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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE P-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ECONOMIA MESTRADO PROFISSIONAL EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL E GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS LOCAIS DISSERTAÇÃO DE MESTRADO O SISTEMA DE MICROCRÉDITO COMO ESTRATÉGIA DE REDUÇÃO DA POBREZA: UMA AVALIAÇÃO NO ÂMBITO DOS MUNICÍPIOS NORDESTINOS WILTON LUIZ MOTA ALMEIDA SÃO CRISTÓVÃO SERGIPE – BRASIL JANEIRO / 2009

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE - ri.ufs.br · Almeida, Wilton Luiz Mota O sistema de microcrédito como estratégia de redução da pobreza : uma avaliação no âmbito dos municípios

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA NCLEO DE PS-GRADUAO E PESQUISA EM ECONOMIA

MESTRADO PROFISSIONAL EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL E GESTO DE EMPREENDIMENTOS LOCAIS

DISSERTAO DE MESTRADO

O SISTEMA DE MICROCRDITO COMO ESTRATGIA DE REDUO DA POBREZA: UMA AVALIAO NO MBITO DOS MUNICPIOS NORDESTINOS

WILTON LUIZ MOTA ALMEIDA

SO CRISTVO SERGIPE BRASIL JANEIRO / 2009

ii

O SISTEMA DE MICROCRDITO COMO ESTRATGIA DE REDUO DA

POBREZA: UMA AVALIAO NO MBITO DOS MUNICPIOS NORDESTINOS

WILTON LUIZ MOTA ALMEIDA

Dissertao de Mestrado apresentada ao Ncleo de Ps-Graduao e Pesquisa em Economia da Universidade Federal de Sergipe, como parte dos requisitos exigidos para a obteno do ttulo de Mestre em Desenvolvimento Regional e Gesto de Empreendimentos Locais.

ORIENTADOR: PROF. DR. JOS RICARDO DE SANTANA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO PROFISSIONAL EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL E GESTO DE

EMPREENDIMENTOS LOCAIS. SO CRISTVO SERGIPE

2009

iii

FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

A447s

Almeida, Wilton Luiz Mota O sistema de microcrdito como estratgia de reduo da

pobreza : uma avaliao no mbito dos municpios nordestinos / Wilton Luiz Mota Almeida. So Cristvo, 2009.

125 f. : il.

Dissertao (Mestrado em Desenvolvimento Regional e Gesto de Empreendimentos Locais) Ncleo de Ps-Graduao em Pesquisa em Economia, Pr-Reitoria de Ps-Graduao e Pesquisa, Universidade Federal de Sergipe, 2008.

Orientador: Prof. Dr. Jos Ricardo de Santana.

1. Economia regional Microcrdito Regio nordeste. 2. Desemprego. 3. Combate a pobreza Sistema financeiro. I. Ttulo.

CDU 336.77(812/813)

iv

O SISTEMA DE MICROCRDITO COMO ESTRATGIA DE REDUO DA

POBREZA: UMA AVALIAO NO MBITO DOS MUNICPIOS NORDESTINOS

Dissertao de Mestrado defendida por Wilton Luiz Mota Almeida aprovada em 23 de Janeiro de 2009 pela banca examinadora constituda pelos doutores:

Prof Dr Jos Ricardo de Santana Orientador Universidade Federal de Sergipe (UFS)

Prof. Dr. Saumneo da Silva Nascimento Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE)

Prof. Dr. Jos Roberto de Lima Andrade Universidade Federal de Sergipe (UFS)

v

DEDICATRIA

Ana Paula, esposa

Luiz Almeida, pai

Maria Iracy, Me

E meus irmos.

vi

AGRADECIMENTOS

Agradeo a Deus, sem qual nada teria sentido.

Ao meu orientador, o professor Dr. Jos Ricardo de Santana, pela dedicao e a

bela orientao despendida.

Aos membros da banca examinadora, os economistas Dr. Saumneo da Silva

Nascimento e Dr. Jos Roberto de Lima Andrade, pela bela contribuio ofertada.

Aos meus colegas de turma.

E a todos que contriburam direta ao indiretamente para o sucesso da pesquisa.

vii

RESUMO

Nas ltimas dcadas o Brasil vem enfrentando uma onda de desemprego que tem impactos nos mais variados indicadores sociais, principalmente nos ndices de pobreza. O desemprego vigente tem reflexo direto nos indicadores de pobreza e atinge principalmente as cidades mais perifricas afastadas dos grandes centros urbanos. diante desse quadro que diversas alternativas foram sugeridas por estudiosos do tema e adotadas por governantes, visando reduzir pobreza e o desemprego. Nas duas ltimas dcadas, uma alternativa enfatizada foi possibilitar o acesso ao crdito s pessoas pobres, com poucas chances de obt-lo no sistema financeiro tradicional, dando-lhes a oportunidade de incrementar ou abrir um negcio no intuito de gerar ocupao e renda para que saiam da linha de pobreza. Assim esse estudo objetiva avaliar o impacto do microcrdito na reduo da pobreza nos municpios nordestinos. Para atingir tal objetivo, foram utilizados recursos economtricos visando subsidiar as concluses desse estudo. Os resultado alcanados indicam que a concesso de crdito no tem influncia significativa na reduo da pobreza, entretanto a concentrao de renda e principalmente a educao mostraram-se ser mais importante no combate a pobreza.

Palavras-chaves: 1. Microcredito, 2. Pobreza, 3. Desenvolvimento Regional e Local.

viii

ABSTRACT

In the last decades Brazil has been facing a wave of unemployment that has impacted in a variety of social indicators, principally in the rates of poverty. The actual unemployment has a direct reflex in the poverty indicators, affecting mainly the suburban areas, remote from the great urbane centres. Therefore several alternatives has been suggested by specialists and adopted by governments, aiming to reduce poverty and the unemployment. In last two decades, an alternative has been emphasized is to make possible financial credit to the poor people that has few chances of obtaining credit in the traditional financial system, giving them the opportunity for developing or opening a business in the intention of producing an occupation and income to take them out of the poverty line. So the aim of this study is to evaluete the impact of the microcredit at the reduction of poverty in Brazils Northeastern cities.To reach such an objective, econometric resources were used with the intention to conclude this study. The results reached indicate that the concession of credit has not significant influence in the reduction of the poverty, and that the concentration of income and principally education has been demonstrated to be more important to the combat of poverty.

Keywords: 1. Microcredit, 2. Poverty, 3. Regional Development Theory

ix

SUMRIO

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ....................................................................... X

LISTA DE TABELAS................................................................................................ XI

LISTA DE FIGURAS E QUADROS ............................................................................. XII

LISTA DE GRFICOS ............................................................................................. XIII

INTRODUO ...................................................................................................... 14

1. CONSIDERAES SOBRE POBREZA E O SISTEMA FINANCEIRO.... 17

1.1. Abordagem sobre a pobreza................................................................ 17

1.1.1. Definio e Mensurao............................................................. 17

1.1.2. A pobreza no mundo................................................................... 24

1.1.3. A pobreza no Brasil e as formas de combate............................. 26

1.2. Consideraes sobre o sistema financeiro e o mercado de crdito..... 30

1.2.1. A Importncia do sistema financeiro na economia...................... 30

1.2.2. O funcionamento do mercado de crdito..................................... 36

1.2.3. O crdito na economia brasileira................................................. 40

2. CARACTERIZAO DO SISTEMA DE MICROCRDITO E SUAS

ESTRATGIAS DE COMBATE A POBREZA............................................ 45

2.1. Caracterizao e trajetria do microcrdito........................................... 45

2.1.1. Caractersticas e definio........................................................... 45

2.1.2. Trajetria do microcrdito no mundo............................................ 47

2.1.3. Trajetria do microcrdito no Brasil.............................................. 50

2.2. Caracterizao dos programas de microcrditos no Brasil................... 53

2.2.1. O programa UNO......................................................................... 53

2.2.2. Rede CEAPE................................................................................ 55

2.2.3. Banco da Mulher.......................................................................... 57

2.2.4. PortoSol........................................................................................ 58

2.2.5. Crediamigo.................................................................................... 60

2.3. O microcrdito como estratgia de combate pobreza........................ 64

2.3.1. Fundamentao do debate........................................................... 64

2.3.2. Exigncias de garantias .............................................................. 69

2.3.3. Sustentabilidade das IMFs........................................................... 75

2.3.4. Focalizao.................................................................................. 79

x

3. O MICROCRDITO E O IMPACTO SOBRE A POBREZA NA ECONOMIA

NORDESTINA.............................................................................................. 84

3.1. Caracterizao da economia nordestina................................................ 84

3.2. A influncia da oferta de microcrdito no ndice de pobreza em municpios

nordestinos.............................................................................................. 88

3.2.1. Caracterizao da pesquisa........................................................... 88

3.2.2. Aspectos metodolgicos................................................................. 89

3.2.2.1. O mtodo.............................................................................. 89

3.2.2.2. Os modelos economtricos.................................................. 91

3.2.2.3. Base de dados...................................................................... 95

3.2.3. Resultados empricos...................................................................... 99

3.2.3.1. Corte por tamanho econmico............................................. 102

3.2.3.2. Corte por estado.................................................................. 110

3.2.3.3. Corte por cidade sede de agncias..................................... 112

4. CONSIDERAES FINAIS............................................................................ 118

5. BIBLIOGRAFIA............................................................................................... 121

xi

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BNB - Banco do Nordeste do Brasil

BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social

CEAPE - Centro de Apoio aos Pequenos Empreendimentos

CEPAL - A Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe

ENDEF - Estudo Nacional da Despesa Familiar

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

IDH-E - ndice de Desenvolvimento Humano educao

IMF - Instituio Micro Financeira

IPEA - Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

LPA - Linha de Pobreza Absoluta

M1 - Moeda em poder do pblico + depsito a vista nos bancos

M2 - M1 + ttulos pblicos

MPME - Micro Pequenas e Mdias Empresas

ONG - Organizao no Governamental

ONU - Organizao das Naes Unidas

OSCIPS - Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico

PIB - Produto Interno Bruto

PNUD - Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento

SPC - Servio de Proteo ao Crdito

TIR - Taxa Interna de Retorno

UNICEF - Fundo das Naes Unidas para a Infncia

UNO - Unio Nordestina de Assistncia a Pequenas Organizaes

VPL - Valor Presente Lquido

xii

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Diferentes Estimativas da Taxa de Pobreza para os Estados Brasileiros

