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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA MESTRADO EM HISTÓRIA PHILIPE LUIZ TRINDADE DE AZEVEDO A IDENTIDADE NACIONAL PORTUGUESA NO SÉCULO XIX A PARTIR DE CONTOS LITERÁRIOS DE ALEXANDRE HERCULANO São Luís 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA MESTRADO EM HISTÓRIA

PHILIPE LUIZ TRINDADE DE AZEVEDO

A IDENTIDADE NACIONAL PORTUGUESA NO SÉCULO XIX A PARTIR DE CONTOS LITERÁRIOS DE ALEXANDRE HERCULANO

São Luís 2014

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PHILIPE LUIZ TRINDADE DE AZEVEDO

A IDENTIDADE NACIONAL PORTUGUESA NO SÉCULO XIX A PARTIR DE CONTOS LITERÁRIOS DE ALEXANDRE HERCULANO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade Federal do Maranhão, como requisito para a obtenção do título de Mestre em História. Orientador: Prof. Dr. Johnni Langer

São Luís 2014

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Azevedo, Philipe Luiz Trindade de

A Identidade nacional Portuguesa no século XIX a partir de contos literários de Alexandre Herculano / Philipe Luiz Trindade de Azevedo. – São Luís, 2014.

95f. Impresso por computador (fotocópia) Orientador: Johnni Langer.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Maranhão, Curso de Pós-Graduação em História, 2014.

1. Identidade Nacional. 2. Nação. 3. Literatura. I. Título.

CDU 316.624.2

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PHILIPE LUIZ TRINDADE DE AZEVEDO

A IDENTIDADE NACIONAL PORTUGUESA NO SÉCULO XIX A PARTIR DE CONTOS LITERÁRIOS DE ALEXANDRE HERCULANO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade Federal do Maranhão, como requisito para a obtenção do título de Mestre em História. Orientador: Prof. Dr. Johnni Langer

Aprovada em 11/04/2014

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________ Prof. Dr. Johnni Langer (Orientador)

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA PPGHIS

____________________________________________ Prof. Dr. Alexandre Guida Navarro

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO PPGHIS

__________________________________________________ Prof. Dr. Josenildo de Jesus Pereira

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO PPGHIS

___________________________________________ Prof.ª Dra. Márcia Manir Miguel Feitosa

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO PGCult

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Dedico aos meus pais, Célia Maria e João Carlos, pela criação e motivação aos estudos.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeço à Deus pelo dom da vida e pelas muitíssimas

oportunidades que se apresentaram a mim e que só podem ser explicadas pela manifestação

pura de milagres.

Agradeço aos meus pais, João Carlos e Célia Maria pelo esforço de proporcionar

educação digna e de qualidade a mim e a meu irmão e irmã. Meus pais sempre foram os meus

principais incentivadores, afirmando que o melhor legado que poderia ser ofertado a mim só

poderia ser construído a partir dos estudos. Segundo minha mãe o conhecimento é adquirido e

ninguém pode tomá-lo de nós.

À Yasmine Azevedo, irmã e exemplo de perseverança, contribuiu a seu modo e

comemorou comigo a aprovação no Mestrado em História, à João Luiz, irmão e incentivador,

me auxiliou compartilhando o nosso meio de transporte, para que eu pudesse chegar no

horário das aulas, e por ter me ajudado, providencialmente, na confecção do abstract.

Ao professor Johnni Langer, um obrigado especial pela orientação e por servir de

modelo de pesquisador. Confesso que durante o percurso de conclusão deste curso apresentei

certo desânimo, mas seu pulso forte como orientador prevaleceu e me motivou a concluir esta

dissertação.

À Holga Gomes, companheira de todas as horas e uma grande motivadora, sempre

disposta a opinar e ajudar, não me deixa falhar e sempre se encontra ao meu lado com um

afago e um conselho, sua ajuda foi e sempre será imprescindível em todos os momentos,

obrigado por revisar este trabalho.

À Charlles Gonçalves e Jorge Ribeiro Filho, amigos de infância e atentos

acompanhadores de minha vida acadêmica. Acompanhamos as conquistas uns dos outros e as

comemoramos juntos.

Um agradecimento especial ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em

História da UFMA, principalmente aos professores João Batista Bitencourt, Josenildo de

Jesus Pereira, Alexandre Guida Navarro, Adriana Zierer, Isabel Cabrera, Lyndon Santos e

Dorval do Nascimento.

Aos colegas de turma Alexander Miller, Claudimar Durans, Diogo Gonçalves,

Felipe Mendes, Helayne Brás, Jakson Ribeiro, Luiz Eduardo Silva, Luis Paulo Silva, Mailson

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Gusmão, Marcos Melo, Patricia Kauffmann, Renata Silva, Solange Oliveira e Tarantini

Freire.

E aos amigos Historiadores Josiléia Almeida, Marliane Dutra, Daniele Martins,

Rennata Santos, Flavio Macedo, Luann Ferreira, Kate Soares e Nivaldo Germano.

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“Estamos, hoje em dia, tão habituados à definição

étnico-linguistica das nações que olvidamos que

essencialmente ela foi inventada em fins do século

XIX.”

Eric Hobsbawm, 1988. “Nós procuramos desentranhar do esquecimento a

poesia nacional e popular dos nossos maiores:

trabalhamos por ser historiadores da vida íntima de

uma grande e nobre, e generosa nação, que houve

no mundo, chamada Nação Portuguesa.”

Alexandre Herculano (apud CHAVES, 1980)

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RESUMO

A literatura do século XIX se personificou como um grande manual de exaltação dos valores nacionais. É recorrente em textos escritos nesse período o retorno a tempos mais remotos, como a Idade Média, afim de, incorporar na sociedade valores ligados à coragem, à honra e à nobreza, tão característicos aos cavaleiros medievais. A referida dissertação tem como proposta a evidenciação dessas características, além de, caracterizar o imaginário sobre a identidade nacional de Portugal promovida na literatura portuguesa do século XIX. Serão analisados os seguintes contos literários de Alexandre Herculano, a saber: O Alcaide de Santarém, Arras por foro D’Espanha, O castelo de Faria, A abóbada, O bispo negro, A morte do Lidador e A Dama pé-de-cabra, contidos na obra Lendas e Narrativas, publicada originalmente no ano de 1851. Palavras - chave: Identidade Nacional. Nação. Literatura.

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ABSTRACT

The literature of the nineteenth century personified itself as a great manual of national values’ exaltation. It’s applicant in written texts in this period the return to ancient times, like the Middle Ages, in order to incorporate in society related to courage, honor and nobility values so characteristic to medieval knights. That dissertation proposes the disclosure of these features, plus it shows the imaginary about Portugal’s national identity promoted in nineteenth-century Portuguese literature. The following literary tales of Alexandre Herculano, will be analyzed as follows: O Alcaide de Santarém, Arras por foro D’Espanha, O castelo de Faria, A abóbada, O bispo negro, A morte do Lidador and A Dama pé-de-cabra, contained in the work Lendas e Narrativas, originally published in 1851. Keywords: National Identity. Nation. Literature.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................

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2 APONTAMENTOS PARA OS ESTUDOS SOBRE O NACIONALISMO E AS IDENTIDADES NACIONAIS.............................................................................

15

2.1 Experiências nacionalistas: a busca pelas identidades nacionais, nos séculos XVIII e XIX..................................................................................................................

21

2.2 Construções nacionais e a atuação de Alexandre Herculano em Portugal no século XIX....................................................................................................................

29

3 A PERPETUAÇÃO DE HERÓIS NA OBRA DE ALEXANDRE HERCULANO.............................................................................................................

41

3.1 Mestre Afonso Domingues e o Mosteiro da Batalha..............................................

42

3.2 Nuno Gonçalves e Gonçalo Nunes: heróis da história de Portugal.........................................................................................................................

48

3.3 Gonçalo Mendes da Maia: o Lidador......................................................................

54

4 A PERPETUAÇÃO DE LENDAS NA OBRA DE ALEXANDRE HERCULANO.............................................................................................................

62

4.1 D. Leonor Teles: expressões de descontentamento.................................................

62

4.2 Morte e vingança, entre os sarracenos, no conto O Alcaide de Santarém.......................................................................................................................

67

4.3 O ficcionismo contribuindo para a construção do nacionalismo.................................................................................................................

72

4.4 D. Afonso Henriques: o primeiro rei de Portugal.........................................................................................................................

77

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................

84

Referências Bibliográficas............................................................................................

88

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1 INTRODUÇÃO

Esta dissertação se iniciou com a proposição de interpretar a literatura

portuguesa do oitocentos. Nossa intenção primeira seria evidenciar um retorno à Idade

Média, e principalmente, o uso da temática da cavalaria e dos Templários1 como cenário

para a escrita de romances, contos e prosas. O interesse pela Ordem dos Templários se

deveu pelo fato da mesma despertar interesse e admiração de muitos estudiosos,

principalmente pela fama esotérica e ocultista que a Ordem adquiriu a partir do processo

inquisitorial movido contra a mesma pelo rei da França, Philippe IV, no início do século

XIV. Há um levantamento de obras com o perfil de trazerem os Templários em suas

narrativas, feito pelo pesquisador Manuel Gandra e encontra-se disponível para acesso pelo

grande público. O autor redigiu um catálogo de obras literárias escritas originalmente em

língua portuguesa ou traduzidas para o português, que tratam da figura do cavaleiro

Templário dividida em seis categorias: romance histórico e prosa novelística, lírica

trovadoresca, matéria da Bretanha, ópera e teatro, poesia, miscelânea (GANDRA,

[2006?]). Toda essa produção literária tinha o objetivo de apresentar as origens da nação

portuguesa, para a sociedade contemporânea.

Durante o período de conclusão das disciplinas deste curso, e posteriormente,

enquanto se produzia o material para a qualificação, notamos que as fontes, previamente

escolhidas para compor este trabalho não iriam sustentar o nosso objeto de pesquisa. Seria

necessário expandir o nosso recorte temporal a fim de manter os Templários como tema

importante para esta dissertação. Para exemplificar, é possível identificar uma ampla

utilização do tema da cavalaria e dos Templários no cinema, um importante meio de

expressão cultural, de amplo alcance, a partir do século XX. Muitos romances históricos

sofreram adaptações para o cinema, como por exemplo, o conjunto de quatro romances do

escritor Jean Guillou transformados no sucesso de bilheteria sueco: Arn: o cavaleiro

1 Os Templários foi uma instituição fundada após a primeira Cruzada (1096-1099), que por vontade própria de seus fundadores assumiu um perfil militar e religioso, onde os membros da mesma armavam-se como cavaleiros e ao mesmo tempo tomavam para si os votos sagrados proferidos pelos religiosos. Os Templários rapidamente se espalharam pela Europa e se consolidaram no Oriente, onde o clima belicoso gerado pela Cruzadas acabou por criar o ambiente necessário para o seu uso. Os Templários são vislumbrados como aqueles que estabeleceram e defenderam as fronteiras de Portugal, a Ordem fixou-se estrategicamente na região central, onde receberam terras, ficando responsáveis pela povoação da região denominada Tomar. A importância estratégica da Ordem refletiu em sua popularidade, Portugal era o mais Templário dos reinos europeus.

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Templário. Os romances de Jean Guillou, citados anteriormente, são um exemplo da

popularização da literatura histórica no século XX. Poderíamos enunciar também o autor

brasileiro Orlando Paes Filho que se dedica à escrita de romances com tema medieval

(série de livros do herói Angus e Diário de um cavaleiro Templário). Muitos autores são

inspirados pelo ideal romântico e cavaleiresco criado sobre o período. Talvez essa

característica seja fruto de obras como a Demanda do Santo Graal, Tristão e Isolda, entre

outros.

Após a qualificação, recebemos sugestões que nos fizeram refletir sobre os

caminhos que este trabalho de finalização de curso deveria tomar. Decidimos direcionar o

foco da pesquisa para uma única direção, concentrando-nos apenas em um recorte

temporal, o século XIX; como foi pensado nos primórdios desta dissertação. Optamos por

privilegiar as discussões voltadas para a formação das identidades nacionais e a

consolidação do nacionalismo; o nacionalismo seria “um movimento ideológico que

procura alcançar e manter a autonomia, unidade e identidade para uma população que

alguns do seus elementos pensam constituir uma ‘nação’ atual ou potencial” (SMITH apud

SOBRAL, 1999, p. 72). Esses dois temas (identidade nacional e nacionalismo) são objetos

de pesquisa recorrentes aos pesquisadores que se debruçam sobre o século XIX. O

oitocentos é o período de consolidação de boa parte dos Estados nacionais

contemporâneos, a saber: a França, os Estados Unidos, e países da América Latina. E a

literatura foi um dos principais artifícios, adotado pelo Estado, para popularizar o

sentimento nacional. O século XIX marca a construção das identidades européias abrindo

as cortinas para um cenário onde se definiam espaços, fronteiras, passados privilegiados e

tradições culturais, “o interesse pelo passado, sobretudo nacional, é um dado

inquestionável de toda a estética romântica (grifo nosso)” (MARINHO, 1992, p. 97). O

movimento Romântico, que surgiu em fins do século XVIII e perdurou por quase todo o

século XIX, escreveu as aspirações das burguesias nacionais, consolidando os Estados que

tentavam concentrar as massas populacionais sob o seu julgo (SARAIVA, 1872). Silva e

Magaldi (2010) esclarecem que o Romantismo refletiu as características políticas e sociais

do seu tempo histórico (século XIX), privilegiando “a formação dos Estados nacionais e a

consolidação do mercado burguês” (p. 72).

Acrescenta-se que durante o “Romantismo, época em que se definiam as

diferentes nacionalidades européias e americanas, o romance histórico (modelo de

construção literária que mescla o discurso histórico com a literatura romântica. Uma

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melhor definição do romance histórico será explicitada mais adiante, nesta dissertação)

desempenhou importante papel na construção das nacionalidades/identidades que

almejavam se afirmar pela diferença” (BAUMGARTEM, 2000, p. 169). Chama-nos a

atenção, a análise de Medeiros (2008, p. 2), a autora articula-se expondo que a literatura

(aparentemente independente de seu período de produção, mas levaremos em conta,

principalmente, a literatura do século XIX) é um grande fenômeno, originário das relações

humanas e que objetiva-se em representá-las.

Toda ficção literária se origina dessa translação nos significados das palavras que se referem ao humano, às necessidades dos homens e dos movimentos sociais, ao espaço em que a sociedade se organiza e às relações sociais que se estabelecem entre os pequenos e os grandes grupos humanos.

Levaremos em consideração, em um primeiro plano, a literatura oitocentista de

Portugal, pois neste período buscou-se refletir sobre as origens nacionais em diversos

campos de atuação intelectual neste país, desde a política, até as artes (CARVALHO apud

PEREIRA, [21--?]). Nosso objetivo é evidenciar a busca das origens nacionais através da

obra literária produzida por Alexandre Herculano, em Portugal. Em seus escritos,

Herculano, buscou representar o nacionalismo português, recorrendo a tempos mais

remotos, como a Idade Média, para resgatar valores e heróis de um tempo em que as

características humanas eram mais puras, como assim pensavam os escritores Românticos.

Trataremos da estrutura dos capítulos que serão encontrados nesta dissertação.

No primeiro capítulo é possível vislumbrar um aporte mais teórico que pretende situar o

leitor quanto às discussões sobre o nacionalismo e suas implicações para a construção de

aspectos essenciais da cultura e da identidade de nações européias no século XIX, e

excepcionalmente no Brasil. Será possível também observar alguns breves estudos de caso

que exemplificam a diversidade de situações fundamentais para o estabelecimento de

configurações atuais do nacionalismo, e principalmente poderemos observar o

estabelecimento do nacionalismo português, através da literatura, no século XIX.

Evidenciaremos o escritor, Alexandre Herculano, suas características política e social,

importantes para a definição dos temas tratadas em sua obra literária. Fizemos uma breve

sinopse da vida de Alexandre Herculano, mostrando como o seu percurso de vida está

intimamente ligado com sua produção intelectual. Alexandre Herculano é um dos maiores

expoentes da literatura portuguesa oitocentista, classificado como “o homem de maior

prestigio intelectual e moral de sua geração” (COELHO, 1984, p. 303), buscou-se

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apresentá-lo não apenas como literato, mas como um historiador que presenteou os

lusitanos com diversos compêndios sobre a História de Portugal.

Ao longo do segundo e do terceiro capítulo serão feitas as análises de

narrativas retiradas do livro Lendas e Narrativas, a primeira edição de Lendas e Narrativas

foi publicada em 1851 e foi dividida em dois volumes que traziam textos que apareceram

para o grande público pela primeira vez em revistas como O Panorama e A Ilustração,

essas primeiras publicações se deram entre os anos de 1839 e 1844.

Os dois volumes originais de Lendas e Narrativas traziam os seguintes textos:

O Alcaide de Santarém, Arras por foro D’Espanha, O castelo de Faria e A abóbada (no

primeiro volume); e A Dama pé-de-cabra, O Bispo negro, A morte do Lidador, O pároco

da aldeia e De Jersey a Granville (no segundo volume). As reedições posteriores já trazem

os contos condensados em uma única publicação, uma das quais foi objeto deste trabalho.

Lendas e Narrativas é a publicação que busca a fundamentação do romance

histórico português. Trata-se da reunião de textos que se objetivam em preservar os heróis

e os monumentos da história de Portugal.

A coletânea de contos Lendas e Narrativas revela claramente a interligação entre os trabalhos de escritor e de historiador exercidos por Herculano, (...), uma vez que sete das nove narrativas constituintes desta coletânea possuem temáticas medievais claramente inspiradas no material histórico recolhido na coleção (SIQUEIRA; DEZIDÉRIO, 2012, p. 71).

A grande maioria dos contos reunidos em Lendas e Narrativas remete à Idade

Média, a exceção de O pároco da aldeia e De Jersey a Granville. Essa é uma tendência do

romance histórico de Alexandre Herculano, inspirado na obra do escritor escocês Walter

Scott, autor de obras como Ivanhoé, O Abade, Rob Roy, entre outros romances. A obra de

Alexandre Herculano serviu principalmente para lembrar o passado mítico e heróico de

Portugal (SIQUEIRA; DEZIDÉRIO, 2012).

A obra de Herculano que é apresentada nesta dissertação não se classifica

apenas como uma expressão artística, seguindo a fala de Hugo Meneses (1997, p. 52), os

contos aqui descritos possuem um direcionamento à “formação moral e cívico-patriótica”.

Objetivamo-nos em apresentá-la assim, sem fugir a qualquer outra interpretação.

Com as informações que foram expostas nesta introdução, e a partir dos

escritos desenvolvidos no decorrer desta dissertação, pretendemos responder à seguinte

questão: Por que Alexandre Herculano, em sua obra, faz um retorno à Idade Média a fim

de exaltar o nacionalismo português, aos seus contemporâneos do século XIX? A partir

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desta hipótese pretendemos demonstrar as discussões sobre a formação e a afirmação dos

Estados nacionais na Europa, do século XIX, além de apresentar a forma como Alexandre

Herculano incentiva o nacionalismo em Portugal, através da literatura, no século XIX.

Este trabalho justifica-se pela originalidade e pela carência de estudos que

interligam, necessariamente, a literatura e o nacionalismo. Desejamos ter alcançado o

objetivo de produzir uma boa dissertação que discuta temas pertinentes e que responda às

perguntas levantadas como norteadores do trabalho de pesquisa.

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2 APONTAMENTOS PARA OS ESTUDOS SOBRE O NACIONALISMO E AS

IDENTIDADES NACIONAIS

“O Estado é que faz a Nação e não a Nação que faz o Estado”.

Jozef Pilsudski (apud HOBSBAWM, 1990)

Iniciaremos esta dissertação apresentando questões relacionadas aos estudos

sobre o nacionalismo e as experiências nacionalistas. Optamos por expor os pontos que são

colocados, por autores diversos como elementos formadores do perfil de nacionalismo que

o mundo contemporâneo se acostumou a observar, ou seja, países delimitados por

fronteiras estabelecidas, onde seus membros se identificam por falar uma língua,

classificada inicialmente como vernacular, mas que hoje é identificada como uma língua

maternal, além de, tais indivíduos serem conhecedores dos símbolos patrióticos que os

interligam com as demais pessoas. Ou ainda, “um nome próprio colectivo; um mito de

ancestralidade comum; memórias históricas partilhadas; um ou mais elementos

diferenciadores próprios de uma cultura comum; uma associação como uma terra natal

específica; um sentido de solidariedade para sectores significativos da população” (SMITH

apud SOBRAL, 1999, p. 78-79).

Estabelecemos como ponto de partida a epígrafe que é colocada no início deste

capítulo. As leituras que foram feitas para compor este corpus textual direcionam, em

quase toda a sua maioria, para a afirmação de que o nacionalismo não nasce de maneira

espontânea e natural. A citação que segue contribui para este pensamento.

As nações, postas como modos naturais ou divinos de classificar os homens, como destino político (...) inerente, são um mito; o nacionalismo, que às vezes toma, culturas preexistentes e as transforma em nações, algumas vezes as inventa e frequentemente oblitera as culturas preexistentes: isto é uma realidade (GELLNER apud HOBSBAWM, 1990, p. 19).

Hall (2003, p. 48) também, parte de um principio semelhante, propondo “que,

na verdade, as identidades nacionais não são coisas com as quais nós nascemos, mas são

formadas e transformadas no interior da representação”. Estas duas citações mostram o

caminho que nos direcionou durante a escrita; mantivemos a premissa que a nação não

pode ser classificada exclusivamente como fruto de uma sucessão de acontecimentos que a

formaram vagarosamente e espontaneamente. Mantivemos a atuação política do Estado

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como um ingrediente de importância para a manutenção do nacionalismo. É inegável que

as construções nacionalistas começaram a aparecer no século XIX. O oitocentos é o

momento de afirmação de boa parte dos Estados nacionais contemporâneos, e

consequentemente o nacionalismo é promovido através de jogos políticos difundidos

através de textos escritos e, principalmente, por meio do resgate de monumentos da

história e da valorização de fatos, ligados à origem da nação, recuperados de momentos

passados, além de se fazer a promoção de temas nacionais e nacionalistas (SOBRAL,

1999).

De fato, não negamos que este é um assunto de relevância, e que é objeto de

estudo de diversos estudiosos, das mais variadas áreas existentes, Oliven (1998)

exemplifica essa colocação ao fazer uma intersecção entre as idéias de Hobsbawm,

Benedict Anderson e os seus próprios conceitos, é claro, chegando à conclusão de que a

nação é fruto de um produto cultural, e que resulta em uma “comunidade política

imaginada” (ANDERSON, 2008, p. 32), onde se misturam elementos do passado com

elementos do presente a fim de criar algo que seja natural, tradicional e singular. “(...) É

preciso invocar antigas tradições (reais ou inventadas) como fundamento ‘natural’ da

identidade nacional que está sendo criada” (OLIVEN, 1998, p. 25). E essas tradições são

invocadas pelo Estado nação, na citação seguinte conseguimos observar um das formas

como o Estado consegue criar o sentimento nacionalista a partir de caracteres de grupos

étnicos que fazem parte da porção territorial que o Estado pretende administrar.

(...) o estudo da etnicidade e da nacionalidade é, em larga medida, o estudo de mudanças culturais politicamente induzidas. Mais precisamente, é o estudo do processo através do qual as elites e contra-elites internas aos grupos étnicos selecionam determinados aspectos da cultura do grupo, atribuindo-lhes novo valor e significado, e usando-os como símbolos para mobilizar o grupo, defender os seus interesses e competir com outros grupos (BRASS apud CABRAL, 2003, p. 516).

Completa-se ainda esta proposição de direcionamento dos Estados nacionais à

criação de singularidades; a partir do século XVIII, há uma preocupação que vai extrapolar

o simples desejo de criar fronteiras territoriais, irá fazer-se necessário criar fronteiras

culturais. Para que se entenda melhor essa proposição, vamos analisar a citação abaixo, que

define o advento e a função dos Estados nacionais.

Há uma enorme diferença entre, de um lado, um mundo de padrões complexos, entremeados, mas não perfeitamente superpostos de poder e cultura e, de outro, um mundo que consiste em unidades políticas claras, sistemática e orgulhosamente diferenciadas entre si pela “cultura”, todas lutando, com bastante sucesso, por impor internamente a homogeneidade cultural. Essas unidades que

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ligam a soberania à cultura são conhecidas como Estados nacionais. Durante os dois séculos que se seguiram à Revolução Francesa, o Estado nacional tornou-se a norma política (GELLNER, 1996, p. 107).

Demonstra-se que a afirmação dos Estados nacionais tornou-se uma tendência

da modernidade e tal modernidade se estabeleceu trazendo uma nova proposta; essa

proposta é a formação de pequenas unidades políticas muito bem estabelecidas

territorialmente e culturalmente, como a citação deixa claro, há uma clara diferenciação

com o mundo que era dividido em reinos distintos que não se delimitavam através de

fronteiras; Gellner (1996) diz ainda, que essa é uma característica da transição da

sociedade agrária para a sociedade industrial, onde a cultura deixa de ser um elemento que

diferenciava e dava status à determinados indivíduos para se tornar criadora de “fronteiras

de unidade social”. O autor nos faz pensar em algo que antes não havia sido explicitado de

maneira mais clara em outros estudos, o nacionalismo literalmente é o sucesso da

imposição de uma cultura dita dominante e superior aos demais membros da sociedade, de

fato, “ela [a sociedade] já não pode tolerar uma proliferação desordenada de subculturas

internas, todas presas ao contexto e seriamente inibidas em sua intercomunicação mútua”

(GELLNER, 1996, p. 117).

Estudos mais recentes têm apontado justamente o quanto a construção de uma memória nacional e de uma identidade nacional, longe de ser consensual, está ligada aos grupos que são vistos como detendo o poder e autoridade legítima para se erigirem nos guardiões da memória nacional. Esse processo, que envolve disputas simbólicas, passa pelo Estado, pelos meios de comunicação de massa e pelos intelectuais dos diferentes grupos que estão em competição (OLIVEN, 1998, p. 30).

