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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA NCLEO DE PS-GRADUAO E PESQUISA EM ECONOMIA
MESTRADO PROFISSIONAL EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL E GESTO DE EMPREENDIMENTOS LOCAIS
DISSERTAO DE MESTRADO
O SISTEMA DE MICROCRDITO COMO ESTRATGIA DE REDUO DA POBREZA: UMA AVALIAO NO MBITO DOS MUNICPIOS NORDESTINOS
WILTON LUIZ MOTA ALMEIDA
SO CRISTVO SERGIPE BRASIL JANEIRO / 2009
ii
O SISTEMA DE MICROCRDITO COMO ESTRATGIA DE REDUO DA
POBREZA: UMA AVALIAO NO MBITO DOS MUNICPIOS NORDESTINOS
WILTON LUIZ MOTA ALMEIDA
Dissertao de Mestrado apresentada ao Ncleo de Ps-Graduao e Pesquisa em Economia da Universidade Federal de Sergipe, como parte dos requisitos exigidos para a obteno do ttulo de Mestre em Desenvolvimento Regional e Gesto de Empreendimentos Locais.
ORIENTADOR: PROF. DR. JOS RICARDO DE SANTANA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO PROFISSIONAL EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL E GESTO DE
EMPREENDIMENTOS LOCAIS. SO CRISTVO SERGIPE
2009
iii
FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
A447s
Almeida, Wilton Luiz Mota O sistema de microcrdito como estratgia de reduo da
pobreza : uma avaliao no mbito dos municpios nordestinos / Wilton Luiz Mota Almeida. So Cristvo, 2009.
125 f. : il.
Dissertao (Mestrado em Desenvolvimento Regional e Gesto de Empreendimentos Locais) Ncleo de Ps-Graduao em Pesquisa em Economia, Pr-Reitoria de Ps-Graduao e Pesquisa, Universidade Federal de Sergipe, 2008.
Orientador: Prof. Dr. Jos Ricardo de Santana.
1. Economia regional Microcrdito Regio nordeste. 2. Desemprego. 3. Combate a pobreza Sistema financeiro. I. Ttulo.
CDU 336.77(812/813)
iv
O SISTEMA DE MICROCRDITO COMO ESTRATGIA DE REDUO DA
POBREZA: UMA AVALIAO NO MBITO DOS MUNICPIOS NORDESTINOS
Dissertao de Mestrado defendida por Wilton Luiz Mota Almeida aprovada em 23 de Janeiro de 2009 pela banca examinadora constituda pelos doutores:
Prof Dr Jos Ricardo de Santana Orientador Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Prof. Dr. Saumneo da Silva Nascimento Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE)
Prof. Dr. Jos Roberto de Lima Andrade Universidade Federal de Sergipe (UFS)
v
DEDICATRIA
Ana Paula, esposa
Luiz Almeida, pai
Maria Iracy, Me
E meus irmos.
vi
AGRADECIMENTOS
Agradeo a Deus, sem qual nada teria sentido.
Ao meu orientador, o professor Dr. Jos Ricardo de Santana, pela dedicao e a
bela orientao despendida.
Aos membros da banca examinadora, os economistas Dr. Saumneo da Silva
Nascimento e Dr. Jos Roberto de Lima Andrade, pela bela contribuio ofertada.
Aos meus colegas de turma.
E a todos que contriburam direta ao indiretamente para o sucesso da pesquisa.
vii
RESUMO
Nas ltimas dcadas o Brasil vem enfrentando uma onda de desemprego que tem impactos nos mais variados indicadores sociais, principalmente nos ndices de pobreza. O desemprego vigente tem reflexo direto nos indicadores de pobreza e atinge principalmente as cidades mais perifricas afastadas dos grandes centros urbanos. diante desse quadro que diversas alternativas foram sugeridas por estudiosos do tema e adotadas por governantes, visando reduzir pobreza e o desemprego. Nas duas ltimas dcadas, uma alternativa enfatizada foi possibilitar o acesso ao crdito s pessoas pobres, com poucas chances de obt-lo no sistema financeiro tradicional, dando-lhes a oportunidade de incrementar ou abrir um negcio no intuito de gerar ocupao e renda para que saiam da linha de pobreza. Assim esse estudo objetiva avaliar o impacto do microcrdito na reduo da pobreza nos municpios nordestinos. Para atingir tal objetivo, foram utilizados recursos economtricos visando subsidiar as concluses desse estudo. Os resultado alcanados indicam que a concesso de crdito no tem influncia significativa na reduo da pobreza, entretanto a concentrao de renda e principalmente a educao mostraram-se ser mais importante no combate a pobreza.
Palavras-chaves: 1. Microcredito, 2. Pobreza, 3. Desenvolvimento Regional e Local.
viii
ABSTRACT
In the last decades Brazil has been facing a wave of unemployment that has impacted in a variety of social indicators, principally in the rates of poverty. The actual unemployment has a direct reflex in the poverty indicators, affecting mainly the suburban areas, remote from the great urbane centres. Therefore several alternatives has been suggested by specialists and adopted by governments, aiming to reduce poverty and the unemployment. In last two decades, an alternative has been emphasized is to make possible financial credit to the poor people that has few chances of obtaining credit in the traditional financial system, giving them the opportunity for developing or opening a business in the intention of producing an occupation and income to take them out of the poverty line. So the aim of this study is to evaluete the impact of the microcredit at the reduction of poverty in Brazils Northeastern cities.To reach such an objective, econometric resources were used with the intention to conclude this study. The results reached indicate that the concession of credit has not significant influence in the reduction of the poverty, and that the concentration of income and principally education has been demonstrated to be more important to the combat of poverty.
Keywords: 1. Microcredit, 2. Poverty, 3. Regional Development Theory
ix
SUMRIO
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ....................................................................... X
LISTA DE TABELAS................................................................................................ XI
LISTA DE FIGURAS E QUADROS ............................................................................. XII
LISTA DE GRFICOS ............................................................................................. XIII
INTRODUO ...................................................................................................... 14
1. CONSIDERAES SOBRE POBREZA E O SISTEMA FINANCEIRO.... 17
1.1. Abordagem sobre a pobreza................................................................ 17
1.1.1. Definio e Mensurao............................................................. 17
1.1.2. A pobreza no mundo................................................................... 24
1.1.3. A pobreza no Brasil e as formas de combate............................. 26
1.2. Consideraes sobre o sistema financeiro e o mercado de crdito..... 30
1.2.1. A Importncia do sistema financeiro na economia...................... 30
1.2.2. O funcionamento do mercado de crdito..................................... 36
1.2.3. O crdito na economia brasileira................................................. 40
2. CARACTERIZAO DO SISTEMA DE MICROCRDITO E SUAS
ESTRATGIAS DE COMBATE A POBREZA............................................ 45
2.1. Caracterizao e trajetria do microcrdito........................................... 45
2.1.1. Caractersticas e definio........................................................... 45
2.1.2. Trajetria do microcrdito no mundo............................................ 47
2.1.3. Trajetria do microcrdito no Brasil.............................................. 50
2.2. Caracterizao dos programas de microcrditos no Brasil................... 53
2.2.1. O programa UNO......................................................................... 53
2.2.2. Rede CEAPE................................................................................ 55
2.2.3. Banco da Mulher.......................................................................... 57
2.2.4. PortoSol........................................................................................ 58
2.2.5. Crediamigo.................................................................................... 60
2.3. O microcrdito como estratgia de combate pobreza........................ 64
2.3.1. Fundamentao do debate........................................................... 64
2.3.2. Exigncias de garantias .............................................................. 69
2.3.3. Sustentabilidade das IMFs........................................................... 75
2.3.4. Focalizao.................................................................................. 79
x
3. O MICROCRDITO E O IMPACTO SOBRE A POBREZA NA ECONOMIA
NORDESTINA.............................................................................................. 84
3.1. Caracterizao da economia nordestina................................................ 84
3.2. A influncia da oferta de microcrdito no ndice de pobreza em municpios
nordestinos.............................................................................................. 88
3.2.1. Caracterizao da pesquisa........................................................... 88
3.2.2. Aspectos metodolgicos................................................................. 89
3.2.2.1. O mtodo.............................................................................. 89
3.2.2.2. Os modelos economtricos.................................................. 91
3.2.2.3. Base de dados...................................................................... 95
3.2.3. Resultados empricos...................................................................... 99
3.2.3.1. Corte por tamanho econmico............................................. 102
3.2.3.2. Corte por estado.................................................................. 110
3.2.3.3. Corte por cidade sede de agncias..................................... 112
4. CONSIDERAES FINAIS............................................................................ 118
5. BIBLIOGRAFIA............................................................................................... 121
xi
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BNB - Banco do Nordeste do Brasil
BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social
CEAPE - Centro de Apoio aos Pequenos Empreendimentos
CEPAL - A Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe
ENDEF - Estudo Nacional da Despesa Familiar
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IDH-E - ndice de Desenvolvimento Humano educao
IMF - Instituio Micro Financeira
IPEA - Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada
LPA - Linha de Pobreza Absoluta
M1 - Moeda em poder do pblico + depsito a vista nos bancos
M2 - M1 + ttulos pblicos
MPME - Micro Pequenas e Mdias Empresas
ONG - Organizao no Governamental
ONU - Organizao das Naes Unidas
OSCIPS - Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico
PIB - Produto Interno Bruto
PNUD - Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento
SPC - Servio de Proteo ao Crdito
TIR - Taxa Interna de Retorno
UNICEF - Fundo das Naes Unidas para a Infncia
UNO - Unio Nordestina de Assistncia a Pequenas Organizaes
VPL - Valor Presente Lquido
xii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Diferentes Estimativas da Taxa de Pobreza para os Estados Brasileiros
2002 ..............................................................................................................20
Tabela 2 Os dez estados do Brasil com maior percentual de pessoas pobres em
1991...............................................................................................................27
Tabela 3 Evoluo do crdito total entre 2003 e 2006 ........................................41
Tabela 4 Desembolso Anual do Sistema BNDES (R$ milhes de 2006 ..........43
Tabela 5 Clientes Atendidos e Emprstimos Desembolsado por Estado Perodo
1998 a 2007 .................................................................................................62
Tabela 6 Resumo das Estatsticas Descritivas ....................................................99
Tabela 7 Equaes com variveis determinantes da pobreza dos municpios
nordestinos em 2000. ................................................................................100
Tabela 8 - Resumo do Teste de White para deteco de heteroscedasticidade.101
Tabela 9 Equaes com variveis determinantes da pobreza dos municpios
nordestinos com PIB menor que R$ 50,00 milhes, em 2000. ..........103
Tabela 10 Equaes com variveis determinantes da pobreza dos municpios
nordestinos com PIB entre R$ 50,00 milhes e R$ 100,00 milhes, em
2000. .............................................................................................................105
Tabela 11 Equaes com variveis determinantes da pobreza dos municpios
nordestinos com PIB entre R$ 100,00 milhes R$ 200,00 milhes, em
2000................................................................................................................ 107
Tabela 12 Equaes com variveis determinantes da pobreza dos municpios
nordestinos com PIB entre R$ 200,00 milhese R$ 500,00 milhes, em
2000. ............................................................................................................. 109
Tabela 13 Equaes com variveis determinantes da pobreza dos municpios
nordestinos de estados selecionados, em 2000. ..................................111
xiii
Tabela 14 Equaes com variveis determinantes da pobreza dos municpios
nordestinos em 2000. Corte por cidade sede. .......................................113
xiv
LISTA DE FIGURAS E QUADROS
Quadro 1 Estimativa da Atividade total de microfinanas no Brasil. ................51
Quadro 2 - Instituies de microfinanas no Brasil com mais de 2.000 clientes ativos
(2001). . ........................................................................................................52
Figura 1 Resultados acumulados do Crediamigo de 1998 a 2000. . ...............61
xv
LISTA DE GRFICOS
Grfico 1 Proporo de pessoas que vivem com menos de US$ 1 por dia no
mundo em 1990, 1999 e 2004. ................................................................24
Grfico 2 Percentual de pessoas pobres por regio em 1991 e 2000..............28
Grfico 3 Taxa de juros vesus receita do emprestador. . ...................................39
Grfico 4 Razes alegadas pelos bancos para no conceder os emprstimos
solicitados em So Paula. 1999. . ...........................................................70
Grfico 5 Razes alegadas pelos bancos para no conceder os emprstimos
solicitados em So Paula. 2004. . ...........................................................71
Grfico 6 Percentual de Pessoas Pobres nas Regies Brasileiras. .................87
16
INTRODUO
H algumas dcadas, o Brasil vem enfrentando uma onda de desemprego
que tem impactos nas mais variadas esferas sociais, inclusive segurana com
aumento da criminalidade. O baixo nvel de emprego nesse perodo tem explicaes
conjunturas, j que, principalmente a partir dos anos 90, vm sendo adotadas
polticas restritivas de combate inflao; e tem explicaes estruturais, uma vez
que com as mudanas nos paradigmas tecnolgicos fazem-se necessrias novas
qualificaes por parte dos trabalhadores, que muitas vezes no conseguem se
adequarem s novas exigncias. Da mesma forma, as inovaes na informtica,
comunicao e eletrnica aumentaram consideravelmente a produtividade do
trabalho efetivo diminuindo a demanda por mo-de-obra.
