde ele pregava seu

amor ao deus Aton e aos homens(...) segurei firme

a mão da múmia (...) disse-lhe:

-Onde está o teu deus Aton, meu faraó? Onde está

este deus que te abandona (...)?

(...) Eu estava saindo pela entrada da tumba

quando ouvi (...)

- Não desacredites de Aton, Radamés! Devemos

confiar em Deus mesmo não compreendendo seus

desígnios (...).

Eu me virei para trás e vi Akhenaton,

de pé, belo e sereno, vestindo uma túnica celestial branca e envolvido por maravilhosa luz

dourada. (...)55

54

CARDOSO, op. cit. 55

PARANHOS, op. cit, p. 277-278.

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Akhenaton é aqui representado de um modo angelical, dentro do

arquétipo de “espírito iluminado” que se apresenta em diversos

romances mediúnicos, sendo um personagem que supera a morte física e

manifesta-se interferindo no mundo dos vivos- neste caso, acalmando

Radamés.

O livro de Roger Paranhos é um exemplo brasileiro deste tipo de

representação, que projeta valores cristãos espiritualistas da atualidade

“num contexto especificamente egípcio, o da segunda metade do século

XIV a.C., que nada tinha de hebraico, cristão ou muçulmano”56

. É a

atualidade retomando o contexto da Nova Era, palavra tão repetida ao

longo da narrativa, que atua como fio condutor, pois como a prórpia

contra-capa afirma,

(...) esta não é uma ficção, mas sim a programação

que a Alta Espiritualidade planejou para

concretizar-se no palco terreno e que promoveria

o grande avanço da humanidade encarnada nos

séculos futuros, caso a ação perversa de espíritos

enegrecidos pela ignorância e pelo ódio não

tivessem colaborado para a derrocada do “Grande

Projeto Monoteísta no Antigo Egito”.57

Esta dicotomia que percebemos entre monoteísmo e politeísmo é

mais complexa do que se pensa a primeira vista, pois não são conceitos

estanque, sendo relativos- um cristão, no olhar de um muçulmano, pode

ser politeísta por acreditar na Trindade, por exemplo, e além disso

existem outras categorias entre estes dois conceitos. No caso do Egito

antigo, existiu tanto a “monolatria (concentração de um fiel ou de uma

tendência religiosa num único deus, sem negar que existam outros)

quanto o henoteísmo (assimilação ou síntese de diversos deuses em

favor de um deles)”58

.

No romance, o politeísmo é simplificado e inferiorizado,

encarado como atraso da sociedade egípcia e do restante da humanidade,

retomando inclusive o teor do Antigo Testamento bíblico, quando

Akhenaton afirma “Todos os deuses do Egito não expressam mais a

56

CARDOSO, op.cit, p. 2. 57

PARANHOS, op. cit, contra-capa. 58

CARDOSO, op. cit, p. 3-4.

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verdade da Terra do Poente. Chega de idolatrias! O verdadeiro Deus não

possui forma, pois ele é onipresente, vive em tudo e em todos nós”59

.

A relação não só com a Bíblia, mas com o Cristianismo-

lembrando que Akhenaton viveu no século XIV A.E.C- no livro é muito

forte, dialogando com a idéia de “Universalismo Crístico”, como no

trecho a seguir:

(...) Em meio a uma era primitiva de

desenvolvimento, Akhenaton antecipava as

mensagens de amor e paz do Grande Mestre

Jesus. (...) Foi, certamente, um dos primeiros e

principais representantes do Cristo na história

conhecida pela humanidade terrena após o último

ciclo evolutivo planetário ocorrido na Atlântida.60

A partir do trecho, percebe-se como a representação de

Akhenaton, apropriou-se do embate do mesmo contra o politeísmo,

servindo, este fato, de apoio ao discurso do Universalismo. Mesmo sem

negar outras vertentes e reconhecendo personagens de outras religiões

como Buda e Krishna como avatares, por exemplo, a idéia cristã

prevalece, bem como seus ideais- e aí insere-se o monoteísmo.

Justamente nesta questão reside a construção da suposta contribuição de

Akhenaton e construção de sua representação proto-crística.

É interessante ressaltar que o Universalismo Crístico, que prega

e vê os ensinamentos de Cristo e de outros personagens chamados

“avatares” em diversas religiões orientais e ocidentais, está em voga no

momento, mas é definitivamente recusada pelo Espiritismo brasileiro

(da FEB). Há, no campo das religiões mediúnicas do Brasil, uma disputa

de poder que vem se tornando cada vez mais paritária. Pesquisas

mostram-nos que mesmo não se declarando como professador da

religiosidade espiritualista- ou até mesmo espírita- o número de

consumidores de livros espiritualistas e de centros dessa natureza vêm

aumentando consideravelmente no país todo nos últimos anos- o livro

em questão já está na sua 4° edição. No cenário contemporâneo,

o crescimento do espiritismo é acompanhado pela

sua significativa fragmentação (...) proliferação

de grupos sincrético- esoteristas (como o Vale do

Amanhecer, a Umbanda Esotérica), pelo

59

PARANHOS, op. cit, p. 140. 60

Ibdem, p. 168.

