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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALANA LEMOS BUENO A FORMAÇÃO DO NOVO PROFISSIONAL: ANÁLISE DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO INTERDISCIPLINARES ÁREA BÁSICA ENGENHARIA, TECNOLOGIA E GESTÃO CURITIBA 2017

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ALANA LEMOS BUENO · científico e tecnológico como vantagem na busca pelo lucro e no enfrentamento da competividade. Desse modo, parte-se da afirmação

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

ALANA LEMOS BUENO

A FORMAÇÃO DO NOVO PROFISSIONAL: ANÁLISE DOS PROGRAMAS DE

PÓS-GRADUAÇÃO INTERDISCIPLINARES – ÁREA BÁSICA ENGENHARIA,

TECNOLOGIA E GESTÃO

CURITIBA

2017

ALANA LEMOS BUENO

A FORMAÇÃO DO NOVO PROFISSIONAL: ANÁLISE DOS sPROGRAMAS DE

PÓS-GRADUAÇÃO INTERDISCIPLINARES – ÁREA BÁSICA ENGENHARIA,

TECNOLOGIA E GESTÃO

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção

do título de Licenciada no Curso de Ciências Sociais, Setor

de Ciências Humanas, da Universidade Federal do Paraná.

Orientadora: Profª. Drª. Noela Invernizzi.

CURITIBA

2017

RESUMO

Este trabalho aborda a relação entre o novo profissional projetado pela Pós-graduação

interdisciplinar brasileira e as novas competências demandadas pelo capitalismo flexível. A

reestruturação produtiva ocorrida a partir da década de 1970 transformou as estruturas do

mercado de trabalho e atingiu o âmago dos processos de formação e qualificação

profissionais. A emergência de novos arranjos organizacionais e uma nova base técnica nos

padrões de produção flexíveis levou a uma valorização do conhecimento técnico e científico

na busca pelo lucro e no enfrentamento da competitividade. Diante disso, o papel

desempenhado pelas universidades e institutos de pesquisas foi modificado em torno da lógica

mercantil e pragmática. No Brasil, esse processo foi introduzido principalmente pela

reorganização do ensino superior no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). No

âmbito acadêmico, a compreensão dessa nova base técnico-científica foi correlacionada às

novas formas de produção do conhecimento e de formação profissional caracterizada pela

interdisciplinaridade, e manifesta na criação da Grande Área Multidisciplinar em 1999 na

Pós-graduação. Nesse contexto, este trabalho teve como objetivo analisar as propostas dos

Programas de Pós-Graduação interdisciplinares – Área Básica Engenharia, Tecnologia e

Gestão – para avaliar de que forma a concepção de interdisciplinaridade se coloca como novo

elemento de qualificação profissional. A pesquisa realizada foi de cunho bibliográfico e

documental. A informação documental provém das propostas dos Programas de Pós-

graduação investigados que são disponibilizadas na Plataforma Sucupira, da Coordenação de

Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (CAPES). A investigação focalizou em três

relevantes aspectos: a configuração da interdisciplinaridade mediante a composição do corpo

docente; o perfil profissional delineado pelos Programas; e os egressos. Os resultados da

pesquisa revelaram que há, efetivamente, uma mobilização da interdisciplinaridade na

construção de um novo profissional, em que ocorre a conjunção das novas habilidades

demandadas pelo capitalismo com a formação interdisciplinar, produzindo assim um perfil

profissional inovador. Contudo, evidenciou-se que estes profissionais interdisciplinares, após

sua formação, estão majoritariamente incorporados em atividades do setor acadêmico, dado a

baixa absorção pelo setor produtivo. Isto comprova a lacuna existente entre a proposta de

formação inovadora das universidades brasileiras e a efetiva demanda deste tipo de

profissional pelo setor produtivo que, embora tenha passado por um processo de

reestruturação, mantêm um padrão de baixa inovação, com reduzida demanda de força de

trabalho altamente qualificada.

Palavras-chaves: Pós-graduação; Interdisciplinaridade; Novo profissional.

ABSTRACT

This paper discusses the relationship between the new professional projected by the

brazilian interdisciplinary Graduate Programs and the new skills demanded by flexible

capitalism. Productive restructuring since the 1970s has transformed labor market structures

and reached the core of professional training and qualification processes. The emergence of

new organizational arrangements and a new technical basis in flexible production patterns has

led to an appreciation of technical and scientific knowledge in the quest for profit and in

facing competitiveness. Faced with this, the role played by universities and research institutes

has been modified around mercantile and pragmatic logic. In Brazil, this process was

introduced mainly by the reorganization of higher education in the government of Fernando

Henrique Cardoso (1995-2002). In the academic field, the understanding of this new

technical-scientific base was correlated to the new forms of production of knowledge and

professional formation characterized by interdisciplinarity, and manifested in the creation of

the Multidisciplinary Area in 1999 in the Graduate studies. In this context, the objective of

this study was to analyze the proposals of the interdisciplinary Graduate Programs - Basic

Area Engineering, Technology and Management - to evaluate how the concept of

interdisciplinarity is placed as a new element of professional qualification. The research

carried out was of a bibliographic and documentary nature. The documentary information

comes from the proposals of the Graduate Programs investigated that are available in the

Plataforma Sucupira, from the Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível

Superior (CAPES). The research focused on three relevant aspects: the configuration of

interdisciplinarity through the composition of the teaching staff; the professional profile

outlined by the Programs; and the results of this process, that is, the graduates. The results of

the research revealed that there is effectively a mobilization of interdisciplinarity in the

construction of a new professional, in which the new skills demanded by capitalism and the

interdisciplinary formation take place, thus producing an innovative professional profile.

However, it was evidenced that these interdisciplinary professionals, after their formation, are

mostly incorporated in activities of the academic sector, given the low absorption by the

productive sector. This confirms the gap between the innovative training proposal of brazilian

universities and the effective demand of this type of professional by the productive sector,

which, although it has undergone a restructuring process, maintains a pattern of low

innovation, with a low labor demand highly qualified.

Keywords: Postgraduate programs; Interdisciplinarity; New professional.

LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 – Distribuição do corpo docente por área de conhecimento (Programa de Pós-

graduação em Modelagem Computacional – LNCC)

GRÁFICO 2 – Distribuição do corpo docente por área de conhecimento (Programa de Pós-

graduação em Computação Aplicada – INPE)

GRÁFICO 3 – Distribuição do corpo docente por área de conhecimento (Programa de Pós-

graduação em Energia – USP)

GRÁFICO 4 – Distribuição do corpo docente por área de conhecimento (Programa de Pós-

graduação em Modelagem Computacional – UERJ)

GRÁFICO 5 – Distribuição do corpo docente por área de conhecimento (Programa de Pós-

graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento – UFSC)

LISTA DE SIGLAS

CAP – Programa de Pós-graduação em Computação Aplicada

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior

CNPQ – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CT&I – Ciência, Tecnologia e Inovação

FIES – Fundo de Financiamento Estudantil

FMI – Fundo Monetário Internacional

IEE – Instituto de Energia e Ambiente

IFES – Instituições Federais de Ensino Superior

INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação

LNCC – Laboratório Nacional de Computação Científica

MCTI – Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação

MEC – Ministério da Educação

P&D – Pesquisa e Desenvolvimento

PINTEC – Pesquisa de Inovação

PNPG – Plano Nacional de Pós-Graduação

PPGE – Programa de Pós-graduação em Energia

PPGEGC – Programa de Pós-graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento

PPG-LNCC – Programa de Pós-graduação do Laboratório Nacional de Computação

Científica

PPGMC – Programa de Pós-graduação em Modelagem Computacional

PROUNI – Programa Universidade para Todos

REUNI – Programa de Apoio a Planos de Reestruração e Expansão das Universidades

Federais

SINAES – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior

SNPG – Sistema Nacional de Pós-Graduação

UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

USP – Universidade de São Paulo

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 8

2 O REGIME DE ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL E A NOVA BASE TÉCNICA DO

CAPITAL............................................................................................................................... 11

2.1 A CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL: O ADVENTO DO TOYOTISMO E AS

NOVAS COMPETÊNCIAS DEMANDADAS AOS TRABALHADORES......................... 11

2.2 A INTELECTUALIZAÇÃO DO TRABALHO......................................................... 16

3 A REESTRUTURAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL: NOVOS

HORIZONTES E PERSPECTIVAS PARA AS

UNIVERSIDADES................................................................................................................ 20

3.1 A REFORMA DO ESTADO NO BRASIL E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O

ENSINO SUPERIOR NOS ANOS 90.................................................................................... 20

3.2 AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO SUPERIOR NO GOVERNO

LULA E ROUSSEFF.............................................................................................................. 26

4 A CONCEPÇÃO DE INTERDISCIPLINARIDADE........................................... 28

4.1 A PATOLOGIA DO SABER E A INTERDISCIPLINARIDADE............................ 28

4.2 A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA: DA PÓS-GRADUAÇÃO DO MODELO DE

CÁTEDRAS À GÊNESE DA ÁREA INTERDISCIPLINAR............................................... 33

5 ANÁLISE DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DA ÁREA BÁSICA

ENGENHARIA, TECNOLOGIA E GESTÃO.................................................................. 39

5.1 OS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO............................................................ 40

5.2 A CONFIGURAÇÃO DA INTERDISCIPLINARIDADE NO CORPO DOCENTE

DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO..................................................................... 50

5.3 A CONSTRUÇÃO DO NOVO PROFISSIONAL INTERDISCIPLINAR............... 57

5.4 OS EGRESSOS DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO.............................. 61

6 CONCLUSÃO........................................................................................................... 65

REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 68

FONTES DOCUMENTAIS................................................................................................. 70

8

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho surge de indagações acerca dos vínculos entre a educação e o trabalho na

sociedade capitalista. O ponto de partida consiste na emergência de uma nova base técnico-

científica no regime de acumulação flexível, em que se enfatiza o acesso ao conhecimento

científico e tecnológico como vantagem na busca pelo lucro e no enfrentamento da

competividade. Desse modo, parte-se da afirmação de Harvey (2014) de que a produção

organizada do conhecimento estabeleceu-se como peça-chave para a acumulação de capital,

fornecendo a força intelectual necessária ao aparato produtivo.

Nesse sentido, destaca-se a percepção do conhecimento como principal força

produtiva, apontada por Gorz (2005) pela valorização do “capital conhecimento”, e no

parentesco entre ciência e capital. Aqui, a produção do conhecimento científico e tecnológico

configurou-se enquanto elemento crucial para o desenvolvimento dos países capitalistas. À

vista disso, o papel das universidades e dos institutos de pesquisa modificou-se diante desse

cenário sendo projetado consoante a uma lógica pragmática e mercantil.

Diante disso, compreende-se este processo a partir do contexto de reconfiguração da

educação superior no Brasil na década de 90 e as alterações no mundo do trabalho provocadas

pela reestruturação produtiva. Sob este panorama, são elencadas questões relativas às novas

formas organizacionais que surgem no regime de acumulação flexível, as novas competências

demandadas aos trabalhadores, e o modo como estas adentram o cerne dos processos de

formação de profissionais, sobretudo, das políticas educacionais.

Um importante movimento de questionamento do papel social da ciência é elencado

neste trabalho. Trata-se do advento da interdisciplinaridade enquanto via de superação e

transformação do saber fragmentado que se tornou inspiração para o ensino e a pesquisa, da

educação básica à universidade. Neste último caso, a institucionalização da

interdisciplinaridade na Pós-graduação brasileira mediante a criação da Grande Área

Multidisciplinar em 1999 revelou esforços para a consolidação de novas formas de produção e

gestão do conhecimento científico e tecnológico e para a formação de recursos humanos.

Com base neste quadro, o foco deste trabalho, e o que se constitui como seu objeto,

está centrado nos Programas de Pós-graduação interdisciplinares do Brasil e a construção do

novo profissional que daí surge. Ao analisar as propostas dos Programas de Pós-graduação da

Área Interdisciplinar, especificamente daqueles que se inserem na Área Básica Engenharia,

Tecnologia e Gestão, busca-se apontar para elementos que revelem a convergência entre a

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interdisciplinaridade e as novas demandas do mercado de trabalho. Dessa forma, a hipótese

deste trabalho centra-se na concepção da interdisciplinaridade como novo elemento de

qualificação profissional, ou como aquela tem sido apropriada para suprir uma demanda dos

novos padrões de produção flexíveis.

Para este fim, o trabalho organiza-se da seguinte forma: o primeiro capítulo refere-se

ao processo de reestruturação produtiva ocorrido no final do século XX, entendido consoante

à crise estrutural do capital, e retratada pela crise do fordismo. O toyotismo é apresentado

enquanto modelo alternativo, e articulador de uma nova hegemonia em que se exprime a

coerção e o consentimento do trabalhador de forma íntegra, isto é, da sua mente e corpo.

Além disso, neste capítulo procura-se definir o processo de intelectualização do trabalho, no

qual o conhecimento passa a ser arquitetado como estratégia na busca pelo lucro.

O segundo capítulo concerne ao movimento de reformas ocorrido no Brasil na década

de 1990. Trata-se de compreender a reforma do Estado sob o processo de descentralização, e

suas implicações no domínio da educação, especificamente em nível superior. Essa temática é

apresentada percorrendo as principais medidas executadas para as universidades no governo

de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Assim, aponta-se para transformações em

relação à concepção, identidade e organização das universidades brasileiras. Neste capítulo,

também são destacadas as políticas estabelecidas para o ensino superior no governo de Luís

Inácio Lula da Silva (2003-2011) e Dilma Rousseff (2011-2016).

O terceiro capítulo remete à problemática da produção do conhecimento na

contemporaneidade sob a perspectiva da complexidade e da interdisciplinaridade. Em relação

à primeira, discutem-se as contribuições de Edgar Morin (1991) no tocante ao paradigma

simplificador, característico do pensamento científico clássico. Em seguida, a

interdisciplinaridade é abordada segundo Hilton Japiassu (1976), em que esta se define como

uma nova maneira de encarar a fragmentação epistemológica do saber. Outro ponto

importante do capítulo diz respeito à institucionalização da prática interdisciplinar nas

universidades brasileiras através da consolidação da Área Interdisciplinar na Pós-graduação.

O quarto capítulo desenvolve a análise das propostas de cinco Programas de Pós-

graduação da Área Interdisciplinar, inseridos especificamente na Área Básica Engenharia,

Tecnologia e Gestão. Objetiva-se apresentar e interpretar os relatórios dos Programas

divulgados pela Plataforma Sucupira. De maneira geral, o capítulo abrange a configuração da

interdisciplinaridade no corpo docente dos Programas; o perfil profissional que se projeta nas

propostas dos Programas concomitante à construção do novo profissional apontado pela

10

CAPES; e, finalmente, o balanço daqueles que constituem o resultado disso, isto é, os

egressos. O último capítulo apresenta as conclusões finais deste trabalho.

11

2 O REGIME DE ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL E A NOVA BASE TÉCNICA DO

CAPITAL

Este capítulo apresenta uma revisão bibliográfica acerca do processo de reorganização

do capital que emergiu no final do século XX. Apresentam-se contribuições teóricas

relevantes quanto à interpretação deste cenário marcado por profundas transformações no

âmbito das formas organizacionais de produção industrial, e, sobretudo, da vida social e

política.

A primeira seção refere-se à contextualização da crise estrutural do capital,

representada pela crise do fordismo, e suas tentativas de superação mediante a transição para

o regime de acumulação flexível, conforme denominado por Harvey (2014). Aqui, destaca-se

o estabelecimento do toyotismo enquanto representante das inovações internas às fábricas nos

novos padrões de produção flexível. Com base em Alves (2007), a concepção de ‘captura’ da

subjetividade do trabalho ilustra o modo como as novas competências demandadas aos

trabalhadores se constituem na subsunção da subjetividade à lógica do capital. Sobretudo,

enfatiza-se a capacidade do novo complexo de reestruturação produtiva em se alastrar para as

dimensões sócio-reprodutivas, evidenciando a força da incorporação do discurso produtivista

na vida social.

Posteriormente, a segunda seção apresenta aspectos relativos aos processos de

formação e qualificação profissional, entendendo-os sob a concepção de intelectualização do

trabalho. Nesse sentido, são percebidos pelo uso de forças intelectuais, isto é, uma base

técnico-científica altamente qualificada como vantagem na busca pelo lucro. O papel das

universidades e institutos de pesquisas são concebidos neste cenário de acordo com a ideia de

valorização do conhecimento enquanto mercadoria-chave proposta por Harvey (2014).

2.1 A CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL: O ADVENTO DO TOYOTISMO E AS

NOVAS COMPETÊNCIAS DEMANDADAS AOS TRABALHADORES

O tema da reorganização do capital ocorrido no final do século XX mobilizou um

amplo debate acerca das dimensões e significados desse processo no mundo do trabalho. A

crise estrutural do capital representada de forma mais específica pela crise do padrão de

acumulação fordista e do keynesianismo, atingiu o centro dinâmico do sistema mundial do

capitalismo (os Estados Unidos, a Europa Ocidental e o Japão) e introduziu um novo

complexo de reestruturação capitalista. (ALVES, 2007; ANTUNES, 2005).

12

O fordismo fundamentava-se na produção em massa de mercadorias e na produção

homogeneizada e verticalizada em que se organizava o trabalho parcelar e fragmentado.

(ANTUNES, 2005). A produção de massa significou para além da novidade do consumo de

massa, um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e

gerência do trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia. (HARVEY, 2014). Para

Antunes (2005), o fordismo aliado à organização científica do trabalho de F.W. Taylor

exprimiu “a forma mais avançada da racionalização capitalista do processo de trabalho ao

longo de várias décadas do século XX.” (p. 38).

O período de expansão do pós-guerra (1945-1973) denominado “fordista-keynesiano”

caracterizou-se pela expansão internacional do capitalismo, a elevação dos padrões de vida, a

democracia de massa e o controle das guerras intercapitalistas. O equilíbrio de poder entre o

trabalho organizado, o grande capital corporativo e a nação-Estado foi o que estabeleceu as

bases de poder da expansão do pós-guerra. (HARVEY, 2014). Segundo Harvey (2014), a

década de 1960 e 1970 caracterizou-se pela incapacidade do fordismo-keynesiano de lidar

com as contradições inerentes do capitalismo. A dificuldade maior do fordismo estava

manifesta em sua rigidez em termos de investimentos de capital fixo de larga escala e de

longo prazo, de mercados, de contratos de trabalho e de compromissos do Estado. O único

instrumento de resposta flexível aos problemas mais graves do fordismo era a sua política

monetária. Entretanto, neste cenário rompeu-se uma forte onda inflacionária.