Tal situao mais grave ainda nas cidades perifricas, afastadas dos
grandes centros urbanos, onde o baixo nvel de escolaridade torna-se um entrave
para insero dos trabalhadores no mercado de trabalho. E quando se considera
uma regio como a do nordeste brasileiro a situao ainda mais complexa, j que
a regio sofre tambm com problemas climticos.
A pobreza intensificada por esse quadro tem gerado uma series de debates,
os quais buscam apresentar alternativas de combate e controle da pobreza, bem
como aes preventivas. Tal debate mais enftico nas economias onde a
desigualdade social grande, na qual o Brasil estar inserido.
Diante dessa conjuntura, o discurso poltico e at acadmico tentam formular
alternativas de combate a pobreza, e um das alternativas em evidncia nesse
sentido tem sido a concesso de crdito s camadas mais pobres da populao, que
em geral tem dificuldade de conseguir crdito no sistema bancrio tradicional.
17
Foi em meados dos anos 70 com a experincia do professor Muhammad
Yunus, atraves do Grameen Bank em Bangladesh, que o microcrdito surge como
instrumento de combate pobreza, e a partir da diversos programas de microcrdito
surgiram pelo mundo objetivando a gerao de ocupao e renda entre os mais
pobres. A idia original do microcrdito, assim como procede hoje diversos
programas de microcrdito, era conceder emprstimos as camadas da populao
com maior dificuldade em obter-los no sistema financeiro tradicional.
No Brasil, atualmente diversas instituies seguem a linha do Grameen Bank
e esto atuando na concesso de pequenos valores de crdito a pessoas que
dificilmente conseguiria obter-los nos sistema bancrio tradicional. O Centro de
Apoio aos Pequenos Empreendimentos (CEAPE) um desses exemplos, a ONG
iniciou sua atuao inicialmente no Rio Grande do Sul e depois se espalhou pelo
Brasil. O Banco da Mulher e o Portosol so outros exemplos de instituies que
atuam nesse setor. Mas o Banco do Nordeste do Brasil que atualmente possui a
maior carteira do setor atravs do programa Crediamigo, embora o banco no atue
unicamente com pequenos crditos.
Nesse contexto o objetivo desse trabalho examinar a eficincia da
concesso de microcrdito no combate a pobreza dos municpios nordestinos,
regio que possuem os maiores ndices de pobreza do pas. Tal abordagem mostra-
se relevante, sobretudo para justificar ou no as polticas adotadas pelos
governantes no sentido de aumentar a oferta de microcrdito objetivando a gerao
de ocupao remunerada, como p.ex. o trabalho autnomo e o surgimento de
pequeno empreendimento de base familiar, com repercusso direta no nvel de
pobreza.
18
Assim esse trabalho foi dividido em trs partes. Na primeira parte buscou-se
abordar os aspectos mais gerais relevantes para a pesquisa, tais como a discusso
de elementos tericos sobre a pobreza, bem como o funcionamento do mercado de
crdito e o papel do sistema financeiro na economia. A segunda parte concentrou-se
no debate em torno do microcrdito e discutiu-se sua trajetria, definio,
caractersticas e diretrizes para alcanar o objetivo de inibidor da pobreza. Por fim,
na ultima parte foi examinado que influncia de fato a concesso de microcrdito
exerce no ndice de pobreza em municpios nordestinos.
Para atingir o objetivo central da pesquisa utilizou-se como amostra os
municpios que receberam microcrdito do programa Crediamigo. Os demais dados
referentes s cidades nordestinas so oriundos do instituto de pesquisa econmica
aplicada. Como principal recurso fez-se uso de instrumental economtrico a fim de
averiguar se h influncia significativa da modalidade de crdito aqui em questo
nos nveis de pobreza do nordeste brasileiro.
19
1. CONSIDERAES SOBRE POBREZA E O SISTEMA FINANCEIRO
1.1. Abordagem sobre a pobreza
1.1.1. Definio e Mensurao
Nas ltimas dcadas vem crescendo o debate em torno do tema pobreza.
So muitas indagaes e tentativas de respostas para esse fenmeno que incomoda
os mais variados pases, com destaque, e no poderia ser diferente, para aqueles
menos desenvolvidos.
No centro desse debate, o questionamento sobre como definir e mensurar a
pobreza ainda um tema bastante freqente. H vrios aspectos na literatura
mostrados sobre tal fenmeno. Do ponto de vista de avaliaes econmicas, a
pobreza tem sido abordada segundo os aspectos materiais, talvez por este
apresentar menor complexidade em sua mensurao.
Dentro da concepo material, uma das formas mais freqente de se medir a
pobreza , sem dvida, fazendo uso de uma concepo unidimensional, isto ,
unicamente dimensionada pela insuficincia de renda, a qual determina um nvel
mnimo de renda abaixo do qual os indivduos seriam considerados pobres. dentro
dessa concepo que foi elaborada uma linha de pobreza com razovel aceitao
internacional, na proporo de US$1 dia per capta, adotada pela ONU.
Conforme Hagenaars e De Vos (Apud Hoffmann, 2006), todas as definies
de pobreza podem ser enquadradas numa das trs categorias seguintes:
a) pobreza ter menos do que um mnimo objetivamente definido (pobreza
absoluta);
b) pobreza ter menos do que outros na sociedade (pobreza relativa);
20
c) pobreza sentir que no se tem o suficiente para seguir adiante (pobreza
subjetiva).
De fato, vrias definies de ampla utilizao na literatura so possveis de
serem enquadradas nessas categorias, como afirma os autores. Dentre as
concepes de pobreza absolutas esto: i) o enfoque nas necessidades bsicas,
desencadeada geralmente na linha de pobreza j descrita; ii) o enfoque baseado na
Lei de Engel, que tem como parmetro a proporo da renda utilizada para consumir
alimentos; iii) o princpio da utilizao da razo entre os custos fixos domsticos e a
renda total; iv) a concepo que leva em conta a razo entre os gastos correntes e a
renda, na qual o individuo pobre seria aquele que recorre freqentemente a
emprstimos para sobreviver.
J com relao pobreza relativa pode ser citada a carncia relativa no
tocante a cesta de bens considerados comuns naquela regio. Por fim, entre as
definies de pobreza na concepo subjetiva entra a conceituao que considera
pobres aqueles cujo nvel de renda esta aqum daquele que considera o que seria o
suficiente para sobreviver (Hoffmann, 2006)
Dentro da concepo absoluta o ponto chave para se medir a pobreza e
indigncia em uma determinada unidade estabelecer uma fronteira pautada na
renda (linha de pobreza) que separa pobres e no-pobres. Um exemplo dessa forma
de demarcao da fronteira que separa estes dois estratos sociais, muito utilizado,
o valor dlar dia per capita, atravs do qual estabelecido a quantidade monetria
por dia necessria para um indivduo suprir suas necessidades bsicas. No Brasil
fraes do salrio mnimo, a exemplo de Hoffmann (2006), por vez, tambm so
utilizados como linha de fronteira entre tais extratos sociais.
21
Como j referido, dentre os critrios assinalados, os enquadrados em uma
concepo de pobreza absoluta aparecem com maior freqncia que os demais. No
entanto tal metodologia recorrentemente alvo de crticas, e mesmo dentro dessa
concepo os valores apresentados como conseqncia desse mtodo so
divergentes.