A sociedade industrial, nesses moldes, passa a gerar indivíduos tocados pela

nova configuração do nacionalismo, configuração essa que se assemelha com o modelo

nacionalista contemporâneo que congrega indivíduos que nunca se viram antes, mas que

compartilham dos mesmos símbolos que identificam a pátria, “assim, a pessoa se identifica

com sua cultura superior e anseia por pertencer a uma unidade política em que funcionam

várias burocracias que usam essa mesma linguagem cultural” (GELLNER, 1996, p. 117).

Para Febvre (1998, p. 155-156), o ponto de partida para este sentimento de

pertencimento está contido no campo das mentalidades, a nação seria produto do

imaginário coletivo, literalmente “a Nação é uma realidade psicológica. (...) Ela cria uma

mentalidade entre [seus] aderentes, uma consciência nacional”, se usarmos Bhabha (1998)

poderemos enxergar isso como conseqüência direta de algo que o autor classifica como

metáfora progressista da coesão social moderna ou simplesmente muitos como um, onde

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os aderentes da comunidade se olham de maneira homogênea classificando “gênero, classe

ou raça como totalidades sociais que expressam experiências coletivas unitárias”

(BHABHA, 1998, p. 203).

Completando esta discussão trazemos os argumentos de Anthony Smith (apud

CABRAL, 2003), que compartilha da premissa que não haveriam Estados bem sucedidos,

a não ser, que as pessoas que tentam formar este aparato político não tivessem em mente

que a população que pretende ficar sob a vigília do Estado deveria possuir uma

característica comum, algo que os ligasse diretamente ao território onde vivem. Em outra

contribuição, retiramos uma definição direta e clara de Smith (apud SOBRAL, 1999, p. 78)

sobre o que vem a ser a nação, trata-se de “uma população humana identificada que

partilha um território histórico, mitos comuns e memórias históricas, uma cultura pública e

comum e de massas, uma economia comum e direitos e deveres legais comuns para todos

os seus membros”; nesta definição Anthony Smith deixa claro nas entrelinhas que os

esforços do Estado, em formar uma nação, seriam desperdiçados se os grupos

populacionais não possuíssem nem ao menos um pequeno elemento comum entre eles, a

saber tais elementos podem ser o pertencimento a um lugar ou a religião, o cumprimento

de leis e deveres que regem a vida em sociedade, etc, para nós é mais relevante quando

este sentimento de pertencimento é provocado por símbolos culturais comuns, como o

reconhecimento de heróis ou o conhecimento do legado histórico de edifícios e

monumentos.

E o Estado tem respeitado o fenômeno de congregar indivíduos que

compartilham caracteres comuns. Se analisarmos historicamente e minuciosamente este

processo, veremos que o aparecimento da unificação nacional e a formação do Estado

“tem-se mostrado historicamente contrário à manutenção de diversidades regionais e

culturais” (OLIVEN, 1998, p. 28), o processo de afirmação das identidades nacionais,

historicamente, se pautou na supressão de culturas diversas e a consequente aglutinação de

características diversas, por exemplo, “‘o povo britânico’ é constituído por uma série desse

tipo de conquistas (...). Cada conquista subjugou povos conquistados e suas culturas,

costumes, línguas e tradições, e tentou impor uma hegemonia cultural mais unificada”

(HALL, 2003, p. 59-60). Completamos ainda mais esse pensamento afirmando que:

Temos assim um fenômeno que é essencialmente político em sua definição e que se caracteriza também por desigualdades sociais, mas que se articula mobilizando sentimentos coletivos e veiculando identidades e ideologias associadas a memórias sociais. Passamos, pois, do campo do político e do

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econômico para o da cultura, no qual a dimensão simbólica desempenha um papel preponderante (OLIVEN, 1998, p. 29).

O Estado criou os meios para a sustentação dessa carga simbólica, investindo

na promoção da memória coletiva e fazendo-a adquirir uma posição de tradição dentro da

sociedade, “na raiz da construção de nações é necessário assinalar um passado real ou

imaginado que daria uma substância à comunidade designada por essa forma política”

(OLIVEN, 1998, p. 31-32) e “(...) freqüentemente esse mesmo retorno ao passado oculta

uma luta para mobilizar as ‘pessoas’ para que purifiquem suas fileiras, para que expulsem

os ‘outros’ que ameaçam sua identidade e para que se preparem para uma nova marcha

para a frente” (HALL, 2003, p. 56). E todo esse sistema se sustenta através da educação, “o

sistema educacional padronizado que processa todo o material humano formador da

sociedade, que transforma a matéria-prima biológica num produto cultural aceitável e útil

(...)” (GELLNER, 1996, p.119), o Estado, no século XIX, além de atingir o público com o

discurso nacional através do sistema educacional, também se aproveita da proliferação de

sistemas de comunicação em massa (como jornais), para estender a promoção nacional a

um público leitor maior ainda (SOBRAL, 1999). Também é possível vislumbrar isso na

citação abaixo:

A formação de uma cultura nacional contribuiu para criar padrões de alfabetização universais, generalizou uma única língua vernacular como o meio dominante de comunicação em toda a nação, criou uma cultura homogênea e manteve instituições culturais nacionais, como, por exemplo, um sistema educacional nacional (HALL, 2003, p. 49-50).

Essa forma de pensamento faz produzir uma espécie de homem que não

sobrevive sem o estigma de uma nacionalidade, o nacionalismo chega ao ponto de

sustentar-se no lado emocional; “a base do ‘nacionalismo’ de todos os tipos era igual: a

presteza com que as pessoas se identificavam emocionalmente com sua nação e podiam ser

mobilizadas, como tchecos, alemães, italianos ou quaisquer outras, presteza que podia ser

explorada politicamente” (HOBSBAWN, 1988, p. 204). Seguindo este pensamento

podemos dizer também que:

A condição de homem exige que o indivíduo, embora exista e aja como um ser autônomo, faça isso somente porque ele pode primeiramente identificar a si mesmo como algo mais amplo – como um membro de uma sociedade, grupo, classe, estado ou nação, de algum arranjo, ao qual ele pode até não dar um nome, mas que ele reconhece instintivamente, como seu lar (SCRUTON apud HALL, 2003, p. 48).

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A idéia contida na citação anterior é o elemento principal das discussões feitas

em Anderson (2008); para esse autor é fundamental analisar a sociedade como um grande

emaranhado de relações que sustentam os Estados nacionais através de um complexo

sistema de caracteres socialmente imaginados, como, a língua, a religião e o

reconhecimento de símbolos patrióticos (bandeiras, hinos nacionais, brasões, etc.), e esses

elementos imaginados se sustentam “porque mesmo os membros da mais minúscula das

nações jamais conhecerão, encontrarão, ou se quer ouvirão falar da maioria de seus

companheiros, embora todos tenham em mente a imagem viva da comunhão entre eles”

(ANDERSON, 2008, p. 32).

Pode-se conceituar comunidade imaginada também como a união de três

elementos: “a posse em comum de um rico legado de memórias (...), o desejo de viver em

conjunto e a vontade de perpetuar, de uma forma indivisiva, a herança que se recebeu”

(RENAN apud HALL, 2003, p. 58), essas três estruturas sobrevivem no campo do

imaginário social, a comunidade inconscientemente trabalha para a manutenção dos

mesmos ao perpetuar permanentemente estas variáveis, as gerações que nascem já encaram

essas premissas como vindas de tempos remotos e que elas não necessitam de explicação e

de uma afirmação regular.

E o Estado se consolida, pois, deflagra a concepção de “que os estados

nacionais são ‘novos’ e ‘históricos’, ao passo que as nações a que elas dão expressão

política sempre assomam de um passado imemorial, e, ainda mais importante, seguem

rumo a um futuro ilimitado” (ANDERSON, 2008, p. 38-39) e isso explica o seu “poder

para gerar um sentimento de identidade e lealdade” (SCHWARZ apud HALL, 2003, p.

49), algumas pessoas sabem que a identidade nacional é construída, muitos possuem o

conhecimento até de que em algumas ocasiões ela é um elemento agregado muito

recentemente, porém fazem isso acreditando que na verdade ela sempre esteve presente,

porém adormecida. O nacionalismo, geralmente, é um elemento que se apresenta como

meio diferenciador da comunidade, o Estado nação constrói o sentimento nacionalista a

partir de uma característica singular da comunidade.

Esses fatores que compõe a singularidade de uma nação são perpetuados

através do imaginário social, os elementos que formam esses caracteres únicos podem ser

extraídos de elementos geográficos, podem ser transfigurados a partir de uma característica

que a principio poderia pertencer a uma determinada subcultura ou podem, ainda, ser

completamente inventados. A geografia entra nessa discussão neste exato momento,

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através do advento do conceito de imaginário geográfico, que está diretamente ligado a

temas que se sustentam no campo simbólico; “o imaginário social desdobra-se em

imaginário político e, ambos, por sua matriz espacial e por serem informados pela

geografia dos lugares, encerram em si o imaginário geográfico” (CASTRO, 1997, p. 157),

ou seja, partindo da proposição inicial de que o Estado é o principal criador do sentimento

nacionalista, não podemos dissociar em momento algum a relação que se faz presente entre

imaginário, política e território, esses três elementos agindo juntos são de fundamental

importância para o entendimento das formas como a comunidade apreende as fronteiras

territoriais da nação. A geografia é um elemento significativo com relação à criação de

identidades culturais e nacionais, o pertencimento à determinada região está intimamente

ligada aos percursos históricos que acabam sendo amplamente divulgados pelo Estado

àqueles que nascem dentro das fronteiras de determinado país.

2.1 Experiências nacionalistas: a busca pelas identidades nacionais nos séculos XVIII e

XIX

Para que nossa discussão fique mais clara, entraremos em um território mais

palpável, pretendemos exemplificar os conceitos que foram tratados até agora. É possível

observar de maneira mais clara e didática, em determinadas nações, elementos que as

constroem e formam o enunciado que é objeto de estudo dos teóricos que se dedicam ao

advento do nacionalismo. Já que tratamos da importância do território, iniciaremos com o

destaque que se dá às conhecidas highlanders escocesas.

Trevor-Hoper (2012) traça um dos exemplos mais significativos para a

compreensão do que está sendo exposto aqui. O autor apresenta a trajetória da invenção

das tradições escocesas, que celebram o uso do kilt e da gaita de foles como os principais

elementos da identidade nacional da Escócia. Trevor-Hoper (2012, p. 29) explica,

retornando a tempos mais antigos, que a cultura das Terras Altas da Escócia sofria

influência direta da cultura irlandesa. Todas essas características consagradas pela cultura

moderna foram inventadas bem recentemente:

A criação de uma tradição das Terras Altas independente e a imposição da nova tradição e de seus símbolos externos em toda a nação escocesa foi obra de fins

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do século XVIII e início do século XIX. Realizou-se em três etapas. Primeiro, houve uma rebelião cultural contra a Irlanda: usurpou-se a cultura irlandesa e se reescreveu a história primitiva da Escócia, chegando-se ao cúmulo de declarar, na maior insolência, que a Escócia – a Escócia céltica – é que era a “mãe pátria”, sendo a Irlanda culturalmente dependente. Depois, houve a elaboração artificial de novas Tradições das Terras Altas, que foram apresentadas como antigas, originais e características da região. E na terceira etapa houve um processo pelo qual tais tradições foram oferecidas às Terras baixas escocesas históricas, a Escócia Ocidental dos Picts, saxões e normandos, e por elas adotadas.

Essas transformações estruturais na História da Escócia foram executadas e se

perpetuaram através da literatura; os épicos, escritos no século XVIII, e que remontavam a

passados imemoriais construíram a tradição necessária para a afirmação de um povo.

Tomamos consciência então que história e literatura são grandes artifícios para a reconstrução de fatos e a ampla utilização de ambos é um meio para a formação social dos indivíduos. Ao mesmo tempo essas disciplinas reconstituem a formação do homem e auxiliam na continua formação de outros homens (AZEVEDO, 2011, p. 19).

No caso especifico da Escócia o aparecimento de poemas épicos, como Fingal

e Temora, significaram uma articulação premeditada, que se objetivava claramente a impor

uma nova dinâmica às tradições daquele país.

Contudo, acho necessário entendermos melhor o contexto do aparecimento de

Fingal e Temora. Esses dois poemas supostamente teriam sido traduzidos pelo jovem

James Macpherson, “um poeta obscuro proveniente dos highlands” (CASS, 2011, p. 256) e

sua autoria foi atribuída ao bardo Ossian. Porém, sabe-se hoje que tudo se tratou de uma

articulação de James Macpherson e do reverendo John Macpherson, “embora não fossem

parentes, estes dois Macphersons se conheciam” (TREVOR-HOPER, 2012, p. 29). E

juntos construíram o cenário que consagraria “a obra de Ossian”.

O absoluto descaramento dos Macpherson acaba por suscitar admiração. James Macpherson recolheu baladas irlandesas na Escócia, escreveu um poema “épico” no qual o cenário já não era o Irlandês, mas o escocês, e depois descartou as baladas genuínas como composições posteriores, cópias de “Ossian” – também a literatura irlandesa real, a que elas pertenciam, como se fosse um simples reflexo. Depois, o ministro de Sleat [John Macpherson] escreveu um Ensaio crítico que fornecia o contexto necessário ao “Homero céltico” “descoberto” pelo seu homônimo: declarou que existiam celtas de língua irlandesa na Escócia quatro séculos antes da data em que a história afirma que eles chegaram, e explicou que a literatura genuína e nativa da Irlanda havia sido roubada dos inocentes escoceses pelos inescrupulosos irlandeses durante a Alta Idade Média (TREVOR-HOPER, 2012, p. 30).

Os Macpherson “infundiriam no passado nacional um poderoso elemento de

identificação comunitária e, sobretudo, uma fonte inesgotável de orgulho por conta do

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local e do particular, pondo por terra os parâmetros de apreciação universal legados pelos

clássicos” (CASS, 2011, p. 257).

Outro ponto de discussão da história escocesa é o advento do kilt (saiote feito

com tecido quadriculado, conhecido como tartan, e amplamente utilizado pelos homens).

O kilt é hoje vislumbrado como um típico elemento tradicional da cultura escocesa, para

muitos essa é uma peça do vestuário masculino que está presente há muito tempo.

O kilt e o tecido xadrez são peças recorrentes às origens do povo escocês,

porém as referências são taxativas em dizer que “o kilt é uma vestimenta absolutamente

moderna, idealizada e vestida pela primeira vez por um industrial quaker inglês, que não o

impôs aos montanheses para preservar o modo de vida tradicional deles, mas para facilitar

a transformação deste mesmo modo de vida (...) (TREVOR-HOPER, 2012, p.35).

Analisando o caso da Escócia pudemos observar que temos à nossa frente duas

formas distintas de criação de tradições culturais, explicaremos isso melhor. Hobsbawm

(2012) identifica que existem duas formas de se “inventar tradições”, vejamos a citação

que segue.

Foi realizada oficialmente e não oficialmente, sendo as invenções oficiais – que podem ser chamadas de “políticas” – surgidas acima de tudo em estados ou movimentos sociais e políticos organizados, ou criados por eles; e as não oficiais – que podem ser denominadas “sociais” – principalmente geradas por grupos sociais sem organização formal, ou por aqueles cujos objetivos não eram específica ou conscientemente políticos, como os clubes e grêmios, tivessem eles ou não também funções políticas (HOBSBAWM, 2012, p. 337)

A reescrita da história cultural escocesa, com o aparecimento da literatura

ossianica pode ser enquadrada perfeitamente como uma invenção política que surge

premeditadamente e que tem um objetivo bem definido. Contudo, o aparecimento do kilt

vai se dando de maneira natural e a sua adoção no século XVIII é absorvida pela cultura

sem grandes jogos políticos. Assim, enquadramos os acontecimentos da Escócia

setecentista, como meios para o estabelecimento de uma nacionalidade, que acaba sendo

identificada por uma grande parcela da população daquela região.

Ao continuar a traçar exemplificações necessárias à compreensão do aporte

teórico deste trabalho chegamos à literatura francesa do século XIX, pois este século

especificamente utiliza a literatura como meio de criação dos elementos da pátria que

foram elencados anteriormente.

A literatura romântica do século XIX floresce em praticamente toda a Europa

como um dos símbolos máximos da defesa e da construção do sentimento nacional. O

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Romantismo oitocentista que despontará em uma modalidade literária chamada de

romance histórico ajudará na difusão da memória coletiva. O percussor e também aquele

que cristaliza as características clássicas do romance histórico é o escocês Walter Scott.

Sir Walter Scott foi o responsável pela revitalização do gênero, pois, ao ambicionar recriar outras épocas e outros mundos, delineou um modelo da estrutura narrativa histórica que foi assimilado por alguns escritores estrangeiros como Alfred de Vigny em Cinq-mars (1826), Victor Hugo em Notre-Dame de Paris (1831), Honoré de Balzac em Les Chouans (1829) e Prosper Mérimée em Chronique du temps de Charles IX (1829). Ele conseguia fazer interagir o tema histórico e sua narrativa, ao organizar dramaticamente os acontecimentos (isto é, ao estruturar o enredo do romance em partes, com exposição, crise e desenlace), criando episódios convergentes, cada qual contribuindo para fazer progredir a ação (PIMENTEL, 2010, p. 2)

Os estudiosos afirmam que o romance histórico é uma modalidade especifica

de romance que combina “duas fortes tendências do Romantismo: a revalorização

evasionista do passado e o nacionalismo exaltatório dos valores, das figuras e das tradições

locais” (BASTOS, 2007, p. 62). Esse gênero teria surgido no início do século XIX com

Walter Scott. O romance histórico buscaria um retorno ao passado de grandes feitos e

realizações de onde se tiraria elementos compositores do sentimento nacionalista e do

revigoramento patriótico. O mesmo trataria da apropriação e uso literário de fatos

históricos correspondentes a um determinado período e/ou fase histórica de certo grupo

social.

O romance histórico do século XIX fazia da história um cenário para o

exercício da ficção, os personagens históricos explicitavam seus atos regidos muitas vezes

por impulso misturando história e romance, criando uma relação de reciprocidade onde “[o

romance] subscrevia aquela [a história] confirmando o seu valor e a sua verdade para o

grande público” (COSSON; SCHWANTES, 2005, p. 32). As obras de Walter Scott

marcam uma nova tendência, suas publicações passam a afirmar-se como um grande meio

de reconstituição do passado, o mesmo é visto como grande revitalizador desse estilo que

mescla história e ficção.

Walter Scott e a maneira literária de se narrar a História influenciaram grandes

expoentes da Literatura oitocentista, como por exemplo, Alexandre Herculano em

Portugal2, Victor Hugo na França, como é exposto na citação, e o também francês

Alexander Dumas que é visto por muitos literatos e admiradores como alguém que também 2 Em Melão (2003), ressalta-se que Alexandre Herculano foi um dos principais admiradores da obra de sir Walter Scott, elegendo Ivanhoé como um de seus romances favoritos. Coloca-se, que o próprio Herculano classificava Ivanhoé como “uma pintura da vida da Idade Média” (HERCULANO apud MELÃO, 2003, p. 143).

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cria as bases fundamentais do romance histórico, mas vejamos com maiores detalhes quais

são essas estruturas que formam a narração histórico-literária.

Há muitos séculos se tornou uma atitude comum mesclar história e ficção, com intuito de narrar feitos heróicos de povo, apresentando, assim, uma espécie de memória coletiva inventada. Homero, por volta do VIII a. C., realizou com maestria este feito, ao criar seus dois grandes poemas épicos: Ilíada e Odisséia. Porém, com o passar dos tempos e surgimento da escrita, outros recursos também foram aliados à história para a criação do texto ficcional, por exemplo, a mescla dos mitos de um povo com as invenções pessoais do autor, que findavam por revelar suas intenções estéticas e éticas. Assim, essas ficções verossímeis, muitas vezes, realizam melhor os conteúdos do emocional coletivo que as memórias da informação histórica, provavelmente por prescindirem de provas ou, simplesmente, à maneira aristotélica, por apresentar não o que foi, mas o que poderia ter sido (PIMENTEL, 2010, p. 1).

Da citação anterior gostaria de destacar um trecho que é bastante útil, vejam

que Pimentel (2010) acaba por evidenciar que o romance histórico por muitas vezes gera

ficções verossímeis que, muitas vezes, realizam melhor os conteúdos do emocional

coletivo que as memórias da informação histórica, provavelmente por prescindirem

de provas ou, simplesmente, à maneira aristotélica, por apresentar não o que foi, mas

o que poderia ter sido, na Literatura francesa oitocentista não há escritores que melhor

realizem essa função que Alexander Dumas e Victor Hugo.

Em Os Miseráveis, Victor Hugo recria, cria e inventa os acontecimentos que se

desenrolaram nas Barricadas da Rua Saint-Denis em 1832, de maneira magistral e

emocionante, mostrando toda a sua simpatia pela readoção da República francesa, tal como

se havia feito durante os acontecimentos da Revolução Francesa, deflagrada após a queda

da Bastilha. Victor Hugo deposita nas personagens Marius e no pequeno Gavroche todo o

sentimento Republicano que perpassava os ares da Paris do século XIX. Victor Hugo,

como um grande visionário coloca a sociedade européia a par das transformações

nacionalistas pela qual o continente está passando; Hobsbawm em A era das Revoluções

define os movimentos revolucionários franceses da década de 1830 como “movimentos

nacionalistas conscientes. (...) são os movimentos ‘jovens’ fundados ou inspirados por

Giuseppe Manzzini” (p. 96), são movimentos como os descritos por Hugo no capítulo A

Barricada de Os Miseráveis. Ainda segundo Hobsbawm ([20--], p. 96) esses grupos de

jovens republicanos organizados são:

O marco da desintegração do movimento revolucionário europeu em segmentos nacionais. Sem dúvida, todos estes segmentos tinham uma tática, uma estratégia e um programa político muito semelhantes, até mesmo uma bandeira semelhante – quase invariavelmente tricolor, de algum tipo. Seus membros não viam qualquer contradição entre suas próprias exigências e as dos movimentos de

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outras nações e, de fato, pretendiam uma fraternidade de todos, libertando-se simultaneamente. Por outro lado, cada um deles tendia agora a justificar sua preocupação primordial com sua própria nação através da adoção do papel de Messias de todos.

Essas nações acabam por encarar a França como a Nação modelo para esse

“espírito revolucionário nacionalista” e colocando-a, segundo Hobsbawm em A era das

Revoluções, sob o julgo de “primeiro motor de libertação do mundo”. A literatura

“hugoliana” acaba servindo ao propósito de multiplicador dessa premissa, para comprovar

isto basta apontarmos que o Republicanismo do “hugolianismo” também influencia a

população da cidade portuguesa do Porto, isso fica claro quando ao ler Carneiro (1997)

observamos as homenagens e as alusões ao legado de Victor Hugo quando de sua morte,

em 1885.

Para além disso parece ter sido a Imprensa do Porto aquela que mais explorou a doença e a morte de Victor Hugo alimentando durante dias a fio o fervor e a admiração dos portuenses por esse combatente da Liberdade pondo em relevo, ora o seu realismo humanitarista, ora o seu republicanismo ardente, ora o seu profetismo libertário e socializante, ora ainda a sua sensibilidade estética e a força do seu talento de poeta (CARNEIRO, 1997, p. 436).

O romance Quatrevingt-treze de Victor Hugo que possui grande aceitação em

Portugal, e na cidade do Porto, faz uma defesa da fase mais violenta da Revolução

Francesa, mostrando que os anos de dureza eram necessários para a fundamentação de uma

República humanitária. Hugo personifica o ideal libertário francês mostrando ao mundo o

espírito revolucionário da população parisiense e mostrando a República da França como

um modelo para o resto do mundo.

De importância equivalente, Alexander Dumas perpassa em suas obras

literárias momentos da História nacional francesa de significativa relevância. Evidenciando

e cristalizando a tradicional rivalidade entre a França e a Inglaterra nas páginas de Os três

Mosqueteiros, por exemplo.

Nenhum romancista de seu tempo obteve maior celebridade que o auctor dos Três Mosqueteiros, Vinte annos depois, Visconde de Brangelonne, três magníficos romances formando um único poema, no qual se passam em revista os mais curiosos trechos da história da França. Seus romances históricos constituem a sua grande gloria, mas outros escreveu, como O conde de Monte-Christo, cheios de fantasia, e que o mundo inteiro conheceu (O Occidente apud OUTEIRINHO, 2004, p. 51)

Alexander Dumas divide ao lado de Sir Walter Scott a responsabilidade pela

popularização do gênero Romance Histórico, estes literatos cumpriram inconscientemente

um dever moral e construíram, e porque não dizer inventaram, a história, a identidade e as

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origens de suas nações, juntando-se à Victor Hugo como Intelectuais precursores da

formação dos Estados nacionais no século XIX. Mas, passamos agora a uma

exemplificação mais próxima do leitor; ao entrar no Brasil, veremos que a busca da

identidade nacional do nosso país também apresenta suas particularidades, como os outros

exemplos mostrados anteriormente, mas se segue a mesma tendência que é a busca e

perpetuação de uma origem da nação.

De fato a preocupação em se construir uma origem nacional para o Brasil nasce

durante o século XIX, para ser mais especifico essa preocupação se torna mais visível com

a fundação, em 1838, do IHGB (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro); essa

instituição congregava as mentes intelectualizadas mais proeminentes do Império

Brasileiro, inclusive o Imperador Pedro II se tornaria um dos seus mais fiéis sócios e

incentivadores. Durante o oitocentos o IHGB se empenhou em promover inúmeros

concursos que tinham por finalidade apresentar teses que fundamentassem uma Historia

para a colonização do Brasil, contudo, os textos provenientes acabavam por privilegiar as

origens ibéricas do povo brasileiro.

Para entendermos como se deu a busca pela formação da identidade brasileira

precisamos recorrer às teorias raciais do século XIX. O oitocentos em sua busca pelas

origens nacionais acaba por segregar algumas populações e aculturar determinadas práticas

baseada nas características fenotípicas de seus defensores e praticantes. Para exemplificar

melhor isso tomamos como exemplo Francisco Adolpho de Varnhagem, um conhecido

teórico que se empenhou em escrever uma história das origens da cultura brasileira em

seus dois volumes de História Geral do Brasil. Varnhagen privilegia a ação portuguesa na

formação do povo brasileiro e banaliza os traços dos nativos e principalmente dos negros

tão importantes dentro da miscigenação cultural, podemos visualizar isso a partir da

citação que segue.