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surgimento de grupos paracientíficos (como a

projeciologia), bem como por centros que se

distanciam das orientações doutrinárias da FEB.61

Isto leva, na atualidade, a um complexo cenário de religiões

mediúnicas no país. Dentre vertentes novas e sincréticas, a idéia de

Universalismo Crístico está em fase de crescimento, carecendo de

pesquisas sobre assunto.

61

D‟ANDREA, op. cit, p. 136.

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CAPÍTULO III- JK E AKHENATON LADO A LADO:

UMA TESE DE DOUTORADO

3.1. A EGIPTÓLOGA RESPIRANDO A NOVA ERA

Ao determo-nos sobre uma tese de doutorado, cabe explicar um

pouco mais sobre o ramo da egiptologia. Seu estudo possui um caráter

científico/cartesiano sobre o Egito Antigo do passado, na conjuntura

histórica da Antiguidade. Este tipo de ciência se tornou mais paupável

e enriquecedora a partir do momento em que o francês Jean François

Champollion conseguiu iniciar os estudos da escrita egípcia- os belos

hieróglifos- a partir da famosa Pedra de Roseta.62

Historicamente, esses estudos se modificaram, agregando novas

técnicas, que passaram a acompanhar as crescentes inovações

tecnológicas; logo, os estudos egiptológicos atualmente envolvem,

além da arqueologia de campo- tumbas, templos, sítios arqueológicos-

pesquisas que utilizam tecnologia de ponta- como testes de DNA para

saber sobre parentesco, tomografias computadorizadas de múmias

como a tão famosa para se descobrir o motivo da morte do jovem faraó

Tutankhamon (filho do Akhenaton tratado aqui), análises em 3D,

reconstituição de rostos a partir de ossadas, entre outros.

Partindo destes pressupostos científicos (ou não), encontramos a

falecida professora de Antropologia da UnB- Universidade de Brasília-

Iara Kern, graduada nos Estados Unidos com especialização em

egiptologia. Ao buscar informações sobre sua trajetória, encontramos

seu nome como uma figura importante nos meios esotéricos e até

mesmo ufológicos, como uma das palestrantes de destaque no evento

ufológico chamado 1° Congresso Internacional de Consciência

Cósmica63

, ocorrido de 7 a 10 de Julho de 1995, em cuja conferência

Kern pareceu chamar muito a atenção, segundo dados de uma

entrevista com ela à Equipe Wolff da AFI- Associação Friburguense de

62

Ao comparar os cartuchos com os nomes Cleópatra e Ptolomeu, o historiador

Chamapolion conseguiu traduzir, como método da comparação, e lê-los em

hieróglifo, demótico e grego. BAKOS, M. M. O que são hieroglifos. Coleção

Primeiros Passos. São Paulo: Editora Brasiliense, 1996. 63

Revista UFO. Edição 38, Centro Brasileiro de Pesquisas de Discos Voadores:

Maio de 1995. Disponível em www.ufo.com.br/edicoes/ufo/ver/38/4.

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Imprensa- "eletrizou a platéia com o tema: Comparação entre os seres

extraterrestres, os egípcios e a cidade de Brasília"64

.

Vale ressaltar que em função de suas pesquisas terem sido feitas

antes da época da digitalização de currículos, teses e dissertações, não

foi possível fazer um mapeamento de toda a trajetória acadêmica da

professora Kern, bem como de seu currículo, nem de dados sobre sua

dissertação, como bibliografia utilizada, orientação e banca

examinadora. Todas as cinco edições publicadas em forma de livro da

tese De Akhenaton a JK: das Pirâmides a Brasília constam no acervo

da Biblioteca da UnB65

atualmente, bem como o livro em inglês The

secret Brasília66

e o documentário67

produzido por ela e Ernani

Filgueiras Pimentel.

Ao analisar esta segunda fonte escolhida, De Aknaton a JK, das

Pirâmides a Brasília, notamos primeiramente que, já no título, a tese da

egiptóloga Iara Kern busca traçar um forte paralelo entre o faraó da 18°

dinastia e o ex-presidente do Brasil Juscelino Kubitschek, colocando-o

ao lado, na própria capa, de uma estátua de um faraó- provavelmente

Akhenaton; e pelo próprio título do livro. A capa chama a atenção pela

mensagem que passa, anacrônica e emblemática: JK a conversar com

uma estátua egípcia, com a mão direita sobre o joelho da estátua,

simbolizando um laço e uma intimidade com este personagem. A

ilustração da capa, assim como as demais oito ilustrações anexadas à

dissertação, tem o intuito de concretizar as concepções da pesquisa,

ilustrando as afirmações feitas ao longo da obra, e foram encomendadas

por Kern ao artista plástico Byron de Quevedo68

e estas telas

64

AFI- Associação Friburguense de Imprensa, localizada em Nova Friburgo,

Rio de Janeiro, fundada em 1957. Entrevista postada em 29 de Janeiro de 2013

no blog da AFI, realizada pela equipe de Ana Maria Wolff. Disponível em

www.associacaofriburguensedeimprensa.blogspot.com.br/2013/01/brasilia-

uma-fantastica-concepcao-de-3.html. 65

www.consulta.bce.unb.br. Acessado em 10 de Outubro de 2013. 66

KERN, Iara; PIMENTEL, Ernani Filgueiras. Secret brasilia(the). Brasilia:

Porfiro, 2001. 67

KERN, Iara, PIMENTEL, Hernani F. Brasília Secreta: enigma do Antigo

Egito. Brasilia: Editora Pórtico, [2000?], colorido, VHS. 68

Formado em Artes Plásticas em Middlesex Country College Edson, New

Jersey, E.UA e formado em Jornalismo pela CEUB- Brasília. KERN, 1991, op.

cit, p. 87.

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comparativas da tese foram inclusive expostas com as telas de Portinari,

em 1984.69

Em entrevista, Byron explica:

Nas dez telas pintadas por mim, procurei dar

beleza e poesia às chamadas coincidências entre

os prédios e palácios brasilienses e as ruínas

egípcias. E foi fazendo o trabalho que fui

verificando que de fato havia grande semelhança

entre as duas arquiteturas. Quanto às questões

místicas sobre o tema, elas são melhores

explicadas pela criadora da tese.70

As telas de Byron, em anexo, representam essa atmosfera mística

que Kern utiliza ao longo da tese. Tais imagens transbordam

anacronismos, representando a pirâmide de Kéops ao lado do Teatro

Nacional de Brasília; embarcações egípcias ao lado de uma lancha

moderna e de um barco ao estilo windsurf, no Lago Paranoá; a

comparação entre o pássaro íbis e o plano piloto da cidade; a pirâmide

de degraus de Saquara ao lado da pirâmide de degraus da CEB-

Companhia Energética de Brasília, entre outros.

69

As dez telas que compõem a coleçao Brasília Mística, de Byron de Quevedo,

entre 16 e 22 de Novembro do ano de 1984 foram expostas na Exposição do

Banco Central. Idem, p. 87. 70

FREIRE, Janaína M. Júnior, Dante F. Um estudo sobre a identidade mística

de Brasília – DF. Revista Geográfica de América Central,Número Especial.

EGAL, 2011: Costa Rica, II Semestre 2011, p. 13.

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Imagem 2- Ilustração da capa do livro De Aknaton a JK: das Pirâmides

a Brasília.

Fonte: KERN, Iara. De Aknaton a JK: das Pirâmides a Brasília. 2ª Ed.

(tese de doutorado). Brasília, 1984.

Para entender-mos a tese de Iara Kern, é preciso compreender o

contexto no qual estava inserida, e provavelmente ativa no sentido de

experimentar e vivenciar esse contexto. Sua tese, publicada em 1984,

também se relaciona com o desenvolvimento do MNA- Movimento

New Age, cujo marco é, segundo Anthony D‟andrea, o ano de 1986 no

Brasil71

. Mas para compreender este movimento, é necessário retornar

ao contexto que lhe deu origem, o da Contracultura. Contestando os padrões da época, a Contracultura

começa nos anos 50 com o movimento beatnik,

seus poetas e mochileiros (...) e se estende em

71

D‟ANDREA, op. cit, p. 11.

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várias frentes na década de 60 (...) uma

perspectiva mais individualizada descobre no

consumo de drogas uma via de liberação e volta-

se para a experimentação de novas substancias

psicoativas (...) essa corrente contestatória atinge

o comportamento sexual e a organização da vida

familiar (...) os valores espirituais, evidentemente,

não ficariam de fora.72

Deste modo, revoltaram-se contra a cultura cristã dos Estados

Unidos, bebendo da fonte de filosofias e religiões orientais. Destaca-se o

fato deste processo de renovação espiritual e busca de caminhos

místicos não ser somente um desdobramento do movimento da

Contracultura, tendo contribuições para isso do transcedentalismo norte-

americano do século XIX, bem como corrente esotéricas e ocultistas

européias73

. Deste modo, surge o Movimento Nova Era, consolidando-

se no início dos anos 70, deixando de ser vista como excentricidade dos

hippies e passando a incorporar outras tendências, como do campo

científico, tornando-se também um campo de negócios na década de

80.74

Como foi dito anteriormente no capítulo II, este movimento, ao

ser introduzido no panorama brasileiro, sofreu mudanças, adequando-se

à realidade sócio-cultural. O New Age (global) entra no Brasil e

transforma-se na Nova Era (local), caracterizada por marcar “pressões

individualizantes e reflexivistas da cultura contemporânea para dentro

do campo religioso”75

.