Um trabalho elaborado por Diniz e Arraes (2006) objetivando verificar a
possibilidade de haver superestimao no clculo da taxa de pobreza, ou proporo
de pobres no Brasil de acordo com a literatura denota bem esse fato. Os autores
demonstram haver uma divergncia das estimativas nas taxas de pobreza e em
relao aos nmeros de pobres no Brasil. A pesquisa leva em considerao as
estimativas ponderadas para se tomar decises nas polticas publicas, isto , os
dados do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada IPEA, que se encontram na
base denominada de IPEADATA; os dados do Atlas do Desenvolvimento Humano,
calculado pela Fundao Joo Pinheiro, em parceria com o prprio IPEA e Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatstica IBGE e, dentro dos objetivos do Programa das
Naes Unidas para o Desenvolvimento PNUD; e, ainda as estimativas feitas em
diversas pesquisas realizadas por Rocha (1993, 1997, 2000, 2003, 2004), autora
com razovel nmero de citaes em relao ao tema proposto.
Na tabela apresentada no trabalho dos autores aparecem grande diferenas
nos resultados das taxas de pobreza ou proporo de pobres para os estados
brasileiros considerando as fontes citadas. Algumas diferenas chegam a ser
bastante significativas. Quando comparamos os dados apresentados por Rocha1 e
1 ROCHA, Sonia. Impacto sobre a Pobreza dos Novos Programas Federais de Transferncia de Renda. In XXII Encontro Nacional de Economia. Anais..., 2004.
22
pelo Atlas do Desenvolvimento Humano 20002, percebem-se valores acima de
100%, como o caso do Distrito Federal e So Paulo, onde enquanto Rocha
apresenta a taxa de pobreza nessas cidades de 38,85% e 30,35% respectivamente,
o Atlas apresenta a taxa de 16,07% e 14,37%. Tal diferena quando avaliada em
nmeros absolutos de pessoas pobres nos estados mais populosos, como o caso
de So Paulo, podem representar milhes de pessoas, como bem afirma os autores
da pesquisa, Diniz e Arraes (2006). Mesmo entre o IPEA e o Atlas podem ser
observadas diferenas que ultrapassam a 30%, como p.ex. para os estados do
Esprito Santo e Mato Grosso do Sul.
Tabela 1 Diferentes Estimativas da Taxa de Pobreza para os Estados Brasileiros 2002
Rocha (2004) IPEADATA ATLAS Rondnia 31.17 30.63 35.2 Acre 40.3 38.54 47.83 Amazonas 45.28 44.43 52.97 Roraima 45.02 44.42 35.9 Par 44.34 43.68 51.89 Amap 42.15 40.08 42.95 Tocantins 45.61 48.8 50.79 Maranho 50.68 60.84 66.82 Piau 48.29 59.14 61.82 Cear 50.45 53.43 57 Rio G. Norte 39.47 48.17 50.63 Paraba 44.06 54.46 55.26 Pernambuco 54.13 56.24 51.31 Alagoas 52.97 63.06 62.24 Sergipe 40.48 48.85 53.99 Bahia 48.26 55.45 55.32 Minas Gerais 27.09 22.74 29.77 Esprito Santo 22.05 21.02 28.04 Rio de Janeiro 28.01 18.29 19.23 So Paulo 30.35 17.64 14.37 Paran 19.28 21.6 23.69 Santa Catarina 9.18 12.47 16.24 Rio G. do Sul 16.78 21.52 19.69 Mato G do Sul 34.83 20.47 28.66 Mato Grosso 35.32 21.18 27.78 Gois 36.94 21.25 26.65 Distrito Federal 38.85 20.86 16.07
Fonte: Elaborao prpria com base em Diniz e Arraes (2006). Referncia o ano de 2000 * Variao percentual entre o menor e maior
2 FUNDAO JOO PINHEIRO FJP; PROGRAMA DAS NAES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO PNUD; INSTITUTO DE PESQUISAS ECONMICAS APLICADAS IPEA. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2000.
23
Nesse contexto, e fazendo uso de mtodos estatsticos, os autores
concluram haver superestimao em grande medida da taxa de pobreza, sendo
esta inversamente relacionada com o tamanho econmico do estado e diretamente
com a distribuio de renda.
Outra pesquisa elaborada por Vasconcellos e Costa (2006), tambm tece
crticas ao modelo da linha de pobreza absoluta, o qual, como visto, est pautado na
satisfao de necessidades bsicas, dentre as quais o suprimento dos
requerimentos nutricionais usando como base a satisfao das necessidades
energticas.
Desse modo, o trabalho levanta algumas limitaes metodolgicas e
operacionais para a construo de linhas de pobreza absolutas no Brasil, para tanto
parte de alguns pressupostos emanados da conceituao da linha de pobreza
absoluta apresentado na literatura, a saber: (1) a pobreza definida pela no-
satisfao das necessidades bsicas; (2) quaisquer que sejam as necessidades,
elas devem ser baseadas no consumo observado (Rocha, 1977); (3) a renda
usada como critrio para medir pobreza; e (4) uma vez que o balano energtico
atingido, todos os requerimentos nutricionais so satisfeitos.
Os objetivos de Vasconcellos e Costa resumem-se em discutir as
consideraes que devem ser feitas durante a elaborao da LPA (Linha de Pobreza
Absoluta) e avaliar em que medida a violao de alguns dos pressupostos citados
acima interfere nos resultados, tendo como principal fonte de dados Estudo Nacional
da Despesa Familiar (ENDEF). Por questes metodolgicas, o trabalho ficou dividido
em quatro assuntos distintos: (1) o que consumo alimentar? Quantidades obtidas
na semana ou quantidades ingeridas na semana?; (2) como o consumo expresso
em energia e quais as diferentes estratgias de construo das tabelas de
24
composio dos alimentos?; (3) qual conceito de requerimento energtico usar e
como calcul-lo? e (4) as limitaes da taxa de adequao em energia como
indicador do estado nutricional.
Vrias observaes foram constatadas no trabalho que podem comprometer
o resultado na elaborao da LPA, ocasionando subestimao, por exemplo. A falta
de informaes sobre a presena s refeies no perodo de referncia, no
considerando a ausncia de moradores s refeies em casa; a falta de um
tratamento adequado dos pesos da parte comestvel dos alimentos, visto que este
deve ser feito com base nas propores de resduo existentes em tabelas de
composio (que refletem prticas laboratoriais e no as prticas culinrias das
famlias, com exceo da tabela do ENDEF). Os determinantes de requerimentos
energticos internacionais usados como referncia so inadequados ao caso
brasileiro; em suma, entre outras observaes os autores citam que a linha de
indigncia somente retrata o valor necessrio para eliminar a restrio alimentar
energtica e, se no forem feitas provises para a melhora das condies no-
alimentares, as LPA no satisfazem seus pressupostos de satisfao das
necessidades bsicas (Vasconcellos e Costa 2006).
De modo geral, parece inegvel que independente do mtodo adotado na
medio da pobreza sempre vo existir aspectos relativos, j que o conjunto de bens
e servios dados como necessrios oscila com a variao da renda da populao, e
do mesmo modo tais necessidades tendem a mudar com o tempo e/ou grupo social
considerado.
Na realidade, o que importante perceber aqui na breve elucidao desse
tpico que, em linhas gerais, as medidas de pobreza querem chegar a uma forma
de medio, de forma mais ou menos relativa, dos nmeros de pessoas pobres,
25
pautada em privaes matrias, sociais e at culturais, onde tais privaes, em dado
nvel, impunha aos pobres a excluso de um padro de vida minimamente aceitvel
na sociedade em que vivem.
De forma geral, apesar das crticas tecidas aos mtodos absolutos, que
geralmente so balizados monetariamente, estes so os mais utilizados na literatura,
aparecendo com grande freqncia inclusive nos ndices oficiais. Tudo leva crer que
a popularidade dessa tcnica esta relacionado sua objetividade e facilidade de
parametrizar a pobreza, estabelecendo uma quantia monetria que possibilite a
aquisio de itens, alimentares e no alimentares, para atender as necessidades
bsicas do indivduo ou famlia estudada. Uma outra explicao da preferncia pelo
mtodo pode ser o maior grau de cientificidade nele contido quando comparado com
outros mtodos, uma vez que ele encontra base na teoria do consumidor no qual
expressa os gastos correntes como uma melhor aproximao da renda permanente,
como bem observa Diniz e Arraes (2006).
Para fins dessa pesquisa os ndices de pobreza apresentado foram
levantados atravs do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA)3, o qual
tambm faz uso do mtodo absoluto pautado no nvel de renda. Ou seja, o grau de
pobreza quando citado, salvo quando expresso de outra forma, diz respeito ao
percentual de pessoas com renda domiciliar per capita inferior a R$75,50,
equivalentes a 1/2 do salrio mnimo vigente em agosto de 2000, ano de referncia
desse trabalho. O universo de indivduos limitado queles que vivem em domiclios
particulares permanentes.
3 O Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea) uma fundao pblica federal vinculada ao Ncleo de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica. Suas atividades de pesquisa fornecem suporte tcnico e institucional s aes governamentais para a formulao e reformulao de polticas pblicas e programas de desenvolvimento brasileiros. Os trabalhos do Ipea so disponibilizados para a sociedade por meio de inmeras e regulares publicaes e seminrios e, mais recentemente, via programa semanal de rdio e TV em canal aberto e fechado.
26
1.1.2. A pobreza no mundo
A pobreza uma preocupao de todos os paises do mundo, mas nas
naes menos desenvolvidas, possvel se julgar, onde se tm o problema mais
grave. Embora os ndices de pobreza no mundo venham melhorando, conforme
grfico abaixo, a situao preocupante. De acordo com o relatrio Metas do
Desenvolvimento do Milnio 20074 aproximadamente 19% da populao mundial
vive abaixo da linha de pobreza, segundo critrio da ONU isso representa viver com
menos de US$ 1 por dia. A frica Subsaariana aparece como a regio que tem a
maior proporo de pobres. Em 1990 era cerca de 46,8%, em 1999 passou para
45,9% e 2004 reduziu para 41,1%, significando uma reduo prxima de 12% entre
1990 e 2004.
Grfico 1 Proporo de pessoas que vivem com menos de US$ 1 por dia no mundo em 1990, 1999 e 2004.