Em nosso entender, os escravos africanos foram trazidos ao Brasil desde a sua primitiva colonização; e naturalmente muitos vieram, com seus senhores, a bordo dos primeiros navios que aqui aportaram, compreendendo os da armada de Cabral. Porém, a verdadeira introdução dos escravos de Guiné, e depois de quase toda a África, isto é, do tráfico em ponto maior, proveio em primeiro lugar como fica dito, de se haver promulgado como ilegal a escravatura índia, com raras exceções, das quais se os poderosos abusavam, outros se receavam, só para não virem a achar-se no caso de ter que pleitear o seu direito. Em segundo lugar proveio de se haver já nas Antilhas conhecido por experiência que os africanos eram mais fortes e resistiam mais ao trabalho aturado do sol do que os índios (VARNHAGEN apud KACZMAREK; SANDINI, 2010, p.105 – 106)

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Na citação, o autor busca uma referência para a colocação do negro na

condição de cativo justificando sua condição de inferior. Esse pensamento é fruto da

condição histórica e social do Brasil em meados do século XIX, Varnhagen apenas o

populariza. “Nos anos 1850, Varnhagen desenhará o perfil do Brasil independente,

oferecerá à nova nação um passado, a partir do qual elaborará um futuro” (REIS, 2006, p.

24).

Francisco Varnhagen pode ser visto como um dos primeiros intelectuais

interessados em vislumbrar o Brasil como uma nação de fato, antes dos seus estudos

metódicos e “rankeanos” a colonização portuguesa do Brasil era vista a contra gosto e

refletia aos demais Estados modernos que o Brasil não teria muito o que oferecer como

nação. Porém os esforços deste intelectual não podem ser negados (sem esquecer o caráter

extremamente ibérico que ele impôs a História brasileira).

Em todo lugar em que esteve, fosse como embaixador ou turista, deixou declarações de amor ao Brasil e de crença em seu futuro como nação. Em 1841, adotou a nacionalidade brasileira, logo após a confirmação antecipada de d. Pedro II no trono brasileiro. Ele quis assessorar o jovem imperador na construção da identidade do seu império, que lhe garantiria unidade e longevidade. Aristocrata, o visconde nutria sentimentos de profunda fidelidade à família real portuguesa. Em Portugal, defendera até às armas d. Pedro IV (I) contra d. Miguel. Seu amor pelo Brasil se confundia, portanto, com sua fidelidade à família Real portuguesa (REIS, 2006, p. 25).

Essa história de caráter luso-brasileira vai ser cuidadosamente montada e

inventada para sustentar o Império brasileiro. Produziram-se as necessidades da criação de

heróis, personagens que sustentassem a bravura, a coragem e outras características

necessárias ao engrandecimento da nação, e como apontamos anteriormente nativos e

negros cativos não poderiam ser personagens dessas insígnias patrióticas.

Um dos maiores elementos pontuais a essa questão é introduzido pelo botânico

e viajante alemão Karl Philipp Von Martius vencedor do primeiro prêmio promovido pelo

IHGB em 1840, “Como se deve escrever a história do Brasil”. Martius se sagrou como

vencedor apontando que a melhor forma de se responder a dita questão seria atentando

para as diversas raças que formam o povo brasileiro, porém dando a cada uma a atenção

que lhe deveria ser justamente atribuída; o português é claro, como peça principal deveria

merecer destaque e elogios pela iniciativa de desbravar as terras do Brasil, os indígenas

mereceriam ser citadas de maneira um pouco mais prolixa, “quanto ao negro, ele será

breve, oferecendo poucos dados e propondo algumas poucas questões (...). A questão

principal (...) seria esta: o Brasil teria tido um desenvolvimento diferente sem a introdução

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dos negros escravos? (REIS, 2006, p. 27), até 1933 os historiadores responderam que o

Brasil seria melhor sem negros escravos, Gilberto Freyre em Casa Grande e Senzala irá

mudar essa perspectiva e lançará a forma de pensamento que é vigente até os dias atuais

para muitos brasileiros, a de que o Brasil é uma nação miscigenada que prima por uma

democracia racial. Mas essas discussões sobre as questões raciais no Brasil, não parecem

que terão algum entendimento comum entre seus proponentes. É possível que se atravesse

séculos e não se chegará a um consenso. Contudo, essa discussão é uma característica que

faz parte do imaginário brasileiro; questões como essa e as demais particularidades

encontradas na Escócia e na França fazem parte do imaginário coletivo que faz com que

diversas pessoas se identifiquem com a terra em que nasceram. Essa é uma característica

do mundo contemporâneo e combatê-la não é um dos nossos objetivos.

2.2 Construções nacionais e a atuação de Alexandre Herculano em Portugal, no século

XIX

Ao seguir em frente com as discussões sobre o nacionalismo nos aproximamos

das questões mais relevantes ao objeto desta dissertação, chegamos a Portugal. Este país

também no século XIX se empenhou em construir as origens de sua nação. No quesito

nação, Portugal possui suas diferenciações em relação aos demais países, principalmente

entre os países do velho continente, segundo Mattoso (1998) a identidade nacional

necessita do suporte de uma força política para a sua sobrevivência, assim como, se faz

necessário a solidificação de suas fronteiras territoriais; esse autor deixa claro que os

portugueses apresentaram essas características precocemente, pois não somente a sua

administração política havia sido transmitida em uma linhagem contínua durante um tempo

considerável, em relação às nações vizinhas, como suas fronteiras territoriais eram as

mesmas desde 1297. Estudos revelam que a atuação do Estado foi de fundamental

relevância para a criação das tradições culturais portuguesas. Articulações desenvolvidas

pelo Estado a fim de estabelecer as tradições portuguesas precedem, inclusive, a

normatização do português como língua materna dos Portugueses (MARQUILHAS apud

CABRAL, 2003).

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Em outra colaboração Mattoso (2000, p. 8) evidencia o processo de

integralização do território português, explicando como Portugal alcança essas bases tão

solidificadas, a partir, do início do estabelecimento das fronteiras territoriais do país.

O primeiro fato que se pode relacionar a futura nacionalidade portuguesa é, por isso mesmo, aquele em que se verifica a associação de dois antigos condados pertencentes cada um deles a uma província romana diferente: o condado de Portucale, situado na antiga província da Galécia, e o de Coimbra, na antiga província da Lusitânia. Formaram o que então se chamou o “Condado Portucalense” (o que pressupunha a hegemonia do condado do Norte sobre o condado do Sul), entregue pelo rei Afonso VI de Leão e Castela ao conde Henrique de Borgonha, como dote de casamento de sua filha ilegítima D. Teresa no ano de 1096.

A formação do condado lusitano e sua administração por Henrique de

Borgonha, D. Teresa e posteriormente por Afonso Henriques (filho de ambos), irá iniciar o

estabelecimento das bases nacionais de Portugal que foram evidenciadas anteriormente. Os

escritos de Coimbra (apud PERES, 1967, p. 16) contribuem para essa perspectiva de

pensamento:

O desmembramento de Leão do Condado Portucalense (1097), constituído pelas terras situadas ao S. do rio Minho, é um acontecimento que os acasos da história e a ambição pessoal de um príncipe, aliás estrangeiro, explicam melhor do que a adversidade de condições geográficas ou étnicas do território por onde se estendia o referido Condado, pois, mais do que uma nacionalidade, havia talvez, então, neste recanto da ibéria, nacionalidades diversas mas confusas, a que só mais tarde os laços políticos viriam dar consistência e linhas bem definidas (grifo nosso).

O mais relevante da citação acima, é a importância da característica política

que a formação da nação possuiu, ela contribuiu para os aspectos que nos fazem refletir o

lugar de destaque das ações do Estado para a consolidação da união nacional. Mattoso

(2000) volta a colocar uma questão relevante, ao afirmar que a independência nacional não

existiria sem um poder político que organiza as necessidades de um grupo regional;

completa-se esse pensamento afirmando que as primeiras construções do nacionalismo

português foram sendo estabelecidas através das imposições de um grupo formado pelas

elites do Norte de Portugal, tais elites estavam representadas pelo Infante D. Afonso

Henriques e por indivíduos de sua confiança e que formavam o Estado recém criado

(CABRAL, 2003). Através de Pimenta (apud PERES, 1967, p.17) completamos mais o

pensamento acerca da importância do Estado na consolidação da nação:

Este período [séculos XII e XIII] caracteriza-se pela conjugação de esforços do Rei e dos vassalos para se firmar a independência em face de Castela, e para se limpar o território português do que representasse domínio mourisco. (...) Há já Estado. Ainda não há Nação. Mas os Reis e os seus vassalos lançam mãos de

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todos os meios de que podem dispor para que se crie a Nação. E começam naturalmente por consolidar o Estado – fixando-lhes as fronteiras e estimulando o desenvolvimento da população.

A nacionalidade é algo que faz com que um determinado grupo regional

adquira um sentimento de pertencimento a algo que existe em um nível coletivo, esse

processo colocado por Mattoso (2000, p. 16) é lento e engloba sucessivamente pequenos

grupos da população que vão se dando conta de que possuem as mesmas identidades

culturais.

Em Portugal nota-se primeiro nos membros da chancelaria condal e régia, depois nos clérigos do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, a seguir noutros membros da corte e em funcionários da administração que se apresentam como delegados do rei em todos os pontos do País, mais tarde nos restantes membros do clero e das ordens militares e nas oligarquias do concelho.

As identificações com esses traços singulares, que geram o sentimento coletivo

de pertencimento, vão evoluindo à medida que a nação vai adquirindo maturidade e vai

solidificando suas fronteiras territoriais. O sentimento nacional evolui, espontaneamente

através das pessoas que se sentem como peças que formam o “quebra-cabeça” chamado

nação ou ainda através de desdobramentos políticos realizados pelo Estado. Essa evolução

atravessou gerações culminando na atual configuração territorial que é possível ser

observada nos mapas (o espaçamento territorial das Nações contemporâneas é um dado

que pode ser visto de maneira mais clara, contudo, também é muito relevante o imaginário

nacional que surge em um campo das mentalidades coletivas). Porém, o nosso interesse

maior é a evolução do sentimento nacional que foi alcançado no século XIX,

principalmente em Portugal. É de nosso interesse, demonstrar como a literatura foi

utilizada por intelectuais para discutir o nacionalismo no Portugal oitocentista.

No século XIX, num momento de particular intensidade da propaganda nacionalista, em que a convergência entre estado e nação era rara na Europa, não oferecia dúvidas aos grupos de literatos e políticos (os ideólogos do nacionalismo) a idéia que Portugal constituía uma nação. Possuía um território, fronteiras estáveis uma população que falava a mesma língua, sem minorias étnicas significativas – mouros e judeus haviam sido escorraçados ou integrados – e sobretudo persistira no tempo, devido nomeadamente ao contributo decisivo de um estado cuja força unificadora teve um papel crucial (SOBRAL, 1999, p. 79)

Intelectuais como Alexandre Herculano possuíam teorias próprias para a

constituição populacional portuguesa e para a criação de identidades culturais coletivas.

Sobral (2004) afirma que, como historiador, Herculano discute a gênese de sua nação em

um dos Tomos de História de Portugal e coloca a mesma como “um produto político,

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resultado da formação de um estado pelos barões de um condado situado no Noroeste

peninsular” (p. 258). Além do trabalho de historiador que Herculano executa, é preciso

lembrar-se de sua atuação como literato, o romantismo literário que se desenvolve no

século XIX é utilizado por ele como um meio para a construção da identidade nacional

portuguesa, já citamos anteriormente que a literatura não foi um artifício exclusivo dessa

região ao falarmos de Walter Scott, Victor Hugo, Alexander Dumas, Ossian, ou melhor,

Macpherson.

Os literatos que citamos anteriormente funcionaram como agentes do

nacionalismo, seus escritos responderam a uma necessidade do século XIX, a afirmação

das identidades socioculturais e nacionais. Serrão (apud RODRÍGUES, [21--?]) define essa

objetividade em se buscar as identidades, como resultado do afloramento do sentimento

patriótico, onde era claro que as necessidades nacionais eram privilegiadas em detrimento

das necessidades pessoais, aqueles que não cumpriam fielmente esse preceito, deveriam

respeitá-lo. Tal necessidade era encarada pela sociedade oitocentista como um direito

legitimo, já que, não podemos nos esquecer que os países, no século XIX, se estabeleciam

através da diferença. Cabe-nos apresentar a forma como Alexandre Herculano promoveu

as identidades sociocultural e nacional de Portugal através de sua produção intelectual, mas

antes é de importante relevância apresentar alguns aspectos sobre Alexandre Herculano;

seu percurso de vida influenciou de maneira fundamental a sua forma de escrever e acabou

por indicar as áreas de interesse abordadas em seus textos.

Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo nasceu no dia 28 de março de

1810, na cidade de Lisboa (MOISÉS, 2004). Herculano “nasceu durante a segunda

invasão francesa (1810)” (SARAIVA, 1972, p. 171) e pertencia a uma família que não

detinha muitas posses, formada em sua maioria por funcionários públicos; de origem

humilde, Herculano não frequentou curso Universitário e estudou com os Oratorianos.

“Cursou Inglês e Alemão na Aula do Comércio, de Diplomática na Torre do Tombo

(1830)” (MOISÉS, 2004, p. 267).

Herculano, assim como, outros intelectuais de seu tempo (Almeida Garrett, por

exemplo) era versado nas questões sobre o liberalismo. Sua atuação ativa na política o

levou ao exílio, pondo-o em contato com o romantismo produzido nas demais localidades

da Europa (na Inglaterra e na França, principalmente). O nacionalismo das obras de Victor

Hugo e Scott introduziram na obra de Alexandre Herculano a interação entre literatura e

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história que tanto nos interessa. A citação que segue pontua com objetividade a informação

que queremos transmitir.

Ambos [Herculano e Garrett] liberais e democratas, por tendências fatais da juventude daquele tempo, naturalmente disponível, como a juventude de sempre o é, para aceitar o que no mundo e na vida tenha poder de renovação e criação, mesmo que revolucionária. Ambos por isso mesmo comeram o pão do exílio e, no exílio, ambos se consagraram a trabalhos literários animados de análogo sentimento de dinâmico patriotismo, que no regresso a Portugal os suscita à realização de obras reciprocamente complementares. Ambos procuraram estimular Portugal à consciência de si próprio: Garrett pela ficção, novela e teatro; Herculano pela história, em cujas pesquisas também encontrou substância a alargar em ficção – a ficção dos seus romances históricos, das suas Lendas e narrativas (CIDADE, 1985, p. 184).

Ao buscarmos uma definição para o Romantismo português consultamos

autores como Cidade (1985) e Saraiva (1972), tais autores e suas respectivas obras não

dissociam o surgimento do Romantismo a atuação literária de Almeida Garret e Alexandre

Herculano. Esses dois autores tiveram suas atuações como escritores ligados ao seu

posicionamento político e às suas preocupações quanto à história de Portugal. Os

intelectuais do século XIX parecem influenciados pelas Revoluções Liberais que pregavam

a autonomia e a busca pela auto-definição.

Herculano, um romântico e um liberal, comungava dos ideais de convergência num projecto de educação nacional, travejado pela história, aliado à literatura e à moral, que visasse formar as gerações no amor da Nação, que se queria assente em bases representativas. Logo o apelo às origens, buscando a “alma nacional” nos costumes, na cultura popular, nos monumentos, na história, fundamentava o compromisso com o grande movimento nacionalizador (COELHO, 2011, p. 62).

Alexandre Herculano permaneceu entre os anos de 1831 e 1832 primeiramente

na Inglaterra e posteriormente na França, seus anos de exílio foram dedicados à leitura de

diversas obras das bibliotecas e arquivos destas localidades. A Biblioteca Pública de

Rennes foi um dos espaços que serviu de lugar de estudo para Herculano. Herculano

chamou a si próprio de “trovador do exílio” (CIDADE, 1985, p. 185). Desembarcou nos

Açores em 1832 para juntar-se ao exército liberal de D. Pedro IV (Pedro I do Brasil) que

entraria em Portugal pela cidade do Porto para impedir a proximidade de D. Miguel ao

trono português.

Ao termino do conflito, que ficou conhecido como Guerra Civil portuguesa ou

Guerra Miguelista, Alexandre Herculano se tornou bibliotecário da Biblioteca Municipal

do Porto (MOISÉS, 2004), “ei-lo no ambiente próprio, de que certamente não sairia, se a

mocidade do tempo não fosse solicitada, como sempre sucede nas crises genésicas da

Nação ou da Humanidade, à intervenção política” (CIDADE, 1985, p. 185). Durante os

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anos que permaneceu no cargo de Bibliotecário, Herculano buscou documentos primários

que pudessem criar as bases para a escrita de sua história de Portugal. Percorrendo as

bibliotecas monásticas, Alexandre Herculano catalogou fontes que embasariam o seu

trabalho de historiador (RODRÍGUEZ, [21--?],). Os esforços de Herculano em praticar o

oficio de historiador foram desmedidos.

Por conta do triunfo do Movimento Setembrista, que representava a posição

mais à esquerda do movimento Liberal, Herculano abandonou seu cargo de bibliotecário e

iniciou sua carreira de escritor publicando a Voz do Profeta, um manifesto contra o

Setembrismo, considerado por Herculano um movimento demagógico que ofendia a justiça

e a moral.

A Revolução de Setembro de 1836 que restaurou a constituição de 1822, foi considerado pelo nosso autor [Alexandre Herculano] como um lamentável retrocesso. O seu ensaio intitulado A Voz do Profeta, testemunha o descontentamento de Herculano para com a “população” em ascensão. Nesse mesmo ano pediu demissão do seu cargo público no Porto e regressou a Lisboa, onde se engajou na luta contra o setembrismo. Herculano, como aliás o seu inspirador, Guizot, era um liberal moderado. O jovem escritor era um cartista que defendia entusiasticamente a posição de Dom Pedro IV [I do Brasil], inimigo declarado do modelo absolutista ensejado pelo miguelismo, bem como do democratismo (RODRÍGUEZ, [21--?], p. 4).

Herculano se dirige para Coimbra, onde assume a função de diretor do jornal

Panorama, onde publicou obras como, Lendas e Narrativas, O Bobo e O Monge de Cister

(MOISÉS, 2004). Permanece à frente do jornal até 1839 quando migra para a direção das

bibliotecas reais da Ajuda e Necessidades, “este cargo deu-lhe condições para se dedicar

absorventemente aos estudos históricos” (SARAIVA, 1972, p. 172), durante o período em

que esteve à frente deste cargo de bibliotecário, Alexandre Herculano, conseguiu

demonstrar sua versatilidade como literato e historiador, pois neste momento publicou

Apontamentos para a história dos bens da Coroa e dos Forais, Eurico, o Presbítero, um

dos seus romances mais significativos, que trata da história das origens de Portugal, no

século VIII, tempo de transição da ocupação de visigodos por mouros na península ibérica

e que trata do anticlericalismo, entre outros assuntos; publicou também O Pároco da

aldeia, que na década de 1850 integraria o segundo volume de Lendas e Narrativas e dois

volumes da História de Portugal (RODRÍGUEZ, [21--?]). Foi eleito deputado em 1840

pelo partido Cartista (conservador), contudo a ditadura de Costa Cabral o fez retirar-se da

política, porém no ano de 1850 participou do golpe de Estado da Regeneração, que pôs fim

ao cabralismo. Passou a atuar ativamente dentro do primeiro governo após o cabralismo,

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contudo, seu conjunto de programas de reforma foi colocado de lado por conta do

oportunismo de Rodrigo da Fonseca de Magalhães, fazendo-o passar à oposição

(SARAIVA, 1972). A posição contrária ao governo fez Alexandre Herculano dirigir dois

jornais distintos: O País (1851) e O Português (1853). Durante toda a década de 1850,

volta a se destacar por conta de sua intensa produção intelectual, que culminou com a

publicação do terceiro volume de História de Portugal, que desencadeou a insatisfação do

clero português, o nosso autor defendeu a sua obra, como nos intitulados Eu e o Clero,

Solemnia Verba e no prefácio à História da origem e do estabelecimento da Inquisição em

Portugal (cujo primeiro volume apareceria depois, em 1853) (RODRÍGUEZ, [21--?], p. 5).

Fundou em 1856 o Partido Progressista histórico, tendo participado de sua direção. Em 1857 combateu a Concordata com a Santa Sé. Em 1860, como membro da Comissão Revisora do Código Civil, propôs a introdução, em Portugal, do casamento civil, tendo sido atacado duramente pelo clero. Herculano defendeu-se numa série de artigos contundentes que publicaria mais tarde sob o título de Estudos sobre o casamento civil. A atividade intelectual do nosso autor foi bastante intensa ao longo da década de 1850. Além dos trabalhos já mencionados, no ano de 1853 apareceu o quarto volume da História de Portugal. Entre 1853 e 1854 preparou a edição dos documentos medievais portugueses dos séculos XII e XIII, sob o título de Portugaliae Monumenta Historica. Em 1853 a sua História de Portugal recebe da Universidade um elogio oficial, de que foi relator o seu amigo Vicente Ferrer Neto Paiva. Em 1859 foi publicado o último volume da História da Inquisição (RODRÍGUEZ, [21--?], p. 6).

Após atuações marcantes dentro da sociedade portuguesa, Herculano foi tido

como referência nos cenários cultural e político, destacado como liderança civil. Casou-se

em 1866 e a partir do ano de 1867 modificou de forma significativa sua vida:

Em 1867 passou á dedicar-se à lavoura na quinta de Vale de Lobos, próximo de Santarém, abandonando, mas não cessando inteiramente as suas actividades de escritor e homem público. Morreu aqui em 1877, incompatibilizado com a Igreja (sem embargo de se declarar católico), mas rodeado de um prestígio como poucos homens terão tido em toda a nossa história (SARAIVA, 1972, p. 173).

Durante toda a sua vida Alexandre Herculano foi um doutrinador da prática

romântica em Portugal, ele lançou as bases fundamentais da literatura romântica e

histórica, fundamentando que a literatura deveria refletir a revolução política e social pela

qual passava a sociedade. Os intelectuais românticos do século XIX buscavam em tempos

passados, como na Idade Média, caracteres de identificação de sua nação, para Sobral

(1999) os intelectuais do século XIX retornavam à tempos mais antigos a fim de buscar

características mais genuínas para as suas aspirações do presente, esse artifício faz parte do

processo de busca de uma memória para uma coletividade. Recuperam-se não apenas

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temas que possam ser tratados nas narrativas literárias, mas também relembram-se locais,

documentos, edifícios e monumentos em geral que possam servir de referências às

memórias que guardam um passado grandioso e de feitos gloriosos, a citação abaixo

explica isso melhor:

A Idade média, durante a qual, em geral, as nações se haviam formado fornecia a historiadores e novelistas, dramaturgos e poetas, filólogos e etnógrafos, os costumes e tradições, a literatura e a arte, anónima espontaneidade – ou como tal julgada – e, de tudo isto, o que se preferia era o que tivesse carácter popular. Entendia-se que era o povo mais simples, como a natureza mais rústica, que conservavam mais viva a dedada do criador. Os artificialismos da cultura cobriam de sua fria cinza as formas em que era visível a divina dedada, e por isso se julgava sentir a esta menos apagada, quanto mais primitivas aquelas parecessem (CIDADE, 1985, p.172).

Alexandre Herculano aproximava a sua obra da Idade Média por conta de sua

característica anticlericalista; para Herculano a Igreja no tempo moderno estava com os

valores desvirtuados e era preciso ir em busca de um tempo onde os valores cristãos

fossem dotados de uma característica mais rústica. Não podemos deixar de destacar

também que, a integração da nação portuguesa, assim como, em outras Nações foi feita

através da reunião dos membros da comunidade nacional sobre uma única religião. E essa

integralização foi realizada através de uma forte junção entre Estado e Igreja Católica,

culminando em uma forte perseguição àqueles declarados judeus e mulçumanos, ou seja,

suprimiu-se uma parcela populacional e cultural importante para a formação do perfil

cultural de Portugal (CABRAL, 2003). Herculano enxergava na Idade Média uma junção

promissora entre a religião, a bravura e a honra dos cavaleiros, o século XIX necessitava

recorrer a um tempo onde se manifestava “actos de bravura e nobre desapego da vida,

tempo de heróis em terra nova de promessas a cumprir (NOGUEIRA, 1972, p. 184-185).

Para além da época [a Idade Média] em geral, as feições particulares que a compõe, como a instituição da cavalaria ou as manifestações rituais da fé cristã, estimulavam os espíritos românticos inquietos, como o de Herculano, constituindo-se muito rapidamente o medievalismo como um traço distintivo do sistema estético-literário do Romantismo (SANTOS, 2010, p. 38).

Para Melão (2003, p. 141), “o clima de instabilidade política que varreu a

Europa no século XIX bem como a progressiva industrialização das sociedades suscitou

uma nem sempre saudável nostalgia pelo retorno à épocas passadas”, por isso a ida à Idade

Média, através da literatura, proporcionou um apaziguamento com o tempo presente, pois

tornou possível uma melhor construção moral através do contato com valores medievais.

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Para Herculano, a principal característica da Idade Média residia na cavalaria.

Os cavaleiros praticavam as mais puras ações em nome da honra e da coragem, as atitudes

heróicas dos guerreiros deveriam servir de modelo para os portugueses que se encontravam

no tempo presente (no século XIX). Exemplificamos ao transportar a fala de Herculano ao

citar os cavaleiros: “eram estes guerreiros que faziam aqueles votos denodados, em

demanda de cuja execução muitas vezes perdiam a vida: eram estes que, discorrendo pelas

terras estrangeiras, aí deixavam perene memória de seus esforços feitos” (HERCULANO

apud MELÃO, 2003, p. 143).

Mais que a retomada de um período, os intelectuais do século XIX buscavam

uma melhor instrução dos membros da sociedade, fazendo com que eles compreendessem

as bases da formação da nação, com este objetivo produziam-se exaltações a favor de

personagens da história de Portugal e sobre fatos do passado, que representavam máximas

da cultura portuguesa. Santos (2010, p. 38-39) contribui novamente para um entendimento

claro das preocupações dos escritores românticos e ressalta-se entre eles Alexandre

Herculano.