Deste modo, as tentativas para superar a crise do capital deram início a um vasto

processo de reestruturação tanto em relação aos domínios da organização industrial, visando

recuperar o seu ciclo produtivo, como da vida social e política. (ANTUNES, 2005;

HARVEY, 2014). A principal hipótese de Harvey (2014) é a de que houve uma transição no

regime de acumulação e no modo de regulamentação social e política. O regime de

acumulação flexível é definido pelo autor como um “confronto direto com a rigidez do

fordismo” (p.140) em que os processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e

padrões de consumo são demarcados pela flexibilidade.

O regime de acumulação flexível apresenta uma estrutura de mercado de trabalho

baseado em dois grupos: o centro e a periferia. O primeiro refere-se aos empregados em

tempo integral, e que possuem maior estabilidade e benefícios; o segundo subdivide-se em

empregados em tempo integral com uma alta taxa de rotatividade, e em empregados em

tempo parcial, contratos temporários, subcontratados, etc, estando mais vulneráveis que o

primeiro subgrupo. (HARVEY, 2014).

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Para Antunes (2005), este quadro é designado por uma “processualidade múltipla” do

mundo do trabalho no capitalismo contemporâneo. Identificam-se processos de

desproletarização do trabalho industrial fabril, de uma expressiva expansão do trabalho

assalariado pela ampliação do setor de serviços, de uma heterogeneização do trabalho pelo

trabalho feminino e de uma subproletarização intensificada pelo trabalho parcial e temporário.

Em termos gerais, trata-se de um processo de heterogeneização, fragmentação e

complexificação da classe trabalhadora.

As transformações da estrutura do mercado de trabalho coincidiram simultaneamente

com mudanças na organização industrial. A subcontratação, por exemplo, gerou

oportunidades para a formação de pequenos negócios, e permitiu que sistemas mais antigos

como o trabalho doméstico, familiar patriarcal e paternalista pudessem reviver e florescer.

(HARVEY, 2014). Em contrapartida, ocorreram alterações na organização industrial na

aceleração do ritmo da inovação dos produtos, e da exploração de nichos de mercado

especializados e de pequena escala. Isto significou uma redução no tempo de giro pelo uso de

novas tecnologias (a automação e o uso de robôs), e a emergência de novas formas

organizacionais. (HARVEY, 2014).

As novas formas organizacionais constituíram modelos alternativos ao fordismo. O

toyotismo se consolidou enquanto expressão máxima destas inovações interiores do novo

complexo de reestruturação produtiva. Conforme Alves (2007), o toyotismo define-se

enquanto empreendimento capitalista baseado na produção fluida, na produção flexível e na

produção difusa. A primeira caracteriza-se pelos dispositivos organizacionais como o just-in-

time e o kanban; a segunda refere-se aos múltiplos processos de contratação salarial, o perfil

profissional ou as novas máquinas de base microeletrônica e informacional e a terceira diz

respeito à terceirização e às redes de subcontratação. (ALVES, 2007).

Os traços constitutivos básicos do toyotismo podem ser caracterizados pela produção

diversificada e orientada pela demanda, em contraposição à produção em série e de massa do

fordismo. O aparato produtivo torna-se mais flexível, assim como a organização do trabalho.

O processo de horizontalização reduz a função da montadora no processo produtivo,

desdobrando-se para as subcontratadas ou terceiras. Antunes (2005, p. 36) destaca que para

uma “efetiva flexibilização do aparato produtivo, é também imprescindível a flexibilização

dos trabalhadores”, estes se estruturam em um número mínimo, estendendo-se através de

horas extras, contratos temporários ou subcontratação, sempre em dependência das condições

do mercado.

14

Apesar da origem do toyotismo estar situada no Japão na década de 1950, Alves

(2007) aponta que com a crise estrutural do capital e sua mundialização, o toyotismo passou a

adquirir dimensão global, tornando-se um “valor universal” (p.160) para o regime de

acumulação flexível. O toyotismo assume esse papel tendo em vista as próprias exigências e

as novas condições de competitividade do capitalismo mundial a partir da década de 1970.

(ALVES, 2007).

Ao tornar-se valor universal, afirma Alves (2007), o toyotismo se adapta às

particularidades nacionais, regionais e setoriais. Dessa forma, ocorre a mescla de suas

objetivações com outras formas de racionalização do trabalho, como o fordismo e o

taylorismo, articulando um processo de continuidade e descontinuidade. Na nova fase da

mundialização do capital, o toyotismo possui como finalidade operar uma nova forma

organizacional e sócio-metabólica por meio de um novo tipo de ‘captura’ da subjetividade do

trabalho. (ALVES, 2007).

Para Alves (2007), o cerne essencial do toyotismo situa-se na busca da ‘captura’ da

subjetividade do trabalho pelo capital. A subsunção da subjetividade à lógica do capital

sugere a incorporação das variáveis psicológicas do comportamento do trabalhador à

racionalidade capitalista na produção. (ALVES, 2007). A nova hegemonia do capital

constituída pelo toyotismo articula a coerção e o consentimento do trabalhador de forma

íntegra, em oposição ao fordismo e o taylorismo que exprimiram a subordinação do trabalho

ao capital somente em seu aspecto formal-material. (ALVES, 2007).

Portanto, a organização toyotista busca apreender a disposição intelectual-afetiva,

gerando um ambiente de mobilização constante da mente e do corpo do trabalhador. (ALVES,

2007). Assim, estabeleceram-se novas técnicas de gestão da força de trabalho em que se

destacam o trabalho em equipe, os “times de trabalho”, o envolvimento participativo, o

trabalho multifuncional e qualificado (ANTUNES, 2005). As iniciativas intelectuais-afetivas

são integradas aos objetivos do processo produtivo de maneira que condutas como o trabalho

coletivo, por exemplo, seja um mecanismo de integração, e ao mesmo tempo, de controle da

força do trabalho. (ALVES, 2007). Nesse sentido, aliado aos valores de colaboração,

engajamento e mobilidade, o discurso sobre as novas competências tornou-se um constructo

normativo nas relações de produção.

O toyotismo enquanto modo de organização do trabalho procurou constituir uma nova

hegemonia social baseada na disseminação dos valores do produtivismo para a vida social.

(ALVES, 2007). A reestruturação produtiva fundamentada em alicerces toyotistas

15

representou, sobretudo, uma reestruturação sócio-reprodutiva. As inovações sócio-

metabólicas, assim como as inovações tecnológicas e organizacionais, constituíram uma das

dimensões do novo complexo de reestruturação produtiva. Dessa forma, o cultivo aos valores-

fetiches e disposições sócio-metabólicas específicas impregnaram os espaços da reprodução

social, mercantilizando-os. (ALVES, 2007).

Nas instâncias sócio-reprodutivas propagou-se um discurso produtivista fundamentado

na ideologia do autoempreendedorismo. De acordo com Alves (2007), sob o espírito do

toyotismo, a ideologia do autoempreendedorismo representou uma solução fictícia à crise

estrutural do capital à medida que mascara as contradições sociais e elabora uma “nova

mitologia” (p.170).

Em “O Imaterial”, Gorz (2005) define o advento do autoempreendedor como a

supressão das diferenças entre o sujeito e a empresa, entre a força de trabalho e o capital.

A pessoa deve, para si mesma, tornar-se uma empresa; ela deve se tornar, como

força de trabalho, um capital fixo que exige ser continuamente reproduzido,

modernizado, alargado, valorizado. Nenhum constrangimento lhe deve ser imposto

do exterior, ela deve ser sua própria condutora, sua própria empregadora e sua

própria vendedora, obrigando-se a impor a si mesma constrangimentos necessários

para assegurar a viabilidade e competitividade da empresa que ela é. (GORZ, 2005,

p.23, grifo do autor).

Este cenário é representado por um processo de valorização do capital imaterial, do

“capital humano” ou do “capital conhecimento” em oposição às grandes massas de capital

fixo material. (GORZ, 2005). O trabalho imaterial repousa sobre as qualidades

comportamentais, cooperativas, imaginativas e, sobretudo, na capacidade de envolvimento

pessoal com as atividades a serem desenvolvidas. (GORZ, 2005). A produção de si é,

portanto, uma das dimensões necessárias do trabalho imaterial.

Conforme Véras de Oliveira (2006), no contexto da consolidação da indústria fordista-

taylorista a questão da qualificação dos trabalhadores era subsidiada pelo Estado e pelos

acordos coletivos, adquirindo um caráter social e sendo objeto de políticas públicas. Neste

caso, a qualificação do trabalhador era parte da prescrição atribuída a cada posto de trabalho

(a capacidade de cumprir o que lhe era prescrito), e possuía uma natureza social-coletiva e

objetiva. Em contrapartida, na produção flexível, a demanda ao trabalhador passou a incidir

sob a capacidade em colaborar criativa e comprometidamente com a empresa para enfrentar a

competitividade do mercado, enfatizando o seu aspecto individual e subjetivo-motivacional.

16

Sob a ideologia do autoempreendedorismo disseminam-se as noções de

empregabilidade e de competência. De acordo com Machado (1998), a empregabilidade

refere-se “às condições subjetivas da integração dos sujeitos à realidade atual dos mercados de

trabalho” (p. 18). Caracteriza-se pelo preceito de que a capacidade do indivíduo de manter-se

no mercado de trabalho depende exclusivamente de seus méritos individuais, sujeitando os

trabalhadores à revisão e reavaliação de suas qualificações. (MACHADO, 1998). Em relação

ao conceito de competência, Machado (1998) define-o como as “condições subjetivas do

desempenho dos sujeitos na realidade atual dos processos de trabalho e ao poder que possuem

de negociar sua própria capacidade de trabalho [...]” (p.22).

Para Machado (1998), o modelo da empregabilidade e da competência estabelece uma

lógica voltada para a busca dos interesses privados imediatos e da valorização da obtenção do

sucesso individual. Dessa forma, a capacidade de competição e de maximização das

condições da venda da própria força do trabalho é expressa no “ser rentável” e no “saber

competir” que compõem uma das parcelas da estrutura subjetiva do “ser-do-trabalho”.

(MACHADO, 1998). Para Véras de Oliveira (2006), além do “saber fazer”, demanda-se do

trabalhador o “saber ser” e o “saber agir”, definidos como a capacidade de se portar criativa e

eficazmente aos problemas que exijam respostas rápidas e inovadoras.

Ao constituir uma via original de racionalização do trabalho através da ‘captura’ da

subjetividade, o toyotismo reivindica novas qualificações do trabalho, articulando habilidades

cognitivas e comportamentais. Segundo Teixeira (1998), essas novas qualificações podem ser

organizadas em novos conhecimentos práticos e teóricos; capacidades de abstração, decisão e

comunicação e qualidades relativas à responsabilidade, atenção e interesse pelo trabalho.

Desse modo, ocorre uma valorização das habilidades cognitivas e comportamentais em

detrimento das habilidades manuais. (TEIXEIRA, 1998).

Em suma, a nova base técnica do capitalismo flexível emerge sob as transformações

tecnológicas e organizacionais do processo produtivo, exigindo a mobilização de um novo

tipo de envolvimento do trabalhador, e que corrobora para uma subordinação intelectual-

afetiva do trabalho ao capital.

2.2 A INTELECTUALIZAÇÃO DO TRABALHO

As alterações na forma de ser do trabalho, conforme Antunes (2005), conduziram, ao

mesmo tempo, para a qualificação e desqualificação do trabalho. Segundo o autor, o processo

17

de qualificação corresponde à redução da dimensão variável do capital em virtude do

crescimento da dimensão constante, ou melhor, da substituição do trabalho vivo pelo trabalho

morto. A qualificação representa uma mudança no interior do processo de trabalho decorrente

do desenvolvimento científico e tecnológico, e se configura pela intelectualização do trabalho

social. (ANTUNES, 2005).

Simultaneamente, o autor corrobora que a tendência da desqualificação levou à

desespecialização do operário industrial oriundo do fordismo a um extenso grupo de

trabalhadores temporários, parciais, subcontratados, terceirizados e informais. Aqui, apesar da

dimensão da desqualificação do trabalho consistir em um tema importante e necessário, o

foco desta pesquisa encontra-se principalmente no processo de qualificação que compreende a

intelectualização do trabalho e, portanto, a emergência de uma base técnico-científica

altamente qualificada.

Diante disso, o processo de intelectualização é entendido sob a nova estrutura

econômica que reivindica uma base técnico-científica altamente qualificada, capaz de

enfrentar os novos padrões de produção, como descreve Harvey (2014, p.175): “surge então

um estrato altamente privilegiado e até certo ponto poderoso da força de trabalho, à medida

que o capitalismo depende cada vez mais da mobilização de forças de trabalho intelectual

como veículo para mais acumulação.”.

Sobretudo, o uso de forças de trabalho intelectual corresponde a um cenário em que o

conhecimento torna-se elemento central nesta nova estrutura econômica. Sob essa ótica, o

acesso à informação foi descrito por Harvey (2014) como um dos elementos cruciais no

desenvolvimento de uma organização mais coesa e centralizada do capitalismo flexível. Para

o autor, em um cenário de incerteza, de efemeridade e de competitividade, o acesso ao

conhecimento científico e técnico resultou em uma importante vantagem na busca pelo lucro.

Aqui, o papel das universidades e institutos de pesquisa através da expansão da

produção organizada do conhecimento evidenciou a valorização do conhecimento enquanto

mercadoria-chave. Neste cenário, a ciência e o ensino são apontados por Sguissardi (2006)

como parte integrante da economia, transformando-se em importantes vantagens na busca

pelo lucro e no enfrentamento da competitividade. Assim, o elo entre a concepção de

conhecimento como produtor de valor, ou melhor, como mercadoria-chave, e a formação de

uma nova base técnica resultou, então, no denominado processo de intelectualização do

trabalho.

18

Quando se transpõe essa perspectiva para a lógica empresarial, é possível relacioná-la

ao discurso do surgimento de uma nova entidade: a “empresa informacional”. Alter (1992), ao

investigar o advento da “empresa informacional”, afirma que o processo de informalização

das empresas manifesta-se na conciliação entre os imperativos de flexibilidade e

profissionalização.

Na “empresa informacional” o papel desempenhado pelo conhecimento adquire suma

importância no processo de produção e, segundo Alter (1992) surge, ao mesmo tempo, como

matéria-prima e produto acabado. Para o autor, a denominada intelectualização do trabalho

torna-se um elemento essencial das tarefas informacionais. As condutas da empresa

informacional constituem um novo método de acesso ao conhecimento organizado, resultando

em inovações quanto à realização das tarefas, à natureza dos produtos e ao formato

organizacional. Assim, segundo Alter (1992, p.72), essa nova forma de acesso ao

conhecimento repousa na “reflexão sobre o caso real”, que se contrapõe às práticas difundidas

que não sobrevivem ao áspero contato com a realidade social.

De acordo com Alter (1992) criam-se redes de peritos que visam controlar as

incertezas em relação aos meios de produção, aos produtos e à organização. Essas redes são

fundamentadas sob a polivalência profissional, que buscam minimizar a “inércia global do

sistema” (p.70) pela via do desenvolvimento de uma malha informacional. Para o autor, elas

integram a maior parte dos profissionais, contudo são os setores de pesquisa e

desenvolvimento e a área comercial que se destacam. As atividades de Pesquisa e

Desenvolvimento (P&D), de prospecção e planejamento crescem continuamente na empresa

informacional como forma de identificar sua posição e o da concorrência, possibilitando,

assim, poder definir sua própria ação. (ALTER, 1992).

Em suma, a ideia da “empresa informacional” pauta-se, sobretudo, na utilização de

forças intelectuais em resposta à volatilidade, à incerteza e à competição acirrada identificadas

nos novos padrões de produção do regime de acumulação flexível. Esse aspecto foi designado

por Kuenzer (2007, p. 1163) como o trabalho compreendido para “enfrentar eventos”, em que

se “justifica a emergência de um novo modelo de competências com foco na solução de

problemas, para o qual se passa a exigir mais conhecimentos teóricos e mais habilidades

cognitivas complexas, ou seja, a capacidade de trabalhar intelectualmente [...]”.

É dessa forma que os profissionais “flexíveis” ou “polivalentes”, como têm sido

denominados até agora, são concebidos em oposição aos profissionais rígidos da indústria

fordista-taylorista. Neste ponto, o principal fator de diferenciação no regime de acumulação

19

flexível é elaborado por Kuenzer (2007) na relação com o conhecimento sistematizado, de

natureza teórica e mediado pelo domínio de competências cognitivas, comunicativas e para o

domínio da lógica formal, algo que não era demandado pelo taylorismo-fordismo.

20

3 A REESTRUTURAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL: NOVOS

HORIZONTES E PERSPECTIVAS PARA AS UNIVERSIDADES

Este capítulo aborda o movimento de reformas ocorrido no Brasil no governo de

Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), sob a orientação dos organismos multilaterais, que

viabilizaram a reorganização do ensino superior, a sua expansão e ampliação, além da

transformação daquilo que se denominou função social da universidade.

Salienta-se o enfraquecimento do Estado intervencionista, e sua mudança em torno do

discurso da modernização e racionalização. A descentralização do Estado na produção de

serviços é destacada conforme o “Plano Diretor da Reforma do Estado”, publicado em 1995

pelo Ministro da Administração Federal e da Reforma do Estado Luiz Carlos Bresser Pereira.

Aqui, as consequências deste cenário são consideradas principalmente no âmbito da

educação, que passa a ser assimilada ao setor de serviços. Especialmente, as políticas

educacionais para o ensino superior no governo Cardoso são compreendidas assumindo uma

nova orientação mercantil, e, portanto, tornando-se parte integrante da economia.

Em torno desta perspectiva, a primeira seção trata das principais medidas executadas

para as universidades brasileiras no governo Cardoso, quais sejam, as políticas de

diversificação e diferenciação institucionais, e privatização, que refletem o desgaste da

universidade enquanto instituição social.

Posteriormente, a segunda seção apresenta os elementos de continuidade e

descontinuidade nas políticas para o ensino superior nos governos de Luís Inácio Lula da

Silva (2003-2011) e Dilma Rousseff (2011-2016). Neste ponto, as universidades são situadas

em torno de sua relevância para o desenvolvimento do país em âmbito nacional e

internacional.

3.1 A REFORMA DO ESTADO NO BRASIL E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O ENSINO

SUPERIOR NOS ANOS 90

A crise estrutural do capital propiciou a substituição do padrão de acumulação

fordista-taylorista por formas produtivas novas representadas pelo regime de acumulação

flexível, e sua manifestação no modelo japonês toyotista. O contexto de transição é

representado pela difusão do modelo de regulação neoliberal e privatizante, que retrai as bases

21

do Estado de bem-estar social disseminado nos países capitalistas centrais, assentado sob o

modelo de regulação social-democrata. (ANTUNES, 2001).

Para Silva Jr. (2002), a consolidação da nova forma histórica do capital impôs uma

série de transformações nos planos político, econômico e social a fim de organizar a

sociedade segundo as novas orientações no contexto de mundialização do capital. A expansão

do capital ocorreu sob uma forma de compreensão “ideológica e uniformizante” (SILVA JR.,

2002, p. 66) dos espaços não organizados segundo a sua racionalidade, reorganizando-os e

impulsionando mudanças através de reformas institucionais.