0 10 20 30 40 50
fric
a Su
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sia
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idion
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ia Or
iental
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ica La
tina e
Car
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sia
Ocide
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fric
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Nor
te
2004
1999
1990
.
Fonte: The Millennium Development Goals Reports
4 O relatrio Metas de Desenvolvimento do Milnio (The Millennium Development Goals Reports) uma publicao da ONU e representa atualmente um instrumento importante para subsidiar debates e investimento das Naes Unidas.
27
O relatrio da ONU mostra que o nmero de pessoas em pases em
desenvolvimento vivendo com menos de um dlar ao dia reduziu para 980 milhes
em 2004, contra 1,25 bilho em 1990. A proporo foi diminuda, todavia os
benefcios do crescimento econmico foram desiguais entre os pases e entre
regies dentro destes pases. As maiores desigualdades esto na Amrica Latina,
Caribe e frica Subsaariana. Se o ritmo de progresso atual continuar, o primeiro
objetivo, ou seja, a erradicao da pobreza extrema e da fome, no ser cumprido:
em 2015 ainda haver 30 milhes de crianas abaixo do peso no sul da sia e na
frica, segundo o relatrio.
Na Amrica Latina e no Caribe, 8,7% da populao vivia com menos de US$
1 por dia em 2004, conforme grfico 1; j em 1990, a taxa era de 10,3%, uma
reduo na pobreza prxima de 15,5%.
O percentual de avano at 2004 na reduo da pobreza em toda regio ficou
em 34%, embora, desde 1990, mais da metade do tempo previsto para alcanar as
metas do desenvolvimento do milnio tem transcorrido. Apenas o Brasil, Equador,
Mxico, Paraguai e Uruguai alm do Chile que j havia cumprido teriam
conseguidos avanos no mnimo iguais ao esperado. Por outro lado, a argentina e a
Venezuela registraram nveis de pobreza extrema maior do que em 1990.
A erradicao da pobreza e da fome est entre os oito objetivos que a ONU
pretende alcanar at 2015. Os outros objetivos do milnio das Naes Unidas so:
i) atingir o ensino bsico universal; ii) promover a igualdade entre os sexos e a
autonomia das mulheres; iii) reduzir a mortalidade infantil; iv) melhorar o atendimento
de sade a gestantes e mes; v) combater a Aids, a malria e outras doenas; vi)
garantir sustentabilidade ambiental; vii) desenvolver uma parceria global pelo
desenvolvimento.
28
Segundo publicaes do Programa das Naes Unidas para o
Desenvolvimento5, estudos da CEPAL indicam que a taxa de crescimento do
produto por habitante necessria para que cada um dos pases da regio cumpra a
meta em 2015 , em mdia para a regio, de 2,9% ao ano. Conforme a mesma
publicao, esta mdia esconde, porm, importantes diferenas. Por exemplo, os
pases que registram atualmente os maiores nveis de pobreza extrema, superiores
a 30% Bolvia, Guatemala, Honduras, Nicargua e Paraguai , deveriam
incrementar sua renda por habitante a uma taxa mdia anual de 4,0% durante os
prximos 11 anos. Isso permitiria a esse grupo de pases cumprir a meta de reduzir
a pobreza extrema metade, na hiptese de a distribuio da renda se manter
inalterada. No grupo de pases com menor pobreza extrema Chile, Costa Rica e
Uruguai , o produto por pessoa precisaria crescer to-somente 0,4% ao ano, em
mdia, nos prximos 11 anos. O grupo dos pases com incidncia mdia de pobreza
extrema, entre os quais se encontram a Argentina, Brasil, Colmbia, Equador, El
Salvador, Mxico, Panam, Peru e Venezuela, requer uma taxa anual de
crescimento por habitante da ordem de 3,1% ao ano, em mdia.
1.1.3. A pobreza no Brasil e as formas de combate
Segundo o Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento no Brasil, o
Brasil vem cumprindo o objetivo de reduzir metade o nmero de pessoas vivendo
em extrema pobreza at 2015: de 8,8% da populao em 1990 para 4,2% em 2005.
Mesmo assim, 7,5 milhes de brasileiros ainda tm renda domiciliar inferior a um
dlar por dia. Em 2005 o governo se comprometeu a reduzir o nmero de brasileiros
5 Folha Informativa. Disponvel em http://www.pnud.org.br/arquivos/ODM_CEPAL_1.doc . Documento que aborda o objetivo um do ODM das naes unidas, com uma viso a partir da Amrica Latina e Caribe.
http://www.pnud.org.br/arquivos/ODM_CEPAL_1.doc
29
em pobreza extrema a 25% do total existente em 1990 e a acabar com a fome no
Brasil at 2015.
De acordo com dados do IPEA em 1991 aproximadamente 40% da populao
brasileira estavam abaixo da linha de pobreza, com destaque para o regio
nordestina com cerca de 67% da sua populao abaixo da linha de pobreza, seguida
pela regio norte com cerca de 52% de pessoas pobres. Embora o nordeste
contribusse muito mais para o aumento nos ndices nacionais de pobreza por sua
populao ser bem maior, o equivalente ao qudruplo da populao do norte em
1991. Entre os dez estados com maior percentual de pobreza no perodo
considerado nove so do Nordeste, a exceo era Tocantins, o que caracteriza uma
acentuada desigualdade regional.
Tabela 2 Os dez estados do Brasil com maior percentual de pessoas pobres em 1991
ESTADOS POBREZA Maranho 75.07 Piau 74.46 Paraba 69.04 Cear 68.23 Alagoas 67.18 Bahia 67.04 Rio Grande do Norte 61.71 Sergipe 61.06 Tocantins 60.98 Pernambuco 60.04
Fonte: IPEA, Elaborao prpria
Quase uma dcada depois, no ano 2000, as regies Nordeste e Norte
continuaram com os maiores percentuais de pobres. Embora no tenha havido uma
mudana na classificao das regies quanto ou nvel de pobreza, todas as regies
brasileiras apresentaram reduo na proporo de pobres. A reduo mais
significativa foi a da regio Sul, que entre 1991 e 2000 apresentou uma reduo no
30
percentual de pessoas pobres em aproximadamente 33%. As menores redues
ocorreram justamente nas regies mais pobres, ou seja, Norte e Nordeste, com
diminuio prxima de 6% e 15% respectivamente.
Grfico 2 Percentual de pessoas pobres por regio em 1991 e 2000
Fonte: Ipea, Elaborao prpria.
O documento The Millennium Development Goals Reports 2007 das Naes
Unidas citado anteriormente coloca os fatores climticos como um dos grandes
entraves para erradicao da pobreza e para reduo das desigualdades regionais
de renda no mundo. nesse contexto que o Nordeste Brasileiro parece estar
enquadrado. A regio tem um histrico, no mbito climtico, desfavorvel ao
desenvolvimento regional. A ocorrncia peridica de secas um problema que os
nordestinos, mais especificamente do semi-rido, tm enfrentado h dcadas e
fomentando a idia de no haver soluo fcil e/ou imediata.
Diversas alternativas so apontadas na literatura como forma de combate a
pobreza, sendo que o crescimento econmico aparece em praticamente todas as
citaes de combate a pobreza. O aumento do nvel de atividade produtiva,
geralmente medido pelo PIB, tem efeito direto sobre a reduo da pobreza absoluta,
evidenciado pelos aumentos e redues do numero de pobres ao longo dos anos
0
10
20
30
40
50
60
70
80
Regio
Centro-oeste
Regio Norte
Regio
Nordeste
Regio Sul
Regio
Sudeste
1991
2000
31
80, acompanhando diretamente os movimentos dos ciclos econmicos de curto
prazo (Rocha, Apud Rocha 1995). Entretanto importante mencionar que os efeitos
do crescimento econmico sobre a reduo da pobreza provavelmente no sortiro
os efeitos desejados se, ao crescer o produto interno do pas, no houver uma
distribuio do excedente gerado.
A distribuio de renda sem duvida outro fator de relevncia a ser
considerado no combate a pobreza, uma distribuio de renda mais eqitativa tende
a potencializar o efeito do crescimento econmico. Estimativas revelam que uma
reduo de apenas 5% no valor do coeficiente de Gini permitiria se reduzir para
2,1% ao ano o produto regional por habitante necessrio para atingir a meta referida
anteriormente, em lugar dos 2,9%.
A transferncia de renda tambm tem sido muito utilizada no Brasil como
forma de reduzir os ndices de pobreza, tais programas vem sendo enfatizado no
governo Lula, a exemplo do Programa Fome Zero6, caracterizado como o principal
programa do governo para combater a fome. O Fome Zero tem como carro chefe a
ao batizada de Bolsa Famlia, que um programa de transferncia de renda
destinado as famlias em situao de pobreza, com renda familiar per capta de at
R$ 120,00 mensais.
Rocha (1995) afirma que os programas de complementao de renda para
combater a pobreza tm trs motivaes bsicas. Em primeiro lugar, a
6 O FOME ZERO uma estratgia impulsionada pelo governo federal para assegurar o direito humano alimentao adequada s pessoas com dificuldades de acesso aos alimentos. Tal estratgia se insere na promoo da segurana alimentar e nutricional buscando a incluso social e a conquista da cidadania da populao mais vulnervel fome. O programa atua a partir de quatro eixos articuladores: acesso aos alimentos, fortalecimento da agricultura familiar, gerao de renda e articulao, mobilizao e controle social
32
complementao de renda dos pobres demanda um investimento modesto.
Segundo, a pouca eficcia dos programas baseados na distribuio gratuita de
alimentos. Tais programas custam muito mais do que o valor dos bens transferidos
e/ou so mal focalizados. Por fim, a ultima razo esta ligada ao fato de acreditar que
o bem-estar do beneficirio maximizado quando ele prprio decide como usar a
renda adicional.
A gerao de emprego outra maneira de buscar a reduo da proporo de
pobres. Nesse sentido vrios programas de gerao de emprego so tentados ao
longo de dcadas; ao motivada no Brasil, principalmente pela onda de
desemprego que este vem enfrentando.
diante desse quadro que a busca de alternativas para o problema do
desemprego, levaram os governantes e estudiosos do tema a apresentar como
soluo a abertura do prprio negcio, que na literatura econmica vem ganhando
cada vez mais espao e geralmente aparece sobre a denominao de
empreendedorismo. Todavia surge outro questionamento, como abrir o prprio
negcio ou incrementar o pequeno negcio j existente se no tenho capital para
isso. nesse contexto que o microcrdito ganha corpo nas polticas pblicas em
resposta a esse questionamento. Boa parte desses programas de microcrditos tem
como objetivo principal o combate a pobreza, como o caso do CredAmigo, que
ser tratado posteriormente.