2002 ..............................................................................................................20

Tabela 2 Os dez estados do Brasil com maior percentual de pessoas pobres em

1991...............................................................................................................27

Tabela 3 Evoluo do crdito total entre 2003 e 2006 ........................................41

Tabela 4 Desembolso Anual do Sistema BNDES (R$ milhes de 2006 ..........43

Tabela 5 Clientes Atendidos e Emprstimos Desembolsado por Estado Perodo

1998 a 2007 .................................................................................................62

Tabela 6 Resumo das Estatsticas Descritivas ....................................................99

Tabela 7 Equaes com variveis determinantes da pobreza dos municpios

nordestinos em 2000. ................................................................................100

Tabela 8 - Resumo do Teste de White para deteco de heteroscedasticidade.101

Tabela 9 Equaes com variveis determinantes da pobreza dos municpios

nordestinos com PIB menor que R$ 50,00 milhes, em 2000. ..........103

Tabela 10 Equaes com variveis determinantes da pobreza dos municpios

nordestinos com PIB entre R$ 50,00 milhes e R$ 100,00 milhes, em

2000. .............................................................................................................105

Tabela 11 Equaes com variveis determinantes da pobreza dos municpios

nordestinos com PIB entre R$ 100,00 milhes R$ 200,00 milhes, em

2000................................................................................................................ 107

Tabela 12 Equaes com variveis determinantes da pobreza dos municpios

nordestinos com PIB entre R$ 200,00 milhese R$ 500,00 milhes, em

2000. ............................................................................................................. 109

Tabela 13 Equaes com variveis determinantes da pobreza dos municpios

nordestinos de estados selecionados, em 2000. ..................................111

xiii

Tabela 14 Equaes com variveis determinantes da pobreza dos municpios

nordestinos em 2000. Corte por cidade sede. .......................................113

xiv

LISTA DE FIGURAS E QUADROS

Quadro 1 Estimativa da Atividade total de microfinanas no Brasil. ................51

Quadro 2 - Instituies de microfinanas no Brasil com mais de 2.000 clientes ativos

(2001). . ........................................................................................................52

Figura 1 Resultados acumulados do Crediamigo de 1998 a 2000. . ...............61

xv

LISTA DE GRFICOS

Grfico 1 Proporo de pessoas que vivem com menos de US$ 1 por dia no

mundo em 1990, 1999 e 2004. ................................................................24

Grfico 2 Percentual de pessoas pobres por regio em 1991 e 2000..............28

Grfico 3 Taxa de juros vesus receita do emprestador. . ...................................39

Grfico 4 Razes alegadas pelos bancos para no conceder os emprstimos

solicitados em So Paula. 1999. . ...........................................................70

Grfico 5 Razes alegadas pelos bancos para no conceder os emprstimos

solicitados em So Paula. 2004. . ...........................................................71

Grfico 6 Percentual de Pessoas Pobres nas Regies Brasileiras. .................87

16

INTRODUO

H algumas dcadas, o Brasil vem enfrentando uma onda de desemprego

que tem impactos nas mais variadas esferas sociais, inclusive segurana com

aumento da criminalidade. O baixo nvel de emprego nesse perodo tem explicaes

conjunturas, j que, principalmente a partir dos anos 90, vm sendo adotadas

polticas restritivas de combate inflao; e tem explicaes estruturais, uma vez

que com as mudanas nos paradigmas tecnolgicos fazem-se necessrias novas

qualificaes por parte dos trabalhadores, que muitas vezes no conseguem se

adequarem s novas exigncias. Da mesma forma, as inovaes na informtica,

comunicao e eletrnica aumentaram consideravelmente a produtividade do

trabalho efetivo diminuindo a demanda por mo-de-obra.

Tal situao mais grave ainda nas cidades perifricas, afastadas dos

grandes centros urbanos, onde o baixo nvel de escolaridade torna-se um entrave

para insero dos trabalhadores no mercado de trabalho. E quando se considera

uma regio como a do nordeste brasileiro a situao ainda mais complexa, j que

a regio sofre tambm com problemas climticos.

A pobreza intensificada por esse quadro tem gerado uma series de debates,

os quais buscam apresentar alternativas de combate e controle da pobreza, bem

como aes preventivas. Tal debate mais enftico nas economias onde a

desigualdade social grande, na qual o Brasil estar inserido.

Diante dessa conjuntura, o discurso poltico e at acadmico tentam formular

alternativas de combate a pobreza, e um das alternativas em evidncia nesse

sentido tem sido a concesso de crdito s camadas mais pobres da populao, que

em geral tem dificuldade de conseguir crdito no sistema bancrio tradicional.

17

Foi em meados dos anos 70 com a experincia do professor Muhammad

Yunus, atraves do Grameen Bank em Bangladesh, que o microcrdito surge como

instrumento de combate pobreza, e a partir da diversos programas de microcrdito

surgiram pelo mundo objetivando a gerao de ocupao e renda entre os mais

pobres. A idia original do microcrdito, assim como procede hoje diversos

programas de microcrdito, era conceder emprstimos as camadas da populao

com maior dificuldade em obter-los no sistema financeiro tradicional.

No Brasil, atualmente diversas instituies seguem a linha do Grameen Bank

e esto atuando na concesso de pequenos valores de crdito a pessoas que

dificilmente conseguiria obter-los nos sistema bancrio tradicional. O Centro de

Apoio aos Pequenos Empreendimentos (CEAPE) um desses exemplos, a ONG

iniciou sua atuao inicialmente no Rio Grande do Sul e depois se espalhou pelo

Brasil. O Banco da Mulher e o Portosol so outros exemplos de instituies que

atuam nesse setor. Mas o Banco do Nordeste do Brasil que atualmente possui a

maior carteira do setor atravs do programa Crediamigo, embora o banco no atue

unicamente com pequenos crditos.

Nesse contexto o objetivo desse trabalho examinar a eficincia da

concesso de microcrdito no combate a pobreza dos municpios nordestinos,

regio que possuem os maiores ndices de pobreza do pas. Tal abordagem mostra-

se relevante, sobretudo para justificar ou no as polticas adotadas pelos

governantes no sentido de aumentar a oferta de microcrdito objetivando a gerao

de ocupao remunerada, como p.ex. o trabalho autnomo e o surgimento de

pequeno empreendimento de base familiar, com repercusso direta no nvel de

pobreza.

18

Assim esse trabalho foi dividido em trs partes. Na primeira parte buscou-se

abordar os aspectos mais gerais relevantes para a pesquisa, tais como a discusso

de elementos tericos sobre a pobreza, bem como o funcionamento do mercado de

crdito e o papel do sistema financeiro na economia. A segunda parte concentrou-se

no debate em torno do microcrdito e discutiu-se sua trajetria, definio,

caractersticas e diretrizes para alcanar o objetivo de inibidor da pobreza. Por fim,

na ultima parte foi examinado que influncia de fato a concesso de microcrdito

exerce no ndice de pobreza em municpios nordestinos.

Para atingir o objetivo central da pesquisa utilizou-se como amostra os

municpios que receberam microcrdito do programa Crediamigo. Os demais dados

referentes s cidades nordestinas so oriundos do instituto de pesquisa econmica

aplicada. Como principal recurso fez-se uso de instrumental economtrico a fim de

averiguar se h influncia significativa da modalidade de crdito aqui em questo

nos nveis de pobreza do nordeste brasileiro.

19

1. CONSIDERAES SOBRE POBREZA E O SISTEMA FINANCEIRO

1.1. Abordagem sobre a pobreza

1.1.1. Definio e Mensurao

Nas ltimas dcadas vem crescendo o debate em torno do tema pobreza.

So muitas indagaes e tentativas de respostas para esse fenmeno que incomoda

os mais variados pases, com destaque, e no poderia ser diferente, para aqueles

menos desenvolvidos.

No centro desse debate, o questionamento sobre como definir e mensurar a

pobreza ainda um tema bastante freqente. H vrios aspectos na literatura

mostrados sobre tal fenmeno. Do ponto de vista de avaliaes econmicas, a

pobreza tem sido abordada segundo os aspectos materiais, talvez por este

apresentar menor complexidade em sua mensurao.

Dentro da concepo material, uma das formas mais freqente de se medir a

pobreza , sem dvida, fazendo uso de uma concepo unidimensional, isto ,

unicamente dimensionada pela insuficincia de renda, a qual determina um nvel

mnimo de renda abaixo do qual os indivduos seriam considerados pobres. dentro

dessa concepo que foi elaborada uma linha de pobreza com razovel aceitao

internacional, na proporo de US$1 dia per capta, adotada pela ONU.

Conforme Hagenaars e De Vos (Apud Hoffmann, 2006), todas as definies

de pobreza podem ser enquadradas numa das trs categorias seguintes:

a) pobreza ter menos do que um mnimo objetivamente definido (pobreza

absoluta);

b) pobreza ter menos do que outros na sociedade (pobreza relativa);

20

c) pobreza sentir que no se tem o suficiente para seguir adiante (pobreza

subjetiva).

De fato, vrias definies de ampla utilizao na literatura so possveis de

serem enquadradas nessas categorias, como afirma os autores. Dentre as

concepes de pobreza absolutas esto: i) o enfoque nas necessidades bsicas,

desencadeada geralmente na linha de pobreza j descrita; ii) o enfoque baseado na

Lei de Engel, que tem como parmetro a proporo da renda utilizada para consumir

alimentos; iii) o princpio da utilizao da razo entre os custos fixos domsticos e a

renda total; iv) a concepo que leva em conta a razo entre os gastos correntes e a

renda, na qual o individuo pobre seria aquele que recorre freqentemente a

emprstimos para sobreviver.

J com relao pobreza relativa pode ser citada a carncia relativa no

tocante a cesta de bens considerados comuns naquela regio. Por fim, entre as

definies de pobreza na concepo subjetiva entra a conceituao que considera

pobres aqueles cujo nvel de renda esta aqum daquele que considera o que seria o

suficiente para sobreviver (Hoffmann, 2006)

Dentro da concepo absoluta o ponto chave para se medir a pobreza e

indigncia em uma determinada unidade estabelecer uma fronteira pautada na

renda (linha de pobreza) que separa pobres e no-pobres. Um exemplo dessa forma

de demarcao da fronteira que separa estes dois estratos sociais, muito utilizado,

o valor dlar dia per capita, atravs do qual estabelecido a quantidade monetria

por dia necessria para um indivduo suprir suas necessidades bsicas. No Brasil

fraes do salrio mnimo, a exemplo de Hoffmann (2006), por vez, tambm so

utilizados como linha de fronteira entre tais extratos sociais.