A estrutura da obra se dá nestes termos: análise das coincidências

e simbologias arquitetônicas, um breve histórico de Akhenaton, o Hino

ao Sol, o presidente Kubitschek e a construção de Brasília e demais

reflexões. Primeiro, ela mostra as semelhanças que encontrou entre o

Egito antigo e Brasília, dando como exemplo o lago e prédios públicos,

misturando Kabalah hebraica e numerologia do Tarôt Egípcio,

caracterizando-se como uma típica New Ager, a saber:

New agers incorporam e hibridizam novos e

antigos conhecimentos, para satisfazer demandas

72

MAGNANI, José G. C. O Brasil da Nova Era. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,

2000, p.11, 12. 73

Ibdem, p. 12. 74

Ibdem, p. 15. 75

Ibdem, p. 23.

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existenciais e materiais e gerar novos sentidos de

vida, Diversos fatores motivam tal atitude: alta

escolaridade, ceticismo, curiosidade (...) Essas

combinações ocorrem de forma intensa e

contínua, estabelecendo potencialmente, assim,

um processo de revisão permanente de práticas e

crenças.76

As chamadas por ela de “coincidências” são tantas e de naturezas

tão diferentes- englobando um discurso esotérico77

e ocultista- que não

cabem nesta discussão das representações de Akhenaton que ficarão

mais na esfera do social, cultural e político.78

No entanto, é interessante

mencionar os exemplos que, para Iara Kern, seriam evidências de que o

Egito estaria implantado em Brasília: relação entre o Lago Paranoá e o

Rio Nilo, bem como suas aves aquáticas79

; pirâmide de degraus egípcia

e paralelo com a “pirâmide de degraus” da CEB- Companhia de

Eletricidade de Brasília80

; o Memorial JK é revestido de mármore,

mesmo material de que eram revestidas as pirâmides egípcias81

; a Igreja

Católica de Santa Cruz “é igual a uma Tumba Faraônica”82

; a Ordem

Rosa Cruz e o edifício do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq)

seriam semelhantes ao Ramsium de Ramsés II83

; a fisionomia dos

habitantes de Brasília seria semelhante a dos antigos egípcios84

; além de

“semelhanças” entre JK e Akhenaton, como a afirmação de que ambos

76

Ibdem, p. 23. 77

Como Magnani, compreendo por esotérico “toda vasta gama de práticas

alternativas que estão relacionadas amplamente ao movimento New Age, que

incorpora vertentes esoteristas, alternativistas, paracientíficas, orientalistas.

Ibdem, p. 121. 78

Como na discussão trazida por Koselleck, futuro e passado são objeto de

estudo da História como ciência, sendo que este conhecimento do passado

histórico é sempre revisto e modificado pela percepção dos agentes históricos

do presente. KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à

semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro (RJ): Pontifícia Universidade

Católica do Rio de Janeiro, 2006. 79

KERN, op. cit, p. 26. 80

Ibdem, p. 30. 81

Ibdem, p. 37. 82

Ibdem, p. 37. 83

Ibdem, p. 37. 84

Bdem, p. 39.

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“viveram somente 16 anos após a inauguração de suas cidades e ambos

tiveram morte violenta”85

.

No capítulo “o faraó Aknaton”, Kern resume a trajetória de vida

dele- a mudança de nome, duração de seu reinado e sua “luta áspera

contra os sacerdotes de Amon, detacando o novo culto a Aton e a

construção de uma nova capital no Médio Egito”86

. Logo após citar o

Hino ao Sol, Kern afirma que seu autor foi Akhenaton e que ele “muito

tem a ver com a nova capital brasileira”.87

Nota-se que houve a

necessidade, para sua tese, de se apropriar de Akhenaton, e entrando em

detalhes, de um Akhenaton que ela escolheu como representação.

Seu estudo de modo algum se propõem a fazer uma análise das

construções arquitetônicas de Brasília com inspiração no Egito Antigo:

estilo, uso do formato triangular e piramidal, sua relação com a cabala e

com o tarô egípcio, como idéia de representações do Egito antigo. Kern

não quer fazer uma análise pela via da Egiptomania, ela tem a

necessidade e a preocupação de relacionar o ex-presidente a Akhenaton,

de modo implícito em alguns trechos, fazer com que tenham uma

relação direta- deveras exagerada.

85

Ibdem, p. 39. 86

KERN, op. cit, p. 49. 87

Ibdem, p. 56.

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3.2. RELAÇÃO ENTRE EGITO E BRASÍLIA: DESVENDANDO A

REPRESENTAÇÃO DE AKHENATON EM JK

Esta relação direta entre Akhenaton e JK foi o que tentou ser

demonstrado no capítulo seguinte da tese, “Juscelino Kubitcheck de

Oliveira e a construção de Brasília”, pois embasada no livro escrito por

JK intitulado Meu caminho para Brasília88

, afirma que “o conhecimento

que o presidente possuía do Antigo Egito, especialmente da época do

faraó Aknaton era tão grande e notória,”89

. Para afirmar esta relação,

traz trechos do livro em que JK escreveu não só sobre o Egito, mas

especificamente sobre o faraó:

Recordei a beleza, aureolada pelo infortúnio, da

rainha Nefertiti e o visionarismo do seu marido

Amenófis IV ou Akhenaton- o “Faraó Herege”.