1.2. Consideraes sobre o sistema financeiro e o mercado de crdito.
1.2.1. A importncia do sistema financeiro na economia.
Antes de discutir o mercado de crdito imprescindvel entender a
importncia do sistema financeiro na economia, sobretudo a relao entre
crescimento financeiro e desenvolvimento econmico. J na primeira metade do
33
sculo XX, John Maynard Keynes, considerado pioneiro da macroeconomia, j tinha
formulado concepes tericas que serviria de subsidio para tal discurso. Da
mesma forma, Alois Joseph Schumpeter, considerado precursor da teoria do
desenvolvimento capitalista, ressaltava a importncia da ampliao do poder de
compra para o desenvolvimento atravs da obteno de crdito.
Atualmente, as idias de Keynes apresentadas em suas obras; Tratado
sobre a Moeda, escrito em 1930 e A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da
Moeda escrito em 1936; exerce significativa importncia nas anlises feitas sobre a
influncia do sistema financeiro no desenvolvimento econmico.
Com a abordagem da preferncia pela liquidez, mostrando uma concepo
inovadora a respeito da taxa de juros, a qual no era mais vista como um simples
ponto de equilbrio entre a oferta e a demanda de recursos, e ao ancorar sua anlise
na ausncia de coordenao entre poupadores e investidores, Keynes contribui na
formao terica da discusso relativa ao papel da intermediao financeira no
desenvolvimento econmico. Do mesmo modo, quando demonstra que a posio de
equilbrio do sistema capitalista pode no ser a do pleno emprego, Keynes defende
a interveno do estado na economia, objetivando a elevao do nvel de produo
por meio do incentivo ao investimento privado (Calvacante, 2006).
Schumpeter (1983) ao discutir o desenvolvimento, mesmo no inicio do
sculo XX, j denotava que o essencial para o desenvolvimento econmico seria a
ampliao do poder de compra, de modo que este representa a forma pelo qual o
desenvolvimento impulsionado no sistema de propriedade privada e diviso de
trabalho. Contudo, a alternativa para aumentar o poder de compra empresarial seria
o crdito anormal, ou seja, aquele em que no h uma garantia real, por ser
34
lastreado em bens que ainda no foram produzidos. Tal denominao faz
contraponto ao crdito normal, que tem como garantia a entrega previa de bens.
Atualmente o Sistema Financeiro vem passando por transformaes. Novos
produtos, formas de financiamento e mercado so criados ou desenvolvidos.
Paralelamente, h um aumento no nmero de participantes e transaes nos
mercados existentes. Estes fatos tm dificultado a compreenso do sistema
financeiro dentro do sistema econmico.
Nas ltimas dcadas vrios trabalhos tm examinado a relao de
casualidade entre o crescimento econmico e desenvolvimento financeiro, isto est
ligado aos indcios da existncia dessa relao, pois diversos so os argumentos
que justificariam o comportamento interrelacionado entre os dois parmetros aqui
discutidos. Levine (1997) enumera vrias funes do sistema financeiro que a
vincula ao crescimento econmico de uma nao, entre as quais podemos citar:
- Aproximao funcional: o custo de adquirir informaes e fazer transao criar
incentivos para emergncia do mercado financeiro e instituies.
- Facilita Lidar com riscos: Mercados Financeiros e instituies desenvolvidas
aparecem para facilitar a comercializao, proteo e diversificao de riscos;
fato que possibilita uma melhor eficincia do capital.
- Melhora a informao sobre investimentos e alocao de recursos:
Intermedirios Financeiros reduzem custos de obteno de informaes sobre
investimentos, facilitando uma melhor alocao dos recursos.
- Monitorando diretores e exercendo controle sobre as corporaes: A
financeirizao das atividades econmicas faz com que s instituies
adquirentes das atividades produtivas exeram um monitoramento dos diretores
35
das firmas e controle sobre as corporaes; o arranjo de melhores controles
tende a promover uma maior acumulao de capital e crescimento por melhorar
a alocao do capital das corporaes.
- Mobilizao de poupana: Intermedirios financeiros absorvem uma frao dos
recursos da poupana domstica, que ser transformada em investimento.
- Facilidade de negociao de mercadorias e servios.
Embora haja uma predominncia no sentido de que o desenvolvimento
financeiro tem relao com o crescimento econmico, existem controvrsias na
relao de causalidade entre eles. No est claro se o desenvolvimento econmico
provoca o crescimento financeiro, ou se crescimento financeiro que ocasiona o
desenvolvimento econmico, ou ainda se a relao de bicausalidade; embora,
comparativamente, hja uma predominncia da segunda. Conforme afirma Graff
(Apud Marques e Porto, 2004) os trabalhos que discutem a relao do
desenvolvimento financeiro com o crescimento econmico podem seguir de quatro
formas. Primeira: o desenvolvimento financeiro e o crescimento econmico no se
relacionam, a correlao encontrada entre eles espria. Segunda: o
desenvolvimento financeiro decorrncia do crescimento econmico, nesse sentido,
o desenvolvimento financeiro impulsionado pela demanda. Terceira: o
desenvolvimento financeiro determinante no crescimento econmico, de modo que
indutor de investimentos mais eficientes. Por fim, a atividade financeira pode ser
um impedimento ao crescimento econmico, em condies circunstanciais, j que o
sistema financeiro sofre crises frequentemente.
De acordo com uma pesquisa de King e Levine (1993) para avaliar a relao
entre crescimento financeiro e o desenvolvimento econmico, envolvendo 80 pases,
existe uma significativa relao entre finanas e desenvolvimento econmico, a
36
pesquisa indicou forte correlao parcial entre a taxa mdia de crescimento do Produto
Interno Bruto per capta e o grau mdio de desenvolvimento do setor financeiro entre
1960 e 1989. Mesmo quando relacionados com outras variveis com possvel influncia
no crescimento, como por exemplo, o crescimento nos investimentos, os resultados
apresentaram significativa e positivamente correlacionados.
Outro estudo elaborado por Kar e Pentecost (2000), dessa vez para o caso
especifico da Turquia, enfatiza a importncia de cinco proxies para isso tentou
mensurar atravs de series temporais a relao entre desenvolvimento financeiro e
crescimento econmico:
One of the most important issues in assessing the relationship between financial development and economic growth is how to obtain a satisfactory empirical measure of financial development. The five most commonly used proxies for financial development are: the ratio of money to income, the ratio of banking deposit liabilities to income, the ratio of private sector credit to income, the share of private sector credit in domestic credit and the ratio of domestic credit to income. These proxies are considered in turn (Kar e Pentecost, 2000, pag. 7).
Os autores ao testar a relao entre M2 e o Produto, depsitos bancrio e o
Produto, crdito domestico e o Produto, crdito do setor privado e o Produto, bem
como crdito do privado sobre crdito domstico; chegaram concluso que a
relao de casualidade est vinculada ao tipo de proxy utilizada na mensurao do
desenvolvimento financeiro. Assim, Para a relao M2 sobre o Produto, a direo da
causalidade flui do desenvolvimento financeiro para crescimento econmico, quando
so utilizadas as razes: depsitos, crdito domstico e crdito ao setor privado
sobre o Produto; a relao de causalidade encontrada no sentido inverso do
crescimento econmico para o desenvolvimento financeiro, isso no caso da Turquia.
Em um estudo anlogo para o caso brasileiro, Matos (2002) atravs da
utilizao de dados dos perodos 1947-2000, 1963 e 1970-2000, tiveram resultados
a indicar existncia de impactos diretos e unidirecionais no sentido desenvolvimento
37
financeiros sobre o crescimento econmico, quando foram usadas as razes crdito
ao setor privado/PIB, crdito do sistema financeiro ao setor privado/PIB e recursos
do pblico confiados ao sistema financeiro/M2, como indicadores do sistema
financeiro.
Marques e Porto (2004) fizeram uma avaliao como os mesmos objetivos
dos trabalhos anteriores, tambm para o caso brasileiro no perodo de 1950 a 2000.
Nesse trabalho os autores concluram que a relao de causalidade inequvoca
partindo da anlise de que o desenvolvimento financeiro causa o crescimento
econmico quando os indicadores so de desenvolvimento do sistema bancrio.
Quando a relao de causalidade aplicada aos indicadores de desenvolvimento do
mercado de capitais, a concluso contraditria. Porm, h maior robustez para a
causalidade no sentido de desenvolvimento financeiro para crescimento econmico,
nesse ltimo caso. Portanto, segundo essa pesquisa, no conclusiva a relao de
causalidade entre mercado de capitais e crescimento do PIB, pelo menos para o
caso do Brasil.
Em suma, como visto, diversos so os posicionamentos na literatura a
respeito da relao crescimento financeiro e desenvolvimento econmico. Tal
discuso tem sentido dado a importncia do tema na atualidade, o sistema
financeiro tem ganhado maiores propores dentro do conjunto econmico de
relaes e natural que estudos apaream para avaliar os impactos econmicos
dessas mudanas. Da mesma forma, o fato do sistema financeiro internacional ser
instvel, leva s avaliaes recorrentes para que se mensure at que ponto isso
pode afetar o to importante crescimento econmico das naes, o qual tem efeito
nas mais variadas esferas da econmica.
38
Por fim, como bem observa Matos (2002), a globalizao, na forma de
intensificao de fluxos financeiros internacionais, tem gerado polmica a respeito
do impacto efetivo sobre financiamento de setores produtivos, sobretudo em pases
em desenvolvimentos. Diante desse cenrio, e da falta de consenso com relao
aos verdadeiros efeitos do sistema financeiro no crescimento econmico justifica-se
tais estudos.