O movimento de reformas dispôs de um conjunto de representantes internacionais do

capital – as agências ou organismos multilaterais – que sustentaram a busca da produtividade

e da equidade social através de ajustes político-econômicos neoliberais, contemplando os

países centrais e periféricos de forma homogênea. (SILVA JR., 2002). De acordo com

Antunes (2001), o projeto social, político e econômico neoliberal expandiu-se nos países

centrais e, posteriormente nos países periféricos, e passou a prescrever aos países capitalistas

o ideário da reestruturação produtiva, da privatização, do enxugamento do Estado e das

políticas fiscais e monetárias em consonância com os organismos multilaterais, como o Fundo

Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.

No Brasil, a reforma do Estado apoiou-se sob o desmonte do Estado intervencionista,

e expressou um processo de “modernização conservadora” (FERREIRA, p. 457) iniciado pelo

governo de Collor de Mello (1990-1992) e de Itamar Franco (1992-1994), prosseguido pelo

governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) (1995-2002) (FERREIRA, 2012). A

emergência de um Estado gestor pautado na flexibilização administrativa e na diminuição de

suas funções enquanto provedor de serviços facilitou a expansão do mercado, e evidenciou a

incorporação da racionalidade mercantil na esfera pública. (SILVA JR., 2002; FERREIRA,

2012). O discurso da modernização e racionalização do Estado objetivou, em suma, a

resolução das enfermidades do mundo contemporâneo – o desemprego, a hiperinflação, o

declínio do crescimento econômico, etc; – e o ajuste às novas demandas do capitalismo

mundial. (DOURADO, 2002).

Em 1995, o “Plano Diretor da Reforma do Estado” elaborado pelo Ministro da

Administração Federal e da Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser Pereira, e aprovado no

mesmo período pelo Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, apontava que a

reforma significaria a redefinição do papel do Estado. Portanto, o Estado deixaria de “[...] ser

o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e

22

serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse desenvolvimento”.

(BRESSER-PEREIRA, p. 11).

Notadamente, o “Plano Diretor da Reforma do Estado” assinalava como inadiável: 1)

o ajuste fiscal duradouro, 2) as reformas orientadas para o mercado, 3) a reforma da

previdência social, 4) a inovação das ferramentas de política social, visando maior qualidade

para os serviços sociais e 5) a reforma do Estado que proporcionasse a ampliação de sua

“governança”. Em relação à capacidade de governar do Estado, Bresser Pereira (1995)

defendia a substituição de uma administração pública burocrática, rígida e ineficiente por uma

administração pública gerencial, flexível e eficiente.

Este processo de descentralização da prestação de serviços pelo Estado incidiu

principalmente sobre o domínio da educação. As análises das políticas educacionais

executadas inicialmente na década de 1990 indicam a atribuição deste campo ao setor de

serviços, que passa a ser designado como “organização social”. A concepção de “organização

social” surge no Plano Diretor da Reforma do Estado (1995) enquanto estratégia de

transferência de serviços não-exclusivos, tais como a educação, para o setor público não-

estatal, transformando-os em entidades de direito privado sem fins lucrativos. Neste cenário,

defendia-se que as organizações sociais usufruiriam de maior autonomia financeira e

administrativa. As universidades, as escolas técnicas e os centros de pesquisa apresentavam-se

entre as prioridades do projeto de transformação dos serviços não-exclusivos em organizações

sociais.

Diante disso, identifica-se que a nova lógica de organização e gestão que nortearam a

reforma do Estado no Brasil implicou em alterações significativas nas políticas educacionais.

Os desdobramentos desse processo mais amplo reorganizaram o sistema de educação superior

sob uma nova orientação política e uma nova racionalidade técnica, conforme aponta Oliveira

(2000). Estes aspectos subordinaram as universidades às regras do mercado, e direcionaram-

nas aos princípios da organização capitalista.

Como salientado por Cunha (2003), o elemento marcante das políticas educacionais no

octênio FHC repousava sob a ênfase para o “papel econômico da educação, como base do

novo estilo de desenvolvimento” (p. 38). Nesse contexto, destaca-se o papel dos organismos

multilaterais enquanto interlocutores da política macroeconômica na agenda brasileira. As

teses defendidas por estes agentes durante as décadas de 1980 e 1990 afetaram profundamente

as políticas para a educação superior no Brasil. Em termos mais amplos, elas foram

consequências de uma concepção que passou a designar a ciência e o ensino enquanto parte

23

integrante da economia, convertendo-os em mercadorias ou quase-mercadorias.

(SGUISSARDI, 2006). As orientações do Banco Mundial impulsionaram a reorganização da

educação de acordo com a ótica neoliberal de ajuste entre o plano educacional e o plano

econômico.

A reforma da educação superior no Brasil configurou um processo de reorganização e

ajustamento do sistema já consolidado pela reforma universitária de 1968, aprovada pela Lei

nº 5.540/68. A reforma de 1968 concebeu o modelo único de associação entre ensino,

pesquisa e extensão, e desenvolveu uma estrutura universitária mais homogênea e unificada

em âmbito nacional. (OLIVEIRA, 2000). Desta forma, a reforma executada no governo de

Cardoso baseou-se no desgaste e na incapacidade de adaptação do modelo único às demandas

e desafios contemporâneos. (OLIVEIRA, 2000). Neste cenário, as políticas de diversificação

e diferenciação institucionais, e, sobretudo, de privatização intensificaram-se na educação

superior.

Especificamente, as políticas de diversificação e diferenciação da reforma

reclassificaram o ensino superior em universidades, centros universitários, faculdades

integradas, faculdades, institutos superiores e escolas superiores, conforme o critério de maior

ou menor relevância acadêmica na pesquisa científica e tecnológica e na pós-graduação.

(OLIVEIRA, 2000; DOURADO, 2005). Este processo segmentou as instituições de ensino

entre universitárias e não-universitárias, atribuindo-lhes a qualidade de universidade de

ensino, em oposição à concepção de universidade de pesquisa fundamentada sob o preceito da

indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. (OLIVEIRA, 2000; CUNHA, 2003).

As alterações provocadas neste contexto sinalizaram para a flexibilização da oferta de

educação superior, mobilizando um processo de expansão deste nível de ensino pela via do

financiamento privado. Conforme Dourado (2005), o movimento de privatização operou

mediante adoção de medidas mais flexíveis para a abertura de novas instituições, cursos e

vagas, e por novas formas de financiamento do ensino superior representadas pelos subsídios,

bolsas universitárias, e especialmente, pela Lei nº 10.260/2001 que instituiu o Fundo de

Financiamento Estudantil (FIES). Este cenário possibilitou a ampliação das matrículas, e,

consequentemente, da consolidação do setor privado que atingiu 83,34% das vagas do ensino

superior em 2002. (DOURADO, 2005). Por conseguinte, a criação de novas instituições

caracterizadas como centros universitários apresentou um salto de 30.000 matrículas em 1997

para 416.000 em 2002, assim como as matrículas em faculdades integradas e outras

24

instituições isoladas, que atingiram 778.000 matrículas em 2002, em relação a 496.000

matrículas em 1997. (DOURADO, 2005).

A reforma da educação superior apoiou-se sob dois eixos estruturantes: a avaliação e a

autonomia. De acordo com Oliveira (2000), a primeira consolidou-se na avaliação das

instituições de educação superior, e na avaliação do rendimento dos alunos, enquanto a

segunda assegurou flexibilidade às universidades, oferecendo-lhes maior autonomia em

relação aos sistemas de ensino.

As políticas de avaliação do ensino superior buscaram a padronização e a mensuração

da produção acadêmica, direcionada, especialmente, para as atividades de ensino.

(DOURADO, 2002). As alterações provocadas pela reforma na gestão e regulação das

instituições de nível superior, exemplificadas pelos processos diversificação e diferenciação,

resultaram na centralidade do sistema de avaliação. (DOURADO, 2002). As análises do

sistema de avaliação empreendidas por Catani, Dourado e Oliveira (2001) sugerem quatro

pressupostos gerais: 1) a avaliação implementou, paulatinamente, um processo de

“economização” da educação, alterando objetivos, valores e processos educativos no campo

da educação; 2) a avaliação ampliou o poder de controle do Estado, e alterou a lógica de

constituição do campo e o relacionamento entre as instituições de ensino; 3) as políticas de

avaliação promoveram mudanças significativas na gestão universitária, na produção do

trabalho acadêmico e na formação profissional.

Para Oliveira (2000), o sistema de avalição orientou-se para o incentivo e

consolidação do modelo de diversificação e diferenciação do ensino superior:

Em outras palavras, não basta diversificar a oferta de educação superior, já que o

governo considera que é preciso diferenciar os produtos e serviços ofertados,

possibilitando escolhas adequadas aos usuários consumidores dos serviços e

produtos acadêmicos, o que significa que as universidades, mormente as federais,

devem adquirir a feição de uma organização social orientada pela lógica da

operacionalidade, produtividade e flexibilidade, diferindo radicalmente da

universidade como instituição social [...] (OLIVEIRA, 2000, p. 34, grifo do autor).

As medidas de flexibilização adotadas pelo governo de Cardoso firmaram-se sob

diversos dispositivos legais, como decretos, portarias, resoluções e, principalmente, pela

promulgação da Lei nº 9.394 de 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), e a Lei

nº 10.172 de 2001, que aprovou o Plano Nacional de Educação. O novo ordenamento

jurídico-institucional das políticas educacionais exprimiu os embates travados no âmbito do

25

Estado e nos desdobramentos resultantes das mudanças em diversos níveis sob o capitalismo

global. (DOURADO, 2002).

Dentre as propostas da LDB para a educação superior, destacam-se: a) art. 45 sugere

que a educação superior “será ministrada em instituições de ensino superior, públicas ou

privadas, com variados graus de abrangência ou especialização”; b) Decreto nº 2.306/97, art.

1, distingue quanto à natureza jurídica das instituições de ensino superior, classificando-as em

públicas, quando criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Governo Federal, e

privadas, quando mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado;

c) art. 52, parágrafo único, edifica a criação de universidades especializadas por campo do

saber; d) art. 53 assegura às universidades, no exercício de sua autonomia, I – a criação,

organização e extinção de cursos e programas de educação superior; e) Decreto nº 2.306/97,

art. 4, organiza as instituições de ensino superior em: I – universidades; II – centros

universitários; III – faculdades integradas; IV – faculdades; V – institutos superiores ou

escolas superiores. (BRASIL, 1996 e 1997).

Além dessas medidas, várias outras fortaleceram a proposta de reorganização da

educação superior do governo de Cardoso. O FIES, a título de exemplo, destinou a concessão

de financiamento a estudantes regularmente matriculados em cursos superiores não gratuitos e

com avaliação positiva. (BRASIL, 2001). Do mesmo modo, a promulgação da Lei nº 10.168

de 2000, que estabeleceu o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o

Apoio à Inovação, objetivou estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro, por meio de

programas de pesquisa científica e tecnológica em cooperação com universidades, centros de

pesquisa e o setor produtivo (BRASIL, 2000). Para Ferreira (2012), esses programas

“explicitaram a transferência de responsabilidades do poder público para a sociedade no

financiamento da educação” (p. 460).

As interpretações acerca da reforma da educação superior no Brasil consentem sobre a

lógica pragmática e mercantil que orientou as alterações na concepção, identidade e

organização desse sistema de ensino (Oliveira, 2000; Dourado, 2002 e 2005; Ferreira, 2012;

Sguissardi, 2006; Silva Jr. & Sguissardi, 1999; Cunha, 2003). A caracterização da educação

superior enquanto serviço não-exclusivo, a mudança do papel do Estado e, por conseguinte, a

diminuição do financiamento estatal na manutenção das instituições, a privatização e o

estímulo à fontes alternativas de financiamento, a diferenciação, diversificação e

competitividade entre os sistemas de ensino, os sistemas de avaliação, a parceria público-

26

privada e a formação de profissionais stricto sensu refletem novos horizontes e perspectivas

para as universidades, e para o desenvolvimento científico e tecnológico do país.

3.2 AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO SUPERIOR NO GOVERNO

LULA E ROUSSEFF

O governo subsequente ao de Cardoso, conduzido por Luís Inácio Lula da Silva

(2003-2011) é caracterizado pela continuidade das políticas para a educação superior

estabelecida pela reforma. Segundo Sguissardi (2006), os instrumentos legais e as medidas

administrativas e financeiras da gestão Lula evidenciaram que não houve rupturas com o

processo anterior, somente na adoção de um novo sistema de avaliação, e na expansão dos

Institutos Federais de Ensino Superior (IFES).

Ferreira (2012) destaca as principais ações do governo Lula no âmbito educacional,

especialmente a nível superior: a substituição do Exame Nacional de Cursos, o “Provão”, pela

Lei nº 10.861 de 2004, que instituiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior

(SINAES); a aprovação da Lei nº 10.973 de 2004, denominada Lei de Inovação Tecnológica,

que incentivou a inovação e a pesquisa científica e tecnológica no setor produtivo; o Decreto

Presidencial nº 5.225 de 2004, que estabeleceu a organização dos Centros Federais de

Educação Tecnológica, e, posteriormente, em 2008, a Lei nº 11.892 que edificou a Rede

Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, criando os Institutos Federais de

Educação, Ciência e Tecnologia (IFs).

Apesar da política de não ruptura em âmbito educacional, o governo Lula diferenciou-

se, principalmente, em virtude de suas políticas de expansão e democratização do ensino

superior. Conforme Ferreira (2012), a publicação da Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005,

que criou o Programa Universidade para Todos (ProUni), e, alguns anos depois, o Decreto nº

6.096, de 2007, que fundou o Programa de Apoio a Planos de Reestruração e Expansão das

Universidades Federais (Reuni) expressaram as políticas de ampliação e acesso à educação

superior deste governo.

Em 2012, no governo posterior ao de Lula, sob o mandato de Dilma Rousseff (2011-

2016), o apoio à democratização do ensino superior concretizou-se na Lei nº 12.711/2012,

que estabelece que as instituições federais de educação superior devem reservar no mínimo

50% de suas vagas de cursos de graduação para estudantes que tenham cursado integralmente

o ensino médio em escolas públicas, aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou

27

inferior a 1,5 salário-mínimo e aos autodeclarados pretos, pardos e indígenas e pessoas com

deficiência.

Ademais, no governo de Rousseff, a expansão do ensino superior objetivou a

ampliação e a interiorização dos institutos e universidades federais, especialmente, em

municípios de baixa renda, buscando promover a formação profissional para o

desenvolvimento regional, e a superação da miséria e a redução das iniquidades sociais por

intermédio das políticas de governo, e do desenvolvimento dos institutos e universidades.

(FERREIRA, 2012). Nesta ótica, enfatizou-se a correlação entre equidade social e o

desenvolvimento econômico, da capacitação de mão-de-obra e da elevação de

empregabilidade da população:

Uma maior qualificação de recursos humanos é, cada vez mais, considerada pelos

governos como fator essencial da competitividade econômica entre os países. Dados

empíricos demonstram as taxas de retorno de rendimento e empregabilidade. O

acesso à educação superior também é visto como importante mecanismo de redução

da desigualdade de oportunidades e como fator de promoção da mobilidade social.

Ou seja, atribui-se crescente relevância econômica à educação. (NEVES;

BALBACHEVSCKY1, 2009 citado por FERREIRA, 2012, p. 468).

No governo de Rousseff, as políticas educacionais de nível superior para a formação

de capital humano também incorporaram parâmetros de mobilidade internacional e

internacionalização do ensino superior, denotado pela consolidação do programa Ciência Sem

Fronteiras, implantado em 2011. Um dos objetivos do programa era o incentivou à

mobilidade internacional de pesquisadores, professores e estudantes mediante a concessão de

bolsas para áreas prioritárias. (FERREIRA, 2012).

Para Ferreira (2012), as reformas da educação superior, iniciadas no governo Cardoso

e, em seguida, no de Lula e Rousseff, exigiram que as universidades transformassem o

conhecimento em valor econômico e social, e consequentemente, demonstrassem sua

relevância social para o desenvolvimento do país, em âmbito local, regional, nacional e

internacional. As novas competências assumidas pelas universidades ressaltaram a

necessidade de ajuste entre a produção de conhecimento e de novas tecnologias, e da

formação profissional frente às novas exigências do capital.

1 NEVES, Clarissa Baeta; BALBACHEVSKY, Elisabeth. Financiamento da educação superior: lições da

experiência internacional. In: CICLO DE SEMINÁRIOS INTERNACIONAIS – Educação no século XXI:

modelos de sucesso, 2, 2008. Anais... Rio de Janeiro: SENAC, 2009.

28

4 A CONCEPÇÃO DE INTERDISCIPLINARIDADE

Neste capítulo aponta-se para o movimento, introduzido no século XX, que se inscreve

na reflexão crítica àquilo que se constituiu como a ciência clássica, elencando novas formas

de produção do conhecimento e de formação profissional através da interdisciplinaridade.

Apresenta-se, então, o que se denominou pela literatura como o problema do conhecimento

caracterizado pela disciplinaridade do saber e sua limitação para abordar a complexidade da

realidade.

Diante disso, na primeira seção, o problema do conhecimento é descrito de acordo

com a perspectiva da complexidade e interdisciplinaridade, partindo-se das contribuições de

Morin (1991), Santomé (1998), Japiassu (1976) e Fazenda (2011). Ainda, sob a perspectiva

destes dois últimos, aponta-se para a maneira pela qual a formação profissional é apresentada

pela alternativa interdisciplinar.

Na segunda seção deste capítulo, com base nos trabalhos de Balbachevski (2003) e

Hostins (2006), destaca-se a origem e desenvolvimento histórico da Pós-graduação no Brasil,

desde seu modelo de cátedras ao surgimento da Área Interdisciplinar. Aqui, a experiência

brasileira é apontada ante o papel das instituições – as universidades e institutos de pesquisa –

na promoção de abordagens interdisciplinares. O crescimento acelerado da Área

Interdisciplinar na Pós-graduação evidencia um esforço de institucionalização da

interdisciplinaridade no Brasil.

4.1 A PATOLOGIA DO SABER E A INTERDISCIPLINARIDADE

A patologia do saber é discutida por Morin (1991) a partir do paradigma da

simplificação. De acordo com o autor, vivemos sob a hegemonia de três princípios que, em

conjunto, constituem o paradigma da simplificação: a disjunção, a redução e a abstração. O

ideal do conhecimento científico clássico perpassa pelo descobrimento de uma ordem

perfeita, com base no rigor e na operacionalidade. Conforme Morin (1991), esses processos,

representados pela “matematização” e a “formalização” desintegraram os seres, produzindo

uma hiperespecialização que rompe com o tecido complexo das realidades. Nesse sentido, o

pensamento simplificador é incapaz de conceber a conjunção do uno e do múltiplo, o que gera

a “inteligência cega”: ela “[...] destrói os conjuntos e as totalidades, isola todos os objectos à

sua volta. Não pode conceber o elo inseparável entre o observador e a coisa observada. As

29

realidades chaves são desintegradas. Passam entre as fendas que separam as disciplinas.”.