Apesar da minha formação religiosa, não escapei

ao fascínio daquela estranha personalidade, misto

de sonho e audácia, cuja obra de reformador

constituiu, durante algum tempo, uma das

preocupações do meu espírito.90

Mas audácia não é, para Kern, a única característica que seria

comum aos dois homens: JK era maravilhado pela história de

Akhenaton, como no trecho a seguir:

Levado pela admiração que tinha por esse

autocrata visionário, cuja existência quase

lendária eu surpreendera através das minhas

leituras em Diamantina, aproveitei minha estada

no Egito para fazer uma excursão até o local, onde

existira Tell El-Amarna (...) Hoje, tanto tempo

decorrido, pergunto-me, às vezes, se essa

admiração por Akhenaton, surgida na mocidade,

não constituiu a chama, distante e de certo modo

romântica, que ascendeu e alimentou meu ideal,

realizado na maturidade, de construir, no

88

OLIVEIRA, Juscelino K. De. Meu caminho para Brasília. Volume 1: A

experiência da humildade. Rio de Janeiro, Bloch Editores, 1974. 89

KERN, op. cit, p. 59. 90

Ibidem, p. 60.

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Planalto Central, Brasília- a nova Capital do

Brasil.91

Ou seja, ao construir Brasília (anos após sua viagem ao Egito) JK

tinha consciência da influência que seu contato com o Egito teve para

conceber seu projeto. Ele afirma que construiu a cidade para as futuras

gerações, como mostrado no trecho a seguir:

Lembro-me agora, do que me disse, um dia, a

princesa Marina da Grécia, duquesa de Kent,

quando a levei para conhecer Brasília. Ao ver a

cidade, que naquela época- meados de 1958- era

apenas um gigantesco canteiro de obras,

comentou extasiada: “O senhor constrói,

Presidente, como os faraós do Antigo Egito o

faziam.” Sorri, mas corrigi a observação: “Quanto

à monumentalidade, é possível que sim, Alteza,

mas quanto aos objetivos, seguimos caminhos

diametralmente opostos. Os faraós construíam

para os mortos, e eu construo para as gerações do

futuro.”92

O final deste trecho escolhido por Kern ilustra bem o contexto de

JK, bem como seus objetivos como presidente eleito: acelerar o

desenvolvimento econômico do país, prometendo fazer em 5 anos o que

demoraria 50 anos, e integrar a nacionalidade com a contrução de

Brasília e de estradas desde a Amazônia, das chapadas do Oeste e do

litoral convergirem até a nova capital.93

Como no exemplo acima, o

discurso de JK sobre a integração nacional é retomado pela egiptóloga,

pois para o presidente esta questão perpassava pelo nacional-

desenvolvimentismo, consolidando-se como sua marca e seu projeto

político-social.

Sua campanha presidencial fora diferente dos precedentes Dutra e

Vargas, com o slogan “50 anos em 5” e com a idéia de colocar o Brasil

no patamar dos chamados “países desenvolvidos”. O programa de

91

Ibdem, p. 60. 92

Ibdem, p. 61. 93

MOREIRA, Vânia M. L. “Os anos JK: industrialização e modelo oligárquico

de desenvolvimento rural”, p.157-158. In: FERREIRA, Jorge; ALMEIDA,

Lucilia de (org). O Brasil Republicano- o tempo da experiência democrática:

da democratização de 1945 ao golpe militar de 1964. 2° ed- Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2008.

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governo contava com o Plano de Metas, “um documento essencialmente

econômico”94

segundo Vânia Moreira, que a princípio incorporou a

construção de Brasília, para mais adiante acabar transformando-a em

uma das prioridades de JK. “Ele situava Brasília, aliás, em lugar de

destaque, considerando-a a „grande meta de integração nacional‟ ou,

ainda, a „meta-síntese‟ de sua administração”.95

Como um todo, o Plano

de Metas pretendia aprofundar o processo de industrialização,

incentivando investimentos com capital nacional e estrangeiro, bem

como investimentos estatais na infra-estrutura do país. Pode-se dizer que

referindo-se a questão energética, transpote, infra-esturtura,

pavimentação asfáltica, entre outros, o plano teve sucesso, contexto

lembrado por muitos como os “anos dourados”96

, repletos de esperanças

no futuro.

É interessante perceber o quanto este discurso político está

atrelado ao discurso místico de Kern, partidária- ao que tudo indica- da

postura de JK, dentro do contexto em que escreveu a obra, 1984.97

Com

afirmações como “a fé, a certeza e a confiança na finalidade de sua obra,

o levaram a construir a cidade do terceiro Milênio- Brasília”98

, a

egiptóloga desconsidera o contexto político do Brasil na época, assim

como que tipo de nacionalismo e desenvolvimentismo era esse proposto

pelo presidente. Desde os anos 1930, o país contrói uma ordem burguesa

e um Estado nacional, não rompendo com o latifúndio, podendo-se

afirmar que “o período JK foi, de fato, um momento de ampla expansão

da grande propiedade capitalista da terra”99

, e que a internacionalização

do capitalismo brasileiro fortaleceu a burguesia industrial, social e

politicamente, além de complexar a burocracia estatal.100

Ao trazer a imagem de um Juscelino idealizado, vangloriando

seus feitos- desde a criação do concurso para o Plano Piloto até a

94

Ibdem, p. 159. 95

Ibdem, p. 159. 96

A expressão “anos dourados” refere-se aqui ao tempo da Bossa Nova, do

Cinema Novo, da vitória do Brasil na Copa Jules Rimet de Futebol e o

sentimento de nacionalismo que contagiava a população brasileira neste

contexto. ALMEIDA, Lúcio F. R de. A ilusão do desenvolvimento:

nacionalismo e dominação burguesa no anos JK. Florianópolis: Ed. Da UFSC,

2006. 97

O exemplar que utilizo é de 1991, 3° edição. 98

Kern, op. cit, p. 62. 99

ALMEIDA, op. cit, p. 10. 100

Ibdem, p. 10.

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50

construção rápida da nova capital em “três anos e dez meses”101

, Kern

deixa de lado qualquer esboço de crítica na esfera política, mesmo o

presidente esndo uma figura emblemática na história do Brasil,não

havendo um consenso sobre seu mandato, pois

O nacionalismo, em quaisquer das suas fases, foi

um instrumento adequado para a classe dominante

encontrar alguma unidade (...) Mas sob o governo

de JK serviu de invólucro para um esforço de

hegemonia burguesa, associando o discurso

nacionalista-populista com o da democracia e

ainda com a racionalidade técnica.102

Kern exalta o presidente Juscelino- em função do discurso da

nova capital do terceiro Milênio, olvidando-se das tantas críticas que, na

época do mandato (1956-1961)103

, caíam sobre ele, principalmente com

relação ao salário mínimo e à construção da nova capital.104

Apesar da ressalva, Kern insiste em afirmar que JK nos deixou

nas obras um “sentimento místico que envolve a cidade”105

. Vale

ressaltar que este “sentimento místico” é interpretado por Kern como

uma mescla de diversos elementos de natureza fantástica- como o mito

de Dom Bosco106

e suas visões sobre o Planalto Central- que almejam

legitimar Brasília como uma cidade diferente das demais.

101

KERN, op. cit, p. 64. 102

ALMEIDA, op. cit, p. 11. 103

MOREIRA, op. cit, p.158. 104

JK afirmava que as comissões peritárias, encarregadas de estudar o assunto

salarial, não fariam aumentos em função de que se houvesse um aumento

salarial para os trabalhadores, consequentemente o custo de vida aumentaria.

Outro assunto de críticas era a construção de Brasília, que “para muitos era uma

opção catasfrófica”, por trazer enormes gastos aos cofres públicos. De fato, no

fim do mandato já se sentiu uma crescente inflação no país, que se agravou mais

adiante. Ver AlLMEIDA, op. cit, p. 247-248. 105

Ibdem, p. 61. 106

“Em 1883, um padre católico italiano, Dom João Bosco, da ordem de São

Francisco de Sales, a sonhou. Ele, que jamais estivera no Brasil, nela anteviu a

sede de uma nova era, de equilíbrio, progresso e espiritualidade. Registrou a

profecia – com as minúcias de sua localização geográfica - num diário, que, ao

se tornar público após sua morte, provocou reações de surpresa e entusiasmo no

Brasil, já no início do século XX”. FREIRE, op. cit, p. 2.

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Brasília foi construída no século XX, como a

grande programação de construir a capital do

terceiro Milênio, para receber no seu âmago, toda

essa estrutura Mística, que se observa por toda

parte. Ora na sua arquitetura, ora na simbologia,

ora no seu próprio povo.107

Este tipo de visão quase mitológica de Brasília, apresentada por

Kern, é uma idéia antiga e reapropriada em diversos casos e contextos,

principalmente com fins turísticos.

O turismo místico é um segmento de reconhecido

potencial em Brasília. O Vale do Amanhecer, o

Templo da LBV, a Cidade da Paz, a Cidade

Eclética, o sonho profético de Dom Bosco, os

inúmeros templos religiosos, os monumentos em

forma de pirâmides e as incríveis semelhanças

com o Egito Antigo são elementos que integram o

roteiro mágico da cidade. O misticismo de Alto

Paraíso, no Estado de Goiás, a 284 km de Brasília,

contribui significativamente para aumentar o

fascínio daqueles que se interessam pelos

mistérios do Planalto Central.108

Deste modo, percebe-se como a tese de Kern ajuda a alimentar

todo um imaginário que já existia, legitimando o turismo místico de

Brasília como grande centro ecumênico109

e como lugar nascido do

misticismo.

Percebe-se a presença de dois mitos que constituem a cidade: “o

primeiro se refere à cidade moderna e planejada e o segundo à terra

prometida, idealizada como o berço da nova civilização”110

. São várias

as vertentes que enxergam Brasília como uma cidade mística e

sobrenatural, relacionada à profecias, como a de Dom Bosco, e à Nova

107

KERN, op. cit, p. 66. 108

GAMA, James. Brasília, a terra prometida: turismo místico e religioso na

capital do país. Monografia em Gestão e Marketing do Turismo, Universidade

de Brasília-UnB, 2004, p. 25. 109

Estima-se que existam mais de 2.600 templos de diversas seitas e religiões

no Distrito Federal. GAMA, Ibdem, p. 1. 110

FREIRE, op. cit, p. 14.