A evocação de figuras, atitudes, feitos e acontecimentos mobilizada pelos medievalistas românticos no restauro dos tempos da fundação da pátria, para além de corresponder a uma voga literária que prolifera por toda a Europa, pretende concorrer para a educação dos leitores por via quer do amor às relíquias do passado, quer do fortalecimento dos vínculos da consciência nacional, quer ainda como projecto de dinamização cívica das novas gerações. Recupera-se pedagógica, pragmática e patrioticamente o passado, através de uma campanha desenvolvida nas publicações periodicas românticas, cujos objectivos eram educar o povo pela divulgação dos feitos gloriosos dos antepassados, manter a fidelidade aos valores da tradição cultural portuguesa, formar uma consciência colectiva estribando-a nos valores mais genuínos da história e da cultura nacionais.

Santos (2010) com esta citação nos faz pensar no destaque da figura do

novelista; para o autor, os escritores dos contos e novelas românticas e históricos possuem

uma habilidade maior de recontar os fatos pelos quais a nação passou. Herculano, por

exemplo, utiliza o passado para dar lições ao presente (MELÃO, 2003). Alexandre

Herculano (apud CHAVES, 1980) em outros escritos chama a atenção para fato de o

historiador está muito “preso” ao que escreve, tendo que evitar extrapolar fronteiras

estabelecidas pelo real, ele completa ainda que o romance histórico parece ter mais

histórias do que os escritos que são produzidos pelos historiadores. O novelista consegue

atingir as aspirações do homem comum e satisfazer as suas necessidades de conhecimento

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das raízes históricas de sua pátria. Em contrapartida o historiador atende às aspirações

oficiais do Estado.

O discurso literário é constituído por construções possíveis, o mundo ficcional

é formado pela tentativa de ser verossímil, enquanto o discurso histórico é formado por

tentativas de se reproduzir os fatos da maneira mais real possível, embasar os

acontecimentos através de fontes históricas que possam comprovar a sua veracidade

(CARVALHO, 1998). Maria Geralda de Miranda (2008, p. 1) destaca algo que torna essas

duas modalidades (a história e a ficção) comuns “que é o fato das duas formas de

composição discursiva serem elaboradas através da narrativa e se dirigirem a um leitor que

acaba estabelecendo um pacto com aquele que está fazendo o relato”. A autora prossegue

ao afirmar que: “o que se lê nos romances aqui abordados é também uma possível

‘verdade’, reelaborada pela ficção” (MIRANDA, 2008, p. 7). Essa citação traduz um dos

objetivos que pretende ser exposto no decorrer deste capítulo, o de que a literatura desde os

seus primórdios, mas principalmente desde o século XIX, vem configurando-se como um

grande parceiro do fazer historiográfico contribuindo para a formação da identidade

nacional e para a reinterpretação de fatos ocorridos. De maneira objetiva e direta a

construção literária romântica é mais relevante ao propósito de congregar a nação, pois

possui a função de “reconstituir o passado em ordem à regeneração do presente,

cumprindo, assim, entre outras, uma função pedagógica e exemplar” (NOGUEIRA, 1972,

p. 134-135). Santos (2010, p. 46) completa este pensamento a partir da citação:

Atestar a veracidade do exercício ficcional é uma constante em Herculano. O verossímil impõe-se, naturalmente, na obra de ficção pela própria natureza do mundo possível representado, pela sua coerência interna e pela sintaxe lógica do enredo. O que importa, realmente, é que o universo diegético se torne credível para o leitor; para o garantir, o autor tem de socorrer-se de dispositivos de veredicção, como a invenção/referência às fontes ou o apelo à antiguidade dos factos.

A forma histórica de escrever a literatura é uma tendência do século XIX, a

busca por fontes para embasar os escritos é resultado do Liberalismo que se preocupa com

as fontes nacionais e com a construção do método histórico (HOMEM, 2000). Além disso,

a literatura portuguesa do século XIX insere o saudosismo como elemento presente para

instigar a produção literária e construir o passado de maneira a fazer os leitores refletirem

sua própria cultura (SIQUEIRA; DEZIDÉRIO, 2012). Alexandre Herculano buscou no

passado encontrar passagens da história de Portugal que pudessem transmitir soluções

alternativas para os acontecimentos políticos de seu tempo presente. O autor apelava para

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os exemplos do passado a fim de conciliar a sociedade portuguesa do século XIX. Tais

exemplificações eram inseridas na literatura, que tinha como objetivo alcançar as mais

diversas camadas da sociedade. A utilização das informações históricas recolhidas unidas

ao discurso literário, promovidas por Alexandre Herculano, formavam o gênero histórico

literário romance histórico, tão difundido em Portugal por Herculano.

Mas para chegarmos à configuração sólida que o romance histórico alcançou no

século XIX muitas questões precisam ser tratadas, muitos elementos enunciados e muitos

pontos de semelhança entre História e Literatura discutidos.

Por exemplo, Jacques Leenhardt (1998) faz comentários pertinentes acerca do

binômio entre história e narrativa literária, e acaba explorando um lado fundamental desta

questão, dialogando incessantemente com Sandra Pesavento, que chega à conclusão de que

o resultado da atividade científica do historiador não é tanto enunciar fatos verdadeiros

quanto mostrar a sua, feitura como história e sua narratividade.3 A narratividade aqui

despertaria uma discussão necessária onde os historiadores a tomam como uma questão um

tanto quanto importante, pois a narrativa é que despertaria toda a noção de temporalidade,

seria o método pelo qual se articularia o passado. (ALBURQUERQUE JUNIOR, 2007).

Tão relevante quanto essa questão, é a proximidade entre história e literatura articulada por

Leenhardt (1998), que expressa que aquilo que torna essas disciplinas, de certa forma

parceiras, é a necessidade de despertar o sentimento de verossimilhança no leitor.

E os autores citados não são os únicos a defenderam sinais de aproximação entre a

escrita histórica e a escrita literária, basta observar a citação em destaque que vem a seguir:

“(...) a historiografia deve utilizar-se das variações e criatividades que podem ser

constatadas nos diversos níveis da narrativa literária. Desse modo, incorporaria no próprio

discurso o caráter inerente relativo a todo conhecimento sobre o passado” (SANTOS apud

MENDONÇA; ALVES, 2003, p.4).

Leenhardt ainda afirma que essas duas disciplinas, a história e a literatura, se

diferenciam apenas em seu método, pois possuem o mesmo objetivo. Nota-se que “Balzac

e Machado de Assis descreveram sua época, assim como Aluisio de Azevedo e Caio Prado

Jr. o fizeram” (LEENHARDT, 2003, p. 43). E acreditamos que Herculano representa a

3 Sobre o assunto ver: LEENHARDT, Jacques. A construção da identidade pessoal e social através da história e da literatura. In: LEENHARDT, Jacques; PESAVENTO, Sandra (org.). Discurso histórico e narrativa literária. Campinas: Ed. UNICAMP, 1998.

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história de Portugal através da literatura, assim como, qualquer historiador o fez, como

José Mattoso, por exemplo.

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3 A PERPETUAÇÃO DE HERÓIS NA OBRA DE ALEXANDRE HERCULANO

“Nenhum herói é épico por aquilo que faz, ele só se torna épico pelo modo de ser apresentado aquilo que

faz”. Flávio Kothe, 2000.

Durante o segundo capítulo será possível vislumbrar o uso da literatura como

meio de propagação do nacionalismo e como a literatura portuguesa do século XIX está

sendo usado como um agente que cria laços de identificação nacional. Neste capítulo são

usados três contos literários de Alexandre Herculano, O castelo de Faria, A morte do

Lidador e A abobada. Estes textos pertencem originalmente ao livro Lendas e Narrativas.

Sobre Lendas e Narrativas, um estudioso afirmava que a publicação servira para agrupar

textos escritos que não poderiam cair no esquecimento e que a obra era o primeiro passo

para a inserção de um gênero literário que dominava a Europa no século XIX, o romance

histórico (DURIGAN, 1982).

Escolhemos esses contos por eles tratarem em suas narrativas de

acontecimentos que se passam na Idade Média. Eles apresentam uma estrutura simples de

leitura e objetivam-se em difundir lendas sobre os heróis da história de Portugal. Sobral

(1999) já assinala que a busca pela perpetuação de heróis como modelo, é uma tendência

do século XIX, tais indivíduos representariam os desejos de consolidação das identidades

culturais, a exemplo, Vasco da Gama é eleito como um desbravador marítimo cujo atuação

rendeu o título, à nação portuguesa, de pioneira das grandes navegações, assim como

Cristovam Colombo é visto como herói pelos espanhóis.

Alexandre Herculano resgatou heróis de tempos passados, aproveitou-se de

indivíduos que cometeram atos de bravura durante a gênese da nação portuguesa e os

utilizou para tecer exemplos de hombridade e caráter que deveriam ser seguidos por seus

contemporâneos. O objetivo de nosso autor era o de espelhar no presente a verdade

histórica que ele conseguiu detectar ao se debruçar sobre os documentos históricos da

Idade Média portuguesa.

A história servia, na proposta de Herculano, para a refundação da Nação que, dada a sua decadência, precisava se regenerar. Justamente no pensamento romântico, a especificidade nacional remontava às origens, fundamento e raiz da sua verdadeira essência. Logo, esse percurso desembocava na valorização da

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Idade Média, tempo de gestação das línguas nacionais e dos povos modernos (COELHO, 2011, p. 64).

A citação acima traduz a característica intelectual de Herculano. Este autor

fundamentou minuciosamente seu trabalho, já que a valorização nacional era uma

característica do romantismo, e tal valoração do patrimônio nacional não poderia ser feito

exclusivamente através de textos elaborados exclusivamente a partir da ficção.

A citação que inicia este capítulo indica algo constatado nos contos de

Alexandre Herculano que foram analisados. Como vai ser possível notar ao ler as demais

partes deste capítulo, produziram-se relatos “emocionados” de personalidades verídicas da

história portuguesa. De fato não há como constatar a veracidade dos relatos produzidos por

Alexandre Herculano; é verdade que a maior parte dos escritos foram inspirados em

crônicas produzidas na Idade Média, como poderá ser constatado à medida que o leitor

avança as páginas da dissertação, contudo não há como garantir que as palavras escolhidas

pelos cronistas não foram tão sabiamente selecionadas quanto as de Herculano.

3.1 Mestre Afonso Domingues e o Mosteiro da Batalha

Este conto de Alexandre Herculano é considerado como uma das obras de

melhor personificação estética produzida pelo autor português, fruto do trabalho de

introduzir a literatura romântica e histórica em Portugal (CHAVES, 1980). Essa narrativa

se passa no ano de 1401 sob o reinado de D. João I, que foi o décimo rei da história de

Portugal; era filho de D. Pedro I e de Teresa Lourenço, ou seja, era meio-irmão de D.

Fernando. Nasceu no dia 11 de abril de 1357, em Lisboa e foi entregue aos cuidados do

mestre da Ordem de Cristo. Aos seis anos assume o mestrado de Avis e se coloca à frente

de diversos acontecimentos que se sucedem no reino, é eleito como defensor do reinado

em detrimento à posição de D. Leonor Teles como regente, após a morte D. Fernando em

1383. É aclamado como rei no ano de 1385 e fica no poder até o ano de 1433, foi sepultado

no Mosteiro da Batalha (GODINHO, 2005).

A construção do “convento de Santa Maria da Vitória, vulgarmente chamado a

Batalha” (HERCULANO, 1956, p. 161) é o acontecimento mais importante deste conto,

toda a trama gira entorno da edificação do mesmo. Como foi ressaltado anteriormente, esse

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conto se passa em 1401, havia se passado 15 anos, desde o início da edificação do

Mosteiro da Batalha em 1386. O desejo de conceber este mosteiro foi do rei D. João I, que

almejava agradecer pela vitória alcançada na Batalha de Aljubarrota. A referida batalha foi

um confronto belicoso entre portugueses e castelhanos. O trono português estava em jogo e

no dia 14 de agosto de 1385, véspera do dia da Assunção de Nossa Senhora, o infante D.

João fez a promessa de que se saísse vitorioso mandaria edificar um convento em

homenagem a Nossa Senhora (PORTUGAL, [21--].). Como prometido, a edificação foi

iniciada e o seu comando foi delegado ao mestre Afonso Domingues.

Antes de retratarmos Afonso Domingues, ressaltamos a forma como no início

da narrativa é apresentado o cenário da região da Quinta do Pinhal, onde se iniciou a

edificação do Mosteiro da Batalha. O autor descreve a região ao afirmar que “os campos,

cobertos aqui de relva, acolá de searas, que cresciam a olhos vistos com o calor benéfico

do sol verdejavam ao longe, ricos de futuro para o pregureiro e para o lavrador”

(HERCULANO, 1956, p. 159), acaba ressaltando a característica nacionalista e patriótica

do romantismo. Herculano descreve territórios destacando suas características mais

benéficas; neste e em nenhum dos outros contos analisados nos demais capítulos

encontramos passagens que denigram o território da península ibérica.

Apesar de encontrarmos, ao decorrer do conto, passagens que façam

referências às paisagens, à população e à cultura popular, o objetivo de Alexandre

Herculano era transmitir os valores do povo português, fazendo com que os

contemporâneos de seu tempo pudessem espalhar tais valores e ajudar Portugal a superar

as crises que por ventura encontrasse (SANTOS, 2006).

À respeito do herói de referência deste conto, podemos afirmar que a

personagem de Afonso Domingues pode ser classificada como protagonista desta história.

“D. João I encarregou Afonso Domingues de elaborar a planta e dirigir a execução da obra

do Mosteiro de Santa Maria da Vitória” (ALHO, 2008, p.50).

Mestre Afonso Domingues foi o primeiro arquitecto do Mosteiro de Santa Maria da Vitória, segundo um documento de 1402. Não se sabe, com certeza, onde nasceu, no entanto parece ter sido em Lisboa, tendo sido baptizado na freguesia da Madalena e tendo morado ou possuído algumas casas junto à Porta do ferro, que lhe haviam sido doadas por D. João I. [...] Trata-se de um arquitecto arcaizante nas soluções espaciais que adopta, também o é no tipo de recorte das molduras das ogivas, sempre de secção quadrangular, nos capitéis de folhagens relevadas (GRANDE enciclopédia Portuguesa e Brasileira, 1978, p. 414).

A narrativa do conto prossegue ao apresentar o mestre Afonso Domingues em

seus últimos dias, em avançada idade e vítima da cegueira que havia o acometido. Segundo

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a escrita de Herculano (1956, p.165), o próprio Afonso Domingues se descreve de maneira

deprimente ao dizer que “Afonso Domingues é apenas uma sombra de homem, um troço

de capitel partido e abandonado no pó das encruzilhadas, um velho tonto, de quem já

ninguém faz acaso”. Em sua primeira aparição o velho arquiteto estava conversando com

Frei Lourenço Lampreia e Frei Joane, este primeiro foi confessor do rei D. João I. Ambos

eram membros da ordem dos dominicanos, o mosteiro fora doado a título perpétuo para os

dominicanos e Frei Lourenço Lampreia foi o responsável direto pelo Mosteiro da Batalha

(PORTUGAL, [21--]).

Durante o curso da conversa com os religiosos, Afonso Domingues apresenta

os fatos mais relevantes da história da construção do convento. Esse exercício de escrita

feito por Herculano irá exaltar os caracteres da nação portuguesa expressados na

arquitetura que prevaleceu e no percurso de edificação do Mosteiro da Batalha.

- “Pois sabei, reverendo padre – prosseguiu o arquitecto, atalhando o ímpeto erudito do prior – que este mosteiro que se ergue diante de nós era a minha Divina Comédia4, o cântico da minha alma: concebi-o eu; viveu comigo largos anos, em sonhos e em vigília: cada coluna, cada mainel, cada fresta, cada arco era uma página de canção imensa; mas canção que cumpria se escrevesse em mármore, porque só o mármore era digno dela. Os milhares de lavores que tracei em meu desenho eram milhares de versos; e porque ceguei arrancaram-me das mãos o livro, e nas páginas em branco mandaram escrever um estrangeiro! Loucos! Se os olhos corporais estavam mortos, não o estavam o do espírito. O estranho a quem deram meu cargo não me entendia, e ainda hoje estes dedos descobriram nessa pedra que o meu alento não o bafejara. Que direito tinha o Mestre d’Avis [D. João I] para sulcar com um golpe do seu montante a face de um arcanjo que eu criara? Que direito tinha para me espremer o coração debaixo dos seus sapatos de ferro! Dava-lho o ouro que tem despendido? O ouro!... Não! O Mestre d’Avis sabe que o ouro é vil; só é nobre e puro o génio do homem. Enganaram-no: vassalos houve em Portugal que enganaram seu rei! Este edifício era meu; porque o gerei; porque o alimentei com a substância da minha alma; porque necessitava de me converter todo nestas pedras, pouco a pouco, e de deixar, morrendo, o meu nome a sussurrar perpèrtuamente por essas colunas e por baixo dessas arcarias. E roubaram-me o filho da minha imaginação, dando-me uma tença!...Com uma tença paga-se a glória e a imortalidade? Agradeço-vos, senhor rei, a mercê!... Sois em verdade generoso...mas o nome de Mestre Ouguet enredar-se-á no meu ou, talvez, sumirá este no brilho de sua fama metida...” (HERCULANO, 1956, p. 167-168).

É colocado um dos acontecimentos de maior valia, ocorrido durante a

construção do Mosteiro da Batalha. Por conta da perda de visão do mestre Afonso

Domingues, os conselheiros do rei D. João I convencem o infante português de que seria

mais prudente a substituição do arquiteto por uma pessoa que se apresentasse em melhores

condições para trabalhar. O rei acata as sugestões de seus conselheiros, dispensando

4 Faz referência ao poema épico de Dante Alighieri.

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Afonso Domingues e substituindo-o por mestre David Ouguet, um irlandês. Tal decisão

causa um profundo descontentamento ao arquiteto português, como pode ser notado no

texto produzido por Alexandre Herculano. Nas falas de Afonso Domingues não seria

sensato confiar o seu projeto arquitetônico a um estrangeiro.

Não é este edifício obra de reis, ainda que por um rei me fosse encomendado seu desenho e edificação. Mas nacional, mas popular, mas da gente portuguesa, que disse: não seremos servos do estrangeiro e que provou seu dito. Mestre Ouguet, escolar na sociedade dos irmãos obreiros, trabalhou nas sés de Inglaterra, de França e de Alemanha, e aí subiu ao grau de mestre; mas a sua alma não é aquecida à luz do amor da pátria; nem, que o fosse, é para ele pátria esta terra portuguesa (HERCULANO, 1956, p. 169).

Segundo Alho (2008), as características arquitetônicas de Afonso Domingues e

Ouguet diferiam entre si. O arquiteto Afonso Domingues possuía uma tendência nacional,

por conta do período do gótico final, onde o regionalismo era mais acentuado, enquanto

David Ouguet possuía uma tendência aos estrangeirismos; autores falam que Mestre

Ouguet assumiu o projeto do Mosteiro da Batalha e inseriu técnicas ao modelo das

“construções inglesas”. Nas entrelinhas deste conto Alexandre Herculano descreve uma

seria crítica à inserção de estrangeirismos aos bens portugueses. Notamos que o autor

coloca a importância de se valorizar os bens nacionais, em detrimento às influências que

chegam de outros países; no conto o centro principal desta crítica faz referência à

arquitetura.

Uma importante parte do projeto de Afonso Domingues é destaque neste conto

nacional português. Trata-se da construção da abóbada da sala do capítulo5 do mosteiro. O

projeto inicial previa uma suntuosa abóbada mais achatada que aquelas que são

comumente construídas, porém ao assumir o projeto, Mestre Ouguet decide modificar a

planta inicial, julgando que aquela abóbada destoava dos diversos projetos que ele já havia

participado, e que não seria possível concretizá-la. O infante D. João I pergunta se o

arquiteto Afonso Domingues havia sido consultado sobre a alteração da edificação da

abóbada, em um tom ríspido, segundo a narrativa de Herculano (1956), David Ouguet

respondeu que por conta da cegueira ninguém mais cobraria Domingues a provar a

viabilidade de seus projetos. Em um trecho da narração é colocada uma resposta que refuta

o pensamento de David Ouguet, e Alexandre Herculano mais uma vez privilegia as

criações nacionais em detrimento dos estrangeirismos.

5 Termo utilizado para designar sala que servia para reunião de religiosos com o objetivo de discutir os capítulos da vida monástica.

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“Mestre Ouguet – acudiu El-rei, com aspecto severo – lembrai-vos de que Afonso Domingues é o maior arquitecto português. Não entendo de vossas distinções de ciência e de engenho: sei só que o desenho de Santa Maria da Vitória causa assombro a vossos próprios naturais, que se gabam de ter no seu país os mais afamados edifícios do mundo: e esse Mestre Afonso, de quem vós falai com pouco respeito, foi o primeiro arquitecto da obra que a vosso cargo está hoje” (HERCULANO, 1956, p. 176).

Segundo a construção literária de Alexandre Herculano, Mestre Ouguet

apresentava colocações rudes e pretensiosas. Contudo, autores como Almeida (2002)

colocam que Ouguet prosseguiu com o mesmo estilo arquitetônico deixado por Mestre

Afonso Domingues, apenas adaptando-o para o gosto flamejante, que designava a fase

final do estilo gótico na França. Podemos deduzir que ao realçar essas características

desafetuosas de Mestre Ouguet não servem apenas para caracterizar o irlandês, mas sim,

que em uma observação mais ampla Alexandre Herculano desejava transmitir que o

português era mais habilidoso e prudente que qualquer outro estrangeiro.

Apesar da repreensão do infante português, o conto prossegue com a cena em

que o rei D. João I olha a abóbada pela primeira vez. O rei de Portugal fica impressionado

com a obra que foi concebida, apenas lamentou que não houvesse luz do sol para melhor

apreciar a abóbada, segundo Alexandre Herculano. Posteriormente ao se encontrar sozinho

na sala do capítulo, Mestre David Ouguet demonstra novamente sua falta de humildade ao

dizer: “Pobres ignorantes! Que seria o vosso Portugal sem estrangeiros, senão um país

sáfaro e inculto” (HERCULANO, 1956, p. 177)? Contudo, o mestre irlandês é

surpreendido ao notar que a abóbada que havia planejado começava a ruir sob sua cabeça.

De fato, segundo o conto, a abóbada caiu enquanto o rei estava assistindo o auto de natal,

causando grande espanto a ele e a Frei Lourenço.

A partir dessa situação, o enredo de A abóbada vai apresentar suas maiores

contribuições para o discurso nacionalista produzido por Alexandre Herculano. Diante da

queda da abóbada do capítulo, D. João I, Frei Lourenço e Frei Joane discutem em busca de

uma solução para o acontecimento, afinal o marco principal do Mosteiro da Batalha havia

desabado apenas 24 horas após o seu término.

O infante D. João I não conseguia encontrar uma solução mais prudente do que

ouvir o Mestre Afonso Domingues. Como responsável pelo projeto original do Mosteiro da

Batalha o arquiteto poderia contribuir para a reconstrução da abóbada, seu projeto não era

convencional, sua abóbada era mais baixa do que as que já haviam sido construídas, mas se

Domingues confiava tanto em sua planta, o rei poderia restituí-lhe o cargo e acreditar “que

mais vale o cego que o limpo de vista” (HERCULANO, 1956, p. 194).

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Herculano (1956) constrói um encontro honroso entre o infante de Portugal e o

Mestre Afonso Domingues; o rei pede ao arquiteto que reassuma os trabalhos como mestre

da construção do Mosteiro de Santa Maria da Vitória, porém é surpreendido com a recusa

de Domingues que se mostrava rancoroso com o afastamento inicial desse cargo, por conta

da intromissão dos conselheiros reais. O rei de Portugal insiste agraciando o arquiteto com

o pedido de desculpas, onde ressalta as qualidades de cavaleiro de Afonso Domingues, que

o ajudou a subir no trono português ao vencer a batalha Aljubarrota.

“(...). Eia, pois: se não perdoais a D. João I uma suposta afronta, perdoi-a ao mestre d’Avis, ao vosso antigo capitão, que, em nome da gente portuguesa, vos cita para o tribunal da posteridade, se refusais consagrar outra vez à pátria o vosso maravilhoso engenho, e que vos abraça, como antigo irmão nos combates, porque, certo, crê que não querereis perder na vossa velhice o nome de bom e honrado português” (HERCULANO, 1956, p. 198).

Diante das palavras do rei, Afonso Domingues aceita a posição que lhe foi

oferecida e promete terminar a construção da abóbada nos próximos quatro meses do ano

de 1401. Herculano demonstra nessa passagem que Mestre Afonso Domingues antes de ser

um arquiteto era um cavaleiro. O autor faz a ligação entre as características de honra,

bravura, coragem e comprometimento de Afonso Domingues, ao fato, de o mesmo ser um

cavaleiro; lembramos que a escolha de Alexandre Herculano em retornar à Idade Média

em seus contos se deve ao fato do autor acreditar nos sentimentos de honradez dos

cavaleiros medievais.

A mensagem maior que Alexandre Herculano passa a seus leitores é a da superioridade do povo português sobre os outros povos, pois, no final de seu conto, a obra executada pelo estrangeiro não resiste e desaba, tendo o rei que se curvar diante da superioridade do arquiteto português, para que este, agora reconhecido, termine o que havia começado (SANTOS, 2006, p. 69).

A promessa de Mestre Afonso Domingues em construir a abóbada nos

seguintes meses é cumprida; no entanto com a conclusão da abóbada Mestre Afonso

Domingues faz um juramento em que promete não comer nem beber durante os três dias

que permanecerá em baixo da abóbada a fim de provar a sua solidez. Herculano cristaliza a

imagem de Afonso Domingues que em sua greve de fome acaba morrendo, mas adquire o

respeito de muitos portugueses inclusive de Mestre David Ouguet, que reconhece as

habilidades perdidas com a morte do arquiteto Afonso Domingues.

Alexandre Herculano tentou disseminar entre os portugueses os valores

nacionais. A obra de um arquiteto velho e cego, contudo português era mais nobre que a de

um arquiteto estrangeiro. “Há aqui não só uma defesa do talento do homem português, mas

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também dos monumentos nacionais, o que evidencia um apelo do escritor aos elementos

constituidores da identidade nacional” (BORGES, 2011, p. 4).