21

Como j referido, dentre os critrios assinalados, os enquadrados em uma

concepo de pobreza absoluta aparecem com maior freqncia que os demais. No

entanto tal metodologia recorrentemente alvo de crticas, e mesmo dentro dessa

concepo os valores apresentados como conseqncia desse mtodo so

divergentes.

Um trabalho elaborado por Diniz e Arraes (2006) objetivando verificar a

possibilidade de haver superestimao no clculo da taxa de pobreza, ou proporo

de pobres no Brasil de acordo com a literatura denota bem esse fato. Os autores

demonstram haver uma divergncia das estimativas nas taxas de pobreza e em

relao aos nmeros de pobres no Brasil. A pesquisa leva em considerao as

estimativas ponderadas para se tomar decises nas polticas publicas, isto , os

dados do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada IPEA, que se encontram na

base denominada de IPEADATA; os dados do Atlas do Desenvolvimento Humano,

calculado pela Fundao Joo Pinheiro, em parceria com o prprio IPEA e Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatstica IBGE e, dentro dos objetivos do Programa das

Naes Unidas para o Desenvolvimento PNUD; e, ainda as estimativas feitas em

diversas pesquisas realizadas por Rocha (1993, 1997, 2000, 2003, 2004), autora

com razovel nmero de citaes em relao ao tema proposto.

Na tabela apresentada no trabalho dos autores aparecem grande diferenas

nos resultados das taxas de pobreza ou proporo de pobres para os estados

brasileiros considerando as fontes citadas. Algumas diferenas chegam a ser

bastante significativas. Quando comparamos os dados apresentados por Rocha1 e

1 ROCHA, Sonia. Impacto sobre a Pobreza dos Novos Programas Federais de Transferncia de Renda. In XXII Encontro Nacional de Economia. Anais..., 2004.

22

pelo Atlas do Desenvolvimento Humano 20002, percebem-se valores acima de

100%, como o caso do Distrito Federal e So Paulo, onde enquanto Rocha

apresenta a taxa de pobreza nessas cidades de 38,85% e 30,35% respectivamente,

o Atlas apresenta a taxa de 16,07% e 14,37%. Tal diferena quando avaliada em

nmeros absolutos de pessoas pobres nos estados mais populosos, como o caso

de So Paulo, podem representar milhes de pessoas, como bem afirma os autores

da pesquisa, Diniz e Arraes (2006). Mesmo entre o IPEA e o Atlas podem ser

observadas diferenas que ultrapassam a 30%, como p.ex. para os estados do

Esprito Santo e Mato Grosso do Sul.

Tabela 1 Diferentes Estimativas da Taxa de Pobreza para os Estados Brasileiros 2002

Rocha (2004) IPEADATA ATLAS Rondnia 31.17 30.63 35.2 Acre 40.3 38.54 47.83 Amazonas 45.28 44.43 52.97 Roraima 45.02 44.42 35.9 Par 44.34 43.68 51.89 Amap 42.15 40.08 42.95 Tocantins 45.61 48.8 50.79 Maranho 50.68 60.84 66.82 Piau 48.29 59.14 61.82 Cear 50.45 53.43 57 Rio G. Norte 39.47 48.17 50.63 Paraba 44.06 54.46 55.26 Pernambuco 54.13 56.24 51.31 Alagoas 52.97 63.06 62.24 Sergipe 40.48 48.85 53.99 Bahia 48.26 55.45 55.32 Minas Gerais 27.09 22.74 29.77 Esprito Santo 22.05 21.02 28.04 Rio de Janeiro 28.01 18.29 19.23 So Paulo 30.35 17.64 14.37 Paran 19.28 21.6 23.69 Santa Catarina 9.18 12.47 16.24 Rio G. do Sul 16.78 21.52 19.69 Mato G do Sul 34.83 20.47 28.66 Mato Grosso 35.32 21.18 27.78 Gois 36.94 21.25 26.65 Distrito Federal 38.85 20.86 16.07

Fonte: Elaborao prpria com base em Diniz e Arraes (2006). Referncia o ano de 2000 * Variao percentual entre o menor e maior

2 FUNDAO JOO PINHEIRO FJP; PROGRAMA DAS NAES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO PNUD; INSTITUTO DE PESQUISAS ECONMICAS APLICADAS IPEA. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2000.

23

Nesse contexto, e fazendo uso de mtodos estatsticos, os autores

concluram haver superestimao em grande medida da taxa de pobreza, sendo

esta inversamente relacionada com o tamanho econmico do estado e diretamente

com a distribuio de renda.

Outra pesquisa elaborada por Vasconcellos e Costa (2006), tambm tece

crticas ao modelo da linha de pobreza absoluta, o qual, como visto, est pautado na

satisfao de necessidades bsicas, dentre as quais o suprimento dos

requerimentos nutricionais usando como base a satisfao das necessidades

energticas.

Desse modo, o trabalho levanta algumas limitaes metodolgicas e

operacionais para a construo de linhas de pobreza absolutas no Brasil, para tanto

parte de alguns pressupostos emanados da conceituao da linha de pobreza

absoluta apresentado na literatura, a saber: (1) a pobreza definida pela no-

satisfao das necessidades bsicas; (2) quaisquer que sejam as necessidades,

elas devem ser baseadas no consumo observado (Rocha, 1977); (3) a renda

usada como critrio para medir pobreza; e (4) uma vez que o balano energtico

atingido, todos os requerimentos nutricionais so satisfeitos.

Os objetivos de Vasconcellos e Costa resumem-se em discutir as

consideraes que devem ser feitas durante a elaborao da LPA (Linha de Pobreza

Absoluta) e avaliar em que medida a violao de alguns dos pressupostos citados

acima interfere nos resultados, tendo como principal fonte de dados Estudo Nacional

da Despesa Familiar (ENDEF). Por questes metodolgicas, o trabalho ficou dividido

em quatro assuntos distintos: (1) o que consumo alimentar? Quantidades obtidas

na semana ou quantidades ingeridas na semana?; (2) como o consumo expresso

em energia e quais as diferentes estratgias de construo das tabelas de

24

composio dos alimentos?; (3) qual conceito de requerimento energtico usar e

como calcul-lo? e (4) as limitaes da taxa de adequao em energia como

indicador do estado nutricional.

Vrias observaes foram constatadas no trabalho que podem comprometer

o resultado na elaborao da LPA, ocasionando subestimao, por exemplo. A falta

de informaes sobre a presena s refeies no perodo de referncia, no

considerando a ausncia de moradores s refeies em casa; a falta de um

tratamento adequado dos pesos da parte comestvel dos alimentos, visto que este

deve ser feito com base nas propores de resduo existentes em tabelas de

composio (que refletem prticas laboratoriais e no as prticas culinrias das

famlias, com exceo da tabela do ENDEF). Os determinantes de requerimentos

energticos internacionais usados como referncia so inadequados ao caso

brasileiro; em suma, entre outras observaes os autores citam que a linha de

indigncia somente retrata o valor necessrio para eliminar a restrio alimentar

energtica e, se no forem feitas provises para a melhora das condies no-

alimentares, as LPA no satisfazem seus pressupostos de satisfao das

necessidades bsicas (Vasconcellos e Costa 2006).

De modo geral, parece inegvel que independente do mtodo adotado na

medio da pobreza sempre vo existir aspectos relativos, j que o conjunto de bens

e servios dados como necessrios oscila com a variao da renda da populao, e

do mesmo modo tais necessidades tendem a mudar com o tempo e/ou grupo social

considerado.

Na realidade, o que importante perceber aqui na breve elucidao desse

tpico que, em linhas gerais, as medidas de pobreza querem chegar a uma forma

de medio, de forma mais ou menos relativa, dos nmeros de pessoas pobres,

25

pautada em privaes matrias, sociais e at culturais, onde tais privaes, em dado

nvel, impunha aos pobres a excluso de um padro de vida minimamente aceitvel

na sociedade em que vivem.

De forma geral, apesar das crticas tecidas aos mtodos absolutos, que

geralmente so balizados monetariamente, estes so os mais utilizados na literatura,

aparecendo com grande freqncia inclusive nos ndices oficiais. Tudo leva crer que

a popularidade dessa tcnica esta relacionado sua objetividade e facilidade de

parametrizar a pobreza, estabelecendo uma quantia monetria que possibilite a

aquisio de itens, alimentares e no alimentares, para atender as necessidades

bsicas do indivduo ou famlia estudada. Uma outra explicao da preferncia pelo

mtodo pode ser o maior grau de cientificidade nele contido quando comparado com

outros mtodos, uma vez que ele encontra base na teoria do consumidor no qual

expressa os gastos correntes como uma melhor aproximao da renda permanente,

como bem observa Diniz e Arraes (2006).

Para fins dessa pesquisa os ndices de pobreza apresentado foram

levantados atravs do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA)3, o qual

tambm faz uso do mtodo absoluto pautado no nvel de renda. Ou seja, o grau de

pobreza quando citado, salvo quando expresso de outra forma, diz respeito ao

percentual de pessoas com renda domiciliar per capita inferior a R$75,50,

equivalentes a 1/2 do salrio mnimo vigente em agosto de 2000, ano de referncia

desse trabalho. O universo de indivduos limitado queles que vivem em domiclios

particulares permanentes.

3 O Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea) uma fundao pblica federal vinculada ao Ncleo de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica. Suas atividades de pesquisa fornecem suporte tcnico e institucional s aes governamentais para a formulao e reformulao de polticas pblicas e programas de desenvolvimento brasileiros. Os trabalhos do Ipea so disponibilizados para a sociedade por meio de inmeras e regulares publicaes e seminrios e, mais recentemente, via programa semanal de rdio e TV em canal aberto e fechado.

26

1.1.2. A pobreza no mundo

A pobreza uma preocupao de todos os paises do mundo, mas nas

naes menos desenvolvidas, possvel se julgar, onde se tm o problema mais

grave. Embora os ndices de pobreza no mundo venham melhorando, conforme

grfico abaixo, a situao preocupante. De acordo com o relatrio Metas do

Desenvolvimento do Milnio 20074 aproximadamente 19% da populao mundial

vive abaixo da linha de pobreza, segundo critrio da ONU isso representa viver com

menos de US$ 1 por dia. A frica Subsaariana aparece como a regio que tem a

maior proporo de pobres. Em 1990 era cerca de 46,8%, em 1999 passou para

45,9% e 2004 reduziu para 41,1%, significando uma reduo prxima de 12% entre

1990 e 2004.