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Era. “A sociedade Eubiótica111

também trouxe algumas profecias.

Tratou de temas como a potencialidade evolutiva da América do sul, em

que o Brasil, como área central do território, seria „o Ponto de origem, o

berço de uma nova civilização‟ ”112

.

Entrando em assuntos metafísicos, Kern nos traz especulações

delicadas. Em nenhum momento ela usa, de seu próprio punho, a

palavra “reencarnação”. Porém, esta questão entra indiretamente na sua

tese, pois “os mistérios elucidam-se ainda mais quando recorremos às

explicações fornecidas pela Sociedade Brasileira de Eubiose, sediada em

Brasília”, ao que explica:

As cenas do filme de Pedro Torre- De Aknaton a

JK- mostram uma sequência de fotogramas

comparativos em que se pode ver uma

surpreendente semelhança física entre os dois

“faraós” (referindo-se a Akhenaton e a JK).

Ambos vem a morrer 16 anos após a inauguração

das novas capitais e em circunstâncias trágicas.113

Logo, o perfil de Akhenaton se projeta em JK, em suas obras, sua

suposta personalidade inovadora, ousada e visionária. O Akhenaton

representado aqui, através de JK, é um homem que via além de seu

tempo, sendo mal entendido por vários contemporâneos seus, que se

colocam contra seu projeto „revolucionário‟. A reforma religiosa

empregada por Akhenaton e a mudança da antiga capital Tebas para

Akhetaton está, para a egiptóloga, em relação direta com a mudança da

capital do Brasil para o vazio demográfico do Planalto Central. Inclusive

a rapidez com que estes dois projetos foram concluídos também é

comparada.

Através de sua obra, que usa Akhenaton construído com bases em

documentos históricos como o hino a Aton e outros dados da egiptologia

retirados de pesquisas com muita credibilidade por estudiosos como

Cyryl Aldred e Christian Jacq com relação à Revolução de Amarna, a

egiptóloga agrega a este perfil valores que não constam nestes estudos,

pois estão fora do alcance do historiador.

111

A sociedade brasileira de eubiose, cujo slogan é “spes messis in semine” (a

esperança da colheita reside na semente), trabalha com estudos de religiões

comparadas, preocupados com a chamada “elevação da consciência humana”.

Ver mais no site www.eubiose.org.br. 112

FREIRE, op, cit, p. 6. 113

KERN, op.cit, p.72.

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A representação de Akhenaton é construída junto à representação

de JK, e vice-versa, e estas representações se constrõem em simbiose,

numa via de mão-dupla. A política, os interesses, e o contexto histórico

em que estes dois personagens estavam inseridos fogem da tese, para

dar lugar a um discurso de homens visionários que pensavam em um

bem comum, fruto do imaginário de Iara Kern, influenciada pelo seu

contexto.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a análise das respectivas fontes, retomaremos os

pressupostos de representação de Henri Lefebvre. As duas

representações se formulam em condições históricas distantes, porém

não tão diferentes, pois ambas estão inseridas no movimento Nova Era,

uma pelo contexto da autora- que publica a tese em 1984, e por sua

participação em eventos ufológicos- e a outra ( do ano de 2000) pelo

objetivo da obra e da Editora do Conhecimento- o chamado

“esclarecimento” espiritual.

Sobre a evocação de novos conceitos, penso que o conceito de

egiptomania é recente, bem como seus estudos, estando atrelados, como

neste caso, a um contexto político, o que torna a representação muito

mais intrigante e complexa, enriquecendo seu estudo. A representação

não se desliga totalmente do seu significado original, por isso foi feito

uma espécie de trabalho de genealogia, como diz Lefebvre, ao tentar

buscar o personagem Akhenaton histórico, sem anacronismos e dentro

do seu próprio contexto.

Por fim, Lefebvre afirma que as representações “pretendem ser

verdadeiras e atuantes”, e isso é verificável nos respectivos discursos da

tese e do romance. A tese da egiptóloga que respira a Nova Era, utiliza a

representação de Akhenaton em JK, aproximando os dois homens para

legitimar a cidade de Brasília como uma capital da Novo Milênio,

inspirada na sabedoria egípcia em todos os detalhes de seu planejamento

e construção, fornecendo provas materiais para isso, como a arquitetura

comparada-à sua maneira. O discurso de cunho espiritual do romance de

Paranhos igualmente tenta ser verdadeiro, ao afirmar que “esta não é

uma ficção, mas sim a programação que a Alta Espiritualidade

planejou”114

, justificando também que “Jesus deveria ter nascido em

solo egípcio e pregado suas verdades imorredouras às margens do

sagrado Nilo em meio à mais desenvolvida e espiritualizada das

civilizações da Idade Antiga.