Alexandre Herculano cumpre os seus objetivos em exaltar as obras

genuinamente construídas com as mãos e o suor de portugueses. Pois o século XIX em

Portugal é marcado pela constante presença de estrangeiros; a forte influência inglesa na

economia de Portugal, a migração da família real para o Brasil a pedido da Inglaterra e a

invasão francesa entre os anos de 1808 a 1815 ilustram essa questão. A adoção de diversas

discussões ligadas ao estrangeirismo em A abóbada marca a militância contra esse

fenômeno na Portugal oitocentista.

3.2 Nuno Gonçalves e Gonçalo Nunes: heróis da história de Portugal

O conto O Castelo de Faria integrou o primeiro volume de Lendas e

Narrativas, de Alexandre Herculano, esta obra literária foi inspirada nas crônicas reais de

Fernão Lopes. Herculano aproveitou-se significativamente dos escritos de Lopes, copiando

quase que integralmente o texto original que trata do cerco do castelo de Faria.

O Castelo de Faria trata de acontecimentos do século XIV, acontecimentos do

ano de 1373 para ser mais fidedigno. Herculano (1956) escreve sua prosa colocando o

edifício do Castelo de Faria no primeiro plano da narrativa, tal castelo se encontra a uma

breve distância da vila de Barcelos e o mesmo oferece uma bela visão da província de

Entre-Douro-e-Minho, onde está localizado.

É relevante o destaque às belezas naturais do território português. A narrativa

descreve positivamente a paisagem, como podemos observar na citação que segue:

Sentem-se ali o murmurar das águas e a bafagem suave do vento, harmonia da natureza, que quebra o silêncio daquela solidão, a qual, para nos servirmos de uma expressão de Fr. Bernardo de Brito, com a saudade de seus horizontes parece encaminhar e chamar o espírito à contemplação das coisas celestes (HERCULANO, 1956, p. 149).

Esta citação descreve a paisagem na qual o castelo de Faria está inserido,

Herculano está interessado em destacar a calmaria pela qual passa o castelo, pois o mesmo

havia transitado do status de um local que antes vibrava em meio às batalhas para se

transformar em um convento de Franciscanos. O objetivo era mostrar o passado histórico

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que engrandeceu a região, essa é uma característica do romantismo histórico do período,

que busca o retorno a tempos imemoriáveis que engrandecem a coragem e feitos baseados,

quase que exclusivamente, na honra e nos princípios mais puros. “Através da história

conhece-se o passado, entende-se o presente e capacita-se para a transformação do futuro”

(MIRÂNDOLA; COSTA, 2003, p. 129).

Alexandre Herculano demonstra suas características como um romântico; neste

conto o autor valorizou o passado, sem se esquecer de privilegiar a paisagem local,

mostrando as qualidades e grandezas de sua nação que foram se apagando aos poucos, com

o passar do tempo (SANTOS, 2006).

O Castelo de Faria está localizado na base de um monte, cuja descrição tem o

mesmo objetivo de ressaltar o contraste entre o cenário de batalhas que podia ser

observado no século XIV e a calma que se sente no século XIX, quando o conto foi escrito.

Este monte, ora ermo, silencioso e esquecido, já se viu regado de sangue: já sobre ele se ouviram gritos de combatentes, ânsias de moribundos, estridor de habitações incendiadas, sibilar de setas e estrondo de máquinas de guerra. Claros sinais de que ali viveram homens: porque é com estas balizas que eles costumam deixar assinalados os sítios que escolheram para habitar na terra (HERCULANO, 1956, p. 149).

Busca-se colocar que a região onde está o castelo de Faria era um centro de

referência às características da origem do povo português. A coragem e o espírito guerreiro

fazem parte da gênese das pessoas que habitam esse território. Ao lermos essa passagem,

podemos notar o anticlericalismo difundido na obra de Alexandre Herculano, afinal, ele

não dissocia essa aparente apatia pela qual passa essa região do fato de ela abrigar um

convento na posteridade.

O anticlericalismo era um pensamento recorrente aos intelectuais do século

XIX, essa reação contra o clero era vista como parte integrante do pensamento cientifico e

liberal, enquanto a igreja era classificada como parte integrante de um pensamento

anacrônico às idéias que circulavam naquela sociedade, o anticlericalismo se perpetuou em

Portugal, e criou bases bastante solidificadas, as recorrentes desavenças entre reis e a

Igreja, a atuação rígida da Inquisição, o embate de Pombal6 contra os jesuítas levaram à

6 Sebastião José de Carvalho e Melo, conhecido como Marquês de Pombal, foi um dos grandes representantes do despotismo esclarecido em Portugal, aproximando-se das idéias Iluminista que indicava aos intelectuais um pensamento pautado na razão e na ciência em contrapartida ao pensamento religioso. “Dentre os muitos inimigos que a Companhia de Jesus teve ao longo dos três séculos de sua existência em Portugal, o Marquês de Pombal foi o mais implacável a ponto de conseguir sua expulsão, primeiro dos territórios portugueses, em 1759 e, depois de toda a cristandade, em 1773, por ordem do papa Clemente XIV (COSTA, 2011, p. 69).

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incitação e ao amadurecimento das idéias de criação, no século XIX, de diversos clubes

Liberais, comissões antijesuítas (1889, 1894), a Liga Liberal (1900), Associação Liberal de

Coimbra (década de 70 do século XIX), com o fim de atuar ativamente contra o

clericalismo (CATROGA, 1988). A existência e o confronto das duas formas de pensar,

uma científica e uma religiosa, não impediram a ampla disseminação da obra de

Herculano, tudo por conta de sua preocupação com as diversidades individuais (SANTOS

2010).

Serviram os fragmentos do castelo de Faria para se construir um convento edificado ao sopé do monte. Assim se converteram em dormitórios as salas de armas, as ameias das torres em bordas de sepulturas, os umbrais das balhesteiras e postigos em janelas claustrais. O ruído dos combates calou no alto do monte, e nas faldas dele alevantaram-se a harmonia dos salmos e o sussurro das orações. Este antigo castelo tinha recordações de glória. Os nossos maiores, porém, curavam mais de praticar façanhas do que de conservar os monumentos delas. Deixaram, por isso, sem remorsos, sumir nas paredes de um claustro pedras que foram testemunhas de um dos mais heróicos feitos de corações portugueses (HERCULANO, 1956, p. 150).

A citação anterior termina afirmando que os “claustros de pedra foram

testemunhas de um dos mais heróicos feitos de corações portugueses”, essa é a ponte de

ligação para a inserção da narração sobre um acontecimento registrado pela historiografia

portuguesa, a da resistência do castelo à tentativa de assalto feita pelo reino de Castela que

possuía como refém o alcaide (governador do castelo) de Faria. Herculano (1956) situa o

leitor quanto ao amplo cenário que serve de fundo à batalha do castelo de Faria.

Reinava entre nós D. Fernando. Este príncipe, que tanto degenerava de seus antepassados em valor e prudência, fora obrigado a fazer paz com os castelhanos, depois de uma guerra infeliz, intentada sem justificados motivos, e em que se esgotaram inteiramente os tesouros do Estado. A condição principal, com que se pôs termo a esta luta desastrosa, foi que D. Fernando casasse com a filha del-rei de Castela: mas, brevemente, a guerra se acendeu de novo; porque D. Fernando, namorado de D. Leonor Teles, sem lhe importar o contrato de que dependia o repouso dos seus vassalos, a recebeu por mulher, com afronta da princesa castelhana. Resolveu-se o pai a tomar vingança da injúria, ao que o aconselhavam ainda outros motivos. Entrou em Portugal com um exército e, recusando D. Fernando aceitar-lhe batalha, veio sobre Lisboa e cercou-a. Não sendo o nosso propósito narrar os sucessos desse sítio, volveremos o fio do discurso para o que sucedeu no Minho (HERCULANO, 1956 p. 151).

Cidade (1985) destaca que em certos momentos D. Fernando arrependia-se de

suas decisões com relação a D. Leonor Teles e que por certas vezes lastimava-se por não

possuir conselheiros severos o suficiente, como possuía seu avô D. Afonso IV, que recebia

encorajamentos a reinar melhor pelo povo em detrimento de ameaças de substituição.

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Na província do Entre-Douro-e-Minho, nas imediações de Barcelos, as forças

castelhanas encontraram a resistência organizada por D. Henrique Manuel, “conde de Ceia

e tio del-rei D. Fernando” (HERCULANO, 1956, p. 151). D. Henrique conseguiu reunir

uma quantidade significativa de pessoas que entraram em luta contra os castelhanos, tal

força não foi suficiente para fazer o reino de Castela recuar e muitos portugueses caíram

como prisioneiros, entre eles Nuno Gonçalves, o alcaide-mor do castelo de Faria. A

preocupação com o castelo de Faria tomou conta de Nuno Gonçalves que faria de tudo

para não deixar o castelo cair nas mãos do reino de Castela:

Saíra este [Nuno Gonçalves] com alguns soldados para socorrer o conde de Ceia, vindo, assim, a ser companheiro na comum desgraça. Cativo, o valoroso alcaide pensava em como salvaria o castelo del-rei seu senhor das mãos dos inimigos. Governava-o em sua ausência, um seu filho, e era de crer, vendo o pai em ferros, de bom grado desse a fortaleza para o libertar, muito mais quando os meios de defensão escasseavam (HERCULANO, 1956, p. 152).

Temendo que os fatos se desenrolassem dessa maneira, convenceu os

castelhanos a levarem-no aos muros do castelo de Faria com a desculpa que iria convencer

seu filho, Gonçalo Nunes, a entregar o castelo sem resistência, mas tudo fazia parte de um

plano arriscado que tinha como objetivo justamente o contrário. Nuno Gonçalves

aconselhou o filho:

- “Sabes tu, Gonçalo Nunes, de quem é esse castelo, que, segundo o regimento de guerra, entreguei à tua guarda quando vim em socorro e ajuda do esforçado conde de Ceia?”

- “É – respondeu Gonçalo Nunes – de nosso rei e senhor D. Fernando de Portugal, a quem por ele fizeste preito e a mensagem.”

- “Sabes tu, Gonçalo Nunes, que o dever de um alcaide é de nunca entregar, por nenhum caso, o seu castelo a inimigos, embora fique enterrado debaixo das ruínas dele?”

- “Sei, oh meu pai! – prosseguiu Gonçalo Nunes em voz baixa, para não ser ouvido pelos castelhanos, que começavam a murmurar. – Mas não vês que a tua morte é certa, se os inimigos percebem que me aconselhaste a resistência?”

Nuno Gonçalves, como se não tivera ouvido as reflexões do filho, clamou então: - “Pois se o sabes, cumpre o teu dever, alcaide do castelo de Faria! Maldito por mim, sepultado sejas tu no inferno, como Judas o traidor, na hora em que os que me cercam entrarem nesse castelo, sem tropeçarem no teu cadáver.”

- “Morra! – gritou o almocadem castelhano – morra o que nos atraiçoou.” – E Nuno Gonçalves caiu no chão atravessado de muitas espadas e lanças.

- “Defende-te, alcaide!” – foram as últimas palavras que ele murmurou (HERCULANO, 1956, p. 153-154).

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A atitude de Nuno Gonçalves serve de modelo a um desempenho envolto de

mais coragem e resistência de Gonçalo Nunes e de todos os outros que estavam envolvidos

na proteção do castelo de Faria. “Características também de doutrina da ordem da cavalaria

são percebidas no conto O Castelo de Faria, quando Nuno Gonçalves encontra a morte

defendendo o castelo de seu rei, D. Fernando de Portugal (SANTOS, 2006, p. 9). A

proteção dos limites do castelo não foi uma tarefa fácil, no primeiro dia as defesas ficaram

fragilizadas, e muitos cidadãos que se refugiaram nos limites do castelo perderam a vida.

No primeiro dia de combate o terreiro da barbaça ficou alastrado de cadáveres tisnados e colonos e ramos reduzidos a cinzas. Um soldado de Pedro Rodrígues Sarmento tinha sacudido com a ponta de sua longa chuça um colmeiro incendiado para dentro da cerca; o vento suão soprava nesse dia com violência, e em breve os habitantes da povoação, que haviam buscado o amparo do castelo, pereceram juntamente com suas frágeis moradas (HERCULANO, 1956, p. 154-155).

Porém, as palavras de Nuno Gonçalves atormentavam o filho que estava

disposto a entregar a vida em troca da proteção do castelo. “O moço alcaide defendia-se

como um leão, e o exército castelhano foi constrangido a levantar o cerco”

(HERCULANO, 1956, p. 155). A coragem e a não desistência de Gonçalo Nunes ficaram

eternizadas na memória coletiva das pessoas que assumiram essas características como

herança para as suas próprias personalidades.

Essa prosa se encerra mostrando que Gonçalo Nunes trocou a cota de malha de

cavaleiro por um hábito religioso, mas Herculano deixa claro que, para a perpetuação da

glória e da coragem do alcaide, o trabalho dos historiadores foi fundamental.

A narrativa de Alexandre Herculano é fruto de um dos fragmentos das crônicas

sobre a vida de Don Fernando, rei de Portugal, escritas por Fernão Lopes, que era cronista

da Torre do Tombo em pleno século XV. Fernão Lopes ocupou-se do cargo de guardador-

mor da Torre do Tombo desde 1434, quando D. Duarte ascendeu à posição de rei e

encarregou-o de escrever as crônicas reais, “escrevendo de certo, além de outras crónicas,

as de D. Pedro I, D. Fernando e parte da de D. João I” (CIDADE, 1985, p. 33).

Mirândola e Costa (2003) fazem uma junção dos relatos de Fernão Lopes e

Alexandre Herculano, unindo-os pelo compromisso com a verossimilhança e pela

nacionalidade que ambos desejavam transmitir ao escrever. Herculano uniu em sua obra

literária a história e a literatura fazendo uma ponte entre as duas, que marca o desejo pela

perpetuação da história de Portugal. Mirândola e Costa (2003, p. 126-127) resumem a

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atuação de Herculano como literato e historiador o que faz a prosa sobre o castelo de Faria

valoroso como aquele que poderia ser produzido por um historiador:

Alexandre Herculano, além de historiador, poeta e ficcionista dos mais competentes. Vida marcada por intensa participação política. Sentiu-se no sangue a invasão francesa a Portugal, a luta pela expulsão destes, a invasão dos ingleses e a luta pelo liberalismo. Em consequência dessas lutas é obrigado a exilar-se na França. Sua obra espelha a sua vida. Vida e obra caracterizada pela intensa pesquisa histórica, empenhando-se em construir histórias que conciliam o histórico e o imaginário. O recurso ao histórico expressa a tendência romântica para a valorização do medievalismo e do espírito de nacionalidade. Prevalece, no entanto sempre o pensador, o intelectual sobre o sensitivo, o inventado. Daí o seu entrosamento maior com a historiografia. Para realçar ainda mais suas predileções insere-se, como escritor, numa época em que a volta ao passado é de grande valor. História e Literatura confundem-se, numa perfeita integração.

Ao transformar narrativas históricas em prosas literárias, Alexandre Herculano

as torna mais acessíveis e populares o que faz com que elas sejam absorvidas mais

rapidamente e difundam com maior eficácia o nacionalismo que Herculano tanto deseja

empregar aos portugueses. Os acontecimentos ligados à guerra pretendem levar os

portugueses à reflexão, fazer com que eles lembrem que já se uniram contra um inimigo

comum, que sofreram perante as adversidades, as jogadas ardilosas do inimigo, mas que

saíram vitoriosos, como heróis. Herculano (apud MARINHO, 1992, p. 98) exalta também

o trabalho do literato em detrimento ao historiador, ressaltando que o literato possui uma

visão a mais e podemos completar ainda dizendo que o mesmo possui uma liberdade de

criação maior que a do historiador.

Quando o caracter dos indivíduos ou das nações é suficientemente conhecido, quando os monumentos e as tradições, e as chronicas desenharam esse caracter com pincel firme, o genio do povo que passou pelo do povo que passa. Então de um dicto, ou de muitos dictos elle deduz um pensamento ou muitos pensamentos, não reduzidos á lembrança positiva, não traduzimos, até materialmente; de um facto ou de muitos factos deduz um affecto ou muitos affectos, que se não revelaram. Esta é a história íntima dos homens que já não são: esta é a novella do passado. Quem sabe fazer isso chama-se Scott, Hugo, ou De Vigny, e vale mais, e conta mais verdades, que boa meia dúzia de historiadores.

Alexandre Herculano apela para um saudosismo latente, esse sentimento

funciona muito bem, apesar de boa parte daqueles que escutam a história sobre o castelo de

Faria não possuírem muitos conhecimentos sobre o período que é relatado. Isso nunca foi

empecilho para esse modelo de construção literária, é mais fácil notar isso ao lermos as

diversas obras nascidas do romantismo histórico, porque fazem uma viagem às Idades

Antiga e Média em busca das origens de um determinado grupo nacional.

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Marinho (1992) coloca duas afirmações que são do nosso interesse. Na

primeira a autora destaca a importante diferenciação entre os escritores e os historiadores,

suas características se dissociam quando falamos de verdade e de verossimilhança. Os

historiadores estão interessados na verdade, registrar aquilo que pode ser comprovado

através dos documentos oficiais. Contudo, os escritores estão interessados na

verossimilhança, na tentativa de criar um texto mais próximo da verdade possível, às vezes

a verdade não é alcançada, mas o importante é que houve a tentativa de alcançá-la. E no

decorrer da construção nacional o verossímil acaba atraindo mais para a criação de “lendas

da pátria” (p. 99) do que a verdade.

A segunda proposição fala de uma característica literária muito relevante, a de

que o romantismo necessitou da veracidade para a construção dos seus textos. Os

intelectuais do oitocentos, como Herculano, Scott e Hugo, se inspiraram em textos

históricos previamente escritos para comporem seus contos, prosas ou romances.

“Alexandre Herculano leva esta preocupação ao exagero quando, em muitos textos de

Lendas e Narrativas, se limita quase a transcrever, em linguagem moderna os textos das

antigas crónicas” (MARINHO, 1992, p. 100). O castelo de Faria é um importante exemplo

disso se nos lembrarmos que o mesmo é inspirado no livro de crônicas de Fernão Lopes, o

qual é considerado por Cidade (1985) o primeiro escritor português a colocar em prática o

conceito de nação em suas prosas.

O Castelo de Faria, assim como, outros contos de Herculano, demonstra o

fascínio do autor pela Idade Média. Foram ressaltadas as qualidades cavaleirescas de Nuno

Gonçalves e Gonçalo Nunes, destacando que a honradez e a postura firme são máximas de

alguns cavaleiros da Idade Média, descritos por românticos do século XIX. Nos contos de

Alexandre Herculano que se passam na Idade Média conseguimos notar que sempre se

ressalta uma figura heróica que se posiciona dentro em uma relação maniqueísta. O herói,

obviamente, se coloca ao lado do bem enfrentando inimigos malvados, que em alguns

momentos são os mouros, a igreja ou reinos inimigos, como o de Castela.

3.3 Gonçalo Mendes da Maia: o Lidador

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O conto A Morte do Lidador retrata a história de Gonçalo Mendes da Maia,

que pode ser visto como um típico herói medieval; nas palavras de Santos (2006) o herói

medieval refletia as características da classe dominante, a nobreza, tais características

eram: coragem, honra e religiosidade. O cavaleiro Gonçalo Mendes da Maia que é descrito

neste texto literário apresenta tais características, e certamente poderíamos dizer que ele

apresenta muitas outras qualidades, como a honestidade e a fidelidade ao compromisso de

proteção das fronteiras de Portugal. Para poder conferir estas informações, vejamos com o

enredo de A Morte do Lidador é apresentada e como os últimos atos do cavaleiro Gonçalo

Mendes da Maia podem ser interpretados pelo leitor.

A Morte do Lidador foi publicado em 1851, integrando o 2º volume de Lendas

e Narrativas. O conto narra as aventuras de Gonçalo Mendes da Maia, conhecido pelo

nome de Lidador, “pelas muitas batalhas que pelejara e por seu valor indomável”

(HERCULANO, 1956, p. 269). Neste conto se passam acontecimentos do ano de 1170, os

últimos anos do reinado de D. Afonso Henriques, e pode-se encontrar personalidades que

estavam presentes em O Bispo negro, como o próprio Gonçalo Mendes da Maia, que

assume um lugar central neste enredo e Lourenço Viegas.

Este conto literário foi inspirado diretamente na gesta de Gonçalo Mendes da

Maia, que aparece na II parte do Livro de Linhagens do Conde D. Pedro de Barcelos. Esta

publicação é dedicada às origens das linhagens dos nobres peninsulares, principalmente os

portugueses; ao apresentar as origens linhagísticas de Gonçalo Mendes da Maia, D. Pedro

de Barcelos acaba por apresentar um relato histórico mítico-heróico (SANTOS, 2010).

O Lidador encontrava-se fazendo noventa e cinco anos de idade, comemorando

oitenta anos que vestia armas e setenta anos que era cavaleiro, “que, para além de nos

situarem no tempo e no espaço, são essenciais para se reconstituir a cor local do cenário

histórico narrativizado” (SANTOS, 2010, p. 56). Para comemorar tais festividades

Gonçalo Mendes da Maia decide que gostaria de entrar por terras que fossem fronteiras

com os mouros. O Lidador fora designado pelo rei D. Afonso Henriques a guardar a

fronteira de Portugal, que ficava à região de Beja, contudo o ímpeto cavaleiresco de

Gonçalo Mendes da Maia o impedia de ficar apenas esperando momentos de atividade

bélica, era preciso correr atrás desses momentos.

D. Gonçalo é incumbido de liderar uma frente de batalha contra os mouros em Beja, cumprindo assim com as suas obrigações de lealdade e de vassalagem para com o seu suserano. Em sintonia com a ética cavaleiresca, a lealdade e o respeito são dois sentimentos inabdicáveis na criação de relações efectivas de

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solidariedade e de amor, consolidando uma irmandade de armas, cimentada no confronto com o inimigo e num compartilhado sofrimento (SANTOS, 2010, p. 26).

O cavaleiro Mem Moniz, um dos heróis da história de Portugal, achava que o

desejo do Lidador era desnecessário e que seria mais prudente passar o dia a guardar a

fronteira da região de Beja, pela qual era responsável. Mem Moniz estava preocupado com

os rumores que estavam sendo repetidos, “que o famoso Almoleimar corre por estes

arredores com dez vezes mais lanças do que todas as que estão encostadas nos lanceiros

desta sala de armas” (idem). O Lidador respondeu, mostrando que sua dureza como um

guerreiro ainda era nítida, apesar da sua idade avançada:

Voto a Cristo – atalhou o Lidador – que não cria eu que o senhor rei me houvesse posto nesta torre de Beja para estar assentado à lareira da chaminé, como velha dona, a espreitar de quando em quando por uma soteira se cavaleiros mouros vinham correr até a barbacã, para lhes cerrar as portas e ladrar-lhes do cimo da torre da mensagem, como usam os vilãos. Quem achar que são duros de mais os arnenses dos infiéis pode ficar-se aqui (HERCULANO, 1956, p. 269-270).

As palavras do Lidador incentivaram Mem Moniz e os demais cavaleiros que

se encontravam prontos para seguir contra os perigos desconhecidos que poderiam ser

encontrados ao se chegar ao encontro dos mouros. Alexandre Herculano realça a

característica desbravadora dos portugueses, a forma como se dá a construção literária

mostra que aqueles que nascem em Portugal não possuem medo de lançar-se até o

desconhecido. O autor faz uma ligação entre a forma com que os portugueses se portavam

no campo de batalha e o pioneirismo português de se lançar ao mar para navegar porções

do mundo que nunca foram exploradas antes. Tal passagem nos faz destacar os escritos de

Jorge Dias (apud CABRAL, 2003, p. 523), que coloca o mar como uma grande referência

para a construção da identidade nacional portuguesa; o mar é um elemento integrador da

comunidade portuguesa, sendo um bem que deve ser valorizado por todo português, já que,

“a força atrativa do Atlântico (...) foi a alma da Nação e foi com ele com que se escreveu a

História de Portugal”. Em uma passagem da narrativa notamos um exemplo que pode

representar ainda mais o que tentamos elucidar:

Trinta fidalgos, flor da cavalaria, corriam a rédea solta pelas campinas de Beja; trinta. Não mais, eram eles; mas o orçavam por trezentos os homens d’armas, escudeiros e pagens que os acompanhavam. Entre todos avultava em robustez e grandeza de membros o Lidador, cujas barbas brancas lhe ondeavam, como frocos de neve, sobre o peitoral da cota d’armas, e o terrível Lourenço Viegas, a quem pelos espantosos golpes da sua espada, chamavam o Espadeiro. Eram formoso espetáculo o esvoaçar dos balsões e signas, fora de suas fundas e soltos ao vento, o cintilar das cervilheiras, as cores variegadas das cotas, e as ondas de

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pó que se alevantavam debaixo dos pés dos ginetes, como se alevanta o bulcão de Deus, varrendo a face de campina ressequida, em tarde ardente de verão (HERCULANO, 1956, p. 273).

A citação mostra o espírito valente dos cavaleiros e do Lidador, e mostra como

Alexandre Herculano consegue transformar acontecimentos que envolvem a guerra em

episódios fundamentais para a constituição de Portugal como uma nação.

Prosseguindo na narrativa, quando os cristãos estavam a galopar pela região de

Beja se depararam com os mouros que prosseguiam em sua direção. Nesse momento

Herculano (1956) começa a descrever os acontecimentos da batalha que se iniciou entre

cristãos e mouros. O autor apresenta algumas diferenciações entre os cavaleiros, dentre

uma delas ele ressalta o fato das vestiduras dos mouros serem mais ornamentadas e

contrastarem com a rudez das armaduras dos cavaleiros cristãos. Era como se os cavaleiros

do Lidador representassem o sentimento de humildade que os tornavam mais próximos de

Deus e mais propensos a vencerem a batalha em seu nome. “Quem visse aquele punhado

de cristãos, diante da cópia d’infiéis que os esperavam, diria que, não com brios de

cavaleiros, mas com fervor de mártires, se ofereciam a desesperado trance” (Herculano,

1956, 275).