Grfico 1 Proporo de pessoas que vivem com menos de US$ 1 por dia no mundo em 1990, 1999 e 2004.

0 10 20 30 40 50

fric

a Su

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riana

sia

Mer

idion

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ia Or

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Amer

ica La

tina e

Car

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sia

sia

Ocide

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fric

a do

Nor

te

2004

1999

1990

.

Fonte: The Millennium Development Goals Reports

4 O relatrio Metas de Desenvolvimento do Milnio (The Millennium Development Goals Reports) uma publicao da ONU e representa atualmente um instrumento importante para subsidiar debates e investimento das Naes Unidas.

27

O relatrio da ONU mostra que o nmero de pessoas em pases em

desenvolvimento vivendo com menos de um dlar ao dia reduziu para 980 milhes

em 2004, contra 1,25 bilho em 1990. A proporo foi diminuda, todavia os

benefcios do crescimento econmico foram desiguais entre os pases e entre

regies dentro destes pases. As maiores desigualdades esto na Amrica Latina,

Caribe e frica Subsaariana. Se o ritmo de progresso atual continuar, o primeiro

objetivo, ou seja, a erradicao da pobreza extrema e da fome, no ser cumprido:

em 2015 ainda haver 30 milhes de crianas abaixo do peso no sul da sia e na

frica, segundo o relatrio.

Na Amrica Latina e no Caribe, 8,7% da populao vivia com menos de US$

1 por dia em 2004, conforme grfico 1; j em 1990, a taxa era de 10,3%, uma

reduo na pobreza prxima de 15,5%.

O percentual de avano at 2004 na reduo da pobreza em toda regio ficou

em 34%, embora, desde 1990, mais da metade do tempo previsto para alcanar as

metas do desenvolvimento do milnio tem transcorrido. Apenas o Brasil, Equador,

Mxico, Paraguai e Uruguai alm do Chile que j havia cumprido teriam

conseguidos avanos no mnimo iguais ao esperado. Por outro lado, a argentina e a

Venezuela registraram nveis de pobreza extrema maior do que em 1990.

A erradicao da pobreza e da fome est entre os oito objetivos que a ONU

pretende alcanar at 2015. Os outros objetivos do milnio das Naes Unidas so:

i) atingir o ensino bsico universal; ii) promover a igualdade entre os sexos e a

autonomia das mulheres; iii) reduzir a mortalidade infantil; iv) melhorar o atendimento

de sade a gestantes e mes; v) combater a Aids, a malria e outras doenas; vi)

garantir sustentabilidade ambiental; vii) desenvolver uma parceria global pelo

desenvolvimento.

28

Segundo publicaes do Programa das Naes Unidas para o

Desenvolvimento5, estudos da CEPAL indicam que a taxa de crescimento do

produto por habitante necessria para que cada um dos pases da regio cumpra a

meta em 2015 , em mdia para a regio, de 2,9% ao ano. Conforme a mesma

publicao, esta mdia esconde, porm, importantes diferenas. Por exemplo, os

pases que registram atualmente os maiores nveis de pobreza extrema, superiores

a 30% Bolvia, Guatemala, Honduras, Nicargua e Paraguai , deveriam

incrementar sua renda por habitante a uma taxa mdia anual de 4,0% durante os

prximos 11 anos. Isso permitiria a esse grupo de pases cumprir a meta de reduzir

a pobreza extrema metade, na hiptese de a distribuio da renda se manter

inalterada. No grupo de pases com menor pobreza extrema Chile, Costa Rica e

Uruguai , o produto por pessoa precisaria crescer to-somente 0,4% ao ano, em

mdia, nos prximos 11 anos. O grupo dos pases com incidncia mdia de pobreza

extrema, entre os quais se encontram a Argentina, Brasil, Colmbia, Equador, El

Salvador, Mxico, Panam, Peru e Venezuela, requer uma taxa anual de

crescimento por habitante da ordem de 3,1% ao ano, em mdia.

1.1.3. A pobreza no Brasil e as formas de combate

Segundo o Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento no Brasil, o

Brasil vem cumprindo o objetivo de reduzir metade o nmero de pessoas vivendo

em extrema pobreza at 2015: de 8,8% da populao em 1990 para 4,2% em 2005.

Mesmo assim, 7,5 milhes de brasileiros ainda tm renda domiciliar inferior a um

dlar por dia. Em 2005 o governo se comprometeu a reduzir o nmero de brasileiros

5 Folha Informativa. Disponvel em http://www.pnud.org.br/arquivos/ODM_CEPAL_1.doc . Documento que aborda o objetivo um do ODM das naes unidas, com uma viso a partir da Amrica Latina e Caribe.

http://www.pnud.org.br/arquivos/ODM_CEPAL_1.doc

29

em pobreza extrema a 25% do total existente em 1990 e a acabar com a fome no

Brasil at 2015.

De acordo com dados do IPEA em 1991 aproximadamente 40% da populao

brasileira estavam abaixo da linha de pobreza, com destaque para o regio

nordestina com cerca de 67% da sua populao abaixo da linha de pobreza, seguida

pela regio norte com cerca de 52% de pessoas pobres. Embora o nordeste

contribusse muito mais para o aumento nos ndices nacionais de pobreza por sua

populao ser bem maior, o equivalente ao qudruplo da populao do norte em

1991. Entre os dez estados com maior percentual de pobreza no perodo

considerado nove so do Nordeste, a exceo era Tocantins, o que caracteriza uma

acentuada desigualdade regional.

Tabela 2 Os dez estados do Brasil com maior percentual de pessoas pobres em 1991

ESTADOS POBREZA Maranho 75.07 Piau 74.46 Paraba 69.04 Cear 68.23 Alagoas 67.18 Bahia 67.04 Rio Grande do Norte 61.71 Sergipe 61.06 Tocantins 60.98 Pernambuco 60.04

Fonte: IPEA, Elaborao prpria

Quase uma dcada depois, no ano 2000, as regies Nordeste e Norte

continuaram com os maiores percentuais de pobres. Embora no tenha havido uma

mudana na classificao das regies quanto ou nvel de pobreza, todas as regies

brasileiras apresentaram reduo na proporo de pobres. A reduo mais

significativa foi a da regio Sul, que entre 1991 e 2000 apresentou uma reduo no

30

percentual de pessoas pobres em aproximadamente 33%. As menores redues

ocorreram justamente nas regies mais pobres, ou seja, Norte e Nordeste, com

diminuio prxima de 6% e 15% respectivamente.

Grfico 2 Percentual de pessoas pobres por regio em 1991 e 2000

Fonte: Ipea, Elaborao prpria.

O documento The Millennium Development Goals Reports 2007 das Naes

Unidas citado anteriormente coloca os fatores climticos como um dos grandes

entraves para erradicao da pobreza e para reduo das desigualdades regionais

de renda no mundo. nesse contexto que o Nordeste Brasileiro parece estar

enquadrado. A regio tem um histrico, no mbito climtico, desfavorvel ao

desenvolvimento regional. A ocorrncia peridica de secas um problema que os

nordestinos, mais especificamente do semi-rido, tm enfrentado h dcadas e

fomentando a idia de no haver soluo fcil e/ou imediata.

Diversas alternativas so apontadas na literatura como forma de combate a

pobreza, sendo que o crescimento econmico aparece em praticamente todas as

citaes de combate a pobreza. O aumento do nvel de atividade produtiva,

geralmente medido pelo PIB, tem efeito direto sobre a reduo da pobreza absoluta,

evidenciado pelos aumentos e redues do numero de pobres ao longo dos anos

0

10

20

30

40

50

60

70

80

Regio

Centro-oeste

Regio Norte

Regio

Nordeste

Regio Sul

Regio

Sudeste

1991

2000

31

80, acompanhando diretamente os movimentos dos ciclos econmicos de curto

prazo (Rocha, Apud Rocha 1995). Entretanto importante mencionar que os efeitos

do crescimento econmico sobre a reduo da pobreza provavelmente no sortiro

os efeitos desejados se, ao crescer o produto interno do pas, no houver uma

distribuio do excedente gerado.

A distribuio de renda sem duvida outro fator de relevncia a ser

considerado no combate a pobreza, uma distribuio de renda mais eqitativa tende

a potencializar o efeito do crescimento econmico. Estimativas revelam que uma

reduo de apenas 5% no valor do coeficiente de Gini permitiria se reduzir para

2,1% ao ano o produto regional por habitante necessrio para atingir a meta referida

anteriormente, em lugar dos 2,9%.

A transferncia de renda tambm tem sido muito utilizada no Brasil como

forma de reduzir os ndices de pobreza, tais programas vem sendo enfatizado no

governo Lula, a exemplo do Programa Fome Zero6, caracterizado como o principal

programa do governo para combater a fome. O Fome Zero tem como carro chefe a

ao batizada de Bolsa Famlia, que um programa de transferncia de renda

destinado as famlias em situao de pobreza, com renda familiar per capta de at

R$ 120,00 mensais.

Rocha (1995) afirma que os programas de complementao de renda para

combater a pobreza tm trs motivaes bsicas. Em primeiro lugar, a

6 O FOME ZERO uma estratgia impulsionada pelo governo federal para assegurar o direito humano alimentao adequada s pessoas com dificuldades de acesso aos alimentos. Tal estratgia se insere na promoo da segurana alimentar e nutricional buscando a incluso social e a conquista da cidadania da populao mais vulnervel fome. O programa atua a partir de quatro eixos articuladores: acesso aos alimentos, fortalecimento da agricultura familiar, gerao de renda e articulao, mobilizao e controle social

32

complementao de renda dos pobres demanda um investimento modesto.

Segundo, a pouca eficcia dos programas baseados na distribuio gratuita de

alimentos. Tais programas custam muito mais do que o valor dos bens transferidos

e/ou so mal focalizados. Por fim, a ultima razo esta ligada ao fato de acreditar que

o bem-estar do beneficirio maximizado quando ele prprio decide como usar a

renda adicional.