(MORIN, 1991, p.16).

Morin (1991) objetiva sensibilizar para a insuficiência de um pensamento multilador,

atentando para a tomada de consciência da patologia contemporânea do saber, constituída pela

hiper-simplificação da complexidade do real. Se o conhecimento possui o ideal de colocar

ordem aos fenômenos, rejeitando a desordem, o incerto, a ambiguidade, tornando-nos cegos, a

complexidade emerge, portanto, enquanto “tecido de constituintes heterogéneos

inseparavelmente associados: coloca o paradoxo do uno e do múltiplo.”. (MORIN, 1991,

p.18). A complexidade é o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações,

determinações e acasos que estabelecem o mundo dos fenômenos, ou seja, ela dispõe de todos

os traços da desordem, da ambiguidade e da incerteza que o conhecimento científico

eliminou.

O pensamento complexo abrange três princípios: o diálogo, que possibilita conceber a

ordem e a desordem em termos dialógicos, a dualidade na unidade, isto é, associando dois

termos complementares e antagônicos; a recursão organizacional, que rompe com a

concepção linear de causa e efeito, produto e produtor, estrutura e superestrutura; e o

hologramático, princípio que se baseia na ideia de que não há como conceber o todo sem as

partes, e não há como conceber as partes sem o todo. Enquanto o pensamento simplificador

baseia-se sobre dois princípios lógicos de operação, de disjunção e de redução, por

consequência, os princípios do pensamento complexo são, inevitavelmente, de distinção, de

conjunção e de implicação. (MORIN, 1991).

A scienza nuova é destacada na obra de Morin (1991) como o esforço de modificar,

transformar e enriquecer a concepção moderna de ciência. Trata-se da transformação

multidimensional referente ao que se institui como os seus “imperativos intangíveis”, a

começar pelo inevitável processo de fragmentação disciplinar e teórica. (MORIN, 1991).

Aqui, a perspectiva transdisciplinar (ou interdisciplinar) apresenta-se como aquilo que escapa

ao campo das disciplinas, que busca apreender ao mesmo tempo a unidade e diversidade,

continuidade e ruptura, sem a proibição do olhar para o incerto, o ambíguo e o contraditório.

Apesar disso, para Morin (1991), qualquer questionamento ou fuga ao modelo será, então,

sempre condenado:

Vão perseguir-me até à morte, (a minha e a deles) pelas inocentes verdades que

profiro aqui mesmo. Mas é preciso que as diga, porque a ciência tornou-se cega na

sua incapacidade de controlar, de prever, e mesmo de conceber o seu papel social, na

sua incapacidade de integrar, de articular, de reflectir os seus próprios

30

conhecimentos. Se, efectivamente, o espírito humano pode apreender o conjunto

enorme do saber disciplinar, então é preciso mudar, quer o espírito humano, quer o

saber disciplinarizado. (MORIN, 1991, p, 62.)

Dentro dessa ótica, Japiassu (1976) apresenta a interdisciplinaridade como o “remédio

mais adequado à cancerização ou à patologia geral do saber” (p. 31) do mundo moderno. Os

sinais dessa doença moderna revelam que a dissociação crescente das disciplinas científicas

constitui a expressão de um desmembramento da realidade, e, portanto, de um processo de

alienação da ciência. A “ciência em migalhas” (p. 15) tornou-se o reflexo de uma consciência

esfacelada e distanciada da existência concreta. Assim, desconsidera-se que o saber representa

o vínculo do indivíduo com o mundo em que ele reside, e a busca das disciplinas científicas

pela verdade, converte-se em uma verdade em si e para si, desassociada de sua função

primordial. (JAPIASSU, 1976).

Para compreender a interdisciplinaridade, Santomé (1998) aponta para o sentido do

conceito de disciplina. De acordo com o autor, a diferenciação do conhecimento em múltiplas

disciplinas independentes está vinculada à produção especializada, acentuada pela

industrialização dos países europeus no início do século XIX. Assim, o desenvolvimento da

concepção de disciplina dá-se por um objeto de estudo, conceitos, métodos e procedimentos

específicos. Nas palavras do autor, a disciplina “é uma maneira de organizar e delimitar um

território de trabalho, de concentrar a pesquisa e as experiências dentro de um determinado

ângulo de visão. Daí que cada disciplina nos oferece uma imagem particular da realidade”

(p.55).

Partindo dessa mesma perspectiva, Japiassu (1976) introduz a disciplina ou

disciplinaridade como uma "progressiva exploração científica especializada numa certa área

ou domínio homogêneo de estudo" (p.61). Ela estabelece e define fronteiras que irão

determinar seus objetos, métodos, sistemas, conceitos e teorias. Para Santomé (1998), as

inúmeras disciplinas científicas que surgem com esse aparato teórico-metodológico impõem

uma determinada forma de pensar, de organização do pensamento e da análise e interação

com a realidade. Os riscos disso apontam para diversos campos científicos que, possuindo o

mesmo objeto, por exemplo, permanecem na ignorância entre si, tornando difícil a

compreensão do real. Com base nisso, surgem nos campos científicos e nas instituições

tentativas de superar a dispersão do conhecimento, e que neste caso, apresenta-se pela ideia de

interdisciplinaridade.

31

Para evitar a ambiguidade do termo, baseando-se no trabalho de E. Jantsch2, Japiassu

(1976, p. 74) diferencia a multidisciplinaridade, a pluridisciplinaridade, a interdisciplinaridade

e a transdisciplinaridade da seguinte forma:

Multidisciplinaridade: refere-se à grama de disciplinas dispostas simultaneamente, sendo um

sistema de um só nível e objetivos múltiplos, mas sem nenhuma cooperação;

Pluridisciplinaridade: diz respeito à justaposição de diversas disciplinas, sendo um sistema de

um só nível e de objetivos múltiplos com cooperação, porém sem coordenação;

Interdisciplinaridade: caracteriza-se pela axiomática comum a um grupo de disciplinas

convexas e definidas a um nível hierárquico superior, sendo um sistema de dois níveis e

objetivos múltiplos, com coordenação procedendo do nível superior;

Transdisciplinaridade: compete à coordenação de todas as disciplinas e interdisciplinas com

base em uma axiomática geral, sendo um sistema de níveis e objetivos múltiplos, e com

coordenação visando a uma finalidade comum dos sistemas.

Em suma, o princípio da distinção está assentado sob a intensidade das trocas entre os

especialistas e pelo grau de integração das disciplinas dentro de um projeto específico de

pesquisa. Em uma pesquisa de natureza multidisciplinar e pluridisciplinar ocorre somente a

participação de especialistas de duas ou mais disciplinas, na qual estes justapõem os seus

resultados, sem integrá-los de forma conceitual e metodologicamente.

Em contrapartida, a pesquisa interdisciplinar incorpora os resultados de várias

especialidades, incluindo, sobretudo, os instrumentos e técnicas metodológicas de outras

disciplinas. Neste caso, é por intermédio da troca de dados, de informações, de resultados e de

metodologia que a interdisciplinaridade projeta o seu objetivo primordial de religar as

fronteiras pré-estabelecidas entre as disciplinas.

A interdisciplinaridade possui dupla origem, sendo uma interna, caracterizada pela

reorganização geral do sistema das ciências; e outra externa, identificada pela mobilização dos

saberes convergindo em vista da ação. De acordo com Japiassu (1976), a interdisciplinaridade

apresenta-se sob a forma de um tríplice protesto: a) contra um saber fragmentado, ou “em

migalhas”, concebido em uma multiplicidade crescente de especialidades; b) contra a

separação crescente, ou “esquizofrenia intelectual”, entre uma universidade cada vez mais

2 JANTSCH, E. Vers l’interdisciplinarité et la transdisciplinarité dans l’enseignement et l’innovation. In:

APOSTE, L. et al. (Org.). L’interdisciplinarité: problemes d’enseignement et de recherche dans lês

universités. Paris: OCDE, 1972, p. 108-109.

32

compartimentada, dividida, subdividida, setorizada e subsetorizada, e a sociedade dinâmica e

concreta em sua realidade; e também, contra essa própria sociedade, e suas tentativas de

limitar e condicionar os indivíduos a funções estreitas e repetitivas, alienando-os de si mesmo;

e c) contra o conformismo das situações adquiridas e das "ideias recebidas" ou impostas.

Diante disso, a interdisciplinaridade é arquitetada como uma nova maneira de encarar

a fragmentação epistemológica do saber, procurando atuar sobre as démarches da inteligência

e as formas de seu discurso. (JAPIASSU, 1976). Para Fazenda (2011), ela pressupõe uma

mudança de atitude frente ao problema do conhecimento em que haja o deslocamento de uma

concepção fragmentária de conhecimento para uma unitária, isto é, para a unidade do saber, a

meta ideal de todo saber que se propõe a corresponder às exigências do progresso humano.

Aqui, salienta-se a importância para Japiassu (1976) da ação ou intervenção não só no campo

do conhecimento e da teoria, mas na realidade social e humana, uma vez que “o conhecimento

e a ação, longe de se excluírem, se conjugam" (p.45).

Em termos mais específicos, a interdisciplinaridade deverá proporcionar a

reorganização do meio cientifico através de trocas generalizadas de informações e de críticas;

ampliar a formação geral dos que estão inseridos na pesquisa científica especializada para

"descobrir melhor suas aptidões, assegurar melhor sua orientação a fim de definir o papel que

deverá ser o seu dentro da sociedade" (p.33); questionar a acomodação dos cientistas em

métodos restritos e pouco aberto às trocas; preparar os indivíduos para a formação

profissional, possibilitando uma "formação polivalente"; preparar e engajar os especialistas

para a pesquisa em equipe, na qual estes possam conhecer os limites de sua própria

metodologia e, então, que dialoguem com outros especialistas mediante o trabalho em

comum, o confronto de métodos, e pela "concertação" dos pontos de vistas e resultados"; e

por último, assegurar e desenvolver a educação permanente. (JAPIASSU, 1976, p.32-34).

Trata-se, portanto, de respostas pela via interdisciplinar a uma série de demandas que

podem ser resumidas: primeiro, contra a fragmentação do saber, uma vez que a realidade é

multidimensional e global; segundo, em relação ao desenvolvimento da ciência, em que a

interdisciplinaridade fundamenta o surgimento de novas disciplinas, e isso significa, então,

uma solução à crescente demanda pelas universidades de novos temas de estudos que não

podem ser encerrados nos compartimentos das disciplinas existentes; e terceiro, em relação à

necessidade de formar profissionais que “não sejam especialistas de uma só especialidade”.

(JAPIASSU, 1976, p.53).

33

Em relação a esta última, como destaca o autor, a interdisciplinaridade procede de uma

série de críticas às fronteiras e compartimentação das disciplinas, mas, também, de um desejo

de adequação das atividades universitárias às necessidades sócio-profissionais ou econômicas:

Portanto, de um lado, a interdisciplinaridade aparece como o instrumento e a

expressão de uma crítica interna do saber, como um meio de superar o isolacionismo

das disciplinas, como uma maneira de abandonar a pseudo-ideologia da

independência de cada disciplina relativamente aos outros domínios da atividade

humana e aos diversos setores do próprio saber; do outro, como uma modalidade

inovadora de adequar as atividades de ensino e de pesquisa às necessidades sócio-

profissionais, bem como de superar o fosso que ainda separa a universidade da

sociedade." (JAPIASSU, 1976, p.57).

A interdisciplinaridade se coloca enquanto proposta de apoio aos movimentos da

ciência e da pesquisa, o que possibilita a eliminação do hiato existente entre a atividade

profissional e a formação escolar. Na obra de Fazenda (2011) a concepção de

interdisciplinaridade enquanto meio de atingir uma formação profissional se justifica sob duas

situações: pela exigência de uma formação que contemple muitas disciplinas fundamentais, e,

pela crescente mobilidade de emprego que reivindica do indivíduo uma formação

plurivalente.

4.2 A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA: DA PÓS-GRADUAÇÃO DO MODELO DE

CÁTEDRAS À GÊNESE DA ÁREA INTERDISCIPLINAR

A origem da pós-graduação no Brasil remete ao modelo das cátedras adotado pelas

primeiras universidades na década de 1930. A característica principal desse modelo de origem

europeia era a relação tutorial entre o professor catedrático e o seus auxiliares que o ajudavam

nas atividades de ensino e pesquisa. Contudo, Balbachevski (2003) destaca que essas

primeiras experiências de pós-graduação brasileiras trouxeram pouco impacto no ensino

superior, pois se tratava de uma iniciativa de pequenas dimensões.

Assim, somente em 1965, com a publicação do Parecer 977/65 (o Parecer Sucupira)

pelo Conselho Federal de Educação (CFE) que as experiências de pós-graduação foram

reconhecidas como um novo nível de ensino, que estabeleceram o seu formato institucional

básico, diferenciando dois níveis de formação, o mestrado e o doutorado (BALBACHEVSKI,

2003; HOSTINS, 2006). Dentro do Parecer 977/65, há a definição conceitual de pós-

graduação, e a distinção entre pós-graduação sensu lato, de natureza técnico-profissional, e

34

sensu stricto, de natureza acadêmica e de pesquisa. Ademais, segundo o Parecer, o objetivo

imediato da pós-graduação na universidade moderna é o de “proporcionar ao estudante

aprofundamento do saber que lhe permita alcançar elevado padrão de competência científica

ou técnico-profissional, impossível de adquirir no âmbito da graduação”. (CAPES, 1965, não

p.).

Com a reforma universitária de 1968, a pós-graduação efetivou-se como atividade

semi-autônoma. Os estudos pós-graduados adquiriram características do antigo modelo e das

exigências da nova legislação. Conforme se institucionalizava, o modelo de pós-graduação

passou a exigir a conclusão de um número de disciplinas especializadas, e a sua qualificação e

defesa da tese diante de uma banca de professores. (BALBACHEVSKI, 2003). Todavia, para

a autora, o êxito da pós-graduação no Brasil só ocorreu ao final dos anos 1960, quando uma

série de políticas foram aplicadas, permitindo-a crescer, e manter-se em um padrão de

qualidade. A criação do sistema de avaliação por pares, em 1970, possibilitou o apoio oficial

do Ministério da Educação (MEC) e sua articulação com o desempenho dos programas. Neste

cenário, buscou-se definir os programas de pós-graduação como foco privilegiado das

políticas de apoio, tendo em vista o ajuste entre desenvolvimento científico e

desenvolvimento econômico, o que possibilitou um salto de qualidade para esses programas.

(BALBACHEVSKY, 2003).

Em um cenário de expansão econômica com taxas de crescimento de 7% a 10% ao

ano (BALBACHEVSKY, 2003), no período de 1970, as novas agências de fomento puderam

investir em um quadro promissor e facilitado por uma burocracia moderna e flexível. Todavia,

o incentivo ao desenvolvimento científico e tecnológico não gerou bons resultados de

imediato uma vez que atuação das agências de fomento se concentrou em ambientes informais

de pesquisa consolidados em algumas universidades públicas. O apoio, que incluía dinheiro

para a infraestrutura e até para a contratação de funcionários, era realizado diretamente com

os pesquisadores. (BALBACHEVSKY, 2003). De acordo com Balbachevsky (2003), esta

estratégia pouco beneficiou as universidades públicas, uma vez que os programas de pós-

graduação bem estruturados acabaram convivendo com precários departamentos voltados para

o ensino da graduação. Apesar disso, o apoio das agências de fomento foi significativo na

expansão da pós-graduação no Brasil. Em 1965, havia 38 programas de pós-graduação: 27 de

mestrados e 11 doutorados; após dez anos, em 1975, o Brasil já possuía 429 programas de

mestrado e 149 de doutorado. (BALBACHEVSKY, 2003).

35

O artigo de Hostins (2006) toma como referência os Planos Nacionais de Pós-

Graduação (PNPG) difundidos a partir da década de 1970, buscando destacar os objetivos,

sujeitos e agências que compõem o desenvolvimento desse sistema de ensino, e as estratégias

e contornos que assumem a pós-graduação brasileira em um contexto de redefinição das

estruturas econômicas que regulam a produção e circulação do conhecimento em âmbito

global. Para Hostins (2006), os eventos históricos ocorridos na década de 1980, e que se

intensificaram em 1990, explicam a precarização e transformação do espaço público nas

universidades, e a relevância dos processos avaliativos das políticas educacionais em seus

variados níveis.

A investigação de Hostins (2006) acerca do I PNPG (1975-1979) apresenta o

direcionamento das orientações para a institucionalização do sistema enquanto atividade

regular nas universidades, o financiamento estável, a elevação dos padrões de desempenho e a

expansão mais equilibrada entre áreas e regiões. Sendo assim, os principais destaques foram a

capacitação dos docentes, a integração da pós-graduação ao sistema universitário, e a

distribuição regional equivalente. Ainda, a autora destaca que a legitimação e consolidação de

um padrão qualitativo da pós-graduação deu-se diante de um ideal nacionalista de um “Brasil-

potência”, na qual se buscou a modernização da universidade, da ciência e da tecnologia.

Porém, isso significou também uma burocratização das universidades, exigindo regulação e

controle das atividades realizadas pela pós-graduação. É nesse contexto que a CAPES

desenvolve o sistema de avaliação por pares.

O II PNPG (1982-1985) é um reflexo das políticas adotadas nos anos anteriores. A

qualificação para as atividades de docência, pesquisa e técnica continua sendo o principal

objetivo do documento. Apesar disso, Hostins (2003) exprime que a qualidade do ensino

superior e, principalmente, da pós-graduação é enfatizada a partir da institucionalização e

aperfeiçoamento da avaliação, em conjunto com uma maior atuação da comunidade científica.

Em continuidade, o III PNPG (1986-1989), no contexto da Nova República, sob a ideologia

da autonomia nacional, o Brasil buscava a independência econômica, científica e tecnológica,

na qual se ressalta o “desenvolvimento da pesquisa pela universidade, a integração da pós-

graduação ao sistema nacional de ciência e tecnologia e a necessidade de procurar soluções

aos problemas tecnológicos, econômicos e sociais.”. (HOSTINS, 2006, p.141). Para Hostins

(2006), aqui, acentua-se a articulação e ampliação das relações entre ciência, tecnologia e

setor produtivo.

36

A transição da década de 1980 para 1990 demarca a alteração do status de identidade

pública da universidade brasileira, para uma orientação mercantil, do Estado empresarial

representado pelas políticas de ajuste neoliberal dos dois mandatos do governo de Cardoso.