Essa passagem do conto é cheia de intenções literárias que querem causar

emoções, são narrados os embates entre os cristãos e os mouros, demonstrando que a

batalha foi difícil para ambas as partes e que houve perdas significativas para os dois lados,

principalmente para o lado cristão. O ápice dessa passagem é o confronto entre o Lidador e

o Almoleimar, uma luta árdua que mostra o quão habilidosos eram os dois combatentes,

mas ambos saem feridos, o Almoleimar morre no campo de batalha depois de ser atingido

fatalmente por Gonçalo Mendes da Maia e esse caiu ao chão após um golpe mouro que lhe

dilacerou o ombro.

Quando o fronteiro [Gonçalo Mendes da Maia] caiu, o grosso dos mouros fugia já para além do pinhal; mais os mais valentes pelejavam ainda à roda do seu capitão moribundo. O Lidador esse tinha sido posto em cima de umas andas, feitas de troncos e franças de árvores, e quatro escudeiros, que restavam vivos dos dez que consigo trouxera, o haviam transportado para a saga da calvagada. O tinir dos golpes era já muito frouxo e sumia-se no som dos gemidos, pragas e lamentos que soltavam os feridos derramados pela veiga ensaguentada. Se os mouros, porém, levavam fugindo, vergonha e dano, a vitória não saíra barata aos portugueses. Viam perigosamente ferido o seu velho capitão, e tinham perdido alguns cavaleiros de conta e a maior parte dos homens de armas, escudeiros e pagens (HERCULANO, 1956, p. 279).

Para Clementina Santos (2010) em A morte do Lidador são recuperadas

características fortes de coragem e bravura de Gonçalo Mendes da Maia, e tais traços da

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personalidade são expressas, primeiramente, no Livro de Linhagens de D. Pedro de

Barcelos; Alexandre Herculano usa deste artifício para provocar no leitor características

parecidas, que segundo a autora, são marcas fundamentais do cavaleiro medieval .

Retornando ao conto constatamos que aquele não era o fim do dia de luta, os

portugueses puderam observar a chegada de Ali-Abu-Hassan, rei de Tângere, que estava

ali, juntamente com seu exército, para socorrer o Almoleimar. Os nobres portugueses

sabiam que se aproximava outro confronto que, segundo Herculano (1956), misturaria nas

campinas o sangue godo da origem portuguesa e o sangue árabe.

Para além dos códigos da ética vassalática, o sentimento nacional que move estes cavaleiros é, sem dúvida, o da dilatação territorial do país, que implica contrariar a crescente hegemonia árabe. A esta motivação nacional sobrepõe-se uma outra, de feição mais universal, e que se encontra nas referências ao sentimento religioso de guerra santa que esclarece a acção destes heróis, sentimento equivalente ao que justificara a empresa cruzadística. Através destas lutas contra os islamitas, confirma-se a existência de uma predestinação do povo cristão na restauração do Império de Deus (...) (SANTOS, 2010, p. 26).

O Lidador, mesmo diante da morte certa, decidiu que não ficaria apenas

observando o desenrolar dessa segunda etapa do confronto. Os cristãos estavam

desgastados e tinham tido o seu número reduzido pela metade, claramente estavam em

desvantagem, mas o Lidador não se importava, pediu a um pagem que o ajudasse a se

levantar, a empunhar a sua espada e que trouxesse um cavalo para que ele se colocasse

novamente em postura de batalha.

Ei-lo vai o velho fronteiro de Baja! Semelhava um espectro erguido de pouco em campos de finados: debaixo de muitos panos que lhe envolviam o braço e o ombro esquerdo levava a própria morte; nos fios da espada, que a mão direita mal sustinha, levava, porventura, ainda a morte de muitos outros (HERCULANO, 1956, p. 280).

Em meio a batalha, o Lidador encontrou Mem Moniz e Lourenço Viegas,

momento em que Herculano (1956) proporciona o encontro de três mártires da história

portuguesa. O autor contribui para a personificação de lendas e personagens marcantes da

cultura de Portugal, ao optar por dar voz a esses personagens para que todos os seu atos e

falas sejam cercados por atos heróicos e exemplos patrióticos que devem ser seguidos. “ao

partilharem um idêntico sistema de valores, o personagem Gonçalo Mendes da Maia e o

narrador passam a promover com maior eficácia uma determinada visão do mundo,

estabelecendo-se, então, um canal privilegiado de comunicação com o leitor” (MELÃO,

1998, p. 52).

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Quem hoje ouvir recontar os bravos golpes que no mês de julho de 1170 se deram na veiga da fronteira de Beja, notá-los-á de fábulas sonhadas; porque nós, homens corruptos e enfraquecidos por ócios e prazeres de vida afeminada, medimos por nosso ânimo e forças as forças e o ânimo dos bons cavaleiros portugueses do século XII; e todavia, esses golpes ainda soam, através das eras, nas tradições e crónicas, tanto cristãs como agarenas (HERCULANO, 1956, p. 281-282).

O Lidador não resistiu muito tempo contra os infiéis, morreu lançando-se

contra os mouros e acertando-lhes com sua espada. A morte de Gonçalo Mendes da Maia

causou comoção entre as fileiras cristãs, o suor de cansaço se misturou às lágrimas que

percorriam os rostos portugueses. Lourenço Viegas cheio de cólera atacou Ali-Abu-

Hassan, derrotando-o depois de golpes muito fortes e acompanhados de um grito de guerra

que chamava pelo nome do Lidador. A queda de Ali-Abu-Hassan colocou fim a essa

batalha, sem liderança os mouros foram obrigados a retirarem-se do campo de batalha. Os

cavaleiros que sobraram, comovidos, marcharam de volta ao castelo de Beja e um

sacerdote Templário que combatera junto à eles pregava palavras de conforto: “Justorum

autem animae in manu Dei sunt, et non tangent illos tormentum mortis [Nas mãos de Deus

estão as almas dos justos, e a dor da morte não os tocará]” (HERCULANO, 1956, 284).

Alexandre Herculano objetiva-se em unir o discurso histórico e o discurso

lendário, a junção dessas duas características torna a sua obra mais acessível ao grande

público português. A literatura romântica que antes flutuava na camada das senhoras e

senhoritas de boa colocação na sociedade acaba alcançando um espaço maior; a

característica histórico-lendária utilizada por Alexandre Herculano acaba chamando a

atenção de mais camadas da sociedade portuguesa que enxergam na leitura de A morte do

Lidador, por exemplo, um recurso para o conhecimento das origens nacionais

(CATROGA, 1998).

(...) o conhecimento multívoco que resuta deste conceito de história permite a realização de uma viagem no domínio da ficção novelística a partir do progresso da ciência histórica, ou seja, lança os alicerces para a emergência do romance histórico objectivo e documentado tende a instituir-se em matéria ficcional prioritária, com todas as dificuldades inerentes a este processo, especialmente sentidas e reflectidas por Herculano, ao tentar estremar teoricamente as fronteiras entre história e ficção (SANTOS, 2010, p. 39-40).

A Morte do Lidador insere-se em algumas diversas tentativas de reconstrução

do passado português através da literatura e do apoio em textos históricos já conhecidos no

meio intelectual. Para Santos (2010) Herculano busca avivar os portugueses que se

encontram em um estado de inércia, é preciso revigorar a população de Portugal e fazer

com que eles se lembrem da bravura e dos fortes golpes de espada que seus predecessores

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lançavam contra os inimigos e contra as adversidades de todo tipo que cruzavam seu

caminho.

Para além desta predisposição pedagógico-setenciosa, o autor destas narrativas breves opta pela abordagem ficcional de grandes temas históricos e pela representação de amplos frescos narrativos onde pontificam personagens de perfil moral irrepreensível. Para tal, usa uma técnica de composição romanesca na qual as personagens são representadas em momentos de tensão dramática, emergindo à medida do crescente emocional dos episódios que protagonizam. Esta técnica dramática permite assegurar a unidade de ritmo de progressão da intriga, porquanto o esboço das dramatis personae vai ganhando contornos cada vez mais definidos, à medida que estas vão interagindo no tablado ficcional (SANTOS, 2010, p. 48-49).

Os atos individuais do Lidador e dos demais heróis que estão presentes nos

contos de Alexandre Herculano expressam as vontades que deveriam ser tomadas pela

coletividade, seus atos desmedidos e que seguem o caminho contrário das ações das

pessoas classificadas como comuns deveriam ser emprestados a elas, pois estas ações são

as provas verdadeiras das decisões tomadas por aqueles que formaram a nação portuguesa,

“(...) se percebe o valor da atitude do Lidador, cujo a morte voluntária e sacrificial

representa a sagração da sobrevivência nacional” (SANTOS, 2010, p. 50). O historiador

Martim de Albuquerque (apud SOBRAL, 1999) comenta sua teoria sobre as expressões do

nacionalismo português na Idade Média, para este autor o sentimento nacional está ligado à

coletividade gerada pela submissão ao poder real, e também ao dever de proteção a terra.

Martim Albuquerque estabelece que era comum o sentimento de proteção ao território,

podendo levar à morte, porém à vida eterna em um contexto religioso. O Lidador cumpre o

seu dever de cavaleiro e protege Portugal até os últimos momentos de vida. Esta obra, em

específico, mostra o ideal de comportamento humano defendido por Alexandre Herculano

(SANTOS, 2006).

Ivanise Santos (2006) aponta uma questão relevante, ao comparar Gonçalo

Mendes da Maia ao rei Artur. Artur combateu ao lado dos seus cavaleiros da Távola

Redonda até os noventa e dois anos de idade, encontrando a morte também no campo de

batalha. Gonçalo Mendes da Maia seria o Artur português, que combateu com honra e

coragem até perecer em vida. Poderíamos deduzir que Alexandre Herculano optou por

descrever o Lidador com os objetivos de gerar uma figura lendária, assim como, foi Artur,

uma personagem que gera estudos e, principalmente, buscas que poderiam levar à

comprovação de sua existência.

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Ao certo não se sabe quais características descritas por Alexandre Herculano,

realmente pertenciam à personalidade de Gonçalo Mendes da Maia. A coragem, o ímpeto

heróico e as habilidades apuradas no campo de batalha podem ter sido inventadas pelos

diversos autores que escreveram sobre ele (ex: Fernão Lopes, Fernando Campos, o próprio

Alexandre Herculano), mas, é difícil falarmos sobre essa questão. As características

histórico-lendárias dos diversos heróis portuguesas podem apenas ter inspirado esse

autores a se aproximarem o máximo possível do real. Essas figuras de cavaleiros míticos

serviram ao propósito de engrandecer a nação portuguesa e devem ser objetos de

saudosismo para aqueles que nunca as conheceram.

Fernando Campos (2005) acrescenta que além de apresentar a figura do herói,

Gonçalo Mendes da Maia, Alexandre Herculano tinha como objetivo demonstrar as ações

conflituosas entre cristãos e o mundo árabe. O nosso autor desejava apresentar à sociedade

de seu tempo explicações gerais para as dissidências entre os homens.

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4 A PERPETUAÇÃO DE LENDAS NA OBRA DE ALEXANDRE HERCULANO.

“A ficção é quase história, tanto quanto a história é quase ficção.”

Paul Ricoeur, 1997.

O presente capítulo também apresentará a interpretação de contos literários

retirados da publicação Lendas e Narrativas. Para este capítulo escolhemos quatro contos

distintos, são eles: Arras por foro D’Espanha, O Alcaide de Santarém, A Dama pé-de-

cabra e O Bispo Negro. Estes quatro contos, assim, como outros textos de Lendas e

Narrativas nos chamam a atenção por se basearem em outras publicações mais antigas,

como o Livro de Linhagens do Conde Pedro de Barcelos e nas Crônicas reais de Fernão

Lopes. Esta característica acaba por se tornar muito relevante, pois ao popularizar no

século XIX estas narrativas mais antigas, Alexandre Herculano acaba contribuindo para a

criação de lendas que tendem a formar o caráter da população portuguesa e perpetuar

personagens históricos de Portugal.

Ficará evidente ao termino da leitura deste capítulo que possuímos dois tipos

de construção lendária, a primeira traz uma narrativa mais fabulosa e mítica que poderá ser

observada com a leitura dos contos A Dama pé-de-cabra, O Bispo Negro e O Alcaide de

Santarém. E a segunda expressa uma construção lendária mais histórica, como poderá ser

percebido em Arras por foro D’Espanha (CRUZ, 2010).

Estes quatro contos se diferem daqueles escolhidos anteriormente, pois eles

apresentam uma maior complexidade em suas narrativas, eles são visivelmente mais

extensos e A Dama pé-de-cabra aproveitasse bastante das relações entre os contos e a

literatura histórica de Herculano. Manteremos a mesma linha de análise, apresentando o

enredo dos contos e fazendo as intervenções necessárias para entender as construções

nacionalistas de Alexandre Herculano.

4.1 D. Leonor Teles: expressões de descontentamento

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Arras por forro D’Espanha é um conto que narra acontecimentos que se

passam entre os anos de 1371 e 1372. Este relato, a exemplo de alguns outros tratados

anteriormente, também é inspirado nas Crônicas reais de Fernão Lopes. O reinado de D.

Fernando é o cenário do desenvolvimento deste relato histórico-literário. D. Fernando foi o

nono rei da história de Portugal, nasceu a 31 de outubro de 1315 e faleceu a 22 de outubro

de 1383. Era filho de D. Pedro I e de D. Constança, que faleceu em seu parto, deixando-o

órfão desde os seus primeiros dias. O infante D. Fernando subiu ao trono em janeiro de

1367, por conta da morte de seu pai, e assumiu o comando de Portugal com apenas 21 anos

de idade (PORTUGAL, 1907). O rei de Portugal, D. Fernando, era visto por muitos

cronistas como impulsivo e cheio de falhas, características que o fizeram ser mal visto por

muitos portugueses.

A natureza concedeu-lhe liberalmente todos os dons para se fazer amar do seu povo, mas a sua política ruinosa, os escândalos que provocou, o seu carácter volúvel, louca prodigalidade e a imoralidade do seu viver não tardaram a excitar a geral indignação, e causaram a Portugal irreparáveis danos. D. Fernando era ambicioso, apesar da sua indolência, grande predilecção pelos prazeres amorosos, e do seu pouco gosto pelas batalhas (PORTUGAL, 1907, p. 377).

Herculano (1956) inicia Arras por forro D’Espanha apresentando o cenário

urbano de Lisboa, mostrando a existência de algumas tabernas populares e que,

principalmente, se encontravam cheias de pessoas que se articulavam demonstrando sua

insatisfação com o rei de Portugal, D. Fernando. Na citação que segue é possível observar

o clima pelo qual passava Lisboa; é descrito a agitação popular na taberna de “micer Folco

Taca, genovês que viera a Portugal ainda impúbere, como pagem d’armas do famoso

almirante Lançarote Peçanha (...)” (HERCULANO, 1956, p. 38):

Se na rua o borborinho era tempestuoso e confuso, dentro da casa micer Folco a bulha podia chamar-se infernal. Para um dos lados, no meio de uma espessa mó de populares, ouviam-se palavras ameaçadoras, sem que fosse possível perceber contra qual ou quais indivíduos se acumulava tanta sanha (HERCULANO, 1956, p. 39).

Toda essa agitação popular se dava pelo descontentamento com o casamento

do rei com D. Leonor Teles. Essa situação é descrita, também, no conto O castelo de

Faria, o infante português estava de casamento com a filha do rei de Castela a fim de

cessar a guerra com este reino. Contudo, D. Fernando não resiste à paixão que sentia por

D. Leonor Teles e decide tomá-la como esposa.

D. Leonor Teles era aia (criada de uma dama pertencente à nobreza) da infanta

Beatriz, filha de Inês de Castro e D. Pedro I, e no exercício desta função conheceu o

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infante D. Fernando. D. Leonor já era casada com João Lourenço da Cunha, porém foi

solicitada a anulação do matrimônio alegando-se consanguinidade, para que o infante de

Portugal e Leonor Teles pudessem se casar. A cerimônia que uniu a ambos aconteceu no

ano de 1372 e gerou grande descontentamento entre os portugueses. A união entre o rei

Fernando e Leonor Teles é visto como um grande despropósito político que fere o acordo

de matrimônio que foi acertado com o rei de Castela (TREVISAN, 2010). Fernão Lopes,

em suas crônicas sobre a história de Portugal, escreve sobre D. Leonor Teles, afirmando

que ela obscurecia sua imagem e mostrava-a diferente do perfil que se esperava para uma

mulher que é feita esposa de um monarca. Coser (apud TREVISAN, 2010, p. 18) evidencia

o perfil de D. Leonor Teles, que ficou registrado na historiografia portuguesa:

Ela possuiu coragem e firmeza, características essencialmente masculinas, louváveis nos homens, mas impróprias para uma mulher. Além disso, ela seria mau exemplo para as mulheres no trato com os maridos, pois havia a forte suspeita de ela ter tomado o conde de Andeiro como amante, sendo dissimulada perante o marido e a corte.

Visivelmente, Leonor Teles não era uma personalidade que inspirava confiança

entre os portugueses, o perfil que ela ganhou ao ser descrita por Fernão Lopes (entre

outros) lhe cristalizou as características mais desprezíveis. Este perfil desagradável

acompanhou Leonor Teles por outras gerações de portugueses, chegando ao século XIX e

justificando o descontentamento dos portugueses que é descrito no conto Arras por foro

D’Espanha. No seguinte trecho do conto, Herculano (1956, p. 44) descreve os motivos

pelos quais os laços entre D. Fernando e D. Leonor Teles causavam a injúria do povo

português.

O amor cego Del-rei D. Fernando pela mulher de João Lourenço da Cunha, D. Leonor Teles, havia muito que era o pasto saboroso da maledicência do povo, dos cálculos dos políticos e dos enredos dos fidalgos. Ligada por parentesco com muitos dos principais cavaleiros de Portugal, D. Leonor, ambiciosa, dissimulada e corrompida, tinha empregado todas as artes do seu engenho pronto e agudo em formar entre a nobreza uma parcialidade que lhe fosse favorável. Quanto a el-rei, a paixão violenta em que este ardia lhe assegurava a ela o completo domínio no seu coração. Mas as miras daquela mulher, cuja alma era um abismo de cobiça, de desenfreamento, de altivez e de ousadia, batiam mais alto do que na triste vanglória de ver a seus pés um rei bom, generoso e gentil.

Os sentimentos do povo português para com Leonor Teles são os principais

motores desse conto. Prossegue-se a narrativa apresentando os planos arquitetados para

evitar a união do rei Fernando com Leonor Teles. Planeja-se a morte de Leonor e são

colocados como principais executores dessa ordem personagens verídicos da história de

Portugal, a saber: Diogo Lopes Pacheco (conselheiro real), o alfaiate Fernão Vasques e D.

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Dinis (irmão do rei). Frei Roy é aquele que revela os acontecimentos que haviam sido

arquitetados e previne o monarca português, que fica ciente dos desejos dos súditos reais.

Nesta passagem do conto é possível notar uma diferenciação entre as

características de D. Fernando e Leonor Teles; apesar de, demonstrar estarem

perdidamente apaixonados um pelo outro, o gênio de D. Leonor se sobressai, apresentando

uma maior frieza e melhores habilidades para pensar uma estratégia para escapar da

insurreição. Enquanto isso D. Fernando aparece desnorteado com a expectativa de perder

D. Leonor Teles. Parece-nos que Alexandre Herculano constrói as personagens de forma

que o rei português sempre apareça à sombra de D. Leonor Teles, justificando a

insatisfação portuguesa e a razão pela qual a maior parte da corte e dos súditos a

chamavam de adúltera que havia “enfeitiçado” o rei.

Uma passagem que chega a justificar essa aparência rude de D. Leonor Teles é

quando a amada do rei exige o seu dote: “ ‘Quero que me dês as minhas arras: quero o

preço do meu corpo, conforme foro de Espanha’ ” (HERCULANO, 1956, p. 64). E para

espanto do rei, Leonor Teles não esperava nenhum castelo, ela almejava a forca. Ela

desejava que aqueles que planejavam a sua morte e não a queriam como rainha fossem

silenciados.

Em contrapartida o povo se prepara para demonstrar sua insatisfação com a

união que se pretendia realizar, como fica claro a seguir:

O povo preparava-se para uma luta moral com o seu rei; mas não se descuidara de vir prestes para uma luta física, se D. Fernando quisesse apelar para esse argumento. Era a primeira vez neste reinado que a arraia-miúda7 dava mostras da sua força e reivindicava o direito de dizer armada – não quero! – O elemento democrático erguia-se para influir activamente na monarquia; enxertava-se nela, como princípio político, a par da aristocracia, que com a manopla de ferro arrojava a plebe contra o trono, sem pensar que brevemente este, conhecendo assim a força popular, se valeria dela para esmagar aqueles que ora sopravam os ânimos para a revolta e davam nova existência ao vulgo (HERCULANO, 1956, p. 68-69).

A citação mostra que Herculano insere características do pensamento

iluminista, dotado de maior racionalismo. Apesar de, o conto se passar no século XIV é

possível notar uma insatisfação com a monarquia, algo mais comum a partir do século

XVIII. Em Portugal, se viveu a experiência do despotismo esclarecido no século XVIII,

sendo coerente para a sociedade do século XIX uma realidade em que a monarquia

aceitasse uma maior participação popular, como é descrita no conto. 7 O termo nomeava as camadas populares mais simples em oposição à classe nobre. O termo aparece inicialmente em documento datado de 1305.

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De volta à narrativa, o conto prossegue apresentando um forte conflito entre os

nobres favoráveis ao infante D. Fernando contra àqueles que se posicionaram contra D.

Leonor Teles. Essa última parcela era formada em sua maioria por populares, que são

colocados em um primeiro plano, e apresentam um maior destaque quando são realçadas

características como a coragem, a fúria e a ousadia. O infante de Portugal e D. Leonor

Teles a fim de escaparem da revolta dos populares e de alguns nobres, decidem fugir de

Lisboa e partem para Santarém. A fuga para Santarém acaba se configurando como a

estratégia perfeita, longe dos insurgentes o casamento poderia ser realizado e o infante de

Portugal poderia voltar e marchar com seus aliados sob os revoltosos, afirmando seu poder

como rei.

De fato, o casamento se realiza e D. Fernando e D. Leonor voltam a Portugal e

exibem, através de uma caravana, em diversas partes do reino que o casamento havia se

concretizado. Alexandre Herculano, assim como, Fernão Lopes descrevem essa passagem

da história de Portugal como um momento melancólico. A insurreição popular já não

possuía mais finalidade, já que a união entre o infante e D. Leonor não poderia ser desfeita,

restava apenas a aceitação de D. Leonor Teles como rainha.

Triste era, também, o aspecto dos populares, que, sem um só grito de regozijo, se apinhavam para ver passar aquele préstito real. Mil olhos se cravavam no infante D. Dinis, cujo rosto melancólico revelara que os seus pensamentos eram acordes com os do povo, que por toda a parte não via neste consórcio [casamento] senão um crime e uma fonte de desventuras (HERCULANO, 1956, p. 111).

Contudo, nem todos aceitam com facilidade a união entre o rei e Leonor Teles,

novamente Herculano e Fernão Lopes narram o momento em que o rei solicita aos nobres

portugueses que beijem a mão de D. Leonor Teles, em sinal da aceitação à sua situação de

rainha. Os cavaleiros portugueses beijam, com receio, as mãos da rainha, com exceção de

D. Dinis, irmão do rei D. Fernando, que se recusa a prestar respeitos para com a adúltera.

A cena que descreve esse acontecimento é cristalizada, por Alexandre Herculano, como

um dos momentos mais valorosos e de maior expressão de coragem. Podemos acreditar

que Herculano tenta estabelecer um exemplo de caráter e postura que deveria ser seguido

pelos portugueses contemporâneos ao seu tempo.

O conto encerra sua narrativa contando os acontecimentos que se passaram um

ano após o casamento de D. Fernando e D. Leonor Teles; o ano de 1373 foi marcado pela

perseguição aos líderes das insurreições que refutavam o casamento do rei, Fernão Lopes

destaca esse acontecimento em suas crônicas.

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Dona Lionor [...] avia com elRei que os mandasse premder [aos líderes do movimento que em Lisboa pedia explicações ao rei a respeito da sua união com D. Leonor Teles] e fazer em elles justiça: e foi assi de feito, que em Lixboa foi preso depois Fernam Vaasquez, aquel alfayate que ouvistes, e outros; e foram deçepados e tomados os beens, e delles fugirom, e assi em alguuns logares do reino (LOPES apud GRZYBOWSKI 2006, p. 49).

O conto, Arras por foro D’Espanha, não se limita em apresentar exemplos de

heróis portugueses, como acontece em contos que apresentamos anteriormente. Essa

narrativa busca evidenciar o caráter de D. Leonor Teles e a inversão de características entre

ela e o infante D. Fernando; enquanto ele, o rei de Portugal, se mostra demasiadamente

apaixonado, Leonor Teles é em alguns momentos fria e inabalável, como deveria ser o

monarca. Acima de tudo, Alexandre Herculano expõe aos seus contemporâneos os motivos

que levam D. Leonor a ser tão mal vista pela historiografia portuguesa.

E este conto deve ser encarado como uma importante fonte que descreve a

história de Portugal, segundo Cruz (2010), Arras por Foro de D’Espanha é uma

importante fonte da literatura histórica portuguesa por mesclar a narrativa ficcional com

trechos literais de obras de história, como as crônicas de Fernão Lopes. Para Melão (2003),

a herança deixada por Arras por Foro D’Espanha vai muito além, a obra se personifica

como um lembrete do caráter nocivo da herança deixada pela vingança que cometera D.

Leonor Teles.

4.2 Morte e vingança, entre os sarracenos, no conto O Alcaide de Santarém

Este conto literário de Alexandre Herculano, especialmente, não faz alusões

diretas à acontecimentos da história de Portugal, como poderemos observar ao longo da

apresentação da narrativa de O Alcaide de Santarém notaremos que o cenário do enredo

deste conto traz exclusivamente a figura dos sarracenos (ou mouros, como eram

conhecidos os mulçumanos, na Europa, até o século XVII). A amargura e infelicidade, que

a vingança e a violência podem trazer, são os principais temas apresentados neste conto

literário. Apresentaremos os pormenores que formam a história descrita em O Alcaide de

Santarém.