1.2.2. O funcionamento do mercado de crdito
O estudo do funcionamento de mercados nas cincias econmicas exerce
um papel de grande importncia, todavia a definio de mercado constitui-se uma
tarefa rdua, diversos conceitos podem ser formulados sobre tal tema. Se nos
reportssemos a outros perodos da histria perceberemos que a definio de
mercado como um lugar fsico onde agentes de mercado (compradores e
vendedores) confrontavam-se atravs de compras e vendas de produtos caberia
bem. Entretanto, na atualidade, com o desenvolvimento tecnolgico, sobretudo na
rea de comunicao, os agentes de mercado no necessitam encontrar-se para
efetuar transaes comerciais, pois possvel que o comprador de um determinado
produto jamais tenha visto o vendedor do produto que adquiriu; ou seja, o conceito
de mercado vai alm das fronteiras geogrficas e possibilita uma definio mais
abstrata, nesse caso, o termo lugar fsico na definio supra citada perde o sentido.
Nesse tpico estamos interessados em abordar de forma sucinta apenas um
tipo de mercado o qual servir de base terica para esse trabalho, assim
adotaremos a definio em que o mercado entendido como interaes reais ou
possveis entre grupos de compradores e vendedores que engloba todas as
possibilidades de transaes comerciais (compra, venda, troca etc.).
39
O mercado pode ser classificado de vrias formas. Com relao as
caracterstica dos produtos, so inmeros os tipos de mercado, p.ex.: mercado de
crdito, mercado imobilirio, mercado de calados, mercado de fatores etc. Aqui, s
estamos interessados em conhecer e caracterizar o mercado de crdito. Nesse
mercado so realizados os financiamentos de curto e mdio prazo e esto inseridas
as instituies de microcrdito, de grande relevncia para essa pesquisa. No Brasil,
esto inseridos nessa categoria, ainda, os bancos comerciais, as companhias
financeiras e os bancos mltiplos, cuja carteira engloba as atividades de bancos de
negcios de carteira comercial, investimento, crdito, financiamento, investimento e
crdito imobilirio.
O mercado de crdito formado basicamente, por um lado, pelas
instituies financeiras, detentora de recursos creditcio obtido junto aos agentes
superavitrios, e por outro, pelos agentes demandante de crdito dispostos a obter
recursos financeiros para os mais variados fins.
A discusso em torno do funcionamento do mercado de crdito passa
necessariamente pelo debate em volta da disponibilidade diferenciada de
informaes entre os dois principais protagonistas nesse tipo de negocio, o ofertante
do crdito e o tomador de emprstimo. A essa situao em que um dos agentes
envolvido na transao tem mais informao do produto contratado do que o outro
denominada assimetria de informao; uma caracterstica bem exposta no mercado
de crdito.
Desse modo, ao contratar um emprstimo, o tomador possui muito mais
informaes em relao ao conhecimento do agente responsvel pela concesso do
mesmo. No caso de um emprstimo pessoal o cliente sabe perfeitamente quais suas
intenes se deseja pagar ou no; sabe bem que finalidade vai dar quele recurso
40
e/ou ainda sua verdadeira condio financeira para arcar com o compromisso
assumido para os prximos meses. Mesmo em emprstimos com fins especficos,
como o caso de financiamentos para abertura de empresa ou sua ampliao,
existe a possibilidade da no utilizao daquele recurso para o objetivo predefinido,
do mesmo modo difcil mensurar a real capacidade de gerir o negocio pelo
tomador.
Em sntese, uma distribuio no homognea de informao entre tomador
e ofertante de crdito em torno de um projeto potencializa os riscos de uma
transao financeira, uma vez que o protagonista com mais informao pode sentir-
se estimulado a fazer uso de tal vantagem no sentido tentar conseguir o crdito
mesmo sabendo - ele s, que o risco do projeto muito maior que o estimado pelo
emprestador. A existncia dessa possibilidade conhecida na literatura como risco
moral, ou seja, a possibilidade de uma das partes fazer uso de informaes ao qual
o outro menos informado no tem, mas que pode afetar a probabilidade ou a
magnitude do pagamento.
Uma maneira de tentar minimizar as perdas decorrentes do risco moral
incorporar ao preo do produto - os juros, no caso do crdito. Entretanto essa
alternativa tem limite, a partir de determinado ponto os custos mais elevados de
crdito podem incentivar a inadimplncia, raciocnio anlogo ao descrito na curva de
lafer7 com relao s arrecadaes governamentais atravs de tributos.
7 Curva desenvolvida pelo economista monetarista Arthur Lafer, segundo a qual existe uma relao particular entre a arrecadao tributaria e a taxa de impostos cobrados. Assim at determinado ponto um aumento nas taxas de tributos representaria aumento na arrecadao a partir da qualquer aumento iria significar uma baixa na arrecadao.
41
Grfico 3 Taxa de juros vesus receita do emprestador.
No grfico acima, j* representa a taxa de juros que conduz a receita mxima
R*. Observemos que um aumento na taxa de juros aumentaria a receita at certo
ponto (P), a partir do qual qualquer um aumento na taxa de juros implicaria reduo
na receita esperada pela instituio responsvel por emprestar. Em nosso grfico a
taxa de juros j1 gera uma receita R1, que maior que receita R2 ocasionada pela taxa
de juros J2, embora esta seja mais alta.
A reduo da receita a partir de dado patamar justifica-se pelo fato de que
um aumento na taxa de juros representaria maior custo para um projeto, o qual
poderia ter diminuda suas chances de sucesso, j que os rendimentos esperados
seriam reduzidos. Da mesma forma, os projetos considerados mais seguros
geralmente com rentabilidade menores seriam inviabilizados.
Diante desse contexto, ento, com uma taxa de juros relativamente alta
haveria uma tendncia da demanda por crdito ser formada basicamente por
projetos mais arriscados, e, portanto com maior probabilidade de tornarem-se
inadimplentes. A tal fato a literatura trata como seleo adversa. Ou seja, situao
em que na tentativa de compensar a assimetria de informao, por no conhecer o
tomador de emprstimo, o credor determina o juro mdio, entre o qual cobraria para
um mal pagador e para um bom pagador, o que acaba atraindo pagadores
Receita
Taxa de
juros
P
*j1j 2j
1R
2R
*R
42
duvidosos, e como afirma Pindyck (2002), e que mais uma vez acabaria por elevar
mais ainda a taxa de juros, que atrai tomadores duvidosos e assim por diante.
Conforme afirma Candido (1997) s crises na rea financeira so oriundas
de agravamentos dos problemas de informaes assimtricas, de modo que o risco
moral e a seleo adversa tornam inviveis as atividades normais dos agentes
financeiros. Dessa forma, as crises so impulsionadas pela elevao da taxa de
juros, declnio no mercado acionrio e crescimento da incerteza.
Nesse contexto, o resultado uma queda no patrimnio lquido das
empresas e os projetos de investimentos so adiados em virtude do aumento da
incerteza e pela oferta insuficiente de crdito. Concomitantemente, os bancos com
volume significativo de crdito concentrado em setores deficitrios, buscando
recuperar o equilbrio financeiro, comeam a arriscar-se mais e com isso retornam
ao dilema do risco mora e seleo adversa (Candido, 1997). Assim, o resultado
desse quadro um declnio na liquidez bancria ocasionando reduo em sua
credibilidade; o que acaba por aumentar as retiradas dos depsitos e amplia ainda
mais a crise no setor.
1.2.3. O crdito na economia brasileira
Os debates em torno do mercado de crdito so frequentes dado sua
importncia, o crdito exerce um papel importante para a economia de um pas
porque parte do crescimento da nao se deve a ele, j que o maior volume de
crdito produtivo disponvel no mercado pode se traduzir em maior produo e
consequentemente em emprego e renda. Nesse contexto, as instituies financeiras
aparecem como parte importante no processo. Captando recurso de poupadores e
disponibilizando para os investidores. Assim, as instituies financeiras aparecem
como gerentes de intermediao financeira, possibilitando a chegada de recursos
43
financeiro s mos de quem deseja investir (sobretudo, investimento produtivo).
Desse modo, uma economia na qual, o sistema de intermediao ineficiente pode
prejudicar o crescimento do pas. Sabendo disso, os formuladores das polticas
macroeconmicas esto, muitas vezes, interferindo nesse sistema, seja
regulamentando-os ou por meio de aes que visem possibilitar a incluso de
setores com dificuldades de acesso ao sistema financeiro.
No Brasil, as operaes de crdito tm crescido nos ltimos anos, uma
justificativa significativa para esse fato o contexto macroeconmico favorvel.
Desde os anos 90, mais precisamente aps o Plano Real em 1994, os nveis
inflacionrios esto reduzindo; da mesma forma as taxas de juros na economia
caram significativamente no mesmo perodo; outro fator bastante relevante foi a
ampliao nos prazos de pagamento dos crditos, implicando grande estimulo para
os tomadores de emprstimos.
Tabela 3 Evoluo do crdito total entre 2003 e 2006
Discriminao 2003 2004 2005 2006 Variao
t-1 t-3
Total 418,3 498,7 607 732,6 20,7 75,1
Recursos livres 255,6 317,9 403,7 498,3 23,4 95,0
Recursos direcionados 162,6 180,8 203,3 234,3 15,2 44,1
Participao %:
Total/PIB 24,0 24,5 28,1 30,8
Recursos livres/PIB 14,7 15,6 18,7 21,0
Recursos direcionados 9,3 8,9 9,4 9,9
Fonte: Banco Central
O crdito total brasileiro aumentou 75,1% entre 2003 e 2006, saindo de R$
418,3 bilhes para R$ 732,6 bilhes. De acordo com O Relatrio de Economia
Bancaria e Crdito (2006) do Banco Central, os emprstimos efetuados pelos
bancos privados nacionais corresponderam a 41,2% do total do sistema financeiro,
44
vindo logo em seguida as instituies pblicas e estrangeiras, com 36,7% e 22,1%
respectivamente. Observando a tabela acima se percebe que a participao do
crdito total no PIB tambm cresceu, motivada principalmente pela modalidade
crdito livre.
Apesar do crescimento no mercado de crdito domstico ter de fato ocorrido,
uma ressalva importante deve ser considerada. A participao das micros e
pequenas empresas no total de crdito concedidos pouco aumentou ao longo dos
anos, apesar das polticas de incentivos ao pequeno e micro empresrio, tendo em
vista a importncias destas para a gerao de emprego, j que este segmento tem
se mostrado como uma alternativa nesse sentido, diante do desemprego alto no
pas.