(HOSTINS, 2006). Como ilustra Hostins (2003), as orientações para a política da pós-

graduação na época manifestaram um processo de vinculação do financiamento aos índices de

produtividade, articulando o incentivo financeiro ao desempenho institucional, que passaram

a ser controlados e avaliados pela CAPES. Acima de tudo, essas tendências revelaram um

acordo com os organismos multilaterais como a UNESCO e o Banco Mundial.

Assim, no IV PNPG, embora não tenha se concretizado em um documento final, pois

teve sua circulação restrita ao âmbito da Diretoria da CAPES, os destaques englobam a

expansão do sistema nacional de pós-graduação, a sua diversificação do modelo vigente de

pós-graduação para atender ao meio profissional, as mudanças no processo de avaliação, a

criação do portal de periódicos e inserção internacional desse sistema de ensino. (HOSTINS,

2003). Posteriormente, o V Plano Nacional de Pós-Graduação (2005-2010) enfatiza o

fortalecimento das bases científica, tecnológica e de inovação e, principalmente, a formação

para mercados não-acadêmicos. Neste momento, as demandas da sociedade converteram-se

em desafios, como a flexibilização da pós-graduação, a formação de profissionais de perfis

diferenciados para atender à dinâmica dos setores acadêmico e não-acadêmicos, acolhendo as

novas áreas de conhecimento, além de uma preocupação já antiga de minimizar os

desequilíbrios regionais na oferta da pós-graduação. (HOSTINS, 2003).

Mais recentemente, a última publicação da CAPES, o PNPG (2011-2020) possui como

um dos eixos o capítulo dedicado à importância da inter(multi)disciplinaridade na pós-

graduação brasileira. A denominada Grande Área Multidisciplinar possui atualmente uma

taxa de 151,3% de crescimento em relação ao número de cursos de mestrado, mestrado

profissional e doutorado, possuindo, assim, o maior percentual dentre as outras grandes áreas

(CAPES, 2010a). Compõe a Grande Área Multidisciplinar um total de 335 programas e

cursos, assim distribuídos: Interdisciplinar: 231; Ensino de Ciências e de Matemática: 60;

Materiais: 18 e Biotecnologia: 26.

Com base no Documento de Área3 de 2013 publicado pela CAPES, a Área

Multidisciplinar foi criada, em 1999, com 49 cursos em sua composição. Em 2008, foi criada

3 O Documento de Área é estruturalmente dividido em seis tópicos que contêm as considerações, requisitos e

orientações a respeito do estágio atual da área, das propostas de cursos novos, da avaliação trienal, do Qualis e

classificação de livros, eventos e produtos técnicos, de critérios de internacionalização, além da Ficha de

Avaliação a ser utilizada no triênio para programas acadêmicos e profissionais.

37

a Área Interdisciplinar, compondo a Grande Área Multidisciplinar, já com 258 cursos. Diante

de um expressivo crescimento, foi necessária a divisão desta em quatro Câmaras Temáticas,

sendo: Câmara I - Desenvolvimento & Políticas Públicas; Câmara II - Sociais &

Humanidades; Câmara III - Engenharia, Tecnologia & Gestão; e Câmara IV - Saúde &

Biológicas.

Esse movimento de criação de novos programas e cursos orientados para uma

perspectiva interdisciplinar exprimiu um gesto de questionamento das formas tradicionais de

produção do conhecimento científico. A complexidade e as novas configurações dos saberes

proporcionou a busca pela construção de novos espaços, organizando-os de acordo com as

perspectivas de transferência de metodologias e produção coletiva entre áreas e campos

distintos. (OLIVEIRA; ALMEIDA, 2011).

Para Santos (1995), a interdisciplinaridade enquanto “forma cooperativa de trabalho

para substituir procedimentos individualistas”, é uma resposta à demanda da sociedade atual,

cada vez mais complexa. A pós-graduação interdisciplinar faz parte de “ações científicas

necessárias” para a produção e gestão do conhecimento, o que exige uma abertura dos

pesquisadores à superação da fragmentação disciplinar.

Desde sua criação, a Área Interdisciplinar vem apresentando a maior taxa de

crescimento da CAPES. De acordo com o Documento de Área (2013) dois fatores seriam

explicativos para o seu expressivo crescimento. Em primeiro lugar, a introdução da Área

Interdisciplinar na Pós-graduação brasileira ofereceu meios para o desenvolvimento de cursos

em áreas inovadoras e interdisciplinares, acompanhando uma tendência global de aumento de

programas acadêmicos com foco em questões complexas. Secundariamente, a Área

Interdisciplinar serviu como elo de entrada nas atividades de pesquisa e ensino pós-graduado

de universidades pequenas ou distantes dos centros urbanos. Aqui, diante de um quadro de

doutores restritos em número e área de conhecimento, a abertura de cursos interdisciplinares

acaba sendo a única forma de consolidação de cursos stricto sensu.

A introdução de uma Área Interdisciplinar na Pós-graduação é designada como

estratégia necessária à resolução de novos problemas de diferentes naturezas e com variados

níveis de complexidade que emergem na contemporaneidade:

A natureza complexa de tais problemas requer diálogos não só entre disciplinas

próximas dentro da mesma área do conhecimento, mas entre disciplinas de áreas

diferentes, bem como entre saberes disciplinar e não disciplinar. Daí a relevância de

38

novas formas de produção do conhecimento e formação de recursos humanos, que

assumam como objeto de investigação fenômenos que se colocam entre fronteiras

disciplinares. (CAPES, 2013, p.11).

Para a CAPES (2013) uma nova forma de produção de conhecimento enriquece e

amplia as ciências, é por isso que a proposta da pós-graduação interdisciplinar é fundamental,

porque se espera, sobretudo, uma produção de conhecimento e formação de recursos humanos

qualitativamente superiores. A interdisciplinaridade, pela sua própria natureza, se apresenta

como um espaço privilegiado, capaz de estabelecer relação entre os saberes, avançando para

além das fronteiras do conhecimento disciplinar.

Nesse contexto de complexidade na qual a pós-graduação brasileira se reorganiza,

criando novos recursos e traçando novas metas, atentamo-nos ao que a CAPES entende por

esse conceito:

Entende-se por Interdisciplinaridade a convergências de duas ou mais áreas do

conhecimento, não pertencentes à mesma classe, que contribua para o avanço das

fronteiras da ciência e tecnologia, transfira métodos de uma área para outra, gerando

novos conhecimentos ou disciplinas e faça surgir um novo profissional com um

perfil distinto dos existentes, com formação básica, sólida e integradora. (CAPES,

2013, p.12, grifo nosso).

Dessa forma, em termos mais específicos, um programa interdisciplinar caracteriza-se

por: 1) conter uma proposta integradora; 2) contar com um corpo docente disposto a abrir as

fronteiras do conhecimento e com disposição para aprofundar processos de cooperação

produtivos; 3) estrutura curricular sólida e integradora; 4) formar profissionais com um perfil

inovador; 5) promover a emergência de novas áreas do saber, o desenvolvimento e a inserção

social do conhecimento produzido. (CAPES, 2010b, p.5).

Assim, nota-se no Documento de Área (2013) da CAPES certo anseio para que os

programas e cursos compartilhem metodologias, produzam novas teorias e contribuam para o

avanço das fronteiras da ciência e da tecnologia e, principalmente, que façam surgir um novo

profissional. Dessa forma, a institucionalização da Área Interdisciplinar apresenta-se como

um dos instrumentos para traçar e sistematizar políticas que atendam às demandas da

contemporaneidade, tanto na contribuição para a formação de profissionais, como na geração

de conhecimento.

39

5 ANÁLISE DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DA ÁREA BÁSICA

ENGENHARIA, TECNOLOGIA E GESTÃO

Neste capítulo apresentam-se os resultados da pesquisa documental sobre a formação

profissional interdisciplinar em cinco Programas de Pós-graduação da Área Interdisciplinar –

Área Básica Engenharia, Tecnologia e Gestão. A análise das propostas dos Programas,

declaradas por estes na Plataforma Sucupira da CAPES, objetiva compreender a relevância da

formação interdisciplinar e suas implicações no desenvolvimento de um novo profissional.

Dessa forma, busca-se destacar elementos relevantes quanto à construção da

interdisciplinaridade do corpo docente, o perfil profissional que se delineia e sua relação com

o mundo do trabalho e os egressos.

Em relação à fonte documental utilizada, a Plataforma Sucupira, esta disponibiliza

informações acerca da avaliação dos programas de Pós-graduação e da "memória da pós-

graduação"– o acervo de informações sobre o Sistema Nacional de Pós-graduação (SNPG).

De forma específica, na Plataforma Sucupira é possível ter acesso ao histórico e

contextualização do programa, seus objetivos gerais e específicos, seus objetivos em termos

da caracterização do perfil esperado do egresso (as competências científicas e profissionais

que devem ser desenvolvidos pelo curso) e acompanhamento dos egressos, além da proposta

curricular, a infraestrutura, a integração com a graduação, com a sociedade e o mercado de

trabalho (mestrado profissional), os indicadores de internacionalização, os intercâmbios, os

indicadores de solidariedade e nucleação, as atividades complementares e a autoavaliação (as

perspectivas de evolução e tendências) do programa.

A escolha dos programas baseou-se em dois critérios. O primeiro critério consistiu em

identificar programas cuja área na formação de profissionais estivesse diretamente voltada

para o desenvolvimento científico e tecnológico do país, e, portanto, com uma maior

aproximação do setor produtivo. Diante disso, a Área Básica Engenharia, Tecnologia e Gestão

foi selecionada para a construção deste trabalho. O segundo critério levou em consideração os

parâmetros da CAPES, segundo os quais a nota 5 é atribuída a cursos de excelência em nível

nacional, e as notas 6 e 7 correspondem a cursos de qualidade internacional. Nesse sentido,

foram escolhidos os cinco programas com as notas mais altas, considerando que esses são

tidos como cursos de excelência na formação de profissionais com um perfil interdisciplinar.

Os Programas de Pós-graduação interdisciplinares que cumprem esses critérios

pertencem, então, à Área Básica Engenharia, Tecnologia e Gestão e possuem nota 6 e 5,

sendo: i) Modelagem Computacional do Laboratório Nacional de Computação Científica

40

(LNCC), ii) Computação Aplicada do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), iii)

Energia da Universidade de São Paulo (USP), iv) Modelagem Computacional da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e v) Engenharia e Gestão do Conhecimento

da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

O capítulo organiza-se da seguinte forma: a primeira seção remete à apresentação dos

Programas de Pós-graduação selecionados. Aqui, serão utilizados principalmente os dados

referentes ao histórico e contextualização de cada Programa, seus objetivos gerais e

específicos, a composição do corpo docente, a estrutura curricular, o perfil esperado do

egresso e a integração com a sociedade e o mercado de trabalho. A segunda seção concerne à

investigação mais detalhada do corpo docente. Nesse sentido, apresenta-se a distribuição por

área de conhecimento dos docentes, buscando examinar a configuração da

interdisciplinaridade em cada Programa.

A terceira seção diz respeito à interpretação do perfil profissional projetado pelos

Programas, buscando traçar um diálogo com a concepção do novo profissional elaborada pela

CAPES e com os teóricos da interdisciplinaridade. Por fim, a quarta seção refere-se à análise

dos egressos dos Programas, na qual são utilizados os dados dos relatórios disponibilizados

pela Plataforma Sucupira, compreendendo-os a partir de uma perspectiva mais ampla de

absorção de mestres e doutores em ambientes empresariais inovadores no Brasil.4

5.1 OS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO5

Modelagem Computacional (LNCC)

O Programa de Pós-graduação em Modelagem Computacional oferecido pelo LNCC

(PG-LNCC) foi criado em 2000, e fundamenta-se nas competências geradas por este instituto.

O LNCC é uma instituição vinculada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação

(MCTI), tendo como missão realizar pesquisa, desenvolvimento e formação de recursos

humanos em Computação Científica, e avançar no conhecimento e no atendimento às

demandas da sociedade e do Estado brasileiro.

4 As investigações evidenciaram uma utilização combinada dos termos multidisciplinaridade e

interdisciplinaridade nos relatórios dos Programas de Pós-graduação selecionados. Dessa forma, para evitar

confusões, embora estes dois termos sejam conceitualmente diferenciados (ver p. 27), aqui são entendidos em

oposição à ideia de disciplinaridade, ou seja, são as abordagens que buscam avançar sobre as fronteiras dos

conhecimentos disciplinares.

5 As propostas dos Programas de Pós-graduação podem ser consultadas no seguinte link:

<https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/propostaPrograma/listaProposta.jsf>.

41

O Programa apresenta um enfoque multidisciplinar da pesquisa científica e

tecnológica em Matemática Aplicada, Ciência da Computação e técnicas de Modelagem. O

PG-LNCC apresenta como objetivo principal a capacitação de seus alunos para atuação no

desenvolvimento de pesquisa de ponta em universidades, centros de pesquisa, empresas e

indústrias. Na avaliação trienal 2010-2012 realizada pela CAPES, o Programa qualificou-se

como conceito 6, constituindo excelência a nível internacional. Conforme apontado em seu

relatório, a boa avaliação resulta da qualificação do corpo docente e do seu engajamento em

áreas interdisciplinares.

O PG-LNCC possui as seguintes Linhas de Pesquisa: i) Modelagem Matemática e

Computacional de Circulação e Transporte; ii) Modelagem Matemática e Computacional de

Equilíbrio e Otimização; iii) Modelagem Matemática e Computacional de Biossistemas e

Bioinformática; iv) Controle e Filtragem de Sistemas Dinâmicos; v) Computação Científica.

A estrutura curricular do PG-LNCC divide-se em três grupos de disciplinas para o

mestrado e o doutorado. Primeiro, o Grupo A (GA) é delimitado como o núcleo básico do

curso. As disciplinas deste grupo fornecem ao aluno os requisitos básicos para qualquer

especialização subsequente que caracterize a opção geral por Modelagem Computacional. As

disciplinas GA’s são classificadas em três grupos: Grupo de Computação, Grupo de

Modelagem e Grupo de Matemática Aplicada. Segundo, o Grupo B (GB), refere-se às

disciplinas avançadas do curso. Este grupo é constituído por um conjunto de disciplinas

avançadas e disciplinas associadas às linhas de pesquisa em andamento. Por último, o Grupo

C (GC) é caracterizado por disciplinas de seminários. O objetivo deste grupo é estimular o

intercâmbio tanto interdepartamental do LNCC, quanto em relação às outras instituições. São

ministrados durante todo o período letivo, exigindo frequência mínima dos discentes.

O Programa reúne o total de 45 docentes advindos das Coordenações de Pesquisa e

Desenvolvimento do LNCC, além de colaboradores de outras instituições que conduzem

pesquisas dentro das cinco linhas de pesquisa. O corpo de pesquisadores do LNCC é apontado

como pioneiro no país em sua abordagem multidisciplinar na solução dos problemas através

da metodologia de Modelagem Computacional.

Podem-se resumir os objetivos específicos do PG-LNCC conforme segue: a) o

desenvolvimento de teses e dissertações interdisciplinares em temas ligados aos projetos do

LNCC; b) o estímulo do intercâmbio de alunos com instituições nacionais e estrangeiras; c) o

incentivo para a interação entre professores da PG-LNCC com outras instituições de pesquisa

nacionais e internacionais, principalmente em relação à orientação conjunta de alunos; d) o

42

apoia a realização de cursos de extensão voltados para temas de interesse da pós-graduação;

e) o incentivo à articulação entre graduação e pós-graduação; f) a ampliação da interação

entre órgãos colegiados, comissões e coordenações visando o fortalecimento do caráter

multidisciplinar do Programa.

O PG-LNCC capacita seus egressos a atuarem em pesquisa interdisciplinar nos setores

de Engenharia, Matemática, Computação e Biologia. Consoante o relatório, os alunos se

inserem rapidamente em atividades de pesquisa e ensino no país, de forma permanente através

de concurso público, ou de forma temporária, mediante programas de bolsas. A maioria dos

egressos está trabalhando em temas que demandam uma abordagem multidisciplinar, e

promovendo técnicas de Modelagem Computacional em universidades e grupos de pesquisas

distribuídos pelo país.

Por fim, o Programa enfatiza a responsabilidade de transferir para a sociedade o

conhecimento produzido nas teses e dissertações desenvolvidas pelo corpo discente. Um dos

exemplos são as pesquisas em Hemodinâmica Computacional, incorporadas nas atividades do

Instituto Nacional de Ciência em Tecnologia em Medicina Assistida por Computação

Científica (INCT-MACC), coordenado pelos docentes Raul Feijóo e Artur Ziviani da PG-

LNCC. O INCT-MACC é um instituto virtual composto por 128 pesquisadores, sendo 33 de

instituições nacionais e 10 de instituições internacionais. A principal missão do INCT-MACC

é a transferência de tecnologia em sistemas computacionais para o apoio de profissionais em

medicina. O desenvolvimento de softwares como “Sistema HeMoLab”, “ImageLab” e

“ADAN-WEB” são exemplos deste esforço que contou com a participação do corpo discente

da PG-LNCC.

Além do desenvolvimento de projetos de P&D em instituições do país e do exterior,

também é mencionado o programa “Fique Por Dentro”, uma iniciativa do LNCC para a

aproximação e popularização da ciência dedicada à comunidade em geral.

Computação Aplicada (INPE)

O Programa de Pós-graduação em Computação Aplicada (CAP) está organizado sob

domínio do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). O INPE é o maior instituto de

pesquisa e desenvolvimento tecnológico do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação

(MCTI). O instituto possui a missão de produzir ciência e tecnologia nas áreas espacial e do

ambiente terrestre e oferecer produtos e serviços singulares em benefício do Brasil.

43

O CAP é o segundo maior programa de Pós-graduação na área de Computação no

Brasil, sendo responsável pela formação de uma geração de técnicos altamente especializados

que conduziram à consolidação do INPE como centro de excelência em ciência e tecnologia

espacial. O Programa foi fundado em 1968, oferecendo somente o curso de mestrado aos

servidores do Instituto. Em 1974, passou a oferecer o doutorado em Computação Aplicada e,

em 1975, com o apoio da CAPES e do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico) começou a receber alunos não vinculados ao INPE. O CAP obteve

conceito 5 na avaliação CAPES, sendo considerado um programa de excelência a nível

nacional.

O Programa possui como objetivo principal o desenvolvimento tecnológico e

científico nacional, formando mestres e doutores com conhecimento e competência

multidisciplinar que atendam às necessidades atuais da pesquisa e desenvolvimento em

ciência e tecnologia espacial. No âmbito da missão estratégica do INPE, o Programa foi

concebido tendo por foco a interdisciplinaridade, na qual os princípios da Matemática

Aplicada integram-se aos paradigmas da Ciência e da Engenharia da Computação para

produzir novos conhecimentos.