O Alcaide de Santarém é mais um conto de Alexandre Herculano eternizado

nas páginas de Lendas e Narrativas, ele se passa no ano de 930, “nas eras do domínio

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sarraceno em Espanha” (HERCULANO, 1956, p. 5). Esse conto traz a figura dos mouros

em um contexto isolado, sua existência nesta história independe das relações conflituosas

com os cristãos que estavam na península Ibérica, “importa apenas a própria sociedade

constituída pelos invasores durante o seu domínio na Espanha” (ALVES, 2010, p. 144),

essa é uma característica que difere O Alcaide de Santarém da maioria dos contos de

Alexandre Herculano que serão apresentados a partir daqui. Com o propósito de ilustrar o

cenário aonde a narrativa se desenrola, Alexandre Herculano começa a descrever o palco

aonde O Alcaide de Santarém irá se desenvolver. O autor apresenta uma região

montanhosa por onde corre a ribeira de Guadamelato que deságua no Guadalquivir, região

que fica próxima à Córdova. Alexandre Herculano utiliza em O Alcaide de Santarém um

recurso recorrente em outros contos, ele apresenta as belezas naturais do território da

península ibérica, seria uma forma de demonstrar a superioridade de Portugal e da Espanha

na gênese de seu território. O autor descreve que essas terras dividiam-se em porções

desérticas, em cemitérios árabes e algumas partes povoadas por árabes.

A raça árabe, inquieta, vagabunda e livre, como nenhuma outra família humana, gostava de espalhar na terra aqueles, mais ou menos suptuosos, do cativeiro e da imobilidade da morte, talvez para avivar mais o sentimento da sua independência ilimitada durante a vida (HERCULANO, 1956, p. 6).

Alves (2010) contribui fazendo comentários que ressaltam o contraste

produzido por Herculano entre as porções de terra que mesclavam áreas habitadas com

cemitérios que guardavam a morte. Produzia-se um efeito que dava ao território um

aspecto exótico e melancólico, características que para Herculano eram necessárias para o

desenvolvimento deste conto.

Esta história começa a “engrenar” em um desses cemitérios, onde se

encontrava Abdallah, Príncipe Real do Califado situado em Córdova, acompanhado de

outros quatro sarracenos. Abdallah lamentava-se à espera de notícias que confirmassem o

levante de seus aliados contra o califado e que o colocaria no trono ao invés de seu irmão

Al-hakem. A falta de notícias ao seu favor já o estavam deixando propenso a aceitar que

seu irmão ficaria com o trono, mas o aparecimento de Al-muulin, o profeta, o tranquilizou

afirmando que a sorte estava voltada a seu favor.

Al-muulin, o pobre fakih (espécie de frade mendicante entre os muçulmanos) penitente e quase cego de chorar as próprias culpas e as culpas dos homens, mas a quem Deus, por isso, ilumina, às vezes, os olhos da alma para antever o futuro ou ler no fundo dos corações. Li no vosso, homens de sangue, homens de ambição! Sereis satisfeitos! O Senhor pesou na balança dos destinos a ti, Abdallah, e a teu irmão Al-hakem. Ele foi achado mais leve. A ti o trono; a ele o

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sepulcro. Está escrito. Vai; não pares na carreira, que não te é dado parar! Volta a kórthoba (Córdova). Entra no teu palácio Merwan; é o palácio dos califas da tua dinastia. Não foi sem mistério que teu pai to deu por morada. Sobe ao sótão da torre. Ali acharás cartas do caide de Chantaryn (Santarém) e delas verás que nem ele, nem o wali de Zarkosta (Governador do Distrito de Saragoça), nem os Ben-Hafsun faltam ao que te juraram (HERCULANO, 1956, p. 09-10)!

O profeta Al-muulin era um dos articuladores do golpe de Abdallah contra o

seu califado, e apresenta que os demais aliados do príncipe (o Alcaide de Santarém, os

Bem-Hafsun e o Governador de Saragoça) não iriam abandoná-lo diante da perspectiva de

derrubar o califado de Abdu-r-rahman. O príncipe se volta para Córdova, confiante nas

palavras de Al-muulin, mas quando o profeta se encontrava sozinho no cemitério sorriu

ardilosamente mostrando que possuía segundas intenções e que o cumprimento dos planos

de Abdallah não o importava muito. Observamos que Alexandre Herculano acaba por

construir os mulçumanos de forma a apresentá-los ardilosos e maquiavélicos, como se os

mouros se deixassem levar exclusivamente pelas emoções e ambições.

A narrativa tem prosseguimento apresentando a cidade de Córdova, capital da

Espanha sarracena. Herculano (1956) apresenta uma cidade que a partir do início da noite

estava tomada por uma calmaria que contrastava com a agitação pela qual se passava a

algumas horas antes do anoitecer. “Na manhã do dia que findara, Al hakem, o filho mais

velho de Abdu-r-rahman, fora associado ao trono” (HERCULANO, 1956, p. 13).

O autor nos leva ao palácio de Merwan, onde o califa Abdu-r-rahman

caminhava impacientemente à espera de Al-muulin que iria falar coisas que mudariam o

caráter festivo daquela noite. Al-muulim trazia a profecia que um dos filhos do califa

deveria morrer por suas mãos. Sem pestanejar Al-muulin revela os fatos contra a coroa que

iriam acontecer.

Amanhã, a estas horas, teu filho Abdallah ter-te-á já privado da coroa para a cingir na própria fronte, e o teu sucessor Al-hakem terá perecido sob um punhal d’assassino. Ainda te encolerizas? Foi acaso demasiado extensa a minha narrativa (HERCULANO, 1956, p. 21)?

O califa não podia acreditar nas palavras de Al-muulin; Abdu-r-rahman ficou

visivelmente alterado, tomado pela cólera depois de tudo que ouviu. São apresentados os

primeiros sinais que nos levam a associar a história de O Alcaide de Santarém a uma

história de vingança. Após ouvir as palavras de Al-muulim, o califa não acreditou e

desferiu as suas acusações:

Tu ousas caluniar o meu Abdallah? Sangue! Sangue há-de correr, mas é o teu. Crias que, com essas visagens de inspirado, com esses trajos de penitência, com

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essa linguagem dos santos, poderias quebrar a afeição mais pura, a de um pai? Enganas-te, Al-ghafir! A minha reputação de prudente, verás que é bem merecida (HERCULANO, 1956, p. 22).

As palavras do califa são descritas por Herculano cheias de ódio, coragem e ao

mesmo tempo superioridade, talvez sejam essas algumas características que os ocidentais

acreditam fazer parte da personalidade dos mulçumanos. Neste conto Herculano acabou

por cristalizar no imaginário ocidental um perfil para os mulçumanos, onde misturavam-se

a capacidade de projetar suntuosas construções que ficaram como legado para a península

ibérica, como o palácio de Merwam, com a necessidade de demonstrar sentimentos levados

aos extremos. Em prosseguimento a narrativa Al-muulin freou o ataque do califa e

providenciou provas que confirmassem o seu discurso. O profeta entregou ao califa cartas

trocadas entre Abdallah e os outros conspiradores:

O fakih desatara de novo num rir trémulo e hediondo. Meteu a mão no peitilho da aljarabia e tirou, uma a uma, muitas tiras de pergaminho: pô-las sobre a cabeça e entregou-as ao califa, que começou a ler com avidez. (...) Al-muulin fitara nele um olhar de gerifalte, e nos lábios vagueavam-lhe um riso sardónico e quase imperceptível. Os pergaminhos eram várias cartas dirigidas do oriente, os Benu-Hafsun, e a diversos xeques bereberes, dos que se haviam domiciliado na Espanha, conhecidos pelo seu pouco afecto aos Benu-Umeyyas. O mais importante, porém, de tudo era uma extensa correspondência com Umeyya-ibn-Ishak, guerreiro célebre e antigo alcaide de Santarém, que, por graves ofensas, passara ao serviço dos cristãos de Oviedo com muitos cavaleiros ilustres da sua clientela. Esta correspondência era completa de parte a parte. Por ela se via que Abdallah contava, não só com os recursos dos mulçumanos seus parciais, mas também com importantes socorros dos infiéis por intervenção de Umeyya (HERCULANO, 1956, p. 22-23).

Notamos nesta citação que Alexandre Herculano construiu essa passagem de

forma a evidenciar que o sentimento de vingança regia as atitudes de Al mulin, pois ao

lermos esse trecho do conto percebemos que o fakih sentia satisfação em despertar o ódio

do califa contra àqueles que conspiravam pra derrubá-lo do trono do califado. Abdu-r-

rahman ficou estarrecido, decidiu que os insurgentes, inclusive seu filho, pagariam com a

morte por atentar contra o califa dos Benu-Umeyyas.

Apesar das lágrimas e rogos do generoso Al-hakem, que lutou tenazmente por salvar a vida de seu irmão, o califa mostrou-se inflexível. A cabeça de Abdallah caiu aos pés de algoz na própria câmara do príncipe ao palácio Merwan. Al-barr, suicidando-se na sua masmorra em que o tinha lançado, evitou assim o suplício. O dia imediato à noite em que se passou a cena entre Abdu-r-rahma e Al-ghafir que tentamos descrever foi um dia de sangue para Córdova e de luto para muitas das mais ilustres famílias (HERCULANO, 1956, p. 26).

Por conta do alerta de Al-muulin o califa reprimiu a tentativa de tomada do

trono, planejada por seu filho Abdallah, as palavras muito bem calculadas do profeta

fizeram com que o califa Abdu-r-rahman tivesse o sangue do seu filho mais novo em suas

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mãos. A narrativa nos leva há onze anos após o acontecido, mostrando que Al-muulin e

Abdu-r-rahman continuavam confidentes na velhice, mas o califa nunca mais tivera motivo

algum que o fizesse sorrir, ele estava “entregue a melancolia profunda, nem as novas de

vitórias, nem a certeza do estado florente do império o podiam distrair dela, senão

momentaneamente” (HERCULANO, 1956, p. 28).

Al-muulin permaneceu ao lado do califa, durante os onze anos seguintes,

ajudando-o a cumprir suas necessidades religiosas. O fakih manteve-se próximo a Abdu-r-

rahman, apesar de poucos entenderem a ligação de confidentes que havia entre eles.

Segundo narra Alexandre Herculano era perturbador a forma como o profeta se

comportava na frente do califa; às vezes, Al-muulin sorria e fazia comentários maliciosos

como se estivesse satisfeito em observar o estado de solidão do califa. Eram sinais de que

Al-muulin estava satisfazendo as suas vontades de vingança. Mas o leitor que acompanha

O Alcaide de Santarém não sabe por que o profeta deseja tanto se vingar de Abdu-r-

rahman; o suspenso sobre este assunto começa a ser desfeito quando em uma das longas

conversas que tiveram, o califa perguntou por que Al-muulin apresentava certa satisfação

com a sua tristeza? Como se esperasse por esse momento por um longo tempo, o profeta

começou a revelar suas verdadeiras motivações, os motivos que o fizeram delatar Abdallah

e observar a amargura do califa por longos onze anos.

Alexandre Herculano nesse momento revela o âpice da narrativa, Al-muulim

nem sempre havia sido alguém que trajava roupas simples e que vivia no cemitério de

Córdova; na realidade ele se chamava Umayya-ibn-Ishak e em outros tempos ele era o

Alcaide de Santarém, irmão de Mohammed-Ibn-Ishak que era um desafeto de Abdu-r-

rahman. Estrategista e cansado de Mohammed o califa havia decidido mandar matá-lo

injustamente há anos. Al-muulin que sobrevivera todos aqueles anos planejando a sua

vingança, decidiu fazê-la da forma mais discreta possível. Ao invés de marchar com seu

exército sob Córdova decidiu que se camuflaria e empreenderia a sua revanche.

Al-muulin havia sido o responsável por instigar os insurgentes contra o califa.

Graças a ele, Abdallah havia sido convencido a trair seu pai. Agora o califa deveria

sobreviver tendo em suas mãos o sangue do seu próprio filho e do irmão de Al-muulin. O

califa não resistiu às revelações e caiu morto sufocado pela angústia que o afligia há onze

anos. A vingança de Al-muulim estava concretizada, o profeta fez com que o califa

sentisse a perda de um ente próximo e mais que isso obrigou-o a ser o responsável pela

morte do filho. Depois que a vingança de Al-muulin terminara, ele saiu vagando sem rumo

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por Córdova, isso nos faz pensar sobre a mensagem que Alexandre Herculano desejava

transmitir ao escrever O Alcaide de Santarém. O profeta obteve sua vingança, mas após

alcançá-la, de certa forma sua vida perdeu um pouco de sentido, pois não mais havia algo

que o motivasse à realizar suas ações diárias. Isso nos faz pensar que autor desejava

transmitir que viver sob o estigma da vingança não é a melhor coisa a se fazer, o mouro

Umayya-ibn-Ishak alcançara a vingança, mas estava fadado a viver sozinho na Espanha

sarracena.

Essa narrativa conta uma história de traição e morte, coisas cabíveis aos

muçulmanos para muitos ocidentais. Alexandre Herculano tentou apresentar um contraste

entre as narrativas desenvolvidas entre os mouros e aquelas que trazem as origens da nação

e dos heróis portugueses como o tema principal dos contos. O Alcaide Santarém, como

outros contos de Alexandre Herculano que serão expostos aqui, não possuem um caráter

político, objetivam-se em apresentar as características da vida humana, suas virtudes e suas

fragilidades.

Para Alves (2010) uma característica relevante que fica evidente é a existência

de um aparente castigo pelas atitudes muçulmanas contra os cristãos. O fatídico destino do

califa não se dá apenas pela sua ambição pela manutenção do poder. A sua atitude anti-

cristã pode ser enumerada como uma questão marcante que precisa ser assimilada pelo

público que lê o conto.

4.3 O ficcionismo contribuindo para a construção do nacionalismo

A Dama pé-de-cabra é um conto de Alexandre Herculano que compôs o

segundo volume de Lendas e Narrativas, em 1851. A narrativa de A Dama pé-de-cabra se

diferencia dos demais contos escolhidos para compor esta dissertação e de muitos outros

romances históricos produzidos no século XIX, pois seu enredo é formado basicamente por

uma ficção, essa narrativa é fruto de uma conhecida lenda portuguesa.

A lenda da qual falamos, surgiu das leituras do Livro de Linhagens do Conde

D. Pedro Afonso de Barcelos. O nobre Pedro de Barcelos era um filho ilegítimo do rei D.

Dinis de Portugal com Grácia Aires, “nasceu por volta de 1285 e faleceu em 1354”

(MOCELIM, 2007, p. 8). Pedro de Barcelos recebeu do rei D. Dinis, em 1314, o Condado

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de Barcelos, o que justifica a referencia ao título de nobreza em seu nome (MOCELIM,

2007). O Conde Pedro de Barcelos foi um grande trovador produzindo uma sequência de

obras importantes para a história de Portugal.

(...) com a morte de D. Dinis, em 1325, e a subida ao trono de seu irmão, parece ter optado por viver preferencialmente nos seus domínios de Lalim, Arouca, com a sua companheira, a castelhana Teresa Anes de Toledo, e onde, para além de ter mantido, ao que tudo indica, um círculo restrito de trovadores e jograis, leva a cabo um notabilíssimo trabalho cultural, de que resulta, desde logo, a organização do seu Livro de Linhagens e a redação da Crónica Geral de Espanha de 1344, o primeiro grande texto historiográfico português. Mas será certamente também em Lalim que o Conde D. Pedro procede à compilação dos materiais de que resultará o seu Livro das Cantigas (que doa, em testamento datado de 1350, ao seu sobrinho Afonso XI de Castela) (PEDRO, conde de Barcelos. [S.I], [21--]. Disponível em: <http://cantigas.fcsh.unl.pt/autor.asp?cdaut=119&pv=sim>. Acesso em: 16 dez. 2013).

O Livro de Linhagens de Pedro Afonso de Barcelos é uma das melhores fontes

para o estudo da vida social de Portugal durante a Dinastia Afonsiana, esta obra trata das

origens de boa parte das famílias nobres portuguesas (MOCELIM, 2013). Ao escrever o

Livro de Linhagens o Conde Pedro Afonso de Barcelos selecionou uma grande quantidade

de poesias de amor e escárnio, além de lendas que tratam das origens de diversas casas

senhoriais (MATTOSO, 1985), a lenda da dama pé-de-cabra é uma dessas lendas mítico-

tradicionais que tratam da genealogia de famílias nobres portuguesas.

Originalmente, o intuito de Pedro Afonso de Barcelos era apresentar a origem

da família dos Haros. Segundo Soares (2011) a história da família Haros está dividida em

duas partes distintas, a primeira narra o estabelecimento de Froom, irmão do rei de

Inglaterra que veio a se estabelecer em Portugal com seu filho e deu origem ao senhorio de

Biscaia. A segunda parte conta a história de D. Diogo Lopes, bisneto de Froom, e de seu

casamento com uma dama misteriosa que possuía os pés parecidos ao de uma cabra, uma

estória em volta de magia. Nas palavras de Herculano (1956, p. 217) encontramos uma

introdução à história de D. Diogo Lopes, remetendo sua origem à leitura de um texto de

tempos mais remotos (o Livro de Linhagens).

Vós os que não credes em bruxas, nem em almas penadas, nem em tropelias de Satanás, assentai-vos aqui ao lar, bem juntos ao pé de mim, e contar-vos-ei a história de D. Diogo Lopes, senhor de Biscaia. E não me digam no fim: - “não podes ser.” – Pois eu sei cá inventar coisas destas? Se a conto, é porque a li num livro muito velho. E o autor do livro velho leu-a algures ou ouviu-a contar, que é o mesmo, a algum jogral em seus cantares.

Ainda segundo Soares (2011), a marca principal da história de Pedro Afonso

de Barcelos era evidenciar a presença dessa mulher misteriosa, conhecida como fada. Ela

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seria um ser dotado de mistério e magia e que simplesmente marcaria o trajeto e o declínio

dos Biscaia. Alexandre Herculano ao recontar a história e a intitular de A Dama pé-de-

cabra, evidenciou a característica nebulosa de transfigurar a fada em uma bruxa.

Acreditamos que Herculano entrelaçou uma história de genealogia familiar com uma

crítica ao estabelecimento de uma tradição familiar de origem estrangeira em terras

portuguesas e uma crítica à religião católica que transforma características do paganismo

em expressões diabólicas.

Siqueira e Dezidério (2012) completam a interpretação de A Dama de pé-de-

cabra afirmando que este conto é fruto do tom tenebroso do romantismo inglês e alemão,

característicos da novela gótica e do conto noir francês. O que justifica a presença de feitos

obscuros, tenebrosos e imprevistos. Mas, para situar melhor os leitores desta dissertação

vamos apresentar, sem esgotar, o conto A dama pé-de-cabra.

Este conto não define um ano preciso para o seu desenvolvimento, apenas se

destaca que passa no século XI, quando a península ibérica estava dividida entre reinos

cristãos e porções de terra pertencentes aos mulçumanos. D. Diogo Lopes, senhor de

Biscaia é apresentado no início do conto caçando em suas terras, até o momento em que

escuta uma voz feminina que cantava e atraia sua atenção de uma maneira sobrenatural. A

música parecia enfeitiçá-lo e o fez sair em busca da dama que cantava. Ao cavalgar ao

encontro da dama avistou-a e não pôde resistir à sua beleza. Conseguimos observar

características próprias do romantismo difundido nas obras medievais e posteriormente nas

obras romântico-históricas oitocentistas, D. Diogo Lopes se apaixonou olhando a dama

pela primeira vez e sem conhecê-la decidiu que a tomaria como esposa. A fim de

concretizar o casamento D. Diogo promete arras (o dote) a mulher e lhe oferece qualquer

propriedade ou qualquer porção de terra, contudo ela lhe surpreende com o pedido que lhe

faz.

“Que dote, pois, gentil dama, vos posso eu oferecer digno de vós e de mim; que se a vossa beleza é divina, eu sou em toda a Espanha o rico-homem mais abastado?”

“Rico-homem, rico-homem, o que eu te aceitaria como arras coisa é de valia; mas, apesar disso, não creio que mo concedas; porque é um legado de tua mãe, a rica-dona de Biscaia.”

“E se eu te amasse mais que a minha mãe, por que não te cederia qualquer dos seus muitos legados?”

“Então, se queres ver-me sempre ao pé de ti, não jures que farás o que dizes, mas dá-me disso a tua palavra.”

“A La fé de cavaleiro,não darei uma; darei milhentas palavras.”

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“(...) O que eu quero é que te esqueças é o sinal da cruz: o que eu quero que me prometas é que nunca mais hás-de persignar-te.” (HERCULANO, 1956, p. 218-219).

Apesar de se tratar de um pedido inusitado, D. Diogo o aceitou e prometeu que

tomaria a dama como esposa e que nunca mais faria sinal da cruz. Ao levá-la para casa e

tomá-la como mulher, vendo-a nua notou que seus pés lembravam os de uma cabra.

Ambos viveram juntos e felizes por alguns anos e tiveram dois filhos, Inigo e Dona Sol.

O casamento acabou após um incidente relatado por D. Diogo Lopes. Em um

dia aparentemente comum como outro qualquer, Diogo Lopes caçou em suas terras um

javali, ao retornar para casar presenteou seu alão (cão de caça fila) com um osso do javali.

O nobre presenciou seu cão ser morto pela podenga negra (cachorro inserido na península

ibérica pelos fenícios) de sua mulher, horrorizado com acena, D. Diogo fez o sinal da cruz

acreditando que o cachorro estivesse possuído por alguma força maligna. Sua mulher

soltou um gemido após o sinal da cruz e outra cena, considerada bizarra, é narrada por

Alexandre Herculano.

“Jesus, santo nome de Deus!” – bradou D. Diogo, a quem o terror dissipara as fumaças do vinho. E, travando de seu filho com as esquerda fez no ar com a direita, uma e outra vez, o sinal da cruz. E sua mulher deu um grande gemido e largou o braço de Inigo Guerra, que já tinha seguro, e, continuando a subir ao alto, saiu por uma grande fresta, levando a filhinha que muito chorava. Desde esse dia não houve saber mais nem da mãe nem da filha. A podenga negra, essa sumia-se por tal arte, que ninguém no castelo lhe tornou a pôr a vista em cima (HERCULANO, 1956, p. 222).

Depois deste acontecimento D. Diogo Lopes caiu em grande tristeza e

procurou o auxilio de um pároco, com o qual foi se confessar. Após o sacramento da

confissão D. Diogo foi penitenciado a combater os mouros, para poder expiar os seus

pecados e apagar os anos em que viveu com uma “bruxa”. O Senhor de Biscaia passou

muitos anos confrontando os “infiéis”, até que caiu como prisioneiro dos mulçumanos e

ficou cativo na cidade de Toledo. Os cristãos do reino de Castela afirmavam ao jovem

Inigo Guerra que não era possível resgatar o seu pai, pois não havia nenhum mulçumano

cativo que fosse tão valoroso para que pudesse ser trocado por D. Digo Lopes.

Sem alternativa Inigo Guerra decide procurar sua mãe para que ela pudesse

ajudá-lo a resgatar D. Diogo. Embrenhando-se em terras além dos limites das propriedades

dos Biscaia, Inigo consegue encontrar sua mãe, contudo, naquele momento ela não poderia

fazer nada para socorrê-lo, a não ser esperar. A mãe de D. Inigo Guerra explicou que

faltava apenas um ano para que D. Diogo cumprisse a penitência a qual foi submetido e

depois disso Inigo poderia ir resgatá-lo para retornar para casa. Ansioso, Inigo disse que

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não poderia esperar mais um ano, então sua mãe o alertou que iria fazer com que ele

dormisse por um ano e que quando acordasse deveria usar o onagro (cavalo selvagem) de

sua mãe e ir até Toledo cumprir o que havia sido dito. D. Inigo então adormeceu e ficou

deitado por um ano esperando que os avisos de sua mãe se cumprissem.

Inigo acordou alta noite: tinha dormido algumas horas: ao menos ele assim o cria. Olhou para o céu, viu estrelas: apalpou ao redor, achou terra: escutou, ouviu ramalhar as árvores. (...). Pareceu-lhe então ouvir respirar ali perto: afirmou a vista: era o onagro Pardalo. (...). E pondo-se em pé, encaminhou-se para o valente animal, que já estava enfreado e selado: cujos eram os arreios, isso sabia-o o diabo. (...). Então ouviu nos ares uma voz vibada, que cantava muito entoada. Era a voz da terrível Dama Pé-de-Cabra:

Cavalga, meu cavaleiro, No alento corredor; Vai salvar o bom senhor; Vai quebrar seu cativeiro. (...) (HERCULANO, 1956, p. 240-241).

Ao chegar na cidade de Toledo Inigo encontrou seu pai encarcerado, era uma

noite chuvosa e por conta disso não teve dificuldades em resgatar seu pai, ambos

cavalgaram para longe de Toledo e pararam apenas quando o onagro ouviu a voz da Dama

pé-de-cabra. D. Diogo Lopes fez novamente o sinal da cruz ao reconhecer a voz de sua

mulher e o cavalo o arremessou da cela. O onagro saiu cavalgando sozinho e pai e filho

puderam avistar as portas do inferno se abrindo e engolindo o cavalo, ambos perderam os

sentidos e quando acordaram um tempo depois estavam sozinhos. Desde esse dia D. Diogo

foi à missa todos os dias, enquanto D. Inigo nunca mais pisou em uma igreja e passaram a

dizer que ele havia feito pacto com o demônio, pois nunca mais perdera uma batalha.

A Dama pé-de-cabra é uma narrativa fantástica e ao mesmo tempo tradicional

e histórica, por tratar da genealogia dos nobres portugueses. Herculano transformou o

relato inicial do Conde Pedro Afonso de Barcelos em uma crítica ao cristianismo. Satiriza-

se o processo de cristianização que muitos territórios ocidentais passaram durante a Idade

Média, onde práticas e simbologias comuns às religiões pagãos são transmutadas em

práticas diabólicas (SIQUEIRA; DEZIDÉRIO, 2012).

Não se pode negar que A Dama pé-de-cabra é um exemplo sólido do discurso

anticlericalista de Alexandre Herculano. A transformação das mulheres fadas ou

simplesmente das mulheres que detinham conhecimentos quanto ao uso de plantas como

remédio em bruxas é um assunto recorrente no Tomo I de História da Origem e

estabelecimento da Inquisição em Portugal, onde Herculano (2009) expressa sua

descrença em acreditar que no século XVI, durante o pontificado de Leão X, ainda fosse

possível se acreditar em feitiços praticados por bruxas.