O caráter dinâmico se percebe nas duas fontes, quando

entendidas dentro do contexto de cada uma, pois ambas refletem

momentos espiritualistas em seus respectivos discursos, um de

legitimação da cidade e o outro na idéia do Universalismo Crístico. Isto

confirma a concepção de que as representações de fato falam mais sobre

o contexto do presente- momento da apropriação- do que do objeto

apropriado.

114

PARANHOS, op. cit, contra-capa.

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Percebemos que esse New Age global, “religião invisível pós-

tradicional, sem igrejas, sem doutrinas oficiais ou sacerdotes”115

é

encontrado nos meios mais inesperados, até mesmo como fio condutor

de uma tese, como é o caso de Iara Kern. Isto demonstra que este

movimento passa muito além apenas da esfera do espiritual, pois Kern

tenta concretizar suas relações entre Egito e Brasília.

As duas representações brasileiras de Akhenaton foram

construídas em processos culturais e sociais específicos, sendo que “o

socioeconômico e o cultural entrecruzam-se no plano das subjetividades,

com formas emergentes de vivenciar-se e significar o transcendente”116

.

O fato deste transcendente estar presente na tese de Iara Kern não de

uma forma distanciada de análise, lança a pergunta: existiria então uma

fronteira clara entre egiptologia e egiptomania, e qual seria? A

separação existe e estes dois saberes sustentam-se por discursos

diferentes. Estariam distantes, na prática, os discursos da egiptomania e

da egiptologia?

A tese de Iara Kern é um exemplo brasileiro, gritante e

exagerado, que demonstra muito bem como a ciência da egiptologia não

está e nunca foi imune à egiptomania. Da mesma forma, as lacunas da

história que a egiptologia não preencheu serão motivo de especulação na

área da egiptomania, bem como as partes já preenchidas, que são

resignificadas nessas novas representações, como é o caso da questão do

monoteísmo.

Esta análise, ao comparar as duas fontes- uma como representante

da egiptologia e outra como representante da egiptomania- demonstra

que ambas fazem trocas e dialogam, algumas vezes mais, outras menos-

no caso de Kern, o diálogo com a egiptomania foi espantosamente

grande e perceptível, mas há casos em que a egiptologia lança mão da

egiptomania de um modo tão discreto e racional, que parece ser

egiptologia “pura”. Por este motivo, o estudo das representações de

Akhenaton trouxe uma interessante resposta à problemática,

demonstrando que mesmo constituindo-se por discursos diferentes e

hierarquizados, egiptomania e egiptologia, na prática, se aproximam,

dialogam e se misturam, pois estes dois saberes são, antes de tudo,

representações.

115

D‟ANDREA, op. cit, p. 209. 116

Ibdem, p. 136.

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ANEXOS

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ANEXO I- “A catedral de Brasília está dentro da simbologia antiga”. KERN,

Iara. De Aknaton a JK: das Pirâmides a Brasília. 2ª Ed. (tese de doutorado).

Brasília, 1984, p.91.

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ANEXO II- “A simbologia de Brasília através do Congresso Nacional e no dia

do seu aniversário”. KERN, Iara. De Aknaton a JK: das Pirâmides a Brasília. 2ª

Ed. (tese de doutorado). Brasília, 1984, p. 93.

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ANEXO III- “A grande pirâmides de Kéops e o teatro Nacional de Brasília”.

KERN, Iara. De Aknaton a JK: das Pirâmides a Brasília. 2ª Ed. (tese de

doutorado). Brasília, 1984, p. 95.

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ANEXO IV- A pirâmide de degraus de Sakara e a pirâmide de degraus da CEB.

KERN, Iara. De Aknaton a JK: das Pirâmides a Brasília. 2ª Ed. (tese de

doutorado). Brasília, 1984, P. 97.

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ANEXO V- “O cemitério de Brasília (Campo da Esperança) e o gráfico da

filosofia de Pietro Ubaldi. KERN, Iara. De Aknaton a JK: das Pirâmides a

Brasília. 2ª Ed. (tese de doutorado). Brasília, 1984, p. 99.

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ANEXO VI- “As formas triangulares em Brasília, estão constituídas por toda

parte”. KERN, Iara. De Aknaton a JK: das Pirâmides a Brasília. 2ª Ed. (tese de

doutorado). Brasília, 1984, p. 101.

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ANEXO VII- “O Ramsium de Ramsés II está latente em Brasília”. KERN, Iara.

De Aknaton a JK: das Pirâmides a Brasília. 2ª Ed. (tese de doutorado). Brasília,

1984, p. 103.

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ANEXO VIII- “O Barco Solar nas águas do Nilo e o barco movido a energia

solar nas águas do Paranoá”. KERN, Iara. De Aknaton a JK: das Pirâmides a

Brasília. 2ª Ed. (tese de doutorado). Brasília, 1984, p. 105.

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ANEXO IX- “A evolução do pássaro ibis até a chegada do plano piloto”.

KERN, Iara. De Aknaton a JK: das Pirâmides a Brasília. 2ª Ed. (tese de

doutorado). Brasília, 1984, p. 107.