Conforme publicao do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e
Social, o desembolso do sistema BNDES em 1997 para micros e pequenas
empresas foi de R$ 2.357,66 milhes, representando 5,47 dos desembolso do
banco; quase uma dcada depois, em 2006, passou para R$ 4.021,2 bilhes,
representando 7,84% do total desembolsado, isto , uma ampliao na participao
de apenas 2,36%. Com relao ao crdito produtivo, aquele destinado a quem
deseja abrir um negcio, concedido a pessoas fsicas, a situao pior ainda, entre
1997 e 2006 houve uma queda na participao relativa ao total concedido, caiu de
6,02% para 5,86%, embora tenha apresentado um aumento em termos absoluto,
subindo de aproximadamente R$ 5.593,30 milhes para R$ 3.009,60 milhes.
45
Tabela 4 Desembolso Anual do Sistema BNDES (R$ milhes de 2006)
Discriminao 1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Micro e Pequena 2.357,66
1.248,92
1.649,84
2.533,07
3.095,35
3.250,75
4.088,50
3.424,70
4.166,43
4.021,20
Mdia 359,37
2.157,39
2.023,59
2.456,23
2.520,15
3.153,64
3.106,86
3.170,01
3.910,87
4.086,50
Subtotal 2.717,02
3.406,30
3.673,43
4.989,30
5.615,50
6.404,39
7.195,35
6.594,71
8.077,30
8.107,70
Pessoa Fsica 2.593,30
1.999,77
1.799,74
2.883,50
3.715,87
4.700,76
4.722,35
6.725,81
4.027,75
3.009,60
MPME 5.310,32
5.406,08
5.474,16
7.872,81
9.331,37
11.105,28
11.917,82
13.320,42
12.105,05
11.117,40
Grande 37.760,78
39.336,48
30.413,42
33.310,04
31.342,85
38.737,49
27.953,63
28.863,57
36.660,50
40.200,60
Total 43.071,10
44.742,56
35.887,57
41.182,84
40.674,21
49.842,77
39.871,45
42.183,99
48.765,55
51.318,00
Fonte: Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social Observao: Valores corrigidos pelo IGP-M
Se considerarmos o conjunto formado pelas MPME Micro Pequenas e
Mdias Empresas a participao destas no total se mostra mais representativa, ou
seja, quase que dobrou no perodo considerado, variando de 12,33% para 21,66%.
Isso se deve a incluso das empresas de porte mdio, apesar de grande parte dos
programas governamentais de incentivo ao crdito ser direcionado exclusivamente
s pequenas e micros empresas, sobretudo os programas com objetivo de combater
a pobreza. Alguns autores atribuem tal quadro s dificuldades dos empresrios de
pequeno porte em obter crdito no sistema financeiro tradicional, questo que
trataremos posteriormente.
Em sntese, como visto nessa primeira fase da pesquisa, existe algumas
dificuldades metodolgicas na construo da linha de pobreza no Brasil, entretanto
apesar dessas limitaes inegvel que o nmero de pobres existente no pas
considervel, independente de sua mensurao ser determinada por critrios
relativos ou absolutos.
46
Por outro lado, foi visto que o sistema financeiro tem um papel importante na
economia e possvel que aquele influencie positivamente este. com base nessa
fundamentao que surge s formulaes que tentam estabelecer uma relao entre
a concesso de crdito e o desenvolvimento econmico com repercusso nos
indicadores de pobreza. nessa linha de raciocnio que o prximo captulo seguir
para entender o debate em torno da reduo da pobreza atravs da facilitao do
acesso dos mais pobres ao sistema financeiro.
47
2. CARACTERIZAO DO SISTEMA DE MICROCRDITO E SUAS
ESTRATGIAS DE COMBATE A POBREZA 2.1. Caracterizao e trajetria do microcrdito
2.1.1. Caractersticas e definio
O microcrdito pode ser entendido como um crdito de pequeno valor, na
maioria das vezes abaixo de R$ 5.000,00, concedido quase sempre sem exigncia
de garantias reais e focalizado na camada da populao que tem dificuldade de
conseguir aprovao no sistema bancrio tradicional.
Conforme Lhacer (2003) o microcrdito diferencia-se do crdito tradicional
pelas seguintes caractersticas: pblico-alvo, finalidade e montante. Ou seja, esse
tipo de crdito destina-se de modo especial s pessoas que esteja abaixo da linha
de pobreza ou pouco acima dela e que no tenha acesso linha de crdito
tradicional; seu uso pode ser destinado ampliao do capital de giro ou capital fixo
do microempreendedor, mas nunca como crdito para consumo; e o volume em
questo sempre pequeno.
Botelho e Ribeiro (2006) definem o pblico alvo do microcrdito como as
pequenas unidades produtivas caracterizadas pela: i) baixa produtividade, ii)
informalidade, iii) escassez de capital, iv) incapacidade de oferecer garantias, e v)
inacessibilidade ao setor bancrio.
De acordo com os autores, tais caractersticas esto inter-relacionadas,
exercendo ao mtua de causalidade entre elas. Desse modo, a baixa
produtividade causaria a escassez de capital e visse versa; a baixa produtividade
causaria a informalidade; a escassez de capital tornaria o empresrio impossibilitado
de oferecer garantias ao setor bancrio tradicional. Com dificuldade de oferecer
garantias e na informalidade os empresrios nessa categoria tenderia a ficar cada
vez mais excludos do sistema bancrio tradicional.
48
Tendo em vista a importncia de ter o pblico alvo atingido, nesse tipo de
mercado so comuns tambm mtodos peculiares para atingir-los, j que os
demandantes dessa modalidade de crdito possuem limitaes que os
impossibilitaria de obt-las caso fosse imputadas as mesmas exigncias dos crditos
tradicionais. Poderamos citar como exemplos desses mtodos: i) a busca constante
da minimizao da burocracia; ii) ausncia de garantias reais e iii) a pratica do
marketing direto, caracterizado pela visita dos representantes das instituies
fornecedoras de crditos residncia ou estabelecimento comercial do cliente.
Outra caracterstica do microcrdito amplamente discutido na literatura diz
respeito aos juros. Nesse sentido existe a preocupao das IMFs de praticar juros
subsidiados por haver a crena de ser esse um dos principais entraves para os
empreendimentos pequenos terem acesso ao sistema bancrio.
Entretanto, a esse ponto de vista no h um consenso, Santos (2002) p.ex.,
discorda e enfatiza que os juros so apenas um componente na formao do preo
do crdito e tal posicionamento desconsidera a grande importncia dos custos
transacionais nestas operaes8. Desse modo, a reduo dos juros porm, com
altos custos de transacionais ocasionaria um custo implcito ao qual o pequeno
empresrio no esto dispostos a incorrer.
Por outro lado, o autor apresenta evidncia de que sem acesso ao crdito no
sistema bancrio o empresrio de baixa renda recorre a outros meios de
financiamento cujos juros so ainda maiores que o praticado no sistema financeiro
tradicional, mas que porm, os custos transacionais tendem a serem menores. Entre
8 Tais custos so bem diversificado e de difcil mensurao: providenciar documentao, deslocamento e horas de trabalhos perdidos no processo, etc.
49
as quais esto: pagamento de fornecedores a prazo, cheque especial, cheque pr-
datado, carto de crdito, entre outros.
Em suma, consenso que o microcrdito representa emprstimos de volume
mdio pequeno, com pblico alvo formado por pessoas com dificuldade de acesso
ao sistema bancrio tradicional e que so pequenos empresrios ou que pretendem
abrir um negcio cujo volume de investimento demandado bem pequeno, na
maioria das vezes abaixo de R$ 5.000,00.
Na realidade o microcrdito mais um elemento, talvez o mais importante,
dentro de um conjunto denominado microfinanas, cujos demais elementos so:
poupana, seguros, servios de contas correntes entre outros. Servios esses que
podem ser fornecidos no s por bancos pblicos, mas tambm por bancos
privados, cooperativas, financeiras, ONGs e OSCIPS. Nas sees seguintes ser
discutida a trajetria do microcrdito no Brasil e no mundo.
2.1.2. Trajetria do microcrdito no mundo
A primeira notcia conhecida sobre o microcrdito ocorreu no sul da Alemanha
em 1846. Denominada Associao do Po, ela foi criada pelo pastor Raiffeinsen
que, aps um rigoroso inverno, deixou os fazendeiros locais endividados e na
dependncia de agiotas. O pastor cedeu-lhes farinha de trigo para que, com a
fabricao e comercializao do po, pudessem obter capital de giro. Aos poucos a
idia foi amadurecendo, a associao cresceu e transformou-se numa cooperativa
de crdito para a populao pobre. Tambm na Itlia pode-se perceber experincia
antiga de microcrdito; conforme Caldas (2003), Robert D. Putnam, trata das
experincias de crdito no norte italiano que remontam Idade Mdia. Segundo o
mesmo autor no sculo passado, vrias experincias criadas geralmente em torno
50
de Igrejas e Parquias financiaram produtores em tempos de crise (Alemanha, 1846
e Canad, 1900).
No entanto foi em meados dos anos 70, com uma inovadora experincia do
professor Muhammad Yunus, quando o conceito de microcrdito usado hoje teve
origem, O professor foi o idealizador e realizador de uma experincia pioneira de
microcrdito que ficou conhecida no mundo todo, e que lhe rendeu o Prmio Nobel
da Paz, dividindo com o Grameen Bank, em 2006. Yunus comeou a conceder, em
1976, em Bangladesh, emprstimos de pequena monta, inicialmente com seus
recursos prprios, para famlias pobres de produtores rurais, com foco nas mulheres
e utilizando um sistema revolucionrio de garantias morais mtuas, formando grupos
de cinco pessoas que ficam moralmente responsveis umas pelas outras.
Tudo comeou quando o professor de economia notou que a populao aos
redores da universidade onde ensinava tinha como nica fonte de sobrevivncia
seus pequenos empreendimentos informais. Apesar de serem muito pobres
mantinham seus negcios fazendo uso de emprstimos de agiotas com juros muito
alm do que era praticado no mercado formal, e mesmo assim conseguiam pagar.
Desse modo, Yunus observou que essas pessoas necessitavam de
microcrdito para tocarem seus negcios e fazerem com que seus negcios
oferecessem mais do que a simples condio de subsistncia. A lgica de aquelas
pessoas poderem fazer parte de um mercado de microcrdito formal e at sem
subsdios era simples, bastava olhar sua capacidade de pagamento, j que os
agiotas cobram altssimas taxas de juros e mesmo assim esses microempresrios
informais conseguiam pagar em dia seus emprstimos.