O corpo docente é formado por 23 permanentes e 6 colaboradores que atuam nas

seguintes Linhas de Pesquisa: i) Modelagem Computacional; ii) Tecnologia da Informação e

Extração de Informações. Com relação às disciplinas, elas estão dispostas em três núcleos

principais considerados primordiais para a formação do perfil desejado, sendo: o Núcleo de

Matemática Aplicada, o Núcleo de Computação Aplicada e o Núcleo de Ciências e

Tecnologias Espaciais. Além desses núcleos, o curso oferece o Núcleo Complementar, que

contem disciplinas específicas direcionadas para as linhas de pesquisa. Para a obtenção do

título de Mestre e Doutor, exige-se, respectivamente, um mínimo de 24 créditos

correspondentes a uma carga horária de 15 horas-aula, e um mínimo de 48 créditos.

De acordo com o CAP, a consolidação e manutenção de um programa voltado para a

formação interdisciplinar reclamam um corpo docente altamente qualificado, e que atue

consoante aos objetivos do programa. A excelência do corpo docente é sustentada por uma

avaliação anual que possui como principais critérios a produtividade em P&D, a participação

no programa (docência e orientação) e a assiduidade com o planejamento e calendário

acadêmico. Portanto, desde a sua criação, o CAP assume o compromisso de manter um copo

docente qualificado capaz de exercer suas funções e atribuições acadêmicas, e disposto a

almejar a excelência em P&D conforme as orientações do MCTI.

44

O CAP enfatiza que seus egressos possuem formação interdisciplinar que os capacita

para criar, empregar e implementar modelos computacionais, analisar e interpretar resultados

de execuções de modelos, desenvolver métodos computacionais para otimizar sistemas

numéricos, etc, em correspondência às necessidades atuais da pesquisa, desenvolvimento e

inovação em Ciências e Tecnologias Espaciais.

Os egressos são absorvidos pelo INPE, em institutos de pesquisa e desenvolvimento

locais, regionais e nacionais, nas universidades, em grupos de pesquisas e em empresas da

área aeroespacial e de desenvolvimento tecnológico. Especificamente, as empresas Embraer e

Visiona contam com a CAP para suprir suas demandas. Além disso, como descrito no

relatório, é muito comum que as empresas do setor aeroespacial enviem seus funcionários

para cursarem mestrado e doutorado na CAP, mantendo permanente diálogo com essas

empresas, e atuando em sintonia com as demandas do setor aeroespacial.

A integração com a sociedade é apresentada pela CAP levando em conta os seguintes

pontos: (1) enquanto parte do INPE, uma vez que este possui a missão de oferecer produtos e

serviços singulares em benefício do Brasil; e (2) as contribuições da CAP em termos de

conhecimentos (teses e dissertações) produzidos no âmbito do programa para o Laboratório

de Computação e Matemática Aplicada (LAC) e a Divisão de Processamento de Imagem

(DPI). Nesse sentido, o CAP assume papel fundamental na concepção, condução e no

aprimoramento de modelos matemáticos e computacionais que, em sua maioria, são utilizados

em máquinas de alto desempenho do INPE.

Assim, são citadas algumas associações da CAP com os programas institucionais do

INPE, vistos com grande relevância estratégia para o país e a sociedade, sendo: a) Previsão de

tempo e clima, que fica a cargo do Centro de Precisão do Tempo e Estudos Climáticos; b)

Detecção de desmatamento em tempo real (DETER); c) Monitoramento da Floresta

Amazônica Brasileira por Satélite (PRODES); d) Programa de Estudo e Monitoramento

Brasileiro do Clima Espacial (EMBRACE).

Energia (USP)

O Programa de Pós-Graduação em Energia (PPGE) está vinculado ao Instituto de

Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP), oferecendo cursos strictu

sensu de mestrado e doutorado. Fundado em 1989 enquanto Programa Interunidades, o PPGE

vinculava-se às unidades IEE, IF (Instituto de Física), FEA (Faculdade de Economia e

45

Administração) e EP (Escola Politécnica). Em 2014, se tornou um Programa do Instituto de

Energia e Ambiente da USP, de caráter interdisciplinar. O PPGE possui conceito 5,

classificando-se com excelência a nível nacional.

Desde sua origem, o PPGE tem suas ações delineadas pelo compromisso institucional

do IEE de atuar de forma interdisciplinar no ensino, pesquisa e extensão nas áreas de Energia

e Ciência Ambiental. Dessa forma, a consolidação do PPGE reflete, no campo de

conhecimento da Energia, a institucionalização dos esforços para uma abordagem com visão

interdisciplinar, global e integrada.

A partir desta visão, o principal objetivo do PPGE reside na capacitação de recursos

humanos para a contribuição no debate político-científico que conduzirá às escolhas mais

adequadas para as estratégias energéticas do país. Visto que a energia é atribuída como

elemento fundamental para a garantia das necessidades materiais das sociedades, o PPGE

enfatiza a análise dos limites dos recursos naturais na provisão doméstica da energia, assim

como os impactos das novas tecnologias na ampliação desses limites, e das questões

socioeconômicas na eventual restrição dos mesmos. Igualmente, estudam-se as consequências

associadas à produção e ao uso da energia.

As atividades acadêmicas do PPGE são estruturadas para propiciar um tratamento

integrado, sistemático e interdisciplinar do campo de conhecimento da energia. Nesse sentido,

enfatiza-se o papel fundamental das dimensões tecnológicas, mas, igualmente, de aspectos

sociais, econômicos, ambientais, históricos, geográficos e geopolíticos da energia. Como

destaca o PPGE, todas as dimensões da temática de produção e uso da energia são analisadas

visando embasar cientificamente as escolhas a serem realizadas pela sociedade.

A composição do corpo docente do PPGE está arquitetada em 24 docentes, que se

dispõem em cinco Linhas de Pesquisa, quais sejam: i) Energia e Meio Ambiente; ii) Energia e

Sociedade; iii) Fontes Renováveis de Energia; iv) Planejamento Integrado de Recursos -

Oferta, Demanda e Qualidade de Energia; e v) Desenvolvimento e Aplicações de Tecnologias

Energéticas. Especificamente, a estrutura curricular se organiza em disciplinas obrigatórias e

optativas, totalizando um total de 22 disciplinas. Na primeira categoria são oferecidas três

disciplinas que constituem o corpo fundamental do conhecimento em Energia. Na segunda

categoria são ofertadas dezenove disciplinas.

Em termos de integração com a sociedade e o mercado de trabalho, o relatório elucida

que o IEE e o PPGE desenvolvem uma extensa agenda de eventos de natureza diversificada e

46

sob a coordenação do corpo docente, com frequente participação de discentes e técnicos

laboratoriais. Estes eventos possuem como foco as áreas de conhecimento da Energia e Meio

Ambiente, e são disponibilizadas tanto para o público acadêmico como de empresas e

gestores públicos.

Além disso, pelo PPGE são citados alguns grupos de pesquisa como o NUPPREC –

Núcleo de Pesquisa em Políticas e Regulação de Emissões de Carbono – cujo principal

objetivo é promover e sintetizar análise em políticas públicas e da regulação, visando à

redução de emissões de gases de efeito estufa; o GEDD – Grupo de Estudos sobre a Dialética

da Dependência – que busca investigar os fundamentos teóricos-metodológicos da Teoria da

Dependência e sua aplicação em situações de subdesenvolvimento e (des)integração nos

países periféricos, enfatizando, então, a análise da organização da produção e apropriação da

energia nestes países; o GBio – Grupo de Pesquisa em Bioenergia – dedicado a ao

desenvolvimento de estudos e projetos visando o uso da biomassa e promovendo o

intercâmbio entre instituições do Brasil e do exterior, de informações técnicas e de resultados

econômicos e socioambientais, relativos à aplicação das tecnologias de biomassa para fins

energéticos.

As atividades geradas nos Projetos de Pesquisa são muitas vezes desenvolvidas em

cooperação com diferentes grupos de interesse, especialmente através dos Fundos Setoriais de

P&D. Conforme aponta o PPGE, a produção técnica gerada pelo corpo docente, e com intensa

participação discente, caracteriza-se por prestação de serviço com elevado conteúdo científico

das áreas de conhecimento do programa.

Por fim, salienta-se que os docentes, discentes e egressos do PPGE estão inseridos em

importantes instituições privadas e governamentais, tais como a Secretaria de Estado do Meio

Ambiente, a Secretaria de Energia, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas, entre outras. Esta

integração é considerada fundamental para subsidiar políticas públicas e para contextualizar

em bases concretas as linhas acadêmicas de ensino e pesquisa, evidenciando, portanto, a força

de atuação do programa.

Modelagem Computacional (UERJ)

O Programa de Pós-graduação em Modelagem Computacional (PPGMC) oferecido

pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UERJ) foi criado em 1995, nos níveis de

47

mestrado e doutorado. Na última avaliação realizada pela CAPES, o Programa foi avaliado

com conceito 5.

O PPGMC procura desenvolver pesquisas que englobem a abordagem interdisciplinar.

Nesse sentido, entende-se que a Modelagem Computacional possibilita o desenvolvimento de

pesquisas inovadoras ao lidar com problemas advindos de diversas disciplinas como a

Engenharia, a Física, a Química, a Biologia, a Matemática, a Informática e a Computação.

Assim, a Modelagem Computacional é concebida como uma metodologia de pesquisa e

ensino inerentemente interdisciplinar.

O objetivo principal do PPGMC reside na formação de pessoal qualificado para

atividades de ensino, pesquisa e desenvolvimento tecnológico, assim como atividades na área

de Modelagem Computacional. De maneira específica, o objetivo do curso de mestrado é

iniciar profissionalmente o aluno em atividades de pesquisa e ensino, qualificando-o para a

indústria, universidade e instituto de pesquisa. No caso do curso de doutorado, objetiva-se

formar pesquisadores para liderar projetos de P&D na indústria, universidades e instituto de

pesquisa.

No PPGMC as atividades de pesquisa e ensino estão direcionadas às Linhas de

Pesquisa, quais sejam: i) Matemática Aplicada e Computação Científica; ii) Meios Porosos,

Termofluidodinâmica e Transporte de Partículas; iii) Materiais. No caso da estrutura

curricular, o aluno de mestrado deve cursar 24 créditos (cada disciplinar possui 4 créditos), e

o de doutorado 40 créditos. Do total de créditos exigidos para o mestrado, 16 créditos deverão

completar as disciplinas de Métodos Numéricos, Técnicas Computacionais e Álgebra Linear,

e 4 créditos para a disciplina da Linha de Pesquisa escolhida pelo aluno. Já no caso do

doutorado, 12 créditos serão completados na disciplina de Métodos Matemáticos, e 8 créditos

em disciplinas da Linha de Pesquisa selecionada pelo aluno. Além disso, o estudante de

mestrado deve cursar o Seminário de Projeto de Dissertação de Mestrado, disciplina

obrigatória; enquanto o aluno de doutorado deverá cursar o Seminário de Doutorado,

disciplina também obrigatória.

Conforme enunciado em seu relatório, o corpo docente constitui-se como um dos

principais pontos fortes do PPGMC. É composto por 24 docentes de formação diversa e

interesse em problemas que exigem a atuação em equipes multidisciplinares. Assim, a atuação

do corpo docente principalmente na estruturação de suas atividades em torno dessas questões

multidisciplinares, refletem o aumento do número de co-orientações e co-autoria de artigos, e

48

o desempenho em sociedades científicas e técnicas afeitas à temática da Modelagem

Computacional.

Nesta perspectiva, a qualidade das atividades desenvolvidas no âmbito do PPGMC é

apontada pela aprovação de seus egressos em concursos públicos para a carreira docente em

universidades de prestígio no país. Nessas instituições, estes iniciam seus próprios grupos de

pesquisa, reproduzindo o fenômeno da nucleação de polos de ciência e tecnologia. Dessa

forma, os egressos do PPGMC são destacados por possuírem um bom perfil para área de

pesquisa e ensino, com forte inserção na área de Modelagem Computacional.

Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC)

O Programa de Pós-graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento (PPGEGC)

surge em 2004, com foco em pesquisas e formação do conhecimento, concebido enquanto

produto, processo e resultado de interações sociais e tecnológicas entre agentes humanos e

tecnológicos.

A partir da adoção, em 1985, do Planejamento Estratégico como ferramenta gerencial

pelo Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção (PGEP), e a implantação de

áreas de concentração de caráter multidisciplinar, tem-se a origem do PPGEGC. Atualmente,

o Programa oferece três áreas de concentração: Engenharia do Conhecimento, Gestão do

Conhecimento e Mídia e Conhecimento.

O objetivo principal do PPGEGC é formar pesquisadores comprometidos com o

ensino, a pesquisa e o desenvolvimento voltados à codificação, gestão e disseminação do

conhecimento nas organizações e sociedade. Dessa forma, o Programa estrutura seu objeto de

pesquisa com articulação entre as áreas de concentração. Trata-se do conhecimento enquanto

fator estratégico à geração de valor e de equidade social na sociedade contemporânea.

O objeto de pesquisa e de formação do PPGEGC, essencialmente, busca a utilização

do conhecimento no gerenciamento de negócios relacionados à economia. Trata-se, em

termos mais amplos, de unir o desenvolvimento científico e tecnológico da Engenharia e da

Gestão do Conhecimento para o desenvolvimento da sociedade.

De acordo com o PPGEGC, o conhecimento apresenta três características: é tácito,

implícito ou explícito; é gerenciável e é transmissível. São esses aspectos que definem a

estrutura tríplice das áreas de concentração do Programa. A Engenharia admite os processos

49

de explicitação, emulação e modelagem, enquanto a Gestão dedica-se ao planejamento e

gerência, e a Mídia destina-se à comunicação e compartilhamento do conhecimento.

O Programa dispõe de 39 docentes, sendo 33 permanentes e 6 colaboradores. Estes

atuam nas seguintes Linhas de Pesquisa: i) Teoria e Prática em Engenharia do Conhecimento;

ii) Engenharia do Conhecimento Aplicada às Organizações; iii) Engenharia do Conhecimento

Aplicada ao Governo Eletrônico; iv) Teoria e Prática em Gestão do Conhecimento; v) Gestão

do Conhecimento e Sustentabilidade; vi) Gestão do Conhecimento, Empreendedorismo e

Inovação Tecnológica; vii) Teoria e Prática em Mídia e Conhecimento; viii) Mídia e

Disseminação do Conhecimento; ix) Mídia e Conhecimento na Educação.

O PPGEGC organiza a sua estrutura curricular em três núcleos de disciplinas:

primeiro, o núcleo comum, voltado para a formação sobre o objeto e métodos. Essas

disciplinas são obrigatórias, independente da área escolhida pelo aluno. No segundo núcleo,

estão as disciplinas específicas de cada área de concentração. Já no terceiro núcleo,

encontram-se as disciplinas de Tópicos Especiais para cada área de concentração e as

disciplinas das linhas de pesquisa.

Em relação à obtenção do título de mestre e doutor, o Programa exige um total de 18

créditos para o curso de mestrado, e 36 créditos para doutorado. Além das disciplinas, esses

créditos são distribuídos em estágio docente, produção intelectual, atividades de pesquisa

acadêmica ou tutorias.

O PPGEGC forma mestres e doutores conforme as suas três áreas de concentração.

Assim, os egressos em Engenharia do Conhecimento possuem um perfil científico e

tecnológico que os capacita para atuar como analistas de conhecimento, engenheiros de

sistemas de conhecimento, e pesquisadores da Engenharia do Conhecimento. Por outro lado,

os egressos em Gestão do Conhecimento apresentam um perfil científico e gerencial, atuando

como gestores estratégicos do conhecimento e pesquisadores em Gestão do Conhecimento.

Da mesma forma, os egressos em Mídia do Conhecimento dispõem de um perfil científico e

gerencial, mas atuam como disseminadores do conhecimento e pesquisadores em Mídia e

Conhecimento.

50

5.2 A CONFIGURAÇÃO DA INTERDISCIPLINARIDADE NO CORPO DOCENTE DOS

PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO

Esta seção tem a finalidade de demonstrar a praticabilidade da interdisciplinaridade

entre aqueles que a constroem, isto é, os docentes que atuam nos Programas de Pós-graduação

selecionados. Aqui, ressalta-se a relevância da análise do corpo docente, visto que são estes os

principais responsáveis pela pesquisa científica nacional, e pela formação de uma base técnica

altamente qualificada. Conforme apontado pelo MCTI (2016) é nas universidades,

especialmente nas públicas, que se realiza a maior parte das pesquisas no país. Também, os

institutos de pesquisas do MCTI são relevantes instituições para a produção científica.

Ainda, segundo dados de 2014 apresentados pelo documento Estratégia Nacional de

Ciência, Tecnologia e Inovação (2016-2019) (MCTI, 2016), o Brasil conta com

aproximadamente 84 mil docentes lecionando em universidades públicas privadas. Deste

número, 60% atuam em instituições federais, 27% em estaduais e 13% em particulares. Já no

caso dos institutos de pesquisa do MCTI, são 7.500 profissionais envolvidos nas atividades de

P&D que trabalham como pesquisadores, tecnologistas e analistas das Carreiras de CT&I do

Governo Federal, além de bolsistas dos programas de Pós-Graduação.

A análise da exequibilidade da interdisciplinaridade nos Programas leva em conta

ainda que, conforme exposto pela CAPES (2013), a proposta de um Programa de Pós-

graduação na Área Interdisciplinar deve contar com um corpo docente disposto a ampliar as

fronteiras do conhecimento, com formação disciplinar diversificada e coerente com as áreas

de concentração e linhas de pesquisas. Nesses termos, os docentes devem “contribuir para

ampliar a base do conhecimento fora de sua áreas de especialização, visando aprofundar

processos de cooperação produtivos” (CAPES, 2013, p. 18).

Nesse sentido, as investigações acerca dos Programas de Pós-graduação selecionados

revelam o valor do corpo docente tanto em relação ao almejo da qualidade dos programas

quanto em termos de engajamento em áreas multidisciplinares ou interdisciplinares. O PG-

LNCC e o CAP-INPE, ambos vinculados ao MCTI, destacam a excelência de seu corpo de

pesquisadores. No primeiro caso, o corpo de pesquisadores do PG-LNCC é apontado como

pioneiro no país pela sua abordagem multidisciplinar, além destes estarem ligados às

Coordenações de P&D do Laboratório. Igualmente, indica-se a interação entre os professores

do Programa com outras instituições de pesquisas nacionais ou internacionais, principalmente

em relação à orientação conjunta de alunos. No segundo caso, a excelência do corpo docente é

apresentada como importante elemento para a consolidação e manutenção do Programa que

51

busca a formação interdisciplinar. Para isso, o CAP-INPE avalia anualmente seus docentes,

levando em conta critérios como produtividade em P&D, por exemplo.