A gerao de emprego outra maneira de buscar a reduo da proporo de

pobres. Nesse sentido vrios programas de gerao de emprego so tentados ao

longo de dcadas; ao motivada no Brasil, principalmente pela onda de

desemprego que este vem enfrentando.

diante desse quadro que a busca de alternativas para o problema do

desemprego, levaram os governantes e estudiosos do tema a apresentar como

soluo a abertura do prprio negcio, que na literatura econmica vem ganhando

cada vez mais espao e geralmente aparece sobre a denominao de

empreendedorismo. Todavia surge outro questionamento, como abrir o prprio

negcio ou incrementar o pequeno negcio j existente se no tenho capital para

isso. nesse contexto que o microcrdito ganha corpo nas polticas pblicas em

resposta a esse questionamento. Boa parte desses programas de microcrditos tem

como objetivo principal o combate a pobreza, como o caso do CredAmigo, que

ser tratado posteriormente.

1.2. Consideraes sobre o sistema financeiro e o mercado de crdito.

1.2.1. A importncia do sistema financeiro na economia.

Antes de discutir o mercado de crdito imprescindvel entender a

importncia do sistema financeiro na economia, sobretudo a relao entre

crescimento financeiro e desenvolvimento econmico. J na primeira metade do

33

sculo XX, John Maynard Keynes, considerado pioneiro da macroeconomia, j tinha

formulado concepes tericas que serviria de subsidio para tal discurso. Da

mesma forma, Alois Joseph Schumpeter, considerado precursor da teoria do

desenvolvimento capitalista, ressaltava a importncia da ampliao do poder de

compra para o desenvolvimento atravs da obteno de crdito.

Atualmente, as idias de Keynes apresentadas em suas obras; Tratado

sobre a Moeda, escrito em 1930 e A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da

Moeda escrito em 1936; exerce significativa importncia nas anlises feitas sobre a

influncia do sistema financeiro no desenvolvimento econmico.

Com a abordagem da preferncia pela liquidez, mostrando uma concepo

inovadora a respeito da taxa de juros, a qual no era mais vista como um simples

ponto de equilbrio entre a oferta e a demanda de recursos, e ao ancorar sua anlise

na ausncia de coordenao entre poupadores e investidores, Keynes contribui na

formao terica da discusso relativa ao papel da intermediao financeira no

desenvolvimento econmico. Do mesmo modo, quando demonstra que a posio de

equilbrio do sistema capitalista pode no ser a do pleno emprego, Keynes defende

a interveno do estado na economia, objetivando a elevao do nvel de produo

por meio do incentivo ao investimento privado (Calvacante, 2006).

Schumpeter (1983) ao discutir o desenvolvimento, mesmo no inicio do

sculo XX, j denotava que o essencial para o desenvolvimento econmico seria a

ampliao do poder de compra, de modo que este representa a forma pelo qual o

desenvolvimento impulsionado no sistema de propriedade privada e diviso de

trabalho. Contudo, a alternativa para aumentar o poder de compra empresarial seria

o crdito anormal, ou seja, aquele em que no h uma garantia real, por ser

34

lastreado em bens que ainda no foram produzidos. Tal denominao faz

contraponto ao crdito normal, que tem como garantia a entrega previa de bens.

Atualmente o Sistema Financeiro vem passando por transformaes. Novos

produtos, formas de financiamento e mercado so criados ou desenvolvidos.

Paralelamente, h um aumento no nmero de participantes e transaes nos

mercados existentes. Estes fatos tm dificultado a compreenso do sistema

financeiro dentro do sistema econmico.

Nas ltimas dcadas vrios trabalhos tm examinado a relao de

casualidade entre o crescimento econmico e desenvolvimento financeiro, isto est

ligado aos indcios da existncia dessa relao, pois diversos so os argumentos

que justificariam o comportamento interrelacionado entre os dois parmetros aqui

discutidos. Levine (1997) enumera vrias funes do sistema financeiro que a

vincula ao crescimento econmico de uma nao, entre as quais podemos citar:

- Aproximao funcional: o custo de adquirir informaes e fazer transao criar

incentivos para emergncia do mercado financeiro e instituies.

- Facilita Lidar com riscos: Mercados Financeiros e instituies desenvolvidas

aparecem para facilitar a comercializao, proteo e diversificao de riscos;

fato que possibilita uma melhor eficincia do capital.

- Melhora a informao sobre investimentos e alocao de recursos:

Intermedirios Financeiros reduzem custos de obteno de informaes sobre

investimentos, facilitando uma melhor alocao dos recursos.

- Monitorando diretores e exercendo controle sobre as corporaes: A

financeirizao das atividades econmicas faz com que s instituies

adquirentes das atividades produtivas exeram um monitoramento dos diretores

35

das firmas e controle sobre as corporaes; o arranjo de melhores controles

tende a promover uma maior acumulao de capital e crescimento por melhorar

a alocao do capital das corporaes.

- Mobilizao de poupana: Intermedirios financeiros absorvem uma frao dos

recursos da poupana domstica, que ser transformada em investimento.

- Facilidade de negociao de mercadorias e servios.

Embora haja uma predominncia no sentido de que o desenvolvimento

financeiro tem relao com o crescimento econmico, existem controvrsias na

relao de causalidade entre eles. No est claro se o desenvolvimento econmico

provoca o crescimento financeiro, ou se crescimento financeiro que ocasiona o

desenvolvimento econmico, ou ainda se a relao de bicausalidade; embora,

comparativamente, hja uma predominncia da segunda. Conforme afirma Graff

(Apud Marques e Porto, 2004) os trabalhos que discutem a relao do

desenvolvimento financeiro com o crescimento econmico podem seguir de quatro

formas. Primeira: o desenvolvimento financeiro e o crescimento econmico no se

relacionam, a correlao encontrada entre eles espria. Segunda: o

desenvolvimento financeiro decorrncia do crescimento econmico, nesse sentido,

o desenvolvimento financeiro impulsionado pela demanda. Terceira: o

desenvolvimento financeiro determinante no crescimento econmico, de modo que

indutor de investimentos mais eficientes. Por fim, a atividade financeira pode ser

um impedimento ao crescimento econmico, em condies circunstanciais, j que o

sistema financeiro sofre crises frequentemente.

De acordo com uma pesquisa de King e Levine (1993) para avaliar a relao

entre crescimento financeiro e o desenvolvimento econmico, envolvendo 80 pases,

existe uma significativa relao entre finanas e desenvolvimento econmico, a

36

pesquisa indicou forte correlao parcial entre a taxa mdia de crescimento do Produto

Interno Bruto per capta e o grau mdio de desenvolvimento do setor financeiro entre

1960 e 1989. Mesmo quando relacionados com outras variveis com possvel influncia

no crescimento, como por exemplo, o crescimento nos investimentos, os resultados

apresentaram significativa e positivamente correlacionados.

Outro estudo elaborado por Kar e Pentecost (2000), dessa vez para o caso

especifico da Turquia, enfatiza a importncia de cinco proxies para isso tentou

mensurar atravs de series temporais a relao entre desenvolvimento financeiro e

crescimento econmico:

One of the most important issues in assessing the relationship between financial development and economic growth is how to obtain a satisfactory empirical measure of financial development. The five most commonly used proxies for financial development are: the ratio of money to income, the ratio of banking deposit liabilities to income, the ratio of private sector credit to income, the share of private sector credit in domestic credit and the ratio of domestic credit to income. These proxies are considered in turn (Kar e Pentecost, 2000, pag. 7).

Os autores ao testar a relao entre M2 e o Produto, depsitos bancrio e o

Produto, crdito domestico e o Produto, crdito do setor privado e o Produto, bem

como crdito do privado sobre crdito domstico; chegaram concluso que a

relao de casualidade est vinculada ao tipo de proxy utilizada na mensurao do

desenvolvimento financeiro. Assim, Para a relao M2 sobre o Produto, a direo da

causalidade flui do desenvolvimento financeiro para crescimento econmico, quando

so utilizadas as razes: depsitos, crdito domstico e crdito ao setor privado

sobre o Produto; a relao de causalidade encontrada no sentido inverso do

crescimento econmico para o desenvolvimento financeiro, isso no caso da Turquia.

Em um estudo anlogo para o caso brasileiro, Matos (2002) atravs da

utilizao de dados dos perodos 1947-2000, 1963 e 1970-2000, tiveram resultados

a indicar existncia de impactos diretos e unidirecionais no sentido desenvolvimento

37

financeiros sobre o crescimento econmico, quando foram usadas as razes crdito

ao setor privado/PIB, crdito do sistema financeiro ao setor privado/PIB e recursos

do pblico confiados ao sistema financeiro/M2, como indicadores do sistema

financeiro.

Marques e Porto (2004) fizeram uma avaliao como os mesmos objetivos

dos trabalhos anteriores, tambm para o caso brasileiro no perodo de 1950 a 2000.

Nesse trabalho os autores concluram que a relao de causalidade inequvoca

partindo da anlise de que o desenvolvimento financeiro causa o crescimento

econmico quando os indicadores so de desenvolvimento do sistema bancrio.

Quando a relao de causalidade aplicada aos indicadores de desenvolvimento do

mercado de capitais, a concluso contraditria. Porm, h maior robustez para a

causalidade no sentido de desenvolvimento financeiro para crescimento econmico,

nesse ltimo caso. Portanto, segundo essa pesquisa, no conclusiva a relao de

causalidade entre mercado de capitais e crescimento do PIB, pelo menos para o

caso do Brasil.

Em suma, como visto, diversos so os posicionamentos na literatura a

respeito da relao crescimento financeiro e desenvolvimento econmico. Tal

discuso tem sentido dado a importncia do tema na atualidade, o sistema

financeiro tem ganhado maiores propores dentro do conjunto econmico de

relaes e natural que estudos apaream para avaliar os impactos econmicos

dessas mudanas. Da mesma forma, o fato do sistema financeiro internacional ser

instvel, leva s avaliaes recorrentes para que se mensure at que ponto isso

pode afetar o to importante crescimento econmico das naes, o qual tem efeito

nas mais variadas esferas da econmica.

38

Por fim, como bem observa Matos (2002), a globalizao, na forma de

intensificao de fluxos financeiros internacionais, tem gerado polmica a respeito

do impacto efetivo sobre financiamento de setores produtivos, sobretudo em pases

em desenvolvimentos. Diante desse cenrio, e da falta de consenso com relao

aos verdadeiros efeitos do sistema financeiro no crescimento econmico justifica-se

tais estudos.