51
Nesse contexto o professor concluiu que aquelas pessoas precisavam de
crditos sem muita burocracia e sem a exigncia de garantias reais. Desse modo,
Yunus comeou a emprestar o seu prprio dinheiro para aqueles microempresrios.
Depois de ter tomados diversos emprstimos para oferecer aquele povo ele decidiu,
em 1979, fundar o Grameen Bank.
De acordo com Lhacer (2003) o novo mtodo criado pelo Grameen Bank
consiste na adoo do aval solidrio e na figura do agente de crdito. O autor afirma
que o aval solidrio solucionou o problema da falta de garantias reais para os
empresrios. Em relao ao agente de crdito, ou seja, o individuo que faz, o j
mencionado, marketing direto, acompanha a criao dos grupos solidrios e recolhe
pagamentos. Diferente de como ocorre no sistema bancrio tradicional o banco vai
at os clientes.
O Grameen Bank cresceu bastante desde sua fundao at os dias atuais e
segundo Lhacer (2003) esta entre os maiores bancos de Bangladesh em volume
aplicaes quase US$290 milhes registrados em 2001.
Desde a fundao do bem sucedido Grameen Bank, diversos outros bancos
no mundo todo foram criados adjetivando atender a uma demanda por microcrditos.
Dentre esses podemos citar: Bank Rakyat na Indonsia fundado em 1984, um ex-
banco rural e deficitrio que o governo local transformou em um eficiente banco de
microcrdito; Bancosol na Bolvia fundado em 1986. Banco privado comercial que
se especializou no atendimento a microempresas e que, a exemplo do Grameen
Bank, tem como principal caracterstica o trabalho de visitao dos agentes aos
microempreendedores; Corposol na Colmbia fundado em 1988, uma entidade civil
sem fins lucrativos especializada no atendimento de microempresrios,
52
principalmente os moradores de bairro de invaso, os agentes dessa instituio
tambm trabalham visitando clientes e avaliando projetos; Fossis no Chile criado em
1991, esta sendo uma instituio pblica ligada a Presidncia da repblica e embora
no atue como uma empresa que opera com microcrdito, repassadora de
recursos para instituies que atuem como tal, ONGs, cooperativas e instituies
privadas de microcrdito; e por fim Fogapi no Peru que foi criada em 1979 e atua,
principalmente, como fornecedora de carta de fiana para os microempresrios que
no possuem garantia.
2.1.3. Trajetria do microcrdito no Brasil
No Brasil, o microcrdito tem sua origem relacionada ao programa UNO em
1973, por iniciativa e com assessoria tcnica da Accin Internacional e que envolvia
a participao de entidades empresariais de Pernambuco e da Bahia. A UNO foi
criada especificamente para desenvolver um programa de crdito e capacitao para
micro-empreendimentos populares, particularmente no setor informal. Tratava-se de
uma associao civil, sem fins lucrativos.
Buscado uma melhor eficincia operacional para a nova modalidade de
crdito, a Unio Nordestina de Assistncia a Pequenas Organizaes (UNO) buscou
novas formas de anlise de crdito que fossem coerentes com a realidade do
pequeno tomador de emprstimo. Nesse sentido formou profissionais com esse
novo perfil e financiou milhares de pequenos empreendedores em diversos
municpios de Pernambuco e Bahia. Assim como viria a fazer o Grameen Bank, a
UNO direcinou seus esforos para um pblico sem garantias reais e sem acesso a
crdito bancrio e outros servios, como capacitao e assistncia tcnica. A UNO
mostrou-se pioneira nesse tipo de iniciativa. No mbito da Amrica Latina, a idia
53
perdura at hoje e vem cada vez mais tomando espao na retrica poltica e
acadmica.
Desde a implantao da UNO vrios outros programas e at instituies
surgiram objetivando atender ao pequeno empreendedor. Nos anos 80, foi criado a
CEAPE (Centro de Apoio aos Pequenos Empreendimentos), inicialmente primeiro no
Rio Grande do Sul e depois espalhado-se pelo Brasil. Podemos citar tambm, nessa
trajetria do microcrdito, o Banco da Mulher e a Portosol. Todavia um dos maiores
destaques desta modalidade de microfinanas parece ser o Banco do Nordeste do
Brasil, o quadro abaixo expressa bem tal afirmativa.
Quadro 1 Estimativa da Atividade total de microfinanas no Brasil
Fonte: BNDES Dados extrados de um trabalho que pretendia ser um documento preparatrio, a ser distribudo aos apresentadores no Seminrio Internacional de Microfinanas do BNDES, entre 2 e 3 de maio de 2000. *No se tem certeza sobre o nmero exato das outras MFIs, mas estima-se que seja em torno de 20. Elas so em sua maioria MFIs menores, criadas pelo governo. Esse grfico estima uma mdia de 300 clientes cada e um tamanho de emprstimo de R$500.
O programa piloto do BNB, nesse sentido, foi o Crediamigo. Operacionalizado
a partir de abril de 1998, inicialmente com cinco agncias-piloto, o Crediamigo
alcanou, at maio de 2002, conforme Valente (SD), expressiva marca de 721 mil
emprstimos concedidos, beneficiando pessoas de baixa renda com recursos da
ordem de R$ 540 milhes, com 164 unidades de negcios e 55 postos de
atendimento. Marcas estas que lhe faz um dos maiores programa de microcrdito da
Amrica Latina.
54
De modo geral, no Brasil, assim como em outros pases da Amrica Latina, as
organizaes no governamentais (ONG's) foram as primeiras a introduzir
metodologias atuais de microfinanas. Desde que o Projeto Uno foi iniciado em
Recife, em 1973, dezenas de ONG's de microfinanas foram criadas em todo o pas.
O processo de abertura de instituies nesse setor continuou em meados da dcada
de 1980. Entretanto, a maioria das ONGs de microfinanas do Brasil iniciou suas
operaes somente aps a implantao do Plano Real e a estabilizao
macroeconmica a partir de 1994. J em 2001 a composio das instituies no
Brasil encontrava-se como descrito no quadro abaixo.
Quadro 2 - Instituies de microfinanas no Brasil com mais de 2.000 clientes ativos (2001).
Fonte: BNDES, Apud Nichter (2002) Todos os dados referem-se a dezembro de 2001, exceto para CEAPE (PE) e Viso Mundial, que se referem a junho de 2001. * Utilizou-se o nmero de clientes atuais como critrio de classificao (em vez da carteira ativa) para evitar distorcer os resultados devido a diferenas regionais com respeito ao valor mdio de emprstimo. ** As filiais individuais do programa de microcrdito da Viso Mundial esto combinadas porque compartilham uma administrao unificada. Os CEAPEs no esto combinados porque so administrados independentemente e so entidades legais separadas (observe que todos os CEAPEs com mais de 2.000 clientes ativos so OSCIPs, enquanto que outros CEAPEs menores so ONGs). *** Tipos de instituio discutidos na prxima seo. **** Categorias legais descritas no Box1.
55
Conforme Nichter, essas nove IMFs com mais de 2.000 clientes ativos
atendem a 79% dos clientes ativos de microfinanas no Brasil. O autor observa
ainda que seis dessas nove IMFs esto localizadas no Nordeste. Alm disso, o valor
mdio do emprstimo nessas IMFs reflete as diferenas regionais: o valor mdio do
emprstimo nas seis maiores IMFs no Nordeste de R$ 642, muito inferior ao valor
mdio de emprstimo da Portosol no Sul (R$ 1.866), do Banco do Povo de So
Paulo, no Sudeste (R$ 1.696), e do Banco do Povo de Gois, no Centro-Oeste (R$
1.113).
Em sntese, difcil contestar o crescimento do setor de microcrdito, no s
no Brasil, mas tambm no mundo. Diante das inegveis dificuldades de algumas
regies brasileiras em se desenvolver e em reduzir a pobreza, a nfase dos
governantes nos pequenos e microempresrios tem se apresentado como uma
alternativa.
nesse sentido que gestores pblicos e estudiosos em suas pesquisas tm
apresentado como soluo para o desenvolvimento local e conseqentemente para
promoo da equidade scio-econmica essa modalidade das microfinanas. Desse
modo, depois de uma breve introduo e de um apanhado histrico do microcrdito
no mundo e de modo especial no Brasil, pretende-se, na seo seguinte, fazer
algumas reflexes sobre a importncia do microcrdito para o combate da pobreza,
o que representa de fato o objeto de estudo desse trabalho.
2.2. Caracterizao dos programas de microcrditos no Brasil
2.2.1. Programa UNO
No inicio dos anos 70 foi criado no Brasil o Programa UNO, Unio Nordestina
de Assistncia a Pequenas Organizaes. A entidade teve sua origem mais
56
precisamente em Salvador e Recife sobre a assistncia tcnica da Accin
Internacional na poca, AITEC e com a participao de entidades empresariais
e bancos locais.
A UNO era uma organizao no governamental especializada em
microcrdito e capacitao para trabalhadores de baixa renda do setor informal,
cujas operaes eram lastreadas por uma espcie de aval moral. Os recursos
iniciais vieram de doaes internacionais, posteriormente, incrementados por outras
linhas de crdito.
O novo programa de auxlio financeiro aos trabalhadores mais pobres tinha
tambm como uma de suas principais caractersticas a capacitao gerencial dos
seus tomadores de emprstimos, alm de fazer um levantamento do perfil do
microempresrio informal e o impacto do crdito. Esse trabalho resultou no fomento
ao associativismo, com a criao de cooperativas, associaes de artesos e grupos
de compra. A UNO se tornou uma referncia para expanso de programas de
microcrdito na Amrica Latina, tornando-se uma grande financiadora de pequenos
empreendimentos, criou muitos agentes de crditos especializados em crditos para
o setor informal.
Embora tenha sido bem sucedida na rea tcnica, a UNO deixou de existir
quase duas dcadas depois de sua criao, talvez, por deixar de considerar a auto-
sustentabilidade parte fundamental de suas polticas, de modo a transformar as
doaes recebidas em patrimnio financeiro e negociando com os parceiros a
cobrana de juros reais em todas as linhas de crditos que operava. Entretanto,
apesar de seu desaparecimento deixou o grande e bem sucedido exemplo da
capacitao dos clientes como forma de minimizar os