De maneira semelhante, o PPGE destaca o zelo e a manutenção dos seus docentes,

vistos que são estes que conduzem esforços para a formação de recursos humanos capazes de

gerar temas da indústria energética, especificamente. Ainda, considera-se que um dos

principais pontos fortes do PPGE é o caráter interdisciplinar do seu corpo docente. Estes têm

afirmado a manutenção e preservação da diversidade e interdisciplinaridade do Programa,

enfatizando, principalmente, a replicação dessas iniciativas em nível de graduação, assim

como em atividades de cooperação nacionais e internacionais.

O corpo docente do PPGMC é destacado pela sua formação diversificada e a

disposição na resolução de problemas que exigem uma abordagem multidisciplinar. Nesse

sentido, por intermédio de seu corpo docente, o PPGMC busca se debruçar sobre a

conceituação da interdisciplinaridade, contribuindo para a consolidação desta noção no

contexto da atividade científica nacional. O PPGMC também elenca a atuação do corpo

docente em co-orientações e co-autoria de artigos, em parcerias entre os membros do

programa, e equipes de pesquisadores de outras instituições nacionais e internacionais.

Finalmente, um dos pontos fortes do PPGEGC decorre da formação multidisciplinar

de seu corpo docente. Além disso, enfatiza-se o comprometimento do corpo docente quanto à

consolidação do conhecimento como objeto de formação e pesquisa de natureza

interdisciplinar, de relevância significativa para o desenvolvimento técnico-científico e

socioeconômico do país.

Para compreender de maneira mais completa os programas interdisciplinares,

examinou-se a distribuição da formação dos docentes por área de conhecimento. Assim, para

cada programa identificou-se a distribuição segundo as classificações por área da CAPES. A

seguir, os resultados e a interpretação desse mapeamento referente aos cinco programas são

apresentados:

52

GRÁFICO 1 – DISTRIBUIÇÃO DO CORPO DOCENTE POR ÁREA DE CONHECIMENTO

(PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MODELAGEM COMPUTACIONAL – LNCC)

FONTE: Plataforma Lattes. Elaboração: A autora (2017).

O Gráfico 1 referente ao PG-LNCC retrata que de um total de 43 docentes (2 não

contabilizados), 45% compõem a área Engenharias e 29% inserem-se nas Ciências Exatas e

da Terra. Em seguida, a área Multidisciplinar abrange 17%, enquanto as Ciências Biológicas

9%.

Diante disso, é possível indicar um tipo de interdisciplinaridade centrado nas

Engenharias e Ciências Exatas e da Terra, com abertura para outras áreas, como a

Multidisciplinar e as Ciências Biológicas. A posição desta última se mostra relevante uma vez

que a Linha de Pesquisa em Modelagem Matemática e Computacional de Biossistemas e

Bioinformática é apontada pelo Programa como um dos principais exemplos da “postura

interdisciplinar” do corpo docente. Conforme explica o PG-LNCC, esta propiciou a

oportunidade de formar pós-graduandos na área de Bioinformática com conhecimentos de

Modelagem Computacional.

Assim, em conjunto com os dados apresentados no gráfico, esses apontamentos

indicam que o enfoque multidisciplinar do PG-LNCC tem sido realizado na conjunção entre a

Matemática, a Computação e as Ciências Biológicas. Isto é melhor evidenciado na estrutura

curricular do Programa, na qual a Área de Modelagem cujo enfoque está pautado nas áreas de

29%

9%

45%

17%

Ciências Exatas e da

Terra

Ciências Biológicas Engenharias Multidisciplinar

Distribuição do corpo docente por

área de conhecimento (PG-LNCC):

53

Biossistemas e Bioinformática destaca-se pela abertura do leque de possibilidades e

integração entre as Engenharias e Ciências Exatas e as Ciências Biológicas.

No caso do CAP-INPE, identifica-se a distribuição dos 29 docentes que compõem o

programa no Gráfico 2:

GRÁFICO 2 – DISTRIBUIÇÃO DO CORPO DOCENTE POR ÁREA DE CONHECIMENTO

(PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMPUTAÇÃO APLICADA – INPE)

FONTE: Plataforma Lattes. Elaboração: A autora (2017).

O Gráfico 2 aponta que 45% do corpo docente estão inseridos na área Engenharias,

sendo acompanhados por 34% de professores que abrangem a área Multidisciplinar. As

Ciências Exatas e da Terra compõem 21% deste quadro. Aqui, podemos afirmar que apesar

das Engenharias e as Ciências Exatas e da Terra somarem 66% do corpo docente, o CAP

destaca-se por dispor de uma considerável parcela de docentes com formação

multidisciplinar, reivindicando para si 34% do total. Em suma, pode-se conceber um tipo de

interdisciplinaridade em que as Engenharias e Ciências Extas e da Terra são centrais, apoiada

por uma significativa participação multidisciplinar.

Em termos gerais, esses dados representam para o CAP uma preocupação inicial

exposta em sua proposta, qual seja o de selecionar seus docentes para a efetiva formação

interdisciplinar dos discentes. Nesse sentido, a análise do relatório do Programa e a

21%

45%

34%

Ciências Exatas e da Terra Engenharias Multidisiciplinar

Distribuição do corpo docente por

área de conhecimento (CAP-INPE):

54

distribuição do seu corpo docente revelam que há uma correlação explícita entre a qualidade

do corpo docente e sua capacidade de formação para interdisciplinaridade.

Em relação ao PPGE, ilustramos a seguir, no Gráfico 3, a distribuição da área de

formação de 22 docentes (2 não contabilizados) que compõem o programa:

GRÁFICO 3 – DISTRIBUIÇÃO DO CORPO DOCENTE POR ÁREA DE CONHECIMENTO

(PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENERGIA – USP)

FONTE: Plataforma Lattes. Elaboração: A autora (2017).

Neste caso, verifica-se que 50% do corpo docente está inserido na área Engenharias,

enquanto as Ciências Exatas e da Terra e a Multidisciplinar apresentam resultados

semelhantes, cada uma totalizando 23% do corpo docente. As Ciências Sociais Aplicadas

representam somente 4%.

Aqui, trata-se de um tipo de interdisciplinaridade centrado nas Engenharias, com

adjunção das Ciências Exatas e da Terra e Multidisciplinar de maneira semelhante, e pequena

inserção das Ciências Sociais Aplicadas.

Apesar da proposta do programa enfatizar a abordagem diversa e interdisciplinar do

campo de conhecimento da Energia, os dados informam que aqueles inseridos na área

Multidisciplinar ou em Ciências Sociais Aplicadas são caracterizados em menor número.

Contudo, é possível identificar por parte do PPGE o esforço por um tratamento integral e

sistemático de sua área de atuação através da estrutura curricular, na qual podem ser

23%

4%

50%

23%

Ciências Exatas e daTerra

Ciências SociaisAplicadas

Engenharias Multidisciplinar

Distribuição do corpo docente por área de conhecimento (PPGE):

55

exemplificadas as linhas de pesquisas voltadas para a relação entre Energia e Meio Ambiente,

e Energia e Sociedade.

Dando seguimento à investigação, verifica-se no Gráfico 4 o mapeamento por área de

conhecimento do corpo docente do PPGMC, totalizando 22 professores (2 não

contabilizados):

GRÁFICO 4 – DISTRIBUIÇÃO DO CORPO DOCENTE POR ÁREA DE CONHECIMENTO

(PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MODELAGEM COMPUTACIONAL – UERJ)

FONTE: Plataforma Lattes. Elaboração: A autora (2017).

O gráfico acima aponta a distribuição do corpo docente por área de conhecimento,

onde as Engenharias representam 54% do total. Em seguida, as Ciências Exatas e da Terra são

apresentadas compondo 23%, sendo acompanhadas pela área Multidisciplinar, abrangendo

igualmente 23%.

O PPGMC apresenta um tipo de interdisciplinaridade semelhante ao anterior, na qual

as Engenharias são centrais, com igual adição das Ciências Exatas e da Terra e

Multidisciplinar. Portanto, trata-se de corpo docente concentrado em três grandes áreas, em

que há, sobretudo, a centralização das Engenharias. A análise do relatório do programa em

conjunto com estes dados, demonstra que o enfoque interdisciplinar do PPGMC está baseado

na utilização da Computação Científica e das Ciências Exatas em problemas associados às

Engenharias e Ciências Aplicadas.

Finalmente, apresenta-se o caso do PPGEGC no Gráfico 5:

23%

54%

23%

Ciências Exatas e da Terra Engenharias Multidisciplinar

Distribuição do corpo docente por área de conhecimento (PPGMC):

56

GRÁFICO 5 – DISTRIBUIÇÃO DO CORPO DOCENTE POR ÁREA DE CONHECIMENTO

(PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA E GESTÃO DO

CONHECIMENTO – UFSC)

FONTE: Plataforma Lattes. Elaboração: A autora (2017).

Dentre os 38 docentes (1 não contabilizado) do programa, 61% inserem-se na área

Engenharias, 18% nas Ciências Sociais Aplicadas e 10% nas Ciências Exatas e da Terra, e 8%

na Multidisciplinar. Em menor número, encontram-se as Ciências Humanas, abrangendo 3%

do total.

O caso do PPGEGC evidenciou um tipo de interdisciplinaridade centrado nas

Engenharias, com adição diversificada de áreas disciplinares – Ciências Sociais Aplicadas,

Ciências Exatas e da Terra e Ciências Humanas – e da área Multidisciplinar. Por este ângulo,

o Programa exibiu uma maior diversidade em termos de áreas de conhecimento.

Assim, apesar das Engenharias constituírem 61% do corpo docente, evidenciando a

homogeneização deste quadro, é possível verificar a manifestação de pelo menos três áreas

que se diferem das Engenharias e das Ciências Exatas e da Terra. Aqui, ainda constatamos

que as Ciências Sociais Aplicadas ocupam a segunda posição, que tem sido o lugar das

Ciências Exatas e da Terra em outros programas. Contudo, o PPGEGC destaca-se por ser o

programa em que os seus docentes se inserem na área Multidisciplinar em menor número.

De maneira geral, a análise da distribuição do corpo docente por área de conhecimento

indica a concentração da área Engenharias compondo entre 45% a 61% do corpo docente dos

10%

18%

3%

61%

8%

Ciências Exatase da Terra

Ciências SociaisAplicadas

CiênciasHumanas

Engenharias Multidisciplinar

Distribuição do corpo docente por área de conhecimento (PPGEGC):

57

Programas de Pós-graduação. Isso abre um espaço entre 40% e 55% para docentes de outras

formações, diferenciando, assim, a área interdisciplinar da Engenharia, Tecnologia e Gestão

da área disciplinar das Engenharias.

Por outro lado, não há predominância da área Multidisciplinar em nenhum dos

Programas analisados, dado que esta abrange entre 8% a 23% dos docentes, o que reforça o

campo da engenharia como pilar central da formação. Ademais, identifica-se a presença de

áreas divergentes das Engenharias em pelos menos três programas. Primeiro, no caso do PPG-

LNCC, as Ciências Biológicas (9%) são representativas do esforço interdisciplinar do

Programa, expresso inclusive em sua estrutura curricular. Segundo, as Ciências Sociais

Aplicadas, apesar da porcentagem muito baixa (4%), se fazem presente no PPGE. Terceiro,

no PPGEGC, as Ciências Sociais Aplicadas (18%) e as Ciências Humanas (3%) são

significativas para considerar a consolidação da prática interdisciplinar deste Programa.

Os dados demonstram que há um esforço real, para a consolidação de um perfil

interdisciplinar do corpo docente, evidenciando que a capacidade de formação para a

interdisciplinaridade é um aspecto imprescindível aos Programas de Pós-graduação

analisados. Sobretudo, observa-se que os Programas buscam corresponder às disposições

quanto à constituição de um Programa de Pós-graduação na Área Interdisciplinar e dispõem

de um corpo docente aberto a outras áreas de conhecimento. Em suma, trata-se de um enfoque

de interdisciplinaridade predominante que parece fundamentar a constituição do corpo

docente em que disciplinas ou áreas de conhecimento complementares são adicionadas para

enriquecer ou ampliar a perspectiva da área das Engenharias, que aparece com centralidade

em todos os Programas.

5.3 A CONSTRUÇÃO DO NOVO PROFISSIONAL INTERDISCIPLINAR

Nesta seção são apresentados os principais aspectos que corroboram para a concepção

da interdisciplinaridade como novo elemento de qualificação profissional. Para tal, a

discussão fundamenta-se sobre a construção do novo profissional que se projeta nos

Programas de Pós-graduação interdisciplinares. Sobretudo, esta ideia é elencada mediante o

diálogo construído pelos Programas com o mercado de trabalho.

Assim, entre os teóricos do mundo do trabalho tem-se enfatizado que os novos padrões

de produção flexíveis são caracterizados, para além das competências técnicas, pela

incorporação dos aspectos individuais e subjetivo-motivacionais da qualificação. Cada vez

58

mais, demanda-se que o trabalhador possua capacidades de abstração, decisão e comunicação

e qualidades relativas à responsabilidade, e interesse pelo trabalho.

Sob essa lógica, enfatizam-se os discursos que se constroem em torno do novo

profissional interdisciplinar, e sua relação com o mundo do trabalho. Nesses termos, já se

mencionou a relevância atribuída pela CAPES às novas formas de produção do conhecimento

– isto é, aquelas que se deslocam da disciplinaridade – e a formação de recursos humanos.

Isto é, atribuindo a estes uma formação básica sólida e integradora, resultando em um perfil

inovador e que difere por ser qualitativamente superior aos perfis profissionais existentes.

Da mesma forma, identificou-se por intermédio dos teóricos da interdisciplinaridade

(Japiassu, 1976; Fazenda, 2011) o mérito desta prática para preparar indivíduos para a

formação profissional que contemple disciplinas fundamentais, e que possibilite a formação

“polivalente” ou “plurivalente”. Assim, verificou-se o desejo de ajustamento entre a produção

do conhecimento científico – as atividades acadêmicas – e as necessidades sócio-profissionais

ou econômicas. A partir disso, são explorados os cinco Programas de Pós-graduação

selecionados a fim de verificar como estes elementos se constroem em suas propostas.

Primeiro, conforme enunciado pelo PG-LNNC, o programa busca contemplar uma

nova conjuntura de produção do conhecimento científico e tecnológico associado a um novo

perfil do mercado de trabalho. Dessa maneira, propõe-se que para atender às novas demandas

originadas pelo uso crescente da computação na solução de problemas complexos em diversas

áreas do conhecimento, o PG-LNCC procura se afastar do modo disciplinar de ensino e

pesquisa do país. É nesse sentido que o programa se compromete em garantir uma formação

básica sólida e integradora, ampliando a visão de seus alunos e habilitando-os para “a solução

de temas não rotineiros, que exigem criatividade e capacidade de enfrentar desafios novos

com autonomia intelectual” (CAPES, 2017, não p.).

De forma semelhante, o PPGMC abrange a relevância das novas tecnologias e a

possibilidade de integração entre áreas que historicamente foram se afastando e se

diferenciando. Assim, “a integração [...] é agora possível devido às tecnologias modernas, e

novas oportunidades estão surgindo a todo o momento proveniente de disciplinas como a

biologia, a economia, a sociologia, a informática, entre outras” (CAPES, 2017, não p.). Aqui,

enfatiza-se a capacidade integradora da Modelagem Computacional, e a tendência em atrair

discentes insatisfeitos com a compartimentalização do conhecimento em programas

disciplinares.

59

Ainda em relação ao PPGMC, destaca-se o comprometimento na formação de

“profissionais ágeis e capazes de comunicarem ideias complexas de forma eficaz,

característica valorizada no mercado de trabalho” (CAPES, 2017, não p.).

Outro ponto importante é a utilização do termo “reestruturação produtiva” pelo PPGE.

A reestruturação produtiva é apresentada assumindo um importante papel na agenda de

pesquisa do programa, destacando que “os aspectos econômicos e financeiros configuram as

opções de investimento e os esforços que a sociedade realiza para o adequado provimento de

energia” (CAPES, 2017, não p.).

Por fim, o CAP e o PPGEGC se assemelham pela sua relação direta com as empresas,

ou, com a concepção de empreendedorismo. No primeiro caso, é comum que as empresas do

setor aeroespacial enviem seus funcionários para cursarem mestrado e doutorado no

Programa, que mantem permanente diálogo com empresas, atuando em sintonia com suas

demandas: “[...] para entender as necessidades que elas tem e verificar caminhos que podem

ser seguidos pela CAP para melhor atendê-las: alguns cursos que hoje estão em nosso

catálogo advém destas interações” (CAPES, 2017, não p.).

No segundo caso, o Programa oferece a Linha de Pesquisa Gestão do Conhecimento,

Empreendedorismo e Inovação Tecnológica buscando, assim, investigar “o fenômeno de

geração de conhecimento da sociedade da informação e sua utilização inovadora na busca do

desenvolvimento pessoal do bem estar social e da geração de renda” (CAPES, 2017, não p.).

Em suma, busca-se a formação de “profissionais com iniciativa na utilização do conhecimento

como fator estratégico ao negócio” (CAPES, 2017, não p.).

Diante do exposto, podem-se reiterar algumas características básicas que são postas

em relação ao perfil profissional do PG-LNCC, PPGMC e PPGEGC, tal como a relevância

atribuída à criatividade, à agilidade, à iniciativa e à capacidade de comunicar ideias

complexas e enfrentar novos desafios. Estes elementos manifestam a valorização das

habilidades cognitivas e comportamentais sob as habilidades manuais já apontada por

Teixeira (1998). Sobretudo, estes se classificam em um quadro de novas competências

demandadas aos trabalhadores, e organizam-se em novos conhecimentos práticos e teóricos

em que se destacam, por exemplo, as capacidades de abstração, decisão e comunicação e a

responsabilidade, iniciativa e interesse pelo trabalho. (TEIXEIRA, 1998).

Ainda, a capacitação para enfrentar novos desafios reflete a natureza própria da

interdisciplinaridade, visto que ela é posicionada enquanto estratégia necessária para a

60

resolução de novos problemas cada vez mais complexos que emergem na contemporaneidade.

É nesse sentido que se expressa a relevância de novas formas de produção de conhecimento e

de novos perfis profissionais. Assim, o engajamento dos Programas de Pós-graduação

interdisciplinares com a formação básica sólida e integradora de seus discentes delineia o que

se denominou, então, como novo profissional.

Além disso, este processo parece decorrer das novas possibilidades engendradas pelas

novas tecnologias. Como enuncia o PPGMC, a integração entre áreas não pertencentes à

mesma classe tornou-se viável por meio da inovação tecnológica. Ainda, é possível verificar

que a produção de pesquisas inovadoras está ligada ao tratamento de problemas advindos de

disciplinas distintas, como se cita, por exemplo, a biologia, e que só se torna possível pela

utilização de novas tecnologias. De forma específica, o caso dos Programas com enfoque na

Modelagem Computacional (PPG-LNCC e PPGMC) atesta para esta correlação entre o uso de

tecnologias e a prática interdisciplinar, em que já se mencionou, por exemplo, a transferência

de tecnologia em sistemas computacionais para o apoio de profissionais em medicina

realizado pelo PPG-LNCC.