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De certa forma a Dama pé-de-cabra acaba trabalhando a favor da manutenção

dos senhores de Biscaia, apesar de possuir um caráter que para alguns pode ser diabólica

ela ajuda o filho a resgatar seu pai, manter a continuidade da família e o ajuda nas batalhas

que enfrentou após o resgate do pai.

4.4 D. Afonso Henriques: o primeiro rei de Portugal

Este conto de Alexandre Herculano intitula-se O Bispo Negro, esta narrativa

traz os primeiros momentos de D. Afonso Henriques à frente do reino de Portugal.

Explica-se de certa forma a gênese do povo português, onde a enumeração das

características do infante D. Afonso Henriques acaba servindo de modelo para o caráter

dos portugueses contemporâneos ao tempo de Alexandre Herculano.

O Bispo Negro é uma prosa narrativa que se passa no ano de 1130. O que nos

chamou a atenção para esta narrativa é o fato de trazer como personagem principal o

príncipe D. Afonso Henriques. Essa é uma característica relevante, pois não é comum

colocar uma personalidade real como uma personagem principal de um texto romântico

histórico do século XIX. O modelo de romance histórico inaugurado por Walter Scott,

geralmente traz personagens fictícios como protagonistas para não impossibilitar o autor de

empregar sua sensibilidade e criatividade no decorrer da história. Mas, para ser mais claro

ao leitor apresentaremos como se dão os fatos dessa prosa.

Herculano (1956) inicia apresentando a edificação que servirá de cenário para

o desenrolar dos principais acontecimentos da história, trata-se da catedral de Coimbra que

tem suas características realçadas pelas palavras de Alexandre Herculano que afirma que,

“houve um tempo em que a velha catedral conimbricense, hoje abandonada de seus bispos,

era formosa; houve tempo em que essas pedras, ora tisnadas pelos anos, eram ainda

pálidas, como as margens areentes do Mondego” (p. 253). A fala do autor é carregada de

saudosismo e relembrando que a catedral ainda mantinha as formas originais desde a sua

construção, apesar de não se saber se os seus construtores foram godos, árabes ou

sarracenos, mas que essa catedral “era formosa, na sua singela grandeza, entre as outras sés

das Espanhas” (idem). E Herculano (1956) deixa claro que ali se sucederam os

acontecimentos desta história.

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O texto prossegue fazendo uma apresentação de D. Afonso Henriques,

colocando todo o esforço que o mesmo havia executado para se colocar à frente do trono

português. D. Afonso Henriques possuía, também, a nomeação de Afonso I, nasceu em

julho de 1109 e morreu em 1185. Era conhecido como o Conquistador, por conta de suas

habilidades e coragem nos campos de batalha e também era denominado de o Fundador,

pois é considerado por muitos como aquele que conquistou a independência de Portugal

em relação ao reino de Castela (SIMÕES, [21--]).

As relações de D. Afonso Henriques e sua mãe (D. Teresa) se tornaram

conturbadas após a morte de seu pai, D. Henrique, no ano de 1112. D. Teresa passa a

administrar o condado lusitano no lugar de seu marido e se intitulou rainha. Contudo, ela

desperta o desagrado de camadas consideráveis do condado, “(...) conflitos com o alto

clero e, sobretudo a intimidade com Fernão Peres, fidalgo galego e seu amante a quem

entregara o governo dos distritos do Porto e Coimbra, trouxeram-lhe a revolta dos

portugueses, dos nobres do Condado e do próprio filho, sistematicamente afastados, da

gerência dos negócios públicos” (SIMÕES, [21--], s/p).

D. Afonso Henriques juntamente com seus partidários decidem se colocar

contra D. Teresa a fim de buscar a independência do Condado lusitano. Essa empreitada

tem seu ápice em um acontecimento conhecido como batalha de São Mamede, onde D.

Afonso consegue afastar D. Teresa e seu amante Fernão Peres dos interesses da

independência de Portugal.

O conto O Bispo Negro se inicia com ligações fortes com os acontecimentos

conflituosos entre D. Afonso Henriques e D. Teresa. O infante de Portugal mantinha sua

mãe presa e afastada de qualquer envolvimento com as questões administrativas do reino

de Portugal. D. Afonso Henriques é surpreendido com o pedido do Papa para que se

compadeça de sua mãe e a liberte do local que onde por ventura a mantinha presa. O Papa

fez do Bispo D. Bernardo, o mensageiro para levar as palavras de ordem a serem

cumpridas pelo Príncipe de Portugal. Em cena descrito por Alexandre Herculano, temos a

cena de encontro entre D. Afonso Henriques e D. Bernardo, simbolicamente uma reunião

entre Estado e Igreja, será possível observar, após a leitura deste trecho, que o

entendimento entre o monarca e o bispo não é dos melhores, uma clara ligação com as

opiniões do autor, que como um anticlericalista liberal, não acreditava na funcionalidade

da junção entre Igreja e Estado.

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“Guardai-vos Deus, Dom Bispo! Que mui urgente negócio vos traz esta noite? – disse o Príncipe a D. Bernardo.

“Más novas, senhor. Trazem-me aqui a mim letras do Papa, ora que recebi.”

“E que quer de vós o Papa?”

“Que de sua parte vos ordene solteis sua mãe...”

“Nem pelo Papa, nem por ninguém o farei.”

“E manda-me que vos declare excomungado, se não quiserdes cumprir o seu mandado.”

“E vós que intentais fazer?”

“Obedecer ao sucessor de S. Pedro.”

“Quê? D. Bernardo amaldiçoaria aquele a quem deve o bago pontificial; aquele que o alevantou do nada? Vós, Bispo de Coimbra, excomungaríeis o vosso príncipe, porque ele não quer pôr a risco a liberdade desta terra remida das opressões do senhor de Trava e de jugo do Rei de Leão; desta terra que é só minha e dos cavaleiros portugueses?”

“Tudo vos devo, senhor, - atalhou o Bispo - salvo a minha alma, que pertence a Deus, a minha fé, que devo a Cristo, e a minha obediência, que guardarei ao Papa.”

“D. Bernardo! D. Bernardo! – disse o Príncipe, sufocando de cólera – lembrai-vos de que afronta que se me fizesse nunca ficou sem paga!”

“Quereis, senhor infante, soltar vossa mãe?”

“Não! Mil vezes não!”

“Guardai-vos!” (HERCULANO, 1956, p. 255)

O rei, D. Afonso Henriques se exaltou com as palavras que o Bispo de

Coimbra havia proferido. Em uma atitude fria e rigidamente decidida o soberano escolheu

que diante da fiel obediência do Bispo para com o Papa era preciso eleger um novo

religioso que chefiasse a Sé de Coimbra, alguém que não se mostrasse tão fraco ao ponto

de excomungar o seu príncipe em detrimento das vontades do Papa. Nesse contexto da

narrativa notamos um discurso que coloca a Igreja como desconhecedora dos

acontecimentos pelos quais o condado lusitano havia passado em busca de sua

independência e por isso as atitudes rígidas de um filho para com a sua mãe não deveriam

ser colocadas como uma falta grave, pois o desenrolar dos fatos havia constituído Portugal

como uma nação e a constante vigilância de D. Afonso Henriques manteria a autonomia de

sua pátria. Herculano descreve um dos muitos desentendimentos ocorridos entre as

monarquias européias e a Igreja católica. Lembramos que no capítulo anterior citamos que

o histórico de tais desentendimentos foi uma das motivações para a criação de grupos

liberais anticlericalistas em Portugal, no século XIX.

Voltamos a detectar a característica anticlericalista da obra de Alexandre

Herculano, a posição que o Papa (o representante máximo da Igreja Católica) estava

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assumindo é colocada como algo fora de contexto e que não cabia para um bom

funcionamento da sociedade. Mas, analisando a partir da perspectiva que a prosa narra

acontecimentos do século XII, podemos concluir que, para este aspecto, Herculano está

sendo influenciado pela sociedade Liberal do século XIX. O anticlericalismo de Alexandre

Herculano é próprio do pensamento intelectual oitocentista e não seria nenhum

despropósito afirmar que as escolhas para a fundamentação da narrativa podem ter sido

afetadas por um pensamento anacrônico. Para Herculano o clérigo perfeito seria Eurico,

personagem criado para o romance Eurico, o Presbítero. Curiosamente Eurico combatia e

estava dividido entre os seus votos e o amor por Hermengarda, mas ele expressava tudo

serviria para o compatriota que levaria Portugal da decadência para o triunfo. “O herói

apresentava o caráter que satisfaria tanto ao reino quanto à igreja, era aquele que dava sua

vida pelo rei e pela sua fé, enfim, que era condizente com os ideais românticos e didáticos

do autor” (SANTOS, 2006, p. 74).

Contudo, voltemo-nos para o desenrolar de O Bispo Negro. A fim de, trocar o

Bispo de Coimbra, D. Afonso Henriques solicita a reunião de todos os possíveis candidatos

ao cargo:

Dali a pouco as portas da Sé estavam abertas, porque o sol era nado, o Príncipe, acompanhado de Lourenço Viegas (Espadeiro) e de dois pagens, atravessava a igreja e dirigia-se à crasta, onde, ao som de campa tangida, tinha mandado ajuntar o cabido, com pena de morte para o que aí faltasse (HERCULANO, 1956, p. 256).

Todos os clérigos que se fizeram presentes na Sé de Coimbra sabiam para que

propósito estavam ali. D. Afonso Henriques desejava que dali se retirasse um novo Bispo.

Impondo sua vontade e expressando a menor bondade, naquele instante o príncipe deixou

claro a todos que assistiria a eleição de um novo Bispo. Contudo, o mais velho dos

cônegos, representando a todos que estavam ali, disse que aquilo não era possível, pois já

possuíam um Bispo e, portanto, não caberia uma nova eleição; os clérigos ali reunidos

agiriam conforme o pensamento da Igreja católica, obedeceriam o Papa e nas entrelinhas

da escrita de Herculano percebe-se que todos excomungariam D. Afonso Henriques.

Diante da recusa, o infante Afonso Henriques gritou nervosamente a todos:

Esse que vós dizei – bradou o infante, cheio de cólera – esse jamais o será. Tirar-me quis ele o nome de filho de Deus; eu lhe tirarei o nome do seu vigário. Juro que nunca em meus dias porá D. Bernardo pés em Coimbra: nunca mais da cadeira episcopal ensinará um rebelde a fé das santas escrituras! Elegei outro: eu aprovarei a escolha (HERCULANO, 1956, p. 257-258).

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Apesar das palavras que os libertavam a uma nova escolha, os religiosos

repetiram que não poderiam fazer nova eleição e mantiveram suas palavras em honra à

decisão do Papa.

Herculano descreve que o príncipe português fez com que todos saíssem dali e

apesar da raiva que sentia, ao observar todos caminhando em direção às suas celas, cruzou

seu olhar com um religioso negro que o observava com aprovação, chamou-o e perguntou-

lhe o nome, ele respondeu afirmando que se chamava D. Soleima. Para surpresa de D.

Soleima, D. Afonso Henriques lhe fez Bispo e solicitou que ele celebrasse uma missa.

O clérigo negro espantou-se e de imediato recusou, mas ouvindo bem as

palavras do Príncipe que diziam – “‘D. Soleima, repare bem no que te digo! Sou eu que te

mando vestir as vestiduras da missa. Escolhe: ou hoje tu subirás os degraus do altar-mor da

sé de Coimbra, ou a cabeça te descerá de cima dos ombros e rolará pelas lajes deste

pavimento’” (HERCULANO, 1956, p. 259) – decidiu aceitar.

Afonso Henriques prende a mãe no castelo de Lanhoso. O bispo de Coimbra intima o príncipe, sob pena de excomunhão, a soltá-la. Não só não lhe obedece o jovem Rei, como o expulsa da diocese, nomeando para o bispado o clérigo negro de Soleima (BARREIROS, 1989, p. 83).

A atitude do infante de Portugal alcançou proporções que puderam ser sentidas

em Roma. D. Afonso Henriques foi avisado por cavaleiros prestigiosos e de sua inteira

confiança – Gonçalo Mendes de Maia, Lourenço Viegas e Gonçalo de Sousa, o Bom – que

a eleição de um novo Bispo não estava sendo aceita por completo pelas autoridades

eclesiásticas da Igreja Católica. Por conta da situação delicada que havia sido formada, o

Papa estava enviando um Cardeal para que verificasse se o Príncipe de Portugal não havia

se tornado um herege.

Mostrando-se autoconfiante, o Príncipe não ficou temeroso e demonstrou que

sua postura não seria a de alguém que ficaria abaixo das vontades da Igreja. Em resposta

àqueles que estavam fazendo fila para beijar a mão deste Cardeal, ele disse: “não sei eu se

haveria aí cardeal ou apostólico [Papa], que me estendesse a mão para eu lha beijar, que

pelo cotovelo lha não cortasse fora a minha boa espada. Que me importam a mim vilezas

dos outros reis e senhores? Vilezas, não as farei eu!” (HERCULANO, 1956, p. 260).

Quando finalmente se encontrou com o Cardeal, Afonso Henriques manteve

uma postura rígida e zombou do religioso, dizendo para ele que se “me trazeis agora algum

ouro, que de seus grandes haveres me manda o senhor Papa para estas hostes que faço e

com que guerreio, noite e dia, os infiéis da frontaria. Se isto trazeis, aceitar-vo-lo-ei: depois

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desembaraçadamente podeis seguir vossa viagem.” (HERCULANO, 1956, p. 261). O

Cardeal respondeu com violência rebatendo as palavras do infante e colocando que o que

lhe trazia ali era a necessidade de lhe ensinar o caminho da fé, pois parecia que o mesmo

havia esquecido ao desrespeitar D. Bernardo e coagir D. Soleima a aceitar o cargo de

Bispo depois de ameaçá-lo.

O Príncipe de Portugal vociferou sob o clérigo, deixando claro que os

portugueses conheciam a todos os preceitos da Igreja e respeitavam todos os dogmas que

ela pregava e não era necessário que religioso algum lhe ensinasse o caminho da fé. As

frases foram tão fortes que o Cardeal não disse nada em resposta, ficou calado e virou as

costas e foi embora. Contudo, os acontecimentos da manhã seguinte surpreenderiam o

Infante Afonso Henriques.

Todos os que viviam sob a proteção de D. Afonso Henriques foram pegos de

surpresa com a notícia que acabara de chegar, pois “o Cardeal excomungou esta noite a

cidade e partiu: as igrejas estão fechadas; os sinos já não há quem os toque; os clérigos

fecham-se em suas pousadas. A maldição do Santo Padre de Roma caiu sobre nossas

cabeças (HERCULANO, 1956, p. 262) .

Diante dessas palavras, o Infante Português saiu em cima de um dos seus

melhores cavalos de guerra a cavalgar em busca do Cardeal que havia excomungado a

cidade de Coimbra. Preocupados com o caráter forte e violento do Príncipe, Gonçalo de

Sousa e Lourenço Viegas saíram em busca dele e o alcançaram quando este via o Cardeal

que fugia de Coimbra acompanhado de dois sobrinhos. O infante partiu para cima do

Cardeal com sua espada em mãos e desceu a lâmina desta sob a cabeça do clérigo, mas os

fiéis cavaleiros do Príncipe conseguiram evitar que o sangue do religioso fosse derramado

ao pararem a espada de Afonso Henriques com suas lâminas. Afonso Henriques então

vociferou ao Cardeal que ele revertesse a situação na qual deixava a cidade de Coimbra,

ele teria quatro meses para providenciar que de Roma viessem palavras abençoadas para os

Coimbrenses, ou então ele mataria os sobrinhos do Cardeal que ficariam com ele.

Diante da situação de risco quatro meses foram suficientes para que o Cardeal

providenciasse o que foi pedido. Questionado pelo Papa, o velho clérigo justificou sua

atitude afirmando que “se tu, Santo Padre, viras sobre ti um cavaleiro tão bravo ter-te pelo

cabeção e a espada nua para te cortar a cabeça, e seu cavalo, tão feroz arranhar a terra, que

já te fazia a cova para te enterrar, não somente deras as letras, mas também o papado e a

cadeira apostolical” (HERCULANO, 1956, p. 265). Essas palavras encerram o conto e

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elevam a figura de D. Afonso Henriques, ao afirmar que sua bravura e força são

inquestionáveis e não podem ser paradas pelos desejos da Igreja Católica.

Em diversas passagens do conto, Alexandre Herculano faz construções

literárias que exaltam a figura de D. Afonso Henriques. Esse conto especificamente narra

os primórdios do estabelecimento de Portugal como nação e todas as passagens que

engrandecem os feitos do infante de Portugal acabam por tentar mostrar que todos os

portugueses são descendentes destas características. As tentativas de Alexandre Herculano

de engrandecer D. Afonso Henriques de certa forma acertivas, muitos portugueses

lembram de Afonso Henriques como o primeiro rei de Portugal, e um dos mais valorosos,

intensamente registrado na historiografia de Portugal.

Marinho (1992), também coloca que O Bispo Negro, assim como, O Castelo de

Faria é inspirado nas crônicas sobre os reis portugueses, escritas por Fernão Lopes, a união

entre fatos históricos e a perícia literária contribuem fundamentalmente para o

estabelecimento das tradições nacionais. É verdade que os acontecimentos narrados no

conto podem não ter acontecido da forma como foram registrados, mas o modo como se

reescreveu as crônicas reais perpetuou a coragem e a rigidez como uma característica dos

portugueses, desde o monarca até o mais simples membro da pátria.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os contos literários escolhidos para fazer parte desta dissertação trabalham

como um importante mecanismo para a criação dos valores nacionais portugueses do

século XIX. A produção literária é um artifício político para a criação de fronteiras

culturais, assim como, é a educação moldada pelo Estado que nasce com a era Industrial.

Um exemplo disso pode ser obtido se relembrarmos que o IHGB (Instituto Histórico

Geográfico Brasileiro) promovia concursos para a escrita da História das origens do Brasil,

no século XIX, e que obras literárias surgiam, como sendo a opção favorita para a escrita

dos primórdios do Brasil. No primeiro capítulo desta dissertação apresentamos dentre

algumas formas de construção do nacionalismo movimentos de pessoas que se

objetivavam em criar as particularidades do sentimento nacional e do patriotismo, a saber:

a atribuição de Fingal e Temora à Ossian pelos Macpherson, que desejavam criar uma

gênese da identidade escocesa a partir da literatura ou ainda o direcionamento da sociedade

francesa do século XIX para o republicanismo através da obra de Victor Hugo.

Além dos contos servirem a um papel político, eles também funcionam como

uma forma encontrada por Alexandre Herculano para criticar o seu tempo histórico. Em

suas buscas pelos documentos da história de Portugal que serviram para embasar seus

contos literários (e ao mesmo tempo históricos), Herculano encontrou passagens do

passado que transmitiam uma maior serenidade e características que honrariam melhor o

seu tempo. (COELHO, 2011). Essas passagens do passado que transmitiam bons valores à

sociedade oitocentista de Portugal, falavam sobre a Idade Média. Durante os anos de 1853

e 1854, Herculano percorreu os cartórios do centro e do norte de Portugal, em busca de

pergaminhos que falassem sobre temas de seu interesse, e que fundamentassem a história

de Portugal; essa busca fundamentou a utilização da Idade Média, como o tempo de

criação das línguas nacionais e dos povos modernos (COELHO, 2011).

Para termos idéia da importância e do sucesso da Idade Média na obra de

Alexandre Herculano, os quatro volumes da obra História de Portugal concentrou-se na

Idade Média.

No primeiro volume trata das origens de Portugal desde o domínio árabe até ao final do governo de Afonso Henriques; no segundo avança pelo reinado de D. Sancho I, D. Afonso II e D. Sancho II; dedica o terceiro a D. Afonso III e a alguns aspectos da vida social; já o quarto volume é todo ele centrado na

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instituição municipal e nos forais que a sancionavam (...) (COELHO, 2011, p. 65).

Levando em consideração a importância que os valores da Idade Média

tiveram para a produção escrita de Alexandre Herculano, tanto de textos históricos quanto

de textos literários, gostaríamos de demonstrar as escolhas temáticas de Herculano para a

exaltação de Portugal, e ao enumerar algumas características dos contos, gostaríamos de

evidenciar a forma como os valores nacionais portugueses foram sendo embutidos durante

a confecção dos textos literários, ressaltando-se como são utilizados alguns elementos

típicos do universo português, com o objetivo de criar laços de identificação que façam o

leitor imaginar que de fato existem símbolos e heróis que estabelecem uma singularidade

para o povo português. Uma questão muito recorrente é a descrição cuidadosa, que é feita

por Alexandre Herculano, das paisagens naturais da península ibérica. A flora e o relevo de

Portugal, geralmente são apresentados no início do conto para poder situar o leitor quanto à

localidade em que se desenvolveu a história. Para exemplificar isso destacamos o seguinte

trecho que inicia A abóbada.

O dia 6 de janeiro do ano da Redenção de 1401 tinha amanhecido puro e sem nuvens. Os campos, cobertos aqui de relva, acolá de searas, que cresciam a olhos vistos com o calor benéfico do sol, verdejavam ao longe, ricos de futuro para o pegureiro e para o lavrador. Em um destes formosíssimos dias de inverno mais gratos que os do estio, porque são de esperança, e a esperança, vale mais do que a realidade; destes dias, que Deus só concedeu aos países do ocidente, em que os raios do sol, que começa a subir na eclíptica, estirando-se vívidos e trémulos por cima da terra enegrecida pela humanidade, e errando por entre os troncos pardos dos arvoredos despidos pelas geadas, se assemelham a um bando de crianças, no primeiro viço da vida, a folgar e a rolar-se por cima da campa, sobre a qual há muito sussurrou o último ai de saudade, e que invadiram os musgos e abrolhos do esquecimento (HERCULANO, 1956, p. 159).

Descrições, como essa, enobrecem o território português destacando suas

belezas desde tempos remotos. Lembramo-nos da contribuição de Castro (1997), que fala a

respeito da utilização do conceito de imaginário geográfico, que trata-se de uma das

formas de expressão do imaginário social; a elaboração da descrição do espaço geográfico

sendo utilizado para a criação do sentimento de pertencimento é um artifício válido e ele é

empregado por Alexandre Herculano na construção dos contos literários. Por exemplo, não

pode-se negar a importância de Lisboa e da região do Entre-Douro-e-Minho para as

narrativas de Arras por foro D’Espanha e O castelo de Faria, respectivamente; fazem-se

associações entre as cidades e as características valorosas das pessoas que habitavam essas

regiões. Criam-se laços de identidade nacional a partir da geografia que estabelece as

fronteiras dessas porções de terra.

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Também se podem enumerar as descrições produzidas sobre os diversos

monumentos construídos durante a História de Portugal. Herculano produziu textos cheios

de saudosismo e que relembravam o caráter imponente das construções, algumas vezes

comparando-os com o estado abandonado em que se encontravam em tempos atuais

(século XIX). Esse artifício foi utilizado ao se apresentar o castelo de Faria em O castelo

de Faria, a Sé de Coimbra em O Bispo negro, o Mosteiro da Batalha em A abóbada, a

arquitetura urbana de Lisboa e a catedral de Lisboa em Arras por foro D’Espanha.

Em todos os contos a Idade Média foi o período selecionado para o

desenvolvimento das narrativas, uma boa parte delas foi inspirada em relatos cristalizados

na historiografia portuguesa, a saber: O castelo de Faria, O Bispo negro e A morte do

Lidador foram retirados do Livro de Crônicas de Fernão Lopes e A Dama pé-de-cabra foi

inspirada em uma passagem do Livro de Linhagens do Conde Pedro Afonso de Barcelos.

Todas os textos trazem cavaleiros da história de Portugal como personagens dos contos,

citamos Nuno Gonçalves e Gonçalo Nunes em O castelo de Faria; D. Dinis, irmão do rei

D. Fernando em Arras por foro de Espanha; D. Afonso Henriques em O Bispo negro;

Gonçalo Mendes da Maia em A morte do Lidador; D. Diogo Lopes em A Dama pé-de-

cabra; Mestre Afonso Domingues em A abóbada, todos estes são heróis da História de

Portugal, os contos serviram para popularizar as suas histórias de vida e transformá-los em

mitos. Estas personagens são descritas como sendo detentoras das qualidades mais

virtuosas que um homem poderia alcançar. Seus atos são realizados levando em

consideração a coragem, a força, a humanidade e o bem da pátria. Gonçalo Mendes da

Maia em A morte do Lidador prefere seguir a combater os Mouros com inúmeras feridas

do que deixar as fronteiras de Portugal desprotegidas contra os “infiéis”.

Em todos os contos se realça que Portugal esteve envolvido em guerras que

serviram para proteger as fronteiras do território. E em nenhuma delas os portugueses

saíram como derrotados, sempre enfrentaram as adversidades e superaram as desvantagens.

Em O castelo de Faria, Gonçalo Nunes superou a morte de seu pai e derrotou o reino de

Castela que tentava tomar de assalto o castelo de Faria e em A morte do Lidador, Gonçalo

Mendes da Maia combateu os Mouros até cair sem vida no campo de batalha.

De fato, o legado construído por Alexandre Herculano está sendo preservado,

pois uma grande parte dos personagens eternizados pelo autor se tornaram heróis da

história de Portugal e muitos indivíduos se identificam com os mesmos. Assim como, os

cenários empregados e descritos nas narrativas tornaram-se símbolos de lendas, como por

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exemplo, o Castelo de Faria que apesar de não estar mais edificado, transformou-se em

uma referência para os moradores de Barcelos que relatam que o local é identificado como

tendo possuído diversas ocupações desde a Idade do Bronze (CÂMARA MUNICIPAL DE

BARCELOS, [21--?]).

Alexandre Herculano entrou em contato com a produção intelectual da França

e da Inglaterra durante os anos de exílio e soube utilizar o romance histórico, modalidade

literária criada pelo escocês Walter Scott, a seu favor. Contudo, adaptou o conhecimento

adquirido para a escrita da história da nação portuguesa, combatendo os estrangeirismos e

promovendo que cada país utilizasse a literatura para glorificar os feitos heróicos de sua

nação. Herculano escreveu seu nome no cenário intelectual português, atuando de maneira

presente na política e na cultura, basta a nós, historiadores, mantermos o seu legado vivo

para a posteridade.

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