1.2.2. O funcionamento do mercado de crdito

O estudo do funcionamento de mercados nas cincias econmicas exerce

um papel de grande importncia, todavia a definio de mercado constitui-se uma

tarefa rdua, diversos conceitos podem ser formulados sobre tal tema. Se nos

reportssemos a outros perodos da histria perceberemos que a definio de

mercado como um lugar fsico onde agentes de mercado (compradores e

vendedores) confrontavam-se atravs de compras e vendas de produtos caberia

bem. Entretanto, na atualidade, com o desenvolvimento tecnolgico, sobretudo na

rea de comunicao, os agentes de mercado no necessitam encontrar-se para

efetuar transaes comerciais, pois possvel que o comprador de um determinado

produto jamais tenha visto o vendedor do produto que adquiriu; ou seja, o conceito

de mercado vai alm das fronteiras geogrficas e possibilita uma definio mais

abstrata, nesse caso, o termo lugar fsico na definio supra citada perde o sentido.

Nesse tpico estamos interessados em abordar de forma sucinta apenas um

tipo de mercado o qual servir de base terica para esse trabalho, assim

adotaremos a definio em que o mercado entendido como interaes reais ou

possveis entre grupos de compradores e vendedores que engloba todas as

possibilidades de transaes comerciais (compra, venda, troca etc.).

39

O mercado pode ser classificado de vrias formas. Com relao as

caracterstica dos produtos, so inmeros os tipos de mercado, p.ex.: mercado de

crdito, mercado imobilirio, mercado de calados, mercado de fatores etc. Aqui, s

estamos interessados em conhecer e caracterizar o mercado de crdito. Nesse

mercado so realizados os financiamentos de curto e mdio prazo e esto inseridas

as instituies de microcrdito, de grande relevncia para essa pesquisa. No Brasil,

esto inseridos nessa categoria, ainda, os bancos comerciais, as companhias

financeiras e os bancos mltiplos, cuja carteira engloba as atividades de bancos de

negcios de carteira comercial, investimento, crdito, financiamento, investimento e

crdito imobilirio.

O mercado de crdito formado basicamente, por um lado, pelas

instituies financeiras, detentora de recursos creditcio obtido junto aos agentes

superavitrios, e por outro, pelos agentes demandante de crdito dispostos a obter

recursos financeiros para os mais variados fins.

A discusso em torno do funcionamento do mercado de crdito passa

necessariamente pelo debate em volta da disponibilidade diferenciada de

informaes entre os dois principais protagonistas nesse tipo de negocio, o ofertante

do crdito e o tomador de emprstimo. A essa situao em que um dos agentes

envolvido na transao tem mais informao do produto contratado do que o outro

denominada assimetria de informao; uma caracterstica bem exposta no mercado

de crdito.

Desse modo, ao contratar um emprstimo, o tomador possui muito mais

informaes em relao ao conhecimento do agente responsvel pela concesso do

mesmo. No caso de um emprstimo pessoal o cliente sabe perfeitamente quais suas

intenes se deseja pagar ou no; sabe bem que finalidade vai dar quele recurso

40

e/ou ainda sua verdadeira condio financeira para arcar com o compromisso

assumido para os prximos meses. Mesmo em emprstimos com fins especficos,

como o caso de financiamentos para abertura de empresa ou sua ampliao,

existe a possibilidade da no utilizao daquele recurso para o objetivo predefinido,

do mesmo modo difcil mensurar a real capacidade de gerir o negocio pelo

tomador.

Em sntese, uma distribuio no homognea de informao entre tomador

e ofertante de crdito em torno de um projeto potencializa os riscos de uma

transao financeira, uma vez que o protagonista com mais informao pode sentir-

se estimulado a fazer uso de tal vantagem no sentido tentar conseguir o crdito

mesmo sabendo - ele s, que o risco do projeto muito maior que o estimado pelo

emprestador. A existncia dessa possibilidade conhecida na literatura como risco

moral, ou seja, a possibilidade de uma das partes fazer uso de informaes ao qual

o outro menos informado no tem, mas que pode afetar a probabilidade ou a

magnitude do pagamento.

Uma maneira de tentar minimizar as perdas decorrentes do risco moral

incorporar ao preo do produto - os juros, no caso do crdito. Entretanto essa

alternativa tem limite, a partir de determinado ponto os custos mais elevados de

crdito podem incentivar a inadimplncia, raciocnio anlogo ao descrito na curva de

lafer7 com relao s arrecadaes governamentais atravs de tributos.

7 Curva desenvolvida pelo economista monetarista Arthur Lafer, segundo a qual existe uma relao particular entre a arrecadao tributaria e a taxa de impostos cobrados. Assim at determinado ponto um aumento nas taxas de tributos representaria aumento na arrecadao a partir da qualquer aumento iria significar uma baixa na arrecadao.

41

Grfico 3 Taxa de juros vesus receita do emprestador.

No grfico acima, j* representa a taxa de juros que conduz a receita mxima

R*. Observemos que um aumento na taxa de juros aumentaria a receita at certo

ponto (P), a partir do qual qualquer um aumento na taxa de juros implicaria reduo

na receita esperada pela instituio responsvel por emprestar. Em nosso grfico a

taxa de juros j1 gera uma receita R1, que maior que receita R2 ocasionada pela taxa

de juros J2, embora esta seja mais alta.

A reduo da receita a partir de dado patamar justifica-se pelo fato de que

um aumento na taxa de juros representaria maior custo para um projeto, o qual

poderia ter diminuda suas chances de sucesso, j que os rendimentos esperados

seriam reduzidos. Da mesma forma, os projetos considerados mais seguros

geralmente com rentabilidade menores seriam inviabilizados.

Diante desse contexto, ento, com uma taxa de juros relativamente alta

haveria uma tendncia da demanda por crdito ser formada basicamente por

projetos mais arriscados, e, portanto com maior probabilidade de tornarem-se

inadimplentes. A tal fato a literatura trata como seleo adversa. Ou seja, situao

em que na tentativa de compensar a assimetria de informao, por no conhecer o

tomador de emprstimo, o credor determina o juro mdio, entre o qual cobraria para

um mal pagador e para um bom pagador, o que acaba atraindo pagadores

Receita

Taxa de

juros

P

*j1j 2j

1R

2R

*R

42

duvidosos, e como afirma Pindyck (2002), e que mais uma vez acabaria por elevar

mais ainda a taxa de juros, que atrai tomadores duvidosos e assim por diante.

Conforme afirma Candido (1997) s crises na rea financeira so oriundas

de agravamentos dos problemas de informaes assimtricas, de modo que o risco

moral e a seleo adversa tornam inviveis as atividades normais dos agentes

financeiros. Dessa forma, as crises so impulsionadas pela elevao da taxa de

juros, declnio no mercado acionrio e crescimento da incerteza.

Nesse contexto, o resultado uma queda no patrimnio lquido das

empresas e os projetos de investimentos so adiados em virtude do aumento da

incerteza e pela oferta insuficiente de crdito. Concomitantemente, os bancos com

volume significativo de crdito concentrado em setores deficitrios, buscando

recuperar o equilbrio financeiro, comeam a arriscar-se mais e com isso retornam

ao dilema do risco mora e seleo adversa (Candido, 1997). Assim, o resultado

desse quadro um declnio na liquidez bancria ocasionando reduo em sua

credibilidade; o que acaba por aumentar as retiradas dos depsitos e amplia ainda

mais a crise no setor.

1.2.3. O crdito na economia brasileira

Os debates em torno do mercado de crdito so frequentes dado sua

importncia, o crdito exerce um papel importante para a economia de um pas

porque parte do crescimento da nao se deve a ele, j que o maior volume de

crdito produtivo disponvel no mercado pode se traduzir em maior produo e

consequentemente em emprego e renda. Nesse contexto, as instituies financeiras

aparecem como parte importante no processo. Captando recurso de poupadores e

disponibilizando para os investidores. Assim, as instituies financeiras aparecem

como gerentes de intermediao financeira, possibilitando a chegada de recursos

43

financeiro s mos de quem deseja investir (sobretudo, investimento produtivo).

Desse modo, uma economia na qual, o sistema de intermediao ineficiente pode

prejudicar o crescimento do pas. Sabendo disso, os formuladores das polticas

macroeconmicas esto, muitas vezes, interferindo nesse sistema, seja

regulamentando-os ou por meio de aes que visem possibilitar a incluso de

setores com dificuldades de acesso ao sistema financeiro.

No Brasil, as operaes de crdito tm crescido nos ltimos anos, uma

justificativa significativa para esse fato o contexto macroeconmico favorvel.

Desde os anos 90, mais precisamente aps o Plano Real em 1994, os nveis

inflacionrios esto reduzindo; da mesma forma as taxas de juros na economia

caram significativamente no mesmo perodo; outro fator bastante relevante foi a

ampliao nos prazos de pagamento dos crditos, implicando grande estimulo para

os tomadores de emprstimos.

Tabela 3 Evoluo do crdito total entre 2003 e 2006

Discriminao 2003 2004 2005 2006 Variao

t-1 t-3

Total 418,3 498,7 607 732,6 20,7 75,1

Recursos livres 255,6 317,9 403,7 498,3 23,4 95,0

Recursos direcionados 162,6 180,8 203,3 234,3 15,2 44,1

Participao %:

Total/PIB 24,0 24,5 28,1 30,8

Recursos livres/PIB 14,7 15,6 18,7 21,0

Recursos direcionados 9,3 8,9 9,4 9,9

Fonte: Banco Central

O crdito total brasileiro aumentou 75,1% entre 2003 e 2006, saindo de R$

418,3 bilhes para R$ 732,6 bilhes. De acordo com O Relatrio de Economia

Bancaria e Crdito (2006) do Banco Central, os emprstimos efetuados pelos

bancos privados nacionais corresponderam a 41,2% do total do sistema financeiro,

44

vindo logo em seguida as instituies pblicas e estrangeiras, com 36,7% e 22,1%

respectivamente. Observando a tabela acima se percebe que a participao do

crdito total no PIB tambm cresceu, motivada principalmente pela modalidade

crdito livre.

Apesar do crescimento no mercado de crdito domstico ter de fato ocorrido,

uma ressalva importante deve ser considerada. A participao das micros e

pequenas empresas no total de crdito concedidos pouco aumentou ao longo dos

anos, apesar das polticas de incentivos ao pequeno e micro empresrio, tendo em

vista a importncias destas para a gerao de emprego, j que este segmento tem

se mostrado como uma alternativa nesse sentido, diante do desemprego alto no

pas.