Em aspectos mais amplos, as tecnologias de informação, baseadas na microeletrônica

são conceituadas por Carvalho (1994) pela sua ampla pervasividade e potencial para criar

novos produtos e mercados, e intervir na transformação dos produtos e serviços existentes, ou

mesmo em sua maneira de produzir e vender. Assim, quando se pondera acerca da perspectiva

de adoção de novas tecnologias e inovações das formas organizacionais, é preciso articulá-las

com a emergência de novas competências para o trabalho que não se limitam exclusivamente

ao campo técnico. Sob este tema, já se aludiu à análise de Antunes (2005) no que tange às

transformações no interior do trabalho decorrentes do desenvolvimento científico e

tecnológico, e que configuraram na intelectualização do trabalho social.

Outro aspecto destacado diz respeito ao diálogo que se estabelece com o mundo do

trabalho, especialmente do PPGE, CAP e PPGEGC. No caso do PPGE, o papel adquirido pela

reestruturação produtiva na agenda de pesquisa do Programa revela a sintonia com o processo

produtivo. De forma semelhante, o CAP indica uma sintonia ainda mais forte com as

empresas, notadamente em razão da preocupação das empresas do setor aeroespacial em

dispor de mestres e doutores, o que faz com que o Programa atue dialogando com essas

demandas.

Em relação ao PPGEGC, além de apresentar um perfil profissional com iniciativa,

ressalta para a “utilização inovadora” do conhecimento, demonstrando uma relação mais

61

próxima com a concepção de empreendedorismo, sobretudo mediante a Linha de Pesquisa

Gestão do Conhecimento, Empreendedorismo e Inovação Tecnológica. Aqui, o objeto de

pesquisa e formação do PPGEGC já citado, aparece na iniciativa de utilização do

conhecimento no gerenciamento de negócios relacionados à economia.

Diante do exposto, o que se conclui em relação ao perfil profissional e a relação com o

mundo do trabalho delineada entre os Programas de Pós-graduação analisados é a

incorporação da formação interdisciplinar concomitante às habilidades cognitivas e

comportamentais identificadas nos novos padrões de produção flexível. Em outras palavras,

para além das habilidades enfatizadas como a criatividade, a iniciativa, e a agilidade, as

capacidades para comunicar ideias abstratas e enfrentar desafios complexos são o lugar

privilegiado pela formação interdisciplinar. Portanto, o novo profissional, qualitativamente

superior aos perfis profissionais existentes, como enfatiza a CAPES (2013), só pode ser assim

definido por um elemento primordial: a capacidade de tonar exequível a interdisciplinaridade.

Assim, o que se interpreta é a apropriação da interdisciplinaridade pelos Programas de

Pós-graduação para a mobilização de um novo tipo de profissional. Isto é, através da

interdisciplinaridade este profissional abre-se para o diálogo com disciplinas próximas dentro

da mesma área de conhecimento, mas, sobretudo entre disciplinas de áreas diferentes.

Entretanto, isto só pode ocorrer através da formação de profissionais com um perfil inovador,

o que tem sido o anseio da Área Interdisciplinar na Pós-graduação brasileira.

5.4 OS EGRESSOS DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO

Nesta seção, aponta-se para os resultados do processo formativo dos Programas de

Pós-graduação. Deste modo, são examinados os dados disponibilizados pelos Programas

sobre o destino de seus egressos com o intuito de verificar quais são as atividades que

absorvem esta força de trabalho qualificada com perfil interdisciplinar. Aqui, salienta-se a

não padronização dos dados disponibilizados, visto que a descrição das informações na

Plataforma Sucupira depende exclusivamente dos Programas, além de que o acompanhamento

sistemático dos egressos pode não ser realizado por algum Programa de Pós-graduação ou

instituição de ensino.

No caso da PG-LNCC, tem-se enfatizado o compromisso de capacitar seus egressos

para atuarem em pesquisa interdisciplinar. Como consta no relatório, os alunos se inserem

62

rapidamente em atividades de pesquisa e ensino do país, de forma permanente, através de

concurso público, ou de forma temporária, mediante programas de bolsas.

O acompanhamento dos egressos é retratado pelo Programa com dados de 2010 até

2015, e assim podem ser descritos: em nível de mestrado, são 03 egressos no setor público

acadêmico; 01 egresso no setor público não acadêmico; 02 egressos no setor privado

acadêmico; 01 egresso no setor privado não acadêmico; nenhum egresso no terceiro setor; 53

egressos cursando doutorado. Em nível de doutorado, são 21 egressos no setor público

acadêmico, e 16 egressos em Pós-doutorado no País e 03 egressos em pós-doutorado no

Exterior, totalizando 19 egressos cursando o Pós-doutorado. Nos outros setores não há

participação dos egressos para este nível.

Diante do exposto, verifica-se que os egressos em nível de mestrado e doutorado do

PG-LNCC, em sua maioria, destinam-se para a sequência de sua formação. Isto é, no primeiro

nível, constatamos 53 egressos cursando doutorado, enquanto 07 egressos se distribuem entre

setores acadêmicos ou não acadêmicos, públicos, ou privados. Por outro lado, no segundo

nível, destacam-se 21 egressos no setor público acadêmico em relação a 19 egressos em pós-

doutorado. Assim, trata-se da configuração de um quadro de expressiva atuação no setor

público acadêmico, acompanhado de uma parcela muito próxima de pós-doutorandos.

Em seguida, o CAP enfatiza que seus egressos são absorvidos pelo INPE, em

institutos de pesquisa e desenvolvimento locais, regionais e nacionais, nas universidades, em

grupos de pesquisas e em empresas da área aeroespacial de desenvolvimento tecnológico.

Especificamente, as empresas Embraer e Visiona contam com a CAP para suprir suas

demandas. Assim, apesar deste programa não detalhar o destino de seus egressos, o fato de

atuar como formador de força de trabalho para tais empresas, e manter um vínculo estreito

com elas, evidencia um nicho de mercado para os formandos.

No caso do PPGE, os dados de 2015 revelam que os esforços do Programa, redundam

na formação de recursos humanos para a atividade acadêmica de ensino e pesquisa e a

inserção no setor produtivo. No primeiro grupo, se contabilizam 09 egressos. Destes, 06

egressos continuam sua formação no doutorado do PPGE, e 01 egresso continua sua formação

no Doutorado em outro Programa de Pós-graduação, além de 01 egresso que atua como

pesquisador no próprio IEE.

Do mesmo modo, a relação do PPGE com empresas na área de energética verificada

neste período também é expressiva, com 10 egressos, sendo 02 egressos no exterior, 05

63

egressos em empresas da área energética (01 egresso em empresa pública e 04 em empresas

privadas); além de 03 egressos que atuam como consultores autônomos.

O PPGMC destaca o papel dos seus egressos para a formação de quadros docentes em

cursos de Pós-graduação em Modelagem Computacional de outras instituições de ensino,

como o Programa de Pós-graduação em Modelagem Computacional em Ciência e Tecnologia

da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC, Bahia), que conta com a participação de 04

egressos. Também, há egressos que integram o corpo docente de universidades e institutos de

pesquisa do país, como a USP, a UFBA, UFOPA, LNCC, UFF, UFOP, Estácio de Sá,

Universidade Cândido de Mendes, CEFET, UESC, UNIFESO, etc. Além disso, seus egressos

têm conseguido posições de docência no exterior, como na Universidade de Aberdeen na

Escócia, e a Escola Politécnica Nacional no Equador. Aqui, não se menciona nenhuma

inserção no setor produtivo.

Por fim, o PPGEGC cita somente alguns casos em seu relatório na Plataforma

Sucupira, como a contração de um egresso para atuar como pesquisador no Parque

Tecnológico da PUC-RS; a aprovação de egressos em concursos públicos em universidades

federais do país; a admissão de egressos para atuarem em projetos de instituições de pesquisa

e de organizações do terceiro setor, como o IEL e o Sistema S.

Apesar da fragmentação dos dados disponibilizados na Plataforma Sucupira, é

possível apontar que o setor produtivo não se destaca como destino principal dos egressos dos

Programas de Pós-graduação analisados. A maioria destes tende a dar seguimento em sua

formação ou se inserir no setor acadêmico. Essa constatação vai de encontro com a tendência

mais ampla de escassa absorção de mestres e doutores nas indústrias brasileiras exposta por

Bagattolli (2013). Segundo a autora, entre 1998 e 2011, titularam-se quase 400 mil mestres e

mais de 100 mil doutores; apesar disso, a inserção de pós-graduados em atividades de P&D

no setor industrial, em 2008, era de apenas 4.398 empregados.

Ainda, Bagattolli (2013) compara dados entre 2005 e 2008, em que foram titulados

mais de 100 mil mestres e mais de 30 mil doutores, com relação ao número de pós-graduados

ocupados em atividades de P&D pelas indústrias inovadoras: em 2005, havia 4.330

empregados, passando de 4.398 em 2008, verificando-se um aumento de somente 68 pós-

graduados absorvidos em três anos.

Dados da Pesquisa de Inovação (PINTEC) de 2011 apontam que das 71.500 pessoas

ocupadas em atividades P&D nas empresas, 55.800 (78%) são pesquisadores. No entanto,

64

somente 16,4% destes possuíam pós-graduação, demonstrando a baixa incorporação de

mestres e doutores nas empresas. (MCTI, 2016).

Diante desse quadro de absorção escassa de mestres e doutores, Bagattolli (2013)

elenca algumas hipóteses: primeiro, a reduzida importância atribuída pelas empresas

inovadoras em relação às universidades e os institutos de pesquisa. O baixo gasto das

empresas em atividades de P&D revela a lacuna existente entre a pesquisa e a produção do

país, o que condiciona a não incorporação dessa base técnica-científica, tornando as

universidades e institutos de pesquisa como principal destino destes profissionais.

Segundo, a concepção de um modelo ofertista constituído pela pesquisa científica e

tecnológica brasileira, na qual se tem como argumento o ideal de que a capacitação de

recursos humanos e o fomento à pesquisa universitária levariam, de forma bastante

automática, ao desenvolvimento socioeconômico do país. (BAGATTOLLI, 2013). Aqui, os

mestres e doutores são:

[...] o grupo com a maior probabilidade de contribuir para o avanço e a difusão de

conhecimento e tecnologias e, [que] como tal... são frequentemente vistos como

atores que desempenham papel chave na criação do crescimento econômico baseado

no conhecimento e na inovação. (UNESCO, OCDE e EUROSTAT6, 2006, p. 2 –

citado por VIOTTI; BAESSA, 2008, p. 5).

Isto explicaria os resultados significativos das políticas de formação de mestres e

doutores, as quais apontaram o crescimento exponencial deste quadro nos últimos anos, e que

posicionou o Brasil entre os dez países que mundialmente mais formam doutores.

Diante do exposto, verifica-se que a participação de mestres e doutores brasileiros em

ambientes empresariais não acompanha o potencial criado pelos Programas de Pós-graduação.

Em outras palavras, a oferta de recursos humanos para atividades de PD&I encontra-se em

descompasso com a demanda das empresas. Aqui, como destaca Bagattolli (2013), mesmo

que este quadro de mestres e doutores não tenha como único intuito a realização de atividades

de P&D no setor produtivo, continua sendo evidente a distância entre o número de

profissionais formados e os empregados pelo setor produtivo.

6 UNESCO, OECD e EUROSTAT. Statistics on the Careers of Doctorate Holders (CDH) - Methodological

guidelines, Paris, 2006.

65

6 CONCLUSÃO

O presente trabalho orientou-se para a compreensão das correlações existentes entre o

novo profissional delineado pela Pós-graduação interdisciplinar brasileira e as novas

competências demandadas aos trabalhadores no capitalismo flexível. Diante disso, a análise

de cinco Programas de Pós-graduação pertencentes à Área Interdisciplinar, especificamente à

Área Básica Engenharia, Tecnologia e Gestão possibilitou identificar elementos referentes à

consolidação de novas formas de produção de conhecimento e de novos perfis profissionais.

O objetivo deste trabalho conduziu-se para a análise integral dos Programas de Pós-

graduação selecionados. Para este fim, investigaram-se três aspectos relevantes que se

apresentaram nos relatórios: a) o esforço para a consolidação da interdisciplinaridade no

corpo docente, constatando a importância destes para a efetiva formação interdisciplinar dos

seus discentes; b) o perfil profissional projetado pelos Programas, e sua relação com o mundo

do trabalho; e c) os resultados, então, desse processo, configurando-se no destino dos egressos

dos Programas.

Desse modo, constatou-se um nítido perfil multi-interdisciplinar do corpo docente dos

Programas, centrado principalmente na área das Engenharias, com abertura para áreas

disciplinares como as Ciências Exatas e da Terra, as Ciências Biológicas, as Ciências Sociais

Aplicadas e Ciências Humanas e, também, para a área Multidisciplinar. Diante disso, a

interpretação que se faz neste trabalho é a de que ocorre a consolidação de um perfil

interdisciplinar que mantém a centralidade nas Engenharias, enriquecido pela colaboração de

outras áreas disciplinares e multidisciplinares. O engajamento dos Programas de Pós-

graduação na formação para a interdisciplinaridade tem se arquitetado como um grande

esforço de institucionalização desta prática no contexto da atividade científico-tecnológica

nacional.

Em seguida, a investigação acerca do perfil profissional projetado nos relatórios dos

Programas de Pós-graduação selecionados explicitou importantes respostas para a hipótese

inicial deste trabalho. A relevância da formação interdisciplinar para a construção do novo

profissional é elaborada levando em conta a ênfase dada à interdisciplinaridade como um

espaço privilegiado para a resolução de problemas complexos e para o enfrentamento de

novos desafios, e que, portanto, mobiliza um novo tipo de profissional, apontado como

qualitativamente superior aos perfis profissionais existentes.

66

Aqui, partindo-se do contexto de emergência de uma nova base técnica no capitalismo

flexível mediante as novas competências exigidas a estes trabalhadores, a conclusão para a

hipótese elencada é de que o novo profissional mescla a prática interdisciplinar às novas

habilidades cognitivas e comportamentais. Nesse sentido, a incorporação de qualidades

relativas à criatividade, à agilidade, à iniciativa e a capacidade de comunicar ideias complexas

e enfrentar novos desafios, como se menciona nas propostas dos Programas, é enriquecida

pela formação interdisciplinar desse profissional.

Sobretudo, identifica-se que a concepção da interdisciplinaridade enquanto novo

elemento de qualificação profissional demonstra que a capacidade de dialogar com disciplinas

da mesma classe, ou de classes distintas torna-se um atributo valorizado na esfera mercantil.

Como mencionado neste trabalho, os teóricos da interdisciplinaridade (Japiassu 1976;

Fazenda, 2011) reconheceram nesta prática uma possível resposta para a demanda da

formação profissional, visando à formação polivalente ao exemplificar que esta pode ser a

saída para a crescente mobilidade de emprego. Neste caso, é relevante a vinculação que se faz

entre a interdisciplinaridade e a polivalência, posto que as estratégias do capital adequam

características como a flexibilidade e a polivalência ao processo produtivo, sobretudo a ideia

do “trabalho para enfrentar eventos” elaborado por Kuenzer (2007). Essas relações indicam

que a interdisciplinaridade tem se concebido como lugar privilegiado no atendimento às

demandas do capitalismo flexível.

Como consequência, os resultados deste processo formativo foram descritos por meio

do acompanhamento dos egressos, buscando identificar quais as atividades que absorvem esta

força de trabalho interdisciplinar advinda dos Programas de Pós-graduação. Assim, apesar da

fragmentação dos dados coletados, demonstrou-se que os egressos estão majoritariamente

inseridos em atividades de pesquisa e ensino nas universidades e institutos de pesquisa do país

ou, em alguns casos, do exterior. A exceção fica por conta do Programa de Pós-graduação em

Computação Aplicada do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CAP-INPE), na qual, a

despeito de seus egressos se incorporarem ao Instituto, o Programa também possui vínculo

estreito com pelo menos duas empresas, e atua em sintonia com suas demandas.

Isso posto, este quadro é interpretado de maneira mais ampla por meio da concepção

de um modelo ofertista na pesquisa científica e tecnológica no Brasil, como bem evidenciou

Bagattolli (2013). O crescimento extraordinário das políticas de formação de mestres e

doutores no país é baseado na associação entre a formação de recursos humanos qualificados,

como parte fundamental da oferta de ciência e tecnologia que, uma vez incorporadas pelas

67

empresas, levariam ao desenvolvimento socioeconômico do país. Entretanto, constatou-se que

essa tese não se confirma pela baixa demanda do setor produtivo por quadros altamente

qualificados.

Para ilustrar, no governo de Cardoso as políticas educacionais tomaram um rumo

específico: o de enfatizar o papel econômico da educação na busca por um novo tipo de

desenvolvimento. Assim, o movimento de reformas buscava a produtividade e a equidade

social. A reorganização da educação, pautada em um projeto social, político e econômico

mais amplo, que Antunes (2005) denominou neoliberal e que se espalhou entre os países

centrais e periféricos, revelou a nova orientação política e a nova racionalidade técnica

adquirida pelo sistema educacional brasileiro. Aqui, a universidade passou a se reorganizar

sob o a lógica da operacionalidade, produtividade e flexibilidade, conforme Oliveira, (2000).

De forma semelhante, as políticas de expansão do ensino superior no governo de Lula e

Rousseff representaram evidente correlação entre equidade social e desenvolvimento

econômico a partir da qualificação de recursos humanos. Sob essa perspectiva, concebeu-se a

qualificação profissional como importante fator de competitividade, o que demonstra o papel

econômico atribuído à educação, especificamente neste caso, ao ensino superior.

Assim, apesar dos investimentos púbicos para o desenvolvimento científico e

tecnológico através da consolidação de um sistema de pesquisa e de Pós-graduação tenham se

configurado como estratégia central para o país, esta ênfase ainda permanece no âmbito do

discurso, visto que os dados indicam para uma contribuição subalterna de mestres e doutores

em ambientes inovadores no Brasil. Especificamente, é possível afirmar que o caso da prática

interdisciplinar nesses ambientes mantém-se ainda enquanto aspiração, uma vez que se

configura predominantemente nas universidades e institutos de pesquisa.

As relações entre esses três pontos demonstram ainda que a absorção desses

profissionais no setor produtivo reduz-se somente a uma questão de oferta, constatam o

oposto do que Japiassu (1976) identificou na interdisciplinaridade como a “modalidade

inovadora” de adequação entre a universidade e as necessidades sócio-profissionais ou

econômicas. Aqui, ainda se mantém profunda a distância existente entre a universidade e a

produção do país.

68

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