Conforme publicao do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e

Social, o desembolso do sistema BNDES em 1997 para micros e pequenas

empresas foi de R$ 2.357,66 milhes, representando 5,47 dos desembolso do

banco; quase uma dcada depois, em 2006, passou para R$ 4.021,2 bilhes,

representando 7,84% do total desembolsado, isto , uma ampliao na participao

de apenas 2,36%. Com relao ao crdito produtivo, aquele destinado a quem

deseja abrir um negcio, concedido a pessoas fsicas, a situao pior ainda, entre

1997 e 2006 houve uma queda na participao relativa ao total concedido, caiu de

6,02% para 5,86%, embora tenha apresentado um aumento em termos absoluto,

subindo de aproximadamente R$ 5.593,30 milhes para R$ 3.009,60 milhes.

45

Tabela 4 Desembolso Anual do Sistema BNDES (R$ milhes de 2006)

Discriminao 1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

Micro e Pequena 2.357,66

1.248,92

1.649,84

2.533,07

3.095,35

3.250,75

4.088,50

3.424,70

4.166,43

4.021,20

Mdia 359,37

2.157,39

2.023,59

2.456,23

2.520,15

3.153,64

3.106,86

3.170,01

3.910,87

4.086,50

Subtotal 2.717,02

3.406,30

3.673,43

4.989,30

5.615,50

6.404,39

7.195,35

6.594,71

8.077,30

8.107,70

Pessoa Fsica 2.593,30

1.999,77

1.799,74

2.883,50

3.715,87

4.700,76

4.722,35

6.725,81

4.027,75

3.009,60

MPME 5.310,32

5.406,08

5.474,16

7.872,81

9.331,37

11.105,28

11.917,82

13.320,42

12.105,05

11.117,40

Grande 37.760,78

39.336,48

30.413,42

33.310,04

31.342,85

38.737,49

27.953,63

28.863,57

36.660,50

40.200,60

Total 43.071,10

44.742,56

35.887,57

41.182,84

40.674,21

49.842,77

39.871,45

42.183,99

48.765,55

51.318,00

Fonte: Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social Observao: Valores corrigidos pelo IGP-M

Se considerarmos o conjunto formado pelas MPME Micro Pequenas e

Mdias Empresas a participao destas no total se mostra mais representativa, ou

seja, quase que dobrou no perodo considerado, variando de 12,33% para 21,66%.

Isso se deve a incluso das empresas de porte mdio, apesar de grande parte dos

programas governamentais de incentivo ao crdito ser direcionado exclusivamente

s pequenas e micros empresas, sobretudo os programas com objetivo de combater

a pobreza. Alguns autores atribuem tal quadro s dificuldades dos empresrios de

pequeno porte em obter crdito no sistema financeiro tradicional, questo que

trataremos posteriormente.

Em sntese, como visto nessa primeira fase da pesquisa, existe algumas

dificuldades metodolgicas na construo da linha de pobreza no Brasil, entretanto

apesar dessas limitaes inegvel que o nmero de pobres existente no pas

considervel, independente de sua mensurao ser determinada por critrios

relativos ou absolutos.

46

Por outro lado, foi visto que o sistema financeiro tem um papel importante na

economia e possvel que aquele influencie positivamente este. com base nessa

fundamentao que surge s formulaes que tentam estabelecer uma relao entre

a concesso de crdito e o desenvolvimento econmico com repercusso nos

indicadores de pobreza. nessa linha de raciocnio que o prximo captulo seguir

para entender o debate em torno da reduo da pobreza atravs da facilitao do

acesso dos mais pobres ao sistema financeiro.

47

2. CARACTERIZAO DO SISTEMA DE MICROCRDITO E SUAS

ESTRATGIAS DE COMBATE A POBREZA 2.1. Caracterizao e trajetria do microcrdito

2.1.1. Caractersticas e definio

O microcrdito pode ser entendido como um crdito de pequeno valor, na

maioria das vezes abaixo de R$ 5.000,00, concedido quase sempre sem exigncia

de garantias reais e focalizado na camada da populao que tem dificuldade de

conseguir aprovao no sistema bancrio tradicional.

Conforme Lhacer (2003) o microcrdito diferencia-se do crdito tradicional

pelas seguintes caractersticas: pblico-alvo, finalidade e montante. Ou seja, esse

tipo de crdito destina-se de modo especial s pessoas que esteja abaixo da linha

de pobreza ou pouco acima dela e que no tenha acesso linha de crdito

tradicional; seu uso pode ser destinado ampliao do capital de giro ou capital fixo

do microempreendedor, mas nunca como crdito para consumo; e o volume em

questo sempre pequeno.

Botelho e Ribeiro (2006) definem o pblico alvo do microcrdito como as

pequenas unidades produtivas caracterizadas pela: i) baixa produtividade, ii)

informalidade, iii) escassez de capital, iv) incapacidade de oferecer garantias, e v)

inacessibilidade ao setor bancrio.

De acordo com os autores, tais caractersticas esto inter-relacionadas,

exercendo ao mtua de causalidade entre elas. Desse modo, a baixa

produtividade causaria a escassez de capital e visse versa; a baixa produtividade

causaria a informalidade; a escassez de capital tornaria o empresrio impossibilitado

de oferecer garantias ao setor bancrio tradicional. Com dificuldade de oferecer

garantias e na informalidade os empresrios nessa categoria tenderia a ficar cada

vez mais excludos do sistema bancrio tradicional.

48

Tendo em vista a importncia de ter o pblico alvo atingido, nesse tipo de

mercado so comuns tambm mtodos peculiares para atingir-los, j que os

demandantes dessa modalidade de crdito possuem limitaes que os

impossibilitaria de obt-las caso fosse imputadas as mesmas exigncias dos crditos

tradicionais. Poderamos citar como exemplos desses mtodos: i) a busca constante

da minimizao da burocracia; ii) ausncia de garantias reais e iii) a pratica do

marketing direto, caracterizado pela visita dos representantes das instituies

fornecedoras de crditos residncia ou estabelecimento comercial do cliente.

Outra caracterstica do microcrdito amplamente discutido na literatura diz

respeito aos juros. Nesse sentido existe a preocupao das IMFs de praticar juros

subsidiados por haver a crena de ser esse um dos principais entraves para os

empreendimentos pequenos terem acesso ao sistema bancrio.

Entretanto, a esse ponto de vista no h um consenso, Santos (2002) p.ex.,

discorda e enfatiza que os juros so apenas um componente na formao do preo

do crdito e tal posicionamento desconsidera a grande importncia dos custos

transacionais nestas operaes8. Desse modo, a reduo dos juros porm, com

altos custos de transacionais ocasionaria um custo implcito ao qual o pequeno

empresrio no esto dispostos a incorrer.

Por outro lado, o autor apresenta evidncia de que sem acesso ao crdito no

sistema bancrio o empresrio de baixa renda recorre a outros meios de

financiamento cujos juros so ainda maiores que o praticado no sistema financeiro

tradicional, mas que porm, os custos transacionais tendem a serem menores. Entre

8 Tais custos so bem diversificado e de difcil mensurao: providenciar documentao, deslocamento e horas de trabalhos perdidos no processo, etc.

49

as quais esto: pagamento de fornecedores a prazo, cheque especial, cheque pr-

datado, carto de crdito, entre outros.

Em suma, consenso que o microcrdito representa emprstimos de volume

mdio pequeno, com pblico alvo formado por pessoas com dificuldade de acesso

ao sistema bancrio tradicional e que so pequenos empresrios ou que pretendem

abrir um negcio cujo volume de investimento demandado bem pequeno, na

maioria das vezes abaixo de R$ 5.000,00.

Na realidade o microcrdito mais um elemento, talvez o mais importante,

dentro de um conjunto denominado microfinanas, cujos demais elementos so:

poupana, seguros, servios de contas correntes entre outros. Servios esses que

podem ser fornecidos no s por bancos pblicos, mas tambm por bancos

privados, cooperativas, financeiras, ONGs e OSCIPS. Nas sees seguintes ser

discutida a trajetria do microcrdito no Brasil e no mundo.

2.1.2. Trajetria do microcrdito no mundo

A primeira notcia conhecida sobre o microcrdito ocorreu no sul da Alemanha

em 1846. Denominada Associao do Po, ela foi criada pelo pastor Raiffeinsen

que, aps um rigoroso inverno, deixou os fazendeiros locais endividados e na

dependncia de agiotas. O pastor cedeu-lhes farinha de trigo para que, com a

fabricao e comercializao do po, pudessem obter capital de giro. Aos poucos a

idia foi amadurecendo, a associao cresceu e transformou-se numa cooperativa

de crdito para a populao pobre. Tambm na Itlia pode-se perceber experincia

antiga de microcrdito; conforme Caldas (2003), Robert D. Putnam, trata das

experincias de crdito no norte italiano que remontam Idade Mdia. Segundo o

mesmo autor no sculo passado, vrias experincias criadas geralmente em torno

50

de Igrejas e Parquias financiaram produtores em tempos de crise (Alemanha, 1846

e Canad, 1900).

No entanto foi em meados dos anos 70, com uma inovadora experincia do

professor Muhammad Yunus, quando o conceito de microcrdito usado hoje teve

origem, O professor foi o idealizador e realizador de uma experincia pioneira de

microcrdito que ficou conhecida no mundo todo, e que lhe rendeu o Prmio Nobel

da Paz, dividindo com o Grameen Bank, em 2006. Yunus comeou a conceder, em

1976, em Bangladesh, emprstimos de pequena monta, inicialmente com seus

recursos prprios, para famlias pobres de produtores rurais, com foco nas mulheres

e utilizando um sistema revolucionrio de garantias morais mtuas, formando grupos

de cinco pessoas que ficam moralmente responsveis umas pelas outras.

Tudo comeou quando o professor de economia notou que a populao aos

redores da universidade onde ensinava tinha como nica fonte de sobrevivncia

seus pequenos empreendimentos informais. Apesar de serem muito pobres

mantinham seus negcios fazendo uso de emprstimos de agiotas com juros muito

alm do que era praticado no mercado formal, e mesmo assim conseguiam pagar.

Desse modo, Yunus observou que essas pessoas necessitavam de

microcrdito para tocarem seus negcios e fazerem com que seus negcios

oferecessem mais do que a simples condio de subsistncia. A lgica de aquelas

pessoas poderem fazer parte de um mercado de microcrdito formal e at sem

subsdios era simples, bastava olhar sua capacidade de pagamento, j que os

agiotas cobram altssimas taxas de juros e mesmo assim esses microempresrios

informais conseguiam pagar em dia seus emprstimos.

51

Nesse contexto o professor concluiu que aquelas pessoas precisavam de

crditos sem muita burocracia e sem a exigncia de garantias reais. Desse modo,

Yunus comeou a emprestar o seu prprio dinheiro para aqueles microempresrios.

Depois de ter tomados diversos emprstimos para oferecer aquele povo ele decidiu,

em 1979, fundar o Grameen Bank.

De acordo com Lhacer (2003) o novo mtodo criado pelo Grameen Bank

consiste na adoo do aval solidrio e na figura do agente de crdito. O autor afirma

que o aval solidrio solucionou o problema da falta de garantias reais para os

empresrios. Em relao ao agente de crdito, ou seja, o individuo que faz, o j

mencionado, marketing direto, acompanha a criao dos grupos solidrios e recolhe

pagamentos. Diferente de como ocorre no sistema bancrio tradicional o banco vai

at os clientes.

O Grameen Bank cresceu bastante desde sua fundao at os dias atuais e

segundo Lhacer (2003) esta entre os maiores bancos de Bangladesh em volume

aplicaes quase US$290 milhes registrados em 2001.

Desde a fundao do bem sucedido Grameen Bank, diversos outros bancos

no mundo todo foram criados adjetivando atender a uma demanda por microcrditos.

Dentre esses podemos citar: Bank Rakyat na Indonsia fundado em 1984, um ex-

banco rural e deficitrio que o governo local transformou em um eficiente banco de

microcrdito; Bancosol na Bolvia fundado em 1986. Banco privado comercial que

se especializou no atendimento a microempresas e que, a exemplo do Grameen

Bank, tem como principal caracterstica o trabalho de visitao dos agentes aos

microempreendedores; Corposol na Colmbia fundado em 1988, uma entidade civil

sem fins lucrativos especializada no atendimento de microempresrios,

52

principalmente os moradores de bairro de invaso, os agentes dessa instituio

tambm trabalham visitando clientes e avaliando projetos; Fossis no Chile criado em

1991, esta sendo uma instituio pblica ligada a Presidncia da repblica e embora

no atue como uma empresa que opera com microcrdito, repassadora de

recursos para instituies que atuem como tal, ONGs, cooperativas e instituies

privadas de microcrdito; e por fim Fogapi no Peru que foi criada em 1979 e atua,

principalmente, como fornecedora de carta de fiana para os microempresrios que

no possuem garantia.

2.1.3. Trajetria do microcrdito no Brasil

No Brasil, o microcrdito tem sua origem relacionada ao programa UNO em

1973, por iniciativa e com assessoria tcnica da Accin Internacional e que envolvia

a participao de entidades empresariais de Pernambuco e da Bahia. A UNO foi

criada especificamente para desenvolver um programa de crdito e capacitao para

micro-empreendimentos populares, particularmente no setor informal. Tratava-se de

uma associao civil, sem fins lucrativos.

Buscado uma melhor eficincia operacional para a nova modalidade de

crdito, a Unio Nordestina de Assistncia a Pequenas Organizaes (UNO) buscou

novas formas de anlise de crdito que fossem coerentes com a realidade do

pequeno tomador de emprstimo. Nesse sentido formou profissionais com esse

novo perfil e financiou milhares de pequenos empreendedores em diversos

municpios de Pernambuco e Bahia. Assim como viria a fazer o Grameen Bank, a

UNO direcinou seus esforos para um pblico sem garantias reais e sem acesso a

crdito bancrio e outros servios, como capacitao e assistncia tcnica. A UNO

mostrou-se pioneira nesse tipo de iniciativa. No mbito da Amrica Latina, a idia

53

perdura at hoje e vem cada vez mais tomando espao na retrica poltica e

acadmica.

Desde a implantao da UNO vrios outros programas e at instituies

surgiram objetivando atender ao pequeno empreendedor. Nos anos 80, foi criado a

CEAPE (Centro de Apoio aos Pequenos Empreendimentos), inicialmente primeiro no

Rio Grande do Sul e depois espalhado-se pelo Brasil. Podemos citar tambm, nessa

trajetria do microcrdito, o Banco da Mulher e a Portosol. Todavia um dos maiores

destaques desta modalidade de microfinanas parece ser o Banco do Nordeste do

Brasil, o quadro abaixo expressa bem tal afirmativa.

Quadro 1 Estimativa da Atividade total de microfinanas no Brasil

Fonte: BNDES Dados extrados de um trabalho que pretendia ser um documento preparatrio, a ser distribudo aos apresentadores no Seminrio Internacional de Microfinanas do BNDES, entre 2 e 3 de maio de 2000. *No se tem certeza sobre o nmero exato das outras MFIs, mas estima-se que seja em torno de 20. Elas so em sua maioria MFIs menores, criadas pelo governo. Esse grfico estima uma mdia de 300 clientes cada e um tamanho de emprstimo de R$500.

O programa piloto do BNB, nesse sentido, foi o Crediamigo. Operacionalizado

a partir de abril de 1998, inicialmente com cinco agncias-piloto, o Crediamigo

alcanou, at maio de 2002, conforme Valente (SD), expressiva marca de 721 mil

emprstimos concedidos, beneficiando pessoas de baixa renda com recursos da

ordem de R$ 540 milhes, com 164 unidades de negcios e 55 postos de

atendimento. Marcas estas que lhe faz um dos maiores programa de microcrdito da

Amrica Latina.

54

De modo geral, no Brasil, assim como em outros pases da Amrica Latina, as

organizaes no governamentais (ONG's) foram as primeiras a introduzir

metodologias atuais de microfinanas. Desde que o Projeto Uno foi iniciado em

Recife, em 1973, dezenas de ONG's de microfinanas foram criadas em todo o pas.

O processo de abertura de instituies nesse setor continuou em meados da dcada

de 1980. Entretanto, a maioria das ONGs de microfinanas do Brasil iniciou suas

operaes somente aps a implantao do Plano Real e a estabilizao

macroeconmica a partir de 1994. J em 2001 a composio das instituies no

Brasil encontrava-se como descrito no quadro abaixo.

Quadro 2 - Instituies de microfinanas no Brasil com mais de 2.000 clientes ativos (2001).

Fonte: BNDES, Apud Nichter (2002) Todos os dados referem-se a dezembro de 2001, exceto para CEAPE (PE) e Viso Mundial, que se referem a junho de 2001. * Utilizou-se o nmero de clientes atuais como critrio de classificao (em vez da carteira ativa) para evitar distorcer os resultados devido a diferenas regionais com respeito ao valor mdio de emprstimo. ** As filiais individuais do programa de microcrdito da Viso Mundial esto combinadas porque compartilham uma administrao unificada. Os CEAPEs no esto combinados porque so administrados independentemente e so entidades legais separadas (observe que todos os CEAPEs com mais de 2.000 clientes ativos so OSCIPs, enquanto que outros CEAPEs menores so ONGs). *** Tipos de instituio discutidos na prxima seo. **** Categorias legais descritas no Box1.

55

Conforme Nichter, essas nove IMFs com mais de 2.000 clientes ativos

atendem a 79% dos clientes ativos de microfinanas no Brasil. O autor observa

ainda que seis dessas nove IMFs esto localizadas no Nordeste. Alm disso, o valor

mdio do emprstimo nessas IMFs reflete as diferenas regionais: o valor mdio do

emprstimo nas seis maiores IMFs no Nordeste de R$ 642, muito inferior ao valor

mdio de emprstimo da Portosol no Sul (R$ 1.866), do Banco do Povo de So

Paulo, no Sudeste (R$ 1.696), e do Banco do Povo de Gois, no Centro-Oeste (R$

1.113).

Em sntese, difcil contestar o crescimento do setor de microcrdito, no s

no Brasil, mas tambm no mundo. Diante das inegveis dificuldades de algumas

regies brasileiras em se desenvolver e em reduzir a pobreza, a nfase dos

governantes nos pequenos e microempresrios tem se apresentado como uma

alternativa.

nesse sentido que gestores pblicos e estudiosos em suas pesquisas tm

apresentado como soluo para o desenvolvimento local e conseqentemente para

promoo da equidade scio-econmica essa modalidade das microfinanas. Desse

modo, depois de uma breve introduo e de um apanhado histrico do microcrdito

no mundo e de modo especial no Brasil, pretende-se, na seo seguinte, fazer

algumas reflexes sobre a importncia do microcrdito para o combate da pobreza,

o que representa de fato o objeto de estudo desse trabalho.

2.2. Caracterizao dos programas de microcrditos no Brasil

2.2.1. Programa UNO

No inicio dos anos 70 foi criado no Brasil o Programa UNO, Unio Nordestina

de Assistncia a Pequenas Organizaes. A entidade teve sua origem mais

56

precisamente em Salvador e Recife sobre a assistncia tcnica da Accin

Internacional na poca, AITEC e com a participao de entidades empresariais

e bancos locais.

A UNO era uma organizao no governamental especializada em

microcrdito e capacitao para trabalhadores de baixa renda do setor informal,

cujas operaes eram lastreadas por uma espcie de aval moral. Os recursos

iniciais vieram de doaes internacionais, posteriormente, incrementados por outras

linhas de crdito.

O novo programa de auxlio financeiro aos trabalhadores mais pobres tinha

tambm como uma de suas principais caractersticas a capacitao gerencial dos

seus tomadores de emprstimos, alm de fazer um levantamento do perfil do

microempresrio informal e o impacto do crdito. Esse trabalho resultou no fomento

ao associativismo, com a criao de cooperativas, associaes de artesos e grupos

de compra. A UNO se tornou uma referncia para expanso de programas de

microcrdito na Amrica Latina, tornando-se uma grande financiadora de pequenos

empreendimentos, criou muitos agentes de crditos especializados em crditos para

o setor informal.

Embora tenha sido bem sucedida na rea tcnica, a UNO deixou de existir

quase duas dcadas depois de sua criao, talvez, por deixar de considerar a auto-

sustentabilidade parte fundamental de suas polticas, de modo a transformar as

doaes recebidas em patrimnio financeiro e negociando com os parceiros a

cobrana de juros reais em todas as linhas de crditos que operava. Entretanto,

apesar de seu desaparecimento deixou o grande e bem sucedido exemplo da

capacitao dos clientes como forma de minimizar os